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Filosofia

Módulo II – A Ação Humana e os Valores


2. Análise e Compreensão da Experiência Valorativa
• Axiologia, Ética, Estética e Religião:
Axiologia – Ciência que estuda os valores, chamada também de Filosofia dos Valores.
Como existem diferentes tipos de valores, existem três áreas que as analisam:
Ética – Analisa os valores do bem, do justo, …
Estética – Analisa valores como o belo, o artístico, …
Religião – Analisa o bem (numa perspética diferente em relação à ética), o
sagrado e o profano.

• Distinção entre Factos e Valores e entre Juízos de Facto e Juízos de Valor, a


anterioridade da experiência valorativa:
Juízo – Atribuição/Reconhecimento, por parte do sujeito (que afirma algo), de uma
característica a um objeto.
Distinção entre Juízos de Facto e Juízos de Valor – Os Juízos de Facto dizem respeito a
uma observação objetiva das coisas, tal como elas são em si mesmas. Por traduzirem o
que as coisas são, são suscetíveis de serem verificados por todos de igual modo, sem
darem lugar a qualquer interpretação pessoal. Estes juízos não têm qualquer conotação
afetiva, limitam-se a ser descritivos, pelo que podem ser considerados verdadeiros ou
falsos, em função de corresponderem ou não à realidade.
Os Juízos de Valor constituem já uma apreciação subjetiva do indivíduo em relação à
realidade. Exprimem preferências que o sujeito tem em função de determinados critérios
(utilidade, estéticos, éticos, etc.). Estes juízos não são empiricamente comprováveis,
pelo que não costumam ser objeto de consenso tão vastos como os juízos de facto. Os
juízos de valor implicam, portanto, apreciações e escolhas que expressam a relação de
um indivíduo com uma ordem ideal.
Facto – Consiste na característica estar no objeto. Relação de identidade entre a coisa e a
característica que pelo juízo eu lhe reconheço. É real, impessoal, objetivo, verificável,
observável.
Valor – Não corresponde a algo que o sujeito identifique como estando no próprio objeto,
mas mais no próprio sujeito e no modo como este olha o objeto, com todas as
consequências que isto depois implica. É ideal, pessoal, subjetivo, preferível,
interpretável.

Situações onde falamos de experiências valorativas, nas que se situam no registo das
obrigações ou no das possibilidades:
Podemos falar de experiência valorativa sempre que estivermos no campo das
possibilidades, uma vez que o ato de valorizar implica, necessariamente a existência de

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alternativas, quer nos estejamos a referir a apenas um objeto, pessoa, ou ação, quer a
mais do que um.
Quando nos referimos a apenas um objeto, o campo das possibilidades prende-se com o
facto de podermos achar esse objeto belo ou feio, útil ou inútil, etc. Podemos ainda
produzir juízos de valor em relação a mais do que um objeto, estabelecendo, por
exemplo, uma comparação, exprimindo a nossa preferência por um, em detrimento de
outro.
Mais uma vez, a experiência valorativa ocorre no campo das possibilidades, implica
uma certa liberdade de escolha. Quando nos situamos no registo das obrigações, a
experiência valorativa perde o seu significado, uma vez que uma determinada escolha
nos é imposta do exterior, independentemente das nossas preferências.
• Critérios Valorativos:
Historicidade e Relatividade:
Encaixam no subjetivismo, pois defendem que os valores variam, que no tempo, quer
no espaço.
Quanto à Relatividade, os juízos de valor são relativos às culturas, são verdadeiros ou
falsos em função da avaliação das culturas. Não há uma verdade objetiva. As verdades
são produzidas de forma diferente por pessoas/indivíduos diferentes (Várias pessoas
chegam a um consenso intersubjetivo).
Na Historicidade, o desejo pelos objetos varia ao longo da História da Humanidade.
(Exemplo: A escravatura era comum e integral na Grécia Antiga e hoje em dia é
reprovada.)
Perenidade e Absolutividade – Encaixam no objetivismo, pois em ambos os casos temos
critérios que defendem a invariabilidade dos valores.
A Perenidade defende que os valores são intemporais, ou seja, não sofrem alterações ao
longo da História da Humanidade. (Exemplos: Valor da Vida, Valor da Justiça, …).
Polaridade do Valor – Tudo o que é valor tem caráter de bipolaridade, de oposição de
extremos. (Exemplo: o bem contrapõe-se ao mal, sendo o bem um valor e o mal, um
contravalor).
Hierarquia de Valores – Os valores apresentam-se ordenados segundo uma escala de
importância. A validade de cada hierarquia é discutível, pois existe sempre um elemento
de subjetividade e relatividade na apreciação dos valores. Em linguagem corrente,
designamos por “mais… do que…” e/ou por “menos… do que…” (Exemplo: 1- Amor,
2- Respeito, 3- Coragem, …).
• Objetivismo vs. Subjetivismo:
Objetivismo – Os valores são absolutos, independentes dos sujeitos, que se limitam a
reconhecer constatar o valor presente nos objetos. Os valores são imutáveis,
independentes e transcedem o sujeito.
Teoria Objetivista dos Valores – Segundo, o objetivismo, os valores existem “em si
mesmos” (no objeto e não no sujeito), como realidades imutáveis. O que muda é a nossa
apreciação em relação a esses valores, o nosso conhecimento dos mesmos, o que
significa que pode ter-se dado muita importância a um valor como a honra, na Idade
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Média, e hoje nem tanto (por exemplo), portanto a nossa visão desse valor mudou, mas
não o valor em si mesmo. Concilia-se o relativismo com o objetivismo.
Subjetivismo – Os valores dependem sempre dos sentimentos e pensamentos dos
sujeitos. Só existem em função do sujeito. Por isso, variam em função dos desejos e
preferências dos indivíduos.
Teoria Subjetivista dos Valores – Os valores existem apenas em função do sujeito, dos
seus desejos, preferências, valores, necessidades, etc., não existindo enquanto
propriedades das próprias coisas. Resultam de uma interpretação nossa, pelo que não
são nem verdadeiras nem falsas. Por isso mesmo não é fácil os juízos de valor reunirem
o mesmo tipo de consenso que os juízos de facto.
Distinção entre as Teorias Ontologista e Naturalista dos Valores – No Naturalismo, os
valores consistem em propriedades das coisas, com uma existência real e objetiva.
No Ontologismo, os valores existem enquanto ideias, com uma existência independente
dos objetos (em relação aos quais os atribuímos) e dos sujeitos concretos e suas
circunstâncias específicas (espaço e tempo em que se localizam).
Definição dos Valores segundo o Psicologismo e o Emotivismo* – Os valores referem-
se a vivências pessoais, a sentimentos e emoções que resultam de determinados estados
psicológicos, sendo subjetivos, estando dependentes das preferências destes sujeitos,
dos seus pontos de vista.
Os objetos não têm valor em si mesmos, valem porque os desejamos. Desenvolvida por
Charles L. Stevenson, esta perspetiva filosófica defende que os valores exprimem as
nossas emoções, sentimentos e atitudes, não sendo possível avaliá-los em termos de
verdade ou falsidade. Trata-se de uma perspetiva subjetivista.

*Considerações:
1- A negação dos valores como propriedades objetivas das coisas rebate a tese objetivista
naturalista.
2- Ao fazerem juízos de valor expressão de emoções, sentimentos e atitudes e não de ideias
de caráter supostamente universal, estas teorias parecem opor-se igualmente ao objetivismo
ontologista.
3- Em relação à 2ª. Consideração, sendo assim, isso impossibilita a reflexão e discussão
crítica sobre os valores baseada numa perceção comum do conceito subjacente aos valores.

2.1. A Cultura
• Definir Cultura:
A Cultura diz respeito aos valores, crenças, objetos, comportamentos e tradições que
são partilhados por um grupo relativamente amplo e transmitido de geração em geração.
Provém do verbo latino “colere”, que significa “cultivar o solo”. Não diz respeito
apenas à posse de informação, ao “ter cultura”, mas também ao ser.

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Em sentido amplo, a cultura é uma manifestação do poder criador, inventivo e
transformador do ser humano, que é considerado, por isso, um animal de cultura,
distinguindo-se dos outros seres. Todas as atividades, objetos e instrumentos que os
seres humanos constroem no contacto com a Natureza e nas relações humanas podem
ser consideradas parte da cultura.
• Identificação de Aspetos Materiais e Espirituais:
Da cultura, fazem parte todos os tipos de atividade humana, estende-se por cultura o
conjunto dos elementos que caracterizam uma sociedade considerada. Todas as
sociedades vivem uma cultura que lhes é própria e que deriva dos seus diferentes
hábitos, valores e modos de vida. A cultura engloba dois tipos de elementos, os aspetos
materiais e os aspetos espirituais. Ambos se articulam e influenciam mutuamente.

Os Aspetos Materiais dizem respeito às


Os Aspetos Espirituais incluem as crenças, os
condições de vida e de que fazem parte, por
hábitos, as ideias, os valores, as normas, os
exemplo, a alimentação, o vestuário, a
costumes, a língua, etc.
habitação, os instrumentos de trabalho, objetos.

• A Cultura como Fenómeno Universal e Particular:


Fator de Coesão Social – Une os elementos do grupo, criando sentimentos identitários
(que dizem respeito à identidade; o que identifica).
Fator de Exclusão Social – Separa o grupo de estranhos, dos que não pertencem,
percebidos como diferentes.
A Globalização – Tem como vantagens a comunicação, difusão de informação,
campanhas de solidariedade internacional. Existe desde que há Humanidade, sendo
retratada como se fosse/houvesse uma cultura universal, devido à influência dos mass
media, rádio, jornais, televisão, (contribuem para a formação da personalidade dos
indivíduos, condicionando os valores e as atitudes) com as facilidades de comunicação e
com os cada vez ais numerosos e fáceis movimentos migratórios de populações.

Homogeneidade Cultural – Universalização das culturas, onde as mesmas acabam por


se “igualar” em certos aspetos. Há quem considere que a globalização é uma forma de
“imperialismo cultural”, em que os valores, os estilos de vida e as perspetivas ocidentais
são divulgadas de forma tão agressiva que suprimem as culturas tradicionais.
Fragmentação Cultural – Diversificação de culturas. Noutra perspetivas, os processos de
globalização são associados a uma crescente diferenciação a respeito das formas e das
tradições culturais, ou seja, a sociedade global caracteriza-se pela coexistência lado a
lado de uma enorme diversidade de culturas. Às tradições locais, junta-se um conjunto
de formas culturais adicionais, provenientes do estrangeiro, possibilitando que tenham
um vasto leque de opções de escolha de estilos de vida.

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• Modelos de Relação entre Culturas:

1. Monoculturalismo – Em relação às outras culturas, o monoculturalismo


exprime-se na afirmação de uma cultura considerada superior, única, universal
em relação às restantes (de modo a haver só uma cultura).
Etnocentrismo – Ponto de vista que assume a superioridade de uma cultura considerada
central em relação a todas as outras. Assenta no pressuposto que existe uma oposição
entre a cultura de pertença (“nossa cultura”), aquele a que pertence o indivíduo que se
julga superior, e todas as outras.
Identificação da “nossa” cultura como modelo de referência, conduzindo a uma
sobrevalorização da cultura a que se pertence em relação a outras diferentes. Avalia as
outras culturas pelos parâmetros da “nossa”.
Relacionar Etnocentrismo com Monoculturalismo e com Objetivismo de Valores:
O Etnocentrismo é uma forma de monoculturalismo, uma vez que defende, no limite,
que todas as diferentes culturas deveriam ser “convertidas” de acordo com os padrões
de cultura que se julga central, superior. Esta é uma perspetiva objetivista, pois parte do
princípio de que os valores de cultura a que se pertence são efetivamente e
indiscutivelmente superiores.
Exemplo:
Cultura/Civilização Ausência ou Cultura Inferior
Gregos Bárbaros (visto como “os outros”)
Portugueses Selvagens Português

Monoculturalismo/
Objetivismo
Etnocentrismo

Intolerância – Está na base de fenómenos como o racismo e a xenofobia.

2. Multiculturalismo – Exprime-se na implicação da aceitação de padrões culturais


de outras culturas diferentes.
Relativismo – Inexistência de valores absolutos e de culturas superiores e culturas
inferiores.
Aparecimento do Multiculturalismo/Relativismo Cultural no Contexto Histórico:
No período da descolonização, indivíduos dos países outrora colonizados emigraram
para os países do ocidente. Formaram-se comunidades minoritárias dentro dos países
ocidentais e essas comunidades exigiram o reconhecimento da sua identidade cultural.
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Os países ocidentais, acusando uma espécie de “má consciência” fruto das suas práticas
colonizadoras, assentiram a muitas dessas exigências, inclusive reconhecendo o direito a
práticas que atentavam claramente contra os direitos humanos.
Caracterização da Tolerância defendida pelo Relativismo Cultural:
A tolerância defendida pelo Relativismo Cultural é negativa, uma vez que é impossível
julgar qualquer tipo de prática, tradição cultural à luz de valores universais,
objetivamente. A aceitação da diferença é uma conclusão necessária desta visão e,
como tal, esta aceitação não é feita de forma livre, por escolha de cada um, mas sim por
uma imposição.

Críticas ao Relativismo Cultural/Multiculturalismo:


O argumento é falacioso na sua forma, uma vez que parte do princípio de que não existem valores
universais dada a pluralidade de valores existente. Ficamos impedidos de condenar quaisquer práticas ou
tradições, mesmo aquelas que nos parecem mais condenáveis, como a mutilação genital feminina, por
exemplo. Como os critérios usados para ajuizar moralmente e que servem de norma dominante foram
herdados dos nossos antepassados, um indivíduo que discorde deles estará a apresentar apenas um
comportamento desviante (incita o conformismo). Não existe progresso civilizacional, pois não existindo
valores/práticas/tradições melhores ou piores, a nossa época não é melhor nem pior que outras.
Relativismo e tolerância são incompatíveis, pois o próprio valor de tolerância se torna relativo.

3. Interculturalismo – Reconhecimento do direito à diferença cultural, mas também


de que devem existir aspetos comuns a todos os seres humanos,
independentemente dessas diferenças (o mesmo para os valores; defende que se
deve estabelecer um conjunto dos mesmos, sendo comuns, baseados na
dignidade humana). Certos direitos fundamentais e bens básicos devem ser
acessíveis a todos (educação saúde, trabalho, respeito, etc.). Promover não a
desigualdade, a segregação, a discriminação, mas o respeito e a tolerância;
promove o diálogo entre culturas a fim de procurar aspetos comuns e ajuda na
compreensão das diferenças.
Implica uma tolerância positiva entre culturas, tendo em conta de que o
reconhecimento do direito à diferença é visto como algo positivo, enriquecedor
do tecido social, mas alia isso à necessidade de estabelecer um terreno comum
entre culturas, construído sobre valores que todas elas aceitem e partilhem (Isto
significa assinalar limites para o deferencialismo, a não tolerância para com
certos atos, tradições, etc.). Mas isso implica também que os aspetos em relação
as quais se permite a diferenciação são aceites positivamente, é feito um juízo de
valor positivo (contrariamente ao que sucedia com a tolerância negativa
implícita no multiculturalismo).

Resumindo
Interculturalismo – Tolerância Positiva – Escolha Livre Imposição 😊

Multiculturalismo – Tolerância Negativa – Imposição Escolha Livre 😐

Monoculturalismo – Intolerância – “Que esse ‘outro’ passe a ser como ‘nós’” ☹

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