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Organização e Tradução
Eduardo Viana
Lucas Montenegro
Orlandino Gleizer
3. Uma tentativa.............................................................. 41
4. Síntese......................................................................... 47
V. Concretização: pequeno sistema da tortura..................... 47
VI. Conclusão....................................................................... 51
Os organizadores/tradutores,
Eduardo Viana
Lucas Montenegro
Orlandino Gleizer
(2009), pp. 7 e ss.; também disponível online em versão espanhola, Las reglas
detrás de la excepción. Reflexiones respecto de la tortura en los grupos de
casos de las ticking time bombs, trad. Eduardo Javier Riggi, in: InDret 4/2007,
Nr. 423, p. 1 e ss.
2. Por que é ilegítimo e quase de todo inconstitucional punir pessoas
jurídicas, in: Busato (org.), Seminário Brasil-Alemanha Responsabilidade
Penal de Pessoas Jurídicas, Florianópolis, 2018, p. 69 e ss.
3. Cumplicidade através de ações neutras: a imputação objetiva na
participação, Rio de Janeiro, 2004.
DOGMÁTICA E CIÊNCIA
DO DIREITO PENAL
I.
A primeira dificuldade que toda tomada de posição relacio-
nada à dogmática e à ciência do direito encontra é a ausência de um
conteúdo claro para esses conceitos. Eu não quero discutir palavras.1
Evitarei, aqui, problemas conceituais, tentando encontrar um acesso
diferente aos fenômenos a serem discutidos. Esse acesso se dará por
meio da atividade que os professores de direito, enquanto profes-
sores de direito, exercem nas universidades alemãs. A expressão
“enquanto professores de direito” indica que não pretendo limitar-me
à descrição de uma situação real, mas ao mesmo tempo elaborar um
conceito que, de forma ideal, esteja, pelo menos implicitamente,
subjacente aos fenômenos.
II.
1. Poder-se-ia dizer que os professores educam os futuros
juristas. No entanto, isso também é feito pelo docente não-professor,
que dá aulas na universidade (Lehrbeauftragter), e até mesmo pelo
repetidor, que ensina fora dela. A universidade não precisaria ser
mais do que um curso técnico para cumprir de forma adequada
essa tarefa. Uma segunda tentativa: são os professores que, por seu
trabalho interpretativo, tornam manuseável o direito positivo.3 Mas
a necessidade é a mãe da criatividade: os práticos aprendem como
manusear seus instrumentos, eles escrevem artigos e comentários,
com ou sem a “ajuda” dos professores.4 Por isso, há quem prefira
Um olhar para fora torna clara essa relação de dependência. independente, na medida em à medida que eles não se deem por satis-
Em todos os lugares do mundo, há docentes (“Lehrer”) do direito feitos em com ensinar estudantes e juízes a como passar em provas
e práticos comentadores; mas uma figura correspondente à do ou a como escrever sentenças, e, sobretudo, na medida em à medida
Professor alemão, que faz ciência jurídica, é, comparativamente, que insistam em acompanhar de perto e criticamente o trabalho dos
algo bem especial, e isso até mesmo na Europa. Muitos países nem legisladores e dos juízes.
diferenciam professores de docentes (Lehrer), mas utilizam a mesma
nomenclatura para ambas as profissões. Faculdades de direito são, III.
frequentemente, nada mais do que simples prédios com salas de aula
e, eventualmente, com uma biblioteca e uma cafeteria, as duas de A alegação, não raramente formulada também entre penalistas,
de que a ciência jurídica e a dogmática seriam peculiaridades alemãs
mais ou menos mesmo tamanho; não existem institutos, cátedras e,
sem futuro na Europa,10 revela-se, assim, de todo questionável.11 Lá
por consequência, secretários, colaboradores científicos e estudantis.
onde legislador e juiz podem formular sua pretensão de juridicidade
Aulas são dadas por práticos, que não precisaram superar o penoso
sem temer a vigilância crítica de uma instância independente, eles
caminho alemão dos dois livros espessos. O que falta a esses países
se tornam descontraídos, preguiçosos, mesmo desavergonhados. Se,
não é necessariamente ciência jurídica, mas, sem dúvida, o suporte
em algum lugar, tipos penais são conceituados como proibição de
institucional do qual a ciência jurídica é dependente. Com isso, a
causação (como no art. 110 do CP italiano), a ciência jurídico-penal
ciência jurídica se sustenta com pés de barro; e sua qualidade advém
tem que se lembrar de que, com isso, o apelo “mate-o” é elevado à
antes de virtudes individuais, do talento e, em especial, da coragem.
qualidade de conduta típica de homicídio e o princípio nullum-crimen
A ciência jurídica não oferece poder, senão razões; o poder é esvaziado de significado. Se, ainda em outro lugar, é defendido o
não se interessa por razões enquanto razões, mas pelo seu suporte error iuris nocet por razões de prevenção,12 é trabalho da ciência
de legitimação. Onde existe ciência jurídica, mas lhe falta proteção jurídico-penal acentuar que o indivíduo, dessa forma, não está sendo
institucional por meio de uma universidade independente, com julgado pela sua culpabilidade, senão por interesses próprios de quem
obrigações apenas em relação ao próprio direito, a ciência jurídica o julga e, consequentemente, sendo misturado aos objetos do direito
se torna corruptível; ela ameaça se degenerar em um discurso de das coisas.
legitimação, ou seja, em ideologia. O cientista que é, em primeiro A ciência e a dogmática do direito, exercidas por professores
lugar, advogado ou juiz pensará duas vezes antes de tecer críticas ao enquanto professores, devem desnudar o que é um ato nu de poder.
legislador e, sobretudo, aos julgamentos de juízes superiores. O fato Isso, sobretudo, no direito penal e também na Europa.
de isso ser menos perceptível na Alemanha já é consequência dessa
proteção institucional; consequência de haver, aqui, um intercâmbio
científico, em grande parte, mais livre dessas preocupações. Essa
10. Lepsius, rescriptum 2013, 71 (10 s.); em relação à literatura penal, por
proteção institucional conduziu a uma nítida distinção entre ciência exemplo, Tiedemann, JZ 2000, 145; Vogel, GA 2002, 517 (524, 532); idem, JZ
desinteressada e ideologia orientada por interesses. Na Alemanha, até 2012, 25; Volk, em: Pieth/Seelmann (coords.), Prozessuales Denken als Innova-
mesmo o advogado ou o juiz que publica cientificamente não o faz, tionsanreiz für das materielle Strafrecht, Kolloquium zum 70. Geburtstag von
idealmente, enquanto advogado ou juiz, senão enquanto professor. Krauß, Basel et alii., 2006, p. 89 ss. (90): “A dogmática alemã se tornou muito
complicada. Assim, não se pode nem aplicá-la nem exportá-la.”; Rotsch, ZIS
Essas relações são recíprocas. O dispendioso ambiente insti- 2008, 1.
tucional colocado pelas universidades à disposição dos professores 11. Crítico, também Schünemann, FS Roxin I, p. 11; idem, GA 2002,
501 (511); Silva Sánchez, GA 2004, 679 (682); Puppe, ZIS 2008, 67; Robles
tem que ser, por sua vez, justificado à sociedade, sobretudo aos Planas, ZIS 2010, 357 (361 s.).
contribuintes. Essa justificação ocorrerá apenas à medida que os 12. Como no direito penal inglês, cf. as referências em Safferling, Vorsatz
professores se reconheçam obrigados ao ideal de uma ciência jurídica und Schuld, 2008, p. 386 ss.