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ILUSTRÍSSIMO SUPERINTENDENTE DE PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS E

AUTOS DE INFRAÇÃO DA SECRETARIA DE ESTADO DE MEIO AMBIENTE ESTADO


DE MATO GROSSO

Auto de Infração Ambiental...

AUTUADA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ..., com


sede..., vem, à presença do Superintendente de Procedimentos
Administrativos e Autos de Infração, com fundamento no art. 113 e
seguintes do Decreto 6.514/2008, art. 71, I, da Lei Federal 9.605/1998 e
art. 99 da Lei Complementar 38/1995, apresentar

DEFESA ADMINISTRATIVA

em razão do Auto de Infração Ambiental... lavrado em 01 de fevereiro de


2020 pela equipe técnica do Corpo De Bombeiros de Mato Grosso –
Batalhão de Emergências Florestais, consoante as razões de fato e de
direito a seguir expostas.

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1. DA TEMPESTIVIDADE
A Autuada foi cientificada da lavratura do auto de infração ambiental em
epígrafe, no dia 20 de fevereiro de 2020, através do envio de carta com aviso de recebimento, de
modo que, nos termos do art. 71, I, da Lei Federal 9.605/1998 e art. 113 do Decreto 6.514/2008, o
prazo para apresentar defesa prévia é de 20 dias contados da ciência da autuação, e, portanto,
indiscutível a tempestividade da presente defesa.

2. DA COMPETÊNCIA
A Lei Complementar 639, de 30 de outubro de 2019, deu nova redação ao art.
96 da LC 38, para incluir o Corpo de Bombeiros como autoridades competentes para lavrar auto
de infração ambiental e instaurar processo administrativo, como se vê:

Art. 96 São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar
processo administrativo: (Nova redação dada pelo pela LC 639/19)
[...]
III - o Corpo de Bombeiros Militar, em circunstâncias que envolvam queimadas ilegais,
incêndios florestais e transporte de produtos perigosos, tóxicos ou nocivos à saúde
humana.

Cediço que as infrações ambientais são apuradas em processo administrativo


próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições da LC
38 ─ inteligência do art. 98 ─, de modo que o seu processamento e julgamento cabe à SEMA,
nos termos do art. 99 do mesmo diploma:

Art. 99 Os autos de infração ambiental serão processados junto à SEMA, incluindo
aqueles lavrados pelos agentes do Batalhão de Polícia Militar de Proteção Ambiental e
do Corpo de Bombeiros Militar. (Nova redação dada pelo pela LC 639/19)

Desse modo, a SEMA é autoridade competente para receber a presente defesa


prévia, processar e julgar o auto de infração em epígrafe.

3. BREVE SÍNTESE DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL

O auto de infração ambiental foi lavrado em face da Autuada por suposta prática
de desmatar 4.200 ha (quatro mil e duzentos hectares) de vegetação nativa, objeto de especial,
sendo consumada mediante uso de fogo, sem autorização do órgão competente.

Já no Auto de Inspeção, constou que, no dia 05.01.2021, a equipe técnica do


Corpo de Bombeiros Militar do Mato Grosso se deslocou até a propriedade da Autuada para
atender demanda informada pela Central Descentralizada Bombeiro Militar (BDBM), a qual
informou sobre o suo de fogo após enleiramento de material vegetativo.

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Segundo a equipe técnica do Corpo de Bombeiros, teria sido constatado no
local, resíduo vegetal queimado e formato de leiras, que de acordo com informações obtidas
através do sistema da SEMA, a propriedade teria autorização para queima controlada, mas
realizou fora do período permitido, causando assim crime ambiental por uso de fogo em período
proibitivo.

Diante disso, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros lavrou o auto de infração


ambiental indicando o valor de R$ 31.500.000,00 (trinta e um milhões e quinhentos mil reais) a
título de multa ambiental, com base nos artigos 41 e 70 da Lei Federal 9.605/98 e artigos 58 e 60
do Decreto Federal 6.514/08, assim redigidos:

Da Lei Federal 9.605/1998


Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta:
Pena - reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a um ano,
e multa.
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole
as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Do Decreto 6.514/2008
Art. 58.  Fazer uso de fogo em áreas agropastoris sem autorização do órgão
competente ou em desacordo com a obtida:
Multa de R$ 1.000,00 (mil reais), por hectare ou fração. 
Art. 60.  As sanções administrativas previstas nesta Subseção serão aumentadas pela
metade quando:
I - ressalvados os casos previstos nos arts. 46 e 58, a infração for consumada
mediante uso de fogo ou provocação de incêndio; e
II - a vegetação destruída, danificada, utilizada ou explorada contiver espécies
ameaçadas de extinção, constantes de lista oficial. 

Vê-se que, ao contrário do que constou na descrição da infração, nenhum


dispositivo trata de desmatamento, mas sim, de uso de fogo.

No entanto, a Autuada possui todas as autorizações necessárias expedidas pela


SEMA, as quais foram totalmente desconsideradas pela equipe técnica do Corpo de Bombeiros
quando lavraram o auto de infração ambiental, mesmo tendo ciência de sua existência, conforme
constou no próprio auto de inspeção, senão vejamos:

 Autorização para Desmatamento;


 Autorização para Exploração Florestal;
 Autorização para Queima Controlada.

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Já no Relatório Técnico, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros que o
elaborou reconhece a existência das mencionadas autorizações, mas deduz que:

A propriedade teria autorização para queima controlada, mas que deixou passar o
período permitido causando assim crime ambiental por uso de fogo em período
proibitivo.

Ainda que a equipe técnica do Corpo de Bombeiros tenha colacionado imagens


de satélite com os focos de fogo e do enleiramento, salta aos olhos a inexistência de prova
inequívoca de que a Autuada infringiu a legislação ambiental.

Não obstante, tanto no auto de inspeção como no relatório técnico, a equipe


técnica do Corpo de Bombeiros relata que se deslocou para atender demanda de uso de fogo no
dia 05.01 2020, mas conclui que o fogo teve origem no dia 04.01.2020, e para tanto, anexam
imagens aéreas da suposta origem do fogo tiradas no dia 05.01, data da fiscalização.

Evidentemente, não há como inferir que o fogo foi causado pela Autuada em
sua propriedade a partir de duas meras imagens fotográficas tiradas um dia depois após o início
do fogo, desprezando o fato de que a propriedade fica às margens da rodovia.

Além do mais, as imagens do Satélite Landsat 8 anexas ao Relatório Técnico


comprovam que que os focos iniciais de fogo foram constatados em 02.01.2020, mas não
mencionam precisamente o primeiro foco.

Não se desconhece a importância do trabalho do Corpo de Bombeiros no


combate aos incêndios, mas com todo respeito, no caso há o que a jurisprudência chama de erros
grosseiros, impossíveis de serem convalidados, e por isso, a declaração de nulidade do auto de
infração ambiental é medida que se impõe, conforme será demonstrado.

4. PRELIMINARMENTE

4.1. INAPLICABILIDADE DO ART. 60 DO DECRETO 6.514/08

De início, observa-se que a majorante prevista no art. 60 do Decreto 6.514/08 é


inaplicável à infração administrativa do art. 58 do mesmo diploma, senão vejamos:

Art. 58.  Fazer uso de fogo em áreas agropastoris sem autorização do órgão


competente ou em desacordo com a obtida:
Multa de R$ 1.000,00 (mil reais), por hectare ou fração. 
Art. 60.  As sanções administrativas previstas nesta Subseção serão aumentadas pela
metade quando:

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I - ressalvados os casos previstos nos arts. 46 e 58, a infração for consumada
mediante uso de fogo ou provocação de incêndio; e
II - a vegetação destruída, danificada, utilizada ou explorada contiver espécies
ameaçadas de extinção, constantes de lista oficial. 

Em análise perfunctória dos dispositivos acima transcritos, resta evidente que o


próprio inciso I do art. 60 exclui sua aplicação se a autuação for lavrada com fundamento no art.
58.

É conhecida, a fama de pouco sábio de nosso legislador, mas a pouca sapiência


não chega ao raio de tipificar a mesma conduta duas vezes, num mesmo diploma legal.

Ora, se o legislador previu uma infração administrativa por uso de fogo sem
autorização, por óbvio, o próprio uso de fogo irregular não pode ser causa de aumento da sanção,
ao contrário, estar-se-ia diante de antinomia e violação ao princípio do non bis in idem.

O inciso II também é excluído no caso, porquanto a supressão de vegetação foi


realizada mediante autorização da SEMA, não havendo se falar em espécies ameaçadas de
extinção, até porque, não há no auto de infração ambiental, nem no auto de inspeção e muito
menos no relatório técnico confeccionados pela equipe técnica do Corpo de Bombeiros, qualquer
menção de espécies ameaçadas de extinção.

É dizer, somente pode incidir no aumento da sanção de multa pela metade,


quando a vegetação for destruída, danificada, utilizada ou explorada, ao mesmo tempo em que
atinge espécies ameaçadas de extinção, as quais obrigatoriamente, deverão constar na lista
oficial. 

Portanto, a majorante prevista no art. 60, incisos I e II, deve ser afastada,
porquanto inaplicável por expressa previsão legal e por atipicidade da conduta.

5. DO MÉRITO

5.1. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO


REO AO DIREITO ADMINISTRATIVO
SANCIONADOR - POSSIBILIDADE

A Constituição Federal de 1988 assegura que, aos litigantes, em processo


judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV).

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Partindo dessa premissa, sabe-se que a imposição de multa administrativa
possui caráter penalizador, e, afigurando-se como medida rigorosa e privativa de uma liberdade
pública constitucionalmente assegurada, exige-se a demonstração cabal da autoria e
materialidade, que são pressupostos autorizadores da imposição de sanção.

Nesse sentido, na hipótese de constarem nos autos elementos que conduzam à


dúvida acerca da materialidade e autoria delitiva ─ in casu, se a Autuada foi a responsável por
provocar o fogo ─, o cancelamento do auto de infração é medida que se impõe, em observância
ao princípio do in dubio pro reo, princípio clássico aplicável não apenas no Direito Penal, mas em
todo Poder Estatal de punir, de modo se afastar a tipicidade material da conduta.

Isso porque, o ius puniendi do Estado é único, de modo que, a aplicação dos
princípios penais e processuais penais garantistas e limitadores devem ser estendidos também,
ao Direito Administrativo Sancionador, porque as infrações administrativas se diferenciam das
penais tão somente em relação à autoridade que às aplica.

Desse modo, o Direito Administrativo Sancionador não pode constituir instância


mais prejudicial ao administrado, revestido de ilegalidades e arbitrariedades, até porque, assim
como no Direito Penal, são necessários elementos seguros que apontem para a existência de
norma violada, tais como, tipicidade, lesividade, antijuridicidade e culpabilidade.

À propósito, o Min. Napoleão Nunes Maia Filho, do Superior Tribunal de Justiça


– STJ, ao relatar o RMS 24.559, muito bem definiu a submissão do Direito Administrativo
Sancionador aos Princípios do Direito Penal:

Consoante precisas lições de eminentes doutrinadores e processualistas modernos, à


atividade sancionatória ou disciplinar da Administração Pública se aplicam os
princípios, garantias e normas que regem o Processo Penal comum, em respeito aos
valores de proteção e defesa das liberdades individuais e da dignidade da pessoa
humana, que se plasmaram no campo daquela disciplina.

Assim como no Direito Penal, a imposição de penalidades administrativas não


pode ser baseada em indícios, e por consequência, não se afigura possível que a Autuada seja
autuada por simples presunção.

Com efeito, o art. 79 da Lei 9.605/98, dispõe expressamente que as normas


previstas no Código Penal e do Código de Processo Penal se aplicam subsidiariamente a ela.
Cabível portanto, o princípio do in dubio pro reo.

5.2. DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DA


INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA

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É bem verdade que o § 3º do art. 225, da Constituição Federal, prevê a tríplice
responsabilidade ambiental, pela qual o causador de danos ambientais está sujeito à
responsabilização administrativa, cível e penal, de modo independente e simultâneo:

Art. 225 (...) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente


sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Isso significa que, a responsabilidade por danos ambientais na esfera cível é


objetiva, ou seja, se o Ministério Público propuser uma ação contra determinado poluidor, ele não
precisará provar a culpa ou dolo do réu.

Por outro lado, para a aplicação de penalidades administrativas não se obedece


a essa mesma lógica, conquanto esta apresenta caráter subjetivo, exigindo dolo ou culpa para sua
configuração.

Assim, adota-se a sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, deverá ser


comprovado o elemento subjetivo do transgressor, além da demonstração do nexo causal entre a
conduta e o dano.

A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem


estampada da leitura do art. 14, caput e § 1º, da Lei nº 6.938/81:

Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e
municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção
dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental
sujeitará os transgressores: [...].
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor
obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos
causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério
Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de
responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

Vê-se que o caput do art. 14, trata sobre a responsabilidade administrativa e


exige dolo ou culpa, limitando-se aos transgressores. É dizer, somente podem ser aplicadas a
quem efetivamente praticou a infração.

Por outro lado, a reparação ambiental, de cunho civil, pode atingir todos os
poluidores, a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público
ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação
ambiental” (art. 3º, IV, da Lei nº 6.938/81).

E, sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça – STJ tem entendimento firmado


de que a responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva:

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No caso analisado foi imposta multa por dano ambiental sob o fundamento da
responsabilidade objetiva decorrente da propriedade da carga transportada por outrem,
que efetivamente teve participação direta no acidente que causou a degradação
ambiental. Ocorre que a jurisprudência desta Corte, em casos análogos, assentou que
a responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva. A aplicação de
penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da
esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática
da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado
transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do
nexo causal entre a conduta e o dano. A diferença entre os dois âmbitos (cível e
administrativo) de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art.
14, caput e § 1º, da Lei n. 6.938/1981. Em resumo: a aplicação e a execução das
penas limitam-se aos transgressores; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu
turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como "a
pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou
indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental" (art. 3º, inc. V, do
mesmo diploma normativo). Assim, o uso do vocábulo "transgressores" no caput do art.
14, comparado à utilização da palavra "poluidor" no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a
entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das
penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente
do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que
terceiros respondam a título objetivo por ofensas ambientais praticadas por outrem. 1

Com efeito, conquanto seja objetiva a responsabilidade civil ambiental, tal


disposição não se aplica às infrações administrativas. Logo, o só fato de a Autuada ser a
proprietária do imóvel onde houve o fogo, não faz surgir sua legitimidade para aplicação de multa
administrativa (sanção).

Não há, nos autos do processo administrativo, qualquer prova que demonstre ou
indique que o fogo foi ateado propositadamente pela Autuada, nem que tenha sido parte do
processo de supressão de vegetação, a qual se repise, foi autorizada pela SEMA. Nesses termos,
não se pode afirmar que a Autuada concorreu para a prática da infração ambiental ou que dela
tenha se beneficiado, ao contrário, conclui-se que foi prejudicada pela queima de pastagem,
enorme quantidade de materiais de construção e benfeitorias, além de cercas e área de reserva
legal.

A origem do fogo é desconhecida e a Autuada não se beneficiou dele. Ora, não


há como crer que a Autuada, devidamente autorizada ao uso de fogo, fosse fazê-lo irregularmente
faltando poucos dias para o término do período proibitivo.

Logo, pela ausência de demonstração de que a Autuada tenha praticado a


conduta descrita no auto de infração, não há que se falar em responsabilidade administrativa, ante

1
Informativo de Jurisprudência n. 650: EREsp 1.318.051-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por
unanimidade, julgado em 08/05/2019, DJe 12/06/2019.

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a ausência de dolo ou culpa e da demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano, de
modo que o auto de infração hostilizado merece ser declarado nulo.

5.2.1. DO NEXO CAUSAL

Como visto, a responsabilidade administrativa por dano ambiental é subjetiva,


de modo que, a autoridade competente pela fiscalização e autuação no caso de uso irregular do
fogo, deverá comprovar a relação entre a conduta do proprietário ou qualquer preposto e o dano
efetivamente causado.

A legislação, no entanto, ao tratar de dano ambiental decorrente do uso ilícito do


fogo, impõe que a multa punitiva resulte de regular apuração de responsabilidade, a qual envolve
a existência de nexo causal entre uma conduta do proprietário da área e o dano ambiental. É
exatamente isso o que diz o art. 38, §3º e § 4º da Lei Federal 12.651/2012 (Código Florestal):

Art. 38. É proibido o uso de fogo na vegetação, exceto nas seguintes situações:
§ 3º Na apuração da responsabilidade pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou
particulares, a autoridade competente para fiscalização e autuação deverá comprovar
o nexo de causalidade entre a ação do proprietário ou qualquer preposto e o dano
efetivamente causado.
§ 4º É necessário o estabelecimento de nexo causal na verificação das
responsabilidades por infração pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou
particulares.

Não bastam, portanto, imputações desmotivadas e genéricas dos fatos e da


autoria no auto de infração, como se existisse uma presunção de que o fato de “ser proprietária”
torna a Autuada responsável pelo ato de queimada, ou ainda, que o fato de possuir autorizações
para uso de fogo bastaria para concluir que foi realizada fora do período permitido.

Trata-se de responsabilização que, no âmbito penal e administrativo (ao


contrário do regime civil), exige a prova do elemento subjetivo, além, é claro, do nexo de
causalidade (causalidade adequada).

Em outras palavras, o simples fato de o fogo ter ocorrido em terreno de


propriedade da Autuada não permite a configuração do nexo causal capaz de torná-la responsável
por tal ato.

Dessa forma, repise-se, a existência de responsabilidade administrativa por


dano ambiental e a configuração da culpa ou do dolo justificadores da sanção estão
condicionadas ao nexo causal entre conduta subjetivamente qualificada e o resultado ilícito.

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Ademais, a própria linguagem utilizada pela equipe técnica do Corpo de
Bombeiros na motivação da infração ─ a propriedade teria autorização para queima controlada
mas a realizou fora do período permitido, causando assim crime ambiental por uso de fogo em
período proibitivo ─ revela o desconhecimento dos agentes quanto à causa que deu origem ao
fogo.

Da leitura do auto de infração ambiental, do auto de inspeção e do relatório


técnico, exsurge incontestável prova de que a Autuada não agiu com dolo nem culpa, tão pouco
há a demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.

É incontroverso que a origem do fogo é desconhecida. As chamas, provieram


das margens da rodovia. Além disso, a Autuada demonstrou que o fogo lhe causou prejuízos, bem
como, que possuía regular autorização para queimadas, a qual seria realizada fora do período
proibitivo que estava prestes a encerrar, o que demonstra a falta de motivo para o uso de fogo
irregular.

Além disso, no boletim de ocorrência lavrado em 03.01.2021, consta informação


prestada pelo encarregado da Autuada de que o fogo se iniciou às margens da rodovia,
acrescentando que o fogo atingiu a pastagem e reserva legal, mesmo diante de todos os esforços
empreendidos para conter o fogo.

Ressalte-se que, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros se deslocou para


atender demanda de uso de fogo no dia 05.01.2021, concluindo que o fogo teve origem no dia
04.01.2021, quando as próprias imagens do Satélite Landsat 8 comprovam que o fogo
efetivamente teve início no dia 02.01.2021, nos termos relatados pelo encarregado da Autuada.

Com efeito, a mera lavratura de auto de infração ambiental por fogo ocorrido na
propriedade da Autuada, não demonstra o dolo ou culpa, nem o nexo causal entre a conduta e o
dano, porque os fatos narrados na autuação, no auto de inspeção e relatório técnico foram apenas
deduzidos, e não comprovados, como exige a teoria da responsabilidade subjetiva.

Como mencionado linhas atrás, a disposição do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981
de que a indenização ou reparação dos danos ambientais não afasta a aplicação de sanções
administrativas, significa apenas, que a indenização ou reparação do dano prescindem da culpa, e
não que as sanções administrativas dispensam tal elemento subjetivo. Bem por isso, não há
confundir o direito administrativo sancionador com a responsabilidade civil ambiental, de modo
que necessária a comprovação do dano e do nexo causal, além da demonstração de dolo ou
culpa, o que não aconteceu no caso em tela.

Com isso, torna-se imperioso reconhecer que, embora a equipe técnica do


Corpo de Bombeiros tenha inferido a existência de nexo causal, e até mesmo de um dano
ambiental imputável à Autuada – o que foi feito por meio de uma operação lógica denominada

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ilação –, a autuação não se sustenta por falta de comprovação da ocorrência de referido nexo e
do citado dano.

Nesse ponto, há de se destacar que a ilação – caracterizada pela inferência,


pelos indícios, pelas presunções e pela ausência de prova material – em tudo se diferencia da
comprovação, operação por meio da qual se afirma e se torna irrefutável determinado fato, que é
integralmente demonstrado a partir de provas materiais. É nesse sentido a definição de De Plácido
e Silva2:

COMPROVAÇÃO. Derivado do latim comrobatio, de comprobare, tem significação de


aprovação plena, inteira. Desse modo, comprovação não tem somente o sentido de
indicar o ato de provar novamente ou com nova prova. Mas o de aprovar por inteiro, o
que dá a ideia de uma confirmação integral ao que antes já se tinha provado. A
comprovação é reforço de prova, para torna-la irrefutável. E quando se comprova tem-
se a confirmação integral da prova anterior, que assim se robustece e se avoluma para
acentuar a veracidade da asserção sobre o fato arguido, ou a irrefutabilidade da prova
apresentada. Fatos comprovados, assim, devem ser fatos que se encaram como
integralmente demonstrados ou postos em evidência.

Logo, o auto de infração decorre da presunção de ocorrência de nexo causal e


de dano ambiental, e não de prova propriamente dita, cuja ausência afasta a higidez do auto de
infração, até porque, os atos administrativos gozam de certa presunção de veracidade e
legitimidade, competindo à Administração comprovar os componentes fáticos da constituição do
ato, isto é, a autoria e a materialidade da infração ambiental.

O único indício de autoria da conduta decorre do fato de a Autuada ser


proprietária da área atingida pelo fogo, a qual fica às margens da rodovia. Tal indício, isolado no
conjunto probatório do processo, não pode conduzir à sanção da proprietária da área atingida,
sobretudo quando há outros elementos nos autos que demonstram que o fogo não se originou por
iniciativa da Autuada, como o público e notório tempo seco que atingia a região à época, e provas
de que a Autuada envidou consideráveis esforços para apagar o fogo, além do prejuízo sofrido.

Ora, a Autuada não possuía qualquer interesse em fazer uso de fogo de forma
irregular, ante as autorizações válidas, de modo que não há como afastar a conclusão de que se
tratou de fogo de autoria e origem desconhecidas, que se iniciou sem a concorrência de qualquer
conduta da Autuada.

Dito isto, necessário que se reconheça a inexistência de nexo causal entre a


alegada conduta e o suposto dano, bem como, a ausência de demonstração de dolo ou culpa da
Autuada, declarando nulo o auto de infração hostilizado.

2
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 26ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 324.

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6. DOS REQUERIMENTOS
Ante o exposto, requer:

a) Preliminarmente, seja reconhecida a inaplicabilidade do art. 60 do Decreto 6.514/08,


declarando o auto de infração ambiental insubsistente;

b) No mérito, seja o auto de infração ambiental declarado nulo por ausência de nexo causal entre
a alegada conduta e o suposto dano, bem como, a ausência de demonstração de dolo ou culpa
da Autuada;

c) requer a intimação pessoal ou por via postal com aviso de recebimento, para a audiência de
instrução e oitiva de testemunhas, bem como, para apresentar alegações finais, nos termos do
parágrafo único do art. 122 do Decreto 6.514/08, e, no caso de ser mantido o auto de infração
hostilizado, requer a notificação da decisão para interposição de recurso administrativo por via
pessoal ou postal com aviso de recebimento, consoante art. 126 do Decreto 6.514/08, sempre
observado o endereço mencionado no preâmbulo, sob pena de nulidade. Em caso de a
intimação/notificação pessoal ou por carta com aviso de recebimento restar inexitosa, requer o
esgotamento dos meios hábeis para localização do endereço da Autuada, vez que a
intimação/notificação por edital é medida excepcional que somente pode ser realizada após
exauridas todas as tentativas de localizar o autuado, sob pena de nulidade;

d) por fim, requer, nos termos do art. 115 do Decreto 6.514/08, a produção de todos os meios de
prova em direito admitidos, especificamente, estudos e laudo técnico elaboradores por
profissional habilitado a serem realizados na fase de saneamento, a fim de comprovar que a
Autuada não deu causa ao fogo, muito menos provocou danos em 4.200 ha, bem como, a
oitiva das testemunhas abaixo arroladas para serem ouvidas na fase de instrução, as quais
comprovarão que a Autuada não provocou o fogo, nem se beneficiou com ele, que teve
prejuízos e envidou esforções para tentar apaga-lo.

Requer e espera deferimento.

Local e data.

ADVOGADO
OAB/SC

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