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FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Mestre e Doutora em Direito Tributário pela PUC-SP.

Professora do IBET e da PUC-SP.

APROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

De acordo com o Código de Processo Civil de 2015

NA PUBLICAÇÃO
ORES DE LIVROS, RJ
4a edição revista e atualizada

reito tributário: de acordo com o có­


~a Del Padre Tomé. - 4. ed., rev., atual.

editoro e livraria
.BrasIl. I. Titulo.
NOESES

CDU: 34:351.713(81) 2016


CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

T618p
4.ed.
Tomé, Fabiana Del Padre A prova no direito tributário: de acordo com o có­
digo de processo civil de 2015/ Fabiana Del Padre Tomé. ­ 4. ed., rev., atual.
- São Paulo: Noeses, 2016.

480 p. : iI. ; 23 cm.


Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8310-076-8

1. Prova (Direito). 2. Direito tributário - Brasil. I. Título.

16-37719 CDU: 34:351.713(81)


SUMÁRIO

PREFÁCIO............................................................................. XIX

SOBRE AS ALTERAÇÕES DESTA 4a EDIÇÃO: O

CAMINHO QUE SE FAZ AO CAMINHAR.................... XXV

NOTAS À 3a EDIÇÃO .......................................................... XXIX

NOTAS À 2a EDIÇÃO.......................................................... XXXI

INTRODUÇÃO ..................................................................... XXXV

CAPÍTULOl
CONHECIMENTO, VERDADE E DIREITO

1.1 Algumas palavras sobre o constructivismo lógico-


semântico ...................................................................... 01
1.2 A questão do conhecimento .......................................... 08
1.2.1 Conhecimento e linguagem................................. 10
1.3 "Saber de", "saber como" e "saber que" .................... 14
1.4 Conhecimento e sistema de referência ....................... 15
1.5 A teoria do conhecimento segundo o constructivis­
mo lógico-semântico ...................................................... 17

VII
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

1.6 O "saber que" e sua relação com a verdade, crença e

justificação .............................................. ......................... 20

1.7 Breves considerações sobre a verdade ....................... 21

1.7.1 Verdade por correspondência............................. 23

1.7.2 Fenomenalismo ..................................................... 24

1.7.3 Verdade por coerência ................ ......................... 24

1.7.4 Verdade por consenso .......................................... 25

1.7.5 Verdade pragmática ............................................. 27

1.8 O significado do vocábulo "verdade" adotado neste

trabalho ........ .......................... ........................... ............... 27

1.8.1 Renúncia à ideia de verdade objetiva ............... 29

1.8.2 A autossustentação pela linguagem .................. 32

1.9 Teoria dos jogos da linguagem e a legitimação pelo

procedimento................................................................... 35

1.10 Verdade material e verdade formal: uma disputa

sem sentido ........................................... ~... ............... ..... 38

1.11 Verdade e sua relação com o direito.......................... 41

1.11.1 A fenomenologia da incidência tributária e o

necessário quadramento do fato à norma .... 45

1.11.2 Aplicação do direito: forma como se efetiva

a incidência tributária...................................... 47

1.11.3 Distinção entre "evento" e "fato"; entre

"fato social" e "fato jurídico" .......................... 48

1.12 O direito como linguagem criadora da realidade

jurídica........................................................................... 52

1.13 Verdade e teoria das provas no direito tributário.. 54

VIII
RETOMÉ A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

m a verdade, crença e CAPÍTULO 2


20
AUTOPOIESE DO SISTEMA DO DIREITO POSITIVO
rerdade ....................... 21
~ncia ............................ . 23 2.1 Noção de sistema ............................................................ 57
24 2.2 A sociedade como sistema comunicacional.. ............. . 58
24 2.2.1 O subsistema comunicacional do direito ......... . 60
25 2.3 O direito na teoria dos sistemas ................................... 62
27 2.4 Sistema autopoiético .................................................... .. 63
rdade" adotado neste 2.4.1 Código .................................................................... . 66
27
2.4.1.1 Duplo ingresso.......................................... . 67
ade objetiva .............. . 29
2.4.1.2 Bivalência do código e biestabilidade ... 70
linguagem ................. . 32
2.4.2 Programas ............................................................. . 72
l e a legitimação pelo
35 2.5 Forma e função do programa jurídico........................ . 74
formal: uma disputa 2.6 Processo e autopoiese do sistema jurídico ................. 75
38 2.6.1 Segurança jurídica no sistema autopoiético:
direito ......................... . 41 relacionamento entre sistema jurídico e am­
biente ..................................................................... . 76
cidência tributária e o
lto do fato à norma .... 45 2.7 As provas na teoria autopoiética do direito ............... . 78

arma como se efetiva 2.8 A prova no sistema comunicacional do direito ......... . 80


47
nto" e "fato"; entre
°ídico" ............ ....... ....... 48
CAPÍTULO 3
~riadora da realidade NOÇÕES GERAIS SOBRE APROVA
52
tlO direito tributário .. 54 3.1 Plurissignificação do vocábulo "prova" ...................... 87

3.2 Acepções do vocábulo "prova" '"...... ............................ 89

3.3 Prova como procedimento e produto .......................... 92

IX
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

3.4 A prova no processo de enunciação ............................ 94

3.5 Prova como fato .............................................................. 96

3.6 Caráter normativo da prova.......................................... 97

3.7 Prova como signo...... ....... ..... ....... ... ........ ....... ..... ...... ...... 98

3.8 Indício, pista, vestígio, marca e sinal........................... 102

3.9 Prova como mensagem.................................................. 103

3.10 Prova como relação de implicação entre enuncia­


dos linguísticos .............................................................. 104

3.11 Elemento constitutivo do fato jurídico em sentido

estrito .............................................................................. 104

3.12 Prova como meio de convencimento......................... 105

3.13 Presunções..................................................................... 107

3.14 Prova da prova .............................................................. 107

3.15 Contraprova................................................................... 108

3.16 Protoprova ..................................................................... 109

3.17 Prova como demonstração.......................................... 109

3.18 Prova como experiência .............................................. 109

3.19 Prova como competição............................................... 110

3.20 Prova como providência preliminar .......................... 110

3.21 Prova como certificação............................................... 111

3.22 Meios de prova .............................................................. 111

CAPÍTULO 4

CLASSIFICAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA

4.1 Considerações críticas sobre a "classificação das pro­


vas" adotada pela doutrina tradicional....................... 115

x
RETOMÉ A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

ação ........................... . 94
4.1.1 Prova direta e prova indireta ... .......................... 118

96
4.1.1.1 Crítica à terminologia empregada ......... 120

97
4.1.1.2 A imediatividade em relação à percep­
ção do julgador ........... .................. ............. 122

98

4.1.2 Prova pessoal e real.............................................. 125

~ sinal ........................... 102

4.1.3 Prova testemunhal, documental e material..... 126

103

4.2 Espécies de meios de prova .......................................... 127

cação entre enuncia­


104
4.3 Confissão..... ........ ........... ........ .... ............................. ......... 129

) jurídico em sentido
4.3.1 Depoimento pessoal............................................. 134

104
4.3.2 Confissão em matéria tributária......................... 134

[mento ......................... 105


4.4 Documento....................................................................... 143

107
4.4.1 Espécies de documentos...................................... 145

107
4.4.2 O documento no direito tributário..................... 146

108
4.4.3 O documento na era da informática .................. 148

109
4.4.3.1 Emprego da prova em meio eletrônico na

109
esfera tributária e o uso de ata notarial.... 150

109
4.4.4 Atos processados em juízo.... ............. ....... ........... 152

110
4.4.4.1 "Prova emprestada" em matéria tributária.... 153

minar ......................... . 110


4.5 Depoimento testemunhal..... ......................... ...... .......... 158

111
4.5.1 O depoimento testemunhal no âmbito tributário.. 159

111
4.6 Exame pericial................................................................. 161

4.6.1 Perícia em matéria tributária ............................. 163

[)4
4. 7 Presunção......................................................................... 167

4.7.1 Classificação das presunções .................. ............ 172

[ElOS DE PROVA
4.7.2 Indícios e suas espécies ........... ........... ................. 174

4.7.3 Limites ao emprego de presunções em matéria

'classificação das pro­ tributária ................................................................ 176

:licional....... ................ 115

XI
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

4.8 Prova obtida por meio ilícito......................................... 183

4.8.1 Vedação, no âmbito tributário, de prova ilicita­


mente produzida ................................................... 186

CAPÍTULO 5

MORFOLOGIA DA PROVA

5.1 Noções sobre a morfologia da prova............................ 193

5.2 Objeto da prova ............................................................... 194

5.2.1 Fatos determinados .............................................. 198

5.2.1.1 Limites ontológicos da possibilidade..... 200

5.2.2 Fatos relevantes .................................................... 201

5.2.2.1 Fato pertinente e concludente................ 204

5.2.3 Fatos controversos ................................................ 205

5.2.4 Fatos notórios ........................................................ 206

5.2.5 Fatos negativos ...................................................... 209

5.2.6 A prova nas hipóteses de presunção ................. 211

5.2.7 Prova do direito..................................................... 212

5.3 Conteúdo da prova ......................................................... 213

5.4 A forma da prova ............................................................ 214

5.5 E\.Inção da prova.............................................................. 217

5.6 Finalidade da prova........................................................ 219

XII
)RETOMÉ A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

183 CAPÍTULO 6
ltário, de prova ilicita­ DINÂMICA DA PROVA
186

6.1 O ato de provar................................................................ 221


,05 6.1.1 Atos de consciência .............................................. 223
[)APROVA 6.1.2 Sintaxe interna do procedimento probatório.. 224
6.1.3 Metaprocedimento organizacional das provas 227
prova........................... . 193 6.2 Fonte da prova................................................................. 229
194 6.3 Procedimento probatório .............................................. 232
198 6.3.1 Tempo da prova....................................... .............. 233
os da possibilidade ..... 200 6.3.1.1 Momento da produção probatória no
processo administrativo tributário ........ 238
201
6.3.1.2 Aspecto temporal da norma de proce­
concludente ............... . 204
dimento probatório e os critérios para
205 aplicação de diploma legal superve­
206 niente ao fato probando ........................... 244

209 6.3.1.3 O valor probatório da DERCAT apre­


sentada para fins de adesão ao Regime
e presunção ............... .. 211 Especial de Regularização Cambial e
212 Tributário (RERCT) ................................. 253
213 6.3.2 Lugar da prova: noções gerais e sua identifica­
ção no processo administrativo tributário........ 258
214
6.3.3 Sujeitos da prova no direito processual civiL.. 259
217
6.3.3.1 Os sujeitos da prova no processo admi­
219
nistrativo tributário .................................. 262
6.4 Prova é tema de direito material ou de direito proces­
sual? .................................................................................. 264
6.5 Princípios que orientam a produção da prova no
processo administrativo tributário .............................. 268

XIII
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

6.5.1 Princípio dispositivo X princípio inquisitório.. 269

6.5.1.1 Controle de legalidade e processo admi­

nistrativo tributário: adoção do princí­


pio inquisitório .......................................... 270

6.5.2 Princípio do devido processo legal.................... 272

6.5.2.1 Princípio da ampla defesa ....................... 274

6.5.2.2 Princípio do contraditório ....................... 275

6.5.2.3 Princípio da publicidade.......................... 276

6.5.3 Princípio da proibição da prova obtida ilicita­


mente ...................................................................... 277

6.5.4 Princípio da imediatidade ................................... 277

6.6 Ônus da prova ................................................................. 278

6.6.1 Função e estrutura do ônus da prova ................ 281

6.6.2 O ônus da prova no processo comunicativo ..... 282

6.6.3 Distribuição do ônus da prova............................ 284

6.6.4 Convenção das partes relativa à distribuição do

ônus da prova ........................................................ 292

6.6.5 "Ônus" da prova no direito tributário............... 294

6.6.5.1 Presunção de legitimidade dos atos ad­

ministrativos e o "ônus" da prova em

matériatributária....................................... 297

6.6.5.2 O "ônus" da prova em face de presun­


çõeslegais ...... ........ ............... ....... ................ 299

CAPÍTULO 7

AXIOLOGIA DAS PROVAS

7.1 Ato decisório e axiologia das provas............................ 303

XIV
)RETOMÉ A PROVA NO DIREITO TRffiUTÁRIO

Irincípio inquisitório .. 269 7.2 Breves noções sobre a axiologia do direito ............... . 304

dade e processo admi­ 7.3 Teoria dos atos de fala e a decisão do julgador......... . 309

-io: adoção do princí­


7.4 Critérios de avaliação das provas................................. 312

270
7.4.1 Princípios que orientam a apreciação probatória .. 315

:esso legal ................... . 272


7.5 Hierarquia das provas.................................................... 318

,a defesa ...................... . 274


7.5.1 Hierarquia axiológica das provas...................... . 320

raditório ..................... .. 275


7.6 A produção probatória e os efeitos na convicção do

icidade ......................... . 276


julgador............................................................................. 321

la prova obtida ilicita­


7.6.1 Influência dos valores na apreciação das provas .. 324

277
7.6.2 Máximas de experiência ..................................... . 325

le ................................. .. 277
7.7 A atividade do julgador.................................................. 327

278
7.8 Momento da atividade valorativa da prova ................ 329

lUS da prova ............... . 281


7.9 Teoria da decisão jurídica............................................. . 331

:esso comunicativo ..... 282


7.9.1 A prova como suporte para a tomada de decisão 333

prova............................ 284
[ativa à distribuição do
292 CAPÍTULO 8

ito tributário .............. . 294


APROVA NO PROCEDIMENTO ENO PROCESSO

ttimidade dos atos ad­


"ônus" da prova em ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

297
'a em face de presun­ 8.1 Procedimento e processo administrativo fiscal no ci­
299 clo de positivação do direito.......................................... 339

8.1.1 Distinção entre procedimento e processo: a fi­


gura do processo administrativo tributário...... 340

107
8.2 Definição do conceito de lançamento tributário ....... 344

SPROVAS
8.2.1 A ambiguidade procedimento/produto ............. 346

8.2.2 Lançamento tributário e auto de infração........ 348

Irovas............................ 303

xv

FABIANA DEL PADRE TOMÉ

8.3 Ato administrativo .......................................................... 350

8.3.1 Estrutura do ato administrativo: pressupostos

e elementos ............................................................ 352

8.3.1.1 Motivo, motivação e a linguagem das

provas.......................................................... 354

8.4 As provas como meio de atingir a verdade lógica:

sua importância no âmbito da imposição tributária. 356

8.4.1 Consequência da falta de prova no lançamento

ou no ato de aplicação de penalidade................ 359

8.5 A produção de prova pela Administração .................. 362

8.5.1 Dever e não ônus da prova .... .......... .................... 364

8.5.2 Limites ao emprego de presunções pela Admi­


nistração ............................................. .................... 365

8.5.3 O ônus da prova para a atribuição de respon­

sabilidade tributária aos administradores........ 366

8.5.4 O ônus da prova nas controvérsias relativas à

ausência de notificação fiscal........... ................... 369

8.5.5 A prova de inidoneidade da documentação fiscal 371

8.5.6 Arbitramento ......................................................... 376

8.5.6.1 Dever de colaboração do contribuinte .. 378

8.5.6.2 Requisitos para a realização de arbitra­


mento.......................................................... 380

8.6 Desconsideração de negócios jurídicos....................... 383

8.7 Contencioso administrativo tributário ........................ 389

8.7.1 Fases do processo administrativo tributário .... 390

8.7.2 Instrução probatória no processo administra­


tivo tributário......................................................... 392

8.8 Ato decisório e axiologia das provas no processo ad­


ministrativo tributário ................................................... 393

XVI
)RETOMÉ A PROVA NO DIREITO TRffiUTÁRIO

350
PROPOSIÇÕES CONCLUSIVAS..................................... 395

strativo: pressupostos BIBLIOGRAFIA................................................................... 417

352

.0 e a linguagem das
354

19ir a verdade lógica:


imposição tributária. 356

~prova no lançamento
e penalidade............... . 359

ninistração ................. . 362

Iva ................................. . 364

)resunções pela Admi­


365

atribuição de respon­
:administradores........ 366

ntrovérsias relativas à
fiscal ............................. . 369

da documentação fiscal 371

376

ação do contribuinte .. 378

realização de arbitra-
380

jurídicos ...................... . 383

·ibutário ...................... .. 389

listrativo tributário ... . 390

I
processo administra­
392

>rovas no processo ad­


393

XVII

Dedico esta obra, com amor e profunda

admiração, aos meus pais Hermínio e Marly,

exemplos de vida e grandes incentivadores.

Ao meu irmão Giovani, pela amizade

e companheirismo inigualáveis.

Aos meus pequenos príncipes Renato e Henrique.


PREFÁCIO

O direito, como técnica de modificação social, não vem


para representar o mundo, mas para alterá-lo, implantando
valores [Lourival Vilanova]. E esse projetar-se sobre o fluxo
do suceder humano, na sua peculiar e característica instabi-
lidade, ocorre num contínuo processo dialético que se esta-
belece entre normas gerais e abstratas, de um lado, e normas
individuais e concretas ou individuais e abstratas, de outro,
dinâmica da qual participam, invariavelmente, as regras ge-
rais e concretas como veículos introdutores dos comandos
prescritivos. Tudo isso se opera mediante a presença indis-
pensável da linguagem, num contexto de crenças, ideias e
convicções, a que chamamos de ideologia. Pondere-se, contu-
do, que somente tem sentido falar numa engenharia do social,
se for atendido o pressuposto do respeito à ordenação cau-
sal do mundo, pois o direito não pode pretender opor-se aos
efeitos da causalidade. Pelo contrário, há de observá-la para,
dentro dela, causalidade física ou natural e, principalmente, a
social, abrir suas possibilidades disciplinadoras de condutas
intersubjetivas.
É nessa incessante movimentação empírico-dialética que
se forma o conhecimento da mensagem prescritiva. Explicado
de outro modo, é travando contacto com o plano da expressão,
onde estão montadas as estruturas morfológicas e sintáticas
do texto legislado, que o enunciatário organiza a compreensão

XIX
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

da matéria, completando o ciclo comunicacional do direito.


Daí avante, a questão de saber se o expediente vai ter o con-
dão de motivar o comportamento, em termos de fazê-lo cum-
prir ou não a direção normativa, é algo que pertence ao cam-
po da Sociologia e da Psicologia social e individual do direito.
Por outro lado, assim como a potência para criar frases
linguísticas é infinita, dentro do âmbito de determinado idio-
ma, as possibilidades criativas do legislador são também in-
termináveis, mantendo-se rigorosamente dentro dos limites
da gramaticalidade própria da comunicação normativa. Tudo
porque os functores deônticos são interdefiníveis e a matéria
do social estende-se numa pluralidade sem fronteiras. En-
tretanto, se quisermos reduzir o direito à sua expressão mais
simples, poderemos apresentá-lo em dois hemisférios cor-
respondentes aos fatos lícitos e aos ilícitos, declarando que
a linguagem das normas, na sua multiplicidade compositiva,
verte-se sobre a realidade social, qualificando pessoas, situa-
ções e coisas, com o objetivo precípuo de constituir fatos, assi-
nalados, por quem legisla, com a marca positiva da licitude ou
com o sinal negativo do indesejável. Em seguida, o legislador
faz expandir efeitos das entidades assim formadas, instauran-
do permissões, deveres e proibições que o instrumentalizam
para desempenhar sua missão reguladora. Sempre é bom
lembrar que o processo de positivação do direito inaugura-se
com os preceitos competenciais cravados no Texto Supremo e
avança, gradativamente, em direção aos comportamentos in-
ter-humanos para discipliná-los e tornar possível a convivên-
cia social. Ora, tais providências são obtidas por intermédio
da linguagem das provas, de tal modo que vale a afirmação
categórica segundo a qual fato jurídico é aquele, e somente
aquele, que puder expressar-se em linguagem competente,
isto é, segundo as qualificações estipuladas pelas normas do
direito positivo.
Se acrescentarmos a essas reflexões a decisiva e fecunda
distinção entre evento e fato, tão presente na epistemologia
do conhecimento pós-moderno, chegaremos ao ponto que

XX
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

nos interessa salientar neste trabalho verdadeiramente inova-


dor da jovem e talentosa Professora Fabiana Tomé. Estou con-
vencido, aliás, de que em nenhum outro domínio do universo
jurídico, a dualidade fato/evento manifesta sua presença com
tanta nitidez e vigor. Ou a mutação ocorrida na vida real é
contada, fielmente, de acordo com os meios de prova admiti-
dos pelo sistema positivo, consubstanciando a categoria dos
fatos jurídicos [lícitos ou ilícitos, pouco importa] e da eficá-
cia que deles se irradia; ou nada terá acontecido de relevante
para o direito, em termos de propagação de efeitos disciplina-
dores da conduta. Transmitido de maneira mais direta: fato
jurídico requer linguagem competente, isto é, linguagem das
provas, sem o que serão meros eventos, a despeito do interes-
se que possam suscitar no contexto da instável e turbulenta
vida social.
Latente entre os conceitos fundamentais deste trabalho
está a recomendação, sempre lembrada, de que o jurista é o
ponto de intersecção entre a teoria e a prática, entre a ciên-
cia e a experiência. É com esse forte e decidido impulso de
organização intelectual, que imprime rendimento ao labor
cognoscitivo, que Fabiana abraçou o propósito de testar aque-
la distinção básica justamente no campo das provas, onde se
demora o fenômeno de constituição dos fatos carregados de
juridicidade. De minha parte, tendo acompanhado, atenta-
mente, todos os movimentos de elaboração deste livro, posso
dizer que a autora se apaixonou pela ideia desde o contacto do
primeiro instante, passando a desenvolvê-la em clima de sig-
nificativo esforço de pesquisa. Creio mesmo que nenhum dos
clássicos sobre a matéria, nenhum dos grandes tratadistas do
assunto deixou de ser examinado, estudado, anotado, linha
por linha, argumento por argumento, até o ponto de Fabiana
estabelecer as premissas que lhe pareceram mais adequadas
e estruturar a tese para outorgar-lhe caráter de autêntica e
originalíssima sistematização.
Com efeito, no trajeto de orientação da candidata ao
doutoramento, foram discutidas, em toda sua amplitude, as

XXI
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

articulações necessárias à configuração da tese, motivo pelo


qual me sinto inteiramente à vontade para afirmar que a
temática das provas adquire, com este novo e sugestivo tra-
tamento, um perfil doutrinário ao mesmo tempo rigoroso e
funcional, em que Fabiana submete a matéria a cuidadoso
processo de decomposição e análise, explorando o assunto sob
a perspectiva de uma visão ampla, firmada em sólida filosofia
e consistente concepção do mundo jurídico. Eis a Ciência do
Direito Tributário oferecendo, mais uma vez, contribuição va-
liosa para a Teoria Geral do Direito, pois a dinâmica da prova
é observada no contexto do fato comunicacional e considera-
da em suas projeções axiológicas, mediante postura corajosa
e, de certo modo, inusitada.
O livro que a Editora Noeses faz publicar com o título
de “A Prova no Direito Tributário”, além dos atributos que
mencionei, predicados fundamentais de qualidade, está ver-
tido num Português correto, limpo e objetivo. A simplicidade
da frase esconde, por vezes, as complexas e profundas medi-
tações que motivaram a autora durante toda a progressão da
obra. Mas, quem já viu Fabiana proferir palestras, ministrar
aulas, participar de seminários sabe, muito bem, que aquilo
que aparenta ser uma estratégia retórica, uma tática expositi-
va de persuadir o auditório para conquistá-lo, fazendo preva-
lecer ideias e estimulando convicções, nada mais é do que um
dom natural de uma privilegiada estrutura de caráter, onde se
acomoda uma mente lúcida e produtiva.
Difícil destacar tópicos ou quaisquer segmentos em tex-
to tão homogêneo e equilibrado. Chamo a atenção, todavia,
para o momento em que a autora trata das “noções gerais da
prova”, com interessante estudo semântico da figura. E a nota
se aplica, igualmente, para os que lhe seguem, como “classifi-
cação dos meios de prova”, “morfologia da prova”, “dinâmica
da prova” e “axiologia das provas”, devidamente assentados
nos pressupostos do capítulo inicial, espaço dedicado a sérias
meditações sobre “conhecimento, verdade e direito”.

XXII
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Tudo quanto foi dito até aqui mereceu a confirmação pú-


blica de Banca Examinadora especialíssima, composta por
uma processualista civil (Tereza Wambier), um processualista
penal (Antônio Carlos da Ponte), uma tributarista (Maria Rita
Ferragut) e uma jurista e semioticista (Clarice Araujo) e presi-
dida por mim, que fui seu orientador. O julgamento da Banca
reconheceu, de maneira unânime e com espontaneidade, o
valor máximo da tese de Fabiana e essa singela referência jus-
tifica, plenamente, não só a recomendação enfática da leitura
do texto, mas, sobretudo, que seja ele estudado, compreendi-
do na sua dimensão teórica e aplicado, com determinação, às
situações práticas da experiência jurídica brasileira.

Fazenda Sto. Antônio de Palmares, 02 de dezembro de 2005

Paulo de Barros Carvalho


Titular de Dir. Tributário da PUC/SP e da USP

XXIII
Caminhante, são teus passos
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
o caminho faz-se ao caminhar.
Ao andar se faz caminho
e ao olhar para trás
vê-se a senda que nunca
se voltará a pisar.
Caminhante, não há caminho,
somente sulcos de escuma ao mar.
(Antonio Machado)

SOBRE AS ALTERAÇÕES DESTA 4ª EDIÇÃO:


O CAMINHO QUE SE FAZ AO CAMINHAR

Há mais de dez anos venho me dedicando ao estudo da


teoria da prova no direito, fazendo-o com afinco, no âmbito
das linhas de pesquisa a que me vinculo na qualidade de pro-
fessora do Programa de Estudos Pós-Graduados da PUC/SP
(“Efetividade do Direito”, “Teoria da norma e fenomenologia
da incidência tributária” e “Obrigação tributária e o impacto
na sociedade”), nos núcleos de Teoria Geral do Direito e de
Direito Tributário. Como decorrência, a presente obra, além
de três edições brasileiras, foi objeto de duas publicações em
língua espanhola: traduzida por Juan Carlos Panez Solórza-
no, La Prueba en el Derecho Tributário teve sua 1ª edição em

XXV
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

2011, pela ARA Editores (Peru), sendo a 2ª edição em espa-


nhol feita pela Editora Grijley, em parceria com a Noeses, em
2012.
Com isso, as premissas teóricas passam por constantes
reflexões e aprimoramentos, sendo suscitados, também, no-
vos aspectos de sua aplicabilidade para a solução dos proble-
mas jurídicos cotidianos. É o caminho que se constrói cami-
nhando, como os sulcos de espuma no oceano, tão bem evocado
no poema de Antonio Machado1.
Nesse contexto, o presente volume foi substancialmente
acrescido com novos tópicos e aprofundamento dos já existen-
tes, como noções sobre as principais premissas do construc-
tivismo lógico-semântico; esclarecimentos adicionais quanto
à distinção entre “evento” e “fato”, assim como entre “fato
social” e “fato jurídico”; atualização com suporte em decisões
proferidas pelo STJ, no que concerne à possibilidade de revi-
são judicial de confissão tributária feita para fins de parcela-
mento tributário, e pelo STF, quanto à figura do sigilo bancá-
rio e suas decorrências; comentários sobre o valor probatório
das declarações apresentadas quando da adesão ao Regime
Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT),
dentre outras inserções de doutrina e jurisprudência que au-
xiliam na compreensão do tema em suas diversas nuances.
Os principais acréscimos, porém, como não poderia dei-
xar de ser no momento histórico que vivemos, relacionam-se
às consequências da veiculação do Novo Código de Processo
Civil, publicado em março de 2015 e vigente desde 18 de mar-
ço de 2016. Em estudo minucioso, procurei não apenas atuali-
zar o texto desta obra de acordo com os dispositivos recém-e-
ditados do Estatuto Processual, mas, além disso, entrever os
desdobramentos dessas alterações para efeitos de produção
e análise probatória, dos quais destaco, pela relevância que
assumem, os tópicos sobre a carga dinâmica da prova, o ônus
da prova para a atribuição de responsabilidade tributária aos

1. Caminante, Poema XXIX de Provérbios y Cantares.

XXVI
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

administradores, a prova nas controvérsias relativas à ausên-


cia de notificação do contribuinte, a prova de inidoneidade da
documentação fiscal e sobre a utilidade da ata notarial.
Tendo em vista a expressa previsão de aplicabilidade
subsidiária e supletiva das normas processuais civis aos pro-
cessos administrativos (art. 15 do CPC), no que se incluem os
de caráter tributário, inseri, no correr do texto, as principais
decorrências de tal disposição, com ênfase à possibilidade
de utilização de prova testemunhal na esfera administrati-
va tributária, à vedação de que o julgador sobreponha suas
convicções pessoais ao teor consignado em laudo pericial e à
necessária fundamentação das decisões para que se possa fa-
lar em efetiva observância do princípio do livre convencimento
motivado.
Feitas essas notas sobre alguns dos novos pontos constan-
tes desta edição, não posso deixar de agradecer à comunida-
de jurídica brasileira e latino-americana pela acolhida que os
pensamentos sobre A Prova no Direito Tributário têm recebi-
do. Espero que esta 4ª publicação, revista e substancialmen-
te ampliada, sirva como novo instrumento para reiteradas
reflexões, debates e aprimoramento do tema das “provas”,
para que sigamos caminhando e, desse modo, construindo o
caminho.

São Paulo, 27 de setembro de 2016.

Fabiana Del Padre Tomé

XXVII
NOTAS À 3ª EDIÇÃO

“O caos irreal do poder-ser, do vir-a-ser, do potencial que tende a


realizar-se, o qual estamos acostumados a chamar de realidade,
surge à tona, aparece ao intelecto, organiza-se em cosmos, em
breve: realiza-se nas formas das diversas línguas.”
(Vilém Flusser)

A cada dia que passa, a cada experiência vivida, sai forta-


lecida a minha convicção de que a linguagem constitui a rea-
lidade do ser cognoscente.
Com efeito, o pensamento de Vilém Flusser, objetivado
na obra Língua e realidade, editado pela primeira vez no ano
de 1963, apresenta uma proposta que, ainda hoje, pode ser
vista como inovadora e atual, indo ao encontro do modelo
edificado por Lourival Vilanova: o constructivismo lógico-
-semântico. A questão que se coloca como pano de fundo diz
respeito ao modo pelo qual as coisas constituem-se, isto é, o
modo pelo qual as coisas são. E, segundo Vilém Flusser, as
coisas são quando se realizam pela linguagem.
Assim ocorre com a realidade social, com a realidade eco-
nômica, com a realidade política e, como não poderia deixar de
ser, com a realidade jurídica. Para que um fato seja constituído
no âmbito do direito, desencadeando os efeitos corresponden-
tes, faz-se necessária uma produção linguística específica, na
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

forma e pelo sujeito prescrito pelo próprio ordenamento. Daí


a relevância do estudo das provas, em seus aspectos morfo-
lógico, sintático, semântico e pragmático. Saber produzir e
utilizar os enunciados significa ter condições de operar o sis-
tema do direito, com vistas à concretização e individualização
normativa.
O fato de ter-se esgotado a 2ª edição deste livro permi-
te entrever o interesse que o tema das provas desperta para
os estudiosos e para os aplicadores do direito. Por isso, revi-
sei cuidadosamente o texto, atualizando a legislação citada e
acrescentando novos elementos. Esta 3ª edição, que se pre-
tende ampliada e atualizada de acordo com o direito positivo
vigente, corresponde ao resultado de um trabalho incessante,
relacionado ao estudo do processo de positivação do direito,
sempre feito com a orientação do Professor Paulo de Barros
Carvalho.

São Paulo, 27 de julho de 2011.

Fabiana Del Padre Tomé

XXX
NOTAS À 2ª EDIÇÃO

É com grande satisfação que encaminho para publicar


a 2ª edição desta obra, resultado da minha Tese de Douto-
ramento na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP), sempre contando com a valiosa orientação do Pro-
fessor Paulo de Barros Carvalho.
A receptividade que este trabalho encontrou no meio
jurídico deixa entrever a relevância do tema, já que não há
como falar em incidência jurídica e surgimento da obrigação
tributária sem que seja empregada a linguagem das provas. O
desenvolvimento desse tema propiciou-me discutir o assun-
to em Congressos de Direito Tributário realizados por todo o
Brasil, despertando grande interesse dos contribuintes e das
autoridades fazendárias, todos preocupados com a regular ex-
pedição da norma individual e concreta constitutiva do fato
jurídico tributário e do correspondente liame obrigacional.
Aproveitando a oportunidade de revisão do trabalho, fo-
ram feitos acréscimos ao material já composto, procurando
mantê-lo sempre atualizado.
Devo registrar, ainda, que o livro A prova no direito tri-
butário foi elaborado com suporte no constructivismo lógico-
-semântico, método de trabalho hermenêutico que dá nome à
disciplina que leciono no Curso de Mestrado da PUC/SP.

XXXI
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Sabemos que o direito positivo, como genuína constru-


ção cultural que é, comporta muitas posições cognoscentes, po-
dendo ser observado por ângulos diferentes, como se dá com a
História do Direito, com a Sociologia do Direito, com a Dogmá-
tica Jurídica ou Ciência do Direito em sentido estrito, com a
Antropologia Jurídica, com a Filosofia do Direito, apenas para
salientar alguns saberes igualmente dotados da mesma digni-
dade científica. Diante de tanta variedade, eventual descaso
pelo método, decorrente da ânsia de oferecer farta cópia de
informações, acaba por impedir o conhecimento. Não se pode
dissociar a prática da teoria, pois tal pretensão acarreta notí-
cias desordenadamente justapostas ou sobrepostas, bem como
dados da experiência jogados ao léu. Para que isso não ocorra,
faz-se necessária uma organização do campo empírico, reali-
zada por três vieses: (i) no âmbito filosófico, mediante análise
epistemológica; (ii) no âmbito conceitual, tendo como ponto
de partida a Teoria Geral do Direito; e (iii) no âmbito factual,
por cortes metodológicos das multiplicidades dos fenômenos
concretos. Somente por meio desse aperfeiçoamento teórico
é que se alcançará o aprofundamento do conhecimento do
direito positivo.
Essas breves anotações sobre a importância do método e
do sistema de referência, bem como das dificuldades ineren-
tes ao estudo dos objetos culturais, como é caso do direito, já
permitem identificar a importância do constructivismo lógi-
co-semântico. O estudo da teoria da linguagem tem finalidade
específica de fornecer instrumentos teóricos que possibilitem
melhor compreensão e operacionalização da experiência jurí-
dica. Dessa forma, busca atender-se à sempre recomendável
intersecção entre teoria e prática, entre ciência e experiência,
ampliando, assim, o universo das formas jurídicas.
Em resumo, podemos dizer que o constructivismo lógi-
co-semântico configura método de trabalho hermenêutico
orientado a cercar os termos do discurso do direito positivo e
da Ciência do Direito para outorgar-lhes firmeza, reduzindo
as ambiguidades e vaguidades, tendo em vista a coerência e o

XXXII
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

rigor da mensagem comunicativa. Fazendo uso desse instru-


mental, o exegeta está em condições de proceder ao exame da
estrutura interna normativa, bem como das relações lógicas
existentes na integração das normas com outras unidades do
sistema, podendo fazê-lo tanto da perspectiva estática, isolan-
do as proposições normativas, como da perspectiva dinâmica,
abrangendo o processo de positivação do direito.
De posse dessa plataforma filosófica, o estudioso do di-
reito adquire nova postura analítica, tomando como ponto de
partida do conhecimento as formas lógicas, mas sem esquecer
que se trata de um objeto cultural e, portanto, impregnado de
valores. Por meio deste, desenvolve-se estudo hermenêutico-
-analítico, em que se dirige a atenção aos dados linguísticos,
fazendo uso das categorias lógico-semânticas do texto pres-
critivo e analisando a norma jurídica na sua inteireza concep-
tual. Tudo isso, objetivando que o discurso teórico propicie a
compreensão da concretude empírica do direito positivo.
É fazendo uso desse método que procuramos rediscutir e
trazer contribuições à teoria das provas.
Espero que a 2ª edição deste livro, a exemplo do que ocor-
reu com a 1ª, continue a despertar o interesse dos estudiosos
e aplicadores do direito, especialmente do direito tributário,
estimulando-os a continuar refletindo sobre os requisitos im-
prescindíveis ao processo de positivação do direito.

São Paulo, 30 de outubro de 2008.


Fabiana Del Padre Tomé

XXXIII
INTRODUÇÃO

Quando pensamos no fenômeno da percussão jurídico-


tributária, vem-nos à mente a figura de um fato que, subsumindo-
se à hipótese normativa tributária, implica o surgimento de
vínculo obrigacional. É a fenomenologia da incidência. Referida
operação, todavia, não se realiza sozinha: é preciso que um ser
humano promova a subsunção e a implicação que o preceito da
norma geral e abstrata determina. Na qualidade de operações
lógicas, subsunção e implicação exigem a presença humana. Daí
a visão antropocêntrica, requerendo o homem como elemento
intercalar, construindo, a partir de normas gerais e abstratas,
outras normas, gerais ou individuais, abstratas ou concretas.
Essa movimentação das estruturas do direito em direção
à maior proximidade das condutas intersubjetivas exige a cer-
tificação da ocorrência do fato conotativamente previsto na
hipótese da norma que se pretende aplicar. Mas, para que o
relato ingresse no universo do direito, constituindo fato jurí-
dico tributário, é preciso que seja enunciado em linguagem
competente, quer dizer, descrito consoante as provas em di-
reito admitidas. Observa-se, aí, importante função da lingua-
gem das provas no sistema do direito tributário. É por meio
delas que se compõe o fato jurídico tributário, em todos os
seus aspectos (conduta nuclear, tempo e espaço), bem como o
sujeito que o praticou e sua medida. O mesmo se pode dizer
do ilícito tributário: somente com o emprego da linguagem

XXXV
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

competente, isto é, por meio de enunciados probatórios, con-


figura-se o descumprimento de obrigação tributária ou de
dever instrumental, desencadeando a relação jurídica sancio-
natória. Como leciona Paulo de Barros Carvalho2, “o discurso
prescritivo do direito posto indica, fato por fato, os instrumen-
tos credenciados para constituí-los, de tal sorte que os acon-
tecimentos do mundo social que não puderem ser relatados
com tais ferramentas de linguagem não ingressam nos domí-
nios do jurídico, por mais evidentes que sejam”. Por essas ra-
zões, consideramos a teoria da prova um dos pontos centrais
do direito, e, dentre eles, do direito tributário.
Dada a sua relevância, objetivamos, com o presente tra-
balho, propor uma nova forma de aproximação da teoria das
provas, tomando, como ponto de partida, a circunstância de
ser o direito um texto, qualificando-se, portanto, como espé-
cie de sistema comunicacional.
Como texto que é, o direito e, por conseguinte, as provas
são susceptíveis de análise segundo três diferentes perspec-
tivas: (i) observação lógico-linguística, em que se investiga a
estrutura da linguagem; (ii) exame semântico, direcionado
à compreensão do seu conteúdo significativo; e (iii) estudo
pragmático, centrando a atenção ao aspecto dinâmico da cria-
ção do texto, bem como aos usos a ele conferidos. Procuramos
realizar o exame das provas no direito tributário em função
desses três níveis da linguagem, pois, como todo texto, a pro-
va possui uma estrutura, uma forma específica, apresentando
elementos essenciais (morfologia) que se relacionam entre si
(sintaxe), servindo como estímulo para construções de senti-
do (semântica), desencadeando efeitos e propiciando sua uti-
lização em determinadas situações (pragmática).
Partimos da Teoria Geral da Prova, para, esclarecidos
seus conceitos básicos e exposto nosso posicionamento sobre
eles, aplicá-los à esfera tributária.

2. Direito tributário, linguagem e método, p. 826.

XXXVI
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Discorrer sobre as provas exige que sejam enfrentadas


questões concernentes à composição do sistema jurídico, tais
como sua constituição em linguagem, a caracterização do co-
nhecimento e da verdade, a necessidade de decisão de con-
flitos e de regras que disciplinem o modo pelo qual se atinge
aquela verdade, possibilitando a composição dos litígios. Por
isso, fixamos, no capítulo 1, algumas premissas necessárias ao
desenvolvimento do trabalho, concernentes ao relacionamen-
to entre conhecimento, verdade e direito tributário. Em se-
guida, considerando o caráter sistemático do ordenamento,
passamos a examinar seus elementos e estrutura, objetivan-
do compreender como se opera sua transformação e, desse
modo, identificar o caminho pelo qual um fato qualquer, de
natureza social, política, religiosa, econômica etc., ingressa
no sistema jurídico, como é o caso do subsistema jurídico-tri-
butário (capítulo 2).
Firmados esses pressupostos, concentramo-nos nos pla-
nos morfológico, sintático, semântico e pragmático das provas.
Primeiramente, tecemos comentários sobre o caráter
plurissignificativo do vocábulo prova (capítulo 3). Procuran-
do elucidar algumas de suas diversas acepções, traçamos um
rol exemplificativo das significações comumente atribuídas a
essa palavra, para, em seguida, agrupá-las segundo seus as-
pectos comuns, explicitando os correspondentes conteúdos.
Além disso, definimos o que sejam meios de prova, distinguin-
do-os da figura da prova. Com isso, procedemos ao estudo se-
mântico da prova.
Efetuada a distinção entre prova e meio de prova, dirigi-
mos nossos cuidados às modalidades de meios de prova, exa-
minando criticamente a classificação tradicionalmente rea-
lizada pela doutrina processualista. Discorremos, também,
sobre os diversos meios de prova prescritos pelo ordenamen-
to brasileiro, bem como sua aplicabilidade à esfera tributária
e ao processo administrativo tributário (capítulo 4).

XXXVII
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Dedicamos o capítulo 5 à análise morfológica da prova.


Em termos linguísticos, entende-se por morfologia o estudo
da constituição das palavras e dos processos pelos quais elas
são construídas a partir de suas partes componentes, os mor-
femas. Considerando que a prova é um enunciado linguístico,
podemos, mediante isolamento temático, separar seus ele-
mentos, para fins de identificação das peculiaridades de cada
um. A essa decomposição do enunciado probatório em unida-
des linguísticas menores, viabilizando sua investigação ana-
lítica para melhor compreender sua forma e estrutura, deno-
minamos morfologia da prova. Ao realizá-la, observamos sete
elementos, sem os quais o enunciado jurídico-probatório não
subsiste (fonte, objeto, conteúdo, forma, função, finalidade e
destinatário), discorrendo sobre eles.
Ao direcionarmos nossa atenção à dinâmica da prova (ca-
pítulo 6), procuramos evidenciar a forma pela qual se realiza
o ato de provar. Compreendida a sintaxe como o feixe de re-
lações que se estabelecem entre as várias unidades de deter-
minado sistema, observamos a existência, no procedimento
probatório, de uma sintaxe interna, consistente na organiza-
ção necessária de diversos elementos linguísticos, para que
se tenha a constituição da prova. É a esse âmbito linguístico
que se refere a dinâmica da prova, em cujo estudo aludimos
às regras de sua ordenação estrutural, determinando o sujei-
to habilitado a produzi-las e o modo de fazê-lo, bem como os
limites temporais e espaciais e os princípios que orientam o
procedimento probatório.
Além da sintaxe interna da prova, concernente à forma
como os elementos morfológicos se combinam para constituir
o enunciado probatório, podemos falar, também, em uma sin-
taxe externa, relativa ao modo pelo qual uma prova se articula
com outros enunciados probatórios. É por ocasião da apre-
ciação das provas pelo julgador que se visualiza, com maior
nitidez, esse relacionamento. Sobre ele tratamos no capítulo
7, no qual, procurando determinar o emprego das provas como
elementos de convicção e sua influência na produção do ato

XXXVIII
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

decisório, investigamos o método de avaliação das provas pres-


crito pela legislação brasileira e os aspectos que nele interferem,
possibilitando que o julgador, diante de vários enunciados
probatórios conflitantes entre si (heterogêneos), acolha al-
guns e rejeite outros, formando seu convencimento.
Ao percorrermos o itinerário acima, examinando os pla-
nos morfológico, sintático e semântico das provas, fizemos
constantes referências à sua aplicabilidade na esfera tribu-
tária, desenvolvendo estudo de ordem pragmática, em que
se estabelecem as relações dos signos com os utentes da lin-
guagem. No entanto, é no capítulo 8 que aparece com maior
ênfase a pragmática da prova no processo tributário, prin-
cipalmente no que diz respeito à esfera administrativa. Ali,
aplicamos os diversos conceitos trabalhados, examinando a
composição e efeitos da prova realizada no procedimento pre-
paratório dos atos de lançamento e de aplicação de penalida-
de pelo descumprimento de obrigação tributária ou de dever
instrumental, bem como no processo administrativo tributá-
rio instalado com a impugnação do sujeito passivo.
Procuramos, neste trabalho, realizar um estudo herme-
nêutico-analítico das provas no direito tributário e, em espe-
cial, no processo administrativo tributário, esperando, com
isso, contribuir para o desenvolvimento do estudo de tão rele-
vante tema.

XXXIX
CAPÍTULO 1
CONHECIMENTO, VERDADE E DIREITO

1.1 Algumas palavras sobre o constructivismo lógico-


semântico

Muito se tem enaltecido a presença do método na com-


posição do trabalho científico. Isso ocorre porque não existe
conhecimento sem sistema de referência: este é condição sem
a qual aquele não subsiste. É por se colocarem em um tipo
de sistema de referência que os objetos adquirem significado,
pois algo só se apresenta inteligível na medida em que conhe-
cida sua posição em relação a outros elementos, tornando-se
clara sua postura relativamente a um ou mais sistemas de re-
ferência. Sistema de referência, segundo Goffredo Telles Jú-
nior1, consiste no universo cognitivo do sujeito. Cada ser hu-
mano “possui um conjunto ordenado de conhecimentos, uma
estrutura cultural, que é seu próprio sistema de referência,
em razão do qual atribui a sua significação às realidades do
mundo”. Desse modo, nenhum conhecimento é absoluto, mas
dependente do sistema de referência.

1. O direito quântico, p. 289.

1
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Nesse contexto, o método seria, em princípio, o meio es-


colhido pelo sujeito do conhecimento para aproximar-se do
objeto por ele mesmo delimitado e, portanto, constituído no
próprio processo de cognição. A eleição e aplicação de um
específico método, entretanto, encerram imensa gama de di-
ficuldades, que se acentuam, incisivamente, quando se pre-
tende o estudo de um objeto cultural, como é o caso do direito
positivo.
O direito positivo, como genuína construção cultural que
é, comporta muitas posições cognoscentes, podendo ser ob-
servado por ângulos diferentes, como se dá com a História do
Direito, com a Sociologia do Direito, com a Dogmática Jurídi-
ca ou Ciência do Direito em sentido estrito, com a Antropolo-
gia Jurídica, com a Filosofia do Direito, apenas para salien-
tar alguns saberes igualmente dotados da mesma dignidade
científica. Diante de tanta variedade, eventual descaso pelo
método, decorrente da ânsia de oferecer farta cópia de infor-
mações, acaba por impedir o conhecimento. Não se pode dis-
sociar a prática da teoria, pois tal pretensão acarreta notícias
desordenadamente justapostas ou sobrepostas, bem como da-
dos da experiência jogados ao léu. Para que isso não ocorra,
faz-se necessária uma organização do campo empírico, reali-
zada por três vieses: (i) no âmbito filosófico, mediante análise
epistemológica; (ii) no âmbito conceitual, tendo como ponto
de partida a Teoria Geral do Direito; e (iii) no âmbito factual,
por cortes metodológicos das multiplicidades dos fenômenos
concretos. Somente por meio desse aperfeiçoamento teórico
que se alcançará o aprofundamento do conhecimento do di-
reito positivo.
Essas breves anotações sobre a importância do método e
do sistema de referência, bem como das dificuldades inerentes
ao estudo dos objetos culturais, como é caso do direito, já
permitem entrever a relevância do constructivismo lógico-
semântico. O estudo da teoria da linguagem tem finalidade
específica de identificar instrumentos teóricos que permitam
melhor compreensão e operacionalização da experiência

2
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

jurídica. Dessa forma, busca atender-se à sempre recomendável


intersecção entre teoria e prática, entre ciência e experiência,
ampliando, assim, o universo das formas jurídicas.
O constructivismo lógico-semântico configura método de
trabalho hermenêutico orientado a cercar os termos do dis-
curso do direito positivo e da Ciência do Direito para outor-
gar-lhes firmeza, reduzindo as ambiguidades e vaguidades,
tendo em vista a coerência e o rigor da mensagem comuni-
cativa. No Brasil, esse método foi desenvolvido e aplicado,
pioneiramente, por Lourival Vilanova, que se dedicou ao
aprofundado estudo do discurso normativo. Foi por meio do
constructivismo lógico-semântico que o direito retomou suas
discussões filosóficas, permitindo, inclusive, o reencontro de
diversos ramos do direito com suas origens na Teoria Geral
do Direito.
O próprio nome constructivismo lógico-semântico foi atri-
buído por Lourival Vilanova. Parte de uma postura constru-
tivista, agregando-lhe o adjetivo composto lógico-semântico,
pois dirige sua atenção aos elementos do discurso.
O termo constructivismo2 é empregado para denominar
teorias que defendem a ideia de que há sempre intervenção
do sujeito na formação do objeto. É palavra ligada ao contex-
to epistemológico. Contrapõe-se à corrente descritivista, que
concebe o conhecimento ao modo aristotélico, como um pro-
cesso de assimilação das formas.
Para o constructivismo, o mundo é uma entidade cuja
morfologia não aparece independe dos sujeitos que formam
parte dele. A evolução das ciências, mesmo as chamadas ciên-
cias naturais, demonstra isso. É com frequência que ouvimos
falar em criação de grandezas, como força e aceleração; na
identificação de novos elementos, como quando se desmem-
brou os átomos (até então indivisíveis), em prótons, nêutrons

2. Tendo em vista tratar-se de uma Escola de Pensamento, utiliza-se a denominação


que lhe foi atribuída por Lourival Vilanova, conservando-se o “c mudo”.

3
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

e elétrons; nas modificações no modo de enxergar as realida-


des, como a passagem da teoria geocêntrica para a heliocên-
trica; e, até mesmo, na descaracterização de uma realidade
até então existente, a exemplo do que ocorreu com Plutão,
que deixou de ser um planeta.
Essa concepção implica abandonar a ideia de uma Ciên-
cia do Direito meramente descritiva de um objeto dado, em vi-
são ingenuamente imparcial e não valorativa. As normas não
são dadas, de antemão, no ordenamento, mas dependem de
uma atividade construtiva, em que se atribui sentido ao texto
de lei. Como enaltece Gregório Robles3, é impossível descre-
ver qualquer fenômeno de cultura: a apreciação humana im-
plica, sempre, uma construção de sentido. E o direito positivo,
sendo produzido pelo ser humano, caracteriza-se como objeto
cultural.
A norma jurídica, unidade irredutível de manifestação do
deôntico, é, nos dizeres de Lourival Vilanova, “uma estrutura
lógico-sintática de significação”4. É a significação construída
na mente do intérprete, resultado da leitura dos textos do di-
reito positivo, apresentando a forma de um juízo hipotético.
Não se confunde a norma jurídica, portanto, com o texto bru-
to, na forma como posto pelo legislador. A norma jurídica e,
por conseguinte, o sistema do direito positivo, é construído a
partir do texto bruto, mas com ele não se confunde.
Eis o primeiro ponto distintivo do constructivismo lógico-
semântico. Adotado esse método, o cientista do direito não se
limita a contemplar o texto de lei, mas efetivamente constrói
os sentidos normativos.
A construção de sentido, porém, não é feita de modo in-
discriminado. Nessa linha metodológica, procura-se amarrar
as ideias, definir os termos importantes, para conferir firmeza
ao discurso. E tal amarração opera-se no plano lógico e no

3. Teoria del derecho (fundamentos de teoria comunicacional del derecho), p. 129.


4. “Norma jurídica – proposição jurídica (significação semiótica)”, p. 16.

4
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

plano semântico. Daí falar-se em constructivismo lógico-se-


mântico. Com isso, busca-se formar um discurso responsável,
isto é, comprometido com as premissas, com o sentido que se
firmou para os termos.
Isso não significa, contudo, desprezo pelo plano pragmá-
tico. Como é sabido, toda linguagem tem um plano pragmáti-
co, sendo impossível dissociá-lo dos planos sintático e semân-
tico. Todavia, por meio da abstração, podemos dar ênfase a
um ou alguns desses aspectos. E, na proposta metodológica
de que estamos tratando, o esforço é acentuado nos planos
lógico e semântico.
Para atingir tal desiderato, emprega-se técnica analítica.
Análise equivale a um processo de resolução ou decomposi-
ção do complexo em algo mais simples. Nesse contexto, ana-
lisar equivale a decompor o objeto de estudo em uma série
de elementos que facilitam a compreensão do fenômeno que
se observa. No constructivismo lógico-semântico, o objeto de
análise é a linguagem, a qual se pretende reduzir ou traduzir
a uma linguagem formal e cuja lógica e procedimentos sejam
claros, rigorosos e controláveis. É o que Paulo de Barros Car-
valho fez em relação às normas jurídicas tributárias, edifican-
do a teoria da regra-matriz de incidência tributária.
O constructivismo lógico-semântico tem por procedimento
reduzir os complexos linguísticos a elementos básicos, com
o fim de facilitar a compreensão de seu significado. Não se
confunde, porém, com a filosofia analítica, pois sofre forte
influência do culturalismo. Daí porque recebe o nome, tam-
bém, de postura hermenêutico-analítica. Segundo Paulo de
Barros Carvalho5, no constructivismo lógico-semântico “a
postura analítica faz concessões à corrente hermenêutica,
abrindo espaço a uma visão cultural do fenômeno jurídico”.

5. Direito tributário, linguagem e método, p. XXIV.

5
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Essa é a concepção filosófica adotada por Lourival Vila-


nova, verificando-se (i) forte pendor analítico, aliado à (ii) for-
mação culturalista, da Escola de Baden.
No que diz respeito ao culturalismo, este tem em Miguel
Reale seu maior representante brasileiro. Essa corrente filo-
sófica consiste em uma concepção do Direito integrada pelo
historicismo e pelos princípios fundamentais da Axiologia,
considerando a teoria dos valores em função dos graus de
evolução social. É exatamente o toque da cultura que, na lição
de Paulo de Barros Carvalho6, evita que se pretenda entre-
ver o mundo pelo prisma reducionista do mero racionalismo
descritivo.
Pendor analítico pode ser tomado como dinâmica mental
do espírito de quem pacientemente decompõe, desarticula,
analisa, para avançar em direção ao objeto e explorá-lo com
a máxima potencialidade. Sempre, é, claro, no interior do
universo do discurso, pois a palavra tomada como referência
postula outras palavras que sobre ela discorram, de tal modo
que se torna impossível romper esse domínio inesgotável de
unidades linguísticas.
Há que se fazer, porém, advertência acerca dos eventuais
excessos no trato com o formal. A visão lógica é necessaria-
mente parcial e o discurso linguístico há de ser visto na sua
inteireza constitutiva, vale dizer, na sua integridade comuni-
cacional, suscetível sempre de análise nas três dimensões se-
mióticas: sintática, semântica e pragmática.
Em suma, o denominado constructivismo lógico-semânti-
co propõe-se a, respeitando a todos os modelos epistemoló-
gicos existentes, servir de método para ingresso na intimida-
de do fenômeno jurídico, mediante trabalho analítico, porém
com influência culturalista, considerando ser o direito um ob-
jeto cultural, produto da ação humana. Trata-se de estratégia
de movimentação do intelecto para apreender e devassar o

6. Idem, p. 3-4.

6
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

objeto do conhecimento, e que persiste em toda a dimensão


de seu trabalho. Método analítico, mas com acentuado aspec-
to culturalista, em que, a cada instante, se recupera a circuns-
tância do homem, contextualizando-o.
O constructivismo lógico-semântico pode ser visto como
rigorosa elaboração da metodologia sintática e semântica do
direito. Essa concepção filosófica possibilita edificar uma teo-
ria das normas bem estruturada em termos lógicos, discutida
e esquematizada no nível semântico e com boas indicações
para um desdobramento pragmático. Tudo isso, considerando
que a positivação do direito se opera mediante a presença in-
dispensável da linguagem, num contexto de crenças, ideias e
convicções, decorrentes dos valores dos sujeitos que integram
a sociedade. Trata-se, portanto, de um estudo hermenêuti-
co-analítico do direito, em que se dirige a atenção aos dados
linguísticos (linguagem jurídico-normativa), fazendo uso das
categorias lógico-semânticas do texto prescritivo e analisando
a norma jurídica na sua inteireza conceptual, mas que, por
outro lado, também considera a necessidade premente de o
discurso teórico propiciar a compreensão da concretude em-
pírica do direito posto.
Paulo de Barros Carvalho7 vê nessa concepção expediente
que potencializa a investigação:

De primeiro, por sair amarrando e costurando os conceitos fun-


damentais, estipulando o conteúdo semântico dos termos e ex-
pressões de que se servem os especialistas; de segundo, porque
projeta os elementos especulativos, preparando-os para outra
sorte de indagações, agora de cunho culturalista; e, por fim, mu-
nidos desse poderoso instrumental, aplicá-lo ao direito tributário
dos nossos dias.

Suas obras vêm cumprindo importante função de difun-


dir o constructivismo lógico-semântico aplicado ao Direito,
sempre procurando aplicar a lição de Lourival Vilanova, no

7. Idem, p. XXV.

7
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

sentido de que o jurista é o ponto de intersecção entre a teoria


e a prática; entre a ciência e a experiência. Seu trabalho mais
recente, intitulado Direito tributário, linguagem e método, dei-
xa isso bem evidente, demonstrando a importância e utilidade
desse método.
Fazendo uso do instrumental fornecido pelo constructi-
vismo lógico-semântico, o exegeta está em condições de pro-
ceder ao exame da estrutura interna normativa, bem como
das relações lógicas existentes na integração das normas com
outras unidades do sistema, podendo fazê-lo tanto da pers-
pectiva estática, isolando as proposições normativas, como da
perspectiva dinâmica, abrangendo o processo de positivação
do direito.

1.2 A questão do conhecimento

A teoria do conhecimento, originalmente, centrava-se


no estudo da relação entre sujeito e objeto, fazendo-o a par-
tir do objeto (ontologia), do sujeito (gnosiologia) ou da rela-
ção entre ambos (fenomenologia). Com base na filosofia da
consciência, via-se a linguagem como instrumento que liga-
va o sujeito ao objeto do conhecimento, sendo a verdade re-
sultado da correspondência entre a proposição linguística e
o objeto referido.
Com o advento da filosofia da linguagem, cujo marco ini-
cial é a obra de Wittgenstein (Tractatus logico-philosophicus),
passou-se a considerar a linguagem como algo independente
do mundo da experiência e, até mesmo, a ela sobreposta, ori-
ginando o movimento hoje conhecido como giro linguístico.
Essa nova corrente filosófica rompeu a tradicional forma de
conceber a relação entre linguagem e conhecimento, enten-
dendo que a própria compreensão das coisas se dá pela pree-
xistência de linguagem, não sendo esta concebida como mero
instrumento que liga o sujeito ao objeto do conhecimento. A
linguagem deixou de ser um meio entre ser cognoscente e
realidade, convertendo-se em léxico capaz de criar tanto o ser

8
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

cognoscente como a realidade. Nessa concepção, o conheci-


mento não aparece como vínculo entre sujeito e objeto, mas
como relação entre linguagens, entre significações.
Costuma-se afirmar que o conhecimento consiste em sa-
ber distinguir as proposições verdadeiras das falsas, propo-
sições estas caracterizadas por descreverem estados de coi-
sas8. Dessa assertiva depreende-se, desde logo, que o objeto
do conhecimento não são as coisas-em-si, mas as proposições
que as descrevem. Não são as coisas, portanto, verdadeiras ou
falsas: os enunciados a elas referentes é que se sujeitam a essa
espécie de valoração.
Avançando um pouco o raciocínio, adotamos o posicio-
namento de que o mundo exterior nem sequer existe para o
sujeito cognoscente sem uma linguagem que o constitua. As
proposições descritivas não se referem à coisa-em-si, mas,
necessariamente, a um enunciado. Típico exemplo pode ser
observado nos dicionários da língua portuguesa: não se ve-
rifica relação alguma entre coisa e linguagem; a correspon-
dência dá-se, sempre, entre linguagens. É a autorreferencia-
lidade da linguagem, muito bem identificada por Lourival
Vilanova9:

É um traço de toda linguagem o poder ela dizer algo de-si-


mesma. Mas, nesse retrorreferir-se, move-se num universo
fechado: a palavra, que figura como objeto, serve-se de outra
palavra que fala acerca dela, e nunca é possível sair-se desse
conjunto infinito ou indeterminável de elementos-palavras:
estaremos sempre no interior do universo-do-discurso.

Firmada essa premissa, consideramos que o fenômeno


do conhecimento não se opera entre um sujeito cognoscente e
um objeto da experiência, pois qualquer coisa do mundo lá fora
só passa a ser susceptível de se conhecer quando apreendida

8. Guibourg, Ghigliani e Guarinoni, Introducción al conocimiento científico, p.


83-84.
9. Analítica do dever-ser. Escritos jurídicos e filosóficos, v. 2, p. 45.

9
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

pelo ser humano, que a constitui linguisticamente. Conhecer


não significa a simples apreensão mental de um objeto da
existência concreta. Ao contrário, é o intelecto que produz os
objetos que conhecemos. Como ponderam Humberto Matura-
na e Francisco Varela, “todo ato de conhecimento produz um
mundo”10. Em consequência, sendo produzido pelo homem, o
conhecimento apresenta-se condicionado ao contexto em que
se opera, dependendo do meio social, do tempo histórico e até
mesmo da vivência do sujeito cognoscente. No dizer de Nicola
Abbagnano11, esse contexto é composto pelo conjunto de ele-
mentos que, de algum modo, condicionam a significação de
um enunciado.
Tomados o conhecimento e seu objeto como construções
intelectuais, sua existência dá-se pela linguagem: metalin-
guagem o primeiro; linguagem-objeto o segundo. Só há reali-
dade onde atua a linguagem, assim como somente é possível
conhecer o real mediante enunciados linguísticos. Quaisquer
porções do nosso meio envolvente que não sejam formadas
especificamente pela linguagem permanecerão no campo das
meras sensações, e, se não forem objetivadas no âmbito das
interações sociais, acabarão por dissolver-se no fluxo tempo-
ral da consciência, não caracterizando o conhecimento, na sua
forma plena.

1.2.1 Conhecimento e linguagem

A questão do conhecimento exige, previamente, o exame


do vocábulo existência. A resposta à indagação “que significa
existir?” é primordial para fixar o conceito de conhecimento
e, por decorrência, de verdade. Além disso, adotada a posição
de que o conhecimento se opera mediante construção linguís-
tica, impende examinarmos a função da linguagem no siste-
ma social e sua relação com a existência das coisas.

10. A árvore do conhecimento, p. 68.


11. Dicionário de filosofia, p. 199.

10
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Temos para nós que o sentido de um significante não se


confunde com o referente, considerada a coisa em si mesma:
seu significado nada mais é que outro significante. Pensamos
não existir correspondência entre as palavras e os objetos. A
linguagem não reflete as coisas tais como são (filosofia do ser)
ou tais como desinteressadamente percebe uma consciência,
sem qualquer influência cultural (filosofia da consciência).
A significação de um vocábulo não depende da relação
com a coisa, mas do vínculo que estabelece com outras pala-
vras. Nessa concepção, a palavra precede os objetos, crian-
do-os, constituindo-os para o ser cognoscente. Como anota
Dardo Scavino12, “não existem fatos, só interpretações, e toda
interpretação interpreta outra interpretação”. Daí a conclu-
são de que se a coisa não precede a interpretação, só apa-
recendo como tal depois de ter sido interpretada, então é a
própria atividade interpretativa que a cria. Exemplificando:
se uma árvore cai e forma obstáculo à passagem por determi-
nada rua, mas ninguém toma conhecimento desse evento, não
há, no mundo social, o fato correspondente. A partir do mo-
mento em que a comunidade fica sabendo da ocorrência de
tal fenômeno, tem-se constituído o fato social, por ter sido in-
terpretado por alguém e vertido na linguagem da comunica-
ção social. Assim é que, não obstante a árvore possa ter caído
naturalmente, por estar muito velha, o fato social, decorrente
da interpretação humana, pode consistir em “a árvore foi der-
rubada por alguém” ou “a árvore caiu em virtude de um tem-
poral” ou, ainda, “a árvore foi derrubada por forças do além”
etc. Em suma, o fato inexiste antes da interpretação. É o ser
humano que, interpretando eventos ou até mesmo empregan-
do recursos imaginativos, cria o fato, fazendo-o por meio da
linguagem, entendida como o uso intersubjetivo de sinais que
tornam possível a comunicação.
Por essa mesma razão, somente por meio da linguagem
é possível o conhecimento, em seu sentido pleno, como algo

12. La filosofía actual: pensar sin certezas, p. 36 (tradução nossa).

11
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

objetivado. Vale recordar a proposição 5.6 do Tractatus logico


philosophicus, segundo a qual “os limites de minha linguagem
denotam os limites de meu mundo”13. Isso não significa, po-
rém, a inexistência de quaisquer objetos físicos quando não
haja linguagem. O que queremos demonstrar é ser pela lin-
guagem e somente por ela que podemos ter acesso às coisas
existentes no mundo, compreendendo-as e criando, desse
modo, a realidade objetiva do ser cognoscente, pois, como le-
ciona Paulo de Barros Carvalho14, “conheço determinado ob-
jeto na medida em que posso expedir enunciados sobre ele,
de tal arte que o conhecimento se apresenta pela linguagem,
mediante proposições descritivas ou indicativas”.
Seguindo semelhante linha de raciocínio, Leonidas He-
genberg15 conclui que:

O ser humano transforma a circunstância em mundo. Dando


sentido às coisas que o cercam, interpretando-as, o ser humano
pode viver (ou, no mínimo, sobreviver). Quer dizer, o ser huma-
no reconhece as coisas, entende-as, sabe valer-se delas, para
seu benefício. Em suma, o caos circundante se transforma em
mundo – uma circunstância, dotada ainda que parcial e provi-
soriamente, de certa interpretação.

O mundo não é um conjunto de coisas que primeiro se


apresentam e, depois, são nomeadas ou representadas por
uma linguagem. Isso que chamamos de mundo nada mais é
que uma interpretação, sem a qual nada faria sentido.
Nas palavras desse autor16, ao nascer somos atirados
em um mundo, o qual se apresenta, para nós, como uma cir-
cunstância cheia de coisas, a que aos poucos nos ajustamos.
E, para que esse ajuste não seja apenas físico, mas também
intelectual, contamos com as interpretações que dela fizeram

13. Ludwig Wittgenstein, p. 111.


14. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 93.
15. Saber de e saber que: alicerces da racionalidade, p. 25.
16. Ibidem, p. 19.

12
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

aqueles que nos antecederam, interpretações estas que confe-


rem inteligibilidade ao mundo.
A experiência sensorial é imprescindível ao ato de co-
nhecimento. Essa experiência, porém, não se resume ao
mero contato com a coisa-em-si, exigindo, para que se ope-
re, a interpretação dos fenômenos que se nos apresentam. É
mediante o contato com essa interpretação que construímos
outras interpretações mais elaboradas, denominadas signi-
ficações conceptuais. Em ambos os casos (interpretação pri-
meira e fixação da significação conceptual), faz-se presente a
linguagem, sendo-nos lícito afirmar que esta não se restringe
a transformar a realidade efetiva em realidade conceptual:
mais que isso, a linguagem é o meio pelo qual se criam essas
duas realidades.
O conhecimento pressupõe a existência de linguagem.
A realidade do ser cognoscente caracteriza-se exatamente
por esse conhecimento do mundo, constituído mediante lin-
guagem. Não é possível conhecermos as coisas tal como se
apresentam fisicamente, fora dos discursos que a elas se re-
ferem. Por isso, nossa constante afirmação de que a lingua-
gem cria ou constitui a realidade. “Nada existe onde faltam
palavras”17.
Algo só tem existência no mundo social quando a palavra
o nomeia, permitindo que apareça para a realidade cognoscen-
te. Lenio Luiz Streck18 é preciso ao discorrer sobre o assunto,
asseverando não ser possível falar sobre algo que não se con-
segue verter em linguagem:

Isto porque é pela linguagem que, simbolizando, compreendo;


logo, aquele real, que estava fora do meu mundo, compreendido
através da linguagem, passa a ser realidade. Dizendo de outro
modo: estamos mergulhados em um mundo que somente apare-
ce [como mundo] na e pela linguagem. Algo só é algo se podemos

17. José Souto Maior Borges, Ciência feliz, p. 123.


18. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção
do direito, p. 178 (grifado no original).

13
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

dizer que é algo. [...] A construção social da realidade implica um


mundo que pode ser designado e falado com as palavras forneci-
das pela linguagem de um grupo social [ou subgrupo]. O que não
puder ser dito na sua linguagem não é parte da realidade desse
grupo; não existe, a rigor.

As coisas não precedem o discurso, mas nascem com ele,


pois é exatamente o discurso que lhes dá significado. Con-
soante sublinha Manfredo Araújo de Oliveira19, “não existe
mundo totalmente independente da linguagem (...). A lingua-
gem é o espaço de expressividade do mundo, a instância de
articulação de sua inteligibilidade”. E é exatamente em bus-
ca dessa inteligibilidade e seu aprimoramento que deixamos
de associar palavras a coisas, passando a relacioná-las com
outras palavras, mediante aquilo que se intitula definições.
Como corolário, é forçoso concluir que as definições não di-
zem respeito a coisas: o que definimos são as palavras mes-
mas, empregando outras palavras. Não definimos, por exem-
plo, o objeto sapato. Sapato é uma palavra e apenas como tal
é possível defini-la, esclarecendo tratar-se de “um calçado”.
Por tudo o que se expôs, sugerimos que o intérprete dire-
cione sua atenção aos enunciados linguísticos, especialmente
porque deles decorre a própria existência dos objetos.

1.3 “Saber de”, “saber como” e “saber que”

Leonidas Hegenberg20, em aprofundado estudo sobre o


conhecimento, identifica três espécies de saber: (i) saber de;
(ii) saber como; e (iii) saber que, relacionando-os com as etapas
pelas quais o ser humano passa para atingir aquilo que cha-
mamos conhecimento.
O saber de, primeira dessas fases, consiste na compreen-
são rudimentar do mundo, necessária à sobrevivência do

19. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea, p. 13.


20. Saber de e saber que: alicerces da racionalidade, passim.

14
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

sujeito cognoscente. É a atribuição de um sentido mínimo às


coisas que o circundam, permitindo identificá-las mediante a
percepção: visão, toque, olfato, audição, paladar. O saber das
coisas dá-se mediante sensações que, já enriquecidas por ex-
periências passadas e pela memória, possibilitam o reconhe-
cimento dos objetos sempre que com eles novamente se depa-
rar o sujeito.
Efetuados os primeiros contatos com o mundo, desenvol-
ve-se um saber mais complexo, abrangendo relações de causa
e efeito [se... então...], permitindo atribuir significados mais
claros às coisas. É o saber como. Nesse momento, o sujeito cog-
noscente encontra-se apto a executar atos de crescente com-
plexidade, mediante sua atuação sobre o mundo.
Por fim, como resultado dessa vivência, aliada a inferên-
cias intelectivas, o homem atinge o saber que. Este equivale ao
conhecimento, no sentido corriqueiramente empregado.
Os três tipos de saber andam juntos. À medida que entra-
mos em contato com novos objetos, antes ignorados, aumen-
tamos o saber de. Este, geralmente, relaciona-se com algum
ato a executar, implementando nosso saber como. Procura-
mos, ainda, saber por que as coisas são de determinada forma
e não de outra, utilizando, para tanto, nossa capacidade de
raciocinar e inferir, alcançando o saber que, ou seja, o conheci-
mento, na sua plenitude.

1.4 Conhecimento e sistema de referência

Não existe conhecimento sem sistema de referência: este


é condição sem a qual aquele não subsiste. É exatamente por
se colocarem em um tipo de sistema de referência que os ob-
jetos adquirem significado, pois algo só é inteligível à medida
que é conhecida sua posição em relação a outros elementos,
tornando-se clara sua postura relativamente a um ou mais
sistemas de referência.

15
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Mesmo aquela compreensão rudimentar do mundo [sa-


ber de] depende de um ponto referencial, pois se orienta por
coordenadas de tempo e de espaço. Assim é que uma criança
nascida na cidade grande consegue distinguir ruídos de cami-
nhões e automóveis, reconhece o cheiro do monóxido de car-
bono etc., ao passo que a criança de uma fazenda localizada
no interior identifica o som do rastejar da cobra, bem como o
piar das diversas espécies de pássaros. O saber de para ambas
é diferente, em função do sistema de referência de cada uma.
Cada pessoa, conforme seus sistemas de referência, ou
seja, suas vivências, dispõe de um particular e específico sa-
ber de. É em consequência disso que um mesmo evento ou
um único fato podem ser interpretados diferentemente pelos
indivíduos.
O saber como também se sujeita a condições de tempo e
espaço em relação às quais se consolida. Nas matas, um jovem
sabe como evitar um escorpião ou caçar um tatu, enquanto o
jovem da cidade sabe como tomar um ônibus ou abrir uma lata
de conservas. Como bem esclarece Leonidas Hegenberg21, “as
ações que somos compelidos a executar no ambiente em que
vivemos ditarão, em boa medida, o que se tornará um apro-
priado saber como”.
Pelas mesmas razões, o saber que [conhecimento], andan-
do junto com o saber de e saber como, e sendo dependente do
raciocínio e inferência humanos, também exige um sistema
de referência. Não havendo sistema de referência, o conheci-
mento é desconhecimento22, pois, sem a indicação do modelo
dentro do qual determinada proposição se aloja, não há como
examinar sua veracidade.

21. Saber de e saber que: alicerces da racionalidade, p. 27.


22. Goffredo Telles Júnior, O direito quântico, p. 289.

16
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

1.5 A teoria do conhecimento segundo o constructivis-


mo lógico-semântico

Na trajetória da teoria do conhecimento observamos certa


evolução em que, de início, tomava-se o objeto ou o sujeito
como determinantes para o conhecimento: eis a ontologia e
a gnoseologia, respectivamente. Desse modo, Husserl ocu-
pou-se do objeto do conhecimento. Para esse autor, nada se
poderia conhecer se na realidade bruta não houvesse algo do-
tado da possibilidade de ser captado pelas sensações e pelo
intelecto.
Passou-se, depois, a considerar a necessária relação en-
tre sujeito e objeto [ontognoseologia], seguindo em direção à
fenomenologia, nos termos da qual não conhecemos as coisas
como são em si, mas como se nos apresentam. Nessa esteira,
Kant se preocupou em elaborar estudos sobre as formas e ca-
tegorias do conhecimento em função do sujeito transcenden-
tal. Na visão kantiana o sujeito, no contexto espaço-temporal,
cria o objeto, a ele aplicando categorias do conhecimento.
Com base na filosofia da consciência, via-se a linguagem
como instrumento que ligava o sujeito ao objeto do conheci-
mento, sendo a verdade resultado da correspondência entre
a proposição linguística e o objeto referido. Na linha do cons-
tructivismo lógico-semântico, de modo diverso, entendemos
haver inevitável interdependência entre sujeito e objeto: o
sujeito só é sujeito perante um objeto e o objeto só é objeto
em face de um sujeito. E tal relação ocorre em um contexto
específico, sendo o conhecimento determinado pela cultura.
O conhecimento não aparece como relação entre sujeito
e objeto, mas como relação entre linguagens, entre significa-
ções, inserindo-se na concepção da filosofia da linguagem, e,
mais especificamente, do giro linguístico.
Esse modo de pensar não significa um abandono das
construções de Husserl e Kant, mas uma evolução em que
passa a considerar-se, com ênfase, o contexto cultural. Assim

17
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

é que Miguel Reale23 pontua que “a questão do conhecimento


não pode se reduzir a uma relação puramente lógica entre ser
cognoscente e realidade cognoscível, porquanto um e outra se
situam ab initio em um contexto cultural”.
Afasta-se, com isso, qualquer dogmatismo em relação ao
conhecimento. O dogmatismo advém do vocábulo “dogma”,
cujo significado refere-se a algo que não precisa de explica-
ção. Para essa posição epistemológica, não existe o problema
do conhecimento: não vê o conhecimento como uma relação
entre sujeito e objeto, acreditando que os objetos do conhe-
cimento são dados absolutos e que o sujeito simplesmente
apreende o objeto. As coisas existem, pura e simplesmente: a
verdade está no objeto. Segundo tal concepção, o conhecimen-
to é possível em sua plenitude: o sujeito pode conhecer o ob-
jeto em sua totalidade. Partindo dessa premissa, as verdades
são certas e indiscutíveis, não havendo função mediadora do
intelecto humano na construção do conhecimento.
Para o dogmático, também os objetos e os valores exis-
tem, pura e simplesmente, independente do sujeito cognos-
cente. É, segundo Johannes Hessen24, atitude do homem in-
gênuo, sendo a primeira e mais antiga posição.
Por outro lado, o fato de o conhecimento ser construído
pelo ser humano e, portanto, inexistir uma verdade objetiva e
absoluta, não implica a adoção do ceticismo.
O ceticismo, corrente oposta ao dogmatismo, nega a pos-
sibilidade do conhecimento. Prega o ceticismo pirrônico [ou
pirronismo] que, como o sujeito não pode apreender o obje-
to, o conhecimento é impossível. Em consequência, não se
pode formular qualquer juízo, restando ao sujeito abster-se
de julgar.
Esse ceticismo, de caráter radical e absoluto, porém,
representa uma contradição em termos, pois afirmar que o

23. Cinco temas do culturalismo, p. 28.


24. Teoria do conhecimento, passim.

18
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

conhecimento é impossível implica dizer que se conhece algo:


a impossibilidade do conhecimento. Com ele não se confun-
de o ceticismo acadêmico, postura acadêmica que reconhece
nunca termos certeza de algo, de modo que não podemos dizer
que uma proposição é verdadeira, mas que parece verdadeira.
Na esteira do constructivismo lógico-semântico, o conhe-
cimento é possível: realiza-se com suporte na linguagem.
Firmada essa premissa, consideramos que o fenômeno
do conhecimento não se opera entre um sujeito cognoscen-
te e um objeto da experiência, pois qualquer coisa do mun-
do lá fora só passa a ser suscetível de se conhecer quando
apreendida pelo ser humano, que a constitui linguisticamente.
Conhecer não significa a simples apreensão mental de um
objeto da existência concreta. Ao contrário, é o intelecto
que produz os objetos que conhecemos. Em consequência,
sendo produzido pelo homem, o conhecimento apresenta-se
condicionado ao contexto em que se opera, dependendo do
meio social, do tempo histórico e até mesmo da vivência do
sujeito cognoscente. Esse contexto é composto pelo conjunto
de elementos que, de algum modo, condicionam a significa-
ção de um enunciado.
Tomados o conhecimento e seu objeto como construções
intelectuais, sua existência dá-se pela linguagem: metalingua-
gem o primeiro; linguagem-objeto o segundo. Só há realidade
onde atua a linguagem, assim como somente é possível co-
nhecer o real mediante enunciados linguísticos. Quaisquer
porções do nosso meio envolvente que não sejam formadas
especificamente pela linguagem permanecerão no campo
das meras sensações, e, se não forem objetivadas no âmbi-
to das interações sociais, acabarão por dissolver-se no fluxo
temporal da consciência, não caracterizando o conhecimen-
to, na sua forma plena. Nesse sentido, anota Miguel Reale25
que “enquanto este não se torna objetivo e comunicável, não
há como se falar em conhecimento propriamente dito. [...]

25. Idem, p. 42.

19
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

enquanto o ‘conhecido’ não se exterioriza, revelando-se ‘obje-


to cultural’, como tal, não há ainda plenitude de conhecimen-
to e comunicação”.
Há, entre conhecimento e comunicação, um vínculo in-
cindível. Só existe conhecimento, propriamente dito, quando
este se torna objetivo e comunicável. E esse ato de objetiva-
ção, convém registrar, é de ordem cultural.
Com isso, tem-se a superação da dualidade sujeito cog-
noscente/realidade conhecida: o que se percebe é a realidade
vista pelo sujeito, sendo dependente de condições subjetivas
e intersubjetivas.
Tem-se o conhecimento, portanto, como relação entre
linguagens: a do sujeito cognoscente e a do objeto (aquilo que
do objeto se fala). Podemos dizer, então, que o conhecimento é
sempre meta-conhecimento, já que para conhecer algo é pre-
ciso uma pré-compreensão daquilo que se pretende conhecer.
Eis do dado da cultura, atuando como condição a priori do
conhecimento.

1.6 O “saber que” e sua relação com a verdade, crença


e justificação

A fórmula “P sabe que S”, representativa do conheci-


mento, em que “P” é o sujeito e “S” indica uma sentença
declarativa qualquer, pode ser enunciada quando duas con-
dições forem simultaneamente satisfeitas: (i) “P” crê que “S”
(acredita no que a sentença “S” afirma); e (ii) “P” tem ra-
zões não refutadas que justificam crer que “S”. Em suma, as
condições a serem observadas consistem na: (a) crença; e (b)
justificação.
A crença é tomada como a atitude de afirmar, com certo
grau de probabilidade ou certeza, a veracidade de determina-
da proposição, ainda que não se consiga prová-la racional e
objetivamente.

20
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Guibourg, Ghigliani e Guarinoni26 reconhecem gradação


à crença, que pode caracterizar-se como (i) mera conjectura,
entendida na qualidade de suposição inverificável ou ainda
não verificada; (ii) suspeita, consistente em opinião funda-
mentada em indícios não veementes; (iii) probabilidade, em
que se têm elementos favoráveis à certificação de determi-
nado acontecimento, sem, no entanto, eliminar a possibilida-
de contrária; e (iv) certeza, configurando o grau máximo da
crença, decorrente de um estado psicológico de adesão firme
e sem resquício algum de dúvida àquilo que se conhece. To-
davia, ainda que se esteja diante da mais elevada intensida-
de da crença, isso não garante veracidade à proposição, pois
conquanto seja condição do conhecimento [saber que], não se
apresenta como condição bastante.
Para que uma crença seja considerada verdadeira é pre-
ciso ter justificação suficiente, aperfeiçoada mediante aquilo a
que chamamos de prova. Consiste na argumentação que leva
o sujeito “P” a reconhecer ou aceitar a veracidade de uma
sentença “S”, ou, em sentido lógico, na demonstração da ve-
racidade de uma proposição, de acordo com determinados
princípios lógicos e regras de inferência.
Só estaremos habilitados a afirmar que uma proposição
é verdadeira, portanto, caso: (i) creiamos na sua veracidade; e
(ii) tenhamos provas que justifiquem essa crença. Verdadeiro
é o fato que está comprovado de tal forma que se tenha certe-
za de sua ocorrência: “a prova é sempre e em todo caso a pe-
dra de toque da verdade”27. Tudo isso, obviamente, enunciado
de acordo com as regras que presidem cada sistema.

1.7 Breves considerações sobre a verdade

Anotamos que o objeto do conhecimento são proposições,


a estas se atribuindo os valores verdade e falsidade. Mas que

26. Introducción al conocimiento científico, p. 94.


27. Antonio Dellepiane, Nova teoria da prova, p. 62.

21
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

é verdade? Seria possível conhecê-la? Existiria uma verdade


única? Para afirmarmos que “S” é uma sentença verdadeira,
e, por conseguinte, estarmos diante do saber que, essas inda-
gações devem ser enfrentadas.
Para tanto, convém esclarecer, desde logo, que a verdade é
metafísica. Na literalidade, o vocábulo metafísica corresponde
à locução após a física, significando, para fins filosóficos, “aqui-
lo que está além da física, que a transcende”28. A metafísica
abrange questões que não podem ser solucionadas mediante a
experiência, ultrapassando o campo do empírico. Esse concei-
to aplica-se integralmente à ideia de verdade, pois esta não é
susceptível de apreciação pelo método das experiências: todos
falam em nome da verdade, mas não há como saber, mediante
procedimentos experimentais, quem está realmente dizendo
a verdade.
Algo semelhante se verifica, por exemplo, com a noção
de justiça: é um valor cuja verificação está além das possibi-
lidades de exames empíricos. Diante de uma mesma situação
fática, dois sujeitos podem chegar a conclusões distintas: para
um, fez-se justiça; para outro, o que houve foi injustiça.
Verdade, justiça e segurança jurídica são alguns dos vá-
rios conceitos que podemos denominar metafísicos, dada a in-
susceptibilidade de conhecimento empírico.
Isso não significa, contudo, serem esses conceitos ininte-
ligíveis. O fato de ser inexperimentável não se confunde com
a incognoscibilidade: o metafísico é passível de conhecimen-
to, ainda que não empírico. Por esse motivo, faz-se necessário
analisar as principais correntes filosóficas que se voltam ao
conhecimento da verdade, para, optando por uma delas, es-
tarmos habilitados a discorrer sobre a veracidade ou falsidade
de determinada proposição.

28. Hilton Japiassu e Danilo Marcondes, Dicionário básico de filosofia, p. 165.

22
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

1.7.1 Verdade por correspondência

Classicamente, define-se a verdade como a adequação de


determinada sentença à realidade, exigindo-se identidade en-
tre a proposição afirmativa ou negativa de algo e a realidade
por ela referida. Essa ordem de ideias tem sua origem nas con-
cepções platônicas e aristotélicas, considerando (i) a existên-
cia de uma realidade anterior e independente do pensamento,
em postura realista ontológica, bem como (ii) a possibilidade
de ser o real descrito de modo neutro e objetivo, conforme os
pressupostos da visão realista epistêmica. É o que sustentam
os adeptos da teoria da verdade por correspondência.
Essa correspondência demanda que exista um estado de
coisas susceptível de ser descrito pela sentença cuja verdade
se está averiguando. No caso de tratar-se de um enunciado
negativo, sua veracidade depende da inexistência de estado
de fato que se enquadre em sua descrição. O pressuposto para
a verdade de uma assertiva estaria relacionado à circunstân-
cia de ela descrever os fatos tais como eles são. Exatamente
aí reside o primeiro problema dessa corrente: ignorar o fato
de que o mundo da experiência não pode ser integralmente
descrito pela linguagem e, portanto, de que a proposição não
o espelha de forma completa. O real é infinito e irrepetível,
possuindo, cada objeto, um número ilimitado de determina-
ções. Por isso, o sujeito cognoscente tem sempre percepções
parciais do mundo.
O segundo obstáculo à adoção de tal posicionamento fi-
losófico consiste no fato de que, nos termos da premissa fir-
mada neste trabalho, as coisas só existem para o ser humano
a partir do instante em que se tornam inteligíveis para ele.
Dependem, portanto, da sua constituição em linguagem. Dis-
so decorre que a proposição cuja veracidade se examina não
se refere ao objeto-em-si, mas ao enunciado linguístico que a
compõe, inexistindo aquela suposta correspondência entre a
linguagem e algo exterior a ela.

23
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

1.7.2 Fenomenalismo

O fenomenalismo é doutrina filosófica segundo a qual o


homem não tem acesso à coisa-em-si, mas apenas aos fenô-
menos, entendidos em seu sentido kantiano, ou seja, a ma-
nifestação, forma pela qual as coisas aparecem aos olhos do
sujeito cognoscente. Adotando essa linha de raciocínio, asse-
vera Porto Carrero29 que, “por mais que busque aproximar-
-se do nômeno, há de ater-se sempre ao fenômeno, sempre à
aparência real das coisas, diante dos sentidos aperfeiçoados,
aparelhados e computados, na sua inópia, pela inteligência”,
razão pela qual inexistiria uma verdade absoluta.
Conquanto essa teoria negue a possibilidade de o ser
humano apreender a coisa-em-si, não deixa de aceitar que
existam objetos da experiência, susceptíveis de conhecimento
direto. Diverge da verdade por correspondência apenas pelo
fato de que não exige relação entre o enunciado e a coisa,
mas entre o enunciado e a manifestação da coisa: o fenôme-
no. Peca, portanto, ao desconsiderar que o próprio fenômeno,
para ser conhecido pelo homem, precisa ser constituído em
linguagem, pois é só por meio desta que a manifestação do
mundo se torna inteligível.

1.7.3 Verdade por coerência

Nos termos da teoria da verdade por coerência, a realida-


de seria um todo coerente, no sentido de que as proposições
que em seu conjunto a descrevem não podem ser contraditó-
rias entre si. Essa teoria exige, outrossim, que, além da ine-
xistência de contradição, as proposições aceitas como verda-
deiras possam ser deduzidas umas das outras. A verdade do
enunciado é identificada pela coerência interna do discurso,
pela observância à lei lógica da não-contradição das proposi-
ções entre si: a verdade não se estabelece entre o enunciado e

29. Psicologia judiciária, p. 77.

24
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

o mundo da experiência, mas decorre da coerência de deter-


minado juízo com um sistema de crenças ou verdades ante-
riormente estabelecidas.
Tendo em vista que a verdade por coerência preserva a
ausência de contradição dentro do sistema, pode ser tomada
como critério de verdade interno a um sistema ou teoria de-
terminada, implicando não apenas a ausência de enunciados
contraditórios, mas também a presença de conexões positi-
vas que estabeleçam harmonia entre tais elementos30. Falar
em verdade por coerência implica, necessariamente, tomar
como objeto de análise um determinado sistema: opera-se
no interior de um sistema, considerando a relação harmôni-
ca e confirmativa ou outras crenças constantes desse mesmo
sistema31.

1.7.4 Verdade por consenso

Segundo a teoria consensual, a verdade não decorre da


relação entre enunciados linguísticos e a realidade sensível,
mas do consenso ou acordo entre os indivíduos de determinada
comunidade ou cultura32. Dentre vários enunciados, seria ver-
dadeiro aquele que contasse com maior credibilidade.
Danilo Marcondes33 define consenso como “um entendi-
mento entre os membros de uma comunidade em determina-
do período histórico em torno de determinados conceitos e va-
lores”. E, continua esse autor34: “São as convenções sociais de
uma comunidade que estabelecem os parâmetros segundo os
quais o proferimento de uma sentença pode ser considerado

30. Nicola Abbagnano, Dicionário de filosofia, p. 147.


31. Essa é a espécie de verdade objetivada no art. 926 doCPC/2015, ao dispor que
“os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e
coerente”.
32. Hilton Japiassu e Danilo Marcondes, Dicionário básico de filosofia, p. 242.
33. A verdade, p. 29.
34. Idem, ibidem.

25
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

verdadeiro”, evidenciando-se no consensualismo uma forma


de convencionalismo, formado historicamente.
Sobre o assunto, também Gregorio Robles assevera ser
consensual o caráter da verdade histórica:35: “só podemos es-
tar seguros de que determinado texto não se ajusta à verdade
escrevendo outra história que demonstre a falsidade do tex-
to criticado. E dificilmente essa demonstração proporciona-
rá certeza suficiente, porque não existe uma prova histórica
conclusiva. Pode-se dizer que a communis opinio dos histo-
riadores será o sinal decisivo da exatidão dos conhecimentos
alcançados”.
Essa verdade, como qualquer outra, é sempre relativa,
podendo ser substituída por uma mais recente, tendo em vis-
ta que as opiniões comuns ou dominantes são susceptíveis de
alteração com o passar do tempo.
Necessário se faz deixar bem claro que, nesse contexto,
consenso não significa acordo explícito firmado pela totalida-
de dos integrantes de um sistema, mas sim um consenso “no
sistema”, posto como tal por sujeitos habilitados para tanto.
Estabelecem-se, assim, verdades “jurídicas”, muitas vezes
diferentes daquilo que, no macrossistema social, é tido por
verdadeiro.
Não obstante argumentos no sentido de que a adoção
dessa corrente filosófica acarretaria grande insegurança, por
transformar a convicção comunitária da verdade em critério
de certeza36, entendemos que, sendo visto o consenso, base
para identificação da verdade, como algo constituído pelo sis-
tema em que se insere, essa teoria é perfeitamente aplicável.
Isso porque o próprio sistema estabelece o que é consenso,
como e quando se opera, eliminando instabilidades na deter-
minação da verdade consensual.

35. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, p. 25.
36. Maria Rita Ferragut, Presunções no direito tributário, p. 43.

26
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

1.7.5 Verdade pragmática

A teoria da verdade pragmática, também denominada


verdade como utilidade, considera ser um enunciado verda-
deiro se, e somente se, tiver ele efeitos práticos para quem
o sustenta, sendo-lhe útil. Tal utilidade, quando reconhecida,
ampliaria o âmbito de credibilidade da proposição, de modo
que, apresentando a crença os caracteres da estabilidade e da
generalidade, a proposição seria considerada verdadeira.
Para essa corrente filosófica, a verdade não seria um va-
lor teórico, mas apenas uma expressão para designar a utili-
dade, para indicar aquela função do juízo que conserva a vida
e serve à vontade de poder. Verdadeiro, segundo Nietzsche37,
“significa apenas o que é apropriado à conservação da huma-
nidade. O que me faz perecer quando lhe dou fé não é verda-
de para mim: é uma relação arbitrária e ilegítima do meu ser
com as coisas externas”.
Nesse sentido, verdade confundir-se-ia com utilidade, po-
sicionamento este que, segundo Maria Rita Ferragut38, carece
de cientificidade.
Para além disso, tendo em vista que, pela perspectiva
pragmática, algo é considerado verdadeiro conforma as con-
sequências de sua aplicação prática, há aí, uma espécie de
verdade por correspondência: entre o relato e o fato conse-
quencial observado.

1.8 O significado do vocábulo “verdade” adotado neste


trabalho

Adotamos a concepção segundo a qual a verdade não se


dá pela relação entre a palavra e a coisa, mas entre as próprias

37. Wille zur Mach, ed. Kröner, 1978, p. 507, apud Nicola Abbagnano, Dicionário de fi-
losofia, p. 998.
38. Presunções no direito tributário, p. 42.

27
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

palavras, ou seja, entre linguagens. Daí porque, sendo rela-


ção entre enunciados construídos pelo homem, podemos di-
zer que a verdade não é simplesmente descoberta, mas criada
pelo ser humano no interior de determinado sistema.
No âmbito jurídico, a propriedade de tal assertiva é fa-
cilmente verificada. O sistema do direito positivo indica os
momentos em que os fatos podem ser constituídos mediante
produção probatória, impõe prazos para a apresentação de de-
fesas e recursos [tempestividade], além de estabelecer o ins-
tante em que as decisões se tornam imutáveis [coisa julgada].
Com determinações desse jaez, fornece os limites dentro dos
quais a verdade será produzida, prescrevendo sejam toma-
das como verídicas as situações verificadas no átimo e forma
legais, independentemente de sua relação com o mundo das
coisas.
O mesmo se pode dizer da realidade social: tem-se por ver-
dadeiro um fato quando constituído pela linguagem do sistema
social, aceita conforme as regras da respectiva comunidade.
Essa a razão, também, por que é imprescindível a noção
de sistema para fixação da verdade. Apenas pela relação entre
as linguagens de determinado sistema pode aferir-se a vera-
cidade ou falsidade de dada proposição. Um enunciado é ver-
dadeiro, em princípio, quando está em consonância com uma
interpretação estabelecida, aceita, instituída dentro de uma
comunidade de pertinência. O enunciado verdadeiro não diz
o que uma coisa é, mas o que pressupomos que seja dentro de
uma cultura particular.
Nesse sentido, o mundo nada mais é que um sistema de
crenças, mediante o qual o ser o humano transforma o caos
em algo inteligível. Nascemos e vivemos em um mundo de
crenças, as quais, sem divergências dignas de nota, acolhe-
mos e tornamos nossas, utilizando-as como pontos de partida
para o desenvolvimento de novas verdades. É o que acontece,
por exemplo, com a matemática, física e química: são grandes

28
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

crenças com que vivemos, utilizadas como premissas para


discussões, pesquisas e formação do conhecimento.
Por tais motivos, tomamos a verdade como o valor em
nome do qual se fala, caracterizando necessidade lógica do dis-
curso. Sempre que alguém transmite uma mensagem de teor
descritivo, o faz em nome de uma “verdade”, que pretende
seja aceita. Sem essa pretensão veritativa, a informação não
tem sentido.
Essa, a nosso ver, é a posição que melhor reflete as pre-
missas firmadas neste trabalho, tendo em vista que entende-
mos inadmissível a atribuição de veracidade ou falsidade a um
enunciado, com fundamento na correspondência deste com a
coisa ou com a manifestação da coisa, ocorrida no mundo da
experiência. Diversamente, a verdade de que falamos pode
ser referida como a correspondência entre a proposição e uma
pré-interpretação mais originária do acontecimento, como
pretende Dardo Scavino39. Estamo-nos referindo à verdade
construída, que não é simplesmente revelada ou descoberta,
mas que nasce do relacionamento intersubjetivo [consenso],
considerado determinado quadro referencial [coerência]40.

1.8.1 Renúncia à ideia de verdade objetiva

A verdade não se descobre: inventa-se, cria-se, constrói-


-se. Não há uma verdade objetiva, isto é, uma verdade que
possa reclamar validade universal. A verdade é sempre relati-
va, configurando, como assevera Richard Rorty41, “o êxito de
um discurso em um mercado de ideias”. Depende, portanto,

39. La filosofía actual: pensar sin certezas, p. 43.


40. Como anota Danilo Marcondes (A verdade, p. 22), a teoria da verdade por coe-
rência e a da verdade por consenso não são necessariamente excludentes. Vários de
seus aspectos são conciliáveis e, ao nosso ver, apropriados para, conjuntamente, es-
tabelecer o método de construção da verdade no interior de determinado sistema.
41. El giro linguístico, p. 65.

29
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

das circunstâncias de tempo e de espaço em que se encontra


inserida: a verdade “terra plana” de ontem deixa de existir,
dando lugar à verdade “terra redonda” de hoje42.
Tal conclusão decorre do fato de que, como para os adep-
tos da corrente filosófica denominada giro linguístico a verda-
de não se dá pela correspondência da proposição ao objeto,
não há que falar em essências a serem descobertas. Sendo
a própria linguagem que cria os objetos, inexistem verdades
únicas e imutáveis. O conhecimento, assim como a verdade,
são construções linguísticas, sempre sujeitas a refutação por
outras proposições.
Aquele sistema de crenças tomado como quadro referen-
cial é mutável. Pode, a qualquer momento, sofrer alterações,
sendo seus elementos substituídos por outras crenças. Para
tanto, necessário que novas proposições e teorias recém for-
muladas sejam acolhidas pelo sistema. A fórmula “P sabe
que S” é falível, sempre existindo ampla possibilidade de
rever cada uma das sentenças tomadas como verdadeiras.
O falibilismo é inerente aos enunciados que se pretendam
verídicos43.
Nessa concepção, inexistem verdades absolutas. Todas
são relativas: dependem do sistema em que se inserem, das
condições de tempo e de espaço. A relatividade da verdade
está intimamente relacionada, também, com a possibilidade
de modificação dos sentidos atribuídos às palavras de acordo
com o sintagma ou com a sucessão discursiva44.

42. Moacyr Amaral Santos, Prova judiciária no cível e comercial, v. 1, p. 2.


43. O princípio do falibilismo dos enunciados abrange, inclusive, o próprio enuncia-
do que atesta o falibilismo, imprimindo caráter cético a esse posicionamento. Tal
ceticismo, porém, não deve ser radical para evitar o “niilismo”, que tolhe a ação,
comprometendo as iniciativas do processo cognoscitivo. O ceticismo ora adotado
tem cunho teórico-filosófico, cessando tão logo sejam escolhidos os instrumentos
para dar operacionalidade funcional à pesquisa, fazendo-a progredir.
44. Eixo paradigmático é o conjunto das palavras que possuem o mesmo sentido,
podendo umas substituir as outras, enquanto eixo sintagmático é o relativo às pala-
vras que circundam as demais. Este último confere contexto aos vocábulos, influin-

30
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Reconhecer e aceitar o falibilismo não implica, entretan-


to, a negação da existência de “verdades”. Muito pelo contrá-
rio. A verdade afigura-se como pressuposto do discurso, algo
em nome do qual se fala, possibilitando a convivência e a to-
mada de decisões.
Nota-se, assim, não sermos adeptos do relativismo, en-
tendido como corrente de pensamento que considera possí-
vel, dentro de um mesmo sistema, que algo seja verdadeiro
para um sujeito e falso para outro, renunciando ao princípio
da não-contradição. Também não caracterizamos nossa pos-
tura como cética radical, pois essa corrente filosófica, embo-
ra parta do pressuposto de que para cada argumento a favor
de uma tese existe outro argumento a favor da tese oposta,
ambos com igual probabilidade, realiza a suspensão do juízo,
não se preocupando com o que seja verdadeiro ou falso, im-
plicando ausência de opinião. Quando afirmamos que não há
uma verdade absoluta, universal, referimo-nos à variação de
sentidos e valores que uma proposição pode apresentar em
virtude da influência do ambiente e condições impostas pelos
diferentes sistemas45.
Nem poderia ser diferente, considerando que o ser cog-
noscente desempenha, inevitavelmente, atividade hermenêu-
tica quanto ao objeto de conhecimento. Uma circunstância
fenomênica pode ser observada por perspectivas distintas,
pois a compreensão do mundo depende horizontes da cultura
do intérprete. Nesse sentido, Ronaldo Porto Macedo Júnior46
alude a uma nova ideia de objetividade, que supera a concep-
ção fisicalista da realidade, na medida em que “a objetividade
depende, em certa medida, de nós mesmos”. Desfaz-se, com
isso, o mito da “imaculada percepção”, que possibilitaria des-

do em sua significação dentro do discurso.


45. Tal postura aproxima-se da corrente filosófica denominada acadêmica, em que
se vislumbra uma espécie de dogmática negativa, decorrente do axioma segundo o
qual a verdade é inatingível.
46. Do xadrez à cortesia: Dworkin e a teoria do direito contemporânea, p. 132.

31
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

crições representacionistas dos objetos, independentes de


qualquer subjetividade.
Por esse caminho, abandona-se a ideia de um realismo in-
gênuo ou de um objetivismo absoluto, como demonstrado por
B. Russell47:

Todos nós partimos do ‘realismo ingênuo’, isto é, a doutrina de


que as coisas são como parecem... Mas a física nos garante que
o verde da grama, a dureza e a frieza das pedras, e a frieza da
neve não são o verde, a dureza e a frieza que conhecemos de
nossas experiências pessoais, mas alguma coisa diferente. O ob-
servador... realmente... está a observar o efeito da pedra sobre
ele... O realismo ingênuo leva à física e a física, se for verdadeira,
demonstra que o realismo ingênuo é falso.

A inafastabilidade da atividade interpretativa pelo sujeito


que se coloca na postura de observador de um acontecimento
qualquer mostra, com evidência, inexistir uma verdade úni-
ca, absoluta e imutável. Nesse contexto, ganha relevo o méto-
do empregado na construção da verdade do fato alegado, de
modo que este se afigure convincente em determinado domí-
nio, e, com isso, se estabeleça como “real”.

1.8.2 A autossustentação pela linguagem

O significado, como durante muito tempo se pensou, não


consiste na relação entre suporte físico e objeto representado,
mas na relação entre significações. As assertivas não denotam
os acontecimentos em si, mas outras palavras. A verdade não
corresponde à identidade entre determinada proposição e o
mundo da experiência, mas à compatibilidade entre enuncia-
dos: (i) aquele que afirma ou nega algo e (ii) o que constitui o
fato afirmativo ou negativo, mediante a linguagem admitida
pelo sistema em que se insere [provas].

47. An inquiry into meaning and truth, Londres, 1940, p. 14-15. [tradução livre]

32
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

É comum referirmo-nos a coisas que não percebemos di-


retamente e de que só temos notícias por meio de testemu-
nhos alheios. Falamos de lugares que não visitamos, pessoas
que não vimos e não veremos [como nossos antepassados e
os vultos da História], de estrelas invisíveis a olho nu, de sons
humanamente inaudíveis [como os que só os cães percebem],
e muitas outras situações que não foram e talvez jamais serão
observadas por nós. Aludimos, até mesmo, a coisas que não
existem concretamente.
Por esse motivo, seguimos a linha das teorias retóricas,
baseadas no princípio da autorreferência do discurso, contra-
pondo-nos às teorias ontológicas, que consideram a linguagem
humana simples meio de expressão da realidade. Noticia
Paulo de Barros Carvalho que “a adoção desse princípio filo-
sófico implica ver a linguagem como não tendo outro funda-
mento além de si própria, não havendo elementos externos à
linguagem [fatos, objetos, coisas, relações] que possam garan-
tir sua consciência e legitimá-la”48.
Os acontecimentos não falam. É a linguagem que os cons-
titui e também é ela que os destrói. Não são os eventos que se
rebelam contra uma teoria, demonstrando sua inadequação a
eles. Somente uma teoria refuta outra teoria.
Além disso, é sabido que os acontecimentos físicos se
exaurem no tempo. Uma vez concretizado, desaparece, sen-
do impossível ter-lhe acesso direto. Enrique M. Falcón49, ao
discorrer sobre o conhecimento e o modo como este se opera,
deixa transparecer essa impossibilidade de intersecção entre
fato e evento, ou seja, entre o relato linguístico e o mundo da
experiência: “Em geral, se pensa que os acontecimentos pas-
sados sobre os quais temos conhecimento não só foram reais,
mas também se podem recordar e reviver com toda exatidão.
Isso não é certo, pois não se pode afirmar, fora de toda dúvida,
no sentido próprio da palavra, a certeza absoluta com relação

48. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 5.


49. Tratado de la prueba, v. 1, p. 95-96 [tradução nossa].

33
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

à ocorrência do evento. Quando muito, podemos dizer que se-


gundo os dados relativos aos acontecimentos, com uma com-
provação e controle estrito disso, a possibilidade de que haja
sucedido de outra forma é improvável (mas não impossível).
Mas nunca se poderá ter a convicção absoluta disso”. Tal si-
tuação se verifica, como já anotamos, por ser a linguagem que
constitui a realidade. Só se conhece algo porque o homem o
constrói por meio de sua linguagem.
Enfatiza Tárek Moysés Moussallem50 que “os eventos não
provam nada, simplesmente porque não falam. Sempre uma
linguagem deverá resgatá-los para que eles efetivamente exis-
tam no universo humano”. Isso não significa que a linguagem
apenas reconstrua algo já existente no plano concreto. Não
há reconstrução, mas verdadeira construção, no sentido de
criação primeira. Conquanto a linguagem fale em nome de
um evento, dada a sua autossuficiência é possível que, mesmo
não tendo ocorrido certo acontecimento, este venha a ser re-
conhecido pela linguagem. Nesse caso, teremos um fato sem
efetiva correlação com o evento [embora o fato tenha existên-
cia exatamente por certificar um evento].
Acerca do tema, Paulo de Barros Carvalho51 formula o
seguinte exemplo: “sendo suficiente para o reconhecimento
jurídico a linguagem que certifica o evento, pode dar-se, tam-
bém, que não tenha acontecido o crime, isto é, em termos de
verdade material, não tenha ocorrido. Todavia, se as provas
requeridas o indicarem, para o direito estará constituído”.
Referido relato alude à constituição do fato jurídico-penal,
mas é igualmente aplicável à esfera do direito tributário e ao
sistema social. Cada qual constitui seus fatos mediante a lin-
guagem por eles considerada competente: linguagem jurídica
para o primeiro; linguagem social para o segundo.

50. Fontes do direito tributário, p. 27.


51. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 11.

34
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

1.9 Teoria dos jogos da linguagem e a legitimação pelo


procedimento

A partir da concepção dos jogos de linguagem, podemos


identificar dois tipos: um infinito e outro finito. Enquanto na
primeira espécie objetiva-se continuar o jogo, na segunda al-
meja-se vencer. O ponto comum de ambos é a necessidade de
que os sujeitos aceitem jogar: é princípio invariável de todo
jogo que quem quer que jogue faça-o livremente. No mais,
há um grande contraste entre as duas modalidades: as regras
do jogo infinito são como a gramática de uma língua viva, uti-
lizada para dialogarmos uns com os outros, ao passo que as
do jogo finito assemelham-se às normas do debate, visando a
encerrar a fala de outra pessoa.
Todos os jogos, infinitos ou finitos, são autônomos e, por
conseguinte, heterogêneos uns com relação aos outros, pois
cada qual tem suas próprias regras. Um jogo, portanto, le-
gitima apenas as afirmações efetuadas dentro do seu con-
texto. Um pai, por exemplo, não pode obrigar o filho a arru-
mar suas coisas se se restringe, simplesmente, a descrever
tal conduta. Do mesmo modo, um juiz de paz não consegue
realizar casamentos sem observância às regras do jogo, isto
é, às prescrições necessárias à sua concretização. Nas pala-
vras de Tárek Moysés Moussallem52, “é como se cada qual
efetivamente habitasse uma linguagem e jogasse, de acordo
com determinadas regras, com os demais que também a coa-
bitam [S’R S”]”.
É certo, também, que não podemos jogar sozinhos. Em
todos os casos, precisamos encontrar um oponente [no jogo
finito] ou companheiro de equipe [jogo infinito]. Uma pessoa
não pode sequer ser humana sozinha, pois inexiste indivi-
dualidade desacompanhada do convívio social, constituído
por uma rede de comunicações. Não nos relacionamos com

52. Fontes do direito tributário, p. 31.

35
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

os outros porque somos determinada pessoa; somos quem so-


mos ao nos relacionarmos com os outros53.
Todo jogo apresenta limitações à ação de seus jogadores.
E, considerando que estes são livres para jogarem ou não, es-
tamos diante de verdadeiras autolimitações. A concordância
dos jogadores é essencial.
Direcionemos nossa atenção aos limites do jogo finito,
visto que assim se caracterizam os processos administrativos
e judiciais, no âmbito dos quais são produzidas as provas ju-
rídico-tributárias. Há limitações de ordem temporal, espa-
cial e subjetiva: é preciso que os processos tenham um come-
ço e um final, determinados no tempo e no espaço, devendo
ser praticados por jogadores específicos. Nos jogos finitos há,
também, regras relativas ao que os jogadores podem fazer uns
aos outros e uns com os outros. São, todas elas, limitações in-
ternas, caracterizando as chamadas regras do jogo. Concordar
com essas limitações internas significa estabelecer as regras
do jogo.
Cada jogo tem suas próprias regras, que os diferenciam
entre si. É conhecendo as regras que sabemos que tipo de
jogo se nos apresenta. Diante desse fato, juntamente da ne-
cessária anuência dos jogadores, as regras precisam ser tor-
nadas públicas e os destinatários com elas concordar antes
de iniciada a partida. Eis por que as normas jurídicas só pas-
sam a integrar o ordenamento quando inseridas no processo
comunicacional, sendo-lhes vedado retroagir para alcançar
jogos já iniciados54.
As regras quanto a essa concordância, por sua vez, são
igualmente fixadas pelo sistema em que se joga. No âmbito
jurídico brasileiro, há expressa menção ao tema: o art. 3° da
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prescreve

53. James P. Carse, Jogos finitos e infinitos: a vida como jogo e possibilidade, p. 65.
54. Princípio da irretroatividade das leis, que só ocasional e expressamente pode
ser excepcionado [ex.: previsão de penalidade mais benéfica].

36
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

que ninguém pode escusar-se de cumprir a lei alegando seu


desconhecimento. Com a publicação da lei, considera-se que
os respectivos destinatários têm ciência do seu conteúdo. De
certo modo, isso implica legitimação, pelo ordenamento bra-
sileiro, de suas próprias regras mediante o conhecimento e a
aceitação, juridicamente constituídos, dos destinatários.
Por fim, importa esclarecer que os jogos finitos são dispu-
tados dentro de um jogo infinito. É o que ocorre com o direito,
cujo sistema [jogo finito] encontra-se inserido no macrossiste-
ma social [jogo infinito]. Neste, os jogadores observam regras
direcionadas à continuidade do jogo da vida, da existência so-
cial. Não obstante, podem participar de batalhas travadas no
interior de jogos finitos, cujos ganhos e perdas são encarados
apenas como um momento daquele jogo contínuo e preten-
samente infindável. De outro lado, tomado o jogo finito como
sistema de referência, cada vitória ou derrota representa o
desfecho do embate: o vencedor recebe um título, consistente
no reconhecimento, pelos demais jogadores, de que foi o ven-
cedor daquele jogo particular.
A teoria dos jogos é extremamente útil aos propósitos
deste trabalho, na medida em que evidencia o caráter autô-
nomo dos diversos jogos, não podendo um jogo explicar ou
interferir nas proposições de outro: uma proposição de cunho
econômico ou político, por exemplo, não está a para justificar,
confirmar ou infirmar enunciados jurídicos. Além disso, com
base na teoria dos jogos podemos afirmar se um fato jurídico
é verdadeiro ou não, conforme tenham sido observadas as re-
gras prescritas pelo direito positivo para sua constituição, tais
como sujeito competente e procedimento apropriado. O valor
verdade é posto pelo ordenamento jurídico; encontra-se, pois,
dentro desse ordenamento, e não fora ou antes dele.
A verdade, por essa perspectiva, deve ser internamen-
te coerente. Como ilustra Danilo Marcondes55, “as deci-
sões são sempre tomadas dentro do quadro de uma série de

55. A verdade, p. 50.

37
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

instrumentos legais, desde a Constituição até o Código Penal


e o Código de Processo Penal. Nesse sentido, temos um siste-
ma em relação ao qual a verdade do que se estabelece deve
ser coerente”. Por isso mesmo, em um ambiente jurídico-pro-
cessual, caracterizam-se como fatos apenas aqueles relatos
admitidos nos autos, eis que produzidos e ali introduzidos por
mecanismo e sujeito apropriados.
Ademais, a própria valoração de uma prova, graduando-
-a hierarquicamente, depende da coerência com os demais
elementos do processo. A força de convencimento de um do-
cumento, um depoimento testemunhal e até mesmo de uma
confissão, v.g., é considerada no cotejo com os demais dados
probatórios.

1.10 Verdade material e verdade formal: uma disputa


sem sentido

A doutrina costuma distinguir verdade material e verdade


formal, definindo a primeira como a efetiva correspondência
entre proposição e acontecimento, ao passo que a segunda se-
ria uma verdade verificada no interior de determinado jogo,
mas susceptível de destoar da ocorrência concreta, ou seja, da
verdade real.
Com base em tais argumentos, é comum identificar o pro-
cesso administrativo tributário com a busca da verdade mate-
rial, e o processo judicial tributário com a realização da verda-
de formal. Nesse sentido posicionam-se Alberto Xavier56, Paulo
Celso B. Bonilha57 e James Marins58, dentre outros, conside-
rando a busca pela verdade material um princípio de obser-
vância indeclinável da administração tributária, em oposição

56. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p.


124 e s.
57. Da prova no processo administrativo tributário, p. 76.
58. Direito processual tributário brasileiro [administrativo e judicial], p. 177-179.

38
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

ao princípio da verdade formal que preside o processo civil e


prioriza a formalidade processual probatória.
Essa corrente doutrinária proclama o abandono da for-
malidade, na esfera administrativa, em prol da produção de
prova e contraprova, para, com isso, alcançar a verdade ma-
terial. Tal conclusão, entretanto, não procede. O que se con-
segue, em qualquer processo, seja administrativo ou judicial,
é a verdade lógica, obtida em conformidade com as regras de
cada sistema. Conquanto nos processos administrativos se-
jam dispensadas certas formalidades, isso não implica a pos-
sibilidade de serem apresentadas provas ou argumentos a
qualquer instante, independentemente da espécie e forma. É
imprescindível a observância do procedimento estabelecido
em lei, ainda que esse rito dê certa margem de liberdade aos
litigantes.
Em estudo inovador, Tárek Moysés Moussallem59 no-
ticia a irrelevância dessa classificação [verdade material e
formal], pois, considerando o caráter autossuficiente da lin-
guagem, toda a verdade passaria a ser formal, quer dizer,
verdade dentro de um sistema linguístico. Seguindo essa
linha de raciocínio, porém quebrando as barreiras da tra-
dição terminológica, é lícito afirmar que a verdade jurídica
não é material nem formal, mas verdade lógico-semântica,
construída a partir da relação entre as linguagens de deter-
minado sistema.
A denominada verdade material refere-se a enunciados
cujos termos corresponderiam aos fenômenos experimentais.
Funda-se na aceitação da teoria da verdade por correspondên-
cia, pressupondo a possibilidade de espelhar a realidade por
meio da linguagem. O mundo da experiência, todavia, não
pode ser integralmente descrito. O real é infinito e irrepetível,
possuindo, cada objeto, um número ilimitado de determina-
ções. Por isso, o sujeito cognoscente tem sempre percepções
parciais do mundo.

59. Fontes do direito tributário, p. 39-40.

39
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

A verdade formal, por sua vez, diz respeito a enunciados


demonstráveis e dotados de coerência lógica, independente-
mente de seu conteúdo60. Essa espécie de verdade é própria das
proposições nomológicas, existentes na lógica e na matemáti-
ca. Por cingir sua valoração aos dados de ordem sintática, des-
prezando o conteúdo [semântica], essa espécie de apreciação
de veridicidade é inaplicável às proposições nomoempíricas,
sejam elas descritivas ou prescritivas61.
Efetuados esses esclarecimentos, e considerando que no
direito (i) o exame do conteúdo é essencial à determinação
da verdade ou falsidade de certo enunciado – verdade em
nome da qual se fala, e que (ii) o mundo das coisas e a lin-
guagem não se tocam, é impróprio falar em verdade formal
ou material.
Observamos, nos processos jurídicos, que o advogado do
autor fala em nome da verdade; o advogado do réu também
argumenta em nome da verdade; o juiz, por sua vez, decide
em nome da verdade; a parte vencida recorre em nome da
verdade; os julgadores ad quem reformam a decisão monocrá-
tica em nome da verdade; e assim por diante. Nesse sentido, a
verdade apresenta-se como elemento a priori da argumenta-
ção, pressuposto lógico do discurso comunicativo: ao realizar
afirmações, o sujeito o faz com o objetivo de que o fato alegado
seja reconhecido como verdadeiro. Por isso, diante das diver-
sas verdades arguidas, o direito estabelece formas que permi-
tem chegar a um final, mediante decisões que fixam qual é a
verdade que há de prevalecer no sistema jurídico.
A verdade que se busca no curso de processo de positiva-
ção do direito, seja ele administrativo ou judicial, é a verdade
lógica62, quer dizer, a verdade em nome da qual se fala, alcan-

60. Gérard Durozoi e André Roussel, Dicionário de filosofia, 482.


61. Sobre proposições nomológicas e nomoempíricas, consulte-se Paulo de Barros
Carvalho, Curso de direito tributário, p. 133 e s.
62. A verdade lógica a que nos referimos não se confunde com aquela verificada
mediante aplicação da tabela de verdade, cujo emprego permite enumerar todas as

40
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

çada mediante a constituição de fatos jurídicos, nos exatos


termos prescritos pelo ordenamento: a verdade jurídica. Daí
por que leciona Paulo de Barros Carvalho63 que, “para o al-
cance da verdade jurídica, necessário se faz o abandono da
linguagem ordinária e a observância de uma forma especial.
Impõe-se a utilização de um procedimento específico para a
constituição do fato jurídico”, pouco importando se o acon-
tecimento efetivamente ocorreu ou não. Havendo constru-
ção de linguagem própria, na forma como o direito precei-
tua, o fato dar-se-á por juridicamente verificado e, portanto,
verdadeiro.

1.11 Verdade e sua relação com o direito

Todo enunciado linguístico apresenta forma e função.


Orientar a atenção para as formas da linguagem significa in-
gressar no âmbito gramatical do idioma, mais especificamen-
te em sua sintaxe, entendida como parte da gramática que
examina as possíveis opções no que concerne à combinação
das palavras na frase. As funções dos enunciados, entretanto,
não se encontram presas à forma pela qual estes se exteriori-
zam. Como acentua Irving M. Copi64, as estruturas gramati-
cais oferecem apenas precários indícios a respeito da função,
sendo lícito ao emissor utilizar determinada forma para ex-
pressar diferentes funções, conforme o contexto. O art. 3º do
Código Tributário Nacional, por exemplo, define o conceito
de tributo, dispondo que:

Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou


cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de
ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade admi-
nistrativa plenamente vinculada.

possibilidades de verdade para certa proposição.


63. Curso de direito tributário, p. 357.
64. Introdução à lógica, p. 55.

41
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Não obstante a forma declarativa desse enunciado, sua


função é prescritiva, encerrando a ordem de que, ao ser insti-
tuído tributo, este deve apresentar determinados caracteres.
Para identificar a função linguística, necessário se faz
que o intérprete abandone a significação de base atribuída
a toda palavra, buscando a compreensão do discurso dentro
da amplitude contextual em que se encontra65, examinando-
-o segundo os propósitos do emissor da mensagem [plano
pragmático].
É preciso deixar bem claro que nenhuma manifestação de
linguagem exerce uma única função. Há, sempre, uma função
dominante e diversas outras que a ela se agregam no enredo
comunicacional, tornando difícil a missão de classificá-las.
Para superar esse obstáculo, sugere Alf Ross66 que tomemos o
efeito imediato como critério classificatório:

La función de cualquier herramienta debe determinarse por


su efecto propio, esto es, el efecto inmediato a cuya produc-
ción la herramienta está directamente adaptada. Son irrele-
vantes cualesquiera otros efectos ulteriores en la cadena causal
subsiguiente.

Desse modo, partindo do critério do efeito imediato ou fun-


ção dominante, podemos classificar as linguagens com base no
animus que move o emissor da mensagem, identificando as
seguintes funções: (i) descritiva; (ii) expressiva de situações
subjetivas; (iii) prescritiva de condutas; (iv) interrogativa; (v)
operativa; (vi) fáctica; (vii) persuasiva; (viii) afásica; (ix) fabu-
ladora; e (x) metalinguística67. Interessa-nos, por ora, analisar
os caracteres predominantes das funções linguísticas descri-
tiva e prescritiva de condutas.

65. Luis Alberto Warat, O direito e sua linguagem, p. 65-68.


66. Lógica de las normas, p. 28.
67. Paulo de Barros Carvalho, Apostila de filosofia de direito I (Lógica jurídica), p.
17-27.

42
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

A linguagem descritiva, também chamada de informati-


va, declarativa, indicativa, denotativa ou referencial, exerce a
função de transmitir conhecimentos ordinários, técnicos ou
científicos, mediante afirmações ou negações. Seus enuncia-
dos submetem-se aos valores de verdade e falsidade, uma vez
que a eles se aplica a lógica clássica, apofântica ou alética.
Já a linguagem prescritiva presta-se à expedição de or-
dens, comandos dirigidos ao comportamento humano, in-
tersubjetivo ou intrasubjetivo. A essa espécie de enunciados
não se empregam os valores verdadeiro e falso, mas válido e
não-válido, inerentes à lógica deôntica. É a função linguística
predominante nas proposições jurídico-positivas, que se dire-
cionam às condutas intersubjetivas para alterá-las. Norberto
Bobbio68, esclarecendo a distinção entre forma gramatical,
entendida como o modo pelo qual a proposição é expressa, e
sua função, consistente no fim a que se propõe alcançar aque-
le que a pronuncia, conclui ser a função prescritiva própria da
linguagem normativa, objetivando “dar comandos, conselhos,
recomendações, advertências, influenciar o comportamento
alheio e modificá-lo”. Lourival Vilanova69, enfatizando essa
finalidade, leciona: “Altera-se o mundo físico mediante o tra-
balho e a tecnologia, que o potencia em resultados. E altera-se
o mundo social mediante a linguagem das normas, uma classe
da qual é a linguagem das normas do Direito”.
Tendo em vista que ao direito positivo não se aplicam os
valores verdade e falsidade, poder-se-ia indagar: existe rela-
ção entre a verdade e o direito? Ocorre que tanto as normas
gerais e concretas como as individuais e concretas, não obs-
tante configurem enunciados prescritivos e, portanto, sujeitos
aos valores válido e não-válido, são expedidas em conformida-
de com enunciados descritivos, os quais, por sua vez, subme-
tem-se aos critérios de verdade e falsidade.

68. Teoria da norma jurídica, p. 77-78.


69. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 3-4.

43
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

O antecedente normativo é constitutivo de fato jurídico


em sentido estrito70, consistente em um enunciado protocolar
que, nas palavras de Paulo de Barros Carvalho71, surpreen-
de “uma alteração devidamente individualizada do mundo
fenomênico, com a clara determinação das condições de es-
paço e de tempo em que se deu a ocorrência”. Por integrar o
sistema do direito positivo, é válido ou não-válido: princípio
da prioridade pragmática, decorrente do caráter de totalidade
de significado inerente ao texto jurídico72. Mas, tendo em vista
a necessidade de essa espécie de enunciado ser proferida em
consonância com eventos supostamente verificados, é impres-
cindível sua articulação com a teoria das provas, mediante as
quais é apreciada a veracidade de determinado fato jurídico,
influenciando a construção da norma concreta.
Vale registrar que nenhuma linguagem exerce uma úni-
ca função, em seu estado puro. Trata-se, apenas, de predo-
minância, e não de exclusividade. É o que acontece com o
fato jurídico previsto no antecedente normativo: mostra-se
descritivo de um evento, porém prescritivo de efeitos jurídi-
cos. O mesmo se pode dizer da prova, fato jurídico em sentido
amplo: descreve acontecimentos, objetivando, no entanto, a
produção de efeitos de natureza prescritiva, mais especifica-
mente a constituição ou desconstituição do fato jurídico em
sentido estrito, com o desencadeamento da causalidade jurí-
dica correspondente.

70. Sobre a distinção entre fato jurídico em sentido amplo e fato jurídico em sentido
estrito, consulte-se o item 3.5 do capítulo 3.
71. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 88.
72. O direito não pode ser considerado mera soma de elementos, devendo ser exa-
minado de forma global. No texto jurídico, tudo é prescritivo, sendo a natureza dos
elementos determinada pela natureza do conjunto, cuja função é regular as condu-
tas intersubjetivas. Nas palavras de Gregorio Robles, “o texto jurídico está dotado,
como uma totalidade, de uma função pragmática determinada que o converte num
conjunto de mensagens cujo sentido intrínseco é dirigir, orientar ou regular as
ações humanas” (O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do
direito, p. 29).

44
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

1.11.1 A fenomenologia da incidência tributária e o ne-


cessário quadramento do fato à norma

Quando examinamos o sistema do direito positivo, iden-


tificamos variadas espécies de normas jurídicas. Conforme o
universo de destinatários a que a norma se refere, esta pode
ser classificada em geral ou individual: a primeira dirige-se
a um conjunto indeterminado de destinatários, enquanto a
segunda individualiza os sujeitos de direito para os quais se
volta. Ainda, considerando a descrição contida na hipótese
normativa, há normas abstratas, que oferecem critérios para
identificar fatos de possível ocorrência, e concretas, reme-
tendo a acontecimentos passados, indicados de forma deno-
tativa. Esses caracteres podem ser combinados de modo que
constituam normas (i) gerais e abstratas, (ii) gerais e concre-
tas, (iii) individuais e abstratas, e (iv) individuais e concretas73.
As normas gerais e abstratas, cujos típicos exemplos são
aquelas veiculadas no corpo da lei, não atuam diretamente
sobre as condutas intersubjetivas, exatamente em decorrência
de sua generalidade e abstração. É necessário que sejam emi-
tidas outras regras, mais diretamente voltadas aos compor-
tamentos das pessoas, mediante aquilo que se chama proces-
so de positivação do direito, para obter maior aproximação
dos fatos e ações reguladas. Com fundamento nas normas
gerais e abstratas constroem-se normas individuais e con-
cretas, determinando que em virtude da ocorrência de certo
fato jurídico nasceu a relação em que um sujeito de direito
S’ tem uma obrigação, proibição ou permissão perante outro
sujeito S”.

73. As regras-matrizes de incidência tributária são exemplos de normas gerais e


abstratas, assim como o lançamento tributário e sentenças são de normas indivi-
duais e concretas. Os veículos introdutores são típicas normas gerais e concretas,
enquanto as normas individuais e abstratas podem ser identificadas nos contratos
firmados entre pessoas determinadas, objetivando ao cumprimento de prestações
se e quando se concretizar uma situação futura.

45
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Obviamente, para que essa positivação seja realizada de


modo apropriado, é imprescindível o perfeito quadramento
do fato à previsão normativa74. Esse fato, por sua vez, deve
ser constituído segundo a linguagem das provas, com vistas
a certificar a veracidade do enunciado subsumido. Observa-
-se a importância capital que apresenta a prova no ordena-
mento jurídico, inclusive no âmbito da tributação: ao consti-
tuir a obrigação tributária e aplicar sanções nessa esfera do
direito, não basta a observância às regras formais que dis-
ciplinam a emissão de tais atos; a materialidade deve estar
demonstrada, mediante a produção de prova da existência
do fato sobre o qual se fundam as normas constituidoras das
relações jurídicas tributárias.
A fundamentação das normas individuais e concretas na
linguagem das provas decorre da necessária observância aos
princípios da estrita legalidade e da tipicidade tributária, limi-
tes objetivos que buscam implementar o sobreprincípio da se-
gurança jurídica, garantindo que os indivíduos estarão sujeitos
à tributação somente se for praticado o fato conotativamente
descrito na hipótese normativa tributária. Como bem ensina
Paulo de Barros Carvalho75, o princípio da tipicidade tributária
define-se em duas dimensões, quais sejam o plano legislati-
vo e o da facticidade. No primeiro está a necessidade de que
a norma geral e abstrata traga todos os elementos descrito-
res do fato jurídico tributário e dados prescritores da relação
obrigacional, ao passo que no segundo tem-se a exigência da
estrita subsunção do fato à previsão genérica da norma geral e
abstrata, vinculando-se à correspondente obrigação. Por esse
motivo, a norma individual e concreta que constitui o fato ju-
rídico tributário e a correspondente obrigação deve trazer, no
antecedente, o fato tipificado pela norma geral e abstrata, com
as respectivas coordenadas temporais e espaciais, indicando,
no consequente, o fato da base de cálculo, que, juntamente

74. Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário.


75. A prova no procedimento administrativo tributário. Revista Dialética de Direito
Tributário n. 34, p. 105.

46
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

com a alíquota, especificam o quantum devido, bem como


os sujeitos integrantes do vínculo obrigacional. E, para que
a identificação desses fatos76 seja efetuada em conformidade
com as prescrições do sistema jurídico, deve pautar-se na lin-
guagem das provas. É por meio das provas que se certifica a
ocorrência do fato e seu perfeito quadramento aos traços tipi-
ficadores veiculados pela norma geral e abstrata, permitindo
falar em subsunção do fato à norma e em implicação entre
antecedente e consequente, operações lógicas que caracteri-
zam o fenômeno da incidência normativa. Podemos dizer, em
síntese, que a linguagem das provas é da ordem da aplicação
do direito.

1.11.2 Aplicação do direito: forma como se efetiva a in-


cidência tributária

É pelo ato de aplicação do direito que se tem o processo


de positivação a que nos referimos no subitem antecedente.
“A aplicação do direito é justamente seu aspecto dinâmico,
onde as normas sucedem, gradativamente, tendo sempre no
homem, como expressão da comunidade social, seu elemento
intercalar, sua fonte de energia, o responsável pela movimen-
tação das estruturas”77.
Convém esclarecer que a aplicação do direito não dista da
própria produção normativa. “A aplicação do Direito é simul-
taneamente produção do Direito”78. Trata-se de ato mediante
o qual se extrai de regras superiores o fundamento de valida-
de para a edição de outras regras, cada vez mais individuali-
zadas. E é somente por meio dessa ação humana que se opera
o fenômeno da incidência normativa em geral, assim como da

76. Tanto o antecedente como o consequente contém fatos: fato jurídico tributário e
base de cálculo, respectivamente. Ao constituir esses fatos, o emissor terá de pautar
seus enunciados em provas admitidas pelo direito.
77. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 88.
78. Hans Kelsen, Teoria pura do direito, p. 260.

47
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

incidência tributária, em particular. Sem que um sujeito realize


a subsunção e promova a implicação, expedindo novos coman-
dos normativos, não há que falar em incidência jurídica.

1.11.3 Distinção entre “evento” e “fato”; entre “fato so-


cial” e “fato jurídico”

Para movimentar as estruturas do direito, aplicando nor-


mas gerais e abstratas e delas sacando novas normas, é pre-
ciso conhecer o fato. Para relatar algo, é preciso ter acesso a
ele. Mas, como já anotamos, acontecido o evento, não há como
entrar em contato direto com ele, pois se esvai no tempo e
no espaço. Sobram, apenas, vestígios, marcas deixadas por
aquele evento, as quais servem como base para construção
do fato jurídico e adequado desenvolvimento do processo de
positivação.
Nota-se, desde logo, que chamamos de evento o aconte-
cimento do mundo fenomênico, despido de qualquer relato
linguístico. O fato, por sua vez, é tomado como enunciado
denotativo de uma situação, delimitada no tempo e no espa-
ço. Registra Tercio Sampaio Ferraz Jr.79 que “Fato não é pois
algo concreto, sensível, mas um elemento linguístico capaz de
organizar uma situação existencial como realidade”. O fato
refere-se sempre ao passado, a algo já sucedido que se esvaiu
no tempo e no espaço. Daí termos acesso apenas ao fato, ja-
mais ao evento. Isso não implica, porém, completo desprezo
ou negação do evento, pois, como referido, a postura ora ado-
tada nada tem de niilista. Embora inalcançável, o evento é
pressuposto para o fato, ou seja, constitui-se o fato “em nome
de” relatar um evento supostamente ocorrido.
Entre evento e fato não se transita livremente. Há, entre
eles, um abismo intransponível. Aparece assim, de modo cla-
ro, a atuação constructivista do sujeito cognoscente: este cons-
trói o fato, não se limitando a descrever aquilo de que se fala.

79. Introdução ao estudo do direito, p. 253.

48
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Como enaltece Gregório Robles80, é impossível simplesmente


descrever qualquer fenômeno: a apreciação humana implica,
sempre, uma construção de sentido. Ao assim agir, constrói o
fato e, portanto, a realidade.
Ao lado do resultado construtivista da linguagem, a
cada relato feito opera-se, ainda, a redução de complexidades.
É que, sendo o objeto infinito e irrepetível, consideramos im-
possível descrevê-lo integralmente, em todos os seus aspec-
tos81. E, segundo Goffredo Telles Júnior82, “cada objeto con-
creto tem um número ilimitado de determinações porque as
notas da compreensão de um indivíduo são inesgotáveis”.
Graficamente, poderíamos assim representar a relação entre
evento e fato, na qualidade de relato seletor e, por conseguin-
te, redutor de complexidades:

O acontecimento natural, pertencente ao mundo da ex-


periência, não integra o sistema jurídico ou sequer o social.

80. Teoria del derecho (fundamentos de teoria comunicacional del derecho), p. 129.
81. Fabiana Del Padre Tomé, Contribuições para a seguridade social à luz da Consti-
tuição Federal, p. 17.
82. O direito quântico, p. 272.

49
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Como já mencionado, as coisas só existem para o homem


quando constituídas pela linguagem. Assim, qualquer que
seja o sistema que se examine, nele ingressam apenas os
enunciados compostos pela forma linguística própria daque-
le sistema. Relatado o sucesso [evento] em linguagem social,
teremos fato social; este, vertido em linguagem jurídica, dará
nascimento ao fato jurídico. A relação entre tais conceitos
pode ser assim formulada:

O evento está para o fato social, assim como o fato social


está para o fato jurídico. Na lição de Paulo de Barros Carva-
lho83, a realidade social é constituída pela linguagem social,
sobre a qual incide a linguagem prescritiva do direito positi-
vo, juridicizando fatos e, desse modo, desenhando o campo da
facticidade jurídica. Assim é que os fatos da chamada realida-
de social [fatos sociais], enquanto não constituídos mediante
linguagem jurídica própria, podem ser tidos como eventos em
relação ao mundo do direito.
O mesmo se dá com o fato político, econômico, bioló-
gico, psicológico, histórico etc.: quaisquer desses, enquan-

83. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 11.

50
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

to não traduzidos em linguagem jurídica, permanecem


fora do campo de abrangência do sistema do direito posto,
na qualidade de meros eventos.
O caráter peculiar do fato jurídico fica muito claro quan-
do se observa que um mesmo fato social pode dar ensejo a
diversos jurídicos.

Ilustrativamente, tomemos o fato relatado em linguagem


social, em que se verifica um sujeito [S1] recebendo um objeto
e entregando determinada quantia em dinheiro a outro sujei-
to [S2]. Tomando-o como ponto de partida, podem ser cons-
truídos fatos jurídicos diversos. Ilustrativamente, ter-se-ia um
fato jurídico de direito privado [Fj1], consistente em negócio
jurídico de compra e venda, e outro, qualificado como fato ju-
rídico tributário [Fj2], na medida em que se concretize uma
operação jurídica relativa à circulação de mercadorias. Cada
um desses fatos jurídicos ingressa no mundo jurídico como
enunciado que alude a determinado fato social, mas que, se

51
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

concretiza pelo preenchimento de seus próprios requisitos,


nos termos da previsão legal.
Fato jurídico, segundo Paulo de Barros Carvalho84, “é
aquele que, e somente aquele, que puder expressar-se em
linguagem competente, isto é, segundo as qualificações es-
tipuladas pelas normas do direito positivo”. Assim, con-
clui o ilustre Mestre: “ou a mutação ocorrida na vida real
é contada, fielmente, de acordo com os meios de provas ad-
mitidos pelo sistema positivo, consubstanciando a categoria
dos fatos jurídicos [lícitos ou ilícitos, pouco importa], e da
eficácia que deles se irradia; ou nada terá acontecido de
relevante para o direito, em termos de propagação de efei-
tos disciplinadores da conduta. Transmitido de maneira
mais direta: fato jurídico requer linguagem competente,
isto é, linguagem das provas, sem o que será mero evento,
a despeito do interesse que possa suscitar no contexto da
instável e turbulenta vida social”.

1.12 O direito como linguagem criadora da realidade


jurídica

Consideremos a assertiva de Vilém Flusser85, para quem


o universo, conhecimento, verdade e realidade são aspectos
linguísticos. Aquilo que nos vem por meio dos sentidos e que
chamamos realidade é dado bruto, que se torna real apenas
no contexto da língua, única criadora da realidade. Algo se
torna real apenas dentro do processo linguístico, quando
esse algo é compreendido pelos intelectos em conversação
autêntica.
Tais axiomas não implicam negação do conhecimento,
da realidade ou da verdade. Nega-se, apenas, o caráter ab-
soluto e objetivo dos citados conceitos. Por essa perspectiva,
conhecimento, realidade e verdade ocorrem no contexto da

84. Direito tributário, linguagem e método, p. 824.


85. Língua e realidade, passim.

52
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

língua. A famosa correspondência entre frases e realidade


não passa de correspondência entre duas frases. Para o ser
humano, portanto, inexiste o dado, tomado em sua ontologia.
Qualquer elemento pressupõe um sujeito intencional e uma
linguagem.
Sobre o assunto, convém trazer à colação a obra Pensa-
mento e movimento, do filólogo Pinharanda Gomes. Anota o
autor que “O ser só devém real pelo pensar e, por isso, o mo-
tivo de, na ordem lógica, o ser vir colocado depois do pensar”.
O ser só se torna real pelo pensar. E, como o pensar é cons-
tituído pela linguagem, podemos inferir que o ser só se torna
real pela linguagem. É a linguagem [o pensar] constituindo a
realidade [o ser].
A essência das coisas, tomadas como dados brutos, não
têm existência para o sujeito cognoscente. É real apenas aqui-
lo se insere nos limites da linguagem humana. Recorramos,
novamente, às lições de Pinharanda Gomes86: “O ser, que é,
emerge de si mesmo para fora [existir], originando a existên-
cia que está, mas não é. A existência revela o ser, mas o ser,
ou essência, esconde-se e continua oculto, sob a existência”.
A existência prescinde da essência, mas não prescinde da
linguagem. E o que conhecemos, o que nos é real, reside na
existência: a forma pelo qual algo nos é apresentado, em dado
instante, mediante linguagem.
É a linguagem que cria a realidade. Só se conhece algo
porque o ser humano o constrói por meio de sua linguagem.
Por isso nossa assertiva de que a sociedade é o sistema
mais abrangente em que a comunicação pode desenvolver-
se, sendo impossível a existência social sem linguagem e,
portanto, sem comunicação. Sobre o assunto, seguindo as
lições de Gregorio Robles87, concluímos que a sociedade é
um sistema de comunicação entre seus membros. Posto
isso, considerando a presença inarredável da linguagem no

86. Pensamento e movimento, p. 13.


87. Teoria del derecho (fundamentos de teoria comunicacional del derecho), p. 65.

53
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

processo comunicativo e o fato de a comunicação ser ele-


mento integrante do sistema social, inexiste sociedade sem
linguagem. Essa assertiva, por sua vez, leva à conclusão de
que o fato social é constituído por relato linguístico, segundo
as regras previstas pelo próprio ordenamento.
Tudo o que dissemos até agora se aplica, inteiramente, ao
direito, pois este, conforme será estudado no Capítulo 2, qua-
lifica-se como um subsistema composto por comunicações di-
ferenciadas, também inseridas na rede de comunicações que
é o sistema social.

1.13 Verdade e teoria das provas no direito tributário

O direito tributário rege-se, dentre outros, pelos prin-


cípios da estrita legalidade e tipicidade tributária, de modo
que a obrigação tributária tem nascimento tão somente se
verificado o fato descrito conotativamente no antecedente da
regra-matriz de incidência. A figura da prova é de extrema
relevância nesse contexto, pois sem ela não existe fundamen-
to para a aplicação normativa e consequente constituição do
fato jurídico tributário e do respectivo laço obrigacional.
Vimos que a realidade, tal qual se apresenta aos seres hu-
manos, nada mais é que um sistema articulado de símbolos
num contexto existencial. Cada sistema delimita sua própria
realidade, elegendo o modo pelo qual seus enunciados lin-
guísticos serão constituídos. É o que se verifica no sistema do
direito posto: “o que o ordenamento faz é delimitar sua pró-
pria realidade, que é a realidade do direito. Essa delimitação
artificial consiste em constituir tal realidade jurídica e, simul-
taneamente, em regulá-la”88.
É o sistema do direito que determina o que nele existe ou
não. Para tanto, elege uma forma linguística específica, que
denominamos linguagem competente. Somente por meio dela

88. Gregorio Robles, O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional
do direito, p. 13.

54
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

é que a realidade jurídica se constitui, o que, por si só, revela


a importância das provas no ordenamento como um todo, in-
clusive na esfera tributária.
Como os acontecimentos físicos naturais exaurem-se
no tempo e no espaço, são eles de impossível acesso, sendo
necessário, ao homem, utilizar enunciados linguísticos para
constituir os fatos com que pretenda entrar em contato. Um
evento não prova nada, simplesmente porque os eventos não
falam89. Somos nós quem, valendo-nos de relatos e de sua in-
terpretação, provamos. Daí por que os eventos não integram o
universo jurídico. Os eventos não ingressam nos autos proces-
suais. O que integra o processo são sempre fatos: enunciados
que declaram ter ocorrido uma alteração no plano físico-so-
cial, constituindo a facticidade jurídica. Francesco Carnelut-
ti90, embora sem empregar essa terminologia, também vislum-
bra a prova como suporte necessário à constituição do fato
jurídico: “Isso significa que o confessor declara não para que
o juiz conheça o fato declarado e aplique a norma tão somente
se o fato é certo, senão para que determine o fato tal como foi
declarado e aplique a norma prescindindo da verdade”. Para
esse jurista, a declaração feita nos processos “não se limita
a trazer ao conhecimento o fato declarado, senão que vem a
constituir por si mesmo um fato diferente, do qual depende
a realização da norma, ou seja, fato jurídico processual. (...)
Provar, de fato, não quer dizer demonstrar a verdade dos fatos
discutidos, e sim determinar ou fixar formalmente os mesmos
fatos mediante procedimentos determinados”. Esse é o motivo
pelo qual afirma Jeremías Bentham91 que a arte do proces-
so não é senão a arte de administrar as provas, concluindo
também Michelle Taruffo92 que “os fatos devem ser levados
a sério. Muitas causas são vencidas ou perdidas nos fatos,

89. Dardo Scavino, La filosofia actual: pensar sin certezas, p. 39.


90. A prova civil, p. 61-72.
91. Tratado de las pruebas judiciales, p. 4.
92. Uma simples verdade: O Juiz e a construção dos fatos, p. 60.

55
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

dependendo se o autor conseguiu ou não provar os fatos pos-


tos como fundamento de sua demanda”.
Não é qualquer linguagem, porém, habilitada a produzir
efeitos jurídicos ao relatar os acontecimentos do mundo so-
cial. Como registra Christine Mendonça93:

O sistema jurídico, diverso do que ocorre no mundo social, indi-


cará os instrumentos credenciados para constituir tais eventos
em linguagem competente. [...] a escritura é indicada como ins-
trumento para ‘dizer que ocorreu’ o evento de uma venda de um
imóvel; a certidão de nascimento é indicada como instrumento
para ‘dizer que ocorreu’ o nascimento de uma pessoa; a nota fis-
cal é indicada como instrumento para ‘dizer que ocorreu’ o even-
to de uma venda de um produto.

Mais do que isso, ao nosso ver a linguagem escolhida


pelo direito vai não apenas dizer que um evento ocorreu, mas
atuar na própria construção do fato jurídico [fato que ingres-
sou no ordenamento jurídico mediante o processo seletivo de
filtragem desse subsistema] e, mais especificamente, do fato
jurídico tributário, tomado como enunciado protocolar que
preenche os critérios constantes da hipótese da regra-matriz
de incidência tributária. Apenas se presentes as provas em di-
reito admitidas ter-se-á por ocorrido o fato jurídico tributário.
Provado o fato, tem-se o reconhecimento de sua veraci-
dade. Somente se, questionado ou não, o enunciado pautar-se
nas provas em direito admitidas, o fato é juridicamente verda-
deiro [verdade lógica].

93. A não-cumulatividade no ICMS, p. 22.

56
CAPÍTULO 2
AUTOPOIESE DO SISTEMA DO
DIREITO POSITIVO

2.1 Noção de sistema

O vocábulo sistema, assim como a maior parte das pala-


vras, apresenta uma gama de variadas acepções. Há, nesse
termo, uma pluralidade de sentidos. A origem etimológica da
palavra sistema é grega, provinda de syn-istemi, que significa
o composto, o construído. Esclarece Tercio Sampaio Ferraz
Júnior94 que, “na sua significação mais extensa, o conceito
aludia, de modo geral, à ideia de uma totalidade construída,
composta de várias partes. Conservando a conotação origi-
nária de conglomerado, a ela agregou-se o sentido específico
de ordem, de organização. Aliada à ideia de cosmos, conceito
fundamental da filosofia grega, ela aparece por exemplo en-
tre os estoicos para descrever e esclarecer a ideia de ‘totali-
dade bem ordenada’. Os estoicos atribuíram-lhe, além disso,
uma conotação ainda mais marcante, ao ligá-la ao concei-
to de techne, por eles definida como sistema de conceitos,

94. Conceito de sistema no direito, p. 9.

57
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

configurando-a como suma”.


Tomado em seu significado de base, podemos definir sis-
tema como o conjunto de elementos coordenados entre si95,
aglutinados perante uma referência determinada. Nesse sen-
tido, posiciona-se Lourival Vilanova96: “falamos de sistema
onde se encontrem elementos e relações e uma forma dentro
de cujo âmbito, elementos e relações se verifiquem”. Aos ele-
mentos Tercio Sampaio Ferraz Jr.97 denomina repertório e às
relações chama de estrutura.
Não obstante seja comum a distinção entre sistemas
reais e proposicionais, conforme os elementos pertençam ao
mundo da experiência ou caracterizem enunciados linguísti-
cos98, tal dicotomia fica sem sentido diante da consideração
de que a linguagem é constitutiva da realidade. Daí falarmos
apenas em sistemas proposicionais, que denominamos nomo-
lógicos quando suas partes consistirem em entidades ideais, e
nomoempíricos se as proposições, descritivas ou prescritivas,
tiverem denotação existencial.
Efetuados esses esclarecimentos preliminares e adotada
a concepção segundo a qual o sistema apresenta-se como con-
junto de elementos relacionados entre si, é possível visualizar
a sociedade como um macrossistema dentro do qual se inse-
rem diversos subsistemas, dentre eles, o do direito positivo.

2.2 A sociedade como sistema comunicacional

A sociedade é o sistema mais abrangente em que a co-


municação pode desenvolver-se, sendo integrada por atos de
transmissão, recebimento e compreensão de informações.

95. Marcelo Neves, Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 2.


96. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 173.
97. Introdução ao estudo do direito, p. 165.
98. Marcelo Neves, Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 4.

58
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Consiste a comunicação, segundo Lúcia Santaella99, na


“transmissão de qualquer influência de uma parte de um sis-
tema vivo ou maquinal para outra parte”, estando presente
onde houver capacidade para gerar e consumir mensagens.
É exatamente esse o elemento que permite diferenciar o sis-
tema social dos demais sistemas existentes: só há sociedade
onde os homens estejam em disposição de entender-se, me-
diante uma linguagem comum que o permita.
A comunicação é atividade humana por excelência.
Qualquer comportamento, mesmo elementar, aparece carre-
gado de significado, caracterizando-se como ato comunicati-
vo. Isso nos leva a concluir que a comunicação estará presen-
te sempre que existir contato entre dois ou mais indivíduos,
pois qualquer conduta, exercida no contexto de situação
interacional, implica transmissão de mensagem. O próprio
não-agir ou não-falar é comportamento, possuindo valor co-
municacional. Watzlawick, Beavin e Jacksin100 já afirmavam
que “o comportamento não tem oposto”, sendo impossível
cogitar de um não-comportamento. Se uma pessoa não se
move ou fica calada, está-se comportando, pois a omissão
também é modo de comportamento, conforme se observa
na situação referida pelos citados autores: “O homem que
num congestionado balcão de lanchonete olha diretamen-
te em frente ou o passageiro de avião que se senta de olhos
fechados estão ambos comunicando que não querem falar
a ninguém nem que falem com eles; e, usualmente, os seus
vizinhos recebem a mensagem e respondem adequadamente,
deixando-os sozinhos”101.
Se comportamento implica comunicação, não é possí-
vel que um indivíduo, numa situação interacional, consiga
não se comunicar. Sempre que alguém agir ou omitir, falar

99. Comunicação e pesquisa, p. 22-23.


100. Pragmática da comunicação humana: um estudo dos padrões, patologias e pa-
radoxos da interação, p. 44.
101. Ibidem, p. 45.

59
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

ou calar, esse alguém estará se comunicando, ainda que não


o faça intencionalmente. Isso faz do processo comunicativo
uma constante no mundo social.
Para que se tenha comunicação, uma das condições ne-
cessárias é a existência de linguagem, idiomática ou não. Tal
é a indissociabilidade entre comunicação e linguagem que
esta tem sido entendida não apenas como código mediante o
qual se realiza o ato comunicativo, mas também, em sentido
lato, como a própria comunicação102. A presença inarredável
da linguagem no processo comunicativo e o fato de a comu-
nicação ser elemento integrante do sistema social implicam a
inexistência de sociedade sem linguagem, confirmando nossa
assertiva de que o fato social é constituído por relato linguísti-
co, segundo as regras previstas pelo próprio sistema.

2.2.1 O subsistema comunicacional do direito

A teoria comunicacional propõe-se a entender o direito


como um fenômeno de comunicação. Qualificando-se como
sistema comunicativo, o direito se manifesta como linguagem,
ou, nas palavras de Gregorio Robles103, “o direito é texto”.
Concordamos com essa assertiva. O direito é composto por
linguagem, que cria sua própria realidade. Portanto, “direito
é texto”. Não estamos nos referindo ao texto em sentido estri-
to, ou seja, ao mero suporte físico, como é o caso das marcas
de tinta sobre o papel. A equiparação do direito ao texto exige
que tomemos o vocábulo “texto” em seu sentido lato, no qual
se identifica a relação triádica inerente aos signos: suporte fí-
sico, significado e significação.
Dentro da rede de comunicações que é o sistema social,
identificamos subsistemas compostos por comunicações
diferenciadas entre si, como é o caso do subsistema do direito.
Este se apresenta como um conjunto comunicacional peculiar

102. Norbert Wiener, Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos, p. 73.
103. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, p. 19.

60
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

e com função específica, sendo inadmissível transitar livre-


mente entre o sistema jurídico e os demais sistemas verifica-
dos no interior do macrossistema da sociedade, como o eco-
nômico, o político e o religioso. Observa Celso Fernandes
Campilongo104 que, “na rede de comunicações da sociedade,
o direito se especializa na produção de um tipo particular de
comunicação que procura garantir expectativas de comporta-
mentos assentadas em normas jurídicas”. Construir uma teo-
ria jurídica implica, portanto, elaborar teoria comunicacional,
respeitadas as especificidades do direito positivo relativamen-
te aos demais subsistemas sociais.
A concepção da teoria comunicacional do direito tem
como premissa que o direito positivo se apresenta na forma
de um sistema de comunicação. Direito é linguagem, pois é
a linguagem que constitui as normas jurídicas. Essas normas
jurídicas, por sua vez, nada mais são que resultados de atos de
fala, expressos por palavras e inseridos no ordenamento por
veículos introdutores, apresentando as três dimensões sígni-
cas: suporte físico, significado e significação105.
Com base na teoria da sociedade de Niklas Luhmann106,
tomamos o direito como um sistema comunicativo funcional-
mente diferenciado e dotado de programas e código próprios,
apresentando uma forma especial de abertura e fechamento
com relação ao ambiente. Esclarece Gustavo Sampaio Valver-
de107 que, não obstante a sociedade se apresente como um
grande sistema, compreendendo todas as formas possíveis
de comunicação, na modernidade encontra-se dividida em
subsistemas parciais, dos quais são exemplos os sistemas

104. O direito na sociedade complexa, p. 162.


105. Classificação desenvolvida por Edmund Husserl para os três pontos do triângulo
básico, modelo analítico de comunicação sígnica. O suporte físico consiste na palavra
falada [ondas sonoras] ou escrita (como o depósito de tinta no papel), que se associa a
um significado, identificado pela ideia individualizada do objeto a que o suporte físico
se refere, e a uma significação, verificada na ideia geral do objeto referido.
106. O direito da sociedade, passim.
107. Coisa julgada em matéria tributária, p. 40.

61
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

político, jurídico, econômico e científico. Esses sistemas


possuem códigos de comunicação próprios e específicas
operações de reprodução de elementos, que lhes conferem
um fechamento operativo e também uma forma peculiar de
abertura cognitiva do ambiente.
Devido a essas particularidades, o ponto de partida de
qualquer análise sistêmica teórica tem de ser a diferença en-
tre sistema e ambiente, distinção esta aplicável tanto ao ma-
crossistema da sociedade como aos sistemas situados no seu
interior, como é o caso do sistema jurídico. É o que faremos a
seguir: discorreremos, em linhas gerais, sobre alguns aspec-
tos da teoria dos sistemas formulada por Niklas Luhmann,
que entendemos ser de extrema utilidade para a compreen-
são da prova no direito tributário, tais como o fechamento
operativo e a abertura cognitiva do sistema jurídico, além
do modo como ocorrem suas operações e produção de seus
elementos.

2.3 O direito na teoria dos sistemas

A visão sistêmica trazida para o direito mediante a aplicação


da teoria geral dos sistemas permite identificar, com nitidez, a
estrutura fundamental do ordenamento, bem como compreen-
der sua autoformação a partir de seus próprios elementos108.
Todo sistema, segundo Niklas Luhmann109, apresenta (i)
função e (ii) estrutura. Quando falamos em função do sistema,
referimos a toda ação ou atividade que este desenvolve, con-
ducentes a atingir os objetivos previstos. Tratando-se do sis-
tema jurídico, sua função, em termos gerais, consiste na es-
tabilização das expectativas normativas. Estas decorrem das
prescrições do direito posto, as quais pretendem interferir

108. Cristiano Rosa de Carvalho, Sistema, competência e princípios, in Curso de es-


pecialização em direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de
Barros Carvalho, p. 861.
109. O direito da sociedade, passim.

62
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

nas condutas humanas, determinando como estas devem


ser. O sistema jurídico diferencia-se funcionalmente dos de-
mais subsistemas sociais exatamente por estar incumbido
de garantir a manutenção de expectativas normativas, ain-
da que estas venham a ser frustradas em virtude da adoção
de comportamentos divergentes daqueles normativamente
previstos.
O cumprimento dessa função, porém, só é possível me-
diante determinações estruturais, chamadas código e progra-
ma. A função do direito, de estabilizar as expectativas norma-
tivas, produz um esquematismo binário, denominado código,
segundo o qual as expectativas normativas cumprem-se ou
frustram-se. É esse esquematismo binário que fundamenta a
identificabilidade do sistema jurídico, permitindo selecionar,
dentro das comunicações do sistema social, aquelas que inte-
gram o sistema parcial do direito.
Para que os códigos cumpram seu papel na produção de
elementos internos ao sistema, impõe-se a existência de pro-
gramas que determinem de que maneira tais códigos devem
ser utilizados. No direito, esses programas estabelecem em
que hipóteses a comunicação jurídica qualificará como líci-
to um fato social qualquer e em que situações o identificará
como ilícito. Caracterizam-se por serem condicionais, regu-
lando a alocação dos valores ao código binário, segundo a re-
lação implicacional “se... então”.
A estruturação do direito mediante a codificação e pro-
gramação também permite expô-lo a variações temporais e
torná-lo independente da causalidade da existência de confli-
tos, determinando, o próprio sistema, o que pode ser tratado
como conflito sujeito a decisões.

2.4 Sistema autopoiético

A teoria da autopoiese foi desenvolvida, inicialmente, por


Humberto Maturana e Francisco Varella, biólogos que, numa

63
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

visão sistêmica dos seres vivos, divisaram a simultaneidade de


fechamento organizacional e a abertura para informações ad-
vindas do ambiente. Dada a operatividade dessa teoria, passou
a ser aplicada ao estudo dos sistemas sociais, sendo primoro-
samente desenvolvida por Niklas Luhmann110, tomando por
sistema autopoiético aquele que produz sua própria organiza-
ção, conservando a identidade do sistema e, ao mesmo tempo,
fazendo-o sofrer transformações indispensáveis à sua sobre-
vivência. De forma simplificada, podemos dizer que autopoié-
tico é o sistema que reproduz seus elementos valendo-se de
seus próprios componentes, por meio de operações internas.
A peculiaridade do sistema autopoiético confere-lhe as se-
guintes características: (i) autonomia: é capaz de subordinar
toda a mudança de modo que permaneça sua auto-organiza-
ção; (ii) identidade: mantém sua identidade em relação ao am-
biente, diferenciando-se deste ao determinar o que é e o que
não é próprio ao sistema; (iii) não possui inputs e outputs: o
ambiente não influi diretamente no sistema autopoiético; não
é o ambiente que determina suas alterações, pois quaisquer
mudanças decorrem da própria estrutura sistêmica que pro-
cessa as informações vindas do ambiente.
A autorreferencialidade também se apresenta como pres-
suposto da autoprodução do sistema, pois, para que este possa
autogerar-se, isto é, substituir seus componentes por outros,
é necessário que haja elementos que tratem de elementos.
No caso do sistema social, atos comunicativos cujo conteú-
do seja a geração de outros atos comunicativos; em relação
ao sistema jurídico, normas que prescrevam a produção de
outras normas jurídicas. Para tanto, o sistema tem de olhar
para si próprio, precisa falar sobre si mesmo, nessa citada
autorreferencialidade.
A clausura organizacional, caracterizadora da autopoiese
do sistema, decorre exatamente do fato de que a informação
advinda do ambiente é processada no interior do sistema, só

110. Social systems, passim.

64
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

ingressando neste porque ele assim determina e na forma por


ele estabelecida. A clausura não significa, portanto, que o sis-
tema seja isolado do ambiente, mas que seja autônomo, que as
mensagens enviadas pelo ambiente só ingressem no sistema
quando processadas por ele, segundo seus critérios. Por isso,
são abertos cognitivamente.
Em relação ao sistema atuam as mais diversas determi-
nações do ambiente, mas elas só são inseridas quando este,
de acordo com seus próprios critérios, atribui-lhes forma.
Conquanto Gregorio Robles111 afirme categoricamente que “o
texto jurídico é um texto aberto”, está se referindo à abertu-
ra semântica [cognitiva], mediante a qual o sistema tem seus
conteúdos modificados. A despeito disso, reconhece que essa
regeneração se dá por mecanismos autopoiéticos, os quais au-
torizam e regulam as decisões ponentes de novos elementos
no sistema normativo. Desse modo, o sistema jurídico mantém
sua identidade em relação ao ambiente: “o próprio texto cria
as ações que podem ser qualificadas como jurídicas, e o fato de
regular a ação não significa que a ação jurídica exista antes do
texto, mas sim que é o texto que a constitui. Por estranho que
possa parecer, o homicídio como ação jurídica só existe depois
que o texto jurídico prescreve o que é que se deve entender
por homicídio”112. Só aí tal ação ingressa no sistema do direito
positivo.
Essa clausura operativa e abertura cognitiva, nos moldes
expostos, só são possíveis pela existência de códigos e pro-
gramas específicos para cada sistema parcial. Esses sistemas
parciais, como é o caso do jurídico, qualificam-se em razão da
diferença com o ambiente, diferença esta que é constituída e
delimitada pelas operações internas ao próprio sistema, res-
ponsáveis pela autorreprodução de seus elementos, segundo
seu particular código e programa.

111. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, p. 29.
112. Gregorio Robles, O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional
do direito, p. 29.

65
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

2.4.1 Código

Vimos que o sistema social é constituído por complexas


redes de comunicação, num processo dinâmico constante. E à
medida que o sistema vai aumentando sua complexidade, for-
mam-se subsistemas, cada qual com seu código próprio, auto-
nomizando-se uns em relação aos outros. É o que acontece com
o sistema jurídico: (i) o sistema social diferencia-se do seu am-
biente por produzir-se segundo o código comunicação/não-co-
municação; (ii) ao adotar o código lícito/ilícito, o sistema jurídico
distingue-se das demais comunicações sociais, pois mediante
esse código o direito passa a construir seus próprios componen-
tes, estabelecendo as normas reguladoras das suas operações,
estruturas, processos.
Cada sistema autopoiético processa as mensagens externas
dentro de critérios particulares, mediante um código próprio.
Esse código é valorativo e binário: o código do sistema econô-
mico, por exemplo, é ter/não-ter; do sistema político é poder su-
perior [governo] /poder inferior [oposição]; do sistema jurídico
é lícito/ilícito. Todas as mensagens recebidas do ambiente são
processadas e convertidas por meio desse código binário.
O fato de o sistema adotar um código valorativo binário
para processar as mensagens que recebe do ambiente é funda-
mental para manter sua identidade. Assim, mesmo que o siste-
ma econômico influencie o sistema jurídico, este não produzirá
atos comunicativos econômicos, mas sim jurídicos, consoante os
seus próprios critérios de produção. As informações vindas do
ambiente são processadas pelo sistema e, no caso do direito, ele
atua sobre as informações reduzindo-as ao lícito e ao ilícito. A
economia, v.g., passa informações para o direito, que as subme-
te ao seu filtro, e vai produzindo suas unidades.
É a existência de específico código binário que caracteriza
um sistema como autorreferencialmente fechado, com abertura
cognitiva ao meio ambiente. Por meio de código sistêmico pró-
prio, estruturado binariamente entre um valor negativo e outro
positivo, as unidades elementares do sistema são reproduzi-
das internamente e distinguidas claramente das comunicações

66
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

exteriores. Mas os códigos tornam-se formas vazias caso não


sejam combinados com programas. Nesse sentido, a autopoiese
importa uma combinação entre codificação e programação, pos-
sibilitando, assim, a simultaneidade de fechamento e abertura.
O sistema jurídico pode assimilar, de acordo com seus cri-
térios[(código e programa], os fatores do ambiente, sem que
seja diretamente influenciado por eles. As expectativas norma-
tivas não são determinadas imediatamente por interesses eco-
nômicos, pela política, pela ética, pela moral etc.; dependem de
processos seletivos de filtragem conceitual no interior do sis-
tema jurídico, exigindo a digitalização interna de informações
provenientes do ambiente. Desse modo, reproduzindo-se a par-
tir de um código binário [lícito/ilícito] e de programas [normas
jurídicas, tais como as veiculadas na Constituição, leis, decretos,
decisões judiciais etc.], o direito aparece como sistema opera-
cionalmente autônomo.
Como sistema autopoiético que é, o sistema jurídico comu-
ta as respectivas influências apenas mediante seus programas e
códigos, os quais atuam como mecanismo de seleção, filtragem
e imunização das influências contraditórias do ambiente sobre
o sistema jurídico. Essa imunização assegura que as expecta-
tivas normativas sejam tratadas segundo o código lícito/ilícito,
de modo que os fatores externos só influam na reprodução do
sistema jurídico se e quando submetidos a uma comutação dis-
cursiva de acordo com aquela codificação e com os programas
jurídicos.
A pluralidade de discursos do ambiente é processada inter-
namente pelo sistema do direito, sendo o código o componen-
te que permite distinguir o sistema jurídico do ambiente, bem
como identificar o que é conforme o direito e o que é discrepan-
te, conferindo identidade ao sistema.

2.4.1.1 Duplo ingresso

Os códigos binários são, aparentemente, fáceis de mane-


jar, por permitirem a imediata identificação de dois valores que
se excluem mutuamente, sendo um positivo e outro negativo.

67
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

O fechamento organizacional do sistema jurídico implica que


tudo o que não esteja dentro do campo da licitude seja ilícito
e vice-versa, sem que sofra interferência de quaisquer outros
valores, pertencentes a sistemas diversos. Esse esquema, não
obstante se mostre, à primeira vista, muito simples, encobre es-
truturas complexas, designadas por Niklas Luhmann113 de re-
-entry, significando o duplo ingresso da forma dentro da forma.
Esse duplo ingresso opera-se do seguinte modo: o sistema
jurídico sai do lado interno da forma e vai até o lado externo –
sistema social – para buscar uma comunicação que deseja dis-
ciplinar, trazendo-a de volta ao interior da forma, para dar-lhe
tratamento segundo seu código, que é lícito/ilícito, como grafi-
camente representado114:

Convém esclarecer que esse duplo ingresso opera-se ape-


nas no lado interno da forma. O lado externo só se apresenta
como componente de delimitação, uma vez que para poder di-
zer o que pertence ao sistema [interno] é necessário diferençá-
-lo do ambiente [externo].

113. O direito da sociedade, p. 132.


114. A sigla SS representa o sistema da sociedade, SJ indica o sistema jurídico e C
uma comunicação.

68
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

A operação a que nos estamos referindo dá-se mediante a


divisão de determinado sistema em duas partes, criando um es-
paço que representa parcela específica do mundo e que se põe
à disposição para um novo corte, com o qual se faz outra distin-
ção naquilo que já foi desmembrado por uma partição anterior.
Em relação a essa duplicidade seletiva, Gustavo Sampaio Val-
verde115 discorre com propriedade:
As operações realizadas pelo sistema consistem basicamente na
seleção de informações do ambiente e no processamento interno
dessas informações, o que significa reconhecer que cada sistema
possui um critério e uma forma de selecionar e processar infor-
mações, que lhe possibilita operar de uma maneira própria e de-
limitar-se frente ao ambiente. Essa seleção promovida pelos sis-
temas é, na verdade, uma dupla seleção, pois compreende uma
primeira seleção das informações ambientais para o sistema e
uma segunda seleção, já dentro do sistema, de acordo com o seu
código comunicativo peculiar.

Diz-se que há um duplo ingresso na forma exatamente


por serem efetuadas duas seleções:
(i) há um corte no sistema social, selecionando a gama de
comunicações que serão diferenciadas pelo código lícito/ilíci-
to, distinguindo, assim, o sistema parcial do direito:

115. Coisa julgada em matéria tributária, p. 57.

69
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

(ii) dentro da forma do sistema jurídico ocorre uma nova


divisão que permite implementar o código, conectando as co-
municações selecionadas e dando-lhes sentido, atribuindo-
-lhes a condição de lícito ou ilícito [entendido o “ou” como
conectivo disjuntor excludente], como a seguir representado:

No primeiro corte verifica-se predominante atuação do


código, enquanto no segundo tem-se o programa conferindo
conteúdo às comunicações selecionadas pelo código.

2.4.1.2 Bivalência do código e biestabilidade

Código é o esquema bivalente que o sistema utiliza para


estruturar as operações próprias e para distingui-las de ou-
tros assuntos. Em uma simplificação máxima, os códigos são
estruturas que podem ser reduzidas ao objetivo da biestabi-
lidade. Com isso, referimo-nos a sistemas que podem tomar
dois estados [positivo/negativo; 1/0 etc.], a partir dos quais
se desenvolvem as operações subsequentes. São sistemas
que têm incorporadas uma distinção e uma forma, e que in-
cluem a possibilidade de suas operações conectarem-se in-
distintamente a um lado ou ao outro da distinção [tanto no

70
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

lado positivo como no negativo], apresentando integradas


operações de crossing, na terminologia adotada por Spencer
Brown116.
Graças ao código binário existe um valor positivo a que
chamamos lícito e um valor negativo a que denominamos ilí-
cito. O polo positivo aplica-se quando o comportamento coin-
cide com as condutas prescritas pelas normas do sistema, ao
passo que o negativo tem aplicabilidade nas hipóteses de in-
fringência àquelas prescrições normativas.
O direito não se apresenta como um sistema orientado
teleologicamente, o qual, ao alcançar a meta pretendida, ces-
sa suas operações. É claro que orientações em relação a um
objetivo determinado podem existir no sistema, mas somen-
te na forma de episódios, como no caso dos processos indivi-
duais que culminam com a decisão de um tribunal. O direito
é uma história sem fim, um sistema autopoiético que produz
elementos para poder continuar gerando mais elementos. A
codificação binária é a forma estrutural que garante exata-
mente isso. Exemplificando: se alguém obtém uma sentença
válida, não é lícito que a execute com suas próprias mãos; se o
réu for condenado e preso, é lícito alimentá-lo e dar-lhe trata-
mento humano. Cada operação que opte por um valor – lícito
ou ilícito – abre a possibilidade de que as operações subse-
quentes possam ser novamente avaliadas segundo sua licitu-
de ou ilicitude.
A bivalência, além de condição mínima para manter o
sistema fechado operativamente, consiste, também, em con-
dição para a capacidade de decidir e, com isso, em requisito
para a jurisdicionalidade. Se houvesse mais valores, as situa-
ções de decisão ficariam demasiadamente complicadas e o
sistema não poderia operar com segurança suficiente. Ao de-
cidir, não deve o juiz fazê-lo como se existissem outros valores
além do lícito e ilícito, como decidir em nome da “conservação
do poder político”.

116. Apud Niklas Lhumann, O direito da sociedade.

71
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

A unidade do código está expressa, outrossim, no fato de


que não se pode tomar uma decisão sobre um valor sem levar
em conta o outro. A adjudicação de valores a determinadas si-
tuações supõe, por isso, a avaliação do rechaço e da possibili-
dade contrária, assim como no sistema científico um teorema
só pode ser designado como verdadeiro quando se afirma, ao
mesmo tempo, que se avaliou que não é falso.
O código desdobra o paradoxo segundo o qual a unidade
do sistema está conformada por dois valores incompatíveis,
ou seja, que a distinção tem uma duplicidade de lados que, do
ponto de vista temporal, são relevantes ao mesmo tempo, mas
que não podem ser usados simultaneamente. A existência de
dois valores faz com que a adjudicação de um deles a deter-
minada situação seja algo contingente, demandando escolha.
Por todo o exposto, observa-se serem duas as principais
interpretações acerca das funções do código: (i) uma trata o
código como possibilidade de distinção entre os vários siste-
mas parciais que integram o sistema social; e (ii) outra enten-
de o código como divisor do mundo em duas metades: valor
positivo e valor negativo.

2.4.2 Programas

Não obstante a relevância do código na composição do


sistema autopoiético, este, quer do ponto de vista temporal,
quer do prisma objetal, mostra-se insuficiente para a estrutu-
ração do sistema.
Examinando sob o ângulo temporal, o código apresenta-
-se como algo invariável. Se os valores do código mudarem,
estar-se-á diante de um sistema distinto, pois o código repre-
senta a maneira como o sistema produz e reproduz sua pró-
pria unidade. O código não oferece, portanto, nenhuma pos-
sibilidade de adaptação do sistema ao ambiente. Um sistema
codificado ou está adaptado, ou não existe.

72
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Em relação ao seu objeto, o código é uma tautologia, e,


no caso da autoaplicação, um paradoxo. A tautologia decor-
re de que os valores do código são interdefiníveis mediante
a negação: o que é conforme ao direito não é discrepante do
direito (lícito = não ilícito) e o que é discrepante do direito não
é conforme ao direito (ilícito = não lícito). Por essa razão, o
código pode ser caracterizado como uma simples duplicação
do valor de preferência, no caso, a licitude. O paradoxo, por
sua vez, apresenta-se quando o código é aplicado a si mesmo:
ao perguntar se algo está conforme ou desconforme ao direi-
to, distingue-se entre lícito e ilícito; para saber se é direito,
necessário se faz o prévio conhecimento do que é ser lícito,
conhecendo-se, simultaneamente, o que é ser ilícito.
Os valores lícito e ilícito não são, propriamente, crité-
rios para a determinação do direito ou do não-direito, sendo
necessários outros elementos que indiquem como os valores
do código lícito/ilícito se aplicam. Essa semântica adicional é
chamada de programa.
O código não pode existir sozinho, sem o programa, pois
quando uma operação se submete a um valor binário e, portan-
to, ingressa em determinado sistema, surge a inevitável per-
gunta: qual dos valores (positivo ou negativo) deve-se-lhe adju-
dicar? Os códigos são distinções que, no âmbito autopoiético,
só podem ser produtivas mediante outra diferenciação: aquela
entre codificação e programação. É em virtude da existência
de codificação e programação que se pode resolver o problema
da invariabilidade temporal e da capacidade de adequação do
sistema: a invariabilidade e a incondicionabilidade estão repre-
sentadas pelo código; a transformabilidade, pelos programas.
Os programas, na qualidade de suplemento da codificação,
servem para dar direcionalidade à semântica condicionada por
um código. Somente na presença de ambos é possível resolver
problemas especificamente jurídicos, já que apenas nessa hi-
pótese tem-se uma contingência inerente ao sistema do direito.
Aquilo que é correto só se fixa mediante os próprios programas.
Não existe nenhum problema de fundamentação do direito que

73
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

não tenha de se solucionar no próprio direito. Por isso, o direito


positivo existe unicamente produzido no próprio sistema.

2.5 Forma e função do programa jurídico

Os programas dos sistemas jurídicos são sempre condi-


cionais. Em relação ao direito, não se pode considerar uma
programação orientada por fins. Os programas finalísticos só
são admissíveis, no âmbito jurídico, mediante o contexto de
um programa condicional: programas condicionais orienta-
dos a certos fins.
O marco jurídico dentro do qual se emite uma decisão
não é, jamais, um programa finalístico. Ao contrário, o direito
tem sempre como fundamento uma estrutura do tipo “se isto/
então aquilo”.
Somente na hipótese de se apresentarem problemas na
interpretação desse texto é que se pode partir da considera-
ção acerca da finalidade em função da qual deve servir o pro-
grama. Nesse caso, é precisamente a programação condicio-
nal que permite certa liberdade na imaginação de metas.
Em situações extremas, é possível que as condições es-
tabelecidas pelo programa sejam reduzidas a uma norma de
competência, do tipo “direito é o que o juiz considera como
meio adequado para alcançar um fim”. Mas, ainda nessa hipó-
tese, continuaria havendo um programa condicional, tendo em
vista que só se teria direito se o juiz exercesse sua competência
dentro dos limites impostos pelo próprio sistema jurídico.
A forma do programa condicional “se isto/então aqui-
lo” sobrevive a todas as subsequentes diferenciações sociais
mediante uma espécie de mudança de contexto. Possibilita a
diferenciação de um sistema jurídico com uma codificação bi-
nária, assumindo a função de regular adjudicação dos valores
do código ao caso específico.
A fixação da forma do programa condicional relaciona-
-se com a função do direito: a estabilização das expectativas

74
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

normativas. Justamente para o caso de não serem cumpridas,


as expectativas são postas na forma de normas.
Em síntese, a programação complementa a codificação,
conferindo-lhe conteúdo. A diferença entre codificação e
programação permite tautologizar o próprio código, tratá-lo
como relação de mudança de valores e, com isso, abastecer
o sistema com a capacidade para tomar decisões. Combina a
invariabilidade com a transformabilidade.

2.6 Processo e autopoiese do sistema jurídico

O sistema jurídico impõe a necessidade de decisões. Dis-


põe ele, todavia, da possibilidade de postergar as decisões e
operar durante um tempo na incerteza. Esse período de in-
certeza é admissível no sistema do direito porque ele próprio
promete resolvê-la em algum momento, mediante a previsão
de processos.
Os processos apresentam-se organizados na forma de
episódios temporalmente limitados, iniciando-se com uma
demanda e terminando com uma decisão que lhe correspon-
da. Princípio e fim são momentos constitutivos do sistema
processual. Acontecimentos externos ao processo, como um
acidente ou um desgosto pessoal, não iniciam o processo. As
situações exteriores só têm relevância mediante formas que
o processo mesmo identifica e qualifica como início: somente
tais formas constituem o início do processo.
Só o código que permite a adjudicação da conformidade [ou
discrepância] com o direito, mas que a deixa aberta, pode produ-
zir a incerteza de que vive o processo. Todavia, o processo a apro-
veita como meio para sua própria autopoiese. Utiliza a incerteza
para motivar a participação, oferecer oportunidades e, com isso,
chamar os participantes para que colaborem, quer dizer, os con-
voca ao reconhecimento, até que no final se convertam em pri-
sioneiros de sua própria participação, tendo poucas perspectivas
de negar posteriormente a legitimidade do processo.

75
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

O código estritamente binário do sistema jurídico é en-


riquecido, dessa maneira, com um terceiro valor, qual seja a
incerteza da adjudicação de um valor. Isso possibilita que a
codificação binária fique intacta, visto que impede a introdu-
ção de outros valores no sistema, mediante a exigência de que
se aplique, ao próprio processo decorrente da incerteza, a dis-
tinção do código conforme/discrepante com o direito.

2.6.1 Segurança jurídica no sistema autopoiético: rela-


cionamento entre sistema jurídico e ambiente

Lourival Vilanova 117 assevera que o direito se apre-


senta como uma “linguagem material, sempre aberta ao
acrescentamento de enunciados fundados na experiência,
que é infinita no sentido kantiano”. Tal afirmação deve ser
entendida como referente à abertura cognoscitiva do sistema
jurídico, pois este, conquanto aberto em seu aspecto semân-
tico, é sintaticamente fechado. Nada ingressa no sistema do
direito que não seja pelo modo por ele próprio prescrito: a
forma normativa.
É pela conjugação entre código e programa que se obtém
esse fenômeno autopoiético, garantindo, simultaneamente,
segurança jurídica e relacionamento entre o direito posto e o
ambiente.
A segurança jurídica pode ser considerada em duas va-
riantes: (i) garante que os assuntos sejam tratados exclusiva-
mente de acordo com o código do direito, sem interferência
de qualquer outro interesse não contemplado pelo ordena-
mento; e (ii) confere previsibilidade às decisões jurídicas,
em razão do conteúdo prescrito pelos programas do direito.
Tendo em vista, porém, que as decisões são fortemente in-
fluenciadas pela subjetividade do julgador, optamos por con-
siderar a segurança jurídica, em seu sentido estrito, como
aquela referida na primeira variante: a exigência de que os

117. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 56.

76
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

fatos, para ingressarem no universo jurídico, submetam-se


ao código “lícito/ilícito”.
Apenas após a atuação do próprio sistema jurídico,
mediante aquele duplo ingresso de que falamos no subitem
2.4.1.1, é que os fatos sociais passam a integrar o mundo do
direito, surtindo os correspectivos efeitos. Esse é o modo pelo
qual sistema jurídico e ambiente se relacionam, como explica
com propriedade Paulo de Barros Carvalho118:

O que pode acontecer é o sistema S’ tomar conhecimento de in-


formações do sistema S” e processar esses dados segundo seu
código de diferença, vale dizer, submetendo-se ao seu peculiar
critério operacional. Em linguagem jurídica, é o direito receben-
do fatos econômicos, por exemplo, em suas hipóteses normativas
e, a partir delas, produzindo novas relações jurídicas por meio
dos operadores deônticos [V, P e O].

Sem norma, um fato qualquer não adquire qualificação


de fato jurídico. É o sistema normativo que decide quais fatos
são jurídicos e quais não são apreendidos pela juridicidade,
ou, como refere Lourival Vilanova119, os fatos que trazem con-
sequências jurídicas e os fatos que são juridicamente irrele-
vantes: “o constituírem-se ou desconstituírem-se fatos jurídi-
cos depende de regras de formação do sistema”.
Na teoria das provas, a imprescindibilidade da observân-
cia às normas disciplinadoras do ingresso de elementos no
sistema jurídico para que haja relacionamento entre este e
o ambiente em que se insere é facilmente identificada nos
efeitos do preceito proibitivo da produção de provas ilíci-
tas: ainda que o fato probante tenha sido constituído, não
se apresenta como fato para o direito caso sua realização
deixe de observar os limites juridicamente impostos. Além
dessa situação, em que o filtro do sistema jurídico apare-
ce com maior nitidez, para todas as hipóteses de produção

118. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 104.


119. Causalidade e relação no direito, p. 54.

77
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

probatória existem normas que prescrevem como constituir


provas: são as normas de organização, normas-de-normas
que indicam o procedimento para constituírem-se e des-
constituírem-se outras normas, cuja observância é impres-
cindível para que se estabeleça relação de pertinencialidade
com o sistema jurídico.

2.7 As provas na teoria autopoiética do direito

Enquanto os eventos apresentam-se como ocorrências


materiais, verificadas no mundo da experiência, os fatos con-
sistem em enunciados linguísticos que relatam e, desse modo,
constituem os acontecimentos perante a realidade social. Por
essa razão, pondera Maria Rita Ferragut120 que aquilo que
realmente sabemos sobre os eventos nada mais são que suas
versões, concretizadas por meio de linguagens que os descre-
vem e constituem fatos.
Não é qualquer espécie linguística, porém, capaz de pro-
duzir tais efeitos. Para que se tenha um fato pertencente a
determinado sistema, necessário se faz que seja relatado se-
gundo as regras por ele impostas. Não obstante os eventos
possam ser expressos por diversos tipos de linguagem, estes
só pertencerão ao mundo do direito se produzidos na forma
por ele prescrita. Isso confere segurança jurídica ao orde-
namento, pois dá a certeza de que ingressará no sistema do
direito positivo apenas aquilo que for vertido na linguagem
competente, segundo o código lícito/ilícito.
A diferença substancial entre fato jurídico, fato social –
ou, simplesmente, fato –, fato econômico e fato político decor-
re da circunstância de que o primeiro é constituído pela lin-
guagem do direito, ao passo que os demais são relatados em
linguagem social, econômica e política, respectivamente. Fato
jurídico, define Paulo de Barros Carvalho121, é “enunciado

120. Presunções no direito tributário, p. 32.


121. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 105.

78
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

protocolar, denotativo, posto na posição sintática de antece-


dente de uma norma individual e concreta, emitido, portanto,
com função prescritiva, num determinado ponto do processo
de positivação do direito”.
Como consequência dessa diferenciação linguística, tudo
aquilo que não estiver relatado na linguagem admitida pelo di-
reito não será por ele conhecido. Susy Gomes Hoffmann122,
esclarecendo as implicações que essa separação entre fato
social e fato jurídico acarreta, exemplifica:

A justiça jurídica ocorrerá quando forem atendidos os princípios


de nossa ordem. Essa justiça poderá, por sua vez, traduzir uma
sensação de injustiça social, se adotar esse segundo sentido de
justiça como o sentimento de uma sociedade e que não está, ne-
cessariamente, atrelado aos ditames da ordem jurídica. Assim,
por exemplo, quando uma pessoa deixa de ser condenada por-
que a única prova de sua conduta criminosa foi obtida por meio
ilícito, traduz-se, socialmente, a sensação de injustiça: um crimi-
noso não foi preso. Porém, nos valores da ordem jurídica, a lici-
tude da prova é requisito do princípio do devido processo legal.
Portanto, pela ótica jurídica, houve justiça, e pela ótica social, a
conclusão pode ser diversa.

A partir da situação examinada por essa autora, nota-se,


desde logo, a relevância da prova para a constituição do fato
jurídico. O direito, como sistema que determina o modo pelo
qual ocorre sua autorreprodução, exige a prova obtida licita-
mente como suporte para que se tenha um fato jurídico, como
é o caso do fato jurídico tributário.
Ainda, tomado o direito como um sistema comunicativo
funcionalmente diferenciado e dotado de programas e códi-
go próprios, este apresenta uma forma especial de abertura
e fechamento com relação ao ambiente: o direito possui es-
pecíficos códigos de comunicação e peculiares operações
de reprodução de elementos, o que lhe confere fechamento
operativo e abertura cognitiva do ambiente. Só ingressam no

122. Teoria da prova no direito tributário, p. 115.

79
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

ordenamento jurídico, portanto, os fatos que ali sejam postos


pela linguagem eleitas pelas regras do direito123. E, como sabe-
mos, as linguagens de caráter social, econômico, político ou
histórico, dentre outros, não satisfazem aos requisitos exigi-
dos pelo ordenamento. Para que se tenha um fato jurídico,
ou seja, uma nova realidade no âmbito do direito, é impres-
cindível que haja produção linguística específica, prescrita
pelo próprio ordenamento, a exemplo do que acontece com
a linguagem das provas: estas se reportam ao fato social
para, em conformidade com as regras do direito, constituir
um fato jurídico, apto para desencadear os efeitos prescriti-
vos que lhe são peculiares.

2.8 A prova no sistema comunicacional do direito

Na qualidade de subsistema recortado do sistema social,


o direito positivo, conquanto funcionalmente diferenciado
e composto por códigos e programa próprios, apresenta-se
como uma rede de comunicações: interações sociais realiza-
das por meio de mensagens124, no caso, mensagens jurídicas.
E, sendo a prova elemento indispensável ao processamento
comunicacional do direito, também ela se insere no âmbito da
cadeia comunicativa.
Para que a comunicação se opere com o mínimo possível
de ruído125, Leonidas Hegenberg126 preconiza a observância a
quatro princípios básicos: (i) máxima da cooperação, de acor-
do com a qual, em cada fase de um diálogo, os participantes
devem manifestar-se respeitando o direcionamento estabele-
cido pela troca de ideias, evitando desvios ou dispersões inú-
teis; (ii) máxima da qualidade, impondo a omissão de tudo o

123. Gregorio Robles, Las reglas del derecho y las reglas de los juegos, passim.
124. John Fiske, Introduction to communication studies, p. 1.
125. O ruído representa uma interferência perturbadora no sistema comunicacio-
nal, impedindo ou dificultando a transmissão e compreensão das mensagens.
126. Saber de e saber que: alicerces da racionalidade, p. 71.

80
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

que se julgue falso ou daquilo para o que faltem evidências


corroboradoras; (iii) máxima da quantidade, nos termos da
qual o informante há de enunciar somente sentenças oportu-
nas, omitindo-se quanto às supérfluas, evitando, desse modo,
o excesso de informações; e (iv) máxima da urbanidade, cujo
propósito é rejeitar enunciados obscuros e ambíguos. Assim,
a produção probatória, para realizar-se de forma precisa e
cumprir seus objetivos no sistema jurídico, há de seguir as
orientações manifestadas por tais princípios: (i) deve ser in-
troduzida nos autos no momento apropriado, pelo sujeito que
nela tem interesse, de modo que se estabeleça troca de infor-
mações entre as partes e o julgador; (ii) exige-se prova dos fa-
tos alegados, de maneira que fato não provado é fato jurídico
inexistente; (iii) as provas juntadas aos autos hão de referir-se
a fatos pertinentes, relevantes para a solução do conflito ins-
taurado; e (iv) com vistas a cumprir sua função de convencer
o julgador, destinatário das provas, recomenda-se que estas
sejam produzidas do modo mais claro possível, mediante o
emprego de vocábulos com o mínimo de ambiguidade e va-
gueza, acompanhados, quando necessário, de processo de
elucidação, esclarecendo-se o sentido e a extensão atribuídos
às palavras.
No processo constitutivo da interação comunicacional,
coexistem seis componentes, segundo Roman Jakobson127:

O remetente envia uma mensagem ao destinatário. Para ser efi-


caz, a mensagem requer um contexto a que se refere, apreensível
pelo destinatário, e que seja verbal ou suscetível de verbalização;
um código total ou parcialmente comum ao remetente e ao des-
tinatário (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodifica-
dor da mensagem); e, finalmente, um contato, um canal físico e
uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário, que
os capacite a entrarem e permanecerem em comunicação.

Apliquemos as noções de emitente ou emissor, desti-


natário ou receptor, mensagem, canal ou contato, código e

127. Linguística e comunicação, p. 123.

81
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

contexto à teoria das provas, procurando, com isso, melhor


esclarecer o modo pelo qual as provas se inserem no processo
comunicacional do direito.
(a) Remetente. No processo de comunicação deve existir um
ponto de onde a mensagem parte. Eis o emissor ou remetente,
sujeito imprescindível para o desencadear comunicativo, re-
presentado, na teoria das provas, pela parte que realiza sua
produção, introduzindo enunciados probatórios nos autos
processuais128.
(b) Destinatário. Não obstante um sujeito possa emitir
mensagens a si próprio – falando consigo mesmo ou escreven-
do para si em um diário ou lembrete –, o processo de comuni-
cação em sentido próprio requer que a mensagem tenha um
destino distinto do emissor. Esse destino é o receptor ou desti-
natário, podendo consistir em um grupo de pessoas determi-
nadas (ex.: conferência) ou indeterminadas (ex.: livro, rádio,
televisão). Tratando-se, contudo, de enunciação probatória,
cujo caráter é eminentemente persuasivo, o destinatário há de
ser certo: o julgador, isto é, o sujeito a quem se pretende con-
vencer de algo mediante o uso das provas em direito admitidas.
(c) Mensagem. Consiste naquilo que se quer transmitir, ou
seja, no conteúdo da comunicação. A mensagem não se pro-
duz por uma soma dos fonemas que constituem as palavras,
mas pela conjugação de conteúdos que convencionalmente se
atribui aos signos linguísticos, variáveis conforme o contex-
to em que se inserem e a valoração dos intérpretes. A prova,
entendida como proposição, identifica-se com esse elemento
do processo comunicacional, pois é por meio de seu conteúdo
significativo que se pretende convencer o destinatário acerca
da ocorrência ou inocorrência de determinado fato.
(d) Canal. Para que a comunicação se realize é impres-
cindível a existência de uma via que permita que a mensagem

128. O fato comunicacional tem início com o processo decisório que culmina com a
expedição de atos de fala.

82
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

chegue até seu destinatário. Eis o canal ou contato, compo-


nente comunicacional que serve para interligar emissor e re-
ceptor da mensagem. No sistema jurídico, esse vínculo é obtido
por meio do processo, enquanto instância material, suporte
físico das relações processuais.
(e) Código129. Além daquele contato entre remetente e
destinatário, é preciso que ambos compartilhem um código
comum. Se alguém transmite mensagem na língua japonesa
para um sujeito que desconhece esse idioma, a comunicação
não se opera. Por isso, o sistema jurídico brasileiro adota a
língua portuguesa como código, mais especificamente sua
modalidade escrita, ou, excepcionalmente, suscetível de ser
escrita. Daí por que nosso sistema processual prevê a figura
do tradutor juramentado, cuja função é verter a mensagem
para o código eleito, conhecido pelo destinatário.
(f) Contexto. Consiste no conjunto de condições de uso
da língua, envolvendo, simultaneamente, o comportamento
do emissor e do receptor, bem como o quadro situacional em
que se dá a transmissão da mensagem, interferindo na signi-
ficação de um enunciado. Em relação às provas, o contexto
está representado pela relação jurídica processual em que se
pretende interferir130.
Tomado o direito como processo comunicacional em que
se inserem as provas, convém esclarecer que a atividade de-
senvolvida pelo destinatário da mensagem não consiste em
mera decodificação de signos. A recepção da mensagem exi-
ge atos de construção de sentido, análogos aos que se requer
para a produção da mensagem. Nessa linha de raciocínio, po-
demos dizer que as atividades do emissor e do receptor são

129. Esclarecemos que o termo código é utilizado, nesta oportunidade, em sentido


diverso daquele referido por Niklas Luhmann. Aqui, está ele a denotar um dos ele-
mentos do processo comunicacional e não as valências que atuam no fechamento
operativo dos sistemas.
130. Isso não exclui a existência de um contexto mais abrangente, consistente nas
vivências do destinatário [julgador], influenciando sua interpretação daquele espe-
cífico contexto processual.

83
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

interdependentes e condicionadas entre si, pois, ao produzir


uma mensagem, o remetente normalmente antecipa [prevê,
espera] certa interpretação por parte do destinatário, e este,
ao interpretá-la, geralmente constrói hipóteses sobre os
propósitos do emissor, segundo a forma textual utilizada e seu
contexto. Antes de codificar ou decodificar, os sujeitos da co-
municação propõem hipóteses interpretativas e se orientam
mediante raciocínios estratégicos implícitos ou explícitos: o
emissor quer ser entendido pelo receptor e este deseja com-
preender o emissor.
Nos processos jurídicos, todavia, a decodificação das
mensagens sofre intervenção de mais de um sujeito. Além
do julgador, a quem se dirigem as provas, verificam-se cons-
tantes manifestações da parte adversa, procurando dar
nova significação à prova produzida pelo remetente. É o que
acontece na hipótese em que um sujeito “A” junta aos autos
determinado laudo pericial, utilizando-o como justificativa
do fato por ele alegado. “B”, ao manifestar-se sobre referido
laudo, procura atribuir-lhe sentido diverso. Quando as men-
sagens chegam ao destinatário [julgador], já passaram por
essas interferências.
No sistema comunicacional probatório aparece, também,
o fenômeno da redundância: é o chamado reforço de prova,
consistente na apresentação de diversas provas que se con-
firmam entre si. A parte anexa contrato comprobatório do
fato por ela alegado e, simultaneamente, diversos outros do-
cumentos relativos ao assunto, objetivando confirmar a vera-
cidade de suas afirmações. Conquanto gramaticalmente seja
inapropriada, a redundância, no processo comunicacional,
não é algo que se deva repudiar, pois nos sistemas de ambien-
tes ruidosos essa técnica ajuda a alcançar maior fidelidade na
interpretação das mensagens. Como leciona Paulo de Barros
Carvalho131:

131. Teoria da prova e o fato jurídico tributário. Apostila do Programa de Pós-Gra-


duação em Direito [Mestrado e Doutorado] da USP e da PUC/SP.

84
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

A redundância justifica-se, perfeitamente, no âmbito da prova. A


repetição faz parte da linguagem utilizada em função prescritiva
de condutas, sendo a idempotência do conjuntor e do disjuntor,
como possibilidade lógica, um traço característico da linguagem
deôntico-jurídica.

A repetição de enunciados prescritivos, conquanto se-


manticamente corresponda ao conteúdo significativo de
um só comando, implica relevante acréscimo de eficácia so-
cial: no caso das provas, acarreta o incremento de seu poder
persuasivo.

85
CAPÍTULO 3
NOÇÕES GERAIS SOBRE A PROVA

3.1 Plurissignificação do vocábulo “prova”

O termo prova, assim como tantos outros, encontra no uso


ordinário e jurídico os mais diversos significados. Esse vocá-
bulo deriva do latim probatio, que significa ensaio, verificação,
inspeção, exame, argumento, razão, aprovação, confirmação.
A referência à sua origem, por si só, permite-nos entrever a
polissemia da palavra.
John Gilissen132, atento a essa pluralidade de sentidos,
chama atenção para o fato de que a figura da prova não é ex-
clusiva do domínio do direito. Ela diz respeito a inúmeras ou-
tras disciplinas, tanto em ciências exatas como em ciências
humanas, podendo assumir vários aspectos, dentre os quais
destaca esse autor a (i) prova demonstrativa, consistente em
um raciocínio voltado a deduzir, de axiomas ou proposições
já provadas, outras proposições. A prova demonstrativa diz
respeito a ideias, dados abstratos, sendo empregada na ma-
temática e na lógica; (ii) prova experimental, decorrente de
experiências e tendo por objetivo demonstrar uma lei natural:

132. Introdução histórica ao direito, p. 712.

87
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

exemplo clássico é a “lei da gravidade”, experimentalmente


comprovada. É a espécie de prova utilizada nas ciências natu-
rais; (iii) prova histórica, direcionada a reconstituir o passado,
buscando provar os acontecimentos por meio dos vestígios
deixados ao longo do tempo; e (iv) prova judiciária, que em
muito se assemelha à prova histórica em virtude de visar à
reconstrução de situações já ocorridas. Diferencia-se por ser
produzida em juízo, com a função de convencer o julgador
acerca da existência ou não de determinado fato.
Acrescentamos a essa relação a prova jurídica, da qual
a prova judiciária seria espécie. Referida categoria abrange
toda a prova constituída segundo regras de direito, indepen-
dentemente de sua produção ocorrer nos autos judiciais ou
fora dele.
Essa relação de sentidos atribuídos ao termo prova não
é exaustiva. Tal palavra, na linguagem comum, pode signifi-
car ensaio, experiência, confrontação, demonstração, exame,
sofrimento, dentre outros, evidenciando sua polissemia. Eis
o motivo pelo qual Enrique M. Falcón133 adverte sobre a ne-
cessidade de focalizar esse vocábulo dentro de determinado
contexto ou optar por um momento particular em que seja
empregado. É o que faremos, dirigindo nossa atenção, especi-
ficamente, à prova jurídica.
Não nos interessa apenas a prova judiciária, referida
por Gilissen, mas o gênero do qual esta se apresenta como
espécie: a prova jurídica, entendida como aquela construída
dentro do sistema do direito positivo, independentemente da
instauração de processo judicial. Desse modo, considerando
que o presente trabalho destina-se, especificamente, ao exa-
me de regras tributárias, tomaremos como centro das nossas
atenções tanto as provas produzidas em juízo como também
as provas que motivam os atos administrativos de lançamento
tributário e de aplicação de penalidade por descumprimento
de obrigação tributária ou de dever instrumental, as quais,

133. Tratado de la prueba, v. 1, p. 3.

88
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

conquanto integrantes da dinâmica de positivação de nor-


mas jurídicas, não se formam no corpo do processo judicial.
O corte epistemológico realizado implica, ainda, exame das
provas levadas à apreciação do julgador quando instaurado
o processo administrativo, as quais, embora não apresentem
caráter judicial, são de indiscutível juridicidade, devendo ser
constituídas mediante específico método probatório e lingua-
gem prescrita pelo ordenamento.

3.2 Acepções do vocábulo “prova”

No sentido comum, as várias acepções do vocábulo prova


têm um ponto nuclear, compartilhado por todas elas: o termo
é empregado para denotar algo que possa servir ao convenci-
mento de outrem. Prova, segundo Moacyr Amaral Santos134,
é o meio utilizado para persuadir o espírito acerca de uma
verdade.
Relativamente ao âmbito jurídico, a plurivocidade de sen-
tidos mantém-se. Refletindo sobre esse lado semântico, Paulo
de Barros Carvalho135 chegou a reunir um número expressivo
de possibilidades significativas. Ei-las: 1. procedimento, enten-
dido como a sequência de atos mediante os quais se opera o re-
lato probatório; 2. rito da enunciação, legalmente previsto, ou
procedimento organizacional da prova; 3. resultado do proce-
dimento probatório, ou seja, seu produto; 4. conjunto de regras
que regulam a admissão, produção e valoração dos elementos
trazidos aos autos, determinando o transcurso probatório; 5.
enunciação; 6. enunciação enunciada; 7. enunciado linguísti-
co; 8. suporte físico; 9. conteúdo do suporte físico; 10. propo-
sição; 11. veículo introdutor; 12. norma em sentido amplo; 13.
norma em sentido estrito; 14. mensagem; 15. signo; 16. indício;
17. pista; 18. vestígio; 19. marca; 20. sinal; 21. ato de fala; 22.

134. Prova judiciária no cível e comercial, v. 1, p. 2.


135. Teoria da prova e o fato jurídico tributário. Apostila do Programa de Pós-Gra-
duação em Direito [Mestrado e Doutorado] da USP e da PUC/SP.

89
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

atitude pragmática; 23. relação de implicação entre enuncia-


dos linguísticos; 24. elemento constitutivo do fato jurídico; 25.
fato; 26. fato de provar; 27. fato provado; 28. fato que causa
convencimento do julgador acerca da verdade de outro fato;
29. fato da convicção provocada na consciência do julgador;
30. meio de controle das proposições que os litigantes formu-
lam em juízo; 31. soma dos meios produtores de certeza; 32.
fundamentação; 33. justificação da crença na verdade de um
fato; 34. certeza; 35. verdade; 36. evidência; 37. certificação de
que ocorreu elemento constitutivo do fato jurídico; 38. prova
direta; 39. prova indireta; 40. presunção; 41. sobreprova; 42.
metaprova; 43. reforço de prova; 44. enunciado de segundo ní-
vel; 45. contraprova; 46. protoprova; 47. análise; 48. argumento
retoricamente produzido; 49. experiência sensorial, decorren-
te da utilização de um dos cinco sentidos – audição, tato, olfato,
paladar e visão; 50. testemunho; 51. competição; 52. concurso;
53. processo seletivo; 54. prova de conhecimento; 55. providên-
cia preliminar; 56. exibição; 57. certificação autenticadora; 58.
certificação constituidora; 59. documento.
Essa é uma pequena amostra das feições que o vocábu-
lo prova pode assumir, sendo desaconselhável pretender atri-
buir-lhe um único sentido. A polissemia do termo examinado é
intrínseca a ele, não sendo possível afirmar que tenha um sig-
nificado exato136. Daí por que não podemos certificar que uma
acepção seja mais ou menos correta que outra. O que faremos,
no decorrer deste trabalho, é elucidar seus vários sentidos e
especificá-los sempre que utilizados.
Uma das razões em virtude da qual persiste a plurissignifi-
cação diz respeito ao momento em que a prova é considerada.
Não obstante seja comum visualizá-la como algo finalizado,
entendendo-a como a demonstração da verdade de um fato, o
conceito de prova varia segundo o instante em que se a consi-
dere, podendo referir-se a aspectos relacionados à sua fonte,

136. É o que acontece, por exemplo, com a palavra vela, usada para indicar a vela
do barco, a vela de parafina, a vela do automóvel.

90
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

aos enunciados probatórios ou à sua valoração. Com base na


dinâmica da prova, alguns autores, como Prieto Castro137, pro-
curam construir definição que abranja toda sua complexidade,
compreendendo a prova como a atividade que desenvolvem as
partes para levar o julgador à convicção da verdade de uma
afirmação, fixando os correspondentes efeitos no processo,
bem como os objetos de que as partes se servem para provar
o recebimento destes por quem irá apreciá-los e o resultado
dessa avaliação.
Sobre o assunto, examinando a diversidade de acepções
do vocábulo prova em direito processual, registra Antonio
Dellepiane138 ser o termo usado, ordinariamente, no sentido de
elementos produzidos pelas partes ou recolhidos pelo julgador,
a fim de estabelecer no processo a existência de certos fatos.
Isso não exclui, contudo, seu emprego como ação de provar,
quer dizer, ato de fornecer os elementos de juízo ou produzir
os meios indispensáveis para determinar a exatidão dos fatos
alegados. Além disso, referido vocábulo serve para designar,
também, o fenômeno psicológico, o estado de espírito produzi-
do no julgador por aqueles elementos de juízo, ou seja, a con-
vicção, a certeza acerca da existência dos fatos sobre os quais
recairá seu pronunciamento. É neste último sentido, esclarece
o autor, que se costuma dizer existir ou não prova dos fatos
alegados:

Nesta última hipótese, isto é, na de não existência de prova, não


se entenderá como significando a não existência de elementos de
juízo acumulados no processo [meios de prova, primeira acep-
ção], nem tampouco que os não hajam produzido os litigantes
[segunda acepção], senão que esses elementos são insuficientes
para determinarem a convicção ou, o que é equivalente, que não
existe no magistrado o estado de consciência chamado certeza,
em razão de haverem sido insuficientes para criá-los os elemen-
tos de juízo acumulados139.

137. Manual del derecho procesal civil, p. 285.


138. Nova teoria da prova, p. 21-22.
139. Ibidem, mesma página.

91
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Tudo isso se deve ao fato de que a prova padece da am-


biguidade processo/produto, podendo significar tanto a enun-
ciação como o enunciado resultante [dilema]. E, mais que
isso, a palavra prova é plurissignificante, susceptível de ser
empregada para aludir (i) ao fato que se pretende reconstruir;
(ii) à atividade probatória; (iii) ao meio de prova; (iv) ao pro-
cedimento organizacional; (v) ao resultado do procedimento;
ou (vi) ao efeito do procedimento probatório na convicção do
destinatário. Essa polissemia decorre, principalmente, das di-
ferenças quanto ao alcance do termo, aos diversos momen-
tos em que a prova é considerada, à estrutura aberta da lin-
guagem140 e aos aspectos relativos à sua pertinência. Por esse
motivo, sempre que falamos em prova devemos estabelecer a
fase de sua dinâmica a que nos estamos referindo.

3.3 Prova como procedimento e produto

Prova é palavra que padece do problema semântico da


ambiguidade processo/produto, designando tanto a sequên-
cia de atos mediante os quais se opera o relato probatório
como o resultado desse processo. Indica, simultaneamente, a
tomada do depoimento testemunhal e o testemunho reduzido
a termo, expresso em base documental. Prova pode ser consi-
derada o processo de determinação do fato [um ou mais fatos
jurídicos em sentido amplo, direcionados a certificar um fato
jurídico em sentido estrito, como é o caso do fato jurídico
tributário], mas é também entendida como o produto desse
processo, ou seja, o próprio fato jurídico em sentido amplo.
Não podemos esquecer que provar significa enunciar um
fato, constituindo-o na realidade jurídica. Esse processo pro-
batório há de seguir, necessariamente, o trâmite legalmente
prescrito, que denominamos procedimento organizacional
da prova, composto pelo conjunto de regras que regulam a
admissão, produção e valoração dos elementos levados aos

140. Toda palavra é vaga e potencialmente ambígua.

92
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

autos, determinando o transcurso probatório. A missão das


normas procedimentais é exatamente estabelecer as ações ne-
cessárias para que o ato de fala produza um enunciado proba-
tório. Só se tem enunciação produtora de provas se admitida
pelo sistema jurídico, mediante as normas de procedimento:
normas de competência que determinam como deve dar-se
a produção da prova. Apresentam-se como regras sintáticas,
tal como sua gramática, que prescrevem o modo como hão de
agir os sujeitos para obter o enunciado probatório, estabele-
cendo a forma organizacional de seus atos.
Sob certo ângulo, também esse rito da enunciação recebe
o nome de prova. É comum a assertiva de que “iremos estudar
a prova testemunhal”, referindo, com isso, o exame nas nor-
mas que disciplinam a colheita do testemunho e sua redução
a termo. É o que Maria Rita Ferragut141 chama de prova como
proposição prescritiva, disciplinadora da comprovação de um
fato: “o conteúdo de um enunciado jurídico geral e abstrato,
de natureza instrumental, que estabelece a forma de se obter
inicialmente um conhecimento ou de comprová-lo, mediante
a exatitude ou inexatitude de um significado”. Nesse sentido,
é tomada como regra de organização, também conhecida por
norma de estrutura, que dispõe sobre o modo de regular um
comportamento, ou, nos dizeres de Norberto Bobbio142, “o com-
portamento que elas regulam é o de produzir regras”.
Examinar as normas disciplinadoras do modo de produ-
ção probatória significa estudar a sintaxe das provas. É com
base nessa espécie de regras que se desenvolve o processo
de determinação do fato, constituindo-se o fato jurídico em
sentido amplo143.

141. Presunções no direito tributário, p. 46.


142. Teoria do ordenamento jurídico, p. 45.
143. Convém anotar que a observância das regras inerentes ao procedimento pro-
batório é verificada em exame posterior à entrada da prova [entendida como pro-
duto] no ordenamento, servindo para orientar sua manutenção ou retirada do siste-
ma jurídico.

93
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

3.4 A prova no processo de enunciação

Dentro da multiplicidade significativa da palavra pro-


va destaca-se a concepção tripartida, que a conceitua como
atividade, meio e resultado144. Além daquela apreciação re-
lativa à ambiguidade processo/produto, a prova é susceptí-
vel de ser considerada no contexto da análise semiótica do
discurso.
Muitas vezes, toma-se a prova como a ação de provar, isto
é, a produção de atos de fala ou enunciação linguística, nos
termos prescritos em lei. Trata-se da atividade realizada com
a finalidade de [re]construir os fatos alegados, constituindo
suporte das pretensões deduzidas e da própria decisão. Eis a
prova como enunciação, ato de fala, atitude pragmática que
coloca a língua em funcionamento.
A enunciação consiste no ato de produção de enunciados.
Estes, por sua vez, designam orações bem construídas e dota-
das de sentido, devendo ser formulados de acordo com as re-
gras do sistema linguístico a que pertencem145. Considerada a
prova como resultado do ato de fala, estar-se-á tomando-a como
enunciado. Nesse sentido, a prova seria, segundo definição
empreendida por Paulo de Barros Carvalho:146

Produto da atividade psicofísica de enunciação. Apresenta-se


como um conjunto de fonemas ou de grafemas que, obedecendo
às regras gramaticais de determinado idioma, consubstancia a
mensagem expedida pelo sujeito emissor para ser recebida pelo
destinatário, no contexto da comunicação.

Isso não exclui a possibilidade de a prova ser visualizada


como suporte físico, tal como as marcas de tinta sobre o papel.

144. Eduardo Cambi, Direito constitucional à prova no processo civil, p. 48.


145. Tárek Moysés Moussallem, A revogação em matéria tributária, p. 30.
146. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 19-20.

94
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Denomina-se prova, também, o sentido que se constrói


a partir do contato com os enunciados, decorrente da atri-
buição de valores aos signos que o integram. Tem-se a prova
enquanto proposição, conteúdo de significação constituído a
partir da fórmula gráfica do enunciado.
O ato de fala, na qualidade de processo de enunciação,
é um objeto dinâmico susceptível de aproximação pelo sujei-
to cognoscente apenas por meio das marcas que deixa. Eis a
prova como enunciação-enunciada: traços relativos à pessoa,
ao espaço e ao tempo da enunciação [produção probatória],
projetados no enunciado.
Sendo integrante do sistema do direito positivo, a prova
apresenta-se como norma, quer em sentido amplo, caracteri-
zando enunciado normativo, quer em acepção estrita, na for-
ma de um juízo hipotético-condicional. Para que essa norma
ingresse no ordenamento, porém, é preciso ser veiculada pelo
instrumento habilitado.
As normas andam sempre em pares: norma introdutora
e norma introduzida. A primeira consiste em uma norma ge-
ral e concreta, derivada da aplicação da regra de competên-
cia, que relata em seu antecedente as delimitações de sujei-
to, espaço e tempo em que ocorreu a enunciação – é o meio
de prova; a segunda corresponde ao resultado da atividade
enunciativa – prova. A presença do veículo introdutor, portan-
to, é inarredável, sendo essa mais uma das acepções da prova:
instrumento pelo qual as informações sobre fatos são introdu-
zidas no sistema jurídico.
De outro lado, importa lembrar que a prova, para ingres-
sar nos autos, há de ser introduzida por um requerimento
dirigido à autoridade credenciada a decidir, mediante o qual
se solicita a juntada do suporte físico, literalidade textual ne-
cessária à construção das normas jurídicas introdutoras e
introduzidas.

95
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

3.5 Prova como fato

Tomando-se a prova no sentido de enunciado, esta se


apresenta como fato jurídico em sentido amplo: (i) fato, por re-
latar acontecimento pretérito; (ii) jurídico, por integrar o sis-
tema do direito; e (iii) em sentido amplo, por ser apenas um dos
elementos de convicção que, conjugado a outros, propiciará a
constituição do fato jurídico em sentido estrito, constante do
antecedente da norma individual e concreta veiculada pelo
ato de lançamento, de aplicação de penalidade ou de decisão
administrativa ou judicial.
Toda prova é um fato que leva, por implicação, a outro
fato. Segundo Paulo de Barros Carvalho147, “um enunciado
factual refere-se, invariavelmente, a outro enunciado factual.
Prova é sempre um fato que atesta outro fato. Não há prova
bastante-em-si, suficiente em si mesma”. Dito de outro modo,
a prova é um fato jurídico em sentido amplo, cuja função con-
siste em convencer o destinatário acerca da veracidade da ar-
gumentação de determinado sujeito, levando à composição do
fato jurídico em sentido estrito. Formalizando o percurso das
provas, temos:

[Fa . (F1 . F2 . F3 . ... Fn)] → Fj

em que Fa indica o fato alegado, F1, F2, F3 e Fn represen-


tam um número finito de fatos [fatos jurídicos em sentido am-
plo], “.” consiste no conectivo conjuntor, “→” é o conectivo
implicacional e “F” é o fato que se pretende constituir por
meio das provas [fato jurídico em sentido estrito]. Significa
que se houver um fato alegado [Fa], atestado pelas provas [F1,
F2, F3, ... Fn], então deve ser o fato juridicamente constituído
[Fj].

147. Teoria da prova e o fato jurídico tributário. Apostila do Programa de Pós-Gra-


duação em Direito [Mestrado e Doutorado] da USP e da PUC/SP.

96
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

A construção da referida fórmula proposicional tem por


objetivo demonstrar que o conjunto de diversos fatos, conside-
rados cumulativamente, leva à conclusão de que o fato alega-
do é verdadeiro. Essa verdade, todavia, é relativa, visto que de-
corre de raciocínio lógico daquele que aprecia os enunciados
probatórios, utilizando-se de operação mental em que, com
fundamento nas provas colacionadas, realiza deduções acerca
da ocorrência ou não de um fato. Esse é o motivo pelo qual,
segundo Susy Gomes Hoffmann148, a prova não passa de uma
conjectura, um enunciado que não é verdadeiro ou falso, sen-
do susceptível de refutações e podendo a estas sobreviver ou
não. Enquanto a conjectura resistir às refutações, permanece-
rá no ordenamento, ostentando a qualidade de prova jurídica.
Por tudo o que se expôs, tem-se a prova como um fato de
outro fato. Um metafato, portanto: consiste em um fato [em
sentido amplo] que alude a outro fato [fato alegado]. Nesse
contexto, nova plurivocidade é observada no vocábulo prova,
que pode significar (i) o fato de provar; (ii) o fato provado; (iii)
o fato que causa convencimento do julgador acerca da verdade
de outro fato; e (iv) o fato da convicção provocada na consciência
do julgador. Qualquer que seja a acepção adotada é preciso ter
sempre em mente que é a partir da coordenação integrativa149
de diversos fatos em sentido amplo que se constrói o fato em
sentido estrito.

3.6 Caráter normativo da prova

Identificada a prova como fato, isto é, como enunciado


linguístico descritivo de um evento, poderia surgir a seguin-
te indagação: como fato, a prova integra o sistema do direi-
to positivo, sendo, portanto, objeto de estudo da Ciência do
Direito? A resposta é afirmativa. A prova apresenta-se como

148. Teoria da prova no direito tributário, p. 54.


149. Terminologia empregada por Manoel de Oliveira Franco Sobrinho para referir-
-se à soma de elementos comprobatórios existentes no processo [A prova adminis-
trativa, p. 80].

97
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

um fato, como um enunciado linguístico. Mas não se trata de


um enunciado qualquer, e sim de um enunciado normativo. A
prova é, simultaneamente, fato e norma em sentido amplo, pois
consiste em proposição que intervém na constituição do fato
jurídico tributário em sentido estrito, situado no antecedente
da norma individual e concreta. Formalizando, temos:

[Fa . (F1 . F2 . F3 . ... Fn)] → Fjt

Sendo a norma individual e concreta representada por

D (Fjt → S’RS”)150,

conclui-se que F1, F2, F3 e Fn são enunciados normati-


vos que atestam Fa e auxiliam na composição de Fjt, sendo
este último também um enunciado normativo, figurando no
antecedente da norma individual e concreta tributária. Não
obstante sejam descritivos de eventos, os efeitos dos referidos
fatos [provas] são prescritivos, inserindo-se no conjunto das
normas que compõem o direito posto. Eis a prova como enun-
ciado normativo, norma jurídica em sentido amplo.
Isso não exclui, contudo, a possibilidade de visualizar a pro-
va como norma jurídica em sentido estrito. Como sublinhamos
no item 3.3 deste capítulo, costuma-se chamar de prova, tam-
bém, à norma de competência, que estabelece o sujeito, tem-
po, local e modo de construir e introduzir enunciados proba-
tórios no ordenamento.

3.7 Prova como signo

A teoria comunicacional propõe-se a entender o direito


como um fenômeno de comunicação. Qualificando-se como

150. D é o functor-de-functor, indicador da operação deôntica incidente sobre o lia-


me de implicação proposicional; Fjt representa o fato jurídico tributário em sentido
estrito; → é o conectivo implicacional; S’ e S” simbolizam os sujeitos de direito vin-
culados pela relação jurídica R.

98
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

sistema comunicativo, o direito se manifesta como linguagem,


ou, nas palavras de Gregorio Robles151, “o direito é texto”.
Sendo constituído por linguagem, a semiótica aparece
como uma das perspectivas pela qual o direito positivo pode
ser analisado. Entendendo-se por semiótica a Teoria Geral
dos Signos, esta se presta ao estudo dos elementos represen-
tativos no processo de comunicação, cuja unidade elementar
é o signo. Dentre tais elementos, interessa-nos a figura da pro-
va, signo representativo de um fato [fato alegado], o qual, por
sua vez, apresenta-se como outro signo, que se refere ao even-
to. O fato é signo do evento152; a prova é signo do fato. Daí por
que afirmamos tratar-se de metafato: fato de outro fato.
O signo apresenta status lógico de relação, em que um su-
porte físico se associa a um significado e a uma significação153,
compondo o que se denomina triângulo semiótico. O suporte
físico é o elemento material que funciona como estímulo à
mente do sujeito que com ele entra em contato [plano da ex-
pressão], referindo-se a certo objeto, entendido como a ideia
individualizada daquilo que se pretende representar [signifi-
cado] e dando ensejo à produção mental [significação]. Como
signo que é, a prova ostenta todas as associações referidas:
exterioriza-se mediante um documento [suporte físico], re-
presentativo de um fato [fato alegado como significado], fa-
zendo surgir na mente do intérprete a noção daquele fato
[significação].
Na qualidade de signo, a prova não configura represen-
tatividade absoluta do fato alegado. O caráter incompleto da
representação do fato pela prova dá-se em virtude de que,

151. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, p. 19.
152. Clarice Von Oertzen de Araujo, Fato e evento tributário – uma análise semióti-
ca, in Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em homena-
gem a Paulo de Barros Carvalho, p. 345 e s.
153. Dada a variedade de denominações atribuídas aos pontos do triângulo semióti-
co, convém esclarecer que optamos por adotar a terminologia husserliana. Charles
S. Peirce, diversamente, denomina signo o suporte físico, interpretante a significa-
ção e objeto o significado.

99
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

como esclarece Clarice Von Oertzen de Araujo154, “toda codi-


ficação é representação parcial do universo”. Nessa mesma
linha de raciocínio, observou Roland Barthes155 que “o real
não é representável, e é por os homens quererem continua-
mente representá-lo com palavras que existe uma história da
literatura. O facto de o real não ser representável – mas ape-
nas demonstrável – pode ser dito de várias formas: quer com
Lacan, definindo-o como o impossível, aquilo que não pode
ser atingido e que escapa ao discurso, quer em termos topo-
lógicos, quando verificamos que não se pode fazer coincidir
uma ordem pluridimensional [o real] com uma ordem unidi-
mensional [a linguagem]”. Esse é o motivo pelo qual um signo
sempre remete a outro signo, numa interminável cadeia de-
corrente da própria incompletude do signo156, nunca atingin-
do o objeto significado.
A situação supra é mais bem compreendida se tivermos
em mente a distinção entre objeto imediato e objeto dinâmico
traçada pela semiótica: o primeiro é o objeto tal como repre-
sentado no signo; o segundo, o objeto que está fora do signo,
determinando-o157. Tendo em vista que o objeto dinâmico é
infinito e irrepetível, cada objeto imediato representa apenas
alguns de seus caracteres, jamais havendo possibilidade de
completa identificação entre ambos. Trazendo essas lições
para o específico campo das especulações acerca da prova
no direito, observamos que o fato alegado figura como objeto
imediato do evento, o qual aparece na qualidade de objeto di-
nâmico, nunca sendo abrangido em sua completude.

154. Fato e evento tributário – uma análise semiótica, in Curso de especialização em di-
reito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho, p. 339.
155. Lição, p. 22-23.
156. Essa incompletude do signo decorre do fato de que a significação, denominada
interpretante na terminologia adotada por Peirce, também se apresenta como sig-
no, o qual, exteriorizado, dá origem a outro signo e assim por diante.
157. Tomamos o objeto dinâmico como a interpretação primeira, abertura para o
mundo, que permite que algo apareça perante nós como coisa. O objeto dinâmico
não seria o objeto-em-si, mas a ideia que dele se tem, independentemente de sua
existência concreta.

100
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Do mesmo modo, fazendo um comparativo e consideran-


do que a prova é signo do fato que se deseja provar, podemos
dizer que o fato alegado figura como objeto dinâmico perante
a prova, a qual funciona como seu objeto imediato, represen-
tando-o apenas parcialmente.
Convém esclarecer, ainda, que a prova, na qualidade de
signo, pode apresentar-se de modo icônico, simbólico ou indi-
ciário. Na primeira hipótese, a prova procura reproduzir o ob-
jeto a que se refere mediante a exteriorização de traços que re-
flitam os atributos daquilo que se pretende representar. Típico
exemplo dessa modalidade probatória é a fotografia. A prova
simbólica, por sua vez, é constituída por signo arbitrariamente
constituído, sem guardar ligação com o objeto da experiência
a que se refere. É o mais comum dos tipos de prova, sendo ve-
rificado sempre que se estiver na presença de enunciados lin-
guísticos idiomáticos, tais como laudos periciais, depoimentos
testemunhais reduzidos a termo, contratos etc.
Quanto ao índice, espécie em que o signo mantém conexão
existencial com o objeto a que se refere, podemos identificá-lo
com toda e qualquer forma de prova. O relacionamento en-
tre a prova e o fato que se quer provar é sempre indiciário: a
existência da prova indica a realização do fato que ela aponta,
conferindo, nas palavras de Clarice Von Oertzen de Araujo158,
vetor referencial à incidência. Referindo-se ao fenômeno da
positivação jurídica e à distinção entre evento e fato jurídico,
esclarece essa autora que “a produção das normas individuais
e concretas, a qual corresponde à própria positivação do di-
reito, está contaminada por índices dos eventos que os fatos
jurídicos se propõem a relatar”. Esses índices são, exatamen-
te, as provas, apontando para o fato alegado que figura como
suposto do processo de positivação.
Por apresentar caráter sígnico, os recursos semióticos são
de grande utilidade no estudo analítico da prova, permitindo

158. Fato e evento tributário – uma análise semiótica, in Curso de especialização em di-
reito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho, p. 342.

101
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

seu exame em três dimensões: (i) sintática, consistente nas


relações dos signos entre si, possibilitando o estudo da for-
ma organizacional das provas e da coordenação destas; (ii)
semântica, voltada ao exame do relacionamento entre o sig-
no e o objeto que ele representa, ou seja, entre o signo e seu
significado. Estaremos trabalhando nesse nível semiótico ao
examinarmos o conteúdo significativo da prova, ou seja, a re-
ferência que esta guarda relativamente ao fato alegado; e (iii)
pragmática, considerando os signos em seu relacionamento
com os utentes da linguagem, compreendendo uso e valor
atribuídos pela comunidade jurídica às provas.

3.8 Indício, pista, vestígio, marca e sinal

Indício é a denominação dada a tudo o que indique, com


probabilidade, a existência de algo159. Não obstante muitas
vezes seja tomado como sinônimo de vestígio, pista, marca
e sinal, o indício com estes não se confunde. Por consistir
em tudo o que possa levar, por operação mental, à conclusão
acerca da veracidade ou falsidade de um fato, o indício apre-
senta-se como gênero do qual a pista, vestígio, marca e sinal
são espécies.
Comumente, chama-se de indício ao fenômeno do mun-
do da experiência que tenha alguma relação com o fato que
se deseja demonstrar. Nesse sentido é que se afirma ser a
impressão digital um indício. Não é essa, entretanto, nossa
concepção acerca dessa figura jurídica. Considerando que a
realidade do direito só se constitui por meio da linguagem
competente, indício seria, no exemplo dado, o laudo pericial
que relata a existência de uma impressão digital. Tomamos o
indício como um fato que, por presunção, leva a outro fato, o
qual se pretende provar. Em outros termos, indício é prova e
toda prova é um indício, cujo valor axiológico pode ser forte

159. Antônio Houaiss, Mauro de Salles Villar e Francisco Manoel de Mello Franco,
Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 1604.

102
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

ou fraco, caracterizando indício veemente ou não.


Vestígio, por sua vez, significa tudo aquilo que restou de
alguma coisa que desapareceu. Segundo Paulo de Barros
Carvalho160, “vestígio lembra resíduo, sobra de algo que ocor-
reu e, portanto, peça muitas vezes relevante para compor o
enunciado factual relativo ao evento”.
Observado o vestígio pelo ângulo subjetivo, chegamos
à noção de pista. Trata-se de acepções de prova cujos limi-
tes distintivos são muito tênues. Enquanto o vestígio denota
tudo de anormal verificado em dada situação, a pista con-
siste na anormalidade que possa, eventualmente, levar à
construção do fato jurídico, exercendo uma espécie de fun-
ção orientativa do intérprete, de modo que este, utilizando
a pista como ponto de partida, siga em busca de novos ele-
mentos probatórios.
Quanto à marca e ao sinal, são formas de vestígios. Têm-
-se por marcas os traços deixados por alguém. Já o sinal é
qualquer manifestação que possibilite conhecer alguma coisa.
Todos, é claro, devidamente relatados em linguagem própria.

3.9 Prova como mensagem

Ainda considerando o contexto comunicacional em que


se desenvolve o sistema jurídico, podemos identificar a pro-
va como mensagem, consistente na informação transmitida.
Nesse sentido, prova é a sequência de signos organizados de
acordo com um código e veiculados por um emissor para um
receptor, por meio de um canal que serve de suporte físico à
transmissão. Nas palavras de Teixeira Coelho Neto161, é elabo-
rada pela fonte com elementos extraídos de determinado re-
pertório, sendo transmitida por um canal e decodificada por

160. Teoria da prova e o fato jurídico tributário. Apostila do Programa de Pós-Gra-


duação em Direito [Mestrado e Doutorado] da USP e da PUC/SP.
161. Semiótica, informação e comunicação, p. 123.

103
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

um receptor, o qual, para tanto, utiliza elementos constantes


de outro repertório, que tenha algum ponto em comum com
o repertório da fonte. Tudo, no âmbito do sistema comunica-
cional do direito a que nos referimos no item 2.8 do capítulo 2
desta obra.

3.10 Prova como relação de implicação entre enuncia-


dos linguísticos

Examinada em sua estrutura lógica, a prova pode ser vis-


ta como relação, consistindo no vínculo abstrato que se ins-
taura entre o enunciado probatório e o fato que se pretende
provar. Como explica Maria Rita Ferragut162, “antecedente e
consequente unem-se mediante operação de implicação jurí-
dica, que determina que o antecedente importa o consequen-
te, vale dizer, o fato f implica o fato f’ [em que f é a prova, e f’
o fato a ser provado]. Formalizando a linguagem, teríamos
D (f → f’), que, em linguagem natural, poderia significar, por
exemplo: deve ser que, dado o fato de ter sido emitida nota fis-
cal de saída de mercadorias, então o reconhecimento jurídico
do fato da circulação de mercadorias”.
Trata-se de relação de inferência lógica, mediante a qual
se afirma a verdade de uma proposição em decorrência de sua
ligação com outra já reconhecida como verdadeira: havendo
prova constituída conforme as regras do direito, tem-se por
existente o fato jurídico a que ela se refere.

3.11 Elemento constitutivo do fato jurídico em sentido


estrito

Como anotamos no item 3.5 supra, a prova é fato: fato jurí-


dico em sentido amplo que colabora na composição do fato ju-
rídico em sentido estrito. Não é a prova, portanto, mera forma
de averiguação da verdade dos fatos. Apresenta-se, ela própria,

162. Presunções no direito tributário, p. 46.

104
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

como um fato, cuja existência é imprescindível à constituição


do fato jurídico que fundamenta a pretensão de um sujeito.
Por isso, a prova, considerada isoladamente, não se con-
funde com o fato jurídico tributário. Com a nota fiscal, por
exemplo, tem-se prova, mas o fato jurídico tributário consis-
tente na operação de circulação de mercadorias fica condicio-
nado ao pronunciamento do destinatário. A prova é um fato,
mas um fato jurídico em sentido amplo, pois não propaga, por
si só, efeito jurídico-tributário, entendido como a instalação
do vínculo obrigacional tributário. Para que se tenha fato jurí-
dico em sentido estrito, é imprescindível seu relato em lingua-
gem competente no corpo de norma em sentido estrito [mais
especificamente, de norma individual e concreta].

3.12 Prova como meio de convencimento

Uma acepção muito utilizada de prova diz respeito ao


efeito que o resultado do procedimento probatório exerce so-
bre a convicção do destinatário. Trata-se de aspecto de ordem
valorativa, a ser estudado com mais profundidade no capítulo
dedicado à axiologia das provas. Seria o fenômeno psicológico
provocador da convicção acerca da existência ou inexistên-
cia de certos fatos, de modo que, conquanto haja enunciados
linguísticos produzidos com o intuito de fazer prova dos fa-
tos alegados, se estes não forem aptos a convencer o sujeito a
que se destinam, descaberá falar em prova. Essa é a definição
adotada por João de Castro Mendes163, para quem “prova é o
pressuposto da decisão jurisdicional que consiste na forma-
ção, através do processo, no espírito do julgador, da convic-
ção de que certa alegação singular de fato é justificavelmente
aceitável como fundamento da mesma decisão”.
É a prova tomada como resultado [produto], porém com
ênfase em seu aspecto subjetivo, apresentando-se como sinô-
nimo de êxito ou de valoração, consubstanciado na convicção

163. Conceito de prova em processo civil, p. 741.

105
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

do destinatário. Sobre os aspectos objetivo e subjetivo da pro-


va jurídica, Tercio Sampaio Ferraz Jr.164 discorre:

No sentido etimológico do termo – probatio advém de probus,


que deu, em português, prova e probo – provar não significa ape-
nas uma constatação demonstrada de um fato ocorrido – senti-
do objetivo – mas também aprovar ou fazer aprovar – sentido
subjetivo. Fazer aprovar significa a produção de uma espécie de
simpatia, capaz de sugerir confiança, bem como a possibilidade
de garantir, por critérios de relevância, o entendimento dos fatos
num sentido favorável [o que envolve questões de justiça, equi-
dade, bem comum etc.].

Em sentido subjetivo, prova é meio de convencimento do


destinatário.
Desse ângulo, a prova seria, segundo Nicola Framarino
dei Malatesta165:

O meio objetivo com que a verdade atinge o espírito; e o espíri-


to pode, relativamente a um objeto, chegar por meio das provas
tanto à simples credibilidade, como à probabilidade e certeza;
existirão, assim, provas de credibilidade, de probabilidade e de
certeza. A prova, portanto, em geral, é a relação concreta entre
a verdade e o espírito humano nas suas especiais determinações
de credibilidade, probabilidade e certeza.

Aparece, nesse contexto, como meio de controle das pro-


posições que os litigantes formulam em juízo, controle este
realizado mediante a soma dos meios produtores de certeza,
os quais se prestam para justificar a crença do julgador na
verdade de um fato, fundamentando sua decisão. Indo além,
chega a prova a ser utilizada como sinônimo de certeza, de
verdade, de evidência, em virtude de sua atuação persuasiva
perante o destinatário, não deixando margem para dúvida.

164. Introdução ao estudo do direito, p. 291.


165. A lógica das provas em matéria criminal, p. 87.

106
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

3.13 Presunções

Dentre as diversas significações atribuídas ao vocábulo


prova, chama-nos a atenção a dicotomia prova direta/prova
indireta, conforme aponte imediata ou mediatamente o fato
alegado. Enquanto a prova direta seria aquela que se refere
ao fato que se pretende provar, a chamada prova indireta se-
ria indicativa de fato diverso, mas que, por meio de uma ope-
ração mental, permitiria chegar ao objeto da prova.
Ocorre que, na qualidade de signo, a prova nunca atinge
o objeto que representa. É, por conseguinte, sempre indireta,
caracterizando o que chamamos de presunção. Apresentada
uma prova, é imprescindível que o intérprete realize operação
de inferência lógica para, a partir dela, deduzir o fato princi-
pal. A prova nada mais é que um fato que leva à presunção de
veracidade de outro fato, como se depreende da seguinte as-
sertiva de Jeremías Bentham166: “en al más amplio sentido de
esa palabra, se entiende por tal un hecho supuestamente ver-
dadero que se presume debe servir de motivo de credibilidad
sobre la existencia o inexistencia de otro hecho”.
Toda relação probatória exige a presença de dois fatos:
(i) o fato que se pretende provar; e (ii) o fato empregado para
demonstrar a veracidade do fato probando. Ambos estão li-
gados por um vínculo implicacional, de modo que toda deci-
são fundada em provas decorre de uma presunção, em que o
fato provado implica logicamente o fato probando (fato pre-
suntivo → fato presumido).

3.14 Prova da prova

Como já tivemos oportunidade de anotar, a linguagem


é autorreferencial: uma linguagem fala de outra linguagem.
Isso indica a presença de diferentes níveis de discursos: (i)
um, figurando como linguagem-objeto, linguagem da qual se

166. Tratado de las pruebas judiciales, p. 15.

107
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

fala; (ii) outro, funcionando como metalinguagem, linguagem


que diz algo a respeito de outra167.
A prova, ao referir-se ao fato, é metalinguagem em rela-
ção a este. Mas a posição de metalinguagem é relativa: uma
linguagem utilizada para analisar outra, conquanto se apre-
sente como linguagem de sobrenível, pode ser linguagem-ob-
jeto com relação a determinado discurso que a ela se refira.
Tais considerações se aplicam, em tudo, às provas.
Prova é um fato que aponta para outro fato, cuja veraci-
dade se pretende certificar. Além disso, podemos ter provas
de provas: metalinguagem daquela metalinguagem que, em
tal contexto, apresenta-se como linguagem-objeto. É o que se
verifica na (i) sobreprova ou prova da prova, consistente na
linguagem comprobatória do relato veiculado por outra prova
(ex.: os livros contábeis são provas das operações negociais rea-
lizadas pela empresa, enquanto o laudo pericial esclarecendo
as minúcias da escrituração configura prova acerca da pro-
va); (ii) metaprova, representada por enunciados a respeito do
conteúdo de prova diversa [ex.: documento redigido na língua
inglesa e apresentado como prova de um fato qualquer deve
ser traduzido, por tradutor juramentado, para o idioma por-
tuguês; e (iii) reforço de prova, que é a prova confirmatória
de outro elemento probatório [ex.: documento comprobatório
do fato alegado, corroborado por outros documentos relativos
àquele fato]. Em todos esses casos temos enunciados de se-
gundo nível funcionando como prova.

3.15 Contraprova

Adverte Moacyr Amaral Santos168 que, quando o réu enten-


de provar fatos que atestam a inexistência do fato provado pelo
autor, temos a prova contrária ou contraprova. Contraprova se-
ria, portanto, prova da inexistência dos fatos alegados pelo autor.

167. Cezar A. Mortari, Introdução à lógica, p. 39.


168. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 4, p. 26.

108
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Uma de suas espécies é a prova de exceção, tomada em sentido


lato, consistente na prova de fatos impeditivos, extintivos ou mo-
dificativos, obstando efeitos aos fatos aduzidos pelo autor.
Mais do que isso, compreendemos a contraprova como
toda prova que apresenta caráter desconstitutivo, prestando-
-se à oposição dos fatos alegados por quaisquer das partes,
seja na posição de autor, seja na de réu.

3.16 Protoprova

A protoprova não se qualifica, propriamente, como prova.


Trata-se de mera proposta de prova, cuja produção pode ou
não ser aceita pelo destinatário.
Quando a parte processual apresenta petição requerendo
a juntada de determinado documento para comprovar o fato
por ela alegado, ainda não se tem a prova jurídica. Referido do-
cumento adquire essa qualificação a partir do momento em
que o documento é aceito nos autos.

3.17 Prova como demonstração

Integram o conceito de demonstração quaisquer recursos


capazes de atestar a veracidade de um fato. Engloba desde as
demonstrações lógico-matemáticas em processos inferenciais
até as hipóteses de argumento retoricamente produzido, de
modo que toda análise e alegação, quando voltadas ao con-
vencimento do destinatário acerca da certificação de um fato,
são qualificáveis como prova.

3.18 Prova como experiência

A experiência sensorial é evento. Para ingressar no sis-


tema jurídico, precisa ser relatado pela linguagem do direi-
to. O fato de alguém presenciar um homicídio, por si só, não
é prova jurídica. O ato de testemunhar um acontecimento,

109
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

compreendido em seu sentido lato, sem que o relato linguísti-


co se realize conforme as regras sintáticas do direito, não atin-
ge a condição de prova jurídica, conquanto possa servir para a
constituição de fato social. É preciso que esse acontecimento,
ou melhor, a percepção do expectador acerca da ocorrência
que presenciou, seja reduzido a termo, segundo as regras ine-
rentes ao procedimento organizacional da prova.
Apesar de a experiência sensorial muitas vezes ser to-
mada como prova, apenas seu relato linguístico, efetuado da
forma prescrita pelo direito, cumpre a função de constituir o
fato, caracterizando a prova jurídica. É uma decorrência do
caráter autopoiético do sistema do direito.

3.19 Prova como competição

Em sentido bem diferente daquele a que nos vimos refe-


rindo, mas também caracterizando prova jurídica, temos as
competições, concursos, processos seletivos e provas de conhe-
cimento, cujos exemplos são as provas esportivas, os concur-
sos para integrar a magistratura, as seleções para ingresso em
cursos de pós-graduação e a avaliação dos conhecimentos ad-
quiridos em razão de disciplinas cursadas, respectivamente.
Todas são reguladas pelo sistema do direito positivo, motivo
pelo qual se lhes atribui a qualificação de provas jurídicas.

3.20 Prova como providência preliminar

Apresenta-se a prova como providência preliminar ao


surgimento do produto pretendido, quer no processo, quer
fora dele. Assim é que, para a constituição do fato jurídico em
sentido estrito, há de ser verificada, preliminarmente, a exis-
tência de prova da sua ocorrência.
Pretendendo o sujeito exercer qualquer direito subjetivo
que lhe seja assegurado, exige-se a apresentação de prova que
o qualifique como titular de tal direito. É mediante a exibição

110
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

do título de eleitor, por exemplo, que provo minha condição


de cidadão, providência preliminar ao exercício dos direitos
correspondentes169.

3.21 Prova como certificação

É pela prova que se atesta a veracidade ou falsidade de


determinado fato. Por isso, a prova é certificação, poden-
do apresentar-se nas modalidades (i) autenticadora e (ii)
constitutiva.
Como certificação autenticadora, podemos citar o reconhe-
cimento de firma em Cartório, comprobatória da autenticidade
da assinatura, ou, ainda, a autenticação de fotocópia, atestando
sua semelhança com o documento original. Vista dessa perspec-
tiva, a certificação autenticadora é prova de prova.
A certificação pode apresentar-se, também, na quali-
dade de fato constituidor de elemento indispensável à con-
figuração do fato jurídico em sentido estrito. Essa situação
se verifica quando um fato, para ingressar no mundo jurí-
dico, exige a presença de componentes diversos: F1, F2, F3 e
F4, interligados entre si, formam o fato molecular Fj. Nesse
caso, a prova de um dos fatos atômicos necessários à existên-
cia de Fj é certificadora da ocorrência de um dos elementos
constitutivos daquele fato jurídico. Examinado esse mesmo
contexto por um ângulo diverso, podemos dizer, ainda, que
a prova certifica a constituição do fato jurídico em sentido
amplo, pois é a prova de F1, por exemplo, que lhe confere a
condição de fato jurídico.

3.22 Meios de prova

Definir com precisão científica o que sejam meios de pro-


va é tarefa tortuosa que impõe sejam firmadas premissas e

169. É interessante registrar a distinção entre exibição e documento exibido: um é


procedimento; o outro, produto.

111
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

eleita a perspectiva pela qual o assunto será tratado. Tal exi-


gência decorre da interminável divergência doutrinária en-
volvendo o assunto, que toma os meios de prova como ativida-
de, produto dessa atividade, documento, técnica empregada
para produzir enunciados probatórios ou como os enunciados
dessa forma produzidos, dentre outras acepções.
João Penido Burnier Júnior170, ao precisar o conceito de
meios de prova, considera-os “instrumentos previstos e disci-
plinados em lei e cuja finalidade é transportar para o processo
a confirmação dos fatos alegados pelas partes. Integram eles o
sistema probatório”. Semelhante é o posicionamento de Eduar-
do Cambi171, para quem o meio de prova consiste no “instru-
mento pelo qual as informações sobre os fatos são introduzi-
das no processo”. É o meio de prova como documento. Maria
Rita Ferragut172, por sua vez, refere-se, simultaneamente, ao
documento e ao enunciado que ele veicula: “meio de prova é
o enunciado passível de ser produzido pelas partes, que tem
por conteúdo a ocorrência ou inocorrência de um determi-
nado acontecimento. É o instrumento material de compro-
vação da existência de algo, como, por exemplo, a verificação
judicial, a perícia, a confissão, a prova testemunhal, a docu-
mental e a indiciária. É, em última análise, a representação,
em linguagem competente, dos eventos ocorridos no mundo
fenomênico”.
Visualizando bem a polissemia da expressão, Víctor de
Santo173 conclui serem os meios de prova susceptíveis de con-
sideração sob dois pontos de vista: (i) o da atividade dos sujei-
tos, ao submeterem ao julgador o conhecimento dos fatos do
processo [ex.: o depoimento testemunhal]; e (ii) o elemento em
relação ao qual essa atividade recai [ex.: a testemunha]. Para

170. Teoria geral da prova, p. 61.


171. Direito constitucional à prova no processo civil, p. 48.
172. Presunções no direito tributário, p. 45.
173. La prueba judicial: teoría y práctica, p. 29-30.

112
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Cândido Rangel Dinamarco174, “meios de prova são técnicas


destinadas à investigação de fatos relevantes para a causa”,
constituídas por uma série ordenada de atos, realizados em
contraditório e com observância às formas prescritas em lei.
Nesse sentido, poderíamos identificar os meios de prova com
as regras de organização probatória. Por fim, em uma acepção
bem diferente, Francesco Carnelutti175 denomina meio de prova
a atividade dedutiva realizada pelo julgador ao entrar em con-
tato com o fato que lhe é apresentado como prova.
A prova, como relato linguístico que é, decorre de atos
de fala, caracterizadores de seu processo de enunciação,
realizado segundo as normas que disciplinam a produção
probatória. Produzido o enunciado protocolar correspon-
dente à prova, este só ingressa no ordenamento por meio de
uma norma jurídica geral e concreta, que em seu antecedente
traz as marcas da enunciação [enunciação-enunciada, pres-
crevendo, no consequente, a introdução no mundo jurídico
dos enunciados que veicula. Esse instrumento utilizado para
transportar os fatos ao processo, construindo fatos jurídicos
em sentido amplo, é o que denominamos meio de prova.
Meio de prova será tomado, neste trabalho, como o re-
sultado da atividade exercida em observância às regras de
organização probatória vigentes, relatada pela linguagem
prescrita pelo direito176. Tal opção deve-se à circunstância de
que, como observa Tárek Moysés Moussallem177, “a enuncia-
ção é um ato fugaz ao qual, na maioria das vezes, o interlocu-
tor não tem acesso”, havendo necessidade de recorrer-se ao

174. Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 87.


175. A prova civil, p. 96-99.
176. Partindo dessa premissa, a prova produzida em razão de depoimento testemu-
nhal, por exemplo, corresponderia ao conjunto de enunciados introduzidos no or-
denamento, confirmadores ou infirmadores da alegação de uma das partes. O res-
pectivo meio de prova, por sua vez, estaria representado pelos enunciados
indicativos do local, data, sujeito e modo inerentes à produção probatória
[enunciação-enunciada].
177. A revogação em matéria tributária, p. 33.

113
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

enunciado, no qual deixa marcas que permitem recuperá-la.


Por isso, continua o autor, “a enunciação-enunciada acaba
por constituir o sujeito, o espaço e o tempo da enunciação”,
possibilitando identificar quem, quando, onde e como se obteve
determinado enunciado, no caso, o enunciado probatório.

114
CAPÍTULO 4
CLASSIFICAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA

4.1 Considerações críticas sobre a “classificação das


provas” adotada pela doutrina tradicional

Conquanto seu suporte físico seja sempre documental, as


provas encontram na doutrina variada gama de classificações,
em virtude da diversidade de critérios adotados. Tomemos
como referência a divisão elaborada por Nicola Framarino dei
Malatesta178, que se baseia em três aspectos: (i) conteúdo; (ii)
sujeito que as emana; e (iii) forma em que se apresentam.
(i) Quanto ao conteúdo, teríamos prova direta, quando
esta se refere ao fato que se quer provar; e prova indireta, se
alude a um fato diverso do que se pretende provar, mas dele
podendo deduzir-se o fato principal.
(ii) Quanto ao sujeito que as emana, as provas poderiam
ser: pessoais, já que produzidas pelo homem; ou reais, se de-
duzidas da própria coisa. A prova pessoal seria a divulgação
feita por uma pessoa acerca das impressões que o fato pro-
bando imprimiu no seu espírito: é o caso do testemunho. A

178. A lógica das provas em matéria criminal, p. 147 e s.

115
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

prova real, por sua vez, consistiria na revelação feita por uma
coisa relativamente às marcas deixadas pelo fato que se pre-
tende provar: verifica-se nas impressões digitais e demais ves-
tígios, sendo a pessoa tida como coisa quando submetida a
exame pericial.
(iii) No que concerne à forma, apresentar-se-iam como:
testemunhais, consistindo nas afirmações pessoais e orais; do-
cumentais, representadas por assertivas escritas ou gravadas;
ou materiais, em que as próprias coisas atestam determinado
acontecimento. Relativamente à prova testemunhal, esta se-
ria subdividida em testemunhal comum, provinda de testemu-
nha que interveio no fato e tendo por objeto coisas perceptí-
veis pelo comum dos homens; e testemunhal pericial, oriunda
de testemunha escolhida post factum e tendo por objeto coisas
perceptíveis só a quem possua conhecimentos técnicos con-
cernentes a determinado assunto.
Essa classificação é adotada por diversos doutrinadores,
tais como Moacyr Amaral Santos179, João Penido Burnier
Júnior180, Magalhães Noronha181, Arruda Alvim182 e Aclibes
Burgarelli183. Outros, conquanto optem por classificação di-
versa, seguem linha de raciocínio muito parecida. É o caso
de Víctor de Santo184, que, referindo-se aos meios de prova,
qualifica-os como (i) diretos e indiretos; (ii) reais e pessoais;
(iii) escritos e orais; (iv) nominados e inominados; (v) lícitos
e ilícitos; e (vi) pessoais, documentais e materiais. Também
Jeremías Bentham185, não obstante identifique algumas es-
pécies de provas diferentes daquelas referidas por Malatesta,

179. Prova judiciária no cível e comercial, v. 1, p. 69 e s.


180. Teoria geral da prova, p. 70.
181. Curso de direito processual penal, p. 116-117.
182. Manual de direito processual civil, v. 2, p. 422-427.
183. Tratado das provas cíveis, p. 236 e s.
184. La prueba judicial: teoría y práctica, p. 31-36.
185. Tratado de las pruebas judiciales, p. 21-26.

116
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

parte de considerações conceituais semelhantes. Esse juris-


ta estabelece nove divisões em relação às provas: (i) prova
pessoal e real; (ii) prova direta e indireta ou circunstancial;
(iii) prova pessoal voluntária e prova pessoal involuntária;
(iv) prova por depoimento e prova por documento; (v) pro-
va literal casual [não produzida com a específica intenção de
fazer prova em processo] e prova literal pré-constituída; (vi)
prova independente e prova emprestada; (vii) prova original
e prova inoriginal [translados, cópias, certidões]; (viii) prova
perfeita e prova imperfeita [a perfeição e a imperfeição de-
pendem da fonte da prova e forma de sua produção]; e (ix)
prova inteira [reproduz o fato probando] e prova mutilada ou
inferior [indício insuficiente].
Francesco Carnelutti186 é quem faz uma organização bem
diferençada das modalidades probatórias, classificando as
provas em diretas e indiretas conforme a relação entre o jul-
gador e o evento que se pretende certificar a ocorrência ou a
inocorrência. A prova seria direta nas hipóteses em que o jul-
gador conhecesse o acontecimento de forma imediata, como
se verifica na inspeção ocular, e indireta quando a ele tives-
se acesso de modo mediato, por intermédio de depoimentos
testemunhais, por exemplo. As provas indiretas, por sua vez,
classificar-se-iam em históricas e críticas: as históricas seriam
representativas do fato probando, ao passo que as provas crí-
ticas exigiriam raciocínio dedutivo por parte do julgador, visto
que, por si sós, não representariam o fato. Ambas as espécies
probatórias comportariam mais uma subdivisão: a histórica
seria testemunhal ou documental, enquanto a prova crítica po-
deria dar-se por indício ou por presunção. Quanto ao objeto,
considerado isoladamente, esse autor também faz a divisão
em pessoal e real.
Referidas classificações, entretanto, apresentam mui-
tas deficiências. Dentre elas, podemos destacar o fato de
que a prova, como enunciado linguístico que é, decorre,

186. A prova civil, p. 81-83.

117
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

necessariamente, de produção humana. Assim, todas as pro-


vas são pessoais. Toda prova é, também, documental, pois mes-
mo as afirmações realizadas oralmente só assumem a condi-
ção de prova quando devidamente reduzidas a escrito. Além
disso, a prova é sempre indireta, uma vez que jamais alcança
o fato que se pretende provar.
O que varia, a nosso ver, é o modo de produção probató-
ria. Este sim pode realizar-se (i) pelo emprego de um único
fato em sentido amplo, com elevado grau de convencimen-
to [prova “direta”; (ii) pela conjugação de diversos fatos com
menor grau de convencimento (prova indireta decorrente de
indícios); ou (iii) pela verificação de um fato em sentido amplo
ao qual a lei atribui o efeito de implicar o fato probando [prova
indireta decorrente de presunção legal].
A enunciação de tais fatos pode, por sua vez, dar-se de
diferentes maneiras, decorrendo de (i) manifestação oral ou
escrita da própria parte [confissão]; (ii) relato proferido por
terceiro que presenciou o acontecimento [depoimento tes-
temunhal]; (iii) opinião emitida por pessoa detentora de co-
nhecimento especializado [perícia]; (iv) enunciado linguísti-
co pré-constituído [documento]; ou (v) certificação realizada
pelo próprio destinatário da prova [vistoria e inspeção judicial
ou ocular]. O que se classifica, portanto, são os meios de pro-
va: a enunciação relatada na forma prescrita pelo direito po-
sitivo, isto é, a enunciação-enunciada. Esta é que fornecerá os
elementos necessários à identificação do sujeito produtor dos
enunciados probatórios, tempo, local e modo em que ocorreu
tal atividade.

4.1.1 Prova direta e prova indireta

São denominadas provas diretas as que representam, de


forma imediata, o evento, caracterizando seu relato linguís-
tico. A expressão provas indiretas, por seu turno, é utilizada
para referir à prova de acontecimentos diversos daquele que
se pretende provar, mas cuja existência confirma ou infirma

118
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

o fato probando. Explica Antonio Dellepiane187 que, “se cha-


marmos p a uma prova direta qualquer, h a um fato indiciário
e H ao fato que se trata de reconstruir, teremos que, nas cha-
madas provas diretas, p leva a H sem intermediário algum, o
que não ocorre no caso da chamada prova indireta ou indi-
ciária. Nesta, teremos três termos: P, isto é, uma prova direta
que leva a h, fato indiciário, intermediário, o qual, por sua vez
e mediante uma inferência, conduz a H, fato principal, fato
cuja existência se trata de estabelecer”. A prova direta apre-
sentaria a forma lógica implicacional p→H, enquanto a pro-
va indireta seria representada por [(p→h).(h→H)]→(p→H)188.
Por essa razão, um documento qualquer poderia apresentar-
-se como prova direta ou indireta: direta se, a partir dele, in-
fere-se a ocorrência do fato probando; indireta, se os enuncia-
dos constantes do documento referem-se a um fato diverso do
principal, o qual, por sua vez, serve como base para deduções
acerca do fato alegado.
As denominadas provas diretas são tratadas, comumente,
como se fizessem prova plena do fato alegado, isto é, como se
uma única prova, por aludir diretamente ao fato, fosse sufi-
ciente para comprová-lo. Ledo engano. Na maioria das vezes,
mesmo as chamadas provas diretas não bastam quando con-
sideradas isoladamente, exigindo a conjugação de diversos
elementos para se levar um fato ao conhecimento do destina-
tário. Um testemunho em que o depoente confirma a alegação
de uma das partes, referindo-se diretamente ao fato que se
pretende provar, pode não alcançar seus objetivos caso não
corroborado por outras provas. O próprio Malatesta189, autor
da classificação, evidencia a relatividade do enquadramento
de uma prova na modalidade direta ou indireta: “Outros es-
critores, depois de terem distinguido as provas em diretas e

187. Nova teoria da prova, p. 70.


188. Considerando a regra lógica da transitividade do condicional, se um enunciado
(p) implica outro (h), e se esse segundo enunciado implica um terceiro (H), então o
primeiro dos enunciados (p) implica o terceiro (H).
189. A lógica das provas em matéria criminal, p. 150.

119
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

indiretas, vieram afirmar que são provas diretas o testemunho,


a confissão, o documento, sendo prova indireta o indício, e a
jurisprudência adotou também essa nomenclatura. Mostra-se,
com isso, não existir nenhum conceito exato do que seja prova
direta e indireta. Não se refletiu que o testemunho, a confissão,
o documento são classificações formais da prova, e o indício,
classificação substancial. Não se refletiu, em consequência,
que a prova, sob a forma testemunhal ou documental, pode ter
tanto o conteúdo de prova direta quanto o de indício”190.
Esse é um dos motivos pelo qual combatemos a criticada
distinção. Mas o que decisivamente nos leva a entender que toda
prova seja indireta é a indeclinável necessidade de raciocínio ló-
gico para que, tomando-se como ponto de partida determinado
fato, possa concluir-se acerca da ocorrência ou não de outro fato.

4.1.1.1 Crítica à terminologia empregada

Toda prova é indireta, pois nunca se tem acesso aos fatos,


que são sempre passados. Daí por que toda prova é uma con-
jectura, levando à presunção acerca da ocorrência ou não de
certo fato.
Nota-se que mesmo na chamada prova indireta há, im-
preterivelmente, necessidade de prova imediata [direta] de
um fato: do indício. O ponto distintivo entre essa espécie de
prova e a diretamente realizada residiria na exigência de ra-
ciocínio que leve à conclusão acerca de fato diverso, ao qual
não se tem acesso direto. Essa distinção, todavia, não resiste a
um exame mais profundo. Considerando que os acontecimen-
tos do mundo da experiência são inacessíveis, por se terem

190. A despeito da crítica realizada por Malatesta, esse jurista conclui ser relevante a
distinção entre prova direta e indireta. Justifica-se afirmando que na prova direta a
relação entre a prova e o fato provado não exige esforço de raciocínio, ao passo que
na prova indireta, ela sozinha não leva a conclusão alguma sobre o fato que se quer
provar, sendo necessária a conjugação de outras provas para, só então, estabelecer-
-se a relação com o fato probando (ibidem, p. 154). Manifestamos nossa discordância
em relação a tal posicionamento, uma vez que a conclusão construída a partir de
toda e qualquer prova exige operação mental de inferência dedutiva [presunção].

120
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

esgotado no tempo e no espaço, a prova consistirá sempre em


uma construção linguística que toma por fundamento mar-
cas deixadas pela ocorrência fenomênica. Os registros contá-
beis, por exemplo, não se confundem com as operações nego-
ciais efetivamente realizadas. Mas, sendo relatos daquelas, as
constituem no universo jurídico até que outro enunciado com
maior poder de convencimento infirme o relato anteriormen-
te verificado.
Disso se depreende que toda prova é indiciária, visto que
jamais toca o objeto a que se refere. Criticando a distinção entre
prova direta e indireta com base no critério da imediatividade
da relação entre o fato da prova e o fato a provar, pondera Fran-
cesco Carnelutti191 que, excepcionadas as hipóteses em que o
conhecimento do fato se dá por percepção do julgador, todas as
provas são indiretas: “Se não me engano, que a distinção assim
delineada não seja correta se desprende de tudo quanto venho
sustentando acerca da estrutura de qualquer forma de prova
indireta [no sentido de prova não percebida diretamente pelo
juiz]: sempre que o juiz não perceba por si mesmo o fato a pro-
var, adquire seu conhecimento mediante uma dedução, ou seja,
mediante um silogismo; a estrutura da prova é, pois, idêntica,
tanto se argumenta com um depoimento quanto com um in-
dício”. Adotando posicionamento semelhante, Mittermayer192,
examinando a teoria das provas na esfera criminal, considera
que absolutamente todos os meios probatórios caracterizam-se
como verdadeiros indícios de culpabilidade ou de inocência, ao
serem apreciados para a formação do juízo.
A distinção entre prova direta e indireta desaparece
quando cuidadosamente analisadas essas figuras: a única di-
ferença que remanesce é a consistente na diferença de grau
na dificuldade que se experimenta para convencer o destinatá-
rio. A diversidade entre ambas fica ainda mais tênue se con-
siderarmos que todo indício, para desencadear os respectivos

191. A prova civil, p. 122-123.


192. Tratado da prova em matéria criminal, p. 479.

121
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

efeitos jurídicos, deve ser provado. Atento a essa peculiarida-


de, Antonio Dellepiane193 assevera o caráter de universalidade
que reveste a prova indiciária:

A prova de indícios se resolve sempre nas chamadas provas diretas


ou naturais – por isso que todos os fatos circunstanciais, para que
possam servir de base a deduções e constituir indícios, precisam
comprovar-se por inspeção ocular, confissão etc. Do mesmo modo
é também possível demonstrar que todas as provas ditas diretas ou
naturais se reduzem, em última análise, à prova por indícios.

Sugerimos, por esses motivos, abandonar a terminologia


criticada, adotando-se, em substituição, a dualidade prova
simples/complexa ou prova atômica/molecular. Acolhendo o
ponto de vista da prova como fato, entendido como seguimen-
to de linguagem, a prova será complexa ou molecular sem-
pre que houver algum conectivo entrelaçando os enunciados
atômicos. Assim, quando uma única prova implicar a certeza
acerca da ocorrência ou inocorrência do fato, teremos prova
simples ou atômica. Quando, ao contrário, houver necessida-
de de diversos enunciados probatórios confirmando uns aos
outros, estaremos diante de prova complexa ou molecular, re-
sultado da combinação de provas simples insuficientes.

4.1.1.2 A imediatividade em relação à percepção do julgador

Não obstante Carnelutti194 negue a distinção das provas em


direta e indireta conforme sua relação de imediatividade com
o fato alegado, adota essa mesma terminologia – prova direta/
indireta – para referir-se a espécies probatórias: “Existe prova
[indireta] simples quando o fato que constitui a fonte de prova
é (diretamente) percebido pelo juiz; [...] Existe, entretanto, pro-
va [indireta] complexa, quando o fato constitutivo da fonte de
prova é, por sua vez, objeto de [determinado mediante] prova

193. Nova teoria da prova, p. 72.


194. A prova civil, p. 241.

122
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

indireta, ou seja, é deduzido de outra fonte de prova”195.


A percepção, esclarece esse autor, é sempre direta: o su-
jeito cognoscente só tem conhecimento de um fato se o perce-
be com seus próprios sentidos. Entende, porém, que a percep-
ção do julgador pode recair sobre o evento referido pelo fato
que se pretende provar ou sobre o relato linguístico produzido
por outrem. Na primeira hipótese, a prova seria direta; na se-
gunda, indireta. Vejamos alguns exemplos formulados pelo ci-
tado jurista, que facilitam a compreensão do assunto: “O autor
pede que sejam derrubadas árvores de tronco alto plantadas
no fundo do vizinho à distância menor de três metros da linde;
aqui o fato a provar é a situação respectiva das árvores e da
linde [...], diretamente com os próprios sentidos, ou seja, indo
ver, mediante inspeção judicial [...]. Nesse caso existe prova
direta. [...] O autor pede a condenação do demandado ao pa-
gamento do preço do cavalo vendido; aqui o fato a provar é o
contrato de compra e venda [...]; agora: como este fato jurídico
é transeunte e passado, não pode ser diretamente percebido
pelo juiz, senão que deve ser conhecido por ele mediante a
percepção de outro fato, do qual possa deduzir a existência do
mesmo com ajuda da experiência: o autor exibirá o documen-
to ou as testemunhas, e o juiz inferirá da visão daquele ou da
audição destes o argumento para considerar que o contrato
tenha sido celebrado, porque se não houvesse sido celebrado,
não se haveria formado o documento ou não o haveriam nar-
rado as testemunhas. Neste caso media prova indireta”196.
Semelhante é o posicionamento de Eduardo Couture197,
ao distinguir as provas diretas por percepção das diretas por
representação. A primeira seria verificada quando o julgador
entra em contato diretamente com o fato controvertido, como

195. Registramos a adoção de entendimento diverso quanto ao que seja fonte da


prova, conforme exporemos no item 6.2 do capítulo 6.
196. Francesco Carnelutti, A prova civil, p. 82-83.
197. Fundamentos del derecho procesal civil, p. 167-170.

123
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

no caso de inspeção judicial, enquanto a segunda decorreria


de documentos que se referem ao fato controvertido.
Tais concepções, entretanto, não se coadunam com os ca-
racteres inerentes à prova, formulados neste trabalho. A pro-
va, como vimos, é signo: apresenta-se sempre como represen-
tação parcial de outro fato, ingressando no ordenamento por
meio do relato efetuado nos termos prescritos pelo direito. O
fato social nunca ingressa no sistema jurídico pelas suas pró-
prias virtudes, mas pela via estreita da comprovação, isto é,
da comunicação jurídica. A própria inspeção judicial, definida
por Rosenberg198 como “a percepção sensorial direta do juiz,
a fim de se esclarecer quanto a fatos, sobre qualidades ou cir-
cunstâncias corpóreas de pessoas ou coisas”, precisa, para ser
qualificada como prova, estar documentada nos autos, pois
os eventos não ingressam no universo do direito. O mesmo se
pode dizer da inspeção ocular, realizada pela autoridade jul-
gadora nos processos administrativos, nas situações em que
se faz necessário o exame das marcas deixadas pelo evento,
sem demandar, para tanto, específico conhecimento técnico
ou científico de um perito. A percepção do julgador em rela-
ção aos acontecimentos com os quais entrou em contato não é
prova jurídica: a prova, nesse caso, é aquela materializada no
laudo de inspeção ou verificação.
Descartamos, portanto, a possibilidade de falar em pro-
va direta, pois, além de não se tratar de contato com o evento
em si, mas apenas com os sinais por ele deixados, a prova a
ser constituída corresponderá a um documento em que se
tem um relato factual. Não é a percepção do julgador que
faz prova, mas o auto circunstanciado desta, de modo que,
como esclarece Cândido Rangel Dinamarco199, “sem essa do-
cumentação a inspeção judicial não tem valor de prova e as
impressões colhidas pelo juiz não podem sequer servir como
fundamento da sentença”. Tudo o que deixar de integrar

198. Derecho procesal civil, p. 117.


199. Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 600.

124
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

documentalmente o processo equivale ao conhecimento pri-


vado do julgador, sendo repudiado pelo sistema da persuasão
racional, adotado pelo ordenamento brasileiro. Daí reafirmar-
mos nossa assertiva de que toda prova é indireta, consistindo,
necessariamente, em representação parcial do fato alegado.

4.1.2 Prova pessoal e real

Na tradicional classificação das provas, estas são qualifi-


cadas em pessoais e reais, tomando-se o critério do sujeito que
as emana. Seriam pessoais as declarações acerca da veracida-
de ou falsidade de um fato, emitidas por seres humanos. Por
seu turno, caracterizar-se-iam como provas reais o próprio
fato e suas circunstâncias. Segundo Moacyr Amaral Santos200:

Prova pessoal de um fato consiste na revelação consciente, feita


por uma pessoa, das impressões mnemônicas que o fato impri-
miu no seu espírito. Prova real de um fato consiste na atestação
inconsciente, feita por uma coisa, das modalidades que o fato
probando lhe imprimiu.

As coisas, entretanto, nada atestam. As manifestações


exteriores não falam. É sempre o homem que discursa sobre
elas. Como mensagem que é, a prova insere-se no processo
comunicacional do direito, exigindo a emissão por um reme-
tente, o qual há de ser, impreterivelmente, um sujeito. Logo,
toda prova é pessoal. Nesse sentido é a lição de Paulo de Bar-
ros Carvalho201, para quem é descabida a classificação das
provas em pessoais e reais:

Somente o sujeito de direitos, na condição de emissor, pode inau-


gurar o processo comunicacional probatório, praticando ato de
fala para produzir mensagem destinada a convencer o receptor
qualificado para decidir. Mais uma vez aparece o direito como

200. Prova judiciária no cível e comercial, v. 1, p. 49.


201. Teoria da prova e o fato jurídico tributário. Apostila do Programa de Pós-Gra-
duação em Direito [Mestrado e Doutorado] da USP e da PUC/SP.

125
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

linguagem que não se dirige aos objetos inanimados, porém aos


seres humanos em suas relações de interpessoalidade.

Um vestígio não ingressa no sistema jurídico se não relata-


do em linguagem competente: será preciso, sempre, um laudo
que certifique sua existência, constituindo o fato jurídico em
sentido amplo. É esse relato linguístico que configura a prova,
jamais sendo esta manifestada pelo vestígio-em-si, entendido
como fenômeno do mundo da experiência e independente de
produção humana.

4.1.3 Prova testemunhal, documental e material

A classificação elaborada a partir do critério da forma


leva em consideração o veículo pelo qual a comprovação do
fato probando é feita. Tratando-se de prova pessoal, esta as-
sumiria a forma testemunhal, quando manifestada oralmen-
te, ou documental, se realizada afirmação por escrito. A prova
real, por sua vez, apresentaria forma material, consistente na
própria coisa que faz prova do fato alegado.
Além de inadmitirmos distinção entre prova pessoal e
real, como anotado no subitem anterior, a distinção destas em
testemunhal, documental e material não resiste a um exame
mais apurado. Sendo a forma o modo de exteriorização do
fato, toda prova é documental, já que consistente em relato
linguístico, aparecendo veiculado em um suporte físico.
Antonio Dellepiane202, conquanto partindo de raciocínio
diverso e tomando o vocábulo documento em sentido amplís-
simo, já afirmava que as ciências reconstrutivas, das quais a
prova jurídica faria parte, são documentárias, por pressupo-
rem sinais ou vestígios deixados pelo acontecimento. Avan-
çando um pouco nessa linha de raciocínio, diríamos que a pro-
va é sempre documental, na acepção estrita da palavra, visto
que o fato, qualquer que seja ele, exige relato em linguagem

202. Nova teoria da prova, p. 35.

126
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

para sua constituição. E esse relato, por conseguinte, há de


ser expresso em uma plataforma material, entendida, na lição
de Paulo de Barros Carvalho203, como “suporte físico em que
fica gravada uma parcela de linguagem, configurando a base
empírica objetivada do direito, na medida em que permane-
ce a mesma entre todos os participantes da comunidade do
discurso”.

4.2 Espécies de meios de prova

As provas, como vimos, são sempre indiretas, pessoais e


documentais. O modo pelo qual são produzidas é que apre-
senta uma diversidade de modalidades, autorizando-nos a re-
ferir a espécies de meios de prova.
A fixação dos meios de provas admitidos em direito pode
ser taxativa ou exemplificativa, motivo pelo qual João Penido
Burnier Júnior204 classifica os sistemas probatórios em fecha-
dos e abertos. O ordenamento brasileiro adota o sistema do
tipo aberto, prescrevendo, no art. 369 do CPC/2015, que:

As partes têm o direito de empregar todos os meios legais,


bem como os moralmente legítimos, ainda que não especifi-
cados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que
se funda o pedido ou a defesa a influir eficazmente na convic-
ção do juiz.

Ainda, nos termos do art. 38, §2°, da Lei 9.784/99, que re-
gula o processo administrativo no âmbito da Administração
Pública Federal, “Somente poderão ser recusadas, mediante
decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessa-
dos quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou
protelatórias”, significando, com isso, que todas as demais
modalidades probatórias hão de ser admitidas. O Decreto

203. A prova no procedimento administrativo tributário. Revista Dialética de Direi-


to Tributário n. 34, p. 108.
204. Teoria geral da prova, p. 64.

127
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

70.235/72, que disciplina o processo administrativo tributário


no âmbito federal, embora não traga assertiva tão peremptó-
ria, autoriza, além da juntada de documentos, a realização de
diligências e perícias [art. 18], devendo tal prescrição ser en-
tendida de forma ampla, abrangendo todos os meios de pro-
va realizados licitamente. A título de exemplo, convém citar,
ainda, a Lei 13.457/2009, do Estado de São Paulo, que é ex-
plícita sobre o assunto, dispondo, em seu art. 18, que: “Todos
os meios legais, bem como os moralmente legítimos obtidos
de forma lícita, são hábeis para provar a verdade dos fatos
controvertidos”.
Mesmo que a legislação ordinária de alguns Estados e Mu-
nicípios não disponha sobre o assunto, é direito do contribuinte
o emprego de todos os mecanismos de prova lícitos. A liberdade
probatória é decorrência do princípio da ampla defesa, prescri-
to constitucionalmente, sendo imperativa sua observância em
todos os processos administrativos tributários, independente-
mente de referência expressa ou não. Nesse sentido é o magis-
tério de Agustín A. Gordillo205, asseverando o autor que “não
há limitações referentes às provas que podem ser produzidas
no processo administrativo, devendo admitir-se, em princípio,
qualquer classe de prova das que se aceitam na legislação pro-
cessual vigente em matéria civil”. Para além disso, o CPC/2015
encontra aplicação subsidiária e supletiva nos processos admi-
nistrativos, de modo que, nos contenciosos tributários dessa
natureza, suas disposições aplicam-se quando ausentes regra-
mentos específicos.
Apesar dessa liberdade concernente à produção probató-
ria, as regras de direito substantivo relacionam alguns meios de
prova, disciplinando os requisitos necessários à regular cons-
tituição do fato jurídico mediante o emprego de tais meios. O
Código Civil brasileiro dispõe, no art. 212, sobre os meios de
prova, enumerando-os exemplificativamente:

205. Procedimiento y recursos administrativos, p. 300 [tradução nossa].

128
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato


jurídico pode ser provado mediante:
I – confissão;
II – documento;
III – testemunha;
IV – presunção;
V – perícia.

Por estarem assim relacionados, esses são meios de pro-


va típicos, em contraposição aos meios de prova atípicos,
produzidos em razão da liberdade probatória assegurada
pelo princípio da ampla defesa, conforme referido no art. 369
do CPC/2015 e na legislação disciplinadora dos processos ad-
ministrativos tributários206.
Examinemos, a seguir, os meios de prova típicos, discor-
rendo brevemente a respeito de suas particularidades e uti-
lização no campo do direito tributário. Para tanto, faremos
constantes referências a dispositivos do Estatuto Processual
Civil, por nele estarem dispostas as normas do procedimento
organizacional das provas, perfeitamente aplicáveis ao pro-
cesso administrativo tributário, em caráter subsidiário e su-
pletivo, nos termos do que estabelece o art. 15 do CPC/2015.

4.3 Confissão

A confissão consiste na declaração voluntária em que o


indivíduo admite como verdadeiro um fato que lhe é consi-
derado prejudicial, alegado pela parte adversa (art. 389 do
CPC/2015). Distingue-se do reconhecimento jurídico do pe-
dido, pois se refere a fatos e não a direitos subjetivos. Con-
fessado um fato, o processo tem seu prosseguimento normal,

206. A possibilidade de emprego de quaisquer desses meios de prova restringe-se aos


fatos para os quais não se exija forma especial. Na lição de Washington de Barros
Monteiro, “quando a lei impõe certa forma para determinado ato, este não pode pro-
var-se senão quando obedecida a forma prefixada” [Curso de direito civil, v. 1, p. 253].

129
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

sendo a confissão valorada em conjunto com os demais ele-


mentos processuais, ao passo que no reconhecimento jurídico
do pedido dá-se a extinção do processo com decisão favorável
à parte contrária.
Não obstante a confissão esteja incluída entre os meios
de prova, relacionados nos Códigos Civil e de Processo Civil,
alguns doutrinadores, como Cândido Rangel Dinamarco207
e João Batista Lopes208, entendem não se tratar de meio de
prova por consistir em mera declaração de conhecimento de
fatos desfavoráveis, tornando-os incontroversos e, por con-
seguinte, dispensando-se a respectiva produção probatória.
Tal não é a conclusão a que chegamos, pois a confissão apre-
senta-se como atividade exercida em observância às regras
de organização probatória vigentes, relatada na linguagem
prescrita pelo direito, tendo por função o convencimento do
julgador, com vistas à constituição ou desconstituição de fa-
tos jurídicos em sentido estrito. É, portanto, meio de prova,
razão pela qual entendemos inapropriada a redação do art.
374, II, do CPC/2015, que prescreve não dependerem de pro-
va os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte
contrária209.
Pode apresentar-se na modalidade (i) judicial ou (ii) extra-
judicial, conforme a confissão seja formulada durante o curso
de processo judicial ou fora dele, sendo classificada, também,
em (i) expressa, quando emitidas afirmações reconhecendo o
fato probando, e (ii) presumida, tácita ou ficta, porque decor-
rente do silêncio, vertido em linguagem competente. Esta últi-
ma seria verificada na hipótese de revelia, em que a ausência
de contestação faz reputar verdadeiros os fatos sustentados
pelo autor (art. 344 do CPC/2015), ou quando a parte intimada
a comparecer para prestar depoimento pessoal deixa de fazê-lo

207. Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 622.


208. A prova no direito processual civil, p. 98.
209. O vocábulo confissão padece da ambiguidade processo/produto, podendo sig-
nificar o ato de confessar [meio de prova] ou o resultado dessa atividade [prova].

130
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

ou se recusa a depor [art. 385, §1º, do CPC/2015]. Tal distinção


é perspicazmente criticada por Cândido Rangel Dinamarco210,
para quem “confissão e revelia são fenômenos bem diferentes
entre si e a circunstância de ambos convergirem à incontro-
vérsia quanto às alegações do autor não é suficiente para for-
çar a entrada de uma no conceito da outra. Confissão é con-
fissão e revelia é revelia, embora tenham uma consequência
comum”. De forma semelhante, a distinção entre confissão
verbal e escrita não resiste a um exame analítico, uma vez que
o ato de confessar, expressa ou fictamente, há de ser vertido
em linguagem escrita, relatado na forma documental. Nesse
sentido, toda confissão escrita é verbal211.
Quanto à estrutura, Arruda Alvim212 identifica duas espé-
cies: (i) confissão simples, em que se reconhece o fato alegado
pela parte contrária; e (ii) confissão complexa, na hipótese de,
justaposto ao enunciado que admite o fato aduzido pelo ad-
versário, encontrar-se outro fato, de caráter modificativo ou
extintivo, implicando restrição parcial ou total aos efeitos do
fato confessado.
Uma das características atribuídas à confissão é a indi-
visibilidade. Isso porque, como explica Caio Mário da Silva
Pereira213, “a parte que invoca a confissão do adversário tem
de aceitá-la por inteiro. Não lhe é lícito cindi-la, e aproveitar
o que lhe convém, repudiando-a na parte que lhe seja des-
favorável”. Apenas na hipótese de o confitente aduzir fatos
novos que constituam fundamento de defesa de direito mate-
rial ou de reconvenção, poderá ocorrer sua aceitação parcial
pela parte adversa. Acontece que a confissão, conforme refe-
rida no art. 389 do CPC/2015, consiste na admissão de um fato

210. Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 61.


211. Paulo de Barros Carvalho, Teoria da prova e o fato jurídico tributário. Apostila
do Programa de Pós-Graduação em Direito [Mestrado e Doutorado] da USP e da
PUC/SP.
212. Manual de direito processual civil, v. 2, p. 515.
213. Instituições de direito civil, p. 389.

131
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

prejudicial ao interesse próprio e favorável à parte contrária


na demanda. Por conseguinte, os fatos modificativos, impedi-
tivos e extintivos do direito do autor, alegados pelo requerido,
não caracterizam confissão. Não obstante sejam veiculadas
no mesmo suporte físico, as naturezas de ambas as assertivas
são diversas: são fatos distintos, cuja apreciação pode ser rea-
lizada de forma diferençada.
Além disso, a confissão, na qualidade de elemento de
convicção do julgador, deve ser por ele valorada no contexto
dos autos, sendo perfeitamente admissível o cotejo de trechos
enunciados na confissão com outras provas constantes do
processo, acolhendo o que estiver em harmonia com o con-
junto probatório e rejeitando as afirmações infirmadas pelos
demais elementos de prova214. Não há que falar, portanto, em
indivisibilidade. Considerado o princípio do livre convenci-
mento motivado ou persuasão racional que rege o sistema
processual brasileiro, a confissão não pode ser aceita em par-
te e rejeitada parcialmente apenas se nenhuma outra prova
houver nos autos.
É comum atribuir à confissão, também, o caráter de ir-
retratável215. A retratação provém do verbo retratar, que con-
siste em tratar novamente, desdizer-se. Acompanhamos, po-
rém, os ensinamentos de Magalhães Noronha216, para quem
o ato de confessar é susceptível de ser retratado, desde que
acompanhado de elementos que confirmem os argumentos
justificadores da retratação. Semelhante é o posicionamento
de Cândido Rangel Dinamarco217, asseverando ser lícito ao
confitente desdizer-se, “apresentando nova versão dos fatos
e justificando-a, o que será considerado pelo juiz no exercício
de seu livre convencimento – quando então ele analisará as
duas declarações em sua consistência interna e harmonia

214. Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, v. 1, p. 431.


215. Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, v. 2, p. 205.
216. Curso de direito processual penal, p. 145.
217. Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 631.

132
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

com o conjunto probatório, confrontando-as entre si etc.”.


A retratabilidade deve-se à circunstância de ser a confissão
apenas um dos elementos de convicção do julgador, sendo
perfeitamente possível que os fatos nela relatados não pre-
valeçam na determinação do fato probando, caso haja prova
contrária mais convincente, ainda que apresentada pelo pró-
prio confessor.
Não se confunda retratabilidade com revogabilidade. Tra-
ta-se de conceitos distintos. Apesar de o art. 393 do CPC/2015
prescrever que “a confissão é irrevogável”, esse mesmo dis-
positivo esclarece a possibilidade de ser esse ato de fala anu-
lado, caso decorra de erro de fato ou de coação. Em verdade,
a segunda parte do citado preceito legal infirma a primeira,
pois veicula a possibilidade de tornar seu efeito a confissão, o
que preenche perfeitamente o conteúdo significativo do ter-
mo “revogável”.
Em que pese já ter sido considerada a rainha das provas,
atualmente a confissão é vista como um meio de convenci-
mento do destinatário, a ser sopesado juntamente das demais
provas que forem apresentadas. Sendo a confissão emitida
pelo próprio autor do ato e em seu prejuízo, poder-se-ia ima-
ginar que, verificada uma confissão, nada mais cumpriria ao
julgador fazer senão decidir desfavoravelmente ao confiten-
te, dispensando o recurso a qualquer outro meio de prova.
Essa seria, entretanto, uma conclusão equivocada. O ato de
confessar produz a confissão-produto, documento que veicula
enunciados, funcionando como signo: não coincide, portanto,
com o fato a ser provado [significado], servindo tão somente
para representá-lo de forma parcial, como ocorre com toda e
qualquer prova. Esse o motivo pelo qual Antonio Dellepiane218
conclui que a existência de uma confissão “não importa, em
suma, nada mais que uma simples suspeita ou uma presunção
de verdade, que só assumirá foros de certeza depois de um es-
tudo analítico e de uma crítica severa que levem ao espírito a

218. Nova teoria da prova, p. 157.

133
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

convicção de que essa confissão é sincera e discreta”. Daí por


que a confissão não cria direitos e obrigações para as partes,
não vincula o julgador e não se confunde com o reconheci-
mento do pedido ou com a renúncia ao direito. Apenas torna o
fato incontroverso, devendo o juiz atribuir à confissão o valor
que entender cabível, conforme o contexto em que foi pro-
duzida, ou seja, no conjunto de todos os elementos de prova
existentes nos autos.

4.3.1 Depoimento pessoal

O Código Civil nenhuma referência faz em relação ao de-


poimento pessoal. Por outro lado, o Código de Processo Civil,
ao dispor sobre o procedimento organizacional das provas,
disciplina-o pormenorizadamente [arts. 385 a 388]. O depoi-
mento pessoal, considerado isoladamente, entretanto, não ca-
racteriza meio de prova: assumirá essa propriedade apenas
se veicular fato contrário ao interesse do depoente e favorável
ao seu adversário processual, qualificando, nesse caso, uma
confissão.
Quando, diversamente, o depoimento pessoal decorrer
de iniciativa do julgador com a finalidade de esclarecer os fa-
tos discutidos na causa, seu resultado identificar-se-á com as
próprias alegações das partes.

4.3.2 Confissão em matéria tributária

Há confissão do contribuinte quando ele próprio cons-


titui o crédito tributário, emitindo a correspondente norma
individual e concreta, nas hipóteses de tributo sujeito ao cha-
mado lançamento por homologação. Também ocorre a figura
jurídica da confissão quando celebrado termo de parcelamen-
to, acompanhado de instrumento comumente denominado
confissão irrevogável e irretratável de débitos tributários. Em
todos esses casos, verificando o particular a incorreção das
declarações prestadas, é-lhe lícito solicitar sua revisão pelo

134
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

órgão administrativo ou judicial, visto que, em face dos princí-


pios da estrita legalidade e tipicidade tributária, o tributo só é
devido se verificada a ocorrência do fato previsto na hipótese
da norma geral e abstrata.
Se na esfera civil a confissão deve ser examinada em
conjunto com os demais enunciados probatórios para que
possa servir como fundamento para constituição do fato ju-
rídico em sentido estrito, com maior razão deve sê-lo tratan-
do-se de matéria tributária, pelos motivos a seguir, expostos
por Susy Gomes Hoffmann219:

A confissão por parte do sujeito passivo deve ser vista com res-
trições, pois a obrigação tributária, perante o princípio da legali-
dade, decorre exclusivamente de lei e não da vontade das partes,
de modo que, mesmo que o sujeito passivo confesse em algum
momento do processo a ocorrência do fato jurídico tributário na
forma enunciada no lançamento tributário e, posteriormente,
reste provado que aquele fato não ocorreu, a sua manifestação
de vontade demonstrada na confissão não terá o condão de vali-
dar a obrigação.

Nessa linha de raciocínio, a confissão de débitos, exigida


como um dos requisitos para ingresso em programas de par-
celamento, não se reveste de força legal que impeça posterior
discussão quanto aos valores envolvidos. A circunstância de a
adesão a esses programas de parcelamento ser facultativa não
justifica a atribuição de caráter irretratável à confissão, como
pretende o Fisco. Por esse modo de pensar, ressalta James
Marins220:

A adesão como expressão de suposta vontade individual do con-


tribuinte eliminaria todo e qualquer vício jurídico do instrumen-
to, ou seja, propõe essa visão – perigosamente utilitarista – a ado-
ção de uma espécie de pacta sunt servanda nos programas de
parcelamento, tornando os instrumentos de adesão intangíveis
ao próprio Poder Judiciário, mesmo que contenham condições,

219. Teoria da prova no direito tributário, p. 210.


220. Direito processual tributário brasileiro [administrativo e judicial], p. 311-312.

135
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

cláusulas abusivas, incompatíveis com os princípios que gover-


nam o ordenamento constitucional.

Neste ponto, convém esclarecer que “parcelamento” é


palavra polissêmica empregada para indicar tanto a norma
geral e concreta [veículo introdutor], como a norma geral e
abstrata, e, ainda, a norma individual e concreta, além de di-
versas outras acepções. Sobre o assunto, esclarece Aurora To-
mazini de Carvalho221 que:

Parcelamento é uma forma para se efetuar o pagamento de tri-


buto, é um procedimento para realização do pagamento. Em
algumas oportunidades o Estado cria leis, dando a oportunida-
de aos contribuintes, que se subsumirem a determinadas con-
dições, de efetuar o pagamento de seus créditos de forma par-
celada. Nestes casos, o parcelamento é visto como uma norma
geral e abstrata que prescreve um procedimento para o paga-
mento do tributo devido. E se pensarmos na sua incidência com
a produção da norma individual e concreta, podemos dizer que
se instaura um compromisso do sujeito passivo em efetuar o pa-
gamento sobre esta forma.

Quando o contribuinte “adere” a acordo de parcelamen-


to de débitos tributários, nada mais faz que participar da in-
trodução de norma individual e concreta constituidora de
vínculo obrigacional tributário. E, como tal, essa norma jurí-
dica está sujeita aos princípios da legalidade e da tipicidade
tributária: deve ter por suporte a regra-matriz de incidência
tributária e o acontecimento do fato jurídico nela previsto.
Nenhuma confissão de débito tributário, quer efetuada
como condição do respectivo parcelamento, quer em decor-
rência da emissão de norma individual e concreta pelo contri-
buinte [no chamado lançamento por homologação] ou mesmo
nos autos de processo administrativo em curso, tem a prerro-
gativa de impedir que se discuta sobre a existência do crédito

221. Crimes contra a ordem tributária: a necessidade de esgotamento da esfera ad-


ministrativa para propositura da ação penal; os efeitos do parcelamento do crédito
tributário sobre a punibilidade penal, p. 29.

136
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

tributário, tendo em vista que este nasce apenas se verificado


o fato jurídico previsto na norma geral e abstrata, não poden-
do tal situação ser alterada pela vontade do sujeito passivo.
Nesse sentido manifestou-se o TRF da 1ª Região: “Sendo
o parcelamento modalidade de moratória, tão somente sus-
pende a exigibilidade do crédito fiscal, não retirando, dessa
forma, o interesse do contribuinte de buscar a desconstitui-
ção do referido crédito”222. Do mesmo modo, o TRF da 3ª Re-
gião concluiu pela possibilidade de o contribuinte questionar
a aplicação de multa moratória nas hipóteses de débito par-
celado: “Interesse de agir configurado, pois o contribuinte
insurge-se contra o pagamento do tributo devido acrescido
de multa moratória, em face do art. 138 do CTN”223. Também
entendeu o TRF da 5ª Região que “A obrigação tributária é
decorrente da lei, não podendo ser alterada pela vontade das
partes, daí porque é sempre possível ao contribuinte requerer
judicialmente a revisão de parcelamento celebrado se suas
cláusulas impõem obrigações inexistentes, máxime em se tra-
tando de contribuinte pessoa jurídica de direito público”224.
Vejam-se, ainda, as seguintes ementas:

“TRIBUTÁRIO. CONFISSÃO DE DÍVIDA NA VIA ADMINIS-


TRATIVA. REVISÃO JUDICIAL. PARCELAMENTO DESCUM-
PRIDO. ABATIMENTO DE PAGAMENTOS EFETUADOS. PIS
APURADO NA FORMA DA LEI COMPLEMENTAR 7/70. FIN-
SOCIAL À ALÍQUOTA DE 0,5%.
1. A confissão de dívida não impede a sua discussão em juízo,
fundada na inconstitucionalidade, não-incidência ou isenção
do tributo ou em erro quanto ao fato. Se é fato que, lavrado o
respectivo termo, este adquire força de lei entre as partes, igual-
mente verdadeiro é dizer-se que se trata de ato administrativo
vinculado (cuja validade depende do cumprimento dos ditames

222. 2ª Turma Suplementar, AC 199701000308010-MT, Rel. Vera Carla Nelson de


Oliveira Cruz, DJ 28.01.2002, p. 146.
223. 4ª Turma, AMS 161674-SP, Rel. Therezinha Cazerta, DJU 25.08.2000, p. 864.
224. 2ª Turma, AC 294729-PE, Rel. Paulo Roberto de Oliveira Lima, DJ 06.06.2003,
p. 520.

137
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

legais a que está sujeito), e a irretratabilidade de que se reveste


não se sobrepõe ao direito do contribuinte de ver-se corretamen-
te cobrado, e, menos, ainda, à garantia constitucional de tutela
jurisdicional de lesão ou ameaça a direito.
– A obrigação tributária decorre de lei, e a confissão do contri-
buinte diz respeito tão somente ao inadimplemento, do que de-
nota não importar, a concordância inicial do contribuinte com o
valor do débito apurado pelo Fisco, na imutabilidade deste, pois
que, ao credor, não se reconhece o direito de cobrar mais do que
é efetivamente devido, por força de lei. [...]”225.
“TRIBUTÁRIO. TR/TRD. PARCELAMENTO. JUROS MORA-
TÓRIOS. CONFISSÃO DE DÍVIDA. IRRETRATABILIDADE.
1. Em se tratando de débitos fiscais, foi afastada a aplicação da
TRD como índice de correção monetária, mantendo-se a sua in-
cidência como equivalente a juros moratórios, em relação a dé-
bitos vencidos.
2. São nulas as cláusulas constantes de contrato de confissão de
dívida que atribuem à confissão o caráter de irretratabilidade e
onde o devedor renuncia a qualquer contestação quanto ao valor
do débito parcelado, pois a obrigação resulta da lei. (...)”226.
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONTRIBUIÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS. CONFISSÃO. PARCELAMENTO. POS-
SIBILIDADE DE REVISÃO.
– A confissão do débito, quando não refletir a verdade sobre a si-
tuação declarada, pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo
do contribuinte.
– Induvidoso o direito líquido e certo do impetrante de revisão
da dívida confessada, ante os graves prejuízos advindos aos co-
fres públicos do pagamento a maior.
– Segurança concedida.”227

Pacificando as controvérsias sobre o tema, 1ª Seção do


Egrégio Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp n°

225. TRF da 4ª Região, 1ª Turma, AC 200004010771323-RS, Rel. Vivian Josete Pan-


taleão Caminha, DJU 23.11.2005, p. 822.
226. TRF da 4ª Região, 1ª Turma, AC 9404410624-RS, Rel. Fábio Rosa, DJ 10.06.1998,
p. 457.
227. TRF da 5ª Região, Pleno, MS 40788-PE, Rel. José Maria Lucena, DJ 25.08.1995.

138
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

1.133.027-SP, julgado segundo o rito de recurso repetitivo, de-


cidiu que é possível rever uma confissão de dívida feita pelo
contribuinte. Considerou-se que a confissão pode ser invali-
dada quando for constatada uma falha que anule o auto de
infração a que se refira. Assim, o contribuinte que tenha ade-
rido a um parcelamento com base em confissão de dívida, mas
prove de vício na autuação fiscal, pode anular judicialmente o
débito indevidamente confessado:

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. Recurso Especial repre-


sentativo de controvérsia (art. 543-C, § 1º, do CPC). AUTO DE
INFRAÇÃO LAVRADO COM BASE EM DECLARAÇÃO EMI-
TIDA COM ERRO DE FATO NOTICIADO AO FISCO E NÃO
CORRIGIDO. VÍCIO QUE MACULA A POSTERIOR CONFIS-
SÃO DE DÉBITOS PARA EFEITO DE PARCELAMENTO.
POSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL.
1. A Administração Tributária tem o poder/dever de revisar de
ofício o lançamento quando se comprove erro de fato quanto a
qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo
de declaração obrigatória (art. 145, III, c/c art. 149, IV, do CTN).
2. A este poder/dever corresponde o direito do contribuinte de
retificar e ver retificada pelo Fisco a informação fornecida com
erro de fato, quando dessa retificação resultar a redução do tri-
buto devido.
3. Caso em que a Administração Tributária Municipal, ao invés
de corrigir o erro de ofício, ou a pedido do administrado, como
era o seu dever, optou pela lavratura de cinco autos de infração
eivados de nulidade, o que forçou o contribuinte a confessar o
débito e pedir parcelamento diante da necessidade premente de
obtenção de certidão negativa. 4. Situação em que o vício con-
tido nos autos de infração (erro de fato) foi transportado para a
confissão de débitos feita por ocasião do pedido de parcelamen-
to, ocasionando a invalidade da confissão.
5. A confissão da dívida não inibe o questionamento judicial da
obrigação tributária, no que se refere aos seus aspectos jurídi-
cos. Quanto aos aspectos fáticos sobre os quais incide a norma
tributária, a regra é que não se pode rever judicialmente a con-
fissão de dívida efetuada com o escopo de obter parcelamento
de débitos tributários. No entanto, como na situação presente,
a matéria de fato constante de confissão de dívida pode ser in-
validada quando ocorre defeito causador de nulidade do ato ju-
rídico (v.g. erro, dolo, simulação e fraude). Precedentes: REsp.

139
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

n. 927.097/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavasc-


ki, julgado em 8.5.2007; REsp 948.094/PE, Rel. Min. Teori Albino
Zavascki, Primeira Turma, julgado em 06/09/2007; REsp 947.233/
RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 23/06/2009;
REsp 1.074.186/RS, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma,
julgado em 17/11/2009; REsp 1.065.940/SP, Rel. Min. Francisco
Falcão, Primeira Turma, julgado em 18/09/2008. 6. Divirjo do re-
lator para negar provimento ao recurso especial. Acórdão sub-
metido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n.
8/2008.”228

A confissão realizada na esfera tributária, portanto, nada


tem de irretratável. Mesmo se advinda no correr do processo
administrativo tributário, em que o próprio impugnante re-
conhece a procedência dos fatos alegados pela Fazenda, nada
impede a posterior apresentação de provas em sentido con-
trário, levando o julgador ao convencimento acerca da inocor-
rência do fato confessado. Referida conjuntura dá-se em vir-
tude de ser a concretização do fato jurídico tributário previsto
abstratamente na regra-matriz de incidência uma condição
necessária para o surgimento da correspondente obrigação
de pagar tributo, assim como a relação jurídica sancionadora
pelo descumprimento de obrigação tributária ou de deveres
instrumentais tem sua regular constituição condicionada ao
acontecimento do fato ilícito, previsto na hipótese normativa
geral e abstrata. Como qualquer modalidade de meio de prova,
a confissão não caracteriza “prova plena”, dispensando outros
elementos probatórios: havendo confissão nos autos, esta há
de ser valorada pelo julgador, juntamente das demais provas
produzidas pelas partes, com vistas a certificar o fato jurídico
ou o ilícito tributário, modificá-lo ou extingui-lo.
O traço da revogabilidade também está presente na con-
fissão tributária, sendo esta susceptível de anulação nas hipó-
teses de o ato de confessar ter-se operado em decorrência de
erro, dolo ou coação.

228. STJ, 1ª Seção, REsp nº 1.133.027-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j.
13/10/2010.

140
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Existem autores que, pautados no art. 214 do atual Có-


digo Civil, afirmam a impossibilidade de revogar confissão
quando verificado erro de direito229. Tal entendimento não
encontra aplicação na esfera tributária. Nesta, o erro jus-
tificador da anulação da confissão pode ser de fato ou de
direito, tendo em vista que, não obstante o ato de confessar
consista, comumente, no reconhecimento de fatos, o erro de
direito pode interferir na enunciação que envolva admissão
de vínculos jurídicos, como esclarece Devis Echandía230:

Por regra geral o erro de direito, isto é, sobre os efeitos jurídicos


do ato, não motiva a revogação da confissão, porque não impede
que o fato seja certo; mas se o erro de direito conduz à confissão de
uma obrigação que não existe ou a negar a existência de um direito
que se tem, apresenta-se, também, em última instância, como um
erro de fato, e, por conseguinte, aquele é apenas a causa deste, que
autoriza sua revogação. Se o erro de fato serve para revogar a con-
fissão, não importa que se origine a partir de um erro de direito.
Neste sentido tem razão Lessona e os outros autores por ele cita-
dos, ao aceitar a revogabilidade quando o erro de direito produza a
confissão de um vínculo obrigatório que não existe.

É o que se verifica, com grande frequência, na esfera


tributária, uma vez que a confissão de dívida exprime um
valor devido a título de tributo ou multa, decorrente da apli-
cação de norma jurídica. Em razão disso, cogitada a incons-
titucionalidade ou ilegalidade do fundamento de validade
do liame obrigacional, impõe-se a apreciação de tais argu-
mentos, e, verificada sua procedência, tem lugar a revoga-
ção da confissão.
Esse foi o posicionamento adotado pelo TRF da 1ª Re-
gião que, ao apreciar discussão envolvendo débito tributário
parcelado, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal
havia suspendido a eficácia de dispositivo legal que dava su-
porte à exigência, concluiu: “O parcelamento efetivado na

229. Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil, v. 1, p. 572.


230. Teoría general de la prueba judicial, p. 719 [tradução nossa].

141
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

via administrativa não retira o interesse de agir do autor que


busca a desconstituição do débito fiscal”231. Em outra oportu-
nidade, esse mesmo Egrégio Tribunal manifestou-se sobre o
assunto, admitindo a revisão para que fosse recalculado o va-
lor do tributo devido: “Tendo os Decretos-leis 2.445 e 2.449/88
sido julgados inconstitucionais, pelo STF, as prestações rema-
nescentes do contrato de confissão de dívida e parcelamento,
firmado entre a autora e a ré, devem ser recalculadas, para
que se lhes aplique a Lei Complementar 7/70”232.
Em semelhante linha de raciocínio, concluiu o TRF da 4ª
Região que “A confissão e o parcelamento do débito não afas-
ta da apreciação do Poder Judiciário a ocorrência de eventual
ilegalidade ou inconstitucionalidade na constituição do cré-
dito tributário”233. E mais: “Uma exação reputada inconstitu-
cional não pode ser consolidada e inviabilizada sua revisão
pelo só fato de ter sido objeto de confissão de dívida fiscal. A
origem do débito não terá se modificado”234.
Discordamos, portanto, do posicionamento que atribui à
confissão os atributos da indivisibilidade, irretratabilidade e
irrevogabilidade, principalmente quando verificada na esfera
tributária. As normas individuais e concretas constituidoras
de obrigações tributárias subsistem no sistema jurídico ape-
nas se fundadas em normas gerais e abstratas e se concreti-
zado o fato normativamente previsto. Por conseguinte, verifi-
cando o contribuinte a incorreção de relato fático constante
da norma individual e concreta de parcelamento de débitos
tributários, tem ele interesse de agir para solicitar sua revisão
pelo Poder Judiciário.

231. 4ª Turma, AC199901000014502-MG, Rel. Ítalo Fioravanti Sabo Mendes, DJ


06.02.2003, p. 35.
232. TRF da 1ª Região, 3ª Turma, AC 9601365389-DF, Rel. Eustáquio Silveira, DJ
07.07.2000, p. 4.
233. 1ª Turma, AC 200271070028012-RS, Rel. Maria Lúcia Luz Leiria, DJU 06.04.2005,
p. 395.
234. 1ª Turma, AMS 9504411991-SC, Rel. Fábio Rosa, DJ 27.01.99, p. 332.

142
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Na qualidade de elemento de convicção do julgador, a


confissão constante do acordo de parcelamento de débitos
tributários deve por ele ser valorada no contexto dos autos,
cotejando-se os trechos enunciados na confissão com outras
provas constantes do processo, oferecidas pelo contribuinte e
pelo Fisco, pois em face dos princípios da estrita legalidade e
tipicidade tributária, o tributo só é devido se verificada a ocor-
rência do fato previsto na hipótese da norma geral e abstrata.
Por outro lado, é evidente que, enquanto não contesta-
da pelo contribuinte mediante a produção de provas que in-
firmem a assertiva enunciada por meio do ato de confissão,
este permanece no ordenamento com força probatória relati-
vamente aos fatos que reconhece como verdadeiros, salvo se
a Administração, pelos dados aos quais tem acesso, verificar,
ela própria, a inocorrência do fato confessado, situação em
que lhe incumbe tomar a iniciativa de rever ato constitutivo
do fato jurídico tributário e da correspondente obrigação.

4.4 Documento

A palavra documento provém de documentum, do verbo


latino doceo, que significa ensinar, mostrar, indicar. A ideia de
documento, ensina Paulo Celso B. Bonilha235, é a de uma coisa
que tem em si a virtude de fazer conhecer outra, consistindo,
no âmbito jurídico, em uma “coisa representativa de um fato
e destinada a fixá-lo de modo permanente e idôneo, reprodu-
zindo-o em juízo”236. Pela via documental constituem-se fatos
jurídicos em sentido amplo, com base nos quais o julgador
determina o fato jurídico em sentido estrito. Esse o motivo
pelo qual afirmamos que todas as espécies de prova assu-
mem a forma documental, pois documento, como definido

235. Da prova no processo administrativo tributário, p. 84.


236. Vale lembrar que essa representação é sempre parcial, servindo não apenas
para reproduzir algo, mas colaborando na própria constituição desse algo.

143
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

por Chiovenda237, é “toda representação material destinada e


idônea a reproduzir uma dada manifestação do pensamento”.
O que as distingue é exatamente o modo pelo qual são produ-
zidas, ou seja, o meio de prova. Por isso, a prova documental
referida no presente tópico diz respeito às reproduções de fa-
tos, cujo modo de produção não coincida com aqueles referi-
dos de forma específica pelo direito positivo brasileiro.
Em sentido lato, o vocábulo documento é indicativo da
plataforma material, suporte físico em que fica gravada uma
parcela de linguagem. Para que este assuma foros de meio de
prova, porém, precisa ser veiculado na forma prescrita pelo
ordenamento jurídico, sendo indispensáveis os requisitos da
subscrição pelo autor e da sua autenticidade.
Por fim, uma última distinção há de ser feita: o vocábulo
documento indica o gênero do qual o instrumento é espécie. “O
documento denota a ideia de qualquer papel útil para provar
ato jurídico. Instrumento é veículo criador de um ato ou ne-
gócio”238. Enquanto o documento diz respeito a todo suporte
físico que enuncia fatos quaisquer, o instrumento é a espécie
documental que preenche determinados requisitos formais,
sendo imprescindível para a constituição e execução de certos
atos239 e para que alguns negócios jurídicos se aperfeiçoem240.
Em face disso, conclui Maria Helena Diniz241 que “os instru-
mentos públicos e particulares dão existência aos negócios
jurídicos, servindo-lhes, também, de prova”, ao passo que “os
documentos têm função meramente probatória”, não obstan-
te colaborem para a constituição do fato jurídico em sentido
estrito.

237. Instituições de direito processual civil, v. 2, p. 456.


238. Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil, v. 1, p. 573.
239. João Mendes Júnior, Direito judiciário brasileiro, p. 217.
240. Nos termos do art. 406 do CPC/2015, quando a lei exigir, como da substância do
ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode
suprir-lhe a falta.
241. Curso de direito civil brasileiro, v. 1, p. 269.

144
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

4.4.1 Espécies de documentos

Os documentos dividem-se em públicos e particulares,


conforme sua origem: entidades públicas ou privadas, respec-
tivamente. Francesco Carnelutti242 atribui a existência dessas
duas modalidades à necessidade de garantir que a formação
do documento ocorra em consonância com a verdade. Segun-
do esse autor, “o documento é infiel quando está formado de
maneira distinta da verdade. Um dos meios para garantir a
fidelidade do documento [um dos remédios contra o perigo de
sua infidelidade] consiste, portanto, em prover a sua formação
mediante uma pessoa que ofereça garantias intelectuais e mo-
rais para excluir ao máximo o perigo de erros de inteligência e
de vontade na própria formação. Este provimento dá lugar ao
documento oficial, contraposto ao privado”. Tal orientação foi
seguida pelo CPC/2015, prescrevendo que o documento públi-
co faz prova não só de sua formação, mas também dos fatos
que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabelião ou o servidor
declarar que ocorreram em sua presença [art. 405]. Trata-se,
todavia, de presunção relativa de veracidade, podendo ser
ilidida por outras provas constantes dos autos, de modo que
sua falsidade é susceptível de ser declarada judicialmente
por meio de ação autônoma ou de forma incidental no pro-
cesso em que o documento foi apresentado.
Para que possa produzir os correspondentes efeitos, a
presunção relativa de autenticidade do documento aplica-se,
também, aos particulares: as declarações constantes do supor-
te documental privado, devidamente assinado, presumem-se
verdadeiras em relação ao signatário [art. 408 do CPC/2015]243.

242. A prova civil, p. 220-221.


243. “A autenticidade se refere à integridade formal do documento, à sua materiali-
dade; a veracidade se refere ao conteúdo, à sua conformidade com a verdade. O
documento pode ser autêntico, mas não veraz, padecendo de falsidade ideológica.
O vício de autenticidade é falsidade material” (Vicente Greco Filho, Direito proces-
sual civil brasileiro, v. 2, p. 210).

145
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Quanto ao sujeito que o produz, o documento pode ser


heterógrafo ou autógrafo. Documentos heterógrafos são aque-
les cuja nota essencial consiste em que não são formados por
quem realiza o fato documentado. Nele se descrevem fatos
realizados por pessoa diversa daquela que emite o documen-
to, havendo diversidade entre o autor do acontecimento re-
latado documentalmente e o autor do documento. Já o docu-
mento autógrafo é aquele que se refere a um fato praticado
pela própria pessoa que o produz.
Francesco Carnelutti244 pondera, ainda, que o fato repre-
sentado documentalmente pode ser o próprio documento.
Esse documento, que refere e representa outro, recebe tecni-
camente o nome de cópia, em contraste com o documento ori-
ginal [não sendo o fato representado pelo documento original
outro documento]. A cópia nada mais é que o documento do
documento, um típico exemplar de sobreprova.

4.4.2 O documento no direito tributário

A prova documental ocupa lugar de destaque nos pro-


cessos administrativos tributários. Consiste no conjunto
sígnico que se presta para representar um fato, podendo
os documentos ser públicos, privados, produzidos com a
deliberada intenção de constituir prova, elaborados sem
qualquer intenção futura, escritos, gráficos, gravados fono-
gráfica ou fotograficamente etc. Mas, para que esses docu-
mentos irradiem efeitos no ordenamento jurídico, precisam
ser construídos com observância às regras impostas por
esse sistema. Caracteriza prova documental apenas o su-
porte físico de enunciados que seja reconhecido pelo direito,
tanto no que diz respeito ao seu conteúdo como ao modo de
sua formação.
Não podemos nos esquecer de que no direito tribu-
tário elegem-se, como fatos desencadeadores de vínculos

244. A prova civil, p. 218.

146
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

obrigacionais, atividades que, por sua peculiaridade, originam


uma documentação própria. A isso se alia a existência de de-
veres instrumentais impostos aos sujeitos passivos, implican-
do a realização de registros contábeis, ou seja, documentação.
Disso decorre a importância da examinada modalidade pro-
batória na esfera tributária, prescrevendo o art. 195 do CTN
a indispensabilidade de o contribuinte conservar e manter os
livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal e os com-
provantes dos lançamentos neles efetuados até que ocorra a
prescrição dos créditos tributários procedentes das operações
a que se refiram.
Vale lembrar, ainda, que o atual Código Civil dispõe, em
seu art. 226, que:

Os livros e fichas dos empresários e sociedades provam contra


as pessoas a que pertencem, e, em seu favor, quando, escritura-
dos sem vício extrínseco ou intrínseco, forem confirmados por
outros subsídios.

Tais livros, esclarece Renan Lotufo245, “são documentos


que exigem o cumprimento de certas formalidades impostas
pelo ordenamento jurídico quanto à ordem de escrituração,
que aparecem previstas de forma clara e precisa nos arts. 1.180
a 1.196 deste Código Civil”, devendo a escrituração ser feita
sob responsabilidade de um contabilista legalmente habilita-
do [art. 1.182]. Referidos livros, para que sejam considerados
provas, devem observar as formalidades exigidas pela legisla-
ção, inerentes à forma de escrituração, registro, exigência de
rubricas, dentre outros. Além disso, a despeito do disposto no
art. 226 do CC, cuja literalidade aparenta conferir caráter de
prova plena aos documentos ali relacionados, essa modalidade
de prova documental, assim como qualquer outro meio proba-
tório tributário, ostenta o qualificativo da relatividade, podendo
ser ilidida por prova contrária, demonstrando-se a falsidade da
escrituração, realizada de modo inadvertido ou proposital.

245. Código Civil comentado, v. 1, p. 585.

147
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Pode ocorrer que os documentos em que se funda o fato


jurídico tributário ou a alegação de sua inocorrência encon-
trem-se redigidos em língua estrangeira. Nesse caso, o código
não se mostra apto à transmissão de mensagens no sistema
do direito, fazendo-se necessária sua tradução para a língua
portuguesa. Em decisão proferida pelo antigo Conselho de
Contribuintes, atualmente reformulado em Conselho Admi-
nistrativo de Recursos Fiscais, este assim se manifestou: “os
documentos estrangeiros devem ser apresentados com tradu-
ção efetuada por tradutor oficial, reconhecida a firma do mes-
mo e carimbada pelo consulado. O não-cumprimento pelo
contribuinte destas formalidades, reiteradamente, constata a
não-validade do documento”246.
Tratando-se de documento redigido em língua estrangei-
ra, imprescindível a produção de outro documento, compro-
batório de seu conteúdo: metaprova, consistente na tradução
realizada nos termos prescritos pelo ordenamento.

4.4.3 O documento na era da informática

Segundo Enrique M. Falcón247, a informática modificou o


sentido do que seja um documento, acarretando substituição

246. Rec. 117.778, Ac. 301-28625, de 10-12-1997. Segundo Edmar Oliveira Andrade
Neto, “qualquer documento de procedência estrangeira para produzir efeitos legais
no País e para valer contra terceiros e em repartições da União, dos Estados, do Dis-
trito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou
tribunal, deve ser vertido em vernáculo. Além disso, deve ser legalizado em seu país
de origem, ou seja, notarizado, consularizado e registrado em Cartório de Registro
de Títulos e Documentos. Tais exigências decorrem do disposto no art. 224 do Códi-
go Civil de 2002 (correspondente ao art. 140 do Código Civil de 1916); no artigo 157
do Código de Processo Civil, e no item 6° do art. 129 e no artigo 148, ambos da Lei
6.015/73. Cabe mencionar, por outro lado, que o Regulamento do Tradutor Público,
expedido com o Decreto 13.609, de 21 de outubro de 1943, dispõe, em seu art. 18, que
nenhum livro, documento ou papel de qualquer natureza que for exarado em idioma
estrangeiro, produzirá efeito em repartições da União, dos Estados ou dos Municí-
pios, em qualquer instância, Juízo ou Tribunal ou entidades mantidas, fiscalizadas
ou orientadas pelos poderes públicos, sem ser acompanhado da respectiva tradu-
ção” (IRPJ: validade jurídica de documento emitido em língua estrangeira).
247. Tratado de la prueba, v. 1, p. 363.

148
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

do suporte em papel pelo suporte óptico ou magnético, bem


como da grafia tradicional pelos campos eletrônicos. Até mes-
mo a corriqueira forma de subscrição tem sido substituída
por uma assinatura eletrônica. Nesse sentido, o suporte docu-
mental é contingente, situação esta reconhecida pelo Código
Civil, em seu art. 225:

As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fo-


nográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas
ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes,
se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a
exatidão248.

O chamado documento eletrônico não apresenta


dificuldades quanto à sua caracterização como documento
em si. Os problemas envolvendo sua aceitabilidade dizem
respeito ao modo de garantir a fidelidade, questão esta que
não é exclusiva dessa peculiar modalidade documental, visto
que a possibilidade de falsificação é inerente a quaisquer
documentos. No âmbito da informática, ao contrário do que se
afirma comumente, há meios de controle rígidos e confiáveis.
As assinaturas eletrônica e digital são exemplos desses meios.
Trata-se de códigos que permitem identificação eficiente e
segura, servindo como forma de autenticação que individualiza
o autor do ato.
É pela assinatura eletrônica – uma espécie de senha – que
os sujeitos são identificados, permitindo que estes ingressem
no sistema de um computador ou em um programa de infor-
mática, enviem mensagens por correio eletrônico ou acessem
páginas na Internet. Já a assinatura digital apresenta-se como
algo mais complexo e também mais seguro, que se opera me-
diante códigos privados e códigos públicos inter-relacionados.
Na assinatura digital emissor e receptor criam seu próprio códi-
go particular, que só eles conhecem e guardam. Além disso, cada
um registra, ante a autoridade certificadora, seu código público.

248. Semelhante é a prescrição veiculada pelo Código de Processo Civil, em seu art. 422.

149
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Mediante o uso do código particular o emissor criptografa a


mensagem no código público e o envia ao receptor; este, ao re-
ceber a mensagem, verifica perante a autoridade certificadora o
código público do emissor e a inalterabilidade do seu conteúdo e
o descriptografa por meio de seu código privado, fazendo-o com
o auxílio de programas instalados em seu computador. O êxito
do sistema está na confiança que os usuários têm na autoridade
certificante, que é a controladora e administradora dos códigos
públicos e que garante a segurança do tráfego de mensagens.
Em síntese, a assinatura digital consiste na aplicação, a
um documento eletrônico, de procedimento matemático que
requer informação de exclusivo conhecimento daquele que o
assina. Essa sistemática é submetida a um rígido controle, pos-
sibilitando que a assinatura digital seja susceptível de verifica-
ção por terceiros, permitindo identificar o sujeito que assina,
bem como qualquer alteração efetuada no documento após ter
sido assinado. Para que tenha valor como prova, o documento
digital deve ter sido submetido a esse trâmite. Por esse moti-
vo, dada a sua peculiar forma e requisitos de constituição, essa
espécie documental requer, muitas vezes, uma sobreprova, a
qual se realiza na forma de laudo pericial, certificando obser-
vância à sistemática de controle de fidelidade do conteúdo e de
autenticidade.

4.4.3.1 Emprego da prova em meio eletrônico na esfera


tributária e o uso de ata notarial

É interessante, nesta oportunidade, tecer breves comen-


tários sobre os requisitos de aceitabilidade dos arquivos mag-
néticos como provas tributárias. Assinala Mary Elbe Queiroz249
que o vocábulo documento abrange tudo aquilo que registra
um fato, independentemente do meio que se apresenta ou se

249. Processo administrativo tributário. Mesa de debates “A”. Revista de Direito Tri-
butário n. 87, p. 32.

150
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

revela. Logo, perfeitamente possível falar em documento ele-


trônico, bem como na sua utilização como instrumento proba-
tório, desde que tomadas as devidas precauções para assegu-
rar a integridade da informação digital.
Atualmente, grande parte dos contribuintes realiza sua es-
crituração em meio eletrônico, devendo a colheita desses da-
dos pelo Fisco ser efetuada com cautela, dada a sua fragilidade
e possibilidade de adulteração em seu conteúdo. É necessário
que os elementos constantes de arquivos magnéticos venham
a ser reproduzidos em disquetes que serão lacrados e abertos
somente na presença do contribuinte ou testemunha, devendo
o acesso a esses dados dar-se, também, diante do sujeito pas-
sivo ou de seu representante legal. Outra possibilidade, mais
objetiva e, por conseguinte, com menor grau de refutabilidade,
consiste na utilização de aplicativo de autenticação eletrônica
desses arquivos. Não sendo adotado nenhum desses procedi-
mentos, inadmissível a aceitação dos arquivos como provas,
pois, como leciona Paulo de Barros Carvalho250, “para que o do-
cumento seja eficaz como meio de prova é indispensável que
haja sido subscrito pelo autor, além de que, naturalmente, as-
suma foros de autenticidade”. A utilização de enunciados que
tenham o meio magnético como suporte físico exige, portanto,
medidas acautelatórias que impeçam qualquer espécie de adul-
teração, preservando o conteúdo e assegurando sua autoria.
Paralelamente a isso, atualmente vivenciamos momento
de informatização dos sistemas não só dos contribuintes, como
também das Fazendas Públicas. Muitas vezes, para o contri-
buinte desempenhar determinado direito que lhe é assegurado
pela lei tributária, precisa inserir seus dados em um sistema in-
formatizado, para, então, ver processados seus requerimentos
ou até mesmo para cumprir deveres perante o Fisco. Surge, as-
sim, uma nova problemática: como proceder nas hipóteses em

250. A prova no procedimento administrativo tributário. Revista Dialética de Direi-


to Tributário n. 34, p. 109.

151
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

que o sistema informatizado da administração pública apresen-


te algum erro, impossibilitando o contribuinte de exercer seu
direito ou de cumprir um dever?
Parece-nos que o uso da ata notarial, prevista no art. 384
do CPC/2015251, pode ser de extrema utilidade. Trata-se, segun-
do anotam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart252,
de prova documental cujo emprego vem crescendo dos últimos
tempos, tendo sido utilizada, com frequência, para a prova de
fatos ocorridos na internet. A ata notarial está prevista no art.
7°, III, da Lei 8.935/94, configurando-se como instrumento pú-
blico por meio do qual o notário certifica a ocorrência de um
fato por ele presenciado. Desse modo, presta-se para documen-
tar, dentre outras situações, aquelas constantes de sistemas
informatizados.

4.4.4 Atos processados em juízo

O Código Civil de 1916, ao relacionar os meios de prova,


fazia referência a atos processados em juízo. Acertadamente,
tal indicação não foi repetida no atual Código Civil brasileiro.
É que os atos processados em juízo são transportados ao cor-
po de outro processo na forma de documentos, não deixando
de configurar, portanto, prova documental, como se depreen-
de do seu art. 218:

Os translados e as certidões considerar-se-ão instrumentos pú-


blicos, se os originais se houverem produzido em juízo como pro-
va de algum ato.

Atos processados em juízo são aqueles praticados no


bojo de um processo, como é caso dos termos judiciais, cartas

251. “Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou
documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.
Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos
eletrônicos poderão constar da ata notarial.”
252. Prova e convicção, p. 429.

152
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

de arrematação, formais de partilha, alvarás, mandados ex-


pedidos pelos juízes, além de provas produzidas nos autos.
Como tais atos foram realizados em processo findo, ficando
documentados nos autos, poderão ser validamente aprovei-
tados em outros processos, por meio de traslados, servindo
como prova.
Na doutrina processual, a prova produzida em autos di-
versos é denominada prova emprestada e sua eficácia proban-
te varia de acordo com o modo de sua formação. Prova em-
prestada, nas palavras de Ada Pellegrini Grinover253, é “aquela
que é produzida num processo para nele gerar efeitos, sendo
depois transportada documentalmente para outro, visando a
gerar efeitos em processo distinto”. Em geral, tais efeitos são
admitidos se a prova que se translada foi produzida em outro
processo envolvendo as mesmas partes, pois na hipótese con-
trária, tendo apenas um dos sujeitos participado da produção
da prova no primeiro processo, não poderá ela ser empregada
em detrimento da outra, que não teve oportunidade de inter-
ferir na sua constituição.
No que diz respeito à sua valoração, cumpre ao julgador
do processo, ao qual o documento transladado foi juntado,
apreciá-la no contexto da nova relação processual, servindo
essa espécie de prova documental como um dos elementos
de convicção. Sua força probatória não é, necessariamente,
a mesma que lhe foi atribuída nos autos em que ocorreu sua
produção originária, sendo o julgador livre para valorá-la.

4.4.4.1 “Prova emprestada” em matéria tributária

A figura da prova emprestada assume, no âmbito tributá-


rio, duas acepções: (i) aquela inerente ao direito processual ci-
vil, consistente na construção de uma nova prova, idêntica à já
produzida em outro processo envolvendo as mesmas partes,
como referido no subitem precedente; e (ii) as informações

253. O processo em evolução, p. 62.

153
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

fornecidas por qualquer das Fazendas Públicas, obtidas por


meio de procedimentos fiscalizatórios por elas realizados.
Considerada a prova emprestada no primeiro sentido, que
denominamos prova emprestada processual, esta caracteriza
uma prova de forte valor axiológico, produzindo os corres-
pondentes efeitos, sujeitando-se à apreciação do julgador no
contexto probatório e atuando como elemento para forma-
ção de seu convencimento. A expressão prova emprestada
tributária, por seu turno, costuma ser empregada para de-
signar a segunda das acepções supra, nos termos prescritos
pelo art. 199, caput, do CTN:

A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e


dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscali-
zação dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma
estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.

Expressa referência à prova emprestada processual apli-


cada à esfera tributária é observada no Decreto 70.235/72, que
regula o processo administrativo tributário federal. Esse Di-
ploma Normativo prescreve, em seu art. 30, §3°, a atribuição
de eficácia aos laudos e pareceres técnicos sobre produtos,
realizados pelo Laboratório Nacional de Análises, Instituto
Nacional de Tecnologia ou órgão federal congênere, exarados
em outros processos administrativos e fiscais, transladados
mediante certidão de inteiro teor ou cópia fiel, “a) quando
tratarem de produtos originários do mesmo fabricante, com
igual denominação, marca e especificação; b) quando trata-
rem de máquinas, aparelhos, equipamentos, veículos e outros
produtos complexos de fabricação em série, do mesmo fabri-
cante, com iguais especificações, marca e modelo”.
A despeito do silêncio do legislador, que não costuma
impor requisitos procedimentais à utilização da prova em-
prestada, a esta se aplicam as exigências processuais ineren-
tes a essa modalidade probatória, fazendo-se necessário que
(i) a prova tenha sido produzida em processo envolvendo as
mesmas partes; (ii) na produção da prova, cujo conteúdo se

154
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

pretende transladar, tenham sido observadas as formalidades


estabelecidas em lei; e (iii) haja identidade entre o fato pro-
bando do primeiro e o do segundo processo254.
Quanto ao segundo tipo de prova emprestada, é preci-
so esclarecer que esta não configura, jamais, prova plena do
fato jurídico em sentido estrito. A informação advinda do
órgão fazendário de outra pessoa política não é suficiente
para, por si só, provar fato jurídico ou ilícito tributário, auto-
rizando a lavratura de ato de lançamento ou de aplicação de
penalidade. É inadmissível a edição de norma individual e
concreta, constituidora de relação jurídica tributária ou san-
cionatória, com base, unicamente, em dados passados por
ente tributante diverso. Essa é também a posição de Paulo
de Barros Carvalho255, negando à prova emprestada tributá-
ria os efeitos peculiares à prova emprestada de direito pro-
cessual civil: “Não se admite, porém, que uma Fazenda Pú-
blica se utilize dos dados levantados e a ela informados por
outra Fazenda para fins de autuação de contribuintes, como
se fosse uma prova emprestada. Haja vista que a informação
recebida não possui valor probatório, a Fazenda, baseada em
tais dados, deve proceder à fiscalização e instaurar o devido
processo administrativo”.
Não pode o Fisco Federal, por exemplo, valer-se de auto
de infração lavrado pela Fazenda Estadual para imputar
omissão de receitas a determinado contribuinte. A partir das
informações fornecidas pelo Estado, compete à União proce-
der a investigações próprias, produzindo provas que permi-
tam concluir pela ocorrência do referido ilícito.
A despeito de amplamente utilizada a prática da autua-
ção fiscal com base em prova emprestada tributária, exige-se
que esta seja tomada como elemento inicial da produção pro-
batória. Considerada isoladamente, não se presta para fun-
damentar a prática de ato administrativo de lançamento ou

254. Lutero Xavier Assunção, Processo administrativo tributário federal, p. 118.


255. Curso de direito tributário, p. 536.

155
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

de aplicação de penalidade, conforme se depreende de reite-


radas decisões em processos administrativos, a exemplo dos
transcritos a seguir:


IRPJ. OMISSÃO DE RECEITA. PROVA EMPRESTADA. A uti-
lização pura e simples da autuação estadual não deve servir para
fins de exigência de crédito tributário relativo ao imposto de ren-
da se não vem complementada por outros exames e averigua-
ções próprias do tributo federal. Recurso provido”256.
“IRPJ. PIS FATURAMENTO. PROVA EMPRESTADA.
A prova emprestada do Fisco Estadual, por si, não justifica a exi-
gência na área federal. Não deve ser admitida lavratura de auto
de infração com base em prova emprestada pelo Fisco Estadual,
quando os elementos carreados aos autos não são suficientes à
verificação da ocorrência do fato gerador do imposto de renda
e à determinação da matéria tributável. Recurso a que se dá
provimento”257.

O Superior Tribunal de Justiça manifestou-se sobre o


assunto, decidindo pela inaceitabilidade de imposição fiscal
fundada exclusivamente em dados fornecidos por ente tribu-
tante diverso:


TRIBUTÁRIO. PROVA EMPRESTADA. FISCO ESTADUAL X
FISCO FEDERAL (ARTS. 7º E 199 DO CTN).
1. A capacidade tributária ativa permite declaração quanto às
atividades administrativas, com a troca de informações e apro-
veitamento de atos de fiscalização entre as entidades estatais
(União, Estados, Distrito Federal e Municípios).
2. A atribuição cooperativa só se perfaz por lei ou convênio.
3. Prova emprestada do Fisco Estadual pela Receita Federal que
se mostra inservível para comprovar omissão de receita.
4. Recurso Especial improvido”258.

256. Conselho de Contribuintes [atual CARF], 7ª Câm., Ac. 107-05.207, Rel. Cons.
Francisco de Assis Vaz Guimarães, DOU de 24-11-1998, p. 15669.
257. Conselho de Contribuintes [atual CARF], 5ª Câm., Ac. 105-13.076, Rel. Cons.
Rosa Maria de Jesus da Silva Costa de Castro, DOU de 27-3-2000, p. 9.
258. REsp 310.210-MG, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, j. 20-8-2002, DJ de 4-11-2002,

156
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Por ocasião da relatoria do Recurso Especial supra, a


Ministra Eliana Calmon consignou não ser possível que o
Fisco Federal, valendo-se de infração lavrada pela Fazenda
Estadual, impute omissão de receita à empresa. Segundo seu
entendimento, “a partir das informações do Fisco Estadual,
poderia haver investigações dirigidas para, com as suas pró-
prias provas, chegar-se à conclusão de que houve omissão de
receitas”259.
Mesmo com o advento da Emenda Constitucional 42/2003,
que acrescentou o inciso XXII ao art. 37 da CRFB/1988, a
conclusão não se altera. Referido preceito estabelece que “as
administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funciona-
mento do Estado, exercidas por servidores de carreira espe-
cíficas, terão recursos prioritários para a realização de suas
atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o com-
partilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma
da lei ou convênio”260, conferindo, assim, status constitucional
ao intercâmbio de dados tributários, observados os requisi-
tos da previsão em lei ou convênio. Isso, entretanto, não au-
toriza o uso de tais informações como único fundamento da
autuação.
A prova emprestada tributária não é bastante para au-
torizar a constituição do fato jurídico ou do ilícito tributário,
bem como dos liames obrigacionais deles decorrentes. Esta
se caracteriza como indício fraco, que deve ser confirma-
do por outros elementos indicativos da ocorrência do fato,

p. 179.
259. Apesar dos robustos argumentos apresentados, verifica-se a existência de deci-
sões administrativas em sentido contrário, favoráveis à autuação baseada exclusiva-
mente em prova emprestada: “IRPJ. SUBFATURAMENTO DE NOTAS FISCAIS.
PROVA EMPRESTADA. Provado no processo do Fisco Estadual que notas fiscais
foram subfaturadas, pode a administração tributária federal aproveitar a comprova-
ção e tributar a base de cálculo correspondente ao imposto de renda pessoa jurídica.
Recurso parcialmente provido” [Conselho de Contribuintes – atual CARF, 6ª Câm.,
Ac. 106-11.875, Rel. Cons. Thaisa Jansen Pereira, DOU de 9-8-2001, p. 40].
260. Destaques nossos.

157
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

prestando-se, portanto, como ponto de partida para o proce-


dimento fiscalizatório por parte da pessoa política que preten-
de dela fazer uso. As informações fornecidas por outro ente
tributante devem somar-se a outras provas, para, só então,
ter-se por provada a ocorrência do fato previsto na hipótese
normativa geral e abstrata.

4.5 Depoimento testemunhal

O depoimento, tomado em sentido lato, alcança tanto


aquele realizado pelas partes [depoimento pessoal] como o de
terceiros [testemunho]. Francesco Carnelutti261 fala em teste-
munha em sentido amplo para aludir à parte e ao terceiro, e em
testemunha em sentido estrito para referir ao terceiro, excluindo
de sua abrangência a parte processual. A esta última é que se
reporta o Código Civil, considerando testemunha a pessoa dis-
tinta dos sujeitos processuais que tenha conhecimento do fato
controvertido262. Isso não impede, entretanto, a possibilidade
de se constituir prova mediante depoimento das partes, tendo
em vista que o direito positivo brasileiro admite todos os meios
de prova obtidos de forma lícita: (i) se o depoimento da parte é
favorável a ela, tem-se prova como argumentação, reforço das
provas já levadas aos autos, metaprova [esclarecimento a res-
peito de outros elementos probatórios por ela apresentados]
ou até mesmo contraprova em relação aos dados oferecidos
pela parte contrária; (ii) se contraditório o depoimento, pode
constituir prova que beneficie o adversário, sendo possível, de-
pendendo do seu conteúdo, caracterizar confissão.
Para que um sujeito possa ser testemunha, é preciso ter
capacidade civil, pois se supõe que a percepção e apropriado
relato dos fatos exigem certo grau de discernimento. Além dos
incapazes, não pode ser testemunha as pessoas impedidas e as
suspeitas, nos termos no art. 447 do CPC/2015. Caso o julgador

261. A prova civil, p. 181.


262. Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 3, p. 395.

158
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

entenda necessário, porém, é admissível que essas pessoas se-


jam ouvidas (§4° do art. 447 do CPC/2015), mas sem caracteri-
zar testemunho, tendo o efeito de meras declarações e devendo
ser cuidadosamente valoradas263. Tais declarações, a nosso ver,
não deixam de ser provas, pois, embora seu valor probatório
possa ser mais fraco, servem como elemento de convicção, in-
terferindo, ainda que de forma tênue, na avaliação do julgador.
A prova testemunhal, como todas as demais, apresenta-se
na forma documental. O modo de sua produção, contudo, é va-
riável. Entendido o depoimento como enunciação, pode reali-
zar-se nas diversas modalidades pelas quais ocorre a transmis-
são de mensagens. A técnica mais comumente empregada é a
oral, com posterior redução desta a termo. Mas, tratando-se de
testemunho instrumental, tido como requisito indispensável à
própria constituição de determinado negócio jurídico, o meio
de sua produção é, desde logo, escrito.
Axiologicamente, o depoimento testemunhal há de ser
examinado no conjunto probatório, verificando se os demais
indícios o confirmam ou não. Conquanto um único testemu-
nho, sozinho, tenha valor probatório fraco, serve como ele-
mento de convicção, não devendo ser simplesmente despreza-
do pelo julgador.

4.5.1 O depoimento testemunhal no âmbito tributário

Além da discussão existente em torno da deficiência desse


meio probatório, decorrente das falhas a que facilmente estão
sujeitas a percepção e a memória humanas, restritíssima é a uti-
lidade prática da oitiva de testemunhas no processo administra-
tivo tributário em virtude de este abranger, na quase totalidade
das vezes, questões de ordem técnica ou contábil, solucionadas
pela análise de documentos e diligências periciais. Isso não

263. §5º do art. 447 do CPC/2015: “Os depoimentos referidos no § 4º serão prestados
independentemente de compromisso, e o juiz lhes atribuirá o valor que possam
merecer”.

159
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

significa, contudo, a imprestabilidade da prova testemunhal no


âmbito tributário. Quando a defesa do contribuinte fundar-se
em atitudes abusivas da fiscalização, por exemplo, recorrer ao
depoimento testemunhal será o meio de demonstrá-lo.
Conquanto não seja usual sua utilização, a prova testemu-
nhal pode ser de extrema importância para a certificação de
determinados acontecimentos, razão por que o administrado,
ao solicitar sua produção, deve fazê-lo de forma justificada, e,
evidenciada sua necessidade, é imperativo o deferimento. Além
de encontrar respaldo no princípio constitucional da ampla de-
fesa, os arts. 16, IV, e 18 do Decreto 70.235/72, ao prescreverem a
realização de diligências, a pedido do contribuinte ou determi-
nada de ofício pela autoridade julgadora de primeira instância,
servem para fundamentar tal realização probatória. O vocábulo
diligência designa a “medida necessária para alcançar um fim,
providência, busca minuciosa, pesquisa, averiguação, investiga-
ção”264, abrangendo, portanto, não apenas a efetivação de exa-
mes periciais, mas todas as iniciativas que possam ser úteis à
comprovação de um fato, tais como verificações ou constatações
pessoais in loco e depoimentos das partes ou de testemunhas265.
Para além disso, vale lembrar que o Código de Processo Ci-
vil de 2015 aplica-se subsidiariamente ao processo administra-
tivo tributário266, sendo que este, em seu art. 442, estipula que:

A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de


modo diverso.

Desta feita, tem-se a admissibilidade da produção de prova


testemunhal nos processos administrativos tributários, sempre

264. Antônio Houaiss, Mauro de Salles Villar e Francisco Manoel de Mello, Dicioná-
rio Houaiss da língua portuguesa, p. 1041.
265. Sobre o assunto, assim manifestou-se o Conselho de Contribuintes [atual CARF]:
“PROVA TESTEMUNHAL. Embora possa de algum modo ser considerada fraca,
mas é prova e pode ser utilizada não só pelo Fisco, mas também pelo contribuinte”
[Ac. 103-13.003, Rel. Cons. Sonia Nacinovic, DOU de 12-12-1997, p. 19131].
266. Art. 15 do CPC/2015: “Na ausência de normas que regulem processos eleito-
rais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplica-
das supletiva e subsidiariamente.”

160
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

que expediente dessa natureza mostrar-se pertinente quanto


aos fatos alegados.
Em semelhante linha de raciocínio, José Eduardo Soares
de Melo267 relata situações fáticas que tornam imprescindíveis
provas testemunhais, como, por exemplo:

- fiscalização relativa ao ICMS conclui que não ocorreu a circula-


ção de determinada mercadoria, e que apenas houve os registros
contábeis de tal circulação com o objetivo de gerar créditos de
uma empresa para outra. Nesse caso, o testemunho do transpor-
tador que realiza a operação de circulação de mercadorias é uma
prova importante porque terá por objetivo demonstrar a ocor-
rência de um evento social que a fiscalização desconheceu.
- a fiscalização se nega a protocolar pedido formulado pelo con-
tribuinte, relativo à remoção de produto importado na zona pri-
mária (aeroporto) para a zona secundária (armazém alfandega-
do), o que pode ser solucionado judicialmente com a declaração
de testemunhas que presenciaram a omissão fazendária.

Por isso, tendo o requerimento de oitiva testemunhal


sido efetuado tempestivamente, e estando motivado de modo
que justifique sua realização, evidenciando sua relevân-
cia para a comprovação de fatos alegados, descabido é seu
indeferimento.

4.6 Exame pericial

A realização de perícia é necessária quando a comple-


xidade da matéria demanda o exame de objetos por pessoas
especializadas. Nesse caso, há o que Leonidas Hengenberg268
denomina saber por procuração ou saber de segunda ordem,
visto que apoiado em conhecimento alheio: o julgador tem
acesso ao fato jurídico em sentido amplo por meio das decla-
rações do perito, entendido como autoridade conhecedora do
assunto analisado.

267. Processo Tributário Administrativo e Judicial, p. 180.


268. Saber de e saber que: alicerces da racionalidade, p. 124.

161
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Para que se faça o exame pericial, é indispensável a pre-


sença dos pressupostos à sua efetivação, qual seja a necessi-
dade de conhecimentos técnicos ou científicos269. Nesse sentido,
cabe ao julgador a função de indeferir postulações meramente
protelatórias [art. 139, III, do CPC/2015], determinando a con-
cretização daquelas que forem fundamentais à instrução do
processo. O estatuto processual impõe, também, o indeferi-
mento do pedido de perícia quando (i) a prova do fato não de-
pender do conhecimento especial de técnico; (ii) for desneces-
sária em vista de outras provas produzidas; ou (iii) a verificação
for impraticável [art. 464 do CPC/2015].
A aplicação de tais dispositivos exige cuidado para que,
a pretexto de cumprir referidas prescrições, não seja tolhida
a liberdade probatória das partes. Há de entender-se inútil
apenas a prova que não diga respeito aos fatos discutidos na
lide, enquanto protelatória é aquela referente a fatos já indu-
bitavelmente demonstrados. A impraticabilidade decorre do
desaparecimento dos vestígios a serem analisados, sendo in-
concebível o indeferimento da realização de perícia com fun-
damento na mera dificuldade de sua concretização. Por isso,
o pedido de exame pericial deve ser sempre motivado, justifi-
cando sua necessidade e praticabilidade.
O Código Civil de 1916 indicava, como meios de prova, o
exame, a vistoria e o arbitramento. No Código Civil vigente,
porém, esses termos foram absorvidos pela noção de perícia
em sentido amplo, a qual, segundo Moacyr Amaral Santos270,
compreende quatro modalidades: (i) exame em sentido estrito:
inspeção, por meio de perito, sobre a pessoa ou coisa móvel ou
semovente para verificação de fatos que interessem à causa; (ii)
vistoria: inspeção, por perito, de coisa imóvel; (iii) arbitramen-
to: exame para determinar o valor da obrigação e de direitos; e
(iv) avaliação: destinada a fixar o justo preço de alguma coisa,
tal como o valor de mercado de bens móveis e imóveis.

269. Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, v. 2, p. 521.


270. Prova judiciária cível e comercial, v. 1, p. 85.

162
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Qualquer que seja a espécie de exame pericial, o respec-


tivo laudo tem de ser fundamentado, justificando as conclusões
exaradas. Essas conclusões, por sua vez, devem responder aos
quesitos formulados pelas partes, inerentes a pontos controver-
tidos da lide e que exijam conhecimento especial. Nelas cabe
ao perito fazer apreciações a respeito dos fatos analisados, sen-
do inaceitável que este, extrapolando sua função, estabeleça as
consequências jurídicas de tais fatos. A missão de determinar a
relação de causalidade normativa compete exclusivamente ao
julgador, a quem incumbe avaliar os dados veiculados no laudo
pericial no contexto em que se encontra inserido, considerando
os demais elementos probatórios carreados aos autos.

4.6.1 Perícia em matéria tributária

A realização de prova pericial é inteiramente compatível


com os processos administrativos tributários, encontrando ex-
pressa previsão no Decreto 70.235/72. Nos termos do seu art.
16, IV, quando o contribuinte tiver interesse na realização de
exames periciais, deve, além de requerê-los expressamente em
sua peça impugnatória, formular os quesitos pertinentes e, na
mesma oportunidade, indicar seu assistente técnico, com a res-
pectiva qualificação e endereço. O pedido, portanto, há de ser
específico, não bastando efetuar mera referência ao assunto,
de maneira genérica: é preciso indicar, de modo pormenoriza-
do, o elemento fático que se pretende ver examinado.
Efetuado o requerimento no tempo e forma legais, pres-
creve o art. 18 daquele diploma normativo que:

A autoridade julgadora de primeira instância determinará, de


ofício ou a requerimento do impugnante, a realização de diligên-
cias ou perícias, quando entendê-las necessárias, indeferindo as
que considerar prescindíveis ou impraticáveis [...].

A partir de tal dispositivo, entendem alguns ser discri-


cionário o poder de dispor sobre a realização ou não dessa

163
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

espécie de diligência271. Há autores, como Aurélio Pitanga


Seixas Filho272, que chegam a afirmar que o exame pericial
não é meio de prova, mas simples “meio de percepção, isto é,
uma forma da autoridade aplicadora da lei tomar conheci-
mento, ou ter uma percepção, da realidade, através do pa-
recer ou laudo, fornecido por um técnico, ou especialista na
matéria fática em discussão”, não possuindo o contribuinte
direito subjetivo à efetivação de perícia, devendo sujeitar-se
ao que for decidido pela autoridade administrativa. Esse é o
posicionamento, também, de Lutero Xavier Assunção273, as-
severando que:

A autoridade preparadora pode indeferir o requerimento de di-


ligências ou perícia, sem cometer cerceamento de defesa, seme-
lhantemente ao juiz no processo civil, que pode indeferir as dili-
gências inúteis ou meramente procrastinatórias [CPC/2015, art.
139, III274] e a perícia desnecessária ou impraticável (CPC/2015,
art. 464, §1°)275.

Da própria justificativa exposta por esse autor, contudo,


é possível chegar à conclusão diversa: o ato administrativo
que defere ou indefere a realização de exame pericial é ato
vinculado.
Discricionariedade, na lição de Celso Antônio Bandeira
de Mello276, consiste na:

271. Diversas são as decisões do Conselho de Contribuintes [atual CARF] que


chegam a conclusão semelhante, a exemplo da transcrita a seguir: “PERÍCIA. LI-
BERDADE DA AUTORIDADE JULGADORA. A autoridade julgadora administra-
tiva é livre em seu consentimento para conceder ou denegar a feitura de prova peri-
cial, desde que bem fundamentada sua decisão” [Ac. 201-70.153, Rel. Cons. Jorge
Olmiro Lock Freire, DOU de 6-8-1996, p. 14711].
272. A prova pericial no processo administrativo tributário. Processo administrativo
fiscal, v. 1, p. 14.
273. Processo administrativo tributário federal, p. 96.
274. Art. 139, III, do CPC/2015.
275. Art. 464, §1°, do CPC/2015.
276. Curso de direito administrativo, p. 855.

164
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

margem de liberdade que remanesça ao administrador para


eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um,
dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis perante cada
caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução
mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por for-
ça da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida
no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma
solução unívoca para a situação vertente.

Quando, diversamente, a expedição do ato não se ope-


ra dentro de campo susceptível de escolha, uma vez que a
legislação predetermina seu teor caso atendidas as especifi-
cações por ela fixadas, tem-se o chamado ato administrativo
vinculado277.
Na situação ora examinada, o conceito de prescin-
dibilidade e impraticabilidade são extremamente vagos,
demandando certo grau de subjetividade. Isso não
significa, todavia, que o ato decisório seja discricionário,
pois toda interpretação, como construção de sentido que é,
exige ato de valoração por parte do intérprete. Apenas no
âmbito interpretativo, portanto, tem a autoridade julgadora
liberdade de atuação: não se caracterizando o exame
pericial como prescindível ou impraticável, é imperativo
seu deferimento. Nesse sentido é também a disposição do
art. 370, parágrafo único, do CPC/20152015, nos termos do
qual:

O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inú-


teis ou meramente protelatórias [destaquei].

Por esse motivo, é nula a decisão administrativa que


indefere pedido de exame pericial sem motivá-lo de forma
apropriada, reconhecendo uma das hipóteses previstas na
legislação278.

277. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, p. 174.


278. “NORMAS PROCESSUAIS. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓ-
RIO E DA AMPLA DEFESA. NULIDADE. Manifestando-se o autuante após a im-
pugnação, deve ser dada ciência dessa manifestação ao contribuinte, com abertura

165
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Advém, então, a seguinte pergunta: que é perícia prescin-


dível ou impraticável? Quando uma diligência apresenta-se
como inútil ou protelatória?
A perícia mostra-se prescindível, inútil ou protelatória
quando o fato que se pretende demonstrar com ela é irre-
levante, por não interferir no desenvolvimento da relação
jurídica. Tem-se caracterizada a prescindibilidade também
na hipótese de o fato que se deseja comprovar já estar su-
ficientemente demonstrado, advertindo Hugo de Brito Ma-
chado279, porém, para a circunstância de que não se pode con-
siderar prescindível exame pericial destinado a provar fato
favorável ao contribuinte em razão de entender a autoridade
julgadora pela existência de prova cabal em sentido contrário,
prejudicial ao sujeito passivo.
Impraticável, por sua vez, é a perícia de impossível reali-
zação, quer por terem os vestígios desaparecido, por não exis-
tir técnica que permita identificar as peculiaridades fáticas
que se pretende averiguar, ou pela ausência de determinação
do objeto do exame pericial. A impraticabilidade não se con-
funde com a mera dificuldade de realização, motivo pelo qual
esta não pode ser alegada em virtude de inexistir, nos quadros
da Administração, pessoa habilitada para cumprir a tarefa, e,
muito menos, em razão da falta de verba para o respectivo
custeio.
Inocorrendo quaisquer dessas hipóteses, há de ser defe-
rida a realização da perícia ou diligência pleiteada, cujo laudo
assume grande relevância para fins de formação do conven-
cimento do julgador. O Código Processual Civil de 2015, de

de prazo para sobre ela se manifestar, em atenção aos princípios do contraditório e


da ampla defesa. Da mesma forma, a falta de manifestação expressa e fundamenta-
da do indeferimento de pedido de perícia formulado de acordo com as normas que
o regem macula de nulidade a decisão. Processo que se anula a partir da manifesta-
ção fiscal posterior à impugnação, inclusive” [Antigo 1º Conselho de Contribuintes
– atual CARF, Ac. 101-93294, Rel. Cons. Sandra Maria Faroni, j. 5-12-2000].
279. O devido processo legal administrativo tributário e o mandado de segurança,
in Processo administrativo fiscal, v. 1, p. 84.

166
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

aplicação subsidiária e supletiva aos processos administra-


tivos tributários, estipula que “O juiz aplicará as regras de
experiência comum subministradas pela observação do que
ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência
técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial” (art.
375 do CPC/2015). Com tais dizeres, veda que a autoridade
julgadora desconsidere as conclusões postas em laudo peri-
cial, pelo motivo de com elas não concordar. Trata-se de lin-
guagem produzida por profissional especializado e habilitado
para tanto, sendo considerada, por isso mesmo, apta para cer-
tificar os fatos cuja análise demanda conhecimento específico
do perito. Caso o julgador considere que o teor do referido
laudo seja insuficiente, inidôneo ou inexato, não lhe cabe su-
prir tais deficiências, com carecer-lhe do respectivo conheci-
mento especializado. Há de, nem tais hipóteses, determinar
a realização de nova perícia ou diligência, objetivando que se
esclareçam as contradições ou obscuridades constantes do
primeiro laudo.

4.7 Presunção

Os indícios e as presunções são considerados modalida-


de de prova indireta, em que, a partir de um fato provado,
chega-se, ao fato principal, que se deseja demonstrar. Indí-
cio, esclarece Maria Rita Ferragut280, “é todo vestígio, indica-
ção, sinal, circunstância e fato conhecido apto a nos levar, por
meio do raciocínio indutivo, ao conhecimento de outro fato,
não conhecido diretamente”. Quanto à presunção, é defini-
da por Paulo de Barros Carvalho281 como “o resultado lógi-
co, mediante o qual do fato conhecido, cuja existência é cer-
ta, infere-se o fato desconhecido ou duvidoso, cuja existência
é, simplesmente, provável”. De tais definições depreende-se
que indícios e presunções não são espécies distintas de prova,

280. Presunções no direito tributário, p. 50.


281. A prova no procedimento administrativo tributário. Revista Dialética de Direi-
to Tributário n. 34, p. 109.

167
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

mas dois elementos necessários à produção do fato jurídico


em sentido amplo: indício é um fato (F’), caracterizando prova
de um evento (E’), que, conquanto não seja imediatamente
referido pela proposição que se pretende comprovar (F”), a
ela nos remete por meio de uma operação mental presuntiva.
Não existe, portanto, sinonímia perfeita entre indício e pre-
sunção. Embora a presença concomitante de ambos seja indis-
pensável, existindo área semântica comum ao indício e à pre-
sunção, há diferença entre eles282. Eventual confusão entre as
figuras do indício e da presunção decorre, segundo Malatesta283,
da indiscriminada aplicação de significados vulgares das pala-
vras aos termos utilizados no âmbito jurídico. Assim, enquanto
a linguagem comum confere à presunção um sentido geral e in-
determinado, cabe ao cientista destrinçar, das sínteses iniciais e
confusas do senso comum, noções analíticas, claras e precisas.
Efetuando tal distinção, tomamos o indício como o ponto de
partida para fins de se estabelecer uma presunção. Nas palavras
de Antonio Dellepiane284, indício é “todo rastro, vestígio, pegada,
circunstância e, em geral, todo fato conhecido, ou melhor dito,
devidamente comprovado, susceptível de levar-nos, por via de
inferência, ao conhecimento de outros fatos desconhecidos”; ou,
como prefere Pontes de Miranda285, “o fato ou parte do fato cer-
to, que se liga a outro fato que se tem de provar”.

282. Sobre o assunto, precisos são os esclarecimentos de Paulo de Barros Carvalho


[Teoria da prova e o fato jurídico tributário. Apostila do Programa de Pós-Graduação
em Direito [Mestrado e Doutorado] da USP e da PUC/ SP]: “Na verdade, os termos
prova, presunção e indício, tirando aspectos secundários próprios, que vão deter-
minar algumas diferenças nos correspondentes campos de significação, têm nú-
cleos semânticos semelhantes. Não se pode conceber prova sem que tenhamos um
enunciado factual que presuma a ocorrência de outro. Da mesma forma, o fato pro-
va será sempre um indício do fato provado. Prova, presunção e indício são palavras
que se implicam mutuamente no mundo das significações”.
283. A lógica das provas em matéria criminal, p. 192.
284. Nova teoria da prova, p. 77.
285. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, p. 421.

168
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Disso podemos concluir que toda prova é um fato que


faz presumir a ocorrência de um evento. Toda prova aparece
como um indício, capaz de acarretar uma presunção. Isso
porque, sendo a verdade absoluta algo intangível, visto que
não se tem, jamais, acesso ao acontecimento-em-si, a prova
carreada aos autos não passa de indício, a partir do qual se
realiza operação lógica que leve à conclusão acerca da ocor-
rência ou inocorrência de determinado fato jurídico em sen-
tido estrito.
Nessa sistemática identifica-se a figura da presunção,
considerada ora a operação mental, ora o resultado desta286.
Adotando esta última concepção, afirma Carnelutti287 ser a
presunção “o resultado [do uso] de um argumento que não
fornece a plena certeza, senão a inclinação à certeza ou o
princípio de certeza de um fato”. No mesmo sentido manifes-
tam-se José Eduardo Soares de Melo288, que define presun-
ção como “o resultado do processo lógico, mediante o qual
do fato conhecido, cuja existência é certa, infere-se o fato
desconhecido ou duvidoso, cuja existência é provável”, En-
rique M. Falcón289, para quem a presunção é a consequência
do silogismo, do qual os indícios se apresentam como pre-
missas, e Paulo Celso B. Bonilha290, segundo o qual presun-
ção é “o resultado do raciocínio do julgador, que se guia nos
conhecimentos gerais universalmente aceitos e por aquilo
que ordinariamente acontece para chegar ao conhecimento
do fato probando”.
A despeito da renomada corrente doutrinária em sentido
contrário, não vemos a presunção como resultado da ativida-
de mental do julgador. Para nós, esta é a própria operação

286. Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil, v. 1, p. 582, chama indício à causa ou meio
de se chegar a uma presunção, que é o resultado.
287. A prova civil, p. 120.
288. Presunções no direito tributário, in Caderno de pesquisas tributárias, v. 9, p. 336.
289. Tratado de la prueba, v. 1, p. 116.
290. Da prova no processo administrativo tributário, p. 92.

169
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

intelectual que estabelece relação de causalidade entre o


fato indiciário e o fato probando291, como manifestado por
Pontes de Miranda292: “A presunção não é meio de prova,
nem dá motivos de prova. É atividade do intérprete, do juiz,
ao examinar as provas”. É o juízo pelo qual, a partir da veri-
ficação de sinais, decide-se sobre a ocorrência de um fato293.
Nessa esteira, apresenta-se o indício como premissa – fato
conhecido e objetivado –, sendo presunção o vínculo impli-
cacional que dele decorre, chegando-se à conclusão, que é o
fato presumido.
Sobre a natureza dessa operação mental que liga o in-
dício ao fato probando, Santiago López Moreno294 sustenta
tratar-se de indução, diversamente da maioria dos doutrina-
dores, que veem nesse relacionamento uma forma de dedu-
ção. Ocorre que na indução parte-se de situações particulares
para concluir sobre algo geral: vejo um cisne branco, outro e
mais outro, chegando a ponto de construir teoria segundo a
qual todos os cisnes seriam brancos. Essa forma de raciocínio
apresenta evidente debilidade, uma vez que a particularidade
dos fatos, por mais numerosos que sejam, não é apta a justifi-
car a universalidade de uma assertiva: o fato de que eu tenha
visto dez mil cisnes brancos não me permite concluir que to-
dos os cisnes sejam brancos295.
A dedução, por sua vez, é exatamente o oposto: parte do
geral em direção ao particular. Consiste no raciocínio pelo
qual, de uma ou mais proposições conhecidas, conclui-se uma
proposição desconhecida: das premissas chega-se até as con-
sequências, sendo regida por regras universais de inferência,

291. Aires F. Barreto e Cléber Giardino, Presunções no direito tributário, in Cader-


no de pesquisas tributárias, v. 9, p. 186.
292. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, p. 424.
293. Luís César Souza de Queiroz, Sujeição passiva tributária, p. 239.
294. Principios fundamentales del procedimiento civil y criminal, v. 2, p. 307.
295. André Comte-Sponville, Diccionario filosófico, p. 138.

170
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

tais como modus ponens e modus tollens296. No modus ponens,


tomada uma assertiva condicional (p→q), da afirmação da
proposição antecedente “p” infere-se o consequente “q”, de
modo que [ (p→q) . p ] → q. Dito de outro modo, se afirmo “se
‘p’, então ‘q’” e também certifico “p”, é de admitir a verdade
de “q”297. Em contrapartida, no modus tollens, considerada a
assertiva condicional (p→q), a negação do consequente “q”
implica a negativa do antecedente “p”: (p→q). (-q)] → (-p).
Corresponde a dedução, portanto, à atividade presuntiva de
que falamos, operando-se mediante implicação, nos moldes
das regras lógicas ora referidas.
Entende Antonio Dellepiane298, porém, que não seria ri-
gorosamente exato dizer que a inferência indiciária é sem-
pre uma dedução rigorosa, pois na maior parte dos casos ela
constituiria somente uma inferência analógica, consistente
em uma dedução apoiada em inferência indutiva prévia299.
Ocorre que, como esclarece Mario Bunge300, as chamadas in-
ferências analógicas e indutivas, espécies de inferências abs-
trativas, não se prestam a coisa alguma, tendo em vista que
nenhuma das duas está sujeita a regras estritas. Inexistindo

296. Mario Bunge, Dicionário de filosofia, p. 95.


297. Delia Teresa Echave, Maria Eugenia Urquijo e Ricardo A. Guibourg, Lógica,
proposición y norma, p. 104. Ao considerar a regra lógica do modus ponens, importa
notar que sua aplicação permite inferir o consequente apenas se aceita, previamen-
te, a correspondente regra inferencial.
298. Nova teoria da prova, p. 80. “Em verdade, na inferência indiciária, a lei que lhe
serve de fundamento, que constitui a premissa maior do silogismo correspondente,
não é sempre uma lei cientificamente comprovada e de um caráter necessário, se-
não que uma lei empírica, uma generalização fornecida pela experiência, um prin-
cípio de senso comum, cujo caráter é contingente. Que o autor de um crime foge ou
se oculta depois de cometê-lo e, reciprocamente, que todo aquele que foge ou se
oculta o faz porque cometeu um delito, são verdades gerais e constantes. Daí, entre-
tanto, se deduz uma generalização: aquele que foge ou se oculta é um criminoso; e
esta generalização serve de premissa para estabelecer que um determinado sujeito
é autor de um delito”.
299. Semelhante é o posicionamento de Liz Colli Cabral Nogueira, para quem as
presunções seriam fundadas em induções lógicas [As ficções jurídicas no direito
tributário brasileiro, in Direito tributário, p. 252].
300. Dicionário de filosofia, p. 195.

171
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

uma suposta lógica analógica ou lógica indutiva, apenas oca-


sionalmente as analogias e induções sugerem generalizações
verdadeiras. É a inferência dedutiva, portanto, a forma lógi-
ca que oferece os recursos mais apropriados à construção de
conclusões a partir dos indícios.

4.7.1 Classificação das presunções

A operação lógica que se faz a partir do indício pode as-


sumir a qualidade de (i) presunção simples ou hominis, sen-
do construída pelo aplicador do direito, segundo sua própria
convicção; ou de (ii) presunção legal ou legis, elaborada tam-
bém pelo ser humano, mas expressamente determinada em
lei. Nessa segunda hipótese, o raciocínio dedutivo figura no
âmbito pré-legislativo, de modo que, após introduzido no or-
denamento, impõe uma relação artificial entre um fato F’,
provado, e o fato probando F”.
Tal classificação das presunções, em legais e hominis, não
se mostra, contudo, a mais apropriada. Em última instância,
toda presunção é legal, pois, como anota Maria Rita Ferra-
gut301, “a presunção hominis, muito embora pressuponha uma
relação lógica realizada pelo aplicador do direito a partir de
regras da experiência, só se torna juridicamente relevante a
partir do momento em que for vertida em linguagem compe-
tente, vale dizer, quando o aplicador expedir enunciado indi-
vidual e concreto que contemple essa operação”. Além disso,
vista da perspectiva do fundamento de validade, a chamada
presunção hominis, assim como a legal, encontra-se prevista
em norma jurídica geral e abstrata. O Código Processual Civil
de 2015, ao autorizar ao julgador a livre apreciação da pro-
va, com base nela formando seu convencimento, e indepen-
dentemente de quem a tiver produzido (art. 369 c/c art. 371),
está, de certa forma, a prescrever a adoção da presunção
hominis. O art. 375 do mesmo diploma legislativo vai além,

301. Presunções no direito tributário, p. 65.

172
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

expressamente permitindo que o juiz aplique as regras da


experiência comum.
A distinção entre presunção legal e presunção simples
não está, propriamente, na existência ou ausência de previsão
em norma geral e abstrata, mas no modal deôntico que atinge
o vínculo implicacional entre fato provado e fato presumido.
A chamada presunção legal, esclarece Antonio Dellepiane302,
“não é outra coisa que a determinação legal pela qual se man-
da haver por estabelecido algum fato sempre que outro fato
indicador do primeiro haja sido suficientemente provado”.
Provado o fato indiciário, a conclusão acerca do fato presumi-
do é imposta. Está o aplicador da norma obrigado a certificar
a ocorrência do fato presumido sempre que o fato presuntivo
ficar caracterizado. Já na presunção hominis a relação que
se estabelece em decorrência do fato presuntivo apresenta-
-se deonticamente modalizada pela permissão: provado o fato
indiciário, está o aplicador autorizado a concluir [presumir]
acerca da ocorrência ou não do fato probando, constituindo o
fato jurídico em sentido estrito [fato presumido].
As chamadas presunções legais são subdivididas, por sua
vez, em três tipos: (i) absolutas ou jure et de jure, visto que não
admitem prova em contrário; (ii) relativas ou juris tantum, po-
dendo ser ilididas pela comprovação de que o fato ocorrido é
diverso do presumido; e (iii) mistas ou intermediárias, em que
a lei determina que somente alguns específicos meios de prova
são capazes de a elas sobrepor-se.
Referida subdivisão não escapa a críticas, por confundir
realidades jurídicas distintas. A chamada presunção absoluta
nada tem de presunção, pois, ao inadmitir prova em contrá-
rio, caracteriza-se como verdadeira disposição legal de ordem
substantiva que prescreve determinada consequência jurídi-
ca em função de específico acontecimento factual, previsto
na hipótese. O raciocínio presuntivo está presente apenas na
fase pré-jurídica, em que os membros do Poder Legislativo,

302. Nova teoria da prova, p. 132.

173
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

observando o que ordinariamente acontece, criam normas


gerais e abstratas, prescrevendo ao aplicador da lei que reco-
nheça, sempre que provada a existência de certo fato, e inde-
pendentemente da produção de provas em contrário à exis-
tência do fato que se quer provar, um outro fato. Nesse ponto,
esclarece Maria Rita Ferragut303, reside o problema, que des-
qualifica a regra como espécie de presunção: “o fato jurídico
que deveria ser meramente processual transforma-se em fato
jurídico material, deixando a presunção, com isso, de contem-
plar uma probabilidade para veicular uma verdade jurídica
necessária. Isso sem mencionar que, se a ocorrência do fato
indiciário implica necessariamente a verdade do fato indicia-
do, os efeitos jurídicos deste derivam automaticamente da
constatação [em linguagem competente] da ocorrência dos
indícios, independentemente da verdade empírica do evento
descrito no fato implicado”. Tal realidade apresenta-se com-
pletamente distinta da presunção, em que, pela produção da
prova de um fato se tem como certa, por meio de operação
lógica presuntiva, a ocorrência de outro fato. Apenas se a re-
lação entre o fato conhecido e o fato que se deseja provar for
de probabilidade teremos a figura da presunção.
A denominação presunção mista também não se mostra
apropriada, pois inexiste uma categoria lógica que medeie o
absoluto e o relativo. Tudo o que não seja absoluto apresenta
o caráter da relatividade. A distinção que poderia existir seria
apenas quanto ao modo de ilidir o fato presumido: (i) fazendo
uso de quaisquer meios de prova; ou (ii) pela produção de
provas especificamente indicadas.

4.7.2 Indícios e suas espécies

É corrente a distinção entre indício e prova em função


do grau de convicção que o fato provado acarrete no julga-
dor: seria prova quando levar à certeza, e indício se dele

303. Presunções no direito tributário, p. 64.

174
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

decorrer mera possibilidade. Só haverá certeza sobre a ve-


racidade ou não de um fato, porém, se sua ocorrência for
necessária ou impossível. Em todas as demais hipóteses, es-
taremos sempre diante de meras probabilidades, cuja força
varia conforme o número de indícios favoráveis e contrários,
firmando-se, em nome da segurança jurídica, uma certeza
no direito. A decisão do julgador é que determinará se ocor-
reu ou não determinado fato e essa será a verdade jurídica.
Por tal razão, conclui Francesco Carnelutti304 que a certeza é
também alcançada pelas presunções estabelecidas a partir
de indícios: “se com certeza se designa a satisfação do juiz
acerca do grau de verossimilitude, não cabe negar que se ob-
tém inclusive com as fontes de presunção, posto que, se não
a obtivesse, não poderia jamais considerar provado o juiz
um fato por meio de presunções”. Até mesmo porque, como
vimos em tópicos antecedentes, toda prova é indiciária, le-
vando ao estabelecimento da verdade por meio de raciocínio
presuntivo.
O indício em nada difere da prova. Paulo de Barros Car-
valho305 já afirmou, entretanto, que o indício é o “motivo para
desencadear-se o esforço de prova”, caracterizando “pretexto
jurídico que autoriza a pesquisa, na busca de comprovar-se o
acontecimento factual”. Tal assertiva deve-se ao fato de que
os indícios, do ponto de vista do valor, podem ser de duas es-
pécies: (i) necessários, que revelam, com elevado grau de pro-
babilidade, determinada situação; e (ii) contingentes, que indi-
cam, de forma mais ou menos provável, certo acontecimento.
Não obstante ambos caracterizem fatos indiciários, o vocábu-
lo tem sido comumente empregado para designar a segunda
espécie: os indícios contingentes, compreendendo signos que
levem o destinatário a vislumbrar a possibilidade de um fato.

304. A prova civil, p. 126.


305. A prova no procedimento administrativo tributário, Revista Dialética de Direi-
to Tributário n. 34, p. 110.

175
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

O grau de credibilidade dessa categoria de indícios, por


sua vez, é variável, podendo seu somatório oferecer mais mo-
tivos para crer que para não crer, ou apresentar iguais fun-
damentos para acreditar e desacreditar em dado fato. Nesse
concurso de probabilidades, destacam-se: (i) indícios homo-
gêneos, de conteúdos convergentes, todos conduzindo a um
mesmo resultado; e (ii) indícios heterogêneos, indicativos de
fatos diversos, exigindo do julgador sua apreciação conjunta,
pesando todos esses fatores para, com base neles, construir
sua convicção.
Os indícios necessários e homogêneos, por integrarem
um conjunto harmônico, que conduz, de forma unívoca, a de-
terminada conclusão, configuram aquilo que chamamos de
indícios veementes, axiologicamente fortes. Já os indícios con-
tingentes e heterogêneos, por comporem um grupo em que
há elementos contraditórios entre si, quebrando a univoci-
dade, possuem valor axiológico fraco, sendo denominados
indícios insuficientes.
Indício é prova. A prova, por sua vez, é indício de um
fato. A distinção que se costuma fazer entre ambos decorre
da axiologia das provas, considerando-se que o indício teria
menor poder de convencimento. A força probatória de qual-
quer indício, entretanto, deve ser avaliada no caso concreto,
de modo que, havendo um único indício necessário [prova no
sentido comumente empregado] ou vários indícios contingen-
tes e convergentes, ter-se-á por provado o fato.

4.7.3 Limites ao emprego de presunções em matéria


tributária

Os princípios constitucionais tributários da estrita le-


galidade, da tipicidade e da capacidade contributiva exigem
que a obrigação de pagar tributo se instale apenas quando
verificada a ocorrência do fato previsto na hipótese da norma
geral e abstrata, calculando-se a exação com base na medida
monetária desse fato. Inconcebível, portanto, considerar que

176
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

um fato tenha acontecido, ainda que as provas demonstrem


o contrário. Atitude desse jaez viola os preceitos magnos que
orientam o sistema tributário.
Vimos que as chamadas presunções legais são costumei-
ramente classificadas em relativas e absolutas, conforme ad-
mitam prova em contrário ou não. As denominadas presun-
ções absolutas, entretanto, não caracterizam presunção, mas
disposição legal de ordem substantiva, estabelecendo a exis-
tência de fato jurídico sem que se possa provar o contrário.
São, por isso, de inadmissível utilização para fins de deter-
minar a ocorrência de fato jurídico tributário e os elementos
definidores da correspondente obrigação. O mesmo se pode
dizer das ficções, cujo regime jurídico, no âmbito tributário,
é idêntico ao das presunções absolutas, destas se distinguin-
do de forma muito tênue: enquanto na presunção absoluta a
relação causal e sua consequência estão previstas na lei, na
ficção o enunciado normativo constrói o próprio fato jurídico,
independente de relações de causa e efeito, ainda que artifi-
ciais, como ocorre na presunção absoluta306. Essas distinções,
porém, são de ordem pré-legislativa, de modo que, introduzi-
das no ordenamento, o tratamento jurídico conferido a ambas
é o mesmo.
Convém registrar que as presunções, no âmbito tribu-
tário, exercem importantes funções, servindo para (i) suprir
deficiências probatórias, sendo empregadas nas hipóteses
em que o Fisco se vê impossibilitado de provar certos fatos;
(ii) garantir eficácia à arrecadação e (iii) preservar a estabi-
lidade social307. O emprego das presunções no direito tribu-
tário, segundo Leonardo Sperb de Paola308, está relacionado

306. Para Pontes de Miranda, essas figuras diferenciam-se em razão de que, “Na
ficção, tem-se ‘A’, que não é, como se fosse. Na presunção legal absoluta, tem-se ‘A’,
que pode não ser, como se fosse, ou ‘A’, que pode ser, como se não fosse” [Tratado de
direito privado, t. 3, p. 446].
307. É o que se objetiva com a presunção de legitimidade dos atos administrativos e
presunção de liquidez e certeza da dívida inscrita, por exemplo.
308. Presunções e ficções no direito tributário, p. 98 e s.

177
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

com a criação de mecanismos que dificultem a evasão fiscal


e propiciem maior eficiência na arrecadação de tributos. São
técnicas que, na visão de Misabel Abreu Machado Derzi309,
objetivam “evitar a investigação exaustiva do caso isolado,
com o que reduzem os custos na aplicação da lei; dispensar
a colheita de provas difíceis ou mesmo impossíveis em cada
caso concreto ou aquelas que representam ingerência inde-
vida na esfera privada do cidadão e, com isso, assegurar a
satisfação do mandamento normativo”. Contrapostos, toda-
via, a essas funções, cuja relevância não se discute, existem
direitos constitucionalmente assegurados aos contribuintes,
como os princípios da legalidade, da tipicidade, da rígida dis-
criminação constitucional das competências impositivas e da
capacidade contributiva, exigindo que a adoção de presun-
ções seja realizada de forma compatível com mencionados
direitos constitucionais.
Por esses motivos, José Artur Lima Gonçalves310 afirma
inexistir, no sistema constitucional brasileiro, fundamento
para a criação válida de ficções e presunções absolutas em
matéria tributária: “Todas – e não menos que todas – as nor-
mas jurídicas que pretendam, por meio de ficção, imputar os
efeitos de fato imponível a evento fenomênico que não se ca-
racterize como tal ou manipular o conteúdo patrimonial de
obrigação tributária, ou alcançar particular não incluído na
categoria de contribuinte [entendido este como o destinatário
constitucional da carga tributária], deverão, simplesmente,
ser descritas como normas inválidas, alheias ao sistema cons-
titucional, incompatíveis com o subsistema constitucional
tributário”311.

309. Direito tributário, direito penal e tipo, p. 105.


310. Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais, p. 158.
311. Esse jurista não vislumbra utilidade, no âmbito do direito tributário, em diferen-
çar ficção e presunção absoluta, por sujeitarem-se, ambas, a igual regime jurídico.

178
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Semelhante é o posicionamento de Paulo Ayres Barre-


312
to , considerando ser inaceitável recorrer a presunções ab-
solutas e ficções para erigir hipótese de incidência tributária,
conotar-se o fato jurídico tributário ou a relação obrigacional
dele decorrente. Isso significaria, a seu ver, “propugnar a ine-
xistência de uma rígida discriminação de competência – vale
dizer, que se pudesse prever a incidência de tributo sobre o
fato ‘A’ porque fictamente o legislador atribui a ele a condição
de fato ‘B’, sendo a competência para instituir tributos sobre os
fatos ‘A’ e ‘B’ de entes políticos distintos. Proceder nessa con-
formidade é fazer tábula rasa dos princípios da estrita legalida-
de, da tipicidade da tributação e da capacidade contributiva”.
As inapropriadamente chamadas presunções mistas, por
sua vez, também não encontram aplicação na esfera tribu-
tária, pois, sendo ilididas por apenas alguns meios de prova,
legalmente especificados, violam não apenas o princípio da
legalidade e da tipicidade tributária, mas, também, o princí-
pio constitucional da ampla defesa. Caso a legislação imponha
essa forma presuntiva, ou mesmo a chamada presunção legal
absoluta, deve sua aplicação dar-se como se estivesse diante
de presunção relativa, permitindo qualquer produção proba-
tória em contrário.
Somente as presunções relativas podem ser validamente
utilizadas no direito tributário, desde que, evidentemente, se-
jam compatíveis com os pilares do ordenamento pátrio, pos-
sibilitando o exercício da ampla defesa, com todos os meios e
recursos a ela inerentes, o que inclui a produção probatória
objetivando desconstituir o fato presumido. É a conclusão a
que chegam Misabel Abreu Machado Derzi e Sacha Calmon
Navarro Coêlho313: “se a lei adotar, por razões de praticidade
ou para prevenir a evasão, presunções, pautas de valores,
tabelas de preços etc., haverá de fazê-lo sempre juris tan-
tum, sendo de se admitir a prova contrária, o contraditório”.

312. Imposto sobre a renda e preços de transferência, p. 143.


313. Direito tributário aplicado: estudos e pareceres, p. 351-352.

179
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Exemplo dessa espécie de presunção pode ser observa-


do no art. 42 da Lei 9.430/96, que dispõe estar caracterizada
“omissão de receita ou de rendimentos ou valores credita-
dos em conta de depósito ou de investimento mantida junto
a instituição financeira, em relação aos quais o titular, pes-
soa física ou jurídica, regularmente intimado, não comprove,
mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recur-
sos utilizados nessas operações”. Trata-se de presunção re-
lativa, perfeitamente admissível no ordenamento brasileiro.
A título ilustrativo, é interessante fazer referência, tam-
bém, ao art. 60 do Decreto-Lei 1.598/77314, reproduzido no art.
464 do Decreto 3.000/99 [RIR/99]. Referidos diplomas prescre-
vem presumir-se distribuição disfarçada de lucros nos negó-
cios em que a pessoa jurídica pratica operações em valores
notoriamente diversos dos de mercado. Tal presunção é des-
constituída por prova em contrário, determinando o §2° do
art. 60 do Decreto-Lei 1.598/77 que a “prova de que o negócio
foi realizado no interesse da pessoa jurídica e em condições
estritamente comutativas, ou em que a pessoa jurídica con-
trataria com terceiros, exclui a presunção de distribuição dis-
farçada de lucros”.
Observa-se, nos dois exemplares normativos acima, a
imprescindibilidade de a autoridade administrativa provar o
fato que desencadeia a operação presuntiva e viabiliza a ins-
talação da relação jurídica correspondente. A existência de
norma presuntiva não dispensa a produção probatória por
parte da fiscalização.
Assim, para que se possa presumir a omissão de receitas
e constituir o fato jurídico tributário “auferir renda”, neces-
sário se faz o preenchimento dos requisitos previstos no art.
42 da Lei9.430/96, do mesmo modo que, para configurar dis-
tribuição disfarçada de lucros, a Administração deve provar a
incompatibilidade dos valores envolvidos nos negócios jurídi-
cos praticados entre pessoas ligadas.

314. Alterado pelo art. 20, II, do Decreto-Lei 2.065/83.

180
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Nesse sentido, veja-se o seguinte julgado do antigo Con-


selho de Contribuintes, atualmente reformulado em Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais, em que se reconhece a
inviabilidade da atuação fiscal quando o fato que figura na
hipótese da norma presuntiva não foi demonstrado por meio
da linguagem das provas:


PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. PROVA INDIRETA.
A presunção legal inverte o ônus da prova em favor do Fisco.
Não fica, todavia, o Fisco dispensado de provar a ocorrência do
fato base que autoriza a presunção.
IRPJ. OMISSÃO DE RECEITAS. PASSIVO FICTÍCIO. Não
comprovado que o passivo era fictício, afasta-se a presunção de
omissão de receitas.
LANÇAMENTOS DECORRENTES. Aplicam-se aos lançamen-
tos decorrentes as razões de decidir e conclusão adotadas no lan-
çamento matriz.
Recurso provido”315.

No que diz respeito às presunções hominis, grande dis-


cussão se instala acerca de sua admissibilidade na esfera
tributária. Luís Eduardo Schoueri316 figura como forte opo-
sitor ao emprego dessa modalidade presuntiva, por conside-
rar que, “estando o sistema tributário brasileiro submetido
à rigidez do princípio da legalidade, a subsunção dos fatos à
hipótese de incidência tributária é mandatória para que se
dê o nascimento da obrigação do contribuinte. Admitir que
o mero raciocínio de probabilidade por parte do aplicador da
lei substitua a prova é conceber a possibilidade – ainda que
remota diante da altíssima probabilidade que motivou a ação
fiscal – de que se possa exigir um tributo sem que necessa-
riamente tenha ocorrido o fato gerador”. Ocorre que, sendo a
presunção homins consistente na dedução realizada pelo jul-
gador, fundada na sua experiência, derivada, segundo Pontes

315. Ac. 101-93730, Rel. Cons. Sandra Maria Faroni, j. 24-1-2002.


316. Presunções simples e indícios no procedimento administrativo fiscal. Processo
administrativo fiscal, v. 2, p. 85-86.

181
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

de Miranda317, daquilo que ele sabe sobre as coisas, das suas


relações de coexistência, causalidade, duração ou localização,
tal operação mental está presente em toda e qualquer avalia-
ção probatória. Como anotamos no item 3.13 do capítulo 3,
a prova, como signo que é, nunca atinge o objeto que repre-
senta. Apresentada uma prova, necessário se faz que o intér-
prete realize operação de inferência lógica para, a partir dela,
deduzir o fato principal. Feita essa certificação, aliada ao fato
de existir previsão normativa que autoriza o julgador a apre-
ciar livremente as provas, verifica-se ser a presunção hominis
inerente a todos os domínios do sistema jurídico, incluindo o
direito tributário.
Isso não significa, entretanto, que a autoridade adminis-
trativa esteja habilitada a constituir os fatos jurídicos como e
quando bem entenda: a presunção hominis só pode ser em-
pregada para justificar a constituição do fato jurídico tributá-
rio em sentido estrito se evidenciado o nexo lógico entre o fato
provado (F’) e o probando (F”). É preciso demonstrar que a
ocorrência do indício é prova da concretização da hipótese de
incidência, de modo que, quando não se consiga estabelecer
relação de causalidade entre o indício e o fato presumido, não
há que falar em presunção simples.
Dois são os requisitos para que, diante de um indício, pos-
sa-se presumir a ocorrência do fato jurídico tributário, cons-
tituindo-se a obrigação correspondente: (i) o indício deve ser,
necessariamente, provado, já que, se não for provado, não será
sequer indício; (ii) é imprescindível a existência de conexão en-
tre o indício e o fato relevante para a aplicação da lei tributária.
Essa relação de causalidade, por sua vez, deve apresentar os ca-
racteres da gravidade, precisão e concordância, nos termos expli-
citados por Moacyr Amaral Santos318: graves são as presunções
geradoras de probabilidade com eficácia de criar convicção;
precisas significa que não se prestam a dúvidas ou contradições

317. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, p. 425.


318. Primeiras linhas de direito processual civil, v. 3, p. 501.

182
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

lógicas; e concordantes consiste na convergência destas, a partir


de vários indícios, para o mesmo resultado. Disso decorre que a
implicação presuntiva, além de atender aos reclamos da lógica,
deve ser convincente, consistindo na única possibilidade plausí-
vel. Miguel Reale Júnior319, discorrendo sobre peculiaridades do
direito administrativo sancionador, perfeitamente aplicáveis à
esfera tributária em virtude dos princípios da estrita legalidade
e tipicidade que a orientam, assevera que, “se há um indício in-
suficiente, é possível instaurar um inquérito, mas, para a conde-
nação, é necessário um indício veemente”. Logo, se a verificação
do indício a partir do qual se constrói a conclusão permitir não
só a ocorrência do fato alegado, como também outro diverso, in-
devido seu emprego para fins de constituição do fato jurídico
tributário.

4.8 Prova obtida por meio ilícito

A caracterização da prova depende dos métodos reconhe-


cidos pelo respectivo sistema. Para ingressar no ordenamento
jurídico, um fato qualquer [social, econômico, político etc.]
passa por uma espécie de filtro, que seleciona quais proprie-
dades entram e quais ficam de fora daquele conjunto. São as
exigências do sistema autopoiético, conferindo, por esse meio,
certeza e segurança jurídica.
Em nome desses valores superiores, muitos fatos sociais
não deixam de caracterizar-se como eventos em relação ao
sistema do direito. É o que acontece com as provas constituí-
das com violação às normas vigentes. Ao estabelecer os crité-
rios de seleção de elementos, o direito positivo brasileiro nega
reconhecimento às provas obtidas ilicitamente (art. 5º, LVI,
da CRFB/88).
A ilicitude não é qualificativo da prova, mas do meio pelo
qual esta foi produzida ou do modo de sua utilização. Esse

319. Apud Tercio Sampaio Ferraz Jr., Indício e prova de cartel, Estudos, Documentos,
Debates n. 24, p. 48.

183
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

caráter não recai sobre o conteúdo veiculado no documento


probatório, mas sobre outro fato, relatado no antecedente da
norma geral e concreta que configura o instrumento introdu-
tor da prova. Trata-se de vício na enunciação e, por conse-
guinte, nas marcas por esta deixada (enunciação-enunciada),
devendo ser rejeitada a prova cujo processo de produção te-
nha desrespeitado determinação legal.
A proibição da prova320 obtida ilicitamente implementa o
princípio da segurança jurídica, reforçando nossa argumen-
tação no sentido de que a única verdade buscada nos autos
processuais, sejam eles judiciais, sejam administrativos, é a
verdade lógica. Ademais, conferir efeitos jurídicos a provas
produzidas ou utilizadas de modo ilícito implicaria ignorar
não apenas prescrições legais ordinárias, mas, principalmen-
te, direitos individuais assegurados pela Constituição. Nesse
sentido, pondera Gilmar Ferreira Mendes321 que “a discussão
sobre as provas, no campo do direito material, pode receber
inúmeros subsídios do direito constitucional, especialmente
dos direitos fundamentais. Alguns direitos fundamentais têm
repercussão direta sobre a matéria relacionada com a prova
dos atos jurídicos, como o direito à honra, à intimidade e à
privacidade (CF/88, art. 5º, X), a liberdade do exercício profis-
sional (CF/88, art. 5º, XIII) e seus reflexos sobre o sigilo pro-
fissional, a problemática da prova obtida de forma ilícita, como
nos casos de interceptação telefônica ilegal (CF/88, art. 5º, XII)
ou do exame de DNA dignidade da pessoa humana (CF/88,
art. 1º, III), a aplicação do princípio constitucional do contra-
ditório, dentre outros”. É o Texto Magno a medida e o limite
seguro para a produção e apreciação probatória, devendo ser
afastada a prova colhida com infringência a direito de caráter
constitucional.

320. Em termos mais rigorosos, poderíamos dizer que aquilo que é obtido ilicitamente
e, por isso, não aceito nos autos, figura na condição de simples protoprova que, em
virtude do vício de legalidade, não alcança o status de prova.
321. Da prova dos negócios jurídicos, in O novo Código Civil: estudos em homena-
gem ao Professor Miguel Reale, p. 165.

184
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Cândido Rangel Dinamarco322 critica essa opção radical


do constituinte, a qual, segundo seu entendimento, acaba por
“exigir que o juiz finja não conhecer de fatos seguramente
comprovados, só por causa da origem da prova: a parte, que
nem sempre será o sujeito responsável pela ilicitude [mas ain-
da quando o fosse], suportará invariavelmente essa restrição
ao seu direito à prova, ao julgamento segundo a verdade e à
tutela jurisdicional a que eventualmente tivesse direito”. Não
concordamos com tal posicionamento, pois é o próprio sis-
tema do direito que determina como as realidades jurídicas
serão constituídas. E, ao fazê-lo, exige que o relato dos fatos
seja realizado de forma específica, com observância à legisla-
ção em vigor. Além de veiculada no corpo da Constituição, tal
prescrição é repetida no CPC/2015 – art. 369, que indica como
meios de provas possíveis todos os que sejam legais e moral-
mente legítimos. Com tal imperativo, exclui a possibilidade de
admitir provas ilicitamente produzidas.
Considerando as diversas teorias concernentes ao assun-
to, Ada Pellegrini Grinover323 também afasta o princípio da
admissibilidade da prova realizada com ilicitude quando con-
jugada à punição do infrator pelo ilícito de direito material
cometido. Isto porque, leciona a doutrinadora, “a aceitarmos
essa teoria, estaríamos até mesmo incentivando a prática de
atos ilícitos pelos agentes públicos, que muito raramente in-
correm em punições efetivas”. Pondera, entretanto, que ape-
nas violação a preceito constitucional macularia peremptoria-
mente a prova, de modo que, em relação à prova elaborada
com infringência a lei ordinária, de caráter civil, penal ou
administrativo, aplicar-se-ia o critério da proporcionalidade,
conjugado ao princípio do male captum bene retentum, punin-
do-se o responsável pelo ato cometido. Conclusão desse jaez,
conquanto possa atrair muitos adeptos, não encontra respal-
do em nosso ordenamento. O Texto Magno não dá margem

322. Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 50.


323. O processo em sua unidade, p. 178.

185
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

a exceções, sendo a teoria dos frutos da árvore contaminada,


adotada pelo Supremo Tribunal Federal, decorrência direta
das prescrições constitucionais. Como leciona Marcelo Ne-
ves324, “a vigência jurídica das expectativas normativas não é
determinada imediatamente por interesses econômicos, cri-
térios políticos, representações éticas, nem mesmo por pro-
posições científicas”, sendo dependente de “processos sele-
tivos de filtragem conceitual no interior do sistema jurídico”.
O ordenamento brasileiro, ao inadmitir a utilização de provas
obtidas ilicitamente, impede que os elementos probatórios as-
sim produzidos passem por aquele filtro, adentrando no sis-
tema do direito posto. Eis o sistema jurídico assimilando os
fatores do ambiente de acordo com seus próprios critérios.

4.8.1 Vedação, no âmbito tributário, de prova ilicita-


mente produzida

Estando veiculado na Constituição da República, o precei-


to que proíbe o emprego de provas obtidas por meios ilícitos
estende-se por todo o ordenamento, não sendo necessária sua
enunciação no âmbito infraconstitucional. Ao vedar o uso de
provas ilicitamente produzidas, o constituinte referiu-se ao
processo, de modo amplo, abrangendo, dessa forma, não ape-
nas os processos judiciais, mas também os administrativos325.
Tratando-se de processo administrativo tributário fede-
ral, existe, além da previsão constitucional, enunciado nor-
mativo a ele especificamente dirigido. Conquanto o Decreto
70.235/72 nada mencione a respeito do assunto, a Lei 9.784/99,
que disciplina o processo administrativo federal, o faz ex-
pressamente, dispondo, em seu art. 30: “São inadmissíveis no
processo administrativo as provas obtidas por meios ilícitos”.

324. A constitucionalização simbólica, p. 120-121.


325. No art. 5º, LV, do Texto Constitucional, há expressa referência a “processo judi-
cial ou administrativo”, confirmando não ter o constituinte realizado distinções en-
tre ambos, para fins de aplicação dos princípios gerais do processo.

186
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Essa legislação, é bom esclarecer, tem aplicação subsidiária


ao processo administrativo tributário federal, subsidiariedade
esta que, segundo Lúcia Valle Figueiredo326, está explícita no
art. 69 da Lei de Processo Administrativo Federal, ao dizer,
textualmente, que os processos administrativos específicos
continuarão a se reger por lei própria, aplicando-se, apenas
subsidiariamente, os preceitos daquela lei.
A constituição jurídica dos fatos, dentre eles os fatos jurídi-
cos tributários, encontra limites traçados pelo próprio ordena-
mento. Este não permite que, em nome da pretensão de provar
determinados fatos, violem-se quaisquer direitos assegurados.
É imperativo, por conseguinte, que as normas infraconstitucio-
nais, ao disciplinarem a produção probatória, rejeitem aquelas
modalidades de composição de provas que, de alguma forma,
possam comprometer direitos relacionados com a liberdade e
individualidade dos sujeitos. Eis, nas palavras de Maria Rita
Ferragut327, “a segurança jurídica e o respeito aos direitos in-
dividuais, impondo limites ao conhecimento humano juridica-
mente relevante”, evidenciando a dualidade entre mundo do
ser e do dever-ser, entre o sistema social e o jurídico.
A regra impeditiva da adoção de medidas compromete-
doras de direitos individuais, aplicada ao campo do direito tri-
butário, não inviabiliza a atividade de fiscalização e arrecada-
ção tributária, pois é excepcionada pela existência de prévia
autorização do Poder Judiciário. Tendo este avaliado a perti-
nência da medida, sua proporcionalidade e necessidade para
a preservação de interesse público maior, cabível a permissão
para que se adote procedimento normalmente repudiado pelo
ordenamento.
Convém esclarecer, nesta oportunidade, a distinção entre
gravação de conversa telefônica e interceptação telefônica.
Entende-se não violadora de sigilo e apta a produzir efeitos

326. Processo administrativo. Mesa de debates “E”, Revista de Direito Tributário n.


91, p. 119.
327. Presunções no direito tributário, p. 50.

187
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

a gravação magnética, ou processo equivalente, entre interlo-


cutores determinados, antecedida ou não de aviso328. De modo
diverso, a prova adredemente preparada, mediante emprego
de escuta telefônica, é considerada ilícita porque retira das
partes regulares do ato de comunicação o direito ao sigilo
pessoal e, assim sendo, constitui meio ilegal de obtenção de
prova. Quanto aos dados extraídos das memórias de compu-
tadores, são susceptíveis de utilização como provas apenas
quando, tomadas as medidas assecuratórias da inalterabilida-
de do conteúdo e autenticidade, digam respeito a atividades
comerciais e industriais do contribuinte, nos termos do art.
195 do CTN. Não se admite, contudo, o emprego de tais infor-
mações quando retiradas de microcomputador pessoal, com
violação do domicílio da pessoa física. Com tal atitude não se
compadece o ordenamento brasileiro.
Tema que merece destaque, quando cuidamos das pro-
vas obtidas ilicitamente em matéria tributária, é o do sigilo
bancário. Trata-se de direito inerente à inviolabilidade da
vida privada e do sigilo de dados, garantidos pelo art. 5º, X e
XII, da Carta Magna, que não podem ser ignorados pela fis-
calização tributária. Tercio Sampaio Ferraz Júnior329, citando
Pontes de Miranda, explica que o bem protegido no direito à
privacidade e no sigilo de dados é “a liberdade de negação de
comunicação do pensamento. O conteúdo, a faculdade espe-
cífica atribuída ao sujeito é a faculdade de resistir ao devas-
samento, isto é, manter o sigilo [da informação materializada
na correspondência, na telegrafia, na comunicação de dados,
na telefonia]. A distinção é importante. Sigilo não é o bem
protegido, não é o objeto do direito fundamental. Diz respei-
to à faculdade de agir [manter sigilo, resistir ao devassamen-
to], conteúdo estrutural do direito”. Por isso, conclui Celso

328. Aclibes Burgarelli, Tratado das provas cíveis, p. 91.


329. Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora, Re-
vista dos Tribunais: Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, n. 1, p. 145.

188
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Ribeiro Bastos330 que o direito à privacidade, garantido cons-


titucionalmente, abrange o direito de “impedir que tercei-
ros, inclusive o Estado e o Fisco, tenham acesso a informação
sobre o que se denominou área de manifestação existencial
do ser humano”, na qual se incluem os dados de ordem pes-
soal, patrimonial e financeira. Uma conta bancária, sustenta
Miguel Reale331, caracteriza uma projeção da personalidade
do correntista.
Todavia, como já anotamos, esse direito não é absoluto,
a ponto de obstruir a atividade da Administração, podendo
ser relativizado pelo Poder Judiciário, quando este identifi-
car a necessidade de revelação de dados do contribuinte para
assegurar que o interesse público se concretize. Verificando
o Judiciário a (i) existência de indício de infração fiscal, (ii)
pertinência entre a documentação cuja revelação se pede e
o objeto investigado e (iii) imprescindibilidade da quebra do
sigilo para o bom êxito das investigações, incumbe-lhe conce-
der autorização para que se operacionalize o acesso aos dados
bancários do contribuinte. O que se pretende evitar com a ve-
dação de quebra do sigilo bancário sem autorização judicial é
que a Administração faça uso indevido desses meios, transfor-
mando a exceção em regra comum. É o que se depreende do
seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:


TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA COM BASE
EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO-FISCAL.
IMPOSSIBILIDADE.
1. O sigilo bancário do contribuinte não pode ser quebrado com
base em procedimento administrativo-fiscal, por implicar inde-
vida intromissão na privacidade do cidadão, garantia esta ex-
pressamente amparada pela Constituição Federal (art. 5º, X, da
CF/88). Por isso, cumpre às instituições financeiras manter sigilo
acerca de qualquer informação ou documentação pertinente à
movimentação ativa e passiva do correntista/contribuinte, bem

330. Comentários à Constituição do Brasil, v. 2, p. 63.


331. 1º Ciclo de Direito Econômico, apud Márcia Regina Ferreira, O sigilo bancário
e o fisco, in Processo tributário – administrativo e judicial, p. 147.

189
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

como dos serviços bancários a ele prestados. Observadas tais


vedações, cabe-lhes atender às demais solicitações de informa-
ções encaminhadas pelo Fisco, desde que decorrentes de proce-
dimento fiscal regularmente instaurado e subscritas por auto-
ridade administrativa competente. Apenas o Poder Judiciário,
por um de seus órgãos, pode eximir as instituições financeiras
do dever de segredo em relação às matérias arroladas em lei.
Interpretação integrada e sistemática dos arts. 38, § 5°, da Lei
4.595/64 e 197, inc. II e §1°, do CTN. Recurso improvido, sem
discrepância”332.

Pretendendo alterar a disciplina jurídica dessa matéria,


adveio a Lei Complementar 105/2001, autorizando a Adminis-
tração tributária a proceder à análise dos registros de institui-
ções financeiras, contas de depósitos e aplicações financeiras
dos contribuintes mediante a simples existência de processo
ou procedimento administrativo fiscal. Tal determinação re-
presenta flagrante ofensa à inviolabilidade da vida privada e
dos dados particulares, menosprezando que ao Poder Judi-
ciário compete examinar as situações em que, para garantir o
cumprimento da lei tributária, sejam necessárias atitudes in-
vasivas da privacidade do contribuinte. É o Judiciário o único
órgão do Estado autorizado a sopesar os valores constitucio-
nais da inviolabilidade dos dados e do interesse público, re-
conhecendo ou não a existência deste no caso concreto, para,
momentaneamente, afastar aquelas garantias constitucionais.

332. 1ª T., REsp 37.566-5-RS, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU de 28-3-1994. No
mesmo sentido são as decisões proferidas no AgRg 2001/0029034-5, 1ª T., Rel. Min.
Humberto Gomes de Barros, DJ de 19-12-2002, p. 336, e no REsp 114.741-DF, 1ª T.,
Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 18-12-1998, p. 291, bem como no REsp 114.760-
DF, 2ª T., Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 23-8-1999, cuja ementa trans-
crevemos: “Processual Civil. Recurso Especial. Mandado de Segurança. Sigilo Ban-
cário. Quebra. Procedimento administrativo fiscal. Impossibilidade. Acórdão
fundado em matéria de índole constitucional. Violação à lei federal não configura-
da. Prequestionamento Ausente. Precedentes. [..] A Lei Tributária Nacional [art.
197, parág. Único] limita a prestação de informações àqueles dados que não estejam
legalmente protegidos pelo sigilo profissional. Esta Eg. Corte vem decidindo no sen-
tido da ilegalidade da quebra do sigilo bancário mediante simples procedimento
administrativo fiscal, face à garantia constitucional da inviolabilidade dos direitos
individuais, exceto quando houver relevante interesse público e por decisão do Po-
der Judiciário, guardião dos direitos do cidadão. Recurso não conhecido”.

190
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Recentemente, porém, o Supremo Tribunal Federal, ao


julgar o RE 601.314-SP, cuja repercussão geral foi reconhecida
por aquela Corte, decidiu que o art. 6º da Lei Complementar
nº 105/2001 não ofende o sigilo ao direito bancário:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL.


DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO AO SIGILO BANCÁRIO.
DEVER DE PAGAR IMPOSTOS. REQUISIÇÃO DE INFOR-
MAÇÃO DA RECEITA FEDERAL ÀS INSTITUIÇÕES FINAN-
CEIRAS. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001. MECA-
NISMOS FISCALIZATÓRIOS. APURAÇÃO DE CRÉDITOS
RELATIVOS A TRIBUTOS DISTINTOS DA CPMF. PRINCÍ-
PIO DA IRRETROATIVIDADE DA NORMA TRIBUTÁRIA. LEI
10.174/2001.
1. O litígio constitucional posto se traduz em um confronto entre
o direito ao sigilo bancário e o dever de pagar tributos, ambos
referidos a um mesmo cidadão e de caráter constituinte no que
se refere à comunidade política, à luz da finalidade precípua da
tributação de realizar a igualdade em seu duplo compromisso, a
autonomia individual e o autogoverno coletivo.
2. Do ponto de vista da autonomia individual, o sigilo bancário
é uma das expressões do direito de personalidade que se traduz
em ter suas atividades e informações bancárias livres de inge-
rências ou ofensas, qualificadas como arbitrárias ou ilegais, de
quem quer que seja, inclusive do Estado ou da própria institui-
ção financeira.
3. Entende-se que a igualdade é satisfeita no plano do autogo-
verno coletivo por meio do pagamento de tributos, na medida da
capacidade contributiva do contribuinte, por sua vez vinculado a
um Estado soberano comprometido com a satisfação das neces-
sidades coletivas de seu Povo.
4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos pa-
râmetros constitucionais, ao exercer sua relativa liberdade de
conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu
requisitos objetivos para a requisição de informação pela Ad-
ministração Tributária às instituições financeiras, assim como
manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras
do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo
da esfera bancária para a fiscal.
5. A alteração na ordem jurídica promovida pela Lei 10.174/2001
não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis
tributárias, uma vez que aquela se encerra na atribuição de

191
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

competência administrativa à Secretaria da Receita Federal,


o que evidencia o caráter instrumental da norma em questão.
Aplica-se, portanto, o artigo 144, §1º, do CTN.
6. Fixação de tese em relação ao item “a” do Tema 225 da sis-
temática da repercussão geral: “O art. 6º da LC 105/2001 não
ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em
relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade con-
tributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado
do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal”.
7. Fixação de tese em relação ao item “b” do Tema 225 da siste-
mática da repercussão geral: “A Lei 10.174/2001 não atrai a apli-
cação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo
em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo
144, §1º, do CTN”.
8. Recurso extraordinário a que se nega provimento.”333

A Corte Suprema, além de entender inexistente ofensa


ao direito de sigilo bancário [mas apenas transferência des-
te para a Administração Pública, sendo vedado ao Fisco di-
vulgar os dados assim obtidos], considerou ser meramente
procedimental o disposto no art. 6º da LC105/2001, suscetível,
portanto, de aplicação retroativa. Ao nosso ver, entretanto, tal
retroatividade dista de ser meramente procedimental, afetan-
do direito constitucionalmente assegurado, sobre o qual refe-
riremos em pormenores no item 6.3.1.2.

333. STF, Tribunal Pleno, RE 631.314-SP, Rel. Min. Edson Fachin, j. em 24/02/2016
[destaquei].

192
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

CAPÍTULO 5
MORFOLOGIA DA PROVA

5.1 Noções sobre a morfologia da prova

Sendo a prova um fato jurídico, produto de atos de fala,


podemos decompô-la em elementos, como abstração visando
a facilitar seu estudo aprofundado. Esse procedimento de de-
composição, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mel-
lo334, corresponde à anatomia do objeto examinado, permitin-
do visualizá-lo em suas peculiaridades. Caracteriza, assim,
uma espécie de estudo morfológico, visto que voltado à sua
estrutura.
No âmbito da linguística, o vocábulo morfologia designa o
estudo da constituição das palavras e dos processos pelos quais
são elas construídas, a partir de suas partes335. Considerando
que a prova é um enunciado linguístico, é possível, utilizando

334. Curso de direito administrativo, p. 357.


335. O estudo de como uma língua emprega suas combinações significativas é tradi-
cionalmente dividido em morfologia e sintaxe. Mas a linha divisória entre ambas,
esclarece Carleton T. Hodge, não é muito nítida, por estarem intrinsecamente rela-
cionadas. Procurando distingui-las, esse autor refere-se à morfologia como a descri-
ção das formas significativas e à sintaxe como o encadeamento dos elementos da
oração [Morfologia e sintaxe, in Aspectos da linguística moderna, p. 31].

193
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

linguagem de sobrenível, separar seus componentes, com vis-


tas a estudar as peculiaridades de cada um. Esse desdobra-
mento da prova em unidades linguísticas menores, para fins
de identificar seus atributos e funções, possibilitando, desse
modo, a compreensão dos elementos de linguagem necessá-
rios à produção probatória, é o que denominamos morfologia
da prova.
Observada a composição do fato jurídico denominado
prova, identificamos sete elementos: (i) fonte; (ii) objeto; (iii)
conteúdo; (iv) forma; (v) função; (vi) finalidade; e (vii) des-
tinatário. O objeto da prova consiste no fato que se preten-
de provar, representado pela alegação da parte. O conteúdo
nada mais é que o fato provado, entendido como enunciado
linguístico veiculado, independentemente da apreciação do
julgador: é o fato jurídico em sentido amplo. A forma, modo
pelo qual se exterioriza a prova, há de apresentar-se sempre
escrita ou susceptível de ser vertida em linguagem escrita.
Sua função é persuasiva, voltada ao convencimento do jul-
gador, enquanto a finalidade, objetivo último da prova, dire-
ciona-se à constituição ou desconstituição do fato jurídico em
sentido estrito. Tudo isso, porém, não se opera sem um sujeito
que emita enunciados probatórios [fonte] e um destinatário a
quem estes se dirijam, com o escopo de convencer336.

5.2 Objeto da prova

O vocábulo objeto origina-se do encontro da preposição


latina ob com o verbo jacio. Ob significa diante de, defronte, à
vista de, enquanto jacio quer dizer lançar, atirar, arremessar,
de forma que a junção de ambos, objacio, pode ser traduzida
como pôr diante, servindo para designar algo que se coloca

336. Apesar de caracterizarem elementos estruturais sem os quais não se tem pro-
va, deixaremos de discorrer, nesta oportunidade, sobre os sujeitos envolvidos na
atividade probatória [fonte e destinatário]. O tema será tratado no capítulo seguin-
te, dedicado ao aspecto dinâmico da prova.

194
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

defronte uma pessoa ou como alvo de alguma atividade337. As-


sim, podemos definir a palavra objeto como “tudo que física
ou moralmente se apresenta e se oferece aos nossos sentidos
ou à nossa alma”338, de modo que a identificação de qual seja
o objeto da prova dá-se pela resposta à pergunta: que precisa
ser provado?
Partindo de tal premissa, e considerando que as alega-
ções das partes constituem o alvo da atividade probatória, são
essas alegações o objeto da prova. O objeto da prova é, neces-
sariamente, um fato: o fato aduzido no processo, cuja veracida-
de se pretende demonstrar.
Chamamos a atenção, novamente, para a diferença entre
fato e evento. Não são os eventos, enquanto coisas, aconteci-
mentos do mundo fenomênico, que se provam. A prova vol-
ta-se para as afirmações relativas a eventos, mesmo porque,
diante da impossibilidade de certificação da verdade por cor-
respondência, um enunciado linguístico [prova] só pode refe-
rir-se a outro enunciado linguístico [fato alegado].
A prova é sempre da afirmação, nunca do evento. Se não
alegado o fato, não há como prová-lo339. Como veremos no ca-
pítulo destinado à dinâmica das provas, primeiro se alega o
fato, depois se o prova. Por isso, como bem adverte Maria Rita
Ferragut340, constituem objeto da prova “os fatos alegados pe-
las partes, referentes a eventos ocorridos em lapso temporal
necessariamente anterior à alegação”.
Já reconhecia Francesco Carnelutti341 que o objeto da prova
não são os acontecimentos em si, senão as afirmações, as quais,

337. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 58-59.


338. Caldas Aulete, Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, p. 715.
339. Nos termos do art. 17 do Decreto 70.235/72, “Considerar-se-á não impugnada a
matéria que não tenha sido expressamente contestada pelo impugnante”. A respei-
to dos fatos não impugnados, é descabida a produção probatória.
340. Presunções no direito tributário, p. 48.
341. A prova civil, p. 67-68.

195
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

no entender do autor, não se conhecem, porém se comprovam,


enquanto os acontecimentos não se comprovam, senão se co-
nhecem. De modo semelhante, assevera Jaime Guasp342, de lon-
ga data, que o objeto da prova é constituído pelo conteúdo das
alegações processuais. Seguindo essa mesma linha de raciocí-
nio, Sentís Melendo343, respondendo à tradicional indagação
“que se prova?”, pondera: “no es raro y hasta es lo corriente,
que se nos diga: se prueban hechos. No, los hechos no se prue-
ban; los hechos existen. Lo que se prueba son afirmaciones que
podrán referirse a hechos. La parte – siempre la parte; no el
juez – formula afirmaciones; no viene a traerle al juez sus dudas
sino su seguridad – real o ficticia – sobre lo que sabe; no viene
a pedirle al juez que averigue sino a decirle lo que ella ha averi-
guado; para que el juez constate, comprove, verifique”.
Nos dias de hoje, é crescente o número de doutrinadores
que consideram inexistir, no processo, prova dos acontecimen-
tos concretos, mas das afirmações a eles relativas344, aspecto
este que, segundo Enrique M. Falcón345 acaba por reconhecer
a importância fundamental que os estudos de semiótica têm
adquirido na atualidade.
Esse posicionamento sobre o que caracterize o objeto da
prova decorre da observação daquilo que acontece no trâmite
processual. No processo, seja ele judicial ou administrativo,
uma das partes articula um fato [enunciado linguístico], cujo
reconhecimento desencadeia direitos e obrigações. A parte
adversa, ao defender-se, produz nova articulação linguística,
solicitando que prevaleça o fato por ela enunciado. Em mo-
mento algum o acontecimento concreto é levado ao proces-
so: o que se prova, portanto, são as afirmações relativas aos

342. Derecho procesal civil, p. 333.


343. La prueba – Los grandes temas del derecho probatorio, p. 12.
344. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 58;
Maria Rita Ferragut, Presunções no direito tributário, p. 48; João Penido Burnier
Júnior, Teoria geral da prova, p. 11-12.
345. Tratado de la prueba, v. 1, p. 106.

196
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

eventos. Sobre o assunto, discorre Paulo de Barros Carva-


lho346: “O acontecimento concreto, na sua interminável mul-
tiplicidade de aspectos [afinal de contas, o real é infinito e ir-
repetível], não ingressa nos autos. Tão só os enunciados a ele
referidos”.
O objeto da prova são os fatos, entendidos como propo-
sições formuladas pelas partes [fatos alegados]. O argumento
da parte [alegação que se pretende provar] é o fato que figura
como linguagem-objeto da prova, que, por seu turno, apre-
senta-se na qualidade de metalinguagem em relação àquela.
Graficamente, podemos assim representar a relação en-
tre a prova e seu objeto:

Firmada a posição de que o objeto da prova diz respei-


to a fatos, assim entendidos os enunciados protocolares, mais

346. Teoria da prova e o fato jurídico tributário. Apostila do Programa de Pós-Gra-


duação em Direito [Mestrado e Doutorado] da USP e da PUC/SP.

197
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

especificamente aos fatos alegados, examinemos, a seguir, os


tipos de fatos susceptíveis de prova.

5.2.1 Fatos determinados

A determinação é característica inerente ao fato, dentre


eles, o jurídico. Todo fato, para assumir relevância perante o
direito, deve ser delimitado no tempo e no espaço, pois “será
válido como unidade prescritiva se os elementos do seu núcleo
e os dados de sua posição espaço-temporal subsumirem-se nos
critérios material, espacial e temporal do enunciado conotativo
a que esteja subordinado, dentro do sistema”347. Sabemos que
a realidade social é manifestamente mais rica que a realidade
jurídica, sendo impossível cogitar de uma descrição capaz de
captar o fato social em seus numerosos predicados348. O fato ju-
ridicizado representa apenas uma parcela da realidade, sendo
obtido pela realização de um corte metodológico, abstraindo
as porções que, por não terem sido eleitas na composição da
hipótese normativa, deixam de interferir na aplicação das
regras do direito. É o que chamamos de isolamento temáti-
co, que reduz as complexidades do fato sem nele interferir
ontologicamente.
Na precisa lição de Lourival Vilanova349, “o fato se torna
fato jurídico porque ingressa no universo do direito através
da porta aberta que é a hipótese”. Por essa razão, a determi-
nação do fato é exigência inerente ao processo de positiva-
ção do direito. Imprescindível que o fato que se pretende ver
reconhecido juridicamente seja delimitado, possibilitando
a verificação de seu quadramento na hipótese normativa. A
operação seletiva de elementos está presente em toda prática

347. Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da inci-


dência, p. 113.
348. O fato social, por sua vez, não abrange toda a complexidade inerente ao evento,
de qualificações infinitas e, portanto, inatingíveis linguisticamente. A linguagem
não toca, jamais, o mundo da experiência.
349. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 89.

198
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

de atos, incluindo aqueles realizados nos processos jurídicos,


quer administrativos ou judiciais, pois, como anota Clarice
Von Oertzen de Araujo350, “quando a parte relata determi-
nado fato, seleciona propriedades; quando constrói fatos ju-
rídicos em sentido amplo [cada prova], tem-se operação de
seleção de propriedades, elegendo-se aquilo que considera
relevante para, mediante nova seleção, constituir o fato ju-
rídico em sentido estrito (antecedente da NIC351), ou seja, o
fato alegado na petição, que se pretende provar”. Por isso,
os fatos levados à apreciação do julgador hão de ser preci-
sos, não podendo configurar alegações genéricas ou vagas352.
Ao contrário, devem corresponder, necessariamente, a fatos
concretos, determinando ou especificando circunstâncias im-
portantes para a causa.
Todo fato, ainda que social, exige determinação. Preten-
dendo-se relatar um acontecimento qualquer, torna-se impe-
rativo da enunciação a fixação de pontos iniciais e finais, bem
como a realização de cortes, mediante os quais se opta por
deixar de mencionar diversos elementos da trama. Assim é
que, para anunciar um abalroamento de veículos, por exem-
plo, a testemunha costuma apontar, inicialmente, o local onde
se encontrava, passando a descrever a situação irregular que
presenciou, sem adentrar em minúcias outras, tais como de
onde vinha, que tinha feito antes, para onde ia, que pretendia
fazer, que roupa trajava, que havia comido etc. Na esfera tri-
butária, a determinação deve ser tal que possibilite identificar
o fato conotativamente previsto na hipótese normativa tribu-
tária, em seus aspectos material, espacial e temporal, sem ne-
cessidade de indicação de outros elementos envolvidos na sua

350. Semiótica do direito, p. 43.


351. NIC é a sigla empregada para designar a norma individual e concreta.
352. Leciona Paulo de Barros Carvalho que as alegações genéricas não são, rigoro-
samente, fatos. Por isso, esclarece o autor, as previsões gerais e abstratas requerem
processo de positivação para gerar fatos jurídicos específicos, no antecedente de
normas individuais e concretas [Teoria da prova e o fato jurídico tributário. Apostila
do Programa de Pós-Graduação em Direito [Mestrado e Doutorado] da USP e da
PUC/SP].

199
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

realização. Não interessa se estava chovendo no momento em


que se efetivou a operação de circulação de mercadorias, se o
vendedor e comprador estavam felizes, o que haviam comido,
sobre o que conversaram.
Para a enunciação factual exige-se a realização de um
isolamento temático, selecionando-se aspectos do mundo da
experiência. Para que esse fato ingresse no universo jurídico,
nova seleção há de ser feita, apontando os elementos deter-
minados no tempo e no espaço que possam interferir no re-
lacionamento intersubjetivo das partes. Apenas o fato assim
relatado é susceptível de prova.

5.2.1.1 Limites ontológicos da possibilidade

O problema consistente em determinar a existência de


um fato supõe uma averiguação prévia: o da possibilidade ou
impossibilidade dessa existência. Assim como o fato descrito
na hipótese normativa deve respeitar o limite ontológico da
possibilidade, abrangendo acontecimentos pertencentes ao
campo do possível, também o fato jurídico concretizado, para
demandar produção probatória, há de encontrar-se dentro de
tais limites.
A todo fato corresponde um coeficiente de probabilidade
de existência, cujo valor oscila entre zero e o infinito. Os fatos
de ocorrência impossível assumem o coeficiente de probabili-
dade zero, enquanto aos de concretização necessária corres-
ponde o valor infinito, de modo que a certificação dessas es-
pécies de enunciados não exige produção probatória. Ambos
implicam o mais elevado grau de credibilidade: a certeza. Cer-
teza de inocorrência no primeiro caso; certeza da ocorrência
no segundo.
A conclusão supra é justificada por Antonio Dellepiane353
mediante a aplicação de uma fórmula matemática, em que a

353. Nova teoria da prova, p. 59.

200
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

crença sobre a existência de um fato aparece como função de


duas variáveis, representadas pelo coeficiente de possibilida-
de de existência e pelo valor da prova:

C = E . P354

Desse modo, quando o fato é de impossível concretização, o


valor de “E” é igual a zero, razão pela qual, qualquer que seja o
valor de “P”, o resultado da operação será zero. Por outro lado,
sendo necessária a existência do fato, “E” corresponde ao in-
finito, o que, multiplicado por qualquer valor, resultará, igual-
mente, na infinitude. Apenas quando houver possibilidade de
existência ou inexistência do fato, o coeficiente de probabilida-
de equivale a 1, em nada interferindo na credibilidade da afir-
mação, ficando esta na dependência da força ou peso da prova.
É claro que a possibilidade ou impossibilidade de determi-
nado fato não escapa às interferências da relatividade, ficando
na dependência dos sujeitos, lugares e épocas em que se dá a
enunciação. As evoluções tecnológicas e científicas transfor-
mam o impossível em algo possível, de forma que, a despeito
de lhe corresponder o coeficiente de existência zero, nada im-
pede que se demonstre o contrário. Por isso, como anotamos
no início deste subitem, trata-se de verificação a ser realizada
previamente: tido um fato por impossível, é preciso compro-
var sua possibilidade para, em sequência lógica, certificar sua
ocorrência.

5.2.2 Fatos relevantes

A relevância está intrinsecamente relacionada com a de-


terminação. Segundo João Batista Lopes355, nem todos os fatos

354. Na referida fórmula, a crença é representada por “C”, “E” é o coeficiente de


probabilidade de existência, “P” corresponde ao valor da prova e “.” figura como
sinal multiplicador.
355. A prova no direito processual civil, p. 32.

201
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

precisam ser provados, mas só aqueles relevantes, que influen-


ciem o julgamento da lide. A definição do que seja fato relevan-
te, porém, é questão de cunho axiológico, exigindo um corte
metodológico mediante o qual se seleciona o que levar aos au-
tos e, dentre os acontecimentos relatados, faz-se novo recorte,
escolhendo os enunciados factuais cujo reconhecimento jurí-
dico desencadeia o nascimento de direitos e obrigações.
Tomamos fato como enunciado linguístico. Como tal, é
construído pelo ser humano. A natureza e relatividade contex-
tual dos enunciados fáticos exigem uma análise detida, que só
se pode fazer a partir da premissa de que um enunciado nunca é
dado por si mesmo em condição alguma, senão que é formulado
por alguém, em uma situação concreta e, geralmente, com uma
finalidade específica. Essa construção fática é sempre seletiva,
pois, ao enunciar, o sujeito que o formula realiza uma série de
eleições mediante as quais despreza o que não interessa incluir
no enunciado, tendo em vista o fim que pretende dar ao produ-
to de sua enunciação. Desse modo, expressa apenas aquilo que
considera relevante.
Michele Taruffo356, ao discorrer sobre o assunto, assevera
que no contexto processual entram em jogo dois critérios de
relevância que atuam como base para a seleção descritiva do
fato que se enuncia: (i) relevância jurídica; e (ii) relevância ló-
gica. Enquanto a relevância jurídica decorreria da qualificação
do fato segundo a norma que se lhe aplique para efeitos de de-
cisão [a que possibilita a subsunção], a relevância lógica seria
identificada em fatos que, conquanto não sejam juridicamente
qualificados por norma alguma, podem integrar o processo em
virtude de, por meio de seu conhecimento, ser possível elaborar
conclusões a respeito da verdade ou falsidade de outro fato, ju-
ridicamente qualificado. Nesse sentido, os indícios seriam fatos
sem relevância jurídica, mas abrangidos pela relevância lógica.

356. Algunas consideraciones sobre la relación entre prueba y verdad. Discusiones


n. 3, p. 19.

202
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Tal distinção, contudo, mostra-se inapropriada, tendo em


vista que a relevância há de ser sempre jurídica e lógica, si-
multaneamente. O que Michele Taruffo chama de relevância
lógica não deixa de ser jurídica, uma vez que os indícios só
são admitidos quando o próprio direito assim prescreve. Por
outro lado, a relevância jurídica apresenta, necessariamente,
o caráter da logicidade, pois o ato de aplicação da norma exige
as operações lógicas de subsunção e de implicação.
Víctor de Santo357, examinando a influência dos fatos na
decisão do conflito, classifica-os em imediatamente relevan-
tes, cuja prova é indispensável para o acolhimento ou rejeição
da pretensão, e mediatamente relevantes, como é o caso dos
indícios, que servem para demonstrar a existência ou inexis-
tência de outros fatos, imediatamente relevantes. A nosso ver,
porém, o fato apresenta o caráter da relevância ou não o apre-
senta, inexistindo terceira possibilidade.
Além disso, tomamos o vocábulo indício para designar
tudo o que indique, com probabilidade, a existência de algo.
Logo, é prova, e não fato a provar. A relevância de um fato,
no contexto processual, é determinada em função das conse-
quências jurídicas que lhe podem ser atribuídas, motivo pelo
qual, estando os fatos relacionados, de alguma forma, com a
situação conflituosa, são eles relevantes, fazendo-se necessá-
ria a produção das provas correspondentes.
São objeto de prova, portanto, os fatos dos quais se irra-
diam, no dizer de Pontes de Miranda358, a ação, a pretensão
ou a exceção, no campo processual. Estão representados, na
esfera tributária, pelo fato descrito no ato de lançamento e
pelas alegações do contribuinte, quer por ocasião da emissão
de norma individual e concreta, quer na impugnação ao lan-
çamento tributário. Daí por que o Decreto 70.235/72 relaciona
a descrição do fato como um dos requisitos do auto de infra-
ção (art. 10, III), prescrevendo também que, na impugnação à

357. La prueba judicial: teoría y práctica, p. 41-42.


358. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, p. 372.

203
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

exigência tributária, constem os pontos em relação aos quais


o sujeito passivo discorda (art. 16, III).

5.2.2.1 Fato pertinente e concludente

A pertinência, não obstante às vezes indicada como pre-


dicado indispensável aos fatos para que estes sejam susceptí-
veis de prova359, configura aspecto inerente à relevância, não
merecendo tratamento autônomo. A relevância do fato é ca-
racterizada por haver correspondência entre este e a situação
enfocada no processo, bem como por seu reconhecimento
desencadear efeitos jurídicos peculiares. A pertinência, por
sua, vez, diz respeito ao primeiro dos citados requisitos do
fato relevante, qual seja o relacionamento entre o fato e a lide
instalada.
O mesmo se pode dizer da concludência, entendida como
a qualidade de conduzir o julgador à conclusão acerca dos fa-
tos discutidos no processo. Fato concludente, nessa concep-
ção, não significa o enunciado que, por si só, seja suficiente
para formar a convicção do julgador, mas todo fato que, ao
lado de outros, possa servir como argumento para a proce-
dência ou improcedência da demanda360, em nada se distin-
guindo do chamado fato pertinente.
Considerado fato inconcludente aquele que leva ao con-
vencimento da ocorrência ou inocorrência de situações não
envolvidas na discussão processual [fato impertinente], sua
prova seria totalmente inócua. Nesse ponto, nota-se o intrín-
seco relacionamento entre os requisitos do fato susceptível de
ser objeto de prova e a função que a prova assume no sistema
jurídico: sendo destinada ao convencimento do julgador, só

359. Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil, v. 1; João Batista Lopes, A prova no direito
processual civil, p. 32-33; Enrique M. Falcón, Tratado de la prueba, v. 1, p. 88.
360. Francisco Augusto das Neves e Castro, Teoria das provas e suas aplicações aos
atos civis, p. 75.

204
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

tem cabimento a realização de enunciação probatória relativa


a fatos que possam levar a essa persuasão.

5.2.3 Fatos controversos

Alguns fatos, por deixarem de ser afirmados por qual-


quer das partes, não ingressam no sistema jurídico. Outros,
conquanto relatados por um dos sujeitos da lide, não confli-
tam com as argumentações da parte adversa, por serem ex-
pressamente admitidos ou por mera ausência de impugnação.
Após tal certificação, Francesco Carnelutti361 conclui existir
um setor de fatos que, por serem referidos tão somente por
uma das partes, sem que os adversários os confirmem, são
denominados fatos controvertidos, sendo estes, em regra,
constituidores da matéria de prova. Seguindo essa linha de
raciocínio, o Código Processual Civil brasileiro dispõe, em seu
art. 374, II e III, não dependerem de prova os fatos “afirmados
por uma parte e confessados pela parte contrária” e “admiti-
dos no processo como incontroversos”. Seriam essas as duas
situações em que, dada a inexistência de controvérsia acer-
ca da veracidade de determinados fatos, haveria dispensa da
produção probatória.
Convém esclarecer, de início, que o legislador, ao relacio-
nar o fato confessado dentre aqueles que independem de pro-
va, incorreu em petição de princípio362, visto que a confissão,
consistente na admissão de fatos desfavoráveis ao confitente,
configura meio de prova. É em decorrência dela que se tem
o reconhecimento do fato, fazendo com que este deixe de ser
controvertido. Esse o motivo pelo qual, a nosso ver, fato con-
fessado é fato provado, não tendo sentido falar em dispensa
de prova.

361. A prova civil, p. 42.


362. Falácia lógica consistente em demonstrar um enunciado por outro, quando o
segundo, ele próprio, depende do primeiro. Caracteriza-se pela pressuposição, em
um argumento, daquilo que se pretende demonstrar em sua conclusão.

205
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

A incontrovérsia pode derivar, também, da ausência de


impugnação do fato alegado pela parte contrária. Nas pala-
vras de João Penido Burnier Júnior363 “fato incontroverso
é o fato relevante que, alegado por uma das partes, não foi
impugnado pela outra, pelo que, em regra, é presumido pela
lei como verdadeiro”. Conquanto em algumas situações o di-
reito positivo, a exemplo do art. 344 do estatuto processual
em vigor, estabeleça semelhante implicação presuntiva, a
controvérsia não é qualidade indispensável ao fato para que
este configure objeto de prova. Muitas vezes, a lei exige prova
do fato alegado, ainda que em relação à assertiva de uma das
partes não se verifique discordância alguma. É o que aconte-
ce, dentre outras, nas hipóteses do art. 345 e dos incisos I a
III do art. 341 do CPC/2015, além dos fatos necessários para a
verificação do preenchimento das condições da ação, impres-
cindíveis ao processamento da demanda. O mesmo se verifica
nos processos administrativos tributários, em que, por exem-
plo, o impugnante deve comprovar que o sujeito que subscre-
ve a peça impugnatória figura como seu representante legal,
estando habilitado para tanto. Nota-se, assim, que, para um
fato ser objeto de prova ele não precisar apresentar-se, neces-
sariamente, controverso.

5.2.4 Fatos notórios

Escritores nacionais contemporâneos de grande enver-


gadura, como Cândido Rangel Dinamarco364, Vicente Greco
Filho365 e Humberto Theodoro Júnior366, defendem o princípio
da desnecessidade de prova dos fatos notórios, sendo essa, in-
clusive, a determinação constante do art. 374, I, do CPC/2015.

363. Teoria geral da prova, p. 26-27.


364. Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 63.
365. Direito processual civil brasileiro, v. 2, p. 183.
366. Curso de direito processual civil, v. 1, p. 413.

206
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Esse posicionamento advém de longa data, fundando-se


em lições de estudiosos como Giuseppe Chiovenda367, segun-
do o qual são objeto da prova os “fatos que não sejam reco-
nhecidos nem notórios, porquanto os fatos que não se possam
negar sine tergiversatione dispensam prova”. Alguns juristas,
porém, têm manifestado oposição a ele. Manoel Almeida e
Sousa Lobão368 ponderava não bastar dizer ser um fato eviden-
te ou notório para se dispensar a prova, uma vez que a própria
notoriedade é fato que precisa ser provado. Essa era a orien-
tação, também, de João Monteiro369: “Costumam os escritores
ensinar que só os fatos duvidosos devem ser provados, não as-
sim o que é evidente e notório. Entretanto nos parece que tal
conceito, assim genericamente enunciado, não é de receber
sem crítica ou distinções. Por mais notório que apareça o fato,
seja este permanente ou transitório, precisa de ser provado na
causa, isto é, não podendo o juiz julgar só pela notoriedade do
fato, pois, se o pudesse, seria também testemunha; preciso é
que testemunhas deponham afirmando a notoriedade. Aque-
la lição só procede se o fato for de notoriedade histórica tão
geral, que absolutamente ninguém possa ignorá-lo”. Escrito-
res como Jeremías Bentham370 e Carlos Lessona371 também
se insurgiram contra a fórmula notoria non egent probatione,
concluindo este último que o notório, por si só, não faz prova,
nem deve deixar de ser provado um fato só por ser ele notório,
pois a notoriedade não implica veracidade do fato.
Além de tais argumentos, que consideramos integral-
mente procedentes, a notoriedade, como a quase-totalidade
dos conceitos, é relativa, condicionada por variantes de es-
paço e de tempo. Daí a definição de fato notório como aquele
cuja existência é conhecida pela generalidade dos cidadãos

367. Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 94.


368. Segundas linhas sobre processo civil, v. 1, p. 418.
369. Teoria do processo civil e comercial, p. 126.
370. Tratado de las pruebas judiciales, p. 76.
371. Teoría general de la prueba en derecho civil, v. 1, p. 175.

207
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

de cultura média, no tempo e lugar em que a afirmativa é


enunciada. Nesse sentido, assevera Calamandrei372 que não
é o conhecimento real e efetivo que gera notoriedade, mas a
normalidade desse conhecimento por parte do homem médio
pertencente a determinado círculo social e dotado de certo
grau de cultura. Pondera esse jurista que a passagem de um
cometa invisível a olhos nus, conhecida por poucas dezenas
de astrônomos, não é menos notória que a data da cessação
da guerra ítalo-austríaca, que é conhecida por milhões de ita-
lianos373. Tal ordem de considerações confirma nossa conclusão
no sentido de que também os fatos notórios devem ser prova-
dos: apenas o modo de atestar sua veracidade é mais simples,
podendo dar-se mediante mera apresentação do documento
que o relata, apto a torná-lo conhecido por toda a sociedade ou
seguimento desta. Outra situação, trazida por Moacyr Amaral
Santos374 ao discorrer sobre a desnecessidade de prova de fato
notório, acaba por contradizer sua premissa: “O juiz pode ig-
norar a época em que se faz a colheita de café, no Estado de
São Paulo, mas nem por isso essa época deixa de ser notória,
bastando-lhe, para conhecê-la, consultar qualquer calendário
especializado ou qualquer agricultor ou comerciante de café”.
Tal se dá em virtude de que, como esclarece Paulo de Barros
Carvalho375, “o qualificativo notório deve ser justificado, ainda
que a prova seja singela. Não nos esqueçamos de que a mera
referência a ele já é manifestação probatória, pela sua força
retórica”.
A notoriedade impõe prova para seu reconhecimento, o
que implica prova do próprio fato. Os fatos notórios são aque-
les incorporados à cultura de um grupo social, cuja verificação
é facilmente realizável pelos meios com que conta dito grupo.

372. Estudios sobre el proceso civil, p. 200.


373. Per la definizione del fatto notorio, Rivista di Diritto Processuale Civile, v. 1, p. 269.
374. Prova judiciária no cível e comercial, v. 1, p. 181.
375. Teoria da prova e o fato jurídico tributário. Apostila do Programa de Pós-Gra-
duação em Direito [Mestrado e Doutorado] da USP e da PUC/SP.

208
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Isso evidencia a necessidade de verificação do fato para que


ele seja considerado notório e, portanto, provado, ainda que o
processo de sua verificação seja sumário.

5.2.5 Fatos negativos

Costuma-se sustentar que não se provam fatos negativos376.


Tal assertiva, contudo, não tem razões de ser. Não é porque um
fato seja apresentado sob a forma de enunciado linguístico ne-
gativo que a frase deixe de afirmar alguma coisa. Uma propo-
sição negativa implica, necessariamente, proposição positiva
contrária. Se asseguro que “Fulano” não estava em São Paulo
em determinado dia, isso significa que ele se encontrava em
outro local. Por isso, conclui Moacyr Amaral Santos377: “se nas
negações há sempre, ou quase sempre, afirmações correspon-
dentes, e vice-versa, dizer-se que o fundamento do princípio
negativa non sunt probanda está na circunstância de ser im-
possível a prova das negativas é o mesmo que se afirmar, igual-
mente, ser impossível a prova das afirmativas. Basta essa ob-
servação para abalar o princípio emanado daquele brocardo”.
Relativizando a posição segundo a qual os fatos negativos
não seriam objeto de prova, pondera João Batista Lopes378 que
apenas as negativas absolutas [ex.: jamais estive em tal lugar]
seriam de impossível produção probatória, ao passo que aque-
las delimitadas no tempo e no espaço [ex.: não estive em tal
lugar no dia X, às Y horas] sujeitar-se-iam à comprovação. No
primeiro caso, a impossibilidade da prova não advém do cará-
ter negativo da alegação, mas da sua propriedade indefinida,
indeterminada. Para distinguir essas duas possibilidades de

376. É possível a existência de fatos negativos, pois fatos são enunciados linguísti-
cos, e os enunciados podem ser afirmativos ou negativos. O que não se pode conce-
ber é um evento negativo, visto que, sendo o evento um acontecimento, é, necessa-
riamente, algo positivo.
377. Prova judiciária no cível e comercial, v. 1, p. 189.
378. A prova no direito processual civil, p. 34.

209
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

negações, Devis Echandía379 refere-se à existência de (i) ne-


gações substanciais absolutas, que não se baseiam na verifica-
ção de fato algum, não implicando, por conseguinte, nenhuma
afirmação oposta, e de (ii) negações formais ou aparentes, as
quais, na realidade, são afirmações negativas. Feita a distin-
ção, conclui o autor que as únicas e verdadeiras negações se-
riam as substanciais ou absolutas, tendo em vista que as nega-
ções formais, qualquer que seja sua modalidade, não passam
de afirmações formuladas negativamente, sendo susceptíveis
de prova mediante a demonstração do fato positivo contrário.
Ocorre que o sistema jurídico não acolhe afirmações inde-
finidas. Um fato sem delimitações de tempo e de espaço está
impedido de alcançar o status de fato jurídico, tendo em vista
que as hipóteses normativas exigem, na sua composição, a pre-
sença dos critérios temporal e espacial. Nas palavras de Paulo
de Barros Carvalho380, as negativas absolutas não são, sequer,
fatos. Por via de consequência, o enunciado relevante para o
desencadeamento dos correspondentes efeitos de direito apre-
senta-se, impreterivelmente, orientado por coordenadas espa-
ço-temporais. Isso faz com que o fato negativo, no direito, seja
sempre passível de prova. Uma das possibilidades consiste na
demonstração do fato positivo contrário. Assim, tendo o contri-
buinte sido autuado em razão de distribuição disfarçada de lu-
cros, trazendo o Fisco elementos comprobatórios de alienação
de bem do ativo fixo a pessoa ligada, por valor notoriamente
inferior ao de mercado, incumbe ao sujeito passivo constituir
prova em contrário, demonstrando que o valor da venda não é
inferior ao de mercado. A prova dessa negativa faz-se mediante
demonstração de que o negócio jurídico realizou-se em valores
comumente praticáveis. Em outros casos, a prova do fato nega-
tivo decorre da ausência de prova do fato positivo apto a ilidir
a negação. Desse modo é que, procedendo a fiscalização à co-
lheita de dados eletrônicos, retirados dos microcomputadores

379. Teoría general de la prueba judicial, p. 210 e s.


380. Teoria da prova e o fato jurídico tributário. Apostila do Programa de Pós-Gra-
duação em Direito [Mestrado e Doutorado] da USP e da PUC/SP.

210
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

da empresa, e alegando o contribuinte que não foram tomadas


providências visando a assegurar a inalterabilidade do conteú-
do dos arquivos, tem-se por provada sua argumentação caso o
ente tributante não comprove a adoção de tais medidas. Sem
a prova dos procedimentos de segurança, tem-se por provada
a não-realização destes. Nessa hipótese, o caminho dedutivo é
mais complexo, porém não deixa de configurar prova do fato
negativo.

5.2.6 A prova nas hipóteses de presunção

O art. 374, IV, do CPC/2015 relaciona, dentre os fatos que


não dependeriam de prova, aqueles “em cujo favor milite pre-
sunção legal de existência ou de veracidade”. Os fatos presu-
midos não precisariam de produção probatória confirmadora
por serem considerados verdadeiros em decorrência de pre-
sunções legais ou hominis. Em razão, disso, pontua Vicente
Greco Filho381 que, “se a lei dá como verdadeiro determinado
fato, está a parte dispensada de prová-lo, em sendo a presun-
ção absoluta. Em sendo a presunção relativa, a parte em favor
de quem milita a presunção não precisa prová-lo, incumbindo
à parte contrária o ônus de produzir, se for o caso, a prova
contrária”.
Considerando, porém, que a presunção não passa de
operação mental, que toma como ponto de partida um fato
para, por meio de inferência lógico-dedutiva, construir-se o
fato presumido, a conclusão a que chegamos é bem diversa.
Nas presunções, a presença da prova é imperativa, pois não
há como desenvolver o raciocínio presuntivo sem que esteja
demonstrada a ocorrência do fato que autoriza a presunção
[indício].
Nas hipóteses de presunção, qualquer que seja sua mo-
dalidade, a prova é indispensável. Como esclarece Maria Rita

381. Direito processual civil brasileiro, v. 2, p. 183.

211
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Ferragut382, “quem alega a ocorrência do fato indiciado deve


provar a ocorrência dos indícios, fatos diretamente conheci-
dos, e aquele contra quem a presunção aproveita deve provar,
alternativa ou conjuntamente, a inocorrência dos indícios, do
fato indiciado, a existência de diversos indícios em contrário
ou, ainda, questionar a razoabilidade da relação jurídica de
implicação”. Logo, não há que falar em inversão do ônus da
prova, e, muito menos, em dispensa de produção probatória,
como demonstrado no subitem 4.7.3 do capítulo 4.

5.2.7 Prova do direito

Em todo processo tem-se alegação de fatos e referência a


normas jurídicas cuja aplicação se pleiteia, cabendo ao julga-
dor interpretá-los, fazendo o quadramento do fato à norma.
Nessa atividade, dois são os âmbitos de análise necessários à
solução da lide: a norma jurídica [questão de direito] e o fato
jurídico [questão de fato].
No que diz respeito ao exame da norma jurídica, de sua
existência e compatibilidade com o ordenamento, o julga-
dor não depende das afirmações e das provas apresentadas
pelas partes, tendo em vista que as conhece – ou as deve co-
nhecer – por si mesmo [iura novit curia]. É indiferente que
o conhecimento do direito seja obtido mediante elementos
provindos das partes ou proporcionados pela cultura ou in-
vestigação pessoal daquele que julga. Esse é o motivo pelo
qual, via de regra, o direito não precisa ser provado. Ex-
cepcionalmente, contudo, caso uma das partes fundamen-
te-se em norma de direito municipal, estadual, estrangei-
ro ou consuetudinário, é lícito ao juiz requerer a produção
probatória do correspondente teor e vigência (art. 376 do
CPC/2015). Semelhante é o caminho perfilhado pela Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que, em seu art.
14, estabelece: “não conhecendo a lei estrangeira, poderá o

382. Presunções no direito tributário, p. 71-72.

212
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência”.


Especificamente no âmbito administrativo tributário fede-
ral, a regra é repetida pelo art. 16, §3°, do Decreto 70.235/72,
nos termos do qual é permitido ao julgador determinar que
o impugnante faça prova do teor e vigência do direito muni-
cipal, estadual ou estrangeiro por ele alegado.
A prova da existência e teor da lei pode dar-se por qual-
quer documento que mereça fé, como aqueles exarados por
órgão oficial, constantes de coleções de leis, certidão passada
pela repartição competente etc. Já a vigência da lei depende de
interpretação, podendo ser comprovada por manifestação do
departamento responsável, pareceres de juristas, julgados mo-
nocráticos ou de tribunais, dentre outros. Tratando-se de prova
de direito estrangeiro, há de ser acompanhada de sua tradução,
realizada nos termos da lei, e, quanto ao direito consuetudiná-
rio, sua comprovação é feita comumente por meio de depoimen-
tos testemunhais ou mediante a apresentação de precedentes
jurisprudenciais. Obviamente, em qualquer dessas situações,
sempre caberá contraprova, objetivando a demonstração do
teor e vigência de regra de direito diversa, competindo ao jul-
gador apreciar e valorar cada uma das provas levadas ao seu
conhecimento.
Não obstante a situação probatória ora referida receba a
denominação prova do direito, a prova nela verificada tem por
objeto um fato. Na hipótese de prova do direito estadual, mu-
nicipal, costumeiro ou estrangeiro, demonstram-se seu teor e
vigência, o que não deixa de ser um fato: o fato da existência,
conteúdo e vigência da norma.

5.3 Conteúdo da prova

O conteúdo da prova está intrinsecamente relacionado


com seu objeto. Ambos são verso e reverso da mesma moeda.
Enquanto o objeto diz respeito ao fato que se pretende provar,
o conteúdo corresponde ao fato provado. O fato probando, ob-
jeto da prova, apresenta-se como algo externo à prova, que lhe

213
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

antecede logicamente: é a suposição que se deseja demonstrar.


O conteúdo probatório, diversamente, é interno à prova: de-
corre da existência da prova já realizada, consistindo nos fatos
por ela constituídos.
Essa distinção é visualizada com maior facilidade quando
recordamos que a prova apresenta a qualidade de signo. Como
já asseverado, o fato [alegação] é signo do evento, enquanto
a prova figura como signo do fato alegado: fato de outro fato.
Para tanto, o suporte físico da prova veicula enunciados cons-
titutivos de determinadas situações no tempo e no espaço, as
quais, por esse meio, passam a integrar o sistema jurídico. Ao
representar o fato alegado, seu objeto, a prova introduz no or-
denamento um outro fato: o enunciado probatório, fato jurí-
dico em sentido amplo, que servirá como elemento de convic-
ção do julgador para a composição do fato jurídico em sentido
estrito. Esse é o motivo pelo qual se afirma que “alegar e não
provar é o mesmo que nada alegar”383.
Pelo que se expôs, o conteúdo da prova há de ser, sempre,
um fato: o fato veiculado no suporte documental probatório.
Mesmo nas hipóteses em que se apresenta a chamada prova do
direito, seu conteúdo não deixa de ser um enunciado factual:
o fato da existência, teor e vigência de determinada legislação.

5.4 A forma da prova

É usual encontrar na doutrina referência ao procedimen-


to sob a noção de forma. Exemplifica Gregorio Robles384 que
se fala em forma do contrato ou forma do testamento para
indicar o aspecto procedimental ou conjunto de requisitos ne-
cessários para que o ato pretendido seja válido. Nesse sentido,
cada meio de prova assumiria uma forma, assim entendido o
procedimento organizacional exigido pelo ordenamento para
que se obtenha o produto prova.

383. Aclibes Burgarelli, Tratado das provas cíveis, p. 37.


384. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, p. 43.

214
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Não é essa, contudo, a acepção em que estamos empre-


gando o vocábulo. Quando nos referimos à forma como um
dos elementos da prova, estamos indicando o modo pelo qual
esta se manifesta. É por meio da forma que existe a comuni-
cação, pois apenas se veiculado em um suporte físico o des-
tinatário tem acesso ao enunciado: todo enunciado exige um
elemento material que funcione como estímulo à mente do
sujeito que com ele entra em contato, desencadeando a cons-
trução significativa. Assim entendida a forma das provas, esta
será, necessariamente, documental.
Ao referir-se aos princípios que orientam a produção pro-
batória, é comum a menção à oralidade. Arruda Alvim385 expli-
ca que, em um sentido absoluto, por oralidade “entende-se que
somente tem validade para o processo aquilo que tenha sido
deduzido originariamente de forma oral, frente ao juiz ou juí-
zes”, contrapondo-se ao processo escrito, o qual, também con-
siderado em seu sentido absoluto, significaria validade apenas
aos atos praticados originariamente por escrito. Todavia, con-
siderando o modo como atualmente se concebe o ordenamen-
to, não encontram aplicação esses conceitos radicais, levando à
adoção de um princípio da oralidade tomado em sentido mais
brando. Fazendo esclarecimentos desse jaez, Aclibes Burga-
relli386 conclui que, conquanto a referência à oralidade possa
conduzir o menos avisado ao entendimento de que esta se con-
trapõe à escrituração, no que tange ao direito processual esse
princípio conota sentido relativo: “traduz-se na informação de
que tudo que é verbalizado, no âmbito das partes do processo,
necessariamente deve resumir-se sob a forma escrita”. Seme-
lhante é o posicionamento de Giuseppe Chiovenda387, manifes-
tando que o processo medieval “lentamente se transformou
de oral em escrito”. É o que se observa no direito positivo

385. Manual de direito processual civil, v. 2, p. 414.


386. Tratado das provas cíveis, p. 45.
387. Instituições de direito processual civil, p. 354.

215
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

brasileiro, como anota Vicente Greco Filho388: “O depoimento


da testemunha será datilografado, mediante ditado do juiz [...].
O depoimento poderá, também, ser registrado por taquigrafia,
estenotipia ou outro método idôneo de documentação, facul-
tando-se às partes a sua gravação. Nesses casos, ou seja, quan-
do não for datilografado na própria audiência, será ele passado
para a versão datilográfica quando houver recurso da sentença
ou quando o juiz o determinar, de ofício ou a requerimento da
parte (art. 417, com a redação dada pela Lei 8.952/94)”389.
A prova, qualquer que seja o modo de sua produção, há
de ser veiculada sempre em um documento, em linguagem
escrita ou susceptível de ser reduzida a escrito.
No que concerne ao processo administrativo tributário
federal, o Decreto 70.235/72 refere-se expressamente à forma
escrita como imperativo dos atos nele verificados, dispondo,
em seu art. 2º, que “Os atos e termos processuais, quando a
lei não prescrever forma determinada, conterão somente o in-
dispensável à sua finalidade, sem espaço em branco, e sem en-
trelinhas, rasuras ou emendas não ressalvadas”. As expressões
espaço em branco, entrelinhas, rasuras e emendas evidenciam
o revestimento linguístico escrito de tais atos: (i) espaço em
branco é toda porção do papel em que caberia alguma pala-
vra, sem se perceber ter sido ela intercalada; (ii) entrelinhas
são escritos, letras, algarismos ou quaisquer outros sinais que
se insiram entre duas ou mais linhas; (iii) rasura decorre da
raspagem do papel ou da destruição da tinta que antes estava
nele, de modo que, em vez de acrescentar, como acontece em
caso de entrelinha, aqui se procede à subtração, erosão ou de-
terioração do suporte físico documental; (iv) emenda é o ato
que, sem entrelinhar, nem rasurar, corrige ou muda o que se
escreveu390.

388. Direito processual civil brasileiro, v. 2, p. 223-224.


389. O trecho transcrito alude ao CPC de 1973. Referido assunto é tratado, atual-
mente, no art. 460 do CPC/2015.
390. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, t. 3, p. 65-66.

216
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Considerando que ato processual é toda conduta dos su-


jeitos do processo que tenha por efeito a criação, modifica-
ção ou extinção de situações jurídicas processuais391, a prova
apresenta-se como modalidade dele. Trata-se de ato proces-
sual instrutório, consistente em carrear aos autos elementos
destinados a convencer o julgador acerca da veracidade de
suas alegações, a ela aplicáveis, portanto, os dispositivos aci-
ma referidos392.

5.5 Função da prova

A atividade probatória das partes tende à constituição


ou desconstituição dos fatos, mediante convencimento do jul-
gador. Em razão dessa dualidade, bifurcam-se as seguintes
correntes acerca da função da prova: (i) corrente cognoscitiva,
segundo a qual a prova é essencialmente um instrumento de
conhecimento, adotada por Michele Taruffo393, para quem a
função da prova é oferecer ao julgador elementos para esta-
belecer se determinado enunciado é verdadeiro ou falso, me-
diante conhecimento da realidade; e (ii) concepção persuasi-
va, entendendo servir a prova como meio de persuasão, nada
tendo que ver com o conhecimento dos fatos, não se prestan-
do para reconhecer sua verdade ou falsidade. Essa bipartição
decorre da adoção da verdade por correspondência. Partindo,
entretanto, da premissa de que não há ligação entre a verdade
e os eventos, sendo a realidade constituída pela linguagem,
essa contraposição de posicionamentos não tem sentido. Daí
por que, ao entender ser persuasiva a função da prova, isso

391. Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel
Dinamarco, Teoria geral do processo, p. 299. O ato processual padece da ambiguida-
de processo/produto, mas, ao referir-se à forma escrita, o Decreto 70.235/72 diz res-
peito ao resultado da enunciação [produto].
392. Convém registrar a redundância da referência a ato e termo, pois o segundo,
conforme lição de Maria Helena Diniz, é “instrumento pelo qual certos atos proces-
suais são formalizados” (Dicionário jurídico, v. 4, p. 535).
393. Algunas consideraciones sobre la relación entre prueba y verdad, Discusiones,
n. 3, p. 31.

217
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

não significa desprezo pela verdade ou falsidade dos fatos: a


prova objetiva convencer o destinatário sobre a verdade ou
falsidade de um fato, o que se dá com o conhecimento dos
elementos trazidos ao processo. Não se tem, por conseguinte,
uma persuasão pura e simples, desconectada de qualquer re-
lação com o conhecimento, pois quem fala o faz em nome de
uma verdade.
Persuadir consiste em contrapor opções, tratando de
criar a convicção da verdade de uma opção perante outra.
Nisso consiste criar a certeza do julgador, não servindo a pro-
va, como pontua Francesco Carnelutti394, para conhecer os
acontecimentos, mas para conseguir uma determinação for-
mal dos fatos. A teoria das provas não se volta ao objeto em
si [essência] ou à sua manifestação [fenômeno], mas ao seu
relato em linguagem competente [constructivismo], ou seja,
ao fato jurídico.
Ao discorrer sobre a função da prova, Francesco Carne-
lutti395 refere-se expressamente ao caráter inventivo do julga-
mento, consistente em “encontrar, através do presente, o fu-
turo de um passado ou o passado de um futuro. [...] Encontrar
o futuro de um passado ou o passado de um futuro é sempre
um salto nas trevas. [...] o juiz está em meio a um minúsculo
cerco de luzes, fora do qual tudo são trevas: atrás dele o enig-
ma do passado e diante, o enigma do futuro. Esse minúscu-
lo cerco é a prova. [...] A prova é o coração do problema do
julgamento”. É por meio das provas levadas aos autos que o
julgador se convence acerca da ocorrência ou não dos fatos
alegados pelas partes. Nas palavras de Malatesta396, “sendo a
prova o meio objetivo pelo qual o espírito humano se apodera
da verdade, sua eficácia será tanto maior, quanto mais cla-
ra, mais plena e mais seguramente ela induzir no espírito a

394. A prova civil, p. 80.


395. Ibidem, p. 16.
396. A lógica das provas em matéria criminal, p. 23.

218
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

crença de estarmos de posse da verdade”. Daí sua relevância


no convencimento do julgador, seu destinatário397.

5.6 Finalidade da prova

A prova não pode ser considerada um fim em si mesma.


É instrumento para construir a verdade no processo: a prova
é sempre prova de algo. Por isso, não obstante sua função seja
persuasiva, essa tarefa de convencer o julgador visa a atingir
determinada finalidade, orientada à constituição ou descons-
tituição do fato jurídico em sentido estrito.
Provar um fato é estabelecer sua existência [ou inexis-
tência, na hipótese de pretender-se desconstituir o fato].
Nessa medida, a tarefa daquele que produz a prova jurídica
é semelhante à do historiador: ambos se propõem a esta-
belecer fatos representativos de acontecimentos pretéritos,
por meio dos rastros, vestígios ou sinais deixados por referi-
dos eventos e utilizando-se de processos lógico-presuntivos
que permitam a constituição ou desconstituição de deter-
minado fato. Esse é o fim da prova: a fixação dos fatos no
mundo jurídico398.
Conclui-se, com Eduardo Cambi399, que “os fatos não são
um dado, mas, ao contrário, algo a ser investigado, construí-
do, no processo, a partir do resultado da atividade probatória
desenvolvida pelas partes, em colaboração com o juiz, e da
valoração a ser atribuída a essas provas”. Exige-se, portanto,
o convencimento do julgador para que este, ao decidir, cons-
titua nos autos o fato jurídico acerca do qual se convenceu.

397. Não deixa de cumprir a prova, ainda, uma função externa ao processo, voltada
à legitimação social do exercício do poder jurisdicional. Sobre o assunto, consulte-
-se Antonio Magalhães Gomes Filho, Direito à prova no processo penal, p. 13.
398. Francesco Carnelutti, A prova civil, p. 45; Jaime Guasp, Derecho procesal civil,
p. 332; Maria Rita Ferragut, Presunções no direito tributário, p. 44; Susy Gomes Hof-
fmann, Teoria da prova no direito tributário, p. 27.
399. Direito constitucional à prova no processo civil, p. 52.

219
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

É por meio do caráter instrumental da função persuasiva da


prova que esta atinge seu objetivo de fixar determinados fa-
tos no universo do direito. Mediante a atividade probatória
compõe-se a prova, entendida como fato jurídico em senti-
do amplo, que é o relato em linguagem competente de even-
to supostamente acontecido no passado, para que, mediante
a decisão do julgador, constitua-se o fato jurídico em sentido
estrito, desencadeando os correspondentes efeitos.

220
CAPÍTULO 6
DINÂMICA DA PROVA

6.1 O ato de provar

A prova, como relato linguístico que é, decorre de atos


de fala, caracterizadores de seu processo de enunciação,
realizado segundo as normas que disciplinam a produção
probatória. Produzido o enunciado protocolar correspon-
dente à prova, este só ingressa no ordenamento por meio
de uma norma jurídica geral e concreta, que em seu antece-
dente traz as marcas da enunciação [enunciação-enuncia-
da], prescrevendo, no consequente, a introdução no mundo
jurídico dos enunciados que veicula. Esse instrumento utili-
zado para transportar os fatos ao processo, construindo fa-
tos jurídicos em sentido amplo, é o que denominamos meio
de prova.
Isso não significa, contudo, que para provar algo basta
simplesmente juntar um documento aos autos. É preciso es-
tabelecer relação de implicação entre esse documento e o fato
que se pretende provar. A prova decorre exatamente do vín-
culo entre o documento e o fato probando. Conquanto con-
sistam em enunciados linguísticos, os fatos só apresentarão
o caráter de provas se houver um ser humano utilizando-os

221
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

para deduzir a veracidade de outro fato. É que, como ponde-


ra Dardo Scavino400, “um fato não prova nada, simplesmente
porque os fatos não falam, se obstinam em um silêncio absolu-
to do qual uma interpretação sempre deve resgatá-los. Somos
nós quem provamos, que nos valemos da interpretação de um
fato para demonstrar uma teoria”.
Para concretizar tal desiderato, produzindo enunciados
probatórios, exige-se observância a uma série de regras estru-
turais, que se prestam à organização dos diversos elementos
linguísticos, cujo relacionamento se mostra imprescindível à
formação da prova. Trata-se da sintaxe interna da prova.
Entende-se por sintaxe a parte da gramática que exami-
na as possíveis opções relativas à combinação das palavras
na frase, em suas relações de concordância, de subordinação
e de ordem401. Consiste no componente do sistema linguístico
que determina os liames de interligação entre os elementos
constituintes da sentença, atribuindo-lhes uma estrutura.
Efetuados tais esclarecimentos, não é difícil concluir que a
prova, na qualidade de enunciado de linguagem, apresen-
ta uma sintaxe interna e outra externa: (i) a forma como os
signos se combinam para constituir o enunciado probatório
corresponde à sintaxe interna; (ii) o modo pelo qual a pro-
va se articula com outros enunciados diz respeito à sintaxe
externa. Sobre o assunto, esclarece Paulo de Barros Carva-
lho402 que, “assim como há uma sintaxe interna das normas
jurídicas [intranormativa], há também uma sintaxe externa
[internormativa]. A mesma coisa ocorre com as provas: há
uma estrutura interior [sintaxe interna] e outra exterior [sin-
taxe externa, que governa a articulação das provas, organi-
zando-as para que o julgador possa decidir”. Neste capítulo,

400. La filosofía actual: pensar sin certezas, p. 39 [tradução nossa].


401. Antônio Houaiss, Mauro de Salles Villar e Francisco Manoel de Mello Franco,
Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 2581.
402. Teoria da prova e o fato jurídico tributário. Apostila do Programa de Pós-Gra-
duação em Direito [Mestrado e Doutorado] da USP e da PUC/SP.

222
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

dedicaremos nossa atenção à primeira modalidade sintática,


procurando elucidar seu procedimento organizacional, bem
como os componentes que o integram.

6.1.1 Atos de consciência

Na atividade de enunciação, tomada como ato de cons-


ciência, identificamos três aspectos distintos: (i) a ação de
realizar o ato de fala; (ii) o texto produzido pelo ato de fala,
entendido em sua forma – suporte físico; e (iii) o conteúdo
daquele ato de fala – significação. Em Husserl403 encontra-
mos firme distinção entre os atos ou modalidades-de-cons-
ciência do sujeito e os conteúdos por eles veiculados, ine-
xistindo relação unívoca entre ambos. “Os atos de vontade
são a conditio sine qua non da existência das normas; não,
porém, conditio per quam. Quer dizer, sem o fato do querer
empírico de um sujeito individual ou de um sujeito coletivo,
exercido em determinada forma [juridicamente preestabe-
lecida], não se constitui a norma. Mas a validade, qualidade
específica sua, decorrente da relação que tem ela no sistema
de normas, não depende do fato de querer subjetivo”404. Eis
a noesis em contraposição ao noema: ato e conteúdo do ato,
respectivamente.
A todo ato de vontade corresponde um conteúdo, o qual,
para ser objetivado, requer, também, forma em que se mate-
rialize. Podemos falar, portanto, em (i) ato de consciência; (ii)
forma de consciência; e (iii) conteúdo de consciência, como
parcelas da intencionalidade indissociáveis entre si. Uma
coisa é perceber, como ato específico e histórico, de ordem
psíquica; outra coisa é o seu resultado, isto é, a percepção,
que aparece como forma de consciência; e outra, ainda, é o

403. Apud Lourival Vilanova, Teoria da norma fundamental, in Escritos jurídicos e


filosóficos, v. 1, p. 309.
404. Lourival Vilanova, Teoria da norma fundamental, in Escritos jurídicos e filosófi-
cos, v. 1, p. 325. Registre-se, contudo, que entendemos a validade como relação de per-
tinencialidade da norma com o sistema jurídico, e não como uma qualidade daquela.

223
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

conteúdo dessa percepção. Do mesmo modo, o pensar é ato de


consciência, ao passo que sua forma é o pensamento e o con-
teúdo identifica-se com a ideia. São três categorias distintas,
inconfundíveis entre si.
Aplicadas tais concepções à prova, visualizamos a tripar-
tição ato/forma/conteúdo tanto no que diz respeito à inserção
do fato probando no ordenamento, como à enunciação do fato
provado. Quanto à hipótese fática que se pretende provar, te-
mos: (i) ato de alegar, consistente na atividade enunciativa;
(ii) forma do ato, representada pela petição da parte; e (iii)
conteúdo do ato, entendido como enunciado cuja veracidade
se deseja demonstrar. Relativamente à prova, distinguem-se
o (i) ato de provar; (ii) a forma; e (iii) o conteúdo daquele ato.
Empregando o testemunho, a título de exemplo, o ato de cons-
ciência corresponde à realização da oitiva testemunhal, sua
forma é o testemunho reduzido a termo, e o conteúdo identi-
fica-se com os enunciados veiculados, ou seja, o resultado da
manifestação da testemunha, constante do respectivo termo.

6.1.2 Sintaxe interna do procedimento probatório

Para provar algo é preciso observar as respectivas re-


gras de ordenação, segundo as quais aquele que pretende
ver constituído determinado fato jurídico em sentido estrito
precisa, primeiramente, afirmar um fato F, para, em seguida,
prová-lo. Na dinâmica das provas temos, assim, duas etapas:
(i) da afirmação dos fatos; e (ii) da correspondente produção
probatória.
A afirmação de um fato, segundo Francesco Carnelutti405,
é a posição deste como motivo da petição dirigida ao julgador.
“Quando o ato cuja realização seja pedida ao juiz pressupo-
nha a existência de determinado fato, a petição do próprio ato
implica necessariamente a afirmação do mesmo: afirmação,
que se entende, de sua existência material. Se peço ao juiz

405. A prova civil, p. 34.

224
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

que condene Tício a restituir-me a quantia mutuada, afirmo


com isso a conclusão do contrato de mútuo e a entrega da
quantia ao mutuário”. A dinâmica probatória exige que, pri-
meiramente, se afirme o fato, para, depois, demonstrá-lo com
o emprego de provas. Tal afirmação é veiculada na petição
inicial e na contestação, no lançamento tributário e na res-
pectiva impugnação, que constituem a base para a produção
probatória, realidade jurídica sobre a qual o julgador se orien-
tará para expedir norma individual e concreta resolutiva do
conflito de interesses406.
Ao discorrermos sobre o objeto da prova, evidenciamos
tratar-se, sempre, de um fato. Até mesmo na linguagem ordi-
nária o vocábulo prova é empregado como demonstração da
veracidade de alguma proposição. Daí a inarredável conclu-
são de que “somente se fala de prova a propósito de alguma
coisa que foi afirmada e cuja exatidão se trata de comprovar;
não pertence à prova o procedimento mediante o qual se des-
cobre uma verdade não afirmada senão, pelo contrário, aque-
le mediante o qual se demonstra ou se encontra uma verdade
afirmada”407.
Considerando que a prova de um enunciado se faz por
meio de outro enunciado que lhe é posterior, a sintaxe externa
do procedimento probatório pode assim ser formalizada:

[Fal . (E1 . E2 . E3 . ... En)] → Fj

Interpretando a fórmula apresentada, temos:


(i) O fato alegado [Fal] é um prius em relação à prova. Pri-
meiro alega-se o fato; depois procura-se prová-lo. Esse fato
alegado integra o sistema do direito e, portanto, qualifica-se
como fato jurídico em sentido amplo;
(ii) E1, E2, E3 e En são, cada qual, enunciados probatórios

406. Rodrigo Dalla Pria, O direito ao processo, in Processo tributário analítico, p. 36.
407. Francesco Carnelutti, A prova civil, p. 67.

225
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

[fatos jurídicos em sentido amplo], ligados pelo conectivo con-


juntor aditivo “.”; e
(iii) Fj representa o fato jurídico constituído a partir da
combinação articulada dos diversos enunciados probatórios
[fato jurídico em sentido estrito].
E1, E2, E3 e En consistem nas diversas provas introduzidas
nos autos processuais. Em cada uma delas tem-se, interna-
mente, sintaxe do procedimento probatório. Exemplo: supon-
do-se que E1 seja enunciado constituído por meio de exame
pericial, para obtê-lo é preciso seguir um procedimento de-
terminado, em que se alega um fato Fal’, tal como a existência
de sinais que precisam ser interpretados por quem tenha co-
nhecimento técnico específico, realizando-se, em seguida, o
procedimento de produção do exame pericial, em decorrência
do qual surgirá o produto, consistente no laudo pericial. Es-
quematizando, identificamos a seguinte sequência na produ-
ção de cada enunciado probatório:

(Fal’. Sp) → E,

em que Fal’ é o fato alegado, justificando o pedido de rea-


lização probatória, “Sp” indica o procedimento de ordenação
da prova, ou seja, sua sintaxe interna, e “E” corresponde ao
enunciado probatório produzido.
É claro que a referência sintática ora efetuada apresen-
ta-se simplificada, com o objetivo de facilitar a visualização
das relações entre os diversos componentes da prova, no seu
processo produtivo. A cadeia que se inicia com a alegação e
finda-se com o resultado da enunciação probatória ostenta,
internamente, pelo menos quatro etapas: (i) pedido de produ-
ção da prova; (ii) especificação da prova que se pretende pro-
duzir; (iii) justificação, indicando-se os motivos em razão dos
quais a produção probatória é relevante; e (iv) deferimento
pelo julgador. Tudo isso ocorre naquele ínterim entre a alega-
ção do fato e a realização de sua prova, tornando sua dinâmi-
ca bastante complexa, merecedora de tratamento minucioso,

226
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

que será realizado no item 6.3.


Para reduzir à expressão mais simples, facilitando a com-
preensão do que foi exposto, esquematizamos a sintaxe do
procedimento probatório. Na representação gráfica a seguir
há referência às sintaxes externa e interna, verificadas no ato
de provar, bem como ao relacionamento entre ambas:

6.1.3 Metaprocedimento organizacional das provas

Toda figura jurídica demanda um procedimento. Assim


ocorre, por exemplo, com a personalidade jurídica, com o ca-
samento, com a doação, com a importação etc. Em todos esses
casos, para atingir-se a finalidade almejada, que é a constitui-
ção de determinado fato jurídico, necessário se faz cumprir os
requisitos procedimentais estipulados pela legislação.
Existem, porém, procedimentos que não se dirigem,
imediatamente, à constituição de figuras jurídicas. Seu ob-
jetivo é a realização de outro procedimento. Trata-se de um
“procedimento de segunda ordem” ou “metaprocedimen-
to”. Utilizando o exemplo da não-cumulatividade, Paulo de

227
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Barros Carvalho408 registra tratar-se de um procedimento


destinado a concretizar valores assegurados constitucio-
nalmente. Mas, para cuja realização existe procedimento
específico [metaprocedimento], o qual indica os livros a se-
rem escriturados, como fazê-lo, quando efetuar, e assim por
diante.
Para melhor ilustrar a temática dos metaprocedimentos,
reportemo-nos ao princípio da igualdade. A finalidade desse
primado pode ser verificada, no âmbito processual, mediante
observância do mecanismo procedimental do contraditório.
Mas o modo exato pelo qual o contraditório se aperfeiçoa tam-
bém exige um procedimento, indicando, dentre outros dados,
o modo e o prazo de manifestação das partes.
Retornando ao tema das provas, podemos citar o exame
de corpo de delito como um procedimento necessário para a
identificação de homicídio. Esse procedimento, por sua vez,
há de seguir um rito específico, realizado por sujeito compe-
tente e devidamente documentado.
Como se vê, a finalidade do procedimento de segunda or-
dem ou metaprocedimento é realizar o procedimento em si.
No âmbito das provas, é farta a referência a procedi-
mentos de segunda ordem. Para constituir um fato [figura
jurídica] é preciso um procedimento [ingressar com ação ju-
dicial, com a produção de provas]; para produzir as provas
[procedimento necessário para constituir o fato jurídico],
necessário se faz adotar procedimento específico [metapro-
cedimento]. Assim, por exemplo, seriam normas metapro-
cedimentais aquelas que estabelecem como produzir prova
pericial [indicar perito técnico, formular quesitos, justificar
a necessidade da prova, sempre dentro de específico prazo],
testemunhal etc.
Convém registrar, ainda, que nada impede que existam
procedimentos de terceira ordem. Todavia, o direito efetua

408. Prefácio do livro A não-cumulatividade dos tributos, de André Mendes Moreira.

228
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

um corte na cadeia procedimental, de modo que o procedi-


mento do metaprocedimento, muitas vezes, é extrajurídico.
Ex: a paternidade é uma figura jurídica; exige-se um procedi-
mento para implementá-la, como é o caso do exame de DNA
[metaprocedimento reconhecido pelo ordenamento jurídico];
e existe um procedimento médico para fazer o exame de DNA
[como a comparação biológica], mas esse procedimento de
terceira ordem é extrajurídico.
Interessam-nos apenas os metaprocedimentos jurídicos,
por serem eles aptos a determinar o ingresso, no ordenamen-
to, de novos enunciados probatórios.

6.2 Fonte da prova

A expressão fonte do direito apresenta diversas acepções,


sendo definida por Paulo de Barros Carvalho409 como “focos
ejetores de regras jurídicas, isto é, os órgãos habilitados pelo
sistema para produzirem normas, numa organização escalo-
nada, bem como a própria atividade desenvolvida por essas
entidades, tendo em vista a criação de normas”. Diante da
polissemia da locução, porém, é interessante transcrever o rol
de sentidos colacionados por Eurico Marcos Diniz de Santi410.
Segundo esse autor, fonte do direito pode ser tomada como:

(i) fundamento de validade de uma ordem jurídica; (ii) a norma


jurídica de competência que regula a produção de outras nor-
mas jurídicas; (iii) as contingências extrajurídicas que condi-
cionam psicologicamente a convicção e vontade do sujeito que
pratica o ato de criação; (iv) o fato jurídico lato sensu, i. é., o ato
de produção juridicizado pelas normas que regulam a forma de
produção normativa; (v) o produto desse ato, i. é., o veículo intro-
dutor das normas jurídicas; (vi) a norma jurídica construída pelo
intérprete a partir desse veículo introdutor; (vii) o evento jurídi-
co tributário como supedâneo da incidência e fundamento de di-
reitos subjetivos e correlatos deveres; e, por fim, (viii) o ulterior

409. Curso de direito tributário, p. 46.


410. Decadência e prescrição no direito tributário, p. 48-49.

229
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

ato de aplicação do direito que cristaliza em linguagem jurídica o


evento tributário e a adjacente relação jurídica.

Nesta ocasião, ao estudarmos a fonte da prova, voltare-


mos nossos cuidados à investigação do modo pelo qual o di-
reito positivo, como sistema autorreferente que é, movimenta
suas estruturas e produz novas unidades. Sendo a prova, sob
determinada perspectiva, uma norma em sentido amplo e,
portanto, elemento de direito, falar sobre sua fonte consiste
em discorrer sobre sua produção no sistema jurídico-positivo.
Aplicando essa ideia à produção probatória, temos por fonte
da prova o sujeito competente em atividade, isto é, o emissor
da mensagem probatória exercendo o ato de enunciação.
Nesse ponto diferenciam-se fonte e meio de prova: (i)
fonte é a enunciação realizada por um sujeito habilitado; en-
quanto (ii) o meio confunde-se com a enunciação-enunciada,
relato linguístico constitutivo do sujeito, tempo, lugar e modo
em que ocorreu a enunciação, introduzindo os enunciados
probatórios no sistema do direito.
Não se observa na doutrina, porém, semelhante concei-
tuação de fonte da prova. João Batista Lopes411, com apoio em
Sentís Melendo e Carnelutti, chama de fonte de prova o “fato
do qual se serve o juiz para chegar à verdade”. João Penido
Burnier Júnior412 conclui ser fonte de prova “a testemunha
do fato, o vestígio do carro danificado, a rachadura numa pa-
rede etc., ou seja, algo que levará ao juiz o conhecimento do
fato”. Também Cândido Rangel Dinamarco413 considera se-
rem fontes de prova os “meios instrumentais externos que,
quando trazidos ao processo, o juiz e as partes submetem às
investigações necessárias a obter tais informações” sobre a
existência ou inexistência de um fato. Ao definirem o que seja
fonte de prova, isto é, qual a origem da prova, aquilo que lhe

411. A prova no direito processual civil, p. 61.


412. Teoria geral da prova, p. 61-62.
413. Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 86.

230
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

dá nascimento, esses autores ignoram a necessidade da ação


humana.
Sem que um sujeito movimente as estruturas do direi-
to, (i) não surge nova norma, em sentido estrito ou amplo; (ii)
inocorre fato jurídico; (iii) nenhuma relação jurídica se irra-
dia; (iv) não há que falar no aparecimento de provas. Na lição
de Lourival Vilanova414, “a vontade entra como juridicamente
produtora de normas intercalando-se entre normas. É uma
norma N’ que dá ao ato concreto de vontade qualificação para
criar a norma N” “. Com base nesse fundamento de validade,
age o ser humano, funcionando como fonte das novas regras
que ingressam no sistema jurídico.
O ordenamento é um texto criado por atos de fala, de-
nominados decisões jurídicas. Essas decisões são elementos
dinâmicos do sistema do direito, de modo que a cada deci-
são tomada produz-se um novo texto, que se incorpora ao já
existente. O texto jurídico, anota Gregorio Robles415, “pode ser
visto como um conjunto de elementos textuais parciais, que
chamamos de normas, mas com isso não podemos perder de
vista que tais elementos textuais têm origem em atos de fala
especiais, que são as decisões. [...] A constituição é o resultado
da decisão do constituinte [...]. A decisão constituinte produz
a constituição, que por sua vez estabelece as condições para a
adoção de decisões posteriores, que produzirão mais elemen-
tos textuais do texto jurídico total, num processo que nunca
termina [...]”. Os atos de fala, por sua vez, devem dar-se nos
termos previstos por outras normas jurídicas que estabelecem
o rito necessário à sua concretização: as denominadas normas
procedimentais, de organização ou de estrutura.
Firmadas essas premissas e considerando que a prova
apresenta-se, segundo determinada perspectiva, como norma
jurídica em sentido amplo [enunciado normativo], sua produ-
ção decorre de atos de fala, de decisões tomadas pelo homem,

414. Teoria da norma fundamental, in Escritos jurídicos e filosóficos, v. 1, p. 333.


415. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, p. 33.

231
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

com vistas a colocar novos enunciados no sistema jurídico.


Esse é um aspecto de grande relevo: a fonte da prova será
sempre um sujeito de direito praticando atos de fala produto-
res de decisões.
Gregorio Robles416, examinando essa peculiaridade, pon-
dera: “As decisões intrassistêmicas produtoras de normas são
chamadas pela doutrina tradicional de fontes do direito. Tra-
ta-se, contudo, de uma expressão metafórica que encobre a
verdadeira realidade da produção normativa: o fato de as nor-
mas serem resultado das decisões”. Com base em tais consi-
derações, podemos dizer que a fonte de qualquer enunciado
normativo e, portanto, da prova é a decisão do sujeito de direito.
Para que se tenha uma prova, são exigidos dois elementos in-
dissociáveis: (i) um sujeito de direito e (ii) um ato de fala [sem
perder de vista que um ato de fala só existe porque há um
sujeito de direito que o realiza].

6.3 Procedimento probatório

O universo do direito é um contínuo homogêneo, de


modo que uma norma existe porque está fundamentada em
outra norma. Para que ocorra essa movimentação no siste-
ma jurídico, com a produção de novas unidades normativas, é
preciso, também, a presença humana, realizando a aplicação
do direito. As provas, como enunciados normativos que são,
não escapam a essa sistemática. Assim, para ingressarem no
universo do direito, hão de ser produzidas com observância a
determinadas formalidades, que denominamos procedimento
organizacional da prova.
Além do rito específico inerente a cada meio probatório,
esse procedimento envolve elementos relativos ao tempo, es-
paço e sujeitos exigidos para a enunciação. Eis a sintaxe inter-
na das provas.

416. Ibidem, p. 6.

232
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

6.3.1 Tempo da Prova

A função persuasiva da prova, voltada a formar a convic-


ção do julgador acerca da existência ou inexistência dos fatos
alegados no processo, não autoriza que a produção probatória
se prolongue indefinidamente no tempo. O sistema jurídico
estabelece limites temporais à produção da prova. Como ano-
ta Tárek Moysés Moussallem417, “o direito como fator cultural
está indelevelmente marcado pelo tempo. Não o tempo físi-
co, o psíquico, mas o institucional, aquele posto intersub-
jetivamente, estabelecido pela interação humana: criado lin-
guisticamente”. A temporalidade é, assim, um dos elementos
constitutivos do direito, sendo determinante na organização
procedimental da prova, que há de ser realizada nos instantes
legalmente previstos.
A distinção entre tempo do fato e tempo no fato418 é perfei-
tamente aplicável à prova, até mesmo porque, como pontua-
mos no capítulo 3, esta é um fato em sentido amplo. Podemos
falar, portanto, em tempo da prova e tempo na prova. Enquan-
to o primeiro diz respeito ao átimo em que a prova é constituí-
da mediante formulação linguística, sendo veiculado na enun-
ciação-enunciada, o segundo refere-se ao aspecto temporal
atribuído ao evento, relatado no fato da prova [enunciado]. A
tempestividade da prova é aferida, portanto, pela observação
do critério temporal constante da sua enunciação-enunciada.
Nos termos do art. 319 do CPC/2015, o autor deverá indi-
car na petição inicial os fatos e os fundamentos jurídicos do
pedido, bem como as provas com que pretende demonstrar a
verdade de suas alegações [incisos III e VI]. Quando as provas
representarem documentos essenciais ao processamento da
ação, deverão acompanhar a petição inicial, pois esta, segundo
dispõe o art. 320 do Estatuto Processual, “será instruída com

417. A revogação em matéria tributária, p. 81.


418..Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da inci-
dência, p. 126.

233
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

os documentos indispensáveis à propositura da ação”, assim


entendidos aqueles que sirvam de fundamento ao pedido.
Nesse sentido reforça o art. 434 do mesmo Diploma Le-
gal, prescrevendo competir à parte instruir a petição inicial
ou a contestação com “os documentos destinados a provar
suas alegações”. A bem do rigor terminológico, nesse ins-
tante ainda não temos prova, mas mera protoprova, ou seja,
proposta de prova. Com o deferimento da petição inicial ou,
se for o caso, da contestação, e consequente acolhida dos
documentos anexos a tais peças é que se tem, juridicamente,
prova.419
Necessário se faz distinguir, portanto, as diversas etapas
mediante as quais se operacionaliza a produção probatória: (i)
pedido de produção da prova; (ii) sua especificação; (iii) justi-
ficação acerca de sua relevância; e (iv) admissão pelo julgador.
As três primeiras divisões compõem aquilo que a doutrina de-
nomina requerimento, cujo deferimento autoriza a produção da
prova420. Fala-se, por isso, em momentos da prova.
Para Goldschmidt421, a proposição da prova consiste no
oferecimento, formulado por uma parte, para demonstrar
um fato mediante determinado meio de prova. Logo, como
oferta que é, pode a produção probatória requerida ser re-
cusada, caso se verifique sua inutilidade, impossibilidade ou
inidoneidade, e desde que (i) o julgador motive sua decisão
e (ii) não haja dúvida plausível quanto à inadmissibilidade
da diligência, não bastando que esta simplesmente pareça
protelatória aos olhos do julgador, devendo sua inutilidade
ser manifesta.

419. Pode, posteriormente, deixar de sê-lo, caso o julgador determine seu desentranha-
mento e a desconsidere como elemento de convicção. É o que se verifica, por exemplo,
nas hipóteses em que se reconhece a ilicitude do meio de obtenção da prova.
420. Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, v.2, p. 193.
421. Derecho procesal civil, p. 257.

234
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Caso contrário, operando-se a admissão do pedido como


resultado da prévia avaliação de utilidade da prova, passa-se
à fase de sua concretização, nos termos da técnica organiza-
cional prescrita para cada meio de prova.
Como vimos, o momento de requerer a realização pro-
batória é, em princípio, a formulação da petição inicial e da
contestação, conforme o sujeito seja autor ou réu na deman-
da. Tratando-se, porém, de juntada de documentos, o art. 435
do CPC/2015 autoriza às partes, a qualquer tempo, levar aos
autos documentos novos, se destinados a fazer prova de fatos
supervenientes ao momento em que a demanda foi instaurada
ou se objetivando fazer contraprova em relação ao fato ale-
gado pelo adversário. Mas que seriam fatos supervenientes?
Vicente Greco Filho422 assevera que a jurisprudência tem sido
liberal quanto à possibilidade de, a qualquer instante, serem
juntados documentos novos, “entendendo-se como novo não
só o documento que antes não existia, mas também o docu-
mento obtido posteriormente ou todo aquele que não foi jun-
tado anteriormente”, desde que conferido à parte contrária o
direito de manifestar-se a respeito da nova prova.
É muito comum, na prática forense, o protesto vago e
genérico nas iniciais e contestações, pelas provas em direito
admitidas. Não é essa, certamente, a técnica mais apropria-
da para se requerer a produção probatória. Entretanto, para
que se aperfeiçoe o princípio da ampla defesa, diante dessa
espécie de solicitação é preciso que se determine, antes do en-
cerramento da fase postulatória, que as partes especifiquem
e justifiquem as provas que desejam produzir, para que, por
ocasião do saneamento do processo, o julgador examine sua
pertinência, deferindo ou não os pedidos. Havendo o deferi-
mento, tem início a produção da prova, propriamente dita, se-
guindo as especificidades procedimentais inerentes ao meio
de prova escolhido.

422. Direito processual civil brasileiro, v. 2, p. 217.

235
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Tratando-se da juntada de documentos produzidos fora


dos autos [documento constituído], seu requerimento deve,
em regra, ser veiculado na inicial ou na contestação, e, ex-
cepcionalmente, caracterizando documento relativo a fato
superveniente, constar de petição apresentada a qualquer
tempo. Nesses casos, a admissão implica, por si só, a respec-
tiva produção probatória, pois autoriza o ingresso do docu-
mento no sistema jurídico. Isso ocorre em virtude de que
“produzir prova documental é fazer com que o documento
penetre nos autos do processo e passe a integrá-lo como peça
de instrução”423. Há, aí, o que Arruda Alvim denomina sobre-
posição de momentos424, por cumularem-se, num só instante
cronológico, a admissão e a produção da prova, que são fases
logicamente distintas.
Quando, porém, pretender-se constituir o documento
nos autos processuais [documento constituendo], por meio
de exame pericial ou oitiva de testemunhas, por exemplo, o
requerimento há de ser apresentado na petição inicial e na
contestação, de modo específico e justificado, sendo o exame
de sua admissibilidade realizado na fase de saneamento. Ha-
vendo a admissão da realização de prova testemunhal, incum-
be à parte apontar o rol de testemunhas, com as respectivas
qualificações425. Sendo deferida a realização de perícia, é o
julgador quem nomeia o perito, cabendo às partes indicar seus
assistentes técnicos e formular quesitos426. Observados tais pres-
supostos procedimentais, a oitiva testemunhal é realizada por
ocasião da audiência de instrução e julgamento, momento em

423. Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, v. 1, p. 457.


424. Manual de direito processual civil, v. 2, p. 442.
425. Exceto no procedimento sumário, em que o rol de testemunhas deve acompa-
nhar a petição inicial ou a contestação. Além das testemunhas arroladas no devido
tempo, poderão ser ouvidas, também, as testemunhas referidas, ou seja, menciona-
das nas declarações das partes e de outras testemunhas e que tenham conhecimen-
to de fatos relevantes ainda não totalmente esclarecidos.
426. Salvo no procedimento sumário, em que a indicação dos assistentes e quesitos
deve dar-se na inicial e na contestação.

236
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

que é reduzida a termo e inserida no processo. A prova peri-


cial, por sua vez, há de ser produzida antes da audiência de
instrução e julgamento, fixando o art. 476 do Estatuto Proces-
sual Civil o limite mínimo de 20 (vinte) dias.
Por vezes, as provas que geralmente se produzem em
audiência de instrução e julgamento formam-se fora dela
em razão de circunstâncias especiais, previstas em lei. É o
caso das situações em que se tem a produção antecipada de
prova, por meio de procedimento próprio [arts. 381 a 383 do
CPC/2015], quando (i) houver fundado receio de que venha a
tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos
fatos na pendência da ação427, (ii) a prova a ser produzida seja
suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio ade-
quado de solução de conflito, ou (iii) o prévio conhecimento
dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação. Tais
exceções são aglutinadas em duas classes, denominadas (i)
produção de prova fora de terra; e (ii) prova ad perpetuam rei
memoriam. A primeira delas, além de se verificar em momen-
to diverso daquele em que se efetiva a audiência, apresenta
peculiaridades quanto ao local de sua produção, motivo por
que será examinada no tópico subsequente. Quanto à segun-
da, é realizada antecipadamente em decorrência do perigo de
desaparecimento das marcas deixadas pelo evento, podendo
ser (ii.1) propriamente preventiva, por visar a assegurar a efi-
cácia de um direito, tendo por escopo realizar uma prova da
qual a parte não tem necessidade atual, mas em relação à qual
pode haver necessidade no futuro428. Exemplifica Pontes de
Miranda429 com a situação em que, apesar de não ter ocorri-
do o vencimento da dívida, por ser além de meses ou anos,

427. Por exemplo, quando a parte ou testemunha tiver de ausentar-se, nas hipóte-
ses em que por doença ou idade houver risco de que o sujeito não possa vir a depor
no momento da audiência, dentre outras.
428. O Código de Processo Civil de 2015 não prevê expressamente essa modalidade de
produção probatória antecipada, mas também não a proíbe, de modo que é facultado
ao interessado propor uma ação cautelar cuja pretensão é a segurança da prova.
429. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, p. 264.

237
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

a antecipação da prova seja pedida por motivo de idade do


devedor, ou da testemunha, e houver justo receio de que, ao
tempo de se poder propor a ação, já não exista ou esteja sem
possibilidade de depor; (ii.2) preparatória de ação, com vis-
tas a produzir prova imprescindível para fundamentar a ação
principal; ou (ii.3) preventiva incidente, suscitada enquanto
se processa uma demanda, servindo para evitar lesão grave
e de difícil reparação em virtude do desaparecimento dos si-
nais deixados pelo acontecimento. Por fim, poderíamos deno-
minar a terceira hipótese antecipatória de (iii) preventiva de
ação, visto que, muitas vezes, a propositura de demandas de-
corre de convicções sobre os fatos. Desse modo, tem cabimen-
to a antecipação probatória quando o potencial autor nutrir
dúvidas sobre o fato, necessitando de provas que justifiquem
a medida judicial, ou, até mesmo, que revelem a inocorrência
do fato e consequente falta de interesse de agir.

6.3.1.1 Momento da produção probatória no processo


administrativo tributário

Nos termos da redação atual do art. 16, §4°, do Decreto


70.235/72, que disciplina o processo administrativo tributário
federal, “a prova documental será apresentada na impugna-
ção, precluindo o direito de o impugnante fazê-lo em outro
momento processual, a menos que: a) fique demonstrada a
impossibilidade de sua apresentação oportuna, por motivo de
força maior; b) refira-se a fato ou a direito superveniente; c)
destine-se a contrapor fatos ou razões posteriormente trazi-
dos aos autos”. Semelhante redação é observada em diversos
outros diplomas que regulamentam o processo administrati-
vo tributário, como é o caso da Lei 13.457/2009, do Estado de
São Paulo [art. 19, caput].
Tais limitações à atividade probatória do contribuinte
têm provocado debates profundos entre a doutrina e, até mes-
mo, entre os julgadores de primeira e segunda instâncias ad-
ministrativas, entendendo, alguns, que a limitação temporal

238
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

à apresentação de provas pelo administrado acarretaria vio-


lação ao princípio da estrita legalidade tributária, mitigando,
em consequência, o objetivo de alcançar a verdade material430.
Essa não nos parece, entretanto, a conclusão mais apropria-
da. Como anotamos no capítulo 1, não há que falar em verda-
de material ou formal, visto que a primeira é inatingível e a
segunda aplica-se a proposições nomológicas. Em termos pro-
cessuais, busca-se a verdade lógica, ou, se preferir, a verdade
jurídica, formada dentro do sistema do direito.
O homem sente necessidade de falar em nome de algo:
em nome da justiça, do sistema, da segurança jurídica e,
dentre outros, em nome da verdade. Costuma-se confundir,
porém, o falar em nome de algo com a existência desse algo,
concluindo pela possibilidade de realizar a justiça, a segu-
rança, a verdade.
Ocorre que todos esses conceitos, tomados no interior do
sistema jurídico, não passam de construções verificadas den-
tro do próprio ordenamento, acompanhadas pelas limitações
inerentes à enunciação linguística. Se assim não fosse, a pro-
cura desses ideais não teria fim. Por isso, intervêm as regras
do direito, colocando um ponto final no procedimento de bus-
ca da verdade, limitando-o mediante a imposição de prazos e
condições à revisão das decisões proferidas.
Assim é que o direito à prova, assegurado constitucio-
nalmente pela previsão do devido processo legal e da ampla
defesa, não se apresenta irrestrito ou infinito. Aliás, inexiste
direito com tais características. A própria Constituição esta-
belece os contornos da liberdade de produção probatória, a
principiar pelo veto às provas obtidas por meio ilícito. A figu-
ra do devido processo legal, do qual o direito à prova figura
como uma decorrência, é construída com base em prazos, re-
gida por formas específicas, fases e preclusões, constituindo

430. Luís Eduardo Schoueri e Gustavo Emílio Contrucci A. de Souza, Verdade ma-
terial no “processo” administrativo tributário, in Processo administrativo fiscal, v. 3,
passim.

239
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

legítima delimitação à enunciação probatória. Falar em direi-


to à prova, portanto, é falar em direito à prova legítima, a ser
exercido segundo os procedimentos regulamentados pela lei431.
Trata-se, segundo Manoel de Oliveira Franco Sobrinho432, de
consequência da organização jurídica do Estado, das relações
entre Administração e administrados, naquilo que respeita à
estabilidade geral do ordenamento. Justifica-se, desse modo,
a possibilidade de limitação do instante para a apresentação
de prova, ainda que se trate de processo administrativo. É o
direito regulando o que nele ingressa, exigindo forma e tempo
apropriados autopoiese].
Tanto a autoridade administrativa como o contribuinte
estão sujeitos a limitações procedimentais: o lançamento e o
ato de aplicação de penalidade devem ser acompanhados por
todas as provas documentais correspondentes, assim como a
defesa do sujeito passivo também precisa trazer os documen-
tos comprobatórios de seus argumentos, sendo vedado fazê-lo
posteriormente. É o que preceituam, por exemplo, os arts. 9º,
caput, e 15, caput, do Decreto 70.235/72, in verbis:

Art. 9º A exigência do crédito tributário e a aplicação de penali-


dade isolada serão formalizados em autos de infração ou notifi-
cações de lançamento, distintos para cada tributo ou penalidade,
os quais deverão estar instruídos com todos os termos, depoi-
mentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à
comprovação do ilícito.433
Art. 15. A impugnação, formalizada por escrito e instruída com
os documentos em que se fundamentar, será apresentada ao ór-
gão preparador no prazo de trinta dias, contados da data em que
for feita a intimação da exigência.434

431. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 48.


432. A prova administrativa, p. 64.
433. Destacamos.
434. Destaques nossos.

240
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Semelhante é a prescrição veiculada pelo caput do art.


19 da Lei 13.457/2009, do Estado de São Paulo, nos termos do
qual “as provas deverão ser apresentadas juntamente com o
auto de infração e com a defesa, salvo por motivo de força
maior ou ocorrência de fato superveniente”.
Ainda, no mesmo sentido, vale transcrever o art. 21 da
Lei 14.107/2005, do Município de São Paulo:

Art. 21. A prova documental deverá ser apresentada na impug-


nação, a menos que:
I – fique demonstrada a impossibilidade de sua apresentação
oportuna por motivo de força maior;
II – refira-se a fato ou a direito superveniente;
III – destine-se a contrapor fatos ou razões posteriormente tra-
zidas aos autos.

Nota-se, em relação ao contribuinte, que a regra é excep-


cionada quando a prova documental não tenha sido juntada,
tempestivamente, em razão de força maior, ou seja, necessá-
ria em virtude de fatos ou argumentos supervenientes [ex.:
arts. 16, §4°, do Decreto 70.235/72 e 19, caput, parte final, da
Lei 13.457/2009, do Estado de São Paulo]. Nesse caso, a apre-
sentação da prova deve ser acompanhada de justificativa que
demonstre a ocorrência de uma das condições excepcionais,
estando o deferimento da juntada intempestiva sujeito à apre-
ciação da autoridade julgadora.
Acolhido o pedido do contribuinte, as novas provas pas-
sarão a integrar os autos, devendo ser avaliadas por ocasião
do julgamento. Se preenchidos os requisitos legais, as novas
provas são admitidas mesmo se já houver sido proferida de-
cisão de primeira instância, podendo ser examinadas em fase
recursal.
No que diz respeito à exigência de apresentação de pro-
vas pela Administração, inexiste exceção veiculada pelo texto
legal. Nem poderia ser diferente, já que só se admite a emis-
são de norma individual e concreta constituidora de obrigação

241
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

tributária ou de relação jurídica sancionatória quando evi-


denciados os elementos tipificadores do fato que desencadeia
efeitos dessa natureza. Além disso, por meio de atos fiscali-
zatórios, a autoridade administrativa tem acesso às mercado-
rias, livros, arquivos e demais documentos relacionados com
as atividades comerciais e industriais do contribuinte, estando
habilitada a proceder às diligências que entenda necessárias.
Nada justifica, portanto, a juntada posterior de provas impres-
cindíveis à motivação do ato de lançamento ou de aplicação de
penalidade435. Entendemos que apenas o reforço de prova pode
operar-se no curso do processo administrativo, de modo que,
tendo o contribuinte produzido elementos probatórios desti-
nados a ilidir a pretensão fiscal, é cabível a apresentação de
dados confirmadores daqueles constantes da exigência tribu-
tária, infirmando os argumentos do sujeito passivo.
Cumpre esclarecer que as limitações temporais para a
apresentação de provas pelo contribuinte, sobre que discor-
remos, dizem respeito apenas aos enunciados protocolares
veiculados em documentos já constituídos e em seu poder. A
produção probatória, entendida em seu sentido mais abran-
gente, estende-se ao longo do processo, até o pronunciamento
do órgão julgador, desde que observada outra prescrição de
ordem temporal, inerente ao instante do seu requerimento.
À produção da prova no processo administrativo tributá-
rio aplicam-se as considerações que fizemos no subitem pre-
cedente, a respeito da distinção entre (i) proposta, (ii) especifi-
cação, (iii) justificação, (iv) admissão e (v) produção da prova.
Os três primeiros tópicos dizem respeito ao requerimento da
prova, situação em que se tem apenas protoprova. Com a ad-
missão, o julgador reconhece a relevância da produção pro-
batória requerida, e, com sua efetiva realização, opera-se a
constituição da prova nos autos.

435. Sobre a impossibilidade de autuação fiscal sem respaldo na linguagem das pro-
vas, consulte-se o capítulo 8 desta obra.

242
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Instaurado o contencioso administrativo tributário me-


diante impugnação do sujeito passivo, é assegurada a comple-
mentação instrutória, mediante a realização de provas periciais,
testemunhais e outras diligências que se façam necessárias,
conforme o caso concreto, desde que tempestivamente solicita-
das e devidamente especificadas e justificadas pelo impugnan-
te. Isso sem falar na possibilidade de a autoridade julgadora de
primeira instância determinar, de ofício, em nome do princípio
inquisitório, a realização de diligências que considere úteis.
A questão que se coloca, em face de tais delimitações,
decorre das circunstâncias em que o contribuinte não tenha
apresentado a prova quando de sua impugnação e deseje fa-
zê-lo em momento posterior, porém sem demonstrar a con-
cretização de uma das causas excepcionadoras desse limite
temporal. Para propor solução a dúvida dessa natureza, ne-
cessário se faz compreender a íntegra do sistema jurídico bra-
sileiro, especialmente no que tange aos princípios que regem
a produção probatória no processo administrativo tributário.
A controvérsia acerca das circunstâncias de tempo para a
produção probatória no processo administrativo tributário há
de ser examinada considerando-se os efeitos da estipulação
do “princípio inquisitório ou da oficialidade” nesse âmbito
processual436. Nos termos desse preceito, admite-se impulso
oficial no controle de legalidade desempenhado pela Admi-
nistração Tributária. Por isso, considerados, de um lado, os
limites temporais à apresentação de defesa e instrução proba-
tória, e, de outro, o princípio inquisitivo que rege o processo
administrativo, pode a Administração, exercendo sua função
de autocontrole, apreciar defesa intempestiva e anular, de ofí-
cio, seu ato. Não há obrigatoriedade de apreciação de prova
apresentada fora do prazo, mas, existindo dúvida quanto à
legalidade do ato de lançamento ou de aplicação de penalida-
de, nada obsta que a Administração efetue valoração do novo

436. Para maiores esclarecimentos sobre o assunto, veja-se o.item 6.5 e subitens.

243
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

documento trazido pelo contribuinte, e considerando-o rele-


vante para o deslinde da questão, admita-o nos autos.437

6.3.1.2 Aspecto temporal da norma de procedimento


probatório e os critérios para aplicação de diplo-
ma legal superveniente ao fato probando

Existem hipóteses em que a legislação, ao regular deter-


minado procedimento, veda que os documentos nele obtidos
sejam utilizados como prova em outras situações ou para fins
diversos. Pode acontecer, porém, de norma posterior veicular
estipulações contrárias, surgindo, então dúvidas sobre a pos-
sibilidade jurídica de esse novo diploma ser aplicado aos fatos
cuja constituição documental tenha se operado sob a vigência
de lei proibitiva de seu uso.
É o que ocorreu em relação à extinção CPMF.
Além de configurar direito constitucional do contribuinte,
a proteção de informações bancárias era expressamente de-
terminada pela Lei 4.595/64, recepcionada pela Carta de 1988.
Com o advento da Lei 9.311/96, que instituiu a Contribuição
Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores
e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF, im-
pôs-se às instituições financeiras o dever de informar a Se-
cretaria da Receita Federal sobre os contribuintes e valores
globais das respectivas operações bancárias. Tal imposição
configura dever instrumental necessário à operacionalidade
e fiscalização do imposto, não podendo referidas informações
serem utilizadas para quaisquer outras finalidades. Nesse
sentido, o art. 11, §3°, da Lei 9.311/96 vedou que os dados as-
sim obtidos fossem empregados para fins de constituição de
créditos referentes a outros tributos.

437. Cf. Fabiana Del Padre Tomé, “O tempo da produção probatória no processo
administrativo tributário”. In: Estudos em Homenagem ao Professor Roque Antonio
Carrazza, vol. 3, p. 275 e ss.

244
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Todavia, pretendendo alterar a disciplina jurídica dessa


matéria, foi editada a Lei Complementar 105/2001, autori-
zando a Administração tributária a proceder à análise dos
registros de instituições financeiras, contas de depósitos e
aplicações financeiras dos contribuintes mediante a simples
existência de processo ou procedimento administrativo fis-
cal. A Lei 10.174/2001, por sua vez, alterou a redação ao §3°
do art. 11 da Lei 9.311/96, facultando à Secretaria da Receita
Federal a utilização de informações relativas à CPMF para
instaurar procedimento administrativo tendente a verificar
a existência de crédito tributário relativo a impostos e con-
tribuições e para lançamento no âmbito do procedimento
fiscal.
Ao nosso ver, tais preceitos representam flagrante ofen-
sa à inviolabilidade da vida privada e dos dados particulares,
menosprezando que ao Poder Judiciário compete examinar
as situações em que, para garantir o cumprimento da lei tri-
butária, sejam necessárias atitudes invasivas da privacidade
do contribuinte. É o Judiciário o único órgão do Estado au-
torizado a sopesar os valores constitucionais da inviolabilida-
de dos dados e do interesse público, reconhecendo ou não a
existência deste no caso concreto, para, momentaneamente,
afastar aquelas garantias constitucionais.
Apesar dessa visão sobre a incompatibilidade com di-
reito constitucionalmente assegurado, a LC 105/2001 e a Lei
10.174/2001 vêm sendo aplicadas sem qualquer restrição,
tendo o Supremo Tribunal Federal decidido por sua consti-
tucionalidade e aplicação retroativa438. Nesse contexto, o Su-
perior Tribunal de Justiça tem concluído que a Fazenda Na-
cional pode utilizar os dados obtidos a partir da arrecadação
da CPMF para apurar e constituir crédito de outros tributos.
E, mais que isso, essa Corte tem se posicionado no sentido
de que a Lei Complementar que dispôs sobre a possibilidade

438. STF, Tribunal Pleno, RE nº 601.314-SP, repercussão geral, Rel. Min. Edson Fa-
chin, j. em 24/02/2016.

245
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

de quebra do sigilo bancário seria aplicável a fatos ocorridos


antes da sua entrada em vigor, tendo em vista o enunciado
do art. 144, §1°, do CTN.
O assunto, entretanto, era polêmico, tendo havido, no
passado, divergências entre os Ministros do Superior Tribu-
nal de Justiça. É o caso do Min. Francisco Peçanha Martins,
integrante da Segunda Turma há época do julgamento do
REsp 668.012-PR, para quem o sigilo bancário só poderia ser
quebrado por determinação judicial, tendo em vista outros
interesses que assim o exijam, como, por exemplo, a investi-
gação de ilícitos criminais: “Tal decisão deveria ser lastreada
em indícios de fato delituoso e de sua autoria, bem como na
imprescindível necessidade de obtenção de prova por meio
de quebra de sigilo bancário. (...) Por ser uma providência ex-
cepcional, exige não apenas cautela e prudência por parte do
magistrado, como também indícios instrutórios mínimos de
autoria e materialidade delitiva”. Nessa linha de raciocínio,
concluiu que a edição da LC 105/2001, ao permitir a quebra do
sigilo bancário por autoridade fiscal, não dispensou a exigên-
cia de “demonstração consistente das suspeitas e da necessi-
dade da medida, o que só pode ser obtido ao fim do processo
administrativo, devendo ser cerceada pelo mesmo rigor e cui-
dados exigidos para a decretação da quebra por autoridade
judiciária e pelas CPIS”, sendo tal entendimento acompanha-
do pelo Min. João Otávio de Noronha.
Como exposto em capítulo precedente, entendemos ser
o sigilo bancário um direito constitucional, susceptível de ser
quebrado apenas mediante autorização judicial, observada
sua imprescindibilidade para resguardar interesse superior.
Todavia, considerando que assim não fosse, e tendo em vista
a e decisão do STF nos autos do RE 601.314-SP, examinemos
a possibilidade de se aplicar retroativamente o disposto na
LC 105/2001 e na Lei 10.174/2001.
Quando examinamos o sistema do direito positivo, iden-
tificamos variadas espécies de normas jurídicas. Conforme o
universo de destinatários a que a norma se refere, esta pode

246
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

ser classificada em geral ou individual: a primeira dirige-se a


um conjunto indeterminado de destinatários, enquanto a se-
gunda individualiza os sujeitos de direito para os quais se volta.
Ainda, considerando a descrição contida na hipótese normati-
va, há normas abstratas, que oferecem critérios para identificar
fatos de possível ocorrência, e concretas, remetendo a aconteci-
mentos passados, indicados de forma denotativa. Esses carac-
teres podem ser combinados de modo que constituam normas
(i) gerais e abstratas, (ii) gerais e concretas, (iii) individuais e
abstratas, e (iv) individuais e concretas439.
As normas gerais e abstratas, cujo típicos exemplos são
aquelas veiculadas no corpo da lei, não atuam diretamente so-
bre as condutas intersubjetivas, exatamente em decorrência
de sua generalidade e abstração. É necessário que sejam emi-
tidas outras regras, mais diretamente voltadas aos comporta-
mentos das pessoas, mediante aquilo que se chama processo
de positivação do direito, para obter maior aproximação dos
fatos e ações reguladas. Com fundamento nas normas gerais e
abstratas constroem-se normas individuais e concretas, de-
terminando que em virtude da ocorrência de certo fato jurídi-
co nasceu a relação em que um sujeito de direito S’ tem uma
obrigação, proibição ou permissão perante outro sujeito S”.
Obviamente, para que essa positivação seja realizada de
modo apropriado, é imprescindível o perfeito quadramento
do fato à previsão normativa. Esse fato, por sua vez, deve ser
constituído segundo a linguagem das provas, com vistas a
certificar a veracidade do enunciado subsumido. Observa-se
a importância capital que apresenta a prova no ordenamen-
to jurídico, inclusive no âmbito da tributação: ao constituir a
obrigação tributária e aplicar sanções nessa esfera do direito,

439. As regras-matrizes de incidência tributária são exemplos de normas gerais e


abstratas, assim como o lançamento tributário e sentenças são de normas indivi-
duais e concretas. Os veículos introdutores são típicas normas gerais e concretas,
enquanto as normas individuais e abstratas podem ser identificadas nos contratos
firmados entre pessoas determinadas, objetivando ao cumprimento de prestações
se e quando se concretizar uma situação futura.

247
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

não basta a observância às regras formais que disciplinam a


emissão de tais atos; a materialidade deve estar demonstrada,
mediante a produção de prova da existência do fato sobre o
qual se fundam as normas constituidoras das relações jurídi-
cas tributárias.
A fundamentação das normas individuais e concretas
na linguagem das provas decorre da necessária observância
aos princípios da estrita legalidade e da tipicidade tributária,
limites objetivos que buscam implementar o sobreprincípio
da segurança jurídica, garantindo que os indivíduos estarão
sujeitos à tributação somente se for praticado o fato conotati-
vamente descrito na hipótese normativa tributária.
Como bem ensina Paulo de Barros Carvalho440, o prin-
cípio da tipicidade tributária define-se em duas dimensões,
quais sejam o plano legislativo e o da facticidade. No primeiro
está a necessidade de que a norma geral e abstrata traga todos
os elementos descritores do fato jurídico tributário e os dados
prescritores da relação obrigacional, ao passo que no segun-
do tem-se a exigência da estrita subsunção do fato à previsão
genérica da norma geral e abstrata, vinculando-se à corres-
pondente obrigação. Por esse motivo, a norma individual e
concreta que constitui o fato jurídico tributário e a correspon-
dente obrigação deve trazer, no antecedente, o fato tipificado
pela norma geral e abstrata, com as respectivas coordenadas
temporais e espaciais, indicando, no consequente, o fato da
base de cálculo, que, juntamente com a alíquota, especificam
o quantum devido, bem como os sujeitos integrantes do vín-
culo obrigacional. E, para que a identificação desses fatos441
seja efetuada em conformidade com as prescrições do sistema
jurídico, deve pautar-se na linguagem das provas. É por meio

440. A prova no procedimento administrativo tributário. In: Revista Dialética de Di-


reito Tributário n. 34, p. 105.
441. Tanto o antecedente como o consequente contêm fatos: fato jurídico tributário
e base de cálculo, respectivamente. Ao constituir esses fatos, o emissor terá de pau-
tar seus enunciados em provas admitidas pelo direito.

248
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

das provas que se certifica a ocorrência do fato e seu perfei-


to quadramento aos traços tipificadores veiculados pela nor-
ma geral e abstrata, permitindo falar em subsunção do fato
à norma e em implicação entre antecedente e consequente,
operações lógicas que caracterizam o fenômeno da incidência
normativa. Podemos dizer, em síntese, que a linguagem das
provas é da ordem da aplicação do direito.
Firmadas essas premissas, verificamos que, com o ad-
vento da Lei 10.174/2001 e da LC 105/2001, a Administração
Tributária passou a utilizar as informações relativas à CPMF,
recebidas das instituições financeiras, para instaurar procedi-
mento administrativo de fiscalização de outros tributos fede-
rais e, em consequência, para efetuar a constituição do crédito
tributário. Passou a fazê-lo, inclusive, em relação aos períodos
anteriores a 2001, atingindo situações pretéritas à entrada em
vigor das referidas legislações.
Ora, não pode o legislador fixar o início da vigência da
lei em data anterior à de sua publicação, pois com isso es-
tar-se-ia violando o primado da segurança jurídica. Tal ati-
tude é ainda mais absurda quando nos lembramos de que
“o direito se realiza no contexto de um grandioso processo
comunicacional”442, impondo a necessidade premente de
conhecimento das normas jurídicas pelas pessoas a que se
dirigem, sendo o momento dessa ciência o marco preciso do
instante em que a norma ingressa no ordenamento do direi-
to posto.
Efetuadas essas breves considerações, entendemos que o
princípio da irretroatividade tributária é aplicável a todas as
normas jurídicas tributárias. Nem mesmo a lei processual tem
o condão de retroagir, pois como leciona Gilberto de Ulhôa
Canto443, essa espécie normativa “se aplica desde logo aos fa-

442. Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidên-


cia, p. 242.
443. Direito tributário aplicado – pareceres, Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1992, p. 38.

249
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

tos pendentes, permanecendo, porém, válidos os atos já reali-


zados com observância da lei anterior”.
Examinando o que chama de “concepção espacializante
do tempo jurídico”, consequência do impacto de eventual su-
cessão de normas jurídicas em relação a um fato, Wilson de
Souza Campos Batalha444 discorre:

O tempo jurídico corta, opera dividindo, secando. Não é fluxo


contínuo, não constitui um desenrolar-se, um evolver, um trans-
formar-se. Opera por cortes e saltos numa realidade que insta,
dura e se transforma paulatinamente. O tempo jurídico, na fixa-
ção dos termos e dos prazos fatais, peremptórios, improrrogá-
veis ou prorrogáveis, corta a realidade que dura, distinguindo a
legalidade de ontem da legalidade de hoje, separando a validade
do que se fez ontem e a invalidade do que se fez hoje, o útil de
hoje e o útil de amanhã, a perda e a aquisição, o castigo dos que
dormiram até o dia ‘x’ e o prêmio dos que permaneceram em
ativa vigilância até a data ‘y’. Mas como esses cortes numa rea-
lidade que dura, essas divisões numa vida social que flui e insta
constituíram flagrante injustiça, ou constituíram justiça a gerar
inseguranças, surgiu, no seio do conceito jurídico do tempo, a
ideia da intertemporalidade.

Nesse sentido, recorda Caio Mário da Silva Pereira445 que,


ao tratar de direito intertemporal, o cientista jurídico procura
formular princípios que norteiem o intérprete, de modo que
se concilie a evolução legislativa com o conceito da estabilida-
de das relações humanas.
Exatamente em virtude do sobreprincípio da seguran-
ça jurídica, concretizado mediante a estabilidade das rela-
ções que é proporcionada, dentre outros, pelo primado da
irretroatividade da lei, não podemos admitir a adoção da Lei
10.174/2001 e da LC 105/2001 para atingir fatos ocorridos an-
tes da sua entrada em vigor, como é o caso do emprego de
dados da CPMF anteriores ao ano de 2001. Segundo Roberto

444. Direito intertemporal, Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 15.


445. Instituições de direito civil, 19ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, v. 1, p. 90.

250
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Quiroga Mosquera446, tal pretensão “configura artifício des-


leal da Administração, pois, inicialmente, ‘promete-se’ que
os dados não serão utilizados para outros fins senão aqueles
atinentes à fiscalização da CPMF e, posteriormente, utilizam-
-se os mesmos dados, retroativamente, para lançamento de
outros tributos”.
Nem se alegue eventual permissão de tal retroatividade,
em função do veiculado no art. 144, §1°, do CTN. Esse dispo-
sitivo prescreve:

Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à


ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos
critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os
poderes de investigação das autoridades administrativas, ou ou-
torgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste
último caso, párea o efeito de atribuir responsabilidade tributá-
ria a terceiros.

Tal enunciado refere-se à imediata aplicação da norma


de caráter processual ou procedimental. Não se pode estender
seu conteúdo, porém, de modo que venha a acarretar altera-
ções nas relações jurídicas passadas. Acolhemos as conside-
rações do Min. Peçanha Martins, nos autos do REsp 668.012-
PR, no sentido de que “a regra do §1° do art. 144 do CTN
refere-se ao procedimento administrativo e às prerrogativas
meramente instrumentais, não podendo ser interpretado de
forma colidente com o direito fundamental do sigilo bancá-
rio, que só pode ser quebrado na forma estabelecida em lei”.
Além disso, o tema da utilização de dados da CPMF diz
respeito à produção probatória. Logo, não acarreta implica-
ções de ordem meramente processual, interferindo, decisiva-
mente, na constituição das relações jurídicas, como é o caso
da obrigação tributária.
Já tivemos a oportunidade de registrar que as provas
não apresentam unicamente a função de instrumentalizar o

446. Direito monetário e tributação da moeda, São Paulo: Dialética, 2006, p. 275.

251
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

conhecimento do julgador. Têm, também, o objetivo de dar


sustento aos fatos descritos no antecedente de normas indi-
viduais e concretas que irradiam seus efeitos independen-
temente de serem levadas à apreciação do Poder Judiciário
ou de outro órgão julgador. Por essa razão, a prova também
pertence ao direito material. E, sendo vedado à lei posterior
disciplinar aspectos materiais pretéritos, é inadmissível que
pretenda ela intervir na circunscrição fática passada, confe-
rindo-lhe efeitos diversos daqueles prescritos à época.
Diante do exposto, podemos concluir que, para que o
processo de positivação se realize, necessário se faz o perfeito
quadramento do fato à previsão normativa abstrata. E é exa-
tamente por meio das provas que se certificam a ocorrência
fática e sua adequação aos traços tipificadores veiculados pela
norma geral e abstrata, permitindo falar em subsunção do fato
à norma e em implicação entre antecedente e consequente,
operações lógicas que caracterizam o fenômeno da incidên-
cia normativa. Desse modo, a linguagem das provas, prescrita
pelo direito, não apenas relata que um evento ocorreu, mas
atua na própria constituição do fato jurídico tributário.
Posto isso, e tendo em vista que o próprio sistema do
direito estabelece quais fatos são jurídicos e quais não são
apreendidos pela juridicidade, quer dizer, os fatos que desen-
cadeiam consequências de direito e os que são juridicamente
irrelevantes, é inadmissível pretender-se aplicar, com efeitos
retroativos, norma que altera o modo pelo qual os fatos são
considerados no ordenamento.
Se em determinado instante (T1) vigorava norma jurídica
(N1) que resguardava o sigilo dos dados da CPMF informados
à Secretaria da Receita Federal, proibindo seu emprego para
constituição de créditos tributários relativos a outras contri-
buições e impostos, os fatos praticados nessa época encontra-
vam-se sob os efeitos de tal regramento. Legislação (N2) editada
em momento posterior (T2) que disponha de modo contrário,
permitindo a utilização dos dados da CPMF para constituir
créditos tributários de outros impostos e contribuições, altera

252
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

substancialmente a disciplina das relações entre fisco e con-


tribuinte. Firmadas essas premissas, muito embora o STF te-
nha se manifestado em sentido contrário, concluímos que não
se trata de mera norma procedimental, mas de regra que in-
terfere e modifica direito do particular, irradiando efeitos tão
somente em relação aos acontecimentos futuros. E conclusão
dessa natureza não se limita às disposições da LC 105/2001
e da Lei 10.174/2001, sendo aplicável a todas e quaisquer hi-
póteses em que se tenha a regulamentação das hipóteses e
consequências de acesso, pelo Fisco, a dados do contribuinte,
como é o caso do Regime Especial de Regularização Cambial
e Tributária, referido no item subsequente.

6.3.1.3 O valor probatório da DERCAT apresentada


para fins de adesão ao Regime Especial de Re-
gularização Cambial e Tributária (RERCT)

Recentemente, o assunto quanto à possibilidade de


documentos, constituídos no âmbito de determinada previ-
são legislativa e cuja disciplina vede seu emprego para fins de
constituição de crédito tributário, possuírem força probatória
em casos futuros.
Isso porque, por meio do Decreto Legislativo 105/2016,
o Congresso Nacional aprovou o texto da Convenção de As-
sistência Mútua em Assuntos Fiscais, assinada em novembro
de 2011, tendo por objeto o intercâmbio automático de in-
formações tributárias e financeiras de interesse das nações
signatárias.
Nesse contexto, sobreveio o Regime Especial de Regu-
larização Cambial e Tributária [RERCT], instituído pela
Lei 13.254/2016 e regulamentado pela Instrução Normativa
RFB 1.627/2016 e pela Circular BACEN 3.787/2016, possibi-
litando ao contribuinte, residente ou domiciliado no país em
31/12/2014, a entrega de declaração voluntária de ativos de
origem lícita, que, antes de 31/12/2014, tenham sido remeti-
dos ou mantidos no exterior, ou repatriados sem observar a

253
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

legislação competente, assegurando dispensa de penalidades


por infrações fiscais e cambiais e anistia pela prática de cri-
mes contra a ordem tributária e financeira.
Trata-se de assunto que abrange uma série de contro-
vérsias e, dentre elas, destacamos a problemática quanto ao
valor probatório da Declaração de Regularização Cambial e
Tributária [DERCAT], visto que nesta há a identificação dos
bens e direitos de titularidade do declarante, assim como das
condutas ilícitas por ele reconhecidas. Indaga-se, pois, quanto
à possibilidade de tais informações serem utilizadas para fins
tributários, especialmente nas hipóteses em que, eventual-
mente, advenha ato da Receita Federal do Brasil que deter-
mine a “exclusão” ou “não adesão” ao citado regime.
Vejamos como as declarações apresentadas pelo contri-
buinte se relacionam e quais seus efeitos, quando realizadas
sob a sistemática da Lei 13.254/2016.
Pois bem, como um dos requisitos para adesão ao RERCT,
o art. 4º da Lei 13.254/2016 prescreve a obrigatoriedade de a
pessoa física ou jurídica apresentar, à Secretaria da Receita
Federal do Brasil, declaração única de regularização conten-
do a descrição pormenorizada dos recursos, bens e direitos de
qualquer natureza de que seja titular em 31 de dezembro de
2014 a serem regularizados, com o respectivo valor em real,
ou, no caso de inexistência de saldo ou título de propriedade
em 31 de dezembro de 2014, a descrição das condutas prati-
cadas pelo declarante que se enquadrem nos crimes previstos
no §1º do art. 5º da mesma Lei.
Além da DERCAT, os recursos, bens e direitos constantes
dessa declaração deverão também ser informados na: (i) de-
claração retificadora de ajuste anual do imposto de renda re-
lativa ao ano-calendário de 2014 e posteriores, no caso de pes-
soa física; (ii) declaração retificadora de declaração de bens e
capitais no exterior relativa ao ano-calendário de 2014 e pos-
teriores, no caso de pessoa física e jurídica, se a ela estiver

254
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

obrigada; e (iii) escrituração contábil societária relativa ao


ano-calendário de adesão e posteriores, no caso de pessoa ju-
rídica [art. 4º, 2º, da Lei nº 13.254/2016].
Ainda, nos termos do §7º do citado art. 4º, os rendimentos,
frutos e acessórios decorrentes do aproveitamento, no
exterior ou no País, dos recursos, bens e direitos de qualquer
natureza regularizados por meio da DERCAT, obtidos no
ano-calendário de 2015, deverão ser incluídos nas citadas
declarações retificadoras (previstas no §2º do art. 4º], sendo-
lhes aplicável o art. 138 do CTN [denúncia espontânea] se as
retificações necessárias forem feitas até o último dia do prazo
para adesão ao RERCT.
Ao apresentar a DERCAT e retificadoras do imposto so-
bre a renda previstas na Lei 13.254/2016, o contribuinte in-
forma a titularidade de bens e direitos, assim como os res-
pectivos valores, os quais, por presunção absoluta estipulada
nessa mesma Lei, são tributados a título de ganho de capital,
mediante alíquota de 15% [acrescido de multa de 100% do va-
lor do imposto devido].
Ocorrendo “exclusão” ou “não-adesão” ao RERCT, en-
tretanto, tornam-se inaplicáveis as disposições desse regime
especial, possibilitando a exigência de tributos, juros, multas,
assim como a aplicação de penalidades cíveis, penais e admi-
nistrativas, conforme o caso. Essas providências, entretanto,
demandam a aplicação das disposições legais ao caso con-
creto, demonstrando-se, mediante a linguagem das provas,
a concretização dos respectivos fatos jurídicos [fato jurídico
tributário, ilícito penal, ilícito administrativo etc.]. Os dados
comunicados por meio da DERCAT, porém, não podem ser
utilizados para essa finalidade.
O §12 do art. 4º da Lei 13.254/2016 prescreve que a decla-
ração de regularização não poderá, por qualquer modo, ser
utilizada (i) como único indício ou elemento para efeitos de
expediente investigatório ou procedimento criminal, nem (ii)

255
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

para fundamentar, direta ou indiretamente, qualquer proce-


dimento administrativo de natureza tributária ou cambial em
relação aos recursos dela constantes.
Não bastasse isso, o art. 7º, §2º, prescreve ser vedada à
Receita Federal do Brasil, ao Conselho Monetário Nacional,
ao Banco Central do Brasil e aos demais órgãos públicos in-
tervenientes do RERCT “a divulgação ou o compartilhamen-
to das informações prestadas pelos declarantes que tiverem
aderido ao RERCT com os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, inclusive para fins de constituição de crédito tri-
butário”. Isso significa sigilo fiscal quanto à DERCAT.
Desse modo, havendo a exclusão ou a não-adesão ao
RERCT, os dados constantes da DERCAT não podem ser uti-
lizados pela autoridade administrativa tributária. Há de ser
feito procedimento investigatório próprio, obtendo-se, por
outros meios, os elementos necessários à constituição do cré-
dito tributário. O uso de dados do DERCAT equivale à utiliza-
ção de prova ilícita, visto que expressamente vedado. Daí que
tanto o uso desses dados, como aqueles obtidos a partir [tendo
por fundamento] da DERCAT são imprestáveis, implicando
nulidade do ato que neles se paute, conforme precedentes do
Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal
[STJ, HC 137.349; STJ, HC 159.159; STF, ARE 676280].
Não bastasse isso, nos termos do §2º do art. 9º desse Di-
ploma Legal:

Na hipótese de exclusão do contribuinte do RERCT, a instaura-


ção ou a continuidade de procedimentos investigatórios quan-
to à origem dos ativos objeto de regularização somente poderá
ocorrer se houver evidências documentais não relacionadas à
declaração do contribuinte.

Deve haver, portanto, todo um procedimento fiscalizató-


rio, cujo termo de verificação fiscal demonstre a origem dos
dados tomados para lavratura da autuação, o mesmo devendo
ocorrer quanto aos ilícitos penais e outros que se pretenda
imputar ao contribuinte.

256
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Cumpre esclarecer também que, para adesão ao regi-


me, há necessidade de declaração retificadora de juste anual
[pessoa física], retificadora da declaração de bens e capitais
no exterior [se física ou jurídica] e escrituração contábil so-
cietária [PJ]. Esses documentos, normalmente, são de acesso
das fiscalizações estadual e municipal. A despeito disso, por
decorrência do não compartilhamento das informações da
DERCAT e da previsão de que esses dados não poderão ser
utilizados, direta ou indiretamente, para constituir créditos
tributários, os dados dessa declaração, inseridos nas retifica-
doras, igualmente não poderão ser utilizados.
Diante das demais disposições da Lei 13.254/2016, con-
sideramos que não há como a RFB pretender pautar-se nas
retificadoras apresentadas pelo contribuinte para, a partir de-
las, recalcular os tributos, multas e juros. Essas retificadoras
são feitas no contexto da DERCAT, sendo reflexos daquela,
aplicando-se lhe, portanto, as disposições do regime especial.
Não bastasse isso, por expressa determinação legal, as
informações constantes da DERCAT não podem ser compar-
tilhadas com os Estados, Distrito Federal e Municípios, nem
mesmo para fins de constituição de crédito tributário447. Desse
modo, quaisquer informações prestadas à Receita Federal do
Brasil no âmbito do RERCT [como a apresentação de retifi-
cadoras] hão de ser mantidas em sigilo pela Administração
Federal.

447. Lei 13.254/2016. “Art. 7o A adesão ao RERCT poderá ser feita no prazo de 210
(duzentos e dez) dias, contado a partir da data de entrada em vigor do ato da RFB
de que trata o art. 10, com declaração da situação patrimonial em 31 de dezembro
de 2014 e o consequente pagamento do tributo e da multa.
§ 1o A divulgação ou a publicidade das informações presentes no RERCT implica-
rão efeito equivalente à quebra do sigilo fiscal, sujeitando o responsável às penas
previstas na LC 105/2001, e no art. 325 do Decreto-Lei 2.848/1940 (Código Penal), e,
no caso de funcionário público, à pena de demissão.
§ 2o Sem prejuízo do disposto no § 6o do art. 4o, é vedada à RFB, ao Conselho Mone-
tário Nacional (CMN), ao Banco Central do Brasil e aos demais órgãos públicos in-
tervenientes do RERCT a divulgação ou o compartilhamento das informações pres-
tadas pelos declarantes que tiverem aderido ao RERCT com os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, inclusive para fins de constituição de crédito tributário.”

257
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

6.3.2 Lugar da prova: noções gerais e sua identificação


no processo administrativo tributário

Como fato que é, a prova acontece dentro de certos limi-


tes espaciais. Para que ingresse no sistema jurídico, porém,
precisa cumprir certos requisitos, tal como sua admissão pelo
julgador, ato que autoriza sua realização e consequente intro-
dução nos autos processuais. Por essa referência, percebe-se
ser o processo o lugar em que a prova é produzida. Ensina
João Batista Lopes448 que “o juiz é o destinatário da prova, de
modo que toda a atividade instrutória deve ser perante ele
exercida”. O procedimento é o mesmo ainda que se trate de
documento constituído, para o qual se requer apenas sua in-
trodução nos autos, pois a autorização concedida pelo julga-
dor acarreta a produção da prova no processo. Pode aconte-
cer, contudo, que uma parte da enunciação probatória ocorra
fora do processo, e até mesmo em local exterior à jurisdição
atribuída ao juiz da causa. Esta última caracteriza a chamada
prova de fora de terra, ou, simplesmente, prova de fora.
A prova de fora de terra faz-se por meio de carta de or-
dem, precatória ou rogatória. Para tanto, é necessário que um
elemento imprescindível à enunciação da prova não esteja
dentro dos limites da jurisdição em que tramita o processo, e,
assim como em qualquer pretensão probatória, que a prova
seja útil à demonstração de fato relevante.
A despeito das distinções na sintaxe interna dos diversos
meios de prova, possibilitando que alguns deles sejam par-
cialmente desenvolvidos no exterior dos autos e até mesmo
fora de terra, a prova, como resultado, será verificada sempre
no processo. Independentemente de onde ocorram parcelas
de sua enunciação, o enunciado probatório só assume essa
feição ao ingressar no sistema jurídico, por meio de documen-
to juntado ao processo.

448. A prova no direito processual civil, p. 63.

258
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

No âmbito dos processos administrativos tributários, a


prova também tem seu lugar nos autos processuais449. Sua
enunciação, na qualidade de evento, de ato de fala, opera-se
no mundo fenomênico, e, portanto, sem específicas determi-
nações espaciais. Mas, relatada na linguagem competente,
as coordenadas de lugar são indeclináveis: uma, relativa ao
limite territorial em que foi redigida [lugar da prova]; outra,
concernente ao aspecto espacial atribuído ao evento, relatado
no fato da prova [lugar na prova]. Tudo isso, entretanto, só fi-
gura como prova processual no contencioso administrativo tri-
butário se vier a integrá-lo, mediante sua admissão nos autos.

6.3.3 Sujeitos da prova no direito processual civil

Tomada a relação jurídica como o vínculo entre pelo me-


nos dois sujeitos de direito, em torno de determinado objeto,
a figura do processo aparece como produto de uma série de re-
lações450. Nas palavras de Paulo Cesar Conrado451, “opera, em
primeiro lugar, uma relação linear entre autor e juiz, quando
então se deduz uma certa pretensão; logo depois, opera uma
outra relação, linear como a primeira, mas desta feita entre
juiz e réu; da combinação dessas duas relações básicas é que
exsurge, então, a angularidade da relação jurídica processual
completa, ou seja, aquela que se conforma pela adição daquelas
duas primeiras [lineares]”. Essas relações, por sua vez, atuam
dentro de um sistema comunicacional, em que se exige a trans-
missão de informações às pessoas envolvidas na demanda, me-
diante atos processuais. Tanto as partes como o julgador são
focos ejetores de mensagens no processo, cujo conteúdo varia
em razão do papel que cada um deles exerce naquele contexto:

449. Caso não instalado o contencioso administrativo tributário, a prova do fato jurí-
dico ou do ilícito tributário tem seu lugar no suporte físico do lançamento ou no
auto de infração.
450. Para maiores esclarecimentos sobre o cálculo das relações, consulte-se Paulo
de Barros Carvalho, Apostila de filosofia do direito I [Lógica jurídica].
451. Introdução à teoria geral do processo civil, p. 214.

259
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

“(i) enquanto autor e réu atuam no processo na defesa de posi-


ções antagônicas, um pretendendo [o autor] e outro resistindo
[o réu], (ii) o terceiro sujeito, o juiz, atua com o propósito de
definir o conflito havido entre aqueloutros”452, contrapondo-se,
em virtude disso, a parcialidade da atividade desenvolvida pe-
las partes e o caráter imparcial dos atos do julgador. Conside-
rado o sistema comunicacional em que se produzem as pro-
vas, as partes funcionam como emissores e o julgador como
destinatário, disso decorrendo as diferenças nas atuações dos
sujeitos processuais.
Como consequência do princípio dispositivo, a proposi-
ção das provas é, por excelência, ato das partes. A elas com-
pete afirmar os fatos, fundamento do direito subjetivo invoca-
do, bem como convencer o julgador acerca da sua ocorrência,
fazendo uso da linguagem das provas. Por outro lado, o sujeito
encarregado de dirimir a lide mediante aplicação do direito ao
caso concreto também tem participação direta no procedimen-
to probatório. Segundo Moacyr Amaral Santos453, “enquanto as
partes atuam por meio de afirmações e proposições, alegando
fatos e propondo sua prova, ao juiz cumpre a tarefa de conhe-
cê-los e torná-los reproduzidos no processo. As partes, porém,
interferem na atuação judicial, facilitando-lhe o conhecimento
e a demonstração dos fatos; o juiz intervém na atuação dos li-
tigantes, pedindo ou forçando esclarecimentos das afirmações
feitas, sugerindo ou ordenando provas por eles propostas”.
Dá-se, assim, uma perfeita interdependência das atribui-
ções das partes e do julgador no processo probatório, de modo
que, conquanto não caiba ao juiz a produção de provas, está
autorizado a determiná-la nas hipóteses em que for necessá-
ria para a formação do seu convencimento. É o que prescreve
o art. 370, caput, do CPC/2015:

452. Paulo Cesar Conrado, Compensação tributária e processo, p. 193.


453. Prova judiciária no cível e comercial, v. 1, p. 260.

260
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar


as provas necessárias ao julgamento do mérito.

Ao julgador não compete, porém, determinar a realização


de provas de ofício, em substituição à iniciativa das partes.
A interpretação do dispositivo transcrito, considerado o sis-
tema jurídico em sua integralidade, leva à conclusão de que
a produção probatória independente do requerimento dos
litigantes só tem lugar quando as provas constantes dos autos
causarem estado de perplexidade no destinatário, por se apre-
sentarem incompletas454. Trata-se de situação excepcional.
Se, entretanto, a parte se omite quanto ao dever de pro-
var, não há que falar em produção probatória por parte do
julgador. É lícita a determinação de diligência para esclarecer
as dúvidas desde que isso não implique produção de prova
que poderia ser e não foi proposta pela parte a quem cumpria
o ônus de provar. Como esclarece Aclibes Burgarelli455, “há
provas que somente o autor ou o réu devem diligenciar, por
entendimento do magistrado, visto como a este, e tão somen-
te a este, reserva-se a operação intelectual de formação do
convencimento. Se o juiz percebe que a parte não tem dado
encaminhamento razoável ao desfecho da demanda e enten-
de mesmo ser inútil gastar mais tempo com providências de
ofício, pode julgar o mérito, mas impõe-se sempre o dever de
fundamentar adequadamente sua decisão”. O caput do art.
370 do CPC/2015 tem aplicação nas hipóteses em que se verifi-
ca um fato incerto, cuja dubiedade seja emergente das provas
já produzidas pelas partes.

454. “Produção não requerida pelas partes – Lide insuficientemente instruída – Im-
possibilidade de julgamento antecipado, a despeito de pedido dos litigantes – Hipó-
tese em que cabe ao juiz, de ofício, determinar as provas necessárias à instrução do
processo – Inteligência e aplicação dos arts. 125 e 130 do Código de Processo Civil
[arts. 3°, §§ 2° e 3°, 7° , 139 e 370 do Novo CPC]. Ainda que as partes não tenham re-
querido produção de provas, mas sim o julgamento antecipado da lide, se esta não
estiver suficientemente instruída de sorte a permitir tal julgamento, cabe ao juiz, de
ofício, determinar as provas necessárias à instrução do processo” (1º TAC/SP, RT
664/91, apud Aclibes Burgarelli, Tratado das provas cíveis, p. 75).
455. Tratado das provas cíveis, p. 75.

261
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

6.3.3.1 Os sujeitos da prova no processo administrativo


tributário

Partindo das noções gerais acima traçadas, em que às par-


tes compete afirmar os fatos que pretendem ver reconhecidos,
produzindo as provas necessárias para tanto, e ao julgador in-
cumbe agir imparcialmente, examinando e valorando os ele-
mentos probatórios constituídos pelas partes, para com base
neles dirimir o conflito instalado, é preciso, agora, evidenciar
algumas distinções observadas na disciplina jurídica do pro-
cesso administrativo tributário.
O regime jurídico aplicável é diverso daquele verificado
no âmbito processual civil. Os processos administrativos são
orientados pelo princípio inquisitório ou da oficialidade, de
modo que, conquanto o estímulo primeiro, necessário para
instaurar o contencioso, caiba ao contribuinte456, o desenvolvi-
mento processual não depende unicamente dos atos deste457.
Em decorrência dos princípios constitucionais tributá-
rios, como os da legalidade e da tipicidade, bem como da au-
torização para que a Administração realize, ela própria, o con-
trole de legalidade de seus atos, a produção probatória pode
ser efetuada por iniciativa da autoridade julgadora. É o que
dispõe, expressamente, o art. 18, caput, do Decreto 70.235/72:

A autoridade julgadora de primeira instância determinará, de


ofício ou a requerimento do impugnante, a realização de diligên-
cias ou perícias, quando entendê-las necessárias [...].

No mesmo sentido, o art. 25 da Lei 13.457/2009, do Estado


de São Paulo, atribui ao órgão de julgamento competência para
promover “diligências necessárias à instrução do processo”.

456. Isso não exclui a possibilidade de os atos de lançamento tributário e de aplica-


ção de penalidade serem revistos de ofício. Nesse caso, todavia, não se fala em pro-
cesso nem se verifica contenciosidade.
457. Sobre o princípio inquisitório, consultem-se os subitens 6.5.1 e 6.5.1.1 deste
capítulo.

262
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Art. 25. Os órgãos de julgamento determinarão a realização de


diligências necessárias à instrução do processo.
§ 1º. Encontrando-se o processo em fase de julgamento, somente
por decisão do órgão julgador poderá ser determinada diligência
para esclarecimento de matéria de fato. [...]”

Também na esfera municipal são identificados comandos


de conteúdo semelhante, a exemplo do que se verifica na Lei
14.107/2005, do Município de São Paulo:

Art. 25. Os órgãos julgadores determinarão, de ofício ou a reque-


rimento do impugnante, a realização de diligências que entende-
rem necessárias, fixando prazo para tal, indeferindo as que con-
siderarem prescindíveis, impraticáveis ou protelatórias.
Art. 46. O relator, sempre que julgar conveniente, poderá solici-
tar, dos órgãos da Administração Municipal e dos contribuintes,
as providências, diligências e informações necessárias ao
esclarecimento da questão, na forma estabelecida no Regimento
Interno.

Isso não significa, contudo, a juridicização da busca pela


verdade material em contraposição a uma verdade formal
realizada nos processos judiciais. Anota Francesco Carnelut-
ti que, “quando em determinado regulamento jurídico todos
os processos conhecidos para a exposição do fato estão juri-
dicamente regulamentados de tal modo que seu resultado não
possa ser considerado mais que determinação formal do fato,
semelhante sistematização e nomenclatura carecem de base”.
Semelhante é o posicionamento de Manoel de Oliveira Fran-
co Sobrinho458, asseverando que tanto nos processos judiciais
como nos administrativos o que se pretende obter é a verdade
processual: “Todo problema deve ser equacionado dentro do
escopo da proposição admitida, servindo a prova para con-
vencimento em torno da certeza precisamente formulada, de
modo que a Administração possa, no processo, reconhecer a

458. A prova administrativa, p. 64.

263
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

verdade material, dando ao problema a solução adequada.


No processo administrativo, quando a controvérsia se faz fla-
grante, não é nada fácil distinguir, através do instrumento es-
crito, a verdade-prova formal da verdade-prova material. A
verdade probatória sempre que formal, em face do pressu-
posto da certeza, confunde-se com a verdade probatória ma-
terial, ambas movendo-se num mesmo plano de formação do
convencimento”.
Sem dúvida, existe diferença entre o processo judicial e
o administrativo tributário. Mas tal distinção é consequência
das peculiaridades da regulamentação de cada qual, e não da
espécie de verdade pretendida. Tanto na esfera judicial como
na administrativa, o que se alcança é a verdade juridicamente
construída, que denominamos verdade lógica. O que se dife-
rencia no procedimento de ambos é o regime jurídico, os prin-
cípios que os orientam: o princípio dispositivo no primeiro; o
inquisitivo no segundo.
A verdade buscada no processo administrativo tributá-
rio não se distingue, ontologicamente, daquela pretendida no
processo judicial. Esses trâmites diferenciam-se em razão de
sua forma regulatória. Assim é que ao processo judicial aplica-
-se o princípio dispositivo, ao passo que o princípio inquisitivo
ou da oficialidade regem as ações no processo administrativo
tributário, de modo que a construção da verdade, no âmbito
do processo administrativo tributário, opera-se com a ativa
participação da autoridade julgadora, que pode determinar
a produção probatória que considerar cabível, observados,
sempre, os limites postos pelo sistema do direito em vigor.

6.4 Prova é tema de direito material ou de direito pro-


cessual?

Ainda se discute muito sobre a natureza jurídica das nor-


mas relativas à prova, indagando-se se seriam processuais
ou de direito material. Duas correntes prevalecem: (i) uma,
considerando toda regra sobre prova como sendo de direito

264
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

processual; e (ii) outra, entendendo possível separar as regras


sobre a produção da prova como de direito processual e as re-
lativas aos meios de prova propriamente ditos como de direito
material.
É certo, porém, que as provas não operam somente no
processo; não constituem exclusivamente uma instituição
processual. Segundo Clarice Von Oertzen de Araújo459;

A análise da positivação das normas traz inevitavelmente, no


Direito contemporâneo, a dualidade entre direito material e
processual, pois o próprio fenômeno de aplicação das leis – a
incidência – também é regulado pelas normas de estrutura. Ou
seja, a incidência envolverá sempre um aspecto de direito mate-
rial – qual ou quais normas incidem na regulamentação de um
caso concreto – e de direito processual – como a incidência deve
ocorrer.

O mesmo se pode dizer da teoria das provas: apresenta


um aspecto material, voltado à constituição do fato jurídico
tributário que se subsome à hipótese normativa, e outro de
direito processual, disciplinando a forma pela qual tal fato há
de ser constituído nos autos.
Essa dualidade é identificada com clareza por Cândido
Rangel Dinamarco460, ao afirmar serem as provas institutos
bifrontes:

Só no processo aparecem de modo explícito em casos concretos,


mas são integrados por um intenso coeficiente de elementos
definidos pelo direito material e – o que é mais importante – de
algum modo dizem respeito à própria vida dos sujeitos e suas
relações entre si com os bens da vida. Constituem ponte de
passagem entre o direito e o processo, ou seja, entre o plano
substancial e o processual do ordenamento jurídico.

459. Semiótica do direito, p. 192-193.


460. Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 44.

265
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

No mesmo sentido é a lição de Sílvio de Salvo Venosa461,


para quem a matéria da prova “encontra-se na zona frontei-
riça entre o direito material e o direito processual, razão pela
qual o Código Civil traça os contornos principais, enquanto o
Código de Processo Civil tece maiores minúcias sobre o tema.
O Direito Civil estipula os meios de prova e os fundamentos
principais respectivos pelos quais se comprovarão fatos, atos
e negócios jurídicos. O direito processual traça os limites da
produção da prova, sua apreciação pelo juiz, bem como a téc-
nica de produzi-la em juízo”.
Sobre o assunto, João Baptista Machado462 noticia existi-
rem normas jurídicas que, ao disciplinarem a prova, afetam a
substância do fato, devendo ser consideradas pertinentes ao
direito substantivo e não exclusivamente ao direito processual.
As provas não apresentam unicamente a função de ins-
trumentalizar o conhecimento do julgador. Têm, também, o
objetivo de dar sustento aos fatos descritos no antecedente
de normas individuais e concretas que irradiam seus efeitos
independentemente de serem levadas à apreciação do Poder
Judiciário ou de outro órgão julgador. Por essa razão, a prova
também pertence ao direito material.
A identificação de sua natureza jurídica depende, portan-
to, do ângulo pelo qual é observada: (i) do prisma estático,
temos a prova como elemento de direito substantivo; (ii) da
perspectiva dinâmica, encontramos a prova no direito proces-
sual, com vistas à aplicação de norma geral e abstrata. É a
partir dessa observação que Moacyr Amaral Santos463 conclui
que:

Aceitando-se, como aceita a generalidade dos autores, a distin-


ção entre direito formal e direito substancial, não há senão que
se concluir que a prova participa de um e de outro, do direito

461. Direito civil, v. 1, p. 566-567.


462. Lições de direito internacional privado, p. 17-18.
463. Prova judiciária no cível e comercial, v. 1, p. 41.

266
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

adjetivo e do direito substantivo, segundo seja vista quanto à sua


produção em juízo e quanto à sua admissibilidade e valor.

E o motivo pelo qual se opera essa transposição entre di-


reito material e processual é o fato de que a categoria prova
transcende ao plano do direito positivo vigente, encontrando
raízes na Teoria Geral do Direito. Sobre o assunto, discorre,
com propriedade, Paulo de Barros Carvalho464:

Para aqueles que tomam o fenômeno jurídico na sua integridade


constitutiva, vendo-o como unidade indecomponível, a prova ha-
verá de ser tema da Teoria Geral do Direito. Torna-se impossível
dizer, por isso mesmo, em que ramo da dogmática positiva ela se
situa, uma vez que as divisões e subdivisões internas respondem
apenas a um apelo de corte epistemológico, para fins meramente
didáticos. Agora, numa aproximação ligeira, superficial, verifica-
mos uma quantidade intensa de preceitos sobre a técnica de pro-
dução das provas no direito processual, ao passo que no direito
material prevalecem aqueles preceitos que aludem, basicamen-
te, à constituição dos fatos jurídicos.

Por tudo o que se expôs, a teoria da prova no direito tri-


butário há de ser edificada com base nas noções e caracteres
da prova em geral. Sua morfologia e sintaxe são conformadas
por regras que, partindo dos elementos intrínsecos à prova, a
eles atribui configuração peculiar ao seguimento jurídico em
questão. Assim é que, também na esfera tributária, a prova,
estaticamente observada, mostra-se componente do âmbito
material [com a especificação dos documentos necessários à
comprovação dos fatos jurídicos tributários, por exemplo], ao
passo que, examinada sua dinâmica, o aspecto processual se
destaca.

464. Teoria da prova e o fato jurídico tributário. Apostila do Programa de Pós-Gra-


duação em Direito [Mestrado e Doutorado] da USP e da PUC/SP.

267
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

6.5 Princípios que orientam a produção da prova no


processo administrativo tributário

O termo princípio padece do vício da polissemia, poden-


do ser empregado em distintas situações, com variados signi-
ficados. Após detida reflexão semântica sobre esse vocábulo,
Paulo de Barros Carvalho465 observa a existência de quatro
usos distintos: (i) norma-valor; (ii) norma-limite objetivo; (iii)
valor; e (iv) limite objetivo. Optamos pelas duas primeiras al-
ternativas (norma-valor e norma-limite), em razão da homo-
geneidade sintática do sistema do direito positivo, que é for-
mado única e exclusivamente por normas jurídicas466.
Os princípios não existem ao lado das normas, justapondo-
-se ou contrapondo-se a elas. Impossível admitir a coexistência
de normas e princípios, como se fossem entidades diferentes con-
vivendo no sistema do direito positivo. Princípios nada mais são
que normas jurídicas carregadas de forte conotação axiológica.
Há normas principiológicas gerais que se irradiam por
todo o ordenamento, a exemplo dos princípios da segurança
jurídica, certeza do direito, isonomia, legalidade, irretroativi-
dade das leis etc. Outras, voltam-se ao âmbito do direito pro-
cessual, como o princípio do devido processo legal, do con-
traditório, do juiz natural, da inafastabilidade da jurisdição,
da publicidade, do duplo grau de jurisdição, da motivação, da
instrumentalidade das formas, da disponibilidade, do impulso
oficial, da identidade física do juiz e da concentração. Alguns
deles apresentam importantes desdobramentos relativamen-
te à produção probatória no âmbito administrativo tributário,
merecendo referência específica neste trabalho.

465. Curso de direito tributário, p. 104.


466. Enquanto alguns princípios são postos em termos vagos e excessivamente ge-
néricos, fazendo-se necessário ingressar no campo da Axiologia e no mundo das
subjetividades, outros princípios são enunciados de modo tão preciso que prescin-
dem de maiores discussões, sendo de verificação pronta e imediata, por meio da
linguagem das provas admitidas em direito. No primeiro caso, temos princípio
como norma-valor; no segundo, como norma-limite objetivo.

268
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

6.5.1 Princípio dispositivo x princípio inquisitório

O princípio dispositivo ou da disponibilidade implica a


possibilidade de as partes disporem das faculdades jurídico-
processuais que lhes são cometidas, deixando de postular ou
tomar providências com vistas a fazer prevalecer o direito
material que lhes assista. Tal preceito pode ser examinado
de duas perspectivas: (i) do princípio da demanda e (ii) do
princípio dispositivo em sentido estrito.
O primeiro implica a vinculação do julgador aos pedidos
das partes. Paulo Cesar Conrado467, ao comentar o princípio
da disponibilidade, assevera que o aplicador do direito “não
pode presumir a existência de desvalores. Sem prévia articu-
lação, em linguagem competente [no caso do processo, a lin-
guagem da petição inicial], da situação conflituosa, descabe
ao Estado-juiz supô-lo”. Disso decorre a vedação de prestação
de tutela jurisdicional fora dos limites estabelecidos pela lide
exposta na inicial.
Já o princípio dispositivo em sentido estrito diz respeito
ao modo por que se presta a tutela jurisdicional, ou seja, ao
seu trâmite procedimental. Decorre, também, da possibilida-
de que as partes têm de, a partir da sua própria vontade, li-
mitar o conhecimento do aplicador do direito. A esse preceito
contrapõe-se o princípio inquisitório, em que o julgador pode
conduzir o processo, tomando quaisquer providências neces-
sárias ao conhecimento dos fatos. Enquanto nos processos re-
gidos pelo princípio inquisitório o julgador pode determinar a
produção probatória que entender apropriada, independen-
temente de qualquer manifestação das partes, nos processos
em que vige o princípio dispositivo, como o processual civil
brasileiro, compete às partes produzir provas, sendo autori-
zado que o juiz o faça apenas na hipótese de a prova produ-
zida gerar perplexidade em seu intelecto. Tal autorização é
desdobramento do princípio do impulso oficial, nos termos

467. Introdução à teoria geral do processo civil, p. 80.

269
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

do qual o Estado-juiz deve conduzir o regular andamento dos


processos. Como anota Arruda Alvim468, “em face do que dis-
põe o art. 130 do CPC469, a única limitação à atividade do juiz
com relação à atividade instrutória é a de que a ele não é
dado ir além do tema probatório, ou seja, da lide ou do obje-
to litigioso, nem infringir o princípio do ônus [subjetivo] da
prova”. Essa atividade do julgador, no regime dispositivo, é
subsidiária à das partes, não servindo para suprir omissões
do sujeito inerte.
Por fim, convém esclarecer que, tanto nos processos re-
gidos pelo princípio dispositivo como naqueles em que impe-
ra o princípio inquisitório, o direito positivo brasileiro exige
apreciação das provas segundo o critério da persuasão racio-
nal, em que o julgador limita-se a decidir com base no que foi
alegado e provado. A distinção entre ambas as espécies pro-
cessuais diz respeito à iniciativa dos sujeitos do processo em
relação à realização de provas, sem que isso interfira, porém,
na forma de sua apreciação.

6.5.1.1 Controle de legalidade e processo administrati-


vo tributário: adoção do princípio inquisitório

A Administração Pública é regida, dentre outros, pelo


princípio da legalidade, sendo-lhe terminantemente vedado
ultrapassar os limites da competência a ela atribuída. Para
assegurar a observância aos preceitos legais vigentes, o direi-
to positivo brasileiro veicula a possibilidade de controle dos
atos administrativos, exercido por órgão interno ou externo.
No primeiro caso, identificamos a fiscalização da própria Ad-
ministração sobre seus atos e agentes, denominado contro-
le administrativo; no segundo, relacionamos a inspeção do
Legislativo sobre determinados atos e agentes do Executivo

468. Manual de direito processual civil, v. 2, p. 412.


469. No CPC/2015, o conteúdo desse dispositivo corresponde ao art. 370.

270
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

[controle legislativo ou parlamentar] e a correção dos atos ile-


gais pelo Judiciário [controle judiciário ou judicial].
Interessa, para os fins almejados no presente trabalho,
o estudo do controle interno, também chamado autocontro-
le. Este, segundo definição empreendida por Maria Sylvia
Zanella Di Pietro470, “é o poder de fiscalização e controle que
a Administração Pública [em sentido amplo] exerce sobre sua
própria atuação, sob os aspectos de legalidade e mérito, por
iniciativa própria ou mediante provocação”, encontrando fun-
damento nos princípios erigidos na Constituição Federal, in-
cluindo seu art. 37, caput, que prescreve observância aos prin-
cípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade
e eficiência. Seria um sem sentido jurídico obrigar a Adminis-
tração ao cumprimento da lei, porém negar-lhe a autorização
para revisar seus próprios atos, anulando-os ou confirmando-
-os, e, desse modo, assegurando o respeito aos princípios mag-
nos. Esse poder para reexaminar seus atos é reconhecido pelo
Supremo Tribunal Federal, que, acerca do tema, editou a Sú-
mula 473:

A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados


de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam di-
reitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunida-
de, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os
casos, a apreciação judicial.

Se atinarmos à lição de Seabra Fagundes471, mediante a


qual administrar é aplicar a lei de ofício, poderemos reconhe-
cer nessa atividade, de rigoroso e sistemático controle da lega-
lidade dos atos administrativos, um signo expressivo da fun-
ção administrativa, exercitada na plenitude de seu conteúdo
existencial.
Na esfera tributária, o controle de legalidade pode operar-
se na forma de um processo administrativo, instalado a partir

470. Direito administrativo, p. 480.


471. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, passim.

271
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

da formalização da resistência do contribuinte à exigência


fiscal. Caracteriza-se pela conjugação de atos, organizados
harmonicamente, para a obtenção de resultado que se substancia
em ato expressivo e final da vontade do Estado, enquanto Poder
Público, no desempenho de suas funções. Seu objetivo último é a
precisa, exata e fiel aplicação da lei tributária na solução da lide.
Pairando dúvida sobre o teor de juridicidade do lançamento
tributário ou da aplicação de penalidade, é assegurado ao sujeito
passivo o direito de impugnar o ato, suscitando seu controle. Tal
atitude desencadeia uma série de outros atos, propiciando o en-
sejo para a decisão de primeira instância, que nada mais é que
a manifestação acerca da validade do ato praticado, emanada
por um órgão superior à autoridade que realizou a imposição
tributária.
Diante do exposto, fica fácil compreender as razões pelas
quais o princípio da disponibilidade não tem lugar no conten-
cioso administrativo tributário. Os processos administrativos
são orientados pelo princípio inquisitório ou da oficialidade, de
modo que, uma vez instalados, passam, nas palavras de Celso
Antônio Bandeira de Mello472, a ser “encargo da própria Admi-
nistração; vale dizer, cabe a ela, e não a um terceiro, a impulsão
de ofício, ou seja, o empenho na condução e desdobramento da
sequência de atos que o compõem a produção do ato final, con-
clusivo”. Logo, ainda que o contribuinte, por inércia, deixe de
requisitar produção probatória, incumbe ao julgador determi-
nar sua realização, caso a entenda necessária ao exame do caso
concreto473.

6.5.2 Princípio do devido processo legal

Ao processo administrativo tributário, entendido como


etapa litigiosa do percurso de constituição da obrigação e das

472. Curso de direito administrativo, p. 463.


473. Essa, inclusive, é a prescrição veiculada pelo art. 18, caput, do Decreto 70.235/72
e pelo art. 22 da Lei 10.941/2001, do Estado de São Paulo.

272
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

sanções tributárias, a Constituição de 1988 determinou a ob-


servância dos princípios inerentes ao devido processo legal,
confirmando o caráter jurisdicional da composição da lide ad-
ministrativa. Trata-se de preceito de observância necessária em
todos os processos, inclusive nos administrativos tributários.
Representa, segundo Manoel de Oliveira Franco Sobrinho474,
forma de conciliar o interesse público com o direito dos ad-
ministrados: “a segurança jurídica para os que dependem da
Administração através do controle das formas que a lei de-
terminar para que os atos governamentais se legitimem na
legalidade”.
A ideia de jurisdição não é privativa do Poder Judiciário.
Sempre que o Executivo e o Legislativo agirem na composição
de conflitos de interesse, estarão exercendo, atipicamente,
função jurisdicional, a ela aplicando-se as garantias do devido
processo legal, consistentes, segundo Agustín Gordillo475,
(i) no direito de ser ouvido e (ii) no direito de oferecer e
produzir provas. Efetuada a aplicação de norma tributária
por autoridade administrativa, deve o destinatário do ato
ser cientificado, possibilitando sua defesa. O direito de ser
ouvido abrange, ainda, a oportunidade de manifestação sobre
as informações, pareceres, decisões, perícias e documentos
formulados ou apresentados pelo órgão exator, bem como
a necessidade de apreciação de toda a matéria de defesa
produzida pelo administrado. Dele decorre o direito à ampla
instrução probatória, assegurando a utilização de todos os
meios de prova pertinentes à lide administrativa, desde que
licitamente produzidos. Nos exatos termos referidos pelo
Texto Constitucional, trata-se do direito ao “contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” [art. 5º,
LV], os quais constituem condição necessária para a validade
do ato e do processo administrativo instalado.

474. A prova administrativa, p. 40.


475. La garantía de defesa como principio de eficacia en el procedimiento adminis-
trativo, Revista de Direito Público, n. 10, p. 16-24.

273
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Ensina Ada Pellegrini Grinover476 que a expressão devi-


do processo legal indica o conjunto de garantias processuais
a serem asseguradas às partes, legitimando, assim, o próprio
processo. Conquanto esse princípio, em um primeiro mo-
mento, tenha consistido na mera exigência de respeito à for-
ma procedimental, seu conteúdo, na atualidade, é bem mais
abrangente. Segundo Paulo Cesar Conrado477, a cláusula due
process of law apresenta-se bipartida: (i) um de seus aspec-
tos, denominado substantive due process ou devido processo
legal substantivo, encontra aplicação relativamente ao direito
material, exigindo observância, pela lei, aos princípios consti-
tucionais fundamentais; (ii) o procedural due process, por seu
turno, enfatiza o caráter procedimental do processo, impli-
cando respeito à forma.
Desse princípio, expresso no art. 5º, LIV, da CRFB/88,
decorrem, dentre outros, vedação a juízo ou tribunal de ex-
ceção, proibição de julgamento do processo por autoridade
incompetente, garantia de que o particular não será privado
de sua liberdade física ou de seus bens sem o correspondente
processo judicial, princípios da ampla defesa e do contraditó-
rio, exigência de motivação das decisões e publicidade dos jul-
gamentos478. Implica, por conseguinte, a necessidade de pro-
piciar aos litigantes a produção de provas, sempre que úteis
para a demonstração de veracidade de fato relevante para o
deslinde da causa, observados, obviamente, os requisitos de
forma, tempo e espaço prescritos em lei.

6.5.2.1 Princípio da ampla defesa

O princípio da ampla defesa, enunciado no art. 5º, LV,


do Texto Constitucional, consiste no “direito à adequada

476. O processo em sua unidade, p. 60.


477. Introdução à teoria geral do processo civil, p. 73.
478. Carlos Ari Sundfeld, Fundamentos de direito público, p. 174-175.

274
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

resistência às pretensões adversárias”479. Além do contradi-


tório, uma de suas implicações é a liberdade da prova, nos
termos da qual os meios de prova não são limitados nem enu-
merados taxativamente na lei, podendo a parte utilizar qual-
quer elemento de convicção que entenda cabível, desde que
obtido licitamente.
Agustin A. Gordillo480, embora sem se referir especifica-
mente à matéria da prova, assevera que o princípio da am-
pla defesa é critério de eficácia administrativa, acrescentando
Manoel de Oliveira Franco Sobrinho481 que “não há defesa,
nem eficácia quanto aos efeitos dela, sem que a matéria de
prova assuma condição de relevo jurídico na orientação dog-
mática do processo administrativo”. Processo administrativo
sem oportunidade de ampla defesa é nulo. Claro está que a
autoridade que presidir o processo poderá indeferir provas
prescindíveis ou impraticáveis, mas, para tanto, deverá justi-
ficar objetivamente sua rejeição.

6.5.2.2 Princípio do contraditório

O princípio do contraditório, também denominado prin-


cípio da audiência bilateral, consiste na prescrição de que nin-
guém pode ser condenado sem ser ouvido482. Esse princípio
diz respeito à oportunidade da defesa, significando, segundo
Odete Medauar483, “a faculdade de manifestar o próprio ponto
de vista ou argumentos próprios, ante fatos, documentos ou
pontos de vista apresentados por outrem”.

479. Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel
Dinamarco, Teoria geral do processo, p. 84.
480. La garantía de defesa como principio de eficacia en el procedimiento adminis-
trativo, Revista de Direito Público, n. 10, p. 16.
481. A prova administrativa, p. 39.
482. Para Paulo Cesar Conrado, o princípio da bilateralidade da audiência decorre
de norma infraconstitucional, como desdobramento do contraditório (Introdução à
teoria geral do processo civil, p. 77).
483. Direito administrativo moderno, p. 199.

275
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Trata-se de elemento ínsito à caracterização da proces-


sualidade, em que há necessária transmissão de informações
e possibilidade de reação a elas. Está intimamente relacionado
com o princípio da ampla defesa, por facultar à parte, quan-
do da ciência de fatos a ela desfavoráveis, a apresentação de
argumentos contrapostos. Sustenta Paulo Cesar Conrado484
que “o contraditório tem por missão imediata aperfeiçoar a
noção de intersubjetividade que é intrínseca ao direito, equi-
valendo, nesse particular, a um símbolo jurídico da ideia de
comunicação”. Por isso, dizemos que o direito à prova é uma
das decorrências do princípio do contraditório. Este, ao pres-
crever a bilateralidade dos atos processuais, significa, segun-
do Guilherme de Souza Nucci485, “ter o réu sempre o direito
de se manifestar quanto ao que for dito e provado pelo autor,
produzindo contraprova”.
As provas devem ser produzidas com observância das
regras inerentes ao contraditório, sendo requeridas por uma
parte, deferidas pelo julgador e realizadas sob a fiscalização
da parte contrária486.

6.5.2.3 Princípio da publicidade

O princípio da publicidade decorre do devido processo


legal, como forma de viabilizar o direito a ser ouvido. Segun-
do este, todos os atos processuais devem ser susceptíveis de
conhecimento geral, inclusive as provas produzidas nos autos
processuais, salvo os processos que se desenvolvem em segre-
do de justiça. Mesmo nessas hipóteses persiste a publicidade
em relação às partes, cujo direito de vista dos autos não pode
ser tolhido sob nenhum pretexto.

484. Processo tributário, p. 63-64.


485. O valor da confissão como meio de prova no processo penal, p. 36.
486. Eduardo J. Couture, Fundamentos del derecho procesal civil, p. 253.

276
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Referido primado constitui preciosa garantia do indiví-


duo no tocante ao exercício da jurisdição, pois assegura o
conhecimento, por parte do povo, dos atos processuais, re-
presentando, segundo Carlos Ari Sundfeld487, o mais seguro
instrumento de fiscalização da atividade jurisdicional. É con-
siderado por Jeremías Bentham488 a mais eficaz salvaguarda
das decisões judiciais.
Além disso, o princípio da publicidade implica o acesso
das partes processuais às provas produzidas, sendo esse um
imperativo necessário à implementação da ampla defesa e do
contraditório.

6.5.3 Princípio da proibição da prova obtida ilicitamente

A Constituição da República, no art. 5º, LVI, inadmite


provas obtidas por meio ilícito. Com tal determinação, o di-
reito positivo traçou um dos requisitos necessários ao ingres-
so da prova no sistema jurídico, sobre o qual discorremos no
item 4.8 [capítulo 4].
Apenas o enunciado probatório produzido licitamente,
quer dizer, realizado segundo procedimento não vedado pelo
ordenamento, constitui prova jurídica, desencadeando os res-
pectivos efeitos.

6.5.4 Princípio da imediatidade

O princípio da imediatidade pode ser considerado sob


duas perspectivas, segundo Goldschmidt489: (i) em sentido
subjetivo, implicando a necessidade de o julgador tomar con-
tato imediato e pessoal com a produção das provas; e (ii) em
sentido objetivo, devendo as provas utilizadas estarem tão

487. Fundamentos de direito público, p. 179.


488. Tratado de las pruebas judiciales, p. 93.
489. Derecho procesal civil, p. 87.

277
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

próximas quanto possível da percepção sensorial do julgador


e das partes. Qualquer que seja o ponto de vista, com foco
na realização da prova ou em seu destinatário, o princípio da
imediatidade parte da premissa de que, presenciando a pro-
dução da prova, o julgador estará em melhores condições para
valorá-la. Considera Malatesta490 haver “sinais de veracidade
ou de mentira na fisionomia, no som da voz, na serenidade ou
no embaraço de quem depõe”.
Esse princípio está intrinsecamente relacionado com o
da concentração dos atos instrutórios e o da identidade fí-
sica do julgador491. Em sua observância, o destinatário das
provas deve colhê-las junto às partes, testemunhas, peritos
e assistentes técnicos de forma imediata, ou seja, deve par-
ticipar pessoalmente da produção probatória, presenciando
sua enunciação.
Por suas peculiares características, o princípio da ime-
diatidade encontra aplicação, especificamente, nos meios de
provas em que se verifique a realização de depoimentos ou a
inspeção ocular. É preciso registrar, contudo, que sua finali-
dade só é alcançada se o julgador, ao efetuar tais diligências,
reduzir a termo os sinais que sua percepção identificar. Isso
porque, além da forma escrita inerente às provas, a decisão
exarada há de fundamentar-se exclusivamente nos elementos
fáticos constantes dos autos.

6.6 Ônus da prova

O primeiro passo para determinar o conceito de ônus


consiste em diferençá-lo do conceito de obrigação no marco
do processo em geral e da prova em particular, para, com base

490. A lógica das provas em matéria criminal, p. 103.


491. O princípio da concentração dos atos instrutórios exige que a produção das provas
se realize no menor intervalo de tempo possível, enquanto o princípio da identidade fí-
sica do julgador preconiza que um mesmo sujeito proceda à colheita e à avaliação das
provas, decidindo a lide.

278
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

nessas distinções, fixarmos, ainda que de modo preliminar, a


ideia do que seja o ônus.
O ponto diferencial entre ônus e obrigação está nas con-
sequências cominadas a quem não realiza determinado ato.
Tratando-se de vínculo obrigacional, havendo omissão do su-
jeito que figura no polo passivo, este pode ser coercitivamente
obrigado pelo sujeito ativo. No ônus, diversamente, o indiví-
duo que não cumpre suas atribuições apenas sofre as implica-
ções inerentes ao próprio descumprimento. Anota Francesco
Carnelutti492 que “existe somente obrigação quando a inércia
dá lugar à sanção jurídica [execução ou pena]; entretanto, se
a abstenção do ato faz perder somente os efeitos úteis do pró-
prio ato, temos a figura do ônus. [...] Por isso, se a consequên-
cia da falta de um requisito dado em um ato é somente sua
nulidade, há ônus e não obrigação de efetuar o ato de cujo
requisito se trata”.
A esse critério distintivo acrescente-se outro, fundado
no interesse: enquanto o vínculo obrigacional se impõe para
a tutela de um interesse alheio, no ônus o liame volta-se à
tutela de interesse próprio. Como explica Ovídio A. Baptista
da Silva493, “a parte gravada com o ônus não está obrigada a
desincumbir-se do encargo, como se o adversário tivesse so-
bre isso um direito correspectivo, pois não faz sentido dizer
que alguém tenha direito a que outrem faça prova no seu
próprio interesse”.
O ônus consiste na necessidade de desenvolver certa
atividade para obter determinado resultado pretendido. Sua
existência pressupõe um direito subjetivo de agir, que pode ou
não ser exercido, isto é, um direito subjetivo disponível. Nes-
se sentido, sublinha Paulo de Barros Carvalho494 que “o ônus

492. A prova civil, p. 255.


493. Curso de processo civil, v. 1, p. 345.
494. Teoria da prova e o fato jurídico tributário – Apostila do Programa de Pós-Gra-
duação em Direito [Mestrado e Doutorado] da USP e da PUC/SP. Esse autor esclare-
ce que, apesar da distinção entre as figuras do ônus e da obrigação, o primeiro

279
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

configura, logicamente, uma relação meio-fim, estabelecida


numa regra técnica e estruturada na forma ter-que, enquanto
a obrigação funda-se no operador deôntico obrigatório”.
Arruda Alvim495 distingue o ônus perfeito do ônus
imperfeito. Na primeira modalidade o ônus implica uma ta-
refa que o titular do direito subjetivo disponível tem de exer-
citar caso pretenda obter efeito favorável. Em tal hipótese, o
descumprimento da atividade exigida acarreta, necessaria-
mente, consequência jurídica danosa. Quanto ao ônus im-
perfeito, o resultado prejudicial em razão da ausência de efe-
tivação do ato envolvido na relação de ônus é possível, mas
não necessário. Nessa segunda espécie é que se enquadra a
figura do ônus da prova.
Na lição de Giuseppe Chiovenda496, assim como não exis-
te um dever de contestar, igualmente não há que falar em de-
ver de provar. Por isso, denomina-se ônus da prova a relação
jurídica que estabelece a atividade de carrear provas aos au-
tos, já que, nas suas palavras, “é uma condição para se obter
a vitória, não um dever jurídico”. Esse ônus, todavia, é imper-
feito, no sentido de que, conquanto quem não produza a prova
assuma o risco pela sua falta, tal omissão não implica, por si
só, a perda do direito que se pretende ver tutelado, pois ainda
que a parte não se tenha desincumbido do ônus da prova, o
julgador pode dar-lhe ganho de causa em virtude de motivos
outros. Eduardo Cambi497 formula exemplo no qual os fatos
alegados pelo autor são impossíveis, situação em que, mesmo
o réu não tendo contestado a ação, apresentando provas em
contrário, o juiz pode rejeitar o pedido do autor, julgando-o
improcedente. Por outro lado, esclarece o processualista, ainda
que a parte tenha realizado o ato exigido em decorrência do

também apresenta caráter jurídico, uma vez que a regra técnica estruturada no
“ter-que” é posta deonticamente pelo legislador.
495. Manual de direito processual civil, v. 2, p. 430-431.
496. Principii di diritto processuale civile, p. 48.
497. Direito constitucional à prova no processo civil, p. 35.

280
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

seu ônus probatório, isso não é suficiente para que lhe seja
atribuído efeito favorável, uma vez que, ao apreciar os fatos
alegados e valorar as provas em seu conjunto, o julgador pode
entender mais convincentes os argumentos e elementos pro-
batórios trazidos por uma parte que por outra. Não basta pro-
duzir prova, desincumbindo-se do respectivo ônus para obter
êxito na demanda: é preciso que a prova resultante cumpra
a função em razão da qual foi realizada, sendo persuasiva o
bastante para conferir convicção ao seu destinatário.

6.6.1 Função e estrutura do ônus da prova

Consignamos ser o ônus uma espécie de encargo jurídico


a que se veem submetidas as partes do processo com vistas
a obter o resultado que o sistema outorga a quem realiza os
atos na forma e tempo estabelecidos por esse sistema. A figu-
ra do ônus da prova, especificamente, decorre da necessidade
de possibilitar a decisão em situações em que o conjunto pro-
batório seja insuficiente para convencer o julgador. Assevera
Enrique M. Falcón498 que tanto as partes, ao desempenhar sua
atividade probatória, como o julgador, no momento de avaliar
as provas e ditar a decisão, devem ser orientados por uma re-
gra que ofereça condições de determinar o vencedor e o per-
dedor na demanda, já que não é possível deixar de julgar.
Ao mesmo tempo em que o ônus da prova correspon-
de ao encargo que têm as partes de produzir provas para
demonstrar os fatos por elas alegados, serve ao julgador
como auxiliar na formação de seu convencimento, em es-
pecial nas hipóteses em que a prova é insuficiente, incerta
ou faltante. Nesse sentido, o ônus da prova está intimamen-
te relacionado com problemas de valoração dos elementos
carreados aos autos.

498. Tratado de la prueba, v. 1, p. 245.

281
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

A referência à dupla função do ônus da prova é feita,


também, por Eduardo Cambi499: “i) servir de regra de conduta
para as partes, predeterminando quais são os fatos que devem
ser provados por cada uma delas e, assim, estimulando suas
atividades; ii) servir de regra de julgamento, distribuindo, en-
tre as partes, as consequências jurídicas e os riscos decorren-
tes da suficiência ou da ausência da produção da prova, bem
como permitindo que, em caso de dúvida quanto à existência
do fato, o juiz possa decidir, já que não se admite que o pro-
cesso se encerre com uma decisão non liquet”. A partir dessa
bipartição, fala-se em ônus da prova em sentido subjetivo, no
primeiro caso, e em ônus da prova em sentido objetivo, na se-
gunda situação. Tal dualidade existe tão somente para fins de
estudo analítico, pois uma função não subsiste sem a outra:
elas se complicam. Sendo o ônus uma faculdade, exige um ti-
tular que a exerça, servindo de base para a aplicação da regra
de julgamento. Por outro lado, a falta de certeza que conduz o
julgador a decidir conforme os preceitos do ônus da prova não
pode ser dissociada do encargo que pesa sobre quem solicita a
tutela jurisdicional, cujo pressuposto é a verificação desse fato
incerto. O âmbito objetivo do ônus da prova está, portanto,
intimamente ligado ao aspecto subjetivo, sendo ambos neces-
sários para a compreensão do instituto do ônus da prova.

6.6.2 O ônus da prova no processo comunicativo

Vimos que o direito se apresenta na forma de um sistema


comunicacional, composto por comunicações diferençadas
em razão do código lícito/ilícito. Seguindo os ensinamentos de
Tercio Sampaio Ferraz Jr.500, podemos visualizar o sistema do
direito posto como um discurso racional, entendido como dis-
curso fundamentante. Esclarece o autor que para ser racional
“não é preciso que a cadeia reflexiva das fundamentações nos

499. Direito constitucional à prova no processo civil, p. 40.


500. Teoria da norma jurídica, p. 17-18.

282
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

conduza a um corpo de axiomas e dele sejam dedutíveis, nem


que, caso este corpo não seja patente ou mesmo não exista,
que sejamos capazes de descobrir princípios últimos, expli-
cativos ainda que provisórios [discurso fundamentável], mas
sim que haja uma regra que me obrigue à fundamentação [re-
gra do dever de prova]”.
Considerada essa característica em relação aos sujei-
tos do processo comunicacional, identificamos o (i) emissor
como aquele que possui o encargo de provar e o (ii) receptor
na posição de destinatário do enunciado, em constante tro-
ca de mensagens, denominada interação. Assevera Gustavo
Sampaio Valverde501 que “o discurso no qual o ouvinte apare-
ce na condição de um interventor ou interessado ativo, pondo
em xeque a assertiva endereçada pelo orador, caracteriza-se
como um diálogo e torna duvidoso o objeto da discussão. É
estabelecido, assim, um discurso dialógico que tem por objeto
um dubium. Nesses casos o ouvinte põe em dúvida e exige que
o orador justifique o que disse, de modo que, a partir daí, a
discussão é enriquecida com ações linguísticas endereçadas à
persuasão e ao convencimento”. Exatamente essa é a situação
verificada nos processos jurídicos, quer administrativos, quer
judiciais.
Como discurso dialógico, a comunicação jurídica mate-
rializada nos autos processuais exige que todos os fatos alega-
dos sejam fundamentados, com vistas a possibilitar a solução
do dubium conflitivo. No discurso jurídico-processual temos
duas relações comunicativas: uma, entre sujeito ativo e julga-
dor; outra, entre sujeito passivo e julgador. Em cada um des-
ses liames, os emissores [sujeitos ativo e passivo] enunciam
fatos contrapostos, cujo reconhecimento fará prevalecer o di-
reito de um ou de outro. O julgador, como destinatário, exige
daqueles que discursam a prova de seus argumentos, os quais
devem fazê-lo conforme prescrito pelas regras de distribuição
do ônus da prova.

501. Coisa julgada em matéria tributária, p. 86.

283
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

6.6.3 Distribuição do ônus da prova

O direito à produção probatória decorre da liberdade que tem


a parte de argumentar e demonstrar a veracidade de suas alegações,
objetivando convencer o julgador. Por isso, ainda que não lhe tenha
sido atribuído o ônus da prova, todos os elementos de convicção que
levar aos autos serão importantes, interferindo no ato decisório. Vis-
to por outro ângulo, o direito à prova implica a existência de ônus,
segundo o qual determinado sujeito do processo tem a incumbência
de comprovar os fatos por ele alegados, sob pena de, não o fazendo,
ver frustrada a pretendida aplicação do direito material.
Existem, assim, preceitos que determinam a quem incumbe
o ônus de provar, denominadas regras de distribuição do ônus da
prova. A respeito delas, três são as principais teorias elaboradas
pela doutrina: (i) do fato afirmativo, em que o ônus da prova cabe
a quem alega; (ii) da iniciativa, segundo a qual é sempre do autor
o encargo de provar os fatos por ele alegados; e (iii) dos fatos cons-
titutivos, impeditivos e extintivos, nos termos dos quais àquele que
demanda compete provar os fatos constitutivos do seu direito, en-
quanto ao demandado cabe provar fatos impeditivos ou extintivos
de sua obrigação.
Além dessas três concepções, que, a nosso ver, estão intima-
mente relacionadas entre si, podendo ser compiladas em uma só,
autores há, como Jeremías Bentham502, que entendem que o ônus da
prova deve ser imposto à parte que puder satisfazê-lo com menores
inconvenientes, isto é, menor perda de tempo, menos incômodos e
despesas inferiores. A dificuldade da adoção dessa sistemática é
que, na realidade, não haveria, propriamente, regra norteadora
da distribuição do ônus, visto que ao julgador caberia, caso a caso,
deliberar livremente sobre a que parte incumbiria constituir pro-
va dos fatos.
Modernamente, Leo Rosenberg503 e Gian Antonio Micheli504 se
encarregaram de desenvolver teorias sobre o ônus da prova, sempre

502. Tratado de las pruebas judiciales, p. 36.


503. La carga de la prueba, p. 27.
504. La carga de la prueba, p. 59 e s.

284
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

considerando sua função auxiliar à atividade julgadora. Para Rosen-


berg, as regras inerentes ao ônus da prova ajudam o aplicador do
direito a formar um juízo afirmativo ou negativo sobre a pretensão,
ainda que remanesçam incertezas com respeito às circunstâncias do
fato, porque referidas regras lhe indicam o modo de chegar a uma
decisão em tais situações. A essência e o valor das normas sobre o
encargo da prova consistem nessa instrução dada ao julgador acerca
do conteúdo da decisão que deve pronunciar num caso em que não
se têm elementos de convicção sobre um fato importante. No mesmo
sentido, Micheli assevera que a regra do ônus da prova manifesta na-
tureza de norma dirigida exclusivamente ao julgador para regular o
exercício concreto da jurisdição. O ônus da prova adquire sua maior
relevância no momento em que o julgador deve exarar sua decisão,
motivo pelo qual não se apresenta como um dever jurídico, mas ape-
nas como uma necessidade prática de provar, a fim que o julgador
possa considerar determinado fato como existente.
Excluída a posição de Bentham, que, como anotamos, é dema-
siadamente ampla, atribuindo ao julgador a função de estabelecer,
em cada caso concreto, a parte que tem o ônus da prova, as demais
correntes doutrinárias relacionam-se e completam-se. Ao mesmo
tempo em que estabelecem encargos às partes, as regras de distri-
buição do ônus da prova conferem um norte ao julgador, nas hipóte-
ses em que as provas não sejam suficientes para convencê-lo deste
ou daquele fato. As teorias do fato afirmativo, da iniciativa e dos
fatos constitutivos, impeditivos e extintivos, por sua vez, não se ex-
cluem mutuamente, podendo as duas últimas ser identificadas na
primeira: quem toma a iniciativa, afirma um ou mais fatos; e os fa-
tos constitutivos, impeditivos e extintivos nada mais são que fatos
afirmados.
O Código Processual Civil de 2015, à semelhança do Diploma
Processual anterior505, prescreve, nos incisos do art. 373, que o ônus
da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;


II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo
ou extintivo do direito do autor.

505. Art. 333, I e II, do Código de Processo Civil revogado.

285
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Concordamos com Devis Echandía506 quando afirma que tal


teoria não pode ser admitida como regra geral absoluta, de modo
que ao autor caiba provar os fatos constitutivos e ao demandado
os fatos extintivos, modificativos ou impeditivos. Mais apropriado
seria adaptar a assertiva de forma que esta seja independente da
posição processual das partes. Entendemos, portanto, que a pro-
va dos fatos constitutivos cabe a quem pretenda o nascimento da
relação jurídica, e a dos extintivos, impeditivos ou modificativos,
a quem os alegue, independentemente de ser autor ou réu. Se-
gundo Pontes de Miranda507, o ônus da prova incumbe ao sujeito
que alega a existência ou a inexistência de um fato, do qual deva
resultar uma mutação no estado jurídico atual das coisas. Daí
por que Emilio Betti508 conclui serem dois os ônus assumidos por
quem pede qualquer coisa em juízo: (i) o ônus da afirmação, isto
é, deve afirmar a existência de um fato jurídico no qual se funda
o pedido; e (ii) o ônus da prova, quer dizer, precisa provar aquela
alegação. A repartição do ônus da prova acompanha o ônus da
afirmação, tanto em relação ao autor como ao demandado.
Apenas se relatado o fato e presentes as provas em direito
admitidas que venham a confirmá-lo, ter-se-á por ocorrido o fato
jurídico. Identificam-se, nessa referência, três categorias fáticas:
(i) o fato relatado/alegado; (ii) a prova; e (iii) o fato considerado
ocorrido. Todos eles são fatos jurídicos, cumprindo específico pa-
pel no processo de positivação do direito. Objetivando distingui-
-los, empreendemos o recurso aos qualificadores sentido amplo e
sentido estrito, já aplicados por Paulo de Barros Carvalho509 para
diferençar a “norma jurídica em sentido estrito” da “norma ju-
rídica em sentido amplo”. A norma jurídica em sentido estrito
consiste na unidade irredutível de manifestação do deôntico, ou,
nos dizeres de Lourival Vilanova510, “uma estrutura lógico-sintá-

506. Teoría general de la prueba judicial, p. 216.


507. Anotações à obra de Francisco Augusto das Neves e Castro, Teoria das provas e
suas aplicações aos atos civis, p. 63.
508. Diritto processuale civile, p. 91.
509. Direito tributário, linguagem e método, p. 127 e ss.
510. Norma jurídica – proposição jurídica [significação semiótica], p. 16.

286
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

tica de significação”. Assume, assim, a significação construída na


mente do intérprete, resultante da leitura dos textos do direito
positivo, apresentando a forma de um juízo hipotético: proposição
condicional que determina a relação de implicação entre hipótese
e consequência [a hipótese descreve os critérios identificadores
de um fato e funciona como implicante da consequência, a qual
prescreve o regramento de uma conduta intersubjetiva]. O con-
ceito de norma jurídica em sentido amplo, por sua vez, abrange os
enunciados prescritivos cujas significações, articuladas entre si,
prestam-se para compor a mensagem deôntica com sentido com-
pleto [norma jurídica em sentido estrito].
Adotando raciocínio semelhante, chamamos de fato jurí-
dico em sentido estrito àquele posto no antecedente da norma
individual e concreta [ou de norma geral e concreta], por ser ele
determinado em todos os seus aspectos mediante a conjugação
de fatos jurídicos diversos, tidos como seus pressupostos. Fato
jurídico em sentido amplo, por seu turno, remete a cada um dos
enunciados fáticos [relatos de eventos] inseridos no ordenamen-
to, sem que lhes esteja atrelada uma relação jurídica também em
sentido estrito.
Posto isso, e considerando o percurso de positivação do di-
reito, identificamos no fato alegado, assim como nas provas, fatos
jurídicos em sentido amplo.
Para efetuar a aplicação do direito é necessário observar as
respectivas regras de ordenação, segundo as quais aquele que
pretende ver constituído determinado fato jurídico em sentido
estrito precisa, primeiramente, afirmar um fato F [fato alegado],
para, em seguida, prová-lo.
A dinâmica probatória exige que, primeiramente, se afirme
o fato, para, depois, demonstrá-lo com o emprego de provas. Tal
afirmação é veiculada, por exemplo, na petição inicial e na con-
testação, no auto de infração administrativo e na respectiva defe-
sa, que constituem a base para a produção probatória, realidade
jurídica sobre a qual o julgador se orientará para expedir norma
individual e concreta resolutiva do conflito de interesses.
Ao discorrermos sobre o objeto da prova, evidenciamos tra-
tar-se, sempre, de um fato. Considerando que a prova de um
287
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

enunciado se faz por meio de outro enunciado que lhe é poste-


rior, tem-se a prova como um fato de outro fato. Um metafato,
portanto: consiste em um fato [em sentido amplo] que alude a
outro fato [fato alegado, também fato em sentido amplo]. A prova
atua, assim, como signo representativo de do fato alegado, o qual,
por sua vez, apresenta-se como outro signo, que se refere ao fato
social [evento em relação ao sistema do direito]:
• o fato alegado consiste no relato jurídico do evento/fato so-
cial511;
• a prova é signo do fato alegado; e
• constitui-se o fato jurídico em sentido estrito tendo por supor-
te a alegação fática e , no conjunto probatório a ela referente.
Essas relações entre os diversos níveis linguísticos podem
ser observadas, com nitidez, na representação gráfica abaixo:

Tendo em visa ser a prova uma espécie de fato que se re-


porta a outro enunciado fático, motivando o fato jurídico em

511. Clarice Von Oertzen de Araújo, Fato e evento tributário – uma análise semiótica,
p. 345 e ss.

288
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

sentido estrito, apresenta-se a prova como elemento indispen-


sável para a regular constituição do fato jurídico em sentido
estrito, no âmbito de norma jurídica em sentido estrito [mais
especificamente, de norma individual e concreta].
Tal conclusão aplica-se ainda que a assertiva seja refe-
rente a fatos negativos. A negação de um fato jurídico exige
determinação no tempo e no espaço, caracterizando aquilo
que Devis Echandía512 denominou negativas formais, por seu
conteúdo implicar afirmação de fato positivo contrário ao ale-
gado pela parte adversa. Semelhante é o posicionamento de
Nicola Framarino dei Malatesta513, para quem “a negação de
uma determinada qualidade e a de um direito determinado
são sempre formais”. Esclarece o autor: “Não se nega a quali-
dade de branco a um objeto, senão para asseverar que sua cor
é vermelha, verde, amarela, ou qualquer outra, contrária ao
branco. A negação de uma qualidade é sempre, portanto, for-
mal, tendo por conteúdo imediato, a afirmação de uma outra
qualidade. [...] A existência real de todo direito concreto está
sempre ligada à existência de condições positivas.
Por isso, de um lado, o sujeito exclusivo do direito é a pes-
soa humana e não se pode conceber um direito, direi assim,
suspenso fora do sujeito; do outro, a existência de todo direito
concreto está ligada à existência de determinadas condições
positivas e não é por isso admissível pela existência de con-
dições positivas contrárias. Quando, pois, se nega um direi-
to a uma pessoa, se o afirma a outra ou ao menos se afirma
uma condição positiva, incompatível com a existência do di-
reito em questão”. A prova compete a quem tem interesse em
fazer prevalecer o fato afirmado. Por outro lado, se o autor
apresenta provas do fato que alega, incumbe ao demandado
fazer a contraprova, demonstrando fato oposto. Em processo
tributário, por exemplo, se o Fisco afirma que houve determi-
nado fato jurídico, apresentando documento comprobatório,

512. Teoría general de la prueba judicial, p. 210.


513. A lógica das provas em matéria criminal, p. 134.

289
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

ao contribuinte cabe provar a inocorrência do alegado fato,


apresentando outro documento, pois a negativa se resolve em
uma ou mais afirmativas.
A Lei 13.105/2015 inovou o ordenamento processual bra-
sileiro, porém, ao possibilitar a distribuição do ônus da prova
de modo diverso. Como visto, as regras de distribuição do ônus
da prova prestam-se a orientar o julgador, nas hipóteses em
que as provas não sejam suficientes para convencê-lo deste
ou daquele fato. Considerando o julgador como o destinatário
das provas, andou bem o legislador no novo Código de Pro-
cesso Civil. Este, nos §§ 1º e 2º do art. 373, assim estabeleceu:

§1º. Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da


causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificul-
dade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior
facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o
juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o
faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à
parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi
atribuído.
§2º. A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar si-
tuação em que a desincumbência do encargo seja impossível
ou excessivamente difícil.

Com preceito de tal conteúdo, há uma espécie de atribui-


ção diversa do ônus da prova. Fala-se, assim, em inversão de
ônus da prova.
Seguindo, porém, a linha de raciocínio de Leo Rosen-
berg514 e Gian Antonio Micheli515, entendemos inexistir inver-
são do ônus da prova, pois referido encargo não está deter-
minado previamente para esta ou aquela parte, ficando na
dependência das alegações efetuadas. Não obstante se obser-
ve no ordenamento uma série de normas que, aparentemente,
estabeleçam essa inversão do ônus da prova, a interpretação
sistemática desses dispositivos leva à conclusão de que eles

514. La carga de la prueba, p. 43.


515. La carga de la prueba, p. 61.

290
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

não invertem, efetivamente, o encargo de provar, pois con-


tinua havendo necessidade de que cada uma das partes de-
monstre o pressuposto de fato previsto na hipótese da norma
que invoca como fundamento à sua pretensão, ainda que seu
pleito seja exatamente a constituição de um fato [F1] que o
desincumba de provar outro fato [F2].
Sistematizando as disposições do art. 373, I e II, §§ 1º
e 2º do novo Código de Processo Civil, temos os seguintes
desdobramentos:
1. o inciso I estipula que o ônus da prova cabe ao autor, quanto
ao fato constitutivo do seu direito;
2. no inciso II, tem-se a atribuição ao réu do ônus da prova dos
fatos por ele alegados, impeditivos, modificativos ou extinti-
vos do direito do autor;
3. o § 1º prevê hipóteses de nova atribuição do ônus da prova,
mediante demonstração de fatos atinentes (i) às peculiarida-
des da causa ou (ii) à impossibilidade ou excessiva dificulda-
de de produção probatória pelo sujeito a quem inicialmente
era atribuído o ônus;
4. o § 2º, contudo, dispõe sobre o mecanismo para desconstituir-
se a atribuição do ônus da prova posto nos termos do § 1º,
o que dá com suporte na prova da dificuldade excessiva ou
impossibilidade de desincumbência do ônus probatório que
lhe tenha sido imposto pelo julgador.
Com efeito, a “carga dinâmica da prova” veiculada pelo
art. 373 do CPC/2015 não implica mera inversão do ônus da
prova, com sua dispensa a quaisquer das partes. Somente se
demonstrado o fato da maior facilidade de obtenção da prova
por parte processual diferente da que alegou o fato, ou impos-
sibilidade de o sujeito que fez a alegação prová-la, tem lugar a
conferência do encargo à parte adversa. Desloca-se, assim, o
objeto da prova, que deixa de ser o fato alegado constitutivo,
impeditivo, modificativo ou extintivo do direito [art. 373, I e
II], passando a consistir no fato alegado da impossibilidade

291
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

probatória ou da maior facilidade alheia [art. 373, §1º]. A pre-


sença de tal requisito é indispensável para que se atribua a
carga da prova a quem não tenha alegado o fato, cabendo, por
isso mesmo, a alegação de fato contrário e respectiva contra-
prova, nos termos do art. 373, §2°, do CPC/2015.

6.6.4 Convenção das partes relativa à distribuição do


ônus da prova

As convenções sobre a distribuição do ônus da prova são


reputadas inadmissíveis, ou, na melhor das hipóteses, vistas
com extrema reserva por Giuseppe Chiovenda516, Ugo Rocco517,
Gian Antonio Micheli518 e Devis Echandía519. O posicionamen-
to de Chiovenda não poderia ser outro, já que entende ser o
ônus da prova dirigido ao convencimento do julgador, como
regra de julgamento. No mesmo sentido manifesta-se Miche-
li, por considerar que o ônus da prova refere-se ao exercício
jurisdicional, em relação ao qual não cabe às partes intervir.
Ugo Rocco também é contrário a tais convenções, dado o ca-
ráter publicístico do processo, sendo vedado às partes acorda-
rem de modo contrário às normas que disciplinam o exercício
das provas, que, a seu ver, vincula-se ao direito de ação e des-
tina-se a formar a convicção do julgador. Devis Echandía, não
obstante repudie essa espécie de convenção, apresenta posi-
cionamento mais flexível, entendendo que apenas na hipótese
de inexistir na lei disposição sobre a distribuição do ônus da
prova seria admissível a estipulação privada que o imponha a
uma das partes.
De outro lado, reconhecem legitimidade a convenções
acerca da distribuição do ônus probatório, dentre outros, Leo

516. Instituições de direito processual civil, v. 2, p. 281-282.


517. Trattato di diritto processuale civile, v. 2, p. 190.
518. La carga de la prueba, p. 37.
519. Teoría general de la prueba, p. 133.

292
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Rosenberg520 e Francesco Carnelutti521, desde que, obviamen-


te, o objeto do contrato não caracterize direito indisponível.
Para esses juristas, se a parte tem poder de disposição no pro-
cesso, essa disposição pode ser estendida aos seus ônus pro-
cessuais, como o da produção probatória.
O Código de Processo Civil brasileiro legitima as conven-
ções relativas ao ônus da prova, respeitados os limites que ele
próprio estabelece. Prescreve, em seu art. 373, § 3°, ser inad-
missível a convenção que distribua de maneira diversa o ônus
da prova quando:

I – recair sobre direito indisponível das partes;


II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do
direito.

Avalia Moacyr Amaral Santos522 que “a legitimação de


tais convenções resulta da evolução do direito probatório,
adaptando-o à realidade prática, pois que, se às partes é líci-
to confessar, expressa ou implicitamente os fatos, renunciar
a seu direito, transacionar ou transigir com referência a ele,
seria incongruente impossibilitá-las de convencionar sobre a
quem cabe a prova dos fatos em que o direito se fundamenta”.
Entendendo que o ônus da prova, além de encargo da
parte, serve também como regra de julgamento, em relação à
qual convenções privadas não podem interferir, e considerado
o comando veiculado pelo art. 373, §3°, do Estatuto Proces-
sual, que veda que o acordo de vontades atinja direitos in-
disponíveis ou impeça o acesso ao Judiciário, identificamos,
na chamada convenção de distribuição do ônus da prova, nada
mais que uma forma de confissão relativa a certos fatos, que
devem ser disponíveis e não impliquem renúncia à tutela
jurisdicional.

520. La carga de la prueba, p. 78.


521. Sistema di diritto processuale civile, v. 1, p. 308.
522. Prova judiciária no cível e comercial, v. 1, p. 165.

293
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

6.6.5 “Ônus” da prova no direito tributário

Vimos que o ônus consiste no encargo ou responsabilida-


de por determinado comportamento, não se confundindo com
o conceito de obrigação. Reveste os caracteres de uma facul-
dade, consistindo em permissão bilateral: o agir é necessário
para alcançar certa finalidade; se inobservado, contudo, não
acarreta punição, mas apenas o não-atingimento do objetivo
pretendido. A existência do ônus pressupõe um direito sub-
jetivo disponível, que pode ou não ser exercido, situação que
não se verifica na esfera tributária, tendo em vista que os atos de
lançamento e de aplicação de penalidades pelo descumprimento
de obrigações tributárias ou de deveres instrumentais compe-
tem ao Poder Público, de modo privativo e obrigatório, tendo
de fazê-lo com base nos elementos comprobatórios do fato ju-
rídico e do ilícito tributário. Daí por que não tem a autoridade
administrativa mero ônus de provar o fato jurídico ou o ilícito
tributário que dá suporte a seus atos, mas verdadeiro dever,
como manifestado por José Souto Maior Borges523: “O Fisco,
entretanto, tem o dever – não o ônus – de verificar a ocorrên-
cia da situação jurídica tributária conforme ela se desdobra
no mundo fático, com independência das chamadas provas
pré-constituídas ou presunções de qualquer gênero. [...] Se o
procedimento administrativo tributário é, em princípio, indis-
ponível, nele não cabe a inserção da categoria jurídica em que
o ônus consiste”. A construção do fato no antecedente da nor-
ma administrativo-tributária individual e concreta, por meio
das provas admitidas, constitui a própria motivação do ato ad-
ministrativo, elemento sem o qual este não subsiste524.
Efetuado o lançamento ou o ato de aplicação de penali-
dade segundo os moldes prescritos pelo ordenamento – in-
cluindo sua fundamentação na linguagem das provas –, pas-
sa a ser do contribuinte o ônus da contraprova. Instalado o

523. Lançamento tributário, p. 121.


524. Sobre o assunto, consulte-se o capítulo 8 desta obra.

294
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

contencioso administrativo, o discurso jurídico assume o ca-


ráter de uma discussão, enriquecida por ações linguísticas
endereçadas à persuasão e ao convencimento, em que a cada
parte incumbe justificar suas afirmações.
Situação diversa é aquela em que a norma individual e
concreta, constituidora do fato jurídico tributário e do corres-
pondente liame obrigacional, é expedida pelo particular. Nes-
se caso, o ato de formalização não se enquadra na definição do
conceito de lançamento tributário por faltar-lhe, na composição,
a participação de agente público competente525. A despeito
disso, é comumente denominado lançamento por homologa-
ção, como explica Alberto Xavier526:

Entre nós generalizou-se uma classificação, pretensamente basea-


da no Código Tributário Nacional, que atende ao grau de colabo-
ração do contribuinte no procedimento administrativo do lança-
mento. Nuns casos, o Fisco toma ele próprio a iniciativa da prática
do lançamento, quer por razões atinentes à natureza do tributo,
quer por incumprimento, pelo contribuinte, dos seus deveres de
cooperação: é o lançamento direto ou ex officio previsto no artigo
149. Noutros casos – situados no polo oposto – é o contribuinte que
toma a iniciativa do procedimento, apresentando a sua declaração
tributária e colaborando ativamente, como parte, no seu desen-
rolar: é o lançamento misto ou por declaração, previsto no artigo
147. Enfim, em certas hipóteses, o Fisco só atua eventualmente, a
título de controle a posteriori, cabendo ao contribuinte a principal
tarefa de calcular o tributo devido, realizar o seu pagamento, su-
jeito, como se disse, a eventual homologação das autoridades: é o
lançamento por homologação previsto no artigo 150.

O critério classificatório que leva à identificação dessas


três modalidades de “lançamento” reside no grau de parti-
cipação do contribuinte no procedimento que culminará no
ato constitutivo do crédito tributário. Entendido lançamento
como ato, porém, chegamos à conclusão de que lançamento é
um só: o chamado lançamento de ofício, pois se trata de ato

525. Eurico Marcos Diniz de Santi, Lançamento tributário, p. 186.


526. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p.
70.

295
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

exarado por autoridade administrativa, nos exatos termos do


art. 142 do CTN. No chamado lançamento por declaração, a
constituição do crédito também decorre de norma individual
e concreta produzida pela Administração, não diferindo do
lançamento de ofício. A participação do administrado restrin-
ge-se ao cumprimento de deveres instrumentais, existentes,
também, nos denominados lançamento de ofício, em que o
contribuinte tem de cumprir deveres dessa espécie, tais como
escriturar livros, emitir notas fiscais etc. Os deveres instru-
mentais são imprescindíveis à operacionalidade da tributa-
ção, pois é com base neles que o Fisco constitui o crédito
tributário, introduzido no ordenamento pelo ato de lança-
mento. O denominado lançamento por homologação, por sua
vez, nada tem de lançamento. Não é exarado por autoridade
administrativa, mas pelo próprio particular. É o contribuinte
quem, cumprindo deveres instrumentais, constitui o crédito
tributário.
Esses esclarecimentos são necessários para identificar
o sujeito que constitui o fato jurídico tributário e, por conse-
guinte, a quem compete apresentar provas do referido fato.
Tratando-se de lançamento realizado pela autoridade admi-
nistrativa, esta precisa motivar seu ato mediante o emprego
da linguagem das provas. Sendo a norma individual e concre-
ta emitida pelo particular, a este incumbe demonstrar a vera-
cidade dos fatos alegados527.
Caso o ato de lançamento não se fundamente em provas,
estará irremediavelmente maculado, devendo ser retirado do
ordenamento. Na hipótese de o contribuinte deixar de apre-
sentar os documentos comprobatórios do fato enunciado no
antecedente da norma individual e concreta por ele emitida,
sujeitar-se-á ao ato de lançamento a ser realizado pela auto-
ridade administrativa e à aplicação das penalidades cabíveis,

527. Essa comprovação pode consistir em deixar à disposição da fiscalização os do-


cumentos relativos ao fato relatado no antecedente da norma individual e
concreta.

296
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

como adverte Geraldo Ataliba528: “o sistema de legislação vi-


gente, quanto ao assunto, é claro: omissão do contribuinte, a
sua falta de colaboração ou a colaboração maliciosa ou dano-
sa, além de serem criminalmente reprimidos, não inibem o
fisco no lançamento”. Opostamente, se o contribuinte fornecer
os documentos que se referem ao objeto fiscalizado, as infor-
mações nele contidas farão prova a seu favor.
Devidamente provado o fato enunciado pelo Fisco ou pelo
contribuinte, as alegações que pretendam desconstituí-lo de-
vem, igualmente, estar fundadas em elementos probatórios.
Tudo, na esteira da regra segundo a qual o ônus/dever da pro-
va cabe a quem alega, não se admitindo, na esfera tributária,
convenções que alterem essa forma de distribuição.

6.6.5.1 Presunção de legitimidade dos atos administra-


tivos e o “ônus” da prova em matéria tributária

Os atos administrativos apresentam características que


objetivam, simultaneamente, conferir garantia aos adminis-
trados e prerrogativas à Administração. Dentre elas, releva
destacar a presunção de legitimidade, caracterizando presun-
ção juris tantum de validade, da qual decorre que o ato seja
considerado regularmente praticado até que outra linguagem
jurídico-prescritiva determine o contrário, invalidando-o.
Essa presunção, entretanto, não exime a Administração
do dever de comprovar a ocorrência do fato jurídico, bem
como das circunstâncias em que este se verificou. É que, sen-
do os atos de lançamento e de aplicação de penalidade vin-
culados e regidos, dentre outros, pelos princípios da estrita
legalidade e da tipicidade, tais expedientes dependem, neces-
sariamente, da cabal demonstração da ocorrência dos motivos
que os ensejaram. A motivação deve ser, portanto, respaldada

528. Lançamento – procedimento regrado, in Estudos e pareceres de direito tributá-


rio, p. 337.

297
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

em provas. Seguindo semelhante linha de raciocínio, conclui


Paulo de Barros Carvalho529:

Na própria configuração oficial do lançamento, a lei institui a ne-


cessidade de que o ato jurídico administrativo seja devidamente
fundamentado, o que significa dizer que o fisco tem que oferecer
prova concludente de que o evento ocorreu na estrita conformi-
dade da previsão genérica da hipótese normativa.

Ao discorrer sobre o tema, Susy Gomes Hoffmann530 es-


clarece que a presunção de legitimidade não diz respeito ao
conteúdo do ato administrativo, mas à sua existência no mun-
do jurídico. Nesse sentido, aliás, a presunção de legitimidade
é atributo de todo ato jurídico, quer seja ele praticado pela
Administração, quer o seja pelo particular. Trata-se de pres-
suposto para a realização de negócios jurídicos, dado o caos
que se instalaria caso todos os atos praticados tivessem sua
validade colocada em dúvida. É exatamente em razão dessa
presunção de legitimidade que os atos públicos e privados,
enquanto não questionados, permanecem no sistema, produ-
zindo os respectivos efeitos de direito. Portanto, a presunção
de legitimidade dos atos administrativos, em particular, do lan-
çamento tributário, nada acrescenta à sua condição de ato jurí-
dico, tornando-se irrelevante para a análise científica do tema.
Inconcebível, portanto, o posicionamento segundo o qual,
diante da presunção de legitimidade dos atos administrativos,
caberia ao contribuinte apresentar provas contrárias ao relata-
do nos atos de lançamento e de aplicação de penalidade, incum-
bindo-se a autoridade administrativa apenas de ilidir as provas
que o contribuinte juntar aos autos do processo instaurado. É
insustentável o lançamento ou o ato de aplicação de penalidade
que não tenha suporte em provas suficientes da ocorrência do
evento.

529. A prova no procedimento administrativo tributário, Revista Dialética de Direi-


to Tributário n. 34, p. 107-108.
530. Teoria da prova no direito tributário, p. 127.

298
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

6.6.5.2 O “ônus” da prova em face de presunções legais

É frequente a afirmação da doutrina531 no sentido de que,


configurando-se hipótese de presunção legal, ocorreria inver-
são do ônus da prova, ficando a autoridade administrativa dis-
pensada de maiores providências probatórias, passando a ser
do contribuinte o ônus de descaracterizar o fato presumido.
Tal assertiva tem suas origens nos ensinamentos de direito
processual civil, em que se costuma afirmar existir inversão
do ônus da prova sempre que houver “o estabelecimento de
certas presunções legais de existência de fatos [quer constitu-
tivos, quer extintivos, impeditivos ou modificativos] em favor
de uma das partes, cabendo à parte contrária a produção de
prova que invalide tal presunção”532. Não podemos, simples-
mente, transportar esse raciocínio para a esfera tributária, a
qual é regida por princípios próprios, que se aproximam, em
muitos aspectos, das rígidas diretrizes do direito penal. A tipi-
cidade é uma delas.
Por isso, mesmo quando existam presunções legais,
compete à autoridade administrativa apresentar provas do
fato a partir do qual se estabelece o raciocínio presuntivo.
Qualquer que seja a modalidade de presunção, é imprescin-
dível a prova dos indícios para, a partir deles, demonstrar
a existência de causalidade com o fato que se pretende dar
por ocorrido. A diferença reside na circunstância de que, tra-
tando-se da chamada presunção legal, a relação causal entre
fato presuntivo e fato presumido dá-se no âmbito pré-legis-
lativo. Identificando o aplicador do direito, no caso concre-
to, a situação prevista na hipótese da regra de presunção,
há de concluir pela ocorrência do fato prescrito no conse-
quente normativo: o fato presumido. A demonstração do fato

531. Renan Lotufo, Código Civil comentado, p. 566. Convém registrar nossa posição
no sentido de que, mesmo na esfera civil, inocorre inversão do ônus da prova, pois
sempre há necessidade de se provar determinada condição para desencadear a re-
lação presuntiva.
532.. João Penido Burnier Júnior, Teoria geral da prova, p. 132-133.

299
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

presuntivo é condição inarredável para a constituição do


fato presumido.
A legislação do imposto sobre a renda e proventos de
qualquer natureza relaciona uma série de situações que au-
torizam presumir a ocorrência do fato jurídico tributário, de-
sencadeando o correspectivo vínculo obrigacional. É o que se
verifica, por exemplo, nas hipóteses de configuração de saldo
credor de caixa e de passivo fictício.
O art. 9° do Decreto-Lei 1.598/77 prescreve, em seus §§ 1°
e 2°, que a escrituração mantida com observância das dispo-
sições legais faz prova a favor do contribuinte dos fatos nela
registrados e comprovados por documentos hábeis, cabendo
à autoridade administrativa a prova da inveracidade dos fatos
assim registrados. Em razão disso, autuação fiscal fundada na
alegação de omissão de receitas só é admissível se demons-
trado o fato presuntivo legalmente previsto. Nos termos do
art. 12, § 2º, do referido decreto-lei, “o fato de a escrituração
indicar saldo credor de caixa ou a manutenção, no passivo,
de obrigações já pagas, autoriza a presunção de omissão no
registro de receita, ressalvada ao contribuinte a prova da im-
procedência da presunção”533. Esse dispositivo evidencia ser
imperativa a produção probatória pelo Fisco: este tem de
comprovar a existência de saldo credor de caixa ou de passivo
fictício, como pressuposto indeclinável da caracterização da
omissão de receitas. É o que se depreende da decisão admi-
nistrativa, cujo trecho transcrevemos abaixo:

IRPJ – OMISSÃO DE RECEITAS – INDÍCIOS – A atividade ad-


ministrativa de lançamento há de se submeter ao princípio da
reserva legal, o que faz com que as exigências tributárias somen-
te possam ser formalizadas com prova segura dos fatos que reve-
lem o auferimento da receita passível de tributação ou mediante

533. Semelhante é a disposição do art. 40 da Lei 9.430/96, bem como do art. 282 do
Decreto 3.000/99 (RIR/99).

300
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

a demonstração de que ocorreram os fatos expressamente arro-


lados pela lei como presunção de omissão de receita534.

O mesmo se pode dizer da distribuição disfarçada de lu-


cros. Como já referido no capítulo 4 [subitem 4.7.3], apenas
se comprovada a realização de negócio jurídico entre pessoas
ligadas, por valor comprovadamente diverso do de mercado,
é que se tem instalada a relação implicacional presuntiva535.
Também a hipótese de falta de emissão de documento fis-
cal ou sua expedição em valor inferior ao do negócio jurídico,
referidos no art. 2º da Lei 8.846/94536, são circunstâncias que
exigem comprovação, não bastando meras suposições funda-
das em indícios fracos. Esse posicionamento é verificado no
seguinte julgado:

IRPJ – OMISSÃO DE RECEITA – SUBFATURAMENTO: Inca-


bível a exigência com base em omissão de receita pela prática de
subfaturamento, quando o Fisco não consegue carrear aos autos
provas da ocorrência de tal fato. Pedidos de mercadorias com có-
digos que sugerem indicações de tal prática são apenas indícios
que não confirmam a prática da irregularidade537.

Essas são apenas algumas referências, de caráter exem-


plificativo538, com vistas a demonstrar a inocorrência de inver-
são do ônus da prova, ainda que se esteja diante de hipóteses
de presunção legal.
Com maior razão, tratando-se de presunção hominis, a
nosso ver perfeitamente admissíveis na esfera tributária, as

534. Conselho de Contribuintes [atual CARF], Ac. 103-21.652, Rel. Cons. Paulo Ja-
cinto do Nascimento, j. 18-6-2004.
535. Art. 60 do Decreto-Lei 1.598/77.
536. Regulamentado pelos arts. 283 e 848 do Decreto n. 3.000/99 [RIR/99].
537. Trecho da ementa do Ac. 108-05.454, Conselho de Contribuintes [atual CARF],
Rel. Cons. Nelson Lósso Filho, j. 11-11-1998.
538. Sobre outras hipóteses presuntivas, consulte-se a obra Presunções no direito
tributário, de Maria Rita Ferragut.

301
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

provas hão de ser veementes, não deixando margem a dúvi-


das quanto à ocorrência do fato alegado:

RECURSO VOLUNTÁRIO – OMISSÃO DE RECEITA – PRE-


SUNÇÃO SIMPLES – Incumbe à fiscalização apresentar um
conjunto de indícios que permita ao julgador alcançar a certe-
za necessária para seu convencimento, afastando possibilidades
contrárias, mesmo que improváveis. A certeza é obtida quando
os elementos de prova confrontados pelo julgador estão em con-
cordância com a alegação trazida aos autos. Se remanescer uma
dúvida razoável de improcedência da exação, o julgador não po-
derá decidir contra o acusado. No estado de incerteza, o Direito
preserva a liberdade em sua acepção mais ampla, protegendo o
contribuinte da inferência do Estado sobre seu patrimônio539.

Por tudo o que se expôs, descabe falar em inversão do


ônus da prova, qualquer que seja a figura presuntiva: (i) sen-
do caso da chamada presunção legal, impõe-se a comprovação,
por parte do Fisco, da situação ensejadora da relação implica-
cional prescrita em lei; (ii) na presunção simples, além da pro-
va do acontecimento tomado como fato presuntivo, é preciso
demonstrar o vínculo lógico entre este e o fato presumido.

539. Câmara Superior de Recursos Fiscais, 1ª T., Ac. 01-05.095, Rel. Cons. Marcos
Vinícius Neder de Lima, j. 17.10.2004.

302
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

CAPÍTULO 7
AXIOLOGIA DAS PROVAS

7.1 Ato decisório e axiologia das provas

Ultrapassada a fase instrutória, chega o momento de o


julgador se manifestar, proferindo decisão. Esta consiste em
norma individual e concreta que relata, no antecedente, o
fato jurídico em sentido estrito constituído a partir das provas
carreadas aos autos [fatos jurídicos em sentido amplo], pres-
crevendo, no consequente, a correspondente relação jurídica,
em que se confere a uma das partes determinada obrigação
relativamente à parte adversa, a quem é atribuído o direito
subjetivo. A norma assim veiculada deve vir acompanhada de
fundamentação, abrangendo a valoração das provas colacio-
nadas pelas partes, esclarecendo o julgador as razões que o
levaram àquela conclusão.
Importante aspecto da fase de julgamento é a valoração
das provas pelo julgador, pois, como pondera João Batista
Lopes540, “um fato só se considera provado no momento em
que o juiz o admite como existente ou verdadeiro, isto é, o juiz,
como destinatário da prova, é quem diz a última palavra sobre

540. A prova no direito processual civil, p. 53.

303
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

a existência ou veracidade do fato”. Por isso, essa avaliação


probatória também está sujeita a normas jurídicas, que tra-
çam limites à atividade julgadora. Conquanto ordinariamente
se afirme que a decisão é tomada segundo o livre convenci-
mento do julgador, tal assertiva carece de precisão terminoló-
gica, pois o critério do livre convencimento, considerado em
sua acepção técnica, confere liberdade total a quem decide,
permitindo que este julgue até mesmo contra as provas dos
autos. Não é esse, entretanto, o sistema adotado pelo direito
positivo brasileiro, quer na esfera judicial, quer na adminis-
trativa. O critério eleito é o da persuasão racional, que não
impõe valores tarifados na apreciação das provas, conferin-
do certa margem de liberdade para decidir, mas exige que
esta se dê em consonância com o conjunto probatório cons-
tante do processo.
Dentro da margem de liberdade conferida ao julgador
atuam as denominadas máximas de experiência. Os conhe-
cimentos adquiridos pelo julgador ao longo de sua vivência
social e profissional influem decisivamente na apreciação
das provas.
Tudo isso contribui para a complexidade da atividade de-
cisória, especialmente se considerarmos que, geralmente, os
fatos constituídos nos autos do processo não se encontram, to-
dos eles, ligados por relação de coordenação, confirmando uns
aos outros. Ao contrário, via de regra há provas que corrobo-
ram as alegações de uma das partes, enquanto outras respal-
dam os argumentos da parte adversa. Diante de tal situação,
o julgador, com base nas normas jurídicas vigentes e em seus
valores, seleciona os fatos que entende convincentes, conside-
ra-os provados e constitui o fato jurídico em sentido estrito.

7.2 Breves noções sobre a axiologia do direito

O termo axiologia designa a Teoria Geral dos Valores.


Para compreendê-la, portanto, precisamos ter em mente o
que seja valor. A tarefa de defini-lo mostra-se extremamente

304
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

árdua, representando uma das grandes dificuldades da filoso-


fia. Johannes Hessen541 chega a afirmar a impossibilidade de
definição do vocábulo. Segundo ele, o conceito de valor “per-
tence ao número daqueles conceitos supremos, como os de
ser, existência etc., que não admitem definição. Tudo o que
pode fazer-se a respeito deles é simplesmente tentar uma cla-
rificação ou mostração do seu conteúdo”.
A dificuldade realmente existe, mas não a ponto de in-
viabilizar a definição e estudo do conceito de valor. O exame
dos acontecimentos diários pode-nos auxiliar nesse empreen-
dimento, pois toda ação implica, necessariamente, uma deci-
são. Muitas vezes, esse processo ocorre de forma tão simples
que aquele que decide nem sequer nota que está decidindo.
Mas, invariavelmente, ao tomar uma conduta qualquer, o ser
humano o faz com base em decisões, decorrentes de preferên-
cias. Essas decisões são realizadas mediante escolhas. Assim,
considerando que escolher é valorar, toda ação humana está
indissociavelmente ligada ao valor.
Toda conduta é axiológica, o que não significa que a condu-
ta em si possa ser confundida com o valor. Este, nas palavras de
Raimundo Bezerra Falcão542, “é, efetivamente, toda força que,
partida do homem, é capaz de gerar no homem a preferência
por algo”. Por essa singela referência já se percebe que o valor
não está nas coisas, não é o objeto de preferência ou escolha.
Ao contrário, o valor está no ser humano, no sujeito cognoscen-
te. O valor está no homem e é ser-geratriz: gera a preferência,
propicia a escolha, ditando a conduta a ser tomada.
Esclarece, ainda, Raimundo Bezerra Falcão543 que “valor
não se confunde com bem”. Este é apenas uma decorrência
daquele. É por causa do valor que surge a ideia de bem,
assim como do desvalor contraposto, mal. A bipolaridade é

541..Filosofia dos valores, p. 37-38.


542. Hermenêutica, p. 20.
543. Ibidem, mesma página.

305
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

característica obrigatória dos valores, de modo que, onde


houver um valor, haverá, como contraponto, o desvalor,
numa relação implicacional mútua entre ambos. É a impli-
cação recíproca, por conseguinte, outra nota essencial dos
valores. Além dessas qualidades, Miguel Reale544 identifica,
como traços inerentes aos valores, a referibilidade, preferi-
bilidade, incomensurabilidade, graduação hierárquica, obje-
tividade, historicidade e inexauribilidade. E Paulo de Barros
Carvalho alude, ainda, à atributividade, aspecto que enal-
tece o ato de valoração, indicando a relação entre o agente
do conhecimento e o objeto, de modo que o sujeito não se
comporta com indiferença, atribuindo ao objeto qualidades
positivas ou negativas.
Dentre os objetos susceptíveis de conhecimento pelo ho-
mem está o direito, na qualidade de ente cultural, sujeito a ele-
vado grau de valoração. Para que tal assertiva fique bem clara,
vale recordar a divisão realizada por Carlos Cossio, baseado
nas ideias de Husserl, separando os objetos do conhecimento
em quatro grandes grupos: (i) objetos ideais; (ii) objetos natu-
rais; (iii) objetos metafísicos; e (iv) objetos culturais. Os obje-
tos ideais são assim denominados porque não têm existência
senão na ideia, apresentando-se sem delimitação no tempo e
no espaço, ostentando, por isso, elevadíssimo grau de neutra-
lidade ao valor. Quanto aos objetos naturais, têm existência no
tempo e no espaço, encontrando-se no campo da experiência
sensível. Caracterizam-se, igualmente, por seu alto grau de
neutralidade, já que se trata de elemento dado pela natureza,
sem que o homem tenha realizado construção alguma em re-
lação a ele. Os objetos metafísicos, por sua vez, têm existência,
mas encontram-se excluídos do âmbito da experiência sensí-
vel. São valiosos, positiva ou negativamente, na medida em
que se podem atingir pelas estimações e valorações. Por fim,
os objetos culturais existem no tempo e no espaço, estão na
experiência sensível e apresentam-se completamente abertos

544. Introdução à filosofia, p. 160 e s.

306
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

às valorações, visto que são construídos pela atividade huma-


na, que lhes confere sentido.
Por essa breve explanação, nota-se que a norma jurídica
é um objeto cultural, visto que proveniente da conduta huma-
na. Constitui-se, pois, por elementos valorativos, o que possi-
bilita falarmos em uma teoria axiológica do direito, direcio-
nada ao estudo dos valores que interferem em sua produção,
interpretação e aplicação.
Examinando as diversas teorias sobre a axiologia do di-
reito, João Maurício Adeodato545 divide-as em duas catego-
rias: (i) monista e (ii) dualista. Monista seria a corrente axio-
lógica que se recusa a distinguir uma esfera específica para a
ética, o direito, a moral, em suma, para as relações humanas
que implicam preferência, por entender que a natureza é úni-
ca e indivisível, regida pelas mesmas leis, não sendo cabível,
portanto, a separação de seus estratos. A teoria dualista, por
outro lado, distingue o ser do dever-ser. Considera que ao lado
do mundo da natureza animal, vegetal e mineral, orientado,
entre outros, pelo princípio da causalidade, existe uma esfera
submetida a determinações diferentes, sendo admissível di-
ferençar leis naturais e leis normativas, mundo da natureza e
mundo da cultura.
Essas duas correntes, por sua vez, comportam subdivi-
sões. A teoria monista biparte-se em (i.1) materialista, regida
primordialmente pelo princípio ontológico da causalidade, e
(i.2) espiritualista, que toma por base uma unidade imaterial
superior, considerando que o princípio unificador do univer-
so não é a matéria, mas o espírito, a atividade intelectual da
consciência. O dualismo também segue várias direções, das
quais cumpre destacar o (ii.1) subjetivismo axiológico, segun-
do o qual as coisas não são por si valiosas e todo valor se ori-
gina de uma valoração prévia, consistente em uma concessão
de dignidade e hierarquia que o sujeito faz às coisas segundo
o prazer ou desprazer que lhe causam, e o (ii.2) objetivismo

545. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência, p. 136 e s.

307
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

axiológico, para cujos defensores uma instância externa e


superior às inclinações de cada indivíduo forneceria os parâ-
metros para separar valor de desvalor, lícito de ilícito. Nessa
concepção atribui-se ao valor um status metafísico, que inde-
pende completamente das suas relações com o homem.
Entre os dualistas objetivistas há, ainda, posições menos
radicais, como pontua João Maurício Adeodato546:

No Brasil, Miguel Reale, por exemplo, defende a tese das inva-


riantes axiológicas: os valores são criados pelas experiências e
culturas humanas, afirma, negando a existência de um reino
axiológico em si, defendida por Scheler e Hartmann; mas, uma
vez criados, os valores permanecem no horizonte da humanida-
de e, embora possam vir a ser temporariamente esquecidos, in-
serem-se para sempre no contexto cultural da comunidade, pois
foram realizados de forma semelhante aos fatos historicamente
ocorridos. Do mesmo modo que não se pode desfazer um acon-
tecimento histórico, não se pode eliminar um valor, que se torna
uma invariante.

Dentre os posicionamentos expostos, identificamo-nos


com os postulados do subjetivismo axiológico: os valores são
inerentes ao homem. As coisas, inclusive as normas jurídicas,
não têm um valor em si, independente da ação e apreciação
humana. Os valores são sempre atribuídos pelo homem, quer
pelo legislador, ao eleger fatos para compor a hipótese nor-
mativa e escolher relações para figurarem como correspon-
dente consequência na causalidade jurídica, quer pelo apli-
cador do direito, ao interpretar as normas gerais e abstratas,
os fatos alegados e provas apresentadas, fazendo-o a partir de
suas vivências, de suas preferências, ainda que inconscientes,
construindo, com base na combinação desses fatores, normas
individuais e concretas547.

546. Ibidem, p. 153-154.


547. Clarice Von Oertzen de Araujo relata a atividade valorativa realizada pelo le-
gislador: “Um exemplo fácil da operação de seleção inserida no universo do Direito
Positivo é a elaboração de uma lei pelo Poder Legislativo ou de um outro veículo
normativo, como uma medida provisória, pelo Poder Executivo. Este será um

308
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

7.3 Teoria dos atos de fala e a decisão do julgador

O direito surge por meio de decisões jurídicas. São os


atos de fala, entendidos como enunciação, as condutas ca-
racterizadoras de tomadas de decisão, cujo resultado são os
enunciados normativos postos no ordenamento. Tais decisões
é que constituem o aspecto gerador ou dinâmico do sistema
do direito, exigindo, para sua realização, que determinado su-
jeito faça uma escolha entre as várias possibilidades. Quem
decide o conteúdo de um texto jurídico elege uma opção entre
as alternativas existentes, excluindo as demais. Desse modo,
toda decisão é contingente.
Para que a decisão produza efeitos jurídicos, entretan-
to, precisa emanar de um sujeito competente, ou, na termi-
nologia de Gregorio Robles548, uma autoridade prevista pelo
próprio direito. Considerando que as autoridades são assim
qualificadas porque nesse sentido prescrevem determinadas
normas jurídicas, e que as normas, por seu turno, existem
em razão de terem sido criadas por autoridades, observamos
no sistema do direito uma estrutura escalonada, de modo
que cada norma e respectivo ato produtor encontram-se em
planos distintos, partindo da generalidade e abstração em di-
reção à individualidade e concreção:

A1→D1→N1

A2→D2→N2

A3→D3→N3

No esquema proposto, identificamos uma autoridade [A1,


A2 ou A3] que, ao decidir [D1, D2 ou D3], produz norma jurídica

momento de grande liberdade do legislador [em sentido amplo: o editor normati-


vo], pois ele poderá escolher quaisquer fatos sociais para imputar à sua ocorrência
o nascimento de relações jurídicas” [Semiótica do direito, p. 39-40].
548. Teoria del derecho: fundamentos de teoría comunicacional del derecho, p. 42.

309
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

[N1, N2 ou N3], podendo a sequência ser maior ou menor con-


forme seja necessário para atingir o ponto máximo de proxi-
midade com as condutas reguladas.
O ato decisório, sendo criador da norma jurídica, apre-
senta-se como um ato de fala, expressão comunicativa produ-
tora de enunciados, ou seja, enunciação. Tratando-se de ato
de fala, são perfeitamente aplicáveis os ensinamentos de John
Austin549, a começar pela lição segundo a qual qualquer ato de
fala, mesmo o mais simples, é uma realidade complexa, com
muitas dimensões. A primeira dimensão da linguagem, para
esse autor, é a do agir. Usando a linguagem, agimos, podendo
fazê-lo por diversos modos, produzindo atos com funções di-
ferentes: (i) ato fonético: consiste simplesmente na execução
de certos ruídos; (ii) ato fático: expressão de vocábulos, pala-
vras, ruídos com uma forma determinada, que pertencem a
um vocabulário e seguem regras de uma gramática; (iii) ato
rético: uso de palavras para falar sobre algo; (iv) ato locucio-
nário: ato de dizer algo; e (v) ato ilocucionário: ato de dizer
algo, mediante o qual também se faz algo.
É muito importante identificar a força ilocucionária de
nossos atos locucionários. O ato ilocucionário é aquele que
se executa na medida em que se diz algo, mediante a realiza-
ção de um ato locucionário. E, como o ato ilocucionário não
é, em muitos casos, explícito, sua força só pode ser verificada
se considerado todo o contexto em que se insere para, desse
modo, determinar o papel exercido pela linguagem. Além dis-
so, acrescenta Manfredo Araújo de Oliveira550 que, pratican-
do atos locucionários e ilocucionários, podemos efetuar outra
ação, consistente na terceira dimensão do ato de fala: o ato
perlocucionário, em que se provocam, por meio de expressões
linguísticas, alterações nos sentimentos, pensamentos e ações
de outras pessoas. Exemplifica o autor: “Que Pedro diga essa

549. Apud Manfredo Araújo de Oliveira, Reviravolta linguístico-pragmática na filo-


sofia contemporânea, p. 157.
550. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea, p. 159.

310
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

frase – o jacaré é perigoso – é um ato locucionário; que Pedro,


por meio dessa expressão linguística, faça uma advertência,
isso é o ato ilocucionário; que por meio dessa expressão Pedro
consiga afastar alguém do jacaré, isso é o ato perlocucionário”.
Não se trata de três atos distintos, mas de três dimensões do
mesmo ato de fala.
Merecem destaque, nesta oportunidade, as duas últimas
dimensões referidas. Ambas apresentam caráter performativo,
em que os atos de fala, esclarece Tárek Moysés Moussallem551,
“ao selecionarem palavras no esquema abstrato da língua, são
responsáveis pela efetivação de uma ação”. Assim é que, no
processo administrativo tributário, a produção de provas pelas
partes caracteriza ato performativo, configurador de fato jurí-
dico tributário em sentido amplo. Semelhante é a qualificação
do ato de emitir norma individual e concreta, decidindo o con-
flito instalado, uma vez que constitutivo ou desconstitutivo do
fato jurídico em sentido estrito. A diferença entre eles reside no
tipo de expressão utilizada por cada qual: (i) expressão veridic-
tiva no primeiro caso; (ii) expressão veridictiva e exercitiva no
segundo.
Manfredo Araújo de Oliveira552 define essas duas modali-
dades expressionais:

1. Expressões veridictivas: consistem na articulação de um juízo


[oficialmente ou não] a respeito de valores ou de fatos com base
em material de prova ou em argumentação. [...] 2. Expressões
exercitivas: consistem em decidir-se a favor ou contra determina-
do comportamento.

A expressão veridictiva é observada nos atos de diag-


nosticar, interpretar, julgar, estando presente tanto no ato
de provar como no ato de decidir, aparecendo no anteceden-
te da norma individual e concreta. Já a exercitiva pode ser
identificada no consequente da norma individual e concreta

551. A revogação em matéria tributária, p. 24.


552. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea, p. 163.

311
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

resultante do ato decisório, consistente na prescrição de de-


terminado comportamento.

7.4 Critérios de avaliação das provas

Nos autos processuais, um fato só se considera provado


no momento em que o julgador o admite como existente ou
verdadeiro. É o julgador, como destinatário da prova, quem
diz a última palavra sobre a existência ou veracidade do fato.
Para fazê-lo, utiliza critérios fixados pelo ordenamento, que
podem ser de três espécies: (i) critério das provas legais ou
tarifadas; (ii) do livre convencimento; e (iii) da persuasão
racional.
A adoção das provas legais ou tarifadas consiste na atri-
buição, a cada prova, de um valor fixo e imutável, não dei-
xando margem de liberdade para apreciação do julgador.
Explicando essa sistemática, assevera Renan Lotufo553 que o
denominado regime da prova legal tem sua origem na Idade
Média, quando se iniciou a cientificação da prova. Evidente-
mente, tal sistema diminui em muito a importância do julga-
dor como intérprete dos fatos em relação aos quais deve apli-
car o direito, sendo, por isso, historicamente ultrapassado.
Na atualidade, a chamada prova legal ou tarifada aparece
de forma muito esparsa no sistema jurídico, tal como no art.
406 do CPC/2015, nos termos do qual não se admite qualquer
outra forma de prova quando a lei exija como da substân-
cia do ato o instrumento público. Semelhante era a natureza
da prescrição veiculada no art. 401 do Estatuto Processual
revogado, não conferindo efeito probatório ao depoimento
testemunhal realizado sem respaldo em outros elementos
de convicção, quando estiver em discussão contrato com va-
lor superior ao décuplo do maior salário mínimo vigente no
País. O Código de Processo Civil de 2015, entretanto, confe-
riu ampla possibilidade de utilização de prova testemunhal,

553. Código Civil comentado, v. 1, p. 564.

312
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

estipulando ser esta sempre admissível, salvo que a lei dis-


puser especificamente de modo diverso [art. 442].
Nota-se que a prova “tarifada”, de valor previamente es-
calonado, é situação excepcional e de aplicabilidade restrita.
De modo oposto, o critério do livre convencimento con-
fere liberdade plena ao julgador, autorizando que este decida
sem tomar por base as provas dos autos, e, até mesmo, con-
tra elas.
Moacyr Amaral Santos554, em crítica à valoração das pro-
vas com base no livre convencimento, assim se manifesta: “Se
a verdade pudesse ser resultante das impressões pessoais do
julgador, sem atenção aos meios que apresentam no processo,
a justiça seria o arbítrio e o Direito a manifestação despótica
da vontade do encarregado pelo Estado de distribuí-lo”. Essa
sistemática geraria insegurança aos cidadãos. Por tal razão,
também esse critério de avaliação probatória foi historica-
mente afastado, podendo seus resquícios serem observados
na figura do Tribunal do Júri, cujos componentes decidem
por convicção íntima ou livre apreciação, não fundamentan-
do as razões de seu convencimento, nem importando como
formaram sua convicção.
No sistema orientado pela persuasão racional, o julgador
é livre para decidir segundo seu convencimento, mas não tem
liberdade absoluta, devendo ater-se ao conjunto probatório
posto nos autos. Essa sistemática, esclarece Vicente Greco Fi-
lho555, “ao mesmo tempo em que mantém a liberdade de apre-
ciação, vincula o convencimento do juiz ao material probatório
constante dos autos, obrigando, também, o magistrado a fun-
damentar sua decisão de modo que se possa aferir o desenvol-
vimento do seu raciocínio e as razões de seu convencimento”.
Duas, portanto, são as decorrências da adoção de tal critério:
(i) impossibilidade de o julgador decidir exclusivamente com

554. Prova judiciária no cível e comercial, v. 1, p. 7.


555. Direito processual civil brasileiro, v. 2, p. 199.

313
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

base em seu conhecimento pessoal e (ii) necessidade de moti-


var a decisão.
O conhecimento privado do julgador, consistente no con-
junto de fatos que chegaram ao seu intelecto pelos mais di-
versos meios e que não constam dos autos processuais, não
pode ser invocado como justificativa da sua decisão. Esta deve
fundar-se, sempre, nas provas constantes do processo. É claro
que o conhecimento pessoal acaba por influenciar o ato de-
cisório, mediante interferência na valoração dos enunciados
probatórios, como veremos no item 7.6 subsequente. O que
não se admite é que o julgador constitua fatos sem nenhuma
prova que os respalde. Seguindo essa linha de raciocínio, Cel-
so Agrícola Barbi556 certifica que “O juiz é livre para se con-
vencer acerca dos fatos, mas os elementos para essa convic-
ção são apenas os existentes nos autos. Tem aplicação correta
o brocardo quod non est in actis non est in mundus; os autos
são o mundo do juiz na apreciação dos fatos”.
O julgador fica adstrito aos fatos alegados e provados, de-
vendo decidir com base nas provas que lhe são apresentadas,
podendo sopesá-las de acordo com sua livre convicção para
construir, a partir delas, o fato jurídico em sentido estrito.
Esse critério é também denominado, por isso, livre conven-
cimento motivado, tendo em vista que não se admite arbitra-
riedade, exigindo-se razoabilidade entre as provas constantes
dos autos e a decisão do julgador. Este, tendo em mãos vários
fatos em sentido amplo [seleções de propriedades dos fatos
sociais], faz nova seleção, mediante escolha motivada e ba-
seada em seu livre convencimento, decidindo o relato que
prevalecerá e constituindo, desse modo, o fato jurídico em
sentido estrito.

556. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 1, p. 535. Celso Agrícola Barbi ex-
cepciona a necessidade de o julgador basear-se exclusivamente nos elementos
constantes dos autos quando se tratar de fatos notórios ou que independam de pro-
vas. Como anotamos no item 5.2 do capítulo 5, entretanto, todo fato alegado exige
prova, até mesmo a notoriedade.

314
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

É esse o critério adotado pelo Código de Processo Civil


brasileiro [arts. 369 e 371] e também pelas legislações que dis-
ciplinam o processo administrativo tributário das diversas
pessoas políticas. Dispõe o Decreto 70.235/72, em seu art. 29:

Na apreciação da prova, a autoridade julgadora formará livre-


mente sua convicção, podendo determinar as diligências que en-
tender necessárias.

No mesmo sentido, prescreve o art. 26 da Lei 13.457/2009,


do Estado de São Paulo:

Os órgãos de julgamento apreciarão livremente as provas, de-


vendo, entretanto, indicar expressamente os motivos de seu
convencimento.

Veja-se que a liberdade do julgador está limitada às pro-


vas produzidas nos autos, de modo que, caso as considere in-
suficientes para atingir a certeza, deve, em nome do princípio
inquisitório, determinar produção probatória complementar.
Essa motivação é ratificada de modo incisivo pelo §1° do
art. 489 do CPC/2015, de modo que, para haver decisão efe-
tivamente fundamentada, representativa do livre convenci-
mento motivado, o julgador precisa examinar todos os fatos
alegados nos autos, as respectivas provas e as normas jurídi-
cas cuja subsunção se pretende efetuar ou afastar.

7.4.1 Princípios que orientam a apreciação probatória

A tomada de decisões segundo a persuasão racional ou li-


vre convencimento motivado vincula o ato decisório às provas
constantes dos autos processuais, conferindo, por outro lado,
liberdade de apreciação ao julgador. Isso significa a inexistên-
cia de critérios prefixados de hierarquia das provas, não ha-
vendo, salvo raras exceções mencionadas no tópico anterior,
preceito legal que determine quais devam ter maior ou menor
peso no julgamento da lide.

315
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Tal sistemática não exclui, todavia, a convivência de prin-


cípios que orientam a valoração da prova. Esses vetores não
configuram forma de tarifação dos enunciados probatórios,
objetivando, apenas, conferir um norte para a escorreita apli-
cação do critério da persuasão racional. Vejamos, a seguir, os
mais relevantes princípios dessa natureza.
(i) Princípio da unidade probatória. O conjunto das pro-
vas deve ser considerado em sua integridade, de modo que os
elementos de convicção sejam interpretados de forma inter-
-relacionada entre si. Com tal atitude é que se identificam as
provas contraditórias entre si e as que se confirmam mutua-
mente [reforço de prova], fornecendo subsídios para a tomada
de decisão.
(ii) Princípio da aquisição da prova. As provas, uma vez
produzidas, hão de ser consideradas independentemente da
parte que as apresentou, podendo funcionar como elemento
de convicção a favor ou até mesmo contra esta. Tal orienta-
ção é também denominada princípio de comunidade da pro-
va, em razão de que os enunciados probatórios não perten-
cem a quem os produz, sendo impertinente entender que só
a este beneficiem. Na lição de João Carlos Pestana de Aguiar
Silva557, uma vez produzidas, todas as provas “passam a inte-
grar o campo probatório unificado, servindo à comprovação
do direito de qualquer dos litigantes e ao interesse da justi-
ça na investigação da verdade”. Ao serem introduzidas no
processo, sua finalidade é determinar a existência ou inexis-
tência dos fatos a que se referem. Exceção é a prova produzi-
da ilicitamente, que, em razão de sua fonte estar maculada,
deve ser excluída dos autos, não aproveitando a qualquer
das partes.
(iii) Princípio da necessidade da prova. Diz respeito ao
imperativo de que os fatos sobre os quais deve fundamen-
tar-se a decisão estejam demonstrados com provas pro-
duzidas nos autos por qualquer dos interessados ou pelo

557. As provas no cível, p. 29.

316
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

próprio destinatário, quando o sistema assim o admitir, sem


que o julgador possa suprir ausência de elementos probató-
rios mediante emprego do conhecimento pessoal ou privado
que tenha acerca dos fatos558.
(iv) Princípio da aplicação das regras científicas na pro-
va. Veda que o julgador, diante de questões demonstradas
cientificamente, as desconsidere sem justificativa plausível.
Um exemplo é o resultado do exame de DNA que atesta ser
uma pessoa genitora de outra. Nesse caso, o juiz não pode
afastar-se da conclusão pericial, a não ser que o faça de modo
bem fundamentado, argumentando a insuficiência ou inade-
quação da análise técnica realizada. Quando estiver diante
de informações técnicas ou científicas, alheias à formação
cultural do julgador, este, para decidir de forma contrária,
deve opor argumentos de natureza igualmente técnica ou
científica.
(v) Princípio da experiência em matéria probatória. Ao
apreciar as provas, o julgador faz uso, conscientemente ou
não, das situações que experimentou, das vivências, do co-
nhecimento acerca do modo normal e natural que as coisas
costumam ocorrer559.
(vi) Princípio do “favor probationis”. Esse vetor principio-
lógico desenvolve-se em dois âmbitos diversos: (vi.1) diz res-
peito à admissibilidade de novos elementos de prova na hipó-
tese de o conjunto probatório já existente não bastar para que
o julgador elimine as incertezas concernentes ao fato sobre o
qual deva decidir; havendo dúvida, seria preferível pecar por
excesso de provas do que por insuficiência da sua produção; e
(vi.2) considera que certos enunciados probatórios devem ser
interpretados favoravelmente a uma parte no caso de dúvida,
aparecendo como um derivado do princípio processual penal
in dubio pro reo. Decorre, a nosso ver, das regras inerentes ao

558. Devis Echandía, Teoría general de la prueba judicial, p. 117.


559. O assunto será analisado no subitem 7.6.2 deste capítulo, dedicado às máximas
de experiência.

317
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

ônus probatório, de modo que, quando o sujeito que alegar


determinado fato não obtiver êxito no convencimento do des-
tinatário, a decisão não lhe deve ser favorável.

7.5 Hierarquia das provas560

O art. 371 do CPC/2015, ao consagrar o princípio da per-


suasão racional, faz crer, à primeira vista, que inexistira hierar-
quia entre as provas. Mas, como noticia João Batista Lopes561,
“o acolhimento pelo legislador do critério da persuasão racio-
nal não implica conferir ao juiz plena liberdade de apreciação
das provas”. A persuasão racional, diferentemente do sistema
do livre convencimento, exige que o julgador sujeite-se às nor-
mas jurídicas postas, inclusive no que diz respeito à admissibi-
lidade das provas.
Enunciado probatório originado de depoimento testemu-
nhal, por exemplo, é tido como falho e deficiente, conduzindo
o legislador a prescrever, nos arts. 443 e 444 do CPC/2015, al-
gumas restrições à sua admissibilidade. Desses dispositivos
depreende-se ser o testemunho hierarquicamente inferior à
prova documental, bem como àquela derivada de confissão e
exame pericial. Nas palavras de José Frederico Marques562, o
legislador “tem alguma desconfiança para com a prova teste-
munhal, o que se manifesta em limites e restrições pertinentes
à sua realização e admissibilidade”. Tem-se, aí, a objetivação do
valor que o Legislativo atribui a essa espécie probatória563.

560. Empregamos o vocábulo hierarquia para designar gradação valorativa, nada


tendo que ver com a hierarquia formal, entendida como relação de fundamento de
validade entre os elementos do sistema normativo.
561. A prova no direito processual civil, p. 56.
562. Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 450.
563. Também o art. 406 do Código de Processo Civil impõe hierarquia ao dispor que só
o instrumento público perfaz prova de ato em que este seja exigido por lei.

318
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Evidenciando essa hierarquização das provas, afirma


Darci Guimarães Ribeiro564:

A própria lei, inc. I do art. 400 do CPC565, a doutrina e a jurispru-


dência entendem que não cabe prova testemunhal para fato já
comprovado por documento; mas a recíproca não é verdadeira.
[...] Duvido que, em sã consciência, alguém preferisse apresen-
tar, no nosso sistema, uma prova testemunhal ao invés de uma
documental. Isso nos leva a concluir que há, subjetivamente
falando [critério subjetivo da prova], uma hierarquia subjetiva
entre as provas, na qual a prova legal goza de uma preferência
no momento da apreciação.

Os dispositivos citados trazem uma hierarquia expressa,


sendo essa espécie de preceito encontrada de forma esparsa
na legislação. Nas demais hipóteses, porém, em que o valor a
ser conferido às provas não foi imposto pelo legislador, o de-
poimento testemunhal não é mais nem menos importante do
que os outros meios probatórios, devendo seu valor probante
ser aferido livremente mediante o cotejo com as alegações das
partes e com os documentos, perícias e outros elementos do
processo566.
Isso não significa, contudo, ausência de relação hierár-
quica entre as provas quando inexista determinação legal a
respeito do assunto. A possibilidade de gradação hierárqui-
ca é característica inerente aos valores, de modo que, consis-
tindo a apreciação probatória na atribuição valorativa a cada
elemento de convicção, este há de apresentar, em cada caso
concreto, maior ou menor força axiológica, conforme enten-
dimento do julgador. Procurando ilustrar o assunto, Paulo

564. Provas atípicas, p. 44.


565. Art. 443, I, do CPC/2015.
566. No direito antigo já vigorou a regra de que o testemunho de uma só pessoa se-
ria ineficaz para demonstrar veracidade de um fato [testis unus testis nullus]. Atual-
mente, no sistema da persuasão racional, não importa o número de testemunhas,
mas a credibilidade destas.

319
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

de Barros Carvalho567 anota que “o conteúdo significativo da


palavra indício já é um bom exemplo de hierarquia das pro-
vas, pois o indício é uma prova de pouca expressão valorativa.
Quanto há referência à locução mero indício e não à prova,
temos objetivado, com nitidez, o campo semântico do termo”.

7.5.1 Hierarquia axiológica das provas

O direito, como objeto cultural que é, exige inevitável to-


mada de posição daquele que o interpreta, não havendo como
dele se aproximar na condição de sujeito puro, despojado de
atitudes axiológicas. Logo, ainda que as normas jurídicas não
prescrevam a prevalência de determinado fato em relação a
outro, ou, no caso, não atribuam maior poder de convenci-
mento a uma modalidade probatória, a gradação hierárquica
estará presente.
O valor pode ser definido como a não-indiferença de um
sujeito em relação a determinado objeto. É ele, portanto, bipo-
lar, de modo que a um valor se contrapõe um desvalor, e o sen-
tido de um exige o outro, num vínculo de implicação recíproca.
Dada essa dualidade, o valor importa sempre uma tomada de
posição do ser humano, que lhe confere sentido. Cada valor
aponta a um fim específico, exigindo, do sujeito cognoscente, o
ato de preferir a um em vez de outro, pois, como anota Miguel
Reale568, o fim não é senão um valor enquanto racionalmente re-
conhecido como motivo determinante da conduta. Com tal ato
valorativo, consistente na indicação das preferências, tem-se
gradação hierárquica dos valores.
Sendo assim, verificando o julgador a existência de pro-
vas heterogêneas, apontando para fatos diversos e contradi-
tórios entre si, compete-lhe valorá-las, manifestando sua pre-
ferência por uma ou algumas, em detrimento de outras que

567. Teoria da prova e o fato jurídico tributário. Apostila do Programa de Pós-Gra-


duação em Direito [Mestrado e Doutorado] da USP e da PUC/SP.
568. Lições preliminares de direito, p. 292.

320
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

considere pouco convincentes. Esse processo proporciona


a existência de uma hierarquia axiológica móvel569 entre as
provas jurídicas, variante em função de cada situação con-
creta. Fala-se em hierarquia axiológica, segundo Riccardo
Guastini570, por não ser prescrita explicitamente pelo direito
positivo, sendo criada pelo intérprete, que procede à valora-
ção no momento da aplicação do direito. Esta é móvel, por
seu turno, por depender da apreciação do julgador realiza-
da no caso específico, valendo apenas para ele, em razão de
suas peculiaridades.

7.6 A produção probatória e os efeitos na convicção do


julgador

A decisão jurídica apresenta-se como algo extremamente


complexo, exigindo, além de atos de valoração, a prévia ativi-
dade interpretativa. Somente após compreender as escolhas
possíveis é que se pode optar por uma delas. No contexto do
sistema jurídico, exige-se a interpretação dos enunciados nor-
mativos como pressuposto à aplicação do direito. Tal assertiva
assume caráter absoluto, pois não há texto sem interpretação.
E, sendo a interpretação uma atividade humana, o valor é a
ela imanente.
Interpretar é construir sentido a partir do texto. Os enun-
ciados linguísticos, leciona Paulo de Barros Carvalho571, não
contêm, em si mesmos, significações: “São objetos percebidos
pelos nossos órgãos sensoriais que, a partir de tais percep-
ções, ensejam, intrasubjetivamente, as correspondentes signi-
ficações. São estímulos que desencadeiam em nós produções
de sentido”. Semelhante é a assertiva de Miguel Reale572, para

569. Terminologia empregada por J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e


teoria da Constituição, p. 1203.
570. Le fonti del diritto e l’interpretazione, p. 42.
571. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 18-19.
572. Cinco temas do culturalismo, p. 34.

321
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

quem “O ato hermenêutico não significa uma cópia de algo já


dado, que cumpra apenas decifrar ou desvelar – renovando-se
de maneira oblíqua o superado entendimento da cognição como
adaequatio rei ac intellectus –, porque conhecer, se não é cons-
tituir por inteiro o objeto, é contribuir racional e positivamente
para constituí-lo, mediante síntese subjetivo-objetiva, na qual a
imaginação criadora desempenha papel essencial”.
Essa construção de sentidos, quando verificada nos au-
tos processuais, exige a interpretação não só dos enunciados
legislativos, mas também dos fatos juridicizados. O julgador
interpreta as alegações das partes, as provas por elas produ-
zidas e os dispositivos legais invocados. É esse conjunto de
elementos o objeto de sua apreciação. Tudo, como anota Pau-
lo de Barros Carvalho573, dentro dos limites da sua cultura: “a
interpretação exige uma pré-interpretação que a antecede e a
torna possível”.
Percebe-se, com facilidade, que o simples relato fático,
muitas vezes, não basta para proporcionar ao órgão julgador
o instrumento que este necessita para a expedição de ato deci-
sório. Sustenta Jaime Guasp574 que “o juiz, ao sentenciar, tem
que contar com dados lógicos que inspirem o sentido de sua
decisão, mas não com qualquer classe de dados deste caráter,
e sim com aqueles que sejam, ou pelo menos pareçam, con-
vincentes, a respeito de sua exatidão e certeza. Tem que ha-
ver, pois, uma atividade complementar à puramente alegató-
ria dirigida a proporcionar tal convencimento, atividade que,
junto à anterior, integra a instrução processual no processo de
cognição e que é, precisamente, a prova”. Não se esqueça, po-
rém, que os efeitos desencadeados pelas provas no intelecto
do julgador não são intrínsecos a elas: é o próprio destinatário
quem, ao apreciar os enunciados probatórios, atribui-lhes va-
lor, conforme suas vivências.

573. Curso de direito tributário, p. 129.


574. Derecho procesal civil, p. 344 [tradução nossa].

322
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Vale lembrar, ainda, que em algumas situações se verifica


a presença de uma única prova, suficiente, por si só, como
meio de convencimento do julgador. Com base nela, é pos-
sível concluir acerca da existência ou não do fato probando.
Trata-se do que denominamos indício necessário e veemente,
sendo bastante para dar-se o fato por provado. Na maioria das
vezes, contudo, é preciso mais de um enunciado probatório
para se alcançar a certeza, devendo os diversos elementos ser
examinados em conjunto, valorados e sopesados seus valores.
Tal situação é resultado da sujeição das provas à hierar-
quia axiológica móvel de que falamos. Um indício que, em de-
terminado caso, é considerado suficiente para estabelecer o
convencimento do julgador pode, em outros, ser incapaz de,
sozinho, servir como elemento de convicção. Exemplo dessa
alterabilidade valorativa pode ser observado na ementa abai-
xo, indicativa de situação na qual se decidiu que, não obstante
o imposto incidente sobre a propriedade predial e territorial
urbana [IPTU] seja calculado com base no valor venal do bem
imóvel, a venda realizada em montante inferior a este não é
capaz de firmar o convencimento do julgador acerca da prá-
tica de negócio jurídico por valor notoriamente abaixo do de
mercado, caracterizador da omissão de receitas [art. 60 do De-
creto-Lei 1.598/77):

OMISSÃO DE RECEITA – As alienações de imóveis por valo-


res equivalentes a um pequeno percentual do valor que serviu
de base ao IPTU e mediante pagamento em dinheiro constitui
veemente indício de que a venda se tenha dado por valor su-
perior, omitida a diferença na contabilidade. Todavia, esse fato,
por si só, não é suficiente para dar lugar ao lançamento, haven-
do necessidade de outros indícios convergentes para permitir a
presunção575.

Em que pese o órgão julgador administrativo federal ter


reconhecido tratar-se de indício veemente, não se satisfez
com este, considerado isoladamente. Perfeitamente possível,

575. CARF, Ac. 101-92.719, Rel. Cons. Sandra Maria Faroni, j. 10-6-1999.

323
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

contudo, que em situações semelhantes o julgador, diante das


peculiaridades do caso concreto, conclua de modo diverso,
entendendo ser prova cabal do valor de mercado do imóvel
aquele empregado para fins de exigência do IPTU.
Compete ao julgador sopesar os distintos indícios contin-
gentes, conferindo-lhes valor, que podem ser maior a uns que
a outros, para, com apoio nesses dados, convencer-se a respei-
to da veracidade ou falsidade dos fatos alegados.

7.6.1 Influência dos valores na apreciação das provas

Vimos que, tendo o ordenamento brasileiro adotado o


critério decisório da persuasão racional, ao julgador é veda-
do decidir exclusivamente segundo suas impressões pessoais.
Anota João Batista Lopes576 que, “seja na interpretação das
normas, seja na avaliação da prova, o magistrado não goza
de liberdade absoluta, mas deve valer-se de critérios técni-
cos recomendados pela doutrina mais autorizada. Assim, não
poderá desprezar os métodos de interpretação, notadamente
o teleológico, nem poderá ignorar o princípio da persuasão
racional, só para mencionar dois exemplos”.
É inegável, porém, que todo e qualquer julgador orienta
suas decisões com base em valores pessoais, que ingressam
no âmbito da atividade interpretativa. O aplicador do direito
não tem como desprezar as influências recebidas em sua
formação, tais como educação familiar, convivência em
sociedade e experiências da vida profissional, o que faz da
neutralidade do direito um mito577. Os valores são ferramen-
tas importantíssimas de convencimento e persuasão, in-
fluenciando, decisivamente, a fixação do conteúdo da norma
jurídica a ser emitida.

576. Efetividade do processo e prova pericial, Revista Dialética de Direito Proces-


sual n. 21, p. 90.
577. Rui Portanova, Motivações ideológicas da sentença, p. 63-75.

324
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

A ideologia578, entendida como o conjunto de ideias, con-


vicções e crenças de um indivíduo, é determinante no proces-
so gerativo de sentido. Desse modo, sendo o valor inerente aos
sujeitos, e não aos objetos, a apreciação das provas depende
das experiências do intérprete: este constrói o fato jurídico
em sentido estrito com base nas provas a que tem acesso, mas
o faz orientado por seus próprios valores.

7.6.2 Máximas de experiência

A valoração, própria das condutas humanas, inclusive da


interpretação do direito, é determinada pelas máximas de ex-
periência. Logo, anota Juan Carlos Cabañas Garcia579, “não
são possíveis as funções de interpretação e de valoração da
prova sem o uso de máximas de experiência [que condicio-
nam qualquer juízo volitivo ou de valor do magistrado]”. As
chamadas máximas de experiência não são normas jurídicas,
meios de prova ou provas propriamente ditas. Trata-se dos
conhecimentos adquiridos pelo julgador ao longo de sua vi-
vência social e profissional.
Friedrich Stein580 oferece-nos lapidar definição do concei-
to de máximas de experiência, a ela se referindo como juízos
hipotéticos de conteúdo geral, desligados dos fatos concretos
que se julgam no processo, procedentes da experiência, mas
independentes dos casos particulares de cuja observação são
deduzidos e que, acima desses casos, pretendem ter validade
para outros novos. As regras de experiência, como também

578. A acepção em que empregamos o vocábulo ideologia não se confunde com aque-
la expressa por Tercio Sampaio Ferraz Jr., tomada como conjunto mais ou menos
consistente, último e global de avaliação dos próprios valores. Segundo o autor, as
ideologias “atuam, ao avaliar os valores, no sentido de tornar conscientes os valores,
estimando as estimativas que em nome deles se fazem, garantindo, assim, o consen-
so dos que precisam expressar os seus valores, estabilizando, assim, em última análi-
se, os conteúdos normativos” [Introdução ao estudo do direito, p. 110-111].
579. La valoración de las pruebas y su control en el proceso civil, p. 64 [tradução nossa].
580. El conocimiento privado del juez, p. 30.

325
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

são denominadas, integram princípios gerais, construídos a


partir da observação dos fenômenos físicos ou do compor-
tamento corrente dos homens e, como tais, servem de apoio
para efetuar a valoração da prova.
Não há como apreciar uma prova, interpretar o direito,
sem interferência de subjetividade, da cultura acumulada
pelo julgador. Eis o motivo pelo qual, quando da vigência do
Código de Processo Civil de 1973, criticávamos o disposto em
seu art. 335, que conferia caráter subsidiário à aplicabilida-
de das máximas de experiência. Estas, segundo entendemos,
estão presentes sempre, em toda apreciação, quer na esfera
judicial ou fora dela, o que foi consolidado no Estatuto Pro-
cessual de 2015, no art. 375, ressalvando as hipóteses de laudo
pericial.
Ainda que a legislação do processo administrativo tri-
butário nada disponha sobre o assunto, o emprego dessas
máximas é imperativo, especialmente em face do art. 15 do
CPC/2015. O julgador, na qualidade de ser humano que vive
em sociedade, observando os acontecimentos e passando por
experimentos diversos, utiliza-se desse arcabouço cultural ao
avaliar as provas, interpretar o direito e aplicá-lo. Essa é a
razão pela qual Arruda Alvim581 afirma que as máximas de ex-
periência completam o sentido normativo, expressando uma
“referibilidade da lei à realidade sobre a qual ela incide, tendo
em vista o que a experiência comum (leis físicas, da medicina,
da biologia etc.), necessariamente generalizada, significa de
verdadeiro”. Cai a talho, nesse contexto, a formulação de Karl
Popper, questionando a existência de uma certeza objetiva,
independente do observador:

Somos sempre nós que formulamos as questões a colocar à na-


tureza; somos nós que, sem descanso, tentamos colocar essas
questões de modo a obter um ‘Sim’ ou um ‘Não’ firmes. Porque
a natureza só dá resposta se a forçarmos. Enfim, somos nós que
decidimos, depois de um exame minucioso, da resposta a dar

581. Manual de direito processual civil, v. 2, p. 522.

326
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

à questão colocada pela natureza... O velho ideal científico do


epistema, o ideal de um conhecimento absolutamente certo e de-
monstrável, revelou-se um ídolo... Somente nas nossas experiên-
cias subjetivas de convicção na nossa confiança pessoal podemos
estar ‘absolutamente certos’.582

A partir das vivências são construídas máximas da ex-


periência. E, com base nestas, procede-se à valoração dos
objetos, dentre eles, as provas. Daí a conclusão de Miguel
Reale583, no sentido de que os valores “não são objetos ideais,
modelos estáticos segundo os quais iriam se desenvolvendo,
de maneira reflexa, as nossas valorações, mas se inserem an-
tes em nossa experiência histórica, irmanando-se com ela”.
Máximas de experiência e valores não apresentam, por con-
seguinte, caráter absoluto e imutável: dependem do contexto
em que estão inseridos.

7.7 A atividade do julgador

Adotado o critério da persuasão racional, é vedado ao jul-


gador decidir com base em elementos diversos dos levados
aos autos processuais. O primeiro passo, portanto, para que
esteja habilitado a praticar ato decisório, consiste em entrar
em contato com as provas produzidas. Tem-se, aí, a percepção,
que se opera por meio dos sentidos [tratando-se da avaliação
probatória, esse contato é visual, tendo em vista que as provas
apresentam a forma de documentos].
É pela percepção que o julgador alcança os fatos em
sentido amplo, tendo acesso ao seu suporte físico, plano de
expressão. Em seguida, depois de percebidos os fatos, passa
o julgador, na qualidade de intérprete, a construir sentidos
a serem atribuídos a cada uma das provas [significação].

582. La logique de la découverte scientifique. Trad. Francesa de Jean Monod, Paris,


Payot, 1973, p. 286, apud Jean-Louis Le Moigne, O Construtivismo: Dos Fundamen-
tos, vol. I, p. 241.
583. Introdução à filosofia, p. 141.

327
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Por fim, de posse de tais construções significativas, exami-


na-as em conjunto, identificando os fatos convergentes e os
divergentes entre si, valorando-os conforme se apresentem
confirmados ou infirmados pela totalidade dos elementos de
convicção. Uma vez determinados os fatos jurídicos em sen-
tido amplo, tem lugar a sua combinação. Trata-se da coor-
denação das provas, precedida da respectiva valoração, de
modo que sejam apreciadas no contexto do conjunto proba-
tório. O resultado da operação poderá implicar a atribuição
a cada uma das provas, na hipótese de apresentarem-se ho-
mogêneas, de um valor muito maior do que o que tinham
individualmente considerado.
Feita a apreciação probatória, compete ao julgador con-
cluir, mediante raciocínio, acerca da veracidade ou falsidade
dos fatos afirmados pelas partes, constituindo fato jurídico
em sentido estrito. Essa atividade é realizada segundo regras
lógicas de inferência584. Tal operação mental, sustenta Camar-
go Aranha585, “é um silogismo puro, em que a conclusão, que
é o fato probando, é uma resultante da comparação entre o
fato indiciário [premissa menor] e uma lei da experiência ou
da razão [premissa maior]”. Exemplifica o autor: “Pela obser-
vação chegamos à conclusão de que a pessoa encontrada com
o bem apossado é provavelmente o autor do assalto: eis a pre-
missa maior. Fulano foi encontrado logo depois com o relógio
e a carteira da vítima: é a premissa menor. Portanto, Fulano
é provavelmente o autor do assalto: a conclusão”. Isso não
significa, todavia, redução da atividade julgadora a uma fi-
gura lógica, sob pena de caracterizar logicismo, que, segundo

584. André Comte-Sponville [Diccionario filosófico, p. 138 e 284] explica o que seja dedu-
ção e inferência: “Deduzir é ir de proposições verdadeiras ou supostas (princípios ou
premissas) a uma ou várias proposições que se derivam delas necessariamente”. “Infe-
rência é o passar de uma proposição considerada como verdadeira a outra que se julga,
em consequência, que também o é, em virtude de uma relação necessária ou que se su-
põe tal. Esse passar pode ser indutivo [se se passa de fatos particulares a uma conclusão
mais geral] ou dedutivo [se se passa de uma proposição a uma de suas consequências]”.
585. Da prova no processo penal, p. 196-197.

328
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Lourival Vilanova, é uma extrapolação da Lógica586. Regras


lógicas dizem respeito à estrutura formal do raciocínio, mas
nada interferem em seu conteúdo, que se pauta nas máximas
de experiência, na observação do que comumente ocorre, nas
vivências e valores do intérprete. Por isso, uma prova pode
ser convincente para um julgador, mas insuficiente para ou-
tro, naquela mobilidade hierárquica de que falamos.
Convém registrar que as etapas da apreciação realizada
pelo julgador são indissociáveis e insusceptíveis de ordenação
cronológica587, estando, todas elas, impregnadas pela influên-
cia das máximas de experiência e dos valores. Nesse sentido,
anota Devis Echandía588 que não é possível supor uma per-
cepção desligada totalmente da atividade racional, porque
quando o fato é observado, realiza-se certa atividade analíti-
ca, que serve para obter as inferências necessárias para sua
compreensão. Também Recaséns Siches589, discorrendo so-
bre a valoração da prova, manifesta entendimento de que “a
apreciação da prova é, sem dúvida, uma operação valorativa,
e que a constatação e qualificação jurídica dos fatos envolve
também operações valorativas”. Desde o instante em que se
admite algo como prova, com ela entrando em contato, tem
lugar, ainda que de forma inconsciente, a interferência axio-
lógica. O próprio ato de deferir a produção probatória já é ex-
teriorização dos valores do intérprete, que julga útil referido
procedimento instrutório.

7.8 Momento da atividade valorativa da prova

Ao discorrermos sobre a dinâmica da prova, evidenciamos


as etapas de sua produção [capítulo 6, subitem 6.3.1]. Cumpre,

586. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 22.


587. A sucessão entre as etapas é apenas lógica, possível de ser realizada no campo
das ideias.
588. Teoría general de la prueba judicial, p. 292.
589. Nueva filosofía de la interpretación del derecho, p. 229 [tradução nossa].

329
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

agora, examinar os momentos em que se opera a apreciação


probatória. Em termos subjetivos, a atribuição de valores pelo
julgador ocorre durante todo o trâmite processual, tendo em
vista que, ao entrar em contato com os enunciados produzi-
dos pelas partes, o destinatário já passa a valorá-los. Mas, sem
exteriorizar tais sentimentos, estes não ingressam no mundo
jurídico. Por isso, podemos identificar três momentos especí-
ficos da apreciação probatória, em que o julgador, após avaliar
a prova [ou, muitas vezes, protoprova] objetiva em linguagem
o seu posicionamento. São eles: (i) instante em que a prova
é oferecida pela parte, ocorrendo a apreciação do julgador
para acolhê-la ou não no processo; nesse caso, havendo sua
aceitação, a proposta de prova passa à condição de prova,
propriamente dita; (ii) por ocasião do saneamento processual,
em que o julgador examina as provas já trazidas aos autos,
verificando a necessidade de produção de novos enunciados
probatórios e, em caso positivo, fixando os pontos controver-
tidos; e (iii) ao proferir a decisão terminativa, momento culmi-
nante da valoração da prova, por compreender a totalidade do
conjunto probatório.
Sobre o tema, também Devis Echandía590 reconhece a
pluralidade de ocasiões em que se opera o procedimento va-
lorativo das provas:

Geralmente, a valoração corresponde à sentença. Mas há oca-


siões em que se apresenta em providências interlocutórias,
quando por elas devem adotar-se decisões sobre fatos distintos
daqueles que fundamentam as pretensões da demanda e as ex-
ceções que lhe são opostas, como acontece nas oposições ou na
entrega ou sequestro de bens, nas objeções aos laudos periciais,
pelas recusas de juízes, nas contradições das testemunhas ou fal-
sidade de documentos.

Não é somente no final do processo, por ocasião da ex-


pedição da norma individual e concreta terminativa, que o

590. Teoría general de la prueba judicial, p. 347 [tradução nossa].

330
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

problema do valor das provas se apresenta. Durante todo o


trâmite processual exige-se que o julgador decida, optando
por uma ou outra alternativa. Perfeitamente possível, portan-
to, dividir a figura da apreciação da prova em duas catego-
rias: (i) total e (ii) parcial. Será total, quando se examinarem,
de forma completa, as provas colacionadas aos autos proces-
suais; e, parcial, se a apreciação recair sobre uma prova em
particular, durante o curso do processo.

7.9 Teoria da decisão jurídica

A criação do direito opera-se mediante decisões jurídicas.


Segundo ensinamentos de Gregorio Robles591, “o texto jurídi-
co é um texto autogerador por força de decisão, o que significa
que em seu aspecto dinâmico a teoria da decisão constitui o
núcleo fundamental”. Isso porque os atos decisórios não apa-
recem apenas no momento da resolução de conflitos, com a
emissão de normas individuais e concretas. São vislumbra-
dos, também, quando se estabelecem os critérios nos termos
dos quais o direito há de ser aplicado, ou conflitos deverão
ser solucionados, por exemplo. Sempre que se editam normas
gerais e abstratas, ou qualquer outra modalidade normativa,
existe uma decisão que a precede.
Dito de outro modo, toda norma jurídica é resultado de
decisão. Não há norma sem ato decisório que lhe anteceda. E,
considerando que a norma jurídica criada é constituída por
linguagem, a atividade que a gera é um ato de fala. Para que o
ato de fala ocorra regularmente, porém, a enunciação precisa
ser realizada por autoridade competente, conforme procedi-
mento estabelecido em outras normas, de superior hierarquia
formal.
Do exposto, nota-se que a teoria da decisão jurídica se
concentra no tema da produção normativa, quer no âmbito da

591. O direito como texto: quatro estudos da teoria comunicacional do direito, p. 34.

331
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

abstração ou da concretude, da generalidade ou da individua-


lidade. O intérprete, ao aplicar o direito, realiza ato decisório,
emitindo enunciados normativos.
O ato de decidir implica a eleição entre várias possibilida-
des. É, por isso, contingente. Quem decide colocar no sistema
do direito um novo enunciado escolhe uma opção possível en-
tre as existentes, excluindo as demais alternativas. Pressupõe,
portanto, valoração. Tal peculiaridade faz com que a decisão
jurídica possa ser observada em dois aspectos, indissociáveis
entre si: (i) o elemento decisório, puramente volitivo – noe-
sis, e (ii) o conteúdo do que foi decidido – noema. Enquanto a
primeira perspectiva toma como foco o valor em sua subjeti-
vidade, a segunda, dirigindo sua atenção ao que se plasmou
no texto, centra-se no valor objetivado. É este último, por estar
registrado linguisticamente, que ingressa no ordenamento.
A decisão legislativa lato sensu abrange aqueles dois mo-
mentos de que falamos: o ato de vontade e seu resultado. Não
se pode dizer que o legislador decida sem legislar, nem que o
juiz tome decisões sem sentenciar, pois, apenas quando intro-
duzido no sistema do direito, o ato volitivo passa a integrá-lo
de forma objetivada. O ato decisório e o de aplicação do direito
são mutuamente dependentes, um não existindo sem o outro.
Discorrendo sobre o assunto, mais especificamente em
relação à hipótese decisória com a finalidade de solucionar
conflitos, Clarice Von Oertzen Araújo592 expõe com clareza a
influência dos valores: “o litígio que se põe para ser soluciona-
do pelo direito traz em si a expressão contraposta de valores
diferentes. As partes envolvidas em um litígio têm interesses
diversos. A decisão do litígio posta como expressão da justiça
vai proceder a uma decisão binária, entre dois pedidos con-
trapostos, formulados pelas partes envolvidas no litígio. Nes-
te sentido, a decisão positivará um valor, considerado como a
expressão de um juízo de preferência”. A interferência valo-
rativa sofrida pelo julgador não autoriza, entretanto, decisões

592. Semiótica do direito, p. 61.

332
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

puramente subjetivas. Não obstante a subjetividade seja ima-


nente a qualquer atitude criadora do direito, esta há de ser
guiada, também, por fundamentos racionais. Nessa esteira, o
ordenamento brasileiro exige que sejam expostos os motivos
que levaram ao ato decisório, baseados nos elementos cons-
tantes dos autos processuais.

7.9.1 A prova como suporte para a tomada de decisão

Dentre as decorrências de se adotar a sistemática de ava-


liação probatória com base na persuasão racional, tem-se a
obrigatoriedade de fundamentar o ato decisório, permitindo
evidenciar as condicionantes que levaram o julgador ao con-
vencimento dos fatos593. É a motivação da decisão figurando,
segundo Juan Carlos Cabañas Garcia594, como expressão do
juízo jurisdicional, propiciando objetivação do ato valorativo.
Como a decisão não pode justificar-se a partir da íntima
convicção do julgador, devendo pautar-se nos fatos constituí-
dos nos autos, a fundamentação caracteriza requisito essen-
cial do ato decisório. Na lição de Pontes de Miranda595:

Tem o juiz de dar os fundamentos, que lhe assistiram, para a


apreciação das provas: porque desprezou umas e acolheu outras,
porque não atribuiu o valor que fora de esperar-se, a alguma, ou
algumas, e porque chegou às conclusões que expende.

É na fundamentação que se demonstra o caminho


traçado para alcançar a conclusão veiculada, assegurando
que a razão do convencimento, conquanto inevitavelmente
impregnada pelas máximas de experiência e por valores do
intérprete, tenha sido moldada com base nas alegações e
provas processuais.

593. Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, Da prova no processo penal, p. 76.


594. La valoración de las pruebas y su control en el proceso civil, p. 223.
595. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, p. 253.

333
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

A apreciação ou valoração da prova, considerada em toda


sua amplitude, exige estudo crítico do conjunto, abrangendo
as várias provas constituídas pelas partes para demonstrar a
veracidade de suas alegações, e, ainda, as que tenham sido
produzidas por iniciativa do julgador. A comparação das pro-
vas permite ao julgador estabelecer as que sejam essenciais e
decisivas para a solução da causa, desconsiderando as que lhe
pareçam impertinentes ou as que entenda insuficientes ou
fracas perante outras provas. Desse modo, realiza uma espé-
cie de seleção, que se opera tendo em conta a lide instalada, os
fatos alegados pelo requerente e pelo demandado, bem como
as provas verificadas no processo.
Do mesmo modo que a formação de um enunciado proba-
tório envolve uma combinação de elementos, segundo proce-
dimento apropriado [sintaxe interna], as diversas provas são
articuladas entre si [sintaxe externa] com vistas a constituir o
fato jurídico em sentido estrito:

[Fal . (F1 . F2 . F3 . ... Fn)] → F,

em que F1, F2, F3, e Fn representam um número finito de


fatos [fatos jurídicos em sentido amplo] enunciados em fun-
ção do fato alegado [Fal], “.” consiste no conectivo conjuntor,
“→” é o conectivo implicacional e “F” é o fato que se preten-
de constituir por meio das provas [fato jurídico em sentido
estrito], significando que os diversos enunciados probatórios,
considerados cumulativamente, implicam o fato conotado na
hipótese da norma jurídica geral e abstrata, necessária à po-
sitivação normativa. No âmbito tributário, podemos dizer que
vários fatos jurídicos tributários em sentido amplo, conjun-
tamente examinados, implicam o fato jurídico tributário em
sentido estrito, dando nascimento à obrigação tributária.
Geralmente, porém, os enunciados probatórios colacio-
nados nos autos processuais não se encontram, todos eles, li-
gados por relação de coordenação. Normalmente, há provas
que corroboram as alegações de uma das partes e, também,

334
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

provas que confirmam os argumentos da parte adversa. Al-


guns fatos jurídicos em sentido amplo [F1.1, F1.2, F1.3, ... F1.n]
conduzem à veracidade do fato probando F1, ao passo que ou-
tros enunciados fáticoprobatórios [F2.1, F2.2, F2.3, ... F2.n] levam
ao fato jurídico em sentido estrito F2:

F1.1------F1.2------F1.3------F1.n------F1

F2.1------F2.2------F2.3------F2.n------F2

Segundo Michele Taruffo596, histórias e narrativas são ne-


cessárias tanto no contexto do processo como fora dele, pois
são instrumentos mediante os quais informações esparsas e
fragmentárias combinam-se e compõem um complexo de fa-
tos dotado de sentido. Tratando-se de um processo, contudo,
conclui o autor, não há apenas uma narrativa, mas “uma situa-
ção complexa, em que várias histórias são construídas e con-
tadas por sujeitos diferentes, de pontos de vista e em modos
diferentes”.
Diante de situação como esta, o julgador, com base em
suas vivências, valores e máximas de experiência que edificou,
seleciona as provas que considera convincentes, construindo
o fato jurídico em sentido estrito [F3], mediante a emissão
de norma individual e concreta, seguindo o trajeto abaixo
representado:

F1.1------F1.2------F1.3------F1.n------F1

F2.1------F2.2------F2.3------F2.n------F2

-------------------------------Fjt-------F3

596. Uma simples verdade: O Juiz e a construção dos fatos, p. 54-55.

335
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

A apreciação das provas é a atividade intelectual que o


julgador realiza para determinar o poder de convencimen-
to relativo de cada um dos enunciados probatórios, em sua
comparação com os demais, para chegar à conclusão acerca
da força do conjunto probatório como um todo. Fazendo uso
novamente dos ensinamentos de Michele Taruffo597, os fatos
constantes dos autos [fatos jurídicos em sentido amplo] pro-
põem possibilidades, as quais hão de ser articuladas pelo in-
térprete e aplicador do direito, podendo, metaforicamente, ser
comparados a um punhado de pedaços de vido colorido, cuja
combinação faz um mosaico [fato jurídico em sentido estrito].
Daí a relevância da fundamentação decisória, em que se
expõe a articulação entre os enunciados fáticos, consistente no
relacionamento entre as alegações das partes e as provas por
elas produzidas. Ensina Nelson Nery Junior598 que “Funda-
mentar significa o magistrado dar as razões de fato e de direi-
to, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira. A
fundamentação tem implicação substancial e não meramente
formal, donde é lícito concluir que o juiz deve analisar as ques-
tões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamen-
tal de sua decisão”. Por isso, continua o autor, “não se conside-
ram substancialmente fundamentadas as decisões que afirmam
que segundo os documentos e testemunhas ouvidas no processo, o
autor tem razão, motivo por que julgou procedente o pedido. Esta
decisão é nula porque lhe falta fundamentação”.
O julgador precisa indicar as provas que considera con-
vincentes e as que entende de baixa força probatória, expli-
cando o motivo por que fez prevalecer uma sobre a outra,
como bem leciona Paulo de Barros Carvalho:

Realmente, não basta enunciar a relação de provas apresen-


tadas. A fundamentação que se requer pressupõe articulação
dos enunciados probatórios, expondo os critérios de avaliação
do magistrado. E não é suficiente, também, mera associação

597. Idem, p. 54.


598. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 175.

336
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

acompanhada dos padrões axiológicos que a presidiram: a mon-


tagem dessa base há de ser promovida segundo a rigidez das re-
gras lógicas, armando a autoridade o silogismo que conduzirá à
decisão final.

Assim como em todo procedimento interpretativo, cum-


pre ao julgador efetuar a conexão necessárias entre as partes
do texto, para que este seja compreendido na complexidade
inerente ao texto como um todo, o que, graficamente, pode-
mos assim representar:

Os significados das parcelas singulares da narrativa da parte


somente pode ser determinado com referência à totalidade do
texto, no que se incluem as provas, narrativas contrárias e con-
traprovas. Finalizando com a metáfora de Michele Taruffo599: “o
significado de cada peça de vidro é determinado por sua posição
no desenho final, mas o significado do mosaico em sua totalidade
é determinado pelas cores e pela posição de cada peça”.

599. Idem, p. 85.

337
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

CAPÍTULO 8
A PROVA NO PROCEDIMENTO E NO
PROCESSO ADMINISTRATIVO
TRIBUTÁRIO

8.1 Procedimento e processo administrativo fiscal no


ciclo de positivação do direito

Denominamos positivação do direito o processo median-


te o qual o aplicador, partindo de normas jurídicas de hie-
rarquia superior, produz novas regras, objetivando maior
individualização e concretude. Os preceitos de mais elevada
hierarquia e, portanto, ponto de partida para o ciclo de po-
sitivação, encontram-se na Constituição da República: são
as competências tributárias. Com base nesse fundamento de
validade, o legislador produz normas gerais e abstratas, ins-
tituidoras dos tributos: são as regras-matrizes de incidência
tributária, descrevendo conotativamente, em sua hipótese,
fato de possível ocorrência, e prescrevendo, no consequen-
te, a instalação de relação jurídica, cujos traços relaciona.
Avançando cada vez mais em direção à disciplina dos com-
portamentos intersubjetivos, o aplicador do direito veicula

339
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

norma individual e concreta, relatando o evento ocorrido e,


por conseguinte, constituindo o fato jurídico tributário e a
correspondente obrigação.
A aplicação da norma geral e abstrata pode ser realizada
pelo contribuinte ou por autoridade administrativa. Na pri-
meira hipótese, tem-se o impropriamente denominado lança-
mento por homologação, em que o particular emite a norma
individual e concreta, constituindo, ele próprio, sua obrigação
tributária, dispensando, portanto, abertura de processo admi-
nistrativo para fins de legitimação da exigência600. Por outro
lado, quando a obrigação tributária é constituída por ato ad-
ministrativo, está-se diante do lançamento tributário, referido
pelo art. 142 do CTN. Como ato unilateral que é, exige abertu-
ra de oportunidade para o contribuinte impugná-lo, oportuni-
zando-se o contraditório e a ampla defesa, inerentes ao devi-
do processo legal. Formalizada a resistência do administrado
à pretensão fiscal, tem início o processo administrativo.
Não se pode confundir, porém, processo com procedimen-
to administrativo tributário. Este tem por finalidade preparar
o ato de lançamento, mediante o qual se formaliza a pretensão
tributária. Aquele, por sua vez, surge após realizado o ato de
lançamento, caso impugnado pelo contribuinte. Ambos, pro-
cedimento e processo, objetivam, cada qual com seu peculiar
regime jurídico, aplicar as normas tributárias gerais e abs-
tratas, seguindo em direção à individualidade e concretude
normativa.

8.1.1 Distinção entre procedimento e processo: a figura


do processo administrativo tributário

A análise do ciclo de positivação na esfera administrativa


tributária revela a existência de dualidade terminológica: pro-
cedimento/processo. Mas que é processo? Qual sua distinção

600. Isso não impede o pedido de revisão do ato produzido pelo contribuinte.

340
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

relativamente ao procedimento? Na esfera administrativa po-


demos falar em processo?
Na lição de Paulo Cesar Conrado601, a ideia de processo
está relacionada com o fato jurídico conflito. O procedimento,
por sua vez, nada tem de litigioso. Consiste na forma de orga-
nização lógica e cronológica de determinados atos, necessária
à consecução de outro ato, caracterizador do objetivo último
do aplicador do direito. O que identifica o processo, já afirma-
va Hely Lopes Meirelles602, “é o ordenamento de atos para a
solução de uma controvérsia; o que tipifica o procedimento
de um processo é o modo específico do ordenamento desses
atos”. Perfeitamente possível, portanto, procedimento sem
processo (v.g., procedimento preparatório do ato de aplicação
da norma tributária), conquanto não haja processo sem proce-
dimento que oriente o rito a ser traçado.
Firmadas essas premissas, concluímos tratar-se de pro-
cedimento o caminho perseguido para a realização do ato de
lançamento ou de aplicação de penalidade, configurando pro-
cesso, por sua vez, a composição administrativa dos conflitos
fiscais. Enquanto o procedimento administrativo tributário é
marcadamente fiscalizatório e apuratório, visando a preparar
o ato constituidor da obrigação tributária ou da sanção pelo
descumprimento desta ou de deveres instrumentais, a figu-
ra do processo administrativo fiscal só aparece em momento
posterior ao nascimento do crédito tributário, mediante re-
sistência do contribuinte à pretensão do Fisco. E o veículo de
linguagem capaz de fixar juridicamente referido conflito é a
impugnação do lançamento ou do ato de aplicação da penali-
dade, tempestivamente apresentada.
Em que pese à propriedade da distinção realizada, ain-
da se discute sobre a possibilidade de denominar processo o
conjunto de atos destinados a obter decisão administrativa

601. Processo tributário, p. 70-73.


602. Direito administrativo brasileiro, p. 590.

341
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

que solucione conflito instalado entre o particular e a Admi-


nistração. Tal orientação fundamenta-se (i) na tripartição dos
poderes, de modo que apenas ao Judiciário competiria pra-
ticar atos jurisdicionais, e (ii) na concepção de que o efeito
imutável, inerente à coisa julgada, seria requisito do exercício
jurisdicional603. Daí por que conclui José Frederico Marques604
que “só por antonomásia fala-se em processo administrativo
para a designação de procedimentos formados em repartições
públicas, no tocante a atividades diversas que ali realizam ór-
gãos da Administração”. Em tais casos, entende aquele juris-
ta, existiria apenas procedimento administrativo.
Referidas objeções, a nosso ver, não se sustentam. Pri-
meiro, porque a despeito da divisão de funções entre os Pode-
res Legislativo, Executivo e Judiciário, em determinadas si-
tuações a estes é permitida a realização de atividades atípicas.
Como bem observa Celso Ribeiro Bastos605, os órgãos estatais
não desempenham apenas as funções que lhe são próprias,
executando, igualmente, funções que a priori são atribuídas a
outros órgãos. Além disso, o ato jurisdicional tem abrangência
mais ampla do que a referida acima. O vocábulo jurisdição,
conquanto tenha sua origem na expressão latina juris dictio,
que significa dizer o direito, é empregado em acepção mais
larga, envolvendo não apenas o dizer o direito, mas também
a realização e a proteção do direito606. Nessa esteira, pode-
mos afirmar que jurisdição consiste no dever estatal que ob-
jetiva a composição de conflitos. Até mesmo José Frederico
Marques607, que nega a condição de processo ao conjunto de
atos realizados com o fito de solucionar conflitos no âmbito

603. Enrico Allorio, Diritto processuale tributario, p. 52-53.


604. Manual de direito processual civil, v. 1, p. 10.
605. Curso de direito constitucional, p. 301.
606. A realização do direito e sua proteção são verificadas apenas na esfera judicial,
encontrando correspondência, segundo Paulo Cesar Conrado, nos processos de
execução e cautelar [Tutela jurisdicional diferençada [cautelar e satisfativa] em ma-
téria tributária, in Processo tributário analítico, p. 123).
607. Manual de direito processual civil, v. 1, p. 2.

342
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

administrativo, define jurisdição como a atividade ou função


que o Estado exerce para compor situação intersubjetiva liti-
giosa, mediante aplicação do direito objetivo, atividade esta
que está afeta, de modo preponderante, aos órgãos do Poder
Judiciário. Há preponderância, mas não exclusividade do
exercício jurisdicional por parte do Judiciário. Jurisdição é
monopólio do Estado, não do Judiciário. Perfeitamente possí-
vel, portanto, falar em processo administrativo608.
Semelhante é o posicionamento de Lúcia Valle Figueire-
do609, que, construindo um elucidativo quadro sinótico, conclui
estar-se diante de processo administrativo em sentido estrito
quando presente o caráter litigioso. Enquanto o termo proce-
dimento seria empregado para designar a forma específica de
desenvolver função administrativa, judicial e legislativa ou,
em uma segunda acepção, a sequência de atos administrati-
vos, o vocábulo processo é inerente à situação conflituosa. Por
isso, quando a Administração realiza o controle de legalidade
de seus atos por iniciativa própria, não há que falar em pro-
cesso. Este surge apenas se o particular contrapuser-se ao ato
administrativo, solicitando sua revisão610.

608. Inexiste hierarquia entre as linguagens da decisão judicial e da decisão adminis-


trativa. O que se tem é controlabilidade desta por aquela, de modo que o ponto
distintivo entre ambas reside na esgotabilidade da revisão judicial, em virtude da figu-
ra da coisa julgada. Contrapondo-se à concepção que toma a decisão administrativa
como ato jurisdicional, José Souto Maior Borges assevera: “Mesmo os atos emanados
de órgãos da administração em sede contenciosa não são atos jurisdicionais porque,
embora emitidos para solver um contraditório, são provimentos unilaterais de autori-
dade” [Tratado de direito tributário brasileiro, v. 4, p. 119. Ocorre que tais autoridades,
além de portadoras de específica função julgadora, não estão autorizadas a julgar de
forma parcial, como se fossem, elas próprias, integrantes da contenda. Hão de pautar-
-se, necessariamente, nos fatos constantes dos autos e nas normas jurídicas aplicáveis,
sofrendo a influência de suas vivências e valores inerentes a todo ato decisório.
609. Curso de direito administrativo, p. 424.
610. A importância de tal distinção reside na aplicabilidade, aos processos adminis-
trativos, dos princípios norteadores do desenvolvimento processual, tais como o de-
vido processo legal, ampla defesa, contraditório, direito à produção probatória, ga-
rantia do duplo grau de jurisdição e efeito vinculante para a Administração
relativamente às decisões finais proferidas.

343
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

8.2 Definição do conceito de lançamento tributário

O Código Tributário Nacional estabelece, em seu art. 142,


caput, que:

Compete privativamente à autoridade administrativa constituir


o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o proce-
dimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato
gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria
tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o
sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade
cabível.

Essa atividade, nos termos do parágrafo único, é vincula-


da e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.
Segundo Alberto Xavier611, poder-se-ia pensar que, exis-
tindo definição legal expressa, estaria, desde logo, resolvida a
questão preliminar da fixação do conceito do instituto que nos
ocupa. Não é, porém, desse modo, tendo em vista que o art.
142 do CTN apresenta diversas imprecisões, gerando dúvidas
e controvérsias a respeito do assunto.
Referido dispositivo faz menção a um procedimento ad-
ministrativo, enfatizando o caráter dinâmico, procedimental
da atividade de aplicação das normas jurídicas tributárias.
Entretanto, essa alusão ao prisma da dinamicidade do direi-
to tributário leva à ambiguidade na definição de lançamento:
trata-se do procedimento ou do ato jurídico-administrativo
conclusivo daquele procedimento? Colabora para essa inde-
terminação, também, o indicativo de suas fases de desenvolvi-
mento, consistentes em verificar a ocorrência do fato gerador,
determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo
devido e identificar o sujeito passivo, pois se trata de etapas
procedimentais, necessárias à operação lógica de subsunção,
que não se confundem com o ato, tomado como resultado do
procedimento.

611. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 23.

344
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Ademais, peca o art. 142 ao relacionar, como um dos objetos


do lançamento, a propositura da aplicação de penalidade cabível.
Com tal estipulação, coloca no mesmo plano o ato de aplicação
da regra-matriz de incidência tributária e das normas sancio-
natórias pela ausência de pagamento do tributo e pelo descum-
primento de deveres instrumentais. Explica Estevão Horvath612
que, desse modo, têm-se englobados, sob um mesmo nome, dois
atos distintos e inconfundíveis: o ato de lançamento propriamen-
te dito e o ato de aplicação de sanção, normalmente denominado
auto de infração, os quais, embora geralmente plasmados num
mesmo documento, são realidades jurídicas diversas.
Em outros pontos, porém, aquele preceito do Código Tri-
butário Nacional dispõe de forma harmônica com o restante do
ordenamento: (i) prescreve ser o lançamento de competência
privativa da autoridade administrativa, evidenciando sua natu-
reza de ato administrativo; e (ii) alude ao caráter constitutivo
do crédito tributário. Para sintetizar, utilizamo-nos da definição
empregada por Paulo de Barros Carvalho613, que, a nosso ver, re-
flete com clareza e completude as características do lançamento:

Trata-se de ato jurídico administrativo, da categoria dos simples,


constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem
jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem
como antecedente o fato jurídico tributário e, como consequen-
te, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização
dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da pres-
tação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota,
bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais
em que o crédito há de ser exigido.

Tal enunciado definitório permite visualizar no lança-


mento o caráter de ato administrativo, como norma individual
e concreta, além dos critérios determinantes de seu conteúdo
significativo.

612. Lançamento tributário e “autolançamento”, p. 60.


613. Curso de direito tributário, p. 386.

345
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

8.2.1 A ambiguidade procedimento/produto

A locução lançamento tributário costuma ser empregada


em duas acepções básicas: (i) indicando o procedimento, en-
tendido como execução de uma atividade com vistas a atingir
determinado objetivo; e (ii) significando o ato, resultado da-
quela atividade. Estamos, mais uma vez, diante de problema
semântico do tipo “processo/produto”, como perspicazmente
identificou Paulo de Barros Carvalho614.
Tal ambiguidade decorre da dualidade significativa que
atinge todas as ações. Tomada como conjunto de movimentos,
a ação apresenta-se, simultaneamente, como procedimento e
resultado. Explica Gregorio Robles615 que a ação concreta é o
resultado de um processo de interpretação, exemplificando:
“Como sabemos que a testemunha, ao levantar a mão, está
prestando juramento, e não saudando uma pessoa do públi-
co? Obviamente, porque sabemos que esse movimento con-
creto nessa situação concreta significa prestar juramento, e
não saudar um amigo”. O autor denomina ação genérica a
esse conhecimento dos movimentos necessários para atingir
um determinado fim, chamando de ação concreta o significa-
do veiculado com a efetiva realização daqueles movimentos.
O modelo genérico de ação se expressa na forma de um proce-
dimento, também genérico [previsão abstrata], assim como a
ação concreta é materializada em razão de um procedimento
igualmente concreto [efetivamente realizado].
O procedimento genérico nada mais é que uma regra
que estabelece o que um sujeito tem de fazer para realizar
uma ação. As receitas culinárias são típicos exemplos de re-
gras procedimentais genéricas, indicando os passos a serem
seguidos para se preparar os pratos. Assim é que, se desejo
fazer um bolo, preciso atender a um conjunto de operações

614. Curso de direito tributário, p. 377.


615. Teoria del derecho: fundamentos de teoria comunicacional del derecho, p. 231
[tradução nossa].

346
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

básicas, sem as quais o bolo não se formará. A norma de


procedimento, sustenta Gregorio Robles616, estabelece a
ação genérica, uma espécie de modelo, de modo que a ação
concreta não constitui senão a atuação de um sujeito deter-
minado em uma situação também determinada, previstos
na ação genérica.
A ação concreta, por sua vez, pode ser observada sob duas
perspectivas: (i) uma estática, em que se toma a ação como
um produto acabado, expresso, comumente, pelo emprego de
substantivos [ex.: a saudação, o juramento, a decisão]; e (ii)
outra dinâmica, considerado o curso do seu processamento,
sendo referida, geralmente, por meio de um verbo [ex.: sau-
dar, jurar, decidir]. Ambas as visões coexistem, sendo uma o
resultado da outra: o conceito estático exige o dinâmico; o ato
decorre da ação; a ação concreta pressupõe o procedimento
concreto. Nesse sentido, já manifestava Manoel de Oliveira
Franco Sobrinho617, asseverando que todos os atos adminis-
trativos são metas que não se podem alcançar senão por de-
terminados caminhos. E esses caminhos são exatamente os
procedimentos administrativos.
Todas essas categorias conceituais aplicam-se, integral-
mente, à figura do lançamento tributário, auxiliando-nos na
sua compreensão. A norma geral e abstrata que determina
a sequência de atos a serem desenvolvidos pela autoridade
administrativa no curso da fiscalização identifica-se com ação
genérica ou procedimento genérico do lançamento618. A concre-
tização da atividade nela prevista corresponde à ação concreta
observada pela perspectiva dinâmica, isto é, ao procedimento
concreto do lançamento [ato de enunciação, cujas marcas são
deixadas na enunciação-enunciada]. Por fim, o ato surgido em

616. Ibidem, p. 237.


617. A prova administrativa, p. 17.
618. Essa acepção foi bem identificada por Eurico Marcos Diniz de Santi, ao referir-
-se à “solenidade jurídica prevista para o agente competente constituir o suporte
fático do fato jurídico suficiente, para edição do ato-norma de lançamento tributá-
rio” [Lançamento tributário, p. 161].

347
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

razão do procedimento concreto, consistente na constituição


do fato jurídico tributário e do correspondente vínculo obriga-
cional, caracteriza a ação concreta estática, denominada ato
de lançamento tributário [enunciado].
Não obstante todas essas significações estejam em perfei-
ta correspondência com a locução lançamento tributário, cada
qual considerando uma perspectiva daquela realidade jurídi-
ca, optamos por empregá-la para designar o ato, ação concre-
ta estática, por consistir no enunciado normativo mediante o
qual se realiza a incidência tributária, fazendo nascer o fato
jurídico e a obrigação de pagar tributo. É em relação a ele que
se faz o controle de legalidade, implementado mediante pro-
cesso administrativo tributário.

8.2.2 Lançamento tributário e auto de infração

Necessário se faz, nesta oportunidade, estabelecer a dis-


tinção e o relacionamento entre lançamento tributário e auto
de infração.
Assim como o vocábulo lançamento, a expressão auto de
infração é polissêmica, significando (i) norma jurídica geral
e concreta, veículo introdutor de outras normas, de caráter
individual e concreto, impositivas de sanções em decorrên-
cia de infrações administrativas tributárias e, muitas vezes,
constituidoras da obrigação tributária619; (ii) norma individual
e concreta, cujo antecedente constitui o fato de uma infração,
sendo o consequente veiculador da relação jurídica sancio-
natória correspondente620; e (iii) documento que figura como
plano de expressão daqueles conteúdos normativos. Interes-
sa-nos a terceira das referidas acepções, razão pela qual a to-
maremos, com Eurico Marcos Diniz de Santi621 e José Artur

619. Renata Rocha Guerra, Auto de infração tributário: produção e estrutura, p. 41.
620. Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidên-
cia, p. 233.
621. Lançamento tributário, p. 196.

348
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Lima Gonçalves622, como o suporte físico de um ou mais atos


administrativos. É o auto de infração em sentido lato, denomi-
nação atribuída por Paulo de Barros Carvalho623 para denotar
a peça portadora de dois atos administrativos diversos: (i) um
concernente à constituição da obrigação tributária (lança-
mento); e (ii) outro relativo à aplicação de penalidade a quem
cometeu ilícito tributário.
Isso não significa, contudo, idêntica natureza jurídica des-
sas duas espécies de atos administrativos. A distinção entre
ambos se opera pelo exame do suposto normativo: enquanto
o antecedente da norma individual e concreta do lançamento
consiste na descrição de fato lícito, nos termos do art. 3º do
CTN, a aplicação de penalidade decorre da prática de ilícito,
consistente no descumprimento de obrigação tributária ou de
dever instrumental [auto de infração stricto sensu].
Nos dizeres de Alberto Xavier624, “O lançamento apli-
ca a norma tributária material, em cuja hipótese se integra
um fato tributário e cujo mandamento se traduz na criação
de uma obrigação tributária; ao invés, o ato de aplicação de
uma pena fiscal concretiza a norma penal tributária, em cuja
hipótese se integra um fato punível, constituído por uma in-
fração à lei fiscal e cujo mandamento se traduz na sanção
correspondente”.
Lançamento e ato de aplicação de penalidade tributá-
ria diferenciam-se em razão de seus conteúdos semânticos,
mas apresentam organização sintática semelhante. Ambos,
na qualidade de atos administrativos, exigem a presença de
pressupostos e elementos para sua constituição, dentre eles, a
motivação por meio da linguagem das provas, como discorre-
remos no subitem 8.3.1.1, subsequente.

622. Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais, p. 101.


623. Ibidem, p. 235.
624. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 58.

349
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

8.3 Ato administrativo

Tomado o direito positivo como o conjunto de normas


jurídicas válidas em determinado país, todos os seus compo-
nentes hão de ser, necessariamente, normas jurídicas, ainda
que em sentido amplo. Conquanto alguns enunciados não
apresentem forma hipotético-condicional, caracterizando
normas em sentido estrito, a circunstância de integrarem o
sistema do direito confere-lhes função linguística prescriti-
va, permitindo identificá-los como normas em sentido amplo:
enunciados normativos que, conjugados a outros enunciados
de semelhante natureza, prestam-se à construção normativa
stricto sensu. Disso decorre que os fatos, institutos e atos ju-
rídicos nada mais são que denominações atribuídas a regras
de direito.
O ato administrativo não dista de tais considerações, ten-
do Lúcia Valle Figueiredo625 definindo-o, inclusive, como:

A norma concreta, emanada pelo Estado, ou por quem no exercício


da função administrativa, que tem por finalidade criar, modificar,
extinguir ou declarar relações jurídicas entre este [o Estado] e o
administrado, suscetível de ser contrastada pelo Poder Judiciário.

Esse ato, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello626, re-


veste-se de características peculiares, que objetivam, simulta-
neamente, conferir garantia aos administrados e prerrogativas
à Administração. Relativamente à garantia dos administra-
dos, são identificados os seguintes atributos: (i) ausência de
autonomia da vontade: todo comportamento do Poder Públi-
co deve visar à finalidade prevista em lei, sem interferência de
eventuais desejos do agente competente para praticar o ato
administrativo [decorre do princípio da estrita legalidade]; (ii)
busca do interesse público: o fim legal a ser atingido por meio
do ato administrativo é o interesse de toda a coletividade e

625. Curso de direito administrativo, p.162.


626. Ato administrativo e direitos dos administrados, p. 20.

350
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

não do órgão estatal, isoladamente considerado; (iii) tipicida-


de: o interesse público objetivado pelo ato administrativo é
aquele previsto em lei, sendo vedada à autoridade adminis-
trativa qualquer prática que não esteja legalmente autorizada
ou que extrapole a prescrição legal; e (iv) formalismo: o ato
administrativo, além de ser praticado com estrita observância
ao prescrito em lei, deve atender a requisitos que possibilitem
ao administrado o conhecimento de seu conteúdo e motivos
determinantes de sua prática.
Por outro lado, implementando as prerrogativas da União,
os atos administrativos têm por qualificativos: (i) imperativi-
dade: possibilidade de constituir, unilateralmente, obrigações
a terceiros627; (ii) presunção de legitimidade: presunção juris
tantum de validade, da qual decorre que o ato seja conside-
rado regularmente praticado, até que outra linguagem jurí-
dico-prescritiva determine o contrário, invalidando-o; e (iii)
exigibilidade: poder de cobrar do administrado a observação
da prescrição introduzida no ordenamento pelo ato adminis-
trativo. Não se confunda, todavia, exigibilidade com autoexe-
cutoriedade. Esta, diferentemente da exigibilidade, implica a
possibilidade de a Administração, com seus próprios recur-
sos, impor o cumprimento do comando veiculado pelo ato ad-
ministrativo. Trata-se de característica que não é verificada
no lançamento e no ato de aplicação de penalidade tributária,
sendo imprescindível a intervenção do Poder Judiciário para
proceder à execução da pretensão impositiva.

627. Paulo de Barros Carvalho manifesta posicionamento contrário à atribuição de


imperatividade ao lançamento tributário, por entender que a Administração não
pode atender a deliberações de sua vontade, sendo-lhe vedado gravar a conduta do
administrado quando bem lhe aprouver [Curso de direito tributário, p. 408]. Se, po-
rém, considerarmos que essa constituição unilateral de obrigações opera-se sempre
com fundamento em lei, não vemos por que negar ao lançamento tal qualificativo.

351
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

8.3.1 Estrutura do ato administrativo: pressupostos e


elementos

Todo ato administrativo apresenta aspectos internos à sua


estrutura e outros externos, que antecedem sua formação. Não
há, na doutrina, consenso quanto à terminologia empregada
para se referir a eles, nem quanto ao número de aspectos veri-
ficados, visto que será identificada maior ou menor quantidade
conforme o grau de analiticidade desenvolvido pelo jurista.
Para se reportar aos mencionados aspectos, há autores,
como Odete Medauar628 e Maria Sylvia Zanella Di Pietro629, que
utilizam o termo elementos. Tal denominação, entretanto, não
permite entrever nitidamente a distinção entre o aspecto que
precede o ato administrativo e aquele que o integra. Pelo pris-
ma lógico, não há como admitir, por exemplo, que o motivo figu-
re como elemento do ato administrativo, tendo em vista que o
antecede. Apenas a motivação, por integrar referido ato, carac-
terizaria o elemento propriamente dito. Por isso, optamos por
denominar elementos os aspectos internos à estrutura do ato
administrativo, enquanto os exteriores, requisitos extrínsecos
que antecedem à sua formação, chamamos de pressupostos630.
Tomado o ato administrativo como norma individual e concreta,
os elementos são identificados a partir do exame dessa pro-
posição prescritiva introduzida [enunciado], ao passo que os
pressupostos, como componentes da enunciação normativa,
deixam suas marcas na enunciação-enunciada631.

628. Direito administrativo moderno, p. 159.


629. Direito administrativo, p. 168.
630. A distinção entre elementos e pressupostos do ato administrativo é realizada
com mestria por Celso Antônio Bandeira de Mello [Curso de direito administrativo,
p. 358]. Também Lúcia Valle Figueiredo confere denominação diferenciada aos as-
pectos internos e externos do ato, empregando o termo elementos para o primeiro e
requisitos extrínsecos para o segundo [Curso de direito administrativo, p. 187].
631. Enunciação consiste no ato de fala produtor da norma jurídica [evento], sendo
a enunciação-enunciada seu relato em linguagem [fato], localizado no antecedente
da norma geral e concreta [veículo introdutor].

352
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Como requisitos intrínsecos, são elementos do ato admi-


nistrativo a (i) forma, (ii) motivação e (iii) conteúdo, enquanto
os pressupostos consistem na (i) competência, (ii) motivo, (iii)
formalidades procedimentais, (iv) finalidade e (v) causa, as-
sim definidos632:
Pressupostos:
(i) competência: diz respeito ao sujeito produtor do ato,
devendo ser agente público investido de poderes para fazê-lo;
(ii) motivo: acontecimento no mundo fenomênico que
exige ou possibilita a prática do ato633, figurando como suporte
fático da motivação;
(iii) formalidades procedimentais: rito a ser observado
pelo sujeito produtor do ato. Sobre esse ponto, é relevante con-
signar que a enunciação-enunciada revela alguns aspectos do
ato de enunciação, mas, para verificar se foram cumpridos os
requisitos procedimentais previstos em lei, necessário se faz
proceder ao exame das provas. Por essa razão, esclarece Tá-
rek Moysés Moussallem634, para certificar se houve observân-
cia ao procedimento legalmente prescrito “deverá o estudioso
agrupar provas de sua realização em conformidade [ou não]
com o direito positivo. Assim, deverá analisar os debates do
Congresso Nacional, os autos do processo judicial, o procedi-
mento fiscal adotado para confeccionar o auto de infração etc.”;

632. Eurico Marcos Diniz de Santi refere-se à publicidade como um dos pressupos-
tos do ato administrativo, por considerar ser ela que confere comunicação a esse
ato, permitindo que se torne intersubjetivo, dando ensejo à possibilidade do contra-
ditório administrativo [Processo administrativo. Mesa de debates “E”, Revista de
Direito Tributário n. 91, p. 128]. Não temos dúvida de que sem publicidade não se
tem ato administrativo regularmente constituído, mas, como anotamos, a quantida-
de de pressupostos identificados depende da analiticidade do exame realizado pelo
intérprete, de modo que deixamos de considerar esse requisito extrínseco como
algo autônomo, optando por compreendê-lo inserido no âmbito das formalidades
procedimentais.
633. Estevão Horvath, Lançamento tributário e “autolançamento”, p. 44-45.
634. Fontes do direito tributário, p. 80.

353
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

(iv) finalidade: objetivo pretendido com a prática do ex-


pediente administrativo;
(v) causa: conexão entre o motivo do ato, motivação e
conteúdo. Para Eurico Marcos Diniz de Santi635, a causa não
seria elemento nem pressuposto do ato, mas o vínculo impli-
cacional que une antecedente e consequente [nexo de causa-
lidade intranormativa]. Considerada, porém, a causa como a
relação que se estabelece entre o motivo, sua constituição em
linguagem a partir das provas apresentadas e o conteúdo, é
perfeitamente possível indicá-la como um dos pressupostos
do ato administrativo, por se tratar de requisito externo ao
ato, imprescindível à sua regular constituição636.
Elementos:
(i) forma: modo pelo qual o ato se revela [suporte físico,
em que se veicula linguagem escrita];
(ii) motivação: descrição dos motivos de fato que ense-
jaram a produção do ato [antecedente da norma individual e
concreta];
(iii) conteúdo: prescrição normativa constante do ato
[consequente da norma individual e concreta], que, nos dizeres
de Celso Antônio Bandeira de Mello637, encerra a “própria al-
teração na ordem jurídica produzida pelo ato”, abrangendo
os sujeitos ativo e passivo da relação jurídica, bem como seu
objeto.

8.3.1.1 Motivo, motivação e a linguagem das provas

Todos os elementos e pressupostos que menciona-


mos são essenciais à existência e regular produção dos atos

635. Lançamento tributário, p. 100-104.


636. Sustenta Cláudia Magalhães Guerra que a identificação da causa como pressu-
posto do ato administrativo é fundamental para a realização de seu controle de le-
galidade [Lançamento tributário e sua invalidação, p. 79].
637. Ato administrativo e direito dos administrados, p. 37.

354
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

administrativos, dentre eles o lançamento e o ato de aplicação


de penalidade pela prática de ilícito tributário. Para fins do pre-
sente estudo, porém, efetuamos corte metodológico que permi-
te identificar a relação entre tais atos e a linguagem das provas,
necessária à constituição do fato jurídico e do ilícito tributário.
Voltaremos nossa atenção, portanto, ao motivo e à motivação.
Enquanto o motivo é pressuposto fático do ato, represen-
tado pela “ocorrência da vida real que satisfaz a todos os cri-
térios identificadores tipificados na hipótese tributária”638, a
motivação compõe o próprio ato administrativo, consistindo na
descrição do motivo do ato, situada no antecedente da norma
individual e concreta. Tratando-se de ato de lançamento, o mo-
tivo é o evento tributário, ao passo que a motivação constitui
o fato jurídico correspondente. O mesmo se verifica no ato de
aplicação de penalidade: o motivo é o evento ilícito, sendo o fato
da ilicitude introduzido no universo jurídico pela motivação.
Só haverá motivo se houver motivação, posto ser a lingua-
gem normativa que constitui o fato jurídico, desencadeador do
liame obrigacional. Um evento qualquer, se não relatado na
forma prevista pelo ordenamento, é juridicamente irrelevan-
te, não se podendo falar em ato, nem em motivo deste. Nesse
sentido, leciona Eurico Marcos Diniz de Santi639:

Não é o motivo do ato sozinho o fato jurídico criador do ato-


norma administrativo, nem é o motivo do ato o suposto normativo
do ato-norma. O motivo do ato é pressuposto fáctico e, por tratar-
-se de fato, não pode compor estrutura normativa proposicional.
O que ingressa na estrutura normativa do ato-norma é a sua des-
crição: a enunciação linguística do motivo do ato.

Para que a motivação se aperfeiçoe, entretanto, não bas-


ta o relato do motivo. Requer algo mais que um simples enun-
ciado que se subsuma à hipótese normativa. É necessário
que sua enunciação seja efetuada com fundamento em outra

638. Eurico Marcos Diniz de Santi, Lançamento tributário, p. 165.


639. Ibidem, p. 109.

355
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

linguagem: a linguagem das provas. Por isso, sustenta Paulo de


Barros Carvalho640 ser imprescindível que o pressuposto de fato
da incidência seja relatado “de maneira transparente e crista-
lina, revestido com os meios de prova admissíveis nesse setor
do direito, para que possa prevalecer surtindo os efeitos de es-
tilo, quais sejam os de constituir o vínculo obrigacional, atre-
lando o particular ao Fisco, em termos da satisfação do objeto
prestacional”.
Tendo em vista que a realidade-em-si-mesma é inacessível,
visto que se consome no limite espaço-temporal de sua realiza-
ção, é a partir das provas apresentadas pelo sujeito cognoscente
que se opera a (re)construção dos acontecimentos. Um evento só
passa a ser fato jurídico, susceptível de ser tomado como pressu-
posto [motivo] do ato administrativo de lançamento ou de aplica-
ção de penalidade tributária, se houver provas de sua ocorrência,
constituídas segundo as regras prescritas pelo sistema do direito.

8.4 As provas como meio de atingir a verdade lógica:


sua importância no âmbito da imposição tributária

Discorrer sobre a prova no procedimento e no proces-


so administrativo tributário implica seu exame no âmbito da
produção da norma individual e concreta, representada pelos
atos de lançamento, de aplicação de penalidade e de decisão
administrativa.
É certo que a obrigação tributária e seus consectários
dependem de prévia instituição em lei, mediante prescrição
geral e abstrata. Com a edição de norma, descrevendo hipote-
ticamente o fato cuja ocorrência desencadeia o nascimento do
vínculo obrigacional, tem-se instituído o tributo. Isso, porém,
não basta para o surgimento concreto daquele liame abstra-
tamente previsto. É preciso que se materialize o fato jurídico,
mediante relato no antecedente de uma norma individual e

640. A prova no procedimento administrativo tributário, Revista Dialética de Direi-


to Tributário n. 34, p. 108.

356
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

concreta, resultado da aplicação do direito.


Obviamente, a enunciação do fato jurídico posto no an-
tecedente da norma individual e concreta precisa realizar-se
em conformidade com as regras do sistema, observando for-
ma e conteúdos normativamente prescritos. Os princípios da
legalidade e da tipicidade na esfera da tributação, por exem-
plo, exigem que as relações obrigacionais e sancionatórias se-
jam desencadeadas apenas se efetivamente verificados os fa-
tos conotativamente descritos nas correspondentes hipóteses
normativas, razão pela qual se faz imprescindível que tanto
os atos de lançamento e de aplicação de penalidades como
as decisões proferidas no curso de processos administrativos
tributários sejam pautados em provas.
É mediante a linguagem das provas que se alcança a ver-
dade lógica, à qual nos referimos no capítulo 1, pois, “para que
o fato jurídico tributário seja considerado verdadeiro para o
direito, não se requer a certeza de que o relato corresponda
fielmente ao evento, mas a certeza de que o enunciado descri-
tivo foi elaborado de acordo com as regras do sistema, subme-
teu-se às provas e resistiu à refutação”641. Apenas se presentes
as provas em direito admitidas, ter-se-á por ocorrido o fato
jurídico ou o ilícito tributário, posto que, como assevera Euri-
co Marcos Diniz de Santi642, “fato jurídico é fato juridicamente
provado”.
Consciente da imprescindibilidade de o fato constituí-
do pautar-se em provas, o legislador federal dispôs, expres-
samente, sobre sua necessidade por ocasião da lavratura de
exigência fiscal, prescrevendo no art. 9º, caput, do Decreto
70.235/72, que:

A exigência do crédito tributário e a aplicação de penalidade iso-


lada serão formalizados em autos de infração ou notificações de
lançamento, distintos para cada tributo ou penalidade, os quais

641. Maria Rita Ferragut, Presunções no direito tributário, p. 43.


642. Decadência e prescrição no direito tributário, p. 43.

357
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

deverão estar instruídos com todos os termos, depoimentos, lau-


dos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação
do ilícito643.

Referido dispositivo explicita a necessidade de demons-


tração das razões que levaram à lavratura do lançamento ou
à autuação fiscal, mediante a descrição dos fatos alegados e
apresentação dos enunciados probatórios correspondentes,
como manifestado pelo então Conselho de Contribuintes,
atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais no julga-
do abaixo:

IRPJ – FALTA DE CARACTERIZAÇÃO DA INFRAÇÃO. Em


respeito à legalidade, verdade material e segurança jurídica não
pode subsistir lançamento de crédito tributário quando não es-
tiver devidamente demonstrada e provada a efetiva subsunção
da realidade factual à hipótese descrita na lei como infração à
legislação tributária.
ÔNUS DA PROVA. Na relação jurídico-tributária, o ônus pro-
bandi incumbit ei qui dicit. Compete ao Fisco, ab initio, inves-
tigar, diligenciar, demonstrar e provar a ocorrência, ou não, do
fato jurídico tributário ou da prática de infração praticada no
sentido de realizar a legalidade, o devido processo legal, a ver-
dade material, o contraditório e a ampla defesa. O sujeito passivo
somente poderá ser compelido a produzir provas em contrário
quando puder ter pleno conhecimento da infração com vistas a
elidir a respectiva imputação”644.

As legislações que disciplinam o processo administrativo


tributário indicam o momento da realização do ato constitui-
dor do crédito como o apropriado para a apresentação das
provas pela Administração, de modo que, esclarecem Marcos
Vinicius Neder e Maria Teresa Martínez López645, “não cabe
à autoridade fiscal, após a interposição da impugnação pelo

643. Destaques nossos. Semelhante é o caminho trilhado pelo legislador estadual de


São Paulo, que, no art. 19 da Lei 13.457/2009, prescreve que “as provas deverão ser
apresentadas juntamente com o auto de infração”.
644. Ac. 103-20.594, Rel. Cons. Mary Elbe Gomes Queiroz, j. 22.05.2001.
645. Processo administrativo fiscal federal comentado, p. 126.

358
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

contribuinte, suprir deficiências probatórias do lançamento


com a apresentação de novos elementos”. Quando, portanto,
o art. 10 do Decreto 70.235/72 aponta a descrição do fato [inciso
III] como item de constância obrigatória no auto de infração,
deve-se entender, por ordem de interpretação sistemática,
que a atitude descritiva há de concretizar-se com fundamento
nas provas produzidas no curso da fiscalização.

8.4.1 Consequência da falta de prova no lançamento ou


no ato de aplicação de penalidade

Na hipótese de ser expedido ato de lançamento ou de


aplicação de penalidade sem que os fatos jurídicos relatados
encontrem suporte na linguagem das provas, referido ato es-
tará maculado na motivação, um dos elementos intrínsecos ao
ato administrativo.
A ausência de prova é, manifestamente, um vício que afe-
ta o ato administrativo tributário. Mas quais os efeitos dessa
problemática? Trata-se de nulidade formal ou material? Pro-
blemas concernentes à ausência de prova são convalidáveis?
O assunto é extremamente complexo e repleto de divergên-
cias, especialmente no que concerne à possibilidade de con-
validação do ato maculado.
Comecemos por reiterar a imprescindibilidade de ade-
quação do ato de lançamento ou de aplicação de penalida-
de com a lei tributária que prescreve sua prática. Caso não
ocorra completa subsunção entre ambos, teremos ato admi-
nistrativo defeituoso, susceptível de ser invalidado646. Surge,
então, a problemática relativa à convalidação, entendida esta,
segundo Celso Antônio Bandeira de Mello647, como “o supri-
mento da invalidade de um ato com efeitos retroativos”, ou,

646. Esclarece Estevão Horvath que, “colocado no mundo jurídico, o lançamento


será sempre válido, podendo apenas ser anulado”, tendo em vista a presunção de
legitimidade que o atinge (Lançamento tributário e “autolançamento”, p. 64).
647. Curso de direito administrativo, p. 433.

359
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

como sustenta Carlos Ari Sundfeld648, a prática de um novo


ato que tem por finalidade reconhecer a invalidade de um ato
passado e herdar os efeitos que historicamente este produzi-
ra, fazendo-os efeitos seus, salvando-os do desfazimento.
Não existe consenso quanto ao critério determinante da
possibilidade ou não de convalidação do ato administrativo
defeituoso649. Dentre as várias correntes doutrinárias, opta-
mos por adotar aquela que pauta o caráter convalidável do
ato conforme a espécie de vício que o atinja. A escolha desse
método decorre de sua intrínseca relação e compatibilidade
com os pressupostos e elementos do ato administrativo, além
de conferir critério seguro e fundado nas regras do direito
positivo. Com base nessa premissa, concluímos que, havendo
defeito de ordem formal, atingindo um dos pressupostos do
ato, este se mostra perfeitamente convalidável. Mas, sendo o
vício verificado em um dos elementos do ato, caracterizando
problema de ordem material, inadmissível sua convalidação.
Os erros formais dizem respeito ao procedimento de elabo-
ração do ato administrativo, acarretando defeito na enunciação-
enunciada, isto é, na proposição que relata aspectos inerentes
ao sujeito produtor, tempo, local e modo de emissão da norma
individual e concreta. Os erros materiais, por sua vez, são verifi-
cados no próprio enunciado introduzido no ordenamento, sendo
internos à norma individual e concreta. No primeiro caso, sendo
o problema decorrente da aplicação do direito formal, pode ele
ser objeto de saneamento, no modo e tempo em que a legisla-
ção estabelecer. Na segunda hipótese, porém, os efeitos do ví-
cio são diversos, pois, tratando-se de erro que atinge um dos

648. Ato administrativo inválido, p. 51.


649. Celso Antônio Bandeira de Mello [Curso de direito administrativo, p. 433] entende
ser convalidável o ato que possa ser produzido validamente no presente; Maria Syl-
via Zanella Di Pietro (Direito administrativo, p. 203-204) examina a possibilidade de
convalidação conforme o defeito atinja o sujeito, o objeto, a forma, o motivo ou a fi-
nalidade; para Odete Medauar [Direito administrativo moderno, p. 183], o ato admi-
nistrativo defeituoso é nulo, em princípio, podendo ser mantido no ordenamento
conforme a natureza do vício, e em razão do confronto entre o princípio da legalida-
de, segurança jurídica e outros preceitos que regem o ordenamento.

360
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

elementos intrínsecos à norma individual e concreta, como é


o caso da motivação, o ato será nulo e insusceptível de con-
validação. É o que esclarece Eurico Marcos Diniz de Santi650:

Cinge-se, entretanto, o legislador a limites ontológicos do pró-


prio direito, às regras deontológicas que regram sua estrutura
normativa: não se pode convalidar ato-norma administrativo em
que se verifique falta de qualquer dos elementos de sua estru-
tura. De outro lado, não é obstáculo à convalidação a existência
de vícios nos pressupostos de sua formação. A estes vícios, o le-
gislador pode estabelecer ou não o dever de invalidar; àqueles, a
invalidação é juridicamente necessária.

Do exposto decorre a conclusão de que, sendo o lança-


mento ou o ato administrativo de aplicação de penalidade
realizados sem respaldo em provas, estando, portanto, vicia-
dos na motivação, é imperativa sua retirada do ordenamen-
to jurídico pela autoridade competente. Ainda que depois de
instalado o processo administrativo tributário venham a ser
colacionadas provas capazes de constituir o fato jurídico ou o
ilícito tributário, tal procedimento não supre a invalidade que
afeta o ato, pois, como anotamos, trata-se de vício na estrutura
interna, de natureza não convalidável. A instrução, realizada
no corpo do processo instaurado por ocasião da impugnação
do contribuinte, volta-se tão somente ao convencimento do

650. Lançamento tributário, p. 115-116. Em outra obra, esse autor diferencia vício de
direito material, vício de fato material, vício de direito formal e vício de fato formal.
Conclui que os “erros de fato material referem-se à prova do fato gerador”. Proble-
mas de prova do fato jurídico tributário, portanto, são vícios de fato material. Relacio-
na a problemática da prova, ainda, a outros tipos de vícios: “Vício formal de direito:
diz respeito ao próprio exercício da competência administrativa, ou seja, problema de
ausência de fundamento na lei formal. Por exemplo, eu trago uma prova, só que a lei
administrativa não permite aquela prova; é prova sem fundamento em lei, sem fun-
damento da lei formal. Vício formal de fato: junta-se prova permitida pela lei formal
só que no decorrer do processo administrativo o julgador simplesmente não aprecia
aquela prova. [..] Tenho a prova lícita, permitida pela lei administrativa, trazida aos
autos, mas, por erro de apreciação ou interpretação da prova, não se considera a pro-
va na aplicação do direito. Tal vício causa nulidade formal”. É problema de valoração
da prova. “Vício material de fato: lavra-se auto de infração com todo fundamento le-
gal, mas falta prova do fato ou essa prova é insubsistente. Trata-se de ausência ou in-
subsistência de prova” [Processo administrativo. Mesa de debates “E”, Revista de Di-
reito Tributário n. 91, p. 129-130].

361
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

julgador sobre pontos contraditados pelo particular, não ser-


vindo para preencher eventual ausência de comprovação do
fato que serve de suporte à exigência ou autuação fiscal.

8.5 A produção de prova pela Administração

Como vimos no subitem 8.2.1, o ato de lançamento e o


de aplicação de penalidade pelo descumprimento de obriga-
ção tributária ou de deveres instrumentais são antecedidos
por procedimento preparatório. Não obstante o procedimen-
to possa consistir em (i) um conjunto ordenado de atos que
evoluem para a consecução de um ato específico, que é sua
finalidade, ou (ii) em simples atividade físico-material e in-
telectual para a produção de um ato jurídico administrativo,
a determinação do fato jurídico e do ilícito tributário exige
adoção da primeira modalidade.
Referindo-se especificamente ao lançamento tributário,
José Souto Maior Borges651 assevera consistir seu procedi-
mento nos “elementos do ordenamento jurídico total que re-
gulam o modo de produção” daquele ato. Eis o procedimento
genérico, que mencionamos no tópico 8.2.1, supra. Em con-
trapartida, para efetivar o ato pretendido, o caminho juri-
dicamente traçado há de ser materializado [procedimento
concreto]. A enunciação do fato jurídico, ilícito tributário e
correspondentes liames obrigacionais exige, portanto, uma
sequência de atos jurídicos tendentes a constituí-los, por
meio da linguagem das provas. Alberto Xavier652 é categórico
ao afirmar que a aplicação da norma tributária não se esgota
numa mera operação intelectual:

Precisamente porque na sua hipótese se tipificam situações da


vida qualificadas pelo recurso a elementos de vária natureza
e, mais concretamente, porque os seus aspectos quantitativos

651. Tratado de direito tributário brasileiro, v. 4, p. 106.


652. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p.
114.

362
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

oferecem particular dificuldade de determinação, a subsunção


do fato tributário na norma exige uma série gradual de opera-
ções intelectivas e de atos jurídicos, que sucessivamente vão sen-
do elaborados e praticados pelas autoridades a quem compete a
referida aplicação.

Por isso, necessária se faz a realização de um proce-


dimento, em que a Administração produz, dentre outros,
enunciados probatórios.
Nesse caso, haja vista a inexistência de litígio instaurado,
tem-se, apenas, procedimento, e não processo, na amplitude
referida neste trabalho. Logo, os princípios a ele aplicáveis
não se confundem com aqueles inerentes ao processo admi-
nistrativo tributário. Ambos, é certo, regem-se pelos prima-
dos da legalidade, do procedimento regular, da finalidade,
da motivação, da razoabilidade, da moralidade, do interesse
público, da eficiência e da segurança jurídica, uma vez que
aplicáveis à Administração como um todo, qualquer que seja
a modalidade de ato praticado653. Apenas no âmbito do pro-
cesso, entretanto, tem-se a garantia constitucional da ampla
defesa, visto que esta, nos termos da Carta Magna, aplica-se
“aos litigantes” ou “acusados em geral”. O procedimento ad-
ministrativo fiscalizador não representa materialização con-
flitiva, configurando sequência de atos unilaterais com vistas
a verificar a ocorrência ou não do fato jurídico ou do ilícito
tributário, inviabilizando, por conseguinte, questionamentos
e oposição por parte do contribuinte.
Não queremos, com tal assertiva, significar que a autori-
dade administrativa esteja autorizada a proceder a atos de fis-
calização sem oportunizar qualquer espécie de manifestação
por parte do administrado. Vale lembrar que ampla defesa e
contraditório são figuras distintas: (i) enquanto a ampla defe-
sa diz respeito à adequada resistência às pretensões adversá-
rias, com todos os meios e recursos a ela inerentes, (ii) o con-
traditório consiste no direito de ser ouvido. Em decorrência

653. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, p. 472.

363
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

do princípio da publicidade, todos os atos praticados durante


a ação fiscal devem ser acessíveis ao contribuinte, a quem,
não se conformando com o modo de sua realização, assiste o
exercício do direito de petição.

8.5.1 Dever e não ônus da prova

A produção de prova pela Administração, como vimos no


subitem 6.6.5 (capítulo 6), não caracteriza mero ônus, enten-
dido como encargo necessário para se atingir uma pretensão.
Mais que isso, configura um verdadeiro dever. Tendo em vista o
caráter vinculado do lançamento e do ato de aplicação de pena-
lidade tributária, é dever da autoridade administrativa certifi-
car-se da ocorrência ou não do fato jurídico desencadeador do
liame obrigacional, o que só é possível mediante linguagem
das provas. Nesse sentido, inclusive, é a determinação do art.
9º, caput, do Decreto 70.235/72, que ordena sejam a exigên-
cia do crédito tributário e a aplicação de penalidade instruí-
dos com os termos, depoimentos, laudos e demais elementos de
prova.
Ademais, sendo a motivação um elemento do ato admi-
nistrativo, este não subsiste sem aquela. Nos termos do art.
10, III, do Decreto 70.235/72, o auto de infração conterá, obri-
gatoriamente, a descrição do fato, relato linguístico este que,
no contexto em que se insere, não tem como advir sem as cor-
respectivas provas nas quais esteja pautado.
O atributo da presunção de legitimidade, inerente aos
atos administrativos, não dispensa a construção probatória
por parte do agente fiscal. Essa figura presuntiva é juris tan-
tum, significando a possibilidade de ser ilidida por prova que
a contrarie, o que reforça nosso posicionamento no sentido
de que os atos de lançamento e de aplicação de penalidade
dependem da cabal demonstração da ocorrência dos motivos
que os ensejaram.

364
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Convém anotar ainda que, mesmo tratando-se de hipóte-


se de tributação pautada em presunções legais, não se opera
inversão do ônus da prova, como se à autoridade administra-
tiva coubesse apenas lavrar a exigência fiscal, deixando a car-
go do contribuinte descaracterizá-la. Nesse caso, impõe-se a
comprovação do fato presuntivo, devendo o Fisco demonstrar
a ocorrência da situação que, nos termos da lei, enseja a rela-
ção implicacional que conduz ao fato presumido.

8.5.2 Limites ao emprego de presunções pela Adminis-


tração654

Apesar de caracterizarem importante instrumento de que


dispõe a Administração, auxiliando-a nas tarefas fiscalizatória
e arrecadatória, as presunções têm seu emprego delimita-
do por normas constitucionais que traçam os contornos da
competência tributária, além das que asseguram direitos aos
contribuintes.
Por tal razão, não encontram guarida em nosso ordena-
mento as presunções absolutas nem as chamadas presunções
mistas. As primeiras são obstadas pela rígida repartição cons-
titucional das competências para instituir tributos, bem como
pelos princípios da estrita legalidade tributária, da tipicidade
e da capacidade contributiva. Quanto às presunções mistas,
violam não apenas os primados da tipicidade e capacidade
contributiva, mas também o direito à ampla defesa, já que
restringem as provas possíveis de serem utilizadas para ilidir
o fato presumido.
As presunções susceptíveis de serem empregadas pelo
Fisco são apenas as relativas, por possibilitarem ao contri-
buinte a livre produção probatória em sentido contrário.
No que concerne às denominadas presunções hominis, en-
tendemos não só possível como necessária a sua adoção, pois,

654. Para um estudo minucioso sobre o assunto, consulte-se o tópico 4.7.3 (capítulo 4).

365
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

como anotamos nos capítulos 3 e 4, toda prova é indiciária.


Quaisquer que sejam os elementos de convicção identificados
pela autoridade administrativa, a apreciação e inferência lógica
realizadas pelo aplicador do direito se mostram imprescindíveis.
Considerando que a linguagem jamais toca o evento, todo docu-
mento figura como estímulo à construção de sentido, podendo
levar à conclusão acerca da ocorrência ou não do fato. Todavia,
para que essa operação intelectual possa desencadear a cons-
tituição de fato jurídico ou de ilícito tributário, é preciso que os
indícios verificados sejam veementes e homogêneos, permitindo
a construção de nexo causal entre estes e o fato presumido, com
grau máximo de probabilidade [certeza]655.

8.5.3 O ônus da prova para a atribuição de responsabi-


lidade tributária aos administradores

O tema da responsabilidade tributária sempre foi alvo de


muitas controvérsias, quer no que diz respeito à sua natureza
jurídica [se obrigacional tributária ou sancionatória], quer no
que pertine à sua abrangência e requisitos de aplicabilidade.
O Código Tributário Nacional, ao disciplinar o assunto, pres-
creve que “são pessoalmente responsáveis pelos créditos cor-
respondentes a obrigações tributárias resultantes de atos pra-
ticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato
social ou estatutos, os diretores, gerentes ou representantes
de pessoas jurídicas de direito privado” [art. 135, III].
Considerando o teor de tal disposição, bem como a regra
segundo a qual o ônus/dever da prova cabe a quem alega de-
terminado fato jurídico, nas hipóteses em que a autoridade
administrativa impute reponsabilidade pessoal ao sócio-ad-
ministrador, com fundamento no art. 135, III, do CTN, neces-
sária se faz a prova de que o administrador agiu (i) com ex-
cesso de poderes, praticando atos além do que lhe tinha sido

655. Mesmo na chamada presunção legal relativa tem-se o emprego de presunção


hominis, uma vez que imprescindível operação intelectual que conduza à conclusão
acerca da ocorrência do fato presuntivo.

366
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

autorizado e, portanto, alheio aos fins da sociedade; (ii) com


violação às disposições legais que regem as ações da pessoa
jurídica, como é o caso da legislação comercial e civil; ou (iii)
com ofensa às disposições constantes dos instrumentos socie-
tários – contrato social ou estatutos. Por isso é que, conforme
já pronunciado pelo Superior Tribunal de Justiça, a simples
falta de pagamento de tributo não configura, por si só, cir-
cunstância que acarrete a responsabilidade tributária do ad-
ministrador, restando impossibilitada essa responsabilização
quando não ficar comprovado que o agiu com dolo, excesso
de poderes, infração à lei ou estatuto [AG nº 930.334/AL, REsp
668.643/RS].
No entanto, em descumprimento a tal disposição, é co-
mum o procedimento adotado pelas Fazendas Públicas, no
sentido de incluir o some dos sócios na Certidão de Dívida
Ativa [CDA], independentemente da comprovação de tais
pressupostos. Ocorre que, segundo o art. 204 do CTN, a CDA
goza de presunção relativa de liquides e certeza. Daí a prola-
ção de decisões, pelo Superior Tribunal de Justiça, inverten-
do o ônus da prova para considerar que, sendo exarada CDA
com o nome do sócio figurando como responsável tributário,
resta definida a presunção juris tantum de liquidez e certeza
da referida certidão, cabendo ao sócio demonstrar que não se
fez presente qualquer das situações previstas no art. 135 do
CTN [REsp nº 1.059.481/SP]. Disso advém uma questão fun-
damental: como faz o sócio-administrador para provar que
não praticou atos com excesso de poderes, infração à lei ou ao
contrato social ou estatuto?
A resposta a essa indagação exige que tenhamos sem-
pre em mente o fato de que a presunção de legitimidade dos
atos administrativos não exime a Administração do dever de
comprovar a ocorrência do fato jurídico, bem como das cir-
cunstâncias em que este se verificou. É que, sendo os atos de
lançamento e de aplicação de penalidade vinculados e regi-
dos, dentre outros, pelos princípios da estrita legalidade e da
tipicidade, tais expedientes dependem, necessariamente, da

367
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

cabal demonstração da ocorrência dos motivos que os ense-


jaram. A motivação deve ser, portanto, respaldada em provas.
No que pertine especificamente à CDA, trata-se de títu-
lo executivo constituído unilateralmente, em decorrência de
ato administrativo lavrado contra o contribuinte e que, asse-
gurado o devido processo legal, foi mantido no ordenamento.
Em vista disso, caso não tenha havido autuação fiscal contra
o sócio-administrador, comprovando-se que este agiu com ex-
cesso de poderes, violação à lei ou ofensa ao contrato social ou
estatuto, cai por terra a presunção de legitimidade da CDA.
Retomemos, assim, a questão que colocamos acima: como
faz o sócio-administrador para provar que não praticou atos
com excesso de poderes, infração à lei ou ao contrato social ou
estatuto? Entendemos que essa prova é feita mediante a de-
monstração de que inexistiu autuação fiscal contra o sócio-ad-
ministrador, não tendo sido provado o ilícito desencadeador
da responsabilidade tributária.
Não tem como subsistir inscrição em CDA exarada sem
que tenha havido atuação fiscal contra o sócio-administra-
dor, com a prova da prática dos ilícitos referidos no art. 135,
III, do CTN. Em vista disso, a prova de que não houve prova
é suficiente para ilidir a presunção de liquidez e certeza da
CDA.
Surge, então, um novo obstáculo, consistente na circuns-
tância de que, muitas vezes, quando da propositura ou do re-
direcionamento da execução fiscal contra terceiros [sócios,
ex-sócios, administradores etc.] estes não têm acesso ao auto
de infração lavrado contra a pessoa jurídica. Fica, assim, na
dependência de documentos que estão em posse da Fazenda
Pública, sendo, em muitos casos inviabilizada a sua obtenção
pelo particular. Essa é uma situação de pleno cabimento do
disposto no §1º do art. 373 do CPC/2015.
Com suporte nesse dispositivo, sempre que a solução da
controvérsia demandar o teor de documentos lavrados pela

368
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Administração, tem cabimento a determinação para que a Fa-


zenda apresente tais dados, tendo em vista a sua maior faci-
lidade na obtenção e apresentação dos citados documentos.

8.5.4 O ônus da prova nas controvérsias relativas à au-


sência de notificação fiscal

Os atos administrativos apresentam características que


objetivam, simultaneamente, conferir garantia aos adminis-
trados e prerrogativas à Administração. Dentre elas, releva
destacar a presunção de legitimidade, caracterizando presun-
ção juris tantum de validade, da qual decorre que o ato seja
considerado regularmente praticado, até que outra linguagem
jurídico-prescritiva determine o contrário, invalidando-o.
Essa presunção, entretanto, não exime a Administração
do dever de comprovar a ocorrência do fato jurídico, bem como
das circunstâncias em que este se verificou. É que, sendo os
atos de lançamento e de aplicação de penalidade vinculados
e regidos, dentre outros, pelos princípios da estrita legalidade
e da tipicidade, tais expedientes dependem, necessariamen-
te, da cabal demonstração da ocorrência dos motivos que os
ensejaram. A motivação deve ser, portanto, respaldada em
provas.
Inconcebível, portanto, o posicionamento segundo o qual,
diante da presunção de legitimidade dos atos administrativos,
caberia ao contribuinte apresentar provas contrárias ao re-
latado nos atos de lançamento e de aplicação de penalidade,
incumbindo-se a autoridade administrativa apenas de ilidir
as provas que o contribuinte juntar aos autos do processo ins-
taurado. É insustentável o lançamento ou o ato de aplicação
de penalidade que não tenha suporte em provas suficientes
da ocorrência do evento.
O mesmo se pode dizer do ato de notificação do lança-
mento tributário. Na qualidade de requisito imprescindível
para a introdução do débito fiscal no ordenamento, há de ser

369
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

feito e documentado pela autoridade administrativa, caben-


do-lhe o ônus de sua demonstração.
Eis o motivo pelo qual discordamos do entendimento
exarado pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao
consolidar a posição segundo a qual o envio do carnê de IPTU
pelo Município seria ato suficiente para caracterizar a notifi-
cação do lançamento desse imposto, cabendo ao contribuin-
te excluir a presunção de certeza e liquidez do título daí de-
corrente, comprovando o não recebimento da notificação do
débito656.
Embora o assunto tenha sido sumulado por aquela Corte
(Súmula 397 do STJ), necessário se faz trazê-lo novamente ao
debate, especialmente em virtude das recém editadas regras
a respeito da dinâmica da carga probatória.
Os julgados que levaram à edição da Súmula 397 basea-
ram-se na presunção de que, tendo havido o envio do carnê
ao contribuinte, a ele cabe qualquer contraprova: ou seja, ao
contribuinte competiria demonstrar o fato do não recebimento
do documento constitutivo do débito tributário. Mas, vale in-
dagar, qual mecanismo teria o contribuinte para demonstrar
esse não recebimento? Ao nosso ver, trata-se de circunstância
de dificílima ou até mesmo de impossível comprovação, con-
figurando o que os processualistas costumam denominar de
“prova diabólica”.
Exigência dessa natureza já era objeto de repúdio em
nosso ordenamento. Com maior razão, não pode ela substituir
em face das disposições do CPC/2015, que de modo expresso
e enfático disciplina, no art. 373, §§ 1º e 2º, a atribuição do
ônus da prova a quem tenha melhores condições de fazê-lo.
No caso da notificação fiscal do IPTU ou de qualquer outro
tributo é a Administração quem tem meios para documentar
sua concretude e, desse modo, afastar a negativa alegada pelo

656. STJ, Resp. 1.111.124, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 22/04/2009.

370
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

contribuinte. Incumbe-lhe, pois, tomar as medidas apropria-


das para essa certificação do recebimento pelo contribuinte.

8.5.5 A prova de inidoneidade da documentação fiscal

Relevante controvérsia na atualidade está relacionada ao


ônus da prova dos fatos que ensejam o direito do adquiren-
te ao aproveitamento de créditos de ICMS [não-cumulativi-
dade], nas hipóteses em que as notas fiscais que suportam a
operação mercantil venham a ser, posteriormente, tidas por
inidôneas pela autoridade administrativa.
O assunto foi apreciado pelo Superior Tribunal de Jus-
tiça, que consolidou seu entendimento sobre o assunto por
ocasião de julgamento em recurso repetitivo, manifestando a
impossibilidade de o ato declaratório de inidoneidade produ-
zir efeitos retroativos quando demonstrada a veracidade da
compra e venda:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATI-


VO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁ-
RIO. CRÉDITOS DE ICMS. APROVEITAMENTO (PRINCÍPIO
DA NÃO-CUMULATIVIDADE). NOTAS FISCAIS POSTE-
RIORMENTE DECLARADAS INIDÔNEAS. ADQUIRENTE
DE BOA-FÉ.
1. O comerciante que adquire mercadoria, cuja nota fiscal (emi-
tida pela empresa vendedora) tenha sido, posteriormente decla-
rada inidônea, é considerado terceiro de boa-fé, o que autoriza
o aproveitamento do crédito do ICMS pelo princípio da não-cu-
mulatividade, desde que demonstrada a veracidade da compra e
venda efetuada, sendo certo que o ato declaratório da inidonei-
dade somente produz efeitos a partir de sua publicação (...).
2. A responsabilidade do adquirente de boa-fé reside na exigên-
cia, no momento da celebração do negócio jurídico, da documen-
tação pertinente à assunção da regularidade do alienante, cuja
verificação de idoneidade incumbe ao Fisco, razão pela qual não
incide, à espécie, o artigo 136, do CTN, segundo o qual “salvo dis-
posição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da
legislação tributária independe da intenção do agente ou do res-
ponsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato”.

371
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

3. In casu, o Tribunal de origem consignou que:


“(...)os demais atos de declaração de inidoneidade foram publica-
dos após a realização das operações (f. 272/282), sendo que as no-
tas fiscais declaradas inidôneas têm aparência de regularidade,
havendo o destaque do ICMS devido, tendo sido escrituradas no
livro de registro de entradas (f. 35/162). No que toca à prova do pa-
gamento, há, nos autos, comprovantes de pagamento às empresas
cujas notas fiscais foram declaradas inidôneas (f. 163, 182, 183,
191, 204), sendo a matéria incontroversa, como admite o fisco e en-
tende o Conselho de Contribuintes.”
4. Consequentemente, uma vez caracterizada a boa-fé do adqui-
rente em relação às notas fiscais declaradas inidôneas após a ce-
lebração do negócio jurídico (o qual fora efetivamente realizado),
revela-se legítimo o aproveitamento dos créditos de ICMS.
5. O óbice da Súmula 7/STJ não incide à espécie, uma vez que
o recurso especial fazendário reside na tese de que o reconhe-
cimento, na seara administrativa, da inidoneidade das notas
fiscais opera efeitos ex tunc, o que afastaria a boa-fé do terceiro
adquirente, máxime tendo em vista o teor do artigo 136, do CTN.
6. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime
do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.657

Tal pronunciamento, em princípio, eliminaria as dúvidas


quanto ao direito ao crédito, visto que dispôs ser legítimo o
aproveitamento dos créditos de ICMS quando se verifique a
efetividade da operação de compra e venda, bem como a boa-
-fé do adquirente. E consideramos que conclusão dessa natu-
reza é inteiramente aplicável ao creditamento de IPI.
Surgem, porém, novos problemas. Como certificar a ve-
racidade da compra e venda? Quais fatores determinam a
boa-fé do adquirente? A quem incumbe o ônus das provas
desses fatos?
Partimos da premissa de que a não-cumulatividade do
ICMS, consistente no direito de compensar o imposto que for
devido em cada operação com aquele incidente nas anterio-
res, tem por pressuposto a aquisição de mercadoria sujeita ao

657. 1ª Turma. REsp 1.148.444/MG. Rel. Min. Luiz Fux. DJ de 27.04.2010.

372
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

imposto estadual. Logo, a ocorrência desse fato [compra de


mercadoria tributada] é condição para o direito ao crédito do
imposto, o que há de ser certificado pela linguagem apta para
tanto, ou seja, pela regular documentação fiscal.658
Disciplinando o assunto para fins de conferir uniformida-
de nacional, a LC 87/1996 estipula, em seu art. 23, caput, ser
imprescindível ter-se idoneidade da documentação659.
Uma observação inicial a ser feita diz respeito à prova do
efetivo recolhimento do ICMS pelo vendedor, que não pode ser
colocado como requisito condicional para aproveitamento de
créditos pelo adquirente. O mecanismo da não-cumulativida-
de do ICMS, como visto, tem por pressuposto a aquisição de
mercadorias ou serviços tributados. É a comprovação desse
fato, portanto, que precisa ser feita perante o Fisco estadual.
Eis o contexto em que há de ser compreendida a exigên-
cia de documentação idônea. Trata-se daquela regularmente
emitida, atendendo às exigências legais, como pontua Paulo
de Barros Carvalho660:

Cabe destacar, nesta exigência, a necessidade dos documentos


atenderem ao que dispõe a legislação, no tocante à sua confec-
ção, tipo, série e demais peculiaridades. Aquilo que se impõe,
no caso, é o dever de o contribuinte conferir os documentos que
acompanham os bens adquiridos, buscando identificar se aten-
dem ou não ao que estabelecem os dispositivos legais que tratam
da matéria. Nada mais.

658. Fabiana Del Padre Tomé, “Critérios determinantes para o direito ao aproveita-
mento de créditos de ICMS nas hipóteses de posterior declaração de inidoneidade
do documento fiscal”. In: Tributação Indireta Empresarial: Indústria, Comércio e
Serviços, p. 439 e ss.
659. “Art. 23. O direito de crédito, para efeito de compensação com débito do impos-
to, reconhecido ao estabelecimento que tenha recebido as mercadorias ou para o
qual tenham sido prestados os serviços, está condicionado à idoneidade da docu-
mentação e, se for o caso, à escrituração nos prazos e condições estabelecidos na
legislação.”
660. Direito Tributário, linguagem e método, p. 373.

373
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

O derradeiro requisito, também percebido na já mencionada le-


gislação661, diz respeito à efetiva ocorrência das operações docu-
mentadas, o que já foi previamente lembrado letras acima. Ou,
por outras palavras, o que estiver registrado – em documento
fiscal – deve refletir a efetiva realização do negócio jurídico, com
ingresso, real ou simbólico, da mercadoria no estabelecimento
adquirente e o respectivo pagamento.

A título ilustrativo, examinemos o teor do Regulamento


do ICMS do Estado de São Paulo [Lei nº 6.374/89]. Nos termos
do art. 36, §1º, itens 3 e 4, a mercadoria adquirida deve estar
acompanhada de documento fiscal hábil, emitido por contri-
buinte em situação regular perante o fisco, assim entendidos
esses conceitos:

3 - documento fiscal hábil, o que atenda a todas as exigências da


legislação pertinente, seja emitido por contribuinte em situação
regular perante o fisco e esteja acompanhado, quando exigido,
de comprovante do recolhimento do imposto;
4 - situação regular perante o fisco, a do contribuinte que, à data
da operação ou prestação, esteja inscrito na repartição fiscal
competente, se encontre em atividade no local indicado e possi-
bilite a comprovação da autenticidade dos demais dados cadas-
trais apontados ao fisco.

Voltemos nossa atenção à figura do “documento fiscal há-


bil”: este seria aquele que atende às exigências legais, tendo
sido emitido por “contribuinte em situação regular perante
o fisco”. Por sua vez, o fornecedor considera-se em situação
regular perante o fisco quando “à data da operação ou presta-
ção esteja inscrito na repartição fiscal competente, se encon-
tre em atividade no local indicado e possibilite a comprovação
da autenticidade dos demais dados cadastrais apontados ao
fisco”.
A primeira parte dessa definição de “contribuinte em si-
tuação regular perante o fisco” vai perfeitamente ao encontro
do que pacificou o STJ, ao considerar que o ato declaratório

661. A legislação referida pelo autor é a do Estado de São Paulo, Lei 6.374/89.

374
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

de inidoneidade não gera efeitos retroativos, sendo inaplicá-


vel para terem-se por inidôneos os documentos por ele emiti-
dos antes dessa data.
Mas a disposição não para por aí. Continua para acrescen-
tar que será tido por regular o contribuinte que (i) se encontre
em atividade no local indicado e (ii) possibilite a comprovação
da autenticidade dos demais dados cadastrais apontados ao
fisco.
Surge, assim, certo grau de insegurança para o contri-
buinte. Antes de proceder a operações de compra, está obri-
gado a tomar providências para certificar que o fornecedor
esteja ativo e localizado onde indica? Quais os mecanismos
que possui para tanto?
Entendemos que, do mesmo modo que os atos adminis-
trativos possuem presunção de legitimidade, também a situa-
ção do vendedor no SINTEGRA662 desfruta de tal caracterís-
tica. Se o contribuinte adquirente consultou esse sistema e
recebeu a resposta positiva da Administração, isso faz prova
a seu favor.
É claro que essa presunção apresenta-se como relativa,
admitindo prova contrária. Mas, à evidência, essa prova
contrária há de ser feita pela autoridade administrativa.
Estando o vendedor em situação regular no SINTEGRA, o
reconhecimento de sua inidoneidade só afetará o contribuinte
adquirente se demonstrado que, a despeito da consulta ao
sistema, este tinha conhecimento da situação irregular do
fornecedor. Tem-se, assim, a necessidade de prova do ato do-
loso do adquirente, que deve ser obtida mediante o exercício
de atos fiscalizatórios. Não basta, por exemplo, a mera ausên-
cia de informações prestadas pelo contribuinte sobre o nome
e demais dados da pessoa que representou o emitente do do-
cumento quando da operação de compra e venda, ou do nome

662. Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais com Mer-


cadorias e Serviços.

375
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

do condutor do veículo que transportou as mercadorias. Es-


ses não são elementos previstos em lei como necessários para
a comprovação dos fatos praticados, de modo que nenhuma
consequência jurídica deve ter sua ausência. Também a cir-
cunstância de o pagamento ter sido feito com recursos de ter-
ceiros não se presta para ilidir a veracidade da operação, pois
a ilicitude não se presume.
Imprescindível se faz a prova inequívoca de que a opera-
ção ou seu valor são falsos, tendo havido, de modo culposo663
ou doloso, a participação do adquirente. Apenas com suporte
em tais elementos probatórios é que se admite o estorno dos
créditos de ICMS correspondentes.

8.5.6 Arbitramento

Denomina-se arbitramento a fixação de determina-


da quantia mediante arbítrio, como, aliás, sugere o próprio
nome664. Essa figura jurídica, entretanto, não pode ser empre-
gada indiscriminadamente, só tendo cabimento nas hipóteses
legalmente previstas. Na esfera tributária, o assunto é disci-
plinado pelo Código Tributário Nacional, que, exercendo fun-
ção de norma geral de direito tributário, assim prescreve:

Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome


em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou
atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular,
arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou
não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados,
ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo tercei-
ro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, ava-
liação contraditória, administrativa ou judicial.

663. A culpa opera-se, por exemplo, na desídia do adquirente, em ter deixado de


consultar o SINTEGRA.
664. Verifica-se, novamente, vocábulo ambíguo, designando tanto o procedimento
como o ato final, de conclusão desse procedimento.

376
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Do dispositivo transcrito verifica-se a existência de re-


quisitos a serem cumpridos para que a Administração possa
fazer uso do arbitramento. Apenas no caso de haver compro-
vadas razões para duvidar da veracidade das declarações do
contribuinte, ou na hipótese de ser este omisso quanto à escri-
turação fiscal, com completa impossibilidade de mensurar-se
o fato jurídico tributário, os valores tributáveis não só podem,
como devem, ser arbitrados. Do mesmo modo que o procedi-
mento administrativo de lançamento é vinculado665, obrigan-
do a autoridade administrativa a realizá-lo nos estritos termos
da lei, sob pena de responsabilidade funcional, verificado o
fato jurídico tributário e impossibilitada sua quantificação
com base nos documentos apresentados pelo contribuinte, é
imperativa a efetivação do ato de arbitramento, na forma le-
galmente prescrita. Esse caráter vinculado não exclui a exis-
tência de certo grau de subjetividade, visto que esta se mostra
inevitavelmente presente no ato de interpretação das normas
e dos fatos, não havendo como neutralizá-la totalmente.
Como pontuamos, admite-se a realização de arbitramen-
to unicamente quando descumpridos os deveres instrumen-
tais imprescindíveis ao conhecimento da medida do fato tribu-
tário. Trata-se, pois, de procedimento de caráter excepcional,
que só deve ser adotado em casos extremos, quando houver
impossibilidade de, mediante investigação dos documentos
do contribuinte, identificar os negócios por ele praticados. Di-
versamente, se apresentada a escrituração na forma da lei,
não padecendo ela de erros ou deficiências que a tornem im-
prestável, faz prova a favor do sujeito passivo, devendo ser
considerados verdadeiros os fatos registrados e respaldados
em documentos hábeis.

665. A vinculação e a discricionariedade dizem respeito à forma de realização de


determinada atividade. Por isso, na esteira da lição de Eurico Marcos Diniz de San-
ti [Lançamento tributário, p. 148], concluímos que o procedimento administrativo
preparatório do ato de lançamento tributário é que apresenta o atributo da
vinculação.

377
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Mas que vícios seriam esses, caracterizadores da impres-


tabilidade da documentação do contribuinte? Certamente,
não é qualquer erro susceptível de ser assim configurado.
Perfeitamente possível que os registros contenham equí-
vocos, sem que isso afete sua idoneidade. Se o Fisco, no
exercício do seu dever de investigação, tiver condições de,
por quaisquer provas, identificar e corrigir os valores erro-
neamente escriturados, compete-lhe suprir oficiosamente
as deficiências da documentação, efetuando as necessárias
retificações e constituindo o fato jurídico tributário e sua
medida.
De tudo o que se expôs, sobressai a impossibilidade de a
autoridade fiscalizadora impor exigências não prescritas em
lei e sancionar sua inobservância mediante realização de ar-
bitramento. Havendo o registro contábil, conforme prescrito
pela legislação, não há que falar em descumprimento de deve-
res instrumentais ou em imprestabilidade dos dados escritu-
rados, sendo inadmissível a realização de arbitramento.

8.5.6.1 Dever de colaboração do contribuinte

Diante do grande número de contribuintes e da variada


gama de atividades por eles praticadas, são-lhes impostos o
cumprimento de certos deveres, objetivando facilitar o conhe-
cimento e quantificação dos fatos jurídicos tributários pela
autoridade administrativa. São os chamados deveres instru-
mentais, decorrentes dos deveres de colaborar com a Admi-
nistração, que, por sua vez, consistem, segundo Renato Ales-
si666, em:

Deveres jurídicos dos particulares pelos quais estes, indepen-


dentemente das específicas relações voluntárias com os entes
públicos e devido unicamente à sua pertinência aos mesmos, es-
tão obrigados a fornecer-lhes aqueles bens e aquelas atividades

666. Principi di diritto amministrativo, v. 2, p. 648, apud Estevão Horvath, Lança-


mento tributário e “autolançamento”, p. 101.

378
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

pessoais que os entes necessitam para a satisfação de necessida-


des coletivas.

Para relativizar a dificuldade de identificar os fatos jurí-


dicos tributários realizados pelo vasto universo de contribuin-
tes, tem lugar a imposição dessa espécie de deveres, ficando o
sujeito passivo e, até mesmo, terceiros de alguma forma rela-
cionados com referido fato, compelidos a praticar atos que au-
xiliem a Administração em sua atividade fiscalizatória. Sus-
tenta Heleno Taveira Tôrres667 que “os deveres instrumentais
ou formais apresentam-se como ótimos instrumentos para
vincular os contribuintes ao atendimento das exigências tri-
butárias, por meio de declarações, registros etc. Por meio des-
tes, as pessoas que participam efetivamente do ato declaram
suas atividades e resultados e prestam elementos de prova
para o controle administrativo, no que tange à matéria de fato
das situações tributáveis”. Nesse âmbito, assumem relevância
as exigências de escrituração e conservação de documentos.
Aos contribuintes cabe proceder aos devidos registros, nos
livros contábeis, dos fatos relativos à sua movimentação em-
presarial, sempre alicerçados em documentos idôneos e há-
beis, que deverão, quando requisitados, ser entregues à fisca-
lização, servindo à administração fazendária como elemento
de prova, conforme preceituado pelo art. 195 do CTN.
A contabilidade, convém ressaltar, consiste em uma lin-
guagem do tipo técnico, especialmente concebida para re-
gistrar os fenômenos que afetam as situações patrimoniais,
financeiras e econômicas das pessoas jurídicas. Na qualidade
de discurso, a técnica contábil, assim como o direito posto,
promove um corte na realidade sobre que atua. A linguagem
da contabilidade, incidindo sobre enunciados do sistema so-
cial ou econômico, realiza seleção de aspectos que irão fazer
parte de seu universo. Nessa medida, é uma linguagem que
fala sobre as mutações patrimoniais, econômicas e financeiras,

667. Direito tributário e direito privado: autonomia privada, simulação e elusão tri-
butária, p. 390.

379
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

funcionando como seletora de propriedades, recortando


aquela realidade social ou econômica para atender os fins que
lhe são próprios.
Para que os enunciados contábeis ingressem no sistema
jurídico, porém, é necessário subordinarem-se ao filtro do
direito. Fica evidente a dupla redução de complexidades: (i)
uma, decorrente dos próprios limites da enunciação contábil;
(ii) outra, advinda da normatização a que referidos enuncia-
dos são submetidos por ocasião de sua admissão nos domínios
do direito. Somente com a linguagem do direito incidindo so-
bre a linguagem da realidade contábil surge o domínio da fac-
ticidade jurídica. Quando as normas jurídicas prescrevem a
obrigatoriedade da realização de determinados registros, de
natureza contábil, funcionam, simultaneamente, como regras
impositivas de deveres instrumentais, e como prescrições ju-
ridicizadoras dos elementos contábeis, servindo à determina-
ção do fato jurídico tributário e do correspondente liame obri-
gacional. Por via de consequência, havendo legislação que
assim o determine, cabe ao contribuinte colaborar com a Ad-
ministração, mantendo regular escrituração contábil, respal-
dada em documentos comprobatórios dos dados registrados,
sob pena de, não o fazendo, sujeitar-se aos métodos legalmen-
te previstos para a identificação dos valores correspondentes
ao fato jurídico tributário por ele praticado, além de imposi-
ção sancionatória pelo descumprimento de tais deveres.

8.5.6.2 Requisitos para a realização de arbitramento

O arbitramento é medida extrema, somente autorizada


em caso de inexistência de escrita ou, havendo escrituração,
esta seja infundada, falsa ou não merecedora de credibilidade.
Firmamos posicionamento no sentido de conceber a realiza-
ção de arbitramento apenas nas hipóteses em que a autorida-
de administrativa não tenha subsídios necessários à constitui-
ção do fato jurídico tributário, por ter o contribuinte deixado
de cumprir deveres instrumentais, tais como a realização de

380
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

registros contábeis. Eis, aí, dois requisitos de admissibilidade


do arbitramento tributário: (i) que o contribuinte tenha dei-
xado de prestar declarações ou esclarecimentos, não tenha
expedido os documentos a que esteja obrigado, ou, em que
pese à realização de declarações ou esclarecimentos e a expe-
dição de documentos exigidos em lei, estes não mereçam fé;
e (ii) que tal inobservância ao dever de colaboração do contri-
buinte implique total impossibilidade de mensuração do fato
jurídico tributário. Ausentes quaisquer desses pressupostos,
não tem cabimento a prática do ato de arbitramento, como se
depreende da seguinte manifestação do então Conselho de
Contribuintes, atual Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais:

LUCRO ARBITRADO – PERÍODO-BASE DE 1991 – A desclas-


sificação da escrita e consequente arbitramento do lucro consti-
tui medida extrema, que só se legitima na ausência de elementos
concretos que permitam a apuração do lucro real. A falta de re-
gistro do Livro de Inventário e o descumprimento de outros re-
quisitos formais [assinatura do contabilista e do gerente ou dire-
tor da empresa] não são suficientes para desclassificar a escrita,
eis que informações nele constantes podem ser confrontadas
com as do Livro Diário668.

Por isso, nas hipóteses de arbitramento, a produção pro-


batória pela Administração é indeclinável. Necessária é a de-
monstração de que, a despeito de solicitadas, o contribuinte
deixou de prestar declarações ou esclarecimentos. E, no caso
de apresentação destas e de registros documentais, é impera-
tiva a prova de que estes estejam viciados, não sendo merece-
dores de credibilidade. Não basta a mera suspeita: é impres-
cindível a comprovação da imprestabilidade das informações
e demais documentos, impedindo a quantificação do fato ju-
rídico tributário.
Além do pressuposto da imprestabilidade dos esclareci-
mentos e da documentação apresentada pelo contribuinte,

668. Ac. 101-92.828, Rel. Cons. Sandra Maria Faroni, j. 16.09.1999.

381
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

exige-se, para a regular efetivação do arbitramento, obser-


vância à forma prescrita em lei. O método para sua realização
não pode ser aleatório, criado ao talante dos agentes fiscais.
Nos termos do disposto no art. 148 do CTN, o arbitramento há
de operar-se mediante processo regular, quer dizer, observado
o devido processo legal. A título de ilustração, vejamos o art.
27 da Lei 9.430/96, que, ao disciplinar o assunto, dispõe que
o lucro arbitrado será o montante determinado pela soma (i)
do valor resultante da aplicação dos percentuais legalmente
prescritos sobre a receita bruta e (ii) dos ganhos de capital,
rendimentos e ganhos líquidos auferidos em aplicações finan-
ceiras e demais receitas e resultados positivos decorrentes de
receitas não-operacionais. Diante dessa prescrição, é vedado
à fiscalização proceder à atividade diversa, pautando-se em
elementos outros para a fixação da base de cálculo tributária.
Vale lembrar que, como referimos no item 8.5, a despeito
de o procedimento preparatório do ato de lançamento e do
ato de aplicação de penalidade não ser orientado pelo princí-
pio da ampla defesa, o primado da publicidade e o direito de
petição viabilizam a presença do contraditório, devendo ser
oportunizado ao contribuinte o conhecimento das medidas
realizadas pela fiscalização, de modo que possa manifestar-se
sobre elas, caso entenda apropriado. Seguindo essa linha de
raciocínio, nada impede que o contribuinte apresente provas,
objetivando descaracterizar a inidoneidade de suas declara-
ções e documentos, servindo como contraprova em relação às
assertivas do Fisco e até mesmo como meio de demonstração
do valor efetivamente correspondente ao fato jurídico tributá-
rio cuja medida a fiscalização pretende arbitrar669.

669. Em sentido contrário, decidiu o 1º Conselho de Contribuintes [atual CARF]:


“ARBITRAMENTO – BASE DE CÁLCULO – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
– PERÍCIA – O procedimento para arbitrar a base de cálculo do tributo é ato unila-
teral, que deve desenvolver-se segundo os ditames da legalidade e com a observân-
cia das regras da lógica, não comportando o contraditório, que só se estabelecerá
após concretizado o lançamento” [Ac. 105-14.406, Rel. Cons. Irineu Bianchi, j.
12-5-2004].

382
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Disso depreende-se que, mesmo nas hipóteses de


arbitramento, a prova se apresenta indispensável: é preciso
demonstrar que não houve o cumprimento dos deveres
instrumentais, e que o valor arbitrado se apresenta razoável,
aproximando-se ao máximo daquele que provavelmente seria
devido em decorrência dos regulares registros contábeis.
Arbitramento não se confunde com arbitrariedade. Tudo
conforme procedimento legalmente prescrito.

8.6 Desconsideração de negócios jurídicos

No exercício da atividade de fiscalização, compete à auto-


ridade administrativa investigar os fatos ocorridos, colhendo,
com observância às regras pertinentes ao direito das provas,
elementos que possibilitem a formulação de juízo quanto à in-
cidência das normas tributárias. Ao desempenhar tal função,
deve ater-se a apurar os fatos praticados, averiguando se es-
tes preenchem as linhas definitórias circunscritas na hipótese
normativa, de modo que, havendo o perfeito quadramento,
nasce a obrigação tributária, mediante seu relato na lingua-
gem prevista pelo direito positivo; existindo algum ponto dis-
sonante, a percussão jurídica fica obstada.
As considerações acima enunciadas são de extrema rele-
vância, pois, em virtude do princípio da autonomia da vonta-
de, que impera no âmbito do direito privado, é permitido ao
particular a adoção das mais variadas estruturas negociais.
Para atingir o resultado econômico pretendido, está habilita-
do a escolher livremente o arcabouço negocial que melhor lhe
aprouver, de forma que os custos sejam reduzidos e os lucros
otimizados. São, inegavelmente, lícitas as atitudes dos contri-
buintes que objetivem à reestruturação e reorganização de
seus negócios, estando asseguradas pelo Texto Constitucio-
nal, que, em seu art. 5º, XXII, prestigia o direito de proprie-
dade, depreendendo-se também, do art. 5º, IV, IX, XIII, XV e
XVII, e art. 170 e seus incisos, o pleno direito ao exercício da
autonomia da vontade. Nesse sentido é a posição de Heleno

383
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

Taveira Tôrres670, segundo o qual “constitui obrigação do ad-


ministrador de qualquer sociedade empregar todos os recur-
sos para atingir o objetivo da empresa”, sendo-lhe autorizado
estruturar-se de forma que o exercício de suas atividades seja
menos oneroso.
Consignadas tais anotações, impõe-se o registro de que,
prevendo a norma tributária, em sua hipótese, uma determi-
nada atividade jurídica, somente poderá ser aplicada se verifi-
cada a efetiva ocorrência do negócio previsto. Tendo em vista
os princípios da estrita legalidade e da tipicidade, a prática de
forma negocial diversa, ainda que permita atingir o mesmo re-
sultado econômico, não autoriza a autoridade administrativa
a lavrar o ato de lançamento, constituindo o crédito tributá-
rio. Como já lecionava Alfredo Augusto Becker671, “a doutrina
da Interpretação do Direito Tributário, segundo a realidade
econômica, é filha do maior equívoco que tem impedido o Di-
reito Tributário de evoluir como ciência jurídica. Esta doutri-
na, inconscientemente, nega a utilidade do direito, porquanto
destrói precisamente o que há de jurídico dentro do Direito
Tributário”. O direito positivo, como sistema autopoiético que
é, só admite a juridicização daquilo que passe por seu filtro.
Por outro lado, caso o particular, no desenvolvimento de
suas atividades negociais, pratique atos simulados, com vistas
a evitar ou mitigar a aplicação de normas tributárias, subtrain-
do-se ao tributo que seria devido ou reduzindo seu impacto,
ou, ainda, incorra em simulação para garantir uma vantagem
ou benefício em relação ao qual não teria direito672, tem-se por
preenchido requisito indispensável à desconsideração dos
negócios jurídicos pelo Fisco, competindo à autoridade admi-
nistrativa lavrar o lançamento tributário, nos termos do art.

670. Limites do planejamento tributário e a norma brasileira anti-simulação (LC


104/01), in Grandes questões atuais do direito tributário, v. 5, p. 108.
671.Teoria geral do direito tributário, p. 130.
672. Heleno Taveira Tôrres denomina-os, respectivamente, (i) simulação tributária
excludente ou redutiva e (ii) simulação tributária includente ou indutiva [Direito
tributário e direito privado: autonomia privada, simulação, elusão tributária, p. 357].

384
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

149, VII, do CTN, e impor as penalidades cabíveis. Reforçan-


do tal determinação, prescreve o art. 116, parágrafo único, do
mesmo Diploma Legal673 que:

A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negó-


cios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocor-
rência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos
constitutivos da obrigação tributária, observados os procedi-
mentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

Para a correta aplicabilidade dos referidos dispositivos,


é preciso que se faça uma distinção bem nítida entre atos si-
mulados ou dissimulados e aqueles praticados dentro da esfe-
ra de liberdade negocial do contribuinte. Uma coisa é eleger
forma menos onerosa para o desempenho, pelo particular, de
suas atividades, caracterizando a figura denominada elisão ou
planejamento tributário. Outra, bem diferente, é agir com ma-
lícia, no intuito de prejudicar o Erário, mediante a prática de
ações não autorizadas juridicamente: elusão ou evasão fiscal.
Enquanto na primeira hipótese tem-se ato lícito, cuja descon-
sideração é inconcebível, a segunda encontra-se no campo da
ilicitude, sendo repudiada pelo ordenamento.
Tanto o art. 149, VII, como o art. 116, parágrafo único,
ambos do CTN, exigem, como pressuposto autorizativo da
desconsideração dos negócios jurídicos realizados pelo con-
tribuinte, a certificação de atividade que objetive dissimular
a ocorrência de situação prevista na hipótese de norma tri-
butária geral e abstrata tributária. O recurso às definições de
direito privado, traçadas pelo Código Civil, apresentam-se
extremamente úteis à identificação de evasão fiscal, visto que
estabelecem critérios determinantes da simulação dos negó-
cios jurídicos. Nos termos do art. 167, §1°, do Código Civil,
três são os casos em que se tem configurada a simulação dos
negócios jurídicos. Quando:

673. Com redação dada pela Lei Complementar 104/2001.

385
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diver-


sas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não
verdadeira;
III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou
pós-datados.

Simular significa disfarçar uma realidade jurídica, en-


cobrindo outra que é efetivamente praticada. Nas palavras
de Marcos Bernardes de Mello674, “o que caracteriza a si-
mulação é, precisamente, o ser não-verdadeira, intencio-
nalmente, a declaração de vontade. Na simulação quer-se
o que não aparece, não se querendo o que efetivamente
aparece”. Consiste na declaração enganosa da vontade, vi-
sando a produzir efeito diverso daquele que a declaração
real da vontade acarretaria, sendo a simulação verificada,
segundo Orlando Gomes675, quando “em um negócio jurídi-
co se verifica intencional divergência entre a vontade real
e a vontade declarada, com o fim de enganar terceiros”. No
negócio simulado, as partes fingem um negócio que na rea-
lidade não desejam.
Aplicando esses conceitos ao campo do direito tributário,
conclui-se que os atos tendentes a ocultar ocorrência de fato
jurídico tributário configuram operações simuladas, pois, não
obstante a intenção consista na prática do fato que acarretará
o nascimento da obrigação de pagar tributo, este, ao ser con-
cretizado, é mascarado para que aparente algo diverso do que
realmente é. O mesmo se pode dizer da atividade tendente a
distorcer a situação em que se encontra determinado contri-
buinte, com escopo de exteriorizar atributos que possibilitem
a fruição de benefícios que não alcançaria se considerada sua
real condição jurídica.

674. Teoria do fato jurídico: plano da validade, p. 153.


675. Introdução ao direito civil, p. 374.

386
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

A dissimulação, por sua vez, nada mais é que uma das


perspectivas pelas quais o ato de simular pode ser examinado:
enquanto o ato simulado é aquele que aparece aos olhos do
observador, ato dissimulado corresponde àquele efetivamen-
te desejado pelas partes, e que se pretende ocultar mediante
prática simulatória.
Para que haja simulação, é necessário (i) divergência
entre a real vontade das partes e o negócio por elas decla-
rado e (ii) intenção de lograr o Fisco. Esses são, por con-
seguinte, pressupostos indeclináveis da desconsideração
das operações jurídicas praticadas pelos contribuintes, de-
vendo estar demonstrados por meio de provas constituídas
pela Administração676. Com propriedade, anota Alberto Xa-
vier677 que:

Nenhum ato pode obrigar um contribuinte a submeter-se


à exigência de tributo sem que fato jurídico materialmente
provado exista, afastada, pois, qualquer exigência ficta ou
presumida sem respaldo material. Por conseguinte, não pode
haver desqualificação sem prova contundente de que, nos
documentos apresentados pelo contribuinte, reside o vício
de inidoneidade ou inconsistência, justo porque o resultado
implicará pagamento de tributo sobre a diferença encontrada
na retificação de preços.

É mediante o emprego da linguagem das provas que


se desconstitui o fato simulado, constituindo, em seu lugar,
o fato que se pretendeu dissimular, servindo como motiva-
ção dos atos de lançamento tributário e de aplicação das
penalidades correspondentes.
Como anotara Vilém Flusser678, “a língua é, forma, cria
e propaga realidade”. E isso se aplica, em tudo, ao âmbito do

676. Misabel Abreu Machado Derzi, A desconsideração dos atos e negócios jurídicos
dissimulatórios, segundo a Lei Complementar 104, de 19 de janeiro de 2001, in Pla-
nejamento tributário e a Lei Complementar 104, p. 231.
677. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva, p. 46.
678. Vilém Flusser, Língua e realidade. São Paulo, p. 17.

387
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

ordenamento. Dependendo de como o negócio jurídico é efe-


tuado, ou seja, conforme a linguagem jurídica empregada, es-
taremos diante de um fato jurídico tributário ou não. Sendo
diversos os procedimentos, diferentes serão as operações de
direito, ainda que os respectivos efeitos sejam iguais. Apre-
senta-se, aqui, o “paradoxo do condicional”, em que, sendo
verdadeiro o antecedente, o consequente também o será, mas
a recíproca não é necessariamente verdadeira, isto é, se o con-
sequente for verdadeiro, nada obsta que o antecedente não o
seja679. Isso significa que não há como admitir a configuração
de um negócio jurídico ou outro tomando como suporte, uni-
camente, os efeitos econômicos que dele se irradiam.
Essas anotações, aliadas aos princípios da estrita legali-
dade e da tipicidade tributária, bem como à vedação da exi-
gência de tributo com suporte em analogia [art. 108, §1º, do
CTN], demonstram ser inconcebível a desconsideração de um
ato ou negócio jurídico pela singela circunstância de que seus
efeitos econômicos são idênticos aos de outro ato ou negócio,
sujeito a carga tributária mais elevada.
Importa, para fins de aplicação do direito, a perfeita cor-
respondência entre a hipótese de incidência posta na norma
tributária e o fato concretizado pelo particular. Caso inocorra
esse enquadramento, não se admite, em nosso ordenamento,
que se despreze a forma negocial adotada para, simplesmen-
te, considerar seus efeitos econômicos, por serem semelhan-
tes aos dos negócios previstos na hipótese normativa.
Quaisquer assertivas no sentido da prevalência da subs-
tância econômica sobre a forma jurídica hão de ser conside-
radas em prol da “realidade” das operações. Assim é que,
optando por determinada estrutura negocial [forma], o con-
tribuinte há de assumir “as consequências e ônus das formas
jurídicas por ele escolhidas, ainda que motivado pelo objetivo

679. Delia Teresa Echave, Maria Eugenia Urquijo e Ricardo A. Guibourg, Lógica,
proposición y norma, p. 83.

388
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

de economia de imposto.”680 É isso que confere a chamada


“substância” dos atos.
Em suma, o que se tem, na verdade, não é a preponderân-
cia da substância ou do conteúdo sobre a forma, mas a identi-
ficação da forma mais convincente a respeito do conteúdo do
ato. Propomos, portanto, que se tome como critério definitó-
rio a concernente ao negócio jurídico verdadeiro, em oposição
ao negócio jurídico falso, mascarado por estrutura negocial
que não se confirma perante outros dados do negócio.

8.7 Contencioso administrativo tributário

Partindo das premissas firmadas neste trabalho, pode-


mos dizer que o processo administrativo contencioso é todo
sistema de prestação jurisdicional destinado a resolver confli-
tos emergentes da relação entre o contribuinte e o Fisco, den-
tro do próprio âmbito da Administração Pública. No campo
tributário federal, está regulamentado pelo Decreto 70.235/72,
sendo-lhe aplicáveis, subsidiariamente, os termos da Lei
9.784/99. Nos âmbitos estadual e municipal, cada pessoa polí-
tica dispõe sobre o assunto.
Para além disso, o Código de Processo Civil de 2015 dis-
põe expressamente sobre sua aplicação aos processos admi-
nistrativos, no que se incluem os processos administrativos
tributários:

Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleito-


rais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código
lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

Impõe-se, por conseguinte, o uso das regras veiculadas


pelo CPC para fins de colmatação de lacunas identificadas na
legislação que disciplina os processos administrativos tributá-
rio [aplicação subsidiária], tendo a legislação processual civil

680. Ac. 104-21729 – antigo 1º Conselho de Contribuintes.

389
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

aplicabilidade, também, para fins de complementação [apli-


cação supletiva] das estipulações inerentes aos contenciosos
administrativos fiscais.
Feitas essas notas, importa reiterar que o processo admi-
nistrativo tributário não se instaura com a lavratura do lan-
çamento ou do auto de infração, pois nesse momento ainda
não se tem a resistência do contribuinte, caracterizadora do
conflito. Pode ocorrer que o particular permaneça inerte ou
concorde com a exigência, efetuando seu pagamento, situa-
ções em que inocorre a formalização de processo.
Por isso, Fábio Fanucchi681, discorrendo sobre o tema, as-
severa que, “Na esfera federal, para a maioria de seus tributos
[todos cuja receita se destine aos cofres centrais da União], o
litígio administrativo se instaurará, em efetivo, com a contes-
tação do sujeito passivo ao lançamento contra ele efetuado.
[...] A impugnação é ato escrito, a exemplo da petição inicial do
processo judiciário, e será instruída com todos os documentos
em que estiver fundamentada [art. 15 do Decreto 70.235/72]”.
O processo administrativo tributário tem início tão somente
com a impugnação do sujeito passivo, mediante a qual se re-
quer a manifestação jurisdicional do Estado, exercida atipica-
mente pelo Poder Executivo.

8.7.1 Fases do processo administrativo tributário

Tendo em vista que o processo se caracteriza por uma


sucessão ordenada de atos para atingir um ato final, que re-
presente a solução da controvérsia instaurada perante o Esta-
do, é possível decompô-lo em etapas, para fins de apreciação
analítica. Essas etapas são comumente denominadas fases do
processo, designando, nas palavras de Sérgio Ferraz e Adilson
Abreu Dallari682, um “conjunto de atos procedimentais, lógica
e juridicamente agrupados, vocacionados homogeneamente à

681. Processo administrativo tributário, in Novo processo tributário, p. 53.


682. Processo administrativo, p. 91.

390
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

realização de fins específicos”, consistente na realização de


ato decisório resolutivo de conflito.
A doutrina costuma dividir em quatro as fases do pro-
cesso administrativo: (i) introdutória ou de instauração; (ii)
instrutória; (iii) decisória ou de julgamento; e (iv) recursal683.
Com tal separação, pretende-se indicar, respectivamente: (i)
o começo do processo administrativo, mediante iniciativa do
particular [impugnação]; (ii) a produção de argumentos e pro-
vas destinados a convencer o destinatário; (iii) a emissão de
norma individual e concreta, mediante a qual o julgador re-
conhece a veracidade ou falsidade dos fatos alegados, cons-
tituindo fato jurídico em sentido estrito; e (iv) a manifestação
de inconformidade da parte vencida, requerendo nova apre-
ciação do tema, por órgão julgador diverso.
Não obstante o relativo consenso em torno dessa divisão
das etapas processuais, esta não se sustenta perante a legis-
lação que disciplina o processo administrativo tributário fe-
deral. Nos termos do Decreto 70.235/72, a impugnação tem de
ser instruída com os documentos em que se fundamentar [art.
15, caput, implicando inexistência de distinção entre fase de
instauração e de instrução. O mesmo se verifica no processo
administrativo estadual de São Paulo, uma vez que as pro-
vas devem ser apresentadas juntamente com a defesa [art. 19,
caput, da Lei 13.457/2009].
Além disso, dá-se o nome de atos de instrução, segundo
José Frederico Marques684, “àqueles destinados a recolher
os elementos necessários para a decisão da lide, subdividin-
do-se eles em atos de prova e alegações”, levando a um con-
ceito genérico de instrução, abrangendo tanto a prática de
atos probatórios como as alegações das partes. Semelhante
é o posicionamento de Cândido Rangel Dinamarco685, para

683. Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, ibidem, p. 91; James Marins, Direito pro-
cessual tributário brasileiro [administrativo e judicial], p. 263.
684. Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 317.
685. Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 34.

391
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

quem instrução “é o conjunto de atividades de todos os su-


jeitos processuais, destinadas a produzir convicção no espí-
rito do juiz”, englobando argumentos e provas. Nota-se que
o vocábulo instrução não é sinônimo de prova, nem a fase
instrutória se confunde com a etapa probatória. A instrução
probatória é apenas espécie do gênero instrução, de modo
que a chamada fase de instauração não deixa de ser, também,
instrutória686.

8.7.2 Instrução probatória no processo administrativo


tributário

Efetuada a intimação do contribuinte relativamente à


exigência tributária, tem ele o prazo fixado em lei para, dese-
jando insurgir-se contra ela, apresentar impugnação. Nessa
peça, deve mencionar, dentre outros, os motivos de fato e de
direito em que se fundamenta, os pontos de discordância e as
razões e provas que possuir, anexando, desde logo, os docu-
mentos em que se basear687. Caso pretenda ver realizada algu-
ma diligência, o contribuinte precisa indicá-la e justificar sua
necessidade, formulando os quesitos a serem respondidos.
É no instante da apresentação de impugnação, portanto,
que tem início a instrução processual, podendo esta se pro-
longar até o momento posterior à decisão de primeira instân-
cia. Tendo o contribuinte requerido a execução de diligência
e sendo o pedido deferido, ou, na hipótese de, omisso o parti-
cular, a autoridade julgadora a quo determinar sua realização
de ofício, tem-se a dilação probatória além do instante pre-
visto para impugnação, devendo encerrar-se, porém, antes de
proferido ato decisório. A possibilidade de apresentação de

686. José Frederico Marques refere-se à existência de um conceito lato de instru-


ção, compreendendo atos probatórios e alegações, e um conceito estrito,
considerando apenas a instrução probatória [Instituições de direito processual civil,
v. 3, p. 318].
687. Maria Rita Ferragut apresenta interessante relação de casos práticos verificados
nas esferas federal, estadual e municipal. As provas e o direito tributário, p. 169 e ss.

392
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

documentos pelo contribuinte é que, observados os requisitos


da legislação [art. 16, §§ 4° a 6°, do Decreto 70.235/72 e art. 19,
parágrafo único, da Lei estadual de São Paulo 13.457/2009,
por exemplo], pode estender-se além daquele ato.
Em regra, todos os documentos que fundamentem as
alegações do impugnante precisam ser oferecidos com a peça
impugnatória, cuja admissão os faz ingressar nos autos. Dei-
xando o contribuinte de fazê-lo, somente estará habilitado a
carrear novas provas ao processo se demonstrar (i) a impos-
sibilidade de sua apresentação oportuna, por motivo de força
maior; (ii) que o documento refere-se a fato ou direito super-
veniente; ou (iii) que a prova tem por finalidade contrapor-se
a fatos trazidos aos autos depois de efetivada a impugnação.
Em tais situações, e apenas nelas, autoriza-se a juntada de
novos documentos até mesmo em instante posterior ao ato
decisório de primeira instância, sendo apreciados pelo órgão
julgador de segundo grau, caso seja interposto recurso.
O direito de contrapor-se à exigência fiscal e de produ-
zir provas dos seus argumentos é regrado pelo ordenamen-
to, que, não admitindo a instabilidade das relações jurídicas,
fixa termos dentro dos quais as atividades hão de ser reali-
zadas. Assim ocorre com a instrução probatória. O direito à
produção probatória implica observância aos limites tempo-
rais à sua realização, além, é claro, do atendimento ao requisi-
to de sua obtenção por meio lícito. Isso não impede, contudo,
que a autoridade administrativa, na hipótese de considera re-
levante e pertinente a prova que se pretende apresentar, rece-
ba-a, ex officio, para, desse modo, fazer cumprir os preceitos
da eficiência da Administração e da economia processual, nos
termos em que exposto no item 6.3.1.1.

8.8 Ato decisório e axiologia das provas no processo ad-


ministrativo tributário

Já anotamos que a sistemática de apreciação probatória


adotada pelo ordenamento brasileiro, inclusive no âmbito do

393
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

processo administrativo tributário, é o da persuasão racional


ou livre convencimento motivado (capítulo 7, item 7.4), de modo
que a decisão, não obstante moldada por interferências subje-
tivas, deve ser proferida com fundamento nas provas constan-
tes dos autos processuais.
Por isso, tem-se nulidade formal da decisão de primeira
instância quando o julgador deixa de apreciar alguma prova
produzida no tempo e forma prescritos em lei. Trata-se, se-
gundo Eurico Marcos Diniz de Santi688, de vício formal de fato:
“junta-se prova permitida pela lei formal só que no decorrer
do processo administrativo o julgador simplesmente não apre-
cia aquela prova. [...] Tenho a prova lícita, permitida pela lei
administrativa, trazida aos autos, mas, por erro de apreciação
ou interpretação da prova, não se considera a prova na aplica-
ção do Direito”.
Toda e qualquer produção probatória exige apreciação
pelo julgador, operando-se desde (i) a admissão ou rejeição
do ingresso de determinada prova nos autos, (ii) a fixação dos
pontos controvertidos que exigem maior cuidado na instrução,
até (iii) a enunciação decisória terminativa do conflito. Nesta
última etapa, entretanto, é que se estabelece o convencimento
do julgador acerca da ocorrência ou não do fato jurídico tri-
butário em sentido estrito ou do ilícito tributário, pautado nas
provas articuladas por ambas as partes. A convicção precisa,
necessariamente, decorrer das provas, apreciadas livremente
e confrontadas entre si, com identificação dos aspectos conver-
gentes e divergentes entre elas. Com tais providências, o julga-
dor está habilitado a atribuir maior ou menor força axiológica
a cada prova, firmando seu convencimento acerca do conjunto
probatório como um todo e, por conseguinte, concluindo sobre
a ocorrência ou não do fato jurídico tributário em sentido es-
trito e do ilícito tributário, bem como dos correspondentes lia-
mes obrigacionais. Tudo, é claro, devidamente fundamentado.

688. Processo administrativo. Mesa de debates “E”, Revista de Direito Tributário n.


91, p. 129- 130.

394
PROPOSIÇÕES CONCLUSIVAS

De ordem propedêutica: conhecimento, verdade e o sis-


tema do direito

1. Adotada a perspectiva do constructivismo lógico-se-


mântico, o objeto do conhecimento não são as coisas-em-si,
mas as proposições que as descrevem. O mundo da experiên-
cia só passa a ser susceptível de se conhecer quando apreen-
dido pelo ser humano, que o constitui linguisticamente. Por
isso, os atributos veracidade e falsidade não se referem aos ob-
jetos concretos, mas aos enunciados que lhes dizem respeito.
2. Não existe conhecimento sem sistema de referência,
entendido como conjunto de coordenadas de tempo e de es-
paço em que a compreensão do mundo se opera. Sem a indi-
cação do modelo dentro do qual determinada proposição se
aloja, não há como examinar sua veracidade.
3. Para que uma proposição possa ser considerada verda-
deira, é preciso que se atinja a certeza, que é o mais elevado
grau da crença, e que se tenha justificação suficiente, aperfei-
çoada por meio da linguagem das provas. Verdadeiro é o fato
que está comprovado de tal forma que se tenha certeza de sua
ocorrência.

395
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

4. A verdade é um conceito metafísico, pois não se mos-


tra susceptível de apreciação pelo método das experiências:
todos falam em nome da verdade, mas não há como saber,
mediante procedimentos experimentais, quem está dizendo
a verdade. A determinação do que seja verdadeiro dá-se me-
diante o emprego das regras impostas pelo sistema dentro do
qual se insere a proposição cuja veracidade se examina. Por
isso, não há uma verdade absoluta, objetiva e universal: o fali-
bilismo é inerente aos enunciados que se pretendam verídicos.
5. A distinção entre verdade material e verdade formal não
prospera se considerarmos que toda a verdade é construída
dentro de um sistema de referência e, portanto, segundo as
regras daquele sistema. Optamos, assim, por abandonar as
mencionadas denominações, passando a aludir à verdade lógi-
ca, quer dizer, à verdade em nome da qual se fala, construída a
partir da relação entre as linguagens de determinado sistema.
6. Conquanto o direito positivo seja constituído por lin-
guagem prescritiva, sujeita, portanto, aos valores válido e
não-válido, os antecedentes das normas concretas são enun-
ciados de forma descritiva, submetendo-se aos critérios de
veracidade e falsidade. Tendo em vista que tais enunciados
devem ser proferidos em consonância com eventos suposta-
mente verificados, é imprescindível sua articulação com base
na linguagem das provas.
7. Para que o processo de positivação se realize, necessá-
rio se faz o perfeito quadramento do fato à previsão normativa
abstrata. É exatamente por meio das provas que se certificam
a ocorrência fática e sua adequação aos traços tipificadores
veiculados pela norma geral e abstrata, permitindo falar em
subsunção do fato à norma e em implicação entre antece-
dente e consequente, operações lógicas que caracterizam o
fenômeno da incidência normativa. Desse modo, a lingua-
gem das provas, prescrita pelo direito, não apenas diz que
um evento ocorreu, mas atua na própria constituição do fato
jurídico tributário.

396
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

8. Tomado o sistema como um conjunto de elementos


coordenados entre si, aglutinados perante uma referência
determinada, é possível visualizar a sociedade como um sis-
tema composto por uma rede de comunicações, no interior do
qual se inserem diversos subsistemas comunicacionais, den-
tre eles, o do direito positivo.
9. O sistema jurídico apresenta-se como um conjunto
comunicacional peculiar, funcionalmente diferenciado e do-
tado de programas e códigos próprios, que lhe conferem fe-
chamento operativo e forma específica de abertura cognitiva.
Sua função consiste, em termos gerais, na estabilização das
expectativas normativas. Para atingir tal desiderato, o direi-
to possui determinações estruturais, denominadas código e
programa: (i) o código caracteriza um esquematismo binário
na forma lícito/ilícito, fundamentando a identificabilidade do
sistema jurídico, permitindo selecionar as comunicações que
o integram; (ii) os programas determinam de que maneira o
código deve ser utilizado, estabelecendo em que hipóteses a
comunicação jurídica qualificará como lícito um fato social
qualquer e em que situações o identificará como ilícito, re-
gulando a alocação dos valores do código binário segundo a
relação implicacional “se... então” (programa condicional).
10. O direito configura um sistema autopoiético, produ-
zindo seus componentes a partir dos próprios elementos que
o integram, fazendo-o por meio de operações internas. As in-
formações advindas do ambiente são processadas no interior
do sistema, só ingressando no universo jurídico porque ele as-
sim determina e na forma por ele estabelecida. A pluralidade
de discursos do ambiente é processada internamente pelo sis-
tema do direito, funcionando o código e o programa como me-
canismos de seleção, assegurando que as expectativas norma-
tivas sejam tratadas segundo o código lícito/ilícito, de modo
que os fatores externos só influam na reprodução do sistema
jurídico se e quando submetidos a uma comutação discursiva
de acordo com aquela codificação e com os programas jurídicos.

397
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

11. É o sistema do direito que estabelece quais fatos são


jurídicos e quais não são apreendidos pela juridicidade, quer
dizer, os fatos que desencadeiam consequências jurídicas e os
que são juridicamente irrelevantes. Só ingressam no ordena-
mento, na qualidade de provas, os fatos constituídos segundo
as regras de formação do sistema.
12. Considerado o ordenamento como uma rede de co-
municações, consistentes em interações sociais realizadas
por meio de mensagens jurídicas, podemos identificar, na re-
lação probatória, os seis componentes do processo comunica-
cional: (i) remetente é o ser humano que produz a prova; (ii)
destinatário é o julgador, representado pelo sujeito a quem
se pretende convencer de algo mediante o uso das provas em
direito admitidas; (iii) a mensagem corresponde ao conteú-
do significativo da prova; (iv) tem-se por canal o processo,
enquanto instância material, suporte físico das relações pro-
cessuais; (v) a língua portuguesa é o código; e (vi) o contexto
está representado pela relação jurídica processual na qual se
pretende interferir.

Sobre a morfologia, sintaxe, semântica e pragmática


das provas

13. O vocábulo prova é plurissignificativo, encontrando


utilização nas diversas áreas do conhecimento. No âmbito
jurídico, a plurivocidade de sentidos se mantém e decorre,
principalmente, da diversidade de momentos em que a pro-
va é considerada. Pode a prova ser visualizada como (i) algo
finalizado, que serve para demonstrar a verdade de um fato
(enunciado); (ii) a atividade desenvolvida pelas partes para
levar o julgador ao convencimento da veracidade de suas
afirmações (enunciação); (iii) o instrumento empregado para
constituir o fato provado no processo (enunciação-enuncia-
da); ou (iv) o efeito de tais elementos na convicção do jul-
gador. Várias outras significações podem ser atribuídas ao
termo prova, conforme a perspectiva que a examine. Apenas

398
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

a título ilustrativo, relacionamos, no desenvolver desta obra,


59 acepções possíveis.
14. Prova e meio de prova não se confundem. A prova,
em sua acepção de base, denota algo que possa servir ao
convencimento de outrem. O meio de prova, por sua vez,
consiste no instrumento utilizado para transportar os fa-
tos ao processo, constituindo provas. Trata-se da atividade
exercida em observância às regras de organização probató-
ria vigentes, relatada pela linguagem prescrita pelo direito
(enunciação-enunciada).
15. As provas costumam ser classificadas em: (i) direta e
indireta, quanto ao objeto; (ii) pessoal e real, conforme o su-
jeito que as emana; e (iii) testemunhal, documental e mate-
rial, segundo a forma em que se apresentam. Tais divisões, a
nosso ver, não se sustentam. A prova é sempre indireta, pois
jamais alcança o fato que se pretende provar, sendo apenas
uma representação parcial, um indício daquele. Além disso,
como enunciado linguístico que é, a prova decorre sempre
de produção humana, sendo, portanto, pessoal. Toda prova é,
também, documental, pois quaisquer afirmações realizadas,
ainda que oralmente, só assumem a condição de prova quan-
do materializadas em um suporte físico permanente.
16. Uma possível classificação das provas pode ser efetua-
da tomando-se como critério sua constituição em linguagem.
Entendida a prova como fato, a ela se aplicam os atributos atô-
mico e molecular. Quando composta por um único seguimento
linguístico, teremos prova atômica ou simples. Sendo, porém,
formada por diversos enunciados, entrelaçados entre si por
meio de conectivos, estaremos diante de prova molecular ou
complexa.
17. As diferenças verificadas entre as provas decorrem do
modo de sua produção. Não obstante todas as provas sejam
indiretas, pessoais e documentais, o ordenamento prescreve
variações nos correspondentes atos de fala. Há normas de
organização probatória que estipulam os requisitos e modos

399
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

pelos quais se operam a confissão, o depoimento testemu-


nhal, o exame pericial, o emprego de enunciado linguístico
pré-constituído e a certificação realizada pelo próprio desti-
natário da prova. O que se classifica, portanto, são os meios
de prova.
18. A confissão consiste na declaração voluntária em
que o indivíduo admite como verdadeiro um fato que lhe é
considerado prejudicial, alegado pela parte adversa. Vemos
a confissão como meio de prova, por ter como função o con-
vencimento do julgador, com vistas à constituição ou descons-
tituição de fatos jurídicos em sentido estrito.
19. No âmbito do direito tributário, há confissão do con-
tribuinte quando ele próprio constitui o crédito, emitindo a
correspondente norma individual e concreta, nas hipóteses
de tributo sujeito ao chamado lançamento por homologação.
Também ocorre a figura jurídica da confissão quando cele-
brado termo de parcelamento, acompanhado de instrumento
comumente denominado confissão irrevogável e irretratável
de débitos tributários.
20. Discordamos do posicionamento que atribui à con-
fissão os atributos da indivisibilidade, irretratabilidade e ir-
revogabilidade, principalmente quando verificada na esfera
tributária. Na qualidade de elemento de convicção do julga-
dor, a confissão deve por ele ser valorada no contexto dos
autos, cotejando-se os trechos enunciados na confissão com
outras provas constantes do processo, sendo perfeitamente
possível que acolha as partes que estiverem em harmonia
com o conjunto probatório e rejeite as afirmações infirma-
das pelas demais provas [divisibilidade]. Ainda, verificando
o contribuinte a incorreção das declarações prestadas, é-lhe
lícito solicitar sua revisão pelo órgão administrativo ou judi-
cial, visto que, em face dos princípios da estrita legalidade
e tipicidade tributária, o tributo só é devido se verificada a
ocorrência do fato previsto na hipótese da norma geral e abs-
trata [retratabilidade]. Por fim, realizado o ato de confessar

400
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

em decorrência de erro, dolo ou coação, a confissão é suscep-


tível de ser anulada [revogação].
21. Conquanto todas as provas apresentem forma docu-
mental, algumas são assim denominadas em razão do modo
pelo qual são produzidas [meio de prova]. É o que acontece
com as provas documentais referidas pela legislação brasilei-
ra: consistem em reproduções pré-constituídas de fatos, cujo
modo de produção não coincide com aqueles referidos de
forma específica pelo direito positivo brasileiro. O documento
corresponde a todo suporte físico que enuncia fatos, dele sen-
do espécie o instrumento, entendido como veículo que preen-
che determinados requisitos formais e apresenta-se impres-
cindível à criação de certos atos jurídicos.
22. A prova documental ocupa lugar de destaque nos pro-
cessos tributários, tendo em vista que os fatos desencadea-
dores de vínculos obrigacionais consistem em atividades que,
por suas peculiaridades, originam uma documentação pró-
pria, tal como a realização de registros contábeis. Além disso,
todo suporte físico que contenha informações referentes aos
negócios praticados pelo contribuinte caracteriza prova docu-
mental, desde que obtido de forma lícita e realizados procedi-
mentos que assegurem sua fidelidade e autenticidade. Esses
são requisitos para que se possam empregar, como prova, re-
gistros constantes de mídia magnética ou eletrônica.
23. Os atos processados em juízo integram o conceito de
prova documental, encontrando perfeita aplicabilidade em
matéria tributária. Dentre eles merece destaque a figura da
prova emprestada por se tratar de expressão a que se atri-
buem dois sentidos diversos, levando a conclusões igualmen-
te distintas. Referida locução é empregada para designar: (i)
a construção de uma nova prova, idêntica à já produzida em
outro processo envolvendo as mesmas partes; e (ii) as infor-
mações fornecidas por qualquer das Fazendas Públicas, obti-
das por meio de procedimentos fiscalizatórios por elas reali-
zados. No primeiro caso, tem-se elemento susceptível de ser

401
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

utilizado como prova do fato jurídico tributário, observados


os requisitos da regularidade da sua produção no processo
originário, identidade de partes e semelhança entre os fatos
probandos. A segunda modalidade, entretanto, presta-se ape-
nas como elemento de suspeita, servindo de estímulo para a
execução de atos fiscalizatórios e produção de provas pelo
ente tributante que recebe tais informações.
24. Nada impede que no âmbito tributário faça-se uso de
depoimentos testemunhais. A pouca utilização desse meio de
prova decorre dos tipos de fatos colocados em discussão, que,
normalmente, são demonstráveis por outras formas. Juridica-
mente, nenhum empecilho há à sua adoção. Ainda que a legis-
lação disciplinadora dos processos administrativos tributários
não as refira expressamente, a possibilidade de seu emprego
fundamenta-se nos dispositivos que autorizam a realização de
diligências e o recurso a todos os meios de prova em direito
admitidos, além, é claro, do direito à ampla defesa, constitu-
cionalmente assegurado.
25. Para que se faça exame pericial, é indispensável que o
fato em discussão demande o emprego de conhecimentos téc-
nicos ou científicos. Apenas se não preenchido tal requisito,
ou se a efetivação da perícia for prescindível ou impraticável,
é que se autoriza o indeferimento do pedido de realização de
análise pericial.
26. Indícios e presunções não são espécies distintas de
prova, mas dois elementos necessários à produção do fato ju-
rídico em sentido amplo: (i) indício é um fato (F’) que serve
como estímulo à construção de sentido relativamente à ocor-
rência ou não de um evento (E’), fundamentando a constitui-
ção de um fato jurídico em sentido estrito (F”); (ii) presunção
é a operação mental que se realiza a partir do indício, estabe-
lecendo, mediante inferência dedutiva, relação de causalida-
de entre o indício e o fato probando.

402
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

27. Toda prova é um fato que faz presumir a ocorrência


de um evento, servindo à constituição de outro fato. Toda pro-
va é, portanto, indiciária.
28. Os princípios da estrita legalidade, da tipicidade e da
capacidade contributiva exigem que a obrigação de pagar tri-
buto instale-se apenas quando verificada a ocorrência do fato
previsto na hipótese da norma geral e abstrata, calculando-se
a exação com base na medida monetária desse fato. Inconce-
bível considerar que um fato tenha acontecido, não obstante
as provas demonstrem o contrário. Por isso, em matéria tri-
butária não se admite o emprego de presunções absolutas. As
presunções mistas também não encontram aplicação no cam-
po do direito tributário, pois, sendo ilididas por apenas alguns
meios de prova, legalmente especificados, representam vio-
lação aos mencionados princípios constitucionais tributários,
além do primado da ampla defesa.
29. Somente as presunções relativas podem ser valida-
mente utilizadas no direito tributário, por possibilitarem o
exercício da ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela
inerentes, tal como a produção probatória objetivando des-
constituir o fato presumido.
30. As presunções hominis, consistentes no raciocínio de-
dutivo realizado pelo julgador a partir de suas vivências e da
observação do que ordinariamente acontece, são admissíveis
no direito tributário. Como as provas são sempre indiciárias,
exigem aquela operação mental de inferência dedutiva, po-
dendo a figura da presunção simples ser identificada em toda
apreciação probatória.
31. Qualquer que seja a hipótese presuntiva, é imprescin-
dível a produção de provas pela Administração. A ela incum-
be comprovar o fato que desencadeia a operação presuntiva
e viabiliza a instalação da relação jurídica correspondente.
Tratando-se de presunção relativa, é preciso que a autori-
dade administrativa prove a ocorrência da situação que a lei

403
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

estabelece como fato presuntivo. No caso de presunção homi-


nis, exige-se a demonstração dos indícios, bem como do nexo
de causalidade entre estes e o fato relevante para a aplicação
da lei tributária [fato presumido]. Por isso, os indícios hão de
ser veementes e homogêneos.
32. As provas obtidas ou utilizadas ilicitamente não se
prestam à constituição do fato jurídico tributário. O sistema
do direito, ao estabelecer os critérios de seleção e o modo pelo
qual um fato qualquer – social, econômico, político etc. – assu-
me feição jurídica e passa a integrá-lo, nega reconhecimento
às provas produzidas de forma ilícita.
33. Observada a composição do fato jurídico denomina-
do prova, identificamos sete elementos: (i) fonte; (ii) objeto;
(iii) conteúdo; (iv) forma; (v) função; (vi) finalidade; e (vii)
destinatário.
34. Objeto da prova é o fato que se pretende provar, con-
sistente na alegação da parte. A prova é sempre da afirmação,
nunca do evento. Mas para que um fato seja susceptível de ser
provado, precisa ser determinado, situar-se dentro dos limites
ontológicos da possibilidade e ter relevância para fins de apli-
cabilidade da norma tributária geral e abstrata.
35. A controvérsia do fato alegado não se apresenta como
requisito indispensável à produção probatória, visto que no
ordenamento existem várias situações em que se exige a reali-
zação de provas independentemente da impugnação da parte
adversa. O chamado fato notório também não dispensa sua
constituição mediante a linguagem das provas, pois o pró-
prio atributo da notoriedade só passa a ter existência jurídica
quando assim reconhecido no processo. O mesmo se pode di-
zer das hipóteses presuntivas, tendo em vista que, qualquer
que seja sua modalidade, demanda a comprovação do fato a
partir do qual se desenvolve a inferência dedutiva. Os fatos
negativos também são objeto de prova, pois sua enunciação
pode ser perfeitamente traduzida na forma afirmativa: quem
nega algo afirma situação positiva a ele contraposta. Até

404
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

mesmo o direito, quando o próprio sistema assim refira, pode


ser provado. Isso não ilide nossa assertiva de que o objeto da
prova é sempre um fato, pois nesse caso o que se prova é o fato
da existência, teor e vigência do direito municipal, estadual,
costumeiro ou estrangeiro.
36. O conteúdo da prova está intrinsecamente relacionado
com seu objeto: enquanto o objeto diz respeito ao fato que
se pretende provar, o conteúdo corresponde ao fato prova-
do, isto é, ao enunciado linguístico veiculado no suporte fí-
sico da prova.
37. A forma da prova, entendida como o modo pelo qual
esta se exterioriza, apresenta-se sempre documental, veicu-
lando enunciados escritos ou susceptíveis de serem vertidos
em linguagem escrita.
38. A atividade probatória das partes tende à demonstra-
ção da veracidade dos fatos por elas alegados, mediante con-
vencimento do julgador. Apresenta a prova, portanto, função
persuasiva, dirigindo-se a formar a convicção do destinatário.
Sua finalidade é a constituição ou desconstituição do fato ju-
rídico em sentido estrito.
39. Provar algo não significa simplesmente juntar um
documento aos autos. É preciso estabelecer relação de impli-
cação entre esse documento e o fato que se pretende provar,
fazendo-o com o animus de convencimento.
40. A todo ato de vontade [noesis] corresponde um con-
teúdo [noema], o qual, para ser objetivado, requer uma forma
em que se materialize. Podemos falar, assim, em: (i) ato de
consciência; (ii) forma de consciência; e (iii) conteúdo de cons-
ciência. Distinguemse, desse modo, o ato de provar, a forma e
o conteúdo daquele ato.
41. Quem pretende ver constituído determinado fato ju-
rídico em sentido estrito precisa, em primeiro lugar, afirmar
um fato F, para, em seguida, prová-lo. Depois de alegado um
fato (Fal), produzem-se enunciados probatórios consistentes

405
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

em fatos jurídicos em sentido amplo e relacionados entre si


(E1 . E2 . E3 . ... En) para compor o fato jurídico em sentido es-
trito (Fj):

[Fal . (E1 . E2 . E3 . ... En)] → Fj

42. Cada enunciado probatório possui uma sintaxe inter-


na, em que se tem a alegação de um fato indicativo da necessi-
dade de produzir certa prova (Fal’), desencadeando a realização
de atos conforme ao procedimento de organização probatória
(Sp), fazendo surgir o enunciado probatório pretendido (E):
(Fal’ . Sp) → E
43. Fonte da prova é o sujeito competente em atividade,
ou seja, o exercício do ato de enunciação pelo emissor da men-
sagem probatória.
44. A temporalidade é um dos elementos constitutivos do
direito, sendo determinante na organização procedimental da
prova. Considerados os limites temporais à produção proba-
tória, é possível identificar quatro etapas em que esta se de-
senvolve: (i) pedido de produção da prova; (ii) sua especifica-
ção; (iii) justificação acerca de sua relevância; e (iv) admissão
pelo julgador. Nos termos dos arts. 15, caput, e 16, §4°, do De-
creto 70.235/72, que disciplina o processo administrativo tri-
butário federal, assim como do art. 19 da Lei Estadual de São
Paulo 13.457/2009 e do art. 21 da Lei 14.107/2005 do Município
de São Paulo, o momento apropriado para o requerimento da
produção probatória é o da impugnação, ocasião em que os
documentos devem ser juntados e solicitada, especificada e
justificada a realização de diligências. Excetuam-se somente
as hipóteses em que se verifique, por motivo de força maior,
impossibilidade de oportuna apresentação do documento,
quando se refira a fato ou a direito superveniente, ou caso se
destine a contrapor fatos ou razões posteriormente trazidos
aos autos. Relativamente à produção da prova pela Adminis-
tração, o átimo legalmente determinado é o da lavratura do
ato de lançamento ou do auto de infração. Apenas para fins de

406
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

reforço de prova é que se admite produção probatória poste-


rior, efetuada pelo Fisco no curso do processo administrativo.
45. Como fato que é, a prova acontece dentro de certos
limites espaciais. Sendo, porém, dependente da admissão do
julgador para ingressar nos autos, é o processo o lugar em que
a prova se dá por constituída. Ainda que alguns enunciados
probatórios tenham parcela de sua enunciação realizada fora
dos autos processuais, o ato que os consolida como tais é sem-
pre verificado no próprio processo.
46. A produção das provas é, por excelência, atividade das
partes. A elas compete afirmar os fatos, bem como convencer o
destinatário acerca da sua ocorrência, fazendo uso da lingua-
gem das provas. Ao julgador, por sua vez, incumbe agir impar-
cialmente, examinando e valorando os elementos constituídos
pelas partes para, com base neles, dirimir o conflito instalado.
Compete-lhe, também, ordenar de ofício a produção proba-
tória necessária para eliminar eventuais dúvidas que rema-
nesçam, a despeito das provas colacionadas pelas partes. Em
face do princípio inquisitório ou da oficialidade, que orientam
os processos administrativos tributários, a possibilidade de
o julgador, por iniciativa própria, determinar a realização de
diligências é mais evidente, sendo expressamente veiculado
no art. 18, caput, do Decreto 70.235/72, assim como no art. 25
da Lei 13.457/2009, do Estado de São Paulo e nos arts 25 e 46
da Lei 14.107/2005, do Município de São Paulo.
47. As provas apresentam um aspecto material, voltado
à constituição do fato jurídico tributário, e outro de direito
processual, disciplinando a forma pela qual tal fato há de
ser constituído nos autos. E o motivo pelo qual se opera essa
transposição entre direito material e processual é o fato de
que a categoria prova transcende o plano do direito positivo
vigente, encontrando raízes na Teoria Geral do Direito. Por
isso, a teoria da prova no direito tributário há de ser edificada
com base nas noções e caracteres da prova em geral.

407
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

48. Princípios são normas jurídicas carregadas de forte


conotação axiológica, orientando a atividade do legislador,
do intérprete e aplicador do direito. Alguns deles apresen-
tam importantes desdobramentos relativamente à produção
probatória no âmbito administrativo tributário, tais como o (i)
princípio inquisitório, nos termos do qual o julgador, ao con-
duzir o processo, pode tomar quaisquer providências neces-
sárias ao conhecimento dos fatos; (ii) princípio do devido pro-
cesso legal, impondo observância ao procedimento prescrito
em lei, bem como de outros princípios que dele decorrem, a
exemplo dos primados da ampla defesa, do contraditório e
da publicidade; (iii) proibição da prova obtida ilicitamente;
e (iv) princípio da imediatidade, que prescreve a maior pro-
ximidade possível entre o julgador e a produção das provas.
49. Por ônus compreende-se a espécie de encargo jurídico
a que se veem submetidas as partes do processo, com vistas a
obter o resultado que o sistema outorga a quem realiza os atos
na forma e no tempo por ele estabelecidos. A figura do ônus
da prova decorre da necessidade de possibilitar a decisão em
situações em que o conjunto probatório é insuficiente para
convencer o julgador. Funciona, assim, como regra auxiliar na
formação do convencimento do sujeito incumbido de compor
conflitos.
50. O direito à produção probatória decorre da liberdade
que tem a parte de argumentar e demonstrar a veracidade de
suas alegações, objetivando convencer o julgador. Visto por
outro ângulo, o direito à prova implica a existência de ônus,
segundo o qual determinado sujeito do processo tem a incum-
bência de comprovar os fatos por ele alegados, sob pena de,
não o fazendo, ver frustrada a pretendida aplicação do direito
material. Desse modo, a prova dos fatos constitutivos cabe a
quem pretenda o nascimento da relação jurídica, enquanto a
dos extintivos, impeditivos ou modificativos compete a quem
os alega.
51. A existência do ônus pressupõe um direito subjetivo
disponível, razão pela qual não se pode falar que a autoridade

408
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

administrativa tributária tenha o ônus da prova. Os atos de


lançamento e de aplicação de penalidade pelo descumpri-
mento de obrigação tributária ou de dever instrumental com-
petem ao Poder Público, de modo privativo e obrigatório,
tendo de fazê-lo com base nos elementos comprobatórios do
fato jurídico e do ilícito tributário. Tem a Administração, por
conseguinte, dever de provar. A circunstância de os atos admi-
nistrativos tributários desfrutarem de presunção de legitimi-
dade não dispensa a produção probatória que o fundamente,
pois, sendo esses atos regidos pelos princípios da estrita le-
galidade e da tipicidade, tais expedientes dependem da cabal
demonstração da ocorrência dos motivos que os ensejaram.
52. Mesmo quando existam presunções legais, compe-
te à autoridade administrativa apresentar provas do fato
a partir do qual se estabelece o raciocínio presuntivo. É
imprescindível a prova dos indícios para, a partir deles,
demonstrar a existência de causalidade com o fato que
se pretende dar por ocorrido. Descabe falar, portanto, em
inversão do ônus da prova.
53. Os valores são inerentes ao homem. As coisas, inclu-
sive as normas jurídicas, não têm um valor em si, indepen-
dentemente da apreciação humana. Os valores são sempre
atribuídos pelo homem, quer pelo legislador, ao eleger fatos
para compor a hipótese normativa e escolher relações para
figurarem como correspondente consequência na causalida-
de jurídica, quer pelo aplicador do direito, ao interpretar as
normas gerais e abstratas, os fatos alegados e provas apre-
sentadas, fazendo-o a partir de suas vivências, de suas prefe-
rências, ainda que inconscientes, construindo, com base na
combinação desses valores, normas individuais e concretas.
54. A tomada de decisões, entendidas como atos de fala,
constitui aspecto dinâmico do ordenamento, exigindo, para sua
realização, que determinado sujeito faça uma escolha entre as
várias possibilidades. Para que produza efeitos jurídicos, o ato
de fala há de ser emitido por um sujeito habilitado, segundo o
procedimento prescrito pelo sistema do direito. Tratando-se

409
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

de decisão estatal posta para solucionar conflito, a autoridade


competente há de pautar-se pelo critério da persuasão racional,
também conhecido por livre convencimento motivado. Nos ter-
mos deste, o julgador há de ficar adstrito aos fatos alegados e
provados, incumbindo-lhe decidir com base nas provas que lhe
são apresentadas, podendo sopesá-las de acordo com sua livre
convicção para, a partir delas, construir o fato jurídico em sen-
tido estrito.
55. Diante da imperativa vinculação do julgador às provas,
conjugada à liberdade de apreciação probatória, são identifi-
cados alguns princípios que orientam a atividade decisória: (i)
princípio da unidade probatória, impondo que o conjunto das
provas seja considerado em sua integralidade; (ii) princípio da
aquisição da prova, nos termos do qual, uma vez produzidas,
as provas devem ser consideradas independentemente da par-
te que as apresentou; (iii) princípio da necessidade da prova,
que exige seja a decisão fundamentada em enunciados probató-
rios constantes dos autos; (iv) princípio da aplicação das regras
científicas na prova, que veda ao julgador simplesmente des-
considerar, sem justificativa plausível, informação técnica ou
científica; (v) princípio da experiência em matéria probatória,
autorizando o julgador a empregar o conhecimento que adqui-
riu com suas vivências, relativamente ao modo normal e natural
em que as coisas costumam ocorrer; e (vi) princípio do favor
probationis, implicando admissibilidade de construção de novas
provas quando as que existirem não forem suficientes para con-
ferir certeza, bem como a impossibilidade de considerar prova-
do um fato alegado quando não demonstrado de forma convin-
cente [primado decorrente da distribuição do ônus da prova].
56. Sendo as provas susceptíveis de valoração, a elas apli-
ca-se o atributo da graduação hierárquica, segundo o critério
de preferibilidade. O direito positivo brasileiro, em alguns casos
esparsos, prescreve expressamente a superioridade hierárquica
de algumas provas em relação a outras. Nas demais hipóteses,
tem-se uma hierarquia axiológica móvel, variante em função de
cada situação concreta.

410
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

57. A partir de suas vivências, o ser humano constrói


juízos acerca do modo que os acontecimentos normalmente
ocorrem, denominados máximas de experiência, e, com base
nestas, procede à valoração do mundo que o circunda. Ao rea-
lizar a atividade interpretativa do direito e dos fatos, inclu-
sive das provas, o julgador é influenciado, conscientemente
ou não, por valores e pelas máximas de experiência. Na qua-
lidade de ser humano que vive em sociedade, observando os
acontecimentos e passando por experimentos diversos, o jul-
gador utiliza-se desse arcabouço cultural ao avaliar as provas,
interpretar o direito e aplicá-lo.
58. Em termos subjetivos, a atribuição de valores pelo jul-
gador ocorre durante todo o trâmite processual, tendo em vis-
ta que, ao entrar em contato com os enunciados produzidos
pelas partes, o destinatário passa, inevitavelmente, a valorá-
-los. A exteriorização da atividade valorativa, porém, é comu-
mente observada em três ocasiões: (i) instante em que a prova
é oferecida pela parte, realizando-se a apreciação do julgador
para acolhê-la ou não no processo; (ii) no saneamento pro-
cessual, em que o destinatário examina as provas já trazidas
aos autos, verificando a necessidade de produção de novos
enunciados probatórios e, em caso positivo, fixando os pontos
controvertidos; e (iii) ao proferir a decisão terminativa, mo-
mento culminante da valoração da prova, por compreender a
totalidade do conjunto probatório.
59. A apreciação da prova realizada por ocasião do ato
decisório terminativo do conflito exige análise crítica do con-
junto probatório, comparando-se todas as provas, estabele-
cendo-se as que aparentem ser essenciais para a solução da
causa e desconsiderando-se as que pareçam impertinentes,
insuficientes ou fracas perante outras provas. Desse modo, o
julgador seleciona os enunciados que considera convincen-
tes, construindo o fato jurídico em sentido estrito, mediante
emissão de norma individual e concreta. Tudo devidamente
explicitado na fundamentação decisória.

411
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

60. A análise do ciclo de positivação na esfera administra-


tiva tributária revela a existência de dualidade terminológica:
procedimento/processo. O procedimento consiste na forma de
organização lógica e cronológica de determinados atos, neces-
sária à consecução de outro ato, caracterizador do objetivo
último do aplicador do direito. O processo, por sua vez, é ve-
rificado na ordenação de atos estatais para a solução de uma
controvérsia. Firmadas essas premissas, concluímos tratar-se
de procedimento o caminho perseguido para a realização do
ato de lançamento ou de aplicação de penalidade pelo des-
cumprimento de obrigação tributária ou de dever instrumen-
tal, configurando processo, por sua vez, a composição admi-
nistrativa dos conflitos fiscais.
61. Tomamos por lançamento tributário o ato administra-
tivo mediante o qual se constituem o fato jurídico tributário e
o correspondente vínculo obrigacional. Esse ato, muitas vezes,
é precedido por um procedimento preparatório, padecendo a
locução da ambiguidade procedimento/resultado, inerente a
todas as ações. Optamos, contudo, por empregá-la para desig-
nar o ato, ação concreta estática, por consistir no enunciado
normativo mediante o qual se realiza a incidência tributária,
fazendo nascer o fato jurídico e a obrigação de pagar tributo.
62. Lançamento tributário não se confunde com o ato de
aplicação de penalidade. Não obstante ambos possam ser
veiculados em um único documento, denominado auto de
infração, diferenciam-se em razão do fato integrante do seu
suposto normativo: enquanto o antecedente da norma indi-
vidual e concreta do lançamento equivale à descrição de fato
lícito, nos termos do art. 3º do CTN, a aplicação de penalida-
de decorre da prática de ilícito, consistente no descumpri-
mento de obrigação tributária ou de dever instrumental.
63. A emissão de atos administrativos, dentre eles o ato
de lançamento e o de aplicação de penalidade em razão do
descumprimento de obrigação tributária ou de dever instru-
mental, depende da existência de determinados pressupostos:
(i) competência, (ii) motivo, (iii) formalidades procedimentais,

412
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

(iv) finalidade e (v) causa. Para que sejam regularmente cons-


tituídos, esses atos exigem a presença dos elementos (i) forma,
(ii) motivação e (iii) conteúdo. O motivo e a motivação estão
intrinsecamente relacionados com o tema das provas: en-
quanto o primeiro é pressuposto fático do ato, representado
pelo evento que preenche os requisitos da hipótese normativa
tributária, a motivação é o relato que, com fundamento na lin-
guagem das provas, constitui o fato jurídico, introduzindo-o
no ordenamento.
64. Os atos de lançamento e de aplicação de penalidade
tributária devem respaldar-se em enunciados probatórios.
Caso tal requisito não seja observado, o ato estará viciado em
sua motivação, elemento indispensável à sua subsistência.
Tratando-se de defeito verificado na estrutura interna do ato,
caracterizando problema de ordem material, mostra-se inad-
missível sua convalidação pela posterior juntada de provas.
65. A produção de provas pela Administração dá-se no
âmbito de um procedimento administrativo, em que, con-
quanto inaplicável o princípio processual da ampla defesa, há
de ser assegurado o contraditório, decorrente do direito de
petição e do princípio da publicidade.
66. Sendo os atos de lançamento e de aplicação de pe-
nalidade vinculados e dependendo sua existência do suporte
em provas, a autoridade administrativa possui verdadeiro de-
ver de provar, e não mero ônus. Ainda que se esteja diante de
hipóteses presuntivas, o imperativo de produzir provas con-
tinua dirigido à Administração: (i) tratando-se de presunção
legal relativa, há de demonstrar a ocorrência do fato que de-
sencadeia a relação inferencial presuntiva; (ii) sendo caso de
presunção hominis, é preciso a comprovação dos indícios vee-
mentes e homogêneos, bem como do nexo causal entre estes e
o fato presumido, com grau máximo de probabilidade (certeza).
67. Caso o contribuinte deixe de cumprir deveres instru-
mentais, de modo que inviabilize a quantificação do fato jurídico
tributário por ele praticado, a autoridade administrativa deve

413
FABIANA DEL PADRE TOMÉ

mensurá-lo por meio de arbitramento. Trata-se de medida ex-


cepcional, só sendo cabível quando (i) o contribuinte tenha
deixado de prestar declarações ou esclarecimentos, não tenha
expedido os documentos a que esteja obrigado, ou quando,
não obstante tenha realizado declarações ou esclarecimentos
e expedido os documentos exigidos em lei, estes não mereçam
fé; e (ii) tal inobservância ao dever de colaboração do contri-
buinte implique total impossibilidade de mensuração do fato
jurídico tributário. Por isso, nas hipóteses de arbitramento, a
produção probatória pela Administração é indeclinável, sen-
do necessária a demonstração do preenchimento dos mencio-
nados requisitos. Além disso, o procedimento mediante o qual
se realiza o arbitramento deve corresponder àquele previsto
em lei, de forma que o valor arbitrado se apresente razoável,
aproximando-se ao máximo daquele que provavelmente seria
calculado com base nos regulares registros contábeis.
68. Para que seja possível a desconsideração, pelo Fisco,
dos negócios jurídicos praticados pelo contribuinte, nos ter-
mos dos arts. 116, parágrafo único, e 149, VII, do CTN, é im-
prescindível a prova de que este agiu de forma simulatória,
fingindo um negócio que na realidade não desejava, com a
única finalidade de ludibriar a Administração. É mediante o
emprego da linguagem das provas que se desconstitui o fato
simulado, constituindo, em seu lugar, o fato que se pretendeu
dissimular, servindo como motivação dos atos de lançamento
tributário e de aplicação das penalidades correspondentes.
69. O contencioso administrativo tributário instala-se
com a impugnação do sujeito passivo ao ato de lançamento
ou de aplicação de penalidade. É nesse instante que se tem
configurado o conflito. E, como a impugnação tem de ser ins-
truída com os documentos em que se fundamentar, é lícito
afirmar que a impugnação do contribuinte, ao mesmo tempo
em que instaura o litígio, dá início à fase instrutória do pro-
cesso administrativo.
70. O direito de contrapor-se à exigência fiscal e de produ-
zir provas dos seus argumentos é regrado pelo ordenamento

414
A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

que, não admitindo a instabilidade das relações jurídicas, fixa


os limites dentro dos quais as atividades devam ser realiza-
das. Assim ocorre com a instrução probatória. Concretizada
a intimação do contribuinte relativamente à exigência fiscal,
tem ele o prazo fixado em lei para, desejando opor-se a ela,
apresentar impugnação. Nessa peça, deve mencionar, dentre
outros, os motivos de fato e de direito em que se fundamenta,
os pontos de discordância e as razões e provas que possuir,
anexando, desde logo, os documentos em que se basear. Dei-
xando o contribuinte de fazê-lo, somente estará habilitado a
carrear novas provas ao processo se demonstrar (i) a impos-
sibilidade de sua apresentação oportuna, por motivo de força
maior; (ii) que o documento refere-se a fato ou direito super-
veniente; ou (iii) que a prova tem por finalidade contrapor-se
a fatos trazidos aos autos depois de efetivada a impugnação.
Se pretender ver realizada alguma diligência, o contribuinte
precisa indicá-la e justificar sua necessidade, formulando os
quesitos a serem respondidos.
71. Tendo em vista que o ordenamento brasileiro prescre-
ve a adoção da sistemática da persuasão racional, toda e qual-
quer produção probatória deve ser apreciada pelo julgador
para que este forme seu convencimento. Por isso, ter-se-á nu-
lidade formal da decisão de primeira instância administrativa
caso o julgador deixe de apreciar alguma prova produzida no
tempo e forma prescritos em lei.

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