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TEORIA GERAL DO
DIREITO CIVIL
Ana Beatriz Moreira
Com os apontamentos de
Maria Cavadas
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Nota Introdutória
Esta sebenta de Teoria Geral de Direito Civil, disponibilizada pela Comissão de Curso
dos alunos do 2º. ano da licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade
do Porto no ano letivo 2021/2022, foi elaborada pela estudante Ana Moreira, com a ajuda
e colaboração de Maria Cavadas, que elaborou os apontamentos semanais da Unidade
Curricular em questão e que reviu, posteriormente, o conteúdo deste documento.
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Ana Moreira
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Índice
Teoria geral dos sujeitos da relação jurídica ............................................................................ 5
A pessoa e a tutela da personalidade ............................................................................. 5
Teoria Geral do Objeto da Relação Jurídica .......................................................................... 10
Estatuto Jurídico dos animais .................................................................................................. 10
Bens Jurídicos .......................................................................................................................... 11
Classificações das Coisas .................................................................................................... 11
Benfeitorias ......................................................................................................................... 16
Res nullis.............................................................................................................................. 16
Baldios ................................................................................................................................. 16
Teoria Geral do Negócio Jurídico ............................................................................................ 17
Os factos jurídicos, negócio, tipos de negócio ........................................................................ 17
Facto jurídico ....................................................................................................................... 17
Negócio Jurídico .................................................................................................................. 19
Efeitos Jurídicos ................................................................................................................... 21
Diversas modalidades do negócio jurídico: ....................................................................... 22
Elementos e pressupostos do negócio:................................................................................... 29
Elementos essenciais, naturais e acidentais ....................................................................... 29
Declarações Negociais ......................................................................................................... 30
Processo de Formação ........................................................................................................ 32
Natureza das declarações contratuais ................................................................................ 34
Concursos: ........................................................................................................................... 35
Forma da declaração negocial: ........................................................................................... 36
Forma legal .......................................................................................................................... 37
Culpa in contrahendo .......................................................................................................... 39
Proteção da confiança ......................................................................................................... 42
Culpa post pactum finito ..................................................................................................... 44
Conteúdo do negócio jurídico ................................................................................................. 44
Requisitos gerais do negócio jurídico:..................................................................................... 46
Fraude da lei – negócio que defrauda a lei. ........................................................................ 48
Noção da causa ................................................................................................................... 49
Cláusulas acessórias gerais típicas ...................................................................................... 49
Cláusulas Acessórias Típicas ................................................................................................ 53
Interpretação e Integração do negócio................................................................................... 54
Cânones hermenêuticos legais: .......................................................................................... 55
Integração do negócio ......................................................................................................... 57
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Vícios de formação do negócio jurídico .................................................................................. 58
Ausência total de vontade .................................................................................................. 58
Ausência parcial de vontade ............................................................................................... 59
Incapacidade acidental ...................................................................................................... 59
Vontade Deficiente ............................................................................................................. 59
Má formulação da vontade: ................................................................................................ 59
Figuras de divergência intencionais: ....................................................................................... 60
Ponderação entre autonomia privada e confiança do declaratário ................................... 61
Como se distingue coação moral de coação física? ............................................................ 62
Fronteiras do negócio jurídico ............................................................................................ 67
Erro-vício ............................................................................................................................. 67
Dolo ..................................................................................................................................... 71
Dolo por omissão: ............................................................................................................... 72
Incapacidade acidental........................................................................................................ 73
Vícios da Declaração................................................................................................................ 73
Erro obstáculo ..................................................................................................................... 74
Erro sobre o significado da expressão:................................................................................ 74
Erro de transmissão da declaração ..................................................................................... 75
Divergências intencionais entre a vontade e a declaração ..................................................... 76
Simulação: ........................................................................................................................... 76
Reserva mental.................................................................................................................... 78
Declarações não sérias ........................................................................................................ 79
Casos de negócios que têm vícios extrínsecos ao seu nascimento: ................................... 79
Invalidade remetemos ao início do negócio: ...................................................................... 80
Oponibilidade a terceiros da ação de anulabilidade ou anulação ...................................... 81
Ineficácia dos negócios jurídicos: ....................................................................................... 83
Institutos que podem mitigar algumas consequências da ação de nulidade/anulação ......... 84
Redução:.............................................................................................................................. 84
Conversão:........................................................................................................................... 85
Exercício de Posições Jurídicas ................................................................................................ 86
Representação: exercício de posições jurídicas de um sujeito através de um representante.
................................................................................................................................................. 86
Simples autorização vs consentimento ................................................................................... 87
Regras gerais da representação: ......................................................................................... 88
Confronto com figuras afins .................................................................................................... 89
Núncio ................................................................................................................................. 89
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Exercício das posições jurídicas................................................... Erro! Marcador não definido.
Tempo: ................................................................................................................................ 90
Pluralidade de titulares: ...................................................................................................... 92
Baldios: ................................................................................................................................ 92
Colisão de direitos: .............................................................................................................. 93
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O Dr. Carneiro da Frada começou pela temática dos sujeitos das relações jurídicas
(lecionada no semestre anterior), em especial pela tutela da personalidade, recorrendo à
dignidade da pessoa humana, sendo este, inclusive, o nosso conceito central neste tópico. Diga-
se que esta matéria foi já lecionada no semestre passado, porém o Docente tinha opiniões muito
próprias à cerca deste tópico e optou por recomeçar aqui.
Conceito da Dignidade da
Pessoa Humana
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→ Conceito normativo-autónomo: não depende de outras normas para
conferir juridicidade. O Direito implica a proteção da pessoa humana, não há direitos
sem dignidade da pessoa humana.
→ Trans-sistemático: o conceito de dignidade humana está para lá das
normas, não podemos preencher só com as normas existentes. Conceito que remete para
lá do sistema, por isso é que não dá para resolver o problema aludindo apenas às decisões
do legislador. Exemplo: a eutanásia não depende do que o legislador disser que é
dignidade humana, depende do que é dignidade em si mesma.
Funções da Dignidade da
Pessoa Humana
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→ Integrativa: há a necessidade de integrar normas no nosso ordenamento
jurídico, há lacunas inevitáveis, mas que conseguimos preencher com recurso à
dignidade da pessoa humana.
Exemplo 1: saber se é admissível ou não colocar implantes/ mecanismos
cibernéticos que aumentem a nossa capacidade de memória ou raciocínio.
Exemplo 2: saber se é possível criação de híbridos (homens-porco, devido aos
transplantes de fígados…).
Exemplo 3: Saber se é aceitável a auto-sujeição de transfusões repetidas de
sangue para evitar o envelhecimento…
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O Direito civil é um Direito de pessoas livres, só se preocupa em estabelecer as
baias da convivência social, se o sujeito se move seguindo determinados valores ético-
jurídicos, a sociedade não tem de lhe atribuir prémios.
Como conseguimos conciliar uma postura relativista com uma postura não
relativista no ordenamento do Direito civil?
→ Tolerância:
Traduz-se no respeito de uma opinião diversa da nossa. Esta tolerância é imposta
pela dignidade da pessoa humana, na medida em que partilhamos todos da mesma
natureza (dignidade), mas podemos ter a nossa individualização (opinião própria).
Contudo, não podemos relativizar a tolerância em nome da dignidade da pessoa
humana.
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1. Cultura
Devemos procurar na nossa cultura (que tem características como um lastro
histórico) algo minimamente sedimentado (uma noção ampla, elástica, dinâmica) que
corresponderá a um padrão próprio/representações gerais de uma sociedade.
Tanto cultura jurídica como cultura extrajurídica são aqui consideradas, visto que
o sistema jurídico se abre a sistemas de valores para além do Direito. A cultura estará
sedimentada, há perdurabilidade que assegura uma certa consistência – a sociedade
convive de acordo com a dignidade da pessoa humana.
2. Religião
Dicotomia entre:
→ Humanismo com Deus: existência de um elemento superior, transcendente,
absoluto, ao qual se faz referência no discurso da pessoa humana.
→ Humanismo sem Deus: imanentista, o Homem não tem nenhuma instância
para além de si próprio perante o qual seja responsável.
3. Filosofia
Já no contexto de Estado Laico devemos realçar o contributo da Filosofia, que se
encontra maioritariamente nas Universidades e em âmbitos culturais. Dentro da filosofia
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está o Personalismo Ético – conceção filosófica do que é a pessoa humana, conceção
recente, vê a pessoa como sujeito ético digno e responsável.
Este personalismo ético tem um contributo importante de Kant (que se notabilizou
entre vários temas, inclusive pela ênfase que deu ao sujeito pela sua moralidade e
autonomia) – a pessoa é um fim em si mesmo, a pessoa é um último fim que não pode
ser instrumentalizado.
Esta afirmação tem consequências: instrumentalização com embriões ou
inseminação post mortem pode ser questionada à luz da dignidade da pessoa humana? As
normas jurídico-civis são normas que estão em tensão com o conceito de dignidade da
pessoa humana.
Nota: a perspetiva de Mota Pinto sobre o conceito de “objeto de relação jurídica” critica
a redação do Código Civil que, no seu artigo 202º, faz equivaler o mesmo ao conceito de
“coisa”. Direitos Subjetivos- objeto é aquilo sobre o que incidem os poderes; conseguidos para satisfação de interesse.
Direitos Potestativos- direitos sobre os quais o objeto se esgota no seu conteúdo e vice-versa (conteúdo
Objeto mediato coincidente com objeto). Se o objeto é tudo aquilo sobre que incidem
distingue-se neste
contexto de
Estatuto Jurídico dos animais poderes do direito subjetivo, podemos ter direitos
com o mesmo objeto- direitos reais (direito de
imediato. propriedade e direito de usufruto sobre o mesmo
Primeiros-
poderes exercem- Alteração legislativa: terreno- o mesmo objeto relativo a 2 direitos
distintos.
se de forma 201º-B, 201º-C, 201º-D CC – que consagram hoje o estatuto jurídico dos
indireta (direitos
de crédito). animais.
Segundos- não há Os animais, são, segundo o artigo 201º-B CC “seres vivos dotados de
intermediação
entre titular e sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza.”
poderes dele
sobre bem (direito
Até 2017, o animal era visto como coisa (noção muito ampla e abrangente),
de propriedade) talvez com especial estatuto.
Bens Jurídicos
202º CC – coisa como noção ampla, tudo aquilo que pode ser objeto da relação
jurídica. 2
Distinção breve
• Coisas corpóreas e incorpóreas: coisas corpóreas - 1302º CC.
O objeto do direito de propriedade são coisas corpóreas, o que significa que coisas
incorpóreas não podem ser reguladas automaticamente pelo disposto no direito de
propriedade (poderá ser, no máximo, por analogia). Coisas incorpóreas: bens
intelectuais, direitos de autor, patente, marcas… não são propriedade em sentido
estrito.
Requisitos para consideração de algo como objeto de direito subjetivo:
- Individualidade e suscetibilidade de apropriação para poder ser objeto de direitos
Classificação:
Os negócios sobre coisas imóveis têm uma forma solene devido à sua importância
na vida das pessoas. O móvel é uma dimensão física que se movimenta no mundo físico
e o imóvel é o permanente, dá estabilidade. Os bens móveis (livros, por exemplo) até
podem ter um valor muito importante na esfera pessoal e íntima da pessoa, mas não do
ponto de vista da sociedade, uma vez que são os bens imóveis que traduzem permanência.
Há um sistema de publicidade associado aos imóveis que dá a conhecer a posição
jurídica relativa aos imóveis.
difere do rústico por ter autonomia;
logradouro- área adjacente a prédio que
204º CC – bens imóveis: permite a extensão do seu aproveitamento
(jardim, estacionamento...)
3
A figura do Usufruto nem sempre é fácil de entender, então, para ajudar na conceção da mesma,
talvez seja mais fácil entendê-la dentro do seu exemplo mais comum a “Venda com Reserva de Vida” que
ocorre muitas vezes de Pais para Filhos.
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Partes integrantes, mencionadas no 204º/3 CC, são coisas móveis ligadas
materialmente ao prédio com carácter de permanência (quando vendidas em conjunto
com o prédio, são bem imóvel por associação). Interesse: quando se vende o prédio
vende-se as partes integrantes. Pode ser autonomizado e aí não é parte integrante, mas
bem móvel (artigo 882º CC). Diferem de coisas acessórias- 210º CC
Exemplos: elevador. O elevador faz parte do prédio, mas este pode ser vendido à
parte, substituído, colocado depois, etc.
Parte constitutiva
Parte Integrante (não se podem constituir
direitos próprios – ex: viga
Pode se constituir direitos
de ferro, não se separam das
próprios
construções, são essenciais
e não se autonomizam).
Coisas fungíveis: são coisas que se determinam pelo seu género, quantidade,
qualidade – 207º CC. As coisas são substituíveis. Exemplo: maçãs, se uma estiver podre,
pode-se requerer a sua substituição. Ex: contrato mútuo incidente sobre barril de vinho, devedor não é obrigado a
substituir aquele barril em específico, apenas a mesma quantidade, na mesma
qualidade. Dinheiro é a coisa mais fungível.
Coisas consumíveis – 208º CC: importa a sua destruição ou alienação. Coloca
alguns problemas à ordem jurídica, sobretudo se houver direito à restituição - se o direito
é temporário, há que restituir. ex: uso de comida; dinheiro também é consumível.
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Exemplo: usufruto das maçãs, depois de as usar, terá que as devolver.
5. Coisas Acessórias:
Coisas acessórias: 210º CC – “São coisas acessórias, ou pertenças, as coisas
móveis que, não constituindo partes integrantes, estão afetadas por forma duradoura
ao serviço ou ornamentação de uma outra”.
São coisas móveis (não estando ligadas com carácter de permanência) e estão
funcionalmente ligadas a uma coisa móvel, normalmente.
Qual é o relevo das coisas acessórias? O negócio jurídico que tem por objeto a
coisa principal, não abrangendo, salvo consideração em contrário, as coisas acessórias –
210º/2 CC.
Oliveira Ascensão: refere que esta regra pode ser dura porque há situações em que
manifestamente uma coisa deve seguir a outra – a estátua tem de ter uma base/peanha.
Ou seja, há casos em que a coisa principal não vive sem a coisa acessória e a coisa
acessória desprovida da coisa principal perde a sua funcionalidade/sentido. Se se tratar de
uma pertença, se uma coisa sem a outra não faz sentido, o destino do negócio tem de ser
unitário.
6. Coisas Futuras:
Coisas futuras: 211º CC – “São coisas futuras as que não estão em poder do
disponente, ou a que este não tem direito, ao tempo da declaração negocial.”
A coisa futura não tem de ser necessariamente algo que não exista no mundo ao
tempo da celebração do negócio jurídico, pode ser coisas que existem sem estarem no
poder do disponente. coisa é só relativamente futura
Exemplo 1: A pode vender a B um carro que ainda não está construído.
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Exemplo 2: A vende a B um automóvel que já existe, mas ainda não está no seu
poder de disposição.
Se a coisa é futura não pode haver direitos reais sobre ela, há, quando muito, a
possibilidade de haver direitos de crédito.
Exemplo: se A vende, hoje, a colheita deste ano, A vende uma coisa futura (não
sabe quantas maçãs vai ter, por exemplo), e quem comprou, antecipadamente, não é titular
de direito real, mas não há dúvida quanto à existência deste negócio. Sem a existência da
coisa não se pode exercer um poder imediato sobre ela.
Não é um negócio translativo do direito real sobre a coisa, que ainda não existe, o
879º/a CC não se pode dar, contudo há um direito de crédito sim – o produtor desenvolve
as atividades necessárias para proporcionar ao comprador a possibilidade de se tornar
proprietário, do seu direito de propriedade, tem de cuidar e fomentar o pomar, neste caso.
Frutos e produtos não são o mesmo. Produtos é o que a coisa produz sem ser em
virtude da própria natureza – exemplo: extrair veneno da víbora para constituir um
antídoto. O veneno é produto da víbora, mas não fruto, porque ela não dispensa natural e
periodicamente esse veneno.
Os frutos são imóveis enquanto estiverem ligados ao solo – só se é proprietário
da maçã na árvore se for proprietário da árvore. O agricultor que vende a sua colheita,
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frutos, que até podem ser já existentes, temos uma venda de um bem móvel porque se
vende o fruto separado da árvore, havendo liberdade de forma contratual.
Só no momento de separação do solo é que a coisa/fruto ganha autonomia e
adquire a suscetibilidade de ser direito real autónomo.
Os frutos, em princípio, pertencem ao proprietário. Se o negócio não for sobre
frutos (como bem móvel) e se for sobre a coisa principal, os frutos seguem a coisa.
Benfeitorias
216º CC: uma benfeitoria consiste no melhoramento feitos numa coisa.
Nos termos do 216º/1 CC – “Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas
para conservar ou melhorar a coisa.” – despesas feitas para melhorar ou conservar a
coisa. 4
Às vezes, há benfeitorias que não podem ser levantadas, e em que há um
enriquecimento à custa de outrem (por exemplo, ao pintar as paredes de um edifício, o
próprio edifício valoriza) como introduzir justiça? Tendo o valor restituído, ou seja, o
pagamento da benfeitoria, da despesa realizada.5
O benfeitorizante, autor da benfeitoria, pode estar de coisa alheia de bem ou má-
fé e isso tem classificações/consequências completamente distintas nas benfeitorias.
Res nullis
Coisas móveis que não têm dono. Não abrange os bens imóveis porque estes têm
sempre dono nos termos do 1345º CC, as coisas móveis sem dono podem ser adquiridas
por ocupação (1318º CC), porém, diferentemente da usucapião não importa a decadência
de um direito anterior, mas sim um direito que se forma ex novo.
Baldios
Não são propriedades do Estado nem da junta, mas sim das compartes.
Tradicionalmente serviam para a pastorícia e lenhas, hoje, têm menor aproveitamento
4
Ao invés de se mencionar um melhoramento, fala-se nas despesas feitas com o melhoramento. Mas, na
realidade, a benfeitoria é o melhoramento, não é a despesa.
5
O docente continua a dizer que esta necessidade de restituir o valor (ou seja o pagamento) naquelas
benfeitorias que não podem ser levantadas não justifica a redação do artigo que se refere a “despesas feitas
com melhoramento” ao invés de “melhoramento”.
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desse ponto de vista, mas têm uma importância económica extraordinária (exploração de
lítio).
Têm uma administração própria (as assembleias ou juntas de compartes) que gere
esses baldios e a qual tem de autorizar, caso se pretenda instalar algo nos mesmos (por
exemplo, um parque eólico).
Os baldios são propriedade que não é privada, individualizada, mas sim
comunitária. Propriedades de mão comum: propriedades (ou pelo menos um regime
análogo à propriedade) que pertencem a todos os compartes e têm uma finalidade (a
propriedade, normalmente, não tem uma finalidade) – há uma afetação especial.
Facto Jurídico
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Exemplo 1: Trovoada – raio que cai sobre um automóvel, este facto desencadeia
relações jurídicas – se o automóvel tiver seguro, há uma obrigação de indemnização da
seguradora.
Exemplo 2: No nascimento de alguém a criança adquire personalidade jurídica
quer tenha sido mais ou menos desejada.
Efeito jurídico de um ato humano – pode ser propriedade, como podem ser outros
vários.
• Negócios jurídicos
Negócio jurídico: A vontade visa ser compreendida pelos demais (v.g. expresso
a vontade de querer vender). Há consequências do que comunicamos - a ordem jurídica
atribui relevo a esses atos comunicativos.
São declarações de vontade, dirigidas à produção de efeitos, e em que os efeitos
são produzidos ex voluntate – expressão máxima da autonomia privada.
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Quase negócios jurídicos: depende da vontade, mas os efeitos produzem-se ex
lege, decorrem da lei que acopla o efeito à declaração. Nesse caso não importa se o sujeito
previu e quis os efeitos, porque os efeitos produzem-se na mesma.
Negócio Jurídico
No negócio jurídico aceita-se que o sujeito tem autonomia. O sujeito é livre e
pode celebrar negócios jurídicos, pode escolher e autodeterminar-se → filosofia geral do
negócio jurídico.
Negócio jurídico é uma categoria central, mas é uma categoria recente (surge
com a Pandectística- século XIX).
É um conceito abstrato, e, exatamente por isso, tem várias modalidades (que
iremos estudar).
O negócio jurídico compra e venda (que é por nós muito conhecido) tem efeitos
ex voluntate. Há um regime supletivo muitíssimo vasto, previsto nos artigos 874º CC e
seguintes, que torna impossível saber todos os efeitos deste negócio jurídico, até mesmo
para os juristas mais experientes, o que, por si só, demonstra que não é preciso ter
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conhecimento sobre 100% dos efeitos possíveis, basta ter uma vontade de concretização
de efeitos próprios.
Não há negócios jurídicos sem que o sujeito queira.
Teoria dos efeitos práticos: as partes manifestam apenas uma vontade de efeitos
práticos e a lei faria corresponder efeitos jurídicos concordantes.
Vai se dirigir apenas a 1 efeito prático – comer uma laranja por exemplo, contudo
não é suficiente porque para eu comer uma laranja posso fazê-lo por usufruto, ou por
aquisição.
Temos aqui uma via intermédia que rejeita as economias coletivistas bem como
a hipermobilização da liberdade de sistemas liberais puros e duros, em que a liberdade
não é limitada. Entendemos então que há uma liberdade em ordem justa.
Distinga-se:
6
Teoria da delegação: o poder político, qualquer que seja, delegaria nos sujeitos individuais uma
competência própria para que esses sujeitos celebrassem os negócios que bem entendessem.
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• Negócio Jurídico 7
No exemplo dado supra, nos cartéis, não há vinculação porque era matéria ilícita,
mas podia ser feito um acordo de cavalheiros em matéria lícita, assim a ordem jurídica
não aceita sem mais estes acordos. Estes acordos têm de ser analisados face ao
ordenamento jurídico, pois podem existir acordos de cavalheiros legítimos e ilegítimos.
Efeitos Jurídicos
7
Analisado supra de forma extensa.
8
Apesar de escaparem à vinculação jurídica, não é por isso que deixam de ter relevância jurídica
– um sujeito que alerta outro que tem um exame, médico, escolar, tem consequências.
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Têm de querer que o negócio jurídico seja protegido pelo Direito, esteja sob a alçada do Direito,
pelo menos no que toca aos efeitos essenciais
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A vontade do sujeito não tem de antever todos os efeitos possíveis do negócio,
tem de saber os efeitos essenciais práticos.
Há normas:
Supletivas: Imperativas:
Na ausência de determinação de x A ordem jurídica intervém através
na declaração negocial, vigora o de uma ordem imperativa por
que a ordem jurídica estabelece motivos onerosos. Estas normas
de acordo com uma ideia de não extinguem a
moderação, razoabilidade e liberdade/autonomia negocial,
justiça, se considera adequada. A esta é simplesmente limitada →
vontade das partes pode afastar demonstra que a vontade
normas supletivas e estabelecer arbitrária do sujeito não é
uma regra distinta. suficiente, esta tem de ser justa
para ser acolhida pelo negócio
As normas supletivas permitem
jurídico.
compatibilizar a autonomia
privada com aqueles aspetos que Não se pode, em Direito civil,
as partes por descuido possam presumir o carácter imperativo
ter deixado de fora. das normas.
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Regime dividido
entre:
Modalidades:
1. Negócios jurídicos bilaterais VS multilaterais ou contratos: uma parte
ou mais que uma parte.
Parte: não significa pessoa, não depende dos sujeitos presentes, a parte identifica-
se pela diferenciação de efeitos. Não podemos ter uma mesma e única parte jurídica -
tudo depende da orientação das declarações de vontade, que não deverão ser paralelas
nem convergentes num contrato.
Para que é que esta distinção releva? Para efeitos do regime aplicável - princípio
da tipicidade nos contratos, por exemplo.
Vinculação no próprio sujeito à ordem jurídica que quer proteger o sujeito das
suas precipitações, de ficar excessivamente vinculado/onerado. Exceção importante:
testamento – assegurar ao sujeito o determinar post mortem quem sucede e em que
moldes.
Sendo um contrato, temos uma diferenciação de efeitos com os termos desse
contrato que deve compatibilizar efeitos das partes que são diferentes e têm vontades
diferentes e merecem posições diferenciadas.
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Os negócios jurídicos bilaterais seguem o princípio da tipicidade, vale o princípio
do contrato. Descobrir a sua razão de ser é difícil, mas é porque nos negócios jurídicos
bilaterais o sujeito, que se vincula unilateralmente, pode incorrer em desproporções,
precipitações. Na compra e venda há uma reciprocidade, pode sempre se jogar com o
equilíbrio, já nos negócios bilaterais o sujeito pode se vincular excessivamente.
Qual é o relevo desta distinção? Nos negócios mortis causa (aqui falamos
em específico do testamento; existem, também, os pactos sucessórios, mas estes estão
proibidos no nosso ordenamento jurídico) está em jogo para o Direito o respeito pela
vontade do autor do testamento (que a todo o momento é revogável) e assegurá-la para
que a sucessão seja feita de acordo com essa vontade.
Nos negócios inter vivos, os efeitos produzem-se entre pessoas vivas, o Direito
não pode alhear-se de certas posições de equilíbrio, não é a vontade unilateral de uma
das partes que pode determinar tudo, há uma coordenação dos sujeitos vivos – confiança
e expectativas das partes.
Há negócios que podem suscitar dúvidas: seguro de vida (a seguradora presta
um serviço depois da morte do assegurado)→ negócio inter vivos: quer harmonizar os
interesses entre o assegurado e seguradora.
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jurídico pode ser celebrado por qualquer forma (escrito, linguagem gestual,
verbalmente). Nestes negócios basta o consenso.
Se o negócio for formal, a lei exige uma forma. A lei impõe uma forma que se
não for respeitada verificar-se-á os efeitos do 220º CC– nulidade ou outra sanção
especialmente prevista na lei. Uma forma escrita, particularmente solene, onde o
negócio jurídico até é exarado é a escritura pública, o notário é que redige, conforme a
vontade das partes.
Documento particular autenticado: os autores do documento são as próprias
partes do negócio, mas é autenticado pelo notário.
Documentos particulares: são autores simples, sujeitos, sem intervenção do
notário, nem como autor do documento nem como alguém que garante a autenticidade
do documento.
Há negócios solenes que não são escritos, negócios formais que não impõem a
forma escrita – exemplo: casamento. Não há declarações formais e específicas, existem
formas sacramentais para que o negócio seja válido.
408º CC; 408º/1:– o sujeito pode transmitir ou constituir o direito real só pelo
facto de haver o contrato, mais nada. O mero acordo de vontades, concretizado ou não,
é possível para transferir a propriedade em Portugal, não é assim em todas as ordens
jurídicas (em algumas a propriedade só se transfere com a entrega da coisa).
Em harmonia com este conceito o 879º/a CC, como efeito da compra e venda:
transferência da propriedade do alienante para o alienatário.
Apenas por efeito da vontade se constitui um direito real.
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Distinção com outros sistemas: noutras ordens jurídicas (Brasil, Alemanha,
Espanha…), para além deste acordo de vontades, requer-se um ato ulterior de entrega
da coisa, de investidura do requerente na propriedade.
O contrato compra e venda não transfere a propriedade apenas por mera
declaração de vontade, requer um ato ulterior, entregar a coisa, por exemplo, o nosso
879º/b CC.
Os móveis, nos sistemas que não são como o nosso, a transferência dá-se pela
entrega. Quanto aos imóveis, a solução é diferente, a transferência passa pelo registo (o
sistema de publicidade).
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→ Doação de coisas móveis: 947º/2 CC. Sem entrega, é uma manifestação que
pode ser a todo o momento abandonada.
→ Depósito: 1185º CC – a palavra-chave é “entrega”: os efeitos do negócio
requerem a entrega da coisa.
→ Mútuo: 1142º CC: “empresta” é um favor, ajuda, enquanto não entregar não
há vontade de vinculação - mútuo civil; no mútuo bancário/comercial (não o
caso deste artigo): não carece da entrega da coisa para se vincular, não se
exige a entrega da coisa. Hoje discute-se se podemos celebrar um mútuo sem
entrega da coisa ao abrigo da liberdade comercial, sendo que o professor
entende que sim, mas aí temos que conseguir provar a vontade das partes a
vincularem-se e não poderemos enquadrar este mútuo na figura do mútuo
civil prevista no nosso CC. A própria entrega tem uma publicidade
constitutiva no mútuo civil.
→ Negócio de penhor: entrega-se a alguém uma joia, por exemplo, para que
isso funcione como garantia, sem entrega não há penhor.
A diferença está que no negócio abstrato não é preciso que o negócio enuncie
todas as razões económico-sociais para que a produção de efeitos se dê; no negócio
causal os efeitos só se produzem na medida da causa, têm de enunciar todas as razões
na medida das quais se produza efeitos.
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Há quem diga que o nosso ordenamento jurídico se esqueceu do conceito
“causa”, o professor discorda. Exemplo de como a nossa ordem jurídica não esqueceu o
conceito “causa” – 458º CC enunciam os negócios presuntivos de causa: não
evidenciam a causa de efeitos, mas a ordem jurídica manda presumir que há uma causa.
(exemplo: “vou-te pagar 50 €”, pressupõe-se que haja uma causa por trás). Neste negócio
presuntivo pode-se demonstrar a falta de causa ou causa inválida.
Negócios atípicos: regulação deriva apenas das partes, não estão regulados pela
nossa ordem jurídica. Nestes negócios é importante a doutrina da causa, a causa válida.
Os negócios gratuitos não deixam de o ser pelo facto de haver encargos que
recaiam sobre o beneficiário (ter que ser grato; se for estipulado que o beneficiário tem
de deixar viver na propriedade doada um tio do doador, isso tem que acontecer).
9. Negócios parciários
“São uma subespécie dos negócios onerosos. Caracterizam-se pelo facto de uma
pessoa prometer certa prestação em troca de uma qualquer participação nos proventos
que a contraparte obtenha por força daquela prestação.” (Mota Pinto)
Exemplo: certas formas de sociedade; parceria pecuniária (art. 1121.º CC)
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Depois existem elementos essenciais próprios de cada negócio que permite que
os distingamos dos restantes. Por exemplo, só há compra e venda se houver entrega do
preço e entrega da propriedade da coisa; só há doação se houver uma liberalidade.
Elementos naturais
Dados pelas normas supletivas: é aquilo que o legislador predispõe e que acha
mais razoável.
Elementos acidentais
O que o negócio pode ou não apresentar sem alterar a sua natureza nem a sua
essência.
Conteúdo do negócio é dado pela vontade dos seus autores e pelas disposições
que regulam o negócio e o conteúdo do negócio – normas injuntivas, supletivas…
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Tipo negocial: conjunto de elementos que permitem caracterizar o negócio e que
permita distinguir o negócio em especial dos restantes.
O que no Direito civil existe é um princípio de tipicidade dos direitos reais, mas
há um princípio de autonomia privada quanto aos negócios constitutivos desses direitos
reais.
Declarações Negociais
Declaração negocial representa o elemento primordial do negócio jurídico.
Não há negócio sem declaração negocial, pode haver várias declarações
negociais consoante o número de partes e a forma como o que eles declaram se articula
entre si. A declaração negocial é a expressão da vontade negocial. Na declaração
negocial temos o elemento interno e o elemento externo, uma vontade e uma
declaração, respetivamente, que se conjugam.
Se um indivíduo quer comprar um automóvel e não o declara, não há declaração
negocial e, consequentemente, não há negócio jurídico (há uma vontade que ainda não
se deu a conhecer logo não há negócio, porque o negócio é um ato comunicativo). O
inverso também é verdade, se existir declaração sem vontade também não há negócio
jurídico, ambos os elementos são absolutamente essenciais.
Exemplos práticos
Exemplo de vontade de ação:
Apesar de conduzido pela vontade, não é um ato declarativo. Não sendo um ato
declarativo, não parece haver uma declaração negocial, há apenas uma vontade de ação,
diferente de uma vontade de declaração.
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Se não tiver destinatários, pode produzir efeitos sem ter de ser conhecida pelo
destinatário – o testador faz o testamento e para este ser eficaz não necessita que o
destinatário/beneficiário o reconheça. Não depende da sua eficácia ter sido levado ao
conhecimento do destinatário, não podendo ninguém aproveitar-se do desconhecimento
do destinatário para alterar a declaração testamentária.
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224º/2 CC (“É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do
destinatário não foi por ele oportunamente recebida.”).
É a partir do momento em que a interpelação se dá que a declaração de cedência
(as consequências) se produz.
Processo de Formação
O negócio jurídico é composto por declarações negociais e quando ele não é
unilateral pode trazer dificuldades no processo de formação porque há que conjugar
(de forma a atingir um consenso sobre os vários pontos essenciais) as várias declarações.
O processo de formação do negócio é mais ou menos complexo, por mais simples
que se revele a formulação do contrato tem de haver uma proposta e uma aceitação.
O processo negocial passa por propostas e aceitações que vão sendo emitidas de
forma cada vez mais perfeita até o serem efetivamente.
Tudo o que não for aceite é rejeitado, se a rejeição for precisa o suficiente pode
ser vista como contraproposta (A propõe que o automóvel seja vendido por 500 euros;
a proposta é rejeitada e é dito que se compra o automóvel por 400 euros – isto pode ser
visto como uma contraproposta). Se o destinatário da contraproposta aceitar, o negócio
é fechado.
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A proposta não pode ficar para sempre à espera de aceitação, as circunstâncias
da vida podem mudar, por isso há um prazo de eficácia – 228º CC – o proponente
pode fixar um prazo, ou pedir uma resposta imediata.
Nos negócios em que não há presença simultânea dos sujeitos, negócios entre
ausentes, aplica-se o 228º/1/c CC.
São casos não comuns, mas às vezes não é preciso aceitação (professor segue
Oliveira Ascensão), basta que haja uma declaração de contrato, outros autores dizem
que tem sempre e mesmo que haver uma declaração de aceitação, não tendo, no entanto,
que ser comunicada.
Exemplo: supermercados, não precisamos de verbalizar individualmente “eu
quero comprar este e este produto” porque com o pagamento já estamos a aceitar, já que
é isto que vai na conformidade do sentido do negócio
A Proposta
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Querela Doutrinal Relevante, a forma como perspetivamos uma declaração tem impacto nas
consequências jurídicas das mesmas.
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Concursos:
Falamos aqui de concursos para a formação de um contrato (não sujeito às regras
do 463ºCC). Matéria não existente nas obras clássicas, mas encontra-se em Menezes
Cordeiro, por exemplo.
Há:
concursos públicos –
multiplicidade de concursos limitados/fechados – dentro de
pessoas; uma empresa, são convidados x
departamentos para o concurso
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Às vezes há:
Acordos de base •contratos complexos, demorados, vai-se por fases.
Forma e formalidades são coisas distintas. A forma é uma maneira que o contrato
tem de se apresentar, já as formalidades são apenas requisitos importantes para que o
negócio surta efeitos.
O registo não pode ser confundido como a forma – o registo, declarativo, é para
dar publicidade e é algo que acresce ao negócio, não é constitutivo do negócio (exceto
a hipoteca).
•Exigido para a forma, sem esta há modos especiais que podem valer.
•Significa que pode ser conhecida, superada, substituída por meios de
Ad prova que a ordem jurídica considera idóneas (ex: confissão).
probationem •Pensamos na confissão (352º e ss CC) – meio particularmente credível
de prova porque o sujeito confessa um facto desfavorável.
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Crítica: se eu quiser comprar uma casa por 100 mil€ tenho de ir ao notário, mas
se quiser vender 1 milhão de ações com grande valor já não preciso dessa forma. Esta 2º
opção não é mais gravosa (ou seja, assume maior importância), se observarmos as
quantias mencionadas?
A ordem jurídica assume justificações e estas são gerais, abstratas, e é por isso
que as regras da forma não podem ser objeto de redução teleológica.
Forma convencional: forma que resulta de uma convenção prévia das partes (ex:
contratos comerciais) – 223º CC.
O facto de as partes dizerem que futuramente vão pôr por escrito o que será
acordado não significa que não haja já vinculação.
Forma legal
Às vezes há negócios que aparecem sem ser verificada a forma, tendo como
consequência a nulidade, em que nada pode ser exigido e, ainda, segundo o 289º CC, há
que restituir tudo o que foi prestado (em espécie ou valor) – consequências graves.
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2. O trespassante podia ter aceitado a validade da forma e a vinculação a esse contrato,
convencido de que é essa a forma, só se inteirando da invalidade anos depois e ao
alegar o vício de forma podemos falar de abuso de Direito.
Nesta matéria de inalegalidades formais podemos encontrar situações justas
recorrendo a estes dois institutos. Com recurso à culpa do contraendo ou abuso do Direito
podemos resolver e paralisar as regras da forma, com as suas consequências
(restituições).
Culpa in contrahendo
Trata-se da culpa na formação dos contratos.
Processo: sujeito ao império do Direito – 227º/1 CC– ideia de que nesta atividade
negociatória precedente da proposta e da aceitação há necessidade de obedecer aos
ditames da boa-fé, sob pena de responder pelos danos causados, do sujeito indemnizar a
outra parte.
A consequência do contraendo é a indemnização.
• Na venda de bens alheios em que o negócio é ineficaz, não produz efeitos (892º
CC), o vendedor doloso fica obrigado a indemnizar o terceiro de boa-fé (898º e
899º CC).
• Quando alguém se comprometeu a uma prestação originariamente impossível
– não é coisa alheia nem futura, é vender como presente algo que não existe, isto
é uma situação de nulidade, porque o negócio incide sobre uma impossibilidade.
De acordo com um ditado latino, a impossibilidade não obriga (401º CC), mas se
a contraparte desconhecer essa circunstância, tomando a coisa como existente,
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pode ter prejuízos (comprei um quadro não existente e já contratei um artista para
fazer uma moldura), um dispêndio– deve existir uma indemnização que visa
colocar a pessoa na situação em que a pessoa estaria se não tivesse contratado.
Exemplo 2: se fizermos um drive test há deveres de cuidado e proteção que o sujeito tem
relativamente a esse bem que não é dele.
A regra geral é a que cada qual obtém a informação que deseja (autonomia
privada), mas este princípio tem muitos desvios.
Não há regra de dever de informações (isso cabe a cada pessoa), mas há dever de
esclarecimento em prol da boa-fé (especialmente em grandes empresas de consumo onde
há um desequilíbrio de conhecimento entre as partes), tenho direito a uma informação
correta. Quando há uma desigualdade de informação, o consumidor merece especial
proteção devido à sua posição mais vulnerável.
O dever à informação está profusamente regulado.
3. Deveres de lealdade: não se relaciona com o que se diz ou não, mas com o que
se faz. A lealdade pode ser ofendida se o sujeito que recebe informação
confidencial a passa a outros.
A interrupção das negociações não é ilícita, porque ainda não há vinculação ao
contrato sem celebração do mesmo, o que pode ser ilícito é se a pessoa disser que está
disposta a celebrar o contrato quando se sabe que não está ou quando faz a contraparte
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incorrer em dispêndios que não teria. Se a pessoa começou a negociação e depois se
arrepende é lícito, mas tem de dizer à contraparte a sua vontade.
Por definição, nas negociações tudo é provisório, mas não se pode acalentar
expectativas que não pretendem ser criadas.
Contrato indesejado: o bem não serve para nada OU gastei tempo e dinheiro e
ele afinal não queria celebrar o contrato.
Aspetos avulsos:
Dado indemnizável: prejuízo. Ninguém pode querer pela culpa do contraendo ser
colocado na posição em que estaria se o negócio tivesse sido celebrado (posição que
estaria se não tivesse iniciado as negociações). Indemniza-se os investimentos perdidos.
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Proteção da confiança
Na culpa do contraendo, há a violação de um dever de comportamento
independentemente da confiança da outra parte. Até pode não haver legítimas
expectativas da contraparte, o problema é de adequação da conduta àquilo que a ordem
jurídica impõe num período pré-negocial.
Há frustração de expectativas em muitas outras áreas que não têm nada a ver com
a culpa do contraendo. A proteção da confiança vai muito mais além do âmbito pré-
contratual porque ocorre em várias circunstâncias.
Não é a confiança enquanto tal que releva, mas a objetividade das partes
independentemente das representações que possam ter, ou seja, a confiança que seja
juridicamente relevante. O dever de confiança existe independentemente da confiança das
partes, por isso, o dever do esclarecimento que a boa-fé pode reclamar existe
independentemente da confiança ou das representações que haja do lado do consumidor.
Requisitos gerais (nos casos específicos olham-se para o caso concreto, para os
requisitos específicos) da tutela de confiança:
1. Situação de confiança
2. Justificação dessa confiança
3. Investimento da confiança – alguém tenha sido levado a tomar decisões em função
de determinadas representações
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4. Investimento esse Causado por alguém que frustrou a confiança
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Pressupostos para saber em que medida aquela confiança é eficaz:
Investimento de confiança
Confiança que tem Investimento
Confiança causado pelo confiante e
de ser legítima de confiança
frustrado pelo mesmo
Exemplo: o sócio estava a retirar dinheiro sem ter um título que o habilitasse a
tal e com o conhecimento dos outros sócios. Mas o sócio B não reagiu logo, conhecia a
situação e manteve-se calado → surge um problema de um direito de reposição das
quantias que existe, cujo exercício é precludido pelo decurso do tempo.
Neste caso há uma proteção da confiança através do abuso do direito, na medida
em que o sócio B estava a incorrer em supressio.
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é aos agentes que cabe conformar o conteúdo do negócio (405º CC) – cabe no domínio
da autonomia privada dos sujeitos, dependendo da sua vontade e liberdade.
Vemos isto nas cláusulas contratuais gerais, a ordem jurídica preocupa-se com
a formação do acordo e só depois faz o controlo do seu conteúdo. 18º, 19º, 21º e 22º DL
446/85 - impondo limites/cautelas ao processo de formação do conteúdo.
Os contratos injustos não deixam de ser válidos só porque são injustos - a ordem
jurídica não se foca, em princípio, no controlo de conteúdo.
A lesão enorme (lesio enormis) é uma doutrina antiquíssima nos termos da qual
o negócio que seria intrinsecamente injusto e com efeitos desproporcionais seria inválido
e anulável.
Tem que haver uma justiça mínima, o contrato nada justo não merece a tutela
do Direito. A ordem jurídica e o legislador não podem definir o que é ou não injusto,
mas, por exemplo, vender uma corda a alguém que se vai suicidar e que se sabe não é
de todo válido. Se o negócio for manifestamente e estruturalmente injusto estamos
perante uma situação de exploração.
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A ordem jurídica precisa do mínimo de justiça e, apesar de respeitar a vontade,
intervém nesses casos excecionais. Convém, no entanto, relembrar que, quanto ao
conteúdo dos negócios jurídicos, a regra é a não intervenção.
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impossibilidade originária, ou seja, requisitos que o negócio tem de
apresentar à data da sua celebração. Só gera a nulidade a impossibilidade
física originária. Não faz sentido atribuir vinculatividade jurídica a algo que
seja impossível de executar. A impossibilidade física é também uma
impossibilidade prática - não é uma impossibilidade das leis da natureza,
mas sim de situações limite.
4. O negócio tem de ser conforme a ordem pública e não pode ser ofensivo
dos bons costumes – pode haver situações que são simultaneamente
ofensivos da ordem pública e dos bons costumes, mas pode haver situações
em que não são coincidentes (daí eles estarem separados na nossa ordem
jurídica).
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que esta é uma visão restritiva – por exemplo, no direito da concorrência, o foco está nos
bons costumes do comércio (campo muitíssimo amplo).
Ordem pública diz respeito a princípios imanentes à ordem jurídica; nos bons
costumes, que é uma expressão vaga, temos referência a padrões de comportamento que
podem ser apresentados por ordem normativas que não o Direito (moral, ética...). Quando
falamos em bons costumes falamos de representações que possam pretender uma certa
validade dentro da sociedade, mesmo que nem todos a sigam. Os bons costumes não são
os costumes ordinários - conceção relativista dos valores sociais devido ao “bons” – é
um padrão.
A corrupção, independentemente do tipo legal, é contrária aos bons costumes,
fazendo com que esse negócio seja nulo.
Temos que distinguir aqueles negócios em que apenas o seu fim é contrário à
lei, ordem pública ou ao princípio dos bons costumes. Ora, o fim está fora do conteúdo
do negócio, só quando o fim é comum a ambas as partes é que este é nulo.
Exemplo: Se A me compra uma arma com o intuito de matar alguém, mas se eu não sei
que essa é efetivamente a sua intenção, não faria sentido eu ser prejudicado - a ordem
jurídica protege-me.
A ordem jurídica, no artigo 579º CC, proíbe a cessão de crédito litigioso a juízes
– porque meteria o juiz contra um credor, gerando um conflito. Contudo, se o sujeito
vender o seu crédito a outra pessoa combinando que iria ser transferido para o juiz esse
crédito é uma forma de contornar uma proibição, mas que vai alcançar o mesmo
objetivo, e isto não é tolerado pela ordem jurídica.
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Noção da causa
O negócio tem de exercer uma função económico-social válida. A causa tem de
ser válida. É uma noção elástica, dependendo das conceções da sociedade.
A noção de causa é fundamental, visto que a nossa ordem jurídica é uma ordem
causal.
Menezes Cordeiro desvaloriza a causa: se o negócio jurídico não tem a causa
válida, o conteúdo é inválido – o Dr. Carneiro da Frada não concorda. As situações que
temos que resolver com a causa, podemos abarcá-las através da rede dos negócios cujo
conteúdo seja contrário à lei.
Negócio causal: promessa de pagamento de 50€ tem de ter uma causa válida – o
devedor pode opor ao credor falta de causa ou não reconhecer a dívida dizendo que não
há nada justo.
Condição
A condição: é uma matéria técnica, falamos das condições acessórias do
negócio jurídico - mas também existem condições legais. A condição estabelece que os
efeitos ficam sujeitos a um evento futuro e incerto.
A maioria dos negócios da vida privada não estão sujeitos a nenhuma condição.
No regime da condição seguimos a regra da boa-fé. Efetivamente, trata-se de
uma exigência que decorre da vigência da regra geral da boa-fé.
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Artigo 270º CC – “As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e
incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso,
diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva.”
Artigo 272º CC (“Aquele que contrair uma obrigação ou alienar um direito sob
condição suspensiva, ou adquirir um direito sob condição resolutiva, deve agir, na
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pendência da condição, segundo os ditames da boa-fé, por forma que não comprometa
a integridade do direito da outra parte.”).
Atos dispositivos: ninguém pode alienar ou dispor daquilo que não é seu, na
pendência da condição. Se na condição não for titular não terá qualquer resultado, para
existir este último estamos dependentes da verificação da condição – artigo 274º CC.
Artigo 275º/2 CC: (“Se a verificação da condição for impedida, contra as regras
da boa-fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada; se for provocada, nos
mesmos termos, por aquele a quem aproveita, considera-se como não verificada.”).
O termo
Termo certo e termo incerto: na primeira situação sabemos quando se vai dar;
na segunda não. Exemplo: venda
- Os efeitos da venda subordinam-se dia 1 de julho: termo certo;
- Os efeitos só se subordinam quando eu morrer: termo incerto.
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Os termos podem ser:
• Suspensivos/iniciais: “efeitos só começam a tornar-se exercitáveis a partir de
certo momento” (Mota Pinto)
• Resolutivos/finais: o negócio cessará os seus efeitos num determinado momento.
Termo final: prazo de 1 ano, prazo final, cessará os efeitos dali a um ano.
Termo inicial: o contrato prometido não será exigível passado 3 meses.
• Não essenciais: o negócio faz sentido sem esses termos, mas terá outras
consequências.
Por exemplo, contrato-promessa: “escritura deve ser celebrada até ao dia 20 de
maio” – há um termo estabelecido, termo resolutivo, neste caso. Mas, este termo não é
essencial porque no dia 21 o comprador continuará com interesse: há uma situação de
mora e não de impossibilidade; contudo, há consequências na mesma.
Duas regras da condição que se aplicam ao termo – artigos 272º e 273º CC. Não
podemos fazer uma transposição automática das regras da condição para o termo, mas
tal não significa que não possam ser aplicadas outras regras para alem dos artigos
enunciados acima.
Artigo 279º CC – cômputo do termo. Regras materialmente interpretativas.11
11
Para mais informações relativamente ao cômputo do termo, recomenda-se a leitura das páginas
580 e 581 do manual referenciado na nota introdutória.
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Ana Moreira
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O modo/encargo
Não deixa de ser liberalidade só porque tem uma obrigação, porém o valor do
encargo não pode superar o valor da liberalidade, caso contrário já não estaríamos
perante liberalidade.
Cláusula penal:
Estabelece uma pena para o caso de um incumprimento de uma obrigação.
Compelir para
Função indemnizatória Função sancionatória
cumprir
12
Ao longo deste ponto serão abordadas apenas as 2 clausulas típicas que o Dr. Carneiro da Frada considerou mais
pertinentes, pelo que deve ser considerada a existência de outras.
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Sinal:
É uma figura complexa.13
O sinal é uma quantia que é entregue.
Funções do Sinal
Antecipar o cumprimento
da obrigação Função confirmatória Função Penitencial
Temos que, invariavelmente, passar pela interpretação mesmo que não haja
problema especial de interpretação, pois esta é inerente à compreensão.
13Estudaremos na matéria do contrato-promessa porque é muito frequente estes serem acompanhados da constituição
do sinal, apesar do sinal aparecer noutros negócios jurídicos.
14
Trata-se de uma nota que já não é novidade para nós, visto que já é um dado adquirido de Introdução ao
Direito, porém convém relembrar para realização de exercícios práticos.
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Obedece a regras – artigos 236º a 238º CC. São regras que decorrem tanto da
vontade do legislador como da própria dinâmica e natureza do ato comunicativo e da
interpretação em si.
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O sentido que possa extrair da declaração negocial é não só pelo que é dito, mas
pelo seu comportamento. A declaração negocial desprovida das circunstâncias pode ter
um sentido diferente.
“Salvo se este não puder razoavelmente contar com ele” (in fine) – um declarante
tem que esperar, correndo o risco, que a sua declaração seja interpretada por uma pessoa
razoável. Quem declara corre o risco de ser mal compreendido, de não ser bem
entendido.
Às vezes não é imputável, então não o iremos vincular. Quando um dos sentidos
não é imputável ao outro, não há consenso, cria um problema de interpretação.
Outras notas:
1. Artigo 237º CC
Às vezes, o resultado da aplicação dos cânones formais, diz-nos o critério para o
sentido da declaração. Pode, no entanto, não se saber ao certo e, assim, persistirem
dúvidas. Nesse caso há uma regra – artigo 237º CC (“Em caso de dúvida sobre o sentido
da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente
e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.”).
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Nota: Nem todas as questões de interpretação são questões de Direito, podem ser
questões de facto.
Integração do negócio
Pressupõe a lacuna, ou seja, pressupõe-se que não há uma norma supletiva.
Lacuna é uma ausência de regulamento que afeta a viabilidade do negócio.
Se a lacuna for negocial: o negócio não é típico, não há regulação típica. Temos
que recorrer às regras do artigo 239º CC. “Na falta de disposição especial, a declaração
negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se
houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa-fé, quando
outra seja a solução por eles imposta.” - vontade de acordo com a boa fé. Não podem
ter uma lacuna proposital para a preencher de acordo com os seus interesses.
Tudo corre bem se o autor se expressa bem, se o conteúdo está conforme à ordem
jurídica, se não há problemas de interpretação, se há uma consonância - patologia do
negócio jurídico. Já falámos da patologia do negócio jurídico quando falámos de limites
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quanto à conformação do conteúdo do negócio. O negócio que ofenda os limites dos
artigos 280º e 281º Código Civil é nulo.
Coação Física
Ex.: sequestro de uma pessoa; o jovem vigoroso puxa a mão da velhinha sem que esta
consiga escapar.
Quando o silêncio tem valor declarativo, porque foi atribuída pela parte ou porque a lei
estabelece, temos ausência total de vontade, o que não é um constrangimento direto na
corporização da pessoa, mas representa uma limitação da sua capacidade de se mover
voluntariamente.
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Ex.: Alguém que coloca à frente de um cego um papel dizendo para assiná-lo pois é uma
carta para alguém, quando na verdade está a assinar um cheque sobre uma conta própria
– falta de consciência da declaração.
Falta também aqui a vontade, mas a ausência desta resulta da falta absoluta de
uma representação em que era suposto a vontade aderir.
Existe alguma capacidade de entender, mas não é plena (exemplo: estar sob
efeito do álcool).
Há vontade, há representação, mas ainda cabe na incapacidade acidental, pois a
perturbação do intelecto da pessoa não vai ao ponto de excluir totalmente a presença da
vontade ou representação.
Vontade Deficiente
As hipóteses de vontade deficiente caracterizam-se por falta de liberdade ou
falta de conhecimento:
• Coação moral (diferente da física) – alguém que é ilicitamente ameaçado pode
não levar à eliminação da vontade. Perturba a vontade e a ordem jurídica tem
intervenções neste âmbito – tutelar e proteger o sujeito – para não o amarrar a uma
declaração negocial que não é esclarecida (aspeto intelectual), nem livre (aspeto
volitivo).
• Falta de conhecimento: o erro em que a pessoa incorre faz com que queira algo
que não teria querido se tivesse tido representação correta da realidade. Esta
distorção da realidade pode ser provocada (dolo) –uma sugestão ilícita que
alguém produz com vista a enganar outrem.
Temos aquelas hipóteses de incapacidade acidental em que a vontade está
presente, mas debilitada.
Má formulação da vontade:
Hipóteses em que a vontade até se formou bem, mas se formulou mal.
O erro é espontâneo, não intencional.
Ex. 1: Queria comprar um bolo, mas, por distração, peço um café. Há um erro na
declaração. Há um erro naquilo que escolhe. É um obstáculo de erro na declaração.
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Ex. 2: O indivíduo engana-se a escrever no computador, escreve uma palavra no
telemóvel e este corrige automaticamente — não corresponde à vontade.
→ Simulação:
Quando se cria aparência enganadora – 2 pessoas declaram vender quando não
querem - interesse de defraudar credores. Há divergência entre vontade e declaração. A
vontade não se formulou mal. Cria aparência enganadora declarando o que não quer.
Acordo entre simuladores – eu fico com os teus bens ficticiamente enquanto os credores
te andarem a importunar, mas mais tarde devolvo. Artigo 240º CC.
→ Reserva mental:
A pessoa declara algo que não quer e sabe que não quer aquilo (para enganar o
declaratário). Há uma unilateralidade. Artigo 244º CC.
A preocupação é tutelar o sujeito declarante, mas é preciso notar que não é uma
preocupação que possa levar a privilegiar os interesses do declarante sobre interesses do
declaratário (aquele perante o qual a declaração é emitida) - declarações recipiendas.
Muitas vezes o declaratário não conhece as patologias da vontade, mas o que é que o
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Ana Moreira
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declaratário tem a ver com isso? Ele também tem expectativas dignas de tutela. Há
necessidade de ponderar. (artigo 224º/1 CC).
No caso do cego que assina realmente o cheque pensando que é uma carta, se o
cheque for ao portador e entregue a uma pessoa, o que é que a pessoa tem a ver com a
circunstância de que pode ser desconhecedora de a declaração ser obtida através daquele
artifício? Não tem nada a ver e tem expectativa que merece ponderação.
Artigo 246º CC - quando se pergunta o que é que significa não produzir qualquer
efeito, é isto mesmo: não produz qualquer efeito. Como se erradia juridicamente?
2 correntes:
• A declaração existe, mas é nula.
• Corrente mais tradicional (e correta): a declaração não existe sequer como
declaração negocial.
Se a declaração negocial existe, mas é nula, estamos a admitir que a declaração
do cego é uma verdadeira declaração negocial, com base naquela aparência. Já se
dissermos que são absolutamente inexistentes como declarações negociais, significa que
nem conferimos essa qualidade, porque entendemos que a declaração negocial tem de
ter o mínimo de suporte volitivo e intelectual.
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Ana Moreira
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A lei diz que não tem qualquer efeito, mas tem interesse prático. Os negócios
nulos foram verdadeiros negócios, logo se não podem produzir os efeitos que tendem,
produzem alguns efeitos indiretos que a ordem jurídica pode prever, enquanto na
declaração inexistente não é possível sequer haver efeitos indiretos.
15 Na coação moral, há debilitação da vontade e não eliminação. Não tem a ver com os meios utilizados.
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• Na coação moral, a consequência é anulabilidade da declaração – ou
seja, a declaração até surte efeitos, mas é viciosa, pode ser anulada. O vício é menor,
uma vez que não afeta radicalmente a existência da vontade, logo a ordem jurídica não
impede tanto a possibilidade de o negócio surtir efeitos.
Coação moral
Ex.: alguém que ameaça outrem com denúncia da sua situação fiscal irregular
nas finanças, caso a pessoa ameaçada não lhe faça doação do seu automóvel. A denúncia
pode ser lícita, mas o seu uso para obter um efeito que nada tem a ver com matéria da
denúncia, em que a ordem jurídica pretende que resulte de plena voluntariedade, é um
uso anormal do direito que consubstancia coação moral.
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Artigo 256º CC - Efeitos da coação: “A declaração negocial extorquida por
coacção é anulável, ainda que esta provenha de terceiro; neste caso, porém, é
necessário que seja grave o mal e justificado o receio da sua consumação.”.
Se o terceiro não é autor da coação moral, precisa de ser protegido, pois nada tem
a ver com o assunto.
Quando a coação é exercida por terceiro, o artigo 256º CC diz que é necessário
que “seja grave o mal e justificado o receio da sua consumação”. Não é qualquer
coação, é a qualificada, só essa é que justifica a anulabilidade da coação.
O juiz, o intérprete aplicador, vai ter de decidir; é ele que, no exercício da sua
função, aprecia a situação com claridade e pondera os diversos interesses em conflito.
Pode resultar de coação moral exercida por terceiro que a coação não seja
anulável, basta que não seja grave o mal e seja justificado o receio da sua consumação –
aí, torna-se válida (o negócio surte efeitos). Não significa que a coação não tenha existido
ou não seja ilícita ou suscetível de desencadear outros efeitos.
Se a declaração negocial não justificar o receio da consumação, não é suscetível
de ser anulável.
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No plano da eficácia, temos de saber se é valida ou não, se surte efeitos ou se é
viciada, se é suscetível de ser destruída. Esse plano é diferente do plano das
indemnizações, que visa ressarcimento de prejuízos.
Não é só violação da boa-fé nas negociações que está em causa, mostra-se atingido
um bem fundamentalíssimo da personalidade humana - a nossa liberdade, pelo que
encontramos bases legais em matéria de direitos de personalidade – artigo 70º CC em
articulação com o 483º CC.
1. O indivíduo que à noite encontra outro numa estrada deserta com um furo no pneu
empresta um macaco, mas ele tem de pagar-lhe 100€ → usura. A situação não é de
coação moral propriamente dita, pois não há uma obrigatoriedade de prestar socorro
naquela circunstância. Se a pessoa se apresenta, há problema de desproporção.
2. No caso de alguém ver outrem a afogar se no poço e dizer que só lança a corda se
doar o seu automóvel. –Aqui temos uma obrigatoriedade de prestar socorro, existe o
dever de auxílio, caso não ajude comete-se ilícito e se eu exijo doação do automóvel,
temos um caso de coação.
É caso de coação moral, mas mais que isso é anulável. A coação se for feita é
valida, surte efeitos precários/provisórios, dentro do regime da anulabilidade. É como se
o negócio “nascesse doente”, mas não se tratasse de uma “doença mortal”.
Pode, de facto, a anulabilidade não chegar a implicar destruição do negócio se não
houver ação de anulação. É preciso que alguém intente a ação. Uma coisa é
suscetibilidade de anular, outra é anular.
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No caso do poço, há consciência do indivíduo que se está a afogar que depois de
doar o automóvel e sair do poço tem de intentar ação de anulação. É um vício mais
profundo, pois é contrário aos bons costumes (artigo 280º/2 CC) – alguém, sob pena de
não lançar a corda, vai exigir doação. A doação neste caso nasce inquinada pelas
circunstâncias, é um fim proibido pela ordem jurídica, contrário aos bons costumes e
ordem pública (artigo 280º CC) e como tal é nulo. Não surte efeitos nenhuns, sem
depender de qualquer ação que declare a nulidade → vício mais grave e que protege
melhor o que acabou por ser coagido.
A coação moral não exclui outros pontos de vista relevantes para apreciação da
declaração, tal como outras hipóteses de falta e vícios da vontade não são incompatíveis
entre si em diversas situações.
Coação física
A propósito da coação física, não é uma questão de meios utilizados (recordando),
mas sim de anulação/eliminação total da vontade. É uma coação moral com efeitos
físicos.
Note-se que quando entramos com o nosso veículo num destes parques estamos
tacitamente a emitir a declaração negocial para celebração de um contrato atípico, que
nos parece semelhante ao contrato de locação.
Mas significa isto que o sujeito não terá de pagar nada? Não:
Note-se, no entanto, que tem que ter havido um prejuízo acrescido à lesão da
propriedade. Não basta alegar que poderá ter desgastado o asfalto - por exemplo, se o
parque de estacionamento estivesse cheio poderia o dono alegar danos patrimoniais na
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modalidade de lucros cessantes, porque aquele sujeito estaria a tirar lugar a um cliente
pagador.
→ De qualquer forma, houve uso de coisa alheia para benefício próprio,
entrando assim no âmbito do enriquecimento sem causa - vai ter de pagar
o preço do bilhete, em virtude deste enriquecimento sem causa e não da
celebração do contrato.
Erro-vício
O erro é uma falsa representação da realidade que acaba por influenciar a
declaração negocial que não se teria formado se não se tivesse ignorado uma
circunstância, ou então teríamos emitido a declaração de forma diferente.
O erro na formação da vontade que gera uma divergência de peso entre a vontade
que o sujeito expressou, vontade subjacente à declaração, e a vontade que o sujeito teria
tido se não estivesse em erro. A vontade real foi uma, mas a vontade hipotética teria sido
outra.
Exemplo: investidor compra um prédio julgando que tinha 200 apartamentos,
quando só tinha 190 - erro quanto às qualidades do prédio.
Este é um erro-vício, pois gera divergência entre vontade real (comprou o prédio
por aquele preço) e a vontade que teria tido se não estivesse em erro.
Pode ter sido um erro sobre um aspeto não essencial, teria dado um preço
diferente – erro que não contamina a totalidade do negócio, a declaração negocial teria
sido a mesma, mas modificada. Ou poderia ser um erro essencial, se fosse determinante
da própria celebração do negócio.
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Afinal não foi ele, quem ajudou foi outro. O negócio mantém-se? Devemos saber
em que medida o errante pode anular a sua declaração, até porque o declaratário pode
desconhecer o erro, o motivo pode ser oculto, pode não ser explicitado.
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Erro sobre o objeto do negócio
1. Identidade do objeto:
O indivíduo compra um cavalo pensando que este é o cavalo A, mas afinal era o
B - erro sobre o objeto do negócio. Este vê o cavalo e eles são parecidos, há um erro
sobre a identidade.
2. Qualidades do objeto:
O indivíduo compra um cavalo que sabe qual é e pensa que é o campeão (quando
não é) -está a atribuir valor ao cavalo em função de uma qualidade sobre a qual está em
erro.
Remetemos também para o artigo 247º CC, sendo que o erro sobre o objeto do
negócio dá lugar à anulabilidade (anulação) da declaração e, consequentemente, do
negócio.A ordem jurídica dá possibilidade de anular o negócio pois sacrifica as
expectativas da contraparte.
Artigo 252º/1 CC – “1. O erro que recaia nos motivos determinantes da vontade,
mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de
anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo.”
O erro sobre os motivos só releva se as partes tiverem convencionado a
essencialidade do motivo ou aspeto em causa- só aí é que há lugar à anulabilidade.
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Exemplo: indivíduo que quer pagar um favor que alguém lhe fez. Julga que a
pessoa é do Benfica e compra-lhe uma camisola, vindo a descobrir que a pessoa é do
Porto. O vendedor está obrigado a devolver o preço e ficar com a camisola? Não. É erro
sobre os motivos, não diz respeito nem à pessoa do declaratário nem ao objeto do
negócio. Um erro destes só é relevante se as partes tiverem reconhecido por acordo a
essencialidade do motivo.
Se o declaratário aceita e reconhece por acordo que era essencial para o negócio
a pertença ao Benfica do destinatário da camisola, percebe-se que seja razoável impor a
anulação do negócio (a camisola é devolvida e deve-se devolver o preço).
1. Erro sobre a base do negócio (artigo 252º/2 CC) – ainda é um erro sobre os
motivos, mas especial. É um erro diferente, pois se é sobre a base, é sobre o que
se deve considerar comum a ambas as partes, circunstância sem a qual não teria
sido celebrado pelas partes.
Mas, por exemplo, caso da coroação do rei de Espanha em que se cede uma
varanda mediante um preço. Quando o negócio é feito, o cortejo já foi cancelado porque
o rei adoeceu - há um erro. Este erro é sobre uma circunstância comum a ambas as partes.
Sem o cortejo de coroação, não teria havido nem vontade de pagar a varanda nem
vontade de a ceder - erro que acentua numa circunstância que é base comum daquele
negócio.
E se o dono da varanda já sabia? Não é nenhuma alteração das circunstâncias.
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Requisitos gerais da relevância do erro:
1. Desculpabilidade:
É necessário que o erro seja desculpável? A lei não fala nem exige que o erro
seja desculpável. O erro pode ser indesculpável, negligente, e dar lugar à anulação do
negócio jurídico, o que pode causar prejuízos.
Mas não significa que o sujeito não possa ser responsabilizado pelo prejuízo, por
culpa in contrahendo.
2. Individualidade/erro individual
3. Essencialidade
É possível ou não excluir previamente a anulação do erro? Mota Pinto diz que
sim, através das normas dispositivas, defendendo que através da exclusão alargamos o
risco do negócio (mas não anulamos o exercício de direitos); já o Sr. Professor considera
que é difícil, porque mesmo excluindo a anulação do erro pode-se estar em erro, pois
aquela razão não é relevante, mas pode-se estar em erro nessa própria representação.
Como tal, o Sr. Professor não considera possível.
Vícios redibitórios: vícios ocultos da coisa. Uma pessoa que compra uma coisa
desconhecendo que tem um defeito. Esta circunstância, que é muito comum, levanta a
questão de saber se a tutela do comprador deve ser uma tutela baseada no regime do erro
(erra ao comprar um automóvel com defeito e poderá anular o negócio) ou se a tutela do
comprador de venda de coisas defeituosas deve obedecer a uma lógica diferente? –
quando o vendedor entrega coisa defeituosa não cumpre o contrato, logo a tutela é do
não cumprimento do contrato (pode exigir da contraparte um automóvel sem defeito
para cumprir a promessa da entrega da coisa que se supõe sem defeito). Estes vícios não
visíveis/ocultos podem concitar um problema de erro para uns, e para outros é
fundamentalmente um tema de incumprimento de um contrato.
Dolo
É uma figura parecida com o erro. O erro é espontâneo, já o dolo é provocado.
O dolo gera um erro.
A atitude dolosa – artigo 253º/1 CC.
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O dolo é uma conduta artificiosa que se destina a enganar terceiro – dolo positivo.
A expressão mais simples, embora não claramente expressa, é a mentira (ex: falsificar
um certificado da peça que vai vender). A palavra, quando se comunica, tem uma
pretensão de verdade; quando não corresponde à verdade o que se diz, há uma situação
de dolo que induzirá ou manterá alguém em erro.
O exemplo do Sr. Professor Oliveira Ascensão: peixeira que diz à freguesa que
o peixe é fresco quando não é, isto não corresponde a um dolo ilícito devido à vida e aos
costumes do comércio.
As conceções de hábito do comércio podem mudar de zona para zona e de
atividade para atividade. As exigências relativamente ao que é pedido podem ser
diferentes. Essas diferenças podem determinar certas condutas que não consubstanciam
dolo ilícito.
Exemplo: a pessoa que vai a uma loja comprar uma peça de roupa e manifesta a
sua felicidade porque nunca encontrou nada barato; se o vendedor souber que há na loja
ao lado a mesma peça mais barata e não o disser, não é dolo, é uma prática decorrente
da concorrência típica do comércio.
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declarante, o que não significa que o dolo não seja ilícito. O artigo 254º/2 CC diz que
tem que ser imputável ao declaratário.
Se o dolo de terceiro é alheio e eu nem conhecia nem tinha que ter conhecimento,
o negócio mantém-se, não há justificação para uma posição se sobrepor a outra.
Como resolver uma situação de venda com dolo em que não tem que conhecer,
ou seja, se o negócio se mantiver eficaz? A hipótese resolve-se com uma ação de
responsabilidade civil do autor do dolo. Não pode anular o negócio, mas poderá acionar
o autor do dolo a reparar prejuízos.
Se o negócio não é destruído e causa prejuízo, pode pedir uma indemnização.
Incapacidade acidental
Artigo 257º CC (“A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer
causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não
tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou
conhecido do declaratário.”).
É uma cláusula geral muito ampla, pelo que é compatível com a ocorrência de
outros fundamentos, específicos, de anulação da declaração.
Não é o facto de haver um vício da vontade que não pode haver outro vício da
vontade, da outra parte por exemplo.
Vícios da Declaração
Tratam-se de hipóteses em que a vontade se formou bem, mas expressou-se mal:
não se trata de má formação da vontade, mas sim de má formulação da vontade.
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A temática do erro na declaração só se coloca depois de interpretada a declaração.
Como interpretar a declaração? Com base nas regras do artigo 236º CC e ss.
Primeiro: interpretação; depois: dolo ou erro ou etc...
Erro obstáculo
Há um erro na expressão, a expressão obstaculiza que a vontade produza efeitos.
Exemplo: indivíduo quer comprar o lote 10 e engana-se na escritura e aparece 100.
É um erro que perturba o sentido do negócio – ele sabe que quer o 10, mas
enganou-se.
Regime: Artigo 247º CC. Quando não conhece nem tem que conhecer o que é
uma essencialidade para a outra parte, o negócio não é anulável; só acontece quando
conhece ou tem o dever de conhecer.
Erro na declaração: artigo 248º CC. Não pode o erro servir de pretexto para o
declarante se desligar do negócio que o declaratário estava disposto a aceitar tal como o
declarante o queria. Não pode beneficiar do erro em próprio proveito.
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Com o comércio globalizado, estes erros podem ocorrer porque usamos outras
línguas.
Isso pode implicar um prejuízo para ele. Como resolver este problema? A nossa
ordem jurídica tem uma solução imediata, mas alguns autores dizem que, em alguns casos
em que o declaratário não provocou o erro nem o devia saber, há que dar uma tutela pelo
menos indemnizatória – proteção da confiança. Alguns invocam o artigo 227º CC quando
o erro é culpável - não deixa a anulação de poder ser requerida, mas há uma situação
como culpa in contrahendo, não foi cuidadoso como se expressou.
O filho, que teve que transmitir a mensagem de outra pessoa, esqueceu-se, trocou
as coisas, há um erro de transmissão da declaração.
Esse erro dá lugar à anulação do negócio? O merceeiro tem dever de fazer a troca?
Segundo o artigo 250º CC, a declaração inexata pode ser anulada nos termos do
artigo 247ºCC.
Estas são figuras tecnicamente apuradas.
Nestes erros temos uma divergência não intencional – a vontade quer uma coisa e
a declaração vai num sentido diferente – que faz com que não haja uma vontade a suportar
a declaração. Há uma situação de falta de vontade relativamente ao conteúdo da
declaração- vício da declaração.
Nos outros casos não temos uma divergência nem falta de vontade, temos uma
declaração que era querida (quero comprar o lote 11 porque acredito que aquela era a casa
do meu antecessor, por exemplo), há uma vontade que suporta essa declaração, só que a
vontade está viciada. - Vício da vontade.
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Simulação:
É uma divergência entre vontade e declaração intencional. É um pacto de
simulationes com a intenção de prejudicar terceiros. É um engano, um artifício, e é nulo–
sancionado pesadamente, o negócio não surte efeitos desde início. A ordem jurídica
promove a transparência e a verdade do tráfego jurídico.
artigo 240ºCC.
A ordem jurídica não compadece com falta de transparência. É sancionado
pesadamente– nulidade, em que o negócio não surte de início os seus efeitos.
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2. Simulação relativa: as partes ocultam um negócio através de outro – negócio
dissimulado (escondido).
Qual é o interesse deste percurso das modalidades da simulação, que não foi um
elenco exaustivo? Quando a simulação é relativa podemos perguntar: há alguma razão
para que a ordem jurídica não aceite um negócio dissimulado se esse negócio pudesse
ser validamente celebrado na ordem jurídica?
É um tributo que a ordem jurídica faz à autonomia privada. A ordem jurídica não
tolera simulações, mas resolvendo o problema de falta de transparência, nenhuma razão
há para proibir o negócio. A nulidade do negócio simulado não implica a nulidade do
negócio dissimulado.
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Quem pode arguir a simulação? O negócio simulado é nulo, quem quer que
queira invocar a simulação tendo interesse em tal, poderá invocar a simulação – artigo
286º CC em articulação com o artigo 242ºCC.
O herdeiro legitimário tem ou não direito a invocar a simulação feita pelo autor
da sucessão com o intuito de o prejudicar? Artigo 242º/2 CC. O pai que camufla uma
doação querendo prejudicar um filho em benefício de outro - será que os acertos só
podem ser feitos quando se abrir a sucessão/quando o pai morrer ou ainda pode ser feito
em vida? Quando há simulações o herdeiro legitimário pode arguir ainda em vida do
autor da sucessão.
Notas finais:
Os simuladores podem invocar entre si a simulação. A ordem jurídica não quer
ocultações e permite que qualquer simulador invoque a simulação sem que o outro
simulador diga “tu também simulaste”.
Nestes casos não podem usar a prova testemunhal (artigos 392º CC e ss), tem de
ser por documento ou confissão. Porque há esta restrição da prova testemunhal, quando
os simuladores invocarem entre si a simulação? Porque é falível, o indivíduo faz um
negócio real e depois arranja amigos a dizer que o negócio é simulado - o Tribunal pode
cair e o negócio nem ser simulado. Por causa destas situações, a ordem jurídica só usa a
confissão ou prova escrita (documento).
Reserva mental
Artigo 244º CC. Não diz o que pensa.
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Diferença entre reserva mental e a simulação: embora haja uma vontade real
contrária à vontade declarada e haja mesmo o intuito de enganar, trata-se de enganar o
declaratário e não conluio com ninguém. A reserva mental é unilateral, é da cabeça do
sujeito.
Para proteger o declaratário, a ordem jurídica diz que uma declaração emitida
sobre reserva mental não pode deixar de surtir efeitos, a menos que seja conhecida do
declaratário. A reserva mental não prejudica a validade da declaração – 244º/2 CC.
O regime é a nulidade.
Há situações de reserva mental inocentes. Há uma certa rigidez quando se diz que
a reserva mental não prejudica a validade da declaração, porque pode haver hipóteses em
que o sujeito diga o que não quer por um motivo justificado – quando alguém precisa de
ser tranquilizado (ex: dizemos a A, no leito da sua morte, que doamos determinada coisa
a B para tranquilizar A).
A declaração não séria não surte efeitos – artigo 245º CC. É sugestiva, não quer
enganar. Não há vontade de produzir efeitos.
Artigo 245º/2 CC – Se há justificação para aceitar como sério algo que era não
sério, pode exigir o prejuízo que sofreu/o gasto que teria evitado- indemnização.
Uma graça malévola: pode enganar alguém.
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→ O negócio até pode nascer são e os seus efeitos serem destruídos, que é o que
acontece quando há revogação do negócio (ineficácia do negócio), mas o
negócio não deixou de ser válido.
→ Um negócio a termo por 1 ano, ao cabo de um ano o negócio torna-se ineficaz
porque chegou ao seu fim.
Nulidade
(ex: simulação): não produz ad initio os efeitos que pretendia.
Opera por força do direito, ipse iure – o Tribunal só declara o que lá está, é uma
sentença declarativa.
Anulabilidade
(ex: coação): não obstante o vício, o negócio produz efeitos e é tratado como válido
enquanto as partes não entenderem acordar na sua anulação.
São interesses particulares, não são declarados ex officio, o tribunal não tem que
conhecer.
Artigo 287º CC – quem tem legitimidade para arguir a anulabilidade: aquele em
cujo interesse a lei a estabelece.
Ex: o coagido, cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade.
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Matéria regulada no 289º CC.
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Ora, mas terceiros que não intervieram precisarão de tutela, não sabem o que está
a montante e julga que tem legitimidade para adquirir. Qual é o problema? Tutela de
terceiros face a vícios do negócio, percebe-se que o terceiro só merece ser tutelado se
desconhecer o vício, mas não é o único requisito.
É uma restrição, tem de ser adquirido a título oneroso porque pagou um preço,
houve um prejuízo.
Há uma ponderação de interesses onde se prefere a posição do terceiro que
adquiriu a título de confiança, onde houve um sacrifício.
291º/2 CC diz que “os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a
ação for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio”
- no período de 3 anos qualquer pessoa pode estar sujeita a sofrer o impacto/efeitos da
nulidade ou anulação do negócio jurídico mesmo versando sobre bens móveis ou imóveis
sujeitos a registo. A pessoa não fica totalmente desprovida de tutela, mas é uma tutela
sobretudo indemnizatória, se houver culpa por parte de alguns intervenientes dá a
obrigação de indemnizar. O negócio fica destruído.
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294º CC – “os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de caráter
imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei.” – é, em
princípio, uma norma subsidiária, sempre que haja uma violação do negócio jurídico de
certa disposição legal de caráter imperativo, então esta será, em princípio, nulo. A sanção
regra contra a violação de normas imperativas é a nulidade. Normalmente, é uma ofensa
pelo conteúdo de uma disposição legal.
Outro exemplo é o facto do sujeito nos atos sujeitos a registo só pode opor o seu
direito a terceiros se tiver registado. Os seus direitos são inoponíveis a terceiros que
tenham melhor registo. (artigo 5º Código Registo Predial)
Exemplo: A vende a B e em seguida A vende a C. B, titular, só pode opor o seu
direito a C se C não tiver melhor posição face ao registo. Se C tiver registado e B não, B
fica sem a propriedade. C confiou no registo quando comprou a A e se B não procedeu
ao registo, criou uma aparência enganadora de que o titular do bem era A e C acredita
que A tinha o bem. No conflito entre B e C, prevalece o que tem melhor registo.
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Esta matéria tem inicio na pagina 615 do Manual utilizado como base de estudo e complemento
para realização desta sebenta (mencionado na nota introdutória).
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Ana Moreira
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Se C não tivesse registado, vale o primeiro direito real constituído. A ordem
jurídica protege quem tem registo. B foi o primeiro a adquirir e que tinha a propriedade e
não pode opor o seu direito a C, pois este registou.
Num sistema de registo, quando A vende a B ficou sem o bem e se B não regista
o registo não espelha a situação material correspondente. B é o proprietário, mas o bem
ainda está registado em nome de A. O terceiro tem de confiar no registo - sabe-se que C
confiou no registo, porque registou.
Inexistência do negócio
Se o negócio não existe, não se podem extrair efeitos. Se existe, mas é invalido,
há certos efeitos que se podem extrair.
Redução:
Questão Fundamental: no caso de o fundamento da invalidade do negócio apenas
afetar uma parte do negócio, o negócio deve ser destruído totalmente ou pode ser
aproveitado na parte restante?
A vende a B um terreno em que apenas uma parte não lhe pertencia. Temos uma
situação que afeta apenas uma parte do negócio, o negócio pode ser reduzido ou todo
ele tem de ser destruído?
A regra na ordem jurídica portuguesa é que os negócios são suscetíveis de
redução, podem valer, em princípio, sem a parte viciada – 292º CC. Em regra, os
negócios podem reduzir-se.
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Ana Moreira
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Conceito de divisibilidade do negócio, para aproveitar o terreno temos que
admitir que podemos dividir o negócio entre a parte viciada e a parte sã, o negócio ficará
reduzido à parte sã.
Princípio da conservação do negócio jurídico até quando é possível.
A vontade das partes tem de ser entendida de modo objetivo e razoável. A vontade
de uma das partes não pode opor-se a outra para invalidar todo o negócio (“ou é assim ou
não é nada” – isto não pode acontecer). A vontade não pode ser contrária à boa-fé.
Conversão:
Um negócio jurídico considerado nulo ou anulado, pode ser aproveitado de
alguma forma para outro negócio cujo resultado se aproxime do procurado
pelas partes?
Exemplo: A vende a B a casa X por escrito particular, poderá este negócio ser
celebrado através da promessa?
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Páginas 636 a 639 do Manual mencionado na Nota Introdutória dão exemplos de casos em que
a prova dessa vontade não é necessária (tratam-se de exceções à regra não mencionadas pelo Docente e,
por isso, não englobadas, mas recomenda-se a leitura das mesmas a quem puder despender desse tempo)
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Resposta da ordem jurídica: no respeito da autonomia privada “O negócio nulo ou
anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha
os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes
permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade.” → 293º CC
A nossa ordem jurídica exige essa prova positiva – que as partes tivessem querido
se tivessem previsto a invalidade - e exige a convergência da vontade das partes.
A vontade das partes tem de ser provada para que possa haver conversão do
negócio. É preciso que ambas as partes tivessem querido o negócio para que a conversão
se dê. Ao contrário da redução que só não existe se as partes não quiserem.
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Celebrar negócio em nome alheio é diferente de celebrar o negócio em proveito de outrem.
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Estes poderes de representação põem resultar em três modalidades:
Basta que o negócio seja concluído em nome de outrem, não é necessário que
seja no interesse do representado.
Exemplo: se alguém prometeu vender um andar, mas em vez de ir à escritura pode
atribuir à contraparte poderes para a representar que era no interesse da contraparte.
Só produz efeitos dentro dos limites de poderes que lhe foram conferidos –
268º/1 CC - podemos ter representação, mas a consequência da norma não se produz,
pois, a previsão não está completa. Não produz efeitos, a não ser que o ratifique.
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Regras gerais da representação:
Para haver representação, não é necessário haver uma relação subjacente. Pode
haver situações de falta de poderes de representação e haver representação na mesma.
Tem de haver contemplatio domini – o sujeito tem de aparecer na veste de representante.
Embora não seja concetualmente necessário haver legitimação representativa,
corresponde a uma situação ilícita.
Pode haver poderes, mas o representante extravasa os seus poderes, esta é ainda
uma situação de falta de poderes pelo que se aplica igualmente o 268º/1 CC.
Diferente da situação de representação sem poderes é a situação de abuso de
poderes de representação20 – o indivíduo tem poderes, mas usa-os mal ou contra as
instruções que recebeu.
1. Diz-se procuração o ato pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes
representativos.
2. Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o
negócio que o procurador deva realizar.
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Artigo 269º CC: “O disposto no artigo anterior é aplicável ao caso de o representante ter
abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.”
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268º CC – risco do comerciante/estado/organização complexa que possa surgir
que só aparentemente detém poderes de representação e na verdade não os tem; a pessoa
deve estar protegida se vai depositar dinheiro num banco com alguém que na verdade
não tem esse poder.
Procuração aparente é sempre uma exceção à regra geral do 268º CC e funciona
apenas contra organizações complexas (onde corre o risco de aparecerem pessoas sem
poderes representativos).
No código comercial de Veiga Beirão se prevê o pagamento liberatório
independentemente de o caixeiro ter poderes para receber o pagamento, esse pagamento
é válido – tutela de quem procede ao pagamento.
Núncio
O representante não é um núncio (quem transmite declaração negocial de outrem).
O representante produz a declaração, ainda que os seus efeitos sejam imputáveis a outrem.
Quando há um núncio, quem celebra o negócio é aquele cuja declaração negocial é
transmitida. O núncio anuncia uma vontade alheia. O representante celebra um negócio
com vontade própria, embora os efeitos dessa se repercutam em esfera alheia.
Quando o núncio se limita a transmitir vontade alheia, o requisito de capacidade
que se exige é que seja capaz de transmitir a declaração.
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Como é o representante o autor material do negócio, é na sua esfera jurídica
que se deve verificar a falta ou vício da vontade ou declaração (259º CC). O
representado não está acolhido, mas o representante estava. Isto é anulável, pois é na
esfera jurídica do representante que se tem de verificar os requisitos.
Há elementos na representação como a conformação da relação de representação
é obra do representado, é em relação a esses elementos que a sua vontade foi
determinante.
Operários, advogados, consultores técnicos, fiscais – não são representantes;
Tempo:
É condicionante das posições jurídicas.
A ideia geral é que somos seres que vivemos no tempo e, por isso, dada a nossa
finitude, não convém que os litígios/problemas se arrastem indefinidamente, temos que
ter uma “limpeza” do que possa ser fonte de litígio e já não vamos repristinar assuntos
que já deviam estar resolvidos. O Direito deve promover a paz social e isso faz com que
o tempo possa apagar assuntos de potencial litígio.
2. Caducidade
Leva à extinção do direito. O direito extingue-se.
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Prazo prescricional ordinário (que se aplica ao crédito, por exemplo): 20 anos.
Direitos de propriedade não prescrevem, logo, esse prazo não se aplica. 298º/2 CC
Às vezes a lei estabelece que o direito tem de ser exercido em x tempo (prazo).
Exemplo: prazo para a ação da anulação. Em princípio, quando a lei estabelece um
prazo, esse prazo é prazo de caducidade.
Prazos
1. Prazo de prescrição ordinário – 309º CC: 20 anos.
2. Prazos mais curto - 310º CC: 5 anos.
3. Prescrições presuntivas: fundam-se na presunção do cumprimento.
Considera-se que determinadas dívidas prescreveram porque se presume
que foram pagas – 316º CC, por exemplo (são tão comuns e tão repetidos
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que assentam na presunção que estão sujeitos a prazos mais curtos porque
se presume que estão pagos - presunção de cumprimento).
Pluralidade de titulares:
O exercício jurídico até agora era individual/singular, quando são vários o
alinhamento dos interesses é diferente. Como harmonizar os seus interesses quando
são vários os titulares da posição jurídica? Várias modalidades de exercício:
1. Exercício singular: cada um atua por si. Cada pessoa mantém a sua
autonomia.
2. Solidário: um por todos.
3. Coletivo ou indivisível: todos em conjunto.
4. Mão comum: direito com uma finalidade que transcende a posição de cada
um. Não há propriamente direitos individuais, mas interesse num coletivo.
Exemplo: baldios, património conjugal (interesse e pelo bem da família)
Instituto da compropriedade:
Compropriedade quanto ao exercício das posições jurídicas do comproprietário,
aplica-se a todas as situações de contitularidade.
1404º CC- regime subsidiário, que é o da compropriedade, que regula as
situações de contitularidade de posições jurídicas.
Baldios:
Cada um dos compartes pode usar e têm direitos sobre o baldio – questão do
lítio/eólico. A posição do comparte não é suscetível de ser alienada autonomamente; o
comparte não pode vender a sua posição a um terceiro, porque a sua situação jurídica é
mais ampla e tem um fim específico.
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Colisão de direitos:
335º CC
Figura interessante e importante do nosso estudo.
Pode haver direitos incompatíveis e essa colisão tem de ser resolvida. A ordem
jurídica dá um critério de solução, mandando subsistir um direito face a outro – colisão
aparente, porque é a própria ordem jurídica que dá a solução.
Sempre que a lei diga como se resolvem as incompatibilidades, não há uma regra
autónoma de conflito de direitos, é a própria ordem jurídica que resolve essa situação; o
problema surge quando a ordem jurídica não tem critério específico, então usamos
o 335º CC.
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Para além do 335º CC (que é uma norma de difícil aplicação por ser tão abstrata),
o Direito deve prevenir conflitos, pelo que há um conjunto de critérios desenvolvidos
pela doutrina:
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