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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Campus Contagem

DIREITO CIVIL V

Propriedade, Posse e Direitos Reais sobre coisas


alheias

ROTEIRO PARA AULAS

PROF.ª SIMONE REISSINGER

1º Semestre
2021
2
PUC MINAS – Campus Contagem
DIREITO CIVIL V – 7º Período
Profª. Simone Reissinger

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais


Pró-Reitoria de Graduação

Plano de Ensino (1º semestre de 2021)


Curso: 43 - Direito
Disciplina: 47266 - DIREITO CIVIL V - PROPRIEDADE POSSE E DIRETOS REAIS SOBRE COISAS
ALHEIAS
Período: 7
Turno: MANHÃ
Carga Horária: TEÓRICA 102 horas
TOTAL 102 horas

Ementa
Propriedade. Posse. Direitos reais sobre coisas alheias.

Objetivos
Objetivo geral:
Possibilitar ao aluno a compreensão crítica, análise e interpretação das teorias
e dos institutos de Direitos Reais e sua aplicação às diversas áreas do Direito,
com o desenvolvimento de competências e habilidades destacadas nas Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) e no Projeto Pedagógico do Curso de Direito.

Objetivos específicos:
- Identificar os conceitos necessários a cada instituto dos direitos reais;
- Classificar os institutos dos direitos reais;
- Distinguir posse e propriedade;
- Distinguir os modos de aquisição da propriedade móvel e da propriedade imóvel;
- Analisar criticamente os institutos dos direitos reais sob a ótica da função
social da propriedade na sociedade contemporânea;
- Reconhecer e distinguir os procedimentos processuais para a posse e para
a propriedade;
- Incentivar o debate sobre temas atuais relacionados ao conteúdo programático,
fomentando e motivando o aluno para soluções criativas.

Métodos Didáticos

Conforme a abordagem dialética da construção e desenvolvimento do processo


de ensino-aprendizagem, serão priorizadas as seguintes metodologias, tais como:

1. Aulas expositivas dialogais, incentivando a participação e interação dos


alunos nos debates, em construção permanente focado nas competências e
habilidades requeridas no PPP do curso.

2. Aplicação de estudo de casos concretos, que visem o incentivo da pesquisa,


análise sócio jurídica crítica reflexiva e vinculação com a normatividade do
direito civil e jurisprudencial, requisito fundamental para a construção de
competências e habilidades requeridas pelo profissional do direito, por meio
da metodologia PBL (Problem Based Learning).

3. O fomento da pesquisa, incentivando o aluno a uma imersão na investigação


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científica na perspectiva macro e micro da realidade fática sócio jurídica,


integrando a teoria e a prática na formação do profissional de direito.

4. Abordagem de metodologias ativas, como a sala de aula invertida e debates


jurídicos, principalmente na perspectiva transdisciplinar.

Unidades de Ensino

Unidade I INTRODUÇÃO ao Direito das Coisas: objeto e princípios gerais. Relações


jurídicas reais e obrigacionais (elementos e diferenças); (4 h/a)

Unidade II - POSSE: definição, natureza jurídica, objeto e classificação da


posse; aquisição ou constituição da posse; efeitos da posse; composse; proteção
possessória: fundamento, atentados contra a posse, objeto dos atentados,
instrumentos de proteção possessória; perda ou extinção da posse. (22 h/a)

Unidade III - PROPRIEDADE: definição. História, sociologia e política da


propriedade; fundamento da propriedade; elementos, classificação, extensão da
propriedade; restrições à propriedade; proteção específica da propriedade;
função social da propriedade; função social da cidade; Crescimento urbano
sustentável e meio ambiente. Domínio público. (8 h/a)
3.1 - PROPRIEDADE MÓVEL: formas de aquisição ou constituição da propriedade
móvel; perda da propriedade móvel; obras intelectuais; (4 h/a)
3.2 - PROPRIEDADE IMÓVEL: formas de aquisição ou constituição da propriedade
imóvel; perda ou extinção da propriedade imóvel. (12 h/a)

UNIDADE IV - DIREITOS DE VIZINHANÇA; (8 h/a)

UNIDADE V - CONDOMÍNIO: definição, natureza jurídica, classificação; direitos


e deveres dos condôminos; condomínio edilícios; casos especiais de condomínio.
(8 h/a)

UNIDADE VI - Propriedade resolúvel. Propriedade fiduciária. (2 h/a)

UNIDADE VII - Direitos reais de uso e fruição: servidões, usufruto, uso,


habitação, superfície, concessão de uso especial para fins de moradia, concessão
de direito real de uso, direito real de laje, enfiteuse; (10 h/a)

UNIDADE VIII - Direitos reais de garantia: teoria geral. Espécies: penhor,


hipoteca, anticrese e alienação fiduciária em garantia; (12 h/a)

UNIDADE IX - Direitos reais de aquisição: compromisso ou promessa irretratável


de venda e alienação fiduciária em garantia. (2 h/a)

Processo de Avaliação

O processo avaliativo está em consonância com o processo de ensino-aprendizagem


presente no PPP do curso, por meio de provas objetivas e dissertativas, trabalho
em grupo, pesquisa, visando sempre as dimensões de habilidades, comportamento,
participação, competências, assiduidade, envolvimento, solidariedade.

Adota-se como métrica do processo avaliativo uma pontuação total de cem (100)
pontos, assim distribuída:

a) avaliações parciais individuais, que serão compostas de questões objetivas


e/ou dissertativas, aferindo o aprendizado de conteúdo por meio do procedimento
de análise crítica e reflexiva, bem como por meio de resolução de questões
envolvendo conhecimentos adquiridos em aulas, pesquisas, estudos de casos por
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meio do PBL, legislação, jurisprudência, monitorando conteúdos atitudinais,


procedimentais e conceituais.

b) trabalho(s) ao longo do período letivo.

c) uma prova global, abrangendo toda a matéria trabalhada no decorrer do período


letivo, no valor de trinta (30) pontos.

Reavaliação (prova especial): O discente que não alcançar aproveitamento mínimo


de 60% em 100 pontos, poderá se submeter à reavaliação (prova especial), no
valor de 30 pontos, que substituirá a nota da prova global.

Descrição da Bibliografia Básica

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas (v.
5). 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019. (livro eletrônico)

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito civil: direitos reais:


posse, propriedade, direitos reais de fruição, garantia e aquisição (v. 4). 27ª
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. (livro eletrônico)

TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das coisas (v. 4). 12ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2020. (livro eletrônico)

Descrição da Bibliografia Complementar


AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: direito das coisas (v. 5). 2ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2018. (livro eletrônico)

FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direitos
reais (v. 5). 11ª ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2015.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
direitos reais (v. 5). 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020. (livro eletrônico)

LÔBO, Paulo. Direito Civil: coisas (v. 4). 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019. (livro
eletrônico)

SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito Imobiliário: teoria e prática. 16ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2020. (livro eletrônico)

RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária. 8ª ed. Rio de


Janeiro: Forense, 2020. (livro eletrônico)

TEPEDINO, Gustavo. Fundamentos de direito civil: direitos reais (v. 5). Rio de
Janeiro: Forense, 2020. (livro eletrônico)
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SUMÁRIO
I INTRODUÇÃO AO TEMA
1 Direito das Coisas ou Direitos Reais?
2 Distinção entre direitos reais e obrigacionais
3 Classificação dos direitos reais

II. TUTELA JURÍDICA DA POSSE


1 Teorias da posse: subjetiva e objetiva
2 Teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro
3 Natureza jurídica da posse: fato ou direito?
3.1 Natureza da posse com base em concepções sociológicas
4 Objeto da posse
5 Desdobramento da Posse
6 Classificação da Posse
6.1 Posse justa e injusta
6.2 Posse de boa-fé e de má-fé
6.3 Posse com justo título
6.4 Posse natural e civil
6.5 Posse nova e velha
6.6 Posse ad interdicta e ad usucapionem
6.7 Composse
7 Detenção
8 Interversão (convalescimento) da posse
9 Modos de aquisição e perda da posse
10 Efeitos da posse
10.1 Direito aos frutos
10.2 Direito às benfeitorias
10.3 Direito à usucapião
10.4 Direito às ações possessórias
10.5 Autotutela ou autodefesa
11 Aspectos processuais das ações possessórias
12 Outras ações possessórias

III. PROPRIEDADE
1 Introdução
2 Histórico do direito de propriedade
3 A mudança de paradigma: a visão liberal e individualista do direito de
propriedade e a nova visão
3.1 Função social
3.2 Desenvolvimento histórico da propriedade no Brasil
3.3 Reforma agrária no Brasil
4 Fundamento jurídico da propriedade
5 Características do direito de propriedade
6 Faculdades inerentes à propriedade
7 Principais atributos da propriedade
8 Objeto do direito de propriedade
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9 Função social da propriedade


10 Modos de aquisição da propriedade imobiliária
10.1 Registro
10.2 Acessão
10.3 Usucapião
10.3.1 Espécies/Formas de usucapião
10.3.2 Procedimento judicial para o processo de usucapião
10.3.3 Usucapião extrajudicial
11 Modos de aquisição da propriedade móvel
11.1 Ocupação
11.2 Achado do tesouro
11.3 Usucapião
11.4 Tradição
11.5 Especificação
11.6 Comistão, confusão e adjunção
12 Perda da Propriedade
12.1 Alienação
12.2 Renúncia
12.3 Abandono
12.4 Perecimento
12.5 Desapropriação
12.6 “Desapropriação” judicial baseada na posse pro labore
13 Propriedade Resolúvel
14 Ações de domínio

IV DIREITOS DE VIZINHANÇA
1 Árvores limítrofes
2 Passagem forçada
3 Passagem de cabos e tubulações
4 Das Águas
5 Limites entre prédios e ação demarcatória
6 Direito de tapagem
7 Direito de construir

V CONDOMÍNIO
1 Noções gerais
2 Condomínio geral (ordinário)
3 Condomínio edilício
4 Multipropriedade imobiliária
5 Condomínio de lotes
6 Loteamento de acesso controlado
7 Condomínio urbano simples

VI DIREITOS REAIS SOBRE COISAS ALHEIAS


1 Noções iniciais
2 Direitos reais de uso e fruição
2.1 Servidão predial
2.2 Usufruto
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2.3 Uso
2.4 Habitação
2.5 Superfície
2.6 Concessão de uso especial para fins de moradia
2.7 Concessão de direito real de uso
2.8 Direito real de laje
2.9 Enfiteuse, aforamento ou emprazamento (CC/1916)

3 Direitos reais de garantia


3.1 Penhor
3.2 Hipoteca
3.3 Anticrese
3.4 Propriedade fiduciária

4 Direito real de aquisição: Compromisso ou Promessa irretratável de venda

REFERÊNCIAS
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I INTRODUÇÃO AO TEMA

1 Direito das Coisas ou Direitos Reais?

Verifica-se que algumas obras jurídicas se denominam “Direito das Coisas”, tal
como o título do livro III do Código Civil, e outras denominam-se “Direitos Reais”.
De acordo com Flávio Tartuce (2017), “a expressão Direito das Coisas sempre gerou
dúvidas do ponto de vista teórico e metodológico, principalmente quando confrontada com o
termo Direitos Reais.”
Assim, em sentido didático, afirma Tartuce (2017) “que o Direito das Coisas é o ramo do
Direito Civil que tem como conteúdo relações jurídicas estabelecidas entre pessoas e coisas
determinadas, ou mesmo determináveis. Como coisas pode-se entender tudo aquilo que não é
humano (...).”
Deste modo, “coisas” significa bens corpóreos ou tangíveis, ou seja, móveis e imóveis.
Portanto, Direitos das coisas, para Clóvis Beviláqua, “é o complexo das normas
reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo
homem. Tais coisas são, ordinariamente, do mundo físico, porque sobre elas é que é
possível exercer o poder de domínio. Todavia, há coisas espirituais que também entram
na esfera do direito patrimonial, como é o direito dos autores sobre as suas produções
literárias, artísticas ou científicas”. (BEVILÁQUA apud RIZZARDO, 2014).
Já os Direitos Reais, na explicação de Tartuce (2017), conceitua-se “como sendo as
relações jurídicas estabelecidas entre pessoas e coisas determinadas ou determináveis, tendo como
fundamento principal o conceito de propriedade, seja ela plena ou restrita.”
Neste sentido, “a diferença substancial em relação ao Direito das Coisas é que este constitui
um ramo do Direito Civil, um campo metodológico. Já os Direitos Reais constituem as relações
jurídicas em si, em cunho subjetivo.” (TARTUCE, 2017)
Na doutrina brasileira, segundo Tartuce (2017), utilizam o termo Direitos Reais: Caio
Mário da Silva Pereira, Orlando Gomes, Sílvio de Salvo Venosa, Marco Aurélio S. Viana,
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. Direito das Coisas é usado por Lafayette
Rodrigues Pereira (o famoso Conselheiro Lafayette), Clóvis Beviláqua, Silvio Rodrigues,
Washington de Barros Monteiro, Maria Helena Diniz, Arnaldo Rizzardo, Carlos Roberto
Gonçalves, Marco Aurélio Bezerra de Melo, Paulo Lôbo, Luciano de Camargo Penteado e Álvaro
Villaça Azevedo, e o próprio Flávio Tartuce.
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O livro III do Código Civil – Direitos das Coisas – abrange os direitos reais
propriamente ditos (art. 1.225, CC), a posse e os direitos de vizinhança1.
Assim, o objeto dos direitos reais (ou do direito das coisas), no Código Civil, são
bens corpóreos (haja vista a forma de aquisição – registro e tradição) passíveis de
apropriação e que tenham função de utilidade para o sujeito (valor econômico).
Se faltar o requisito corporeidade, a lei deve prever, expressamente, os modos de
transferência específicos ou qual o direito real que pode se exercer sobre determinados
bens imateriais, como, por exemplo, usufruto sobre universalidades e direitos reais de
garantia sobre direitos ou títulos de crédito. Além disso, no caso dos direitos autorais,
considerados como propriedade imaterial, existe legislação específicas, reconhecendo,
também, o seu aspecto moral, decorrente da personalidade do autor.
Estão excluídos dos direitos reais aqueles bens/coisas que a utilização é inesgotável,
como as destinadas ao uso comum da humanidade: o ar, a luz solar, o oceano e os bens
públicos. Esses não interessam ao Direito das Coisas.

2 Distinção entre direitos reais e obrigacionais

Didaticamente se usa explicar, de forma comparativa, os direitos reais a partir dos


direitos obrigacionais2. Para isso, inicia-se a partir de duas teorias justificadoras dos
Direitos Reais:

a) Teoria realista, tradicional ou clássica (dualista)

O direito real significa o poder da pessoa sobre a coisa, numa relação que se
estabelece diretamente e sem intermediário, que se exerce erga omnes. De outro lado, o
direito de crédito (ou pessoal) requer sempre a interposição de um sujeito passivo,

1
“Os direitos reais, no sistema brasileiro, são uma classe de direitos subjetivos dotada de certas e
determinadas características bastante particulares. São os direitos elencados no CC 1.225 (...). A posse, no
Brasil, como se verá no seu momento oportuno não é regulada como direito real. (...) Sendo assim, como
esta disciplina estuda a posse e os direitos reais, melhor se denomina como direito das coisas,
compreendendo assim um ramo do direito objetivo que regula os processos apropriatórios, tanto do ponto
de vista dos fatos, quanto do ponto de vista dos direitos”. (PENTEADO, 2008, p. 71-72).
2
Entretanto, segundo Farias e Rosenvald (2015), no atual estágio da ciência do Direito não cabe mais
enaltecer essa dicotomia entre os dois grandes direitos subjetivos patrimoniais, pois, da mesma forma que
houve uma relativização da sacralidade da propriedade, também houve uma flexibilização do princípio da
relatividade das obrigações. Por outro lado, todos os manuais de direitos reais (direito das coisas) ainda
mantêm a explicação sobre suas principais diferenças.
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devedor da prestação (dar, fazer ou não fazer), ou seja, opõe-se unicamente a determinada
pessoa.
Neste sentido, no direito real (jus in re – direito à coisa) o direito tem por objeto,
imediata e diretamente, a própria coisa. Quem tem direito real, o tem independentemente
da participação de outra pessoa.
No direito pessoal (jus ad rem – direito a uma coisa) o direito só é satisfeito por
intermédio da pessoa do devedor. O devedor, cumprindo a obrigação, presta colaboração
para a realização do direito.
No direito real, a participação de outra pessoa, que não seja o titular do direito, terá
caráter de oposição, porque, sendo o direito real um poder jurídico direto e imediato sobre
a coisa, somente interfere outra pessoa no quadro próprio dele para embaraçar-lhe o
exercício. No direito pessoal (de crédito, obrigacional), a pessoa que não seja o titular do
direito aparece como colaborador; no direito real, aparece como opositor. (RIZZARDO,
2014).
De acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2015, p. 29) “a doutrina denominada
dualista ou clássica mostra-se, com efeito, mais adequada à realidade, tendo sido por isso
acolhida no direito positivo brasileiro, que ‘consagra e sanciona a clássica distinção entre
direitos reais e pessoais, isto é, direito sobre as coisas e direitos contra as pessoas’”.
Por outro lado, segundo Luciano Penteado (2008), a teoria realista de defesa e
proteção da liberdade individual que se projeta sobre as coisas (relação entre sujeito de
direito e coisa) se encontra superada.

b) Teoria Personalista (unitária)

Esta teoria não aceita uma relação jurídica diretamente entre a pessoa do sujeito e a
própria coisa. A relação jurídica se desenvolve sempre entre duas pessoas (premissa
kantiana), ou entre dois sujeitos: o ativo e o passivo.
No direito de crédito há dois sujeitos em confronto: o sujeito ativo e o sujeito
passivo, que se vincula ao primeiro e lhe deve a prestação. A relação jurídica se forma
entre pessoas determinadas.
No direito real existe um sujeito ativo, o titular do direito real, e há uma relação
jurídica, que não se estabelece com a coisa, pois esta é objeto do direito, mas tem a
faculdade de opô-la erga omnes. Assim, estabelece-se a relação jurídica entre o sujeito
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ativo (titular do direito real) e o sujeito passivo (a generalidade anônima dos indivíduos
ou sujeito passivo universal). O sujeito passivo universal tem que se abster à prática de
qualquer ato tendente a lesar o proprietário. Está obrigado a respeitar o direito do titular.
A distinção também pode ser percebida pela análise da pretensão decorrente da
violação do direito subjetivo. “Nos direitos reais a pretensão decorre da ofensa a direitos
absolutos, enquanto nos direitos obrigacionais, materializa-se a pretensão quando aquele
que deveria cumprir a prestação (direito relativo) viola o direito subjetivo ao crédito.”
(FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 23).
Segundo Arnaldo Rizzardo (2014) esta teoria não se mostra prática:

Assim, a obrigação passiva universal de respeitar o direito constitui mais uma


regra de conduta, e não um dever decorrente de uma relação bilateral. De sorte
que, ao assumir uma obrigação contratual, não se comprometem as pessoas a
respeitar os direitos reais de outrem. Ademais, tal incumbência é genérica a
todos os direitos e não exclusivamente aos reais. (RIZZARDO, 2014).

Farias e Rosenvald (2015) admitem a preferência pela adoção da teoria personalista


ao invés da teoria realista e justificam que há uma forte tendência a se admitir a
“obrigacionalização do direito das coisas”. Atualmente os direitos reais abrigam em sua
estrutura uma relação jurídica de direito real, mas, também, uma relação jurídica de
direito obrigacional. Assim, o titular exerce o domínio sobre a coisa e, ao mesmo tempo,
integra uma relação jurídica de conteúdo intersubjetivo, envolvendo uma cooperação com
a coletividade, ou seja, a titularidade dos bens impõe deveres jurídicos a seu titular
perante a coletividade.
Os direitos reais giram em torno do conceito de propriedade, e, como tal,
apresentam caracteres próprios que os distinguem dos direitos pessoais de cunho
patrimonial, como se verifica no quadro abaixo (visão clássica).
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Direitos reais Direitos pessoais de cunho patrimonial


(jus in re – direito à coisa) (jus ad rem – direito a uma coisa)
Relações jurídicas entre uma pessoa (sujeito ativo) Relações jurídicas entre uma pessoa (sujeito ativo –
e uma coisa. O sujeito passivo não é determinado, credor) e outra (sujeito passivo – devedor).
mas é toda a coletividade.
Princípio da publicidade (tradição e registro). Princípio da autonomia privada (liberdade).
Efeitos erga omnes. Os efeitos podem ser Efeitos inter partes. Há uma tendência de ampliação
restringidos. dos efeitos.
Rol taxativo (numerus clausus), segundo a visão Rol exemplificativo (numerus apertus) – art. 425 do
clássica, que ainda parece prevalecer – art. 1.225 CC – criação dos contratos atípicos.
do CC.
A coisa responde (direito de sequela). Os bens do devedor respondem (princípio da
(O titular do direito real pode perseguir, ir buscar o responsabilidade patrimonial).
objeto de seu direito com quem quer que esteja,
onde quer que esteja)
Caráter permanente. Caráter transitório, em regra, o que vem sendo
mitigado pelos contratos relacionais ou cativos de
longa duração.
- Instituto típico: propriedade. - Instituto típico: contrato.
Fonte: Tartuce (2020)

Flávio Tartuce (2020), assim como Farias e Rosenvald (2015), coloca em dúvida
essa tradicional dicotomia apresentada no quadro acima, salientando que existem
conceitos híbridos, que estão em um ponto intermediário entre os direitos pessoais e os
direitos reais. Como veremos na Unidade II, a própria Posse é objeto de intenso debate
sobre sua natureza jurídica.
Outro exemplo são as obrigações reais ou propter rem, que segundo Tartuce (2020)
também são denominadas de obrigações híbridas ou ambulatórias. Essas obrigações
pessoais recaem sobre uma pessoa (devedor) por força de determinado direito real e
aderem/acompanham à coisa. Pode-se citar como exemplo a obrigação imposta aos
proprietários e inquilinos de um prédio de não prejudicarem a segurança, o sossego e a
saúde dos vizinhos (art. 1.277, CC); obrigação dos donos de imóveis confinantes, de
concorrerem para as despesas de construção e conservação de tapumes divisórios (art.
1.297, § 1º, CC).
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3 Classificação dos direitos reais

3.1 Direito real sobre coisa própria: propriedade (jus in re propria) - direito real pleno.

3.2 Direitos reais sobre coisa alheia ou direitos limitados (jus in re aliena)
a) direitos reais de gozo e fruição: servidão, usufruto, uso, habitação, direito de
superfície, concessão de uso especial para fins de moradia, concessão de direito real de
uso3, laje4. (Enfiteuse e renda constituída sobre imóvel – CC/1916).
b) direitos reais de garantia: hipoteca, anticrese, penhor, propriedade fiduciária
(alienação fiduciária em garantia).
c) direito real à aquisição: promessa irrevogável de compra e venda; o devedor
fiduciante, seu cessionário ou sucessor também passaram a ter direito real de aquisição
nos termos do art. 1.368-A, que foi incluído no Código Civil pela Lei n. 13.043/14.

3
Essas duas formas de concessões foram inseridas como direitos reais, pela Lei n. 11.481/07, no art. 1.225
do Código Civil. São medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União,
buscando novas soluções para a moradia no País. Farias e Rosenvald (2009, p. 11) esclarecem que esses
dois modelos jurídicos já faziam parte da legislação especial. A Lei n. 11.481/07 cuidou apenas de
sistematizá-los no rol taxativo do Código Civil. Ao contrário dos demais direitos reais, não foram dedicados
títulos específicos a estas duas figuras, que, portanto, permanecem submetidas às legislações que lhe deram
origem. A inserção da concessão especial para fins de moradia atende a uma evolução legislativa que
iniciou no art. 183, § 1º da Constituição Federal, passando pela MP n. 2220/2001, artigo 56 do Estatuto da
Cidade e art. 167 da Lei de Registros Públicos. Já a concessão de direito real de uso remete ao contrato
administrativo de direito real do art. 7º do Decreto-lei n. 271/67.
4
O direito real de laje foi inserido no Código Civil (art. 1.225, XIII e art. 1.510-A) através da Medida
Provisória n. 759, de 22/12/2016, convertida na Lei n. 13.465, de 11/07/2017, que dispõe, entre outras
medidas, da regularização fundiária rural e urbana.
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II TUTELA JURÍDICA DA POSSE

1 Teorias da posse: subjetiva e objetiva

Duas teorias são os grandes marcos sobre o conceito de posse e seus elementos:

a) Teoria subjetiva, formulada por Friedrich Von Savigny (1779-1861), em sua


obra Tratado da Posse, publicada em 1803, quando o autor tinha 24 anos. “O grande
mérito de Savigny foi o de projetar autonomia à posse, por explicar que o uso dos bens
adquire relevância jurídica fora da estrutura da propriedade privada (...)”. (FARIAS;
ROSENVALD, 2015, p. 36). Savigny afirmou “categoricamente a existência de direitos
exclusiva e estritamente resultantes da posse – o ius possessionis” (GONÇALVES, 2015,
p. 49).
Na teoria subjetiva a posse caracteriza-se pela conjugação de dois elementos: o
corpus e o animus. Para Savigny é uma fórmula matemática: P = C + A.
Corpus: elemento material da posse; apreensão física da coisa. Faculdade imediata
de o possuidor exercer seus poderes direta e fisicamente sobre a coisa.
Animus domini: elemento subjetivo; a vontade, intenção de ter a coisa como
própria, exercendo poderes sobre ela. Não é propriamente a convicção de ser dono, mas a
vontade de tê-la como sua, de exercer o direito de propriedade como se fosse o seu titular
(GONÇALVES, 2015).
Deve-se distinguir a posse da detenção. Na teoria subjetiva a detenção se difere da
posse pela falta do animus domini. É uma situação de posse desqualificada, quando
ausente no sujeito o elemento intenção de agir como dono. Ex.: locatário e comodatário
não são possuidores. Por essa teoria, os detentores não fazem jus à tutela possessória,
exatamente pela falta do elemento volitivo.

b) Teoria objetiva, formulada por Rudolf Von Ihering (1818-1892). Ihering foi
aluno de Savigny na Faculdade de Direito de Berlim. Na teoria objetiva “a posse não é
reconhecida como modelo jurídico autônomo, pois o possuidor seria aquele que concede
destinação econômica à propriedade, isto é, visibilidade ao domínio. A posse é a porta
que conduziria à propriedade, um meio que conduz a um fim” (FARIAS; ROSENVALD,
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2015, p. 37). Para Ihering a proteção da posse tem como único fundamento a defesa
imediata da propriedade, pois, na maioria dos casos, coincidem no mesmo titular.
Ihering caracteriza a posse da seguinte forma:
Corpus: relação exterior (imagem) que normalmente há entre o proprietário e sua
coisa, não sendo exigido o poder físico imediato, mas o uso econômico da mesma em
relação às necessidades do possuidor de acordo com sua utilidade econômica.
Prevalece a conduta de dono, ou seja, a maneira como o proprietário age em face da
coisa, o que pode ser analisado de forma objetiva, sem a necessidade de saber a intenção
do agente. “A posse, então, é a exteriorização da propriedade, a visibilidade do
domínio, o uso econômico da coisa. Ela é protegida, em resumo, porque representa a
forma como o domínio se manifesta” (GONÇALVES, 2015, p. 51).
Animus domini: está inserido no elemento corpus, na medida em que o possuidor
direciona sua vontade para o procedimento externo, não necessariamente de ser
proprietário. A posse é reconhecida exteriormente. Desta forma, admite-se a posse por
outrem, já que não se exige a intenção de dono para que alguém seja possuidor.
De acordo com essa teoria, se alguém subtrai a coisa, por exemplo um ladrão,
obtém posse injusta, mas, se o proprietário livremente transfere o poder de fato, o
possuidor obtém posse justa. Assim, independentemente da condição de proprietário,
possuidor é quem concede destinação econômica à coisa, isto é, visibilidade ao domínio.
A fórmula de Jhering é P = C, indicando que a posse é reconhecível externamente
por sua destinação econômica, independentemente de qualquer manifestação volitiva do
possuidor, sendo suficiente que ele proceda em relação à coisa como se comportaria o
proprietário em relação ao que é seu, mesmo reconhecendo o domínio alheio.
Pela teoria objetiva amplia-se o rol dos possuidores, estendendo-se a proteção
possessória àqueles que se conduzem como presumíveis proprietários, podendo esses
agirem por conta própria.
Já a detenção, na teoria objetiva, é uma posse degradada, desqualificada em virtude
de lei. As hipóteses no CC/2002 são: fâmulo/servidor da posse (art. 1.198); atos de
violência e clandestinidade (art. 1.208); permissão e tolerância (art. 1.208).
Aqueles considerados meros detentores na teoria clássica, são considerados
possuidores pela teoria objetiva. Outrossim, por dispensar a intenção de dono, a teoria
objetiva consagra a admissibilidade da coexistência das posses direta e indireta.
16
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Do ponto de vista econômico e prático, a teoria de Ihering avançou em relação à


teoria de Savigny ao abdicar da exigência do animus domini. Por outro lado, a maior
crítica à teoria de Ihering é a subordinação do conceito da posse ao conceito de
propriedade, extirpando sua autonomia, por reduzir a posse a um direito ínfimo, como
mera exteriorização do direito de propriedade, ou seja, um complemento indispensável à
sua tutela. É um retrocesso em relação à teoria de Savigny (FARIAS; ROSENVALD,
2015).

LEITURA COMPLEMENTAR: JHERING, Rudolf von. Teoria simplificada da


posse. Belo Horizonte: Líder, 2002. 62p. (Clássicos do direito).

2 Teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro

O Código Civil, em seu art. 1.196, adota a teoria objetiva da posse. Assim,
necessário é que se manifeste como estado de fato visível a toda sociedade (corpus), de
acordo com o hábito normal dos proprietários, o qual é decorrência de atividades
dirigidas a esse propósito (animus) pelo possuidor. “Pela letra do legislador, o possuidor é
quem, em seu próprio nome, exterioriza alguma das faculdades da propriedade, seja ele
proprietário ou não.” (FARIAS e ROSENVALD, 2009, p. 40).
Assim, quem usar, fruir, dispor ou reivindicar uma coisa (faculdades do proprietário
– art. 1.228, CC) é considerado possuidor. “Basta a presença de um dos atributos da
propriedade para que surja a posse. Em outras palavras, pela atual codificação, todo
proprietário é possuidor, mas nem todo possuidor é proprietário.” (TARTUCE, 2017)
Há exceção quanto à teoria objetiva no Código Civil apenas em relação à
usucapião (art. 1.238, 1.242, CC), com uma nítida concessão à teoria subjetiva, que
requer o animus domini de Savigny.
Neste sentido, a distinção entre posse e detenção não depende exclusivamente do
arbítrio do sujeito. Há que se examinar em cada caso se o ordenamento protege a relação
com a coisa. Quando não houver proteção, existe mera detenção, como nos casos do art.
1.198 (fâmulo/servidor da posse) e do art. 1.208, ambos do Código Civil, situações em
que o próprio legislador excluiu a posse.
Assim, o conceito amplo de posse, descrito no art. 1.196 do CC, deve ser
examinado em consonância com o art. 1.198 e, também, com a ressalva do art. 1.208.
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Farias e Rosenvald afirmam:

(...) que, nos dias atuais, as teorias de Savigny e Ihering não são mais capazes
de explicar o fenômeno possessório à luz de uma teoria material dos direitos
fundamentais. Surgiram ambas em momento histórico no qual o fundamental
era a apropriação de bens sob a lógica do ter em detrimento do ser. Ambas as
teorias se conciliavam com a lógica do positivismo jurídico, na qual a posse se
confina no direito privado como uma construção científica, exteriorizada em
um conjunto de regras herméticas. (FARIAS, ROSENVALD, 2015, p. 40)

O entendimento dos referidos autores já vem sendo difundido pelos tribunais


pátrios:

Apelação Cível. Reivindicatória cumulada com pedido de imissão na posse. Interdito


proibitório postulado por possuidores não proprietários contra proprietários não possuidores.
Douta sentença monocrática concessiva aos possuidores, em decorrência de seu longo poder
de fato sobre a área de terreno litigiosa, da proteção interdital por eles requerida, a fim de que
os proprietários não possuidores, se abstenham "da prática de qualquer ato de turbação à
posse dos autores". Superação doutrinária da teoria possessória objetiva de Jhering, ante
a sua evolução, em face da categoria sócio-jurídica do valor de uso dos bens e da função
social da posse, que a categoriza, modernamente, como fato potestativo de natureza sócio-
econômico. Defesa dos possuidores não proprietários, na demanda petitória apensada, da
consumação da prescrição possessória aquisitiva na presente espécie de fato. Recurso
conhecido e improvido.
(RIO DE JANEIRO, TJ, 16ª Câmara Cível, AC nº 2005.001.27287/Nova Friburgo
[Numeração única-CNJ-0005091-97.1996.8.19.0037], Rel. Des. Edson Aguiar de
Vasconcelos; Ver. Des. Célio Geraldo de Magalhães Ribeiro, julgado em 23/05/2006) (grifos
nossos).

Assim, a interpretação de todo o direito privado deve se iniciar na investigação dos


princípios do Estado Democrático de Direito. Portanto, a concepção patrimonialista e
utilitarista presente na teoria objetiva da posse pode ser amenizada com o tratamento
sistemático das normas (Constituição da República, Código Civil, Estatuto da Cidade,
etc).

ATIVIDADE COMPLEMENTAR: Pesquise uma decisão judicial em que o


juiz/desembargador também tenha admitido a superação das teorias possessórias,
objetiva e subjetiva, ou se referido à função social da posse como teoria moderna. Na
próxima aula a decisão judicial dever ser explicada pelos(as) alunos(as) voluntários(as)
ou sorteados(as).
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3 Natureza jurídica da posse: fato ou direito?

Trata-se de tema extremamente controvertido e antigo, com resquício no Direito


Romano. A sua solução determinará o verdadeiro fundamento da proteção possessória.
De acordo com a 1ª Teoria “Posse é fato”, uma vez que gera consequências
jurídicas. É a mais simples e direta relação com a coisa. Assim, trata-se de puro estado de
fato (poder de fato) e não de um direito subjetivo (entre os vários defensores está Pontes
de Miranda).
No entendimento da 2ª Teoria (eclética) “Posse é, ao mesmo tempo, fato e direito”.
Em sua origem é fato, que se transforma em direito nas suas consequências,
principalmente porque cria um direito pessoal, qual seja, o de invocar sua defesa, que são
os chamados interditos possessórios (Savigny, Antonio Joaquim Ribas). A crítica de
Ihering a esta teoria era a impossibilidade de um instituto jurídico ter ao mesmo tempo
dupla natureza jurídica.
A 3ª Teoria, defendida por Ihering, entende que “Posse é um direito”. Neste
sentido, os direitos são interesses juridicamente protegidos (Ihering).
Há doutrinadores, como Silvio Rodrigues, Nelson Nery e Darcy Bessone, que
entendem a posse como um direito subjetivo (pessoal). Para outros, é direito, mas não
subjetivo, pois este é protegido contra qualquer tipo de lesão e a posse é interesse
juridicamente tutelado apenas contra determinadas lesões (esbulho, turbação e ameaça).
A teoria mais aceita nos dias atuais é de que a posse tem a configuração de direito,
ou seja, é tutelada “como se fosse direito” tendo em vista a sua posição no sistema
jurídico (CIMARDI, 2008).
Outra celeuma sobre o assunto é se a posse, entendida como direito, é um direito
real ou não. A maioria dos doutrinadores entende que a posse não é um direito real, bem
como não são reais as ações possessórias, pois ela não foi expressamente elencada como
direito real no art. 1.225 do Código Civil, nem em outra legislação esparsa. Alegam,
ainda, a falta de registro da posse no ofício imobiliário5. Assim, a posse seria inoponível
erga omnes, carecendo dos atributos da sequela, preferência e publicidade, uma vez que
5
A lei n. 13.465/2017, nos artigos 25 a 27, regula a legitimação da posse, que consiste no ato do Poder
Público destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística,
com a identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse. Trata-se de importante instrumento que
visa garantir a função social da propriedade e da cidade, notadamente o direito social fundamental à
moradia. De acordo com a lei 13.465/17, o poder público concederá título de legitimação de posse aos
ocupantes cadastrados. Esse título será registrado na matrícula do imóvel. A legitimação de posse
devidamente registrada constitui direito em favor do titular da posse para fins de moradia.
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os direitos reais imobiliários apenas nascem com o registro. A posse pode resultar de uma
relação obrigacional, como um contrato de locação, comodato ou arrendamento. Nestes
casos, não há dúvida que a posse direta não pode ser conceituada como direito real.
Uma corrente minoritária, representada por Caio Mário da Silva Pereira e
Orlando Gomes, afirma que a posse é direito real, com todas as suas características:
oponibilidade erga omnes, indeterminação do sujeito passivo, incidência em objeto (não
em uma prestação) obrigatoriamente determinado, sujeição direta e imediata do objeto ao
titular (o possuidor atua imediatamente sobre a coisa, sem necessidade da colaboração de
terceiros), etc.

3.1 Natureza da posse com base em concepções sociológicas

Para as teorias sociológicas da posse, tutela-se a posse como direito pessoal especial
– inserido entre os direitos de personalidade – em atenção à superior previsão
constitucional do direito primário à moradia (art. 6º, CF) e o acesso aos bens vitais
mínimos hábeis a conceder dignidade à pessoa humana (art. 1º, III, CF). “A oponibilidade
erga omnes da posse não deriva da condição de direito real patrimonial, mas do atributo
absoluto e extrapatrimonial da proteção da moradia como local de resguardo da
privacidade e desenvolvimento da personalidade do ser humano e da entidade familiar.”
(FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 48)
As modernas teorias sociológicas da posse procuram demonstrar que a posse não é
um apêndice da propriedade, ou a sua mera aparência. Trata-se de um fenômeno de
relevante densidade social, com autonomia em relação à propriedade e aos direitos reais.
Assim, a posse deve ser protegida por ser um fim em si mesma, não a projeção de
um outro direito pretensamente superior (propriedade). A posse é protegida por sua
função social determinante e não pelos seus eventuais efeitos (acesso aos interditos
possessórios e usucapião). Também este o entendimento que foi proferido na V Jornada
de Direito Civil (08 a 10/11/2011), através do Enunciado n. 492:

492. A posse constitui direito autônomo em relação à propriedade e deve


expressar o aproveitamento dos bens para o alcance de interesses existenciais,
econômicos e sociais merecedores de tutela.
20
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Em referência ao Enunciado 492, Tartuce (2020) exemplifica com “o contrato de


gaveta, em que o possuidor tem um direito autônomo à propriedade, merecendo proteção
pela utilidade positiva que dá à coisa.”
Pode-se fazer um paralelo entre a posse e a propriedade com a união estável e o
casamento. Não há subordinação ou primazia de uma entidade familiar sobre a outra;
ambas são merecedoras de idêntica tutela constitucional.

4 Objeto da posse

A maioria da doutrina e da jurisprudência, segundo Farias e Rosenvald (2015),


entendem que o objeto da posse são as coisas corpóreas (bens que tenham
materialidade), que podem ser visualizadas e tocadas. Rizzardo (2014) também afirma
que qualquer coisa corpórea, com valor econômico, é objeto da posse.
A grande discussão que se coloca é a possibilidade de se adotar os interditos
possessórios para proteger direitos pessoais6. Segundo Rizzardo (2014), “a doutrina, de
forma generalizada, inclina-se pelo afastamento de tal tutela.”. Luciano Penteado é
categórico em afirmar que “é inadmissível a posse de direitos pessoais.” (2008, p. 470).
Por outro lado, Arnaldo Rizzardo, aduz que “a proteção possessória reserva-se às
coisas, aos direitos reais, aos bens incorpóreos, e ao exercício dos poderes inerentes aos
direitos reais, como as servidões, o usufruto, etc.” (2014), defendendo a posse de formas
de energia (elétrica, telefônica, radiofônica, televisiva, térmica), consideradas bens
incorpóreos, os quais podem ser objeto de ações possessórias no caso de turbação ou
esbulho.

6
O grande defensor desta ideia no direito brasileiro foi o advogado Ruy Barbosa. “No Brasil, por influência
de RUY BARBOSA, os interditos possessórios chegaram a ser utilizados para a defesa de direitos pessoais,
incorpóreos, como o direito a determinado cargo. O Governo da República suspendera por três meses, com
privação dos vencimentos, dezesseis professores catedráticos da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, por
se haverem rebelado contra uma decisão do diretor desse estabelecimento de ensino, criando embaraços ao
seu regular funcionamento. Esses professores, tendo RUY BARBOSA como seu advogado, requereram e
obtiveram um mandado de manutenção de posse para que fossem mantidos no exercício dos seus cargos. O
governo insurgiu-se contra esse ato judicial e declarou que não reconhecia a legitimidade desse mandado.
(...) Defendeu ele [Ruy Barbosa] a tese de que cabia ação possessória porque havia direito de posse ligado à
coisa, uma vez que o professor não poderia exercer seu direito senão em determinado lugar, ou seja, numa
escola.” (GONÇALVES, 2017, p. 68)
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Farias e Rosenvald (2015) concordam com a possibilidade de extensão da posse aos


bens incorpóreos e semi-incorpóreos7, como a energia elétrica, o gás, tv a cabo,
transmissão de dados a distância, etc, uma vez que a posse implica na exteriorização da
propriedade, ou seja, deve-se observar o comportamento do possuidor sobre o bem, tal
qual ordinariamente qualquer proprietário assumiria. Desta forma, o importante não está
na materialidade do bem, mas sim, na destinação econômica que o possuidor lhe
proporciona.

Mais uma vez recorrendo a Pontes de Miranda, a delimitação entre o que se


possui ou não localiza-se não na distinção entre bens corpóreos ou incorpóreos,
mas no que concerne à determinação e delimitação do bem. Isto é, a
eletricidade é bem incorpóreo e suscetível de posse, assim como a energia e a
propriedade intelectual. Porém, água corrente, ar, solo e estrelas são bens
materiais que não podem ser objeto de posse. Se somente há́ posse onde houver
propriedade e esta, em determinada hipótese, apresenta-se delimitada e definida
no poder fático de uma pessoa, serão suscetíveis de posse não só́ os bens
corpóreos, como os incorpóreos. Assim, quando o fornecedor promove o corte
de eletricidade ou telefonia, o bem que se vai consumir já́ se considera na
órbita do poder fático do consumidor e a ameaça de lhe ser suprimido o
fornecimento já́ gera a proteção possessória. (FARIAS; ROSENVALD, 2015,
p. 82-83).

Assim, vem se admitindo a utilização dos interditos possessórios (reintegração de


posse, manutenção de posse e interdito possessório) aos bens semi-incorpóreos. Carlos
Roberto Gonçalves (2017) esclarece, no entanto, que o entendimento predominante é no
sentido de nunca deferir a proteção possessória contra a concedente do serviço, como, por
exemplo, para religar linha telefônica. A proteção possessória, neste caso, se estabelece
contra aqueles que turbam a utilização da linha telefônica, da televisão a cabo, dos dados
transmitidos à distância, etc.
O STJ também reconheceu a possibilidade de se consumar a usucapião do direito
real de uso de linha telefônica, inclusive com edição da Súmula 193: “O direito de uso de
linha telefônica pode ser adquirido por usucapião” (1997).
É preciso esclarecer, no entanto, que não é possível se valer das ações possessórias
para defender direitos autorais ou o uso de marcas, patentes e softwares (criações do
espírito humano), como se percebe pela Súmula 228/STJ: “É inadmissível o interdito
proibitório para a proteção do direito autoral” (1999). A proteção a estes bens é
encontrada nas leis n. 9.279/96 (patentes), 9.610/98 (direitos autorais) e 9.609/90
7
Bens semi-incorpóreos é expressão utilizada por alguns doutrinadores, devido à dificuldade em classificar
certos bens como corpóreos ou incorpóreos, quando se referem a novas espécies que surgiram como
decorrência do desenvolvimento científico, tecnológico e cultural do homem. (GONÇALVES, 2017)
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(software), que confere outros meios processuais ao titular. Assim, pode-se afirmar que a
existência do direito de propriedade não importa a afirmação da posse sobre direitos
autorais (FARIAS; ROSENVALD, 2015).
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5 Desdobramento da Posse

É o fenômeno que se verifica quando o proprietário efetiva relação jurídica com


terceiro, transferindo-lhe o poder de fato sobre a coisa. Na vigência dessa relação,
desdobra-se a posse em direta (do locatário, usufrutuário, comodatário, etc.) e indireta
(do proprietário). Verifica-se apenas quando a coisa pertencente a alguém é entregue a
outra pessoa para que a utilize como decorrência de relação jurídica de direito real (por
exemplo, penhor, usufruto, propriedade fiduciária) ou pessoal (por exemplo, comodato,
locação). É admitida no art. 1.197, CC.
A POSSE DIRETA é adquirida pelo não-proprietário, correspondente à apreensão
física da coisa. As suas características são a temporariedade, pois o desdobramento da
posse se baseia em relação transitória de direito e a subordinação, vez que a atuação do
possuidor direto é limitada ao âmbito de poderes transferidos pelo possuidor indireto, de
acordo com a espécie de relação jurídica.

CIVIL. USUCAPIÃO. VEÍCULO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.


INADIMPLEMENTO. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. IMPOSSIBILIDADE.
POSSE INJUSTA.
I.- A posse de bem por contrato de alienação fiduciária em garantia não pode
levar a usucapião, seja pelo adquirente, seja por cessionário deste, porque essa
posse remonta ao fiduciante, que é a financiadora, a qual, no ato do
financiamento, adquire a propriedade do bem, cuja posse direta passa ao
comprador fiduciário, conservando a posse indireta (IHERING) e restando essa
posse como resolúvel por todo o tempo, até que o financiamento seja pago.
II.- A posse, nesse caso, é justa enquanto válido o contrato. Ocorrido o
inadimplemento, transforma-se em posse injusta, incapaz de gerar direito a
usucapião. Recurso Especial não conhecido.
(BRASILIA, STJ, 3ª Turma, REsp Nº 844.098 - MG (2006/0094012-5),
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI; R.P/ACÓRDÃO:
MINISTRO SIDNEI BENETI. Julgado em 06/11/2008. Publicado no DJe em
06/04/2009).

A POSSE INDIRETA é a que o proprietário conserva quando temporariamente


cede a outrem o poder de fato sobre a coisa.
A coexistência pacífica das posses direta e indireta, decorrente do desdobramento
da relação possessória, é denominada posses paralelas.
Quando a posse está desdobrada, ambos os possuidores podem defender suas
posses isoladamente contra terceiros, por meio das ações possessórias,
independentemente de assistência mútua (litisconsórcio).
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Os possuidores também defendem sua posse um contra o outro, mesmo que o art.
1.197 do CC enuncie apenas que pode “o possuidor direto defender a sua posse contra o
indireto”, pois, por exemplo, se o possuidor direto oferece resistência à devolução da
coisa no termo final para restituição, o possuidor indireto pode adotar ação possessória
contra aquele.
O desdobramento da posse pode comportar uma verticalização em vários graus,
concebendo-se, assim, uma tripartição da posse. Todavia, a posse direta será sempre uma,
isto é, caberá àquele que mantiver atuação material sobre a coisa. A posse indireta pode
ser fracionada. Ex.: Locador/Locatário (possuidores indiretos) – Sublocatário (possuidor
direto).

6 Classificação da Posse

6.1 Posse justa e injusta

A POSSE JUSTA é aquela cuja aquisição não repugna ao direito, isenta de vícios
de origem, posto não ter sido obtida pelas formas enunciadas no art. 1.200 do CC.
A POSSE INJUSTA OU ILEGITÍMA é a que se instala por modo proibido e
vicioso8. É adquirida pelo esbulhador. Subdivide-se em três categorias:
a) posse violenta: adquire-se pelo uso da força (vis absoluta) ou pela ameaça (vis
compulsiva). É a posse daquele que expulsa o legítimo possuidor da coisa. Importa a
agressão física ou intimidação contra quem esteja protegendo a posse (ver também art.
161, II, CP (esbulho possessório).
Se o possuidor agredido reagir prontamente ao ato de violência, ainda não haverá
posse violenta (injusta). Esta só se concretizará no instante em que cessar a reação de
defesa, isto é, quando o possuidor esbulhado não mais resistir à ocupação (art. 1.208; art.
1.210, §1º CC).
b) posse clandestina: é a posse que se constitui às escondidas. É a posse do invasor
que se apossa da coisa sem o consentimento do dono. É necessário demonstrar que o
arrebatador deseja camuflar o ato de subtração daquele que é esbulhado, praticando

8
A posse injusta do art. 1.200, CC é caracterizada em sentido estrito, cabendo para defesa da posse as ações
possessórias. A posse injusta do art. 1.228, CC é caracterizada em sentido amplo e, neste caso, a ação para
defesa da posse será a ação reivindicatória.
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condutas que evidenciam mantê-lo em situação de completa ignorância diante do fato.


Ex.: invasão de casa de praia fora de temporada de férias.
c) posse precária: resulta do abuso de confiança do possuidor que indevidamente
retém a coisa além do prazo avençado como término da relação que originou a posse. Na
posse precária há sempre uma relação de ato ou negócio jurídico por parte de um
possuidor a outro. Ex.: a posse do comodatário que, ao final do prazo contratual, não
restitui a coisa. A posse precária também pode ser consequência de uma situação inicial
de detenção sobre a coisa (art. 1.198, CC – fâmulo da posse).

Os três vícios objetivos da posse (violência, clandestinidade e precariedade) se


qualificam como relativos, pois são oponíveis apenas por aquele que sofreu o esbulho em
virtude da aquisição ilícita da posse. O esbulhador poderá alegar posse justa no confronto
com outras pessoas, obtendo respaldo judicial em face de eventuais agressões.
Exemplo: A tem seu imóvel esbulhado por B. B tem o mesmo imóvel esbulhado
por C. B poderá alegar posse justa contra C, mas não terá a mesma defesa contra A.

Pode-se fazer um paralelo com o Direito Penal: posse violenta (art. 157, CP –
roubo); posse clandestina (art. 155, CP – furto) e posse precária (art. 168, CP –
apropriação indébita).

6.2 Posse de boa-fé e de má-fé

A POSSE DE BOA-FÉ é concebida de modo negativo (art. 1.201, CC). É definida


quando o possuidor, por meio de erro escusável, ignora o vício que lhe impede a
aquisição da coisa ou do direito possuído.

A boa-fé́ exige que o desconhecimento do fato decorra do comportamento


daquele que observou os deveres de cuidado e diligência que cabiam no caso.
A boa-fé́ é fruto de um erro desculpável. Assim, o possuidor de má́ -fé seria
aquele que não só́ conhece o vício da posse, como também aquele que deveria
conhecê-los, em razão das circunstâncias. (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p.
113)

A POSSE DE MÁ-FÉ consiste em vício subjetivo da posse, que decorre da ciência


do possuidor no tocante à ilegitimidade de sua posse.
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Caberá ao interessado, e não ao possuidor, o ônus probatório quanto à má-fé,


devendo trazer elementos que demonstrem o prévio conhecimento pelo possuidor da
situação de ofensa ao direito alheio.
A posse de boa-fé pode transformar-se em posse de má-fé, a partir do momento que
o possuidor toma conhecimento do vício. Ex.: citação ou algum outro modo de
interpelação judicial que culmine em processo que venha posteriormente validar a
pretensão de quem pleiteie a restituição da coisa (art. 1.202, CC).
Não se confunde posse justa e posse de boa-fé, pois um possuidor de boa-fé pode
ter posse injusta (adquirida de quem a obteve com violência, clandestinidade e
precariedade), pois conforme o art. 1.203, CC, a posse mantém o mesmo caráter com o
qual foi adquirida.
Também é possível a posse de má-fé, mas não injusta. Por exemplo, quando alguém
“adquire propriedade de outrem, sabendo ser o título proveniente de venda a non domino,
é possuidor de má-fé, mas a sua posse é justa.” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 116).
Sua posse é justa, pois não foi adquirida mediante violência, clandestinidade ou
precariedade, mas sim, através de um título (contrato de compra e venda). Todavia, o
adquirente sabe que efetuou aquisição de quem não era o legítimo dono, o que o impede
de adquirir a propriedade da coisa (art. 1.201). Portanto, há má-fé do
adquirente/possuidor que não ignora aquele obstáculo.
Arnaldo Rizzardo também exemplifica da seguinte forma: “Constitui situação de
posse de má-fé o fato de alguém encontrar determinado objeto e o levar consigo. Existe a
consciência de que o ato não transfere a propriedade.” (2014).9
Cabe ressaltar que nos casos exemplificados acima, para o Direito das Coisas, a
posse é justa, mas não é legítima. Isso também pode ser visualizado na seguinte situação:

(...) daquele que adquire a posse de um terreno por meio de prática de vício de
consentimento, logrando êxito em obter a aquisição da propriedade mediante
um título aquisitivo. Terá posse justa, eis que não se prevaleceu de violência,
clandestinidade ou precariedade para iniciar a posse. Todavia, patente a má-fé
na conduta eivada de dolo, fraude ou coação. (FARIAS; ROSENVALD, 2009,
p. 116)

Aplicação prática da distinção entre a boa-fé e a má-fé na posse: arts. 1.214, 1.219 e
1.242, CC.

9
Código Civil, Art. 1.233. Quem quer que ache coisa alheia perdida há de restituí-la ao dono ou legítimo
possuidor.
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6.3 Posse com justo título

Justo título é o título hábil, apto a conferir ou transferir o domínio e a posse, e que
realmente a transferiria se não possuísse um vício qualquer, quanto à forma ou aos
requisitos legais exigidos à sua validade. Leva-se em consideração a faculdade abstrata de
transferir. Por exemplo, um testamento pelo qual alguém recebe um imóvel, ignorando
que o ato é nulo. Não obstante o vício, é hábil para transmitir-lhe a crença de que o
adquiriu legitimamente. Uma escritura de compra e venda, devidamente registrada é um
título hábil para a transmissão do imóvel. No entanto, se o vendedor não era o verdadeiro
dono (aquisição a non domino) a aquisição não se aperfeiçoa e pode ser anulada.
Entretanto, a posse do adquirente presume-se ser de boa-fé, porque calcada em justo
título (art. 1.201, parágrafo único).
Segundo Cláudia Cimardi (2008), “é justo o título que poderia ser causa de
transferência do domínio, mas que, em razão de um defeito ou da ausência de algum
requisito, não pode produzir o efeito jurídico da transmissão.” (p. 50). Pode ser tanto
aquele existente, mas defeituoso, como aquele inexistente que o possuidor reputa como
tal.
O justo título configura estado de aparência que permite concluir estar o sujeito
usufruindo de boa posse, ou seja, o induz a erro. Essa é a justificativa para considerar o
possuidor com justo título, presumivelmente (presunção relativa) possuidor de boa-fé (art.
1.201, par. único, CC).
Sobre a matéria é importante ressaltar os Enunciados da IV Jornada de Direito Civil
(2006), abaixo transcritos:

302 – Art.1.200 e 1.214. Pode ser considerado justo título para a posse de boa-
fé o ato jurídico capaz de transmitir a posse ad usucapionem, observado o
disposto no art. 113 do Código Civil.

303 – Art.1.201. Considera-se justo título para presunção relativa da boa-fé do


possuidor o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse, esteja
ou não materializado em instrumento público ou particular. Compreensão na
perspectiva da função social da posse.

Pode-se exemplificar, para os enunciados acima, o título denominado “cessão de


direitos possessórios”, que é considerado, conforme tais enunciados, um justo título.
Além disso, decisão do STJ também amplia o conceito de justo título:
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RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - IMPROCEDÊNCIA


– PRESCRIÇÃO AQUISITIVA - CONFIGURAÇÃO - POSSE LONGEVA,
PACÍFICA E ININTERRUPTA POR MAIS DE QUINZE ANOS (NO
MÍNIMO), ORIGINÁRIA DE JUSTO TÍTULO - RECURSO ESPECIAL
PROVIDO.
I - A usucapião, forma de aquisição originária da propriedade, caracterizada,
dentre outros requisitos, pelo exercício inconteste e ininterrupto da posse, tem o
condão, caso configurada, de prevalecer sobre a propriedade registrada, não
obstante seus atributos de perpetuidade e obrigatoriedade, em razão da inércia
prolongada do proprietário de exercer seus direitos dominiais. Não por outra
razão, a configuração da prescrição aquisitiva enseja a improcedência da ação
reivindicatória do proprietário que a promove tardiamente;
II - A fundamentação exarada pelo Tribunal de origem no sentido de que o
título que conferira posse à ora recorrente somente se revelaria justo em relação
às partes contratantes, mas injusto perante àquele que possui o registro, carece
de respaldo legal, pois tal assertiva, caso levada a efeito, encerraria a própria
inocuidade do instituto da usucapião (ordinária);
III - Por justo título, para efeito da usucapião ordinária, deve-se compreender o
ato ou fato jurídico que, em tese, possa transmitir a propriedade, mas que, por
lhe faltar algum requisito formal ou intrínseco (como a venda a non domino),
não produz tal efeito jurídico. Tal ato ou fato jurídico, por ser juridicamente
aceito pelo ordenamento jurídico, confere ao possuidor, em seu consciente, a
legitimidade de direito à posse, como se dono do bem transmitido fosse ("cum
animo domini");
IV - O contrato particular de cessão e transferência de direitos e
obrigações de instrumento particular de compra e venda, o qual originou a
longeva posse exercida pela ora recorrente, para efeito de comprovação da
posse, deve ser reputado justo título;
V - Ainda que as posses anteriores não sejam somadas com a posse exercida
pela ora recorrente, o que contraria o disposto no artigo 552 do Código Civil de
1916 (ut REsp 171.204/GO, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma,
DJ 01.03.2004), vê-se que o lapso de quinze anos fora inequivocamente
atingido;
VI - Esclareça-se que o acolhimento da tese de defesa, estribada na prescrição
aquisitiva, com a conseqüente improcedência da reivindicatória, de forma
alguma, implica a imediata transcrição do imóvel em nome da prescribente, ora
recorrente, que, para tanto, deverá, por meio de ação própria, obter o
reconhecimento judicial que declare a aquisição da propriedade.
VII - Recurso Especial provido.
(BRASILIA, STJ, 3ª Turma, REsp 652449/SP, RELATOR: MINISTRO
MASSAMI UYEDA. Julgado em 15/12/2009. Publicado no DJe em
23/03/2010). (grifo nosso)

Cabe ressaltar que o compromisso ou promessa de compra e venda é considerado


justo título pela jurisprudência, inclusive pelo STJ, que não exige o registro e o
instrumento público desse título.

DIREITO DAS COISAS. RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. IMÓVEL


OBJETO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. INSTRUMENTO QUE
ATENDE AO REQUISITO DE JUSTO TÍTULO E INDUZ A BOA-FÉ DO
ADQUIRENTE. EXECUÇÕES HIPOTECÁRIAS AJUIZADAS PELO
CREDOR EM FACE DO ANTIGO PROPRIETÁRIO. INEXISTÊNCIA DE
RESISTÊNCIA À POSSE DO AUTOR USUCAPIENTE. HIPOTECA
CONSTITUÍDA PELO VENDEDOR EM GARANTIA DO
FINANCIAMENTO DA OBRA. NÃO PREVALÊNCIA DIANTE DA
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AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE. INCIDÊNCIA,


ADEMAIS, DA SÚMULA N. 308.
1. O instrumento de promessa de compra e venda insere-se na categoria de
justo título apto a ensejar a declaração de usucapião ordinária. Tal
entendimento agarra-se no valor que o próprio Tribunal - e, de resto, a
legislação civil - está conferindo à promessa de compra e venda. Se a
jurisprudência tem conferido ao promitente comprador o direito à
adjudicação compulsória do imóvel independentemente de registro
(Súmula n. 239) e, quando registrado, o compromisso de compra e venda
foi erigido à seleta categoria de direito real pelo Código Civil de 2002 (art.
1.225, inciso VII), nada mais lógico do que considerá-lo também como
"justo título" apto a ensejar a aquisição da propriedade por usucapião.
2. A própria lei presume a boa-fé, em sendo reconhecido o justo título do
possuidor, nos termos do que dispõe o art. 1.201, parágrafo único, do Código
Civil de 2002: "O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé,
salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta
presunção".
3. Quando a lei se refere a posse "incontestada", há nítida correspondência com
as causas interruptivas da prescrição aquisitiva, das quais é exemplo clássico a
citação em ação que opõe resistência ao possuidor da coisa, ato processual que
possui como efeito imediato a interrupção da prescrição (art. 219, CPC). Por
esse raciocínio, é evidente que os efeitos interruptivos da citação não alcançam
a posse de quem nem era parte no processo. Assim, parece óbvio que o
ajuizamento de execução hipotecária por credores contra o proprietário do
imóvel, por não interromper o prazo prescricional da usucapião, não constitui
resistência à posse ad usucapionem de quem ora pleiteia a prescrição aquisitiva.
4. A declaração de usucapião é forma de aquisição originária da propriedade ou
de outros direitos reais, modo que se opõe à aquisição derivada, a qual se opera
mediante a sucessão da propriedade, seja de forma singular, seja de forma
universal. Vale dizer que, na usucapião, a propriedade não é adquirida do
anterior proprietário, mas, em boa verdade, contra ele. A propriedade é
absolutamente nova e não nasce da antiga. É adquirida a partir da objetiva
situação de fato consubstanciada na posse ad usucapionem pelo interregno
temporal exigido por lei. Aliás, é até mesmo desimportante que existisse antigo
proprietário.
5. Os direitos reais de garantia não subsistem se desaparecer o "direito
principal" que lhe dá suporte, como no caso de perecimento da propriedade por
qualquer motivo. Com a usucapião, a propriedade anterior, gravada pela
hipoteca, extingue-se e dá lugar a uma outra, ab novo, que não decorre da
antiga, porquanto não há transferência de direitos, mas aquisição originária. Se
a própria propriedade anterior se extingue, dando lugar a uma nova, originária,
tudo o que gravava a antiga propriedade - e lhe era acessório - também se
extinguirá.
6. Assim, com a declaração de aquisição de domínio por usucapião, deve
desaparecer o gravame real hipotecário constituído pelo antigo proprietário,
antes ou depois do início da posse ad usucapionem, seja porque a sentença
apenas declara a usucapião com efeitos ex tunc, seja porque a usucapião é
forma originária de aquisição de propriedade, não decorrente da antiga e não
guardando com ela relação de continuidade.
7. Ademais, "a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro,
anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem
eficácia perante os adquirentes do imóvel" (Súmula
n. 308).
8. Recurso especial conhecido e provido.
(BRASILIA, STJ, 4ª Turma, REsp 941464/SC, RELATOR: MINISTRO LUIS
FELIPE SALOMÃO. Julgado em 24/04/2012. Publicado no DJe em
29/06/2012). (grifo nosso)
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6.4 Posse natural e civil

A posse civil ou jurídica é fundamentada numa causa que a tenha originado, ou


seja, em um título decorrente de direito real ou pessoal, sem necessidade de apreensão
material da coisa. Sua obtenção é condicionada à satisfação dos requisitos de validade do
negócio jurídico (art. 104, CC), podendo, portanto, ser constatado eventual defeito que
enseje a sua nulidade ou anulabilidade. Ex.: proprietário do imóvel (contrato de compra e
venda); locatário (contrato de locação).
A posse natural decorre do simples e puro estado de fato do exercício do poder
sobre a coisa, livre de qualquer base dominial. Aqui existe o chamado ato-fato, espécie de
fato jurídico em que é suficiente uma conduta humana de ocupação de um bem para que o
ordenamento jurídico acautele a posse como situação autônoma à propriedade, sem que
seja necessário aferir a vontade qualificada do possuidor. Não existe qualquer relação
jurídica entre o novo possuidor e um possuidor ou proprietário precedente, o que elimina
a possibilidade de vícios do negócio jurídico (erro, dolo, coação, etc) que maculem essa
posse.
Para fins de proteção possessória não faz diferença se é civil ou natural a posse.
Ambas são protegidas.

6.5 Posse nova e velha

Posse nova é aquela adquirida há menos de ano e dia. Posse velha é aquela
adquirida há de ano e dia ou mais. O decurso do prazo tem o fim de consolidar a situação
de fato, permitindo que a posse seja considerada isenta dos defeitos da violência e da
clandestinidade, embora tal isenção possa ocorrer antes.
A fixação deste prazo pode estar relacionada ao tempo de plantio e colheitas:

É bastante obscura a história do direito a propósito da fixação desse prazo,


havendo notícia de que estaria relacionado ao plantio e às colheitas, que
geralmente levam um ano. A versão mais corrente é que a anualidade surgiu
nos costumes germanos, sendo necessária para a posse poder constituir uma
presunção de propriedade, pois se entendeu que só quando a posse tivesse uma
certa duração poderia produzir tal efeito. (GONÇALVES, 2015, p. 101-102).

A sua importância será vista no procedimento das ações possessórias.


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6.6 Posse ad interdicta e ad usucapionem

Posse ad interdicta é aquela que pode ser defendida pelos interditos possessórios,
quando molestada, mas não conduz à usucapião. Exemplo: o locatário vítima de ameaça
ou de efetiva turbação ou esbulho.
Posse ad usucapionem é a que se prolonga por determinado lapso de tempo
estabelecido na lei, possibilitando ao seu titular a aquisição da propriedade. Deve-se
ressaltar que a aquisição da propriedade por usucapião exige outros requisitos: o exercício
de maneira mansa e pacífica, o animus domini e, na usucapião ordinária, a boa-fé e o
justo título.

6.7 Composse

A composse é uma situação excepcional, consistente na posse comum e de mais de


uma pessoa sobre a mesma coisa que se encontra em estado de indivisão (art. 1.199, CC).
Todos os possuidores utilizam a coisa diretamente, desde que não excluam uns aos
outros. Exemplos: condôminos sobre as áreas comuns de um prédio; coerdeiros sobre o
acervo hereditário, enquanto não realizada a partilha.
Podem os compossuidores estabelecer uma divisão de fato para a utilização pacífica
do direito de cada um, surgindo, então, a composse pro diviso. Se todos exercerem os
poderes de fato ao mesmo tempo e sobre a totalidade da coisa permanecerá composse pro
indiviso.
É possível o esbulho possessório de um compossuidor contra outro, quando há
prática de conduta individual excludente, o que permite usar os interditos possessórios.
A proteção possessória contra terceiros, para o resguardo da posse sobre a área
comum, pode ser invocada isoladamente por qualquer compossuidor.
A composse e o desdobramento da posse (posses paralelas) não devem ser
confundidos. Na primeira todos os possuidores se encontram no mesmo plano.
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7 Detenção

Para Savigny, detenção é a ausência de animus domini por parte daquele que detém
o poder físico sobre a coisa. Já a teoria de Jhering diferencia detentor e possuidor pela
regulamentação do direito objetivo.
Pode-se conceituar detenção, de acordo com o direito civil brasileiro, como a posse
degradada, vez que juridicamente desqualificada pelo ordenamento vigente. Em algumas
situações, alguém que possui poder fático sobre a coisa (o detentor) não tem a proteção
jurídica, porque assim entendeu o legislador. “Somente a posse gera efeitos jurídicos,
conferindo direitos e pretensões possessórias em nome próprio: esta a grande distinção”.
(GONÇALVES, 2015, p. 63).
São hipóteses de detenção previstas no Código Civil:
a) servidores ou fâmulos da posse: art. 1.198. Exercitam atos de posse em nome
alheio como mero instrumento da vontade de outrem. Não é necessária a existência de
contrato formal de trabalho ou remuneração como contraprestação aos serviços
praticados. Basta visualizar um vínculo social de subordinação pelo qual alguém atua
materialmente sobre a coisa, porém sem autonomia.
Pode ocorrer de o fâmulo da posse ser demandado em ação possessória, porque o
autor o considerava como possuidor, sem saber sua verdadeira relação de detenção com a
coisa. Neste caso, o fâmulo da posse deverá apresentar a contestação e alegar sua
ilegitimidade (art. 337, XI, CPC/15), indicando o sujeito passivo da relação jurídica
discutida, sempre que tiver conhecimento (art. 339, CPC/15). O juiz facultará ao autor a
alteração da petição inicial, com a substituição do réu, no prazo de 15 dias (art. 338,
CPC/15).

b) permissão ou tolerância: art. 1.208. O proprietário coloca a coisa à disposição de


um usuário sem que entre ambos se forme um negócio jurídico. Em geral, nestas
situações, há poder de uma parte sobre a outra, ensejando o chamado direito potestativo.
Assim, a parte “submissa” não poderá evitar que a outra, unilateralmente, desconstitua
sua situação fática sobre a coisa. O usuário se encontra em situação de poder transitório e
efêmero sobre a coisa. A permissão nasce de autorização expressa do verdadeiro
possuidor para que terceiro utilize a coisa. A tolerância resulta de consentimento tácito ao
uso da coisa por terceiro. Há dificuldade na visualização prática da tolerância. Quem deve
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prová-la é aquele que deseja demonstrar que o usuário agiu como detentor e não como
possuidor. Exemplo: uso da vaga de garagem do vizinho.

c) prática de atos de violência ou clandestinidade: art. 1.208, parte final. A


violência e a clandestinidade, enquanto existentes, impedem a aquisição da posse. Os
ilícitos cometidos sobre a coisa configuram simples atos de detenção, tornando-se posse
após a efetiva cessação de tais condutas antijurídicas.

Em suma, enquanto perdurar a violência ou a clandestinidade não haverá posse.


Cessada a prática de tais ilícitos, surge a posse injusta, viciada, assim
considerada em relação ao precedente possuidor. Desse modo, ainda que este,
esbulhado há mais de um ano, não obtenha a liminar na ação de reintegração de
posse ajuizada, deverá ser, a final, reintegrado em sua posse. Todavia, em
relação às demais pessoas, o detentor, agora possuidor em virtude da cessação
dos vícios iniciais, será havido como possuidor. A injustiça da posse fica
circunscrita ao esbulhado e ao esbulhador. (GONÇALVES, 2017, p. 65)

d) ocupante de coisa cujo possuidor/proprietário esteja ausente: art. 1.224. Se o


possuidor/proprietário não tem notícia do esbulho, não se pode dizer que o ocupante é
possuidor, mas sim, mero detentor. A sua posse começará quando o
possuidor/proprietário tiver ciência do esbulho e “se abstenha de retomar a coisa”, ou for
violentamente repelido ao tentar recuperá-la. “Assim, o fato de alguém ocupar imóvel de
pessoa ausente não faz desaparecer a posse do proprietário, sendo aquele tratado pelo
dispositivo em epígrafe como simples detentor.” (GONÇALVES, 2017, p. 66)

e) atuação em bens públicos de uso comum do povo ou bens públicos especiais:


art. 100, CC. Os bens públicos se classificam em: de uso comum do povo; especiais
(emprego em atividade estatal); dominicais ou patrimoniais.
Os bens públicos de uso comum ou uso especial não são passíveis de apropriação
pelo particular, pois há vinculação jurídica da coisa a uma finalidade pública. Assim,
qualquer particular que aparente possuir um bem dessas duas categorias, na verdade terá
detenção sobre ele.
Admite-se, outrossim, a posse por particulares dos bens públicos dominicais ou
patrimoniais, utilizados pelo Estado como particular. São bens esvaziados de destinação
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pública, alienáveis, podendo ser objeto de posse autônoma e de contratos regidos pelo
Código Civil (locação, arrendamento). A única restrição é a usucapião10.

8 Interversão (convalescimento) da posse

O art. 1.203, CC estabelece que a posse manterá o mesmo caráter da aquisição


(presunção juris tantum). Todavia, é possível que em duas situações ocorra a alteração no
caráter da posse:
a) fato de natureza jurídica: a posse objetiva ou subjetivamente viciada pode ter os
vícios de origem sanados por uma relação jurídica de direito real ou pessoal. Exemplo:
novo contrato de comodato sanando a posse precária, que se converte em posse justa.
Neste caso, a inversão da posse é bilateral, pois exige o acordo de vontades para alteração
do caráter primitivo da posse.
b) fato de natureza material: é a manifestação por atos exteriores e prolongados do
possuidor da inequívoca intenção de privar o proprietário do poder de disposição sobre a
coisa. Exemplo: servidor da posse que insiste em permanecer no local de origem (posse
precária). O possuidor esbulhado tem ação de reintegração de posse para restituir-se, mas
se ele não procura se defender da posse injusta, denota o abandono da coisa que, se for
por longo tempo, será capaz de alterar o caráter da posse. Assim, o possuidor que
adquiriu a posse injusta passará a exercê-la com animus domini e, consequentemente,
autonomia.
A maior parte dos doutrinadores e tribunais não admite essa alteração da causa
possessionis, analisando-a com muita cautela.

CIVIL. DIREITOS REAIS. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. AUSÊNCIA


DO ANIMUS DOMINI. CONTRATO DE LOCAÇÃO. POSSE DIRETA.
INOCORRÊNCIA DE USUCAPIÃO. PROVA DE TITULARIDADE DO
DOMÍNIO DO IMÓVEL.
1. Não há que se falar em transmudação da posse do ocupante do imóvel, que
celebrou contrato verbal de locação e tinha ciência da existência do
proprietário, podendo, na sua ausência, realizar o pagamento dos alugueres
através de ação consignatória. Configuração de inadimplência e não de
transmudação da posse. Ocupantes do imóvel que não exerciam a posse cum
animo domini. Inexistência de prescrição aquisitiva. Precedentes do TJ/RJ.
2. A questão versa sobre domínio e não sobre a posse, sendo irrelevante o
argumento de que a posse do recorrente tenha se transmudado, o que ensejaria
o reconhecimento da usucapião. Tese rechaçada diante da presença de contrato

10
Independentemente da espécie, nenhum bem público pode ser objeto de usucapião de acordo com o art.
102 do Código Civil.
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verbal de locação e da prova de titularidade do domínio pelo arrematante do


bem. Posse precária. 3. Discussões sobre a legalidade do procedimento de
adjudicação e leilão extrajudicial que devem ser alegadas através de ação
própria. Contrato particular de compra e venda com força de escritura pública
que comprova o domínio do apelante sobre o imóvel. Reforma da sentença para
julgar procedente o pedido inicial. Provimento do recurso.
(RIO DE JANEIRO, TJ, 20ª Câmara Cível, AC n. 0006689-76.2007.8.19.0045,
Rel. Des. Teresa de Andrade Castro Neves, julgado em 03/02/2010).

Entretanto, a moderna teoria da função social da propriedade11 ampara esta ideia


(FARIAS; ROSENVALD, 2015), pois não se pode privar de usucapião o possuidor que
mantém poder de fato sobre a coisa, sem oposição e com autonomia por longos anos, em
detrimento do proprietário que abandona o objeto de seu direito e esvazia o conteúdo
econômico de seu domínio.

Apelação Cível. Ação de usucapião. Pretensão deduzida por possuidores de


mais de 20 anos, que afirmam ter ingressado no imóvel como locatários, mas
logo passado a exercer a posse com animus domini. Proprietários cujo
paradeiro se desconhece. Citação por edital. Posse comprovadamente exercida
de forma mansa e pacífica. Inversão do caráter da posse. Existência de atos
que, de forma inequívoca, indicam a mudança da qualidade da posse,
originalmente precária, como a cessação do pagamento de aluguéis, a
realização de obras de conservação no bem e a quitação de débitos tributários
de períodos pretéritos. Função social da posse. Desídia dos proprietários
registrais exteriorizada pela ausência prolongada, que se extrai do insucesso
das diligências realizadas pelo Juízo no intuito de localizá-los. Recurso ao qual
se dá provimento para declarar os apelantes proprietários do imóvel descrito na
inicial, consoante o artigo 1.238 do Código Civil.
(RIO DE JANEIRO, TJ, 16ª Câmara Cível, AC n. 0091824-33.2003.8.19.0001,
Rel. Des. Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto, julgado em 26/10/2010).

O art. 1.198, CC admite expressamente a interversão da posse no caso do


detentor12.

11
Neste caso, a função social da propriedade passa a ser exercida pelo precarista ao conceder destinação
econômica ao bem em nome próprio. Prevalece o direito fundamental social de moradia.
12
Enunciado 301 – Art.1.198. c/c art.1.204. É possível a conversão da detenção em posse, desde que
rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios. (IV Jornada de
Direito Civil – 2006).
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9 Modos de aquisição e perda da posse

Conforme a teoria objetiva adotada pelo Código Civil, possuidor é aquele que tem
de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade13. Assim,
qualquer um que esteja nessa situação terá adquirido a posse (art. 1.204, CC).
O art. 1.205, CC estabelece os sujeitos de aquisição da posse, que são mais comuns
na aquisição da posse civil: I) a própria pessoa que a pretende ou seu representante; II)
por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação.
A posse pode ser adquirida em virtude de sucessão inter vivos (accessio
possessionis) e mortis causa (successio possessionis)14.
Assim, quando o possuidor falece, seus herdeiros passam imediatamente à posição
de possuidor, independentemente da manifestação de vontade do interessado (princípio
da saisine, art. 1.784, CC). Assim, o herdeiro passa a exercer a posse com as mesmas
características que o possuidor falecido (art. 1.206, CC). “De modo que, se a posse
daquele era viciada ou de má-fé, a posse do sucessor é viciada e de má-fé.”
(GONÇALVES, 2017, p. 115).
O art. 1.207 trata da união de posses nos casos de aquisição por sucessão:

a) successio possessionis (por sucessão universal e a título singular): na sucessão


universal os herdeiros continuam a posse dos bens da herança, não se podendo destacar a
nova posse da antiga.
Em relação ao legatário (sucessão a título singular) existem divergências sobre a
regra que lhe é aplicável na aquisição da posse. Há entendimento de que o legatário
adquire pela via da successio possessionis e, por isso, a união de posses é obrigatória.
Entretanto, há também entendimento admitindo que o legatário adquire pela accessio
possessionis, o que lhe faculta escolher a união de posses.

b) accessio possessionis (por acessão ou a título particular ou singular): sempre se


verifica inter vivos e por meio de uma relação jurídica (exemplo: contrato de compra e

13
De acordo com o art. 1.228, CC: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o
direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”
14
A sucessão mortis causa pode ser universal e a título singular. No primeiro caso o herdeiro é chamado a
suceder na totalidade da herança, fração ou porcentagem dela. Pode ocorrer tanto na sucessão legítima (art.
1.829, CC) como na testamentária. A título singular o testador deixa ao beneficiário um bem certo e
determinado, denominado legado.
37
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venda). O sucessor singular tem a faculdade de unir a sua posse à do antecessor. Se o


desligamento ocorrer, sua posse estará livre dos vícios que maculavam a relação
possessória anterior, conforme explicam Gonçalves (2015) e Rizzardo (2014):

A acessio possessionis não é, portanto, obrigatória, mas facultativa. Se fizer


uso da faculdade legal, sua posse permanecerá eivada dos mesmos vícios da
anterior. Se preferir desligar sua posse da do antecessor, estará́ purgando-a dos
vícios que a maculavam, iniciando, com a nova posse, prazo para a usucapião.
(GONÇALVES, 2017, p. 116).

A diferença está em que, na sucessão universal, sempre se dá a continuação da


posse com as mesmas qualidades ou os mesmos vícios.
Na sucessão particular, ou singular, a união é facultativa. O sucessor tem o
direito de aproveitar ou não a posse anterior. Caso estiver contaminada de
vícios, não lhe é interessante a junção. Preferirá, então, a invocação de tão
somente a sua posse. (RIZZARDO, 2014)

Entretanto, Farias e Rosenvald (2015) alertam sobre a impossibilidade de purgar os


vícios da posse se o sucessor optar por não unir sua posse com a do antecessor,
considerando o art. 1.203, CC, segundo o qual a posse permanece com o mesmo caráter
com o qual foi adquirida:

Tal orientação também se encontra em sintonia com a regra, tradicional em


matéria possessória, de que ninguém pode alterar, somente por sua vontade, a
própria posse, como ocorreria se, pelo exercício da faculdade de união de
posses, o possuidor fosse capaz de convalescer a posse injusta em justa,
liberando-se dos vícios que maculavam a relação possessória anterior.
(FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 125-126).

Essa interpretação sistemática dos arts. 1.207 e 1.203, CC levaram ao Enunciado


493 da V Jornada de Direito Civil (2011):

Enunciado 493 - A faculdade conferida ao sucessor singular de somar ou não


o tempo da posse de seu antecessor não significa que, ao optar por nova
contagem, estará livre do vício objetivo que maculava a posse anterior.
(Destaque nosso)

A perda da posse se dá no momento em que cessa o poder de agir sobre o bem (art.
1.223, CC). Pode ser através de um ato contrário à vontade do possuidor (esbulho) ou por
sua livre consciência (venda de coisa móvel e sua entrega).
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10 Efeitos da posse

10.1 Direito aos frutos

Os frutos, normalmente, pertencem ao proprietário, mas atendendo à função social


da propriedade, o possuidor de boa-fé tem o direito à percepção dos frutos enquanto
assim permanecer a posse, em detrimento do proprietário que a abandonou (arts. 1.214 e
1.232, CC). A aquisição dos frutos está subordinada a duas condições:
1) que tenham sido separados e
2) que a percepção tenha ocorrido antes de cessar a boa-fé.
Importante é saber o momento da percepção dos frutos e o estado de boa-fé ou má-
fé do possuidor.
No momento em que cessa a boa-fé o possuidor tem direito aos frutos percebidos
tempestivamente, mas não faz jus aos pendentes. Os frutos pendentes e colhidos por
antecipação são reservados ao reivindicante da posse (art. 1.214, parágrafo único e art.
1.216, CC).
O possuidor de má-fé se responsabiliza pela perda ou deterioração da coisa, ainda
que o evento lesivo tenha sido determinado pelo fortuito (art. 1.218, CC) – caso de
responsabilidade civil objetiva pelo risco integral. Somente se desonera da
responsabilidade se provar que o fato se verificaria mesmo que lá não mais permanecesse,
como por exemplo, no caso da queda de um raio que provoca a destruição de uma casa.
Já o possuidor de boa-fé não responderá pela perda ou deterioração da coisa, salvo
quando agir com culpa lato sensu (art. 1.217, CC).

10.2 Direito às benfeitorias

As benfeitorias consistem em obras ou despesas em coisa alheia15, efetuadas para


fins de conservação, melhoramento ou embelezamento. Possuem caráter acessório16 (arts.
92 e 96, CC) e, por isso, as benfeitorias realizadas pelo possuidor incorporam-se ao
patrimônio do proprietário, pois a regra é que o acessório segue o principal.

15
Quando o proprietário ou possuidor faz obras ou despesas no seu próprio bem não há repercussão para o
direito possessório, por inexistir consequências jurídicas nessa atuação. (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p.
145). Esse entendimento é oposto à previsão do art. 97, CC.
16
Não se deve confundir benfeitorias e acessões industriais (construções e plantações). As benfeitorias são
melhoramentos realizados em coisa já existente. As acessões são obras que criam coisas novas, como a
construção de uma casa. As consequências/efeitos são diversas para ambas.
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Os efeitos econômicos derivados das benfeitorias decorrem da boa-fé ou má-fé do


possuidor e da natureza das obras ou despesas.
Possuidor de boa-fé (art. 1.219, CC): quanto às benfeitorias necessárias17 e úteis18
ele terá direito à indenização, além do direito de retenção19 da coisa principal até o
ressarcimento dos gastos com essas. Em relação às benfeitorias voluptuárias, caberá
pretensão indenizatória, mas se o reivindicante não quiser ressarci-lo, as mesmas poderão
ser levantadas (retiradas), desde que essa opção seja possível, isto é, sem danificar a coisa
principal.
Possuidor de má-fé (art. 1.220, CC): quanto às benfeitorias necessárias ele terá
direito ao ressarcimento, mas não cabe direito à retenção. Em relação às benfeitorias úteis
não há qualquer direito e, quanto às benfeitorias voluptuárias ele não poderá levantá-las,
nem pedir ressarcimento.
O art. 1.222, CC estabelece diferença para o valor da indenização das benfeitorias
necessárias realizadas pelo possuidor de boa-fé e de má-fé. No primeiro caso o
reivindicante deverá pagar a indenização baseada no valor real da benfeitoria ao tempo da
evicção. No segundo caso, o retomante pode optar entre pagar o valor atual e o valor ao
tempo da realização das benfeitorias necessárias. Trata-se de uma obrigação alternativa
fixada pela lei ao devedor. As benfeitorias podem ter valor inferior ou superior ao seu
custo.

10.3 Direito à usucapião

É um dos efeitos mais importantes da posse. Entretanto, será visto como modo de
aquisição da propriedade.

10.4 Direito às ações possessórias

O tema sobre a natureza jurídica da posse influencia também no fundamento da


proteção possessória, isto é, por que a posse é protegida pela ordem jurídica? Diversas
são as teorias que pretendem explicá-las. De acordo com Cimardi (2008), Ihering
classificou essas teorias em absolutas e relativas, conforme aceitassem a base da proteção
17
Exemplo: colocação de novos alicerces evitando a ruína de casa antiga.
18
Exemplo: colocação de grades nas janelas para segurança do prédio.
19
Consiste na faculdade de o possuidor manter o poder fático sobre a coisa alheia, como forma de
constranger o retomante a pagar a indenização.
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possessória no próprio instituto da posse ou fora dele, como no caso de aceitá-la como
corolário da defesa da propriedade.
Atualmente entende-se que a defesa da posse encontra amparo na constatação de
sua preexistência e na agressão/ofensa ao possuidor, o que corresponde a uma ofensa à
posse.
As ações possessórias stricto sensu ou ações possessórias propriamente ditas
(também chamados interditos possessórios) são aquelas que têm como exclusivo
fundamento a posse e, como pedido principal, a defesa da posse. O que distingue uma
ação da outra é o grau de agressão à posse (art. 1.210, CC):
- interdito proibitório: quando deriva de ameaça;
- ação de manutenção de posse: turbação, a ameaça é intensificada;
- ação de reintegração de posse: esbulho, quando o possuidor é excluído da coisa.

a) AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE (art. 554, CPC/15)

Restitui a posse àquele que a tenha perdido em razão de um esbulho, sendo privado
do poder físico sobre a coisa. “Esbulho é a perda injusta da posse.” (PENTEADO, 2008,
p. 477). Segundo Rizzardo (2014), “pratica esbulho quem priva outrem da posse, de
modo violento ou clandestino, ou com abuso de confiança.”. O esbulho pode ser total ou
parcial, bastando que o possuidor tenha sido mitigado de qualquer parcela de seu poder
de fato sobre a coisa. Além do aspecto civil, o esbulho possessório também está tipificado
na área penal - art. 161, § 1º., II, CP.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Alegada invasão de prédios escolares.


Pretensão à emissão de ordem liminar de reintegração de posse.
Inadmissibilidade, por não se ver claramente presente a intenção de despojar o
Estado da posse, mas, antes, atos de desobediência civil praticados no bojo de
reestruturação do ensino oficial do Estado objetivando discussão da matéria.
Antecipação de tutela recursal denegada, processando-se o recurso.
(SÃO PAULO, TJ, 7ª Câmara de Direito Público. AI n. 2243232-
25.2015.8.26.0000, Des. Rel. Coimbra Schmidt. Julgado em 23/11/2015.
Disponível em:
<https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=9034676&cdForo=0&v
lCaptcha=svsyd>. Acesso em 09 jan. 2016)

Essa ação pode ser intentada pelo possuidor ou seus herdeiros (legitimidade ativa).
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A legitimidade passiva é do autor do esbulho ou contra terceiro receptador


(PENTEADO, 2008). O art. 1.212, CC refere-se à legitimidade passiva do terceiro de
má-fé, ou seja, aquele que sabia estar recebendo uma posse adquirida mediante esbulho.
Se o terceiro adquirente ignorava os vícios da posse, o possuidor esbulhado só terá
uma opção para reaver a coisa: a ação petitória, mas terá que ser, também, proprietário da
coisa esbulhada20. Caso contrário, prevalece o princípio da aparência, não podendo o
terceiro de boa-fé ser prejudicado, restando ao possuidor pleitear a indenização contra o
esbulhador originário.

REINTEGRAÇÃO DE POSSE - PONTO COMERCIAL - LOCAÇÃO FINDA


- CONTRATO VERBAL - DÉBITO - TERCEIRO DE BOA-FÉ. 1. Não há
que se conceder ao autor reintegração de posse de ponto comercial, se ele dali
saiu espontaneamente, e seu contrato de locação já havia se findado quando da
propositura da ação. 2. Se, através de contrato verbal, o fundo de comércio foi
negociado com o credor, em pagamento de dívidas, a solução da pendenga
deve ser resolvida não através de ação de reintegração de posse, mas de
rescisão do contrato, com avaliação dos débitos e créditos; 3. Nos termos do
art. 1.212 do Código Civil, não há que se conceder reintegração de posse contra
terceiro de boa-fé, que a recebeu de outrem, notadamente se a exerce já há mais
de ano e dia. (MINAS GERAIS, TJ, 18ª Câmara Cível. AC n. 5390135-
49.2004.8.13.0024, Des. Rel. Guilherme Luciano Baeta Nunes. Julgado em
26/01/2010).

*POSSESSÓRIA – Reintegração de posse – Pedido inicial julgado


improcedente – Insurgência da autora – Impossibilidade – Terceiros de boa-fé
(Sr. Nelson e esposa) que receberam o bem esbulhado sem ter ciência de tal
fato – Interpretação a contrário 'sensu' do art. 1.212 do CC e inteligência do
enunciado 80 da I Jornada de Direito Civil – Sentença mantida – Recurso não
provido*. (SÃO PAULO, TJ, 21ª Câmara de Direito Privado. AC n. 0004983-
42.2012.8.26.0642, Des. Rel. Maia da Rocha. Julgado em 26/06/2017). 21

DISCUSSÃO JURÍDICA: Qual a natureza jurídica da posse? A posse é ou não um


direito real?

20
Enunciado 80. Art. 1.212: É inadmissível o direcionamento de demanda possessória ou ressarcitória
contra terceiro possuidor de boa-fé, por ser parte passiva ilegítima diante do disposto no art. 1.212 do novo
Código Civil. Contra o terceiro de boa-fé, cabe tão somente a propositura de demanda de natureza real. (I
Jornada de Direito Civil/2002).
21
“Assim, considerando que o Sr. Nelson não teve qualquer participação no esbulho sofrido pela apelante,
restou evidenciada, pois, a boa-fé daquele na condição de terceiro adquirente. Por conseguinte, ante a
inviabilidade de se manejar reintegração de posse em face de terceiro que recebeu o bem esbulhado sem ter
ciência de tal fato, outra não era a solução senão a improcedência do pedido contido na exordial, conforme
se depreende de interpretação em sentido contrário extraída do art. 1.212 do Código Civil, bem como
enunciado 80 da I Jornada de Direito Civil.” (Trecho extraído do acórdão referente à AC n. 0004983-
42.2012.8.26.0642 – TJSP).
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A ação de reintegração de posse possui natureza executiva lato sensu, ou seja, a


sentença que reintegra também executa. Não se segue a fase de cumprimento (execução)
da sentença, embora esteja se tratando da obrigação de restituir coisa certa.
No caso de esbulho judicial – constrição ou ameaça de constrição, tal como
penhora, sequestro –, isto é, quando a agressão à posse provém de ordem judicial,
refletindo sobre bens possuídos por terceiro estranho à relação jurídica, a proteção
processual cabível é a oposição de Embargos de Terceiro (art. 674, CPC/15) e não a
reintegração de posse.
Para a reintegração de posse do locador em face do locatário, a legislação especial
prevê ação possessória específica. Assim, ocorrendo a recusa do locatário em restituir o
imóvel após o término do contrato, o que enseja posse injusta por precariedade, o
locador deve propor a ação de despejo (art. 5º da Lei n. 8.245/91).

b) AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE (art. 554, CPC/15)

O pressuposto da ação de manutenção de posse é a turbação. Segundo Penteado, “a


turbação verifica-se quando ocorrer algum ato que propicie interferência na relação do
possuído com a coisa, sem, entretanto, ocorrer a perda da posse.” (2008, p. 476). Para
Rizzardo (2014) é um embaraço no desenvolver da posse, ou seja, o possuidor é
perturbado ou severamente incomodado no exercício da posse, sem que tal agressão seja
intensa o bastante para excluí-lo do poder físico sobre o bem.
A doutrina qualifica os atos de turbação em positivos e negativos. No primeiro caso
os atos de turbação provocam uma dificuldade no contato do possuidor com a coisa, isto
é, trata-se de uma ação molestadora (ex.: corte de árvores, implantação de estacas,
derrubada de cercas do imóvel, jogar detritos na área do possuidor, etc.). No segundo
caso, os atos tendem a impedir ou dificultar o gozo da coisa (ex.: colocação de obstáculos
– por exemplo, entulho – no caminho utilizado pelo possuidor).
O pedido na ação de manutenção de posse é a cessação da prática dos atos de
turbação, impondo-se ao causador do incômodo a obrigação de abster-se da prática desses
atos. Para configurar o ato de turbação é necessário que haja ato de força e que a lesão
seja atual, concreta e efetiva, pois o justo receio de uma agressão que ainda não se
materializou gera apenas a adoção do interdito proibitório.
A legitimidade ativa é do possuidor e só pode ser ajuizada em face do turbador.
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Essa ação é considerada de natureza mandamental, isto é, “o magistrado determina


medidas de persuação e cunho coercitivo, constrangendo o devedor indiretamente a
atender a determinação judicial, sob pena de aplicação de astreintes.” (FARIAS;
ROSENVALD, 2015, p. 177).

c) INTERDITO PROIBITÓRIO (art. 567, CPC/15)

É a defesa preventiva da posse, diante da ameaça de atos turbativos ou


esbulhadores (art. 5.º, XXXV da CF), objetivando impedir a consumação do ato de
violência temido.
A ameaça, segundo Penteado (2008), consiste em ato ofensivo à posse, sem que
concretize uma intromissão no exercício da posse. “A ameaça, ordinariamente, se
configura por rumores ou pela possibilidade, pela potencialidade remota de perda da
posse por atos concretos.” (PENTEADO, 2008, p. 475-476).
O possuidor tem fundado receio de sofrer iminente agressão. O justo receio
significa temor justificado com base em elementos concretos, isto é, deve ser sério e se
apoiar em razões objetivas que o legitimam. Não se admite como justo receio a ameaça
que decorre do exercício de um direito, ou de medida judicial, como, por exemplo, uma
notificação, pois não constitui, em princípio, um abuso de direito.
Quanto à iminente agressão, deve estar prestes a ocorrer, mas não precisa ser uma
ação imediata e sim, futura (PONTES DE MIRADA apud RIZZARDO, 2014). Assim, o
emprego do interdito proibitório apenas se justifica enquanto durar a ameaça. Por isso, há
entendimento de que não se pode falar em ação de “força nova” e “força velha” para essa
medida.

Ação DE INTERDITO PROIBITÓRIO. Sentença que julgou o pedido inicial


procedente. Ônus sucumbenciais a cargo da requerida. PRELIMINARES.
Ilegitimidade passiva e perda superveniente do objeto da ação. Descabimento.
Matérias afastadas. MÉRITO. APELAÇÃO DA REQUERIDA. Autores que
comprovaram a posse do imóvel, esta decorrente de sua propriedade, mediante
escritura de venda e compra. Entidade ré que não só não contestou, como
admitiu a turbação ocorrida. Necessidade do interdito proibitório evidenciada
in casu, já que provado pelos interessados o justo receio de serem novamente
molestados na posse de seu bem. Ameaça de turbação ou esbulho
caracterizada. Sentença mantida. Afastadas as preliminares, recurso improvido.
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(SÃO PAULO, TJ, 38ª Câmara de Direito Privado. AC n. 1005985-


96.2014.8.26.0565, Des. Rel. Marcos Gozzo. Julgado em 26/07/2017).22

AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO


ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - PRESENÇA DOS REQUISITOS
EXIGIDOS PELO ARTIGO 300, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL. A tutela provisória deve ser concedida uma vez que os requisitos
exigidos pela legislação pátria vigente (art. 300, do Novo Código de Processo
Civil) foram integralmente preenchidos. Agravado que confessou ter entrado
no imóvel objeto da lide, munido de facão, para retirar bens da agravada que
guarneciam o imóvel - Patente, pois, a ameaça ao direito possessório discutido
na ação principal, sendo mesmo o caso de ser concedida a tutela de urgência
pretendida, para manter a agravada na posse do imóvel e determinar que o
agravado retire seus pertentes do local. DECISÃO MANTIDA RECURSO
IMPROVIDO.
(SÃO PAULO, TJ, 38ª Câmara de Direito Privado. AI n. 2037386-
40.2017.8.26.0000, Des. Rel. Eduardo Siqueira. Julgado em 08/01/2018)23

A presente ação tem natureza mandamental e é dotada de autoexecutoriedade. O


juiz deve determinar ao réu, através da liminar requerida, que se abstenha de concretizar a
agressão, impondo preceito proibitório, com a cominação de astreintes (multa diária) em
caso de transgressão ao preceito.
O interdito proibitório deve seguir as mesmas disposições da reintegração e da
manutenção de posse, inclusive sobre a concessão de liminar inaudita altera parts ou
mediante audiência de justificação, com a citação prévia do réu.
Havendo a conversão da ameaça em turbação ou esbulho, além da execução
provisória das astreintes, o mandado liminar converte-se em ordem de reintegração ou
manutenção da posse (art. 920 do CPC, correspondente ao art. 554, CPC/15). Poderá
ocorrer, ainda, a imposição de perdas e danos e a instauração de inquérito policial pelo
delito de desobediência à ordem judicial primitiva (art. 330, CP).

22
“Ocorre que, em 10/09/2014, os requerentes tiveram invadida a sua área, de tal sorte que, por meio de
esforço imediato, retomaram a posse da mesma, reerguendo os muros que haviam sido destruídos (fls.
34/35). Segundo narram, foi noticiada pela mídia uma invasão à área vizinha à sua propriedade, iniciada em
15 de agosto daquele ano, na Rua Vemag, nas proximidades do Shopping Central Plaza e do Linhão de São
Caetano do Sul, em imóvel de propriedade das empresas Savoi Construtora e Saven, sendo certo que o
imóvel dos autores foi esbulhado em continuação à citada ocupação, tendo havido a necessidade de sua
retomada imediata, conforme consta do Boletim de Ocorrência supramencionado (fls. 36/42).” (Extraído do
acórdão referente à AC n. 1005985- 96.2014.8.26.0565 – TJSP).
23
“Aduz a agravada na petição inicial da ação de interdito proibitório que o ora agravante ameaçou sua
posse, com o uso de facão, retirando seus pertences do imóvel mencionado na inicial. O próprio agravante,
agora em sua minuta recursal, confessou que “... cansado de pedir a retirada dos guarda-sóis, cadeiras e
holofotes, subiu com um facão no coqueiro para tirar os holofotes ele mesmo, bem como os demais
pertentes da requerente” (fls. 06). Patente, pois, a ameaça ao direito possessório discutido na ação principal,
sendo mesmo o caso de ser concedida a tutela de urgência pretendida, para manter a agravada na posse do
imóvel e determinar que o agravado retire seus pertentes do local.” (Extraído do acórdão referente ao AI n.
2037386-40.2017.8.26.0000 – TJSP).
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10.5 Autotutela ou autodefesa

Legítima defesa da posse e desforço imediato: são medidas que o possuidor está
autorizado a adotar de imediato para recuperar ou manter a posse agredida (art. 1.210, §
1º, CC). Trata-se de exceção à quebra do monopólio do Judiciário em virtude de reação
urgente a um atentado em face de uma situação subjetiva consolidada.
A legítima defesa é a reação a uma turbação, pois nessa situação a agressão apenas
incomoda a posse, não tendo o possuidor, ainda, perdido a posse. O desforço imediato
dirige-se ao esbulho consumado, implicando reação imediata à injusta perda da posse do
autor.
Ambos devem ser praticados logo em seguida à agressão24, observando-se o
princípio da proporcionalidade e razoabilidade da repulsa, ou seja, como defesa privada
excepcional, deve ser moderada, pois, caso contrário, poderá a conduta do possuidor se
converter em ato ilícito (art. 345, CP – exercício arbitrário das próprias razões). Exemplo:
Proprietários rurais e MST.
De acordo com entendimento na V Jornada de Direito Civil (08 a 10/11/2011), o
detentor também pode exercer a autodefesa, no interesse do possuidor, conforme
enunciado abaixo:

492. O detentor (art. 1.198 do Código Civil) pode, no interesse do possuidor,


exercer a autodefesa do bem sob seu poder.

Assim, por exemplo, o caseiro que venha a exercer a autodefesa para garantir a
posse do sítio que está sob seus cuidados, visando o interesse do possuidor daquele bem.

24
V Jornada de Direito Civil (2011) – Enunciado 494: No desforço possessório, a expressão “contanto que
o faça logo” deve ser entendida restritivamente, apenas como a reação imediata ao fato do esbulho ou da
turbação, cabendo ao possuidor recorrer à via jurisdicional nas demais hipóteses.
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11 Aspectos processuais das ações possessórias

As ações possessórias estão previstas no Título III – Dos Procedimentos Especiais,


no CPC/15, a partir do art. 554.

a) Prazo decadencial de ano e dia (art. 558, CPC/15).


Ações de força nova: são as ações possessórias ajuizadas dentro do prazo
decadencial de ano e dia. Seguem o procedimento especial no seu início, conforme art.
558 do CPC/15, sendo um processo mais célere e dotado de liminar de caráter satisfativo.
Ações de força velha: são as ações possessórias ajuizadas após o prazo decadencial
de ano e dia. Seguem o procedimento comum, desde o seu início, que tende a ser mais
lento.
O prazo decadencial conta-se da agressão à posse. A posse injusta mediante
violência só se inicia quando essa cessar (art. 1.208, CC). Assim, o prazo decadencial
começa a ser contado a partir do dia em que termina o uso da força e da ameaça. Na posse
injusta mediante clandestinidade, o prazo de ano e dia inicia-se quando o esbulhado,
presumivelmente, puder tomar conhecimento da privação à sua posse, mesmo que tempos
depois. Enquanto não conhecida pelo possuidor, o esbulhador é apenas detentor (art.
1.224, CC).

b) Liminar initio litis nas ações possessórias


As ações possessórias de força nova privilegiam o autor com a medida liminar de
caráter satisfativo e pode ser concedida em dois momentos cronológicos diferentes (art.
562, CPC/15):
 inaudita altera parte: não se ouve o réu, mas o autor deve demonstrar
documentalmente o fumus boni juris, de acordo com os requisitos do art. 561, CPC/15,
com base em juízo superficial de plausibilidade. Não se exige o periculum in mora;
 após audiência de justificação: o réu é citado para comparecimento e o autor
faz prova testemunhal dos fatos alegados na petição inicial e insuficientemente
documentados.
O periculum in mora é dispensado, pois este é um requisito próprio para concessão
de tutela cautelar e, também, pelo fato de que o fundado receio de dano está presumido
quando a ação é proposta no prazo de ano e dia.
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Em se tratando do Poder Público como réu em ação possessória, o pedido da


liminar initio litis só será analisado após audiência de justificação (art. 562, parágrafo
único do CPC/15). Os atos da Administração têm presunção de legitimidade, por isso não
se admite a liminar satisfativa inaudita altera parte neste caso.
Concedida ou não a liminar, após a contestação o processo passa para o
procedimento comum, equiparando-se ao procedimento das ações de força velha (art. 566
do CPC/15). Pode o autor, no caso de não concessão da liminar, e o réu, quando a liminar
for concedida, interpor recurso de agravo de instrumento (art. 1.015, I, CPC/15) e,
sempre que possível, com pedido de efeito suspensivo ou ativo pelo relator (art. 1.019, I
do CPC/15).

c) Tutela de urgência de natureza antecipada (art. 300, CPC/15)25: uma grande


parte dos doutrinadores entende ser possível a tutela antecipada às ações de força velha.
A tutela antecipada é um meio de dar maior efetividade ao processo que segue o
procedimento comum, só podendo atingir o procedimento especial quando haja
compatibilidade (parágrafo único do art. 318, CPC/15).
Assim, a tutela antecipada que se estabeleceu para o processo comum não alcança
as ações especiais, exceto se houver disposição legal expressa neste sentido. Por isso,
outra parte de doutrinadores entende que não deve ser concedida a tutela antecipada nas
ações possessórias de força velha, pois estaria tentando burlar a legislação, uma vez que
perdeu a possibilidade de pedir a liminar initio litis. Esses doutrinadores questionam em
consideração aos requisitos para concessão da tutela antecipada: o juízo de
verossimilhança (elementos que evidenciem a probabilidade do direito, art. 300 CPC/15)
e a alegação de periculum in mora (perigo de dano ou o risco ao resultado útil do
processo, art. 300, CPC/15), demonstráveis pelo reivindicante que perdeu a posse há mais
de ano e dia, sem se opor à nova posse.

d) Juizado Especial (Lei n. 9.099/95): as ações possessórias sobre bens de valor


não superior a 40 salários mínimos poderão ser processadas pelo procedimento
sumaríssimo do Juizado Especial Cível (art. 3º, IV, da Lei n. 9.099/95).

25
O CPC/15 trouxe as tutelas provisórias (art. 294 e seguintes), que se dividem em tutela de urgência e
tutela de evidência. A tutela de urgência pode ser de natureza antecipada (art. 300, § 3º, CPC) ou de
natureza cautelar (art. 301, CPC).
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Quanto ao pedido de liminar prevista no art. 562, CPC/15, há entendimento no


sentido de que não caberá, pela celeridade e concentração inerentes a esses
procedimentos. Todavia, há, também, entendimento de que mesmo em se tratando de
procedimento mais célere, a liminar para as ações de força nova, nesse procedimento, é
possível, não se aplicando, entretanto, a audiência de justificação. A liminar será deferida
ou indeferida.
A doutrina dominante entende que o autor pode optar pelo Juizado Especial, mas
para garantir a ampla defesa e facilitação do acesso ao Judiciário deve optar pela justiça
comum (competência relativa).

e) Competência e valor da causa: para as coisas imóveis o foro é o da situação da


coisa (art. 47, CPC/15) e para as coisas móveis ou semoventes é o foro do domicílio do
réu (art. 46, CPC/15).
Se o pedido possessório for um efeito ou extensão do pedido principal aplica-se a
competência relativa (art. 46, CPC/15), ex.: pedido de resolução de contrato de
compromisso de compra e venda c/c pedido de reintegração de posse.
Não há parâmetros legais para estipulação do valor da causa nas ações possessórias
(art. 292, CPC/15). É possível utilizar, por analogia, o art. 292, IV, do CPC, que
determina observar o valor de avaliação da área ou bem objeto do pedido, ou, ainda, a
estimativa oficial para lançamento de imposto (p. ex., valor venal para fins de IPTU), já
que não há parâmetro legal específico.

f) Legitimidade ativa e passiva: necessariamente o autor deve ter exercido a posse


antes de perdê-la, no caso do esbulho. São legitimados ativos os possuidores diretos e
indiretos.
Quanto à legitimidade passiva, obrigatoriamente serão demandadas as pessoas que
praticaram a agressão à posse alheia. O terceiro que recebeu a posse viciada, sabendo do
vício, também será legitimado passivo (art. 1.212, CC).
O CPC/15 inovou em relação à legitimidade passiva nas ações possessórias
coletivas, isto é, nos casos de ocupação de áreas por grande número de pessoas. Trata-se
de situação em que não é possível identificar pormenorizadamente os réus, ou seja, quem
praticou o ilícito possessório.
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Assim, será feita a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local,
mais a citação por edital dos demais, conforme os §§ 1º e 2º do art. 554 do CPC/15. Esta
citação pessoal será realizada de forma genérica, pois é impossível ao oficial de justiça
realizá-la quando houver uma coletividade. O § 1º do art. 554 do CPC ainda prevê a
necessidade de intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de
hipossuficiência econômica, como na maioria desses casos, será intimada a Defensoria
Pública.
O § 3º do art. 554 do CPC trata de meios complementares de divulgação da ação
possessória, a fim de viabilizar as informações aos ocupantes.
Além disso, o art. 565, CPC/15, regula o litígio coletivo pela posse de imóvel, com
a designação de audiência de mediação antes de deferir a liminar, em ações possessórias
de força velha, bem como a intimação do Ministério Público. A Defensoria Pública
também será intimada quando houver parte beneficiada pela justiça gratuita.
Os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana dos entes estatais
onde se situe a área objeto do litígio também poderão ser intimados para a audiência, a
fim de manifestar interesse no processo e sobre a existência de possibilidade de solução
para o conflito possessório.
O mero detentor não é legitimado passivo para a causa, cabendo-lhe alegar a
ilegitimidade passiva em contestação (art. 337, XI, CPC/15) e, se tiver conhecimento do
sujeito passivo da relação, indicá-lo (art. 339, CPC/15).
Quanto à legitimidade, também é importante à menção ao art. 73, CPC/15, sobre o
litisconsórcio passivo necessário dos cônjuges nas ações que versem sobre direitos reais
imobiliários. As ações possessórias, para a maioria da doutrina e jurisprudência, não são
ações reais (natureza jurídica da posse). Desta forma, não se aplica às ações possessórias
o caput e o § 1º do art. 73, CPC/15, mas apenas o seu § 2º.

g) Natureza dúplice das ações possessórias (art. 556, CPC/15). Dúplices são as
ações em que não se vislumbra predeterminação de legitimação ativa e passiva, isto é, o
autor da demanda pode ser réu e vice-versa. O inverso das ações dúplices são as ações
simples, nas quais “há nítida diferença de atitudes de cada parte: só o autor pede; e o réu
apenas resiste ao pedido do autor. Somente por meio de reconvenção é que se torna
possível ao réu a formulação de pedido contra o autor. Mas aí o que se tem não é mais
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defesa, e sim a propositura de nova ação, dentro dos autos já existentes.” (THEODORO
JÚNIOR, 1998, p. 157)
Assim, o réu da ação possessória pode usar a própria contestação para alegar que a
sua posse é que foi ofendida, e demandar, contra o autor, a proteção possessória.
Há uma ampliação do objeto litigioso, pois o réu formulará um pedido na
contestação. A posse do réu, caso vitorioso terá caráter de coisa julgada, pois a sentença
será formalmente una e materialmente dúplice.
Quanto à possibilidade do réu requerer medida liminar no seu pedido contraposto,
há entendimentos divergentes. Para aqueles que entendem não ser possível, as razões são:
1) por ser desnecessária quando o autor não a obteve liminarmente ou na audiência
de justificação; ou
2) pela preclusão, pois na contestação não cabe pedido de liminar possessória (art.
562, CPC). Neste caso, cabe defender para o réu o pedido de tutela de urgência de
natureza antecipada (art. 300, CPC/15), pois, neste momento (contestação), o
procedimento já passou a ser comum (arts. 564 e 566, CPC) e não há via específica
satisfativa em prol do réu.

h) Fungibilidade das ações possessórias (art. 554 do CPC/15): autoriza a


conversão de uma ação possessória em outra. Trata-se de uma exceção ao princípio da
adstrição ou congruência (arts. 141 e 492, CPC/15), que impede o juiz de decidir além ou
aquém do pedido formulado. Deve o magistrado balizar sua sentença pela pretensão
deduzida e pelos fundamentos jurídicos que a alicerçam.
No caso das ações possessórias o CPC/15 autoriza a conversão de uma ação
possessória em outra, em duas situações:
1. quando a petição inicial equivocadamente descreve a agressão à posse. Em várias
situações a lesão praticada contra a posse não pode ser definida com exatidão, ficando
indeterminado o nome da ação possessória. O juiz pode adaptar a causa de pedir ao
pedido e conceder a proteção adequada.

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INTERDITO


PROIBITÓRIO. FUNGIBILIDADE. MANUTENÇÃO DE POSSE.
LIMINAR.
- À luz do art. 920 do CPC, pleiteada uma espécie de proteção possessória, a
outra pode ser outorgada desde que estejam comprovados os requisitos. Ou
seja, se a parte ao ajuizar a ação rotula-a como interdito proibitório, mas os
fatos narrados caracterizam manutenção de posse, este pode ser conhecido
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como se fosse aquela em razão do princípio da fungibilidade entre as ações


possessórias.
- Ausentes os requisitos, o indeferimento do pleito liminar é medida de rigor.
(MINAS GERAIS, TJMG, 13ª Câmara Cível, AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº 1.0024.13.248077-3/001. Rel. Des. Cláudia Maia. Julgado em 05/12/2013.
Publicado no DJe em 13/12/2013).

2. quando a agressão originária se intensifica no curso da demanda. As situações


fáticas se alteram rapidamente e, o que era uma simples ameaça (interdito proibitório),
pode se converter em turbação e esta terminar em esbulho no curso da ação. Em caso de
concessão de liminar por agressão menos grave que se tornou mais grave, o autor pode
protocolar uma petição narrando a nova situação, pedindo a conversão da medida nos
próprios autos.

i) Cumulação sucessiva de pedidos (art. 555, CPC/15): o pedido possessório


(principal) poderá ser cumulado a outros que não se referem diretamente à defesa da
posse.
Tais pedidos, de acordo com o art. 555 do CPC/15, podem ser: a) condenação em
perdas e danos, b) indenização dos frutos, c) imposição de medida necessária e
adequada para evitar nova turbação ou esbulho, ou, ainda, para cumprir-se a tutela
provisória ou final, como, por exemplo, a fixação de multa diária (astreintes).
A cumulação é sucessiva, isto é, o atendimento desses pedidos subsidiários (art.
555, CPC/15) depende do acolhimento do interdito, pois sua rejeição impede a análise
dos demais.
Trata-se de exceção ao art. 327, § 2º, CPC/15, pois, caso contrário, o autor perderia
a possibilidade de obtenção de liminar no interdito possessório de força nova, frustrando
o seu maior intento.
A sentença será objetivamente complexa, isto é, ao mesmo tempo que é julgada
uma ação possessória, de caráter executivo lato sensu, portanto, sem necessidade de
processo autônomo complementar, os pedidos sucessivos de indenização dependem de
futuro cumprimento de sentença por quantia certa.
A ação possessória de força nova só mantém o procedimento especial se a
cumulação versar os pedidos descritos no art. 555, CPC/15. Se o autor cumular um
pedido de resolução contratual, por exemplo, não poderá obter a liminar possessória (art.
562, CPC) e prevalecerá a regra geral do art. 327, § 2º, CPC/15.
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j) Juízo possessório e juízo petitório: a posse não se confunde com o direito de


propriedade, o que gera uma bipartição do conceito da posse, que pode ser analisada por
dois diferentes aspectos: ius possessionis e ius possidendi.
1) Ius possessionis: é a posse considerada em si mesma (posse autônoma ou
formal), sem se verificar se o possuidor é também titular de direito que lhe atribua a posse
da coisa. O direito tem origem na situação jurídica da posse, enquanto mero exercício
fático de atos semelhantes àqueles que pratica o proprietário. O possuidor tem o direito de
posse pela própria posse considerada autonomamente (direito de posse), ou seja, discute
apenas a posse decorrente de fato jurídico
O ius possessionis ao ser invocado em uma ação judicial faz nascer o juízo
possessório. Neste sentido, o autor não necessariamente é titular do domínio ou de
qualquer outra relação jurídica que alicerce a posse pretendida.
2. Ius possidendi: a posse é tida como decorrência de situação jurídica pré-
constituída (posse causal), como, por exemplo, a propriedade, o usufruto, a locação.
Assim, a faculdade do exercício da posse decorre de direito real ou obrigacional (direito à
posse), e não de um simples poder de fato.
Aqui, o titular, ao lançar mão do ius possidendi na proteção de sua posse, quando
do exercício do direito de ação, instaura um juízo petitório, que tem como base a
propriedade ou outro direito real ou um direito obrigacional. É o caso da ação
reivindicatória, em que se busca a proteção da posse baseada em um direito anterior.
É o direito de posse fundado
Posse autônoma, sem título
Ius possessionis no fato da posse, nesse
(possideo quod possideo)
aspecto externo.

Posse titulada É o direito de posse fundado


Ius possidendi (posse causal) na propriedade (conteúdo de
direito real).

Fonte: TARTUCE, 2017.

Assim, o proprietário pode se valer tanto do juízo possessório quanto do juízo


petitório para recuperar sua posse.
Já o possuidor não-proprietário (mero possuidor) só pode se valer do juízo
possessório. E, o proprietário que ainda não teve posse, ou seja, foi impedido de exercer
qualquer dos poderes inerentes à propriedade (art. 1.196 c/c art. 1.228, CC), só pode se
valer do juízo petitório, discutindo apenas o direito de propriedade para obter a posse.
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Essa bipartição gera uma condição processual suspensiva, isto é, no transcurso da


ação possessória (da citação ao trânsito em julgado), as partes ficam impedidas de ajuizar,
entre si, qualquer ação fundada no domínio, ante a absoluta separação dos juízos
analisados, conforme prescreve o art. 557, CPC/15. “A consequência prática da proibição
é que poderá o possuidor não proprietário, desde que ajuíze ação possessória, impedir a
recuperação da coisa pelo seu legítimo dono, pois este ficará impedido de recorrer à
reivindicatória até que a possessória seja definitivamente julgada”. (GONÇALVES, 2017,
p. 142).
O resultado da ação possessória não tem qualquer relevância no resultado de
eventual ação petitória, podendo o possuidor vitorioso naquela vir a ser derrotado nesta e
vice-versa.
A razão de se proibir a cumulação entre ações possessórias e petitórias reside na
necessidade de evitar duas sentenças contraditórias: o possessório, determinando a
entrega do bem ao possuidor; o petitório, determinando exatamente o oposto.
O art. 557 do CPC/15, todavia, permite que o autor ou o réu ajuíze ação de
reconhecimento de domínio contra terceiro. Pode o juiz entender que, embora não se trate
de conexão (art. 55, CPC), haverá repercussão externa, o que, provavelmente, levará à
reunião desses processos, pois o reconhecimento de domínio em face de terceiro pode ter
influência na ação possessória.

k) Exceção de domínio: conforme a bipartição entre juízo possessório e petitório,


percebe-se que no juízo possessório não se pode discutir a propriedade, pois a causa de
pedir e o pedido versam apenas sobre a posse (direito de posse) como fato jurídico.
Desta forma, a alegação (ou exceção) de domínio ou qualquer outro direito real ou
obrigacional no juízo possessório, não impede que a posse seja deferida para quem tem
apenas o direito de posse (ius possessionis). Portanto, é vedada a alegação de domínio no
juízo possessório.
O CC/2002, no seu art. 1.210, § 2º, confirma expressamente a proibição da
exceção de domínio, o que também é afirmado no parágrafo único do art. 557, CPC/15.
Ressalva apenas para a Súmula 487 do STF: “Será deferida a posse a quem
evidentemente tiver o domínio, se com base neste for ela disputada” (1969). Assim, é
possível discutir domínio/propriedade no juízo possessório, apenas se, com base na
propriedade for a posse discutida.
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PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE


DIVERGÊNCIA. AÇÃO POSSESSÓRIA. DISCUSSÃO SOBRE O
DOMÍNIO. SÚMULA 487/STF. AUSÊNCIA DE DIVERGÊNCIA
INTERPRETATIVA. PECULIARIDADES DO ACÓRDÃO EMBARGADO.
SIMILITUDE FÁTICO-JURÍDICA NÃO VERIFICADA.
1. (...)
2. A rigor, não se encontra dissenso interpretativo nos acórdãos confrontados,
pois, em ambos, admite-se a discussão do domínio, em Ação Possessória, se
com base nele a posse estiver sendo disputada.
3. A propósito, no voto condutor do acórdão embargado, a eminente Ministra
Isabel Gallotti expressamente consignou a aplicabilidade da Súmula 487/STF:
"Corroborando essa afirmação, a sentença esclarece que ambos os litigantes
disputam a posse com base em títulos exarados pela União, passando, então, a
examinar a exceção de domínio (fl. 555), a qual resolveu em favor do Estado.
(...) Segundo a súmula 487 do STF, "será deferida a posse a quem,
evidentemente, tiver o domínio se com base neste for disputada".
4. Para que estivesse configurada a similitude fático-jurídica, ambas as decisões
teriam que versar sobre a possibilidade, em Ação Possessória, de discussão do
domínio útil lastreado em aforamento, instituto, entretanto, que não fora
apreciado no acórdão paradigma.
5. Acrescente-se que o caso em tela apresenta peculiaridades não constatáveis
no acórdão paradigma, a exemplo da controvérsia acerca do título jurídico
concedido pela União, em relação ao imóvel objeto do litígio.
6. Agravo Regimental não provido.
(BRASILIA, STJ, Corte Especial. AgRg nos EREsp n. 471172 / SC. Rel. Min.
Herman Benjamin. Julgamento em 04/03/2015. Publicado no DJe em
07/05/2015).

Portanto, quando autor e réu discutirem a posse, no juízo possessório, ambos


argumentando com base na propriedade, a proteção possessória será deferida àquele que
provar a propriedade ou outro direito sobre a coisa em litígio.

ATIVIDADE COMPLEMENTAR: Pesquise sobre a legitimação da posse e a


legitimação fundiária, ambas previstas na Lei n. 13.465/17.
Escreva um artigo, em até três laudas, estabelecendo as diferenças dos dois institutos,
expondo finalidade, natureza jurídica, requisitos e importância para a regularização
fundiária.
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12 Outras ações possessórias

a) Ação de imissão de posse


Esta ação era contemplada no CPC de 1939, nos arts. 381 a 383, como ação
possessória.

Art. 381– Cabe esta ação nos seguintes casos:


I – aos adquirentes de bens, para haverem a respectiva posse, contra alienantes
ou terceiros, que os detenham;
II – aos administradores e demais representantes das pessoas jurídicas de
direito privado, para haverem dos seus antecessores a entrega dos bens
pertencentes à pessoa representada;
III – aos mandatários, para receberem dos antecessores a posse dos bens do
mandante.

O adquirente poderia dela se valer contra o alienante ou terceiros que, em seu


nome, estivessem na posse da coisa adquirida. As hipóteses eram numerus clausus no
CPC/1939 e o autor deveria fazer prova da propriedade ou da posse.
O CPC/1973 e o CPC/15 não a incluíram entre as ações possessórias nem a
previram expressa e nominadamente.
Atualmente entende-se que a pretensão à imissão da posse é um direito do titular da
propriedade, baseado nos arts. 1.204 e 1.228, CC, conferindo-lhe direito de ter a posse da
coisa.
Tendo em vista que o CPC/15 não a trata como ação possessória, muito menos lhe
indica procedimento especial, atualmente essa ação segue o procedimento comum, ante a
inexistência de previsão legal que estabeleça o procedimento especial.
É possível a concessão de tutela de urgência de natureza antecipada, com base no
art. 300, CPC/15, uma vez preenchidos os requisitos para tanto.
A ação de imissão na posse também é considerada ação de domínio. Assemelha-se
às ações possessórias quanto ao pedido (posse), mas não quanto à causa de pedir
(domínio). Direito à posse (ius possidendi).
A pretensão do adquirente é a de obter a posse que nunca teve, ou seja, conseguir a
posse real e concreta da coisa pela primeira vez.
Legitimidade ativa: adquirente de coisa, por meio de contrato entre vivos (art. 481,
CC) ou por meio de arrematação de bem em hasta pública ou outras formas de aquisição.
Legitimidade passiva: alienante ou terceiro que possui a coisa em nome e por
determinação deste, os quais se recusam a entregá-la ao recém adquirente.
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É uma ação executiva lato sensu, uma vez que a sentença de procedência não exige
posterior cumprimento, conforme procedimento específico, sendo cumprida mediante a
expedição de mandado de imissão de posse, independentemente de citação do réu para
cumprimento da decisão judicial.

b) Ação de nunciação de obra nova


Esta ação estava regulada nos artigos 934 a 940 do CPC/73, seguindo procedimento
especial. Entretanto, não possui previsão expressa no CPC/15.
São três as hipóteses de cabimento da ação de nunciação de obra nova (art. 934,
CPC/1973):
a) Fundada no direito de vizinhança, para impedir a edificação de obra nova em
imóvel vizinho que lhe prejudique o prédio, suas servidões ou fins a que é destinado.
b) O condômino para impedir a execução de obra, pelo coproprietário, que visa a
alterar ou a prejudicar a coisa comum;
c) O Município, para impedir que o particular construa em desrespeito a lei ou
regulamento.
Não se trata de ação possessória propriamente dita. O seu objetivo é defender a
posse como exercício de poderes fáticos sobre a coisa, impedindo a construção, mesmo
que no momento atual ainda não exista o dano, mas bastando antever algum resultado
turbativo no caso sua construção. Ex.: art. 1.301, Código Civil.
Considerando que a pretensão se refere à uma obrigação de não fazer, deverá o
interessado buscar o procedimento comum, baseado no seu direito de posse ou
propriedade, não comportando mais o procedimento especial.
É legitimado ativo o possuidor, proprietário, condômino e o município (segurança).
O legitimado passivo é o dono da obra prejudicial.
A causa de pedir é a irregularidade da obra inacabada do imóvel vizinho. O pedido
é o embargo da obra, cabendo, ainda, pedido complementar para reconstrução,
modificação ou demolição (total ou parcial) da obra.
Só cabe essa ação se a obra vizinha está em vias de construção. Se já foi concluída
ou está em fase final, como na pintura, não cabe a ação para embargá-la26.

26
Há entendimento em sentido contrário, preconizando o aproveitamento da ação como demolitório, já que,
concluída a obra não há o que embargar. Após a conclusão da obra o vizinho tem prazo decadencial de ano
e dia, após a conclusão da obra, para pedir sua demolição (art. 1.302, CC).
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c) Ação de dano infecto


Causa de pedir: fundado receio de que o prédio vizinho em ruínas cause prejuízos.
O seu fundamento está nos arts. 1.277 e 1.280, CC. É uma ação preventiva, de caráter
cominatório, mas devido à proteção que confere ao possuidor é tida como possessória
(não específica). A diferença em relação à ação de nunciação de obra nova é que a ação
de dano infecto refere-se à “obra velha”.
Exige-se, neste caso, o estado de deterioração ou de vício de construção,
caracterizando um risco iminente ao imóvel vizinho. A pretensão do autor é a de que o
proprietário do prédio vizinho preste caução para garantia de eventual indenização quanto
à realização de eventuais reparos que vierem a ser necessários, se produzidos os danos
previstos.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DANO


INFECTO/DEMOLITÓRIA - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA -
REJEIÇÃO - PLANTAÇÃO DE EUCALIPTOS - PROPRIEDADE VIZINHA
- RISCO DE DANO A EDIFICAÇÕES E PESSOAS - RETIRADA
NECESSÁRIA - DISTÂNCIA SEGURA APURADA EM PERÍCIA -
DIREITO DE CONSTRUIR - OBSERVÂNCIA ÀS NORMAS
AMBIENTAIS.
Qualquer proprietário de imóvel em condomínio, voluntário ou legal, possui
legitimidade para pleitear a proteção de sua propriedade, independentemente de
participação ou autorização dos demais condôminos, como ocorre entre
cônjuges cujo regime de bens não é o da separação.
Comprovando-se nos autos, por meio de perícia técnica, que os eucaliptos
plantados na propriedade do réu constituem risco de dano a edificações e
pessoas na propriedade do autor, impõe-se a retirada das árvores de acordo com
a distância segura fixada pelo Perito e em atenção às normas relativas ao direito
de construir, observando-se, ainda, as normas ambientáveis aplicáveis ao caso.
(MINAS GERAIS, TJ, 10ª Câmara Cível, AC n. 0009952-
46.2014.8.13.0043/Areado, Rel. Des. Veiga de Oliveira. Julgado em
20/09/2016)

Legitimidade ativa: possuidor ou proprietário do prédio ameaçado.


Esta ação não foi regulamentada expressamente pelo CPC/15, seguindo, portanto, o
procedimento comum.
O art. 1.228, § 2º, CC trata dos atos emulativos relacionados à propriedade (abuso
de direito). Caso a obra em execução se enquadre nesta situação, admissível a propositura
de ação com pedido de obrigação de não fazer cumulada com a cominação de multa, na
forma do art. 497, CPC/15.
Na ação de dano infecto não há, necessariamente, o elemento subjetivo intencional
de causar prejuízo.
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d) Embargos de terceiro
É ação de procedimento especial, prevista nos arts. 674 ao 681, CPC/15, destinada
àquele que, não sendo parte num processo de conhecimento, em cumprimento de
sentença ou de execução, sofre turbação ou esbulho da posse de seus bens, em
decorrência de determinação judicial.
É admitida a oposição de Embargos de terceiro pelo promitente comprador do
imóvel, ainda que o contrato não esteja registrado, nos termos da Súmula 84 do STJ.
O seu objetivo é a desconstituição da constrição judicial desfavorável ao terceiro.

AGRAVO DE INSTRUMENTO - EMBARGOS DE TERCEIRO -FRAUDE


À EXECUÇÃO - ALIENAÇÃO DO BEM IMÓVEL ANTES DO REGISTRO
DA PENHORA - BOA FÉ DOS TERCEIROS ADQUIRENTES
PRESUMIDA - INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 375 DO STJ -
APRESENTAÇÃO DAS DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA -
POSSIBILIDADE
- Conforme jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça ausente
o registro anterior da penhora, cumpre ao exequente a prova da má-fé
dos terceiros adquirentes, tendo em vista que nessa hipótese a sua boa fé é
presumida.
- Nos termos da súmula 375 do STJ "O reconhecimento da fraude à execução
depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do
terceiro adquirente."
- Não existe óbice para os agravantes/embargantes apresentarem suas
declarações de imposto de renda do período de 2002 a 2010, mormente o ônus
da parte exeqüente/embargada em ter que comprovar a alegada má fé
dos terceiros adquirentes.
(MINAS GERAIS, TJ, 11ª Câmara Cível, AI n. 0969339-
67.2012.8.13.0000/Uberaba, Rel. Des. Selma Marques. Julgado em
13/11/2014)

É ação possessória (mas não em sentido estrito), pois é o meio normal para o
terceiro defender sua posse. Seu fundamento pode ser, inclusive, a posse em si mesma
considerada, ou seja, o ius possessinis. Por outro lado, os embargos de terceiro também
podem ter como fundamento o domínio e, até mesmo, direitos de natureza creditória.
Desta forma, os embargos de terceiro podem comportar lides envolvendo o ius
possessionis ou o ius possidendi.
Sendo os embargos julgados procedentes, o juiz mandará expedir o mandado de
manutenção ou reintegração de posse.

e) Embargos de retenção por benfeitorias


Trata-se de instrumento processual de defesa da posse, disciplinado no art. 1.219,
CC e art. 917, IV, §§ 5º e 6º, CPC/15.
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São cabíveis os embargos de retenção por benfeitoria ao possuidor de boa-fé, que


tem de devolver a coisa alheia, mas que nesta realizou benfeitorias úteis ou necessárias,
em decorrência das quais tem direito à indenização pelo valor a elas correspondente.
O seu objetivo é suspender a efetiva devolução de determinado bem que se encontra
na posse do possuidor de boa-fé, até que seja efetivado o reembolso pelas benfeitorias.
Desta forma, visa impedir a execução de pronunciamento judicial de entrega de
coisa alheia.
O prazo para interposição dos embargos é o do art. 915, CPC/15, ou seja, 15 dias a
contar na forma do art. 231 do CPC/15 (em geral, da data da juntada aos autos do
mandado de intimação para entrega da coisa).
Os embargos poderão ser recebidos no efeito suspensivo, se relevantes os
fundamentos e o prosseguimento da execução puder causar dano de difícil ou incerta
reparação (art. 919, § 1º, CPC/15).
O embargante (possuidor de boa-fé) não precisa garantir o juízo com a penhora,
depósito ou caução, pois a sua intenção é exatamente a conservação da coisa alheia. Por
outro lado, o embargado poderá obter a posse do bem desde que preste caução ou
deposite o valor do crédito pretendido.
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III PROPRIEDADE

1 Introdução

Por muito tempo o Direito das Coisas manteve-se fiel à tradição romana e aos
princípios individualistas. O direito de propriedade é reconhecido como o mais
importante e mais sólido de todos os direitos subjetivos outorgados ao indivíduo.
Entretanto, esse direito vem sofrendo profundas alterações. O primeiro fator para
isso é a preponderância do interesse público sobre o privado. Assim, antes a propriedade
era entendida, simplesmente, como a relação privada e individual, de caráter sagrado e
absoluto. Não havia qualquer restrição ao livre exercício desse direito pelo proprietário
(usar, gozar e dispor da coisa). As legislações proclamavam a intangibilidade do domínio
(direito absoluto).
Atualmente, verifica-se que, gradativamente, a concepção individualista foi se
modificando, reconhecendo o interesse público sobre o privado. O interesse público, de
conteúdo social, veiculado através do direito constitucional e do direito administrativo,
aos poucos foi destruindo os direitos absolutos do proprietário.
Neste desenvolvimento histórico do direito de propriedade, também contribuíram
os progressos do socialismo. Assim, a CR/88 (art. 5º, XXIII e 170, III) prevê a função
social da propriedade e o CC/2002 condena o abuso de direito (art. 187), especificamente
do direito de propriedade (art. 1.228, § 2º). Desta forma, o proprietário pode usar a coisa,
mas sem ferir os direitos dos outros cidadãos. Ex.: plantar árvores, sem aparente utilidade
para o proprietário, apenas para tolher a vista panorâmica do vizinho (ato emulativo - Art.
1.228, §§ 1 e 2, CC).
Assim, a propriedade, hoje, com o atributo da função social, tem de ser geradora
de novas riquezas, de mais trabalho e emprego, tornando-se apta a concorrer para o bem
geral do povo.

2 Histórico do direito de propriedade

No início das civilizações as propriedades tinham feição comunitária. Ex.: índios


brasileiros ao tempo da descoberta, em que prevalecia o domínio comum das coisas úteis
entre os que habitavam a mesma oca. A propriedade individual era reservada apenas a
61
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certos móveis, como redes, armas e utensílios de uso próprio. O solo pertencia a toda a
tribo.
Assim, a propriedade coletiva foi dando lugar à propriedade privada.
Na Idade Média o principal centro da propriedade eram os feudos, ou seja, a
propriedade era dos senhores feudais e os vassalos tinham o usufruto condicional. Com o
passar do tempo, a propriedade sobre os feudos tornou-se perpétua e transmissível pela
linha masculina. No Brasil, pode-se identificar os feudos nas capitanias hereditárias.
No final do século XVIII vem o fim do feudalismo e a Revolução Francesa
(1789), com o início do Estado Liberal. Neste, a propriedade privada passou a ter o
caráter absoluto, sem a intervenção do Estado nas relações privadas.
Atualmente, pode-se dizer que a configuração da propriedade depende do regime
político adotado pelo país. Entretanto, o que se percebe cada vez mais fortemente, é que a
propriedade individual vem sofrendo restrições, perdendo seu caráter absoluto. Há
limitações oriundas da própria natureza do direito de propriedade ou imposição legal,
como por exemplo: preservação do meio ambiente (art. 225, CF), do patrimônio histórico
(tombamento; art. 216, CF); proteção de áreas indígenas (art. 232, CF); restrições
relativas ao direito de vizinhança, etc.
A finalidade dessas restrições é coibir abusos ou impedir que o direito de
propriedade acarrete prejuízo ao bem-estar social, permitindo, assim, o exercício da
função social da propriedade.

3 A mudança de paradigma: a visão liberal e individualista do direito de


propriedade e a nova visão27

Como exposto acima, a propriedade fundamenta-se em um conceito romano e


liberal, baseado na apropriação individual. Neste sentido é vista como uma manifestação
interna do indivíduo. É absoluta porque corresponde à natural vocação do indivíduo de
conservar e fortalecer o que é seu.
No século XIX começa um forte movimento de codificação. O primeiro Código
Civil brasileiro (1916) foi influenciado pelos conceitos liberais, concretizados no Código
Napoleônico (1804) de caráter individualista (autonomia da vontade; liberdade da

27
Baseado no capítulo 5 – A função social da propriedade – do livro de Gilberto Bercovici, Constituição
econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988.
62
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propriedade e contratual). Assim, também no CC/1916, a propriedade foi conceituada


como estrutura do direito subjetivo do proprietário.
Em 1918 inicia a “evolução do Direito moderno”, evidenciando, principalmente, a
relativização dos direitos privados pela sua função social. O bem-estar coletivo passa a
ser também responsabilidade do indivíduo. A autonomia da vontade deixou de ser um
valor em si, devendo ser dirigida à realização de interesses e funções socialmente úteis.

3.1 Função social

A função social da propriedade se modifica com as mudanças nas relações


produtivas, transformando a propriedade capitalista, sem socializá-la. Trata-se de um
instituto jurídico capaz de mudar a própria natureza econômica, sem que haja qualquer
modificação da lei, exemplo disso é o art. 1.228, CC/2002, que possui redação quase
idêntica ao art. 524, CC/1916.
É uma mudança de mentalidade, pois o exercício do direito de propriedade deixa
de ser absoluto. Entretanto, não tem inspiração socialista. É um conceito próprio do
regime capitalista, que legitima o lucro e a propriedade privada dos bens de produção.
Assim, a função social passou a integrar o conceito de propriedade, justificando-a e
legitimando-a.
Na Constituição de Weimar (1919) a propriedade privada deixou de ser um direito
inviolável e sagrado. “A propriedade obriga”. A Constituição de Weimar influenciou a
Constituição Brasileira de 1934.
A função social é o poder de dar à propriedade determinado destino, de vinculá-la
a um objetivo. A expressão “social” indica o interesse coletivo. No atual Código Civil a
função social pode ser encontrada nos artigos 421 (contratos); 1.228 e seus parágrafos
(propriedade); parágrafo único do art. 2035 (negócios jurídicos).

3.2 Desenvolvimento histórico da propriedade no Brasil

Pode-se iniciar o desenvolvimento histórico da propriedade no Brasil pelas


capitanias hereditárias (séc. XVI). O Rei de Portugal deixou a cargo dos particulares a
ocupação e defesa da colônia, mas não concedeu a propriedade do solo.
63
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Divisão das capitanias hereditárias

Fonte: Site - http://www.historiadetudo.com/capitanias-hereditarias

Após essa fase, surgiram as sesmarias, importadas de Portugal. Naquele país elas
se originaram para solucionar uma crise de abastecimento, no século XIV (1375).
“Aquele que não cultivasse ou arrendasse suas terras as perderia, devendo estas ser
distribuídas a outros, tendo em vista o interesse coletivo do Reino. Visavam impedir o
esvaziamento do campo e o desabastecimento das cidades” (BERCOVICCI, 2005). Eram
gratuitas e condicionadas (exigia-se o aproveitamento), sujeitas apenas ao dízimo para
propagação da fé (incidia sobre a produção).
O sistema sesmarial foi transposto, no início do século XVIII, sem adaptação à
realidade brasileira, o que gerou consequências opostas. A necessidade de ocupação e as
possibilidades comerciais do açúcar fizeram a Metrópole desconsiderar o cumprimento
das exigências legais. As concessões não possuíam limites, sendo concedidas áreas
imensas; o mesmo colono, às vezes, era contemplado mais de uma vez. Teve início um
mercado ilegal de compra e venda de sesmarias.
64
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As sesmarias também foram doadas para os criadores de gado, que foram se


deslocando para o interior. A interiorização também se deu com a mineração.
No final do século XVII houve um aumento da emigração para o Brasil. Portugal
tenta aumentar o controle sobre as terras, adotando, por exemplo, o registro da carta de
concessão e pagamento do foro pelos concessionários (incidia sobre as terras). O objetivo
era desestimular a improdutividade, mas o foro era sonegado.
No século XVIII os pedidos de sesmaria seguiam-se à ocupação de fato, o que
gerou uma apropriação desordenada e muitas vezes não regularizadas. Com a ocupação
desordenada e irregular, a Metrópole corria o risco de doar sesmarias já doadas ou
ocupadas e não regularizadas.
No século XIX, boa parte dos latifundiários era de meros ocupantes, sem título
legítimo de domínio. Assim, em julho de 1822, D. Pedro I baixou uma resolução que
suspendia todas as sesmarias. Essa atitude sofreu influência de José Bonifácio de
Andrada e Silva, que foi um severo crítico do regime sesmarial, propugnando, naquela
época pela sua extinção e por uma reforma agrária. Conforme proposta de José Bonifácio:
a) todas as terras doadas por sesmarias que se achassem não cultivadas,
deveriam entrar novamente na “massa dos bens Nacionais”, ficando aos cessionários da
terra não mais que meia légua quadrada28.
b) Os que tivessem apenas posse ficariam apenas com a parte já cultivada.
c) As sesmarias seriam vendidas em pequenos lotes.
Entre 1822 e 1850 não se elaborou uma legislação específica sobre a política de
terras. Assim, predominou no Brasil a aquisição pela posse, especialmente de grandes
latifúndios, que se estendiam até os limites de outro latifundiário. Por meio da Lei n.
581/1850, conhecida por Lei Eusébio de Queiroz, estabeleceu-se medidas de repressão ao
tráfico negreiro, começando, então, a discussão referente à transição para o trabalho livre,
mas sem traumas para a grande lavoura, estimulando-se, assim, a imigração e a
colonização.
A Lei n. 601/1850, conhecida como Lei de Terras, instituiu inovações quanto à
aquisição de terras:
a) as sesmarias ou concessões cultivadas seriam revalidadas;

28
Meia légua quadrada equivale a 2.178 hectares. 1 hectare equivale a 10.000 metros.
65
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b) as posses mansas e pacíficas (não contestadas judicialmente) seriam


legitimadas desde que cultivadas ou houvesse princípio de cultura e morada habitual do
posseiro;
c) em casos de disputa entre sesmeiros e posseiros, o critério mais importante
seria o de favorecer aquele que efetivamente cultivou as terras;
d) foi criada a Repartição Geral das Terras Públicas, encarregada de dirigir a
medição, divisão e descrição das terras devolutas29 e sua conservação, além de fiscalizar
sua venda e distribuição e promover a colonização nacional e estrangeira.
No entanto, a Lei de Terras foi um fracasso, pois poucas terras foram demarcadas
e vendidas, inviabilizando a imigração e a colonização.
Em 1889 ocorre a proclamação da República e a instituição do federalismo.
Inicia-se uma disputa entre o Governo Provisório e as antigas Províncias (Estados) em
torno das terras devolutas. A Constituição de 1891 definiu que essas terras passassem
para os Estados.
Os Estados adaptaram a Lei de 1850 aos interesses dos grandes posseiros,
transformando-os em proprietários. Desta forma, aumentou a manobra e o poder de
pressão dos latifundiários locais, também conhecidos por “coronéis”.
Os grandes posseiros, além do poder armado de jagunços e capangas contavam
com a conivência das autoridades estaduais para expulsar os pequenos posseiros,
mantendo-se por longo tempo nas terras e as adquirindo. Esta é a causa profunda, entre
outras, de episódios como Canudos.

3.3 Reforma agrária no Brasil

Em 1930, sob a influência do Estado do Bem-Estar Social (prestador de políticas


públicas), a sociedade passa a exigir medidas que acabem ou suavizem a concentração de
terras, tendo em vista as desigualdades sociais causadas pela má distribuição fundiária.
Entre 1930 e 1964, a reforma agrária foi amplamente reivindicada. Seu
fundamento básico é a função social da propriedade, tendo em vista que a terra é um meio

29
Terras devolutas são terras públicas sem destinação pelo Poder Público e que em nenhum momento
integraram o patrimônio de um particular, ainda que estejam irregularmente sob sua posse. O termo
"devoluta" relaciona-se ao conceito de terra devolvida. (CÂMARA DOS DEPUTADOS).
No período colonial, quando o cessionário não preenchia as condições da concessão por sesmaria, as terras
voltavam para a Coroa, isto é, eram devolvidas (devolutas). A partir da Lei de Terras (1850) passou-se a
compreender terra devoluta como a terra vaga, inculta.
66
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de produção. A reforma agrária é um processo de mudança da estrutura fundiária,


necessariamente amplo, pois precisa beneficiar parcela significativa da população sem
terra. O seu cerne é a redistribuição da propriedade. É um processo redistributivo de
renda.
Desde Getúlio Vargas (1930) planeja-se a reforma agrária. As Constituições de
1934 e 1946 já traziam dispositivos que podiam ser interpretados como função social da
propriedade.
No governo de Juscelino Kubitschek o cerne é a industrialização, mas de forma
indireta a questão agrária foi enfrentada através da problemática das desigualdades
regionais, notadamente no Nordeste. A experiência da SUDENE objetivava um
planejamento global que regulasse o uso da terra e combatesse o latifúndio improdutivo,
através de condições que modificassem a estrutura fundiária.
Algumas leis foram criadas como políticas públicas para a reforma agrária: Lei
4.132/63 (desapropriação por interesse social); Lei 4.214/63 (Estatuto do Trabalhador
Rural); criação da Superintendência para Reforma Agrária.
Em 1963, o presidente João Goulart encarrega Celso Furtado de elaborar um
plano de desenvolvimento, denominado “Plano Trienal”, que reconhecia a estrutura
agrária da época como grave empecilho à aceleração do desenvolvimento econômico
nacional. Sob o regime militar é promulgada a Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra), como
projeto de reestruturação do setor agrário. Sua tônica principal era o combate ao
minifúndio e latifúndio improdutivos, mas a prioridade deveria ser a modernização e o
aumento da produtividade do setor rural. Assim, houve um forte estímulo para a produção
agropecuária adotar a organização empresarial, a fim de obter facilidades creditícias.
Entretanto, preocupando-se mais com a modernização das atividades
agropecuárias, acabou sendo apenas um instrumento de legitimação do regime militar.
A Constituição de 1988 prevê a desapropriação por interesse social, para fins de
reforma agrária do imóvel rural que não cumprir sua função social (art. 184), prevista no
art. 186. O art. 185 estabelece os imóveis que são insuscetíveis de desapropriação para
reforma agrária.
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ATIVIDADE COMPLEMENTAR:

1. Ler o texto “Como a divisão de terras de 1850 perpetua a desigualdade racial no


Brasil”, de Luiza Pollo. Disponível em:
<https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/07/18/como-a-divisao-de-terras-desde-
1850-perpetua-desigualdade-racial-no-brasil.htm>

2. Assistir ao episódio 1 “The racial wealth gap” (A diferença de riqueza entre brancos e
negros) da série de documentários Explained (Explicando) – 1ª Temporada, disponível
na Netflix ou no Youtube (https://www.youtube.com/watch?v=Mqrhn8khGLM). 16
minutos.

3. Com base nas atividades 1 e 2 acima, elabore uma análise crítica, em no máximo duas
folhas, sobre a desigualdade racial pautada pelo acesso desigual de terra e moradia nos
municípios de Contagem e Belo Horizonte. Utilize, inclusive, dados estatísticos para os
municípios indicados, tendo como referência a pesquisa citada no texto acima (disponível
em: <https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-humanas/negros-e-brancos-de-alta-renda-
moram-em-locais-distantes-e-distintos/>).

4 Fundamento jurídico da propriedade

Discute-se sobre a legitimidade do proprietário, ou seja, o que fundamenta o ser


humano ter propriedade30. Para isso, algumas teorias são abordadas:
a) Teoria da Ocupação: os autores que seguem esta corrente, entendem que o
fundamento da propriedade está na ocupação de bens ainda não apropriados por ninguém
(res nullius). É a teoria mais antiga, com origem no direito romano. Todavia, apenas a
ocupação não pode gerar o direito de propriedade, pois é apenas modo de aquisição da
propriedade primitiva. Desta forma, a teoria da ocupação seria justificativa da
propriedade antes do ordenamento do Estado, pois com o seu advento é ele quem

30
“Tem sido objeto de larga controvérsia entre juristas, filósofos e sociólogos o fundamento jurídico da
propriedade. Em todos os tempos, muito se discutiu sobre a origem e a legitimidade desse direito”.
(GONÇALVES, 2015, p. 242)
68
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determina e organiza a propriedade. Assim, a propriedade e os demais institutos jurídicos


têm como denominador a Lei. É necessária a lei para organizar a propriedade e incluir a
ocupação como modo aquisitivo de propriedade. Caso contrário, a ocupação violenta,
tanto interna como externa seria fundamento da propriedade de várias áreas.
b) Teoria da Lei: adeptos desta teoria, como Montesquieu e Bentham, entendem
que a lei (direito positivo) é o fundamento da propriedade. A crítica a essa teoria é que a
propriedade não pode se fundar apenas na vontade humana, no caso, a vontade do
legislador, porque ele poderia ser levado a suprimi-la. Outra crítica é que a propriedade
sempre existiu, mesmo antes de ser regulamentada pela lei.
c) Teoria da especificação ou do trabalho: defendida pelos economistas, como
Locke, entende que o título legítimo de propriedade só seria alcançado com o trabalho, ou
seja, a transformação de bens da natureza, pelo trabalho do homem, dando forma à
matéria bruta. Essa teoria também é bastante criticada: o homem deve ser recompensado
pelo seu trabalho com salário, e não com o objeto por ele produzido; o trabalho de várias
pessoas concentrado sobre uma mesma coisa, daria origem a múltiplas propriedades; a
“propriedade coletiva de trabalhadores” levaria à privação do proprietário dos meios de
produção, que não participou com seu trabalho. “A teoria em tela, embora tenha inspirado
os regimes socialistas no início do século passado, não pode ser aceita, porque não
responde à dúvida sobre se deve existir a propriedade, procurando apenas resolver quem
deve ser o proprietário”. (GONÇALVES, 2015, p. 243).
d) Teoria da natureza humana: “a propriedade é inerente à natureza do homem,
sendo condição de sua existência e pressuposto de sua liberdade. É o instinto da
conservação que leva o homem a se apropriar de bens seja para saciar sua fome, seja para
satisfazer suas variadas necessidades de ordem física e moral.” (DINIZ, 2004, p. 115).
Desta forma, o homem transforma em direitos (normas jurídicas) os seus autênticos
interesses, que passam a ser assegurados pela sociedade, defendendo a propriedade
individual.
Essa é a teoria com mais adeptos e é a acolhida pela Igreja Católica, como direito
natural, conforme se depreende das encíclicas papais:

Pio XI, na Encíclica Quadragésimo Ano, afirma que “o direito de possuir bens
individualmente não provém da lei dos homens, mas da natureza; a autoridade
pública não pode aboli-lo, porém, somente regular o seu uso e acomodá-lo ao
bem do homem”. (GONÇALVES, 2015, p. 244)
69
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Assim, conforme a teoria da natureza humana, a propriedade nasceu para atender às


necessidades do homem, de sua família e, em última instância, à própria sociedade. Essa
teoria também fundamenta os setores extremados a pregar, aos que nada possuem, o
dever de reivindicar, ainda que pelo uso da força, a sua parte, justificando o esbulho e
demais atentados contra a propriedade. Porém, compete ao legislador regular o exercício
da propriedade desde que os homens se organizaram em Estado.
70
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5 Características do direito de propriedade

O direito de propriedade é considerado um direito subjetivo patrimonial31. Direito


subjetivo é aquele poder do indivíduo de satisfazer interesses próprios (facultas agendi),
concretizando o comando legal abstrato (norma agendi). Patrimonial, pois suscetível de
avaliação econômica.
É, também, um direito complexo, pois consiste em um feixe de atributos
consubstanciados nas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa (art. 1.228).

5.1 Propriedade e domínio

Alguns autores diferenciam as expressões “propriedade” e “domínio”32:


propriedade, do latim proprium – aquilo que me pertence, abrangeria todos os direitos
que formam nosso patrimônio, todas as situações jurídicas aferíveis pecuniariamente
(bens corpóreos e incorpóreos); domínio, do latim domus (casa), é mais restrito, relativo
apenas aos bens corpóreos, coisas tangíveis.
O Código Civil/1916 alternava os vocábulos indiscriminadamente, ou seja, os
tratava como sinônimos. O Código Civil atual adota somente o termo propriedade. Pode-
se afirmar que o CC/2002 trata a propriedade apenas como a relação entre pessoa e coisa
(corpóreo). Assim, o objeto da propriedade no CC/2002 é o bem certo, determinado e
tangível.
Entretanto, o ordenamento jurídico brasileiro refere-se à propriedade tanto de
bens corpóreos como incorpóreos, haja vista que a regulamentação dos bens imateriais
está disciplinada em leis esparsas.
Na Constituição Federal o termo propriedade é amplo, significando qualquer
espécie de bem aferível patrimonialmente, tutelando diversas formas de propriedade:
direito real, direitos pessoais de conteúdo patrimonial. Assim, por exemplo, o inciso
XXII, do art. 5º - bens corpóreos e incorpóreos, desde que redutíveis a dinheiro.

31
O direito obrigacional também é um direito subjetivo patrimonial.
32
Sílvio de Salvo Venosa, por exemplo, entende ser a expressão propriedade voltada apenas para os bens
corpóreos (NCC) e domínio para os bens incorpóreos (direitos autorais – ex.: “cair no domínio público”; ou
“domínio de página da internet”). Outros autores, no entanto, não farão distinção, assim como no antigo
Código Civil.
71
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6 Faculdades inerentes à propriedade

O conceito de propriedade não é fácil. Dentre os critérios para se realizar tal


intento, o que parece mais acertado é o que tem por base o conteúdo da propriedade, ou
seja, enunciar os poderes do proprietário, reduzindo a propriedade aos seus elementos
essenciais positivos – direito de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa.
O art. 1.228, caput, do Código Civil adotou a mencionada solução, pois não
descreve o que é propriedade, mas apenas descreve o seu conteúdo. Assim,
analiticamente, pode-se definir propriedade “como sendo o direito que a pessoa física ou
jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo
ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha.” (DINIZ,
2004, p. 117).
Proprietário não é apenas a pessoa que detém todas as faculdades acima
enumeradas. Quando todos os atributos da propriedade encontram-se reunidos em um só
indivíduo, tem-se a propriedade plena, mas é possível o desmembramento, como por
exemplo no direito real de usufruto. Ainda é possível o proprietário deixar de ter um dos
atributos, como no caso do bem gravado com cláusula de inalienabilidade, isto é, o
proprietário não tem a faculdade de dispor da coisa.

6.1 Direito de usar – jus utendi

É a faculdade do proprietário de se servir da coisa de acordo com a sua destinação


econômica. O uso será direto quando o proprietário o utiliza pessoalmente e, indireto,
quando o proprietário deixa-o em poder de alguém que esteja sob suas ordens (fâmulo da
posse). O direito de usar também é exercido mesmo quando não há utilização atual, desde
que o proprietário o preserve em condições de servi-lo quando necessário. Ex.: casa de
praia.
Desta forma, pode-se afirmar que as faculdades não prescrevem pelo não uso. A
mudança subjetiva de propriedade só ocorrerá pela posse prolongada de terceiro e nos
prazos legais (usucapião).
72
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6.2 Direito de gozar – jus fruendi

Consiste na exploração econômica da coisa, mediante a extração de frutos e


produtos. Pode ser direto quando o proprietário colher os frutos naturais ou industriais e,
indireto, na percepção de frutos civis (rendas oriundas da utilização da coisa por outrem).
Ver artigos: 92, CC; 1.232, CC (ex.: uso, habitação, usufruto, locação e posse na
hipótese do art. 1.214, CC).

6.3 Direito de dispor – jus abutendi

Dispor significa alterar, material ou juridicamente, a própria substância da coisa.


Assim, o proprietário pode dispor materialmente da coisa através da destruição do bem ou
o seu abandono. Em ambos os casos o proprietário pratica atos físicos que importam em
perda da coisa. (art. 1.275, III e IV, CC).
Pode, ainda, dispor juridicamente da coisa, o que pode ocorrer de forma total ou
parcial. É total quando o proprietário pratica a alienação, que pode ser onerosa (venda) ou
gratuita (doação). Será parcial nos casos de instituição de ônus real sobre o bem, tal como
o usufruto e a hipoteca, pois nesses casos o proprietário dispõe parcialmente da coisa.
Assim, pode-se exemplificar, com as faculdades do proprietário acima vistas, as
seguintes coisas:
a) uma casa – direito de usar: habitação; direito de gozar: alugá-la; direito de
dispor: demoli-la ou vendê-la;
b) um quadro – direito de usar: utilizá-lo na decoração de uma casa; direito
de gozar: exibi-lo numa exposição a troco de dinheiro; direito de dispor: destruí-lo,
aliená-lo ou doá-lo.

6.4 Direito de reivindicar – rei vindicatio

Alguns autores entendem que aquelas três primeiras faculdades consistem nos
elementos internos ou econômicos do direito de propriedade, pois por intermédio do seu
exercício é que o proprietário obterá as vantagens pecuniárias decorrentes de sua
titularidade. O direito de reivindicar é denominado elemento externo ou jurídico da
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propriedade, vez que representa a faculdade de excluir terceiros de indevida ingerência


sobre a coisa.
Trata-se do poder que o proprietário tem de mover ação para obter o bem de quem
injustamente o detenha ou possua, em virtude do seu direito de sequela, que é uma das
características do direito real. A ação reivindicatória é a pretensão ajuizada pelo
proprietário não possuidor (privado dos poderes de uso e gozo) contra o possuidor não
proprietário.

7 Principais atributos da propriedade

A propriedade possui os seguintes atributos ou características: exclusividade,


perpetuidade, elasticidade e consolidação.

7.1 Exclusividade

A mesma coisa não pode pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou


mais pessoas. O direito de um sobre determinado bem exclui o direito de outrem sobre o
mesmo bem.
A oponibilidade erga omnes é um atributo decorrente da exclusividade, pois pelo
fato de ser a propriedade exclusiva é que o proprietário pode excluir terceiros da
utilização da coisa.
O condomínio também possui o atributo da exclusividade, pois os condôminos são,
conjuntamente, titulares do direito. O condomínio implica uma divisão abstrata da
propriedade, pois cada condômino possui uma quota ideal do bem indivisível. Assim, os
condôminos são donos de cada parte e do todo ao mesmo tempo. Consequentemente,
cada qual poderá isoladamente reivindicar a coisa de terceiro que injustamente a possua,
sendo desnecessária a autorização dos demais condôminos, isto é, não há litisconsórcio
necessário. Assim, não é possível ajuizar ação reivindicatória entre condôminos, pois
ambos possuem propriedade sobre o todo (art. 1.314, CC – reivindicar de terceiro).
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7.2 Perpetuidade (irrevogável)

Tal atributo resulta do fato de que a propriedade existe, independentemente de


exercício, enquanto não sobrevier causa extintiva legal ou decorrente da própria vontade
do titular. Assim, a propriedade tem duração ilimitada.33
A perpetuidade compreende a possibilidade da transmissão da propriedade, a título
singular ou universal. Excepcionalmente pode-se ter a propriedade resolúvel ou revogável
(art. 1.359, CC).
Cabe esclarecer, aqui, que a usucapião é forma de aquisição da propriedade
imobiliária, mas aquele que perde o imóvel, não o está perdendo pela usucapião, mas sim
pela posse prolongada do usucapiente. A prescrição aquisitiva é modo de aquisição de
propriedade, afastando o domínio primitivo.

7.3 Elasticidade e consolidação

A propriedade é “elástica”, ou seja, pode ser distentida ou contraída, no seu


exercício, conforme lhe adicionem ou subtraiam poderes destacáveis.
Quando a propriedade concentra todas as faculdades – usar, gozar, dispor e
reivindicar – em um único titular é chamada propriedade plena ou alodial. A alodialidade
é uma qualidade do imóvel sobre o qual não incidem ônus reais.
Tratando-se de propriedade que sofre contrações, caso algum de seus poderes sejam
destacados para a formação de direitos reais em coisa alheia, é chamada de propriedade
limitada. Ex.: usufruto, hipoteca, domínio com cláusula de inalienabilidade.
Na propriedade limitada, a essência do direito subjetivo permanece com seu titular,
mesmo que de forma residual. Exemplo: o nu-proprietário não pode usar e fruir da coisa,
pois essas faculdades foram temporariamente transferidas para o usufrutuário. Entretanto,
o nú-proprietário, ao final do usufruto, poderá resgatar plenamente o seu direito de
propriedade.
O atributo da consolidação (ou força de atração) consiste em que todas as
contrações da propriedade são sempre transitórias e anormais. Após determinado decurso
de tempo elas cessam e os direitos desmembrados são reunificados, reassumindo o titular

33
O atributo da perpetuidade vem sendo flexibilizado, sendo contestado pelo princípio da função social da
propriedade.
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a propriedade em sua plenitude. Ex.: hipoteca após o pagamento da dívida; usufruto


vitalício após a morte dos usufrutuários.

8 Objeto do direito de propriedade

O direito de propriedade abrange os bens corpóreos e incorpóreos. Assim, regra


geral, o objeto da propriedade são todos os bens suscetíveis de apropriação.
Em relação aos bens imóveis, cabe destacar que o direito de propriedade do solo
abrange o espaço aéreo e o subsolo correspondentes (extensão vertical), conforme o art.
1.229, CC. Todavia, de acordo com os artigos 1.230, CC e art. 20, IX e X, CF, a
propriedade do solo não abrange os recursos minerais do subsolo, potenciais energéticos,
sítios arqueológicos (ver art. 176, CF).

9 Função social da propriedade

Hoje a função social é entendida como um princípio inerente a todo direito


subjetivo.
Direito subjetivo
Conceito tradicional Conceito modificado pela função social
O ordenamento jurídico apenas concederá
Poder concedido pelo ordenamento ao
legitimidade à persecução de um interesse
indivíduo para a satisfação de um
individual se este for compatível com os
interesse próprio.
anseios sociais.

A evolução social demonstrou que a justificação de um interesse individual muitas


vezes é fator de sacrifício de interesses coletivos. Atualmente admite-se um direito civil-
constitucional, no qual princípios de caráter superior e vinculante criam uma nova
mentalidade, erigindo como direitos fundamentais do ser humano a tutela de sua vida e de
sua dignidade.
76
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No que concerne ao direito de propriedade, hoje ele está relativizado. No final do


século XIX, na França, surgiram as primeiras restrições ao absolutismo do direito de
propriedade, por intermédio da teoria do abuso do direito. 34
Com essa mudança de paradigma, o proprietário passa a ser titular de direitos e
deveres. Assim, ao lado dos poderes do titular colocam-se obrigações positivas deste
perante a comunidade. Pode-se falar que a função social é o quinto elemento, somado às
faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar. Enquanto esses são estáticos, aquele é
dinâmico e assume um papel decisivo de controle sobre os demais. Significa dizer que o
proprietário só exercerá os direitos de uso, gozo, disposição e reivindicação da coisa, se
conceder destinação relevante ao bem.

O que é função social?


Traduz o comportamento regular do proprietário, exigindo que ele atue numa dimensão
na qual realize interesses sociais, sem a eliminação do direito privado do bem que lhe
assegure as faculdades de uso, gozo e disposição. Assim, a propriedade se mantém
privada e livremente transmissível, porém detendo finalidade econômica adequada às
atividades urbanas e rurais básicas, no intuito de circular riquezas e gerar empregos.

A Constituição de 1988 garante o direito à propriedade (artigo 5º, XXII), com sua
perpetuidade e exclusividade, desde que esteja cumprindo sua função social (art. 5º,
XXIII). Não subsistirá a propriedade antissocial. No art. 170, CF/88, o legislador
observou a conciliação da propriedade empresarial com a sua função social.
No Código Civil a função social é reconhecida como cláusula geral, isto é, trata de
uma norma imprecisa e vaga, com grande abertura semântica. A vantagem desse tipo de

34
Abuso de direito ou ato emulativo é aquele que não traz qualquer proveito para o agente, mas causa dano
a terceiro. Sobre a teoria do abuso de direito, “Louis Josserand imortalizou na história do direito dois
precedentes franceses da virada do século XIX: o caso da falsa chaminé, julgado pela Corte de Colmar, em
2 de maio de 1855; e o caso Clément-Bayard, apreciado pela Corte de Cassação, em 03.08.1915. Na sua
visão, a edificação de uma falsa chaminé destinada a prejudicar o vizinho constituiu um exemplo célebre
da constatação do abuso de direito, tal qual a instalação de espigões de ferro, com altura de 16 metros, com
o escopo de constranger a empresa de dirigíveis a adquirir o terreno lindeiro. Em ambas as hipóteses, os
Tribunais não poderiam concordar com a atuação dos proprietários, embora as obras tivessem sido
realizadas no próprio terreno e em conformidade com as licenças, uma vez que o seu agir era animado por
uma perspectiva anti-social.” (USTÁRROZ, Daniel. A atualidade da teoria do abuso de direito.
Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2019/01/14/a-atualidade-da-teoria-do-abuso-do-
direito/#_ftnref6>. Acesso em: 01 ago. 2019.
O Código Civil brasileiro adota a teoria do abuso de direito nos arts. 187 e 1.228, § 2º.
77
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redação é a abertura ao influxo contínuo dos valores sociais, sendo sempre atualizada pela
sociedade.
O art. 1.228, § 4.º, CC traz um novo instituto jurídico de aquisição da propriedade
imobiliária, denominado (equivocadamente) como “desapropriação judicial indireta”.
Trata-se da posse qualificada pela função social. Entretanto, o maior problema
encontrado nesse dispositivo são os conceitos jurídicos indeterminados: “extensa área”;
“considerável número de pessoas”; “obras e serviços de interesse social e econômico
relevante”.

9.1 Função social da propriedade urbana

A função social da propriedade urbana é muito bem tratada dentro do Direito


urbanístico, isto é, o ramo do Direito que objetiva a ordenação das cidades, com a
organização dos espaços habitáveis, propiciando melhores condições para o homem.
Assim, tarefa árdua e emergencial é responder à seguinte dualidade: interesse
particular do titular do direito da propriedade privada x interesse social da ordenação
da cidade.
Para essa finalidade foi criada a Lei n. 10.257/01 (Estatuto da Cidade), que
regulamenta o art. 182, CF, a fim de estabelecer normas de ordem pública e interesse
social que regulam o uso da propriedade em prol do bem coletivo, da segurança e do
bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
O município pode disciplinar a função social da propriedade através de
instrumentos urbanísticos, como o plano diretor ou leis orgânicas locais. A pretensão é
delimitar o crescimento da cidade, de forma ordenada, preocupando-se em impedir a
concentração de áreas com objetivos especulativos, evidenciando a importância do uso e
do controle do solo.
A Constituição, através do art. 182, § 4º disciplina sanções para adequar a
propriedade ao desenvolvimento urbano e ao bem-estar das pessoas – parcelamento ou
edificação compulsória (art. 5º, Estatuto da Cidade); IPTU progressivo (art. 7º, Estatuto
da Cidade) e desapropriação-sanção (art. 8 º, § 4º c/c 52, II do EC).
Podem ser citadas como inovações no direito de propriedade urbana, com base na
função social: usucapião urbana coletiva (art. 10, EC); direito de superfície (art. 21, EC);
direito de preempção conferido ao Poder Público Municipal (art. 25, EC).
78
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9.2 Função social da propriedade rural

Conforme o art. 186, CF, a propriedade rural cumpre sua função social quando
observados três elementos: econômico, social e ecológico.
A propriedade rural tem a terra como bem de produção de riquezas e criação de
empregos. Assim, o ônus social do proprietário de imóvel rural é maior do que o do
proprietário de imóvel urbano.
O art. 184, CF prevê os requisitos que devem ser cumpridos, simultaneamente, pelo
proprietário rural, sob pena de desapropriação por interesse social para fins de reforma
agrária. O art. 185, CF estabelece que a propriedade produtiva também pode vir a ser
desapropriada, se não observados os requisitos do art. 184 da CF.
O Código Civil, no § 1º do art. 1.228, CC prevê a harmonização da propriedade
privada com os princípios sociais pertinentes aos interesses difusos35.

9.3 Função social das diversas propriedades

Conforme já exposto acima, a propriedade, hoje, é entendida como os bens


corpóreos e incorpóreos, bem como a empresa, que é tratada como propriedade de bens
de produção.
Assim, pode-se verificar a proteção da propriedade de marcas e patentes aos seus
autores (art. 5º, XXIX, CR/88), ressalvando a compatibilização desse privilégio com o
interesse social do Estado. Ex.: interesse fundamental à vida e dignidade prevalecerá
sobre a patente, podendo resultar na suspensão do privilégio, como no caso da
necessidade de medicamento vital.
Já o direito autoral é garantido na CR (art. 5º, XXVII) e por lei especial (Lei n.
9.610/98), devendo-se respeitar os interesses econômicos de tal direito durante toda a
vida do autor e por mais 70 anos, após o primeiro ano da sua morte (art. 41 da Lei
9.610/98). Será que este período tão longo justifica-se, considerando a função social da
propriedade?

35
Enunciado 506 – Na aplicação do princípio da função social da propriedade imobiliária rural, deve ser
observada a cláusula aberta do § 1º do art. 1.228 do Código Civil, que, em consonância com o disposto no
art. 5º, inciso XXIII, da Constituição de 1988, permite melhor objetivar a funcionalização mediante
critérios de valoração centrados na primazia do trabalho. (V Jornada de Direito Civil/2011)
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A CR/88, no art. 170, III, estabeleceu a função social da propriedade, nesta incluída
a empresa. Assim, o CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Lei n.
8.884/94) deve prevenir os abusos do poder econômico ao suspender processos de
concentração nocivos à sociedade, pelo risco da criação de monopólios capazes de lesar a
concorrência e os consumidores, colocando em risco a livre iniciativa.

Decisão que reconheceu o direito do médico internar e assistir os seus pacientes em


hospitais privados com ou sem caráter filantrópico, ainda que não faça parte de seu
corpo clínico, respeitadas as normas técnicas da instituição. Função social da
propriedade. Livre exercício de qualquer trabalho (art. 5.º, XIII) e saúde como
direito de todos (art. 196). (STJ – 3.ª Turma – Resp n. 27039/SP – Rel. Min. Nilson
Naves, DJ 07/02/1994).

A função social da empresa deve resultar de uma ampliação de sua


responsabilidade social, redefinindo e valorizando a sua missão perante a coletividade.
Isso pode ser feito sem a diminuição de lucros, bastando à empresa, bem como ao Estado,
assegurar direitos fundamentais ao indivíduo, por meio de políticas ambientais e culturais
e oferta de benefícios diretos e indiretos à sociedade.
Assim, pode-se concluir que, para cada tipo de bem há um regime específico de
atuação da função social. A intensidade será maior nos bens de produção do que nos de
mera fruição ou consumo. Função social da propriedade não se confunde com
socialização da propriedade, pois deve ser respeitado um círculo mínimo de exclusividade
ao proprietário, imune a ação de terceiros.

10 Modos de aquisição da propriedade imobiliária

A propriedade imobiliária pode ser adquirida pelos seguintes modos:


a) originário: o indivíduo faz seu o bem sem que este lhe tenha sido transmitido por
alguém, não havendo qualquer relação entre o domínio atual e o anterior. Exemplos:
acessão (art. 1.248, CC) e usucapião (art. 1.238, CC).
b) derivado: há transmissibilidade de domínio, por ato causa mortis ou inter vivos.
Exemplo: direito hereditário (sucessão – art. 1.784, CC) e negócio jurídico seguido de
registro (transcrição – art. 1.227, CC).
Há outras formas de aquisição da propriedade imóvel, tais como a desapropriação
(aquisição do imóvel particular pelo Estado), adjudicação compulsória, casamento pela
comunhão universal de bens.
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10.1 Registro

Devem ser levados ao registro imobiliário os seguintes negócios jurídicos: compra e


venda, troca, dação em pagamento, doação, transação em que entre imóvel estranho ao
litígio. Assim, o registro é uma “tradição” solene, sendo insuficiente a subscrição do
título ou a mera entrega da coisa ao adquirente (art. 1.227, 1.245 a 1.247, CC; art. 167, I,
168 e 169 da Lei n. 6015/73 – LRP).
Há três sistemas de registro imobiliário:
1) Romano: o título não se mostra suficiente para transferir o domínio,
devendo ser completado por uma forma de aquisição, que seria o registro.
2) Francês: o registro imobiliário tem finalidade apenas como instrumento de
publicidade e oponibilidade a terceiros, pois o contrato por si só transfere a propriedade e
gera direito real.
3) Alemão: os contratos (causa) produzem apenas obrigações. A transmissão
da propriedade depende de uma segunda convenção entre as partes, denominada convênio
jurídico-real, realizada perante o oficial de registro e completamente dissociada do título
originário. A chave desse sistema é o cadastro de toda propriedade imobiliária. O registro
tem presunção absoluta, pois eventual nulidade do contrato originário não contaminará o
direito real, posto que é livre de vícios em face da aposição da fé pública pelo oficial do
registro.
No Brasil adotou-se o sistema romano (art. 1.245 e seu § 1.º, CC). O título36
simplesmente serve de causa, pois não tem força translativa. É fundamental a intervenção
estatal, realizada pelo oficial do Cartório Imobiliário. Entretanto, é desnecessária a
efetivação de um segundo contrato para a consolidação do registro em nome do novo
titular; basta o depósito do negócio causal no Registro Geral de Imóveis - RGI, pois a
autorização para a transferência resta implícita no título de origem. Exemplo: vendedor
que falece antes do registro imobiliário pelo comprador.
É importante diferenciar matrícula, registro e averbação:

a) matrícula: tem por finalidade individualizar o imóvel. Pode-se dizer que é a sua
“certidão de nascimento”. Só se modifica com o desmembramento e fusão do imóvel.

36
Título: negócios jurídicos emanados da autonomia privada (contrato de compra e venda, doação, etc.),
bem como sentença de adjudicação, carta de arrematação.
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b) registro: é gênero e tem como fundamento um ato jurídico de disposição total ou


parcial da propriedade. Suas espécies são: transcrição – qualquer ato de transmissão
imobiliária, ex.: alienação; inscrição – ônus real que não transmite propriedade, ex.:
hipoteca, penhora, bem de família.
c) averbação: todo ato que não seja registro. São alterações secundárias que não
modificam a essência do registro, mas alteram as características físicas do imóvel (ex.:
construção ou demolição) ou a qualificação do titular do direito real (ex.: certidão de
casamento, pacto antenupcial).

MODELO DE CERTIDÃO DE IMÓVEL

Livro n. 2 – Registro Geral


(Lei n. 6.015/73, art. 176).

Matrícula
n. 929

Registros
01 e 02 da
matrícula 929

Averbação 03
da matrícula
929

ATIVIDADE COMPLEMENTAR: se você tem acesso a alguma certidão de registro


imobiliário (casa, escritório, loja) leve-a para a aula para analisarmos.

No sistema romano o registro não conduz a uma presunção absoluta e indestrutível


da propriedade. São características básicas do sistema de registro brasileiro:
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a) Vinculação do modo ao título: a validade do registro está condicionada ao


conteúdo do título. Assim, qualquer vício no negócio jurídico originário poderá, a
qualquer tempo, contaminar o registro, acarretando a perda da propriedade pelo
adquirente.
b) Relatividade da presunção de propriedade: em princípio, quem registra é dono.
Mas se o teor do registro não exprime a verdade, cabe ao prejudicado invalidá-lo. Desta
forma, se o proprietário não desfruta de garantia absoluta do seu título, por outro lado,
tem a comodidade de aguardar que o terceiro apresente as provas necessárias para
desconstituí-lo37. A presunção juris tantum de domínio proporciona ao proprietário uma
vantagem processual, que é a inversão do ônus da prova.
Exemplo: João celebra contrato de compra e venda com Manoel, vindo o
comprador a efetuar o registro imobiliário. Posteriormente Antonio alega que o alienante
(João) não era proprietário, sendo a aquisição realizada por Manoel a non domino.
Antonio ajuizará ação para decretação de invalidade do título (contrato de compra e
venda) com a cumulação sucessiva do pedido de cancelamento do registro, logrando êxito
nesta demanda e eliminará a propriedade de Manoel (art. 1.245, § 2º, CC).
Supondo, ainda, que Manoel houvesse alienado o imóvel para Maria e esta,
sucessivamente, a Joaquim, seria ainda possível que Antonio alegasse o vício do título
perante Joaquim. Os vícios originários do título são insanáveis e se transmitem junto à
cadeia de adquirentes. É irrelevante ao desfecho da causa a alegação de boa-fé por parte
de Joaquim (art. 1.247, parágrafo único, CC).38

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIVÓRCIO. VENDA DE IMÓVEL


COMUM. REPASSE À MULHER DE DETERMINADA IMPORTÂNCIA.
COMPROMISSO EM AUDIÊNCIA. APROPRIAÇÃO DA QUANTIA NÃO
REPASSADA. VENDA FRAUDULENTA. AGRAVO A QUE SE NEGA
PROVIMENTO "IN SPECIE".
- Acordado judicialmente entre os cônjuges que o varão repassaria à varoa a
metade do produto da venda de bem do casal, alienado o bem e não cumprido o
acordo, configurada resta a alienação fraudulenta, máxime se inexistente outros
bens do casal, dando ensancha ao cancelamento do registro e ineficácia das
alienações subseqüentes.
(MINAS GERAIS, TJ, AI n. 1.0261.10.009786-2/001, 7ª Câmara Cível, Rel.
Des. Belizário de Lacerda. Julgado em 14/01/2014. Publicado em 17/01/2014)

37
Enunciado 624 – Art. 1.247: A anulação do registro, prevista no art. 1.247 do Código Civil, não
autoriza a exclusão dos dados invalidados do teor da matrícula. (VIII Jornada de Direito Civil/2018).
38
STJ, REsp. n. 122.853 – SP – 3.ª Turma – Rel. Min. Ari Pargendler – DJU 07/08/2000.
83
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Assim, a regra geral é que o registro imobiliário tem presunção relativa. Todavia,
existe uma forma de registro com presunção absoluta. É o chamado registro pelo sistema
Torrens (art. 277 e ss. da Lei n. 6.015/73)39. O título levado a assento no Registro
Torrens tem valor absoluto, ficando resguardado de quaisquer protestos, reclamações,
reivindicações e evicções, como se estivesse revestido com o manto da intangibilidade.
Restringe-se ao registro de imóveis rurais.
Trata-se de um procedimento demorado, difícil e complexo, em que cada registro
requer ação judicial (art. 281, LRP), que pode assumir o caráter de contenciosa,
reivindicatória do imóvel que se pretende registrar, além do elevado custo com
publicação de editais, custas e outras despesas. Talvez por isso, o Torrens não foi bem
acolhido no Brasil. Só o proprietário possui legitimação para requerer esse registro,
mediante comprovação de seu domínio (art. 278, I, LRP).
O registro imobiliário tem como atributos ou efeitos:
 Prioridade ou preferência: é a proteção concedida àquele que prenota o
título constitutivo em primeiro lugar no Livro de Protocolo do Registro Imobiliário.
Deve-se verificar a ordem cronológica de apresentação dos títulos. Assim, se uma pessoa
vender o mesmo imóvel duas vezes, a pessoas distintas, considerar-se-á proprietário
aquele que primeiro proceder ao registro imobiliário. Restará ao outro adquirente apenas
ação indenizatória contra o alienante, em face do inadimplemento da obrigação de dar. A
conduta do alienante pode ser considerada crime de estelionato, conforme art. 171, § 2º,
II, CP.
Em certas situações, a prioridade serve para estabelecer a ordem de preferência
quando do resgate de créditos de diversos credores. É o caso da hipoteca, posto que a
vantagem do primeiro credor hipotecário sobre os demais será a faculdade de obter
preferencialmente o pagamento do débito após a venda do bem em leilão. Remanescendo
crédito, porém, os credores que o seguirem na ordem de graduação serão contemplados
(arts. 1.477, 1.478, 1.493 e parágrafo único, do CC).
 Força probante: funda-se na fé pública do registro, pois se presume (juris
tantum) pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se faz o assento. O registro não
possui eficácia saneadora, como no sistema germânico, e a qualquer tempo toda a cadeia
sucessória poderá ser afastada em face do defeito inicial.

39
Enunciado 502 – É relativa a presunção de propriedade decorrente do registro imobiliário, ressalvado o
sistema Torrens. (V Jornada de Direito Civil/2011)
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 Continuidade: o registro anterior prende-se ao posterior. Se o imóvel não


estiver registrado no nome do alienante ou transmitente, não poderá ser levado a assento
em nome do adquirente. Exemplo: imóvel adquirido quando a pessoa era solteira e
alienado após o seu casamento. Primeiro é necessário averbar a certidão de casamento no
Cartório Imobiliário, para depois proceder ao registro de compra e venda.
(*) Esse princípio é derrogado na hipótese excepcional da aquisição da propriedade
imobiliária por usucapião (modo de aquisição originário).
 Publicidade: tem por fim tornar conhecidas pela sociedade as alterações
no cadastro imobiliário e proteger os atos praticados com boa-fé. O efeito erga omnes dos
direitos reais deriva deste atributo do registro.
 Legalidade: o oficial do cartório só efetua o registro do título quando não
encontra quaisquer irregularidades nos documentos apresentados. Assim, o título deve
estar revestido das exigências legais. Exemplo: se no assento imobiliário constar que o
imóvel é inalienável em virtude de doação ou sucessão, não será registrado um contrato
de compra e venda.
Quando o oficial se nega ao registro devido ao exame de legalidade, o intessado
deve formular requerimento ao oficial do registro, a fim de que ele suscite dúvida ao juiz
de direito – art. 198, LRP. A dúvida é um processo de jurisdição voluntária, no qual o
juiz decidirá se o juízo de legalidade emitido pelo oficial deve ser confirmado. Se a
dúvida for julgada improcedente, o oficial é obrigado a acatar o registro, pois não dispõe
de interesse em recorrer.
 Especialidade: o imóvel deve estar precisamente descrito e caracterizado
como corpo certo, individual e autônomo. Não se procede ao registro sobre uma
universalidade de bens ou sobre um número indefinido de imóveis. Exemplo: herança –
só poderá ser objeto de registro quando da homologação do formal de partilha. Durante o
inventário o patrimônio pertence abstratamente aos herdeiros, em frações ideais, sem
divisão de cotas concretas.

10.2 Acessão

A acessão é o direito em razão do qual o proprietário de um bem passa a adquirir a


propriedade de tudo aquilo que a ele se adere (art. 1.248, CC). O acréscimo surge do
exterior da coisa, passando a integrá-la física ou juridicamente, em caráter definitivo.
85
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É modo originário de aquisição da propriedade: o proprietário da coisa acedida


(principal) adquire a propriedade da coisa acedente (acessória) que pertence a outrem,
independentemente de qualquer registro na circunscrição imobiliária. Em alguns casos, o
titular desfalcado do domínio será indenizado, em respeito ao princípio que veda o
enriquecimento sem causa.
A acessão pode dar-se: a) de imóvel a imóvel: aluvião, avulsão, formação de ilhas,
álveo abandonado; b) de móvel a imóvel: plantações e construções.
Subdivide-se em: a) acessão natural (arts. 1.249 a 1.252, CC): aluvião, avulsão,
formação de ilhas, álveo abandonado; b) acessão artificial: construções e plantações.

a) Formação de ilhas – art. 1.249, CC

A formação de ilha só beneficiará um particular quando, por força natural, surgir


um pedaço de terra em um rio não navegável40 (rio particular). O surgimento de ilhas
decorre de movimentos sísmicos; depósito paulatino de materiais (areia, cascalho,
fragmentos de terra) trazidos pela própria corrente ou de rebaixamento de águas,
deixando descoberto e a seco uma parte do fundo ou do leito.
Para identificar o proprietário ribeirinho com direito à acessão deve-se observar a
linha mediana do rio (art. 23, §§ 1º e 2º, do Código de Águas e 1.249, I a III, CC).
Se a ilha se formar no meio do rio, pertencerá aos proprietários ribeirinhos
fronteiros, na proporção de suas testadas, até a linha que dividir o álveo41 em duas partes
iguais.

40
Se o rio for navegável, a acessão se verifica em proveito da pessoa jurídica de direito público, por se
tratar de águas públicas. Ver arts. 20, IV e 26, II e III, da CR/88.
41
Álveo: é a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural e ordinariamente enxuto.
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Se a ilha se formar entre a linha mediana e uma das margens, pertence ao


proprietário do mesmo lado.

Se um braço do rio abrir a terra, a ilha que resultar desse desdobramento continua a
pertencer aos proprietários à custa de cujos terrenos se constituiu.

b) Aluvião – art. 1.250, CC

A aluvião pode ser classificada como própria ou imprópria. A primeira consiste no


acréscimo paulatino de terras que o rio deixa naturalmente nos terrenos ribeirinhos. A
segunda é o acréscimo que se forma quando parte do álveo se descobre em razão do
afastamento das águas correntes, muitas vezes como consequência de lesões ambientais.
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Para que se identifique a aluvião é necessário observar os seguintes requisitos:


realização de forma lenta, sucessiva e imperceptível, sem que se possa determinar o lugar
de onde se desprendeu a terra. A aluvião pertencerá ao dono dos terrenos marginais42.

As substâncias materiais que se acrescem podem ter se originado de destaque da


propriedade de outrem, que as perde. Para este não há pretensão indenizatória, posto
presumir-se que os acréscimos vieram de lugar ignorado, não podendo se estabelecer um
nexo de causalidade entre a perda de um proprietário e a gradual aquisição de outro.

42
APELAÇÃO CÍVEL - REINTEGRAÇÃO DE POSSE - ALUVIÃO - AUSÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO QUE A AUTORA FOI DESAPOSSADA DA COISA INJUSTAMENTE -
IMPOSSIBILDIADE - AÇÃO ORDINÁRIA - ILEGITIMIDADE DA FIADORA - CONSIGNAÇÃO EM
PAGAMENTO - VALORES DEVIDOS A RÉ DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE. -Com cuidado para não
ferir a regra de que no juízo possessório é incabível a discussão do domínio, é preciso antes de mais nada,
entender que estamos diante de um típico caso de acessão, especificamente, da espécie aluvião. - Os
acréscimos formados por depósitos e aterros naturais, ou pelo desvio das águas dos rios, ainda que estes
sejam navegáveis, pertencem aos donos dos terrenos marginais. Permanece assim, a conhecida regra de que
o acessório segue o principal. - Para a concessão da proteção de reintegração de posse, deve o requerente
comprovar, no processo, não apenas a posse anterior, o esbulho praticado pelo requerido, com a perda da
posse e a data da prática de tal ato. É necessário também que o requerente, comprove que foi desapossado
da coisa, injustamente, com o fim de reavê-la e restaurar a posse perdida. - Sendo fiadora, a apelante é parte
ilegítima para propor a presente ação. É princípio basilar do direito que ninguém poderá pleitear, em nome
próprio, direito alheio. E sendo assim, somente os titulares dos interesses em conflito têm direito à
prestação jurisdicional. - É compreensível os apelados não saber a quem pagar os aluguéis, tendo em vista a
avença travada na reintegração de posse. Entretanto, uma vez julgada improcedente, não restam dúvidas de
que os aluguéis são devidos à apelante. (MINAS GERAIS, TJ, 16ª Câmara Cível, AC n. 1.0015.06.034272-
0/001, Rel. Des. Batista de Abreu. Julgado em 20/05/2009. Publicado em 03/07/2009).
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c) Avulsão – art. 1.251, CC

É o desprendimento, por força natural, violenta e abrupta (ex. uma correnteza), de


uma porção de terra que se vai juntar ao terreno de outro proprietário, ocorrendo a
consolidação de duas coisas em uma.

As ilustrações foram uma contribuição do ex-aluno Wagner Felipe Macedo Vilaça.

O proprietário perdente reclaramará a devolução no prazo decadencial de um ano.


O proprietário do prédio acrescido, no prazo decadencial, tem o direito de optar entre
concordar com a remoção da parte acrescida ou indenizar o dono da propriedade
perdente. O quantum indenizatório deverá ter por base a extensão do acréscimo ocorrido.
Após o prazo decadencial sem qualquer manifestação do proprietário perdente, a terra é
incorporada definitivamente e gratuitamente ao domínio.

d) Álveo abandonado – art. 1.252, CC

Há um total e permanente abandono do antigo leito, por um rio que seca ou que se
desvia em virtude de fenômeno natural, ficando o leito inteiramente descoberto e
passando a pertencer aos proprietários ribeirinhos das duas margens, seja o rio público ou
particular. Deve originar-se de forças naturais. Os donos dos terrenos por onde o rio
inaugure novo curso não têm direito à indenização, por se tratar de força maior que não
pode ser evitada.
89
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A divisão se fará tendo por base a linha mediana do álveo abandonado, pertencendo
a cada um na extensão de sua testada, por uma linha perpendicular da margem, nos
pontos extremos, à linha mediana do álveo.
Se o álveo abandonado se der por forças humanas, o prejudicado fará jus à
indenização correspondente ao valor das terras submergidas. Havendo irregularidade da
parte contrária, poderá, ainda, o prejudicado reclamar o desfazimento da obra e o retorno
das águas ao curso original.
Se a mudança da corrente se der por utilidade pública, o terreno ocupado pelo novo
álveo deve ser indenizado e o álveo abandonado passa a pertencer ao expropriante para
que se compense da despesa feita43. Nesse caso, o abandono do álveo foi artificial, por
isso não se fala em acessão.

e) Construções e plantações – art. 1.253 e seguintes do CC

Verifica-se a acessão artificial nas hipóteses de semeadura, plantação e edificação,


quando a titularidade das sementes, plantas e materiais de construção não coincidem com
a do terreno (art. 1.253, CC – presunção relativa). Aqui aplica-se o princípio de que o
acessório segue o principal. Neste caso, o solo é a coisa principal.
Há várias possibilidades discriminadas no Código Civil:
1ª - Semeadura, plantação ou construção em terreno próprio com sementes, plantas
ou materiais alheios: art. 1.254, CC.
2ª - Semeadura, plantação ou construção em terreno alheio com sementes, plantas e
materiais próprios: art. 1.255, CC. A boa-fé mencionada no artigo é a mesma do art.
1.201, ou seja, a ignorância sobre o vício ou obstáculo que impede a aquisição da coisa.
Deve-se ressaltar, ainda, que o possuidor com justo título tem a presunção da boa-fé.

APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS -


ACESSÕES REALIZADAS EM IMÓVEL DE PROPRIEDADE DA PARTE
RÉ - POSSE DECORRENTE DE MERA PERMISSÃO - OBRAS NÃO
AUTORIZADAS - AUSÊNCIA DE BOA-FÉ - INDENIZAÇÃO

43
ABERTURA MATRÍCULA IMOBILIÁRIA. ÁLVEO ABANDONADO ORIUNDO DE OBRA
PÚBLICA. PROPRIEDADE ESTATAL. De acordo com o disposto no art. 26 do Código de Águas e no
art. 1.252 do Código Civil, o álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários ribeirinhos das duas
margens. Todavia, se a mudança da corrente se fez por obra pública o álveo abandonado passa a pertencer
ao expropriante para que se compense da despesa feita, no caso, a municipalidade. (MINAS GERAIS, TJ,
5ª Câmara Cível, AC n. 1.0433.08.269497-0/001, Rel. Des. Maria Elza. Julgado em 02/07/2009. Publicado
em 21/07/2009).
90
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INCABÍVEL. Para se aferir o direito à indenização pelas acessões feitas em


terreno alheio, deve-se averiguar se o possuidor agiu de boa-fé. Comprovado
nos autos que os requerentes tinham conhecimento de que ocupavam o imóvel
de propriedade da parte ré por ato de mera permissão ou tolerância, bem como
que esta última não autorizou e nem concordou com a edificação por aqueles
promovida, impossível a aplicação do princípio da boa-fé para fins
indenizatórios, nos termos do artigo 1.255 do CC/2002, o que impede o
acolhimento da pretensão ressarcitória formulada na inicial.
(MINAS GERAIS, TJ, 18ª Câmara Cível, AC n. 1.0145.10.059801-3/001, Rel.
Des. Arnaldo Maciel. Julgado em 24/09/2013. Publicado em 26/09/2013)

O parágrafo único do art. 1.255, CC traz outra hipótese, que é a “acessão inversa”
ou “desapropriação privada”. Neste caso, o solo deixa de ser o bem principal. Trata-se,
mais uma vez, da aplicação do princípio da função social da propriedade: o dono do solo
invadido deveria, durante a construção, ter tomado as medidas necessárias para impedi-la.
3ª - Proprietário do terreno e possuidor-construtor/plantador agem de má-fé: art.
1.256 e seu parágrafo único, CC. Pode-se exemplificar esse caso com situação bastante
comum encontrada entre pessoas economicamente hipossuficientes: o casal constituído
por A e B resolvem construir sua casa nos fundos do terreno do pai de A. Tempos depois
o casal resolve se separar. Caberá a B pleitear indenização calculada sobre 50% do valor
da acessão (construção), uma vez que, neste caso, o proprietário possui má-fé ao permitir
as obras em seu terreno. B não terá qualquer direito sobre o terreno.

RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL. DISSOLUÇÃO. PARTILHA DE


BEM CONSTRUÍDO SOBRE TERRENO DE TERCEIRO, PAIS DO EX-
COMPANHEIRO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DOS
TERCEIROS. NÃO OCORRÊNCIA. CONSTRUÇÃO DE ACESSÃO
(CASA) QUE SE REVERTE EM PROL DO PROPRIETÁRIO. DIREITO À
INDENIZAÇÃO. PARTILHA DOS DIREITOS SOBRE O IMÓVEL.
POSSIBILIDADE. EXPRESSÃO ECONÔMICA QUE DEVE SER OBJETO
DE DIVISÃO.
1. O Código Civil estabelece que "aquele que semeia, planta ou edifica em
terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e
construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização" (CC, art. 1.255),
evitando-se, desta feita, o enriquecimento indevido do proprietário e, por outro
lado, não permitindo que aquele que construiu ou plantou em terreno alheiro
tire proveito às custas deste.
2. Na espécie, o casal construiu sua residência no terreno de propriedade de
terceiros, pais do ex-companheiro, e, agora, com a dissolução da sociedade
conjugal, a ex-companheira pleiteia a partilha do bem edificado.
3. A jurisprudência do STJ vem reconhecendo que, em havendo alguma forma
de expressão econômica, de bem ou de direito, do patrimônio comum do casal,
deve ser realizada a sua meação, permitindo que ambos usufruam da referida
renda, sem que ocorra o enriquecimento sem causa e o sacrifício patrimonial de
apenas um deles.
4. É possível a partilha dos direitos decorrentes da edificação da casa de
alvenaria, que nada mais é do que patrimônio construído com a participação de
ambos, cabendo ao magistrado, na situação em concreto, avaliar a melhor
forma da efetivação desta divisão.
91
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5. Em regra, não poderá haver a partilha do imóvel propriamente dito, não se


constando direito real sobre o bem, pois a construção incorpora-se ao terreno,
passando a pertencer ao proprietário do imóvel (CC, art. 1.255), cabendo aos
ex-companheiros, em ação própria, a pretensão indenizatória correspondente,
evitando-se o enriquecimento sem causa do titular do domínio.
6. No entanto, caso os terceiros, proprietários, venham a integrar a lide, torna-
se plenamente possível, no âmbito da tutela de partilha, o deferimento do
correspondente pleito indenizatório. No ponto, apesar de terem integrado o
feito, não houve pedido indenizatório expresso da autora em face dos
proprietários quanto à acessão construída, o que inviabiliza o seu arbitramento
no âmbito da presente demanda.
7. Na hipótese, diante da comprovação de que a recorrida ajudou na construção
da casa de alvenaria, o Tribunal de origem estabeleceu a possibilidade de
meação "com o pagamento dos respectivos percentuais em dinheiro e por quem
tem a obrigação de partilhar o bem", concluindo não haver dúvida de "que o
imóvel deve ser partilhado entre os ex-companheiros, na proporção de 50%
para cada um".
8. Assim, as instâncias ordinárias estabeleceram forma de compensação
patrimonial em face do ex-companheiro, em razão dos direitos decorrentes da
edificação da casa de alvenaria, sendo que o valor percentual atribuído deverá
ser apurado em sede de liquidação de sentença e pago pelo varão, não havendo
falar em partilhamento do imóvel, já que que se trata de bem de propriedade de
outrem.
9. Recurso especial parcialmente provido.
(BRASÍLIA, STJ, 4ª Turma, REsp. n. 1.327.652 – RS, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão. Julgado em 10/10/2017. Publicado DJe em 22/11/2017)

4ª - Terceiro de boa-fé que realiza semeadura, plantação ou construção em terreno


alheio com sementes, plantas e materiais alheios: art. 1.256 e 1.257, parágrafo único, CC.
5ª - Construção em zona lindeira (que invade parcialmente terreno alheio): art.
1.258 e 1.259, CC. A norma favorece a boa-fé do construtor e evita-se a demolição de
construção de valor considerável que invadiu pequena área do proprietário vizinho (não
superior a 1/20 parte desse), desde que o beneficiado o indenize conforme o valor do solo
invadido, levando-se em conta a desvalorização mercadológica do remanescente.
Esse fato é comum em loteamentos irregulares, com marcos divisórios apagados ou
confusos. Aqui também se observa a aplicação do princípio da função social da
propriedade, em detrimento ao direito do proprietário que não embargou oportunamente a
obra, movendo nunciação de obra nova.
Portanto, nesse caso, devem ser observados: o animus do construtor: boa-fé ou má-
fé44; a extensão da construção no imóvel alheio: inferior ou superior a 1/20; o valor da
indenização conforme a boa-fé ou má-fé do construtor: valor da área perdida,

44
Enunciado 318 – Art.1.258. O direito à aquisição da propriedade do solo em favor do construtor de má-fé
(art. 1.258, parágrafo único) somente é viável quando, além dos requisitos explícitos previstos em lei,
houver necessidade de proteger terceiros de boa-fé. (IV Jornada de Direito Civil/2006)
92
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desvalorização da área remanescente, valor da construção x valor da parte invadida,


impossibilidade de demolição da construção.

10.3 Usucapião

Deve-se começar o estudo da usucapião pela sua etimologia. Assim, a palavra é


derivada do latim e significa:

usu + capio/capere
Pelo uso tomar/adquirir => adquirir (a coisa) pelo uso

A usucapião pode ser conceituada como o modo de aquisição da propriedade


(móvel/imóvel) e de outros direitos reais (ex.: usufruto, servidão) pela posse prolongada
da coisa, durante certo lapso de tempo, com a observância dos requisitos legais.
O seu fundamento está na consolidação da propriedade; garantia de estabilidade e
segurança da propriedade. Desta forma, se a posse é o poder de fato sobre a coisa, a
propriedade é o poder de direito sobre a coisa.
A posse, unida ao tempo e demais requisitos legais, confere juridicidade a uma
situação de fato, convertendo-a em propriedade. A usucapião é a “ponte” para essa
alteração objetiva na relação entre o titular e o objeto.
Trata-se de um modo de aquisição originário, ou seja, não existe relação de
direito real ou pessoal entre o adquirente e o antigo dono da coisa. Disso há
consequências, tais como, a incorporação do bem ao patrimônio do novo titular
(usucapiente) em toda a sua plenitude, livre de todos os vícios que a relação jurídica
pregressa apresentava, a não incidência do fato gerador do ITBI (a transmissão da
propriedade, a teor do art. 35 do CTN); inexistência de qualquer ônus real sobre o imóvel
(por exemplo, hipoteca, servidão).
Devem ser analisados os requisitos para usucapião.
Os primeiros são os chamados requisitos formais, que são essenciais para
qualquer forma de usucapião: tempo, posse ad usucapionem (mansa, pacífica, contínua e
pública) e o animus domini. Ainda pode-se falar no justo título e boa-fé para a
modalidade de usucapião ordinária. Algumas formas também exigem requisitos
específicos, como será visto.
93
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Quanto ao tempo, cada modalidade de usucapião exige prazo diferenciado, o que


será visto na sequência deste estudo.
Deve-se destacar a sucessão de posses prevista no art. 1.243, CC, ou seja, o
possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido, acrescentar à sua posse a dos seus
antecessores (art. 1.207). “A primeira parte do dispositivo trata da accessio possessionis,
que vem a ser a soma dos lapsos temporais entre os sucessores, sejam eles
sucessores inter vivos ou mortis causa (soma de posses).” (TARTUCE, 2017).
Entretanto, esta norma não é aplicável às formas de usucapião especial urbana
(art. 1.240, CC) e rural (art. 1.239, CC), tendo em vista que essas exigem a pessoalidade
do possuidor no exercício dos requisitos exigidos para aquisição da propriedade.

Enunciado 317 – Art. 1.243. A accessio possessionis, de que trata o art. 1.243,
primeira parte, do Código Civil, não encontra aplicabilidade relativamente aos
arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade do
usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191, respectivamente. (IV
Jornada de Direito Civil/2006).

Em relação à usucapião especial urbana, o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001)


traz regra específica da accessio possessionis no art. 9º, § 3º.
Também é importante destacar o art. 1.244, CC, o qual deve ser interpretado
juntamente com os artigos 197 a 201, CC45. Assim, se estende ao possuidor o disposto
quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a
prescrição46.
A posse ad usucapionem é aquela mansa, pacífica, contínua e pública. A posse
mansa e pacífica consiste no exercício sem oposição do proprietário. Assim, a posse
mansa e pacífica cessa apenas no instante em que há oposição judicial/extrajudicial por
parte de quem pretende retomá-la, condicionada a interrupção da prescrição aquisitiva ao
reconhecimento da procedência da sentença transitada em julgado.
A posse contínua refere-se à posse exercida sem intervalos, ou seja, ininterrupta.
Perdida a posse, inutiliza-se o tempo anteriormente vencido. Na usucapião ordinária e na
extraordinária, não há exigência de moradia pelo usucapiente. Pode ele possuir a coisa

45
O art. 197, I, CC estabelece o impedimento do prazo prescricional entre os cônjuges, na constância do
casamento. Desta forma, o referido impedimento cessa com a separação judicial, divórcio ou a morte de um
dos cônjuges. No entanto, o STJ, por meio do REsp n. 1.693.732, julgado em 05/05/2020 pela 3ª Turma,
entendeu que o impedimento cessa, para fins de usucapião, com a separação de fato do casal.
46
Ainda que vigente por poucos meses, a Lei n.14.010/2020, denominada Regime Jurídico Emergencial e
Transitório de Direito Privado, previu a suspensão e impedimento do prazo prescricional entre o período de
12/06/2020 a 30/10/2020 (art. 3º), o que também afeta os prazos para usucapião.
94
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por intermédio de seus funcionários ou das pessoas a quem outorgou posse direta em
virtude de relação jurídica. A posse será descontínua quando o possuidor abandonar o
poder físico sobre a coisa por prazo relevante. A questão sobre o tempo aproximado desse
lapso de ausência é mais uma questão probatória e fática do que jurídica. Deve-se
lembrar, ainda, que é possível realizar a união de posses, conforme arts. 1.243 e 1.207,
CC.
A posse pública é aquela com visibilidade, ou seja, os vizinhos reconhecem o
possuidor em relação ao imóvel a ser usucapido.
A posse com animus domini consiste no propósito de o usucapiente possuir a
coisa como se esta lhe pertencesse (requisito psíquico). Excluem-se da usucapião aqueles
que exercem temporariamente a posse direta, por força de obrigação ou direito (art.
1.197, CC), pois a posse indireta não é afastada, continua a existir concomitantemente
com aquela.
O justo título (art. 1.201, parágrafo único; art. 1.242, CC) é o documento que
seria capaz de transferir o domínio; formalizado e devidamente transcrito e hábil ou
idôneo à aquisição da propriedade. Ex.: contrato de compra e venda, de doação, formal de
partilha. Assim, aquele título que, em tese, seria capaz de transferir o domínio, mas tem
algum vício/irregularidade não obsta o direito de usucapir, pois pode ser eivado pelo
tempo, exceto a nulidade absoluta. É requisito apenas na usucapião ordinária.
A posse de boa-fé (art. 1.201 e 1.202, CC) é aquela em que o possuidor está
convencido de que não ofende direito alheio; ignora vício/obstáculo que impede a
aquisição da propriedade; crença de que a coisa realmente lhe pertence. A menor dúvida
exclui a boa-fé e resta ao possuidor a usucapião na forma extraordinária. É requisito
apenas na usucapião ordinária. Lembrando que o possuidor com justo título presume ser
possuidor de boa-fé.
Também é importante analisar o próprio imóvel que se pretende adquirir por
usucapião, pois alguns não suscetíveis desta forma de aquisição. Assim, somente os
direitos reais que recaem em coisas prescritíveis podem ser adquiridos por usucapião –
propriedade, servidões, enfiteuse, usufruto, uso e habitação.
Certos bens são imprescritíveis, como os que estão fora do comércio (ar, luz solar,
etc) e os bens públicos (arts. 183, § 3º e 191, parágrafo único da CF; art. 102, CC; Súmula
340/STF), como se verifica, apenas a título de exemplo, na decisão judicial abaixo:
95
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APELAÇÃO - AÇÃO DE USUCAPIÃO - PESSOAS JURÍDICAS - JUSTIÇA


GRATUITA INDEFERIDA - DESCUMPRIMENTO DA ORDEM DE
RECOLHIMENTO DO PREPARO - DESERÇÃO CONFIGURADA -
INADMISSIBILIDADE DO RECURSO AFASTADA - CERCEAMENTO
DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - MÉRITO - IMÓVEL PERTECENTE AO
MUNICÍPIO - DOAÇÃO REVOGADA - BEM PÚBLICO -
IMPOSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO - INDENIZAÇÃO
- BENFEITORIAS E DANO MORAL - AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO.
Descumprida a ordem de recolhimento do preparo em razão do indeferimento
do beneplácito da justiça gratuita, de rigor o não conhecimento do recurso, por
deserção, relativamente às empresas que não estão sob o amparo da gratuidade
da justiça. Deve ser conhecido o recurso quando se infere das razões recursais a
devida impugnação aos fundamentos da sentença. Não há cerceamento de
defesa quando o feito tramita regularmente, com observância do devido
processo legal, tendo sido julgado antecipadamente em razão do desinteresse
do réu em produzir provas, bem como da renúncia tácita dos autores à
produção de provas. Revogada a doação de imóvel de propriedade do
Município, retoma-se a condição de bem público, o que o torna insuscetível
de aquisição por meio de usucapião. A ocupação irregular de bem público
não induz posse, mas mera detenção, afastando o direito a indenização de
possíveis benfeitorias. A ausência de ato ilícito também afasta o direito ao
ressarcimento dos danos morais alegados.
(MINAS GERAIS, TJ, 8ª Câmara Cível, AC n. 0090593-
52.2012.8.13.0702/Uberlândia, Rel. Des.ª Ângela de Lourdes Rodrigues.
Julgado em 19/10/2017. Publicado em 30/10/2017). (Grifos nossos)

Em relação aos bens que pertencem às sociedades de economia mista (Banco do


Brasil, Petrobrás, CEMIG) e empresas públicas (Correios, Caixa Econômica Federal,
CODEMIG, Terracap), em princípio, podem ser usucapidos, pois são consideradas
pessoas jurídicas de direito privado (paraestatal), conforme interpretação dos artigos 98 e
41 do Código Civil.
Entretanto, deve-se analisar, em cada caso, qual o tipo de atividade exercida por
elas, uma vez que podem desempenhar atividade de natureza econômica de produção ou
comercialização de bens ou de prestação de serviços (art. 173, § 1º, CF). Assim, seus
bens são privados e não possuem os benefícios que protegem os bens públicos (art. 102).
Por outro lado, se forem prestadoras de serviço público e exploradoras de
atividade econômica, os seus bens estarão afetados à finalidade pública e, portanto,
ficarão submetidos ao regime jurídico de direito público. Analisar inteiro teor dos
acórdãos abaixo transcritos:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - CONTESTAÇÃO


INTEMPESTIVA - REVELIA CONFIGURADA - OCUPAÇÃO DE TERRAS
DE EMPRESA PÚBLICA - BENS PÚBLICOS - USUCAPIÃO -
IMPOSSIBILIDADE - HONORÁRIOS - MANUTENÇÃO DO VALOR
ARBITRADO NA SENTENÇA.
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(MINAS GERAIS, TJ, 6ª Câmara Cível, AC n. 0450021-89.2012.8.13.0701 -


Uberaba, Rel. Des. Audebert Delage. Julgado em 03/05/2016. Publicado em
13/05/2016).

REINTEGRAÇÃO DE POSSE - ÁREA DE CONCESSIONÁRIA DE


ENERGIA ELÉTRICA - IMÓVEL OCUPADO A TÍTULO DE POSSE
INDEVIDA - DESCABIMENTO DE USUCAPIÃO - REJEIÇÃO DO
CONTEXTO PRELIMINAR - QUESTÃO DE DIREITO PREVALECE
SOBRE A FÁTICA. AÇÃO PROCEDENTE. MANTENÇA. RECURSO
NEGADO.
(SÃO PAULO, TJ, 1ª Câmara de Direito Público, AC n. 1000019-
80.2017.8.26.0361 - Mogi das Cruzes. Rel. Des. Danilo Panizza. Julgado e
publicado em 19/12/2017).

Usucapião – Extinção sem exame de mérito – Inconformismo – Acolhimento


em parte – Imóvel alienado em programa habitacional – Quitação que afasta
interesse público – Pedido possível – Extinção afastada – Inércia da vendedora,
animus domini e tempo de posse comprovados – Usucapião que possui rito
próprio – Diligências que não foram realizadas – Sentença cassada, com
determinação.
(SÃO PAULO, TJ, 8ª Câmara de Direito Privado, AC n. 0037173-
38.2007.8.26.0576 - São José do Rio Preto. Rel. Des. Grava Brazil.
Julgado e publicado em 19/12/2017).

ATIVIDADE COMPLEMENTAR: Pesquise na doutrina e na jurisprudência sobre a


possibilidade de usucapião entre condôminos. Situação 1: herdeiros de um imóvel;
Situação 2: condomínio edilício (relativo às áreas comuns). Trazer para a aula
decisão(ões) judicial(is) sobre o tema, bem como analisar os fundamentos jurídicos
utilizados pelos julgadores e pela doutrina.

10.3.1 Espécies/Formas de usucapião

Podem ser identificadas as seguintes espécies de usucapião na legislação vigente:

a) Usucapião extraordinária: prevista no art. 1.238, CC.


Requisitos: posse durante 15 anos, exercida com ânimo de dono, de forma contínua,
mansa e pacificamente. Não é necessário justo título e boa-fé.
O prazo pode ser reduzido a 10 anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel
a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo (parágrafo
único do art. 1.238, CC). Trata-se da chamada “posse-trabalho” ou posse qualificada
(usucapião extraordinária qualificada) que levou o legislador a reduzir o prazo da
prescrição aquisitiva.
97
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b) Usucapião ordinária: prevista no art. 1.242, CC.


Requisitos: posse por 10 anos, exercida com ânimo de dono, de forma contínua,
mansa e pacificamente, além de justo título e boa-fé.
O parágrafo único do art. 1.242 traz a hipótese de aquisição da propriedade por
usucapião quando o possuidor tenha adquirido a propriedade pelo registro, onerosamente,
mas posteriormente a tenha perdido pelo cancelamento do registro. Neste caso a posse
deve ter sido exercida por 5 anos e o possuidor estabelecido sua moradia ou realizado
investimentos de interesse social e econômico.
É requisito a existência de um justo título, ou seja, aquele negócio jurídico que foi
levado a registro e, posteriormente, foi cancelado. Trata-se de proteger o proprietário
aparente. Também é chamada de usucapião documental ou tabular.
Flávio Tartuce (2020) discorda da exigência imprescindível de cancelamento do
negócio jurídico:

Quanto ao documento que foi registrado e cancelado posteriormente, pela


literalidade da norma, parece que tal elemento é realmente imprescindível para
a modalidade de usucapião que ora se estuda. Entretanto, penso o contrário,
pois a posse-trabalho é que deve ser tida como elemento fundamental para a
caracterização dessa forma de usucapião ordinária, fazendo com que o prazo
caia pela metade. Deve-se, então, concluir que a existência do título registrado
e cancelado é até dispensável, pois o elemento é acidental, formal. A posse-
trabalho, em realidade, é o que basta para presumir a existência da boa-fé (aqui
é a boa-fé objetiva, que está no plano da conduta) e do justo título. Essa parece
ser a melhor interpretação, fundada no princípio da função social da posse.
(TARTUCE, 2020)

Essa previsão também está na Lei n. 6.015/73, art. 214, § 5º (com alteração pela Lei
n. 10.931/04). A usucapião tabular visa convalidar o registro expurgando os vícios
congênitos que maculavam a estrutura do título47.

c) Usucapião especial rural ou pro labore: art. 191, CR/88 e art. 1.239, CC.
Esta espécie de usucapião surgiu com a Constituição Federal de 1934. Foi
regulamentada pela Lei n. 6.969/81.

47
Enunciado 569 – No caso do art. 1.242, parágrafo único, a usucapião, como matéria de defesa, prescinde
do ajuizamento da ação de usucapião, visto que, nessa hipótese, o usucapiente já é o titular do imóvel no
registro. (VI Jornada de Direito Civil/2013)
98
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O objetivo nesta forma de usucapião é a fixação do homem no campo, exigindo a


ocupação produtiva do imóvel, devendo neste morar e trabalhar o usucapiente. O
usucapiente não deve ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
A doutrina e a jurisprudência não admitem a soma de posses, denominada accessio
possessionis48 nesta modalidade de usucapião especial, “visto que há requisitos
personalíssimos incompatíveis com a aludida soma, como produtividade do trabalho do
possuidor ou de sua família e morada no local. É afastada até mesmo a hipótese de
adicionamento quando o sucessor a título singular faz parte da família e passa a trabalhar
a terra e a produzir, nela residindo.” (GONÇALVES, 2012, p. 263).

d) Usucapião especial urbana: art. 183, CR/88; art. 1.240, CC e art. 9º EC.
O possuidor deve utilizar o imóvel para sua moradia ou de sua família. Desta
forma, não se aplica a terrenos urbanos sem construção. Não exige justo título nem boa-
fé.
Há limitação sobre a extensão do imóvel usucapiendo, não podendo ultrapassar
250m², pois o constituinte entendeu que este é o tamanho máximo suficiente à moradia do
possuidor ou de sua família. Sobre este requisito houve discussão quanto ao limite
imposto pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade (lei federal) em relação ao
módulo mínimo de lote estabelecido pelos municípios. No entanto, o STF pacificou
entendimento no julgamento do Recurso Extraordinário n. 422.349/RS49, com o
reconhecimento da existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada,
julgado em 29/04/2015:

Recurso extraordinário. Repercussão geral. Usucapião especial urbana.


Interessados que preenchem todos os requisitos exigidos pelo art. 183 da
Constituição Federal. Pedido indeferido com fundamento em exigência
supostamente imposta pelo plano diretor do município em que localizado o
imóvel. Impossibilidade. A usucapião especial urbana tem raiz constitucional e
seu implemento não pode ser obstado com fundamento em norma
hierarquicamente inferior ou em interpretação que afaste a eficácia do direito
constitucionalmente assegurado. Recurso provido.

48
Enunciado 317 – Art. 1.243. A accessio possessionis, de que trata o art. 1.243, primeira parte, do Código
Civil, não encontra aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face
da normatividade do usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191, respectivamente. (IV Jornada
de Direito Civil/2006).
49
Os autores ajuizaram ação de usucapião especial urbano referente a uma área de 225m², em Caxias do
Sul/RS. Entretanto, o pedido deles foi julgado improcedente, em primeira e segunda instâncias, pois o
módulo mínimo para parcelamento do solo urbano naquele município é 360m².
99
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1. Módulo mínimo do lote urbano municipal fixado como área de 360 m2.
Pretensão da parte autora de usucapir porção de 225 m2, destacada de um todo
maior, dividida em composse.
2. Não é o caso de declaração de inconstitucionalidade de norma municipal.
3. Tese aprovada: preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição
Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não
pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos
urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote).
4. Recurso extraordinário provido.
(BRASÍLIA, STF, Plenário, RE n. 422349/RS. Rel. Min. Dias Toffoli,
Julgamento em 29/04/201. Publicado em 05/08/2015).

O tema também foi objeto da VII Jornada de Direito Civil (2015), referindo-se à
área rural:

Enunciado 594 – É possível adquirir a propriedade de área menor do que o


módulo rural estabelecido para a região, por meio da usucapião especial rural.

O usucapiente não deve ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

O Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/01) também regulamenta a usucapião urbana,


no seu art. 9º, que em muito se assemelha ao art. 1.240, CC. A diferença é que o EC usa a
expressão “área ou edificação urbana”, enquanto o CC usa “área urbana”. “Tal fato induz
construção, restando concluir que tanto a área (com a construção) como a edificação (só o
direito de superfície) poderão ser objeto de usucapião urbana do Estatuto da Cidade”
(GONÇALVES, 2012, p. 267), visto a exigência da moradia.
As três normas que prevêem a usucapião urbana individual (CR/88, EC e CC) não
entram em conflito. Entretanto, o § 3º do art. 9º do EC estabelece uma restrição a
accessio possessionis: “Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno
direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura
da sucessão”. Essa redação exclui o herdeiro testamentário e outros que não estejam
residindo no imóvel usucapiendo na data do óbito do possuidor.

e) Usucapião urbana coletiva: art. 10 do Estatuto da Cidade.


O seu objetivo é a regularização de ocupações nos grandes conglomerados urbanos
ou de aglomerados residenciais sem condições de legalização da propriedade.

Art. 10. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de


cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a
duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem
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usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de


outro imóvel urbano ou rural. (Redação dada pela lei nº 13.465, de 2017)

De acordo com a Lei n. 13.465, de 11 de julho de 2017, núcleo urbano informal é


“aquele clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a
titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua
implantação ou regularização” (art. 11, III).
A aquisição da propriedade é coletiva, formando, portanto, um condomínio
especial entre os possuidores, cabendo frações ideais a cada um dos condôminos.
O § 1º do art. 10 admite a accessio possessionis. O Estatuto da Cidade também
prevê regras processuais sobre a usucapião urbana.

f) Usucapião familiar ou pró-moradia: art. 1.240-A, CC.


A usucapião familiar foi inserida pela Lei n. 12.424, de 16/06/2011 e trouxe vários
aspectos em discussão, tendo em vista envolver matéria de Direito de Família. Desta
forma, na V Jornada de Direito Civil (2011) foram editados os seguintes Enunciados
sobre o tema:

Enunciado 498 – A aquisição da propriedade na modalidade de usucapião


prevista no art. 1.240-A do Código Civil só pode ocorrer em virtude de
implemento de seus pressupostos anteriormente ao divórcio. O requisito
“abandono do lar” deve ser interpretado de maneira cautelosa, mediante a
verificação de que o afastamento do lar conjugal representa descumprimento
simultâneo de outros deveres conjugais, tais como assistência material e
sustento do lar, onerando desigualmente aquele que se manteve na residência
familiar e que se responsabiliza unilateralmente pelas despesas oriundas da
manutenção da família e do próprio imóvel, o que justifica a perda da
propriedade e a alteração do regime de bens quanto ao imóvel objeto de
usucapião.

Assim, o primeiro aspecto a se observar é que os requisitos exigidos devem ocorrer


antes da sentença de divórcio, pois após a decisão judicial a tendência é de que um dos
cônjuges realmente deixe o imóvel que servia como lar conjugal e isso não pode ser
considerado “abandono de lar”. O outro ponto esclarecido pelo Enunciado 498 é
exatamente sobre o entendimento do “abandono do lar”. Com a publicação da lei e a
introdução da nova forma de usucapião, questionava-se sobre o retorno da culpa no
divórcio. Entretanto, o assunto continuou em plena discussão e, novamente, foi levado à
deliberação na VII Jornada de Direito Civil (2015), que proferiu o Enunciado 595:
101
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Enunciado 595 – O requisito ‘abandono do lar’ deve ser interpretado na ótica


do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do
imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação
da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Revogado o Enunciado 499.

O Enunciado 499 (V Jornada de Direito Civil, 2011) é coerente com todo o


entendimento que vigora no Direito de Família contemporâneo, isto é, a igualdade entre
todas as formas de entidades familiares, incluindo a homoafetiva. Desta forma, a
usucapião familiar aplica-se a todas elas, desde que preenchidos os requisitos exigidos
pela legislação:

Enunciado 499 – A modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do


Código Civil pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as
formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas.

O Enunciado 500 (V Jornada de Direito Civil, 2011) reforça o Enunciado 498.


Assim, quando o legislador utilizou as expressões “ex-cônjuge” e “ex-companheiro” não
quis exigir os requisitos após a dissolução do casamento pelo divórcio ou a dissolução da
união estável por sentença judicial.

Enunciado 500 – As expressões “ex-cônjuge” e “ex-companheiro”, contidas


no art. 1.240-A do Código Civil, correspondem à situação fática da separação,
independentemente de divórcio.

O Enunciado 501 (V Jornada de Direito Civil, 2011) esclarece o entendimento


sobre a posse direta exigida no art. 1.240-A, que não é o de desdobramento da posse,
previsto no art. 1.197, CC.

Enunciado 501 – O conceito de posse direta referido no art. 1.240-A do


Código Civil não coincide com a acepção empregada no art. 1.197 do mesmo
Código.

Significa, apenas, que um dos cônjuges/companheiros passou a exercer a posse


exclusiva do bem em virtude da ausência do outro cônjuge/companheiro.

ATIVIDADE COMPLEMENTAR: para fins de estudo, elabore um quadro


comparativo (mapa mental) entre as espécies de usucapião previstas no ordenamento
jurídico brasileiro, destacando os requisitos presentes em cada uma.
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10.3.2 Procedimento judicial para o processo de usucapião

O CPC/1973 previa procedimento especial para a usucapião, nos artigos 941 a 945.
A ação de usucapião não está prevista no CPC/15. Assim, a pretensão do usucapiente
seguirá o procedimento comum do CPC/15.
Todavia, é importante observar as exigências de documentos da legislação anterior,
tal como a juntada de planta e memorial descritivo do imóvel (art. 942, CPC/1973), bem
como a intimação dos representantes das Fazendas Públicas (art. 943, CPC/1973), a fim
de evitar eventuais nulidades processuais.
Quanto à citação, o CPC/15, art. 246 mantém a citação por edital no art. 259, I
(correspondente ao art. 942, CPC/1973), bem como a citação pessoal dos confinantes50,
exceto quando for objeto da usucapião a unidade autônoma de prédio em condomínio,
caso em que a citação é dispensada (art. 246, § 3º, CPC/15).
A sentença na ação de usucapião é declaratória, conforme o art. 1.241 e parágrafo
único do CC e art. 10, § 2º, EC. Assim, o possuidor adquire a propriedade quando
completa todos os requisitos exigidos na legislação, dependendo da forma de usucapião.
O processo judicial é apenas para regularizar a situação do imóvel no registro imobiliário,
dando segurança jurídica ao possuidor/proprietário e publicidade da sua propriedade.
A sentença constitui título hábil para assento no Registro Imobiliário. O registro,
embora seja considerado modo de aquisição da propriedade, no caso da usucapião possui
valor meramente probante (art. 167, I, n. 28, Lei n. 6.015/73), uma vez que a usucapião é
modo originário de aquisição da propriedade.
A Súmula 237/STF (13/12/63) firmou o entendimento de que a usucapião pode ser
arguida em defesa nas ações reais. Assim, no caso do possuidor com prazo de prescrição
aquisitiva já completado não ter ajuizado a ação de usucapião, não ficará impedido de
demonstrar os requisitos cumulativos em defesa (contestação), obstando, assim, o êxito
da pretensão contra si dirigida. A usucapião como defesa também está prevista no art. 13
do Estatuto da Cidade.

10.3.3 Usucapião extrajudicial

50
Súmula 391/STF: O confinante certo deve ser citado, pessoalmente, para a ação de usucapião.
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O CPC/15 (art. 1.071) alterou a Lei n. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos),


incluindo o art. 216-A, que admite o pedido de reconhecimento extrajudicial de
usucapião, processado diretamente perante o cartório de registro de imóveis da comarca
em que estiver situado o imóvel usucapiendo.
O novo artigo indica os documentos que instruirão o processo, bem como seu
processamento. O Provimento n. 65, de 14/12/2017, da Corregedoria Nacional de Justiça
do CNJ, estabelece diretrizes para o procedimento da usucapião extrajudicial nos serviços
notariais e de registro de imóveis.
Verifica-se, aqui, mais um caso de desjudicialização, como já ocorrera com a
separação, o divórcio e o inventário (Lei n. 11.441/07).
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11 Modos de aquisição da propriedade móvel

A propriedade móvel também pode ser adquirida pelo modo originário (ocupação e
usucapião) ou derivado (especificação, confusão, comistão, adjunção, tradição e sucessão
hereditária51).

11.1 Ocupação (art. 1.263, CC)

É a forma pela qual alguém imediatamente se apropria de coisas móveis ou


semoventes52, sem dono, seja porque nunca foram apropriadas (res nullius), seja porque
foram abandonadas pelos seus donos (res derelicta).
O seu objeto, portanto, são os seres vivos e coisas inanimadas sem dono, recaindo,
principalmente nos dias atuais, na caça e pesca, conforme legislação especial (ambiental).
O abandono se presume pelas circunstâncias que induzem ao despojamento
conjunto de corpus e animus domini. Torna-se necessário que haja intenção do seu dono
de se despojar dela. Não há necessidade de declaração expressa do dono, basta a dedução
inequívoca do propósito de abandonar o bem, tendo em vista o comportamento do dono
em relação ao bem.
Não se confundem coisas abandonadas com coisas perdidas. Quem perde uma coisa
não perde sua propriedade, mas fica, momentaneamente, privado de exercer o seu
domínio. No caso da perda, há um temporário afastamento do corpus, mas é mantido o
animus domini.
Em relação às coisas perdidas, prevê o Código Civil, nos seus arts. 1.233 a 1.237, a
descoberta. Assim, quem quer que ache coisa alheia perdida (res perdita) deverá restituí-la ao
dono ou legítimo possuidor, sob pena de praticar enriquecimento sem causa. Se o descobridor da
coisa não conhecer o dono, deverá tomar todas as medidas para encontrá-lo, guiado pela boa-fé.
Se não o encontrar, entregará a coisa achada à autoridade competente (parágrafo único do art.
1.233 do CC).
O CPC regula, inclusive, o procedimento para arrecadação e entrega da coisa achada, por
meio de jurisdição voluntária, constituindo capítulo relativo às coisas vagas (art. 746 do
CPC/2015).

51
A sucessão hereditária como forma de aquisição da propriedade é estudada no Direito das Sucessões.
52
A ocupação, conforme o CC, tem por objeto seres vivos e coisas inanimadas. Assim, recairá em animais,
sob a forma de caça e pesca, bem como sobre substâncias minerais, vegetais ou animais lançados à praia
pelo mar.
105
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O descobridor que violar essas normas pode enquadrar-se no delito de apropriação


de coisa achada (art. 169, parágrafo único, II, CP).
Verifica-se, assim, que o descobridor não adquire o bem achado, mas tem direito a
um prêmio ou recompensa, denominada achádego, acrescida da indenização pelas
despesas de conservação e transporte da coisa, se tiver feito (art. 1.234, CC). No entanto,
o dono da coisa perdida pode eximir-se do pagamento da recompensa se resolver
abandoná-la (art. 1.234, CC). Neste caso o descobridor tem direito de se apropriar dela,
pois torna-se res derelicta.
Caio Mário da Silva Pereira (2017) comenta sobre a licitude da cláusula inserta por
alguns prestadores de serviço sobre a presunção de abandono do objeto não buscado em
determinado prazo:

Indaga-se da liceidade da cláusula adjecta a talões de empresas de serviço


(lavanderia, sapataria, transportadora), consignando que se consideram
abandonados os objetos não procurados num prazo determinado. Não se
configura aí um contrato de adesão, que requer a possibilidade de conhecer a
cláusula e sua adesão a ela (v. nº 197, supra, vol. III). Nem é razoável presumir
que alguém, deixando um objeto para sofrer reparações, manifeste com isso, a
intenção não revelada de a ele renunciar. É aceitável o mandato para vender, e
o locador do serviço pagar-se do custo deste. O que não é lícito é forçar no
proprietário uma intenção de abandonar e converter a coisa, que o interessado
tem a intenção de conservar, numa res derelicta pelo fato de haver excedido
um prazo determinado no cupão de sua identificação, ou em tabuleta na loja,
como limite de validade de seu direito de dono. (PEREIRA, 2017)

Atualmente não são frequentes as coisas sem dono, portanto, a ocupação como
modalidade aquisitiva ficou muito reduzida.

11.2 Achado do tesouro (arts. 1.264 a 1.266, CC)

De acordo com o art. 1.264, CC, tesouro é o depósito antigo de coisas preciosas
ocultas, cujo dono seja desconhecido, como, por exemplo: objeto encontrado em
escavação de terreno ou demolição de prédio.
Assim, somente poderá se falar em tesouro quando a sua propriedade não puder ser
justificada, ou seja, não se possa identificar o seu dono. Também é requisito que a coisa
esteja oculta por atuação humana, intencional. Não se tem achado quando a ocultação se
dá por fenômeno natural.
Os bens encontrados (tesouro) serão adquiridos conforme as regras a seguir:
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1. se for achado pelo proprietário do terreno, ou em pesquisa que ordenou por meio
de prepostos, pertence ao proprietário, seguindo a regra de que o acessório segue o
principal (art. 1.265, CC).
2. se for encontrado por pessoa que não é proprietária, isto é, pelo descobridor, terá
ele direito à metade do tesouro quando o encontre casualmente (art. 1.264, CC).
Exemplo: comodatário, locatário.
3. se o descobridor penetrar no prédio alheio com o propósito de encontrar o
tesouro, não terá direito a nada, pois não se permite a obtenção de vantagem no caso de
esbulho (art. 1.265, CC).
O art. 1.266 não tem muita aplicação nos dias atuais, tendo em vista a extinção da
enfiteuse no atual CC (art. 2.038). Só se aplica às constituições de enfiteuse anteriores ao
CC.
No caso de terreno objeto de usufruto ou locação, não cabe ao usufrutuário ou ao
locatário qualquer direito sobre o tesouro casualmente encontrado por terceiro. O direito à
metade desse tesouro compete ao nu-proprietário (usufruto) ou ao locador (locação).

11.3 Usucapião (arts. 1.260 e 1.261, CC)

A estrutura da usucapião sobre móveis se assemelha à modalidade da usucapião


imobiliária.
a) Usucapião ordinária (art. 1.260, CC): posse mansa, pacífica, ininterrupta e sem
oposição, durante três (3) anos, exercida com animus domini, justo título e boa-fé.
b) Usucapião extraordinária (art. 1.261, CC): posse ininterrupta e pacífica com
animus domini pelo decurso de prazo de cinco (5) anos, sem que tenha justo título e boa-
fé.

AÇÃO DE USUCAPIÃO - VEÍCULO - GRAVAME NO REGISTRO -


LAPSO TEMPORAL E POSSE DEVIDAMENTE COMPROVADAS -
PROPRIEDADE RECONHECIDA.
- Tratando-se de usucapião, é possível ao possuidor acrescentar à sua posse
atual a dos seus antecessores, desde que todas sejam contínuas, pacíficas e
exercidas com 'animus domini'.
- Presentes os requisitos legais, deve ser julgado procedente o pedido de
usucapião de veículo, ainda que contenha gravame no registro do Detran.
(MINAS GERAIS, TJ, 14ª Câmara Cível, AC n. 1.0707.08.166062-3/001, Rel.
Des. Valdez Leite Machado. Julgado em 12/04/2012. Publicado em
25/04/2012).
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USUCAPIÃO DE BEM MÓVEL - VEÍCULO COM GRAVAME DE


ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI -
PEDIDO IMPROCEDENTE.
- Verificado que o débito da autora ainda está em aberto e, como tal, permanece
o gravame de alienação fiduciária sobre o bem objeto da ação, tem-se que,
independente do lapso temporal da sua posse, improcede o pedido de aquisição
do domínio por usucapião, porque ausente o requisito previsto no art. 618 do
Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos, do animus domini.
(MINAS GERAIS, TJ, 16ª Câmara Cível, AC n. 1.0086.09.025661-0/001, Rel.
Des. Francisco Batista de Abreu. Julgado em 16/01/2013. Publicado em
25/01/2013).

Conforme o art. 1.262, CC deve ser aplicado à usucapião de bem móvel o disposto
nos arts. 1.243 e 1.244, CC. Portanto, é possível unir posses (art. 1.207) e observar as
causas que obstam, suspendem ou interrompem o prazo prescricional.

11.4 Tradição (art. 1.267 e 1.268, CC)

É a efetiva entrega da coisa móvel ao adquirente, com a intenção de lhe transferir o


domínio, em razão de título translativo de propriedade.
O contrato, por si só, não é instrumento apto a transferir a propriedade. Trata-se,
apenas, de direito pessoal. Somente com a tradição é que essa declaração translatícia de
vontade se transforma em direito real (arts. 1.267 e 1.226, CC). Há três modalidades:
a) Tradição real: é a forma usual de transferência, pois consiste na entrega material
da coisa ao adquirente, como por exemplo, aquisição de um livro na loja.
b) Tradição simbólica: traduz-se no ato representativo de transferência, em que a
entrega não é real, substituindo-se por coisa equivalente. Exemplo: entrega das chaves do
veículo. Também ocorre na traditio longa manu, em que a coisa a ser entregue é colocada à
disposição da outra parte (TARTUCE, 2017), como previsto no parágrafo único do art. 1.267,
CC.
c) Tradição consensual ou ficta: é a que resulta de acordo de vontade dos
interessados, por aposição de cláusula contratual, sem qualquer alteração no mundo dos
fatos. Tanto se apresenta no constituto possessório, em que o possuidor possuía em nome
próprio e passa a possuir em nome alheio (art. 1.267, parágrafo único, CC), como na
tradição brevi manu, em que o possuidor possuía em nome alheio e passa a possuir em
nome próprio. Exemplo: Alienação fiduciária de veículo – no primeiro momento, o
proprietário/devedor aliena o veículo à instituição financeira em garantia de um
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empréstimo, havendo o constituto possessório; no segundo momento, ao final do


pagamento, há a tradição brevi manu.
Para que a tradição ocorra são necessários os seguintes requisitos:
a) o transmitente deve ser capaz e titular do domínio (art. 1.268, CC). Alienação
realizada por quem não é dono (venda a non domino) constitui crime de estelionato (art.
171, § 2.º, I, CP). A exceção, trazida pelo próprio Código Civil, está na situação da coisa
ser oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, sendo transferida em
circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se
afigurar dono.
Outra possibilidade de ocorrer a tradição, mesmo quando o transmitente não era
proprietário da coisa, está no § 1º do art. 1.268, CC. Neste caso, a aquisição, inicialmente
ineficaz, passa a ter eficácia plena diante da presença da boa-fé e da aquisição
superveniente por parte do alienante, como exemplifica Flávio Tartuce:

A título de exemplo, se alguém vende um veículo pensando que a propriedade


já lhe pertence, o que é um engano, haverá uma venda a non domino e,
portanto, um negócio ineficaz. Mas, se o veículo foi adquirido de boa-fé e
havendo a transferência posterior o ato se torna plenamente eficaz. Deve-se
entender que essa eficácia superveniente tem efeitos ex tunc (retroativos), até a
data da celebração do negócio original, uma vez que há uma confirmação
posterior. (TARTUCE, 2017)

b) negócio jurídico válido (art. 1.268, § 2.º, CC). A tradição requer vontade, que se
manifesta no contrato, e ato, que se dá na efetiva entrega da coisa. Se não houver
vontade, não há tradição hábil para transferir propriedade (ver art. 227, CC – necessidade
de forma escrita).

11.5 Especificação (art. 1.269 a 1.271, CC)

É o modo de aquisição da propriedade mobiliária que se dá mediante a


transformação de matéria-prima em espécie nova por meio do trabalho. Ex.: o sapateiro
que emprega o couro para fazer sapatos; o alfaiate que emprega tecido para fazer um
terno (IHERING, 2002, p. 36); o escultor que transforma a madeira em estátua, etc. Seus
requisitos são: a matéria-prima não pertencente ao especificador (mesmo que em parte);
que seja transformada em espécie nova pelo especificador.
A coisa nova (transformada) pertencerá:
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a) se a matéria-prima pertence ao especificador, dele será a titularidade do bem


especificado (art. 1.269, CC).
b) se parte da matéria-prima pertencer ao especificador, dele também será o bem
(art. 1.269, CC);
c) se a matéria-prima for alheia em sua integralidade, pertencerá o produto ao
especificador de boa-fé quando a espécie nova não puder ser restituída à forma primitiva
(art. 1.270, CC);
d) se a matéria-prima for alheia em sua integralidade, pertencerá o produto ao dono
da matéria-prima, não podendo o especificador de má-fé pleitear indenização pelo
trabalho executado (art. 1.270, § 1.º c/c 1.271, CC);
e) se a matéria-prima for alheia em sua integralidade, mas o preço da mão-de-obra
exceder consideravelmente o seu valor, mesmo havendo má-fé, a coisa nova será do
especificador, apenas indenizando o dono daquela por seu valor (art. 1.270, § 2.º, CC).
Ex.: um famoso pintor que utiliza tela alheia para criar uma bela obra, ficará com ela,
ressarcindo o proprietário da tela.

11.6 Comistão, confusão e adjunção (art. 1.272 a 1.274, CC)

Essas três formas de aquisição da propriedade móvel têm regras semelhantes.


a) comistão: é a mistura de coisas secas ou sólidas pertencentes a diferentes donos,
sem que possam ser separadas e sem que se produza coisa nova (ex.: cimento e areia);
b) confusão: é a mistura de coisas líquidas de diferentes pessoas, nas mesmas
condições (ex.: combustíveis – biodiesel e gasolina);
c) adjunção: é a justaposição de uma coisa à outra, sendo uma delas principal e a
outra acessória, de tal modo que não possam mais ser separadas sem deterioração do bem
formado (ex.: anel de brilhantes, tinta à tela).
Pode-se falar em três formas de acessão de móvel a móvel, em que ocorre a união
de coisas de proprietários diversos, sem a possibilidade de separação e entendimento, pois
se houver criação de coisa nova haverá especificação (art. 1.269, CC). As situações
possíveis são:
1) Se a mescla for intencional, os proprietários decidem consensualmente o que
fazer com o produto.
2) Se a mescla for acidental e irreversível, deve-se observar o art. 1.272, CC:
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 em regra, a propriedade da coisa indivisível será do dono do bem principal,


considerando-se este o de maior valor ou importância. O outro dono será indenizado (art.
1.272, § 2º).
 se não puder ser considerada uma das coisas como principal em relação à outra,
haverá um condomínio forçado e cada um dos donos terá quinhão proporcional ao valor
da coisa no estado originário (art. 1.272, § 1.º).
3) Se a mescla for consequência de uma conduta unilateral de má-fé por parte de
quem sabia que a coisa acedida pertencia à outra pessoa, a outra parte (de boa-fé) terá o
direito potestativo de adquirir a propriedade do todo constituído com a mistura ou
justaposição, devendo indenizar a parte que agiu de má-fé, mas dela descontando
indenização pelo ato ilícito ou, então, renunciar a propriedade da coisa móvel, com direito
ao ressarcimento por este ato.
111
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12 Perda da Propriedade

Diante do atributo da perpetuidade, em princípio, a propriedade é irrevogável.


Entretanto, pode-se perder a propriedade voluntária e involuntariamente.
São formas voluntárias a alienação, abandono e renúncia (art. 1.275, I, II e III, CC.)
e, involuntárias, perecimento e desapropriação (art. 1.275, IV e V, CC.).
O art. 1.275 é exemplificativo, pois existem outras formas de perda da propriedade
no Código Civil e em leis especiais.

12.1 Alienação

É o ato pelo qual o proprietário, por vontade própria, gratuita (doação) ou


onerosamente (venda, dação em pagamento, permuta), transfere a outrem o seu direito
sobre a coisa (art. 1.275, I, CC).
A alienação, como ato bilateral transmissivo de direito real, requer escritura
pública para o seu aperfeiçoamento, nos casos em que o valor do bem imóvel for superior
a trinta salários mínimos (art. 108, CC).
Para os bens móveis, a perda do domínio pela alienação está subordinada à tradição
(art. 1.226, CC); para os bens imóveis, ao registro imobiliário (arts. 1.227 e 1.275,
parágrafo único).
A alienação é um modo derivado de perda da propriedade. Assim, o adquirente
recebe o bem com as mesmas qualidades e defeitos que sobre ele recaíam quando
pertencente ao alienante.

12.2 Renúncia

É o ato unilateral pelo qual o proprietário declara formal e explicitamente o


propósito de despojar-se do direito de propriedade (art. 1.275, II, CC).
Se a renúncia for feita em favor de outrem, trata-se de doação e, por consequência,
em alienação gratuita. Em nosso ordenamento, a possibilidade de renúncia como perda de
propriedade de móveis ou imóveis se vislumbra no direito das sucessões, como no caso
de repúdio de herança já deferida (art. 1.804, parágrafo único, CC). O quinhão recusado
pelo herdeiro é transferido ao acervo hereditário em prol de todos os outros coerdeiros da
112
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mesma classe, formalizando-se o ato abdicativo por escritura pública ou termos nos autos,
levando ao registro imobiliário quando da transcrição do formal de partilha.

12.3 Abandono

É o ato material pelo qual o proprietário se desfaz da coisa porque não quer mais
ser seu dono. Como não se trata de ato expresso, resulta de atos exteriores que atestem a
manifesta intenção de abandonar, sendo insuficiente o mero desuso (desprezo físico pela
coisa) se não acompanhado de sinais evidentes do ânimo de abdicar da propriedade (art.
1.275, III, CC). Também chamado de derelição ou derrelição.
Nosso ordenamento não admite o imóvel sem dono, por isso, o art. 1.276, § 1.º, CC,
estabelece que o imóvel urbano abandonado será arrecadado como bem vago pelo
Município ou Distrito Federal, passando ao seu domínio após três (3) anos. No caso de
imóvel rural a arrecadação e o domínio se darão pela União. Esses imóveis serão
destinados à reforma agrária e política habitacional urbana.
Durante o prazo de três anos é permitido ao proprietário voltar atrás e reaver o
imóvel que intencionava abandonar, pois o Poder Público só adquire a propriedade após o
término do prazo de arrecadação, isto é, três anos.
Há presunção absoluta (juris et de jure) da referida intenção se, cessados os atos de
posse, o proprietário deixar de satisfazer os encargos fiscais (art. 1.276, § 2.º, CC). Em
decorrência do princípio da função social da propriedade, percebe-se no atual CC uma
relativização do atributo da perpetuidade da propriedade.
De acordo com o caput do art. 1.276 há um fato impeditivo para a arrecadação pelo
Poder Público do imóvel abandonado pelo seu real proprietário: o imóvel encontrar-se na
posse de outrem. A posse de terceiros sobre o bem é suficiente para conceder função
social à propriedade53 e determinar a exclusão da pretensão à titularidade pelo Poder
Público.
O procedimento para arrecadação dos imóveis urbanos abandonados foi previsto
nos arts. 64 e 65 da Lei n. 13.465/2017.
Em relação ao abandono como perda da propriedade, na VI Jornada de Direito Civil
(2013) foi aprovado o Enunciado 565: Não ocorre a perda da propriedade por abandono

53
Enunciado 597 – A posse impeditiva da arrecadação, prevista no art. 1.276 do Código Civil, é efetiva e
qualificada por sua função social. (VII Jornada de Direito Civil, 2015).
113
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de resíduos sólidos, que são considerados bens socioambientais, nos termos da Lei n.
12.305/2012. Artigo: 1.275, III, do Código Civil.
Para entender a finalidade deste enunciado é necessário analisar a Lei n. 12.305/12,
que conceitua resíduos sólidos.

Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por:


(...)
XV - rejeitos: resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades
de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e
economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a
disposição final ambientalmente adequada;
XVI - resíduos sólidos: material, substância, objeto ou bem descartado
resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se
procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido
ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas
particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos
ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente
inviáveis em face da melhor tecnologia disponível; (...). (BRASIL, 2012)

Flávio Tartuce (2017) traz as justificativas do enunciado: “a Lei n. 12.305/2012, ao


prever, no art. 6.º, VIII, que o resíduo sólido consiste em bem ‘econômico e de valor
social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania’, impõe deveres ao
proprietário, vedando que dos resíduos disponha de forma inadequada. Assim, tendo em
vista os valores incidentes na tutela dos bens socioambientais, afasta-se a possibilidade de
abandono de resíduos sólidos, que devem ter a destinação final ambientalmente
adequada, com disposição final em aterro”. Podemos citar como exemplo, tão comum nos
dias de hoje, o “lixo eletrônico”, que deve ser descartado de forma adequada, a fim de
não prejudicar o meio ambiente.
Desta forma, proíbe-se o abandono irregular de resíduos sólidos, observando-se o
princípio da função socioambiental da propriedade (§1º do art. 1.228, CC).

12.4 Perecimento

Nesta modalidade de perda involuntária da propriedade, ocorre o perecimento


material sobre o bem. O fato material deve atingir a substância da coisa de forma
completa, ou então causar a perda de suas qualidades essenciais ou o seu valor econômico
(art. 1.275, IV, CC). Perecendo o objeto, perece o direito.
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12.5 Desapropriação

É considerada uma modalidade especial de perda da propriedade, pois pertence ao


direito público, regulada por normas administrativas, processuais e civis. Assim, o
instituto pertence ao direito público, mas os seus efeitos pertencem ao direito civil.
Trata-se de modo originário de aquisição e perda da propriedade imobiliária, pois
não se vincula ao título do anterior proprietário que se vê compelido a transmiti-la ao
Poder Público expropriante em face da intervenção estatal na propriedade privada (art.
5.º, XXIV, CF e arts. 1.275, V, 1.228, § 3.º, 1ª. parte, CC).
É uma exceção ao princípio da garantia da propriedade particular (art. 5.º, XXII,
CF). Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012, p. 166) conceitua a desapropriação como “o
procedimento administrativo pelo qual o Poder Público ou seus delegados mediante
prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, impõe ao
proprietário a perda de um bem, substituindo-o por justa indenização.”
A aquisição se dá com o pagamento da indenização, exceto nos casos de pagamento
com títulos, e não no momento do registro.
Podem ser desapropriados quaisquer bens com conteúdo patrimonial, isto é, que
seja suscetível de valoração econômica: bens corpóreos – imóveis e móveis, incorpóreos,
públicos e privados, direitos, com exceção dos personalíssimos.
A Administração Pública tem a obrigação de utilizar o imóvel para atender à
finalidade específica pela qual se deu a desapropriação. Se essa obrigação não for
cumprida, dá-se a retrocessão ou preempção (art. 519, CC).

12.6 “Desapropriação” judicial baseada na posse pro labore

Está prevista no art. 1.228, §§ 4.º e 5.º, CC. Trata-se de uma “desapropriação”
judicial pela posse qualificada, pois o proprietário será privado do imóvel mediante justa
indenização. Alguns entendem que seria uma espécie de usucapião “onerosa”, tendo em
vista os requisitos da posse ininterrupta e de boa-fé por mais de cinco anos.
Percebe-se, mais uma vez, no atual Código Civil, a intenção do legislador em
privilegiar a função social da propriedade.
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A posse-trabalho será alegada como matéria de defesa54 na contestação ou em


reconvenção na Ação reivindicatória. Entretanto, conforme Enunciado 495 (V Jornada de
Direito Civil – 2011), a mesma também poderá ser objeto de ação autônoma55.
O proprietário não será considerado vencedor da demanda56 e não receberá de volta
o imóvel urbano ou rural, mas sim, o seu justo preço, pago pelos possuidores ou pela
Administração Pública57, sem nele computar o valor das benfeitorias, por ser produto do
trabalho alheio.
Cabe ressaltar que a desapropriação judicial também é aplicável aos bens públicos
dominicais:

Enunciado 304 – Art.1.228. São aplicáveis as disposições dos §§ 4º e 5º do art.


1.228 do Código Civil às ações reivindicatórias relativas a bens públicos
dominicais, mantido, parcialmente, o Enunciado 83 da I Jornada de Direito
Civil, no que concerne às demais classificações dos bens públicos. (IV Jornada
de Direito Civil/2006).58

No processo que for alegada a desapropriação judicial (ou indireta) nos termos do
art. 1.228, §§ 4º e 5º, o Ministério Público deverá intervir, bem como o juiz poderá
determinar a intervenção de órgãos públicos para fins de licenciamento ambiental e
urbanístico da área objeto do processo.

Enunciado 305 – Art.1.228. Tendo em vista as disposições dos §§ 3º e 4º do


art. 1.228 do Código Civil, o Ministério Público tem o poder-dever de atuação
nas hipóteses de desapropriação, inclusive a indireta, que envolvam relevante
interesse público, determinado pela natureza dos bens jurídicos envolvidos. (IV
Jornada de Direito Civil/2006).

54
Enunciado 84 - Art. 1.228: A defesa fundada no direito de aquisição com base no interesse social (art.
1.228, §§ 4º e 5º, do novo Código Civil) deve ser arguida pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios
responsáveis pelo pagamento da indenização.
55
Enunciado 495 - O conteúdo do art. 1.228, §§ 4º e 5º, pode ser objeto de ação autônoma, não se
restringindo à defesa em pretensões reivindicatórias.
56
Enunciado 306 – Art.1.228. A situação descrita no § 4º do art. 1.228 do Código Civil enseja a
improcedência do pedido reivindicatório. (IV Jornada de Direito Civil/2006).
57
Enunciado 308 - Art.1.228. A justa indenização devida ao proprietário em caso de desapropriação
judicial (art. 1.228, §5°) somente deverá ser suportada pela Administração Pública no contexto das políticas
públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde que tenha
havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não sendo os possuidores de baixa renda, aplica-
se a orientação do Enunciado 84 da I Jornada de Direito Civil.
58
Enunciado 83 - Art. 1.228: Nas ações reivindicatórias propostas pelo Poder Público, não são aplicáveis
as disposições constantes dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil. (I Jornada de Direito
Civil/2002)
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Enunciado 307 – Art.1.228. Na desapropriação judicial (art. 1.228, § 4º),


poderá o juiz determinar a intervenção dos órgãos públicos competentes para o
licenciamento ambiental e urbanístico. (IV Jornada de Direito Civil/2006).

Excepcionalmente no Direito das Coisas, a posse de boa-fé exigida no § 4º do art.


1228 não é aquela expressa no art. 1.201, conforme o Enunciado 309 da IV Jornada de
Direito Civil (2006):

Enunciado 309 – Art.1.228. O conceito de posse de boa-fé de que trata o art.


1.201 do Código Civil não se aplica ao instituto previsto no § 4º do art. 1.228.

Embora o art. 1.228, § 4º se refira ao “imóvel reivindicado”, a desapropriação


judicial pode ser alegada tanto no juízo petitório (Ação Reivindicatória) quanto no juízo
possessório (Ação de Reintegração de Posse):

Enunciado 310 - Art.1.228. Interpreta-se extensivamente a expressão “imóvel


reivindicado” (art. 1.228, § 4º), abrangendo pretensões tanto no juízo petitório
quanto no possessório. (IV Jornada de Direito Civil/2006)

Quanto à indenização prevista no § 5º do art. 1.228, se a mesma não for paga pelos
possuidores, nem exigida pelo proprietário no prazo prescricional, ainda assim o
mandado para registro de propriedade em favor dos possuidores poderá ser expedido:

Enunciado 311 - Art.1.228. Caso não seja pago o preço fixado para a
desapropriação judicial, e ultrapassado o prazo prescricional para se exigir o
crédito correspondente, estará autorizada a expedição de mandado para registro
da propriedade em favor dos possuidores. (IV Jornada de Direito Civil/2006)
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13 Propriedade Resolúvel

A propriedade, de acordo com o atributo da perpetuidade, tem duração ilimitada e


irrevogável, não comportando, em princípio, condição resolutiva ou termo final.
Entretanto, o domínio pode ser revogável quando sua duração for subordinada a
acontecimento futuro, certo ou incerto, previsto no próprio título constitutivo (art. 1.359,
CC) ou por outras causas supervenientes (art. 1.360, CC).
O proprietário resolúvel age como proprietário pleno enquanto não se verifica o
evento futuro certo ou incerto, já que a limitação de seu direito é apenas de ordem
temporal. A principal característica desse tipo de propriedade é a transitoriedade
imanente, ou seja, o desaparecimento do bem do patrimônio do titular.
Os autores divergem quanto à classificação da propriedade resolúvel. Assim,
Penteado (2008) adota a propriedade de eficácia pendente, que se subdivide em
propriedade resolúvel (art. 1.359,CC), a qual se extingue por condição, termo ou causa
superveniente (ad tempus), e a propriedade fiduciária.
Farias e Rosenvald (2009) dividem em propriedade revogável, a qual se subdivide
em resolúvel e ad tempus, e a propriedade fiduciária.

13.1 Propriedade resolúvel

A propriedade resolúvel sujeita-se à resolução por motivo ou fator de eficácia


superveniente que lhe cesse o efeito. Sua eficácia é pendente pelos limites traçados no
tempo. Exemplo: a compra e venda com reserva de domínio (art. 521, CC).
As partes são denominadas proprietário diferido (titular de direito eventual, art.
130, CC) e proprietário resolúvel. No exemplo acima, o vendedor é o proprietário
resolúvel e o comprador é o proprietário diferido.
A propriedade resolúvel pode ser classificada em:

a) Propriedade resolúvel por implemento de condição (art. 121, CC). Exemplo:


pacto de retrovenda (art. 505, CC) - a resolução do domínio do comprador está
condicionada à vontade do vendedor em exercer a cláusula de retrovenda.

b) Propriedade resolúvel por advento de termo.


118
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c) Propriedade resolúvel por advento de causa superveniente ou ad tempus.


Inexiste cláusula contratual de limitação temporal quando de sua constituição,
eis que a extinção do direito de propriedade decorre de um evento superveniente
(art. 1.360, CC), isto é, fato eventual futuro. Os efeitos estão relacionados com o
terceiro de boa-fé que adquire a coisa antes da resolução, por isso são ex nunc.
Exemplo: transmissões gratuitas inter vivos e causa mortis (toda liberalidade é
potencialmente revogável por eventos futuros) – revogação de doação por
ingratidão do donatário (art. 557, CC); revogação da doação por
descumprimento do encargo (art. 555, CC); exclusão da sucessão por
indignidade (art. 1.814, CC).

A distinção oriunda da classificação acima está nos efeitos operados pela extinção.
Dessa forma, a resolução por condição ou termo opera efeitos ex tunc. Já a resolução por
causa superveniente opera efeitos ex nunc, conforme Enunciado n. 508 da V Jornada de
Direito Civil (2011):

508 - A resolução da propriedade, quando determinada por causa originária,


prevista no título, opera ex tunc e erga omnes; se decorrente de causa
superveniente, atua ex nunc e inter partes.

13.2 Propriedade fiduciária

A propriedade fiduciária (art. 1.361, CC) é uma garantia de pagamento. Nela, o


devedor aliena determinado bem ao credor, que se torna seu dono, até o pagamento
integral da dívida.
Adimplida a obrigação, o credor é obrigado a transferir a propriedade do bem de
volta ao devedor. A propriedade do credor fiduciário se resolve com o cumprimento da
obrigação pelo devedor59.

59
A propriedade fiduciária será mais bem analisada no capítulo sobre direitos reais de garantia.
119
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14 Ações de domínio

14.1 Ação reivindicatória

Trata-se também de uma forma de tutela possessória, considerada em sentido


amplo, na medida em que é a ação cabível ao titular de domínio para reaver a posse da
coisa, de quem injustamente a exerça (art. 1.228, CC). É a ação do proprietário não-
possuidor contra o possuidor não-proprietário. O seu fundamento é o direito de
propriedade, que encerra, entre outros direitos, o de possuir.
Causa de pedir: direito à posse (ius possidendi). É uma ação petitória.
Legitimidade ativa: titular da propriedade (ação exclusiva do proprietário)
Legitimidade passiva: possuidor (de boa ou má-fé) e detentor que se recusa a
devolver a coisa. Como a propriedade é direito real o seu efeito é erga omnes.
Segue o procedimento comum. É ação real, seguindo, portanto, a exigência do art.
73, CPC/15 quanto à capacidade postulatória dos cônjuges e companheiros.
O réu pode oferecer reconvenção60, pretendendo tutelar sua posse e reconhecer sua
propriedade, sob a alegação de ser o real titular do domínio. A ação petitória comporta
ampla discussão do ponto de vista material, diferente das ações possessórias.
O novo adquirente pode se utilizar da ação de imissão na posse ou da ação
reivindicatória, pois ambas estão sujeitas ao procedimento comum.
A ação reivindicatória tem eficácia executiva, por isso a sentença de procedência
determina a imediata expedição de mandado ordenando que o autor seja imitido na posse,
sem que lhe seja necessário passar pela fase de cumprimento da sentença.

14.2 Ação vindicatória

Corresponde à ação reivindicatória para os titulares das demais situações jurídicas


de direito das coisas que envolvam direito à posse, notadamente aos direitos reais de
fruição (ex.: usufruto). Para defender a posse do promitente comprador, com ação
vindicatória, é necessário que o compromisso de compra e venda se encontre registrado
(art. 1.225, VII, CC – direito real).

60
Não é ação de natureza dúplice como as possessórias.
120
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14.3 Ação confessória

É ação que visa afirmar a existência de direito real, obrigando a respeitar o seu
conteúdo normativo. É bastante importante na tutela das servidões, principalmente
aquelas que se tornaram ocultas ou de difícil identificação.

CONFESSÓRIA DE SERVIDÃO - CONCEITO - SERVIDÃO DE


PASSAGEM E SERVIDÃO FORÇADA - DISTINÇÃO - NULIDADE DA
SENTENÇA - RECONVENÇÃO - PRESSUPOSTOS - DANO MORAL -
QUANTUM INDENIZATÓRIO - REDUÇÃO - HONORÁRIOS DE
SUCUMBÊNCIA. A finalidade precípua da ação confessória, que tem natureza
petitória, é a declaração do direito ao uso de servidão, hipótese em que, julgado
procedente o pedido, o requerido é obrigado a deixar livre o uso e gozo da
servidão, na forma em que foi constituída. A passagem forçada - direito de
vizinhança - fundado no interesse público, limita o direito de propriedade,
exigindo a constatação da ausência total de saída pela via pública, ou por saída
penosa ou perigosa, que tem como uma das características a
imprescindibilidade. Decidindo a sentença nos limites da lide, havendo
correlação entre a causa de pedir, o pedido, não há que se falar em nulidade por
violação aos artigos 128 e 460 do CPC. Não formulando o autor pedido certo e
determinado, pode o Juiz determinar seja o valor devido apurado em liquidação
de sentença, sem violar os artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil. A
fixação do valor indenizatório deve pautar-se pelos critérios da
proporcionalidade e da razoabilidade, devendo a indenização, quando fixada
sem observância desses parâmetros, ser reduzida. Inexistem motivos para a
redução da verba honorária quando fixada consoante percentuais dispostos no
art. 20, § 3º, CPC, e sobre o valor da condenação.
(MINAS GERAIS, TJ, 14ª CâmaraCível, AC n. 1.0309.05.006756-5/002, Rel.
Des. Hilda Teixeira da Costa. Julgado em 27/06/2007. Publicado em
23/07/2007)

AÇÃO CONFESSÓRIA - DIREITO REAL - SERVIDÃO DE ÁGUA -


COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DO PRÉDIO DOMINANTE -
DEFERIMENTO.
- Comprovada a necessidade do prédio dominante de fazer uso das águas que
jorram no prédio serviente, bem como que tal fato, durante muitos anos, vem se
desenvolvendo de forma mansa e pacífica, impõe-se o reconhecimento da
existência da servidão de águas.
(MINAS GERAIS, TA, 5ª Câmara Cível, AC n. 2.0000.00.447954-1/000, Rel.
Des. Eduardo Mariné da Cunha. Julgado em 18/11/2004. Publicado em
03/12/2004)

Legitimação ativa: titular do direito real de servidão


Legitimação passiva: dono do prédio serviente. Também deve ser citado o
possuidor.
Deve-se provar a propriedade do prédio dominante e a titularidade do direito real de
servidão.
Aproxima-se de uma ação real, tendo em vista que pretende fazer cessar a turbação
ao direito real de servidão. Por outro lado, pode ser vista como ação pessoal, na medida
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em que se direciona ao sujeito concreto que violou o dever geral de abstenção. É uma
ação predominantemente condenatória.

14.4 Ação negatória

O objetivo do pedido nesta ação é acabar com a ofensa praticada (turbação) por
quem se acha titular de direito real e, também, obter-se uma decisão que obrigue o
demandado a abster-se de novos atos de turbação.
O pedido do verdadeiro titular do direito real será para negar a titularidade de
direito real do infrator, pedindo também que cesse seu ato de turbação indevida
(condenatória). “Consoante leciona SILVIO VENOSA; ‘O objetivo dessa ação é provar
que a propriedade está livre de qualquer servidão. A finalidade é impedir que o vizinho
exerça atos inerentes a uma servidão que se reputa inexistente’ (Código Civil
Interpretado. São Paulo: Atlas, 2010, p. 1.252).” (SÃO PAULO, TJ, 11ª Câmara de
Direito Privado, AC n. 0243107-95.2009.8.26.0002, Rel. Des. Gilberto dos Santos.
Julgado em 31/05/2012).

SERVIDÃO DE PASSAGEM. Ação negatória. 1. Justiça gratuita. Ausência de


provas hábeis de que os autores tenham renda ou recursos que permitam arcar
com os custos do processo. Deferimento do benefício. 2. Direito à servidão de
passagem reconhecida em anterior ação possessória. Pretensão de rediscussão
da matéria em nova ação judicial. Impossibilidade, pois existindo decisão
anterior, que transitou em julgado, não é dado ao Judiciário proferir novo
pronunciamento sobre a mesma matéria. Recurso parcialmente provido. A
coisa julgada tem força de lei, obrigando as partes entre as quais foi dada. Não
pode uma das partes, unilateralmente, pretender livrar-se dos efeitos da
sentença, pois esta, uma vez acobertada pela autoridade da coisa julgada,
possui efeitos dentro do processo onde foi prolatada e, também, efeitos que se
projetam para fora desse mesmo processo, impedindo assim seja a lide
rediscutida em ação judicial posterior.
(SÃO PAULO, TJ, 11ª Câmara de Direito Privado, AC n. 0243107-
95.2009.8.26.0002, Rel. Des. Gilberto dos Santos. Julgado em 31/05/2012).

A ação negatória pode ter, ainda, como pedido cumulável, a indenização.


As ações de direito de vizinhança são negatórias, pois reconhecem que o sujeito que
pratica ato interferente não tem direito real sobre o imóvel que sofre a interferência;
qualifica a interferência como prejudicial; determina a cessação do ato interferente.
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14.5 Ação publiciana

É a ação do sujeito que está em situação para-dominial, para tutelar o seu direito,
em face de qualquer sujeito, especialmente de possuidor ou quem alega titularidade
dominial.
O seu fundamento está na possibilidade de se conceber, em determinados casos, um
direito real relativo (quase domínio), sem com isso se ofender o sistema jurídico como
um todo.

AÇÃO PUBLICIANA C/C CANCELAMENTO DE MATRÍCULA


IMOBILIÁRIA Prescrição decretada Descabimento Hipótese em que a
prescrição de 4 anos mencionada pelo juízo a quo refere-se a casos de anulação
ou rescisão de contratos, não sendo cabível ao presente caso Prescrição
afastada - Cancelamento de matrícula Ausência de interesse processual dos
autores com relação a tal pedido Validade ou não de uma matrícula que não
impede a prescrição aquisitiva, de modo que o cancelamento da matrícula não é
provimento útil ou necessário aos autores Ação publiciana - Autores que
ajuizaram a ação em face de diversos réus, ex-proprietários, sem, no entanto,
incluir o atual proprietário do imóvel no polo passivo da demanda
Ilegitimidade dos réus evidente Sentença reformada para extinguir a ação, sem
resolução de mérito, por falta de interesse processual e ilegitimidade de parte -
Recurso desprovido.
(SÃO PAULO, TJ, 1ª Câmara de Direito Privado, AC n. 0023826-
03.2010.8.26.0003, Rel. Des. Rui Cascaldi. Julgado em 20/08/2013). 61

O seu objetivo é proteger titularidades proprietárias imperfeitas, notadamente sendo


veiculável pelo sujeito em vias de usucapir, mas que ainda não completou o período
aquisitivo previsto em lei. Devem ser provados a posse ad usucapionem, justo título e
boa-fé.

61
(...) A presente ação publiciana foi proposta pelo fato de ter transcorrido o lapso temporal para a
aquisição pela usucapião, não ter sido ajuizada ação de usucapião e não terem os autores a posse atual, que
lhes foi retirada por ato injusto de terceiro (fls. 06 e 07). (...) A ação publiciana, conforme já esclarecido,
exige três requisitos: que tenha decorrido prazo suficiente para ensejar a usucapião, que não haja ação de
usucapião pendente e que haja perda do exercício da posse direta pelo autor da ação em decorrência do
esbulho. Referida ação se fundamenta nos artigos 1228 e 1238 do Código Civil de 2002, e muito embora
não conste expressamente na letra da lei, é permitida. (SÃO PAULO, TJ, 1ª Câmara de Direito Privado, AC
n. 0023826-03.2010.8.26.0003, Rel. Des. Rui Cascaldi. Julgado em 20/08/2013).
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IV DIREITOS DE VIZINHANÇA

Os direitos de vizinhança constituem limitação civil ao direito de propriedade. A


norma jurídica impõe sacrifícios que precisam ser suportados por proprietários e
possuidores de prédios vizinhos, a fim de promover a convivência social e o respeito à
propriedade de cada um.
O conflito de vizinhança nasce sempre que um ato do proprietário ou possuidor de
um prédio62 repercuta no prédio vizinho63, causando prejuízo ao próprio imóvel ou
incômodo ao morador.
Os direitos de vizinhança são obrigações propter rem. Daí decorre a
responsabilidade objetiva do proprietário pela interferência provocada. Mesmo quando o
dano ao prédio vizinho tenha finalidade legítima, há o mau uso da propriedade.
A fonte de relações de vizinhança são os imóveis com sua indevida utilização e não
as pessoas. Assim, o magistrado deve verificar o nexo causal entre a ação do vizinho e o
dano sofrido pelo outro como pressuposto essencial para caracterizar o dever de
indenizar. Se o dano ou incômodo é causado por pessoas que não tenham conexão com
prédios próximos, afasta-se a aplicabilidade de tais normas.
Embora a finalidade da norma jurídica seja limitar as faculdades de proprietários e
possuidores vizinhos em prol da convivência social harmoniosa, o Direito não pode
regular e limitar todas as atividades exercitadas a partir de um prédio. Assim, cabe ao
Direito coibir apenas as interferências que se revelem prejudiciais aos seus vizinhos,
ameaçando a sua incolumidade e o seu próprio direito de propriedade, tais como:

a) perturbação do sossego, ameaça ou prejuízo à vida, à saúde e à segurança;


b) ocasionar dificuldades de acesso à via pública, fonte ou porto;
c) causar prejuízos decorrentes de árvores limítrofes;
d) provocar danos em virtude do escoamento natural das águas;
e) causar prejuízos em razão da fixação de marcos, da preservação de marcos de
divisão ou da aviventação de marcos apagados que sirvam de demarcação dos limites
entre prédios;

62
O vocábulo “prédio” não se refere apenas à edificação de uma casa ou apartamentos em condomínio, pois
mesmo o terreno sem edificação é considerado imóvel lato sensu.
63
O terno “vizinho” não se aplica apenas aos prédios confinantes, mas a todos que podem sofrer
repercussão de atos advindos de prédios próximos.
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f) decorrentes do exercício indevido do direito de construção; e


g) decorrentes do direito de tapagem de muros ou cercas.

Conforme o art. 1.277, CC, o uso normal da propriedade busca preservar a


segurança, o sossego e a saúde dos moradores da região onde se situa o imóvel64:
 segurança: deve ser afastado qualquer perigo pessoal ou patrimonial. Ex.:
instalação de indústria de inflamáveis e explosivos;
 sossego: não se trata da completa ausência de ruídos, mas sim, a um estado de
relativa tranquilidade. Ex.: ruídos intensos provenientes de indústrias;
 saúde: a salubridade física ou psíquica pode ser afetada por moléstia a
integridade de vizinhos, mediante agentes físicos, químicos e biológicos, como na
emissão de gases tóxicos, poluição de águas e matadouros.

Em relação ao tema, bastante discutida é a questão sobre ruídos provocados por


cultos religiosos. Nossos tribunais entendem que é necessário adequar a liberdade de
culto às normas de convivência. Assim, a entidade religiosa não desfruta de imunidade
sonora para perturbar de modo descomedido a comunidade próxima.

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - PRELIMINAR DE INADMISSÃO


DO RECURSO REJEITADA - IGREJA EVANGÉLICA - RUÍDOS
EXCESSIVOS PRODUZIDOS POR CULTO RELIGIOSO - POLUIÇÃO
SONORA - PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE E SOSSEGO -
RESPEITO AO LIMITE DE DECIBÉIS LEGALMENTE PERMITIDO -
TUTELA ANTECIPADA - REQUISITOS PREENCHIOS - MULTA POR
DESCUMPRIMENTO - REDUÇÃO - DESCABIMENTO - PRAZO PARA
CUMPRIMENTO DA DECISÃO - FIXAÇÃO RAZOÁVEL PELA 1ª
INSTÂNCIA. Não há que se falar em inadmissão do recurso, quando este não
violar o disposto no artigo 557 do CPC. Comprovada a emissão de ruídos
excessivos produzidos por culto religioso, capazes de perturbar a tranqüilidade
e sossego da vizinhança, deve ser deferida a antecipação de tutela, uma vez
presentes os requisitos necessários. Deve-se fixar multa de valor significativo,
em virtude de descumprimento de ordem judicial, com o objetivo de forçar a
parte a cumprir a obrigação específica. O prazo de 24 horas estipulado para
cumprimento da ordem judicial mostra-se razoável e adequado, uma vez que o
seu cumprimento não demanda qualquer preparação ou esforço por parte da
recorrente, que apenas deverá respeitar a legislação que limita os decibéis
permitidos.
(MINAS GERAIS, TJ, 18ª Câmara Cível, AI n° 1.0396.09.049108-7/00,
Relator Des. Arnaldo Maciel. Julgado em 09/03/2010. Publicado em
26/03/2010).

64
Enunciado 319 – Art.1.277. A condução e a solução das causas envolvendo conflitos de vizinhança
devem guardar estreita sintonia com os princípios constitucionais da intimidade, da inviolabilidade da vida
privada e da proteção ao meio ambiente. (IV Jornada de de Direito Civil/2006)
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As atividades ruidosas também devem respeitar as normas do direito de


vizinhança65:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.


AÇÃO COMINATÓRIA. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. REQUISITOS.
DIREITO DE VIZINHANÇA. CESSAÇÃO DE ATIVIDADE NOCIVA À
SAÚDE, SOSSEGO E SEGURANÇA DE VIZINHO. DIREITO DE
PROPRIEDADE. CONFLITO E PONDERAÇÃO DE INTERESSES.
LIMITAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. São premissas genéricas da antecipação
da tutela prevista no artigo 273 do CPC: i) prova inequívoca que convença
quanto à verossimilhança da alegação; ii) fundado receio de dano irreparável
ou de difícil reparação e iii) reversibilidade do provimento antecipado. 2. No
modelo jurídico mais vanguardista, o paradigma absoluto do direito ao domínio
vai sendo superado, em crescente medida, pela sua relativização e valorização
da sua função social. Vale dizer, o conceito de propriedade, eminentemente
privatístico, quase egoístico, não pode mais ser admitido, reservando-se ao
direito respectivo um viés coletivo que não pode e não deve ser ignorado. 3. As
regras de direito de vizinhança traduzem situações típicas em que há conflito e
relativização de interesses dominiais, merecendo destaque o disposto no artigo
1.277, caput e § único do Código Civil, segundo o qual o proprietário ou o
possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências
prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas
pela utilização de propriedade vizinha. 4. A ponderação de interesses ou
princípios jurídicos conflitantes, a resolução da questão desafia a utilização da
razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de harmonizar a beligerância
verificada, exprimindo, dentro desse limite, a máxima efetividade de cada um
deles. 5. Hipótese em que, com base nestas premissas, limita-se o horário da
ruidosa atividade de depósito de construção, contíguo a imóvel residencial,
visando compatibilizar o direito de propriedade com o direito à intimidade, a
saúde e o sossego do proprietário vizinho.
(MINAS GERAIS, TJ, 16ª Câmara Cível, AI nº 1.0081.12.000134-2/001, Rel.
Des. Otávio de Abreu Portes. Julgado em 07/08/2013. Publicado em
19/08/2013).

O uso anormal da propriedade decorre de ato ilícito ou abusivo66, em desacordo


com sua finalidade econômica ou social, a boa-fé ou os bons costumes (GONÇALVES,
2015, p. 352). Tanto o proprietário quanto o possuidor têm o direito de fazer cessar as

65
“(...) Da detida análise dos autos vê-se que a parte autora/agravada ajuizou a presente ação aduzindo em
síntese que a parte ré/agravante faz mal uso de terreno lindeiro à sua propriedade como depósito de
materiais de construção, perturbando-lhe o sossego e a saúde, física e mental, além de causar danos ao muro
limítrofe à sua residência. A narrativa inicial revela ainda ser freqüente o trânsito de veículos de carga no
local, causando todo tipo de ruído e poeira, razão pela qual necessita de manter as janelas fechadas.
Menciona a presença de operários e palavreado de baixo calão, implicando sofrimento psicológico e
prejuízo para o desempenho das suas atividades normais.
A parte ré/agravante arvora-se defensivamente nos princípios da ordem econômica, livre iniciativa e
impacto social, afirmando, ainda, não estarem presentes as razões psíquicas alegadas pela autora para o
deferimento da liminar, tampouco a perturbação de sossego noturno. (...)” (Trecho extraído do voto do Des.
Otávio de Abreu Portes).
66
“Abusivos são os atos que, embora o causador do incômodo se mantenha nos limites de sua propriedade,
mesmo assim vem a prejudicar o vizinho, muitas vezes sob a forma de barulho excessivo. Consideram-se
abusivos não só os atos praticados com o propósito deliberado de prejudicar o vizinho, senão também
aqueles em que o titular exerce o seu direito de modo irregular, em desacordo com a sua finalidade social”.
(GONÇALVES, 2015, p. 350).
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interferências ilegais ou abusivas provocadas pela utilização da propriedade vizinha (art.


1.277, CC).
Para Carlos Roberto Gonçalves (2015, p. 352) é necessário verificar três critérios
para aferir a normalidade ou a anormalidade da utilização de um imóvel:

a) extensão do dano ou do incômodo causado. Analisar se, nas circunstâncias, o


incômodo está no limite do tolerável. “O que a lei confere ao vizinho é o poder de
impedir que os outros o incomodem em excesso, com ruídos intoleráveis, que perturbem
o sossego natural do lar, do escritório, da escola, do hospital, na medida da quietude
exigível para cada um destes ambientes” (MEIRELLES apud GONÇALVES, 2015, p.
352).
b) zona onde ocorre o conflito, bem como os usos e costumes locais. Analisar os
diferentes padrões de normalidade do uso da propriedade em bairro residencial,
comercial, industrial, misto e em cidades interioranas ou capitais.
c) considerar a anterioridade da posse. Fundamentada na teoria da pré-ocupação,
aquele que primeiramente se instala em determinado local acaba, de certo modo,
estabelecendo a sua destinação. Entretanto, a citada teoria não pode ser aceita de forma
absoluta. Assim, se o incômodo é demasiado ou proibido por lei, o proprietário/possuidor
não pode valer-se da anterioridade de seu estabelecimento para continuar molestando o
próximo.
Cabe ao vizinho que sofre as repercussões do mau uso da vizinhança propor as
seguintes ações judiciais:

a) Ação cominatória: com base no art. 497, CPC/15, para fazer cessar o uso
nocivo. É possível o pedido de tutela de urgência de natureza antecipada (art. 300,
CPC/15), a fim de viabilizar a medida nas obrigações de fazer e não fazer. O autor pode
cumular ao pedido inibitório o de danos materiais e morais verificados até a efetivação da
medida coercitiva.
b) Ação indenizatória: com base no art. 186 do CC, que objetiva a formação de
título executivo judicial. É utilizada pelo morador se os incômodos já cessaram,
pretendendo ele o restabelecimento do status quo ante ao ilícito.
c) Ação de dano infecto: proposta quando há justo receio de vir a ser prejudicado
pela ruína do prédio vizinho (art. 1.280, CC). Tem caráter preventivo e pressupõe um
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dano iminente e provável ao morador em face do uso perigoso e nocivo da propriedade


vizinha. A medida judicial poderá variar conforme o estado de ruína do prédio:
demolição, reparação ou prestação de caução como garantia de indenização futura em
situação de mera eventualidade de um dano.

1 Árvores limítrofes

Havendo árvores limítrofes presume-se, juris tantum, que a árvore pertence em


partes iguais aos proprietários desses bens, em condomínio necessário. Daí surgem três
regras decorrentes da relação de vizinhança:
a) os frutos e o tronco são de copropriedade dos confinantes, da mesma forma que
os demais proventos, bem como os encargos serão entre eles divididos, sendo que
nenhum deles poderá cortá-la sem anuência do outro (art. 1.282, CC);
b) quando os frutos caírem naturalmente no terreno vizinho, pertencerão estes ao
dono do local da queda, evitando-se invasões em terreno alheio (art. 1.284, CC). Se o solo
em que caírem os frutos for de domínio público, pertencerão ao dono da árvore.
c) quando os ramos e raízes ultrapassarem a divisão dos prédios, o dono do terreno
invadido poderá cortá-los até o plano vertical divisório, independentemente de aviso
prévio (art. 1.283, CC).

DIREITO DE VIZINHANÇA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.


DANOS DECORRENTES DE ÁRVORE LIMÍTROFE QUE AVANÇA
SOBRE O IMÓVEL DOS AUTORES E LANÇA FOLHAS NOS
CONDUTORES DE ÁGUA, CAUSANDO ENTUPIMENTO E
INFILTRAÇÃO. PROVA SUFICIENTE QUANTO À ORIGEM E
EXTENSÃO DOS DANOS. NEXO CAUSAL DEMONSTRADO. DANOS
MORAIS NÃO CONFIGURADOS. PROCEDÊNCIA PARCIAL MANTIDA.
RECURSOS IMPROVIDOS. 1. A constatação de que os galhos da árvore
existente no imóvel dos réus ultrapassam a estrema dos prédios e, em razão da
queda das folhas, provocam entupimento dos condutores de água, causando
manchas de umidade, infiltração de água e fissuras no imóvel dos autores,
enseja a responsabilidade de efetuar a devida reparação. 2. Não se depara com
verdadeira situação de danos morais, diante dos elementos apresentados, pois
as evidências não permitem reconhecer a ocorrência de uma situação de
verdadeiro sofrimento da alma, não passando de meros transtornos ou
aborrecimentos. (SÃO PAULO, TJ, 31ª Câmara de Direito Privado, AC n.
0009599-11.2010.8.26.0099/Bragança Paulista. Rel. Des. Antonio Rigolin.
Julgado em 09/12/2014).

Do acórdão acima citado é possível destacar a seguinte transcrição, que aborda o


uso anormal da propriedade:
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Por outro lado, é certo que os autores, poderiam cortar os ramos de árvore que
invadissem a sua propriedade, até o plano vertical divisório, sem prévia
reclamação ou aviso (artigo 1.283 do Código Civil). Entretanto, trata-se de
simples faculdade, que não afasta a obrigação dos réus, como proprietários, de
podar a árvore, a fim de evitar prejuízos aos vizinhos, arcando com as
respectivas despesas e ressarcimento dos danos provocados por sua desídia,
como no caso.
Fixadas essas premissas, daí decorre necessariamente a conclusão de que houve
uso anormal da propriedade pelos réus, que importou em lesão aos autores,
justificando a adoção das providências determinadas pela sentença, além do
ressarcimento dos danos materiais, a serem apurados em liquidação. (SÃO
PAULO, TJ, 31ª Câmara de Direito Privado, AC n. 0009599-
11.2010.8.26.0099/Bragança Paulista. Rel. Des. Antonio Rigolin. Julgado em
09/12/2014).

Em relação ao corte e poda de árvores, atualmente deve-se verificar as normas


administrativas, tendo em vista a legislação ambiental.

2 Passagem forçada

Dá-se a passagem forçada quando o proprietário de um prédio encravado se utiliza


de uma área do prédio vizinho para atingir a via pública. Prédio encravado é o bem
rústico ou urbano que se situa entre outros prédios confinantes, sem saída para a via
pública, nascente (fonte) ou porto (art. 1.285, CC).
O objetivo é conceder função social à propriedade encravada, a fim de que não se
torne improdutiva pela inacessibilidade.

AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO DE VIZINHANÇA -


PRETENSÃO À PASSAGEM FORÇADA - DEFERIMENTO DE MEDIDA
LIMINAR.
Mostra-se razoável, a medida initio littis de deferimento do direito provisório
de passagem forçada, quando a princípio demonstrado que se trata de imóvel
encravado com aparente único acesso viável no local à estrada de ligação, o
que será objeto de prova no curso da instrução para posterior decisão definitiva.
(MINAS GERAIS, TJ, 13ª Câmara Cível, AI n. 1.0338.12.012950-1/001, Rel.
Des. Newton Teixeira Carvalho. Julgado em 24/10/2013. Publicado em
01/11/2013).

AÇÃO POSSESSÓRIA - SERVIDÃO DE PASSAGEM - EXISTÊNCIA DE


OPÇÕES DE SAÍDA - PEDIDO INVIÁVEL. - O direito de passagem forçada
reside na necessidade de locomoção e não de proteger a conveniência pessoal
de quem já dispõe de outra via para atingir a estrada principal, sob pena de
comprometimento da garantia constitucional do direito de propriedade dos
cidadãos. - Recurso não provido.
(MINAS GERAIS, TJ, 12ª Câmara Cível, AC n. 1.0049.10.000442-0/001, Rel.
Des. Alvimar de Ávila. Julgado em 21/11/2012. Publicado em 30/11/2012).
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O vizinho é obrigado a dar a passagem, mas pode exigir indenização para


composição dos prejuízos oriundos do trânsito67. Na falta de acordo, a passagem forçada
será fixada judicialmente, sendo a indenização estimada por perícia, com base nos danos
eventuais ao bem então onerado.
Hoje já é entendimento de que o encravamento não precisa ser absoluto
(RIZZARDO, 2014), ou seja, sem qualquer tipo de acesso. Assim, ainda que exista uma
saída difícil e penosa, o proprietário poderá exigir a passagem forçada68. Assim,
“constatando-se dificuldade, insuficiência, inadequação ou, até mesmo, periculosidade do
percurso, permitir-se-á ao magistrado interpretar o dispositivo de forma extensiva,
concedendo ao proprietário necessitado outra saída para que seu imóvel tenha a sua
utilização ampliada e possa atender às necessidades de exploração econômica”.
(FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 556-557)
O encravamento também deve ser natural, isto é, não poderá o isolamento derivar
de fato imputável ao proprietário. Entretanto, quando o encravamento resultar da
alienação de parte do imóvel (encravamento voluntário), o alienante será obrigado a dar
passagem ao adquirente. A mesma lógica é aplicada se o imóvel do alienante perder o
acesso à via pública, ou seja, o adquirente deverá ceder a passagem ao imóvel alienado
(art. 1.285, § 2º, CC). A passagem deve ser resolvida entre os próprios participantes do
negócio jurídico que originaram o encravamento de um dos imóveis, pois seria injusto,
nesse caso, onerar o imóvel pertencente a terceiro. Se antes da alienação já havia uma
passagem no imóvel, o proprietário não é obrigado a dar outra (art. 1.285, § 3º, CC).

3 Passagem de cabos e tubulações

O art. 1.286, CC prevê que o proprietário do imóvel será obrigado a permitir a


passagem de cabos e tubulações, bem como outros condutos subterrâneos de utilidade
pública (luz, água, gás, esgoto, telefonia, processamento de dados), para o benefício dos
imóveis vizinhos, quando por outro modo tal passagem for impossível ou se afigure
excessivamente onerosa.

67
A passagem forçada assemelha-se à servidão de passagem ou de trânsito. Todavia, a primeira é obrigação
propter rem decorrente do direito de vizinhança; a segunda é direito real previsto no art. 1.378, CC.
68
Enunciado 88 – O direito de passagem forçada, previsto no art. 1.285 do CC, também é garantido nos
casos em que o acesso à via pública for insuficiente ou inadequado, consideradas inclusive as necessidades
de exploração econômica (I Jornada de Direito Civil, 2002).
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AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA


DECISÃO. DIREITO DE PASSAGEM. - O juiz deve declinar de forma
suficiente os motivos de seu convencimento, sob pena de infringir o comando
constitucional insculpido no art. 93, IX, da Carta Magna. Não há que se falar
em nulidade se foram abordados na decisão agravada os fundamentos jurídicos
que levaram à formação do convencimento do magistrado primevo.- O
proprietário do imóvel vizinho, a quem se reclama passagem para cabos,
tubulações e outros condutos subterrâneos, não pode se opor ao pedido, salvo
se demonstrar outros meios de se obter as benesses desejadas, sem que acarrete
onerosidade excessiva ao beneficiário, a teor do disposto no Artigo 1286 do
Código Civil de 2002.
(MINAS GERAIS, TJ, 13ª Câmara Cível, AI n. 1.0479.10.001684-5/002, Rel.
Des. Cláudia Maia. Julgado em 30/09/2010. Publicado em 29/10/2010).

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE VIZINHANÇA - SERVIDÃO DE


ESGOTO - DECLIVE DO TERRENO - CASAS PRINCIPAL E CASA DE
FUNDOS SITUADAS EM NÍVEIS DIFERENTES - CASA DE FUNDOS EM
NÍVEL INFERIOR AO DA RUA - PASSAGEM PELO IMÓVEL INFERIOR
- POSSIBILIDDE - PROVA TECNICA E PARECER DA COMPANHIA DE
SANEAMENTO NO SENTIDO DE INEXISTIR OUTRA SOLUÇÃO
VIAVEL - PASSAGEM FORÇADA DE TUBULAÇÃO.
Tratando-se de passagem de esgoto, não há falar-se em direito de servidão.
As servidões não aparentes só podem ser estabelecidas mediante transcrição no
registro de imóveis.
Conforme disposição legal cabe ao proprietário do imóvel inferior suportar as
águas naturais advindas do imóvel superior, no entanto, não é obrigado a
tolerar rede de esgoto.
Verificando-se, todavia, que parte do imóvel superior (casa dos fundos)
encontra-se abaixo do nível da rua e constatada a impossibilidade de passagem
de tubulação de esgoto - tanto através do laudo técnico quanto pela própria
Copasa - que não seja pelo imóvel inferior, deve o proprietário deste terreno
tolerar o escoamento dos detritos já que inexistente outra solução viável.
O tapamento puro e simples de rede de esgoto através de ato impensado e
excessivo do proprietário do imóvel inferior que ocasiona o retorno dos detritos
para o terreno superior, infestando-o com fezes e outros dejetos, configura o
dano moral, passível de indenização.
Primeiro apelo, parcialmente provido; segundo apelo, improvido.
(MINAS GERAIS, TJ, 12ª Câmara Cível, AC n. 1.0382.07.081889-5/001, Rel.
Des. Domingos Coelho. Julgado em 10/10/2012. Publicado em 22/10/2012)

Caberá indenização em proveito do proprietário pela restrição à sua faculdade de


fruição sobre o imóvel, assim como poderá exigir que as instalações sejam realizadas de
forma menos onerosa possível, bem como da maneira mais segura (art. 1.286, parágrafo
único). Ex.: tubulações por onde passem combustíveis, gases tóxicos.

4 Das Águas

Para esta matéria devem-se observar, além do Código Civil, as disposições do


Código de Águas (CA) – Decreto n. 24.643, de 10/06/34.
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a) Aqueduto ou canalização de águas. O aqueduto é uma servidão legal de


passagem de água (art. 1.293, CC e art. 117, CA), “permitindo a todos canalizar pelo
prédio de outrem as águas a que tenham direito, mediante prévia indenização a seu
proprietário, não só para as primeiras necessidades da vida como também para os serviços
da agricultura ou da indústria69, escoamento de águas supérfluas ou acumuladas, ou a
drenagem de terrenos”. (GONÇALVES, 2015, p. 363).

AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE - SERVIDÃO - AQUEDUTO -


SENTENÇA MANTIDA. Não configurada a alegada turbação da posse
exercida pelo autor em aqueduto, sobre o qual houve a instituição de servidão,
nos termos do artigo 1.293 do novo Código Civil, a sentença que julgou
improcedente o pedido inicial deve ser mantida. Recurso não provido.
(MINAS GERAIS, TJ, 10ª Câmara Cível, AC n. 1.0686.03.065740-3/001, Rel.
Des. Pereira da Silva. Julgado em 22/09/2009. Publicado em 16/10/2009)

Aplica-se ao aqueduto tudo que for pertinente à passagem de cabos e tubulações


(art. 1.294, CC).

b) Águas supérfluas das correntes comuns e das nascentes. O art. 1.290, CC (art.
90, CA) trata do direito às sobras das águas nascentes não captadas e das águas pluviais
(servidão de águas supérfluas).
As águas pluviais (das chuvas) e nascentes pertencerão ao dono do prédio onde
diretamente caírem ou surgirem, o qual poderá delas dispor como bem queira. Contudo,
não lhe será lícito desperdiçá-las em detrimento de outros prédios, sob pena de
indenização aos seus proprietários pela perda do remanescente.

SERVIDÃO DE ÁGUA. CÓDIGO DE ÁGUAS. NASCENTE EXISTENTE


EM PRÉDIO SUPERIOR. PRÉDIO INFERIOR. CURSO NATURAL.
IMPEDIMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
O dono do prédio onde houver alguma nascente, satisfeitas as necessidades de
seu consumo, não pode impedir o curso natural das águas pelos prédios
inferiores.
(MINAS GERAIS, TJ, 10ª Câmara Cível, AC n. 1.0239.11.001847-4/001, Rel.
Des. Álvares Cabral da Silva. Julgado em 03/12/2013. Publicado em
19/12/2013).70

69
Enunciado 598 – Na redação do art. 1.293, “agricultura e indústria” não são apenas qualificadores do
prejuízo que pode ser causado pelo aqueduto, mas também finalidades que podem justificar sua construção.
(VII Jornada de Direito Civil, 2015).
70
“Da análise do arcabouço probatório erigido na presente Ação, verifico que houve a comprovação de
que, apesar de não haver formalização, existe, sim, servidão relativamente ao imóvel da parte ré em prol do
imóvel da parte autora em razão da captação de água da nascente ora em discussão.
Restou evidenciado, na inspeção judicial realizada à fl. 34, que a nascente de água fica na parte de cima dos
referidos imóveis (fl. 34-item 1) e que o fluxo normal da água, sem o represamento, é no sentido da casa da
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O mesmo resultado provém do desvio de seu curso natural, sem aquiescência do


dono do prédio que deveria recebê-las (art. 1.290, CC). “O prédio inferior pode adquirir
sobre as sobras uma servidão destinada a usos domésticos, bebedouro de gado e a outras
finalidades, especialmente as agrícolas”. (GONÇALVES, 2015, p. 363).

c) Fluxo das águas pelo prédio inferior ou do escoamento natural das águas. O
dono do prédio inferior é obrigado a receber e escoar as águas pluviais ou correntes que
naturalmente escorram do superior (servidão de escoamento) sem qualquer tipo de
indenização. Caso o proprietário do prédio superior realize drenos, sulcos ou obras que
facilitem o escoamento das águas, deverá proceder de modo a não agravar a primitiva
condição do prédio inferior (art. 1.288, CC e 69, CA). “Excluem-se da obrigação do art.
1.288, CC todas as águas obtidas pelo proprietário do prédio superior por meio de
máquinas e bombas, por via de cisternas e poços. Em tais casos, o habitante do prédio
inferior não terá que recebê-las, eis que não atingiram o seu terreno de forma natural”.
(FARIAS e ROSENVALD, 2015, p. 561).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA CUMULADA COM


INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PLEITO
RECURSAL LIMITADO À REPARAÇÃO. DIREITO DE VIZINHANÇA.
CURSO NATURAL DAS ÁGUAS PLUVIAIS DE IMÓVEL SUPERIOR.
CONSTRUÇÃO EM IMÓVEL INFERIOR. OBSTÁCULO AO
ESCOAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. ATO ILÍCITO CONFIGURADO.
REPARAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS. DANO MORAL
CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA. 1 - Configura-se a prática de
ato ilícito pelo dono do prédio inferior que ao realizar obras em seu imóvel,
impossibilita o escoamento das águas pluviais que corriam naturalmente do
imóvel superior, o que causa o desmoronamento de parte desta residência. 2 -
Se os elementos dos autos colacionados pelo próprio Réu, aliados às suas
alegações, demonstram a conduta ilícita, ante violação ao disposto no art. 1.288
do Código Civil, impõe-se a procedência do pedido indenizatório, nos limites
da pretensão recursal, pelos danos materiais e morais suportados pelo Autor em
decorrência do 'eventus damni'.
(MINAS GERAIS, TJ, 16ª Câmara Cível, AC n. 1.0433.07.221311-2/001, Rel.
Des. José Marcos Vieira. Julgado em 27/10/2010. Publicado em 17/12/2010).

O curso artificial das águas pode ser efetuado por aqueduto ou por encanamento
(art. 1.289, CC)71, mas neste caso o imóvel inferior não está obrigado a suportar as

autora (fl. 34 - item 2). Que a água corre em terra nua, sem encanamento (fl. 34 - item 3).” (Extraído do
voto do Des. Álvares Cabral da Silva).
71
Aqueduto: é qualquer obra realizada para derivar o curso de águas de um lugar para o outro.
Encanamento: é o aproveitamento do curso d’água por meio de canais, para qualquer fim.
133
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interferências decorrentes de seu escoamento, podendo exigir que se desvie o fluxo ou


optar pela indenização dos prejuízos que venha a sofrer. Todavia, se o imóvel inferior
obter algum benefício pelo escoamento artificial, da indenização eventualmente devida
será descontado o benefício (parágrafo único do art. 1.289, CC).
O proprietário do prédio superior não poderá, em qualquer hipótese, realizar obras
que embaracem o curso natural das águas. Nem poderá poluir as águas indispensáveis às
necessidades do prédio inferior (art. 1.291, CC).
O art. 1.292, CC prevê o direito de represamento de água mediante construção de
barragens em geral. Se houver invasão do prédio alheio decorrente do represamento, o
seu causador deverá indenizar o prejudicado, deduzindo eventual benefício.

5 Limites entre prédios e ação demarcatória

Conforme o art. 1.297, CC, todo proprietário pode constranger o seu confinante a
proceder com ele à demarcação entre dois prédios, a aviventar rumos apagados e a
renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os
interessados as despesas.
Ação demarcatória é a medida judicial utilizada para a fixação ou aviventação dos
rumos apagados ou destruídos de dois imóveis (art. 574, CPC/15). A obrigação para
proceder à demarcação geográfica surge quando: a linha divisória ainda não foi
delimitada; ou há confusão sobre os limites de cada imóvel.

AÇÃO DEMARCATÓRIA. SOBREPOSIÇÃO DE ÁREAS.


PROCEDÊNCIA. Se entre imóveis confinantes há inexatidão quanto às
divisas, impõe-se o acolhimento da Ação demarcatória com o fito de aviventar
os marcos divisórios, colocando fim a conflito havido entre os proprietários.
(MINAS GERAIS, TJ, 10ª Câmara Cível, AC n. 1.0035.04.044369-5/001, Rel.
Des. Álvares Cabral da Silva. Julgado em 15/10/2013. Publicado em
25/10/2013)

Em princípio o juiz levará em conta os títulos dominiais. Havendo a confusão e não


existindo prova suficiente que a solucione, os limites serão traçados observando-se a
posse justa. Se a posse também for controversa o juiz pode ordenar a divisão da área em
litígio. A última possibilidade é a adjudicação da área a um dos confinantes, mediante
indenização ao confinante desfalcado (art. 1.298, CC).
134
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APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DEMARCATÓRIA C/C REINTEGRAÇÃO


DE POSSE E INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS - VENDA 'AD
MENSURAM' - NECESSIDADE DE DEMARCAÇÃO DO IMÓVEL -
USUCAPIÃO COMO MATÉRIA DE DEFESA - AUSÊNCIA DE
IMPLEMENTO DOS REQUISITOS.
- Verificando-se que houve estipulação do preço com base no hectare e que a
aquisição do bem não se deu como um todo, encontram-se os contratantes
vinculados à metragem adquirida. Dessa forma, correta a decisão de origem ao
determinar a demarcação dos imóveis em conformidade com matrícula, para
que seja realizado o traçado das linhas demarcandas de acordo com os laudos
apresentados.
- O êxito da ação de usucapião depende de competente prova dos requisitos
relativos ao 'animus domini' e à posse mansa e pacífica, sem os quais o pedido
respectivo revela-se improcedente.
(MINAS GERAIS, TJ, 14ª Câmara Cível, AC n. 1.0324.06.040154-8/001, Rel.
Des. Valdez Leite Machado. Julgado em 18/10/2013. Publicado em
25/10/2013).

Além da demarcação dos marcos divisórios, que é a pretensão do autor nesta ação,
outro efeito da sentença que julgar procedente o pedido é a restituição da área invadida,
se houve esbulho, declarando o domínio ou a posse do prejudicado, ou ambos (parágrafo
único do art. 581, CPC/15).
Conforme o art. 1.297, CC, o proprietário tem o direito de cercar, murar, valar ou
tapar de qualquer modo o seu prédio, sendo seu confinante obrigado a concorrer, em
partes iguais, para as despesas de construção e conservação. Desta forma, presumem-se
pertencentes a ambos os proprietários confinantes, até a realização de prova em sentido
contrário: os intervalos, os muros, as valas, as cercas, os tapumes divisórios, tais como:
sebes vivas72, cercas de arame ou de madeira, valas ou banquetas (degraus), e qualquer
outra obra divisória entre os imóveis (art. 1.297, § 1º., CC). A presunção juris tantum de
comunhão cessa se um dos vizinhos demonstrar que executou a obra às suas expensas,
sem ter sido indenizado pelos gastos decorrentes. O tapume deve ser feito em
conformidade com as posturas municipais e costumes de cada lugar, não se podendo
exigir do confinante que arque com obra dispendiosa e muito cara.
A conservação dos marcos divisórios é obrigação propter rem. As despesas são,
então, proporcionalmente arcadas pelos proprietários dos imóveis contíguos e
transmitem-se aos novos adquirentes.

72
Sebes vivas são cercas de arbustos, ramos, estacas ou ripas entrelaçadas para vedar terrenos.
135
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6 Direito de tapagem

Direito de tapagem é aquele que o proprietário tem de impedir o acesso, ao seu


imóvel, de animais pertencentes ao proprietário de outro imóvel.
Tapagem ou tapume é a construção feita nos limites da propriedade imóvel, com a
finalidade de se impedir a passagem de animais.
Os tapumes divisórios entre propriedades contíguas gozam da presunção legal juris
tantum da copropriedade, pertencendo a ambos os confinantes. Assim, obrigam-se a
concorrer em partes iguais às despesas de sua construção e conservação.
Os tapumes podem ser classificados em comuns, destinados a impedir a passagem
de animais de grande porte; e especiais, que visam evitar a passagem de animais de
pequeno porte.
Aos tapumes comuns aplica-se a regra relativa ao condomínio, isto é, as despesas
com a construção e manutenção destes serão custeadas em partes iguais pelos
confinantes. Na falta de acordo para a colocação do tapume ordinário, obtém-se
judicialmente o reconhecimento da obrigação pecuniária para a construção e mantença da
divisória.
No caso dos tapumes especiais a obrigação é dos donos e detentores dos respectivos
animais, mas poderá ser exigida contra quem provocou a necessidade deles, arcando
integralmente com as despesas (art. 1.297, § 3º, CC).

7 Direito de construir

O direito de construir é proveniente do direito de propriedade, como exercício da


faculdade de gozo ou fruição. Todavia, o direito de construir não será exercitado de modo
irrestrito, uma vez que se condiciona à observância dos regulamentos administrativos (ex.
código de postura municipal) e dos direitos de vizinhança (art. 1.299, CC).
O Código Civil prevê limitações sobre o direito de construção:
a) Quanto às limitações pertinentes ao direito de vizinhança, destaca-se a proibição
de abertura de janelas (terraço/varanda) em prédios urbanos “a menos de metro e meio
da linha divisória” (art. 1.301, CC). A distância deve ser contada a partir da linha
divisória e não da outra janela do prédio adjacente. Tal regra pode ser excepcionada se é
erguida uma parede de tijolo de vidro translúcido (Súmula 120/STF). O objetivo é
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preservar a intimidade da família do devassamento dos vizinhos. O § 1º do art. 1.301


dispõe sobre a abertura de janelas com visão oblíqua.
É permitida a abertura de ventilação, frestas, seteiras (aberturas longas e estreitas
feitas em uma parede) e óculos para luz (abertura circular, provida ou não de vidro), a
qualquer distância, observadas as configurações máximas permitidas pelo art. 1.301, § 2º,
CC.
A obra irregular pode ser impugnada durante a construção, através da ação de
nunciação de obra nova73 ou mediante ação demolitória, a ser intentada no prazo
decadencial de ano e dia a contar da conclusão da obra (art. 1.302, CC), considerada a
data “da expedição do alvará de ocupação, comumente denominado ‘habite-se’ (...)”.
(GONÇALVES, 2015, p. 374). Após o prazo constitui-se servidão que tem como título a
concessão presumida do vizinho.
Entretanto, a irregularidade não impede que o vizinho prejudicado construa junto à
divisa, ainda que a construção venha impedir-lhe a claridade (art. 1.302, parágrafo único),
ou seja, não acarreta usucapião de servidão de luz contra o vizinho prejudicado.

DIREITO DE VIZINHANÇA - AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA


c/c DEMOLITÓRIA - ART. 1.302 DO CÓDIGO CIVIL -
IRREGULARIDADE NO IMÓVEL DO AUTOR - IMPROCEDENCIA DO
PEDIDO INICIAL. - Ainda que não possa o proprietário de imóvel pedir a
demolição de obra vizinha em desacordo com a lei, após o prazo de ano e dia
do término da construção, tem ele a faculdade de levantar sua casa ou muro,
mesmo que vede a claridade de janela irregular situada no imóvel contíguo; -
Recurso a que se nega provimento.
(MINAS GERAIS, TJ, 12ª Câmara Cível, AC n. 1.0251.10.001726-7/001, Rel.
Des. Domingos Coelho. Julgado em 04/05/2011. Publicado em 23/05/2011).

Na zona rural a limitação é de no mínimo três metros do terreno vizinho (art. 1.303,
CC).

b) O proprietário da construção deve impedir o escoamento de goteiras sobre o


imóvel vizinho e não pode promover ou participar do despejo de águas diretamente sobre
ele (art. 1.300, CC). Desta forma, o proprietário não pode edificar de forma que o beiral
do telhado despeje sobre o prédio vizinho. O telhado poderá ser encostado à linha
divisória, desde que sejam colocadas calhas que recolham as goteiras, a fim de evitar
despejá-las no prédio vizinho.

73
Lembrar que esta ação não possui correspondente no NCPC como procedimento especial, conforme
havia no CPC/1973 (art. 934 a 940).
137
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c) Construção e utilização das paredes divisórias (art. 1.304, CC). A parede


divisória ou parede-meia é aquela que integra a estrutura do edifício na linha de divisa, ou
seja, é elemento de sustentação e de vedação.
O art. 1.305, CC permite ao proprietário que primeiro edificar a parede divisória
assentá-la somente no seu terreno ou até meia espessura no terreno vizinho. No primeiro
caso a parede pertencerá exclusivamente ao seu construtor; no segundo caso será de
ambos.
O vizinho que teve o terreno invadido pela parede divisória (meia espessura) tem o
direito de travejá-la (colocar traves, vigas), mas terá que pagar metade do seu valor ao
vizinho que construiu primeiro. No entanto, se a parede pertencente exclusivamente ao
vizinho que a construiu não tiver capacidade para ser travejada, o seu confinante só
poderá fazer-lhe alicerce ao pé prestando caução àquele pelo risco a que expõe a
construção anterior (parágrafo único do art. 1.305, CC).
O art. 1.306, CC regula o condomínio de paredes divisórias. Cada condômino pode
usá-la até o meio da respectiva espessura, desde que não ponha em risco a segurança ou a
separação dos dois imóveis. O proprietário também deve comunicar o vizinho do seu
intento de construir.
A parede divisória pode ser alteada (tornada mais alta). As despesas serão do
confinante que pretende edificar, a não ser que o outro vizinho se torne proprietário da
meação da parede aumentada (art. 1.307, CC).
É proibida a utilização da meia parede para a colocação de: aparelhos higiênicos,
fossas, cano de esgoto, chaminés, fogões, fornalhas e fundição, depósito de substância
corrosiva ou de produto que provoque infiltrações ou interferências prejudiciais ao
vizinho (art. 1.308, CC). Permitem-se, apenas, as chaminés ordinárias e os fornos de
cozinha.

NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA - DEMOLIÇÃO - PAREDE-MEIA -


PASSAGEM DE ÁGUA - ILÍCITO CIVIL.
Configura ilícito civil a instalação de canos para passagem de água em parede-
meia. Assim, a demolição da obra é de rigor, na forma do art. 1.308 do Código
Civil.
(MINAS GERAIS, TJ, 12ª Câmara Cível, AC n. 2.0000.00.503239-3/000, Rel.
Des. José Flávio de Almeida. Julgado em 18/05/2005. Publicado em
11/06/2005).
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Carlos Roberto Gonçalves (2015) adverte que as disposições sobre madeiramento e


travejamento em parede divisória são hoje obsoletas, devido ao grande número de
construções que não permitem, do ponto de vista técnico, a utilização da parede
anteriormente construída. Desta forma, aconselha o autor a não utilização da faculdade de
assentar a parede divisória até meia espessura no terreno do vizinho, levantando cada qual
a sua construção exclusivamente em seu terreno.

d) Outra limitação ao direito de construir está no art. 1.311, CC, que trata da
segurança dos vizinhos, proibindo a execução de obras que provoquem desmoronamento
ou deslocação de terras, sem que antes sejam impreterivelmente realizadas obras
acautelatórias. Aqui também pode-se utilizar da ação de nunciação de obra nova.
Entretanto, mesmo tendo o construtor tomado as devidas medidas acautelatórias e
ocorrendo prejuízos para o vizinho, este deverá ser indenizado. Trata-se de
responsabilidade objetiva pela teoria do risco (art. 1.311, parágrafo único, CC).

e) Em regra geral proíbe-se a invasão de limites, como atributo do poder de


exclusividade do proprietário. Entretanto, em determinados casos o interesse social
autoriza o ingresso do vizinho no prédio, conforme art. 1.313, CC.
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V CONDOMÍNIO

1 Noções gerais

Determinado direito poderá pertencer a vários indivíduos ao mesmo tempo,


hipótese em que se tem a comunhão. Se a comunhão recair sobre um direito de
propriedade, ter-se-á condomínio ou copropriedade.
Condomínio é a propriedade comum de dois ou mais sujeitos (condôminos) sobre
uma mesma coisa indivisível (em estado de indivisão).
De acordo com o atributo da exclusividade, um mesmo bem não pode pertencer a
mais de uma pessoa. Entretanto, no condomínio, verifica-se que cada condômino é tão-
somente proprietário da sua parte ideal, resultando o condomínio da reunião das frações
correspondentes a cada condômino. Assim, todos os condôminos possuem atributos
qualitativamente idênticos sobre a totalidade da coisa, contudo sofrem limitações na
proporção quantitativa em que concorrem com outros comunheiros na titularidade sobre o
conjunto.
Cada consorte atua como proprietário exclusivo perante terceiros, podendo, em face
destes, reivindicar o bem a qualquer instante, independentemente do consentimento dos
demais condôminos. Mas na relação interna entre eles, as suas faculdades de uso, gozo e
disposição em certas circunstâncias são limitadas pelo exercício dos demais, objetivando
o respeito à destinação da coisa, sem prejudicar a comunhão.
O coproprietário pode exercer sobre a sua cota-parte ideal o poder de disposição e
o de reivindicação. Caberá a ele, se assim desejar, transferir a sua parte ideal a título
oneroso ou gratuito ou, ainda, gravá-la mediante a concessão de algum direito de garantia
do pagamento de uma dívida (hipoteca, penhor, anticrese) ou de direito de fruição em
favor de outrem (como o usufruto, por exemplo).
Em 2017 e 2018 a matéria sobre condomínios sofreu importantes alterações. Assim,
o Código Civil prevê as seguintes espécies de condomínio: o condomínio geral
(ordinário), o condomínio edilício, neste incluído o novo condomínio de lotes74 e o
condomínio em multipropriedade75.

74
Foi incluído o art. 1.358-A no Código Civil, pela Lei n. 13.465/17, que trata do condomínio de lotes.
75
O capítulo VII-A (a partir do art. 1.358-B) foi incluído no Código Civil pela Lei n. 13.777/18, a fim de
disciplinar o condomínio em multipropriedade.
140
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Além disso, em 2017 foi regulado o “loteamento de acesso controlado” e criado o


condomínio urbano simples, ambos pela Lei n. 13.465.

2 Condomínio geral (ordinário)

No condomínio ordinário mais de uma pessoa tem a propriedade sobre determinado bem,
seja ele móvel ou imóvel.
São importantes algumas classificações indicadas pela doutrina, iniciando-se pela
sua origem:
a) voluntário ou convencional: deriva de negócio jurídico, como na aquisição,
doação ou destinação em comum de bem para que duas ou mais pessoas possam usá-lo e
usufrui-lo. Ex.: casamento pelo regime de comunhão universal de bens (art. 1.667, CC);
ou alguns amigos que compram um imóvel para investimentos em comum.
b) incidente ou eventual ou fortuita: se origina de motivos estranhos à vontade dos
condôminos, como aquele que se estabelece entre os herdeiros no momento da abertura
da sucessão, com encerramento ao final da partilha.
c) necessário ou forçado: resulta da lei como consequência inevitável do estado de
indivisão de certos bens, como nas hipóteses de paredes, muros, cercas e valas (art. 1.327,
CC).
Quanto à duração, o condomínio pode ser transitório ou perene. No primeiro, o
condomínio pode ser sempre extinto, a todo tempo, pela vontade de qualquer um dos
consortes. Em contrapartida, o condomínio perene ou permanente é oriundo do
condomínio forçado. Assim, não sendo este passível de divisão, existirá enquanto
subsistir a causa que provocou a sua necessidade. Exemplo: cercas e muros.
Quanto à forma ou divisão, o condomínio é pro diviso ou pro indiviso.
a) pro indiviso: é aquele que perdura de fato e de direito, permanecendo a coisa em
estado de indivisão perante os condôminos, porquanto estes ainda não se localizaram,
cada qual, na coisa. Ex.: entre herdeiros, no momento da sucessão hereditária. Nessa
espécie de condomínio a alienação da quota-parte deve seguir os ditames do art. 504, do
CC (hipótese de preempção ou preferência legal. Prazo decadencial (180 dias) deve ser
contado do registro imobiliário - efeito erga omnes).
b) pro diviso: só existe de direito, não de fato, pois cada condômino já se localiza
numa parte certa e determinada da coisa. Exercem sobre sua fração concreta todos os atos
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de proprietário singular, tal como se o imóvel já fosse partilhado, com aprovação tácita
recíproca. Ex.: um terreno com vários proprietários, em que, por acordo, cada qual
estabeleceu uma área de atuação individualizada. (Ex.: condomínio formado pela
usucapião urbana coletiva, prevista no art. 10 do Estatuto da Cidade). No condomínio pro
diviso cada condômino pode opor meios possessórios contra os demais. Também é
permitida a usucapião entre condôminos.

2.1 Condomínio voluntário: direitos e deveres do condômino (art. 1.314 a 1.319, CC)

Os direitos do condômino advêm do fato de que cada proprietário pode-se dizer


dono da coisa comum na sua integralidade. Sobre sua parte ideal poderá exercitar
direitos, pois se comporta como proprietário exclusivo.
O condômino também assume deveres, eis que nas relações internas respeitará as
faculdades outorgadas aos demais proprietários.

2.2 Administração do condomínio

A administração do condomínio é desempenhada pelo síndico ou cabecel, quando o


uso da coisa comum, de forma livre pelos condôminos, for impossível ou inconveniente.
O síndico pode ser pessoa estranha ao condomínio, se assim for deliberado.
O art. 1.323, CC faz referência à deliberação da maioria sobre a administração da
coisa comum, devendo entender-se por maioria absoluta do valor dos quinhões, e não o
número per capita de comunheiros. Assim, as deliberações serão tomadas pelos votos que
representem mais da metade do valor econômico da coisa (art. 1.325, CC). Quando não
alcançado o quorum legal, a questão será levada por qualquer dos condôminos ao Poder
Judiciário.
O administrador responde ativa e passivamente pelo condomínio. Excetuados os
atos de gestão, o administrador somente poderá atuar em conformidade com a deliberação
da maioria dos votos dos condôminos.
A assembleia é a reunião formal entre os condôminos, que deve ser reduzida a
termo e registrada no cartório de títulos e documentos. Pode ser ordinária ou
extraordinária.
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A assembleia geral ordinária é a reunião formal de condôminos com direito a voto,


realizada periodicamente, na forma disposta pelo estatuto do condomínio. A assembleia
geral extraordinária é a reunião formal de condôminos com direito a voto, realizada
excepcionalmente, por determinação do síndico ou de solicitação feita por um número
mínimo de condôminos, na forma disposta pelo estatuto do condomínio.
Os frutos civis, industriais ou naturais, bem como os produtos oriundos da coisa
comum, serão partilhados na proporção dos quinhões de cada condômino, não havendo
estipulação em contrário ou disposição de última vontade (art. 1.326, CC). Caso os
quinhões não sejam especificados, presume-se de igual tamanho (art. 1.315, parágrafo
único), promovendo-se a divisão de frutos e produtos de modo igualitário.

2.3 Extinção do condomínio voluntário (arts. 1.320 a 1.322, CC)

Sobre a extinção do condomínio voluntário é necessário distinguir se a coisa é


divisível ou indivisível.
Se a coisa comum for divisível, qualquer condômino pode exigir sua divisão, caso
não tenham acordado a indivisão por tempo superior a cinco anos, passível de mais uma
prorrogação por idêntico período (art. 1.320, § 1º).
Quando não há acordo (escritura pública) entre os condôminos para extinção do
condomínio, qualquer coproprietário pode exigir a divisão da coisa comum. A ação de
divisão é procedimento especial de jurisdição contenciosa (arts. 588 a 598, CPC/15),
imprescritível, como consequência da perpetuidade do domínio.
Se a coisa comum for indivisível – jurídica ou materialmente –, a pretensão
divisória é inviável. Nesta situação se encontram os bens que, após fracionados, perdem
suas características essenciais ou o seu valor econômico. Ex.: lotes urbanos e rurais que,
fracionados, alcancem área inferior ao módulo mínimo estabelecido legalmente.
Neste caso, se nenhum dos consortes optarem pela adjudicação da coisa,
indenizando os demais, qualquer condômino pode exigir a venda (alienação judicial) para
repartição do preço (art. 730, CPC/15).
O Código Civil estabelece nos artigos 504 e 1.322 as regras para venda de coisa
indivisível. Primeiramente deve-se destacar a preferência legal do condômino interessado
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em concorrência com terceiro para adquirir a fração ideal oferecida à alienação. Além
disso, o Código Civil estabelece os parâmetros de preferência76.

3 Condomínio edilício

O condomínio especial em edifícios ou de propriedade horizontal77 era disciplinado


somente pela lei n. 4.591/6478. O atual Código Civil também regula essa matéria nos
artigos 1.331 a 1.358, devendo a aplicabilidade de ambas as leis ser interpretada de forma
harmoniosa.
A divisão de um edifício em apartamentos, salas e andares é admitida
juridicamente, combinando-se regras da propriedade individual e do condomínio
ordinário (art. 1.331, caput, CC).
A cada unidade imobiliária cabe, como parte inseparável, uma fração ideal no
solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no
instrumento de instituição do condomínio (art. 1.331, § 3.º, do CC/2002). A fração ideal
também é adotada como base para o cálculo das despesas. A cota ideal reconhece a cada
condômino direitos iguais sobre a totalidade do bem.
A propriedade autônoma de um condomínio edilício exige o preenchimento de
certas condições:
a) que cada unidade esteja separada das demais unidades integrantes do
condomínio;
b) que tenha, direta ou indiretamente, saída própria para a via pública;
c) que corresponda à sua fração ideal do terreno e das coisas comuns;
d) que possua designação especial, numérica ou alfabética.
Sobre as áreas comuns, cada condômino poderá isoladamente manejar ações
petitórias e possessórias em face de terceiros, somente existindo limitação no que tange às
faculdades de uso, gozo e disposição, eis que limitadas por igual direito dos demais
condôminos (art. 1.314, CC).

76
Enunciado 623 – Art. 504: Ainda que sejam muitos os condôminos, não há direito de preferência na
venda da fração de um bem entre dois coproprietários, pois a regra prevista no art. 504, parágrafo único,
do Código Civil, visa somente a resolver eventual concorrência entre condôminos na alienação da
fração a estranhos ao condomínio. (VIII Jornada de Direito Civil/2018).
77
Para ser classificado como propriedade horizontal ou vertical, deve-se analisar o elemento que separa as
unidades.
78
O código civil de 1916 não previa regras sobre o condomínio edilício, pois no início do século XX não se
cogitava, no Brasil, de edificações como os prédios de apartamento ou comerciais.
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Quanto à natureza jurídica da propriedade da vaga de garagem o Código Civil nada


dispõe. Para a Lei n. 4.591/64, a vaga nos edifícios-garagem é sempre unidade autônoma
(art. 2º). Já as vagas de garagem em edifícios residenciais ou comerciais poderão ser
destinadas como unidade autônoma, tendo direito à fração ideal específica no terreno, ou
vincular-se a uma unidade habitacional. Pode também ser um simples acessório da
unidade autônoma a que se vincula, não tendo fração ideal específica. Essas definições
devem constar no instrumento de instituição do condomínio.
O condomínio edilício não é pessoa física ou jurídica. O direito brasileiro não
incorporou a tese da atribuição de personalidade jurídica aos condomínios. A esses entes
sui generis – condomínio, espólio, massa falida -, a lei civil concede apenas a
personalidade judiciária (art. 75, CPC) e a plena capacidade processual (trata-se de uma
personificação anômala), que possibilita atuar em juízo, em seu próprio nome,
representado pelo síndico ou administrador, na defesa dos interesses comuns dos
condôminos.

3.1 Elementos constitutivos do condomínio edilício

Existem três elementos distintos: o ato de instituição, a convenção de condomínio e


o regimento interno.

a) Ato de instituição: é o ato inicial de constituição do condomínio, verificando-se


por ato inter vivos ou por testamento (art. 1.332, CC). Deve ser registrado no RGI, dele
constando a individualização e a discriminação das unidades autônomas, bem como a
respectiva fração ideal correspondente a cada unidade e o fim a que se destinam, tornando
pública a finalidade da edificação.

b) Convenção de condomínio: documento escrito no qual são estipulados os direitos


e deveres recíprocos dos condôminos. Seria uma espécie de “Constituição privada” dos
coproprietários, haja vista a sua força cogente, apta a pautar comportamentos individuais.
Também deve ser levada ao RGI, mas mesmo quando não registrada já tem validade
entre os condôminos (art. 1.333, parágrafo único). É a principal norma do prédio,
situando-se hierarquicamente acima do regulamento interno, decisões de assembleias ou
resoluções do conselho consultivo. Essas devem se compatibilizar com a convenção. O
145
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art. 1.334 traz diversas cláusulas que devem estar presentes nas convenções
condominiais.

c) Regimento interno: desempenha função complementar à convenção, contendo


normas minuciosas acerca do uso das coisas comuns. O regimento é obrigatoriamente
determinado pela convenção condominial (art. 1.334, V), podendo ser redigido em
documento autônomo. Conterá normas relativas ao quotidiano dos condôminos, para o
uso normal das propriedades individual e comum, tais como: uso da piscina,
recomendação de trajes para acesso a elevadores, horários de mudança, etc. O regimento
interno deverá ser aprovado por assembleia, pelo voto da maioria simples, salvo se a
convenção estipular quorum qualificado.

ATIVIDADE COMPLEMENTAR: Levar para a aula uma convenção de condomínio e


seu regimento interno, se existir, para análise.

3.2 Direitos e deveres dos condôminos

Os direitos dos condôminos estão previstos no art. 1.335, CC. Os deveres estão no
art. 1.336, CC.
Destaca-se o direito do condômino de usar, fruir e livremente dispor das suas
unidades (art. 1.335, I). Todavia, deve respeitar a segurança, o sossego e a saúde dos
demais condôminos. Entre os inúmeros casos concretos no mercado imobiliário sobre o
tema, destaca-se a permanência de animais domésticos em condomínio, observando-se,
primeiramente, o que prevê a convenção. Entretanto, ainda que a convenção proíba
animais no condomínio, os tribunais vêm entendendo que é permitida sua permanência,
desde que não seja perturbador do sossego, saúde e segurança dos demais condôminos.
Este também o entendimento na VI Jornada de Direito Civil (2013):

Enunciado 566 – A cláusula convencional que restringe a permanência de


animais em unidades autônomas residenciais deve ser valorada à luz dos
parâmetros legais de sossego, insalubridade e periculosidade.
Referência legislativa: Código Civil, art. 1.335, I, e Lei n. 4.591/1964, art. 19.

Quanto aos deveres, ressalte-se a contribuição para as despesas do condomínio, na


proporção das suas frações ideais ou outra forma de rateio prevista na convenção (art.
146
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1.336, I)79. Trata-se de obrigação pecuniária, cujo inadimplemento acarreta multa de até
2% ao mês80 mais os juros moratórios, conforme previsão no § 1º do art. 1.336.
Deve-se ressaltar que o CPC/15 considerou a dívida condominial, documentalmente
comprovada, como título executivo extrajudicial (art. 784, VIII), o que permite a sua
imediata execução judicial. Neste sentido, é importante observar que o imóvel, ainda que
se configure como bem de família, poderá ser penhorado, considerando a exceção trazida
no art. 3º, IV, da Lei n. 8.009/90. Além disso, por se tratar de obrigação propter rem, o
adquirente responde pelos débitos do alienante (art. 1.345, CC).
Entretanto, na prática, percebe-se grande dificuldade de recebimento dos débitos,
principalmente nos condomínios residenciais. Desta forma, discutem-se outras medidas
coercitivas para constranger o devedor à quitação do débito.

ATIVIDADE COMPLEMENTAR: Pesquise se é possível inserir o nome do


condômino inadimplente nos cadastros de proteção ao crédito (SPC, Serasa), bem como
realizar o protesto do título em cartório. É necessário observar os fundamentos
jurídicos da resposta.

Algumas formas de cobrança e medidas coercitivas já são consideradas indevidas,


como, por exemplo, divulgar ostensivamente a condição de inadimplência (aviso no
quadro do hall social), com nítido ânimo de constranger, lesando a dignidade e os direitos
de personalidade do indivíduo, o que consiste em dano moral.
Também se considera constrangimento ilegal por abuso de direito (art. 187, CC) o
cerceamento ao exercício de faculdades do domínio ao condômino em decorrência do
inadimplemento das taxas, como, por exemplo, restringir o uso das áreas comuns ou o
acesso ao elevador.

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA


COM PEDIDO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMBARGOS
DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE.
NÃO OCORRÊNCIA. INADIMPLEMENTO DE TAXAS CONDOMINIAIS.
DESPROGRAMAÇÃO DOS ELEVADORES. SUSPENSÃO DE SERVIÇOS

79
Observar decisão proferida em 02/06/2020, pelo STJ no REsp n. 1.778.522: RECURSO ESPECIAL.
CONDOMÍNIO. CONVENÇÃO. DESPESAS ORDINÁRIAS. APARTAMENTOS EM COBERTURA.
RATEIO. FRAÇÃO IDEAL. ART. 1.336, I, DO CC/2002. REGRA. LEGALIDADE.
80
Enunciado 505 – É nula a estipulação que, dissimulando ou embutindo multa acima de 2%, confere
suposto desconto de pontualidade no pagamento da taxa condominial, pois configura fraude à lei (Código
Civil, art. 1336, § 1º), e não redução por merecimento. (V Jornada de Direito Civil/2011)
147
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ESSENCIAIS. IMPOSSIBILIDADE. EXPOSIÇÃO INDEVIDA DA


SITUAÇÃO DE INADIMPLÊNCIA. VIOLAÇÃO DE DIREITOS DA
PERSONALIDADE. DANOS MORAIS. CARACTERIZAÇÃO.
1. Ação declaratória distribuída em 22.03.2011, da qual foi extraído o presente
recurso especial, concluso ao Gabinete em 26.09.2013.
2. Cinge-se a controvérsia, além de apreciar a existência de omissão no acórdão
recorrido, a definir se é possível impor restrição ao condômino inadimplente
quanto à utilização dos elevadores e, caso verificada a ilegalidade da medida,
se a restrição enseja compensação por danos morais.
3. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de
declaração.
4. O inadimplemento de taxas condominiais não autoriza a suspensão, por
determinação da assembleia geral de condôminos, quanto ao uso de serviços
essenciais, em clara afronta ao direito de propriedade e sua função social e à
dignidade da pessoa humana, em detrimento da utilização de meios
expressamente previstos em lei para a cobrança da dívida condominial.
5. Não sendo o elevador um mero conforto em se tratando de edifício de
diversos pavimentos, com apenas um apartamento por andar, localizando-se o
apartamento da recorrente no oitavo pavimento, o equipamento passa a ter
status de essencial à própria utilização da propriedade exclusiva.
6. O corte do serviço dos elevadores gerou dano moral, tanto do ponto de vista
subjetivo, analisando as peculiaridades da situação concreta, em que a condição
de inadimplente restou ostensivamente exposta, como haveria, também, tal
dano in re ipsa, pela mera violação de um direito da personalidade.
7. Recurso especial provido.
(BRASÍLIA, STJ, 3ª Turma, REsp. n. º 1.401.815 – ES, Rel. Min. Nancy
Andrighi. Julgado em 03/12/2013. Publicado no DJe em 13/12/2013).

O § 2º, do art. 1.336, CC, ainda estabelece multa de até cinco (5) vezes o valor da
quota condominial para o condômino que descumprir os deveres especificados no art.
1.336, incisos II a IV. Esta multa pode estar prevista no ato constitutivo ou na convenção,
mas não havendo disposição expressa, os condôminos deverão deliberar em assembleia
geral a sua cobrança, exigindo-se um quórum qualificado de no mínimo 2/3 dos
condôminos restantes.
O art. 1.337, caput, CC, também prevê que o condômino ou possuidor que não
cumprir reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por
deliberação de 3/4 dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa de até cinco
(5) vezes o valor da quota condominial, conforme a gravidade das faltas e a reiteração,
além das perdas e danos que se apurarem.
Trata-se do chamado “condômino nocivo ou antissocial”, ou seja, aquele
proprietário ou possuidor que descumpre reiteradamente os seus deveres perante o
condomínio será penalizado com o pagamento de multa pelo comportamento
antissocial81. Assim, o parágrafo único do art. 1.337, prevê a multa máxima, que pode

81
Enunciado 507 – Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da
função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, da CRFB e 1.228, § 1º, do CC) e a vedação ao abuso do
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chegar ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais,


quando o condômino ou possuidor, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar
incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores.
Nas palavras do Min. Luis Felipe Salomão, no REsp. n. 1247020/DF:

Nesse contexto, o "condômino nocivo" ou "antissocial" não é somente aquele


que pratica atividades ilícitas, utiliza o imóvel para atividades de prostituição,
promove a comercialização de drogas proibidas ou desrespeita constantemente
o dever de silêncio, mas também aquele que deixa de contribuir de forma
reiterada com o pagamento das taxas condominiais. (Trecho extraído do voto
do Min. Luis Felipe Salomão, relator do REsp. n. 1247020/DF).

Destaca-se, portanto, que os tribunais vêm entendendo pela aplicação desta multa
diante do condômino que se caracteriza como devedor reiterado e contumaz:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CONDOMINIAL. DEVEDOR DE COTAS


CONDOMINIAIS ORDINÁRIAS E EXTRAORDINÁRIAS. CONDÔMINO
NOCIVO OU ANTISSOCIAL. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PREVISTAS
NOS ARTS. 1336, § 1º, E 1.337, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL.
POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE CONDUTA REITERADA E
CONTUMAZ QUANTO AO INADIMPLEMENTO DOS DÉBITOS
CONDOMINIAIS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. RECURSO NÃO
PROVIDO. 1. De acordo com o art. 1.336, § 1º, do Código Civil, o condômino
que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios
convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% (um por cento) ao mês e
multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito.
2. O condômino que deixar de adimplir reiteradamente a importância devida a
título de cotas condominiais poderá, desde que aprovada a sanção em
assembleia por deliberação de 3/4 (três quartos) dos condôminos, ser obrigado
a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as
despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração.
3. A aplicação da sanção com base no art. 1.337, caput, do Código Civil exige
que o condômino seja devedor reiterado e contumaz em relação ao pagamento
dos débitos condominiais, não bastando o simples inadimplemento involuntário
de alguns débitos.
4. A multa prevista no § 1º do art. 1.336 do CC/2002 detém natureza
jurídica moratória, enquanto a penalidade pecuniária regulada pelo art.
1.337 tem caráter sancionatório, uma vez que, se for o caso, o condomínio
pode exigir inclusive a apuração das perdas e danos.
5. Recurso especial não provido.
(BRASÍLIA, STJ, 4ª Turma, REsp. n. 1247020/DF, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão. Julgado em 15/10/2015. Publicado no DJe em 11/11/2015).

É importante, no entanto, que as multas previstas no art. 1.337, CC, podem ser
instituídas apenas após a prévia comunicação ao condômino infrator, concedendo-lhe

direito (arts. 187 e 1.228, § 2º, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior
assembleia prevista na parte final do parágrafo único do art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura
de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal. (V Jornada
de Direito Civil/2011)
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prazo para defesa/justificação de sua conduta, como previsto no Enunciado n. 92 da I


Jornada de Direito Civil (2002): As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não
podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo.

3.3 Administração do condomínio edilício

Existem três órgãos administrativos do condomínio: assembleia geral, conselho


fiscal e síndico.

a) Síndico: escolhido pela Assembleia geral de condôminos, com mandato máximo


de dois anos, tendo a função de órgão executor de suas deliberações (art. 1.347, CC). O
CC não trata do processo de eleição do síndico, deixando tal procedimento para ser
definido na convenção condominial.
O art. 1.348 elenca as atribuições do síndico, não se tratando de numerus clausus,
pois a convenção condominial pode sugerir outras funções além daquelas citadas na
norma. O síndico pode ser um condômino ou pessoa física ou jurídica estranha ao
condomínio. O exercício de suas atividades será gratuito ou assalariado, conforme
previsão na convenção, sem, contudo, cogitar de relação de emprego para com o
condomínio. A prova da representação regular do condomínio é a cópia da ata que elegeu
o síndico.
O síndico é obrigado a prestar contas e os condôminos podem recorrer de seus atos
à assembleia. A assembleia pode eleger um conselho consultivo para assessorar o síndico.
O síndico pode ser destituído a qualquer tempo, conforme art. 1.349, CC.

b) Assembleia geral: é o órgão deliberativo do condomínio, constituído por todos os


condôminos. As suas deliberações são fundamentais, exprimindo a opinião dominante
dos condôminos sobre os interesses comuns. Atua como órgão legislativo, ao normatizar
o regulamento interno e a convenção; funciona como órgão executivo, ao decidir acerca
de assuntos administrativos.
As deliberações da assembleia obrigam a todos: síndico, conselho consultivo e
condôminos, exceto quando violarem a lei, convenção condominial ou os próprios
direitos subjetivos dos condôminos. A convocação e o seu funcionamento estão previstos
nos arts. 1.352 a 1.355, CC.
150
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Algumas matérias deliberadas exigem quorum especial de dois terços (art. 1.351,
CC) e, outras, aprovação unânime.
A assembleia geral ordinária é obrigatória e deve ocorrer ao menos uma vez por
ano (art. 1.350, CC). A assembleia geral extraordinária irá deliberar sobre todas as
matérias de interesse do condomínio que não estão abrangidas pelo art. 1.350, CC (art.
1.355, CC).

As deliberações, salvo quando exigido quorum especial, serão tomadas, em


primeira convocação, por maioria de votos dos condôminos presentes que representem
pelo menos metade das frações ideais (art. 1.352 do CC). Os votos serão proporcionais às
frações ideais no solo e nas outras partes comuns pertencentes a cada condômino, salvo
disposição diversa da convenção de constituição do condomínio (art. 1.352, parágrafo
único, do CC). Assim, a convenção pode estipular que todos os condôminos têm direitos
iguais nos votos (TARTUCE, 2017).

Não havendo quórum suficiente para instalação em primeira convocação (metade


das frações ideais, art. 1.352 do CC), a assembleia geral será instalada em segunda
convocação, com qualquer número de presentes, podendo deliberar por maioria dos votos
dos presentes, salvo quando exigido quorum especial (art. 1.353 do CC).
O art. 24 da Lei n. 4.591/64 permite ao locatário a participação e votação em
assembleia de matérias que não envolvam despesas extraordinárias, caso o condômino-
locador não possa comparecer. Os promissários-compradores e cessionários de direitos
sobre imóveis poderão comparecer à assembleia, quando investidos na posse direta da
unidade condominial.

c) Conselho fiscal: o art. 1.356, CC faculta a constituição de conselho fiscal,


composto de três membros eleitos pela assembleia, com a finalidade de analisar as contas
prestadas pelo síndico. Para sua existência é necessária previsão na convenção
condominial. O parecer do conselho fiscal não vincula a assembleia, que é soberana para
apreciar as contas (art. 1.350).

3.4 Extinção do condomínio edilício

As situações que ensejam a extinção do condomínio edilício são a destruição


considerável ou total do prédio e a ameaça de ruína (art. 1.357, CC).
151
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Nos dois casos a assembleia extraordinária, com quorum de metade mais um das
frações ideais do terreno, deliberará sobre a reconstrução do imóvel (com a quantia do
seguro obrigatório – art. 1.346) ou a venda do terreno e materiais. O produto dessa venda
será rateado proporcionalmente à fração ideal de cada condômino (art. 1357, § 2º, CC).
Os condôminos, em virtude de interesses econômicos, por unanimidade podem
decidir a extinção do condomínio pela demolição do prédio.
A confusão também é uma forma de extinção do condomínio. Ocorre quando uma
pessoa, condômino ou terceiro, adquire todas as unidades autônomas e não mantém a
divisão para eventual alienação futura.
Conforme o art. 1.358, CC, a desapropriação do prédio para fins de utilidade
pública ou interesse social provocará a extinção do condomínio. Na ação de
desapropriação todos os condôminos devem ser citados e não apenas o síndico (art. 16 do
Dec-lei n. 3.365/41).

4 Multipropriedade imobiliária ou time-sharing

A multipropriedade ou time-sharing (compartilhamento de tempo) foi


regulamentada pela Lei n. 13.777, de 20 de dezembro de 2018. A referida lei alterou o
Código Civil e a Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73).
O instituto já estava sendo utilizado, mas precisava de regulamentação, a fim de
garantir a segurança jurídica necessária aos multiproprietários.
A lei n. 13.777/18 inseriu no Código Civil o capítulo VII-A – Do condomínio em
multipropriedade, no Título III – Da propriedade, contendo os artigos 1.358-B a 1.358-
U.
O conceito de multipropriedade está no art. 1.358-C: “Multipropriedade é o regime
de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma
fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da
totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada.”
Carlos Eduardo Elias de Oliveira (2018) realiza uma analogia a fim de
compreendermos melhor o instituto:

Uma metáfora pode ajudar na compreensão. Há tempos, já temos, no direito


brasileiro, o parcelamento do solo, que envolve o loteamento e o
desmembramento e que consiste no fatiamento de uma gleba de terra (como
um vasto terreno) em várias porções de terra (que são os lotes). Trata-se de
152
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um parcelamento real, pois implica a fragmentação horizontal de uma coisa


física em outras menores.
O legislador, então, pensou em potencializar o aproveitamento do solo por
mais pessoas criando formas ficcionais de parcelamento. (...)
Agora, o legislador está a prever um novo tipo de parcelamento não apenas
do solo, mas também de outros imóveis por acessão (como os apartamentos
em condomínios edilícios). Trata-se de um parcelamento temporal do
imóvel, fragmentando-o em várias unidades autônomas vinculadas a um
período certo de tempo do ano. Um apartamento é, por ficção jurídica,
pulverizado em várias porções temporais autônomas, que são as unidades
periódicas. Como o tempo mínimo da unidade periódica é de 7 dias à luz do
novo art. 1.358-E do CC, isso significa que um imóvel pode ser parcelado
em, no máximo, 52 unidades periódicas, o que significa que um imóvel, em
tese, pode ser anualmente aproveitado por 52 pessoas diferentes. O tempo de
ócio do bem será muito reduzido.
Portanto, a multipropriedade pode ser definida como um parcelamento
temporal do bem em unidades autônomas periódicas. É pulverizar um bem
físico no tempo por meio de uma ficção jurídica. Enxergar a
multipropriedade como um condomínio fruto de um parcelamento temporal -
e ficto! - do bem elucida bem o instituto. (OLIVEIRA, 2018)

A multipropriedade será regida pelo Código Civil, conforme as modificações


trazidas pela Lei n. 13.777/18 e, supletiva e subsidiariamente, pelas normas de
condomínio edilício (art. 1.331 e ss. Do Código Civil) e de incorporação imobiliária (Lei
n. 4.591/64).
O Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei n. 8.078/90) também regulará a
multipropriedade quando houver relação de consumo envolvendo multiproprietários, de
um lado, e o administrador do condomínio multiproprietário, a empresa operadora do
regime de pool ou a empresa operadora do regime de intercâmbio. Portanto, se a
multipropriedade for instituída por amigos e parentes não haverá aplicação do CDC, pela
ausência da relação de consumo.
Conforme o § 1º do art. 1.358-E, CC, existem três sistemas para determinar a fração
de tempo destinada a cada multiproprietário:
a) fixo e determinado, que corresponde ao mesmo período de cada ano, como, por
exemplo, o primeiro trimestre do ano;
b) flutuante, ou seja, trata-se de período variável. A determinação do período será
realizada de forma periódica, mediante procedimento objetivo que respeite, em relação a
todos os multiproprietários, o princípio da isonomia;
c) misto, combinando os sistemas fixo e flutuante.

O período mínimo de fração de tempo é de 7 (sete) dias seguidos ou intercalados


(art. 1.358-E, § 1º, CC). Por isso, o máximo de multiproprietários de um imóvel é 52.
153
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4.1 Objeto da multipropriedade

O condomínio multiproprietário é cabível para qualquer tipo de imóvel, rural ou


urbano, e inclui as instalações, os equipamentos e o mobiliário destinados a seu uso e
gozo (art. 1.358-D, II, CC).
A unidade em condomínio edilício, por exemplo, um apartamento na praia, também
pode ser objeto de condomínio multiproprietário. Entretanto, haverá alteração na estrutura
de direito real da unidade, com reflexos no próprio condomínio edilício. Assim, há
necessidade de previsão expressa no ato de instituição do condomínio edilício ou
mediante deliberação da maioria absoluta dos condôminos (art. 1.358-O, CC).
O art. 1.358-U, CC, estabelece a possibilidade de limitação ou impedimento à
instituição de multipropriedade em condomínios edilícios e lotes, desde que previsto na
convenção do condomínio, no memorial de loteamento e no instrumento de venda dos
lotes em loteamentos urbanos. É possível a alteração da convenção sobre esta matéria,
sendo exigida deliberação pela maioria absoluta dos condôminos.

4.2 Instituição da multipropriedade

De acordo com o art. 1.358-F, CC, a multipropriedade pode ser instituída por ato
entre vivos ou testamento, que será registrado no cartório de registro de imóveis.
No cartório haverá uma matrícula principal referente à instituição do condomínio
multiproprietário, com a criação de novas matrículas independentes para cada unidade
periódica (art. 176, § 10, da Lei n. 6.015/73). Assemelha-se ao condomínio edilício, em
que há a matrícula do imóvel (terreno), a qual recebe o registro da instituição do
condomínio edilício, com a consequente criação de matrículas autônomas para cada
unidade (apartamento, sala, etc).
Assim, cada unidade periódica, com matrícula própria, pode ser objeto de hipoteca
ou de alienação fiduciária (art. 1.358-I, III, CC), pois representa um direito real de
propriedade, ou seja, um direito real sobre coisa própria.
Diante disso, a unidade periódica também pode ser objeto de penhora por dívidas
do multiproprietário. Os móveis que guarnecem o imóvel não poderão ser penhorados,
pois “o devedor não é titular do mobiliário isoladamente, mas sim de um direito real de
154
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propriedade periódico, que, de forma indivisível (art. 1.358-D, I, CC), alcança o imóvel e
os respectivos mobiliários na respectiva fração de tempo.” (OLIVEIRA, 2018).

4.3 Direitos e obrigações do multiproprietário

Os direitos do multiproprietário estão estabelecidos no art. 1.358-I, CC. As


obrigações estão previstas no art. 1.358-J, CC. Podem ser previstos outros direitos e
obrigações no instrumento de instituição e na convenção de condomínio em
multipropriedade.
Os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos a cada fração de
tempo são equiparados aos multiproprietários no que tange aos direitos e obrigações (art.
1.358-K, CC).

4.4 Transferência do direito de multipropriedade

O multiproprietário que pretender transferir o seu direito não depende de anuência


ou cientificação dos demais multiproprietários (art. 1.358-L, CC).
Além disso, não existe direito de preferência em favor dos multiproprietários na
alienação de fração de tempo, salvo se estabelecido no instrumento de instituição ou na
convenção de condomínio em multipropriedade (§ 1º do art. 1.358-L, CC).

4.5 Administração da multipropriedade

O condomínio em multipropriedade é um ente despersonalizado. Será administrado


por pessoa indicada no instrumento de instituição ou na convenção de condomínio. Na
falta da referida indicação, o administrador será escolhido em assembleia geral dos
condôminos (art. 1.358-M, CC).
As atribuições do administrador estão no § 1º do art. 1.358-M, CC, além de outras
que podem ser estabelecidas no instrumento de instituição e na convenção de
condomínio.
Conforme o art. 1.358-R, CC, no caso de condomínio edilício que tenha sido
instituído o regime de multipropriedade, é exigido um administrador profissional.
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Por se tratar de ente despersonalizado não possui personalidade nem capacidade


jurídica. Todavia, possui capacidade processual, assim como a massa falida ou o espólio
(art. 75, CPC). Será representado em juízo pelo administrador.

Atividade: O Código Civil estabelece a responsabilidade dos multiproprietários por


contribuição condominial do condomínio em multipropriedade e, quando for o caso, do
condomínio edilício (art. 1.358-J, I). Também estabelece a responsabilidade pelas
despesas relativas a reparos no imóvel (§ 2º, art. 1.358-J), e a criação do fundo de reserva
para reposição e manutenção dos equipamentos, instalações e mobiliário (art. 1.358-G,
CC).
Pesquise, com os fundamentos jurídicos adequados, como deve ser determinada a
responsabilidade dos multiproprietários sobre o pagamento do IPTU/ITR. Explique,
ainda, se existe responsabilidade solidária entre eles face aos tributos referidos.

Leitura complementar: TEPEDINO, Gustavo. Multipropriedade imobiliária. São


Paulo: Saraiva, 1993.

5 Condomínio de lotes

A violência nos centros urbanos e a busca por uma melhor qualidade de vida, levou
os moradores da cidade a buscar residências nos chamados “condomínios fechados ou
loteamentos fechados”. Entretanto, por não estarem regulamentados na legislação
brasileira havia muita insegurança jurídica sobre este tipo de propriedade, que acaba
sendo considerada como ilegal.
Nesta situação ocorre a venda de lotes (unidades autônomas), não edificadas, com
matrícula própria. Por ser tratado como um loteamento comum, as áreas destinadas ao
sistema viário e os equipamentos comunitários são transferidos para o Poder público
municipal (art. 22, da Lei 6.766/79). Mas em ato posterior, o município autorizava o
fechamento das vias de comunicação – daí a expressão loteamento fechado – concedendo
o uso de todas as áreas públicas exclusivamente aos moradores do loteamento.
Os adquirentes dos lotes costumavam constituir uma associação que se
encarregava de murar toda a área e instalar uma portaria para controle de acesso de
pessoas e de veículos.
156
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Os problemas que daí surgiam eram a inconstitucionalidade de proibir o direito de


ir e vir das pessoas não autorizadas a entrar no “condomínio”, restringindo o acesso aos
bens públicos de uso comum do povo (ruas, calçadas, praças, etc), bem como a obrigação
de pagar as despesas decorrentes da manutenção e conservação da área considerada como
“comum” pelos condôminos/associados82 (art. 5º, XX, CR/88).
A Lei n. 13.465, de 11/07/2017 inseriu o art. 1.358-A no Código Civil, extirpando,
assim, qualquer dúvida sobre a viabilidade da incorporação imobiliária destinada a venda
de lotes no âmbito de um condomínio, submetendo-se às normas previstas no Código
Civil (art. 1.331 a 1.358-A), bem como, no que couber, à Lei n. 4.591/64 (incorporação
imobiliária).
A citada lei também alterou o § 7º do art. 2º da Lei n. 6.766/79 (Lei de
parcelamento do solo), prevendo que o lote poderá ser constituído como um imóvel
autônomo (forma tradicional) ou como uma unidade imobiliária integrante de um
condomínio de lotes.
Assim, poderão ser criados condomínios compostos por lotes, que estarão
necessariamente vinculados a uma fração ideal das áreas comuns em proporção a ser
definida no ato de instituição. Portanto, as ruas, as praças e as demais áreas de uso
comum não são transferidas ao município, mas continuam sendo propriedade privada,
pertencente aos titulares do lote de acordo com a respectiva fração ideal.
O lote continua sendo um imóvel próprio, com direito a uma matrícula própria no
Cartório de Imóveis, em observância ao princípio da unitariedade matricial. Cada
proprietário poderá realizar sua construção como preferir, desde que respeitadas as
normas de ordem pública e a convenção de condomínio. As construções constituirão
acessão ao solo (lote), sem alterar a condição de unidade autônoma.
Não serão mais criadas associações de moradores, pois uma vez considerado
como condomínio, seguirá as normas do condomínio edilício (art. 1.358-A, § 2º, CC),
com representação pelo síndico, sujeito às deliberações em assembleia geral de
condôminos, podendo cobrar as contribuições como previsto no art. 1.336, I, CC.

82
Ver RExtr. n. 432.106/RJ e REsp. n. 1.280.871/SP e 1.439.163/SP.
157
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6 Loteamento de acesso controlado

A Lei n. 13.465/17 também alterou a Lei n. 6.766/79, inserindo o loteamento de


acesso controlado no § 8º do art. 2º. Trata-se dos atuais “loteamentos fechados”, que são
constituídos por lotes sob a forma de imóveis autônomos (não como unidades
condominiais) com a instalação de portarias nas ruas, a fim de controlar o acesso de
veículos e de pessoas. A partir da nova legislação, o controle de acesso deve ser
regulamentado por ato do poder público Municipal.
Entretanto, o art. 2º, § 8º, da Lei n. 6.766/79 prevê que é proibido impedir o acesso
de veículo ou de pessoas identificadas ou cadastradas, pois neste caso as vias de
circulação são bens públicos municipais.
A principal novidade desta lei, no caso do loteamento de acesso controlado, é a
possibilidade de se instituir associações ou entidades civis organizadas com o objetivo de
administração, conservação, manutenção, disciplina de utilização e convivência,
vinculando-se à atividade de administração de imóveis, podendo, portanto, cotizar as
despesas daí decorrentes, conforme interpretação do art. 36-A da Lei 6.766/79. O
Desembargador do TJRJ, Marco Aurélio Bezerra de Melo, explica:

Entretanto, com a inclusão do artigo 36-A (Lei 13.465/2017) da lei 6766/79


que cuida dos loteamentos urbanos restou positivado expressamente o
condomínio de fato, prescrevendo a referida norma ser possível juridicamente a
existência de associações de proprietários de imóveis em loteamentos ou
assemelhados com o propósito de administração, conservação, manutenção e
disciplina da utilização e convivência dos moradores. No parágrafo único do
citado artigo é afirmado com muita clareza que a administração dos imóveis
nos moldes associativos sujeita os titulares de imóveis à normatização e à
disciplina constantes de seus atos constitutivos, cotizando-se na forma desses
atos para suportar a consecução dos seus objetivos. (MELO, 2017)

Portanto, o entendimento dos tribunais superiores (STJ e STF), futuramente, deve


sofrer alteração com a nova lei.

7 Condomínio urbano simples

Trata-se de uma espécie de condomínio edilício que dispensa algumas


formalidades em razão da sua pequena dimensão, cuja disciplina está nos arts. 61 a 63
da Lei nº 13.465/2017.
158
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Segundo Oliveira (2017, p. 16), “[e]sse condomínio aplica-se a situações de


terrenos onde haja mais de uma construção e em que o seu titular queira tornar cada
uma dessas construções uma unidade autônoma de condomínio. Diante da sua
simplicidade, o condomínio urbano simples dispensa a apresentação de convenção de
condomínio.” São os casos de se encontrar várias “casas” no mesmo terreno (casa de
fundos), como os filhos que constroem no terreno dos pais.
A ideia é que cada construção constituirá uma unidade imobiliária autônoma, com
matrícula própria no Cartório de Imóveis, ficando, ainda, vinculada a uma fração ideal
das áreas comuns, como ocorre no condomínio edilício.
“No tocante à gestão do condomínio, embora se apliquem as regras de
condomínio edilício no que couber (art. 61, parágrafo único, da Lei nº 13.465/2017), os
condôminos podem optar por uma via mais simples e podem fazer acordos por
instrumentos particulares.” (OLIVEIRA, 2017, p. 17)
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VI DIREITOS REAIS SOBRE COISAS ALHEIAS

1 Noções iniciais

O direito real consiste no poder jurídico, direto e imediato, do titular sobre a coisa,
com exclusividade e contra todos; tem, como elementos essenciais, o sujeito ativo, a coisa
e a relação ou poder do sujeito ativo sobre a coisa.
A propriedade é o direito real mais completo e confere ao seu titular os poderes de
usar, gozar e dispor de seus bens, assim como de reavê-los do poder de quem
injustamente os possua ou detenha (art. 1.228, CC). Quando todas essas prerrogativas se
acham reunidas em uma só pessoa, diz-se que é titular da propriedade plena.
Entretanto, quando algum ou alguns dos poderes inerentes ao domínio se
destacarem e se incorporarem ao patrimônio de outra pessoa (atributo da elasticidade e
consolidação), teremos a propriedade limitada, como por exemplo no usufruto, pois o
direito de usar e gozar fica com o usufrutuário, permanecendo com o nu-proprietário
somente o de dispor e reivindicar a coisa. Em razão desse desmembramento, o
usufrutuário passa a ter um direito real sobre coisa alheia, sendo oponível "erga omnes".
O direito real sobre coisa alheia é o de receber, por meio de norma jurídica,
permissão do seu proprietário para usá-la ou tê-la como se fosse sua, em determinadas
circunstâncias, ou sob condição de acordo com a lei e com o que foi estabelecido em
contrato válido (Godofredo Telles Júnior).
Os direitos reais sobre coisa alheia podem ser divididos em:
 Direitos reais de uso/gozo e fruição: servidões prediais, usufruto, uso,
habitação, superfície, concessão de uso especial para fins de moradia, concessão de
direito real de uso, direito real de laje, rendas constituídas sobre imóveis e enfiteuse
(essas duas previstas apenas no CC/1916);
 Direitos reais de garantia: penhor, anticrese, hipoteca e propriedade fiduciária
(alienação fiduciária em garantia);
 Direito real de aquisição: compromisso ou promessa irrevogável de venda; o
devedor fiduciante, seu cessionário ou sucessor também passaram a ter direito real de
aquisição nos termos do art. 1.368-A, que foi incluído no Código Civil pela Lei n.
13.043/14.
160
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Como já se sabe, no direito brasileiro o contrato, por si só, não transfere o domínio;
ele é apenas instrumento que cria obrigações e direitos. O direito real sobre bens imóveis
deve ser registrado no Cartório Imobiliário.
Os direitos reais sobre coisa alheia têm duração temporária83, pois a lei não permite
o fracionamento da propriedade por períodos indefinidos (atributos da elasticidade e da
consolidação). Ex.: vitaliciedade do usufruto (art. 1.410, I, CC); hipoteca – 30 anos (art.
1.485, CC).

2 Direitos reais de uso e fruição

2.1 Servidão predial (arts. 1.378 a 1.389, CC)

De acordo com Farias e Rosenvald (2015), “cuida-se de direito real sobre coisa
imóvel, que impõe restrições em um prédio em proveito de outro, pertencentes a
diferentes proprietários. O prédio que suporta a servidão é o serviente. O outro, em
favor do qual se proporciona utilidade e funcionalização da propriedade, é o dominante.”
(p. 670, grifos nossos).
A finalidade da servidão predial, portanto, é proporcionar uma valorização do
prédio dominante, tornando-o mais útil, agradável ou cômodo, implicando, por outro
lado, uma desvalorização econômica do prédio serviente.
A servidão se liga ao direito de propriedade do prédio dominante e não à pessoa
que seja sua titular. O desdobramento do domínio se dá em favor e contra os prédios
dominante e serviente, respectivamente. Desta forma, se um dos prédios for alienado, isso
não extingue a servidão predial, pois o ônus real adere à coisa, acompanhando-a
permanentemente e opondo-se erga omnes.
O direito real de servidão é acessório ao direito de propriedade, aplicando-se,
aqui, portanto, a regra de que o acessório segue o principal. Disso decorre sua
inalienabilidade, pois não pode ser objeto de existência autônoma. Luciano Penteado
(2008) e Arnaldo Rizzardo (2014) acrescentam, ainda, que devido à característica da
acessoriedade, a servidão não pode ser penhorada nem hipotecada.

83
“As contrações dominiais são transitórias, pois mais cedo ou mais tarde, os poderes novamente se
unificarão com o proprietário, e a propriedade será plena.” (FARIAS e ROSENVALD, 2015, p. 658).
161
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Outra característica da servidão predial é a indivisibilidade, pois não pode ser


instituída em parte ideal do prédio, bem como, continua existindo o gravame mesmo que
se promova a divisão da propriedade sobre o imóvel (art. 1.386, CC).
Quanto à sua duração, Luciano Penteado (2008) afirma que é indefinida, o que, na
opinião dele, não significa perpétua, apenas inexiste termo. Já Farias e Rosenvald (2015),
afirmam que a servidão predial “reveste-se de perpetuidade, como o direito a que acede.
Porém, nada impede que seja constituída por tempo limitado.” (p. 674). Arnaldo Rizzardo
(2014) assevera a necessidade de uma causa perpétua para a servidão, ou, pelo menos, de
longa duração. De qualquer forma, a servidão extingue-se pelos modos relacionados nos
arts. 1.387 a 1.389 do Código Civil.
A incidência da servidão não se dá apenas entre prédios contíguos, podendo
abranger prédios separados (ex.: aqueduto e servidão de passagem).
A servidão não se presume, ou seja, há de ser explícita. Conforme Arnaldo
Rizzardo (2014), a interpretação é sempre restrita, pois envolve uma limitação ao
exercício da propriedade. Assim, o ônus da prova é de quem afirma sua existência. O art.
1.378, CC estabelece que a servidão se constitui mediante declaração expressa do dono
do imóvel. Assim, “o titular da servidão deve exercitá-la estritamente, nos termos de sua
constituição e em rígida consonância com o fim que a determinou, sem afastar-se dos
limites das necessidades que a originaram.” (RIZZARDO, 2014).
O dono do prédio dominante não pode estender ou ampliar a servidão a outras
propriedades, pois sua constituição se dá pela utilidade à coisa (dominante), portanto a
extensão se fixa e se determina pelas necessidades do prédio dominante. “Quem tem o
direito de tirar água de um poço ou córrego alheio só pode aproveitar a que se fizer
necessária para os usos da casa e a irrigação do prédio dominante e não para empregá-la
em prédio diverso, ou para vendê-la ou dá-la.” (RIZZARDO, 2014).

a) Classificação das servidões prediais

Conforme Farias e Rosenvald (2015), a classificação das servidões é interessante


para fins de identificação de conflitos possessórios, bem como para caracterizar as formas
passíveis de extinção pelo modo relacionado no art. 1.389, III, CC.
162
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De acordo com Arnaldo Rizzardo (2014), as servidões podem ser classificadas em


urbanas e rurais84. Num primeiro momento pode-se pensar que se trata de uma
classificação quanto à sua localização, mas não é isso que explica Rizzardo:

As servidões urbanas são simplesmente aquelas que se referem a um prédio, e


não porque localizadas em imóvel urbano. O critério distintivo não está na
natureza do prédio dominante, nem tampouco na do prédio serviente, mas sim
na natureza própria da servidão, ou no seu conteúdo. Pouco interessa se a
edificação se ergue na cidade ou no campo. Como rurais classificam-se aquelas
que se ligam ao solo, sem relação necessária com os edifícios. As urbanas
beneficiam a edificação. (RIZZARDO, 2014)

As servidões podem ser classificadas conforme o modo de exercício. Desta forma,


elas se distinguem em positivas e negativas. As servidões positivas conferem ao titular
ou possuidor do prédio dominante o poder de praticar algum ato no prédio serviente (ex.:
servidão de trânsito e de aqueduto). Nas servidões negativas o titular ou possuidor do
prédio serviente deve se abster da prática de determinado ato em seu próprio prédio (ex.:
não construir).
Outra classificação referente ao modo de exercício é da servidão contínua e
descontínua. A servidão contínua dispensa atos humanos para sua existência, isto é, uma
vez constituída não depende da prática de atos por parte de seu titular para que se perceba
sua existência (ex.: servidão de escoamento e de passagem de água). A servidão
descontínua necessita de atos permanentes do titular do prédio dominante para externar-
se (servidão de trânsito, de aqueduto).
Quanto à exteriorização, as servidões podem ser aparentes e não aparentes. A
servidão aparente se manifestam exteriormente por atos visíveis (sinais externos), em que
as obras são perceptíveis por todos (ex.: servidão de passagem, de aqueduto). A servidão
não aparente constitui um direito assegurado ao proprietário (ex.: não edificar acima de
certa altura, impedir que a água do telhado precipite no prédio vizinho). A servidão
aparente permite o uso das ações possessórias, bem como, eventualmente, sua
exterioridade propiciará a usucapião.

84
Esta classificação não é encontrada em todos os autores. Luciano Penteado (2008) e Farias e Rosenvald
(2009) não a mencionam.
163
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As servidões também podem ser classificadas quanto à sua origem em naturais,


legais e convencionais. A servidão natural é aquela imposta pela própria natureza, como
por exemplo, a de escoamento de águas do prédio superior para o inferior. No
ordenamento brasileiro a servidão natural está entre as servidões legais.
A servidão legal existe em virtude de lei e tem origem na necessidade para o
aproveitamento do prédio, não necessitando de consentimento do titular do prédio
serviente para sua constituição. A servidão convencional surge por disposição de
vontade. Normalmente é implantada para acrescentar vantagem ao prédio dominante.
Algumas espécies de servidões podem ser combinadas. Assim, uma servidão
contínua pode ser aparente (ex.: aqueduto). Também pode ser contínua e não aparente
(ex.: não construir acima de determinada altura). Além de outras combinações.

b) Modos de constituição

De acordo com Farias e Rosenvald (2015), a servidão pode ser constituída por
negócios unilaterais (testamento), contrato, sentença e usucapião (art. 1.378, 1.379,
parágrafo único do CC), mas os autores ainda explicam a servidão administrativa.
O contrato é o modo mais comum de constituição das servidões prediais. Em
regra, é negócio jurídico oneroso, prevendo indenização ao titular do prédio serviente
pela restrição gerada, mas nada impede que seja gratuito. O contrato gera efeitos
obrigacionais e serve como título aquisitivo do direito real imobiliário, pois só se
constitui com o registro (art. 1.378, CC). Somente os proprietários (quem tem poder de
disposição) podem convencionar servidão, a qual pode ser contínua ou descontínua,
aparente ou não aparente.
A servidão pode ser instituída por sentença, em ação divisória, na forma do art.
art. 596, II, CPC/15. “Essa situação viabiliza a utilização dos vários lotes que surgem pela
repartição de um só́ imóvel e não raramente ocorre quando um dos terrenos criados com a
divisão demanda o acesso para a via pública em razão de encravamento.” (FARIAS;
ROSENVALD, 2015, p. 679-680).
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As servidões contínuas e aparentes podem ser adquiridas por usucapião, após o


exercício pacífico e contínuo, por 10 ou 20 anos (art. 1.379 e parágrafo único do CC). Em
se tratando de servidão de trânsito, se a passagem for individualizada, sobretudo pela
natureza das obras realizadas, converte-se em servidão aparente, conferindo-se proteção
possessória ao autor das obras. A usucapião de servidão também pode ser alegada em via
de defesa. A doutrina critica o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária de
servidão, uma vez que, para manter a coerência com o sistema jurídico, o prazo deveria
ser de 15 anos85.
Arnaldo Rizzardo (2014) chama a atenção para o requisito essencial da usucapião
de servidão: o modo do exercício da servidão. Assim, se o proprietário do prédio
dominante amplia o modo como exerce a servidão, sem oposição do proprietário do
prédio serviente, tal situação vai se consolidando com a prescrição aquisitiva até a
complementação do prazo.
A servidão administrativa é direito real público em coisa alheia, que autoriza o
Estado a usar o imóvel privado para permitir a execução de obras e serviços de interesse
coletivo. Portanto, não segue as normas de Direito Privado, mas sim, de Direito Público.
Nesta forma só existe um prédio: o serviente. Exemplos: instalação de rede elétrica e
implantação de oleodutos em áreas privadas, limitando-se o uso e gozo da propriedade
particular.

c) Direitos e deveres do titular do prédio dominante

 usar e gozar da servidão, exercendo-a "civiliter" modo, ou seja, deve conter-se


nos limites das necessidades do prédio dominante, agredindo o prédio serviente da forma
menos onerosa (art. 1.385);
 realizar obras necessárias à conservação e uso da servidão (arts. 1.380 e 1.381),
pagando todas as suas despesas;
 remover a servidão de um local para outro, à sua custa, se houver considerável
incremento da utilidade e não prejudicar o prédio serviente (art. 1.384);
 exigir ampliação da servidão para facilitar a exploração do prédio dominante e
indenizar o dono do prédio serviente pelo excesso do uso (art. 1.385, § 3º);

85
Enunciado 251 – Art. 1.379: O prazo máximo para o usucapião extraordinário de servidões deve ser de
15 anos, em conformidade com o sistema geral de usucapião previsto no Código Civil. (III Jornada de
Direito Civil).
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 renunciar à servidão (art. 1.388, I).

d) Direitos e deveres do proprietário do prédio serviente


 deve respeitar o uso normal e legítimo da servidão, mas pode impedir que o
proprietário do prédio dominante efetive qualquer mudança na forma de utilização da
servidão, pois este deve manter sua destinação;
 permitir que o dono do prédio dominante realize obras necessárias à
conservação e utilização da servidão;
 exonerar-se de pagar as despesas com o uso e conservação da servidão, quando
lhe couber, desde que abandone total ou parcialmente a propriedade em favor do dono
do prédio dominante (art. 1.382, CC);
 remover a servidão de um local para outro (art. 1.384, CC), pagando as
despesas, desde que não prejudique ou diminua as vantagens do prédio dominante;
 cancelar a servidão nos casos dos arts. 1.388 e 1.389.

e) Modos de extinção da servidão

As servidões se extinguem pelos modos relacionados nos arts. 1.387 a 1.389,


mediante cancelamento no registro imobiliário, salvo para o caso de desapropriação.
As causas de extinção estão divididas em dois grupos:
a) por medida judicial ajuizada pelo proprietário do prédio serviente (art. 1.388);
b) por mera demonstração extrajudicial da causa extintiva (art. 1.389).

Farias e Rosenvald (2009, p. 689) chamam a atenção para a extinção da servidão


devido a aquisição por usucapião de um dos prédios. Assim, se alguém adquirir por
usucapião a propriedade do prédio serviente, extingue-se a servidão, pois trata-se de
modo originário de aquisição. Se a aquisição for do prédio dominante, o entendimento
prevalece. Desta forma, o novo adquirente não poderá manter a servidão, salvo se a posse
se estendeu a ela, com a concordância do titular do prédio serviente. Neste caso surgirá
uma nova servidão, tendo como causa a sentença declaratória de usucapião.
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2.2 Usufruto (arts. 1.390 a 1.411, CC)

É o direito real temporário concedido a uma pessoa para desfrutar um objeto


alheio como se fosse próprio, retirando suas utilidades e frutos, contudo sem alterar-lhe a
substância. (FARIAS; ROSENVALD, 2015)
Assim, o usufrutuário percebe os frutos (naturais, industriais e civis) e retira
proveito econômico da coisa, enquanto o nu-proprietário fica com o conteúdo do direito,
isto é, a faculdade de disposição da coisa, podendo alienar, instituir ônus real ou dar
qualquer outra forma de disposição ao objeto.
O objeto do usufruto, conforme art. 1.390, CC, pode ser bens móveis infungíveis e
inconsumíveis; bens imóveis; patrimônio inteiro ou parte deste; direitos, desde que
transmissíveis (ex.: ações de S/A). Desta forma, o usufruto pode ser particular, se recair
sobre bem determinado, ou universal, ao recair sobre uma universalidade de bens (ex.:
herança). Pode, ainda, ser pleno, se abranger todos os frutos e utilidades da coisa, ou
restrito, se a fruição for delimitada pela exclusão da plenitude da exploração da coisa.

a) Características

O usufruto é temporário (art. 1.410, II), uma vez que não se prolonga além da
vida do usufrutuário. Pode ser constituído por tempo determinado ou condição resolutiva.
É personalíssimo, pois sua única finalidade é beneficiar pessoas determinadas (art.
1.411).

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO REIVINDICATÓRIA -


USUFRUTO EXTINTO PELA MORTE - TUTELA ANTECIPADA PARA
DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL –
A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e
de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua. Havendo a
extinção do usufruto e notificado extrajudicialmente o possuidor, as nu-
proprietário assiste o direito de reivindicar a coisa imóvel que passa a ser
injustamente detida.
Falecendo o companheiro que, em vida, doou o imóvel a terceiros, do qual era
usufrutuário, a companheira passa a exercitar posse injusta, quando
reivindicado pelos proprietários, sendo inaplicáveis as disposições relativas ao
direito real de habitação.
(MINAS GERAIS, TJ, 9ª Câmara Cível, AI n. 1.0384.12.008258-9/001, Rel.
Des. Luiz Artur Hilário. Julgado em 21/01/2014. Publicado em 27/01/2014)
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O usufrutuário é impedido de alienar o bem a terceiros, gratuita ou onerosamente


(art. 1.393). Dessa intransmissibilidade ocorre a vedação ao usufruto sucessivo ou em
segundo grau: alguém beneficiar dois usufrutuários, cada qual a seu tempo, em uma só
liberalidade.
Embora o usufruto seja inalienável e impenhorável (art. 1.393) o seu exercício
pode ser concedido a título gratuito ou oneroso, o que leva à possibilidade de penhora,
também, do exercício desse direito real, desde que o usufrutuário não esteja utilizando
pessoalmente a coisa ou, se alugada, não constitua renda para sua sobrevivência, por se
equiparar a salário (art. 833, I e IV, CPC/15) ou alimentos para pessoas idosas (art. 834,
CPC/15).

b) Modos constitutivos

O usufruto pode ser classificado quanto ao seu modo de constituição em:

 Usufruto legal – instituído por lei, em virtude de caráter protetivo, a


determinadas pessoas que se encontram em presumível estado de vulnerabilidade.
Exemplo: art. 1.689 e 1.691, CC - pais são usufrutuários dos bens dos filhos menores.
Não há necessidade de registro para aperfeiçoar-se.

 Usufruto judicial – o exequente pode obter a satisfação do seu crédito através


dessa espécie de usufruto, evitando-se a alienação de bens penhorados do devedor (art.
867 e seguintes, CPC/15). É possível, portanto, que o credor obtenha usufruto sobre cotas
de sociedade limitada, por dívida particular de um de seus sócios, recebendo seus
rendimentos e dividendos (frutos civis) a que faria jus o devedor (sócio) até a integral
satisfação da dívida (FARIAS; ROSENVALD, 2015).

 Usufruto voluntário ou convencional – constituído por negócio jurídico


unilateral ou bilateral, inter vivos ou causa mortis.

 Usufruto misto por usucapião – o art. 1.391, CC reconhece expressamente a


usucapião de usufruto. Farias e Rosenvald trazem exemplo dessa possibilidade:
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Imagine-se a situação de um possuidor que obteve posse direta da coisa, em


virtude de uma relação de usufruto travada com o proprietário. Tempos depois,
toma conhecimento que havia recebido a posse a non domino, pois o
concedente não era o verdadeiro proprietário. Pelo fato de desenvolver posse
mansa e pacífica, com justo título aliado à boa-fé pelo prazo assinalado na
usucapião ordinária, terá acesso a uma sentença que lhe declare usucapião do
usufruto, a ser respeito pelo verdadeiro proprietário. (2015, p. 707)

c) Direitos (art. 1.394) e deveres (art. 1.400 e ss.) do usufrutuário

 direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos naturais pendentes no


início do usufruto, devendo conservar a destinação original;
 deve inventariar às suas expensas os bens móveis que receber, determinando o
estado em que se acham e estimando o seu valor;
 dar caução real e fidejussória se lhe exigir o dono, de velar-lhes pela
conservação e entregá-los findo o usufruto;
 defender a coisa usufruída, repelindo todas as usurpações de terceiros,
impedindo que se constituam situações jurídicas contrárias ao nu proprietário;
 pagar certas contribuições (art. 1.403) e as despesas ordinárias de conservação
dos bens;
 restituir o bem usufruído, findo o usufruto no estado em que o recebeu, como o
inventariou ou como se obrigou a conservá-lo.

d) Direitos e deveres do nu-proprietário

 exigir que o usufrutuário conserve a coisa e preste caução fidejussória ou real;


 administrar o usufruto, se o usufrutuário não quiser ou não puder dar caução,
recebendo remuneração pela administração;
 reclamar a extinção do usufruto, quando o usufrutuário alienar, arruinar ou
deteriorar a coisa frutuária;
 não obstar o uso da coisa usufruída nem lhe diminuir a utilidade;
 fazer as reparações extraordinárias e as que não forem de custo módico
necessárias à conservação da coisa dada em usufruto (art. 1.404).
169
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e) Extinção

O usufruto pode se extinguir de acordo com as seguintes causas:


 morte do usufrutuário;
 advento do termo de sua duração ou implemento de condição resolutiva (ex.:
casamento do ex-cônjuge);
 cessação da causa de que se origina (filho que atinge maioridade);
 destruição da coisa;
 consolidação (usufrutuário e nu-proprietário na mesma pessoa);
 culpa do usufrutuário (descumprimento de dever legal ou contratual);
 renúncia;
 resolução do domínio (nu-proprietário deixa de ser proprietário e o usufruto
também deixa de existir).

O chamado usufruto impróprio ou quase usufruto tem por objeto bem consumível.
Assim, ao fim da relação jurídica não existe possibilidade de o restituir, o que se fará
através de valor, salvo o caso de usufruto de títulos de crédito (art. 1.395), que se
destinam à percepção do seu valor específico.

2.3 Uso (arts. 1.412 e 1.413, CC)

O uso é “o direito real temporário, que autoriza extrair da coisa alheia as


utilidades exigidas pelas necessidades do usuário e de sua família.” (RIZZARDO, 2014).

Exemplificando, em uma frondosa macieira, o beneficiário poderá́ sobre ela


exercer a posse, consumir as maçãs por ela produzidas, mas não poderá́
comercializá-las ou industrializá-las, mesmo que a família necessite de
rendimentos. (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 725)

O conceito de “necessidades” como critério para fruição da coisa foi trazido pelo
próprio legislador: avaliado conforme a condição social do titular do direito, bem como a
situação econômica da comunidade em que está inserida, considerando, ainda, o número
de pessoas que se albergam na entidade familiar (art. 1.412, §§ 1º e 2º do CC).
170
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O direito real de uso é temporário, indivisível, intransmissível e


personalíssimo. A primeira característica significa que o direito real não se prolonga
além da vida do usuário (beneficiário), podendo ser pactuado a termo ou condição
resolutiva.
É indivisível, pois não pode ser constituído por parte (DINIZ, 2004, p. 444).
Entretanto, Rizzardo (2014) entende que é possível dividir o uso no tempo para várias
pessoas, com horário específico para cada uma, como por exemplo, quando tenha por
objeto uma máquina ou instrumento, sempre se estabelecendo as condições e lapsos
temporais, mesmo que sucessivamente.
É intrasmissível ou incessível, pois nem o direito nem o exercício podem ser
cedidos.
É personalíssimo, pois só se constitui para assegurar ao usuário a utilização
imediata do bem conforme suas necessidades. É concedido exclusivamente a uma pessoa
determinada, portanto, se o usuário falecer não se transmite o direito para seus sucessores.
O objeto do uso são bens móveis (infungíveis e inconsumíveis) e imóveis
(inclusive terrenos públicos), corpóreos e incorpóreos.
Constitui-se mediante ato jurídico inter vivos e causa mortis e usucapião. Não
existe o “uso legal” ou o “uso judicial” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 726).
Há apenas direitos e deveres para o usuário:
 fruir a utilidade da coisa e conservá-la;
 extrair do bem todos os frutos para atender às suas próprias necessidades e às
de sua família, não podendo retirar rendimentos ou utilidades que excedam à prevista
em lei;
 praticar todos os atos indispensáveis à satisfação de suas necessidades e às de
sua família, sem comprometer a substância e a destinação do objeto, protegendo o bem
com os remédios possessórios;
 não deve dificultar ou impedir o exercício dos direitos do proprietário;
 restituir a coisa, pois só detém a sua posse direta, a titulo precário, uma vez que
o uso é temporário.

O uso se extingue pela morte do usuário, advento do prazo final, perecimento do


objeto, consolidação (união na mesma pessoa) e renúncia.
171
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2.4 Habitação (arts. 1.414 a 1.416, CC)

De acordo com o art. 1.414, CC, constitui o direito real temporário de usar
gratuitamente casa alheia, para morada do titular e de sua família. Desta forma, seu objeto
é unicamente imóvel residencial.
Conforme Rizzardo (2014), a destinação é exclusiva para residência, sem
possibilidade para o comércio ou a indústria, ainda que do habitador, ou morador-usuário.
Entretanto, ressalta o autor que este requisito deve ser visto com certa tolerância,
permitindo-se atividades, mesmo que profissionais, de cunho artesanal, desde que não
descaracterizem a principal função, que é a habitação.
O direito real de habitação não pode ser transferido. Desta forma, proíbe-se a
locação e o comodato do imóvel pelo titular do direito.
É temporário, isto é, prolonga-se até a superveniência do termo ou condição
pactuada. Se o instrumento de constituição for omisso, considera-se vitalício, mas não se
transmite aos sucessores do titular.
É indivisível, pois grava o imóvel na sua integralidade, todavia pode ser
concedido a mais de uma pessoa, na forma do art. 1.415, CC.
Constitui-se, normalmente, pela vontade do proprietário, mediante escritura
pública registrada no CRI. Também é possível através de testamento.
É possível situação em que a habitação tenha causa legal, como no art. 1.831, CC
e art. 7º, parágrafo único da Lei n. 9.278/96.
O habitador possui os seguintes direitos e deveres:
 morar na casa com sua família, devendo guardar e conservar o prédio;
 não alugar, nem emprestar o imóvel;
 defender sua posse por meio de interditos possessórios, seja contra o
proprietário ou terceiros;
 pagar tributos e despesas que recaírem sobre o imóvel;
 fazer o seguro, se o título lhe impuser tal realização, devendo o valor segurado
ser empregado na reedificação do prédio se este sofrer destruição por caso fortuito ou
força maior;
 prestar caução se o reclamar o proprietário;
 receber indenização pelas benfeitorias necessárias;
172
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 restituir o prédio ao proprietário no estado em que o recebeu, sob pena de pagar


perdas e danos pelos prejuízos que sua negligência ocasionar.
Extingue-se o direito real de habitação pela morte do habitador, advento do prazo
final, perecimento do objeto, consolidação e renúncia.

2.5 Superfície (arts. 1.369 a 1.377, CC e arts. 21 a 24 do EC)

O direito real de superfície foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro


através do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/01). Posteriormente, passou a ser previsto
também no Código Civil (2002). Assim, a partir de 11/01/03, as regras do EC serão
aplicadas à superfície sobre imóveis urbanos, enquanto as regras do CC serão destinadas
aos imóveis rurais e, supletivamente, no tocante aos imóveis urbanos, naquilo que não
conflitar com o EC, em razão do princípio da especialidade.
Possui grande importância devido à sua relevante densidade econômica, pois o
superficiário pode construir ou plantar em solo alheio, sem a necessidade de adquirir o
terreno, propiciando a concessão de função social à propriedade.
Através do direito real de superfície o proprietário pode conceder a um terceiro
(superficiário) o domínio útil do solo, subsolo ou espaço aéreo de terreno de sua
propriedade, por tempo determinado ou indeterminado, desde que promova a escritura
pública no registro imobiliário.
Trata-se de uma divisão ou desmembramento do direito de propriedade (domínio
útil e domínio direto), em que há uma suspensão da eficácia do princípio da acessão,
segundo o qual toda construção ou plantação realizada em solo alheio pertenceria ao
proprietário do imóvel (art. 1.253, CC)86.

a) Características

O direito real de superfície constitui-se mediante concessão, por escritura pública


e registro no Cartório Imobiliário (art. 1.369, CC). Pode ter por objeto o solo87 e,

86
Ver, ainda, a exceção ao princípio da acessão no parágrafo único do art. 1.255, CC (acessão inversa).
87
Enunciado 568 – O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo
relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato, admitindo-se o direito de sobrelevação, atendida a
legislação urbanística. Referência legislativa: Código Civil, art. 1.369, e Estatuto da Cidade, art. 21. (VI
Jornada de Direito Civil/2013).
173
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excepcionalmente, o subsolo88 (ex.: construção de estacionamento subterrâneo por um


shopping) e o espaço aéreo89.
As partes são o proprietário, que mantém o domínio direto, e o superficiário, que
passa a ter o domínio útil sobre o imóvel.
Pode ser estabelecido por prazo determinado (CC) e indeterminado (EC).
O direito real de superfície pode ser gratuito ou oneroso, cujo pagamento pode ser
de uma só vez ou mensalmente (solarium ou canon superficiário), conforme art. 1.370,
CC.

PROCESSO CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - CONTRATO DE


CESSÃO DE DIREITO DE SUPERFÍCIE - EXTINÇÃO DO CONTRATO -
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - AÇÃO DE AQUISITIVA -
AUSÊNCIA DE CONEXÃO - RECURSO PROVIDO.
1. Para que haja reunião de processos, objetivando evitar decisões
contraditórias, imprescindível que exista a conexão ou continência das ações,
conforme dispõe o art. 103 do Código de Processo Civil.
2. A finalidade precípua da reunião de processos é que haja decisão simultânea
sobre ambas as ações, evitando, assim, decisões contraditórias.
3. Não se vislumbra no caso a presença dos requisitos que caracterizam o
instituto da conexão entre duas ou mais ações, que, segundo expressa
disposição legal, repita-se, são aquelas que têm o mesmo pedido ou a mesma
causa de pedir.
(MINAS GERAIS, TJ, 16ª Câmara Cível, AI n. 1.0223.11.014543-8/001, Rel.
Des. Sebastião Pereira de Souza. Julgado em 26/09/2012. Publicado em
05/10/2012)90

Existe direito de preferência do proprietário no caso de cessão do direito real de


superfície, bem como do superficiário, no caso de alienação do bem imóvel pelo
proprietário (art. 1.373, CC)91.
As obrigações propter rem são do superficiário (art. 1.371, CC)92.

88
Desde que inexistam recursos minerais no subsolo (art. 20, IX, CF).
89
Previsto expressamente no art. 21, § 1º. do EC.
90
“No mérito, os agravantes alegam, em apertada síntese, que são os proprietários do imóvel descrito na
inicial, cujo direito de superfície foi concedido onerosamente aos agravados; que ajuizaram ação de
cobrança em face do agravado Leonardo Lino Silva, na qualidade de devedor solidário da parcelas em
atraso do "cânon superficiário", sendo proferida sentença com trânsito em julgado a favor dos ora
agravantes; que os dois primeiros agravados foram notificados extrajudicialmente da extinção da concessão
de superfície em face do inadimplemento; que a liminar de reintegração de posse foi deferida neste
processo, mas os agravados, agindo de má-fé, apresentaram Exceção de Incompetência nos próprios autos
da reintegratória, argüindo suposta conexão de ações; que a única pretensão dos agravados na outra ação,
em trâmite na 1ª Vara Cível, é uma indenização amparada em contrato de compra e venda que eles
celebraram com terceiros estranhos à lide; que, dessa forma, não existe igualdade dos objetos das ações,
não havendo que se falar em conexão”. (Extraído do voto do Des. Sebastião Pereira de Souza)
91
Enunciado 509 – Ao superficiário que não foi previamente notificado pelo proprietário para exercer o
direito de preferência previsto no art. 1.373 do CC é assegurado o direito de, no prazo de seis meses,
contado do registro da alienação, adjudicar para si o bem mediante depósito do preço.
174
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Após a extinção do direito de superfície, o proprietário retorna à condição de


titular da propriedade plena, adquirindo as acessões edificadas pelo superficiário,
independentemente de indenização, se nada constou no contrato (art. 1.375, CC).
No caso de desapropriação do imóvel, a indenização caberá proporcionalmente ao
proprietário e ao superficiário, conforme a apropriação econômica concreta de cada uma
das partes (art. 1.376, CC)93.
O direito real de superfície se extingue pelo advento do seu termo final, por
resolução contratual, não uso, abandono, consolidação subjetiva, decorrente do exercício
do direito de preferência ou de sucessão (titularidade do domínio útil e do domínio direto
na mesma pessoa) e por desapropriação do imóvel.

2.6 Concessão de uso especial para fins de moradia (art. 183, § 1º, CR/88)

Trata-se de um importante instrumento de regularização fundiária que possibilita a


regularização jurídica da “posse” exercida por particulares em imóveis públicos, garantindo o
direito constitucional à moradia (art. 6º, CR/88).
De acordo com o art. 1º da MP nº 2.220/2001, tem direito à concessão de uso especial
para fins de moradia quem possuir, por 5 anos ou mais (contados até 30/06/2001),
ininterruptamente e sem oposição, até 250m² de imóvel público situado em área urbana,
utilizando-o para sua moradia ou de sua família, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural.
Entretanto, em 23 de dezembro de 2016 foi publicada a Medida Provisória n.
759, que alterou a Medida Provisória 2.220/2001, modificando o prazo acima citado (até
30/06/2001) para 22 de dezembro de 2016. Portanto, a concessão de uso especial para fins
de moradia passa a atender novos ocupantes de imóveis públicos, nos mesmos termos da
medida anterior.
O direito à concessão é transmissível por ato inter vivos ou mortis causa e extinguir-
se-á se o concessionário der ao imóvel destinação diversa da moradia ou se adquirir a

92
Enunciado 321 – Art. 1.369. Os direitos e obrigações vinculados ao terreno e, bem assim, aqueles
vinculados à construção ou à plantação formam patrimônios distintos e autônomos, respondendo cada um
dos seus titulares exclusivamente por suas próprias dívidas e obrigações, ressalvadas as fiscais decorrentes
do imóvel. (IV Jornada de Direito Civil/2006)
93
Enunciado 322 – Art. 1.376. O momento da desapropriação e as condições da concessão superficiária
serão considerados para fins da divisão do montante indenizatório (art. 1.376), constituindo-se
litisconsórcio passivo necessário simples entre proprietário e superficiário. (IV Jornada de Direito
Civil/2006)
175
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propriedade ou a concessão de outro imóvel. Esse modo de concessão não será reconhecido
ao mesmo concessionário mais de uma vez e o título da concessão será concedido pela via
administrativa ou judicial.
A concessão de uso especial para fins de moradia também pode ser coletiva quando a
área for maior que 250m², ocupada por população de baixa renda, com as mesmas
caracterísicas da usucapião urbana coletiva (art. 10 do EC).
Trata-se de um direito real inserido no rol do art. 1.225, CC (inciso XI) pela Lei n.
11.481/2007. Por ser direito real, exige, para sua constituição, registro Cartório de
Imóveis. A Lei n. 11.481/2007 também inseriu a concessão de uso especial para fins de
moradia como objeto de hipoteca (art. 1.473, VIII, CC), o que facilita ao concessionário a
obtenção de crédito junto ao SFH para construção da casa própria.
Dispõe o art. 6º da MP nº 2.220/201 que o título de concessão de uso especial para
fins de moradia será obtido pela via administrativa perante o órgão competente da
Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste, pela via judicial.

2.7 Concessão de direito real de uso (art. 183, § 1º, CR/88)

A concessão de direito real de uso de bens públicos ou particulares foi criada pelo
Decreto-Lei n.º 271, de 28 de fevereiro de 1967. Esse Decreto-Lei foi alterado pela Medida
Provisória n.º 292/2006 e, posteriormente, pela Lei n.º 11.481/2007, que procurou adequar o
instituto à nova realidade urbanística brasileira.
De acordo com o art. 7º do Decreto-Lei nº 271/1967 é “instituída a concessão de uso
de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita, por tempo certo ou
indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de
interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento
sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de
subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas.”
A concessão de direito real de uso é transmissível por ato inter vivos ou mortis causa,
salvo disposição contratual em contrário (art. 7º, § 4º, do Decreto-Lei nº 271/1967). Pode ser
formalizada por instrumento público ou particular, bem como por termo administrativo (art.
7º, § 1º, do Decreto-Lei nº 271/1967).
Trata-se de direito real resolúvel (art. 1.225, inc. XII, do Código Civil, com a redação
dada pela Lei n.º 11.481/2007, c/c art. 7º, caput, do Decreto-Lei nº 271/1967), portanto,
176
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exige-se o registro no Cartório de Imóveis competente. Por ser direito real resolúvel fica
subordinada a uma ou mais condições resolutivas.
O concessionário fruirá plenamente do imóvel para as finalidades estabelecidas no
contrato e responderá por todos os encargos civis, administrativos e tributários que venham a
incidir sobre a coisa e suas rendas (art. 7º, § 2º, do Decreto-Lei nº 271/1967).
A Lei nº 11.481/2007 incluiu a concessão de direito real de uso no rol de direitos reais
do Código Civil (art. 1.225, XII), possibilitando, ainda, sua inserção como objeto de hipoteca
(art. 1.473, IX, do Código Civil).
A extinção pode se ocorrer pelo término do prazo e pelo descumprimento, por parte
do concessionário, de cláusula resolutória do contrato. Assim, se o concessionário der ao
imóvel destinação diversa, ou descumprir a cláusula resolutória ajustada, a concessão
resolver-se-á antes de seu termo e o concessionário perderá todas as benfeitorias de qualquer
natureza (art. 7º, § 3º, do Decreto-Lei nº 271/1967).

2.8 Direito real de laje (art. 1.510-A a 1.510-E do Código Civil)

Foi incluído como direito real no Código Civil (art. 1.225, XIII) por meio da MP n.
759, de 22/12/2016, convertida na Lei n. 13.465, de 11 de julho de 2017.
No Brasil é muito comum os chamados “puxadinhos”, isto é, construções realizadas
sobre uma construção anterior, como quando o filho, ao se casar e sem condições financeiras
para adquirir imóvel próprio, é autorizado pelo pai ou sogro a construir sobre a laje do imóvel
daqueles. Para as famílias existem dois imóveis, duas casas, separadas e individualizadas.
Entretanto, esses casos correspondem à aquisição de propriedade imóvel por acessão
de construção. Assim, o dono do imóvel principal (pai/sogro) adquire a construção realizada
pelo filho/genro (art. 1.256, CC).
Desta forma, a fim de solucionar este problema, a MP 759/16 instituiu o direito real
de laje, que tem por escopo o “reforço ao propósito de adequação do Direito à realidade
brasileira, marcada pela profusão de edificações sobrepostas" (Exposição de Motivos).
Portanto, nos imóveis em que haja coexistência de unidades edificadas, com
titularidades distintas, acessos independentes e isolamento funcional, será possível a
abertura de matrícula registral para cada unidade, bem como o estabelecimento de
encargos tributários individualmente suportados pelos seus titulares.
177
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Oliveira (2017a, p. 6) sustenta que não se trata de um direito real sobre coisa
alheia: “Ao contrário do que insinua uma primeira impressão, o Direito Real de Laje
não é um direito real sobre coisa alheia. É, sim, um novo Direito Real sobre coisa
própria, ao lado do direito real de propriedade.” O consultor legislativo ainda justifica:

Enfim, o Direito de Laje é um Direito Real de Propriedade e faculta ao seu


titular todos os poderes inerentes à propriedade (usar, gozar e dispor),
conforme art. 1.510-A, § 3º, do Código Civil.
Ele terá, inclusive, uma matrícula própria no Registro de Imóveis, pois,
conforme o princípio registral da unitariedade ou unicidade matricial, a cada
imóvel deve corresponder apenas uma matrícula. Se o Direito Real de Laje
fosse um direito real sobre coisa alheia, ele – por esse princípio registral – não
poderia gerar uma matrícula própria. (OLIVEIRA, 2017a, p. 6)

Todavia, o Prof. Roberto Paulino de Albuquerque Júnior afirma que o instituto


não é novidade, pois trata-se do direito real de superfície: “O direito de laje não
constitui um direito real novo, mas uma modalidade de direito de superfície que,
desde 2001, já tem previsão expressa na legislação brasileira, a superfície por
sobrelevação.” (2016).
Seja qual for a natureza jurídica considerada, quando houver o direito real de
laje não serão aplicados os efeitos da acessão por construção (art. 1.253, CC).
A novidade fica por conta da abertura de matrícula registral autônoma, o que
permite o titular alienar e gravar livremente sua unidade. Além disso, a permissão de
constituição do direito de laje não se submete ao regime do condomínio edilício, ou
seja, o titular deste direito real não possui fração ideal sobre o solo (art. 1.510-A, § 4º,
CC).
A legislação também regulamenta os direitos de lajes sucessivos (art. 1.510-A,
§ 6º, CC), podendo se estabelecer laje de segundo, terceiro e de outros graus. “Daí
decorre que, por meio das lajes sucessivas, poder-se-á ter várias unidades autônomas
sobrepostas em linha ascendente (espaço áereo) ou descendente (subsolo).”
(OLIVEIRA, 2017a, p. 8)
Os municípios poderão (e deverão) dispor sobre posturas edilícias e
urbanísticas associadas ao direito real de laje. Os cartórios de notas e de registro
imobiliário também deverão se adequar à novidade.
178
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Embora o direito real de laje não se confunda com o condomínio edilício, há


certa semelhança “no tocante à interligação arquitetônica do objeto desse direito com
a construção-base (...) implicando a criação de um condomínio necessário sobre a sua
face lindeira com a construção-base ou com as lajes sucessivas anteriores (art. 1.327,
CC)”. (OLIVEIRA, 2017a, p. 9).
Assim, no art. 1510-D, CC o legislador estabeleceu o direito de preferência no
caso de alienação de um dos direitos reais de lajes, a fim de estimular que as lajes
sejam apropriadas apenas por uma pessoa, evitando-se discórdias. Além disso, o art.
799, CPC também foi alterado (inclusão dos incisos X e XI), para determinar a
intimação dos titulares das unidades sobrepostas e da construção-base no caso de
penhora.
Cabe destacar que o direito real de laje pode ser objeto de usucapião94, como já foi
inclusive julgado pelo juiz Rafael de Menezes, da 26ª Vara Cível da comarca de Recife –
Seção B (TJPE), em 14/07/2017:

Ante o exposto, atento ao que mais dos autos consta e aos princípios de Direito
aplicáveis à espécie, além de estar em conformidade com o art. 1.242 do
Código Civil, julgo procedente o pedido formulado na Ação de Usucapião
nº 0027691- 84.2013.8.17.0001, para declarar a ocorrência da prescrição
aquisitiva e, em decorrência, constituir o domínio da parte autora sobre o
imóvel indicado na inicial, devendo esta sentença, juntamente com a sua
certidão de trânsito em julgado, servir de título para a averbação ou registro
(art. 172 da Lei de Registros Públicos) oportunamente, no Cartório de Registro
de Imóveis competente, pagos os emolumentos e respeitadas as formalidades
legais.
Por outro lado, julgo improcedente o pedido de usucapião de formulado na
Ação de Usucapião nº 0071376- 44.2013.8.17.0001, ao tempo em que
reconheço o Direito de Laje da casa 743-A à autora, nos termos do art.
1.510-A do Código Civil, devendo o imóvel referido ser registrado com
matrícula própria, pagos os impostos e emolumentos e respeitadas as
formalidades legais. (Dispositivo da sentença. Disponível em:
<http://www.irib.org.br/app/webroot/files/downloads/files/Senten%C3%A7a-
Usucapi%C3%A3o-Extraordin%C3%A1rio-Procedente-Direito-de-
laje(2).pdf>. Acesso em 29 jan. 2018).

Pablo Stolze alerta, inclusive, sobre a possibilidade de usucapião em caso de


interversão no caráter da posse:

E mesmo que a cessão seja gratuita, a título de comodato, se o cessionário


passa a se comportar como titular exclusivo da laje, alterando o seu animus e

94
Enunciado 627 – Art. 1.510: O direito real de laje é passível de usucapião. (VIII Jornada de Direito
Civil/2018).
179
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a própria natureza da posse precária até então exercida, poderá, em nosso


sentir, consolidar o seu direto sobre a construção sobrelevada (direito real de
laje), mediante usucapião, contando-se o prazo de prescrição a partir do
momento em que deixa de se comportar como simples comodatário, por
aplicação da regra da “interversio possessionis”. (STOLZE, 2017)

Trata-se de instituto jurídico novo, com grande repercussão social, mas precisamos
verificar se realmente será incorporado pela sociedade para regularizar as situações
fáticas.

2.9 Enfiteuse, aforamento ou emprazamento (CC/1916)

Esse direito real foi suprimido do atual Código Civil. Sua previsão está apenas no
art. 2.038, CC, que trata do princípio da irretroatividade da lei, resguardando os direitos
adquiridos. Justifica-se a supressão por tratar-se de direito real incompatível com o
modelo da função social da propriedade, uma vez que prejudica a livre circulação de
riquezas.
É o direito real sobre coisa alheia por meio do qual o proprietário transmite o
domínio útil de bem imóvel ao enfiteuta ou foreiro, para sua exploração econômica
perpétua (art. 678, CC/1916). Ao proprietário resta o domínio direto, desprovido de
qualquer gozo ou fruição (nua propriedade).
As partes são o senhorio direto (proprietário). Ele praticamente conserva apenas o
nome de dono e alguns poucos direitos, que se manifestam em ocasiões restritas. O
enfiteuta ou foreiro é o titular do direito real sobre coisa alheia, possuindo a posse direta.
Ele tem um poder muito amplo sobre a coisa, podendo usá-la e desfrutá-la do modo mais
completo, bem como aliená-la e transmiti-la por herança, por isso se diz que a enfiteuse é
o mais amplo dos direitos reais sobre coisas alheias.
O enfiteuta deve pagar uma pensão anual (foro), certa e invariável ao senhorio. A
inadimplência referente ao foro, por três anos consecutivos, leva à perda do direito real
por sentença (pena de comisso). Além do foro, também incidia sobre o direito real de
enfiteuse o laudêmio95, pago pelo enfiteuta ao senhorio, que se constituía no pagamento
de 25% sobre o valor da alienação/cessão onerosa do domínio útil a terceiros. O laudêmio
não vigora mais nas enfiteuses ainda existentes, conforme art. 2.038, CC.

95
“A "Taxa do Príncipe" foi instituída em Petrópolis, no ano de 1847, quando dom Pedro 2º teve a ideia de
distribuir lotes de terra a imigrantes alemães. Seu objetivo era colonizar as terras da então Fazenda do
180
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O objeto eram terras não cultivadas e os terrenos que se destinassem à edificação,


terrenos de marinha96. Se constituído sobre terras cultivadas ou terrenos edificados, será
tratado como arrendamento ou locação por prazo indeterminado.
A enfiteuse se extingue pela(o):
a) consolidação: proprietário exerce o direito de preferência; enfiteuta falece sem
herdeiros; foreiro abandona o prédio.
b) comisso: após sentença judicial.
c) resgate: o foreiro compra a propriedade do senhorio.
d) Deterioração do prédio aforado.
3 Direitos reais de garantia

No Direito Romano (Lei das XII Tábuas) o devedor respondia por suas dívidas
com o próprio corpo, sobre o qual incidia o poder do credor. A partir da Lex Poetelia
Papiria transferiu-se a garantia do adimplemento da obrigação para o patrimônio
material.
Entretanto, essa garantia genérica (patrimônio como um todo) foi insuficiente,
dando origem a duas espécies de garantia: a pessoal e a real. Desta forma, existem três
espécies de garantias: ordinária (patrimônio do devedor); por vínculo pessoal (um terceiro
assume a responsabilidade pelo pagamento da dívida, tal como a fiança e o aval); real
(um bem determinado fica sob o poder de excussão do credor em caso de inadimplemento
de uma obrigação de trato sucessivo – art. 1.419, CC).
Atualmente são garantias reais: o penhor, a anticrese, a hipoteca e a
propriedade fiduciária (alienação fiduciária em garantia).
O direito real de garantia é o que vincula diretamente ao poder do credor
determinada coisa do devedor (direito de sequela), assegurando a satisfação de seu
crédito se o devedor se tornar inadimplente, conforme art. 1.419, CC.
São características dos direitos reais de garantia:

Córrego Seco, comprada em 1830 por seu pai dom Pedro 1º. Ficou decidido que os colonos alemães seriam
obrigados a pagar ao Imperador uma taxa caso vendessem a outra pessoa o lote recebido, o laudêmio.
Embora o Brasil seja uma República desde 15 de novembro de 1889, os moradores do primeiro distrito de
Petrópolis ainda são obrigados a pagar a "Taxa do Príncipe" no território da antiga fazenda, que atualmente
engloba o centro e os bairros mais valorizados.” (JULIANO, Anderson. Com “taxa do príncipe”, Petrópolis
privilegia regime extinto há tempos. Uol Notícias Opinião, 18/08/2015. Disponível em:
<https://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2015/08/18/com-taxa-do-principe-petropolis-privilegia-regime-
extinto-ha-tempos.htm>. Acesso em 19 jul. 2018).
96
Bens públicos dominiais da União, constituídos pela faixa de terra que vai até certa distância, a partir da
preamar máxima. Sujeita a regras especiais de Direito Administrativo.
181
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a) Os direitos reais de garantia são acessórios da dívida.


b) A instituição da garantia real pode ser feita pelo devedor, através de um bem
(móvel ou imóvel) alienável próprio ou por um terceiro (o garante), conforme art. 1.427,
CC (pode ser pactuada de forma diversa).
c) Para instituir o direito real de garantia é necessária a capacidade genérica para
os atos da vida civil e a titularidade do poder de disposição sobre bens alienáveis
(capacidade de alienar), conforme art. 1.420, CC. A aquisição da propriedade em
momento superveniente ao do contrato torna eficaz a constituição da garantia desde o
momento em que foi feita (§ 1º do art. 1.420), como aplicação do princípio da
conservação dos contratos (nova principiologia do direito contratual). Quando se tratar de
bem em condomínio, a garantia sobre o bem todo só pode ser realizada com o
consentimento de todos, mas cada condômino, individualmente, pode instituir direito real
sobre a sua cota-parte (§ 2º do art. 1.420).
d) A dívida garantida por direito real é obrigação de trato sucessivo. Assim, o
credor não pode lançar mão de seu poder sobre a coisa se não houver inadimplemento. A
finalidade da garantia é assegurar a obrigação até seu adimplemento. Entretanto, algumas
situações previstas em lei autorizam a antecipação da dívida (art. 333). Especificamente
no caso de dívida garantida por direito real, os casos de antecipação da dívida estão no
art. 1.425, CC.
e) Os credores hipotecário e pignoratício possuem direito de preferência, isto é,
eles têm a pretensão de receber antes de qualquer outro o pagamento de suas dívidas, por
conta da garantia (art. 1.422). Ver também os arts. 1.422, parágrafo único; 958; 1.493,
parágrafo único; 1.430; 1424, CC.
f) O credor anticrético possui direito de retenção da coisa, isto é, pode ficar com a
posse direta do bem, com fim de garantia, até o pagamento final da dívida, pelo prazo de
até 15 anos (art. 1.423 c/c 1.506)
g) Se o bem dado em hipoteca ou penhor for executado e o produto da excussão
não for suficiente para o pagamento da dívida, o devedor continua obrigado pelo saldo
remanescente (art. 1.430).
182
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h) A garantia real abrange a totalidade do bem atribuído, mantendo-se, inclusive,


nos casos de pagamento parcial, conforme o princípio da indivisibilidade (art. 1.421,
1.429), ou seja, o ônus grava a coisa por inteiro e em todas as suas partes. A
indivisibilidade tem como consequência a remição total do penhor e da hipoteca, ou seja,
não se pode remir parcialmente a dívida (art. 1.429, parágrafo único, CC). Se a garantia
compreender mais de um bem, a liberação de cada bem se dará conforme previsão no
título.
i) Os requisitos do contrato que instituir o penhor, a hipoteca ou a anticrese estão
no art. 1.424, observando-se, ainda, o art. 104, prevendo, expressamente, o princípio da
especialização ou caracterização do bem dado em garantia. Ressalte-se, ainda, o princípio
da publicidade (registro, tradição – arts. 1.227 e 221; 1.438, 1.448, CC).
j) Ocorrendo o inadimplemento da obrigação, o credor não pode ficar com o
objeto da garantia97. É nula a cláusula que estabelecer o pacto comissório (art. 1.428).
Deve o credor exercer o seu direito de excussão, isto é, tomar o bem (penhora) e aliená-lo
em hasta pública, para com o produto da arrematação obter o valor pecuniário necessário
ao cumprimento da obrigação. O devedor, após o vencimento da dívida, poderá fazer
dação em pagamento com o objeto da garantia (parágrafo único do art. 1.428 c/c art.
356).
Sobre excussão em hipotecas constituídas pelo SFH (Sistema Financeiro de
Habitação), ver Dec.-lei n. 70, de 21/11/66, e em penhor ver art. 1.433, IV, CC (venda
amigável do bem).

97
Enunciado 626 – Art. 1.428: Não afronta o art. 1.428 do Código Civil, em relações paritárias, o pacto
marciano, cláusula contratual que autoriza que o credor se torne proprietário da coisa objeto da garantia
mediante aferição de seu justo valor e restituição do supérfluo (valor do bem em garantia que excede o
da dívida). (VIII Jornada de Direito Civil/2018).
=> A diferença entre o pacto comissório e o pacto marciano está na fixação do valor do bem para
apropriação do credor em caso de inadimplemento da dívida pelo devedor. No pacto comissório a
transferência ou a consolidação da propriedade da coisa dada em garantia é transferida ao credor sem a
fixação do justo valor do bem, uma vez que não se obriga uma avaliação por terceiro. Desta forma, o
credor, que já calcula unilateralmente o valor da dívida, poderia fixar valor menor do bem para pagamento
da dívida. No pacto marciano exige-se a avaliação do justo preço, com a devolução de eventual excedente
ao devedor.
Destaque-se que o enunciado se refere à possibilidade do pacto marciano apenas em relações paritárias,
isso exclui as relações consumeristas.
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k) Alguns sujeitos de direito possuem o direito de remição, a fim de desvincular o


bem do ônus real, liberando-o da afetação ao cumprimento da dívida. Dada a
indivisibilidade da garantia real, não existe a possibilidade de remição parcial do bem ou
por quinhão, sendo possível, apenas, a remição total. A remição, quando efetuada,
importa sub-rogação (art. 1.429).

3.1 Penhor (arts. 1.431 a 1.472, CC)

É um direito real que consiste na tradição de uma coisa móvel ou imobilizável,


suscetível de alienação, realizada pelo devedor ou por terceiro ao credor, a fim de garantir
o pagamento do débito (art. 1.431, CC).

a) Características
 recai sobre coisa móvel e exige alienabilidade do objeto;
 o bem empenhado deve ser da propriedade do devedor (salvo o disposto nos
arts. 1.420, § 1º. e 1.427);
 não admite pacto comissório (art. 1.428, CC);
 é direito real uno e indivisível (a amortização não libera parcialmente o bem);
 é temporário e acessório,
 depende de tradição, exceto nos seguintes casos: artigo 1.431, parágrafo único,
CC; artigo 1° da Lei n° 2.666/55 - penhor rural, industrial, mercantil e de veículos; art. 28
do Dec.-lei n° 413/69 – cédula de crédito industrial.

b) Modos constitutivos e espécies


O penhor pode ser constituído por convenção (arts. 1.424, 1.432) ou previsão legal
(art. 1.467, I e II). Assim, pode ser dividido conforme as seguintes espécies:
 penhor legal (arts. 1.469, 1.470, CC; arts. 703 a 706, NCPC);
 penhor rural (art. 1.431, 1.438, 1.439; art. 167, I, n. 15, da Lei 6.015/73), que
se divide em agrícola (arts. 1.442, 1.443) e pecuário (art. 1.444, 1.446);
 penhor industrial (arts. 1.447 a 1.450);
 penhor mercantil – mercadorias, produtos, máquinas, etc;
 penhor de direitos (arts. 83, II; 1.451, CC) – ações S/A, patentes, direitos
autorais;
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 penhor de veículos (art. 1.461 a 1.466, CC. Dec. 413/69);


 caução de títulos de crédito (arts. 1.458 a 1.460, CC) – o objeto em garantia é
o documento e não o direito de crédito.

c) Direitos (art. 1.433) e deveres (art. 1.435) do credor pignoratício


 investir-se na posse da coisa empenhada e retê-la até o implemento da
obrigação ou até ser reembolsado das despesas com sua conservação;
 invocar proteção possessória;
 excutir o bem gravado e entregar o que sobre do preço ;
 ter preferência no produto da venda judicial da coisa empenhada;
 exigir reforço da garantia se a coisa empenhada se deteriorar ou perecer;
 ressarcir-se de qualquer dano que venha a sofrer por vício do bem gravado e
receber o valor do seguro da coisa;
 receber indenização a que estiver sujeito o causador da perda ou deterioração
dos bens, bem como o preço da desapropriação ou requisição dos bens;
 não usar a coisa empenhada (depositário) e ressarcir a perda ou deterioração de
que for culpado;
 restituir o bem gravado, uma vez paga a dívida, com os respectivos frutos e
acessões.

d) Direitos deveres do devedor pignoratício

O devedor pode remir o bem empenhado.


Deve pagar as despesas feitas pelo credor com a guarda, conservação e defesa do
bem gravado; obter autorização do credor para alienar bem onerado, sob pena de sofrer a
sanção do artigo 171, § 2°, III, do CP.

e) Extinção (arts. 1.436, 1.437, CC)

O penhor pode ser extinto dos seguintes modos: extinção da dívida; nulidade,
prescrição da obrigação principal; remissão da dívida; perecimento do objeto empenhado;
renúncia do credor; adjudicação judicial, remição ou venda amigável da coisa
empenhada; confusão; resolução da propriedade; escoamento do prazo; reivindicação do
bem gravado.
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3.2 Hipoteca (arts. 1.473 a 1.505)

É o direito real de garantia que grava coisa imóvel alienável ou bem a que a lei
entende por hipotecável (art. 1.473, art. 80), pertencente ao devedor ou a terceiro, sem
transmissão de posse ao credor, conferindo a este o direito de promover a sua venda
judicial (penhora), pagando-se preferencialmente, se inadimplente o devedor.

a) Características e requisitos

Para a constituição da hipoteca devem ser observadas algumas características


desse direito e alguns requisitos necessários:
 recai sobre bens imóveis alienáveis de propriedade do devedor ou de terceiro.
Podem ser objeto de hipoteca os imóveis e seus acessórios, as acessões, o domínio direto
e o útil, estradas de ferro, minas e pedreiras, navios98 e aeronaves99 (arts. 1.473 e 1.474);
 requer a capacidade de alienar do devedor, podendo ser constituída, também,
por meio de procurador especial, desde que com poderes especiais expressos. O devedor
hipotecante continua na posse do imóvel onerado;
 o direito real de hipoteca é indivisível e acessório;
 reconhece-se a preferência de pagamento ao credor hipotecário. Entretanto, o
objeto da hipoteca pode sofrer penhora em execução, por outro credor, mesmo
quirografário100. Neste caso, o credor hipotecário possui privilégio, sub-rogando-se o
ônus real sobre o produto auferido com a venda judicial do bem (art. 711, CPC,
correspondente ao art. 908, NCPC). O art. 333, II, CC prevê o vencimento antecipado da
dívida neste caso;
 cria-se um vínculo real, oponível "erga omnes" entre o credor e o imóvel
gravado.

98
Vinculam-se a portos. Possuem registro na Capitania dos Portos.
99
São individualizadas e têm registro aeronáutico brasileiro. Ver arts. 79 e 82, CC.
100
Ressalte-se, inclusive, o art. 698, CPC, que prevê a nulidade da praça, pleiteada em embargos de terceiro
ou ação autônoma, oposta pelo credor hipotecário, quando ele não for regularmente intimado da sua
realização.
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 é lícita a alienação de imóvel hipotecado a terceiro, que o recebe juntamente


com o ônus que o grava. A existência de cláusula proibitiva de alienação do imóvel é nula
(art. 1.475). Entretanto, é permitida cláusula que estabeleça a antecipação do vencimento
da dívida em caso de alienação.
 a cessão de crédito poderá ser feita sem o consentimento de devedor.
Também é possível a sub-rogação da obrigação (art. 1.478);
 é possível a constituição de sub-hipotecas, posteriores à hipoteca de primeiro
grau (art. 1.476, CC). Todavia, a sub-hipoteca não pode ser executada antes da hipoteca
de primeiro grau, mesmo se vencer antes dessa. (art. 1.477).
 bem de família pode ser hipotecado (art. 3º, V da Lei n. 8.009/90; art. 1.715,
CC).

b) Espécies de hipoteca

Hipoteca convencional: constitui-se por meio de um acordo de vontades do


credor e do devedor da obrigação principal, podendo ser estipulada por qualquer prazo.
Requer a presença de testemunhas instrumentárias e se realiza por escritura pública ou
instrumento particular, contendo a especialização do bem e, posterior inscrição no
Cartório de Imóveis.

Hipoteca legal: a lei confere a certos credores (art. 1.489, CC; 1.205 a 1.210,
CPC, não há correspondente no NCPC), que por se encontrarem em determinada situação
e pelo fato de que seus bens são confiados à administração alheia devem ter uma proteção
especial. Perdura indefinidamente, enquanto se prolongar a situação jurídica que visa
garantir. Requer sentença de especialização e inscrição.

Hipoteca judicial: é aquela que a lei empresta a todo julgamento que condena um
devedor a executar sua obrigação. Não é considerada direito real, por isso não está no CC.
O seu objetivo é evitar a fraude à execução. Requisitos: sentença condenatória proferida
pelo Poder Judiciário; liquidez dessa sentença; trânsito em julgado; especialização;
inscrição no registro imobiliário (art. 466, CPC, correspondente ao art. 495, NCPC).
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Hipoteca cedular: a cédula hipotecária consiste num título representativo de


crédito com este ônus real, sempre nominativo, mas transferível por endosso e emitido
pelo credor; admitida nas operações alusivas ao sistema financeiro de habitação e nas
hipotecas que aproveitam uma instituição financeira ou companhia seguradora.

c) Direitos e deveres do devedor hipotecário

O devedor pode alienar o bem gravado, bem como constituir sub-hipoteca (art.
1.476); defender sua posse; antecipar o pagamento da sua dívida; e tem direito à liberação
do bem gravado, mediante o cumprimento da obrigação.
O credor sub-hipotecário pode remir a primeira hipoteca. A remição hipotecária
consiste no direito concedido a certas pessoas de liberar o imóvel onerado, mediante
pagamento da quantia devida independentemente do consentimento do credor (art. 1.482,
CC). Esse direito pode ser exercido pelo credor sub-hipotecário (art. 1.478), o adquirente
do imóvel hipotecado (art. 1.481 e 346, II, CC), o devedor da hipoteca ou membros de
sua família e pela massa falida.
O devedor hipotecário não pode praticar atos que desvalorizem, deteriorem ou
destruam o objeto, nem alterar a substância do bem onerado.

d) Direitos e deveres do credor hipotecário

O credor pode exigir a conservação do bem gravado e pedir reforço da garantia


hipotecária.
A fim de não lesar o credor, consideram-se sem efeito hipotecas celebradas em
período de falência ou a instauração do concurso de preferência.

e) Extinção (art. 1.499)


Pode se dar pela extinção da obrigação principal, destruição da coisa, resolução do
domínio, renúncia do credor, remissão da obrigação, por sentença transitada em julgado,
prescrição (art. 1.485), arrematação do bem, consolidação, por perempção legal.
188
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3.3 Anticrese (arts. 1.506 a 1.510, CC)

É o direito real sobre imóvel alheio, em virtude do qual o credor obtém a posse
direta da coisa a fim de perceber-lhe os frutos e imputá-los no pagamento da dívida, juros
e capital, sendo, porém, permitido estipular que os frutos sejam, na sua totalidade,
percebidos à conta de juros (art. 1506).

a) Características
 requer capacidade das partes;
 não confere preferência ao anticresista no pagamento do crédito com a
importância obtida na excussão do bem onerado, pois só lhe é conferido o direito de
retenção (§ 1º do art. 1.509 e 1.423, CC);
 o credor anticrético só poderá aplicar as rendas que auferir com a retenção do
bem de raiz (coisa imóvel alienável), no pagamento da obrigação garantida;
 requer para sua constituição: escritura pública e inscrição no registro
imobiliário.
 necessita da efetiva entrega do imóvel (tradição) ao credor anticrético.

b) Direitos e deveres do credor anticrético

O credor pode reter o imóvel do devedor, para dele usar e gozar, administrando-o
até liquidar o débito, mediante a percepção da renda do imóvel; reivindicar seus direitos
contra o adquirente do imóvel e credores quirografários e hipotecários posteriores à
inscrição da anticrese; possui direito de retenção (art. 1.509, §§ 1º e 2º) e defesa da posse;
O credor deve guardar e conservar o imóvel como se fosse seu, respondendo pelas
deteriorações que, por culpa sua, o imóvel vier a sofrer, bem como pelos seus frutos que
deixar de perceber por negligência, desde que ultrapassem, no valor, o momento do seu
crédito (art. 1.508); prestar contas de sua administração; restituir o imóvel, findo o prazo
contratado ou quando o débito for liquidado.
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c) Direitos e deveres do devedor anticrético

O devedor permanece como proprietário do bem gravado e pode pedir contas da


gestão do credor; reaver o seu imóvel assim que o débito se liquidar. Deve transferir a
posse do imóvel ao anticresista, a fim de solver o débito.

d) Extinção

A extinção da anticrese pode se dar pelo pagamento da dívida; pelo término do


prazo legal (15 anos – art. 1.423); pelo perecimento do bem anticrético; pela
desapropriação; pela renúncia do anticresista; pela excussão de outros credores quando o
anticrético não opuser seu direito de retenção (§ 1º do art. 1.509, CC), pela remição do
bem por novo adquirente (art. 1.510, CC).

3.4 Propriedade fiduciária101

Consiste na transferência, feita pelo devedor ao credor, da propriedade resolúvel e


da posse indireta de um bem, como garantia do seu débito, resolvendo-se o direito do
adquirente com o adimplemento da obrigação, ou melhor, com o pagamento da dívida
garantida.
Está prevista nos arts. 1.361 a 1.368-A, CC e Dec.-lei n. 911/69102 (coisa móvel
infungível); Lei n. 9.514/97 (coisa imóvel/Sistema Financeiro de Habitação - art. 17, I a
IV, § 1º e art. 22) e na Lei n. 4.728/65 (mercado financeiro e de capitais).

a) Características e requisitos

Constitui-se mediante um negócio jurídico bilateral (contrato de alienação


fiduciária), oneroso, acessório e formal.
Exige capacidade para os atos da vida civil e capacidade de disposição.

101
O devedor fiduciante, seu cessionário ou sucessor passaram a ter direito real de aquisição nos termos
do art. 1.368-A, que foi incluído no Código Civil pela Lei n. 13.043/14.
102
De acordo com Farias e Rosenvald (2009, p. 380), o Decreto-lei 911/69 foi parcialmente esvaziado
devido ao tratamento de direito material e processual da propriedade fiduciária ter sido inserido no Código
Civil. Entretanto, o mencionado dispositivo legal não foi totalmente revogado, devendo-se atentar ao
procedimento de busca e apreensão de bem nele previsto, com alteração pela Lei n. 10.931/04.
190
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Exige, para sua constituição, no caso de bens móveis, instrumento escrito (público
ou particular), devidamente arquivado no Registro de Títulos e Documentos (art. 1.361, §
1º; 1.362, CC). Para imóveis requer escritura pública e registro no Cartório Imobiliário.
Recai sobre bem móvel "in comercium" e infungível; coisa imóvel; direitos reais;
direito sobre coisas imateriais.
Devido à proibição do pacto comissório (art. 1.365, CC), se o débito não for pago
no vencimento, o credor deverá vender o bem alienado a terceiros, não estando sujeito à
excussão judicial (art. 1.364, CC). O credor fiduciário poderá proceder à execução contra
o devedor fiduciante, seus avalistas ou credores, hipótese em que o credor poderá fazer
com que a penhora recaia sobre qualquer bem do devedor.

b) Direitos e deveres do devedor fiduciante

O devedor pode ficar com a posse direta (art. 1.361, § 2º, CC) da coisa alienada
em garantia fiduciária, mantendo-a e conservando-a, defendendo-a com os interditos
possessórios; haver a restituição simbólica do bem dado em garantia, assim que pagar seu
débito ou reivindicar a coisa, se recusa houver por parte do fiduciário de entregar o bem,
uma vez paga a dívida; entregar o bem, no caso de inadimplemento da obrigação e
receber do fiduciário o saldo da venda da coisa alienada efetivada por força do
inadimplemento de sua obrigação (art. 1.363,II, CC); intentar ação de consignação em
pagamento, se o credor recusar-se a receber o pagamento da dívida ou a dar quitação.
O devedor deve permitir que o credor ou fiduciário fiscalize o estado da coisa
gravada; não pode dispor da coisa alienada fiduciariamente; continuar obrigado
pessoalmente pelo remanescente da dívida, se o produto alcançado pela venda do bem,
realizada pelo credor, não for suficiente para saldar a sua dívida e as despesas efetuadas
com a cobrança (art. 1.366, CC).

c) Direitos e deveres do credor fiduciário


O credor será proprietário "pro tempore" da coisa onerada que lhe é transferida
com a posse indireta (art. 1.361, § 2º, CC), independentemente da sua tradição.
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O credor fiduciário pode considerar vencida a dívida, se o devedor não pagar uma
das prestações; reivindicar o bem alienado fiduciariamente; vender a terceiros a coisa que
adquiriu fiduciariamente, empregando o produto da venda da coisa alienada, se
inadimplente o devedor, no pagamento do seu crédito, juros e despesas de cobrança (art.
1.364, CC), requerer a devolução da coisa alienada fiduciariamente, a busca e apreensão,
bem como propor ação possessória quando necessário e oferecer embargos de terceiro se
o bem for penhorado por qualquer credor do devedor.
O credor fiduciário deve proporcionar ao devedor o financiamento, empréstimo
ou entrega de mercadoria a que se obrigou e respeitar o uso da coisa alienada pelo
fiduciante; e restituir o domínio do bem gravado assim que o devedor quitar seu crédito.

d) Extinção (arts. 1.367, 1.436, CC)

A propriedade fiduciária se extingue pela cessação da obrigação principal,


perecimento da coisa alienada fiduciariamente, renúncia do credor, adjudicação judicial,
remição, arrematação ou venda extrajudicial, confusão ou consolidação, desapropriação,
implemento de condição resolutiva.

4 Direito real de aquisição: Compromisso ou Promessa irretratável de venda (arts.


1.417 e 1.418)

Inicialmente cabe esclarecer que a promessa de compra e venda pode ser


considerada simplesmente um contrato preliminar ou um direito real de aquisição, como
aqui será trabalhado.
É o contrato pelo qual o compromitente-vendedor obriga-se a vender ao
compromissário-comprador determinado imóvel pelo preço, condições e modos
avençados, outorgando-lhe a escritura definitiva assim que ocorrer o adimplemento da
obrigação; por outro lado, o compromissário-comprador, ao pagar o preço e satisfazer
todas as condições estipuladas no contrato, tem direito real sobre o imóvel, podendo
reclamar a outorga da escritura definitiva, ou sua adjudicação compulsória, havendo
recusa por parte do compromitente-vendedor.
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a) Requisitos
Para ser considerada direito real de aquisição, a promessa de compra e venda deve
conter os seguintes requisitos:
 irretratabilidade do contrato (art. 1.417 e 473, CC);
 recair sobre bem imóvel loteado ou não, rural ou urbano, edificado ou não,
desde que não seja inalienável;
 exige que o preço seja pago à vista ou em prestações periódicas;
 capacidade das partes e inscrição no registro imobiliário (art. 1.417, CC).

b) Efeitos jurídicos
Mediante o preenchimento dos requisitos acima, a promessa de compra e venda
passa a ser direito real e promove os seguintes efeitos:
 oponibilidade "erga omnes";
 transmissibilidade aos herdeiros por morte do compromissário-comprador ou
compromitente-vendedor;
 direito de sequela;
 imissão na posse;
 cessibilidade da promessa;
 purgação da mora;
 adjudicação compulsória;
 não há resolução do contrato por sentença declaratória da falência de quaisquer
das partes.
É importante esclarecer que o direito real nasce com o registro da promessa, mas a
pretensão de impedir a eficácia de alienações e onerações posteriores à celebração do
contrato só pode ser exercida após o pagamento integral.

c) Extinção
O direito real de aquisição pode se extinguir pela execução voluntária do contrato,
execução compulsória (adjudicação), distrato, resolução (inadimplemento contratual),
impossibilidade superveniente de aquisição, vício redibitório e evicção.
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