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Preâmbulo
A presente sebenta foi elaborada pelos estudantes Beatriz Oliveira e Rita Botelho,
sob a coordenação de Filipa Teixeira, tendo por base as aulas lecionadas pelo/a docente, Sr.
Professor Doutor Almeida Costa com o complemento de bibliografia, o livro Manual de
Direito Penal de Doutor Figueiredo Dias considerada obrigatória para esta unidade curricular.
A equipa de Direito Penal deu o seu melhor para garantir a qualidade dos
apontamentos semanais e, agora, desta sebenta.
Bom Estudo!
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Índice
Título I - Introdução ao Direito Penal............................................................................................... 5
1.1. Definição em sentido formal - sentido e função do Direito Penal.............................................. 5
1.2. Definição em Sentido Material do Direito Penal........................................................................6
Descriminalização e Neocriminalização..........................................................................................11
1.3. Conceito Material da Sanção: o problema dos fins das penas..................................................14
Teorias Absolutas ou Ético-Retributivas......................................................................................... 14
Teorias relativas ou preventivas..................................................................................................... 17
Doutrinas de Prevenção Integral.................................................................................................... 23
Prevenção integral de France Exner.........................................................................................23
Prevenção integral de Liszt...................................................................................................... 24
Doutrina do Professor Eduardo Correia, de base ético-retributiva:.........................................24
Prevenção integral de Roxin.....................................................................................................26
Finalidades das Penas e das Medidas de Segurança...................................................................... 28
Monismo ou Dualismo das Reações Criminais............................................................................... 31
1.4. Inserção do Direito Penal no ordenamento jurídico global: o problema da caracterização.......32
Direito Penal Clássico vs. Direito Penal Secundário........................................................................33
Natureza Pública do Direito Penal e Contraposição com outros ramos de Direito........................ 34
Título II - Teoria da Lei Penal..........................................................................................................39
2.1. O Princípio da Legalidade em Direito Penal.............................................................................39
Vetores do Princípio da Legalidade................................................................................................ 40
2.2. Interpretação da Lei Penal e a Integração de Lacunas..............................................................42
2.3. Aplicação da Lei Penal no Tempo............................................................................................ 44
Crimes Permanentes e Crimes Continuados.................................................................................. 47
Leis Intermédias............................................................................................................................. 49
Leis Temporárias ou de Emergência............................................................................................... 49
2.4. Aplicação da Lei Penal no Espaço............................................................................................ 51
Princípio fundamental da territorialidade...................................................................................... 53
Princípio da defesa dos interesses nacionais..................................................................................56
Princípio da nacionalidade............................................................................................................. 57
Princípio da universalidade ou da aplicação universal................................................................... 59
Princípio da administração supletiva da justiça penal....................................................................60
Limites da aplicação da lei penal portuguesa no espaço e o problema dos efeitos negativos das
sentenças estrangeiras................................................................................................................... 62
2.5. Aplicação da Lei Penal quanto às Pessoas............................................................................... 65
Título III - Teoria Geral do Crime ou do Delito................................................................................ 66
3.1. O significado metodológico da doutrina geral do crime. As grandes construções dogmáticas da
atualidade.....................................................................................................................................66
3.2. As grandes construções gerais do crime.................................................................................. 68
Sistema Clássico - Positivista/Naturalista....................................................................................... 68
Sistema Neoclássico ou Normativista.............................................................................................73
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Sistema Finalista............................................................................................................................. 78
A luta de escolas - Communis Opinio............................................................................................. 82
Sistema teleológico ou racional......................................................................................................83
1. Doutrina de Claus Roxin....................................................................................................... 84
2. Doutrina Maioritária............................................................................................................ 84
3. Doutrina de Bernd Schünemann..........................................................................................85
3.3. Teoria Geral dos Crimes de Ação Dolosa................................................................................. 86
Conceito dogmático de ação.......................................................................................................... 86
Conceito pessoal ou personalista da ação......................................................................................86
A figura do ilícito-típico.................................................................................................................. 89
Tipos incriminadores e tipos justificadores..............................................................................90
O tipo objetivo................................................................................................................................94
Doutrinas contemporâneas desde o século XX........................................................................96
Teoria das Condições Equivalentes ou Equivalência das Condições.................................. 96
Teoria da Adequação......................................................................................................... 98
Teoria da conexão do risco................................................................................................ 99
Teoria defendida por Figueiredo Dias e Eduardo Correia, mas da qual o Professor
discorda............................................................................................................................. 99
O tipo subjetivo............................................................................................................................ 105
Elemento intelectual..............................................................................................................105
Elemento volitivo................................................................................................................... 113
Elemento emocional.............................................................................................................. 119
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Título I - Introdução ao Direito Penal
De forma muito ampla e geral, o Direito Penal é o ramo jurídico que define as
condutas que constituem crimes e que, respetivamente, estabelece as sanções que podem
ser penas ou medidas de segurança.
Diz-nos Figueiredo Dias, que “chama-se direito penal ao conjunto de normas jurídicas
que ligam a certos comportamentos humanos, os crimes, determinadas consequências
jurídicas privativas deste ramo de direito. A mais importante destas consequências – tanto
do ponto de vista quantitativo, como qualitativo (social) – é a pena, a qual só pode ser
aplicada ao agente do crime que tenha atuado com culpa. Ao lado da pena prevê, porém, o
direito penal consequências jurídicas de outro tipo: são as medidas de segurança, as quais
não supõe a culpa do agente, mas a sua perigosidade.”
Podem usar-se como sinónimos, sendo que as duas designações estão consagradas no
nosso ordenamento jurídico e são usadas por este indiscriminadamente.
É de notar que o Direito Criminal toma como referência o crime, deixando de fora a
conduta do inimputável - trata-se assim de uma definição incompleta, pois não se estudam
somente os crimes, para haver crime é preciso haver culpa e isso deve igualmente ser
avaliado.
Já o Direito Penal toma como matriz a pena, mas as sanções não são apenas penas,
abrangendo também as medidas de segurança, dado que o Direito Penal também versa
sobre os atos e comportamentos ilícitos praticados sem culpa (os inimputáveis).
Assim, como se vê, são definições que apresentam alguns problemas e incompleições.
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Perspetiva histórica
Atualmente as infrações penais resumem-se aos crimes, mas nem sempre foi o caso, por
exemplo, na vigência do Código Napoleónico de 1810 (código francês, alemão e espanhol),
distinguiam-se as infrações penais numa divisão tripartida de:
Estava-se, então, perante uma distinção quantitativa, mas em Portugal esta divisão
nunca vigorou. Entre nós, no velho Código Penal de 1852 e também no Código Penal de
1886, consagrou-se uma distinção bipartida, por influência do código brasileiro. A distinção
era, então, dividida entre:
Esta divisão e distinção entre penas, a par de serem de índole quantitativa, permeavam
uma filosofia que se materializava em penas degradantes que iam contra o princípio de
Estado de Direito (ex.: perda de direitos).
1
A definição formal define as condutas que são crimes.
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Diz-nos Figueiredo Dias, “quando se pergunta pelo conceito material de crime
procura-se uma resposta, à questão da legitimação material do direito penal, isto é, à
questão de saber qual a fonte de onde promana a legitimidade para considerar certos
comportamentos humanos como crimes e aplicar aos infratores sanções de espécie
particular.”
Ora, face a isto, importa o Conceito de Bem Jurídico, já que o crime traduz-se numa
lesão de bens jurídicos essenciais, tanto para a livre realização da pessoa em comunidade,
como para a convivência comunitária. Ou seja, o crime concretiza-se numa conduta humana
violadora de uma norma de determinação que seja essencial para proteger os bens jurídicos
supramencionados.
O valor surge como o critério de toda a ação humana - pautam-se na vida humana,
partindo do pressuposto da verdade humana, ou seja, é com base nestes valores que nos
pequenos atos do dia a dia se tomam determinadas decisões em detrimento de outras.
Assim existem, valores éticos (bem e mal), estéticos (bonito e feio) e os valores
pragmáticos/de utilidade (útil e inútil), que se pautam pela hierarquização e polaridade. No
universo jurídico, existem ainda os valores jurídicos/de justiça, que se concretizam numa
determinada época histórica em determinados bens a respeito da interação humana, das
relações que se criam.
O bem jurídico é o concreto objeto que participa desse valor – se o valor é o justo,
então o bem é a decisão justa. O valor é o bom ou o mal, então o bem é a decisão boa ou a
conduta boa, eticamente louvável. Assim, o bem é o objeto, situação ou sistema de relações
consideradas socialmente valiosas, necessárias e indispensáveis à convivência comunitária e
por participar desse valor social é tutelado pelo direito.
● Num substrato físico (a vida humana necessita de um corpo biológico funcional, ex.:
o homicídio tem de ter um corpo) ou não (substrato incorpóreo, ex.: honra, bom
nome);
● Numa relação ou num sistema/conjunto de relações (ex.: crimes contra a família);
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● Numa relação entre a pessoa e um objeto (ex.: propriedade – o furto de um objeto
afeta a relação de utilidade entre o titular e o bem).
O bem jurídico, portanto, é todo o quid que pode ser objeto de relação ou sistema de
relações, de natureza individual ou supra-individual, que se mostra socialmente valioso e por
isso digno da tutela do direito em geral. O Direito Penal irá tutelar apenas, de entre todos
esses bens jurídicos, os essenciais à convivência comunitária.
Nota: Os bens sujeitos à tutela do direito vão mudando em função das convenções
atuais - sujeição à dimensão histórica.
Desta conclusão, resulta um problema: como determinar que bens são essenciais à
sociedade, dado que vivemos numa comunidade democrática extremamente plural e
diversificada, com inúmeras opiniões sobre o assunto. A resposta avançada é a seguinte:
através do consenso comunitário.
Alguma doutrina, que tende a ser maioritária, reporta ao quadro axiológico que
subjaz na Constituição. A CRP deve refletir o quadro de valores e representações que são
partilhadas consensualmente pela generalidade dos membros da comunidade, assim, traduz
em formas de validade jurídica o consenso comunitário e dá maior precisão à delimitação
destes bens, pois remete-os para normas e torna mais preciso o contexto de senso
comunitário, traçando as linhas deste consenso através das normas da lei geral.
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Levava a uma ditadura da maioria porque se teria de penalizar a lesão de bens
considerados essenciais para a maioria que poderiam não corresponder aos bens realmente
necessários para a convivência.
Deste modo, aquela que deve presidir é a segunda, a perspetiva minimalista (mínimo
denominador comum), porque num Estado de Direito e Democrático, a liberdade é a regra,
por isso, o que está em causa é privilegiar o direito à diferença. Assim sendo, a intervenção
do Direito Penal deve pautar-se por um critério de indispensabilidade para a convivência
comunitária e tutelar o mínimo indispensável à convivência comunitária.
No entanto, pode haver bens jurídicos e condutas atentatórias de bens jurídicos que
têm dignidade penal e que, todavia, podem ser acauteladas por meios sancionatórios menos
severos, sendo que aqui o direito penal não deve intervir.
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pretende regular todos os setores sempre que estiver em causa uma lesão grave do bem
jurídico.
O legislador, sempre que estiver a regular matéria penal, tem, então, de atender
cumulativamente a estes dois requisitos, caso contrário, incorrerá numa
inconstitucionalidade material, por violação do artigo 18.º nº2 e do princípio da
proporcionalidade em sentido amplo.
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Exemplo: Segurança rodoviária. Nas condutas que atentam contra a segurança rodoviária
está a condução sob efeito do álcool, entre 0.5 e 1.2g/l no sangue. Tendo o Direito Penal
caráter fragmentário, não vai tutelar a segurança rodoviária contra todos os atentados, só
contra aqueles que são mais graves, neste caso, em que a taxa de álcool seja superior a 1.2
gramas de álcool por litro de sangue.
Descriminalização e Neocriminalização
Neste contexto, não há dupla punição, simplesmente são coisas diferentes que estão
em causa, o que distingue verdadeiramente o Direito Penal dos outros ramos de direito não
é o objeto de tutela, mas sim a perspetiva da tutela do direito. Tanto o Direito Civil como o
Penal, intervêm para proteger o património e a vida, mas protegem à luz de terminologias
diferentes.
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menor do que nos outros ramos de direito, bem como face ao caráter subsidiário que institui
que limita a tutela penal para ultima ratio (em última circunstância).
Segundo esta função, o direito define a esfera de liberdade de cada cidadão, o ónus e
deveres de cada um. Por isso, o direito procede, neste contexto, a uma repartição dos custos
e da existência coletiva, ou seja, reparte aquilo que cada um deve beneficiar da vida em
comunidade e também dos custos, definindo uma ordem de justiça distributiva.
O ilícito traduz-se, para os ramos de direito que se inserem nesta função, no desvalor dos
parâmetros de justiça distribuída, e acontece sempre que alguém está a receber menos do
que devia receber. Deste modo, as sanções possuem uma finalidade compensatória
(espécie ou equivalente) que visam repor o lesado na situação em que estava antes e que
ainda estaria se a lesão não se tivesse verificado.
O que está em causa é a tutela da esfera jurídica dos cidadãos, pelo que o ilícito só se
verifica quando existe um dano. Deste modo, por mais censurável ou reprovável que a
conduta seja, se não lesou a esfera jurídica e, portanto, não lesou a ordem jurídica
distributiva, a conduta é indiferente para o Direito Privado. Ex.: A dispara contra B (surdo),
mas não acerta – causou zero danos, então é indiferente para o direito civil porque não
houve dano efetivo.
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Então, não chega uma indemnização porque deve haver uma sanção associada à violação
futura para afastar as pessoas da prática de ilícitos, impondo assim o respeito pelos bens
jurídicos em causa.
Outra característica que se destaca nesta função é a ligação que tem com a função
punitiva, dada ao facto de a proteção dos bens jurídicos exigir uma sanção adicional. Por
essa razão, não é necessário verificar-se o dano, ao contrário do que acontece no Direito
Civil, no Direito Penal basta a pura desobediência à norma, basta a tentativa – daí que
existam crimes de perigo2/ tentativa.
● Objeto de proteção da norma: é o concreto bem jurídico. Pelo que o Direito Penal
intervém depois do crime ter sido praticado (ex.: “não mates, não furtes, não
roubes”).
● Objeto de proteção da sanção: é a própria norma e o núcleo do ilícito está no
desvalor da ação, o próprio desrespeito da norma (não é preciso haver a morte para
haver um delito consumado). Faz com que no futuro haja menos violações da norma,
2
Crime de perigo: o legislador criminaliza algo antes de existir um desrespeito da norma.
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logo há menos violações de bens jurídicos. As sanções não têm finalidades
compensatórias, em consequência disso, antes visam prevenir a prática desses
crimes.
É por referência a esta definição que tem de funcionar tudo aquilo que foi
previamente referido (necessidade de pena, dignidade penal, carácter fragmentário).
Finalmente, é importante salientar que o Direito Penal não esgota este campo,
inclui-se ainda, por exemplo, entre outros ramos, o de Direito de Mera Ordenação Social
(aborda contraordenações e consequentes coimas).
Figueiredo Dias: “... para definir materialmente o crime, a verdade é que um preceito
legal pertencerá apenas ao nosso ramo do direito se e quando, para sancionamento de um
certo comportamento ilícito ou antijurídico que prevê, for prescrita uma pena ou uma
medida de segurança criminais...”.
Figueiredo Dias: “Pode-se dizer que a questão dos fins das penas constitui a questão do
destino do direito penal e do seu paradigma.”
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Teorias Absolutas ou Ético-Retributivas3
Deste modo, a pena é vista como uma retribuição e não como uma forma de defesa
pessoal sendo, portanto, o justo castigo em si. Por essa razão, seria um fim em si mesma, a
realização de um fim de justiça.
A pena viria a ser, por isso, proporcional à gravidade do crime: é o resultado da ação
censurável da lesão de bens jurídicos essenciais.
Nesta medida, se a pena seria a “justa paga” pela prática do crime, para esta teoria, a
gravidade da sanção tem de refletir a gravidade do próprio crime. Ou seja, tem de haver
uma proporcionalidade axiológica, e não uma proporcionalidade na espécie olho por olho,
dente por dente. A gravidade da pena deve corresponder à gravidade do crime praticado.
Pela gravidade da sanção dever ser proporcional ao crime, concluiu-se que o facto é
pressuposto, ou seja, sem crime não há sanção, e medida da sanção, a sanção é a justa paga
e, por isso, tem de haver proporcionalidade.
Figueiredo Dias: ”A medida concreta da pena com que deve ser punido um certo agente
por um determinado facto não pode ser encontrada em função de outros pontos de vista
que não sejam o da correspondência entre a pena e o facto.”
3
Os autores que defendem esta conceção partem da liberdade humana.
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Nesta teoria, o Direito Penal não pretende prevenir crimes futuros, mas sim reprovar os
que já foram cometidos - funciona com os olhos postos no passado.
Esta crítica vale pouco, porque se não se prova cientificamente a liberdade, também
não se prova a falta dela. Todos têm um espaço, por mais ínfimo que seja, em que se pode
decidir sobre as atuações diárias, daí que se ache normal que se premeie quando se pratica
atos positivos, ou se castigue quando se pratique atos negativos. O problema da liberdade é
o da adesão.
Dois males serão sempre piores do que um, logo um mal não justifica outro mal.
Num quadro de Estado de Direito a vingança não pode ser o fundamento do Direito Penal, o
castigo pelo castigo não pode ser justificação.
3) Críticas aos efeitos práticos: a retribuição não atende aos imputáveis normais ou
por tendência/delinquentes especialmente perigosos, tendo dificuldade em dar
resposta à criminalidade endógena.
Acredita-se que haja uma propensão para a prática de crimes, pelo que há uma
tendência que arrasta a pessoa a cometê-los, logo, essa pessoa é naturalmente menos livre
que o criminoso comum, pois tem menos escolha quando pratica crime, uma vez que faz
parte da sua própria natureza.
Se são menos livres, são menos culpados, portanto, o crime é menos grave e a pena
tem de ser, também, menos grave. Forma-se aqui um contrassenso, na medida, em que é
esquecido o facto de que esses criminosos “menos livres” são precisamente os mais
perigosos: paradoxalmente esta teoria acaba por aplicar aos criminosos mais graves as
sanções mais levianas, deixando a sociedade completamente indefesa contra estes
fenómenos. Deste modo, tem de chamar em seu auxílio a prevenção especial.
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Desta crítica ainda se formula uma outra:
4) Revela insuficiências quanto aos inimputáveis, a doutrina não lhe dá resposta, tem
de se chamar a doutrina da prevenção especial.
No entanto, não dá, isoladamente, uma resposta satisfatória. Por isso, a retribuição ou
compensação da culpa não é nem pode constituir uma finalidade da pena.
A sanção não é um fim em si. A sanção pretende evitar uma repetição do dano e da
violação da norma. A pena é um meio de defesa social contra a criminalidade. → O Direito
Penal tem os olhos postos no futuro.
Prevenção Geral
Assim, a pena deve ter um quantum de intimidação para afastar potenciais delinquentes.
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sanção mais grave de forma a evitar que as pessoas o repitam, tendo por base a
intimidação geral.
○ Esta teoria atua através de um quantum de sofrimento, suscetível de levar,
pelo medo, os potenciais criminosos a não praticarem o crime.
○
● Teoria da coação psicológica (P.A.Feuerbach): Se o criminoso pratica um crime é
porque a prática do crime dá uma espécie de prazer/benefício. Nesse sentido, a pena
deve conter um quanto de sofrimento superior ao desprazer de não praticar o crime.
Esse sofrimento deve ser uma intimidação para aqueles que sentiriam prazer
cometendo o mesmo crime.
○ A coação psicológica seria feita a dois níveis: a nível da ameaça (previsão na
lei das penas) e a nível da execução (confirmação da ameaça).
Entende-se que a sanção pode ser muito mais grave do que a que resultaria da
simples proporcionalidade, porque o crime constituiu um exemplo que pode levar outros a
praticá-los, então, a função seria a de intimidar a generalidade das pessoas, aplicando uma
pena severa em ordem a que os potenciais criminosos ficassem dissuadidos de cometer o
crime.
O crime continua a ser pressuposto da sanção, mas já não é medida, pelo que a pena
passa a ser atribuída para necessidade de prevenção geral, por isso, já não pretende a justa
paga, mas pretende antes defender a comunidade, pois a medida será dada pela
necessidade de prevenção geral. É uma doutrina preventiva, visando a defesa social perante
o crime.
A pena pretende intimidar, só que a pura lógica da prevenção geral admite que, em
crimes de diminuta gravidade, se apliquem penas demasiado severas para instrumentalizar
um criminoso, levando outros a não praticar os mesmos crimes. Tem de haver limites de
proporcionalidade, já que a pena já não é medida do crime.
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2. A prevenção geral é contraditória porque pode levar ao efeito que pretende evitar: a
movimentos de solidarização com o concreto crime4 ou de solidarização pelo
delinquente.
3. A teoria afirma que para prevenir o crime é preciso aplicar sanções pesadas. No
entanto, provou-se que a brutalidade/severidade das penas não equivale a
prevenção. O que é de facto importante são as instâncias formais de controlo. Se as
instâncias formais de controlo funcionarem devidamente, a pena pode limitar-se ao
justo e ser proporcional à gravidade do crime, sem ter de incorrer em penas brutais
para dissuadir o potencial criminoso.
4. Outra crítica é o fenómeno da habituação social (dado provado cientificamente): o
crime diminui temporariamente num curto prazo devido ao aumento das penas, mas
volta a aumentar pouco depois.
Deste modo, o aumento das penas pode levar à sua prevenção, reduzindo-se a
prática de crimes, mas a médio-longo prazo volta à situação original, porque se deu o
fenómeno de habituação social daquela pena. Assim, acaba por ter um efeito perverso,
porque uma sociedade que se habitua à violência, mesmo do Estado, é mais criminológica.
5. A prevenção geral deixa de fora os delinquentes que são mais perigosos, porque os
imputáveis com tendência/delinquentes especialmente perigosos não se deixam
intimidar como o homem comum, precisam de medidas mais enérgicas.
A prevenção geral é sem dúvida importante – só o medo da sanção, por vezes, evita
crimes. É uma dimensão importante no âmbito da sanção penal, mas precisa de limites,
nomeadamente de justiça que têm de ser retirados da doutrina ético-retributiva. Em síntese,
é um vetor a ter em conta na luta contra o crime, mas por si só, não permite uma resposta
adequada para os problemas da criminalidade porque não dá resposta em relação aos
criminosos especialmente perigosos e pode levar a um Direito Penal injusto.
Prevenção Especial
A pena é um simples meio de defesa social e não um fim em si mesmo. Defende que
a prevenção deve atuar sobre o concreto delinquente. Se houve quem cometeu um crime,
4
Como o caso em que uma cidadã portuguesa foi apanha em Macau por tráfico de droga, sendo condenada à
pena de morte. Isto gerou uma tamanha onda de solidariedade por ser excessiva a pena tendo em conta o
crime praticado.
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também há o risco deste ser repetido, por isso deve atuar-se de forma a evitar crimes
futuros, não atuando assim na generalidade das pessoas.
O criminoso é uma pessoa em crise, pelo que as sanções devem procurar dar as
condições para que o delinquente viva, no futuro, sem praticar crimes, através de terapias
de grupo, formação profissional, etc.
Importa não confundir este conceito com regeneração moral, uma vez que o Direito
Penal apenas defende bens jurídicos essenciais, não atende a nenhuma moral social,
religião, entre outros. Não é suposto converter uma pessoa porque seria uma invasão da
esfera privada de cada um, o que se pretende realmente é evitar a reincidência – prevenção
de futuros crimes.
A ideia da prevenção especial mudou muito durante certos períodos históricos, mas
teve uma expressão extrema no virar do século XIX para o século XX, apoiando-se no
positivismo naturalista, que também se expressou no Direito Penal.
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Decorrente do pensamento da época, surge uma perspetiva, a propósito da Escola
Positiva Italiana e da Escola Alemã, que negava a liberdade individual e afirmava que certas
pessoas nasceriam causalmente determinadas para a prática do crime, surgindo os
conceitos:
O autor pretendia identificar estes sujeitos antes que praticassem o crime, atuando,
assim, o Direito Penal de modo ex ante. Ao negar a liberdade humana, nega-se,
consequentemente, a culpa. Falava-se, portanto, em perigosidade, pelo que o
comportamento humano estava entregue à causalidade e a conduta humana seria
condicionada por fatores externos como qualquer outro fenómeno naturalístico (sismos, por
exemplo) apenas aumentando o número de variáveis (mais complexo, portanto).
Assim, seria necessário descobrir, através de métodos científicos, quem seriam essas
pessoas dentro da sociedade. Alguns autores, nomeadamente o fundador da escola positiva
italiana (Lombroso), permitia isolar e identificar esses elementos perigosos mesmo antes do
crime, na medida em que tentar-se-ia definir os delinquentes – aqueles que nasceram já
para a prática do crime. Por essa razão, seriam identificados por características físicas e
psicológicas, aliadas a certos modos de vida, que demonstrariam que eram delinquentes e
agir-se-ia adequadamente se se identificasse o elemento perigoso – analogia entre a sanção
penal e a anatomia.
São visões extremas da prevenção especial que afirmavam que o crime não era nem
pressuposto nem medida e o objeto de ação era a perigosidade mostrada pelo agente, pelo
que atualmente a defesa da prevenção especial não passa por estas posições.
Como referido, tirando algumas exceções ao longo da história, não surgem teorias
puras unilaterais só de prevenção geral ou prevenção especial, pois nenhuma das teorias
responde de forma completamente satisfatória. Dada a insuficiência de cada uma destas
orientações para, por si só, darem conta do problema de delinquência, sempre houve a
necessidade de as combinar.
Explanadas as teorias supra, importa deixar claro que a ordem de exposição não
corresponde necessariamente a uma sequência histórica. Há períodos em que se verifica a
prevalência da prevenção especial ou geral e outros da retribuição.
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1) Se na prevenção geral era o perigo de um direito penal demasiado severo, aqui o
perigo é o de um direito penal terapêutico, com práticas em que se assemelham as
reações criminais à medicina (ex.: lobotomias) – uma total indeterminação das
sanções; deixando os cidadãos à mercê do Leviatã que é o Estado.
2) Também a prevenção especial revela insuficiências para dar resposta a certos setores
da delinquência, nomeadamente da delinquência ocasional.
Por si só consideradas, todas as teorias têm insuficiências - cada uma das teorias,
isoladamente, não responde de forma completamente satisfatória ao problema da
criminalidade e por isso funcionam em conjunto umas com as outras.
Isto levou a que alguns autores que partiam dos pressupostos extremos da
prevenção especial a introduzir alguns limites. Por isso, construíram-se as doutrinas de
prevenção integral – o ponto de partida é a prevenção especial extrema (total
indeterminação das sanções), mas corrige-o no ponto em que a pena, enquanto se mantiver
a perigosidade, mantém-se. Todavia, haveria sempre um mínimo de pena a aplicar-se em
nome da intimidação geral. Devido a estas insuficiências, há que combinar as três teorias de
forma a dar uma resposta satisfatória ao crime.
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Síntese:
Parte da prevenção geral, mas diz que a medida de pena adequada à intimidação não
é fixa e determinada, porque há uma janela/período de tempo que cumpre a ideia de
prevenção geral. Assim, deixa de fora a ético-retribuição, baseando a pena na prevenção
integral e intimidação, atendendo à perigosidade do delinquente.
Além disso, a articulação com a prevenção especial tem uma espécie de engenharia
jurídica, porque a prevenção geral mede-se pela capacidade de intimidar o homem médio,
ou seja, quanto aos criminosos especialmente perigosos, não oferece resposta, porque estes
últimos não se deixam intimidar como os outros.
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Assim, aplicam-se as críticas da prevenção geral, uma vez que as penas não estão
sujeitas ao princípio da proporcionalidade e justiça, o que leva ao perigo do “Direito Penal
do Terror”. A pena excessiva pode gerar ainda movimentos de solidariedade para com o
criminoso, como já se viu, não tem em consideração a importância das instâncias de
controlo e não se consideram os criminosos especialmente perigosos.
Para dar resposta a essas críticas, Liszt introduziu uma alteração na teoria - haveria
sempre um mínimo de pena aplicável. Esta alteração satisfaz as exigências da prevenção
geral, para evitar a prática de delitos ocasionais. A pena passa a ser indeterminada somente
no seu máximo e já não no mínimo, independentemente de o sujeito ser perigoso ou não,
mas apenas porque cometeu um crime.
Nesta doutrina, a pena é um fim em si mesmo, será sempre a justa paga pelo mal do
crime. Aqui, o agente, conceptualmente livre, tinha a possibilidade de decidir entre praticar
ou não o crime e optou por o praticar.
5
Paralelismo com a medicina: se o paciente não evolui, então aumenta-se a dose, e quando está curado, então,
termina a terapia.
6
Já foi uma doutrina prevalecente em Portugal.
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Parte então da ideia de que o crime é pressuposto e medida da sanção, pelo que não
há pena sem culpa, mas também não há culpa sem pena. Desta maneira, pretende aplicar
ao criminoso uma pena proporcional à gravidade do crime e essa gravidade mede-se pela
ponderação dos ilícitos e da culpa.
Por saber de tal incompletude da sua doutrina, introduziu, então, uma modificação
nos seus pressupostos: a pena justa é suficiente para produzir a intimidação geral.
Neste sentido, entende-se que, no dia a dia, todos são responsáveis por si próprios
nas respetivas escolhas que tomam, na medida em que se vão adquirindo hábitos e
tendências, em relação às quais somos igualmente responsáveis, começando estes hábitos e
tendências a fazer parte de nós. Assim, o criminoso passaria pela culpa do facto e pela culpa
da formação da personalidade e, por essa tendência ou hábito, é, então, arrastado para o
crime. Introduz aqui aquilo que se tinha perdido na culpa do facto, podendo chegar a uma
pena que considerasse a perigosidade na sua totalidade.
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responsável e culpado. Porém, isto não pode ser sustentáculo do funcionamento da justiça
penal.
● O problema desta teoria não está na ideia, mas sim ao tentar operacioná-la no plano
concreto. Assim, como é que o juiz pode averiguar se alguém teve ou não culpa nos
hábitos criminais?
● Continua a aceitar o ponto de partida retributivo, compreendendo a pena como um
castigo e fim em si mesma - a velha ideia da vingança privada, que não é uma ideia
que possa funcionar no quadro de um Estado de Direito. A ideia desta teoria é
argumentar a favor de um monismo, afirmando que para os imputáveis
especialmente criminosos basta a pena.
● A prática do crime não pode ser a única razão para a aplicação de uma sanção. O que
o professor Eduardo Correia pretendia era encontrar um artifício de engenharia
jurídica que lhe permitisse, sem sair da pureza ético-retributiva, resolver os seus
problemas. Mas em concreto, não é possível. Em suma, não pode ser aceite qualquer
ideia ético-retributiva stricto sensu no Direito Penal.
Afastadas as doutrinas de prevenção especial, Claus Roxin avança, nos anos 70, com
uma doutrina que procurava fazer funcionar as várias teorias de pena em momentos
diferentes:
É uma doutrina desastrada porque não se pode dizer que no momento da lei só
funciona a prevenção geral, mas depois dizer que a pena tem de ser definida de acordo com
os ideais de justiça, por isso, também tem de estar presente a ideia de justiça. Além disso,
no momento do julgamento o juiz deve procurar aplicar a pena adequada e justa, mas
também ter em atenção a prevenção geral e especial. Finalmente, quanto à execução, deve
este momento atender à prevenção especial, mas também ao respeito e dignidade do
recluso.
Em síntese, em todos os momentos devem intervir todos os fins para que sejam
cumpridas as finalidades da justiça, demonstrando, assim, a incoerência desta teoria.
26
Prevenção geral positiva ou de integração7
Esta é uma perspetiva mais moderna, com maior adesão em Portugal (na atualidade)
e a adotada no curso de Direito.
A matriz desta doutrina é uma teoria de prevenção geral porque pretende atuar, em
primeira linha, sobre a generalidade da sociedade. A sua finalidade positiva ou de integração
é contrária ao raciocínio feito na prevenção geral clássica e consiste em atribuir à pena,
como objetivo primeiro, a reafirmação contrafática da norma. Pretendendo o
restabelecimento da confiança comunitária no direito e a continuação da vigência daquela
norma.
Portanto, o crime é a violação de uma norma e, por isso, retira força vinculativa à
mesma, pelo que pode haver multiplicação da delinquência. O que o juiz faz ao aplicar a
pena é dizer que a norma mantém o seu valor e força – vertente simbólica de aplicação da
pena.
Posto isto, defende uma pena de acordo com os critérios de justiça - limites de
justiça -, pois se uma pena não for justa gera maior desconfiança da comunidade no Direito.
Assim, a pena tem de ser proporcional à gravidade do crime.
Limites da Justiça:
7
Há várias orientações dentro desta e nem todas apontam num sentido de respeito pela dignidade humana,
nomeadamente a de Jakobs do Direito Penal do Inimigo que defende a prevenção geral positiva de integração
mas utilitária.
27
Artigo 40º e 74º do CP (Código Penal) – concretização da conceção unilateral da
culpa, ou seja, a culpa é só um limite, não fundamento da punição. A haver pena, não pode
ultrapassar o limite da gravidade da conduta culposa.
Para se poder atender a estes critérios de justiça, tem que se atender a cada caso
individualmente como já visto, então é possível, como desejava a teoria de prevenção
especial, verificar a perigosidade de cada agente. Mais ainda, a análise caso a caso permite
distinguir o imputável do inimputável, podendo aplicar-se a diferenciação de tratamento, daí
a necessidade das medidas de segurança.
Desta maneira, afasta-se o perigo do Direito Penal de terror (prevenção geral no seu
extremo) e o perigo do Direito Penal terapêutico (prevenção especial no seu extremo).
Deste modo, têm uma característica especial em relação às penas. No caso das
penas, não pode haver pena sem culpa e nenhuma pode ultrapassar na sua medida a
gravidade. Não se pode dizer o mesmo das medidas de segurança, que têm como objetivo a
prevenção especial. Na sua origem, foram pensadas para inimputáveis.
28
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do
facto e à perigosidade do agente.
Nº1: Não há retribuição, a ideia da pena não é castigar; salienta, em excluir os outros
fins, a reintegração do delinquente, prevenção especial positiva (aspeto essencial do Estado
de Direito Social).
Nº2: A culpa é limite e não fundamento. A pena não pode ultrapassar a medida da
culpa, mas pode ficar aquém - consagra a conceção unilateral ou unívoca do princípio da
culpa (observa-se o repúdio do legislador por uma conceção puramente retributiva);
Neste sentido, as medidas de segurança também possuem limites, uma vez que não
atendem à culpa e assentam na ideia de proteção dos direitos dos arguidos perante o
próprio Estado. Aplicam-se maioritariamente a inimputáveis, mas não só.
No estabelecimento desses limites à sua aplicação está o problema de fazer com que
não caia no extremo do “direito penal terapêutico”, sem respeito à dignidade humana. Neste
sentido, a doutrina foi elaborando um conjunto de princípios no âmbito de nortear a
aplicação de medidas de segurança que constituem então limites para o respeito da
dignidade humana:
As medidas de segurança só se aplicam nos casos expressos na lei, bem como nas
condições estabelecidas por lei.
29
● Princípio da proporcionalidade – tem mesma função que o princípio da culpa nas
penas - é um limite.
A restrição de direitos do arguido deve ser proporcional à gravidade dos crimes, mas
de que crimes? Dos crimes que se espera que o agente possa vir a cometer no futuro. A
proporcionalidade de que se fala neste princípio é distinta daquela que diz respeito às penas
(que olham para o passado).
É também posto em causa o Escalation Effect, que dizia que os criminosos começam
por crimes mais leves e iam agravando, mas provou-se que isso estava errado porque a
oscilação da gravidade dos crimes era de 1 para 4% (ou seja, de 20 para 24 ou 24 para 20,
por exemplo), por isso as cadeiras criminais mantinham uma gravidade média. Assim, o
crime que tinham praticado antes era indício para a gravidade do crime que seria praticado a
seguir.
O Direito Penal atende à culpa do agente, mas sempre numa ótica de subjetividade
que se manifesta a nível fáctico. A subjetividade só pode ser tomada em consideração desde
que concretizada no princípio do ilícito-típico, ou seja, efetivada num facto (perigosidade de
acordo com o crime praticado - se é um crime contra o património, a perigosidade é medida
quanto a futuros crimes patrimoniais).
● Princípio da judicialidade
A doutrina continua a afirmar estes princípios porque dizia-se (muito por influência
das teorias ético-retributivas) que as medidas de segurança não eram medidas penais, mas
sim administrativas de higiene pública. Esta ideia já está ultrapassada. A medida de
30
segurança tal como a pena tem fins preventivos, simplesmente aplicam-se a criminosos
diferentes.
Estas querelas visam dar resposta à questão de se saber se, num determinado
processo, pela prática de um só crime, o agente pode ser alvo cumulativamente de penas e
medidas de segurança.
Os monistas dirão que não, justificando que as medidas de segurança são para os
inimputáveis e as penas para os imputáveis.
Além disso, também se pode justificar esta afirmação por uma questão ligada ao
circunstancialismo histórico pelo que antes do 25 de abril havia um regime autoritário, que,
consequentemente, possuía um regime de aplicação de medidas de segurança aos
dissidentes políticos, havendo também a possibilidade de prolongamento dessas medidas
enquanto houvesse essa dissidência. O tempo de aplicação das medidas era indeterminável.
31
● Medidas de segurança não detentivas – Art. 100.º e ss. do CP. O legislador admite a
aplicação cumulativa de penas a imputáveis: demonstração do sistema dualista.
● Medidas de segurança detentivas – Art. 91.º do CP. Aqui o legislador restringe o
internamento aos inimputáveis.
Aparentemente, aqui, os monistas teriam razão. Mas a verdade é que não, uma vez
que se trata de uma técnica legislativa, porque no artigo 83º do CP está regulada a pena
relativamente indeterminada – em que uma pessoa é condenada a uma pena de dois ou
mais anos de prisão e mais tarde é-o novamente. Quando há fundados indícios desta
repetição deve o juiz aplicar uma pena relativamente indeterminada – o agente tem de
cumprir um mínimo de pena, dependendo o máximo do desenvolvimento da sua execução,
ou seja, durante o cumprimento da pena acompanha-se a evolução do delinquente quanto à
perigosidade e ele será libertado quando mostrar determinadas melhorias. Esta pena não é
uma verdadeira pena, é uma sanção mista – metade pena, metade medida de segurança.
Sendo esta pena uma sanção mista que se traduz numa reclusão, numa medida de
segurança privativa de liberdade, e considerando que toda a privação da liberdade que vá
para além da pena aplicável ao crime é uma medida de segurança, pode dizer-se que este
artigo 83º e ss. são a consagração do sistema dualista nas reações criminais.
32
procura da verdade e o respeito pelos direitos fundamentais (que marca a autonomia
própria do Direito Penal).
Importa fazer distinção do direito penal clássico (ou de justiça) e do direito penal
secundário. Para isso, é necessário voltar atrás e ter em conta que o Direito Penal tutela
bens jurídicos essenciais, que dependem da estrutura social, das convicções de cada época,
daí os fenómenos já estudados de neocriminalização e descriminalização. Assim sendo:
Uma criança, através dos processos de integração normal, vai apreendendo estes
conteúdos ilícitos, quase ao nível do senso comum.
No direito penal secundário, o cidadão que quer viver de acordo com o Direito não
conhece a norma se esta não lhe for indicada. O cidadão só pode apreender essas normas e
comportamentos se lhe for dado conhecimento. Por isso, neste direito fala-se de áreas
específicas que escapam ao senso comum.
Não é menos grave por ser secundário, os danos sociais destes ilícitos até podem ser
maiores do que os do direito penal clássico. Em ambos os casos estão em causa ilícitos
graves.
O que o direito penal secundário faz é adaptar as particulares características do setor
em causa: no plano substantivo (para permitir a maior adaptação e elasticidade que permita
consequentemente uma evolução) e no plano adjetivo/processual.
33
Natureza Pública do Direito Penal e Contraposição com outros ramos de Direito
O Direito Penal tutela as normas de determinação que, por sua vez, tutelam esses
bens jurídicos, não os bens jurídicos em concreto.
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Figueiredo Dias: “ De um ponto de vista material, o relacionamento entre o direito
constitucional e o direito penal constitui uma das questões mais complexas da disciplina.”
O Direito Penal tem finalidades próprias e o Direito Constitucional será para ele um
referente - Arts. 27º e seguintes da CRP: chamados a constituição penal, são formalmente
constitucionais, mas são, de facto, normas penais.
É mais fácil de se comparar porque se fala das duas funções da ordem jurídica:
conformação/ordenação e proteção/garantia.
O Direito Penal olha para o futuro, tem uma função de proteção/garantia, na medida
em que a ordem merece tutela, por isso, sempre que haja lesão de um bem jurídico
essencial, então o Direito Penal intervém sem finalidade de compensar o dano, mas sim de
prevenir para o futuro.
Também se pode fazer esta contraposição com direito administrativo em geral, que
embora direito público, também intervém na ordem de justiça distributiva (ex.: ideia do
rendimento garantido), como o Direito Privado.
Por isso, apesar da diferença entre direito administrativo e direito privado, no plano
da contraposição das disposições fundamentais em relação ao Direito Penal, as razões são as
mesmas. São ramos que se incluem na função de reparação, distinta do Direito Penal.
35
Levanta-se, finalmente, o problema de contrapor o Direito Penal a outros ramos do
direito que também se incluem na função de proteção/garantia - outros ramos do direito
sancionatório/direito punitivo:
Tal como o Direito Penal, também as normas do direito disciplinar têm natureza de
determinação. Pretendem comandar a atuação dos funcionários públicos em ordem à
correta prossecução dos interesses públicos. A diferença entre o penal e o disciplinar está na
natureza dos bens jurídicos em causa. Neste caso, são bens jurídicos internos – disciplina,
competência, hierarquia; são bens jurídicos muito relevantes, com natureza pública, mas
que têm um relevo inferior aos bens jurídicos criminais. Esta diferença repercute-se na
modelação das condutas.
Nestes termos, no Direito Penal há ainda um princípio de nullum crimen sine lege,
porque sendo as sanções mais graves há uma necessidade de precisão. No ilícito disciplinar
há o recurso a cláusulas gerais e conceitos indeterminados, que é impensável no Direito
Penal, devido a uma necessidade de adequação à atividade administrativa. As sanções são
também mais leves que no Direito Penal, mas podem afetar de forma gravosa a vida das
pessoas, daí haver sempre a possibilidade de recurso para os tribunais administrativos (a
mais grave é o afastamento compulsivo).
É importante reter que o ilícito disciplinar e penal são autónomos por isso podem
verificar-se em conjunto com sanções diferentes, mas pode acontecer que a infração penal
absorva o conteúdo da infração disciplinar com que é aplicada a norma penal e só se pode
36
avaliar à luz dos preceitos em causa e de acordo com o caso concreto – é a assunção penal.
Mas, em princípio, são domínios diferentes.
O nosso Direito Penal atual não considera a divisão tripartida do código napoleónico
nem a divisão bipartida de inspiração brasileira, por isso, este direito surge com a função de
aliviar o campo do Direito Penal, de infrações, como as contravenções, que incluíam as
“bagatelas” penais, mas que não tinham dignidade penal, e que podiam ser acauteladas
através de sanções mais leves e menos gravosas. Isto porque apenas continham finalidades
organizatórias e funcionais – estacionamento, regras de tráfego, etc.; o que estava em causa
eram valores públicos importantes, mas que verdadeiramente eram bens jurídicos
instrumentais.
Daqui resultava uma intoxicação dos tribunais, no entanto, com a criação deste
Direito aliviou-se a carga dos tribunais. Este ramo tutela, então, a vida em sociedade, os
cidadãos. Assim, a diferença entre o Direito Penal e o Direito de Mera Ordenação Social está
na gravidade das infrações do bem jurídico - critério qualitativo (isto é, se é ou não
necessária a atuação do Direito Penal, porque ainda que o bem tenha dignidade penal, o
Direito Penal só pode atuar, baseando-se no critério da proporcionalidade, ou seja, se for
necessário).
37
As coimas são predominantemente patrimoniais. As únicas sanções que estão
previstas a título principal são as pecuniárias, mas admite-se como sanção acessória outro
tipo de sanções.
Em síntese, a inicial ideia e também o que autonomizava este direito do Direito Penal
era analisada em três vertentes:
8
Há a possibilidade de impugnação judicial da decisão administrativa para os tribunais comuns, e também
estabelecida a possibilidade em relação às contraordenações mais graves para o tribunal da relação.
38
Título II - Teoria da Lei Penal
Seria inaceitável que uma norma jurídica penal afirmasse que o crime é toda a
conduta que violar os bens jurídicos essenciais. Assim, a delimitação do crime deve sempre
ser expressa da forma mais clara possível e é feita pelo princípio da legalidade.
Deste modo, o princípio da legalidade afirma que ninguém pode ser punido pela
prática de um crime a não ser que essa conduta praticada tenha sido previamente
estabelecida como punível por lei anterior e ninguém pode sofrer com uma pena a não ser
que essa pena esteja previamente estipulada em lei anterior e seja definida especificamente
para a conduta praticada.
Este enunciado não deriva do direito romano, pois este não reconhecia o princípio da
legalidade como se conhece hoje - deriva, sim, do Direito Penal moderno.
Também as medidas de segurança não podem ser aplicadas sem que os seus
pressupostos estejam definidos por lei anterior - daí a necessidade do nº2 do artigo 1º do
CP, como forma de evitar a possibilidade de o legislador ordinário perverter a aplicação das
leis, qualificando como medida de segurança aquilo que era uma pena.
Mas nem sempre foi assim, durante muito tempo, nomeadamente durante a vigência
do Código Penal de 1886, as normas relativas às medidas de segurança eram de aplicação
imediata e não se implicava a sua aplicação retroativa (porque é relativa a um estado de
perigosidade, pelo que aplicando-se imediatamente estava a aplicar-se a algo que era atual).
Mas os códigos modernos vêm estabelecer um regime próximo das penas para vincular a
segurança dos particulares próximo das burlas.
Desta forma, decidir o que é crime ou não é da soberania do povo e, por isso, deve
ser o órgão com representação do povo a tomar essas decisões – trata-se do poder
legislativo. No caso de Portugal, fala-se da Assembleia da República (art.165º al. b) da CRP).
9
Para haver crime, tem de existir uma lei anterior que estabeleça o ato como tal;
10
Para haver pena (sanção), tem de existir uma lei anterior que a estabeleça como consequência para
determinado crime.
39
Por estas razões, este princípio da legalidade é um limite ao ius puniendi estatal,
impedindo que o Leviatã do Estado persiga os privados – segurança dos particulares. Assim,
este princípio caracteriza-se na exigência de lei prévia, escrita, estrita e certa:
● Prévia – tem de existir lei anterior a qualificar crime, estabelecer pena e/ou os
pressupostos de medidas de segurança;
● Escrita – para afastar o costume (realidade fluída que não é fonte de direito em
Portugal) e os usos da definição de crime e pena; visa definir bens jurídicos essenciais
à convivência comunitária; A matéria penal é de competência reservada da
Assembleia da República pelo que deverão ser os representantes do povo com o
poder legislativo a fixar a matéria penal vigente e a prever os bens jurídicos
essenciais; o Governo pode legislar sobre matéria penal sob autorização legislativa
da Assembleia da República;
● Certa – no sentido de dever ser determinada pela mesma exigência de segurança e
certeza da aplicação do direito. Exige que esteja redigida em termos certos com
conteúdo determinado, que previamente à conduta do sujeito, este possa saber se a
conduta é lícita ou ilícita.
Não significa que o Direito Penal não possa contemplar conceitos indeterminados e
cláusulas gerais, porque pode, sob pena de a lei penal se tornar rapidamente obsoleta como
consequência de estar desatualizada. Mas é uma indeterminação que deve ser determinada,
ou seja, quando o legislador recorre a conceitos normativos, são conceitos indeterminados,
mas são determináveis sob conceitos objetivos.
1. Plano da fonte (art. 165.º nº1 al. c)): necessidade de lei formal, dos parlamentos.
Restringe a competência criminal (legislar e aplicar a lei) à Assembleia da República,
o Governo só poderá legislar em matéria penal com autorização da AR.
Surge o problema das normas penais em branco, nas quais o legislador recorre a
institutos de outros ramos do Direito, que não estão sob reserva da AR e provêm de
diplomas que não são da AR – não se trata de uma violação do princípio da legalidade,
porque é o próprio legislador penal (AR) que chama a si esses institutos de outros ramos,
para que atuem no Direito Penal.
2. Plano da extensão das matérias penais: este princípio vale para todo o Direito Penal;
abrange toda a matéria da incriminação. Assim, a exigência de lei restrita à AR vale
tanto para as matérias desfavoráveis ao arguido como para as favoráveis (exclusão da
responsabilidade ou de atenuação da pena).
40
materialmente nas matérias de agravação de reações criminais. Já nas matérias favoráveis, o
problema do legislador ir além ou não já não se punha.
O professor Almeida Costa discorda, porque entende que este princípio deve
abranger tudo, desde logo para evitar confusões (ex.: a AR criminalizar e o Governo
descriminalizar). Atendendo ao carácter essencial do objeto de intervenção penal, toda a
matéria penal deve estar sujeita a reserva de lei.
Os privados, perante a gravidade do Direito Penal, têm direito a saber o que está em
jogo, por isso as normas penais têm de ser claras e certas de forma a que os privados
possam evitar crimes e, consequentemente, evitar sanções - princípio de lealdade. Isto não
impede o uso de conceitos indeterminados e cláusulas gerais, desde que sejam objetivas e
claras.
Este princípio está consagrado no art. 29.º CRP e art. 1.º CP – a CRP contém em si
normas materialmente penais, devido à importância do Direito Penal, como já visto.
1. Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que
declare punível a ação ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos
pressupostos não estejam fixados em lei anterior.
2. O disposto no número anterior não impede a punição, nos limites da lei interna, por
ação ou omissão que no momento da sua prática seja considerada criminosa
segundo os princípios gerais de direito internacional comummente reconhecidos.
(...)
Assim, subjazem finalidades internas do Direito Penal: prevenção geral e especial que
pressupõem que o crime e a pena estejam previstos em lei anterior, porque para prevenir é
necessário que a população esteja informada.
Nº2: Vem alargar o âmbito da criminalização aos chamados crimes dos direitos das
gentes (crimina iuris gentium), ou seja, condutas consideradas crimes pelo ius cogens, que
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se consideram serem crimes contra a paz e a humanidade, que refletem valores e crimes
aceites universalmente aceitos e que são considerados universalmente como crimes contra
a humanidade (ex.: nazismo; caso Ruanda: crimes contra tutsis e hutus).
Estes crimes estão previstos na lei portuguesa, mas nos países em que não estão
previstos podem e frequentemente levantam problemas.11
1. Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por
lei anterior ao momento da sua prática.
2. A medida de segurança só pode ser aplicada a estados de perigosidade cujos
pressupostos estejam fixados em lei anterior ao seu preenchimento.
3. Não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime, definir um
estado de perigosidade ou determinar a pena ou medida de segurança que lhes
corresponde.
11
O Direito Internacional Público (DIP), neste ponto, é a lei, por isso, mesmo que não esteja previsto na lei, será
de admitir como uma boa doutrina, não sendo então uma exceção ao princípio da legalidade porque todos
estes valores protegidos pela criminalização das condutas atentatórias contra a paz e humanidade assentam na
lei.
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1. Legis – um determinado instituto não tem regulação, mas há um regime previsto na
lei que, por analogia, pode aplicar-se a esse instituto enquanto situação análoga,
depois de confirmada determinados pressupostos;
2. Iuris – não há regime, então o intérprete cria uma “norma” nova segundo o espírito
do sistema para regular a situação.
Nº3: Não se pode recorrer à analogia para colmatar as lacunas penais; não se pode
usar a analogia para aumentar a pena, dizer que um ato é crime, etc. – aplicação de penas,
de medidas de segurança, de agravantes (ou seja, matéria desfavorável ao arguido). Não se
aplica a analogia legis, nem a analogia iuris. Por outro lado, em matéria favorável ao
arguido, a analogia é aplicável.
Ou seja, no Direito Penal, tanto o recurso à analogia legis ou iuris não pode funcionar
em matéria mais desfavorável ao arguido (in malem partem), isto é, em matéria de
agravação da pena ou declaração de pressupostos de declaração de perigosidade. Já em
matéria de exclusão de responsabilidade ou atenuação de responsabilidade, bem como a
exclusão da aplicação de pena é permitido, porque se o recurso à analogia se levar a algum
excesso do aplicador já não vai contra o arguido, mas a seu favor.
● Declarativa;
● Restritiva;
● Extensiva.
43
Na opinião do Professor Almeida Costa, o intérprete deve fazer uma interpretação
teleológica, objetiva e atualista.
● Deve ser objetivista porque o direito não está parado no tempo, por isso, para se
realizar a justiça material no âmbito criminal, o próprio texto da norma deve
adequar-se à evolução e deve procurar a melhor solução para o caso;
● Atualista por uma questão de se adaptar aos critérios de valor da lei à evolução
social.
44
3. Quando a lei valer para um determinado período de tempo, continua a ser punível o
facto praticado durante esse período.
4. Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível
forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime
que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação,
ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo
que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena
prevista na lei posterior.
O artigo 3.º do CP é o princípio regra que responde a estas situações, assim sendo, o
relevante será o momento em que o agente atua, ou devia ter atuado, independentemente
dos efeitos. Mas há exceções - retroatividade das leis de conteúdo mais favorável ao
arguido.
● Lei concretamente mais favorável – se há uma lei nova, e em princípio melhor, não
faz sentido continuar a aplicar a lei do momento na prática, então aplica-se a lei
concretamente mais favorável.
45
(2) Julgar à luz da lei nova.
Exemplo:
○ Lei do momento da prática do facto - pena de 2 a 6 anos de prisão;
○ Momento do julgamento - pena de 6 a 8 anos de prisão.
Parece que a 2ª é mais severa e, por isso, não se aplica retroativamente. Porém,
suponha-se que apesar de estabelecer em abstrato uma pena mais pesada, contempla uma
cláusula de exclusão de pena que não existia na 1ª. Neste caso a lei concretamente mais
favorável seria a segunda, caso se verificassem os pressupostos para efetivar a cláusula de
exclusão.
● A lei posterior pode, então, ser mais favorável de uma destas duas maneiras: ou a
conduta que era crime deixa de ser crime ou consagra uma sanção mais
favorável/menos grave para o agente.
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1. Descriminalização total de um comportamento em toda a ordem jurídica (são raras,
ex.: interrupção voluntária da gravidez), aplica-se o nº2;
2. Descriminalização, traduzida na conversão de um crime penal para
contraordenação, aplica-se o nº4;
3. Despenalização, onde a ordem jurídica continua a considerar o ato crime, mas
define uma pena menos severa, aplica-se o nº4.
Por exemplo: Sr. A foi condenado a 5 anos por um respetivo crime com pena entre os
4 e 6 anos. Entretanto, saiu nova lei que baliza a pena do mesmo crime entre os 2 e os 4
anos. Quando o Sr. A tiver cumprido 4 anos de prisão, será libertado automaticamente.
Se a lei nova for mais favorável não há problema de identificação, a lei nova aplica-se.
O problema coloca-se quando a lei nova é mais severa.
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(2) Na segunda parte aplicar-se-ia a lei nova (à execução permanente do crime
que coincide com a sucessão das leis).
Esta solução que parece à primeira vista ser muito garantística, não o é porque
substitui um crime de sequestro por dois, o que resulta num concurso de crimes, que é
punido mais gravemente.
Também não parece ser possível seguir uma outra concessão que é a de se o crime
começar na vigência da lei velha que é mais favorável, então, por essa razão, o delinquente
tem o direito de ser julgado por uma lei só, neste caso, a lei em vigor no início do ato
(doutrina com pouco acolhimento).
Este problema põe-se também para o crime continuado, que assenta numa hipótese
de concurso de crimes, assim, o agente praticou vários crimes e vai ser julgado apenas num
julgamento por esses crimes todos.
Isto porque o legislador, nos termos do artigo 30.º nº2 e 3 do CP, determinou que,
em certos casos de crimes, essa pluralidade de crimes vai ser tratada como um único crime
compilado que começa com um crime e termina com a consumação do último crime que
integra essa pluralidade.
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3. O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens
eminentemente pessoais.
Nestes casos, se a regra geral é a aplicação não retroativa da lei penal, importa saber
qual é o momento da prática do facto que se considera para efeitos da lei nova ou velha. A
regra geral é a do princípio da não retroatividade da lei penal. A determinação do tempus
delicti, do momento da prática do facto, é o critério unilateral que atende ao momento da
conduta e não ao momento do resultado. Como já visto, esta regra tem de abrir a exceção
da aplicação retroativa das leis penais de conteúdo concretamente mais favorável (artigo 2.º
do CP).
Leis Intermédias
● Art. 2.º nº 4 do CP
A lei intermédia é uma lei que vigora entre o momento da prática do facto e o
momento do julgamento, sem, todavia, estar em vigor em nenhum dos dois momentos de
ação. Imagine-se o seguinte:
L2 e L3 são leis intermédias, que não estão em vigor nos momentos mais cruciais do
processo. Assim, para a determinação da lei aplicável, relevam as leis intermédias?
A doutrina diz que sim. O juiz deve “julgar” à luz das 4 leis e aplicar a lei mais
favorável, isto porque o arguido não tem culpa da demora do processo. Por isso, as leis
intermédias relevam para o efeito de determinação da sanção mais favorável na medida em
que a responsabilidade do momento de julgamento cair na vigência de outra lei não é
responsabilidade do arguido, que, por esse motivo, não deverá ficar prejudicado por essa
razão. Logo, todas as leis intermédias devem contar com vista à determinação da lei
concretamente mais favorável.
49
Regra geral, estão ligadas a situações de calamidade pública, pelo que as leis de
emergência, são regimes de exceção (ex.: crise, guerra, seca, fome ou pandemia).
Estabelecem regimes mais severos.
Nas leis temporárias, via de regra, o que o legislador faz é fixar nas disposições finais
o tempo de vigência dessas leis.
A lei de emergência suscita alguns problemas - esta lei é de prazo fixo e o processo
criminal é prolongado. Isto significa que os crimes ocorridos em tempo de vigência da lei de
emergência seriam julgados no fim dessa vigência, ou seja, em regime normal, que é mais
favorável. Os crimes ocorridos na crise em questão, aplicando-se a retroatividade das leis
mais favoráveis, nunca seriam julgados pela lei de emergência (porque a lei normal é sempre
mais favorável).
Nestes casos o legislador não muda de conceção, muda sim o regime em vigor (mas
essa mudança não ocorre porque o legislador considera o crime menos gravoso, mas sim
porque a situação que deu aso à lei de emergência terminou).
Por exemplo: considere-se que num período de crise temos, inicialmente a L1 e, mais
tarde, L1 é revogada por L2, no mesmo período de emergência.
50
Entre duas leis de emergência só se aplica a lei mais favorável, somente quando essa
lei nova decorre de uma mudança de conceção do legislador.
Sintetizando:
Um crime praticado à luz de uma lei de emergência, será sempre julgado pela
mesma. Haverá aplicação retroativa da lei de emergência quando essa diminuição resultar
da alteração das conceções do legislador.
Alteração das conceções do legislador no que à natureza do crime concerne: Lei do cheque
e o crime de provisão de cheques
Contexto: Até 1990, o cheque sem provisão era considerado um crime que lesava a
“confiança pública no cheque”, sendo esse o bem jurídico que a sua criminalização visava
defender. No entanto, em 1990, o legislador muda a sua conceção e vem considerar o
cheque sem provisão uma burla especial. Esta alteração muda o bem jurídico que se visa
proteger, mas não altera o facto do mesmo crime continuar a ser punido, ou seja, não existe
qualquer tipo de vazio de punição, como alguns alegaram na altura.
Concluindo, o facto de existir uma alteração do bem jurídico que se visa proteger não
significa que haja uma alteração do ilícito; nestas situações não há descriminalização e
neocriminalização – existe, sim, continuidade do ilícito.
Coloca-se assim o problema: qual das ordens jurídicas envolvidas será competente
para regulamentar a situação concreta? Para responder a esta questão, há que determinar o
âmbito especial de aplicação de cada ordem jurídica.
Esta problemática é abordada pelo Direito Penal Internacional, que diz respeito ao
direito interno, a cada uma das ordens jurídicas, designado pelo conjunto de normas que
51
caracterizam o âmbito espacial da aplicação da lei penal, presentes nos artigos 4.º a 7.º do
Código Penal (enquanto regras gerais).
Assim, o Direito Penal Internacional tem um objeto muito mais específico que
abrange virtual e indistintamente todas as normas de Direito Internacional que versam sobre
matéria penal. Sem dever esquecer-se que o Direito Internacional Penal leva por vezes à
consagração de certas soluções no âmbito do Direito Penal Internacional, no que toca ao se
e ao como da competência estadual para conhecimento de certos crimes, nomeadamente
através da vinculação dos Estados em convenções internacionais sobre o assunto.
12
Historicamente, este princípio conflituava com o princípio da personalidade do direito ou da nacionalidade,
que trazia consigo a ideia de que o estatuto jurídico da pessoa a acompanhava para onde quer que fosse. Desta
forma, o Direito Penal de um Estado aplicar-se-ia sempre aos seus nacionais, independentemente do lugar
onde o crime fosse cometido. Este princípio da nacionalidade do direito vigorou em vários momentos da
história, como é exemplo o da reconquista. No entanto, este princípio perdeu influência para o princípio da
territorialidade.
52
● Princípio da nacionalidade/personalidade jurídica - alíneas b) e e) - alarga a
competência do princípio basilar, já não competindo com este. Pode ser ativo ou
passivo.
● Princípio da defesa dos interesses nacionais - alínea a), segundo o qual o Estado
exerce o seu poder punitivo relativamente a factos dirigidos contra os seus interesses
nacionais específicos, sem consideração do autor que os cometeu ou do lugar em
que foram cometidos.
● Princípio da aplicação universal/universalidade - alíneas c) e d), que manda o Estado
punir todos os factos contra os quais se deva lutar a nível mundial ou que
internacionalmente ele tenha assumido a obrigação de punir, com indiferença pelo
lugar da comissão, pela nacionalidade do agente ou pela nacionalidade da vítima.
● Princípio da administração supletiva da justiça penal - introduzido pela revisão do
CP de 1998, através da alínea f), tem como intuito completar um vazio de previsão.
Figueiredo Dias: ”A generalidade dos sistemas legislativos penais dos nossos dias
assume como princípio basilar de aplicação da sua lei penal no espaço o princípio da
territorialidade, não o da nacionalidade. Pode afirmar-se que nesta preferência convergem
razões de índole interna e razões de índole externa ou, se quiser ser-se mais preciso, razões
próprias de direito penal e de política criminal, de um lado, razões de direito internacional e
de política estadual, do outro.”
53
prevenção geral positiva. É a comunidade onde o facto teve lugar que viu a sua paz jurídica
por ele perturbada e que exige, por isso, que a sua confiança no ordenamento jurídico e as
suas expectativas na vigência da norma sejam estabilizadas através da punição. A estas
razões (que poderiam chamar-se “substantivas”) acresce que o lugar do facto é também
aquele onde melhor se pode investigá-lo e fazer a sua prova (razão “processual”) e onde, por
conseguinte, existem mais fundadas expectativas de que possa obter-se uma decisão judicial
justa.
Além disso, importa perceber que se o Direito Penal pretende preservar os bens
jurídicos essenciais à convivência comunitária naquele concreto Estado, então, de acordo
com este ponto de vista, o que é praticado fora do território do Estado é, em princípio,
irrelevante.
Conclui-se que, de acordo com este princípio, a lei penal portuguesa é aplicada a
todos os factos praticados em território nacional, independentemente da nacionalidade
do agente ou da vítima.
A exceção é dos navios em alto mar e aviões no estrangeiro que também são
expansão do território português e, mesmo aí, aplica-se o Direito Penal português.
54
● A bordo de aeronave civil registada noutro Estado, em voo comercial fora do espaço
aéreo nacional, se o local de aterragem seguinte for em território português e o
comandante da aeronave entregar o presumível infrator às autoridades portuguesas
competentes.
Assim, é punido com a pena aplicável ao respectivo crime quem, a bordo de uma
aeronave civil em voo comercial, praticar uma série de crimes; quem, a bordo de uma
aeronave civil em voo comercial, desobedecer a ordem ou instrução legítima destinada a
garantir a segurança, a boa ordem e a disciplina a bordo, dada pelo comandante da
aeronave ou por qualquer membro da tripulação em seu nome; ou quem, a bordo de uma
aeronave civil em voo comercial, difundir informações falsas sobre o voo.
Nestes termos, para determinação do locus ou sedes delicti rege o artigo 7.º, onde o
legislador, diferentemente do que sucede com a determinação do tempus delicti (legislador
optou pelo critério da conduta em desfavor do do resultado), cumulou os dois critérios no
sentido daquilo que doutrinalmente corre como solução mista ou bilateral. Desta forma,
considera-se competente para regular um crime face a uma conduta praticada ou a
resultado verificado em território português. O mesmo é dizer que considera que o crime foi
praticado em Portugal quer se tenha verificado aqui a conduta (ato central ou não) ou o
resultado. Ao falar de conduta, não se refere apenas ao ato central do delito, mas também a
qualquer ato de comparticipação.
13
Paralelo ao problema de definir qual o momento relevante para a aplicação da lei no tempo.
55
1. O facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, e sob
qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia
ter actuado, como naquele em que o resultado típico ou o resultado não
compreendido no tipo de crime se tiver produzido.
2. No caso de tentativa, o facto considera-se igualmente praticado no lugar em que, de
acordo com a representação do agente, o resultado se deveria ter produzido.
Exemplo:
Se for crime de perigo não é preciso verificação de dano para consumar o crime, mas
ao crime pode seguir-se o dano, daí que a lei portuguesa diga que, estando em causa o
crime de perigo e se o perigo projetado estiver em causa o dano em Portugal, então esse
resultado conta para a concretização do dano do crime e fundamenta a competência da lei
portuguesa.
Além disso, o legislador diz que a conduta pode ser parcial ou total e quanto ao
resultado, este pode ser útil ou não, mas no caso de tentativa o lugar conta como o
resultado onde teria sido produzido.
56
Existem interesses que são específicos do Estado português e que, por isso,
independentemente do lugar em que crime teve lugar, a lei penal portuguesa não reconhece
competência superior à sua. Assim, mesmo que o crime tenha sido praticado no estrangeiro,
a lei penal portuguesa considera-se competente.
Princípio da nacionalidade
● Artigo 5.º nº1 al. b) e e) do CP
Duas modalidades:
57
ii) Forem também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados,
salvo quando nesse lugar não se exercer poder punitivo;
iii) Constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser concedida ou seja
decidida a não entrega do agente em execução de mandado de detenção europeu ou
de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português.
De acordo com este artigo, a lei penal portuguesa é aplicável a factos cometidos fora
do território nacional por portugueses (princípio da personalidade ativa) ou por estrangeiros
contra portugueses (princípio da personalidade passiva), sob uma tríplice condição
(requisitos cumulativos):
No que respeita a extradição ainda existem alguns limites, ou seja, outros requisitos:
Este princípio nas suas duas vertentes é chamado a produzir efeitos mais largos do
que acontece no âmbito do princípio geral da nacionalidade da alínea e).
58
Princípio do registo
Este princípio visa permitir a aplicação da lei penal portuguesa a factos cometidos no
estrangeiro que atentem contra bens jurídicos carecidos de proteção internacional ou que,
de todo o modo, o Estado português se obrigou internacionalmente a proteger.
Estava previsto nas alíneas c) e d) do nº1 do artigo 5.º, mas perdeu o seu carácter
originário e passou a adquirir um sentido funcional, na medida em que passou a incluir
crimes que, por razões político-criminais, a comunidade internacional entendeu que se
justifica uma cooperação internacional.
59
c) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 144.º-A, 144.º-B, 154.º-B e
154.º-C, 159.º a 161.º, 278.º a 280.º, 335.º, 372.º a 374.º, desde que o agente seja
encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou entregue em resultado de execução
de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que
vincule o Estado Português;
d) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 171.º, 172.º, 174.º, 175.º e
176.º a 176.º-B e, sendo a vítima menor, os crimes previstos nos artigos 144.º, 163.º e 164.º:
i) Desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou
entregue em resultado de execução de mandado de detenção europeu ou de outro
instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português; ou
Aqui o legislador introduziu uma novidade em 2021: acrescentou três alíneas que
não são cumulativas, são alternativas, que dizem que a lei penal portuguesa é competente
para se aplicar a estes crimes ou quando cometidos por portugueses (nacionalidade ativa)
ou residentes em Portugal (critério da residência) ou ainda contra menor que resida em
Portugal.
60
razão da supletividade na administração da justiça - é da atuação do juiz nacional em vez ou
em lugar do juiz estrangeiro, não deixando de aplicar a ordem jurídico-penal nacional.
O objetivo é fazer com que Portugal não incorra no risco de se tornar num
“valhacouto de criminosos estrangeiros”, de acordo com o Doutor Figueiredo Dias. Isto
porque este princípio, consagrado no artigo 5.º nº1 al. f), apenas foi introduzido na revisão
de 1998. Até então, podia suceder que um cidadão estrangeiro, tendo praticado um crime,
normalmente grave, no estrangeiro, viesse buscar refúgio a Portugal, onde, por um lado, não
podia ser julgado, dada a ausência de uma conexão relevante com a lei portuguesa, e de
onde, por outro lado, não podia ser extraditado, dadas as proibições de extraditar em
função da gravidade da consequência jurídica impostas pelo sistema nacional.
São princípios que traduzem uma diferente relação, um diferente vínculo entre o
crime e a legislação portuguesa.
61
Limites da aplicação da lei penal portuguesa no espaço e o problema dos efeitos
negativos das sentenças estrangeiras
Assim, elencados os casos onde existe competência da lei portuguesa para regular
determinado crime, importa também ressaltar as situações em que, apesar da lei
portuguesa ser competente, não será aplicada. Estas situações encontram-se expostas no
artigo 6.º do CP.
Por isso, há situações em que a lei penal portuguesa é competente, mas a nossa
própria lei exclui a possibilidade de o caso ser julgado em Portugal, sendo que isso está
62
ligado ao problema da cooperação internacional em matéria penal supramencionado. Com
este problema os Estados foram obrigados a cooperar internacionalmente, havendo várias
convenções nesse sentido, como, por exemplo, a Convenção sobre a Extradição de 1957 e a
Convenção de 1959, que contemplava efeitos negativos da sentença estrangeira.
● Princípio do não duas vezes o mesmo (ne bis in idem): Se alguém foi julgado e
condenado e cumpriu a pena toda num Estado pela prática de um crime, não pode
ser condenado outra vez noutro Estado;
● Princípio do desconto: Se alguém foi julgado num Estado mas se furtou ao
cumprimento total ou parcial da pena pode voltar a ser julgado mas ao cumprimento
da pena retira-se o tempo já cumprido.
Nos crimes que forem praticados fora do território português, sempre que tiver sido
condenado e cumprido a pena toda, o arguido não poderá voltar a ser julgado.
63
Isto apenas para o caso em que não se fundamenta a competência da lei portuguesa no
princípio da territorialidade. Está relacionada à possibilidade de aplicação da lei penal
portuguesa a penas estrangeiras. Se tiver cumprido só parcialmente, vale ainda o artigo
82.º14.
Restrições:
1. “nos termos do nº anterior” resulta que se exclui a possibilidade de aplicar lei penal
estrangeira quando a competência da lei penal portuguesa se fundar na
territorialidade, o que se compreende.
2. “lei do Estado em que tiver acontecido” lei estrangeira tem competência segundo
princípio da territorialidade.
3. “seja concretamente mais favorável ao agente”, o juiz tem de fazer dois julgamentos,
um para a lei portuguesa e outro para a lei estrangeira, desencadeando todos os
mecanismos possíveis.
Requisitos:
Nº3:
14
Remissão ao artigo 6.º, deve fazer-se uma leitura conjugada dos 2 artigos.
64
De uma forma sistemática, se quisermos enunciar os requisitos de que depende a
possibilidade de aplicação de Direito Penal estrangeiro por tribunais portugueses:
1) A lei penal portuguesa não pode ser competente com base no princípio da
territorialidade (artigo 6.º nº2);
2) Lei penal portuguesa também não pode ser competente na base dos princípios
nacionais (artigo 6.º nº3);
3) Também não pode ser competente com base na nacionalidade ativa e passiva (artigo
5.º nº1 al. b));
4) A lei estrangeira tem de fundar a sua competência no princípio territorialidade (do
lugar da prática do facto);
5) A lei estrangeira tem de ser concretamente mais favorável.
Atualmente, os autores partem da ideia da igualdade das pessoas perante a lei, nos
termos do artigo 13.º da CRP. Não se fala da justiça penal estratificada na Idade Média e
Moderna, mas sim da igualdade perante a lei fundada pelo princípio do Estado de Direito.
Mais importante são as imunidades dos titulares de cargos políticos, que não põem
em causa a igualdade dos cidadãos perante a lei, apenas estabelecem especialidades que se
põem com a dignidade dos cargos.
Presidente da República
65
4. Por crimes estranhos ao exercício das suas funções, o Presidente da República
responde depois de findo o mandato perante os tribunais comuns.
Deputados
Membros do Governo
66
Título III - Teoria Geral do Crime ou do Delito
Em voga do que foi supra mencionado, importa agora estudar as Teorias Gerais do
Crime com o intuito de decompor o conceito material de crime. Estas pretendem dar ao juiz
(decisor último em matéria penal) um caminho teórico para verificar se estamos realmente
perante um crime.
Aponta-se como núcleo do crime o desvalor da ação, que tem como norma de
determinação a estrutura do dever (não mates, não furtes, não roubes). Subjacente a cada
crime está uma norma de determinação num sentido imperativo que manda que os
cidadãos se abstenham de condutas atentatórias do bem jurídico. Mas como visto também,
há crimes que não envolvem lesão de um bem jurídico (crimes de perigo e tentativa em
geral).
● Ação;
● Tipicidade;
● Ilicitude;
● Culpa;
● Punibilidade.
A importância desta teoria vem no seu já referido valor como proposta metodológica
- caminho de realização do Direito Penal – para que o juiz perante os casos concretos, siga os
67
passos (ação, típica, ilícita, culposa e, para alguns autores, punível) da teoria geral do crime
para uma solução materialmente mais justa e segura, nomeadamente em sede de recurso.
Contribui, dessa forma, para a segurança e certeza jurídica, bem como para a justiça.
Além disso, até em sede de recurso, para o tribunal verificar a justiça da decisão
tomada, vai usar os mesmos passos que a 1ª instância, percebendo se se deveria ter
chegado a outra conclusão. Sendo, assim, um método coerente que protege o particular
através da certeza e segurança que pressupõe as TGDCrimes e consequentemente o Direito
Penal.
O sistema que se tem hoje resulta de uma grande luta entre escolas:
Na análise destes três sistemas tem-se em consideração que o conceito não vale por
si mas é uma reconstrução analítica, porque o conceito de crime vai ser o padrão crítico das
várias construções.
Figueiredo Dias: “A conceção chamada clássica do facto punível assenta numa visão
do jurídico decisivamente influenciada, em perspetiva político criminal, pela Escola Moderna
Alemã e, de forma geral, pelo naturalismo positivista que caracterizou o monismo científico
próprio de todo o pensamento da segunda metade do séc. XIX. Também o Direito teria como
ideal a exatidão científica própria das ciências da natureza e a ele deveria
incondicionalmente submeter-se. Do mesmo modo, o sistema do facto punível haveria de ser
apenas constituído por realidades mensuráveis e empiricamente comprováveis,
pertencessem elas à facticidade (objetiva) do mundo exterior ou antes a processos psíquicos
internos (subjetivos).”
68
Influenciado pelo positivismo naturalista dos séculos XIX-XX.
● Positivismo naturalista: o universo da razão prática para estes autores era uma
aparência. A conduta humana era condicionada (tal como qualquer fenómeno
natural) por condições endógenas e exógenas variáveis.
Foi daqui que resultou a conformação deste sistema clássico, que dominou a
literatura/doutrina alemã até aos anos 20. Embora, a longo prazo, se tenha percebido que
este sistema é inadequado para expressar o sentido valorativo das ações criminais.
Ação Causal
Por outro lado, esta ação causal não pretendia explicar o crime omissivo (quando
alguém está vinculado ao dever jurídico de proteger x e não o faz, por exemplo, omissão de
auxílio), porque se todo o crime partia de uma ação causal, uma omissão fica de fora das
previsões normativas, uma vez que não se modificou o mundo exterior.
● Estritamente objetiva;
● Vontade como motor do processo causal;
● Descritivo/axiologicamente neutra;
● Não se atende a aspetos valorativos.
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Tipicidade/tipo
É preciso que a ação seja típica. Para ser crime é preciso que exista um tipo, isto é,
uma descrição de um concreto delito - tipo do furto, da burla, das ofensas à integridade
física, etc. Limitava-se a descrever as ações causais penalmente relevantes (de forma
objetiva e descritiva/axiologicamente neutral).
Isto revela diversos problemas, por exemplo: a lei que proíbe o golpe com uma faca a
outrem. A ação de um cirurgião e de um faquista seriam idênticas, dado que a intenção é
ignorada, em detrimento de uma “descrição puramente externo-objetiva da realização da
ação, completamente estranha a valores e a sentidos”, conforme Figueiredo Dias.
Não quer isto dizer que se confunda o ilícito com a culpa, porque se A dispara sobre
B, o sentido objetivo é o desvalor da norma de não disparar sobre outrem, mas há-que
considerar o sentido subjetivo que é, por exemplo, o facto de A ser inimputável. No plano do
ilícito típico valora-se o ato como ato humano em geral, ou seja, se A dispara sobre B é um
ilícito doloso, mas na questão de culpa é preciso perceber se se pode censurar o agente pelo
homicídio doloso (o senhor A, neste caso, era inimputável).
Ilicitude ou antijuridicidade
A conduta típica descrita tem de ser ilícita, que significa contrariedade à ordem
jurídica, quando considerada na sua totalidade. É necessário um desvalor, aparente
elemento valorativo.
70
Assim, isto traduz-se na verificação de contratipos. Por exemplo, matar é ilícito, mas
não o é em legítima defesa. Ou seja, o juiz deveria procurar subsumir o facto concreto a um
determinado tipo incriminador, e analisar os contratipos de modo a aferir da existência ou
não de uma causa de exclusão da ilicitude. A valoração não era real, o juiz era convocado ao
método subsuntivo (seguindo o silogismo judiciário) – era um procedimento meramente
automático.
Os seus contratipos:
● Descritivos;
● Estritamente objetivos (não se atende à vontade do agente).
Exemplo: Arrufo entre senhor A e senhor B, vizinhos. Por vingança, o senhor A parte
a janela do senhor B. Porém, existia uma fuga de gás na casa de B e aquele acabou por salvar
este da morte. A intenção desta conduta era causar o dano, não era salvar a vida de B, por
isso o ato não é justificável. A conduta humana não é objetiva, a subjetividade e intenção
relevam no Direito Penal e, ainda que pudessem existir atenuantes, a conduta não seria
ignorada ou valorada positivamente só por ter, no fim, um resultado positivo.
Culpabilidade
● Culpa: conceito psicológico de culpa. Este conceito diz que a culpa é o nexo
psicológico que liga o agente ao seu facto. Só aqui, na última etapa da teoria, é que
entra a subjetividade do agente, sendo esta “suscetível de legitimar a imputação do
facto ao agente a título de dolo ou de negligência.”
○ Dolo - conhecimento e vontade de realização do facto;
○ Negligência - deficiente tensão de vontade impeditiva de prever
corretamente a realização do facto. Não há prática intencional, mas há
desvalor.
Se a culpa se reduz ao nexo psicológico entre o agente e o seu facto, deixa de se fazer
distinção entre imputável e inimputável, é um conceito descritivo. Isto porque os
inimputáveis também agem dolosamente ou em negligência, mas não há culpa – a definição
de culpa é, neste sistema, erróneo.
71
Ainda há que considerar a inexigibilidade que descarta uma situação de culpa que
também não é tomada em conta neste sistema, por fatores exógenos ao sujeito. Por
exemplo, matar alguém para salvar a própria vida (legítima defesa). Diga-se, ainda, que
enquanto esta descarta a culpa por fatores exógenos, a inimputabilidade descarta com base
em fatores endógenos.
1. Negligência consciente: está consciente dos riscos, mas decide avançar com o ato,
crente de que conseguirá evitar o perigo.
2. Negligência inconsciente: não representa o caráter perigoso da conduta e o agente
nem sequer antecipa o perigo.
a. O conceito psicológico de culpa não prevê a negligência inconsciente.
Em suma, e nas palavras do doutor Figueiredo Dias: “Esta conceção via na ação o
movimento corporal determinante de uma modificação do mundo exterior, ligada
causalmente à vontade do agente. Ação que se tornaria em ação típica sempre que fosse
lógico-formalmente subsumível num tipo legal de crime, isto é, numa descrição puramente
externo-objetiva da realização da ação, completamente estranha a valores e a sentidos.
Ação típica, por seu turno, que se tornaria em ilícita se no caso não interviesse uma causa de
justificação, é dizer, uma situação (legítima defesa, estado de necessidade, obediência
devida, etc.) que, a título excecional, tornasse a ação típica em ação lícita, aceite ou
permitida pelo direito; e que assim determinasse em definitivo a contrariedade da ação ao
ordenamento jurídico. E com isto ficaria perfeita a vertente objetiva do facto.”
Conclui-se que a maior crítica a este sistema é que este centra-se numa perspetiva
causalista e objetiva, não exprimindo o sentido valorativo das condutas jurídico-criminais,
desde logo porque o seu carácter é puramente descritivo e objetivo, porque a contraposição
entre ilícito e culpa não está no facto de um se reportar aos elementos objetivos do crime e
outro ao subjetivo, porque a diferença está na perspetiva de valoração.
72
Assim, o sistema clássico, pela sua construção, deixa de fora dos conceitos-chave
diversas previsões e subtipos:
É de grande influência alemã, sendo que nos anos 30-40 vem influenciar a doutrina
portuguesa, pelas mãos de Eduardo Correia, Cavaleiro Ferreira e Beleza dos Santos.
73
conduta humana tinha subjacente o fenómeno da valoração – a valoração é o nosso critério
de ação. Pode-se falar de valores éticos, estéticos, pragmáticos e jurídicos.
Para os neokantianos isto não é suficiente para compreender toda a realidade, por
isso surge uma segunda forma:
Quer as ciências naturais quer as humanas acabam por criar a própria realidade ou
uma representação da mesma, assim como o discreto heterogéneo. É uma forma de
decomposição para compreender a realidade.
74
Ultrapassa a dificuldade do sistema clássico existente na ação causal no que
concerne aos crimes de omissão, mas a ação continuava a ser entendida em termos
puramente objetivos, o que impediu este sistema de se desprender do causalismo. Se toda a
ação é afirmadora ou negadora de valores, pode-se negar um valor jurídico através de uma
ação positiva para o danificar, ou através da não atuação quando esta deve existir (abrange,
então, o crime por omissão). A ação e a omissão deixam de valer pela sua configuração
externa, passando a valer pelo seu valor e desvalor.
Ilicitude
A letra da lei não vale por si, vale apenas como meio de mostrar a ilicitude
(interpretação teleológica).
Tipicidade/tipo
O ilícito típico está na letra da lei. Já não se confunde a conduta do cirurgião com a
do faquista, porque no caso do cirurgião temos uma conduta positiva e na do faquista temos
uma conduta atentatória da dignidade humana. Não é um conceito descritivo mas
valorativo, por outro lado, como dito, continua a ser objetivo e continua a padecer do mal
do ilícito objetivo.
○ No ilícito valora-se no sentido que teria se tivesse sido praticado por qualquer
pessoa, ao passo que na culpa se valora esse mesmo substrato mas com
atenção ao concreto agente.
75
atenção as características do agente, porque sendo inimputável é incapaz de culpa e, por
isso, já não é crime.
Conclui-se o que já foi referido, esta teoria traz uma nova relação pelo que aqui o
ilícito típico é objetivo e esgota-se no desvalor do resultado o que significa que se continua
com a mesma dificuldade para determinar o sentido das condutas, sendo insuficiente para
esboçar as relações típicas de Direito Penal.
Esta teoria dos elementos subjetivos do tipo é uma tentativa de adaptar e adequar a
teoria neoclássica à lei.
Culpa
Prende-se com a ideia de que o Direito Penal tem uma função preventiva, pune-se
quando é necessário e não como punição, por essa razão, o desvalor da negligência pode ser
acautelado por outros ramos de direito e só nos casos mais graves, quando se justificar, se
cobre pelo Direito Penal.
15
artigo 13.º CP punição excecional, apenas quando legislador previr.
76
Na base deste conceito podem distinguir-se os imputáveis dos inimputáveis – estes
últimos podem praticar atos dolosos ou negligentes, mas por força de fatores
endógenos/internos diz-se que não podem ser constituídos perante um juízo de culpa. Ou
seja, um inimputável também pratica atos por dolo ou negligência, mas não é passível de
juízo de censura. Também se é assim capaz de distinguir a imputabilidade das situações de
exigibilidade / não exigibilidade.
Sumário do sistema:
“Não pode dizer-se que esta nova conceção se tenha traduzido em um "novo"
conceito de ação relativamente ao sustentado pela conceção clássica. Descontados os
exageros naturalistas, agora substituídos pela ideia da "relevância social", a ação continuou
a ser concebida, no essencial, como comportamento humano causalmente determinante de
uma modificação do mundo exterior ligada à vontade do agente.”
“Já em matéria de tipicidade se considerava agora ser indispensável vê-la não apenas
como uma descrição formal-externa de comportamentos, mas materialmente como uma
unidade de sentido socialmente danoso, como comportamento lesivo de bens juridicamente
protegidos; para a qual relevavam não só elementos objetivos, mas, em muitos casos
necessariamente, igualmente elementos subjetivos. De tal modo que também o ilícito se
apresentava em diversas hipóteses como um conglomerado de elementos objetivos e
subjetivos, indispensável para a partir dele se concluir pela contrariedade material do facto à
ordem jurídica (exemplo paradigmático: ilícita no sentido do tipo do furto não é toda a
subtração de coisa móvel alheia, mas só aquela que ocorrer com ilegítima intenção de
apropriação)”
77
A nível de linguagem, importa, então, a referência a valor (a ação não é causal, é
referencial a valores; o ilícito típico também traduz essa valoração). Mas, por outro lado, em
tudo o resto manteve os quadros anteriores:
Onde este sistema deu um contributo quase definitivo foi no conceito normativo de
culpa (autores principais: Frank e Freudenthal); a culpa não é um facto psicológico (como foi
outrora), não se esgotando num facto empírico.
Em suma, no plano teórico foi importante, mas a nível de organizações ficou aquém.
Sistema Finalista
78
Esta teoria tem como principal criador Hans Welzel, o maior penalista da sua época.
No início a construção era adequada para cobrir as relações, mas a partir de determinada
altura por fatores exteriores mudou o caminho.
Se Welzel se tivesse mantido fiel às posições que tomou até cerca de 1935, a sua
dogmática não incorreria em tantos problemas, mas por esta altura alterou a sua doutrina,
por razões estranhas ao Direito Penal relacionadas com a experiência totalitária do regime
nazi, que partia de premissas algo semelhantes na sua aplicação do Direito Penal. Assim,
existem duas vertentes da dogmática de Welzel.
Esta ideia levou a que se legitimasse o nazismo e os seus atos. Nem Welzel, nem o
institucionalismo (que surgiu no século XIX) eram nazis, mas as suas ideias foram
aproveitadas para o legitimar no campo do Direito Penal. Por esta apropriação das ideias de
Welzel, este viu-se obrigado a fechar a sua teoria, de forma a não se associar ao nazismo.
Foi isso que levou a uma 2ª fase do seu pensamento, afirmando a partir de 1935,
com ponto alto em 1939 – “Estudos sobre o Sistema do Direito Penal”, mantendo a ideia de
que a ação é uma unidade subjetivo-objetiva e de que para se entender o ato, tem que se
atender à intencionalidade.
79
Ação final
Esta ação já não era estritamente objetiva, tinha elementos objetivos e subjetivos, só
que era um conceito limitado dada a necessidade de ser uma ação dolosa. Isto faz com que
esta ideia seja inaplicável à negligência (pelo menos a inconsciente), porque na negligência
não há finalidade. Também deixa de lado a omissão (que não gera modificação no mundo
exterior) por não ter pré-determinado um processo causal no sentido de proteger
determinado bem jurídico.
Tipicidade
● Crimes negligentes;
● Crimes dolosos.
A valoração vinha mostrar que a ilicitude era matéria de proibição. Esta ilicitude já
não era objetiva, era um ilícito pessoal que pretendia retratar o sentido do ato como
unidade subjetivo-objetiva. Este formalismo metodológico aproxima-se do formalismo do
sistema clássico.
80
Ilicitude
Se o tipo é a descrição formal das ações humanas relevantes para o Direito Penal,
então a ilicitude é o conteúdo do tipo, a proibição em si.
Esta ilicitude não era objetiva, pois tratava-se de um ilícito pessoal que pretendia retratar o
sentido do ato como unidade objetivo-subjetiva. Atende-se primeiramente à
intencionalidade por detrás da conduta do agente.
Culpa
O dolo e a negligência, no plano da culpa, surgiam como graus de culpa, agora considerados
no plano pessoal. No plano da ilicitude e da culpa atende-se ao mesmo substrato valorativo
e, por isso, se faz a mesma distinção (negligência e dolo).
81
passa agora a conformar um elemento essencial da tipicidade. Não seria bastante dizer,
como afirmava a teoria neoclássica, que o tipo pode em certos casos conter elementos
subjetivos, ao lado do seu núcleo essencial constituído por elementos objetivos. Preciso seria
afirmar que o tipo é sempre constituído por uma vertente objetiva (os elementos descritivos
do agente, da conduta e do seu circunstancialismo) e por uma vertente subjetiva: o dolo ou
eventualmente a negligência.”
Para esta conceção, no plano do ilícito faríamos a distinção entre o ilícito doloso e o
ilícito negligente, só que a valoração desta conduta subjetiva-objetiva seria feita através da
ação do Homem médio, onde não se considera as características individuais do agente. A
culpa, pelo contrário, seria considerada pelo concreto agente, dando aso a conclusões onde
seria possível existir um ilícito não culposo, por exemplo, de um inimputável.
Por isso, em ambos os planos, tanto da ilicitude como da culpa, considera-se que
está a ser contrariada uma norma de determinação, estando o núcleo do crime no desvalor
da ação, e não do resultado.
82
A luta de escolas - Communis Opinio
Estes três sistemas marcaram os três primeiros quartéis do século XX, com uma luta
acesa. Quando esta luta de escolas acalmou, veio implantar-se um sistema que passou a
constituir a generalidade da doutrina. Sistema esse que aproveitou aspetos de cada um
destes três sistemas.
O essencial:
Foi sobre este sistema que se veio a construir o sistema teleológico ou racional que é
a construção a que adere o nosso curso e a maioria da doutrina portuguesa.
83
Sistema teleológico ou racional
Este sistema veio a construir-se sobre esta base supramencionada que resultou da
luta de escolas, já com a divisão dogmática dos crimes de ação dolosos e negligentes. Desta
forma, aceitou e herdou em larga medida o sistema communis opinio. Tem influência de
Claus Roxin e atende às considerações de pena.
Tem-se, assim, a nossa definição final de crime: conduta humana que violava uma
norma jurídica que tinha como objeto a tutela de bens jurídicos essenciais, quando
nenhuma outra sanção de outro ramo do Direito é adequada ou suficiente.
Esta é a ideia central, mas, apesar desta base ser consensual entre os adeptos da
teoria teleológica ou racional, as discórdias quanto a outros problemas subsistem.
Mantém o sistema intocado então começa com - ação, tipo, ilícito – mas substitui a
categoria da culpa pela categoria da responsabilidade. Uma vez que o Direito Penal não
quer retribuir a culpa, a culpa tem apenas função limitadora porque não há pena sem culpa
e a pena não pode passar a proporcionalidade da culpa. Mas além disso não tem
importância.
84
individual do agente. Mas a culpa não bastava. Para haver responsabilidade penalmente
relevante, era preciso que houvesse necessidade de pena (2).
Com esta categoria Roxin acolhe o conceito unilateral unívoco do princípio da culpa
(não há crime sem culpa, mas pode haver culpa sem crime). Resolvendo, por isso, a questão
do problema da necessidade da pena, acantonando as considerações político-criminais de
prevenção, através desta categoria da responsabilidade.
2. Doutrina Maioritária16
Figueiredo Dias e a maioria dos autores. Mantém tudo igual até à culpa e depois
introduzem mais uma categoria, a da punibilidade, onde interviriam as considerações da
necessidade de pena.
É preciso que a ação seja punível no sentido de ser necessária a pena. Portanto,
difere da teoria de Roxin apenas na separação dos conceitos que ele já tinha criado dentro
da responsabilidade (distinção meramente formal).
Pelo que a ideia de Roxin era que a culpa seria um limite à prevenção, a razão nunca
podia ir além do que é admissível para a dignidade humana e a culpa seria esse travão.
Deste modo, em vez do raciocínio da culpa e da necessidade de pena serem feitos ao
mesmo tempo, encontram-se divididos em dois momentos estanques - há uma
autonomização dos conceitos que antes não era feita.
1. Ação;
2. Ilícito:
3. Tipo;
4. Culpa;
5. Punibilidade: a pena é necessária.
Tem pouca expressão doutrinal e a que existe remonta aos anos de 1970/80. Mas é a
teoria de Bernd Schünemann a que mais apraz ao professor.
Esta teoria diz que não se pode acantonar num só estrato do sistema as
considerações de necessidade de pena e dignidade penal, estas considerações devem estar
e percorrer todas as partes: a nível da modelação do tipo; a nível dos tipos justificadores dos
ilícitos e a nível da culpa. Tanto a dignidade penal como a necessidade de pena têm de se
modelar ao longo de todo o sistema, em cada uma das categorias. Projeta-se tanto nos
16
Por ser a maioritária, então será esta a doutrina a seguir no curso.
85
aspetos objetivos, por exemplo, a modelação do crime e de causas de exclusão de ilicitude,
como subjetivos da ação.
Para o Senhor Professor Almeida Costa, esta é a teoria correta, na medida em que tal
como a dignidade penal se projeta no plano objetivo do ilícito e no subjetivo (maior ou
menor gravidade de culpa) também a necessidade de pena pode ter que ver com razões
objetivas (incriminador ou não) e subjetiva.
sistema adotado pelo nosso curso é o teleológico-racional, que se irá desmembrar em três
dogmáticas distintas: a dos crimes dolosos de ação; a dos crimes de ação negligentes e a
dos crimes de omissão.
86
Conceito dogmático de ação
Em primeiro lugar, surge o conceito de ação, pois para ter um crime doloso tem de
existir uma ação - 1.ª categoria da ação: em alguns tratados (tratado de Roxin e Figueiredo
Dias) começa-se por caracterizar aquilo que deve ser o conceito de ação para efeitos penais.
1. Classificação: Conceito de ação deve ser suficiente para abarcar todas as formas de
ação jurídico-penalmente relevantes;
2. Definição: Apesar de ser um conceito suficientemente amplo, deve também ser
determinável;
3. Ligação: Deve ser suscetível de suportar todas as posteriores predicações;
4. Delimitação: logo num primeiro momento, afastar todas aquelas situações que não
sendo ações humanas, não se provam como jurídico-penalmente relevantes, não
podem ser violações de normas de determinação e, portanto, jamais poderão ser
crimes.
Este conceito de ação e as suas funções valem para todas as outras categorias, como
o conceito de tipicidade, ou seja, este conceito nada diz concretamente sobre a ação, mas
sim sobre o método da teoria geral do crime doloso. O que interessa é a ação típica,
tipificada como criminalmente relevante pelo legislador. O que importa é esclarecer aquilo
que jamais pode constituir uma ação e que por isso está fora do sistema.
Este conceito dá uma base suficientemente ampla para abranger todas as ações
relevantes. A ação é tudo o que pode atribuir-se ao homem como centro autónomo de
imputação. A ação reconduz-se à pura e simples exteriorização de uma intencionalidade de
sentido.
Ex.: Pessoas estão numa esplanada. Passa alguém que tropeça e cai. Surgem várias
reações possíveis: solidariedade (quem se levanta e vai ajudar); indiferença; quem ri com os
olhos de quem se compraz com a desgraça alheia, etc.
87
O conceito de ação cumpre duas funções, de forma correta (do ponto de vista do
Professor):
● Função positiva: este conceito de ação coloca a tónica na ideia de que o núcleo do
crime está no desvalor da ação, o incumprimento de uma norma de determinação.
Pressupõe-se que as normas penais têm como exclusivos destinatários pessoas
humanas, por isso, o incumprimento é um comportamento humano que vincula a
construção do sistema à perspetiva valorativa do Direito Penal.
● Função negativa: Jescheck reportava-se a esta função. Afasta-se do campo do
interesse do Direito Penal tudo aquilo que não seja conduta humana (fenómenos
naturais, comportamentos animais), ainda que tenham como consequência a
penalização de bens jurídicos.
No século XIX, afirmava-se que as pessoas coletivas não podiam ter responsabilidade
penal - societas delinquere non potest. A culpa era exclusiva da pessoa singular. No entanto,
esta máxima foi abandonada no século XX e generalizou-se a ideia de admissão de
responsabilidade penal das pessoas coletivas, através da analogia com o comportamento
humano.
Os argumentos que foram usados para esta posição foram, essencialmente, visar
ultrapassar graves dificuldades de prova porque sabe-se que nas pessoas coletivas a decisão
não é fruto de uma pessoa só, mas quando são todos responsáveis, regra geral, não é
nenhum, por isso, é difícil provar a responsabilidade de uma pessoa coletiva.
Além disso, pretende evitar lacunas de punição em domínios de alta gravidade penal
dado que a criminalidade das ações das empresas tem uma gravidade, geralmente, muito
elevada.
Por detrás disso estão também outras razões, uma vez que o direito sancionatório
passou a ser fonte de rendimento de Estado (multas e coimas eram antes receitas
extraordinárias, mas devido à UE hoje são receitas ordinárias) e o Direito Penal tem a ver
com a prevenção de crimes e não criação de receitas.
88
Isto é mais grave quando em relação às multas penais se estabelece
responsabilidade solidária (se multa é aplicada ao administrador, e o administrador não paga
então paga a empresa e vice-versa) o que estabelece a multa como uma obrigação
pecuniária.
● Suficientemente amplo;
● Com vantagem de estar logo na base do sistema – vincar a perspetiva das valorações
penais;
● O núcleo essencial do crime está no desvalor da ação;
● E nem todas as ações desvalorativas são crime, elas têm de ser ilícitas.
A figura do ilícito-típico
O tipo ou a descrição típica não vale por si pois as palavras são expressão de um juízo
de valor. Valem enquanto mero meio de acesso ao espírito/sentido da lei. Logo, perante a
interpretação da lei e dos tipos de ilícito exige-se sempre uma interpretação teleológica em
ordem de encontrar o ilícito específico que subjaz. Ou seja, deve-se procurar por trás da
89
letra da lei o sentido das valorações que estão subjacentes à mesma, porque essas
valorações são o juízo de ilicitude.
Numa 1.ª abordagem é preciso avaliar a conduta humana como ato geral. Aqui
distingue-se entre ação dolosa e ação negligente.
● Tipos incriminadores;
● Tipos justificadores.
90
Sucede que há circunstâncias especiais que quando ocorrem na situação em
concreto retiram o desvalor jurídico-criminal, por exemplo, matar em legítima defesa ou
praticar ofensas à integridade física em estado de necessidade. A isto chamam-se tipos
justificadores.
● Para que exista um ilícito é necessário que a conduta, por um lado, preencha os
elementos do tipo incriminador e, por outro, que não preencha nenhum requisito
do tipo justificador.
Daqui resulta que estes tipos possam ter regimes diversos porque têm estruturas
distintas. Por isso é que, sem abandonar a função dos dois momentos do ilícito-típico,
tratar-se-á primeiro dos tipos incriminadores e depois os tipos justificadores.
Tipo Incriminador
● Agente
FD: ”Elemento constitutivo de todo o tipo objetivo de ilícito nos delitos dolosos de
ação é — apesar da natureza subjetiva ou intersubjetiva deste elemento - o autor da ação.
Autor que será em princípio uma pessoa individual.”
91
Existem duas modalidades no que ao agente concerne: crimes comuns e crimes
específicos ou especiais.
○ Crimes comuns: podem ser praticados por literalmente qualquer agente. São
a regra. Por exemplo, a prática de um crime de homicídio, em que não há
exigências específicas em relação ao agente.
○ Crimes especiais: nestes crimes, o legislador circunscreve o alcance dos
destinatários da norma para agentes com características específicas. São a
exceção.
Exemplo: prevaricação – se o agente não for juiz, não há prevaricação; corrupção que
só pode ser praticada por um funcionário público.
Por exemplo, o furto ou abuso de confiança são crimes comuns, mas o peculato é um
furto ou abuso de confiança agravado praticado por funcionário público que lhe foram
entregues em virtude da sua função. O homicídio simples e o homicídio qualificado são
crimes comuns nos termos do artigo 131.º do CP, mas é agravado quando existe uma relação
de parentesco (artigo 132.º al. a) do CP).
● Conduta
92
1. Quanto à execução
○ Crimes de execução imediata: crimes cuja execução e subsequente
consumação se verificam num momento (por exemplo, no homicídio a
consumação verifica-se com a morte).
○
○ Crimes duradouros: crimes cuja consumação se prolonga no tempo. Há uma
sucessão, isto é, a cada fração de tempo que passa ele está a ser executado e
consumado simultaneamente (por exemplo, o crime de sequestro).
○
2. Quanto à vinculação
○ Crimes de execução livre ou não vinculada: a maioria dos delitos são desta
natureza. O legislador, na maioria dos casos, proíbe condutas que possam
atentar contra determinado bem jurídico.
Por exemplo, a burla, o burlão induz em erro a vítima e a vítima voluntariamente (por
ter sido enganada) entrega o bem - crime de autolesão. Há entrega espontânea da coisa. É
preciso que o agente siga este processo de indução ao erro e aproveitamento do erro.
Por exemplo, a invasão de domicílio; traduz-se no puro entrar – desde que entre sem
autorização no domicílio de outra pessoa é uma pura conduta.
Por exemplo, no furto não basta a conduta dirigida à subtração de coisa alheia, é
preciso que essa subtração ocorra efetivamente.
93
● Bem jurídico
1. Crimes de dano
2. Crimes de perigo
Estes crimes de perigo têm duas modalidades - perigo abstrato vs. perigo concreto:
2.1. Perigo abstrato – são crimes de perigo presumido. Não é necessário que o bem
jurídico tenha sido, na situação concreta, colocado em perigo.
2.2. Perigo concreto – aqui, o perigo é elemento do tipo. Por isso, é necessário
provar-se, em concreto, que a conduta do agente pôs em perigo um determinado bem
jurídico. É uma prova ex post do perigo. O ónus da prova não cabe ao agente, mas à
contraparte, ou seja, permite-se a inversão do ónus da prova (que se prove o contrário).
94
Com o objetivo de restringir a intervenção penal sobretudo pela severidade, sob uma
ideia garantística, os autores criaram os crimes abstrato-concretos:
Se o arguido provasse que no caso específico não existiu perigo, não haveria crime.
Envolvia uma inversão do ónus da prova - o agente é que teria de provar que não tinha
havido dano -, o que não é aceite no Direito Penal devido às leis probatórias, visto que deve
ser o tribunal a provar a existência de dano e perante a falta de prova atua o princípio in
dubio pro reo.
2.3.1. Crimes de aptidão: exige que a conduta ex ante seja perigosa. Então, há que
provar, sem inversão do ónus da prova, de uma perspetiva ex ante que naquela situação
concreta a conduta era perigosa. Se não se provar que a conduta ex ante naquela situação
concreta fosse perigosa, o agente fica absolvido.
Nos delitos de aptidão é possível que uma pessoa, desde que tome as devidas
providências e indague sobre a situação concreta, pratique uma conduta que em abstrato
seria perigosa, mas que naquele caso não era por via da prova em contrário. Neste caso, o
ónus da prova cabe ao agente.
O tipo objetivo
Na distinção entre crimes formais (ou de mera atividade) e crimes materiais (ou de
resultado) o que está em causa é o objeto naturalístico da ação, a produção de um resultado
naturalístico. O legislador, no caso dos crimes formais basta-se com a consumação de uma
mera conduta, enquanto nos crimes materiais exige que essa conduta produza um resultado
autónomo (resultado naturalístico, facto).
Por sua vez, o critério da distinção entre crimes de perigo e crimes de dano é o bem
jurídico, o objeto de proteção. Há crimes formais que não são de perigo e crimes materiais
que não são de dano, e há crimes materiais que são de perigo e crimes formais que são de
dano. Por exemplo:
95
- A invasão do domicílio é um crime formal (esgota-se na conduta) e é um crime de
dano, porque lesa a integridade da vida privada.
-
- Ainda, a contrafação da moeda é um crime material (exige um resultado, pois a mera
conduta da falsificação não basta para haver um crime de contrafação da moeda) e é
um crime de perigo pois o bem jurídico só é lesado quando a moeda é posta em
circulação (dada a importância do perigo o legislador antecipou a tutela, não esperou
pela colocação da moeda em circulação, pune logo a falsificação pois é um ato
preparatório).
-
- Também a condução sob o efeito de álcool é um crime formal e é de perigo.
Pretende responder a seguinte questão: Qual é o nexo que tem de interceder entre o
resultado e a conduta para se dizer que o resultado foi mesmo proveniente da conduta?
Doutrina alemã que teve como responsável Maxon Buri. Pretendia consagrar o
conceito naturalístico de causa associado à teoria de John Stuart Mill. A causa seria o
96
conjunto de todas as condições necessárias para que se produzisse determinado resultado -
o mesmo das causas naturais.
FD: “Um primeiro degrau constitutivo da exigência mínima que, de uma perspetiva
externo-objetiva, tem de (ou pode) fazer-se ao relacionamento do comportamento humano
com o aparecimento do resultado, para que este deva atribuir-se ou imputar-se àquele, é
pois o da pura causalidade: a ação há-de, ao menos, ter sido causa do resultado, aferida
através da teoria das condições equivalentes”.
Para esta doutrina naturalista não se pode fazer uma hierarquização, ou seja, todas
as condições têm o mesmo valor porque basta que falte uma delas para que não se verifique
o resultado - critério da conditio sine qua non (condição sem a qual não).
FD: “Por isso, todas as condições que, de alguma forma, contribuíram para que o
resultado se tivesse produzido são causais em relação a ele e devem ser consideradas em pé
de igualdade, já que o resultado é indivisível e não pode ser pensado sem a totalidade das
condições que o determinaram.
“Para apurar quais as condições que deram causa a um certo resultado deveria assim
o juiz suprimir mentalmente cada uma delas: caso pudesse afirmar que o resultado não se
teria produzido sem essa condição, tal significa que esta seria relevante para efeitos do
estabelecimento do nexo de causalidade”.
Inconvenientes da doutrina:
Por exemplo: Sr. A bate no Sr. B e este vai ao hospital. No hospital, Sr. B recebe a
medicação errada, devido a negligência do médico e morre.
Com base nesta doutrina o que se entende é que a morte não seria imputada ao
médico, porque se o Sr. A não tivesse batido no Sr. B, este não tinha ido ao hospital e
recebido a medicação errada – mas se assim fosse, a morte podia ser imputada aos pais do
97
Sr. A porque se ele não tivesse nascido, não tinha batido no Sr. B e este não tinha morrido.
Mas se assim fosse também se podia imputar a morte a “Adão e Eva”.
FD: ”Verifica-se deste modo que a fórmula da conditio sine qua non acaba por
abranger a mais longínqua condição, implicando uma espécie de regressus ad infinitum, e
deveria excluir da problemática qualquer consideração sobre a interrupção do nexo causal
devida à atuação do ofendido ou de terceiro, ou ainda por efeito de uma circunstância
extraordinária ou imprevisível.”
Por isso surge a limitação da culpa. Esta teoria acabaria assim por levar à punição de
indivíduos que praticaram ações causalmente relacionadas com o resultado, mas que nem
previsivelmente nem possivelmente teriam levado a tal resultado na perspetiva do
conhecimento geral e do próprio agente. Esta doutrina é, por si só, insuficiente para dar uma
resposta ao problema da causalidade.
(...) o seu defeito principal reside na exagerada extensão que confere ao objeto da
valoração jurídica. Isso porém nada diz em definitivo contra a teoria da equivalência como
máximo denominador comum de toda a teoria da imputação.”
Teoria da Adequação
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FD: “A teoria da adequação pretende traduzir o critério segundo o qual a imputação
penal não pode nunca ir além da capacidade geral do homem de dirigir e dominar os
processos causais.
(...) para a valoração jurídica da ilicitude serão relevantes não todas as condições,
mas só aquelas que, segundo as máximas da experiência e a normalidade do acontecer- e
portanto segundo o que é geral previsível-, são idóneas para produzir o resultado.
Consequências imprevisíveis, anómalas ou de verificação rara serão pois juridicamente
irrelevantes.”
Perante cada caso concreto o juiz tem de fazer um juízo de prognose póstuma: tem
de atender às condições em que estava o agente. É uma teoria da imputação jurídica, não da
causalidade. Esta teoria da adequação não atende apenas às circunstâncias em geral
conhecidas, mas também às de carácter especial conhecidas apenas pelo agente.
Por exemplo: A fere B, mas B era hemofílico e morre. Se A não soubesse que B era
hemofílico, atendendo às regras da experiência, ao conhecimento geral e ao conhecimento
concreto do agente, a morte não seria imputada a A. Mas se A soubesse que B era
hemofílico, a situação seria diferente.
Teoria defendida por Figueiredo Dias e Eduardo Correia, mas da qual o Professor
discorda.
Aproveita aspetos das duas teorias anteriores, mas junta-lhe um terceiro elemento.
O ponto de partida é o da teoria das condições equivalentes, perspetiva naturalista, depois o
resultado a que se chega sofre a primeira correção da teoria da adequação e só depois é que
se introduz um terceiro escalão dos corretores de conexão de risco.
99
Assim, perante uma situação concreta há que percorrer 3 degraus17/etapas:
1. Nexo causal-naturalístico
De acordo com o critério de condição conforme as leis naturais, que diz que a uma
conduta corresponde um resultado (no entanto, em situações de ponta há divergências).
2. Nexo de adequação
Tem de haver um nexo causal de adequação, mas nem todo o nexo causal é
relevante. Uma conduta só pode imputar resultado se, de acordo com as regras da
experiência e tendo em consideração os conhecimentos concretos do agente e gerais da
situação, nos termos do juízo de prognose póstuma, deixe antever a produção de um
resultado como uma consequência normal ou pelo menos não impossível.
No entanto, neste caso haveria aqui situações em que havia uma imputação injusta,
pelo que é necessário avançar para um terceiro passo.
Vão excluir o resultado em casos que, de acordo com a teoria anterior, deviam
imputar-se. Distinguem-se 4 corretores:
Devido à importância social desses setores, esses riscos não podem impedir que a
atividade se desenrole de todo. Assim sendo, o legislador faz uma ponderação de
custo-benefício. Pondera, por um lado, as vantagens decorrentes dos setores e, por outro
lado, os perigos. A partir daí, estabelece normas de cuidado que consubstanciam limitações
ao exercício dessa atividade (legislação propriamente dita, códigos deontológicos, regras
técnico-científicas, etc.).
17
Há variações destas etapas, nomeadamente de Roxin que afirma a existência de somente 2 degraus.
Contudo a divisão de Figueiredo Dias é a mais adequada.
100
Por exemplo: A para impedir que B seja atropelado, empurra-o causando-lhe uma
fratura. A fratura é uma lesão da integridade física mas preveniu uma lesão superior. Neste
caso não se imputará A.
Seria de imputar o resultado, dado que houve violação das normas, e, por isso, o
produtor devia ser responsabilizado. Contudo, em tribunal provou-se que mesmo que ele
tivesse procedido às desinfeções o resultado tinha sido o mesmo porque a bactéria era de
uma estirpe desconhecida na Europa, resistente e imune aos procedimentos conhecidos.
Este corretor é diferente dos anteriores, porque os outros tornavam a conduta lícita,
mas aqui permanece ilícita, apenas se exclui a imputação do resultado.
Por exemplo, numa certa estrada existe um limite de velocidade de 50km/h devido
apenas a um cruzamento. A circula nessa estrada a 80km/h e, por acaso, rebenta-lhe um
pneu causando um despiste e consequentemente o atropelamento de B. Como o limite é
50km/h e A estava a andar a 80, estaria já no risco proibido e podia pensar-se que deveria
ser imputado. No entanto, a finalidade da norma deve-se ao cruzamento e este não teve
causa alguma no atropelamento, portanto, pela teleologia da norma não se deveria imputar
o sr. A.
Assim, à luz desta norma de cuidado, só se lhe poderia imputar o resultado que
estivesse na base do fim de proteção da norma (se ele tivesse tido um acidente no
cruzamento).
101
Em suma, a doutrina da conexão do risco junta as teorias anteriores e reutiliza-as.
Por isso, no âmbito desta teoria, há que percorrer os três momentos:
Desta forma, o critério dos crimes dolosos não está na previsibilidade, só se pode
imputar o facto a alguém quando da vontade desse alguém depende o “se”, o “quando” e o
“como” do crime. Ao contrário do nexo de previsibilidade, entende-se que o critério de
imputação é um nexo de dominabilidade.
18
Em sede de exame, definir, no início de cada pergunta, qual será a doutrina pela qual nos vamos guiar no que
toca à imputação objetiva: se será a Teoria da Conexão do Risco ou a Teoria advogada pelo Sr. Professor Dr.
Almeida Costa.
102
Em terceiro lugar, os corretores de risco da teoria da conexão do risco não são
verdadeiramente critérios de imputação objetiva, seriam, sim, causas de exclusão de
ilicitude. Portanto, quando se verificam, não há sequer desvalor da conduta para ser
subsumível a um tipo incriminador em causa, a sua mera verificação é causa de exclusão da
tipicidade do facto.
Dito isto, o Sr. Professor Almeida Costa tem uma outra proposta para a imputação
objetiva dos crimes dolosos. Em alternativa à teoria da conexão do risco, o problema da
imputação objetiva dos delitos dolosos deve depender de dois momentos distintos:
Deste modo, o agente tem de ter controlo sobre o ato, pelo que não basta a mera
previsibilidade. É necessário estabelecer a diferença entre o nexo desta e o nexo de
dominabilidade.
3. Nexo de previsibilidade
4. Nexo de dominabilidade
Por exemplo: O Sr. A quer matar o Sr. B e vai ter com C, pedindo-lhe uma pistola
emprestada. Este empréstimo deixa claro o nexo de previsibilidade, mas isto não é
suficiente. É necessário um nexo de dominabilidade, que não está previsto neste exemplo,
para que se possa falar de ilícito doloso (ou seja, associado a este elemento volitivo, seria
necessária a produção de um resultado naturalístico, ou seja, a morte de B às mãos de A).
103
O domínio do facto exige um juízo de prognose póstuma análoga da teoria da
adequação. Sendo que nesta teoria a pergunta do juiz seria algo como: “Será que é previsível
o resultado como consequência desta conduta?”
No entanto, aqui será diferente, uma vez que a teoria de adequação exprime um
nexo de previsibilidade. Porém, há situações em que um determinado crime é previsível,
sem, todavia, se poder dizer a respeito dele que constitui a concretização de uma decisão da
vontade do agente. Portanto, a real pergunta do juiz deveria ser: “Naquela situação,
atendendo às circunstâncias do caso, aquela conduta dá ao agente ou não o controlo sobre
“se”, “quando” e “como” - se dá o domínio do facto ou não?” É este o critério de imputação
objetiva.
Este raciocínio é semelhante, mas não igual à teoria da adequação, pois não
pergunta se é um resultado previsível, mas sim se a conduta dá ao agente o controlo sob a
verificação ou não do resultado.
1. Interrupção do nexo causal: são situações em que existem dois processos causais
independentes, que concorrem entre si para a produção de um resultado, mas um
deles antecipa-se e interseta o processo causal original (dá origem ao resultado
previamente).
○ Por exemplo, o sr. A dá um veneno para matar o sr. B. O sr. C também quer
matar o sr. B e também lhe dá um veneno. O veneno de C é mais potente. O
veneno de A demora 4h a atuar. Por sua vez, o veneno de C atua em 15
minutos. Imputa-se o resultado a quem? A C, enquanto A será punido por
tentativa, porque o processo causal posto em marcha foi interrompido,
ultrapassado por outro processo causal totalmente independente. C é o
causador efetivo do resultado.
104
- Se o senhor A e o senhor B não sabem do projeto criminoso um do outro, não
se pode imputar o resultado, porque as condutas isoladamente não são aptas
para produzir efetivamente o resultado. Neste caso, os dois serão punidos a
título de tentativa (tentativa inidónea ou impossível, nos termos do artigo 23º
nº3 CP);
-
- Coautoria: O caso de os dois atuarem concertadamente, mediante acordo;
em coautoria – dois agentes ou mais acordam, entre si, colaborar na
realização de um crime. Nestes casos de coautoria, há uma imputação
recíproca do comportamento de cada um dos agentes aos demais – é como
se cada um, isoladamente considerado, tivesse praticado o crime.
-
- O senhor A aplica o veneno sem saber que o senhor B fez o mesmo, mas o
senhor B viu o senhor A aplicar a dose de veneno e sabe que a dose do
senhor A é insuficiente e, então, aplica-lhe aquele bocadinho de veneno que
lhe falta, para que a conduta seja eficiente para produzir a morte. A é
condenado por tentativa e B por consumação (o agente que atua em 2º lugar
conhece a atuação do 1º, e decide prosseguir com a ação) .
● Na doutrina maioritária, e em Processo Penal, vigora o in dubio pro reo, pelo que
necessariamente, neste caso, se não se pode provar qual dos dois tiros ou dos
venenos, produziu a morte, não se pode imputar a morte a nenhum dos agentes,
pelo que os dois serão apenas punidos por tentativa.
Porque é que se pune menos pela tentativa, sendo que o desvalor da ação é o
mesmo? A tentativa é menos punida devido ao menor alarme social relativamente a uma
efetiva lesão do bem jurídico tutelado – justificação para a diminuição da pena.
105
O tipo subjetivo
Por norma, o elemento subjetivo do tipo doloso é o próprio dolo. O dolo consiste
numa designação – conhecimento e vontade de realização do crime, o agente conhece as
circunstâncias em que está a atuar. Ele conhece e quer realizar o tipo objetivo.
Elemento intelectual
“A razão desta exigência deve ser vista à luz da função que este elemento
desempenha: o que com ele se pretende é que, ao atuar, o agente conheça tudo quanto é
necessário a uma correta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que
concretamente se liga à ação intentada, para o seu carácter ilícito.”
Exemplo: Sr. A vai à caça. Vê um vulto, dispara e mata a pensar que era um animal.
Afinal era um homem. Aqui falta o elemento intelectual para se tratar de dolo. Ele precisava
de saber que o vulto era um homem. Será punido, portanto, a título de negligência.
106
homem comum? Se assim fosse, só os juristas especializados poderiam cometer esses
crimes. Por isso, é que a generalidade da doutrina diz que se exige o conhecimento à esfera
do leigo.
A mesma ideia foi expressa por Beleza dos Santos (a qual o Sr. Professor prefere) que
diz que se deve atender às consequências práticas que se atribui a esses conceitos jurídicos.
Conclui-se, portanto, que não pode haver dolo sem elemento intelectual. Então
como se solucionam as situações em que esse elemento não existe?
107
O erro sobre a factualidade típica caracteriza-se pela ausência do elemento
intelectual do dolo. Se não há este elemento, não há dolo.
O que se faz ao agente? A falta do elemento intelectual do dolo poderá dar lugar à
punição a título de negligência.
O dever objetivo de cuidado exige que todas as pessoas, ao longo da sua vida, em
todos os atos, mantenham a atenção psicológica necessária para antecipar as consequências
dos seus atos e se abstenham daqueles que possam resultar na lesão de bens jurídicos.
Daqui resulta uma limitação quanto à punição do erro sobre a factualidade típica.
O agente só poderá ser punido a título de negligência se esse erro se ficar a dever a
um descuido/ leviandade censurável no plano jurídico-criminal. Esta punição, no entanto,
depende de dois requisitos:
2. Material: na negligência o agente não quer praticar um crime, mas, por descuido,
não pondera convenientemente o circunstancialismo fático em que atua. Isto é, sem
querer acaba por lesar o bem jurídico.
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3 - Fica ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais.”
Artigos 13.º (caráter excecional da punição por negligência – requisito formal de lei)
e 15.º (requisito material da punição a título de negligência) do CP.
“Negligência:
Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as
circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
É necessário que o erro se tenha ficado a dever por descuido do agente. Se ele
tivesse agido com o cuidado mínimo, tinha conhecido o tipo e ter-se-ia, portanto, abstido da
prática dessa ação.
Há casos especiais não previstos na lei, mas que resultam dos princípios gerais e são
erros de conhecimento. Nestes casos especiais do erro sobre factualidade típica o projeto
do agente é já um projeto criminoso (projeto da prática de um ilícito), só que, também
devido a um erro intelectual ou de conhecimento (sobre o circunstancialismo de facto em
que atua), vem a produzir um crime diverso daquele que projetava.
Existe, assim:
● Erro sobre a pessoa: o agente pratica o crime sobre pessoa diferente do que o que
tinha planeado.
Exemplo: Sr. A quer matar Sr. B. Vê um vulto, achando que era B e dispara, mas era C.
109
Exemplo: Sr. A quer roubar uma caixa de latão. Após furtar, repara que a caixa era de
ouro – queria praticar um furto simples, mas acaba por praticar um furto qualificado.
Devemos fazer uma questão prévia: há ou não identidade típica entre o crime
projetado e o crime consumado? Há coincidência entre o desvalor intencionado e o desvalor
de resultado?
Quanto ao 1º exemplo – é sempre homicídio; Sr. A quer matar uma pessoa e mata
uma pessoa.
- Eduardo Correia defendia que o agente deveria ser punido pelo crime projetado
como se o tivesse consumado. - contraria o processo do Direito Penal do facto.
- O Dr. Cavaleiro Ferreira defendia que o agente deveria ser sempre punido pelo crime
consumado, o que também não parece uma solução correta. - contraria o processo
do Direito Penal da culpa.
Relativamente aos casos em que não há identidade típica, o agente seria punido pelo
concurso de crimes (crime projetado a título de tentativa + crime praticado consumado) –
solução concursal (ex.: quando alguém pretende roubar uma caixa de ouro, mas acaba por
roubar uma de latão. Não existe identidade típica entre o crime projetado e o consumado,
pelo que o agente será punido a título de tentativa de roubo de ouro, e crime consumado de
roubo de latão).
Esta modalidade de erro (casos em que falta a identidade típica entre o crime
projetado e o crime consumado) não está expressamente prevista da lei – por isso, para a
doutrina maioritária, a solução resulta do funcionamento das regras gerais no sentido da
tentativa e da negligência.
● Erro sobre a execução (aberratio ictus vel impetus): O agente tem um projeto
criminoso, mas vem a praticar um diverso do intencionado, porque tem uma
execução defeituosa. O agente tem uma intenção criminosa, mas vem a consumar
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um crime diferente: isto não é resultado de um indevido conhecimento da realidade,
mas da deficiente execução. Assemelha-se, de certa forma, ao erro sobre pessoa –
tanto que se tentou aplicar o mesmo regime desse erro (a teoria da identidade
típica), mas essa ideia foi descartada.
● Erro sobre o processo causal: O sr. professor Almeida Costa considera que este erro é
igual ao anterior, mas a doutrina maioritária entende que neste o agente produz o
resultado que queria no objeto que queria, só que num processo causal distinto do
projetado.
- A solução por tentativa – partia do pressuposto do tipo como um dolo natural (ou
seja, do dolo que se esgota no nexo psicológico entre o agente e o facto). O dolo
natural do agente restringia-se a um processo de matar por afogamento, por
exemplo, logo, não abrangia o processo de matar por embate. O agente só podia ser
punido nos quadros de um concurso de crimes.
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Por outro lado, isto desvirtua o sentido do ato – e a isto se junta um outro
inconveniente: a punição por negligência é excecional, bem como a punição por tentativa,
o que significa que se estivermos perante crimes que não admitem ambas as soluções, o
agente fica impune.
Há uma diferença entre esta solução e a anterior – o problema do dolo não é o dolo
natural; esta solução ultrapassa a dificuldade dogmática da solução anterior (caso o agente,
tanto na perspetiva do homem médio como na sua própria perspetiva subjetiva, tenha
conhecimento de uma série de resultados possíveis em consequência da sua conduta, para
além do projetado, e um deles se verifique, é lhe imputado esse resultado a título de dolo).
FD: “Do que substancialmente se trata sob esta epígrafe é de casos em que o agente
erra sobre qual de diversos atos de uma conexão da ação produzirá o resultado almejado. De
casos, digamos, que cronologicamente ocorrem em dois tempos: num primeiro momento o
agente pensa erroneamente ter produzido, com a sua ação, o resultado típico; num segundo
momento, fruto de uma nova atuação do agente (quase sempre com fins de encobrimento),
o resultado vem efetivamente a concretizar-se.”
19
Não vai ser avaliado em sede de exame.
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- Maioritária: o erro subjacente às hipóteses do dolus generalis não deve relevar e o
agente deve ser sempre punido nos quadros da unidade criminosa, ou seja, pelo
crime consumado a título doloso.
- Do Sr. Professor Almeida Costa: teremos de considerar se o homem médio teria em
conta as circunstâncias (o comportamento de atirar um corpo a um rio resultaria
num homicídio consumado); se o homem médio também errasse perante aquele
quadro, teríamos verdadeiramente uma tentativa de ocultação de cadáver, não um
homicídio. Em função destas duas diferentes respostas, será também diferente a
solução apresentada.
São proibições que pela sua natureza técnica escapam ao conhecimento do homem
comum. A única forma de conhecer este tipo de proibições é conhecer a lei – sem este
conhecimento expresso, a pessoa comum não pode tomar conhecimento. Nestes casos
(preenchidos os requisitos formal e material), o agente é julgado a título de negligência
(artigo 13.º do CP).
1 - Age sem culpa quem atuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não
for censurável.
2 - Se o erro lhe for censurável, o agente é punido com a pena aplicável ao crime
doloso respectivo, a qual pode ser especialmente atenuada.”
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A natureza dos ilícitos em causa. No caso do artigo 17.º estão em causa ilícitos cuja
aprendizagem resulta dos próprios processos normais de integração (roubar, matar, violar,
etc. é proibido); já estão interiorizados na consciência axiológica comunitária.
Para que o agente tome consciência dessa ilicitude, alguém tem de lhe mostrar essa
tal norma. O erro sobre as proibições, embora não seja um erro sobre as circunstâncias de
facto, é também um erro intelectual, daí que se aplique o regime do erro das circunstâncias
de facto (caso o desconhecimento da norma, de carácter técnico, lhe seja censurável, pode
ser punido a título de negligência).
Elemento volitivo
“Dolo:
1 - Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime,
actuar com intenção de o realizar.
2 - Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um
tipo de crime como consequência necessária da sua conduta.
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Distinguem-se, então, três modalidades de dolo, que não estão ligadas em primeira
linha a uma hierarquização, embora a doutrina considere que uma delas é menos grave do
que as restantes. É um objetivo definitório que está enunciado no artigo 14.º do CP
supramencionado.
O agente não quer praticar o crime, quer praticar outra coisa, mas dessa conduta e
desse fim que prossegue, resulta como consequência necessária a prática do crime (art. 14.º
nº 2 do CP) - exemplo: A quer assaltar um banco, mas tem de matar o guarda.
Só que essa consequência secundária, o crime, surge não como uma consequência
necessária e inevitável, mas possível – o grau de probabilidade é menor (artigo 14º nº3º).
Daqui coloca-se o problema de determinar a diferença entre o dolo eventual e a negligência
consciente.
A nem tem nada contra C, mas continua a querer lançar fogo à casa de B. B tem uma
empregada (D) que aparece muito raramente, nunca se sabe quando estará por casa: A sabe
desta situação. Apesar disto, A ateia fogo a casa da B. O carro de senhor C fica destruído, a
empregada (D) encontrava-se em casa e morreu.
115
● Direto em relação à casa de B;
● Necessário em relação ao automóvel de C;
● Eventual em relação à empregada (D).
Tal como está prevista na lei, a negligência consciente tem um elemento intelectual
idêntico ao do dolo eventual, como dito anteriormente.
“Negligência:
Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as
circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
116
No entanto, é preciso um critério seguro. Por isso, a doutrina elege um critério de
natureza subjetiva.
Teoria da conformação – consagrada na nossa lei nos artigos 14º nº3 e 15º al. a):
Mas e se o agente não toma uma posição? Houve várias soluções, mas do ponto de
vista do Sr. Professor a que melhor satisfaz as valorizações jurídico-criminais é a teoria da
dupla negativa.
● Contrário de branco? Não branco – pode ser verde, amarelo, vermelho, desde que
não seja branco.
● Dolo eventual: o agente não confia que o resultado não se vai produzir;
● Negligência: o agente confia que o resultado não vai acontecer.
O professor Almeida Costa também defende que existe uma valoração gradativa.
Sugere que se termina com a gradação bipartida das condutas (dolo/negligência), passando
a uma distinção tripartida:
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1. Dolo de resultado (onde se insere o dolo direto e o dolo indireto);
2. Dolo de perigo (onde se insere o dolo eventual e a negligência consciente).
Esta é apenas uma proposta para o Direito a constituir. Enquanto se tiver a lei atual,
continuar-se-á com os artigos 14.º - (1) dolo direto; (2) dolo indireto e (3) dolo eventual -, e
15.º - al. a) negligência consciente; al. b) negligência inconsciente. A partir disto, faz-se as
distinções tradicionais.
1. Dolus alternativus;
2. Dolus antencedens ou dolo antecedente;
3. Dolus subsequens.
Casos em que alguém empreende uma conduta e antevê como possíveis dois ou
mais resultados alternativos. Quando há duas ou mais hipóteses de resultado da conduta,
ocorrendo um deles, o agente conforma-se com este resultado.
Como se lida com estes crimes? Na doutrina alemã verifica-se alguma doutrina
divergente:
20
Os dois últimos não são penalmente relevantes.
118
● Deve aplicar-se a pena mais pesada. O Professor Almeida Costa defende esta ideia –
aplica-se a norma que melhor se relaciona com a conduta do agente – consunção.
Ou seja, tem-se de aplicar o tipo que melhor retratar o desvalor ou o sentido
jurídico-penal da própria situação, que pode ser a norma correspondente ao crime
consumado ou a norma correspondente ao crime que era alternativo. Tudo
dependerá do caso concreto.
Ex.: Quem mata o pai pratica um homicídio simples e um qualificado. Vai ser punido
por apenas um crime. Deve ser punido por qual? Pelo mais gravoso.
Pretende-se com uma conduta projetada com um certo resultado, mas esse
resultado é realizado com um ato anterior, preparatório. Isto é, o agente quer realizar a
conduta mas vem realizá-la em momento anterior ao pretendido.
Não é dolo, devido à falta do elemento volitivo – o ato em questão, que alcançou o
resultado, não tinha o objetivo de conseguir esse resultado. Ou seja, o agente, com esse ato
preparatório, não queria cometer o resultado. Não releva juridicamente.
Exemplo: Sr. A está a ver a sua casa ser assaltada pelo Sr. B e só tem intenção de
pegar na sua arma e disparar quando B começar a furtar, mas, ao pegar na arma para se
preparar, a mesma dispara e mata B. Nesse momento, A não queria matar e por isso pode
ser acusado apenas por negligência.
A vontade de consumar tem de estar sempre presente para que haja dolo. Aqui
existe simplesmente um ato preparatório e não um ato que efetue o crime.
O sr. A tem uma qualquer conduta não dolosa. Tem uma arma e está a exercitar-se
com a arma, mas sem querer um dos tiros que dispara atinge alguém. Vai lá ver a vítima e vê
o seu antigo inimigo. Fica contente por, sem querer, o ter atingido (um agente, através de
uma determinada conduta, chega a um resultado que não previa nem intencionava, mas
posteriormente acaba por se conformar com esse mesmo resultado).
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Elemento emocional
Pode acontecer que se preencham os elementos volitivos mas que não se esteja
perante o dolo como, por exemplo, no caso do erro intelectual presente no artigo 16.º nº1
(2ªparte) em que o agente quer realizar o ilícito-típico porque não sabe que é proibido, logo,
nessas situações existiria um ilícito-doloso que seria apenas punido por ilícito negligente e
com isso a própria natureza do ilícito pessoal seria pervertida/corrompida, uma vez que esse
ilícito pessoal pretende exprimir o sentido do ato como ato de uma pessoa em geral. Ainda a
nível do critério do homem médio, na situação de negligência consciente em que o agente
não se conforma, pelo que a conduta passa a ter tão só a lógica de descuido, por isso, o
sentido da conduta é o sentido de uma conduta negligente porque só exprime o descuido do
agente.
Outro exemplo está no erro sobre as proibições, onde também o homem médio não
tem presente as proibições técnicas porque é leigo, portanto, se ele ignora a ilicitude só
pode ser censurado por tal enquanto descuido, assim, também a este nível existe uma
conduta negligente e não um ilícito doloso.
Deste modo, regra geral, o tipo subjetivo do ilícito-culposo esgota-se com o dolo.
Todavia, excecionalmente, pode o legislador exigir requisitos especiais:
● Especiais intenções;
● Especiais impulsos afetivos;
● Especiais motivos;
● Especiais características da personalidade que se concretizem no ato.
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Ainda assim, não se está abandonar o elemento do facto do Direito Penal, é
necessário haver uma conduta com lesão ou colocação em perigo de um bem jurídico, é
ainda necessário, que o ato tenha sido praticado com um determinado fim – por exemplo,
no crime de furto não basta produzir o dano, é necessário que a conduta seja praticada com
intenção de apropriação, de fazer ilegitimamente seu e é isso que distingue o furto tout
court do furto de uso, outro exemplo é a burla, na burla é necessário que esta seja feita com
a intenção de enriquecimento, entre outros - art. 132º als. e), f) e j) por força do art. 145º,
nº 2 também se aplicam às ofensas da integridade física qualificadas.
Com isto levantam-se grandes problemas, por exemplo, em alguns casos estão a ser
punidos determinados modos de ser.
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