Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
12
gera riqueza econômica, cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e o
desenvolvimento social do País, e é fonte de arrecadação de tributos.
Especialmente nesses primeiros anos de vigência, o princípio da preservação da empresa tem
sido largamente empregado, não só para suprir as inúmeras lacunas existentes – por exemplo,
alteração do plano de recuperação judicial após a homologação – e para ajustar interpretações
sobre pontos mais nebulosos, como restringir o poder do juiz ao exame de legalidade do plano de
recuperação judicial aprovado pelos credores, mas também – e aqui reside a nossa maior
preocupação – para afastar a aplicação literal de dispositivos da própria Lei nº 11.101/05 e da
legislação em geral.
É grande o desafio de equilibrar a balança quando de um lado está a necessidade de
preservação da empresa e, de outro, a letra clara da lei apontando em direção oposta. Até que ponto
devemos afastar-nos da norma expressa e dos demais princípios informadores do sistema para buscar
a preservação da empresa, mesmo sendo ela viável do ponto de vista econômico e financeiro?
Aliás, também difícil é a tarefa de definir o papel do Poder Judiciário na distinção entre
empresas viáveis e inviáveis e o que se revela lícito fazer para protegê-las, afinal, tão profícuo para o
interesse público como manter no mercado uma empresa viável, preservando a sua atividade, os seus
postos de trabalho e a sua relação com clientes e fornecedores, é retirar dele a empresa que não tem
como cumprir o seu papel social, dada a sua inviabilidade econômica, a necessidade de respeito aos
contratos e o princípio da intervenção mínima do Estado nas relações privadas, sobretudo com o
advento da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019).
A LFRE, no nosso sentir, reservou o protagonismo do processo aos credores, uma vez que
é vedado ao juízo, ao administrador judicial e ao Ministério Público promover a análise da
viabilidade econômica e financeira da sociedade empresária em dificuldade e do plano de
recuperação judicial proposto.
Em síntese, constatados problemas crônicos na atividade ou na administração da empresa,
de modo a inviabilizar a sua recuperação, o Estado deve promover de forma rápida e eficiente a
sua retirada do mercado, a fim de evitar a potencialização dos problemas e o agravamento da
situação dos que negociam com pessoas ou sociedades com dificuldades insanáveis na condução
do negócio. A falência pode ser, sim, o melhor caminho no caso concreto!
Ainda que de forma bastante superficial, convém destacar algumas das polêmicas mais
sensíveis do sistema que têm sido solucionadas a partir da aplicação, correta ou não, do princípio
da preservação da empresa:
quebra da denominada “trava bancária”, afastando os direitos dos credores fiduciários;
proibição de retomada dos bens de terceiros que estão na posse do devedor, essenciais ao
seu negócio, mesmo após o decurso do stay period e até da aprovação do plano de
recuperação;
ampliação da competência do juízo recuperacional para anular ou suspender atos e
processos administrativos contrários ao devedor em recuperação judicial;
13
ampliação da competência do juízo recuperacional para decidir sobre diferentes
demandas de interesse das devedoras em recuperação judicial1, inclusive a cobrança de
créditos, e
alteração do resultado da deliberação dos credores em assembleia pela anulação de voto
“abusivo”.
Esses são apenas alguns dos muitos exemplos da aplicação do princípio da preservação da
empresa para a solução de controvérsias nos processos de insolvência. Advirta-se, entretanto, que
decisões extremas podem prolongar a permanência artificial no mercado de uma empresa
manifestamente inviável, maximizar as perdas dos credores, causar concorrência desleal e apenas
retardar uma inevitável decretação de falência.
1
Ver TJRJ, Agravo de Instrumento nº 0024976-71.2020.8.19.0000. 2ª Câmara Cível. Rel. Des. Maria Isabel Paes Gonçalves.
Julgado em 21/09/2020.
14
credores recebam antes dos trabalhadores, assim como a própria remissão parcial dos créditos
trabalhistas, o denominado deságio ou haircut 2.
Aliás, apenas para fins de registro, recentemente nos deparamos com um plano de
recuperação judicial que propunha pagamento dos credores trabalhistas em um ano, mas com um
“desconto” de 90%.3
Nessa toada, a proposta de deságio para o pagamento dos créditos trabalhistas torna, ao
nosso sentir, inócua a proteção temporal conferida pela legislação. Aliás, em tantos outros casos,
preocupado com a repercussão negativa de uma proposta de deságio em relação aos trabalhadores,
o devedor deixa “de fora” do processo de recuperação judicial o passivo trabalhista, pois, a
exemplo do que existe no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1), no Rio de
Janeiro, há a possibilidade de parcelamento do passivo trabalhista em prazo superior ao limite
previsto no art. 54 da LFRE, pelo denominado plano especial de pagamentos trabalhista (Pept)4,
na própria justiça especializada.
2
Ver Decisão Liminar do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, no Pedido de Tutela Provisória nº 2.778/RJ, publicada no dia
24/06/2020.
3
Recuperação Judicial de Real Auto Ônibus Ltda. e outras, em trâmite perante a 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro sob
o nº 0087802-67.2019.8.19.0001.
4
Ato Conjunto nº 11/2019 e Provimento nº 1/2018 da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho; Provimento Conjunto nº
02/2019 do TRT-1; Resolução Administrativa nº 79/2019, do TRT-2; dentre outros.
15
fixou-se um prazo para o encerramento das recuperações judiciais, além de muitas outras regras para
assegurar uma tramitação menos demorada desses processos.
Nada obstante a nobre intenção do legislador, os processos de falência e de recuperação
judicial continuaram lentos e sem a desejada eficiência. Diante desse cenário, a reforma promovida
Lei nº 1.4112/2020 trouxe novas importantes regras para imprimir maior celeridade e eficiência.
Nas falências, o administrador judicial agora deverá apresentar em 60 dias da sua nomeação
um plano de liquidação dos ativos, sempre com um prazo máximo de 180 dias a contar da
respectiva arrecadação do bem. Os credores terão o prazo máximo de três anos para apresentarem
as suas habilitações ou pedidos de reserva de crédito, sob pena de decadência, e, talvez a regra mais
polêmica, foi instituído o denominado fresh start, que permite o pedido de extinção das
obrigações do falido ainda durante a tramitação do processo e desde que ultrapassado três anos da
sentença de falência.
Nos processos de recuperação judicial, proibiu-se mais de uma prorrogação do stay period,
concedeu-se aos credores o direito de apresentar um plano de recuperação alternativo e autorizou-se
ao juiz a fixação de um prazo menor que dois anos para o encerramento da recuperação judicial5.
Segurança jurídica
Os dispositivos legais que integram a nova legislação, dentro do possível, foram redigidos
com a intenção de evitar múltiplas interpretações e de conferir às partes maior domínio sobre o
mérito do processo, reduzindo o poder conferido ao juiz. É evidente que esse esforço é bem-
vindo, porém, não foi capaz de evitar o surgimento de inúmeras e gigantescas controvérsias, em
especial pela própria complexidade dos temas tratados e das não raras omissões do texto legal,
sobretudo em relação ao novel instituto da recuperação de empresas.
Nessa linha, a reforma de 2020 procurou dar soluções expressas para alguns pontos do sistema
que despertavam acaloradas divergências doutrinárias e jurisprudenciais. A título de exemplo, todos os
prazos da LFRE passam a ser contados em dias corridos; só se admitirá uma única prorrogação do
prazo de suspensão das execuções contra o devedor; e o produtor rural inscrito no registro público de
empresas tem legitimidade para o pedido de recuperação judicial.
5
TJRJ, Agravo de Instrumento nº 0033080-52.2020.8.19.0000. 14ª Câmara Cível. Des. Rel. José Carlos Paes. Julgado em
29/07/2020.
16
Na prática, porém, essa participação tem sido menosprezada por parcela da jurisprudência,
de certa forma provocada por algum desinteresse ou desconhecimento por parte dos advogados
dos credores. São raros os casos de instalação do comitê de credores, e poucos são os credores que
acompanham com efetividade o desenrolar do processo, com exceção dos credores financeiros.
Contudo, a reforma de 2020 trouxe novos motivadores para uma participação mais ativa
dos credores nos processos de falência e de recuperação judicial, tais como a possibilidade de
apresentação de um plano de recuperação alternativo àquele apresentado pelo devedor; e uma
ampliação dos poderes dos credores nas hipóteses de alienação de bens do devedor, quer na
falência, quer na recuperação judicial.
Fresh Start
O rápido retorno do empresário falido ao mercado se tornou uma das marcas de reforma
promovida pela Lei nº 14.112/2020. Para tanto, um conjunto de novas regras foi introduzido no
sistema, fazendo com que o processo de falência tenha como um dos seus objetivos possibilitar
um rápido recomeço ao empresário falido. Entre esses novos dispositivos se destacam o art. 10,
§ 10, e o art. 158, inciso V, que permitem a declaração de extinção das obrigações do falido após
três anos da decretação da falência.
Acreditamos, contudo, que esse novo instituto não foi adequadamente positivado, uma vez que
ele confunde os conceitos de sócio e de sociedade, afastando-se dos anseios do próprio legislador.
Como se sabe, a falência de uma sociedade empresária não impede, ao menos
juridicamente, que os seus sócios, diretamente ou por meio de outra pessoa jurídica, explorem
atividades empresariais, inclusive aquela que era exercida pela sociedade falida.
As dificuldades daqueles sócios de “retornarem” à atividade empresarial sempre foram de
cunho econômico, uma vez que, sendo pública a informação de que eles estavam ligados a uma
sociedade em processo de falência, raramente conseguiam crédito para si ou para as outras pessoas
jurídicas das quais participassem.
17
Portanto o objetivo nunca foi reabilitar a sociedade falida, mesmo porque, com o
encerramento da falência, o próprio juiz, de ofício, determinará o cancelamento do seu CNPJ,
com a consequente extinção da sua personalidade jurídica (art. 156).
Estabelecidas essas premissas e sem perder de vista que o verdadeiro objetivo sempre foi
criar um sistema que possibilitasse aos sócios da sociedade falida rapidamente retornarem ao
mercado de crédito, por meio de novas pessoas jurídicas, devemos ter um redobrado cuidado na
interpretação das regras que tratam da extinção das obrigações do falido.
Como se verá mais adiante, inspirados pelo princípio da dignidade da pessoa humana,
defenderemos o entendimento de que o instituto do fresh start só deve ser aplicado às pessoas
naturais atingidas pela falência, e não às sociedades falidas, cujas obrigações só podem ser
declaradas extintas com o efetivo encerramento do processo de falência, e não pelo transcurso de
três anos da sentença que decretou a quebra.
18
processos de falência e de recuperação judicial e em razão do tipo penal aberto do art. 168, da
LFRE; 2) a ausência de delegacias especializadas na apuração desses delitos; 3) a ausência de previsão
de um relatório do administrador judicial, no processo de recuperação judicial, para apontamento
de responsabilidades criminais; 4) a ausência de previsão de intimação do Ministério Público para
acompanhar todos os atos processuais da falência e da recuperação judicial.
19
20
MÓDULO II – FALÊNCIA
Falência continua sendo uma espécie de execução coletiva dos bens do devedor empresário
insolvente, por meio da qual todos os seus bens são arrecadados e liquidados, para que o produto
apurado seja utilizado no pagamento dos credores, obedecendo à ordem legal de preferência. O
objetivo primário da falência, portanto, é a satisfação dos credores, o máximo possível, e
secundários, a rápida realocação útil dos ativos liquidados na economia e o célere retorno do
devedor ao mercado produtivo.
No entanto, algumas peculiaridades devem ser destacadas para a sua perfeita compreensão.
6
Além de Fábio Ulhoa Coelho, outros autores defendem a legitimidade ativa dos sócios minoritários – cotistas e
acionistas – para requerer a falência da sociedade empresária que integram, como Luiz Guerra, Amador Paes de Almeida
e Sérgio Campinho. Adotamos o caminho apontador por vários outros, entre os quais Ricardo Tepedino, In: TOLEDO,
Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (Coords.). Lei de Recuperação de Empresas e Falências. São
Paulo: Saraiva, 2005, p. 286, 287.
22
Ementa: Falência. Indeferimento da inicial com extinção do processo,
sem resolução de mérito. Ação proposta por sócia cotista, titular de 50%
das quotas, contra sociedade limitada, em face do abandono do outro
sócio. Anterior indeferimento de autofalência. Apelo provido para, com
fundamento no art. 97, III, da Lei n° 11.101/05, determinar-se o regular
processamento da falência. Necessidade de citação do outro sócio para,
querendo, contestar o pedido.7
7
TJSP, Apelação 0004092-38.2010.8.26.0000. Rel. Pereira Calças. Julgamento: 14/12/2010. Câmara Reservada à Falência e
à Recuperação de Empresa.
23
De fato, são raros os requerimentos de falência formulados por credores estrangeiros, uma
vez que normalmente eles se valem de sólidas garantias reais ou bancárias, com pouca vantagem
no requerimento de falência do devedor em terras estanhas.
De toda maneira, qual deve ser o valor da caução? Defendemos, na prática, 40% do valor
do crédito, tendo por referência, embora sem embasamento legal expresso, os percentuais
máximos para a fixação do ônus de sucumbência e da pena por litigância de má-fé.
8 ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Coordenadores: Carlos Henrique
Abrão e Paulo Fernando Campos Salles de Toledo. São Paulo: Saraiva, 2005. 254 p.
9 SALOMÃO, Luis Felipe; SANTOS, Paulo Penalva. Recuperação judicial, extrajudicial e falência: teoria e prática. 2. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2015. p. 84.
10 Processo nº 0411258-46.2014.8.19.0001.
24
como se preservará o patrimônio restante do devedor contra eventuais desvios, comuns no
período de insolvência.
Recentemente, porém, tivemos de nos manifestar em um requerimento de falência
formulado por um credor fiduciário contra a renomada rede de lojas de móveis e de artigos de
decoração conhecida como Toque a Campainha.11 A princípio, por possuir direito de
propriedade, esse credor não estaria sujeito ao concurso da falência, em razão do art. 85 da LFRE,
nem mesmo precisaria “habilitar” o seu crédito.
Na oportunidade, citamos um único precedente do TJSP que, anulando a sentença de
extinção do processo sem o julgamento do mérito, reconheceu a legitimidade e o interesse do
credor fiduciário no pedido de falência, forte no argumento de que, em tese, decretada a falência,
ele poderia renunciar a garantia e assim habilitar o seu crédito.12 Ainda não estamos totalmente
convencidos.
Credor tributário
Há intensa discussão acadêmica sobre a legitimidade da Fazenda Pública para formular
requerimento de falência do seu devedor empresário. Não há mais como negar que o crédito
fiscal está sujeito ao concurso de credores estabelecido pela falência, tanto que o crédito fiscal
está estrategicamente posicionado nos incisos III e VII do art. 83, assim como no inciso V do
art. 84 da LFRE.
As mudanças promovidas pela Lei nº 14.112/2020 foram extremamente profícuas, pois
instituíram o incidente de classificação de crédito fiscal e previram expressamente a suspensão das
execuções fiscais contra as massas falidas, como também dos respectivos prazos prescricionais.
Feitas tais considerações, o fato é que o STJ, desde antes do advento da Lei nº 11.101/05,
havia sedimentado o entendimento de que a Fazenda Pública não tem legitimidade para requerer
a falência do contribuinte devedor, por ausência de previsão legal específica, característica
marcante da atividade administrativa vinculada do agente público. Vejamos:
11
Processo nº 0079439-91.2019.8.19.0001, em trâmite perante a 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.
12 TJSP, Apelação Cível nº 1067465-10.2017.8.26.0100. Relator: Araldo Telles; 2ª Câmara Reservada de Direito
Empresarial; Foro Central Cível – 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Julgamento: 24/06/2019; Registro em
25/06/2019.
25
interesse de agir, para requerer a falência do devedor fiscal. II – Na linha
da legislação tributária e da doutrina especializada, a cobrança do tributo
é atividade vinculada, devendo o Fisco utilizar-se do instrumento afetado
pela lei à satisfação do crédito tributário, a execução fiscal, que goza de
especificidades e privilégios, não lhe sendo facultado pleitear a falência do
devedor com base em tais créditos (STJ, REsp 164.389/MG, Rel.
ministro Castro Filho, Rel. p/ acórdão ministro Sálvio de Figueiredo
Teixeira, 2ª Seção, Julgamento: 13/08/2003, DJ 16/08/2004, p. 130).
Essa orientação continua firme na jurisprudência, mesmo após a entrada em vigor da Lei nº
11.101/05, conforme se constata pelo precedente abaixo:
26
trabalhadores, tampouco dos interesses dos credores, desestimulando a
atividade econômico-capitalista. Dessarte, a Fazenda poder requerer a
quebra da empresa implica incompatibilidade com a ratio essendi da Lei de
Falências, mormente o princípio da conservação da empresa, embasador da
norma falimentar. Recurso especial improvido (REsp 363.206/MG, Rel.
ministro Humberto Martins, 2ª Turma, Julgamento: 04/05/2010, DJe,
21/05/2010).
27
Juízo competente
Definido quem pode dar o pontapé inicial do processo falimentar, passemos ao estudo do
juízo competente para conhecer tanto o requerimento de falência como o pedido de recuperação
judicial ou extrajudicial do devedor empresário.
Do ponto de vista legal, não há novidade sobre a questão, estando ela disciplinada no art.
3º da LFRE, que considera competente “o juízo do local do principal estabelecimento do devedor
ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil”. O problema está em definir o que é
“principal estabelecimento”. Seria a sede designada no ato constitutivo, o local onde está a maior
parte do ativo, o lugar onde funciona a diretoria ou a administração da empresa ou onde o
devedor empresário explora a maior parte ou a parte mais relevante dos seus negócios?
Evidentemente, a questão só ganha contornos de complexidade quando a devedora possui
vários estabelecimentos, tal como uma rede de lojas de departamento ou uma grande construtora
e incorporadora, com empreendimentos em diversas cidades.
Advirta-se, desde o pórtico, que a competência ora analisada é definida por critérios
funcionais, portanto, absoluta, não se prorrogando, nem mesmo pela teoria do fato consumado,
conforme sedimentada jurisprudência do STJ:
28
Embora, na prática, alguns juízos sustentem as suas competências a partir de diferentes
critérios, defendidos muitas vezes por vertentes doutrinárias dissonantes e minoritárias, quando a
discussão chega ao STJ é firme a orientação de que principal estabelecimento é aquele onde ocorre
o maior volume de negócios, independentemente do local da sede prevista no ato constitutivo, do
local onde está a maior parte do ativo imobilizado ou do local onde se situam a diretoria e os
sócios controladores. Vejamos:
13
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955. 84 p. v. 3.
29
DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA A COMARCA DE
MONTE CARMELO/MG. FORO DO LOCAL DO PRINCIPAL
ESTABELECIMENTO DO DEVEDOR. ARTIGO 3º DA LEI
11.101/05. PRECEDENTES. 1. Trata-se de conflito de competência
suscitado pelo JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA DE MONTE
CARMELO/MG em face do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO
DE GOIÁS, nos autos de pedido de recuperação judicial formulado por
quatro empresas, em litisconsórcio ativo, com a particularidade de que
cada uma delas explora atividade empresária diversa e de forma
autônoma, inclusive com estabelecimentos próprios. [...]. 7.
Considerando o variado cenário de informações que constam dos autos,
notadamente a de que a ELETROSOM S/A é a maior sociedade do
grupo, e que sua atividade é pulverizada pelo país, deve ser definido
como competente o juízo onde está localizada a sede da empresa, ou seja,
o juízo da Comarca de Monte Carmelo/MG. [...] (CC 146.579/MG,
Rel. ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 2ª Seção, Julgamento:
09/11/2016, DJe 11/11/2016).
Não se pode deixar de mencionar um case de grande repercussão e que de certa forma serviu
de orientação para os demais. Trata-se do Caso Sharp. Como cediço, a Sharp comercializava os
seus produtos em todo o País, mas a sua diretoria ficava em São Paulo, assim como o seu maior
volume de vendas, enquanto a única fábrica estava situada na Zona Franca de Manaus.
Inicialmente, a concordata foi processada em São Paulo, a pedido da devedora, mas em razão de
um pedido de falência distribuído em Manaus, o STJ, no julgamento do Conflito de
Competência nº 37.736/SP, decidiu que a competência seria do local onde funcionava a fábrica,
ou seja, Manaus.
Há de se consignar que a alteração fraudulenta do estabelecimento empresarial, isto é,
quando a mudança tiver por finalidade dificultar a ação dos credores, passou a ser considerada
como um ato de falência, o que por si só já autoriza o requerimento da sua quebra, no juízo do
local do antigo estabelecimento, conforme art. 94, III, “d”, da LFRE.
Nos processos de recuperação judicial de grupo econômico, há de se perquirir qual o principal
estabelecimento do grupo com um todo, na linha prevista no § 2º do art. 69-G da LFRE.
Por derradeiro, com base no art. 6o, § 8º, da LFRE, a distribuição do pedido de falência ou
de recuperação judicial ou extrajudicial previne a competência.
30
Pressupostos falimentares
Como já adiantamos, para que seja decretada a falência, deve ficar comprovada nessa fase
cognitiva a presença dos chamados pressupostos falimentares, assim entendidos:
a) materiais:
legitimidade passiva e
insolvência.
formal:
sentença de falência.
Legitimidade passiva
O art. 1º da LFRE foi muito preciso ao restringir a aplicação do novo regime jurídico da
insolvência empresarial, ao dispor que: “Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a
recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos
simplesmente como devedor”.
Diante da literalidade do texto legal, somente o empresário individual (art. 966 do CC), a
sociedade empresária (art. 982 c/c art. 966 do CC) e a empresa individual de responsabilidade
limitada (Eireli) estão sujeitos à falência, pois o instituto é essencialmente empresarial.14
Estão excluídas desse regime, de pronto e por indução lógica, as sociedades simples, os
empreendedores rurais que não possuírem registro na Junta Comercial, as pessoas jurídicas sem
fins lucrativos, como associações e fundações, e as pessoas naturais que não exercerem, de fato e
em nome próprio, atividade própria de empresário. Todos esses estão sujeitos ao procedimento de
insolvência civil, disciplinado no CPC de 1973, no capítulo referente à execução por quantia certa
contra os bens do devedor insolvente.
Em relação ao empresário individual, três pontos devem ser abordados. O primeiro é que o
empresário individual, no Brasil, é o titular da firma individual e com ela se confunde, ou seja, não
14
Há projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional pretendendo submeter as sociedades simples ao regime
jurídico da insolvência empresarial.
31
podem ser consideradas duas personalidades distintas. A falência, portanto, é do empresário individual
(pessoa natural), titular da firma individual (pessoa jurídica). Essa é a posição da jurisprudência:
O segundo ponto é o fato de ser possível a decretação da falência do espólio deixado pelo
empresário individual, desde que o pedido seja feito em até um ano da data do óbito do
empresário (art. 96, § 1º, in fine, da LFRE), fato raríssimo e que jamais presenciamos, mesmo
após vários anos de atuação na seara falimentar.
O último registro é sobre a possibilidade de decretação da falência do empresário individual
menor de 18 anos, algo proibido no sistema anterior. Tanto o absolutamente incapaz, autorizado
pelo art. 974 do CC, como o maior de 16 anos, emancipado por força do art. 5º, V, do CC, estão
sujeitos à decretação da falência.
Em relação à Eireli, sem adentrar com desnecessária profundidade nas questões atreladas ao
Direito de Empresa, o fato é que ela pode ser constituída para explorar atividade empresarial ou
não empresarial, o que implica a necessidade do exame concreto da sua natureza.
O registro na Junta Comercial só terá natureza constitutiva da qualidade de empresário
para aqueles que exploram atividade rural e, em outra linha, só terão mercantilidade forçada as
pessoas jurídicas que se revestirem da forma de sociedade por ações. Assim, constatado que a
atividade explorada por uma Eireli não é própria do empresário, por exemplo, funcionando
32
como um pequeno escritório de arquitetura, mesmo registrada na Junta Comercial, ela não
estará sujeita à falência.
Sem nos aprofundarmos no seu conceito, devemos considerar empresárias e, com isso,
sujeitas à falência, todas as sociedades que explorem atividades de produção de bens, como as
indústrias; de circulação de bens, como as concessionárias de veículos e as lojas de roupas; e de
prestação de serviços, como as imobiliárias, os hotéis e as construtoras.
Também serão consideradas empresárias as sociedades que explorem atividade intelectual,
artística, literária ou científica quando a estrutura empresarial se sobrepuser à atividade, o que
normalmente fica claro quando a atividade-fim não é exercida significativamente pelos sócios,
mas, sim, por profissionais contratados.15 É o caso de escolas, laboratórios e hospitais.
Ressalvados os casos de confusão patrimonial, defendemos a impossibilidade de
litisconsórcio passivo nos requerimentos de falência, ainda que sejam devedores solidários. Entre
outras razões de ordem processual, destacamos que a lei se refere ao devedor sempre no singular e
que, quando quis admitir o litisconsórcio, foi expressa, ex vi do art. 94, § 1º da LFRE.
15
Nesse sentido, ver os Enunciados nº 193, nº 194 e nº 195 do CJF.
16
TJRJ, Agravo de Instrumento nº 0031515-53.2020.8.19.0000. 6ª Câmara Cível. Des. Rel. Nagib Slaibi Filho. Julgado em
02/09/2020. Maioria de Votos.
33
Sociedades empresárias dissolvidas irregularmente
É muito comum, infelizmente, nos depararmos com um requerimento de falência
direcionado contra uma sociedade empresária que só existe no papel, ou seja, que já foi dissolvida
de forma irregular, com o total desaparecimento do ativo, circulante e imobilizado, e da
escrituração, sem baixa na Junta Comercial, para desespero dos credores, que sequer têm meios de
descobrir o paradeiro de bens eventualmente desviados.
Decretada a falência, defendemos a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica e o oferecimento de denúncia criminal contra os administradores pela prática do crime
previsto no art. 168, § 1º, da LFRE. Nesse sentido:
34
dele. Tal justificativa é frágil para afastar a responsabilidade da sócia Neusa
de entregar os livros, especialmente porque a sede da empresa confundia-se
com sua residência, conforme apurou o oficial de justiça. Ademais, se Ângelo
realmente estivesse afastado da administração, pouco crivei que não tivesse
arguido tal fato em seu favor em vez de simplesmente optar pela revelia. Tais
elementos evidenciam que ambos os sócios agiram de forma ruinosa na
condução do objetivo social da empresa falida, frustrando a arrecadação
dos bens e consequentemente o pagamento dos credores, ficando
prejudicada a localização de outros bens diante da inexistência de
escrituração contábil regular por parte daquela. [...] Então, havendo
prova da dissolução irregular e o devido processo judicial, com a
possibilidade da realização das provas a ele inerentes e restando determinados
os atos ilícitos realizados frente à administração da empresa, como dito na
sentença, resta apenas de manter a responsabilidade pelos danos causados e
na forma apontado na sentença a sua reparação. Assim, é mantida na
integralidade da sentença recorrida. Sendo assim, para acolhimento do apelo
extremo, no sentido de que a insurgente teria cumprido com todas as
obrigações constantes na lei falimentar, seria imprescindível derruir a
afirmação contida no decisum atacado, o que, forçosamente, ensejaria em
rediscussão de matéria fática, incidindo, na espécie, o óbice da Súmula 7
deste Superior Tribunal de Justiça, sendo manifesto o descabimento do
recurso especial (STJ, AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 351.956-RS.
Relator: ministro Marco Buzzi. Julgamento: 18/03/2015).17
17
TJRJ, Agravo de Instrumento nº 0024899-72.2014.8.19.0000. Des. Gabriel de Oliveira Zefiro. Julgamento: 03/11/2014. 13ª
Câmara Cível.
35
Apesar da barulhenta divergência doutrinária, no âmbito jurisprudencial a interpretação
desse dispositivo legal não parece tão tormentosa.
As empresas públicas e as sociedades de economia mista são empresárias, mas sempre
estiveram fora do regime falimentar. De início, a proibição advinha do art. 242 da Lei nº
6.404/76, revogado pela Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001. Até a edição da nova LFRE,
não tínhamos nenhum dispositivo legal tratando do tema de forma clara. Contudo, o inciso I do
art. 2º, da Lei nº 11.101/05 voltou a trazer paz ao tema, salvo para aqueles que sustentam a sua
inconstitucionalidade, por aparente violação do art. 173, § 1º, II, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), c/c o art. 195, da própria Lei nº 11.101/05, que
autoriza a falência das concessionárias de serviços públicos.
Não enxergamos nenhuma inconstitucionalidade, na medida em que as empresas públicas e
as sociedades de economia mista só atuam no campo empresarial quando houver relevante interesse
público ou assunto inerente à segurança nacional. Não há nada de inconstitucional em excluí-las do
regime jurídico da insolvência empresarial, sob o fundamento da prevalência do interesse público
sobre o privado, estando a opção do legislador infraconstitucional em perfeita harmonia com a
nossa Carta Magna.18
De toda maneira, o Supremo Tribunal Federal afetou ao Plenário o julgamento do Recurso
Extraordinário nº 1.249.945/MG, que teve repercussão geral reconhecida por unanimidade pelo
Plenário Virtual da Corte (tema 1101), contra acórdão do TJGM que negou o pedido de
recuperação judicial da Empresa de Serviços, Obras e Urbanização do Município de Montes Claros.
Mais uma vez lembramos que, se a Empresa Pública e a Sociedade de Economia Mista tiverem
direito ao instituto da recuperação judicial, também estarão sujeitas à falência.
A interpretação do inciso II do art. 2º da LFRE já inspira mais cuidados, sendo oportuna a
sua análise por etapas, dada a multiplicidade de entidades por ele abrangida.
As instituições financeiras, as cooperativas de crédito e os consórcios estão sujeitos às regras de
intervenção e liquidação extrajudiciais previstas na Lei nº 6.024/74. Conjugando as duas leis,
chegamos à conclusão de que tais sociedades estão sujeitas indiretamente à falência, na medida em que
o único caminho para elas chegarem à falência é por meio do pedido de “autofalência” formulado pelo
liquidante extrajudicial, devidamente autorizado pelo presidente do Banco Central do Brasil, o que se
dá nas hipóteses previstas no art. 12, “d”, e no art. 21, “b”, da Lei nº 6.024/74. Vejamos:
18
Nesse sentido: COELHO, Fábio. Curso de direito comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 248. v. 5.
36
extrajudicial, ou quando a complexidade dos negócios da instituição ou,
a gravidade dos fatos apurados aconselharem a medida.
Insolvência
A LFRE pouco alterou os critérios caracterizadores da insolvência. Continuou prestigiada a
insolvência ficta ou presumida, isto é, para a decretação da falência, é irrelevante a discussão se o
ativo do devedor é inferior ao seu passivo. Além da própria confissão de insolvência, denominada
de autofalência, a lei definiu, no seu art. 94, três critérios distintos para presumir que o devedor
está insolvente. São eles: a impontualidade, a execução frustrada e os atos de falência.
De início é importante destacar que o requerente deve informar claramente na sua petição
inicial qual o fundamento do seu requerimento, ou seja, impontualidade, execução frustrada ou
atos de falência. Outrossim, questão interessante e por vezes ignorada pela doutrina, mas
merecedora de toda a nossa atenção, é saber se o requerimento de falência pode basear-se em mais
de um fundamento, ou seja, em mais de um inciso do art. 94 da LFRE. Não há uma resposta
segura para essa indagação, mas, em tese, não enxergamos qualquer empecilho legal, em face da
unicidade procedimental.
37
Impontualidade
Seguindo uma tradição do direito pátrio, a nova lei reproduziu como principal elemento
caracterizador da insolvência a impontualidade, traçando, contudo, novos contornos. Dispõe o
art. 94, I, da LFRE, que:
Como se pode notar, quase nada muda em relação ao sistema anterior, salvo no que
concerne ao valor do título ou títulos que municiam o requerimento. Antes, o pedido de falência
pela impontualidade poderia ter como alicerce um título executivo qualquer que fosse o seu valor,
dando azo a requerimentos de falência de grandes sociedades empresárias a partir de dívidas de
baixíssimos valores, em uma clara demonstração de que a ameaça de falência estava sendo usada
como mero instrumento de coação para cobrança de dívidas contra devedores solventes. Pelas
novas regras, porém, a dívida deve superar a marca dos 40 salários-mínimos na data do
requerimento de falência.
Nessa linha, não tem mais acolhida na jurisprudência, sobretudo do STJ, a tese de abuso de
direito, escorada no fato do credor requerer a falência do devedor com grande patrimônio, a partir
de um crédito inadimplido de baixo valor. Ultrapassada a marca dos 40 salários-mínimos é
legítima a opção do credor em requerer a falência pela impontualidade, mesmo de devedores de
grande envergadura econômica, como na hipótese abaixo, em que o credor de duplicatas no valor
de R$ 160.000,00 requereu a falência das Lojas Americanas:
38
tem alicerce na insolvência econômica. 2. O pressuposto para a instauração
de processo de falência é a insolvência jurídica, que é caracterizada a partir
de situações objetivamente apontadas pelo ordenamento jurídico. No caso
do direito brasileiro, caracteriza a insolvência jurídica, nos termos do art.
94 da Lei n. 11.101/2005, a impontualidade injustificada (inciso I),
execução frustrada (inciso II) e a prática de atos de falência (inciso III). 3.
Com efeito, para o propósito buscado no presente recurso – que é a
extinção do feito sem resolução de mérito –, é de todo irrelevante a
argumentação da recorrente, no sentido de ser uma das maiores empresas
do ramo e de ter notória solidez financeira. Há uma presunção legal de
insolvência que beneficia o credor, cabendo ao devedor elidir tal presunção
no curso da ação, e não ao devedor fazer prova do estado de insolvência,
que é caracterizado ex lege. 4. O depósito elisivo da falência (art. 98,
parágrafo único, da Lei n. 11.101/2005), por óbvio, não é fato que
autoriza o fim do processo. Elide-se o estado de insolvência presumida, de
modo que a decretação da falência fica afastada, mas o processo converte-se
em verdadeiro rito de cobrança, pois remanescem as questões alusivas à
existência e exigibilidade da dívida cobrada. 5. No sistema inaugurado pela
Lei n. 11.101/2005, os pedidos de falência por impontualidade de dívidas
aquém do piso de 40 (quarenta) salários-mínimos são legalmente
considerados abusivos, e a própria lei encarrega-se de embaraçar o
atalhamento processual, pois elevou tal requisito à condição de
procedibilidade da falência (art. 94, inciso I). Porém, superando-se esse
valor, a ponderação legal já foi realizada segundo a ótica e prudência do
legislador. 6. Assim, tendo o pedido de falência sido aparelhado em
impontualidade injustificada de títulos que superam o piso previsto na lei
(art. 94, I, Lei n. 11.101/2005), por absoluta presunção legal, fica afastada
a alegação de atalhamento do processo de execução/cobrança pela via
falimentar. Não cabe ao Judiciário, nesses casos, obstar pedidos de falência
que observaram os critérios estabelecidos pela lei, a partir dos quais o
legislador separou as situações já de longa data conhecidas, de uso
controlado e abusivo da via falimentar. 7. Recurso especial não provido
(STJ, REsp. 1433652/RJ, Rel. ministro Luiz Felipe Salomão. 4ª Turma.
Julgamento: 18/09/2014. DJe. 29/10/2014).19
19
REsp 1532154/SC. Rel. ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, Julgamento: 18/10/2016, DJe 03/02/2017.
39
A lei admite expressamente a possibilidade de litisconsórcio ativo entre diversos credores do
mesmo devedor empresário, a fim de se alcançar o mínimo legal, consoante o § 1º do art. 94 da
LFRE. Entretanto, não temos notícia da sua ocorrência.
Como antes, todos os títulos que instruem o pedido de falência por impontualidade devem
estar regularmente protestados. Saliente-se, nesse contexto, que a jurisprudência edificada sob a
influência da legislação revogada (art. 10 do Decreto-Lei nº 7.661/45) admitia o protesto
cambiário no lugar do falimentar.20
Ocorre que o atual § 3º do art. 94 da LFRE, diversamente do sistema anterior, assevera que
os títulos, “em qualquer caso, devem estar acompanhados dos respectivos instrumentos de
protesto para fim falimentar, nos termos da legislação específica”.
Inicialmente, parte da jurisprudência, sobretudo em precedentes do Tribunal de Justiça
de Santa Catarina (TJSC), passou a exigir o protesto especial falimentar, não permitindo que
o protesto cambiário o substituísse. Esse, no entanto, não é o entendimento da jurisprudência
já pacificada.
Para amparar o pedido de falência por impontualidade, basta que no instrumento de
protesto, especial ou cambiário, esteja identificada a pessoa que recebeu a notificação em nome do
devedor, no seu endereço, mesmo sem poderes especiais para tanto, na forma da Súmula 361 do
STJ, que possui a seguinte redação: “A notificação do protesto, para requerimento de falência da
empresa devedora, exige a identificação da pessoa que a recebeu”.
A intimação ficta, por edital, somente nas hipóteses em que o devedor estiver em local
incerto e não sabido.
É importante lembrar que até mesmo os títulos executivos judiciais, quando utilizados para o
requerimento de falência pela impontualidade, podem e devem ser protestados para fim falimentar.
Saliente-se, ainda, que não é mais possível o requerimento de falência com base em
“protesto por empréstimo”, isto é, quando um credor se aproveita do protesto tirado por outro
credor contra o mesmo devedor (art. 4º do Decreto-Lei nº 7.661/45). O § 3º do art. 94 da LFRE
é claro ao dispor que, em qualquer caso, os títulos devem estar acompanhados dos “respectivos”
instrumentos de protesto.
Execução frustrada
A execução frustrada sempre foi um dos caminhos para provar a insolvência do devedor. No
sistema anterior, ela estava inserida, incorretamente, no rol de atos de falência. Contudo, ganhou
prestígio na nova legislação, estando hoje disciplinada como uma forma autônoma de
caracterização da insolvência. Assim dispõe o art. 94, II, da LFRE: “Art. 94. Será decretada a
falência do devedor que: [...] II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita
e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal”.
20
RT 543/115.
40
Note-se que não há exigência de valor mínimo para o título ou títulos que escoram o pedido
de falência. Basta instruir a exordial com a certidão de execução frustrada, isto é, com a declaração
do cartório do juízo onde se processou a execução, de que o executado, embora citado, não pagou,
não depositou nem ofereceu bens à penhora no prazo legal, a chamada “tríplice omissão”.
A fim de harmonizar a legislação falimentar com as inúmeras modificações do nosso sistema
processual, defendemos que para o requerimento de falência com esse fundamento deve-se exigir
algo mais, além daquela tríplice omissão. Como pelo atual sistema processual o executado pode,
mesmo sem garantir o juízo, apresentar embargos à execução, conforme art. 914 do CPC, não há
como se admitir o pedido de falência enquanto eles não forem julgados, dado o risco de decisões
conflitantes. Assim, a certidão de execução frustrada prevista no § 4º do art. 94 da LFRE deverá
informar, além daquelas três omissões tradicionais, uma quarta: a inexistência de embargos à
execução pendentes de julgamento.
É importante que a certidão também mencione o estado do processo de execução, ou seja,
se ele está suspenso ou extinto. A prova disso, porém, pode ser feita por qualquer outro meio.
Relembre-se, a rigor, que não há necessidade de se extinguir definitivamente a execução singular
para proceder ao requerimento de falência, bastando a sua suspensão.21
Também não se admite o requerimento de falência com base em uma execução provisória
frustrada ou a utilização de certidão de execução frustrada de terceiro, pelos mesmos fundamentos
invocados para não se admitir o protesto “por empréstimo”.
Por fim, não se exige que o credor, outrora exequente, demonstre que esgotou todas as
possibilidades de encontrar bens do devedor no processo de execução. Este é o entendimento
do TJSP:
21
STJ, REsp. 125.399/RS. 3ª Turma.
41
mantida. Agravo de instrumento da ré não provido (TJSP; Agravo de
Instrumento 2050638-47.2016.8.26.0000; Relator: Fabio Tabosa; Órgão
Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Santos – 2ª
Vara Cível; Julgamento: 24/08/2016; Registro: 27/08/2016).
Atos de falência
Seguindo a tradição, a LFRE conserva a possibilidade de o requerimento de falência ocorrer
com base na prática de certos atos pelo devedor, condutas essas que receberam o nome de atos de
falência. O art. 94, III, da LFRE traz um rol taxativo de condutas que, se adotadas pelo devedor
empresário, fazem presumir a sua insolvência.
O credor não precisa estar com o seu título vencido, muito menos protestado, para requerer
a falência com base nesse fundamento. Nas próximas linhas, resumiremos o conteúdo de cada
conduta, na ordem constante da lei:
a) Liquidação precipitada – no fundo, a lei vê a malícia do empresário que pretende apurar
o ativo sem pagar o passivo. Devemos ressaltar que as chamadas “queimas de estoque”
não constituem maliciosa liquidação de que trata este inciso. O que a caracteriza é a
venda de bens indispensáveis à continuação da empresa (ativo não circulante),
especialmente por valores muito abaixo dos praticados no mercado;
b) Negócio simulado – com o negócio simulado o devedor tenta furtar a garantia comum
dos credores. Comprovada a transferência simulada de bens e decretada a falência, os
credores, o Ministério Público e, sobretudo, o administrador judicial poderão buscar a
ineficácia desses negócios;
c) Trespasse irregular – a lei pretende coibir que o devedor transfira para terceiro o seu
estabelecimento empresarial e, com isso, fique sem bens suficientes para pagar o passivo.
O trespasse deve seguir rigorosamente as regras previstas nos arts. 1.144 a 1.145 do CC,
também sob pena de ineficácia;
d) Transferência irregular do principal estabelecimento – trata-se de uma inovação. Só se
caracteriza quando comprovado que esse comportamento tem como objetivo a fuga do
devedor, isto é, quando buscar dificultar o acesso dos credores;
e) Falsa garantia – a falência com base nesse inciso só pode ser decretada quando o
devedor procurar favorecer um credor em detrimento dos outros, e não quando se trate
de operação nova, tendente a desafogar uma situação passageira de falta de capital de
giro, especialmente mediante a entrada de “dinheiro novo”;
f) Abandono do estabelecimento – tem por finalidade afastar a ação dos credores e só se
caracteriza quando o titular não deixar procuradores para representá-lo;
g) Descumprimento da recuperação judicial – também é uma novidade. Caso o devedor
em recuperação judicial cumpra as obrigações acordadas para os dois primeiros anos, o
42
processo será encerrado, e a fiscalização passará a ser feita exclusivamente pelos seus
credores. Assim, se o devedor descumprir qualquer obrigação assumida no plano de
recuperação judicial, depois de encerrado o processo, seja de dar, fazer ou não fazer,
além da opção de buscar a tutela específica em um processo de execução, o credor
poderá requerer a falência do devedor.
43
No caso concreto, o pedido de falência está baseado na hipótese de
execução frustrada, nos termos do artigo 94, inciso II, da Lei nº
11.101/2005. Além disso, a mera interrupção informal das atividades não
configura a cessação de atividades empresariais prevista nos artigo 96,
inciso VIII, da Lei nº 11.101/2005. Necessidade de comprovação da
cessação das atividades empresariais por meio de documento emitido pelo
órgão de registro competente, o que não ocorreu no caso concreto. Não se
deve julgar improcedente o pedido de falência com fulcro no artigo 96,
inciso VIII, da Lei nº 11.101/2005. [...] (TJSP; Apelação 1129923-
68.2014.8.26.0100; Relator: Carlos Dias Motta; Órgão Julgador: 1ª
Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 2ª Vara
de Falências e Recuperações Judiciais; Julgamento: 29/03/2017; Registro:
31/03/2017).
No prazo para defesa o devedor poderá formular pedido de recuperação judicial, com fulcro
no art. 95 da LFRE, devendo atentar para os rigores dos arts. 48 e 51 da própria LFRE. Uma vez
preenchidos os requisitos legais, o juiz deferirá o processamento da recuperação e suspenderá o
pedido de falência, com fulcro no art. 6º, da LFRE, mesmo que tenha sido apresentada,
concomitantemente, uma defesa direta contra o pedido de quebra.
Em razão da complexidade de um pedido de recuperação judicial, sobretudo em função dos
inúmeros documentos que devem instruí-lo, a sua utilização como defesa de um requerimento de
falência só ocorre por mera coincidência. Já nos deparamos, contudo, com um pedido de
recuperação judicial mal instruído no prazo da contestação, com solicitação de mais prazo para
apresentação dos documentos faltantes, com o que não nos opomos em razão do princípio da
preservação da empresa.
Em muitas ocasiões, o requerimento de falência está calcado em título executivo cuja causa
debendi está sendo discutida em processo em trâmite perante outro juízo, iniciado antes do
requerimento de quebra. Nessa hipótese, é prudente a suspensão do requerimento de falência, a
fim de evitar a possibilidade de decisões judiciais conflitantes. Nesse sentido:
44
caso concreto, motivo pelo qual não se vislumbra ofensa à legislação
federal. [...] (AgRg no AREsp 695.930/PR, Rel. ministro Marco Aurélio
Bellizze, 3ª Turma, Julgamento: 04/08/2016, DJe 12/08/2016).
É óbvio que, na hipótese de o título estar com a exigibilidade suspensa por decisão de outro
juízo, proferida antes do requerimento, não deve haver a mera suspensão da ação de falência, mas,
sim, o acolhimento da defesa prevista no art. 96, V, da LFRE, com a improcedência do pedido.
Enfrentamos essa questão envolvendo uma cláusula arbitral. Depois de formulado um
pedido de falência baseado em diversas duplicatas sem aceite, mas acompanhadas dos
comprovantes da prestação de serviços, instaurou-se um procedimento arbitral, a pedido do
devedor, para discussão do contrato que serviu de causa debendi daquelas duplicatas.
Não fosse a cláusula arbitral, caberia ao juízo onde tramitava o requerimento de falência
analisar as defesas do devedor. Contudo, em razão da força cogente do pacto, somente o tribunal
arbitral teria competência para dirimir as questões levantadas pelo devedor e, se acolhidas as suas
pretensões, afetariam a exigibilidade das duplicatas que davam suporte ao pedido de falência. A
solução, também aqui, foi opinar pela suspensão do pedido de falência até o fim da arbitragem, o
que foi acolhido pelo juízo e depois mantido pelo TJRJ.
Há de se ressaltar que a LFRE não prevê dilação probatória, salvo quando o requerimento é
formulado a partir da imputação da prática de atos de falência, conforme o § 5º do art. 94 da
LFRE. Entretanto, em muitos casos o juiz não tem como prolatar sentença apenas com a prova
documental, apresentando-se imprescindível a produção de uma prova pericial ou testemunhal.
Aplicam-se, nesses casos, supletivamente, as normas gerais do CPC.
Não há previsão legal expressa de intervenção do Ministério Público nessa fase processual,
mas, na prática, a sua atuação tem-se revelado de extrema importância, com fulcro nos arts. 176
e 178, I, do CPC.
Depósito elisivo
O parágrafo único do art. 98 da LFRE prevê que o devedor, nas hipóteses de
impontualidade ou execução frustrada, pode afastar a possibilidade de falência depositando o
valor total da dívida reclamada em juízo, com os acréscimos legais, no prazo da contestação. Para
tanto, no despacho em que determina a expedição do mandado de citação, o juiz fixará os
honorários advocatícios para fins de depósito elisivo, no patamar mínimo de 10%, por se tratar da
fase inicial do processo.
Pela redação do texto legal pode parecer que o prazo de 10 dias é peremptório. Contudo,
não é esse o entendimento dos tribunais, que admitem o depósito a qualquer momento, com base
no princípio da preservação da empresa:
45
Agravo de instrumento – Falência – Decisão que decretou a falência da
agravante – Agravante que, após a interposição do presente recurso,
realizou o depósito do débito discutido, com a concordância da agravada –
D. Juízo de origem que, ante a quitação do débito, declarou elidido o
pedido de falência – Fato superveniente que exigiu, de fato, novo
pronunciamento judicial na origem – Quitação do débito que
descaracteriza o estado de insolvência da devedora – Pagamento tardio que
não justifica a manutenção do decreto falimentar originário – Precedentes
– Superveniência do pagamento, acertadamente reconhecido e admitido
pelo D. Juízo de origem como causa extintiva do pedido falimentar, a qual
deve ser observada neste recurso como fato superveniente (CPC, art. 493)
e constitutivo de perda do objeto recursal no âmbito, ademais, do juízo de
retratação – Recurso prejudicado (TJSP; Agravo de Instrumento 2103885-
35.2019.8.26.0000; Relator: Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara
Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 1ª Vara de
Falências e Recuperações Judiciais; Julgamento: 19/11/2019; Registro:
21/11/2019).22
Como se pode perceber, é possível o depósito elisivo a qualquer momento, desde que antes
da sentença de falência, com fundamento na teoria da preservação da empresa. Aliás, abeberando-
se dessa fonte, alguns autores defendem a possibilidade do depósito mesmo quando o
requerimento tem como base a prática de atos de falência.23
Os tribunais geralmente não admitem o depósito elisivo parcial, conforme precedente do
TJRJ:
22 Nesse sentido: TJRJ, 0062644-18.2016.8.19.0000 – Agravo de Instrumento. Des. Custódio de Barros Tostes. Julgamento:
01/08/2017. 1ª Câmara Cível.
23 COELHO, Fábio. Curso de direito comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 265. v. 3.
46
Com a devida vênia, discordamos desse posicionamento. Já oficiamos em processos cujo
valor indicado pelo devedor como realmente devido é muito abaixo do valor de face do título
apresentado pelo credor, ou seja, com a diferença superando, em muito, os 40 salários-mínimos.
Nessa toada, caso o devedor não tenha recursos para efetuar o depósito integral, permitir o
depósito elisivo parcial, por sua conta e risco, é medida salutar e harmônica com o princípio da
preservação da empresa, pois, do contrário, ainda que acolhidos os argumentos da sua contestação e
reduzido o valor da dívida ao montante por ele apontado como devido na contestação, seria
decretada a sua falência. Nesse sentido, importante precedente trazido à baila na obra de Penalva
Santos e Salomão:24
24
SALOMÃO, Luis Felipe; SANTOS, Paulo Penalva. Recuperação judicial, extrajudicial e falência: teoria e prática. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2015. p. 78.
47
Sentença de falência: conteúdo e recursos
Renomados processualistas, como o renomado professor Alexandre Freitas Câmara, sempre
criticaram a opção do legislador de classificar a decisão que decreta a falência como sentença, pois
ela não termina o processo em primeira instância, muito menos esgota a jurisdição do seu
prolator, revelando-se como verdadeira decisão interlocutória, mista e não terminativa.
Prevista no art. 99 da LFRE, a sentença de falência é o ponto de partida do processo de
execução concursal do devedor empresário, sendo certo que a LFRE não mais se refere a ela como
declaratória, abrindo ainda mais espaço para a eterna discussão sobre a sua natureza jurídica. Pelo
menos do ponto de vista processual penal, o art. 180 da LFRE é claro em considerar tal decisão
como condição objetiva de punibilidade.
Devido à sua importância analisaremos, ainda que perfunctoriamente, o seu conteúdo:
a) A exigência desse inciso evita transtornos sobre a identificação da sociedade falida e dos
seus administradores, facilitando, inclusive, a apuração de responsabilidades.
b) O termo legal da falência é de suma importância para o ajuizamento da ação
revocatória e para todo o sistema de ineficácia de negócios jurídicos celebrados pelo
devedor antes da falência, podendo ser fixado em até 90 dias antes do protesto mais
antigo – em vigor – por falta de pagamento. O texto encerra qualquer discussão
sobre o que se deve entender por protesto mais antigo, na medida em que devem ser
desconsiderados todos aqueles já cancelados.
c) O objetivo é facilitar a identificação dos credores – massa falida objetiva –, abreviando o
trabalho do administrador judicial. Na prática, nenhum devedor cumpre essa
determinação, obrigando todos os credores a promoverem a habilitação dos seus
créditos;
d) O prazo para habilitação é de 15 dias, e o seu procedimento inicial é extrajudicial.
e) Está relacionado com a universalidade do juízo falimentar, que adiante será analisada.
f) Trata da indisponibilidade dos bens do falido, não se aplicando aos sócios de
responsabilidade limitada.
g) A decretação da prisão preventiva não pode ser de ofício e só será possível se
preenchidos os pressupostos exigidos no art. 312 do Código de Processo Penal (CPP).
h) Relaciona-se à publicidade da decisão e à perda da capacidade profissional do devedor,
ou seja, a impossibilidade do exercício da empresa.
i) A nomeação do administrador judicial deve ser feita o quanto antes, haja vista a
importância e urgência das suas atribuições. Esta figura será minuciosamente tratada mais
adiante.
j) Tal providência auxilia sobremaneira a arrecadação de bens imóveis do falido.
k) A continuação da empresa – atividade – durante o processo falimentar é medida
excepcional e tem por objetivo a maximização do ativo falimentar, viabilizando a
48
preservação, para futura alienação, dos bens intangíveis do devedor, como a clientela, a
freguesia e a força da marca e do nome empresarial.
l) A conveniência ou não da constituição do comitê de credores também será objeto de
estudo em capítulo próprio.
m) Como já mencionado, a participação do Ministério Público no processo falimentar
passa a ser expressamente prevista a partir da decretação da falência. No que toca às
Fazendas Públicas, a intimação faz com que estas apresentem, por ofício, eventuais
créditos que tenham contra o falido.
O sistema recursal previsto na nova legislação é muito mais simples. Segundo o art. 100 da
LFRE:
a) da sentença de improcedência é cabível o recurso de apelação e
b) da sentença de procedência é cabível o agravo de instrumento.
Tais recursos, por força do art. 189 da LFRE, seguem os procedimentos previstos no CPC,
inclusive no tocante aos prazos e efeitos da interposição.
Como regra, a sentença que julga improcedente o pedido de falência tem o mesmo tratamento
de qualquer outra, isto é, o autor é condenado ao pagamento do ônus da sucumbência, na forma
prevista no art. 85 do CPC. Entretanto, em caso de comprovado dolo, ou seja, quando o
requerimento de falência tiver como principal objetivo macular a imagem do requerido, na própria
sentença de improcedência o juiz deve condenar o autor a pagar uma indenizar ao réu, cujo valor
liquidar-se-á em processo próprio, com fulcro no art. 101 da LFRE. Caso o prejuízo desse temerário
requerimento atinja terceiros, como os sócios da sociedade requerida, estes poderão acionar o autor em
ação própria.
Administração na falência
Antes de iniciarmos o estudo da segunda fase do processo falimentar, é conveniente
traçarmos um perfil de cada figura que tomará assento na administração da falência, ou seja,
funcionará no processo. Além do falido, do juiz e do Ministério Público, a lei prevê as figuras
do administrador judicial, do gestor judicial e dos credores, seja reunidos em assembleia geral,
seja representados por meio do comitê de credores.
49
Juiz
O juiz é a autoridade suprema do processo falimentar e exerce funções de dupla natureza:
no primeiro grupo, estão as chamadas funções jurisdicionais típicas; e, no segundo grupo, estão
as funções administrativas, isto é, questões materiais do próprio dia a dia da falência,
superintendendo a atuação do administrador judicial, mesmo quando inexiste lide a ser
resolvida, como na autorização para a venda antecipada de bem ou para a contratação de um
avaliador ou de um escritório de advocacia para defender os interesses da massa falida nas
reclamações trabalhistas.
Não há dúvida de que, a exemplo das capitais do Rio de Janeiro e de São Paulo, é importante
que o Poder Judiciário reserve às varas especializadas, mesmo regionais, o exame da matéria
falimentar e recuperacional, eis que a complexidade do tema, a peculiaridade da função
“administrativa” do magistrado e a importância da rápida e eficaz tramitação desse tipo de processo
acabam por gerar reflexos em toda a economia. Essa, aliás, é a recomendação do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ). Os advogados, sobretudo de grandes escritórios, estão empenhados em se
aprofundar nos novos contornos do regime jurídico da insolvência empresarial, razão pela qual os
poderes constituídos, magistratura e Ministério Público, não podem esquivar-se dessa especialização.
Nesse compasso, a necessidade de especialização deve atingir também a segunda
instância, como já ocorre em São Paulo e Santa Catarina, cujos tribunais criaram câmaras
reservadas para o Direito Empresarial, oportunizando aos desembargadores a especialização
que vem ocorrendo em primeira instância.
Também é de suma importância a valorização das serventias e dos serventuários da Justiça
responsáveis por esses processos, na medida em que cabe ao Poder Judiciário não só prepará-los
com cursos de especialização para o processamento adequado desses feitos, como também criar
um mínimo de estrutura física compatível com a envergadura e o dinamismo necessários para a
boa condução dos processos.
Ministério Público
Enormes avanços ocorreram no que concerne às atribuições do promotor de justiça nos
processos regulados pela nova lei. Fundamentalmente o promotor de justiça atuará como custos
legis, embora o legislador lhe tenha conferido legitimidade ativa em diversas ocasiões, sobretudo
para o ajuizamento da ação revocatória, algo reclamado pela instituição há tempos. Entretanto, em
razão do veto ao art. 4º da LFRE, muitas dúvidas surgiram sobre os limites dessa intervenção, apesar
da LFRE se referir ao “Ministério Público” em 25 (vinte e cinco) oportunidades.
Fábio Ulhoa Coelho defende que o Ministério Público não deveria atuar na primeira fase
do processo falimentar, pois não existiria, ainda, interesse público na demanda, assim como nos
processos envolvendo pequenas sociedades empresárias. No que tange às pequenas falências, a
50
reforma promovida em 2020 recriou o procedimento de falência sumária, com expressa
intervenção do Parquet, conforme art. 114-A, da LFRE.
Em magnífica explanação sobre o tema, Alberto Camiña Moreira, depois de citar um
extenso rol de países que consideram existir evidente interesse público nos processos de falência e
de recuperação empresarial, defende que é obrigatória a intimação do Ministério Público,
oportunidade em que o representante da instituição poderá requerer a sua intimação para os
demais atos do processo quando vislumbrar interesse público.
Entre vários argumentos, o citado autor invoca as próprias razões do veto ao art. 4º da
LFRE:
A intervenção do Ministério Público tem dupla finalidade: assegurar a repressão aos crimes
falimentares e recuperacionais e defender, pela sua ação disciplinar e fiscalizatória, o interesse
público, refletido na tutela do crédito, na preservação da empresa e no resguardo à segurança do
mercado, sem olvidar a presença quase constante de grupos de hipossuficientes lesados, como
consumidores e trabalhadores. Nesse sentido, em um caso em que o juízo decidiu que a intimação
do Ministério Público para os atos processuais de uma recuperação judicial, fora das hipóteses
expressas em lei, não era obrigatória, apesar de assim requerido pelo representante da instituição,
decidiu o TJRJ:
25
MOREIRA, Alberto Camiña. Direito falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Coordenação: Luiz
Fernando Valente de Paiva. São Paulo: Quartier, 2005. p. 266-273.
51
inciso V da Lei nº 11.101/2005, sendo-lhe conferida a prerrogativa de
intimação pessoal dos atos do processo, nos termos do artigo 84,
combinado com o parágrafo 2º do artigo 236, pena de nulidade absoluta,
conforme artigo 246 do Código de Processo Civil (TJRJ, 0015971-
98.2015.8.19.0000 – Agravo de Instrumento, desembargador Camilo
Ribeiro Ruliere – Julgamento: 07/07/2015 – 1ª Câmara Cível).
Administrador judicial
Uma das figuras mais importantes do atual processo falimentar e recuperacional é,
indubitavelmente, o administrador judicial, cuja disciplina está prevista nos arts. 21-25 e 30-
34 da LFRE.
Ele é, no mais das vezes, o principal responsável pelo sucesso ou insucesso do processo
falimentar, na medida em que é a pessoa que impulsiona a marcha processual e, nas falências,
administra toda a massa falida, inclusive representando-a judicialmente, o que lhe exige grande
esforço pessoal e preparação técnica.
O administrador judicial pode ser uma pessoa natural ou jurídica, hipótese em que indicará
uma pessoa natural para representá-la, sendo certo que a nomeação deve recair preferencialmente
sobre um economista, advogado, contador, administrador de empresas ou sociedade com atuação
nesses ramos.
No TJRJ, há o Ato Executivo Conjunto nº 53/2013, com recomendação para que os
juízes só nomeiem profissionais que tenham sido aprovados em cursos de especialização na
função de administração judicial, tal qual o organizado pela própria Escola de Administração
Judiciária (ESAJ).
Registre-se que o administrador é ontologicamente um auxiliar do juízo falimentar ou
recuperacional (órgão do Poder Judiciário), e não mais pode ser visto como um representante
dos credores, cujos interesses devem ser defendidos por eles próprios, individualmente, ou pelo
comitê constituído. Convém destacar que o atual sistema conferiu ainda mais poderes ao
administrador judicial.
26
Recomendação nº 34, de 5 de abril de 2016 do CNMP.
52
A remuneração do administrador judicial deve ser fixada pelo juiz, que levará em conta a
complexidade do caso e a capacidade de pagamento. Infelizmente, não raro, as remunerações são
fixadas levando-se em conta apenas o percentual máximo previsto na LFRE. Nas falências, o
máximo é de 5% do apurado com a realização do ativo, enquanto nas recuperações judiciais o limite
é de 5% do passivo, salvo nas recuperações especiais dos pequenos empresários, cujo limite é de
apenas 2%.
Nas falências, as atribuições do administrador judicial são extremamente mais trabalhosas,
haja vista que cabe a ele a efetiva administração da massa falida, inclusive em relação à contratação
dos auxiliares. A maior operosidade das atribuições do administrador judicial nos processos de
falência, quando comparadas às atribuições no processo de recuperação de empresas, está no dever
de arrecadação, administração e liquidação de todo o ativo do devedor, bem assim na definição
dos rumos dos contratos do falido existentes ao tempo da sentença de quebra, fazendo jus ao seu
nomen iuris de “administrador” judicial.
Por outro lado, nos processos de recuperação judicial, o melhor seria preservar a
nomenclatura usada nas concordatas, “comissário”, ou encontrar outra expressão mais condizente
com a sua função substancialmente fiscalizatória, haja vista que as suas principais atribuições são:
a organização da relação de credores; a tomada de contas mensal das atividades do devedor; e a
presidência da assembleia de credores.
Já participamos de muitos embates em relação à fixação das remunerações dos
administradores judiciais. A matéria é polêmica, mas o certo é que não se pode admitir que essa
remuneração seja incompatível com os encargos da função, menosprezando o encargo ou sendo
fonte de enriquecimento ilícito. O principal parâmetro, com a devida vênia, não devem ser os
valores envolvidos no processo, seja de falência, seja de recuperação judicial.
De uma forma geral, no nosso sentir, os aspectos mais relevantes para serem sopesados na
fixação da remuneração do administrador judicial, em ordem de importância, são:
a) número de credores;
b) número de devedores;
c) número de locais onde o devedor tem ou teve estabelecimentos e as suas distâncias;
d) complexidade da atividade operacional do devedor;
e) número de incidentes processuais e ações autônomas que exijam a intervenção do
administrador judicial, inclusive fora da competência do juízo empresarial;
f) número de profissionais necessários para desempenho da função;
g) porte e estrutura oferecida pelo administrador judicial;
h) na falência, número de bens a serem liquidados e os seus valores e
i) na recuperação judicial, valor total do passivo.
É pouco provável que já na sentença que decreta a falência ou no despacho que defere o
processamento do pedido de recuperação judicial o juízo tenha os elementos capazes de justificar,
em definitivo, a fixação da remuneração. Assim, recomendamos a fixação de uma remuneração
53
apenas provisória e, para que se evitem incertezas, já se aponte de forma precisa o momento para a
sua fixação definitiva, que no caso da recuperação judicial pode ser após a realização da assembleia
de credores convocada para deliberar sobre o plano, enquanto na falência seria após a
homologação do quadro geral de credores (QGC). Nesse sentido:
54
deve ser reformada para que conste que a remuneração devida ao
Administrador Judicial é, por ora, apenas aquela mensal determinada, que
ora é reduzida, devendo ser oportuna e posteriormente estabelecidas as
remunerações provisória e a definitiva. Recurso provido para reduzir o valor
da prestação mensal, bem como para afastar, por ora, a fixação de honorários
definitivos à Administradora Judicial (TJSP; Agravo de Instrumento
2057282-69.2017.8.26.0000; Relator: Carlos Alberto Garbi; Órgão
Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível –
1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Julgamento: 14/08/2017;
Registro: 16/08/2017).
55
Agravo de instrumento. Recuperação judicial convolada em falência.
Remuneração da administradora judicial que deve ser arbitrada de acordo
com o princípio da proporcionalidade. Art. 24 da Lei n. 11.101/05.
Impossibilidade de se prever, por ora, o reflexo da decisão que convolou a
recuperação judicial em falência ao trabalho realizado pela administradora
judicial. Circunstâncias que justificam a fixação da remuneração em
patamar inferior ao máximo previsto no art. 24, § 1º, da Lei n. 11.101/05.
Valor reduzido para 3% sobre o ativo realizado da falida. Reembolso
imediato das despesas incorridas no curso da administração. Possibilidade.
Art. 150 da Lei n. 11.101/05. Recurso parcialmente provido (TJSP;
Agravo de Instrumento 2099796-71.2016.8.26.0000; Relator: Hamid
Bdine; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro
de Suzano – 4ª Vara Cível; Julgamento: 21/09/2016; Registro:
23/09/2016).
Gestor judicial
Como cediço, a sociedade empresária em regime de recuperação judicial não perde o direito
de administrar a sua empresa, isto é, diretores e administradores continuam exercendo as suas
respectivas funções. Essa é a regra prevista na primeira parte do art. 64 da LFRE. Contudo, a
segunda parte desse dispositivo permite que o juiz afaste o devedor da administração dos negócios
em determinadas situações, hipótese em que convocará assembleia geral para deliberar sobre a
pessoa que vai substituí-lo.
Enquanto não se realizar a assembleia geral de credores, o administrador judicial ficará à
frente dos negócios da empresa, conforme regra prevista no art. 65, § 1º, da LFRE. A assembleia
de credores deverá atentar para o fato de que ao gestor judicial se aplicam todas as restrições
56
impostas ao administrador judicial, inclusive sobre impedimento e remuneração. Atendidas as
formalidades legais, entendemos que o juiz não pode recusar a indicação dos credores.
Nos processos de falência, nas hipóteses excepcionais em que o juiz determina a continuação
das atividades do falido, a LFRE prevê que a função de gerir o negócio caberá ao próprio
administrador judicial, consoante art. 99, XI, da LFRE. No entanto, é perfeitamente possível, e até
recomendável, a nomeação de um gestor judicial com know-how adequado para aquele segmento
empresarial. Assim ocorreu na falência da Natan Joias, no Rio de Janeiro,27 e na falência do Grupo
João Lyra, em Alagoas.28
57
EM 0,25% DA SOMA DOS CRÉDITOS SUJEITOS AO
PROCEDIMENTO RECUPERATÓRIO DO GRUPO OSX.
IRRESIGNAÇÃO. PRELIMINAR DE FALTA DE LEGITIMIDADE
RECURSAL DA CREDORA ISOLADO, ORA AGRAVANTE.
REJEIÇÃO. MATÉRIA DE AÇÃO. LEGITIMAÇÃO ORDINÁRIA.
FACULTATIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO DO COMITÊ DE
CREDORES (ART. 28 DA LEI N.º 11.101/2005). Possibilidades de
abuso e de tumulto processual, para as quais há previsão legal de
aplicação de multa cominatória (art. 18, vi e vii, do Código de Processo
Civil). [...]. Procedimento recuperatório que é de iniciativa do devedor,
ostenta natureza concursal e é fundado na ética da solidariedade.
Vontades do devedor e de seus credores que marcham harmoniosamente
completam-se e fundem-se numa só e única. Colaboração de todos os
interessados para o fim específico ditado pelo art. 47 da lei nº
11.105/2005 (TJRJ, 0016629-59.2014.8.19.0000 – Agravo de
Instrumento. Des. Gilberto Campista Guarino. Julgamento:
06/08/2014. 14ª Câmara Cível).
Comitê de credores
Nada obstante a possibilidade de atuação individual dos credores, tem maior peso a atuação
dos credores quando ela se dá por meio do comitê. Regulado basicamente nos arts. 26 a 34 da
LFRE, o comitê é um órgão representativo dos credores composto de membros eleitos em assembleia
geral por sistema especial, no qual os credores são divididos em até quatro grupos, e cada um deles
indica um membro e dois suplentes.
Os grupos são organizados da seguinte forma:
a) um representante indicado pela classe dos credores trabalhistas e por acidente de
trabalho, com dois suplentes;
b) um representante indicado pela classe dos credores com direitos reais de garantia e com
privilégios especiais, com dois suplentes;
c) um representante indicado pela classe dos credores quirografários e com privilégios
gerais, com dois suplentes.
d) um representante dos credores micro e pequenos empresários, com dois suplentes.
A constituição do comitê pode ser requerida por qualquer dos grupos acima, valendo
registrar que a inércia de um grupo para indicar o seu representante não impede a criação e o
funcionamento do órgão. Aliás, como o comitê é um órgão de existência facultativa, na sua falta,
58
as suas atribuições serão de responsabilidade do administrador judicial, salvo hipótese de
incompatibilidade deste, caso em que caberá ao juiz decidir, na forma do art. 28 da LFRE.
As decisões serão tomadas por maioria e registradas em livro próprio. No caso de impasse
sobre algum tema, a decisão caberá ao administrador judicial, salvo hipótese de
incompatibilidade, quando a decisão também caberá ao juiz.
Primordialmente, a função do comitê é fiscalizar o processo falimentar ou de recuperação
judicial, conforme se depreende do art. 27 da LFRE, e os seus membros não recebem qualquer
remuneração, mas podem reembolsados das despesas que façam em favor da massa.
Na prática, diante da frustrante realidade de inexistência de comitê de credores em todos os
processos que atuamos, quando nos deparamos com alguma questão de alta relevância jurídica ou
econômica, surgida no decorrer de um processo de falência ou de recuperação de empresas, como
na hipótese de locação do bem imóvel mais valioso da massa falida por um tempo considerável,
ou do pedido de autorização de alienação de bens valiosos do ativo imobilizado do devedor, após
a homologação do plano de recuperação judicial, temos solicitado a intimação de todos os
credores para, em um prazo comum, se assim desejarem, se manifestarem sobre a relevante
questão a ser decidida. A jurisprudência, até o momento, nos tem sido favorável:
59
Assembleia de credores
A assembleia de credores está disciplinada nos arts. 35 a 46 da LFRE, podendo ser
convocada pelo juiz, de ofício ou por provocação de algum interessado, ou por credores que
representem pelo menos 25% de uma classe, caso em que o juiz não poderá recusar o pedido, mas
as despesas correrão por conta dos requerentes, e não do devedor ou da massa falida.
Nas assembleias, em regra, os credores exercerão o seu direito de voto proporcionalmente ao
valor do seu crédito (art. 38) e, apesar da divisão dos credores em quatro categorias distintas, por força
do art. 42 da LFRE, considera-se aprovada a proposta que tiver o apoio de mais da metade dos
créditos presentes, independentemente da divisão em classes, salvo em situações especiais. Nem todos
os credores admitidos na falência ou na recuperação possuem direito de voto, conforme arts. 43 e 45,
§ 3º, da LFRE.
Em primeira convocação, a assembleia só pode ser instalada se estiverem presentes credores
que representem mais da metade dos créditos de cada classe e, em segunda convocação, com
qualquer número, mas neste caso não poderá ser realizada em menos de cinco dias da primeira. As
assembleias devem ser presididas pelo administrador judicial ou, quando houver
incompatibilidade, pelo maior credor presente à assembleia, o que na prática raramente ocorre.
É conveniente colocar em destaque que a deliberação tomada em assembleia geral não pode
ser desconstituída judicialmente com fundamento em futura exclusão, inclusão ou retificação de
crédito, bem assim não se admite provimento judicial para suspender ou adiar assembleia por
pendência sobre análise de crédito. Poderão participar das deliberações e votar todos os credores
reconhecidos até a data da assembleia, bem assim aqueles que tenham obtido reservas de valores,
na forma do art. 6º, § 3º, c/c art. 39 da LFRE.
Há uma relevante polêmica sobre a vedação ao exercício do direito de voto do credor por
habilitação retardatária. Essa vedação é permanente, ou seja, até o fim do processo, ou ele passa a
ter o direito de voto assegurado a partir do momento em que sua habilitação for julgada?30
Representando a controvérsia, trazemos à colação dois julgados:
VOTA SE JÁ JULGADA - Resta saber, por fim, se, na letra da Lei 11.101,
há de se deferir o voto à Massa, considerando-se sua condição – alegada
– de credor retardatário. Segundo o artigo 10, § 1º, da Lei 11.101, os
credores habilitados após o prazo do artigo 7º, § 1º, não terão direito a
voto nas deliberações da assembleia geral. Fato, porém, é que o rigor do
artigo 10 foi temperado pelo artigo 39, caput, pelo qual se assegura
direito de voto aos titulares de créditos admitidos por decisão judicial,
desde que, por óbvio, esta admissão ocorra antes da data da AGC.
30
Como representantes do Ministério Público na Recuperação Judicial do Grupo OI, interpomos o recurso de Agravo de
Instrumento nº 0057939-35.2020.8.19.0000, ainda não julgado pela 8ª Câmara Cível do TJRJ.
60
(TJRJ, 0078513-16.2019.8.19.0000 - Agravo de Instrumento.
Des(a). Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto - Julgamento:
09/07/2020 - Décima Sexta Câmara Cível).
Existem regras claras sobre representação dos credores em assembleia, em especial prazos de
antecedência para a entrega das procurações e para a comprovação de representação sindical,
consoante art. 37 da LFRE. A jurisprudência já reconheceu que os credores debenturistas que
comparecerem à assembleia têm o direito votar separadamente, ainda que presente o agente
fiduciário, o qual só representa os demais debenturistas ausentes.31
A fim de conferir maior celeridade aos processos de falência e de recuperação judicial, a
Lei nº 14.112/20 introduziu importantes modificações, permitindo que o ato convocatório seja
publicado apenas no Diário Oficial e no site do administrador judicial, com antecedência mínima
de 15 dias, conforme art. 36 da LFRE, e que as deliberações em AGC sejam substituídas por
termos de adesão que comprovem o atingimento do quórum necessário à aprovação, consoante
art. 45-A da LFRE. Nessas hipóteses, a oitiva do Ministério Público deve ser anterior à
homologação do resultado.
A reforma da LFRE também mirou no denominado “voto abusivo”, disciplinando-o no art.
39, § 6º. Na literalidade da lei, o voto somente poderá ser considerado abusivo quando o credor o
exercer com o fim de obter vantagem ilícita para si ou para outrem.
Por fim, no que concerne à abstenção, o melhor entendimento é no sentido de que o
crédito deve ser desconsiderado para se apurar se foi ou não atingido o quórum de aprovação.
31
STJ, REsp 1.670.096-RJ. Rel. ministra Nancy Andrighi, por maioria, Julgamento: 20/06/2017, DJe 27/06/2017.
61
Falido
O afastamento do devedor da sua empresa e da administração dos seus bens não significa
que ele será defenestrado do processo. Pelo contrário, a lei lhe impõe uma série de obrigações, e a
sua presença e atuação são vitais para o “sucesso” do processo falimentar.
Diversos dispositivos da LFRE, sobretudo o art. 104, impõem ao falido o direito e o dever
de auxiliar e fiscalizar os demais órgãos da falência durante a sua tramitação, seja apresentando
diferentes documentos, seja fornecendo informações acerca dos bens e dos débitos da massa. Para
tanto, tem o direito, e em algumas vezes o dever, de se manifestar nos autos principais e em todos
os incidentes da falência. A violação desse dever não acarreta mais a prisão civil, banida pelo novo
sistema, mas sujeita o falido às penas do crime de desobediência.
É importante alertar para a necessidade de se evitar uma corriqueira confusão que se faz
entre as figuras do falido e da massa falida. O falido nada mais é do que o empresário individual, a
Eireli ou a sociedade empresária cuja falência foi decretada, que nesse caso será representada nos
autos pelo administrador nomeado em seu ato constitutivo, enquanto a massa falida é um ente
sem personalidade jurídica, formado, de um lado, pelos credores do falido – aspecto subjetivo – e,
de outro, pelos bens arrecadados – aspecto objetivo, e será sempre representada pelo
administrador judicial nomeado pelo juízo da falência.
A sociedade empresária falida, nessa toada, continua a existir e a ser representada na forma
dos seus atos constitutivos. Porém, os seus bens, direitos e obrigações formarão a denominada
massa falida, que estará sob a responsabilidade do administrador judicial. Vejamos recente decisão
do STJ:
62
dos bens arrecadados. 3. Ao término do processo falimentar, concluídas as
fases de arrecadação, verificação e classificação dos créditos, realização do
ativo e pagamento do passivo, se eventualmente sobejar patrimônio da massa
– ou até mesmo antes desse momento, se porventura ocorrer quaisquer das
hipóteses previstas no art. 135 da LF –, a lei faculta ao falido requerer a
declaração de extinção de todas as suas obrigações (art. 136), pedido cujo
acolhimento autoriza-o voltar ao exercício do comércio, "salvo se tiver sido
condenado ou estiver respondendo a processo por crime falimentar" (art.
138). 4. Portanto, a decretação da falência, que enseja a dissolução, é o
primeiro ato do procedimento e não importa, por si, na extinção da
personalidade jurídica da sociedade. A extinção, precedida das fases de
liquidação do patrimônio social e da partilha do saldo, dá-se somente ao fim
do processo de liquidação, que todavia pode ser antes interrompido, se acaso
revertidas as razões que ensejaram a dissolução, como na hipótese em que
requerida e declarada a extinção das obrigações na forma do art. 136 da lei
de regência. 5. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso
especial (AgRg no REsp 1265548/SC, Rel. ministra Maria Isabel Gallotti,
Rel. p/ acórdão ministro Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, Julgamento:
25/06/2019, DJe 05/08/2019).
32
Enunciado nº 49 do CJF: “Os deveres impostos pela Lei n. 11.101/2005 ao falido, sociedade limitada, recaem apenas
sobre os administradores, não sendo cabível nenhuma restrição à pessoa dos sócios não administradores”.
63
juízo que declare, por sentença, extintas as suas obrigações, reabilitando-o para a atividade
empresarial, conforme art. 158, inciso V, da LFRE.
Há de se pontuar que os administradores da sociedade falida condenados criminalmente
estão impedidos de exercer a administração de outra sociedade empresária, consoante art. 35, II,
da Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994. A inabilitação se encerra com a declaração de
extinção das obrigações do falido.
33
STJ, HC 279.036/SP. Rel. ministro Raul Araújo, 4ª Turma, Julgamento: 24/09/2013, DJe 18/10/2013 e HC 92.327/RJ. Rel.
ministro Massami Uyeda. Rel. p/ acórdão ministro João Otávio de Noronha, 4ª Turma, Julgamento: 25/03/2008, DJe
04/08/2008.
64
Efeitos da falência em relação aos bens do falido
Sem dúvidas, o foco das atenções após a decretação da falência são os bens do falido, que
devem ser arrecadados e vendidos o mais rápido possível, a fim de evitar os efeitos deletérios da
depreciação pelo decurso do tempo e pelo desuso, assim como para otimizar os recursos
financeiros das massas falidas, livrando-a dos custos de guarda e dos riscos de perda.
Pontue-se que os efeitos não devem recair, em regra, sobre os bens dos sócios de
responsabilidade limitada, salvo na hipótese de aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica ou de outro instituto que permita esse alcance.
Nessa linha, 60 dias após a sua investidura, deve o administrador judicial apresentar um
plano de liquidação dos ativos, que não pode prever prazo superior a 180 dias para a alienação dos
ativos, a contar da sua respectiva arrecadação, consoante art. 22, II, letra “J”, da LFRE.
Todos os bens e direitos que estiverem na posse do falido devem ser arrecadados, ou seja,
inventariados e avaliados. Até mesmo os bens de terceiros que estiverem na posse do devedor
devem ser arrecadados pelo administrador judicial, que deverá apontar essa circunstância no auto
de arrecadação.
Como a avaliação dos bens arrecadados também é de atribuição do administrador judicial, em
casos de maior complexidade, um profissional deve ser escolhido em, no máximo, 30 dias, e pago
como despesa extraconcursal, na forma do art. 84 da LFRE. Registre-se que muitas vezes a avaliação
dos bens se dá em bloco, mas, caso algum dos bens seja objeto de garantia real, ele também deve ser
avaliado isoladamente, por força da regra trazida pelo § 5º do art. 108 c/c o art. 83, II, da LFRE.
Também deverão ser arrecadados os bens do falido que estiverem na posse de terceiros,
devendo o administrador judicial requerer as medidas necessárias para esse fim. Aliás, por força do
§ 3º do art. 108 da LFRE, até mesmo os bens penhorados ou o produto da sua alienação – após a
falência – devem ser arrecadados, cabendo ao juízo de falência comunicar os demais da
necessidade de transferência desses recursos para a conta da massa falida.
65
Em relação ao Direito de Família, o falido, se empresário individual, não perde o direito de
administrar os bens dos seus filhos menores e continua com usufruto legal dos bens deles. No que
toca aos curatelados, o falido não poderá mais administrar os seus bens, na medida em que a lei
que disciplina o instituto da curatela exige idoneidade financeira para exercer o cargo.
É atribuição do administrador judicial arrecadar e avaliar todos os bens e apreender os livros
contábeis que estiverem na posse do falido, conforme regra prevista no art. 22, III, “f”, c/c os arts.
108-110 da LFRE. Em geral, esses bens devem ficar sob a guarda do administrador judicial, mas é
possível a nomeação de terceiros como depositários, inclusive o próprio falido ou os sócios da
sociedade falida.
É nula a hasta pública para a alienação de bens de devedor falido realizada por juízo diverso
do falimentar após a decretação da falência, mesmo que a penhora seja anterior à sentença de
falência.34
Todos os bens arrecadados constarão do auto de arrecadação, que é composto do inventário
e do laudo de avaliação, devendo ser assinado pelo administrador judicial e por quem mais
presenciou o ato, como o promotor de justiça ou o falido. Nesse documento também deverá
constar a arrecadação dos livros e todas as observações que o administrador judicial entender
convenientes, como a informação de que determinado bem arrecadado na posse do falido pode
pertencer a terceiro.
Por fim, a arrecadação de alguns bens necessita de providências complementares, como no
caso dos imóveis, mediante averbação no Registro Geral de Imóveis, ou das marcas, que se efetiva
com a averbação perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
O conjunto de bens arrecadado forma a chamada “massa falida objetiva” ou “ativa”, tratada
pelos italianos como “patrimônio falimentar”, e por estar sob a tutela estatal não pode ser objeto
de usucapião. Nesse sentido:
34
STJ, CC 158.274/SP. Rel. ministro Luis Felipe Salomão. Julgamento: 18/06/2019.
66
massa falida é interrompido com a decretação da falência, pois o
possuidor (seja ele o falido ou terceiros) perde a posse pela incursão do
Estado na sua esfera jurídica. 6. A suspensão do curso da prescrição a que
alude o art. 47, do DL 7.661/45 cinge-se às obrigações de
responsabilidade do falido para com seus credores, e não interfere na
prescrição aquisitiva da propriedade por usucapião, a qual é interrompida
na hora em que decretada a falência devido à formação da massa falida
objetiva. (...).
(REsp 1680357/RJ, Rel. ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma,
julgado em 10/10/2017, DJe 16/10/2017)
67
Assim, a integralidade do valor cabente ao sócio da falida e à sua esposa,
ora agravante, foi depositada nos autos da falência.
Com efeito, extrai-se da interpretação conjunta dos artigos 592, IV do
CPC e 1643 e 1644 do C.C. que a meação somente responderá pelas
dívidas do cônjuge se demonstrado que foram contraídas em benefício do
núcleo familiar.
Assim e respeitado o entendimento defendido nas razões recursais, tem-se
que eventual direito de meação do cônjuge do falido não pode ser
tutelada nos autos da falência. Cabe a ela, ciente da arrecadação,
manifestar seu inconformismo em sede de embargos de terceiro, no qual
se oportunizará a comprovação de que o patrimônio arrecadado, incluída
a meação, foi ou não adquirido com recursos da empresa falida, a
justificar a arrecadação ou a preservação da meação.
Não basta a mera alegação, nos autos da falência, de que agravante não
se aproveitou economicamente das dívidas contraídas pela falida, para
autorizar a liberação e sua meação.
(STJ, EDcl no AREsp 1282697. Ministro MARCO AURÉLIO
BELLIZZE. Decisão Monocrática Publicada em 01/04/2019).
Nesse mesmo sentido, trazemos à colação recente acórdão do Tribunal de Justiça de São
Paulo sobre o tema:
68
locação desses bens. Seria o caso, por exemplo, de um imóvel arrecadado pela massa falida que é
objeto de pedido de restituição.
O mérito da conveniência ou não da locação de bens da massa falida é dos credores, por meio
do comitê. Porém, não havendo comitê, a locação dependerá apenas da autorização do juiz, precedida
da oitiva do Ministério Público.
Em tese, com lastro no art. 111 da LFRE, o juiz pode autorizar a venda de alguns bens
diretamente para os credores, em uma espécie de adjudicação, observada a ordem de classificação
– pois haveria compensação –, se for de interesse da massa, observado o preço de avaliação. Trata-
se de medida de difícil concretização exatamente em razão da grande probabilidade de subversão
da ordem de preferência dos credores.
O juiz também poderá autorizar a venda antecipada dos bens perecíveis ou sujeitos a uma
condição especial, como de difícil guarda ou de fácil desvalorização, conforme art. 113 da LFRE.
Em todos esses casos, o comitê de credores e o Ministério Público devem ser ouvidos.
Pedidos de restituição
O terceiro que teve algum bem arrecadado pelo administrador judicial poderá reavê-lo por
meio de um procedimento denominado “pedido de restituição”. A regulamentação do pedido de
restituição, estruturada nos arts. 85-93 da LFRE, segundo a nossa ótica, foi bastante simplificada,
embora nem todos os pontos divergentes tenham sido equacionados.
A ação de restituição tem natureza incidental e pode ser de jurisdição voluntária ou
contenciosa, quando resistida, consubstanciando o meio pelo qual se pede ao juízo a devolução do
bem arrecadado, normalmente porque estava na posse do falido quando da sua quebra. Em razão
da sua natureza, só pode ser formulado por meio de advogado regularmente constituído, e o seu
processamento será em autos apartados.
O pedido de restituição in natura está disciplinado no art. 85 da LFRE e é dividido pela
doutrina em restituição ordinária (caput) e restituição excepcional (parágrafo único), tendo
absoluta prioridade na ordem de atendimento, antes mesmo das despesas extraconcursais,
consoante art. 149 da LFRE.
Por sua vez, os pedidos de restituição em dinheiro estão disciplinados nos incisos do art. 86
da LFRE, e passaram a ocupar, após a reforma de 2020, o terceiro lugar na ordem de prioridades
das despesas extraconcursais, consoante art. 84, I-C, da LFRE.
69
Relembremos que o administrador judicial consignará no auto de arrecadação todas as
observações a respeito dos bens, em especial a alegação de que eles não pertencem ao falido.
Em situações peculiares, o objeto do pedido de restituição é dinheiro, consoante
reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Súmula 417, quando, por força
de lei ou de contrato, o falido estiver na posse de quantia de terceiros, como na hipótese da
falência de uma sociedade de transporte de valores ou, em um exemplo cada vez mais corriqueiro,
de uma sociedade que tenha alienado os seus recebíveis para terceiros muito antes da falência e,
por qualquer razão, tenha recebido diretamente do devedor e ainda não tenha repassado a quantia
ao seu titular.
Embora controvertida no campo doutrinário, a jurisprudência predominante confere ao
consorciado não sorteado a prerrogativa de pedir a restituição dos valores entregues ao consórcio –
pagos –, conforme se constata pelo precedente abaixo:
35 STJ, REsp. 780.971/RS, 1ª Turma. Rel. ministro Teori Albino Zavascki. Julgamento: 05/06/2007.
70
Bens alienados fiduciariamente, arrendados ou decorrentes de compra e venda
com reserva de domínio
Em relação aos contratos de alienação fiduciária, arrendamento mercantil, compra e venda
com reserva de domínio e promessa de compra e venda com cláusula de irrevogabilidade e
irretratabilidade, os bens estão apenas na posse direta do devedor, mas o direito de propriedade –
ou equivalente – pertence ao credor. Assim, em caso de falência do devedor e diante da
arrecadação do bem, em princípio, o credor poderá pedir a sua restituição.
No que toca à competência, de rigor, se o credor já havia ajuizado algum procedimento no
foro comum para reaver o bem, como ação de busca e apreensão ou reintegração de posse, antes
da decretação da falência, o processo deveria seguir o seu trâmite normal, com a intimação do
administrador judicial e do Ministério Público, retificando-se o polo passivo.36 Esse, no entanto,
não tem sido o caminho trilhado pelas decisões mais recentes:
36
STJ, REsp 243.385/SP. Rel. ministro Aldir Passarinho Junior, 4ª Turma, Julgamento: 04/06/2002, DJ 26/08/2002, p. 225. e
STJ, REsp 847.759/MG. Rel. ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Julgamento: 01/12/2009, DJe 14/12/2009.
71
Restituição excepcional
O parágrafo único do art. 85, da LFRE, a exemplo do § 2º, do art. 76 do Decreto-Lei nº
7.661/45, permite que os bens vendidos ao falido a crédito e entregues nos 15 dias anteriores ao
requerimento de falência, se ainda não alienados, sejam restituídos ao vendedor. Prima facie, parece
tranquila a aplicação da restituição excepcional, mas vários problemas surgem a partir de um exame
mais aprofundado. Inicialmente, é preciso consignar que sobre o tema existem duas súmulas do STF.
A primeira a ser analisada é a Súmula 495. Pacificou-se o entendimento de que a restituição
só é cabível se o bem objeto da reivindicação realmente tiver sido arrecadado, pois não há que se
falar em restituição de algo que não foi arrecadado. Assim, a expressão “se ainda não alienados”
deve ser compreendida no sentido de que, se o bem já tiver sido revendido pelo falido antes da
falência, não há que se falar em restituição. O ônus da prova é da massa falida segundo
jurisprudência do STJ.
A segunda súmula a ser analisada é a 193. O termo “entrega” utilizado no parágrafo único
do art. 85 compreende só a entrega efetiva ou também inclui a entrega simbólica?
Para o STF, somente é cabível o pedido de restituição excepcional quando a entrega for
efetiva e ocorrer nesses 15 dias anteriores ao requerimento de falência. Primeiro, porque toda
exceção deve ser interpretada restritivamente. Segundo, porque, em relação à entrega simbólica,
existia o art. 44, I, do Decreto-Lei nº 7.661/45, agora art. 119, I, da LFRE, pelo qual o vendedor
poderia impedir a entrega da coisa ao comprador falido, desde que este não prove que revendeu as
mercadorias em trânsito a terceiro de boa-fé antes do requerimento de quebra.
Não podemos olvidar que o saudoso professor Rubens Requião repudiava tal
entendimento, seja porque a lei não estabelecia diferença entre a entrega efetiva e a simbólica, seja
porque o Right of Stoppage in Transitu tratava de hipótese completamente diversa, o que
dificultaria a defesa do direito do vendedor, ludibriado pelo comprador em estado de insolvência.
Outra questão interessante, cuja solução não está claramente prevista na legislação, é
quando a compra for pactuada nos 15 dias anteriores ao pedido de falência, mas a coisa só for
entregue após esse pedido. Em nossa opinião, provado que o vendedor não tomou conhecimento
do pedido de falência ou não teve como obstar a entrega da coisa, dever-se-ia permitir a
restituição do bem.
Restituição em dinheiro
As restituições em dinheiro, que não se confundem com as hipóteses albergadas pela
Súmula 417 do STF, estão previstas em quatro incisos do art. 86 da LFRE:
I. Na hipótese ventilada no inciso I do art. 86, da LFRE, o bem do terceiro arrecadado
pelo administrador judicial não mais existe ao tempo do pedido de restituição. Em
casos de desaparecimento do bem por furto ou extravio, a restituição se dará em
dinheiro, no valor da avaliação. Na hipótese de já ter sido alienado na falência, a
72
restituição se dará em dinheiro, no valor equivalente ao obtido pela massa falida. Assim,
o único requisito para a devolução do bem de terceiro é que este tenha sido arrecadado.
II. Por questões de política de incentivo às exportações, com o objetivo de redução dos
spreads bancários nos contratos de empréstimos dentro desse segmento, os valores
adiantados – emprestados – pelas instituições financeiras para os exportadores, nas
modalidades de adiantamento de contrato de câmbio e adiantamento sobre cambiais
entregues (ACC e ACE), em caso de falência do mutuário, poderão ser restituídos com
base no art. 86, II, da LFRE e no art. 75, §§ 3º e 4º, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de
1965.37 Sobre o tema, além da Súmula 307, edificada sob a égide do Decreto-Lei nº
7.661/45, a jurisprudência é firme:
III. Por fim, é cabível a restituição em dinheiro quando o juízo falimentar, ao declarar a
ineficácia de algum ato praticado pelo falido, na forma do art. 129 c/c o art. 136,
ambos da LFRE, entende que o terceiro com quem o falido negociou estava de boa-fé.
Nesse caso, mesmo com a declaração de ineficácia do negócio, todo valor
eventualmente entregue pelo terceiro ao falido deverá ser restituído, com fulcro no art.
86, III, da LFRE. Um bom exemplo seria a hipótese do credor que adquiriu do
devedor, dentro do termo legal, um bem imóvel, pagando parte do preço em dinheiro e
a outra com um crédito que tinha contra o aquele – dação em pagamento (art. 129, III,
da LFRE).
IV. Finalmente, valores recebidos pelos agentes arrecadadores e não recolhidos aos cofres
públicos, tais como o INSS e o IR retido dos empregados, passam a ser tratados, como
já advertimos, como restituições em dinheiro.
37
Importante acórdão do STJ resume todas as variáveis desses contratos e merece ser lembrado: REsp. 365.778/RS. 1ª
Turma. Rel. ministro Luiz Fux. Julgamento: 20/09/2005. DJU. 10/10/2005. p. 221. RDDT, 124-225.
73
Repise-se que o grande diferencial das restituições in natura em relação às restituições em
dinheiro é a prioridade no seu atendimento. As restituições amparadas pelo art. 85 têm absoluta
prioridade sobre todas as despesas extraconcursais, enquanto as restituições em dinheiro do art. 86
estão posicionadas em terceiro lugar na ordem de privilégio das despesas extraconcursais, na forma
do art. 84, inciso I-C38.
Rito da restituição
O procedimento do pedido de restituição está previsto no art. 87 da LFRE. Formulado o
requerimento e devidamente autuado em apartado, serão intimados, sucessivamente, o falido, o
comitê de credores, os credores e, finalmente, o administrador judicial, para se manifestarem em
cinco dias. Apesar da omissão legal, por óbvio o Ministério Público deve ser intimado para se
manifestar.
A lei permite que, “antes do trânsito em julgado da sentença”, o bem seja entregue ao
reivindicante, se prestada caução, consoante art. 90, parágrafo único, da LFRE, que deve ser
combinado com o art. 273 do CPC.
Caso qualquer das partes se manifeste contra o pedido, funcionará como contestação.
Contudo, o juiz julgará o pedido independentemente de resistência, podendo determinar a
produção de provas de ofício. Não havendo necessidade de provas, os autos serão conclusos para
sentença. Se procedente, será expedido alvará de liberação, consoante art. 88 da LFRE. Não pode
haver nenhum tipo de acordo extrajudicial, eis que não cabe devolução amigável pelo
administrador judicial. A decisão é exclusiva do juiz da falência.
Interessante é a questão do ônus de sucumbência. A infeliz redação do parágrafo único do
art. 88 da LFRE pode dar a impressão de que, em qualquer caso de resistência ao pedido, haverá
condenação da massa falida nos honorários advocatícios. No entanto, a condenação da massa
falida só pode acontecer quando a resistência vier do administrador judicial, e não de um
credor, do falido ou do Ministério Público. Uma vez negado o pedido de restituição, se o juiz
reconhecer que o requerente é credor de qualquer quantia, mandará de ofício incluí-lo no
quadro geral, com base no art. 89 da LFRE.
A decisão que aprecia o pedido de restituição continua desafiando o recurso de apelação,
sem efeito suspensivo, conforme art. 90, caput, da LFRE. No entanto, enquanto não transitar em
julgado, fica suspensa a disponibilidade da coisa, ou seja, não poderá ser alienada pela massa,
consoante art. 91, da LFRE.
Nas hipóteses de restituição em dinheiro, quando não houver saldo suficiente para o
atendimento de todos, será feito um rateio entre eles, conforme parágrafo único do art. 91 da LFRE.
38 LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Comentários à nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Coordenadores: Osmar
Brina Corrêa-Lima e Sérgio Mourão Corrêa Lima. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 621.
74
O reivindicante terá de reembolsar à massa falida as despesas com a conservação da
coisa, na forma do art. 92 da LFRE, e esse valor pode ser fixado na própria decisão que
autoriza a entrega do bem.
Em redação muito mais apropriada, a nova lei, no seu art. 93, não afasta a possibilidade do
manejo dos embargos de terceiros, quando não for cabível o pedido de restituição, ou seja, em
caso de mera turbação. As hipóteses mais comuns são os embargos de terceiro para defesa de
meação ou quando há mera turbação. O procedimento está previsto no CPC.
jurídica não está sujeito a qualquer prazo prescricional ou decadencial, podendo alcançar ex-sócios
que se retiraram da sociedade muito tempo antes da decretação da falência, desde que fique
provado que eles foram os responsáveis pelos atos de dilapidação patrimonial, decorrentes de
abuso da personalidade jurídica ou confusão patrimonial, consoante art. 50 do CC.
Os tribunais muitas vezes não percebem a sutil, mas importante, diferença entre a
desconsideração da personalidade jurídica e a “extensão dos efeitos da falência”. A primeira tem
efeitos exclusivamente patrimoniais, pois os bens da pessoa atingida serão arrecadados para o
pagamento dos credores, enquanto a segunda, mais grave, também gera efeitos pessoais,
mormente aqueles previstos no art. 104 da LFRE.
Muito embora sem previsão legal expressa no nosso ordenamento, o instituto da “extensão
da falência” vinha sendo bastante utilizado, muitas vezes sob a denominação de “desconsideração
expansiva” da personalidade jurídica. De toda forma, com a reforma, o incidente de
75
desconsideração passa a ser a única opção, a teor do que agora prevê o art. 82-A, da LFRE.
Também nessa linha de ideias, o TJSP formou sólida jurisprudência:
41
NORONHA, João Otávio; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Comentários à nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas.
Coordenação: Osmar Brina Corrêa-Lima e Sérgio Mourão Corrêa Lima. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 117.
76
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA SUJEITA À LIQUIDAÇÃO
EXTRAJUDICIAL NOS AUTOS DE SUA FALÊNCIA.
POSSIBILIDADE. A CONSTRIÇÃO DOS BENS DO
ADMINISTRADOR É POSSÍVEL QUANDO ESTE SE BENEFICIA
DO ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. – A desconsideração
não é regra de responsabilidade civil, não depende de prova da culpa,
deve ser reconhecida nos autos da execução, individual ou coletiva, e, por
fim, atinge aqueles indivíduos que foram efetivamente beneficiados com
o abuso da personalidade jurídica, sejam eles sócios ou meramente
administradores. – O administrador, mesmo não sendo sócio da
instituição financeira liquidada e falida, responde pelos eventos que tiver
praticado ou omissões em que houver incorrido, nos termos do art. 39,
Lei 6.024/74, e, solidariamente, pelas obrigações assumidas pela
instituição financeira durante sua gestão até que estas se cumpram,
conforme o art. 40, Lei 6.024/74. A responsabilidade dos
administradores, nestas hipóteses, é subjetiva, com base em culpa ou
culpa presumida, conforme os precedentes desta Corte, dependendo de
ação própria para ser apurada. – A responsabilidade do administrador sob
a Lei 6.024/74 não se confunde a desconsideração da personalidade
jurídica. A desconsideração exige benefício daquele que será chamado a
responder. A responsabilidade, ao contrário, não exige este benefício, mas
culpa. Desta forma, o administrador que tenha contribuído
culposamente, de forma ilícita, para lesar a coletividade de credores de
uma instituição financeira, sem auferir benefício pessoal, se sujeita à ação
do art. 46, Lei 6.024/74, mas não pode ser atingido propriamente pela
desconsideração da personalidade jurídica. Recurso Especial provido
(Resp 1036398/RS, Rel. ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma,
Julgamento: 16/12/2008, DJe 03/02/2009).
77
Contratos bilaterais
Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência, a exemplo do sistema anterior,
consoante determina o art. 117 da LFRE, cabendo ao administrador judicial decidir pelo seu
prosseguimento ou não, conforme interesse da massa falida. Contudo, se optar pelo
prosseguimento do contrato, tal decisão deve ser endossada pelo comitê de credores, se existir, ou
autorizada pelo juízo falimentar. Trata-se, segundo o nosso sentir, de um ato jurídico complexo.
Para rescisão, no entanto, basta a vontade do administrador, uma vez que não gera despesas
extraconcursais.
Caso o administrador judicial não se manifeste sobre o prosseguimento ou não do contrato
bilateral, o terceiro poderá interpelá-lo, judicial ou extrajudicialmente, desde que o faça no prazo
máximo de 90 dias a contar da investidura do administrador judicial, para que este diga em 10
dias se cumprirá ou não o contrato.
Registre-se que, em caso de resposta negativa ou silêncio do administrador judicial, nasce
para o terceiro contraente o direito de habilitar o valor de eventual multa rescisória na classe
própria ou de propor contra a massa, no juízo falimentar, ação de cunho indenizatório, que, em
caso de procedência, constituirá saldo quirografário. Ricardo Tepedino sugere a seguinte
interpretação:42
Ousamos discordar. As multas dos contratos bilaterais, tenham ou não se resolvido pela
falência, devem ser incluídas na classe prevista no art. 83, VII, da LFRE. Já a indenização de
que trata o art. 117, § 2º, deve ser tratada como crédito quirografário. A diferença se justifica,
na medida em que a multa é fruto da mera vontade das partes, enquanto a indenização é
decorrente de uma profunda análise pelo juiz dos prejuízos suportados pelo terceiro com o
rompimento do contrato.
42
TEPEDINO, Ricardo. Comentário ao artigo 117 da Lei 11.101/05. In: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÃO,
Carlos Henrique (Coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresa e de Falência. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 313.
78
Contratos unilaterais
Os contratos unilaterais em que o falido é o credor não se resolvem pela falência, já que
inexiste ônus para a massa falida. No tocante aos contratos unilaterais em que o falido é o
devedor, a regra é o seu vencimento antecipado, sem incidência de multa rescisória, na forma do
art. 77, c/c o art. 83, § 3º, ambos da LFRE, salvo se o administrador judicial, endossado pelo
comitê ou pelo juízo, conclua ser de interesse da massa falida realizar o pagamento da obrigação
como crédito extraconcursal, consoante art. 118, c/c o art. 84, da LFRE.
O sistema anterior disciplinava expressamente as obrigações sujeitas à condição suspensiva,
o que não se verifica na lei nova. No entanto, mesmo diante da lacuna atual, sustentamos que não
há vencimento antecipado dessas obrigações, pelo menos enquanto não se verificar a condição,
ressalvado o direito de o credor se habilitar na massa, mas o efetivo pagamento só se dará com a
implementação da respectiva condição.
Situações especiais
Conquanto existam essas duas regras gerais, outras de cunho especial devem ser observadas.
Vejamos as mais importantes.
79
Em resumo, o transportador recebe uma ordem do vendedor para não efetivar a entrega,
que pode ser judicial ou extrajudicial – contraordem. Esse direito de “estopagem” não é absoluto,
pois só pode ser exercido:
a) quando o comprador não tiver revendido a mercadoria ou
b) quando o comprador tiver revendido essa mercadoria com fraude.
Patrimônio de afetação
Embora referenciado no art. 119, IX, da LFRE, a disciplina jurídica do patrimônio de
afetação está na Lei nº 10.934/01. Em suma, por decisão dos promitentes compradores em
assembleia especial, é possível que o patrimônio de afetação não se confunda com os demais bens
do falido até o seu termo ou cumprimento do seu objetivo, sendo certo que eventual saldo credor
será revertido em favor da massa falida, enquanto eventual saldo devedor do empreendimento
deverá ser habilitado na classe quirografária.
Na hipótese de promitentes compradores desistirem do empreendimento, os seus ativos se
reverterão totalmente para a massa falida, e os créditos dos promitentes compradores serão
listados na classe dos credores quirografários.
80
Locação
Disciplinado no art. 119, VII, da LFRE, o tratamento do contrato de locação dependerá da
posição no falido no contrato. A falência do locador não importa em alteração do contrato,
devendo o administrador judicial respeitar o pacto vigente, notando-se que a intenção do
legislador é proteger a empresa do locatário. Se a falência for do locatário, aplica-se a regra dos
contratos bilaterais, isto é, nasce para o administrador judicial o poder de, a qualquer tempo,
denunciar o contrato, resolvendo-se em perdas e danos, na forma do art. 117, § 2º, c/c o art. 83,
VII, ambos da LFRE.
Algumas observações são importantes. A primeira delas é uma advertência contra eventuais
fraudes, pois já nos deparamos com casos em que a devedora, na véspera da falência, celebrou
contrato de locação dos seus principais ativos, sobretudo bens imóveis, por um prazo
extremamente longo e com um aluguel bem abaixo do valor de mercado, com uma sociedade
cujos sócios eram “testas de ferro” dos próprios devedores, algumas vezes até parentes próximos.
Também merece destaque a discussão sobre a possibilidade de ação renovatória do contrato
de locação contra a massa falida, ou do direito de preferência em caso de alienação do bem
imóvel, com fundamento no preenchimento dos requisitos exigidos pela Lei nº 8.245, de 18 de
outubro de 1991. Massa falida e sociedade falida não se confundem, sendo certo que o objetivo
do processo de falência é a liquidação de todos os bens do devedor, sem ônus para o arrematante e
pelo maior lance, razão pela qual não há nem o direito à renovação compulsória, muito menos o
de preferência, quando da alienação em hasta pública. Nesse sentido:
81
Central Cível – 24ª Vara Cível; Julgamento: 07/06/2017; Registro:
27/06/2017).
Mandato
Segundo o art. 120 da LFRE, cessa, pela falência, o mandato conferido pelo devedor
quando ligado aos negócios da empresa, salvo se o mandato for para representação judicial, que só
cessará mediante notificação do administrador judicial. Se o falido for o mandatário, só cessará o
contrato quando ligado à atividade empresarial.
Conta-corrente
Pela dicção literal do art. 121 da LFRE, encerram-se as contas-correntes por ocasião da
falência. Mesmo as ordens de pagamento emitidas antes da falência não podem ser aceitas se
apresentadas após a quebra. Eventual saldo credor será arrecadado pelo administrador judicial e
direcionado para uma conta judicial da massa falida. Eventual saldo devedor deve ser habilitado
pela instituição financeira.
43
Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e
negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar
como autor ou litisconsorte ativo.
82
Reclamações trabalhistas
A competência da Justiça Trabalhista está prevista na própria Constituição da República,44
portanto, uma lei ordinária não poderia sobrepor-se ao comando constitucional. Então, mesmo
após a decretação da falência, eventual dissídio trabalhista deve ser apreciado pela Justiça do
Trabalho e, constituído o título executivo judicial, o crédito deve ser habilitado no processo
falimentar, para que se respeite o princípio pars conditio creditorum.
Note-se que, no polo passivo, estará a massa falida, devidamente representada pelo
administrador judicial. O STF já teve oportunidade de reafirmar a sua jurisprudência após o advento
da LFRE:
44
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e
empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos
Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de
trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.
83
julgamento do processo de conhecimento. VI – Recurso extraordinário
conhecido e improvido (RE 583955, Relator: ministro Ricardo
Lewandowski, Tribunal Pleno, Julgamento: 28/05/2009, Repercussão
Geral – Mérito DJe-162 Divulg 27-08-2009 Public 28-08-2009 Ement
Vol-02371-09 PP-01716 RTJ Vol-00212-01 pp-00570).
Causas fazendárias
Adotamos o mesmo fundamento para afirmar que qualquer ação que envolva a União, os
estados, os municípios e as suas respectivas autarquias e fundações, mesmo que presente interesse
da massa falida, deve ser apreciada pelo juízo fazendário, consoante ressalva do art. 76 da LFRE e
da própria Constituição da República.45 Entretanto, a mera intervenção como amicus curiae não
desloca a competência. O STJ vem reafirmando essa orientação:
45
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés,
assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do
Trabalho.
84
1.643.856/SP e 1.643.873/SP, Rel. ministro Og Fernandes (DJe de
19/12/2017), em caso idêntico ao ora apreciado, fixou o Tema 976 de sua
jurisprudência com a seguinte tese jurídica: "A competência para processar e
julgar demandas cíveis com pedidos ilíquidos contra massa falida, quando
em litisconsórcio passivo com pessoa jurídica de direito público, é do juízo
cível no qual for proposta a ação de conhecimento, competente para julgar
ações contra a Fazenda Pública, de acordo as respectivas normas de
organização judiciária". 4. Recurso Especial provido para reconhecer a
competência do juízo da Fazenda Pública da Comarca de São José dos
Campos/SP (REsp 1799455/SP, Rel. ministro Herman Benjamin, 2ª
Turma, Julgamento: 13/08/2019, DJe 11/10/2019 – EDcl nos EDcl no
CC 136.241/SP, Rel. ministro Moura Ribeiro, 2ª Seção, Julgamento:
27/05/2015, DJe 02/06/2015).46
Execuções fiscais
Houve profunda modificação sobre o tema, no caso, benéfica para o sistema. As
execuções fiscais contra as massas falidas seguem a regra geral de suspensão, prevista no art. 6º,
inciso I, da LFRE.
Por outro lado, o juízo falimentar, de ofício, mandará instaurar um incidente de
classificação de crédito público para cada Fazenda Pública credora, com base no art. 7º-A.
É importante destacar que o § 4º desse artigo reserva ao juízo falimentar a competência,
apenas, para decidir sobre os cálculos e a classificação do crédito fiscal, enquanto as discussões
sobre a existência, exigibilidade e o valor do crédito fiscal permanecem dentro da esfera de
competência do juízo fazendário. Confira-se:
46
Nesse sentido: STJ, CC 57.640/SP. Rel. ministro Fernando Gonçalves, 2ª Seção, Julgamento: 26/09/2007, DJ 11/10/2007, p. 283.
85
III - a ressalva prevista no art. 76 desta Lei, ainda que o crédito
reconhecido não esteja em cobrança judicial mediante execução fiscal,
aplicar-se-á, no que couber, ao disposto no inciso II deste parágrafo;
IV - o administrador judicial e o juízo falimentar deverão respeitar a
presunção de certeza e liquidez de que trata o art. 3º da Lei nº 6.830, de
22 de setembro de 1980, sem prejuízo do disposto nos incisos II e III
deste parágrafo;
V - as execuções fiscais permanecerão suspensas até o encerramento da
falência, sem prejuízo da possibilidade de prosseguimento contra os
corresponsáveis;
VI - a restituição em dinheiro e a compensação serão preservadas, nos
termos dos arts. 86 e 122 desta Lei; e
VII - o disposto no art. 10 desta Lei será aplicado, no que couber, aos
créditos retardatários.
Os créditos fiscais deverão ser atualizados até a data da quebra pela taxa Selic, observando-se
que as multas tributárias devem ser informadas separadamente, uma vez que não ostentam
qualquer privilégio, muito ao contrário, conforme se verifica do disposto no art. 83, inciso VII, da
LFRE. Também é importante esclarecer que os créditos tributários por fatos geradores posteriores
à data da falência são considerados créditos extraconcursais, consoante art. 84, inciso V, da LFRE.
86
Note-se que a regra de suspensão não se aplica às demandas ilíquidas e às reclamações
trabalhistas. Nesses casos, os processos prosseguem nos respectivos juízos de origem, substituindo-
se o polo passivo para que passe a constar a massa falida, representada pelo administrador judicial.
As ações monitórias embargadas transformam-se em demandas ilíquidas para todos os fins.
Durante a tramitação das ações ilíquidas, caberá ao autor pedir ao juízo de origem a reserva
de valores estimados, no prazo decadencial máximo de três anos da falência. Acolhido o pedido de
reservas, o juízo de origem oficiará ao juízo da falência com a determinação da reserva de crédito
estimada e, uma vez transitada em julgado aquela ação e tornado líquido e certo o crédito, este
deve ser incluído no QGC na classe própria, o que entendemos deva ser feito por meio de um
novo e simples ofício do juízo de origem ao juízo da falência, e não por habilitação de crédito
retardatária.
Pelo sistema anterior, o Ministério Público, obrigatoriamente, tinha de intervir em todas
essas ações, sob pena de anulação do processo. Hoje, em razão do veto ao art. 4º da LFRE, caberá
ao membro do Ministério Público com atribuição dizer se deseja intervir ou não, conforme
vislumbre interesse público na demanda envolvendo a massa falida. A sua não intimação não é
causa de nulidade do processo, salvo se ficar evidenciado prejuízo à massa falida.
48 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 632. v. 1.
87
Ineficácia objetiva
Afirma-se, nas restritas hipóteses do art. 129 da LFRE, que a ineficácia é de natureza objetiva,
na medida em que não é preciso fazer prova da má-fé do falido ou do terceiro que com quem ele
contratou, nem mesmo do prejuízo daquele negócio para a massa falida, bastando o simples
enquadramento no rol taxativo previsto nos incisos do citado dispositivo legal. A decisão judicial
que reconhece a ineficácia objetiva tem natureza meramente declaratória e força retroativa.
Atualmente, a ineficácia objetiva pode ser reconhecida pelo juiz, de ofício ou a
requerimento de qualquer das partes durante o curso do processo, e não apenas nos autos de uma
ação revocatória. Essa possibilidade está prevista no parágrafo único do art. 129 da LFRE,49 e está
sendo prestigiada pela jurisprudência, sob o argumento de “contraditório diferido”. Vejamos:
49
Em alguns casos, quiçá na grande maioria, será muitíssimo difícil compatibilizar o reconhecimento da ineficácia de um
negócio realizado pelo falido antes da falência, de ofício, pelo juiz durante o curso do processo, com os ditames do art. 5º,
LIV, da CRFB/88 – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal –, pois ao terceiro que
realizou o negócio com o falido deve ser reconhecido o direito ao contraditório e à ampla defesa.
88
(TJSP, Agravo de Instrumento nº 2100196-85.2016.8.26.0000, 1ª
Câmara Reservada de Direito Empresarial, Relator desembargador
Hamid Bdine, Julgamento: 09/11/2016).
50
STJ, REsp 604.315/SP. Rel. ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Julgamento: 25/05/2010, DJe 08/06/2010.
89
f) As regras sobre a alienação do estabelecimento empresarial estão nos arts. 1.142-1.148
do CC. Na aplicação desse inciso, devemos observar que a venda “desmantelada” do
estabelecimento também pode ser declarada ineficaz.
g) Somente as transcrições de direitos reais realizadas após a decretação da falência é que
serão declaradas ineficazes em relação à massa falida, independentemente de prova de
prejuízo ou má-fé.
A simples venda de bem imóvel pelo devedor, mesmo realizada dentro do termo legal, não se
encontra inserida em qualquer dos incisos do art. 129, da LFRE, razão pela qual a sua ineficácia
depende da prova de má-fé das partes e de prejuízo para os credores, consoante art. 130 da LFRE.51
Ineficácia subjetiva
Embora o art. 130 utilize a expressão “são revogáveis”, a análise do negócio também se situa
no plano da eficácia, ou seja, mesmo quando procedente o pedido o ato permanece íntegro e
válido, mas os seus efeitos é que são atingidos, ou seja, o negócio não terá nenhuma eficácia
contra a massa falida.
A ineficácia relativa só pode ser reconhecida por meio da ação revocatória, na qual deve
ficar comprovada a má-fé do falido e do terceiro contratante, além do prejuízo aos credores. Essa
ação não está adstrita a nenhum rol, pois qualquer negócio realizado pelo devedor poderá ser
atacado, desde que, é claro, sejam provados o conluio e o prejuízo da massa falida.
Apesar de uma pequena resistência doutrinária, a ineficácia subjetiva não se prende a
qualquer parâmetro temporal prescricional, embora ela tenha que ser proposta em no máximo
três anos a partir da decretação da falência, sob pena de decadência. Assim, independentemente
da data do ato, ele pode ser alcançado pela ação revocatória, embora seja intuitivo que, quanto
mais antigo o ato, mais difícil será a prova da fraude e do prejuízo para os credores.
A ação revocatória é de competência do juízo indivisível da falência e processada pelo rito
ordinário. Tem legitimidade ativa para propô-la o administrador judicial, o Ministério Público e
qualquer credor, consoante art. 132 da LFRE.
O art. 133 da LFRE indica de forma clara quais são as pessoas que podem figurar no polo
passivo dessa ação, sendo certo que o falido não precisa ser chamado à lide, embora possa intervir
na condição de assistente.52
51 REsp 1197723/SP. Rel. ministro João Otávio de Noronha, 4ª Turma, Julgamento: 19/10/2010, DJe 27/10/2010.
52 STJ, REsp. 1.127.334/RS. Rel. ministro Raul Araújo, Decisão Monocrática em 31/05/2017. DJe, 08/06/2017.
90
A sentença que julga a ação revocatória desafia recurso de apelação, recebido no duplo
efeito. Alguns pontos merecem especial atenção:
a) Reconhecida a ineficácia do negócio, as partes devem retornar ao estado anterior.
Assim, o contratante de boa-fé terá direito de restituição dos bens ou dinheiro entregue
ao falido por ocasião do negócio, na forma dos art. 86, III, da LFRE.
b) Ao contratante é ressalvado o direito de propor ação de perdas e danos contra o falido
ou contra os seus garantidores.
c) O juiz poderá, durante o curso da ação revocatória, a requerimento do autor, ordenar o
sequestro do bem retirado do patrimônio do devedor e entregue ao terceiro,
preenchidos os requisitos previstos nos arts. 300 e seguintes do CPC. É evidente que, na
hipótese de ineficácia objetiva, o juiz poderá, de ofício, decretar essa medida.
d) O art. 138 da LFRE prevê que até mesmo o ato praticado em cumprimento de decisão
judicial pode ser declarado ineficaz, o que pode causar uma perplexidade inicial em face
da força da coisa julgada. No entanto, tal previsão em nenhum momento fere a coisa
julgada, uma vez que tanto a causa de pedir próxima como remota serão
completamente distintas da ação cuja decisão judicial se baseou o ato, sem olvidar os
próprios limites subjetivos da coisa julgada.
e) Na ação revocatória não tem cabimento a compensação nem a reconvenção. A ineficácia
pode ser oposta em defesa, perdendo a massa falida, entretanto, o direito de promover a
ação revocatória, pois se esgotaria a prestação da tutela jurisdicional na defesa.
91
Advirta-se que, em relação aos contratos com cláusula de arbitragem, há de se respeitar a
convenção das partes, portanto, o credor pode optar pelo procedimento arbitral para a solução de
eventual litígio sobre o valor que lhe é devido.53
Fase administrativa
Decretada a falência, oportunidade em que é nomeado o administrador judicial, o devedor
será intimado para que, em cinco dias (art. 99, III, da LFRE), apresente a relação completa de
credores, em arquivo eletrônico, se esta já não estiver nos autos (art. 105, II, da LFRE), indicando
valor, classe, referência contábil, origem da dívida e endereços de todos os credores.
Caberá ao administrador judicial imediatamente publicar essa relação de credores elaborada
pelo devedor no sítio eletrônico destinado aos processos de falência e de recuperação de
empresas54, a fim de que os credores apresentem em 15 dias eventuais habilitações de créditos, que
não constarem do rol apresentado pelo devedor, assim como qualquer divergência acerca do valor
ou da natureza dos créditos relacionados. Nada impede que o administrador judicial receba uma
habilitação ou divergência após esses 15 dias, mas antes de entregar nos autos a relação de que
trata o § 2º do art. 7º da LFRE.
Há de se destacar que, nos processos de falência iniciados a requerimento de credores,
raramente o devedor apresenta nos autos a relação de credores, razão pela qual o primeiro edital é
publicado apenas para convocar os credores para apresentarem as habilitações dos seus créditos, e
não para divergências. Frise-se ainda que, na raríssima hipótese de o devedor apresentar a lista de
credores, o administrador judicial tem a obrigação de notificá-los por carta registrada para
possibilitar eventual divergência, observando-se que o início do prazo quinzenal é sempre da
publicação do edital eletrônico.
Destaque-se que tais habilitações e divergências devem ser apresentadas diretamente ao
administrador judicial, pois esse procedimento inicial possui nítido caráter administrativo, não
fica mais sob a responsabilidade do juiz, portanto os credores não precisam de advogados nesse
momento, como também não há qualquer custo. Buscou-se a desburocratização e a desoneração
do processo de habilitação de créditos. Saliente-se que esta opção não é inédita no nosso
ordenamento, pois nos processos de liquidação extrajudicial o liquidante nomeado exerce igual
função à que agora é atribuída ao administrador da falência (arts. 22-24 da Lei nº 6.024/76).
O administrador terá o prazo total de 60 dias contados da publicação desse primeiro edital
para concluir a tarefa de verificação dos créditos, tendo como fonte de informações toda a
contabilidade e os livros fiscais e empresariais do devedor. Para hercúleo trabalho, o administrador
53
SALOMÃO, Luis Felipe; SANTOS, Paulo Penalva. Recuperação judicial, extrajudicial e falência: teoria e prática. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2015. p. 273.
54
Recomenda-se a publicação, também, no próprio sítio eletrônico do administrador e do devedor.
92
poderá contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas, mormente da área
contábil, e manterá estreito contato com o devedor. Ao final desse prazo, será publicado um
segundo edital, contendo o rol de credores segundo as conclusões do administrador judicial, que
substituirá aquele inicialmente apresentado pelo devedor (art. 7º, §§ 1º e 2º, da LFRE).
Há de se consignar que a cognição administrativa exercida pelo administrador judicial será
restrita aos requisitos formais de certeza e liquidez, não podendo avançar sobre eventuais vícios
intrínsecos dos documentos que lhe forem apresentados. A cognição administrativa, assim, não
tem a mesma profundidade da cognição judicial.
Sem medo de errar, nos processos de falência dificilmente o administrador judicial conclui
esse trabalho em 60 dias, uma vez que nesse período inicial, que é logo após a decretação da falência,
a sua atenção, como também a de todos os demais agentes do processo, está voltada
primordialmente para a arrecadação de ativos. Como praticamente não há prejuízo para o
andamento processual, visto que a relação definitiva de credores só será realmente necessária no fim
da falência, quando do início dos rateios, não se assustem, o atraso pode chegar a um ano ou mais.
Fase judicial
Chega-se, então, ao segundo edital, a partir do qual o procedimento começa a sua fase
judicial. No prazo de 10 dias contados da sua publicação, os credores, o Ministério Público, o
comitê, o falido e os seus sócios podem impugnar, judicialmente, a relação elaborada pelo
administrador, seja por desconformidade, seja por omissão da lista (art. 7º da LFRE). Note-se que
tal edital deve indicar o local em que se encontram os documentos que fundamentaram as
conclusões do administrador.
Em relação ao Ministério Público, Paulo Toledo entende que “a postura deverá mudar,
ganhando um dinamismo muito próprio de outras funções da instituição”,55 ou seja, conclui que
o prazo é comum até para o Ministério Público, que estará em igualdade de condições com os
demais legitimados para fins de impugnação da relação elaborada pelo administrador judicial.
Embora na prática o Ministério Público não apresente impugnação de crédito, defendemos que o
seu prazo só começa a contar a partir da vista dos autos.
Desde logo, convém ressaltar que a ausência de apresentação de divergência na fase
administrativa não impede que o crédito seja objeto de impugnação na fase judicial.56 Também
55 TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles. Comentário ao artigo 8º da Lei 11.101/05. In: TOLEDO, Paulo Fernando
Campos Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (Coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresa e de Falência. São
Paulo: Saraiva, 2005, p. 25.
56 Nesse sentido: CAVALLI, Cássio; AYOUB, Luiz Roberto. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de
empresas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 177.
93
merece destaque o fato de que o impugnante pode levantar qualquer questão de fato ou de direito
na sua impugnação, inclusive exceptio non adimpleti contractus.57
Cada impugnação será autuada em apartado, e os titulares dos créditos impugnados serão
intimados para contestarem no prazo de cinco dias (art. 11 da LFRE). Após, também serão
intimados para se manifestarem, no mesmo prazo, sucessivamente, o devedor, o comitê de
credores e o administrador judicial, que deverá juntar, se for o caso, laudo pericial e todos os
documentos que entender pertinentes (art. 12 da LFRE). Note-se que a lei não prevê a oitiva do
Ministério Público, embora ela seja intuitiva e de toda conveniente em razão da sua função de
custos legis.
Outra questão relevante se traduz na aparente violação do princípio do contraditório, pois a lei
prevê que o administrador poderá juntar documentos e, até mesmo, um laudo pericial sobre o objeto
da impugnação, mas não exige que nesses casos as partes tomem sequer ciência do que foi juntado a
posteriori pelo administrador. Destarte, toda vez que alguma das partes juntar aos autos qualquer
documento, as demais devem ser intimadas para tomarem conhecimento e, se assim entenderem,
fazerem alguma ponderação ou contraprova.
Finalmente, os autos serão conclusos ao juiz. Nesse momento, segundo a lei (art. 15 da
LFRE), o juiz deverá adotar as seguintes providências:
a) Determinar a inclusão no quadro geral dos créditos não impugnados – Ora, a tarefa não é
assim tão fácil. O juiz poderá retificar ou até mesmo excluir um crédito não impugnado,
de ofício, em razão da natureza mista das funções que exerce no processo falimentar.
b) Julgar as impugnações de plano, quando não necessitar de dilação probatória –
Entendendo que as informações nos autos são suficientes, em outras palavras, que a
causa está “madura”, o juiz poderá julgar antecipadamente o mérito.
c) Resolver as questões processuais pendentes, fixar os pontos controvertidos e determinar as
provas a serem produzidas, inclusive designando audiência de instrução e julgamento, se
necessária – Enquanto não decidida definitivamente a impugnação, o juiz determinará a
reserva do valor necessário ao pagamento do crédito e não impedirá o pagamento da
parte incontroversa (art. 16, § 1º, da LFRE).
57 COLOMBO, Giuliano; COSTA, Patrícia Barbi. Direito falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas.
Coordenação: Luiz Fernando Valente de Paiva. São Paulo: Quartier, 2005. p. 150.
94
Habilitações e impugnações retardatárias
Como já aludido, os créditos não constantes da relação elaborada pelo devedor devem ser
habilitados no prazo de 15 dias a contar da publicação do primeiro edital, direta e
extrajudicialmente, perante o administrador judicial.
Ultrapassado esse prazo, a habilitação deverá ser tratada como retardatária (art. 10 da LFRE) e
tramitará pelo rito das impugnações de crédito, caso apresentadas até a homologação do QGC.
Após a homologação do QGC, as habilitações retardatárias serão processadas pelo rito ordinário.
A habilitação retardatária de um crédito tem consequências: os seus titulares arcarão com as
custas judiciais e não terão direito de voto nas assembleias enquanto não homologado o QGC
contendo o referido crédito, salvo os trabalhistas, ou se já julgada a habilitação retardatária até a
véspera da realização da assembleia (art. 39 da LFRE).
Os credores retardatários também não terão direito aos rateios já distribuídos, nem aos
acessórios compreendidos entre o término do prazo e a data do pedido de habilitação, embora
possam requerer a reserva correspondente ao valor dos seus créditos.
O grande destaque da reforma de 2020 em relação às habilitações de crédito nas falências é
a criação do prazo decadencial no § 10 do art. 10, da LFRE. Segundo essa nova regra, os credores
devem apresentar o pedido de habilitação ou o pedido de reserva de crédito em no máximo três
anos, sob pena de decadência.
Hão de ser feitas pequenas considerações sobre essa nova regra. Devemos lembrar que o
pedido de reserva de crédito não é direcionado ao juízo falimentar, mas, sim, ao juízo onde se
processa a ação ilíquida, que pode ser um juízo trabalhista, de juizado cível ou de vara cível
comum, consoante art. 6º, § 3º, da LFRE.
Ocorre que, segundo a jurisprudência amplamente dominante, esse juízo de origem pode
deferir ou não o pedido de reserva de crédito, com base na cognição sumária que exerce na análise
das provas dos autos no momento desse pedido. Confira-se:
95
aferição do título reivindicado, pode constatar sua certeza e liquidez e
estimar seu valor.
3. Recurso especial desprovido.
(REsp 1518597/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 09/11/2015).58
58
Nesse sentido: AgInt no AREsp 1224002/RS, Rel. ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 29/10/2018, DJe
31/10/2018; e AgInt no AREsp 1224002/RS, Rel. ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 29/10/2018, DJe
31/10/2018.
59
Pela impossibilidade em razão da preclusão – TJRS, AI 70073456436, 5ª Câmara Cível. Rel. desembargador Jorge Luiz
Lopes do Canto, Julgamento: 30/08/2017; pela possibilidade em face da analogia à habilitação retardatária – TJSP, AI
2093743-74.2016.8.26.0000 – Relator: Carlos Alberto Garbi; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 2ª Câmara Reservada de
Direito Empresarial; Julgamento: 31/10/2016; e TJRJ, AI 0052589-08.2016.8.19.0000. Desembargador Gilberto Campista
Guarino – Julgamento: 15/03/2017 – 14ª Câmara Cível.
96
impugnação à relação de credores, a qual deve ser recebida e processada
como retardatária, nos termos dos arts. 8º e 10º, § 5º, da Lei 11.101/05,
pois para ser considerada intempestiva não basta estar fora do prazo de 10
(dez) dias estabelecido no artigo 8º da Lei n. 11.101/2005, deve ser
posterior à homologação do quadro geral de credores. É o relatório.
Decido. O inconformismo merece prosperar. 1. A discussão, na origem,
versa sobre pedido de impugnação aos créditos apresentados pela parte
ora recorrida, para fins de correção, porquanto os valores arrolados no
Edital não corresponderiam ao efetivamente devido. Na instância
ordinária o pleito não restou conhecido, porque interposto fora do prazo
previsto no art. 8º, da Lei 11.101/05. [...]. Todavia, segundo
entendimento jurisprudencial adotado por este Superior Tribunal de
Justiça, é possível a retificação dos créditos apresentados, mesmo após a
respectiva homologação do plano de recuperação judicial. Neste sentido:
(REsp 1371427/RJ, Rel. ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma,
Julgamento: 06/08/2015, DJe 24/08/2015). 2. Ante o exposto, com
amparo na Súmula 568 do STJ, dou provimento ao reclamo para,
afastando a intempestividade reconhecida pela Corte de origem,
determinar a análise da impugnação dos créditos apresentada pela parte
ora recorrente (STJ, Agravo em Recurso Especial nº 1.476.354-RS
(2019/0071222-1). Relator: ministro Marco Buzzi. 4ª Turma.
Julgamento: 21/05/2019).
60
Fomos nós que sugerimos à equipe técnica que assessorou o Exmo. deputado Hugo Leal a expressa referência às
“impugnações retardatárias”, para pôr fim a essa divergência.
97
Entretanto, o não atendimento ao prazo de 10 dias previsto no art. 8º da LFRE tem
consequências. A homologação e a publicação do QGC não dependem do julgamento das
impugnações e das habilitações apresentadas fora do prazo legal e enquanto não for julgada a
impugnação retardatária o credor votará nas AGCs com o valor e na classe indicados na relação
do administrador judicial.
98
Também a partir da decretação da falência são suspensos os prazos prescricionais das ações
em face do falido, mas não os decadenciais, conforme art. 6º, I, da LFRE.
Compensação de créditos
Segundo o art. 122 da LFRE, outrora art. 46 do Decreto-Lei nº 7.661/45, provenha ou não
o vencimento de uma dívida do falido da sentença de quebra, opera-se a compensação nos moldes
da legislação civil, com preferência sobre quaisquer outros. Em suma, caso um credor do falido
também seja o seu devedor, sobrevindo a falência, ocorre o vencimento antecipado do crédito e
opera-se a compensação.
Um caso envolvendo o instituto da compensação tem-se mostrado recorrente nos processos
de falência e até de recuperação judicial. A Justiça do Trabalho tem condenado as sociedades
tomadoras de serviço, em caráter subsidiário, ao pagamento de verbas trabalhistas inadimplidas
pelas prestadoras de serviço. Em consequência, a sociedade tomadora do serviço, por força
contratual, retém valores devidos à sociedade prestadora que, em algum momento, sofre falência
ou pede recuperação judicial.
Em casos assim, admite-se a compensação ou deve a sociedade tomadora habilitar
integralmente o crédito – valor pago aos trabalhadores da prestadora de serviço –, aguardando o
seu lugar na fila, e pagar o que deve – valores retidos – a sociedade falida?
Filiamo-nos à posição que admite a compensação, prestigiada no seguinte julgado do
Tribunal Paulista, que reformou a decisão do MM. Juízo da 1ª Vara de Falências e Recuperações
Judiciais de São Paulo:
99
Há, no entanto, um obstáculo à compensação. Não poderão ser compensados os créditos
transferidos após a decretação da falência ou durante o estado de insolvência, cujo início, por
analogia, deve ser considerado o termo legal.
Por fim, a despeito das opiniões em contrário, o momento e o local adequados para se
requerer a compensação é na verificação de créditos, ou seja, no bojo de uma habitação,
divergência ou impugnação de crédito.61
61 TEPEDINO, Ricardo. Comentário ao artigo 122 da Lei 11.101/05. In: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÃO,
Carlos Henrique (Coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresa e de Falência. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 333.
62 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 321-322. v. 1.
100
falido, várias obrigações devem ser honradas no decorrer do processo falimentar, em obediência ao
disposto no art. 149 da LFRE. Por conseguinte, para a correta compreensão das prioridades
legais, é imprescindível que o quadro geral de pagamentos seja dividido, ao menos, em dois
blocos, a saber: credores extraconcursais e credores concursais.
Credores extraconcursais
As primeiras obrigações a serem adimplidas no processo de falência, em estrita obediência ao
comando previsto no art. 149 da LFRE, são as restituições in natura, amparadas no art. 85 da LFRE.
Depois do atendimento dessas restituições, vêm os créditos extraconcursais do art. 84 da LFRE,
cuja ordem foi sensivelmente modificada pela reforma promovida pela Lei nº 14.112/20. Vejamos:
101
§ 1º As despesas referidas no inciso I-A do caput deste artigo serão pagas
pelo administrador judicial com os recursos disponíveis em caixa.
§ 2º O disposto neste artigo não afasta a hipótese prevista no art. 122
desta Lei. (NR)
Credores concursais
Sobrando recursos em caixa após o atendimento das restituições do art. 85 e das despesas
extraconcursais do art. 84, a massa falida finalmente poderá dar início ao pagamento dos credores
concursais, obedecendo à ordem prevista no art. 83 da LFRE, pontualmente alterado pela Lei
nº 14.112/20, a conferir:
102
b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício
cuja contratação não tenha observado as condições estritamente
comutativas e as práticas de mercado; e
IX - os juros vencidos após a decretação da falência, conforme previsto no
art. 124 desta Lei.
§ 1º Para os fins do inciso II do caput deste artigo, será considerado
como valor do bem objeto de garantia real a importância efetivamente
arrecadada com sua venda, ou, no caso de alienação em bloco, o valor de
avaliação do bem individualmente considerado.
§ 2º Não são oponíveis à massa os valores decorrentes de direito de sócio
ao recebimento de sua parcela do capital social na liquidação da sociedade.
§ 3º As cláusulas penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se
as obrigações neles estipuladas se vencerem em virtude da falência.
§ 4º (Revogado).
§ 5º Para os fins do disposto nesta Lei, os créditos cedidos a qualquer
título manterão sua natureza e classificação.
§ 6º Para os fins do disposto nesta Lei, os créditos que disponham de
privilégio especial ou geral em outras normas integrarão a classe dos
créditos quirografários. (NR)
As principais mudanças foram a aglutinação dos créditos com privilégios geral e especial na
classe dos quirografários e a instituição da regra que mantém a classificação do crédito cedido,
mesmo os de natureza trabalhista.
64
TJSP; Agravo de Instrumento 2027032-53.2017.8.26.0000; Relator: Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara
Reservada de Direito Empresarial; Foro de Jaú – 3ª Vara Cível; Julgamento: 29/08/2017; Registro: 29/08/2017.
103
quirografário. Para esse “limitador de privilégio”, porém, deve-se levar em conta o valor do
salário-mínimo da data do pagamento, e não da habilitação do crédito.65
Discordamos frontalmente da jurisprudência, amplamente majoritária66, que equipara
outras verbas de natureza alimentar aos créditos trabalhistas, como os honorários advocatícios,
seja por absoluta falta de amparo legal, seja porque, se assim o fizermos, também deveremos
equiparar aos créditos trabalhistas os honorários dos contadores, dos economistas, dos médicos e
de todas as sociedades profissionais, prejudicando justamente os trabalhadores hipossuficientes
regidos pela CLT. Todo crédito trabalhista tem natureza alimentar, mas nem todo crédito
alimentar tem natureza trabalhista.
65
TJSP; Agravo de Instrumento 0173728-05.2011.8.26.0000; Relator: Araldo Telles; Órgão Julgador: N/A; Foro de Campo
Limpo Paulista – 2ª Vara Judicial; Julgamento: 13/12/2011; Registro: 13/12/2011.
66
STJ, REsp 1152218/RS, Rel. ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 07/05/2014, DJe 09/10/2014
(Repetitivo – Tema 637).
104
é aquele apurado até a data da decretação da falência, acrescido de correção monetária pelo índice
adotado pelo tribunal local, consoante remansosa jurisprudência do STJ67.
Créditos quirografários
Ordinariamente, quirografários são os créditos que não possuem qualquer tipo de privilégio
ou garantia real.
Contudo, após a reforma de 2020, ao menos nos processos falimentares, os créditos com
privilégios geral e especial passam a ter o mesmo tratamento dos créditos quirografários.
Também recebem o tratamento de quirografário os créditos trabalhistas que excedem o
patamar de 150 salários-mínimos e os créditos com garantia real que excedem o valor obtido com
a venda do bem gravado.
Créditos subordinados
A lei e os contratos podem estipular que o crédito tenha natureza subordinada. São
subordinados, por exemplo, os créditos de certas debêntures, conforme art. 58, § 4º, da Lei nº
6.404/76.
67
STJ, Recurso Especial nº 1.572.858 – RS (2015/0310174-8). Relatora: ministra Regina Helena Costa. Decisão monocrática
em 18/12/2015, publica em 03/02/2016.
68
TJSP; Apelação 9172080-70.2007.8.26.0000; Relator: Claudio Godoy; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro
de Santos – 9ª Vara Cível; Julgamento: 08/10/2013; Registro: 09/10/2013.
69
STJ, REsp 1327067/DF, Rel. ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 28/08/2012, DJe
03/09/2012.
70
STJ, REsp 1808315, Rel. ministro Luis Felipe Salomão. Decisão monocrática publicada em 02/02/2021.
105
Também são subordinados os créditos dos sócios e dos gestores da empresa, ou seja, dos
seus administradores sem vínculo de emprego. Logo, se os sócios tiverem direito a créditos
decorrentes de dividendos retidos, de um contrato de empréstimo ou de locação, estes serão
considerados subordinados.
A mesma disciplina deve ser aplicada aos pró-labores não pagos aos gestores da empresa,
quando a “contratação não tenha observado as condições estritamente comutativas e as práticas de
mercado” (art. 83, VIII, letra “b”, da LFRE), em especial quando os valores arbitrados a esse
título extrapolarem muito a média praticada naquele segmento e para empresas naquela situação
de dificuldade.
Credor alimentar
Uma questão infelizmente tangenciada pela doutrina tem-se mostrado latente nos
processos de falência: como deverão ser classificados os créditos decorrentes do
pensionamento determinado em razão de uma ação indenizatória não trabalhista, ou seja, que
não possa ser inserida como acidente de trabalho?
Pensemos na hipótese de uma empresa de ônibus condenada a pagar uma vultosa
indenização por danos morais e materiais a uma vítima de acidente, além de uma pensão
equivalente a R$ 2.500,00 por mês até que a vítima, de 25 anos de idade, complete 75 anos.
Além de não pagar a indenização por danos morais e materiais, a empresa condenada também não
honrou com o pensionamento, muito menos chegou a constituir o capital garantidor. Por fim, o
que acontece se essa sociedade vier a falir?
Parece-nos que as indenizações pelos danos morais e materiais emergentes deverão ser
consideradas como créditos quirografários. Porém, o que dizer em relação às pensões?
Não temos a intenção de trazer uma solução definitiva, mas apenas despertar atenção para
esse grande dilema que temos enfrentado no dia a dia dos processos de falência. São devidas as
prestações vincendas? Deve-se antecipar todo o saldo para valor presente? Qual a classificação,
trabalhista ou quirografário?
Depois de muita reflexão, defendemos que o valor do pensionamento, vencido e vincendo,
deve ser equiparado ao crédito por acidente de trabalho, por analogia, enquanto as demais verbas,
como já alinhavado, devem ser classificadas como quirografárias. Nesse sentido:
106
83, I). Demais verbas que continuam habilitadas como créditos
quirografários. Recurso provido (TJSP; Agravo de Instrumento
2036132-32.2017.8.26.0000; Relator: Hamid Bdine; Órgão Julgador: 1ª
Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Bauru – 6ª Vara
Cível; Julgamento: 30/08/2017; Registro: 30/08/2017).
Realização do ativo
O início da realização do ativo deve ocorrer imediatamente após a sua arrecadação, a fim de
não desrespeitar o prazo máximo de liquidação dos ativos de 180 dias, instituído pela reforma de
2020. Os arts. 139 a 148 da LFRE disciplinam a realização dos ativos nos processos falimentares.
O art. 140 da LFRE prevê as formas de realização do ativo e estabelece uma ordem de
preferência para a adoção do tipo escolhido. Assim, preferencialmente, a realização do ativo deve
seguir a seguinte ordem:
a) “alienação da empresa”, com a venda dos seus estabelecimentos em um único bloco;
b) “alienação da empresa”, com a venda das suas filiais ou unidades produtivas
isoladamente;
c) alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor,
formando o que, na prática, chamamos de lotes, e
d) alienação dos bens de forma individual.
Proteção ao arrematante
O ponto alto desse tema é a significativa mudança de tratamento às alienações judiciais nos
processos de falência. Com o inegável objetivo de maximizar o ativo, o legislador buscou tornar os
bens que integram o patrimônio falimentar mais atrativos e, com efeito, consignou, no inciso II
do art. 141 da LFRE, que os bens serão alienados livres e desembaraçados de quaisquer ônus, e o
arrematante não será sucessor do devedor, nem mesmo nas obrigações trabalhistas e tributárias.
A regra comporta algumas exceções, a fim de não permitir que essa “blindagem” seja
utilizada para fins ilícitos. Dessa forma, haverá sucessão quando ficar provado que o arrematante
representa, de alguma forma, os interesses do próprio devedor.
71
SZTAJN, Raquel; TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (Coords.). Comentários à Lei de
Recuperação de Empresa e de Falência. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 376.
107
Assim, o inciso I do art. 141, § 1º, da LFRE prevê, na sua primeira parte, que haverá
sucessão no passivo quando o adquirente for um dos sócios da sociedade falida. Não importa o
tamanho da sua participação no capital social da sociedade falida, qualquer dos seus sócios que
vier a adquirir a empresa responderá integralmente pelo passivo comum contabilizado, pelo
tributário e pelo trabalhista.
Já a segunda parte do inciso I dispõe que, se o arrematante for uma pessoa jurídica
controlada pelo falido ou, realisticamente, pela sociedade falida, esta responderá integralmente
pelo passivo. Registre-se que o conceito de controlador não se restringe à concepção de sócio
com mais de 50% do capital votante.72
Tomando como base o art. 116 da Lei de Sociedades por Ações, acionista controlador é
aquele que, direta ou indiretamente, é titular de ações com direito de voto que lhe assegure, de
modo permanente,73 preponderância nas deliberações sociais, e o poder de eleger a maioria dos
administradores e de dirigir efetivamente os negócios de outra sociedade, denominada sociedade
controlada. Desse modo, constatado que a arrematante é uma sociedade controlada pela sociedade
falida, aquela responderá por todo o passivo da empresa adquirida.
É imperioso registrar que existe ao menos uma hipótese não contemplada expressamente no
dispositivo, mas que exige muito cuidado: deve ocorrer sucessão quando a arrematante for
sociedade controlada por sócio da sociedade falida?
A indagação se mostra pertinente, pois é bastante plausível que uma determinada pessoa
seja sócia da sociedade falida e, ao mesmo tempo, de outra sociedade que atue no mesmo ramo.
Nesses casos, haveria sucessão por incidência da exceção prevista no § 1º do art. 141 da LFRE?
Efetivamente, o quadro apresentado não encontra previsão expressa no dispositivo em
comento. Entretanto, defende-se neste trabalho que o simples fato de existir um sócio comum à
sociedade falida e à sociedade arrematante não pode ser empecilho à aplicação da regra que veda a
sucessão. Ocorre que, se verificado que o sócio em comum é o verdadeiro controlador de ambas as
sociedades, atende melhor ao espírito da lei enquadrar essa hipótese dentro das exceções previstas
no § 1º do art. 141 da LFRE. No que se refere ao disposto no inciso II do art. 141, § 1º, da
LFRE, este reflete a preocupação do legislador de impedir que parentes sejam utilizados como
instrumento para ludibriar proibições legais impostas a determinadas pessoas. A hipótese,
entretanto, conserva o equívoco já constatado no inciso I. Se a arrematante for uma sociedade
cujos sócios sejam parentes até o 4º grau de sócio da sociedade falida, há sucessão?
Por fim, o inciso III do art. 141, § 1º, da LFRE, tem por objetivo agasalhar todas as
hipóteses não contempladas nos incisos anteriores, mas que revelem, por outro lado, alguma
forma de fraude na sucessão. O objetivo do legislador foi alcançar os denominados “laranjas” ou
73 O mesmo Banco Central entende que a expressão “permanente” deve ser entendida como três assembleias gerais
consecutivas.
108
“testas de ferro” do falido ou dos sócios da sociedade falida. Nesse sentido, os termos usados pelo
legislador são absolutamente apropriados, deixando para o juiz, diante do caso concreto, a análise
dos fatores que indiquem ou não a presença da fraude. Para a professora Raquel Sztajn:
74 SZTAJN, Raquel; TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (Coords.). Comentários à Lei de
Recuperação de Empresa e de Falência. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 387.
75 COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 366; STJ, AgRg no CC 61272/RJ. 2ª Seção. Rel. ministro Ary Pargendler. Julgamento:
14/06/2006. DJ, 09/11/2006, p. 249.
109
Há também a possibilidade de a hasta pública se realizar por meio de “processo competitivo
organizado promovido por agente especializado e de reputação ilibada, cujo procedimento deverá
ser detalhado em relatório anexo ao plano de realização do ativo ou ao plano de recuperação
judicial, conforme o caso” (art. 142, IV, da LFRE). Seria o caso, por exemplo, da utilização de
corretores para venda de imóveis ou de corretoras de valores mobiliários para a alienação de ativos
financeiros, ações ou debêntures.
Como terceira opção, a alienação pode-se dar por “qualquer outra modalidade, desde que
aprovada nos termos desta Lei”, consoante art. 142, inciso V, da LFRE, que ao final e ao cabo
confirma o comando previsto no art. 144 da LFRE. Normalmente, isso ocorre quando a alienação
é de uma Unidade Produtiva Isolada (UPI) ou de um bem imóvel de grande valor, uma vez que
as peculiaridades do caso concreto podem exigir uma formatação especial, tal como ocorreu no
caso da alienação das UPIs do Grupo OI76. É óbvio que a construção dessa modalidade alternativa
não poderá ofender a ordem jurídica e passará pelo controle de legalidade do juízo.
Uma das possibilidades mais comuns é a apresentação nos autos de uma proposta concreta
de algum interessado, denominado de stalking horse, que deve ser publicada por meio de um
edital, a fim de possibilitar a participação de novos interessados, que se devem habilitar
previamente para terem o direito de apresentar propostas superiores. Normalmente, são
conferidas algumas vantagens ao stalking horse, entre elas:
Right to top – Caso um terceiro apresente uma proposta superior àquela do stalking horse,
ele terá o direito de interromper a disputa se cobrir essa proposta, em um percentual
previamente definido, usualmente entre 2% e 5%.
Right to match – Caso um terceiro apresente uma proposta superior àquela do stalking
horse, ele terá o direito de interromper a disputa se igualar essa proposta.
Taxa break-up – Caso o stalking horse perca a disputa para um terceiro, ele será
indenizado em um valor previamente definido, como compensação pelo tempo e pelos
valores gastos durante a negociação e avaliação do bem alienado.
76
Disponível em: https://recuperacaojudicialoi.com.br/wp-content/uploads/2020/10/edital-de-alienacao-upi-torres-djerj-19-10-
2020.pdf.
110
§ 3º-B, da LFRE e prestigia o princípio da participação ativa dos credores nos processos de falência e
de recuperação judicial. Confira-se:
Disposições comuns
Por derradeiro, temos de atentar para algumas regras comuns, isto é, aplicáveis qualquer
que seja a modalidade escolhida:
1ª. O Ministério Público e as Fazendas Públicas deverão ser intimados por meio eletrônico,
sob pena de nulidade.
2ª. As publicações devem ocorrer em sites próprios, dedicados aos processos de falência e de
recuperação judicial, pelo menos cinco dias antes da data designada para o leilão, conforme art.
887, § 1º, do CPC.
3ª. Os lances e as propostas são irretratáveis, incorrendo os faltosos nas obrigações previstas
no edital e no CPC.
4ª. A alienação poderá ser impugnada em 48 horas da arrematação por qualquer credor,
pelo devedor ou pelo Ministério Público.
5ª. A impugnação com base no preço da alienação só será recebida se acompanhada de uma
proposta firme e superior à considerada vencedora, com depósito de 10% a título de caução.77
6ª. O produto da alienação deve ser depositado em nome da massa falida em uma conta
remunerada.
7ª. É possível estabelecer regras excepcionais para qualquer hasta pública, desde a assunção
pelo arrematante de determinadas obrigações, até a necessidade de apresentação de documentos
77
Entendemos que não basta a apresentação de uma proposta superior à vencedora para impugnar a arrematação,
sendo imprescindível que ele comprove a razão da sua ausência na hasta pública. Admitida a impugnação, defendemos
que o juiz deve dar ao arrematante a oportunidade de cobrir a proposta do impugnante, encerrando a questão.
111
ou de uma caução para que ele possa participar do certame, desde que essas exceções estejam
claramente definidas nos termos do edital.
8ª. Os princípios que se destacam nessa fase do processo são o da maximização do ativo e da
participação ativa dos credores.
9ª. Duas ou mais massas falidas podem promover a alienação conjunta de bens, desde que
essa estratégia seja benéfica para ambas, otimizando custos e maximizado os frutos.
Prestação de contas
Depois de realizado todo o ativo e rateado o seu produto entre os credores, o administrador
prestará as suas contas em 30 dias. Logo em seguida, qualquer interessado poderá apresentar
impugnação às contas do administrador judicial, sendo certo que o parecer contrário do
Ministério Público, que será ouvido no prazo de cinco dias, será tido como impugnação.
Havendo impugnação, o administrador judicial deverá ser ouvido no prazo que o juiz
entender mais adequado, podendo produzir ou requerer a produção de provas. Ao final, as contas
serão julgadas por sentença, que desafia recurso de apelação.
A sentença que não aprovar as contas fixará desde logo a indenização devida pelo
administrador à massa falida, hipótese em que o processo falimentar não poderá ser encerrado,
pelo menos enquanto não executada essa sentença pelo novo administrador judicial, tudo na
forma dos arts. 154-156 da LFRE. O juiz poderá ainda decretar a indisponibilidade ou o arresto –
não o sequestro – dos bens do ex-administrador judicial.
Encerramento da falência
Depois de aprovadas as contas, o administrador apresentará um relatório final, resumindo o
processo, e quatro pontos são obrigatórios:
I. indicação do valor do ativo realizado;
II. valor do passivo declarado;
III. pagamentos feitos aos credores concursais e extraconcursais, estes já declarados na
prestação de contas, e
IV. indicação expressa da responsabilidade do falido, individualizando as classes e os credores
concursais que não foram pagos e o percentual do saldo em aberto.
112
Incidente de extinção das obrigações: a reabilitação do
falido
A reabilitação do falido, disciplinada no art. 158 e seguintes da LFRE, tem funcionado como
forma de extinção das responsabilidades civis e criminais, dando-lhe feição híbrida, com natureza
inegavelmente desconstitutiva, pois permite que o devedor volte a exercer atividade empresarial.
É induvidoso, contudo, que não existe interesse algum dos sócios em retornar ao mercado
por meio da sociedade que um dia foi falida. O verdadeiro objetivo do incidente de extinção das
obrigações sempre foi “desvincular” o “CPF” dos sócios do “CNPJ” de uma sociedade falida, a
fim de que outras pessoas jurídicas das quais participem não enfrentem restrições para obtenção
de crédito, sobretudo perante as instituições financeiras.
O pedido de extinção das obrigações do falido será autuado em apartado e pode ter as
seguintes causas de pedir:
Art. 158. Extingue as obrigações do falido:
I - o pagamento de todos os créditos;
II - o pagamento, após realizado todo o ativo, de mais de 25% (vinte e
cinco por cento) dos créditos quirografários, facultado ao falido o
depósito da quantia necessária para atingir a referida porcentagem se para
isso não tiver sido suficiente a integral liquidação do ativo;
III - (revogado);
IV - (revogado);
V - o decurso do prazo de 3 (três) anos, contado da decretação da
falência, ressalvada a utilização dos bens arrecadados anteriormente, que
serão destinados à liquidação para a satisfação dos credores habilitados ou
com pedido de reserva realizado;
VI - o encerramento da falência nos termos dos arts. 114-A ou 156 desta
Lei.
113
obrigações do falido pelo decurso do prazo de três anos da decretação da falência, fenômeno esse
denominado pela doutrina de fresh start.
Inicialmente, salientamos que o instituto do fresh start tem raízes no princípio da dignidade
da pessoa humana e, com todas as vênias aos entendimentos em contrário, só deve ser aplicado na
sua integralidade aos empresários individuais e aos sócios pessoas naturais com responsabilidade
ilimitada.
De fato, se já é difícil imaginar a volta ao mercado de uma sociedade empresária que já foi
falida, é absolutamente impensável esse retorno ainda durante a tramitação do seu processo de
falência, tão somente porque já se passaram três anos da sentença de quebra.
No que toca às pessoas jurídicas cujos titulares ou sócios possuem responsabilidade
limitada, a falência daquelas não impede e nunca impediu que estes permanecessem ou
retornassem ao mercado por meio de outras pessoas jurídicas.
Defendemos, portanto, que o pedido de extinção das obrigações de uma pessoa jurídica falida
(sociedade empresária ou Eireli) pelo decurso de três anos da sentença de falência, uma vez acolhido,
terá como única consequência a sua total desvinculação dos sócios ou titular em todos os cadastros
públicos e privados, ressalvada a possibilidade de ação rescisória prevista no art. 159-A.
Com efeito, ao nosso sentir, mesmo após a sentença de extinção das obrigações de uma
pessoa jurídica falida, e enquanto não encerrado o processo de falência, será possível a arrecadação
dos seus bens e direitos para posterior liquidação em benefício dos credores.
Caso se entenda pela aplicação integral do instituto do fresh start às pessoas jurídicas falidas,
deixamos aqui alguns questionamentos que terão de ser respondidos pela doutrina e pela
jurisprudência:
a) Descoberto algum bem (antigo) da sociedade falida após a sentença de extinção de
obrigações, ele deve ser arrecadado e liquidado em favor dos credores ou entregue aos
sócios para distribuição entre eles na forma de haveres?
b) Na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, qual deve ser o termo a quo
para a contagem do prazo de três anos, a sentença de quebra ou a decisão que
desconsiderou a personalidade jurídica?
c) Como ficam os incidentes de desconsideração da personalidade jurídica já iniciados antes
da sentença de extinção das obrigações, mas ainda sem decisão?
d) Pode ser instaurado um IDPJ após a sentença de extinção de obrigações?
e) Ainda é possível o ajuizamento da ação de responsabilidade prevista no art. 82 após a
sentença de encerramento da falência?
O requerimento deve ser processado em apartado (art. 159, § 6º, da LFRE) como um
incidente processual é decidido por sentença, que desafia recurso de apelação (art. 159, § 5º,
da LFRE).
114
Ademais, qualquer credor pode propor ação rescisória contra a sentença ou acórdão que
extinguir as obrigações do falido, desde que o faça no prazo decadencial de dois anos, a contar do
trânsito em julgado, e que comprove que o falido tenha sonegado bens, direitos ou rendimentos
de qualquer espécie anteriores à data do requerimento.
78
STJ, REsp 834.932/MG. Rel. ministro Raul Araújo, 4ª Turma, Julgamento: 25/08/2015, DJe, 29/10/2015.
115
116
MÓDULO III – RECUPERAÇÃO DE
EMPRESAS
79
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 134.
destinada a exercer o seu objeto para atender aos interesses de acionistas, empregados e
comunidade”.
Ou seja, em razão da sua função social, a empresa deve ser preservada sempre que possível,
pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e o
desenvolvimento social do País. Além disso, a extinção da empresa provoca a perda do agregado
econômico representado pelos chamados intangíveis, como nome, ponto comercial, reputação,
marcas, clientela, rede de fornecedores, know-how, treinamento e perspectiva de lucro futuro,
entre outros.
Alterações legislativas
Depois da sua publicação, em 9 de fevereiro de 2005, a LFRE sofreu pequenas alterações
em decorrência da Lei Complementar nº 147/2014, em uma vã tentativa de melhorar o sistema
em benefício das micro e pequenas empresas. No entanto, a profunda alteração ocorreu apenas
com a publicação da Lei nº 14.112, em 24 de dezembro de 2020, que aglutinou diversos projetos
de lei que estavam tramitando há anos no Congresso Nacional.
Nessa grande reforma de 2020, nem todos os nós do sistema foram desatados, mas é
inegável o esforço do Poder Legislativo em modernizar os institutos da falência e de recuperação
de empresas, aclarando alguns pontos obscuros e harmonizando interesses até então inconciliáveis.
No que toca aos processos de recuperação de empresas, destacam-se nessa grande reforma:
o surgimento de três caminhos para a equalização do passivo fiscal dos devedores em
dificuldades;
a proteção ao crédito fiscal nos processos de recuperação judicial;
a limitação da prorrogação do stay period por apenas mais um período de 180 dias;
a possibilidade de os credores apresentarem plano de recuperação judicial alternativo em
duas hipóteses;
a adoção da Lei Modelo da United Nations Commission on International Trade Law
(Uncitral) – Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional –
para os processos de insolvência transnacional;
a definição das regras sobre o litisconsórcio ativo nos processos de recuperação judicial e
a implementação de instrumentos e regras processuais tendentes a conferir maior
celeridade aos processos de falência e de recuperação judicial.
118
extrajudicial toda a negociação, desde a proposta do devedor até a composição final, dá-se antes
do ajuizamento da ação, cujo objetivo é apenas a homologação do acordo coletivo, a fim de que,
em certos casos, ele tenha eficácia para todos, inclusive para os não aderentes. Enxergamos dois
grandes problemas que acabam desestimulando a utilização desse instituto, o primeiro é a
dificuldade de negociar com os credores, um a um, para se chegar a um consenso coletivo,
enquanto o segundo é o fato de o devedor ficar sem nenhuma proteção contra a ação dos credores
durante essas negociações, fazendo com que o tempo milite contra os seus interesses.
Já na recuperação judicial, toda a negociação é desenvolvida sob a fiscalização do juiz e do
administrador judicial, uma vez que o processo se inicia antes mesmo da apresentação da proposta
aos credores, ou seja, do plano de recuperação, sendo certo que o devedor ganha uma proteção
especial que impede a ação individual dos credores com exatamente esse objetivo, forçar a
negociação coletiva.
Por sua vez, dentro da recuperação judicial há uma nova bifurcação, já que ela se divide em
plano especial, que só pode ser usado por pequenos e microempresários, e plano comum ou
ordinário, colocado à disposição de todos os empresários, inclusive aqueles.
Legitimidade ativa
Como já aludido, o objetivo da recuperação judicial é reerguer a empresa em crise. Dessa
forma, só terão legitimidade ativa para pedir recuperação as sociedades empresárias, as Eirelis e os
empresários individuais, nos termos do art. 1º da LFRE. No que se refere às sociedades
empresárias mencionadas no art. 2º da LFRE, nenhuma delas poderá pedir recuperação judicial.
A nossa opção legislativa foi dar apenas ao devedor a legitimidade ativa para requerer a
recuperação judicial, afastando-a dos credores, do Ministério Público e dos empregados do devedor.
A única ressalva fica por conta do parágrafo único do art. 48 da nova LFRE, que estende essa
legitimidade ativa ao cônjuge sobrevivente, aos herdeiros e ao inventariante do empresário
individual falecido, bem como aos sócios remanescentes, quando se tratar de sociedade empresária.80
Sentimo-nos na obrigação de registrar que o STJ, em decisão monocrática do ministro
Fernando Gonçalves, nos autos do AI nº 1.008.393/RJ, seguindo outra decisão da 4ª Turma,81
deu provimento ao recurso da Casa Portugal, uma associação civil sem fins lucrativos, a fim de
que tivesse seguimento o seu processo de recuperação judicial. Esse perigoso precedente se escorou
na teoria do fato consumado, pois o plano de recuperação já havia sido homologado pelos
80 Note-se que o professor Fábio Ulhoa Coelho afirma que, quando o legislador se referiu a sócio remanescente, quis
referir-se a sócio minoritário, permitindo, assim, que os sócios que discordaram, em assembleia geral, de eventual
rejeição de proposta de recuperação judicial, possam aduzir em juízo o pedido de recuperação. COELHO, Fábio Ulhoa.
Comentário à nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 125.
81 REsp. 1.004.910/RJ.
119
credores e estava sendo regularmente cumprido, e na própria função social que a entidade
inegavelmente possuía.
Parece caminhar para o mesmo destino, embora por outros fundamentos, o Caso da
Universidade Cândido Mendes (Ucam). Como já alinhavamos, o Tribunal de Justiça do Rio de
janeiro, encampando a denominada “teoria dos agentes econômicos”, negou provimento ao agravo
de instrumento interposto pelo Ministério Público contra a decisão que deferiu o processamento do
pedido de recuperação da mantenedora da Ucam, uma associação civil filantrópica82.
Já ressaltamos que, na grande reforma de 2020, os legisladores não encamparam essa teoria
e mantiveram o instituto da recuperação restrito aos empresários.
82
TJRJ, Agravo de Instrumento nº 0031515-53.2020.8.19.0000. 6ª Câmara Cível. Des. Rel. Nagib Slaibi Filho. Julgado em
02/09/2020. Maioria de Votos.
83
Tese vencedora: ministros Salomão, Raul Araújo e Antônio Carlos Ferreira. Tese vencida: ministros Buzzi e Isabel
Gallotti.
84
Nesse sentido três Enunciados do Conselho da Justiça Federal: 97 – O produtor rural, pessoa natural ou jurídica, na
ocasião do pedido de recuperação judicial, não precisa estar inscrito há mais de dois anos no Registro Público de
Empresas Mercantis, bastando a demonstração de exercício de atividade rural por esse período e a comprovação da
inscrição anterior ao pedido; 201 – O empresário rural e a sociedade empresária rural, inscritos no registro público
de empresas mercantis, estão sujeitos à falência e podem requerer concordata e 202 – O registro do empresário ou
sociedade rural na Junta Comercial é facultativo e de natureza constitutiva, sujeitando-o ao regime jurídico
empresarial. É inaplicável esse regime ao empresário ou sociedade rural que não exercer tal opção.
120
No que toca à documentação contábil, fiscal e financeira exigida no art. 51 da LFRE, o
legislador fez algumas adequações à realidade do produtor rural, assim como em relação às regras
referentes aos créditos sujeitos e não sujeitos aos efeitos do processo, consoante veremos
oportunamente.
Litisconsórcio ativo
Certamente, o litisconsórcio ativo nos processos de recuperação judicial sempre foi um dos
grandes “nós” do sistema, haja vista a lacuna legislativa que existia sobre o tema. Por
consequência, a jurisprudência sempre se revelou confusa, contraditória e casuística.
Felizmente, com a recente reforma, o tema passou a ser tratado nos arts. 69-G a 69-J da
LFRE, que consagrou a possibilidade do litisconsórcio ativo nos processos de recuperação judicial
em duas modalidades: a consolidação processual e a consolidação substancial.
Consolidação processual
85
STJ, AREsp. 949.625-RS.
86
TJRJ, 0014816-26.2016.8.19.0000 – Agravo de Instrumento. Des. Carlos Santos de Oliveira – Julgamento: 26/07/2016 – 22ª
Câmara Cível
121
Consolidação substancial
Em caráter absolutamente excepcional, o juiz poderá determinar a consolidação substancial
dos ativos e dos passivos de todos os devedores, ignorando as suas personalidades jurídicas
autônomas e tratando-os como se fossem um único devedor.
Para tanto, consoante art. 69-J da LFRE, deve estar provada nos autos profunda confusão
patrimonial, acrescida de pelo menos duas outras circunstâncias previstas nos incisos desse
dispositivo. Na nossa avaliação, portanto, a consolidação substancial por decisão judicial,
ontologicamente, nada mais é do que a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica
nos processos de recuperação judicial. Vejamos o texto legal:
Repise-se que, ao nosso sentir, a consolidação substancial de ativos e passivos só pode ser
implementada se aprovada pelos credores, em votações segregadas, ou por determinação judicial,
quando comprovado o abuso da personalidade jurídica por conta de confusão patrimonial de tal
intensidade que não seja possível separar os ativos e os passivos sem grande dispêndio financeiro,
hipótese em que os seus causadores devem ser identificados e responsabilizados, inclusive por
meio da incidência dos arts. 64 e 168 da LFRE. Nesse sentido:
122
assim deliberarem em assembleia, ou obrigatória, nos casos em que
houver abuso de personalidade. Doutrina de SHEILA C. NEDER
CEREZETTI. Hipótese dos autos em que as recuperandas pleitearam
apenas a consolidação processual, não havendo provas de abuso de
personalidade jurídica que ensejasse a consolidação substancial.
Cabimento, portanto, apenas da consolidação processual, ressalvada a
possibilidade de os credores deliberarem em assembleia pela consolidação
substancial voluntária. Decisão agravada reformada. Agravo de
instrumento provido (TJSP; Agravo de Instrumento 2028810-
87.2019.8.26.0000; Relator: Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª
Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de São Bernardo do
Campo – 2ª Vara Cível; Julgamento: 22/10/2019).
87
Sobre conceito de crédito intercompany nos processos de recuperação judicial em litisconsórcio ativo, ver: TJRJ,
Embargos de Declaração no Agravo de Instrumento nº 0071168-38.2015.8.19.0000, 22ª Câmara Cível, Rel. Des. Rogério de
Oliveira Souza, julgado em 27/09/2016).
88
TJRJ, 0064658-77.2013.8.19.0000. 14ª Câmara Cível. Des. Rel. Gilberto Campista Guarino. Julgamento: 19/02/2014.
89
AREsp nº 871152/RJ.
123
para vários outros casos de processamento de recuperação judicial no Brasil envolvendo sociedades
estrangeiras, como nos casos dos Grupos OAS, Oi e Sete Brasil.
Outro importante precedente que merece registro é a recuperação judicial do Grupo
Constellation, antiga Queiroz Galvão, pois envolveu 18 pessoas jurídicas, sendo que apenas
quatro eram brasileiras. Pela profundidade do voto condutor, recomendamos a leitura do v.
acórdão da 16ª Câmara Cível do TJRJ, nos autos do Agravo de Instrumento nº 0070417-
46.2018.8.19.0000, julgado em 26 de março de 2019, da relatoria do eminente desembargador
Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto.
Nada obstante esse histórico, a recente reforma deve pôr fim a boa parte das discussões
sobre os processos de insolvência transnacional, uma vez que agora podemos contar com os arts.
167-A a 167-Y da LFRE, que refletem a adoção pelo Brasil da Lei Modelo da Uncitral para os
processos de insolvência transnacional90. Entre as principais regras podemos destacar:
a isonomia de tratamento entre os credores nacionais e estrangeiros;
a prevalência das regras previstas em tratados e acordos internacionais em relação às
normas previstas na LFRE;
a diferenciação do processo principal e não principal, a fim de definir qual jurisdição será
responsável pela condução geral dos processos;
o reconhecimento de que, quando o processo brasileiro não for o principal, só poderá
abarcar os bens e direitos localizados no nosso território e
a ampla flexibilidade dos protocolos de cooperação entre as jurisdições.
90
Disponível em: https://www.machadomeyer.com.br/pt/imprensa-ij/a-insolvencia-transnacional-e-a-reforma-da-lei-de-
recuperacoes-e-falencias.
91
O CNJ expediu a Recomendação nº 57, de 22 de outubro de 2019, que orienta os magistrados a determinar a denominada
“perícia prévia de constatação”, a ser realizada em cinco dias, para que o “perito” verifique a regularidade da documentação e
as reais condições da requerente.
124
Nesses casos, a perícia será realizada sem a apresentação de quesitos ou oitiva das partes, e a
remuneração será fixada a posteriori.
Requisitos subjetivos
Cabe ao devedor comprovar na sua petição inicial que preenche alguns requisitos legais, de
caráter subjetivo, para obter o deferimento do processamento do seu pedido de recuperação judicial.
92 STJ, REsp 1478001/ES. Rel. ministro Raul Araújo, 4ª Turma, Julgamento: 10/11/2015.
93 TJSP; Agravo de Instrumento 0057528-17.2008.8.26.0000; Relator: Pereira Calças; Órgão Julgador: N/A; Foro Central
Cível – 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Julgamento: 04/03/2009; Registro: 19/03/2009.
94 TJRJ, 0039244-09.2015.8.19.0000 – Agravo de Instrumento. Des. Carlos Santos de Oliveira – Julgamento: 08/09/2015 –
22ª Câmara Cível.
95 TJRS, Agravo de Instrumento nº 70065413031, 5ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida,
Julgamento: 26/08/2015 (Caso Herter Cereais). Pendente o REsp. nº 1612031/RS.
125
Voltemos a repisar que, se a jurisprudência caminhar para a adoção da denominada “teoria
dos agentes econômicos”, não haverá mais qualquer sentido na aplicação da regra prevista no
caput do art. 48 da LFRE.
Não ser falido e não ter obtido recuperação judicial há menos de cinco
anos (incisos I, II e III)
O empresário falido não pode pleitear recuperação judicial. Por seu turno, com o objetivo
de só manter no mercado os empresários realmente viáveis, não se revelaria prudente autorizar o
devedor empresário, a todo momento, requerer uma nova recuperação judicial, razão pela qual se
veda novo pedido de recuperação judicial se a anterior ocorreu nos últimos cinco anos.
Atente-se que a proibição ocorre em relação à anterior obtenção da recuperação judicial,
que se dá pela sentença homologatória do plano de recuperação aprovado pelos credores.
Requisitos objetivos
A petição inicial deve ser instruída com uma série de documentos e informações de ordem
objetiva, exigidos pelo art. 51 da LFRE, sendo oportunas breves considerações sobre cada um deles.
126
Demonstrações contábeis (inciso II)
O devedor deve instruir o seu pedido de recuperação com os três últimos balanços
contábeis completos, além de um especialmente levantado até a data do pedido. Esta tem sido
uma grande dificuldade enfrentada por empresas de pequeno e médio porte, uma vez que muitas
vezes não possuem esses documentos dentro das formalidades legais.
Há de se ressaltar que não cabe ao juiz, muito menos ao Ministério Público, analisar a
viabilidade do devedor, portanto, apresentados os documentos contábeis, por pior que pareça
a situação econômico-financeira do empresário, são os credores que devem decidir se há ou
não chance de recuperação.
Caso alguma informação contábil desperte suspeita, como o valor de estoque muito
elevado, recomenda-se determinar ao administrador judicial uma avaliação melhor desse ponto já
no primeiro relatório mensal de atividades, mas sem prejuízo do despacho de deferimento do
processamento do pedido.
Por fim, quando se tratar de devedor produtor rural, o cumprimento dessa exigência se dará
mediante a apresentação dos documentos previstos no § 3º do art. 48 da LFRE.
96
Essa é a orientação do Enunciado 78 do CJF.
127
Certidão de regularidade do Registro Público de Empresas Mercantis
(inciso V)
Atende-se a essa exigência mediante a simples juntada de cópia dos atos constitutivos do
devedor arquivados perante a Junta Comercial. Relembre-se, todavia, que há discussão acerca da
possibilidade de pedido de recuperação judicial formulado por sociedade empresária registrada no
Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas e por sociedades estrangeiras.
97 SANTOS, Paulo Penalva. Palestra proferida na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), em 7 de
março de 2005.
128
fim de não retardar o início do processo, de suspensão dos efeitos – publicidade – dos protestos,
referentes às dívidas sujeitas aos efeitos da recuperação judicial.
Há precedentes de diversos tribunais, especialmente do Paraná98 e do Rio de Janeiro,99
admitindo essa suspensão da publicidade dos protestos, apenas em relação ao devedor em
recuperação judicial e referente às dívidas que estão sendo tratadas no processo, com arrimo no
princípio da preservação da empresa e na própria da ausência de prejuízo aos credores, na medida
em que não ficam impedidos de realizar os seus protestos, conforme entendimento sedimentado
pela Súmula 581 do STJ e pelo Enunciado nº 54 do CJF.
Há, por certo, precedentes contrários, a maioria do TJSP, que se escora na ausência de
previsão legal e no atendimento ao princípio da publicidade e da proteção a terceiros de boa-fé.100
98 TJPR, AI 1698627-3. Órgão Julgador: 18ª Câmara Cível. Relator: Pericles Bellusci de Batista Pereira. Julgamento:
26/06/2017 12:56:00. Fonte/Data da Publicação: DJ: 2058 29/06/2017.
99 TJRJ, AI 0042281-15.2013.8.19.0000, 10ª Câmara Cível. Rel. Des. José Carlos Varanda. Julgamento: 22/01/2014.
100 TJSP; Agravo de Instrumento 2048010-51.2017.8.26.0000; Relator: Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara
Reservada de Direito Empresarial; Foro de Limeira – 2ª Vara Cível; Julgamento: 15/09/2017; Registro: 15/09/2017.
129
devedor, sobretudo não circulantes, a lei passa a exigir a relação desses bens – sem a necessidade
de laudo de avaliação –, junto com a petição inicial.
Essa opção, muito embora crie mais uma exigência para os pedidos de recuperação judicial,
nos parece bem-vinda, a fim de dar maior segurança jurídica e eficácia ao art. 66 da LFRE.
Há que se consignar a expressa referência aos bens dados em garantia e abrangidos pela
regra prevista no § 3º do art. 49 da LFRE, que também devem ser relacionados, e os seus
respectivos instrumentos contratuais devem acompanhar a relação.
Sigilo
Muitas vezes, os devedores pedem a decretação do sigilo em relação a alguns dos
documentos que são apresentados por exigência do art. 51 da LFRE. Temos recorrido com êxito
contra decisões que acolhem essas pretensões, como no caso já mencionado do Grupo
Constellation, a conferir:
Preenchidos todos os requisitos alinhados nos arts. 48 e 51 da LFRE, deverá o juízo deferir
o processamento do pedido de recuperação judicial, nos termos no art. 52. Havendo alguma
pendência, o devedor deverá ser intimado para supri-la, sob pena de indeferimento da petição
inicial, aplicando-se subsidiariamente a legislação processual comum.
130
Da mesma forma, em uma relação de trato sucessivo, como o contrato de trabalho, todas as
verbas devidas ao trabalhador por fatos anteriores ao pedido estarão sujeitas ao processo de
recuperação judicial, enquanto as posteriores não, independentemente da forma e do momento
em que forem reconhecidas. Nesse sentido:
101 Nesse sentido, em relação ao crédito trabalhista: AgInt no REsp 1260569/SP, Julgamento: 18/04/2017.
131
pelo devedor e também não seja habilitado ao longo do processo, qualquer que seja a razão, ele se
sujeitará aos efeitos do processo e será alcançado pela novação, prevista no art. 59 da LFRE,
convertendo-se para a “moeda da recuperação”.
Frise-se a possibilidade, por força do § 2º do art. 49 da LFRE, de o devedor optar por não
submeter determinada classe de credores aos efeitos do processo de recuperação judicial, não
propondo qualquer modificação quanto a eles, de forma que os credores dessa classe não teriam
direito de voto nas assembleias de credores. Note-se que não é facultado ao devedor excluir “esse”
ou “aquele” crédito de uma classe, pois tal manobra violaria o princípio pars conditio creditorum e
comprometeria o resultado de eventual votação em assembleia, especialmente para aprovação do
plano de recuperação.
102 O financiamento DIP é disciplinado pela Seção 364 do Bankruptcy Code – Chapter 11.
132
Em razão dos riscos naturais dessa operação, que podem ser atenuados por garantias reais
fiduciárias, o retorno financeiro do investimento costuma ser atrativo, sendo certo que muitos
credores concursais já questionaram a falta de oportunidade para participar desses aportes e,
assim, de se beneficiar do “pacote de bondades” que costuma ser destinado aos seus participantes.
Em razão das extremas vantagens destinadas a esses investidores, o ideal é que o empréstimo
DIP seja colocado como uma cláusula do plano de recuperação judicial. Entretanto, sem
estabelecer maiores parâmetros, o art. 69-A da LFRE estabelece que “o juiz poderá, depois de
ouvido o Comitê de Credores, autorizar a celebração” desse contrato de financiamento.
Para dar maior segurança e atrair mais interessados a financiarem os devedores em
recuperação judicial, uma vez desembolsados pelo investidor os recursos, a operação torna-se
imutável, ainda que aquela autorização judicial seja reformada em grau de recurso, conforme art.
69-B da LFRE. Entendemos que, na hipótese de desembolso parcial apenas em relação a essa
parte, o contrato deverá ser considerado imutável.
Por derradeiro, em caso de falência, o valor efetivamente entregue ao devedor por meio do
empréstimo DIP ganhou um lugar de destaque na ordem de prioridades dos créditos
extraconcursais, só estando atrás das restituições in natura, do art. 85, e das obrigações previstas
nos arts. 150 e 151, conforme art. 84, inciso I-B, todos da LFRE.
Crédito tributário
Por força do art. 187 do CTN, o passivo tributário do devedor não pode ser tratado no bojo
do processo de recuperação judicial e, com apoio no art. 6º, § 7º-B, da LFRE, as execuções fiscais
não devem ser suspensas pelo deferimento do processamento do pedido, salvo se o devedor aderir a
alguma modalidade de parcelamento, mormente aquelas disciplinadas nos arts. 10-A e 10-B da Lei
nº 10.522/02, c/c art. 155-A, § 3º, do CTN, ou se transacionarem com as Fazendas Públicas, com
esteio no art. 10-C da Lei nº 10.522/02 c/c a Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020.
Realmente, se considerarmos a própria natureza contratual do instituto da recuperação
judicial e o princípio da legalidade estrita a que se submetem os agentes administrativos,
sobretudo na questão tributária, revela-se correta a opção do legislador.
Nessas duas novas formas de parcelamento, disciplinadas nos arts. 10-A e 10-B da Lei
nº 10.522/02, o devedor em recuperação judicial pode refinanciar o seu passivo fiscal,
respectivamente, em até 120 meses, na primeira modalidade, ou em até 24 meses, na segunda,
cada qual com as suas respectivas vantagens e desvantagens, cuja análise extrapolam os objetivos
do nosso estudo.
O devedor em recuperação judicial ainda tem à sua disposição a possibilidade de transação
tributária, com prazo máximo de quitação também em 120 meses, cuja disciplina se encontra na
Lei nº 13.988/20, c/c o art. 10-C da Lei nº 10522/02.
133
Diante do preenchimento da lacuna existente, está afastada a possibilidade de recuperação
judicial do devedor empresário que não conseguir regularizar a sua situação fiscal, seja porque as
execuções fiscais podem prosseguir normalmente após o despacho que deferir o processamento do
pedido, seja em razão da eficácia plena que deve ser reconhecida ao art. 57 da LFRE. Ademais, em
harmonia com o disposto no art. 10-A, § 4º-A, inciso IV, da Lei nº 10.522/02, foram
acrescentados os incisos V e VI ao art. 73 da LFRE, permitindo expressamente que as Fazendas
Públicas peçam a convolação da recuperação judicial em falência.
Devemos observar que alguns entes federativos já possuem legislação própria disciplinando
o parcelamento para o devedor em recuperação judicial em relação aos seus créditos. É o caso do
Rio de Janeiro, por força da Lei nº 8.502, de 30 de agosto de 2019; de Minas Gerais, com a Lei
nº 21.794, de 16 de outubro de 2015; de Pernambuco, pela Lei Complementar nº 148, de 4 de
dezembro de 2009, alterada pela Lei Complementar nº 185, de 1º de novembro de 2011; do
Paraná, pela Lei nº 18.132, de 3 de julho de 2014; e de Rondônia, pela Lei nº 4.703, de 12 de
dezembro de 2019, entre outros.
Não menos importante é a discussão acerca da exclusão ou não do passivo fiscal não
tributário do processo de recuperação judicial. A questão ganhou maior relevância quando
sociedades empresárias com expressivos passivos decorrentes de multas das agências reguladoras e
de acordos de leniência entraram em recuperação judicial. Não há jurisprudência sedimentada nos
tribunais.
Nas poucas vezes em que tivemos de nos manifestar, opinamos pela exclusão desses
créditos do concurso da recuperação judicial, pois não há previsão legal para que a autoridade
administrativa, qualquer que seja ela, disponha sobre esses créditos, sobretudo diante da
possibilidade de o plano ser aprovado mesmo contra o voto daquele que representa o Poder
Público, inclusive com a previsão de deságios.
Nesse sentido, trazemos à colação um importante precedente do Tribunal de Justiça do
Estado de Goiás (TJGO), que já utilizamos para dar corpo a um agravo de instrumento que
interpomos sobre o tema, mas não provido pelo TJRJ103:
103 TJRJ, AI 0077795-19.2019.8.19.0000. 2ª Câmara Cível. Des. Rel. Jessé Torres Pereira Júnior.
134
débito não tributário, devendo o crédito da União se submeter à
recuperação judicial. II – Contudo, os créditos da Fazenda Pública,
fiscais tributários ou não, estão fora do alcance do concurso de credores,
devendo ser cobrados por meio de execução fiscal e, por consequência,
não podem ser incluídos no concurso de credores. III – Em caso de
improvimento do recurso, devem ser majorados os honorários
advocatícios arbitrados em primeiro grau, nos termos do artigo 85, § 11,
CPC. Agravo de instrumento conhecido e desprovido (TJGO, 5259919-
92.2018.8.09.0000 – Agravo de Instrumento. Rel. desembargador Carlos
Alberto França. 2ª Câmara Cível. Julgamento: 19/09/2018).
No caso da recuperação judicial do Grupo OI, a questão chegou a ser decidida em segunda
instância, que determinou a sujeição dos créditos da Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel) aos efeitos do processo de recuperação judicial. Contudo, antes que o STJ julgasse em
definitivo o recurso da agência reguladora, com a entrada em vigor das regras sobre transação
tributária, Oi e Anatel celebraram um acordo de transação tributária104, pondo fim às discussões.
Por fim, é preciso sublinhar que o juiz da recuperação judicial não pode mais obstar a
constrição de bens do devedor em recuperação judicial determinada pelo juiz da execução fiscal. A
lei é suficientemente clara ao prever que ele só poderá determinar a “SUBSTITUIÇÃO” do bem
constrito por outro menos essencial à continuidade das atividades.105
104
https://www.infomoney.com.br/mercados/agu-fecha-acordo-e-da-50-de-desconto-em-divida-da-oi-que-pagara-r-72-bilhoes-
a-anatel/
105
Foi nossa a sugestão para a redação do §7º-B da LFRE.
106
Arts. 521 e 1.417 do CC.
135
um efetivo controle judicial, que a instituição financeira requeira ao juízo da recuperação
autorização para promover a “compensação” dos recursos, o que pode ocorrer nos autos principais
ou em um incidente de “restituição”.108
No fim de 2019, a 3ª Turma do STJ, em apertada votação – 3 x 2 –, decidiu que apenas o
valor principal do adiantamento de contrato de câmbio ou do crédito à exportação – ACC e ACE –
não estaria sujeito à recuperação judicial, ao contrário dos seus encargos – juros –, que deveriam
submeter-se ao concurso.109 Discordamos desse posicionamento, pois não há essa distinção no § 4º
do art. 49 da LFRE.
É preciso registrar que durante o prazo de suspensão das ações e execuções, previsto no art.
6º, § 4º, da LFRE, não será possível a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor de bens
de capitais que sejam essenciais ao desenvolvimento da atividade empresarial. Citem-se, como
exemplo, os ônibus de uma sociedade transportadora em recuperação judicial, obtidas por meio
de leasing ou alienados fiduciariamente.
Advirta-se que precedentes do STJ, ao nosso sentir trazendo enorme insegurança jurídica,
impedem a retomada do bem após o decurso do stay period ou, pior ainda, mesmo depois de
homologado o plano de recuperação, quando o juiz se convencer da sua essencialidade para o
devedor. Revela-se, ao nosso sentir, um verdadeiro absurdo “suspender” indefinidamente o direito
de propriedade do credor, porque dessa forma ele não recebe nem fora e nem dentro do processo
de recuperação. De toda forma, confira-se:
108 STJ, AgRg no Ag 1197871/SP. Rel. ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, Julgamento: 11/12/2012, DJe, 19/12/2012
109 STJ, REsp 1810447/SP. Rel. ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, Julgamento: 05/11/2019, DJe, 22/11/2019.
136
fiduciária cumprem função essencial à atividade produtiva da sociedade
recuperanda (AgInt no AgInt no AgInt no CC 149.561/MT, Rel.
Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 22/08/2018,
DJe 24/08/2018).
3. Estando o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência
firmada nesta Corte Superior, o recurso especial não merece ser
conhecido, ante a incidência da Súmula 83/STJ: "Não se conhece do
recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se
firmou no mesmo sentido da decisão recorrida".
4. Agravo Interno não provido.
(AgInt no AREsp 1660732/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/09/2020, DJe
22/09/2020). Nesse sentido, AgInt no AREsp 1475536/RS, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
24/08/2020, DJe 27/08/2020.
110 AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas. 3. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2017. p. 48.
137
houve mudança de orientação quando a 2ª Seção do STJ passou a considerar a dívida propter rem
sujeita ao concurso, nos seguintes termos:
Mais adiante, entretanto, o STJ voltou a decidir que a dívida propter rem não é do falido ou
do devedor em recuperação judicial, mas, sim, da própria coisa, razão pela qual não precisaria ser
habilitada e não estaria sujeita ao concurso de credores. Confira-se:
138
RECURSO ESPECIAL. DIREITO COMERCIAL E
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE DESPESAS
CONDOMINIAIS. CRÉDITO EXTRACONCURSAL.
EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. HABILITAÇÃO
DE CRÉDITO E SUSPENSÃO DO FEITO. NÃO
CABIMENTO. 1. Os débitos condominiais estão compreendidos
no conceito de despesas necessárias à administração do ativo,
enquadrando-se como crédito extraconcursal. Portanto, não se
sujeitam à habilitação de crédito e à competência do juízo universal.
2. Recurso especial não provido. (...). - É cediço que sendo a taxa
condominial obrigação de caráter propter rem, ou seja, que surge
por causa da própria coisa, tem-se que o seu pagamento visa não só
a manutenção do imóvel gerador do débito, mas também a do
condomínio do qual faz parte. Destarte, o crédito decorrente da
taxa condominial não está sujeito à recuperação judicial,
podendo a execução se processar normalmente, à medida que o
pagamento das despesas condominiais é necessário à proteção
do patrimônio da agravante e, por consequência, preserva o
imóvel que poderá ser alienado, eventualmente, para garantir o
plano de recuperação. (...).
(STJ, REsp. 1879799-GO. Min. Luis Felipe Salomão. Decisão
Monocrática publicada em 02/09/2020).
139
Por enquanto, na esteira da jurisprudência majoritária do STJ, o crédito decorrente da
Cédula de Produto Rural (CPR) está sujeito aos efeitos do processo de recuperação judicial.
111 TJRJ, 0042658-20.2012.8.19.0000 – Agravo de Instrumento. Des. Milton Fernandes de Souza – Julgamento: 15/01/2013
– 5ª Câmara Cível.
113 REsp 1207117/MG. Rel. ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Julgamento: 10/11/2015, DJe, 25/11/2015.
114 TJSP, AI 994.08.048233-0, Julgamento: 30/06/2009, v.u. Rel. José Roberto Lino Machado.
115 Nesse sentido: REsp 1829641/SC. Rel. ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, Julgamento: 03/09/2019, DJe, 05/09/2019.
REsp 1797196/SP. Rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, Julgamento: 09/04/2019, DJe, 12/04/2019.
140
a fim de que parte dos recebíveis futuros seja utilizada pela devedora em recuperação para
alimentar o seu capital de giro. Nesse sentido:
141
(TJRJ, 0063637-22.2020.8.19.0000 - AGRAVO DE
INSTRUMENTO. Des(a). MÔNICA DE FARIA SARDAS -
Julgamento: 16/12/2020 - VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL)116.
Essa tese não foi acolhida pelo STJ, que chegou a denominá-la de teratológica, conforme se
constata pelo precedente envolvendo a Companhia Energética do Pará (Celpa).117
Uma quarta tese, admitida inicialmente pelo TJSP, exigia a descrição pormenorizada dos
bens e direitos cedidos fiduciariamente, sendo ineficaz a garantia pactuada em termos genéricos –
“todas as duplicatas futuras que serão emitidas pelo devedor” ou “todo e qualquer recebível
decorrente de contratos futuros do devedor” –, portanto, quirografário o crédito, com a
consequente liberação de todos os recebíveis para o fluxo de caixa da devedora em recuperação
judicial. Nesse sentido:
116
A jurisprudência do TJRJ está bem dividida em relação a essa tese. Confira-se precedente em sentido oposto: 0060873-
97.2019.8.19.0000 – Agravo de Instrumento. Des(a). Sergio Ricardo de Arruda Fernandes – Julgamento: 18/08/2020 – 1ª
Câmara Cível.
117
STJ, EDcl no RMS 41.646/PA. Rel. ministro Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, Julgamento: 24/09/2013, DJe, 11/10/2013.
142
de direitos creditórios, o correlato instrumento deve indicar, de maneira
precisa, os títulos representativos do crédito (in casu, duplicatas virtuais),
como entendeu o Tribunal de origem; ou se é o crédito, objeto de cessão,
que deve estar suficientemente identificado, como defende o banco
recorrente. [...]. 4. A exigência de especificação do título representativo
do crédito, como requisito formal à conformação do negócio fiduciário,
além de não possuir previsão legal – o que, por si, obsta a adoção de uma
interpretação judicial ampliativa – cede a uma questão de ordem prática
incontornável. Por ocasião da realização da cessão fiduciária, afigura-se
absolutamente possível que o título representativo do crédito cedido não
tenha sido nem sequer emitido, a inviabilizar, desde logo, sua
determinação no contrato (REsp 1797196/SP, Rel. ministro Marco
Aurélio Bellizze, 3ª Turma, Julgamento: 09/04/2019, DJe, 12/04/2019).
143
a constituição da garantia. Existência de especialização da garantia.
Cessão de crédito futuro possível. A retenção com base em crédito
"performado" (constituído até a distribuição da recuperação) é
irrepreensível; a do crédito a "performar" (não constituído até a
distribuição da recuperação), contudo, não legitima as retenções, pois
não constituída a alienação fiduciária. Essencialidade do dinheiro
(recebíveis) que não enseja a aplicação da exceção prevista na parte final
do § 3º do art. 49 da Lei de Recuperação e Falência, por não se tratar de
bem de capital, tampouco o § 5º do mesmo artigo, que disciplina o
penhor. Decisão reformada em parte para autorizar a liberação, em favor
da recuperanda, apenas dos valores retidos após a distribuição da
recuperação judicial (créditos "não performados"). Restituição, ao credor
fiduciário do que retido antes deste termo (créditos "performados").
Recurso parcialmente provido (TJSP; Agravo de Instrumento 2047748-
33.2019.8.26.0000; Relator (a): Araldo Telles; Órgão Julgador: 2ª
Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Jandira – 1ª Vara;
Data do Julgamento: 24/09/2019).
119 Enunciados nº 52 e 102 das Jornadas de Direito Empresarial e nº 61 das Jornadas de Direito Processual Civil, ambas
do CJF.
120 SALOMÃO, Luis Felipe; SANTOS, Paulo Penalva. Recuperação judicial, extrajudicial e falência: teoria e prática. 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 338.
144
Registre-se que, nos termos do § 4º do art. 52 da LFRE, a partir do deferimento do
processamento do pedido de recuperação, o devedor somente poderá desistir da reestruturação
mediante aprovação dos credores em assembleia.
Outros importantes efeitos são causados pelo deferimento do processamento do pedido de
recuperação judicial. Vejamos os principais.
145
É importante ressaltar que não se suspendem as execuções dos créditos não sujeitos ao
processo de recuperação judicial, inclusive as execuções fiscais121. Nesses casos, o juízo da execução
poderá determinar a constrição de bens do devedor em recuperação judicial, resguardada a
competência do juízo da recuperação, apenas, para determinar, por meio de ato concertado de
cooperação jurisdicional122, a SUBSTITUIÇÃO do bem penhorado por outro menos relevante
para a continuidade da empresa, conforme art. 6º, § 7º-B, da LFRE. Nessa toada, deve ser
revisitada a jurisprudência do STJ que conferia apenas ao juiz da recuperação judicial a
competência para determinar todos os atos que impliquem restrição patrimonial do devedor em
recuperação judicial, representada abaixo pelo seguinte precedente:
No que toca aos créditos não sujeitos aos efeitos do processo de recuperação judicial
previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49 da LFRE, em caso de inadimplemento do devedor, o § 7º-A
do art. 6º da LFRE permite a execução desses contratos, mas impede a retomada dos bens de
121
STJ, REsp 1488778/SC. Rel. ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, Julgamento: 23/02/2016, DJe, 30/05/2016.
122
Art. 69 do Código de Processo Civil.
146
capital essenciais à manutenção da atividade do devedor durante o stay period. Portanto, caso isso
ocorra, poderá o juiz da recuperação judicial determinar a suspensão desse ato de constrição por
meio de ato concertado de cooperação de jurisdição, previsto no art. 69 do CPC.
Por outro lado, o mesmo STJ firmou posicionamento pelo prosseguimento das ações de
despejo contra o devedor em recuperação judicial, inclusive durante o stay period:
Mais uma vez, discordamos da orientação do STJ, pois defendemos que o despejo só pode
ser decretado pelo não pagamento dos aluguéis posteriores ao pedido de recuperação judicial123,
uma vez que os anteriores estão sujeitos aos efeitos do processo, e o seu pagamento seria uma
afronta ao princípio pars conditio creditorum.
123 Nesse sentido: AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de
empresas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 42.
147
Essa tomada de contas não se deve restringir ao exame dos documentos contábeis do
devedor, sendo oportuna vistorias in loco nos estabelecimentos do devedor para comprovar a
veracidade das informações prestadas.
Na esteira da nova redação do art. 22, inciso II, alínea “c”, da LFRE, o administrador
judicial passa a ter o dever de fiscalizar a veracidade das informações prestadas pelo devedor, em
um papel tipicamente de auditoria externa.
Já sob a égide do CPC/2015, ao enfrentar outro recurso interposto pelo Ministério Público
contra decisão de primeiro grau que mandou colocar na capa de todos os processos de
recuperação judicial a proibição de remessa ao promotor de justiça, mais uma vez decidiu o TJRJ:
148
desenvolvimento equilibrado da ordem econômica. Tutela de bens
jurídicos coletivos ou supraindividuais. Aplicação do art. 170 CF/88.
Ministério Público como guardião da ordem econômica. Precedentes.
Recurso provido.
(TJRJ, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0036247-
82.2017.8.19.0000. RELATOR: DES. JOSÉ CARLOS VARANDA.
Julg. em 13/09/2017).
124
COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 177 e 178.
125
MOREIRA, Alberto Caminã. Comentários à nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Coordenação: Osmar Brina
Corrêa-Lima e Sérgio Mourão Corrêa Lima. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 400.
149
É possível, no entanto, a formulação de pedido para que a venda se dê por hasta pública,
seja por uma das formas típicas, seja por modalidades alternativas, hipóteses em que devem ser
aplicadas as regras previstas no capítulo das falências, inclusive no que concerne à inexistência de
sucessão do arrematante nas obrigações do devedor. Aliás, essas diferenças entre a venda direta e a
alienação por hasta pública foram profundamente discutidas no processo de recuperação judicial
do Grupo Oi, inclusive por meio da interposição de recursos126.
Recomenda-se, em atenção ao princípio da participação ativa dos credores, que eles sejam
consultados quando o devedor solicitar autorização para a venda de ativos de grande valor, na
medida em que, a rigor, essa questão não deveria ser levada ao crivo do juízo, pelo caminho do
art. 66 da LFRE, mas sim, constar do plano de recuperação judicial para deliberação em
assembleia geral.
Com base nesse raciocínio, o TJRJ anulou decisão que concedeu ao devedor autorização
para alienação do seu bem imóvel de maior valor, na véspera da realização de uma assembleia de
credores:
Essa preocupação parece ter inspirado o legislado na recente reforma, diante da nova
redação conferida ao art. 66 da LFRE. Assim se afirma porque, uma vez autorizada a alienação
pelo juiz, os credores relevantes, representativos de mais de 15% dos créditos sujeitos ao processo,
poderão exigir a realização de uma assembleia para deliberar sobre a venda, desde que prestem
126
Ver TJRJ, AI nº 0023413-42.2020.8.19.0000, 8ª Câmara Cível. Rel. Des. Mônica Di Piero. Julgado em 29/06/2020.
150
caução no valor da operação. Curiosamente, a lei prevê que essa insurgência deve ser apresentada
ao administrador judicial, no prazo de cinco dias a contar da publicação da decisão.
Preenchidos os requisitos legais, a assembleia geral será convocada pelo administrador
judicial, com as despesas suportadas, pro rata, pelos credores que a exigiram.
151
Jorge Lobo127 e Colombo e Costa,128 escorados em uma interpretação literal desses
dispositivos, defendem que os credores retardatários só terão o direito de voto a partir da
publicação do QGC com os seus créditos inclusos, salvo se forem trabalhistas.
Ayoub e Cavalli129 e Bezerra Filho130 discordam e são categóricos em reconhecer o direito de
voto do credor retardatário já a partir do julgamento das suas habilitações, sem prejuízo da
possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela. Também nessa linha, Paulo Toledo, que, ao
nosso sentir, é mais preciso ao afirmar que não teria a menor lógica excluir da assembleia aquele
que já foi reconhecido pelo próprio juízo, por sentença, como credor submetido aos efeitos da
recuperação judicial:
127
LOBO, Jorge. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Coordenadores: Paulo Fernando Campos Salles
de Toledo, Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 95.
128
COLOMBO, Giuliano; COSTA, Patrícia Barbi. Direito falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas.
Coordenação: Luiz Fernando Valente de Paiva. São Paulo: Quartier, 2005. p. 160.
129
AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2017. p. 196; 274-276.
130
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008. p. 83.
131
TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Coordenadores: Paulo
Fernando Campos Salles de Toledo, Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 30.
132
TJ/ES, AI nº 030119001714, desembargador Fábio Clem de Oliveira, Julgamento: 20/03/2012.
152
data do pedido de recuperação judicial, está de posse de um título que materialize uma dívida
líquida, certa e exigível, isto é, já vencida.133 Vejamos:
133 TJSP; Agravo de Instrumento 2150755-46.2016.8.26.0000; Relator: Caio Marcelo Mendes de Oliveira; Órgão Julgador:
2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais;
Julgamento: 10/04/2017; Registro: 11/04/2017. Nesse sentido: TJSP; Agravo de Instrumento 2095653-39.2016.8.26.0000;
Relator: Enio Zuliani; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 1ª Vara de
Falências e Recuperações Judiciais; Julgamento: 21/09/2016; Registro: 26/09/2016).
153
Apresentação do plano
Com o despacho de processamento, o devedor terá 60 dias para apresentar o plano de
recuperação judicial, depois do qual se inicia a fase de deliberação, cujo objetivo é a apreciação do
plano de recuperação do devedor.134
O professor Fábio Ulhoa Coelho salienta que o plano de recuperação é a peça mais
importante do processo,135 pois dependerá dele o alcance do objetivo do instituto, qual seja, a
preservação da atividade econômica e o cumprimento da sua função social.
Aliás, considerando que a recuperação judicial tem natureza contratual, a apresentação do
plano deve ser considerada como uma proposta de acordo, que ainda dependerá da resposta
positiva do oblato, que no processo de recuperação judicial são os credores, para aperfeiçoamento
do contrato coletivo.
O plano de recuperação deve reunir um conjunto de medidas econômicas, financeiras e
jurídicas, arquitetadas para viabilizar a superação da crise. Não há, a rigor, um modelo de plano
de recuperação judicial, na medida em que cada crise empresarial tem as suas próprias razões e,
por consequência, as suas respectivas soluções.
Métodos de recuperação
O legislador apresenta um rol meramente ilustrativo das ferramentas que podem ser
combinadas para ajudar na construção do plano de recuperação, conforme art. 50 da LFRE.
De toda maneira, podemos afirmar que acentuados deságios – haircut –, carências em torno
de 24 meses para início dos pagamentos e longos parcelamentos têm sido utilizados na quase
unanimidade das recuperações judiciais. Contudo, um plano apenas com essas ferramentas não
ataca a origem do problema, ou seja, não resolve o problema econômico e muitas vezes é um
pequeno paliativo na crise, apenas retardando a falência.
Caberá ao devedor, normalmente assessorado por uma empresa de consultoria especializada em
reestruturação econômica, demonstrar a viabilidade do plano apresentado, instruindo-o com os laudos
de avaliação patrimonial e demais informações econômicas e financeiras (art. 53, II e III, da LFRE).
Cabe destaque à hipótese de que trata o inciso I, sobre a dilação do prazo ou revisão das
condições de pagamento. Segundo o professor Fábio Ulhoa Coelho, “com o abatimento no valor
de suas dívidas ou o aumento do prazo de vencimento, o devedor tem a oportunidade de se
reestruturar porque disporá, por algum tempo, de mais recurso em caixa”.136
154
Os meios previstos nos incisos II, III, IV, V e VI têm direta repercussão no Direito
Societário e, assim, o plano não pode avançar sobre os direitos dos sócios minoritários do devedor,
tais como o tag along, o direito de retirada, o direito de eleição de determinado número de
administradores ou conselheiros fiscais.137
A hipótese ventilada no inciso VIII não tem sido utilizada, normalmente porque é uma
medida adotada muito antes do agravamento da crise e do processo de recuperação judicial.
A dação em pagamento, prevista no inciso IX, é utilizada com bastante frequência e com
muita efetividade, como no caso da Recuperação Judicial da Construtora Delta, que tramitou
perante a 5ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro138. Pelo lado do devedor, reduz os gastos e riscos
da guarda e manutenção de bens que não estão sendo utilizados, pela normal diminuição do
ritmo da empresa em recuperação, com ligeira supervalorização desses ativos em relação ao valor
de mercado. Pelo lado do credor, antecipa o recebimento do seu crédito e elimina o risco de perda
em caso de convolação em falência.139
A constituição de sociedade por credores, relacionada no inciso X, a emissão de valores
mobiliários, do inciso XV, e a constituição de sociedade de propósito específico para receber
determinados ativos do devedor, prevista no inciso XVI, também vêm sendo muito utilizadas,
sobretudo em recuperações judiciais de grande porte, muitas vezes envolvendo devedores que
possuem valiosos recebíveis junto ao Poder Público.140
Já a administração compartilhada e o usufruto, autorizados pelos incisos XIII e XIV,
embora interessantes do ponto de vista acadêmico, na prática não são vistos nos planos de
recuperação judicial, uma vez que o empresário dificilmente deseja abrir mão do comando do seu
negócio, mesmo em dificuldades.
A reforma promovida pela Lei nº 14.112/20 positivou dois novos instrumentos. No inciso
XVII, está prevista a possibilidade de conversão da dívida em capital social, o que não é
propriamente uma novidade, uma vez que em muitos processos de recuperação judicial esse foi o
meio utilizado, tal como no caso do Grupo OGX141.
Por derradeiro, e aqui estamos diante de uma novidade realmente notável, o inciso XVIII
autoriza a “venda integral da devedora, desde que garantidas aos credores não submetidos ou não
aderentes condições, no mínimo, equivalentes àquelas que teriam na falência, hipótese em que
será, para todos os fins, considerada unidade produtiva isolada”.
137
ALONSO, Manoel. Direito falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Coordenação: Luiz Fernando
Valente de Paiva. São Paulo: Quartier, 2005. p. 292-293.
Processo nº 0214515-34.2012.8.19.0001 – A dação em pagamento de bens que integravam o ativo imobilizado foi o
principal meio de pagamento dos credores, uma vez que a Construtora Delta foi impedida de contratar com o Poder
Público e seu maquinário perdeu a utilidade.
139
Esse foi um dos métodos utilizados na recuperação judicial da Construtora Delta.
140
Esses métodos foram utilizados, com algumas peculiaridades, nas recuperações judiciais da Galvão Engenharia e da OGX.
141
Processo nº 0377620-56.2013.8.19.0001, que tramitou perante a 4ª Vara Empresarial da Capital do Rio de Janeiro.
155
Não raro, a única chance, ou pelo menos a melhor, de preservar a empresa e conseguir o
máximo de recursos para um maior pagamento aos credores é a alienação integral do
estabelecimento, em regular funcionamento e durante o processo de recuperação judicial, uma
vez que após a decretação da falência muitos ativos intangíveis se perdem, como as concessões
públicas, ou sofrem natural depreciação, como a marca.
O maior cuidado, entretanto, é assegurar aos credores não sujeitos ao processo de
recuperação, especialmente as Fazendas Públicas e aqueles por fatos geradores posteriores ao
pedido, no mínimo, tratamento equivalente ao que receberiam se fosse decretada a falência.
Em muitos casos, definir esse mínimo não será uma tarefa fácil, mas o certo é que esse
mecanismo deve, ao fim e ao cabo, beneficiar a todos, devedor, credores sujeitos e credores
não sujeitos à recuperação.
156
Passivo trabalhista
Segundo o art. 54 da LFRE, o prazo máximo para pagamento das dívidas trabalhistas é de
12 meses após a sentença homologatória do plano de recuperação, podendo ser estendida a dois
anos se atendidos os requisitos previstos nos incisos do § 2º do art. 54 da LFRE, a saber:
142 Ato Conjunto nº 11/2019 e Provimento nº 1/2018 da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho e; Provimento
Conjunto nº 02/2019 do TRT-1; Resolução Administrativa nº 79/2019, do TRT-2; dentre outros.
143 TJSP, AI nº 2008116-05.2016.8.26.0000. Relator: Fabio Tabosa; Comarca: Guarulhos; Órgão julgador: 2ª Câmara
Reservada de Direito Empresarial; Julgamento: 11/05/2016.
144 Ver resultado do julgamento do AI nº 2008.002.04916, por nós interposto e provido pela 4ª Câmara Cível do TJRJ, em
08/07/2008, publicado em 24/07/2008.
157
créditos trabalhistas e equiparados tenham um tratamento preferencial,
convertendo-se, o que sobejar desse limite quantitativo, em crédito
quirografário. Licitude do proceder (REsp 1649774/SP, Rel. ministro
Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, Julgamento: 12/02/2019, DJe,
15/02/2019).
De qualquer maneira, essa proteção é apenas aparente, pois o legislador não obstou, como
já vimos, a previsão de deságio em relação aos créditos trabalhistas, tornando-se uma constante
nos planos de recuperação.
No § 1º do art. 54 da LFRE, há previsão de que eventuais verbas salariais em atraso quando
do pedido de recuperação judicial, homologado o plano, deverão ser adimplidas em no máximo
30 dias, observados os limites de cinco salários-mínimos por empregado e relativos aos três meses
anteriores ao pedido de recuperação.
158
caminha a pacífica doutrina e a majoritária jurisprudência, resumida na Súmula 581 do STJ,
originada pelo seguinte julgado:
159
Qual é o posicionamento do STJ sobre a eficácia das cláusulas de supressão de
garantias reais e fidejussórias nos planos de recuperação judicial aprovados em AGC?
EFICÁCIA RESTRITA
EFICÁCIA AMPLA
(só para os credores que aprovaram o
(todos os credores submetidos ao PRJ)
PRJ sem ressalvas)
160
impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros
devedores ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou
fidejussória") e 61 deste Tribunal ("Na recuperação judicial, a supressão da
garantia ou sua substituição somente será admitida mediante aprovação
expressa do titular"). Decisão agravada mantida. Recurso desprovido
(TJSP; Agravo de Instrumento 2132827-77.2019.8.26.0000;
Relator: Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de
Direito Empresarial; Foro de Limeira – 2ª Vara Cível; Julgamento:
09/10/2019).
161
Aprovação ou rejeição do plano de recuperação do
devedor
Após a publicação do edital previsto no art. 53 da LFRE, não tendo sido apresentada
qualquer objeção, caberá ao juiz verificar se foram preenchidos todos os requisitos legais e, caso
tenham sido, concederá a recuperação judicial, conforme determina o art. 58 da LFRE.
Não obstante, parece pouco factível pensar que algum plano de recuperação conte com a
aquiescência de todos os credores, em especial no caso de empresas que possuam um universo
maior de relações jurídicas. Assim, o mais comum é a existência de objeções e, via de
consequência, a não homologação imediata do plano.
Nesse contexto, o juiz convocará a assembleia geral de credores de acordo com os requisitos
do art. 36 da LFRE, que deverá acontecer, espera-se, no prazo máximo de 150 dias do despacho
que deferiu o processamento da recuperação.
Rejeitado o plano de recuperação apresentado pelo devedor pela assembleia geral de
credores, o administrador judicial submeterá à votação a concessão do prazo de 30 dias para que
os próprios credores apresentem um plano de recuperação alternativo (art. 56, § 4º), medida que
precisa ser aprovada pela maioria dos credores presentes (art. 56, § 5º).
Há de se consignar que o plano alternativo dos credores só recebido e levado à deliberação da
nova assembleia geral de credores se preencher os requisitos previstos no § 6º do art. 56 da LFRE.
Advirta-se que se a assembleia geral de credores rejeitar o plano apresentado pelo devedor e,
eventualmente, o plano alternativo, o juiz convolará a recuperação judicial em falência, conforme
art. 56, § 8º, da LFRE.
Tem-se revelado comum a aprovação de um pedido de suspensão da assembleia após a sua
instalação. Por força do § 9º do art. 56 da LFRE, essa suspensão não pode perdurar por mais de
90 dias, sob pena de convocação de uma nova assembleia.
Importante novidade foi trazida pelo art. 39, § 4º, e pelo art. 56-A da LFRE, que permitem
a dispensa da deliberação em assembleia geral de credores, se o devedor juntar, em até cinco dias
da data designada, termos de adesão que comprovem o atingimento do quórum previsto no art.
45 da LFRE, e a consequente aprovação do plano de recuperação. Antes, porém, da homologação,
o juiz deverá ouvir os credores, que poderão apresentar oposição no prazo de 10 dias, hipótese em
que o devedor terá o mesmo prazo para se manifestar, seguindo-se a oitiva do administrador
judicial, esta no prazo de cinco dias.
162
Deliberação dos credores em assembleia
Entre as atribuições da assembleia geral previstas nas alíneas do inciso I do art. 35 da LFRE
está a “aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação apresentado pelo devedor”.
Convocada a assembleia geral, esta será, em regra, presidida pelo administrador judicial e
instalada em primeira convocação caso conte com a presença de credores titulares de mais da
metade dos créditos de cada classe, de acordo com o seu valor. Do contrário, em segunda
convocação, independentemente do número de credores presentes.
Como já mencionado, em regra o voto do credor será proporcional ao valor do seu crédito,
sendo aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis que represente mais da metade do valor total
dos créditos presentes à assembleia geral (art. 42 da LFRE). Entretanto, para a aprovação do plano
de recuperação, o art. 45 da LFRE impõe um quórum de deliberação diversificado e complexo,
devendo obter o voto favorável da maioria dos credores presentes, observadas as seguintes regras:
a) Classe I – Credores trabalhistas e acidentários145 – voto por cabeça;
b) Classe II – Credores com garantia real (hipoteca, penhor e anticrese) – voto por
cabeça e proporcional;
c) Classe III – Credores quirografários, com privilégio especial (exceto microempresas e
empresas de pequeno porte), com privilégio geral e subordinados – voto por cabeça e
proporcional;
d) Classe IV – Credores que forem microempresários e empresários de pequeno porte, na
forma da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, com as alterações
promovidas pela Lei Complementar n° 147/14 – voto por cabeça.
Note-se que o credor cujo direito não for atingido pelo plano de recuperação, muito
embora possa participar da assembleia, “não terá direito a voto e não será considerado para fins de
verificação de quórum de deliberação” (art. 45, § 3º, da LFRE). O mesmo deve ocorrer em
relação ao credor que se abstiver de votar.
145 Note-se que o art. 37, § 5º, da nova Lei de Falências permite a representação dos credores trabalhistas pelo sindicato,
o que, segundo o professor Paulo Penalva Santos, viabiliza a realização da assembleia geral em sociedades com muitos
empregados, conforme manifestado na referida palestra proferida na Emerj, em 7 de março de 2005.
163
b) rejeição em apenas uma das classes de credores;
c) voto favorável de mais de 1/3 dos credores na classe em que houver a rejeição e
d) inexistência de tratamento diferenciado entre os credores que compõem a classe em que
houver a rejeição.
Caso o plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor seja rejeitado em AGC e
não sendo a hipótese de cram down, o administrador judicial, com fundamento no § 4º do art.
56, colocará em votação a possibilidade de os credores apresentarem plano de recuperação
alternativo, que será considerada aprovada pelo voto da maioria dos credores presentes, na
forma do art. 42.
Uma vez aprovada essa proposta, os credores terão o prazo de 30 dias para apresentar o
plano de recuperação alternativo, desde que preenchidos os requisitos previstos no § 6º do art. 56.
Entre esses requisitos, destacam-se: i) a exigência de que esse plano alternativo seja
apresentado por credores que representem 25% do créditos totais sujeitos à recuperação judicial
ou 35% dos créditos presentes na AGC que rejeitou o PRJ do devedor; e ii) a proteção
conferida ao devedor e aos seus sócios decorrente das limitações previstas nos inciso IV, V e VI
do § 6º, do art. 56.
164
No entanto, na prática, a tese do voto abuso tem sido aplicada a partir de meras suspeitas,
presunções e porque o resultado contraria o princípio da preservação da empresa. Ignora-se a
natureza contratual do instituto, olvidando-se o fato de que nenhum credor é obrigado a aceitar o
que lhe é proposto de deságio e de alongamento da dívida. De toda maneira, parcela da
jurisprudência vem admitindo a aplicação da teoria de abuso de direto, sobretudo nas hipóteses
em que existe um único credor em determinada classe, capaz de rejeitar o plano pelo seu solitário
voto contrário, salvo se ele comprovar que a falência do devedor lhe será mais útil. Vejamos:
A nova regra prevista no art. 39, § 6º, da LFRE, ao nosso sentir, deve dificultar a aplicação
da teoria do abuso de direito para afastar o voto de algum credor, pois exige a prova de que ele
visava à obtenção de vantagem ilícita para si ou para outrem. Vejamos: “Art. 39, § 6º O voto será
exercido pelo credor no seu interesse e de acordo com o seu juízo de conveniência e poderá ser
declarado nulo por abusividade somente quando manifestamente exercido para obter vantagem
ilícita para si ou para outrem”.
165
Suspensão da assembleia de deliberação sobre o plano de recuperação
Propagou-se a tese de que a assembleia que delibera sobre o plano de recuperação judicial é
regida pelo princípio da unicidade, na esteira do entendimento firmado pelo Enunciado nº 53 do
CJF146. Portanto, iniciados os trabalhos, é possível que os credores aprovem, por maioria simples,
a suspensão da AGC, desde que ela se complete no prazo máximo de 90 dias.
Em qualquer caso, contudo, havendo modificações estruturais no PRJ, em razão do
princípio da boa-fé e da transparência, o correto é a convocação imediata de uma nova AGC.
Nesse sentido:
146
CJF, Enunciado 53 - A assembleia geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação judicial é una,
podendo ser realizada em uma ou mais sessões, das quais participarão ou serão considerados presentes apenas os
credores que firmaram a lista de presença encerrada na sessão em que instalada a assembleia geral.
166
Regularidade tributária para a concessão da recuperação
Convém repisar a exigência contida no art. 57 da LFRE, ou seja, a apresentação da CND
ou a certidão positiva com efeitos negativos (CPEN), como requisito à homologação do plano.
Não havendo mais a mora legislativa em relação aos caminhos para a regularização do
passivo fiscal, diante dos arts. 10-A, 10-B e 10-C da Lei nº 10.522/02, e considerando a
legitimidade conferida às Fazendas Públicas para pedir a convolação da recuperação judicial em
falência, conforme art. 10-A, § 4º-A, inciso IV, da Lei nº 10.522/02, entendemos que a
exigência de apresentação das certidões de regularidade fiscal prevista no art. 57 da LFRE é
imperativa e indispensável.
167
não havendo falar, portanto, em onerosidade excessiva ou
enriquecimento sem causa da recuperanda. Incidência da Súmula 7/STJ.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1643352/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO,
QUARTA TURMA, julgado em 16/11/2020, DJe 14/12/2020)
A partir da nossa experiência nas varas empresariais do Rio de Janeiro, trazemos à colação um
rol meramente exemplificativo de cláusulas de legalidade duvidosa147:
a) exoneração de responsabilidade dos devedores solidários;
b) proibição de convolação em falência pelo juízo em caso de descumprimento do plano;
c) autorização genérica para alienação de ativos, sem controle pelos credores ou pelo juízo;
d) autorização genérica para realização de operações de reorganização societária, tais como
fusões, incorporações e cisões, sem controle pelo juízo ou pelos credores;
e) autorização para a criação e a alienação de UPIs, sem discriminação dos bens que
poderão integrá-la;
f) previsão de início de pagamento dos credores condicionado a eventos futuros, como a
alienação de determinados ativos ou o trânsito em julgado da decisão homologatória,
sem limite temporal;
g) ausência de previsão de correção monetária ou a utilização da Taxa Referencial - TR;
h) imposição de deságios exagerados, por vezes iguais ou superiores a 90%;
i) previsão de pagamento com base no fluxo de caixa ou no faturamento bruto da
devedora, sem estipulação de valor mínimo;
j) prazo para pagamento dos credores trabalhistas superior a 12 meses;
k) alteração ou supressão de garantias reais sem anuência do seu titular e
l) redução ou ampliação do prazo bienal de supervisão judicial de cumprimento do plano.
Por outro lado, entendemos que, uma vez preenchidos os requisitos da lei, o juiz não possui
a faculdade de conceder ou não a recuperação, ele está vinculado a concedê-la. Admitimos maior
grau de discricionariedade apenas no sistema do cram down, uma vez que o juiz deve verificar se
houve qualquer concessão de privilégio que possa implicar tratamento diferenciado entre os
credores da classe onde o plano foi rejeitado, como previsto no § 2º do art. 58 da LFRE.
147
A jurisprudência é controvertida sobre a legalidade dessas cláusulas e algumas delas foram objeto de modificação
legislativa, especialmente por ocasião da Lei nº 14.112/2020.
168
Sentença concessiva da recuperação judicial e novação
Diferentemente do que ocorria na época da concordata preventiva, a homologação do plano
de recuperação judicial provoca novação em relação aos créditos sujeitos ao plano, mesmo que eles
não estejam listados no QGC. Essa é a regra prevista no art. 59 da LFRE.
Dessa forma, se dois credores estão sujeitos ao plano de recuperação judicial, um deles com
o seu crédito habilitado, enquanto o outro não, não importa, homologado o plano, ambos
deverão receber segundo as novas regras, ou seja, na chamada “moeda da recuperação”.
A novação da recuperação judicial está sujeita à condição resolutiva. Assim, se o plano
homologado judicialmente for rescindido ainda durante a fase judicial, ou seja, durante a
supervisão judicial de dois anos posteriores à homologação, incide a regra prevista no art. 61, § 2º,
da LFRE, que prevê a reconstituição de todos os créditos às suas condições originais. Encerrada a
recuperação pelo seu cumprimento, aquela novação torna-se definitiva.
Em caso de rejeição do plano e não preenchidos os requisitos do § 1º do art. 58 da LFRE,
o juiz terá que decretar a falência do devedor. Note-se que esse é um dos pontos mais criticados
da LFRE.
Recursos
Com a concessão da recuperação judicial, encerra-se a fase de deliberação e se inicia a de
execução. Trata-se, portanto, de decisão interlocutória, pois não se encerra o processo, cabendo
contra ela o recurso de agravo, que poderá ser interposto pelo devedor, por qualquer credor ou
pelo Ministério Público, na forma do § 2º do art. 59 da LFRE.
Por sua vez, a decisão que rejeita o plano de recuperação e, ao mesmo tempo, decreta a
falência, também desafia o recurso de agravo, com fulcro no art. 100 da LFRE.
169
justificativa qualquer obrigação que se vencer nesta fase judicial da recuperação (art. 61, caput, da
LFRE), o juiz deverá convolar a recuperação em falência (art. 61, § 1º, da LFRE).
O descumprimento de obrigação assumida no plano de recuperação judicial demonstrará
que as condições pactuadas pelo empresário com os seus credores não possibilitaram a recuperação
da empresa, que continua incapaz de honrar com as obrigações assumidas, razão pela qual o juiz
decretará, de ofício ou por provocação nos autos da recuperação, a falência da sociedade
empresária.
Passada a fase de supervisão judicial, de no máximo dois anos, sem notícia de
inadimplemento, encerra-se o processo de recuperação por sentença e se inicia a fase
extrajudicial de cumprimento do plano. Nela, qualquer credor poderá pedir a execução
específica de obrigação descumprida pelo devedor ou requerer a sua falência (art. 62 da LFRE).
Por fim, muitos devedores, por diferentes razões, pedem ao juízo o não encerramento do
processo de recuperação, mesmo após o decurso do prazo bienal, tal como ocorreu no processo de
recuperação judicial do Grupo Oi, em trâmite perante a 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro148.
Como regra, defendemos a aplicação literal dos arts. 61 e 63 da LFRE, cujos objetivos são a
estabilização jurídica das condições do plano homologado e o respeito ao princípio da duração
razoável do processo. Contudo, a depender do caso concreto, pode-se permitir uma breve
prorrogação, desde que aprovada pelos credores e submetida a um rigoroso controle do juízo, que
não estará vinculado ao prazo acordado entre as partes.
170
QUE NÃO TENHA OCORRIDO O ENCERRAMENTO
DAQUELA. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA.
ALTERAÇÃO SUBMETIDA À ASSEMBLEIA GERAL DE
CREDORES. SOBERANIA DO ÓRGÃO. DEVEDOR DISSIDENTE
QUE DEVE SE SUBMETER AOS NOVOS DITAMES DO PLANO.
PRINCÍPIOS DA RELEVÂNCIA DOS INTERESSES DOS
CREDORES E DA PAR CONDITIO CREDITORUM (REsp
1302735/SP, Rel. ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Julgamento:
17/03/2016, DJe, 05/04/2016).
171
de instrumento de credora. Pedido de afastamento do sócio-
administrador das recuperandas. Medida excepcional que demanda
constituição de prova inequívoca dos fatos alegados, a serem apurados em
incidente processual já instaurado especificamente com essa finalidade. O
funcionamento nos autos, ademais, de responsável pela fiscalização das
atividades da administração ("watchdog"), significa que está minimizada
a possibilidade de ocorrência de danos aos credores. Decisão agravada
confirmada. Agravo de instrumento desprovido.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2247171-71.2019.8.26.0000; Relator
(a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito
Empresarial; Foro de Franca - 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento:
29/04/2020; Data de Registro: 29/04/2020)
No que se refere ao sócio controlador, quotista ou acionista, este será afastado nas mesmas
hipóteses previstas para os administradores, mas mediante a suspensão do seu direito de voto na
assembleia ou reunião de sócios.
A medida é extrema e deve ser utilizada sempre em último caso, sob pena de grave
interferência do Poder Público na iniciativa privada.
172
Por fim, cumpre destacar que o parágrafo único do art. 73 da LFRE acrescenta a
possibilidade de decretação da falência “por inadimplemento de obrigação não sujeita à
recuperação judicial, nos termos dos incisos I ou II do caput do art. 94 desta lei, ou por prática de
ato previsto no art. 94, III” (art. 94, parágrafo único, da LFRE).
173
174
MÓDULO IV – OUTRAS ESPÉCIES DE
RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
Como já destacado durante o curso, existem outras espécies de recuperação de empresas que
também necessitam de algum enfoque, muito embora na prática não sejam tão utilizadas como a
recuperação judicial comum ou ordinária. Uma delas é a recuperação destinada ao micro e ao
pequeno empresário, denominada de plano especial, enquanto a outra é a chamada recuperação
extrajudicial. Vejamos cada uma de per si.
176
Não partilhamos desse entendimento, pois, se o plano não estiver de acordo com a lei, o juiz, de
ofício, deverá rejeitá-lo, existindo ou não objeção de credores. A objeção, sob nossa ótica, refere-se à
própria viabilidade do plano de recuperação e ao percentual de corte proposto pelo devedor. É possível
que mais da metade dos credores entenda que o devedor não tem condição alguma de permanecer no
mercado, razão pela qual não se justificaria tamanho sacrifício em favor de uma empresa inviável.
O legislador foi bastante infeliz ao estipular que será decretada a falência se houver objeção de
credores em número que supere a “metade de qualquer uma das classes de créditos previstos no art.
83, computados na forma do art. 45, todos desta Lei” (art. 72, parágrafo único, da LFRE). Afinal,
os credores serão agrupados nas quatro classes do art. 41 ou nas classes152 do art. 83 da LFRE?
As dúvidas não cessam por aí: é aplicável o sistema do cram down ao plano especial? O
cumprimento do plano de recuperação homologado ficará sujeito à supervisão judicial pelo prazo
de até dois anos, tal como previsto no art. 61 da LFRE?
Com a devida vênia aos entendimentos contrários, a resposta para todas essas perguntas é
uma só: aplicam-se à recuperação judicial dos microempresários e empresários de pequeno porte
todas as normas gerais estabelecidas para as empresas de médio e grande porte, salvo se
expressamente afastadas pelos arts. 70-72 da LFRE.
Por derradeiro, o produtor rural pode optar pelo plano especial aqui tratado quando o valor
total dos créditos sujeitos não for superior a R$ 4.800.000,00, conforme art. 70-A.
Recuperação extrajudicial
Na recuperação extrajudicial, disciplinada nos arts. 161-167 da LFRE, o devedor em crise
econômico-financeira reúne-se com alguns dos seus credores ou com todos eles e celebra o acordo,
extrajudicialmente, que será levado à homologação judicial.
Esse acordo até poderia ser discutido e aprovado em única reunião, com todos os credores
envolvidos. Entretanto, na prática, o devedor formula um plano de pagamento e reestruturação,
levando-o a cada credor individualmente, colhendo as respectivas assinaturas nos chamados
termos de adesão. Somente depois de procurar todos os credores e alcançar o número de adesões
necessário para a aprovação, leva-o para a homologação judicial.
Depreende-se, das normas que regulam o novo instituto, que existem dois tipos de acordos que
podem ser objeto de homologação, isto é, são duas as modalidades de recuperação extrajudicial:
a) Facultativa – Envolve e atinge apenas os credores que aderiram voluntariamente ao
acordo e
b) Impositiva – Envolve e atinge todos os credores, mesmo os não aderentes, desde que o
acordo tenha sido aceito por mais da 1/2 de cada classe ou grupo de credores participantes.
152 Deve ser excluída da contagem, por óbvio, a classe dos credores tributários, prevista no inciso III do art. 83 da LFRE.
177
O art. 167 da LFRE indica que será possível qualquer espécie de acordo entre credor e
devedor, ao prever que o disposto no capítulo atinente à recuperação extrajudicial não implicará a
“impossibilidade de realização de outras modalidades de acordos privados entre o devedor e seus
credores”. Dessa forma, além do acordo celebrado e homologado nos termos da Lei nº 11.101/05,
o devedor poderá celebrar acordos paralelos com alguns credores.
Requisitos
O art. 161 da LFRE remete o intérprete para o art. 48 da LFRE, indicando, com isso, os
requisitos que devem ser preenchidos pelo devedor que pretende “propor e negociar com credores
plano de recuperação extrajudicial”. Assim, não tem direito ao instituto o devedor que:
a) estiver atuando regularmente no mercado há menos de dois anos;
b) for falido – Note-se que esse requisito se refere à falência decretada, assim, o protesto de
títulos e a existência de requerimento de falência não afastam a possibilidade de
recuperação;
c) obteve recuperação judicial há menos de cinco anos e
d) tiver como administrador ou controlador pessoa condenada por crime falimentar.
Acrescente-se, ainda, como requisito subjetivo, o fato de o devedor não poder ter pendente
pedido de recuperação judicial, ou ter obtido “recuperação judicial ou homologação de outro
plano de recuperação extrajudicial há menos de 2 (dois) anos” (art. 161, § 3º, da LFRE).
O professor Fábio Ulhoa Coelho afirma que os requisitos subjetivos exigidos pelo art. 161
somente serão necessários para a homologação do plano em juízo, ou seja, qualquer devedor pode
“simplesmente procurar seus credores e tentar encontrar, em conjunto com eles, uma saída
negociada para a crise”.153
Por seu turno, os requisitos objetivos necessários à homologação do plano de recuperação
extrajudicial referem-se ao conteúdo do plano e se encontram dispersos no capítulo da LFRE
atinente à recuperação extrajudicial.
Os dois primeiros requisitos objetivos têm previsão no § 2º do art. 161 da LFRE: (i) o
plano não poderá prever o pagamento antecipado de dívidas, nem (ii) contemplar tratamento
desfavorável aos credores que ao plano não estejam sujeitos.
Outro requisito objetivo diz respeito aos credores com garantia real. Conforme dispõe o art.
163, § 4º, da LFRE, o plano de recuperação somente poderá prever a alienação de bem objeto de
garantia real, a supressão de garantia ou a sua substituição se houver aquiescência expressa do
credor garantido. Na mesma linha, o art. 163, § 5º, da LFRE prevê que o credor de crédito em
moeda estrangeira deve autorizar expressa e individualmente a proposta de desvinculação cambial
do seu crédito.
178
Créditos sujeitos e stay period
De acordo com o art. 163, § 1º, in fine, da LFRE, o plano de recuperação somente poderá
abranger titulares de créditos já constituídos à data do pedido de homologação, ou seja, aqueles
que sejam líquidos e certos, e não apenas existentes.
Poderão ser atingidos pelo plano os credores com garantia real, com privilégio especial e
geral, quirografários e subordinados. Já em relação aos créditos trabalhistas, a sua sujeição
dependerá de acordo com o sindicato dos empregados, conforme § 1º do art. 161.
Caso o pedido de homologação do plano de recuperação esteja acompanhado dos termos de adesão
de credores que representem, pelo menos, 1/3 dos créditos de cada espécie sujeitos aos seus efeitos, e do
compromisso de que em 90 dias os demais termos de adesão serão apresentados para atingimento do
quórum necessário para aprovação, o juiz concederá ao devedor a proteção do stay period, ou seja,
determinará a suspensão prevista no art. 6º da LFRE. Essa novidade está prevista nos §§ 7º e 8º do art.
163 da LFRE.
154
Idem. p. 394.
179
Procedimento para homologação
Em regra, o verdadeiro plano de recuperação extrajudicial deve ser levado à homologação
judicial, muito embora não possamos deixar de consignar respeitável entendimento que sustenta
não ser obrigatória a fase judicial quando o plano só atingir os credores anuentes.
De toda sorte, dependendo da sua abrangência, o conteúdo da petição inicial do pedido de
homologação e os documentos que devem instruí-la variam.
Se o plano abranger apenas os credores anuentes – facultativa –, a petição inicial deve
conter apenas a justificativa para a concessão do benefício àquela sociedade empresária requerente,
o plano em si e os termos de adesão ou a ata da reunião em que o plano foi aprovado, conforme
art. 162 da LFRE.
De outro lado, se o devedor pretende estender os efeitos do plano aos credores não
anuentes – impositiva –, por força da decisão da maioria, há um rigor maior. Conforme
salienta o professor Coelho, “com a homologação judicial do plano de recuperação
extrajudicial, estendem-se os efeitos do plano aos minoritários nele referidos, suprindo-se
desse modo a necessidade de sua adesão voluntária”.155
De início, a petição inicial deve mencionar quais classes ou grupos de credores pretende
atingir. Como se sabe, legalmente, os credores estão divididos em classes conforme os seus
privilégios, e elas estão previstas nos incisos do art. 83 da LFRE. A petição inicial deverá separá-los
entre credores aderentes e não aderentes, assim como os registros contábeis das respectivas
operações, a fim de que o juiz possa verificar se o quórum foi efetivamente atingido.
Como alinhavado, a lei também permite que os credores sejam divididos em “grupos de
credores de mesma natureza e sujeitos a semelhantes condições de pagamento”. Aqui nos
deparamos com um grande problema, pois o legislador não definiu o que seria “mesma natureza”,
muito menos “semelhantes condições de pagamento”.
O bom exemplo de grupo fornecido pela doutrina seria o de fornecedores. Outrossim,
sabemos que muitos fornecedores têm garantias reais, enquanto outros são quirografários, e
sustentamos a impossibilidade de se criar um “grupo” que mescle credores de classes distintas.
Nesse diapasão, alguns créditos já podem estar vencidos, enquanto outros estão a vencer
em curto, médio e longo prazo, o que também é um dificultador para se criar um grupo e, pior,
qualquer omissão ou inclusão indevida de credores pode influenciar decisivamente na apuração
do quórum.
Ultrapassado esse ponto, o devedor deverá expor a sua situação patrimonial com detalhes,
além de instruir o pedido com a última demonstração contábil e um balanço especial levantado na
época do pedido. Também deverá apresentar a relação completa dos seus credores, indicando o
endereço de cada um, a natureza, a classificação, o valor e a origem de cada crédito, assim como os
registros contábeis respectivos.
155
Idem. p. 400.
180
O procedimento em si é idêntico, isto é, esteja ou não o plano se estendendo aos credores
não aderentes. Dessa forma, recebida a petição inicial, será publicado um edital no Diário Oficial
e em jornal de grande circulação convocando os credores para objetarem o pedido no prazo de 30
dias. No mesmo prazo, o devedor deverá comprovar que enviou carta registrada para os credores
sujeitos ao plano, notificando-os da ação, das condições do plano e do prazo para objeção.
Oposição ao pedido
Segundo o § 3º do art. 164 da LFRE, os credores só podem opor-se ao pedido alegando:
Apesar da limitação legal, na prática, temos visto várias objeções com fundamentos diversos
dos previstos no citado dispositivo legal, mas que podem mostrar-se pertinentes.
Imaginemos um credor sujeito ao plano, titular de um crédito no valor de R$ 700.000,00,
listado pelo devedor como credor de apenas R$ 520.000,00. Tal diferença pode influenciar na
aferição do quórum, especialmente se não for um caso isolado. O problema pode ser ainda maior
quando a divergência não for apenas quanto aos valores, mas se estender à natureza dos créditos e
às suas garantias. Se o problema for endêmico, ou seja, não se referir a um caso isolado,
defendemos a rejeição do plano por interpretação ampliativa do art. 164, § 6º, da LFRE.
Outro ponto não imaginado pelo legislador é a possibilidade de o plano conter injustiças,
como tratamentos desfavoráveis a certos credores.
Apresentada objeção, que deverá ser processada nos autos principais, o devedor terá o prazo
de cinco dias para se manifestar. Não há previsão de audiência ou de diligência probatória, assim
como manifestação do Ministério Público. Apesar disso, a intimação do Ministério Público tem
sido considerada obrigatória e, dependendo do caso, até mesmo uma audiência ou uma diligência
probatória não podem ser definitivamente descartadas.
181
Preocupa-nos, apenas, a última parte do dispositivo legal. Trata-se de uma expressão
extremamente subjetiva, cujo manuseio deve ser observado de perto. Acreditamos que a
expressão “irregularidade que recomende a sua rejeição” deve ser interpretada de acordo com as
demais causas legais de rejeição.
Da sentença, em qualquer hipótese, caberá apelação sem efeito suspensivo (art. 164, §
8º, da LFRE).
Caso o pedido seja indeferido, não há impedimento para a sua renovação, desde que
afastado o motivo que levou à denegação do anterior.156
Registre-se, ainda, que, nos termos do art. 161, § 5º, da LFRE, “após a distribuição do
pedido de homologação, os credores não poderão desistir da adesão ao plano, salvo com a
anuência expressa dos demais signatários”.
De acordo com o professor Fábio Ulhoa Coelho, “a anuência do devedor e de todos os
credores é condição para existência, validade e eficácia do arrependimento porque o plano de
recuperação deve sempre ser considerado em sua integralidade”.157 Acrescenta, ainda, que não se
pode fazer uma interpretação a contrario sensu do art. 161, § 5º, da LFRE, de modo a sustentar
que até a distribuição da homologação do plano qualquer credor pode desistir, unilateralmente,
da sua adesão.158
O art. 165 da LFRE estabelece que “o plano de recuperação extrajudicial produz efeitos
após a sua homologação judicial”. Contudo, é possível que o plano disponha de forma diversa,
estabelecendo a produção de efeitos imediatos “em relação à modificação do valor ou da forma de
pagamento dos credores signatários” (art. 165, § 1º, da LFRE). Nesta hipótese, caso o juízo a que
for submetido o plano para homologação o rejeite, os credores poderão exigir os seus créditos nas
condições originais, deduzindo-se os valores já pagos.
O cumprimento do plano deve ser acompanhado pelos credores, não havendo supervisão
do juiz ou do membro do Ministério Público. Entretanto, se o plano envolver a venda de
unidades produtivas ou de filiais, o juiz que homologar o pedido determinará imediatamente a
venda, observado o art. 142 da LFRE.
Discute-se se a venda, nessa hipótese, será livre e desembaraçada ou se o arrematante será
considerado sucessor do devedor nas obrigações inerentes ao estabelecimento adquirido.
Defendemos que eventual afastamento da sucessão só pode ser aplicável aos credores sujeitos ao
processo de recuperação judicial, pois essa blindagem teria gravíssimas consequências para os
credores trabalhistas e tributários, que não estão submetidos ao processo de recuperação
extrajudicial.
182
BIBLIOGRAFIA
AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de
empresas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial: falência e recuperação de empresa. 10. ed. Rio
de Janeiro: Saraiva, 2019.
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentário à Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 13. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
______. Curso de direito comercial. 22. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; CORRÊA-LIMA, Osmar Brina (Coords.). Comentários à nova Lei
de Falência e Recuperação de Empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
SALOMÃO, Luis Felipe; SANTOS, Paulo Penalva. Recuperação judicial, extrajudicial e falência:
teoria e prática. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (Coords.). Comentários
à lei de recuperação de empresa e de falência. São Paulo: Saraiva, 2005.
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense,
1955. v. 3.
YARSHELL, Flavio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti Julio. (Coords.). Processo societário. São
Paulo: Quartier Latin, 2015. v. 2.
183
PROFESSOR-AUTOR
Leonardo Marques é mestre em Direito Empresarial e Tributário pela Universidade
Candido Mendes (Ucam). Professor da Fundação Getulio Vargas nos cursos de MBA e de LLM,
módulos de “Falências e Recuperação de Empresas”; “Direito Contratual”, “Direito Societário”;
“Fundamentos de Direito Empresarial” e “Gestão das Relações Obrigacionais”. Promotor de
Justiça titular da 1ª Promotoria Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. Ex-gerente
de mercado do Banco Nacional/Unibanco entre 1990 e 1997. Ex-presidente da Fundação Escola
Superior do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Femperj) de 2010 a 2012. Ex-
professor de graduação do IBMEC e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
184