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ILUSTRÍSSIMO SUPERINTENDENTE DE PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS

E AUTOS DE INFRAÇÃO DA SECRETARIA DE ESTADO DE MEIO AMBIENTE


ESTADO DE MATO GROSSO

Auto de Infração Ambiental...

AUTUADA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ...,


com sede..., vem, à presença do Superintendente de Procedimentos
Administrativos e Autos de Infração, com fundamento no art. 113 e
seguintes do Decreto 6.514/2008, art. 71, I, da Lei Federal
9.605/1998 e art. 99 da Lei Complementar 38/1995, apresentar

DEFESA ADMINISTRATIVA

em razão do Auto de Infração Ambiental... lavrado em 01 de


fevereiro de 2020 pela equipe técnica do Corpo De Bombeiros de
Mato Grosso – Batalhão de Emergências Florestais, consoante as
razões de fato e de direito a seguir expostas.

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1. DA TEMPESTIVIDADE
A Autuada foi cientificada da lavratura do auto de infração ambiental em
epígrafe, no dia 20 de fevereiro de 2020, através do envio de carta com aviso de
recebimento, de modo que, nos termos do art. 71, I, da Lei Federal 9.605/1998 e art. 113 do
Decreto 6.514/2008, o prazo para apresentar defesa prévia é de 20 dias contados da ciência
da autuação, e, portanto, indiscutível a tempestividade da presente defesa.

E, ainda que se entenda de modo diverso, a audiência de conciliação


ambiental prevista no art. 97-A do Decreto 6.514/08, não fora designada, de modo que a
fluência do prazo a que se refere o art. 113 do mesmo diploma regulamentador fica
sobrestada pelo agendamento da audiência e o seu curso se inicia a contar da data de sua
realização, o que de fato não aconteceu.

2. DA COMPETÊNCIA
A Lei Complementar 639, de 30 de outubro de 2019, deu nova redação ao
art. 96 da LC 38, para incluir o Corpo de Bombeiros como autoridades competentes para
lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo, como se vê:

Art. 96 São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e


instaurar processo administrativo: (Nova redação dada pelo pela LC 639/19)
III - o Corpo de Bombeiros Militar, em circunstâncias que envolvam queimadas
ilegais, incêndios florestais e transporte de produtos perigosos, tóxicos ou
nocivos à saúde humana.

Cediço que as infrações ambientais são apuradas em processo


administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas
as disposições da LC 38 ─ inteligência do art. 98 ─, de modo que o seu processamento e
julgamento cabe à SEMA, nos termos do art. 99 do mesmo diploma:

Art. 99 Os autos de infração ambiental serão processados junto à SEMA,


incluindo aqueles lavrados pelos agentes do Batalhão de Polícia Militar de
Proteção Ambiental e do Corpo de Bombeiros Militar. (Nova redação dada pelo
pela LC 639/19)

Desse modo, a SEMA é autoridade competente para receber a presente


defesa prévia, processar e julgar o auto de infração em epígrafe.

3. DO USO DE NORMA FEDERAL


Antes mesmo de adentrar nos fatos e no direito, necessário observar que
Corpo De Bombeiros de Mato Grosso – Batalhão de Emergências Florestais fundamentou o

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auto de infração ambiental em epígrafe nos artigos 41 e 70 da Lei Federal 9.605/98 e artigos
58 e 60 do Decreto Federal 6.514/08.

Com efeito, não há impedimento para que o Corpo De Bombeiros, órgão


estadual, utilize decreto e lei federal para exercer a fiscalização e a autuação por infração à
legislação de proteção ambiental, mesmo porque, há expressa previsão legal para utilização
de norma federal, conforme redação do art. 95 da Lei Complementar 38/1995 (Código
Estadual do Meio Ambiente do Mato Grosso), in verbis:

Art. 95. Para os efeitos deste Código, considera-se infração administrativa toda


ação ou omissão, que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção,
proteção e recuperação do meio ambiente ou que importe em inobservância das
normas previstas nesta lei complementar e demais atos normativos, incluída a
legislação federal pertinente.

Sendo assim, necessário que se observe o rito do processo administrativo


aos moldes do Decreto Federal 6.514/08 e Lei Federal 9.605/98, mesmo que exista
regulamento processual administrativo no âmbito do Estado do Mato Grosso, sob pena de
conflito entre norma estadual e federal.

4. BREVE SÍNTESE DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL

Segundo informações lançadas no auto de infração ambiental, a Autuada


teria desmatado 4.200 ha (quatro mil e duzentos hectares) de vegetação nativa, objeto de
especial, sendo consumada mediante uso de fogo, sem autorização do órgão competente.

Já no Auto de Inspeção, constou que, no dia 05.01.2021, a equipe técnica


do Corpo de Bombeiros Militar do Mato Grosso se deslocou até a propriedade da Autuada
para atender demanda informada pela Central Descentralizada Bombeiro Militar (BDBM), a
qual informou sobre o suo de fogo após enleiramento de material vegetativo.

Segundo a equipe técnica do Corpo de Bombeiros, teria sido constatado


no local, resíduo vegetal queimado e formato de leiras, que de acordo com informações
obtidas através do sistema da SEMA, a propriedade teria autorização para queima
controlada, mas realizou fora do período permitido, causando assim crime ambiental por uso
de fogo em período proibitivo.

Diante disso, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros lavrou o auto de


infração ambiental indicando o valor de R$ 31.500.000,00 (trinta e um milhões e quinhentos
mil reais) a título de multa ambiental, com base nos artigos 41 e 70 da Lei Federal 9.605/98
e artigos 58 e 60 do Decreto Federal 6.514/08, assim redigidos:

Da Lei Federal 9.605/1998

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Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta:
Pena - reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a
um ano, e multa.
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão
que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do
meio ambiente.
Do Decreto 6.514/2008
Art. 58.  Fazer uso de fogo em áreas agropastoris sem autorização do órgão
competente ou em desacordo com a obtida:
Multa de R$ 1.000,00 (mil reais), por hectare ou fração. 
Art. 60.  As sanções administrativas previstas nesta Subseção serão
aumentadas pela metade quando:
I - ressalvados os casos previstos nos arts. 46 e 58, a infração for consumada
mediante uso de fogo ou provocação de incêndio; e
II - a vegetação destruída, danificada, utilizada ou explorada contiver espécies
ameaçadas de extinção, constantes de lista oficial. 

Vê-se que, ao contrário do que constou na descrição da infração, nenhum


dispositivo trata de desmatamento, mas sim, de uso de fogo.

No entanto, a Autuada possui todas as autorizações necessárias


expedidas pela SEMA, as quais foram totalmente desconsideradas pela equipe técnica do
Corpo de Bombeiros quando lavraram o auto de infração ambiental, mesmo tendo ciência
de sua existência, conforme constou no próprio auto de inspeção, senão vejamos:

i. Autorização para Desmatamento;


ii. Autorização para Exploração Florestal;
iii. Autorização para Queima Controlada.

Já no Relatório Técnico, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros que o


elaborou reconhece a existência das mencionadas autorizações, mas deduz que:

A propriedade teria autorização para queima controlada, mas que deixou passar
o período permitido causando assim crime ambiental por uso de fogo em
período proibitivo.

Ainda que a equipe técnica do Corpo de Bombeiros tenha colacionado


imagens de satélite com os focos de fogo e do enleiramento, salta aos olhos a inexistência
de prova inequívoca de que a Autuada infringiu a legislação ambiental.

E isso fica ainda mais evidente quando se constata que o próprio


Relatório Técnico é irrefutavelmente contraditório, veja:

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7. CONCLUSÃO [...]
Foi analisada a forma de propagação, associada a recursos remotos de focos de
calor, imagens de satélites e dados metrológicos, as evidências nas áreas de
origem e adjacentes, e concluiu que o fogo teve origem no dia 04.01.2021, tendo
o primeiro foco captado pelo sensor térmico do satélite NPP do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais - INPE na Fazenda ao lado. Dinâmica subsidiada pelas
imagens do satélite Sentinela hub, cicatriz da queimada disponibilizada pelo
satélite Landsat-8 no dia 02.01.2021.

Não obstante, tanto no auto de inspeção como no relatório técnico, a


equipe técnica do Corpo de Bombeiros relata que se deslocou para atender demanda de
uso de fogo no dia 05.01 2020, mas conclui que o fogo teve origem no dia 04.01.2020, e
para tanto, anexam imagens aéreas da suposta origem do fogo tiradas no dia 05.01, data da
fiscalização.

Evidentemente, não há como inferir que o fogo foi causado pela Autuada
em sua propriedade a partir de duas meras imagens fotográficas tiradas um dia depois após
o início do fogo, desprezando o fato de que a propriedade fica às margens da rodovia.

Além do mais, as imagens do Satélite Landsat 8 anexas ao Relatório


Técnico comprovam que que os focos iniciais de fogo foram constatados em 02.01.2020,
mas não mencionam precisamente o primeiro foco.

Não se desconhece a importância do trabalho do Corpo de Bombeiros no


combate aos incêndios, mas com todo respeito, no caso há o que a jurisprudência chama de
erros grosseiros, impossíveis de serem convalidados, e por isso, a declaração de nulidade
do auto de infração ambiental é medida que se impõe, conforme será demonstrado.

5. DA VERDADE FÁTICA

Antes de adentrar nas questões preliminares e de mérito, faz-se


necessário mais alguns esclarecimentos.

A Autuada é legítima proprietária de uma área denominada Fazenda...,


com área total de 1.100 ha, localizada no Estado do Mato Grosso, às margens da rodovia
estadual, devidamente inscrita no Cadastro Ambiental Rural – CAR.

No dia 20.04.2020, a Autuada requereu regularmente Autorização para


Desmatamento e Autorização para Exploração Florestal, as quais foram concedidas pela
SEMA.

Por conseguinte, em 17.09.2020, a Autuada requereu a Autorização para


Queima Controlada - AQC, também concedida pela SEMA.

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Não há dúvidas que a supressão de vegetação foi legalmente autorizada
pela SEMA, assim como, a expedição de Autorização para Queimada Controlada, a qual
observou e respeitou o período proibitivo para uso de fogo. É dizer, não foi realizado
nenhum fogo durante o período proibitivo. A origem e autoria do fogo são desconhecidas.

As secas que atingem o país desde o ano de 2020 e propiciaram centenas


de focos de fogo, principalmente a região Centro-Oeste e Norte, são públicas e notórias,
amplamente noticiadas em todos os canais de mídia. Por isso, era de pleno conhecimento
da Autuada que o período proibitivo para queimadas havia sido prorrogado, mesmo
possuindo AQC válida.

Logo, meras conjecturas de que a Autuada tenha iniciado fogo criminoso


não são aptas à imposição de sanções administrativas.

Aliás, a própria Autuada através de seu encarregado compareceu à


Delegacia de Polícia Civil no dia 03.01.2021, às 08h43, e lavrou o Boletim de Ocorrência...,
cuja data do fato foi o dia anterior, ou seja, o dia 02.01.2021, narrando que:

Compareceu a esta unidade policial o comunicante, encarregado da fazenda,


noticiando um incêndio que atingiu o pasto da propriedade rural. Que, foram
realizados combates para apagar o fogo, além disso foram realizados aceiros na
propriedade. Que, o fogo atingiu o pasto e também a reserva legal. Que, o fogo
iniciou a margem da rodovia e posteriormente espalhou com facilidade devido ao
vento.

O relato condiz totalmente com as imagens do Satélite Landsat 8,


anexadas pela equipe técnica do Corpo de Bombeiros no Relatório Técnico, comprovando
que efetivamente o fogo teve origem no dia 02.01.2021.

Ora. Não há como impor uma sanção por dedução de que o fogo tenha
sido provocado pela Autuada, quando esta foi a própria prejudicada pelo fogo que devastou
a pastagem de anos de cultivo, enorme quantidade de materiais de construção e
benfeitorias, além de cercas e área de reserva legal.

Não há como crer que a Autuada, devidamente autorizada à supressão de


vegetação, exploração florestal e uso de fogo, fosse realizar queimada dentro do período
proibitivo, ainda mais quando este estava prestes a cessar.

Já as imagens aéreas anexadas no relatório técnico pela equipe do Corpo


de Bombeiros, não se prestam a comprovar a origem do fogo, porque com dito linhas atrás,
o próprio relatório é contraditório quanto ao início do fogo, aduzindo que a origem era na
Fazenda Luta.

O pior, é que a equipe técnica do Corpo de Bombeiros relata que se


deslocou para atender demanda de uso de fogo no dia 05.01.2021, mas conclui que o fogo

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teve origem no dia 04.01.2021, em local diverso, data em que a cicatriz de queima teria sido
constada pelo satélite, quando as próprias imagens do Satélite Landsat 8 que juntaram aos
autos comprovam que o fogo efetivamente teve início no dia 02.01.2021, data da cicatriz de
queima.

À propósito, consta que o dano ambiental supostamente provocado pela


Autuada atingiu uma área de 4. 200 ha. No entanto, a equipe técnica do Corpo de
Bombeiros se limitou a juntada de duas imagens do Satélite Landsat 8 que mostram todos
os focos de fogo do dia 01 ao dia 30 de janeiro de 2021, enquanto o próprio relatório foi
confeccionado em 15.02.2021.

As outras duas imagens em anexo ao relatório, apenas demonstram fogo


nas leiras, as quais realizadas com autorização da SEMA e, portanto, aguardava-se o fim do
período proibitivo para o uso de fogo nos exatos termos da AQC.

Maxima venia, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros imputa à Autuada


infração ambiental genérica e sem qualquer motivação do ato administrativo, ferindo o
princípio da legalidade e moralidade, o que é passível, inclusive, de improbidade
administrativa, nos termos do art. 11, caput e inciso I da Lei 8.429/19921.

Outro ponto que chama a atenção, é que o auto de infração foi lavrado por
desmatar 4.200 ha de vegetação nativa, objeto de especial preservação, sendo consumada
mediante uso de fogo, sem autorização do órgão competente, o que é totalmente
contraditório. Primeiro, porque os dispositivos legais indicados pela equipe técnica do Corpo
de Bombeiros como supostamente infringidos, são todos relacionados ao uso irregular de
fogo. Segundo, é que não há qualquer evidência de “desmatamento sem autorização”. E,
terceiro, não há como imputar à Autuada uma degradação de 4.200 ha a partir de uma
vetorização genérica indicando apenas focos iniciais de fogo vistos por satélite, mas não
comprovados.

Nem seriam necessários tantos argumentos para demonstrar a nulidade


do auto de infração ambiental, que assim como o auto de inspeção e relatório técnico, não
comprovam efetivamente a origem e autoria do fogo, se limitando a mencionar que a equipe
técnica do Corpo de Bombeiros se deslocou até a propriedade autuada para atender
demanda de uso de fogo repassada pela BDBM no dia 05.01 2021 cujo fogo teve origem no
dia 04.01.2021, enquanto as imagens do Satélite Landsat 8 comprovam que o fogo
efetivamente teve início no dia 02.01.2021, corroborando o Boletim de Ocorrência lavrado
pelo encarregado da Autuada.

Portanto, a nulidade do auto de infração é imperativa.


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Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer
ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e
notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de
competência;

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6. PRELIMINARMENTE

6.1. INAPLICABILIDADE DO ART. 60 DO DECRETO 6.514/08

De início, observa-se que a majorante prevista no art. 60 do Decreto


6.514/08 é inaplicável à infração administrativa do art. 58 do mesmo diploma, senão
vejamos:

Art. 58.  Fazer uso de fogo em áreas agropastoris sem autorização do órgão


competente ou em desacordo com a obtida:
Multa de R$ 1.000,00 (mil reais), por hectare ou fração. 
Art. 60.  As sanções administrativas previstas nesta Subseção serão
aumentadas pela metade quando:
I - ressalvados os casos previstos nos arts. 46 e 58, a infração for consumada
mediante uso de fogo ou provocação de incêndio; e
II - a vegetação destruída, danificada, utilizada ou explorada contiver espécies
ameaçadas de extinção, constantes de lista oficial. 

Em análise perfunctória dos dispositivos acima transcritos, resta evidente


que o próprio inciso I do art. 60 exclui sua aplicação se a autuação for lavrada com
fundamento no art. 58.

É conhecida, a fama de pouco sábio de nosso legislador, mas a pouca


sapiência não chega ao raio de tipificar a mesma conduta duas vezes, num mesmo diploma
legal.

Ora, se o legislador previu uma infração administrativa por uso de fogo


sem autorização, por óbvio, o próprio uso de fogo irregular não pode ser causa de aumento
da sanção, ao contrário, estar-se-ia diante de antinomia e violação ao princípio do non bis in
idem.

O inciso II também é excluído no caso, porquanto a supressão de


vegetação foi realizada mediante autorização da SEMA, não havendo se falar em espécies
ameaçadas de extinção, até porque, não há no auto de infração ambiental, nem no auto de
inspeção e muito menos no relatório técnico confeccionados pela equipe técnica do Corpo
de Bombeiros, qualquer menção de espécies ameaçadas de extinção.

É dizer, somente pode incidir no aumento da sanção de multa pela


metade, quando a vegetação for destruída, danificada, utilizada ou explorada, ao mesmo
tempo em que atinge espécies ameaçadas de extinção, as quais obrigatoriamente, deverão
constar na lista oficial. 

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Portanto, a majorante prevista no art. 60, incisos I e II, deve ser afastada,
porquanto inaplicável por expressa previsão legal e por atipicidade da conduta.

6.2. DO VALOR DA MULTA – ERRO GROSSEIRO

Quando o auto de infração ambiental foi lavrado, a equipe técnica do


Corpo de Bombeiros indicou o valor de R$ 31.500,000,00 (trinta e um milhões e quinhentos
mil reais) a título de multa ambiental, computada com fundamento nos artigos 58 e 60 do
Decreto Federal 6.514/08, assim descritos:

Art. 58.  Fazer uso de fogo em áreas agropastoris sem autorização do órgão


competente ou em desacordo com a obtida:
Multa de R$ 1.000,00 (mil reais), por hectare ou fração. 
Art. 60.  As sanções administrativas previstas nesta Subseção serão
aumentadas pela metade quando:
I - ressalvados os casos previstos nos arts. 46 e 58, a infração for consumada
mediante uso de fogo ou provocação de incêndio; e
II - a vegetação destruída, danificada, utilizada ou explorada contiver espécies
ameaçadas de extinção, constantes de lista oficial. 

No próprio auto de infração consta no campo “descrição do valor da multa


ambiental”, o valor da multa ambiental por hectare e o número de hectares, exatamente
assim:

1. R$ 5.000,00 X 4.200 ha = 21.000.000,00


2. R$ 2.500,00 X 4.200 ha = 10.050.000,00
Valor total da multa ambiental aplicada: R$ 31.500.000,00

Ocorre que, o art. 58 prevê multa de R$ 1.000,00 por hectare, e não de R$


5.000,00. Assim sendo, a majorante prevista no art. 60 ─ a qual, repise-se, é inaplicável
com visto anteriormente ─, seria de R$ 500,00. Desse modo, a matemática nos mostra que
o cálculo ficaria assim:

1. R$ 1.000,00 X 4.200 ha = 4.200.000,00


2. R$ 500,00 X 4.200 ha = 2.100.000,00
Valor total da multa ambiental aplicada: R$ 6.300.000,00

Logo, o valor correto que deveria ter sido indicado no auto de infração a
título de multa ambiental era R$ 6.300.000,00, mas como já dito quase que de forma
exaustiva, o art. 60 é inaplicável ao caso concreto.

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Portanto, há erro grosseiro no cálculo do valor da multa ambiental, que
considerou valores diversos daqueles descritos aos tipos supostamente infringidos.

6.3. INEXISTÊNCIA DE 4.200 HECTARES

Não obstante o erro grosseiro na indicação do valor da multa, também há


erro na extensão da área atingida pelo fogo, a qual seria de 4.200 hectares.

Isso porque, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros imputou à Autuada


a conduta de uso de fogo irregular em uma área de 4.200 hectares, apenas e
exclusivamente com base nas imagens do Satélite Landsat 8, que apontam focos de fogo
para todo o período do dia 01 ao dia 30 de setembro de 2020.

Desse modo, é juridicamente impossível imputar exclusivamente à


Autuada o uso de fogo irregular em 4.200 ha, até porque, analisando a imagem, percebe-se
facilmente que há focos de fogo fora da cicatriz de queima, ou seja, a equipe técnica do
Corpo de Bombeiros realizou vetorização genérica para imputar infração administrativa à
Autuada sem nenhuma motivação.

Por outro lado, como já mencionado, não consta em nenhum dos


documentos elaborados pela equipe técnica do Corpo de Bombeiros ou nos autos do
processo administrativo, quais seriam os danos provocados fora da área de propriedade da
Autuada. Muito pelo contrário, consta apenas, duas meras imagens aéreas de foco de fogo
nas leiras, as quais se repise, foram realizadas com autorização da SEMA.

Como se vê, as imagens juntadas aos autos apenas monstram fogo nas
leiras, as quais realizadas com autorização da SEMA e, portanto, aguardava-se o fim do
período proibitivo para o uso de fogo, de acordo com AQC, não havendo qualquer prova de
efetivo dano em 4.200 ha, de modo que deve ser declarado nulo o auto de infração por
violação ao princípio da motivação e ao 16, § 1º e art. 97 do Decreto 6.514/08.

7. DO MÉRITO

7.1. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO CLARA E


OBJETIVA DA INFRAÇÃO AMBIENTAL

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No caso concreto, o auto de infração ambiental, o auto de inspeção e o
relatório técnico são paupérrimos ao descrever a conduta considerada violadora da
legislação ambiental.

Referidos documentos se limitam, ao mesmo tempo que são


contraditórios, em dizer que a Autuada teria desmatado 4.200 ha de vegetação nativa,
objeto de especial preservação, sendo consumada mediante uso de fogo, sem autorização
do órgão ambiental competente, mas não indica a origem, quando e como isso teria
ocorrido, muito menos a ação ou a omissão imputável à Autuada, que, ao menos em tese,
tivesse força bastante para vinculá-la a algum fato ilícito.

Lembre-se que o encarregado da Autuada compareceu à Delegacia de


Polícia Civil no dia 03.01.2021 e lavrou Boletim de Ocorrência relatando o início do fogo às
margens da rodovia no dia 02.01.2021.

Tal relato, como já mencionado linhas atrás, está de acordo com as


imagens do Satélite Landsat 8 que comprovam que o fogo efetivamente teve início no dia
02.01.2021, enquanto a equipe técnica do Corpo de Bombeiros se deslocou até a
propriedade da Autuada para atender demanda de uso de fogo repassada pela BDBM
somente no dia 05.01.2021 e concluiu que o fogo iniciou no dia 04.01.2021, contradizendo
as próprias imagens do Satélite Landsat 8.

O mais grave é que o auto de infração ambiental não descreve,


minimamente, qualquer conduta que possa ser compreendida em seus aspectos temporal e
espacial, tão pouco quais os danos provocados em 4.200 ha. Ou seja, não diz quando a
Autuada teria praticado a infração, nem como teria agido (ou deixado de agir) e muito menos
onde isso teria ocorrido, mas tão somente, que a Autuada teria praticado a seguinte
conduta:

Desmatar 4.200 ha de vegetação nativa. Objeto de especial preservação, sendo


consumada mediante uso de fogo, sem autorização do órgão ambiental
competente. Conforme auto de inspeção.

Já no auto de inspeção e relatório técnico são contraditórios ao mesmo


tempo que não apresenta nenhuma evidencia de que a infração foi efetivamente consumada
por ação ou omissão da Autuada,

Como se vê, a descrição lançada pela equipe de técnica do Corpo de


Bombeiros que lavraram o auto de infração ambiental, não condizem com
indicação dos respectivos dispositivos legais e regulamentares infringidos, violando o art. 97
do Decreto 6.514/08 que assim dispõe:

Art. 97.  O auto de infração deverá ser lavrado em impresso próprio, com a


identificação do autuado, a descrição clara e objetiva das infrações

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administrativas constatadas e a indicação dos respectivos dispositivos legais e
regulamentares infringidos, não devendo conter emendas ou rasuras que
comprometam sua validade.

Trata-se de imposição legal a qual a equipe técnica do Corpo de


Bombeiros está adstrita, de modo que, se o auto de infração não contém a descrição clara e
objetiva da infração e a indicação correta do dispositivo violado, restará violado o princípio
da legalidade conduzindo a auto a nulidade.

Além disso, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros desconsiderou o


comando legal previsto no art. 16, § 1º do Decreto Federal nº 6.514/08, Regulamento da Lei
nº 9.605/98, norteador de todos os órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente
(SISNAMA), que estabelece:

Art. 16.  No caso de áreas irregularmente desmatadas ou queimadas, o agente


autuante embargará quaisquer obras ou atividades nelas localizadas ou
desenvolvidas, excetuando as atividades de subsistência. 
§ 1º  O agente autuante deverá colher todas as provas possíveis de autoria e
materialidade, bem como da extensão do dano, apoiando-se em documentos,
fotos e dados de localização, incluindo as coordenadas geográficas da área
embargada, que deverão constar do respectivo auto de infração para posterior
georreferenciamento.  

No caso dos autos, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros não


procedeu qualquer inspeção da fazenda a fim de colher provas possíveis de autoria e
materialidade, ou origem do fogo, e embora tenham considerado haver infração
administrativa, limitaram-se a junta no relatório técnico duas meras imagens de foco de fogo
nas leiras realizadas com autorização da SEMA, e à vetorização a partir da imagem do
Satélite LandSet 8.

Acontece que o poder de polícia não subtrai ao órgão público, a atribuição,


o dever correlato de cumprimento, em sua plenitude, da legislação de regência, o que no
caso, não foi cumprido. Ora, o simples fato de o "fogo" ter ocorrido na propriedade de
responsabilidade da Autuada não decorre à responsabilidade desta pelo sinistro.

Trata-se, portanto, de vício insanável que conduz o auto de infração à


nulidade, nos termos do art. 100 do Decreto 6.514/08, in verbis:

Art. 100.  O auto de infração que apresentar vício insanável deverá ser


declarado nulo pela autoridade julgadora competente, que determinará o
arquivamento do processo, após o pronunciamento do órgão da Procuradoria-
Geral Federal que atua junto à respectiva unidade administrativa da entidade
responsável pela autuação.

No caso, há evidente impedimento ao exercício regular do direito de


defesa da Autuada, porquanto o auto de infração não revela, mesmo que de forma

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perfunctória, tais elementos, limitando-se a inserir área de 4.200 ha como degradada pela
Autuada, sem revelar como esta concorreu para o fogo.

Esse cômodo posicionamento equivale a não motivar, muito embora o


auto de infração, ato administrativo que é, tenha a motivação como seu elemento nuclear. A
motivação do auto de infração se dá pela descrição exata e precisa dos motivos de fato e de
direito que lhe serviram de fundamento. A falta desses motivos resultará a prática de ato
administrativo imotivado e, consequentemente, sem motivação, acarreta sua nulidade
insanável.

É evidente que a simples menção de textos de lei no auto de infração não


supre a necessidade da descrição do ilícito que se pretende imputar, pois do contrário,
bastaria notificar a Autuada para se defender contra texto de lei, o que é inconcebível, de
modo que deve ser reconhecida a nulidade do auto guerreado.

7.2. DA AUSÊNCIA DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO –


NULIDADE CONFIGURADA
Como se vê, a equipe técnica do Corpo de Bombeiros utilizou norma
federal para fiscalizar e lavrar o auto de infração. Sendo assim, deve, por força do princípio
da legalidade insculpido no art. 37 da Constituição Federal, cumprir com as determinações
impostas em Lei ou Decreto.

In casu, não foi cumprido o disposto no 97-A do Decreto 6.514/08, incluído


pelo Decreto 9.760/19, que dispõe:

Art. 97-A. Por ocasião da lavratura do auto de infração, o autuado será notificado


para, querendo, comparecer ao órgão ou à entidade da administração pública
federal ambiental em data e horário agendados, a fim de participar de audiência
de conciliação ambiental.  

A audiência de conciliação não é opção, e sim, uma imposição legal, da


qual a equipe técnica do Corpo de Bombeiros está adstrita. Indiscutível a violação da norma,
pois nada consta no auto de infração e documentos correlatos sobre a audiência de
conciliação. Muito pelo contrário. Consta o prazo de 20 dias para apresentação de defesa
prévia ou pagamento da multa com grosseiro erro de cálculo.

À propósito, o art. 95 do Decreto 6.514/08 impõe estrita observância,


sobretudo do princípio da legalidade ao processo administrativo:

Art. 95.  O processo será orientado pelos princípios da legalidade, finalidade,


motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa,
contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, bem como pelos

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critérios mencionados no parágrafo único do art. 2º da Lei no 9.784, de 29 de
janeiro de 1999.

Nesta senda, requer seja reconhecida a nulidade do auto de infração por


vício de forma, ou seja, praticado com omissão ou inobservância das formalidades
indispensáveis do processo administrativo, porque atingiu os direitos e garantias do
Autuado, de modo que não há de se falar em convalidação.

6. DOS REQUERIMENTOS
Ante o exposto, requer:
a) Preliminarmente, seja reconhecida (i) a inaplicabilidade do art. 60 do Decreto 6.514/08;
(ii) o erro grosseiro no cálculo do valor da multa; e, (iii) a inexistência de 4.200 hectares
de área atingida, a fim de declarar o auto de infração insubsistente;
b) No mérito, seja o auto de infração ambiental declarado nulo, (i) ante a ausência de
descrição clara e objetiva da infração; e, (ii) pela ausência de designação da audiência de
conciliação ambiental;
c) requer a intimação pessoal ou por via postal com aviso de recebimento, para a audiência
de instrução e oitiva de testemunhas, bem como, para apresentar alegações finais, nos
termos do parágrafo único do art. 122 do Decreto 6.514/08, e, no caso de ser mantido o
auto de infração hostilizado, requer a notificação da decisão para interposição de recurso
administrativo por via pessoal ou postal com aviso de recebimento, consoante art. 126 do
Decreto 6.514/08, sempre observado o endereço mencionado no preâmbulo, sob pena
de nulidade. Em caso de a intimação/notificação pessoal ou por carta com aviso de
recebimento restar inexitosa, requer o esgotamento dos meios hábeis para localização do
endereço da Autuada, vez que a intimação/notificação por edital é medida excepcional
que somente pode ser realizada após exauridas todas as tentativas de localizar o
autuado, sob pena de nulidade;
d) por fim, requer, nos termos do art. 115 do Decreto 6.514/08, a produção de todos os
meios de prova em direito admitidos, especificamente, estudos e laudo técnico
elaboradores por profissional habilitado a serem realizados na fase de saneamento, a fim
de comprovar que a Autuada não deu causa ao fogo, muito menos provocou danos em
4.200 ha, bem como, a oitiva das testemunhas abaixo arroladas para serem ouvidas na
fase de instrução, as quais comprovarão que a Autuada não provocou o fogo, nem se
beneficiou com ele, que teve prejuízos e envidou esforções para tentar apaga-lo.
Requer e espera deferimento.
Local e data.

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ADVOGADO
OAB/SC

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