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PUC-SP
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2009
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2009
Souza, Wendell Lopes Barbosa de
A responsabilidade civil objetiva genérica fundada na
atividade de risco. (teoria geral e hipóteses práticas) /
Wendell Lopes Barbosa de Souza. – 2009.
219 f.
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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total
ou parcial desta dissertação por processos fotocopiadores ou eletrônicos, desde
que citada a fonte.
Onde está o emolumento deve estar o ônus. Quem aufere o bônus deve suportar o
ônus. Constatação da deficiência da teoria subjetiva com a verificação de que a
necessidade da demonstração da culpa efetiva do agente danoso em juízo deixava
a vítima irressarcida na maioria dos infortúnios. Surgimento da teoria objetiva,
resultado da aplicação da doutrina do risco. Eclosão de vários dispositivos legais
impondo o dever indenizatório para determinadas situações concretas, tratando-se
da responsabilidade civil objetiva típica ou fechada. Abertura do sistema objetivo de
ressarcimento, prevendo-se que a atividade arriscada para os direitos alheios
desencadeia para o autor do dano o dever de reparar o prejuízo sem que se indague
de sua culpa, tratando-se da responsabilidade civil objetiva genérica - segunda parte
do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil brasileiro. Hipóteses típicas de
responsabilização objetiva genérica pela atividade de risco, como a fabricação, a
guarda, o manuseio e o transporte de substâncias inflamáveis e explosivas.
Hipóteses para a constatação, como as práticas automobilísticas, a atividade
bancária, o cartão de crédito, o comércio eletrônico, a guarda e o transporte de
valores, o serviço de segurança e escolta, a construção civil, os cadastros de
proteção ao crédito, o mercado de capitais, o empréstimo de veículos a terceiros, a
fabricação e o fornecimento de cigarros, a responsabilidade do empregador por
acidente com o empregado, as empresas de comunicação, as instalações nucleares
e radioativas, as práticas desportivas e outras atividades que podem dar ensejo à
responsabilização civil objetiva genérica fundada na atividade de risco. Situações
que podem ou não afastar o dever indenizatório nesta modalidade de
responsabilidade civil, como o estado de necessidade, a legítima defesa, o exercício
regular de um direito, o caso fortuito ou de força maior, o fato de terceiro, a culpa
exclusiva da vítima, a tomada de precauções para evitar o acidente e a prática de
conduta lícita por parte do agente causador do dano.
Where the fee is there should be the load. Who gains the bonus should support the
load. Finding the deficiency in the theory subjected to verification that the necessity
from the demonstration of guilt affected by the harmful agent of the law would leave
the victim with no reimbursement in most cases. The appearance of the objective
theory resulted from applying the risk doctrine. Emergence of various legal norms
have input the duty of indemnification for determine concrete situations, dealing with
the foreseen or closed objective civil responsibility. Opening of this reimbursement
system, expecting that the precarious activity for the right of others; triggers for the
criminal an obligation to repair the damage without the questioning of his culpability,
dealing with the generic objective civilian responsibility – second part of the only
paragraph in article 927 of the Brazilian Civil Code, Typical hypothesis of the generic
objective responsibility theory through risk activity, such as the manufacturing, the
stocking, the handling, and the transportation of flammable and explosive
substances. Hypothesis for the questioning, such as driving, bank activities, the credit
card, the electronic commerce, the protection and transport of valuables, the security
and escort services, the civil construction, the entries of credit protection, the capital
market, the loan of vehicles to third parties, the cigarette fabrication and distribution,
the employer’s responsibility with employee’s accidents, the communication
businesses, the nuclear and radioactive installations, sports practices and other
activities that could give opportunity to the generic objective responsibility based on
the risk activity. Situations that may or may not distance indemnification duty in this
type of civil responsibility, such as the necessity state, the self-defense, the daily
practice of a right, sudden cases or unpredictable events, a third person involvement,
the exclusive guilt of the victim, the precautions taken to avoid the accident and the
legal activity of the harmful agent.
INTRODUÇÃO ........................................................................................... 11
CONCLUSÃO............................................................................................. 214
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................... 220
11
INTRODUÇÃO
Do latim: ubi emolumentum, ibi onus; para o português: onde está o emolumento
deve estar o ônus; resultou no brocardo: quem aufere o bônus deve suportar o
ônus.
No direito brasileiro, o tema foi abordado com lucidez e primazia inicialmente por
Alvino Lima e depois por Aguiar Dias, em meados do século passado, ambos
ferrenhos defensores da doutrina do risco, que se positivou a partir do Decreto nº
2.681, de 7 de dezembro de 1912, regulando a responsabilidade civil das estradas
de ferro, com imposição de dever indenizatório sem culpa a essas entidades por
todos os danos que a exploração de suas linhas causar aos proprietários marginais
(art. 26).
A partir daí, o legislador nacional, encantado com a novel teoria do risco, passou a
formular diversos dispositivos legais esparsos com previsões de responsabilidade
sem culpa, que serão examinados em momento oportuno, chegando, finalmente, à
instituição da responsabilização civil objetiva genérica em virtude da atividade
arriscada desenvolvida pelo autor do dano, já no século XXI, positivada na segunda
parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002, núcleo deste estudo
dissertativo.
rebatendo-as uma a uma, tudo levando a crer que o jurista nacional que iniciou sua
atividade jurídica na provinciana cidade de Casa Branca, no interior de São Paulo, é
realmente o mestre da matéria no Brasil.
A seguir, será feita uma distinção meramente didática entre o “risco” que
impulsionou a teoria objetiva no fim do século XIX e início do século XX, este
considerado como um perigo inerente à atuação humana em determinados setores,
e o “risco” encarado como uma fórmula genérica de responsabilidade civil positivada
na legislação brasileira no início do século XXI, tema que, conquanto obscuro nesse
momento introdutório, será explicitado no momento oportuno.
A próxima tarefa será, então, dissecar qual o significado da longa expressão que
consagrou a responsabilidade civil objetiva genérica pela teoria do risco, prevista na
segunda parte do artigo 927 do Código Civil de 2002, dividindo-a em três partes: 1ª)
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano; 2ª) implicar, por
sua natureza; 3ª) risco para os direitos de outrem. Examinada cada uma das partes
da citada expressão legal, poder-se-á conceituar a responsabilidade civil objetiva
genérica pela atividade de risco.
Outras tantas, contudo, se encontram numa zona obscura, não se podendo, sem
que se proceda a um estudo criterioso, afirmar se são influenciadas pela
responsabilidade civil objetiva genérica, como as práticas automobilísticas, o
transporte de cargas pesadas, a atividade bancária em suas mais variadas
vertentes, o serviço oferecido pelas entidades empresariais operadoras de cartão de
crédito, as contratações eletrônicas, a guarda e o transporte de valores, o serviço de
escolta e segurança, a construção civil, os cadastros de proteção ao crédito, as
práticas no mercado de capitais, o empréstimo de veículo a terceiros, a fabricação e
o fornecimento de cigarros, a relação entre o empregador e o empregado, a
atividade das empresas de comunicação, as instalações nucleares e radioativas, as
práticas desportivas, e tantas mais que a imaginação permitir e a doutrina e a
jurisprudência oferecerem para constatação.
Para aquilo que se pensa ser um bom início de trabalho acerca de tão palpitante
tema jurídico e social, salutar se constatar, com Giselda Hironaka, que poucos
institutos jurídicos evoluem mais do que a responsabilidade civil, sendo que
Nesse sentido, a mesma Giselda Hironaka afirma que “o momento atual dessa trilha
evolutiva, isto é, a realidade dos dias contemporâneos, detecta uma preocupação no
sentido de ser garantido o direito de alguém de não mais ser vítima de danos”.2
Por isso, dentre os muitos temas inovadores do Código Civil de 2002, mereceu
estudo a novel imposição do dever indenizatório lastreado na atividade de risco
desenvolvida pelo agente causador do dano, denominada responsabilidade civil
objetiva genérica - segunda parte do parágrafo único do artigo 927.
1
Responsabilidade pressuposta. São Paulo: Del Rey, 2005, p. 3.
2
Ibidem, p. 2.
3
Ibidem, p. 3.
4
Ibidem, p. 3.
17
O que se via, então, até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, eram duas
situações: ou se demonstrava a culpa do agente para que emergisse seu dever de
indenizar a vítima, no que se estava falando em responsabilidade subjetiva; ou o
caso concreto se subsumia a um dispositivo legal que impunha o dever de indenizar
sem que se perquirisse sobre a culpa do agente, numa hipótese, então, de
responsabilidade objetiva.
Melhor que se repita para que claramente se possa explicar a inovação que
representou a responsabilidade fundada na atividade de risco desenvolvida pelo
agente causador do dano: se a vítima não encontrasse um dispositivo legal em que
pudesse ser tipificada sua situação concreta, não havia como se falar em
responsabilidade objetiva, restando a ela o ônus de demonstrar a culpa do agente,
no que já se estaria falando em responsabilidade subjetiva.
18
Até aí, pouca novidade, pois isso já acontecia antes mesmo da entrada em vigor do
Código Civil de 2002: ao lado da responsabilidade subjetiva (caput do artigo 159 do
Código Civil de 1916), havia os casos previstos na legislação extravagante de
responsabilidade objetiva, como se exemplificou com o artigo 12, caput, da Lei nº
8.078/90, e com o § 6º do art. 37 da Constituição Federal.
Dessa forma, a vítima terá dois caminhos a percorrer na busca pela indenização
contra o agente causador do dano. O primeiro deles será comprovar a conduta, o
dano, o nexo causal e a culpa do agente pelo infortúnio, tratando-se de
responsabilidade subjetiva. O segundo caminho será encontrar um dispositivo legal
que imponha o dever indenizatório independentemente da culpa do agente,
bastando-lhe a prova da conduta, do dano e do nexo causal, tratando-se de hipótese
de responsabilidade objetiva.
Conclui-se, portanto, que o Código Civil de 2002, como novidade no tema, apenas
criou mais uma hipótese de responsabilidade sem culpa, tratando-se, assim, de mais
uma espécie de responsabilidade objetiva, quando: a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implique, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem (segunda parte do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil).
Lei do Meio Ambiente, Lei de Acidente do Trabalho, Constituição Federal etc.), não
encontrando qualquer dispositivo ao qual se subsuma seu caso concreto, ainda terá
uma última oportunidade, podendo recorrer à segunda parte do parágrafo único do
artigo 927 do Código Civil de 2002, desde que demonstre que a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implique, por sua natureza, risco para
os direitos de outrem. Demonstrados todos esses elementos, emergirá a
responsabilidade do causador do dano independentemente de culpa, prova de que
se está falando de espécie de responsabilidade objetiva, gênero ao qual pertence a
responsabilidade fundada no risco da atividade.
Note-se que, na esteira do que fez o Código Civil de 2002 em várias outras
passagens, a nova modalidade de responsabilização objetiva foi colocada como
mais um instituto jurídico que impõe extraordinária atividade hermenêutica ao juiz,
porquanto dele será exigida a interpretação da cláusula geral constante da segunda
parte do parágrafo único do artigo 927. Em outras palavras, caberá ao julgador
aclarar o que pretendeu o legislador ao impor o dever de indenizar
independentemente de culpa quando a atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Karl Larenz bem resumiu o conteúdo deste capítulo de maneira simples e clara5.
Afirmou que o direito civil conectou, em princípio, a obrigação de ressarcimento de
danos somente a uma conduta culposa. Assim, disse, quem se comportava de um
modo não desaprovado pelo ordenamento jurídico quedava-se liberado do dever de
ressarcimento por danos causados a outrem. Afirmou, a seguir, que esta regulação
se demonstrou demasiadamente limitada em vista dos riscos especiais de danos,
quase inevitavelmente ligados ao funcionamento dos modernos meios de transporte
e de determinadas instalações elétricas ou ao emprego de determinados materiais
5
Derecho Civil, Parte General, Tradução de Jaime Santos Briz. Madrid: Editorial Revista de
Derecho Privado, Editoriales de Derecho Reunidas, 1958, t. I, p. 77.
21
extremamente perigosos. Por isso, aduziu que, quando se apresenta tal risco de
danos, não é possível reconhecer como justo que deva suportar o prejuízo única e
definitivamente quem foi afetado casualmente pelo fato danoso. Para ele, se
mostrou mais justo, socialmente, que fosse transferido o dano, total ou parcialmente,
a quem houvesse criado o foco de perigo ou a quem dele tivesse tirado proveito.
Segundo ele, então, esta é a idéia central da moderna responsabilidade por riscos.
Assim, como o presente estudo visa à responsabilidade civil objetiva pela atividade
de risco, a meta a ser alcançada é o exame daquilo que a faz diferente das outras
espécies de responsabilidade objetiva previstas na legislação, podendo-se dizer que
esse elemento discriminante se verifica quando: a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implique, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem (segunda parte do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil).
22
Como dito, necessário que se trate da evolução histórica do tema para que sejam
colhidos importantes subsídios para as conclusões a serem formuladas
posteriormente, não sendo simples a tarefa, dado que o instituto passou por diversas
modificações ao longo de milhares de anos, podendo-se dizer mesmo que durante
toda a existência humana, eis que a responsabilidade civil é essencialmente
dinâmica, tendente a adaptar-se, transformar-se na mesma proporção em que se
desenvolve a civilização, devendo ser dotada de flexibilidade suficiente para
oferecer, em qualquer época, um meio ou processo pelo qual, em face de nova
técnica, de novas conquistas, de novos gêneros de atividade, assegure a finalidade
de restabelecer o equilíbrio desfeito por ocasião do dano, considerado, em cada
tempo, em função das condições sociais então vigentes.6
6
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 25.
7
LYRA, Afrânio. Responsabilidade civil. Bahia, 1977, p. 31.
8
Responsabilidade pressuposta, p. 22.
23
E com certeza ainda não se vislumbram contornos definitivos para o instituto, sendo
um daqueles – senão aquele – que mais se desenvolveu no passo da humanidade,
estando em plena ebulição doutrinária e jurisprudencial, bastando notar que, mesmo
em outros termos de formulação, hodiernamente, houve, sem dúvida, uma volta ao
passado, renunciando-se à ideia de culpa para que surja a responsabilidade civil,
como nos tempos das cavernas, ressalvando-se, contudo, a disciplina jurídica hoje
vigente.
Pode-se ter uma breve noção sobre o quão vertiginosa foi a evolução da
responsabilidade civil ao se constatar que o ministro Orosimbo Nonato fez referência
à moderna teoria da culpa, sendo que hoje, passados poucos 50 anos, já se pode
dizer ultrapassada e concorrendo, cada vez com menos força, com a
responsabilidade objetiva.10
O exame dessa vertiginosa evolução é que terá lugar a seguir, iniciando-se lá pelos
denominados “tempos das cavernas”.
9
Evolução da responsabilidade civil. Tradução de Raul Lima. São Paulo: Revista Forense, n. 456,
p. 548, junho de 1941.
10
Curso de obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 56.
24
Nos tempos iniciais da raça humana, o dano não era contemplado pelo direito, não
se cogitava de culpa e o agredido voltava-se diretamente contra o agressor sem
perquirição de qualquer natureza sobre como teria se verificado o infortúnio.
A vida selvagem não dava margem a qualquer formalidade para que a vítima
reagisse contra o agente causador do prejuízo. O dano provocava a reação
imediata, instintiva e brutal do ofendido, dominando, então, a vingança privada,
segundo Carlos Roberto Gonçalves.11
Era a reparação do mal pelo mal, no que se estava falando em pura vingança da
vítima contra o ofensor pelo prejuízo ocasionado, sem que se cogitasse de qualquer
noção sobre culpa ou ressarcimento, “no golpe pelo golpe”, como noticiou Wilson
Melo da Silva, anotando que este foi o “primeiro estágio ou a primeira forma de
desagravo no seio dos homens primitivos”.12
Vale uma pausa para que se discorra sobre a pena de talião, segundo o vocabulário
jurídico De Plácido e Silva:
11
Responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 56.
12
Responsabilidade sem culpa. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 15.
13
Ibidem, p. 15, e GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. Tradução de António Manuel
Hespanha e Manuel Macaísta Malheiros. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 751.
25
olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé. Queimadura por
14
queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.
Segundo José Acir Lessa Giordani, já as “legislações mais antigas, como o Código
de Hammurábi (2050 a.C.) e o Código de Manu (século XIII a.C.), prevêem sanções
baseadas na Lei do Talião, estabelecendo que o lesado pudesse causar o mesmo
mal ao agente responsável”.15
“A vindita, porém, gera a vindita”, nas palavras de Wilson Melo da Silva, motivo por
que, ficando mais experimentado o homem, acabou por descobrir que seu
sentimento de vingança às vezes também se aplaca pela compensação econômica,
em substituição à dor que, no período anterior, o agente deveria suportar pela
produção do dano.19
14
Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1360.
15
A responsabilidade civil objetiva genérica - no código civil de 2002. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2007, p. 5.
16
Responsabilidade pressuposta, p. 45.
17
Ibidem, p.46.
18
Ibidem, p. 47.
19
Responsabilidade sem culpa, p. 15.
26
Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves cita Wilson Melo da Silva, nos seguintes
termos:
É quando, então, o ofensor paga um tanto ou quanto por membro roto, por
morte de um homem livre ou de um escravo, surgindo, em conseqüência,
as mais esdrúxulas tarifações, antecedentes históricos das nossas tábuas
24
de indenizações preestabelecidas por acidente do trabalho.
20
LOUIS-LUCAS, Volunté et cause, p. 22, 1918, apud SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade
sem culpa, p. 15.
21
LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 20.
22
SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa, p. 15.
23
LIMA, Alvino. Culpa e risco, p. 21.
24
SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa e socialização do risco. Belo Horizonte:
Bernardo Álvares, 1962, p. 40, apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, p. 4-5.
27
Nota-se que, nesse período em que as indenizações eram tarifadas, se pagava uma
predeterminada quantia pelo dano ocasionado, com previsão de casos concretos,
sem que existisse um princípio geral de responsabilidade civil.26
25
ARIAS, José. Manual de derecho romano. Buenos Aires: Editora Kraft, p. 574, apud SILVA,
Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa, p. 16.
26
LIMA, Alvino. Culpa e risco, p. 21.
27
“Na classificação quadripartida adotada por Justiniano, as obrigações provinham do contrato, do
quase-contrato, do delito e do quase-delito. Particularmente a este trabalho, interessam o delito e o
quase-delito, eis que davam origem à obrigação extracontratual, âmbito do presente estudo. Os
delitos se constituíam nos ilícitos praticados dolosamente, enquanto os quase-delitos eram os ilícitos
praticados culposamente”. (ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1980, p. 36-38).
28
“O direito romano, entretanto, jamais chegou a separar a indenização do primitivo conceito de
pena”. (DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, p. 27).
28
Ocorre que este direito indenizatório da vítima ainda se exercia de maneira tarifada,
sob os auspícios da Lei das XII Tábuas, que, repita-se, previa certas e determinadas
situações concretas de atos ilícitos e fixava as respectivas quantias devidas pelo
agente delituoso, sem que houvesse integral e efetiva reparação do dano, por vezes
ficando aquém, por vezes indo além do mal causado.
29
Introdução histórica ao direito, p. 752.
30
GONÇALVES, Cunha. Tratado de direito civil, v. 12, t. 12, p. 456 e 563, apud GONÇALVES,
Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, p. 23.
31
GIORDANI, José Acir Lessa. A responsabilidade civil objetiva genérica - no Código Civil de
2002, p. 6.
32
“Assim batizada por ser resultado de um plebiscito proposto pelo tribuno Aquilio” (PEREIRA, Caio
Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 4.).
33
LIMA, Alvino. Culpa e risco, p. 21.
29
A reparação pecuniária pelo dano causado levava em conta o valor da coisa nos 30
dias anteriores ao delito, atendendo ao seu valor venal, também de acordo com
Alvino Lima, completando que:
Divergem os juristas sobre se a Lei Aquília teria introduzido a culpa como elemento
indispensável ao direito indenizatório. Parte deles, dentre os quais o eminente
professor Emillio Betti37, da Universidade de Roma, afirmam que o referido diploma
legislativo a previa como pressuposto para a caracterização do delito, enquanto
outra parte a nega por completo no texto do mencionado diploma legal, sustentando
que o dever de indenizar no direito romano repousava apenas na noção de dano,
34
Responsabilidade pressuposta, p. 56.
35
Culpa e risco, p. 22.
36
Culpa e risco, p. 22-23.
37
Teoria geral das obrigações. Traduzido por Francisco José Galvão Bruno. Campinas: Bookseller,
2006, p. 420-421.
30
sendo que a culpa levíssima prevista na Lei Aquília significava apenas o fundamento
de uma sanção penal.
Vale a menção de Giselda Hironaka de que, em 81 a.C. – quase dois séculos depois
da lex Aquilia, portanto – surge a lex Cornelia, que, seguindo os parâmetros da sua
predecessora, vem apenas acrescentar novos casos de reparação de danos
corporais ou à honra.43
38
Culpa e risco, p. 26.
39
Culpa e risco, p. 27.
40
SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa e socialização do risco. Belo Horizonte:
Bernardo Álvares, 1962, p. 46, apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 5.
41
“Idéia esta de culpa proveniente do pensamento dos grandes filósofos gregos”. (SILVA, Wilson
Melo da. Responsabilidade sem culpa, p. 17).
42
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 6.
43
Responsabilidade pressuposta, p. 57.
31
Necessário que se faça uma pausa para se mencionar uma outra fundamental
evolução, também no tema da responsabilidade civil, ainda nos tempos romanos,
verificando-se na forma como se dava o pagamento indenizatório. Nesse sentido,
com relação ao modo de quitação da indenização, a responsabilidade civil, antes de
ser patrimonial, como nos dias de hoje, passou por um período de violência contra o
devedor. Este respondia com seu corpo pela falta do pagamento da dívida, sendo
emblemático um exemplo trazido pelo eminente professor Renan Lotufo:
Assim, desde que a responsabilidade deixou de ser pessoal, ou seja, de recair sobre
a pessoa (o corpo) do agente, com o advento da Lex Poetelia Papiria, em 326 a.C.,
a reposição da situação ao estado anterior à prática do ato danoso se dá pela
expropriação do patrimônio do devedor, daí sendo retirado o quanto baste para o
ressarcimento do patrimônio da vítima.
44
Código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 3.
32
45
Da responsabilidade civil, p. 30-31.
46
Tout fait quelconque de l’homme qui cause à autrui un dommage oblige celui par la faute de qui il
est arrivé, à le réparer. “Qualquer fato de um homem que cause a outrem um dano obriga aquele pela
falta que cometeu a repará-lo” (Artigo 1.382 do Código Civil francês). [Tradução livre do autor].
47
MAZEUD, Tr. Théorique et pratique de la resp. civ. dél. et contractuelle, 2ª ed. n. 36, p. 48, 1934,
apud DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, p. 30.
33
Então, pode-se concluir que, desde os tempos romanos da Lei Aquília, por seu
próprio texto ou por sua interpretação jurisprudencial, passando-se pelo Código
Napoleão, pelo Código Civil alemão e por toda uma gama de diplomas civis de
praticamente todo o mundo civilizado, ao lado dos pressupostos da conduta, do
dano e do nexo causal, ainda há a necessidade de um outro requisito para que se
possa falar em responsabilidade civil subjetiva: a culpa.
48
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999,
p. 6-7.
49
“Nem por isso, entretanto, deixou-se de ver na responsabilidade assentada na culpa uma
responsabilidade penal atenuada, na visão dos juristas do século XIX”. (RIPERT, Georges. A regra
moral nas obrigações civis. Tradução de Osório de Oliveira. Campinas: Bookseller, 2000, p. 207).
34
50
Culpa e risco, p. 39-40.
51
GONÇALVES, Carlos Roberto, Responsabilidade Civil, p. 6.
52
Colin e Capitant. Curso elemental de derecho civil, v. 3. Madri: Ed. Reus, 1943, p. 810, apud
SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa, p. 5.
53
“Conferência pronunciada na Faculdade de Coimbra”. (Evolução da responsabilidade civil. Revista
Forense, n. 456, p. 550).
35
54
Responsabilidade pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1956, p. 7-8.
55
Introdução à história do direito. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 276.
36
Por conta da constatação da dificuldade encontrada pela vítima para provar a culpa
efetiva do agente causador dos danos surgidos com a nova ordem econômica
baseada na indústria, surgiram vários processos técnicos para atender ao problema,
como a admissão fácil da existência da culpa, a aplicação da teoria do abuso de
direito e da teoria da culpa negativa, o reconhecimento de presunções de culpa e a
transformação da responsabilidade aquiliana em contratual56, tudo visando colocar
as vítimas dos mencionados acidentes em situação processual mais favorável,
reconhecendo-se a vulnerabilidade do proletariado ante os industriais.
56
LIMA, Alvino. Culpa e risco, p. 40.
57
Comentários ao código civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 308-309.
37
Georges Ripert, então, recorda que, no fim do século XIX, procurou-se alargar o
campo da responsabilidade civil, momento em que, sem abandonar a ideia de culpa,
a doutrina formulou os conceitos de risco-profissional, do risco-propriedade e do
risco-criado, manifestando o citado jurista francês sua adesão à expressão “doutrina
do risco”.59
Antes disso, contudo, ficam três anotações sobre os rumos que a responsabilidade
civil tomou a partir da segunda metade do século passado, já que se está tratando
de sua evolução.
A primeira anotação é trazida por Arnoldo Wald, noticiando que a doutrina passou a
ver a responsabilidade como garantia e não mais como dever de indenizar,
concebendo-a independentemente da violação de um dever específico, constituindo
60
A responsabilidade civil pelo risco da atividade: uma cláusula geral no Código Civil de 2002.
Tese (Livre Docência em Direito Civil) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade de
São Paulo, São Paulo, p. 44.
61
La Responsabilità Oggetiva. Milano: Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 1995, p. 95.
39
o dano a suficiente prova de que o dever de garantia já foi violado62, sendo seguido
na mesmíssima esteira por Orlando Gomes, para quem “o dever de indenizar o dano
produzido sem culpa é antes uma garantia do que propriamente responsabilidade”.63
62
Curso de direito civil brasileiro: obrigações e contratos. São Paulo: Sugestões Literárias, 1972,
p. 424.
63
Obrigações. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 374.
64
Instituições de direito civil, p. 289.
65
Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 138.
66
ITURRASPE, Responsabilidade Civil, Buenos Aires: Ed. Hammurabi, 1979, p. 29-30, apud
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, p. 13.
40
E, tendo em vista toda essa evolução, Giselda Hironaka afirma, como que num
resumo de sua obra, que:
E é por isso que Cláudio Luiz Bueno de Godoy chama a atenção para que ganha
corpo a ideia de coletivização, de socialização da responsabilidade civil, o que,
segundo ele, para muitos autores, inclusive, trata-se de corolário forçoso da lógica
do risco, enunciando o que se convencionou chamar de estado de seguridade,
erigido ao pressuposto de que o dano afeta toda a sociedade e, da mesma maneira,
a sua recomposição, constatando também o autor que “as atividades que criam risco
não raro beneficiam também a coletividade, razão lógica a que, então, se dilua
responsabilidade pelos danos daí advindos”.69
67
Responsabilidade civil nas atividades perigosas. In: Responsabilidade Civil: doutrina e
jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 33.
68
Responsabilidade pressuposta, p. 295-296.
69
A responsabilidade civil pelo risco da atividade: uma cláusula geral no Código Civil de 2002, p.
37.
41
Para ela, Giselda Hironaka, então, “o risco é uma opção e não um destino”.71
Isso porque, segundo a autora, “O homem atual tem o domínio da teoria das
probabilidades e, por isso, administra melhor o risco”, assim, “ele é capaz de
desencadear opções mais ousadas, em sua vida e em sua empresa, obtendo com
isso, via reflexa, um extraordinário impulso no desenvolvimento das tecnologias e
dos sistemas econômicos”.72
70
Responsabilidade pressuposta, p. 106.
71
Ibidem, p. 106.
72
Ibidem, p. 107.
73
Ibidem, p. 108.
42
De acordo com Wilson Melo da Silva76, a obra de Salleiles, quanto ao exame das
teses subjetiva e objetiva da responsabilidade civil, pode ser reproduzida não por
uma linha ascendente, mas por uma curva, isso porque o citado jurista francês teria
iniciado sua construção doutrinária de maneira moderada, admitindo a convivência
entre ambas, para depois sustentar a superação total da responsabilidade subjetiva
pela objetiva, e, ao final, retornar ao convencimento de que as duas tinham seu
espaço dentro da ordem jurídica, como passamos a demonstrar.
No início, isto é, antes de 1897, Salleiles, pelos idos de 1889, mesmo acolhendo a
tese da responsabilidade objetiva pelo risco, em virtude da interpretação do
mencionado § 1º do art. 1.384 do Código Civil Napoleônico, ainda admitia a
74
Responsabilidade pressuposta, p. 111.
75
LIMA, Alvino. Culpa e risco, p. 121.
76
SALLEILES, Raymond. Les accidents du travail et la responsabilité civille, Paris: Ed. A.
Rousseau, 1897, p. 21-22, apud SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa, p. 49-52.
43
77
SALLEILES, Raymond. Les accidents du travail et la responsabilité civille, Paris: Ed. A.
Rousseau, 1897, p. 74, apud SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa, p. 50.
78
SALLEILES, Raymond. Les accidents du travail et la responsabilité civille, Paris: Ed. A.
Rousseau, 1897, p. 74, apud SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa, p. 49-51.
79
SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa, p. 51.
80
LIMA, Alvino. Culpa e risco, p. 122.
44
Além de citar a obra de Salleiles como uma de suas fontes para a adoção da
responsabilidade civil pela doutrina do risco, Josserand ainda fez uma justa
homenagem à jurisprudência, verdadeira propulsora da teoria objetiva, afirmando
que,
81
SALLEILES, Raymond. Les accidents du travail et la responsabilité civille, Paris: Ed. A.
Rousseau, 1897, passim, apud JOSSERAND, Louis. Evolução da responsabilidade civil. Revista
Forense, n. 456, p. 52-63.
82
Evolução da responsabilidade civil. Revista Forense, n. 456, p. 559.
83
RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis, p. 209.
84
Derecho civil. Tradução de Santiago Cunchillos y Manterola. Buenos Aires: Edições Jurídicas
Europa - América, Bosch y Cia - Editores, 1950, p. 444.
45
Enneccerus, Kipp e Wolf, informam que “la responsabilidad por los daños causados
en virtud de exploraciones peligrosas sin culpa del empresario se introdujo
primeramente para los ferrocarriles por obra del § 25 de la ley prusiana de
ferrocarriles de 3 de noviembre de 1838”.87
Por fim, Wilson Melo da Silva noticia casos de responsabilização sem culpa no
direito romano, e, antes ainda, na velha Grécia.88
Mesmo com essas considerações, Aguiar Dias deixa isenta de qualquer dúvida a
constatação de que foram os franceses os maiores divulgadores da teoria objetiva, a
partir da segunda metade do século XIX, devendo-se ao seu trabalho de
85
MARTON, G. Les fondements de la responsabilité civile. Paris, 1938, p. 158, apud DIAS, José
de Aguiar. Da responsabilidade civil, p. 65-66.
86
Da responsabilidade civil, p. 66.
87
ENNECCERUS, Ludwig; KIPP, Theodor; WOLFF, Martín. Tratado de derecho civil: derecho de
obligaciones. Tradução de Blas Pérez González e José Alguer. Buenos Aires: Bosch Publicaciones
Jurídicas, 1948, p. 712.
88
GIOVANNI, Pacchioni. Diritto civile italiano. Pádua, 1940, p. 66, apud SILVA, Wilson Melo da.
Responsabilidade sem culpa, p. 22.
46
Para se ter uma ideia um pouco mais precisa acerca da importância dos franceses
Raymond Salleiles e Louis Josserand, mencione-se a afirmação de Aguiar Dias de
que “sua vigorosa personalidade é tão influente que faz esquecer o fato de, ao
tempo em que surgem seus trabalhos, estar já desenvolvida em outros países a
doutrina que apresentam e prestigiam”91, referindo-se aos antecedentes alemães e
austríacos acima citados.
89
Da responsabilidade civil, p. 72.
90
Responsabilidade pressuposta, p. 136.
91
Ibidem, p. 71-72.
47
A lei deixa a cada um a liberdade de seus atos; ela proíbe senão aqueles
que se conhecem como causa direta do dano. Não poderia proibir aqueles
que apenas trazem em si a virtualidade de atos danosos, uma vez que se
possa crer fundamentadamente que tais perigos possam ser evitados, à
base de prudência e habilidade. Mas, se a lei os permite, impõe àqueles
que tomam o risco a seu cargo a obrigação de pagar os gastos respectivos,
sejam ou não resultados da culpa. Entre eles e as vitimas não há
comparação. Ocorrido o dano, é preciso que alguém o suporte. Não há
culpa positiva de nenhum deles. Qual seria, então, o critério de imputação
do risco? A prática exige que aquele que obtém proveito de iniciativa lhe
suporte os encargos, pelo menos a título de sua causa material, uma vez
que essa iniciativa constitui um fato que, em si e por si, encerra perigos
potenciais contra os quais os terceiros não dispõem de defesa eficaz. É um
balanceamento a fazer. A justiça quer que se faça inclinar o prato da
92
responsabilidade para o lado do iniciador do risco.
Josserand, por seu turno, também como já se viu, dedicou ao julgado de 1.930 da
Corte de Cassação de Paris uma de suas conferências, aquela pronunciada na
Faculdade de Direito de Coimbra, demonstrando que o venerando acórdão
consagrou de vez a tese de que o § 1º do artigo 1.384 do Código Civil francês
tratava de hipótese de responsabilidade regida pela teoria do risco, resumindo em
apertadíssima síntese, mas suficientemente clara, sua tese, ao afirmar que o
“problema capital é o da objetivação da responsabilidade, da substituição do ponto
de vista subjetivo pelo ponto de vista objetivo, da noção de culpa pela do risco”.93
A teoria do risco foi fartamente acolhida pela doutrina estrangeira do início do século
passado.
92
SALLEILES, Raymond. Les accidents du travail et la responsabilité civille. Paris: Ed. A.
Rousseau, 1897, apud DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, p. 77.
93
JOSSERAND, Louis. Evolução da responsabilidade civil. Revista Forense, n. 456, p. 556.
94
Traité Théorique et Pratique de la Responsabilité Civile. Paris, 1934, passim, apud PEREIRA,
Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, p. 19.
48
Evolución. Las soluciones que pueden darse a este problema han dividido
y dividen cada vez más las opiniones. Desde el origen del derecho romano
hasta nuestros días, se ha producido una doble evolución, que se reduce a
un movimiento de vaivén; después de haberse alejado del punto de partida,
la teoría de la responsabilidad tiende a volver a él; doble evolución que
gravita en derredor de estas dos nociones cardinales: la culpa y el riesgo;
con la primera, la responsabilidad es subjetiva; bajo la influencia de la
95
segunda, se hace objetiva.
Cá em nossas terras, o precursor da responsabilidade sem culpa foi Alvino Lima, por
meio de tese apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
em 1938, sob o título Da culpa ao risco, posteriormente convertida no livro Culpa e
risco, obra que, sem sombra de dúvidas, ressalvando-se todo o respeito e
agradecimento por todas as outras magníficas literaturas citadas, foi a de maior valia
para a elaboração dessa dissertação.
Alvino Lima foi seguido de perto por Aguiar Dias96, tornando-se ambos os mais
ferrenhos defensores da doutrina do risco e da consequente responsabilização civil
objetiva no Brasil, sendo, após, acompanhados por Caio Mário da Silva Pereira97 e
outros eminentes professores de direito civil, contando hoje a tese com o beneplácito
de toda a comunidade jurídica nacional.
95
Derecho Civil. p. 295.
96
Da responsabilidade civil, passim.
97
Responsabilidade civil, passim.
49
No que tange, de outro lado, à legislação civil extravagante, o mesmo Wilson Melo
da Silva dispensou sua simpatia pela “generosa acolhida à tese da causalidade
objetiva”.99
Está em vigor esse artigo 26? Houve quem o negasse, ou por considerar
revogada toda a lei, ou derrogada quanto ao artigo 26, por se tratar do
direito civil, e não comercial. Regeria o Código Civil, artigo 1.523, segundo a
interpretação literal, que recusamos. Na maioria de seus artigos, a lei nº
2.681 é de caráter misto; regula a culpa contratual das estradas de ferro e,
por analogia, segundo a jurisprudência, nas demais companhias de
transportes, com o caráter de serviço público. Certo, o dano aos
proprietários marginais é de direito civil, e não comercial, extracontratual, e
não contratual. Mas, evidentemente, trata-se de relações especiais, criadas
pela natureza do serviço de condução do público. Os danos causados a
terceiros – não passageiros, não proprietários marginais – regem-se pelo
Código Civil, porque o artigo 26 não cogitou de outras pessoas. Somente se
100
referiu a passageiros e a proprietários marginais.
98
Responsabilidade sem culpa, p. 67.
99
Ibidem, p. 67.
100
Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2008. Tomo LIV, p. 24.
101
GOMES, Orlando. Obrigações. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 378.
50
Fica apenas a seguinte notícia histórica, muito relevante: o ato ilícito, como
conceituado no projeto do Código Civil de 1916, não fazia menção alguma à culpa
como um de seus elementos de constituição, sendo que a introdução da ideia de
culpa se deveu ao trabalho do Senado Federal, encerrando no que Afrânio Lyra
chamou de decrepitude do projeto em matéria de responsabilidade civil, isentando o
grande Clóvis Beviláqua de qualquer equívoco, unicamente imputável ao legislativo
nacional da época, que, impulsionado pelo espírito do Código de Napoleão, se
apegou excessivamente ao elemento subjetivo para a configuração do ato ilícito,
desconsiderando o trabalho jurisprudencial de interpretação do artigo 1.382 do
Código Civil Francês do final do século XIX.103
Para Cláudio Luiz Bueno de Godoy, a disciplina do Código Civil de 1916 acerca da
responsabilidade civil foi fiel à tradição dos códigos do século XIX,
fundamentalmente calcada na culpa enquanto nexo de imputação, de modo a exigir
102
BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 4. ed. São Paulo:
Livraria Francisco Alves, 1939, v. 5. t. II, p. 303.
103
Responsabilidade civil, p. 69-70.
51
E assim foi que a doutrina do risco deu lastro à instituição, na segunda parte do
parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002, da responsabilidade civil
objetiva genérica pela atividade de risco desenvolvida pelo agente causador do
dano, objeto de nosso estudo.106
104
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 27.
105
Ibidem, p. 28.
106
Ressalve-se que Ademir Canali Ferreira já sustentava a responsabilização pela exposição de
outrem a perigo mesmo antes da entrada em vigor do novo Código Civil de 2002, interpretando o
artigo 159 do Código Civil de 1916 da seguinte maneira: “Na inteligência do citado dispositivo afirma-
se uma regra geral e outra de caráter excepcional, ausente qualquer incompatibilidade entre ambas.
É intuitivo que o dever indenizatório deflui da culpa lato sensu, acorde com as suas três tradicionais
formas: imprudência, imperícia e negligência. Todavia, ao lado dessa norma convive outra
determinando que, em casos excepcionais, o simples nexo de causalidade é bastante para
determinar a mesma conseqüência” (A exposição ao perigo como fato gerador da responsabilidade
civil objetiva. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 572, p. 22, junho de 1983).
52
Impõe-se registrar que o Código Civil de 2002, posto a lume pela Lei nº
10.406, de 10/1/2002, abandonou, em grande parte, a culpa presumida,
para adotar, ainda que por exceção e sempre expressamente e em
numerus clausus a responsabilidade objetiva, como, por exemplo, nas
108
atividades perigosas (art. 927, parágrafo único).
Assim, pode-se falar em mais uma hipótese de responsabilidade objetiva, mas que
não veio num dispositivo legal esparso na legislação extravagante, e sim no bojo do
próprio Código Civil de 2002, posta na fórmula genérica quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos
para os direitos de outrem (segunda parte do parágrafo único do artigo 927).
107
“Uma das virtudes do atual Código Civil que se deve ressaltar está em ter convertido em preceito
legal o que a doutrina e a jurisprudência já haviam discutido, solucionado e sedimentado, com
entendimento harmônico e pacífico. Converteu em lei o que já haviam assentado os pretórios e os
doutos. É o que ocorreu com o parágrafo único do art. 927, ao adotar a teoria do risco no exercício de
atividades perigosas”. (STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 177).
108
Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007, p. 156.
109
Ibidem, p. 178.
54
Dessa forma, data venia, parece não estar correta a afirmação de Aguiar Dias de
que “nas codificações, a introdução da doutrina objetiva como princípio geral não
logrou êxito até agora”.110 Logrou sim, como se verifica pela aparição da segunda
parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002. Diga-se, todavia, que
não se trata de um equívoco, mas apenas um descompasso ocasionado pelo fato de
a obra do grande mestre ter sido produzida antes da entrada em vigor no novel
Código Civil brasileiro. Cumpre, mais uma vez com todo o respeito, anotar a
necessidade da atualização da magnífica obra nesse particular.
Realmente, essa novidade não veio quando ainda em vida os eminentes professores
José de Aguiar Dias e Pontes de Miranda, mas não passou despercebida de Carlos
Roberto Gonçalves, asseverando que:
110
Da responsabilidade civil, p. 96.
111
Tratado de direito privado, p. 121.
112
Responsabilidade civil, p. 9.
55
Fique claro que não houve substituição da responsabilidade subjetiva pela objetiva,
sendo harmoniosa a convivência entre ambas, como sustentado por Alvino Lima:
Cabe à vítima, então, diante do caso concreto, buscar sua indenização com
fundamento na teoria que melhor se adequar à hipótese, posicionando-se pela
subjetiva ou objetiva. Se optar pela teoria subjetiva, deverá provar a culpa do agente
causador do dano (caput do art. 927 do Código Civil), salvo se a culpa deste for
presumida pelo ordenamento jurídico, de forma relativa ou absoluta. Se optar pela
objetiva, deverá se valer de um dos dois caminhos a seguir: ou demonstrará que a
situação vivida se subsume a algum tipo legal impositivo do dever indenizatório
113
Culpa e risco, p. 41.
114
Instituições de direito civil, p. 367.
115
Ibidem, p. 366-367.
56
(primeira parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil) ou deverá demonstrar
que o agente causador do dano exerceu atividade arriscada para um direito seu
(segunda parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil).
116
Derecho civil, p. 300-301.
117
Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 141.
118
Ibidem, p. 141.
119
Responsabilidade pressuposta, p. 131.
57
Em arremate, por assim dizer, do “pai” do atual Código Civil, o Professor Miguel
Reale, a situação se resolve da seguinte maneira:
Trata-se, como alertado por Cláudio Luiz Bueno de Godoy, do que se convencionou
chamar de sistema do duplo binário.121
120
REALE JUNIOR, Diretrizes gerais sobre o Projeto de Código Civil, in Estudos de filosofia e
ciência do direito, São Paulo: Saraiva, 1978, p. 176-177, apud GONÇALVES, Carlos Roberto.
Direito civil brasileiro, p. 33.
121
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 50.
122
BIANCA, Massimo. Dirito Civile: la responsabilitá, Milano: Giuffrè, p. 534-539, apud GODOY,
Cláudio Luiz Bueno de. A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 50.
58
E continua o autor:
E Josserand arremata,
123
Faça-se menção, neste capítulo intitulado “responsabilidade sem culpa”, ao comentário de Cunha
Gonçalves, in Tratado de Direito Civil, v. XII, t. II, p. 476: “A culpa não consiste, somente, em querer
o dano ou não evitar o dano por negligência ou imprudência. Comete culpa, de igual modo, quem cria
um risco para os outros, por espírito de lucro, desporto ou divertimento, porque, numa sociedade
civilizada e igualitária, o bem commum é absolutamente incompatível com a livre expansão dos
egoísmos. Assim, é culpa objectiva, de responsabilidade virtual pelos danos de outrem, estabelecer
uma fábrica, explorar uma mina, efectuar transportes, andar de automóvel, exercer profissão
suscetível de causar prejuízos, embora qualquer daquelas actividades seja exercida na melhor das
intenções, no interêsse do público, da economia nacional, isto é, com o propósito de dar trabalho e
criar riqueza”.
124
Culpa e risco, p. 113-114.
125
Ibidem, p. 116.
59
Ocorre que, para que fosse possível essa passagem da responsabilidade subjetiva
para a objetiva, havia a necessidade do afastamento do elemento moral, da
pesquisa psicológica do íntimo do agente (em outras palavras, da culpa), para que
tomasse espaço a ideia exclusiva da reparação do dano de forma unicamente
objetiva.128
126
JOSSERAND, Les transports, 2 ed., Paris, 1926, n. 557 et seq., apud LIMA, Alvino. Culpa e
risco, p. 120.
127
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 30.
128
LIMA, Alvino. Culpa e risco, p. 39-42.
129
MAZEAUD. Tr. Théorique et pratique de la res. civ. dél. et contractuelle, 2 ed. Paris, 1934, vol.
1, n. 342, apud LIMA, Alvino. Culpa e risco, p. 117.
60
Assim, taxada de radical a do risco integral e abandonada por seu próprio criador a
do ato anormal, seguiram-se outras a essas duas teorias, como noticiam Rui
Stoco134 e Sérgio Cavalieri Filho135: 1) a teoria do risco-administrativo, imposta ao
Estado e às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público
delegado, desencadeando o dever indenizatório unicamente em virtude do perigo
que a atividade administrativa impõe aos direitos alheios; 2) a teoria do risco-criado,
pela qual qualquer manifestação humana que gera risco aos direitos alheios
determina o dever indenizatório; 3) a teoria do risco-profissional, propugnando que o
dever de indenizar tem cabimento toda vez que o fato prejudicial é uma decorrência
da atividade ou profissão do lesado, abarcando a maioria dos casos de acidentes de
trabalho; 4) a teoria do risco-proveito, sustentando que responsável pela indenização
130
MAZEAUD, Tr. Théorique et pratique de la res. civ. dél. et contractuelle, 2 ed. Paris, 1934, vol.
1, n. 342, apud LIMA, Alvino. Culpa e risco, p. 117.
131
DEFROIDMONT, Jean. La science du droit positif, Paris, 1933, p. 339 et seq., apud LIMA,
Alvino, p. 118.
132
MAZEAUD. Tr. Théorique et pratique de la res. civ. dél. et contractuelle, 2 ed. Paris, 1934, vol.
1, n. 348, apud LIMA, Alvino. Culpa e risco, p. 119.
133
MAZEAUD. Tr. Théorique et pratique de la res. civ. dél. et contractuelle, 2 ed. Paris, 1934, vol.
1, n. 348, apud LIMA, Alvino. Culpa e risco, p. 119.
134
Tratado de responsabilidade civil, p. 161/162.
135
Programa de responsabilidade civil, p. 128-130.
61
Para Alvino Lima, dentre todas, foi a do risco-criado, que funda a responsabilidade
extracontratual no risco advindo das múltiplas atividades humanas, sem dúvida, a
teoria que fixou as bases da nova concepção da responsabilidade sem culpa,
passando do campo doutrinal para o legal, tendo o movimento inaugurado por
Saleilles e defendido por Josserand se destacado como o que se consagrou não só
em dispositivos do direito comum, mas também na legislação especial.136
Para Alvino Lima, então, fixado o conceito de teoria do risco-criado como fruto
inevitável das atividades humanas, como consequência inerente à própria ação do
homem nas suas múltiplas manifestações da vida moderna, o seu desiderato foi
verificar se tal concepção encontrou guarida no direito positivo, quer em face do
direito comum, quer na legislação especial138, o que também é objetivo deste
trabalho dissertativo, examinando-se a teoria do risco como fundamento da
responsabilidade objetiva genérica prevista na segunda parte do parágrafo único do
artigo 927 do Código Civil de 2002.
136
Culpa e risco, p. 119.
137
Ibidem, p. 119.
138
Ibidem, p. 121.
62
Quanto às críticas, a teoria do risco, segundo Alvino Lima, na década de 1930, vinha
sendo alvo de intensos ataques dos adeptos da teoria subjetiva, dizendo-a brutal,
retrógrada e materialista.139
Alvino Lima, desta forma, buscou sistematizar as críticas à teoria do risco, indo às
fontes das obras dos Mazeaud, Joseph Rutsaert, Ripert, Colin e Capitant, Venzi,
Defroidmont e outros, resultando nos seguintes argumentos desfavoráveis, seguidos
dos respectivos rebates140:
1ª) Por uma primeira crítica, afirmam seus opositores que a teoria do risco é
resultante da influência de idéias positivistas; é uma concepção materialista do
direito, porque regula relações entre os patrimônios, abstraindo-se das pessoas. Só
estas existem, sob o ponto de vista jurídico, não se podendo, pois, eliminar a
pessoa, com alma e vontade. O problema da responsabilidade civil ultrapassa o
aspecto puramente material do patrimônio e penetra no domínio da pessoa, de seus
pensamentos, de seus sentimentos, de suas afeições.
Alvino Lima rebate essa primeira crítica dizendo ser grave a afirmação de que a
teoria do risco põe à margem todos os princípios de ordem moral que devem presidir
aos preceitos jurídicos, calcando aos pés a dignidade humana, igualando o mundo
moral ao físico. Assevera que nada é mais falso do que ver, na teoria objetiva do
risco, ideias de puro materialismo e de um princípio contra a liberdade. Para ele,
embora partindo do fato em si mesmo para fixar a responsabilidade, a doutrina do
risco tem raízes profundas nos mais elevados princípios de justiça e de eqüidade,
139
Culpa e risco, p. 189.
140
Ibidem, p. 190 et seq.
64
141
Culpa e risco, p. 195-196.
142
Culpa e risco, p. 196.
65
3ª) Por uma terceira crítica, propõe-se que a teoria do risco é a estagnação da
atividade individual, paralisando as iniciativas e arrastando o homem à inércia, visto
como, diante da responsabilidade sem culpa, de nada vale a prudência, a conduta
irreprovável, as precauções e cautelas, porquanto o agente deverá assumir a
responsabilidade de todos os danos que possam resultar das suas ações lícitas e
necessárias.
Sobre essa objeção, Alvino Lima não a taxa de improcedente, mas de contraditória
em face da própria teoria da culpa na guarda, como no caso de presunções
absolutas, não sendo mais que a consagração do próprio fato, não podendo o
agente demonstrar a ausência de culpa. Demais, malgrado a já instituição de
considerável número de casos de responsabilidade pela teoria do risco, como nas
atividades de transporte férreo e aeronáutico, o desenvolvimento econômico não se
arrefeceu, o que aponta para a improcedência da argumentação desfavorável.143
4ª) Para a quarta crítica, a teoria do risco é a aplicação das primitivas concepções
materiais da responsabilidade, quando o homem, sem o desenvolvimento
necessário, não tinha atingido ainda a perfeição de adotar como critério da
responsabilidade a noção de culpabilidade, fundada em ideias de ordem moral.
Seria regressar aos tempos primitivos e negar toda a evolução da responsabilidade,
a qual, provindo das ideias primitivas da vingança privada e brutal, chegou ao
conceito elevado da culpa, cuja supressão importaria em destruir toda a justiça
humana.
5ª) Pela quinta crítica, afirma-se que, se a teoria do risco proclama a obrigação de
arcar com o risco criado em virtude dos proveitos auferidos pela atividade humana,
visto tratar-se de uma compensação entre o proveito e dano, tal responsabilidade
não se justifica se não houver proveito. E se o indivíduo, como consequência de sua
143
Ibidem, p. 196/197.
144
Ibidem, p. 197/198.
66
atividade, deve responder pelo risco criador do dano, deveria também ter direito aos
proveitos que terceiros venham a auferir de sua atividade.
6ª) Finalmente, diz-se, na sexta crítica, que a teoria do risco não tem posição
verdadeira e definida no terreno jurídico. O direito se funda em noções precisas e
não sobre noções de aspecto filosófico ou econômico, de contorno mal definido. O
conceito de proveito é incerto e mal definido, ao passo que na noção de culpa há um
instrumento de controle preciso, sendo que a teoria do risco compromete
gravemente a própria ordem social.
Para rebater o argumento, Alvino Lima afirmou que não há preceito mais impreciso,
incerto e vago, mormente na sua fixação em cada caso concreto, que o conceito da
culpa, terminando por afirmar que não há princípio jurídico, por mais lógico nas suas
conclusões, por mais primoroso no seu contexto, por mais preciso nos seus
contornos, que possa abranger todos os casos que pretende regular, que não se
revele impreciso, vago e incompleto ante a realidade dos casos concretos.146
Por derradeiro, Alvino Lima fez constar em sua citada obra Culpa e Risco a seguinte
passagem, suficiente, por si só, não obstante sua diminuída extensão, para rebater
integralmente a ideia dos opositores da tese de Josserand:
145
Culpa e risco, p. 198.
146
Ibidem, p. 199.
147
Ibidem, p. 198.
67
Não se nega – ao contrário, até agora assim se sustentou – que o risco inerente a
determinadas atividades humanas foi o fator determinante para a instituição da
responsabilidade objetiva, sem indagação de culpa, portanto.
Rui Stoco, por seu turno, propõe que “pouco a pouco, a responsabilidade civil
marcha a passos largos para a doutrina objetiva, que encontra maior supedâneo na
doutrina do risco”.149
Ainda, diversos renomados juristas já citados neste trabalho apontam o risco como o
fator de propulsão para o afastamento da ideia de culpa quando do exame da
responsabilidade civil. Nesse sentido, pode ser citado Alvino Lima, ao afirmar que “a
teoria objetiva, que funda a responsabilidade extracontratual no risco criado pelas
múltiplas atividades humanas, foi, sem dúvida, a que fixou as bases da nova
concepção da responsabilidade sem culpa”150, e Carlos Roberto Gonçalves,
asseverando que “a responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a idéia
de risco”.151
Neste trabalho, todavia, o intuito não é o exame deste elemento, isto é, do “risco” da
atividade humana como fundamento da responsabilidade objetiva, apesar deste
instituto já ter sido tratado superficialmente, mas apenas como forma de se angariar
148
Responsabilidade civil do Estado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 35.
149
Tratado de responsabilidade civil, p. 157.
150
Culpa e risco, p. 119.
151
Responsabilidade Civil, p. 23.
69
Aquela primeira ideia de “risco” deu ensejo à teoria objetiva desenvolvida no fim do
século XIX e início do século XX, resultando na edição de diversos dispositivos
legais em praticamente toda a legislação mundial, impositivos do dever indenizatório
independentemente de culpa do agente causador do dano, originando-se a
responsabilidade objetiva tipificada ou fechada, como se viu.
Essa advertência serve apenas para posicionar o leitor sobre o fato de que não se
pretende, neste trabalho, discorrer sobre a doutrina do “risco” que originou a
responsabilidade objetiva tipificada ou fechada, mas sim que se pretende estudar o
“risco” como elemento nuclear da nova modalidade de responsabilidade civil objetiva
genérica advinda com o Código Civil de 2002.
A mesma distinção que se fez no item anterior vale neste capítulo, qual seja, não se
visa analisar a justificativa para o surgimento da doutrina do risco no final do século
XIX, mas sim discorrer sobre a motivação da abertura do sistema objetivo de
responsabilização introduzido nos ordenamentos jurídicos a partir da segunda
metade do século XX, resultando na cláusula genérica de responsabilidade objetiva
fundada na atividade de risco prevista na segunda parte do parágrafo único do art.
927 do Código Civil brasileiro de 2002.
Nesse sentido, pode-se dizer que várias são as vertentes, legais e doutrinárias, que
procuram fundamentar a ideia de que uma pessoa possa ser responsabilizada
civilmente sem que tenha atuado culposamente, mas só pelo fato de ter exercido
uma atividade arriscada para os direitos de outrem.
Essa noção de reposição dos cômodos (os lucros) pelos incômodos (os riscos)
parece intangível no assunto, sendo já posta em relevo durante as aulas de direito
civil ministradas pela eminente professora Rosa Maria de Andrade Nery, no curso de
mestrado da Pontifícia Universidade Católica, pronunciando a ideia com outras
palavras: “aquele que aufere o bônus deve suportar o ônus”.
La ley 17.711, acorde com esta nueva orientación del derecho de daños,
introdujo otros factores objetivos de atribución, especialmente el riesgo
creado.
152
Responsabilidade civil, p. 276.
71
Nota-se a noção de proveito, que levaria, então, o autor do dano a indenizar a infeliz
vítima de sua atividade lucrativa arriscada, na visão de Carlos A. Ghersi.
Rui Stoco traz uma outra noção, chamando a atenção para a cautela que deve ser
observada pelo agente da atividade arriscada, asseverando que
Aguiar Dias, ao interpretar o parágrafo único do artigo 929 (atual art. 927) do projeto
que resultou no Código Civil de 2002, reconhecendo a concessão de espaço à
responsabilidade civil baseada no risco, afirmou que:
Verifica-se, então, a noção de que o agente que exerce a atividade arriscada deve
suportar a indenização porque a ninguém é dado lesionar o outro (neminem
laedere), de forma que foi necessária e bem vinda a introdução da responsabilidade
objetiva genérica pelo exercício da atividade de risco.
153
Theoría general de la reparación de daños. Buenos Aires: Astrea de Alfredo y Ricardo Depalma,
1997, p. 145.
154
Tratado de Responsabilidade Civil, p. 177.
155
Da responsabilidade civil, p. 40-41.
72
Aida Kemelmajer Carlucci e Carlos Parellada afirmam que o dano pode dar-se entre
um inocente e um culpado, em cujo caso não há dificuldade em se valer de fatores
subjetivos de atribuição de responsabilidade. Mas, segundo eles, também é possível
que o dano derive de um proceder de um sujeito a quem não se pode reprovar sua
conduta; trata-se de dois inocentes: o que sofre o dano e o que causa o dano; neste
caso os fatores objetivos de atribuição disciplinam a questão, pois o dano não foi
injustamente causado, mas injustamente sofrido156.
Segundo Octavio Augusto Machado de Barros, “os que invocam a teoria do risco o
fazem com base principalmente na eqüidade e na solidariedade”.157
A filosofia que domina esse crescente setor é a de que a vítima não pode
ficar sem reparação. Assim, as orientações básicas são as de que deve
haver uma extensão da área da responsabilidade civil e uma justa
distribuição dos riscos, posições que vão, de forma concreta, em algumas
158
situações, chegando à mencionada socialização dos riscos.
Numa outra vertente, José Acir Lessa Giordani159 enfoca a responsabilidade objetiva
genérica do Código Civil sob o prisma da ampliação do acesso à justiça, como
medida de cunho democrático, no que é seguido por Anderson Schreiber, ao
sustentar que “a orientação constitucional foi, neste particular, concretizada de forma
corajosa pelo novo Código Civil brasileiro, o qual instituiu, no parágrafo único do art.
927, uma cláusula geral de responsabilidade objetiva para a atividade de risco”.160
Georges Ripert161, visualiza a questão sob dois enfoques, ora afirmando que “não é
por ter causado o risco que o autor é obrigado à reparação, mas sim porque o
causou injustamente, o que não quer dizer contra o direito, mas contra a justiça”, ora
ao dissertar sobre o domínio da lei moral no direito, propondo que “o dever de não
fazer mal injustamente a outros é o fundamento da responsabilidade civil”,
prosseguindo no seguinte sentido:
156
In Responsabilidad Civil. ITURRASPE, Jorge Mosset (Org.). Buenos Aires: Hammurabi, 1997, p.
187.
157
Responsabilidade pública, p. 45.
158
Responsabilidade civil: teoria e prática. São Paulo: Forense Universitária, 2005, p. 97.
159
A responsabilidade civil objetiva genérica, p. 2-3.
160
Novas tendências da responsabilidade civil brasileira. Revista Trimestral de Direito Civil, n. 22,
p. 50, abr./jun. 2005. p. 50.
161
A regra moral nas obrigações civis, p. 226.
73
Não se julgue que na elaboração desta teoria nova, os espíritos não tenham
sido guiados pelas mais altas considerações morais. A repartição do mesmo
gênero de prejuízos, causados pela mesma categoria de pessoas à mesma
categoria de vítimas, atesta a existência duma desigualdade resultante da
vida social e cria um nervosismo maior que não permite mais conceber o
162
prejuízo como fatal.
Mário Júlio de Almeida Costa compreende que se alguém exerce uma atividade
criadora de perigos especiais, ela deve responder pelos danos que ocasione a
terceiros, como que numa contrapartida das vantagens que aufere no exercício de
tal atividade164.
Trimarchi afirma que o empreendedor deve assumir o risco, mesmo sem ser
culpado, conexo com sua empresa, pois está capacitado a enfrentá-lo
economicamente, assegurando-se contra ele, o prevendo diretamente, e guardando
somas para ressarcimento dos danos causados pela empresa, refazendo-se com
um correspondente aumento do preço dos bens e serviços produzidos.165
162
A regra moral nas obrigações civis, p. 213.
163
Programa de responsabilidade civil, p. 285.
164
Direito das Obrigações, 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1994, p. 514.
165
Rischio e responsabilitá oggettiva. Milano: Dott A. Giuffré, 1961, p. 31.
166
Ibidem, p. 34.
167
Ibidem, p. 36.
74
Que quem pratica um ato, ou incorre numa omissão de que resulte dano,
deve suportar as conseqüências do seu procedimento, tratando-se de uma
regra elementar de equilíbrio social, na qual se resume, em verdade, o
170
problema da responsabilidade.
170
Responsabilidade civil, p. 3.
76
171
CANARIS, Claus-Wilhelm. A influência dos direitos fundamentais sobre o direito privado na
Alemanha, In Constituição, Direito Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Editora Livraria do
Advogado. 2ª edição, 2006, p. 227.
77
Assim, em primeiro plano, quando o evento danoso resulte de uma conduta culposa
(lato sensu, incluindo a dolosa ou aquela praticada por imprudência ou negligência),
haverá incidência do caput do artigo 927 do Código Civil, aplicando-se a teoria
clássica subjetiva, com exclusão da responsabilidade objetiva genérica pela
atividade de risco.
Por isso que o exemplo trazido por Leonardo de Faria Beraldo como de atividade de
risco, data venia, não poderia servir ao comentário que fez ao parágrafo único do
artigo 927 do Código Civil, tendo colacionado a seguinte ementa de acórdão do
Tribunal de Justiça do Paraná:
172
Ressalve-se, todavia, o entendimento de respeitabilíssima parte da doutrina nacional, entendendo
que a hipótese de vício de qualidade ou de quantidade do produto ou do serviço se enquadra na
teoria subjetiva, com presunção absoluta de culpa do fornecedor (QUEIROZ, Odete Novais Carneiro.
Da responsabilidade por vício do produto e do serviço. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998,
passim).
173
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das
relações contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, 1342 p.
174
A responsabilidade civil no parágrafo único do art. 927 do Código Civil e alguns
apontamentos do direito comparado. Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 376, p. 135, nov./dez.
2004.
79
Note-se que, não obstante o v. acórdão tenha se referido a atividade perigosa, não
se pode deixar de notar que a questão não foi resolvida com fundamento na
responsabilidade objetiva genérica prevista no Código Civil, objeto do estudo de
Faria Beraldo, mas sim com lastro na já tradicional responsabilidade objetiva
tipificada ou fechada do Código de Defesa do Consumidor.
O que se quer dizer é que não incide a responsabilidade civil objetiva genérica nas
questões afetas às relações de consumo, por já terem seus regramentos exauridos
pela Lei de Proteção ao Consumidor.
A prestação de serviços defeituosos por profissionais liberais, por seu turno, também
não poderá ser resolvida pela aplicação da segunda parte do parágrafo único do art.
927 do Código Civil, porque somente será apurada mediante a verificação da culpa
do agente danoso (§ 4º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor).
do artigo 936 (responsabilidade do dono pelo dano causado pelo animal), do artigo
937 (responsabilidade do dono do edifício pelo dano resultante de sua ruína) e do
artigo 938 (responsabilidade do habitante do prédio pelos danos ocasionados pela
queda de objetos), cada qual cogitando de uma específica situação, no que
claramente se está lidando com a responsabilidade objetiva típica ou fechada.
Por último, deve ser dito que, com relação às práticas contratuais não se deve
cogitar da incidência da responsabilidade objetiva genérica pela atividade de risco,
porquanto esta é uma modalidade de responsabilidade civil aquiliana,
extracontratual. Os problemas advindos dos negócios jurídicos, sobretudo no que
tange às indenizações devidas pelos inadimplementos das prestações, são regidos
pelas disposições contidas no Título IV do Livro I da Parte Especial do Código Civil,
denominado Do inadimplemento das obrigações, sendo que o instituto em exame
dissertativo (a responsabilidade civil objetiva genérica pela atividade de risco) está
previsto no mesmo Livro I, porém em outro Título (o de nº IX).
Está aí o problema, procurando dele se ocupar quando do exame de cada uma das
atividades em que se vislumbrou algum resquício de risco para os direitos de
outrem, ainda que seja para negá-lo, como se verá.
A essa altura pensa-se já estar suficientemente claro o fato de que à teoria subjetiva
juntou-se, sem substituí-la, contudo, a teoria objetiva, não se cogitando da culpa
para a imposição do dever indenizatório ao agente causador do dano.
Ocorre que, como já visto, em princípio, tal dever indenizatório veio posto em
dispositivos legais que previam certos e determinados casos, sem que houvesse
uma cláusula genérica nesse sentido, daí se falando em responsabilidade objetiva
tipificada ou fechada.
Nesse particular, a evolução operada pelo Código Civil de 2002 foi exatamente a
instituição de tal cláusula indenizatória genérica, tendo como fato gerador da
responsabilidade a atividade de risco para os direitos alheios desenvolvida pelo
agente causador do dano.
Carlos Roberto Gonçalves se filia aos que se mostraram satisfeitos com a novidade,
asseverando que “dentro dos estreitos limites de uma codificação subjetivista, como
o Código Civil brasileiro em vigor, poderão as vítimas ficar ao desamparo, em alguns
casos”, concluindo que agora a jurisprudência pode completar o quadro protecionista
da responsabilidade civil ante a realidade de novas situações de perigo que possam
surgir, a par das já consagradas.176
176
Responsabilidade Civil, p. 279.
83
Sob esse prisma, o Novo Código Civil apresenta, portanto, uma norma
aberta para a responsabilidade objetiva no parágrafo único do art. 927. Esse
dispositivo da lei nova transfere para a jurisprudência a conceituação de
atividade de risco no caso concreto, o que talvez signifique perigoso
alargamento da responsabilidade sem culpa. É discutível a conveniência de
uma norma genérica nesse sentido. Melhor seria que se mantivesse nas
180
rédeas do legislador a definição da teoria do risco.
177
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 179.
178
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 166.
179
NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções preliminares de direito civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 69.
180
A responsabilidade objetiva no novo Código Civil. Disponível em:
www.facs.br/revistajuridica/edicao_maio2003/convidados/c1.doc. Acesso em 07 de janeiro de 2009.
84
No plano internacional, Jaime Santos Briz propõe que deve ser rechaçada a ideia da
existência de um princípio geral de risco ou de exposição ao perigo que possa
situar-se ao lado do tradicional princípio da responsabilidade por culpa182.
Ainda, as partes, por meio de seus procuradores, têm o ônus de levar ao juiz seu
convencimento sobre o que entendem por atividade perigosa, participando também
da interpretação e conclusão acerca do que pode ser compreendido como atividade
de risco.
Deve ser lembrado, também, que outras tantas situações são entregues ao decisório
judicial e nem por isso houve qualquer tipo de insurgência, valendo dizer, por
exemplo, do conteúdo extremamente vago do § 4º do art. 1.228 do Código Civil.
Nesse sentido, quanto ao conteúdo deste dispositivo legal, indaga-se o que significa
extensa área, ou considerável número de pessoas, ou obras e serviços de interesse
social e econômico relevante. Quem ditará o significado de tantas expressões da lei
será o juiz, apoiado, sempre, na doutrina, na jurisprudência e no trabalho
argumentativo das partes, estando sua decisão sujeita ao duplo grau de jurisdição e
ainda aos recursos especial e extraordinário, conforme o caso.
181
BERALDO, Leonardo de Faria. A responsabilidade civil no parágrafo único do art. 927 do Código
Civil e alguns apontamentos do direito comparado. Revista Forense, n. 376, p. 132.
182
La responsabilidad civil – derecho sustantivo y derecho procesal, p. 561/562.
85
Por fim, diga-se que a solução brasileira já foi adotada em vários países
desenvolvidos e com suas democracias já devidamente consolidadas, não
procedendo, pois, a insurgência de parte da doutrina quanto à abertura do sistema
da responsabilidade objetiva.
183
A Responsabilidade Civil Objetiva Genérica, p.87-88.
86
Dispõe o Código Civil mexicano, de 1932, em seu artigo 1.913, que: quando uma
pessoa faz uso de mecanismos, instrumentos, aparelhos ou substâncias perigosas
por si mesmas, pela velocidade que desenvolve, por sua natureza explosiva ou
inflamável, pela energia da corrente elétrica que conduza ou por outras causas
análogas, está obrigada a responder pelo prejuízo que causar, mesmo que não obre
ilicitamente, a não ser que demonstre que esse prejuízo foi produzido por culpa ou
negligência inescusável da vítima.
No Brasil, não houve essa previsão legal antecipada sobre o risco de determinadas
atividades, ficando a compreensão do que isso significa ao crivo do magistrado, em
cada caso concreto.
Não parece, todavia, o raciocínio mais adequado, como se verá no exame do item
específico sobre o tema, a seguir. Adiantando, apenas, alguma conclusão, deve ser
mencionado que o artigo 403 do Código Civil brasileiro prevê a indenização por
perdas e danos direta e imediatamente decorrentes da inexecução da obrigação,
obviamente por parte de quem a ela estava jungido. Assim, a culpa exclusiva da
vítima não é óbice para que o prejuízo não seja a ela inteiramente imputado, à vista
da quebra do próprio nexo causal entre o dano e a conduta do suposto ofensor, de
forma que ambos os ordenamentos jurídicos, o brasileiro e o mexicano, nesse ponto,
têm idêntica solução.
Código Civil português, artigo 493, item II: quem causar dano a outrem no exercício
de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios
89
Código Civil italiano184, art. 2.050: Chiunque cagiona danno ad altri nello svolgimento
di un’attività pericolosa, per sua natura o per la natura dei mezzi adoperati, è tenuto
al risarcimento, se non prova di avere adottato tutte le misture idonee a evitare il
danno.
Cabe, aqui, o exame sobre se o nosso código tende mais ou menos à proteção da
vítima em face dos códigos português e italiano, sendo tema delicado e merecedor
de estudo pausado.
184
O Código Italiano de 1865 se inspirou no Código de Napoleão, segundo o ilustre doutrinador
daquele país Massimo Bianca, in Diritto Civile, p. 10.
90
Rui Stoco reconhece, contudo, que o nosso Código Civil é mais rigoroso e protetivo
da vítima, em razão de nossa lei ter desprezado o meio utilizado, tornando-o
desimportante para efeito de responsabilização.185
Com esse raciocínio não se está admitindo que a lei brasileira não contemple a
hipótese de responsabilidade objetiva pelo risco dos meios utilizados para a
consecução da atividade-fim. Esse é um tema que será posto para exame num item
próprio, quando da exegese da expressão legal que consagrou a responsabilidade
objetiva genérica pela atividade de risco. O que se está pretendendo demonstrar é
que a lei brasileira não é mais protetiva da vítima se comparada com as legislações
portuguesa e italiana, mas, sim, menos protetiva, desde que interpretada
literalmente, pois aqui só o risco da atividade confere direito à indenização, não o
risco dos meios utilizados. Seria, no máximo, equiparada, se se concluísse que a
segunda parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002, não obstante
a ausência de referência expressa, abarca, do mesmo modo que o risco da atividade
em si, o risco dos meios pelos quais ela é desenvolvida. Aí se estaria diante de uma
equiparação de proteção no que refere à comparação entre a lei brasileira e as leis
185
Tratado de responsabilidade civil, p. 175.
91
portuguesa e italiana, mas nunca se podendo falar em maior proteção da lei nacional
frente às leis internacionais estudadas.
Nesse ponto, sem sombra de dúvidas, o nosso código é mais protetivo da vítima
frente às leis portuguesa e italiana. Concorda-se, agora sim, com o admirado Rui
Stoco186, que, ao deixar de prever expressamente a possibilidade de o autor do dano
comprovar que empregou as providências necessárias para evitar o infortúnio, o
Código Civil brasileiro ofertou maior proteção à vítima, ao contrário do que fizeram
os códigos italiano e português, solução, aliás, compartilhada por Carlos Roberto
Gonçalves.187
Por fim, vale lembrar que a chamada prova liberatória do direito italiano, ou
seja, a demonstração, pelo agente, de que tomou todas as providências
idôneas para evitar o dano produzido (art. 2.050), igual ressalva que se
levou ao Código Civil português (art. 493, n. 2), no direito brasileiro não
serve a beneficiar aquele que desempenha uma atividade produtiva de
especial risco. Veja que, em nosso sistema, a regra do parágrafo único do
artigo 927 foi textualmente inserida em sistema de responsabilidade sem
culpa. Aliás, trata-se mesmo, como se viu, da cláusula geral da
responsabilidade independentemente de culpa, pelo risco da atividade.
Pois, discutir a tomada de medidas preventivas idôneas, pelo agente,
mesmo que com inversão no ônus probatório, é volver a responsabilidade
para o dono da culpa. Ter-se-á, afinal, a possível discussão da não culpa do
responsável pelo desempenho da atividade. Mas culpa não se debate,
como está no preceito legal; a responsabilidade lá estabelecida se erige
188
independente de culpa.
Concluindo: num tema, sobre se a reparação deve ser objetiva apenas no que tange
à atividade ou também com relação aos meios empregados, em princípio, parece
menos protetivo da vítima o Código Civil brasileiro; enquanto noutro tema, no que
refere à possibilidade de o agente causador do dano produzir prova de seu
acautelamento quanto às conseqüências de sua atividade arriscada, parece mais
186
Tratado de responsabilidade civil, p. 175.
187
Responsabilidade Civil, p. 277.
188
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 173.
92
Afirma que, na verdade, por falta, na sede de trabalho de preparação do Código Civil
de 1942, de uma aprofundada discussão da questão, não se resolveu o problema da
responsabilidade pelo risco, e a única substancial inovação na matéria veio
representada pelo artigo 2.050, pela responsabilidade derivada do exercício de
atividades perigosas, num princípio intermediário entre aquele da culpa e aquele do
risco, parecendo mais fruto de uma perplexidade que de uma ponderada decisão.189
Mas, o ilustre doutrinador italiano parece não concordar plenamente com a ideia de
algo intermediário entre a culpa e o risco, indagando: mas que dizer da hipótese da
responsabilidade pelo exercício de atividade perigosa que pareceria ter uma posição
intermediária entre o princípio da culpa e aquele do risco?190
E segue Trimarchi, dizendo que, acerca do art. 2.050 do Código Civil italiano,
escreve-se que se trata de uma responsabilidade particularmente rigorosa, fundada,
porém, sempre na culpa. Mas, para ele, como se disse, de fato, entre
responsabilidade por culpa e responsabilidade sem culpa parece não existir nada de
intermediário. Ou existe uma violação de um dever de conduta e então há culpa, ou
não há uma violação de um dever de conduta e então não há culpa: uma terceira
possibilidade não existe, afirma.191
189
Rischio e responsabilitá oggettiva, p. 1.
190
Ibidem, p. 275.
191
Ibidem, p. 276.
192
Ibidem, p. 276.
93
Pareceu-lhe certo que o legislador não teve a intenção, com o artigo 2.050 em
comento, de reafirmar o princípio do artigo 2.043, que trouxe somente uma inversão
do ônus da prova. Para ele, a intenção era não somente de inverter o ônus da prova,
mas também de editar, com uma regra de direito substancial, uma responsabilidade
mais rigorosa que a da responsabilidade por culpa.193
E afirma que tal intenção foi traduzida naquela fórmula legislativa (art. 2.050), porque
se impõe a responsabilidade para quem tenha faltado com a adoção de “todas as
medidas idôneas para evitar o dano”, e a falta de adoção de todas as medidas
idôneas a evitar o dano não significa necessariamente violação de um dever de
conduta. Para Trimarchi, no exercício de cada atividade perigosa pode-se pensar na
adoção de medidas suplementares de segurança além daquelas de que
razoavelmente se requer a adoção. Diz que os controles podem ser feitos de forma
mais minuciosa e mais frequente; os dispositivos de segurança podem ser
multiplicados e outros novos e complicados podem ser adotados. Mas, argumenta,
há um limite razoável a tudo isso: onde o risco residual é suficientemente escasso,
tido em conta – com base num juízo de caráter típico – a utilidade social da atividade
a qual ela está inserida, e a adoção de outras medidas maiores de segurança seria
excessivamente custosa e paralisaria a atividade. Além desse limite, segundo o
italiano, existem ainda possíveis medidas idôneas para reduzir o risco, mas não há
culpa na falta de sua adoção. E concluiu: se a responsabilidade, ainda assim, vem
imposta, ela não é fundada na culpa.194
Trimarchi, então, termina por defender que a responsabilidade do artigo 2.050 não
quer ser uma punição para o empreendedor, mas uma pressão econômica
impessoal sobre a empresa perigosa, por certo risco a ela inerente; e, se assim é, o
fato objetivo da falta de adoção das medidas idôneas a evitar o dano parece
constituir um critério mais adequado a delimitar a responsabilidade: uma
responsabilidade por risco objetivamente evitável, com sua função econômica.195
193
Ibidem, p. 276.
194
Ibidem, p. 277.
195
Rischio e responsabilitá oggettiva, p. 279.
94
[...] esteve muito além do que simplesmente optar por uma regulamentação
da responsabilidade por danos baseada apenas num sistema de culpas e
sanções; na verdade, ele preferiu autorizar, com controle conseqüencial
(impondo ao agente a obrigação de reparar os danos causados a terceiro),
196
o exercício de uma atividade perigosa, se ela tivesse uma utilidade social.
E a mesma civilista brasileira conclui que “culpa presumida, ainda que presumida, é
culpa”, considerando, “por isso, essa estranha descrição da prova liberatória, por
menos ambígua que seja, ao menos, contraditória em sua própria concepção”.197
196
Responsabilidade pressuposta, p. 292.
197
Ibidem, p. 295.
198
La Responsabilità Civile, Milano: Dott. A. Giuffré Editore, 1980, v. 2, p. 19.
199
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 62.
200
Ibidem, p. 74.
201
Ibidem, p. 74.
95
Aduz, ainda, Cláudio Luiz Bueno de Godoy que, mesmo se considerando a hipótese
de deferimento do direito probatório nesse sentido, “a tendência da doutrina e da
jurisprudência acabou sendo sempre a de tornar mais rigorosa a prova liberatória do
artigo 2.050”.203
202
TRIMARCHI, Pietro. Rischio e responsabilitá oggettiva. Milano: Giuffrè, 1961, p. 270, apud
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 74.
203
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 75.
204
Ibidem, p. 79-80.
205
Ibidem, p. 76.
96
Interessante é notar que se trata de dois dos povos mais avançados em matéria de
responsabilidade civil, sendo desnecessário repetir que toda a teoria do risco foi
desenvolvida pelos franceses Saleilles e Josserand, com base, dentre outros
elementos, em disposições legais impositivas do dever reparatório sem culpa já da
antiga região prussiana, na Alemanha.
Como dito, não optaram as duas poderosas nações pelo sistema aberto de
responsabilidade objetiva, conquanto reconhecida toda sua história de vanguarda
nos temas afetos à responsabilidade civil.
Corroborando tais assertivas, com relação ao direito francês, Cláudio Luiz Bueno de
Godoy, afirma que:
E com relação ao direito alemão, da mesma forma, Bueno de Godoy sustenta que,
“igualmente antes da reforma de 2002, Regis Fichtner salientou a opção positivista
do BGD pela ausência de previsão de uma cláusula geral de responsabilidade
extracontratual”.207
206
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 59.
207
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 50.
97
Interessa-nos com mais peculiaridade o artigo 404 do mesmo Código Civil soviético:
208
Culpa e risco, p. 35.
98
Apenas como forma de propagar a notícia já trazida por Alvino Lima, porque
portadora de uma peculiaridade ímpar, transcreve-se o artigo 406 do Código Civil
soviético:
Trata-se, como bem acentuou Alvino Lima, de forte arma nas mãos dos governantes
para atingir classes mais ricas, em proveito dos trabalhadores, alcançando os
primeiros fins da revolução soviética.209
Continuando esse pequeno estudo comparativo, deve apenas ser trazida uma breve
notícia acerca da matéria no direito inglês e norte-americano.
Não há, naqueles países de commom law (Inglaterra e Estados Unidos), uma regra
geral impositiva do dever indenizatório decorrente da culpa, como no nosso artigo
186 ou no artigo 1.382 do Código Civil francês e de tantos outros países da civil law.
209
Culpa e risco, p. 38-39.
99
Daí que Cláudio Luiz Bueno de Godoy lembra Marco Comporti, afirmando que, “o
desenvolvimento histórico que lá se reservou à responsabilidade objetiva esteve
sempre ligado ao tema do risco exacerbado, ou perigo mesmo, ou ao se dizer da
responsabilidade rigorosa”.211
[...] para aqueles povos, cada qual deve responder por todas as
conseqüências de seus atos em virtude, tão-somente, de cada um dever
arcar com os riscos e perigos derivados desses mesmos atos, para os quais
212
em pouca conta se levaria o estado de consciência daquele que lesa.
Noticia Cláudio Luiz Bueno de Godoy que o Código Civil argentino, adotando a culpa
como critério geral de imputação foi, todavia, reformado justamente para se efetivar
o acréscimo ao artigo 1.113, de que “si el daño hubiere sido causado por el riesgo o
vicio de la cosa, solo se eximira total ou parcialmente de responsabilidad
acreditando la culpa e la víctima o de um tercero por quien no debe responder”
(redação do § 1º, 2ª parte, do dispositivo citado, dada pela Lei 17.711/68). Segundo
o autor, vê-se o caminho, ao menos, para uma regra geral de responsabilidade sem
culpa, pelo risco criado.213
Para Aida Kemelmajer Carlucci e Carlos Parellada, o Código Civil argentino não
contém uma norma que regule a responsabilidade civil pelas atividades arriscadas
na órbita extracontratual214.
210
LIMA, Alvino. Culpa e risco, p. 29-31.
211
COMPORTI, Marco. Exposizione ao el perigo e responsabilitá civile. Napoli: Morano, 1965, p.
118, apud GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 66-
67.
212
HOLMES, Oliver Wendell. Il diritto comune anglo-americano, Milão, 1870, p. 140, apud SILVA,
Wilson Melo da. Responsabilidade Sem Culpa, p. 45.
213
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 64.
214
Responsabilidad Civil. ITURRASPE, Jorge Mosset (Org.). Buenos Aires: Hammurabi, 1997, p.
198.
100
Por fim, afirmam Aida Kemelmajer Carlucci e Carlos Parellada que o projeto de
unificação da legislação civil e comercial da Argentina modifica o artigo 1.113 do
Código Civil em vigor, acima transcrito, para os seguintes termos: “Lo previsto para
los dañso causados por el riesgo o vicio de la cosa es aplicable a los daños
causados por actividades que sean por su naturaleza o por las circunstancias de su
realización”216.
Dá conta ainda Cláudio Luiz Bueno de Godoy de nos trazer a redação do Código
Civil boliviano, de 06 de agosto de 1975, artigo 998: “quien en el desempeño de una
actividad peligrosa ocasiona ao outro uno daño esta obrigado a la indennización si
no prueba la culpa de la víctima”.
A seguir, o Código Civil paraguaio, (Ley nº 1.183/85), artigo 1.846: “el que crea un
peligro con su actividad o profesión, por la naturaleza de ellas, o por los medios
empleados, responde por el daño causado, salvo que pruebe fuerza mayor o que el
perjuicio fue ocasionado por culpa exclusiva de la víctima, o de un tercero por cuyo
hecho no deba responder”. Na lição de Cláudio Luiz Bueno de Godoy, portanto, uma
obrigação de indenizar, com excludentes de quebra de nexo de causalidade,
originária do exercício de uma atividade intrinsecamente perigosa.217
Enfim, Bueno de Godoy noticia acerca do Código Civil peruano, de recente edição
(Decreto Legislativo 295, de 24.06.1984), muito embora produto do trabalho de
comissão instituída em 1965. Em seu artigo 1.970, institui-se uma responsabilidade
genérica pelo risco (responsabilidad por riesgo). Porém, em sua redação,
separadamente, aludiu-se ao risco criado e ao perigo inerente. Consoante o texto do
preceito citado, “aquel que mediante un bien riesgoso o peligroso, o por el ejercicio
215
Responsabilidad Civil. ITURRASPE, Jorge Mosset (Org.). Buenos Aires: Hammurabi, 1997, p.
198.
216
Responsabilidad Civil. ITURRASPE, Jorge Mosset (Org.). Buenos Aires: Hammurabi, 1997, p.
199.
217
Ibidem, p. 71.
101
Ainda acerca da tomada das medidas acautelatórias por parte do agente, o Código
Civil de Porto Rico prevê a hipótese de o autor do dano demonstrar que se
acautelou para que o prejuízo não adviesse de sua atividade, in verbis: Igualmente
responderán los propietarios de los daños causados por la explosión de máquinas
que no hubiesen sido cuidadas con la debida diligencia, y la inflamación de
sustancias explosivas que no estuviesen colocadas en lugar seguro y adecuado.
Por outro lado, os Códigos Civis da Argentina (art. 1.113), este já visto, e do Peru
(art. 1.970) não contêm a reserva da demonstração pelo autor do dano sobre a
tomada de cautelas, atuando, nesse ponto, como a nossa legislação nacional.
218
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 71.
102
219
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 23.
220
Anteriormente, já foram apontadas todas as teorias baseadas no risco, bastando por ora
mencionar as duas a que se refere, risco-criado e risco-proveito, sendo as que mais se destacaram.
103
Ainda, Carlos Roberto Gonçalves advoga de maneira clara que, “tendo sido
acolhida, no dispositivo em tela, a teoria do risco-criado, e não do risco-proveito,
como entende a melhor doutrina, não se pode atribuir à vítima o ônus de demonstrar
que o causador do dano exercia atividade lucrativa”.223
Para o juiz de direito Bueno de Godoy, “a novidade está numa previsão genérica ou
numa cláusula geral da responsabilidade sem culpa, baseada na ideia do risco-
criado”. Afirmando, na seqüência, que, “antes, porém, força convir ostentar-se de
todo equânime a disposição de que quem cria risco a outrem com sua atividade, daí
tirando qualquer proveito, não necessariamente econômico, seja por ele
responsabilizado”.224
Acir Lessa informa que Salleiles concebeu e Josserand aprimorou a teoria do “risco-
criado”, considerando-a uma evolução da teoria do risco-proveito, com a “vantagem
de dispensar a prova de que o autor do fato auferiria vantagens econômicas da
atividade que resultou no dano, já que o risco terá incidência em todas as atividades
desenvolvidas, ainda que se trate de mero lazer ou recreação”.225
221
Responsabilidade civil, p. 287.
222
Tratado de responsabilidade civil, p. 162.
223
Responsabilidade Civil, p. 281.
224
Código civil comentado: doutrina e jurisprudência, p. 765, coordenação PELUSO, Cezar.
225
A responsabilidade civil objetiva genérica, p. 49.
104
Apenas deve ser ressalvado que, mesmo a doutrina que acolhe a responsabilidade
civil objetiva genérica como resultado do risco-criado, variavelmente, pende, como
que num vacilo, para o risco-proveito. E isso tem uma explicação: não obstante uma
pessoa desinteressada de qualquer benefício possa exercer atividade perigosa aos
interesses alheios, realizando mera atividade de lazer arriscada, a maioria torrencial
das situações geradoras de danos provém de condutas que visam à cumulação de
riquezas, como nas atividades empresariais.
Concluindo, não há qualquer contradição nas palavras daquele que defende o risco-
criado e traz como exemplos de atividades perigosas aquelas geradoras de
riquezas.
226
Direito civil brasileiro, p. 34.
105
Sufraga essa tese a afirmação de Silvio Rodrigues, para quem, “o tamanho do risco
deverá ser posto em paradigma com o tamanho do lucro obtido ou almejado pelo
empresário”.228
Assim, pelo que se pôde entender das palavras dos grandes civilistas brasileiros,
defendem Maria Helena Diniz e Silvio Rodrigues o acolhimento da teoria do risco-
proveito quando da criação da responsabilidade civil objetiva genérica pela atividade
arriscada.
Postas as duas vertentes, tem o leitor a oportunidade de se orientar pela que mais
lhe agrade.
227
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3. p.
762.
228
Direito civil, p. 165.
106
Promovida o que se pensa ser uma teoria geral acerca do assunto, já é momento de
se ingressar de vez na busca do conceito do instituto em exame, tentando-se
apreender aquilo que faz a responsabilidade objetiva genérica diferente da
responsabilidade objetiva típica prevista na legislação, podendo-se dizer que esse
elemento discriminante se verifica quando: a atividade normalmente desenvolvida
pelo autor do dano implique, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
229
Programa de responsabilidade civil, p. 154.
107
Primeiro termo a ser explicitado é a palavra atividade, que Cavalieri Filho extrai
como núcleo do trecho ora em estudo, não a confundindo com ação ou omissão,
mesmo porque já inserida no artigo 186 do Código Civil, interpretando-a como
“conduta reiterada, habitualmente exercida, organizada de forma profissional ou
empresarial para fins econômicos”, equiparando-a a serviços.230
230
Programa de responsabilidade civil, p. 155.
231
Ibidem, p. 155-156.
108
Rui Stoco, de certo modo, afiança esse posicionamento, afirmando que “atividade,
aqui, não significa mera ação ou omissão do agente, mas exercício profissional
contínuo e estruturado sob a forma de exploração comercial, industrial ou outra
qualquer”.234
Exposta a crítica de Cláudio Luiz Bueno de Godoy, veja-se, sem que isso signifique
adesão ao posicionamento de Cavalieri Filho, a relação dessa noção de atividade
fornecida pelos doutos com o conceito de empresário fornecido pelo Código Civil, in
verbis: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.
Tudo leva a crer, então, que, para boa parte da doutrina civil brasileira, o termo
atividade está intimamente ligado ao direito empresarial, significando o fornecimento
organizado e profissional de serviços e produtos, com fins lucrativos.
Diga-se que a solução apresentada por esta abalizada gama de juristas vem ao
encontro da mais moderna teoria da empresa, sufragada pelo vigente Código Civil
de 2002.
232
Programa de responsabilidade civil, p. 154/156.
233
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 4.
234
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 174.
235
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 143.
236
A responsabilidade civil no parágrafo único do art. 927 do Código Civil e alguns apontamentos do
direito comparado. Revista Forense, n. 376, p. 132-133.
109
Para Cláudio Luiz Bueno de Godoy, a ressalva é importante porque, ao menos por
aplicação da regra geral em comento, não se sujeita à responsabilização sem culpa
“quem apenas pratique um ato, posto que de causação de dano à outra, e a
despeito até de seu eventual caráter perigoso, de extremo risco, se se preferir, ou de
indução de um risco especial”. Ressalva o ilustre jurista que tal ato pode bem se
subsumir a alguma outra previsão específica de responsabilidade sem culpa. Mas
que exclui-se a possibilidade de aplicação do dispositivo do parágrafo único do
artigo 927 do Código Civil. Por um único motivo: “ato e atividade não se
confundem”.237
E arremata:
De resto, não por diverso motivo, o parágrafo único do artigo 927, ao que se
considera, alude a uma atividade normalmente desenvolvida pelo autor do
dano bem a indicar necessária a coordenação, a organização, ao menos, e
239
nunca a eventualidade, a prática ocasional.
238
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 84.
239
Ibidem, p. 94.
240
Responsabilidade Civil, p. 282.
241
La Responsabilità Oggetiva, p. 187.
111
Não precisaria, mas a didática recomenda afirmar que a específica conduta que
resultou no prejuízo suportado pela vítima deve ter alguma relação com a atividade
comumente desenvolvida pelo fornecedor de produtos ou serviços autor do dano, e
dessa relação é que deve ser extraído o conceito de normalmente. Dois exemplos
servirão para ilustrar o que se pretende afirmar.
Espera-se que, com esses dois exemplos, se tenha deixado clara a necessidade de
ligação, de relação, de vínculo, entre a atividade normalmente realizada pelo agente
112
Sem que isso tenha qualquer conotação de convencimento sobre a correção do que
é produzido na operação prática do direito por esse dissertador, tudo estando sob o
crivo até mesmo dos estudantes que se iniciam na ciência jurídica, os dois exemplos
acima citados foram extraídos de sentença proferida pela Segunda Vara Judicial da
Comarca de Ibiúna, Estado de São Paulo, nos autos do processo 335/07. Pedia-se
indenização por dano moral contra uma instituição financeira pelo fato de ser de sua
propriedade o computador de onde partiram mensagens injuriosas contra a autora
da ação, bem como pelo fato de ser empregado do banco o autor das ofensas.
Negou-se a indenização, em suma, ao argumento de que o envio de mensagens
injuriosas não fazia parte, nem por extensão de interpretação, da atividade a que se
propõe realizar uma instituição de crédito, bem como pelo fato de a lei impor como
dever patronal apenas a indenização advinda de ato praticado pelo empregado no
exercício do trabalho que lhe competir, ou em razão dele, o que não se verificou no
caso posto para julgamento. Por lealdade ao leitor, que poderá aferir seu acerto ou
erro, no rodapé, transcreve-se a sentença, que se encontra aguardando reexame
pelo E. Tribunal de Justiça de São Paulo.242
242
BRASIL. Poder Judiciário do Estado de São Paulo – Comarca de Ibiúna – Segunda Vara -
Autos do Processo 335/07 - Vistos. FERNANDA RODRIGO DE CARVALHO ajuizou ação de
indenização por dano moral em face do BANCO ITAÚ S/A, alegando que: recebeu, em 07 de
março de 2007, na sua caixa de e-mail, endereço feaxl@hotmail.com, de sua titularidade, mensagem
contendo injúrias e agressões verbais gravíssimas, advindas do endereço kikaallen@yahoo.com.br,
endereço este que a autora desconhece; respondeu e recebeu outra mensagem, novamente com
palavras de baixo calão; em 08 de março, notou que as mensagens foram removidas, mas já as havia
gravado; por meio da ação cautelar nº. 210/07, logrou êxito em identificar o IP de nº. 200.178.22.27
da máquina de onde se originaram as referidas mensagens; através de pesquisa, a autora identificou
o BANK BOSTON BANCO MÚLTIPLO S/A como sendo proprietário da máquina; ocorre que a
mencionada instituição financeira foi adquirida pelo Banco Itaú S/A; o proprietário da máquina tem
113
responsabilidade objetiva pelo dano moral causado à autora, devido ao risco de sua atividade;
também, que o réu deve responder pelo ato de seus empregados, serviçais e prepostos. A autora
pediu indenização no valor de R$ 100.000,00 (fls. 02/07). O réu apresentou contestação (fls. 75/91),
argüindo, preliminarmente, ilegitimidade passiva, requerendo a retificação do pólo passivo do
processo. No mérito, alegou que: não praticou ato ilícito, um dos pressupostos da responsabilização
civil; também, que não pode responder por fato de outrem; por fim, que não pode o empregador ser
responsabilizado por ato praticado por seu empregado, posto que não estava no exercício de seu
trabalho ou em razão dele; os fatos imputados como danosos pela autora foram praticados por
terceiro e que este por sua vez não se utilizou do e-mail corporativo do banco réu. Subsidiariamente,
alegou que a autora não comprovou que sofreu dano moral e que o valor pedido a título de
indenização é exorbitante. Réplica (fls. 106/110). Sem conciliação, as partes requereram o
julgamento da lide (fls. 114). É o relatório, fundamento e decido. Acolho a preliminar argüida pelo
réu. Examinando o documento de fls. 93, verifica-se que, em ata de assembléia geral extraordinária
de 25 de agosto de 2006, por unanimidade de votos, foi aprovada a alteração da denominação de
Bank Boston Banco Múltiplo S/A para BANCO ITAUBANK S/A, devendo ser anotada a
retificação no pólo passivo do processo. No mérito, julgo improcedente o pedido. A autora alega
ter sofrido dano moral por ter recebido em sua caixa de e-mails injúrias e agressões gravíssimas,
provenientes de um e-mail que desconhece, sabendo apenas que a mensagem foi enviada através
de uma máquina de propriedade do réu. Com o máximo respeito pelos argumentos desenvolvidos
neste sentido, por qualquer um dos dois aspectos levantados na petição inicial, não se pode falar em
responsabilidade do réu pelo suposto dano moral suportado pela autora. De acordo com um primeiro
argumento, o réu deveria suportar a indenização pelo risco de sua atividade, nos termos do parágrafo
único do artigo 927 do Código Civil, falando-se em responsabilidade objetiva. Por um segundo
argumento, o réu teria responsabilidade pelo fato de ser empregador da pessoa que enviou as
mensagens ofensivas, além de ser o proprietário do computador de onde elas partiram. Como dito,
nenhuma das duas teses convence. Quanto à primeira, o agente deve suportar a indenização apenas
quando o dano advém de conduta relacionada à realização de atividade prevista no seu estatuto
social. Assim, se o risco da atividade prevista no estatuto social determina a ocorrência de um fato
danoso para outrem, deve o agente suportar a indenização. Mas importante é que deve existir
correlação entre a conduta geradora do dano e a atividade arriscada desenvolvida pela entidade
empresária. Num exemplo: imagine-se que uma instituição financeira assumiu o dever de cobrança
de um título de crédito, obrigação advinda do chamado endosso mandato; caso o título já esteja pago
e o banco proponha ação de cobrança mesmo assim, porque o credor não o comunicou da quitação,
responderá o mandatário pela indenização devida pela cobrança irregular. Veja-se, no exemplo, que
a conduta danosa (ajuizamento da ação de cobrança) se relaciona em tudo com a atividade principal
desenvolvida pela instituição financeira, de modo que o risco da atividade deve ser suportado pelo
banco, que arcará, por vezes, pelo fato de promover cobrança de dívidas já quitadas. No caso, em
exame, contudo, não existe qualquer relação entre a atividade do réu (também uma instituição
financeira, dada, portanto, a lidar com dinheiro) com o envio de e-mails ofensivos (conduta que teria
resultado nos danos morais para a autora). Num outro exemplo: imagine-se que uma empresa de
transportes receba um cliente em seu estabelecimento comercial e lhe ofereça um cafezinho; por um
motivo qualquer no pó-de-café, o cliente passe mal e seja internado, permanecendo sem trabalhar
por dois dias. Teria a empresa de transporte o dever de indenizar a vítima pelo dano material
consistente no gasto com o hospital, bem como pelo lucro cessante consistente no quanto o cliente
deixou de ganhar pelos dois dias parados, e ainda pelos danos morais? A resposta parece ser
evidentemente negativa. Ora, nada tem a ver o oferecimento de um cafezinho com o transporte, de
tal sorte que a indenização não seria devida, ao menos não pelo risco da atividade. Num outro
exemplo, contudo, referente ao mesmo ramo de transporte, a indenização seria carreada ao
transportador: um carro forte, transportando valores, é interceptado por assaltantes, e, ferido o
motorista, o veículo colhe e mata um transeunte na calçada. Pergunta-se: os parentes da vítima
atropelada poderiam buscar indenização contra a empresa de transporte pelos danos materiais e
morais resultantes do atropelamento, ou somente poderiam demandar um dos assaltantes, ou
mesmo todos eles? A questão foi posta para exame da Justiça e, em primeiro grau de jurisdição, a
empresa de transporte foi condenada ao pagamento da indenização, solução que restou modificada
em segunda instância. O C. Superior Tribunal de Justiça, finalmente, foi chamado a julgar a lide,
tendo os ministros Nilson Naves e Eduardo Ribeiro entendido que o transporte de valores é atividade
perigosa e que não parecia razoável mandar a família do pedestre atropelado reclamar dos autores
não identificados do latrocínio a indenização devida, quando a vítima foi morta pelo veículo da ré, que
explora atividade sabidamente perigosa, com o fim de lucro. Diante desse posicionamento,
114
Pede-se licença para uma ponderação que foge um pouco ao estudo objetivado,
mas que, por sua relevância, não merece apenas constar no rodapé, chamando-se a
atenção para a importância do estudo acadêmico e para a necessidade de constante
renovação e atualização para o melhor desenvolvimento da própria atividade a que
se propõe no dia-a-dia forense. Veja-se, nesse sentido, que a prática jurisdicional
jamais permitiria a constatação de três equívocos na sentença transcrita.
mandaram o transportador de valores indenizar, com base na teoria do risco da atividade (STJ, 3ª
Turma, REsp 185.659-SP, rel. Min. Nilson Naves, v.u., j. 26/06/00, DJU 18.09.00). Percebe-se, então,
que o toque essencial entre os mencionados casos ensejadores do pagamento da indenização pela
pessoa jurídica reside no fato de que a conduta geradora do dano tem estrita ligação com a atividade
arriscada desenvolvida pela entidade empresária e que lhe proporciona o lucro. No caso presente,
negada que foi a mínima correlação entre a atividade social do réu e a conduta ofensiva, descabe a
condenação da instituição financeira pelo risco de sua empresa. Assim, com base na atividade de
risco, prevista no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, fica negada a condenação do réu ao
pagamento da indenização pelos danos morais suportados pela autora. A segunda tese sustentada
na petição inicial também não merece acolhida. Afirma a autora que o réu tem o dever de indenizar
pelo fato de ser responsável pelos atos de seus empregados, serviçais e prepostos, aduzindo que a
máquina de onde partiram as mensagens injuriosas é de sua propriedade. Realmente, o artigo 932,
inciso III, do Código Civil, impõe a responsabilização civil ao empregador por ato de seus
empregados, serviçais e prepostos, mas ressalva expressamente que a conduta lesiva deve ser
praticada no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. Nesse sentido, não se
pode, nem por esforço de interpretação, admitir que a conduta de enviar e-mails injuriosos seja parte
do exercício do trabalho ou praticada em razão dele, no que refere ao serviço realizado na
instituição financeira. Mais uma vez, portanto, negado que o empregado tenha mandado os e-mails
no exercício de seu trabalho ou em razão dele, julga-se improcedente o pedido indenizatório
formulado contra o empregador, o réu. Isso bastaria para a rejeição do pedido da autora, mas três
fatos podem ainda ser trazidos para esta fundamentação. Analisando o conteúdo das mensagens
contidas nos documentos de fls. 18/22, verifica-se que a autora, ao responder a primeira mensagem,
não demonstrou muito constrangimento, tendo, inclusive, respondido com um beijo ao seu suposto
ofensor (fls. 21), de tal forma que não se vislumbra dano moral a ser indenizado. Veja-se, também,
que a autora, em sua resposta, faz menção ao orkut fake, o qual poderia ter motivado as mensagens
ofensivas recebidas. Ora, quem se dá ao ingresso nesse tipo de comunidade virtual, se expõe a
situações como a que passou a autora, posto que oferece a BILHÕES de pessoas dados de sua vida
mais íntima, como se é casado ou não, quantos anos tem, quais suas preferências e outras
informações que certamente são, por vezes, utilizadas para seu próprio dissabor. Por fim, diga-se que
a autora ainda respondeu à provocação, se utilizando de palavras de baixo calão, como mandando o
suposto ofensor fazer algo que não se mostra nem um pouco em conformidade com a prática urbana
entre pessoas, bastando que se leia a mensagem por ela firmada a fls. 23. Ante o exposto, JULGO
IMPROCEDENTE O PEDIDO, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil,
condenando a autora no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios de 15%
sobre o valor da causa. P.R.I. Ibiúna, 24 de setembro de 2007. Wendell Lopes Barbosa de Souza,
Juiz de Direito.
115
práticas das pessoas jurídicas, não havendo qualquer menção legislativa à exclusão
da pessoa física.
Implicar, sem maiores problemas, está a significar resultar, dar como consequência,
proporcionar.
Bom início para tratar do tema, então, é a leitura do seguinte trecho da obra de
Carlos Alberto Bittar:
Extrai-se do texto transcrito que o risco da atividade resulta de seu próprio conteúdo,
de sua própria essência, enfim, de sua natureza.
Assim, por exemplo, a produção de energia nuclear, pela sua natureza, é de risco,
assim como a fabricação de substâncias explosivas e o transporte de substâncias
inflamáveis.
Não só, contudo, pelo seu próprio conteúdo, pela sua essência, a atividade arriscada
pode gerar o dever indenizatório objetivo, mas também pela maneira como ela é
desenvolvida. Isto é, se forem arriscados os meios utilizados para se alcançar a
243
Responsabilidade civil nas atividades perigosas. In: Responsabilidade civil, p. 90.
117
O exemplo não foi trazido por acaso. Num dos dias em que se redigia este trabalho,
27 de fevereiro de 2008, noticiou-se pela imprensa em geral a explosão em um
prédio no centro do Rio de Janeiro, derrubando três dos seis andares do edifício,
ferindo nove pessoas. Deram conta as notícias que, segundo os bombeiros, o
acidente ocorreu após um cilindro de gás estourar em uma fábrica de bijuterias.
Rui Stoco parece não concordar com essa conclusão, comentando que:
244
Tratado de responsabilidade civil, p. 174.
118
Como dito quando do exame do direito comparado, “ao pé da letra”, e apenas assim,
isto é, interpretando-se apenas literalmente a segunda parte do art. 927 do Código
Civil, somente a atividade em si desenvolvida pelo agente causador do dano dá
ensejo à reparação civil objetiva genérica, não os meios pelos quais ela é realizada.
Certo parece, todavia, que essa conclusão não resiste à mais frágil análise.
Valendo-se da interpretação lógica, não seria razoável pensar que o legislador
impôs o dever indenizatório objetivo tendo em mente tão-somente a atividade e não
os meios pelos quais ela é desenvolvida. Uma coisa (a atividade) e outra (os meios)
são indissociáveis, devendo gerar para seu agente as mesmas consequências. Se
ambas são perigosas, ambas devem propiciar a reparação civil com fundamento no
mesmo sistema, resultando em inaceitável incoerência jurídica o convencimento
contrário.
Nesse sentido, Cláudio Luiz Bueno de Godoy, considera deva ser interpretado o
parágrafo único do artigo 927, nesse ponto, de forma extensiva, para considerá-lo
“atinente também aos casos de responsabilidade pelos riscos induzidos, senão pela
atividade em si, mas pelos meios normais de desempenho”. Continuando,
fundamenta que, “de mais a mais, é, de qualquer maneira, um risco especial que se
contém na atividade prestada, em seu âmbito mais extenso, porquanto dos meios de
sua prestação”.245
Pense-se no exemplo de uma sociedade empresária que tem como seu objeto social
a fabricação de explosivos. Por óbvio, que, se, durante a produção do material
explosivo, alguém vier a se ferir, haverá para a pessoa jurídica a obrigação de
reparar o dano. Mas não é só. Se, quando do transporte dos explosivos, acontecer
um acidente e um terceiro acabar por se ferir, também haverá a obrigação de
reparação dos danos sofridos pela vítima.
Assim, se mostra claro que não só a finalidade última visada dá azo à indenização,
mas também aquelas atividades acessórias sem as quais o objetivo final não seria
alcançado.
245
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 161-162.
119
Implicar, por sua natureza, então, significa que o risco para os direitos alheios
decorre da própria atividade desenvolvida pelo autor do dano ou dos meios pelos
quais ela é executada.
Indaga-se, então, o que pode ser visto antecipadamente? Resposta: aquilo que
normalmente acontece em determinadas circunstâncias; aquele resultado que é
frequente naquela dada situação. Em outras palavras, pode ser visto
antecipadamente o que é provável, de probabilidade.
246
Vocabulário jurídico, p. 1.238.
247
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio. 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004.
p. 1.539.
248
Ibidem, p. 1.623.
120
Por outro modo: caso seja antevisto um dano, porque em outras situações
semelhantes ele já ocorreu reiteradamente, se estará diante de uma situação de
risco.
[...] deve ser considerada perigosa, pois, aquela atividade que contenha em
si uma grave probabilidade, uma notável potencialidade danosa, em relação
ao critério da normalidade média e revelada por meio de estatísticas, de
249
elementos técnicos e da própria experiência comum.
249
Responsabilidade civil nas atividades perigosas. In: Responsabilidade civil, p. 93.
121
pessoas que estão fora da prática dessa atividade, mas cujo exercício pode
250
causar estes últimos efeitos maléficos e danosos.
E mais, o risco deve ser considerado, isto é, relevante e anormal, pois, segundo a
explanação de Jaime Santos Briz, “não é suficiente o perigo geral inerente a toda
sorte de atividade humana”, completando que “devem excluir-se como base desta
responsabilidade os riscos normais ou razoavelmente previsíveis e ter em conta
somente os riscos imprevisíveis ou excepcionais, determinados segundo ponto de
vista objetivo".254
250
Tratado de responsabilidade civil, p. 177.
251
Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 725.
252
Ibidem, p. 725.
253
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 149.
254
La responsabilidad civil – derecho sustantivo y derecho procesal, p. 552/553.
122
Civil brasileiro reservou ao então parágrafo único do artigo 963. Afirma o autor que lá
se aludia a um risco especial ou, antes, a um grande risco, como se constata pela
redação do dispositivo que não chegou a integrar o texto do Novo Código Civil:
Dito isso, pode-se arriscar um significado para risco como sendo a previsibilidade da
ocorrência do dano, conseguintemente falando-se em probabilidade e não em mera
possibilidade de que algo errado possa acontecer, dado que o fato se repete
reiteradamente naquelas circunstâncias.
255
Ibidem, p. 157.
256
La Responsabilità Oggetiva, p. 142.
123
Viu-se que a expressão implicar, por sua natureza significa que o risco para os
direitos alheios decorre da própria atividade desenvolvida pelo autor do dano ou dos
meios pelos quais ela é executada.
257
BITTAR, Carlos Alberto, Responsabilidade civil nas atividades perigosas. In: Responsabilidade
civil, p. 87.
258
Responsabilidade civil, p. 55.
124
Disse-se, também, que a expressão risco para os direitos de outrem pode ser vista
como a previsibilidade da ocorrência do dano, conseguintemente falando-se em
probabilidade e não mera possibilidade de que o prejuízo possa acontecer, dado que
o infortúnio se repete reiteradamente naquelas mesmas circunstâncias.
259
Perfis do direito civil: Introdução ao direito civil constitucional. Tradução de Maria Cristina De
Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 27.
125
260
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 85-88.
261
A boa-fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 351.
126
Nesse ponto, tem-se como comprovada a tese de que muitas das disposições do
Código Civil de 2002 vieram corroborar orientações jurisprudenciais acerca de
determinados temas.
Quanto a tais hipóteses, parece não se cogitar da mínima dúvida quanto à incidência
da segunda parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, dada a manifesta
perigosidade da atividade para os direitos alheios.
Fica apenas a ressalva de que muitas das situações que aparentemente se mostram
como suscetíveis da aplicação da teoria da responsabilidade objetiva genérica pela
atividade de risco podem, na verdade, ser disciplinadas pelas disposições do Código
de Defesa do Consumidor atinentes ao fato do produto ou do serviço (artigos 12 a
14 da Lei nº 8.078/90), denominado por alguns como defeito, em contraposição ao
vício, este previsto nos artigos 18 a 20 da mesma legislação. Assim, mais uma vez,
terá o aplicador da lei o dever de examinar a situação criteriosamente a fim de dar-
lhe adequada solução legal, mormente em vista do princípio da especialidade.
Não se pretende, com essa ilação, afirmar que serão trazidas, sem qualquer critério,
praticamente todas as condutas humanas e das pessoas jurídicas como aptas a
ensejarem a responsabilização objetiva genérica, corroborando isso o fato de se
afirmar, a seguir, a necessidade da demonstração da culpa nos acidentes
envolvendo veículos “comuns”.
Não se pode, todavia, se intimidar na incursão por uma vasta gama de atividades
que podem, sim, gerar o dever indenizatório, tudo na busca, sempre criteriosa, da
reposição da vítima na situação em que se encontrava antes do infortúnio,
representando isso nada mais que a concretização de um dos princípios do vigente
Código Civil: o da efetividade dos direitos do cidadão, tutelando-se preventiva e
repressivamente sua vida, integridade física e patrimônio material.
262
Tratado de responsabilidade civil, p. 178.
128
Posto isso, o trabalho, doravante, consiste em examinar algumas situações que não
são tratadas como hipóteses consolidadas de risco, mas que, submetidas a um
exame mais perfunctório, podem, sim, desencadear o dever indenizatório sem que
se fale em culpa do agente, fundado na atividade arriscada do agente causador do
dano.
Vale dizer que Carlos Alberto Bittar consegue chegar à classificação de determinada
atividade como perigosa por meio de dois critérios, o natural e o jurídico. Pelo
primeiro, com base em elementos naturais, por sua condição ou pelos meios
empregados, considera-se perigosa a atividade. Pelo segundo, por força de
disposições legislativas e jurisprudenciais, atribui-se o caráter de perigosa a uma
determinada atividade.263
263
Responsabilidade civil nas atividades perigosas. In: Responsabilidade civil: doutrina e
jurisprudência. p. 93.
264
Tratado de responsabilidade civil, p. 178.
129
Mas, para não deixar de ilustrar o quão simbólicas são determinadas atividades
como fatos geradores da responsabilidade objetiva genérica, diga-se, pela doutrina,
que Maria Helena Diniz265 vale-se como exemplos da fabricação de explosivos e do
transporte de líquidos inflamáveis, enquanto a jurisprudência é farta no assunto:
nesse sentido, RT 499:98, e mais
Leonardo de Faria Beraldo traz a mesma situação para exemplificar uma hipótese
de responsabilidade objetiva genérica: imagine-se uma pessoa que está passeando
por uma avenida e, de repente, ocorre uma explosão dentro de um posto de
gasolina, causando-lhe ferimentos; para ele, salvo comprovação de caso fortuito ou
de força maior, ter-se-á a responsabilidade objetiva, na forma do art. 927, parágrafo
único, do Código Civil brasileiro.266
265
Código civil anotado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 714-717.
266
A responsabilidade civil no parágrafo único do art. 927 do Código Civil e alguns apontamentos do
direito comparado. Revista Forense, n. 376, p. 140.
130
Longe do atual estágio do trânsito das grandes cidades, em 1974, Wilson Melo da
Silva discorreu acerca do tema, afirmando ser, “problema deveras relevante e
tormentoso, face às múltiplas situações que engendra, esse relacionado com a
responsabilidade civil por acidentes automobilísticos”, completando que:
Feito esse introito acerca da problemática a ser enfrentada, por primeiro, cumpre
enunciar a significação de veículos “comuns”, termo utilizado na nomenclatura do
item em estudo. A palavra foi usada com fins meramente didáticos, dado que
“veículo é todo meio utilizado para transportar ou conduzir pessoas ou objetos de um
lugar para outro”268, não existindo essencialmente a propugnada repartição entre
“comuns” e “especiais”. Pretendeu-se, não obstante isso, com o uso do termo
veículos “comuns”, referir-se aos automóveis de passeio, às motocicletas e aos
pequenos utilitários, apartando-os dos grandes veículos de transporte de cargas
pesadas, como os caminhões, as carretas e os guinchos, que terão sua situação
examinada em item apartado, dada a sua especificidade.
267
Da responsabilidade civil automobilística. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 1.
268
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio, p. 2.041.
131
Mas, para retrucar a essa apressada ilação, basta a constatação de que inclusive já
se aventou a criação de um ramo especial no direito somente para a disciplina da
responsabilidade advinda dos acidentes causados por veículos, dada a exacerbada
proliferação dessas máquinas, absolutamente necessárias ao desenvolvimento da
sociedade.
Para ele, desde que obedecidas as regras de trânsito, não decorre necessariamente
o risco, concordando com a aplicação da responsabilidade objetiva apenas nas
atividades ou serviços em que não basta a conduta cautelosa e prudente para evitar
o dano, completando no seguinte sentido, acerca dos acidentes automobilísticos:
269
Responsabilidade civil, p. 725.
132
270
Responsabilidade civil, p. 725-726.
133
Isso redundou na atual disciplina dos transportes de pessoas posta no Código Civil
de 2002, valendo a transcrição de três de seus artigos, in verbis:
271
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, p. 840.
134
Até que o universo dos infortúnios envolvendo veículos “comuns” começou a receber
o tratamento da responsabilidade objetiva, sobretudo no que toca ao risco da
atividade do causador do dano, enquadrando-se a hipótese na segunda parte do
parágrafo único do artigo 927 do Código Civil.
272
Responsabilidade Civil. 3ª ed. Rio de janeiro: Forense, 2007, p. 726.
273
Responsabilidade civil, p. 840.
135
Note-se que nada é por acaso, podendo-se agora ter a exata noção sobre os
horizontes que um bom estudo histórico do tema abre para o cientista, revelando-se
que a evolução da responsabilidade automobilística aconteceu da mesma maneira
que a evolução da responsabilidade civil como um todo em outros ramos da
atividade humana.
Hoje, então, da mesma maneira que em outras esferas, tem-se decidido que “A
culpa dos motoristas nos acidentes de trânsito está sendo considerada
objetivamente” (STF - RTJ 51/631), “com base no direito francês, que não repugna
ao nosso direito positivo, por se considerar o automóvel um aparelho sumamente
perigoso” (TJSP, RDCiv, 3:304), resultando em julgados como os transcritos a
seguir:
274
Das Obrigações em geral. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 1993, v. 1, p. 630.
275
Responsabilidade Civil, p. 841.
136
276
A exposição ao perigo como fato gerador da responsabilidade civil objetiva. Revista dos
Tribunais, n. 572, p. 22.
277
Rischio e responsabilitá oggettiva, p. 44.
278
ZULIANI, Ênio Santarelli. Os acidentes de trânsito e o Novo Código Civil. Revista Síntese de
Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, n. 34, ano VI, p. 40-43, março-abril/05, apud STOCO,
Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, p. 178.
137
Já para José Acir Lessa Giordani, não parece restar “dúvidas quanto ao
enquadramento da maioria dos acidentes de trânsito como uma das hipóteses de
responsabilidade civil objetiva baseada no risco-criado, estabelecida no parágrafo
único do art. 927 do Código Civil de 2002”, chamando a atenção para o interessante
fato de que o verdadeiro prejudicado pelo ato danoso, em sua grande maioria, é
uma pessoa que não teve a mínima oportunidade de gozar dos benefícios
alcançados pelo risco da atividade, afirmando que a modalidade de responsabilidade
civil decorrente dos sinistros veiculares:
O problema é resolvido, no direito português, pelo artigo 503 de seu Código Civil, in
verbis:
José Acir Lessa Giordani informa que países como Alemanha, Áustria, Itália e
França adotam o mesmo sistema, não vendo, assim, “qualquer alarde contra a
adoção da teoria do risco para as hipóteses de acidentes provocados por acidentes
de veículos”.280
279
A responsabilidade civil objetiva genérica, p. 96-97.
280
A responsabilidade civil objetiva genérica, p. 100.
138
Por esse motivo não se fez referência, no título deste item, à fabricação e à guarda,
mencionando-se apenas o transporte de cargas pesadas, impondo-se agora saber
se esse mister constitui atividade de risco para os direitos alheios.
Outra situação, na mesma linha, é aquela de quem vai por uma estrada qualquer e
se depara imediatamente atrás de uma carreta carregada de enormes toras de
madeira.
Ainda uma terceira hipótese, quando se está trafegando pela cidade e ingressa na
frente de seu automóvel um caminhão, no mais das vezes pequeno, cheio de
botijões de gás, uns empilhados sobre os outros, até o último centímetro da
proteção, quando não a extrapola.
Interessante na elaboração deste trabalho foi que, durante sua redação, várias
situações noticiadas na mídia em geral foram se apresentando como exemplos
simbólicos de atividades arriscadas e geradoras de prejuízos materiais e acidentes,
inclusive fatais, com pessoas.
Assim foi que, na madrugada do dia 26 de janeiro de 2008, na Via Dutra, entre as
cidades de Guaratinguetá e Aparecida, um caminhão, no sentido São Paulo - Rio de
Janeiro, bateu no canteiro central da rodovia e seu baú, pesando catorze toneladas,
desprendeu-se, caindo na pista contrária, colidindo contra um ônibus, que tombou e
foi atingido por um caminhão que vinha atrás, caindo na ribanceira. Os resultados
foram a morte de cinco passageiros do ônibus, o ferimento de outros doze e a
destruição da casa atingida pelo caminhão.
O proprietário do caminhão que teve seu baú desprendido argumentou que o veículo
passou por revisão havia cerca de 30 dias e estava em boas condições.
É óbvio que o fato dará ensejo a toda uma instrução processual, mas, se o dono do
veículo pretendeu exonerar-se da responsabilidade atribuindo a culpa pelo acidente
a quem prestou o serviço de manutenção do caminhão, em princípio, pode-se dizer
que a escusa não surtirá efeitos, respondendo o transportador por todo o prejuízo
em virtude do risco de sua atividade, o que será objeto de julgamento posterior.
141
Como dito, não obstante o entendimento consolidado da Suprema Corte, três são as
teorias a respeito do assunto: a da culpa, a contratualista e a do risco profissional.
283
Responsabilidade Civil, p. 368.
142
Sérgio Cavalieri Filho faz uma distinção interessante: “em relação aos clientes, a
responsabilidade dos bancos é contratual; em relação a terceiros, a
responsabilidade é extracontratual”.285 Nestes termos de formulação, então, no caso
tratado neste item – o pagamento de cheque falso – o banco responderia segundo o
direito negocial, enquanto no item abaixo referente ao envio do nome de terceiros
aos cadastros de inadimplentes em virtude de conta aberta por estelionatário
utilizando-se dos documentos da vítima, esta teria direito à indenização decorrente
da responsabilidade aquiliana.
284
Responsabilidade Civil, p. 368.
285
Programa de responsabilidade civil, p. 385.
286
Ibidem, p. 388.
287
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, p. 368.
143
Pode-se afirmar, bem acompanhado por Caio Mário da Silva Pereira, que a
tendência de nossos Tribunais, no caso em exame, é agravar a responsabilidade
dos bancos, impondo, seja pela teoria da culpa pura, pela teoria da culpa presumida
ou pela teoria do risco profissional, o dever indenizatório à instituição financeira.288
288
Responsabilidade civil, p. 182.
144
Aberta, mais uma vez, a oportunidade para que se escolha qual a tese que mais
agrada ao leitor, fixando-se o posicionamento dissertativo no sentido de que o banco
responde sempre pela cobrança judicial irregular ou pelo protesto de um título pago,
em virtude do desenvolvimento de atividade arriscada.
289
Programa de responsabilidade civil, p. 396.
146
290
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 182.
291
Ibidem, p. 185.
147
Levantar-se-á, de outro lado, que a inocência de parcela das pessoas que utilizam o
sistema bancário para o recebimento de suas míseras rendas, como os benefícios
previdenciários e assistenciais, fica rendida frente à vultosa criminalidade que se
dedica única e exclusivamente à prática delituosa dessa espécie, contando com o
beneplácito implícito dos banqueiros, eis que as instituições financeiras não estão se
preocupando o mínimo com a movimentação bancária em caixas eletrônicos, que se
processa aos milhões por todo o país.
Com efeito, não resta a menor dúvida de que a intenção única das entidades de
crédito é o aumento cada vez mais desenfreado de seus lucros, e para isso não
podem gastar sequer um salário mínimo a fim de que uma pessoa de alguma
instrução possa ficar constantemente postada no caixa eletrônico, o que bastaria
para diminuir vertiginosamente o número de saques indevidos nas contas bancárias
dos clientes.
De acordo com o raciocínio mais uma vez exposto, então, a atividade bancária
consistente no oferecimento de caixas eletrônicos para a clientela realizar seus
saques de dinheiro se constitui em risco para os direitos alheios, impositivo do dever
indenizatório de acordo com a responsabilidade objetiva genérica, subsumindo-se a
situação na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil.
Mais uma vez, sem pretender afirmar a correção do julgado proferido em caso
idêntico ao tratado neste item, num processo tramitado pelo Juizado Especial da
Comarca de Ibiúna, número de ordem 51/06, foram postas na contestação do banco
duas teses, uma principal e uma subsidiária: a principal sustentava que a
negativação do nome do autor da ação indenizatória se deu em virtude de contrato
de abertura de conta corrente com disponibilidade de crédito a ele, que não honrou o
pagamento do mútuo, justificando-se o envio de seu nome para a Serasa e o SCPC;
subsidiariamente, argumentava-se que, se as partes não celebraram o negócio
jurídico, a fraude perpetrada pelo estelionatário foi muito bem feita, excluindo-se a
responsabilidade da instituição financeira em decorrência da ausência de sua culpa.
enorme poder econômico e deveria ter pessoal e material adequados para evitar
problemas como o que enfrenta o autor. Aliás, não seria necessário dizer que, para
um caso de fraude em abertura de conta bancária, milhares de outras contas
idôneas são abertas, propiciando os enormes lucros das instituições financeiras. Daí
que o risco de ter que arcar com a indenização pela abertura de uma conta
fraudulenta deve ser suportado por quem enriquece com a abertura de milhares de
outras contas regulares. Quem aufere o bônus, deve arcar com o ônus. E, como
é cediço, esse risco já está devidamente contabilizado e inserido nas taxas que a
instituição financeira cobra dos seus clientes honestos, de tal forma que nem a
ínfima quantia arbitrada a título de danos morais para as vítimas de fraudes é
sentida pelos bancos.
Certa ou errada, a decisão foi confirmada pelo Colégio Recursal da 19ª Circunscrição
Judiciária de Sorocaba – SP.
Daí a tipificação da conduta tratada neste item também ao artigo 927, segunda parte
do parágrafo único, do Código Civil, sendo o que se propõe.
150
Leonardo de Faria Beraldo taxa de ousado e inovador o tema por ele proposto,
referente à responsabilização solidária das instituições financeiras pelo pagamento
de cheques falsos passados a terceiros, afirmando que:
Dois fatos são notórios: 1) que as instituições financeiras estão, a cada ano,
aumentando ainda mais os seus lucros, e, 2) o número de cheques falsos e
cheques “sem fundos” está crescendo de forma espantosa no Brasil. Assim
sendo, levando em consideração estas assertivas, convidamos o leitor a
refletir sobre a possibilidade de as instituições financeiras responderem,
solidariamente, perante terceiros lesados que recebem cheques falsos ou
cheques “sem fundos”. A princípio, pode parecer absurda a idéia, mas será
que a atividade normalmente desenvolvida pelos bancos, por sua natureza,
não representa risco a terceiros? Particularmente, acreditamos que a
resposta seja positiva. No tocante aos cheques falsos, vê-se que há vários
anos as instituições financeiras não se preocupam em criar mecanismos
para dificultar a sua falsificação; selos tridimensionais e marcas d’água, por
exemplo, são idéias de como inibir falsificadores e proteger a sociedade
como um todo. Já com relação aos ditos cheques sem fundo, cremos que
os bancos poderiam ter critérios mais rígidos e severos antes de abrirem
novas contas bancárias e distribuir talões de cheque aos seus clientes. Ora,
por que é que as instituições financeiras não podem ser penalizadas em vez
de pessoas comuns, que, muitas vezes, não têm dinheiro nem mesmo para
pagar sua alimentação? Deste modo, repetindo, convidamos o leitor a
meditar a este respeito, tendo em vista a inovação objeto deste trabalho e,
292
ainda, em homenagem ao princípio da socialização do risco.
Como explicado por Cavalieri Filho, no mecanismo dos cartões de crédito aparecem
três elementos: o emissor do cartão (empresa que explora o negócio), o titular do
cartão e o vendedor (empresa pertencente à rede filiada).293
292
A responsabilidade civil no parágrafo único do art. 927 do Código Civil e alguns apontamentos do
direito comparado. Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 376, p. 131-143, nov./dez. 2004.
293
Programa de responsabilidade civil, p. 390.
151
Para Cavalieri Filho, o titular do cartão não pode responder pela desídia dos
estabelecimentos comerciais filiados ao sistema por não ter com esses nenhum
vínculo contratual, concluindo que, “em suma, o risco de aceitar o cartão, sem
conferir assinaturas e sem exigir qualquer outro documento, é do vendedor”.294
294
Programa de responsabilidade civil, p. 392.
152
Para que se tente uma solução para esta questão, deve-se formular uma pergunta: a
culpa deste terceiro excluiria a responsabilidade da fornecedora?
E para que se responda a esta pergunta, deve ser formulada uma nova pergunta:
não é arriscado contratar pela internet?
295
Curso de direito comercial. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 3, p. 32.
296
Ibidem, p. 32.
154
Resulta o dever indenizatório neste caso do que Cavalieri Filho denominou de dever
de segurança em relação ao público em geral, imposto pela legislação pertinente
(Lei nº 7.102/83) às instituições financeiras, que não pode ser afastado nem pelo
fato doloso de terceiro (o assalto), “assumindo o banco, nesse particular, uma
responsabilidade fundada no risco integral”297, no que foi seguido por mais de uma
vez pelo Superior Tribunal de Justiça:
297
Programa de responsabilidade civil, p. 397.
157
Muito mais não precisa ser dito para que reconheça com tranquilidade o risco da
atividade das empresas de segurança e escolta, pelo fato único de estarem sempre
a vigiar objetos valiosos cobiçados pela criminalidade, que os tenta subtrair
mediante o uso de violência ou grave ameaça exercidas com emprego de armas de
fogo, resultando daí o perigo para os direitos alheios, uma vez que o revide vem na
mesma proporção.
298
Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência, p. 739-740.
158
Para Cavalieri Filho a questão dos danos suportados por terceiros não se põe no
campo da culpa, taxando de arriscada a atividade do construtor, nos seguintes
termos:
Informa Franzoni, por fim, que na Itália a atividade edilícia é considerada perigosa
(Cass. 12 de dezembro de 1988, n. 6739, in Mass. Foro it., 1988)300.
299
Programa de responsabilidade civil, p. 345.
300
La Responsabilità Oggetiva, p. 154.
159
A situação se põe da seguinte maneira: dado negócio jurídico foi formulado entre
duas pessoas; o credor recebe a prestação a que tem direito; passado certo tempo,
o mesmo credor, não importa por qual motivo, leva até uma empresa de proteção ao
crédito a notícia de que não recebeu a prestação a ele devida e requer a inscrição
do nome do devedor no banco de dados de inadimplentes; a empresa de proteção
ao crédito envia ao domicílio do falso devedor a notificação dando conta de que irá
incluí-lo em seu cadastro; mas o devedor não é efetivamente notificado, por
exemplo, porque se mudou de endereço; então, o nome do falso devedor é inscrito
no cadastro de não pagadores.
Esta situação nº 1 foi trazida com certo detalhamento porque, na falta de um dos
dados acima colocados no caso narrado, o fato se enquadra numa das três
situações abaixo examinadas e a resposta quanto à responsabilidade civil se
apresenta tranquila na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, por suas duas
Turmas de Direito Privado (3ª e 4ª), conforme a seguir se demonstrará.
301
Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 513.
302
Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, REsp. 137972-6, DJ 26.09.05, p. 372.
303
Relatora Ministra Nancy Andrighi, REsp. 46921-7, DJ 25/04/06, p. 8.
161
eminentes ministros da citada Corte Federal, desde o ano de 2003 até hoje, além de
ter dado origem à edição, como já se disse, de uma súmula.
Outra situação pode ser denominada de nº 3: o credor já recebeu o que lhe é devido
e, não importa por qual motivo, envia o nome do falso devedor ao cadastro de
inadimplentes.
Nesse caso, parece desnecessário discorrer muito para afirmar que o falso credor
deverá pagar indenização por danos morais ao falso devedor.
Aqui, a desídia do falso credor, no que terá agido com culpa, ou sua ganância, no
que terá agido com dolo, justificam a indenização por ele devida ao falso devedor.
Uma 4ª situação poderia prever a conjugação das duas situações acima tratadas
(números 2 e 3), de tal sorte que o falso credor já havia recebido a prestação e ainda
assim indicou o nome do falso devedor ao órgão de proteção ao crédito, que não se
incumbiu da obrigação de comunicação imposta pelo artigo 43, § 2º, do Código de
Defesa do Consumidor.
Aqui, só por lógica já se poderia dizer que ambos (falso credor e empresa de
proteção ao crédito) responderiam pelos danos morais causados ao lesionado falso
devedor, por tudo o que se disse nas situações números 2 e 3.
ocasionado ao falso devedor que teve seu nome irregularmente incluído no cadastro
de inadimplentes.
Não seria necessário que se trouxessem julgados dando conta dessa maneira de
decidir a questão, bastando interpretar inversamente os decisórios que acima foram
transcritos quando do exame da situação nº 2. Com efeito, ali se afirmou que, na
163
falta do cumprimento do dever imposto pelo artigo 43, § 2º, do Código de Defesa do
Consumidor (notificação do devedor sobre a pretensa inclusão de seu nome no
cadastro de inadimplentes), a empresa de proteção ao crédito responde pela
indenização por danos morais. Ora, então, se esta empresa cumpriu o dever de
cientificar o falso devedor, assegurou-se de não pagar a indenização na
eventualidade de o crédito não mais existir por qualquer motivo, segundo o Superior
Tribunal de Justiça.
Antes, porém, uma ponderação importante. O tema, como tudo na ciência jurídica,
não apresenta apenas interesse teórico. A sua incidência na prática forense vem
demonstrada pelo dado a seguir, colhido numa pesquisa superficial: só na Comarca
da Capital Paulista, e só no ano de 2005, foram distribuídas 115 ações contra o
SCPC - Serviço Central de Proteção ao Crédito e 263 ações contra a Serasa,
valendo dizer que estas são apenas duas das empresas que se dispõem a listar
devedores inadimplentes.
Óbvio que todo posicionamento judicial deve estar baseado num primado de justiça.
Nas situações números 2, 3 e 4, que deferem a indenização pela indevida inscrição,
como se disse, esse primado de justiça está representado pela falta de oportunidade
ao contraditório, ocasionada pela ausência de notificação ao falso devedor ou pela
culpa ou dolo do credor em pretender receber duas vezes pelo mesmo crédito, ou
por ambos.
Indaga-se onde está a razão para que seja negada ao falso devedor a possibilidade
de buscar no administrador da lista de inadimplentes a indenização pela indevida
inscrição de seu nome na situação de nº 1 acima.
Mas, pense-se na hipótese de o falso credor não mais existir, ter desaparecido ou
ainda, e o que é mais comum, não suportar a indenização pelo ilícito que cometeu.
Pode-se pensar na hipótese de a empresa de proteção ao crédito, que nada mais
fez que estar a serviço daquele falso credor, ser chamada a responder pela indevida
inclusão do nome do falso devedor no rol dos “caloteiros” por ela administrado.
Insista-se que não se está diante de uma pequena mudança pontual na legislação,
como dá conta o civilista Carlos Roberto Gonçalves:
Ora, não pode ser admitida a aplicação parcimoniosa de inovação tão importante e
desejada por uma sociedade que viu, durante séculos, a lesão a direitos de pessoas
hipossuficientes ser relegada pelo fato de não terem as vítimas conseguido
demonstrar a culpa do causador do dano.
305
Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 313.
167
Ocorre que o dispositivo legal que disciplina a responsabilização pela teoria do risco
não prevê que apenas os direitos à integridade física e à vida, quando postos em
perigo, determinam a obrigação de indenizar por parte do causador do dano.
A segunda parte do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil menciona direitos
de outrem, dando a entender que a ofensa a qualquer bem jurídico é suscetível de
indenização pela teoria do risco, não só os direitos à integridade física e à vida.
Assim, atividades que ponham em risco outros direitos que não os dois acima
mencionados (integridade física e vida) também impõem ao ofensor o dever de
indenização, como, por exemplo, uma atividade que possa atingir o direito à honra
de um cidadão.
Por isso, a atividade bancária já foi considerada como de risco, com condenação da
instituição financeira a arcar com a indenização sem que fosse necessário pesquisar
sobre sua culpa no evento, in verbis:
Daí que inexiste qualquer óbice à aplicação da teoria do risco quanto à atividade
desenvolvida pelas empresas de proteção ao crédito no caso de ofensa ao direito à
honra de uma pessoa que já pagou o que devia e teve seu nome inserido numa lista
pública de inadimplentes.
306
TJSC, AC 2004.001073-7, Araranguá, 3ª CDCiv., Rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento, j.
30.09.2005.
168
humildade da imensa maioria dos devedores que ficam à mercê dos cadastros de
inadimplentes.
Não se pode conceber que uma empresa do porte da Serasa possa se desonerar de
responder pelo envio do nome de um falso devedor somente ao argumento de que
expediu uma simples notificação sobre a pretensa inclusão do lesionado no rol dos
maus pagadores.
Veja-se que a Serasa atende, segundo se viu acima no trecho colhido de seu site,
quatro milhões de consultas por dia, podendo-se inferir daí a renda mensal desta
empresa, isso porque conseguiu montar uma lista com o nome de quase todos os
devedores do país.
Num exame mais aprofundado do objeto social da Serasa, pode-se dizer que ela se
colocou num patamar de superioridade às demais pessoas físicas e jurídicas
brasileiras e passou a taxá-las publicamente de inadimplentes, e ainda recebe uma
fábula de dinheiro por quatro milhões de consultas diárias.
Poder-se-ia argumentar que o fato de serem tantas as consultas formuladas por dia
demonstram que a sociedade necessita da atividade desenvolvida pela Serasa. Pois
bem, isso não se nega, tanto que sua atividade foi regulamenta pela própria lei que
visa à proteção do consumidor (artigo 43 da Lei nº 8.078/90).
Poder-se-ia, ainda, argumentar com o fato de que foi dada oportunidade para que o
falso devedor envidasse esforços para que seu nome não fosse negativado, por
exemplo, apresentando administrativamente ou em juízo o instrumento de quitação
da dívida e requerendo a suspensão da indevida inclusão. Não tendo o devedor se
incumbido de tal tarefa, teria que arcar com as consequências da negativação,
justificada que estaria pela sua inércia.
Quer dizer, o ordenamento jurídico vigente não reserva qualquer consequência para
aquele que já pagou o que devia, recebeu uma comunicação de uma empresa de
proteção ao crédito, mas não se manifestou porque não foi efetivamente notificado.
Não pode o aplicador da lei, então, diante desta lacuna legislativa, impor ao falso
devedor a negativa de buscar da empresa de proteção ao crédito a indenização pela
indevida inclusão.
Veja-se que a lei estabelece casos em que a inércia de alguém faz acarretar
consequências. Por exemplo, se o credor, depois de cientificado por carta com aviso
de recebimento, não se manifestar em 10 dias quanto ao valor oferecido pelo
devedor de quantia em dinheiro depositada em conta bancária oficial, reputar-se-á o
devedor liberado da obrigação (§§ 2º e 3º do artigo 890 do Código de Processo
Civil). Ainda, se o réu não contestar o pedido do autor, tem-se como verdadeiro o
quanto alegado na petição inicial (artigo 319 do Código de Processo Civil), salvo
exceções (artigo 320 do mesmo Código).
Imagine-se a mesma situação, com o adicional de que o falso credor, por qualquer
sentimento de vingança e completamente despreocupado com as consequências
civis de sua conduta, porque sem patrimônio para arcar com futura indenização,
resolva indicar o nome do falso devedor ao cadastro de inadimplentes. Não se volte
contra o exemplo alegando sua inventividade, vez que ele faz parte do dia-a-dia
forense, mormente no que tange às posteriores condutas de comerciantes que não
mais negociam, mas que antes viviam um para o outro. Seria o caso de a empresa
de proteção ao crédito assumir o risco de sua atividade e arcar com a indenização.
172
308
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 195-196.
309
Ibidem, p. 187.
174
Esse mercado de valores passou a ser controlado pelo Estado a partir de 1960, por
meio das Leis nº 4.595/64 e nº 4.728/65, no que se fala em controle pelo próprio
Poder Legislativo, sem prejuízo do controle exercido pelo Conselho Monetário
Nacional, por meio de Resoluções do Banco Central do Brasil, órgão fiscalizador do
mercado de capitais, com competência para autorizar o funcionamento de bolsas de
valores, o registro das ações nelas negociáveis, o controle do fluxo de informações,
entre outras, tudo em virtude de razões macroeconômicas.311
A partir de 1976, parte dessas atribuições do Banco Central do Brasil foi transferida
para uma agência constituída naquele ano, a Comissão de Valores Mobiliários,
autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda, tendo como tarefa básica a
proteção dos investidores contra fraudes, irregularidades ou abusos na
administração das empresas que captam os recursos financeiros, tudo como forma
de fortalecer o mercado de capitais como uma boa alternativa de investimento.312
A Lei das Sociedades por Ações (nº 6.404/76) dispõe que o administrador responde
civilmente pelos prejuízos que causar quando proceder: I – dentro de suas
atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II – com violação da lei ou do estatuto.
Sustentam alguns, dentre os quais Fábio Ulhoa Coelho, que o inciso II do art. 158 da
Lei de Sociedades por Ações impõe responsabilidade civil também na modalidade
subjetiva, afirmando que toda violação da lei ou dos estatutos se traduz numa
conduta culposa ou dolosa, que deve ser efetivamente demonstrada no processo
indenizatório, sem que se fale em qualquer espécie de presunção de culpa.314
Vê-se, de pronto, mais uma vez, a insatisfação de um grande jurista nacional no que
tange à elaboração das leis brasileiras no caminhar do século XX, desconhecendo o
314
Curso de Direito Comercial, v. 2, p. 259.
315
Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3, p. 355.
176
316
Comentários à lei de sociedades anônimas, p. 355-366.
317
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei das sociedades anônimas, p. 357.
318
Curso de direito comercial, v. 2, p. 250.
177
Como já se adiantou, o tema está apenas posto para pensamento, sem que se
possa, neste momento, fornecer a devida resposta.
Com efeito, trata-se de mera hipótese colocada para estudo, mas não se perdendo
de vista que o próprio Modesto Carvalhosa, para sustentar a culpa presumida do
administrador da companhia, trouxe ensinamentos já adotados neste trabalho como
fundamentos da responsabilidade objetiva genérica pela atividade de risco, in verbis:
319
Comentários à lei de sociedades anônimas, p. 355.
178
O próprio mestre Carlos Roberto Gonçalves, quando ainda juiz do extinto Tribunal
de Alçada Civil de São Paulo, relatou uma apelação no seguinte sentido:
Até mesmo por se entender assente na doutrina que a mencionada teoria da guarda
da coisa teve parcial acolhida expressa no Código Civil de 2002, que se restringiu à
disciplina da guarda de animais, à ruína de edifício ou construção e à queda de
objetos de um prédio, nossa legislação não conta com regulamentação clara sobre o
assunto afeto aos veículos postos em circulação nas mãos de outrem que não o
proprietário, daí o fato de os julgados sempre fazerem menção à teoria do risco
como forma de se imputar o dever indenizatório ao dono do automóvel.
Ora, diante desse quadro, pergunta-se: por que, então, não se fazer subsumir a
situação à responsabilidade objetiva genérica pela atividade de risco? Sim, pois,
tendo o veículo sob seu controle, sabe o proprietário que haverá de responder
somente por aquilo que produzir culposamente. Mas, que seja ao meramente
emprestar seu carro para que alguém vá até a esquina comprar pão, já perde
completamente o domínio daquilo que pode ser produzido com o manuseio de seu
bem.
Nem se diga do número infindável de lides que chegam às barras da justiça tendo
como tema central – no mais das vezes desenvolvido em sede de preliminar de
contestação – exatamente o acidente de trânsito produzido por pessoas
inexperientes ao volante que cometem barbaridades na condução de veículos de
propriedade de terceiros.
Disso resulta a noção de perigo que a referida conduta pode gerar à integridade
física e à vida dos demais cidadãos, legitimando que, sobretudo à míngua de
regulamentação expressa, se adote como fundamento do dever indenizatório do
dono do veículo a teoria da responsabilidade civil objetiva genérica pela atividade de
risco – segunda parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil. É o que se
propõe.
180
O tema foi abordado por Rui Stoco, enfocando-o sob o regramento do Código de
Defesa do Consumidor, negando, contudo, que o cigarro seja um produto
defeituoso, a teor do que dispõe o § 1º do art. 12 da Lei nº 8.078/90, ante a
previsibilidade e a normalidade dos riscos à saúde acarretados por seu longo
consumo.320
O mesmo Rui Stoco consolida sua não aderência à tese indenizatória diante de um
dado: deu notícia da procedência de uma única ação dessa natureza em primeira
instância da justiça brasileira, confirmada em grau de recurso, no estado do Rio
Grande do Sul (Ap. 70.007.090.798 – j. 19.11.2003), sem informar quanto ao
desfecho em Tribunal Superior.322
320
Tratado de responsabilidade civil, p. 797.
321
Ibidem, p. 794-795.
322
Ibidem, p. 793.
181
Diga-se que, durante a confecção do presente trabalho, a Souza Cruz foi condenada
a indenizar uma consumidora que desenvolveu doença pelo uso de cigarros. A 9ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no dia 27 de agosto de
2008, nos autos do processo nº 70015107600, reformou sentença de primeiro grau e
condenou, por dois votos a um, a Souza Cruz S.A. a indenizar uma fumante que
desenvolveu cardiopatia esquêmica, tendo enfartado em decorrência do consumo,
por trinta e cinco anos, de cigarros fabricados pela ré. Reconhecendo a culpa
concorrente no ato de fumar, o Colegiado arbitrou em R$ 100.000,00 (cem mil reais)
a reparação por danos morais à consumidora Cleomar Terezinha Gonçalves, de
Passo Fundo. Aplicando o Código do Consumidor, o relator do apelo da
demandante, Desembargador Tasso Caubi Soares de Delabary, ressaltou que há
responsabilidade objetiva da indústria pelos danos causados à saúde da fumante.
Salientou existir farta prova da relação de causa e efeito entre o defeito do produto e
a doença da consumidora. Conforme o magistrado, as provas demonstram que a
autora adquiriu o hábito de fumar a partir da propaganda enganosa da ré. Afirmou
que “a indústria associou o consumo de cigarro ao sucesso pessoal, ocultando do
público, por décadas, os componentes maléficos à saúde humana existentes no
produto”. Cleomar Terezinha começou a fumar por volta da década de 70, aos 13
anos. Em alguns períodos chegou a consumir cerca de quatro carteiras de cigarros
por dia. O enfarto do miocárdio aconteceu em 1997. O Desembargador Odone
Sanguiné acompanhou o mesmo entendimento do relator, reconhecendo “a
existência de provas contundentes de que a autora adquiriu o vício estimulada pelas
propagandas veiculadas pela ré”. A Desembargadora Marilene Bonzanini Bernardi
também entendeu ser possível a aplicação do Código do Consumidor para que se
reconheça o dever de indenizar. Porém, ressaltou ser necessário que se demonstre
o nexo causal entre a doença e o hábito de fumar, o que não verificou na hipótese.
323
Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p.
1.199.
182
Caso não se admita a tese do julgado, pode-se examinar o assunto sob o enfoque
da responsabilidade civil objetiva genérica pela atividade de risco. Sem pretender
defender a ideia nesse momento, o que demandaria talvez outra dissertação, pode-
se ao menos argumentar que o cigarro traz muito mais que risco à saúde alheia, e
sim verdadeira certeza de dano, ficando o tema colocado para reflexão.
Cláudio Luiz Bueno de Godoy sustenta que não em diferente direção, agora já à luz
do novo texto civil, a responsabilidade do empregador, por acidente com o
324
Disponível em: www.conjur.com.br. Acesso em 29 de janeiro de 2009.
325
A responsabilidade civil no parágrafo único do art. 927 do Código Civil e alguns apontamentos do
direito comparado. Revista Forense, n. 376, p. 140.
183
Nesse sentido: TAP – AC nº 134.970-4, 4ª C., Rel. Juiz Ruy Cunha Sobrinho, j.
16/06/99, RT 772/403: Em acidente de trabalho, em que a atividade do empregado é
potencialmente perigosa, responde o empregador pelo simples risco e somente
estará isento da responsabilidade civil se restar comprovado que a hipótese é de
caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima.
Com esse entendimento, afinado com a moderna teoria do risco da atividade, foi-se
mitigando a restrição imposta pelo § 2º do art. 49 da Lei nº 5.250/67, que permitia o
ajuizamento da ação indenizatória apenas contra o órgão que explora o meio de
informação ou divulgação da notícia ofensiva, resultando na atual súmula 221 do
STJ: São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente da
publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo
de divulgação.
Nestes termos é que se propõe – e apenas se propõe – mais uma atividade como
potencial fator de imposição do dever indenizatório em virtude do risco a que expõe
os direitos das pessoas atingidas pelas eventuais ofensas proferidas durante as
entrevistas ou mesmo nas matérias jornalísticas veiculadas pelas empresas de
comunicação.
Merece uma breve nota a opinião de Carlos Alberto Bittar acerca dos eventos
danosos relativos às “instalações radioativas”.328
327
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 218.
328
Responsabilidade Civil nas atividades nucleares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p.
113, apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, p. 92.
185
Como visto, o Brasil, seguindo quase toda a diretriz internacional, adotou, no que
tange às atividades nucleares, o sistema de responsabilidade que prescinde
absolutamente da demonstração da culpa do agente causador do dano, editando a
Lei nº 64.573/77, sobretudo em seu artigo 4º. Assim, no caso das usinas nucleares,
a empresa exploradora é responsável pelos danos causados, independentemente
de prova de culpa a ser produzida pela vítima.329
Tais atividades, dessa forma, ficam subordinadas aos princípios e regras da teoria
geral da responsabilidade civil e, quando muito, conforme o caso, aos das atividades
perigosas, se possível o encarte.
329
Responsabilidade Civil nas atividades nucleares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p.
113, apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, p. 92-93.
330
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, p. 94.
331
Direito civil brasileiro, p. 95.
186
O jurista italiano Pietro Trimarchi advoga que também o exercício de uma atividade
desportiva ou a organização de espetáculos esportivos podem implicar uma
responsabilidade objetiva, em particular pelo uso que se faça de animais (ex.:
corrida de cavalo) ou de coisas suscetíveis de descontrole pelo homem e de
eclodirem uma energia destrutiva (ex.: uma corrida automobilística ou uma acrobacia
aeronáutica).332
Ainda, quanto à aplicação do art. 2.050 do Código Civil italiano, Guido Alpa afirma
que se considera perigosa a organização de atividades esportivas como a
natação334.
(...) se han calificado como riesgosas ciertas actividades que tienen um alto
índice de dañosidad, por ejemplo, el ambiente de trabajo que produce
deterioros en la salud del trabajador, la deficiente organización de
335
espectáculos deportivos, la difusión perjudicial de información, etcétera.
332
Rischio e responsabilitá oggettiva, p. 344.
333
La Responsabilità Oggetiva, p. 149.
334
La Responsabilità Civile, p. 29.
335
Theoría general de la reparación de daños. Buenos Aires: Astrea de Alfredo y Ricardo Depalma,
1997, p. 148.
336
Theoría general de la reparación de daños, p. 149.
187
José Acir Lessa Giordani faz uma analogia entre a situação dos automóveis com as
lanchas, o jet ski e as bicicletas, impondo aos seus condutores a responsabilidade
objetiva genérica, nos seguintes termos:
Ainda, para José Acir Lessa Giordani, até mesmo o frescobol jogado na praia pode
ser considerado atividade arriscada, assim como a prática do surfe, exemplificando
com um caso por ele testemunhado:
337
A responsabilidade civil objetiva genérica, p. 102.
338
GIORDANI, José Acir Lessa. A responsabilidade civil objetiva genérica, p. 95.
339
A responsabilidade civil objetiva genérica, p. 103-104.
188
Muitas outras atividades que a imaginação permitir podem ser analisadas para se
constatar se devem ou não ser regidas pela responsabilidade objetiva genérica pela
atividade de risco, podendo-se citar algumas coletadas na doutrina e jurisprudência,
além de outras livremente escolhidas.
340
Responsabilidade civil, p. 281.
341
Responsabilidade civil, p. 33.
342
Contratos no código de defesa do consumidor, p. 1.199.
189
no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil de 2002, por se tratar de atividade
de risco, perigosa.343
Outra questão é a das lojas que repassam aos bancos o recebimento de seus
créditos, e, não comunicadas do pagamento efetuado, lançam o nome do cliente nos
cadastros de inadimplentes. Em verdade, o comércio de produtos feito por lojas
como as Casas Bahia, Cybelar, Lojas Cem e similares não tem qualquer conotação
de risco. Mas a maneira como recebem os preços de seus produtos já se mostra
suscetível de reiterada ofensa a direitos alheios, no que se está falando em risco dos
meios no exercício da empresa. Realmente, a incidência forense do problema é
enorme, sempre buscando a loja imputar ao banco a inércia quanto à comunicação
do pagamento, enquanto este levanta sua ilegitimidade passiva no processo por não
fazer parte do contrato de compra e venda. Nesse panorama, a primeira constatação
é que, se acolhidas ambas as defesas, a primeira de mérito e a segunda processual,
o consumidor fica sem a devida indenização, mesmo tendo promovido o pagamento
no tempo e ainda assim tendo sido apontado como inadimplente. A solução não
parece ser outra senão a responsabilização solidária da loja e do banco, a primeira
pelo risco do meio representado pela cobrança transferida a terceiro e o segundo
pelo risco da própria atividade de resgate de créditos, como já se pôde sustentar
acima.
343
Programa de responsabilidade civil, p. 161.
344
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 196-197.
190
Com relação aos provedores de internet, Cláudio Luiz Bueno de Godoy afirma que
“não têm sido raras as ocorrências envolvendo atentados à privacidade, honra e
imagem das pessoas, praticadas e propagadas, com particular amplitude, por sites
ou páginas de responsabilidade dos provedores da informação”, verificando,
portanto, “outro dado a concorrer para a identificação de que haja um risco especial
induzido, também por isso aplicável o parágrafo único do artigo 927 do Código
Civil”.349
345
Programa de responsabilidade civil, p. 161.
346
Pressupostos da responsabilidade civil objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 160.
347
La Responsabilità Oggetiva, p. 153.
348
La Responsabilità Oggetiva, p. 159.
349
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 232.
191
Por fim, Cláudio Luiz Bueno de Godoy, chama a atenção para a atividade das
empresas organizadoras de eventos frequentados por centenas ou até milhares de
pessoas:
350
AGE n. 55648, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02/02/04.
351
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 249.
352
Tratado de responsabilidade civil, p. 179.
192
353
Theoría general de la reparación de daños, p. 153.
193
Gonçalves não concordou com a solução adotada pelo v. acórdão, trazendo à baila
aspectos relacionados ao perigo da atividade da empresa de ônibus, nos seguintes
termos:
354
Código civil anotado - e legislação extravagante. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
p. 258.
355
Responsabilidade civil, p. 786.
356
Ibidem, p. 786.
194
Se, então, a responsabilidade civil não é excluída nem nos casos de atuação lícita e
normal do agente, nos termos do caput do art. 929 do Código Civil, muito menos
razão há para se afastar o dever indenizatório no caso de desenvolvimento de
atividade arriscada para os direitos alheios, ainda que acobertada pelo estado de
necessidade.
Quanto à legítima defesa, foi trazida apenas para que não faltasse no estudo, pois
seu exame neste trabalho fica quase prejudicado como causa excludente do dever
indenizatório, ante a dificuldade de se imaginar alguma situação em que alguém não
esteja se conduzindo de forma arriscada contra o autor da injusta agressão atual ou
iminente a direito seu ou de outrem, hipótese em que sempre haverá o afastamento
da responsabilidade civil. Não se trata de risco da atividade. Trata-se de
legitimidade da atividade, senão perecido ou lesionado estará o direito posto em
jogo, nunca se podendo falar em dever indenizatório daquele que se conduziu em
legítima defesa, salvo nas hipóteses de terceiro atingido e putatividade no exercício
da legítima.
Talvez o exercício regular de um direito possa ser o instituto que mais trará
problemas no seu exame como potencial causa excludente da responsabilidade civil
objetiva genérica. Isso porque, com relação ao exercício regular de um direito, o seu
titular levantará o argumento de que atua de acordo com a lei, e que, se houve
prejuízo para alguém, não tem o dever de ressarcir a vítima, exatamente pelo fato de
se ter conduzido conforme ao direito.
357
Responsabilidade civil, p. 786.
195
A regra quanto ao nexo causal entre a conduta do agente e o dano suportado pela
vítima está estabelecida no artigo 403 do Código Civil: ainda que a inexecução
resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os
lucros cessantes por efeito dela direto e imediato... (negritamos e sublinhamos).
A solução de cada caso concreto não se fará, todavia, com a simplicidade que a
citada fórmula parece propiciar, sendo que a dificuldade já havia sido notada pelo
eminente Sérgio Cavalieri Filho:
Finalizando por afirmar que “a incorreta visualização do nexo causal pode levar à
distorção de rumos, fazendo alguém responder pelo que não fez”.359
358
Programa de responsabilidade civil, p. 52.
359
Ibidem, p. 52.
196
No campo da teoria objetiva as duas causas devem ser examinadas com muitíssima
cautela, diferentemente da forma como se lhes atribui efeitos a teoria subjetiva,
como já notado pelo mesmo Pessoa Jorge:
Em nosso direito o parágrafo único do artigo 393 do Código Civil não faz distinção
entre o caso fortuito e a força maior, definindo-os da seguinte maneira: “O caso
fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era
possível evitar ou impedir”.
Destarte, corroborando o acima afirmado por Pessoa Jorge, para Ragner Limongelli
Vianna, caso fortuito e força maior são expressões sinônimas no âmbito da
responsabilidade apurada com base na culpa. Já no que tange à responsabilidade
objetiva, de outro lado, segundo o citado jurista, se diferenciam nos seus efeitos.362
360
Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 1995. p. 119-
120.
361
Ibidem, p. 121.
362
VIANNA, Ragner Limongelli. Causas e cláusulas ou convenções de impedimento de formação
ou de exclusão da obrigação de reparação de danos. 2001. Dissertação (Mestrado em Direito
Civil) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2001. p. 32-33.
197
Mas, de outro lado, se a responsabilidade for apurada com base no risco, isto é,
segundo a teoria objetiva, será importantíssima a consequência prática da distinção:
a força maior servirá para excluir o dever indenizatório, mas o fortuito não
aproveitará ao agente danoso.364
De acordo com essa nova tendência, o caso fortuito denomina-se fortuito interno (e
não exclui o dever indenizatório), enquanto a força maior denomina-se fortuito
externo (e exclui o dever indenizatório).
Resumindo, então, a teoria trazida pelo Professor Agostinho Alvim, no que tange à
responsabilidade objetiva, centro de nosso estudo: o fortuito externo (ou força maior)
é absolutamente estranho à atividade desenvolvida pelo agente, e, por isso, exclui a
responsabilidade do agente; o fortuito interno tem relação com a atividade
desenvolvida pelo agente, resultando que a responsabilidade não fique excluída.
363
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 1972. p. 330.
364
Ibidem, p. 330.
365
Ibidem, p. 330.
198
366
A responsabilidade civil objetiva genérica, p. 60-61.
199
Terceiro é aquele que não é o causador do dano, e, em princípio, sua culpa não
exonera o autor direto do prejuízo do dever de indenizar.367
Agora, imagine-se uma "bituca" de cigarro jogada por um transeunte que provoca a
explosão de uma bomba de gasolina do posto e fere um consumidor que estava
abastecendo seu veículo. Aqui, pode-se pensar (veja-se: pensar, apenas) na
hipótese de fortuito interno, podendo-se, eventualmente, carrear ao posto de
gasolina o dever acautelatório para que o tal infortúnio não acontecesse. É óbvio
que esta solução poderia ser veementemente contrariada com lastro no art. 403 do
Código Civil brasileiro, impondo a responsabilização pelas perdas e danos
resultantes direta e imediatamente da inexecução do dever pelo suposto agente
danoso. Mas não se pretende aqui dar uma solução definitiva para um problema tão
complexo, apenas levantar uma ideia para reflexão.
367
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, p. 799.
200
368
Tratado de responsabilidade civil, p. 178.
201
A jurisprudência, por sua vez, também acena para que o fato de terceiro deve ser
absolutamente imprevisível e inevitável para se verificar a exclusão da
responsabilidade do agente da atividade arriscada, mas sempre foi vacilante.
que não deu por causa alguma ao fato lesivo, sabido que a segurança
pública dos cidadãos se encontra afeta às providências do Estado. Em
nosso país, com as tarifas cobradas dos usuários, em que não é incluso o
prêmio relativo ao seguro, que seria a forma escorreita de proteger o
passageiro contra atentados desse tipo, descabido é – a meu ver –
transferir-se o ônus à empresa privada.
Firme nessa posição, valendo-se dos argumentos de que o transportador não tem
condições econômicas de montar um esquema de segurança capaz de evitar
assaltos e outras ocorrências dessa natureza, Sérgio Cavalieri Filho compartilha do
entendimento de que a responsabilidade não pode ser atribuída à empresa
transportadora, no que é acompanhado por diversos Tribunais Estaduais369:
Ousa-se discordar da estudada opinião, tendo como norte o mais lúcido voto
produzido no Superior Tribunal de Justiça sobre a questão, da lavra do Ministro Ruy
Rosado de Aguiar, no Resp 175.794-SP, nos seguintes termos: Transporte coletivo
– Assalto – Responsabilidade da empresa transportadora. O assalto a cobrador de
ônibus não é fato imprevisível nem alheio ao transporte coletivo em zona de
369
Programa de responsabilidade civil, p. 297/298.
203
freqüentes roubos, razão pela qual não vulnera a lei a decisão que impõe à empresa
a prova da excludente da responsabilidade pela morte de passageiro. Os
assaltantes levaram o dinheiro do cobrador, a evidenciar que o fato aconteceu em
razão da existência do transporte, pois o interesse dos meliantes era o de assaltar o
patrimônio da empresa, e na consecução desse objetivo terminaram por atingir a
infeliz vítima.
Concorde com o julgado retro mencionado está Ragner Limongelli Vianna, para
quem
(...) nos dias atuais, também o roubo é fato interno e ligado à atividade do
transporte oneroso, a não permitir a caracterização de excludente de
obrigação reparatória. A empresa que exerce o transporte com finalidade
social, está tão ciente da realidade do acidente de trânsito como do roubo.
370
São realidades do transporte de passageiro, bagagem ou carga.
Ainda é válido alertar para outros julgados, inclusive do Superior Tribunal de Justiça,
acolhedores dos pedidos indenizatórios quando o infortúnio se verifica em razão de
fato de terceiro:
370
Causas e cláusulas ou convenções de impedimento de formação ou de exclusão da
obrigação de reparação de danos, p. 67.
204
previstas no art. 14, § 3º, do CDC, é do fornecedor, por força do art. 12, §
3º, também do CDC. Recurso Especial provido. (STJ – REsp 200401229836
– (685662 RJ) – 3ª T. – Relª. Min. Nancy Andrighi – DJU 05.12.2005 – p.
00323).
Sobre o assunto, Sérgio Cavalieri Filho, para fazer a diferença entre força maior
(fortuito externo) e o fortuito interno sempre se refere à expressão o transporte não
é causa do evento, apenas a sua ocasião.372
371
Perspectivas atuais da responsabilidade civil no direito brasileiro. Revista de Jurisprudência do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, v. 57, p. 20.
372
Programa de responsabilidade civil, passim.
205
Como se viu, o Código Civil mexicano, em seu artigo 1.913, expressamente, abre a
possibilidade de o agente supostamente danoso demonstrar que a vítima foi a
verdadeira culpada pelo seu infortúnio, ao contrário do Código Civil brasileiro, no
qual não há referência à culpa exclusiva da vítima, de forma que, num exame
apressado, estaria aberta a possibilidade de se pensar que, mesmo tendo o
lesionado sido culpado exclusivamente pelo infortúnio, no Brasil, teria ele direito à
indenização.
Também como já visto, contudo, não parece ser esse o raciocínio mais adequado.
Isso porque, não obstante a ausência em nossa lei de expressa exclusão da
responsabilidade para o caso de culpa exclusiva da vítima, isso não é óbice para
que o prejuízo não seja a ela inteiramente imputado, à vista da quebra do próprio
nexo causal entre o dano e a conduta do suposto ofensor.
Leonardo de Faria Beraldo sustenta que “na culpa exclusiva da vítima, não existiu
conduta antijurídica, mas, sim, uma autolesão”.374
373
A responsabilidade civil objetiva genérica, p. 59.
374
A responsabilidade civil no parágrafo único do art. 927 do Código Civil e alguns apontamentos do
direito comparado. Revista Forense, n. 376, p. 137.
206
Por um último julgado, toma-se conhecimento de uma vítima que se deitou nos
trilhos de um trem, tendo a família, após, com todo o respeito pelo seu sofrimento
em virtude da perda do ente querido, pleiteado absurda indenização material e
moral:
Para estes casos, Pietro Trimarchi, propõe, então, que é de se excluir a assunção do
risco dos expectadores, sendo do agente dos danos o dever de indenizar os
prejuízos resultantes de sua atividade.376
375
A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 172.
376
Rischio e responsabilitá oggettiva, p. 345.
377
Responsabilidad Civil. ITURRASPE, Jorge Mosset (Org.). Buenos Aires: Hammurabi, 1997, p.
474.
209
Por isso, segundo o mesmo Ghersi, a Lei 19.628 da Argentina determina que deve
haver a contratação de seguro obrigatório para a realização de eventos desportivos,
sendo um típico seguro de pessoas, cobrindo os risco por mortes, incapacidade total
ou parcial, gastos médicos etc380.
Como já referido, o Código Civil português, no artigo 493, item II, e o Código Civil
italiano, no art. 2.050, abrem a possibilidade para que o agente demonstre que
tomou todas as cautelas recomendáveis para que o infortúnio não decorresse de
sua atividade arriscada, hipótese em que se livra da indenização.
378
Responsabilidad Civil. ITURRASPE, Jorge Mosset (Org.). Buenos Aires: Hammurabi, 1997, p.
481-482.
379
Responsabilidad Civil. ITURRASPE, Jorge Mosset (Org.). Buenos Aires: Hammurabi, 1997. p.
484-485.
380
Responsabilidad Civil. ITURRASPE, Jorge Mosset (Org.). Buenos Aires: Hammurabi, 1997. p.
487.
210
Note-se, contudo, que a obra do professor Silvio Rodrigues foi escrita quando ainda
em trâmite o projeto de Código Civil, que, como visto, contemplava a oportunidade
para que o agente causador do dano demonstrasse que tinha se acautelado para
que o dano não ocorresse, mesmo praticando conduta arriscada.
A mens legis, implícita que seja, é clara: não cabe a demonstração de tomada de
providências acautelatórias por parte do agente danoso, devendo o magistrado
indeferir a produção de prova nesse sentido, por desnecessária e inútil. Essa é a
conclusão quanto ao tema.
381
Direito civil, p. 165.
211
Dessume-se, então, que, no âmbito legal, a única teoria que requer a prática de um
ato ilícito para que se fale em responsabilidade é a subjetiva, não importando a
licitude ou ilicitude da conduta para a teoria objetiva.
382
Tratado de responsabilidade civil, p. 157.
383
Responsabilidade civil, p. 30-31.
212
Atente-se apenas para o raciocínio de Sérgio Cavalieri Filho, para quem mesmo nos
casos de responsabilidade objetiva há sempre uma transgressão a algum dever
jurídico preexistente, como o de resguardo da incolumidade física alheia ou o dever
de segurança, que se contrapõe ao risco.387
Ainda sobre o tema, Cláudio Luiz Bueno de Godoy, para quem: “De todo o modo, e
quando menos, forçoso reconhecer, como acentua Eduardo Zannoni, que a noção
384
Responsabilidade civil, p. 33.
385
Tratado de derecho civil, p. 615-616.
386
Derecho de Obligaciones, p. 61-62.
387
Programa de responsabilidade civil, p. 08 e 131.
213
Por fim, Cláudia Lima Marques, propõe que a teoria do risco concentra-se na
atividade perigosa, mas lícita, não deixando qualquer dúvida acerca da subsistência
do dever reparatório mesmo no caso de exercício de atividade conforme ao
direito.389
Como visto, nesse particular, não há qualquer espaço para se sustentar o contrário,
não aproveitando a licitude da conduta ao agente danoso, que arcará com o dever
indenizatório de qualquer maneira, bastando que tenha criado um risco com sua
atividade.
388
ZANONNI, Eduardo A. El daño em responsabilidad civil. Buenos Aires: Astrea, 1993, p. 4-8,
apud GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A responsabilidade civil pelo risco da atividade, p. 36.
389
Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 1216.
214
CONCLUSÃO
Ocorre que ambas as atividades, como se viu, proporcionam risco para os direitos
alheios, resultando, conseguintemente, que a força das causas de exclusão de
responsabilidade seja reduzida e mesmo atenuada a eficácia de cada uma delas,
devendo-se aguardar o julgamento final dos processos que certamente resultarão na
justiça para que se verifique como se distribuirá o prejuízo experimentado pelas
vítimas.
215
No Brasil, a doutrina do risco foi ferrenhamente defendida por Alvino Lima e depois
por Aguiar Dias, resultando na positivação da teoria objetiva a partir do Decreto nº
2.681, de 7 de dezembro de 1912, regulando a responsabilidade civil das estradas
de ferro, com imposição do dever indenizatório sem culpa para essas entidades por
todos os danos que a exploração de suas linhas causar aos proprietários marginais
(art. 26), e depois em vários outros diplomas esparsos, chegando-se, finalmente, à
instituição da responsabilização civil objetiva genérica em virtude da atividade
arriscada desenvolvida pelo autor do dano, já no século XXI, positivada na segunda
parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002, núcleo deste estudo
dissertativo, representando uma abertura no sistema indenizatório até então vigente,
que se mostrava fechado.
Outras tantas, contudo, que se encontram numa zona obscura, foram examinadas
para que se pudesse afirmar se dariam ou não ensejo à responsabilização civil pela
atividade de risco do agente causador do dano, como as práticas automobilísticas,
consideradas não arriscadas. Ao contrário, o transporte de cargas pesadas foi tido
como conduta de risco, assim como a atividade bancária em suas mais variadas
vertentes, bem como o serviço oferecido pelas entidades empresárias operadoras
de cartão de crédito, as contratações eletrônicas, a guarda e o transporte de valores,
218
Ainda muitas outras atividades foram oferecidas pela doutrina e pela imaginação
para exame, como os parques aquáticos e de diversões em geral, a locação de
veículos, o sistema de cobrança de crédito das lojas de departamentos e os eventos
destinados às multidões, sem que se pudesse, mais uma vez, concluir
decisivamente se todas elas seriam ou não influenciadas pela doutrina do risco,
tratando-se de temas por demais intrincados para posicionamento firme em um
simples item de dissertação de mestrado.
Ao que tudo indica, o fim da evolução da responsabilidade civil parece não estar
próximo, bastando notar, como já referido, que a reparação civil decorrente da
atividade nuclear ultrapassa os limites da própria responsabilidade objetiva
decorrente da atividade arriscada, vislumbrando-se já a imposição do dever
indenizatório sem cogitação sequer dos elementos conduta e nexo causal, bastando
a demonstração do dano causado para a vítima.
Até onde vai essa evolução não se sabe, sendo causa única dessa ignorância o fato
de não se poder imaginar a respeito dos rumos que tomarão as atividades humanas
no milênio que se inicia.
O que se sabe, sim, é que a ciência jurídica estará sempre em eterna renovação,
adaptando-se às necessidades da vida em sociedade, constituindo-se num dos
instrumentos mais eficazes que o homem produziu para promover a boa convivência
das pessoas, podendo cada um dos juristas de todo o mundo se orgulhar de sua
contribuição para o bom caminhar da humanidade.
220
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