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Limite inicial de uma nova vida humana

Prof. Luiz Antonio Bento


Faculdade Uningá/Maringá/PR

A palavra vida é termo sintético, referente ao conjunto das propriedades dos seres
vivos. Aqui, o termo vida empregado é aquele atribuido ao qualificativo humano.
Com o avanço da ciência e tecnologia, repercutindo enormemente no campo da
reprodução assistida, o homem se encontra envolvido em situações que dificilmente se
ajustam aos paradigmas da moral atual. Desta forma, surgem muitas interrogações a
respeito do processo inicial da existência humana. São inevitáveis perguntas, como por
exemplo: quando começa a vida humana? Antes ou depois do nascimento? O embrião
humano é um indivíduo que pertence à espécie humana? Quando se pode dizer aqui
existe uma pessoa humana? Quais as razões para afirmar que um embrião ou feto é
realmente humano? O embrião humano é um outro ou não? O valor da pessoa não pode
não ser considerado plenamente a não ser do início.
Parece fácil dar uma resposta para estas perguntas, mas não é tão simples assim. São
muitos aspectos históricos, filosóficos, teológicos e científicos implicados em resposta a
perguntas como estas. Depois, respondê-las é tomar uma opção sobre o que é em
definitiva um ser humano1.

O estatuto antropológico e ético do embrião humano


Entre os muitos problemas que geram em torno da discussão a respeito do embrião
humano, um que parece central e não transparente para todos é a definição do estatuto
do embrião2. Esta deve ser uma causa pela qual todos são responsáveis, não somente
biólogos e pesquisadores, mas também, e mais ainda, filósofos, teólogos, moralistas,
juristas3.
Com a expressão estatuto do embrião humano, entende-se o conjunto das suas
características que configuram a posição do embrião no que diz respeito ao ser (estatuto

1 Cf. A.D. BOLZAN, Reprodução assistida e dignidade humana, São Paulo 1998, 11-32; J - F. MALHERBE,
Hacia una ética de la medicina, Santafé de Bogotá 1993, 13; S. SPINSANTI, Etica bio-medica, 62-64; V.
BOURGUET, O ser em gestação. Reflexões bioéticas sobre o embrião humano, São Paulo 2002, 15-26; V.
FAGONE, “Il problema dell’inizio della vita dell’uomo”, em CivCatt 124/2 (1973) 531-546; A. SERRA, “Quando
è iniziata la mia vita?”, em CivCatt 140/4 (1989) 575-585.
2 Cf. L. CICCONE, “Problemi dell’inizio della vita umana: l’embrione è persona?”, em Anime e Corpi 161
(1992) 239; C. CASINI, La legge sulla fecondazione artificiale. Un primo passo nella giusta direzione, Siena
2004, 29-31; D. TETTAMANZI, “La ricerca sugli embrioni precoci: considerazioni etiche”, em Anime e Corpi
124 (1986) 159-172.
3 Cf. L. CICCONE, “Problemi dell’inizio della vita umana: l’embrione è persona?”, em Anime e Corpi 161
(1992) 240.

1
ontológico), ao dever-responsabilidade (estatuto ético) e à lei (estatuto jurídico)4. Do
ponto de vista legal equivaleria ao regime jurídico que lhe compete e lhe é reconhecido
(segundo uma concepção positivista do direito se diria que lhe é conferido), dado à sua
condição de sujeito, indivíduo, pessoa5.
A discussão sobre o estatuto do embrião humano gira, basicamente, em torno dos
seguintes níveis:
“1. Saber se os zigotos têm suficiência constitucional do que dimana um valor
assimilável ao da pessoa constituída.
2. Saber se independente de que tenha ou não suficiência constitucional, o fato de
estar num processo constituinte confere aos embriões um valor e dignidade
assimilável ao do término.
3. Elucidar se o valor conferido ao zigoto tem valor absoluto e pode, em certas
condições ser ponderado diante de outros valores.
4. Elucidar se, em caso de dúvida sobre o valor do zigoto, tem-se que optar sempre
pela opção que se crê a mais conforme a bondade, isto é, optar pela sua
inviolabilidade”6.
O problema da natureza do embrião existe e não é de hoje. Desde da filosofia clássica
a natureza do embrião humano tem sido objeto de debates, porém, somente com os
progressos tecnológicos da biomedicina, seja no setor da fertilização humana, quanto da

4 Cf. M.P. FAGGIONI, La vita nelle nostre mani. Manuale di bioetica teologica, Torino 2004, 231. Quem é
o embrião humano do ponto de vista jurídico? Uma pergunta sem dúvida necessária. Sobretudo, desde
que começou a fecundação artificial esta pergunta é inevitável. Quando começa a vida humana: pode-se
ou não escolher? No embrião deve-se reconhecer um sujeito e como tal deve ser tutelado subjetivamente.
Então, o estatuto do embrião é inegociável. Iguadade entre todos os seres humanos. Iguadade misteriosa
entre todos e todos os seres iguais perante a lei. A missão do cientista é somente dizer quando começa a
vida humana. Depois, não se pode esquecer que o princípio de precaução vale quando está em jogo a vida
humana.
5 Cf. M. CUYÁS, “Dignità della persona e statuto dell’embrione umano”, em CivCatt 140/2 (1989)
440; S. SERRÃO, “O estatuto moral do embrião: a posição do Conselho Europeu”, em V. GARRAFA – L.
PESSINI, Bioética: poder e injustiça, São Paulo 2003, 147-155. Para seguir a evolução do conceito de
pessoa, tornou-se um clássico e continua a ser um ponto de referência a definição de pessoa
formulado por Boécio, que assim afirmava: a persona est rationalis naturae individua substantia (a
pessoa é uma substância individual de natureza racional). Conferir este argumento no terceiro
capítulo deste estudo.
6 ”1. Saber si los zigotos tienen suficiencia constitucional del que dimana un valor asimilable al de la
persona constituida. 2. Saber si, independiente de que tenga o no suficiencia constitucional, el hecho de
estar en un proceso constituyente confiere a los embriones un valor y dignidad asimilable a la del término.
3. Dilucidar si el valor conferido al zigoto tiene valor absoluto o puede, en ciertas condiciones, ser
ponderado frente a outros valores. 4. Dilucidar si en caso de duda sobre el valor del zigoto se tiene que
optar siempre por la opción que se cree ser la más conforme a bondad, es decir, optar por su
inviolabilidad” (C.A. BEDATE, “El statuto ético del embrión humano: una reflexión ente propuestas
alternativas”, em F. MAYOR ZARAGOZA - C.A. BEDATE, Gen-ética, Barcelona 2003, 25).

2
experimentação com prospectivas diagnóticas ou com prospectivas terapêuticas
surgiram as grandes preocupações éticas7.
A resposta dada ao problema epistemológico acima levantado e a opção que cada um
adota em relação ao estatuto do embrião e do feto é determinante, pelas decisões éticas a
serem tomadas concernentes particularmente à interrupção da gravidez, às novas
tecnologias de reprodução in vitro, à experimentação feita com fetos, aos direitos da
pessoa etc. Ela influencia também o tipo de reconhecimento jurídico que se está pronto
a conceder a este ser8.
Constata-se uma infinidade de posição diferente uma da outra quanto ao início da
existência humana. Para alguns biólogos, por exemplo, a vida humana tem início
quando o óvulo e o espermatozóide se fecundam mutuamente.
“O indivíduo, desde a fecundação, já existe realmente, já possui num ponto pequeno
aquilo que um dia se tornará grande. Se ele já é um homem quando nasce, e isto todo
o mundo aceita, ele também o será no primeiro instante da sua vida fetal, porque não
há intervalos na transformação que ele sofre e que se estenderá até a sua morte9“.
Ao longo da história cristã esta não foi sempre uma posição que todos os autores
cristãos compartilhavam. Para Santo Tomás de Aquino, por exemplo, a vida começava
no momento em que a alma entrava no embrião, com diferença de tempo da efusão da
alma no homem e na mulher. O homem recebia a alma mais cedo e a mulher mais tarde.
Hoje, esta posição é inaceitável e com muitas razões para pensar que a fecundação
constitui o início da vida humana. O verdadeiro e próprio processo de fecundação dá-se
início quando os gametas herdados do pai – o espermatozóide capacitado – e da mãe – o
óvulo – se unem para formar o patrimônio genético completo, a estrada está aberta e
tudo está preparado para desenvolver o novo ser que será único, original, exclusivo,
irrepetível, sem cópia e insubstituível. É apenas necessário o tempo para esta nova vida
amadurecer. É o início de um caminho que ninguém tem o direito de interromper.
Outros afirmam que o início da existência humana não se dá até que o “produto” da
fecundação não estabeleça uma relação alimentícia com a mãe – ou seja, até que a
“nidação”, isto é, quando o óvulo fecundado nas trompas de falópio emigre e se
implanta no útero, o que começa entre o sexto e o sétimo dia após a concepção, em
outras palavras, até que não tenha alcançado seu lugar –, não tem vida humana. Para os
defensores desta teoria, antes disso, argumentam que não se pode falar de vida humana.
Esta teoria abre caminho à experimentação nos embriões muito precoces; o que não é
aceito. Outros também entendem que a vida humana tem início com o aparecimento do
“córtex cerebral”, no décimo quarto dia. Segundo defensores desta teoria este é um fator
decisivo para determinar a “homonização”10.

7 Cf. P. CATTORINI, “Identità e statuto dell’embrione”, em Anime e Corpi 188 (1996) 819.
8 Cf. G. DURANT, A bioética, 62.
9 Ibid.
10 Cf. J. – F. MALHERBE, Hacia una ética de la medicina, 13.

3
A questão continua e outros dizem que quando o “pré-embrião” se implanta na parede
uterina e está já bem unido à sua mãe, pode ainda passar mil e uma coisa que o
impediria transformar-se em um ser humano. É certo. Não se nega que a fecundação e a
nidação são condições necessárias, porém não suficientes para o desenvolvimento do
embrião. É preciso que se dêem corretamente as divisões celulares e que a diferenciação
celular se realize harmoniosamente. Se neste início as delicadas operações não
acontecem de maneira correta podem resultar em malformação que não correspondem
com a existência humana11.
Outros são mais ousados e dizem que não existe nenhuma razão para se falar de ser
humano, até quando este não for dotado de um sistema nervoso que o faça
potencialmente capaz de consciência e de comunicação12.
Outros pensadores defendem que não existe vida humana sem a possibilidade de
conversação com o próximo, sem linguagem. Enquanto um organismo pertencente
indiscutivelmente à espécie humana não é plenamente humano até quando não seja
capaz de comunicar-se com seus semelhantes.
O começo da vida humana foi diluído como conseqüência dos avanços da
tecnociências biomédicas. Hoje, ser pai em um grande número de casos, já não é como
antes quando era necessário que um homem e uma mulher tivessem relações sexuais
para que nascesse um filho. As técnicas biomédicas de hoje permite dissociar a vida
sexual e a procriação13.
Com os métodos anticoncepcionais e, da outra parte, com os métodos de fecundação
artificial que considera as relações sexuais supérfluas, um homem e uma mulher
perfeitamente fecundos podem ter relações sexuais sem jamais procriar e, inversamente,
procriar sem jamais ter relação sexual.
A técnica permite também que um “pai social” não seja o pai “biológico” de seu filho
ou que uma “mãe genética” não seja a mulher que dá à luz ao filho, se a gravidez foi
confiada a uma “mãe substituta”, conhecida como “barriga de aluguel”14.
Estas considerações fazem entender que não é fácil definir o início da existência
humana. O homem se encontra diante de um grande problema filosófico, mesmo que
muitos destes elementos sejam biomédicos.
Por outro lado, atualmente a ciência (Medicina, Biologia, Genética e ciências afins)
pode responder com segurança que o ciclo vital de um indivíduo humano começa
quando o óvulo é fecundado pelo espermatozóide (no instante da concepção). O óvulo
fecundado, o zigoto, já contém os 46 cromossomos da espécie humana e todos os
caracteres genéticos próprios de cada indivíduo humano, portanto é um novo ser
humano.

11 Cf. Ibid.
12 Cf. Ibid.
13 Cf. Ibid.
14 Cf. Ibid.

4
A famosa afirmação de Tertuliano (160-220): “Homicidii festinatio est prohibere
nasci; nec refert natam quis eripiat animam, ad nascendum disturbet: homo est, et qui
est”15. “O zigoto é a primeira célula do novo organismo. A partir deste momento este
deverá multiplicar-se, diferenciar-se, organizar-se, desenvolver-se e crescer: a estrada
ainda é longa, mas a aventura de uma nova vida já iniciada”16. É qualquer coisa de
extraordinário e maravilhoso, porque a partir deste momento, graças a uma força
misteriosa interior, o embrião, ainda muito pequeno, começará a crescer e desenvolver-
se realizando uma viagem até o fim.
O zigoto mantém em cada estágio evolutivo a unidade dita ontológica, isto é, do seu
ser enquanto tal, sem interrupção de continuidade. Depois da concepção, em cada fase
de desenvolvimento é sempre o mesmo ser humano. Não obstante dependa da mãe para
a nutrição, o zigoto, graças ao seu genoma, constrói automaticamente as linhas do seu
desenvolvimento17. É um desenvolvimento unitário, gradual e contínuo. Salvo
problema patológico, tal como, malformações graves ou abortos espontâneos, o seu
caminho será até o fim sem interrupção. Não muda o ser humano. Será sempre o mesmo
da concepção até o nascimento. Há apenas um continuum do mesmo ser. O novo ser
humano é e sempre será idêntico a si mesmo e, portanto, diferente de todos os demais.
Cada estágio é importante e um não é mais importante que o outro. É necessário
considerar que não pode exigir de um zigoto o que se exige de um feto; de um feto e de
um recém-nascido; de um recém-nascido e de uma criança; de uma criança e um de
adolescente; de um adolescente e um adulto etc.
Do momento da concepção o embrião humano é não somente um ser humano, mas um
indivíduo da espécie humana
O ser humano, na primeira fase de desenvolvimento, a partir da concepção é
denominado embrião. Na fase sucessiva, é chamado feto. Vale dizer que esta tese não é
compartilhada por todos. Aqueles que a negam dizem que o inicio de um indivíduo se
dá por volta do 14º dia da fecundação18.
Alguns criaram o termo pré-embrião para caracterizar os estágios até o 14º dia, ou
seja, quando se dá a “anidação” nas paredes do útero19. Somente neste momento se dá
o início do embrião e não, portanto no momento da concepção. Assim, o ser humano
nesta fase inicial do seu desenvolvimento, antes denominado de embrião precoce, vem
denominado pré-embrião.

15 I. CARRASCO DE PAULA, “Il rispetto dovuto all’embrione uomo: prospettiva storico-dottrinale”, em


PONTIFICIA ACADEMIA PRO VITA, Identità e statuto dell’embrione umano, nota 21, 14; A. ORLANDINI, Una bioetica
per l’uomo, 19-20.
16 M.P. FAGGIONI, La vita nelle nostre mani, 225.
17 Cf. A. ORLANDINI, Una bioetica per l’uomo, 19-20.
18 Cf. L. CICCONE, “Problemi dell’inizio della vita umana: l’embrione è persona?”, em Anime e Corpi 161
(1992) 245-247; A.D. BOLZAN, Reprodução assistita e dignidade humana, 28-32.
19 Cf. N.M. FORD, Quando comincio io?, 200-242.

5
Ora, dizer que o embrião nas fases iniciais do seu desenvolvimento não é nem um
embrião, e por outro lado não dizer que coisa é, é confiná-lo no limbo de realidades
vagas, indefinidas e, é justamente nesta situação que se baseia toda manipulação de
embrião até a 2ª semana. O Relatório de Warnock20 da Comissão do Parlamento Inglês
de 1984 considera a possibilidade de criar embriões para fins de experimentação até o
14º dia depois da fecundação, portanto como o limite máximo do período cujo seria
lícita a experimentação com embriões humanos. O Relatório Warnock recomendou ao
governo britânico permitir as pesquisas com embriões até o 14º depois da fecundação,
quando se identificam os primeiros sinais do desenvolvimento embrionário 21. Justifica-
se esta motivação defendendo que o 14º dia corresponde ao complemento da
implantação e que as células destinadas a construir o embrião já são diferenciadas das
células que formarão os tecidos placentários e protetores22.
Ao contrário destas posições, um grupo grande de estudiosos, não apenas católicos,
considera o ser humano desde o momento da concepção, pois será sempre o mesmo
sujeito que se desenvolverá segundo uma lei de totalidade e de unidade. No período que
vai da 8ª semana até o nascimento, o ser humano é denominado feto; seus órgãos, já
formados durante o período embrionário, crescem rapidamente e com um progressivo
amadurecimento até ser capaz de viver uma vida autônoma e deixar o organismo
materno que o acolheu23.
As novas técnicas de diagnósticos demonstram que depois da 10ª semana o feto já
responde a estímulos e se comunica com o ambiente externo comprovante que ele não
possui apenas uma vida vegetativa. Depois da 12ª semana, o feto se toca com as mãos o
rosto, os pés e começa a chupar os dedos: tomando consciência de si mesmo e,
sucessivamente, explorando com os pezinhos as paredes do útero: tomando consciência
do ambiente que o circunda. Depois da 27ª semana o feto já responde a estímulos
acústicos e mecânicos. Diante de um estímulo muito intenso o feto “faz silêncio”. É
uma “linguagem motora” primordial24.

20 Report of the Committee of Inquiry into Human Fertilization and Embryology, Department of Health
and Social Security, London 1984. A primeira Comissão a ser instituida, em 1982, na Inglaterra, foi a
Comissão Warnock. A Comissão recebeu o nome da presidente – Mary Warnock – e composta de 16
expertos de várias disciplinas. A Comissão tornou público o resultado de seus trabalhos em julho de 1984,
que passou a ser conhecido com o nome de Relatório de Warnock. As reações às conclusões do Relatório
de Warnock, particularmente em mérito à reconhecida possibilidade de pesquisas sobre embriões
humanos até o 14º dia da fecundação, foram muitas, sobretudo da parte dos Bispos Católicos da Inglaterra
e da Igreja Anglicana.
21 Cf. P.P. FLAQUET, “investigación biomédica en seres humanos”, Instituto de medicina Tropical “Pedro
Kouri”, em Revista Cubana Hig Epidemiol 39/3 (2001) 190.
22 Cf. C. CASINI – M.L. Di PIETRO – M. CASINI, “La normativa italiana sulla “procreazione medicalmente
assistita” e il contesto europeo”, em MedMor (2004/1) 24.
23 Cf. M.P. FAGGIONI, La vita nelle nostre mani, 226.
24 Cf. A. ORLANDINI, Una bioetica per l’uomo, 20.

6
Entre a 26ª e 28ª semana de gravidez o feto já está em condição de sobreviver no
ambiente externo, todavia os seus órgãos vitais tal como o fígado, os rins e, sobretudo
os pulmões ainda são funcionalmente imaturos. Nascendo prematuro, ele poderá
suportar o impacto com o ambiente externo somente se atendido em centros hospitalares
especificamente adequados para a terapia intensiva para recém-nascido. Depois do
nascimento, que se verifica normalmente na 40ª semana de gravidez, quando o feto tem
38 semanas de vida, o ser humano recebe o nome de recém-nascido25.

O embrião é um ser humano


O que não faltam hoje são estudos, pesquisas, livros, artigos, debates sobre o embrião
humano. Não obstante tudo isso, continua um quadro desconcertante e uma verdadeira
selva de posições a respeito do início da vida humana individual. As muitas tendências
são discordantes sejam do ponto de vista biológico, filosófico, ético e jurídico26.
Desta forma, isto significa que o embrião humano é uma realidade complexa, não
somente para os cientista, biólogos, geneticistas, médicos, mas também para os
representantes das ciências humanas e para a filosofia.
O que mais chama a atenção é que o homem não tem conseguido encontrar um
denominador comum e a complexidade parece aumentar e a gerar sempre novos
problemas. O estatuto do embrião como se pensava não resolveu os problemas, pois a
cada dia se deve confrontar com as tantas e novas objeções e as questões resultantes das
novas descobertas científicas.
A problemática atual não é apenas a preocupação com o abortamento, mas das
pesquisas sobre o embrião humano. A ciência deve seguir seu caminho sempre em
diálogo e harmonia com a ética, pois ela gera sempre novos problemas éticos, neste caso
sobre a pertinência das intervenções humanas no embrião, desde o seu início27.

25 Cf. M.P. FAGGIONI, La vita nelle nostre mani, 227 e nota 3: “as semanas de gravidez se calculam a
partir do dia da última menstruação; as semanas de desenvolvimento embrionário se calculam a partir da
concepção que se verifica cerca duas semanas depois do início da menstruação”.
26 Cf. R. LUCAS LUCAS, Bioetica per tutti, 115-130; L. CICCONE, “Problemi dell’inizio della vita umana:
l’embrione è persona?”, em Anime e Corpi 161 (1992) 235-255; F.J. ELIZARI, “Valoración de la vida humana
antes de nacer. Condicionamientos sociales”, em Moralia 13 (1991/1) 187-204; F. MASTROPAOLO, A bioética
do embrião, Bauru, São Paulo 1999; C.A. BEDATE, “El statuto ético del embrión humano: una reflexión ente
propuestas alternativas”, em F. MAYOR ZARAGOZA - C.A. BEDATE, Gen-ética, 60-65; Ch. de Paul BARCHIFONTAINE,
Bioética e início da vida, 184-186.
27 Cf. M. RENAUD, “Análise filosófica acerca do embrião humano”, em Brot. 151 (2000) 251. “Aunque el
interrogante de saber qué es un embrión y cuál es su valor es algo muy antiguo, en la actualidad este
interrogante se ha recrudecido porque la constestación que se dá a la pregunta tiene grandes
implicaciones éticas, clínicas y hasta política” (C.A. BEDATE, “El statuto ético del embrión humano: una
reflexión ente propuestas alternativas”, em F. MAYOR ZARAGOZA - C.A. BEDATE, Gen-ética, 60). Ver também: E.
CHIAVACCI, Lezioni brevi di bioetica, Assisi 2003, 57-60.

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O embrião humano: um como nós
Atualmente para definir a identidade humana do embrião e do feto busca-se uma
contribuição das diversas disciplinas, especialmente da biologia e da filosofia. O seu
estudo vai além da preocupação com o abortamento ou a interrupção da gravidez. A
preocupação se estende a outros campos, tais como: embriões criados especificamente
para a pesquisa, usando a fecundação in vitro, embriões criados ou congelados para
utilização em experiências científicas, a terapia genética, a eugenia, a clonagem de
embrião para cura de doenças como o mal de Parkinson, os diagnósticos pré-natal
etc.28.
Todas as definições de pessoa que fazem referência somente aos acidentes da
substância da pessoa (por exemplo, a autoconsciência, a relação, o raciocínio etc.) não
podem ser admitidas como corretas porque eliminam algumas pessoas humanas, entre
as quais os embriões humanos, da categoria das pessoas29.
A pergunta continua: o embrião humano é pessoa? Valer dizer: tem individualidade?
Ou seja, o embrião é indivíduo? Alguns autores como Shannon30 afirmam que o
embrião humano, embora tendo um único código genético e também se certamente é
humano, a este estágio não é pessoa e por isso algumas intervenções podem ser feitas31.
O argumento contra a individualidade do embrião humano diz que o organismo em
desenvolvimento ainda não é um indivíduo. Enquanto existe unidade biológica e
organização, as células podem dividir-se em duas ou mais divisões embrionárias e
assim, poderia obter organismos diferentes. É exatamente tal organismo por definição
um não indivíduo. Um indivíduo é literalmente indivisível, ou se é divisível, não existe
mais. Trata-se de um ponto de particular atenção, porque é aqui que se dá resposta à
pergunta: “quando inicia a vida individual?”32.
Se for verdade que o embrião humano é a causa da sua totipotente e tem possibilidade
de divisão em dois ou mais embriões humanos, também é verdade, que esta é somente
uma possibilidade que não nega a realidade em cada momento da existência do embrião
humano, tanto esteja diante do indivíduo embrião ou do embrião individual.
As informações que vem da biologia e da genética mostram que o novo ser que inicia
seu desenvolvimento no ventre materno é um novo organismo da espécie humana e que
não coincide com aquele do pai ou da mãe. A pergunta: “Mas a espécie biológica

28 Cf. F. COMPAGNONI, “Un come noi: l’embrione umano”, em Anime e Corpi 186 (1996) 395.398; F.J.
ELIZARI, Quetões de bioética, 39.
29 Cf. J. IBEGBU, Ricerca sulle cellule staminali e sulla “clonazione terapeutica”, 48.
30 O centista T.A. Shannon, partecipante do Congresso internacional ocorrido em Milão, em Janeiro de
1991, sobre o tema: “Statuto do Embrião Humano” é citado pelo moralista e Professor Ibegbu, em seu
livro Ricerca sulle cellule staminali e sulla “clonazione terapeutica”, 48, e a nota 16.
31 Cf. J. IBEGBU, Ricerca sulle cellule staminali e sulla “clonazione terapeutica”, 49.
32 L. CICCONE, “Problemi dell’inizio della vita umana: l’embrione è persona?”, em Anime e Corpi 161
(1992) 243-245.

8
coincide com a espécie humana? O biológico do novo ser é já por si humano?” O Prof.
Lucas Lucas, responde afirmativamente33.
“Ou se admite que o embrião seja um indivíduo da espécie humana, ou se deverá
explicar como de uma corporiedade biológica não humana possa surgir um indivíduo
humano, sem que isso comporte contradição com a identidade do novo ser humano e
a corporeidade biológica precedente. O embrião humano pertencente à espécie
biológica humana que não fosse desde o início verdadeiro humano, não poderia torná-
lo sucessivamente sem contradizer a própria identidade de essência. A unidade e
continuidade do desenvolvimento embrionário exigem, portanto que, desde o
momento da concepção, seja um indivíduo da espécie humana; não é um ser humano
em potência, mas é já um real ser humano”34.

Segundo os Professores Serra e Colombo, o fenômeno da divisão do embrião é uma


exceção: “os 99-99,6% dos zigotos se desenvolvem como um único organismo. Isto
logicamente significa que o zigoto é por si determinado a desenvolver-se como um
único indivíduo humano”35.
O Relatório do Comitê de Warnock (1978)36 se refere ao embrião, usando a
expressão “potencial ser humano”37. O documento afirma que uma vez realizada a
fecundação, as fases seguintes do desenvolvimento sucedem-se umas após as outras em
uma ordem sistemática e estruturada e que “o embrião humano tem o mesmo estatuto de
uma criança ou de um adulto, em virtude do potencial de vida humana que possui”38.
Com palavras simples, porém explícitas, João Paulo II afirma que “jamais seria
humano se já não fosse desde o início”39. O embrião humano deve chegar à sua forma
final gradualmente. Esta é uma lei ontogênica, uma constante do processo de

33 Cf. R. LUCAS LUCAS, “Statuto antropologico dell’embrione umano”, 159-160.


34 Ibid., 159-167.
35 A. SERRA – R. COLOMBO, “Identità e statuto dell’embrione umano: il contributo della biologia”, em
PONTIFICIA ACADEMIA PRO VITA, Identità dell’embrione umano”, 148; ver também: V. BOURGUET, O ser em
gestação, 49-82.
36 ”Le reazioni alle conclusioni del Rapporto Warnock, soprattutto in merito alla riconosciuta possibilità
di sperimentazione sugli embrioni fino al 14° giorno dalla fecondazione, sono state molteplici, soprattutto
da parte dell’Episcopato Cattolico dalla gran Bretagna e della Chiesa Anglicana, tanto che il governo ha
iniziato una serie di audizioni pubbliche allo scopo di acquisire ulteriori elementi di giudizio atti a chiarire e
definire alcuni degli aspetti più controversi del Rapporto” (C. CASINI – M.L. Di PIETRO – M. CASINI, “La
normativa italiana sulla “procreazione medicalmente assistita” e il contesto europeo”, em MedMor
(2004/1) 24). Sobre o Relatório de Warnock ver: COMITATO CONGIUNTO DELL’EPISCOPATO INGLESE, “Resposta al
Rapporto Warnock”, em P. VERSPIEREN, Biologia, medicina ed etica, 219-237; N.M. FORD, Quando comincio
io?, 259-263.
37 Relatório de Warnock, II. 22, 93.
38 Ibid., II. 11, 89.
39 Gratissima sane, 21.

9
reprodução gâmica. Essa implica e exige uma regulação intrínseca a cada dado
embrionário e mantém o desenvolvimento permanentemente orientado desde o estádio
de zigoto até à forma final. E, como ressalta o Prof. A. Serra que precisamente a causa
desta intrínseca lei epigenética, que é inscrita no genoma e começa a trabalhar desde a
fusão dos gametas, cada embrião – e por isso que o embrião humano – mantém
permanentemente a própria identidade, individualidade e unidade, permanecendo
ininterruptamente o mesmo idêntico indivíduo durante todo o processo do
desenvolvimento40. O Prof. A. Serra continua a afirmar que, salvo eventuais erros no
programa genético, à fusão dos dois gametas um real indivíduo humano inicia a
própria existência, o ciclo vital, durante o qual, dadas todas as condições necessárias e
suficientes realizará automaticamente todas as potencialidades das quais ele/ela são
intrinsecamente dotados. Portanto, o embrião vivente, a iniciar da fusão dos gametas,
não é um mero amontoado de células, mas um real indivíduo humano em
desenvolvimento, que tem a mesma dignidade e os mesmos direitos de um indivíduo
humano41.
Não restam dúvidas que possam existir objeções a esta conclusão lógica que se
fundamenta sobre dados disponíveis. Todavia, uma objeção não destrói uma verdade
estabelecida. Porque o embrião humano tem uma substância, uma individualidade e
uma natureza racional, conclui-se que ele é uma pessoa humana com todas as
características essenciais da pessoa humana, mas deve ainda atuar a potencialidade42. O
embrião é “um sujeito humano”, um sujeito humano “frágil e sem poder”, mas com
todas as potencialidades de tornar “forte e poderoso” como aquele que tem à frente.
Infelizmente, parece prevalecer o homem “forte e poderoso” de hoje.
É necessário empreender um caminho, no mundo considerado como civilizado, onde
progresso e responsabilidade sejam plenamente associados, também o homem “frágil e
sem poder”, como é o caso do embrião, seja considerado e, conseqüentemente
respeitado, igual a cada indivíduo da espécie humana, pois o embrião é um de nós. A
responsabilidade de definir a dignidade do homem pertence à antropologia e à filosofia
e não à biologia. Mas apenas os dados biológicos permitem à antropologia e à filosofia
estabelecer que por lei biológica o homem deva desenvolver de uma célula, o zigoto, tal
dignidade43.

40 Cf. A. SERRA, “L’embrione é un individuo umano?”, em CivCatt 152/1 (2001) 361.


41 Cf. Ibid.
42 Cf. M.P. FAGGIONI, La vita nelle nostre mani, 225.
43 Cf. A. SERRA, “L’embrione è un individuo umano?”, em CivCatt 152/1 (2001) 362; ver também: F.
D’ONOFRIO, “Dignità dell’uomo fin dal momento del suo concepimento”, em Anime e Corpi 157 (1991) 445-
456; M. VIDAL, Bioética. Estudios de bioética racional, 38-49; ibid., Manuale di etica teológica, 391-423; M.
CUYÁS, “Dignità della persona e statuto dell’embrione umano”, em CivCatt 140/2 (1989) 438-451; M.
REICHLIN, “Lo statuto dell’embrione: la prospettiva etica e il conceito di potenzialità”, em RTM 93 (gennaio-
marzo 1992) 343-358.

10
Declaração Universal sobre Genoma Humano e os Direitos Humanos

A Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos 44 em seu


Preâmbulo faz referência a diversas declarações, convênios e convenções relativas aos
Direitos Humanos. E reconhece que as investigações sobre o genoma humano e suas
aplicações supõem uma experiência para a recuperação da saúde dos indivíduos e da
humanidade. Contudo, a Declaração destaca também a necessidade de respeitar
plenamente a dignidade, a liberdade e os direitos da pessoa humana e de proibir toda
forma de discriminação por motivos genéticos. Desta forma, a Declaração proclama, já
em seu articulado, alguns princípios e alguns direitos45.
A Declaração começa com o princípio da “dignidade Humana e os Direitos
Humanos”. E os princípios básicos relacionados com a dignidade humana são:
“O genoma humano constitui a base da unidade fundamental de todos os membros da
família humana bem como de sua inerente dignidade e diversidade. Num sentido
simbólico, é o patrimônio da humanidade (Art. 1);
A todo indivíduo é devido respeito à sua dignidade e aos seus direitos,
independentemente de suas características genéticas (Art. 2.a);
Esta dignidade torna imperativa a não redução dos indivíduos às suas características
genéticas e ao respeito à sua singularidade e diversidade (Art. 2.b);
O genoma humano, evolutivo por natureza, é sujeito a mutações. Contém
potencialidades expressadas de formas diversas conforme o ambiente natural e social
de cada indivíduo, incluindo seu estado de saúde, condições de vida, nutrição e
educação (Art. 3);
O genoma humano em seu estado natural não deve ser objeto de transações
financeiras (Art. 4)”.
Os demais direitos (Artigos: 5, 6, 7 e 8) da pessoa humana decorrem da característica
única, indivisível e irrepetível de cada pessoa humana concreta, real. Por isso, a pessoa
humana tem direito a uma avaliação rigorosa e prévia dos riscos e benefícios. Direito ao
consentimento prévio, livre e esclarecido do indivíduo envolvido. Direito de ser

44 ”La Declaración Universal sobre el Genoma Humano y los Direchos Humanos, aprobada el 11 de
noviembre de 1997, por la Conferencia General en su 29ª reunión por unaminidad y por aclamación,
constituye el primer instrumento universal en el campo de la biologia. El mérito indiscutible de esse texto
radica en el equilíbrio que establece entre la garantia del respeto de los direchos y las liberdades
fundadamentales, y la necesidad de garantizar la libertad de la investigación. La Conferencia General de la
UNESCO acompañó esa Declaración de una resolución de aplicación, en la que pide a los Estados
Miembros que tomen las medidas apropriadas para promover los princípios enunciados en ella y favorecer
su aplicación. El compromisso moral contraído por los Estados al adoptar la Declaración Universal sobre el
Genoma Humano y los Derechos Humanos es un punto de partida: anuncia uma tomada de consciência
mundial de la necesidad de una reflexión ética sobre las ciencias y las tecnologías. Incumbe ahora a los
Estados dar vida a la Declaración con las medidas que decidan adoptar, garantizándole así perennidad” (F.
MAYOR ZARAGOZA – C. ALONSO BEDATE [coords.], Gen-ética, 345). Para a versão em português da Declaração
Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, ver: PESSINI – Ch. de Paul de BARCHIFONTAINE,
Problemas atuais de bioética, 517-523.
45 Cf. R. JUNQUEIRA, “Los derechos humanos: criterios para la bioética”, em Moralia 28 (2005) 22.

11
respeitado na sua decisão de ser ou não informado sobre os resultados da análise
genética e das conseqüências dela decorrentes. Direito a que os protocolos sejam
submetidos a uma análise adicional prévia, em conformidade com padrões e diretrizes
nacionais e internacionais relevantes. A pesquisa envolvendo seu genoma apenas poderá
ser realizada para benefício direto à sua saúde, sujeita à autorização e às condições de
proteção estabelecidas pela legislação.
Em conseqüência ninguém poderá ser reduzido a objeto de discriminação por motivo
das suas características genéticas diversas e específicas. A dignidade proclamada pela
DUDH “faz com que seja imperativo não reduzir os indivíduos a suas características
genéticas e respeitar sua singularidade e diversidade”46.
Direito a que se proteja a sua confidencialidade assegurada, nas condições
estabelecidas pela legislação; direito, conforme a legislação nacional ou internacional, à
justa indenização por qualquer dano sofrido resultante, direta ou indiretamente, de
intervenção sobre seu genoma.
Com referência à pesquisa que tem como objeto o genoma humano, estabelece-se
que, “nenhuma pesquisa ou suas aplicações relacionadas ao genoma humano,
particularmente nos campos da biologia, da genética e da medicina, deve prevalecer
sobre o respeito aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana
dos indivíduos ou, quando for aplicável, de grupos humanos” (Art. 10).
Igualmente, no Art. 11, estabelece-se que as práticas contrárias à dignidade humana,
tais como a clonagem de seres humanos, não devem ser permitidas. O Art. 12a
determina que os benefícios dos avanços na biologia, na genética e na medicina,
relacionados ao genoma humano, devem ser disponibilizados a todos. O Art. 12b
reintera que a liberdade da pesquisa, necessária ao avanço do conhecimento, é parte da
liberdade de pensamento. As aplicações da pesquisa, incluindo aquelas realizadas nos
campos da biologia, da genética e da medicina, envolvendo o genoma humano, devem
buscar o alívio do sofrimento e a melhoria da saúde de indivíduos e da humanidade
como um todo.

Direitos humanos universais: defesa da pessoa e da sua dignidade


A DUDH, embora não tenha a eficácia jurídica de um tratado ou de uma
Constituição, teve um impacto positivo na elaboração das constituições nacionais e
outras declarações e leis básicas relacionadas com os direitos humanos redigidas nas
últimas décadas47.
Sem entrar em um estudo pormenorizado da sua história, é oportuno lembrar que em
termos de direitos humanos, igualmente a vida é o primeiro deles, protegido na

46 Cf. E.S. AZEVÊDO, “Direitos humanos e genética”, em Cadernos de Ética em Pesquisa, CONEP-CNS, Ano
III, n. 6, Brasília (novembro de 2000) 23.
47 A Declaração Universal dos Direitos Humanos (Universal Declaration of Human Rights) é um dos
documentos mais preciosos na história da humanidade. Aprovada e proclamada pelas Nações Unidas, em
Paris, aos 10 de dezembro de 1948, Resolução n. 117A.III.

12
DUDH48. Isto se deve ao resultado de um contínuo desenvolvimento dos direitos
humanos em nível mundial49 e de uma conscientização de que a paz somente é possível
de ser atingida com a eliminação das injustiças e a promoção dos direitos fundamentais
da pessoa humana. A DUDH afronta uma pluralidade de temas, alguns dos quais
fundamentais para a bioética50.
A DUDH no Art. 1° afirma que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os
outros em espírito de fraternidade”.
É preciso considerar que a igualdade é valor fundamental para uma convivência
baseada na justiça. O Art. 3° proclama que “todo indivíduo tem direito à vida, à
liberdade e à segurança pessoal”. O Art. 12º dispõe que “ninguém sofrerá intromissões
arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua
correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou
ataques toda a pessoa tem direito à proteção da lei”.
Segundo o Prof. José Adriano
“Os Direitos Universais não são outra coisa senão aqueles já inscritos no coração
humano pelo Criador e que chamamos de Lei Natural. Tomar consciência desses
direitos é fundamental para se considerar infamante tudo o que viola a integridade da
pessoa humana e para constatar que toda agressão à dignidade do homem é pecado
contra Deus, pois “ofende grandemente a honra do Criador”“51.
A DUDH constitui um decisivo desafio para as atuais leis que negam a dignidade e o
valor da pessoa humana, que lhe é de direito pelo fato de ser o que é: pessoa humana.
Outro desafio é a tendência de escolher os direitos conforme os próprios interesses.
Infelizmente, o que é inalienável para alguns seres humanos é negado ao mesmo tempo
para outros, exemplo o direito à vida é negado com a prática do aborto a milhões e
milhões de seres humanos, completamente indefesos que são assassinados antes de
nascer. Práticas como estas ameaçam a integridade da DUDH52.

48 Cf. E.E.S. AZEVEDO, “Direitos humanos e genética”, em Caderno de ética em pesquisa, CONEP/CNS,
Ano III, n. 6 (2000) 20-23. Embora não seja objetivo deste estudo analisar em pormenores os conteúdos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, recorda-se que ela consta de 30 artigos que podem ser
divididos em: direitos civis e políticos; direitos enconômicos; direitos sociais e culturais e, direitos éticos
morais.
49 Cf. L.J.F. HIDAKA, “Introdução ao Direito Internacional dos Direitos Humanos”, em J.B. LIMA JR, (org.),
Manual de Direitos Humanos Internacionais, 29-30; ver também: G.V. FRANÇA, Comentários ao código de
ética médica, 86-101; M.C.C. SANTOS, O equilíbrio do pêndulo, 281-282; E. de SOUZA E AZEVÊDO, “Direitos
humanos e genética”, em Cadernos de Ética em Pesquisa, CONEP-CNS, Ano III, n. 6, Brasília (novembro de
2000) 20-23.
50 Cf. R. JUNQUEIRA, “Los derechos humanos: criterios para la bioética”, em Moralia 28 (2005) 7-32.
51 J. ADRIANO, “Direitos humanos e dignidade”, em RTC 14 (1996) 7.
52 J.M. SANTOYO, “La ONU, los Derechos Humanos y la ética cristiana”, em Moralia 21(1987) 189.

13
A consciência dos direitos humanos é uma conquista fundamental de toda a
humanidade e os Direitos humanos se transformaram na principal referência ética para
todos os habitantes da terra, sem considerar esta ou aquela religião a que a pessoa
pertence, nem a cultura, nem a raça ou a língua à qual se está ligado53.

Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos


Outra grande Declaração que se cortejam é o Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos de 1966, entrado em vigor em 1976. Juntamente com a DUDH, o Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos, proclamam “a existência de uma dignidade
essencial e intrínseca, inerente à vida humana”54.
A Parte III, o Art. 6º inicia com a vida a lista dos direitos que devem ser reconhecidos
e cuja proteção deve ser garantida. O Art. 6º inciso 1 assegura que “o direito à vida é
inerente à pessoa humana. Este direito está protegido por lei. Ninguém pode ser
arbitrariamente privado da vida”.
O Art. 26º afirma que todos os direitos constantes no Pacto são garantidos a todas as
pessoas:
“Todas as pessoas são iguais perante a lei e tem direito, sem discriminação, a igual
proteção da lei. A este respeito, a lei proibirá toda a discriminação e garantirá a todas
as pessoas proteção igual e efetiva contra qualquer discriminação por motivos de
raça, cor, sexo, língua, religião, opiniões políticas ou outras, origem nacional ou
social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social”.
Portanto, a vida humana é mais do que a simples sobrevivência física, é a vida com
dignidade, sendo esse o alcance da exigência ética de respeito à vida que, por
corresponder, entre outras coisas, ao desejo humano de sobrevivência, está presente na
ética de todas as sociedades humanas55.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada na Conferência
Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, também conhecido como “Pacto
de San José”, Costa Rica, em 22 de novembro de 196956, resultado de uma conferência
dos países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), no Art. 4º, inciso
1, sobre o “direito à vida”, afirma que “toda pessoa tem o direito de que se respeite sua

53 D.A. DALLARI, “Bioética e direitos humanos”, em Iniciação à bioética – CFM (1998) 231-241.
54 Ibid., 232.
55 Cf. Ibid.
56 Conforme escreve Fabiana Gorenstein, “apesar de ser uma eficiente ferramenta na efetivação de
direitos humanos, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos é pouco conhecido, estudado e utilizado
no Brasil [...]. Estima-se que o Brasil tenha atualmente (2002) cerca de setenta casos, entre abertos ou
arquivados, tramitando na Comissão Internacional de Direitos Humanos, número ínfemo se comparado
com os mais de quatro mil contra a Argentina, ou os doze mil recebidos pela Comissão” (F. GORENSTEIN,
“Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos”, em J.B. LIMA JR, (org.), Manual de Direitos
Humanos Internacionais, 81, também a nota 7).

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vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da
concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.
A expressão mais conhecida de Tertuliano homicídio antecipado significa que a
destruição de nascituro equivale ao assassinato prematuro de um cidadão; os pais […]
não têm poder absoluto sobre os filhos. “a vida do nascituro está sob o domínio de
Deus: o único que pode dá-la e que pode tirá-la; a falta de respeito contra o nascituro, e
os conseqüentes atentados contra a sua existência e integridade física, são
comportamentos degradantes, que tornam odioso e desumano quem se arrisca a praticar
tais pecados”57.
Mas também a vida é o mais elevado bem jurídico, é o primeiro dos direitos humanos
a ser protegido, garantido, prevalecendo - devendo prevalecer - sobre todos os demais;
todos os demais dependem dela: sem ela não existiriam.
A ONU convencida da necessidade de desenvolver uma ética das ciências da vida nos
planos nacional e internacional sublinha tanto a importância das investigações sobre o
genoma humano e de suas aplicações para o melhoramento da saúde das pessoas e de
toda a humanidade, como a exigência de que se protejam os direitos da pessoa e sua
dignidade, assim como a sua identidade, a sua unidade e a necessidade de proteger a
confidencialidade dos dados genéticos de caráter normativo.
Como mecanismo para acompanhar a correta aplicação dos projetos de investigação,
a ONU convida os governos para prevenir a criação de comitês de ética, independentes,
pluridisciplinares e pluralistas, encarregados de avaliar, especialmente em cooperação
com o Comitê Internacional de Bioética da ONU para Educação, a Ciência e a Cultura,
as questões éticas, sociais e humanas suscitadas pelas investigações biomédicas às que
se prestam a seres humanos e, em particular, as referentes ao genoma humano e suas
aplicações.
Pede à Subcomissão de Prevenção de Discriminações e Proteção às Minorias que, em
relação com o tema do programa intitulado “Os Direitos Humanos e o progresso
científico e tecnológico”, preste atenção aos meios que permitem um desenvolvimento
das ciências da vida que respeite plenamente os Direitos Humanos e beneficie a toda
humanidade, e que formule recomendações a tal efeito58.

Convenção relativa aos direitos humanos e a biomedicina


O Grupo de Trabalho criado com a responsabilidade de preparar o Protocolo para a
Proteção do Embrião e do Feto, a ser anexo à Convenção de Oviedo, na Espanha, sobre
Direitos Humanos e Biomedicina do Conselho da Europa59, adotou, para fins do
Protocolo, as seguintes definições de zigoto e embrião:

57 I. CARRASCO DE PAULA, “Il rispetto dovuto all’embrione uomo: prospettiva storico-dottrinale”, em


PONTIFICIA ACADEMIA PRO VITA, Identità e statuto dell’embrione umano, notas: 19 e 20.
58 Cf. J.M. SANTOYO, “La ONU, los Derechos Humanos y la ética cristiana”, em Moralia 21 (1987) 201.
59 A Convenção para a proteção dos direitos do homem e da dignidade do ser humano, face às
aplicações da biologia e da medicina, adaptada e aberta à assinatura em Oviedo, na Espanha, em 4 de Abril
de 1997, entrada em vigor na ordem internacional, em 1º de dezembro de 1999.

15
“Zigoto – é uma célula única, na última fase de fecundação, quando já estão unidos os
dois conjuntos de cromossomos, um proveniente do gameta masculino; o outro, do
gameta feminino.
Embrião – este termo aplica-se ao zigoto e às fases sucessivas do seu
desenvolvimento até o fim do processo de implantação”60.
A Declaração constata a rapidez dos avanços da biologia e da medicina e que a
prática inadequada destas poderá se tornar um perigo para a dignidade humana 61. O
documento ainda proclama como necessidade o respeito ao ser humano como pessoa e
como pertencente à espécie humana; garantir a dignidade do ser humano; aproveitar os
progressos da biologia e da medicina a favor das gerações presentes e futuras; cooperar
internacionalmente para que toda a humanidade se beneficie destes progressos;
promover um debate público sobre estas questões.
Para a aplicação da biologia e da medicina a Declaração estabelece alguns princípios
gerais, a saber: o dever de proteger a identidade e dignidade do ser humano e garantir a
toda pessoa a identidade e os direitos fundamentais (Art. 1, parágrafo 1º); declarar como
primordial os interesses e bem-estar dos seres humanos sobre a sociedade e a ciência
(Art. 2); garantir o acesso igualitário aos benefícios de uma saúde de qualidade
apropriada (Art. 3); como toda investigação no campo sanitário, deverá retirar segundo
as obrigações e normas de conduta profissionais (Art. 4)62.
No capítulo V, sobre “investigação científica”, o Art. 18º faz a única referência à
pesquisa em embrião in vitro: “1) quando a pesquisa em embriões in vitro é admitida
por lei, esta garantirá uma proteção adequada do embrião e, 2) a criação de embriões
humanos com fins de investigação é proibida”.

Parlamento Europeu
O PE afirma que a vida humana começa com a fecundação e desenvolve-se sem
saltos de qualidade numa continuidade permanente até a morte. Nas Recomendações
sobre “os Direitos do Embrião Humano”, lê-se: “considerando que desde o momento da
fertilização dos óvulos a vida humana se desenvolve com um projeto contínuo... “
(Recomendação 5). “Considerando que os embriões e os fetos devem ser tratados em
todas as circunstâncias com o respeito devido à dignidade humana...” (Recomendação
8).
Assim, entende-se que a formação de uma criança, isto é de um novo organismo
humano, capaz de viver fora do ventre materno, precisa de nove meses de tempo. O

60 D. SERRÃO, “Simpósio: Estatuto do embrião”, em Bioética – CFM, vol. 11, n. 2 (2003) 109-110. A
implantação é o processo pelo qual o óvulo fertilizado (zigoto) se fixa na parede uterina.
61 Cf. R. JUNQUEIRA, “Los derechos humanos: criterios para la bioética”, em Moralia 28 (2005) 25-32.
62 Cf. Ibid., 25.

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processo de formação é um todo unitário e contínuo, mas com suas diversas fases
distintas63.
Portanto, os princípios universais, que consagram o respeito pela vida humana desde
o seu início, estão claramente expressos em quase todos os textos constitucionais do
mundo civilizado e encontram-se formalmente contidos nos código deontológicos
médicos que se inspiram na Declaração de Genebra de 1948 e que também refletem o
sentir da AMM, traduzido nos ditames da Conferência de Veneza, em 1983.
Pode-se afirmar que a vida humana é um valor em si mesma e constitui uma base
para viver os demais valores; toda vida humana tem um valor fundamentalmente igual;
toda vida humana possui a mesma dignidade; toda vida humana se faz credora da
mesma proteção; toda discriminação é uma incoerência; toda vida humana é um valor
fundamental, embora não absoluto64.
Em síntese, a vida humana inicia na concepção e alí o novo ser já tem o seu genoma
definido e individualizado, dando-lhe direito a ser tutelado e a sua dignidade tem que
ser igualmente reconhecida, respeitada e protegida sempre. Portanto, desde a concepção
o novo ser humano goza de direitos como todo indivíduo da espécie humana, embora
não tenha o exercício desde direito. É um direito pelo fato de ser pessoa
independentemente da sua forma física, bem formado ou não, sadio ou doente,
psicologicamente normal ou anormal. Por isso, o embrião, viável ou não deve sempre
ser tratado como pessoa. Por mais nobre que seja não se justifica a destruição e/ou
morte voluntariamente de embrião humano, mesmo daqueles obtidos in vitro e
excedentes.

63 Cf. L. CICCONE, “Problemi dell’inizio della vita umana: l’embrione è persona?”, em Anime e Corpi 161
(1992) 241.
64 Cf. Jo 10,11; 15,13; 1Jo 3,16.

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