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Direito Penal

Aulas Teóricas
Professor Doutor António Manuel Tavares de Almeida Costa
Faculdade de Direito da Universidade do Porto

Nota introdutória

Esta sebenta diz respeito às aulas teóricas do ano letivo 2018/2019


da unidade curricular de Direito Penal, lecionadas pelo docente Doutor
António Manuel Tavares de Almeida Costa. A elaboração desta sebenta
teve como base as aulas teóricas e a bibliografia obrigatória da cadeira
e a sua compilação foi realizada pela vogal do Departamento de
Pedagogia da CC2, Rita Gomes.
Foi elaborada com o intuito de auxiliar os estudantes para o exame
de Direito Penal.
Salientamos, contudo, que a leitura desta sebenta não esgota nem
substitui a leitura de bibliografia obrigatória ou recomendada, sendo
um mero instrumento de auxílio ao estudo.
No caso de serem encontrados erros, agradecemos que os mesmos
sejam comunicados para aperfeiçoamento do documento, através do e-
mail da CC2 - cc2direito1819@gmail.com.
Bom estudo!

A Comissão de Curso do 2.º ano

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Faculdade de Direito da Universidade do Porto

Índice
Parte I - INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL ....................................................... 5
Título II - O sentido e a função do direito penal ............................................................... 5
Capítulo I – Definição formal de direito penal: as categorias do "facto" (crime) e da
"reação criminal" (pena e medida de segurança). Uma questão terminológica: direito
penal ou direito criminal? A insuficiência da definição formal de direito penal ............... 5
Cap. II - Direito penal em sentido material. ..................................................................... 5
1. O crime como lesão ou colocação em perigo de bens jurídicos. ...................... 5
2. O problema dos fins das reações criminais. Distinção entre pena e medida de
segurança ............................................................................................................ 11
3. Breve referência de síntese à posição adotada quanto ao conceito material de
crime e a uma perspetiva de prevenção geral positiva ou de integração ao nível
do sancionamento penal. ..................................................................................... 19
4. O direito penal no horizonte do sistema jurídico global. ................................ 23
Título II – a lei penal e a sua aplicação........................................................................... 24
Cap. I - O princípio da legalidade em dto. Penal ............................................................ 24
1. Princípio da legalidade do crime, da pena e da medida de segurança (art. 29º,
nºs 1 e 3, CRP, e art. 1º, nºs 1 e 2, CP). .............................................................. 24
2. As fontes formais do dto. Penal ...................................................................... 26
3. As chamadas fontes materiais do dto. penal ................................................... 26
4. O dto. penal internacional (ius gentium – art. 29º, nº 2, CRP) ....................... 26
Cap. II - A interpretação da lei penal e a integração de lacunas ..................................... 27
1. Sentido e limites da interpretação da lei penal ................................................ 27
2. Restrições à analogia em direito penal. Análise do art. 1º, nº 3, CP ............... 27
Cap. III A aplicação da lei penal no tempo..................................................................... 27
1. O princípio geral da irretroatividade da lei penal (art. 2º, nº 1, CP) ............... 27
2. O problema da determinação do «tempus delicti» (art. 3º CP). Breve alusão
aos delitos permanentes ou duradouros e ao crime continuado .......................... 27
3. A aplicação retroativa das leis penais de conteúdo concretamente mais
favorável ao arguido (art. 2º, nºs 2 e 4, CP). As leis intermédias ....................... 29
4. As leis temporárias ou de emergência (art. 2º, nº 3, CP). ............................... 29
5. O problema da conversão de um crime em contraordenação. A continuidade e
a descontinuidade do ilícito ................................................................................ 30

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Cap. IV - A aplicação da lei penal no espaço ................................................................. 31


1. Direito internacional penal e direito penal internacional ................................ 31
2. O princípio da territorialidade e o critério do "pavilhão" (art. 4º CP).
Referência a algumas extensões excecionais do critério. A "sede do delito" (art.
7º CP) .................................................................................................................. 32
3. Os princípios subsidiários do princípio da territorialidade (art. 5º CP) .......... 33
4. A cooperação internacional em matéria penal e o problema da eficácia das
sentenças penais estrangeiras. Análise dos arts. 6º e 82º CP .............................. 36
Cap. V - A aplicação da lei penal quanto às pessoas ...................................................... 39
1. Breve referência histórica ............................................................................... 39
2. O princípio constitucional da igualdade e o sentido dos regimes especiais
estabelecidos para os membros do corpo diplomático e os titulares de cargos
políticos............................................................................................................... 40
Título III – os grandes ciclos da evolução histórica do direito penal ............................. 40
1. O dto. penal arcaico. Especial referência ao dto. germânico .......................... 41
2. O dto. Comum .................................................................................................43
3. O dto. penal iluminista .................................................................................... 44
4. O século XIX e a oposição entre a chamada "escola clássica" e as correntes de
inspiração positivista. Especial referência à pena de prisão ............................... 46
5. As principais correntes do séc. XX e da atualidade.

Parte II – A DOUTRINA GERAL DO CRIME ........................................................ 50


Título I - O significado metodológico da doutrina geral do crime. As grandes
construções dogmáticas da atualidade ............................................................................ 50
Cap. I - "Ideia de crime" e "ideia de sistema"................................................................. 50
Cap. II - As grandes construções gerais do crime........................................................... 51
1. Sistema Clássico, positivista ou naturalista .................................................... 51
2. Sistema neoclássico normativista ................................................................... 53
3. Sistema Finalista ............................................................................................. 54
4. Os traços fundamentais da construção geral do delito saída da confluência dos
sistemas anteriormente analisados: a teoria do "ilícito pessoal" e a definitiva
"normativização" do conceito de culpa; a autonomização das dogmáticas dos
delitos de ação dolosos, dos delitos de ação negligentes e dos delitos
omissivos… ........................................................................................................ 55
5. Sistema Teleológico-Racional ........................................................................ 55

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Título II – Teoria Geral dos Crimes de Ação Dolosa ..................................................... 57


Cap I – Conceito dogmático de ação .............................................................................. 57
1. As funções tradicionalmente atribuídas ao conceito dogmático de ação…… 57
3. A restrição da ação à chamada função de "delimitação": o conceito "negativo"
de ação e a teoria da "ação típica" ...................................................................... 58
4. O conceito de ação e o problema da responsabilidade penal das pessoas
coletivas .............................................................................................................. 58
Cap. II – O “tipo de ilícito” ............................................................................................ 60
1. A evolução da teoria do tipo. As relações entre as categorias do tipo e do
ilícito. O primado do momento da ilicitude e a conceção do tipo-de-ilícito. O
afastamento da teoria dos "elementos negativos do tipo" e a autonomização entre
tipos incriminadores e tipos justificadores ..........................................................60
2. A conceção do ilícito pessoal. Tipo objetivo e tipo subjetivo ........................ 61
3. Os tipos incriminadores .................................................................................. 61
3.1 tipo objetivo ...................................................................................... 61
3.2 tipo subjetivo ..................................................................................... 68

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Parte I Introdução ao Direito Penal


Título I - O sentido e a função do direito penal
Cap. I - Definição formal de direito penal: as categorias do "facto" (crime) e da
"reação criminal" (pena e medida de segurança). Uma questão terminológica:
direito penal ou direito criminal? A insuficiência da definição formal de direito
penal.

O DIREITO PENAL DEVE RESPONDER:


 O que é o crime?
 O que é uma reação criminal?
 Que tipos de reação criminal existem?
 Quais são as finalidades das reações criminais
 Que bens jurídicos são tutelados pelo direito criminal?
 Qual a teologia da sua proteção?

Direito penal assenta a sua definição em dois polos:


 Polo da infração
 Polo da consequência jurídica
Mas mais importante que perceber esta configuração formal é compreender os critérios
que subjazem à mesma.
Esta mera definição formal implica o aprofundamento dos critérios materiais que lhe são
intrínsecos:
1. Em primeiro lugar, os critérios que presidem a definição de determinado
comportamento como crime
2. Em segundo lugar, os critérios que permitem definir a pena ou medida de
segurança associada à infração
3. Por fim é preciso compreender as finalidades de cada uma das noções e entender
quando dever utilizada cada uma delas
Embora a definição formal de direito penal sirva para apresentar as categorias em torno
das quais se desenvolve todo o funcionamento do direito penal, ou seja, a categoria do
crime e a ideia de reação criminal, ela é insuficiente e à noção formal é essencial associar
uma noção material.
Cap. II - Direito penal em sentido material.
Definição material do primeiro polo – infração

1. O crime como lesão ou colocação em perigo de bens jurídicos.


Comportamento humano que constitui a lesão de um bem jurídico essencial – pode ser um objeto
material ou imaterial – à livre realização da pessoa humana e a uma sã convivência comunitária.
Trata-se de uma definição material assente na ideia de que existem bens fundamentais à sociedade
que por isso merecem ser tutelados.

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A infração à lei denomina-se crime. Materialmente, o crime define-se como uma violação
de um bem jurídico essencial à convivência comunitária e à realização individual. Trata-
se de uma conduta que viola uma norma de determinação que tutela bens jurídicos
essenciais à comunidade.

DISTINÇÃO BENS/VALORES
 Os valores jurídicos presidem ao direito na sua totalidade, o valor é
uma abstração a concretizar-se em determinado objeto – intenção que
norteia as condutas. Permanecem imutáveis e correspondem aos
adjetivos
 Os bens, pelo contrário, correspondem a uma realidade substantiva e
são mutáveis. São as situações e objetos tidos por valiosos num
determinado lugar e tempo. Participam da historicidade do direito
criminal, já que, este tutela não só os valores enquanto entidades
abstratas, mas essencialmente os bens enquanto corporização desses
valores.

Temos a ideia de que o universo social e humano é um universo axiológico por


contraposição ao universo natural que onde reina a mera causalidade. Entendemos,
subjacente ao universo humano um conjunto de juízos de valor que comandam
efetivamente todo o comportamento humano e revestem as mais variadas formas:
 Juízos/valores estéticos
 Juízos/valores morais
 Juízos/valores utilitários
 Juízos/valores jurídicos
E estes valores são critérios que, em última instância, pautam as escolhas humanas e
definem a rota da própria vida.
São os valores jurídicos que pretendem estabelecer a norma que preside à relação social,
o mundo dos valores jurídicos é o mundo das relações interpessoais.
Bens tutelados
O núcleo do crime está na própria violação da norma, no desvalor da ação e não no
desvalor do resultado. Uma conduta criminal não exige uma lesão efetiva, apenas a
violação de um bem jurídico, pois o objeto da tutela penal é a própria norma.
Tudo isto é apenas o objeto da proteção penal.
Como se definem os bens tutelados?
Definem-se por um critério axiológico. Numa sociedade heterogénea e democrática
define-se este núcleo essencial é estabelecido pelos que são bens jurídicos partilhados
através do consenso comunitário por uma comunidade. A procura destes bens jurídicos

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está subordinada a uma perspetiva de mínima intervenção, protegendo apenas os direitos


indispensáveis e privilegiando o direito à diferença.
 Consenso comunitário
Dicotomia sociológica maxi-max e mini-max.
Maxi-max – se se escolhe obter o consenso acerca do modelo ideal de sociedade
a liberdade será forçosamente mais restrita, estar-se-á a respeitar o consenso da
maioria e rapidamente se chegará à ditadura da maioria. Será sempre um modelo
assente na moral social e nas convicções reinantes.
Mini-max – no modelo do mínimo indispensável à convivência comunitária, por
outro lado, a restrição será a exceção e a liberdade a regra, é o cerne do
pensamento liberal, é a limitação da liberdade individual dos indivíduos ao
mínimo possível. Trata-se de uma perspetiva assente no princípio da
proporcionalidade, na medida em que qualquer intervenção do estado (e mais
particularmente do direito penal) tem de se pautar por uma necessidade social –
perspetiva típica de um estado de direito. Qualquer campo de direito, sobretudo
no direito penal onde as sanções são aquelas que mais restringem as liberdades,
deve ter a sua intervenção limitada ao mínimo possível indispensável para
assegurar a boa convivência comunitária.
O consenso mesmo que acordado o mínimo possível pode ser difícil de definir,
como tal, alguns autores remeteram este diagnóstico para o texto constitucional,
ou seja:
- a intervenção do direito penal traduz-se sempre numa fortíssima restrição aos
direitos fundamentais, direitos esses consagrados na CRP. Assim o direito penal
deve ficar sujeito aos requisitos estabelecidos no artº. 18 para as restrições aos
direitos fundamentais em geral, o qual começa por exigir que essas restrições
sejam estritamente necessárias para salvaguardar outros direitos
constitucionalmente protegidos. No pensamento destes autores, o mínimo
fundamenta que o que queremos proteger tem de ter correspondência no quadro
axiológico que subjaz à constituição porque só assim a intervenção do direito
penal será justificada. Esta teoria confere algum valor à ideia do consenso
comunitário, sendo que na CRP estão contidos valores do consenso comunitário
já positivados ela será um bom referente para encontrar esse mesmo consenso.
A CRP aponta, desta forma, para uma ideia de necessidade axiológica. Pretende-
se que o critério de intervenção do direito penal é o da necessidade de
preservação da convivência comum e da realização humana, tal critério é
ainda norteado pela liberdade, é um critério não puramente técnico mas
marcadamente axiológico pois o critério que subjaz a esta intervenção mínima do
direito penal não é um critério pragmático e utilitarista mas sim um conceito de
mínimo de intervenção (conceção de liberdade humana como realidade natural e
como regra e a restrição como exceção).
O que está em causa não é tutelar uma moral nem a opinião da maioria, é apenas preservar
o mínimo indispensável à convivência social. Deste modo, o Direito Penal não tutela

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valores, mas sim bens jurídicos valiosos, indispensáveis e fundamentais à livre realização
da pessoa humana e à sã convivência comunitária histórica e espacialmente situados, que
podem traduzir-se em objetos físicos, numa situação ou numa relação ou sistema de
relações que assumem dignidade penal.
Há, portanto, um certo relativismo do objeto da tutela penal que se traduz num histórico
de descriminalizações e neocriminalizações.
Em suma, o Direito Penal visa a defesa dos valores essenciais à convivência comunitária
e à realização individual.
Intervenção do direito penal
O direito penal deve ser expurgado de todos os valores morais, ideológico-políticos ou
religiosos. O critério axiológico que deve presidir à sua intervenção e tão-só o da tutela
dos bens jurídicos indispensáveis à convivência comum.
Se por um lado a principal restrição da intervenção do direito penal é um critério
axiológico-criminais sempre que sanções mais leves se mostrem suficientes e adequadas
para proteger os bens em causa. Assim, o direito penal deverá ser a ultima ratio porque
comporta uma fortíssima restrição aos direitos fundamentais constitucionalmente
tutelados – inclui as sanções mais gravosas do arsenal jurídico do estado.
Através destas duas restrições percebemos duas ideias fulcrais:
1. DIGNIDADE PENAL corresponde ao plano axiológico e traduz-se na ideia de
uma necessidade social – não deve chamar-se o direito penal quando as condutas
em causa não atendem contra bens jurídicos fundamentais
2. NECESSIDADE DA PENA corresponde ao plano pragmático e estabelece que
de entre as várias condutas que tenham dignidade penal por atentarem contra bens
jurídicos essenciais, só deverão provocar a intervenção do direito criminal aquelas
que não puderem ser punidas por sanções de outros ramos do direito.
Apenas as condutas com dignidade penal, isto é, que violam os bens jurídicos essenciais,
justificam a aplicação do Direito Penal. Contudo, a definição de crime tem dois
momentos: a dignidade penal e a necessidade de pena. Não basta uma conduta ter
dignidade penal para estar legitimada a incriminação da sua lesão.
Do funcionamento cumulativo destes dois princípios resultam duas características
fundamentais do direito penal:
Subsidiariedade do direito penal de acordo com as ideias de necessidade da pena, se
bens jurídicos essenciais puderem ser tutelados por meios menos gravosos que os do
direito penal estes devem ser utilizados.
Fragmentaridade do direito penal o direito penal intervém na vida social de forma
fragmentária, não tem a pretensão de regular toda a vida social, nem sequer um setor.
Antes pulveriza-se por todos os ramos da vida social para atingir apenas aquelas áreas
onde estejam preenchidos os critérios da dignidade penal e da necessidade de pena – onde
esteja em causa um bem jurídico essencial e, cumulativamente, ele não possa ser tutelado
por instrumentos de qualquer outro ramo jurídico.

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O direito penal atua ainda nos seguintes moldes:


O princípio da legalidade dita que só é crime aquilo que preenche os requisitos de
dignidade penal. Há, portanto, uma necessidade de ponderação cumulativa e aplicação do
princípio de mínima intervenção.
O Direito Penal tutela bens jurídicos numa função prospetiva do futuro. Pune, não porque
se errou, mas para evitar que se erre no futuro. Deste modo, o núcleo do crime está na
violação da norma, de um bem jurídico, não exigindo uma lesão efetiva. Portanto, o objeto
da tutela penal é a própria norma.
A sanção é a negação da negação da norma, é a reafirmação contrafática da norma.
Tem uma dimensão simbólica ao apagar os efeitos do crime sobre a vigência da norma.
Em suma, o crime é a lesão dos bens jurídicos essenciais, definidos através de um apelo
ao consenso comunitário, presente na Constituição, partindo de uma perspetiva de
mínima intervenção. A tutela penal são os bens jurídicos indispensáveis. O Direito Penal
é, portanto, subsidiário, pelo que só deve intervir nas situações graves em que os outros
ramos do direito forem insuficientes. A tutela do bem jurídico é fragmentária, pois o
direito penal não tem o dever de intervir em todas as situações legais.
Fins da intervenção do direito penal
Welzel distinguia duas funções do direito: uma função de garantia e uma de
ordenação.

 Na função de ordenação, há uma repartição do risco e benefício da intervenção,


aqui define-se a esfera de ação de cada um e aquilo com que cada um é obrigado
a contribuir (define direitos e deveres, estabelece a justiça distributiva), as suas
normas julgam juízos de valor para distribuir as oportunidades – normas de
valoração que ordenam essa distribuição aqui o ilícito é a perturbação da
distribuição, recebendo mais ou menos e dando mais ou menos do que aquilo que
lhe é devido, trata-se de um desvalor de resultados. Este ilícito pode resultar do
puro acaso, não surgindo necessariamente da ação contraia (manifesta-se mais no
direito privado e civil, mas também no direito administrativo – responsável pela
distribuição comunitária). Verifica-se uma situação injusta quando há uma
perturbação de resultado.

 Por outro lado, a função de garantia tem o objetivo de influenciar a conduta das
pessoas no futuro de forma a evitar que sejam cometidos ilícitos. Aqui está-se a
assumir a liberdade, a integridade numa dimensão coletiva, dimensão essencial
para a vida em comunidade. Assumem os bens jurídicos na sua dimensão
essencial comunitária – normas de determinação, assim o ilícito traduz-se na
conduta humana que infringe essas mesmas normas. O ilícito não está no ilícito
em si, mas na própria desobediência ou no pôr em causa o seu respeito. O essencial
do crime está, contudo, na desvalorização da ação, na consumação dessa
desvalorização. Há ilícito a partir do momento que há desobediência à norma. O
crime é a violação da norma que tem como objeto a proteção do bem jurídico
considerado essencial. – ponto de vista material

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O conceito material de crime está em congruência com aquilo que consideramos como
sanção.
Distinção direito penal e direito civil
O que diferencia o direito penal, se também o direito privado tutela danos não
patrimoniais como a liberdade, a honra ou a integridade física?
A distinção peca por defeito, definir o âmbito de aplicação do direito penal é um grande
passo, mas o cerne da diferença é a tutela oferecida aos bens protegidos.
A diferença faz-se, em relação ao direito civil, na perspetiva em que o direito penal não é
a tutela de um bem jurídico essencial individual e concreto, contrariamente ao direito
civil, cuja principal função é o ressarcimento do lesado na situação em que estava antes
da lesão. O direito em geral procura estabelecer uma repartição dos riscos, benefícios e
encargos que permeiam a vida coletiva. Tal repartição é feita de acordo com as convicções
reinantes acerca de justiça. Esta ordem comporta dois níveis:
1. Reposição da ordem, ideia de reconstrução de justiça sempre que tal ordem seja
quebrada, é a função do direito civil. O Direito Civil pretende definir a esfera
jurídica individual de cada um e visa estabelecer uma ordem de justiça
distributiva. O ilícito traduz-se no desvalor do resultado, as suas normas são
normas de valoração. Tem, portanto, a função de repor a pessoa à situação anterior
à lesão, de compor o dano, numa perspetiva do passado.
2. No nível do direito penal o que está em causa é o próprio valor do bem jurídico
destaca-se pelo sentido da intervenção, tendo um sentido de organização/
conformação da sociedade e visando estabelecer uma ordem de justiça coletiva.
Tem a função de proteção e garantia da norma, numa perspetiva do futuro. O
ilícito traduz-se no desvalor da ação. Neste sentido, a função da aplicação das
penas não é proteger o bem jurídico lesado, mas sim a reafirmação da própria
norma. O juiz, ao aplicar a sanção, está a reafirmar a norma perante a sociedade.
O objeto de proteção do Direito Penal é o respeito pela norma.
Fins das reações criminais
Sendo que para o direito criminal o que está em causa não é o concreto do bem jurídico
lesado, mas sim a vigência comunitária da própria norma, a função da sanção não será a
reposição da situação face ao desvalor do resultado (como acontece no direito civil),
mas sim a de reafirmação da vigência da norma violada e do valor jurídico que lhe está
associado.
É nesta base que ocorre o sancionamento penal – não ressarcir, mas reafirmar a vigência
de uma norma essencial à convivência comunitária.
Welzel distinguia entre o objeto de proteção da norma e o objeto de sanção penal. A
tutela dos bens jurídicos pelo direito penal é uma tutela mediata que não atua
diretamente pela proteção do bem jurídico, mas antes pela reafirmação da norma que foi
violada.

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Em suma, as normas de direito penal são normas de determinação que levam implícitas
ideias de culpa e de livre-arbítrio humano, tendo as suas sanções por objeto a vigência
da própria norma. Logo, o núcleo da infração penal está no desvalor da própria norma.
2. O problema dos fins das reações criminais. Distinção entre pena e medida de
segurança
Após falar da primeira parte da definição de direito penal resta-nos abordar a segunda
parte, relativa às penas e medidas de segurança enquanto sanção ou consequência
jurídica.
Em direito penal temos dois tipos de sanção: pena e medida de segurança.
A questão que se coloca é: se o crime é um mal aos bens jurídicos a sanção deve ser
igualmente um mal? – problema dos fins das penas
Para este problema teorizaram-se duas teorias essenciais: absoluta e relativa. Contudo,
estas duas posições nunca são adotadas até às suas últimas consequências, sendo mais
comum a adoção de um hibridismo que conjuga ambas.
POSIÇÃO ABSOLUTA – teorias ético-retributivas
As sanções não são instrumentais são um fim em si mesmo, a concretização de um fim
de justiça – imperativo categórico de justiça (noção kantiana), a essência da pena criminal
reside na retribuição ou compensação do mal do crime. Surge como um imperativo
categórico de justiça. Nesta ótica, é a justa paga pela prática do crime. Não é, portanto,
um meio de defesa social, mas sim um fim em si mesma.
A pena devia constituir ajusta paga de um mal praticado, deveria traduzir-se na aplicação
de uma paga ao mal praticado pelo sancionado num sentido proporcional, sendo esta uma
proporcionalidade de cariz axiológica, um sofrimento adequado à gravidade do crime
praticado. Esta aplicação deste castigo ao que praticou o crime seria um imperativo de
categórico de justiça.
Na determinação da pena não entrariam, contudo, considerações de ordem pragmática
ou utilitária: a pena, enquanto fim em si mesma, veria a sua finalidade esgotada na pura
retribuição do mal causado à sociedade na prática de tal crime. Existe uma
proporcionalidade entre a pena e a gravidade do crime, sendo esta última medida
através da ponderação cumulativa dos conteúdos de ilícito, relacionado com o desvalor
do ato em si mesmo; e de culpa, relacionado com o desvalor do ato de uma determinada
pessoa com determinadas características naquelas circunstâncias. A retribuição é uma
retribuição axiológica, isto é, assente nos valores morais, no sentido em que a pena
deve, à luz das conceções axiológicas vigentes na comunidade, representar um mal
equiparável.

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Determinação da pena:
A gravidade da pena é-nos dada mediante uma fórmula consagrada, pelo conteúdo
de ilícito e pelo conteúdo de culpa plasmados naquele concreto crime
- ilicitude, traduz-se no desvalor objetivo do ato, trata-se de um juízo dirigido ao
facto, relacionado com o conteúdo de danosidade social do ato e independentemente
da consideração do agente
- culpa, traduz-se num desvalor subjetivo do ato, trata-se de um juízo dirigido à
pessoa. Valora-se o ato concreto do agente, faz-se um desvalor dirigido àquela
pessoa específica que, sendo livre, praticou um ato criminoso quando não o podia
ter feito. – juízo pessoal.
Daqui que encontremos atos objetivamente desvaliosos que não podem ser punidos
por não haver culpa – inimputáveis.
A gravidade do crime vai ser depois enxertada pelos conteúdos da culpa e da
ilicitude do facto: tal juízo axiológico permite chegar à gravidade do crime
e, portanto, à medida da sanção, na ótica ético retributiva.

O crime é pressuposto e medida da sanção. É, por um lado, a causa da retribuição e,


por outro, uma medida no sentido em que pretende repetir no delinquente um castigo
equiparável à gravidade do crime.
Esta teoria pressupõe a liberdade humana, a pena é expressão de uma censura ético-social
que só pode ter lugar quando o comportamento humano for livre.
Associada à liberdade, esta a ideia de culpa, a qual passa a ser não só pressuposto, mas
também critério de da medida da sanção. Se o fim da pena se esgota numa exigência de
justiça, o funcionamento do direito penal é feito com os olhos no passado, um passado de
que é um facto criminoso, o que se pretende não é prevenir para o futuro mas sim aplicar
ao criminoso uma pena que contenha um quantum de sofrimento que corresponda ao
crime praticado – pena aferida por um juízo de proporcionalidade em relação à gravidade
do crime.
Críticas:
 Tem de partir obrigatoriamente do pressuposto de liberdade humana. Certos
autores defendem que a liberdade humana não pode ser medida cientificamente,
pelo que é insuficiente utilizar este método.

 A ideia retributiva convoca a ideia de vingança privada, que não deve ser a base
da sanção penal. Assim, a pena é um crime institucionalizado.
 Considera que o crime resulta da ponderação cumulativa dos conteúdos de ilícito
e culpa, pelo que é insuficiente no caso dos inimputáveis. Como a pena tem de ser
proporcional ao sentido de culpa do crime, no caso dos inimputáveis é menor.

 Diminuição da culpa
POSIÇÕES RELATIVAS – prevenção geral, especial e de integração
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A pena é apenas um meio de defesa social contra a criminalidade, o crime foi praticado
não pode ser apagado, a sanção não o apaga, e como tal o direito penal não deve buscar a
punição pela simples, não se procura qualquer imperativo de justiça, mas antes aproveitar
o sancionamento daquele concreto delinquente para prevenir a prática de futuros crimes
e defender a sociedade face ao fenómeno da criminalidade.
O direito penal passa a ser um mecanismo orientado ao futuro, à defesa social.
A sanção só deve ser aplicada quando for justificada pela função de defesa social.
Estas teorias terão em comum estes aspetos, mas irão divergir no modo pelo qual esta
defesa da sociedade irá operar.
 PREVENÇÃO GERAL
A punição do delinquente tem a finalidade de intimidar a generalidade das pessoas. Não
está em causa a sanção, mas sim intimidar os potenciais criminosos para que não venham
a praticar o crime. Restringe-se, de certa forma, à utilização do medo para afastar
potenciais criminosos da prática criminal. A finalidade é a intimidação geral. Considera-
se que desta forma se consegue uma melhor defesa social.
O crime é pressuposto, mas não é medida. A medida da pena assenta na necessidade de
intimidação geral, daqui que se aceite aplicação de penas que vão muito além da
proporção do crime.
Teoria da coação psicológica de Feuerbach*
A pena não realizaria quaisquer imperativos éticos ou sequer de justiça – visaria apenas
a defesa social, circunscrevendo-se a uma coação psicológica, ou seja, uma amedrontarão
da generalidade das pessoas, potenciais prevaricadores. Esta coação aconteceria em dois
momentos:
1. Ameaça
Corresponde à estatuição legal. Trata-se da descrição pública, feita pelo
legislador, de crimes e penas. É o momento do princípio da legalidade no direito
penal e seria o momento essencial da prevenção geral.
2. Execução
Perante aquele que não respeitou a ameaça aplica-se a sanção. Para Feuerbach
teria uma importância secundária, sendo que o seu papel seria o de confirmação,
o de reforço da ameaça ao tornar claro aos olhos da comunidade que as penas
cominadas da lei são efetivas.
Esta doutrina coloca a sua tónica na ameaça, trata-se de uma ideia de “aparência de pena”,
não verdadeiramente a dureza, a gravidade efetiva da pena que importa, mas a impressão
que causa na comunidade.
Críticas:
 Pode conduzir a um Direito Penal de Terror, aplicando sanções demasiado
pesadas e atentatórias à dignidade humana.

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 A brutalidade das penas pode desencadear movimentos de solidarização social


com o próprio criminoso.

 A eficácia intimidativa da brutalidade da ameaça de pena é menor que a eficácia


intimidativa das instâncias de controlo social.

 O fenómeno da habituação social faz com que a eficácia preventiva tenha um


caráter perverso, pois a sociedade habitua-se à violência.

 Não é suficiente para os delinquentes mais perigosos, que têm tendência para o
crime e não se deixam intimidar.

 Deixa a sociedade exposta à criminalidade perigosa

 PREVENÇÃO ESPECIAL
A defesa social deve atuar sobre o concreto delinquente, sobre aquele que já praticou o
crime e que mostra reincidência, avaliando a sua perigosidade. Não partilha da ideia ético-
retributiva, considera que porque o delinquente praticou um crime anteriormente
demonstra capacidade para praticar mais crimes no futuro, abandona-se a ideia de
intimidação geral.
Pode funcionar de três formas:
1. Intimidação individual (prevenção especial negativa)
A pena é aplicada para que o criminoso não volte a cometer um crime. Atua de forma
severa sobre o delinquente em causa para evitar a reincidência.
Pretende-se aplicar ao âmbito do criminoso uma pena de tal forma severa que ele se
abstenha de praticar crimes no futuro. Traduz-se numa ressocialização pois é o
próprio delinquente a ressocializar-se por força do medo de voltara a ser alvo
daquela sanção.
Ligada sobretudo aos períodos onde o direito penal aplicava as penas mais agressivas,
havia um conceito de “melhorar através da domesticação” – período do despotismo
esclarecido e iluminismo do estado de polícia. Períodos com um regime penal
extremamente severo que cria naquele delinquente sancionado um mecanismo de
intimidação individual que o levará a não praticar no futuro mais crimes por receio de
voltar a sofrer a mesma sanção.
Diferente de Feuerbach nunca se admitiria a ilusão de uma pena, não se trata de uma
coação psicológica, o castigo tem de ser efetivamente severo, para que o criminoso
não volte a delinquir.
2. Intimidação (prevenção especial negativa)
A pena limita o espaço de liberdade do agente em que ele demonstrou ser perigoso.
A sanção retira ao criminoso a possibilidade de voltar a cometer crimes.

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Parte do pressuposto de que um delinquente que pratica determinado crime pode


voltar a praticá-lo e por isso, de forma a evitar a que o faça, procura-se retirar-lhe a
capacidade de praticar os mesmos crimes.
Trata-se de uma prevenção especial que funciona pela negativa, pois ao invés de
procurar a conversão do criminoso, procura-se a retirada da possibilidade fáctica de
voltar a praticar crimes – retirar-lhe a liberdade naquele setor onde se pense que terá
mais possibilidade de voltar a praticar crimes.
3. Ressocialização (prevenção especial positiva)
Não está em causa estabelecer limites. Pretende possibilitar a reinserção social no
sentido de prevenção da reincidência. Tem o objetivo de tornar o delinquente capaz
de viver sem cometer ilícitos. Não é, contudo, regeneração moral.
Mais importante e humana vertente do estado de direito. Pretende preparar o
delinquente, dar-lhe as condições para que no futuro mão pratique crimes. Esta
tónica decorre do próprio trânsito de um estado de direito liberal para um estado
social.
A comunidade assume a necessidade de prestar a sua assistência a todos os seus
membros que atravessam momentos de crise (delinquentes).
No quadro do estado de direito moderno, a ressocialização é a concretização ao nível
do direito penal desta vertente solidária e intervencionista.
O direito penal tem de defender os bens jurídicos essenciais e não promover uma
moral, mesmo que a moral social. Não se pretende converter o delinquente, mas tão-
só criar-lhe as condições necessárias para que não volte a cometer crimes. A
ressocialização deveria mesmo reduzir-se à pura prevenção de reincidência. A
ressocialização, no quadro de um estado de direito, deverá, tal como toda a atuação
do direito, pautar-se pelo critério do mínimo de intervenção.
Defesa das doutrinas prevenção especial
Auge nas escolas positivistas alemãs do cientismo do virar do séc. XIX para o séc.
XX, as quais defendiam um monismo ontológico e epistemológico que negava a
diferença e a autonomia do universo social e humano como sujeito às valorações e
pretendia aplicar a este universo as mesmas regras estritas que de causalidade que
regiam o mundo natural.
Assente numa fé inabalável na ciência, a liberdade humana é negada. Como seguido
pelo pensamento de Lombroso, o comportamento humano é condicionado por uma
série de fatores endógenos e exógenos que operam em termos naturalísticos. Ou seja,
há uma recusa do fator liberdade na conduta criminosa – consequente negação do
conceito de culpa, e aceitação da ideia de perigosidade.
Domina um postulado fortemente determinista (Lombroso):
 Certas pessoas nascem pré-determinadas para a prática de crimes
 Sendo que a perigosidadesubstitui a ideia deculpa deixa de existir,
nesta etse,um julgamento de caráter ético.

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 Se o crime está pré-determinado, então é dever do direito


penaldetetar os elementos que denunciam numa pessoa essa tendência
natural para a criminalidade a fim de debelar a sua perigosidade.
 O crime deixa de ser pressuposto da sanção pois o ideal, a
excelênciada própria prevenção estaria conseguida quando os mecanismos de
prognose atuassem antes da prática do crime.

Levandoestadoutrinaaoextremo,deixadehaverpenasepassaahaverapenas
medidas de segurança.
 As sanções deveriam ser completamente indeterminadas por
contraposiçãoàs penas da doutrina de prevenção geral. Analogia com a
matemática, os tratamentos devem acompanhar o evoluir do doente.
 Seria uma formação de psiquiatras, psicólogos, juristas e sociólogos
que levariam a cabo o processo de forma a avaliar a perigosidade dos
delinquentes e as formas terapêuticas mais adequadas ao seu tratamento.
Críticas:
 Parte do determinismo humano, enquanto que o Direito Penal deve partir de um
pressuposto de liberdade e responsabilidade pelos atos.

 O Direito Penal Terapêutico, ao utilizar medidas como choques elétricos e


lobotomias, desrespeita a dignidade humana do indivíduo.
 Conduz a soluções inadequadas, não dando resposta a um determinado setor da
criminalidade, especialmente dos delinquentes ocasionais, considerando-os não
perigosos e, portanto, impunes.
o O crime ocasional está dependente das circunstâncias, não há uma
tendência natural. Na criminalidade ocasional, no momento do
julgamento o criminoso já não é perigoso. Se na prevenção especial o
criminoso deve ser punido pela sua perigosidade, por mais horroroso que
tenha sido o crime, se a sua perigosidade for menor no futuro a sua pena
será mais leve.

Crime:
Teoria ético-retributiva
O crime é pressuposto e medida da sanção, em causa está a realização da justiça e
uma ideia de proporcionalidade em relação à culpa.
Teoria da prevenção geral
O crime é pressuposto da sanção, mas não é a sua medida. A medida da sanção é-
nos dada pelas necessidades de intimidação geral dado que é esse o fim último da
pena.
Teoria da prevenção especial
O crime só por si não é nem pressuposto nem medida da aplicação da sanção. A
perigosidade é a ideia dominante. 16
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Esta última crítica é reconhecida por Liszt que constrói uma resposta baseada numa
prevenção integral.

POSIÇÃO INTEGRAL – construção de liszt


A finalidade da pena não é castigar a conduta, mas sim combater a perigosidade, pelo que
as sanções devem ser totalmente indeterminadas. Todavia, face a crítica em relação aos
delitos ocasionais, constrói uma doutrina da Prevenção Geral a partir da Prevenção
Especial, estabelecendo um mínimo de pena que se aplica em função do ato praticado,
passando a ter um mínimo determinado. É passível das mesmas críticas da Prevenção
Especial.
Parte da prevenção especial, o seu autor é o pai da Escola Moderna Alemã, equivalente à
Escola Positiva Italiana, marcada pelo positivismo naturalismo extremo do virar do séc.
XIX para o XX. A pena deveria de ser totalmente indeterminada e não deve ser
estabelecida pela gravidade ou necessidade, mas em função de o delinquente ser perigoso
ou não. Tal leva a que mesmo que um agente tenha praticado um crime horrível no
passado, mas se no momento do julgamento já não é perigoso, não se aplica pena. Por
outro lado, se continuasse sucessivamente perigoso, a pena poderia ser perpétua. Deste
modo, estabelece penas indeterminadas, apenas determinadas na execução. Liszt foi
sensível e compreendeu que não dava resposta aos delitos ocasionais (a quem não é
perigoso endogenamente, mas influenciado pela ocasião), que nunca seriam punidos e
reconheceu que devia de haver uma pena a ser-lhes aplicada pelo crime praticado e não
por serem perigosos, o que afastaria, de futuro, outros delitos ocasionais. Em princípio a
pena é totalmente indeterminada temporalmente e o essencial é a perigosidade, todavia,
para dar resposta aos delitos passionais, haverá sempre um mínimo de pena,
independentemente de considerações de prevenção especial e de ser perigoso ou não, em
função do facto praticado e no sentido de haver também uma prevenção geral em todos
os membros da comunidade, em ordem de evitar futuros delitos. Assim, a pena passa a
ser indeterminada apenas no seu máximo e já não no mínimo, independentemente de o
sujeito ser perigoso ou não, mas apenas porque praticou um crime. Ainda assim, as outras
críticas permanecem idênticas: perigo do “Direito Penal Terapêutico” que não exclui a
hipótese de uma pena perpétua, as penas podem ser terapêuticas atentatórias da dignidade
humana, o que é inadmissível num Estado de Direito. Deste modo, não se furta ao
essencial das críticas e, por isso, foram tentativas falhadas, sem apelar a considerações de
justiça.
Houve uma outra conceção que pretendia combinar os vários fins das penas
distribuindo-os no tempo ao longo do procedimento penal por 3 fases, de forma
cronológica:
1. Legislação – o legislador descreve os crimes e culmina nas respetivas sanções,
funcionam os objetivos da prevenção geral;
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2. Intervenção do juiz – momento em que o juiz, dentro dos limites legais, aplica a
sanção ao concreto delinquente. Prevalecem os ideais da justiça, a pena deve ser justa e
proporcional, atendendo à gravidade do crime – teoria ético-retributiva;
3. Execução – corresponde à prevenção especial, no sentido de procurar que no futuro o
agente vivo sem praticar crimes, pretende-se a ressocialização do delinquente.
É uma doutrina impraticável, porque o Direito Penal está subordinado ao princípio da
legalidade, por isso para o juiz tomar ideias de justiça e prevenção geral tem de estar
determinado na lei e a pena tem de ser justa e proporcional, o legislador não pode apenas
a prevenção geral e tem de ter em consideração muitos outros aspetos: a lei tem de ser
justa, proporcional à gravidade do crime, etc., na execução está presente a previsão
especial, mas também tem de se ter em consideração as outras finalidades. Esta é uma
teoria simples, mas falsifica a realidade, que é complicada. Os 3 fins das penas funcionam
e têm de funcionar sempre em conjunto.
POSIÇÃO INTEGRAL – construção Exner
Parte da perspetiva da Prevenção Geral, procurando combiná-la com a Prevenção
Especial. À partida, a pena servia para intimidar a generalidade das pessoas. Assim, a
medida da pena é feita pelas necessidades da Prevenção Geral. É passível das mesmas
críticas da teoria da Prevenção Geral.
Parte da prevenção geral, mas tem em consideração as exigências da criminalidade
perigosa.
A pena tem como primeira linha intimidar as pessoas. Considera que não há medida
certa.
Uma questão se coloca:
Se não há margem de medida certa qual a pena adequada para intimidar a generalidade
das pessoas?
A medida adequada da prevenção geral funciona entre o máximo e o mínimo, não
havendo uma medida aritmética, e satisfaz as exigências da prevenção, consoante haja
maior ou menor perigosidade do delinquente e as necessidades sociais.
Representa um melhoramento à prevenção geral pura, mas é passiva das mesmas
críticas, na medida em que as penas não esta sujeitas ao princípio da proporcionalidade
e justiça, o que leva ao perigo do “Direto Penal do Terror”, a pena excessiva pode gerar
movimento solidariedade para com o criminoso, não tem há uma margem de
variabilidade, entre esse máximo e mínimo resultante das exigências de prevenção geral
poderiam funcionar as exigências de prevenção especial (mediante a perigosidade).
Procuram compatibilizar ambas as prevenções, mas não tem ainda limites ao direito
penal.
O facto criminoso é pressuposto, mas já não é medida, porque não se vai aferir em
função da gravidade do crime, mas da necessidade.
POSIÇÃO INTEGRAL – construção Eduardo Correia
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Parte dos pressupostos das Teorias Ético-retributivas. A pena é um fim em si mesmo,


portanto, o mal da sanção deve refletir o mal do crime. Sensível às críticas anteriormente
feitas, vai procurar reformular de forma a dar-lhes uma resposta, sobretudo às questões
dos delinquentes especialmente perigosos e dos inimputáveis.
Eduardo Correia recorre a uma formulação já trabalhada da culpa na formação de
personalidade – combinando o ponto de partida ético-retributivo deste autor com as
exigências deste tipo de delinquência. Estabelece-se o seguinte: todos nós, de certa
forma, somos condicionados por fatores exteriores a que se somos expostos. Contudo,
apesar desse ambiente em que nos formamos há sempre uma margem de liberdade no
sentido em que a cada um de nós cabe a escolha dos hábitos e pessoas que aceita ou
rejeita.
Neste sentido, cada um nós é responsável pelas tendências perigosas adquiridas pois havia
a liberdade de as rejeitar. Assim, os imputáveis especialmente perigosos teriam a
responsabilidade de deixar aprofundar as suas tendências nefastas e os seus hábitos de
vida pouco corretos. Não se teriam preparado para viver de acordo com o direito penal.
Desta forma, Correia é capaz de dar respostas às exigências da defesa social sem se afastar
da doutrina ético-retributiva, aquilo que se perderia em culpa em relação a factos
concretos recuperava-se em culpa pela formação da própria personalidade.
Respeitosas críticas de Almeida Costa a esta teoria
 No quadro de um estado de direito e de uma e de uma justiça penal
racionalno
ãse pode assumir, e muito menos como fonalidade primeira a pura
retribuição. A única justificação para a pena só poderá ser uma justificação
racional de tutela ou defesa social
 Crítica de ordem prática: é difícil perante casos concretos provar m e
quais delespoderiao agente te feito algo em relação à sua tendência e hábitos
de vida.
3. Breve referência de síntese à posição adotada quanto ao conceito material de
crime e a uma perspetiva de prevenção geral positiva ou de integração ao nível do
sancionamento penal.
POSIÇÃO INTREGAL – prevenção geral positiva (Figueiredo Dias e Costa
Andrade)
Assume o direito penal como mecanismo de integração social.
Parte da doutrina da Prevenção Geral, em que a pena não é um fim em si mesma, mas sim
um simples meio de defesa social contra a criminalidade, pretendendo atuar sobre a
generalidade da comunidade. A finalidade da pena é a reafirmação contrafática da norma,
o reforço da vigência da norma. Restaura na comunidade a confiança na norma e,
portanto, a paz social.
Temos uma dualidade crime/sanção, a sanção surge como negação do crime (negação da
negação da norma) traz consigo a síntese: a reafirmação da norma violada. O direito penal
tem como função primordial a integração social, a comunidade (sociedade integrada).
Contudo, nunca há sociedade completamento integradas nem sociedades completamento
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desintegradas, daí a existência de um consenso comunitário indispensável tutelado pelo


direito penal.
Esta posição continua, no entanto, a ser uma posição relativa, onde a pena é um meio de
defesa social contra o crime e nunca se estende para ser um fim em si mesma, ou seja, o
critério de aplicação das penas é o da necessidade da pena, necessidade essa medida
pela necessidade de vigência da norma, daqui decorrendo que para crimes menos
graves, em que seja diminuta a culpa e a perigosidade, se possa chegar a nem aplicar
sanção – pois a norma pode continuar afirmada e vigente e assim dispensar o fim da
pena.
Trata-se de um critério de urgência axiológica com um estado de interiorização da
norma no contexto ético-social.
Se a necessidade é medida pela necessidade de reafirmação da norma, a sanção tem de
ser justa e conforme ao Direito, tem de estar subordinada, desde logo, ao limite da justiça
– a norma pretende exprimir um dado conjunto de valores onde justiça e
proporcionalidade cabem. A medida será a resposta dessa justiça e dessa justiça e dessa
proporcionalidade.
 Se a ideia é reafirmar a norma aos olhos da comunidade, a pena deverá ser
a necessária aos olhos desta mesma comunidade para a reafirmar.
O fundamento da pena é a necessidade, no sentido em que só se pune se for necessário.
Não há pena sem culpa.
Contudo, a pena não pode ultrapassar o limite da culpa. Deste modo, a pena tem um
limite axiológico: a proporcionalidade da culpa.
Este trata-se de um entendimento unilateral deste princípio de culpa, ou seja, não pode
haver culpa sem pena, ou tal pena seria injusta, mas podemos encontrar situações onde
haja culpa e não haja pena – quando tal já não seja necessário à afirmação da norma,
sendo que, justamente, o fundamento último da pena é a necessidade de reforço
contrafáctico da vigência da norma e daí o principio da culpa não implicar
obrigatoriamente uma pena, a culpa é um limite inultrapassável, mas a culpa não implica
forçosamente a pena.
Toma em consideração as características do agente, cumprindo, também, as exigências
da Prevenção Especial.
Distinção penas/ medidas de segurança
A pena visa finalidades preventivas, tais como as necessidades de reafirmação da norma,
de intimidação geral e de atender à perigosidade do concreto delinquente, e tem como
limite a proporcionalidade da prática do crime.
A medida de segurança, por sua vez, destina-se apenas a reagir contra a perigosidade do
delinquente, ou seja, tem apenas a finalidade de Prevenção Especial. Não está sujeita ao
princípio da culpa como é no caso das penas.
As PENAS têm contornos bastante definidos pela medida da proporcionalidade e pela
necessidade de reafirmação da vigência da norma.
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Já as MEDIDAS DE SEGURANÇA têm limites mais difíceis de achar que atentam aos
seguintes princípios:

1. Princípio da legalidade
Só se podem aplicar medidas de segurança que estejam previstas expressamente
na lei.
2. Princípio da necessidade
É uma medida exclusiva de defesa social, pensada para reagir contra a especial
perigosidade manifestada pelo agente. Se o agente não revela perigosidade para o
Princípio da menor intervenção possível
De entre todas as medidas de segurança adequadas a responder àquela
perigosidade, deve aplicar-se a de menor evasão da esfera jurídica do
destinatário.
3. Princípio da proporcionalidade
A gravidade da medida de segurança deve ser proporcional à gravidade dos crimes
que no futuro o delinquente pode vir a cometer. A gravidade do crime praticado é
indício suficiente da gravidade média dos crimes que o delinquente irá praticar.
Desta forma, a medida de segurança deve ser proporcional à gravidade média dos
crimes que irá praticar.
Para perceber essa gravidade média atender-se-iam a níveis qualitativos e
quantitativos
o Nível qualitativo
Tipo de crimes que o indivíduo pratica
o Nível quantitativo
Põe fim à teoria do escalation effect. A criminologia veio trazer ensinamentos
quanto a este propósito: veio provar que, salvo determinadas exceções, a
gravidade média se mantém uniforme (não há uma progressão na carreira
criminal, a gravidade média mantém-se estável). A gravidade dos crimes oscila
muito pouco, o que leva a que a gravidade do crime impetrado é indício bastante
da gravidade média dos crimes que o agente poderá a vir a praticar no futuro. A
gravidade da medida de segurança, ainda que necessária, não deve ultrapassar a
perigosidade dos crimes que o agente pode vir a praticar.
4. Princípio do ilícito típico
Só pode ser tomada em consideração a perigosidade subjetiva do sujeito, na
medida em que ela se concretiza em algo objetivo, isto é, que se concretize num
ilícito típico, num facto que na sua objetividade comporta a lesão do bem jurídico
prevista na lei. O ilícito é um pressuposto comum à aplicação das penas ou de
medidas de segurança. A perigosidade que se deve tomar em linha de conta para
a aplicação de medidas de segurança é uma perigosidade que se concretizou
naquele facto daquela natureza.
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5. Princípio da judicialidade
Todas as reações criminais só podem ser aplicadas por tribunais, um órgão
independente e objetivo.
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Sistemas monistas e dualistas


As teses monistas e dualistas diferem de perspetiva no que respeita à aplicação conjunta
de medidas de segurança e penas.
Monismo
Entende que não, as medidas de segurança são só para inimputáveis, já os imputáveis só
podem ser objeto de penas, não pode haver a aplicação cumulativa de penas e medidas de
segurança a imputáveis pela prática do mesmo crime.
No entanto, pode acontecer alguém ser julgado pro vários crimes, havendo um concurso
de crimes, podendo ser imputável nuns e noutros não – ex: cleptomaníaco – inimputável
no que diz respeito aos fogos e imputável ao roubo a sanção global engloba penas e
medidas de segurança.
Mas a questão em causa não tem a ver com isto, põe-se quanto se a um imputável se
pode aplicar pela prática de um só crime cumulativamente as penas e medidas de
segurança.
 Ordem de natureza geral – as medidas de segurança estão subordinas ao controlo
penal do facto, há a preservação da garantia das pessoas, mas nem sempre assim
foi no passado, a medida de segurança era aplicada à luz da perigosidade, não
havendo limites para a mesma. Não se falava no princípio do ilícito típico, as
medidas de segurança e o arguido ficavam nas mãos da administração do Estado,
do Leviatão. No entanto, por razões do Estado de Direito, procurava-se restringir
ao máximo a medida de segurança, excluindo a aplicação de medidas de
segurança. Este obstáculo despareceu e atualmente te há limites estritos que
garantem a proporcionalidade das medidas de segurança;
Dualista – sistema português
No artigo 40º do Código Penal Português, estabelece-se que as penas e as medidas de
segurança têm uma finalidade preventiva, não havendo qualquer ideia de retribuição. Para
além da proteção de bens jurídicos, sublinha-se o objetivo de reintegrar socialmente os
delinquentes. Assim, as finalidades das penas e das medidas de segurança provêm de uma
conjugação dos conceitos materiais de crime e sanção.
As reações criminais, no nosso país, pertencem a um sistema dualista, pois, por vezes,
existe uma necessidade de aplicar cumulativamente uma pena e uma medida de segurança
a um agente imputável. Ocorre que a pena aplicada em função da proporcionalidade não
é suficiente para acautelar os perigos que certos delinquentes revelam, pelo que é
necessário completar com uma medida de segurança.
As medidas de segurança podem ser:
 Detentivas (ex: internamento num hospital) – previstas no art. 91º CP e restringe-
se aos inimputáveis – monistas têm razão, ao menos, quanto a isto, mas será
assim? Não, porque se verifica uma diferente técnica legislativa – ex: art. 83 e seg,
preveem penas relativamente indeterminadas quando alguém pratica vários
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crimes e revela uma tendência para o crime, aplica-se então uma pena
relativamente indeterminada, que é uma pena que o tribunal costuma não fixar,
estabelecendo apenas um máximo e um mínimo, o mínimo corresponde a 2/3 em
relação àquele crime e o máximo são os 2/3 acrescidos – a pena vai ser
determinada consoante a evolução do condenado, se revelar melhoras sai antes,
se não, sai depois. Verdadeiramente, não é uma pena, é uma sanção mista, a pena
é o que é aplicado ao crime concreto, tudo o que for além disto é uma medida de
segurança que se relaciona com a perigosidade. Este instituto é a consagração de
um regime dualista, vem estabelecer a aplicabilidade, é apenas uma técnica
legislativa diferente, que fundiu a pena e a medida de segurança. Concluindo, a
imputáveis são aplicáveis tanto medidas de segurança como penas – prevalece a
tese dualista.
 Não detentivas (ex: interdição de conduzir) – o caráter dualista da lei resulta da
letra da lei das medidas não detentivas. – ex: art. 100º do Código Penal. É a própria
lei que determina que as medidas de segurança são aplicáveis quer a imputáveis,
quer a não imputáveis.
4. O direito penal no horizonte do sistema jurídico global.
O Direito Penal é um direito do ramo público, pois a natureza dos bens jurídicos é uma
dimensão supra-individual, visto que não visa satisfazer os interesses particulares.
Também se pode dizer que pertence ao ramo público considerando a sua estrutura da
relação jurídico-pública em que o Estado intervém numa posição de supremacia em
relação aos particulares.
Contraponto com outros ramos do Direito Público:

 Direito Constitucional – define os grandes princípios da organização da


sociedade e do Estado a que se encontram subordinados todos os outros ramos do
Direito. Estabelece os bens essenciais tutelados pelo Direito Penal. Já o Direito
Penal é autónomo e independente, sendo o Direito Constitucional apenas o seu
referente, o seu limite.

 Direito Administrativo – visa a regulamentação dos órgãos de administração.


Define materialmente as esferas de liberdade de cada cidadão. O poder
administrativo do ângulo do direito público prevalece sobre o particular.
Contraponto com outros ramos do direito privado
 Direito Disciplinar – diz respeito à administração pública, à conduta dos
funcionários. Trata da descrição dos deveres do funcionário público na sua
atividade. Tem, portanto, a função de proteção. Estão em causa normas de
determinação e valores que pertencem à esfera da administração pública. As
sanções disciplinares têm a mesma função das sanções penais, sendo apenas
menos graves, tendo, também um caráter subsidiário. Visa regular valores
internos e punir condutas internas. No entanto, uma conduta interna pode ter a
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necessidade de ter a intervenção do Direito Penal. Neste caso, a norma disciplinar


é consumida pelo Direito Penal.
 Direito de Mera Ordenação Social – visa regular a vida dos cidadãos em geral.
Estão em causa os valores da ordem da vida social, detendo bens jurídicos
públicos, mas não essenciais. A ordem vale como instrumento para a tutela
antecipada dos valores essenciais. Sanciona uma conduta com dignidade penal,
mas sem necessidade de pena. A infração denomina-se contraordenação. A sanção
corresponde à coima. O processo ocorre perante a Autoridade Administrativa,
com os objetivos de atingir uma maior celeridade e de retirar dos tribunais matéria
que verdadeiramente não tem dignidade penal. Os Tribunais de recurso podem
decidir em última instância.

Título II - A lei penal e a sua aplicação


Cap. I - O princípio da legalidade em dto. Penal
Teoria da lei penal
Uma das formas de manifestação do Direito é a lei, ocupando um papel muito importante
entre as fintes de direito. Contudo, as modernas orientações do direito vêm a lei como a
concretização dos princípios normativos – dialética temos um critério axiológico presente
na lei que se enriquece com a sua aplicação.
A lei não é um prius com valor constitutivo do direito – traduz antes um momento
declarativo, um momento de paragem onde se reflete a conceção de justiça vigente numa
dada sociedade e num dado momento – a lei seria uma concretização histórica da
consciência axiológica comunitária e de um principio de justiça num dado momento, ou
seja a consciência do direito não está na própria lei mas sim na consciência axiológica
comunitária que ela reflete.
Desta conceção explica-se as orientações das teses modernas que estabelecem uma não
aplicação da lei onde a sua aplicação contradiga o sentido de justiça – mantendo sempre
em mente que enfraquecer o poder vinculativo da lei e conferir maior latitude ao julgador,
ainda que para estabelecer o que deve ser aplicado enquanto concretização de justiça,
poderá ser perigoso e levar ao abuso. Assim, estas doutrinas procuram encontrar um ponto
de equilíbrio que garanta a justiça concreta, mas que trace um limite ao arbítrio do
julgador.
No âmbito do direito penal este limite tem uma configuração particular atendendo quer
à importância dos bens jurídicos que protege quer à gravidade das suas sanções. Desta
forma, para dar maior garantia do valor de segurança temos um entendimento mais estrito
do princípio da legalidade do que em qualquer outro ramo do direito. O princípio da
legalidade traduz-se, assim na interpretação e integração das lacunas por um regime mais
apertado do que o do código civil que, como sabemos, que consagra princípios gerais de
direito.
1. Princípio da legalidade do crime, da pena e da medida de segurança (art. 29º, nºs
1 e 3, CRP, e art. 1º, nºs 1 e 2, CP).
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O princípio da legalidade prende-se sobretudo com uma lógica de segurança das pessoas
e a limitação do arbítrio no quadro do ramo do direito que contém as sanções mais
gravosas para o cidadão e está previsto no artº. 1 CP e nos 29 e 30 da CRP.
Este princípio engloba duas vertentes:

 Crimes nullum crimine sine lege, nullum pena sine legem. Em causa está o
princípio da segurança das pessoas – procura-se evitar a perseguição penal por
uma conduta que era lícita ao tempo da sua prática. Para estarmos perante um
crime terá de existir uma lei anterior que qualifique determinada conduta como
tal.
 Reações criminais ninguém pode ser alvo de sanção (pena ou medida de
segurança) a não ser que uma lei anterior a estabeleça.
NOTA: O princípio da legalidade no tocante às sanções aplica-se hoje em medida igual
às penas e às medidas de segurança, mas nem sempre esteve assim consagrado – dizia-
se que as leis novas relativas às medidas de segurança deviam ser imediatamente
aplicadas já que isso não comportaria uma aplicação retroativa, diferentemente da pena
que se aplica a um facto passado e por isso comportaria aplicação retroativa. Contudo,
esta situação levava à chamada “burla de etiqueta” onde o legislador pretendendo
perseguir determinado individuo aplica uma pena designando-a de medida de segurança
de forma a fugir ao princípio da legalidade. A partir do momento que o regime previsto
passa a ser o mesmo para ambos deixa de ser possível este abuso ARTº. 1 nº2 –
alteração em 1886.
Projeções do princípio da legalidade:
1. Plano da extensão
O princípio da extensão mão se faz sentir em todos os casos da mesma forma.
Vale de forma vinculativa tanto para fundamentação da responsabilidade como para
as regras que contemplam a atenuação da mesma. As condutas que constituem crime
devem estar plasmadas na lei.
Noutros âmbitos a latitude conferida ao legislador pode ser maior.
2. Plano da fonte
A fonte de legitimidade é o poder legislativo, como tal, a fonte do direito penal é, sem
dúvida, a lei. Para uma lei ser aceite, necessita de prévia autorização. Tem de ser
estrita (lei dimanada do próprio parlamento to ou por outro órgão com competência
delegada por este.).
3. Plano da determinabilidade ou da tipicidade
A lei penal tem de ser o mais precisa possível na determinação da matéria criminal,
pois estão em causa bens jurídicos e as sanções são as mais graves, pelo que não
podem haver erros. Em nome da própria justiça, muitas vezes é necessário recorrer a
cláusulas gerais e conceitos indeterminados, que só são legítimos se forem
determináveis segundo critérios objetivos, procurando limitar ao máximo o arbítrio
do julgador.
4. Plano da analogia
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Por norma há não só uma proibição do recurso à analogia iuris mas desde logo
também há uma proibição à própria analogia legis, isto é, a transplantação de soluções
entre institutos.
Contudo, a proibição da analogia legis só valerá para a determinação e agravamento
da responsabilidade – nunca para a sua exclusão ou atenuação.
Os valores subjacentes à consagração desta proibição são o alargamento da latitude
do arbítrio do juiz nestas últimas áreas não pode vir a prejudicar em nada a
segurança do cidadão, antes ajudará a uma efetiva busca da justiça para o caso
concreto.
Assim, temos a proibição da analogia em tudo o que for desfavorável ao arguido. No
entanto, se a solução mais justa requerer o recurso à analogia para favorecer o arguido,
passa a ser permitido (art. 3º, nº 3, CP).
A interpretação da lei deve ser teleológica e não puramente declarativa. Deve ser uma
interpretação objetivista e atualista da lei, pois a realidade social está em constante
mutação. Neste sentido, quanto à integração das lacunas na lei penal, não é permitido
o recurso à analogia quer seja “iuris” ou “legis”, sendo proibido tudo o que é
desfavorável ao indivíduo.
No artigo 1º do Código Penal, está consagrado o princípio da legalidade do crime, das
penas e das medidas de segurança. No nº 3 está claramente patente a proibição da
analogia e de tudo o que é desfavorável ao indivíduo.
5. Plano da não retroatividade
A irretroatividade da lei penal é corolário lógico do princípio da legalidade.
2. As fontes formais do dto. Penal e 3. As chamadas fontes materiais do dto. penal.
No caso do direito português este entendimento do princípio da legalidade é
especialmente estrito estende-se ao plano das fontes:
 Única fonte formal do direito penal é a lei
 Costume não é fonte autónoma
 Não se fala de criação de norma para o caso concreto
 Asfontesmateriais
têmumadimensãosecundáriaesãosempreconsideradas enquanto referentes a
uma lei (doutrina e jurisprudência)

4. O dto. penal internacional (ius gentium – art. 29º, nº 2, CRP)


29 CRP, parece violar o princípio da legalidade se uma violação do direito comunitário
for violada e onde se permite que sejam sancionados como crimes mesmo que nos países
de origem não fossem considerados crimes. Aqui considera-se que há princípios que são
património da humanidade e estão presentes em todos os países independentemente da
lei. Assim, a sua violação é considerada crime e os tribunais nacionais são colados ao
serviço desses crimes também. Embora hoje esteja maioritariamente ultrapassado pois
contam de tratados internacionais.
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Cap. II - A interpretação da lei penal e a integração de lacunas


1. Sentido e limites da interpretação da lei penal.
Os princípios expostos nos nºs 1 e 2 do artº. 1 do código penal manifestam uma limitação
essencial em termos de interpretação e integração de lacunas. O nº3 vem proibir o recurso
à analogia em matéria desfavorável ao arguido – matéria de fundamentação ou
agravamento da responsabilidade criminal. Proibição igualmente válida para as medidas
de segurança.
2. Restrições à analogia em direito penal. Análise do art. 1º, nº 3, CP.
Assim, no direito penal deverão ser permitidos todos os mecanismos de integração de
lacunas previstos no código civil exceto a analogia, em matérias desfavoráveis ao
arguido – esta ideia é aceite como sentido inequívoco do nº3.
O código penal de 1886 proibia ainda a interpretação extensiva, para além da analogia, a
fim de evitar que a coberto de pretensas interpretações extensivas se acabasse por aplicar
analogicamente outras normas.
Cap. III A aplicação da lei penal no tempo
1. O princípio geral da irretroatividade da lei penal (art. 2º, nº 1, CP).
Trata-se de um corolário do princípio da legalidade, não tem uma verdadeira autonomia
face a ao mesmo.
Regime aplicável previsto nos artº. 2 e 3 CP
No artº. 2 nº1 CP está traçado em termos gerais este princípio da irretroatividade da lei –
com os fundamentos supramencionados: acautelar a segurança dos particulares, impedira
perseguição penal do poder legislativo e defender uma certa ideia de lealdade do estado
para com os seus cidadãos através da aplicação do direito.
Regra geral, a lei aplicável é a lei do momento da prática do facto – artº. 2 nº1.
2. O problema da determinação do «tempus delicti» (art. 3º CP). Breve alusão aos
delitos permanentes ou duradouros e ao crime continuado.
A lei é clara e estabelece um critério unilateral, o critério é o da conduta (ativa ou
omissiva) – art. 3º CP (determinação do tempus delicti). O momento relevante tem de ser
o da conduta, porque os outros dependem de circunstâncias aleatórias, que não dependem
do agente, que não são previsíveis no momento.
Este momento de prática do facto nem sempre é de fácil determinação e quando não de
extinção espontânea, coloca importantes questões – crimes permanentes ou de
execução duradoura (diferente de crimes de efeitos permanentes).

Crimespermanentesoudeexecuçãoduradouracorrespondemàquelescrimes
cujaexecução de prolonga no tempo (ex. sequestro).

A nossa lei estabelece no artº. 3 CP um critério unilateral determinando como o momento


relevante o momento da prática do facto – se está em causa a segurança dos particulares,
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então é ao momento da prática do facto que se deve atender pois é ele que determina as
expectativas dos particulares quanto à reação do direito à sua conduta. Afinal de contas,
o momento de consumação do ato depende de fatores aleatórios, o que poderia levar a
diferenciações injustas. O criminoso poderia, caso contrário, sofrer consequências
completamente alheias à sua vontade ou intenção como por exemplo se num atentado à
integridade física, o tempo de auxílio demorasse e a lesão se tornasse mais grave do que
fora no momento da sua prática.
O princípio da aplicação retroativa da lei mais favorável tem de se referir a uma
mesma situação de facto e assentar numa mudança de juízos de valor por parte do
legislador. Pode por isso funcionar entre leis comuns ou entre leis de emergência
referidas à mesma situação de crise.
 Crimes permanentes ou duradoiros
Critério bilateral estabelecido no artigo 3.º. Nos crimes permanentes, de serem de
execução permanente.
Qual a lei do momento da prática do ato?
O professor defende que é a lei que está em vigor no final, o sequestro deve ser sempre
punido por essa lei seja ela mais grave ou menos grave. Mas o problema que se levanta
é quando a última lei é mais severa, houve quem dissesse que se aplicava sempre a
primeira lei. A doutrina maioritária entende que se parte o sequestro a meio, divide-
se em dois, o sequestro até à entrada em vigor da nova lei é punido nos termos da lei
velha e o sequestro levado a cabo após a entrada em vigor da lei nova é punido pela
lei nova. Na teoria, esta parece ser a solução mais correta, porque é mais garantística,
mas, na prática, acaba por levar a uma situação mais severa para o arguido, pois, por
mais absurdo que seja, é julgado por 2 crimes, a concorrência de penas é mais grave,
o que leva à prática de uma punição mais grave. A solução que em teoria parecia mais
garantística, na prática não o é.
O professor Almeida Costa, por outro lado, defende uma teoria diferente: nos casos
de crimes permanentes ou duradouros aplica-se sempre a lei nova, fazendo com que
o arguido seja punido por apenas um crime. Se há mudança de lei e o agente continua
a executar o crime, é porque aceita a nova lei. Deste modo, quer seja mais ou menos
favorável, será sempre julgado pela lei nova.
Se continua a praticar o sequestro depois de sair a pena mais grave, é porque se
conforma com a pena mais grave. A questão da lealdade, pelas garantias da não
retroatividade, fica garantida com este argumento, há total lealdade. É no término da
execução que se fixa a lei.
 Crimes de execução permanente
Sequestro, conduta única que se prolonga no tempo, revela o último momento da
conduta.
Difere de crime continuado: - a unidade criminosa é uma ficção do juiz, pluralidade
criminosa.
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3. A aplicação retroativa das leis penais de conteúdo concretamente mais favorável


ao arguido (art. 2º, nºs 2 e 4, CP). As leis intermédias.
Exceções ao princípio da irretroatividade da lei
Trata-se, no fundo de uma exceção que engloba duas modalidades.
Se de facto a lei consagra o principio da retroatividade das leis penais do conteúdo mais
favorável ao arguido cabe-nos indagar o fundamento material deste princípio – se à luz
de novas considerações o legislador entende que as exigências se bastavam com um
regime mais favorável então não faria qualquer sentido continuar a aplicar a lei antiga –
o único fundamento para a irretroatividade da lei penal é a segurança dos particulares,
mas aqui não faz sentido pois dessa irretroatividade, o particular sairia prejudicado.
Para determinar se a lei nova é mais favorável ao arguido temos que o juiz terá de
proceder a dois julgamentos, desencadeando todos os mecanismos aplicáveis ao caso de
acordo com cada uma das duas leis envolvidas – daqui resultarão duas penas, do
confronto entre as duas penas uma delas será mais favorável e essa deverá ser a
escolhida.
 Questão das leis intermédias
Temos uma lei intermédia quando há uma determinada lei que vigora entre o
momento da prática e o momento do julgamento sem estar verdadeiramente a vigorar
em nenhum desses momentos.
Para a determinação da lei mais favorável estas leis intermédias devem ser tidas
igualmente em conta para não cair o risco de se chegar a soluções diferentes para
situações semelhantes.
No entendimento do princípio da aplicação retroativa da lei mais favorável devemos
tomar esta ideia de “mais favorável” à luz de dois motivos – descriminalização e
despenalização. A lei portuguesa estabelece regimes diferentes para cada um destes
casos.
4. As leis temporárias ou de emergência (art. 2º, nº 3, CP).
 Leistemporáriasoudeemergência–
exceçãoaoprincípiodaaplicação retroativa da lei mais favorável

No nº 3 do artigo 2º do CP está presente o problema das leis temporárias ou de


emergência, que correspondem a regimes excecionais que fixam o seu prazo de
duração. Visam dar resposta a situações de crise, sendo, geralmente, mais severas. Os
crimes praticados durante o vigor da lei de emergência são sempre julgados à luz
dessa mesma lei, ainda que no momento esteja em vigor a lei comum. Coloca-se um
problema, os presos criminais duram mais do que a crise e o tempo de vigência da lei.
Se a regra fosse aplicada, a lei de emergência seria letra morta e nunca se aplicaria,
assim aplica-se, portanto, o princípio da ultratividade da lei de emergência – todos
os factos julgados durante o período de vigência da lei de emergência são julgados
nos termos dessa mesma lei, ainda que o julgamento ocorra na vigência de uma lei
diferente. Estas leis não cessam devido a variações na valoração do legislador, mas
sim devido a alterações das circunstâncias.
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As leis de emergência não cessam de vigorar por alterações de valor, mas sim por
alterações na própria situação de facto, que deixa de ser de crise. O conteúdo deste
artigo, que confere caráter ultrativo a estas leis, consiste em estabelecer uma relação
de incomunicabilidade entre as leis de emergência e as leis normais para efeitos de
consideração de lei mais favorável. Esta incomunicabilidade, não se verifica, contudo,
em leis de emergência que se reportem à mesma situação de facto – existem casos em
que encontramos uma sucessão de leis de emergência destinadas a regular a mesma
situação de crise, nestes casos estará implícita uma mudança da conceção do
legislador relativamente à situação de facto, preenchendo os requisitos materiais de
consideração da lei mais favorável.
5. O problema da conversão de um crime em contraordenação. A continuidade e a
descontinuidade do ilícito.
 Descriminalização
Situações em que por força de lei a conduta antes classificada como crime passa a
ser lícita.
Previsto no artº. 2 nº2, o regime português estabelece que nestes casos não haverá
respeito pelos casos julgados, ainda que o individuo esteja a cumprir a pena, esteja
em que estado estiver o processo, em suma, todo o mecanismo penal cessará, a lei
nova aplica-se imediatamente e o facto em causa será mesmo apagado do próprio
regime criminal.
 Despenalização
Diferentemente, nos casos de despenalização, a lei ressalva de forma clara: salvo se
já tiver sido condenado por sentença transita em julgado. Há aqui um princípio de
respeito pelo caso julgado.
Aqui temos situações que em que a lei, mantendo a incriminação passa a prever
sanções menos graves ou situações onde existe determinado caso até então regulada
pelo direito penal passa, por força de nova lei, a ser regulada por um outro ramo do
direito – por exemplo, passa para o domínio de mera ordenação social, deixa de ser
crime e passa a ser uma contraordenação.
O nosso legislador originário estabelecia a diferença entre o respeito ou não pelo caso
julgado. Se se admitisse a reavaliação de todos os casos julgados de cada vez que
fosse promulgada uma nova lei penal, qualquer reforma penal, por mínima que fosse,
implicaria uma enorme sobrecarga dos tribunais.
Na reforma de 2007, o legislador veio com uma inovação favorável, arranjou um
sistema automático, que não sobrecarregaria os tribunais, e que alargava o efeito
retroativo de uma lei despenalizada mais favorável e é o que está agora na parte final
do nº4 – ex: lei antiga estabelecia pena de 2-8 anos e o juiz decidiu condenar o arguido
a 6 anos, a lei nova estabelece de 2-4 anos, assim, quando a pena atingir o máximo
admitido pela lei nova, cessa a punição. Com isto estabeleceu-se um procedimento
automático, é uma solução que é prática e alarga a amplitude da aplicação da
retroatividade da lei penal à despenalização. O legislador autonomiza estas situações
estabelecendo regimes diferentes.
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Haveria o risco de esta situação causar um vazio legislativo: por se tratar de uma
conduta que era considerada crime e deixa de o ser, cairia no regime do artº. 2 nº4 –
cessa aplicação da lei penal naquele caso concreto. Porém, dado que a lei
contraordenacional tão-pouco é retroativa, também não se poderia aplicar o regime
de mera ordenação social. Se um vazio legislativo deste tipo acontecesse de cada vez
que um crime é transformado em contraordenação então nenhum legislador
procederia a esta operação. De forma a resolver esta situação, entende-se que um
critério de mera razoabilidade guia a aplicação da lei contraordenacional a estes casos
– este entendimento pode ser sustentado por uma base literal no próprio código penal
(artº.2 nº4 – fala em lei nova e não forçosamente lei penal nova). Assim, a lei
contraordenacional será aplicada, no caso de já existir sentença transitada em julgado,
o agente continuará a cumprir a sua pena.
Esta situação é um exemplo de que nem toda a descriminalização cabe no nº2
do artº.2.
Justifica-se esta diferença de regimes na praticabilidade de soluções, a limitação imposta
pela lei é uma limitação de praticabilidade. Se se admitisse a reavaliação de todos os casos
julgados de cada vez que fosse aplicada uma nova lei penal, qualquer que ela seja, seria
uma grande sobrecarga dos tribunais. Assim, o próprio legislador constitucional não dita
nem os termos, nem os critérios que o legislador ordinário deverá utilizar no
preenchimento do princípio da irretroatividade da lei penal.
Cap. IV - A aplicação da lei penal no espaço
1. Direito internacional penal e direito penal internacional
Com a internacionalização da vida moderna e da própria criminalidade há cada vez mais
crimes cuja consumação passa por vários estados e ordens jurídicas – este género de
criminalidade tende a ser mais perigosa do que a criminalidade comum.

 Âmbito de aplicação do direito penal


No plano espacial, a aplicação do direito português é um problema abordado pelo direito
penal internacional, este direito é direito interno e consiste no conjunto de normas que
cada ordem jurídico-penal integra e que autodefinem o seu âmbito. No código português
– artº. 4 a 7.
Princípios de aplicação da lei no espaço
1. Princípio da territorialidade
O direito penal de cada estado será competente para regular os crimes praticados no
seu território independentemente da nacionalidade do criminoso ou da vítima. O
argumento mais forte para defender este critério é o que decorre da soberania de
cada estado – de que o direito penal também é dimanação. O limite territorial de
cada estado seria o limite a todos os atos de soberania e, portanto, também ao direito
penal.
2. Princípio da nacionalidade ou personalidade do Direito
O estatuto jurídico de cada pessoa acompanha-a independentemente do lugar onde se
encontra; o sujeito continua vinculado aos princípios de representações e normas do
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seu país de origem e por isso também ao seu direito penal – o direito penal de cada
estado aplicar-se-ia aos crimes praticados por todos os seus cidadãos
independentemente do local onde fossem praticados.
Manifestações do princípio da proporcionalidade: na península ibérica no tempo
da reconquista, na época romana, nas invasões bárbaras e recentemente no direito
penal nacional-socialista consagrava o princípio da personalidade, o direito penal nazi
aplicava-se a todos os cidadãos alemães independentemente de onde a prática do
crime fosse feita.
Críticas e evolução: Este princípio acabou por ser abandonado, pois o limite do
Direito deve ser o Estado e é no território onde o facto foi cometido que existe a
necessidade de reforço da confiança na norma. Assim, atualmente todas as nações e
códigos penais modernos consagram o princípio da territorialidade baseando-se em
três principais razões:
1. Argumento da soberania – limitada pelo território do estado
2. Teologia do direito penal – é no território de cada estado que se fazem sentir as
necessidades de aplicação da pena. Não faz sentido que o direito português aplique
uma pena a alguém por um crime que nem sequer foi reconhecido na comunidade:
do ponto de vista dos valores essenciais que o direito penal tutela é no país do
lugar da prática do facto que a punição ganha sentido.
3. Argumento pragmático – o direito penal vive no processo penal, que comporta
diligências complicadas. Estas diligências de prova conducentes à sanção serão
mais fáceis de realizar no local adequado. Embora o esforço para a cooperação
criminal a nível internacional tenha sido reforçado é fácil perceber a maior
eficácia de um procedimento nacional.
2. O princípio da territorialidade e o critério do "pavilhão" (art. 4º CP).
Referência a algumas extensões excecionais do critério. A "sede do delito" (art. 7º
CP).
O artigo 4º do Código Penal estabelece que a lei penal portuguesa se revela competente
para julgar todos os crimes praticados, ainda que parcialmente, no território nacional,
independentemente da nacionalidade do ofensor ou da vítima – princípio da
territorialidade. Neste artigo há a ressalva da existência de regimes específicos se
previstos em anterior convenção internacional.
Este princípio inclui o critério do pavilhão, que considera que aeronaves portuguesas e
aeronaves estrangeiras sob comando português pertencem à jurisdição da lei penal
portuguesa. Não se trata de um critério autónomo, apenas uma parte integrante do
princípio da territorialidade.
A questão que se coloca perante o critério do lugar da prática do facto é qual o critério
para determinar qual é esse lugar. No passado previam-se três conceções unilaterais:
 Lugar da conduta
 Lugar do resultado
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 Lesão do interesse (as teorias bilaterais não consideram este


critério pois havia o risco de confusão com o princípio da defesa dos
interesses nacionais, pois considerar o lugar de lesão do interesse seria
absorver esse princípio no princípio da territorialidade e acabar com a
autonomia do princípio da defesa dos interesses nacionais).
Contudo estas teorias unilaterais são insatisfatórias por possibilitarem conflitos
negativos de competência e por isso acabaram por ser abandonadas. De forma a evitar
estas situações, a generalidade das ordens jurídicas segue um critério plurilateral, no
caso português, o artigo 7º do Código Penal determina um critério bilateral do lugar
do delito, que dita que se considera praticado em Portugal tanto o crime cuja conduta
ocorreu em território português como o crime cujo apenas o resultado se verifica no
território nacional, de forma a evitar vazios de punição. Portanto, basta o crime ser
parcialmente praticado em Portugal ou que apenas o resultado típico se verifique no
território para a lei portuguesa ser competente para o julgar. Deste modo, surgem
conflitos positivos de competência, quando ambos os Estados envolvidos se consideram
competentes para julgar o facto que, em comparação com os conflitos negativos, são
males menores pois interessa sobretudo que os bens jurídicos que subjazem aos fins do
direito penal. Nestes casos, estabelece-se ainda que quando alguém for julgado num
Estado pela prática de um crime, não poderá voltar a ser julgado pelo mesmo crime
noutro Estado.
Em suma: para a determinação do lugar da prática do crime e consequente legitimação
da competência, o direito civil português parte do princípio da territorialidade integrado
pelo princípio do pavilhão.
3. Os princípios subsidiários do princípio da territorialidade (art. 5º CP).
O princípio da territorialidade é o princípio geral, todavia, existem princípios
complementares, em que a lei penal alarga a sua competência a factos praticados fora do
território nacional:
1. Princípio da defesa de interesses nacionais (art. 5º, nº 1, a))
Pretende a defesa dos interesses nacionais, que têm a ver com o Estado português,
que não reconhece competência superior à sua, assim, a ordem jurídica portuguesa
considera-se com a competência superior para regular o caso, sem requisitos
suplementares nenhuns. O legislador parte do princípio de que estão em causa
interesses portugueses e não há outra ordem jurídica com mais legitimidade para
julgar o caso do que a portuguesa.
2. Princípio da nacionalidade (art. 5º, nº 1, b)) – caso especial
Temos o princípio da nacionalidade a funcionar como princípio complementar do
princípio da territorialidade. Diz respeito a um facto que tem de ser praticado por um
português, assim, o agente é português e a vítima também é portuguesa, há a
concorrência do princípio na nacionalidade ativa (agente) e do princípio da
nacionalidade passiva (vitima), exigem-se os 2, juntamente com o facto de ao tempo
da prática do crime, o agente viva habitualmente em Portugal e só excecionalmente
se encontre no estrangeiro – ex: empresário vai a um país árabe e fecha a mulher no
quarto de hotel e volta para o país – se não existisse este art., o crime de sequestro
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ficaria impune, porque no país árabe é uma conduta licita. A ordem jurídica
portuguesa entendeu que o facto de o crime ter sido praticado no estrangeiro é
acidental, é o mesmo que tivesse sido praticado cá, tudo se passa como se tivesse sido
cá, por isso a lei penal portuguesa considera-se competente.
3. Princípio da nacionalidade (art. 5º, nº 1, e)) – regra geral
Na parte inicial prevê-se o princípio da nacionalidade ativa contra portugueses,
princípio da nacionalidade passiva, com vista a “proteger os nacionais perante factos
contra eles cometidos por estrangeiros no estrangeiro”. A ordem jurídica portuguesa
consagra o princípio da nacionalidade tanto na vertente ativa como passiva, mas é
preciso que se verifiquem 3 requisitos cumulativos para que a lei penal portuguesa
seja competente:
a. Os agentes forem encontrados em Portugal - entende-se, sobretudo, em
situações em que a vítima é portuguesa e o agente é estrangeiro;
b. Forem também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido
praticados, salvo quando nesse lugar não se exercer poder punitivo -
requisito da dupla incriminação, ou seja, a conduta tem de considerada
crime pela lei penal portuguesa, mas também do lugar da prática do facto.
Percebe-se, sobretudo, porque o DP não visa tutelar valores
transcendentes, mas garantir as condições indispensáveis à convivência
comunitária, assim não fazia sentido punir uma conduta que era
considerada crime na lei portuguesa, mas não na estrangeira. Quanto à
última parte, refere-se a territórios que não são reivindicados, como o mar
alto, a Antártida, etc., nestes casos, são territórios res nullius, não se exerce
soberania, prescinde-se do requisito da dupla incriminação.

c. Constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser concedida
(…) – quanto a esta 1ª parte: a extradição é uma forma de cooperação
internacional, mas tem limites. Quando à nacionalidade, há a velha regra
do Direito Continental de proibição de extradição de nacionais (isto não
sucede no anglo-americano, em que é possível a extradição de
nacionais), no há a regra do “pai em relação ao filho”, há uma lealdade
do poder soberano aos seus súbditos, não os trai, mas castiga, esta ideia
transitou para a modernidade desde as monarquias (art. 33º, nº1 CRP).
Mas há 2 exceções, previstas na CRP: quando esteja em causa ou um
crime de terrorismo ou de organizações criminosas internacionais (se for
terrorismo interno ou organizações criminosas no plano interno, já não é
possível). A explicação a esta exceção prende-se com razões de ordem
pratica, os crimes de terrorismo e as organizações criminosas
internacionais são muito perigosas e têm muito poder, portanto, há que
haver uma cooperação internacional contra a luta destes crimes,
atendendo à gravidade dos delitos em causa que justificam esta exceção.
Tirando a exceção, continua a vigorar a regra de não extradição de
nacionais. Há outros limites, tem a ver com a natureza dos crimes em
causa, excluem-se os crimes especificamente políticos e crimes
especificamente militares. Em tempos, no séc. XX incluíam-se também
os crimes fiscais, mas esta ideia está ultrapassada e estes crimes podem
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ser objeto de cooperação internacional e objeto de extradição. Entende-se


que os crimes militares têm interesses exclusivamente internos e os
políticos em regimes totalitários. Existem outras restrições, excluem-se
também da extradição, na linha da convenção internacional sobre o tema,
quando o processo penal do Estado que pede a extradição não dá as
garantias exigidas pelo Estado de Direito, não é garantístico com as
exigências que se põe de direitos de defesa do arguido. Outra limitação
prende-se com o Direito Penal substantivo, quando a sanção prevista na
lei para esse crime que pede a extradição é considerada injusta pela
ordem jurídica portuguesa e contrária a um Estado de Direito (art. 33º,
nº4 e 6 da CRP) – ex: pena de morte, prisão perpétua, enfim, sanções
atentatórias da dignidade humana (a não ser que deem garantias de que
não serão aplicadas – 33º, nº4 – ou no âmbito da U.E – 33º, nº5). Quais
são os crimes que admitam extradição? Os que não forem
especificamente políticos nem especificamente militares. Quando não
houver acordo de extradição, não pode ser realizada. Sempre que for
possível a extradição, extradita-se, a lei penal portuguesa dá sempre
prevalência à lei do local da prática do crime.
4. Princípio da universalidade ou da aplicação universal (art. 5º, nº 1, c) e d))
Diz respeito a crimes que contendem com valores que são património de toda
humanidade, que se entende que onde quer que o crime tenha sido praticado, a ordem
jurídica portuguesa também foi violada, trata-se dos crimes contra a paz e
humanidade, como o terrorismo, genocídio, rapto, escravidão. Embora o terrorismo
coubesse aqui, hoje está em legislação especial, por outro lado, acrescentaram-se os
crimes ambientais e os crimes contra as crianças, como a pedofilia. A lei penal
portuguesa dá preferência à ordem jurídica do local do crime, só julga se o agente não
puder ser extraditado, se houver um dos limites suprarreferidos. O nosso legislador
desastradamente consagra este art. que se tornou desnecessário a partir da reforma de
1998.
5. Princípio da aplicação supletiva (art. 5º, nº 1, f))
É uma espécie de guarda-chuva para recobrir todos os casos que não eram
recobertos pelos princípios anteriores. Havia casos em que na base dos princípios
anteriores davam a impunidade – ex: autor do assalto ao comboio-correio inglês,
que se refugiou no Brasil. Com o objetivo de evitar o vazio de punição, sempre que
aquele concreto agente não puder ser extraditado e tenha praticado um crime que
seja contemplado na legislação portuguesa, então aplica-se a lei portuguesa, que
também é competente. Assim, todos os crimes que cabem nas alienas c e d perdem a
importância, são inúteis, mas estão la, porque o legislador faz integrações por
adição. Num crime que diz respeitos às alíneas c e d, deve se aplicar o princípio
anterior.
Há vários casos em que são aplicados vários princípios, desce-se a hierarquia dos
princípios, do mais forte para o menos, e para-se no que for aplicável e mais forte.
A alínea g do nº1 do art. 5º considera a lei penal portuguesa também competente para
regular os crimes praticados por pessoa coletiva ou contra pessoa coletiva que tenha
sede em território português. Foi introduzida sendo admitida a responsabilidade penal
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de entes coletivos, a partir do momento em que se admite que os entes coletivos


também podem ser responsabilizados criminalmente. Esta alínea g estende-lhes o
princípio nacionalidade, ativa e passiva. Isto pode levantar alguns problemas, porque
pode acontecer que os critérios para a aplicação à pessoa coletiva sejam diferentes
dos das pessoas individuais.
Enunciados os princípios complementares interessa proceder a uma hierarquização dos
mesmos:
1. Territorialidade;
2. Princípio da defesa dos interesses nacionais;
3. Princípio especial da nacionalidade;
4. Princípio geral da nacionalidade;
5. Princípio da universalidade;
6. Princípio da aplicação supletiva da justiça penal.

Exceções da competência penal


Existem situações onde não obstante a competência da lei penal portuguesa, esta não é
aplicável. O artigo 6 contende duas situações:

 Eficácia atribuída às sentenças estrangeiras. O ordenamento jurídico português


vai atribuir eficácia a estas sentenças e através deste reconhecimento de eficácia
vai evitar conflitos positivos de competência.

 Direito penal estrangeiro enquanto direito possível para o julgamento de certos


casos em concreto, mesmo que por tribunais portugueses.
4. A cooperação internacional em matéria penal e o problema da eficácia das
sentenças penais estrangeiras. Análise dos arts. 6º e 82º CP.
Eficácia das sentenças estrangeiras
Este tema integra-se no tema maior da cooperação internacional em matéria penal.
Tradicionalmente os estados não cooperavam nesta área, considerada parte da soberania
absoluta do estado, mas a internacionalização da vida moderna trouxe a necessidade de
estabelecer uma cooperação entre os países.
Estas formas só foram, contudo, consagradas na segunda metade do séc. XX com as
convenções celebradas no âmbito do conselho europa.
1. 1957 – Extradição
A primeira convenção é de 1957 versa sobre a extradição hoje plasmada no direito
português. Atualmente temos uma nova lei que regula todas as formas de cooperação
internacional e mais não fez do que consagrar estas convenções já celebradas no
âmbito do concelho.
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2. 1960 – Lei de cooperação internacional


Surge em 1960 e já inclui outras formas de cooperação, mas apenas ao nível material
– cooperação menor que se limita aos atos materiais. Nesta convenção já há
determinadas previsões em termos de eficácia das sentenças estrangeiras.
Atribui dois efeitos negativos:
a. ne bis in idem - (proíbe o agente de ser julgado pelo menos crime mais do
que uma vez pelo mesmo facto, princípio que já vivia no direito interno
passa a ser também aplicável às sentenças estrangeiras).
b. Princípio do desconto - quando uma pessoa foi condenada num país, mas
cumpriu apenas parte da pena, pode ser julgada à luz da lei portuguesa, só
que à pena aplicada mais recente deve subtrair-se a parte da pena já
cumprida no estrangeiro (art. 82º, CP).
A estes dois efeitos negativos junta-se um efeito positivo que corresponde ao
pressuposto de facto para regras de reincidência ou de aplicação de certas medidas de
segurança, não são reconhecidas no seu valor jurídico, mas como pressuposto de facto
para o desencadeamento do Direito interno, assim, passaram não apenas a valer as
condenações proferidas por tribunais do Estado, como as do estrangeiro.

3. 1964 – Duas convenções do conselho europa


 Punição de infrações rodoviárias
Relacionava-se com a necessidade criada pelo turismo de conceber um sistema
que não deixasse impunes as infrações rodoviárias cometidas aquando da
passagem ocasional de estrangeiros por um país. Assim, os estados,
comprometem-se através desta convenção a cumprir ou a executar as sanções
decretadas pelos outros estados.
 Fiscalização das condições da pena suspensa e da liberdade
condicional
A pena suspensa é uma de entre muitas sanções possíveis para a prática do crime:
tratam-se de situações em que a prisão é decretada na sentença, mas fica suspensa.
Já na liberdade condiciona, o condenado cumpre uma parte da pena e, a meio, ou
a 2/3 dessa pena é posto em liberdade condicionada – ambas as situações são
acompanhadas de certas interdições (direitos, obrigações). Os tribunais nunca
concediam qualquer destes dois meios, obviamente favoráveis ao cidadão, a
estrangeiros, por existir sempre o risco de eles fugirem para o seu país de origem.
Assim, os estados vêm, através da convenção comprometer-se a executar as
condições ditadas pelas sentenças dos outros estados.
4. 1969 – Execução das sentenças penais por outro estado signatário
Temos a generalização do efeito positivo das sentenças estrangeiras a toda a linha
(e não a um só nível de facto).
5. 1971 – Transferência de processos
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Constitui o último grande salto qualitativo. Um processo penal começa a ser


conduzido num estado, a meio do processo, percebe-se que é mais prático e facilita
a realização de justiça penal o processo que passe a correr noutro estado. Assim,
este outro estado passa a conduzir o processo e daí por diante, reconhecendo todos
os atos processuais anteriormente praticados.
Previsão no ordenamento português
Lei 144/ 99 de 31 de agosto – lei de cooperação judiciária internacional em matéria
penal
Vem substituir a lei de 91 e estabelece no seu artº. 1 as formas de cooperação internacional
a que nos aludimos.
A extradição tem sofrido grandes modificações, por relação com os princípios
complementares supramencionados. No artº. 32 está estabelecido o seu limite – alínea a)
princípio da territorialidade, a alínea b) consagra um requisito ainda relacionado com a
ideia de que o estado deve punir os seus cidadãos, encerrando uma ideia de lealdade que
guia à aplicação do princípio da nacionalidade enquanto princípio subsidiário. Em 99
acrescenta novas alterações e estabelecem-se como limites:
 Limite formal
 Limite processual
 Limite ao nível das sanções
 Limite relacionado com a natureza do crime
 Limite relacionado como problema da nacionalidade
A generalidade da cooperação judiciária internacional compreendo no artº. 6 desta lei os
requisitos gerais negativos da cooperação internacional nas suas diversas formas – alusão
aos limites de natureza processual e no artº. 7 estabelece remissões relativas à natureza
do crime, assim, estarão fora do âmbito de cooperação infrações especificamente políticas
ou especificamente militares.
As sentenças estrangeiras têm dois efeitos negativos previstos no artº. 6 nº1 do
Código:
A regra nebis in idem é um dos efeitos negativos das sentenças estrangeiras, refere-se a
factos praticados fora do território nacional, se o crime for praticado fora do território
nacional, mas tiver sido já julgado no estrangeiro, é o segundo efeito negativo que se
invoca – princípio do desconto – consagrado no artº. 82. O acusado volta a ser julgado,
mesmo que toda a pena tenha sido cumprida no estrangeiro (primazia do princípio da
territorialidade: Portugal não renuncia a julgar o crime de acordo com a sua própria
legislação, embora se obrigue a fazer o desconto correspondente à pena já cumprida).
Não seria rigoroso é dizer que sempre que a pena já tivesse sido cumprida na totalidade
vigora a regra nebis in idem – isso apenas será verdade quando o crime tenha sido
praticado no estrangeiro, mas já não quando tiver sido praticado no território português –
nesse caso o criminoso voltará a ser julgado.
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A regra nebis in idem apenas será invocada quando o princípio da territorialidade não seja
fundamento para a competência da lei penal portuguesa.
Somam-se a esta outras restrições à competência da lei penal portuguesa – ARTº. 6 nº2 e
3 – relacionam-se com a possibilidade de aplicação de direito estrangeiro por tribunais
portugueses: preenchimento de quatro requisitos cumulativos
 A lei penal portuguesa não é competente segundo o pirncípio
daterritorialidade;
 A lei penal portuguesa não é competente segundo o princípio dedefesa
dosinteresses nacionais;
 A lei penal portuguesa não é competente segundo o princípio
d
o
caso especial da nacionalidade ativa e passiva;

ODireitoPenalestrangeiroaplicáveléaquelequefundamentaasuaaplicação no
princípio da territorialidade;
Destas limitações decorre: a aplicação da lei estrangeira por tribunais portugueses só pode
ocorrer quando a lei portuguesa fundamenta a sua competência.
E dois efeitos positivos previstos no mesmo artigo:
Efeito de facto na medida em que são pressupostos para o desencadear de efeitos de
direito interno e possibilidade de serem executados qua tale que consiste num efeito
jurídico.

Cap. V - A aplicação da lei penal quanto às pessoas


1. Breve referência histórica
Afirma o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (art. 13º CRP), é um princípio
ligado ao nascimento do Estado de Direito Democrático. Nem sempre assim foi, no
Ancien Regime, havia leis para se aplicar à nobreza, clero e povo, havia, assim,
desigualdades dos cidadãos perante a lei.
 Ex: Nas leis de Duarte Nunes Lião dizia-se que não se aplicavam aos mecânicos
(artesãos) penas infamantes porque não tinham honra. Havia dignidades humanas
diferentes para classes sociais diferentes.
Tudo isto foi suplantado, ainda que não de forma cabal, pelo liberalismo, pois continuou
a haver discriminação, mas agora de natureza censitária, com o lógico predomínio da
burguesia. Tal acabou com o Estado de Direito e, hoje em dia, seria impossível admitir a
desigualdade perante a lei, sobretudo, quanto à lei penal. A lei penal aplica-se a todos, em
decorrência do princípio constitucional da igualdade perante a lei.
2. O princípio constitucional da igualdade e o sentido dos regimes especiais
estabelecidos para os membros do corpo diplomático e os titulares de cargos
políticos.
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Princípio da igualdade
A lei penal é universal, pelo que se aplica a todos de forma igual, em decorrência do
princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.
Exceções ao princípio da igualdade
Existe, porém, ao próprio nível jurídico, exceções que não são reminiscências dos antigos
regimes, mas antes se prendem com o prestígio dos antigos regimes e a funcionalidade de
certos cargos públicos (nomeadamente políticos) ou com o caráter representativo de
certos cargos diplomáticos.
Neste segundo caso temos as imunidades diplomáticas consagradas na convenção de
Genebra – não existe punição da parte dos estados, aos funcionalismos consulares e
diplomáticos de outros estados (em vez de colocar o representante no banco dos réus ele
será sempre entregue ao seu estado de origem, no entendimento de que esses
representantes representam o seu país e a sua soberania).
Quanto aos cargos políticos: 133, 160, 199 CRP
Aqui há restrições à natureza de igualdade – mas não têm natureza material, são restrições
puramente processuais penais. Os titulares destes cargos são igualmente responsáveis
pelos seus crimes, o que se passa é que o seu processo penal é retardado para o momento
que tal sujeito deixe a titularidade do cargo ou para o momento em que a autoridade
competente levante a imunidade.
Não se pretende um tratamento diferente para a classe privilegiada. O que está em causa
é a natureza dos cargos em questão ligados ao prestígio do estado ou ao funcionamento
dos órgãos e instituições democráticas.

Título III – os grandes ciclos da evolução histórica do direito penal


O Direito Penal contemporâneo é o Direito Penal da legalidade, do facto e da culpa, que
se restringe à tutela dos bens jurídicos essenciais à convivência mínima comunitária, que
não defende nenhuma moral, ideologia ou religião. Adota uma perspetiva preventiva
positiva ou de integração. É o modelo do Direito Penal conforme às garantias do Estado
de Direito, mas nem sempre foi assim.
Nos primórdios da evolução histórica, na fase arcaica do direito penal, ele era muito
diferente. Encontramos em todas as civilizações e culturas a mesma evolução, seja no
direito penal grego, romano, celta, germânico, etc., com aproximadamente 3 fases:
1. Predomínio das formas informais, período da vingança privada, cada um reagia ao
crime com as suas próprias forças;
2. Predomínio das sanções pecuniárias, substituía-se a vingança privada e o uso da força
pelo pagamento de uma soma pecuniária, que não era necessariamente dinheiro, podia ser
um bem, para compensar o lesado.
3. Publicização do direito penal, com a constituição do Estado e poderes públicos.
Depois das invasões germânicas, iniciou-se uma evolução sem rutura que permanece até
hoje.
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É o direito germânico que vai fazer uma ligação entre as várias fases (a sua influência vai
ser transversal aos vários momentos).
1. O dto. penal arcaico. Especial referência ao dto. germânico.
Primeira fase da perda de paz
Uma primeira fase do direito penal é assim caracterizada pelos mecanismos informais da
vingança privada. Não se pode ainda falar de estado, não há instâncias públicas e muito
menos órgãos especialmente adstritos à aplicação da justiça penal – é a própria sociedade
que reage, geralmente de forma parcial e informal (predomínio de mecanismos informais
para a repressão do crime). Este predomínio de mecanismos informais para a repressão
do crime que caracteriza a primeira fase.
Há, contudo, exceções onde a reação é da sociedade como um todo – reação
institucionalizada.
Nesta fase existem então duas modalidades de reação à lesão de bens:
RELATIVA
Consiste na vingança privada que cabe ao lesado e à sua família.
ABSOLUTA
Relacionada com o núcleo, ainda mínimo, do direito penal público em que a comunidade
reage como um todo e o criminoso é tratado como um inimigo exterior por ter posto em
causa a própria comunidade na sua vertente espiritual ou física.

 Crimes religiosos
Em sociedades extremamente individualistas, em que não existe ainda grande consciência
axiológica comunitária, qualquer elemento agregador assume especial relevância e um
ataque ao mesmo é considerado um grande atentado à ordem social.

 Crimes de guerra
No seio da guerra os interesses coletivos punham-se em causa e sobrepunham-se aos
interesses individuais criando-se sanções para estes crimes considerados mais graves no
âmbito do conflito.

 Crimes contra o chefe “lesa-majestade”


Atacando o chefe, mais alto representante da comunidade, considerava-se atacada a
comunidade e a sua unidade enquanto tal.
Esta reação global da sociedade pode servir em duas vertentes:
 Positiva que estabelece que todos terão direito e, mais que isso,
o
dever de perseguir e abater quem o violar.
 Negativa segundo a qual quem lhe der guiada ou outro tipo de
auxílioserá alvo da mesma sanção.
Utiliza-se ainda um conjunto de rituais e atos simbólicos para apagar a memória das
pessoas a figura do criminoso “verdadeira morte civil” – salgamento das suas terras, ou
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do local da execução, pela queima das suas casas – tais rituais destinam-se a fortalecer a
consciência comunitária.
Estes crimes são uma exceção ao “direito penal privado” que caracterizava esta fase. A
sanção satisfaz as exigências dos interesses privados e, simultaneamente, as exigências
dos interesses públicos de punição. Desenvolvendo-se mecanismos uniformais em que se
confundem as exigências da repressão comunitária com a vingança individual.
No âmbito destes crimes começaram a surgir elementos do moderno direito penal público,
é em relação a estes crimes que surge a pena de morte como pena pública – para os demais
crimes a regra é sempre a da justiça privada.
Segunda fase das sanções pecuniárias
Substituem-se os mecanismos da sanção privada, evitando-se as retaliações sucessivas.
Torna-se aqui mais nítido o cariz predominantemente privado do direito penal da época:
a sanção pecuniária torna, pela sua natureza, mais clara a anterior confusão entre os
objetivos da sanção privada e os da sanção pública.
O pagamento é entendido como justo e castigo pelo crime ao mesmo tempo que é
compensação pela sua lesão.
Funciona da seguinte forma: perante um diferendo, o sujeito que tem direito à vingança
abstém-se de a realizar mediante um pagamento económico da contraparte.
Neste quadro a vingança concretizava não só uma ideia de retribuição, mas também uma
ideia de prevenção, sendo que quem não se vingasse estaria, no fundo, a pôr em causa a
sua própria subsistência e a convidar a novas ofensas.
Contudo, esta solução pecuniária só seria possível mediante o juramento de igualdade
ambas as partes renunciavam à vingança, sendo que a parte não lesada teria igualmente
de recusar vingança em circunstâncias idênticas aceitando em troca, de igual forma, o
dinheiro. Sendo que só desta forma o ofendido se livraria da “aura de covardia” associada
à renúncia de vingança.
Entre a segunda e a terceira fase
Segue-se a concentração de poderes a todos os níveis guiando à constituição dos estados
modernos.
No direito penal começa a verificar-se uma publicização e uma centralização dos
mecanismos criminais nas mãos das autoridades públicas – entende-se que o direito penal
deves ser abolido do monopólio do poder central.
Durante os séculos VII/VIII temos um período de gradual transição para a introdução das
penas públicas.
Terceira fase
O Direito Penal passa a ser exercido por uma entidade pública devido à constituição do
Estado e à centralização do poder.
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Com a constituição do primeiro estado europeu, o Direito Penal tornou-se público,


abandonando a ideia de vingança privada. As penas eram estabelecidas em leis, que
reproduziam os critérios da moral social. Apesar de haver uma centralização do Estado,
o Direito Penal não alterou o caráter retributivo das sanções, que continuavam a ser
predominantemente pecuniárias e aplicavam-se penas corporais a quem não podia prestar
o pagamento, o que evidenciava uma clara desigualdade do direito penal em função da
classe socioeconómica.
2. O dto. comum
Direito penal medieval – alta e baixa idade média
Este direito penal da idade média caracteriza-se pela afirmação do estado.
O movimento neste período era o de concentração do poder real e com esta
concentração, o direito penal era um instrumento nas mãos do monarca contra o
feudalismo.
Durante a idade média, as penas bárbaras ganharam força, munindo-se pela Lei do Talião
e pela pena-espelho. Estas penas corporais tinham, também, a função de registo criminal
e podiam, contudo, ser compradas.
A justiça era arbitrária. Crime e pecado eram noções sinónimas. Portanto, o Direito Penal
era arbitrário e brutal, pois não existia princípio da legalidade, sendo que o juiz tinha
grande poder.

 Alta idade média


É durante a alta idade média que se nota cada vez mais um sentido de publicização
com refreio da justiça privada e centralização do poder penal público pelos
monarcas.
A publicização do direito penal, se trouxe consigo algumas penas públicas corporais
exibia ainda um predomínio das penas pecuniárias, transferidas da esfera privada para
a pública. Mesmo nos casos em que se previam, efetivamente penas corporais estas
eram, em regra, comutáveis em quantias económicas – o que significa uma
concentração destas penas nas classes inferiores incapazes de pagar estas quantias.

 Baixa idade média


Marcada pela receção do direito romano-canónico e pela obra dos glosadores e dos
comentadores.
O princípio da legalidade não existia, as máximas eram gerais e incompletas e eram
normas não escritas, o crime confundia-se materialmente com o pecado sendo que
crime seria a violação de uma norma tida como importante para a sociedade.
A ideia das penas bárbaras associadas ao tempo medieval é, no fundo, incorreta e
sobretudo prevalecente na idade moderna, entre nós com as ordenações manuelinas
que criam um direito penal sancionatório recheado de penas corporais bárbaras e
infamantes.
Da baixa para a alta idade média o direito penal assume a mesma natureza, o
elemento jurídico só passou escrito mais tarde sendo que até então era reservado à
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igreja onde se faziam todos os registos e daí pecado e crime serem conceitos que se
confundiam. Agora o direito penal passa a ser publicizado pois interessava ao
monarca manter a paz e é graças à igreja a sanção surge pela primeira vez como
meio de prevenção.
Sentido da pena
O sentido predominante da pena continuava a ser o de retribuição, contudo, durante a
baixa idade média introduz-se um novo elemento, o sentido da pena como ordem
terapêutica de ressocialização/regeneração moral – não se trata de mera prevenção de
reincidência, de uma verdadeira reconversão da alma.
Teor do sistema
Quanto ao teor geral do sistema do direito penal medieval, predominantemente,
continuavam a ser as penas pecuniárias, mas não seriam comutáveis apenas através de
uma soma pecuniária pois as mais graves implicavam tanto a sanção corporal como a
pecuniária.
Nas sanções pecuniárias tínhamos o fredos quando havia uma parte que ia para o estado
e o bemos quando era uma penal puramente pública.
Confusão plano moral/jurídico/religioso _
 Códigos jurídico-criminais confundem-se com a moral da época e
aludem à terminologia do pecado;
 Ao nível das sanções, a pena equivale a uma penitência;
 A ressocialização equivale a uma regeneração da alma ou moral;
 Não existe um princípio da legalidade, as leis são lacunosas e
os juízesfrequentemente analfabetos.

3. O dto. penal iluminista.


A reação do iluminismo faz-se em dois tempos:
Despotismo esclarecido (iluminado)
Com a afirmação do Iluminismo, apareceu o Estado-polícia e o despotismo esclarecido.
Ao monarca competia promover a maior felicidade do povo. Houve uma separação entre
Direito e religião. Competindo ao estado apenas o prosseguir do bem-estar do cidadão e
dá-se a libertação de todas as referências à transcendência – este bem-estar dos cidadãos
é definido autocraticamente pelo monarca.
No plano penal isto traduz-se no abandono das ideias de fundamentação teocrática, as
sanções já não são de cunho religioso, mas mantém o cariz moralista – pretende-se a
conversão, mas, agora, à lei e à consciência comunitária. O direito penal era um direito
penal polícia, intervencionista que regulava todos os setores da sociedade, as leis
continuavam a ser imperfeitas, embora legisladas pelo monarca.
Embora o crime continuasse subordinado à razão de estado, continuaram a existir os
crimes religiosos, apesar de a religião deixar de ser vista como a fonte de Direito,
passando a ser um instrumento do Estado. O tratamento dos reclusos era visto como
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domesticação, acentuando-se a prevenção especial no sentido da intimidação individual.


Era um sistema duríssimo, muitas das leis da monarquia absoluta voltam a ser
utilizadas. A prevenção especial em sentido negativo com entorno na intimidação
individual. Surgem, a par das penas corporais, as penas de prisão, que se afirmam cada
vez mais.
A desumanidade destas penas fez com que caíssem em desuso.
A secularização consagra a legislação criminal como um útil instrumento de controlo
social, onde o fundamento último era a vontade do déspota iluminado que, ainda que
assente em princípios de boa razão era alheio ao princípio da legalidade.
Iluminismo de segunda geração
Mais tarde, com o surgimento do Estado de Direito democrático, surge também o
Direito Penal moderno. Com a afirmação do princípio da separação de poderes, nasce o
princípio da legalidade. O direito penal já não é instrumento privilegiado do estado,
mas, antes, restringe-se à tutela dos direitos fundamentais originários, essenciais à
convivência social.
Dá-se a separação entre a moral e o Direito – juiz torna-se apenas a “boca da lei”,
perdendo a sua arbitrariedade.
As sanções deviam ser humanas, não ultrapassando o limite da proporcionalidade da
culpa. Tinham função maioritariamente preventiva. Há uma contraposição da prevenção
geral à prevenção especial, mas a principal marca da época é ao nível da humanização
das penas, o estado de direito respeita a dignidade humana.
Esta humanização traz consigo a afirmação da pena de prisão como pena principal,
entendendo que o delinquente é ainda um cidadão e como tal deve gozar dos seus direitos
fundamentais.
Pena de prisão
Com a afirmação do Estado de Direito Liberal, a pena de prisão implantou-se
como principal sanção penal. Se o Estado de Direito se afirmou em torno da
liberdade humana, então a sanção penal por excelência traduzia-se na negação
dessa liberdade. Acentuou os valores da ressocialização. Surgiram vários modelos
de prisões:
 Sistema de Filadélfia – execução de isolamento contínuo noturno
e du
irno. Assenta na ideia de solidão para refletir sobre a vida passada, de forma a
que
odelinquentefizesseumaregeneraçãointerioresearrependesse.Estesistema
não resultou, pois, os reclusos enlouqueciam por estarem enclausurados sem
contacto humano.

 Sistema de Auburn – sistema de isolamento noturno e trabalho


em conjuntodiurno. O trabalho era entendido como uma forma de
reintegração social, de preparação do recluso para a vida em liberdade.
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 Sistema irlandês ou por períodos – num 1º período, há uma observação


do recluso em isolamento. Num 2º momento, o recluso é integrado na vida
em prisão, passando a desempenhar tarefas de cada vez maior
responsabilidade, podendo na parte final chegar a um sistema de semi-
reclusão. Assim, o recluso é preparado progressivamente para a vida em
liberdade.
O sistema atualmente adotado deriva do sistema irlandês, afirmando-se a ideia de
reintegração social dos delinquentes.
Estabelecem-se aqui as traves do direito penal moderno:
1. Restrição do seu âmbito;
2. Preocupação com a humanização das penas;
3. Defesa da segurança do cidadão contra possíveis arbítrios do poder público;
4. Afirmação progressiva da prisão como sanção principal do direito penal;
5. Ao nível da execução estabelece-se o princípio da culpa como limite
fundamental;
6. Ao nível do funcionamento da justiça penal afirma-se o princípio da legalidade e
modelo acusatório em substituição dos modelos inquisitórios, apontando para a
defesa e integrado por um princípio de investigação.
4. O século XIX e a oposição entre a chamada "escola clássica" e as correntes de
inspiração positivista. Especial referência à pena de prisão.
Escola Clássica de Direito Penal
Quando falamos da Escola Clássica, reportamo-nos a todos aqueles autores que
defendiam o modelo do direito penal característico do Estado de Direito: o modelo de
direito penal do facto, direito penal da culpa, direito penal da legalidade. Numa palavra,
o direito penal que surgiu e que correspondia às exigências e aos valores inerentes à
implantação do Estado de Direito Liberal.
A Escola Clássica assentava no direito penal do facto e da culpa.
A Escola Clássica de Direito Penal caracterizava-se pela mundividência a que estava
subjacente, afirmando-se a ideia do mundo de liberdade e de valorações – assentava na
crença da liberdade do homem e na autonomia do universo social e humano como mundo
de valorações e de sentidos, distinto do universo naturalista causal, o que guia a uma
defesa da secularização e à definição de um mínimo de intervenção.
Escola Positiva Italiana
Opunha-se à Escola Positivista Italiana, que negava a liberdade, defendendo que o
comportamento humano se explicava causalmente.
As suas visões eram exclusivamente científico-naturais e o seu monismo quer ontológico
quer epistemológico. Esta contraposição geraria uma luta de escolas no último quartel do
séc. XIX. Com este conflito entramos no séc. XX.
5. As principais correntes do séc. XX e da atualidade.
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A escola positivista que nasce neste virar de século assentava na negação da liberdade,
substituição do conceito de culpa pelo conceito de perigosidade, substituição do Direito
penal do facto pelo Direito penal do agente.
Para as orientações positivistas o que estava em causa não era o facto, pois esse já tinha
passado, o que interessava era então atacar a perigosidade do agente. Punia-se não o facto,
mas o agente, numa perspetiva puramente cientista, que apontava para o Direito penal
terapêutico (alvo de muitas críticas), total indeterminação das sanções, separação ao nível
do processo entre o momento e a determinação da sanção. Na determinação da sanção o
jurista não era sequer necessário, podiam atuar médicos, psicólogos, psiquiatras que
desencadeariam medidas terapêuticas, pois o que estava em causa era reagir contra a
perigosidade, num quadro da total indeterminação das sanções.
Ainda hoje verificamos este confronto: por um lado, um pensamento assente na dignidade
humana, que aponta para um Direito penal elevado de garantias.
Por outro, orientações puramente instrumentais e estratégicas (posição cientista). Estas
últimas vão ganhando colorações diversas, ora acentuando mais a vertente preventiva
especial, ora acentuando mais a prevenção negativa geral.
Há, de facto, uma tensão entre uma orientação centrada na pessoa, nos valores da justiça,
na preservação dos direito fundamentais – Direito penal do facto, da legalidade e da culpa,
que nós herdamos do Estado de Direito Liberal e logo se implantou nos finais do século
XVIII e que é o Direito penal que ainda temos, tanto a nível material (respeito pela
liberdade, privilegiar o Direito à diferença) como a nível formal (princípio da legalidade,
garantia do cidadão perante o Estado) – e, por outro lado, as orientações de carácter
pragmático e utilitarista, muitas vezes inspiradas em teorias sistémicas e funcionais, em
que ou privilegiam a vertente da prevenção especial apontam para o Direito penal do
agente (decorrência das ideias da Escola Moderna Alemã e da Escola Positivista Italiana)
ou uma vertente securitária que põe em causa os direitos e garantias.
É uma tensão atual, que se verifica porque o que se joga no Direito penal uma
compatibilização ou concordância prática entre, por um lado, as exigências da
convivência social e da segurança dos cidadãos, e por outro lado, o respeito pela
dignidade da pessoa e pelo próprio criminoso.
Triunfo: viria a ser do Direito Penal do facto
Acima das divergências, o direito penal atual gera um certo consenso. Há princípios
comumente aceites, um património comum a todas as nações civilizadas, sobretudo
europeias.
 Princípio da legalidade;
 Princípio da culpa como limite da pena;
 Ideia da dignidade humana;
 Proporcionalidade das penas e das medidas de segurança;
 Princípio da necessidade social.
Quanto aos fins das penas afirma-se um objetivo de ressocialização despido de quaisquer
conceções moralistas.
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No que respeita às sanções mantemos até hoje a prisão como sanção principal para os
crimes mais graves, em obediência ao princípio da subsidiariedade.
Evolução do direito penal português
Fase arcaica
Mantém-se o mesmo que parece ser comum à maioria das sociedades.
Direito Penal Medieval
Até à Alta Idade Média viveu os 3 períodos, na Baixa Idade Média assistiu ao
renascimento do direito romano-canónico, ius comnune, encontramo-lo no livro V das
Ordenações Afonsinas, ausente a ideia da legalidade, as leis eram uma espécie de
parábola, não havia a fronteira entre o Direito e a moral, não havia diferença ente crimes
e pecados, as sanções eram predominantemente pecuniárias e com finalidade retributiva.
A monarquia absoluta do séc. XVI e XVI é o período das Ordenações Manuelinas e das
Ordenações Filipinas, no sentido da publicização do poder e endurecimento das sanções,
no livro V, era um Direito Penal brutal. Não havia princípio da legalidade, o Direito e a
moral confundiam-se, punia-se o pecado como crime e as sanções eram brutais, com
recurso à tortura.
Iluminismo – despotismo esclarecido
A expressão do Direito penal característico do Despotismo esclarecido encontra-se na a
legislação do Marquês de Pombal (D. José I) e na legislação da sua sucessora D. Maria e
no Projeto de Código Penal de 1789, o primeiro projeto de código penal português, levado
a cabo por Melo Freire.
O despotismo esclarecido, de Marquês de Pombal e D. Maria I, teve as mesmas
características que a restante Europa, o Direito Welfare State, o Estado Polícia, que
promove o bem-estar material e moral dos cidadãos, é a época do mercantilismo e ainda
do direito penal brutal.
A justiça penal era brutal, não havia respeito pelo princípio da legalidade, tivemos um
primeiro projeto de código, em 1789, de Pascoal José de Mello Freire, que nunca foi
publicado em vida, é um código característico do despotismo esclarecido, autoritário.
Este código penal corresponde ao modelo dos códigos penais do despotismo esclarecido
da Europa.
Segundo iluminismo
A grande mudança veio com o constitucionalismo e com todo o seu projeto de um DP
subordinado ao princípio da legalidade, do facto e da culpa, a eleição da pena de prisão
como pena por excelência, banindo-se as sanções corporais e degradantes. Este programa
do DP demoliberal que resultava dos textos constitucionais não tinha correspondência
num Código Penal, continuavam a vigorar as Ordenações Filipinas, juntamente com
legislação extravagante.
Tentativas de codificação
As primeiras tentativas de codificação só viriam a surgir com o despotismo iluminado.
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 1789 – Mello Freire


Este projeto nunca entraria em vigor tendo continuado em vigência em matéria penal
o livro V das ordenações manuelinas.
 1833 – José Manuel da Viega
De inspiração demoliberal, este projeto foi aprovado durante a ditadura de Passos
Manuel, tendo por isso deixado de vigorar no final desse período.
 1852 – Primeiro Código Penal
Em 1845 foi nomeada uma Comissão para redigir um novo Código Penal, e é aqui
que nasce o 1º Código Penal Português (Código penal de 1852). Foi muito
influenciado pelo Código napoleónico e brasileiro, e das 2 Sicílias. Correspondia aos
modelos dos códigos penais liberais do Estado de Direito Liberal do século XIX, tinha
um entendimento estrito do princípio da legalidade, previa penas fixas, o que violava
a justiça, porque as circunstâncias mudam de caso para caso e tem de se dar alguma
liberdade ao julgador, mas o objetivo era precisamente impedir o arbítrio, afastando
todos os resquícios moralistas. Prevê um DP do facto e da culpa.
Dizia-se que se privilegiava a prevenção geral, sobretudo pensando nas penas fixas,
mas a previsão de penas fixas era apenas uma técnica legislativa, por isso, não é
correto dizer isso. Foi objeto de severas críticas e logo no ano seguinte se criou uma
comissão para o rever, pois dizia-se que nasceu velho e a precisar de reforma. Ainda
com muitos defeitos – revisão em 1861 que não chega a entrar em vigor.
 1861
Entretanto, influenciado pelo ideário do Krausismo, da teoria Correcionalista (Karl
Roeder) surgiu o projeto de código de 1861, republicado em 1864, com um grande
contributo de Levy Maria Jordão, secretário da comissão e membro preponderante
deste código. Este nunca foi aprovado, mas foi um projeto muito importante, porque
trouxe o que de mais moderno se fazia na Europa – ex: instituto da suspensão
condicional da pena, sistema do registo criminal, a modelação dos crimes. Em relação
às prisões, este código estabeleceu um regime prisional e optava pelo sistema de
Filadélfia, foi uma pena não ter sido aprovado.
 1884 – Nova reforma penal
A reforma de 1884 daria lugar ao código de 1886 que vigorou até 1982. A nova
reforma acentuou uma aproximação à Escola Clássica e o princípio da culpa foi
acentuado, procurando adequar a sanção à culpa concreta, havendo uma vertente
eclética dos fins das penas.
Portugal não foi imune à influência da Escola Positiva Italiana e da Escola Moderna
Alemã e, durante a 1ª República, pela mão de Afonso Costa, estas tiveram especial
destaque, mas foi um período curto.
Dá origem ao código de 1886 que vigoraria até ao ano de 1954 que altera as suas
conceções fundamentais.
 1982 – Código Penal Atual
Revisto em 1995 e em 1998.
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Trata-se de um código penal muito atual onde por isso se afirmam tais princípios
básicos basilares, consensualmente aceites em qualquer estado de direito.
O DP Clássico é o que temos, nas suas traves-mestras é o DP da Escola Clássica, que tem
as notas essenciais: legalidade, culpa, facto e no plano das sanções privilegia uma visão
preventiva geral positiva ou de integração. Este é permanente objeto de ataque das teorias
funcionalistas e utilitaristas e a teoria sistémica e funcional de Luhmann e a de Jakobs são
provas vivas disso mesmo.
Evolução dos sistemas prisionais em Portugal
Sistema de Filadélfia: previsto inicialmente no projeto criminal de 1871. Tal sistema
mantém-se até 1913, embora o projeto nunca tenha entrado em vigor.
Sistema de Auburn: há uma transição para este sistema em 1913, que se mantém até
1936.
Sistema irlandês: introduzido em 1936, o sistema irlandês caracteriza-se pelo caráter
progressivo e vigora até aos nossos dias, tendo a capacidade de se adaptar às necessidades
da sociedade.
Atualmente, cada recluso tem um plano individual de atividades e formação profissional.
A ideia subjacente é a de que cada recluso é um sujeito de execução penal e não
meramente seu objeto, ele tem palavra a dizer na execução. Trata-se não só da
salvaguarda dos direitos fundamentais, mas também da ideia de que ninguém deverá ser
ressocializado à força.

Parte II – A Doutrina Geral do Crime


Título I - O significado metodológico da doutrina geral do crime. As
grandes construções dogmáticas da atualidade.
Cap. I - "Ideia de crime" e "ideia de sistema"
O crime não se traduz numa simples violação de um bem jurídico. Trata-se de uma
conduta humana que viola uma norma de determinação que tutela bens jurídicos
essenciais. Sem dúvida que esta definição coloca o núcleo do crime no desvalor da ação.
Como o Direito Penal contende de forma gravosa a liberdade e a esfera jurídica dos
indivíduos, importa delimitar concretamente o que é ou não crime, ou seja, em que
situações pode intervir. Para tal, afirma-se o princípio da legalidade, assim como a
interpretação teleológica da lei, discriminando o seu sentido.
O sistema pretende enunciar os elementos constitutivos do conceito material de crime,
isto é, os elementos que em concreto têm de se verificar para que uma conduta humana
constitua uma violação de uma norma jurídica que tutela bens jurídicos essenciais:
1. Antes de mais, é preciso a existência de uma conduta humana. Para uma conduta
humana constituir uma ação humana para o Direito Penal, tem de ser a
manifestação de um ato de consciência.
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2. Contudo, nem toda a conduta humana é crime. É necessário que essa conduta
esteja descrita como tal na lei, isto é, seja típica.
3. No entanto, nem todas as condutas típicas são relevantes para o Direito Penal (por
exemplo, matar é proibido, mas matar em legítima defesa é permitido). É preciso
que esta também seja ilícita, isto é, desvaliosa.
4. Não basta que seja uma conduta humana típica e ilícita. É necessário que seja
culposa, censurável.
5. Por fim, o facto de uma conduta humana típica, ilícita e culposa não significa que
seja relevante. É preciso que tenha uma necessidade de punição.

Desta forma, o sistema é uma garantia da aplicação justa do Direito Penal com certeza e
segurança. As teorias gerais do crime são propostas metodológicas da aplicação do
Direito Penal ao caso concreto.
Tem por objetivos potenciar a justiça material, a correção das funções e a maior
conformidade das mesmas; assim como o valor de certeza e segurança, na medida em que
permite um controlo da atividade jurisdicional.
A dogmática penal adota um ordenamento tradicional. Esta dogmática consiste na
desimplicação do sentido dos elementos que estão contidos na ideia material de crime.
Determina os pressupostos que são necessários de verificar para uma conduta constituir
crime. Portanto, surgiram vários sistemas ou conceções da Teoria Geral do Crime ao
longo do tempo.
São três os grandes sistemas que refletem três grandes conceções do direito penal, são
diversos quanto à matéria penal em si, mas também quanto à metodologia do direito em
geral e todos têm origem na dogmática alemã.
 Sistema clássico, positivista ou naturalista;
 Sistema neoclássico ou normativista
 Sistema finalista

Cap. II - As grandes construções gerais do crime


1. Sistema Clássico, positivista ou naturalista
Surge na segunda metade do séc. XIX, inícios do séc. XX e tem como principais nomes
Liszt, Binding, Berner.
Fortemente influenciado pelo positivismo naturalista, compreendendo as experiências
humanas como subordinadas aos mesmos esquemas epistemológicos e metodológicos das
ciências naturais. Tem, neste sentido, dois vetores:
O primeiro partia do monismo ontológico, reconduzindo toda a realidade aos sistemas
causais deterministas que explicam os fenómenos naturais. O fenómeno social e humano
estaria, portanto, subordinado à mesma regra da causalidade. Havia uma negação absoluta
de qualquer autonomia humana.
O que estava em causa não era a valoração, mas sim a explicação externo-objetiva sobre
os fenómenos. Todos os conceitos do Direito deveriam corresponder a uma realidade do
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mundo empírico, cada conceito só seria válido se tivesse essa correspondência empírica.
Portanto, deveriam ser empiricamente determináveis e quantificáveis.
E o segundo era a marcada influência do positivismo legalista, no sentido em que defendia
que as categorias jurídicas deveriam ser fechadas e aptas à mera resolução, apontando
para uma perspetiva puramente descritiva dos conceitos jurídicos.
A análise partia do plano mais abrangente ao mais restrito numa relação género-espécie.
1. Conceito de ação: Ação-causal em termos puramente objetivos e
axiologicamente neutros (cega a valores – considerava, por exemplo que a ação
da injuria tínhamos um fluxo de ar que passava pelas cordas vocais passava aos
ouvidos da vítima e causava desconforto ao recetor. Só a ação que fosse típica,
ação prevista na lei, considerava que seriam ilícitas – comparação esfaqueador/
cirurgião). A ação era toda a modificação do mundo exterior causalmente ligada
a uma vontade e cega de valores.
2. Tipo: Para haver um crime, essa ação causal teria de estar descrita num tipo legal
estritamente objetivo e axiologicamente neutro. O que contava era a pura
descrição, não se faziam referências a valores. Tratava-se de um tipo indiciador,
pois não expressava a ilicitude, sendo apenas um indício da mesma.
3. Ilicitude: Contrariedade à ordem jurídica no seu todo. Resumia-se à verificação
da existência de causa de justificação (contratipo). Ponderava a conduta apenas
na sua objetividade.
4. Culpa: Conceito psicológico de culpa, que diz que esta é o nexo psicológico que
liga o agente ao facto. Não intervinha qualquer elemento valorativo. Neste caso,
o juiz tinha de analisar caso a caso a linha piramidal estabelecida pelo sistema.
Críticas:
 Perspetiva inconsistente, pois é puramente descritiva, não sendo
suscetívelde reproduzir o sentido das valorações jurídico-criminais.

 A conduta humana não é objetiva, mas sim subjetivo-objetiva.

 O que está em causa no Direito Penal não é descrever fenómenos


empíricos, massim valorar. Só se pode averiguar se há um crime como uma
violação de uma norma de determinação se atendermos também à subjetividade
do agente, às suas intenções.

 A culpa não se pode esgotar numa estrutura psicológica. Não explica


adiferençaentre imputáveis e inimputáveis, nem a inexigibilidade. Deixa de
fora a negligência inconsciente, em que os agentes não representam
perigosidade.

 A ação causal deixava de fora o crime de omissão. De facto, se todo o


crimepara ser crime tinha de ser uma ação-causal, então a omissão não podia ser
crime (os defensores desta doutrina vão responder a esta crítica através da teoria
do aliud agere que consistia essencialmente em tentar explicar que a omissão
não seria a ausência de uma ação causal mas sim a substituição de uma ação que
deveria ter sido feita para o evitar de um crime por outra que acabou por permitir
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a
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consumação do crime – claro que isto foi rapidamente refutado pois a ação de
substituição não tem ligação à causa).

 Critica-seaindao extremoformalismo que


impedearealizaçãodejustiçano casoconcreto
2. Sistema neoclássico normativista
Desenvolvido na segunda metade do séc. XX.
Mezer, Eduardo correia e Cavaleiro de Ferreira.
Foi uma reação ao positivismo naturalista e às suas consequências na dogmática.
Assentava nos pressupostos do neokantianismo da Escola de Baden.
Partia do pressuposto do neokantianismo de barden, da coisa enquanto coisa real, a coisa
em si, a realidade enquanto ela é incompreensível pelo homem, da ideia de que a realidade
em si era um descontínuo heterogéneo (caos), inexplicável à luz das leis do pensamento
humano. Se o homem quisesse compreender ou conhecer a realidade, a única forma era
decompô-la, falsificá-la.
Este conhecimento ou falsificação convertia o descontínuo heterogéneo ou num contínuo
homogéneo, perspetiva das ciências naturais em que a realidade era vista como uma
construção do intelecto humano, pelo que os fenómenos eram apenas conhecidos na sua
dimensão externa e nas suas relações de causalidade, em termos de quantidade; ou então
num discreto heterogéneo, perspetiva das ciências humanas que pretendia valorar e
distinguir cada fenómeno para o homem e para a sociedade em geral.
A construção conceitual não estava assente em regras causais, mas sim em valores,
surgindo no plano das ciências humanas, das ciências da cultura.
A construção geral do delito aceite assentou na perspetiva de Eduardo Correia.
1. Conceito de ação: Ação referencial a valores, sendo a negação desses mesmos
valores. Trata-se de uma ação social, estritamente objetiva. Incluía todo o
acontecimento socialmente relevante, ou seja, todo o comportamento que
comportava a negação de valores. Tem de estar ligada à vontade.
2. Tipo e ilicitude: Ilícito-típico, em que o ilícito corresponde ao momento
dogmático em que se determina, de entre todos os valores que podem interferir na
conduta humana, aqueles que assumem relevância penal; e o tipo é a forma ou o
expediente técnico para expressar o juízo de ilicitude. É objetivo e esgota-se no
desvalor do resultado.
3. Culpa: Conceito normativo. Juízo de censura dirigido a um agente que pratica um
facto quando podia não o ter praticado. Reside na censurabilidade. A distinção
entre dolo e negligência tinha a ver com a maior ou menor censura.
Críticas:
 O ilícito-típico continuava a ser entendido de modo objetivo
mo o desvalor do resultado. Considerava a vontade do agente, que tinha
co
uma natureza de pura potência desencadeadora do sucesso exterior.
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 Visão incompleta, pois a açãonão é umaunidadeobjetiva, é uma


objetivaçãode uma subjetividade.

 Mantém o essencial da estrutura dogmática do sistema


clássico,juntando-lhe apenas a valoração jurídica.

 As normas penais são normas de determinação, pelo que o núcleo do


crime estáno desvalor da ação e não no desvalor do resultado.

 O sistema neoclássico reconduzia o ilícito ao desvalor do resultado. A s


normaspenais são normas de determinação, daí que o núcleo do crime esteja no
desvalor da ação e não no desvalor do resultado.

Ex. A atira uma pedra a janela do vizinho B. Em princípio seria um crime de dano,
mas com esta conduta, sem saber, salva a vida de B. Dentro de uma ótica do ilícito
de puro do desvalor do resultado, esta situação seria lícita, ainda que o sentido da
conduta não seja positivo. Esta conduta devia pelo menos ser punida por tentativa,
mas nesta perspetiva, puramente objetivista, isso não aconteceria.

3. Sistema Finalista
Surge na segunda metade do séc. XX e tem como principal nome Welzel.
É deste sistema que resultam os aspetos essenciais, encerra conceitos como ilícitos
pessoais, fundamentação da tentativa ou a raiz da teoria do movimento do facto. Está,
como já referido, ligado a Welzel e vai dar origem à escola de bona (escola que defende
o ilícito pessoal).
Refutação dos pressupostos positivistas. Assumiu como núcleo do crime o desvalor da
ação e não o desvalor do resultado.
O principal autor foi Hans Welzel, que defendia que a representação intelectual do
homem retratava efetivamente a realidade tal qual existia.
Distinguia dois universos: o universo da natureza (físico, subordinado às categorias da
causalidade e da quantidade) e o universo social ou humano (realidade social, sentidos e
valorações, liberdade).
Welzel partia da natureza do universo social humano, o universo da vida da razão
pratica, este universo era um universo de sentidos, valoração e liberdade, mas, ao
contrário das restantes perspetivas neokantianas, Welzel considera a dimensão da
exteriorização de uma atitude de sentido, considera uma resposta emocional a um
determinado fator. Considera a ação humana como uma expressão emocional. Ele parte
desta conduta humana como exteriorização de uma vontade de sentido e que este só se
pode compreender a partir do momento que a ação é considerada. Com isto não se invoca
a moral, pois para o direito penal só se consideram as ações que sejam lesivas.
O ilícito é uma unidade subjetivo objetiva que exprime uma vontade.
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1. Conceito de ação: Ação final, sendo a exteriorização de uma intencionalidade


de sentido. Unidade subjetivo-objetiva.
2. Tipo: Puramente descritivo, contemplando apenas a matéria de proibição. Pura
descrição fática da conduta proibida. Permitia a distinção entre tipos dolosos e
tipos negligentes.
3. Ilicitude: Contrariedade à ordem jurídica. Conceção de ilícito pessoal, isto é, o
juízo de culpa sobre o homem médio.
4. Culpa: Conceito normativo. Pura censurabilidade do agente na prática de um ato
doloso ou negligente.
Críticas:
 A indefinição do conceito de ação final

 O conceito de ação excluía a omissão e a negligência, apesar de esta


última serinserida no tipo. Havia, portanto, uma incoerência na admissão
do tipo negligente, visto que o conceito de ação o negava.

 Puramente descritivo e falta de abertura concetual do sistema.

4. Os traços fundamentais da construção geral do delito saída da confluência dos


sistemas anteriormente analisados: a teoria do "ilícito pessoal" e a definitiva
"normativização" do conceito de culpa; a autonomização das dogmáticas dos delitos
de ação dolosos, dos delitos de ação negligentes e dos delitos omissivos.
Ultrapassada a fase da luta de Escolas, adotou-se um sistema comum, para o qual o
Sistema Finalista contribuiu fundamentalmente, nomeadamente no conceito de ilícito
pessoal e na normatização de culpa. Surgiu, portanto, o Sistema Teleológico-Racional.
O sistema deixou de ser uno, dividindo-se em três sistemas: crimes de ação dolosa, crimes
de ação negligente e crimes de omissão.
5. Sistema Teleológico-Racional
Surge nos anos 60/70.
Aqui temos a compreensão do sistema como composição analítica, com uma ideia central
e geral de crime enquanto negação normativa – enquanto negação de norma de
determinação. Assim procede-se à decomposição do sistema nos seus vários elementos
constitutivos. O sistema é visto como um conjunto de aproximações sucessivas à ideia
prévia de crime, que traduz um pressuposto axiológico.
A outra trave-mestra é a nova compreensão da relação ilícito/culpa, baseada no ilícito
pessoal. Assim, ilícito e culpa são dois critérios valorativos do mesmo substrato material,
incidem sobre a mesma realidade subjetiva-objetiva, sendo apenas diferente a perspetiva
da valoração a que procedem. Desta forma, no ilícito pessoal valoriza-se a situação em
análise da sua unidade.
Os sistemas de que falamos até agora articulavam as várias teorias apenas na base da
dignidade penal, que no ilícito pessoal era apenas o desvalor intrínseco do ato e a culpa
tem a ver com a dignidade penal e questões valorativas de censurabilidade. Mas o DP
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não se pauta apenas por considerações de dignidade penal, mas também pela
necessidade.
Este sistema considera que só devem ser considerados crimes as condutas que envolvam
a violação grave dos bens jurídicos essenciais, e mesmo nesses só quando fosse
necessária a intervenção do DP e outras formas de regulação não fossem suficientes.
Assim, não devemos considerar crime aquela conduta que, muito embora relevante em
termos jurídicos, isto é, digna de pena, possa ter a sua regulação feita por outros ramos
do Direito.
Foi esta a ideia em que se inspirou: se o sistema é a decomposição analítica de uma ideia
de crime que está pressuposta, então esta ideia que traçamos resulta em si mesmo da
combinação da dignidade e da necessidade de pena, que se têm de projetar no sistema –
esta é a ideia base.
Este sistema foi, contudo, alvo de divergências doutrinais quanto a modo de construção
do elemento da necessidade de pena.
Orientações da necessidade de pena:
a) Klaus Roxin: ação típica, ilícita e responsável (em detrimento da culpa). Não
insere aqui a culpa, substituindo-a pela responsabilidade, ora é neste último
momento que vão interferir as políticas criminais. A afirmação da
responsabilidade jurídico-penalmente relevante assentava em dois momentos: a
verificação da culpa e a averiguação da necessidade de pena. A ideia de Roxin
era: o direito penal visa proteger bens jurídicos, daí que a culpa não seja
fundamento para a aplicação da pena, pois mesmo que certa ação seja culposa, só
deve ser punida quando necessário. Isto é, apenas em certas situações de culpa é
que é necessário se punir.
Ex. excesso intensivo de legítima defesa, delitos passionais. Este não é um sistema
que se possa contrapor aos outros, porque herdou a estrutura deles, apenas a abriu
a considerações de necessidade de pena, entendida na prevenção geral positiva ou
de integração. Para Roxin, nas categorias da ação, do ilícito (típico) e da culpa
apenas entrava em linha de conta considerações de dignidade de pena, a
necessidade de pena só surgia imediatamente após a aferição de culpa. Ainda
assim, esta não é a conceção maioritária entre os adeptos.

b) Doutrina maioritária: ação típica, ilícita, culposa e com punibilidade. Decorre


do princípio material de crime. A culpa assenta em critérios de dignidade penal e,
por isso, não podemos fundir na mesma categoria a culpa e a necessidade de pena,
por isso, permitem manter o sistema comum intacto, juntando-lhe apenas uma
nova categoria. Esta é uma diferença formal, apenas as separamos conceito,
mantendo a culpa num determinado momento e a necessidade de pena noutro.

c) Prof. Almeida Costa: Na base desta conceção está Bernd Schunemann, considera
que a necessidade e dignidade de pena se projetam em todo o sistema,
concorrendo tanto na delimitação do facto, como do ilícito, na atribuição da culpa,
da responsabilidade subjetiva. Se o crime resulta da conjugação da dignidade e
necessidade de penal, se o sistema é uma implicação destas duas ideias, elas têm
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de se projetar em todas e cada uma das categorias, não pode estar fixa a uma. Se
o sistema é a desaplicação do sentido da ideia pressuposta, tanto a ideia da
dignidade penal como a ideia da necessidade de pena têm de se projetar não só ao
nível subjetivo da culpa, como no plano objetivo, no plano da delimitação do
facto.

A parti daqui vamos construir o nosso próprio sistema, partindo de uma conceção de
ilícito pessoal e incluindo três capítulos

Título II – Teoria Geral dos Crimes de Ação Dolosa


O crime de ação dolosa caracteriza-se por uma correspondência entre os aspetos objetivos
e subjetivos do crime, num tal delito, o projeto criminoso do agente, mentalmente
representado e querido, é precisamente aquele que vem a concretizar na prática.
Contrariamente ao que acontece com os crimes negligentes, onde entre os elementos
objetivos e subjetivos existe uma descontinuidade assimétrica.
O crime é a violação de uma norma de determinação que tem como objeto a tutela de
bens jurídicos essenciais. Esta norma de determinação tem como destinatárias as pessoas
humanas, pelo que o crime resulta de uma ação humana.
O sistema tem uma expressão piramidal, pois os pressupostos do crime vão sendo cada
vez mais específicos.
Cap I – Conceito dogmático de ação
Ação Humana
É um conceito pessoal. Exteriorização de sentidos e valorações, sendo uma unidade
subjetivo-objetiva. Não se esgota na exterioridade. É uma exteriorização de uma
intencionalidade de sentido. É toda e qualquer manifestação da vida consciente de uma
pessoa. Vincula-se, assim, através do conceito de ação, toda e qualquer interferência
jurídico-criminal a uma base de direito penal do facto (que se opõe ao direito do penal do
agente inconcebível porque no direito penal não atua apenas o agente).
Todavia, a ação pode ser entendida de várias formas, como vimos pelo desenvolvimento
deste entendimento – ação causal, ação referencial a valores, ação final, ação pessoal. A
análise das quatro modalidades tem, forçosamente, de passar pelas críticas, por quatro
elementos característicos construídos por Jeschek.
1. As funções tradicionalmente atribuídas ao conceito dogmático de ação.
Assim para a ação ser aceite enquanto categoria dogmática tem de concretizar:
Função classificativa: tem de ser vasta o suficiente para abranger todas as modalidades
de crime (omissivo, ação dolosa, negligência). Aqui enquadra-se a crítica à ação causal
positivista e à ação final dos normativistas que falham em abranger o crime de omissão e
de negligência.
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Função de definição: a ação tem ainda de corresponder a um substrato material


determinado que marcasse o âmbito de intervenção do direito penal.
Função de ligação: teria de constar de um substrato amplo, que abranja todas as
modalidades do crime, que seja determinado e que permita ligar todas as predicações
posteriores do sistema.
Função de limitação: deve permitir excluir, logo numa primeira aproximação, todas
aquelas situações que jamais se poderiam integrar no conceito de crime entendido.
NOTA: O Ponto 2 do cap. II já se encontra desenvolvido ao longo do ponto 1.

3. A restrição da ação à chamada função de "delimitação": o conceito "negativo"


de ação e a teoria da "ação típica".
Neste plano, no entendimento de ação defendido (ação pessoal), o julgador pode logo
excluir tudo o que não é ação humana, tais como os fenómenos naturais e a conduta de
animais. Também se excluem comportamentos de pessoas praticados em estado de
inconsciência, vis absoluta, isto é, sob coação física, ou reflexos, pois não constituem
exteriorizações de uma intencionalidade de sentido. Restringe-se o crime à conduta
humana e voluntária.
Almeida Costa discorda desta abordagem: trata-se de uma abordagem externo-
objetiva e que contém resquícios de uma conceção positivista e pretende construir o
sistema através da mera adição de várias categorias pressupostas. A crítica de Almeida
Costa pode ser distribuída por três níveis: em primeiro lugar temos que estas funções
são comuns a todas as categorias do sistema e não apenas à ação. Em segundo lugar, os
elementos do crime são quadros concetuais com os quais não nos deparamos na vida
prática, o sistema é meramente uma metodologia para resolução dos casos concretos. O
sistema serve para decompor toda uma unidade de sentido, pelo que as categorias não
devem ser encaradas na sua natureza meramente descritiva. E por isto, ao colocarmos na
base do sistema o conceito de ação, estamos a vincular a ideia de crime a uma ideia de
violação de uma norma de determinação, ou seja, estaríamos a vincular o direito penal a
um direito penal do facto, onde o núcleo do crime estaria sempre no desvalor da ação.
Para além disto, a aceitação da construção de Jescheck tornaria quase impossível a
concretização de um conceito de ação que satisfizesse todas as categorias
simultaneamente.
4. O conceito de ação e o problema da responsabilidade penal das pessoas coletivas.
Também se discute, neste plano, a responsabilidade das pessoas coletivas. No plano
dogmático esta questão coloca-se, desde logo, ao nível da ação, sendo que a pessoa
coletiva é, em bom rigor, incapaz de ação. Argumentava-se na base dos fins das penas
que não fazia sentido a aplicação de penas às pessoas coletivas e isso conduzia à
incapacidade da ação. Como as normas penais são de determinação, impõem deveres e o
cumprimento desse dever só se justifica quando o destinatário é uma pessoa humana,
dotada de liberdade.
A dificuldade de prova é um problema, a pulverização de responsabilidade leva a que
muitos crimes fiquem impunes, e a ele se acrescenta que a prova em processo penal está
subordinada ao princípio do in dúbio pro reo. Deste modo, será a pessoa coletiva, no
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âmbito de cuja atividade social o crime é praticado, que vai ser responsabilizada, sempre
que seja impossível identificar um centro individual de responsabilidade.
A regra da restrição da responsabilidade às pessoas coletivas levava a vazios de punição,
por força da dificuldade de determinar o responsável, agravada pelo princípio in dúbio
pro reo. No entanto, devido à danosidade socioeconómica, impunha-se a
responsabilidade politico-criminal. Pela dificuldade de se encontrar a responsáveis
individuais procurou colmatar-se este problema.
Devido à influência do Direito anglo-americano, com o seu pragmatismo e utilitarismo,
acentuou a necessidade da responsabilidade dos entes coletivos. Todavia, surge uma
natureza de razão económica, há danos que nenhum património individual pode suportar,
são sanções pecuniárias que têm tantos 0’s. Quando se falam em soma de pagamentos de
multas é o pagamento da sanção do Estado e começa aí um aspeto negativo: olhar para
isso como fonte de recursos económicos do Estado. A função do DP não é a de criar
receitas, a multa aplica-se como poderia aplicar-se outra sanção qualquer, não se aplica a
com o sentido de arranjar fontes de rendimento para o Estado, não é esse o objetivo, o
objetivo da sanção é prosseguir os fins de prevenção e retribuição de que falamos no fim
das penas. Aqui começa o aspeto das coisas que leva a criticar a responsabilidade das
pessoas coletivas, é um absurdo, porque gera responsabilidade objetiva, porque se
estamos a punir o ente coletivo pelo crime praticado por um dos seus agentes na sua
atividade, o ente coletivo vai arcar com a responsabilidade praticada por um seu agente
no desenvolvimento da atividade. Assim, ao responsabilizar o ente coletivo estou a fazê-
lo em termos de omissão, porque o ente coletivo não contempla nos seus estatutos
mecanismos de controlo que impeçam os seus agentes a praticar crimes, estou a
responsabilizar na base de um crime da omissão. A responsabilidade das pessoas coletivas
admite a responsabilidade objetiva, independente de culpa e por isso afigura-se uma
solução inadmissível.
Havia outros caminhos possíveis, como criar centros de responsabilidade individual, não
da pessoa coletiva, ou seja, cada estrato da empresa teria o dever de fiscalizar os
comportamentos dos inferiores hierárquicos, ou seja, é possível criar na estrutura da
empresa, através do mecanismo da omissão, mas não relativamente a um ente abstrato da
empresa, mas daqueles que estão diretamente a dirigir e a controlar os inferiores
hierárquicos.
Outro absurdo é o tratamento da multa como uma divida, art. 11º, nº9 CP e na lei 28/84,
no art. 3º, nº3. Está a dizer-se que se a pessoa coletiva for condenada ao pagamento de
uma multa respondem solidariamente tanto a pessoa coletiva como os administradores,
como se fosse uma dívida civil com o objetivo de ressarcir danos.
Em domínios económicos não pode haver vazio de punição, é verdade que há dificuldades
de prova da responsabilidade, sobretudo, com o princípio do in dúbio pro reo, mas o
caminho a seguir deveria ter sido outro. Por outro lado, para além de envolver casos de
responsabilidade objetiva, vai se fazer pagar pessoas sob factos que não tiveram nada a
ver, que não praticaram os crimes em causa, nem se envolveram nas atividades em
apreciação, e confunde-se as funções das sanções penais, as multas passam a ser vistas
como receitas do Estado.
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Esta conceção implantou-se, porque é a solução mais fácil e porque vivemos numa época
em que “tudo o que é americano é bom”. Em bom rigor, a pessoa coletiva não tem
capacidade da ação, não é um centro autónomo de imputação, por isso se restringia a
responsabilidade penal às pessoas singulares. Os comportamentos que podiam ser crimes
seriam os das pessoas singulares.
No entanto, atualmente, o que se impõe é a lei, que veio a admitir a responsabilidade das
pessoas coletivas, em aceções diferentes consoante seja o DP clássico ou secundário. A
regra é:
1. No DP clássico, quando o legislador nada disser, apenas as pessoas singulares são
responsabilizadas (11º, nº1 CP);
2. No direito penal secundário, como resulta dos art. 2º e 3º da lei 28/84, a regra é ao
contrário, sempre que o legislador nada disser, tanto são responsáveis a pessoas singulares
como as coletivas, só se exclui quando o legislador expressamente o declarar. Assim, no
nosso sistema, a responsabilidade das pessoas coletivas é admitida, muito embora seja
bastante mais restrita no direito penal clássico – campo em que ainda constitui uma
exceção. Já no DP secundário tal solução é muito mais alargada.
Tudo o suprarreferido, segundo Almeida Costa, trata-se de uma solução má, da
importação utilitarista e pragmática do Direito anglo-americano, cujos resultados podiam
ser adquiridos por outra via sem se ultrapassar o princípio fundamental de direito penal
societas delinquere non potest. Deste modo, os autores que defendem esta
responsabilidade fazem uma analogia, como se a conduta do ente coletivo fosse levada a
cabo por um agente, um concreto individuo, e através deste raciocínio analógico ajustam
a responsabilidade das pessoas coletivas à construção do delito. “Do ponto de vista
dogmático, admite-se uma responsabilidade dos entes coletivos no direito penal ao lado
da eventual responsabilidade das pessoas individuais que agem como seus órgãos ou
representantes.”
Cap. II – O “tipo de ilícito”
1. A evolução da teoria do tipo. As relações entre as categorias do tipo e do ilícito. O
primado do momento da ilicitude e a conceção do tipo-de-ilícito. O afastamento da
teoria dos "elementos negativos do tipo" e a autonomização entre tipos
incriminadores e tipos justificadores.
O tipo é a forma cujo conteúdo é o ilícito.
O tipo acaba por ser a parte da descrição legal, que exprime o conteúdo de
antinormatividade, um conteúdo de valor independente do concreto agente.
No plano da ilicitude demarcam-se quais as condutas relevantes, aquelas que, na sua
objetividade, contrariam uma norma de determinação. Não se consideram as
características do concreto agente. Interferem as condições de dignidade penal e
necessidade de pena. Tem de ser uma grave violação de um bem jurídico e o Direito Penal
só pode intervir quando os outros ramos do Direito não são suficientes. O juízo de
ilicitude tem de ser concretizado na lei. O tipo corresponde a este juízo de ilicitude, à
descrição gramatical da conduta.
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O ilícito-típico é compreendido nos termos do ilícito pessoal. O núcleo do ilícito esta no


desvalor da ação. O desvalor do resultado só releva quando é a concretização do desvalor
da ação.
Tipo de garantia
Quando falamos de tipo, falamos de tipo de ilícito, mas o tipo não é identificado com o
tipo legal, trata-se de um tipo de garantia. Ao nível da lei, o legislador invoca elementos
que contendem teor objetivo e elementos com teor subjetivo, apenas na parte em que
respeita ao seu valor objetivo. A ilicitude por força das especiais exigências apenas cabe
no direito penal mediante a correspondência a um determinado crime.
No conceito de tipo importa distinguir este tipo de garantia, que diz que todos os
pressupostos de que depende a punição têm de estar plasmados na lei (princípio da
legalidade). Demarca o desvalor objetivo da conduta. A tipicidade como concretização
da ilicitude. A demarcação do caráter ilícito de uma conduta depende de uma ponderação
cumulativa de tipos e subtipos.
Para simplificar, a doutrina quando trata do ilícito típico distingue entre tipo objetivo e
tipo subjetivo. Como o tipo é uno, se falta um dos elementos objetivos ou subjetivos não
cabe nesse tipo, não cumpre tipicidade.
Tipo incriminador e justificador
O tipo incriminador e o tipo justificador, por sua vez, integram o momento da
tipicidade, concorrendo de forma diversa para a definição da ilicitude. O tipo
incriminador define o conteúdo de ilícito que é característico de uma conduta de forma
concreta, pelo que intervém pela positiva. O tipo justificador intervém pela negativa em
todos os delitos. Para ser ilícita, uma conduta tem de preencher os requisitos dos tipos
incriminadores, mas não pode preencher os requisitos dos tipos justificadores. Deste
modo, o ilícito resulta de uma complementaridade entre o tipo incriminador e o tipo
justificador.
2. A conceção do ilícito pessoal. Tipo objetivo e tipo subjetivo.
Os tipos incriminadores são preceitos que definem em concreto e pela positiva os
conteúdos de um delito. Concretizam o conteúdo de ilicitude. Dependem da ponderação
cumulativa de elementos objetivos e subjetivos: o tipo objetivo e o tipo subjetivo. O
próprio sentido objetivo do ato depende da subjetividade (intenção) do mesmo.
3. Os tipos incriminadores
3.1 Tipo objetivo
Servem para facilitar a exposição e análise dos elementos do tipo, que parte de uma
unidade objetivo-subjetiva a falta de qualquer dos elementos implica a consequência
supramencionada – a conclusão de que o ilícito não é típico.
Assim, o tipo objetivo consiste na caracterização exterior da conduta. O tipo é um
expediente técnico que serve para se fazer face às exigências de certeza e segurança na
expressão de um juízo material de ilicitude. O que se pretende é descrever em lei as
condutas que integram uma figura de delito.
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Nesta descrição do tipo objetivo, o legislador joga com três elementos essenciais, os
chamados elementos estruturantes do tipo objetivo:
i. Agente – os crimes podem ser praticados por qualquer pessoa (crimes comuns).
No entanto, existem casos especiais onde certas características pessoais do agente
podem dar uma particular relevância ao facto (crimes especiais ou específicos),
em que o legislador exige determinadas características e que podem assumir duas
naturezas:

a. Crime específico puro ou próprio – a qualidade pessoal exigida ao agente


tem de ser verificada, estas qualidades são o fundamento da
incriminação, são aqueles crimes sem equivalência nos crimes comuns
pois não é qualquer agente que tem as qualidades exigidas (ex. corrupção
para funcionários públicos, agentes desportivos e titulares de cargos
políticos, o agente terá forçosamente de pertencer a uma destas três
categorias);

b. Crime específico impuro ou impróprio – a qualidade do agente não é


fundamento do crime, mas sim elemento de agravação, há sempre
correspondência num crime comum, as qualidades do agente são
simplesmente circunstâncias modificativas (atenuantes ou agravantes)
(Ex. crime de peculato – crime de furto quando praticado por um
funcionário público relativamente a bens que estão à sua guarda, o crime
de furto já existiria, mas a condição de funcionário público vai agravar a
situação).

ii. Conduta – em primeiro lugar temos a distinção entre crimes de omissão,


enquanto conduta negativa e crimes de ação, enquanto conduta positiva.
Atualmente a principal questão é a distinção entre:

a. Crimes de execução livre ou não vinculada – o legislador não vincula a


prática de um crime a um determinado “modus operandi”. Basta-se que a
conduta produza dano. Toda e qualquer lesão do bem jurídico que se venha
a verificar, estará compreendida no tipo porque o que está em causa é a
produção do bem jurídico (constituem a maioria).

b. Crimes de execução vinculada – o legislador vincula a prática de um crime


a um determinado “modus operandi”. Neste tipo de crimes, há formas de
execução mais gravosas, ou que levantam problemas mais específicos e
que, por isso, exigem um tratamento dogmático diferenciado. O
preenchimento está vinculado a uma determinada conduta. (Ex. Burla – a
burla comporta uma situação de auto-lesão, temos alguém induz uma
pessoa em erro e será essa segunda pessoa, a vítima que irá causar os
danos, neste caso, a autoinfligi-los, para que seja uma burla não basta uma
lesão patrimonial de outrem, tem de ocorrer dentro destes moldes). Dentro
deste tipo de crimes podemos ainda ter:
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 Crimes de resultado ou materiais – para que haja um crime


consumado não basta uma conduta proibida, é necessário um
resultado.
 Crimes de mera atividade ou formais – a consumação do crime
esgota-se na mera conduta proibida.

iii. Bem jurídico – o bem jurídico sintetiza, no essencial, o próprio sentido da


ilicitude. É o objeto de proteção da norma. Pode tratar-se quer de uma realidade
concreta, quer num simples ideal. E neste contexto pode distinguir-se em:

a. Crimes de dano – para a sua consumação é necessária a efetiva lesão do


bem jurídico. Só aquando a verificação da lesão do bem jurídico se
consuma o crime (constitui a grande maioria).

b. Crimes de perigo – o legislador não exige para a consumação do crime a


lesão de um bem jurídico, basta pô-lo em perigo. Não é necessário que se
verifique um dano. Há uma antecipação da tutela penal.

 Crimes de perigo abstrato – perigo presumido. O agente é sempre


punido por essa conduta independentemente de se ter verificado a
situação de perigo em concreto. Não admite prova em contrário. O
conteúdo do crime esgota-se na sua conduta, e na conduta pensada
em abstrato.
 Crimes de aptidão – exigem prova em concreto da idoneidade da
conduta para produzir perigo abstrato.
 Crimes de perigo concreto – exige-se a prova efetiva do perigo,
admite prova em contrário.

iv. Nexo de imputação (objetiva) – trata-se de um nexo de sentido e não de um puro


nexo causal que releva

a. Teoria da Equivalência das Condições (teoria da condição sine qua non)


Influência positivista. Não existia nunca uma única causa, a causa seria
sempre o conjunto de todas as condições sem as quais o resultado não se
verificaria. Todas elas são igualmente importantes, são parificadas, não há
uma primazia deste ou daquele fator, as condições são equivalentes na
concorrência para um mesmo resultado, na medida em que, sem uma delas,
não haveria resultado.
Esta teoria leva, contudo, a resultados insuportáveis. Tinha como base a
causalidade e o determinismo. A causalidade era apenas um momento. Só
quando o resultado era previsível é que era punido, porque só nesse caso é que
é censurável, estabelecendo-se assim um limite. Estas perspetivas causalistas
extremas eram depois corrigidas em momentos posteriores,
fundamentalmente ao nível da culpa, para obviar a tais resultados absurdos.
Foi criticada pelo facto de o Direito Penal valorar e atribuir responsabilidade,
pelo que não se interessa nos processos de causalidade e previsibilidade das
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ciências naturais. Esta teoria deixa de fora o elemento essencial: o conteúdo


de ilícito que se funda na contrariedade à norma.
No entanto, as pessoas só podem ser responsabilizadas em função do que é
previsível, tendo assim de se abster de condutas que previsivelmente levem a
resultados idóneos a produzir danos. Por outro lado, a colocação do bem
jurídico em perigo ou dano é imprevisível e mesmo que haja nexo causal a
pessoa não pode ser responsabilizada. É esta a crítica essencial a esta teoria, é
esta a ideia subjacente à segunda doutrina que surgiu.
b. Teoria da Adequação (ou da causalidade adequada)
Só se imputava à conduta do agente o resultado quando, de acordo com as
normas da experiência e atendendo aos conhecimentos gerais e específicos do
agente, este se mostrar como uma conduta normal e previsível, ou pelo menos
não impossível.
Devia ser feito um juízo de prognose póstuma, avaliando a experiência do
agente, pelo que o resultado só é imputado quando é previsível segundo os
conhecimentos do agente. O juiz colocava-se no momento e nas condições do
agente aquando da ação de acordo com três critérios – as regras da experiência,
os conhecimentos gerais sobre aquele facto e os conhecimentos individuais do
agente sobre aquele facto. Será em função do conceito do homem médio que
o juiz fará esta prognose.
A teoria da adequação prescinde a verificação do nexo causal naturalístico, ela
surge enquanto corretora da teoria anterior. Temos um primeiro momento de
determinação do nexo causal da mesmo forma que a teoria anterior fazia e um
segundo momento em que se realiza essa prognose e tem em vista a correção
dessa teoria.
c. Teoria da Conexão do Risco
É a teoria que a doutrina moderna veio introduzir e que conta com o apoio
maioritário da doutrina. O resultado só deve ser imputável à ação quando esta
tenha criado um risco proibido para o bem jurídico protegido pelo tipo de
ilícito e esse risco se tenha materializado no resultado típico.
A imputação de um resultado à conduta assenta em três momentos sucessivos.
Para verificar se o resultado é imputável à conduta é necessário passar pelos
três níveis e percorrer os corretores do risco.
Primeiro momento: determinação do nexo causal naturalístico entre a conduta
e o resultado, segundo a Teoria da Equivalência das Condições. Para que o
resultado possa ser imputado à conduta, no plano da realidade aquele facto
tem de ser uma consequência efetiva da conduta. Imputa-se sempre que sem
aquela conduta o resultado não se verificaria. Mais tarde, depois de Jescheck,
passou-se a observar o critério da condição conforme às leis naturais. Neste
primeiro plano, adotou-se o critério da teoria das condições conforme às leis
naturais, temos de nos ater a critérios científicos naturais. A conduta foi causa
do resultado, ou seja, imputa-se, sempre que, de acordo com as regras naturais
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e o da experiência, aquele resultado seja uma consequência daquela conduta,


poderá ser necessário a intervenção de técnicos especializados. Contudo, o
nexo causal é insuficiente.
Segundo momento: determinação do nexo da adequação, em que só se
imputa o resultado quando, de acordo com as regras da experiência comum e
atendendo aos conhecimentos gerais e específicos do agente, este é uma
consequência previsível ou pelo menos não impossível da conduta. Deriva da
Teoria da Adequação.
Terceiro momento: introdução dos critérios corretores da Conexão do
Risco, limitando a atuação da Teoria da Adequação.

CRITÉRIOS CORRETORES DA CONEXÃO DE RISCO


1 – Corretor do risco permitido – há setores que em si mesmos comportam riscos de
lesão de bens jurídicos, pelo que a ordem jurídica lhes estabelece limites de tolerância
dos riscos e normas de cuidado cujos resultados, quando respeitadas, mesmo que a lesão
se verifique, não são imputáveis. Neste sentido, o resultado apenas se imputa quando o
agente desrespeitar as normas de cuidado que delimitam o risco permitido.
(Ex: A vai conduzir o seu automóvel no respeito intransigente pelo Código da Estrada,
mas aparece uma mancha de óleo na estrada e há um despiste e atropela alguém, embora
seja previsível, porque estamos dentro do domínio do risco, ele atuou dentro do risco
permitido, por isso, atuou licitamente e não se imputa o resultado, só se imputa quando
o agente ultrapassou os limites do risco proibido, só quando viola as normas de
cuidado.)
2 – Corretor da diminuição do risco – não se imputam resultados produzidos pelo
agente quando estes se verificaram para evitar um dano mais grave.
(Ex: 2 amigos que vão fazer montanhismo e o que vai atrás vê que vai cair uma pedra
em cima da cabeça do amigo e, de alguma forma, desvia-a e só lhe parte a clavícula.
Nestas situações, produz-se um dano, para evitar um mais grave, diminuiu o risco, por
isso, não se deve de imputar o resultado, pois foi um meio para evitar um dano mais
grave.)
3 – Corretor do comportamento lícito alternativo – o resultado não se imputa quando,
mesmo que o agente tivesse agido licitamente, o dano continuaria a verificar-se. O agente
é punível a título de tentativa pelo desvalor da ação e não pelo desvalor do resultado. Só
se aplica a casos negligentes.
(Ex: segundo o Código da Estrada os automóveis têm de guardar 1 metro dos ciclistas,
mas o agente não o fez e atropelou um ciclista, só que se prova que o ciclista ia
embriagado e mesmo que o condutor tivesse respeitado a distância teria atropelado, ou
seja, mesmo que tivesse atuado licitamente, produziria o mesmo resultado. Nos casos de
dolo, o agente é punido por tentativa, nos casos de negligência ficará impune.)
4 – Corretor do âmbito da proteção da norma – o resultado não se imputa quando se
encontra fora do âmbito de proteção da norma em causa.
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(Ex: norma estabelece a velocidade máxima 40km/h, mas o agente ia a 70 km/h, furou
um pneu e este bateu contra uma pessoa, neste caso o âmbito de proteção da norma não
se aplica ao facto de ter furado um pneu, será apenas punido pelo excesso de velocidade,
mas o resultado do pneu no peão não lhe será imputado.)
Considerações de Almeida Costa a estas doutrinas:
Tece sérias discordâncias quanto a estas doutrinas, porque estas não respeitam a
distinção entre o ilícito doloso (o agente conhece e quer realizar a conduta ilícita, há
intenção e justifica-se que se impute o resultado à luz destas conceções) e o ilícito
negligente (falta o elemento volitivo, não há a vontade dirigida à pratica do facto, há
uma assimetria entre a representação mental do agente e aquilo que ele efetivamente
realiza, não há uma correspondência entre o projeto mental do agente e a sua conduta
exterior, o que condiciona o grau de previsibilidade, por isso, será imputável o
resultado?). No quadro de uma doutrina do ilícito pessoal, os diferentes fundamentos do
ilícito doloso e negligente, tem de se fundar em critérios diferentes, mas nada disso é
considerado nem pela teoria da adequação nem pela teoria da conexão do risco, o tipo
objetivo dos crimes dolosos e negligente é idêntico e não pode ser, porque os critérios
são diferentes.
À luz dos critérios que estes autores defendem na teoria da adequação, desde que o
resultado não seja impossível imputa-se o culpado. Assiste aqui a razão, portanto, quando
a teoria da conexão do risco afirma que o comportamento lícito alternativo apenas
funciona na negligência. Isto para dizer que os critérios são diversos e que a teoria da
conexão do risco não exprime a diferença entre o ilícito doloso e o negligente, os critérios
têm de ser outros.
Crê que o critério da imputação objetiva dos crimes dolosos é o domínio do facto, que
representa a síntese do tipo objetivo e subjetivo dos crimes dolosos (que se dá quando a
agente representa e quer praticar o crime). Portanto só se pode falar do dolo e imputar o
resultado deste, quando o resultado depende da vontade do agente e este tem o controlo
do ato, não basta a mera previsibilidade, tendo de se estabelecer a diferença entre o nexo
desta e o nexo de dominibilidade.
Por seu turno, o critério de imputação na negligência tem a ver com a violação do dever
objetivo de cuidado, tem de se provar que houve leviandade e/ou descuido para ser
imputável. Mas este critério é muito menos exigente, pois as pessoas não conseguem
prever todas as consequências dos seus atos, pois isso poderia paralisar a vida social. Há
muitas condutas em que nos casos de dolo se imputa o resultado e na negligência não se
imputa, porque não é exigível que se possa prever tudo. O âmbito do tipo objetivo dos
delitos negligente é menor, não cabem nele muitas condutas que já cabem no doloso.
Para expressar a diferença temos de eleger o critério que exprime o núcleo essencial de
ilícito doloso, ou seja, na imputação objetiva apenas podemos ter um critério que exprima
o núcleo essencial no crime doloso, a tal convergência entre tipo objetivo e subjetivo, só
cabendo no crime objetivo o que é controlável pela vontade, o que se domina na
realização no plano exterior da sua vontade. Isto é o domínio do facto, que traduz o
especial desvalor da ação, sendo este o critério que devemos utilizar. É aqui que se deve
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começar, para demarcar, é este o primeiro critério – critério de imputação dos crimes
dolosos.
E quanto aos outros critérios? Os critérios de conexão risco contendem com a delimitação
do tipo, não são critérios de imputação do resultado. No exemplo da diminuição do risco,
o que está em causa é a exclusão da imputação? Não, porque para se falar em diminuição
do risco, é preciso que a situação tenha sido provocada por outra pessoa. E precisamente
por ter sido a outra pessoa a provocar é que é um comportamento louvável, porque
diminuiu o risco do amigo. O que está em causa não é imputar o resultado, mas que o
resultado é a consequência da conduta e que não é censurável porque se traduz na
diminuição do risco.
A teoria da conexão do risco confunde critério de imputação com conteúdo de
imputação, aqueles conetores da conexão do risco são causas de exclusão da tipicidade
do facto, não de exclusão da imputação. Ou seja, há uma confusão entre o nexo de
causalidade entre conduta e resultado e o que é a delimitação da conduta censurável.
Imputa-se a conduta, mas diz-se que não é censurável, pois não cabe no tipo
incriminador.
O critério genuíno da imputação objetiva dolosa é o domínio do facto, que tem contornos
muito específicos e tem esse juízo de prognose póstuma, mas não estamos a perguntar
pela previsibilidade do resultado, mas pela dominibilidade do resultado, por aquelas
condutas que, de uma perspetiva ex ante, dão ao agente o domínio, o controlo sobre a
verificação ou não do resultado. Esta é a única conceção que se harmoniza com o ilícito
pessoal. Assim, o primeiro momento da imputação objetiva é o momento da determinação
do desvalor da ação, é o domínio do facto, que tem exigências para se imputar o resultado
das condutas: que o resultado seja a concretização do perigo típico causado pela conduta,
que seja a sua causa efetiva, e que haja um nexo de causalidade.
Sendo esta a única conceção compatível com o ilícito pessoal, sabemos que o núcleo do
ilícito está no desvalor da ação, que nos é dado pelo nexo de dominibilidade, de
controlabilidade, que é o nexo que nos permite dizer que este facto foi produzido pela
vontade do agente. Este desvalor da ação não é suficiente, tem de concretizar aquele
mesmo perigo, e com isto afastamos todas aquelas situações em que o resultado se veio a
verificar, mas sem o perigo inerente àquela mesma conduta, e para isso é necessário o
nexo causal de acordo com a teoria das condições equivalentes. Só esta conceção nos
permite ultrapassar o equívoco em que assenta a teoria da conexão do risco na parte em
que estabelece um mesmo critério de imputação objetiva para domínios onde não pode
valer um mesmo critério objetivo – negligência e dolo. Nos delitos dolosos deve vigorar
o domínio do facto, nos negligentes a violação do dever objetivo de cuidado. Isto não é
uma formulação teórica porque se repercute em concreto. Há muitas situações em que se
imputa muitos resultados, que não se imputam na negligência.
d. Situações especiais da imputação objetiva

 Interrupção do nexo causal (causalidade ultrapassada) – verifica-


se quando dois processos autónomos são colocados em marcha de
forma independente, mas um antecipa-se ao outro. Os agentes são
punidos por tentativa e por consumação, respetivamente.
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 Causalidade cumulativa – ocorre quando se verificam dois fatores


para a produção de um resultado, sendo que nenhum deles
isoladamente é suficiente, mas conjugados originam o dano.
Podem ambos ser punidos por tentativa (no caso de se
desconhecerem), por tentativa e consumação (quando um agente
desconhece o outro, mas o outro conhece-o) ou ambos por
consumação (quando há coautoria).

 Causalidade alternativa – verifica-se quando dois agentes


independentes um do outro procuram originar um resultado
idóneo, mas não se consegue provar qual das condutas foi a causa
efetiva. Segundo o princípio “in dubio pro reu”, o resultado não se
imputa, mas podem ser ambos punidos por tentativa.
3.2 Tipo subjetivo
O tipo subjetivo dos crimes dolosos contempla um elemento subjetivo comum por
definição – o dolo. No plano do ilícito-típico, o dolo é a vontade e o conhecimento de um
indivíduo da realização de uma conduta. Esta definição abarca dois elementos: o elemento
intelectual e o elemento volitivo. Para o dolo ser punido, tem de integrar estes dois
elementos. Se um deles não se verificar, a conduta não é dolosa.
ELEMENTO INTELECTUAL
O elemento intelectual refere-se ao conhecimento do agente da pura e simples realidade
fática. Este elemento do dolo é preenchido quando o agente detém o conhecimento da
realidade à esfera do leigo.
Quando falta este elemento, não há dolo, ocorre um erro intelectual ou de conhecimento,
que se traduz no desconhecimento da realidade fáctica em que o agente atua. Este erro é
diferente do erro moral ou de valoração, onde há um desfasamento entre a consciência
axiológica individual e o conteúdo do dever penal, não representa o caráter ilícito da
conduta, a conduta é proibida e o agente julga que é permitida.
O erro sobre as circunstâncias de facto ou erro sobre a factualidade é um erro intelectual
que traduz um defeito do conhecimento acerca dos elementos da hipótese constante do
tipo, faltando, desta forma, o elemento intelectual, não há dolo, o agente será punido pela
negligência. Matéria regulada no artº. 16 do código penal.

Artigo 16º – erro sobre as circunstâncias de facto


1. O erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime, ou sobre
as proibições cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para que o
agente possa tomar consciência da ilicitude do facto, exclui o dolo.
2. O preceituado no número anterior abrange o erro sobre um estado de coisa
que, a existir, excluiria a ilicitude do facto ou a culpa do agente.
3. Fica ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais.
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Para o efeito do erro sobre as circunstâncias de facto, só nos interesse a primeira parte da
previsão: erro sobre as circunstancias de facto ou de direito, este número deverá ser
conjugado com o nº3 que ressalva a punibilidade da negligencia em termos gerais.
(Ex: tanto sobre a factualidade típica a mulher que, usando um medicamento que atua
como abortivo, não sabe que está grávida, como outra que conhece a sua gravidez, mas
considera o medicamento inócuo. Daí que a expressão exclui dolo não significa que um
dolo já existente foi eliminado, mas sim que o dolo do tipo não chega a constituir-se
quando faltam os seus pressupostos. A doutrina exposta vale não só para as circunstâncias
que fundamentam o ilícito, mas também para todas aquelas que o agravam e para a
aceitação errónea de circunstâncias que o atenuam.)
Não sendo o agente punido pelo dolo, a possibilidade aberta pelo nº3 (negligencia)
comporta dois requisitos. Toda a gente que, pelo simples facto de vivermos em
sociedade, devemos manter um grau de atenção ou de tensão psicológica para
anteciparmos as consequências dos nossos atos e evitar a prática de atos que possam vir
a lesar bens jurídicos – requisito material dever objetivo de cuidado. A negligência,
pelo facto de ser um ilícito menos grave, a sua punição depende também de um
requisito formal, que é o de estar prevista na lei e está, nomeadamente, no art. 13º CP.
Deste modo, a negligência só é punida quando o legislador expressamente o declarar, a
regra é que só os crimes dolosos são punidos, pois há uma diferença de culpa, a
negligência é excecional.

Artigo 13º - dolo e negligência


Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei,
com negligência.

Dois requisitos cumulativos:


1. Requisito formal - crime que admita a punição de negligência (art. 13º), só é punido
nos casos expressamente previstos pela lei e quando se trate de um crime para o qual
esteja prevista a punição a esse título.
2. Requisito material - que o erro seja censurável a título de negligência, que se fique a
dever à violação do dever objetivo de cuidado por parte do agente, fundamentador de
negligência.
No nº1 do art. 16º temos prevista a intenção de praticar um ato lícito, só que, porque o
agente desconhece o circunstancialismo fáctico, este vem a produzir uma lesão ou
colocação em perigo de um bem jurídico essencial.
Existem, contudo, casos especiais do erro sobre a factualidade típica, onde o erro
intelectual pode assumir características especiais:
1 – Erro sobre a pessoa ou objeto (erros in persona vel objeto) – ocorre quando
o agente projeta um crime, mas pratica outro. Para solucionar este erro, é
necessário verificar se há uma identidade típica entre os crimes, ou seja, verificar
se o crime projetado e o crime consumado se inserem no mesmo tipo. Se tal se
verificar, o resultado é imputado ao agente a título de dolo. Se não se verificar, o
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agente é punido por um concurso de crimes, sendo que o crime projetado é punível
a título de tentativa e o crime consumado a título de negligência. Também este
engano poderá ter consequências sobre a punibilidade, sendo que o valor do objeto
influencia essa mesma punibilidade.
(Ex: A queria roubar uma caixa de latão, mas roubou uma de outro material, B
queria matar um desconhecido, mas matou o pai, por isso, em vez de ser um crime
simples é um crime qualificado.)
Existem várias soluções para este erro, a maioritária começa por perguntar se há
ou não tipicidade entre o crime projetado e o consumado, se cabem no mesmo tipo
de ilícito. Se há esta identidade típica, o agente será punido nos quadros da unidade
criminosa, ou seja, apesar de se enganar, ele sabe que está a matar, logo está a
preencher o tipo legal do homicídio, por isso, vai lhe ser imputado o resultado a
título de dolo. Diferente sucede quando não há identidade típica entre o crime
projetado e o consumado onde o agente é punido por um concurso de dois crimes,
pelo crime projetado a título de tentativa e pelo consumado a título de negligência.
Isto pode levar a soluções absurdas, como levar a que nem um crime nem outro
seja punido, conduzindo a vazios de punição, ou então, o agente pode ser punido
por um crime menos grave do que aquele que projetou.
2 – Erro de execução – ocorre quando a execução do crime é defeituosa, pelo que
o agente produz um dano diferente do projetado. Neste caso, o agente é punido
pelo concurso de crimes referido, independentemente de existir identidade típica
ou não.
(Ex: A quer matar o B, dispara sobre ele só que mata o C. O agente tem uma
intenção criminosa, mas vem a consumar um crime diferente, mas isto não é
resultado de um indevido conhecimento da realidade, mas da deficiente
execução.)
Nestas situações, o agente será sempre punido pelo concurso de crimes e
independentemente de haver identidade típica ou não, de o agente com o crime
consumar o mesmo tipo, por isso, pelo crime projetado será punido a título de
tentativa, pelo consumado a título de negligência. O agente sabe que está a matar
uma pessoa, só por um erro de execução vem a matar o alvo errado, por isso, não
se justifica consoante haja identidade típica ou não, por isso, a doutrina maioritária
diz que o erro na execução é punido sempre nos quadros do concurso, pelo crime
projetado a título de tentativa, pelo consumado a título de negligência – “teoria da
concretização.”
3 – Erro de processo causal – ocorre quando o agente produz o resultado
desejado no objeto desejado, mas de uma maneira totalmente diferente da que
tinha projetado. Verifica-se que o resultado causal é o mesmo, mas foi obtido
através de uma divergência do crime projetado em relação ao consumado. Neste
caso, existem duas soluções. Se o resultado era previsível independentemente do
erro, este é desvalorizado, pelo que o resultado é imputado ao agente, sendo
punido por consumação. Por outro lado, se o resultado não era previsível
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independentemente da forma de conduta, o agente é punido por tentativa, não lhe


sendo imputado o resultado.
(Ex: A quer matar o B por afogamento, atirando-o da ponte de D. Luís, só que ele
acaba por morrer, mas não de afogamento, antes por o embate num dos pilares,
por isso, quando chega à água já está morto. O objeto e o resultado são o mesmo,
mas produzido por um processo causal diferente do projetado.)
De acordo com a solução de consumação, o agente será punido pelo crime
consumado a título de dolo sempre que o concreto modo pelo qual o resultado foi
conseguido seja ainda uma concretização do perigo típico da conduta. O Homem
tem um controlo nos processos causais, mas é limitado, não os controla
totalmente, há certas condutas que podem ter várias consequências e todas elas
são típicas e idóneas, todas são consequências previsíveis, nos termos da teoria da
adequação. Sempre que o modo pelo resultado foi conseguido, ainda que por um
processo causal distinto do projetado, o erro não releva, o agente vai ser punido
pelo crime consumado a título de dolo. Apenas quando o resultado se produziu
através de um processo causal que era imprevisível, só nesse caso não se imputa
o resultado e será apenas punido por tentativa.
Tal como o crime doloso, o tipo é uma unidade subjetivo-objetiva. Verificam-se dois
erros para além dos suprarreferidos:

 Dolus generalis
A doutrina entende-o como um caso paralelo ao do erro do processo causal. Neste
erro, verifica-se que o agente produz o resultado que queria e sobre o objeto que
queria, mas em momento diverso, o que faz com que o processo causal projetado não
coincida com o efetivamente verificado.
Contudo, diferente do erro do processo causal, este tem a ver com o momento da
prática do facto. “O agente erra sobre qual de diversos atos de uma conexão da ação
produzirá o resultado almejado. De casos que cronologicamente ocorrem em 2
tempos: num primeiro momento o agente pensa erroneamente ter produzido, com a
sua ação, o resultado típico; num segundo momento, fruto de uma nova atuação do
agente (quase sempre com fins de encobrimento), o resultado vem efetivamente a
realizar-se.” O agente estabelece um plano, mas vem a consumar o crime num
momento diferente do que projetou.
(Ex: A dá pancada a B e julga que está morto e atira-o a um rio, mas este morre não
em virtude da pancada, mas do afogamento).
Existem várias soluções, mas são duas as principais:
1. Pretende responsabilizar o agente pelo crime doloso consumado, parte da ideia de
que na base da 1ª conduta o ato de encobrimento que produziu o resultado era uma
consequência previsível, por isso, deve se analisar todo o processo globalmente,
ambas as condutas são partes de um processo global, que na sua globalidade são
idóneos. Deste modo, trata as situações de dolus generalis nos termos do dolo
consumado. há variações, há quem diga que se deve punir apenas se o agente já ex
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ante tinha projetado os 2 atos, se não tinha projetado ex ante o ato de encobrimento,
defende a 2ª teoria;
2. Solução concursal – o agente é punido pelo crime projetado a título de tentativa e
pelo crime consumado por negligência. Esta é uma solução que leva vazios de
punição, todavia, parte da teoria continua a defender esta teoria.
Considerações de Almeida Costa:
 o dolo da primeira conduta não pode ser estendido à segunda
conduta, muitas vezes a ação pode ocorrer de maneira não previsível, ou o
ato de encobrimento pode ser feito acontecer por outra pessoa, e assim são
dois processos causais independentes, não pode ser estendido ao segundo
ato o dolo do primeiro. Emenda: na mesma base de equiparação, temos de
distinguir duas situações, se o agente planeou tudo então sim concedemos
como unidade o facto e sempre que o facto for a concretização do projeto
então temos um ato, se não planeou de avanço o ato de encobrimento então
temos dois atos separados (negligencia e crime consumado). A morte pode
ainda acontecer de forma imprevisível. Não se pode estender o dolo ao
segundo facto.
Temos ainda a dificuldade da prova deste projeto – não resulta na pratica.
Figueiredo Dias vai procurar sanar as críticas – imputa-se o resultado
quando ele está de acordo com o projeto e de acordo com o perigo típico –
Almeida costa não concorda.
Aqui existe sempre, no mínimo punição da tentativa e o concurso com o crime
negligente.
 Almeida Costa considera que o grande erro é a analogia que
deviaser comapessoa ou objeto.
Ex: A tem uma primeira conduta onde tenta matar B e assume que foi bem-
sucedido. C pratica uma segunda conduta de encobrimento da conduta de A e
é esta segunda conduta de C que acaba por resultar na morte de B. Daqui,
resulta que a conduta de A é, na realidade uma tentativa e a conduta de C é
verdadeiramente a consumação do crime.
O que é esta situação?
É uma situação de erro sobre pessoa ou objeto e por isso a solução tem de
ser encontrada a dois tempos, um dos crimes só pode ser imputado por
tentativa e a segunda pessoa é imputável numa situação de erro da pessoa ou
objeto – esta é a tese diferente de Almeida Costa que responde à solução a que
chega a doutrina, que é insatisfatória, desde logo, porque desde o principio a
equivalência está mal feita.

 Erro sobre as proibições – artº. 16 nº1 segunda parte


Corresponde a casos de normas com caráter particularmente técnico.
O DP pauta-se pela subsidiariedade, mas mesmo respeitando esse princípio, intervém
em todos os setores de atividade social e alguns são caracterizados pela tecnicidade,
cujo conhecimento escapa ao Homem comum.
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(Ex: toda a gente sabe que matar é proibido, estas normas estão dotadas de uma
grande constância histórica e o Homem toma conhecimento delas através do
processo de integração normal, por norma, são ilícitos que pertencem ao DP
Clássico.)
Mas existem DP especializados, em que muitas proibições e ilícitos são dotados de
uma particular tecnicidade e o seu conhecimento exige que o agente tenha
conhecimentos técnicos que o Homem comum não apreende autonomamente, não
têm ressonância ético-social.
(Ex: norma que exige que se coloque filtros nos automóveis.)
Se ninguém der conhecimento da norma, não se pode exigir a sua observância. São
normas cuja apreensão não resultam dos processos de integração normal, exigem que
o agente seja informado da sua existência. Não é um erro sobre a factualidade típica,
são normas que o agente tem de ser informado, mas tem em comum o facto de ser um
erro intelectual. Não expressa um desrespeito pela norma, quando muito será punido
por negligência, porque não se informou. O direito penal subordina o erro sobre as
proibições ao mesmo regime sobre o erro da factualidade, exclui-se o dolo, apenas
será punido a título de negligência – em conjugação com o artº. 13 do código penal e
da mesma forma acima referida (requisito formal e material).
ELEMENTO VOLITIVO
O elemento volitivo, por sua vez, corresponde à vontade de agir do sujeito, à atitude, ou
desejo, de querer contrariar valores jurídico-criminais. Quando falta o elemento volitivo,
ocorre um erro moral ou de valoração, uma situação de negligência. Neste caso, o agente
não representa o caráter ilícito da conduta, pois age pensando que a sua conduta é
permitida, quando na verdade não o é. É este elemento intencional que distingue o dolo
de negligência.
Distinguem-se três espécies de dolo, enunciadas no artº. 14 do Código Penal:

 Dolo direto ou imediato (artº. 14 nº1)


Quando a realização do crime é o objetivo central da conduta do agente, da sua
vontade. A finalidade primária da conduta do agente é o preenchimento do ilícito, é a
própria prática do crime. “é constituído por aqueles casos em que a realização do tipo
objetivo de ilícito surge como o verdadeiro fim da conduta. Como casos de dolo direto
serão ainda de considerar aqueles em que a realização típica não constitui o fim
último, mas surge como pressuposto ou estádio intermédio necessário do seu
conseguimento (é um meio).
(Ex: A mata o vigilante B como única forma de poder assaltar o banco.”)

 Dolo necessário ou direto de 2º grau (artº. 14 nº2)


O objeto central da sua conduta é um fim lícito, só que da realização da sua conduta
resulta a verificação de um crime, é uma consequência necessária, inevitável, “se bem
que lateral relativamente ao fim da conduta”. Se o agente representa a conduta e sabe
que como consequência natural vai levar de modo necessário a um crime, então ele
também quer um crime, apesar de não ser o objetivo central. Tal conduta será
igualmente censurável: o agente representa o preenchimento do tipo como
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consequência inevitável do seu ato e, ainda assim, na prossecução do seu objetivo


(que é outro) leva por diante a sua conduta, portanto, acaba por se conformar com o
preenchimento do tipo legal. O objetivo é lícito, o preenchimento do tipo surge apenas
como uma consequência necessária. Respeita aos casos em que a prática de um crime
é uma consequência e não um meio.

 Dolo eventual (artº. 14 nº3)


Tem em comum com o dolo necessário, o facto do preenchimento do tipo objetivo
não ser a consequência primeira, mas lateral, mas esta não surge como necessária,
tão-só como possível/remota, assim, há uma menor probabilidade no plano objetivo
de aquela conduta que, em princípio se dirige a um fim lícito, poder conduzir a um
crime. As principais dificuldades levantam-se em distinguir o dolo eventual da
negligência consciente - só é dolo quando o agente se conforma.
(Ex: A quer queimar a casa B, mas sabe que ao fazê-lo irá também queimar o carro
do seu amigo C e que pode com o incêndio matar a empregada da casa que lá vai de
vez em quando - Dolo direto em relação à destruição da conduta, dolo necessário à
destruição do automóvel de C, dolo eventual quanto à empregada, se ele se
conformasse.)
Não há uma graduação da responsabilidade, dolo é dolo, qualquer diferença ao nível da
punição não deriva do dolo, mas das circunstâncias do caso, pois todos eles concretizam
uma atitude de contrariedade ou indiferença relativamente ao bem jurídico, são as
situações mais graves e o legislador não hierarquiza o dolo, tem apenas uma função
classificatória, está a delimitar os casos de dolo - quanto à gravidade todas as modalidades
têm a mesma.

 Questão da distinção entre dolo eventual e negligência consciente (artº. 14/3


15º a)

Artigo 14º nº3 – dolo eventual

Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como
consequência possível da conduta, há dolo se o agente atuar conformando-se com aquela
realização.

Artigo 15.º alínea a – negligência consciente

Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as
circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:

a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime,


mas atuar sem se conformar com essa realização;

A tónica do problema manifesta-se no facto de terem o mesmo elemento intelectual,


representam o resultado como possível, sendo a diferença, de acordo com a lei, tem de
se buscar no plano subjetivo, tudo depende da atitude do agente.
O dolo é o conhecimento e vontade da realização do tipo objetivo. Tanto no dolo eventual
como na negligência consciente, o agente representa o resultado como possível, ainda que
com o grau menor de verificação, a finalidade central até pode ser licita, só que, apesar
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da finalidade principal ser lícita, a sua realização traz como consequência


secundária/lateral a verificação do crime. A diferença reside no elemento volitivo, porque,
de acordo com a teoria da conformação, no dolo eventual o agente conforma-se com o
resultado, ao passo que na negligência consciente não se conforma, está convencido que
naquele caso o resultado criminoso não se vai verificar.
Nem sempre foi assim o entendimento da doutrina, há outras teorias para distinguir o dolo
eventual da negligência consciente. Houve uma que procurou fazer assinalar uma
diferença no plano objetivo, considerando que no dolo necessário o resultado seria
necessário, no dolo eventual seria provável e na negligência consciente tão-só possível.
Deste modo, a diferença traduzia-se ainda numa graduação da probabilidade, não seria
tão-só a possibilidade, mas também a probabilidade – teorias das
probabilidades/verosimilhança.
Esta teoria assenta na ideia de que “à afirmação do dolo do tipo não basta o
conhecimento da mera possibilidade, mas requeresse que a representação assuma
a forma de probabilidade.”
No entanto, estas teorias não mereceram a adesão da doutrina maioritária, pois
comprometem os valores da segurança e certeza jurídica, já que aplicam critérios que não
são controláveis, deixando a decisão ao puro arbítrio do julgador, pois, sabendo que a
punição da negligência, de acordo com o art. 13º CP, é excecional, significa deixar ao
arbítrio a fronteira entre a punição e impunibilidade. Os elementos introduzidos por esta
teoria carecem de densidade capaz de conduzir a uma distinção clara entre as noções nos
casos concretos.
(Ex: o agente quer, a todo o custo, matar a vítima com um tiro, apesar da grande
distância a que ela se encontra determinar um baixo grau de probabilidade de que tal
aconteça.)
A doutrina maioritária seguiu um critério subjetivo, que começou pela teoria da aceitação,
dando lugar à teoria da conformação.
Segundo esta teoria, apesar do elemento intelectual ser idêntico no dolo eventual
e na negligência consciente, o elemento volitivo é diferente: no dolo eventual o
agente revela oposição e contrariedade ao dever-ser jurídicopenal, sobrepõe os
seus interesses aos seus deveres jurídico-penais, traduzindo-se na ideia da
conformação ou da aceitação do resultado (aconteça o que acontecer, ele leva a
conduta a avante); ao passo que na negligência consciente o agente representa o
resultado como possível, é o caso do positivismo, mas entende que tudo vai correr
bem, está numa posição de descuido/leviandade face ao dever-ser jurídico-penal
e confia que a lesão não se produzirá.
Nisto se traduz, a contraposição entre o dolo eventual e a negligência consciente.
Mas, e se o agente não chega a tomar posição? E se ele não tem tempo para isso?
Alguma doutrina recorreu à fórmula hipotética de Frank Reinhard que dizia que, nestes
casos de dúvida, temos de fazer uma ficção e perguntar por aquilo que o agente faria se
representasse o resultado como consequência necessária: se nesse juízo hipotético
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concluíssemos que o agente mesmo que representasse o resultado como necessário teria
realizado a conduta falaríamos de dolo eventual, se chegássemos à conclusão que não
teria agido, seria negligência consciente - como fazemos esta ficção? Apelando ao caráter,
modo de ser e antecedentes do arguido.
Foram estas considerações que repudiaram a doutrina, porque não estamos a punir
o que o agente fez, mas o que faria, violando os pressupostos do direito penal de facto.
Deste modo, esta teoria foi afastada para decidir o caso em que o agente não toma
posição.
Eduardo Correia apresenta antes a teoria da dupla negativa, que faz apelo à conceção
lógica da contraditoriedade.
A negligência consciente verifica-se quando o agente confia que o resultado não
se vai produzir, devido ao otimismo e modo de ser representa-o como possível,
mas confia que não se vai verificar e só por isso o leva adiante, já o dolo
eventual é tudo o que não seja isso, quer os caso em que confia que se produz,
quer como nos caos em que não toma posição, porque o direito penal só
intervém nas ofensas mais graves, estando em causa um bem jurídico essencial
significa que revela uma atitude de contrariedade. Assim, se o agente não toma
posição perante a iminência de lesão grave de bens jurídicos essenciais (de
verificação de um crime), isso é já expressão da atitude de indiferença ou
contrariedade que caracteriza o dolo.
Em suma, segundo esta teoria:
o Negligência consciente (art. 15º, alínea a) – agente confia na não produção
do resultado. Cabem apenas os casos em que o agente está convencido
(mal) de que o resultado não se vai produzir;
o Dolo eventual (art. 14º, nº3) – quando o agente não confia na não produção
do resultado - é a expressão formal da teoria da conformação, abrange
tanto os agentes que confiam, como aqueles que não tomam posição.
Sempre que o agente se conforma revela a atitude de contrariedade ou de
ignorância, cabendo, por isso, não só as condutas em que se confia, como
as que não se toma posição.
É esta a interpretação que está subjacente à lei portuguesa, que a doutrina
maioritária consagra em relação ao dolo e à negligência consciente, que é a teoria
da conformação. Deve se ter ainda em atenção a dupla negativa de Frank Reinhard
e de Eduardo Correia.
Críticas: acaba por traduzir sempre uma punição de personalidade e uma violação
do DP do facto, contrapondo o pessimista doentio ao otimista inveterado, são
apenas tipos de personalidade e tipos de caráter que estão em jogo, qualquer
distinção neste campo acaba, por isso, por punir diretamente modos de ser e com
isso sai do âmbito Penal do facto.
Uma questão se coloca: do ponto de vista da tutela de bens jurídicos, é mais perigoso o
pessimista ou o otimista inconsciente das consequências dos seus atos?
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Por isso mesmo, Almeida Costa considera que se deveria acabar a distinção entre dolo
eventual e negligência consciente e se deveria graduar não apenas entre duas categorias,
mas três, nomeadamente, as seguintes:
1. Dolo de resultado (incluindo o atual dolo direto e o dolo necessário);
2. Negligência (incluindo a atual negligência inconsciente);
3. Dolo de perigo/ “temeridade – Figueiredo Dias” (incluindo tanto o atual dolo
eventual como a negligência consciente, pois, em ambos, o agente representa o
caráter perigoso da conduta e quer realizá-la). Esta seria uma categoria intermédia,
entre o dolo de resultado e negligência. Este dolo de perigo corresponde à
recklessness no direito anglo-saxónio.
A questão de “não acreditar que fosse acontecer” é um elemento subjetivo que vai ter
influência na definição concreta da pena, mas, a um nível de graduação em abstrato do
desvalor pessoal das condutas, a classificação deve ser tripartida.
Também Figueiredo Dias defende esta classificação tripartida em vez da atualmente
consagrada. Todavia, isto é apenas uma proposta doutrinal, porque no DP estamos
subordinados ao princípio da legalidade, por isso mesmo, temos de fazer a distinção nos
termos da lei portuguesa: 14º, nº3 e 15º, alínea a do CP.
Modalidades de Dolo
 Dolus alternativus/dolo alternativo – o agente representa que a sua conduta
pode levar a um de dois resultados diferentes: pode preencher um tipo objetivo ou
outro. Correspondem a “casos em que o agente se propõe ou se conforma com a
realização de um ou de outro tipo objetivo de ilícito”, ou seja, “o agente conta
com ambas as possibilidades e conforma-se com elas, devendo, por isso, o seu
dolo ser afirmado relativamente ao tipo objetivo realmente preenchido pela
conduta”.

(Ex: A vai disparar, quer matar B, mas este está ao lado de C, por isso,
representa que pode matar tanto um como outro; em vez de matar B, apenas o
fere.)

Se em ambas as condutas ele quer apenas um crime, ele tem de ser punido no
quadro da criminalidade dolosa, o que afasta uma parte da doutrina que diz que
deve ser punido em termos de concurso do crime projetado a título de tentativa e
consumado a título de dolo.

Segundo a doutrina portuguesa dominante, o agente seria punido pelo crime


consumado a título de dolo, pois queria matar, embora tão-só o tenha ferido, por
isso, é punido por crime consumado de ofensa à integridade física.
Almeida Costa discorda e considera que o agente deve ser punido por um só
crime, mas à luz do preceito legal que melhor refletir o desvalor objetivo da
conduta, à luz do crime mais grave.

(Ex: quer matar, mas apenas fere, por isso deve ser punido por tentativa de
homicídio.)
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Materialmente, é esta a solução que melhor transparece o desvalor da conduta. A


solução deve ser resolvida no quadro, porque o ilícito pessoal é uma unidade
subjetivo-objetiva, e a conduta exterior é realizada com um fim, a vontade do
agente é de matar. Esta doutrina baseia-se no princípio da consumação e deste
ponto de vista, ele deve ser punido por um só crime, nomeadamente, o mais
grave.

 Dolus antecedens/dolo antecedente – verifica-se quando o agente tem uma


determinada intenção de consumar um crime, mas veio a consumá-lo num
momento anterior àquele que havia projetado.

(Ex: A quer matar o B com uma pistola e puxa dela, só que ao tirá-la do bolso, ela
dispara-se e produz o resultado pretendido.)

Segundo a doutrina maioritária este crime não releva, quando muito só pode ser
punido por negligência, porque o ilícito doloso é uma unidade-subjetiva, por isso
se revela no domínio do facto, em que o facto exterior é a concretização da
vontade, neste caso, o resultado não é a concretização da vontade, antecipa-se a
ela, por isso, não releva como modalidade de dolo, não é jurídico-penalmente
relevante, pois o agente, quanto muito, será punido por negligência.

 Dolus subsequens/dolo subsequente – o agente pratica uma conduta que não é


dirigida a produzir a resultado, mas produz e depois o agente aprova o resultado.

(Ex: alguém está a fazer exercício de tiro ao alvo, só que o tiro desvia e mata a
pessoa, que por acaso é seu inimigo e fica contente.)

Não releva, porque o dolo tem de se materializar numa conduta objetivamente


produtora do resultado, por isso mesmo, também não releva como modalidade de
dolo jurídico-penalmente relevante, pois falta aqui o domínio do facto.
O dolo do tipo é o elemento comum a todos os delitos dolosos e, na maioria dos casos,
esgota o elemento subjetivo dos crimes doloso, no entanto, em casos especiais, o
legislador exige elementos especiais do tipo subjetivo, que correspondem a especiais
intenções: que o agente vise uma particular intenção, que exteriorize um elemento do
carácter do modo de ser do agente, que haja uma prática habitual ou profissional daquelas
condutas, etc. para que estejamos perante um crime.
“Não se referem a elementos do tipo objetivo de ilícito, ainda quando se liguem à vontade
do agente de realização do tipo: o seu objeto encontra-se fora do tipo objetivo de ilícito,
não havendo por isso, na parte que lhes toca, uma correspondência ou congruência entre
o tipo objetivo e o tipo subjetivo de ilícito.”
Não estamos a abandonar o elemento DP facto, é necessário haver uma conduta com lesão
ou colocação em perigo de um bem jurídico, é ainda necessário, que o ato tenha sido
praticado com um determinado fim.
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(Ex: no crime de furto não basta produzir o dano, é necessário que a conduta seja praticada
com intenção de apropriação, de fazer ilegitimamente seu e é isso que distingue o furto
tout court do furto de uso; na burla é necessário que esta seja feita com a intenção de
enriquecimento; art. 132º alínea e, f e j - por força do art. 145º, nº 2 também se aplicam
às ofensas da integridade física qualificadas.)
Deste modo, para termos um crime, para além do dolo, é necessário que se traduzam
numa especial intenção. São circunstâncias subjetivas que contendem com a intenção,
mas com isso não saímos do direito penal do facto, porque este têm um sentido
circunscritivo, pois já há a lesão ou colocação em perigo do bem jurídico, não vai punir
ou agravar tudo isso, mas apenas punir aquelas condutas em que, para além do dolo, o
agente tenha esta ou aquela intenção, revelando uma faceta do caráter.
Deste modo, “cumprem a função de individualizar uma espécie de delito, de tal forma
que, quando eles faltam, o tipo de ilícito daquela espécie de delito não se encontra
verificado.
(Ex: A prostituição não é crime, mas fomentar a prostituição já o é, com dois requisitos
(art. 169º - realizar profissionalmente ou com intenção lucrativa).
Os elementos especiais dependem da interpretação (teleológica) da lei, da análise caso a
caso dos diferentes tipos legais. Não confundimos o ilícito com a culpa, porque mesmo
nestes casos estamos a olhar para a conduta como se fosse praticada pelo Homem médio,
como praticado por qualquer pessoa. Não abandonamos, pois, a distinção entre os planos
do ilícito e da culpa no quadro de uma doutrina do ilícito pessoal.

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