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2021/2022

SEBENTA DE 2.º SEMESTRE

TEORIA GERAL DO
DIREITO CIVIL
Ana Beatriz Moreira

Com os apontamentos de
Maria Cavadas
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Nota Introdutória
Esta sebenta de Teoria Geral de Direito Civil, disponibilizada pela Comissão de Curso
dos alunos do 2º. ano da licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade
do Porto no ano letivo 2021/2022, foi elaborada pela estudante Ana Moreira, com a ajuda
e colaboração de Maria Cavadas, que elaborou os apontamentos semanais da Unidade
Curricular em questão e que reviu, posteriormente, o conteúdo deste documento.

O material utilizado foi, maioritariamente, o conteúdo lecionado pelo docente Professor


Doutor Manuel Carneiro da Frada, bem como a leitura do Manual Teoria Geral do Direito
Civil de Carlos Alberto Mota Pinto, nomeadamente, a sua 4ª edição.

Informa-se todos os utilizadores desta sebenta que é necessário fazerem-se acompanhar


para o exame de Teoria Geral de Direito Civil de legislação para além do CC. Para que
seja mais pragmático, a Comissão de Curso disponibilizou na drive um documento avulso
que enumera todos os materiais legislativos necessários. A Comissão de Curso relembra
que esta sebenta constitui, somente, um complemento de estudo, não dispensando, por
isso, a presença nas aulas práticas e teóricas, assim como a leitura das obras obrigatórias.
Bom Estudo!

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Índice
Teoria geral dos sujeitos da relação jurídica ............................................................................ 5
A pessoa e a tutela da personalidade ............................................................................. 5
Teoria Geral do Objeto da Relação Jurídica .......................................................................... 10
Estatuto Jurídico dos animais .................................................................................................. 10
Bens Jurídicos .......................................................................................................................... 11
Classificações das Coisas .................................................................................................... 11
Benfeitorias ......................................................................................................................... 16
Res nullis.............................................................................................................................. 16
Baldios ................................................................................................................................. 16
Teoria Geral do Negócio Jurídico ............................................................................................ 17
Os factos jurídicos, negócio, tipos de negócio ........................................................................ 17
Facto jurídico ....................................................................................................................... 17
Negócio Jurídico .................................................................................................................. 19
Efeitos Jurídicos ................................................................................................................... 21
Diversas modalidades do negócio jurídico: ....................................................................... 22
Elementos e pressupostos do negócio:................................................................................... 29
Elementos essenciais, naturais e acidentais ....................................................................... 29
Declarações Negociais ......................................................................................................... 30
Processo de Formação ........................................................................................................ 32
Natureza das declarações contratuais ................................................................................ 34
Concursos: ........................................................................................................................... 35
Forma da declaração negocial: ........................................................................................... 36
Forma legal .......................................................................................................................... 37
Culpa in contrahendo .......................................................................................................... 39
Proteção da confiança ......................................................................................................... 42
Culpa post pactum finito ..................................................................................................... 44
Conteúdo do negócio jurídico ................................................................................................. 44
Requisitos gerais do negócio jurídico:..................................................................................... 46
Fraude da lei – negócio que defrauda a lei. ........................................................................ 48
Noção da causa ................................................................................................................... 49
Cláusulas acessórias gerais típicas ...................................................................................... 49
Cláusulas Acessórias Típicas ................................................................................................ 53
Interpretação e Integração do negócio................................................................................... 54
Cânones hermenêuticos legais: .......................................................................................... 55
Integração do negócio ......................................................................................................... 57

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Ana Moreira
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Vícios de formação do negócio jurídico .................................................................................. 58
Ausência total de vontade .................................................................................................. 58
Ausência parcial de vontade ............................................................................................... 59
Incapacidade acidental ...................................................................................................... 59
Vontade Deficiente ............................................................................................................. 59
Má formulação da vontade: ................................................................................................ 59
Figuras de divergência intencionais: ....................................................................................... 60
Ponderação entre autonomia privada e confiança do declaratário ................................... 61
Como se distingue coação moral de coação física? ............................................................ 62
Fronteiras do negócio jurídico ............................................................................................ 67
Erro-vício ............................................................................................................................. 67
Dolo ..................................................................................................................................... 71
Dolo por omissão: ............................................................................................................... 72
Incapacidade acidental........................................................................................................ 73
Vícios da Declaração................................................................................................................ 73
Erro obstáculo ..................................................................................................................... 74
Erro sobre o significado da expressão:................................................................................ 74
Erro de transmissão da declaração ..................................................................................... 75
Divergências intencionais entre a vontade e a declaração ..................................................... 76
Simulação: ........................................................................................................................... 76
Reserva mental.................................................................................................................... 78
Declarações não sérias ........................................................................................................ 79
Casos de negócios que têm vícios extrínsecos ao seu nascimento: ................................... 79
Invalidade remetemos ao início do negócio: ...................................................................... 80
Oponibilidade a terceiros da ação de anulabilidade ou anulação ...................................... 81
Ineficácia dos negócios jurídicos: ....................................................................................... 83
Institutos que podem mitigar algumas consequências da ação de nulidade/anulação ......... 84
Redução:.............................................................................................................................. 84
Conversão:........................................................................................................................... 85
Exercício de Posições Jurídicas ................................................................................................ 86
Representação: exercício de posições jurídicas de um sujeito através de um representante.
................................................................................................................................................. 86
Simples autorização vs consentimento ................................................................................... 87
Regras gerais da representação: ......................................................................................... 88
Confronto com figuras afins .................................................................................................... 89
Núncio ................................................................................................................................. 89

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Exercício das posições jurídicas................................................... Erro! Marcador não definido.
Tempo: ................................................................................................................................ 90
Pluralidade de titulares: ...................................................................................................... 92
Baldios: ................................................................................................................................ 92
Colisão de direitos: .............................................................................................................. 93

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Teoria geral dos sujeitos da relação jurídica


A pessoa e a tutela da personalidade

O Dr. Carneiro da Frada começou pela temática dos sujeitos das relações jurídicas
(lecionada no semestre anterior), em especial pela tutela da personalidade, recorrendo à
dignidade da pessoa humana, sendo este, inclusive, o nosso conceito central neste tópico. Diga-
se que esta matéria foi já lecionada no semestre passado, porém o Docente tinha opiniões muito
próprias à cerca deste tópico e optou por recomeçar aqui.

O CC apresenta a tutela da personalidade, afirmando-a com carácter de


generalidade, contudo, anteriormente não apresentava uma razão de ser explicita,
embora esta razão de ser existisse na conceção do legislador (e fosse fundada na
conceção de uma dignidade humana, que precisava de ser protegida). Atualmente, temos
a razão de ser explícita da proteção da personalidade no conceito de dignidade humana
– 1º CRP.

Dignidade da Pessoa Humana:

Conceito da Dignidade da
Pessoa Humana

Central Chave Síntese Absoluto Normativo- Trans- Material Aberto Carece


(não autónomo sistemático de ser
funcio preenchi
nal) do

→ É o conceito central na tutela da pessoa. Trata-se de um conceito que dá


a razão de ser à proteção da pessoa e está sempre a ser movimentado e desafiado pelas
problemáticas que a sociedade apresenta nas suas fases evolutivas.
→ É um conceito chave e não funcional visto que traz em si mesmo a razão
de ser, não depende de outros conceitos/razões, não remete para outros conceitos, ou
seja, é um conceito-fim, é o fim útil do Direito civil.
→ É um conceito síntese, nele se englobam todas as razões de valor da pessoa
de Direito.
→ Conceito absoluto: não é relativizável, nem gradativo (todas as pessoas
têm a mesma dignidade), é o carácter absoluto da dignidade que justifica a igualdade, a
participação igual de todos na dignidade da pessoa humana (daí as proibições da
discriminação). 13º CRP (princípio da igualdade) também se coloca no Direito civil.

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Ana Moreira
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→ Conceito normativo-autónomo: não depende de outras normas para
conferir juridicidade. O Direito implica a proteção da pessoa humana, não há direitos
sem dignidade da pessoa humana.
→ Trans-sistemático: o conceito de dignidade humana está para lá das
normas, não podemos preencher só com as normas existentes. Conceito que remete para
lá do sistema, por isso é que não dá para resolver o problema aludindo apenas às decisões
do legislador. Exemplo: a eutanásia não depende do que o legislador disser que é
dignidade humana, depende do que é dignidade em si mesma.

→ Conceito material: não é meramente formal, não depende daquilo que o


legislador ordinário pode dizer. O legislador ordinário deve seguir a orientação
constitucional, as exigências da dignidade da pessoa humana.
→ Conceito aberto: não se pode considerar fechado/resolvido. Cada geração
é chamada a realizar/compreender as exigências da dignidade da pessoa humana e
realizá-las no âmbito específico do Direito.
→ Carece de ser preenchido: é um conceito central, remete para lá de si
próprio (é incompatível com o positivismo, nem tudo está contido no sistema jurídico,
se assim fosse era desnecessário haver um conceito como dignidade jurídica), e por isso
temos de o preencher.
A dignidade da pessoa humana não é uma súmula, não é uma soma de direitos
de personalidade, nem de direitos fundamentais, não se pode argumentar sem mais
dizendo que isto é dignidade da pessoa humana porque está em causa um direito
fundamental. Não podemos interpretar os direitos de personalidade/direitos
fundamentais sem ser à luz da dignidade da pessoa humana.
Os direitos fundamentais continuam a ser importantes, mas é de acordo com as
exigências da dignidade que preenchemos o conteúdo destes.

Funções do conceito da Dignidade da Pessoa Humana

Funções da Dignidade da
Pessoa Humana

Interpretativa Integrativa Sindicante Heurística

→ Interpretativa: é de acordo com este conceito que vamos interpretar os


conceitos jurídicos que tutelam a dignidade da pessoa.
Exemplo: 81º CC veda as limitações aos direitos de personalidade, este conceito
de dignidade de pessoa humana é necessário para saber até que ponto é que as limitações
são admissíveis.

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Ana Moreira
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→ Integrativa: há a necessidade de integrar normas no nosso ordenamento
jurídico, há lacunas inevitáveis, mas que conseguimos preencher com recurso à
dignidade da pessoa humana.
Exemplo 1: saber se é admissível ou não colocar implantes/ mecanismos
cibernéticos que aumentem a nossa capacidade de memória ou raciocínio.
Exemplo 2: saber se é possível criação de híbridos (homens-porco, devido aos
transplantes de fígados…).
Exemplo 3: Saber se é aceitável a auto-sujeição de transfusões repetidas de
sangue para evitar o envelhecimento…

O conceito de dignidade está ligado ao conceito de natureza humana. O civilista


tem de distinguir aquilo que são progressos tecnológicos e científicos a fomentar
(tratamentos médicos, por exemplo, que são desejáveis) daquilo que representa uma
intervenção na natureza humana, modificando as leis básicas dessa mesma natureza,
com consequências desse padrão de natureza, com reflexo no atentado da dignidade da
pessoa humana (exemplo: homens robots).

→ Sindicante/controladora: algo que contraria a dignidade da pessoa


humana não pode ter um estatuto jurídico civil.
→ Heurística: traduz a possibilidade de potenciar novas funções/ outras
questões (o Direito é uma evolução, a sociedade muda, os conceitos, mesmo que iguais,
aplicam-se a uma realidade mutável).

Liberdade e Autonomia da Pessoa Humana:

A Liberdade e Autonomia da pessoa humana são exigências indeclináveis da


dignidade da pessoa humana.
A liberdade é importante porque está intimamente ligada ao carácter do sujeito
enquanto pessoa (ser racional que se autocompreende e autodetermina) – sujeito ético,
capaz de escolher entre o bem e o mal, que não está programado.

Liberdade é fundamental e as limitações à liberdade devem ser consideradas


exceções.

Autonomia não significa arbítrio – trata-se da possibilidade ética do sujeito


decidir, a liberdade tem um sentido.
Conceitos como: boa-fé, bons costumes, abuso de direito, culpa, só se
compreendem reconhecendo que a liberdade do sujeito existe (um sujeito sem liberdade
não é capaz de culpa).

Existe, depois, um exercício de conformidade com os valores da ordem jurídica,


não basta o sujeito querer não cumprir para que a liberdade seja sancionada.

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Ana Moreira
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O Direito civil é um Direito de pessoas livres, só se preocupa em estabelecer as
baias da convivência social, se o sujeito se move seguindo determinados valores ético-
jurídicos, a sociedade não tem de lhe atribuir prémios.

Que limites têm os direitos de personalidade? Limite ético-jurídico da


dignidade da pessoa humana que condiciona e limita esses direitos -exemplo:
irrenunciabilidade do direito à vida (questão da eutanásia).

O conceito de dignidade da pessoa humana traduz-se em sermos


livres? Será que este conceito de liberdade (relacionada intimamente com o de
dignidade humana) é compatível com o relativismo?

O que é o relativismo? Não há verdade, nem sequer a possibilidade de


conhecer a verdade, tudo é relativo, ou seja, cada um pensa o que quer. Se for assim, o
conceito de dignidade de pessoa humana é uma ilusão, porque é impossível haver um
discurso racional suscetível de ser uma base da sociedade, se tudo é relativo, este
conceito de dignidade seria completamente dispensável.
(exemplo: podia existir pessoas contra e a favor da pedofilia; entre outros).

A realidade é que nenhuma sociedade pode persistir sem um conjunto de valores


consensualmente aceites e tidos como reflexo de uma verdade à qual todos estão
convocados. O conceito de dignidade humana, que é central, é um conceito
incompatível com uma visão relativista dos valores. Uma postura relativista não
consegue sedimentar uma comunidade humana, há valores que transcendem criando
uma ordenação justa da vida social.
Quer do ponto de vista lógico quer do ponto de vista prático, uma postura
radicalmente relativista não é suscetível de sustentar uma sociedade humana.
Concluímos que a dignidade humana é um conceito não relativizável.

Como conseguimos conciliar uma postura relativista com uma postura não
relativista no ordenamento do Direito civil?

→ Tolerância:
Traduz-se no respeito de uma opinião diversa da nossa. Esta tolerância é imposta
pela dignidade da pessoa humana, na medida em que partilhamos todos da mesma
natureza (dignidade), mas podemos ter a nossa individualização (opinião própria).
Contudo, não podemos relativizar a tolerância em nome da dignidade da pessoa
humana.

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Ana Moreira
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Como preencher o conceito da dignidade da pessoa humana?

Depende da área do Direito civil.


De qualquer modo, há notas importantes:

1. Cultura
Devemos procurar na nossa cultura (que tem características como um lastro
histórico) algo minimamente sedimentado (uma noção ampla, elástica, dinâmica) que
corresponderá a um padrão próprio/representações gerais de uma sociedade.

Tanto cultura jurídica como cultura extrajurídica são aqui consideradas, visto que
o sistema jurídico se abre a sistemas de valores para além do Direito. A cultura estará
sedimentada, há perdurabilidade que assegura uma certa consistência – a sociedade
convive de acordo com a dignidade da pessoa humana.

Há na sociedade contemporânea uma pluralidade enriquecedora, situações que


implicam tolerância e perceber a razão de ser do que está na ideia do outro. As
sociedades modernas são plurais e nela convivem diversos fatores.

Não podemos reduzir a dignidade humana à mera autonomia formal, devemos


fazer um preenchimento material. Devemos adotar tudo o que possa enriquecer o
conceito de dignidade humana.

2. Religião

Dicotomia entre:
→ Humanismo com Deus: existência de um elemento superior, transcendente,
absoluto, ao qual se faz referência no discurso da pessoa humana.
→ Humanismo sem Deus: imanentista, o Homem não tem nenhuma instância
para além de si próprio perante o qual seja responsável.

Se é certo que não somos relativistas, a perceção de todos é relativa. A referência


a Deus pode constituir um elemento orientador do preenchimento de um raciocínio e
conduta social.
A realidade de Deus pode ser vista como uma realidade política (Estado
Islâmico), mas numa sociedade ocidental (onde há uma divisão do poder temporal e
político) pode ser vista apenas como uma garantia da liberdade/dignidade da pessoa.

3. Filosofia
Já no contexto de Estado Laico devemos realçar o contributo da Filosofia, que se
encontra maioritariamente nas Universidades e em âmbitos culturais. Dentro da filosofia

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Ana Moreira
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está o Personalismo Ético – conceção filosófica do que é a pessoa humana, conceção
recente, vê a pessoa como sujeito ético digno e responsável.
Este personalismo ético tem um contributo importante de Kant (que se notabilizou
entre vários temas, inclusive pela ênfase que deu ao sujeito pela sua moralidade e
autonomia) – a pessoa é um fim em si mesmo, a pessoa é um último fim que não pode
ser instrumentalizado.
Esta afirmação tem consequências: instrumentalização com embriões ou
inseminação post mortem pode ser questionada à luz da dignidade da pessoa humana? As
normas jurídico-civis são normas que estão em tensão com o conceito de dignidade da
pessoa humana.

Teoria Geral do Objeto da Relação Jurídica


Objeto- preocupação com algo para além do sujeito, que se contrapõe ao mesmo (no sentido puramente material), aqui
temos uma conceção restrita de objeto, com uma conceção bastante mais filosófica; interessa o objeto do direito
“O direito subjetivo traduz-se num poder atribuído a uma pessoa. Este poder e as
faculdades que o integram, podem, quase sempre, ser exercitados sobre um determinado
quid, corpóreo ou incorpóreo. Esse poder e essas faculdades incidem sobre determinado
ente (coisa ou pessoa); (…)
O objeto de uma relação jurídica é precisamente o quid sobre que incidem os
poderes do seu titular ativo. (…) Esse bem que constitui o ponto de incidência do direito
está submetido aos poderes, à supremacia do titular ativo de relação jurídica e é objeto
desta.
Objeto de relações jurídicas (objeto de direitos subjetivos) é, pois, todo o quid,
todo o ente, todo bem sobre que podem recair direitos subjetivos.” (Mota Pinto)

Nota: a perspetiva de Mota Pinto sobre o conceito de “objeto de relação jurídica” critica
a redação do Código Civil que, no seu artigo 202º, faz equivaler o mesmo ao conceito de
“coisa”. Direitos Subjetivos- objeto é aquilo sobre o que incidem os poderes; conseguidos para satisfação de interesse.
Direitos Potestativos- direitos sobre os quais o objeto se esgota no seu conteúdo e vice-versa (conteúdo
Objeto mediato coincidente com objeto). Se o objeto é tudo aquilo sobre que incidem
distingue-se neste
contexto de
Estatuto Jurídico dos animais poderes do direito subjetivo, podemos ter direitos
com o mesmo objeto- direitos reais (direito de
imediato. propriedade e direito de usufruto sobre o mesmo
Primeiros-
poderes exercem- Alteração legislativa: terreno- o mesmo objeto relativo a 2 direitos
distintos.
se de forma 201º-B, 201º-C, 201º-D CC – que consagram hoje o estatuto jurídico dos
indireta (direitos
de crédito). animais.
Segundos- não há Os animais, são, segundo o artigo 201º-B CC “seres vivos dotados de
intermediação
entre titular e sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza.”
poderes dele
sobre bem (direito
Até 2017, o animal era visto como coisa (noção muito ampla e abrangente),
de propriedade) talvez com especial estatuto.

Atualmente, existe legislação especial para os animais, o estatuto está


autonomizado, mas na ausência de lei especial, são aplicáveis, subsidiariamente, aos
animais as disposições relativas às coisas (201º-D CC)
O animal não é verdadeiramente sujeito de direitos, não tem autonomia, nem
autodeterminação, não pode ser responsabilizado nem é um ser suscetível de escolhas
Contrato de compra e venda de bem imóvel- objeto imediato (prestação), mas o próprio bem, crucial no âmbito de
comprador, é mediato, para atender a potencialidades de sujeito (titular necessita de intervenção de terceiro, neste caso
realização da prestação. 10
Ana Moreira
Objeto do direito podem ser as pessoas- não significa reificação (não passam a ser consideradas
objetos em stricto sensu, não perdem personalidade jurídica neste contexto- ex: direitos de
personalidade têm por objeto dimensões da pessoa)
Nos direitos de crédito, o objeto serão as prestações, atividade do devedor; esta pode ser de facto positivo (ação) ou negativo (abstenção).
Ex de prestação de facto negativo- 829º CC.

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ético-jurídicas, estando em causa, por isso, um regime mais protetivo do bem-estar
animal. 1

Há que reconhecer uma diferença qualitativa entre a natureza humana e de


outras espécies pelas suas inerentes características e porque se não for feita uma
diferenciação colocar-se-ão questões como “num incêndio vamos salvar o cavalo ou o
bebé?”.
Há ponderações delicadas que carecem do sentido do legislador. Os animais não
são sujeitos de relação jurídica, têm uma dignidade diferente, mas são referentes de
interesses de tutela e merecedores de tutela.

Bens Jurídicos

Bens existem em Teoria Geral do Direito Civil porque o Direito estabelece


critérios de repartição de bens, os bens são escassos o que origina conflitos e o Direito é
chamado para os resolver.
A regulamentação jurídica dos bens, prende-se com estipular a quem é que estes
são atribuídos, assim como com a sua classificação.

202º CC – coisa como noção ampla, tudo aquilo que pode ser objeto da relação
jurídica. 2

Classificações das Coisas - terceira classificação de objeto

203º CC – “coisas são imóveis ou móveis, simples ou compostas, fungíveis ou não


fungíveis, consumíveis ou não consumíveis, divisíveis ou indivisíveis, principais ou
noção de coisa complica-se, muito pelo universo digital; legislador não dá noção
acessórias, presentes ou futuras.”. inatacável de coisa. 1302º- noção de coisa que se restringe à noção corpórea, o
que não é propriamente verídico. (afastamento da noção romanística, que é
esta)
Coisas Qual interesse destas classificações? Permitem-nos saber a quem é que as
materiais ou
corpóreas
coisas vão pertencer, como e em que condições. As classificações têm muito interesse
são objeto de porque associadas às mesmas vêm regimes jurídicos (por exemplo, na distinção de
direito, mas
coisas sem móveis vs. imóveis, há uma distinção de regimes jurídicos). Podemos discutir se a ordem
corporalidade jurídica foi mais ou menos sábia na forma de atribuir relevância a essa distinção.
também o
podem ser-
obras • Já fizemos a distinção entre o que está ou não dentro do comércio
(atividade
intelectual jurídico (202º/2 CC). O que está fora do comércio– domínio público e coisas
humana, não 2 ordens de razões
tangível).
que pelas suas características não podem ser apropriadas– não pode ser objeto para tirar comércio
das coisas: 1.
1303º- de relações privadas/suscetível de apropriação individual. domínio público
direitos de (critérios de
autor e ordenação social; 2.
propriedade insuscetibilidade de
sujeitos a 1 apropriação
legislação
direitos dos animais: proteção dos bens jurídicos que envolvem o bem-estar animal.
2 individual. Assim, na
especial- Como já sabemos, autonomizamos os animais em relação às coisas - os animais têm um estatuto exclusão do
alargamento próprio, inserido no subtítulo II que deveria ser, segundo o professor, “Os animais e as coisas”, não são comércio jurídico
da verdadeiramente sujeitos jurídicos. Mota Pinto considera ainda Pessoas ou bens da própria personalidade temos várias ordens
propriedade de razões, umas de
como objetos da Relação jurídica, discordando da definição do CC. ordem mais
a outro tipo
pragmática, outras
de coisas.
ética e outras da
11 prórpia natureza (o
cadável, por
Ana Moreira exemplo)
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Exemplo: ambiente, castelo de Guimarães, ar que respiramos, etc.

Distinção breve
• Coisas corpóreas e incorpóreas: coisas corpóreas - 1302º CC.
O objeto do direito de propriedade são coisas corpóreas, o que significa que coisas
incorpóreas não podem ser reguladas automaticamente pelo disposto no direito de
propriedade (poderá ser, no máximo, por analogia). Coisas incorpóreas: bens
intelectuais, direitos de autor, patente, marcas… não são propriedade em sentido
estrito.
Requisitos para consideração de algo como objeto de direito subjetivo:
- Individualidade e suscetibilidade de apropriação para poder ser objeto de direitos
Classificação:

1. Móveis vs. imóveis:


São coisas imóveis: 204º/1 CC – enumeração taxativa. São coisas móveis tudo o
que não compreendido no artigo anterior – 205º CC.

Os negócios sobre coisas imóveis têm uma forma solene devido à sua importância
na vida das pessoas. O móvel é uma dimensão física que se movimenta no mundo físico
e o imóvel é o permanente, dá estabilidade. Os bens móveis (livros, por exemplo) até
podem ter um valor muito importante na esfera pessoal e íntima da pessoa, mas não do
ponto de vista da sociedade, uma vez que são os bens imóveis que traduzem permanência.
Há um sistema de publicidade associado aos imóveis que dá a conhecer a posição
jurídica relativa aos imóveis.
difere do rústico por ter autonomia;
logradouro- área adjacente a prédio que
204º CC – bens imóveis: permite a extensão do seu aproveitamento
(jardim, estacionamento...)

• Prédios rústicos (204º/2 CC, 1º parte – “parte delimitada do solo e as


construções nele existentes que não tenham autonomia económica”).
• Prédio urbano (204º/2, 2º parte - edifícios incorporados no solo.
• Águas: as águas são bens imóveis, ainda que a porção da água (garrafa de água)
possa ser apropriada por uma relação privada.
• Árvores e arbusto ligado ao solo: bem imóvel, assim como a pera ou a maçã
ligada à árvore de fruto. Interesse desta classificação: direito sobre o solo, direito
de superfície que permite ter plantações em terreno alheio.

O direito de propriedade é o direito real máximo, mas há direitos reais menores


(como o Usufruto3). Também há registo para estes, por serem bens de natureza estática
que condicionam a vida das pessoas.

3
A figura do Usufruto nem sempre é fácil de entender, então, para ajudar na conceção da mesma,
talvez seja mais fácil entendê-la dentro do seu exemplo mais comum a “Venda com Reserva de Vida” que
ocorre muitas vezes de Pais para Filhos.

12
Ana Moreira
.
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Partes integrantes, mencionadas no 204º/3 CC, são coisas móveis ligadas
materialmente ao prédio com carácter de permanência (quando vendidas em conjunto
com o prédio, são bem imóvel por associação). Interesse: quando se vende o prédio
vende-se as partes integrantes. Pode ser autonomizado e aí não é parte integrante, mas
bem móvel (artigo 882º CC). Diferem de coisas acessórias- 210º CC

Exemplos: elevador. O elevador faz parte do prédio, mas este pode ser vendido à
parte, substituído, colocado depois, etc.

Parte constitutiva
Parte Integrante (não se podem constituir
direitos próprios – ex: viga
Pode se constituir direitos
de ferro, não se separam das
próprios
construções, são essenciais
e não se autonomizam).

2. Coisas Compostas vs. Coisas Singulares


206º/1 CC – “coisa composta é a pluralidade de coisas móveis que, pertencendo
à mesma pessoa, têm um destino unitário”.
“universalidade de facto” – a pluralidade de coisas que a compõem, pertencem
à mesma pessoa e têm um destino unitário. Conjunto de bens, da mesma natureza, que o
titular resolveu reunir de forma que seja tratado como um todo – exemplo: biblioteca.

Diferente de universalidade de Direito: complexo de relações jurídicas (que


envolvem bens corpóreos e incorpóreos, envolvem direitos e obrigações) dotadas de valor
económico.

As coisas singulares: 206º/2 CC – podem ser objeto de relações jurídicas próprias.


Bens de forma isolada.

3. Coisas Fungíveis vs. Coisas Consumíveis

Coisas fungíveis: são coisas que se determinam pelo seu género, quantidade,
qualidade – 207º CC. As coisas são substituíveis. Exemplo: maçãs, se uma estiver podre,
pode-se requerer a sua substituição. Ex: contrato mútuo incidente sobre barril de vinho, devedor não é obrigado a
substituir aquele barril em específico, apenas a mesma quantidade, na mesma
qualidade. Dinheiro é a coisa mais fungível.
Coisas consumíveis – 208º CC: importa a sua destruição ou alienação. Coloca
alguns problemas à ordem jurídica, sobretudo se houver direito à restituição - se o direito
é temporário, há que restituir. ex: uso de comida; dinheiro também é consumível.

13
Ana Moreira
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Exemplo: usufruto das maçãs, depois de as usar, terá que as devolver.

4. Coisas divisíveis vs. indivisíveis:


Exemplo: a herdade pode ser dividida, para efeitos sucessórios, mas se a coisa for
indivisível (v.g. obras de arte) não dá para se dividir porque a coisa perde funcionalidade
- há que respeitar a substância da coisa. Coisa indivisível quando temos prejuízo ou incapacidade de uso perante
modificação da coisa em si.

Há coisas naturalmente divisíveis (um terreno, por exemplo), mas juridicamente


indivisíveis (não se pode dividir abaixo de x metros quadrados), se for indivisível não
pode ser objeto de relações jurídicas próprias. Se houver uma constante diminuição da
extensão da coisa pode tornar-se impossível a sua exploração económica.

5. Coisas Acessórias:
Coisas acessórias: 210º CC – “São coisas acessórias, ou pertenças, as coisas
móveis que, não constituindo partes integrantes, estão afetadas por forma duradoura
ao serviço ou ornamentação de uma outra”.
São coisas móveis (não estando ligadas com carácter de permanência) e estão
funcionalmente ligadas a uma coisa móvel, normalmente.
Qual é o relevo das coisas acessórias? O negócio jurídico que tem por objeto a
coisa principal, não abrangendo, salvo consideração em contrário, as coisas acessórias –
210º/2 CC.

Exemplo: vende-se a quinta, o trator não, salvo declaração em contrário (é uma


coisa acessória, está ao serviço de uma coisa, não se inclui na venda). Se quisermos
abranger as coisas acessórias, as partes têm de o declarar. O que faz deste número (210º/2
CC) uma norma materialmente interpretativa – o que está em causa ao dizer que as
coisas acessórias não estão incluídas no negócio jurídico, salvo disposição em contrário,
é a interpretação da vontade das partes.

Oliveira Ascensão: refere que esta regra pode ser dura porque há situações em que
manifestamente uma coisa deve seguir a outra – a estátua tem de ter uma base/peanha.
Ou seja, há casos em que a coisa principal não vive sem a coisa acessória e a coisa
acessória desprovida da coisa principal perde a sua funcionalidade/sentido. Se se tratar de
uma pertença, se uma coisa sem a outra não faz sentido, o destino do negócio tem de ser
unitário.
6. Coisas Futuras:
Coisas futuras: 211º CC – “São coisas futuras as que não estão em poder do
disponente, ou a que este não tem direito, ao tempo da declaração negocial.”
A coisa futura não tem de ser necessariamente algo que não exista no mundo ao
tempo da celebração do negócio jurídico, pode ser coisas que existem sem estarem no
poder do disponente. coisa é só relativamente futura
Exemplo 1: A pode vender a B um carro que ainda não está construído.

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Exemplo 2: A vende a B um automóvel que já existe, mas ainda não está no seu
poder de disposição.

Se a coisa é futura não pode haver direitos reais sobre ela, há, quando muito, a
possibilidade de haver direitos de crédito.

Exemplo: se A vende, hoje, a colheita deste ano, A vende uma coisa futura (não
sabe quantas maçãs vai ter, por exemplo), e quem comprou, antecipadamente, não é titular
de direito real, mas não há dúvida quanto à existência deste negócio. Sem a existência da
coisa não se pode exercer um poder imediato sobre ela.

Não é um negócio translativo do direito real sobre a coisa, que ainda não existe, o
879º/a CC não se pode dar, contudo há um direito de crédito sim – o produtor desenvolve
as atividades necessárias para proporcionar ao comprador a possibilidade de se tornar
proprietário, do seu direito de propriedade, tem de cuidar e fomentar o pomar, neste caso.

Não é uma venda de coisa alheia, quando A vende a B um automóvel de C, A


deve e tem de adquirir o automóvel de C para cumprir o seu negócio. É diferente de venda
de coisa alheia porque aqui o sujeito vende a coisa alheia como própria, como se tivesse
o poder de alienar, mas não tem, nestes casos, a ordem jurídica vê a venda como nula e
em relação ao proprietário (terceiro) é ineficaz (892º CC).

7. Frutos vs. Produtos


Frutos: 212º CC – “Diz-se fruto de uma coisa tudo o que ela produz
periodicamente, sem prejuízo da sua substância”

Frutos Naturais: Frutos Civis:


Decorrentes da natureza. São as rendas, juros, fruto de
Exemplo: os frutos de um uma relação jurídica que existe em
rebanho, os frutos dos pomares. relação aquela quantia em dinheiro
212º/2 CC- “(…) dizem-se e em virtude da qual esses juros se
naturais os que provêm vão vencendo periodicamente.
diretamente da coisa (…)”. 212º/2CC- “(…) civis as
rendas ou interesses que a coisa
produz em consequência de uma
relação jurídica”.

Frutos e produtos não são o mesmo. Produtos é o que a coisa produz sem ser em
virtude da própria natureza – exemplo: extrair veneno da víbora para constituir um
antídoto. O veneno é produto da víbora, mas não fruto, porque ela não dispensa natural e
periodicamente esse veneno.
Os frutos são imóveis enquanto estiverem ligados ao solo – só se é proprietário
da maçã na árvore se for proprietário da árvore. O agricultor que vende a sua colheita,

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frutos, que até podem ser já existentes, temos uma venda de um bem móvel porque se
vende o fruto separado da árvore, havendo liberdade de forma contratual.
Só no momento de separação do solo é que a coisa/fruto ganha autonomia e
adquire a suscetibilidade de ser direito real autónomo.
Os frutos, em princípio, pertencem ao proprietário. Se o negócio não for sobre
frutos (como bem móvel) e se for sobre a coisa principal, os frutos seguem a coisa.

Benfeitorias
216º CC: uma benfeitoria consiste no melhoramento feitos numa coisa.
Nos termos do 216º/1 CC – “Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas
para conservar ou melhorar a coisa.” – despesas feitas para melhorar ou conservar a
coisa. 4
Às vezes, há benfeitorias que não podem ser levantadas, e em que há um
enriquecimento à custa de outrem (por exemplo, ao pintar as paredes de um edifício, o
próprio edifício valoriza) como introduzir justiça? Tendo o valor restituído, ou seja, o
pagamento da benfeitoria, da despesa realizada.5
O benfeitorizante, autor da benfeitoria, pode estar de coisa alheia de bem ou má-
fé e isso tem classificações/consequências completamente distintas nas benfeitorias.

Classificações das benfeitorias:


216º/2 CC – “As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias”.
216º/3 CC – “São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda,
destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua
conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo
indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para
recreio do benfeitorizante.”

Res nullis
Coisas móveis que não têm dono. Não abrange os bens imóveis porque estes têm
sempre dono nos termos do 1345º CC, as coisas móveis sem dono podem ser adquiridas
por ocupação (1318º CC), porém, diferentemente da usucapião não importa a decadência
de um direito anterior, mas sim um direito que se forma ex novo.

Baldios
Não são propriedades do Estado nem da junta, mas sim das compartes.
Tradicionalmente serviam para a pastorícia e lenhas, hoje, têm menor aproveitamento

4
Ao invés de se mencionar um melhoramento, fala-se nas despesas feitas com o melhoramento. Mas, na
realidade, a benfeitoria é o melhoramento, não é a despesa.
5
O docente continua a dizer que esta necessidade de restituir o valor (ou seja o pagamento) naquelas
benfeitorias que não podem ser levantadas não justifica a redação do artigo que se refere a “despesas feitas
com melhoramento” ao invés de “melhoramento”.

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desse ponto de vista, mas têm uma importância económica extraordinária (exploração de
lítio).
Têm uma administração própria (as assembleias ou juntas de compartes) que gere
esses baldios e a qual tem de autorizar, caso se pretenda instalar algo nos mesmos (por
exemplo, um parque eólico).
Os baldios são propriedade que não é privada, individualizada, mas sim
comunitária. Propriedades de mão comum: propriedades (ou pelo menos um regime
análogo à propriedade) que pertencem a todos os compartes e têm uma finalidade (a
propriedade, normalmente, não tem uma finalidade) – há uma afetação especial.

Teoria Geral do Negócio Jurídico


Os factos jurídicos, negócio, tipos de negócio
Facto jurídico
Facto produtor de consequências jurídicos, habitualmente visto como a causa,
fonte, de relações jurídicas. Consoante o facto jurídico, pode surgir uma relação jurídica
associado a um regime jurídico.
Nota sobre relações e posições jurídicas:
Quando falamos de relações jurídicas no nosso ordenamento jurídico constatamos uma
hiperbolização pelo legislador- é importante entender que nem tudo são relações.
No âmbito do direito de propriedade, este não está em ligação com mais ninguém, por isso falar
aqui de relação jurídica é exagerado. Todos os não proprietários têm de respeitar a propriedade do
proprietário, mas não os faz sujeitos da relação. Só há uma relação se alguém lesar a propriedade,
desrespeitando esse direito, e aí está obrigado a restituir. A obrigação passiva e universal de não
perturbação não configura uma relação jurídica.
Sabemos que tem que haver mais que um sujeito para haver direito (bilateralidade, no mínimo,
num negócio, por exemplo), é necessária uma multiplicidade/pluralidade de sujeitos, mas não há uma
relação necessariamente.
Na opinião de Carneiro da Frada, assim como Menezes Cordeiro: a figura chave não é a da relação
jurídica, mas sim posição jurídica. Posição pode ou não ser relacionada – titular de uma marca não é uma
posição relacional, mas se for um credor (relação de crédito) já é relacional.
Relação jurídica é uma categoria que serve de arrumação para a parte geral, mas não é um dogma
de Direito. Nem tudo é relação jurídica, há posições jurídicas relacionais e não relacionais. Nesta posição
não se contraria a lei, o que importa para juristas é o que o juiz mandou e não como organizou as matérias.

Os factos jurídicos podem ser:

Facto Jurídico

Factos naturais/strictu sensu Ato jurídico

Atos jurídicos materiais Ato Jurídico em sentido estrito

Negócio Jurídico Quase negócio jurídico

1. Factos naturais/factos jurídicos strictu sensu: a vontade humana não tem


qualquer relevo. Tem como consequências jurídicas a simples ocorrência.

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Exemplo 1: Trovoada – raio que cai sobre um automóvel, este facto desencadeia
relações jurídicas – se o automóvel tiver seguro, há uma obrigação de indemnização da
seguradora.
Exemplo 2: No nascimento de alguém a criança adquire personalidade jurídica
quer tenha sido mais ou menos desejada.

2. Atos jurídicos: atos humanos, produzem consequências, a vontade releva. A


forma de compreensão da realidade, dada pela nossa natureza que é capaz de querer
e conhecer (elemento volitivo e intelectual), tem relevância. A consequência
jurídica pode variar consoante as características dos sujeitos.

→ Atos materiais: o sujeito desenvolve uma atividade externa, pode ter


consequências jurídicas, comandada pela vontade.
Exemplo 1: A criança de 7 anos que pega na concha na praia porque quer é
possuidora da concha - tem consequências jurídicas, não pode nenhuma outra criança
retirar-lhe a concha; mas se tivesse ficado com a concha porque caiu no seu bolso, já não
há vontade.
Exemplo 2: Quando Miguel Ângelo esculpe uma das suas obras, torna-se
proprietário da obra. Há um efeito neste ato material. Se outra pessoa lhe dá uma
martelada, é um ato voluntário, mas que não o torna proprietário porque o ato não foi
direcionado nesse sentido.

Efeito jurídico de um ato humano – pode ser propriedade, como podem ser outros
vários.

→ Atos jurídicos em sentido estrito: há declarações do sujeito,


comportamento comunicacional. Há que distinguir entre:

• Negócios jurídicos
Negócio jurídico: A vontade visa ser compreendida pelos demais (v.g. expresso
a vontade de querer vender). Há consequências do que comunicamos - a ordem jurídica
atribui relevo a esses atos comunicativos.
São declarações de vontade, dirigidas à produção de efeitos, e em que os efeitos
são produzidos ex voluntate – expressão máxima da autonomia privada.

Efeitos da declaração: correspondem ao que o sujeito declarou. A causa dos


efeitos do negócio jurídico é a vontade – casamento, doação… se o sujeito não quer os
efeitos da lei anula-se o casamento, por exemplo.
Os efeitos podem ser negociados.

• Quase negócios jurídicos.

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Quase negócios jurídicos: depende da vontade, mas os efeitos produzem-se ex
lege, decorrem da lei que acopla o efeito à declaração. Nesse caso não importa se o sujeito
previu e quis os efeitos, porque os efeitos produzem-se na mesma.

O exercício da vontade, tem uma relevância enormíssima, contudo não é preciso


ser prefigurado e querido pelo sujeito.

Negócio Jurídico
No negócio jurídico aceita-se que o sujeito tem autonomia. O sujeito é livre e
pode celebrar negócios jurídicos, pode escolher e autodeterminar-se → filosofia geral do
negócio jurídico.

Negócio jurídico é o conceito central, em torno do qual se estabeleceu boa parte


do CC.- é o facto jurídico mais complexo e que mais exigências faz na ordem jurídica.

É em torno do negócio jurídico que a ordem jurídica estabelece a regulamentação


dos factos jurídicos. Porquê? Diz a lei, no 295º CC, que “aos atos jurídicos que não
sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o
justifique, as disposições do capítulo precedente” – há uma norma de extensão dos
negócios jurídicos para os simples atos jurídicos, declarações quase negociais.

Negócio jurídico é uma categoria central, mas é uma categoria recente (surge
com a Pandectística- século XIX).
É um conceito abstrato, e, exatamente por isso, tem várias modalidades (que
iremos estudar).

O regime jurídico do negócio jurídico aplica-se, com as necessárias adaptações,


aos restantes atos jurídicos, há uma extensão dos preceitos jurídicos dos negócios
jurídicos aos restantes atos jurídicos (principalmente aos que envolvem um
comportamento comunicativo – quase negócio jurídico).

O negócio jurídico é uma expressão da autonomia privada: representa uma lei


que o sujeito se dá a si próprio, as consequências são ex voluntate, foram queridas pelo
sujeito. O negócio jurídico é a expressão máxima da autonomia privada dada a um ser
livre e responsável, capaz de se autodeterminar, de se dar a si próprio um regime → o
sujeito tem personalidade ética, capaz de se comprometer e assumir uma autorregulação
de interesses na sua vida em relação com os demais.

O negócio jurídico compra e venda (que é por nós muito conhecido) tem efeitos
ex voluntate. Há um regime supletivo muitíssimo vasto, previsto nos artigos 874º CC e
seguintes, que torna impossível saber todos os efeitos deste negócio jurídico, até mesmo
para os juristas mais experientes, o que, por si só, demonstra que não é preciso ter

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conhecimento sobre 100% dos efeitos possíveis, basta ter uma vontade de concretização
de efeitos próprios.
Não há negócios jurídicos sem que o sujeito queira.

Teoria dos efeitos práticos: as partes manifestam apenas uma vontade de efeitos
práticos e a lei faria corresponder efeitos jurídicos concordantes.
Vai se dirigir apenas a 1 efeito prático – comer uma laranja por exemplo, contudo
não é suficiente porque para eu comer uma laranja posso fazê-lo por usufruto, ou por
aquisição.

O negócio jurídico não é uma concessão de poder político estabelecido (o


casamento é um exemplo de negócio jurídico), daí não acolher a teoria da delegação.6
O poder político é importante numa sociedade de pessoas livres→ o sujeito livre,
por si próprio, tem uma competência originária, tem liberdade e autonomia, que não
depende da outorga de poder político.
Nós não somos donos do Direito, mas podemos dar uma ordem a nós próprios,
estabelecer com os nossos concidadãos interesses que mereçam ser protegidos.

A liberdade individual tem correspondência com a ordem jurídica (onde


essa liberdade é exercida), sendo que a ordem jurídica sanciona aquilo que os sujeitos
livremente estabeleceram.

Temos aqui uma via intermédia que rejeita as economias coletivistas bem como
a hipermobilização da liberdade de sistemas liberais puros e duros, em que a liberdade
não é limitada. Entendemos então que há uma liberdade em ordem justa.

Notas: o sujeito, embora se possa dar a si próprio as consequências jurídicas


que entender (efeitos ex voluntate) (vender o que entender, nos moldes que entender…),
a verdade é que a vontade não é arbitrária.
Temos de distinguir:

Distinga-se:

Negócio Juridíco Acordos de mera


cortesia
Acordos de pura Acordos de Cavalheiros
obsequiosidade

6
Teoria da delegação: o poder político, qualquer que seja, delegaria nos sujeitos individuais uma
competência própria para que esses sujeitos celebrassem os negócios que bem entendessem.

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• Negócio Jurídico 7

• Acordo de pura obsequiosidade (ou de trato social): não é considerado negócio


jurídico, visto que pertencem ao trato social comum → as partes não querem
subordinar este acordo às consequências jurídicas advenientes do negócio
jurídico. Por exemplo: não resulta do seu incumprimento nenhuma indemnização,
pois estas são consequências são vistas como desproporcionais por serem um
acordo meramente social, de amizade, de vizinhança (exemplo: dar boleia ao
vizinho). 8
No outro extremo dos acordos de mera cortesia, que não deixam de poder ter
alguma relevância jurídica, mas já não por força da vontade, em virtude de deveres que
derivam da própria relação. Temos os acordos de cavalheiros.

•Acordos de cavalheiros: acordos em que as pessoas, em matéria de relevância


jurídica, em princípio, suscetível de ser negócio jurídico, por acordo, excluem
a relevância negocial/jurídica.
Pacto de não pedir judicialmente o cumprimento desse acordo, apesar de ele sem
si mesmo merecer ou poder merecer tutela jurídica.

Exemplo: em Direito da concorrência – fenómeno da cartelização. As empresas


combinam que os preços são sempre os mesmos. A matéria é jurídica (concorrência,
relações patrimoniais…), merecedora de tutela jurídica, mas as partes excluem o recurso
aos tribunais, porque se recorressem aos tribunais, porque alguém incumpriu, põe a nulo
um acordo que é ilícito.
Estes acordos suscitam um Problema: quando alguém falta ao acordo, não
cumpre com a palavra dada.

No exemplo dado supra, nos cartéis, não há vinculação porque era matéria ilícita,
mas podia ser feito um acordo de cavalheiros em matéria lícita, assim a ordem jurídica
não aceita sem mais estes acordos. Estes acordos têm de ser analisados face ao
ordenamento jurídico, pois podem existir acordos de cavalheiros legítimos e ilegítimos.

Efeitos Jurídicos

No negócio jurídico nem tudo decorre da vontade. É preciso que os sujeitos


queiram os efeitos jurídicos essenciais do negócio.9 A vontade tem pelo menos de
abranger aquilo que caracteriza o negócio na sua essência (só faz sentido haver um
contrato de compra e venda se a pessoa quiser alienar o bem) → o que caracteriza o
negócio na sua essência tem de estar abrangido pelo negócio jurídico.

7
Analisado supra de forma extensa.
8
Apesar de escaparem à vinculação jurídica, não é por isso que deixam de ter relevância jurídica
– um sujeito que alerta outro que tem um exame, médico, escolar, tem consequências.
9
Têm de querer que o negócio jurídico seja protegido pelo Direito, esteja sob a alçada do Direito,
pelo menos no que toca aos efeitos essenciais

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A vontade do sujeito não tem de antever todos os efeitos possíveis do negócio,
tem de saber os efeitos essenciais práticos.
Há normas:

Supletivas: Imperativas:
Na ausência de determinação de x A ordem jurídica intervém através
na declaração negocial, vigora o de uma ordem imperativa por
que a ordem jurídica estabelece motivos onerosos. Estas normas
de acordo com uma ideia de não extinguem a
moderação, razoabilidade e liberdade/autonomia negocial,
justiça, se considera adequada. A esta é simplesmente limitada →
vontade das partes pode afastar demonstra que a vontade
normas supletivas e estabelecer arbitrária do sujeito não é
uma regra distinta. suficiente, esta tem de ser justa
para ser acolhida pelo negócio
As normas supletivas permitem
jurídico.
compatibilizar a autonomia
privada com aqueles aspetos que Não se pode, em Direito civil,
as partes por descuido possam presumir o carácter imperativo
ter deixado de fora. das normas.

As normas supletivas e normas imperativas são um todo do regime do negócio


jurídico, mas há que haver um cerne da autonomia. Um regime geral de um negócio
jurídico é composto pelas declarações de vontade, normas supletivas e normas
imperativas.
O que prevalece é sempre a autonomia e a vontade individuais, não há a
obrigação de contratar, via de regra.
Exceção: obrigação de contratar pode existir quando resultar de um ato de
declaração de vontade prévio – contrato promessa (as partes querem limitar a sua
autonomia para o futuro, obrigando-se a contratar). Um contrato de compra e venda que
advém de um contrato promessa é, na mesma, um ato de autonomia privada, uma vez
que advém de uma obrigação de contratar fundada em vontade privada esclarecida.

Liberdade de conformação do conteúdo – regulado pelo quê, a que preço…


Esta liberdade às vezes não existe (cláusulas contratuais gerais), mas há
consequências jurídicas e podem ser imputáveis à vontade, pois houve liberdade de
celebração – os efeitos pessoais do casamento (deveres do casamento – respeito, por
exemplo) derivam da vontade de quem os assumiu.

Diversas modalidades do negócio jurídico:


Notas introdutórias sobre o regime jurídico:
Toda a matéria do negócio jurídico está regulada no 217º CC e ss, mas diversos
preceitos referem-se aos contratos.

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Regime dividido
entre:

Parte Livro II – Direito


Geral das obrigações

405º CC e ss: Ainda no título II com os


contratos em geral diversos contratos em especial

A parte geral é duplamente imperfeita:


1. Há matérias que são reguladas na parte geral e que não são tão gerais assim.
Há preceitos na parte geral que dizem respeito a matérias que não são gerais e
são reguladas na parte geral de outros livros.
2. (mais grave) Há matérias manifestamente gerais fora da parte geral:
enriquecimento sem causa, responsabilidade civil…
Do ponto de vista técnico tem falhas.

Modalidades:
1. Negócios jurídicos bilaterais VS multilaterais ou contratos: uma parte
ou mais que uma parte.
Parte: não significa pessoa, não depende dos sujeitos presentes, a parte identifica-
se pela diferenciação de efeitos. Não podemos ter uma mesma e única parte jurídica -
tudo depende da orientação das declarações de vontade, que não deverão ser paralelas
nem convergentes num contrato.
Para que é que esta distinção releva? Para efeitos do regime aplicável - princípio
da tipicidade nos contratos, por exemplo.

Princípio de tipicidade: 457º CC – “A promessa unilateral de uma prestação


só obriga nos casos previstos na lei.”. Para constituir obrigações, tem de haver contrato,
em princípio.

Vinculação no próprio sujeito à ordem jurídica que quer proteger o sujeito das
suas precipitações, de ficar excessivamente vinculado/onerado. Exceção importante:
testamento – assegurar ao sujeito o determinar post mortem quem sucede e em que
moldes.
Sendo um contrato, temos uma diferenciação de efeitos com os termos desse
contrato que deve compatibilizar efeitos das partes que são diferentes e têm vontades
diferentes e merecem posições diferenciadas.

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Os negócios jurídicos bilaterais seguem o princípio da tipicidade, vale o princípio
do contrato. Descobrir a sua razão de ser é difícil, mas é porque nos negócios jurídicos
bilaterais o sujeito, que se vincula unilateralmente, pode incorrer em desproporções,
precipitações. Na compra e venda há uma reciprocidade, pode sempre se jogar com o
equilíbrio, já nos negócios bilaterais o sujeito pode se vincular excessivamente.

2. Negócios plurais VS deliberações


Negócio plural: é um negócio bilateral, mas com pluralidade de pessoas
(exemplo: Várias pessoas comproprietárias de uma coisa e alienam essa mesma coisa).
São declarações paralelas, uma única posição jurídica. Portanto, não é que os
contitulares estejam a celebrar entre si um contrato (não há diferenciação de efeitos),
mas sim um contrato entre eles com o comprador.

Deliberações: comuns nas pessoas coletivas, fundações, associações, etc. É um


negócio jurídico com uma particularidade: pluralidade de pessoas envolvidas, na
administração há várias pessoas a deliberar, mas a deliberação destina-se a formar a
vontade da pessoa coletiva. A vontade é imputável à pessoa coletiva.
As deliberações têm regime próprio, diferente dos negócios plurais. Nas
deliberações o critério é o da maioria para se formar a vontade da pessoa coletiva; nos
demais negócios o que se requer da pluralidade é uma consonância das declarações.

3. Negócios inter vivos VS. negócios mortis causa.


Negócio inter vivos: destina-se a produzir efeitos entre pessoas vivas.
Negócios mortis causa: destinados a produzir efeitos que ocorrem após a morte
da pessoa. O testamento é o ato mortis causa por excelência.

Qual é o relevo desta distinção? Nos negócios mortis causa (aqui falamos
em específico do testamento; existem, também, os pactos sucessórios, mas estes estão
proibidos no nosso ordenamento jurídico) está em jogo para o Direito o respeito pela
vontade do autor do testamento (que a todo o momento é revogável) e assegurá-la para
que a sucessão seja feita de acordo com essa vontade.
Nos negócios inter vivos, os efeitos produzem-se entre pessoas vivas, o Direito
não pode alhear-se de certas posições de equilíbrio, não é a vontade unilateral de uma
das partes que pode determinar tudo, há uma coordenação dos sujeitos vivos – confiança
e expectativas das partes.
Há negócios que podem suscitar dúvidas: seguro de vida (a seguradora presta
um serviço depois da morte do assegurado)→ negócio inter vivos: quer harmonizar os
interesses entre o assegurado e seguradora.

4. Negócios jurídicos formais VS negócios jurídicos consensuais:


Negócios jurídicos consensuais: a vontade expressa-se através de uma
declaração negocial independentemente da forma, produzindo os seus efeitos. O negócio

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jurídico pode ser celebrado por qualquer forma (escrito, linguagem gestual,
verbalmente). Nestes negócios basta o consenso.

Nesta distinção pensamos no princípio da liberdade de forma - 219º CC. A


declaração não depende de forma, exceto se a forma estiver legalmente prescrita. Ou a
forma é obrigatória ou não é (pode até ser costume e usual, mas se não estiver escrito
não há obrigatoriedade), se não há prescrição de forma, o negócio jurídico é válido.

Se o negócio for formal, a lei exige uma forma. A lei impõe uma forma que se
não for respeitada verificar-se-á os efeitos do 220º CC– nulidade ou outra sanção
especialmente prevista na lei. Uma forma escrita, particularmente solene, onde o
negócio jurídico até é exarado é a escritura pública, o notário é que redige, conforme a
vontade das partes.
Documento particular autenticado: os autores do documento são as próprias
partes do negócio, mas é autenticado pelo notário.
Documentos particulares: são autores simples, sujeitos, sem intervenção do
notário, nem como autor do documento nem como alguém que garante a autenticidade
do documento.

Há negócios solenes que não são escritos, negócios formais que não impõem a
forma escrita – exemplo: casamento. Não há declarações formais e específicas, existem
formas sacramentais para que o negócio seja válido.

5. Negócios obrigacionais, reais, familiares ou sucessórios quanto aos


efeitos.
A distinção assenta nos efeitos produzidos pelos negócios em causa, ou seja, um
negócio familiar produz efeitos familiares, um negócio sucessório produz efeitos
sucessórios (sempre esta lógica para os restantes).

Falaremos em especial dos efeitos reais quoad effectum: negócios que


produzem efeitos reais - efeitos constitutivos, modificativos, transmissivos ou extintivos
de efeitos reais.
A nossa ordem jurídica tem uma particularidade: é possível só por efeito da
vontade produzir, transmitir, modificar, extinguir efeitos reais.

408º CC; 408º/1:– o sujeito pode transmitir ou constituir o direito real só pelo
facto de haver o contrato, mais nada. O mero acordo de vontades, concretizado ou não,
é possível para transferir a propriedade em Portugal, não é assim em todas as ordens
jurídicas (em algumas a propriedade só se transfere com a entrega da coisa).
Em harmonia com este conceito o 879º/a CC, como efeito da compra e venda:
transferência da propriedade do alienante para o alienatário.
Apenas por efeito da vontade se constitui um direito real.

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Distinção com outros sistemas: noutras ordens jurídicas (Brasil, Alemanha,
Espanha…), para além deste acordo de vontades, requer-se um ato ulterior de entrega
da coisa, de investidura do requerente na propriedade.
O contrato compra e venda não transfere a propriedade apenas por mera
declaração de vontade, requer um ato ulterior, entregar a coisa, por exemplo, o nosso
879º/b CC.

O nosso sistema, só por efeito do contrato, transfere-se a propriedade.


Exemplo: A celebra com B um contrato compra e venda, mas só entrega daqui a
1 mês, por exemplo, a propriedade já está na esfera jurídica de B, mas A reservou, por
um período de tempo.

Qual o interesse e o problema suscitado no nosso ordenamento jurídico? Põe


em causa os efeitos jurídicos acautelados – risco do perecimento casual da coisa (o risco
do desaparecimento da coisa ou de destruição - se o carro for roubado antes da entrega
o carro, a propriedade já estava na esfera do comprador, pelo que será este a acarretar o
risco - 796º/1 CC.
A nossa OJ estabelece que quem corre riscos é o titular, o dono da propriedade
naquele momento. Na Alemanha, a situação é diferente, porque a transferência da
propriedade requer a transferência da coisa, até lá só há efeitos obrigacionais, ou seja, o
dono do automóvel ainda é o antigo proprietário, mas obrigado a vender.

Os móveis, nos sistemas que não são como o nosso, a transferência dá-se pela
entrega. Quanto aos imóveis, a solução é diferente, a transferência passa pelo registo (o
sistema de publicidade).

No nosso país, a transferência da propriedade não depende do registo, o nosso


registo é meramente declarativo, o que pode suscitar problemas, porque nem sempre o
que está no registo corresponde à verdade – desconformidade entre o registo e a verdade
substantiva (há uma presunção ilidível da titularidade).

Registo em Portugal: declarativo- hipoteca é uma exceção. O registo nada tem a


ver com a forma do negócio, que é o modo como se apresentam as declarações negociais,
mas sim dar publicidade.
No Direito Romano não havia registo. Como funcionava? Para a alienação de
imóveis havia um contrato compra e venda e era necessário um ato formal de investidura
do adquirendo (entregar as chaves, a telha…). Hoje em dia, depende do registo que
publicita o estatuto jurídico dos bens.

6. Negócios consensuais VS negócios reais quoad constitutionem (quanto


à constituição)
Não está em causa a classificação quanto aos efeitos, mas quanto à constituição,
o exigido para que o negócio se conclua.

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Negócios consensuais: basta o consenso, basta a manifestação de vontade, para


produzir efeitos. É seguido o princípio da liberdade de forma.
Negócios reais quoad constitutionem: para que a constituição do negócio seja
válida, para além da manifestação de vontade, é preciso um ato que acompanhe a
manifestação da vontade e que integre a facti species negocial.

Exemplo: mútuos, coisas fungíveis: precisam de ser acompanhadas pela entrega


da coisa mutuada - contrato de empréstimo do CC só é contrato com a entrega do CC.

A entrega é o que consubstancia a vontade de produção de efeitos jurídicos:

→ Doação de coisas móveis: 947º/2 CC. Sem entrega, é uma manifestação que
pode ser a todo o momento abandonada.
→ Depósito: 1185º CC – a palavra-chave é “entrega”: os efeitos do negócio
requerem a entrega da coisa.
→ Mútuo: 1142º CC: “empresta” é um favor, ajuda, enquanto não entregar não
há vontade de vinculação - mútuo civil; no mútuo bancário/comercial (não o
caso deste artigo): não carece da entrega da coisa para se vincular, não se
exige a entrega da coisa. Hoje discute-se se podemos celebrar um mútuo sem
entrega da coisa ao abrigo da liberdade comercial, sendo que o professor
entende que sim, mas aí temos que conseguir provar a vontade das partes a
vincularem-se e não poderemos enquadrar este mútuo na figura do mútuo
civil prevista no nosso CC. A própria entrega tem uma publicidade
constitutiva no mútuo civil.
→ Negócio de penhor: entrega-se a alguém uma joia, por exemplo, para que
isso funcione como garantia, sem entrega não há penhor.

A entrega da coisa demonstra a seriedade do negócio.

7. Negócios causais VS negócios abstratos

A diferença está que no negócio abstrato não é preciso que o negócio enuncie
todas as razões económico-sociais para que a produção de efeitos se dê; no negócio
causal os efeitos só se produzem na medida da causa, têm de enunciar todas as razões
na medida das quais se produza efeitos.

A nossa regra no CC: causalidade. Todos os negócios devem enunciar a sua


causa para que os efeitos se produzem.
Temos de entregar x coisa porque no negócio de compra e venda estão
fundamentadas as obrigações.
Se a causa é inválida, os efeitos também o são. A opção de causas é uma opção
de justiça.

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Há quem diga que o nosso ordenamento jurídico se esqueceu do conceito
“causa”, o professor discorda. Exemplo de como a nossa ordem jurídica não esqueceu o
conceito “causa” – 458º CC enunciam os negócios presuntivos de causa: não
evidenciam a causa de efeitos, mas a ordem jurídica manda presumir que há uma causa.
(exemplo: “vou-te pagar 50 €”, pressupõe-se que haja uma causa por trás). Neste negócio
presuntivo pode-se demonstrar a falta de causa ou causa inválida.

8. Negócios típicos VS negócios atípicos VS negócios mistos


Negócios típicos: a sua regulação consta da lei, a lei fixa o regime das dos
contratos típicos na lei.

Negócios atípicos: regulação deriva apenas das partes, não estão regulados pela
nossa ordem jurídica. Nestes negócios é importante a doutrina da causa, a causa válida.

Negócios mistos: reúnem elementos típicos de dois ou mais contratos – exemplo:


doação mista - A vende a B um apartamento que vale 100 mil€, por 30 mil – usa um
contrato compra e venda para fazer uma liberalidade.

Contratos que representam liberalidades – negócios gratuitos (vantagens só para


uma das partes). Se o negócio é oneroso há uma preocupação de equilíbrio, se for um
negócio gratuito a preocupação é manter a razão da liberalidade feita (se houver
ingratidão por parte do beneficiário, justifica a revogação da doação; isto na compra e
venda não existe)

Os negócios gratuitos não deixam de o ser pelo facto de haver encargos que
recaiam sobre o beneficiário (ter que ser grato; se for estipulado que o beneficiário tem
de deixar viver na propriedade doada um tio do doador, isso tem que acontecer).

9. Negócios parciários
“São uma subespécie dos negócios onerosos. Caracterizam-se pelo facto de uma
pessoa prometer certa prestação em troca de uma qualquer participação nos proventos
que a contraparte obtenha por força daquela prestação.” (Mota Pinto)
Exemplo: certas formas de sociedade; parceria pecuniária (art. 1121.º CC)

10. Negócios aleatórios VS negócios comutativos


Negócios aleatórios: não se reconhecem as vantagens particulares que advinham
para as partes. Exemplo: fazer um seguro de vida, não se sabe se o que ele vai pagar vai
ser benéfico ou não.
Exemplos: jogo, aposta (art. 1245.º e ss do CC), seguro (arts. 425.º e ss do Código
Comercial), renda vitalícia (art. 1238.ºCC), risco (art 626.º Código comercial), venda de
coisa futura com carácter aleatório (art. 880.º, nº2 CC), venda de bens de existência ou
titularidade incerta (art. 881.º CC)

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Negócios comutativos: há uma correspetividade e não um risco aleatório.

11. Negócios de administração VS negócios de disposição


Distinguem-se consoante o seu impacto no património – uma coisa é eu vender
a fruta outra é eu vender o pomar.
A ordem jurídica está atenta porque há pessoas que pela sua incapacidade
(maiores acompanhados, menores) podem ser desvantajosos para si próprios em termos
negociais.

12. Negócios Sinalagmáticos VS negócios não sinalagmáticos

Contratos sinalagmáticos: há correspetividade das prestações. Aplica-se a


exceção de não cumprimento do contrato.
Contratos não sinalagmáticos: não há correspetividade das prestações. A
exceção de não cumprimento não funciona. Exemplo: contrato de mútuo. O contrato,
sendo bilateral, não tem bilateralidade nesses efeitos, só há efeitos para uma das partes.

Elementos e pressupostos do negócio:


Elementos essenciais, naturais e acidentais
Os negócios para serem negócios têm de apresentar elementos essenciais gerais
(pressupostos gerais para a validade do negócio):
1. Capacidade das partes;
2. Declarações negociais;
3. Objeto possível (o roubo não é um negócio jurídico porque o objeto é
contrário a lei, à ordem pública, aos bons costumes).
São pressupostos gerais para a validade do negócio.

Depois existem elementos essenciais próprios de cada negócio que permite que
os distingamos dos restantes. Por exemplo, só há compra e venda se houver entrega do
preço e entrega da propriedade da coisa; só há doação se houver uma liberalidade.

Elementos naturais
Dados pelas normas supletivas: é aquilo que o legislador predispõe e que acha
mais razoável.

Elementos acidentais
O que o negócio pode ou não apresentar sem alterar a sua natureza nem a sua
essência.

Conteúdo do negócio é dado pela vontade dos seus autores e pelas disposições
que regulam o negócio e o conteúdo do negócio – normas injuntivas, supletivas…

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Tipo negocial: conjunto de elementos que permitem caracterizar o negócio e que
permita distinguir o negócio em especial dos restantes.

O que no Direito civil existe é um princípio de tipicidade dos direitos reais, mas
há um princípio de autonomia privada quanto aos negócios constitutivos desses direitos
reais.

Declarações Negociais
Declaração negocial representa o elemento primordial do negócio jurídico.
Não há negócio sem declaração negocial, pode haver várias declarações
negociais consoante o número de partes e a forma como o que eles declaram se articula
entre si. A declaração negocial é a expressão da vontade negocial. Na declaração
negocial temos o elemento interno e o elemento externo, uma vontade e uma
declaração, respetivamente, que se conjugam.
Se um indivíduo quer comprar um automóvel e não o declara, não há declaração
negocial e, consequentemente, não há negócio jurídico (há uma vontade que ainda não
se deu a conhecer logo não há negócio, porque o negócio é um ato comunicativo). O
inverso também é verdade, se existir declaração sem vontade também não há negócio
jurídico, ambos os elementos são absolutamente essenciais.

Há hipóteses em que uma declaração negocial não tem subjacente uma


vontade – alguém dá boleia a outra, diz “entra”, não celebra um contrato de transporte,
não é presidido qualquer vontade de celebrar um negócio jurídico, há apenas uma
declaração.

Para dissecar a DN costumamos distinguir três tipos de vontade que existem


para além da declaração:
Tipos de Vontade

Vontade de ação Vontade de declaração Vontade de declaração negocial

Exemplos práticos
Exemplo de vontade de ação:

leiloeiro assume que a


Estamos num leilão: estabelece-se mesmo um
pessoa quis comprar o
alguém se espreguiça negócio?
produto

Apesar de conduzido pela vontade, não é um ato declarativo. Não sendo um ato
declarativo, não parece haver uma declaração negocial, há apenas uma vontade de ação,
diferente de uma vontade de declaração.

Exemplo de vontade de declaração:


Num leilão, 1 Indivíduo que levanta Estabelece-se
leiloeiro assume que essa
o braço para cumprimentar o amigo mesmo um
pessoa quis comprar o produto.
do outro lado da sala negócio?

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Há uma vontade de declaração, mas não há vontade de produção de efeitos


jurídicos, pelo que não se celebra um contrato, não há negócio, mesmo que haja vontade
declaração.

Que vontade é necessária?


Na declaração negocial temos fusão entre ato de declaração e vontade. Mas que
vontade é precisa? Vontade negocial, vontade de produzir efeitos jurídico-negociais,
não apenas uma vontade de ação ou vontade de declaração.

De certa forma são os três elementos da vontade que estão presentes na


declaração negocial. Pode haver situações de turvação da vontade (coação) ou mesmo
do juízo (achar que o vinho é tinto, mas na verdade é branco), mas também temos de
olhar à perspetiva daqueles que confiam na existência de uma vontade subjacente à
declaração que lhes é apresentada.

Como é que a nossa ordem jurídica trata a declaração negocial?


Não há propriamente uma definição no nosso código, mas no 217º CC fala-se de uma
declaração expressa ou tácita, duas modalidades essenciais.

Meio direto de expressão de Não está diretamente expressa, mas o


vontade = expressa; comportamento do sujeito revela (com
toda a probabilidade) vontade de a
aceitar = tácita.

O silêncio é diferente da declaração tácita, aquele é uma ausência de declaração


negocial, com silêncio não há declaração negocial, nem negócio.
O 218º CC– o silêncio só vale como declaração negocial se a lei o impuser ou se
houver usos nesse sentido ou se tiver existido convenção anterior das partes que atribua
valor ao silêncio. Fora destas circunstâncias o silêncio não vale como declaração
negocial.

Declarações recipiendas (as que têm destinatário) ou não recipiendas:

As primeiras são as típicas declarações negociais, o conhecimento do destinatário


é essencial para que a declaração negocial produza os seus efeitos. O negócio jurídico,
em princípio, só se celebra com conhecimento.

Se não tiver destinatários, pode produzir efeitos sem ter de ser conhecida pelo
destinatário – o testador faz o testamento e para este ser eficaz não necessita que o
destinatário/beneficiário o reconheça. Não depende da sua eficácia ter sido levado ao
conhecimento do destinatário, não podendo ninguém aproveitar-se do desconhecimento
do destinatário para alterar a declaração testamentária.

Regras de eficácia da declaração negocial (224º CC): “A declaração negocial


que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele
conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma
adequada”.

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224º/2 CC (“É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do
destinatário não foi por ele oportunamente recebida.”).
É a partir do momento em que a interpelação se dá que a declaração de cedência
(as consequências) se produz.

224º/3 CC (“A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem


culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz.”): não há produção de efeitos nestas
circunstâncias.

Processo de Formação
O negócio jurídico é composto por declarações negociais e quando ele não é
unilateral pode trazer dificuldades no processo de formação porque há que conjugar
(de forma a atingir um consenso sobre os vários pontos essenciais) as várias declarações.
O processo de formação do negócio é mais ou menos complexo, por mais simples
que se revele a formulação do contrato tem de haver uma proposta e uma aceitação.

Há no negócio jurídico pelos menos duas declarações negociais: proposta e


aceitação. A proposta revela uma inequívoca vontade de contratar; o contrato é
celebrado mediante a aceitação da contraparte à proposta feita.

Falando concretamente do contrato bilateral temos de ter uma proposta e uma


aceitação – 2 declarações negociais que devem estar casadas (a pessoa propõe algo e o
outro tem de aceitar todas essas cláusulas, não pode aceitar uma aceitação diferente) -
232º CC: o contrato apenas fica concluído se as partes acordarem em todas as cláusulas.

O processo negocial passa por propostas e aceitações que vão sendo emitidas de
forma cada vez mais perfeita até o serem efetivamente.

A proposta distingue-se de atividades preparatórias, convites, conversas que se


destinam a conduzir à aceitação de declaração negocial.
É preciso que a vontade seja clara e, para que assim seja, a proposta tem de ser
completa, se assim não for pode ser apenas um convite a contratar e não uma proposta.

Tudo o que não for aceite é rejeitado, se a rejeição for precisa o suficiente pode
ser vista como contraproposta (A propõe que o automóvel seja vendido por 500 euros;
a proposta é rejeitada e é dito que se compra o automóvel por 400 euros – isto pode ser
visto como uma contraproposta). Se o destinatário da contraproposta aceitar, o negócio
é fechado.

O essencial da proposta e aceitação é que haja vontade definitiva de contratar


de termos quais a proposta que se emite seja aceite pela contraparte e que se celebre um
contrato.

O proponente fica sujeito, mediante a declaração de vontade do aceitante, a que


se produzam as consequências do negócio jurídico, a partir daí não pode haver
arrependimento, o negócio não vai voltar atrás (só se houver consentimento de ambos).
A proposta pode ser revogada só se o sujeito tiver reservado (230º CC), caso contrário
o proponente fica “atado” ao negócio jurídico.

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A proposta não pode ficar para sempre à espera de aceitação, as circunstâncias
da vida podem mudar, por isso há um prazo de eficácia – 228º CC – o proponente
pode fixar um prazo, ou pedir uma resposta imediata.
Nos negócios em que não há presença simultânea dos sujeitos, negócios entre
ausentes, aplica-se o 228º/1/c CC.

Uma aceitação tardia não dá lugar à celebração do contrato, tem de ocorrer


dentro do momento da eficácia da proposta.

São casos não comuns, mas às vezes não é preciso aceitação (professor segue
Oliveira Ascensão), basta que haja uma declaração de contrato, outros autores dizem
que tem sempre e mesmo que haver uma declaração de aceitação, não tendo, no entanto,
que ser comunicada.
Exemplo: supermercados, não precisamos de verbalizar individualmente “eu
quero comprar este e este produto” porque com o pagamento já estamos a aceitar, já que
é isto que vai na conformidade do sentido do negócio

A Proposta

A proposta tem de se mostrar completa relativamente a todos os pontos no


negócio e ter a forma exigida para o contrato - o autor de uma proposta não quer ficar
vinculado à aceitação se a proposta não revestir a forma devida (pode resultar na
nulidade do contrato). Se a proposta está materializada com a forma exigida, nada obsta
que mediante a aceitação se possa formar o contrato.

A proposta vincula o proponente. Há uma regra supletiva, ou um conjunto de


regras supletivas – 228º CC – destinadas a assegurar uma vigência da proposta por algum
tempo não definido para ela ser aceite no prazo de eficácia. A aceitação é uma
declaração negocial, sujeita às regras de eficácia da aceitação que tem de coincidir com
(o prazo da) a eficácia da proposta. O proponente pode aceitar um contrato relativamente
ao qual houve uma aceitação tardia, mas não é obrigado a tal.
O nosso sistema jurídico prevê a irrevogabilidade da proposta, mas é uma regra
supletiva, porque o proponente pode reservar a possibilidade de revogar a proposta.
Depois de aceite o contrato, este só pode ser extinto de acordo com o 406º CC
(“extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”).

A proposta pode ser feita a uma pessoa indeterminada ou com paradeiro


indeterminado e, por essas razões, anunciada publicamente, através do anúncio público
→ esta é uma regra diferente das que têm o destinatário conhecido. Este anúncio público
é distinto de oferta ao público que é uma modalidade de proposta feito a um conjunto
indeterminado de pessoas e que pode dar lugar à aceitação.

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Questão da contratação através de autómatos (máquinas de venda,


multibancos, parquímetros):

Questão da contratação através de autómatos

Teoria da oferta automática Teoria da aceitação automática

oferta ao público automatizada – quem faz a proposta é a pessoa que se dirige à


vending machines. máquina e a máquina aceita a proposta que é feita

Se eu pretendo comprar um KitKat e carrego no número correspondente e sai


algo diferente, então não se celebra contrato nenhum, mas se dissermos que a máquina
está a fazer uma proposta se carrego no kitkat e não sai o kitkat, temos é um
incumprimento do contrato → a forma como vemos a proposta e a aceitação resulta em
consequências distintas.

A imputação jurídica tem de chegar à vontade humana, as máquinas são pré-


programadas.

Natureza das declarações contratuais


Menezes Cordeiro vê as declarações negociais como verdadeiros negócios
jurídicos, unilaterais, que culminam noutro negócio, contrariamente, o professor acredita
que as declarações negociais não são negócios jurídicos, são elementos do negócio
jurídico, mas não têm autonomia relativamente ao negócio jurídico.10
Nesta perspetiva, as declarações negociais são apenas complementos, elementos
essenciais, mas não têm nenhum regime próprio, independente, em relação ao negócio
jurídico ao qual que dão substância.

Diferentes são os atos preparatórios: antecedem a emissão da declaração


negocial. Podem ser de diversa natureza e aí podem consubstanciar próprios e reais
negócios jurídicos, como é o caso dos contratos promessa.

O contrato promessa é um ato preparatório, mas também um acordo de


negociação → é um ato preparatório de outro negócio jurídico. Mas os atos preparatórios
não têm de ter natureza negocial. Ainda assim, estes atos que têm ou podem ter
relevância jurídica, são atos materiais – ex: minuta (esboço do contrato).

Existem contratos entre presentes em que é difícil distinguir proposta de


aceitação porque pode ter sido celebrado tudo no momento. Os contratos que são
elaborados por um notário a proposta e aceitação são elaboradas no mesmo momento.

10
Querela Doutrinal Relevante, a forma como perspetivamos uma declaração tem impacto nas
consequências jurídicas das mesmas.

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Concursos:
Falamos aqui de concursos para a formação de um contrato (não sujeito às regras
do 463ºCC). Matéria não existente nas obras clássicas, mas encontra-se em Menezes
Cordeiro, por exemplo.

Ouvimos falar muitas vezes de concursos públicos, onde concorrem todos os


interessados e, posteriormente, escolhem-se os candidatos que se destacaram.
São então concursos destinados a promover o aparecimento de interessados para
a formação de contrato, é uma forma de contratação.
À partida, nestes concursos, escolhe-se a melhor proposta, conseguimos ver os
melhores projetos/soluções. O concurso legitima a escolha – é escolhido o melhor.

Há:

concursos públicos –
multiplicidade de concursos limitados/fechados – dentro de
pessoas; uma empresa, são convidados x
departamentos para o concurso

O concurso pode ser:

Indicativo – destinam-se a dar ao


proponente a ideia do que pode ser a
pessoa indicada, (com possibilidade vinculativo (o mais comum) –
de não contratar); obrigam o proponente a celebrar o
contato com a pessoa escolhida.

Há que respeitar a expectativa criada, se a escolha for de outra pessoa, a pessoa


pode pedir recompensa pelos danos causados.
Há uma expressão neste contexto algo enganadora, mas sugestiva –
contratação mitigada.

Há vínculos jurídicos de diversa intensidade.


Na fase preparatória, muitas vezes praticam-se atos que não tendo embora
vinculação negocial, podem desencadear consequências jurídicas ao abrigo da
responsabilidade pela confiança:
•o autor espera que a carta seja tida em conta, não é uma
proposta, mas uma vontade de contratar.
Carta de intenção •Se a confiança for frustrada não há contrato, mas pode
haver responsabilidade pela confiança.

•São expostos os termos em que a negociação se vai


desenvolver.
Acordos de negociação •Não vinculam a aceitação do contrato, mas disciplinam,
se forem violados dão lugar à responsabilidade
(diferentes dos contratos de promessa que obrigam a
contratar).

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Às vezes há:
Acordos de base •contratos complexos, demorados, vai-se por fases.

Acordos quadro •vai-se desenvolver determinada atividade e em


função dessas necessidades vai-se negociando.
Tudo isto são manifestações negociais e demonstram a universalidade de
instrumentos de negociação da atualidade.

Forma da declaração negocial:


Sujeita ao princípio da liberdade de forma – 219º CC.
Às vezes há situações em que o Direito exige uma forma (exemplo: compra e
venda de imóveis tem de revestir a escritura pública ou documento particular
autenticado).

Forma e formalidades são coisas distintas. A forma é uma maneira que o contrato
tem de se apresentar, já as formalidades são apenas requisitos importantes para que o
negócio surta efeitos.
O registo não pode ser confundido como a forma – o registo, declarativo, é para
dar publicidade e é algo que acresce ao negócio, não é constitutivo do negócio (exceto
a hipoteca).

Forma pode ser:


Ad substantian •O negócio que não reveste aquela forma é inválido– 220º CC (regra:
nulidade).

•Exigido para a forma, sem esta há modos especiais que podem valer.
•Significa que pode ser conhecida, superada, substituída por meios de
Ad prova que a ordem jurídica considera idóneas (ex: confissão).
probationem •Pensamos na confissão (352º e ss CC) – meio particularmente credível
de prova porque o sujeito confessa um facto desfavorável.

Porque é que a ordem jurídica estabelece a forma para determinados


negócios e a impõe? Há um conjunto de justificações para a forma, sendo que algumas
delas são discutíveis, para parte da doutrina (Menezes Cordeiro, por exemplo).

Justificações que permitem fundamentar as exigências de forma:

• Solenidade: facilita a publicidade, ou seja, o conhecimento, por outros, do


negócio em causa. A solenidade da forma justifica-se pela necessidade de dar
publicidade, que pode ser ajudada por mecanismos como o registo ou publicações
obrigatórias.

• Necessidade de reflexão: a exigência de forma leva a uma reflexão (no fundo, a


que “se pense duas vezes”). A exigência de forma está muitas vezes relacionada
com os negócios de maior importância para a vida das pessoas.

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Crítica: se eu quiser comprar uma casa por 100 mil€ tenho de ir ao notário, mas
se quiser vender 1 milhão de ações com grande valor já não preciso dessa forma. Esta 2º
opção não é mais gravosa (ou seja, assume maior importância), se observarmos as
quantias mencionadas?

Resposta: Embora sejam valores patrimoniais relevantes, essa relevância


patrimonial não pede exigência de forma. Isto porque a forma é necessária para os bens
que a maioria dos comuns cidadãos considera mais relevante e importante – casa (algo
permanente), não necessariamente valores patrimoniais (pensando que o dinheiro pode ir
e voltar).

A ordem jurídica assume justificações e estas são gerais, abstratas, e é por isso
que as regras da forma não podem ser objeto de redução teleológica.

A que é que se estendem as exigências formais/da forma?

Temos de considerar o 221ºCC (consagra a forma legalmente prescrita) e o 222º


CC (a forma voluntária- forma adotada pelo proponente, seguindo a sua liberdade).
No âmbito da forma falamos sempre do princípio de liberdade de forma – 219º CC.

Forma convencional: forma que resulta de uma convenção prévia das partes (ex:
contratos comerciais) – 223º CC.

Forma legal – qual é o seu âmbito num determinado negócio? 221º CC

Num negócio as estipulações verbais anteriores ao documento que é exigido pela


lei, muitas vezes, há aspetos estipulados verbalmente, mas que, por algum motivo, são
esquecidos na sua forma (que era um pagamento a prestações, sítio de entrega das
chaves…).
Presume-se que, quando há forma legal, as partes quiseram concentrar no negócio
tudo o que foi acordado – presunção iuris tantum. As estipulações verbais foram queridas
pelas partes, mas não se formalizou como deveria ter sido. - 221/1ºCC

Estipulações posteriores ao documento- 221º/2 CC- “só estão sujeitas à forma


legal prescrita para a declaração se as razões da exigência especial da lei lhes forem
aplicáveis” – as estipulações verbais serão válidas, elas ocorreram, desde que se prove
que quiseram algo.

O âmbito da forma também se coloca à forma voluntária e convencional – 222º


e 223º CC.

O facto de as partes dizerem que futuramente vão pôr por escrito o que será
acordado não significa que não haja já vinculação.

Forma legal
Às vezes há negócios que aparecem sem ser verificada a forma, tendo como
consequência a nulidade, em que nada pode ser exigido e, ainda, segundo o 289º CC, há
que restituir tudo o que foi prestado (em espécie ou valor) – consequências graves.

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Em negócios nulos, mas que foram executados, às vezes a restituição é dura


(exemplo: uma família que vivia em Faro fez um negócio com o dono de um restaurante,
para o adquirir e mudou-se para Viana do Castelo- localização do restaurante- vendendo
a sua casa no Algarve, adquirindo uma nova casa em Viana e procedendo a todas as
burocracias de transferência familiares- como a transferência de escola dos filhos, etc.).

A doutrina divide-se quanto a esta questão.


Por um lado, é evidente que num negócio nulo por vício de forma a consequência
fosse a restituição (regra certa, se não houvesse tal consequência não haveria justificação
forte para haver uma forma imposta por lei). Por outro, poder-se-ia justificar uma exceção
caso essa restituição fosse demasiado dura (seguindo a justiça e não o formalismo)?

Este é o problema, chamado pelo doutor Menezes Cordeiro de inalegalidades


formais – há alguma circunstância em que não seja possível ao sujeito
alegar/invocar um vício de forma/invalidade formal?
Não. Menezes Cordeiro diz que todas as invalidades formais podem ser alegadas,
mas ao alegar a ilegalidade formal poderia estar a cometer um ato ilícito, na forma de
abuso de Direito, e ao fazê-lo faria o indivíduo incorrer em responsabilidade (obrigá-lo a
indemnizar) – dado o primado da reconstituição natural (566º CC), o trespassante teria a
obrigação de celebrar um negócio pela forma devida e assim conseguir-se-ia a proteção
da confiança.

Quem comprou confiou na validade do negócio, se a confiança era justificada, não


sabia/não conseguia saber/não tinha razões para desconfiar, há um investimento na
confiança.

Com a figura do abuso de direito e através da via específica de nova celebração


do negócio, em casos expressos, importantes, há uma via de “paralisar” as exigências de
forma. Em circunstâncias muito especiais pode haver uma proteção da confiança se a
sua restituição ofender gravemente a justiça.

O 220º CC entra em colisão com o 334º CC (abuso de direito) – é uma colisão


frontal, o sistema jurídico tem diversos vetores que nem sempre vão no mesmo sentido e
pode chegar-se a uma situação em que princípios centrais do ordenamento jurídico
deponham em sentido diferente.

Circunstâncias em que não é permitido ao trespassante invocar um vício


de forma:

1. Em casos em que houve ou poderá ter havido culpa na formação do contrato/culpa


do contraendo.
O trespassante tinha consciência do vício de forma e não alertou a outra parte,
podendo aproveitar-se dessa circunstância no futuro se eventualmente se arrependesse do
negócio. (ilícito pré-contratual).

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2. O trespassante podia ter aceitado a validade da forma e a vinculação a esse contrato,
convencido de que é essa a forma, só se inteirando da invalidade anos depois e ao
alegar o vício de forma podemos falar de abuso de Direito.
Nesta matéria de inalegalidades formais podemos encontrar situações justas
recorrendo a estes dois institutos. Com recurso à culpa do contraendo ou abuso do Direito
podemos resolver e paralisar as regras da forma, com as suas consequências
(restituições).

Culpa in contrahendo
Trata-se da culpa na formação dos contratos.

Já vimos como o contrato se formava pela sua estrutura: duas ou mais


declarações negociais que convergem, sendo que por vezes a proposta e aceitação podem
ser difíceis de distinguir quando as declarações negociais finais convergem.

A formação do contrato pode ser (e é, muitas vezes) precedida por declarações:


discussão entre as partes para celebrarem o contrato. A proposta e aceitação são o
culminar deste processo de discussão que pode ser longo.
Mesmos nos contratos standardizados (contratos de cláusulas contratuais gerais)
há atos preparatórios, onde há estudos técnicos, financeiros, consultadoria fiscal→ há
uma atividade de diligência antes de ser celebrado o negócio jurídico.

Há uma série de atos preparatórios que antecedem a proposta e a aceitação, sendo


que algumas vezes o contrato nem se chega a celebrar. Tudo é apenas um convite a
contratar.

Processo: sujeito ao império do Direito – 227º/1 CC– ideia de que nesta atividade
negociatória precedente da proposta e da aceitação há necessidade de obedecer aos
ditames da boa-fé, sob pena de responder pelos danos causados, do sujeito indemnizar a
outra parte.
A consequência do contraendo é a indemnização.

A ideia de culpa do contraendo é uma ideia recente na história do Direito e


chegou a nós devido ao trabalho de um jurista alemão- Rudolph Von Jhering- que, na
segunda metade do século XIX, falou na hipótese de estabelecer que quem induzisse
alguém na celebração de um contrato nulo seria obrigado a compensar (indemnizar).

Jhering descobriu a culpa do contraendo, esta ideia de indemnizar caso tivesse


levado outrem a celebrar um contrato nulo, que acontece, por exemplo:

• Na venda de bens alheios em que o negócio é ineficaz, não produz efeitos (892º
CC), o vendedor doloso fica obrigado a indemnizar o terceiro de boa-fé (898º e
899º CC).
• Quando alguém se comprometeu a uma prestação originariamente impossível
– não é coisa alheia nem futura, é vender como presente algo que não existe, isto
é uma situação de nulidade, porque o negócio incide sobre uma impossibilidade.
De acordo com um ditado latino, a impossibilidade não obriga (401º CC), mas se
a contraparte desconhecer essa circunstância, tomando a coisa como existente,

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Ana Moreira
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pode ter prejuízos (comprei um quadro não existente e já contratei um artista para
fazer uma moldura), um dispêndio– deve existir uma indemnização que visa
colocar a pessoa na situação em que a pessoa estaria se não tivesse contratado.

Concretizações da culpa do contraendo:

Ditames da boa-fé: adotar comportamentos que a boa-fé impõe– comportamento correto,


leal, honesto, civilizado. O que implica a boa-fé? Depende da circunstância, contudo há
deveres que podemos identificar:

1. Deveres de proteção, salvaguarda da pessoa e do património


Exemplo 1: no período negocial, o alienante disponibiliza informação a outra parte para
que ela saiba o que pode contar quando adquirir a empresa. A boa-fé impõe ao potencial
adquirente das negociações que não divulgue essas informações aos concorrentes. Se o
faz, provocando prejuízos, indemniza.

Exemplo 2: se fizermos um drive test há deveres de cuidado e proteção que o sujeito tem
relativamente a esse bem que não é dele.

Estes são deveres específicos e não genéricos nem prestações universais.

2. Deveres de informação: estes deveres de informação são muito relevantes, a


decisão de contratar depende da informação disponível.
Os contratos mais importantes requerem informação que nem sempre está ao
alcance das pessoas, sendo a informação fundamental.

A regra geral é a que cada qual obtém a informação que deseja (autonomia
privada), mas este princípio tem muitos desvios.
Não há regra de dever de informações (isso cabe a cada pessoa), mas há dever de
esclarecimento em prol da boa-fé (especialmente em grandes empresas de consumo onde
há um desequilíbrio de conhecimento entre as partes), tenho direito a uma informação
correta. Quando há uma desigualdade de informação, o consumidor merece especial
proteção devido à sua posição mais vulnerável.
O dever à informação está profusamente regulado.

O dever de esclarecer é distinto do dever de verdade.


No período pré-negocial a pessoa pode não estar obrigada a esclarecer, mas se o
fizer tem de dizer a verdade, não pode mentir (respeito pela boa-fé) – dever de veracidade
(termo de alguns autores).

3. Deveres de lealdade: não se relaciona com o que se diz ou não, mas com o que
se faz. A lealdade pode ser ofendida se o sujeito que recebe informação
confidencial a passa a outros.
A interrupção das negociações não é ilícita, porque ainda não há vinculação ao
contrato sem celebração do mesmo, o que pode ser ilícito é se a pessoa disser que está
disposta a celebrar o contrato quando se sabe que não está ou quando faz a contraparte

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Ana Moreira
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incorrer em dispêndios que não teria. Se a pessoa começou a negociação e depois se
arrepende é lícito, mas tem de dizer à contraparte a sua vontade.
Por definição, nas negociações tudo é provisório, mas não se pode acalentar
expectativas que não pretendem ser criadas.

Contrato indesejado: o bem não serve para nada OU gastei tempo e dinheiro e
ele afinal não queria celebrar o contrato.

Às vezes há responsabilidade de terceiros por culpa in contrahendo, (quando


alguém designa um representante) mas o ilícito, por exemplo a mentira, é do próprio
representado.
Quando um advogado/consultor fiscal/perito de arte informa mal,
descuidadamente, a contraparte, enganando-a, pode tê-lo feito até sem querer -
negligência. Se o perito extravasa a sua função de representante está a assumir uma função
autónoma entrando por isso também ele na relação jurídica - papel autónomo que
extravasa a mera reorientação de interesses - nesse momento passam a ser passíveis de
culpa.

Os deveres que decorrem da boa-fé são múltiplos, logo não há um catálogo


certo/específico.
Podemos falar, ainda assim de:
• Deveres de preservação do património e das partes – oferecer condições
adequadas de segurança.
• Deveres destinados à condução do processo negocial em si mesmo: responder
adequadamente.
Rutura das negociações através da proteção da confiança – o sujeito que causa
e frustra confiança, até licitamente, provoca um prejuízo e é obrigado a compensar os
dispêndios feitos pela contraparte em termos de equidade.

Natureza jurídica da culpa do contraendo:


Não é responsabilidade negocial, não decorre do contrato, mas sim de uma
conduta pré-negocial.
No período pré-negocial decorrem de uma conduta fáctica (entrada em
negociações).

Deveres contratuais - responsabilidade obrigacional aplica-se em matéria da


distribuição do ónus da culpa (789º CC).
Deveres legais: estão na lei.

As negociações são um facto juridicamente relevante.

Responsabilidade que não é obrigacional porque não decorre de obrigações –


397ºCC, mas também não é delitual porque não é genérica. Trata-se de deveres
específicos entre as partes → (terceira via de) responsabilidade civil.

Aspetos avulsos:
Dado indemnizável: prejuízo. Ninguém pode querer pela culpa do contraendo ser
colocado na posição em que estaria se o negócio tivesse sido celebrado (posição que
estaria se não tivesse iniciado as negociações). Indemniza-se os investimentos perdidos.

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Proteção da confiança
Na culpa do contraendo, há a violação de um dever de comportamento
independentemente da confiança da outra parte. Até pode não haver legítimas
expectativas da contraparte, o problema é de adequação da conduta àquilo que a ordem
jurídica impõe num período pré-negocial.

A confiança é diferente, a culpa do contraendo ajuda a que a pessoa tenha


confiança na contratação porque a pessoa está protegida.

Há frustração de expectativas em muitas outras áreas que não têm nada a ver com
a culpa do contraendo. A proteção da confiança vai muito mais além do âmbito pré-
contratual porque ocorre em várias circunstâncias.

Como é que a ordem jurídica lida com a proteção da confiança? Autonomia


privada – cada um faz o que quer, mas pode frustrar expectativas? O Direito não regula
representações só por serem representações, estas têm de demonstrar qualquer relevância
para o Direito, ou seja, o Direito só regula expectativas legítimas que merecem a tutela
do mesmo.

O que acontece relativamente à proteção da confiança quando não há


realidade subjacente à confiança? A ordem jurídica não pode indiscriminadamente
proteger as expectativas do sujeito só porque confiou no sujeito, o Direito não existe para
as subjetividades, temos que nos ajustar ao que é objetivamente justo (justiça objetiva).

Há circunstâncias em que a ordem jurídica confere tutela às representações


conforme pressupostos, que variam de situação para situação.

As cláusulas de aplicação da proteção da confiança nunca podem ser gerais porque


são subjetivas, a norma não é diretamente aplicável - deve-se recorrer às cláusulas gerais.
Por acaso não temos nenhuma cláusula geral na nossa legislação porque isso seria minar
a ordem jurídica e reduzi-la à proteção da confiança que só deve atuar em última rácio,
preferivelmente devem ser utilizados instrumentos e caminhos legalmente previstos no
Direito civil.

Através do abuso de Direito podemos proteger a confiança.

Não é a confiança enquanto tal que releva, mas a objetividade das partes
independentemente das representações que possam ter, ou seja, a confiança que seja
juridicamente relevante. O dever de confiança existe independentemente da confiança das
partes, por isso, o dever do esclarecimento que a boa-fé pode reclamar existe
independentemente da confiança ou das representações que haja do lado do consumidor.

Requisitos gerais (nos casos específicos olham-se para o caso concreto, para os
requisitos específicos) da tutela de confiança:

1. Situação de confiança
2. Justificação dessa confiança
3. Investimento da confiança – alguém tenha sido levado a tomar decisões em função
de determinadas representações
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4. Investimento esse Causado por alguém que frustrou a confiança

Rutura das negociações


Consideramos que não é ilícita – até ao momento da celebração as partes podem
ou não celebrar o contrato, não é ilegítimo que as partes desistam. O que é contrário à
boa-fé é que uma das partes se entregue à negociação sem qualquer interesse na
celebração deste contrato.
Em todo o caso, a rutura das negociações pode dar lugar a uma responsabilidade,
mas só porque pode ter criado uma confiança numa das contrapartes, quem cria
expectativas e depois as frustra (age venire contra factum proprium) pode ser responsável.

Proteção da confiança vai mais além que a rutura das negociações.

A confiança é essencial no Direito Civil. A ordem jurídica é uma ordem de justiça


e não de proteção de confiança.

As partes são subjetivas, mas quando as representações são diferentes como é


que o Direito civil resolve o problema, quais são os critérios objetivos de justiça?

A ordem jurídica assenta em fatores objetivos, as consequências jurídicas


decorrem de factos jurídicos, de normas que são leis (com previsão e estatuição).
Contudo, ainda assim, as representações podem ter relevo.

A ordem jurídica tem previsões da proteção da confiança – exemplo: casamento


putativo: vício no casamento, a pessoa acha que está casada e não está; 243º/1 CC (“1.
A nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra
terceiro de boa-fé”) – o terceiro criou expectativas e construiu a sua vida, determinada
situação, porque acreditou que o negócio era válido → previsão específica da proteção
da confiança.

O problema está quando não há previsão específica da proteção da confiança. Aí


o aplicador não se pode esquecer da justiça. Há cláusulas gerais como o abuso de
direito, boa-fé que podem possibilitar esta tutela.

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Pressupostos para saber em que medida aquela confiança é eficaz:

Pressupostos para sabem em que medida a confiança é eficaz

Investimento de confiança
Confiança que tem Investimento
Confiança causado pelo confiante e
de ser legítima de confiança
frustrado pelo mesmo

O agente Temos de relevar se o


confia a proteção de A confiança Para haver
alguém vai tem de ser sujeito já realizou um proteção da
sempre justificada. investimento de confiança tem
funcionar confiança.Casnão tenha de haver
contra alguém, feito apenas houveum imputação da
se o indivíduo desapontamento confiança
sabia que o contra quem
negócio não era vai funcionar o
válido, a que mecanismo de
propósito será proteção da
ele protegido?. confiança.

Exemplo: o sócio estava a retirar dinheiro sem ter um título que o habilitasse a
tal e com o conhecimento dos outros sócios. Mas o sócio B não reagiu logo, conhecia a
situação e manteve-se calado → surge um problema de um direito de reposição das
quantias que existe, cujo exercício é precludido pelo decurso do tempo.
Neste caso há uma proteção da confiança através do abuso do direito, na medida
em que o sócio B estava a incorrer em supressio.

No abuso do direito há um catálogo aberto de consequências jurídicas - preclusão


do exercício; indemnização; nulidade do negócio…

Culpa post pactum finito


Figura que atua depois da extinção do contrato.

Extingue-se o contrato, mas há efeitos que se projetam para lá da extinção do


contrato – exemplo: pessoa que trabalhava numa casa de alta-costura em Paris terminou
o contrato, usou os desenhos que adquiriu nessa casa para montar o seu atelier. O
contrato estava terminado, mas percebe-se que há um dever decorrente da boa-fé que se
projeta para lá do fim contrato. Dá lugar ao que se chama culpa post pactum finito.

Conteúdo do negócio jurídico


A ordem jurídica como é ordem de liberdade, de respeito pela autonomia
privada, não se pronuncia exaustivamente sobre o conteúdo dos contratos, porque

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é aos agentes que cabe conformar o conteúdo do negócio (405º CC) – cabe no domínio
da autonomia privada dos sujeitos, dependendo da sua vontade e liberdade.

A ordem jurídica impõe apenas um limite pela negativa, isto é, só estabelece


barreiras ao exercício da autonomia privada – o que não é proibido, é permitido.

O que a ordem jurídica faz? Estabelece os limites, mas sobretudo preocupa-se


com assegurar que a vontade é esclarecida e livre – polícia a formação do negócio e não
o seu conteúdo.

Vemos isto nas cláusulas contratuais gerais, a ordem jurídica preocupa-se com
a formação do acordo e só depois faz o controlo do seu conteúdo. 18º, 19º, 21º e 22º DL
446/85 - impondo limites/cautelas ao processo de formação do conteúdo.

Os contratos injustos não deixam de ser válidos só porque são injustos - a ordem
jurídica não se foca, em princípio, no controlo de conteúdo.

O negócio usurário: se não tivéssemos a lei das cláusulas contratuais gerais


teríamos a possibilidade de usar o artigo 282º CC e chegávamos a conclusões parecidas
às que estão vertidas no DL 446/85.

Há um elemento subjetivo e um elemento objetivo, há uma exploração por parte


de alguém de uma situação de inferioridade de outrem, pretendendo o usurário obter
benefícios excessivos ou injustificados → 282º CC

O negócio usurário é anulável, mas a OJ estabelece outras consequências - o


negócio pode ser vantajoso para a vítima da usura, não ganhando este nada com a
destruição dos efeitos- aí pode requerer a alteração do negócio de acordo com os ditames
da equidade.
Estamos afastados da lesão enorme.

A lesão enorme (lesio enormis) é uma doutrina antiquíssima nos termos da qual
o negócio que seria intrinsecamente injusto e com efeitos desproporcionais seria inválido
e anulável.

Tem que haver uma justiça mínima, o contrato nada justo não merece a tutela
do Direito. A ordem jurídica e o legislador não podem definir o que é ou não injusto,
mas, por exemplo, vender uma corda a alguém que se vai suicidar e que se sabe não é
de todo válido. Se o negócio for manifestamente e estruturalmente injusto estamos
perante uma situação de exploração.

Deste modo, há negócios em que a desproporcionalidade é tanta que, mesmo


havendo vontade das partes, não poderão ser aceites por serem manifestamente iníquos,
nestas situações, a ordem jurídica não dá legitimidade/tutela a estas situações
absolutamente excecionais.

Ou seja, há limites que a ordem jurídica estabelece na formação do conteúdo do


negócio jurídico.

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A ordem jurídica precisa do mínimo de justiça e, apesar de respeitar a vontade,
intervém nesses casos excecionais. Convém, no entanto, relembrar que, quanto ao
conteúdo dos negócios jurídicos, a regra é a não intervenção.

O autor germânico Flume recorre ao “em vez da razão, a vontade”. Os negócios


podem até não ser justos, mas a ordem jurídica deve privilegiar a vontade, ou seja, num
conflito entre a vontade e a razão, aquela vai prevalecer.
A ordem jurídica só pode conceder vinculatividade a negócios minimamente
justos e é porque entende que é razoável proteger a vontade, mesmo que não seja o mais
adequado. Há uma racionalidade que tem de ser respeitada.

Salienta-se que, no âmbito dos contratos bilaterais, por exemplo, onde há


interesses contrapostos que até podem ser desequilibrados, a possibilidade de negociar
o contrato dá uma certa garantia de justiça no acordo final, na medida em que se entende
que o sujeito tem a possibilidade de afastar aquelas normas que entenda serem injustas.
É mais fácil convergir no que é manifestamente injusto (pode discutir-se se o
andar deste prédio vale 150mil ou 200mil, mas 10mil não vale). Contudo, mesmo assim,
não significa que não possamos ter contratos em que há uma desigualdade das partes
(ex: doação).

Este princípio de conformação do conteúdo dos contratos está ligado à economia


do mercado, à dignidade e autonomia da pessoa que se projeta na possibilidade de
conformar o conteúdo nas relações económicas.

A liberdade contratual tem como correspetiva a necessidade de a ordem jurídica


proteger as consequências jurídicas dos negócios celebrados – a ordem jurídica tem de
garantir a efetividade do conteúdo dos negócios que são celebrados.

Negócios rígidos: a generalidade típica das cláusulas contratuais gerais. Nestes,


as partes poderão estabelecer o clausulado rigidamente, sem qualquer cedência.
As partes podem estabelecer condições rígidas à formação do contrato – cada um
tem o poder de determinar o que considera essencial para ele, devido ao princípio da
liberdade contratual (por exemplo quero vender o meu apartamento e só aceito 100 mil
euros, não haverá contrato até que haja um acordo que eu entenda como essencial).
Nos contratos de serviços, em que há uma mais vincada situação de desvantagem
de uma das partes, poderá haver normas que protejam essa parte mais vulnerável quanto
a esta rigidez. A ideia de que, por exemplo, quanto aos bens essenciais, a pessoa ou
contrata nos termos que lhe foram impostos, ou perde o acesso a esse bem (v.g EDP).

Requisitos gerais do negócio jurídico:


Artigo 280ºCC (“1. É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou
legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável. 2. É nulo o negócio contrário
à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.”).

Esclarecimentos do estabelecido pelo artigo 280ºCC:

1. O conceito de impossibilidade física é um conceito que muda e que tem em


conta as circunstâncias (hoje pode ser e amanhã não), então falamos de

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impossibilidade originária, ou seja, requisitos que o negócio tem de
apresentar à data da sua celebração. Só gera a nulidade a impossibilidade
física originária. Não faz sentido atribuir vinculatividade jurídica a algo que
seja impossível de executar. A impossibilidade física é também uma
impossibilidade prática - não é uma impossibilidade das leis da natureza,
mas sim de situações limite.

As impossibilidades só geram nulidade se valerem para todos, e não só para o


próprio sujeito (ex: senhor que está impedido de trabalhar por ordem médica, podendo
ser substituído). Neste exemplo, a impossibilidade é meramente subjetiva porque a
prestação é fungível. Quando as prestações são infungíveis, por exemplo uma operação
aos olhos em que o médico é contratado exatamente por ser quem é e acaba por não
poder, neste momento o negócio está afetado por uma impossibilidade objetiva. Aí o
negócio é originariamente nulo.

2. “Negócio legalmente impossível”: tem de ser um negócio que seja


legalmente possível visto que há hipóteses em que o negócio não pode surtir
efeitos. Não se pode vender o Castelo de Guimarães porque é um bem público
e está fora do comércio jurídico, assim como a nossa vida, uma praia, entre
outros.

A diferença entre os negócios contrários à lei e os negócios legalmente


impossíveis é que os primeiros têm um comportamento antijurídico, que é censurado
pela ordem jurídica, enquanto que nos segundos a ordem jurídica simplesmente não abre
espaço para que se celebre um negócio daquela natureza. A diferença entre estes dois
não é relevante porque estão sujeitos ao mesmo regime – nulidade.

3. Conteúdo indeterminável. O negócio tem de ser determinável porque


vinculações indefinidas ou são nada ou são tudo. Tem que haver possibilidade
de determinar o conteúdo (o conteúdo ser minimamente cognoscível).
Há uma diferença entre objeto imediato (num contrato de compra e venda, a
entrega das chaves em determinado local...) e objeto mediato. O objeto propriamente
dito, é o quid (num contrato de compra e venda, o preço).

4. O negócio tem de ser conforme a ordem pública e não pode ser ofensivo
dos bons costumes – pode haver situações que são simultaneamente
ofensivos da ordem pública e dos bons costumes, mas pode haver situações
em que não são coincidentes (daí eles estarem separados na nossa ordem
jurídica).

A ordem pública é o cerne dos princípios básicos em que assenta a sociedade,


independentemente do que a lei pode prever. Esta é, às vezes, manifestamente
insuficiente e não diz exaustivamente o que é ilícito. Nestes casos, o juiz aplica o
princípio da ordem pública, que é um princípio adequado e estruturante da nossa
sociedade. Exemplo 1: artigo 81º CC- este é um argumento que justifica que a eutanásia
pode ir contra o princípio da nossa sociedade de respeito pela vida. Exemplo 2: defesa
das divisas internacionais/europeias – não pode haver negócios que ponham em causa o
pilar da moeda.
Negócios ofensivos dos bons costumes: Dr. Menezes Cordeiro defende que são
negócios ofensivos da moral sexual e deontológica; o Dr. Carneiro da Frada considera

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que esta é uma visão restritiva – por exemplo, no direito da concorrência, o foco está nos
bons costumes do comércio (campo muitíssimo amplo).
Ordem pública diz respeito a princípios imanentes à ordem jurídica; nos bons
costumes, que é uma expressão vaga, temos referência a padrões de comportamento que
podem ser apresentados por ordem normativas que não o Direito (moral, ética...). Quando
falamos em bons costumes falamos de representações que possam pretender uma certa
validade dentro da sociedade, mesmo que nem todos a sigam. Os bons costumes não são
os costumes ordinários - conceção relativista dos valores sociais devido ao “bons” – é
um padrão.
A corrupção, independentemente do tipo legal, é contrária aos bons costumes,
fazendo com que esse negócio seja nulo.

Ofensa dos bons costumes e da ordem pública em conjunto: vinculação


exagerada, perpétua, em relações patrimoniais – contraria a liberdade do mercado. Onde
se vai buscar a justificação para combater estes contratos que aprisionam por tempo
desproporcionado um agente da vida económica? Vai-se buscar ao princípio da ordem
pública (na sua vertente económica) e às boas práticas comerciais que vêm dos bons
costumes.

Temos que distinguir aqueles negócios em que apenas o seu fim é contrário à
lei, ordem pública ou ao princípio dos bons costumes. Ora, o fim está fora do conteúdo
do negócio, só quando o fim é comum a ambas as partes é que este é nulo.
Exemplo: Se A me compra uma arma com o intuito de matar alguém, mas se eu não sei
que essa é efetivamente a sua intenção, não faria sentido eu ser prejudicado - a ordem
jurídica protege-me.

Fraude da lei – negócio que defrauda a lei.


O Direito Internacional Privado é um campo de aplicação muito extenso da
figura Fraude, que é uma figura de carácter geral que não está positivada no CC, mas
que está implicitamente incluída nos requisitos do artigo 280º CC – o negócio jurídico
não pode ser contrário à lei – seja objetivamente, seja travessamente. Resumindo, é de
compreender como Fraude aquilo que contrarie travessamente o estabelecido no artigo
suprarreferido.

A ordem jurídica, no artigo 579º CC, proíbe a cessão de crédito litigioso a juízes
– porque meteria o juiz contra um credor, gerando um conflito. Contudo, se o sujeito
vender o seu crédito a outra pessoa combinando que iria ser transferido para o juiz esse
crédito é uma forma de contornar uma proibição, mas que vai alcançar o mesmo
objetivo, e isto não é tolerado pela ordem jurídica.

Em Direito da Família temos três regimes de bens (separação, adquiridos,


comunhão geral). Supondo que dois elementos querem outro regime de bens que não os
que o Código Civil prevê, uma forma de contornar para obter esses modelos seria receber
um visto de outro país e vir para Portugal – isto é manipular uma conexão de modo a
alcançar um fim que a ordem jurídica proíbe, isto é, defraudar a lei.
Temos de interpretar para saber se no âmbito normativo da proibição está a
nulidade dos negócios que só por via indireta alcançam aquele resultado.

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Noção da causa
O negócio tem de exercer uma função económico-social válida. A causa tem de
ser válida. É uma noção elástica, dependendo das conceções da sociedade.

A noção de causa é fundamental, visto que a nossa ordem jurídica é uma ordem
causal.
Menezes Cordeiro desvaloriza a causa: se o negócio jurídico não tem a causa
válida, o conteúdo é inválido – o Dr. Carneiro da Frada não concorda. As situações que
temos que resolver com a causa, podemos abarcá-las através da rede dos negócios cujo
conteúdo seja contrário à lei.

Chegar à causa do negócio, ou seja, ao que está para lá da promessa escrita, é


complicado. Reconstruir o conteúdo do negócio para lá daquilo que as suas palavras
indicam é complicado, daí a relevância da causa válida. O negócio jurídico não abrange
a causa, o conteúdo do negócio é aferido pelas declarações negociais das partes.
Negócios indiretos: visam o fim que não é típico desse mesmo negócio. Se for
lícito, não há obstáculo. Ex: doação mista (misto de compra e venda e doação). O negócio
indireto não é em si ilícito, isto porque as partes têm a autonomia de conformarem o
conteúdo do contrato como bem entenderem; porém, se o fim do negócio em causa for
ilícito, então esse negócio será também ele inválido.

Negócio causal: promessa de pagamento de 50€ tem de ter uma causa válida – o
devedor pode opor ao credor falta de causa ou não reconhecer a dívida dizendo que não
há nada justo.

Cláusulas acessórias gerais típicas

Cláusulas acessórias gerais típicas

Condição Termo Modo

As cláusulas acessórias não pertencem ao cerne do negócio e, por isso, podem ou


não existir, mas por serem típicas e gerais podem existir em vários negócios.

Condição
A condição: é uma matéria técnica, falamos das condições acessórias do
negócio jurídico - mas também existem condições legais. A condição estabelece que os
efeitos ficam sujeitos a um evento futuro e incerto.
A maioria dos negócios da vida privada não estão sujeitos a nenhuma condição.
No regime da condição seguimos a regra da boa-fé. Efetivamente, trata-se de
uma exigência que decorre da vigência da regra geral da boa-fé.

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Artigo 270º CC – “As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e
incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso,
diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva.”

Explicação do artigo 270ºCC:

→ A produção dos efeitos fica dependente de um evento futuro ou incerto –


condição suspensiva, neste caso os efeitos estão suspensos.
→ A cessação dos seus efeitos fica dependente de um evento futuro ou incerto –
condição resolutiva.

O negócio está firme, a produção/cessação dos efeitos é que fica dependente de


um evento futuro e/ou incerto.
Não estamos dentro de condições impossíveis – se as partes submeterem um
negócio a causas impossíveis é porque não querem celebrar o negócio (exemplo: vendo-
te o carro quando as galinhas tiverem dentes).

→ Condições casuais: dependem de fatores alheios à vontade das partes.


→ Condições potestativas: os eventos futuros e incertos dependem da vontade do
sujeito.

As condições são muito variáveis, podemos falar de condições impróprias –


presentes ou passadas.

Que negócios podem ser condicionados? Todos, exceto o casamento. Quem


estipula pode condicionar. Se os negócios são todos condicionáveis, nem todas as
condições são permitidas, estas têm de ser conforme à lei, ordem pública e bons costumes
– artigo 271º CC.
Artigo 271º/2 CC (“2. É igualmente nulo o negócio sujeito a uma condição
suspensiva que seja física ou legalmente impossível; se for resolutiva, tem-se a condição
por não escrita.”).

→ Condição suspensiva física ou legalmente impossível: implicam a nulidade do


negócio, porque as partes não quiseram que o negócio vigorasse, conformando-
se que os efeitos não iam ser produzidos.

Artigos 967º e 2230º CC – matéria testamentária. A condição impossível ou ilícita


considera-se não escrita no testamento ou na doação - respeito pela vontade presumível
das partes/dos autores do negócio, que é em princípio favorável à manutenção da
liberalidade.
Se a condição for contrária à ordem pública e bons costumes, o regime no
testamento e nas doações é diferente; temos de ver se a deixa testamentária teria sido
feita naquela condição.

Regime da condição: pendência da condição.

Artigo 272º CC (“Aquele que contrair uma obrigação ou alienar um direito sob
condição suspensiva, ou adquirir um direito sob condição resolutiva, deve agir, na

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pendência da condição, segundo os ditames da boa-fé, por forma que não comprometa
a integridade do direito da outra parte.”).

Atos conservatórios, ligados à expectativa jurídica, para acautelar um direito


suscetível de advir de uma condição – dá ao titular meios para conseguir defender a sua
posição.

Atos dispositivos: ninguém pode alienar ou dispor daquilo que não é seu, na
pendência da condição. Se na condição não for titular não terá qualquer resultado, para
existir este último estamos dependentes da verificação da condição – artigo 274º CC.

Artigo 275º CC - cessação da pendência da condição - pode a certa altura


desaparecer a incerteza.
Pode ser que antes da ocorrência da condição já se saiba que ela não pode nem
irá ocorrer.

Artigo 275º/2 CC: (“Se a verificação da condição for impedida, contra as regras
da boa-fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada; se for provocada, nos
mesmos termos, por aquele a quem aproveita, considera-se como não verificada.”).

O que ocorre quando a condição se verifica? Cessa a condição de pendência.


Há o princípio da retroatividade, sendo essa a regra - retroação até à data da
celebração do negócio – eficácia ex tunc. Exemplo: um indivíduo fica com o carro SE
passar no exame de condução; quando passa é visto como proprietário do negócio desde
o momento em que celebrou esse negócio.

Artigo 276º CC enumera as exceções ao princípio da retroatividade. As partes


podem afastar a retroatividade e, para além disso, a natureza do negócio pode determinar
que não haja retroatividade (bolsa sujeita a condição da passagem para o ano seguinte –
não se trata de atingir os efeitos já produzidos, mas sim para o ano seguinte). Temos
sempre que interpretar o negócio.

O princípio da retroatividade da condição não prejudica a validade do ato


(artigo 277º/2 CC).

Os frutos procedidos da pendência da condição são atribuídos àquele a quem


efetivamente caiba de acordo com o possuidor da coisa de boa-fé.

O termo

Cláusula sob a qual as partes subordinam parte do negócio a um evento futuro e


certo. Há uma certeza quanto à ocorrência do termo, pode haver é uma incerteza
relativamente a quando é que esse termo ocorrerá.

Termo certo e termo incerto: na primeira situação sabemos quando se vai dar;
na segunda não. Exemplo: venda
- Os efeitos da venda subordinam-se dia 1 de julho: termo certo;
- Os efeitos só se subordinam quando eu morrer: termo incerto.

51
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Os termos podem ser:
• Suspensivos/iniciais: “efeitos só começam a tornar-se exercitáveis a partir de
certo momento” (Mota Pinto)
• Resolutivos/finais: o negócio cessará os seus efeitos num determinado momento.
Termo final: prazo de 1 ano, prazo final, cessará os efeitos dali a um ano.
Termo inicial: o contrato prometido não será exigível passado 3 meses.

• Tácitos: resultam das circunstâncias (celebram um contrato em Moscovo para o


serviço ser prestado no Porto, tem de haver um termo inicial para albergar a
deslocação para o Porto).
• Expressos: estipulados de forma direta.
• Essenciais: sem os quais o negócio deixa de fazer sentido.
Se o termo essencial não for cumprido, como é o caso dos prazos definidos, o
negócio caducará. Gera-se uma situação de impossibilidade se o caso não for cumprido
(não cumprimento definitivo).

• Não essenciais: o negócio faz sentido sem esses termos, mas terá outras
consequências.
Por exemplo, contrato-promessa: “escritura deve ser celebrada até ao dia 20 de
maio” – há um termo estabelecido, termo resolutivo, neste caso. Mas, este termo não é
essencial porque no dia 21 o comprador continuará com interesse: há uma situação de
mora e não de impossibilidade; contudo, há consequências na mesma.

Há negócios que não admitem termo - negócios de família (exemplo:


casamento a termo, herdeiro a termo). Negócios insuscetíveis de serem complementados
por um termo.
“Verifica-se, assim, que as disposições legais que excluem a aponibilidade da
condição excluem também, em princípio, a aponibilidade do termo (artigos 848º; 1618º,
nº2; 2054º, nº1 e 2064º).
Há negócios, no entanto, que não podem ser celebrados a termo, embora admitam
cláusula condicional, como sucede com a constituição da propriedade (artigo 1307º), e,
em certos termos, com a instituição de herdeiro e a nomeação de legatário (arts. 2929º e
2243º).” (Mota Pinto)

Há termos impossíveis (exemplo: entregar a coisa até dia 31 de fevereiro) que


geram a nulidade do negócio.
Na pendência do termo pode haver conflitos entre o detentor do direito atual e o
futuro detentor do direito (venda do automóvel se o adquirente passar no exame de
condução). Devemos seguir as regras da boa-fé (artigo 272º CC).

Duas regras da condição que se aplicam ao termo – artigos 272º e 273º CC. Não
podemos fazer uma transposição automática das regras da condição para o termo, mas
tal não significa que não possam ser aplicadas outras regras para alem dos artigos
enunciados acima.
Artigo 279º CC – cômputo do termo. Regras materialmente interpretativas.11

11
Para mais informações relativamente ao cômputo do termo, recomenda-se a leitura das páginas
580 e 581 do manual referenciado na nota introdutória.

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O modo/encargo

Cláusula típica dos negócios gratuitos – doações e testamentos – artigos 963º a


967º e 2244º a 2248º CC.

Obrigação que é imposta a um beneficiário da liberalidade (exemplo: dou-te uma


quinta, mas tens de deixar viver lá um caseiro durante 10 anos) - há uma
responsabilidade/obrigação.

Não deixa de ser liberalidade só porque tem uma obrigação, porém o valor do
encargo não pode superar o valor da liberalidade, caso contrário já não estaríamos
perante liberalidade.

O modo cria uma obrigação, mas não suspende a eficácia do negócio. A


condição é totalmente diferente.
É frequentemente fazer deixas testamentais a uma associação, por exemplo, que
fica obrigada a determinada coisa.

Os efeitos dos negócios modais podem-se cumprir com a determinação de uma


condição (se não cumprires com essa obrigação o negócio deixa de ter efeito).
Mas, em princípio, o não cumprimento do negócio não implica uma resolução
do negócio - o caseiro pode exigir que o encargo seja satisfeito; o próprio autor da
liberalidade, o doador, pode exigir o cumprimento, mas não pode resolver o contrato,
a não ser que tenha sido estabelecida uma condição resolutiva do encargo.

Cláusulas Acessórias Típicas12

Cláusula penal:
Estabelece uma pena para o caso de um incumprimento de uma obrigação.

Funções da Cláusula Penal

Compelir para
Função indemnizatória Função sancionatória
cumprir

A cláusula penal permite Aplicação de uma pena – esta


uma liquidação função punitiva é a mais relevante.

Até que nível é possível estabelecer penas que possam ser


desproporcionais? Artigo 812º CC. O juiz pode intervir para que a pena não seja
desproporcional ou injusta – juiz, que usualmente não intervém na conformação do
conteúdo do negócio jurídico, modera a cláusula penal excessiva.

12
Ao longo deste ponto serão abordadas apenas as 2 clausulas típicas que o Dr. Carneiro da Frada considerou mais
pertinentes, pelo que deve ser considerada a existência de outras.

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Sinal:
É uma figura complexa.13
O sinal é uma quantia que é entregue.

Funções do Sinal

Antecipar o cumprimento
da obrigação Função confirmatória Função Penitencial

Quando se paga o O sinal tem a A necessidade


sinal, depois função de de confirmar a
apenas se paga a confirmar a Alguém celebra um
vontade quando contrato-promessa e
diferença e não a vontade- que não há um sinal
totalidade. tem de ser firme depois arrepende-se,
pode ser através já não deseja celebrar
e real para da forma, mas
produzir efeitos o contrato prometido:
estes casos são artigo 442º CC.
jurídicos. excecionais.
Perde o sinal – preço
do arrependimento.

Exemplo quanto à função de antecipar o cumprimento da obrigação: Paga-


se sinal de 10mil num imóvel vendido por 100mil, depois apenas se paga 90mil (o
restante)

Interpretação e Integração do negócio


Os efeitos do negócio decorrem daquilo que o autor da declaração negocial
estabeleceu. Respeitadas as diretrizes da ordem jurídica, o conteúdo pode ser o que
resultar da declaração negocial - mas temos, obviamente, que a interpretar.

A interpretação não é a que decorre da lei. Vamos interpretar e integrar a


declaração negocial.
Os negócios podem ter lacunas e estão sujeitos a um regime diferente do de
interpretação e integração da lei. Assim como na lei, temos de ter critérios.

Num primeiro momento, importa perceber que a interpretação é sempre


necessária, é sempre um passo imprescindível. Mesmo que seja inequívoca, há sempre
uma interpretação que se faz.14

Temos que, invariavelmente, passar pela interpretação mesmo que não haja
problema especial de interpretação, pois esta é inerente à compreensão.
13Estudaremos na matéria do contrato-promessa porque é muito frequente estes serem acompanhados da constituição
do sinal, apesar do sinal aparecer noutros negócios jurídicos.

14
Trata-se de uma nota que já não é novidade para nós, visto que já é um dado adquirido de Introdução ao
Direito, porém convém relembrar para realização de exercícios práticos.

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Obedece a regras – artigos 236º a 238º CC. São regras que decorrem tanto da
vontade do legislador como da própria dinâmica e natureza do ato comunicativo e da
interpretação em si.

A interpretação do negócio jurídico é apenas um segmento da interpretação que


todos fazemos no dia-a-dia por sermos seres racionais (estamos sempre a interpretar).
No negócio jurídico é necessária esta mesma interpretação - há regras estabelecidas pelo
legislador, mas o fenómeno da interpretação é mais amplo e as regras previstas decorrem
dos mecanismos de compreensão. Não são regras arbitrárias, radicam na natureza das
coisas, podem ser mais ou menos perfeitas, mas não estão no arbítrio do legislador.

O Direito tem uma especificidade, ele resolve problemas prático-normativos.


A nossa interpretação é o que deve valer sobre o Direito.

Em matéria de interpretação há 2 extremos que temos de evitar, e o próprio


Direito evita:
→ Subjetivismo: sobre o qual temos de procurar a verdadeira intenção do
declarante.
→ Objetivismo extremo: sobre o qual procuraríamos o sentido da própria
declaração, per si, independentemente da vontade do declarante.

O problema está quando o destinatário entende algo diferente daquilo que o


declarante proferiu.

Como é que o legislador resolve?


Há uma insuficiência do subjetivismo, uma vez que a vontade não pode valer per
si, existem efeitos jurídicos resultantes de uma declaração negocial.
Aceitar que a declaração negocial só pode valer pelo sentido que lhe dá o
declaratário, em sacrifício do declarante, mesmo que essa declaração não tenha nada a
ver com a vontade, é sacrificar a autonomia privada.
Na interpretação temos que sopesar o princípio da autonomia privada com o
princípio da tutela da confiança do declaratário, do sentido da declaração (Mota
Pinto). Ponderação equilibrada destas duas visões.

O negócio jurídico não é uma pura vontade, precisa de exteriorização. Contudo,


este também não é um mero comportamento externo. A declaração negocial viabiliza a
vontade e esta, sem declaração, não tem efeitos, mas, sem vontade subjacente, a
declaração negocial não faz sentido.

Cânones hermenêuticos legais:


→ Artigo 236º/1 CC (“A declaração negocial vale com o sentido que um
declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir
do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente
contar com ele.”)
Não é com o sentido que lhe dá o declaratário. Tem de ser o declaratário normal
(bom pai de família/homem médio), uma pessoa razoável, naquele caso, naquelas
circunstâncias.

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O sentido que possa extrair da declaração negocial é não só pelo que é dito, mas
pelo seu comportamento. A declaração negocial desprovida das circunstâncias pode ter
um sentido diferente.
“Salvo se este não puder razoavelmente contar com ele” (in fine) – um declarante
tem que esperar, correndo o risco, que a sua declaração seja interpretada por uma pessoa
razoável. Quem declara corre o risco de ser mal compreendido, de não ser bem
entendido.

Às vezes não é imputável, então não o iremos vincular. Quando um dos sentidos
não é imputável ao outro, não há consenso, cria um problema de interpretação.

→ Artigo 236º/2 CC.


Se o declaratário souber o que o declarante quer não há qualquer problema.
→ Artigo 238º CC
Nos negócios formais, a lei não pode valer com um sentido diferente do que está
expresso. A forma não servia para nada se a declaração negocial valesse com sentido
diferente da forma observada.
O sentido, mesmo não tendo qualquer correspondência, pode valer se for a
vontade real das partes.
Não faz sentido manter um negócio só porque a forma o estabelece. O negócio
jurídico só pode ser imposto às partes se o sentido expresso na forma tiver um mínimo
de correspondência. Quando as partes declaram, mas estão em dissenso, o negócio não
se forma, não há acordo; a menos que as partes entendam que apesar do desacordo
podem celebrar o negócio, a ordem jurídica arranjará forma de dirimir esse desacordo.

Outras notas:
1. Artigo 237º CC
Às vezes, o resultado da aplicação dos cânones formais, diz-nos o critério para o
sentido da declaração. Pode, no entanto, não se saber ao certo e, assim, persistirem
dúvidas. Nesse caso há uma regra – artigo 237º CC (“Em caso de dúvida sobre o sentido
da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente
e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.”).

Exemplo: A dá a biblioteca de Direito a B, resta saber se inclui o livro de


economia – vale o menos gravoso para o disponente.

Esta regra relaciona-se com o seu resultado – regra materialmente interpretativa.

2. Quando falamos deste tema, pensamos em declarações em que haja


declaratário, em que o declarante sabe que é para serem acreditadas.

Qualquer comunicação tem uma pretensão de verdade, mentir falseia a lógica da


comunicação – isto é óbvio e importante nas declarações recipiendas/recetícia.
Quando não é uma declaração recipienda - um testamento, por exemplo -, não
faz sentido interpretar a vontade dum recetor, apenas interessa a vontade real do
testador.

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Nos contratos temos dificuldade de acesso à vontade. Quem conta quando a


vontade é plural (sociedade)? As regras do Código Civil não vão tão longe nem resolvem
todos os problemas, aplicamos com algum critério as regras - olhando para a unidade do
ordenamento jurídico, para a finalidade das normas (sentido, teleológico), as razões das
declarações negociais…

→ Regras particulares de interpretação

Nas cláusulas contratuais gerais, na dúvida, vale o sentido contra o estipulante,


beneficiando o aderente.

Nota: Nem todas as questões de interpretação são questões de Direito, podem ser
questões de facto.

Integração do negócio
Pressupõe a lacuna, ou seja, pressupõe-se que não há uma norma supletiva.
Lacuna é uma ausência de regulamento que afeta a viabilidade do negócio.

Lacunas reais de dois tipos


1. Lacuna do negócio: realmente falta uma estipulação essencial para que o negócio
possa desenvolver efeitos;
2. Lacuna da própria lei (exemplo: contrato de arrendamento).

Estes 2 tipos de lacuna podem ocorrer simultaneamente.

Se a lacuna é legal o regime aplicado é o da integração da lei, segundo as regras


do artigo 10º Código Civil; consequentemente preencher-se-á a lacuna do negócio.

Se a lacuna for negocial: o negócio não é típico, não há regulação típica. Temos
que recorrer às regras do artigo 239º CC. “Na falta de disposição especial, a declaração
negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se
houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa-fé, quando
outra seja a solução por eles imposta.” - vontade de acordo com a boa fé. Não podem
ter uma lacuna proposital para a preencher de acordo com os seus interesses.

O preenchimento da lacuna não pode fazer-se à margem da declaração negocial,


daí termos de interpretar com uma função complementadora. Há um contíguo, uma
continuidade, entre interpretação e integração. Só integramos depois de fazer uma
interpretação.

Tudo corre bem se o autor se expressa bem, se o conteúdo está conforme à ordem
jurídica, se não há problemas de interpretação, se há uma consonância - patologia do
negócio jurídico. Já falámos da patologia do negócio jurídico quando falámos de limites

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quanto à conformação do conteúdo do negócio. O negócio que ofenda os limites dos
artigos 280º e 281º Código Civil é nulo.

Vícios de formação do negócio jurídico


O controlo da ordem jurídica é na formação da vontade, que deve ser esclarecida
e livre. Isto nem sempre acontece, há situações em que há uma dissociação, logo temos
vícios da vontade e vícios da declaração.

Vícios de formação do negócio jurídico

Ausência total Ausência Vontade Má formulação


de vontade parcial de deficiente da vontade
vontade
Coação Falta de
coação Falta de Erro de
Incapacid moral conheci lapsus Erro na
física, vis consciência cálculo
absoluta, de ade mento linguae transmissã
acidental ou de o da
por declaração escrita declaraçã
exemplo; o

A título introdutório, diga-se que o negócio jurídico é um produto da vontade. A vontade


não se move desligada do intelecto.

Ausência total de vontade


A vertente volitiva do ser humano não chega a desenvolver-se, não está presente.

Coação Física
Ex.: sequestro de uma pessoa; o jovem vigoroso puxa a mão da velhinha sem que esta
consiga escapar.

Quando o silêncio tem valor declarativo, porque foi atribuída pela parte ou porque a lei
estabelece, temos ausência total de vontade, o que não é um constrangimento direto na
corporização da pessoa, mas representa uma limitação da sua capacidade de se mover
voluntariamente.

Falta de Consciência de Declaração


Quando estamos perante uma ausência de vontade por falta de
consciência da declaração, a vontade move-se por uma representação, senão não
estamos perante atos negociais. Se não há intencionalidade, reflexamente também não
há negócio. A ausência de intencionalidade tem a ver com a falta absoluta de
representação.

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Ex.: Alguém que coloca à frente de um cego um papel dizendo para assiná-lo pois é uma
carta para alguém, quando na verdade está a assinar um cheque sobre uma conta própria
– falta de consciência da declaração.

Falta também aqui a vontade, mas a ausência desta resulta da falta absoluta de
uma representação em que era suposto a vontade aderir.

Ausência parcial de vontade


Situações em que a pessoa está impossibilitada de entender, mas pode haver
consciência, voluntariedade. Estas modalidades de patologia do negócio jurídico não são
compartimentos estanques.

Incapacidade acidental (artigo 257º CC)


A incapacidade acidental abrange múltiplas situações. A coação física ou falta
de consciência não significa que não possa haver intervenção de incapacidade acidental.
Pode haver fundamentos na lei, é possível concorrência de fundamentos, mas em muitos
casos não são patologias excludentes.

Existe alguma capacidade de entender, mas não é plena (exemplo: estar sob
efeito do álcool).
Há vontade, há representação, mas ainda cabe na incapacidade acidental, pois a
perturbação do intelecto da pessoa não vai ao ponto de excluir totalmente a presença da
vontade ou representação.

Vontade Deficiente
As hipóteses de vontade deficiente caracterizam-se por falta de liberdade ou
falta de conhecimento:
• Coação moral (diferente da física) – alguém que é ilicitamente ameaçado pode
não levar à eliminação da vontade. Perturba a vontade e a ordem jurídica tem
intervenções neste âmbito – tutelar e proteger o sujeito – para não o amarrar a uma
declaração negocial que não é esclarecida (aspeto intelectual), nem livre (aspeto
volitivo).
• Falta de conhecimento: o erro em que a pessoa incorre faz com que queira algo
que não teria querido se tivesse tido representação correta da realidade. Esta
distorção da realidade pode ser provocada (dolo) –uma sugestão ilícita que
alguém produz com vista a enganar outrem.
Temos aquelas hipóteses de incapacidade acidental em que a vontade está
presente, mas debilitada.

Má formulação da vontade:
Hipóteses em que a vontade até se formou bem, mas se formulou mal.
O erro é espontâneo, não intencional.

→ lapsus linguae (caso mais evidente)

Ex. 1: Queria comprar um bolo, mas, por distração, peço um café. Há um erro na
declaração. Há um erro naquilo que escolhe. É um obstáculo de erro na declaração.

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Ex. 2: O indivíduo engana-se a escrever no computador, escreve uma palavra no
telemóvel e este corrige automaticamente — não corresponde à vontade.

Hipótese de divergência entre a vontade que se pode ter formado bem e a


declaração.

→ Erro de cálculo ou de escrita – uma das partes fez mal as contas ou


enganou-se a escrever uma palavra, mas não se enganou na maneira de
expressar a vontade.
Diferencia-se do erro na declaração por ser um erro regulado no contexto do
documento.
Quando alguém se engana e pede café em vez de bolo isso não é aparente, não há
um contexto, mas o erro de escrita resulta do contexto.

→ Erro na transmissão da declaração – dá-se quando alguém transmite a


declaração e aquele que anuncia a declaração alheia erra. Exemplo: mãe diz
ao filho de 7 anos para comprar farinha na mercearia e ele compra arroz.

Figuras de divergência intencionais:

→ Simulação:
Quando se cria aparência enganadora – 2 pessoas declaram vender quando não
querem - interesse de defraudar credores. Há divergência entre vontade e declaração. A
vontade não se formulou mal. Cria aparência enganadora declarando o que não quer.
Acordo entre simuladores – eu fico com os teus bens ficticiamente enquanto os credores
te andarem a importunar, mas mais tarde devolvo. Artigo 240º CC.

→ Reserva mental:
A pessoa declara algo que não quer e sabe que não quer aquilo (para enganar o
declaratário). Há uma unilateralidade. Artigo 244º CC.

→ Declarações não sérias: hipóteses em que o sujeito sabe o que está a


declarar (declaração teatral), mas confia que a declaração não é entendida
como declaração negocial pela contraparte. Divergência entre o que se diz e o
que se declara, mas com uma intenção que não é má – artigo 245º CC.
Ex.: “Queres casar comigo?” – teatro.

A ordem jurídica preocupa-se em assegurar a vontade esclarecida e livre e


intervém sempre que há uma patologia na formação da vontade, pois se alguém declara
o que não quer, temos um problema. Será que vamos amarrar-nos àquilo que ele disse,
quando não quer o que declarou?

A preocupação é tutelar o sujeito declarante, mas é preciso notar que não é uma
preocupação que possa levar a privilegiar os interesses do declarante sobre interesses do
declaratário (aquele perante o qual a declaração é emitida) - declarações recipiendas.
Muitas vezes o declaratário não conhece as patologias da vontade, mas o que é que o

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declaratário tem a ver com isso? Ele também tem expectativas dignas de tutela. Há
necessidade de ponderar. (artigo 224º/1 CC).

No caso do cego que assina realmente o cheque pensando que é uma carta, se o
cheque for ao portador e entregue a uma pessoa, o que é que a pessoa tem a ver com a
circunstância de que pode ser desconhecedora de a declaração ser obtida através daquele
artifício? Não tem nada a ver e tem expectativa que merece ponderação.

Temos de harmonizar interesses conflitantes. Por um lado, há o interesse de um


declarante, uma expressão da sua autonomia privada que é em sentido material
verdadeira, correspondente ao que verdadeiramente quis e, por outro lado, o interesse do
declaratário que é alheio a isso, não tem obrigação nem meios para saber, às vezes não
sabe, mas tem meios para saber. Até que ponto exigimos do declaratário certos
conhecimentos? Não depende exclusivamente da preocupação de declarar do declarante.

Ponderação entre autonomia privada e confiança do declaratário


O Direito na sua preocupação de disciplinar a sua vida social vive em torno de
factos objetivos – declaração negocial. Não é contraditório dar prevalência ao sentido
da declaração tal como aparece. É uma presunção natural de que aquilo que se diz é
adequado e, por isso, falta e vícios da vontade são exceções, por muito frequentemente
que apareçam no tráfego jurídico.

Há necessidade de compromisso, de equilibrar interesses, mas a ponderação nem


sempre se faz da mesma forma, depende também da gravidade e natureza do vício de
causa. Nos termos do artigo 246º CC, a declaração emitida sobre coação física diz-se
que não produz qualquer efeito, há um sacrifico total do interesse de um potencial
declaratário que poderia confiar na sua validade.

Falta de consciência absoluta da declaração. Se a declaração não produz


efeitos e o declarante não tem consciência de fazer declaração negocial, sacrifica-se o
interesse do potencial declaratário.

A ordem jurídica dá gravidade à absoluta ausência de declaração, dizendo que


não produz qualquer efeito, e esta é muito clara.
Noutros casos, a ordem jurídica preocupa-se em encontrar outros pontos de
equilíbrio, descartando uns interesses em prol e outros.

Artigo 246º CC - quando se pergunta o que é que significa não produzir qualquer
efeito, é isto mesmo: não produz qualquer efeito. Como se erradia juridicamente?
2 correntes:
• A declaração existe, mas é nula.
• Corrente mais tradicional (e correta): a declaração não existe sequer como
declaração negocial.
Se a declaração negocial existe, mas é nula, estamos a admitir que a declaração
do cego é uma verdadeira declaração negocial, com base naquela aparência. Já se
dissermos que são absolutamente inexistentes como declarações negociais, significa que
nem conferimos essa qualidade, porque entendemos que a declaração negocial tem de
ter o mínimo de suporte volitivo e intelectual.

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A lei diz que não tem qualquer efeito, mas tem interesse prático. Os negócios
nulos foram verdadeiros negócios, logo se não podem produzir os efeitos que tendem,
produzem alguns efeitos indiretos que a ordem jurídica pode prever, enquanto na
declaração inexistente não é possível sequer haver efeitos indiretos.

A ordem jurídica atribui à declaração negocial um efeito lateral, indireto


que já não pode atribuir se faltar uma declaração negocial.

Diferente são os efeitos indemnizatórios que visam produzir-se.


Na parte final do artigo 246º CC (“mas, se a falta de consciência da declaração
foi devida a culpa, fica o declarante obrigado a indemnizar o declaratário.”) – quando
se diz que a pessoa que esteve sem consciência da declaração produziu uma declaração
negocial, aquilo que podia ser entendido como declaração negocial colocou-se
culpavelmente nesse estado: a declaração não deixa de produzir efeitos, mas, há culpa
in contrahendo. Há obrigação de indemnizar, pois a contraparte pode pensar que a
indemnização pode ter sido emitida com consciência.
Se se colocou culpavelmente na situação, fica obrigado a indemnizar pela
deposição de confiança que fez.
Não pode o comprador exigir do declarante o cumprimento do negócio, porque
havia falta de consciência da declaração (falta de vontade de produzir a declaração
negocial).

Como se distingue coação moral de coação física?


Distingue-se a coação física da coação moral, pois na última há uma vontade,
só que uma vontade debilitada/limitada. O critério de distinção passa não pela natureza
do meio utilizado, mas sim pelo efeito da vontade:

→ Se se elimina totalmente a vontade, temos coação física.


→ Se a vontade ainda se deixa ao sujeito, embora sob ameaça física, temos
coação moral. →Exemplo: “se não me vendes o automóvel, faço-te uma
espera”. O sujeito não está totalmente limitado, a vontade não é eliminada.

Temos o exemplo da velhinha cuja mão para assinar um contrato é conduzida


(coação física) e o senhor que assina pela própria mão, mas tem uma pistola apontada à
cabeça (coação moral).15 O irónico deste exemplo é que seria uma perspetiva muito mais
humanitária entender que o senhor tem a sua vontade eliminada, afinal, corre perigo de
vida. Porém, os factos são que existe uma escolha que lhe é apresentada (ou assinas ou
disparo) e este escolhe a primeira, ainda que por sentido de autopreservação, por isso se
diz que a vontade existe ainda que seja extremamente débil. Assim, para que se preserve
a escolha que é feita, ainda que sob coação, não se determina a nulidade, mas reconhece-
se sempre o enfraquecimento da vontade, determinando como consequência a
anulabilidade.

• Na coação física (visto que há uma eliminação total da vontade), não


existindo consciência na declaração, a consequência, radical, será que não se produz
qualquer efeito.

15 Na coação moral, há debilitação da vontade e não eliminação. Não tem a ver com os meios utilizados.

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• Na coação moral, a consequência é anulabilidade da declaração – ou
seja, a declaração até surte efeitos, mas é viciosa, pode ser anulada. O vício é menor,
uma vez que não afeta radicalmente a existência da vontade, logo a ordem jurídica não
impede tanto a possibilidade de o negócio surtir efeitos.

Coação moral

Trata-se, de acordo com a noção do 255º/1 CC, de um “receio de um mal de que


o declarante foi ilicitamente ameaçado com fim de obter dele a declaração” e esse receio
não tira totalmente a vontade, mas limita-a. Existe uma opção entre padecer de um mal
e emitir a declaração. Receio de merecer censura não é suficiente para haver coação
moral.
Não basta o simples medo ou receio, aliás a lei exclui no artigo 255º/3 CC o
chamado temor reverencial (a reverência que espontaneamente temos quanto a certas
pessoas –mais velhas, de maior autoridade...). Também não é coação moral o medo do
exercício normal do direito – este pode representar um constrangimento, mas não
podemos afirmar que estamos perante uma coação moral.
O que consubstancia coação moral é o exercício anormal do direito, quando este
é desviado do seu fim de modo a coagir outro a emitir uma declaração que nada tem a
ver com esse fim.
Artigo 255º/3 CC: Só é coação moral o que for ilícito, quando o declarante for
ilicitamente ameaçado.
Um exemplo de ameaça que não configura uma coação moral é quando o credor
diz ao devedor para pagar a dívida, caso contrário vai executar a outra dívida que tem
como hipoteca da sua casa - este mal com o qual é ameaçado corresponde ao exercício
do direito por parte do credor, não é ilícito.
Quando se diz “sob pena de consumar esse mal”, mal lícito, o credor exige obter
o cumprimento coercivo do devedor - é um mal, mas é justo. Trata-se do exercício
normal de um direito.
Se disser que tem de vender x terreno, porque senão faz baixar de preços, estamos
a usar a concorrência para obter um fim, uma vantagem que não tem a ver com a
concorrência– ilícito.

Ex.: alguém que ameaça outrem com denúncia da sua situação fiscal irregular
nas finanças, caso a pessoa ameaçada não lhe faça doação do seu automóvel. A denúncia
pode ser lícita, mas o seu uso para obter um efeito que nada tem a ver com matéria da
denúncia, em que a ordem jurídica pretende que resulte de plena voluntariedade, é um
uso anormal do direito que consubstancia coação moral.

Exemplos de coação: o Professor que é credor do aluno e diz-lhe “ou me fazes


x, ou executo-te a divida que tenho para contigo” – a dívida existe, mas não pode ser
usada para obter a declaração que nada tem a ver.
O exercício anormal de um direito não é valido e é suscetível de constituir coação
moral.

Distinção entre coação moral exercida pelo declaratário (destinatário da


declaração) da coação moral exercida por terceiro alheio ao negócio

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Artigo 256º CC - Efeitos da coação: “A declaração negocial extorquida por
coacção é anulável, ainda que esta provenha de terceiro; neste caso, porém, é
necessário que seja grave o mal e justificado o receio da sua consumação.”.

Coação moral exercida pelo declaratário:


não há razão que permita justificar que se
tolha a invalidade da declaração, sendo que
dizemos por isso que a declaração é
anulável. Se o autor da coação moral foi terceiro, já
O declaratário, não merece proteção,visto podemos ter necessidade de
que foi ele quem coagiu. compatibilizar o interesse do declaratário,
alheio à coação moral, e do declarante.

Se o terceiro não é autor da coação moral, precisa de ser protegido, pois nada tem
a ver com o assunto.
Quando a coação é exercida por terceiro, o artigo 256º CC diz que é necessário
que “seja grave o mal e justificado o receio da sua consumação”. Não é qualquer
coação, é a qualificada, só essa é que justifica a anulabilidade da coação.
O juiz, o intérprete aplicador, vai ter de decidir; é ele que, no exercício da sua
função, aprecia a situação com claridade e pondera os diversos interesses em conflito.

Pode resultar de coação moral exercida por terceiro que a coação não seja
anulável, basta que não seja grave o mal e seja justificado o receio da sua consumação –
aí, torna-se válida (o negócio surte efeitos). Não significa que a coação não tenha existido
ou não seja ilícita ou suscetível de desencadear outros efeitos.
Se a declaração negocial não justificar o receio da consumação, não é suscetível
de ser anulável.

Efeitos de coação moral: indemnização.


A coação é sempre um ato ilícito e censurável. Constranger outro na liberdade
negocial desencadeia indemnização (artigo 227º CC) – culpa in contraendo.

Artigo 227º CC (Culpa na formação dos contratos)


“1. Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos
preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob
pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.
2. A responsabilidade prescreve nos termos do artigo 498º.”

Ultrapassa-se as barreiras dos ditames da boa fé.


Não tem nada a ver com a eficácia da declaração, ou seja, a declaração ser anulável
não é o mesmo que dar uma indemnização (a indemnização visa tornar indemne, ou seja
“eliminar prejuízos”).

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No plano da eficácia, temos de saber se é valida ou não, se surte efeitos ou se é
viciada, se é suscetível de ser destruída. Esse plano é diferente do plano das
indemnizações, que visa ressarcimento de prejuízos.
Não é só violação da boa-fé nas negociações que está em causa, mostra-se atingido
um bem fundamentalíssimo da personalidade humana - a nossa liberdade, pelo que
encontramos bases legais em matéria de direitos de personalidade – artigo 70º CC em
articulação com o 483º CC.

Há bases legais para a indemnização, que é compatível com a invalidade do


negócio.
Na coação física, há a questão de saber o que acontece à declaração emitida. A lei
é radical. A declaração não surte qualquer efeito – inexistência –, não há verdadeira
declaração negocial. Mas há prejuízo. Esse prejuízo é suscetível de ser liquidado (artigos
70º, 483º, 227º CC), consoante os casos.

Diferença entre coação moral e estado de necessidade

O Estado de Necessidade- Artigo 339º CC:

O estado de necessidade diz respeito às hipóteses em que alguém está legitimado


a destruir, a provocar a outrem um dano para prevenir um dano maior.
Exemplo: no estado de necessidade, temos o indivíduo que pode arrombar a porta
do vizinho para apagar o incêndio na sua casa.

É uma situação de constrangimento, mas há similitude com coação moral. No


estado de necessidade há uma situação de constrangimento (de maior ou menor grau),
mas a situação, o perigo, não foi criada com fim de extorquir a declaração.
No entanto, alguém pode aproveitar-se deste estado de necessidade para extorquir
uma declaração à semelhante à usura.

Temos duas situações distintas:

1. O indivíduo que à noite encontra outro numa estrada deserta com um furo no pneu
empresta um macaco, mas ele tem de pagar-lhe 100€ → usura. A situação não é de
coação moral propriamente dita, pois não há uma obrigatoriedade de prestar socorro
naquela circunstância. Se a pessoa se apresenta, há problema de desproporção.

2. No caso de alguém ver outrem a afogar se no poço e dizer que só lança a corda se
doar o seu automóvel. –Aqui temos uma obrigatoriedade de prestar socorro, existe o
dever de auxílio, caso não ajude comete-se ilícito e se eu exijo doação do automóvel,
temos um caso de coação.

É caso de coação moral, mas mais que isso é anulável. A coação se for feita é
valida, surte efeitos precários/provisórios, dentro do regime da anulabilidade. É como se
o negócio “nascesse doente”, mas não se tratasse de uma “doença mortal”.
Pode, de facto, a anulabilidade não chegar a implicar destruição do negócio se não
houver ação de anulação. É preciso que alguém intente a ação. Uma coisa é
suscetibilidade de anular, outra é anular.

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No caso do poço, há consciência do indivíduo que se está a afogar que depois de
doar o automóvel e sair do poço tem de intentar ação de anulação. É um vício mais
profundo, pois é contrário aos bons costumes (artigo 280º/2 CC) – alguém, sob pena de
não lançar a corda, vai exigir doação. A doação neste caso nasce inquinada pelas
circunstâncias, é um fim proibido pela ordem jurídica, contrário aos bons costumes e
ordem pública (artigo 280º CC) e como tal é nulo. Não surte efeitos nenhuns, sem
depender de qualquer ação que declare a nulidade → vício mais grave e que protege
melhor o que acabou por ser coagido.

A coação moral não exclui outros pontos de vista relevantes para apreciação da
declaração, tal como outras hipóteses de falta e vícios da vontade não são incompatíveis
entre si em diversas situações.

Coação física
A propósito da coação física, não é uma questão de meios utilizados (recordando),
mas sim de anulação/eliminação total da vontade. É uma coação moral com efeitos
físicos.

Artigo 246º CC - Falta de consciência da declaração e coação física.

Esse regime de ausência de efeitos da declaração predica-se com a falta de


consciência da declaração (artigo 246ºCC).
Alguns autores têm questionado o que acontece a certos comportamentos em que
parece que o sujeito não tem consciência de estar a emitir uma declaração negocial, mas
esse comportamento é-lhe imputável.

Nesses casos, há declaração negocial (ou negócio jurídico) ou não?


Exemplo: uma pessoa distraída que não se apercebe que está a entrar num parque
de estacionamento reservado pago (falamos apenas dos casos em que objetivamente não
se apercebem, não dos que fazem de propósito para evitar o pagamento).
Não se apercebe que o comportamento corresponde a um negócio jurídico. Há
negócio ou não? Se há falta de consciência da declaração, a lei diz que a declaração não
surte efeitos. Não há verdadeira declaração negocial sem consciência da emissão de uma
declaração negocial, mesmo que o comportamento seja objetivamente ou socialmente
interpretado como tal.

Note-se que quando entramos com o nosso veículo num destes parques estamos
tacitamente a emitir a declaração negocial para celebração de um contrato atípico, que
nos parece semelhante ao contrato de locação.
Mas significa isto que o sujeito não terá de pagar nada? Não:

→ Se lesou a propriedade alheia, vai haver lugar a responsabilidade por


prejuízo, na medida em que pode pelo menos ter tido a consciência de que
aquilo não era seu.

Note-se, no entanto, que tem que ter havido um prejuízo acrescido à lesão da
propriedade. Não basta alegar que poderá ter desgastado o asfalto - por exemplo, se o
parque de estacionamento estivesse cheio poderia o dono alegar danos patrimoniais na

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modalidade de lucros cessantes, porque aquele sujeito estaria a tirar lugar a um cliente
pagador.
→ De qualquer forma, houve uso de coisa alheia para benefício próprio,
entrando assim no âmbito do enriquecimento sem causa - vai ter de pagar
o preço do bilhete, em virtude deste enriquecimento sem causa e não da
celebração do contrato.

Fronteiras do negócio jurídico


Até onde vai o negócio jurídico? Há autores mais ou menos rigorosos. Mas, como
a nossa lei trata este assunto? O negócio jurídico é um instituto que confronta e faz
fronteira com outros, que são diferentes e que até se podem ajudar.

Há um problema de fronteira do negócio jurídico a propósito das hipóteses do


artigo 234º CC, em que se dispensa a aceitação. Por exemplo, a pessoa que entra no
metro, faz uma proposta negocial, mas não está lá ninguém para receber a proposta
negocial e aceitá-la.
Haverá oferta ao público – o metro está aberto – e há uma manifestação de
vontade que, de acordo com o artigo 234º CC, dá lugar a celebração do negócio jurídico.
O comportamento tem efeitos jurídicos, uma vontade genérica. Não estamos a pensar
nisso, é um comportamento automatizado, rotina.

Na nossa ordem jurídica é necessário haver consciência da declaração. Quando


não há e o sujeito cria aparência enganadora, há culpa in contrahendo. No caso do leilão
de vinhos que já falamos, o indivíduo que levanta o braço para cumprimentar o amigo e
em que todos entenderam este ato como aceitação de proposta de aquisição do bem que
estava a ser leiloado, menos o próprio. Há declaração negocial? Não, mas se houver
prejuízo, há culpa in contrahendo.

Erro-vício
O erro é uma falsa representação da realidade que acaba por influenciar a
declaração negocial que não se teria formado se não se tivesse ignorado uma
circunstância, ou então teríamos emitido a declaração de forma diferente.

O erro na formação da vontade que gera uma divergência de peso entre a vontade
que o sujeito expressou, vontade subjacente à declaração, e a vontade que o sujeito teria
tido se não estivesse em erro. A vontade real foi uma, mas a vontade hipotética teria sido
outra.
Exemplo: investidor compra um prédio julgando que tinha 200 apartamentos,
quando só tinha 190 - erro quanto às qualidades do prédio.

Este é um erro-vício, pois gera divergência entre vontade real (comprou o prédio
por aquele preço) e a vontade que teria tido se não estivesse em erro.

Pode ter sido um erro sobre um aspeto não essencial, teria dado um preço
diferente – erro que não contamina a totalidade do negócio, a declaração negocial teria
sido a mesma, mas modificada. Ou poderia ser um erro essencial, se fosse determinante
da própria celebração do negócio.

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O erro só é relevante se for determinante para a celebração do negócio ou para a


forma como foi celebrado.

É diferente o erro-vício da vontade do erro na declaração. Quando o indivíduo


declara que vende o prédio número 15, porque se enganou no número, na verdade queria
dizer 51, o erro incide na formulação da vontade, na maneira como a pessoa se
expressou. Sabia perfeitamente, mas enganou-se no número ao escrever. A vontade
formou-se bem, mas formulou-se mal. (Não estamos a falar nesses erros).

O erro na formulação da vontade gera uma diferença entre a vontade real e a


vontade declarada.

Modalidades de erro-vício que o nosso Código Civil autonomiza:

Modalidades de erro-vício que o nosso Código Civil autonomiza

Erro sobre a pessoa ou Erro sobre o valor Erro sobre


sobre o objeto do negócio Erro de
direito os motivos

Erro sobre o Erro sobre o objeto do


sujeito: negócio: Erro sobre a
base do
negócio
Erro sobre a Erro Qualidades do
identidade sobre a Identidade
objeto
qualidade do objeto

Erro sobre a pessoa ou sobre o objeto do negócio (artigo 251º CC)


Erro sobre o sujeito:

1. Erro sobre a identidade


Dou-te este automóvel, porque tu ajudaste aquele meu amigo numa situação de
necessidade → posso estar em erro, posso ter confundido a pessoa e não ter sido ele a
ajudar.
2. Erro sobre a qualidade
A sabe que está a vender a B, mas achava que este estava investido de poderes
de representação, o que não se verifica.

Afinal não foi ele, quem ajudou foi outro. O negócio mantém-se? Devemos saber
em que medida o errante pode anular a sua declaração, até porque o declaratário pode
desconhecer o erro, o motivo pode ser oculto, pode não ser explicitado.

Temos um problema que vamos ver como a ordem jurídica resolve:


O erro sobre a pessoa do declaratário – sobre a sua identidade ou sobre as suas
qualidades remete para o disposto no artigo 247º CC - a declaração negocial é anulável
desde que o declaratário conhecesse e não devesse ignorar a essencialidade do declarante
para o elemento do erro.

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Erro sobre o objeto do negócio

1. Identidade do objeto:

O indivíduo compra um cavalo pensando que este é o cavalo A, mas afinal era o
B - erro sobre o objeto do negócio. Este vê o cavalo e eles são parecidos, há um erro
sobre a identidade.

2. Qualidades do objeto:

O indivíduo compra um cavalo que sabe qual é e pensa que é o campeão (quando
não é) -está a atribuir valor ao cavalo em função de uma qualidade sobre a qual está em
erro.
Remetemos também para o artigo 247º CC, sendo que o erro sobre o objeto do
negócio dá lugar à anulabilidade (anulação) da declaração e, consequentemente, do
negócio.A ordem jurídica dá possibilidade de anular o negócio pois sacrifica as
expectativas da contraparte.

Erro sobre o valor:


O erro sobre o valor não releva.
As discrepâncias do valor de mercado dizem-se não relevantes, pois pertencem
à estrutura do negócio. O valor é uma qualidade, mas em princípio não dá lugar à
anulabilidade do negócio.

Erro de direito (ou erro sobre as circunstâncias jurídicas):

O indivíduo pode emitir declaração negocial, mas estar em erro quanto às


consequências jurídicas.

O erro de direito, durante algum tempo, apresentou-se como totalmente


irrelevante. Hoje, a doutrina refere que este preceito da ignorância da lei não se aplica
no âmbito da autonomia privada dos negócios. Se o indivíduo está em erro, não há
nenhuma razão para não aplicar o regime do erro sobre o objeto, pois o declaratário
também é protegido.
Mesmo que desconheça a lei em vigor, não é necessária a suscetibilidade de
conhecer o erro, basta que saiba que é essência para que a declaração seja anulável.

Erro sobre os motivos

Erro que se refere a motivos menos importantes (artigo 252º CC).


Cada um se move pelos motivos que entender, os motivos são pessoais. Não se
pode impor ao outro os motivos do negócio se assentam em falsa representação da
realidade. Os motivos são voláteis.

Artigo 252º/1 CC – “1. O erro que recaia nos motivos determinantes da vontade,
mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de
anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo.”
O erro sobre os motivos só releva se as partes tiverem convencionado a
essencialidade do motivo ou aspeto em causa- só aí é que há lugar à anulabilidade.

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Exemplo: indivíduo que quer pagar um favor que alguém lhe fez. Julga que a
pessoa é do Benfica e compra-lhe uma camisola, vindo a descobrir que a pessoa é do
Porto. O vendedor está obrigado a devolver o preço e ficar com a camisola? Não. É erro
sobre os motivos, não diz respeito nem à pessoa do declaratário nem ao objeto do
negócio. Um erro destes só é relevante se as partes tiverem reconhecido por acordo a
essencialidade do motivo.

Se o declaratário aceita e reconhece por acordo que era essencial para o negócio
a pertença ao Benfica do destinatário da camisola, percebe-se que seja razoável impor a
anulação do negócio (a camisola é devolvida e deve-se devolver o preço).

1. Erro sobre a base do negócio (artigo 252º/2 CC) – ainda é um erro sobre os
motivos, mas especial. É um erro diferente, pois se é sobre a base, é sobre o que
se deve considerar comum a ambas as partes, circunstância sem a qual não teria
sido celebrado pelas partes.

No caso da venda da camisola do Benfica, é indiferente para o vendedor se é o


Benfica ou do Porto. É algo que apenas diz respeito ao declarante.

Mas, por exemplo, caso da coroação do rei de Espanha em que se cede uma
varanda mediante um preço. Quando o negócio é feito, o cortejo já foi cancelado porque
o rei adoeceu - há um erro. Este erro é sobre uma circunstância comum a ambas as partes.
Sem o cortejo de coroação, não teria havido nem vontade de pagar a varanda nem
vontade de a ceder - erro que acentua numa circunstância que é base comum daquele
negócio.
E se o dono da varanda já sabia? Não é nenhuma alteração das circunstâncias.

A situação muda se o cortejo não se realizar por causa de uma tempestade, na


medida em que aí temos uma alteração superveniente das circunstâncias. Aqui, e em
conformidade com o artigo 437º CC, a evolução da realidade foi diferente do que aquela
que as partes previam, mas aquando da celebração do negócio as partes não estavam em
erro, pelo que há lugar à resolução do contrato.
Na alteração das circunstâncias temos a evolução da realidade de uma forma
diferente da que tinha sido pensada, enquanto no erro sobre as bases do negócio temos
uma representação da realidade errónea à data de celebração do negócio jurídico.
O artigo 252º CC remete para o artigo 437º CC com as devidas alterações.
O erro é relevante desde que seja contrário à boa-fé; e perante esse erro, é
possível que uma das partes exija da outra a manutenção da declaração negocial e a
produção dos seus efeitos.

Se for contrário à boa-fé, o negócio pode ser anulado, não resolvido. Na


anulação, o negócio nasce doente, patologia original do negócio. Quando o negócio
nasce bem, mas há alteração das circunstâncias, há uma resolução.

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Requisitos gerais da relevância do erro:

1. Desculpabilidade:

É necessário que o erro seja desculpável? A lei não fala nem exige que o erro
seja desculpável. O erro pode ser indesculpável, negligente, e dar lugar à anulação do
negócio jurídico, o que pode causar prejuízos.
Mas não significa que o sujeito não possa ser responsabilizado pelo prejuízo, por
culpa in contrahendo.

2. Individualidade/erro individual

O erro comum, em que a generalidade incorre, não é causa de reprovância da


declaração negocial. Se todos estamos em erro, esse erro não tem efeito determinativo
do negócio, ou seja, há um erro generalizado que não é suscetível de afetar o negócio.
Só interessa o erro individual das pessoas que celebram o negócio e tem a ver
com a essencialidade do erro.

3. Essencialidade

É possível ou não excluir previamente a anulação do erro? Mota Pinto diz que
sim, através das normas dispositivas, defendendo que através da exclusão alargamos o
risco do negócio (mas não anulamos o exercício de direitos); já o Sr. Professor considera
que é difícil, porque mesmo excluindo a anulação do erro pode-se estar em erro, pois
aquela razão não é relevante, mas pode-se estar em erro nessa própria representação.
Como tal, o Sr. Professor não considera possível.

Notas finais da Matéria do Erro Vício

Vícios redibitórios: vícios ocultos da coisa. Uma pessoa que compra uma coisa
desconhecendo que tem um defeito. Esta circunstância, que é muito comum, levanta a
questão de saber se a tutela do comprador deve ser uma tutela baseada no regime do erro
(erra ao comprar um automóvel com defeito e poderá anular o negócio) ou se a tutela do
comprador de venda de coisas defeituosas deve obedecer a uma lógica diferente? –
quando o vendedor entrega coisa defeituosa não cumpre o contrato, logo a tutela é do
não cumprimento do contrato (pode exigir da contraparte um automóvel sem defeito
para cumprir a promessa da entrega da coisa que se supõe sem defeito). Estes vícios não
visíveis/ocultos podem concitar um problema de erro para uns, e para outros é
fundamentalmente um tema de incumprimento de um contrato.

Regime específico: artigo 913º CC e ss (“Venda de coisas defeituosas”).


Havendo uma ligação ao regime do erro. Na opinião do Sr. Professor, seguindo Batista
Machado, a tutela do comprador é uma tutela face a incumprimento do contrato.

Dolo
É uma figura parecida com o erro. O erro é espontâneo, já o dolo é provocado.
O dolo gera um erro.
A atitude dolosa – artigo 253º/1 CC.

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O dolo é uma conduta artificiosa que se destina a enganar terceiro – dolo positivo.
A expressão mais simples, embora não claramente expressa, é a mentira (ex: falsificar
um certificado da peça que vai vender). A palavra, quando se comunica, tem uma
pretensão de verdade; quando não corresponde à verdade o que se diz, há uma situação
de dolo que induzirá ou manterá alguém em erro.

Dolo por omissão:


Traduz-se na dissimulação pelo declaratário ou por terceiro. Ou então as
situações em que o silêncio oculta e não desvanece o erro na contraparte. (Ex: A diz
estar disposto a pagar 100€ por ser original e o vendedor, sabendo que é réplica, cala-se,
mesmo tendo o dever de falar).
Quando há o dever de falar, manter-se em silêncio corresponde a uma atitude
dolosa.
É uma atitude censurável que leva a uma reação enérgica da ordem jurídica, que
exige o mínimo de veracidade e de ética nos negócios. Enganos provocados ou
dissimulados, à partida, darão lugar à anulabilidade da declaração/suscetibilidade de
ser anulado; mas não todos (os que não constituem dolo ilícito estão plasmados no artigo
253º/2 CC).

O exemplo do Sr. Professor Oliveira Ascensão: peixeira que diz à freguesa que
o peixe é fresco quando não é, isto não corresponde a um dolo ilícito devido à vida e aos
costumes do comércio.
As conceções de hábito do comércio podem mudar de zona para zona e de
atividade para atividade. As exigências relativamente ao que é pedido podem ser
diferentes. Essas diferenças podem determinar certas condutas que não consubstanciam
dolo ilícito.
Exemplo: a pessoa que vai a uma loja comprar uma peça de roupa e manifesta a
sua felicidade porque nunca encontrou nada barato; se o vendedor souber que há na loja
ao lado a mesma peça mais barata e não o disser, não é dolo, é uma prática decorrente
da concorrência típica do comércio.

Há um dever de não enganar, e no dolo há o objetivo de enganar.

Consequência deste vício: anulabilidade da declaração. A ordem jurídica diz que


a anulabilidade não é excluída pelo dolo ser bilateral – artigo 254º CC (“O declarante
cuja vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração; a
anulabilidade não é excluída pelo facto de o dolo ser bilateral.”).

Quando o autor do dolo é o próprio declaratário? Não há razão para tutelar.

O dolo pode provir de terceiro e, nesses casos, a declaração só é anulável se o


destinatário tinha ou devia ter conhecimento do dolo.
Exemplo: o agente imobiliário vende um apartamento, que não tem boas
condições de habitabilidade, propõe um preço irrazoável tendo em conta o seu estado.
Mesmo que o agente imobiliário também esteja em erro, também ele sendo induzido em
erro, o comprador é alheio ao dolo e tem que se ter uma atenção especial. A ordem
jurídica diz que a declaração só é anulável se tinha ou deveria ter conhecimento dele
(dolo). Se fosse totalmente alheio não há justificação para privilegiar a posição do

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declarante, o que não significa que o dolo não seja ilícito. O artigo 254º/2 CC diz que
tem que ser imputável ao declaratário.

Se o dolo de terceiro é alheio e eu nem conhecia nem tinha que ter conhecimento,
o negócio mantém-se, não há justificação para uma posição se sobrepor a outra.

Como resolver uma situação de venda com dolo em que não tem que conhecer,
ou seja, se o negócio se mantiver eficaz? A hipótese resolve-se com uma ação de
responsabilidade civil do autor do dolo. Não pode anular o negócio, mas poderá acionar
o autor do dolo a reparar prejuízos.
Se o negócio não é destruído e causa prejuízo, pode pedir uma indemnização.

Quando o dolo provém do declaratário é um ato ilícito, apto a fundar uma


pretensão indemnizatória, que é perfeitamente compatível com a pretensão de anulação
(destruição dos efeitos dos negócios).

Se alguém (autor do dolo, por exemplo) tiver adquirido algum direito/benefício


em virtude da declaração provocada por dolo, esta declaração é anulável. Se o
intermediário tiver adquirido um benefício, esta declaração é anulável. O destinatário
poderá querer que o negócio se mantenha, mas não tem que pagar na totalidade (venda
através de intermediário que ganha à comissão, ganha mais quanto maior a quantia. O
intermediário enganou o comprador quanto às qualidades da coisa. O destinatário pode
querer que o negócio se mantenha, mas não terá que pagar a maior comissão, por
exemplo).

Incapacidade acidental
Artigo 257º CC (“A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer
causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não
tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou
conhecido do declaratário.”).

É uma cláusula geral muito ampla, pelo que é compatível com a ocorrência de
outros fundamentos, específicos, de anulação da declaração.

Não é o facto de haver um vício da vontade que não pode haver outro vício da
vontade, da outra parte por exemplo.

Há incapacidade geral: não entende plenamente ou não tem o pleno exercício da


sua vontade (não precisa de ser coagido, pode ter ataques de pânico, por exemplo...).
Quando assim é a lei permite a anulação da declaração desde que seja notório (notava-
se) ou conhecido (parecia normal, mas o declaratário sabia que não) do declaratário –
nestes casos, o legislador limita a tutela do destinatário.

Vícios da Declaração
Tratam-se de hipóteses em que a vontade se formou bem, mas expressou-se mal:
não se trata de má formação da vontade, mas sim de má formulação da vontade.

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A temática do erro na declaração só se coloca depois de interpretada a declaração.
Como interpretar a declaração? Com base nas regras do artigo 236º CC e ss.
Primeiro: interpretação; depois: dolo ou erro ou etc...

Erros na Formulação da vontade

Erro obstáculo/ Erro sobre o significado da Erro de transmissão da


Erro na expressão declaração:
declaração

Erro obstáculo
Há um erro na expressão, a expressão obstaculiza que a vontade produza efeitos.
Exemplo: indivíduo quer comprar o lote 10 e engana-se na escritura e aparece 100.

É um erro que perturba o sentido do negócio – ele sabe que quer o 10, mas
enganou-se.

Regime: Artigo 247º CC. Quando não conhece nem tem que conhecer o que é
uma essencialidade para a outra parte, o negócio não é anulável; só acontece quando
conhece ou tem o dever de conhecer.

A desculpabilidade (“como é possível ele se ter enganado?”) não é requisito. A lei


não exige a desculpabilidade do erro para a relevância deste.

Erro na declaração: artigo 248º CC. Não pode o erro servir de pretexto para o
declarante se desligar do negócio que o declaratário estava disposto a aceitar tal como o
declarante o queria. Não pode beneficiar do erro em próprio proveito.

Não confundir o erro de declaração/do obstáculo, com o erro de cálculo/de escrita:


os últimos só dão lugar à retificação, são erros que se manifestam no contexto da
declaração, um erro evidente (falava sempre de vinho do Porto de 1967 e apareceu na
declaração de 1966, era evidente que era um erro de escrita). Quando o individuo, no erro
da declaração, diz o lote 100 querendo o 10, nada na declaração nos diz isto, não é
evidente.

Erro sobre o significado da expressão:


Escreve o que quer, mas está convencido de que a expressão significa algo
diferente. Erro de juízo quanto ao conhecimento da expressão utilizada.
Ex: quer comprar bacalhau, mas julga que badejo é o mesmo que bacalhau e
escreve que quer 10kg de badejo.

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Com o comércio globalizado, estes erros podem ocorrer porque usamos outras
línguas.

Artigo 247º CC.


Basta que o declaratário saiba que para a outra parte é essencial o conhecimento
do erro para que a ordem jurídica proteja o errante, mesmo sendo danoso para o
declaratário.

Isso pode implicar um prejuízo para ele. Como resolver este problema? A nossa
ordem jurídica tem uma solução imediata, mas alguns autores dizem que, em alguns casos
em que o declaratário não provocou o erro nem o devia saber, há que dar uma tutela pelo
menos indemnizatória – proteção da confiança. Alguns invocam o artigo 227º CC quando
o erro é culpável - não deixa a anulação de poder ser requerida, mas há uma situação
como culpa in contrahendo, não foi cuidadoso como se expressou.

Tutela da confiança pura – quando a confiança é induzida e depois frustrada.

Erro de transmissão da declaração


Não é na forma como se expressa, é um erro que decorre da transmissão inexata
por parte daquele que foi encarregue de a transmitir.

Vai à mercearia A minha mãe Ok. Aqui tem


e compra 1kg de quer que compre 1kg de massa.
arroz. 1kg de massa.
Merceeiro
Mãe Filho

O filho, que teve que transmitir a mensagem de outra pessoa, esqueceu-se, trocou
as coisas, há um erro de transmissão da declaração.
Esse erro dá lugar à anulação do negócio? O merceeiro tem dever de fazer a troca?
Segundo o artigo 250º CC, a declaração inexata pode ser anulada nos termos do
artigo 247ºCC.
Estas são figuras tecnicamente apuradas.

Nestes erros temos uma divergência não intencional – a vontade quer uma coisa e
a declaração vai num sentido diferente – que faz com que não haja uma vontade a suportar
a declaração. Há uma situação de falta de vontade relativamente ao conteúdo da
declaração- vício da declaração.

Nos outros casos não temos uma divergência nem falta de vontade, temos uma
declaração que era querida (quero comprar o lote 11 porque acredito que aquela era a casa
do meu antecessor, por exemplo), há uma vontade que suporta essa declaração, só que a
vontade está viciada. - Vício da vontade.

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Divergências intencionais entre a vontade e a declaração


Querem aquilo que não dizem e não querem aquilo que dizem.

Simulação:
É uma divergência entre vontade e declaração intencional. É um pacto de
simulationes com a intenção de prejudicar terceiros. É um engano, um artifício, e é nulo–
sancionado pesadamente, o negócio não surte efeitos desde início. A ordem jurídica
promove a transparência e a verdade do tráfego jurídico.

artigo 240ºCC.
A ordem jurídica não compadece com falta de transparência. É sancionado
pesadamente– nulidade, em que o negócio não surte de início os seus efeitos.

Ex: A simulação em prejuízo dos credores. A tem um credor C, e há uma dívida


de 50 mil € que A não paga. No entanto, A tem um prédio: A está sujeito a que C penhore
o prédio e promova a sua venda, perante o não pagamento. Deste modo, o devedor (A)
combina com o outro senhor (B) uma venda de fantasia (a chamada “venda fantástica”)
por determinado preço, mas combinam que não há intenção de prosseguirem essa venda.
Quando o obstáculo sair (credor), B vai ao notário e transmite novamente para A, por
exemplo.

Pacto de simulationes - o intuito é enganar terceiros. Esta figura pode apresentar


modalidades:
1. Simulação inocente: só para enganar. Finge doar para mostrar que é rico, mas
não quer doar, não há vontade de doar.
2. Simulação fraudulenta: para prejudicar (exemplo acima; para enganar o fisco...).

Há vários tipos de simulação.

Exemplo que se distingue da simulação:


As partes queriam celebrar negócio, mas prosseguiam um fim atípico: vendo um
andar de 50 mil € por 25 mil conscientemente porque quero beneficiar o comprador–
está tudo bem, não há problema nenhum; MAS, este negócio visa o fim da doação e não
de compra e venda, se o fim for lícito não há obstáculo. Esta figura distingue-se da
simulação que é sancionada pela ordem jurídica.

A fraude à lei é diferente da simulação porque na primeira há a vontade de


contornar uma exigência legal, e um negócio que contorne uma disposição legal, como
ofende essa disposição legal é nulo (artigo 280º CC), mesmo quando é indiretamente.
O negócio simulado pode defraudar a lei, mas o vício da simulação é muito
específico: declara-se intencionalmente o que não se quer, combinando com outrem,
para enganar terceiros. Isto não tem que acontecer na fraude à lei.

Simulação absoluta VS simulação relativa:


1. Simulação absoluta: por detrás do negócio simulado não há nada; não temos nenhum
negócio que as partes tenham querido celebrar.

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2. Simulação relativa: as partes ocultam um negócio através de outro – negócio
dissimulado (escondido).

Nas Simulações Relativas, temos:


1. Simulação quanto ao objeto do negócio: o que é escondido é um negócio
verdadeiro.
As partes podem simular o tipo de negócio (esconder a doação através de um
negócio de compra e venda).

2. Simulação quanto ao valor do negócio (o preço), que é a mais comum: não


é a natureza do negócio que se quer simular, há a simulação de um elemento
do negócio.
Ex: preço do imóvel para enganar o fisco (o que é de 50 mil euros passa para 25
mil), há um negócio dissimulado, que está por trás. O preço real (50 mil) é escondido –
pretendeu-se esconder este elemento do negócio, o preço. Há depois um preço
dissimulado (25 mil).

3. Simulações subjetivas: simulações quanto aos sujeitos do negócio,


escondem-se os sujeitos do negócio. Pode ser uma:
→ Interposição fictícia de pessoas: a ordem jurídica não permite que um certo
negócio seja celebrado entre certas pessoas ou então impõe certas
condições para que seja celebrado. Há um sujeito no meio que não é o
verdadeiro donatário nem o doador que não quer intervir.
→ Supressão fictícia de pessoas: A vende a B e B vende a C um imóvel –dois
negócios, aos dois é devido imposto. Uma das formas de evitar a carga
fiscal é combinar entre si e A vender a C.

Qual é o interesse deste percurso das modalidades da simulação, que não foi um
elenco exaustivo? Quando a simulação é relativa podemos perguntar: há alguma razão
para que a ordem jurídica não aceite um negócio dissimulado se esse negócio pudesse
ser validamente celebrado na ordem jurídica?

Ao analisar o artigo 241º/1 CC – concluímos que se o negócio dissimulado puder


ser celebrado, ele pode surtir efeitos e não é a circunstância de ter sido ocultado que o
impede.

É um tributo que a ordem jurídica faz à autonomia privada. A ordem jurídica não
tolera simulações, mas resolvendo o problema de falta de transparência, nenhuma razão
há para proibir o negócio. A nulidade do negócio simulado não implica a nulidade do
negócio dissimulado.

Artigo 241º/2 CC- O negócio dissimulado valerá quando se verificarem os


requisitos de forma e substância escrita por lei.
Se a compra e venda tiver sido celebrada perante um notário, o negócio
dissimulado pode aproveitar essa forma do negócio simulado. A ordem jurídica quer
proteger a autonomia privada e permite que o negócio dissimulado aproveite a forma do
negócio simulado se as exigências de forma do negócio dissimulado tiverem sido
observadas.

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Quem pode arguir a simulação? O negócio simulado é nulo, quem quer que
queira invocar a simulação tendo interesse em tal, poderá invocar a simulação – artigo
286º CC em articulação com o artigo 242ºCC.

Temos que proteger os terceiros de boa-fé - os terceiros que ignorando a


simulação construíram a sua vida com base em negócios que julgavam ser realmente
queridos.
Devemos perceber que a simulação pode ofender terceiros e que a nulidade, se
fosse plenamente operante, podia destruir todos os negócios subsequentes, o que causaria
problemas sérios. O artigo 243º CC estabelece uma inoponibilidade– a nulidade não pode
ser invocada pelos simuladores contra terceiros de boa-fé. O terceiro, estando de boa-fé,
encontra-se numa situação de proteção, não lhe é oponível a simulação, é como se o
negócio fosse eficaz perante ele. Esta proteção só protege os que estão de boa-fé – artigo
243/2º CC. Se o terceiro souber não será protegido. O terceiro está protegido de prejuízos,
não irá enriquecer (Mota Pinto). O terceiro de boa-fé pode invocar a simulação se isso
for do seu interesse.

O artigo 243º CC significa exatamente o que está escrito – os simuladores não


podem invocar a nulidade contra terceiros, o que significa que outra pessoa que queira
invocar a simulação em seu benefício pode invocar.
Quando não são os simuladores a invocar a simulação há uma norma – artigo
291ºCC – a propósito dos efeitos da nulidade/anulação. Os efeitos podem ser tremendos
–todos os negócios subsequentes caem – e o artigo 291º CC protege os terceiros de boa-
fé que tenham adquirido direitos a título oneroso.
Diferença entre os artigos 243º CC e 291º CC – o último é “oneroso”, aqui houve
um investimento.

O herdeiro legitimário tem ou não direito a invocar a simulação feita pelo autor
da sucessão com o intuito de o prejudicar? Artigo 242º/2 CC. O pai que camufla uma
doação querendo prejudicar um filho em benefício de outro - será que os acertos só
podem ser feitos quando se abrir a sucessão/quando o pai morrer ou ainda pode ser feito
em vida? Quando há simulações o herdeiro legitimário pode arguir ainda em vida do
autor da sucessão.

Notas finais:
Os simuladores podem invocar entre si a simulação. A ordem jurídica não quer
ocultações e permite que qualquer simulador invoque a simulação sem que o outro
simulador diga “tu também simulaste”.
Nestes casos não podem usar a prova testemunhal (artigos 392º CC e ss), tem de
ser por documento ou confissão. Porque há esta restrição da prova testemunhal, quando
os simuladores invocarem entre si a simulação? Porque é falível, o indivíduo faz um
negócio real e depois arranja amigos a dizer que o negócio é simulado - o Tribunal pode
cair e o negócio nem ser simulado. Por causa destas situações, a ordem jurídica só usa a
confissão ou prova escrita (documento).

Reserva mental
Artigo 244º CC. Não diz o que pensa.

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Diferença entre reserva mental e a simulação: embora haja uma vontade real
contrária à vontade declarada e haja mesmo o intuito de enganar, trata-se de enganar o
declaratário e não conluio com ninguém. A reserva mental é unilateral, é da cabeça do
sujeito.

Para proteger o declaratário, a ordem jurídica diz que uma declaração emitida
sobre reserva mental não pode deixar de surtir efeitos, a menos que seja conhecida do
declaratário. A reserva mental não prejudica a validade da declaração – 244º/2 CC.
O regime é a nulidade.
Há situações de reserva mental inocentes. Há uma certa rigidez quando se diz que
a reserva mental não prejudica a validade da declaração, porque pode haver hipóteses em
que o sujeito diga o que não quer por um motivo justificado – quando alguém precisa de
ser tranquilizado (ex: dizemos a A, no leito da sua morte, que doamos determinada coisa
a B para tranquilizar A).

Declarações não sérias


Na reserva mental, a pessoa quer que a declaração seja tomada como séria ainda
que contrária à vontade real. A declaração não séria é feita na expectativa que a
declaração não seja tomada como séria – declarações cénicas, publicitárias... (ex: queres
casar comigo? – numa peça de teatro).

A declaração não séria não surte efeitos – artigo 245º CC. É sugestiva, não quer
enganar. Não há vontade de produzir efeitos.

A publicidade é um setor de declarações não sérias. Muitas vezes, a falta de


seriedade da declaração pode não ser conhecida, joga com a precipitação da pessoa. O
perigo da publicidade está naquilo que pode ser levado a sério por alguns.

Artigo 245º/2 CC – Se há justificação para aceitar como sério algo que era não
sério, pode exigir o prejuízo que sofreu/o gasto que teria evitado- indemnização.
Uma graça malévola: pode enganar alguém.

Quais são as consequências? Validade e invalidade dos negócios


jurídicos-nulidade da simulação, anulabilidade das declarações negociais por dolo, por
erro.
Enquadram-se na categoria das invalidades.
Quer a nulidade quer a anulabilidade são duas modalidades da invalidade, que é
um vício congénito do negócio jurídico. De uma forma ou de outra, ou os seus efeitos
não se produzem ad initio (nulidade) ou então os efeitos são precários (anulabilidade).
Têm vícios do negócio intrínsecos a ele no seu nascimento.

Casos de negócios que têm vícios extrínsecos ao seu nascimento:

→ Nos negócios sob condição suspensiva não há nulidade; na pendência da


condição, o negócio jurídico não surte efeitos, mas pode vir a fazê-lo. Há
ineficácia que não decorre de um vício intrínseco do negócio, mas sim de uma
circunstância alheia.

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→ O negócio até pode nascer são e os seus efeitos serem destruídos, que é o que
acontece quando há revogação do negócio (ineficácia do negócio), mas o
negócio não deixou de ser válido.
→ Um negócio a termo por 1 ano, ao cabo de um ano o negócio torna-se ineficaz
porque chegou ao seu fim.

Invalidade remetemos ao início do negócio:


A ineficácia do negócio jurídico é muito ampla. Depois temos invalidades que
são de duas espécies:

Nulidade
(ex: simulação): não produz ad initio os efeitos que pretendia.

Opera por força do direito, ipse iure – o Tribunal só declara o que lá está, é uma
sentença declarativa.

Artigo 286º CC – a nulidade pode ser declarada oficiosamente pelo Tribunal, o


Tribunal tem de conhecer, o Tribunal pode (não “deve”) declarar a nulidade, porque as
razões são razões de interesse geral. Não está sujeito ao processo dispositivo, processo
do pedido, do Direito Civil.

A nulidade é invocável por qualquer pessoa interessada. Não vamos desencadear


a atividade dos tribunais se não houver interesse.
Não pode ser sanada pelo decurso do tempo. Insanáveis por confirmação. O
negócio nulo pode ser renovado.

Anulabilidade
(ex: coação): não obstante o vício, o negócio produz efeitos e é tratado como válido
enquanto as partes não entenderem acordar na sua anulação.

A anulação implica a destruição retroativa dos efeitos. O negócio surte efeitos,


mas esses efeitos são precários.
Na ação de anulação, a sentença é constitutiva. O negócio é datado como válido
até ser anulado. Pode ser exigido o cumprimento do contrato. Exige uma ação destinada
à destruição dos efeitos do negócio.

São interesses particulares, não são declarados ex officio, o tribunal não tem que
conhecer.
Artigo 287º CC – quem tem legitimidade para arguir a anulabilidade: aquele em
cujo interesse a lei a estabelece.
Ex: o coagido, cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade.

Por outro lado, as anulabilidades são sanáveis pelo decurso do tempo, há um


prazo e se a ação de anulação não for interposta sana-se a anulabilidade.
Prazo: 1 ano sobre a cessação do vício. Enquanto o negócio não estiver cumprido
a anulabilidade pode ser arguida por ação (anular um contrato) ou por exceção (quando
se trata de defesa). -287º/2

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Trata-se de um vício suscetível de sanação por confirmação - uma declaração


negocial mediante a qual o legitimado para anular manifesta a sua aprovação ao negócio
que tinha celebrado. O errante, não obstante o erro, concorda com esse negócio. A
confirmação só acontece quando o sujeito tem consciência do vício, há uma intenção
confirmatória – é um negócio sobre um negócio.

Tem eficácia retroativa perante terceiros. Não obstante a precariedade dos


efeitos, tem eficácia retroativa e também é oponível essa eficácia a terceiros.
Exemplo: se A vende a B e esse negócio é anulável e antes que B confirmasse o
negócio, A vende a C – este negócio é válido, mas se B confirmar o negócio, a
propriedade é transferida para B desde o momento da celebração do negócio, e a venda
entre A e C é uma venda de bens alheios.

Efeitos da declaração da anulação: 16

Anulação é diferente de anulabilidade.


A ação de anulação destrói os efeitos do negócio. Neste aspeto equipara-se à
nulidade, em ambas o negócio não surte efeitos.
O anulável surte efeitos precários.

289º/1 CC (“Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm


efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a
restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”) – isto compreende-se
porque o vício é intrínseco, o negócio é considerado ex tunc/ad initio não produtor de
efeitos.

Há retroatividade e ainda restituição. Se o negócio ainda não foi cumprido e


foi declarada a sua não produção de efeitos não foi entregue o preço nem a coisa, mas se
o negócio foi cumprido há que haver a restituição (em espécie ou então a restituição por
equivalente – valor).

Em todo o caso, há regras específicas:


289º/3 CC (“É aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores,
directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269.º e seguintes.”) – há uma
remissão para a tutela do possuidor de dolo ou de má-fé.
O possuidor de boa-fé tem um regime em relação aos frutos da coisa ou
benfeitorias. Aplica-se aos negócios anulados ou nulos porque o sujeito pode retirar dela
proveito é preciso saber se a restituição depende dos frutos ou das benfeitorias e tudo isso
depende da má ou boa-fé.

Oponibilidade a terceiros da ação de anulabilidade ou anulação


Se a venda entre A e B for anulada, a venda seguinte (entre B e C) também é nula
porque por força da retroatividade - destrói-se ad initio a primeira venda e a segunda
venda é tido como venda de coisa alheia.

16
Matéria regulada no 289º CC.

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Ora, mas terceiros que não intervieram precisarão de tutela, não sabem o que está
a montante e julga que tem legitimidade para adquirir. Qual é o problema? Tutela de
terceiros face a vícios do negócio, percebe-se que o terceiro só merece ser tutelado se
desconhecer o vício, mas não é o único requisito.

291º CC - preceito que contém a anulação relativamente à situação da tutela de


terceiros, em termos diferentes dos termos que conhecemos, o 243º CC é o preceito que
estabelece que os simuladores não podem opor a simulação a terceiros de boa-fé.
Mas nem sempre os vícios são de simulação, então temos um preceito geral que
regula essa matéria – 291º CC. O terceiro tem de estar de boa-fé e no artigo há
requisitos:

1. imóveis ou móveis sujeitos a registo

Imóveis ou móveis sujeitos a registo, não são simplesmente móveis.


Quando são móveis simplesmente (joias, por exemplo) como se tutela o
terceiro? De forma indireta, pode exigir responsabilidade - há um prejuízo, há um
dano, sofreu um sacrifício económico.
O 898º e 899º CC tutelam esta matéria, por exemplo. O 227º CC - culpa in
contrahendo também pode ajudar neste caso.

2. Tem de ser oneroso

É uma restrição, tem de ser adquirido a título oneroso porque pagou um preço,
houve um prejuízo.
Há uma ponderação de interesses onde se prefere a posição do terceiro que
adquiriu a título de confiança, onde houve um sacrifício.

3. Se o registo da aquisição for anterior ao registo da ação da anulação ou


nulidade.

A ação de anulação está sujeita a registo para dar publicidade. Se C, terceiro,


adquiriu depois de estar registada a ação de anulação não merece tutela, devia ter visto o
registo, não há motivo para tutelar. Só dá para tutelar se o registo for omisso.

291º/2 CC diz que “os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a
ação for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio”
- no período de 3 anos qualquer pessoa pode estar sujeita a sofrer o impacto/efeitos da
nulidade ou anulação do negócio jurídico mesmo versando sobre bens móveis ou imóveis
sujeitos a registo. A pessoa não fica totalmente desprovida de tutela, mas é uma tutela
sobretudo indemnizatória, se houver culpa por parte de alguns intervenientes dá a
obrigação de indemnizar. O negócio fica destruído.

291º/3 CC - ponte entre este preceito e os requisitos da proteção da confiança –


está em causa proteção da confiança de terceiros em que temos o desconhecimento do
negócio nulo ou anulável, uma justificação dessa confiança, um investimento dessa
confiança (necessidade de ter adquirido a título oneroso, ter incorrido num gasto com
vista à aquisição do bem em função da confiança que se depositou). Estes requisitos gerais
da proteção da confiança têm uma concretização, especificação elucidativa.

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294º CC – “os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de caráter
imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei.” – é, em
princípio, uma norma subsidiária, sempre que haja uma violação do negócio jurídico de
certa disposição legal de caráter imperativo, então esta será, em princípio, nulo. A sanção
regra contra a violação de normas imperativas é a nulidade. Normalmente, é uma ofensa
pelo conteúdo de uma disposição legal.

Ineficácia dos negócios jurídicos: 17


“A ineficácia em sentido amplo tem lugar sempre que um negócio não produz,
por impedimento decorrente do ordenamento jurídico, no todo ou em parte, os efeitos que
tenderia a produzir, segundo o teor das declarações respetivas” (Mota Pinto)
Na invalidade, temos uma não produção de efeitos em virtude de um vicio
originário do próprio negócio jurídico que pode assumir duas formas básicas: nulidade e
anulabilidade.

Ineficácia em sentido estrito:

Há um obstáculo externo à produção de efeitos jurídicos, existindo duas


modalidades:
1. ineficácia absoluta: o negócio não surte, em absoluto, efeitos. Atua erga omnes,
podendo ser invocada por qualquer interessado.
exemplo: negócio com condição suspensiva, não se verifica a condição, logo há
ineficácia absoluta, pois o negócio não surte efeitos a ninguém. (artigo 274º)
2. Ineficácia relativa: os efeitos do negócio também não se produzem, mas só em
relação a certas pessoas.
Quando dizemos que o negócio é inoponível perante X ou Y.

Exemplo: atos do falido - ineficazes em relação à massa falida (património em


liquidação). De facto, há uma massa de bens em liquidação e o falido vende o prédio – se
ele retira da massa falida, os credores ficam prejudicados, porque o património é
insuficiente. A lei diz que esses atos são inoponíveis, ineficazes em relação à massa falida.
Os credores podem dizer que a venda não interessa, porque não lhes é oponível. Mas, em
relação ao filho do falido não. Este não pode deixar de honrar os compromissos se o falido
morre. Não há ineficácia em relação a outras pessoas. Em relação ao falido que morreu,
não pode o sucessor dizer que o negócio é ineficaz se herdou o prédio. A ineficácia é
relativa.

Outro exemplo é o facto do sujeito nos atos sujeitos a registo só pode opor o seu
direito a terceiros se tiver registado. Os seus direitos são inoponíveis a terceiros que
tenham melhor registo. (artigo 5º Código Registo Predial)
Exemplo: A vende a B e em seguida A vende a C. B, titular, só pode opor o seu
direito a C se C não tiver melhor posição face ao registo. Se C tiver registado e B não, B
fica sem a propriedade. C confiou no registo quando comprou a A e se B não procedeu
ao registo, criou uma aparência enganadora de que o titular do bem era A e C acredita
que A tinha o bem. No conflito entre B e C, prevalece o que tem melhor registo.
17
Esta matéria tem inicio na pagina 615 do Manual utilizado como base de estudo e complemento
para realização desta sebenta (mencionado na nota introdutória).

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Se C não tivesse registado, vale o primeiro direito real constituído. A ordem
jurídica protege quem tem registo. B foi o primeiro a adquirir e que tinha a propriedade e
não pode opor o seu direito a C, pois este registou.

Num sistema de registo, quando A vende a B ficou sem o bem e se B não regista
o registo não espelha a situação material correspondente. B é o proprietário, mas o bem
ainda está registado em nome de A. O terceiro tem de confiar no registo - sabe-se que C
confiou no registo, porque registou.

Para além dos exemplos supramencionados temos ainda: atos de disposição ou


oneração dos bens penhorados (art. 819.º CC) e negócios do representante sem poderes
(art. 268.º, nº1)

Inexistência do negócio

Entenda-se que “a Inexistência é uma figura autónoma, com consequências mais


graves do que a nulidade e a anulabilidade”. (Mota Pinto)
Este conceito surgiu em França (CC napoleónico) no seio do direito matrimonial,
pois consideraram (à data) impensável a aceitação de um casamento entre pessoas do
mesmo sexo como válido. Como nos diz Mota Pinto: “(…) nesses casos, a lei não
prescrevia a nulidade, porque o negócio era inexistente e só o que existe pode ser nulo.”

A categoria da inexistência é especialmente consagrada no Código Civil de 1966


dentro das invalidades do casamento, sendo de atentar os artigos 1628.º e 1630.º.

Se o negócio não existe, não se podem extrair efeitos. Se existe, mas é invalido,
há certos efeitos que se podem extrair.

Isto não significa que as fronteiras da inexistência e da nulidade não se possam


discutir, inclusive é algo bastante discutido até aos dias de hoje. Há alguns autores que
questionam a legitimidade da inexistência enquanto categoria (I. Galvão Telles e Menezes
Cordeiro).

Institutos que podem mitigar algumas consequências da ação de


nulidade/anulação

Redução:
Questão Fundamental: no caso de o fundamento da invalidade do negócio apenas
afetar uma parte do negócio, o negócio deve ser destruído totalmente ou pode ser
aproveitado na parte restante?
A vende a B um terreno em que apenas uma parte não lhe pertencia. Temos uma
situação que afeta apenas uma parte do negócio, o negócio pode ser reduzido ou todo
ele tem de ser destruído?
A regra na ordem jurídica portuguesa é que os negócios são suscetíveis de
redução, podem valer, em princípio, sem a parte viciada – 292º CC. Em regra, os
negócios podem reduzir-se.

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Conceito de divisibilidade do negócio, para aproveitar o terreno temos que
admitir que podemos dividir o negócio entre a parte viciada e a parte sã, o negócio ficará
reduzido à parte sã.
Princípio da conservação do negócio jurídico até quando é possível.

É um princípio geral, mas não podemos forçar a autonomia das partes, se as


partes acordaram que a parte viciada é essencial para o negócio e não teria sido concluído
sem essa parte, o vício estende-se à totalidade do negócio e não só àquela parte viciada e
o negócio não pode ser reduzido – 292º CC, 2º parte.

Há um recurso ao “critério da vontade hipotética ou conjuntural das partes”, ou


seja, “trata-se de averiguar o que as partes teriam querido provavelmente, se soubessem
que o negócio se opunha parcialmente a uma disposição legal e não pudessem realizá-lo
em termos de ser válido na sua integridade.” (Mota Pinto)

“A pesquisa da vontade hipotética ou conjetural das partes é uma operação que


tem de tomar em conta as particularidades as particularidades do caso concreto;
normalmente aquela vontade será favorável à redução nos negócios gratuitos (…) nos
negócios onerosos a solução variará conforme as circunstâncias.” (Mota Pinto)

É de notar que, no Código Civil de 1966, o “problema” em questão é tratado, de


forma genérica, no artigo 292º, que estabelece que “o contraente que pretender a
declração da invalidade total tem o ónus de provar que a vontade hipotética das partes (ou
de uma delas), no momento do negócio era nesse sentido, isto é (…) teriam preferido não
realizar negócio algum, se soubessem que ele não poderia valer na integridade.” (Mota
Pinto)18

Ou seja, retomando o exemplo anterior, imaginemos que no negócio entre A e B,


A vende a B um terreno com 800 𝑚2 , sendo que, desses 800, apenas 400 eram
efetivamente de A. Em princípio, seria de optar pela redução, porém se se vier a provar
que B queria construir um conjunto de 5 vivendas com jardim, cujo projeto não cabe nos
400𝑚2 e, portanto, nunca realizaria o negócio sabendo que afinal só poderia adquirir
metade do estipulado. B tem de provar esta situação, impedindo a redução do negócio.

A vontade das partes tem de ser entendida de modo objetivo e razoável. A vontade
de uma das partes não pode opor-se a outra para invalidar todo o negócio (“ou é assim ou
não é nada” – isto não pode acontecer). A vontade não pode ser contrária à boa-fé.

Conversão:
Um negócio jurídico considerado nulo ou anulado, pode ser aproveitado de
alguma forma para outro negócio cujo resultado se aproxime do procurado
pelas partes?
Exemplo: A vende a B a casa X por escrito particular, poderá este negócio ser
celebrado através da promessa?

18
Páginas 636 a 639 do Manual mencionado na Nota Introdutória dão exemplos de casos em que
a prova dessa vontade não é necessária (tratam-se de exceções à regra não mencionadas pelo Docente e,
por isso, não englobadas, mas recomenda-se a leitura das mesmas a quem puder despender desse tempo)

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Resposta da ordem jurídica: no respeito da autonomia privada “O negócio nulo ou
anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha
os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes
permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade.” → 293º CC

A nossa ordem jurídica exige essa prova positiva – que as partes tivessem querido
se tivessem previsto a invalidade - e exige a convergência da vontade das partes.

A vontade das partes tem de ser provada para que possa haver conversão do
negócio. É preciso que ambas as partes tivessem querido o negócio para que a conversão
se dê. Ao contrário da redução que só não existe se as partes não quiserem.

Exercício de Posições Jurídicas

Representação: exercício de posições jurídicas de um sujeito através


de um representante.
A liberdade negocial (autonomia privada) significam que o sujeito para além de
poder praticar atos por si mesmo, também pode recorrer a quem os pratique em seu nome.
A representação é um alargamento das possibilidades de atuação do sujeito. Esta
carece de definição legal, mas está regulada no artigo 258º CC.

Na representação existe a prática de um ato jurídico em nome de outrem para, na


esfera jurídica dessa outra pessoa (representando) se reproduzirem os respetivos efeitos.

A representação é naturalmente uma forma de colaboração de pessoas, mas não é


a única forma.
Exemplo: 474º CC e ss. Alguém que gere um negócio alheio, não está a
representá-lo. A vê o cão do vizinho B a morrer a fome enquanto este está de férias e dá-
lhe comida- não há representação nenhuma.

À representação apenas interessa saber se o negócio jurídico foi praticado em


nome alheio.19
Não há representação quando alguém celebra um negócio ocultando a sua
identidade e assinando em nome de outrem (nesse caso estou apenas a fazer-me passar
por alguém). Esta outra pessoa não fica vinculada ao negócio.

O 258º CC diz que só há produção de efeitos na esfera jurídica do


representado se o representante tiver poderes para essa representação. Quando não
tem poderes, faz-se passar por outrem, não há produção de efeitos.
Relativamente à pessoa que se faz passar por outrem: há um ilícito, a pessoa
engana a contraparte do negócio que acredita na produção de efeitos (culpa in
contrahendo).

19
Celebrar negócio em nome alheio é diferente de celebrar o negócio em proveito de outrem.

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Estes poderes de representação põem resultar em três modalidades:

1. Representação voluntária: quando os poderes de representação podem ser


atribuídos por ato voluntário (procuração);
2. Representação orgânica ou estatutária: necessidade que as pessoas coletivas têm
para que possam agir no comércio jurídico – têm necessidade de ter alguém que as
represente – são criações jurídicas.
OA diz que há um ato imputado diretamente à pessoa coletiva; enquanto na
representação voluntária o ato é do representante e os seus efeitos são transferidos para o
representado.

3. Representação legal: resulta da lei.


Exemplo: pais que representam os filhos, tutores; administradores de bens...

Basta que o negócio seja concluído em nome de outrem, não é necessário que
seja no interesse do representado.
Exemplo: se alguém prometeu vender um andar, mas em vez de ir à escritura pode
atribuir à contraparte poderes para a representar que era no interesse da contraparte.

Representação e mandato não podem ser confundidos.


Mandato– 1157º CC (“Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga
a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra.”)

Pode haver mandato sem representação – quando alguém celebra um negócio


por encargo de outrem, mas atua em nome próprio. Exemplo: “compra-me ração para o
meu cão”.

Também pode haver representação sem mandato – o sujeito atua em


representação de outrem. Exemplo: a pessoa que está na caixa de um supermercado
representa esse supermercado, mas durante o dia vai praticando ações fora do mandato.

A representação pode conviver com uma multiplicidade de fundamentos


(mandato, prestação de serviço, contrato de trabalho, relação parental). A representação,
nesse sentido, é abstrata. Tem subjacente uma relação fundamentos que dão a causa de
representação.
Pode haver representação sem na sua base haver qualquer relação justificativa
para atribuição de poderes representativos. Exemplo: falsus procurato (aquele que se
intitula representante sem o ser). Há aqui um problema, pois não tem poderes
representativos. Os efeitos não se podem produzir na esfera do representado – 259º CC.

Só produz efeitos dentro dos limites de poderes que lhe foram conferidos –
268º/1 CC - podemos ter representação, mas a consequência da norma não se produz,
pois, a previsão não está completa. Não produz efeitos, a não ser que o ratifique.

Simples autorização vs consentimento


Autorização: alguém externo ao negócio, que não é o autor, dá a sua autorização.

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Regras gerais da representação:
Para haver representação, não é necessário haver uma relação subjacente. Pode
haver situações de falta de poderes de representação e haver representação na mesma.
Tem de haver contemplatio domini – o sujeito tem de aparecer na veste de representante.
Embora não seja concetualmente necessário haver legitimação representativa,
corresponde a uma situação ilícita.

Atribuição antes – procuração


Atribuição depois – negócio de ratificação

Se não há poderes, o negócio é ineficaz em relação ao representado – 268º/1 CC.


Em relação ao representante, o negócio não é valido. É importante que se reconheçam os
poderes do representante.

Pode haver poderes, mas o representante extravasa os seus poderes, esta é ainda
uma situação de falta de poderes pelo que se aplica igualmente o 268º/1 CC.
Diferente da situação de representação sem poderes é a situação de abuso de
poderes de representação20 – o indivíduo tem poderes, mas usa-os mal ou contra as
instruções que recebeu.

Artigo 262.º - Procuração

1. Diz-se procuração o ato pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes
representativos.
2. Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o
negócio que o procurador deva realizar.

Fazer um negócio consigo mesmo – conflito de interesses (o sujeito é


simultaneamente o comprador e vendedor). O negócio é anulável – 262º CC. Quem tem
legitimidade para anular é quem é suscetível de sofrer as consequências do conflito de
interesses.

Proteção de terceiros – terceiros são a contraparte do negócio celebrado pelo


representante em nome do representado.
O terceiro pode exigir a justificação dos poderes do representante.
Um regime que protege os terceiros – 266º CC

Existe ainda a figura de Procuração aparente: há uma aparência de procuração,


aparência de poderes representativos, mas, em verdade, essa atribuição de poderes
representativos não existe de todo. Quando assim é, em algumas áreas do tráfego jurídico
(relações entre particulares e organizações complexas) é importante estabelecer a
proteção do terceiro que contrata com o procurador aparente.

20
Artigo 269º CC: “O disposto no artigo anterior é aplicável ao caso de o representante ter
abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.”

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268º CC – risco do comerciante/estado/organização complexa que possa surgir
que só aparentemente detém poderes de representação e na verdade não os tem; a pessoa
deve estar protegida se vai depositar dinheiro num banco com alguém que na verdade
não tem esse poder.
Procuração aparente é sempre uma exceção à regra geral do 268º CC e funciona
apenas contra organizações complexas (onde corre o risco de aparecerem pessoas sem
poderes representativos).
No código comercial de Veiga Beirão se prevê o pagamento liberatório
independentemente de o caixeiro ter poderes para receber o pagamento, esse pagamento
é válido – tutela de quem procede ao pagamento.

É diferente de procuração tácita: a procuração é um ato através do qual há


atribuição de poderes representativos e pode ser celebrada de modo tácito, visto que é
um verdadeiro negócio jurídico. Quando um dono de um estabelecimento comercial
contrata um trabalhador para vender o que se comercializa, tacitamente atribui-lhe
poderes de representação para poder exercer a sua função. Esta é uma procuração
regular, existente.

Procuração não é um documento, é um negócio jurídico que pode constar de um


documento que pode ser escrito, mas pode ser tácito.

A forma da procuração varia, em função do tipo de negócio de que se trata. Se


o negócio é formal a procuração também terá de ser formal; mas para a venda de artigos
num estabelecimento, não há forma especial e a procuração pode não ter forma alguma.

Confronto com figuras afins

Núncio
O representante não é um núncio (quem transmite declaração negocial de outrem).
O representante produz a declaração, ainda que os seus efeitos sejam imputáveis a outrem.
Quando há um núncio, quem celebra o negócio é aquele cuja declaração negocial é
transmitida. O núncio anuncia uma vontade alheia. O representante celebra um negócio
com vontade própria, embora os efeitos dessa se repercutam em esfera alheia.
Quando o núncio se limita a transmitir vontade alheia, o requisito de capacidade
que se exige é que seja capaz de transmitir a declaração.

250º CC (1. A declaração negocial inexactamente transmitida por quem seja


incumbido da transmissão pode ser anulada nos termos do artigo 247.º. 2. Quando,
porém, a inexactidão for devida a dolo do intermediário, a declaração é sempre
anulável.)

Do procurador tem de se exigir a capacidade de formar uma vontade. O


representante tem de ter a capacidade autónoma de entender ou querer o negócio.

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Como é o representante o autor material do negócio, é na sua esfera jurídica
que se deve verificar a falta ou vício da vontade ou declaração (259º CC). O
representado não está acolhido, mas o representante estava. Isto é anulável, pois é na
esfera jurídica do representante que se tem de verificar os requisitos.
Há elementos na representação como a conformação da relação de representação
é obra do representado, é em relação a esses elementos que a sua vontade foi
determinante.
Operários, advogados, consultores técnicos, fiscais – não são representantes;

Tempo:
É condicionante das posições jurídicas.
A ideia geral é que somos seres que vivemos no tempo e, por isso, dada a nossa
finitude, não convém que os litígios/problemas se arrastem indefinidamente, temos que
ter uma “limpeza” do que possa ser fonte de litígio e já não vamos repristinar assuntos
que já deviam estar resolvidos. O Direito deve promover a paz social e isso faz com que
o tempo possa apagar assuntos de potencial litígio.

Há 2 institutos fazem essa limpeza promovendo a paz social, permitindo o


apagamento

Temos 2 institutos fundamentais:


1. Prescrição
O direito deixa de ser acionável/exigido judicialmente.
Quando o direito prescreve, esse direito não pode ser acionado judicialmente se
contra ele for invocada a prescrição.
O beneficiário da prescrição, ocorrida a prescrição, pode recusar o acatamento
do direito descrito. Mesmo assim, o devedor pode cumprir a obrigação natural, algo
voluntário que não pode ser imposto.

2. Caducidade
Leva à extinção do direito. O direito extingue-se.

Critério de distinção entre estas duas figuras:


Classicamente dizia-se que os direitos potestativos caducavam e os direitos
comuns prescreviam. Não é esta solução que a nossa lei estabelece, a lei estabelece um
regime diferente - 298º CC.

Os direitos, em princípio, todos eles, estão sujeitos a prescrição. Há uma exceção


no 298º/3 CC - a propriedade é imprescritível, não é porque o proprietário não exerce o
direito que o perde – mas fora desse âmbito todos estão sujeitos a prescrição pelo seu
não exercício num lapso de tempo.

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Prazo prescricional ordinário (que se aplica ao crédito, por exemplo): 20 anos.
Direitos de propriedade não prescrevem, logo, esse prazo não se aplica. 298º/2 CC

Às vezes a lei estabelece que o direito tem de ser exercido em x tempo (prazo).
Exemplo: prazo para a ação da anulação. Em princípio, quando a lei estabelece um
prazo, esse prazo é prazo de caducidade.

Diferenças entre prescrição e caducidade: admitem-se estipulações


convencionais sobre a caducidade. Se os direitos forem disponíveis, é possível
estabelecer um prazo de caducidade diferente (prazos diferentes para a anulação do erro,
por exemplo).
Não existem estipulações sobre a prescrição.

A caducidade é apreciada oficiosamente, salvo se estiverem em causa direitos


disponíveis das partes, nesses casos tem de ser invocada. Na prescrição não há
conhecimento ex officio do tribunal, tem de ser invocada pelas partes, não opera
automaticamente.

A caducidade não comporta causas de suspensão ou de interrupção, ao


contrário da prescrição, a prescrição consente causas de suspensão e interrupção – 318º
CC e ss; 323º CC e ss, por exemplo.

Terminada a suspensão continua a decorrer o prazo prescricional, na interrupção


o prazo prescricional é reposto no 0 e começa a contar novamente. 323º/1 CC

Um individuo tem um crédito que prescreve ao cabo de 20 anos, se proceder à


citação/notificação do devedor expressando a vontade de exercer o seu direito, a
prescrição é interrompida.
Mas o que acontece se o réu, numa ação de cumprimento, fugir/evitar a citação
para mais tarde invocar a prescrição? 323º/2 CC– a partir do momento em que há uma
interposição da ação, 5 dias sobre esse período de tempo, considera-se interrompida a
prescrição.

Como impedir que o direito caduque? Exercendo o direito. Enquanto a


prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial – 323º CC.

Prazos
1. Prazo de prescrição ordinário – 309º CC: 20 anos.
2. Prazos mais curto - 310º CC: 5 anos.
3. Prescrições presuntivas: fundam-se na presunção do cumprimento.
Considera-se que determinadas dívidas prescreveram porque se presume
que foram pagas – 316º CC, por exemplo (são tão comuns e tão repetidos

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que assentam na presunção que estão sujeitos a prazos mais curtos porque
se presume que estão pagos - presunção de cumprimento).

Prescrição: instituto geral, razão de conveniência e oportunidade. Estímulo


ao exercício diligente de direitos através da penalização inércia negligente do titular do
direito, ou seja, através da prescrição o indivíduo é incentivado a exercer o direito dentro
daquele prazo, dessa forma se conseguem os benefícios deste instituto.

Caducidade: prevalência absoluta de razões de certeza e segurança jurídica.

Pluralidade de titulares:
O exercício jurídico até agora era individual/singular, quando são vários o
alinhamento dos interesses é diferente. Como harmonizar os seus interesses quando
são vários os titulares da posição jurídica? Várias modalidades de exercício:

1. Exercício singular: cada um atua por si. Cada pessoa mantém a sua
autonomia.
2. Solidário: um por todos.
3. Coletivo ou indivisível: todos em conjunto.
4. Mão comum: direito com uma finalidade que transcende a posição de cada
um. Não há propriamente direitos individuais, mas interesse num coletivo.
Exemplo: baldios, património conjugal (interesse e pelo bem da família)

Instituto da compropriedade:
Compropriedade quanto ao exercício das posições jurídicas do comproprietário,
aplica-se a todas as situações de contitularidade.
1404º CC- regime subsidiário, que é o da compropriedade, que regula as
situações de contitularidade de posições jurídicas.

Exercício singular: 1406º CC


Exercício solidário: 1405º/2 CC- há faculdades na contitularidade que são de
exercício solidário. Quando o comproprietário reivindica de terceiro a propriedade está
a agir pelo interesse de todos.
Exercício coletivo: Se quiserem os comproprietários alienar a coisa têm de
intervir todos – 1405º/1 CC.
Venda da quota é diferente, aqui falamos de venda da coisa.

Baldios:
Cada um dos compartes pode usar e têm direitos sobre o baldio – questão do
lítio/eólico. A posição do comparte não é suscetível de ser alienada autonomamente; o
comparte não pode vender a sua posição a um terceiro, porque a sua situação jurídica é
mais ampla e tem um fim específico.

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Baldio como interesse de comunidade local diferentemente dos interesses


difusos: partilhado por qualquer um de nós, é um interesse coletivo, mas são bens que
não são apropriáveis por ninguém em particular – exemplo: ambiente.
Há mecanismos de defesa próprios de posições jurídicas no caso dos interesses
difusos: ações populares que permitem aos sujeitos (interessados) atuarem com regras
que permitam fazer valer estas posições, mesmo não sendo eles titulares exclusivos de
nada.

Quando falamos de contitularidade falamos de posições jurídicas em que vários


são titulares de uma mesma posição jurídica. O comproprietário que tem direito de
propriedade que pode concorrer com o direito do usufrutuário não é uma situação de
contitularidade, estes direitos são autónomos e diferentes um do outro.

Colisão de direitos:
335º CC
Figura interessante e importante do nosso estudo.

Pode haver direitos incompatíveis e essa colisão tem de ser resolvida. A ordem
jurídica dá um critério de solução, mandando subsistir um direito face a outro – colisão
aparente, porque é a própria ordem jurídica que dá a solução.

Exemplo 1: dupla venda. A vende a B + A vende a C – a ordem jurídica faz prevalecer a


primeira venda face a outra que é, na verdade, venda de bens alheios.
Exemplo 2: 407º CC - o primeiro constituído prevalece sobre os demais.
Exemplo 3: Conflito entre direito real e crédito, prevalece o direito real.
Exemplo 4: conflitos de vizinhança - há um direito de vizinhança que tem regras
específicas para resolver os conflitos.

Ordem jurídica tem multiplicidade de critérios para resolver a colisão.

Sempre que a lei diga como se resolvem as incompatibilidades, não há uma regra
autónoma de conflito de direitos, é a própria ordem jurídica que resolve essa situação; o
problema surge quando a ordem jurídica não tem critério específico, então usamos
o 335º CC.

São critérios abstratos, mas de última rácio. Se os direitos forem de natureza


diferente prevalece o considerado superior; em direitos iguais, segundo o 335º/1 CC,
devemos harmonizar o seu exercício, se tal for possível (um quer levar o carro à
discoteca e o outro à casa da música – ou se anula o direito ou se tira à sorte, para nenhum
deles perder).

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Para além do 335º CC (que é uma norma de difícil aplicação por ser tão abstrata),
o Direito deve prevenir conflitos, pelo que há um conjunto de critérios desenvolvidos
pela doutrina:

1. Antiguidade relativa dos direitos: em alguma zona há uma fábrica, a certa


altura instalam-se vivendas/moradias para habitação. Pode surgir um conflito
entre o interesse da fábrica em laborar e causar poluição sonora, por exemplo,
e o direito à saúde/sossego/tranquilidade das pessoas de habitação. Se a
fábrica já lá estava, não é a fábrica que deve ceder, mas sim o direito dos que
resolveram construir e adquirir moradias nessa zona, porque há uma
antiguidade relativa do direito que resolve esta situação.
2. Critério do dano mínimo: colisão entre o direito da iniciativa
económica (construir um metro) e do direito ao repouso. O direito ao repouso
terá de ceder, se houver compensação adequada, porque há um bem maior
que se tem de preservar (metro…)
3. Critério do proveito: exemplo de Menezes Cordeiro - utilização
de uma casa onde 2 proprietários guerreiam entre si, um quer ir com a família
e outro sozinho – atribui-se a casa a quem fará maior proveito da casa.

Só depois podemos olhar para o 335º/2 CC e a ponderação do que este apresenta.

Casuística diversificada: por exemplo, colisão entre o direito ao bom


nome/reputação e a liberdade de imprensa – sabemos que a liberdade de informação
pode prevalecer por estar em causa interesses que devam ser divulgados e o bom
nome/reputação terá de ceder face ao interesse legítimo da sociedade.

Colisão entre direitos de personalidade/repouso e o direito de exploração de um


bar: ambos cedem com concordância prática – o bar fecha a determinadas horas.

O 335º CC é insuficiente na prática, tem de haver uma harmonização prática.

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