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DIREITO CIVIL – NEGÓCIO

JURÍDICO
UNIDADE 1 – DO FATO AO NEGÓCIO
JURÍDICO
SEÇÃO 1.1 – TEORIA GERAL DO
NEGÓCIO JURÍDICO: INTRODUÇÃO
CLASSIFICAÇÃO DO FATO JURÍDICO

FATOS (ACONTECIMENTOS EM GERAL):

1. FATO NÃO JURÍDICO

2. FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO (LATO SENSU): o acontecimento


juridicamente relevante, que tem potencialidade para criar, modificar,
conservar ou extinguir RELAÇÕES JURÍDICAS.

Causa genética de relações jurídicas, assim como dos direitos e obrigações


correspondentes.
O fato jurídico em sentido amplo (lato sensu) pode ser:

2.1 NATURAL: também denominado “fato em sentido estrito” (stricto sensu), que
é subdividido entre fato ordinário (nascimento, morte, maioridade etc) e fato
extraordinário (caso fortuito e força maior – terremoto, maremoto, raio etc).

2.2 HUMANO: quando acrescemos a vontade humana ao acontecimento,


apresentando-se o que chamamos de fato jurídico humano ou fato jurígeno
(TARTUCE, 2017, p. 226).
Ministro CASTRO MEIRA (1125)

CASO FORTUITO X FORÇA MAIOR


RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACIDENTE EM BURACO (VOÇOROCA) CAUSADO POR EROSÃO
PLUVIAL. MORTE DE MENOR. INDENIZAÇÃO. CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 7/STJ. NÃO-INCIDÊNCIA. 1. Ação
indenizatória proposta em face do Município de Costa Rica/MS, em que se pleiteia pensão vitalícia no montante de dois salários mínimos
mensais e despesas de funeral, pela morte de filho menor, em decorrência de acidente em buraco (voçoroca) causado pelas águas da chuva.
2. A instância especial, por suas peculiaridades, inadmite a discussão a respeito de fatos narrados no processo - vale dizer, de controvérsias
relativas à existência ou inexistência de fatos ou à sua devida caracterização -, pois se tornaria necessário o revolvimento do conjunto
probatório dos autos. 3. Entretanto, a qualificação jurídica de fatos incontroversos, ou seja, seu devido enquadramento no sistema
normativo, para deles extrair determinada conseqüência jurídica, é coisa diversa, podendo ser aferida neste âmbito recursal. Não-incidência
da Súmula 7/STJ. 4. Segundo o acórdão recorrido, a existência da voçoroca e sua potencialidade lesiva era de "conhecimento comum", o que
afasta a possibilidade de eximir-se o Município sob a alegativa de caso fortuito e força maior, já que essas excludentes do dever de indenizar
pressupõem o elemento "imprevisibilidade". 5. Nas situações em que o dano somente foi possível em decorrência da omissão do Poder Público
(o serviço não funcionou, funcionou mal ou tardiamente), deve ser aplicada a teoria da responsabilidade subjetiva. Se o Estado não agiu, não
pode ser ele o autor do dano. Se não foi o autor, cabe responsabilizá-lo apenas na hipótese de estar obrigado a impedir o evento lesivo, sob
pena de convertê-lo em "segurador universal". 6. Embora a municipalidade tenha adotado medida de sinalização da área afetada pela erosão
pluvial, deixou de proceder ao seu completo isolamento, bem como de prover com urgência as obras necessárias à segurança do local, fato
que caracteriza negligência, ensejadora da responsabilidade subjetiva. 7. Em atenção à jurisprudência da Corte e aos limites do recurso
especial, deve a indenização ser fixada no montante de 2/3 do salário mínimo, a partir da data em que a vítima completaria 14 anos de idade
(28 de agosto de 1994) até o seu 25º aniversário (28 de agosto de 2005), calculado mês a mês, com correção monetária plena. 8. Os
honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação, a ser apurado em liquidação de sentença. 9.
Recurso especial conhecido e provido em parte. (STJ, REsp 135542 / MS, Relator Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, j. 19.10.2004).
ATENÇÃO!!!
O fato jurídico stricto sensu extraordinário pode configurar uma
cláusula excludente de responsabilidade civil, consoante se dessume
da leitura do artigo 393 do Código Civil:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se
expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos
não era possível evitar ou impedir.
O fato jurídico humano ou fato jurígeno subdivide-se em:

2.2.1 ILÍCITOS: conduta voluntária ou involuntária que está em desacordo


com o ordenamento jurídico. O ilícito pode ser penal, administrativo ou civil,
havendo independência entre essas três esferas, consoante se infere do artigo
935 do Código Civil.

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo


questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas
questões se acharem decididas no juízo criminal.
2.2.2 LÍCITOS (ATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO OU ATO JURÍDICO
LATO SENSU): atos voluntários que podem ser assim subclassificados:

a) Ato jurídico em sentido estrito (ou ato jurídico stricto sensu ou ato não
negocial) – é aquele que gera consequências jurídicas previstas em lei e não pelas
partes interessadas, não havendo regulamentação da autonomia privada, ou seja, os
efeitos da manifestação de vontade estão predeterminados pela lei. Ex:
reconhecimento de paternidade, alistamento no exército. Divide-se em:
b) Ato-fato jurídico – aqui, o efeito do ato não é buscado, nem imaginado
pelo agente, mas decorre de uma conduta e é sancionado pela lei. Ex:
achado de um tesouro (CC, 1264) e/ou minério (CC, 1230).
São assim classificados, também, certos atos aceitos amplamente pela
sociedade como a venda de sorvete a uma criança, cuja vontade não é
relevante juridicamente.

c) Negócio jurídico - é o ponto central principal da Parte Geral do Código


Civil, sendo o seu conceito vital para conhecer o contrato e o casamento,
seus exemplos típicos.
Francisco Amaral: “Por negócio jurídico deve-se entender a declaração de
vontade privada destinada a produzir efeitos que o agente pretende e o
direito reconhece. Tais efeitos são a constituição, a modificação e a extinção
de relações jurídicas, de modo vinculante, obrigatório para as partes
intervenientes.”

Antônio Junqueira: “todo fato jurídico consistente em declaração de


vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como
queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia
impostos pela norma jurídica que sobre ele incide.”
Miguel Reale: “é aquela espécie de ato jurídico que, além de se originar de
um ato de vontade, implica a declaração expressa de vontade, instauradora
de uma relação entre dois ou mais sujeitos tendo em vista um objetivo
protegido pelo ordenamento jurídico.”

Renan Lotufo: “negócio jurídico é o meio para a realização da autonomia


privada, ou seja, a atividade e potestade criadoras, modificadoras ou
extintoras das relações jurídicas entre particulares.”
O negócio jurídico, então, é um fato jurídico, com elemento volitivo
qualificado, visando regular direitos e vontades específicas, em consonância
com os interesses das partes envolvidas.

 Aquisição (constituição) – incorporação de um direito ao patrimônio de


alguma pessoa, podendo ser: originária ou derivada; gratuita ou onerosa;
a título singular e a título universal; por ato inter vivos ou causa mortis.

 Conservação – medidas voltadas para resguardar e conservar o direito,


podendo ser preventivas (extrajudiciais – garantias reais e fideijuçórias -
ou judiciais – arresto, sequestro, etc.) e repressivas (via judicial).
 Modificação – mutações sofridas pelo negócio jurídico, as quais podem
ser objetivas (qualitativa e quantitativa) ou subjetivas.

 Extinção – desaparecimento do direito, que pode se dar por causas


objetivas (perecimento do objeto), subjetivas (morte de titular de direito
personalíssimo) e concernentes ao vínculo (prescrição e decadência).
CLASSIFICAÇÕES DO NEGÓCIO JURÍDICO

1. Quanto ao número de declarantes:

a) Unilaterais – a declaração de vontade emana de apenas uma pessoa. Podem ser:


 Receptícios: aqueles que a declaração de vontade deve ser levada a conhecimento
do destinatário para que possa produzir efeitos. Ex: revogação do mandato;
 Não receptícios: aqueles que o conhecimento pelo destinatário é irrelevante. Ex:
testamento.

b) Bilaterais – duas manifestações de vontade coincidentes sobre o objeto ou bem jurídico


tutelado. Ex: contrato.

c) Plurilaterais – envolvem mais de duas partes, com interesses jurídicos coincidentes. Ex:
contrato de sociedade.
2. Quanto às vantagens patrimoniais:

a) Gratuitos – são os atos de liberalidade, em que apenas uma das partes aufere
vantagens. Ex: doação pura.

b) Onerosos – são atos que envolvem sacrifícios e vantagens patrimoniais para ambas as
partes. Ex: compra e venda, locação.

c) Neutros – nem gratuitos, nem onerosos, falta-lhes atribuição patrimonial. Ex:


instituição de bem de família voluntário ou legal (CC, 1711 a 1722).

d) Bifrontes – por convenção das partes pode ser modificada a sua natureza, de onerosa
para gratuito ou vice-versa, Ex: mútuo, depósito.
3. Quanto ao momento da produção dos efeitos

a) Inter vivos – são aqueles destinados a produzir efeitos desde a sua instituição, ou seja,
durante a vida das partes. Ex: compra e venda, casamento.

b) Mortis causa – aqueles cujos efeitos só ocorrem após a morte de determinada pessoa.
Ex: fideicomisso.
4. Quanto ao modo de existência:

a) Principais/independentes – são aqueles que tem vida própria, não dependendo,


porquanto, de qualquer outro negócio para ter existência ou validade. Ex: compra e
venda.

b) Acessórios/dependentes – são aqueles cuja existência está subordinada a outro negócio


jurídico denominado principal. Ex: contrato de fiança.
5. Quanto às condições pessoais especiais dos negociantes:

a) Impessoal – são aqueles que não dependem de qualquer condição especial dos
envolvidos, podendo a prestação ser cumprida pela parte ou por um terceiro. Ex:
compra e venda.

b) Personalíssimo ou intuitu personae – são aqueles dependentes de uma condição


especial de um dos negociantes, havendo uma obrigação infungível. Ex: contratação de
um pintor famoso.
6. Quanto à necessidade ou não de solenidades e formalidades:

a) Formais ou solenes – são aqueles que obedecem a uma forma ou solenidade prevista
em lei para a sua validade e aperfeiçoamento. Ex: casamento, testamento.

b) Informais ou não solenes – são aqueles que admitem forma livre. Ex: locação, prestação
de serviços.
7. Quanto à sua causa determinante:

a) Causais ou materiais – são aqueles em que o motivo consta expressamente do seu


conteúdo.

b) Abstratos ou formais – são aqueles nos quais o motivo não está inserido no conteúdo,
decorrendo dele naturalmente. Ex: emissão de um título de crédito.
8. Quanto ao momento de aperfeiçoamento:

a) Consensuais – são aqueles que geram efeitos a partir do momento em que há o acordo
de vontades entre as partes. Ex: compra e venda pura.

b) Reais – são aqueles que geram efeitos a partir da entrega do objeto. Ex: mútuo,
depósito.
9. Quanto à extensão dos efeitos:

a) Constitutivos – são aqueles que geram efeitos a partir da conclusão/efetivação do


negócio, ou seja, não retroagem (ex nunc). Ex: compra e venda.

b) Declarativos – são aqueles que geram efeitos ex tunc, ou seja, retroagem até a data em
que foi emitida a declaração do fato que é a causa/objeto do negócio. Ex: partilha de
bens de um inventário.
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO

 Declarado x Vontade - nas declarações de vontade se atenderá mais a intenção nelas


consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem (CC, 112) – teoria da vontade.

 Deve-se levar em conta a boa-fé (lealdade contratual), além dos usos e costumes do lugar
da celebração (CC, 113). A má-fé não se presume, devendo ser provada.

 Os negócios que envolvam liberalidade (benéficos ou gratuitos), são interpretados de


maneira estrita (CC, 114).

 Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á


adotar a interpretação mais favorável ao aderente. (CC, 423)
 Quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá
a que melhor assegure a observância da vontade do testador. (CC, 1899).

 A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva (CC, 819).

 Os negócios relativos a direitos do consumidor serão interpretados de maneira mais


favorável a eles (CDC, 47).
LIMITES À LIBERDADE DE CONTRATAR
(CC, 421 E 422)
 Boa fé objetiva: é um princípio que impõe às partes contratantes um
comportamento de cooperação, de lealdade, de modo que não seja frustrada a
justa expectativa que a parte deposita em uma relação jurídica contratual.

 Função social do contrato: esse princípio vem nos dizer que todos os
contratos devem atender a um interesse privado, a um interesse particular,
todavia, não pode ser desvirtuado interesses da coletividade.
SITUAÇÕES PROBLEMAS LIVRO TEXTO

 CASO 1: Viagem amigos – aluguel de imóvel por três dias via plataforma
virtual – tornado Camboriú.
Durante o período das festividades carnavalescas de 2018, três estudantes de Direito, Cícero, Caio e Marcos, organizaram-se
para viajar e aproveitar o feriado prolongado. Alugaram um imóvel por três dias, em Camboriú/SC, utilizando-se da plataforma
virtual conhecida por “Aluguel Virtual”, sendo que pagariam o total de R$ 2.000,00 por todo o período. No dia 09 de fevereiro
de 2018 (sexta-feira), partiriam de Minas Gerais para Santa Catarina, todos juntos no mesmo veículo terrestre. Contudo,
quando já prontas as malas e iniciada a viagem, ouviram em um programa de rádio que um tornado havia passado justamente
em Camboriú/SC e todas as estradas de acesso ao município haviam sido bloqueadas. Retornaram, então, ao carnaval mineiro,
e, em vez de procurarem eventos festivos locais, buscaram realizar a leitura do contrato de locação imobiliária que havia sido
celebrado em nome de Cícero, pois eles pretendiam receber o dinheiro investido antecipadamente, já que não chegaram
sequer a pisar no imóvel. O contrato estabelecia, em síntese, que: a) 50% do valor da locação seria pago antecipadamente, e a
outra metade seria paga quando iniciada a estadia; b) se não iniciada a estadia na data prevista, não haveria direito ao
reembolso da quantia investida de maneira antecipada; e c) as partes declararam que eram capazes para celebrar referido
contrato, e apontaram o endereço do imóvel, bem como suas características, regularmente. Diante disso, entraram em contato
com o locador e obtiveram resposta negativa, ou seja, não seria realizada qualquer restituição a Cícero. Diante da situação,
como eram todos já acadêmicos de Direito e estagiavam, os três, em escritório de advocacia, decidiram que levariam o caso
para adoção de medidas cabíveis.
 CASO 2: O esposo compreensivo.

Animado para participar da festa de confraternização promovida pela empresa onde trabalhava, Higor convidou
sua esposa, Fabiana, para que o acompanhasse, e ela, prontamente, aceitou o convite, igualmente animada.
Ambos se divertiram, mas não passaram todo o tempo da festa na companhia um do outro. Terminada a festa, e
já passados, aproximadamente, nove meses do evento, Fabiana deu à luz um filho. Porém, Fabiana contou a
Higor que, no dia da festa de confraternização, ela havia se relacionado com um colega dele, motivo pelo qual
não poderia afirmar, com certeza, se o filho seria mesmo de Higor. Recebida a notícia, Higor ficou muito
decepcionado mas, ainda assim, entendeu por bem em realizar o registro do filho como seu, reconhecendo a
paternidade deste. Antes de ter realizado o reconhecimento da criança, Higor havia procurado um advogado, o
qual lhe havia dito que seria possível reconhecer o filho, porém, condicionando o reconhecimento apenas ao
dever de guarda, não permitindo que a criança fosse considerada sua herdeira. Diante dessa situação,
responda: o reconhecimento de filho é considerado um negócio jurídico ou um ato jurídico? Agiu corretamente
o advogado? Se a resposta para essa última pergunta for negativa, explique o porquê e elabore a resposta
adequada a Higor, como se advogado fosse.
QUESTÕES DE CONCURSO

 Questão 1: As consequências dos atos jurídicos em sentido estrito são reguladas e


determinadas pela manifestação de vontade do agente. (Prova: Quadrix - 2019 -
CRA-PR - Advogado I)

 Questão 2: Consideram‐se como fatos jurídicos os acontecimentos que, de forma


direta ou indireta, ocasionem efeitos jurídicos. (Prova: Quadrix - 2019 - CRA-PR -
Advogado I)

 Questão 3: O ato jurídico em sentido estrito é ato voluntário que produz os efeitos já
previamente estabelecidos pela norma jurídica, como, por exemplo, quando alguém
transfere a residência com a intenção de se mudar, decorrendo da lei a consequente
mudança do domicílio. (Prova: CESPE - 2018 - Instituto Rio Branco - Diplomata - Prova
1)
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

CASTRO, Paulo Roberto Ciola de. Direito civil - negócio jurídico. Londrina :
Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2018, 216 p.

TARTUCE, Flávio. Direito civil v.1: lei de introdução e parte geral. 14.ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2018.

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