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INTRODUÇÃO

O conteúdo teórico que preparamos foi desenvolvido a partir de


sólidas bases teóricas, porém com o objetivo claro de preparar o
estudante para os enfrentamentos práticos e rotineiros que gravitam em
torno dos processos de falência e de recuperação de empresas.
A opção pragmática do texto, desenvolvido a partir da base
empírica construída ao longo da experiência acumulada na nossa
atuação diária, como Promotor de Justiça Titular perante as Varas
Empresariais da Capital do Estado do Rio de Janeiro, fica à evidência a
partir da frequente citação de casos concretos.
Os anos de magistério também foram fundamentais na
estruturação da obra, que muito se assemelha a um manual de atuação,
na medida em que os principais pontos de dúvidas dos estudantes e
operadores do Direito das Empresas em Dificuldades, seja pela percepção
dos credores, seja pela ótica do devedor, receberam especial atenção.
Estudaremos falência e recuperação de empresas em detalhes,
incluindo a 1ª grande reforma promovida pela Lei 14.112, de
24/12/2020, com especial atenção para: os pressupostos para a
decretação da falência; os efeitos da quebra sobre a pessoa do falido,
seus contratos e seus bens; as formas de alienação do ativo; as causas de
extinção das obrigações do falido e o novíssimo “fresh start”; a
legitimação e postulação da recuperação judicial; os créditos sujeitos à
recuperação judicial; os efeitos da decisão de deferimento do
processamento; as regras de suspensão das execuções; o procedimento
de verificação de créditos; o rito processual; o plano de recuperação
judicial; o funcionamento da assembleia-geral de credores; a concessão e
cumprimento da recuperação judicial; o plano especial de recuperação
para os pequenos empresários; e as duas espécies de recuperação
extrajudicial.
A carga horária total é de 24 horas-aula, e o nosso objetivo é oferecer uma visão crítica,
atual, prática e multidisciplinar voltada à atualização ou preparação do aluno para o mercado de
trabalho, por meio do enfrentamento das questões cruciais para o aprofundamento dos
conhecimentos sobre a nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Destacamos a intensa
relação dos institutos da falência e da recuperação de empresas com outros ramos do Direito,
como Direito Civil e Processual Civil, Direito Tributário, Direito Administrativo e Direito
Trabalhista, na medida em que a recuperação ou a falência de uma sociedade empresária afeta e
exige o sacrifício de credores de toda ordem. Assim, mesmo aqueles profissionais que não atuam
diretamente com o Direito das Empresas em Dificuldades não podem prescindir de um acurado
estudo sobre os novos contornos do Sistema Jurídico da Insolvência Empresarial.
E na esteira de nossa atuação profissional, os temas serão abordados sempre a partir de um
enfoque voltado para a prática, mas sem descuido da parte teórica. Dividimos este material em
cinco módulos e em todos procuramos citar os precedentes jurisprudenciais mais atuais dos nossos
Tribunais, estejam eles alinhados ou não com o nosso posicionamento.
Temos a certeza de que o atento estudo deste material, em paralelo com a dinâmica
empreendida pela integração e interação com o que lhes reservamos na aula on-line, permitirá
uma completa compreensão do mundo das falências e das recuperações de empresas.
Bom estudo!!!
SUMÁRIO
MÓDULO I – INTRODUÇÃO À LEI Nº 11.101, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005 .................................... 11

PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DO SISTEMA .................................................................................... 12


Preservação da empresa viável ............................................................................................. 12
Separação dos conceitos de empresa e de empresário .................................................... 14
Proteção aos trabalhadores ................................................................................................... 14
Redução do custo do crédito no Brasil ................................................................................. 15
Celeridade e eficiência dos processos judiciais ................................................................... 15
Segurança jurídica ................................................................................................................... 16
Participação ativa dos credores ............................................................................................. 16
Maximização do valor dos ativos do devedor ..................................................................... 17
Fresh Start .................................................................................................................................. 17
Desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte
.................................................................................................................................................... 18
Rigor na punição dos crimes relacionados à insolvência empresarial............................. 18

MÓDULO II – FALÊNCIA ....................................................................................................................... 21

LEGITIMIDADE ATIVA PARA O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA ................................................... 21


Confissão da insolvência: autofalência ................................................................................. 21
A pedido dos credores ............................................................................................................ 23
Credor com garantia real .................................................................................................. 24
Credor tributário................................................................................................................. 25
JUÍZO COMPETENTE ......................................................................................................................... 28
PRESSUPOSTOS FALIMENTARES .................................................................................................... 31
Legitimidade passiva ............................................................................................................... 31
Teoria dos agentes econômicos ....................................................................................... 33
Sociedades empresárias dissolvidas irregularmente .................................................... 34
Sociedades empresárias não sujeitas à LFRE ................................................................. 35
Insolvência ................................................................................................................................ 37
Impontualidade .................................................................................................................. 38
Execução frustrada............................................................................................................. 40
Atos de falência................................................................................................................... 42
RITO PROCESSUAL DA FASE PRÉ-FALIMENTAR ............................................................................ 43
Depósito elisivo ........................................................................................................................ 45
SENTENÇA DE FALÊNCIA: CONTEÚDO E RECURSOS ................................................................... 48
ADMINISTRAÇÃO NA FALÊNCIA ..................................................................................................... 49
Juiz .............................................................................................................................................. 50
Ministério Público .................................................................................................................... 50
Administrador judicial ............................................................................................................. 52
Gestor judicial ........................................................................................................................... 56
Credores na administração do processo.............................................................................. 57
Intervenção individual do credor ..................................................................................... 57
Comitê de credores ............................................................................................................ 58
Assembleia de credores .................................................................................................... 60
Falido ......................................................................................................................................... 62
Proibição do exercício da empresa .................................................................................. 63
Restrição ao direito de locomoção .................................................................................. 64
Arrecadação das correspondências................................................................................. 64
EFEITOS DA FALÊNCIA EM RELAÇÃO AOS BENS DO FALIDO...................................................... 65
Administração e indisponibilidade dos bens ....................................................................... 65
Bens não sujeitos à arrecadação ........................................................................................... 67
Negociação com os bens da massa falida ............................................................................ 68
Pedidos de restituição ............................................................................................................. 69
Restituição ordinária – in natura....................................................................................... 69
Bens alienados fiduciariamente, arrendados ou decorrentes de compra e venda
com reserva de domínio .............................................................................................. 71
Restituição excepcional ................................................................................................ 72
Restituição em dinheiro ..................................................................................................... 72
Rito da restituição............................................................................................................... 74
Desconsideração da personalidade jurídica e outros casos de responsabilização ....... 75
EFEITOS DA FALÊNCIA EM RELAÇÃO AOS CONTRATOS DO FALIDO ......................................... 77
Contratos bilaterais ................................................................................................................. 78
Contratos unilaterais ............................................................................................................... 79
Situações especiais .................................................................................................................. 79
Compra e venda a prazo: mercadorias em trânsito ...................................................... 79
Compra e venda de coisas compostas ............................................................................ 80
Compra e venda com reserva de domínio ...................................................................... 80
Patrimônio de afetação ..................................................................................................... 80
Locação ................................................................................................................................ 81
Mandato............................................................................................................................... 82
Conta-corrente .................................................................................................................... 82
INDIVISIBILIDADE DO JUÍZO FALIMENTAR .................................................................................... 82
Reclamações trabalhistas ....................................................................................................... 83
Causas fazendárias .................................................................................................................. 84
Execuções fiscais ...................................................................................................................... 85
Ações propostas pela massa falida ....................................................................................... 86
Universalidade da falência e ações em curso ...................................................................... 86
INVESTIGAÇÃO DOS NEGÓCIOS CELEBRADOS PELO FALIDO ANTES DA FALÊNCIA .............. 87
Ineficácia objetiva .................................................................................................................... 88
Ineficácia subjetiva .................................................................................................................. 90
VERIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS ......................................................................................................... 91
Fase administrativa.................................................................................................................. 92
Fase judicial .............................................................................................................................. 93
Habilitações e impugnações retardatárias ........................................................................... 95
Suspensão dos juros e dos prazos prescricionais ............................................................... 98
Compensação de créditos ...................................................................................................... 99
Quadro geral de credores: concursais e não concursais ................................................ 100
Credores extraconcursais .............................................................................................. 101
Credores concursais........................................................................................................ 102
Créditos por acidente do trabalho e trabalhistas, estes limitados a 150 salários-
mínimos ....................................................................................................................... 103
Créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado...................... 104
Créditos tributários, excetuadas as multas ............................................................ 104
Créditos quirografários ............................................................................................. 105
Multas contratuais e penas pecuniárias por infrações das leis penais e
administrativas ........................................................................................................... 105
Créditos subordinados .............................................................................................. 105
Credor alimentar ............................................................................................................. 106
REALIZAÇÃO DO ATIVO ................................................................................................................ 107
Proteção ao arrematante..................................................................................................... 107
Modalidades de hasta pública ............................................................................................ 109
Disposições comuns ............................................................................................................. 111
PRESTAÇÃO DE CONTAS .............................................................................................................. 112
ENCERRAMENTO DA FALÊNCIA ................................................................................................... 112
INCIDENTE DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES: A REABILITAÇÃO DO FALIDO ........................ 113
Demonstração de regularidade fiscal ................................................................................ 115

MÓDULO III – RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS .................................................................................. 117

ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS ......................................................................................................... 118


ESPÉCIES DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS .............................................................................. 118
LEGITIMIDADE ATIVA .................................................................................................................... 119
Recuperação judicial do produtor rural............................................................................. 120
Litisconsórcio ativo ............................................................................................................... 121
Consolidação processual ................................................................................................ 121
Consolidação substancial ............................................................................................... 122
Recuperação judicial transnacional .................................................................................... 123
REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL DO REQUERIMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL ......... 124
Requisitos subjetivos ............................................................................................................ 125
Atividade empresarial há mais de dois anos (caput) .................................................. 125
Não ser falido e não ter obtido recuperação judicial há menos de cinco anos
(incisos I, II e III) ................................................................................................................ 126
Sócios controladores e administradores não condenados por crimes da LFRE (inciso
IV) ....................................................................................................................................... 126
Requisitos objetivos .............................................................................................................. 126
Situação patrimonial e razões da crise (inciso I) ......................................................... 126
Demonstrações contábeis (inciso II) ............................................................................. 127
Relação de credores (inciso III) ...................................................................................... 127
Relação de empregados (inciso IV) ............................................................................... 127
Certidão de regularidade do Registro Público de Empresas Mercantis (inciso V)........ 128
Relação de bens dos sócios controladores e dos administradores (inciso VI) ....... 128
Extratos bancários (inciso VII) ........................................................................................ 128
Certidões de protestos (inciso VIII)................................................................................ 128
Relação dos processos judiciais e disputas arbitrais, com estimativa de valores
(inciso IX) ........................................................................................................................... 129
Relatório detalhado do passivo fiscal (inciso X) .......................................................... 129
Relação de bens e direitos do ativo não circulante (inciso XI)................................... 129
CRÉDITOS SUJEITOS AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO ............................................................. 130
CRÉDITOS NÃO SUJEITOS AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL ................................... 132
Créditos de empréstimo DIP ............................................................................................... 132
Crédito tributário .................................................................................................................. 133
Créditos com direito real de propriedade e assemelhados ........................................... 135
Depositante de coisas fungíveis ......................................................................................... 137
Dívida propter rem – despesas condominiais .................................................................... 137
Singularidade dos créditos sujeitos à recuperação judicial do produtor rural ............ 139
Problemática da trava bancária .......................................................................................... 140
DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO DO PEDIDO .................................................................. 144
Dispensa das certidões negativas ...................................................................................... 145
Stay period e suspensão da prescrição .............................................................................. 145
Prestação mensal de contas................................................................................................ 147
Intimação do Ministério Público e das Fazendas ............................................................. 148
Restrição de venda ou oneração dos bens do imobilizado ............................................ 149
Prazo para habilitação e divergência de créditos............................................................. 151
Compensação de créditos na recuperação judicial ......................................................... 152
APRESENTAÇÃO DO PLANO ........................................................................................................ 154
MÉTODOS DE RECUPERAÇÃO ..................................................................................................... 154
Restrições ao plano de reestruturação .............................................................................. 156
Passivo trabalhista .......................................................................................................... 157
Vinculação cambial dos créditos ................................................................................... 158
Intangibilidade das garantias reais e fidejussórias ..................................................... 158
OBJEÇÃO DOS CREDORES AO PLANO DE RECUPERAÇÃO ....................................................... 161
APROVAÇÃO OU REJEIÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO DO DEVEDOR ............................ 162
Deliberação dos credores em assembleia ........................................................................ 163
Sistema do cram down ......................................................................................................... 163
Apresentação de PRJ alternativo pelos credores ............................................................. 164
Aplicação da teoria do abuso de direito no exame dos votos dos credores................ 164
Suspensão da assembleia de deliberação sobre o plano de recuperação................... 166
REGULARIDADE TRIBUTÁRIA PARA A CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO ................................. 167
Controle de legalidade do plano aprovado pelos credores............................................ 167
SENTENÇA CONCESSIVA DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL E NOVAÇÃO ...................................... 169
RECURSOS ...................................................................................................................................... 169
SUPERVISÃO JUDICIAL DA EXECUÇÃO DO PLANO .................................................................... 169
ALTERAÇÕES DO PLANO HOMOLOGADO ................................................................................. 170
AFASTAMENTO JUDICIAL DOS ADMINISTRADORES E DO CONTROLADOR DO DEVEDOR .. 171
CONVOLAÇÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FALÊNCIA ..................................................... 172

MÓDULO IV – OUTRAS ESPÉCIES DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ............................................ 175

PLANO ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL PARA AS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS . 175


RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL ................................................................................................... 177
Requisitos............................................................................................................................... 178
Créditos sujeitos e stay period ............................................................................................. 179
Credores não sujeitos .......................................................................................................... 179
Procedimento para homologação ...................................................................................... 180
Oposição ao pedido .............................................................................................................. 181
Decisão homologatória: limitação aos poderes do juiz e recursos ............................... 181

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 183

PROFESSOR-AUTOR ........................................................................................................................... 184


MÓDULO I – INTRODUÇÃO À LEI
Nº 11.101, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005

Passados pouco mais de 15 anos desde o advento da Lei nº 11.101/05, percebe-se um


grande avanço no aperfeiçoamento do sistema jurídico da insolvência no Brasil. Porém, se muitos
dos problemas decorrentes do revogado Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, foram
resolvidos, outros mais surgiram, revelando-se premente uma primeira grande reforma que já se
avizinha, provavelmente por meio do Projeto de Lei em tramitação no Senado nº 4.458/2020,
antigo P.L. 6.229/2005 da Câmara dos Deputados, que aglutinou várias outras proposições que
tramitavam pela Câmara dos Deputados.
Sabia-se que a viabilidade de um moderno sistema de insolvência empresarial também
reclamava uma profunda alteração no Direito Tributário, ao menos no que concerne ao
tratamento do passivo tributário dos empresários em crise, sendo forçoso gizar que grande parte
das alcunhadas reengenharias tributárias depende de uma astuta perspectiva empresarial,
sobretudo societária, enquanto, de igual sorte, é elemento lógico da rotina empresarial que
reestruturações societárias não possam prescindir de um sólido planejamento tributário.
O fato inconteste é que, infelizmente, a LFRE não se revelou plenamente capaz de auxiliar a
empresa em crise a superar as suas dificuldades, uma vez que grande parte dessas dificuldades está
ligada ao seu passivo fiscal ou atrelada a garantias que excluem o crédito do concurso e, ipso facto,
do alcance do plano de recuperação.
A posição até então inflexível das Fazendas Públicas e o tratamento privilegiado conferido
aos credores detentores de direito de propriedade colidem com a necessidade concreta de se
procurarem alternativas para a proteção dos ativos das empresas em crise, causando insegurança
no mercado e perplexidade dos operadores do Direito diante da imensa variedade de
interpretações das atuais normas.
O primeiro método de pesquisa utilizado para a elaboração da presente obra foi o
dogmático-histórico-descritivo, o que viabilizou a análise do desenvolvimento da legislação
falimentar no Direito pátrio ao longo do tempo, sem olvidar a interferência das construções
doutrinárias no seu processo evolucionário. Nessa toada, buscou-se uma aproximação entre o
sistema normativo atual e a realidade experimentada nesses primeiros 15 anos de vigência da
LFRE, o que se fez possível pela utilização de uma metodologia de pesquisa empírica por meio da
jurisprudência, na medida em que o Direito, sendo uma realidade histórico-cultural, não admite
o estudo de qualquer dos seus ramos sem a noção antecipada da sua evolução dinâmica.
Não se pode negar que “todo direito tem seguido a um direito anterior, em
desenvolvimento contínuo, de modo que o direito de hoje se apresenta como resultado de um
passado e como início de uma evolução futura”.
A nossa meta é levar ao aluno uma visão mais pragmática possível dos institutos da falência
e da recuperação de empresas, a partir da experiência acumulada à frente da 1ª Promotoria de
Justiça de Massas Falidas da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, com atribuição
para atuar perante a 1ª, 4ª e 7ª Varas Empresariais da Capital do Rio de Janeiro, foro pelo qual
tramitaram e ainda tramitam alguns dos maiores processos de insolvência empresarial do País.

Princípios informativos do sistema


Em 13 de abril de 2004, o senador da República Ramez Tebet apresentou, perante a
Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, o seu parecer, junto com um substitutivo,
ao Projeto de Lei da Câmara nº 71/2003, que se converteu na Lei nº 11.101/05, destacando na
exposição de motivos os princípios que o inspiraram na construção do texto. A doutrina, por seu
turno, por indução lógica do Direito Positivado, extraiu outros tantos princípios que alicerçam o
Direito das Empresas em Dificuldades. Finalmente, as mais recentes alterações legislativas
trouxeram à tona novos pilares principiológicos, que se somam aos anteriores com o fim de corrigir
alguns defeitos que se tornaram evidentes ao longo dos primeiros anos de aplicação da LFRE.
Para dar os primeiros passos rumo ao conhecimento, analisaremos essa base principiológica
sobre a qual se edifica a LFRE.

Preservação da empresa viável


Não por coincidência, o princípio da preservação da empresa foi o primeiro a ser destacado
como um dos pilares do novo sistema recuperacional, sendo um dos poucos a ser expressamente
positivado na Lei nº 11.101/05, consoante se vê do seu art. 47.
Descendente direta do princípio da função social, a teoria da preservação da empresa é o
norte da lei, tornando a falência uma exceção a ser evitada o tanto quanto possível, pois a
empresa, quando cumpridora da sua função social, deve ser preservada sempre que possível, pois

12
gera riqueza econômica, cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e o
desenvolvimento social do País, e é fonte de arrecadação de tributos.
Especialmente nesses primeiros anos de vigência, o princípio da preservação da empresa tem
sido largamente empregado, não só para suprir as inúmeras lacunas existentes – por exemplo,
alteração do plano de recuperação judicial após a homologação – e para ajustar interpretações
sobre pontos mais nebulosos, como restringir o poder do juiz ao exame de legalidade do plano de
recuperação judicial aprovado pelos credores, mas também – e aqui reside a nossa maior
preocupação – para afastar a aplicação literal de dispositivos da própria Lei nº 11.101/05 e da
legislação em geral.
É grande o desafio de equilibrar a balança quando de um lado está a necessidade de
preservação da empresa e, de outro, a letra clara da lei apontando em direção oposta. Até que ponto
devemos afastar-nos da norma expressa e dos demais princípios informadores do sistema para buscar
a preservação da empresa, mesmo sendo ela viável do ponto de vista econômico e financeiro?
Aliás, também difícil é a tarefa de definir o papel do Poder Judiciário na distinção entre
empresas viáveis e inviáveis e o que se revela lícito fazer para protegê-las, afinal, tão profícuo para o
interesse público como manter no mercado uma empresa viável, preservando a sua atividade, os seus
postos de trabalho e a sua relação com clientes e fornecedores, é retirar dele a empresa que não tem
como cumprir o seu papel social, dada a sua inviabilidade econômica, a necessidade de respeito aos
contratos e o princípio da intervenção mínima do Estado nas relações privadas, sobretudo com o
advento da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019).
A LFRE, no nosso sentir, reservou o protagonismo do processo aos credores, uma vez que
é vedado ao juízo, ao administrador judicial e ao Ministério Público promover a análise da
viabilidade econômica e financeira da sociedade empresária em dificuldade e do plano de
recuperação judicial proposto.
Em síntese, constatados problemas crônicos na atividade ou na administração da empresa,
de modo a inviabilizar a sua recuperação, o Estado deve promover de forma rápida e eficiente a
sua retirada do mercado, a fim de evitar a potencialização dos problemas e o agravamento da
situação dos que negociam com pessoas ou sociedades com dificuldades insanáveis na condução
do negócio. A falência pode ser, sim, o melhor caminho no caso concreto!
Ainda que de forma bastante superficial, convém destacar algumas das polêmicas mais
sensíveis do sistema que têm sido solucionadas a partir da aplicação, correta ou não, do princípio
da preservação da empresa:
quebra da denominada “trava bancária”, afastando os direitos dos credores fiduciários;
proibição de retomada dos bens de terceiros que estão na posse do devedor, essenciais ao
seu negócio, mesmo após o decurso do stay period e até da aprovação do plano de
recuperação;
ampliação da competência do juízo recuperacional para anular ou suspender atos e
processos administrativos contrários ao devedor em recuperação judicial;

13
ampliação da competência do juízo recuperacional para decidir sobre diferentes
demandas de interesse das devedoras em recuperação judicial1, inclusive a cobrança de
créditos, e
alteração do resultado da deliberação dos credores em assembleia pela anulação de voto
“abusivo”.

Esses são apenas alguns dos muitos exemplos da aplicação do princípio da preservação da
empresa para a solução de controvérsias nos processos de insolvência. Advirta-se, entretanto, que
decisões extremas podem prolongar a permanência artificial no mercado de uma empresa
manifestamente inviável, maximizar as perdas dos credores, causar concorrência desleal e apenas
retardar uma inevitável decretação de falência.

Separação dos conceitos de empresa e de empresário


Empresa é o conjunto organizado de capital e trabalho para a produção ou circulação de
bens ou serviços. Não se deve confundi-la com a pessoa natural ou jurídica que a explora.
Assim, por vezes, mesmo em um processo de recuperação judicial, é preciso separá-la da
sociedade empresária, alienando a unidade produtiva no mercado, a fim de que outra sociedade
empresária dê continuidade ao negócio de forma eficiente, com esteio no parágrafo único do
art. 60 da Lei nº 11.101/05.
Exemplos vivos dessa separação, entre sociedade empresária e empresa, são os casos Varig,
Casa&Video, Delta, Constellation, Abengoa, OAS e OI, pois em todos eles houve a alienação de
unidades produtivas isoladas (UPIs), a fim de que outros empresários do setor dessem
prosseguimento aos negócios.

Proteção aos trabalhadores


Os créditos trabalhistas conservaram certos privilégios. Na falência, entre os credores
concursais, terão preferência até o montante equivalente a 150 salários-mínimos, mas é bom
lembrar que antes do pagamento dos credores concursais, inclusive trabalhadores, hão de ser
adimplidas outras obrigações, como as despesas extraconcursais e as restituições.
Já na recuperação judicial pouco se vê de vantagem aos trabalhadores, uma vez que a lei,
por um lado, proíbe o pagamento dos credores trabalhistas em prazo superior a dois anos, mas de
outro, autoriza expressamente o deságio quando o pagamento é feito em até um ano. Logo, é
perfeitamente possível, segundo o entendimento dominante, que o PRJ estabeleça que outros

1
Ver TJRJ, Agravo de Instrumento nº 0024976-71.2020.8.19.0000. 2ª Câmara Cível. Rel. Des. Maria Isabel Paes Gonçalves.
Julgado em 21/09/2020.

14
credores recebam antes dos trabalhadores, assim como a própria remissão parcial dos créditos
trabalhistas, o denominado deságio ou haircut 2.
Aliás, apenas para fins de registro, recentemente nos deparamos com um plano de
recuperação judicial que propunha pagamento dos credores trabalhistas em um ano, mas com um
“desconto” de 90%.3
Nessa toada, a proposta de deságio para o pagamento dos créditos trabalhistas torna, ao
nosso sentir, inócua a proteção temporal conferida pela legislação. Aliás, em tantos outros casos,
preocupado com a repercussão negativa de uma proposta de deságio em relação aos trabalhadores,
o devedor deixa “de fora” do processo de recuperação judicial o passivo trabalhista, pois, a
exemplo do que existe no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1), no Rio de
Janeiro, há a possibilidade de parcelamento do passivo trabalhista em prazo superior ao limite
previsto no art. 54 da LFRE, pelo denominado plano especial de pagamentos trabalhista (Pept)4,
na própria justiça especializada.

Redução do custo do crédito no Brasil


Diante da criação de um sistema falimentar mais eficaz e célere e da inversão de prioridades
na ordem de pagamento, com prevalência do crédito com garantia real sobre o tributário,
esperava-se um incremento nos índices de recuperação de crédito, atenuando-se os riscos da
inadimplência, com reflexos indiretos no spread bancário.
Essa era, contudo, apenas uma aspiração legislativa. Em razão dos incontáveis fatores que
influenciam os números da inadimplência no Brasil, dificilmente teremos como estabelecer em
um curto prazo uma relação entre a eficácia da LFRE e a redução do spread bancário,
especialmente diante das polêmicas envolvendo os limites e as proteções conferidas às garantias
fiduciárias e às fidejussórias.

Celeridade e eficiência dos processos judiciais


É preciso que as normas procedimentais na falência e na recuperação de empresas sejam, na
medida do possível, simples, conferindo-se celeridade e eficiência ao processo e reduzindo-se a
burocracia que atravanca o seu curso.
Nesse sentido, “desjudicializou-se” o procedimento de habilitações e divergências de créditos,
autorizou-se a venda imediata dos bens arrecadados na falência logo após o decreto de quebra,

2
Ver Decisão Liminar do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, no Pedido de Tutela Provisória nº 2.778/RJ, publicada no dia
24/06/2020.
3
Recuperação Judicial de Real Auto Ônibus Ltda. e outras, em trâmite perante a 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro sob
o nº 0087802-67.2019.8.19.0001.
4
Ato Conjunto nº 11/2019 e Provimento nº 1/2018 da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho; Provimento Conjunto nº
02/2019 do TRT-1; Resolução Administrativa nº 79/2019, do TRT-2; dentre outros.

15
fixou-se um prazo para o encerramento das recuperações judiciais, além de muitas outras regras para
assegurar uma tramitação menos demorada desses processos.
Nada obstante a nobre intenção do legislador, os processos de falência e de recuperação
judicial continuaram lentos e sem a desejada eficiência. Diante desse cenário, a reforma promovida
Lei nº 1.4112/2020 trouxe novas importantes regras para imprimir maior celeridade e eficiência.
Nas falências, o administrador judicial agora deverá apresentar em 60 dias da sua nomeação
um plano de liquidação dos ativos, sempre com um prazo máximo de 180 dias a contar da
respectiva arrecadação do bem. Os credores terão o prazo máximo de três anos para apresentarem
as suas habilitações ou pedidos de reserva de crédito, sob pena de decadência, e, talvez a regra mais
polêmica, foi instituído o denominado fresh start, que permite o pedido de extinção das
obrigações do falido ainda durante a tramitação do processo e desde que ultrapassado três anos da
sentença de falência.
Nos processos de recuperação judicial, proibiu-se mais de uma prorrogação do stay period,
concedeu-se aos credores o direito de apresentar um plano de recuperação alternativo e autorizou-se
ao juiz a fixação de um prazo menor que dois anos para o encerramento da recuperação judicial5.

Segurança jurídica
Os dispositivos legais que integram a nova legislação, dentro do possível, foram redigidos
com a intenção de evitar múltiplas interpretações e de conferir às partes maior domínio sobre o
mérito do processo, reduzindo o poder conferido ao juiz. É evidente que esse esforço é bem-
vindo, porém, não foi capaz de evitar o surgimento de inúmeras e gigantescas controvérsias, em
especial pela própria complexidade dos temas tratados e das não raras omissões do texto legal,
sobretudo em relação ao novel instituto da recuperação de empresas.
Nessa linha, a reforma de 2020 procurou dar soluções expressas para alguns pontos do sistema
que despertavam acaloradas divergências doutrinárias e jurisprudenciais. A título de exemplo, todos os
prazos da LFRE passam a ser contados em dias corridos; só se admitirá uma única prorrogação do
prazo de suspensão das execuções contra o devedor; e o produtor rural inscrito no registro público de
empresas tem legitimidade para o pedido de recuperação judicial.

Participação ativa dos credores


A lei buscou dar protagonismo aos credores na solução da insolvência do devedor. É nítido
o esforço do legislador de conceder aos credores instrumentos capazes de definir os rumos de um
processo de recuperação de empresas ou dos ativos arrecadados em um processo de falência.

5
TJRJ, Agravo de Instrumento nº 0033080-52.2020.8.19.0000. 14ª Câmara Cível. Des. Rel. José Carlos Paes. Julgado em
29/07/2020.

16
Na prática, porém, essa participação tem sido menosprezada por parcela da jurisprudência,
de certa forma provocada por algum desinteresse ou desconhecimento por parte dos advogados
dos credores. São raros os casos de instalação do comitê de credores, e poucos são os credores que
acompanham com efetividade o desenrolar do processo, com exceção dos credores financeiros.
Contudo, a reforma de 2020 trouxe novos motivadores para uma participação mais ativa
dos credores nos processos de falência e de recuperação judicial, tais como a possibilidade de
apresentação de um plano de recuperação alternativo àquele apresentado pelo devedor; e uma
ampliação dos poderes dos credores nas hipóteses de alienação de bens do devedor, quer na
falência, quer na recuperação judicial.

Maximização do valor dos ativos do devedor


As regras da LFRE efetivamente buscam maximizar os ativos do devedor em dificuldades.
Os bens do devedor falido devem ser alienados em um curto espaço de tempo e sem quaisquer
ônus para o adquirente, permitindo-se aos credores e ao juiz decidirem sobre o melhor caminho
para a realização desse ativo, sempre contando com a orientação técnica do administrador judicial.
Pontue-se que, desde a reforma de 2020, tornou-se possível a alienação integral dos ativos
do devedor nos processos de recuperação judicial, por meio da criação de uma UPI única, o que
preserva o valor dos intangíveis e favorece o pagamento dos credores.

Fresh Start
O rápido retorno do empresário falido ao mercado se tornou uma das marcas de reforma
promovida pela Lei nº 14.112/2020. Para tanto, um conjunto de novas regras foi introduzido no
sistema, fazendo com que o processo de falência tenha como um dos seus objetivos possibilitar
um rápido recomeço ao empresário falido. Entre esses novos dispositivos se destacam o art. 10,
§ 10, e o art. 158, inciso V, que permitem a declaração de extinção das obrigações do falido após
três anos da decretação da falência.
Acreditamos, contudo, que esse novo instituto não foi adequadamente positivado, uma vez que
ele confunde os conceitos de sócio e de sociedade, afastando-se dos anseios do próprio legislador.
Como se sabe, a falência de uma sociedade empresária não impede, ao menos
juridicamente, que os seus sócios, diretamente ou por meio de outra pessoa jurídica, explorem
atividades empresariais, inclusive aquela que era exercida pela sociedade falida.
As dificuldades daqueles sócios de “retornarem” à atividade empresarial sempre foram de
cunho econômico, uma vez que, sendo pública a informação de que eles estavam ligados a uma
sociedade em processo de falência, raramente conseguiam crédito para si ou para as outras pessoas
jurídicas das quais participassem.

17
Portanto o objetivo nunca foi reabilitar a sociedade falida, mesmo porque, com o
encerramento da falência, o próprio juiz, de ofício, determinará o cancelamento do seu CNPJ,
com a consequente extinção da sua personalidade jurídica (art. 156).
Estabelecidas essas premissas e sem perder de vista que o verdadeiro objetivo sempre foi
criar um sistema que possibilitasse aos sócios da sociedade falida rapidamente retornarem ao
mercado de crédito, por meio de novas pessoas jurídicas, devemos ter um redobrado cuidado na
interpretação das regras que tratam da extinção das obrigações do falido.
Como se verá mais adiante, inspirados pelo princípio da dignidade da pessoa humana,
defenderemos o entendimento de que o instituto do fresh start só deve ser aplicado às pessoas
naturais atingidas pela falência, e não às sociedades falidas, cujas obrigações só podem ser
declaradas extintas com o efetivo encerramento do processo de falência, e não pelo transcurso de
três anos da sentença que decretou a quebra.

Desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de


pequeno porte
Há, sim, dispositivos na LFRE que desburocratizaram a recuperação judicial das micro e
pequenas empresas. Entretanto, mesmo após o advento de algumas modificações, as regras
previstas para o chamado plano especial de recuperação judicial colocado à disposição dos
pequenos empresários são – perdoem o trocadilho – “especialmente ruins”, o que se revela no
baixo número de planos especiais aprovados.
A limitação do parcelamento em 36 meses, a reduzida carência de seis meses e a imposição
de atualização do passivo pela Selic tornam o plano especial pouquíssimo atraente aos devedores,
que podem obter condições muito mais favoráveis em negociação extrajudicial ou no bojo do
processo de recuperação judicial comum ou ordinário.

Rigor na punição dos crimes relacionados à insolvência empresarial


É preciso punir com severidade os crimes falimentares, com o objetivo de coibir as falências
e recuperações fraudulentas, em função do prejuízo social e econômico que causam.
As penas para os delitos dessa natureza foram aumentadas, a persecução penal e o tempo de
prescrição agora se submetem às regras do direito comum, penal e processual penal, porém, na
quase totalidade dos estados, a competência para o julgamento das ações penais por crimes
falimentares e recuperacionais é reservada às varas criminais comuns, cujos juízes não estão
habituados à matéria, possibilitando o retardamento da marcha processual e absolvições
divorciadas da prova técnica carreada aos autos.
Ademais, Podemos enumerar outros problemas crônicos que impedem a efetividade no
combate à prática de crimes relacionados aos processos de insolvência. São eles: 1) a falta de regra
clara sobre o conflito aparente de normas penais, sobretudo em relação aos fatos anteriores aos

18
processos de falência e de recuperação judicial e em razão do tipo penal aberto do art. 168, da
LFRE; 2) a ausência de delegacias especializadas na apuração desses delitos; 3) a ausência de previsão
de um relatório do administrador judicial, no processo de recuperação judicial, para apontamento
de responsabilidades criminais; 4) a ausência de previsão de intimação do Ministério Público para
acompanhar todos os atos processuais da falência e da recuperação judicial.

19
20
MÓDULO II – FALÊNCIA

Falência continua sendo uma espécie de execução coletiva dos bens do devedor empresário
insolvente, por meio da qual todos os seus bens são arrecadados e liquidados, para que o produto
apurado seja utilizado no pagamento dos credores, obedecendo à ordem legal de preferência. O
objetivo primário da falência, portanto, é a satisfação dos credores, o máximo possível, e
secundários, a rápida realocação útil dos ativos liquidados na economia e o célere retorno do
devedor ao mercado produtivo.

Legitimidade ativa para o requerimento de falência


O art. 97, da LFRE prevê que o requerimento de falência pode ser iniciado:
a pedido do próprio devedor, empresário individual;
pelo cônjuge do empresário individual falecido, pelo herdeiro ou pelo inventariante;
a requerimento da própria sociedade empresária, por iniciativa dos seus quotistas ou
acionistas, na forma da lei e do ato constitutivo ou
por qualquer credor.

No entanto, algumas peculiaridades devem ser destacadas para a sua perfeita compreensão.

Confissão da insolvência: autofalência


Devemos dedicar algumas linhas da nossa atenção para a falência requerida pelo próprio
devedor, chamada por muitos de “autofalência”, prevista no art. 97, I e III, c/c art. 105 e
seguintes, da LFRE.
De pronto, consignamos ser de interesse exclusivamente acadêmico o estudo do requerimento
de autofalência formulado por empresário individual, firma individual ou microempreendedor
individual. No plano ainda mais abstrato, afigura-se possível a falência do espólio do empresário
individual, por iniciativa do cônjuge sobrevivente, de qualquer herdeiro ou do inventariante, desde
que formulado em até um ano do óbito, consoante § 1º do art. 96, da LFRE.
No sistema anterior, havia um estímulo, quiçá uma obrigação ou um ônus, para o devedor
que confessasse a sua insolvência: a possibilidade de concordata suspensiva, que hoje já não mais
existe. Contudo, ao optar pelo pedido de autofalência da sociedade empresária (Ltda.) ou da
empresa individual de responsabilidade limitada, evita-se a denominada dissolução irregular da
sociedade empresária e a incidência dos efeitos da Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça
(STJ), que permite o redirecionamento das execuções fiscais propostas em face da pessoa jurídica
para os sócios/titulares com poderes de administração.
Ocorre que a reforma promovida pela Lei 14.112/2020 instituiu o “fresh start” do falido
como um dos objetivos do processo falimentar e, assim, a autofalência pode se tornar uma das
soluções para o devedor em dificuldades, sobretudo para o pequeno e para o microempresário
com poucos ativos. Em síntese, três anos após decretada a falência o falido pode pedir a declaração
de extinção de suas obrigações, o que lhe permitirá um rápido retorno ao mercado, livre das
obrigações relativas ao negócio anterior.
Há certa polêmica sobre a possibilidade de o sócio minoritário apresentar o pedido de
autofalência. Fábio Ulhoa Coelho6 admite esse pedido, justificando que ele estaria pautado
exclusivamente no art. 97, III, e não no art. 105, ambos da LFRE.
Discordamos desse entendimento, seja porque não há sequer previsão do procedimento a
ser adotado nesses casos – há citação? Qual a causa de pedir, insolvência real ou presumida? É
possível depósito elisivo? – seja também porque o art. 97, III, da LFRE, é expresso no sentido de
que os sócios só poderão fazer o pedido de falência da sociedade “na forma da lei”, que na nossa
opinião é a legislação societária, em especial, atendidos os quóruns previstos nos arts. 1.071, VIII,
do CC e 122, IX, da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sem olvidar a incidência do
princípio da preservação da empresa. A saída para o sócio minoritário insatisfeito com a posição
dos demais de tentar prosseguir com a empresa é a ação de dissolução parcial.
De toda forma, há precedente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), da
relatoria do eminente desembargador Pereira Calças, admitindo o prosseguimento de um pedido
de autofalência formulado por um sócio com 50% do capital social:

6
Além de Fábio Ulhoa Coelho, outros autores defendem a legitimidade ativa dos sócios minoritários – cotistas e
acionistas – para requerer a falência da sociedade empresária que integram, como Luiz Guerra, Amador Paes de Almeida
e Sérgio Campinho. Adotamos o caminho apontador por vários outros, entre os quais Ricardo Tepedino, In: TOLEDO,
Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (Coords.). Lei de Recuperação de Empresas e Falências. São
Paulo: Saraiva, 2005, p. 286, 287.

22
Ementa: Falência. Indeferimento da inicial com extinção do processo,
sem resolução de mérito. Ação proposta por sócia cotista, titular de 50%
das quotas, contra sociedade limitada, em face do abandono do outro
sócio. Anterior indeferimento de autofalência. Apelo provido para, com
fundamento no art. 97, III, da Lei n° 11.101/05, determinar-se o regular
processamento da falência. Necessidade de citação do outro sócio para,
querendo, contestar o pedido.7

A autofalência também é o caminho utilizado pelos liquidantes extrajudiciais de certas


sociedades empresárias submetidas a um maior controle pelo Poder Executivo Federal, tais como
instituições financeiras, seguradoras e operadoras de plano de saúde. Elas podem ser alvos de
intervenção e até de liquidação extraordinária que, em alguns casos, pode converter-se em pedido
de autofalência, obedecendo aos requisitos da legislação especial, mormente aqueles previstos no
art. 21, “b”, da Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974.

A pedido dos credores


Por razões óbvias, os requerimentos de falência são formulados na sua maioria pelos credores.
O credor, quando empresário, na forma do art. 97, § 1º, da LFRE, deverá comprovar que está
regularmente inscrito no registro público de empresas mercantis. Para tanto, basta apresentar junto
com a petição inicial cópia do seu ato constitutivo devidamente registrado na Junta Comercial.
Ocorre que, não raro, o requerente, apesar de ostentar a qualidade de empresário, tem o seu
ato constitutivo arquivado no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, seja por erro no ato
da criação da sua pessoa jurídica, seja pela falta de migração de registro, em relação às antigas
sociedades civis de prestação de serviços constituídas antes do advento da teoria da empresa,
positivada no CC de 2002.
No primeiro caso, não há como negar a aplicação da vedação prevista no § 1º do art. 97 da
LFRE. Entretanto, no segundo, não parece razoável considerar como sociedades irregulares,
especialmente equiparando-as às sociedades em comum, aquelas que no ato da sua constituição se
registraram perante o órgão competente, mas não promoveram a migração para a Junta Comercial
após a entrada em vigor do atual CC.
O credor domiciliado no exterior deverá prestar caução arbitrada pelo juiz, na forma do art. 83
do Código de Processo Civil (CPC) e do art. 97, § 2º, da LFRE, a fim de assegurar o pagamento das
custas, dos honorários sucumbenciais e de eventual indenização ao requerido, se constatado que houve
dolo no requerimento de falência julgado improcedente, consoante art. 101 da Lei de Falências.

7
TJSP, Apelação 0004092-38.2010.8.26.0000. Rel. Pereira Calças. Julgamento: 14/12/2010. Câmara Reservada à Falência e
à Recuperação de Empresa.

23
De fato, são raros os requerimentos de falência formulados por credores estrangeiros, uma
vez que normalmente eles se valem de sólidas garantias reais ou bancárias, com pouca vantagem
no requerimento de falência do devedor em terras estanhas.
De toda maneira, qual deve ser o valor da caução? Defendemos, na prática, 40% do valor
do crédito, tendo por referência, embora sem embasamento legal expresso, os percentuais
máximos para a fixação do ônus de sucumbência e da pena por litigância de má-fé.

Credor com garantia real


O art. 9º, III, “b”, do Decreto-Lei nº 7.661/45 proibia expressamente o requerimento de
falência por credor com garantia real, salvo se ele renunciasse a garantia ou se provasse,
antecipadamente, que ela era insuficiente para cobrir o crédito. Tal proibição sempre foi seguida à
risca pela jurisprudência dos tribunais e pela doutrina, que destacam, ainda, a falta de interesse de agir.
Ocorre que essa proibição não foi renovada e, ao revés, foi substituída pela eloquente
afirmativa de que “qualquer credor” poderá requerer a falência do seu devedor, atendidas as
demais exigências legais. Não há nenhuma ressalva em relação aos credores com garantia real.
Parcela considerável da doutrina, a exemplo do eminente professor Carlos Henrique
Abrão,8 ainda considera a falta de interesse como principal obstáculo para o conhecimento do
requerimento de falência formulado pelo credor com garantia real, salvo, como antes, se ele
renunciar a garantia ou provar que ela é insuficiente.
Em sentido contrário, amparados na interpretação literal da expressão “qualquer credor”,
muitos doutrinadores, a exemplo de Salomão e Penalva Santos,9 admitem o requerimento de
falência por todos os credores que se sujeitam ao concurso (art. 83 da LFRE), inclusive com
garantia real.
Sobre o tema, trazemos à colação como importante precedente o caso da Churrascaria
Porcão, cuja falência foi decretada pelo MM. Juízo da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro a
partir do requerimento de um credor hipotecário.10
Adotamos a tese favorável à legitimidade do credor com garantia real, hipotecária ou
pignoratícia, para o requerimento de falência, aduzindo que o seu interesse de agir é incontestável,
uma vez que, decretada a falência, ele terá prioridade de pagamento sobre o crédito fiscal, seja ele
municipal, estadual ou federal, haverá limitação do privilégio do crédito trabalhista em 150
salários-mínimos, ocorrerá a cessação do aumento do endividamento trabalhista do devedor, bem

8 ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Coordenadores: Carlos Henrique
Abrão e Paulo Fernando Campos Salles de Toledo. São Paulo: Saraiva, 2005. 254 p.

9 SALOMÃO, Luis Felipe; SANTOS, Paulo Penalva. Recuperação judicial, extrajudicial e falência: teoria e prática. 2. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2015. p. 84.

10 Processo nº 0411258-46.2014.8.19.0001.

24
como se preservará o patrimônio restante do devedor contra eventuais desvios, comuns no
período de insolvência.
Recentemente, porém, tivemos de nos manifestar em um requerimento de falência
formulado por um credor fiduciário contra a renomada rede de lojas de móveis e de artigos de
decoração conhecida como Toque a Campainha.11 A princípio, por possuir direito de
propriedade, esse credor não estaria sujeito ao concurso da falência, em razão do art. 85 da LFRE,
nem mesmo precisaria “habilitar” o seu crédito.
Na oportunidade, citamos um único precedente do TJSP que, anulando a sentença de
extinção do processo sem o julgamento do mérito, reconheceu a legitimidade e o interesse do
credor fiduciário no pedido de falência, forte no argumento de que, em tese, decretada a falência,
ele poderia renunciar a garantia e assim habilitar o seu crédito.12 Ainda não estamos totalmente
convencidos.

Credor tributário
Há intensa discussão acadêmica sobre a legitimidade da Fazenda Pública para formular
requerimento de falência do seu devedor empresário. Não há mais como negar que o crédito
fiscal está sujeito ao concurso de credores estabelecido pela falência, tanto que o crédito fiscal
está estrategicamente posicionado nos incisos III e VII do art. 83, assim como no inciso V do
art. 84 da LFRE.
As mudanças promovidas pela Lei nº 14.112/2020 foram extremamente profícuas, pois
instituíram o incidente de classificação de crédito fiscal e previram expressamente a suspensão das
execuções fiscais contra as massas falidas, como também dos respectivos prazos prescricionais.
Feitas tais considerações, o fato é que o STJ, desde antes do advento da Lei nº 11.101/05,
havia sedimentado o entendimento de que a Fazenda Pública não tem legitimidade para requerer
a falência do contribuinte devedor, por ausência de previsão legal específica, característica
marcante da atividade administrativa vinculada do agente público. Vejamos:

PROCESSO CIVIL. PEDIDO DE FALÊNCIA FORMULADO PELA


FAZENDA PÚBLICA COM BASE EM CRÉDITO FISCAL.
ILEGITIMIDADE. FALTA DE INTERESSE. DOUTRINA.
RECURSO DESACOLHIDO. I – Sem embargo dos respeitáveis
fundamentos em sentido contrário, a Segunda Seção decidiu adotar o
entendimento de que a Fazenda Pública não tem legitimidade, e nem

11
Processo nº 0079439-91.2019.8.19.0001, em trâmite perante a 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.

12 TJSP, Apelação Cível nº 1067465-10.2017.8.26.0100. Relator: Araldo Telles; 2ª Câmara Reservada de Direito
Empresarial; Foro Central Cível – 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Julgamento: 24/06/2019; Registro em
25/06/2019.

25
interesse de agir, para requerer a falência do devedor fiscal. II – Na linha
da legislação tributária e da doutrina especializada, a cobrança do tributo
é atividade vinculada, devendo o Fisco utilizar-se do instrumento afetado
pela lei à satisfação do crédito tributário, a execução fiscal, que goza de
especificidades e privilégios, não lhe sendo facultado pleitear a falência do
devedor com base em tais créditos (STJ, REsp 164.389/MG, Rel.
ministro Castro Filho, Rel. p/ acórdão ministro Sálvio de Figueiredo
Teixeira, 2ª Seção, Julgamento: 13/08/2003, DJ 16/08/2004, p. 130).

Essa orientação continua firme na jurisprudência, mesmo após a entrada em vigor da Lei nº
11.101/05, conforme se constata pelo precedente abaixo:

TRIBUTÁRIO E COMERCIAL – CRÉDITO TRIBUTÁRIO –


FAZENDA PÚBLICA – AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE PARA
REQUERER A FALÊNCIA DE EMPRESA. 1. A controvérsia versa sobre
a legitimidade de a Fazenda Pública requerer falência de empresa. 2. O art.
187 do CTN dispõe que os créditos fiscais não estão sujeitos a concurso de
credores. Já os arts. 5º, 29 e 31 da LEF, a fortiori, determinam que o crédito
tributário não está abrangido no processo falimentar, razão pela qual carece
interesse por parte da Fazenda em pleitear a falência de empresa. 3. Tanto o
Decreto-lei n. 7.661/45 quanto a Lei n. 11.101/05 foram inspirados no
princípio da conservação da empresa, pois preveem respectivamente, dentro
da perspectiva de sua função social, a chamada concordata e o instituto da
recuperação judicial, cujo objetivo maior é conceder benefícios às empresas
que, embora não estejam formalmente falidas, atravessam graves dificuldades
econômico-financeiras, colocando em risco o empreendimento empresarial.
4. O princípio da conservação da empresa pressupõe que a quebra não é um
fenômeno econômico que interessa apenas aos credores, mas sim, uma
manifestação jurídico-econômica na qual o Estado tem interesse
preponderante. 5. Nesse caso, o interesse público não se confunde com o
interesse da Fazenda, pois o Estado passa a valorizar a importância da
iniciativa empresarial para a saúde econômica de um país. Nada mais certo,
na medida em que quanto maior a iniciativa privada em determinada
localidade, maior o progresso econômico, diante do aquecimento da
economia causado a partir da geração de empregos. 6. Raciocínio diverso,
isto é, legitimar a Fazenda Pública a requerer falência das empresas
inviabilizaria a superação da situação de crise econômico-financeira do
devedor, não permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos

26
trabalhadores, tampouco dos interesses dos credores, desestimulando a
atividade econômico-capitalista. Dessarte, a Fazenda poder requerer a
quebra da empresa implica incompatibilidade com a ratio essendi da Lei de
Falências, mormente o princípio da conservação da empresa, embasador da
norma falimentar. Recurso especial improvido (REsp 363.206/MG, Rel.
ministro Humberto Martins, 2ª Turma, Julgamento: 04/05/2010, DJe,
21/05/2010).

Esse entendimento foi prestigiado no Enunciado nº 56 da Jornada de Direito Comercial do


Conselho da Justiça Federal (CJF). No entanto, além da expressa legitimidade conferida às
Fazendas Públicas para requererem a convolação do processo de recuperação em falência pela Lei
14.112/2020, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em precedente julgado no ano de 2020, deu
provimento ao recurso da União Federal para reconhecer a legitimidade ativa da Fazenda Pública
quando o pedido de falência do contribuinte estiver fundamentado na denominada execução
frustrada, prevista no inciso II do caput do art. 94, da LFRE. Confira-se:

FALÊNCIA. PEDIDO FORMULADO PELA UNIÃO FEDERAL.


SENTENÇA QUE INDEFERIU A PETIÇÃO INICIAL E JULGOU
EXTINTO O FEITO, SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, POR
FALTA DE INTERESSE DE AGIR DA FAZENDA PÚBLICA.
HIPÓTESE DE ANULAÇÃO. PEDIDO DE FALÊNCIA COM BASE
NO ART. 94, II, DA LEI Nº 11.101/05. CASO CONCRETO EM
QUE RESTOU FRUSTRADA A EXECUÇÃO FISCAL.
ESGOTAMENTO DOS MEIOS DISPONÍVEIS À UNIÃO PARA
SATISFAÇÃO DO CRÉDITO. INTERESSE DE AGIR. HIPÓTESE
QUE NÃO CONFIGURA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA
IMPESSOALIDADE E DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA.
EFEITOS DE EVENTUAL DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA
RELEVANTES PARA A PRESERVAÇÃO DA LIVRE
CONCORRÊNCIA, EM COMBATE AOS AGENTES
ECONÔMICOS NOCIVOS AO MERCADO. FAZENDA PÚBLICA
QUE SE SUBMETE AO CONCURSO MATERIAL DE CREDORES,
E, PORTANTO, TAMBÉM TEM INTERESSE NO PEDIDO DE
QUEBRA. APELAÇÃO PROVIDA PARA ANULAR A SENTENÇA.
(TJSP; Apelação Cível 1001975-61.2019.8.26.0491; Relator
(a): Alexandre Lazzarini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de
Direito Empresarial; Foro de Rancharia - 1ª Vara; Data do Julgamento:
30/07/2020; Data de Registro: 31/07/2020)

27
Juízo competente
Definido quem pode dar o pontapé inicial do processo falimentar, passemos ao estudo do
juízo competente para conhecer tanto o requerimento de falência como o pedido de recuperação
judicial ou extrajudicial do devedor empresário.
Do ponto de vista legal, não há novidade sobre a questão, estando ela disciplinada no art.
3º da LFRE, que considera competente “o juízo do local do principal estabelecimento do devedor
ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil”. O problema está em definir o que é
“principal estabelecimento”. Seria a sede designada no ato constitutivo, o local onde está a maior
parte do ativo, o lugar onde funciona a diretoria ou a administração da empresa ou onde o
devedor empresário explora a maior parte ou a parte mais relevante dos seus negócios?
Evidentemente, a questão só ganha contornos de complexidade quando a devedora possui
vários estabelecimentos, tal como uma rede de lojas de departamento ou uma grande construtora
e incorporadora, com empreendimentos em diversas cidades.
Advirta-se, desde o pórtico, que a competência ora analisada é definida por critérios
funcionais, portanto, absoluta, não se prorrogando, nem mesmo pela teoria do fato consumado,
conforme sedimentada jurisprudência do STJ:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO


DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL AJUIZADO NA COMARCA DE
CATALÃO/GO POR GRUPO DE DIFERENTES EMPRESAS.
ALEGAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE GRUPO ECONÔMICO.
DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA A COMARCA DE
MONTE CARMELO/MG. FORO DO LOCAL DO PRINCIPAL
ESTABELECIMENTO DO DEVEDOR. ART. 3º DA LEI 11.101/05.
PRECEDENTES. 1. Trata-se de conflito de competência suscitado pelo
JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA DE MONTE CARMELO/MG
em face do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS, nos
autos de pedido de recuperação judicial formulado por quatro empresas,
em litisconsórcio ativo, com a particularidade de que cada uma delas
explora atividade empresária diversa e de forma autônoma, inclusive com
estabelecimentos próprios. 2. [...] a norma constante do artigo 3º da
Lei 11.101/05 encerra regra de competência absoluta, afastando
eventual alegação da existência de preclusão quanto à suscitação do
conflito. [...] (CC 146.579/MG, Rel. ministro Paulo de Tarso
Sanseverino, 2ª Seção, Julgamento: 09/11/2016, DJe 11/11/2016).

28
Embora, na prática, alguns juízos sustentem as suas competências a partir de diferentes
critérios, defendidos muitas vezes por vertentes doutrinárias dissonantes e minoritárias, quando a
discussão chega ao STJ é firme a orientação de que principal estabelecimento é aquele onde ocorre
o maior volume de negócios, independentemente do local da sede prevista no ato constitutivo, do
local onde está a maior parte do ativo imobilizado ou do local onde se situam a diretoria e os
sócios controladores. Vejamos:

AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA.


RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRINCIPAL ESTABELECIMENTO
DO DEVEDOR. 1. Esta Corte, interpretando o conceito de "principal
estabelecimento do devedor" referido no artigo 3º da Lei nº
11.101/2005, firmou o entendimento de que o Juízo competente para
processamento de pedido de recuperação judicial deve ser o do local em
que se centralizam as atividades mais importantes da empresa. [...] (AgInt
no CC 157.969/RS, Rel. ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 2ª Seção,
Julgamento: 26/09/2018, DJe 04/10/2018).

Contudo, como já alinhavado, há na doutrina entendimento diverso, e pelo menos um


deles está calcado na respeitada posição de Trajano de Miranda Valverde, para o qual o principal
estabelecimento é aquele em que se encontra a sede administrativa do devedor. Assim entendia
porque a sede administrativa seria o “ponto central dos negócios, de onde partem todas as ordens,
que imprimem e regularizam o movimento econômico dos estabelecimentos produtores”.13
Nada obstante, maior dificuldade se apresenta quando a atividade empresarial é
pulverizada, em vários locais, por vezes em quase todo o território nacional, sem clara
predominância por alguma cidade, como no caso de uma grande construtora e incorporadora de
imóveis ou de uma companhia aérea, ou mesmo quando não há um local fixo para a exploração
da atividade, como na hipótese de uma sociedade exploradora de derivados de petróleo, com
concessões para vários campos de extração, ou de uma sociedade organizadora de grandes shows
pelo País.
Em hipóteses como tais, a jurisprudência tem oscilado entre o local designado como sede
nos atos constitutivos ou o local onde funciona o centro de comando administrativo, ou seja,
onde funciona a direção. Confira-se:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO


DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL AJUIZADO NA COMARCA DE
CATALÃO/GO POR GRUPO DE DIFERENTES EMPRESAS.
ALEGAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE GRUPO ECONÔMICO.

13
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955. 84 p. v. 3.

29
DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA A COMARCA DE
MONTE CARMELO/MG. FORO DO LOCAL DO PRINCIPAL
ESTABELECIMENTO DO DEVEDOR. ARTIGO 3º DA LEI
11.101/05. PRECEDENTES. 1. Trata-se de conflito de competência
suscitado pelo JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA DE MONTE
CARMELO/MG em face do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO
DE GOIÁS, nos autos de pedido de recuperação judicial formulado por
quatro empresas, em litisconsórcio ativo, com a particularidade de que
cada uma delas explora atividade empresária diversa e de forma
autônoma, inclusive com estabelecimentos próprios. [...]. 7.
Considerando o variado cenário de informações que constam dos autos,
notadamente a de que a ELETROSOM S/A é a maior sociedade do
grupo, e que sua atividade é pulverizada pelo país, deve ser definido
como competente o juízo onde está localizada a sede da empresa, ou seja,
o juízo da Comarca de Monte Carmelo/MG. [...] (CC 146.579/MG,
Rel. ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 2ª Seção, Julgamento:
09/11/2016, DJe 11/11/2016).

Não se pode deixar de mencionar um case de grande repercussão e que de certa forma serviu
de orientação para os demais. Trata-se do Caso Sharp. Como cediço, a Sharp comercializava os
seus produtos em todo o País, mas a sua diretoria ficava em São Paulo, assim como o seu maior
volume de vendas, enquanto a única fábrica estava situada na Zona Franca de Manaus.
Inicialmente, a concordata foi processada em São Paulo, a pedido da devedora, mas em razão de
um pedido de falência distribuído em Manaus, o STJ, no julgamento do Conflito de
Competência nº 37.736/SP, decidiu que a competência seria do local onde funcionava a fábrica,
ou seja, Manaus.
Há de se consignar que a alteração fraudulenta do estabelecimento empresarial, isto é,
quando a mudança tiver por finalidade dificultar a ação dos credores, passou a ser considerada
como um ato de falência, o que por si só já autoriza o requerimento da sua quebra, no juízo do
local do antigo estabelecimento, conforme art. 94, III, “d”, da LFRE.
Nos processos de recuperação judicial de grupo econômico, há de se perquirir qual o principal
estabelecimento do grupo com um todo, na linha prevista no § 2º do art. 69-G da LFRE.
Por derradeiro, com base no art. 6o, § 8º, da LFRE, a distribuição do pedido de falência ou
de recuperação judicial ou extrajudicial previne a competência.

30
Pressupostos falimentares
Como já adiantamos, para que seja decretada a falência, deve ficar comprovada nessa fase
cognitiva a presença dos chamados pressupostos falimentares, assim entendidos:
a) materiais:
legitimidade passiva e
insolvência.

Obs.: impossibilidade de recuperação (nosso posicionamento).

formal:
sentença de falência.

Durante a tramitação do pedido de falência, o juiz deverá perquirir se todos os pressupostos


acima destacados estão presentes. A ausência de qualquer um deles impede a sentença de quebra.
Analisemos, pois, cada um desses pressupostos.

Legitimidade passiva
O art. 1º da LFRE foi muito preciso ao restringir a aplicação do novo regime jurídico da
insolvência empresarial, ao dispor que: “Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a
recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos
simplesmente como devedor”.
Diante da literalidade do texto legal, somente o empresário individual (art. 966 do CC), a
sociedade empresária (art. 982 c/c art. 966 do CC) e a empresa individual de responsabilidade
limitada (Eireli) estão sujeitos à falência, pois o instituto é essencialmente empresarial.14
Estão excluídas desse regime, de pronto e por indução lógica, as sociedades simples, os
empreendedores rurais que não possuírem registro na Junta Comercial, as pessoas jurídicas sem
fins lucrativos, como associações e fundações, e as pessoas naturais que não exercerem, de fato e
em nome próprio, atividade própria de empresário. Todos esses estão sujeitos ao procedimento de
insolvência civil, disciplinado no CPC de 1973, no capítulo referente à execução por quantia certa
contra os bens do devedor insolvente.
Em relação ao empresário individual, três pontos devem ser abordados. O primeiro é que o
empresário individual, no Brasil, é o titular da firma individual e com ela se confunde, ou seja, não

14
Há projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional pretendendo submeter as sociedades simples ao regime
jurídico da insolvência empresarial.

31
podem ser consideradas duas personalidades distintas. A falência, portanto, é do empresário individual
(pessoa natural), titular da firma individual (pessoa jurídica). Essa é a posição da jurisprudência:

Na verdade, o que se tem é o redirecionamento da execução fiscal para a


pessoa física responsável legal pela empresa à época do fato gerador e,
agora, discute-se a possibilidade de utilizar como critério para a pesquisa
de bens o CNPJ da firma individual do executado. Ou seja, não se
pretende analisar fatos e provas, mas o reconhecimento de que no caso de
firma individual não existe distinção entre a personalidade jurídica da
pessoa jurídica e a da pessoa natural de seu titular, havendo, portanto,
confusão entre o patrimônio de um e de outro, o que permitiria a
pesquisa dos bens considerando-se o CNPJ da firma individual.
Aliás, o próprio STJ já se posicionou no sentido de que a empresa
individual é mera ficção jurídica, criada para habilitar a pessoa
natural a praticar atos de comércio, com vantagens do ponto de vista
fiscal, sendo que o patrimônio da empresa individual se confunde
com o de seu sócio, conforme julgado a seguir: (fls. 233/236e) (STJ,
ministra Relatora Assusete Magalhães. Decisão Monocrática no AgInt no
Recurso Especial nº 1.397.766 – RS. 01/08/2017). Nesse sentido:
TJ/MT, Ap. Cív. 92908/68, Quinta Câmara Cível, Des. Rel. Carlos
Alberto Alves da Costa. Julgamento: 07/02/2007.

O segundo ponto é o fato de ser possível a decretação da falência do espólio deixado pelo
empresário individual, desde que o pedido seja feito em até um ano da data do óbito do
empresário (art. 96, § 1º, in fine, da LFRE), fato raríssimo e que jamais presenciamos, mesmo
após vários anos de atuação na seara falimentar.
O último registro é sobre a possibilidade de decretação da falência do empresário individual
menor de 18 anos, algo proibido no sistema anterior. Tanto o absolutamente incapaz, autorizado
pelo art. 974 do CC, como o maior de 16 anos, emancipado por força do art. 5º, V, do CC, estão
sujeitos à decretação da falência.
Em relação à Eireli, sem adentrar com desnecessária profundidade nas questões atreladas ao
Direito de Empresa, o fato é que ela pode ser constituída para explorar atividade empresarial ou
não empresarial, o que implica a necessidade do exame concreto da sua natureza.
O registro na Junta Comercial só terá natureza constitutiva da qualidade de empresário
para aqueles que exploram atividade rural e, em outra linha, só terão mercantilidade forçada as
pessoas jurídicas que se revestirem da forma de sociedade por ações. Assim, constatado que a
atividade explorada por uma Eireli não é própria do empresário, por exemplo, funcionando

32
como um pequeno escritório de arquitetura, mesmo registrada na Junta Comercial, ela não
estará sujeita à falência.
Sem nos aprofundarmos no seu conceito, devemos considerar empresárias e, com isso,
sujeitas à falência, todas as sociedades que explorem atividades de produção de bens, como as
indústrias; de circulação de bens, como as concessionárias de veículos e as lojas de roupas; e de
prestação de serviços, como as imobiliárias, os hotéis e as construtoras.
Também serão consideradas empresárias as sociedades que explorem atividade intelectual,
artística, literária ou científica quando a estrutura empresarial se sobrepuser à atividade, o que
normalmente fica claro quando a atividade-fim não é exercida significativamente pelos sócios,
mas, sim, por profissionais contratados.15 É o caso de escolas, laboratórios e hospitais.
Ressalvados os casos de confusão patrimonial, defendemos a impossibilidade de
litisconsórcio passivo nos requerimentos de falência, ainda que sejam devedores solidários. Entre
outras razões de ordem processual, destacamos que a lei se refere ao devedor sempre no singular e
que, quando quis admitir o litisconsórcio, foi expressa, ex vi do art. 94, § 1º da LFRE.

Teoria dos agentes econômicos


É cediço que a LFRE disciplina a insolvência empresarial, tendo por alicerce a denominada
teoria da empresa, encampada no Brasil pelo Código Civil de 2002. Ocorre que recentes e
polêmicas decisões têm autorizado o processamento de pedidos de recuperação judicial de não
empresários, sob o argumento de que a teoria da empresa já estaria divorciada da nossa realidade e
de que a LFRE deveria ser aplicada aos denominados “Agentes Econômicos”, conceito esse que
englobaria as sociedades simples, as associações e as fundações, os últimos reconhecidamente sem
finalidade lucrativa.
O principal objetivo dessa linha de pensamento é permitir que alguns clubes de futebol,
hospitais e entidades de ensino, criados como associações sem fins lucrativos, possam pedir
recuperação judicial, tal como permitido aos empresários. A decisão mais emblemática favoreceu a
Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, uma associação civil sem fins lucrativos e com
o título de entidade filantrópica, inclusive para obtenção de certas imunidades tributárias16.
Não se pode olvidar que essa é uma via de mão dupla, ou seja, adotada a denominada teoria
dos agentes econômicos, estes agentes econômicos poderão até ter acesso ao instituto da
recuperação de empresas, mas também estarão ao alcance da falência. A adoção dessa teoria foi
profundamente discutida e, o mais importante, rejeitada pelos legisladores, durante a tramitação
dos projetos de lei que, aglutinados, resultaram na aprovação da Lei nº 14.112, de 24 de
dezembro de 2020.

15
Nesse sentido, ver os Enunciados nº 193, nº 194 e nº 195 do CJF.
16
TJRJ, Agravo de Instrumento nº 0031515-53.2020.8.19.0000. 6ª Câmara Cível. Des. Rel. Nagib Slaibi Filho. Julgado em
02/09/2020. Maioria de Votos.

33
Sociedades empresárias dissolvidas irregularmente
É muito comum, infelizmente, nos depararmos com um requerimento de falência
direcionado contra uma sociedade empresária que só existe no papel, ou seja, que já foi dissolvida
de forma irregular, com o total desaparecimento do ativo, circulante e imobilizado, e da
escrituração, sem baixa na Junta Comercial, para desespero dos credores, que sequer têm meios de
descobrir o paradeiro de bens eventualmente desviados.
Decretada a falência, defendemos a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica e o oferecimento de denúncia criminal contra os administradores pela prática do crime
previsto no art. 168, § 1º, da LFRE. Nesse sentido:

O inconformismo não prospera. 1. O Tribunal local reconheceu, com base


na análise dos elementos de convicção acostados aos autos, a
responsabilidade pessoal da insurgente (sócia da empresa falida) em
razão da falida ter encerrado suas atividades sem a prévia observância
dos procedimentos legais, motivo pelo qual adequada o reconhecimento
da responsabilidade da sócia administradora pelos danos causados
decorrentes da má administração e encerramento irregular da falida.
Confira-se os seguintes trechos do acórdão (fl. 133/139, e-STJ): No apelo, a
parte apelante reitera que cumpriu suas obrigações decorrentes da lei
falimentar; pela inexistência de habilitações não há obrigações a serem
assumidas pelos sócios; a responsabilidade da administração seria do outro
sócio e não há prova de sua responsabilidade. Adianto que a sentença deve
ser mantida com o desprovimento do apelo. Diz a sentença recorrida e cujas
razões as adoto: Trata-se de ação de responsabilidade ajuizada pelo Síndico
contra os sócios da falida, objetivando a responsabilização e ressarcimento
dos danos causados contra a massa, com fundamento na dissolução
irregular, falta de documentação contábil e não cumprimento do art.
104 da Lei n.° 11.101/05. [...] Quanto ao não cumprimento do dever
imposto aos sócios no art. 102 da lei nº 11.101/05, em que pese Neusa
tenha prestado tais declarações e inclusive declarado que a sociedade era
administrada por Angelo (fl. 37), este sócio as omitiu. No que tange à falta
de apresentação dos livros contábeis, em que pese a sócia Neusa tenha
afirmado que a documentação estava com o outro sócio (fl. 32), tal alegação
vai de encontro à contestação apresentada por ocasião do pedido falimentar,
quando afirmou que ele não mantinha contato com a empresa há
aproximadamente dois anos (fl. 137). Tais contradições evidenciam que a
sócia Neusa apresenta seus fundamentos conforme sua conveniência
processual, pois se Ângelo estava afastado da empresa, não é crível a alegação
de que ele administrava a empresa de fato e que os livros estariam sob a posse

34
dele. Tal justificativa é frágil para afastar a responsabilidade da sócia Neusa
de entregar os livros, especialmente porque a sede da empresa confundia-se
com sua residência, conforme apurou o oficial de justiça. Ademais, se Ângelo
realmente estivesse afastado da administração, pouco crivei que não tivesse
arguido tal fato em seu favor em vez de simplesmente optar pela revelia. Tais
elementos evidenciam que ambos os sócios agiram de forma ruinosa na
condução do objetivo social da empresa falida, frustrando a arrecadação
dos bens e consequentemente o pagamento dos credores, ficando
prejudicada a localização de outros bens diante da inexistência de
escrituração contábil regular por parte daquela. [...] Então, havendo
prova da dissolução irregular e o devido processo judicial, com a
possibilidade da realização das provas a ele inerentes e restando determinados
os atos ilícitos realizados frente à administração da empresa, como dito na
sentença, resta apenas de manter a responsabilidade pelos danos causados e
na forma apontado na sentença a sua reparação. Assim, é mantida na
integralidade da sentença recorrida. Sendo assim, para acolhimento do apelo
extremo, no sentido de que a insurgente teria cumprido com todas as
obrigações constantes na lei falimentar, seria imprescindível derruir a
afirmação contida no decisum atacado, o que, forçosamente, ensejaria em
rediscussão de matéria fática, incidindo, na espécie, o óbice da Súmula 7
deste Superior Tribunal de Justiça, sendo manifesto o descabimento do
recurso especial (STJ, AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 351.956-RS.
Relator: ministro Marco Buzzi. Julgamento: 18/03/2015).17

Sociedades empresárias não sujeitas à LFRE


Não são todas as sociedades empresárias que estão sujeitas à LFRE. Pelo menos essa é a
primeira impressão que se extrai da redação do seu art. 2º:

Art. 2º Esta Lei não se aplica a:


I – empresa pública e sociedade de economia mista;
II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito,
consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora
de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de
capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

17
TJRJ, Agravo de Instrumento nº 0024899-72.2014.8.19.0000. Des. Gabriel de Oliveira Zefiro. Julgamento: 03/11/2014. 13ª
Câmara Cível.

35
Apesar da barulhenta divergência doutrinária, no âmbito jurisprudencial a interpretação
desse dispositivo legal não parece tão tormentosa.
As empresas públicas e as sociedades de economia mista são empresárias, mas sempre
estiveram fora do regime falimentar. De início, a proibição advinha do art. 242 da Lei nº
6.404/76, revogado pela Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001. Até a edição da nova LFRE,
não tínhamos nenhum dispositivo legal tratando do tema de forma clara. Contudo, o inciso I do
art. 2º, da Lei nº 11.101/05 voltou a trazer paz ao tema, salvo para aqueles que sustentam a sua
inconstitucionalidade, por aparente violação do art. 173, § 1º, II, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), c/c o art. 195, da própria Lei nº 11.101/05, que
autoriza a falência das concessionárias de serviços públicos.
Não enxergamos nenhuma inconstitucionalidade, na medida em que as empresas públicas e
as sociedades de economia mista só atuam no campo empresarial quando houver relevante interesse
público ou assunto inerente à segurança nacional. Não há nada de inconstitucional em excluí-las do
regime jurídico da insolvência empresarial, sob o fundamento da prevalência do interesse público
sobre o privado, estando a opção do legislador infraconstitucional em perfeita harmonia com a
nossa Carta Magna.18
De toda maneira, o Supremo Tribunal Federal afetou ao Plenário o julgamento do Recurso
Extraordinário nº 1.249.945/MG, que teve repercussão geral reconhecida por unanimidade pelo
Plenário Virtual da Corte (tema 1101), contra acórdão do TJGM que negou o pedido de
recuperação judicial da Empresa de Serviços, Obras e Urbanização do Município de Montes Claros.
Mais uma vez lembramos que, se a Empresa Pública e a Sociedade de Economia Mista tiverem
direito ao instituto da recuperação judicial, também estarão sujeitas à falência.
A interpretação do inciso II do art. 2º da LFRE já inspira mais cuidados, sendo oportuna a
sua análise por etapas, dada a multiplicidade de entidades por ele abrangida.
As instituições financeiras, as cooperativas de crédito e os consórcios estão sujeitos às regras de
intervenção e liquidação extrajudiciais previstas na Lei nº 6.024/74. Conjugando as duas leis,
chegamos à conclusão de que tais sociedades estão sujeitas indiretamente à falência, na medida em que
o único caminho para elas chegarem à falência é por meio do pedido de “autofalência” formulado pelo
liquidante extrajudicial, devidamente autorizado pelo presidente do Banco Central do Brasil, o que se
dá nas hipóteses previstas no art. 12, “d”, e no art. 21, “b”, da Lei nº 6.024/74. Vejamos:

Art. 12. À vista do relatório ou da proposta do interventor, o Banco


Central do Brasil poderá: [...]
d) autorizar o interventor a requerer a falência da entidade, quando o seu
ativo não for suficiente para cobrir sequer metade do valor dos créditos
quirografários, ou quando julgada inconveniente a liquidação

18
Nesse sentido: COELHO, Fábio. Curso de direito comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 248. v. 5.

36
extrajudicial, ou quando a complexidade dos negócios da instituição ou,
a gravidade dos fatos apurados aconselharem a medida.

As sociedades de previdência complementar abertas, por força do art. 73 da Lei


Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, e as sociedades de capitalização, em razão do art.
4º do Decreto-Lei nº 261, de 28 de fevereiro de 1967, estão sujeitas ao mesmo regime imposto às
seguradoras, as quais, por sua vez, a partir da Lei nº 10.190, de 14 de fevereiro de 2001, a qual
alterou o Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, passaram a se sujeitar à falência nos
mesmos termos das instituições financeiras. A única diferença é que a intervenção e a liquidação
extrajudicial são promovidas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep).
As sociedades operadoras de plano de saúde estão reguladas pela Lei nº 9.656, de 3 de
junho de 1998, que, no seu art. 23, também autoriza a falência nas mesmas hipóteses previstas
para as instituições financeiras, sendo que desta feita todo o procedimento é supervisionado pela
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Por fim, as entidades fechadas de previdência complementar, por força do art. 47 da Lei
Complementar nº 109/01, não estão sujeitas à falência.

Insolvência
A LFRE pouco alterou os critérios caracterizadores da insolvência. Continuou prestigiada a
insolvência ficta ou presumida, isto é, para a decretação da falência, é irrelevante a discussão se o
ativo do devedor é inferior ao seu passivo. Além da própria confissão de insolvência, denominada
de autofalência, a lei definiu, no seu art. 94, três critérios distintos para presumir que o devedor
está insolvente. São eles: a impontualidade, a execução frustrada e os atos de falência.
De início é importante destacar que o requerente deve informar claramente na sua petição
inicial qual o fundamento do seu requerimento, ou seja, impontualidade, execução frustrada ou
atos de falência. Outrossim, questão interessante e por vezes ignorada pela doutrina, mas
merecedora de toda a nossa atenção, é saber se o requerimento de falência pode basear-se em mais
de um fundamento, ou seja, em mais de um inciso do art. 94 da LFRE. Não há uma resposta
segura para essa indagação, mas, em tese, não enxergamos qualquer empecilho legal, em face da
unicidade procedimental.

37
Impontualidade
Seguindo uma tradição do direito pátrio, a nova lei reproduziu como principal elemento
caracterizador da insolvência a impontualidade, traçando, contudo, novos contornos. Dispõe o
art. 94, I, da LFRE, que:

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:


I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação
líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja
soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data
do pedido de falência;

Como se pode notar, quase nada muda em relação ao sistema anterior, salvo no que
concerne ao valor do título ou títulos que municiam o requerimento. Antes, o pedido de falência
pela impontualidade poderia ter como alicerce um título executivo qualquer que fosse o seu valor,
dando azo a requerimentos de falência de grandes sociedades empresárias a partir de dívidas de
baixíssimos valores, em uma clara demonstração de que a ameaça de falência estava sendo usada
como mero instrumento de coação para cobrança de dívidas contra devedores solventes. Pelas
novas regras, porém, a dívida deve superar a marca dos 40 salários-mínimos na data do
requerimento de falência.
Nessa linha, não tem mais acolhida na jurisprudência, sobretudo do STJ, a tese de abuso de
direito, escorada no fato do credor requerer a falência do devedor com grande patrimônio, a partir
de um crédito inadimplido de baixo valor. Ultrapassada a marca dos 40 salários-mínimos é
legítima a opção do credor em requerer a falência pela impontualidade, mesmo de devedores de
grande envergadura econômica, como na hipótese abaixo, em que o credor de duplicatas no valor
de R$ 160.000,00 requereu a falência das Lojas Americanas:

DIREITO EMPRESARIAL. FALÊNCIA. IMPONTUALIDADE


INJUSTIFICADA. ART. 94, INCISO I, DA LEI N. 11.101/2005.
INSOLVÊNCIA ECONÔMICA. DEMONSTRAÇÃO.
DESNECESSIDADE. PARÂMETRO: INSOLVÊNCIA JURÍDICA.
DEPÓSITO ELISIVO. EXTINÇÃO DO FEITO. DESCABIMENTO.
ATALHAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS PELO PROCESSO DE
FALÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Os dois sistemas de execução por
concurso universal existentes no direito pátrio – insolvência civil e falência
–, entre outras diferenças, distanciam-se um do outro no tocante à
concepção do que seja estado de insolvência, necessário em ambos. O
sistema falimentar, ao contrário da insolvência civil (art. 748 do CPC), não

38
tem alicerce na insolvência econômica. 2. O pressuposto para a instauração
de processo de falência é a insolvência jurídica, que é caracterizada a partir
de situações objetivamente apontadas pelo ordenamento jurídico. No caso
do direito brasileiro, caracteriza a insolvência jurídica, nos termos do art.
94 da Lei n. 11.101/2005, a impontualidade injustificada (inciso I),
execução frustrada (inciso II) e a prática de atos de falência (inciso III). 3.
Com efeito, para o propósito buscado no presente recurso – que é a
extinção do feito sem resolução de mérito –, é de todo irrelevante a
argumentação da recorrente, no sentido de ser uma das maiores empresas
do ramo e de ter notória solidez financeira. Há uma presunção legal de
insolvência que beneficia o credor, cabendo ao devedor elidir tal presunção
no curso da ação, e não ao devedor fazer prova do estado de insolvência,
que é caracterizado ex lege. 4. O depósito elisivo da falência (art. 98,
parágrafo único, da Lei n. 11.101/2005), por óbvio, não é fato que
autoriza o fim do processo. Elide-se o estado de insolvência presumida, de
modo que a decretação da falência fica afastada, mas o processo converte-se
em verdadeiro rito de cobrança, pois remanescem as questões alusivas à
existência e exigibilidade da dívida cobrada. 5. No sistema inaugurado pela
Lei n. 11.101/2005, os pedidos de falência por impontualidade de dívidas
aquém do piso de 40 (quarenta) salários-mínimos são legalmente
considerados abusivos, e a própria lei encarrega-se de embaraçar o
atalhamento processual, pois elevou tal requisito à condição de
procedibilidade da falência (art. 94, inciso I). Porém, superando-se esse
valor, a ponderação legal já foi realizada segundo a ótica e prudência do
legislador. 6. Assim, tendo o pedido de falência sido aparelhado em
impontualidade injustificada de títulos que superam o piso previsto na lei
(art. 94, I, Lei n. 11.101/2005), por absoluta presunção legal, fica afastada
a alegação de atalhamento do processo de execução/cobrança pela via
falimentar. Não cabe ao Judiciário, nesses casos, obstar pedidos de falência
que observaram os critérios estabelecidos pela lei, a partir dos quais o
legislador separou as situações já de longa data conhecidas, de uso
controlado e abusivo da via falimentar. 7. Recurso especial não provido
(STJ, REsp. 1433652/RJ, Rel. ministro Luiz Felipe Salomão. 4ª Turma.
Julgamento: 18/09/2014. DJe. 29/10/2014).19

19
REsp 1532154/SC. Rel. ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, Julgamento: 18/10/2016, DJe 03/02/2017.

39
A lei admite expressamente a possibilidade de litisconsórcio ativo entre diversos credores do
mesmo devedor empresário, a fim de se alcançar o mínimo legal, consoante o § 1º do art. 94 da
LFRE. Entretanto, não temos notícia da sua ocorrência.
Como antes, todos os títulos que instruem o pedido de falência por impontualidade devem
estar regularmente protestados. Saliente-se, nesse contexto, que a jurisprudência edificada sob a
influência da legislação revogada (art. 10 do Decreto-Lei nº 7.661/45) admitia o protesto
cambiário no lugar do falimentar.20
Ocorre que o atual § 3º do art. 94 da LFRE, diversamente do sistema anterior, assevera que
os títulos, “em qualquer caso, devem estar acompanhados dos respectivos instrumentos de
protesto para fim falimentar, nos termos da legislação específica”.
Inicialmente, parte da jurisprudência, sobretudo em precedentes do Tribunal de Justiça
de Santa Catarina (TJSC), passou a exigir o protesto especial falimentar, não permitindo que
o protesto cambiário o substituísse. Esse, no entanto, não é o entendimento da jurisprudência
já pacificada.
Para amparar o pedido de falência por impontualidade, basta que no instrumento de
protesto, especial ou cambiário, esteja identificada a pessoa que recebeu a notificação em nome do
devedor, no seu endereço, mesmo sem poderes especiais para tanto, na forma da Súmula 361 do
STJ, que possui a seguinte redação: “A notificação do protesto, para requerimento de falência da
empresa devedora, exige a identificação da pessoa que a recebeu”.
A intimação ficta, por edital, somente nas hipóteses em que o devedor estiver em local
incerto e não sabido.
É importante lembrar que até mesmo os títulos executivos judiciais, quando utilizados para o
requerimento de falência pela impontualidade, podem e devem ser protestados para fim falimentar.
Saliente-se, ainda, que não é mais possível o requerimento de falência com base em
“protesto por empréstimo”, isto é, quando um credor se aproveita do protesto tirado por outro
credor contra o mesmo devedor (art. 4º do Decreto-Lei nº 7.661/45). O § 3º do art. 94 da LFRE
é claro ao dispor que, em qualquer caso, os títulos devem estar acompanhados dos “respectivos”
instrumentos de protesto.

Execução frustrada
A execução frustrada sempre foi um dos caminhos para provar a insolvência do devedor. No
sistema anterior, ela estava inserida, incorretamente, no rol de atos de falência. Contudo, ganhou
prestígio na nova legislação, estando hoje disciplinada como uma forma autônoma de
caracterização da insolvência. Assim dispõe o art. 94, II, da LFRE: “Art. 94. Será decretada a
falência do devedor que: [...] II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita
e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal”.

20
RT 543/115.

40
Note-se que não há exigência de valor mínimo para o título ou títulos que escoram o pedido
de falência. Basta instruir a exordial com a certidão de execução frustrada, isto é, com a declaração
do cartório do juízo onde se processou a execução, de que o executado, embora citado, não pagou,
não depositou nem ofereceu bens à penhora no prazo legal, a chamada “tríplice omissão”.
A fim de harmonizar a legislação falimentar com as inúmeras modificações do nosso sistema
processual, defendemos que para o requerimento de falência com esse fundamento deve-se exigir
algo mais, além daquela tríplice omissão. Como pelo atual sistema processual o executado pode,
mesmo sem garantir o juízo, apresentar embargos à execução, conforme art. 914 do CPC, não há
como se admitir o pedido de falência enquanto eles não forem julgados, dado o risco de decisões
conflitantes. Assim, a certidão de execução frustrada prevista no § 4º do art. 94 da LFRE deverá
informar, além daquelas três omissões tradicionais, uma quarta: a inexistência de embargos à
execução pendentes de julgamento.
É importante que a certidão também mencione o estado do processo de execução, ou seja,
se ele está suspenso ou extinto. A prova disso, porém, pode ser feita por qualquer outro meio.
Relembre-se, a rigor, que não há necessidade de se extinguir definitivamente a execução singular
para proceder ao requerimento de falência, bastando a sua suspensão.21
Também não se admite o requerimento de falência com base em uma execução provisória
frustrada ou a utilização de certidão de execução frustrada de terceiro, pelos mesmos fundamentos
invocados para não se admitir o protesto “por empréstimo”.
Por fim, não se exige que o credor, outrora exequente, demonstre que esgotou todas as
possibilidades de encontrar bens do devedor no processo de execução. Este é o entendimento
do TJSP:

Pedido de falência. Execução frustrada. Art. 94, II, da Lei nº 11.101/2005.


Insolvência econômica da empresa devedora que não constitui pressuposto à
decretação de quebra sob tal fundamento, sendo suficiente a tanto a simples
configuração de situação legal objetivamente autorizadora desse efeito.
Falência que requer nesse caso tão somente a presença concomitante de três
requisitos no âmbito da execução singular promovida contra a devedora:
falta de pagamento e a par disso a ausência de depósito do valor cobrado,
bem como de nomeação de bens suficientes à penhora, sempre dentro do
prazo legal. Desnecessidade de esgotamento das tentativas de localização de
bens, nos autos da execução singular. Suspensão desse processo devidamente
demonstrada, conforme enunciado da Súmula nº 48 deste E. Tribunal de
Justiça. Pedido falimentar regularmente instruído com certidão indicativa
dessa circunstância. Decisão de Primeiro Grau, que decretou a quebra,

21
STJ, REsp. 125.399/RS. 3ª Turma.

41
mantida. Agravo de instrumento da ré não provido (TJSP; Agravo de
Instrumento 2050638-47.2016.8.26.0000; Relator: Fabio Tabosa; Órgão
Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Santos – 2ª
Vara Cível; Julgamento: 24/08/2016; Registro: 27/08/2016).

Atos de falência
Seguindo a tradição, a LFRE conserva a possibilidade de o requerimento de falência ocorrer
com base na prática de certos atos pelo devedor, condutas essas que receberam o nome de atos de
falência. O art. 94, III, da LFRE traz um rol taxativo de condutas que, se adotadas pelo devedor
empresário, fazem presumir a sua insolvência.
O credor não precisa estar com o seu título vencido, muito menos protestado, para requerer
a falência com base nesse fundamento. Nas próximas linhas, resumiremos o conteúdo de cada
conduta, na ordem constante da lei:
a) Liquidação precipitada – no fundo, a lei vê a malícia do empresário que pretende apurar
o ativo sem pagar o passivo. Devemos ressaltar que as chamadas “queimas de estoque”
não constituem maliciosa liquidação de que trata este inciso. O que a caracteriza é a
venda de bens indispensáveis à continuação da empresa (ativo não circulante),
especialmente por valores muito abaixo dos praticados no mercado;
b) Negócio simulado – com o negócio simulado o devedor tenta furtar a garantia comum
dos credores. Comprovada a transferência simulada de bens e decretada a falência, os
credores, o Ministério Público e, sobretudo, o administrador judicial poderão buscar a
ineficácia desses negócios;
c) Trespasse irregular – a lei pretende coibir que o devedor transfira para terceiro o seu
estabelecimento empresarial e, com isso, fique sem bens suficientes para pagar o passivo.
O trespasse deve seguir rigorosamente as regras previstas nos arts. 1.144 a 1.145 do CC,
também sob pena de ineficácia;
d) Transferência irregular do principal estabelecimento – trata-se de uma inovação. Só se
caracteriza quando comprovado que esse comportamento tem como objetivo a fuga do
devedor, isto é, quando buscar dificultar o acesso dos credores;
e) Falsa garantia – a falência com base nesse inciso só pode ser decretada quando o
devedor procurar favorecer um credor em detrimento dos outros, e não quando se trate
de operação nova, tendente a desafogar uma situação passageira de falta de capital de
giro, especialmente mediante a entrada de “dinheiro novo”;
f) Abandono do estabelecimento – tem por finalidade afastar a ação dos credores e só se
caracteriza quando o titular não deixar procuradores para representá-lo;
g) Descumprimento da recuperação judicial – também é uma novidade. Caso o devedor
em recuperação judicial cumpra as obrigações acordadas para os dois primeiros anos, o

42
processo será encerrado, e a fiscalização passará a ser feita exclusivamente pelos seus
credores. Assim, se o devedor descumprir qualquer obrigação assumida no plano de
recuperação judicial, depois de encerrado o processo, seja de dar, fazer ou não fazer,
além da opção de buscar a tutela específica em um processo de execução, o credor
poderá requerer a falência do devedor.

Há de se ressaltar que, em verdade, não se tem notícia de requerimentos de falência


baseados exclusivamente na prática de atos de falência. Isso decorre não só da dificuldade
probatória, como também pela existência de fundamentos mais cômodos, seguros e objetivos para
se requerer a falência do devedor: a impontualidade e a execução frustrada.

Rito processual da fase pré-falimentar


O rito processual está disciplinado nos arts. 94 a 98, da LFRE, aplicando-se supletivamente
as normas do Código de Processo Civil. Não há mais espaço para discussões sobre a forma de
contagem dos prazos a partir da entrada em vigor da Lei nº 14.112/20. A contagem é sempre em
dias corridos.
Distribuído em bons termos o pedido de falência, o juiz fixará os honorários de
sucumbência para a hipótese de depósito elisivo, normalmente em 10%, e determinará a citação
do devedor para se defender em 10 dias corridos, na forma do art. 98 da LFRE.
Caso a contestação não seja apresentada no prazo legal, aplicam-se todos os efeitos da
revelia, inclusive presumindo-se verdadeiros os fatos narrados pelo requerente, com base no art.
344 do CPC.
Caso em contestação o réu apresente uma defesa preliminar, prejudicial ao exame do
mérito, o autor será intimado para réplica, também no prazo de 10 dias, em razão do princípio
de paridade de armas.
A defesa pode escorar-se em qualquer fundamento, até em respeito ao princípio da preservação
da empresa, porém a mais vista é a alegação de “exceção de contrato não cumprido”. Aliás, o art. 96
traz um rol meramente exemplificativo das matérias que podem ser alegadas em defesa quando o
pedido é fundado na impontualidade. A rigor, à exceção da matéria articulada no inciso VI, vício no
protesto, todas as demais, se comprovadas, também impedem a decretação da falência quando o
fundamento do requerimento de falência for execução frustrada ou ato de falência.
Uma das matérias de defesa que despertam grande controvérsia é a prevista no inciso VIII do
art. 96 da LFRE, a “cessação das atividades empresariais mais de dois anos”. Defendemos que essa
tese só pode ser acolhida nos exatos termos da lei, ou seja, se a cessação das atividades estiver
devidamente arquivada na Junta Comercial. Nesse sentido:

43
No caso concreto, o pedido de falência está baseado na hipótese de
execução frustrada, nos termos do artigo 94, inciso II, da Lei nº
11.101/2005. Além disso, a mera interrupção informal das atividades não
configura a cessação de atividades empresariais prevista nos artigo 96,
inciso VIII, da Lei nº 11.101/2005. Necessidade de comprovação da
cessação das atividades empresariais por meio de documento emitido pelo
órgão de registro competente, o que não ocorreu no caso concreto. Não se
deve julgar improcedente o pedido de falência com fulcro no artigo 96,
inciso VIII, da Lei nº 11.101/2005. [...] (TJSP; Apelação 1129923-
68.2014.8.26.0100; Relator: Carlos Dias Motta; Órgão Julgador: 1ª
Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 2ª Vara
de Falências e Recuperações Judiciais; Julgamento: 29/03/2017; Registro:
31/03/2017).

No prazo para defesa o devedor poderá formular pedido de recuperação judicial, com fulcro
no art. 95 da LFRE, devendo atentar para os rigores dos arts. 48 e 51 da própria LFRE. Uma vez
preenchidos os requisitos legais, o juiz deferirá o processamento da recuperação e suspenderá o
pedido de falência, com fulcro no art. 6º, da LFRE, mesmo que tenha sido apresentada,
concomitantemente, uma defesa direta contra o pedido de quebra.
Em razão da complexidade de um pedido de recuperação judicial, sobretudo em função dos
inúmeros documentos que devem instruí-lo, a sua utilização como defesa de um requerimento de
falência só ocorre por mera coincidência. Já nos deparamos, contudo, com um pedido de
recuperação judicial mal instruído no prazo da contestação, com solicitação de mais prazo para
apresentação dos documentos faltantes, com o que não nos opomos em razão do princípio da
preservação da empresa.
Em muitas ocasiões, o requerimento de falência está calcado em título executivo cuja causa
debendi está sendo discutida em processo em trâmite perante outro juízo, iniciado antes do
requerimento de quebra. Nessa hipótese, é prudente a suspensão do requerimento de falência, a
fim de evitar a possibilidade de decisões judiciais conflitantes. Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUSPENSÃO DE PROCESSO
FALIMENTAR EM VIRTUDE DE AÇÃO REVISIONAL DE
CONTRATO BANCÁRIO. POSSIBILIDADE. PREJUDICIALIDADE
RECONHECIDA. PODER GERAL DE CAUTELA DO JUIZ. (…).
AGRAVO IMPROVIDO.
1. Ao permitir que a ação falimentar fosse suspensa, o Magistrado agiu de
acordo com seu poder geral de cautela, reconhecendo a prejudicialidade no

44
caso concreto, motivo pelo qual não se vislumbra ofensa à legislação
federal. [...] (AgRg no AREsp 695.930/PR, Rel. ministro Marco Aurélio
Bellizze, 3ª Turma, Julgamento: 04/08/2016, DJe 12/08/2016).

É óbvio que, na hipótese de o título estar com a exigibilidade suspensa por decisão de outro
juízo, proferida antes do requerimento, não deve haver a mera suspensão da ação de falência, mas,
sim, o acolhimento da defesa prevista no art. 96, V, da LFRE, com a improcedência do pedido.
Enfrentamos essa questão envolvendo uma cláusula arbitral. Depois de formulado um
pedido de falência baseado em diversas duplicatas sem aceite, mas acompanhadas dos
comprovantes da prestação de serviços, instaurou-se um procedimento arbitral, a pedido do
devedor, para discussão do contrato que serviu de causa debendi daquelas duplicatas.
Não fosse a cláusula arbitral, caberia ao juízo onde tramitava o requerimento de falência
analisar as defesas do devedor. Contudo, em razão da força cogente do pacto, somente o tribunal
arbitral teria competência para dirimir as questões levantadas pelo devedor e, se acolhidas as suas
pretensões, afetariam a exigibilidade das duplicatas que davam suporte ao pedido de falência. A
solução, também aqui, foi opinar pela suspensão do pedido de falência até o fim da arbitragem, o
que foi acolhido pelo juízo e depois mantido pelo TJRJ.
Há de se ressaltar que a LFRE não prevê dilação probatória, salvo quando o requerimento é
formulado a partir da imputação da prática de atos de falência, conforme o § 5º do art. 94 da
LFRE. Entretanto, em muitos casos o juiz não tem como prolatar sentença apenas com a prova
documental, apresentando-se imprescindível a produção de uma prova pericial ou testemunhal.
Aplicam-se, nesses casos, supletivamente, as normas gerais do CPC.
Não há previsão legal expressa de intervenção do Ministério Público nessa fase processual,
mas, na prática, a sua atuação tem-se revelado de extrema importância, com fulcro nos arts. 176
e 178, I, do CPC.

Depósito elisivo
O parágrafo único do art. 98 da LFRE prevê que o devedor, nas hipóteses de
impontualidade ou execução frustrada, pode afastar a possibilidade de falência depositando o
valor total da dívida reclamada em juízo, com os acréscimos legais, no prazo da contestação. Para
tanto, no despacho em que determina a expedição do mandado de citação, o juiz fixará os
honorários advocatícios para fins de depósito elisivo, no patamar mínimo de 10%, por se tratar da
fase inicial do processo.
Pela redação do texto legal pode parecer que o prazo de 10 dias é peremptório. Contudo,
não é esse o entendimento dos tribunais, que admitem o depósito a qualquer momento, com base
no princípio da preservação da empresa:

45
Agravo de instrumento – Falência – Decisão que decretou a falência da
agravante – Agravante que, após a interposição do presente recurso,
realizou o depósito do débito discutido, com a concordância da agravada –
D. Juízo de origem que, ante a quitação do débito, declarou elidido o
pedido de falência – Fato superveniente que exigiu, de fato, novo
pronunciamento judicial na origem – Quitação do débito que
descaracteriza o estado de insolvência da devedora – Pagamento tardio que
não justifica a manutenção do decreto falimentar originário – Precedentes
– Superveniência do pagamento, acertadamente reconhecido e admitido
pelo D. Juízo de origem como causa extintiva do pedido falimentar, a qual
deve ser observada neste recurso como fato superveniente (CPC, art. 493)
e constitutivo de perda do objeto recursal no âmbito, ademais, do juízo de
retratação – Recurso prejudicado (TJSP; Agravo de Instrumento 2103885-
35.2019.8.26.0000; Relator: Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara
Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 1ª Vara de
Falências e Recuperações Judiciais; Julgamento: 19/11/2019; Registro:
21/11/2019).22

Como se pode perceber, é possível o depósito elisivo a qualquer momento, desde que antes
da sentença de falência, com fundamento na teoria da preservação da empresa. Aliás, abeberando-
se dessa fonte, alguns autores defendem a possibilidade do depósito mesmo quando o
requerimento tem como base a prática de atos de falência.23
Os tribunais geralmente não admitem o depósito elisivo parcial, conforme precedente do
TJRJ:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Direito Empresarial. Pedido de


falência formulado com base na impontualidade injustificada do devedor
(LF, art. 94, I). Depósito Elisivo. Fracionamento. Inadmissibilidade. A
elisão da falência é realizada mediante depósito em juízo do valor da
dívida reclamada no pedido falimentar, devidamente corrigido e
acrescido de juros e honorários advocatícios. Recurso a que se nega
provimento (TJRJ, 0056844-09.2016.8.19.0000 – Agravo de
Instrumento. Des. Cláudio Luiz Braga Dell'orto. Julgamento:
25/01/2017. 18ª Câmara Cível).

22 Nesse sentido: TJRJ, 0062644-18.2016.8.19.0000 – Agravo de Instrumento. Des. Custódio de Barros Tostes. Julgamento:
01/08/2017. 1ª Câmara Cível.

23 COELHO, Fábio. Curso de direito comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 265. v. 3.

46
Com a devida vênia, discordamos desse posicionamento. Já oficiamos em processos cujo
valor indicado pelo devedor como realmente devido é muito abaixo do valor de face do título
apresentado pelo credor, ou seja, com a diferença superando, em muito, os 40 salários-mínimos.
Nessa toada, caso o devedor não tenha recursos para efetuar o depósito integral, permitir o
depósito elisivo parcial, por sua conta e risco, é medida salutar e harmônica com o princípio da
preservação da empresa, pois, do contrário, ainda que acolhidos os argumentos da sua contestação e
reduzido o valor da dívida ao montante por ele apontado como devido na contestação, seria
decretada a sua falência. Nesse sentido, importante precedente trazido à baila na obra de Penalva
Santos e Salomão:24

4. Como o pedido de falência, sobretudo, deve demonstrar que o


devedor ostenta algum dos sinais indicativos de insolvência previstos na
legislação falimentar, é viável que o julgador investigue a configuração de
algum desses indícios após o decote do valor excessivo, de sorte que não
há falar em iliquidez da dívida nessa hipótese. 5. Caso o devedor opte
por afastar o pleito falimentar mediante o instrumento do depósito
elisivo (sediado no art. 98, parágrafo único, da Lei n. 11.101/05),
assiste-lhe a oportunidade de promover esse depósito levando em
conta o valor que entende efetivamente devido e de manifestar o seu
inconformismo acerca da quantia excedente na sua contestação. [...]
(REsp 1052495/RS, Rel. ministro Massami Uyeda, 3ª Turma,
Julgamento: 08/09/2009, DJe 18/11/2009).

É importante salientar que o depósito não importa em reconhecimento da dívida, pois o


devedor pode contestar o pedido de falência. Nesse caso, o autor do requerimento de falência só
poderá levantar o valor depositado se a contestação não for acolhida, hipótese em que a falência não
será decretada. Essa é a melhor exegese da péssima redação do parágrafo único do art. 98 da LFRE.
Por fim, não se admite a ação de consignação em pagamento depois de distribuído o pedido
de falência. Caso ocorra, os processos devem ser reunidos por força da conexão, e o valor
consignado deve ser tratado como depósito elisivo, ainda que parcial.

24
SALOMÃO, Luis Felipe; SANTOS, Paulo Penalva. Recuperação judicial, extrajudicial e falência: teoria e prática. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2015. p. 78.

47
Sentença de falência: conteúdo e recursos
Renomados processualistas, como o renomado professor Alexandre Freitas Câmara, sempre
criticaram a opção do legislador de classificar a decisão que decreta a falência como sentença, pois
ela não termina o processo em primeira instância, muito menos esgota a jurisdição do seu
prolator, revelando-se como verdadeira decisão interlocutória, mista e não terminativa.
Prevista no art. 99 da LFRE, a sentença de falência é o ponto de partida do processo de
execução concursal do devedor empresário, sendo certo que a LFRE não mais se refere a ela como
declaratória, abrindo ainda mais espaço para a eterna discussão sobre a sua natureza jurídica. Pelo
menos do ponto de vista processual penal, o art. 180 da LFRE é claro em considerar tal decisão
como condição objetiva de punibilidade.
Devido à sua importância analisaremos, ainda que perfunctoriamente, o seu conteúdo:
a) A exigência desse inciso evita transtornos sobre a identificação da sociedade falida e dos
seus administradores, facilitando, inclusive, a apuração de responsabilidades.
b) O termo legal da falência é de suma importância para o ajuizamento da ação
revocatória e para todo o sistema de ineficácia de negócios jurídicos celebrados pelo
devedor antes da falência, podendo ser fixado em até 90 dias antes do protesto mais
antigo – em vigor – por falta de pagamento. O texto encerra qualquer discussão
sobre o que se deve entender por protesto mais antigo, na medida em que devem ser
desconsiderados todos aqueles já cancelados.
c) O objetivo é facilitar a identificação dos credores – massa falida objetiva –, abreviando o
trabalho do administrador judicial. Na prática, nenhum devedor cumpre essa
determinação, obrigando todos os credores a promoverem a habilitação dos seus
créditos;
d) O prazo para habilitação é de 15 dias, e o seu procedimento inicial é extrajudicial.
e) Está relacionado com a universalidade do juízo falimentar, que adiante será analisada.
f) Trata da indisponibilidade dos bens do falido, não se aplicando aos sócios de
responsabilidade limitada.
g) A decretação da prisão preventiva não pode ser de ofício e só será possível se
preenchidos os pressupostos exigidos no art. 312 do Código de Processo Penal (CPP).
h) Relaciona-se à publicidade da decisão e à perda da capacidade profissional do devedor,
ou seja, a impossibilidade do exercício da empresa.
i) A nomeação do administrador judicial deve ser feita o quanto antes, haja vista a
importância e urgência das suas atribuições. Esta figura será minuciosamente tratada mais
adiante.
j) Tal providência auxilia sobremaneira a arrecadação de bens imóveis do falido.
k) A continuação da empresa – atividade – durante o processo falimentar é medida
excepcional e tem por objetivo a maximização do ativo falimentar, viabilizando a

48
preservação, para futura alienação, dos bens intangíveis do devedor, como a clientela, a
freguesia e a força da marca e do nome empresarial.
l) A conveniência ou não da constituição do comitê de credores também será objeto de
estudo em capítulo próprio.
m) Como já mencionado, a participação do Ministério Público no processo falimentar
passa a ser expressamente prevista a partir da decretação da falência. No que toca às
Fazendas Públicas, a intimação faz com que estas apresentem, por ofício, eventuais
créditos que tenham contra o falido.

O sistema recursal previsto na nova legislação é muito mais simples. Segundo o art. 100 da
LFRE:
a) da sentença de improcedência é cabível o recurso de apelação e
b) da sentença de procedência é cabível o agravo de instrumento.

Tais recursos, por força do art. 189 da LFRE, seguem os procedimentos previstos no CPC,
inclusive no tocante aos prazos e efeitos da interposição.
Como regra, a sentença que julga improcedente o pedido de falência tem o mesmo tratamento
de qualquer outra, isto é, o autor é condenado ao pagamento do ônus da sucumbência, na forma
prevista no art. 85 do CPC. Entretanto, em caso de comprovado dolo, ou seja, quando o
requerimento de falência tiver como principal objetivo macular a imagem do requerido, na própria
sentença de improcedência o juiz deve condenar o autor a pagar uma indenizar ao réu, cujo valor
liquidar-se-á em processo próprio, com fulcro no art. 101 da LFRE. Caso o prejuízo desse temerário
requerimento atinja terceiros, como os sócios da sociedade requerida, estes poderão acionar o autor em
ação própria.

Administração na falência
Antes de iniciarmos o estudo da segunda fase do processo falimentar, é conveniente
traçarmos um perfil de cada figura que tomará assento na administração da falência, ou seja,
funcionará no processo. Além do falido, do juiz e do Ministério Público, a lei prevê as figuras
do administrador judicial, do gestor judicial e dos credores, seja reunidos em assembleia geral,
seja representados por meio do comitê de credores.

49
Juiz
O juiz é a autoridade suprema do processo falimentar e exerce funções de dupla natureza:
no primeiro grupo, estão as chamadas funções jurisdicionais típicas; e, no segundo grupo, estão
as funções administrativas, isto é, questões materiais do próprio dia a dia da falência,
superintendendo a atuação do administrador judicial, mesmo quando inexiste lide a ser
resolvida, como na autorização para a venda antecipada de bem ou para a contratação de um
avaliador ou de um escritório de advocacia para defender os interesses da massa falida nas
reclamações trabalhistas.
Não há dúvida de que, a exemplo das capitais do Rio de Janeiro e de São Paulo, é importante
que o Poder Judiciário reserve às varas especializadas, mesmo regionais, o exame da matéria
falimentar e recuperacional, eis que a complexidade do tema, a peculiaridade da função
“administrativa” do magistrado e a importância da rápida e eficaz tramitação desse tipo de processo
acabam por gerar reflexos em toda a economia. Essa, aliás, é a recomendação do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ). Os advogados, sobretudo de grandes escritórios, estão empenhados em se
aprofundar nos novos contornos do regime jurídico da insolvência empresarial, razão pela qual os
poderes constituídos, magistratura e Ministério Público, não podem esquivar-se dessa especialização.
Nesse compasso, a necessidade de especialização deve atingir também a segunda
instância, como já ocorre em São Paulo e Santa Catarina, cujos tribunais criaram câmaras
reservadas para o Direito Empresarial, oportunizando aos desembargadores a especialização
que vem ocorrendo em primeira instância.
Também é de suma importância a valorização das serventias e dos serventuários da Justiça
responsáveis por esses processos, na medida em que cabe ao Poder Judiciário não só prepará-los
com cursos de especialização para o processamento adequado desses feitos, como também criar
um mínimo de estrutura física compatível com a envergadura e o dinamismo necessários para a
boa condução dos processos.

Ministério Público
Enormes avanços ocorreram no que concerne às atribuições do promotor de justiça nos
processos regulados pela nova lei. Fundamentalmente o promotor de justiça atuará como custos
legis, embora o legislador lhe tenha conferido legitimidade ativa em diversas ocasiões, sobretudo
para o ajuizamento da ação revocatória, algo reclamado pela instituição há tempos. Entretanto, em
razão do veto ao art. 4º da LFRE, muitas dúvidas surgiram sobre os limites dessa intervenção, apesar
da LFRE se referir ao “Ministério Público” em 25 (vinte e cinco) oportunidades.
Fábio Ulhoa Coelho defende que o Ministério Público não deveria atuar na primeira fase
do processo falimentar, pois não existiria, ainda, interesse público na demanda, assim como nos
processos envolvendo pequenas sociedades empresárias. No que tange às pequenas falências, a

50
reforma promovida em 2020 recriou o procedimento de falência sumária, com expressa
intervenção do Parquet, conforme art. 114-A, da LFRE.
Em magnífica explanação sobre o tema, Alberto Camiña Moreira, depois de citar um
extenso rol de países que consideram existir evidente interesse público nos processos de falência e
de recuperação empresarial, defende que é obrigatória a intimação do Ministério Público,
oportunidade em que o representante da instituição poderá requerer a sua intimação para os
demais atos do processo quando vislumbrar interesse público.
Entre vários argumentos, o citado autor invoca as próprias razões do veto ao art. 4º da
LFRE:

A intimação do Ministério Público é sempre obrigatória; mas a


intervenção deve ficar a critério da Instituição, conforme o caso. Como
explicitaram as razões do veto do Presidente da República: “O Ministério
Público é, portanto, comunicado a respeito dos principais atos
processuais e nestes terá a oportunidade de intervir. Por isso, é estreme de
dúvidas que o representante da Instituição poderá requerer, quando de
sua intimação inicial, a intimação dos demais atos do processo, de modo
a intervir sempre que entender necessário e cabível”. [...] Essa atividade
do Ministério Público, ora bosquejada, está em rigorosa consonância com
a dicção constitucional. Com efeito, a sede constitucional do Ministério
Público é o art. 127, “caput”, da Carta Magna: [...]. A Atuação do no
processo de recuperação de empresas passa pela defesa de interesses
sociais, no estrito cumprimento, pois, de sua missão constitucional.25

A intervenção do Ministério Público tem dupla finalidade: assegurar a repressão aos crimes
falimentares e recuperacionais e defender, pela sua ação disciplinar e fiscalizatória, o interesse
público, refletido na tutela do crédito, na preservação da empresa e no resguardo à segurança do
mercado, sem olvidar a presença quase constante de grupos de hipossuficientes lesados, como
consumidores e trabalhadores. Nesse sentido, em um caso em que o juízo decidiu que a intimação
do Ministério Público para os atos processuais de uma recuperação judicial, fora das hipóteses
expressas em lei, não era obrigatória, apesar de assim requerido pelo representante da instituição,
decidiu o TJRJ:

Empresa em recuperação judicial – A intervenção do Ministério Público,


em processo de recuperação judicial, é obrigatória, na forma do artigo 52,

25
MOREIRA, Alberto Camiña. Direito falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Coordenação: Luiz
Fernando Valente de Paiva. São Paulo: Quartier, 2005. p. 266-273.

51
inciso V da Lei nº 11.101/2005, sendo-lhe conferida a prerrogativa de
intimação pessoal dos atos do processo, nos termos do artigo 84,
combinado com o parágrafo 2º do artigo 236, pena de nulidade absoluta,
conforme artigo 246 do Código de Processo Civil (TJRJ, 0015971-
98.2015.8.19.0000 – Agravo de Instrumento, desembargador Camilo
Ribeiro Ruliere – Julgamento: 07/07/2015 – 1ª Câmara Cível).

Atento a toda essa celeuma doutrinária e jurisprudencial, o Conselho Nacional do


Ministério Público (CNMP) decidiu que caberá aos próprios Ministérios Públicos Estaduais
definir em quais hipóteses haverá relevância social a justificar a intervenção do Parquet.26 O Órgão
Especial do Colégio de Procuradores do Estado do Rio de Janeiro, por meio da Deliberação nº
30, de 30 de agosto de 2011, reconheceu de interesse público e social em todas as fases dos
processos de falência, de recuperação judicial e de recuperação extrajudicial.

Administrador judicial
Uma das figuras mais importantes do atual processo falimentar e recuperacional é,
indubitavelmente, o administrador judicial, cuja disciplina está prevista nos arts. 21-25 e 30-
34 da LFRE.
Ele é, no mais das vezes, o principal responsável pelo sucesso ou insucesso do processo
falimentar, na medida em que é a pessoa que impulsiona a marcha processual e, nas falências,
administra toda a massa falida, inclusive representando-a judicialmente, o que lhe exige grande
esforço pessoal e preparação técnica.
O administrador judicial pode ser uma pessoa natural ou jurídica, hipótese em que indicará
uma pessoa natural para representá-la, sendo certo que a nomeação deve recair preferencialmente
sobre um economista, advogado, contador, administrador de empresas ou sociedade com atuação
nesses ramos.
No TJRJ, há o Ato Executivo Conjunto nº 53/2013, com recomendação para que os
juízes só nomeiem profissionais que tenham sido aprovados em cursos de especialização na
função de administração judicial, tal qual o organizado pela própria Escola de Administração
Judiciária (ESAJ).
Registre-se que o administrador é ontologicamente um auxiliar do juízo falimentar ou
recuperacional (órgão do Poder Judiciário), e não mais pode ser visto como um representante
dos credores, cujos interesses devem ser defendidos por eles próprios, individualmente, ou pelo
comitê constituído. Convém destacar que o atual sistema conferiu ainda mais poderes ao
administrador judicial.

26
Recomendação nº 34, de 5 de abril de 2016 do CNMP.

52
A remuneração do administrador judicial deve ser fixada pelo juiz, que levará em conta a
complexidade do caso e a capacidade de pagamento. Infelizmente, não raro, as remunerações são
fixadas levando-se em conta apenas o percentual máximo previsto na LFRE. Nas falências, o
máximo é de 5% do apurado com a realização do ativo, enquanto nas recuperações judiciais o limite
é de 5% do passivo, salvo nas recuperações especiais dos pequenos empresários, cujo limite é de
apenas 2%.
Nas falências, as atribuições do administrador judicial são extremamente mais trabalhosas,
haja vista que cabe a ele a efetiva administração da massa falida, inclusive em relação à contratação
dos auxiliares. A maior operosidade das atribuições do administrador judicial nos processos de
falência, quando comparadas às atribuições no processo de recuperação de empresas, está no dever
de arrecadação, administração e liquidação de todo o ativo do devedor, bem assim na definição
dos rumos dos contratos do falido existentes ao tempo da sentença de quebra, fazendo jus ao seu
nomen iuris de “administrador” judicial.
Por outro lado, nos processos de recuperação judicial, o melhor seria preservar a
nomenclatura usada nas concordatas, “comissário”, ou encontrar outra expressão mais condizente
com a sua função substancialmente fiscalizatória, haja vista que as suas principais atribuições são:
a organização da relação de credores; a tomada de contas mensal das atividades do devedor; e a
presidência da assembleia de credores.
Já participamos de muitos embates em relação à fixação das remunerações dos
administradores judiciais. A matéria é polêmica, mas o certo é que não se pode admitir que essa
remuneração seja incompatível com os encargos da função, menosprezando o encargo ou sendo
fonte de enriquecimento ilícito. O principal parâmetro, com a devida vênia, não devem ser os
valores envolvidos no processo, seja de falência, seja de recuperação judicial.
De uma forma geral, no nosso sentir, os aspectos mais relevantes para serem sopesados na
fixação da remuneração do administrador judicial, em ordem de importância, são:
a) número de credores;
b) número de devedores;
c) número de locais onde o devedor tem ou teve estabelecimentos e as suas distâncias;
d) complexidade da atividade operacional do devedor;
e) número de incidentes processuais e ações autônomas que exijam a intervenção do
administrador judicial, inclusive fora da competência do juízo empresarial;
f) número de profissionais necessários para desempenho da função;
g) porte e estrutura oferecida pelo administrador judicial;
h) na falência, número de bens a serem liquidados e os seus valores e
i) na recuperação judicial, valor total do passivo.

É pouco provável que já na sentença que decreta a falência ou no despacho que defere o
processamento do pedido de recuperação judicial o juízo tenha os elementos capazes de justificar,
em definitivo, a fixação da remuneração. Assim, recomendamos a fixação de uma remuneração

53
apenas provisória e, para que se evitem incertezas, já se aponte de forma precisa o momento para a
sua fixação definitiva, que no caso da recuperação judicial pode ser após a realização da assembleia
de credores convocada para deliberar sobre o plano, enquanto na falência seria após a
homologação do quadro geral de credores (QGC). Nesse sentido:

RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ADMINISTRADOR JUDICIAL.


REMUNERAÇÃO. PROFISSIONAL AUXILIAR DO JUÍZO.
PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. GRAU DE
COMPLEXIDADE DA CAUSA. TRABALHO DO PROFISSIONAL.
TETO PREVISTO NA LEI. ARBITRAMENTO AFASTADO.
Administrador Judicial. Função de extrema importância para o
desenvolvimento e para o bom andamento do processo. Auxiliar do Juiz.
Remuneração que deve ser fixada conforme o trabalho que o profissional
realiza. Art. 24, da Lei nº 11.101/2005. Estipulação de limite à referida
remuneração, não dispondo da aplicação de percentual com base no passivo
ou no ativo da empresa recuperanda. Remuneração do Administrador
Judicial. Devem ser considerados diversos fatores, e não apenas os valores
envolvidos na causa. Complexidade do processo, existência de pluralidade
ativa no pedido, a massa de credores e as diversas atividades que serão
desenvolvidas pelo profissional no curso da demanda, como relatórios,
petições, acompanhamentos e manifestações. Complexidade da empresa em
crise econômico-financeira e a conduta processual e extraprocessual dos
sócios ou acionistas, situação que pode facilitar o dificultar o trabalho do
profissional. Complexidade da causa e em todo o trabalho que o profissional
terá que desenvolver, dentro ou fora do processo, durante todo o período em
que a recuperação judicial estiver em tramitação. Também deve ser
considerada a pessoa nomeada para assumir o encargo e sua natureza –
pessoa física ou empresarial –, a estrutura que deverá observar para
desenvolver suas atividades, o tempo por ela despendido para o trabalho no
processo e a necessidade de auxílio de terceiros para o desenvolvimento de
seu mister. Remuneração do Administrador Judicial. O valor deve ser
arbitrado conforme cada caso específico, observando-se apenas o teto
estabelecido no § 1º, do mencionado art. 24, da Lei de Falências e de
Recuperação de Empresa. Diante da dificuldade de estimar o trabalho a ser
desenvolvido no início do processo de recuperação, muitos juízes têm
preferido fixar um valor mensal de remuneração, deixando para fixar depois,
quando melhores elementos se tiver, os honorários definitivos. É uma
solução que não ofende a Lei e se mostra adequada em muitos casos. Têm
razão as agravantes em suas irresignações, de modo que a decisão recorrida

54
deve ser reformada para que conste que a remuneração devida ao
Administrador Judicial é, por ora, apenas aquela mensal determinada, que
ora é reduzida, devendo ser oportuna e posteriormente estabelecidas as
remunerações provisória e a definitiva. Recurso provido para reduzir o valor
da prestação mensal, bem como para afastar, por ora, a fixação de honorários
definitivos à Administradora Judicial (TJSP; Agravo de Instrumento
2057282-69.2017.8.26.0000; Relator: Carlos Alberto Garbi; Órgão
Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível –
1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Julgamento: 14/08/2017;
Registro: 16/08/2017).

O administrador normalmente precisa contratar outros profissionais para auxiliá-lo durante


o processo, como contadores, avaliadores e advogados, valendo observar que a remuneração desses
profissionais também deve ser aprovada pelo juízo, por representar despesas extraconcursais,
previstas no art. 84 da LFRE.
Por fim, o administrador judicial que pedir para ser substituído sem relevante razão ou que
for destituído, em caso de culpa ou dolo, perde o direito à remuneração, assim como na hipótese
de rejeição das suas contas.
Destacamos quatro polêmicas muito comuns em relação à figura do administrador
judicial, assim enumeradas:
I. É possível a nomeação de mais de um administrador judicial para atuar no mesmo
processo de falência ou de recuperação judicial?
II. Como deve ser tratada a remuneração do administrador judicial em um processo de
falência convertido a partir de uma recuperação judicial rescindida?
III. Devem integrar a base de cálculo da remuneração do administrador judicial as receitas
decorrentes de aluguel dos bens da massa falida ou de ações judiciais propostas antes da
quebra?
IV. Pode o administrador judicial ser contratado como advogado da massa falida e receber,
separadamente, como tal?

Os limites desse trabalho nos conduzem a respostas concisas. Respondemos negativamente


à primeira indagação, haja vista a ausência de previsão legal, a inexistência de solução jurídica para
a hipótese de divergência entre os nomeados e, finalmente, em razão da possibilidade de
nomeação de uma pessoa jurídica.
No tocante à segunda polêmica, defendemos que, rescindida a recuperação judicial,
rescindida também estará a remuneração do administrador judicial, que deverá ser fixada dentro
do limite de 5% do ativo a ser arrecadado para a massa falida e de acordo com os novos encargos
assumidos, abatendo-se o que já foi pago durante a recuperação judicial. Nesse sentido:

55
Agravo de instrumento. Recuperação judicial convolada em falência.
Remuneração da administradora judicial que deve ser arbitrada de acordo
com o princípio da proporcionalidade. Art. 24 da Lei n. 11.101/05.
Impossibilidade de se prever, por ora, o reflexo da decisão que convolou a
recuperação judicial em falência ao trabalho realizado pela administradora
judicial. Circunstâncias que justificam a fixação da remuneração em
patamar inferior ao máximo previsto no art. 24, § 1º, da Lei n. 11.101/05.
Valor reduzido para 3% sobre o ativo realizado da falida. Reembolso
imediato das despesas incorridas no curso da administração. Possibilidade.
Art. 150 da Lei n. 11.101/05. Recurso parcialmente provido (TJSP;
Agravo de Instrumento 2099796-71.2016.8.26.0000; Relator: Hamid
Bdine; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro
de Suzano – 4ª Vara Cível; Julgamento: 21/09/2016; Registro:
23/09/2016).

Já em relação ao terceiro problema, a sua solução dependerá da análise do caso concreto, ou


seja, da comprovação de que o administrador judicial contribuiu efetivamente para a geração e
arrecadação daqueles recursos. Atuamos em alguns casos que, apesar da passividade do
administrador judicial, a massa falida vem a receber substanciais quantias, muitas vezes
decorrentes do pagamento de precatórios judiciais decorrentes de processos ajuizados que não
tiveram nenhuma participação do administrador judicial. Nessas hipóteses, defendemos a
exclusão desses valores da base geral de cálculo e a fixação de um percentual menor sobre essa
quantia específica, a fim de não se permitir o enriquecimento sem causa.
Por fim, não enxergamos qualquer inconveniente ou proibição legal de o administrador
judicial também atuar como advogado de massa falida e ser remunerado, separadamente, pela
prestação desse serviço, desde que o contrato seja homologado pelo juízo com a máxima
transparência.

Gestor judicial
Como cediço, a sociedade empresária em regime de recuperação judicial não perde o direito
de administrar a sua empresa, isto é, diretores e administradores continuam exercendo as suas
respectivas funções. Essa é a regra prevista na primeira parte do art. 64 da LFRE. Contudo, a
segunda parte desse dispositivo permite que o juiz afaste o devedor da administração dos negócios
em determinadas situações, hipótese em que convocará assembleia geral para deliberar sobre a
pessoa que vai substituí-lo.
Enquanto não se realizar a assembleia geral de credores, o administrador judicial ficará à
frente dos negócios da empresa, conforme regra prevista no art. 65, § 1º, da LFRE. A assembleia
de credores deverá atentar para o fato de que ao gestor judicial se aplicam todas as restrições

56
impostas ao administrador judicial, inclusive sobre impedimento e remuneração. Atendidas as
formalidades legais, entendemos que o juiz não pode recusar a indicação dos credores.
Nos processos de falência, nas hipóteses excepcionais em que o juiz determina a continuação
das atividades do falido, a LFRE prevê que a função de gerir o negócio caberá ao próprio
administrador judicial, consoante art. 99, XI, da LFRE. No entanto, é perfeitamente possível, e até
recomendável, a nomeação de um gestor judicial com know-how adequado para aquele segmento
empresarial. Assim ocorreu na falência da Natan Joias, no Rio de Janeiro,27 e na falência do Grupo
João Lyra, em Alagoas.28

Credores na administração do processo


A participação ativa dos credores nos processos de falência e recuperação de empresas,
elevada a princípio informador do sistema, deve ser analisada em três etapas. A primeira delas
deve ter como foco o credor individualmente, isto é, se ele pode ou não atuar isoladamente em
um processo de falência ou de recuperação judicial. A segunda forma de participação dos credores
é por meio de um órgão colegiado composto de apenas alguns representantes, denominado de
comitê de credores. Por fim, devemos abordar a atuação dos credores por meio do seu órgão
máximo: a assembleia geral de credores.

Intervenção individual do credor


Não temos dúvida alguma ao afirmar que qualquer credor tem o direito de peticionar nos
autos principais de um processo de falência ou de recuperação judicial para requerer o que
entender de direito. Independentemente do número de credores e do valor do crédito em relação
ao total do passivo, há de se reconhecer a legitimidade individual de qualquer credor para atuar
com plenitude nos processos de falência e de recuperação de empresas. Nada impede, porém, que
o juízo determine, para evitar tumulto processual, que sejam formados “apensos” para tratar de
questões específicas, evitando o acúmulo de petições diversas nos autos principais.
O mérito da questão, embora levado ao STJ, não chegou a ser objeto de apreciação em
razão de questões prejudiciais ao conhecimento do recurso.29 No entanto, trazemos importante
precedente do TJRJ:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE


EMPRESAS. INTERLOCUTÓRIA QUE NOMEOU
ADMINISTRADOR JUDICIAL E FIXOU SEUS HONORÁRIOS

27 TJRJ, processo nº 0209874-03.2012.8.19.0001.

28 TJAL, processo nº 0000707-30.2008.8.02.0042.

29 STJ, Agravo em Recurso Especial nº 789.439-RJ.

57
EM 0,25% DA SOMA DOS CRÉDITOS SUJEITOS AO
PROCEDIMENTO RECUPERATÓRIO DO GRUPO OSX.
IRRESIGNAÇÃO. PRELIMINAR DE FALTA DE LEGITIMIDADE
RECURSAL DA CREDORA ISOLADO, ORA AGRAVANTE.
REJEIÇÃO. MATÉRIA DE AÇÃO. LEGITIMAÇÃO ORDINÁRIA.
FACULTATIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO DO COMITÊ DE
CREDORES (ART. 28 DA LEI N.º 11.101/2005). Possibilidades de
abuso e de tumulto processual, para as quais há previsão legal de
aplicação de multa cominatória (art. 18, vi e vii, do Código de Processo
Civil). [...]. Procedimento recuperatório que é de iniciativa do devedor,
ostenta natureza concursal e é fundado na ética da solidariedade.
Vontades do devedor e de seus credores que marcham harmoniosamente
completam-se e fundem-se numa só e única. Colaboração de todos os
interessados para o fim específico ditado pelo art. 47 da lei nº
11.105/2005 (TJRJ, 0016629-59.2014.8.19.0000 – Agravo de
Instrumento. Des. Gilberto Campista Guarino. Julgamento:
06/08/2014. 14ª Câmara Cível).

Comitê de credores
Nada obstante a possibilidade de atuação individual dos credores, tem maior peso a atuação
dos credores quando ela se dá por meio do comitê. Regulado basicamente nos arts. 26 a 34 da
LFRE, o comitê é um órgão representativo dos credores composto de membros eleitos em assembleia
geral por sistema especial, no qual os credores são divididos em até quatro grupos, e cada um deles
indica um membro e dois suplentes.
Os grupos são organizados da seguinte forma:
a) um representante indicado pela classe dos credores trabalhistas e por acidente de
trabalho, com dois suplentes;
b) um representante indicado pela classe dos credores com direitos reais de garantia e com
privilégios especiais, com dois suplentes;
c) um representante indicado pela classe dos credores quirografários e com privilégios
gerais, com dois suplentes.
d) um representante dos credores micro e pequenos empresários, com dois suplentes.

A constituição do comitê pode ser requerida por qualquer dos grupos acima, valendo
registrar que a inércia de um grupo para indicar o seu representante não impede a criação e o
funcionamento do órgão. Aliás, como o comitê é um órgão de existência facultativa, na sua falta,

58
as suas atribuições serão de responsabilidade do administrador judicial, salvo hipótese de
incompatibilidade deste, caso em que caberá ao juiz decidir, na forma do art. 28 da LFRE.
As decisões serão tomadas por maioria e registradas em livro próprio. No caso de impasse
sobre algum tema, a decisão caberá ao administrador judicial, salvo hipótese de
incompatibilidade, quando a decisão também caberá ao juiz.
Primordialmente, a função do comitê é fiscalizar o processo falimentar ou de recuperação
judicial, conforme se depreende do art. 27 da LFRE, e os seus membros não recebem qualquer
remuneração, mas podem reembolsados das despesas que façam em favor da massa.
Na prática, diante da frustrante realidade de inexistência de comitê de credores em todos os
processos que atuamos, quando nos deparamos com alguma questão de alta relevância jurídica ou
econômica, surgida no decorrer de um processo de falência ou de recuperação de empresas, como
na hipótese de locação do bem imóvel mais valioso da massa falida por um tempo considerável,
ou do pedido de autorização de alienação de bens valiosos do ativo imobilizado do devedor, após
a homologação do plano de recuperação judicial, temos solicitado a intimação de todos os
credores para, em um prazo comum, se assim desejarem, se manifestarem sobre a relevante
questão a ser decidida. A jurisprudência, até o momento, nos tem sido favorável:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL.


DECISÃO AUTORIZANDO A PRÁTICA DE ATOS DE
ALIENAÇÃO E DE ONERAÇÃO DE BENS IMÓVEIS. REFORMA
DO DECISUM. AS EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO NÃO
DEMONSTRARAM A IMPRESCINDIBILIDADE DOS ATOS DE
ALIENAÇÃO E ONERAÇÃO PARA O PLANO DE
RECUPERAÇÃO JUDICIAL (ART. 66 DA LEI 11.101/05).
OBJEÇÕES AO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
NECESSIDADE DE DELIBERAÇÃO EM ASSEMBLEIA GERAL DE
CREDORES, QUE AINDA NÃO OCORREU. JUÍZO DE
PRUDÊNCIA QUE RECOMENDA AGUARDAR-SE O
RESULTADO DAS OBJEÇÕES AO PLANO DE RECUPERAÇÃO
JUDICIAL. PROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO
(TJRJ, Agravo de Instrumento nº 0006141-40.2017.8.19.0000. 1ª
Câmara Cível. Rel. desembargador Sérgio Ricardo de Arruda Fernandes.
Julgamento: 11/07/2017).

59
Assembleia de credores
A assembleia de credores está disciplinada nos arts. 35 a 46 da LFRE, podendo ser
convocada pelo juiz, de ofício ou por provocação de algum interessado, ou por credores que
representem pelo menos 25% de uma classe, caso em que o juiz não poderá recusar o pedido, mas
as despesas correrão por conta dos requerentes, e não do devedor ou da massa falida.
Nas assembleias, em regra, os credores exercerão o seu direito de voto proporcionalmente ao
valor do seu crédito (art. 38) e, apesar da divisão dos credores em quatro categorias distintas, por força
do art. 42 da LFRE, considera-se aprovada a proposta que tiver o apoio de mais da metade dos
créditos presentes, independentemente da divisão em classes, salvo em situações especiais. Nem todos
os credores admitidos na falência ou na recuperação possuem direito de voto, conforme arts. 43 e 45,
§ 3º, da LFRE.
Em primeira convocação, a assembleia só pode ser instalada se estiverem presentes credores
que representem mais da metade dos créditos de cada classe e, em segunda convocação, com
qualquer número, mas neste caso não poderá ser realizada em menos de cinco dias da primeira. As
assembleias devem ser presididas pelo administrador judicial ou, quando houver
incompatibilidade, pelo maior credor presente à assembleia, o que na prática raramente ocorre.
É conveniente colocar em destaque que a deliberação tomada em assembleia geral não pode
ser desconstituída judicialmente com fundamento em futura exclusão, inclusão ou retificação de
crédito, bem assim não se admite provimento judicial para suspender ou adiar assembleia por
pendência sobre análise de crédito. Poderão participar das deliberações e votar todos os credores
reconhecidos até a data da assembleia, bem assim aqueles que tenham obtido reservas de valores,
na forma do art. 6º, § 3º, c/c art. 39 da LFRE.
Há uma relevante polêmica sobre a vedação ao exercício do direito de voto do credor por
habilitação retardatária. Essa vedação é permanente, ou seja, até o fim do processo, ou ele passa a
ter o direito de voto assegurado a partir do momento em que sua habilitação for julgada?30
Representando a controvérsia, trazemos à colação dois julgados:

VOTA SE JÁ JULGADA - Resta saber, por fim, se, na letra da Lei 11.101,
há de se deferir o voto à Massa, considerando-se sua condição – alegada
– de credor retardatário. Segundo o artigo 10, § 1º, da Lei 11.101, os
credores habilitados após o prazo do artigo 7º, § 1º, não terão direito a
voto nas deliberações da assembleia geral. Fato, porém, é que o rigor do
artigo 10 foi temperado pelo artigo 39, caput, pelo qual se assegura
direito de voto aos titulares de créditos admitidos por decisão judicial,
desde que, por óbvio, esta admissão ocorra antes da data da AGC.

30
Como representantes do Ministério Público na Recuperação Judicial do Grupo OI, interpomos o recurso de Agravo de
Instrumento nº 0057939-35.2020.8.19.0000, ainda não julgado pela 8ª Câmara Cível do TJRJ.

60
(TJRJ, 0078513-16.2019.8.19.0000 - Agravo de Instrumento.
Des(a). Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto - Julgamento:
09/07/2020 - Décima Sexta Câmara Cível).

NÃO VOTA NUNCA - Impugnação de crédito. Requerimento


apresentado após o prazo do § 1º do art. 7º da Lei nº 11.101/2005 que
deve ser tido como retardatário, nos termos do caput do art. 10. Ausência
de notícia de que a impugnação fora deduzida perante o administrador
judicial. Demora na regularização do incidente perante o Juízo, todavia,
que não importa, tecnicamente, na declaração de intempestividade da
impugnação, mas no reforço da conclusão de que é retardatária e,
portanto, deve sofrer os efeitos dessa condição. Direito de voto cassado e
determinado o recolhimento das custas da impugnação. Recurso
desprovido, com determinação. (TJSP; Agravo de Instrumento
2213187-33.2018.8.26.0000; Relator (a): Araldo Telles; Órgão
Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Santa
Cruz das Palmeiras - Vara Única; Data do Julgamento: 13/07/2020;
Data de Registro: 14/07/2020).

Existem regras claras sobre representação dos credores em assembleia, em especial prazos de
antecedência para a entrega das procurações e para a comprovação de representação sindical,
consoante art. 37 da LFRE. A jurisprudência já reconheceu que os credores debenturistas que
comparecerem à assembleia têm o direito votar separadamente, ainda que presente o agente
fiduciário, o qual só representa os demais debenturistas ausentes.31
A fim de conferir maior celeridade aos processos de falência e de recuperação judicial, a
Lei nº 14.112/20 introduziu importantes modificações, permitindo que o ato convocatório seja
publicado apenas no Diário Oficial e no site do administrador judicial, com antecedência mínima
de 15 dias, conforme art. 36 da LFRE, e que as deliberações em AGC sejam substituídas por
termos de adesão que comprovem o atingimento do quórum necessário à aprovação, consoante
art. 45-A da LFRE. Nessas hipóteses, a oitiva do Ministério Público deve ser anterior à
homologação do resultado.
A reforma da LFRE também mirou no denominado “voto abusivo”, disciplinando-o no art.
39, § 6º. Na literalidade da lei, o voto somente poderá ser considerado abusivo quando o credor o
exercer com o fim de obter vantagem ilícita para si ou para outrem.
Por fim, no que concerne à abstenção, o melhor entendimento é no sentido de que o
crédito deve ser desconsiderado para se apurar se foi ou não atingido o quórum de aprovação.

31
STJ, REsp 1.670.096-RJ. Rel. ministra Nancy Andrighi, por maioria, Julgamento: 20/06/2017, DJe 27/06/2017.

61
Falido
O afastamento do devedor da sua empresa e da administração dos seus bens não significa
que ele será defenestrado do processo. Pelo contrário, a lei lhe impõe uma série de obrigações, e a
sua presença e atuação são vitais para o “sucesso” do processo falimentar.
Diversos dispositivos da LFRE, sobretudo o art. 104, impõem ao falido o direito e o dever
de auxiliar e fiscalizar os demais órgãos da falência durante a sua tramitação, seja apresentando
diferentes documentos, seja fornecendo informações acerca dos bens e dos débitos da massa. Para
tanto, tem o direito, e em algumas vezes o dever, de se manifestar nos autos principais e em todos
os incidentes da falência. A violação desse dever não acarreta mais a prisão civil, banida pelo novo
sistema, mas sujeita o falido às penas do crime de desobediência.
É importante alertar para a necessidade de se evitar uma corriqueira confusão que se faz
entre as figuras do falido e da massa falida. O falido nada mais é do que o empresário individual, a
Eireli ou a sociedade empresária cuja falência foi decretada, que nesse caso será representada nos
autos pelo administrador nomeado em seu ato constitutivo, enquanto a massa falida é um ente
sem personalidade jurídica, formado, de um lado, pelos credores do falido – aspecto subjetivo – e,
de outro, pelos bens arrecadados – aspecto objetivo, e será sempre representada pelo
administrador judicial nomeado pelo juízo da falência.
A sociedade empresária falida, nessa toada, continua a existir e a ser representada na forma
dos seus atos constitutivos. Porém, os seus bens, direitos e obrigações formarão a denominada
massa falida, que estará sob a responsabilidade do administrador judicial. Vejamos recente decisão
do STJ:

CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E FALIMENTAR. AGRAVO


REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
FALÊNCIA. DECRETAÇÃO. FALIDA. PERSONALIDADE
JURÍDICA. EXTINÇÃO IMEDIATA. NÃO OCORRÊNCIA.
CAPACIDADE PROCESSUAL. MANUTENÇÃO. RECURSO
PROVIDO.
1. Segundo o procedimento regrado pelo Decreto-Lei n. 7.661/1945, a
decretação da falência não implica a imediata e incondicional extinção da
pessoa jurídica, mas tão só impõe ao falido a perda do direito de administrar
seus bens e deles dispor (LF, art. 40), conferindo ao síndico a representação
judicial da massa (CPC/1973, art. 12, III). 2. A mera existência da massa
falida não é motivo para concluir pela automática, muito menos necessária,
extinção da pessoa jurídica. De fato, a sociedade falida não se extingue ou
perde a capacidade processual (CPC/1973, art. 7º; CPC/2015, art. 70),
tanto que autorizada a figurar como assistente nas ações em que a massa seja
parte ou interessada, inclusive interpondo recursos e, durante o trâmite do
processo de falência, pode até mesmo requerer providências conservatórias

62
dos bens arrecadados. 3. Ao término do processo falimentar, concluídas as
fases de arrecadação, verificação e classificação dos créditos, realização do
ativo e pagamento do passivo, se eventualmente sobejar patrimônio da massa
– ou até mesmo antes desse momento, se porventura ocorrer quaisquer das
hipóteses previstas no art. 135 da LF –, a lei faculta ao falido requerer a
declaração de extinção de todas as suas obrigações (art. 136), pedido cujo
acolhimento autoriza-o voltar ao exercício do comércio, "salvo se tiver sido
condenado ou estiver respondendo a processo por crime falimentar" (art.
138). 4. Portanto, a decretação da falência, que enseja a dissolução, é o
primeiro ato do procedimento e não importa, por si, na extinção da
personalidade jurídica da sociedade. A extinção, precedida das fases de
liquidação do patrimônio social e da partilha do saldo, dá-se somente ao fim
do processo de liquidação, que todavia pode ser antes interrompido, se acaso
revertidas as razões que ensejaram a dissolução, como na hipótese em que
requerida e declarada a extinção das obrigações na forma do art. 136 da lei
de regência. 5. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso
especial (AgRg no REsp 1265548/SC, Rel. ministra Maria Isabel Gallotti,
Rel. p/ acórdão ministro Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, Julgamento:
25/06/2019, DJe 05/08/2019).

Os sócios da sociedade falida de responsabilidade limitada não são atingidos pela


falência,32 salvo prova de fraude ou de comprovada falta de integralização do capital social.
Entretanto, algumas das obrigações impostas à sociedade falida devem ser cumpridas por
aqueles que exerciam a sua administração.

Proibição do exercício da empresa


Por força do art. 102 da LFRE, o falido não poderá mais exercer atividade empresarial,
impedimento esse identificado como incapacidade profissional. Ressalvados os casos de fraude, a
restrição aqui estudada não se estende aos sócios da sociedade falida ou mesmo ao titular da Eireli,
os quais, ao menos do ponto de vista jurídico, não estão impedidos de constituir outra pessoa
jurídica, inclusive para explorar o mesmo ramo de atividade da falida. As dificuldades existirão,
como já alertamos, no campo econômico, em face da dificuldade de obtenção de crédito.
Ocorre que, diante das novas regras que compõem o fresh start, esse impedimento terá
limitada duração, uma vez que, três anos após a decretação da falência, o devedor poderá pedir ao

32
Enunciado nº 49 do CJF: “Os deveres impostos pela Lei n. 11.101/2005 ao falido, sociedade limitada, recaem apenas
sobre os administradores, não sendo cabível nenhuma restrição à pessoa dos sócios não administradores”.

63
juízo que declare, por sentença, extintas as suas obrigações, reabilitando-o para a atividade
empresarial, conforme art. 158, inciso V, da LFRE.
Há de se pontuar que os administradores da sociedade falida condenados criminalmente
estão impedidos de exercer a administração de outra sociedade empresária, consoante art. 35, II,
da Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994. A inabilitação se encerra com a declaração de
extinção das obrigações do falido.

Restrição ao direito de locomoção


Segundo o art. 104, III e IV, da LFRE, o falido individual e os administradores da
sociedade falida ficam proibidos de se ausentar do “lugar da falência”, salvo mediante prévia
“comunicação” ao juízo, deixando procurador para representá-lo no processo. Frise-se que na
vigência do Decreto-Lei nº 7.661/45, por força do seu art. 34, III, o falido só poderia se ausentar
com “autorização judicial”. A nova lei, como se pode perceber, substituiu o verbo autorizar por
comunicar, despertando dúvidas sobre como interpretá-la.
Duas linhas de interpretação surgiram. A primeira, defendendo que não houve qualquer
mudança substancial, isto é, para se ausentar, o falido ou os administradores da sociedade falida
precisam de autorização judicial, na medida em que, apesar da nova lei, ainda precisam justificar a
necessidade da viagem.
A segunda, diametralmente oposta, sustenta que o falido e os administradores da sociedade
falida não precisam mais pedir autorização, mas apenas comunicar a intenção de se ausentar,
justificando-a e deixando procurador. Em caso de abuso ou de efetivo prejuízo ao bom
andamento do processo, o juiz, dentro do seu poder geral de cautela, com fulcro no art. 99, VII,
da LFRE, pode até proibir a saída deles do local da falência, desde que, é claro, estejam presentes
os requisitos próprios: fummus boni iures e o periculum in mora. Nesse sentido estão as últimas
decisões do STJ.33

Arrecadação das correspondências


Uma das atribuições do administrador judicial, na forma do art. 22, III, “d”, da LFRE, é
receber todas as correspondências dirigidas ao falido, devolvendo-lhe as que não despertarem
interesse para a massa falida.
Aliás, o falido deverá entregar ao administrador judicial todas as senhas de acesso aos
sistemas contábeis, financeiros e bancários, permitindo-lhe amplo acesso a todas as informações
que possam ser úteis na condução e administração da massa falida.

33
STJ, HC 279.036/SP. Rel. ministro Raul Araújo, 4ª Turma, Julgamento: 24/09/2013, DJe 18/10/2013 e HC 92.327/RJ. Rel.
ministro Massami Uyeda. Rel. p/ acórdão ministro João Otávio de Noronha, 4ª Turma, Julgamento: 25/03/2008, DJe
04/08/2008.

64
Efeitos da falência em relação aos bens do falido
Sem dúvidas, o foco das atenções após a decretação da falência são os bens do falido, que
devem ser arrecadados e vendidos o mais rápido possível, a fim de evitar os efeitos deletérios da
depreciação pelo decurso do tempo e pelo desuso, assim como para otimizar os recursos
financeiros das massas falidas, livrando-a dos custos de guarda e dos riscos de perda.
Pontue-se que os efeitos não devem recair, em regra, sobre os bens dos sócios de
responsabilidade limitada, salvo na hipótese de aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica ou de outro instituto que permita esse alcance.
Nessa linha, 60 dias após a sua investidura, deve o administrador judicial apresentar um
plano de liquidação dos ativos, que não pode prever prazo superior a 180 dias para a alienação dos
ativos, a contar da sua respectiva arrecadação, consoante art. 22, II, letra “J”, da LFRE.
Todos os bens e direitos que estiverem na posse do falido devem ser arrecadados, ou seja,
inventariados e avaliados. Até mesmo os bens de terceiros que estiverem na posse do devedor
devem ser arrecadados pelo administrador judicial, que deverá apontar essa circunstância no auto
de arrecadação.
Como a avaliação dos bens arrecadados também é de atribuição do administrador judicial, em
casos de maior complexidade, um profissional deve ser escolhido em, no máximo, 30 dias, e pago
como despesa extraconcursal, na forma do art. 84 da LFRE. Registre-se que muitas vezes a avaliação
dos bens se dá em bloco, mas, caso algum dos bens seja objeto de garantia real, ele também deve ser
avaliado isoladamente, por força da regra trazida pelo § 5º do art. 108 c/c o art. 83, II, da LFRE.
Também deverão ser arrecadados os bens do falido que estiverem na posse de terceiros,
devendo o administrador judicial requerer as medidas necessárias para esse fim. Aliás, por força do
§ 3º do art. 108 da LFRE, até mesmo os bens penhorados ou o produto da sua alienação – após a
falência – devem ser arrecadados, cabendo ao juízo de falência comunicar os demais da
necessidade de transferência desses recursos para a conta da massa falida.

Administração e indisponibilidade dos bens


Consoante determina o art. 99, VI, c/c o art. 103, ambos da LFRE, o falido perde
imediatamente a administração e disponibilidade sobre os seus bens, como consequência natural
da decretação da falência. Entretanto, eles terão legitimidade para fiscalizar a administração desses
bens, que ficará a cargo do administrador judicial, assim como poderá requerer qualquer medida
necessária para a defesa desses bens.
Constatada a prática de algum ato de alienação de bens após a sentença de falência o juiz,
de ofício ou por provocação, declarará a nulidade do ato, com fulcro no art. 166, VII, do CC,
sem prejuízo de outras sanções que podem ser aplicadas ao falido.

65
Em relação ao Direito de Família, o falido, se empresário individual, não perde o direito de
administrar os bens dos seus filhos menores e continua com usufruto legal dos bens deles. No que
toca aos curatelados, o falido não poderá mais administrar os seus bens, na medida em que a lei
que disciplina o instituto da curatela exige idoneidade financeira para exercer o cargo.
É atribuição do administrador judicial arrecadar e avaliar todos os bens e apreender os livros
contábeis que estiverem na posse do falido, conforme regra prevista no art. 22, III, “f”, c/c os arts.
108-110 da LFRE. Em geral, esses bens devem ficar sob a guarda do administrador judicial, mas é
possível a nomeação de terceiros como depositários, inclusive o próprio falido ou os sócios da
sociedade falida.
É nula a hasta pública para a alienação de bens de devedor falido realizada por juízo diverso
do falimentar após a decretação da falência, mesmo que a penhora seja anterior à sentença de
falência.34
Todos os bens arrecadados constarão do auto de arrecadação, que é composto do inventário
e do laudo de avaliação, devendo ser assinado pelo administrador judicial e por quem mais
presenciou o ato, como o promotor de justiça ou o falido. Nesse documento também deverá
constar a arrecadação dos livros e todas as observações que o administrador judicial entender
convenientes, como a informação de que determinado bem arrecadado na posse do falido pode
pertencer a terceiro.
Por fim, a arrecadação de alguns bens necessita de providências complementares, como no
caso dos imóveis, mediante averbação no Registro Geral de Imóveis, ou das marcas, que se efetiva
com a averbação perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
O conjunto de bens arrecadado forma a chamada “massa falida objetiva” ou “ativa”, tratada
pelos italianos como “patrimônio falimentar”, e por estar sob a tutela estatal não pode ser objeto
de usucapião. Nesse sentido:

FALIMENTAR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.


AÇÃO DE USUCAPIÃO. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO
CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. EFEITOS DA
DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA. PATRIMÔNIO AFETADO
COMO UM TODO. USUCAPIÃO. INTERRUPÇÃO DA
PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. MASSA FALIDA OBJETIVA. ART. 47
DO DL 7661/45. OBRIGAÇÕES DE RESPONSABILIDADE DO
FALIDO. (...).
5. O bem imóvel, ocupado por quem tem expectativa de adquiri-lo por
meio da usucapião, passa a compor um só patrimônio afetado na
decretação da falência, correspondente à massa falida objetiva. Assim, o
curso da prescrição aquisitiva da propriedade de bem que compõe a

34
STJ, CC 158.274/SP. Rel. ministro Luis Felipe Salomão. Julgamento: 18/06/2019.

66
massa falida é interrompido com a decretação da falência, pois o
possuidor (seja ele o falido ou terceiros) perde a posse pela incursão do
Estado na sua esfera jurídica. 6. A suspensão do curso da prescrição a que
alude o art. 47, do DL 7.661/45 cinge-se às obrigações de
responsabilidade do falido para com seus credores, e não interfere na
prescrição aquisitiva da propriedade por usucapião, a qual é interrompida
na hora em que decretada a falência devido à formação da massa falida
objetiva. (...).
(REsp 1680357/RJ, Rel. ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma,
julgado em 10/10/2017, DJe 16/10/2017)

Bens não sujeitos à arrecadação


Todos os bens da sociedade empresária falida estão sujeitos à arrecadação. Contudo, duas
situações merecem atenção especial. A primeira diz respeito à falência do empresário individual,
algo raríssimo de ocorrer. Já a outra se refere aos bens dos sócios atingidos por desconsideração da
personalidade jurídica. Nessas duas hipóteses, não são passíveis de arrecadação:
bens absolutamente impenhoráveis (art. 108, § 4º, da LFRE c/c art. 833, do CPC);
bens legalmente impenhoráveis (Ex.: bem de família – Lei nº 8.009, de 29 de março de
1990);

Outro tema corriqueiro se refere ao tratamento a ser conferido à meação do cônjuge do


empresário falido ou do sócio atingido pela desconsideração. Após muito refletir sobre o tema,
passamos a defender o entendimento de que caberá ao conjugue meeiro o ônus de provar, por meio
de embargos de terceiro, que não se beneficiou daquela atividade empresarial e, sobretudo, daqueles
atos de confusão patrimonial ou de desvio de finalidade. Nesse sentido caminha a jurisprudência do
egrégio Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento dos EDcl no AREsp 1282697, manteve
acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo consagrando o seguinte entendimento:

Examinando os autos, vislumbra-se que houve a desconsideração da


personalidade jurídica nos autos da falência para alcançar os bens do
sócio da falida e esposo da agravante, Senhor Antônio Gomes de Oliveira
Júnior.
É dos autos também que o juízo falimentar autorizou a alienação em
outro processo judicial de um imóvel que teve a sua cota-parte
pertencente ao sócio da falida arrecadado nos autos da
falência, determinando-se que o respectivo produto da
arrematação/adjudicação cabente ao esposo da agravante fosse depositado
nos autos falimentar.

67
Assim, a integralidade do valor cabente ao sócio da falida e à sua esposa,
ora agravante, foi depositada nos autos da falência.
Com efeito, extrai-se da interpretação conjunta dos artigos 592, IV do
CPC e 1643 e 1644 do C.C. que a meação somente responderá pelas
dívidas do cônjuge se demonstrado que foram contraídas em benefício do
núcleo familiar.
Assim e respeitado o entendimento defendido nas razões recursais, tem-se
que eventual direito de meação do cônjuge do falido não pode ser
tutelada nos autos da falência. Cabe a ela, ciente da arrecadação,
manifestar seu inconformismo em sede de embargos de terceiro, no qual
se oportunizará a comprovação de que o patrimônio arrecadado, incluída
a meação, foi ou não adquirido com recursos da empresa falida, a
justificar a arrecadação ou a preservação da meação.
Não basta a mera alegação, nos autos da falência, de que agravante não
se aproveitou economicamente das dívidas contraídas pela falida, para
autorizar a liberação e sua meação.
(STJ, EDcl no AREsp 1282697. Ministro MARCO AURÉLIO
BELLIZZE. Decisão Monocrática Publicada em 01/04/2019).

Nesse mesmo sentido, trazemos à colação recente acórdão do Tribunal de Justiça de São
Paulo sobre o tema:

Embargos de terceiros – Arrecadação de imóveis – Desconsideração da


personalidade jurídica de sociedade empresarial nos autos de falência –
Cabível e adequada a constrição da integralidade do bem – Presunção de
reversão dos atos de comércio em benefício da entidade familiar –
Inexistência de prova em sentido contrário – Precedentes do Superior
Tribunal de Justiça - Sentença mantida – Recurso não provido.
(TJSP; Apelação Cível 0225556-02.2009.8.26.0100; Relator (a): César
Peixoto; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro Central
Cível - 37ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/01/2020; Data de
Registro: 30/01/2020)

Negociação com os bens da massa falida


Como já destacado, caberá ao administrador judicial administrar os bens da massa falida, e
o ato negocial mais comum é a locação, com observância da regra ínsita no art. 114 da LFRE.
Diante da obrigação de liquidação dos bens em 180 dias após a respectiva arrecadação, somente
naqueles casos em que houver justa causa que impeça essa alienação é que se pode pensar na

68
locação desses bens. Seria o caso, por exemplo, de um imóvel arrecadado pela massa falida que é
objeto de pedido de restituição.
O mérito da conveniência ou não da locação de bens da massa falida é dos credores, por meio
do comitê. Porém, não havendo comitê, a locação dependerá apenas da autorização do juiz, precedida
da oitiva do Ministério Público.
Em tese, com lastro no art. 111 da LFRE, o juiz pode autorizar a venda de alguns bens
diretamente para os credores, em uma espécie de adjudicação, observada a ordem de classificação
– pois haveria compensação –, se for de interesse da massa, observado o preço de avaliação. Trata-
se de medida de difícil concretização exatamente em razão da grande probabilidade de subversão
da ordem de preferência dos credores.
O juiz também poderá autorizar a venda antecipada dos bens perecíveis ou sujeitos a uma
condição especial, como de difícil guarda ou de fácil desvalorização, conforme art. 113 da LFRE.
Em todos esses casos, o comitê de credores e o Ministério Público devem ser ouvidos.

Pedidos de restituição
O terceiro que teve algum bem arrecadado pelo administrador judicial poderá reavê-lo por
meio de um procedimento denominado “pedido de restituição”. A regulamentação do pedido de
restituição, estruturada nos arts. 85-93 da LFRE, segundo a nossa ótica, foi bastante simplificada,
embora nem todos os pontos divergentes tenham sido equacionados.
A ação de restituição tem natureza incidental e pode ser de jurisdição voluntária ou
contenciosa, quando resistida, consubstanciando o meio pelo qual se pede ao juízo a devolução do
bem arrecadado, normalmente porque estava na posse do falido quando da sua quebra. Em razão
da sua natureza, só pode ser formulado por meio de advogado regularmente constituído, e o seu
processamento será em autos apartados.
O pedido de restituição in natura está disciplinado no art. 85 da LFRE e é dividido pela
doutrina em restituição ordinária (caput) e restituição excepcional (parágrafo único), tendo
absoluta prioridade na ordem de atendimento, antes mesmo das despesas extraconcursais,
consoante art. 149 da LFRE.
Por sua vez, os pedidos de restituição em dinheiro estão disciplinados nos incisos do art. 86
da LFRE, e passaram a ocupar, após a reforma de 2020, o terceiro lugar na ordem de prioridades
das despesas extraconcursais, consoante art. 84, I-C, da LFRE.

Restituição ordinária – in natura


Prevista no caput do art. 85 da LFRE, é a mais comum. Ocorre quando um bem de terceiro é
arrecadado por força da falência do devedor, seja porque estava na posse deste ou por equívoco do
administrador. A regra é que o bem seja devolvido o quanto antes ao proprietário in natura.

69
Relembremos que o administrador judicial consignará no auto de arrecadação todas as
observações a respeito dos bens, em especial a alegação de que eles não pertencem ao falido.
Em situações peculiares, o objeto do pedido de restituição é dinheiro, consoante
reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Súmula 417, quando, por força
de lei ou de contrato, o falido estiver na posse de quantia de terceiros, como na hipótese da
falência de uma sociedade de transporte de valores ou, em um exemplo cada vez mais corriqueiro,
de uma sociedade que tenha alienado os seus recebíveis para terceiros muito antes da falência e,
por qualquer razão, tenha recebido diretamente do devedor e ainda não tenha repassado a quantia
ao seu titular.
Embora controvertida no campo doutrinário, a jurisprudência predominante confere ao
consorciado não sorteado a prerrogativa de pedir a restituição dos valores entregues ao consórcio –
pagos –, conforme se constata pelo precedente abaixo:

RECURSO ESPECIAL. FALÊNCIA. PEDIDO DE HABILITAÇÃO DE


CRÉDITO ANTERIOR AO PEDIDO DE RESTITUIÇÃO.
PRECLUSÃO CONSUMATIVA. INEXISTÊNCIA. – O pedido de
habilitação de crédito não impede que seu autor – renunciando a tal pedido
– requeira a restituição do bem ou do valor a ser habilitado.
ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIO. FALÊNCIA.
RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS AOS CONSORCIADOS.
POSSIBILIDADE. – Podem ser objeto de pedido de restituição os
valores pagos pelos consorciados à administradora de consórcio que
teve sua falência decretada (REsp 410.363/SP, Rel. ministro Humberto
Gomes de Barros, 3ª Turma, Julgamento: 18/04/2006, DJ 22/05/2006, p.
190). Nesse sentido: STJ, Recurso Especial nº 1.031.330-RS
(2008/0031771-3). Relator: Min. Raul Araújo. Decisão Monocrática
publicada em 28/06/2011.

Escorado no entendimento preconizado pela súmula mencionada, o Instituto Nacional de


Seguridade Social (INSS) e a Fazenda Nacional, com relativa frequência, reivindicavam a restituição
dos valores descontados dos salários dos empregados, a título de contribuição previdenciária ou de
imposto de renda retido na fonte, e não repassadas ao Fisco. Havia grande divergência sobre a
legitimidade desses pedidos, mas a jurisprudência caminhava firme ao lado Fisco, salvo em relação
aos acréscimos decorrentes da mora, que eram classificados como créditos concursais.35
De toda maneira, essas verbas passaram a ser tratadas não mais como restituições in natura,
do art. 85, mas como restituições em dinheiro, previstas no art. 86, inciso IV, da LFRE.

35 STJ, REsp. 780.971/RS, 1ª Turma. Rel. ministro Teori Albino Zavascki. Julgamento: 05/06/2007.

70
Bens alienados fiduciariamente, arrendados ou decorrentes de compra e venda
com reserva de domínio
Em relação aos contratos de alienação fiduciária, arrendamento mercantil, compra e venda
com reserva de domínio e promessa de compra e venda com cláusula de irrevogabilidade e
irretratabilidade, os bens estão apenas na posse direta do devedor, mas o direito de propriedade –
ou equivalente – pertence ao credor. Assim, em caso de falência do devedor e diante da
arrecadação do bem, em princípio, o credor poderá pedir a sua restituição.
No que toca à competência, de rigor, se o credor já havia ajuizado algum procedimento no
foro comum para reaver o bem, como ação de busca e apreensão ou reintegração de posse, antes
da decretação da falência, o processo deveria seguir o seu trâmite normal, com a intimação do
administrador judicial e do Ministério Público, retificando-se o polo passivo.36 Esse, no entanto,
não tem sido o caminho trilhado pelas decisões mais recentes:

APELAÇÃO – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – Ação extinta sem


resolução do mérito – Recurso do vencido buscando a reforma julgado,
aduzindo que o crédito advindo de contrato com garantia real está
excluído dos efeitos da recuperação judicial e falência, por expressa
disposição contida no artigo 49, § 3º da Lei nº 11.101/05 – Requerida que
teve convolada a recuperação judicial em falência – INVIABILIDADE DE
SE PROSSEGUIR COM A AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO –
JUÍZO UNIVERSAL DA FALÊNCIA – Proprietário do bem que deve
pleitear as medidas cabíveis perante o juízo falimentar, para viabilizar a
retomada do veículo – Inteligência do artigo 85, caput da Lei nº 11.101/05
e do artigo 7º do Decreto-Lei nº 911/69 – Sentença mantida – Recurso
desprovido (TJSP; Apelação Cível 1001931-70.2016.8.26.0451;
Relator: José Augusto Genofre Martins; Órgão Julgador: 31ª Câmara de
Direito Privado; Foro de Piracicaba – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento:
03/07/2019).

Independentemente da espécie de procedimento, como assinalamos, o administrador deverá ser


intimado, ocasião em que poderá concordar com o pedido de restituição do bem, resolvendo-se a
demanda na forma contratualmente prevista. Contudo, caso o administrador entenda que é melhor
para a massa falida continuar na posse do bem, desde que autorizado pelo juízo, o contrato poderá ser
cumprido na forma pactuada, pagando-se as prestações em dia com os recursos disponíveis em caixa,
ou seja, como despesa extraconcursal, com fulcro nos arts. 84, 117 e 118 da LFRE.

36
STJ, REsp 243.385/SP. Rel. ministro Aldir Passarinho Junior, 4ª Turma, Julgamento: 04/06/2002, DJ 26/08/2002, p. 225. e
STJ, REsp 847.759/MG. Rel. ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Julgamento: 01/12/2009, DJe 14/12/2009.

71
Restituição excepcional
O parágrafo único do art. 85, da LFRE, a exemplo do § 2º, do art. 76 do Decreto-Lei nº
7.661/45, permite que os bens vendidos ao falido a crédito e entregues nos 15 dias anteriores ao
requerimento de falência, se ainda não alienados, sejam restituídos ao vendedor. Prima facie, parece
tranquila a aplicação da restituição excepcional, mas vários problemas surgem a partir de um exame
mais aprofundado. Inicialmente, é preciso consignar que sobre o tema existem duas súmulas do STF.
A primeira a ser analisada é a Súmula 495. Pacificou-se o entendimento de que a restituição
só é cabível se o bem objeto da reivindicação realmente tiver sido arrecadado, pois não há que se
falar em restituição de algo que não foi arrecadado. Assim, a expressão “se ainda não alienados”
deve ser compreendida no sentido de que, se o bem já tiver sido revendido pelo falido antes da
falência, não há que se falar em restituição. O ônus da prova é da massa falida segundo
jurisprudência do STJ.
A segunda súmula a ser analisada é a 193. O termo “entrega” utilizado no parágrafo único
do art. 85 compreende só a entrega efetiva ou também inclui a entrega simbólica?
Para o STF, somente é cabível o pedido de restituição excepcional quando a entrega for
efetiva e ocorrer nesses 15 dias anteriores ao requerimento de falência. Primeiro, porque toda
exceção deve ser interpretada restritivamente. Segundo, porque, em relação à entrega simbólica,
existia o art. 44, I, do Decreto-Lei nº 7.661/45, agora art. 119, I, da LFRE, pelo qual o vendedor
poderia impedir a entrega da coisa ao comprador falido, desde que este não prove que revendeu as
mercadorias em trânsito a terceiro de boa-fé antes do requerimento de quebra.
Não podemos olvidar que o saudoso professor Rubens Requião repudiava tal
entendimento, seja porque a lei não estabelecia diferença entre a entrega efetiva e a simbólica, seja
porque o Right of Stoppage in Transitu tratava de hipótese completamente diversa, o que
dificultaria a defesa do direito do vendedor, ludibriado pelo comprador em estado de insolvência.
Outra questão interessante, cuja solução não está claramente prevista na legislação, é
quando a compra for pactuada nos 15 dias anteriores ao pedido de falência, mas a coisa só for
entregue após esse pedido. Em nossa opinião, provado que o vendedor não tomou conhecimento
do pedido de falência ou não teve como obstar a entrega da coisa, dever-se-ia permitir a
restituição do bem.

Restituição em dinheiro
As restituições em dinheiro, que não se confundem com as hipóteses albergadas pela
Súmula 417 do STF, estão previstas em quatro incisos do art. 86 da LFRE:
I. Na hipótese ventilada no inciso I do art. 86, da LFRE, o bem do terceiro arrecadado
pelo administrador judicial não mais existe ao tempo do pedido de restituição. Em
casos de desaparecimento do bem por furto ou extravio, a restituição se dará em
dinheiro, no valor da avaliação. Na hipótese de já ter sido alienado na falência, a

72
restituição se dará em dinheiro, no valor equivalente ao obtido pela massa falida. Assim,
o único requisito para a devolução do bem de terceiro é que este tenha sido arrecadado.
II. Por questões de política de incentivo às exportações, com o objetivo de redução dos
spreads bancários nos contratos de empréstimos dentro desse segmento, os valores
adiantados – emprestados – pelas instituições financeiras para os exportadores, nas
modalidades de adiantamento de contrato de câmbio e adiantamento sobre cambiais
entregues (ACC e ACE), em caso de falência do mutuário, poderão ser restituídos com
base no art. 86, II, da LFRE e no art. 75, §§ 3º e 4º, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de
1965.37 Sobre o tema, além da Súmula 307, edificada sob a égide do Decreto-Lei nº
7.661/45, a jurisprudência é firme:

constitui entendimento pacificado na 2ª Seção do Superior Tribunal


de Justiça, que o adiantamento de contrato de câmbio, por representar
patrimônio do credor em poder da falida e não bem da Massa, não
pode ser preterido em favor de créditos trabalhistas, cabendo ser
restituído ao banco titular, antes do pagamento daqueles [...] (STJ,
REsp 1440783/SP, Rel. ministro Moura Ribeiro, 3ª Turma,
Julgamento: 14/06/2016, DJe 21/06/2016).

III. Por fim, é cabível a restituição em dinheiro quando o juízo falimentar, ao declarar a
ineficácia de algum ato praticado pelo falido, na forma do art. 129 c/c o art. 136,
ambos da LFRE, entende que o terceiro com quem o falido negociou estava de boa-fé.
Nesse caso, mesmo com a declaração de ineficácia do negócio, todo valor
eventualmente entregue pelo terceiro ao falido deverá ser restituído, com fulcro no art.
86, III, da LFRE. Um bom exemplo seria a hipótese do credor que adquiriu do
devedor, dentro do termo legal, um bem imóvel, pagando parte do preço em dinheiro e
a outra com um crédito que tinha contra o aquele – dação em pagamento (art. 129, III,
da LFRE).
IV. Finalmente, valores recebidos pelos agentes arrecadadores e não recolhidos aos cofres
públicos, tais como o INSS e o IR retido dos empregados, passam a ser tratados, como
já advertimos, como restituições em dinheiro.

37
Importante acórdão do STJ resume todas as variáveis desses contratos e merece ser lembrado: REsp. 365.778/RS. 1ª
Turma. Rel. ministro Luiz Fux. Julgamento: 20/09/2005. DJU. 10/10/2005. p. 221. RDDT, 124-225.

73
Repise-se que o grande diferencial das restituições in natura em relação às restituições em
dinheiro é a prioridade no seu atendimento. As restituições amparadas pelo art. 85 têm absoluta
prioridade sobre todas as despesas extraconcursais, enquanto as restituições em dinheiro do art. 86
estão posicionadas em terceiro lugar na ordem de privilégio das despesas extraconcursais, na forma
do art. 84, inciso I-C38.

Rito da restituição
O procedimento do pedido de restituição está previsto no art. 87 da LFRE. Formulado o
requerimento e devidamente autuado em apartado, serão intimados, sucessivamente, o falido, o
comitê de credores, os credores e, finalmente, o administrador judicial, para se manifestarem em
cinco dias. Apesar da omissão legal, por óbvio o Ministério Público deve ser intimado para se
manifestar.
A lei permite que, “antes do trânsito em julgado da sentença”, o bem seja entregue ao
reivindicante, se prestada caução, consoante art. 90, parágrafo único, da LFRE, que deve ser
combinado com o art. 273 do CPC.
Caso qualquer das partes se manifeste contra o pedido, funcionará como contestação.
Contudo, o juiz julgará o pedido independentemente de resistência, podendo determinar a
produção de provas de ofício. Não havendo necessidade de provas, os autos serão conclusos para
sentença. Se procedente, será expedido alvará de liberação, consoante art. 88 da LFRE. Não pode
haver nenhum tipo de acordo extrajudicial, eis que não cabe devolução amigável pelo
administrador judicial. A decisão é exclusiva do juiz da falência.
Interessante é a questão do ônus de sucumbência. A infeliz redação do parágrafo único do
art. 88 da LFRE pode dar a impressão de que, em qualquer caso de resistência ao pedido, haverá
condenação da massa falida nos honorários advocatícios. No entanto, a condenação da massa
falida só pode acontecer quando a resistência vier do administrador judicial, e não de um
credor, do falido ou do Ministério Público. Uma vez negado o pedido de restituição, se o juiz
reconhecer que o requerente é credor de qualquer quantia, mandará de ofício incluí-lo no
quadro geral, com base no art. 89 da LFRE.
A decisão que aprecia o pedido de restituição continua desafiando o recurso de apelação,
sem efeito suspensivo, conforme art. 90, caput, da LFRE. No entanto, enquanto não transitar em
julgado, fica suspensa a disponibilidade da coisa, ou seja, não poderá ser alienada pela massa,
consoante art. 91, da LFRE.
Nas hipóteses de restituição em dinheiro, quando não houver saldo suficiente para o
atendimento de todos, será feito um rateio entre eles, conforme parágrafo único do art. 91 da LFRE.

38 LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Comentários à nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Coordenadores: Osmar
Brina Corrêa-Lima e Sérgio Mourão Corrêa Lima. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 621.

74
O reivindicante terá de reembolsar à massa falida as despesas com a conservação da
coisa, na forma do art. 92 da LFRE, e esse valor pode ser fixado na própria decisão que
autoriza a entrega do bem.
Em redação muito mais apropriada, a nova lei, no seu art. 93, não afasta a possibilidade do
manejo dos embargos de terceiros, quando não for cabível o pedido de restituição, ou seja, em
caso de mera turbação. As hipóteses mais comuns são os embargos de terceiro para defesa de
meação ou quando há mera turbação. O procedimento está previsto no CPC.

Desconsideração da personalidade jurídica e outros casos de


responsabilização
O atual CPC, nos arts. 133-137, disciplina o incidente de desconsideração de
personalidade jurídica, valendo registrar que ele é aplicável ao processo falimentar, salvo em
relação ao comando que determina a suspensão do processo principal enquanto não resolvido o
incidente, conforme art. 82-A, da LFRE.
A desconsideração da personalidade jurídica tem como principais causas o desvio de
finalidade e a confusão patrimonial, na linha positivada no art. 50 do CC, permitindo-se, quando
da sua comprovação, o avanço sobre o patrimônio de terceiros, de grupo econômico, dos sócios
ou dos administradores. No âmbito falimentar, esse abuso é normalmente verificado quando
comprovada a dissolução irregular da sociedade empresária, agravada pela absoluta ausência de
bens e de escrituração contábil.39
Há de se observar, na esteira do que foi reconhecido por unanimidade pela 4ª Turma do
STJ, em processo de falência que atuamos, que o instituto da desconsideração da personalidade
40

jurídica não está sujeito a qualquer prazo prescricional ou decadencial, podendo alcançar ex-sócios
que se retiraram da sociedade muito tempo antes da decretação da falência, desde que fique
provado que eles foram os responsáveis pelos atos de dilapidação patrimonial, decorrentes de
abuso da personalidade jurídica ou confusão patrimonial, consoante art. 50 do CC.
Os tribunais muitas vezes não percebem a sutil, mas importante, diferença entre a
desconsideração da personalidade jurídica e a “extensão dos efeitos da falência”. A primeira tem
efeitos exclusivamente patrimoniais, pois os bens da pessoa atingida serão arrecadados para o
pagamento dos credores, enquanto a segunda, mais grave, também gera efeitos pessoais,
mormente aqueles previstos no art. 104 da LFRE.
Muito embora sem previsão legal expressa no nosso ordenamento, o instituto da “extensão
da falência” vinha sendo bastante utilizado, muitas vezes sob a denominação de “desconsideração
expansiva” da personalidade jurídica. De toda forma, com a reforma, o incidente de

39 TJMG, AI 1.0527.09.006590-7/001, Julgamento: 02/08/2011.

40 STJ, RESP. 1.180.191/RJ.

75
desconsideração passa a ser a única opção, a teor do que agora prevê o art. 82-A, da LFRE.
Também nessa linha de ideias, o TJSP formou sólida jurisprudência:

FALÊNCIA – INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA


PERSONALIDADE JURÍDICA E EXTENSÃO DOS EFEITOS DA
FALÊNCIA – Tutela de urgência deferida para determinar o arresto
cautelar de todos os bens e bloqueio dos ativos financeiros – Fortes
elementos indiciários que conduzem à verossimilhança necessária ao
deferimento da tutela de urgência recorrida a fim de assegurar a
salvaguarda patrimonial em caso de eventual responsabilização pessoal
e/ou a desconsideração da personalidade jurídica dos entes naturais ou
jurídicos, especialmente diante do trâmite paralelo da recuperação
judicial dos recorrentes – Decisão mantida – Recurso não provido.
Dispositivo: negam provimento ao recurso (TJSP; Agravo de
Instrumento 2254941-52.2018.8.26.0000; Relator: Ricardo Negrão;
Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de
São Carlos – 5ª Vara Cível; Julgamento: 10/09/2019; Registro:
17/09/2019).

O magistério de Noronha e Lima, com expressa referência à jurisprudência do STJ, é


preciso ao defender a extensão da falência:

Portanto, quando as provas dos autos indicarem “a existência de notório


desvio de finalidades sociais para fins ilícitos e unidade de interesses,
direção e confusão patrimonial, tudo voltado para a prática de atos
reputados irregulares pelo direito” (REsp. 228.357/SP), duas ou mais
sociedades devem sujeitar-se a processo falimentar único.41

A desconsideração da personalidade jurídica e a extensão da falência não se confundem com


a ação de responsabilidade, prevista no art. 82 da LFRE, e também em leis especiais, como no
caso dos arts. 39 e 40, da Lei nº 6.024/74 e do art. 159 da Lei nº 6.404/76.
A desconsideração maior exige a demonstração de benefício de quem se quer atingir,
enquanto a ação de responsabilidade se baseia ordinariamente no conceito de culpa por eventual
prejuízo causado à sociedade em uma operação específica, sem a necessidade de prova de que
houve benefício econômico. Nesse sentido:

41
NORONHA, João Otávio; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Comentários à nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas.
Coordenação: Osmar Brina Corrêa-Lima e Sérgio Mourão Corrêa Lima. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 117.

76
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA SUJEITA À LIQUIDAÇÃO
EXTRAJUDICIAL NOS AUTOS DE SUA FALÊNCIA.
POSSIBILIDADE. A CONSTRIÇÃO DOS BENS DO
ADMINISTRADOR É POSSÍVEL QUANDO ESTE SE BENEFICIA
DO ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. – A desconsideração
não é regra de responsabilidade civil, não depende de prova da culpa,
deve ser reconhecida nos autos da execução, individual ou coletiva, e, por
fim, atinge aqueles indivíduos que foram efetivamente beneficiados com
o abuso da personalidade jurídica, sejam eles sócios ou meramente
administradores. – O administrador, mesmo não sendo sócio da
instituição financeira liquidada e falida, responde pelos eventos que tiver
praticado ou omissões em que houver incorrido, nos termos do art. 39,
Lei 6.024/74, e, solidariamente, pelas obrigações assumidas pela
instituição financeira durante sua gestão até que estas se cumpram,
conforme o art. 40, Lei 6.024/74. A responsabilidade dos
administradores, nestas hipóteses, é subjetiva, com base em culpa ou
culpa presumida, conforme os precedentes desta Corte, dependendo de
ação própria para ser apurada. – A responsabilidade do administrador sob
a Lei 6.024/74 não se confunde a desconsideração da personalidade
jurídica. A desconsideração exige benefício daquele que será chamado a
responder. A responsabilidade, ao contrário, não exige este benefício, mas
culpa. Desta forma, o administrador que tenha contribuído
culposamente, de forma ilícita, para lesar a coletividade de credores de
uma instituição financeira, sem auferir benefício pessoal, se sujeita à ação
do art. 46, Lei 6.024/74, mas não pode ser atingido propriamente pela
desconsideração da personalidade jurídica. Recurso Especial provido
(Resp 1036398/RS, Rel. ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma,
Julgamento: 16/12/2008, DJe 03/02/2009).

Efeitos da falência em relação aos contratos do falido


Certamente, muitas dúvidas surgem sobre o que fazer em relação aos contratos, sobrevindo
a falência de uma das partes. Os efeitos variam de acordo com a espécie do contrato, mas duas
regras básicas foram criadas: uma dedicada aos contratos unilaterais e outra para aos bilaterais.

77
Contratos bilaterais
Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência, a exemplo do sistema anterior,
consoante determina o art. 117 da LFRE, cabendo ao administrador judicial decidir pelo seu
prosseguimento ou não, conforme interesse da massa falida. Contudo, se optar pelo
prosseguimento do contrato, tal decisão deve ser endossada pelo comitê de credores, se existir, ou
autorizada pelo juízo falimentar. Trata-se, segundo o nosso sentir, de um ato jurídico complexo.
Para rescisão, no entanto, basta a vontade do administrador, uma vez que não gera despesas
extraconcursais.
Caso o administrador judicial não se manifeste sobre o prosseguimento ou não do contrato
bilateral, o terceiro poderá interpelá-lo, judicial ou extrajudicialmente, desde que o faça no prazo
máximo de 90 dias a contar da investidura do administrador judicial, para que este diga em 10
dias se cumprirá ou não o contrato.
Registre-se que, em caso de resposta negativa ou silêncio do administrador judicial, nasce
para o terceiro contraente o direito de habilitar o valor de eventual multa rescisória na classe
própria ou de propor contra a massa, no juízo falimentar, ação de cunho indenizatório, que, em
caso de procedência, constituirá saldo quirografário. Ricardo Tepedino sugere a seguinte
interpretação:42

Só se encontra um meio de aproveitar utilmente os dois dispositivos: a


multa contratual a que se refere o inciso VII do art. 83 é aquela
estabelecida para o caso de mora ou para inexecução de uma cláusula
especial. Para a resolução do contrato, pode o outro contratante habilitar
na falência, como crédito quirografário, o montante previamente fixado
na cláusula penal, sem prejuízo de sua redução, nos termos do aludido
art. 413 do CC.

Ousamos discordar. As multas dos contratos bilaterais, tenham ou não se resolvido pela
falência, devem ser incluídas na classe prevista no art. 83, VII, da LFRE. Já a indenização de
que trata o art. 117, § 2º, deve ser tratada como crédito quirografário. A diferença se justifica,
na medida em que a multa é fruto da mera vontade das partes, enquanto a indenização é
decorrente de uma profunda análise pelo juiz dos prejuízos suportados pelo terceiro com o
rompimento do contrato.

42
TEPEDINO, Ricardo. Comentário ao artigo 117 da Lei 11.101/05. In: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÃO,
Carlos Henrique (Coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresa e de Falência. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 313.

78
Contratos unilaterais
Os contratos unilaterais em que o falido é o credor não se resolvem pela falência, já que
inexiste ônus para a massa falida. No tocante aos contratos unilaterais em que o falido é o
devedor, a regra é o seu vencimento antecipado, sem incidência de multa rescisória, na forma do
art. 77, c/c o art. 83, § 3º, ambos da LFRE, salvo se o administrador judicial, endossado pelo
comitê ou pelo juízo, conclua ser de interesse da massa falida realizar o pagamento da obrigação
como crédito extraconcursal, consoante art. 118, c/c o art. 84, da LFRE.
O sistema anterior disciplinava expressamente as obrigações sujeitas à condição suspensiva,
o que não se verifica na lei nova. No entanto, mesmo diante da lacuna atual, sustentamos que não
há vencimento antecipado dessas obrigações, pelo menos enquanto não se verificar a condição,
ressalvado o direito de o credor se habilitar na massa, mas o efetivo pagamento só se dará com a
implementação da respectiva condição.

Situações especiais
Conquanto existam essas duas regras gerais, outras de cunho especial devem ser observadas.
Vejamos as mais importantes.

Compra e venda a prazo: mercadorias em trânsito


Segundo o art. 119, I, da LFRE, celebrado um contrato de compra e venda a prazo e
ocorrendo a quebra do comprador antes da entrega das mercadorias, o que pode ser feito pelo
vendedor?
1ª situação: se a mercadoria já tiver sido entregue ao comprador, o vendedor deve verificar
se é ou não o caso do pedido de restituição. Caso não exista essa possibilidade, deverá habilitar-se
na falência como qualquer credor.
2ª situação: se a mercadoria ainda estiver em trânsito, nasce para o vendedor o chamado
right of stoppage in transitu, ou direito de “estopagem”, isto é, o vendedor poderá sustar a
entrega da mercadoria, impedindo-a de chegar às mãos do comprador falido, desde que este não
faça a prova de já ter revendido a mercadoria, por conta das faturas e do conhecimento de
transporte, sem fraude.

79
Em resumo, o transportador recebe uma ordem do vendedor para não efetivar a entrega,
que pode ser judicial ou extrajudicial – contraordem. Esse direito de “estopagem” não é absoluto,
pois só pode ser exercido:
a) quando o comprador não tiver revendido a mercadoria ou
b) quando o comprador tiver revendido essa mercadoria com fraude.

Compra e venda de coisas compostas


Na linha do art. 119, II, da LFRE, se o devedor vendeu coisas compostas e não as entregou
totalmente antes da falência, resolvendo o administrador judicial não cumprir o contrato, o
comprador poderá, em tese, colocar as coisas já recebidas à disposição da massa falida e pleitear
perdas e danos, na forma do art. 117, § 2º, da LFRE.

Compra e venda com reserva de domínio


Na forma do art. 119, IV, da LFRE, caso o devedor tenha adquirido algum bem antes da
falência em um contrato com cláusula de reserva de domínio, não pretendendo o administrador
judicial cumprir com os pagamentos, deverá devolver a coisa após uma vistoria e o arbitramento
do seu valor para que, descontado o valor pago e com o acréscimo das despesas judiciais e
extrajudiciais, o vendedor possa restituir à massa o saldo verificado, salvo se existir outra forma de
liquidação prevista no contrato. Abaixo, segue exemplo:

valor do negócio : 100 mil

valor pago : 40 mil

valor da vistoria : 80 mil

saldo a restituir : 20 mil

Patrimônio de afetação
Embora referenciado no art. 119, IX, da LFRE, a disciplina jurídica do patrimônio de
afetação está na Lei nº 10.934/01. Em suma, por decisão dos promitentes compradores em
assembleia especial, é possível que o patrimônio de afetação não se confunda com os demais bens
do falido até o seu termo ou cumprimento do seu objetivo, sendo certo que eventual saldo credor
será revertido em favor da massa falida, enquanto eventual saldo devedor do empreendimento
deverá ser habilitado na classe quirografária.
Na hipótese de promitentes compradores desistirem do empreendimento, os seus ativos se
reverterão totalmente para a massa falida, e os créditos dos promitentes compradores serão
listados na classe dos credores quirografários.

80
Locação
Disciplinado no art. 119, VII, da LFRE, o tratamento do contrato de locação dependerá da
posição no falido no contrato. A falência do locador não importa em alteração do contrato,
devendo o administrador judicial respeitar o pacto vigente, notando-se que a intenção do
legislador é proteger a empresa do locatário. Se a falência for do locatário, aplica-se a regra dos
contratos bilaterais, isto é, nasce para o administrador judicial o poder de, a qualquer tempo,
denunciar o contrato, resolvendo-se em perdas e danos, na forma do art. 117, § 2º, c/c o art. 83,
VII, ambos da LFRE.
Algumas observações são importantes. A primeira delas é uma advertência contra eventuais
fraudes, pois já nos deparamos com casos em que a devedora, na véspera da falência, celebrou
contrato de locação dos seus principais ativos, sobretudo bens imóveis, por um prazo
extremamente longo e com um aluguel bem abaixo do valor de mercado, com uma sociedade
cujos sócios eram “testas de ferro” dos próprios devedores, algumas vezes até parentes próximos.
Também merece destaque a discussão sobre a possibilidade de ação renovatória do contrato
de locação contra a massa falida, ou do direito de preferência em caso de alienação do bem
imóvel, com fundamento no preenchimento dos requisitos exigidos pela Lei nº 8.245, de 18 de
outubro de 1991. Massa falida e sociedade falida não se confundem, sendo certo que o objetivo
do processo de falência é a liquidação de todos os bens do devedor, sem ônus para o arrematante e
pelo maior lance, razão pela qual não há nem o direito à renovação compulsória, muito menos o
de preferência, quando da alienação em hasta pública. Nesse sentido:

FALÊNCIA – HABILITAÇÃO DE CRÉDITO – Competência desta


Turma Julgadora, oriunda da prevenção pelo julgamento de recursos
anteriores, envolvendo a mesma Massa Falida agravada – Decisão que
afastou o alegado direito de preferência pleiteado pela agravante,
sublocatária do imóvel pertencente à massa falida, decorrente de
arrematação em leilão judicial – Insurgência que não comporta acolhida –
Em se tratando de alienação judicial em leilão de bem arrecadado na
falência da locadora, a sublocatária não tem o direito de preferência
previsto no art. 30 da Lei 8.245/91, por expressa exclusão legal (art. 32),
tendo ela apenas o direito de comparecer e participar da venda judicial,
dando os lanços que entender convenientes – Direito reclamado, aliás, já
afastado por esta Turma Julgadora em anterior agravo de instrumento,
interposto pela mesma agravante – Edital que, no entanto, deve fazer
constar a existência da sublocação, a fim de resguardar a ciência aos
eventuais interessados na aquisição, evitando-se futuras nulidades –
Inteligência do art. 886, VI, do Novo CPC – Recurso improvido, com
observação (TJSP; Agravo de Instrumento 2258511-17.2016.8.26.0000;
Relator: Salles Rossi; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro

81
Central Cível – 24ª Vara Cível; Julgamento: 07/06/2017; Registro:
27/06/2017).

Mandato
Segundo o art. 120 da LFRE, cessa, pela falência, o mandato conferido pelo devedor
quando ligado aos negócios da empresa, salvo se o mandato for para representação judicial, que só
cessará mediante notificação do administrador judicial. Se o falido for o mandatário, só cessará o
contrato quando ligado à atividade empresarial.

Conta-corrente
Pela dicção literal do art. 121 da LFRE, encerram-se as contas-correntes por ocasião da
falência. Mesmo as ordens de pagamento emitidas antes da falência não podem ser aceitas se
apresentadas após a quebra. Eventual saldo credor será arrecadado pelo administrador judicial e
direcionado para uma conta judicial da massa falida. Eventual saldo devedor deve ser habilitado
pela instituição financeira.

Indivisibilidade do juízo falimentar


A indivisibilidade do juízo falimentar43 persiste no novo diploma legal e impõe que todas as
ações que venham a ser propostas em face da massa falida sejam da competência do juízo da falência.
Dessa forma, ressalvadas as exceções que analisaremos adiante, qualquer ação que venha a ser
intentada contra a massa falida há de ser proposta perante o juízo falimentar. Trata-se de uma regra
de competência absoluta, eis que funcional. Portanto, caso a sociedade falida tenha, mesmo antes da
falência, praticado algum ato ilícito que resultou em prejuízo para terceiros, se a ação for proposta
depois da sentença de quebra, o juízo competente é o da falência, com base no art. 76 da LFRE.
Questão de grande importância é estabelecer os limites das exceções dessa indivisibilidade.
A seguir, analisaremos cada uma delas.

43
Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e
negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar
como autor ou litisconsorte ativo.

82
Reclamações trabalhistas
A competência da Justiça Trabalhista está prevista na própria Constituição da República,44
portanto, uma lei ordinária não poderia sobrepor-se ao comando constitucional. Então, mesmo
após a decretação da falência, eventual dissídio trabalhista deve ser apreciado pela Justiça do
Trabalho e, constituído o título executivo judicial, o crédito deve ser habilitado no processo
falimentar, para que se respeite o princípio pars conditio creditorum.
Note-se que, no polo passivo, estará a massa falida, devidamente representada pelo
administrador judicial. O STF já teve oportunidade de reafirmar a sua jurisprudência após o advento
da LFRE:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO DE


CRÉDITOS TRABALHISTAS EM PROCESSOS DE
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
ESTADUAL COMUM, COM EXCLUSÃO DA JUSTIÇA DO
TRABALHO. INTERPRETAÇÃO DO DISPOSTO NA LEI
11.101/05, EM FACE DO ART. 114 DA CF. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E IMPROVIDO. I – A questão
central debatida no presente recurso consiste em saber qual o juízo
competente para processar e julgar a execução dos créditos trabalhistas no
caso de empresa em fase de recuperação judicial. II – Na vigência do
Decreto-lei 7.661/1945 consolidou-se o entendimento de que a
competência para executar os créditos ora discutidos é da Justiça Estadual
Comum, sendo essa também a regra adotada pela Lei 11.101/05. III – O
inc. IX do art. 114 da Constituição Federal apenas outorgou ao legislador
ordinário a faculdade de submeter à competência da Justiça Laboral
outras controvérsias, além daquelas taxativamente estabelecidas nos
incisos anteriores, desde que decorrentes da relação de trabalho. IV – O
texto constitucional não o obrigou a fazê-lo, deixando ao seu alvedrio a
avaliação das hipóteses em que se afigure conveniente o julgamento pela
Justiça do Trabalho, à luz das peculiaridades das situações que pretende
regrar. V – A opção do legislador infraconstitucional foi manter o regime
anterior de execução dos créditos trabalhistas pelo juízo universal da
falência, sem prejuízo da competência da Justiça Laboral quanto ao

44
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e
empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos
Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de
trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.

83
julgamento do processo de conhecimento. VI – Recurso extraordinário
conhecido e improvido (RE 583955, Relator: ministro Ricardo
Lewandowski, Tribunal Pleno, Julgamento: 28/05/2009, Repercussão
Geral – Mérito DJe-162 Divulg 27-08-2009 Public 28-08-2009 Ement
Vol-02371-09 PP-01716 RTJ Vol-00212-01 pp-00570).

Causas fazendárias
Adotamos o mesmo fundamento para afirmar que qualquer ação que envolva a União, os
estados, os municípios e as suas respectivas autarquias e fundações, mesmo que presente interesse
da massa falida, deve ser apreciada pelo juízo fazendário, consoante ressalva do art. 76 da LFRE e
da própria Constituição da República.45 Entretanto, a mera intervenção como amicus curiae não
desloca a competência. O STJ vem reafirmando essa orientação:

PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. JUÍZO UNIVERSAL DA


FALÊNCIA. AÇÃO ORDINÁRIA. PARTICIPAÇÃO DA FAZENDA
PÚBLICA NA RELAÇÃO PROCESSUAL. AJUIZAMENTO APÓS A
QUEBRA. OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA. TEMA 976/STJ.
1. O juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São José dos
Campos/SP, em Ação Ordinária em que se pleiteava a indenização por
danos materiais e morais, proposta pela parte recorrente contra o Estado de
São Paulo, o Município de São José dos Campos e a Massa Falida de Selecta
Comércio e Indústria S/A, declarou-se absolutamente incompetente para
processar e julgar a demanda ordinária e determinou a remessa dos autos à
18ª Vara Cível da Comarca de São Paulo/SP, que decretou a quebra da
empresa Selecta Comércio e Indústria S/A, o que foi mantido pelo Tribunal
a quo no julgamento do Agravo de Instrumento. 2. A Ação de Indenização
ajuizada na origem possui relação com Ação de Reintegração de Posse
proposta pela massa falida em razão de atos praticados pelo Poder Público na
desocupação da área de 57 alqueires (137,94 hectares), localizada na divisa
dos municípios de São José dos Campos e Jacareí, região do Vale do Paraíba,
na margem direita da antiga Rodovia São Paulo – Rio de Janeiro, Km 103,
matrícula imobiliária 44.955 no Cartório do Registro de Imóveis da
Comarca de São José dos Campos, denominada Fazenda Parreiras de São
José. 3. A Primeira Seção do STJ, no julgamento dos REsps Repetitivos

45
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés,
assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do
Trabalho.

84
1.643.856/SP e 1.643.873/SP, Rel. ministro Og Fernandes (DJe de
19/12/2017), em caso idêntico ao ora apreciado, fixou o Tema 976 de sua
jurisprudência com a seguinte tese jurídica: "A competência para processar e
julgar demandas cíveis com pedidos ilíquidos contra massa falida, quando
em litisconsórcio passivo com pessoa jurídica de direito público, é do juízo
cível no qual for proposta a ação de conhecimento, competente para julgar
ações contra a Fazenda Pública, de acordo as respectivas normas de
organização judiciária". 4. Recurso Especial provido para reconhecer a
competência do juízo da Fazenda Pública da Comarca de São José dos
Campos/SP (REsp 1799455/SP, Rel. ministro Herman Benjamin, 2ª
Turma, Julgamento: 13/08/2019, DJe 11/10/2019 – EDcl nos EDcl no
CC 136.241/SP, Rel. ministro Moura Ribeiro, 2ª Seção, Julgamento:
27/05/2015, DJe 02/06/2015).46

Execuções fiscais
Houve profunda modificação sobre o tema, no caso, benéfica para o sistema. As
execuções fiscais contra as massas falidas seguem a regra geral de suspensão, prevista no art. 6º,
inciso I, da LFRE.
Por outro lado, o juízo falimentar, de ofício, mandará instaurar um incidente de
classificação de crédito público para cada Fazenda Pública credora, com base no art. 7º-A.
É importante destacar que o § 4º desse artigo reserva ao juízo falimentar a competência,
apenas, para decidir sobre os cálculos e a classificação do crédito fiscal, enquanto as discussões
sobre a existência, exigibilidade e o valor do crédito fiscal permanecem dentro da esfera de
competência do juízo fazendário. Confira-se:

Art. 7-A. (...)


§ 4º Com relação à aplicação do disposto neste artigo, serão observadas as
seguintes disposições:
I - a decisão sobre os cálculos e a classificação dos créditos para os fins do
disposto nesta Lei, bem como sobre a arrecadação dos bens, a realização
do ativo e o pagamento aos credores, competirá ao juízo falimentar;
II - a decisão sobre a existência, a exigibilidade e o valor do crédito,
observado o disposto no inciso II do caput do art. 9º desta Lei e as
demais regras do processo de falência, bem como sobre o eventual
prosseguimento da cobrança contra os corresponsáveis, competirá ao
juízo da execução fiscal;

46
Nesse sentido: STJ, CC 57.640/SP. Rel. ministro Fernando Gonçalves, 2ª Seção, Julgamento: 26/09/2007, DJ 11/10/2007, p. 283.

85
III - a ressalva prevista no art. 76 desta Lei, ainda que o crédito
reconhecido não esteja em cobrança judicial mediante execução fiscal,
aplicar-se-á, no que couber, ao disposto no inciso II deste parágrafo;
IV - o administrador judicial e o juízo falimentar deverão respeitar a
presunção de certeza e liquidez de que trata o art. 3º da Lei nº 6.830, de
22 de setembro de 1980, sem prejuízo do disposto nos incisos II e III
deste parágrafo;
V - as execuções fiscais permanecerão suspensas até o encerramento da
falência, sem prejuízo da possibilidade de prosseguimento contra os
corresponsáveis;
VI - a restituição em dinheiro e a compensação serão preservadas, nos
termos dos arts. 86 e 122 desta Lei; e
VII - o disposto no art. 10 desta Lei será aplicado, no que couber, aos
créditos retardatários.

Os créditos fiscais deverão ser atualizados até a data da quebra pela taxa Selic, observando-se
que as multas tributárias devem ser informadas separadamente, uma vez que não ostentam
qualquer privilégio, muito ao contrário, conforme se verifica do disposto no art. 83, inciso VII, da
LFRE. Também é importante esclarecer que os créditos tributários por fatos geradores posteriores
à data da falência são considerados créditos extraconcursais, consoante art. 84, inciso V, da LFRE.

Ações propostas pela massa falida


Essa exceção não é nova, e quando a massa falida é autora de uma ação comum, como a
despejo ou a de cobrança, a competência é determinada pelas regras gerais. No entanto, a
competência será do juízo da falência para todas as ações previstas na própria LFRE, como a
revocatória e a revisional do QGC.

Universalidade da falência e ações em curso


Como regra47, todas as execuções contra o devedor devem ser suspensas por força da
sentença de falência, assim como ficam proibidos quaisquer atos de constrição de bens ou direitos
do devedor falido, obrigando todos os credores a se habilitarem no concurso.

47 Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:


I - suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei;
II - suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário,
relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência;
III - proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou
extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações
sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.

86
Note-se que a regra de suspensão não se aplica às demandas ilíquidas e às reclamações
trabalhistas. Nesses casos, os processos prosseguem nos respectivos juízos de origem, substituindo-
se o polo passivo para que passe a constar a massa falida, representada pelo administrador judicial.
As ações monitórias embargadas transformam-se em demandas ilíquidas para todos os fins.
Durante a tramitação das ações ilíquidas, caberá ao autor pedir ao juízo de origem a reserva
de valores estimados, no prazo decadencial máximo de três anos da falência. Acolhido o pedido de
reservas, o juízo de origem oficiará ao juízo da falência com a determinação da reserva de crédito
estimada e, uma vez transitada em julgado aquela ação e tornado líquido e certo o crédito, este
deve ser incluído no QGC na classe própria, o que entendemos deva ser feito por meio de um
novo e simples ofício do juízo de origem ao juízo da falência, e não por habilitação de crédito
retardatária.
Pelo sistema anterior, o Ministério Público, obrigatoriamente, tinha de intervir em todas
essas ações, sob pena de anulação do processo. Hoje, em razão do veto ao art. 4º da LFRE, caberá
ao membro do Ministério Público com atribuição dizer se deseja intervir ou não, conforme
vislumbre interesse público na demanda envolvendo a massa falida. A sua não intimação não é
causa de nulidade do processo, salvo se ficar evidenciado prejuízo à massa falida.

Investigação dos negócios celebrados pelo falido antes


da falência
Os negócios realizados pelo devedor antes da sua quebra devem sofrer profunda
investigação, e é possível que alguns deles venham a ser declarados ineficazes em relação à massa
falida, de forma incidente nos autos principais da falência ou por força da ação revocatória,
expressão que vem do latim revocare, que significa “trazer de volta”.
Na esteira das lições do professor Caio Mário,48 ineficácia “é a ausência de efeitos quando,
embora observados os requisitos legais, intercorre obstáculo extrínseco, que impede se complete o
ciclo de perfeição do ato”. A ineficácia pode ser “originária ou superveniente, conforme o fato
impeditivo de produção de efeitos seja simultâneo à constituição do ato ou ocorra posteriormente,
operando, contudo, retroativamente”.
Assim ocorre no processo falimentar, ou seja, a quebra se traduz nesse obstáculo extrínseco
superveniente à perfeição do ato, fazendo com que ele não tenha – ou perca – efeitos contra a
massa falida, retroativamente.
Seguindo a sistemática tradicional do Direito Falimentar pátrio, a atual Lei de Falências
prevê duas regras para se chegar à ineficácia dos atos praticados pelo falido. Vamos a elas.

48 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 632. v. 1.

87
Ineficácia objetiva
Afirma-se, nas restritas hipóteses do art. 129 da LFRE, que a ineficácia é de natureza objetiva,
na medida em que não é preciso fazer prova da má-fé do falido ou do terceiro que com quem ele
contratou, nem mesmo do prejuízo daquele negócio para a massa falida, bastando o simples
enquadramento no rol taxativo previsto nos incisos do citado dispositivo legal. A decisão judicial
que reconhece a ineficácia objetiva tem natureza meramente declaratória e força retroativa.
Atualmente, a ineficácia objetiva pode ser reconhecida pelo juiz, de ofício ou a
requerimento de qualquer das partes durante o curso do processo, e não apenas nos autos de uma
ação revocatória. Essa possibilidade está prevista no parágrafo único do art. 129 da LFRE,49 e está
sendo prestigiada pela jurisprudência, sob o argumento de “contraditório diferido”. Vejamos:

De início, a preliminar de nulidade da decisão atacada, sob o


fundamento de que ela não podia declarar de ofício a ineficácia da venda
do bem deve ser rejeitada. Ora, à luz do artigo 129, parágrafo único, da
Lei nº 11.101/2005, é possível declarar a ineficácia de ofício e a qualquer
tempo. É o que ensina o e. Desembargador Manoel de Queiroz Pereira
Calças: "Alteração de maior envergadura no que concerne à ineficácia dos
atos praticados pelo devedor antes da sentença de falência é a albergada
pelo parágrafo único do art. 129 que modificou o regime anterior. Na
vigência do Decreto-Lei nº 7.661/45, a ineficácia dos atos do falido,
tanto a denominada ineficácia objetiva, como a ineficácia subjetiva, só
podiam ser reconhecidas pela via da ação revocatória. A Lei de
Recuperação e Falências prevê que a ineficácia poderá ser declarada de
ofício pelo juiz, alegada em defesa ou pleiteada mediante ação própria ou
incidentalmente no curso do processo" (Revista do Advogado, AASP,
vol. 883, ano XXV, setembro de 2005, pág. 94). Portanto, é certo que o
douto magistrado poderia ter declarado de ofício a ineficácia do negócio
jurídico que acarretou a venda do bem, a qualquer tempo. Não fixou a lei
prazo para esta medida, razão pela qual não há que se questionar se
deveria ou poderia ter o juízo a quo a declarado. O contraditório foi
amplamente exercido no presente recurso, ainda que após a decisão
surpresa. Vale dizer: se antes a decisão foi proferida sem prévia
manifestação, neste recurso os argumentos dos agravantes poderão ser
postulados, de modo a não se justificar anulação por ausência de prejuízo

49
Em alguns casos, quiçá na grande maioria, será muitíssimo difícil compatibilizar o reconhecimento da ineficácia de um
negócio realizado pelo falido antes da falência, de ofício, pelo juiz durante o curso do processo, com os ditames do art. 5º,
LIV, da CRFB/88 – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal –, pois ao terceiro que
realizou o negócio com o falido deve ser reconhecido o direito ao contraditório e à ampla defesa.

88
(TJSP, Agravo de Instrumento nº 2100196-85.2016.8.26.0000, 1ª
Câmara Reservada de Direito Empresarial, Relator desembargador
Hamid Bdine, Julgamento: 09/11/2016).

Embora aparentemente desnecessária em face da novidade supra, ainda hoje é possível a


utilização da ação revocatória para se reconhecer a ineficácia objetiva, especialmente quando
pelos elementos contidos nos autos não for possível reconhecer de plano a prática do ato
previsto no rol mencionado. Tal ação era chamada por Pontes de Miranda como “ação
declaratória de ineficácia relativa”.
A ineficácia objetiva está intimamente ligada ao requisito temporal, embora não esteja
sujeita a prazo prescricional ou decadencial. Os três primeiros incisos do art. 129 têm como
parâmetro o chamado termo legal, que pode retrotrair em até 90 dias antes do primeiro protesto
por falta de pagamento contra o falido. Já as hipóteses previstas nos incisos IV e V utilizam como
parâmetro temporal o denominado período suspeito, que nada mais é do que o prazo fixo de dois
anos antes da decretação da falência. Por seu turno, a conduta tipificada no inciso VI tem a sua
regulamentação prevista nos arts. 1.144 e 1.145 do CC, enquanto a hipótese do inciso VII tem
como referência a própria sentença de falência.
Analisemos, perfunctoriamente, as hipóteses de ineficácia objetiva:
a) O objetivo da Lei é evitar uma preferência indevida daquele que possui um crédito
ainda inexigível, em detrimento dos demais credores portadores de títulos vencidos
que não foram pagos.
b) Esse pagamento frustra o tratamento igualitário que deve ser dispensado aos credores. O
caso mais comum é a dação em pagamento dentro do termo legal.50
c) Trata-se de uma tentativa fraudulenta de elevar um credor comum a privilegiado,
muitas vezes por meio da alienação fiduciária. Há de se ter a prudência de se verificar
se a garantia foi para justificar a entrada de “dinheiro novo” ou se o caso é realmente
de fraude.
d) Revela-se inadmissível aceitar tal conduta diante de um quadro de insolvência.
Ressalvam-se, outrossim, as doações de ínfimos valores a determinadas entidades
culturais e assistenciais, bem assim as gratificações dadas aos funcionários, desde que
não caracterizada a fraude. Tal previsão ganha muita importância quando na falência é
desconsiderada a personalidade jurídica, pois é comum sócios de sociedades insolventes
doarem os seus bens aos filhos e a outros familiares.
e) Só tem relevância na falência do empresário individual ou quando há sócios com
responsabilidade ilimitada, inclusive por desconsideração da personalidade jurídica.

50
STJ, REsp 604.315/SP. Rel. ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Julgamento: 25/05/2010, DJe 08/06/2010.

89
f) As regras sobre a alienação do estabelecimento empresarial estão nos arts. 1.142-1.148
do CC. Na aplicação desse inciso, devemos observar que a venda “desmantelada” do
estabelecimento também pode ser declarada ineficaz.
g) Somente as transcrições de direitos reais realizadas após a decretação da falência é que
serão declaradas ineficazes em relação à massa falida, independentemente de prova de
prejuízo ou má-fé.

A simples venda de bem imóvel pelo devedor, mesmo realizada dentro do termo legal, não se
encontra inserida em qualquer dos incisos do art. 129, da LFRE, razão pela qual a sua ineficácia
depende da prova de má-fé das partes e de prejuízo para os credores, consoante art. 130 da LFRE.51

Ineficácia subjetiva
Embora o art. 130 utilize a expressão “são revogáveis”, a análise do negócio também se situa
no plano da eficácia, ou seja, mesmo quando procedente o pedido o ato permanece íntegro e
válido, mas os seus efeitos é que são atingidos, ou seja, o negócio não terá nenhuma eficácia
contra a massa falida.
A ineficácia relativa só pode ser reconhecida por meio da ação revocatória, na qual deve
ficar comprovada a má-fé do falido e do terceiro contratante, além do prejuízo aos credores. Essa
ação não está adstrita a nenhum rol, pois qualquer negócio realizado pelo devedor poderá ser
atacado, desde que, é claro, sejam provados o conluio e o prejuízo da massa falida.
Apesar de uma pequena resistência doutrinária, a ineficácia subjetiva não se prende a
qualquer parâmetro temporal prescricional, embora ela tenha que ser proposta em no máximo
três anos a partir da decretação da falência, sob pena de decadência. Assim, independentemente
da data do ato, ele pode ser alcançado pela ação revocatória, embora seja intuitivo que, quanto
mais antigo o ato, mais difícil será a prova da fraude e do prejuízo para os credores.
A ação revocatória é de competência do juízo indivisível da falência e processada pelo rito
ordinário. Tem legitimidade ativa para propô-la o administrador judicial, o Ministério Público e
qualquer credor, consoante art. 132 da LFRE.
O art. 133 da LFRE indica de forma clara quais são as pessoas que podem figurar no polo
passivo dessa ação, sendo certo que o falido não precisa ser chamado à lide, embora possa intervir
na condição de assistente.52

51 REsp 1197723/SP. Rel. ministro João Otávio de Noronha, 4ª Turma, Julgamento: 19/10/2010, DJe 27/10/2010.

52 STJ, REsp. 1.127.334/RS. Rel. ministro Raul Araújo, Decisão Monocrática em 31/05/2017. DJe, 08/06/2017.

90
A sentença que julga a ação revocatória desafia recurso de apelação, recebido no duplo
efeito. Alguns pontos merecem especial atenção:
a) Reconhecida a ineficácia do negócio, as partes devem retornar ao estado anterior.
Assim, o contratante de boa-fé terá direito de restituição dos bens ou dinheiro entregue
ao falido por ocasião do negócio, na forma dos art. 86, III, da LFRE.
b) Ao contratante é ressalvado o direito de propor ação de perdas e danos contra o falido
ou contra os seus garantidores.
c) O juiz poderá, durante o curso da ação revocatória, a requerimento do autor, ordenar o
sequestro do bem retirado do patrimônio do devedor e entregue ao terceiro,
preenchidos os requisitos previstos nos arts. 300 e seguintes do CPC. É evidente que, na
hipótese de ineficácia objetiva, o juiz poderá, de ofício, decretar essa medida.
d) O art. 138 da LFRE prevê que até mesmo o ato praticado em cumprimento de decisão
judicial pode ser declarado ineficaz, o que pode causar uma perplexidade inicial em face
da força da coisa julgada. No entanto, tal previsão em nenhum momento fere a coisa
julgada, uma vez que tanto a causa de pedir próxima como remota serão
completamente distintas da ação cuja decisão judicial se baseou o ato, sem olvidar os
próprios limites subjetivos da coisa julgada.
e) Na ação revocatória não tem cabimento a compensação nem a reconvenção. A ineficácia
pode ser oposta em defesa, perdendo a massa falida, entretanto, o direito de promover a
ação revocatória, pois se esgotaria a prestação da tutela jurisdicional na defesa.

Verificação dos créditos


Como decorrência do princípio pars conditio creditorum, os processos de falência e de
recuperação judicial têm em comum a necessidade de se conhecerem os credores do devedor, a
fim de classificá-los de acordo com as determinações legais.
Portanto, possuindo um crédito líquido e certo, ainda que não materializado em título com
força executiva, deve habilitá-lo no concurso de credores, a fim de não comprometer a
universalidade de credores e a ordem de preferência prevista em lei, no caso da falência, ou no
plano de recuperação judicial. Repise-se que o reconhecimento do crédito independe da existência
de título executivo, consoante art. 9º, parágrafo único, da LFRE.
O procedimento de conhecimento e classificação dos credores foi profundamente alterado
pela atual LFRE. Para melhor estudo, vamos dividi-lo em três fases, sempre tendo por bases as
publicações dos editais previstos em lei.

91
Advirta-se que, em relação aos contratos com cláusula de arbitragem, há de se respeitar a
convenção das partes, portanto, o credor pode optar pelo procedimento arbitral para a solução de
eventual litígio sobre o valor que lhe é devido.53

Fase administrativa
Decretada a falência, oportunidade em que é nomeado o administrador judicial, o devedor
será intimado para que, em cinco dias (art. 99, III, da LFRE), apresente a relação completa de
credores, em arquivo eletrônico, se esta já não estiver nos autos (art. 105, II, da LFRE), indicando
valor, classe, referência contábil, origem da dívida e endereços de todos os credores.
Caberá ao administrador judicial imediatamente publicar essa relação de credores elaborada
pelo devedor no sítio eletrônico destinado aos processos de falência e de recuperação de
empresas54, a fim de que os credores apresentem em 15 dias eventuais habilitações de créditos, que
não constarem do rol apresentado pelo devedor, assim como qualquer divergência acerca do valor
ou da natureza dos créditos relacionados. Nada impede que o administrador judicial receba uma
habilitação ou divergência após esses 15 dias, mas antes de entregar nos autos a relação de que
trata o § 2º do art. 7º da LFRE.
Há de se destacar que, nos processos de falência iniciados a requerimento de credores,
raramente o devedor apresenta nos autos a relação de credores, razão pela qual o primeiro edital é
publicado apenas para convocar os credores para apresentarem as habilitações dos seus créditos, e
não para divergências. Frise-se ainda que, na raríssima hipótese de o devedor apresentar a lista de
credores, o administrador judicial tem a obrigação de notificá-los por carta registrada para
possibilitar eventual divergência, observando-se que o início do prazo quinzenal é sempre da
publicação do edital eletrônico.
Destaque-se que tais habilitações e divergências devem ser apresentadas diretamente ao
administrador judicial, pois esse procedimento inicial possui nítido caráter administrativo, não
fica mais sob a responsabilidade do juiz, portanto os credores não precisam de advogados nesse
momento, como também não há qualquer custo. Buscou-se a desburocratização e a desoneração
do processo de habilitação de créditos. Saliente-se que esta opção não é inédita no nosso
ordenamento, pois nos processos de liquidação extrajudicial o liquidante nomeado exerce igual
função à que agora é atribuída ao administrador da falência (arts. 22-24 da Lei nº 6.024/76).
O administrador terá o prazo total de 60 dias contados da publicação desse primeiro edital
para concluir a tarefa de verificação dos créditos, tendo como fonte de informações toda a
contabilidade e os livros fiscais e empresariais do devedor. Para hercúleo trabalho, o administrador

53
SALOMÃO, Luis Felipe; SANTOS, Paulo Penalva. Recuperação judicial, extrajudicial e falência: teoria e prática. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2015. p. 273.
54
Recomenda-se a publicação, também, no próprio sítio eletrônico do administrador e do devedor.

92
poderá contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas, mormente da área
contábil, e manterá estreito contato com o devedor. Ao final desse prazo, será publicado um
segundo edital, contendo o rol de credores segundo as conclusões do administrador judicial, que
substituirá aquele inicialmente apresentado pelo devedor (art. 7º, §§ 1º e 2º, da LFRE).
Há de se consignar que a cognição administrativa exercida pelo administrador judicial será
restrita aos requisitos formais de certeza e liquidez, não podendo avançar sobre eventuais vícios
intrínsecos dos documentos que lhe forem apresentados. A cognição administrativa, assim, não
tem a mesma profundidade da cognição judicial.
Sem medo de errar, nos processos de falência dificilmente o administrador judicial conclui
esse trabalho em 60 dias, uma vez que nesse período inicial, que é logo após a decretação da falência,
a sua atenção, como também a de todos os demais agentes do processo, está voltada
primordialmente para a arrecadação de ativos. Como praticamente não há prejuízo para o
andamento processual, visto que a relação definitiva de credores só será realmente necessária no fim
da falência, quando do início dos rateios, não se assustem, o atraso pode chegar a um ano ou mais.

Fase judicial
Chega-se, então, ao segundo edital, a partir do qual o procedimento começa a sua fase
judicial. No prazo de 10 dias contados da sua publicação, os credores, o Ministério Público, o
comitê, o falido e os seus sócios podem impugnar, judicialmente, a relação elaborada pelo
administrador, seja por desconformidade, seja por omissão da lista (art. 7º da LFRE). Note-se que
tal edital deve indicar o local em que se encontram os documentos que fundamentaram as
conclusões do administrador.
Em relação ao Ministério Público, Paulo Toledo entende que “a postura deverá mudar,
ganhando um dinamismo muito próprio de outras funções da instituição”,55 ou seja, conclui que
o prazo é comum até para o Ministério Público, que estará em igualdade de condições com os
demais legitimados para fins de impugnação da relação elaborada pelo administrador judicial.
Embora na prática o Ministério Público não apresente impugnação de crédito, defendemos que o
seu prazo só começa a contar a partir da vista dos autos.
Desde logo, convém ressaltar que a ausência de apresentação de divergência na fase
administrativa não impede que o crédito seja objeto de impugnação na fase judicial.56 Também

55 TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles. Comentário ao artigo 8º da Lei 11.101/05. In: TOLEDO, Paulo Fernando
Campos Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (Coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresa e de Falência. São
Paulo: Saraiva, 2005, p. 25.

56 Nesse sentido: CAVALLI, Cássio; AYOUB, Luiz Roberto. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de
empresas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 177.

93
merece destaque o fato de que o impugnante pode levantar qualquer questão de fato ou de direito
na sua impugnação, inclusive exceptio non adimpleti contractus.57
Cada impugnação será autuada em apartado, e os titulares dos créditos impugnados serão
intimados para contestarem no prazo de cinco dias (art. 11 da LFRE). Após, também serão
intimados para se manifestarem, no mesmo prazo, sucessivamente, o devedor, o comitê de
credores e o administrador judicial, que deverá juntar, se for o caso, laudo pericial e todos os
documentos que entender pertinentes (art. 12 da LFRE). Note-se que a lei não prevê a oitiva do
Ministério Público, embora ela seja intuitiva e de toda conveniente em razão da sua função de
custos legis.
Outra questão relevante se traduz na aparente violação do princípio do contraditório, pois a lei
prevê que o administrador poderá juntar documentos e, até mesmo, um laudo pericial sobre o objeto
da impugnação, mas não exige que nesses casos as partes tomem sequer ciência do que foi juntado a
posteriori pelo administrador. Destarte, toda vez que alguma das partes juntar aos autos qualquer
documento, as demais devem ser intimadas para tomarem conhecimento e, se assim entenderem,
fazerem alguma ponderação ou contraprova.
Finalmente, os autos serão conclusos ao juiz. Nesse momento, segundo a lei (art. 15 da
LFRE), o juiz deverá adotar as seguintes providências:
a) Determinar a inclusão no quadro geral dos créditos não impugnados – Ora, a tarefa não é
assim tão fácil. O juiz poderá retificar ou até mesmo excluir um crédito não impugnado,
de ofício, em razão da natureza mista das funções que exerce no processo falimentar.
b) Julgar as impugnações de plano, quando não necessitar de dilação probatória –
Entendendo que as informações nos autos são suficientes, em outras palavras, que a
causa está “madura”, o juiz poderá julgar antecipadamente o mérito.
c) Resolver as questões processuais pendentes, fixar os pontos controvertidos e determinar as
provas a serem produzidas, inclusive designando audiência de instrução e julgamento, se
necessária – Enquanto não decidida definitivamente a impugnação, o juiz determinará a
reserva do valor necessário ao pagamento do crédito e não impedirá o pagamento da
parte incontroversa (art. 16, § 1º, da LFRE).

A decisão judicial sobre a impugnação desafia o recurso de agravo de instrumento (art. 17


da LFRE). O mesmo se diga em relação à decisão do juiz que determinar, de ofício, a exclusão ou
retificação de créditos. Pode-se até questionar a solução dada pelo legislador, na medida em que a
impugnação tem natureza de ação autônoma, portanto, sendo decidida por sentença, desafiaria o
recurso de apelação. No entanto, parece-nos válida a opção pelo agravo de instrumento, já que a
sua tramitação célere é mais adequada ao rito falimentar.

57 COLOMBO, Giuliano; COSTA, Patrícia Barbi. Direito falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas.
Coordenação: Luiz Fernando Valente de Paiva. São Paulo: Quartier, 2005. p. 150.

94
Habilitações e impugnações retardatárias
Como já aludido, os créditos não constantes da relação elaborada pelo devedor devem ser
habilitados no prazo de 15 dias a contar da publicação do primeiro edital, direta e
extrajudicialmente, perante o administrador judicial.
Ultrapassado esse prazo, a habilitação deverá ser tratada como retardatária (art. 10 da LFRE) e
tramitará pelo rito das impugnações de crédito, caso apresentadas até a homologação do QGC.
Após a homologação do QGC, as habilitações retardatárias serão processadas pelo rito ordinário.
A habilitação retardatária de um crédito tem consequências: os seus titulares arcarão com as
custas judiciais e não terão direito de voto nas assembleias enquanto não homologado o QGC
contendo o referido crédito, salvo os trabalhistas, ou se já julgada a habilitação retardatária até a
véspera da realização da assembleia (art. 39 da LFRE).
Os credores retardatários também não terão direito aos rateios já distribuídos, nem aos
acessórios compreendidos entre o término do prazo e a data do pedido de habilitação, embora
possam requerer a reserva correspondente ao valor dos seus créditos.
O grande destaque da reforma de 2020 em relação às habilitações de crédito nas falências é
a criação do prazo decadencial no § 10 do art. 10, da LFRE. Segundo essa nova regra, os credores
devem apresentar o pedido de habilitação ou o pedido de reserva de crédito em no máximo três
anos, sob pena de decadência.
Hão de ser feitas pequenas considerações sobre essa nova regra. Devemos lembrar que o
pedido de reserva de crédito não é direcionado ao juízo falimentar, mas, sim, ao juízo onde se
processa a ação ilíquida, que pode ser um juízo trabalhista, de juizado cível ou de vara cível
comum, consoante art. 6º, § 3º, da LFRE.
Ocorre que, segundo a jurisprudência amplamente dominante, esse juízo de origem pode
deferir ou não o pedido de reserva de crédito, com base na cognição sumária que exerce na análise
das provas dos autos no momento desse pedido. Confira-se:

RECURSO ESPECIAL. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL.


COBRANÇA DE CRÉDITO. RESERVA DE IMPORTÂNCIA.
FACULDADE DO JUIZ DA CAUSA. INEXISTÊNCIA DO
DIREITO. ILIQUIDEZ DO TÍTULO. PRETENSÃO DENEGADA.
POSSIBILIDADE. ART. 6º, § 3º, DA LEI N. 11.101/2005.
1. A lei faculta ao titular de crédito existente contra empresa em
recuperação judicial postular ao juiz da causa que requeira ao juízo da
recuperação a reserva da importância a que tenha direito.
2. O pedido de reserva de importância ao juízo da recuperação judicial é
faculdade conferida ao livre convencimento do julgador, que, após

95
aferição do título reivindicado, pode constatar sua certeza e liquidez e
estimar seu valor.
3. Recurso especial desprovido.
(REsp 1518597/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 09/11/2015).58

Dentro dessas circunstâncias, ou a jurisprudência se altera e passa a reconhecer a


obrigatoriedade do deferimento do pedido de reserva de crédito em falências, ou devemos
entender que, para evitar a decadência, basta que o pedido de reserva de crédito seja feito em até
três anos a contar da decretação da falência, ainda que indeferido pelo juízo da causa.
Havia grande controvérsia sobre a possibilidade de apresentação de impugnação
retardatária, ou seja, após o prazo de 10 dias previsto no art. 8º da LFRE. Os Tribunais de
Justiça pelo País se dividiam,59 e essa divergência estava latente na jurisprudência recente do
próprio STJ, a conferir:

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL.


IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. INTEMPESTIVIDADE.
DECURSO DO PRAZO DO ART. 8º, CAPUT, DA LEI 11.101/05.
[...]. 2. O propósito recursal é definir se, no curso do processo de
recuperação judicial, a impugnação de crédito apresentada fora do prazo
de 10 dias previsto no caput do art. 8º da Lei 11.101/05 pode ter seu
mérito apreciado pelo juízo. 3. A norma do artigo retro citado contém
regra de aplicação cogente, que revela, sem margem para dúvida acerca de
seu alcance, a opção legislativa a incidir na hipótese concreta. Trata-se de
prazo peremptório específico, estipulado expressamente pela lei de
regência. [...]. Recurso especial não provido (REsp. 1.704.201/RS. 3ª
Turma. Rel. ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Relator para acórdão,
ministra Nancy Andrighi. Maioria. Julgamento: 07/05/2019).

Acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do


Sul, assim ementado: Sustenta, em síntese, a tempestividade da

58
Nesse sentido: AgInt no AREsp 1224002/RS, Rel. ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 29/10/2018, DJe
31/10/2018; e AgInt no AREsp 1224002/RS, Rel. ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 29/10/2018, DJe
31/10/2018.
59
Pela impossibilidade em razão da preclusão – TJRS, AI 70073456436, 5ª Câmara Cível. Rel. desembargador Jorge Luiz
Lopes do Canto, Julgamento: 30/08/2017; pela possibilidade em face da analogia à habilitação retardatária – TJSP, AI
2093743-74.2016.8.26.0000 – Relator: Carlos Alberto Garbi; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 2ª Câmara Reservada de
Direito Empresarial; Julgamento: 31/10/2016; e TJRJ, AI 0052589-08.2016.8.19.0000. Desembargador Gilberto Campista
Guarino – Julgamento: 15/03/2017 – 14ª Câmara Cível.

96
impugnação à relação de credores, a qual deve ser recebida e processada
como retardatária, nos termos dos arts. 8º e 10º, § 5º, da Lei 11.101/05,
pois para ser considerada intempestiva não basta estar fora do prazo de 10
(dez) dias estabelecido no artigo 8º da Lei n. 11.101/2005, deve ser
posterior à homologação do quadro geral de credores. É o relatório.
Decido. O inconformismo merece prosperar. 1. A discussão, na origem,
versa sobre pedido de impugnação aos créditos apresentados pela parte
ora recorrida, para fins de correção, porquanto os valores arrolados no
Edital não corresponderiam ao efetivamente devido. Na instância
ordinária o pleito não restou conhecido, porque interposto fora do prazo
previsto no art. 8º, da Lei 11.101/05. [...]. Todavia, segundo
entendimento jurisprudencial adotado por este Superior Tribunal de
Justiça, é possível a retificação dos créditos apresentados, mesmo após a
respectiva homologação do plano de recuperação judicial. Neste sentido:
(REsp 1371427/RJ, Rel. ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma,
Julgamento: 06/08/2015, DJe 24/08/2015). 2. Ante o exposto, com
amparo na Súmula 568 do STJ, dou provimento ao reclamo para,
afastando a intempestividade reconhecida pela Corte de origem,
determinar a análise da impugnação dos créditos apresentada pela parte
ora recorrente (STJ, Agravo em Recurso Especial nº 1.476.354-RS
(2019/0071222-1). Relator: ministro Marco Buzzi. 4ª Turma.
Julgamento: 21/05/2019).

Sempre defendemos a admissibilidade da impugnação retardatária, pois, se é possível a


habilitação “integral” de um crédito até então desconhecido, a qualquer tempo, por lógica deve ser
possível a sua retificação parcial. Ademais, também por lógica, se a lei expressamente admite a
propositura de uma ação revisional do QGC, pelo rito ordinário, a fim de excluir, incluir, majorar ou
reduzir o valor de um crédito ou alterar a sua classificação, não há razão para impedir a sua
homologação e publicação com possível equívoco. Os princípios da vedação ao enriquecimento ilícito,
da celeridade e da eficiência processual impunham o conhecimento das impugnações retardatárias.
De toda forma, agora não há mais espaço para divergência, pois na reforma de 2020 o
legislador60 expressamente admitiu o processamento das impugnações retardatárias, conforme pode ser
verificado nas redações dos §§ 7º, 8º e 9º, do art. 10, da LFRE.

60
Fomos nós que sugerimos à equipe técnica que assessorou o Exmo. deputado Hugo Leal a expressa referência às
“impugnações retardatárias”, para pôr fim a essa divergência.

97
Entretanto, o não atendimento ao prazo de 10 dias previsto no art. 8º da LFRE tem
consequências. A homologação e a publicação do QGC não dependem do julgamento das
impugnações e das habilitações apresentadas fora do prazo legal e enquanto não for julgada a
impugnação retardatária o credor votará nas AGCs com o valor e na classe indicados na relação
do administrador judicial.

Suspensão dos juros e dos prazos prescricionais


No que concerne à incidência de juros após a decretação da falência, nada mudou em
relação ao sistema anterior, consoante art. 124 da LFRE. Assim, quando das habilitações dos
créditos, o valor principal só pode ser acrescido de juros e correção monetária até a data da
decretação da falência, pois os juros do período falimentar são os últimos créditos a serem pagos
na falência, conforme expressamente indicado no inciso IX do art. 83 da LFRE.
Importa destacar que os créditos tributários não podem ser atualizados pela Selic durante a
falência quando não há ativo suficiente para o pagamento de todos os credores, uma vez que esse
indexador também em finalidade remuneratória e moratória, devendo, portanto, a Selic ser
substituída por outro índice meramente inflacionário adotado pelo tribunal local. Nesse sentido:

TAXA SELIC E CORREÇÃO MONETÁRIA. EMBARGOS E


EXECUÇÃO. VERBAS HONORÁRIAS AUTÔNOMAS. (...).
3. Na linha da orientação jurisprudencial desta Corte as empresas cuja
falência foi decretada, cumpre a distinção entre as seguintes
circunstâncias: (a) antes da decretação da falência, são devidos os juros de
mora, independentemente da existência de ativo suficiente para
pagamento do principal, desse modo, aplicável a taxa SELIC, que
engloba índice de correção monetária e juros e; (b) após a decretação da
falência, a incidência da taxa SELIC fica condicionada à suficiência do
ativo para pagamento do principal. (...).
(AgInt no AREsp 1035832/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2017, DJe
21/08/2017)

Após o pagamento de todas as classes de credores, havendo sobra de caixa na falência, a


massa falida iniciará o pagamento dos juros falimentares, ou seja, aqueles referentes ao período
desde a decretação da falência até a data do pagamento do primeiro rateio, obedecendo, mais uma
vez, ao nosso sentir, à ordem de preferência estabelecida em lei. Na hipótese dos créditos fiscais, a
parcela dos juros falimentares será a diferença entre a taxa utilizada para a correção monetária e a
taxa Selic do período.

98
Também a partir da decretação da falência são suspensos os prazos prescricionais das ações
em face do falido, mas não os decadenciais, conforme art. 6º, I, da LFRE.

Compensação de créditos
Segundo o art. 122 da LFRE, outrora art. 46 do Decreto-Lei nº 7.661/45, provenha ou não
o vencimento de uma dívida do falido da sentença de quebra, opera-se a compensação nos moldes
da legislação civil, com preferência sobre quaisquer outros. Em suma, caso um credor do falido
também seja o seu devedor, sobrevindo a falência, ocorre o vencimento antecipado do crédito e
opera-se a compensação.
Um caso envolvendo o instituto da compensação tem-se mostrado recorrente nos processos
de falência e até de recuperação judicial. A Justiça do Trabalho tem condenado as sociedades
tomadoras de serviço, em caráter subsidiário, ao pagamento de verbas trabalhistas inadimplidas
pelas prestadoras de serviço. Em consequência, a sociedade tomadora do serviço, por força
contratual, retém valores devidos à sociedade prestadora que, em algum momento, sofre falência
ou pede recuperação judicial.
Em casos assim, admite-se a compensação ou deve a sociedade tomadora habilitar
integralmente o crédito – valor pago aos trabalhadores da prestadora de serviço –, aguardando o
seu lugar na fila, e pagar o que deve – valores retidos – a sociedade falida?
Filiamo-nos à posição que admite a compensação, prestigiada no seguinte julgado do
Tribunal Paulista, que reformou a decisão do MM. Juízo da 1ª Vara de Falências e Recuperações
Judiciais de São Paulo:

FALÊNCIA. Habilitação de crédito. Dívidas líquidas e vencidas antes da


convolação da recuperação judicial em falência. Compensação.
Possibilidade. Violação do princípio do par conditio creditorum.
Inocorrência. Inteligência do art. 122 da LREF. Previsão legal de
compensação nos autos da falência, “com preferência sobre todos os
demais credores”. Habilitação de crédito julgada procedente para
determinar a inclusão, no quadro geral de credores, do crédito
quirografário remanescente em favor da Agravante. Decisão reformada.
Recurso provido (TJSP; Agravo de Instrumento 0140527-
51.2013.8.26.0000; Relator: Tasso Duarte de Melo; Órgão Julgador: 2ª
Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 1ª Vara
de Falências e Recuperações Judiciais; Julgamento: 19/05/2014).

A reforma promovida em 2020 prestigiou o instituto da compensação de créditos, como


podemos verificar no § 2º do art. 84 da LFRE.

99
Há, no entanto, um obstáculo à compensação. Não poderão ser compensados os créditos
transferidos após a decretação da falência ou durante o estado de insolvência, cujo início, por
analogia, deve ser considerado o termo legal.
Por fim, a despeito das opiniões em contrário, o momento e o local adequados para se
requerer a compensação é na verificação de créditos, ou seja, no bojo de uma habitação,
divergência ou impugnação de crédito.61

Quadro geral de credores: concursais e não concursais


Com base nas decisões judiciais, o administrador judicial promoverá a consolidação do
QGC, publicando-o em, no máximo, cinco dias a contar da última decisão judicial acerca das
impugnações tempestivas, mesmo que delas ainda caiba recurso.
As eventuais modificações desse quadro em decorrência do julgamento dos recursos
interpostos ou das impugnações e habilitações retardatárias se darão concomitantemente à ciência
das suas respectivas decisões.
Há que se consignar, ainda, a possibilidade de retificação ou exclusão de crédito constante
da relação do terceiro edital, diante da descoberta de fraude, dolo, simulação, erro essencial ou, o
que é mais comum, desconhecimento de documento existente à época da habilitação.
Essa providência depende do ajuizamento, quando ainda em curso o processo principal de
falência, da chamada ação revisional, também conhecida como ação rescisória falimentar.62 Esta
ação será processada e julgada pelo juízo da falência (art. 19 da LFRE) e pode ser apresentada pelo
Ministério Público, por qualquer credor, pelo comitê ou pelo administrador judicial, seguindo o
rito ordinário. Pendente o julgamento da presente ação, o titular do crédito só será pago se prestar
caução (art. 19, § 2°, da LFRE).
Inobstante abalizados posicionamentos em sentido contrário,63 defendemos a legitimidade
ativa do próprio devedor ou de algum dos seus sócios. O fundamento utilizado para a exclusão da
legitimidade ativa do devedor ou dos seus sócios é que a representação judicial da massa falida
pertence ao administrador judicial. Entretanto, tal argumento não nos convence, pois na ação
revisional o falido ou qualquer dos seus sócios estará em juízo defendendo, em última análise,
interesse próprio, e não exclusivamente da massa falida. Não fosse assim, os credores e o próprio
comitê também deveriam ser excluídos do polo ativo.
Finalmente, os especialistas em Direito Falimentar devem atentar para o fato de que antes
do pagamento dos credores concursais, listados no art. 83 da LFRE, ou seja, dos credores do

61 TEPEDINO, Ricardo. Comentário ao artigo 122 da Lei 11.101/05. In: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÃO,
Carlos Henrique (Coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresa e de Falência. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 333.

62 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 321-322. v. 1.

63 TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles. op. cit. p. 45.

100
falido, várias obrigações devem ser honradas no decorrer do processo falimentar, em obediência ao
disposto no art. 149 da LFRE. Por conseguinte, para a correta compreensão das prioridades
legais, é imprescindível que o quadro geral de pagamentos seja dividido, ao menos, em dois
blocos, a saber: credores extraconcursais e credores concursais.

Credores extraconcursais
As primeiras obrigações a serem adimplidas no processo de falência, em estrita obediência ao
comando previsto no art. 149 da LFRE, são as restituições in natura, amparadas no art. 85 da LFRE.
Depois do atendimento dessas restituições, vêm os créditos extraconcursais do art. 84 da LFRE,
cuja ordem foi sensivelmente modificada pela reforma promovida pela Lei nº 14.112/20. Vejamos:

Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com


precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a
seguir, aqueles relativos:
I - (revogado);
I-A - às quantias referidas nos arts. 150 e 151 desta Lei;
I-B - ao valor efetivamente entregue ao devedor em recuperação judicial
pelo financiador, em conformidade com o disposto na Seção IV-A do
Capítulo III desta Lei;
I-C - aos créditos em dinheiro objeto de restituição, conforme previsto
no art. 86 desta Lei;
I-D - às remunerações devidas ao administrador judicial e aos seus
auxiliares, aos reembolsos devidos a membros do Comitê de Credores, e
aos créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de
acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da
falência;
I-E - às obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante
a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a
decretação da falência;
II - às quantias fornecidas à massa falida pelos credores;
III - às despesas com arrecadação, administração, realização do ativo,
distribuição do seu produto e custas do processo de falência;
IV - às custas judiciais relativas às ações e às execuções em que a massa
falida tenha sido vencida;
V - aos tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da
falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.

101
§ 1º As despesas referidas no inciso I-A do caput deste artigo serão pagas
pelo administrador judicial com os recursos disponíveis em caixa.
§ 2º O disposto neste artigo não afasta a hipótese prevista no art. 122
desta Lei. (NR)

Salvo duas exceções, todas as obrigações extraconcursais decorrem de atos jurídicos


praticados após a decretação da falência ou durante o processo de recuperação judicial. A primeira
exceção é a obrigação mencionada no inciso I-A, relativa ao pagamento da verba prevista no art.
151, da LFRE, enquanto a segunda se encontra no inciso I-C, referente às restituições em
dinheiro do art. 86, da LFRE.

Credores concursais
Sobrando recursos em caixa após o atendimento das restituições do art. 85 e das despesas
extraconcursais do art. 84, a massa falida finalmente poderá dar início ao pagamento dos credores
concursais, obedecendo à ordem prevista no art. 83 da LFRE, pontualmente alterado pela Lei
nº 14.112/20, a conferir:

Art. 83. .........................................................................................


I - os créditos derivados da legislação trabalhista, limitados a 150 (cento e
cinquenta) salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de
acidentes de trabalho;
II - os créditos gravados com direito real de garantia até o limite do valor
do bem gravado;
III - os créditos tributários, independentemente da sua natureza e do
tempo de constituição, exceto os créditos extraconcursais e as multas
tributárias;
IV - (revogado);
V - (revogado);
VI - os créditos quirografários, a saber:
a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;
b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens
vinculados ao seu pagamento; e
c) os saldos dos créditos derivados da legislação trabalhista que excederem
o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;
VII - as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis
penais ou administrativas, incluídas as multas tributárias;
VIII - os créditos subordinados, a saber:
a) os previstos em lei ou em contrato; e

102
b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício
cuja contratação não tenha observado as condições estritamente
comutativas e as práticas de mercado; e
IX - os juros vencidos após a decretação da falência, conforme previsto no
art. 124 desta Lei.
§ 1º Para os fins do inciso II do caput deste artigo, será considerado
como valor do bem objeto de garantia real a importância efetivamente
arrecadada com sua venda, ou, no caso de alienação em bloco, o valor de
avaliação do bem individualmente considerado.
§ 2º Não são oponíveis à massa os valores decorrentes de direito de sócio
ao recebimento de sua parcela do capital social na liquidação da sociedade.
§ 3º As cláusulas penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se
as obrigações neles estipuladas se vencerem em virtude da falência.
§ 4º (Revogado).
§ 5º Para os fins do disposto nesta Lei, os créditos cedidos a qualquer
título manterão sua natureza e classificação.
§ 6º Para os fins do disposto nesta Lei, os créditos que disponham de
privilégio especial ou geral em outras normas integrarão a classe dos
créditos quirografários. (NR)

As principais mudanças foram a aglutinação dos créditos com privilégios geral e especial na
classe dos quirografários e a instituição da regra que mantém a classificação do crédito cedido,
mesmo os de natureza trabalhista.

Créditos por acidente do trabalho e trabalhistas, estes limitados a 150


salários-mínimos
Sempre discordamos da inclusão dos créditos “por acidente de trabalho” no topo da pirâmide,
na medida em que não se trata propriamente de indenizações com base na legislação acidentária, na
medida em que estas são de responsabilidade do INSS. O crédito mencionado no dispositivo em
análise tem como fundamento a legislação comum que trata da responsabilidade civil (arts. 186 e 927
do CC) e, assim, teria natureza quirografária. A nossa posição, contudo, é inegavelmente minoritária.64
No que diz respeito aos créditos trabalhistas, tem-se que, se o empregado já recebeu os
cinco salários-mínimos mencionados no art. 151 da LFRE, só lhe restarão 145 salários-mínimos
como teto do crédito privilegiado, ou seja, havendo diferença, esta será considerada crédito

64
TJSP; Agravo de Instrumento 2027032-53.2017.8.26.0000; Relator: Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara
Reservada de Direito Empresarial; Foro de Jaú – 3ª Vara Cível; Julgamento: 29/08/2017; Registro: 29/08/2017.

103
quirografário. Para esse “limitador de privilégio”, porém, deve-se levar em conta o valor do
salário-mínimo da data do pagamento, e não da habilitação do crédito.65
Discordamos frontalmente da jurisprudência, amplamente majoritária66, que equipara
outras verbas de natureza alimentar aos créditos trabalhistas, como os honorários advocatícios,
seja por absoluta falta de amparo legal, seja porque, se assim o fizermos, também deveremos
equiparar aos créditos trabalhistas os honorários dos contadores, dos economistas, dos médicos e
de todas as sociedades profissionais, prejudicando justamente os trabalhadores hipossuficientes
regidos pela CLT. Todo crédito trabalhista tem natureza alimentar, mas nem todo crédito
alimentar tem natureza trabalhista.

Créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado


Aqui serão listados os credores que possuírem direito real de garantia, ou seja, quando ela
recai sobre bem ou direito que ainda pertence ao devedor. Dessa forma, nesse momento
teremos somente os credores garantidos por hipoteca, penhor e anticrese, cada vez mais raros no
mercado. Como já alinhavado, os credores fiduciários serão atendidos como restituições do art.
85 ou como despesas extraconcursais do art. 84, caso o administrador judicial resolva dar
cumprimento ao contrato.
Caso o valor do crédito exceda o valor obtido com a alienação do bem gravado, o saldo será
incluído na classe quirografária.

Créditos tributários, excetuadas as multas


O tratamento dos créditos tributários sofreu profunda modificação por meio da Lei
Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, que alterou vários dispositivos do CTN, a fim de
conferir ao credor com garantia real privilégio sobre o credor tributário, na hipótese de falência.
Permanece, por outro lado, o critério de preferência previsto no parágrafo único do art. 187
do CTN, ou seja, primeiro são satisfeitos os créditos tributários federais, depois os estaduais e só
então os municipais. Não se atende às multas fiscais nesse momento.
O valor que deve ser informado na falência só pode incluir juros e correção monetária até a
data da decretação da falência, ou seja, considera-se válida a incidência da Selic até esse momento.
Contudo, como os juros falimentares só podem ser pagos se o ativo comportar o pagamento do
valor principal atualizado de todos os credores, em um primeiro rateio o valor a ser pago ao Fisco

65
TJSP; Agravo de Instrumento 0173728-05.2011.8.26.0000; Relator: Araldo Telles; Órgão Julgador: N/A; Foro de Campo
Limpo Paulista – 2ª Vara Judicial; Julgamento: 13/12/2011; Registro: 13/12/2011.
66
STJ, REsp 1152218/RS, Rel. ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 07/05/2014, DJe 09/10/2014
(Repetitivo – Tema 637).

104
é aquele apurado até a data da decretação da falência, acrescido de correção monetária pelo índice
adotado pelo tribunal local, consoante remansosa jurisprudência do STJ67.

Créditos quirografários
Ordinariamente, quirografários são os créditos que não possuem qualquer tipo de privilégio
ou garantia real.
Contudo, após a reforma de 2020, ao menos nos processos falimentares, os créditos com
privilégios geral e especial passam a ter o mesmo tratamento dos créditos quirografários.
Também recebem o tratamento de quirografário os créditos trabalhistas que excedem o
patamar de 150 salários-mínimos e os créditos com garantia real que excedem o valor obtido com
a venda do bem gravado.

Multas contratuais e penas pecuniárias por infrações das leis penais e


administrativas
De pronto, temos de ressaltar que não se atenderão às multas estipuladas nos contratos
unilaterais se as obrigações vencerem em virtude da falência, conforme expressamente previsto no
§ 3º do art. 83, da LFRE.
As multas aplicadas por agências reguladoras, as decorrentes de violação de termos de
ajustamento de conduta e as multas fiscais enquadram-se nessa categoria.68
O STJ assentou a sua jurisprudência no sentido de que o encargo de 20% sobre o valor das
execuções fiscais, previsto no art. 1º do Decreto-Lei nº 1.025/69, não tem natureza de multa e
integra o valor crédito tributário69.
As multas trabalhistas, por incidência da regra prevista no art. 449, § 1º, da CLT, devem
ter o mesmo tratamento do crédito trabalhista e, portanto, são inseridas na classe do art. 83,
inciso I, da LFRE70.

Créditos subordinados
A lei e os contratos podem estipular que o crédito tenha natureza subordinada. São
subordinados, por exemplo, os créditos de certas debêntures, conforme art. 58, § 4º, da Lei nº
6.404/76.

67
STJ, Recurso Especial nº 1.572.858 – RS (2015/0310174-8). Relatora: ministra Regina Helena Costa. Decisão monocrática
em 18/12/2015, publica em 03/02/2016.
68
TJSP; Apelação 9172080-70.2007.8.26.0000; Relator: Claudio Godoy; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro
de Santos – 9ª Vara Cível; Julgamento: 08/10/2013; Registro: 09/10/2013.
69
STJ, REsp 1327067/DF, Rel. ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 28/08/2012, DJe
03/09/2012.
70
STJ, REsp 1808315, Rel. ministro Luis Felipe Salomão. Decisão monocrática publicada em 02/02/2021.

105
Também são subordinados os créditos dos sócios e dos gestores da empresa, ou seja, dos
seus administradores sem vínculo de emprego. Logo, se os sócios tiverem direito a créditos
decorrentes de dividendos retidos, de um contrato de empréstimo ou de locação, estes serão
considerados subordinados.
A mesma disciplina deve ser aplicada aos pró-labores não pagos aos gestores da empresa,
quando a “contratação não tenha observado as condições estritamente comutativas e as práticas de
mercado” (art. 83, VIII, letra “b”, da LFRE), em especial quando os valores arbitrados a esse
título extrapolarem muito a média praticada naquele segmento e para empresas naquela situação
de dificuldade.

Credor alimentar
Uma questão infelizmente tangenciada pela doutrina tem-se mostrado latente nos
processos de falência: como deverão ser classificados os créditos decorrentes do
pensionamento determinado em razão de uma ação indenizatória não trabalhista, ou seja, que
não possa ser inserida como acidente de trabalho?
Pensemos na hipótese de uma empresa de ônibus condenada a pagar uma vultosa
indenização por danos morais e materiais a uma vítima de acidente, além de uma pensão
equivalente a R$ 2.500,00 por mês até que a vítima, de 25 anos de idade, complete 75 anos.
Além de não pagar a indenização por danos morais e materiais, a empresa condenada também não
honrou com o pensionamento, muito menos chegou a constituir o capital garantidor. Por fim, o
que acontece se essa sociedade vier a falir?
Parece-nos que as indenizações pelos danos morais e materiais emergentes deverão ser
consideradas como créditos quirografários. Porém, o que dizer em relação às pensões?
Não temos a intenção de trazer uma solução definitiva, mas apenas despertar atenção para
esse grande dilema que temos enfrentado no dia a dia dos processos de falência. São devidas as
prestações vincendas? Deve-se antecipar todo o saldo para valor presente? Qual a classificação,
trabalhista ou quirografário?
Depois de muita reflexão, defendemos que o valor do pensionamento, vencido e vincendo,
deve ser equiparado ao crédito por acidente de trabalho, por analogia, enquanto as demais verbas,
como já alinhavado, devem ser classificadas como quirografárias. Nesse sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Habilitação de crédito. Empresa


agravada em liquidação. Condenação da agravada ao pagamento de
pensão mensal em virtude da redução da capacidade laborativa da
agravante. Possibilidade de equiparação com crédito de natureza
trabalhista. Irrelevância da distinção entre parcelas vencidas e vincendas.
Não incidência do limite de 150 salários-mínimos (Lei 11.101/05, art.

106
83, I). Demais verbas que continuam habilitadas como créditos
quirografários. Recurso provido (TJSP; Agravo de Instrumento
2036132-32.2017.8.26.0000; Relator: Hamid Bdine; Órgão Julgador: 1ª
Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Bauru – 6ª Vara
Cível; Julgamento: 30/08/2017; Registro: 30/08/2017).

Realização do ativo
O início da realização do ativo deve ocorrer imediatamente após a sua arrecadação, a fim de
não desrespeitar o prazo máximo de liquidação dos ativos de 180 dias, instituído pela reforma de
2020. Os arts. 139 a 148 da LFRE disciplinam a realização dos ativos nos processos falimentares.
O art. 140 da LFRE prevê as formas de realização do ativo e estabelece uma ordem de
preferência para a adoção do tipo escolhido. Assim, preferencialmente, a realização do ativo deve
seguir a seguinte ordem:
a) “alienação da empresa”, com a venda dos seus estabelecimentos em um único bloco;
b) “alienação da empresa”, com a venda das suas filiais ou unidades produtivas
isoladamente;
c) alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor,
formando o que, na prática, chamamos de lotes, e
d) alienação dos bens de forma individual.

Precisa a crítica da professora Raquel Sztajn, em relação à expressão “alienação da empresa”,


na medida em que o termo técnico-jurídico adequado para o caso seria “estabelecimento
empresarial”, tal como conceituado pelo art. 1.142 do CC.71

Proteção ao arrematante
O ponto alto desse tema é a significativa mudança de tratamento às alienações judiciais nos
processos de falência. Com o inegável objetivo de maximizar o ativo, o legislador buscou tornar os
bens que integram o patrimônio falimentar mais atrativos e, com efeito, consignou, no inciso II
do art. 141 da LFRE, que os bens serão alienados livres e desembaraçados de quaisquer ônus, e o
arrematante não será sucessor do devedor, nem mesmo nas obrigações trabalhistas e tributárias.
A regra comporta algumas exceções, a fim de não permitir que essa “blindagem” seja
utilizada para fins ilícitos. Dessa forma, haverá sucessão quando ficar provado que o arrematante
representa, de alguma forma, os interesses do próprio devedor.

71
SZTAJN, Raquel; TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (Coords.). Comentários à Lei de
Recuperação de Empresa e de Falência. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 376.

107
Assim, o inciso I do art. 141, § 1º, da LFRE prevê, na sua primeira parte, que haverá
sucessão no passivo quando o adquirente for um dos sócios da sociedade falida. Não importa o
tamanho da sua participação no capital social da sociedade falida, qualquer dos seus sócios que
vier a adquirir a empresa responderá integralmente pelo passivo comum contabilizado, pelo
tributário e pelo trabalhista.
Já a segunda parte do inciso I dispõe que, se o arrematante for uma pessoa jurídica
controlada pelo falido ou, realisticamente, pela sociedade falida, esta responderá integralmente
pelo passivo. Registre-se que o conceito de controlador não se restringe à concepção de sócio
com mais de 50% do capital votante.72
Tomando como base o art. 116 da Lei de Sociedades por Ações, acionista controlador é
aquele que, direta ou indiretamente, é titular de ações com direito de voto que lhe assegure, de
modo permanente,73 preponderância nas deliberações sociais, e o poder de eleger a maioria dos
administradores e de dirigir efetivamente os negócios de outra sociedade, denominada sociedade
controlada. Desse modo, constatado que a arrematante é uma sociedade controlada pela sociedade
falida, aquela responderá por todo o passivo da empresa adquirida.
É imperioso registrar que existe ao menos uma hipótese não contemplada expressamente no
dispositivo, mas que exige muito cuidado: deve ocorrer sucessão quando a arrematante for
sociedade controlada por sócio da sociedade falida?
A indagação se mostra pertinente, pois é bastante plausível que uma determinada pessoa
seja sócia da sociedade falida e, ao mesmo tempo, de outra sociedade que atue no mesmo ramo.
Nesses casos, haveria sucessão por incidência da exceção prevista no § 1º do art. 141 da LFRE?
Efetivamente, o quadro apresentado não encontra previsão expressa no dispositivo em
comento. Entretanto, defende-se neste trabalho que o simples fato de existir um sócio comum à
sociedade falida e à sociedade arrematante não pode ser empecilho à aplicação da regra que veda a
sucessão. Ocorre que, se verificado que o sócio em comum é o verdadeiro controlador de ambas as
sociedades, atende melhor ao espírito da lei enquadrar essa hipótese dentro das exceções previstas
no § 1º do art. 141 da LFRE. No que se refere ao disposto no inciso II do art. 141, § 1º, da
LFRE, este reflete a preocupação do legislador de impedir que parentes sejam utilizados como
instrumento para ludibriar proibições legais impostas a determinadas pessoas. A hipótese,
entretanto, conserva o equívoco já constatado no inciso I. Se a arrematante for uma sociedade
cujos sócios sejam parentes até o 4º grau de sócio da sociedade falida, há sucessão?
Por fim, o inciso III do art. 141, § 1º, da LFRE, tem por objetivo agasalhar todas as
hipóteses não contempladas nos incisos anteriores, mas que revelem, por outro lado, alguma
forma de fraude na sucessão. O objetivo do legislador foi alcançar os denominados “laranjas” ou

72 Vide Resolução nº 401, item IV, do Banco Central do Brasil.

73 O mesmo Banco Central entende que a expressão “permanente” deve ser entendida como três assembleias gerais
consecutivas.

108
“testas de ferro” do falido ou dos sócios da sociedade falida. Nesse sentido, os termos usados pelo
legislador são absolutamente apropriados, deixando para o juiz, diante do caso concreto, a análise
dos fatores que indiquem ou não a presença da fraude. Para a professora Raquel Sztajn:

Na verdade, excluir essas pessoas do benefício resultante da ruptura do


vínculo jurídico entre ativo e passivo inibe comportamentos
dissimulados, oportunistas. Coibir a possibilidade de que alguém, ligado
à crise da empresa, venha a gozar de algum privilégio patrimonial leva à
internalização de parte dos prejuízos daí decorrentes.74

Os sócios do devedor falido só estarão protegidos e não serão considerados sucessores se a


alienação se der pela adjudicação especial de que trata o art. 145 da LFRE, em sua nova redação
conferida pela Lei nº 14.112/20, uma vez que contará com o aval dos próprios credores reunidos
em AGC, conforme art. 46 da LFRE.
Há de se consignar que, segundo a jurisprudência pacífica do STJ, caberá ao juízo
indivisível da falência definir os termos, os contornos e as consequências da alienação dos bens do
devedor, reconhecendo ou não a sucessão, salvo se já encerrado o processo falimentar.75

Modalidades de hasta pública


Esse foi mais um ponto sensivelmente modificado pela reforma promovida pela Lei nº
14.112/20. Pela nova redação do art. 142 e dos seus incisos, a única modalidade típica de hasta
pública mantida é o leilão, que agora pode ser presencial, eletrônico ou híbrido. Foram revogadas
as modalidades de carta proposta e de pregão.
O próprio leilão sofreu algumas modificações. Pelas novas regras previstas no art. 142 da
LFRE, deverão ser designadas três datas para a tentativa de alienação, denominadas de
“chamadas”, com intervalo máximo de 15 dias entre elas. Na primeira, o bem só poderá ser
alienado pelo valor mínimo da avaliação. Na segunda chamada, por, no mínimo, 50% da
avaliação. Já na terceira, por qualquer valor. Isso mesmo, qualquer valor, não se aplicando a regra
proibitiva da venda por valor vil. Infrutíferas as três chamadas, qualquer credor poderá apresentar
proposta nos autos para adquirir tais bens e, se mesmo assim não aparecerem interessados, eles
poderão ser doados ou, em último caso, devolvidos ao falido, conforme art. 144, da LFRE.

74 SZTAJN, Raquel; TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (Coords.). Comentários à Lei de
Recuperação de Empresa e de Falência. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 387.

75 COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 366; STJ, AgRg no CC 61272/RJ. 2ª Seção. Rel. ministro Ary Pargendler. Julgamento:
14/06/2006. DJ, 09/11/2006, p. 249.

109
Há também a possibilidade de a hasta pública se realizar por meio de “processo competitivo
organizado promovido por agente especializado e de reputação ilibada, cujo procedimento deverá
ser detalhado em relatório anexo ao plano de realização do ativo ou ao plano de recuperação
judicial, conforme o caso” (art. 142, IV, da LFRE). Seria o caso, por exemplo, da utilização de
corretores para venda de imóveis ou de corretoras de valores mobiliários para a alienação de ativos
financeiros, ações ou debêntures.
Como terceira opção, a alienação pode-se dar por “qualquer outra modalidade, desde que
aprovada nos termos desta Lei”, consoante art. 142, inciso V, da LFRE, que ao final e ao cabo
confirma o comando previsto no art. 144 da LFRE. Normalmente, isso ocorre quando a alienação
é de uma Unidade Produtiva Isolada (UPI) ou de um bem imóvel de grande valor, uma vez que
as peculiaridades do caso concreto podem exigir uma formatação especial, tal como ocorreu no
caso da alienação das UPIs do Grupo OI76. É óbvio que a construção dessa modalidade alternativa
não poderá ofender a ordem jurídica e passará pelo controle de legalidade do juízo.
Uma das possibilidades mais comuns é a apresentação nos autos de uma proposta concreta
de algum interessado, denominado de stalking horse, que deve ser publicada por meio de um
edital, a fim de possibilitar a participação de novos interessados, que se devem habilitar
previamente para terem o direito de apresentar propostas superiores. Normalmente, são
conferidas algumas vantagens ao stalking horse, entre elas:
Right to top – Caso um terceiro apresente uma proposta superior àquela do stalking horse,
ele terá o direito de interromper a disputa se cobrir essa proposta, em um percentual
previamente definido, usualmente entre 2% e 5%.
Right to match – Caso um terceiro apresente uma proposta superior àquela do stalking
horse, ele terá o direito de interromper a disputa se igualar essa proposta.
Taxa break-up – Caso o stalking horse perca a disputa para um terceiro, ele será
indenizado em um valor previamente definido, como compensação pelo tempo e pelos
valores gastos durante a negociação e avaliação do bem alienado.

Finalmente, desde que aprovada em assembleia-geral de credores, a alienação dos ativos da


massa falida pode ocorrer por meio de adjudicação aos credores, de forma direta ou indireta, o que se
daria por meio de sociedade de propósito específico ou fundo de investimento, podendo contar com a
participação dos sócios do devedor ou de terceiros, sem o risco de sucessão nas obrigações do devedor
falido, consoante a nova redação do art. 145, e desde que respeitado o quórum previsto no art. 46 da
LFRE. A propósito, considerar-se-á como não escrita qualquer cláusula restringindo a venda ou a
circulação dessas participações na sociedade ou no fundo de investimento. Mas a quem cabe escolher a
melhor modalidade de hasta pública para a alienação dos bens? A resposta se encontra no art. 142,

76
Disponível em: https://recuperacaojudicialoi.com.br/wp-content/uploads/2020/10/edital-de-alienacao-upi-torres-djerj-19-10-
2020.pdf.

110
§ 3º-B, da LFRE e prestigia o princípio da participação ativa dos credores nos processos de falência e
de recuperação judicial. Confira-se:

Art. 142. (...).


§ 3º-B. A alienação prevista nos incisos IV e V do caput deste artigo,
conforme disposições específicas desta Lei, observará o seguinte:
I - será aprovada pela assembleia-geral de credores;
II - decorrerá de disposição de plano de recuperação judicial aprovado;
ou
III - deverá ser aprovada pelo juiz, considerada a manifestação do
administrador judicial e do Comitê de Credores, se existente.

O quórum de aprovação na assembleia-geral de credores é o previsto no art. 42 da LFRE, ou


seja, mais da metade do valor total dos créditos presentes (maioria simples), salvo quando se tratar
da adjudicação especial do art. 145, cujo quórum é 2/3, consoante art. 46, da LFRE.

Disposições comuns
Por derradeiro, temos de atentar para algumas regras comuns, isto é, aplicáveis qualquer
que seja a modalidade escolhida:
1ª. O Ministério Público e as Fazendas Públicas deverão ser intimados por meio eletrônico,
sob pena de nulidade.
2ª. As publicações devem ocorrer em sites próprios, dedicados aos processos de falência e de
recuperação judicial, pelo menos cinco dias antes da data designada para o leilão, conforme art.
887, § 1º, do CPC.
3ª. Os lances e as propostas são irretratáveis, incorrendo os faltosos nas obrigações previstas
no edital e no CPC.
4ª. A alienação poderá ser impugnada em 48 horas da arrematação por qualquer credor,
pelo devedor ou pelo Ministério Público.
5ª. A impugnação com base no preço da alienação só será recebida se acompanhada de uma
proposta firme e superior à considerada vencedora, com depósito de 10% a título de caução.77
6ª. O produto da alienação deve ser depositado em nome da massa falida em uma conta
remunerada.
7ª. É possível estabelecer regras excepcionais para qualquer hasta pública, desde a assunção
pelo arrematante de determinadas obrigações, até a necessidade de apresentação de documentos

77
Entendemos que não basta a apresentação de uma proposta superior à vencedora para impugnar a arrematação,
sendo imprescindível que ele comprove a razão da sua ausência na hasta pública. Admitida a impugnação, defendemos
que o juiz deve dar ao arrematante a oportunidade de cobrir a proposta do impugnante, encerrando a questão.

111
ou de uma caução para que ele possa participar do certame, desde que essas exceções estejam
claramente definidas nos termos do edital.
8ª. Os princípios que se destacam nessa fase do processo são o da maximização do ativo e da
participação ativa dos credores.
9ª. Duas ou mais massas falidas podem promover a alienação conjunta de bens, desde que
essa estratégia seja benéfica para ambas, otimizando custos e maximizado os frutos.

Prestação de contas
Depois de realizado todo o ativo e rateado o seu produto entre os credores, o administrador
prestará as suas contas em 30 dias. Logo em seguida, qualquer interessado poderá apresentar
impugnação às contas do administrador judicial, sendo certo que o parecer contrário do
Ministério Público, que será ouvido no prazo de cinco dias, será tido como impugnação.
Havendo impugnação, o administrador judicial deverá ser ouvido no prazo que o juiz
entender mais adequado, podendo produzir ou requerer a produção de provas. Ao final, as contas
serão julgadas por sentença, que desafia recurso de apelação.
A sentença que não aprovar as contas fixará desde logo a indenização devida pelo
administrador à massa falida, hipótese em que o processo falimentar não poderá ser encerrado,
pelo menos enquanto não executada essa sentença pelo novo administrador judicial, tudo na
forma dos arts. 154-156 da LFRE. O juiz poderá ainda decretar a indisponibilidade ou o arresto –
não o sequestro – dos bens do ex-administrador judicial.

Encerramento da falência
Depois de aprovadas as contas, o administrador apresentará um relatório final, resumindo o
processo, e quatro pontos são obrigatórios:
I. indicação do valor do ativo realizado;
II. valor do passivo declarado;
III. pagamentos feitos aos credores concursais e extraconcursais, estes já declarados na
prestação de contas, e
IV. indicação expressa da responsabilidade do falido, individualizando as classes e os credores
concursais que não foram pagos e o percentual do saldo em aberto.

Em seguida, o juiz encerrará o processo por meio de sentença, agora de natureza


desconstitutiva, que desafia o recurso de apelação, podendo ter como causa o esgotamento do
valor obtido com a venda do ativo ou, o que é raro, o pagamento integral dos credores. Em
ambos os casos, porém, a sentença que encerrar a falência extingue as obrigações do falido e
importará em cancelamento do CNPJ do falido (art. 156).

112
Incidente de extinção das obrigações: a reabilitação do
falido
A reabilitação do falido, disciplinada no art. 158 e seguintes da LFRE, tem funcionado como
forma de extinção das responsabilidades civis e criminais, dando-lhe feição híbrida, com natureza
inegavelmente desconstitutiva, pois permite que o devedor volte a exercer atividade empresarial.
É induvidoso, contudo, que não existe interesse algum dos sócios em retornar ao mercado
por meio da sociedade que um dia foi falida. O verdadeiro objetivo do incidente de extinção das
obrigações sempre foi “desvincular” o “CPF” dos sócios do “CNPJ” de uma sociedade falida, a
fim de que outras pessoas jurídicas das quais participem não enfrentem restrições para obtenção
de crédito, sobretudo perante as instituições financeiras.
O pedido de extinção das obrigações do falido será autuado em apartado e pode ter as
seguintes causas de pedir:
Art. 158. Extingue as obrigações do falido:
I - o pagamento de todos os créditos;
II - o pagamento, após realizado todo o ativo, de mais de 25% (vinte e
cinco por cento) dos créditos quirografários, facultado ao falido o
depósito da quantia necessária para atingir a referida porcentagem se para
isso não tiver sido suficiente a integral liquidação do ativo;
III - (revogado);
IV - (revogado);
V - o decurso do prazo de 3 (três) anos, contado da decretação da
falência, ressalvada a utilização dos bens arrecadados anteriormente, que
serão destinados à liquidação para a satisfação dos credores habilitados ou
com pedido de reserva realizado;
VI - o encerramento da falência nos termos dos arts. 114-A ou 156 desta
Lei.

Em vista dessa nova sistemática, o simples encerramento da falência extingue


automaticamente as obrigações do falido, consoante clara dicção do inciso IV do art. 158 c/c o
art. 156.
No entanto, ainda no curso do processo falimentar, o falido ou os seus sócios podem pedir,
por meio incidente autuado em apartado, a declaração, por sentença, de extinção das obrigações
do falido, mormente uma sociedade empresária.
O pagamento integral dos credores e o pagamento de mais de 25% dos credores
quirografários, depois de realizado todo o ativo, previstas nos incisos I e II do art. 158, são
realmente muito raras. Contudo, certamente se tornará comum o pedido de extinção das

113
obrigações do falido pelo decurso do prazo de três anos da decretação da falência, fenômeno esse
denominado pela doutrina de fresh start.
Inicialmente, salientamos que o instituto do fresh start tem raízes no princípio da dignidade
da pessoa humana e, com todas as vênias aos entendimentos em contrário, só deve ser aplicado na
sua integralidade aos empresários individuais e aos sócios pessoas naturais com responsabilidade
ilimitada.
De fato, se já é difícil imaginar a volta ao mercado de uma sociedade empresária que já foi
falida, é absolutamente impensável esse retorno ainda durante a tramitação do seu processo de
falência, tão somente porque já se passaram três anos da sentença de quebra.
No que toca às pessoas jurídicas cujos titulares ou sócios possuem responsabilidade
limitada, a falência daquelas não impede e nunca impediu que estes permanecessem ou
retornassem ao mercado por meio de outras pessoas jurídicas.
Defendemos, portanto, que o pedido de extinção das obrigações de uma pessoa jurídica falida
(sociedade empresária ou Eireli) pelo decurso de três anos da sentença de falência, uma vez acolhido,
terá como única consequência a sua total desvinculação dos sócios ou titular em todos os cadastros
públicos e privados, ressalvada a possibilidade de ação rescisória prevista no art. 159-A.
Com efeito, ao nosso sentir, mesmo após a sentença de extinção das obrigações de uma
pessoa jurídica falida, e enquanto não encerrado o processo de falência, será possível a arrecadação
dos seus bens e direitos para posterior liquidação em benefício dos credores.
Caso se entenda pela aplicação integral do instituto do fresh start às pessoas jurídicas falidas,
deixamos aqui alguns questionamentos que terão de ser respondidos pela doutrina e pela
jurisprudência:
a) Descoberto algum bem (antigo) da sociedade falida após a sentença de extinção de
obrigações, ele deve ser arrecadado e liquidado em favor dos credores ou entregue aos
sócios para distribuição entre eles na forma de haveres?
b) Na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, qual deve ser o termo a quo
para a contagem do prazo de três anos, a sentença de quebra ou a decisão que
desconsiderou a personalidade jurídica?
c) Como ficam os incidentes de desconsideração da personalidade jurídica já iniciados antes
da sentença de extinção das obrigações, mas ainda sem decisão?
d) Pode ser instaurado um IDPJ após a sentença de extinção de obrigações?
e) Ainda é possível o ajuizamento da ação de responsabilidade prevista no art. 82 após a
sentença de encerramento da falência?

O requerimento deve ser processado em apartado (art. 159, § 6º, da LFRE) como um
incidente processual é decidido por sentença, que desafia recurso de apelação (art. 159, § 5º,
da LFRE).

114
Ademais, qualquer credor pode propor ação rescisória contra a sentença ou acórdão que
extinguir as obrigações do falido, desde que o faça no prazo decadencial de dois anos, a contar do
trânsito em julgado, e que comprove que o falido tenha sonegado bens, direitos ou rendimentos
de qualquer espécie anteriores à data do requerimento.

Demonstração de regularidade fiscal


Para que se declare a extinção das obrigações do falido, o devedor deve comprovar a sua
regularidade fiscal, consoante art. 191 do CTN.
Os tribunais superiores, contudo, suavizaram a exigência legal e sedimentaram a
jurisprudência que dá ao devedor a opção de pedir a extinção das suas obrigações com ou sem a
apresentação das CNDs. No último caso, a sentença de extinção das obrigações fará uma ressalva
quanto ao passivo fiscal.78

78
STJ, REsp 834.932/MG. Rel. ministro Raul Araújo, 4ª Turma, Julgamento: 25/08/2015, DJe, 29/10/2015.

115
116
MÓDULO III – RECUPERAÇÃO DE
EMPRESAS

Ao regular os planos de recuperação judicial, o legislador deixou clara a mudança de


orientação adotada na Lei nº 11.101/05, uma vez que a recuperação passou a se destinar
exclusivamente às empresas viáveis, sendo certo que essa avaliação deixava de ser legal ou judicial e
passou para a responsabilidade dos credores.
Essa mudança de orientação veio prestigiar o entendimento mais moderno e
majoritariamente adotado em outros países, no sentido de que são os credores, em tese, os maiores
interessados na recuperação da empresa. Assim, serão estes que, normalmente organizados em
assembleia, definirão, conforme as perspectivas daquela empresa, o futuro da sociedade em crise.
O norte do processo de recuperação judicial é a preservação da empresa, princípio este
positivado no art. 47, da LFRE, assim redigido:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da


situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a
manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos
interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa,
sua função social e o estímulo à atividade econômica.

A redação do dispositivo acima denota a preocupação do legislador com a preservação da


empresa. Tal preocupação, em relação às sociedades anônimas, é ressaltada pelo professor José
Edwaldo Tavares Borba, ao afirmar que tais sociedades não são apenas “um mero instrumento de
produção de lucros para a distribuição aos detentores do capital”,79 mas, sim, uma “instituição

79
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 134.
destinada a exercer o seu objeto para atender aos interesses de acionistas, empregados e
comunidade”.
Ou seja, em razão da sua função social, a empresa deve ser preservada sempre que possível,
pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e o
desenvolvimento social do País. Além disso, a extinção da empresa provoca a perda do agregado
econômico representado pelos chamados intangíveis, como nome, ponto comercial, reputação,
marcas, clientela, rede de fornecedores, know-how, treinamento e perspectiva de lucro futuro,
entre outros.

Alterações legislativas
Depois da sua publicação, em 9 de fevereiro de 2005, a LFRE sofreu pequenas alterações
em decorrência da Lei Complementar nº 147/2014, em uma vã tentativa de melhorar o sistema
em benefício das micro e pequenas empresas. No entanto, a profunda alteração ocorreu apenas
com a publicação da Lei nº 14.112, em 24 de dezembro de 2020, que aglutinou diversos projetos
de lei que estavam tramitando há anos no Congresso Nacional.
Nessa grande reforma de 2020, nem todos os nós do sistema foram desatados, mas é
inegável o esforço do Poder Legislativo em modernizar os institutos da falência e de recuperação
de empresas, aclarando alguns pontos obscuros e harmonizando interesses até então inconciliáveis.
No que toca aos processos de recuperação de empresas, destacam-se nessa grande reforma:
o surgimento de três caminhos para a equalização do passivo fiscal dos devedores em
dificuldades;
a proteção ao crédito fiscal nos processos de recuperação judicial;
a limitação da prorrogação do stay period por apenas mais um período de 180 dias;
a possibilidade de os credores apresentarem plano de recuperação judicial alternativo em
duas hipóteses;
a adoção da Lei Modelo da United Nations Commission on International Trade Law
(Uncitral) – Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional –
para os processos de insolvência transnacional;
a definição das regras sobre o litisconsórcio ativo nos processos de recuperação judicial e
a implementação de instrumentos e regras processuais tendentes a conferir maior
celeridade aos processos de falência e de recuperação judicial.

Espécies de recuperação de empresas


O instituto da recuperação de empresas é dividido em recuperação judicial e recuperação
extrajudicial. Apesar de inúmeras diferenças, o que mais salta aos olhos é o fato de que na

118
extrajudicial toda a negociação, desde a proposta do devedor até a composição final, dá-se antes
do ajuizamento da ação, cujo objetivo é apenas a homologação do acordo coletivo, a fim de que,
em certos casos, ele tenha eficácia para todos, inclusive para os não aderentes. Enxergamos dois
grandes problemas que acabam desestimulando a utilização desse instituto, o primeiro é a
dificuldade de negociar com os credores, um a um, para se chegar a um consenso coletivo,
enquanto o segundo é o fato de o devedor ficar sem nenhuma proteção contra a ação dos credores
durante essas negociações, fazendo com que o tempo milite contra os seus interesses.
Já na recuperação judicial, toda a negociação é desenvolvida sob a fiscalização do juiz e do
administrador judicial, uma vez que o processo se inicia antes mesmo da apresentação da proposta
aos credores, ou seja, do plano de recuperação, sendo certo que o devedor ganha uma proteção
especial que impede a ação individual dos credores com exatamente esse objetivo, forçar a
negociação coletiva.
Por sua vez, dentro da recuperação judicial há uma nova bifurcação, já que ela se divide em
plano especial, que só pode ser usado por pequenos e microempresários, e plano comum ou
ordinário, colocado à disposição de todos os empresários, inclusive aqueles.

Legitimidade ativa
Como já aludido, o objetivo da recuperação judicial é reerguer a empresa em crise. Dessa
forma, só terão legitimidade ativa para pedir recuperação as sociedades empresárias, as Eirelis e os
empresários individuais, nos termos do art. 1º da LFRE. No que se refere às sociedades
empresárias mencionadas no art. 2º da LFRE, nenhuma delas poderá pedir recuperação judicial.
A nossa opção legislativa foi dar apenas ao devedor a legitimidade ativa para requerer a
recuperação judicial, afastando-a dos credores, do Ministério Público e dos empregados do devedor.
A única ressalva fica por conta do parágrafo único do art. 48 da nova LFRE, que estende essa
legitimidade ativa ao cônjuge sobrevivente, aos herdeiros e ao inventariante do empresário
individual falecido, bem como aos sócios remanescentes, quando se tratar de sociedade empresária.80
Sentimo-nos na obrigação de registrar que o STJ, em decisão monocrática do ministro
Fernando Gonçalves, nos autos do AI nº 1.008.393/RJ, seguindo outra decisão da 4ª Turma,81
deu provimento ao recurso da Casa Portugal, uma associação civil sem fins lucrativos, a fim de
que tivesse seguimento o seu processo de recuperação judicial. Esse perigoso precedente se escorou
na teoria do fato consumado, pois o plano de recuperação já havia sido homologado pelos

80 Note-se que o professor Fábio Ulhoa Coelho afirma que, quando o legislador se referiu a sócio remanescente, quis
referir-se a sócio minoritário, permitindo, assim, que os sócios que discordaram, em assembleia geral, de eventual
rejeição de proposta de recuperação judicial, possam aduzir em juízo o pedido de recuperação. COELHO, Fábio Ulhoa.
Comentário à nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 125.

81 REsp. 1.004.910/RJ.

119
credores e estava sendo regularmente cumprido, e na própria função social que a entidade
inegavelmente possuía.
Parece caminhar para o mesmo destino, embora por outros fundamentos, o Caso da
Universidade Cândido Mendes (Ucam). Como já alinhavamos, o Tribunal de Justiça do Rio de
janeiro, encampando a denominada “teoria dos agentes econômicos”, negou provimento ao agravo
de instrumento interposto pelo Ministério Público contra a decisão que deferiu o processamento do
pedido de recuperação da mantenedora da Ucam, uma associação civil filantrópica82.
Já ressaltamos que, na grande reforma de 2020, os legisladores não encamparam essa teoria
e mantiveram o instituto da recuperação restrito aos empresários.

Recuperação judicial do produtor rural


Não é preciso dimensionar o gigantismo econômico da atividade rural no nosso País, o
chamado “agronegócio”. Consequentemente, são muitos os interesses em torno da sistemática
jurídica que disciplinará a eventual dificuldade econômica daqueles que atuam nesse importante
segmento da nossa economia.
Os produtores rurais, como se sabe, podem optar pela inscrição no registro público de
empresas mercantis, a Junta Comercial, e, assim, se tornam empresários para todos os fins de
direito, inclusive para o pedido de recuperação judicial. Contudo, os legisladores, sensíveis às
inúmeras divergências acerca dos contornos da recuperação judicial do produtor rural, seja pessoa
natural, seja pessoa jurídica, entendeu por bem disciplinar detalhadamente o tema, conforme §§ 2º,
3º, 4º e 5º do art. 48 da LFRE.
Parece-nos que, na linha da jurisprudência83 e doutrina84 então majoritárias, continua sendo
imprescindível que o produtor rural providencie a sua inscrição na Junta Comercial antes do pedido
de recuperação, a fim de adquirir a qualidade de empresário, consoante arts. 971 e 984 do Código
Civil, e para atender à exigência do art. 51, inciso V, da LFRE.
Entretanto, o produtor rural pode contar o tempo de atividade antes do registro para fins de
atendimento da exigência prevista no caput do art. 48 da LFRE.

82
TJRJ, Agravo de Instrumento nº 0031515-53.2020.8.19.0000. 6ª Câmara Cível. Des. Rel. Nagib Slaibi Filho. Julgado em
02/09/2020. Maioria de Votos.
83
Tese vencedora: ministros Salomão, Raul Araújo e Antônio Carlos Ferreira. Tese vencida: ministros Buzzi e Isabel
Gallotti.
84
Nesse sentido três Enunciados do Conselho da Justiça Federal: 97 – O produtor rural, pessoa natural ou jurídica, na
ocasião do pedido de recuperação judicial, não precisa estar inscrito há mais de dois anos no Registro Público de
Empresas Mercantis, bastando a demonstração de exercício de atividade rural por esse período e a comprovação da
inscrição anterior ao pedido; 201 – O empresário rural e a sociedade empresária rural, inscritos no registro público
de empresas mercantis, estão sujeitos à falência e podem requerer concordata e 202 – O registro do empresário ou
sociedade rural na Junta Comercial é facultativo e de natureza constitutiva, sujeitando-o ao regime jurídico
empresarial. É inaplicável esse regime ao empresário ou sociedade rural que não exercer tal opção.

120
No que toca à documentação contábil, fiscal e financeira exigida no art. 51 da LFRE, o
legislador fez algumas adequações à realidade do produtor rural, assim como em relação às regras
referentes aos créditos sujeitos e não sujeitos aos efeitos do processo, consoante veremos
oportunamente.

Litisconsórcio ativo
Certamente, o litisconsórcio ativo nos processos de recuperação judicial sempre foi um dos
grandes “nós” do sistema, haja vista a lacuna legislativa que existia sobre o tema. Por
consequência, a jurisprudência sempre se revelou confusa, contraditória e casuística.
Felizmente, com a recente reforma, o tema passou a ser tratado nos arts. 69-G a 69-J da
LFRE, que consagrou a possibilidade do litisconsórcio ativo nos processos de recuperação judicial
em duas modalidades: a consolidação processual e a consolidação substancial.

Consolidação processual

A regra do litisconsórcio ativo em recuperação judicial é que ele se dê pela denominada


consolidação processual, que preserva a autonomia de ativos e passivos dos devedores. Por
conseguinte, dois ou mais devedores poderão pedir recuperação judicial juntos, desde que
integrem o mesmo grupo econômico, de fato ou de direito, e apresentem, individualmente, todos
os documentos exigidos pela LFRE, em especial aqueles relacionados no art. 51.
Nessa toada, cada devedor deverá propor aos seus respectivos credores meios próprios e
específicos de soerguimento, o que pode ser formalizado pela apresentação de um plano para cada
devedor, ou até por meio de um plano único.
Na consolidação processual, qualquer que seja a opção, planos individuais ou plano único,
as deliberações serão sempre separadas85, o que pode resultar na aprovação dos planos de alguns
devedores e na rejeição de outros, hipótese em que os processos, de falência e de recuperação
judicial, serão desmembrados.
Há de se consignar que, com base no princípio da autonomia da vontade, os credores
podem aprovar um plano que importe em consolidação substancial dos ativos e passivos de alguns
ou de todos os devedores, ou em solução semelhante, como a estrutura de waterfall86, desde que,
repise-se, as votações sejam separadas.

85
STJ, AREsp. 949.625-RS.
86
TJRJ, 0014816-26.2016.8.19.0000 – Agravo de Instrumento. Des. Carlos Santos de Oliveira – Julgamento: 26/07/2016 – 22ª
Câmara Cível

121
Consolidação substancial
Em caráter absolutamente excepcional, o juiz poderá determinar a consolidação substancial
dos ativos e dos passivos de todos os devedores, ignorando as suas personalidades jurídicas
autônomas e tratando-os como se fossem um único devedor.
Para tanto, consoante art. 69-J da LFRE, deve estar provada nos autos profunda confusão
patrimonial, acrescida de pelo menos duas outras circunstâncias previstas nos incisos desse
dispositivo. Na nossa avaliação, portanto, a consolidação substancial por decisão judicial,
ontologicamente, nada mais é do que a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica
nos processos de recuperação judicial. Vejamos o texto legal:

Art. 69-J. O juiz poderá, de forma excepcional, independentemente da


realização de assembleia-geral, autorizar a consolidação substancial de
ativos e passivos dos devedores integrantes do mesmo grupo econômico
que estejam em recuperação judicial sob consolidação processual, apenas
quando constatar a interconexão e a confusão entre ativos ou passivos dos
devedores, de modo que não seja possível identificar a sua titularidade
sem excessivo dispêndio de tempo ou de recursos, cumulativamente com
a ocorrência de, no mínimo, 2 (duas) das seguintes hipóteses:
I - existência de garantias cruzadas;
II - relação de controle ou de dependência;
III - identidade total ou parcial do quadro societário; e
IV - atuação conjunta no mercado entre os postulantes.

Repise-se que, ao nosso sentir, a consolidação substancial de ativos e passivos só pode ser
implementada se aprovada pelos credores, em votações segregadas, ou por determinação judicial,
quando comprovado o abuso da personalidade jurídica por conta de confusão patrimonial de tal
intensidade que não seja possível separar os ativos e os passivos sem grande dispêndio financeiro,
hipótese em que os seus causadores devem ser identificados e responsabilizados, inclusive por
meio da incidência dos arts. 64 e 168 da LFRE. Nesse sentido:

Recuperação judicial requerida por três empresas. Decisão que


determinou a consolidação substancial. Agravo de instrumento de banco
credor. Na consolidação processual há litisconsórcio ativo, com a
condução conjunta de recuperações judiciais de devedoras que compõem
um grupo societário, sem eliminação da independência patrimonial. Na
consolidação substancial, diferentemente, há reunião de ativos e
passivos das litisconsortes. Pode ser voluntária, quando os credores

122
assim deliberarem em assembleia, ou obrigatória, nos casos em que
houver abuso de personalidade. Doutrina de SHEILA C. NEDER
CEREZETTI. Hipótese dos autos em que as recuperandas pleitearam
apenas a consolidação processual, não havendo provas de abuso de
personalidade jurídica que ensejasse a consolidação substancial.
Cabimento, portanto, apenas da consolidação processual, ressalvada a
possibilidade de os credores deliberarem em assembleia pela consolidação
substancial voluntária. Decisão agravada reformada. Agravo de
instrumento provido (TJSP; Agravo de Instrumento 2028810-
87.2019.8.26.0000; Relator: Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª
Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de São Bernardo do
Campo – 2ª Vara Cível; Julgamento: 22/10/2019).

Como consequências da aplicação da consolidação substancial, em obediência ao art. 69-L,


haverá extinção das garantias fidejussórias cruzadas e dos créditos intercompany87, sem olvidar
que a aprovação ou a rejeição do plano de recuperação afetará todos os devedores, isto é, ou todos
se recuperam ou todos terão a falência decretada.

Recuperação judicial transnacional


Importante desdobramento da possibilidade de litisconsórcio ativo em recuperação judicial
é definir se entre as sociedades requerentes pode figurar alguma sociedade estrangeira, ou seja,
criada e estabelecida em outro país. O primeiro caso no Brasil em que a questão foi debatida foi
na recuperação judicial do Grupo OGX, uma vez que duas das sociedades requerentes eram
austríacas, com sede em Viena, sem filial ou ativos no Brasil.
Naquele caso nos posicionamentos de forma contrária, escorando o nosso parecer no art. 12
da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb) e no art. 3º da LFRE. O juízo
acolheu o nosso posicionamento e excluiu as sociedades estrangeiras do processo, mas o TJRJ deu
provimento ao recurso interposto pelas recuperandas, determinando a reinclusão das sociedades
austríacas, com fundamento na teoria da preservação da empresa e no art. 4º da Lindb.88
Desde então, aguarda-se o julgamento do recurso de agravo de instrumento que negou a
admissibilidade do recurso especial89 pelo STJ, mas é fato que aquele precedente abriu caminho

87
Sobre conceito de crédito intercompany nos processos de recuperação judicial em litisconsórcio ativo, ver: TJRJ,
Embargos de Declaração no Agravo de Instrumento nº 0071168-38.2015.8.19.0000, 22ª Câmara Cível, Rel. Des. Rogério de
Oliveira Souza, julgado em 27/09/2016).
88
TJRJ, 0064658-77.2013.8.19.0000. 14ª Câmara Cível. Des. Rel. Gilberto Campista Guarino. Julgamento: 19/02/2014.
89
AREsp nº 871152/RJ.

123
para vários outros casos de processamento de recuperação judicial no Brasil envolvendo sociedades
estrangeiras, como nos casos dos Grupos OAS, Oi e Sete Brasil.
Outro importante precedente que merece registro é a recuperação judicial do Grupo
Constellation, antiga Queiroz Galvão, pois envolveu 18 pessoas jurídicas, sendo que apenas
quatro eram brasileiras. Pela profundidade do voto condutor, recomendamos a leitura do v.
acórdão da 16ª Câmara Cível do TJRJ, nos autos do Agravo de Instrumento nº 0070417-
46.2018.8.19.0000, julgado em 26 de março de 2019, da relatoria do eminente desembargador
Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto.
Nada obstante esse histórico, a recente reforma deve pôr fim a boa parte das discussões
sobre os processos de insolvência transnacional, uma vez que agora podemos contar com os arts.
167-A a 167-Y da LFRE, que refletem a adoção pelo Brasil da Lei Modelo da Uncitral para os
processos de insolvência transnacional90. Entre as principais regras podemos destacar:
a isonomia de tratamento entre os credores nacionais e estrangeiros;
a prevalência das regras previstas em tratados e acordos internacionais em relação às
normas previstas na LFRE;
a diferenciação do processo principal e não principal, a fim de definir qual jurisdição será
responsável pela condução geral dos processos;
o reconhecimento de que, quando o processo brasileiro não for o principal, só poderá
abarcar os bens e direitos localizados no nosso território e
a ampla flexibilidade dos protocolos de cooperação entre as jurisdições.

Requisitos da petição inicial do requerimento de


recuperação judicial
A petição inicial deve demonstrar que o requerente preenche os requisitos subjetivos e
objetivos exigidos pela LFRE, respectivamente nos arts. 48 e 51, para o deferimento do
processamento do pedido.
Embora possa decidir imediatamente sobre o processamento do pedido, havendo
necessidade, o juiz poderá determinar a realização de uma perícia prévia de constatação91, a ser
realizada em cinco dias, para verificar as reais condições do devedor e a regularidade documental,
podendo, ocasionalmente, verificar se o devedor realmente possui o seu principal estabelecimento
naquele local, tudo conforme o art. 51-A da LFRE.

90
Disponível em: https://www.machadomeyer.com.br/pt/imprensa-ij/a-insolvencia-transnacional-e-a-reforma-da-lei-de-
recuperacoes-e-falencias.
91
O CNJ expediu a Recomendação nº 57, de 22 de outubro de 2019, que orienta os magistrados a determinar a denominada
“perícia prévia de constatação”, a ser realizada em cinco dias, para que o “perito” verifique a regularidade da documentação e
as reais condições da requerente.

124
Nesses casos, a perícia será realizada sem a apresentação de quesitos ou oitiva das partes, e a
remuneração será fixada a posteriori.

Requisitos subjetivos
Cabe ao devedor comprovar na sua petição inicial que preenche alguns requisitos legais, de
caráter subjetivo, para obter o deferimento do processamento do seu pedido de recuperação judicial.

Atividade empresarial há mais de dois anos (caput)


Segundo o caput do aludido artigo, o devedor deve comprovar que exerce regularmente a
atividade empresarial há pelo menos dois anos. Nada obstante a aparente simplicidade de
interpretação, inúmeras questões têm surgido ao longo dos anos de vigência da LFRE.
O STJ já decidiu que não bastam os dois anos de registro na Junta Comercial, exigindo-se
do requerente a prova de que está naquele ramo de atividade, ou correlato, também há mais de
dois anos.92
Por outro lado, o TJSP admitiu o processamento da recuperação judicial de uma sociedade
empresária constituída na Junta Comercial há menos de dois anos, mas que havia adquirido o
estabelecimento empresarial de outra sociedade do mesmo grupo econômico, que funcionava há
vários anos, sendo a sua sucessora.93
Já o TJRJ deferiu o processamento do pedido de recuperação judicial de uma sociedade que
sequer estava registrada na Junta Comercial, uma vez que os seus atos constitutivos estavam
arquivados perante o Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas.94
Advirta-se que alguns sócios pessoas naturais, em uma inequívoca tentativa de protegerem
os seus patrimônios pessoais, colocados em risco em razão de garantias fidejussórias concedidas
sobre dívidas da sociedade empresária, estão constituindo firmas individuais no mesmo ramo da
sociedade empresária para, depois do biênio legal, ingressarem com pedido de recuperação judicial
em litisconsórcio ativo.95
Mais uma vez salientamos que o produtor rural pode contar o tempo de atividade regular
anterior ao registro para postular a sua recuperação judicial.

92 STJ, REsp 1478001/ES. Rel. ministro Raul Araújo, 4ª Turma, Julgamento: 10/11/2015.

93 TJSP; Agravo de Instrumento 0057528-17.2008.8.26.0000; Relator: Pereira Calças; Órgão Julgador: N/A; Foro Central
Cível – 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Julgamento: 04/03/2009; Registro: 19/03/2009.

94 TJRJ, 0039244-09.2015.8.19.0000 – Agravo de Instrumento. Des. Carlos Santos de Oliveira – Julgamento: 08/09/2015 –
22ª Câmara Cível.

95 TJRS, Agravo de Instrumento nº 70065413031, 5ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida,
Julgamento: 26/08/2015 (Caso Herter Cereais). Pendente o REsp. nº 1612031/RS.

125
Voltemos a repisar que, se a jurisprudência caminhar para a adoção da denominada “teoria
dos agentes econômicos”, não haverá mais qualquer sentido na aplicação da regra prevista no
caput do art. 48 da LFRE.

Não ser falido e não ter obtido recuperação judicial há menos de cinco
anos (incisos I, II e III)
O empresário falido não pode pleitear recuperação judicial. Por seu turno, com o objetivo
de só manter no mercado os empresários realmente viáveis, não se revelaria prudente autorizar o
devedor empresário, a todo momento, requerer uma nova recuperação judicial, razão pela qual se
veda novo pedido de recuperação judicial se a anterior ocorreu nos últimos cinco anos.
Atente-se que a proibição ocorre em relação à anterior obtenção da recuperação judicial,
que se dá pela sentença homologatória do plano de recuperação aprovado pelos credores.

Sócios controladores e administradores não condenados por crimes da


LFRE (inciso IV)
De interesse puramente acadêmico, este requisito é alvo de acirradas críticas doutrinárias
por suposta violação do princípio constitucional da intranscendência. Na prática, contudo, basta
uma simples alteração contratual para contornar o problema e seguir adiante, com a apresentação
do pedido de recuperação judicial com o quadro societário e administrativo sem pessoas naturais
ostentando condenação por crime falimentar ou recuperacional.
Não se admite a aplicação da analogia para ampliar o rol de crimes, cujas condenações dos
sócios controladores ou dos administradores, que impedem o acesso à recuperação judicial.

Requisitos objetivos
A petição inicial deve ser instruída com uma série de documentos e informações de ordem
objetiva, exigidos pelo art. 51 da LFRE, sendo oportunas breves considerações sobre cada um deles.

Situação patrimonial e razões da crise (inciso I)


Logo após a demonstração do preenchimento dos requisitos subjetivos, o requerente deve
narrar na petição inicial o histórico da empresa, bem como os motivos da crise, comprovando-os,
e detalhar a atual situação patrimonial. Essa narrativa tem como destinatários os credores, isto é,
não cabe ao juiz analisar ou julgar a versão trazida pelo devedor.

126
Demonstrações contábeis (inciso II)
O devedor deve instruir o seu pedido de recuperação com os três últimos balanços
contábeis completos, além de um especialmente levantado até a data do pedido. Esta tem sido
uma grande dificuldade enfrentada por empresas de pequeno e médio porte, uma vez que muitas
vezes não possuem esses documentos dentro das formalidades legais.
Há de se ressaltar que não cabe ao juiz, muito menos ao Ministério Público, analisar a
viabilidade do devedor, portanto, apresentados os documentos contábeis, por pior que pareça
a situação econômico-financeira do empresário, são os credores que devem decidir se há ou
não chance de recuperação.
Caso alguma informação contábil desperte suspeita, como o valor de estoque muito
elevado, recomenda-se determinar ao administrador judicial uma avaliação melhor desse ponto já
no primeiro relatório mensal de atividades, mas sem prejuízo do despacho de deferimento do
processamento do pedido.
Por fim, quando se tratar de devedor produtor rural, o cumprimento dessa exigência se dará
mediante a apresentação dos documentos previstos no § 3º do art. 48 da LFRE.

Relação de credores (inciso III)


Caberá ao devedor apresentar a relação completa dos seus credores, sujeitos ou não ao
processo de recuperação judicial, inclusive fiscais, com a indicação precisa de todas as informações
exigidas pelo inciso ora analisado.
Note-se que a lei, atendendo a um reclamo doutrinário96, agora é ainda mais clara ao não
restringir a relação aos credores concursais, muito embora apenas estes devam ser levados em
conta para a fixação do valor da causa.
Importante lembrar que é considerado crime, com pena de dois a quatro anos de reclusão, a
apresentação de relação de créditos falsa ou simulada, conforme art. 175, da LFRE.

Relação de empregados (inciso IV)


A relação completa dos empregados, com os seus respectivos cargos, salários e demais
informações tem sido objeto de uma peculiaridade, qual seja, o pedido de sigilo quanto aos nomes
dos empregados e os seus respectivos salários, sob o fundamento de proteção a “intimidade”.
Tratando-se de um processo coletivo, entendemos descabida tal proteção, muito embora,
mesmo que deferida, por força do estatuto da advocacia não se poderá negar pleno acesso a essas
informações aos advogados de qualquer dos credores submetidos ao processo, muito menos ao
Ministério Público e ao administrador judicial.

96
Essa é a orientação do Enunciado 78 do CJF.

127
Certidão de regularidade do Registro Público de Empresas Mercantis
(inciso V)
Atende-se a essa exigência mediante a simples juntada de cópia dos atos constitutivos do
devedor arquivados perante a Junta Comercial. Relembre-se, todavia, que há discussão acerca da
possibilidade de pedido de recuperação judicial formulado por sociedade empresária registrada no
Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas e por sociedades estrangeiras.

Relação de bens dos sócios controladores e dos administradores (inciso VI)


Assim como o nome dos empregados, usualmente a relação de bens é objeto de pedido de
sigilo, a fim de preservar a “intimidade” dos sócios e dos administradores do devedor em
recuperação judicial.97 Somos contrários a esse sigilo, muito embora, como já alinhavado, ele não
possa ser oposto aos advogados de qualquer dos credores, nem ao Ministério Público e ao
administrador judicial.
Em verdade, a exigência prevista nesse inciso reflete a preocupação do legislador com as
costumeiras fraudes, pois já não surpreende o fato de uma sociedade empresária em dificuldades
não possuir ativos compatíveis com a atividade que explora, enquanto os seus sócios, principais
causadores do insucesso, ostentam invejável saúde financeira e patrimonial, podendo contribuir
para a reestruturação por meio de aportes de capital.
Advirta-se para o denominado controle indireto e, principalmente, para a manobra de
alteração, muitas vezes fraudulenta, das pessoas naturais que exercem a administração dos
negócios do devedor na véspera do pedido de recuperação judicial.

Extratos bancários (inciso VII)


Alguns doutrinadores defendem que, além de serem de pouca importância neste primeiro
momento, tais informações poderão ser utilizadas por credores de má-fé e em prejuízo do
prosseguimento do negócio, expondo a empresa a um risco desnecessário para a sua preservação.
De toda maneira, a lei não esclarece de qual período devem ser os extratos.

Certidões de protestos (inciso VIII)


Não há maiores dificuldades para o atendimento dessa exigência. Entretanto, as certidões de
protesto são objeto de uma discussão de grande importância para a recuperação da empresa e que
ainda divide os tribunais. Trata-se do pedido de pedido de natureza cautelar formulado pelos
devedores, logo após o despacho que defere o processamento do pedido de recuperação judicial, a

97 SANTOS, Paulo Penalva. Palestra proferida na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), em 7 de
março de 2005.

128
fim de não retardar o início do processo, de suspensão dos efeitos – publicidade – dos protestos,
referentes às dívidas sujeitas aos efeitos da recuperação judicial.
Há precedentes de diversos tribunais, especialmente do Paraná98 e do Rio de Janeiro,99
admitindo essa suspensão da publicidade dos protestos, apenas em relação ao devedor em
recuperação judicial e referente às dívidas que estão sendo tratadas no processo, com arrimo no
princípio da preservação da empresa e na própria da ausência de prejuízo aos credores, na medida
em que não ficam impedidos de realizar os seus protestos, conforme entendimento sedimentado
pela Súmula 581 do STJ e pelo Enunciado nº 54 do CJF.
Há, por certo, precedentes contrários, a maioria do TJSP, que se escora na ausência de
previsão legal e no atendimento ao princípio da publicidade e da proteção a terceiros de boa-fé.100

Relação dos processos judiciais e disputas arbitrais, com estimativa de


valores (inciso IX)
Essa exigência é extremamente relevante para que os credores possam sopesar a viabilidade
econômica do devedor. É preciso redobrado cuidado para analisar a estimativa de valores, uma vez que
essa é uma tarefa potencialmente subjetiva e pode comprometer a projeção de caixa para o futuro.
Preenchidos todos os requisitos alinhados nos arts. 48 e 51 da LFRE, o juízo deverá deferir
o processamento do pedido de recuperação judicial, nos termos no art. 52. Havendo alguma
pendência, o devedor deverá ser intimado para supri-la, sob pena de indeferimento da petição
inicial, aplicando-se subsidiariamente a legislação processual comum.

Relatório detalhado do passivo fiscal (inciso X)


Realmente, não há como os credores avaliarem a viabilidade do devedor em recuperação
judicial sem conhecer em detalhes o seu passivo fiscal, especialmente após ser conferida
legitimidade às Fazendas Públicas para pedirem a convolação da recuperação judicial em falência.

Relação de bens e direitos do ativo não circulante (inciso XI)


Antes da reforma, a relação de bens e as suas respectivas avaliações só eram exigidas quando
da apresentação do plano de recuperação judicial, conforme art. 53, inciso III, da LFRE. Após a
recente reforma, com a maior preocupação de se estabelecer um eficaz controle dos ativos do

98 TJPR, AI 1698627-3. Órgão Julgador: 18ª Câmara Cível. Relator: Pericles Bellusci de Batista Pereira. Julgamento:
26/06/2017 12:56:00. Fonte/Data da Publicação: DJ: 2058 29/06/2017.

99 TJRJ, AI 0042281-15.2013.8.19.0000, 10ª Câmara Cível. Rel. Des. José Carlos Varanda. Julgamento: 22/01/2014.

100 TJSP; Agravo de Instrumento 2048010-51.2017.8.26.0000; Relator: Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara
Reservada de Direito Empresarial; Foro de Limeira – 2ª Vara Cível; Julgamento: 15/09/2017; Registro: 15/09/2017.

129
devedor, sobretudo não circulantes, a lei passa a exigir a relação desses bens – sem a necessidade
de laudo de avaliação –, junto com a petição inicial.
Essa opção, muito embora crie mais uma exigência para os pedidos de recuperação judicial,
nos parece bem-vinda, a fim de dar maior segurança jurídica e eficácia ao art. 66 da LFRE.
Há que se consignar a expressa referência aos bens dados em garantia e abrangidos pela
regra prevista no § 3º do art. 49 da LFRE, que também devem ser relacionados, e os seus
respectivos instrumentos contratuais devem acompanhar a relação.

Sigilo
Muitas vezes, os devedores pedem a decretação do sigilo em relação a alguns dos
documentos que são apresentados por exigência do art. 51 da LFRE. Temos recorrido com êxito
contra decisões que acolhem essas pretensões, como no caso já mencionado do Grupo
Constellation, a conferir:

7- Os documentos exigidos com o requerimento da recuperação passam a


integrar o contraditório e não podem ser sonegados às próprias partes,
donde a nulidade de decisão que limita seu acesso ao juiz e ao Membro
do Ministério Público. [...] (TJRJ, AI nº 0070417-46.2018.8.19.0000.
16ª Câmara Cível. Rel. Des. Eduardo Gusmão. Julgamento:
26/03/2019). Nesse mesmo sentido, TJSP, AI nº 2036910-
94.2020.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel.
Des. Azuma Nishi, julgado em 11/08/2020)

Preenchidos todos os requisitos alinhados nos arts. 48 e 51 da LFRE, deverá o juízo deferir
o processamento do pedido de recuperação judicial, nos termos no art. 52. Havendo alguma
pendência, o devedor deverá ser intimado para supri-la, sob pena de indeferimento da petição
inicial, aplicando-se subsidiariamente a legislação processual comum.

Créditos sujeitos aos efeitos da recuperação


De acordo com o art. 49, caput, da LFRE, a recuperação judicial atinge “todos os créditos
existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”. A melhor exegese desse dispositivo,
especialmente quando combinado com o art. 6º e os seus parágrafos, é adotar como parâmetro a
data do fato gerador do crédito.
Assim, ocorrendo um acidente por culpa do devedor antes do pedido de recuperação, ainda
que a ação indenizatória seja proposta após a recuperação, eventual crédito estará sujeito aos seus
efeitos, mesmo que não habilitado até o encerramento do processo.

130
Da mesma forma, em uma relação de trato sucessivo, como o contrato de trabalho, todas as
verbas devidas ao trabalhador por fatos anteriores ao pedido estarão sujeitas ao processo de
recuperação judicial, enquanto as posteriores não, independentemente da forma e do momento
em que forem reconhecidas. Nesse sentido:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. DIREITO


EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. RECUPERAÇÃO
JUDICIAL. CRÉDITO DECORRENTE DE AÇÃO DE
COMPLEMENTAÇÃO DE AÇÕES. CONDENAÇÃO ILÍQUIDA.
SUJEIÇÃO AO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. FATO
GERADOR ANTERIOR À DATA DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO.
PRECEDENTES. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA.
1. Controvérsia acerca da suspensão de execução provisória ('ex vi' do art. 6º,
§ 4º, da Lei 11.101/2005) de crédito decorrente de sentença condenatória
em demanda por complementação de ações, pendente de trânsito em
julgado na fase de liquidação.
2. Precedentes desta Corte Superior, proferidos em demandas relativas a
crédito trabalhista e de responsabilidade civil, no sentido de que a data do
fato gerador da obrigação seria o marco temporal para a sujeição ou não
do crédito à recuperação judicial, ainda que a liquidação venha a ocorrer
em data posterior.
3. Caso concreto em que a pretensão de complementação de ações se
enquadra na responsabilidade civil contratual, devendo-se, portanto, tomar
como fato gerador o inadimplemento, ou seja, a subscrição de ações em
número menor do que o devido, fato que ocorreu na década de 90, muito
antes do pedido de recuperação judicial.
4. Sujeição do crédito ao plano de recuperação judicial no caso concreto,
devendo-se suspender a execução provisória, como bem entendeu o juízo 'a
quo'.
5. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
(AgInt no REsp 1793713/DF, Rel. Ministro PAULO DE TARSO
SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/04/2019, DJe
15/04/2019)101

Há de se destacar que a sujeição aos efeitos do processo de recuperação independe da sua


inscrição no QGC, isto é, mesmo que um crédito anterior ao pedido não tenha sido relacionado

101 Nesse sentido, em relação ao crédito trabalhista: AgInt no REsp 1260569/SP, Julgamento: 18/04/2017.

131
pelo devedor e também não seja habilitado ao longo do processo, qualquer que seja a razão, ele se
sujeitará aos efeitos do processo e será alcançado pela novação, prevista no art. 59 da LFRE,
convertendo-se para a “moeda da recuperação”.
Frise-se a possibilidade, por força do § 2º do art. 49 da LFRE, de o devedor optar por não
submeter determinada classe de credores aos efeitos do processo de recuperação judicial, não
propondo qualquer modificação quanto a eles, de forma que os credores dessa classe não teriam
direito de voto nas assembleias de credores. Note-se que não é facultado ao devedor excluir “esse”
ou “aquele” crédito de uma classe, pois tal manobra violaria o princípio pars conditio creditorum e
comprometeria o resultado de eventual votação em assembleia, especialmente para aprovação do
plano de recuperação.

Créditos não sujeitos aos efeitos da recuperação judicial


Os créditos que surgirem após o pedido não estarão submetidos aos efeitos do processo de
recuperação (art. 49 da LFRE) e dos efeitos novatórios de eventual plano homologado (art. 59 da
LFRE), e, em caso de convolação em falência, serão tratados como créditos extraconcursais.
Há de se ressaltar que o parágrafo único do art. 67 da LFRE expressamente admite que os
fornecedores de bens ou serviços necessários à manutenção da atividade que continuarem a
negociar com o devedor nas mesmas bases anteriores ao pedido poderão ter tratamento
diferenciado no plano de recuperação judicial, desde que dentro da razoabilidade.
Além dos créditos por fatos posteriores ao pedido de recuperação e os créditos das classes que,
por opção do devedor, não terão as suas condições modificadas pelo plano, também estarão
afastados dos seus efeitos da recuperação judicial alguns créditos que possuem tratamento especial,
por força de lei. Devido às peculiaridades que cercam cada um deles, o estudo deve ser
individualizado.

Créditos de empréstimo DIP


Agora disciplinado nos arts. 69-A até 69-F da LFRE, o DIP Financing tem-se revelado um
importante instrumento de capitalização para as empresas em processo de recuperação judicial,
como alternativa para a falta de crédito junto ao sistema financeiro.
Trata-se de um mútuo contraído durante o processo de recuperação judicial, normalmente
junto a alguns dos seus credores concursais, para garantir ao devedor o capital de giro suficiente
para atravessar a fase mais aguda do processo de recuperação judicial. DIP significa debtor-in-
possession, originada no Direito norte-americano,102 para designar todo o empréstimo obtido pelo
devedor após o início do processo de reestruturação.

102 O financiamento DIP é disciplinado pela Seção 364 do Bankruptcy Code – Chapter 11.

132
Em razão dos riscos naturais dessa operação, que podem ser atenuados por garantias reais
fiduciárias, o retorno financeiro do investimento costuma ser atrativo, sendo certo que muitos
credores concursais já questionaram a falta de oportunidade para participar desses aportes e,
assim, de se beneficiar do “pacote de bondades” que costuma ser destinado aos seus participantes.
Em razão das extremas vantagens destinadas a esses investidores, o ideal é que o empréstimo
DIP seja colocado como uma cláusula do plano de recuperação judicial. Entretanto, sem
estabelecer maiores parâmetros, o art. 69-A da LFRE estabelece que “o juiz poderá, depois de
ouvido o Comitê de Credores, autorizar a celebração” desse contrato de financiamento.
Para dar maior segurança e atrair mais interessados a financiarem os devedores em
recuperação judicial, uma vez desembolsados pelo investidor os recursos, a operação torna-se
imutável, ainda que aquela autorização judicial seja reformada em grau de recurso, conforme art.
69-B da LFRE. Entendemos que, na hipótese de desembolso parcial apenas em relação a essa
parte, o contrato deverá ser considerado imutável.
Por derradeiro, em caso de falência, o valor efetivamente entregue ao devedor por meio do
empréstimo DIP ganhou um lugar de destaque na ordem de prioridades dos créditos
extraconcursais, só estando atrás das restituições in natura, do art. 85, e das obrigações previstas
nos arts. 150 e 151, conforme art. 84, inciso I-B, todos da LFRE.

Crédito tributário
Por força do art. 187 do CTN, o passivo tributário do devedor não pode ser tratado no bojo
do processo de recuperação judicial e, com apoio no art. 6º, § 7º-B, da LFRE, as execuções fiscais
não devem ser suspensas pelo deferimento do processamento do pedido, salvo se o devedor aderir a
alguma modalidade de parcelamento, mormente aquelas disciplinadas nos arts. 10-A e 10-B da Lei
nº 10.522/02, c/c art. 155-A, § 3º, do CTN, ou se transacionarem com as Fazendas Públicas, com
esteio no art. 10-C da Lei nº 10.522/02 c/c a Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020.
Realmente, se considerarmos a própria natureza contratual do instituto da recuperação
judicial e o princípio da legalidade estrita a que se submetem os agentes administrativos,
sobretudo na questão tributária, revela-se correta a opção do legislador.
Nessas duas novas formas de parcelamento, disciplinadas nos arts. 10-A e 10-B da Lei
nº 10.522/02, o devedor em recuperação judicial pode refinanciar o seu passivo fiscal,
respectivamente, em até 120 meses, na primeira modalidade, ou em até 24 meses, na segunda,
cada qual com as suas respectivas vantagens e desvantagens, cuja análise extrapolam os objetivos
do nosso estudo.
O devedor em recuperação judicial ainda tem à sua disposição a possibilidade de transação
tributária, com prazo máximo de quitação também em 120 meses, cuja disciplina se encontra na
Lei nº 13.988/20, c/c o art. 10-C da Lei nº 10522/02.

133
Diante do preenchimento da lacuna existente, está afastada a possibilidade de recuperação
judicial do devedor empresário que não conseguir regularizar a sua situação fiscal, seja porque as
execuções fiscais podem prosseguir normalmente após o despacho que deferir o processamento do
pedido, seja em razão da eficácia plena que deve ser reconhecida ao art. 57 da LFRE. Ademais, em
harmonia com o disposto no art. 10-A, § 4º-A, inciso IV, da Lei nº 10.522/02, foram
acrescentados os incisos V e VI ao art. 73 da LFRE, permitindo expressamente que as Fazendas
Públicas peçam a convolação da recuperação judicial em falência.
Devemos observar que alguns entes federativos já possuem legislação própria disciplinando
o parcelamento para o devedor em recuperação judicial em relação aos seus créditos. É o caso do
Rio de Janeiro, por força da Lei nº 8.502, de 30 de agosto de 2019; de Minas Gerais, com a Lei
nº 21.794, de 16 de outubro de 2015; de Pernambuco, pela Lei Complementar nº 148, de 4 de
dezembro de 2009, alterada pela Lei Complementar nº 185, de 1º de novembro de 2011; do
Paraná, pela Lei nº 18.132, de 3 de julho de 2014; e de Rondônia, pela Lei nº 4.703, de 12 de
dezembro de 2019, entre outros.
Não menos importante é a discussão acerca da exclusão ou não do passivo fiscal não
tributário do processo de recuperação judicial. A questão ganhou maior relevância quando
sociedades empresárias com expressivos passivos decorrentes de multas das agências reguladoras e
de acordos de leniência entraram em recuperação judicial. Não há jurisprudência sedimentada nos
tribunais.
Nas poucas vezes em que tivemos de nos manifestar, opinamos pela exclusão desses
créditos do concurso da recuperação judicial, pois não há previsão legal para que a autoridade
administrativa, qualquer que seja ela, disponha sobre esses créditos, sobretudo diante da
possibilidade de o plano ser aprovado mesmo contra o voto daquele que representa o Poder
Público, inclusive com a previsão de deságios.
Nesse sentido, trazemos à colação um importante precedente do Tribunal de Justiça do
Estado de Goiás (TJGO), que já utilizamos para dar corpo a um agravo de instrumento que
interpomos sobre o tema, mas não provido pelo TJRJ103:

Agravo de Instrumento. Impugnação de crédito. Recuperação Judicial.


Crédito derivado de multa por infração à legislação trabalhista. Inclusão
no quadro geral de credores. Impossibilidade. Dívida ativa não
tributária. Não submissão à recuperação judicial. Honorários
advocatícios recursais. Fixação. I – In casu, o crédito discutido
originou-se de multas administrativas por infração à legislação
trabalhista decorrentes de autos de infração lavrados pelo Ministério
do Trabalho, motivo pelo qual defendem as agravantes tratar-se de

103 TJRJ, AI 0077795-19.2019.8.19.0000. 2ª Câmara Cível. Des. Rel. Jessé Torres Pereira Júnior.

134
débito não tributário, devendo o crédito da União se submeter à
recuperação judicial. II – Contudo, os créditos da Fazenda Pública,
fiscais tributários ou não, estão fora do alcance do concurso de credores,
devendo ser cobrados por meio de execução fiscal e, por consequência,
não podem ser incluídos no concurso de credores. III – Em caso de
improvimento do recurso, devem ser majorados os honorários
advocatícios arbitrados em primeiro grau, nos termos do artigo 85, § 11,
CPC. Agravo de instrumento conhecido e desprovido (TJGO, 5259919-
92.2018.8.09.0000 – Agravo de Instrumento. Rel. desembargador Carlos
Alberto França. 2ª Câmara Cível. Julgamento: 19/09/2018).

No caso da recuperação judicial do Grupo OI, a questão chegou a ser decidida em segunda
instância, que determinou a sujeição dos créditos da Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel) aos efeitos do processo de recuperação judicial. Contudo, antes que o STJ julgasse em
definitivo o recurso da agência reguladora, com a entrada em vigor das regras sobre transação
tributária, Oi e Anatel celebraram um acordo de transação tributária104, pondo fim às discussões.
Por fim, é preciso sublinhar que o juiz da recuperação judicial não pode mais obstar a
constrição de bens do devedor em recuperação judicial determinada pelo juiz da execução fiscal. A
lei é suficientemente clara ao prever que ele só poderá determinar a “SUBSTITUIÇÃO” do bem
constrito por outro menos essencial à continuidade das atividades.105

Créditos com direito real de propriedade e assemelhados


Também não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, de acordo com o § 3º do art.
49 da LFRE, o credor titular da posição de proprietário fiduciário, o arrendador mercantil e o
negociante de imóvel – vendedor, promitente vendedor ou titular de reserva de domínio –, cujo
contrato tenha cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade.106 De igual forma, com fulcro no
§ 4º do art. 49 da LFRE, estão excluídos dos efeitos do processo de recuperação judicial os
créditos decorrentes dos contratos de ACC e ACE.
Nessas duas últimas hipóteses, o legislador pretendeu incentivar a redução dos juros, “com
spreads não impactados pelo risco associado à recuperação judicial”, o que é fundamental para o
desenvolvimento econômico do País.107 É fundamental, na visão de parte da jurisprudência, para

104
https://www.infomoney.com.br/mercados/agu-fecha-acordo-e-da-50-de-desconto-em-divida-da-oi-que-pagara-r-72-bilhoes-
a-anatel/
105
Foi nossa a sugestão para a redação do §7º-B da LFRE.
106
Arts. 521 e 1.417 do CC.

107 COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 131.

135
um efetivo controle judicial, que a instituição financeira requeira ao juízo da recuperação
autorização para promover a “compensação” dos recursos, o que pode ocorrer nos autos principais
ou em um incidente de “restituição”.108
No fim de 2019, a 3ª Turma do STJ, em apertada votação – 3 x 2 –, decidiu que apenas o
valor principal do adiantamento de contrato de câmbio ou do crédito à exportação – ACC e ACE –
não estaria sujeito à recuperação judicial, ao contrário dos seus encargos – juros –, que deveriam
submeter-se ao concurso.109 Discordamos desse posicionamento, pois não há essa distinção no § 4º
do art. 49 da LFRE.
É preciso registrar que durante o prazo de suspensão das ações e execuções, previsto no art.
6º, § 4º, da LFRE, não será possível a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor de bens
de capitais que sejam essenciais ao desenvolvimento da atividade empresarial. Citem-se, como
exemplo, os ônibus de uma sociedade transportadora em recuperação judicial, obtidas por meio
de leasing ou alienados fiduciariamente.
Advirta-se que precedentes do STJ, ao nosso sentir trazendo enorme insegurança jurídica,
impedem a retomada do bem após o decurso do stay period ou, pior ainda, mesmo depois de
homologado o plano de recuperação, quando o juiz se convencer da sua essencialidade para o
devedor. Revela-se, ao nosso sentir, um verdadeiro absurdo “suspender” indefinidamente o direito
de propriedade do credor, porque dessa forma ele não recebe nem fora e nem dentro do processo
de recuperação. De toda forma, confira-se:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


RECUPERAÇÃO JUDICIAL. BENS DADOS EM GARANTIA
FIDUCIÁRIA. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA.
BENS ESSENCIAIS. SUJEIÇÃO AOS EFEITOS DA
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SÚMULA 83/STJ.
1. Hipótese em que a Corte a quo entendeu, observando o princípio da
preservação da empresa, que os bens objetos do litígio, mesmo que
oferecidos como garantia fiduciária, não poderiam ser retirados da posse
da recuperanda, por serem essenciais à manutenção das atividades
empresariais.
2. O acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência do STJ,
segundo a qual o credor titular da posição de proprietário fiduciário ou
detentor de reserva de domínio de bens móveis ou imóveis não se sujeita
aos efeitos da recuperação judicial (Lei 11.101/2005, art. 49, § 3º),
ressalvados os casos em que os bens gravados por garantia de alienação

108 STJ, AgRg no Ag 1197871/SP. Rel. ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, Julgamento: 11/12/2012, DJe, 19/12/2012

109 STJ, REsp 1810447/SP. Rel. ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, Julgamento: 05/11/2019, DJe, 22/11/2019.

136
fiduciária cumprem função essencial à atividade produtiva da sociedade
recuperanda (AgInt no AgInt no AgInt no CC 149.561/MT, Rel.
Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 22/08/2018,
DJe 24/08/2018).
3. Estando o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência
firmada nesta Corte Superior, o recurso especial não merece ser
conhecido, ante a incidência da Súmula 83/STJ: "Não se conhece do
recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se
firmou no mesmo sentido da decisão recorrida".
4. Agravo Interno não provido.
(AgInt no AREsp 1660732/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/09/2020, DJe
22/09/2020). Nesse sentido, AgInt no AREsp 1475536/RS, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
24/08/2020, DJe 27/08/2020.

Depositante de coisas fungíveis


Questão interessante envolve os contratos de depósito de coisas fungíveis, como sacas de
soja, de algodão e de milho, nas recuperações judiciais dos armazéns gerais. Esses depositantes
devem submeter-se ao processo, sendo arrolados como credores de obrigações dar, entregar?
Ayoub e Cavalli defendem que esses depositantes não se sujeitam à recuperação judicial,
podendo reivindicar normalmente os seus bens, sob pena de configuração de apropriação ilícita, salvo
se ficar comprovado que o depósito é irregular, como o bancário, nos termos do art. 645 do CC.110

Dívida propter rem – despesas condominiais


As dívidas condominiais dos imóveis ocupados pela devedora anteriores ao seu pedido de
recuperação judicial são créditos concursais, ou seja, devem submeter-se aos efeitos novatórios do
plano de recuperação judicial aprovado pelos credores e homologado judicialmente?
Essa questão realmente não é simples, e nesses 15 anos de vigência da LFRE a
jurisprudência já foi e voltou diversas vezes, inclusive nos feitos falimentares. Inicialmente, como a
dívida propter rem é inerente ao próprio bem, a jurisprudência era no sentido de que ela tinha
absoluta prioridade quando da venda do bem, razão pela qual a dívida condominial era
considerada crédito não concursal, tanto na falência como na recuperação judicial. Contudo,

110 AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas. 3. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2017. p. 48.

137
houve mudança de orientação quando a 2ª Seção do STJ passou a considerar a dívida propter rem
sujeita ao concurso, nos seguintes termos:

3. No caso dos autos, em que as obrigações devidas são originárias de


despesas condominiais consideradas propter rem, o tratamento a ser
dado aos bens que garantem tais créditos é o mesmo: esses imóveis
devem integrar o ativo da massa e as cotas condominiais respectivas
serão habilitadas na ordem de sua classificação, concorrendo com os
credores de mesma categoria (...).
(CC 37.178/GO, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, 2ª SEÇÃO,
julgado em 26/04/2006, DJ 21/08/2006, p. 225)

Mais adiante, entretanto, o STJ voltou a decidir que a dívida propter rem não é do falido ou
do devedor em recuperação judicial, mas, sim, da própria coisa, razão pela qual não precisaria ser
habilitada e não estaria sujeita ao concurso de credores. Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO


ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC.
AÇÃO DE COBRANÇA DAS DESPESAS CONDOMINIAIS.
POSTERIOR FALÊNCIA DA ORA RECORRENTE. TAXAS
CONDOMINIAIS ANTERIORES À FALÊNCIA QUE SE
REFEREM À MANUTENÇÃO DA COISA. NATUREZA PROPTER
REM. PREFERÊNCIA SOBRE OS CRÉDITOS ATRIBUÍDOS À
MASSA FALIDA. IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DA
EXECUÇÃO DOS CRÉDITOS. CARÁTER EXTRACONCURSAL.
ENTENDIMENTO DOMINANTE NESTA CORTE. SÚMULA Nº
568 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO, COM
IMPOSIÇÃO DE MULTA. (...). 2. A atual jurisprudência desta Corte
Superior é no sentido de que a taxa de condomínio se enquadra no
conceito de despesa necessária à administração do ativo, tratando-se,
portanto, de crédito extraconcursal, não se sujeitando à habilitação de
crédito, tampouco à suspensão determinada pelo art. 99 da Lei de
Falências. Precedentes. (...).
(AgInt no REsp 1646272/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2018, DJe 30/04/2018).

Finalmente, e agora analisando um precedente específico de recuperação judicial, o


Ministro Luis Felipe Salomão, no dia 2 setembro de 2020, proferiu a seguinte decisão
monocrática denegatória de Recurso Especial:

138
RECURSO ESPECIAL. DIREITO COMERCIAL E
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE DESPESAS
CONDOMINIAIS. CRÉDITO EXTRACONCURSAL.
EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. HABILITAÇÃO
DE CRÉDITO E SUSPENSÃO DO FEITO. NÃO
CABIMENTO. 1. Os débitos condominiais estão compreendidos
no conceito de despesas necessárias à administração do ativo,
enquadrando-se como crédito extraconcursal. Portanto, não se
sujeitam à habilitação de crédito e à competência do juízo universal.
2. Recurso especial não provido. (...). - É cediço que sendo a taxa
condominial obrigação de caráter propter rem, ou seja, que surge
por causa da própria coisa, tem-se que o seu pagamento visa não só
a manutenção do imóvel gerador do débito, mas também a do
condomínio do qual faz parte. Destarte, o crédito decorrente da
taxa condominial não está sujeito à recuperação judicial,
podendo a execução se processar normalmente, à medida que o
pagamento das despesas condominiais é necessário à proteção
do patrimônio da agravante e, por consequência, preserva o
imóvel que poderá ser alienado, eventualmente, para garantir o
plano de recuperação. (...).
(STJ, REsp. 1879799-GO. Min. Luis Felipe Salomão. Decisão
Monocrática publicada em 02/09/2020).

Singularidade dos créditos sujeitos à recuperação judicial do produtor


rural
Na recuperação judicial do produtor rural, por força dos §§ 6º, 7º, 8º e 9º do art. 49, da
LFRE, não estarão sujeitos aos seus efeitos os seguintes créditos:
1º- Os créditos referentes às operações estranhas à atividade rural;
2º - Os créditos não discriminados nos documentos que compõem a escrituração regular do
produtor rural, previstos nos §§ 2º e 3º do art. 48, da LFRE;
3º - Os créditos decorrentes de operações de fomento à atividade rural, disciplinados nos
arts. 14 e 21 da Lei 4.829/65, desde que já tenham sido renegociados antes do pedido de
recuperação com a respectiva instituição financeira;
4º - Os créditos relacionados à dívida contraída nos 3 últimos anos anteriores ao pedido de
recuperação com a finalidade de aquisição de propriedade rural, inclusive as garantias.

139
Por enquanto, na esteira da jurisprudência majoritária do STJ, o crédito decorrente da
Cédula de Produto Rural (CPR) está sujeito aos efeitos do processo de recuperação judicial.

Problemática da trava bancária


Em muitos casos, a exclusão ora em exame praticamente esvazia o instituto da recuperação
judicial, uma vez que se tem tornado cada vez mais comum a exigência de garantias fiduciárias, ou
instrumentos correlatos, como condição sine qua non para a concessão de crédito no mercado, de
maneira que apenas uma parcela ínfima do passivo do empresário em dificuldades estaria sujeita à
renegociação no bojo de um processo de recuperação judicial.
A grande vilã das recuperações judiciais, assim, seria a denominada “trava bancária”,
materializada pelos contratos de mútuo garantidos pela cessão fiduciária dos recebíveis do
devedor, performados e não performados.
Não por outro motivo, inúmeras teses foram criadas para tentar “quebrar” a trava bancária,
submetendo os créditos desses contratos aos efeitos do processo de recuperação judicial e, por
consequência, liberando esse fluxo de recebíveis para utilização no capital de giro dos devedores.
A primeira tese sustenta que essa cessão fiduciária de recebíveis só poderia ser admitida se
recaísse sobre títulos de crédito stricto sensu, e não sobre “créditos em geral”, com base em uma
interpretação restritiva dos termos do art. 66-B, da Lei nº 4.728/65, que só se refere à alienação
fiduciária de coisa móvel, fungível e infungível, e títulos de crédito.111 Essa tese, contudo, é
rechaçada pela jurisprudência majoritária,112 sobretudo do STJ,113 que admite a alienação fiduciária
de direitos de crédito, uma vez que estes são equiparados aos bens móveis pelo art. 82, III, do CC.
Uma segunda tese exige que os contratos estejam registrados no cartório de títulos e
documentos, sob pena de não se aperfeiçoar a garantia fiduciária.114 O STJ, por reiterados
precedentes da 3ª Turma, decidiu pela desnecessidade do registro dos contratos para exclusão do
crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis ou por reserva de domínio dos efeitos da
recuperação judicial.115
A terceira tese criada está amparada exclusivamente no princípio da preservação da empresa.
Ainda que reconhecida a propriedade fiduciária da instituição financeira sobre os recebíveis, o
juízo da recuperação poderia determinar a quebra parcial da trava, durante o prazo do stay period,

111 TJRJ, 0042658-20.2012.8.19.0000 – Agravo de Instrumento. Des. Milton Fernandes de Souza – Julgamento: 15/01/2013
– 5ª Câmara Cível.

112 TJRJ, 0021547-43.2013.8.19.0000 – Mandado de Segurança. Órgão Especial.

113 REsp 1207117/MG. Rel. ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Julgamento: 10/11/2015, DJe, 25/11/2015.

114 TJSP, AI 994.08.048233-0, Julgamento: 30/06/2009, v.u. Rel. José Roberto Lino Machado.

115 Nesse sentido: REsp 1829641/SC. Rel. ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, Julgamento: 03/09/2019, DJe, 05/09/2019.
REsp 1797196/SP. Rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, Julgamento: 09/04/2019, DJe, 12/04/2019.

140
a fim de que parte dos recebíveis futuros seja utilizada pela devedora em recuperação para
alimentar o seu capital de giro. Nesse sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO INTERNO.


RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONTRATO DE CESSÃO
FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS GARANTIDO POR
RECEBÍVEIS (TRAVA BANCÁRIA). LIBERAÇÃO DE 70% DOS
VALORES CEDIDOS. MANUTENÇÃO. DECISÃO AGRAVADA
QUE PONDERA O DIREITO DE CRÉDITO DO AGRAVANTE
COM OS OBJETIVOS DE SUPERAÇÃO DA CRISE
ECONÔMICO-FINANCEIRA DAS DEVEDORAS E DA FUNÇÃO
SOCIAL DAS EMPRESAS. ART. 47 DA LEI 11.101/05.
IMPLEMENTAÇÃO INTEGRAL DA TRAVA BANCÁRIA
INVIABILIZARIA A CONTINUIDADE DAS UNIDADES
PRODUTORAS. (...). 1. Travas Bancárias. Recuperação Judicial.
Liberação de 70% dos valores objeto de cessão fiduciária de direitos
creditórios garantido por recebíveis. 2. A decisão agravada se volta para a
fase postulatória inicial do processo de recuperação judicial das agravadas,
fase em que a lei defere às recuperandas um período de reorganização
econômico-financeira com vistas a criar um ambiente estável e propício à
execução de estratégias necessárias à superação da crise. 3. A suspensão
das travas bancárias, na hipótese de recuperação judicial, deve ser
analisada de forma casuística, ainda que exista orientação no sentido de
que a cessão fiduciária de direitos sobre títulos de crédito possui natureza
de propriedade fiduciária. 4. A prova até aqui produzida demonstra que
se fosse autorizado o recebimento integral dos créditos representados
pelos recebíveis futuros, performados ou não (caso tenha ou não
ingressado em conta o valor da operação), em poucas semanas seria
inviável a manutenção das operações comerciais das agravadas. 5. Em
sede de cognição sumária, a decisão agravada, que determina o bloqueio
em favor das recuperandas de 70% dos ativos representados por
recebíveis futuros gravados com cláusula de cessão fiduciária, mantendo-
se os valores equivalente aos 30% restantes depositados na conta de
domicílio bancário, pondera de forma razoável o direito de crédito do
agravante com os objetivos a serem alcançados de superação da crise
econômico-financeira das devedoras e da função social das empresas.(...).
PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. PREJUDICADO O
AGRAVO INTERNO.

141
(TJRJ, 0063637-22.2020.8.19.0000 - AGRAVO DE
INSTRUMENTO. Des(a). MÔNICA DE FARIA SARDAS -
Julgamento: 16/12/2020 - VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL)116.

Essa tese não foi acolhida pelo STJ, que chegou a denominá-la de teratológica, conforme se
constata pelo precedente envolvendo a Companhia Energética do Pará (Celpa).117
Uma quarta tese, admitida inicialmente pelo TJSP, exigia a descrição pormenorizada dos
bens e direitos cedidos fiduciariamente, sendo ineficaz a garantia pactuada em termos genéricos –
“todas as duplicatas futuras que serão emitidas pelo devedor” ou “todo e qualquer recebível
decorrente de contratos futuros do devedor” –, portanto, quirografário o crédito, com a
consequente liberação de todos os recebíveis para o fluxo de caixa da devedora em recuperação
judicial. Nesse sentido:

Recuperação Judicial – Cessão fiduciária de créditos – Pretendida exclusão


do procedimento concursal – Exame concreto da instituição da garantia
fiduciária – Ausência de descrição dos bens afetados, sem atendimento aos
requisitos previstos nos arts. 1362, inciso IV do CC/02 e 66-B da Lei
4528/65 – Decisão mantida – Recurso desprovido (AI, 2011315-
69.2015.8.26.0000, Relator: Fortes Barbosa; Comarca: Americana; Órgão
julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Julgamento:
26/08/2015; Registro: 28/08/2015).

O STJ refutou essa tese sob os seguintes fundamentos:

RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRETENSÃO DE EXCLUSÃO DE


CRÉDITO CEDIDO FIDUCIARIAMENTE AO ARGUMENTO DE
QUE O TÍTULO DE CRÉDITO (DUPLICATAS VIRTUAIS) NÃO
SE ENCONTRARIA DEVIDAMENTE DESCRITO NO
INSTRUMENTO CONTRATUAL. DESCABIMENTO. CORRETA
DESCRIÇÃO DO CRÉDITO, OBJETO DE CESSÃO.
RECONHECIMENTO. OBSERVÂNCIA DA LEI DE REGÊNCIA.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A controvérsia posta no presente
recurso especial cinge-se em saber se, para a perfectibilização do negócio
fiduciário, a permitir a exclusão do credor titular da posição fiduciária
dos efeitos da recuperação judicial, no específico caso de cessão fiduciária

116
A jurisprudência do TJRJ está bem dividida em relação a essa tese. Confira-se precedente em sentido oposto: 0060873-
97.2019.8.19.0000 – Agravo de Instrumento. Des(a). Sergio Ricardo de Arruda Fernandes – Julgamento: 18/08/2020 – 1ª
Câmara Cível.
117
STJ, EDcl no RMS 41.646/PA. Rel. ministro Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, Julgamento: 24/09/2013, DJe, 11/10/2013.

142
de direitos creditórios, o correlato instrumento deve indicar, de maneira
precisa, os títulos representativos do crédito (in casu, duplicatas virtuais),
como entendeu o Tribunal de origem; ou se é o crédito, objeto de cessão,
que deve estar suficientemente identificado, como defende o banco
recorrente. [...]. 4. A exigência de especificação do título representativo
do crédito, como requisito formal à conformação do negócio fiduciário,
além de não possuir previsão legal – o que, por si, obsta a adoção de uma
interpretação judicial ampliativa – cede a uma questão de ordem prática
incontornável. Por ocasião da realização da cessão fiduciária, afigura-se
absolutamente possível que o título representativo do crédito cedido não
tenha sido nem sequer emitido, a inviabilizar, desde logo, sua
determinação no contrato (REsp 1797196/SP, Rel. ministro Marco
Aurélio Bellizze, 3ª Turma, Julgamento: 09/04/2019, DJe, 12/04/2019).

Após enfrentar essa tormentosa questão inúmeras vezes, passamos a adotar um


posicionamento intermediário e que, sob a nossa ótica, ainda não foi profundamente discutido no
âmbito da 2ª Seção do STJ. Defendemos a manutenção da denominada “trava bancária” em
relação a todos os recebíveis performados até a data do pedido de recuperação judicial, ainda que
vincendos. Logo, todos os recebíveis cedidos relativos às operações concretizadas pelo devedor até
a data do pedido de recuperação pertencem à instituição financeira credora e não podem ser
liberados em favor do devedor, por maior que seja a sua dificuldade. Por seu turno, o saldo a
“descoberto” na data do pedido de recuperação judicial possui natureza quirografária e deve
submeter-se ao concurso.
Nessa linha de ideias, confira-se o Enunciado nº 51 da I Jornada de Direito Comercial do CJF:
“51 – O saldo do crédito não coberto pelo valor do bem e/ou da garantia dos contratos previstos no §
3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005 é crédito quirografário, sujeito à recuperação judicial”.
Por consequência, todos os recebíveis relativos às novas operações realizadas pelo devedor,
ou seja, aquelas concretizadas após a data do pedido de recuperação, não podem ser retidas pela
instituição financeira, sob pena de violação do princípio pars conditio creditorum. Seguindo essa
trilha, confira-se o recente precedente do TJSP:

Recuperação Judicial. Credor com garantia fiduciária sobre "recebíveis"


(direitos creditórios da recuperanda oriundos de faturas de cartões de
crédito, cujos valores são depositados em conta vinculada ao contrato de
dívida). Decisão que determinou a devolução dos valores retidos pelo
credor fiduciário na conta vinculada à respectiva cédula de crédito
bancário. Alienação fiduciária regularmente constituída, diante da
desnecessidade do registro da cédula de crédito bancário no Registro de
Títulos e Documentos do domicílio da devedora como pressuposto para

143
a constituição da garantia. Existência de especialização da garantia.
Cessão de crédito futuro possível. A retenção com base em crédito
"performado" (constituído até a distribuição da recuperação) é
irrepreensível; a do crédito a "performar" (não constituído até a
distribuição da recuperação), contudo, não legitima as retenções, pois
não constituída a alienação fiduciária. Essencialidade do dinheiro
(recebíveis) que não enseja a aplicação da exceção prevista na parte final
do § 3º do art. 49 da Lei de Recuperação e Falência, por não se tratar de
bem de capital, tampouco o § 5º do mesmo artigo, que disciplina o
penhor. Decisão reformada em parte para autorizar a liberação, em favor
da recuperanda, apenas dos valores retidos após a distribuição da
recuperação judicial (créditos "não performados"). Restituição, ao credor
fiduciário do que retido antes deste termo (créditos "performados").
Recurso parcialmente provido (TJSP; Agravo de Instrumento 2047748-
33.2019.8.26.0000; Relator (a): Araldo Telles; Órgão Julgador: 2ª
Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Jandira – 1ª Vara;
Data do Julgamento: 24/09/2019).

Deferimento do processamento do pedido


Ao apreciar a petição inicial, o juiz verificará se os requisitos exigidos pelos arts. 48 e 51 da
LFRE foram atendidos e, em caso positivo, deferirá o processamento do pedido, nomeando-se o
administrador judicial. Note-se que esse despacho não se confunde com a decisão concessiva da
recuperação judicial, já que se limita a acolher o pedido de tramitação da ação118 e, embora de
cognição limitada, desafia recurso de agravo de instrumento,119 pois encerra verdadeira decisão
interlocutória, com importantes efeitos sobre os direitos e obrigações do devedor e dos credores.120
Esse despacho de processamento conterá também as providências e produzirá os efeitos
mencionados nos incisos do art. 52 da LFRE. Ademais, será determinada a expedição de edital, na
forma do § 1º do art. 52 da nova Lei de Falências, contendo o resumo do pedido e da decisão, a
relação nominal dos credores, a discriminação do valor atualizado e a classificação de cada crédito,
além das advertências acerca dos prazos para apresentação de habilitações e divergências.

118 COELHO, Fábio Ulhoa. ob. cit. p. 153-154.

119 Enunciados nº 52 e 102 das Jornadas de Direito Empresarial e nº 61 das Jornadas de Direito Processual Civil, ambas
do CJF.

120 SALOMÃO, Luis Felipe; SANTOS, Paulo Penalva. Recuperação judicial, extrajudicial e falência: teoria e prática. 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 338.

144
Registre-se que, nos termos do § 4º do art. 52 da LFRE, a partir do deferimento do
processamento do pedido de recuperação, o devedor somente poderá desistir da reestruturação
mediante aprovação dos credores em assembleia.
Outros importantes efeitos são causados pelo deferimento do processamento do pedido de
recuperação judicial. Vejamos os principais.

Dispensa das certidões negativas


A partir do despacho de deferimento do processamento da recuperação, o devedor não mais
precisará apresentar as CNDs para o normal prosseguimento das suas atividades, por exemplo,
para renovação de um alvará ou para obtenção de uma licença para construção. A recente reforma
retirou da parte final do inciso II do art. 52 da LFRE o seu trecho mais polêmico, “exceto para
contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei”.
Com efeito, os devedores em recuperação judicial poderão participar de licitações e
receber incentivos fiscais e creditícios se preencherem os demais requisitos exigidos pela
legislação, em especial não possuírem débitos com o sistema de seguridade social, conforme § 3º
do art. 195 da CF/88.

Stay period e suspensão da prescrição


Deferido o processamento, suspendem-se o prazo prescricional e as execuções em trâmite
contra o devedor, assim como ficam proibidos quaisquer atos de constrição contra o seu
patrimônio, na forma do art. 52, III, c/c o art. 6º, incisos II e III, da LFRE, fenômeno esse
denominado de stay period. Note-se que as ações ilíquidas em tramitação contra o devedor não são
afetadas e terão o seu prosseguimento normal, devendo os interessados pleitear perante os seus
respetivos juízos de origem a reserva de valores junto ao juízo da recuperação judicial, conforme
§§ 1º e 3º do art. 6º da LFRE.
Uma vez transitada eventual condenação do devedor naquela ação ilíquida, o crédito
definitivo poderá ser informado por meio de habilitação retardatária ou, como sempre
defendemos, por meio de simples ofício do juízo de origem ao juízo da recuperação.
O § 4º do art. 6º da LFRE prevê que esse prazo de suspensão será de 180 dias corridos e,
em casos excepcionais, desde que não sejam decorrentes de culpa do devedor, poderá ocorrer uma
única prorrogação por mais 180 dias. Esse prazo deve ser suficiente para que o plano de
recuperação judicial proposto pelo devedor seja deliberado pelos credores, pois, do contrário, estes
terão o direito de apresentar um plano alternativo, na forma do art. 4-A da LFRE, hipótese em
que o stay period será renovado por mais 180 dias, conforme o inciso II desse parágrafo.

145
É importante ressaltar que não se suspendem as execuções dos créditos não sujeitos ao
processo de recuperação judicial, inclusive as execuções fiscais121. Nesses casos, o juízo da execução
poderá determinar a constrição de bens do devedor em recuperação judicial, resguardada a
competência do juízo da recuperação, apenas, para determinar, por meio de ato concertado de
cooperação jurisdicional122, a SUBSTITUIÇÃO do bem penhorado por outro menos relevante
para a continuidade da empresa, conforme art. 6º, § 7º-B, da LFRE. Nessa toada, deve ser
revisitada a jurisprudência do STJ que conferia apenas ao juiz da recuperação judicial a
competência para determinar todos os atos que impliquem restrição patrimonial do devedor em
recuperação judicial, representada abaixo pelo seguinte precedente:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE


COMPETÊNCIA. INCIDENTE MANEJADO SOB A ÉGIDE DO
NCPC. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DEPÓSITO JUDICIAL.
COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO SOERGUIMENTO PARA
TODOS OS ATOS QUE IMPLIQUEM RESTRIÇÃO
PATRIMONIAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Aplicabilidade do NCPC neste julgamento conforme o Enunciado
Administrativo nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de
9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015
(relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão
exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. Tratando-se de recuperação judicial, o destino dos bens da empresa
seguirá o que estiver fixado no plano aprovado, a cuja decisão se submete
o juízo cível.
3. A competência do juízo do soerguimento visa garantir a preferência
dos créditos e direcionar a execução ao juízo universal que deverá avaliar
a essencialidade dos bens passíveis de constrição, bem como a solidez do
fluxo de caixa da recuperanda.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no CC 171.765/PR, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, 2ª
SEÇÃO, julgado em 09/12/2020, DJe 11/12/2020)

No que toca aos créditos não sujeitos aos efeitos do processo de recuperação judicial
previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49 da LFRE, em caso de inadimplemento do devedor, o § 7º-A
do art. 6º da LFRE permite a execução desses contratos, mas impede a retomada dos bens de

121
STJ, REsp 1488778/SC. Rel. ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, Julgamento: 23/02/2016, DJe, 30/05/2016.
122
Art. 69 do Código de Processo Civil.

146
capital essenciais à manutenção da atividade do devedor durante o stay period. Portanto, caso isso
ocorra, poderá o juiz da recuperação judicial determinar a suspensão desse ato de constrição por
meio de ato concertado de cooperação de jurisdição, previsto no art. 69 do CPC.
Por outro lado, o mesmo STJ firmou posicionamento pelo prosseguimento das ações de
despejo contra o devedor em recuperação judicial, inclusive durante o stay period:

PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA.


PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL (LEI N. 11.101/05).
AÇÃO DE DESPEJO C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. DEMANDA
ILÍQUIDA. EXECUÇÃO. MONTANTE APURADO. HABILITAÇÃO
DO CRÉDITO NO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. 1. Não
há óbice ao prosseguimento da ação de despejo promovida em desfavor de
empresa em recuperação judicial por constituir demanda ilíquida não sujeita
à competência do juízo universal. 2. Por mais que se pretenda privilegiar o
princípio da preservação da empresa, não se pode afastar a garantia ao direito
de propriedade em toda a sua plenitude daquele que, durante a vigência do
contrato de locação, respeitou todas as condições e termos pactuados,
obtendo, ao final, decisão judicial – transitada em julgado – que
determinou, por falta de pagamento, o despejo do bem objeto da demanda.
3. O crédito referente à cobrança de aluguéis deve ser habilitado nos autos
do processo de recuperação judicial (AgRg no CC 133.612/AL, Rel.
ministro João Otávio de Noronha, 2ª Seção, Julgamento: 14/10/2015, DJe,
19/10/2015).

Mais uma vez, discordamos da orientação do STJ, pois defendemos que o despejo só pode
ser decretado pelo não pagamento dos aluguéis posteriores ao pedido de recuperação judicial123,
uma vez que os anteriores estão sujeitos aos efeitos do processo, e o seu pagamento seria uma
afronta ao princípio pars conditio creditorum.

Prestação mensal de contas


Caberá ao administrador judicial acompanhar as atividades do devedor, reportando ao
processo mensalmente, por meio de um relatório analítico das contas, tudo o que for relevante
para o juízo, para o ministério público e, principalmente, para os credores.

123 Nesse sentido: AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de
empresas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 42.

147
Essa tomada de contas não se deve restringir ao exame dos documentos contábeis do
devedor, sendo oportuna vistorias in loco nos estabelecimentos do devedor para comprovar a
veracidade das informações prestadas.
Na esteira da nova redação do art. 22, inciso II, alínea “c”, da LFRE, o administrador
judicial passa a ter o dever de fiscalizar a veracidade das informações prestadas pelo devedor, em
um papel tipicamente de auditoria externa.

Intimação do Ministério Público e das Fazendas


A participação do ministério público já foi amplamente analisada no capítulo referente às
falências, não havendo maiores controvérsias sobre a sua atuação após a decretação da falência. O
mesmo, contudo, não acontece nos processos de recuperação judicial, haja vista que
frequentemente se debate a presença do interesse público a justificar a intervenção ministerial.
Certa ocasião, ao analisar o recurso do Ministério Público contra a decisão do juízo de que a
oitiva do promotor de justiça, fora das hipóteses expressamente previstas na lei, era uma faculdade
do magistrado, decidiu o TJRJ:

Empresa em recuperação judicial – A intervenção do Ministério Público,


em processo de recuperação judicial, é obrigatória, na forma do artigo 52,
inciso V da Lei nº 11.101/2005, sendo-lhe conferida a prerrogativa de
intimação pessoal dos atos do processo, nos termos do artigo 84,
combinado com o parágrafo 2º do artigo 236, pena de nulidade absoluta,
conforme artigo 246 do Código de Processo Civil.
(TJRJ, 0015971-98.2015.8.19.0000 – AGRAVO DE
INSTRUMENTO, DES. CAMILO RIBEIRO RULIERE –
Julgamento: 07/07/2015 – PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL).

Já sob a égide do CPC/2015, ao enfrentar outro recurso interposto pelo Ministério Público
contra decisão de primeiro grau que mandou colocar na capa de todos os processos de
recuperação judicial a proibição de remessa ao promotor de justiça, mais uma vez decidiu o TJRJ:

Agravo de Instrumento. Ação de Recuperação Judicial. Decisão pela


desnecessidade de atuação do Parquet na ação recuperacional.
Inconformismo. Intervenção obrigatória do Ministério Público. Fiscal da
ordem jurídica. Inteligência do art. 52, V da Lei 11.101/05 e art. 178, I
do CPC/15. Atribuição exclusiva do Ministério Público na identificação
da existência do interesse que justifique a intervenção da Instituição na
causa. Presença de interesse público primário. Garantia de

148
desenvolvimento equilibrado da ordem econômica. Tutela de bens
jurídicos coletivos ou supraindividuais. Aplicação do art. 170 CF/88.
Ministério Público como guardião da ordem econômica. Precedentes.
Recurso provido.
(TJRJ, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0036247-
82.2017.8.19.0000. RELATOR: DES. JOSÉ CARLOS VARANDA.
Julg. em 13/09/2017).

Dessa forma, caberá ao representante do Ministério Público, na oportunidade em que for


intimado do despacho de deferimento do processamento do pedido, avaliar a presença de
interesse público e, em caso positivo, definir quando e como se dará a sua intervenção nos autos
da recuperação judicial.
Já em relação às Fazendas Públicas, a recente reforma impõe uma presença mais ativa nos
processos de recuperação judicial, mesmo porque elas passaram a ter legitimidade para pedir a
convolação em falência. Nessa linha, assim que intimadas do despacho de deferimento do pedido
de processamento, elas devem informar ao juiz da recuperação judicial eventuais créditos que
tenham contra o devedor, não para submetê-los aos efeitos do processo, mas para ciência dos
credores e dos demais interessados e, eventualmente, para confrontar com o passivo informado
inicialmente pelo devedor.

Restrição de venda ou oneração dos bens do imobilizado


Segundo dispõe o art. 66 da LFRE, após a distribuição do pedido de recuperação só será
possível a alienação ou oneração de bens ou direitos do ativo não circulante do devedor em
recuperação mediante: (i) autorização do juiz, depois de ouvido o comitê, comprovada a
necessidade da medida; ou (ii) previsão expressa no plano de recuperação aprovado pela
assembleia geral de credores.
Embora não haja qualquer sanção prevista para a hipótese de inobservância dessa restrição,
aplica-se a regra geral, ou seja, descumprida uma obrigação legal pelo devedor, caberá a
convolação da recuperação judicial em falência,124 sem prejuízo na nulidade do negócio.
Registre-se que essa é a mais importante restrição patrimonial que a sociedade sofrerá
durante o processamento do pedido de recuperação judicial. Não há obrigatoriedade de a venda
dos bens ser por hasta pública, podendo ser direta e extrajudicial, se assim parecer mais
interessante ao devedor, desde que devidamente autorizada pelo juízo ou pelos credores,
aplicando-se a legislação comum.125

124
COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 177 e 178.
125
MOREIRA, Alberto Caminã. Comentários à nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Coordenação: Osmar Brina
Corrêa-Lima e Sérgio Mourão Corrêa Lima. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 400.

149
É possível, no entanto, a formulação de pedido para que a venda se dê por hasta pública,
seja por uma das formas típicas, seja por modalidades alternativas, hipóteses em que devem ser
aplicadas as regras previstas no capítulo das falências, inclusive no que concerne à inexistência de
sucessão do arrematante nas obrigações do devedor. Aliás, essas diferenças entre a venda direta e a
alienação por hasta pública foram profundamente discutidas no processo de recuperação judicial
do Grupo Oi, inclusive por meio da interposição de recursos126.
Recomenda-se, em atenção ao princípio da participação ativa dos credores, que eles sejam
consultados quando o devedor solicitar autorização para a venda de ativos de grande valor, na
medida em que, a rigor, essa questão não deveria ser levada ao crivo do juízo, pelo caminho do
art. 66 da LFRE, mas sim, constar do plano de recuperação judicial para deliberação em
assembleia geral.
Com base nesse raciocínio, o TJRJ anulou decisão que concedeu ao devedor autorização
para alienação do seu bem imóvel de maior valor, na véspera da realização de uma assembleia de
credores:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL.


DECISÃO AUTORIZANDO A PRÁTICA DE ATOS DE
ALIENAÇÃO E DE ONERAÇÃO DE BENS IMÓVEIS. REFORMA
DO DECISUM. AS EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO NÃO
DEMONSTRARAM A IMPRESCINDIBILIDADE DOS ATOS DE
ALIENAÇÃO E ONERAÇÃO PARA O PLANO DE
RECUPERAÇÃO JUDICIAL (ART. 66 DA LEI 11.101/05).
OBJEÇÕES AO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
NECESSIDADE DE DELIBERAÇÃO EM ASSEMBLEIA GERAL DE
CREDORES, QUE AINDA NÃO OCORREU. JUÍZO DE
PRUDÊNCIA QUE RECOMENDA AGUARDAR-SE O
RESULTADO DAS OBJEÇÕES AO PLANO DE RECUPERAÇÃO
JUDICIAL. PROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO
(TJRJ, Agravo de Instrumento nº 0006141-40.2017.8.19.0000. Relator
desembargador Sérgio Ricardo de Arruda Fernandes. 1ª Câmara Cível.
Unânime. Julgamento: 11/07/2017).

Essa preocupação parece ter inspirado o legislado na recente reforma, diante da nova
redação conferida ao art. 66 da LFRE. Assim se afirma porque, uma vez autorizada a alienação
pelo juiz, os credores relevantes, representativos de mais de 15% dos créditos sujeitos ao processo,
poderão exigir a realização de uma assembleia para deliberar sobre a venda, desde que prestem

126
Ver TJRJ, AI nº 0023413-42.2020.8.19.0000, 8ª Câmara Cível. Rel. Des. Mônica Di Piero. Julgado em 29/06/2020.

150
caução no valor da operação. Curiosamente, a lei prevê que essa insurgência deve ser apresentada
ao administrador judicial, no prazo de cinco dias a contar da publicação da decisão.
Preenchidos os requisitos legais, a assembleia geral será convocada pelo administrador
judicial, com as despesas suportadas, pro rata, pelos credores que a exigiram.

Prazo para habilitação e divergência de créditos


O procedimento de verificação de créditos na recuperação judicial é rigorosamente o
mesmo dos processos de falência, uma vez que disciplinados no capítulo comum aos dois
institutos, consoante art. 7º e seguintes da LFRE, razão pela qual nos reportamos ao que já foi
examinado anteriormente, com as pequenas ressalvas que seguem.
A principal diferença após a reforma é a não aplicação do prazo decadencial de três anos
para a habilitação de crédito ou para o pedido de reserva de crédito, previsto para os processos de
falência no § 10 do art. 10 da LFRE em processos de recuperação judicial.
A relação de credores é um dos documentos obrigatórios na instrução da petição inicial do
pedido de recuperação. Dessa forma, deferido o processamento da recuperação, será determinada
a publicação do respectivo despacho e dessa relação de credores, com a advertência de que o
administrador judicial receberá pelo prazo de 15 dias as divergências e as habilitações de crédito
no seu escritório.
Repise-se, ainda, que os credores relacionados pelo devedor também serão avisados por
carta, enviada pelo administrador judicial com aviso de recebimento, o que não altera o termo a
quo do prazo de 15 dias para apresentação de divergência. Todos os créditos listados pelo devedor
não precisam ser habilitados e, não havendo razões para divergir do valor ou da classificação, o
credor não precisará adotar qualquer providência.
Passados 45 dias do término do prazo da apresentação das habilitações e divergências, o
administrador judicial deverá depositar em cartório uma nova relação de credores, que substituirá
aquela apresentada pelo devedor, fruto do trabalho desenvolvido no exame das habilitações e
divergências apresentadas. Embora seja raro, o administrador pode examinar de ofício qualquer
crédito relacionado pelo devedor, retificando-o ou excluindo-o.
Enquanto nas falências é comum uma considerável demora na apresentação da relação de
credores pelo administrador judicial, pois as atenções iniciais estão voltadas para a arrecadação e
administração do ativo, nas recuperações judiciais o atraso no cumprimento desse dever pelo
administrador judicial traz gravíssimas consequências, uma vez que a relação de credores é condição
sine qua non para o regular prosseguimento do processo, à vista do que prevê o art. 53 da LFRE.
Todo o procedimento restante de verificação de créditos na recuperação judicial é
absolutamente idêntico ao das falências. Há, no entanto, uma discussão acerca do direito de voto
dos credores retardatários nas recuperações judiciais, em face da confusa combinação dos arts. 10,
§ 1º, e 39, caput, da LFRE.

151
Jorge Lobo127 e Colombo e Costa,128 escorados em uma interpretação literal desses
dispositivos, defendem que os credores retardatários só terão o direito de voto a partir da
publicação do QGC com os seus créditos inclusos, salvo se forem trabalhistas.
Ayoub e Cavalli129 e Bezerra Filho130 discordam e são categóricos em reconhecer o direito de
voto do credor retardatário já a partir do julgamento das suas habilitações, sem prejuízo da
possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela. Também nessa linha, Paulo Toledo, que, ao
nosso sentir, é mais preciso ao afirmar que não teria a menor lógica excluir da assembleia aquele
que já foi reconhecido pelo próprio juízo, por sentença, como credor submetido aos efeitos da
recuperação judicial:

Fica sem resposta expressa uma questão: terão os credores retardatários


direito de voto se, na data da realização da assembleia, seus créditos
tiverem sido admitidos por decisão judicial? Parecer razoável entender
que, nesse caso, por força do disposto no art. 39 da LRE, terão eles
direito de voto.131

Por fim, confirmando a jurisprudência consolidada132, o parágrafo único do art. 63 da


LFRE autoriza o encerramento do processo de recuperação judicial antes da consolidação do
quadro geral de credores.

Compensação de créditos na recuperação judicial


Diante da inexistência de previsão legal específica no capítulo das recuperações judiciais,
muito se discute sobre a possibilidade de aplicação do instituto da compensação, nos moldes do
art. 122 da LFRE. Tem ganhado corpo a tese que só admite a compensação quando o credor, na

127
LOBO, Jorge. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Coordenadores: Paulo Fernando Campos Salles
de Toledo, Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 95.
128
COLOMBO, Giuliano; COSTA, Patrícia Barbi. Direito falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas.
Coordenação: Luiz Fernando Valente de Paiva. São Paulo: Quartier, 2005. p. 160.
129
AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2017. p. 196; 274-276.
130
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008. p. 83.
131
TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Coordenadores: Paulo
Fernando Campos Salles de Toledo, Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 30.
132
TJ/ES, AI nº 030119001714, desembargador Fábio Clem de Oliveira, Julgamento: 20/03/2012.

152
data do pedido de recuperação judicial, está de posse de um título que materialize uma dívida
líquida, certa e exigível, isto é, já vencida.133 Vejamos:

Recuperação judicial. Decisão que julgou parcialmente procedente


habilitação de crédito. Agravo de instrumento de credora quirografária.
Possibilidade de compensação apenas dos créditos vencidos até a data do
pedido de recuperação. Observância do princípio da "par conditio
creditorum". [...] (TJSP; Agravo de Instrumento 2060821-
43.2017.8.26.0000; Relator: Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª
Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Matão – 1ª Vara
Cível; Julgamento: 15/08/2017; Registro: 15/08/2017).

A outra corrente defende a total impossibilidade de compensação, forte no argumento de


que o crédito sujeito à recuperação perde a sua exigibilidade e representaria uma ofensa ao
princípio pars conditio creditorum. Confira-se:

Ação de execução de título executivo extrajudicial. Pedido dos


executados/agravantes de compensação de valores com créditos oriundos
de processo judicial com decisão transitada em julgado antes da
concessão da recuperação judicial. Indeferimento. Agravo de
instrumento. Mérito. Exequente/agravada em recuperação judicial.
Impossibilidade de compensação de créditos. Violação da igualdade de
tratamento dos credores da recuperanda de mesma classe (princípio pars
conditio creditorum). Inaplicabilidade do art. 122 da Lei
11.101/2005. Hipótese legal aplicável apenas à falência e não à
recuperação judicial. Precedentes do TJSP. Decisão mantida. Recurso
conhecido, porém, desprovido.
(TJSP, AI nº 2030532-93.2018.8.26.0000, 24ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Julg. Em 27/09/2018)

133 TJSP; Agravo de Instrumento 2150755-46.2016.8.26.0000; Relator: Caio Marcelo Mendes de Oliveira; Órgão Julgador:
2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais;
Julgamento: 10/04/2017; Registro: 11/04/2017. Nesse sentido: TJSP; Agravo de Instrumento 2095653-39.2016.8.26.0000;
Relator: Enio Zuliani; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 1ª Vara de
Falências e Recuperações Judiciais; Julgamento: 21/09/2016; Registro: 26/09/2016).

153
Apresentação do plano
Com o despacho de processamento, o devedor terá 60 dias para apresentar o plano de
recuperação judicial, depois do qual se inicia a fase de deliberação, cujo objetivo é a apreciação do
plano de recuperação do devedor.134
O professor Fábio Ulhoa Coelho salienta que o plano de recuperação é a peça mais
importante do processo,135 pois dependerá dele o alcance do objetivo do instituto, qual seja, a
preservação da atividade econômica e o cumprimento da sua função social.
Aliás, considerando que a recuperação judicial tem natureza contratual, a apresentação do
plano deve ser considerada como uma proposta de acordo, que ainda dependerá da resposta
positiva do oblato, que no processo de recuperação judicial são os credores, para aperfeiçoamento
do contrato coletivo.
O plano de recuperação deve reunir um conjunto de medidas econômicas, financeiras e
jurídicas, arquitetadas para viabilizar a superação da crise. Não há, a rigor, um modelo de plano
de recuperação judicial, na medida em que cada crise empresarial tem as suas próprias razões e,
por consequência, as suas respectivas soluções.

Métodos de recuperação
O legislador apresenta um rol meramente ilustrativo das ferramentas que podem ser
combinadas para ajudar na construção do plano de recuperação, conforme art. 50 da LFRE.
De toda maneira, podemos afirmar que acentuados deságios – haircut –, carências em torno
de 24 meses para início dos pagamentos e longos parcelamentos têm sido utilizados na quase
unanimidade das recuperações judiciais. Contudo, um plano apenas com essas ferramentas não
ataca a origem do problema, ou seja, não resolve o problema econômico e muitas vezes é um
pequeno paliativo na crise, apenas retardando a falência.
Caberá ao devedor, normalmente assessorado por uma empresa de consultoria especializada em
reestruturação econômica, demonstrar a viabilidade do plano apresentado, instruindo-o com os laudos
de avaliação patrimonial e demais informações econômicas e financeiras (art. 53, II e III, da LFRE).
Cabe destaque à hipótese de que trata o inciso I, sobre a dilação do prazo ou revisão das
condições de pagamento. Segundo o professor Fábio Ulhoa Coelho, “com o abatimento no valor
de suas dívidas ou o aumento do prazo de vencimento, o devedor tem a oportunidade de se
reestruturar porque disporá, por algum tempo, de mais recurso em caixa”.136

134 COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 155.

135 COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 158.

136 COELHO. op. cit. p. 133-134.

154
Os meios previstos nos incisos II, III, IV, V e VI têm direta repercussão no Direito
Societário e, assim, o plano não pode avançar sobre os direitos dos sócios minoritários do devedor,
tais como o tag along, o direito de retirada, o direito de eleição de determinado número de
administradores ou conselheiros fiscais.137
A hipótese ventilada no inciso VIII não tem sido utilizada, normalmente porque é uma
medida adotada muito antes do agravamento da crise e do processo de recuperação judicial.
A dação em pagamento, prevista no inciso IX, é utilizada com bastante frequência e com
muita efetividade, como no caso da Recuperação Judicial da Construtora Delta, que tramitou
perante a 5ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro138. Pelo lado do devedor, reduz os gastos e riscos
da guarda e manutenção de bens que não estão sendo utilizados, pela normal diminuição do
ritmo da empresa em recuperação, com ligeira supervalorização desses ativos em relação ao valor
de mercado. Pelo lado do credor, antecipa o recebimento do seu crédito e elimina o risco de perda
em caso de convolação em falência.139
A constituição de sociedade por credores, relacionada no inciso X, a emissão de valores
mobiliários, do inciso XV, e a constituição de sociedade de propósito específico para receber
determinados ativos do devedor, prevista no inciso XVI, também vêm sendo muito utilizadas,
sobretudo em recuperações judiciais de grande porte, muitas vezes envolvendo devedores que
possuem valiosos recebíveis junto ao Poder Público.140
Já a administração compartilhada e o usufruto, autorizados pelos incisos XIII e XIV,
embora interessantes do ponto de vista acadêmico, na prática não são vistos nos planos de
recuperação judicial, uma vez que o empresário dificilmente deseja abrir mão do comando do seu
negócio, mesmo em dificuldades.
A reforma promovida pela Lei nº 14.112/20 positivou dois novos instrumentos. No inciso
XVII, está prevista a possibilidade de conversão da dívida em capital social, o que não é
propriamente uma novidade, uma vez que em muitos processos de recuperação judicial esse foi o
meio utilizado, tal como no caso do Grupo OGX141.
Por derradeiro, e aqui estamos diante de uma novidade realmente notável, o inciso XVIII
autoriza a “venda integral da devedora, desde que garantidas aos credores não submetidos ou não
aderentes condições, no mínimo, equivalentes àquelas que teriam na falência, hipótese em que
será, para todos os fins, considerada unidade produtiva isolada”.

137
ALONSO, Manoel. Direito falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Coordenação: Luiz Fernando
Valente de Paiva. São Paulo: Quartier, 2005. p. 292-293.

Processo nº 0214515-34.2012.8.19.0001 – A dação em pagamento de bens que integravam o ativo imobilizado foi o
principal meio de pagamento dos credores, uma vez que a Construtora Delta foi impedida de contratar com o Poder
Público e seu maquinário perdeu a utilidade.
139
Esse foi um dos métodos utilizados na recuperação judicial da Construtora Delta.
140
Esses métodos foram utilizados, com algumas peculiaridades, nas recuperações judiciais da Galvão Engenharia e da OGX.
141
Processo nº 0377620-56.2013.8.19.0001, que tramitou perante a 4ª Vara Empresarial da Capital do Rio de Janeiro.

155
Não raro, a única chance, ou pelo menos a melhor, de preservar a empresa e conseguir o
máximo de recursos para um maior pagamento aos credores é a alienação integral do
estabelecimento, em regular funcionamento e durante o processo de recuperação judicial, uma
vez que após a decretação da falência muitos ativos intangíveis se perdem, como as concessões
públicas, ou sofrem natural depreciação, como a marca.
O maior cuidado, entretanto, é assegurar aos credores não sujeitos ao processo de
recuperação, especialmente as Fazendas Públicas e aqueles por fatos geradores posteriores ao
pedido, no mínimo, tratamento equivalente ao que receberiam se fosse decretada a falência.
Em muitos casos, definir esse mínimo não será uma tarefa fácil, mas o certo é que esse
mecanismo deve, ao fim e ao cabo, beneficiar a todos, devedor, credores sujeitos e credores
não sujeitos à recuperação.

Restrições ao plano de reestruturação


Apesar da ampla liberdade para construir o seu plano de reestruturação, o legislador cuidou
de prever alguns limites na própria LFRE para a criatividade do devedor e dos credores.
Há de se consignar que, ao contrário do que se poderia imaginar, o devedor pode propor
tratamento diferenciado a um conjunto de credores dentro de uma determinada classe,
especialmente aos credores fornecedores de bens e serviços essenciais à manutenção das atividades,
consoante autoriza o parágrafo único do art. 67 da LFRE. O que não se admite é a
individualização dos privilégios, que em última análise poderia traduzir uma manipulação do
resultado da assembleia de credores. Esse é o sentido do Enunciado 57 do CJF e a orientação
vinda do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO


JUDICIAL. PARIDADE. CREDORES. CRIAÇÃO. SUBCLASSES.
PLANO DE RECUPERAÇÃO. POSSIBILIDADE. PARÂMETROS.
(…). 5. A criação de subclasses entre os credores da recuperação judicial é
possível desde que seja estabelecido um critério objetivo, justificado no
plano de recuperação judicial, abrangendo credores com interesses
homogêneos (…). Na hipótese, ficou estabelecida uma distinção entre os
credores quirografários , reconhecendo-se benefícios aos fornecedores de
insumos essenciais ao funcionamento da empresa (…).
(REsp 1634844/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS
CUEVA, TERCEIRA TURMA, julg. em 12/03/2019, DJe
15/03/2019).

156
Passivo trabalhista
Segundo o art. 54 da LFRE, o prazo máximo para pagamento das dívidas trabalhistas é de
12 meses após a sentença homologatória do plano de recuperação, podendo ser estendida a dois
anos se atendidos os requisitos previstos nos incisos do § 2º do art. 54 da LFRE, a saber:

Art. 54. (...).


§ 2º (...).
I - apresentação de garantias julgadas suficientes pelo juiz;
II - aprovação pelos credores titulares de créditos derivados da legislação
trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho, na forma do § 2º do
art. 45 desta Lei; e
III - garantia da integralidade do pagamento dos créditos trabalhistas.

O plano especial de pagamento trabalhista (Pept), regulamentado pelos Tribunais Federais


do Trabalho142, continua sendo uma opção mais vantajosa para aqueles devedores que pretendem
pagar os créditos trabalhistas sem deságio, pois tem como prazo máximo o limite de três anos.
É comum, entretanto, nos depararmos com uma tentativa de ludibriar esse limite temporal,
estipulando no plano que o termo a quo, de um ou dois anos, será contado da data do trânsito em
julgado da sentença homologatória. Trata-se de uma cláusula nula de pleno direito, podendo
assim ser declarada a qualquer tempo143.
No processo da Varig, enfrentamos uma questão de enorme polêmica, pois defendemos a
legalidade da cláusula do plano de recuperação judicial que limitava o privilégio dos credores
trabalhistas a 150 salários-mínimos, em um paralelismo com as regras da falência. O juízo
considerou essa cláusula nula, mas o TJRJ, em recurso interposto pelo Ministério Público,
manteve a higidez da cláusula144. O STJ finalmente se pronunciou sobre o tema, em um caso
procedente do Tribunal de Justiça de São Paulo:

Recursos especiais. Recuperação judicial. Discussão quanto à legalidade de


cláusula constante do plano de recuperação judicial aprovado que
estabelece limite de valor para o tratamento preferencial do crédito
trabalhista [...]. 3. Estabelecimento de patamares máximos para que os

142 Ato Conjunto nº 11/2019 e Provimento nº 1/2018 da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho e; Provimento
Conjunto nº 02/2019 do TRT-1; Resolução Administrativa nº 79/2019, do TRT-2; dentre outros.

143 TJSP, AI nº 2008116-05.2016.8.26.0000. Relator: Fabio Tabosa; Comarca: Guarulhos; Órgão julgador: 2ª Câmara
Reservada de Direito Empresarial; Julgamento: 11/05/2016.

144 Ver resultado do julgamento do AI nº 2008.002.04916, por nós interposto e provido pela 4ª Câmara Cível do TJRJ, em
08/07/2008, publicado em 24/07/2008.

157
créditos trabalhistas e equiparados tenham um tratamento preferencial,
convertendo-se, o que sobejar desse limite quantitativo, em crédito
quirografário. Licitude do proceder (REsp 1649774/SP, Rel. ministro
Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, Julgamento: 12/02/2019, DJe,
15/02/2019).

De qualquer maneira, essa proteção é apenas aparente, pois o legislador não obstou, como
já vimos, a previsão de deságio em relação aos créditos trabalhistas, tornando-se uma constante
nos planos de recuperação.
No § 1º do art. 54 da LFRE, há previsão de que eventuais verbas salariais em atraso quando
do pedido de recuperação judicial, homologado o plano, deverão ser adimplidas em no máximo
30 dias, observados os limites de cinco salários-mínimos por empregado e relativos aos três meses
anteriores ao pedido de recuperação.

Vinculação cambial dos créditos


O plano de recuperação, ainda que aprovada por ampla maioria de credores, não pode
impor aos credores titulares de crédito em moeda estrangeira a conversão para a moeda nacional,
por força do § 2º do art. 50 da LFRE.
A desvinculação só poderá ocorrer com a autorização individual do titular do crédito em
moeda estrangeira, o que requer uma negociação a parte.
Registre-se que, tão somente para fins de contagem de voto em assembleia de credores, tais
créditos serão convertidos com base na cotação do dia anterior, conforme art. 38 da LFRE.

Intangibilidade das garantias reais e fidejussórias


Uma das exigências do mercado para o novo regime jurídico da insolvência empresarial foi
justamente a preservação das garantias contratuais, a fim de conferir maior segurança jurídica à
concessão de crédito.
Nessa toada, o § 1º do art. 49 da LFRE expressamente ressalva que a recuperação judicial
do devedor não afeta o direito do credor contra os demais devedores, solidários ou subsidiários,
caso dos avalistas e fiadores.
Também nessa linha, cuidou o legislador de proibir a supressão ou alteração da garantia real
por decisão majoritária, consoante § 1º do art. 50 da LFRE, na medida em que, por não sentirem
os reflexos negativos de eventual eliminação das garantias reais, os demais credores sempre seriam
favoráveis aos planos de recuperação com essa previsão.
Logo, o levantamento de uma hipoteca ou de um penhor, assim como a exoneração de um
fiador ou avalista, depende, exclusivamente, da autorização do titular da garantia. Nesse sentido

158
caminha a pacífica doutrina e a majoritária jurisprudência, resumida na Súmula 581 do STJ,
originada pelo seguinte julgado:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA.


ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ N. 8/2008. DIREITO
EMPRESARIAL E CIVIL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
PROCESSAMENTO E CONCESSÃO. GARANTIAS PRESTADAS
POR TERCEIROS. MANUTENÇÃO. SUSPENSÃO OU
EXTINÇÃO DE AÇÕES AJUIZADAS CONTRA DEVEDORES
SOLIDÁRIOS E COOBRIGADOS EM GERAL.
IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 6º, CAPUT,
49, § 1º, 52, INCISO III, E 59, CAPUT, DA LEI N. 11.101/2005.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: "A recuperação judicial do
devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem
induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores
solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou
fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º,
caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por
força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005". 2.
Recurso especial não provido (REsp 1333349/SP, Rel. ministro Luis
Felipe Salomão, 2ª Seção, Julgamento: 26/11/2014, DJe, 02/02/2015).

No entanto, causou alvoroço o resultado do confuso julgamento do REsp 1532943/MT, pela


3ª Turma do STJ, no qual se adotou entendimento radicalmente contrário ao que vinha sendo
aplicado. Foi então que tomamos a iniciativa de individualizar o entendimento de cada um dos
ministros que integram a 2ª Seção do egrégio Superior Tribunal de Justiça com o objetivo de
responder à seguinte pergunta:

159
Qual é o posicionamento do STJ sobre a eficácia das cláusulas de supressão de
garantias reais e fidejussórias nos planos de recuperação judicial aprovados em AGC?

EFICÁCIA RESTRITA
EFICÁCIA AMPLA
(só para os credores que aprovaram o
(todos os credores submetidos ao PRJ)
PRJ sem ressalvas)

Marco Aurélio Bellizze (REsp. 1.700.487) Nancy Andrighi (REsp. 1.797.924)

Moura Ribeiro (REsp. 1.700.487) Antonio Carlos Ferreira (AREsp. 1.551.410)

Paulo Sanseverino (REsp. 1.700.487) Marco Buzzi (AREsp. 1.717.444)

Raul Araújo (REsp. 1.855.432) Villas Bôas Cueva (REsp. 1.700.487)

Isabel Gallotti (REsp. 1.883.196)

O ministro Luis Felipe Salomão, ao votar no julgamento do REsp. 1.797.924/MT, em


relação à cláusula de supressão das garantias fidejussórias, adotou o posicionamento de
eficácia restrita, formando uma maioria de 6 x 4 em prestígio ao entendimento sintetizado na
Súmula 581 do próprio STJ. No entanto, no mesmo julgamento, em relação à cláusula de
supressão das garantias reais, votou pela ampla eficácia da cláusula, deixando o “placar”
empatado em 5 x 5. Confira trecho do voto do ministro:

Além do mais, a exegese do § 2º do art. 49 da LREF acaba por autorizar


que a deliberação assemblear disponha no Plano de Recuperação a
supressão do direito de garantia real, já que a restrição interpretativa do
dispositivo, segundo as regras de hermenêutica, volta-se apenas às
garantias fidejussórias do § 1°.

Nada obstante, continuamos a defender que a exoneração das garantias depende da


autorização individual do seu titular, isto é, as cláusulas exoneratórias das garantias reais e pessoais
previstas nos planos de recuperação só terão eficácia em relação aos credores que votaram
favoravelmente à aprovação do plano, sem ressalvas. Nesse sentido:

Recuperação judicial. Decisão que afastou previsão do plano de


soerguimento de extensão automática dos efeitos da novação aos
garantidores coobrigados. Agravo de instrumento das recuperandas.
Controle de legalidade exercido pelo Juízo "a quo" em conformidade com
as Súmulas 581 do STJ ("A recuperação judicial do devedor principal não

160
impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros
devedores ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou
fidejussória") e 61 deste Tribunal ("Na recuperação judicial, a supressão da
garantia ou sua substituição somente será admitida mediante aprovação
expressa do titular"). Decisão agravada mantida. Recurso desprovido
(TJSP; Agravo de Instrumento 2132827-77.2019.8.26.0000;
Relator: Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de
Direito Empresarial; Foro de Limeira – 2ª Vara Cível; Julgamento:
09/10/2019).

DIREITO EMPRESARIAL. AÇÃO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.


AGRAVO DE INSTRUMENTO. Decisão que homologou o Plano de
Recuperação Judicial. (...). Necessidade de haver concordância expressa
dos respectivos credores, em relação à liberação das garantias, eis que o
plano de recuperação vincula as partes envolvidas. “A recuperação
judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e
execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados
em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória”. Súmula 581, do
STJ. Lei nº 11.105/05, art. 49, §§ 1º e 2º. RECURSO A QUE SE DÁ
PROVIMENTO.
(TJRJ, AI nº 0002879-77.2020.8.19.0000. 3ª Câmara Cível. Rel. Des.
Helda Lima Meireles. Julg. Em 18/09/2020)

Objeção dos credores ao plano de recuperação


Recebido o plano de recuperação do devedor e a relação de credores elaborada pelo
administrador judicial, o juiz determinará a publicação de edital e fixará prazo de 30 dias para
eventuais objeções (art. 53, parágrafo único, da LFRE). Havendo objeção pelos credores, apenas
uma ou dezenas, o plano de recuperação se submeterá à deliberação pela assembleia geral de
credores, convocada pelo juiz, na forma do art. 56 da LFRE. Recomenda-se, entretanto,
fundamentá-las adequadamente, até para evitar que o voto contrário ao plano seja desconsiderado
pelo juízo com base na teoria do abuso de direito.
O conteúdo das objeções pode ser jurídico, econômico e financeiro, e a sua consequência é
a convocação da assembleia de credores, razão pela qual o juízo, o Ministério Público ou o
administrador judicial não devem analisar o conteúdo dessas objeções antes da deliberação dos
maiores interessados e destinatários daquela proposta de acordo: os credores. É importante
relembrar que plano de recuperação apresentado pelo devedor é apenas uma proposta e a
interferência do Poder Judiciário na fase de negociações pode dificultar a realização de um acordo.

161
Aprovação ou rejeição do plano de recuperação do
devedor
Após a publicação do edital previsto no art. 53 da LFRE, não tendo sido apresentada
qualquer objeção, caberá ao juiz verificar se foram preenchidos todos os requisitos legais e, caso
tenham sido, concederá a recuperação judicial, conforme determina o art. 58 da LFRE.
Não obstante, parece pouco factível pensar que algum plano de recuperação conte com a
aquiescência de todos os credores, em especial no caso de empresas que possuam um universo
maior de relações jurídicas. Assim, o mais comum é a existência de objeções e, via de
consequência, a não homologação imediata do plano.
Nesse contexto, o juiz convocará a assembleia geral de credores de acordo com os requisitos
do art. 36 da LFRE, que deverá acontecer, espera-se, no prazo máximo de 150 dias do despacho
que deferiu o processamento da recuperação.
Rejeitado o plano de recuperação apresentado pelo devedor pela assembleia geral de
credores, o administrador judicial submeterá à votação a concessão do prazo de 30 dias para que
os próprios credores apresentem um plano de recuperação alternativo (art. 56, § 4º), medida que
precisa ser aprovada pela maioria dos credores presentes (art. 56, § 5º).
Há de se consignar que o plano alternativo dos credores só recebido e levado à deliberação da
nova assembleia geral de credores se preencher os requisitos previstos no § 6º do art. 56 da LFRE.
Advirta-se que se a assembleia geral de credores rejeitar o plano apresentado pelo devedor e,
eventualmente, o plano alternativo, o juiz convolará a recuperação judicial em falência, conforme
art. 56, § 8º, da LFRE.
Tem-se revelado comum a aprovação de um pedido de suspensão da assembleia após a sua
instalação. Por força do § 9º do art. 56 da LFRE, essa suspensão não pode perdurar por mais de
90 dias, sob pena de convocação de uma nova assembleia.
Importante novidade foi trazida pelo art. 39, § 4º, e pelo art. 56-A da LFRE, que permitem
a dispensa da deliberação em assembleia geral de credores, se o devedor juntar, em até cinco dias
da data designada, termos de adesão que comprovem o atingimento do quórum previsto no art.
45 da LFRE, e a consequente aprovação do plano de recuperação. Antes, porém, da homologação,
o juiz deverá ouvir os credores, que poderão apresentar oposição no prazo de 10 dias, hipótese em
que o devedor terá o mesmo prazo para se manifestar, seguindo-se a oitiva do administrador
judicial, esta no prazo de cinco dias.

162
Deliberação dos credores em assembleia
Entre as atribuições da assembleia geral previstas nas alíneas do inciso I do art. 35 da LFRE
está a “aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação apresentado pelo devedor”.
Convocada a assembleia geral, esta será, em regra, presidida pelo administrador judicial e
instalada em primeira convocação caso conte com a presença de credores titulares de mais da
metade dos créditos de cada classe, de acordo com o seu valor. Do contrário, em segunda
convocação, independentemente do número de credores presentes.
Como já mencionado, em regra o voto do credor será proporcional ao valor do seu crédito,
sendo aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis que represente mais da metade do valor total
dos créditos presentes à assembleia geral (art. 42 da LFRE). Entretanto, para a aprovação do plano
de recuperação, o art. 45 da LFRE impõe um quórum de deliberação diversificado e complexo,
devendo obter o voto favorável da maioria dos credores presentes, observadas as seguintes regras:
a) Classe I – Credores trabalhistas e acidentários145 – voto por cabeça;
b) Classe II – Credores com garantia real (hipoteca, penhor e anticrese) – voto por
cabeça e proporcional;
c) Classe III – Credores quirografários, com privilégio especial (exceto microempresas e
empresas de pequeno porte), com privilégio geral e subordinados – voto por cabeça e
proporcional;
d) Classe IV – Credores que forem microempresários e empresários de pequeno porte, na
forma da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, com as alterações
promovidas pela Lei Complementar n° 147/14 – voto por cabeça.

Note-se que o credor cujo direito não for atingido pelo plano de recuperação, muito
embora possa participar da assembleia, “não terá direito a voto e não será considerado para fins de
verificação de quórum de deliberação” (art. 45, § 3º, da LFRE). O mesmo deve ocorrer em
relação ao credor que se abstiver de votar.

Sistema do cram down


Ainda que o plano posto em votação tenha sido rejeitado por alguma classe, seja pelo
sistema do voto por cabeça, seja pelo voto proporcional ao valor do crédito, o juízo deverá
homologá-lo se preenchidos os requisitos previstos no § 1º do art. 58 da LFRE.
Vejamos os requisitos cumulativos:
a) aprovação do plano pelos credores que representem mais de 50% do valor dos créditos
presentes na assembleia;

145 Note-se que o art. 37, § 5º, da nova Lei de Falências permite a representação dos credores trabalhistas pelo sindicato,
o que, segundo o professor Paulo Penalva Santos, viabiliza a realização da assembleia geral em sociedades com muitos
empregados, conforme manifestado na referida palestra proferida na Emerj, em 7 de março de 2005.

163
b) rejeição em apenas uma das classes de credores;
c) voto favorável de mais de 1/3 dos credores na classe em que houver a rejeição e
d) inexistência de tratamento diferenciado entre os credores que compõem a classe em que
houver a rejeição.

A jurisprudência tem-se mostrado sensível ao princípio da preservação da empresa quando


há reprovação no critério do voto por cabeça nas classes II e III, especialmente quando o PRJ é
aprovado por expressiva maioria dos credores no critério do voto proporcional ao valor do crédito.

Apresentação de PRJ alternativo pelos credores

Caso o plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor seja rejeitado em AGC e
não sendo a hipótese de cram down, o administrador judicial, com fundamento no § 4º do art.
56, colocará em votação a possibilidade de os credores apresentarem plano de recuperação
alternativo, que será considerada aprovada pelo voto da maioria dos credores presentes, na
forma do art. 42.
Uma vez aprovada essa proposta, os credores terão o prazo de 30 dias para apresentar o
plano de recuperação alternativo, desde que preenchidos os requisitos previstos no § 6º do art. 56.
Entre esses requisitos, destacam-se: i) a exigência de que esse plano alternativo seja
apresentado por credores que representem 25% do créditos totais sujeitos à recuperação judicial
ou 35% dos créditos presentes na AGC que rejeitou o PRJ do devedor; e ii) a proteção
conferida ao devedor e aos seus sócios decorrente das limitações previstas nos inciso IV, V e VI
do § 6º, do art. 56.

Aplicação da teoria do abuso de direito no exame dos votos dos


credores
O tema é dos mais delicados, pois o que se tem visto é um esforço do juízo da
recuperação para aprovar o plano de recuperação mesmo contra um resultado adverso da
votação em assembleia. O que seria um voto com abuso de direito, pois a LFRE sequer exige
que os credores fundamentem os seus votos?
Não há dúvida de que podemos formular exemplos de laboratório de fácil percepção para
caracterizar um voto abusivo, como a hipótese de um empresário que adquire créditos no
mercado, apenas para votar contra a aprovação do plano de recuperação do seu concorrente, a fim
de levá-lo à falência. Nessa toada, o Enunciado nº 45 da I Jornada de Direito Comercial do CJF:
“45 – O magistrado pode desconsiderar o voto de credores ou a manifestação de vontade do
devedor, em razão de abuso de direito”.

164
No entanto, na prática, a tese do voto abuso tem sido aplicada a partir de meras suspeitas,
presunções e porque o resultado contraria o princípio da preservação da empresa. Ignora-se a
natureza contratual do instituto, olvidando-se o fato de que nenhum credor é obrigado a aceitar o
que lhe é proposto de deságio e de alongamento da dívida. De toda maneira, parcela da
jurisprudência vem admitindo a aplicação da teoria de abuso de direto, sobretudo nas hipóteses
em que existe um único credor em determinada classe, capaz de rejeitar o plano pelo seu solitário
voto contrário, salvo se ele comprovar que a falência do devedor lhe será mais útil. Vejamos:

No entendimento deste Relator, não se pode considerar abusivo o voto


do credor que rejeita o plano de recuperação judicial proposto, com o
único fundamento de que, ao votar, priorizou seus próprios interesses. Se
o plano de recuperação judicial é resultado de negociação entre o devedor
e seus credores, e a decisão quanto à aprovação ou rejeição do plano
proposto é calcada no princípio da maioria (dos credores e/ou dos
créditos de cada classe, cf. art. 45), cada credor tem a prerrogativa de
avaliar a proposta apresentada, ponderar se esta lhe é ou não aceitável e
votar de acordo com essa ponderação. [...] Por outro lado, nos casos em
que o credor tenha crédito cujo vulto e/ou classe seja suficiente a lhe dar
verdadeiro poder de veto quanto à aprovação do plano de recuperação
judicial, é razoável exigir, à luz do que dispõe o art. 47, da Lei n.
11.101/05, e sob pena de se configurar abuso de direito (art. 187, do
CC), que este credor demonstre que a decretação da falência como
resultado da rejeição do plano proposto por força de seu voto será, para
si, mais útil ou benéfica do que a recuperação judicial, nos moldes do
plano proposto. Isso demonstraria que a rejeição do plano por tal credor
não é arbitrária, tendo racionalidade econômica e estando pautada em
interesse legítimo de obter a satisfação de seu crédito, na máxima medida
possível. [...] (TJSP; Agravo de Instrumento 2059653-
35.2019.8.26.0000; Relator: Grava Brazil; Órgão Julgador: 2ª Câmara
Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 1ª Vara de
Falências e Recuperações Judiciais; Julgamento: 10/12/2019).

A nova regra prevista no art. 39, § 6º, da LFRE, ao nosso sentir, deve dificultar a aplicação
da teoria do abuso de direito para afastar o voto de algum credor, pois exige a prova de que ele
visava à obtenção de vantagem ilícita para si ou para outrem. Vejamos: “Art. 39, § 6º O voto será
exercido pelo credor no seu interesse e de acordo com o seu juízo de conveniência e poderá ser
declarado nulo por abusividade somente quando manifestamente exercido para obter vantagem
ilícita para si ou para outrem”.

165
Suspensão da assembleia de deliberação sobre o plano de recuperação
Propagou-se a tese de que a assembleia que delibera sobre o plano de recuperação judicial é
regida pelo princípio da unicidade, na esteira do entendimento firmado pelo Enunciado nº 53 do
CJF146. Portanto, iniciados os trabalhos, é possível que os credores aprovem, por maioria simples,
a suspensão da AGC, desde que ela se complete no prazo máximo de 90 dias.
Em qualquer caso, contudo, havendo modificações estruturais no PRJ, em razão do
princípio da boa-fé e da transparência, o correto é a convocação imediata de uma nova AGC.
Nesse sentido:

ACÓRDÃO DIREITO EMPRESARIAL. PLANO DE


RECUPERAÇÃO JUDICIAL APROVADO PELA ASSEMBLEIA
GERAL DE CREDORES – AGC. HOMOLOGAÇÃO. SOBERANIA
DA DELIBERAÇÃO DA AGC QUE PODE SER AFASTADA
QUANDO O PLANO VIOLA A LEGALIDADE OU DIREITOS
FUNDAMENTAIS DOS CREDORES. POSSIBILIDADE DE
ANÁLISE, PELO PODER JUDICIÁRIO. DESÁGIO DE 90% QUE
IMPORTA EM ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DA
DEVEDORA. SUSPENSÃO DA AGE. LIMITAÇÃO DA
PARTICIPAÇÃO E AO VOTO DOS CREDORES. NOVO
PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL APRESENTADO EM
SEDE DE ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES.
IMPOSSIBILIDADE DE PRORROGAÇÃO DO ATO
ASSEMBLEAR QUANDO HÁ APRESENTAÇÃO DE NOVO
PRAZO. DIREITO DOS CREDORES DE ANALISAREM O
PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM PRAZO JUSTO E
RAZOÁVEL, EM ABSOLUTA CONSONÂNCIA COM O
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. DECISÃO QUE SE REFORMA.
PROVIMENTO DO RECURSO (TJRJ, 0010851-06.2017.8.19.0000
– AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des. José Carlos Maldonado de
Carvalho – Julgamento: 29/08/2017 – 1ª Câmara Cível).

146
CJF, Enunciado 53 - A assembleia geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação judicial é una,
podendo ser realizada em uma ou mais sessões, das quais participarão ou serão considerados presentes apenas os
credores que firmaram a lista de presença encerrada na sessão em que instalada a assembleia geral.

166
Regularidade tributária para a concessão da recuperação
Convém repisar a exigência contida no art. 57 da LFRE, ou seja, a apresentação da CND
ou a certidão positiva com efeitos negativos (CPEN), como requisito à homologação do plano.
Não havendo mais a mora legislativa em relação aos caminhos para a regularização do
passivo fiscal, diante dos arts. 10-A, 10-B e 10-C da Lei nº 10.522/02, e considerando a
legitimidade conferida às Fazendas Públicas para pedir a convolação da recuperação judicial em
falência, conforme art. 10-A, § 4º-A, inciso IV, da Lei nº 10.522/02, entendemos que a
exigência de apresentação das certidões de regularidade fiscal prevista no art. 57 da LFRE é
imperativa e indispensável.

Controle de legalidade do plano aprovado pelos credores


Indaga-se: quais seriam os requisitos que o juiz deve observar para homologar o plano? Ele
poderá adentrar no mérito da viabilidade econômica? Superada a análise dos requisitos, e
constatado que estes foram atendidos, o juiz terá a faculdade de conceder ou não a recuperação? E
na hipótese do art. 58, § 1º, da LFRE?
Quanto ao primeiro questionamento, não há dúvidas de que o juiz não pode entrar no
mérito do plano, mas apenas observar se foram preenchidos os requisitos formais, bem como se o
plano viola questões de ordem pública. Trata-se do controle de legalidade, referendado pela
jurisprudência:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
APROVAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO. AUSÊNCIA DE
ILEGALIDADES. REEXAME DE MATÉRIA PROBATÓRIA.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO
PROVIDO.
1. Nos termos da jurisprudência firmada nesta Corte Superior, "o juiz
está autorizado a realizar o controle de legalidade do plano de
recuperação judicial, sem adentrar no aspecto da sua viabilidade
econômica, a qual constitui mérito da soberana vontade da assembleia
geral de credores" (REsp 1.660.195/PR, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 4/4/2017, DJe de
10/4/2017).
2. No caso dos autos, a Corte de origem concluiu que não ficou
demonstrada nenhuma ilegalidade no plano de recuperação da recorrida,
que foi devidamente aprovado pelos credores na Assembleia de Credores,

167
não havendo falar, portanto, em onerosidade excessiva ou
enriquecimento sem causa da recuperanda. Incidência da Súmula 7/STJ.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1643352/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO,
QUARTA TURMA, julgado em 16/11/2020, DJe 14/12/2020)

A partir da nossa experiência nas varas empresariais do Rio de Janeiro, trazemos à colação um
rol meramente exemplificativo de cláusulas de legalidade duvidosa147:
a) exoneração de responsabilidade dos devedores solidários;
b) proibição de convolação em falência pelo juízo em caso de descumprimento do plano;
c) autorização genérica para alienação de ativos, sem controle pelos credores ou pelo juízo;
d) autorização genérica para realização de operações de reorganização societária, tais como
fusões, incorporações e cisões, sem controle pelo juízo ou pelos credores;
e) autorização para a criação e a alienação de UPIs, sem discriminação dos bens que
poderão integrá-la;
f) previsão de início de pagamento dos credores condicionado a eventos futuros, como a
alienação de determinados ativos ou o trânsito em julgado da decisão homologatória,
sem limite temporal;
g) ausência de previsão de correção monetária ou a utilização da Taxa Referencial - TR;
h) imposição de deságios exagerados, por vezes iguais ou superiores a 90%;
i) previsão de pagamento com base no fluxo de caixa ou no faturamento bruto da
devedora, sem estipulação de valor mínimo;
j) prazo para pagamento dos credores trabalhistas superior a 12 meses;
k) alteração ou supressão de garantias reais sem anuência do seu titular e
l) redução ou ampliação do prazo bienal de supervisão judicial de cumprimento do plano.

Por outro lado, entendemos que, uma vez preenchidos os requisitos da lei, o juiz não possui
a faculdade de conceder ou não a recuperação, ele está vinculado a concedê-la. Admitimos maior
grau de discricionariedade apenas no sistema do cram down, uma vez que o juiz deve verificar se
houve qualquer concessão de privilégio que possa implicar tratamento diferenciado entre os
credores da classe onde o plano foi rejeitado, como previsto no § 2º do art. 58 da LFRE.

147
A jurisprudência é controvertida sobre a legalidade dessas cláusulas e algumas delas foram objeto de modificação
legislativa, especialmente por ocasião da Lei nº 14.112/2020.

168
Sentença concessiva da recuperação judicial e novação
Diferentemente do que ocorria na época da concordata preventiva, a homologação do plano
de recuperação judicial provoca novação em relação aos créditos sujeitos ao plano, mesmo que eles
não estejam listados no QGC. Essa é a regra prevista no art. 59 da LFRE.
Dessa forma, se dois credores estão sujeitos ao plano de recuperação judicial, um deles com
o seu crédito habilitado, enquanto o outro não, não importa, homologado o plano, ambos
deverão receber segundo as novas regras, ou seja, na chamada “moeda da recuperação”.
A novação da recuperação judicial está sujeita à condição resolutiva. Assim, se o plano
homologado judicialmente for rescindido ainda durante a fase judicial, ou seja, durante a
supervisão judicial de dois anos posteriores à homologação, incide a regra prevista no art. 61, § 2º,
da LFRE, que prevê a reconstituição de todos os créditos às suas condições originais. Encerrada a
recuperação pelo seu cumprimento, aquela novação torna-se definitiva.
Em caso de rejeição do plano e não preenchidos os requisitos do § 1º do art. 58 da LFRE,
o juiz terá que decretar a falência do devedor. Note-se que esse é um dos pontos mais criticados
da LFRE.

Recursos
Com a concessão da recuperação judicial, encerra-se a fase de deliberação e se inicia a de
execução. Trata-se, portanto, de decisão interlocutória, pois não se encerra o processo, cabendo
contra ela o recurso de agravo, que poderá ser interposto pelo devedor, por qualquer credor ou
pelo Ministério Público, na forma do § 2º do art. 59 da LFRE.
Por sua vez, a decisão que rejeita o plano de recuperação e, ao mesmo tempo, decreta a
falência, também desafia o recurso de agravo, com fulcro no art. 100 da LFRE.

Supervisão judicial da execução do plano


O plano de recuperação se destina ao soerguimento da sociedade empresária, portanto, o
seu prazo de duração dependerá da complexidade do caso concreto. Dessa forma, o seu prazo de
vigência é muito variado, podendo chegar facilmente a 15 anos. Não há na lei, enfim, limite
temporal para a reestruturação.
No entanto, a LFRE estabelece que, homologado o plano de recuperação, poderá o juiz
determinar a manutenção do devedor pelo prazo máximo de dois anos, ainda que haja período de
carência, justamente para fiscalizar o início do seu cumprimento, que contará com o auxílio do
Ministério Público, do administrador judicial e do comitê de credores, se existir. Descumprida sem

169
justificativa qualquer obrigação que se vencer nesta fase judicial da recuperação (art. 61, caput, da
LFRE), o juiz deverá convolar a recuperação em falência (art. 61, § 1º, da LFRE).
O descumprimento de obrigação assumida no plano de recuperação judicial demonstrará
que as condições pactuadas pelo empresário com os seus credores não possibilitaram a recuperação
da empresa, que continua incapaz de honrar com as obrigações assumidas, razão pela qual o juiz
decretará, de ofício ou por provocação nos autos da recuperação, a falência da sociedade
empresária.
Passada a fase de supervisão judicial, de no máximo dois anos, sem notícia de
inadimplemento, encerra-se o processo de recuperação por sentença e se inicia a fase
extrajudicial de cumprimento do plano. Nela, qualquer credor poderá pedir a execução
específica de obrigação descumprida pelo devedor ou requerer a sua falência (art. 62 da LFRE).
Por fim, muitos devedores, por diferentes razões, pedem ao juízo o não encerramento do
processo de recuperação, mesmo após o decurso do prazo bienal, tal como ocorreu no processo de
recuperação judicial do Grupo Oi, em trâmite perante a 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro148.
Como regra, defendemos a aplicação literal dos arts. 61 e 63 da LFRE, cujos objetivos são a
estabilização jurídica das condições do plano homologado e o respeito ao princípio da duração
razoável do processo. Contudo, a depender do caso concreto, pode-se permitir uma breve
prorrogação, desde que aprovada pelos credores e submetida a um rigoroso controle do juízo, que
não estará vinculado ao prazo acordado entre as partes.

Alterações do plano homologado


Como visto, o plano de recuperação pode ter um prazo de duração bastante longo, e não
raro pode surgir a necessidade de se promoverem algumas alterações, em face de mudanças das
condições econômicas e financeiras do devedor ou do próprio mercado.
No entanto, para introduzir essas alterações, deve ser seguido o mesmo procedimento
adotado para a aprovação do plano, ou seja, a proposta de alteração, na prática chamada de
aditivo, deve ser publicada com antecedência e levada ao crivo dos credores em assembleia,
observando-se o já mencionado quórum qualificado, para só então ser levada à homologação
judicial, que deverá verificar se foram preenchidos os requisitos legais. Nesse sentido, Enunciado
nº 77 de Direito Comercial do CJF e sedimentada jurisprudência:

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL.


MODIFICAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO APÓS O
BIÊNIO DE SUPERVISÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE, DESDE

148 Processo nº 0203711-65.2016.8.19.0001.

170
QUE NÃO TENHA OCORRIDO O ENCERRAMENTO
DAQUELA. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA.
ALTERAÇÃO SUBMETIDA À ASSEMBLEIA GERAL DE
CREDORES. SOBERANIA DO ÓRGÃO. DEVEDOR DISSIDENTE
QUE DEVE SE SUBMETER AOS NOVOS DITAMES DO PLANO.
PRINCÍPIOS DA RELEVÂNCIA DOS INTERESSES DOS
CREDORES E DA PAR CONDITIO CREDITORUM (REsp
1302735/SP, Rel. ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Julgamento:
17/03/2016, DJe, 05/04/2016).

Por derradeiro, existe grande discussão doutrinária e jurisprudencial sobre as consequências


da modificação do plano no que concerne ao tempo de duração do processo. Como visto, a fase
judicial de cumprimento do plano é de dois anos após a sua homologação. Em caso de alteração
substancial do plano, esse prazo será contado novamente? Entendemos que não, salvo acordo
entre o devedor e os credores na assembleia que aprovar a retificação do plano, na forma dos arts.
190 e 191 do CPC, mediante rigoroso controle judicial, para não se ofender os princípios da
segurança jurídica e da celeridade processual.

Afastamento judicial dos administradores e do


controlador do devedor
Nos termos do art. 64 da LFRE, o usual é a manutenção do devedor à frente da empresa
durante o processo de recuperação judicial, ou seja, os seus administradores são mantidos na
condução da atividade empresarial, sob a fiscalização do comitê e do administrador judicial.
No entanto, em caráter excepcional, se restar constatado que a manutenção destes na
administração é prejudicial à recuperação da sociedade, como nas hipóteses previstas nos incisos do
art. 64 da LFRE, o juiz poderá afastá-los dos cargos, devendo ser convocada uma assembleia geral para
a nomeação do gestor judicial. Havendo necessidade, caberá ao administrador judicial exercer a
administração do devedor até que os credores aprovem o nome do gestor.
O Tribunal de Justiça de São Paulo trouxe importante inovação sobre o tema ao introduzir a
figura do “watchdog” – o chamado cão de guarda, nos processos de recuperação judicial, uma
alternativa ao afastamento dos administradores da condução dos negócios. Vale à pena conferir:

Recuperação judicial. Decisão determinando a indicação de profissional


de confiança da administradora judicial para permanecer, em tempo
integral, na sede das recuperandas, fiscalizando as atividades da
administração. Indeferimento da substituição de administradores. Agravo

171
de instrumento de credora. Pedido de afastamento do sócio-
administrador das recuperandas. Medida excepcional que demanda
constituição de prova inequívoca dos fatos alegados, a serem apurados em
incidente processual já instaurado especificamente com essa finalidade. O
funcionamento nos autos, ademais, de responsável pela fiscalização das
atividades da administração ("watchdog"), significa que está minimizada
a possibilidade de ocorrência de danos aos credores. Decisão agravada
confirmada. Agravo de instrumento desprovido.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2247171-71.2019.8.26.0000; Relator
(a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito
Empresarial; Foro de Franca - 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento:
29/04/2020; Data de Registro: 29/04/2020)

No que se refere ao sócio controlador, quotista ou acionista, este será afastado nas mesmas
hipóteses previstas para os administradores, mas mediante a suspensão do seu direito de voto na
assembleia ou reunião de sócios.
A medida é extrema e deve ser utilizada sempre em último caso, sob pena de grave
interferência do Poder Público na iniciativa privada.

Convolação da recuperação judicial em falência


A possibilidade de convolação da recuperação judicial em falência encontra previsão no
art. 73 da nova Lei de Falências. De acordo com o referido dispositivo legal, ocorrerá a
convolação nas seguintes hipóteses:
I. deliberação da assembleia geral, com o voto favorável de credores que representem mais da
metade do valor total dos créditos presentes (art. 73, I c/c art. 42 da LFRE);
II. não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo improrrogável de 60
dias, contados do despacho de processamento (art. 73, II c/c art. 53, caput, da LFRE);
III. rejeição do plano de recuperação pela assembleia geral de credores (art. 73, III c/c art. 56,
§ 4º, da LFRE);
IV. descumprimento de obrigações assumidas no plano durante o período de supervisão
judicial;
V. descumprimento dos parcelamentos referidos no art. 68 desta Lei ou da transação prevista
no art. 10-C da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, e
VI. quando identificado o esvaziamento patrimonial da devedora que implique liquidação
substancial da empresa, em prejuízo de credores não sujeitos à recuperação judicial,
inclusive as Fazendas Públicas.

172
Por fim, cumpre destacar que o parágrafo único do art. 73 da LFRE acrescenta a
possibilidade de decretação da falência “por inadimplemento de obrigação não sujeita à
recuperação judicial, nos termos dos incisos I ou II do caput do art. 94 desta lei, ou por prática de
ato previsto no art. 94, III” (art. 94, parágrafo único, da LFRE).

173
174
MÓDULO IV – OUTRAS ESPÉCIES DE
RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS

Como já destacado durante o curso, existem outras espécies de recuperação de empresas que
também necessitam de algum enfoque, muito embora na prática não sejam tão utilizadas como a
recuperação judicial comum ou ordinária. Uma delas é a recuperação destinada ao micro e ao
pequeno empresário, denominada de plano especial, enquanto a outra é a chamada recuperação
extrajudicial. Vejamos cada uma de per si.

Plano especial de recuperação judicial para as micro e


pequenas empresas
Caso o devedor em crise econômico-financeira seja microempresa ou empresa de pequeno
porte, nos termos da Lei Complementar nº 123/2006, ele poderá optar, na petição inicial de
recuperação judicial, pela aplicação das regras específicas do plano especial, previstas nos arts.
70 e 71 da LFRE. Em síntese, a lei traz um plano financeiro “pré-moldado”, cuja aprovação, em
razão da sua própria previsão legal, é bem mais simples quando comparada à recuperação
comum ou ordinária.
Coelho bem salienta a razão da existência de normas específicas para microempresas e
empresas de pequeno porte:

De fato, se a crise assola microempresário ou empresário de pequeno


porte, em vista das reduzidas dimensões das atividades econômicas
exploradas, não se justifica observar a complexa sistemática prevista pela
lei para as sociedades devedoras de médio e grande porte. Os recursos
disponíveis são parcos e modesto o passivo. Se não houvesse na lei regras
específicas para a reorganização das empresas de micro e pequeno porte,
seguramente quem as explora não acabaria tendo acesso ao benefício.149

O plano especial de recuperação dos microempresários e empresários de pequeno porte é


padronizado:
a) parcelamento do seu passivo em até 36 meses;
b) carência de até 180 dias para o primeiro pagamento;
c) atualização pela Selic;
d) proibição de aumento de despesas e contratação de novos funcionários, salvo
autorização judicial, ouvido o administrador judicial e o comitê, se existir, e
e) possibilidade de perdão parcial das dívidas, em percentual a ser proposto pelo próprio
devedor.

Observe-se que, diversamente do que é previsto na recuperação judicial ordinária, o passivo


trabalhista pode ser parcelado em prazo superior a um ano.
O plano pode abranger todos os credores existentes ao tempo do pedido, na mesma linha
do previsto no art. 49 da LFRE para as recuperações judiciais ordinárias, com exceção dos
seguintes, consoante art. 71, I, da LFRE:
a) créditos decorrentes de repasses de recursos oficiais – os micros e pequenos empresários
têm acesso a determinadas linhas de créditos de baixo custo, a partir de repasses do
Governo Federal;
b) créditos tributários;
c) créditos com garantia real de propriedade e equiparados (art. 49, § 3º) e
d) créditos decorrentes de ACC e ACE (art. 49, § 4º).

Recebido o plano de recuperação especial em até 60 dias após o despacho de


processamento e apresentada a relação de credores pelo administrador judicial, o juízo
determinará a publicação de ambos no Diário Oficial, na forma do art. 53 da LFRE, tendo os
credores o prazo de 30 para objetar a plano proposto.
Na opinião do professor Fábio Ulhoa Coelho, a objeção dos credores somente pode versar
sobre “a adequação da proposta à lei”.150 Assim, sendo esta apresentada, o devedor poderá rever a
proposta e, caso não o faça, “o juiz decidirá o conflito, determinando seu aditamento ou
homologando-a”.151

149 COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 183.

150 COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 184.

151 Idem. p. 184.

176
Não partilhamos desse entendimento, pois, se o plano não estiver de acordo com a lei, o juiz, de
ofício, deverá rejeitá-lo, existindo ou não objeção de credores. A objeção, sob nossa ótica, refere-se à
própria viabilidade do plano de recuperação e ao percentual de corte proposto pelo devedor. É possível
que mais da metade dos credores entenda que o devedor não tem condição alguma de permanecer no
mercado, razão pela qual não se justificaria tamanho sacrifício em favor de uma empresa inviável.
O legislador foi bastante infeliz ao estipular que será decretada a falência se houver objeção de
credores em número que supere a “metade de qualquer uma das classes de créditos previstos no art.
83, computados na forma do art. 45, todos desta Lei” (art. 72, parágrafo único, da LFRE). Afinal,
os credores serão agrupados nas quatro classes do art. 41 ou nas classes152 do art. 83 da LFRE?
As dúvidas não cessam por aí: é aplicável o sistema do cram down ao plano especial? O
cumprimento do plano de recuperação homologado ficará sujeito à supervisão judicial pelo prazo
de até dois anos, tal como previsto no art. 61 da LFRE?
Com a devida vênia aos entendimentos contrários, a resposta para todas essas perguntas é
uma só: aplicam-se à recuperação judicial dos microempresários e empresários de pequeno porte
todas as normas gerais estabelecidas para as empresas de médio e grande porte, salvo se
expressamente afastadas pelos arts. 70-72 da LFRE.
Por derradeiro, o produtor rural pode optar pelo plano especial aqui tratado quando o valor
total dos créditos sujeitos não for superior a R$ 4.800.000,00, conforme art. 70-A.

Recuperação extrajudicial
Na recuperação extrajudicial, disciplinada nos arts. 161-167 da LFRE, o devedor em crise
econômico-financeira reúne-se com alguns dos seus credores ou com todos eles e celebra o acordo,
extrajudicialmente, que será levado à homologação judicial.
Esse acordo até poderia ser discutido e aprovado em única reunião, com todos os credores
envolvidos. Entretanto, na prática, o devedor formula um plano de pagamento e reestruturação,
levando-o a cada credor individualmente, colhendo as respectivas assinaturas nos chamados
termos de adesão. Somente depois de procurar todos os credores e alcançar o número de adesões
necessário para a aprovação, leva-o para a homologação judicial.
Depreende-se, das normas que regulam o novo instituto, que existem dois tipos de acordos que
podem ser objeto de homologação, isto é, são duas as modalidades de recuperação extrajudicial:
a) Facultativa – Envolve e atinge apenas os credores que aderiram voluntariamente ao
acordo e
b) Impositiva – Envolve e atinge todos os credores, mesmo os não aderentes, desde que o
acordo tenha sido aceito por mais da 1/2 de cada classe ou grupo de credores participantes.

152 Deve ser excluída da contagem, por óbvio, a classe dos credores tributários, prevista no inciso III do art. 83 da LFRE.

177
O art. 167 da LFRE indica que será possível qualquer espécie de acordo entre credor e
devedor, ao prever que o disposto no capítulo atinente à recuperação extrajudicial não implicará a
“impossibilidade de realização de outras modalidades de acordos privados entre o devedor e seus
credores”. Dessa forma, além do acordo celebrado e homologado nos termos da Lei nº 11.101/05,
o devedor poderá celebrar acordos paralelos com alguns credores.

Requisitos
O art. 161 da LFRE remete o intérprete para o art. 48 da LFRE, indicando, com isso, os
requisitos que devem ser preenchidos pelo devedor que pretende “propor e negociar com credores
plano de recuperação extrajudicial”. Assim, não tem direito ao instituto o devedor que:
a) estiver atuando regularmente no mercado há menos de dois anos;
b) for falido – Note-se que esse requisito se refere à falência decretada, assim, o protesto de
títulos e a existência de requerimento de falência não afastam a possibilidade de
recuperação;
c) obteve recuperação judicial há menos de cinco anos e
d) tiver como administrador ou controlador pessoa condenada por crime falimentar.

Acrescente-se, ainda, como requisito subjetivo, o fato de o devedor não poder ter pendente
pedido de recuperação judicial, ou ter obtido “recuperação judicial ou homologação de outro
plano de recuperação extrajudicial há menos de 2 (dois) anos” (art. 161, § 3º, da LFRE).
O professor Fábio Ulhoa Coelho afirma que os requisitos subjetivos exigidos pelo art. 161
somente serão necessários para a homologação do plano em juízo, ou seja, qualquer devedor pode
“simplesmente procurar seus credores e tentar encontrar, em conjunto com eles, uma saída
negociada para a crise”.153
Por seu turno, os requisitos objetivos necessários à homologação do plano de recuperação
extrajudicial referem-se ao conteúdo do plano e se encontram dispersos no capítulo da LFRE
atinente à recuperação extrajudicial.
Os dois primeiros requisitos objetivos têm previsão no § 2º do art. 161 da LFRE: (i) o
plano não poderá prever o pagamento antecipado de dívidas, nem (ii) contemplar tratamento
desfavorável aos credores que ao plano não estejam sujeitos.
Outro requisito objetivo diz respeito aos credores com garantia real. Conforme dispõe o art.
163, § 4º, da LFRE, o plano de recuperação somente poderá prever a alienação de bem objeto de
garantia real, a supressão de garantia ou a sua substituição se houver aquiescência expressa do
credor garantido. Na mesma linha, o art. 163, § 5º, da LFRE prevê que o credor de crédito em
moeda estrangeira deve autorizar expressa e individualmente a proposta de desvinculação cambial
do seu crédito.

153 COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 392.

178
Créditos sujeitos e stay period
De acordo com o art. 163, § 1º, in fine, da LFRE, o plano de recuperação somente poderá
abranger titulares de créditos já constituídos à data do pedido de homologação, ou seja, aqueles
que sejam líquidos e certos, e não apenas existentes.
Poderão ser atingidos pelo plano os credores com garantia real, com privilégio especial e
geral, quirografários e subordinados. Já em relação aos créditos trabalhistas, a sua sujeição
dependerá de acordo com o sindicato dos empregados, conforme § 1º do art. 161.
Caso o pedido de homologação do plano de recuperação esteja acompanhado dos termos de adesão
de credores que representem, pelo menos, 1/3 dos créditos de cada espécie sujeitos aos seus efeitos, e do
compromisso de que em 90 dias os demais termos de adesão serão apresentados para atingimento do
quórum necessário para aprovação, o juiz concederá ao devedor a proteção do stay period, ou seja,
determinará a suspensão prevista no art. 6º da LFRE. Essa novidade está prevista nos §§ 7º e 8º do art.
163 da LFRE.

Credores não sujeitos


Existem credores que, por determinação legal, não podem participar do plano de
recuperação extrajudicial, ou seja, não terão os seus créditos atingidos pela recuperação.
De acordo com o § 1º do art. 161 da LFRE, não serão atingidos pela recuperação
extrajudicial os “titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou
decorrentes de acidente de trabalho, assim como aqueles previstos nos arts. 49, § 3º, e 86, II, do
caput, desta Lei”.
A razão de o credor tributário estar excluído do regime de recuperação encontra-se no fato
de ser tal categoria de crédito disciplinada por normas de direito público, somente podendo ser
concedida remissão, conforme bem salienta o professor Fábio Ulhoa, mediante lei.154
Ao contrário dos titulares de crédito tributário, os credores identificados no art. 49, § 3º, da
LFRE, segundo a nossa ótica, não estão impossibilitados de renegociar os seus créditos por meio
da recuperação extrajudicial. Entretanto, não será possível, em hipótese alguma, que a
homologação de recuperação extrajudicial atinja os seus créditos de forma compulsória. Incluem-
se, no rol do art. 49, § 3º, da LFRE, o proprietário fiduciário, o arrendador mercantil, o vendedor
ou promitente vendedor de imóvel por contrato irrevogável e o vendedor titular de reserva de
domínio. O mesmo se diga em relação aos créditos decorrentes das operações previstas no art. 86,
II, da LFRE.

154
Idem. p. 394.

179
Procedimento para homologação
Em regra, o verdadeiro plano de recuperação extrajudicial deve ser levado à homologação
judicial, muito embora não possamos deixar de consignar respeitável entendimento que sustenta
não ser obrigatória a fase judicial quando o plano só atingir os credores anuentes.
De toda sorte, dependendo da sua abrangência, o conteúdo da petição inicial do pedido de
homologação e os documentos que devem instruí-la variam.
Se o plano abranger apenas os credores anuentes – facultativa –, a petição inicial deve
conter apenas a justificativa para a concessão do benefício àquela sociedade empresária requerente,
o plano em si e os termos de adesão ou a ata da reunião em que o plano foi aprovado, conforme
art. 162 da LFRE.
De outro lado, se o devedor pretende estender os efeitos do plano aos credores não
anuentes – impositiva –, por força da decisão da maioria, há um rigor maior. Conforme
salienta o professor Coelho, “com a homologação judicial do plano de recuperação
extrajudicial, estendem-se os efeitos do plano aos minoritários nele referidos, suprindo-se
desse modo a necessidade de sua adesão voluntária”.155
De início, a petição inicial deve mencionar quais classes ou grupos de credores pretende
atingir. Como se sabe, legalmente, os credores estão divididos em classes conforme os seus
privilégios, e elas estão previstas nos incisos do art. 83 da LFRE. A petição inicial deverá separá-los
entre credores aderentes e não aderentes, assim como os registros contábeis das respectivas
operações, a fim de que o juiz possa verificar se o quórum foi efetivamente atingido.
Como alinhavado, a lei também permite que os credores sejam divididos em “grupos de
credores de mesma natureza e sujeitos a semelhantes condições de pagamento”. Aqui nos
deparamos com um grande problema, pois o legislador não definiu o que seria “mesma natureza”,
muito menos “semelhantes condições de pagamento”.
O bom exemplo de grupo fornecido pela doutrina seria o de fornecedores. Outrossim,
sabemos que muitos fornecedores têm garantias reais, enquanto outros são quirografários, e
sustentamos a impossibilidade de se criar um “grupo” que mescle credores de classes distintas.
Nesse diapasão, alguns créditos já podem estar vencidos, enquanto outros estão a vencer
em curto, médio e longo prazo, o que também é um dificultador para se criar um grupo e, pior,
qualquer omissão ou inclusão indevida de credores pode influenciar decisivamente na apuração
do quórum.
Ultrapassado esse ponto, o devedor deverá expor a sua situação patrimonial com detalhes,
além de instruir o pedido com a última demonstração contábil e um balanço especial levantado na
época do pedido. Também deverá apresentar a relação completa dos seus credores, indicando o
endereço de cada um, a natureza, a classificação, o valor e a origem de cada crédito, assim como os
registros contábeis respectivos.

155
Idem. p. 400.

180
O procedimento em si é idêntico, isto é, esteja ou não o plano se estendendo aos credores
não aderentes. Dessa forma, recebida a petição inicial, será publicado um edital no Diário Oficial
e em jornal de grande circulação convocando os credores para objetarem o pedido no prazo de 30
dias. No mesmo prazo, o devedor deverá comprovar que enviou carta registrada para os credores
sujeitos ao plano, notificando-os da ação, das condições do plano e do prazo para objeção.

Oposição ao pedido
Segundo o § 3º do art. 164 da LFRE, os credores só podem opor-se ao pedido alegando:

i - não preenchimento do percentual mínimo previsto no caput do art.


163 desta Lei;
ii - prática de qualquer dos atos previstos no inciso III do art. 94 ou do
art. 130 desta Lei, ou descumprimento de requisito previsto nesta Lei;
iii - descumprimento de qualquer outra exigência legal.

Apesar da limitação legal, na prática, temos visto várias objeções com fundamentos diversos
dos previstos no citado dispositivo legal, mas que podem mostrar-se pertinentes.
Imaginemos um credor sujeito ao plano, titular de um crédito no valor de R$ 700.000,00,
listado pelo devedor como credor de apenas R$ 520.000,00. Tal diferença pode influenciar na
aferição do quórum, especialmente se não for um caso isolado. O problema pode ser ainda maior
quando a divergência não for apenas quanto aos valores, mas se estender à natureza dos créditos e
às suas garantias. Se o problema for endêmico, ou seja, não se referir a um caso isolado,
defendemos a rejeição do plano por interpretação ampliativa do art. 164, § 6º, da LFRE.
Outro ponto não imaginado pelo legislador é a possibilidade de o plano conter injustiças,
como tratamentos desfavoráveis a certos credores.
Apresentada objeção, que deverá ser processada nos autos principais, o devedor terá o prazo
de cinco dias para se manifestar. Não há previsão de audiência ou de diligência probatória, assim
como manifestação do Ministério Público. Apesar disso, a intimação do Ministério Público tem
sido considerada obrigatória e, dependendo do caso, até mesmo uma audiência ou uma diligência
probatória não podem ser definitivamente descartadas.

Decisão homologatória: limitação aos poderes do juiz e recursos


Uma vez conclusos os autos para sentença, o juiz não homologará o plano se ficar
provado que ele praticou qualquer ato fraudulento em prejuízo dos credores ou ato de
falência. Também não homologará o plano se não for atingido o quórum de mais da metade
dos credores sujeitos, se for o caso, ou se ficar comprovada qualquer irregularidade que
recomende a sua rejeição, consoante art. 164, § 5º, da LFRE.

181
Preocupa-nos, apenas, a última parte do dispositivo legal. Trata-se de uma expressão
extremamente subjetiva, cujo manuseio deve ser observado de perto. Acreditamos que a
expressão “irregularidade que recomende a sua rejeição” deve ser interpretada de acordo com as
demais causas legais de rejeição.
Da sentença, em qualquer hipótese, caberá apelação sem efeito suspensivo (art. 164, §
8º, da LFRE).
Caso o pedido seja indeferido, não há impedimento para a sua renovação, desde que
afastado o motivo que levou à denegação do anterior.156
Registre-se, ainda, que, nos termos do art. 161, § 5º, da LFRE, “após a distribuição do
pedido de homologação, os credores não poderão desistir da adesão ao plano, salvo com a
anuência expressa dos demais signatários”.
De acordo com o professor Fábio Ulhoa Coelho, “a anuência do devedor e de todos os
credores é condição para existência, validade e eficácia do arrependimento porque o plano de
recuperação deve sempre ser considerado em sua integralidade”.157 Acrescenta, ainda, que não se
pode fazer uma interpretação a contrario sensu do art. 161, § 5º, da LFRE, de modo a sustentar
que até a distribuição da homologação do plano qualquer credor pode desistir, unilateralmente,
da sua adesão.158
O art. 165 da LFRE estabelece que “o plano de recuperação extrajudicial produz efeitos
após a sua homologação judicial”. Contudo, é possível que o plano disponha de forma diversa,
estabelecendo a produção de efeitos imediatos “em relação à modificação do valor ou da forma de
pagamento dos credores signatários” (art. 165, § 1º, da LFRE). Nesta hipótese, caso o juízo a que
for submetido o plano para homologação o rejeite, os credores poderão exigir os seus créditos nas
condições originais, deduzindo-se os valores já pagos.
O cumprimento do plano deve ser acompanhado pelos credores, não havendo supervisão
do juiz ou do membro do Ministério Público. Entretanto, se o plano envolver a venda de
unidades produtivas ou de filiais, o juiz que homologar o pedido determinará imediatamente a
venda, observado o art. 142 da LFRE.
Discute-se se a venda, nessa hipótese, será livre e desembaraçada ou se o arrematante será
considerado sucessor do devedor nas obrigações inerentes ao estabelecimento adquirido.
Defendemos que eventual afastamento da sucessão só pode ser aplicável aos credores sujeitos ao
processo de recuperação judicial, pois essa blindagem teria gravíssimas consequências para os
credores trabalhistas e tributários, que não estão submetidos ao processo de recuperação
extrajudicial.

156 COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 402.

157 COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 393.

158 Idem. p. 393.

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PROFESSOR-AUTOR
Leonardo Marques é mestre em Direito Empresarial e Tributário pela Universidade
Candido Mendes (Ucam). Professor da Fundação Getulio Vargas nos cursos de MBA e de LLM,
módulos de “Falências e Recuperação de Empresas”; “Direito Contratual”, “Direito Societário”;
“Fundamentos de Direito Empresarial” e “Gestão das Relações Obrigacionais”. Promotor de
Justiça titular da 1ª Promotoria Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. Ex-gerente
de mercado do Banco Nacional/Unibanco entre 1990 e 1997. Ex-presidente da Fundação Escola
Superior do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Femperj) de 2010 a 2012. Ex-
professor de graduação do IBMEC e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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