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Aulas Teóricas
Professor Doutor António Manuel Tavares de Almeida Costa
Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Nota introdutória
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Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Índice
Parte I - INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL ....................................................... 5
Título II - O sentido e a função do direito penal ............................................................... 5
Capítulo I – Definição formal de direito penal: as categorias do "facto" (crime) e da
"reação criminal" (pena e medida de segurança). Uma questão terminológica: direito
penal ou direito criminal? A insuficiência da definição formal de direito penal ............... 5
Cap. II - Direito penal em sentido material. ..................................................................... 5
1. O crime como lesão ou colocação em perigo de bens jurídicos. ...................... 5
2. O problema dos fins das reações criminais. Distinção entre pena e medida de
segurança ............................................................................................................ 11
3. Breve referência de síntese à posição adotada quanto ao conceito material de
crime e a uma perspetiva de prevenção geral positiva ou de integração ao nível
do sancionamento penal. ..................................................................................... 19
4. O direito penal no horizonte do sistema jurídico global. ................................ 23
Título II – a lei penal e a sua aplicação........................................................................... 24
Cap. I - O princípio da legalidade em dto. Penal ............................................................ 24
1. Princípio da legalidade do crime, da pena e da medida de segurança (art. 29º,
nºs 1 e 3, CRP, e art. 1º, nºs 1 e 2, CP). .............................................................. 24
2. As fontes formais do dto. Penal ...................................................................... 26
3. As chamadas fontes materiais do dto. penal ................................................... 26
4. O dto. penal internacional (ius gentium – art. 29º, nº 2, CRP) ....................... 26
Cap. II - A interpretação da lei penal e a integração de lacunas ..................................... 27
1. Sentido e limites da interpretação da lei penal ................................................ 27
2. Restrições à analogia em direito penal. Análise do art. 1º, nº 3, CP ............... 27
Cap. III A aplicação da lei penal no tempo..................................................................... 27
1. O princípio geral da irretroatividade da lei penal (art. 2º, nº 1, CP) ............... 27
2. O problema da determinação do «tempus delicti» (art. 3º CP). Breve alusão
aos delitos permanentes ou duradouros e ao crime continuado .......................... 27
3. A aplicação retroativa das leis penais de conteúdo concretamente mais
favorável ao arguido (art. 2º, nºs 2 e 4, CP). As leis intermédias ....................... 29
4. As leis temporárias ou de emergência (art. 2º, nº 3, CP). ............................... 29
5. O problema da conversão de um crime em contraordenação. A continuidade e
a descontinuidade do ilícito ................................................................................ 30
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A infração à lei denomina-se crime. Materialmente, o crime define-se como uma violação
de um bem jurídico essencial à convivência comunitária e à realização individual. Trata-
se de uma conduta que viola uma norma de determinação que tutela bens jurídicos
essenciais à comunidade.
DISTINÇÃO BENS/VALORES
Os valores jurídicos presidem ao direito na sua totalidade, o valor é
uma abstração a concretizar-se em determinado objeto – intenção que
norteia as condutas. Permanecem imutáveis e correspondem aos
adjetivos
Os bens, pelo contrário, correspondem a uma realidade substantiva e
são mutáveis. São as situações e objetos tidos por valiosos num
determinado lugar e tempo. Participam da historicidade do direito
criminal, já que, este tutela não só os valores enquanto entidades
abstratas, mas essencialmente os bens enquanto corporização desses
valores.
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valores, mas sim bens jurídicos valiosos, indispensáveis e fundamentais à livre realização
da pessoa humana e à sã convivência comunitária histórica e espacialmente situados, que
podem traduzir-se em objetos físicos, numa situação ou numa relação ou sistema de
relações que assumem dignidade penal.
Há, portanto, um certo relativismo do objeto da tutela penal que se traduz num histórico
de descriminalizações e neocriminalizações.
Em suma, o Direito Penal visa a defesa dos valores essenciais à convivência comunitária
e à realização individual.
Intervenção do direito penal
O direito penal deve ser expurgado de todos os valores morais, ideológico-políticos ou
religiosos. O critério axiológico que deve presidir à sua intervenção e tão-só o da tutela
dos bens jurídicos indispensáveis à convivência comum.
Se por um lado a principal restrição da intervenção do direito penal é um critério
axiológico-criminais sempre que sanções mais leves se mostrem suficientes e adequadas
para proteger os bens em causa. Assim, o direito penal deverá ser a ultima ratio porque
comporta uma fortíssima restrição aos direitos fundamentais constitucionalmente
tutelados – inclui as sanções mais gravosas do arsenal jurídico do estado.
Através destas duas restrições percebemos duas ideias fulcrais:
1. DIGNIDADE PENAL corresponde ao plano axiológico e traduz-se na ideia de
uma necessidade social – não deve chamar-se o direito penal quando as condutas
em causa não atendem contra bens jurídicos fundamentais
2. NECESSIDADE DA PENA corresponde ao plano pragmático e estabelece que
de entre as várias condutas que tenham dignidade penal por atentarem contra bens
jurídicos essenciais, só deverão provocar a intervenção do direito criminal aquelas
que não puderem ser punidas por sanções de outros ramos do direito.
Apenas as condutas com dignidade penal, isto é, que violam os bens jurídicos essenciais,
justificam a aplicação do Direito Penal. Contudo, a definição de crime tem dois
momentos: a dignidade penal e a necessidade de pena. Não basta uma conduta ter
dignidade penal para estar legitimada a incriminação da sua lesão.
Do funcionamento cumulativo destes dois princípios resultam duas características
fundamentais do direito penal:
Subsidiariedade do direito penal de acordo com as ideias de necessidade da pena, se
bens jurídicos essenciais puderem ser tutelados por meios menos gravosos que os do
direito penal estes devem ser utilizados.
Fragmentaridade do direito penal o direito penal intervém na vida social de forma
fragmentária, não tem a pretensão de regular toda a vida social, nem sequer um setor.
Antes pulveriza-se por todos os ramos da vida social para atingir apenas aquelas áreas
onde estejam preenchidos os critérios da dignidade penal e da necessidade de pena – onde
esteja em causa um bem jurídico essencial e, cumulativamente, ele não possa ser tutelado
por instrumentos de qualquer outro ramo jurídico.
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Por outro lado, a função de garantia tem o objetivo de influenciar a conduta das
pessoas no futuro de forma a evitar que sejam cometidos ilícitos. Aqui está-se a
assumir a liberdade, a integridade numa dimensão coletiva, dimensão essencial
para a vida em comunidade. Assumem os bens jurídicos na sua dimensão
essencial comunitária – normas de determinação, assim o ilícito traduz-se na
conduta humana que infringe essas mesmas normas. O ilícito não está no ilícito
em si, mas na própria desobediência ou no pôr em causa o seu respeito. O essencial
do crime está, contudo, na desvalorização da ação, na consumação dessa
desvalorização. Há ilícito a partir do momento que há desobediência à norma. O
crime é a violação da norma que tem como objeto a proteção do bem jurídico
considerado essencial. – ponto de vista material
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O conceito material de crime está em congruência com aquilo que consideramos como
sanção.
Distinção direito penal e direito civil
O que diferencia o direito penal, se também o direito privado tutela danos não
patrimoniais como a liberdade, a honra ou a integridade física?
A distinção peca por defeito, definir o âmbito de aplicação do direito penal é um grande
passo, mas o cerne da diferença é a tutela oferecida aos bens protegidos.
A diferença faz-se, em relação ao direito civil, na perspetiva em que o direito penal não é
a tutela de um bem jurídico essencial individual e concreto, contrariamente ao direito
civil, cuja principal função é o ressarcimento do lesado na situação em que estava antes
da lesão. O direito em geral procura estabelecer uma repartição dos riscos, benefícios e
encargos que permeiam a vida coletiva. Tal repartição é feita de acordo com as convicções
reinantes acerca de justiça. Esta ordem comporta dois níveis:
1. Reposição da ordem, ideia de reconstrução de justiça sempre que tal ordem seja
quebrada, é a função do direito civil. O Direito Civil pretende definir a esfera
jurídica individual de cada um e visa estabelecer uma ordem de justiça
distributiva. O ilícito traduz-se no desvalor do resultado, as suas normas são
normas de valoração. Tem, portanto, a função de repor a pessoa à situação anterior
à lesão, de compor o dano, numa perspetiva do passado.
2. No nível do direito penal o que está em causa é o próprio valor do bem jurídico
destaca-se pelo sentido da intervenção, tendo um sentido de organização/
conformação da sociedade e visando estabelecer uma ordem de justiça coletiva.
Tem a função de proteção e garantia da norma, numa perspetiva do futuro. O
ilícito traduz-se no desvalor da ação. Neste sentido, a função da aplicação das
penas não é proteger o bem jurídico lesado, mas sim a reafirmação da própria
norma. O juiz, ao aplicar a sanção, está a reafirmar a norma perante a sociedade.
O objeto de proteção do Direito Penal é o respeito pela norma.
Fins das reações criminais
Sendo que para o direito criminal o que está em causa não é o concreto do bem jurídico
lesado, mas sim a vigência comunitária da própria norma, a função da sanção não será a
reposição da situação face ao desvalor do resultado (como acontece no direito civil),
mas sim a de reafirmação da vigência da norma violada e do valor jurídico que lhe está
associado.
É nesta base que ocorre o sancionamento penal – não ressarcir, mas reafirmar a vigência
de uma norma essencial à convivência comunitária.
Welzel distinguia entre o objeto de proteção da norma e o objeto de sanção penal. A
tutela dos bens jurídicos pelo direito penal é uma tutela mediata que não atua
diretamente pela proteção do bem jurídico, mas antes pela reafirmação da norma que foi
violada.
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Em suma, as normas de direito penal são normas de determinação que levam implícitas
ideias de culpa e de livre-arbítrio humano, tendo as suas sanções por objeto a vigência
da própria norma. Logo, o núcleo da infração penal está no desvalor da própria norma.
2. O problema dos fins das reações criminais. Distinção entre pena e medida de
segurança
Após falar da primeira parte da definição de direito penal resta-nos abordar a segunda
parte, relativa às penas e medidas de segurança enquanto sanção ou consequência
jurídica.
Em direito penal temos dois tipos de sanção: pena e medida de segurança.
A questão que se coloca é: se o crime é um mal aos bens jurídicos a sanção deve ser
igualmente um mal? – problema dos fins das penas
Para este problema teorizaram-se duas teorias essenciais: absoluta e relativa. Contudo,
estas duas posições nunca são adotadas até às suas últimas consequências, sendo mais
comum a adoção de um hibridismo que conjuga ambas.
POSIÇÃO ABSOLUTA – teorias ético-retributivas
As sanções não são instrumentais são um fim em si mesmo, a concretização de um fim
de justiça – imperativo categórico de justiça (noção kantiana), a essência da pena criminal
reside na retribuição ou compensação do mal do crime. Surge como um imperativo
categórico de justiça. Nesta ótica, é a justa paga pela prática do crime. Não é, portanto,
um meio de defesa social, mas sim um fim em si mesma.
A pena devia constituir ajusta paga de um mal praticado, deveria traduzir-se na aplicação
de uma paga ao mal praticado pelo sancionado num sentido proporcional, sendo esta uma
proporcionalidade de cariz axiológica, um sofrimento adequado à gravidade do crime
praticado. Esta aplicação deste castigo ao que praticou o crime seria um imperativo de
categórico de justiça.
Na determinação da pena não entrariam, contudo, considerações de ordem pragmática
ou utilitária: a pena, enquanto fim em si mesma, veria a sua finalidade esgotada na pura
retribuição do mal causado à sociedade na prática de tal crime. Existe uma
proporcionalidade entre a pena e a gravidade do crime, sendo esta última medida
através da ponderação cumulativa dos conteúdos de ilícito, relacionado com o desvalor
do ato em si mesmo; e de culpa, relacionado com o desvalor do ato de uma determinada
pessoa com determinadas características naquelas circunstâncias. A retribuição é uma
retribuição axiológica, isto é, assente nos valores morais, no sentido em que a pena
deve, à luz das conceções axiológicas vigentes na comunidade, representar um mal
equiparável.
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Determinação da pena:
A gravidade da pena é-nos dada mediante uma fórmula consagrada, pelo conteúdo
de ilícito e pelo conteúdo de culpa plasmados naquele concreto crime
- ilicitude, traduz-se no desvalor objetivo do ato, trata-se de um juízo dirigido ao
facto, relacionado com o conteúdo de danosidade social do ato e independentemente
da consideração do agente
- culpa, traduz-se num desvalor subjetivo do ato, trata-se de um juízo dirigido à
pessoa. Valora-se o ato concreto do agente, faz-se um desvalor dirigido àquela
pessoa específica que, sendo livre, praticou um ato criminoso quando não o podia
ter feito. – juízo pessoal.
Daqui que encontremos atos objetivamente desvaliosos que não podem ser punidos
por não haver culpa – inimputáveis.
A gravidade do crime vai ser depois enxertada pelos conteúdos da culpa e da
ilicitude do facto: tal juízo axiológico permite chegar à gravidade do crime
e, portanto, à medida da sanção, na ótica ético retributiva.
A ideia retributiva convoca a ideia de vingança privada, que não deve ser a base
da sanção penal. Assim, a pena é um crime institucionalizado.
Considera que o crime resulta da ponderação cumulativa dos conteúdos de ilícito
e culpa, pelo que é insuficiente no caso dos inimputáveis. Como a pena tem de ser
proporcional ao sentido de culpa do crime, no caso dos inimputáveis é menor.
Diminuição da culpa
POSIÇÕES RELATIVAS – prevenção geral, especial e de integração
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A pena é apenas um meio de defesa social contra a criminalidade, o crime foi praticado
não pode ser apagado, a sanção não o apaga, e como tal o direito penal não deve buscar a
punição pela simples, não se procura qualquer imperativo de justiça, mas antes aproveitar
o sancionamento daquele concreto delinquente para prevenir a prática de futuros crimes
e defender a sociedade face ao fenómeno da criminalidade.
O direito penal passa a ser um mecanismo orientado ao futuro, à defesa social.
A sanção só deve ser aplicada quando for justificada pela função de defesa social.
Estas teorias terão em comum estes aspetos, mas irão divergir no modo pelo qual esta
defesa da sociedade irá operar.
PREVENÇÃO GERAL
A punição do delinquente tem a finalidade de intimidar a generalidade das pessoas. Não
está em causa a sanção, mas sim intimidar os potenciais criminosos para que não venham
a praticar o crime. Restringe-se, de certa forma, à utilização do medo para afastar
potenciais criminosos da prática criminal. A finalidade é a intimidação geral. Considera-
se que desta forma se consegue uma melhor defesa social.
O crime é pressuposto, mas não é medida. A medida da pena assenta na necessidade de
intimidação geral, daqui que se aceite aplicação de penas que vão muito além da
proporção do crime.
Teoria da coação psicológica de Feuerbach*
A pena não realizaria quaisquer imperativos éticos ou sequer de justiça – visaria apenas
a defesa social, circunscrevendo-se a uma coação psicológica, ou seja, uma amedrontarão
da generalidade das pessoas, potenciais prevaricadores. Esta coação aconteceria em dois
momentos:
1. Ameaça
Corresponde à estatuição legal. Trata-se da descrição pública, feita pelo
legislador, de crimes e penas. É o momento do princípio da legalidade no direito
penal e seria o momento essencial da prevenção geral.
2. Execução
Perante aquele que não respeitou a ameaça aplica-se a sanção. Para Feuerbach
teria uma importância secundária, sendo que o seu papel seria o de confirmação,
o de reforço da ameaça ao tornar claro aos olhos da comunidade que as penas
cominadas da lei são efetivas.
Esta doutrina coloca a sua tónica na ameaça, trata-se de uma ideia de “aparência de pena”,
não verdadeiramente a dureza, a gravidade efetiva da pena que importa, mas a impressão
que causa na comunidade.
Críticas:
Pode conduzir a um Direito Penal de Terror, aplicando sanções demasiado
pesadas e atentatórias à dignidade humana.
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Não é suficiente para os delinquentes mais perigosos, que têm tendência para o
crime e não se deixam intimidar.
PREVENÇÃO ESPECIAL
A defesa social deve atuar sobre o concreto delinquente, sobre aquele que já praticou o
crime e que mostra reincidência, avaliando a sua perigosidade. Não partilha da ideia ético-
retributiva, considera que porque o delinquente praticou um crime anteriormente
demonstra capacidade para praticar mais crimes no futuro, abandona-se a ideia de
intimidação geral.
Pode funcionar de três formas:
1. Intimidação individual (prevenção especial negativa)
A pena é aplicada para que o criminoso não volte a cometer um crime. Atua de forma
severa sobre o delinquente em causa para evitar a reincidência.
Pretende-se aplicar ao âmbito do criminoso uma pena de tal forma severa que ele se
abstenha de praticar crimes no futuro. Traduz-se numa ressocialização pois é o
próprio delinquente a ressocializar-se por força do medo de voltara a ser alvo
daquela sanção.
Ligada sobretudo aos períodos onde o direito penal aplicava as penas mais agressivas,
havia um conceito de “melhorar através da domesticação” – período do despotismo
esclarecido e iluminismo do estado de polícia. Períodos com um regime penal
extremamente severo que cria naquele delinquente sancionado um mecanismo de
intimidação individual que o levará a não praticar no futuro mais crimes por receio de
voltar a sofrer a mesma sanção.
Diferente de Feuerbach nunca se admitiria a ilusão de uma pena, não se trata de uma
coação psicológica, o castigo tem de ser efetivamente severo, para que o criminoso
não volte a delinquir.
2. Intimidação (prevenção especial negativa)
A pena limita o espaço de liberdade do agente em que ele demonstrou ser perigoso.
A sanção retira ao criminoso a possibilidade de voltar a cometer crimes.
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Crime:
Teoria ético-retributiva
O crime é pressuposto e medida da sanção, em causa está a realização da justiça e
uma ideia de proporcionalidade em relação à culpa.
Teoria da prevenção geral
O crime é pressuposto da sanção, mas não é a sua medida. A medida da sanção é-
nos dada pelas necessidades de intimidação geral dado que é esse o fim último da
pena.
Teoria da prevenção especial
O crime só por si não é nem pressuposto nem medida da aplicação da sanção. A
perigosidade é a ideia dominante. 16
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Esta última crítica é reconhecida por Liszt que constrói uma resposta baseada numa
prevenção integral.
2. Intervenção do juiz – momento em que o juiz, dentro dos limites legais, aplica a
sanção ao concreto delinquente. Prevalecem os ideais da justiça, a pena deve ser justa e
proporcional, atendendo à gravidade do crime – teoria ético-retributiva;
3. Execução – corresponde à prevenção especial, no sentido de procurar que no futuro o
agente vivo sem praticar crimes, pretende-se a ressocialização do delinquente.
É uma doutrina impraticável, porque o Direito Penal está subordinado ao princípio da
legalidade, por isso para o juiz tomar ideias de justiça e prevenção geral tem de estar
determinado na lei e a pena tem de ser justa e proporcional, o legislador não pode apenas
a prevenção geral e tem de ter em consideração muitos outros aspetos: a lei tem de ser
justa, proporcional à gravidade do crime, etc., na execução está presente a previsão
especial, mas também tem de se ter em consideração as outras finalidades. Esta é uma
teoria simples, mas falsifica a realidade, que é complicada. Os 3 fins das penas funcionam
e têm de funcionar sempre em conjunto.
POSIÇÃO INTEGRAL – construção Exner
Parte da perspetiva da Prevenção Geral, procurando combiná-la com a Prevenção
Especial. À partida, a pena servia para intimidar a generalidade das pessoas. Assim, a
medida da pena é feita pelas necessidades da Prevenção Geral. É passível das mesmas
críticas da teoria da Prevenção Geral.
Parte da prevenção geral, mas tem em consideração as exigências da criminalidade
perigosa.
A pena tem como primeira linha intimidar as pessoas. Considera que não há medida
certa.
Uma questão se coloca:
Se não há margem de medida certa qual a pena adequada para intimidar a generalidade
das pessoas?
A medida adequada da prevenção geral funciona entre o máximo e o mínimo, não
havendo uma medida aritmética, e satisfaz as exigências da prevenção, consoante haja
maior ou menor perigosidade do delinquente e as necessidades sociais.
Representa um melhoramento à prevenção geral pura, mas é passiva das mesmas
críticas, na medida em que as penas não esta sujeitas ao princípio da proporcionalidade
e justiça, o que leva ao perigo do “Direto Penal do Terror”, a pena excessiva pode gerar
movimento solidariedade para com o criminoso, não tem há uma margem de
variabilidade, entre esse máximo e mínimo resultante das exigências de prevenção geral
poderiam funcionar as exigências de prevenção especial (mediante a perigosidade).
Procuram compatibilizar ambas as prevenções, mas não tem ainda limites ao direito
penal.
O facto criminoso é pressuposto, mas já não é medida, porque não se vai aferir em
função da gravidade do crime, mas da necessidade.
POSIÇÃO INTEGRAL – construção Eduardo Correia
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Já as MEDIDAS DE SEGURANÇA têm limites mais difíceis de achar que atentam aos
seguintes princípios:
1. Princípio da legalidade
Só se podem aplicar medidas de segurança que estejam previstas expressamente
na lei.
2. Princípio da necessidade
É uma medida exclusiva de defesa social, pensada para reagir contra a especial
perigosidade manifestada pelo agente. Se o agente não revela perigosidade para o
Princípio da menor intervenção possível
De entre todas as medidas de segurança adequadas a responder àquela
perigosidade, deve aplicar-se a de menor evasão da esfera jurídica do
destinatário.
3. Princípio da proporcionalidade
A gravidade da medida de segurança deve ser proporcional à gravidade dos crimes
que no futuro o delinquente pode vir a cometer. A gravidade do crime praticado é
indício suficiente da gravidade média dos crimes que o delinquente irá praticar.
Desta forma, a medida de segurança deve ser proporcional à gravidade média dos
crimes que irá praticar.
Para perceber essa gravidade média atender-se-iam a níveis qualitativos e
quantitativos
o Nível qualitativo
Tipo de crimes que o indivíduo pratica
o Nível quantitativo
Põe fim à teoria do escalation effect. A criminologia veio trazer ensinamentos
quanto a este propósito: veio provar que, salvo determinadas exceções, a
gravidade média se mantém uniforme (não há uma progressão na carreira
criminal, a gravidade média mantém-se estável). A gravidade dos crimes oscila
muito pouco, o que leva a que a gravidade do crime impetrado é indício bastante
da gravidade média dos crimes que o agente poderá a vir a praticar no futuro. A
gravidade da medida de segurança, ainda que necessária, não deve ultrapassar a
perigosidade dos crimes que o agente pode vir a praticar.
4. Princípio do ilícito típico
Só pode ser tomada em consideração a perigosidade subjetiva do sujeito, na
medida em que ela se concretiza em algo objetivo, isto é, que se concretize num
ilícito típico, num facto que na sua objetividade comporta a lesão do bem jurídico
prevista na lei. O ilícito é um pressuposto comum à aplicação das penas ou de
medidas de segurança. A perigosidade que se deve tomar em linha de conta para
a aplicação de medidas de segurança é uma perigosidade que se concretizou
naquele facto daquela natureza.
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5. Princípio da judicialidade
Todas as reações criminais só podem ser aplicadas por tribunais, um órgão
independente e objetivo.
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crimes e revela uma tendência para o crime, aplica-se então uma pena
relativamente indeterminada, que é uma pena que o tribunal costuma não fixar,
estabelecendo apenas um máximo e um mínimo, o mínimo corresponde a 2/3 em
relação àquele crime e o máximo são os 2/3 acrescidos – a pena vai ser
determinada consoante a evolução do condenado, se revelar melhoras sai antes,
se não, sai depois. Verdadeiramente, não é uma pena, é uma sanção mista, a pena
é o que é aplicado ao crime concreto, tudo o que for além disto é uma medida de
segurança que se relaciona com a perigosidade. Este instituto é a consagração de
um regime dualista, vem estabelecer a aplicabilidade, é apenas uma técnica
legislativa diferente, que fundiu a pena e a medida de segurança. Concluindo, a
imputáveis são aplicáveis tanto medidas de segurança como penas – prevalece a
tese dualista.
Não detentivas (ex: interdição de conduzir) – o caráter dualista da lei resulta da
letra da lei das medidas não detentivas. – ex: art. 100º do Código Penal. É a própria
lei que determina que as medidas de segurança são aplicáveis quer a imputáveis,
quer a não imputáveis.
4. O direito penal no horizonte do sistema jurídico global.
O Direito Penal é um direito do ramo público, pois a natureza dos bens jurídicos é uma
dimensão supra-individual, visto que não visa satisfazer os interesses particulares.
Também se pode dizer que pertence ao ramo público considerando a sua estrutura da
relação jurídico-pública em que o Estado intervém numa posição de supremacia em
relação aos particulares.
Contraponto com outros ramos do Direito Público:
O princípio da legalidade prende-se sobretudo com uma lógica de segurança das pessoas
e a limitação do arbítrio no quadro do ramo do direito que contém as sanções mais
gravosas para o cidadão e está previsto no artº. 1 CP e nos 29 e 30 da CRP.
Este princípio engloba duas vertentes:
Crimes nullum crimine sine lege, nullum pena sine legem. Em causa está o
princípio da segurança das pessoas – procura-se evitar a perseguição penal por
uma conduta que era lícita ao tempo da sua prática. Para estarmos perante um
crime terá de existir uma lei anterior que qualifique determinada conduta como
tal.
Reações criminais ninguém pode ser alvo de sanção (pena ou medida de
segurança) a não ser que uma lei anterior a estabeleça.
NOTA: O princípio da legalidade no tocante às sanções aplica-se hoje em medida igual
às penas e às medidas de segurança, mas nem sempre esteve assim consagrado – dizia-
se que as leis novas relativas às medidas de segurança deviam ser imediatamente
aplicadas já que isso não comportaria uma aplicação retroativa, diferentemente da pena
que se aplica a um facto passado e por isso comportaria aplicação retroativa. Contudo,
esta situação levava à chamada “burla de etiqueta” onde o legislador pretendendo
perseguir determinado individuo aplica uma pena designando-a de medida de segurança
de forma a fugir ao princípio da legalidade. A partir do momento que o regime previsto
passa a ser o mesmo para ambos deixa de ser possível este abuso ARTº. 1 nº2 –
alteração em 1886.
Projeções do princípio da legalidade:
1. Plano da extensão
O princípio da extensão mão se faz sentir em todos os casos da mesma forma.
Vale de forma vinculativa tanto para fundamentação da responsabilidade como para
as regras que contemplam a atenuação da mesma. As condutas que constituem crime
devem estar plasmadas na lei.
Noutros âmbitos a latitude conferida ao legislador pode ser maior.
2. Plano da fonte
A fonte de legitimidade é o poder legislativo, como tal, a fonte do direito penal é, sem
dúvida, a lei. Para uma lei ser aceite, necessita de prévia autorização. Tem de ser
estrita (lei dimanada do próprio parlamento to ou por outro órgão com competência
delegada por este.).
3. Plano da determinabilidade ou da tipicidade
A lei penal tem de ser o mais precisa possível na determinação da matéria criminal,
pois estão em causa bens jurídicos e as sanções são as mais graves, pelo que não
podem haver erros. Em nome da própria justiça, muitas vezes é necessário recorrer a
cláusulas gerais e conceitos indeterminados, que só são legítimos se forem
determináveis segundo critérios objetivos, procurando limitar ao máximo o arbítrio
do julgador.
4. Plano da analogia
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Por norma há não só uma proibição do recurso à analogia iuris mas desde logo
também há uma proibição à própria analogia legis, isto é, a transplantação de soluções
entre institutos.
Contudo, a proibição da analogia legis só valerá para a determinação e agravamento
da responsabilidade – nunca para a sua exclusão ou atenuação.
Os valores subjacentes à consagração desta proibição são o alargamento da latitude
do arbítrio do juiz nestas últimas áreas não pode vir a prejudicar em nada a
segurança do cidadão, antes ajudará a uma efetiva busca da justiça para o caso
concreto.
Assim, temos a proibição da analogia em tudo o que for desfavorável ao arguido. No
entanto, se a solução mais justa requerer o recurso à analogia para favorecer o arguido,
passa a ser permitido (art. 3º, nº 3, CP).
A interpretação da lei deve ser teleológica e não puramente declarativa. Deve ser uma
interpretação objetivista e atualista da lei, pois a realidade social está em constante
mutação. Neste sentido, quanto à integração das lacunas na lei penal, não é permitido
o recurso à analogia quer seja “iuris” ou “legis”, sendo proibido tudo o que é
desfavorável ao indivíduo.
No artigo 1º do Código Penal, está consagrado o princípio da legalidade do crime, das
penas e das medidas de segurança. No nº 3 está claramente patente a proibição da
analogia e de tudo o que é desfavorável ao indivíduo.
5. Plano da não retroatividade
A irretroatividade da lei penal é corolário lógico do princípio da legalidade.
2. As fontes formais do dto. Penal e 3. As chamadas fontes materiais do dto. penal.
No caso do direito português este entendimento do princípio da legalidade é
especialmente estrito estende-se ao plano das fontes:
Única fonte formal do direito penal é a lei
Costume não é fonte autónoma
Não se fala de criação de norma para o caso concreto
Asfontesmateriais
têmumadimensãosecundáriaesãosempreconsideradas enquanto referentes a
uma lei (doutrina e jurisprudência)
então é ao momento da prática do facto que se deve atender pois é ele que determina as
expectativas dos particulares quanto à reação do direito à sua conduta. Afinal de contas,
o momento de consumação do ato depende de fatores aleatórios, o que poderia levar a
diferenciações injustas. O criminoso poderia, caso contrário, sofrer consequências
completamente alheias à sua vontade ou intenção como por exemplo se num atentado à
integridade física, o tempo de auxílio demorasse e a lesão se tornasse mais grave do que
fora no momento da sua prática.
O princípio da aplicação retroativa da lei mais favorável tem de se referir a uma
mesma situação de facto e assentar numa mudança de juízos de valor por parte do
legislador. Pode por isso funcionar entre leis comuns ou entre leis de emergência
referidas à mesma situação de crise.
Crimes permanentes ou duradoiros
Critério bilateral estabelecido no artigo 3.º. Nos crimes permanentes, de serem de
execução permanente.
Qual a lei do momento da prática do ato?
O professor defende que é a lei que está em vigor no final, o sequestro deve ser sempre
punido por essa lei seja ela mais grave ou menos grave. Mas o problema que se levanta
é quando a última lei é mais severa, houve quem dissesse que se aplicava sempre a
primeira lei. A doutrina maioritária entende que se parte o sequestro a meio, divide-
se em dois, o sequestro até à entrada em vigor da nova lei é punido nos termos da lei
velha e o sequestro levado a cabo após a entrada em vigor da lei nova é punido pela
lei nova. Na teoria, esta parece ser a solução mais correta, porque é mais garantística,
mas, na prática, acaba por levar a uma situação mais severa para o arguido, pois, por
mais absurdo que seja, é julgado por 2 crimes, a concorrência de penas é mais grave,
o que leva à prática de uma punição mais grave. A solução que em teoria parecia mais
garantística, na prática não o é.
O professor Almeida Costa, por outro lado, defende uma teoria diferente: nos casos
de crimes permanentes ou duradouros aplica-se sempre a lei nova, fazendo com que
o arguido seja punido por apenas um crime. Se há mudança de lei e o agente continua
a executar o crime, é porque aceita a nova lei. Deste modo, quer seja mais ou menos
favorável, será sempre julgado pela lei nova.
Se continua a praticar o sequestro depois de sair a pena mais grave, é porque se
conforma com a pena mais grave. A questão da lealdade, pelas garantias da não
retroatividade, fica garantida com este argumento, há total lealdade. É no término da
execução que se fixa a lei.
Crimes de execução permanente
Sequestro, conduta única que se prolonga no tempo, revela o último momento da
conduta.
Difere de crime continuado: - a unidade criminosa é uma ficção do juiz, pluralidade
criminosa.
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As leis de emergência não cessam de vigorar por alterações de valor, mas sim por
alterações na própria situação de facto, que deixa de ser de crise. O conteúdo deste
artigo, que confere caráter ultrativo a estas leis, consiste em estabelecer uma relação
de incomunicabilidade entre as leis de emergência e as leis normais para efeitos de
consideração de lei mais favorável. Esta incomunicabilidade, não se verifica, contudo,
em leis de emergência que se reportem à mesma situação de facto – existem casos em
que encontramos uma sucessão de leis de emergência destinadas a regular a mesma
situação de crise, nestes casos estará implícita uma mudança da conceção do
legislador relativamente à situação de facto, preenchendo os requisitos materiais de
consideração da lei mais favorável.
5. O problema da conversão de um crime em contraordenação. A continuidade e a
descontinuidade do ilícito.
Descriminalização
Situações em que por força de lei a conduta antes classificada como crime passa a
ser lícita.
Previsto no artº. 2 nº2, o regime português estabelece que nestes casos não haverá
respeito pelos casos julgados, ainda que o individuo esteja a cumprir a pena, esteja
em que estado estiver o processo, em suma, todo o mecanismo penal cessará, a lei
nova aplica-se imediatamente e o facto em causa será mesmo apagado do próprio
regime criminal.
Despenalização
Diferentemente, nos casos de despenalização, a lei ressalva de forma clara: salvo se
já tiver sido condenado por sentença transita em julgado. Há aqui um princípio de
respeito pelo caso julgado.
Aqui temos situações que em que a lei, mantendo a incriminação passa a prever
sanções menos graves ou situações onde existe determinado caso até então regulada
pelo direito penal passa, por força de nova lei, a ser regulada por um outro ramo do
direito – por exemplo, passa para o domínio de mera ordenação social, deixa de ser
crime e passa a ser uma contraordenação.
O nosso legislador originário estabelecia a diferença entre o respeito ou não pelo caso
julgado. Se se admitisse a reavaliação de todos os casos julgados de cada vez que
fosse promulgada uma nova lei penal, qualquer reforma penal, por mínima que fosse,
implicaria uma enorme sobrecarga dos tribunais.
Na reforma de 2007, o legislador veio com uma inovação favorável, arranjou um
sistema automático, que não sobrecarregaria os tribunais, e que alargava o efeito
retroativo de uma lei despenalizada mais favorável e é o que está agora na parte final
do nº4 – ex: lei antiga estabelecia pena de 2-8 anos e o juiz decidiu condenar o arguido
a 6 anos, a lei nova estabelece de 2-4 anos, assim, quando a pena atingir o máximo
admitido pela lei nova, cessa a punição. Com isto estabeleceu-se um procedimento
automático, é uma solução que é prática e alarga a amplitude da aplicação da
retroatividade da lei penal à despenalização. O legislador autonomiza estas situações
estabelecendo regimes diferentes.
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Haveria o risco de esta situação causar um vazio legislativo: por se tratar de uma
conduta que era considerada crime e deixa de o ser, cairia no regime do artº. 2 nº4 –
cessa aplicação da lei penal naquele caso concreto. Porém, dado que a lei
contraordenacional tão-pouco é retroativa, também não se poderia aplicar o regime
de mera ordenação social. Se um vazio legislativo deste tipo acontecesse de cada vez
que um crime é transformado em contraordenação então nenhum legislador
procederia a esta operação. De forma a resolver esta situação, entende-se que um
critério de mera razoabilidade guia a aplicação da lei contraordenacional a estes casos
– este entendimento pode ser sustentado por uma base literal no próprio código penal
(artº.2 nº4 – fala em lei nova e não forçosamente lei penal nova). Assim, a lei
contraordenacional será aplicada, no caso de já existir sentença transitada em julgado,
o agente continuará a cumprir a sua pena.
Esta situação é um exemplo de que nem toda a descriminalização cabe no nº2
do artº.2.
Justifica-se esta diferença de regimes na praticabilidade de soluções, a limitação imposta
pela lei é uma limitação de praticabilidade. Se se admitisse a reavaliação de todos os casos
julgados de cada vez que fosse aplicada uma nova lei penal, qualquer que ela seja, seria
uma grande sobrecarga dos tribunais. Assim, o próprio legislador constitucional não dita
nem os termos, nem os critérios que o legislador ordinário deverá utilizar no
preenchimento do princípio da irretroatividade da lei penal.
Cap. IV - A aplicação da lei penal no espaço
1. Direito internacional penal e direito penal internacional
Com a internacionalização da vida moderna e da própria criminalidade há cada vez mais
crimes cuja consumação passa por vários estados e ordens jurídicas – este género de
criminalidade tende a ser mais perigosa do que a criminalidade comum.
seu país de origem e por isso também ao seu direito penal – o direito penal de cada
estado aplicar-se-ia aos crimes praticados por todos os seus cidadãos
independentemente do local onde fossem praticados.
Manifestações do princípio da proporcionalidade: na península ibérica no tempo
da reconquista, na época romana, nas invasões bárbaras e recentemente no direito
penal nacional-socialista consagrava o princípio da personalidade, o direito penal nazi
aplicava-se a todos os cidadãos alemães independentemente de onde a prática do
crime fosse feita.
Críticas e evolução: Este princípio acabou por ser abandonado, pois o limite do
Direito deve ser o Estado e é no território onde o facto foi cometido que existe a
necessidade de reforço da confiança na norma. Assim, atualmente todas as nações e
códigos penais modernos consagram o princípio da territorialidade baseando-se em
três principais razões:
1. Argumento da soberania – limitada pelo território do estado
2. Teologia do direito penal – é no território de cada estado que se fazem sentir as
necessidades de aplicação da pena. Não faz sentido que o direito português aplique
uma pena a alguém por um crime que nem sequer foi reconhecido na comunidade:
do ponto de vista dos valores essenciais que o direito penal tutela é no país do
lugar da prática do facto que a punição ganha sentido.
3. Argumento pragmático – o direito penal vive no processo penal, que comporta
diligências complicadas. Estas diligências de prova conducentes à sanção serão
mais fáceis de realizar no local adequado. Embora o esforço para a cooperação
criminal a nível internacional tenha sido reforçado é fácil perceber a maior
eficácia de um procedimento nacional.
2. O princípio da territorialidade e o critério do "pavilhão" (art. 4º CP).
Referência a algumas extensões excecionais do critério. A "sede do delito" (art. 7º
CP).
O artigo 4º do Código Penal estabelece que a lei penal portuguesa se revela competente
para julgar todos os crimes praticados, ainda que parcialmente, no território nacional,
independentemente da nacionalidade do ofensor ou da vítima – princípio da
territorialidade. Neste artigo há a ressalva da existência de regimes específicos se
previstos em anterior convenção internacional.
Este princípio inclui o critério do pavilhão, que considera que aeronaves portuguesas e
aeronaves estrangeiras sob comando português pertencem à jurisdição da lei penal
portuguesa. Não se trata de um critério autónomo, apenas uma parte integrante do
princípio da territorialidade.
A questão que se coloca perante o critério do lugar da prática do facto é qual o critério
para determinar qual é esse lugar. No passado previam-se três conceções unilaterais:
Lugar da conduta
Lugar do resultado
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ficaria impune, porque no país árabe é uma conduta licita. A ordem jurídica
portuguesa entendeu que o facto de o crime ter sido praticado no estrangeiro é
acidental, é o mesmo que tivesse sido praticado cá, tudo se passa como se tivesse sido
cá, por isso a lei penal portuguesa considera-se competente.
3. Princípio da nacionalidade (art. 5º, nº 1, e)) – regra geral
Na parte inicial prevê-se o princípio da nacionalidade ativa contra portugueses,
princípio da nacionalidade passiva, com vista a “proteger os nacionais perante factos
contra eles cometidos por estrangeiros no estrangeiro”. A ordem jurídica portuguesa
consagra o princípio da nacionalidade tanto na vertente ativa como passiva, mas é
preciso que se verifiquem 3 requisitos cumulativos para que a lei penal portuguesa
seja competente:
a. Os agentes forem encontrados em Portugal - entende-se, sobretudo, em
situações em que a vítima é portuguesa e o agente é estrangeiro;
b. Forem também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido
praticados, salvo quando nesse lugar não se exercer poder punitivo -
requisito da dupla incriminação, ou seja, a conduta tem de considerada
crime pela lei penal portuguesa, mas também do lugar da prática do facto.
Percebe-se, sobretudo, porque o DP não visa tutelar valores
transcendentes, mas garantir as condições indispensáveis à convivência
comunitária, assim não fazia sentido punir uma conduta que era
considerada crime na lei portuguesa, mas não na estrangeira. Quanto à
última parte, refere-se a territórios que não são reivindicados, como o mar
alto, a Antártida, etc., nestes casos, são territórios res nullius, não se exerce
soberania, prescinde-se do requisito da dupla incriminação.
c. Constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser concedida
(…) – quanto a esta 1ª parte: a extradição é uma forma de cooperação
internacional, mas tem limites. Quando à nacionalidade, há a velha regra
do Direito Continental de proibição de extradição de nacionais (isto não
sucede no anglo-americano, em que é possível a extradição de
nacionais), no há a regra do “pai em relação ao filho”, há uma lealdade
do poder soberano aos seus súbditos, não os trai, mas castiga, esta ideia
transitou para a modernidade desde as monarquias (art. 33º, nº1 CRP).
Mas há 2 exceções, previstas na CRP: quando esteja em causa ou um
crime de terrorismo ou de organizações criminosas internacionais (se for
terrorismo interno ou organizações criminosas no plano interno, já não é
possível). A explicação a esta exceção prende-se com razões de ordem
pratica, os crimes de terrorismo e as organizações criminosas
internacionais são muito perigosas e têm muito poder, portanto, há que
haver uma cooperação internacional contra a luta destes crimes,
atendendo à gravidade dos delitos em causa que justificam esta exceção.
Tirando a exceção, continua a vigorar a regra de não extradição de
nacionais. Há outros limites, tem a ver com a natureza dos crimes em
causa, excluem-se os crimes especificamente políticos e crimes
especificamente militares. Em tempos, no séc. XX incluíam-se também
os crimes fiscais, mas esta ideia está ultrapassada e estes crimes podem
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A regra nebis in idem apenas será invocada quando o princípio da territorialidade não seja
fundamento para a competência da lei penal portuguesa.
Somam-se a esta outras restrições à competência da lei penal portuguesa – ARTº. 6 nº2 e
3 – relacionam-se com a possibilidade de aplicação de direito estrangeiro por tribunais
portugueses: preenchimento de quatro requisitos cumulativos
A lei penal portuguesa não é competente segundo o pirncípio
daterritorialidade;
A lei penal portuguesa não é competente segundo o princípio dedefesa
dosinteresses nacionais;
A lei penal portuguesa não é competente segundo o princípio
d
o
caso especial da nacionalidade ativa e passiva;
ODireitoPenalestrangeiroaplicáveléaquelequefundamentaasuaaplicação no
princípio da territorialidade;
Destas limitações decorre: a aplicação da lei estrangeira por tribunais portugueses só pode
ocorrer quando a lei portuguesa fundamenta a sua competência.
E dois efeitos positivos previstos no mesmo artigo:
Efeito de facto na medida em que são pressupostos para o desencadear de efeitos de
direito interno e possibilidade de serem executados qua tale que consiste num efeito
jurídico.
Princípio da igualdade
A lei penal é universal, pelo que se aplica a todos de forma igual, em decorrência do
princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.
Exceções ao princípio da igualdade
Existe, porém, ao próprio nível jurídico, exceções que não são reminiscências dos antigos
regimes, mas antes se prendem com o prestígio dos antigos regimes e a funcionalidade de
certos cargos públicos (nomeadamente políticos) ou com o caráter representativo de
certos cargos diplomáticos.
Neste segundo caso temos as imunidades diplomáticas consagradas na convenção de
Genebra – não existe punição da parte dos estados, aos funcionalismos consulares e
diplomáticos de outros estados (em vez de colocar o representante no banco dos réus ele
será sempre entregue ao seu estado de origem, no entendimento de que esses
representantes representam o seu país e a sua soberania).
Quanto aos cargos políticos: 133, 160, 199 CRP
Aqui há restrições à natureza de igualdade – mas não têm natureza material, são restrições
puramente processuais penais. Os titulares destes cargos são igualmente responsáveis
pelos seus crimes, o que se passa é que o seu processo penal é retardado para o momento
que tal sujeito deixe a titularidade do cargo ou para o momento em que a autoridade
competente levante a imunidade.
Não se pretende um tratamento diferente para a classe privilegiada. O que está em causa
é a natureza dos cargos em questão ligados ao prestígio do estado ou ao funcionamento
dos órgãos e instituições democráticas.
É o direito germânico que vai fazer uma ligação entre as várias fases (a sua influência vai
ser transversal aos vários momentos).
1. O dto. penal arcaico. Especial referência ao dto. germânico.
Primeira fase da perda de paz
Uma primeira fase do direito penal é assim caracterizada pelos mecanismos informais da
vingança privada. Não se pode ainda falar de estado, não há instâncias públicas e muito
menos órgãos especialmente adstritos à aplicação da justiça penal – é a própria sociedade
que reage, geralmente de forma parcial e informal (predomínio de mecanismos informais
para a repressão do crime). Este predomínio de mecanismos informais para a repressão
do crime que caracteriza a primeira fase.
Há, contudo, exceções onde a reação é da sociedade como um todo – reação
institucionalizada.
Nesta fase existem então duas modalidades de reação à lesão de bens:
RELATIVA
Consiste na vingança privada que cabe ao lesado e à sua família.
ABSOLUTA
Relacionada com o núcleo, ainda mínimo, do direito penal público em que a comunidade
reage como um todo e o criminoso é tratado como um inimigo exterior por ter posto em
causa a própria comunidade na sua vertente espiritual ou física.
Crimes religiosos
Em sociedades extremamente individualistas, em que não existe ainda grande consciência
axiológica comunitária, qualquer elemento agregador assume especial relevância e um
ataque ao mesmo é considerado um grande atentado à ordem social.
Crimes de guerra
No seio da guerra os interesses coletivos punham-se em causa e sobrepunham-se aos
interesses individuais criando-se sanções para estes crimes considerados mais graves no
âmbito do conflito.
do local da execução, pela queima das suas casas – tais rituais destinam-se a fortalecer a
consciência comunitária.
Estes crimes são uma exceção ao “direito penal privado” que caracterizava esta fase. A
sanção satisfaz as exigências dos interesses privados e, simultaneamente, as exigências
dos interesses públicos de punição. Desenvolvendo-se mecanismos uniformais em que se
confundem as exigências da repressão comunitária com a vingança individual.
No âmbito destes crimes começaram a surgir elementos do moderno direito penal público,
é em relação a estes crimes que surge a pena de morte como pena pública – para os demais
crimes a regra é sempre a da justiça privada.
Segunda fase das sanções pecuniárias
Substituem-se os mecanismos da sanção privada, evitando-se as retaliações sucessivas.
Torna-se aqui mais nítido o cariz predominantemente privado do direito penal da época:
a sanção pecuniária torna, pela sua natureza, mais clara a anterior confusão entre os
objetivos da sanção privada e os da sanção pública.
O pagamento é entendido como justo e castigo pelo crime ao mesmo tempo que é
compensação pela sua lesão.
Funciona da seguinte forma: perante um diferendo, o sujeito que tem direito à vingança
abstém-se de a realizar mediante um pagamento económico da contraparte.
Neste quadro a vingança concretizava não só uma ideia de retribuição, mas também uma
ideia de prevenção, sendo que quem não se vingasse estaria, no fundo, a pôr em causa a
sua própria subsistência e a convidar a novas ofensas.
Contudo, esta solução pecuniária só seria possível mediante o juramento de igualdade
ambas as partes renunciavam à vingança, sendo que a parte não lesada teria igualmente
de recusar vingança em circunstâncias idênticas aceitando em troca, de igual forma, o
dinheiro. Sendo que só desta forma o ofendido se livraria da “aura de covardia” associada
à renúncia de vingança.
Entre a segunda e a terceira fase
Segue-se a concentração de poderes a todos os níveis guiando à constituição dos estados
modernos.
No direito penal começa a verificar-se uma publicização e uma centralização dos
mecanismos criminais nas mãos das autoridades públicas – entende-se que o direito penal
deves ser abolido do monopólio do poder central.
Durante os séculos VII/VIII temos um período de gradual transição para a introdução das
penas públicas.
Terceira fase
O Direito Penal passa a ser exercido por uma entidade pública devido à constituição do
Estado e à centralização do poder.
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igreja onde se faziam todos os registos e daí pecado e crime serem conceitos que se
confundiam. Agora o direito penal passa a ser publicizado pois interessava ao
monarca manter a paz e é graças à igreja a sanção surge pela primeira vez como
meio de prevenção.
Sentido da pena
O sentido predominante da pena continuava a ser o de retribuição, contudo, durante a
baixa idade média introduz-se um novo elemento, o sentido da pena como ordem
terapêutica de ressocialização/regeneração moral – não se trata de mera prevenção de
reincidência, de uma verdadeira reconversão da alma.
Teor do sistema
Quanto ao teor geral do sistema do direito penal medieval, predominantemente,
continuavam a ser as penas pecuniárias, mas não seriam comutáveis apenas através de
uma soma pecuniária pois as mais graves implicavam tanto a sanção corporal como a
pecuniária.
Nas sanções pecuniárias tínhamos o fredos quando havia uma parte que ia para o estado
e o bemos quando era uma penal puramente pública.
Confusão plano moral/jurídico/religioso _
Códigos jurídico-criminais confundem-se com a moral da época e
aludem à terminologia do pecado;
Ao nível das sanções, a pena equivale a uma penitência;
A ressocialização equivale a uma regeneração da alma ou moral;
Não existe um princípio da legalidade, as leis são lacunosas e
os juízesfrequentemente analfabetos.
A escola positivista que nasce neste virar de século assentava na negação da liberdade,
substituição do conceito de culpa pelo conceito de perigosidade, substituição do Direito
penal do facto pelo Direito penal do agente.
Para as orientações positivistas o que estava em causa não era o facto, pois esse já tinha
passado, o que interessava era então atacar a perigosidade do agente. Punia-se não o facto,
mas o agente, numa perspetiva puramente cientista, que apontava para o Direito penal
terapêutico (alvo de muitas críticas), total indeterminação das sanções, separação ao nível
do processo entre o momento e a determinação da sanção. Na determinação da sanção o
jurista não era sequer necessário, podiam atuar médicos, psicólogos, psiquiatras que
desencadeariam medidas terapêuticas, pois o que estava em causa era reagir contra a
perigosidade, num quadro da total indeterminação das sanções.
Ainda hoje verificamos este confronto: por um lado, um pensamento assente na dignidade
humana, que aponta para um Direito penal elevado de garantias.
Por outro, orientações puramente instrumentais e estratégicas (posição cientista). Estas
últimas vão ganhando colorações diversas, ora acentuando mais a vertente preventiva
especial, ora acentuando mais a prevenção negativa geral.
Há, de facto, uma tensão entre uma orientação centrada na pessoa, nos valores da justiça,
na preservação dos direito fundamentais – Direito penal do facto, da legalidade e da culpa,
que nós herdamos do Estado de Direito Liberal e logo se implantou nos finais do século
XVIII e que é o Direito penal que ainda temos, tanto a nível material (respeito pela
liberdade, privilegiar o Direito à diferença) como a nível formal (princípio da legalidade,
garantia do cidadão perante o Estado) – e, por outro lado, as orientações de carácter
pragmático e utilitarista, muitas vezes inspiradas em teorias sistémicas e funcionais, em
que ou privilegiam a vertente da prevenção especial apontam para o Direito penal do
agente (decorrência das ideias da Escola Moderna Alemã e da Escola Positivista Italiana)
ou uma vertente securitária que põe em causa os direitos e garantias.
É uma tensão atual, que se verifica porque o que se joga no Direito penal uma
compatibilização ou concordância prática entre, por um lado, as exigências da
convivência social e da segurança dos cidadãos, e por outro lado, o respeito pela
dignidade da pessoa e pelo próprio criminoso.
Triunfo: viria a ser do Direito Penal do facto
Acima das divergências, o direito penal atual gera um certo consenso. Há princípios
comumente aceites, um património comum a todas as nações civilizadas, sobretudo
europeias.
Princípio da legalidade;
Princípio da culpa como limite da pena;
Ideia da dignidade humana;
Proporcionalidade das penas e das medidas de segurança;
Princípio da necessidade social.
Quanto aos fins das penas afirma-se um objetivo de ressocialização despido de quaisquer
conceções moralistas.
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No que respeita às sanções mantemos até hoje a prisão como sanção principal para os
crimes mais graves, em obediência ao princípio da subsidiariedade.
Evolução do direito penal português
Fase arcaica
Mantém-se o mesmo que parece ser comum à maioria das sociedades.
Direito Penal Medieval
Até à Alta Idade Média viveu os 3 períodos, na Baixa Idade Média assistiu ao
renascimento do direito romano-canónico, ius comnune, encontramo-lo no livro V das
Ordenações Afonsinas, ausente a ideia da legalidade, as leis eram uma espécie de
parábola, não havia a fronteira entre o Direito e a moral, não havia diferença ente crimes
e pecados, as sanções eram predominantemente pecuniárias e com finalidade retributiva.
A monarquia absoluta do séc. XVI e XVI é o período das Ordenações Manuelinas e das
Ordenações Filipinas, no sentido da publicização do poder e endurecimento das sanções,
no livro V, era um Direito Penal brutal. Não havia princípio da legalidade, o Direito e a
moral confundiam-se, punia-se o pecado como crime e as sanções eram brutais, com
recurso à tortura.
Iluminismo – despotismo esclarecido
A expressão do Direito penal característico do Despotismo esclarecido encontra-se na a
legislação do Marquês de Pombal (D. José I) e na legislação da sua sucessora D. Maria e
no Projeto de Código Penal de 1789, o primeiro projeto de código penal português, levado
a cabo por Melo Freire.
O despotismo esclarecido, de Marquês de Pombal e D. Maria I, teve as mesmas
características que a restante Europa, o Direito Welfare State, o Estado Polícia, que
promove o bem-estar material e moral dos cidadãos, é a época do mercantilismo e ainda
do direito penal brutal.
A justiça penal era brutal, não havia respeito pelo princípio da legalidade, tivemos um
primeiro projeto de código, em 1789, de Pascoal José de Mello Freire, que nunca foi
publicado em vida, é um código característico do despotismo esclarecido, autoritário.
Este código penal corresponde ao modelo dos códigos penais do despotismo esclarecido
da Europa.
Segundo iluminismo
A grande mudança veio com o constitucionalismo e com todo o seu projeto de um DP
subordinado ao princípio da legalidade, do facto e da culpa, a eleição da pena de prisão
como pena por excelência, banindo-se as sanções corporais e degradantes. Este programa
do DP demoliberal que resultava dos textos constitucionais não tinha correspondência
num Código Penal, continuavam a vigorar as Ordenações Filipinas, juntamente com
legislação extravagante.
Tentativas de codificação
As primeiras tentativas de codificação só viriam a surgir com o despotismo iluminado.
Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Trata-se de um código penal muito atual onde por isso se afirmam tais princípios
básicos basilares, consensualmente aceites em qualquer estado de direito.
O DP Clássico é o que temos, nas suas traves-mestras é o DP da Escola Clássica, que tem
as notas essenciais: legalidade, culpa, facto e no plano das sanções privilegia uma visão
preventiva geral positiva ou de integração. Este é permanente objeto de ataque das teorias
funcionalistas e utilitaristas e a teoria sistémica e funcional de Luhmann e a de Jakobs são
provas vivas disso mesmo.
Evolução dos sistemas prisionais em Portugal
Sistema de Filadélfia: previsto inicialmente no projeto criminal de 1871. Tal sistema
mantém-se até 1913, embora o projeto nunca tenha entrado em vigor.
Sistema de Auburn: há uma transição para este sistema em 1913, que se mantém até
1936.
Sistema irlandês: introduzido em 1936, o sistema irlandês caracteriza-se pelo caráter
progressivo e vigora até aos nossos dias, tendo a capacidade de se adaptar às necessidades
da sociedade.
Atualmente, cada recluso tem um plano individual de atividades e formação profissional.
A ideia subjacente é a de que cada recluso é um sujeito de execução penal e não
meramente seu objeto, ele tem palavra a dizer na execução. Trata-se não só da
salvaguarda dos direitos fundamentais, mas também da ideia de que ninguém deverá ser
ressocializado à força.
2. Contudo, nem toda a conduta humana é crime. É necessário que essa conduta
esteja descrita como tal na lei, isto é, seja típica.
3. No entanto, nem todas as condutas típicas são relevantes para o Direito Penal (por
exemplo, matar é proibido, mas matar em legítima defesa é permitido). É preciso
que esta também seja ilícita, isto é, desvaliosa.
4. Não basta que seja uma conduta humana típica e ilícita. É necessário que seja
culposa, censurável.
5. Por fim, o facto de uma conduta humana típica, ilícita e culposa não significa que
seja relevante. É preciso que tenha uma necessidade de punição.
Desta forma, o sistema é uma garantia da aplicação justa do Direito Penal com certeza e
segurança. As teorias gerais do crime são propostas metodológicas da aplicação do
Direito Penal ao caso concreto.
Tem por objetivos potenciar a justiça material, a correção das funções e a maior
conformidade das mesmas; assim como o valor de certeza e segurança, na medida em que
permite um controlo da atividade jurisdicional.
A dogmática penal adota um ordenamento tradicional. Esta dogmática consiste na
desimplicação do sentido dos elementos que estão contidos na ideia material de crime.
Determina os pressupostos que são necessários de verificar para uma conduta constituir
crime. Portanto, surgiram vários sistemas ou conceções da Teoria Geral do Crime ao
longo do tempo.
São três os grandes sistemas que refletem três grandes conceções do direito penal, são
diversos quanto à matéria penal em si, mas também quanto à metodologia do direito em
geral e todos têm origem na dogmática alemã.
Sistema clássico, positivista ou naturalista;
Sistema neoclássico ou normativista
Sistema finalista
mundo empírico, cada conceito só seria válido se tivesse essa correspondência empírica.
Portanto, deveriam ser empiricamente determináveis e quantificáveis.
E o segundo era a marcada influência do positivismo legalista, no sentido em que defendia
que as categorias jurídicas deveriam ser fechadas e aptas à mera resolução, apontando
para uma perspetiva puramente descritiva dos conceitos jurídicos.
A análise partia do plano mais abrangente ao mais restrito numa relação género-espécie.
1. Conceito de ação: Ação-causal em termos puramente objetivos e
axiologicamente neutros (cega a valores – considerava, por exemplo que a ação
da injuria tínhamos um fluxo de ar que passava pelas cordas vocais passava aos
ouvidos da vítima e causava desconforto ao recetor. Só a ação que fosse típica,
ação prevista na lei, considerava que seriam ilícitas – comparação esfaqueador/
cirurgião). A ação era toda a modificação do mundo exterior causalmente ligada
a uma vontade e cega de valores.
2. Tipo: Para haver um crime, essa ação causal teria de estar descrita num tipo legal
estritamente objetivo e axiologicamente neutro. O que contava era a pura
descrição, não se faziam referências a valores. Tratava-se de um tipo indiciador,
pois não expressava a ilicitude, sendo apenas um indício da mesma.
3. Ilicitude: Contrariedade à ordem jurídica no seu todo. Resumia-se à verificação
da existência de causa de justificação (contratipo). Ponderava a conduta apenas
na sua objetividade.
4. Culpa: Conceito psicológico de culpa, que diz que esta é o nexo psicológico que
liga o agente ao facto. Não intervinha qualquer elemento valorativo. Neste caso,
o juiz tinha de analisar caso a caso a linha piramidal estabelecida pelo sistema.
Críticas:
Perspetiva inconsistente, pois é puramente descritiva, não sendo
suscetívelde reproduzir o sentido das valorações jurídico-criminais.
a
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consumação do crime – claro que isto foi rapidamente refutado pois a ação de
substituição não tem ligação à causa).
Ex. A atira uma pedra a janela do vizinho B. Em princípio seria um crime de dano,
mas com esta conduta, sem saber, salva a vida de B. Dentro de uma ótica do ilícito
de puro do desvalor do resultado, esta situação seria lícita, ainda que o sentido da
conduta não seja positivo. Esta conduta devia pelo menos ser punida por tentativa,
mas nesta perspetiva, puramente objetivista, isso não aconteceria.
3. Sistema Finalista
Surge na segunda metade do séc. XX e tem como principal nome Welzel.
É deste sistema que resultam os aspetos essenciais, encerra conceitos como ilícitos
pessoais, fundamentação da tentativa ou a raiz da teoria do movimento do facto. Está,
como já referido, ligado a Welzel e vai dar origem à escola de bona (escola que defende
o ilícito pessoal).
Refutação dos pressupostos positivistas. Assumiu como núcleo do crime o desvalor da
ação e não o desvalor do resultado.
O principal autor foi Hans Welzel, que defendia que a representação intelectual do
homem retratava efetivamente a realidade tal qual existia.
Distinguia dois universos: o universo da natureza (físico, subordinado às categorias da
causalidade e da quantidade) e o universo social ou humano (realidade social, sentidos e
valorações, liberdade).
Welzel partia da natureza do universo social humano, o universo da vida da razão
pratica, este universo era um universo de sentidos, valoração e liberdade, mas, ao
contrário das restantes perspetivas neokantianas, Welzel considera a dimensão da
exteriorização de uma atitude de sentido, considera uma resposta emocional a um
determinado fator. Considera a ação humana como uma expressão emocional. Ele parte
desta conduta humana como exteriorização de uma vontade de sentido e que este só se
pode compreender a partir do momento que a ação é considerada. Com isto não se invoca
a moral, pois para o direito penal só se consideram as ações que sejam lesivas.
O ilícito é uma unidade subjetivo objetiva que exprime uma vontade.
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não se pauta apenas por considerações de dignidade penal, mas também pela
necessidade.
Este sistema considera que só devem ser considerados crimes as condutas que envolvam
a violação grave dos bens jurídicos essenciais, e mesmo nesses só quando fosse
necessária a intervenção do DP e outras formas de regulação não fossem suficientes.
Assim, não devemos considerar crime aquela conduta que, muito embora relevante em
termos jurídicos, isto é, digna de pena, possa ter a sua regulação feita por outros ramos
do Direito.
Foi esta a ideia em que se inspirou: se o sistema é a decomposição analítica de uma ideia
de crime que está pressuposta, então esta ideia que traçamos resulta em si mesmo da
combinação da dignidade e da necessidade de pena, que se têm de projetar no sistema –
esta é a ideia base.
Este sistema foi, contudo, alvo de divergências doutrinais quanto a modo de construção
do elemento da necessidade de pena.
Orientações da necessidade de pena:
a) Klaus Roxin: ação típica, ilícita e responsável (em detrimento da culpa). Não
insere aqui a culpa, substituindo-a pela responsabilidade, ora é neste último
momento que vão interferir as políticas criminais. A afirmação da
responsabilidade jurídico-penalmente relevante assentava em dois momentos: a
verificação da culpa e a averiguação da necessidade de pena. A ideia de Roxin
era: o direito penal visa proteger bens jurídicos, daí que a culpa não seja
fundamento para a aplicação da pena, pois mesmo que certa ação seja culposa, só
deve ser punida quando necessário. Isto é, apenas em certas situações de culpa é
que é necessário se punir.
Ex. excesso intensivo de legítima defesa, delitos passionais. Este não é um sistema
que se possa contrapor aos outros, porque herdou a estrutura deles, apenas a abriu
a considerações de necessidade de pena, entendida na prevenção geral positiva ou
de integração. Para Roxin, nas categorias da ação, do ilícito (típico) e da culpa
apenas entrava em linha de conta considerações de dignidade de pena, a
necessidade de pena só surgia imediatamente após a aferição de culpa. Ainda
assim, esta não é a conceção maioritária entre os adeptos.
c) Prof. Almeida Costa: Na base desta conceção está Bernd Schunemann, considera
que a necessidade e dignidade de pena se projetam em todo o sistema,
concorrendo tanto na delimitação do facto, como do ilícito, na atribuição da culpa,
da responsabilidade subjetiva. Se o crime resulta da conjugação da dignidade e
necessidade de penal, se o sistema é uma implicação destas duas ideias, elas têm
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de se projetar em todas e cada uma das categorias, não pode estar fixa a uma. Se
o sistema é a desaplicação do sentido da ideia pressuposta, tanto a ideia da
dignidade penal como a ideia da necessidade de pena têm de se projetar não só ao
nível subjetivo da culpa, como no plano objetivo, no plano da delimitação do
facto.
A parti daqui vamos construir o nosso próprio sistema, partindo de uma conceção de
ilícito pessoal e incluindo três capítulos
âmbito de cuja atividade social o crime é praticado, que vai ser responsabilizada, sempre
que seja impossível identificar um centro individual de responsabilidade.
A regra da restrição da responsabilidade às pessoas coletivas levava a vazios de punição,
por força da dificuldade de determinar o responsável, agravada pelo princípio in dúbio
pro reo. No entanto, devido à danosidade socioeconómica, impunha-se a
responsabilidade politico-criminal. Pela dificuldade de se encontrar a responsáveis
individuais procurou colmatar-se este problema.
Devido à influência do Direito anglo-americano, com o seu pragmatismo e utilitarismo,
acentuou a necessidade da responsabilidade dos entes coletivos. Todavia, surge uma
natureza de razão económica, há danos que nenhum património individual pode suportar,
são sanções pecuniárias que têm tantos 0’s. Quando se falam em soma de pagamentos de
multas é o pagamento da sanção do Estado e começa aí um aspeto negativo: olhar para
isso como fonte de recursos económicos do Estado. A função do DP não é a de criar
receitas, a multa aplica-se como poderia aplicar-se outra sanção qualquer, não se aplica a
com o sentido de arranjar fontes de rendimento para o Estado, não é esse o objetivo, o
objetivo da sanção é prosseguir os fins de prevenção e retribuição de que falamos no fim
das penas. Aqui começa o aspeto das coisas que leva a criticar a responsabilidade das
pessoas coletivas, é um absurdo, porque gera responsabilidade objetiva, porque se
estamos a punir o ente coletivo pelo crime praticado por um dos seus agentes na sua
atividade, o ente coletivo vai arcar com a responsabilidade praticada por um seu agente
no desenvolvimento da atividade. Assim, ao responsabilizar o ente coletivo estou a fazê-
lo em termos de omissão, porque o ente coletivo não contempla nos seus estatutos
mecanismos de controlo que impeçam os seus agentes a praticar crimes, estou a
responsabilizar na base de um crime da omissão. A responsabilidade das pessoas coletivas
admite a responsabilidade objetiva, independente de culpa e por isso afigura-se uma
solução inadmissível.
Havia outros caminhos possíveis, como criar centros de responsabilidade individual, não
da pessoa coletiva, ou seja, cada estrato da empresa teria o dever de fiscalizar os
comportamentos dos inferiores hierárquicos, ou seja, é possível criar na estrutura da
empresa, através do mecanismo da omissão, mas não relativamente a um ente abstrato da
empresa, mas daqueles que estão diretamente a dirigir e a controlar os inferiores
hierárquicos.
Outro absurdo é o tratamento da multa como uma divida, art. 11º, nº9 CP e na lei 28/84,
no art. 3º, nº3. Está a dizer-se que se a pessoa coletiva for condenada ao pagamento de
uma multa respondem solidariamente tanto a pessoa coletiva como os administradores,
como se fosse uma dívida civil com o objetivo de ressarcir danos.
Em domínios económicos não pode haver vazio de punição, é verdade que há dificuldades
de prova da responsabilidade, sobretudo, com o princípio do in dúbio pro reo, mas o
caminho a seguir deveria ter sido outro. Por outro lado, para além de envolver casos de
responsabilidade objetiva, vai se fazer pagar pessoas sob factos que não tiveram nada a
ver, que não praticaram os crimes em causa, nem se envolveram nas atividades em
apreciação, e confunde-se as funções das sanções penais, as multas passam a ser vistas
como receitas do Estado.
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Esta conceção implantou-se, porque é a solução mais fácil e porque vivemos numa época
em que “tudo o que é americano é bom”. Em bom rigor, a pessoa coletiva não tem
capacidade da ação, não é um centro autónomo de imputação, por isso se restringia a
responsabilidade penal às pessoas singulares. Os comportamentos que podiam ser crimes
seriam os das pessoas singulares.
No entanto, atualmente, o que se impõe é a lei, que veio a admitir a responsabilidade das
pessoas coletivas, em aceções diferentes consoante seja o DP clássico ou secundário. A
regra é:
1. No DP clássico, quando o legislador nada disser, apenas as pessoas singulares são
responsabilizadas (11º, nº1 CP);
2. No direito penal secundário, como resulta dos art. 2º e 3º da lei 28/84, a regra é ao
contrário, sempre que o legislador nada disser, tanto são responsáveis a pessoas singulares
como as coletivas, só se exclui quando o legislador expressamente o declarar. Assim, no
nosso sistema, a responsabilidade das pessoas coletivas é admitida, muito embora seja
bastante mais restrita no direito penal clássico – campo em que ainda constitui uma
exceção. Já no DP secundário tal solução é muito mais alargada.
Tudo o suprarreferido, segundo Almeida Costa, trata-se de uma solução má, da
importação utilitarista e pragmática do Direito anglo-americano, cujos resultados podiam
ser adquiridos por outra via sem se ultrapassar o princípio fundamental de direito penal
societas delinquere non potest. Deste modo, os autores que defendem esta
responsabilidade fazem uma analogia, como se a conduta do ente coletivo fosse levada a
cabo por um agente, um concreto individuo, e através deste raciocínio analógico ajustam
a responsabilidade das pessoas coletivas à construção do delito. “Do ponto de vista
dogmático, admite-se uma responsabilidade dos entes coletivos no direito penal ao lado
da eventual responsabilidade das pessoas individuais que agem como seus órgãos ou
representantes.”
Cap. II – O “tipo de ilícito”
1. A evolução da teoria do tipo. As relações entre as categorias do tipo e do ilícito. O
primado do momento da ilicitude e a conceção do tipo-de-ilícito. O afastamento da
teoria dos "elementos negativos do tipo" e a autonomização entre tipos
incriminadores e tipos justificadores.
O tipo é a forma cujo conteúdo é o ilícito.
O tipo acaba por ser a parte da descrição legal, que exprime o conteúdo de
antinormatividade, um conteúdo de valor independente do concreto agente.
No plano da ilicitude demarcam-se quais as condutas relevantes, aquelas que, na sua
objetividade, contrariam uma norma de determinação. Não se consideram as
características do concreto agente. Interferem as condições de dignidade penal e
necessidade de pena. Tem de ser uma grave violação de um bem jurídico e o Direito Penal
só pode intervir quando os outros ramos do Direito não são suficientes. O juízo de
ilicitude tem de ser concretizado na lei. O tipo corresponde a este juízo de ilicitude, à
descrição gramatical da conduta.
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Nesta descrição do tipo objetivo, o legislador joga com três elementos essenciais, os
chamados elementos estruturantes do tipo objetivo:
i. Agente – os crimes podem ser praticados por qualquer pessoa (crimes comuns).
No entanto, existem casos especiais onde certas características pessoais do agente
podem dar uma particular relevância ao facto (crimes especiais ou específicos),
em que o legislador exige determinadas características e que podem assumir duas
naturezas:
(Ex: norma estabelece a velocidade máxima 40km/h, mas o agente ia a 70 km/h, furou
um pneu e este bateu contra uma pessoa, neste caso o âmbito de proteção da norma não
se aplica ao facto de ter furado um pneu, será apenas punido pelo excesso de velocidade,
mas o resultado do pneu no peão não lhe será imputado.)
Considerações de Almeida Costa a estas doutrinas:
Tece sérias discordâncias quanto a estas doutrinas, porque estas não respeitam a
distinção entre o ilícito doloso (o agente conhece e quer realizar a conduta ilícita, há
intenção e justifica-se que se impute o resultado à luz destas conceções) e o ilícito
negligente (falta o elemento volitivo, não há a vontade dirigida à pratica do facto, há
uma assimetria entre a representação mental do agente e aquilo que ele efetivamente
realiza, não há uma correspondência entre o projeto mental do agente e a sua conduta
exterior, o que condiciona o grau de previsibilidade, por isso, será imputável o
resultado?). No quadro de uma doutrina do ilícito pessoal, os diferentes fundamentos do
ilícito doloso e negligente, tem de se fundar em critérios diferentes, mas nada disso é
considerado nem pela teoria da adequação nem pela teoria da conexão do risco, o tipo
objetivo dos crimes dolosos e negligente é idêntico e não pode ser, porque os critérios
são diferentes.
À luz dos critérios que estes autores defendem na teoria da adequação, desde que o
resultado não seja impossível imputa-se o culpado. Assiste aqui a razão, portanto, quando
a teoria da conexão do risco afirma que o comportamento lícito alternativo apenas
funciona na negligência. Isto para dizer que os critérios são diversos e que a teoria da
conexão do risco não exprime a diferença entre o ilícito doloso e o negligente, os critérios
têm de ser outros.
Crê que o critério da imputação objetiva dos crimes dolosos é o domínio do facto, que
representa a síntese do tipo objetivo e subjetivo dos crimes dolosos (que se dá quando a
agente representa e quer praticar o crime). Portanto só se pode falar do dolo e imputar o
resultado deste, quando o resultado depende da vontade do agente e este tem o controlo
do ato, não basta a mera previsibilidade, tendo de se estabelecer a diferença entre o nexo
desta e o nexo de dominibilidade.
Por seu turno, o critério de imputação na negligência tem a ver com a violação do dever
objetivo de cuidado, tem de se provar que houve leviandade e/ou descuido para ser
imputável. Mas este critério é muito menos exigente, pois as pessoas não conseguem
prever todas as consequências dos seus atos, pois isso poderia paralisar a vida social. Há
muitas condutas em que nos casos de dolo se imputa o resultado e na negligência não se
imputa, porque não é exigível que se possa prever tudo. O âmbito do tipo objetivo dos
delitos negligente é menor, não cabem nele muitas condutas que já cabem no doloso.
Para expressar a diferença temos de eleger o critério que exprime o núcleo essencial de
ilícito doloso, ou seja, na imputação objetiva apenas podemos ter um critério que exprima
o núcleo essencial no crime doloso, a tal convergência entre tipo objetivo e subjetivo, só
cabendo no crime objetivo o que é controlável pela vontade, o que se domina na
realização no plano exterior da sua vontade. Isto é o domínio do facto, que traduz o
especial desvalor da ação, sendo este o critério que devemos utilizar. É aqui que se deve
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começar, para demarcar, é este o primeiro critério – critério de imputação dos crimes
dolosos.
E quanto aos outros critérios? Os critérios de conexão risco contendem com a delimitação
do tipo, não são critérios de imputação do resultado. No exemplo da diminuição do risco,
o que está em causa é a exclusão da imputação? Não, porque para se falar em diminuição
do risco, é preciso que a situação tenha sido provocada por outra pessoa. E precisamente
por ter sido a outra pessoa a provocar é que é um comportamento louvável, porque
diminuiu o risco do amigo. O que está em causa não é imputar o resultado, mas que o
resultado é a consequência da conduta e que não é censurável porque se traduz na
diminuição do risco.
A teoria da conexão do risco confunde critério de imputação com conteúdo de
imputação, aqueles conetores da conexão do risco são causas de exclusão da tipicidade
do facto, não de exclusão da imputação. Ou seja, há uma confusão entre o nexo de
causalidade entre conduta e resultado e o que é a delimitação da conduta censurável.
Imputa-se a conduta, mas diz-se que não é censurável, pois não cabe no tipo
incriminador.
O critério genuíno da imputação objetiva dolosa é o domínio do facto, que tem contornos
muito específicos e tem esse juízo de prognose póstuma, mas não estamos a perguntar
pela previsibilidade do resultado, mas pela dominibilidade do resultado, por aquelas
condutas que, de uma perspetiva ex ante, dão ao agente o domínio, o controlo sobre a
verificação ou não do resultado. Esta é a única conceção que se harmoniza com o ilícito
pessoal. Assim, o primeiro momento da imputação objetiva é o momento da determinação
do desvalor da ação, é o domínio do facto, que tem exigências para se imputar o resultado
das condutas: que o resultado seja a concretização do perigo típico causado pela conduta,
que seja a sua causa efetiva, e que haja um nexo de causalidade.
Sendo esta a única conceção compatível com o ilícito pessoal, sabemos que o núcleo do
ilícito está no desvalor da ação, que nos é dado pelo nexo de dominibilidade, de
controlabilidade, que é o nexo que nos permite dizer que este facto foi produzido pela
vontade do agente. Este desvalor da ação não é suficiente, tem de concretizar aquele
mesmo perigo, e com isto afastamos todas aquelas situações em que o resultado se veio a
verificar, mas sem o perigo inerente àquela mesma conduta, e para isso é necessário o
nexo causal de acordo com a teoria das condições equivalentes. Só esta conceção nos
permite ultrapassar o equívoco em que assenta a teoria da conexão do risco na parte em
que estabelece um mesmo critério de imputação objetiva para domínios onde não pode
valer um mesmo critério objetivo – negligência e dolo. Nos delitos dolosos deve vigorar
o domínio do facto, nos negligentes a violação do dever objetivo de cuidado. Isto não é
uma formulação teórica porque se repercute em concreto. Há muitas situações em que se
imputa muitos resultados, que não se imputam na negligência.
d. Situações especiais da imputação objetiva
Para o efeito do erro sobre as circunstâncias de facto, só nos interesse a primeira parte da
previsão: erro sobre as circunstancias de facto ou de direito, este número deverá ser
conjugado com o nº3 que ressalva a punibilidade da negligencia em termos gerais.
(Ex: tanto sobre a factualidade típica a mulher que, usando um medicamento que atua
como abortivo, não sabe que está grávida, como outra que conhece a sua gravidez, mas
considera o medicamento inócuo. Daí que a expressão exclui dolo não significa que um
dolo já existente foi eliminado, mas sim que o dolo do tipo não chega a constituir-se
quando faltam os seus pressupostos. A doutrina exposta vale não só para as circunstâncias
que fundamentam o ilícito, mas também para todas aquelas que o agravam e para a
aceitação errónea de circunstâncias que o atenuam.)
Não sendo o agente punido pelo dolo, a possibilidade aberta pelo nº3 (negligencia)
comporta dois requisitos. Toda a gente que, pelo simples facto de vivermos em
sociedade, devemos manter um grau de atenção ou de tensão psicológica para
anteciparmos as consequências dos nossos atos e evitar a prática de atos que possam vir
a lesar bens jurídicos – requisito material dever objetivo de cuidado. A negligência,
pelo facto de ser um ilícito menos grave, a sua punição depende também de um
requisito formal, que é o de estar prevista na lei e está, nomeadamente, no art. 13º CP.
Deste modo, a negligência só é punida quando o legislador expressamente o declarar, a
regra é que só os crimes dolosos são punidos, pois há uma diferença de culpa, a
negligência é excecional.
agente é punido por um concurso de crimes, sendo que o crime projetado é punível
a título de tentativa e o crime consumado a título de negligência. Também este
engano poderá ter consequências sobre a punibilidade, sendo que o valor do objeto
influencia essa mesma punibilidade.
(Ex: A queria roubar uma caixa de latão, mas roubou uma de outro material, B
queria matar um desconhecido, mas matou o pai, por isso, em vez de ser um crime
simples é um crime qualificado.)
Existem várias soluções para este erro, a maioritária começa por perguntar se há
ou não tipicidade entre o crime projetado e o consumado, se cabem no mesmo tipo
de ilícito. Se há esta identidade típica, o agente será punido nos quadros da unidade
criminosa, ou seja, apesar de se enganar, ele sabe que está a matar, logo está a
preencher o tipo legal do homicídio, por isso, vai lhe ser imputado o resultado a
título de dolo. Diferente sucede quando não há identidade típica entre o crime
projetado e o consumado onde o agente é punido por um concurso de dois crimes,
pelo crime projetado a título de tentativa e pelo consumado a título de negligência.
Isto pode levar a soluções absurdas, como levar a que nem um crime nem outro
seja punido, conduzindo a vazios de punição, ou então, o agente pode ser punido
por um crime menos grave do que aquele que projetou.
2 – Erro de execução – ocorre quando a execução do crime é defeituosa, pelo que
o agente produz um dano diferente do projetado. Neste caso, o agente é punido
pelo concurso de crimes referido, independentemente de existir identidade típica
ou não.
(Ex: A quer matar o B, dispara sobre ele só que mata o C. O agente tem uma
intenção criminosa, mas vem a consumar um crime diferente, mas isto não é
resultado de um indevido conhecimento da realidade, mas da deficiente
execução.)
Nestas situações, o agente será sempre punido pelo concurso de crimes e
independentemente de haver identidade típica ou não, de o agente com o crime
consumar o mesmo tipo, por isso, pelo crime projetado será punido a título de
tentativa, pelo consumado a título de negligência. O agente sabe que está a matar
uma pessoa, só por um erro de execução vem a matar o alvo errado, por isso, não
se justifica consoante haja identidade típica ou não, por isso, a doutrina maioritária
diz que o erro na execução é punido sempre nos quadros do concurso, pelo crime
projetado a título de tentativa, pelo consumado a título de negligência – “teoria da
concretização.”
3 – Erro de processo causal – ocorre quando o agente produz o resultado
desejado no objeto desejado, mas de uma maneira totalmente diferente da que
tinha projetado. Verifica-se que o resultado causal é o mesmo, mas foi obtido
através de uma divergência do crime projetado em relação ao consumado. Neste
caso, existem duas soluções. Se o resultado era previsível independentemente do
erro, este é desvalorizado, pelo que o resultado é imputado ao agente, sendo
punido por consumação. Por outro lado, se o resultado não era previsível
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Dolus generalis
A doutrina entende-o como um caso paralelo ao do erro do processo causal. Neste
erro, verifica-se que o agente produz o resultado que queria e sobre o objeto que
queria, mas em momento diverso, o que faz com que o processo causal projetado não
coincida com o efetivamente verificado.
Contudo, diferente do erro do processo causal, este tem a ver com o momento da
prática do facto. “O agente erra sobre qual de diversos atos de uma conexão da ação
produzirá o resultado almejado. De casos que cronologicamente ocorrem em 2
tempos: num primeiro momento o agente pensa erroneamente ter produzido, com a
sua ação, o resultado típico; num segundo momento, fruto de uma nova atuação do
agente (quase sempre com fins de encobrimento), o resultado vem efetivamente a
realizar-se.” O agente estabelece um plano, mas vem a consumar o crime num
momento diferente do que projetou.
(Ex: A dá pancada a B e julga que está morto e atira-o a um rio, mas este morre não
em virtude da pancada, mas do afogamento).
Existem várias soluções, mas são duas as principais:
1. Pretende responsabilizar o agente pelo crime doloso consumado, parte da ideia de
que na base da 1ª conduta o ato de encobrimento que produziu o resultado era uma
consequência previsível, por isso, deve se analisar todo o processo globalmente,
ambas as condutas são partes de um processo global, que na sua globalidade são
idóneos. Deste modo, trata as situações de dolus generalis nos termos do dolo
consumado. há variações, há quem diga que se deve punir apenas se o agente já ex
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ante tinha projetado os 2 atos, se não tinha projetado ex ante o ato de encobrimento,
defende a 2ª teoria;
2. Solução concursal – o agente é punido pelo crime projetado a título de tentativa e
pelo crime consumado por negligência. Esta é uma solução que leva vazios de
punição, todavia, parte da teoria continua a defender esta teoria.
Considerações de Almeida Costa:
o dolo da primeira conduta não pode ser estendido à segunda
conduta, muitas vezes a ação pode ocorrer de maneira não previsível, ou o
ato de encobrimento pode ser feito acontecer por outra pessoa, e assim são
dois processos causais independentes, não pode ser estendido ao segundo
ato o dolo do primeiro. Emenda: na mesma base de equiparação, temos de
distinguir duas situações, se o agente planeou tudo então sim concedemos
como unidade o facto e sempre que o facto for a concretização do projeto
então temos um ato, se não planeou de avanço o ato de encobrimento então
temos dois atos separados (negligencia e crime consumado). A morte pode
ainda acontecer de forma imprevisível. Não se pode estender o dolo ao
segundo facto.
Temos ainda a dificuldade da prova deste projeto – não resulta na pratica.
Figueiredo Dias vai procurar sanar as críticas – imputa-se o resultado
quando ele está de acordo com o projeto e de acordo com o perigo típico –
Almeida costa não concorda.
Aqui existe sempre, no mínimo punição da tentativa e o concurso com o crime
negligente.
Almeida Costa considera que o grande erro é a analogia que
deviaser comapessoa ou objeto.
Ex: A tem uma primeira conduta onde tenta matar B e assume que foi bem-
sucedido. C pratica uma segunda conduta de encobrimento da conduta de A e
é esta segunda conduta de C que acaba por resultar na morte de B. Daqui,
resulta que a conduta de A é, na realidade uma tentativa e a conduta de C é
verdadeiramente a consumação do crime.
O que é esta situação?
É uma situação de erro sobre pessoa ou objeto e por isso a solução tem de
ser encontrada a dois tempos, um dos crimes só pode ser imputado por
tentativa e a segunda pessoa é imputável numa situação de erro da pessoa ou
objeto – esta é a tese diferente de Almeida Costa que responde à solução a que
chega a doutrina, que é insatisfatória, desde logo, porque desde o principio a
equivalência está mal feita.
(Ex: toda a gente sabe que matar é proibido, estas normas estão dotadas de uma
grande constância histórica e o Homem toma conhecimento delas através do
processo de integração normal, por norma, são ilícitos que pertencem ao DP
Clássico.)
Mas existem DP especializados, em que muitas proibições e ilícitos são dotados de
uma particular tecnicidade e o seu conhecimento exige que o agente tenha
conhecimentos técnicos que o Homem comum não apreende autonomamente, não
têm ressonância ético-social.
(Ex: norma que exige que se coloque filtros nos automóveis.)
Se ninguém der conhecimento da norma, não se pode exigir a sua observância. São
normas cuja apreensão não resultam dos processos de integração normal, exigem que
o agente seja informado da sua existência. Não é um erro sobre a factualidade típica,
são normas que o agente tem de ser informado, mas tem em comum o facto de ser um
erro intelectual. Não expressa um desrespeito pela norma, quando muito será punido
por negligência, porque não se informou. O direito penal subordina o erro sobre as
proibições ao mesmo regime sobre o erro da factualidade, exclui-se o dolo, apenas
será punido a título de negligência – em conjugação com o artº. 13 do código penal e
da mesma forma acima referida (requisito formal e material).
ELEMENTO VOLITIVO
O elemento volitivo, por sua vez, corresponde à vontade de agir do sujeito, à atitude, ou
desejo, de querer contrariar valores jurídico-criminais. Quando falta o elemento volitivo,
ocorre um erro moral ou de valoração, uma situação de negligência. Neste caso, o agente
não representa o caráter ilícito da conduta, pois age pensando que a sua conduta é
permitida, quando na verdade não o é. É este elemento intencional que distingue o dolo
de negligência.
Distinguem-se três espécies de dolo, enunciadas no artº. 14 do Código Penal:
Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como
consequência possível da conduta, há dolo se o agente atuar conformando-se com aquela
realização.
Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as
circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
concluíssemos que o agente mesmo que representasse o resultado como necessário teria
realizado a conduta falaríamos de dolo eventual, se chegássemos à conclusão que não
teria agido, seria negligência consciente - como fazemos esta ficção? Apelando ao caráter,
modo de ser e antecedentes do arguido.
Foram estas considerações que repudiaram a doutrina, porque não estamos a punir
o que o agente fez, mas o que faria, violando os pressupostos do direito penal de facto.
Deste modo, esta teoria foi afastada para decidir o caso em que o agente não toma
posição.
Eduardo Correia apresenta antes a teoria da dupla negativa, que faz apelo à conceção
lógica da contraditoriedade.
A negligência consciente verifica-se quando o agente confia que o resultado não
se vai produzir, devido ao otimismo e modo de ser representa-o como possível,
mas confia que não se vai verificar e só por isso o leva adiante, já o dolo
eventual é tudo o que não seja isso, quer os caso em que confia que se produz,
quer como nos caos em que não toma posição, porque o direito penal só
intervém nas ofensas mais graves, estando em causa um bem jurídico essencial
significa que revela uma atitude de contrariedade. Assim, se o agente não toma
posição perante a iminência de lesão grave de bens jurídicos essenciais (de
verificação de um crime), isso é já expressão da atitude de indiferença ou
contrariedade que caracteriza o dolo.
Em suma, segundo esta teoria:
o Negligência consciente (art. 15º, alínea a) – agente confia na não produção
do resultado. Cabem apenas os casos em que o agente está convencido
(mal) de que o resultado não se vai produzir;
o Dolo eventual (art. 14º, nº3) – quando o agente não confia na não produção
do resultado - é a expressão formal da teoria da conformação, abrange
tanto os agentes que confiam, como aqueles que não tomam posição.
Sempre que o agente se conforma revela a atitude de contrariedade ou de
ignorância, cabendo, por isso, não só as condutas em que se confia, como
as que não se toma posição.
É esta a interpretação que está subjacente à lei portuguesa, que a doutrina
maioritária consagra em relação ao dolo e à negligência consciente, que é a teoria
da conformação. Deve se ter ainda em atenção a dupla negativa de Frank Reinhard
e de Eduardo Correia.
Críticas: acaba por traduzir sempre uma punição de personalidade e uma violação
do DP do facto, contrapondo o pessimista doentio ao otimista inveterado, são
apenas tipos de personalidade e tipos de caráter que estão em jogo, qualquer
distinção neste campo acaba, por isso, por punir diretamente modos de ser e com
isso sai do âmbito Penal do facto.
Uma questão se coloca: do ponto de vista da tutela de bens jurídicos, é mais perigoso o
pessimista ou o otimista inconsciente das consequências dos seus atos?
Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Por isso mesmo, Almeida Costa considera que se deveria acabar a distinção entre dolo
eventual e negligência consciente e se deveria graduar não apenas entre duas categorias,
mas três, nomeadamente, as seguintes:
1. Dolo de resultado (incluindo o atual dolo direto e o dolo necessário);
2. Negligência (incluindo a atual negligência inconsciente);
3. Dolo de perigo/ “temeridade – Figueiredo Dias” (incluindo tanto o atual dolo
eventual como a negligência consciente, pois, em ambos, o agente representa o
caráter perigoso da conduta e quer realizá-la). Esta seria uma categoria intermédia,
entre o dolo de resultado e negligência. Este dolo de perigo corresponde à
recklessness no direito anglo-saxónio.
A questão de “não acreditar que fosse acontecer” é um elemento subjetivo que vai ter
influência na definição concreta da pena, mas, a um nível de graduação em abstrato do
desvalor pessoal das condutas, a classificação deve ser tripartida.
Também Figueiredo Dias defende esta classificação tripartida em vez da atualmente
consagrada. Todavia, isto é apenas uma proposta doutrinal, porque no DP estamos
subordinados ao princípio da legalidade, por isso mesmo, temos de fazer a distinção nos
termos da lei portuguesa: 14º, nº3 e 15º, alínea a do CP.
Modalidades de Dolo
Dolus alternativus/dolo alternativo – o agente representa que a sua conduta
pode levar a um de dois resultados diferentes: pode preencher um tipo objetivo ou
outro. Correspondem a “casos em que o agente se propõe ou se conforma com a
realização de um ou de outro tipo objetivo de ilícito”, ou seja, “o agente conta
com ambas as possibilidades e conforma-se com elas, devendo, por isso, o seu
dolo ser afirmado relativamente ao tipo objetivo realmente preenchido pela
conduta”.
(Ex: A vai disparar, quer matar B, mas este está ao lado de C, por isso,
representa que pode matar tanto um como outro; em vez de matar B, apenas o
fere.)
Se em ambas as condutas ele quer apenas um crime, ele tem de ser punido no
quadro da criminalidade dolosa, o que afasta uma parte da doutrina que diz que
deve ser punido em termos de concurso do crime projetado a título de tentativa e
consumado a título de dolo.
(Ex: quer matar, mas apenas fere, por isso deve ser punido por tentativa de
homicídio.)
Faculdade de Direito da Universidade do Porto
(Ex: A quer matar o B com uma pistola e puxa dela, só que ao tirá-la do bolso, ela
dispara-se e produz o resultado pretendido.)
Segundo a doutrina maioritária este crime não releva, quando muito só pode ser
punido por negligência, porque o ilícito doloso é uma unidade-subjetiva, por isso
se revela no domínio do facto, em que o facto exterior é a concretização da
vontade, neste caso, o resultado não é a concretização da vontade, antecipa-se a
ela, por isso, não releva como modalidade de dolo, não é jurídico-penalmente
relevante, pois o agente, quanto muito, será punido por negligência.
(Ex: alguém está a fazer exercício de tiro ao alvo, só que o tiro desvia e mata a
pessoa, que por acaso é seu inimigo e fica contente.)
(Ex: no crime de furto não basta produzir o dano, é necessário que a conduta seja praticada
com intenção de apropriação, de fazer ilegitimamente seu e é isso que distingue o furto
tout court do furto de uso; na burla é necessário que esta seja feita com a intenção de
enriquecimento; art. 132º alínea e, f e j - por força do art. 145º, nº 2 também se aplicam
às ofensas da integridade física qualificadas.)
Deste modo, para termos um crime, para além do dolo, é necessário que se traduzam
numa especial intenção. São circunstâncias subjetivas que contendem com a intenção,
mas com isso não saímos do direito penal do facto, porque este têm um sentido
circunscritivo, pois já há a lesão ou colocação em perigo do bem jurídico, não vai punir
ou agravar tudo isso, mas apenas punir aquelas condutas em que, para além do dolo, o
agente tenha esta ou aquela intenção, revelando uma faceta do caráter.
Deste modo, “cumprem a função de individualizar uma espécie de delito, de tal forma
que, quando eles faltam, o tipo de ilícito daquela espécie de delito não se encontra
verificado.
(Ex: A prostituição não é crime, mas fomentar a prostituição já o é, com dois requisitos
(art. 169º - realizar profissionalmente ou com intenção lucrativa).
Os elementos especiais dependem da interpretação (teleológica) da lei, da análise caso a
caso dos diferentes tipos legais. Não confundimos o ilícito com a culpa, porque mesmo
nestes casos estamos a olhar para a conduta como se fosse praticada pelo Homem médio,
como praticado por qualquer pessoa. Não abandonamos, pois, a distinção entre os planos
do ilícito e da culpa no quadro de uma doutrina do ilícito pessoal.