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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Caderno de Direito Penal: Parte Geral


Introdução ao Direito Penal....................................................................................... 1
1. Aspectos gerais: .......................................................................................................... 1
1.1. Conceito de direito Penal: ................................................................................... 1
1.2. Missão do Direito Penal: ..................................................................................... 1
1.3. Limites do Direito Penal: .................................................................................... 1
1.4. Velocidades do Direito Penal: ............................................................................ 2
1.5. Fontes do Direito Penal: As fontes indicam de onde vem e como se revela o
direito de punir estatal.................................................................................................. 2
1.5.1. Fontes Formais na doutrina moderna: ...................................................... 2
1.6. Fontes Formais Imediatas em espécie:.............................................................. 3
1.7. Interpretação da lei penal: ................................................................................. 3
1.7.1. A interpretação extensiva contra o réu: ..................................................... 4
1.7.2. Interpretação extensiva (IE) X Interpretação analógica (IA): ................... 4
Princípios Gerais do Direito Penal:..........................................................................5
1. Princípios relacionados com a missão fundamental do direito penal: ..................... 6
1.1. Princípios da exclusiva proteção dos bens jurídicos: ........................................ 6
1.2. Princípio da intervenção mínima: ..................................................................... 6
1.2.1. O Princípio da Insignificância: ................................................................... 6
2. Princípios relacionados com o fato do agente: ..........................................................7
2.1. Princípio da Exteriorização ou Materialização do fato:......................................7
2.1.1. Sistemas de direito penal: ...........................................................................7
2.2. Princípio da Ofensividade ou da Lesividade: .....................................................7
2.3. Princípio da Legalidade: .....................................................................................7
3. Princípios Relacionados com o agente do fato: .........................................................7
3.1. Princípio da Responsabilidade pessoal: .............................................................7
3.2. Princípio da Responsabilidade Penal Subjetiva: ............................................... 8
3.3. Princípio da Culpabilidade: ............................................................................... 8
3.4. Princípio da Isonomia/Igualdade:..................................................................... 8
3.5. Princípio da Presunção de Inocência, Estado de Inocência ou Não Culpa: ...... 8
4. Princípio da Legalidade: ........................................................................................... 9
4.1. Sub-princípios ou “Ângulos” da legalidade: ...................................................... 9
4.1.1. Anterioridade (lege praevia): ..................................................................... 9
4.1.2. Reserva legal (lege stcripta): ...................................................................... 9
4.1.3. Vedação à analogia e aos costumes incriminadores (lege stricta): ............ 9
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4.1.4. Taxatividade ou mandado de certeza (lege certa): ....................................10


4.1.5. Necessidade: ..............................................................................................10
4.2. Legalidade Formal X Legalidade Material: ......................................................10
4.3. Princípio da legalidade, tipo aberto e a norma penal em branco: ....................10
4.3.1. Leis Completas X Leis Incompletas: .........................................................10
4.3.2. Tipo penal aberto X Norma penal em branco: .......................................... 11
4.3.3. Espécies de Normas Penais em Branco:.................................................... 11
Aplicação da Lei Penal: .............................................................................................. 12
1. Eficácia da Lei Penal no Tempo: .............................................................................. 12
1.1. Tempo do Crime: .............................................................................................. 12
1.2. Lei Penal no Tempo: ......................................................................................... 12
1.2.1. Abolitio crimins: Art. 2º, caput do CP ....................................................... 13
1.2.2. Retroatividade da lei penal mais benéfica: Art. 2º p. único CP (novatio
legis in mellius) ........................................................................................................ 13
1.2.3. Combinação de Leis Penais: ...................................................................... 13
1.2.4. Leis Excepcionais e Leis Temporária: Art. 3º do CP ................................. 14
1.2.5. Sucessão de Complementos da Norma Penal em Branco: ........................ 14
2. Eficácia da Lei Penal no Espaço: .............................................................................. 15
2.1. Princípios Aplicáveis:........................................................................................ 15
2.2. Territorialidade:................................................................................................ 17
2.2.1. Teoria adotada pelo Brasil: Quando o crime se considera praticado no
território brasileiro? ................................................................................................. 17
2.2.2. Direito à passagem inocente .......................................................................... 18
2.2.3. Crime à distância e crime plurilocal e crime em trânsito .............................. 18
2.3. Extraterritorialidade ......................................................................................... 19
2.3.1. Extraterritorialidade incondicionada (art.7º, I e § 1º, do CP) .................. 19
2.3.2. Extraterritorialidade condicionada (art. 7º, II e § 2º, do CP) .................. 20
2.3.3. Extraterritorialidadehipercondicionada (art. 7º, §§ 2º e 3º do CP) ........ 22
2.3.4. Princípiosaplicáveis às hipóteses previstas no art. 7º do CP ................... 22
3. Validade da lei penal em relação às pessoas (Imunidades) .................................... 23
3.1. Introdução ....................................................................................................... 23
3.2. Imunidades Diplomáticas:............................................................................... 24
3.2.1. Conceito .................................................................................................... 24
3.2.2. Natureza jurídica ...................................................................................... 24
3.2.3. Garantias das imunidades ........................................................................ 24
3.3. Imunidades Parlamentares: ............................................................................ 24
3.3.1. Imunidade parlamentar absoluta: Art. 53, caput, da CF ......................... 25
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3.3.2. Imunidade parlamentar relativa: ............................................................. 26


3.3.3. Questões importantes sobre as imunidades.............................................. 31
4. Conflito aparente de normas ................................................................................... 34
4.1. Considerações gerais........................................................................................ 34
4.2. Princípios regentes do conflito aparente de normas ....................................... 34
4.2.1. Princípio da especialidade ........................................................................ 35
4.2.2. Princípio da subsidiariedade .....................................................................37
4.2.3. Princípio da consunção ............................................................................ 38
4.2.4. Princípio da alternatividade ..................................................................... 40
4.3. Antefato e pós-fato impuníveis ........................................................................ 40
Teoria do crime .......................................................................................................... 42
1. Aspectos introdutórios ............................................................................................ 42
1.1. Diferenças entre crimes e contravenções ........................................................ 43
1.1.1. Quanto à pena privativa de liberdade imposta ........................................ 43
1.1.2. Quanto à espécie de ação penal ................................................................ 43
1.1.3. Quanto à admissibilidade da tentativa ..................................................... 43
1.1.4. Quanto à extraterritorialidade da lei penal brasileira .............................. 43
1.1.5. Quanto à competência para julgar ........................................................... 43
1.1.6. Quanto ao limite das penas ...................................................................... 44
1.1.7. Quanto à ignorância ou à errada compreensão da lei .............................. 44
1.1.8. Quadro sinótico ........................................................................................ 44
2. Conceito de crime .................................................................................................... 45
2.1. Conceito formal................................................................................................ 45
2.2. Conceito material ............................................................................................. 45
2.3. Conceito analítico ............................................................................................ 45
3. Sujeitos do crime ..................................................................................................... 45
3.1. Sujeito ativo ..................................................................................................... 45
3.1.1. quem pode figurar como sujeito ativo de uma ação penal? ..................... 45
3.1.2. Classificação doutrinária dos crimes conforme o sujeito ativo ................ 46
3.2. Sujeito passivo ................................................................................................. 46
3.2.1. Conceito .................................................................................................... 46
3.2.2. Espécies de sujeito passivo ....................................................................... 46
3.2.3. Questões especiais relacionadas ao sujeito passivo ................................. 46
4. Objeto material ........................................................................................................47
5. Objeto jurídico..........................................................................................................47
6. Crime e seus elementos (ou substratos) ..................................................................47
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7. Teorias do crime/da tipicidade/da conduta (Sistemas Penais) .............................. 48


7.1. Teoria causalista (causal naturalista/ clássica/ naturalística ou mecanicista) 49
7.1.1. Noções gerais ............................................................................................ 49
7.1.2. Críticas à teoria causalista ........................................................................ 50
7.1.3. Quadro Sinótico ........................................................................................ 50
7.2. Teoria neokantista (neoclássica ou causal valorativa) .................................... 50
7.2.1. Noções gerais ............................................................................................ 50
7.2.2. Críticas à teoria neokantista ...................................................................... 51
7.2.3. Quadro Sinótico ........................................................................................ 52
7.3. Teoria finalista ................................................................................................. 52
7.3.1. Noções gerais ............................................................................................ 52
7.3.2. Críticas ao finalismo ................................................................................. 53
7.3.3. Quadro Sinótico ........................................................................................ 54
7.3.4. Teoria finalista dissidente ........................................................................ 54
7.4. Teoria social da ação ........................................................................................ 54
7.4.1. Noções gerais ............................................................................................ 54
7.4.2. Críticas à teoria social da ação.................................................................. 54
7.4.3. Quadro Sinótico .........................................................................................55
7.5. Teorias funcionalistas .......................................................................................55
7.5.1. Noções gerais .............................................................................................55
7.5.2. Funcionalismo teleológico/dualista/moderado/ da política criminal
(Klaus Roxin) .......................................................................................................... 56
7.5.3. Funcionalismo sistêmico/exarcebado/radical (Gunter Jakobs) .............. 56
7.5.4. Noções finais............................................................................................. 58
7.6. Quadro sinótico acerca das teorias do crime e da conduta ............................. 59
Fato Típico (Tipicidade) ............................................................................................ 61
1. Aspectos gerais ......................................................................................................... 61
1.1. Conceito ............................................................................................................ 61
2. Conduta ................................................................................................................... 62
2.1. Conceito de conduta ........................................................................................ 62
2.2.1. Conceito de conduta adotado no Brasil .................................................... 63
2.3. Hipóteses de ausência de conduta ................................................................... 63
2.4. Espécies de Conduta ........................................................................................ 64
2.4.1. Crime doloso ............................................................................................. 64
2.4.2. Crime culposo ........................................................................................... 69
2.5. Erro de Tipo ......................................................................................................73
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2.5.1. Conceito .....................................................................................................73


2.5.2. Espécies de erro de tipo .............................................................................73
2.6. Crimes Comissivos e Crimes Omissivos ...........................................................81
2.6.1. Crimes Comissivos .................................................................................... 81
2.6.2. Crimes Omissivos ...................................................................................... 81
2.6.3. Crimes de conduta mista .......................................................................... 84
3. Resultado................................................................................................................. 84
3.1. Espécies de resultado ....................................................................................... 84
3.1.1. Resultado naturalístico............................................................................. 84
3.1.2. Resultado normativo ou jurídico .............................................................. 86
4. Nexo Causal ............................................................................................................. 87
4.1. Conceito ........................................................................................................... 87
4.2. Teorias acerca do nexo de causalidade ............................................................ 87
4.2.1. Teoria da causalidade adequada .............................................................. 87
4.2.2. Teoria da equivalência dos antecedentes ................................................. 88
4.3. Concausas ........................................................................................................ 90
4.3.1. Conceito .................................................................................................... 90
4.3.2. Espécies .................................................................................................... 90
4.4. Teoria da imputação objetiva .......................................................................... 93
4.4.1. Versão original da Teoria da Imputação objetiva .................................... 93
4.4.2. A teoria da imputação objetiva segundo Clauss Roxin ............................ 94
4.4.3. Causalidade objetiva e teoria da imputação objetiva ............................... 94
4.4.4. Aplicação prática da teoria da imputação objetiva................................... 95
4.4.5. Teoria da Imputação objetiva segundo Jakobs ........................................ 96
4.4.6. Teoria da imputação objetiva e o direito brasileiro...................................97
4.5. Causalidade na Omissão ...................................................................................97
5. Tipicidade Penal .......................................................................................................97
5.1. Tipicidade formal, tipicidade material e tipicidade conglobante (Zaffaroni) ..97
5.2. Espécies de tipicidade formal .......................................................................... 99
5.2.1. Tipicidade formal direta (ou imediata) .................................................... 99
5.2.2. Tipicidade formal indireta (ou mediata) .................................................. 99
Ilicitude (Antijuridicidade) ..................................................................................... 99
1. Aspectos iniciais ...................................................................................................... 99
1.1. Conceito ........................................................................................................... 99
1.2. Relação entre tipicidade e ilicitude................................................................ 100
1.2.1. Teorias explicativas ................................................................................ 100
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1.3. Antijuridicidade formal e material ................................................................. 101


2. Causas de exclusão da ilicitude (descriminantes ou justificantes) ........................102
2.1. Estado de necessidade (art. 24 do CP)............................................................102
2.1.1. Conceito ...................................................................................................102
2.1.2. Requisitos objetivos.................................................................................102
2.1.3. Requisito subjetivo .................................................................................. 107
2.1.4. Classificações doutrinárias de estado de necessidade............................. 107
2.2. Legítima defesa .............................................................................................. 108
2.2.1. Conceito .................................................................................................. 108
2.2.2. Fundamentos da legitima defesa ............................................................ 108
2.2.3. Estado de necessidade e Legítima defesa ............................................... 108
2.2.4. Requisitos objetivos.................................................................................109
2.2.5. Requisito subjetivo .................................................................................. 110
2.2.6. Classificações doutrinárias da legítima defesa ......................................... 111
2.3. Estrito cumprimento de um dever legal .......................................................... 111
2.3.1. Conceito e noções gerais ........................................................................... 111
2.3.2. Requisitos do estrito cumprimento de dever legal .................................. 112
2.4. Exercício regular de direito............................................................................. 112
2.4.1. Conceito e noções gerais .......................................................................... 112
2.4.2. Requisitos do exercício regular de direito ............................................... 113
2.4.3. Espécies de exercício regular de direito .................................................. 113
2.5. Consentimento do ofendido ........................................................................... 113
2.5.1. Conceito ................................................................................................... 113
2.5.2. Requisitos ................................................................................................ 113
2.6. Ofendículos ..................................................................................................... 114
2.6.1. Conceito ................................................................................................... 114
2.6.2. Natureza jurídica ..................................................................................... 114
3. Excesso nas justificantes ........................................................................................ 114
3.1. Previsão legal .................................................................................................. 114
3.2. Classificação doutrinária do excesso .............................................................. 115
3.2.1. Excesso crasso ......................................................................................... 115
3.2.2. Excesso extensivo (ou excesso na causa)................................................. 115
3.2.3. Excesso inensivo ...................................................................................... 115
3.2.4. Excesso acidental..................................................................................... 115
4. Descriminantes putativas....................................................................................... 115
4.1. Conceito .......................................................................................................... 115
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4.2. Espécies de descriminantes putativas ............................................................ 116


4.2.1. Erro quanto à existência ou aos limites da descriminante...................... 116
4.2.2. Erro quanto aos pressupostos fáticos do evento ..................................... 116
Culpabilidade ............................................................................................................. 117
1. Noções Gerais ......................................................................................................... 117
1.1. Princípio Da Culpabilidade ............................................................................. 117
1.2. Culpabilidade formal e material ..................................................................... 118
1.3. Teorias do crime ............................................................................................. 118
1.3.1. Teoria bipartite (René Ariel Dotti) .......................................................... 119
1.3.2. Teoria tripartite (Cezar Roberto Bittencourt e os clássicos) ................... 119
2. Evolução Do Conceito De Culpabilidade ............................................................... 119
2.1. Sistema Clássico.............................................................................................. 119
2.2. Sistema Neoclássico ........................................................................................120
2.3. Sistema Finalista.............................................................................................120
2.3.1. Teoria limitada da culpabilidade ............................................................. 121
2.4. Sistema Funcionalista ..................................................................................... 121
2.4.1. Funcionalismo racional teleológico ou moderado .................................. 122
2.4.2. Funcionalismo radical ou sistêmico ........................................................ 122
3. Coculpabilidade...................................................................................................... 122
4. Elementos (ou pressupostos) da culpabilidade ..................................................... 123
4.1. Imputabilidade ............................................................................................... 123
4.1.1. Conceito ................................................................................................... 123
4.1.2. Sistemas de imputabilidade .................................................................... 124
4.1.3. Hipóteses de inimputabilidade ............................................................... 124
4.2. Exigibilidade de conduta diversa ....................................................................130
4.2.1. Conceito ...................................................................................................130
4.2.2. Hipóteses de inexigibilidade de conduta diversa ....................................130
4.3. Potencial consciência da ilicitude ................................................................... 133
4.3.1. Conceito ................................................................................................... 133
4.3.2. Hipótese de exclusão de potencial consciência da ilicitude: erro de
proibição................................................................................................................. 135
5. Culpabilidade: elementos e dirimentes (causas de exclusão) ................................ 136
Concurso de Pessoas ................................................................................................ 137
1. Noções gerais.......................................................................................................... 137
1.1. Conceito .......................................................................................................... 138
1.2. Classificação dos crimes quanto aos agentes .................................................. 138
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1.2.1. Crime monossubjetivo ............................................................................. 138


1.2.2. Crime plurissubjetivo .............................................................................. 138
2. Requisitos do concurso de pessoas ........................................................................ 139
2.1. Pluralidade de agentes CULPÁVEIS............................................................... 139
2.2. Relevância causal das condutas ......................................................................140
2.3. Unidade de desígnios (Vínculo subjetivo/ identidade de propósitos ou liame
subjetivo). .................................................................................................................. 141
2.4. Identidade de infração penal para todos os agentes ...................................... 142
2.4.1. A teoria Monista ...................................................................................... 142
2.4.2. Exceções pluralistas (à teoria monista) ................................................... 142
2.4.3. Teoria Dualista ........................................................................................ 142
3. Autoria.................................................................................................................... 143
3.1. Teorias para a conceituação do “autor” .......................................................... 143
3.1.1. Teoria restritiva: ...................................................................................... 143
3.1.2. Teoria subjetiva ou unitária: ................................................................... 143
3.1.3. Teoria Extensiva: ..................................................................................... 143
3.1.4. Teoria Objetiva ou Dualista ..................................................................... 143
3.2. Teoria do domínio do fato: ............................................................................. 143
3.2.1. Autoria Mediata ....................................................................................... 144
3.3. Questões importantes sobre autoria ............................................................... 146
3.3.1. Autoria colateral / co-autoria imprópria / co-autoria lateral / autoria
parelha 146
3.3.2. Autoria incerta ......................................................................................... 146
3.2.3. Autoria desconhecida .............................................................................. 147
3.2.4. Crimes multitudinários ........................................................................... 147
4. Coautoria ................................................................................................................ 147
4.1. Conceito .......................................................................................................... 147
4.2. Coautor sucessivo ...........................................................................................148
4.3. Crime de mão própria e coautoria ..................................................................148
5. Participação ............................................................................................................148
5.1. Conceito de partícipe ...........................................................................................148
5.2. Formas de participação................................................................................... 149
5.3. A punição do participe (Teoria da acessoriedade).......................................... 150
5.3.1. Teoria da acessoriedade mínima .................................................................. 150
5.3.2. Teoria da acessoriedade média ou limitada ................................................. 150
5.3.3. Teoria da acessoriedade máxima ............................................................ 150
5.3.4. Teoria da hiperacessoriedade ..................................................................150
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5.4. Participação dolosamente distinta, de “menor importância” e outras observações


151
5.4.1. Participação dolosamente distinta (Art. 29, § 2º Código Penal) .................. 151
5.4.2. Participação de menor importância (art. 29, §1º) ................................... 151
5.4.3. Participação em cadeia ............................................................................ 152
5.4.4. Participação sucessiva ............................................................................. 152
5.4.5. Participação negativa / Conivência ......................................................... 152
5.4.6. Participação impunível (art. 31 do CP).................................................... 152
5.4.7. Executor de reserva ................................................................................. 152
5.4.8. Tentativa qualificada (ou abandonada) e participação ........................... 152
5.4.9. Participação em crime doloso por omissão ............................................. 153
6. Circunstancias incomunicáveis (art. 30 do CP) ..................................................... 153
7. Outras questões relevantes .................................................................................... 154
7.1. Concurso de pessoas em crimes omissivos ......................................................... 154
7.2. Concurso de pessoas em crimes omissivos próprios .......................................... 154
7.3. Concurso de pessoas em crimes omissivos impróprios ...................................... 154
7.4. Concurso de pessoas em crimes culposos....................................................... 155
Consumação, Tentativa E Seus Desdobramentos ............................................ 155
1. Iter criminis............................................................................................................ 155
1.1. Macrofase interna ........................................................................................... 155
1.1.1. Cogitação ................................................................................................. 155
1.1.2. Atos preparatórios ................................................................................... 156
1.2. Macro fase externa .......................................................................................... 156
1.2.1. Atos executórios ...................................................................................... 156
1.2.2. Consumação ............................................................................................ 157
2. Crime consumado .................................................................................................. 158
2.1. Previsão legal .................................................................................................. 158
2.2. Conceito .......................................................................................................... 158
2.3. Crime consumado e crime exaurido ............................................................... 158
2.4. Classificação dos crimes quanto ao momento consumativo .......................... 158
2.4.1. Crime material ......................................................................................... 158
2.4.2. Crime formal (ou de consumação antecipada)........................................ 159
2.4.3. Crime de mera conduta ........................................................................... 159
2.5. Consumação formal e consumação material .................................................. 159
3. Crime tentado......................................................................................................... 159
3.1. Previsão legal .................................................................................................. 159
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3.2. Conceito .......................................................................................................... 159


3.3. Elementos do crime tentado ...........................................................................160
3.4. Consequências do crime tentado ....................................................................160
3.4.1. Teorias sobre a punição da tentativa .......................................................160
3.4.2. Consequência: regra ................................................................................ 161
3.5. Espécies de tentativa (Classificação) .............................................................. 162
3.5.1. Quanto ao “iter” percorrido ..................................................................... 162
3.5.2. Quanto ao resultado produzido na vítima ............................................... 162
3.5.3. Quanto à possibilidade de alcançar o resultado ...................................... 162
3.6. Infrações penais que não admitem tentativa.................................................. 163
3.6.1. Crime culposo .......................................................................................... 163
3.6.2. Crime preterdoloso .................................................................................. 163
3.6.3. Contravenção penal ................................................................................. 164
3.6.4. Crime de atentado (ou de empreendimento) .......................................... 164
3.6.5. Crime habitual ......................................................................................... 164
3.6.6. Crime unisubsistente ............................................................................... 164
3.6.7. Crimes que só são puníveis quando há determinado resultado.............. 164
3.6.8. Dolo eventual ........................................................................................... 165
3.7. Tentativa qualificada ou abandonada............................................................. 165
3.7.1. Previsão legal ........................................................................................... 165
3.7.2. Espécies ................................................................................................... 165
3.7.3. Natureza jurídica da tentativa abandonada ou qualificada .................... 167
3.8. Arrependimento posterior .............................................................................. 167
3.8.1. Previsão legal ........................................................................................... 167
3.8.2. Natureza jurídica .....................................................................................168
3.8.3. Momento do arrependimento .................................................................168
3.8.4. Requisitos ................................................................................................168
3.8.5. Conseqüências do reconhecimento do arrependimento posterior .........168
3.8.6. Outras questões relacionadas ao arrependimento posterior .................. 169
3.8.7. Regras especiais sobre a reparação do dano: .......................................... 169
4. Crime impossível (tentativa inidônea ou quase-crime ou “crime oco”) ................ 170
4.1. Teorias acerca do crime impossível ................................................................ 170
4.1.1. Teoria sintomática ................................................................................... 170
4.1.2. Teoria subjetiva ....................................................................................... 170
4.1.3. Teoria objetiva ......................................................................................... 170
4.2. Previsão legal .................................................................................................. 170
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

4.3. Elementos do crime impossível ...................................................................... 170


4.4. Espécies de crime impossível ......................................................................... 170
Punibilidade ............................................................................................................... 171
1. Conceito e limites ................................................................................................... 171
2. Extinção da punibilidade ....................................................................................... 171
2.1. Noções gerais .................................................................................................. 171
2.2. Morte do agente .............................................................................................. 172
2.3. Anistia, graça e indulto ................................................................................... 173
2.3.1. Anistia...................................................................................................... 173
2.3.2. Graça e indulto ........................................................................................ 175
2.4. Abolitio criminis ............................................................................................. 176
2.5. Decadência e perempção ................................................................................ 176
2.6. Renúncia ao direito de queixa e perdão da vítima.......................................... 177
2.7. Retratação do agente, nos casos em que a lei a admite .................................. 178
2.8. Perdão do ofendido ......................................................................................... 178
3. Prescrição ............................................................................................................... 179
3.1. Conceito .......................................................................................................... 179
3.2. Principais fundamento da prescrição ............................................................ 180
3.2.1. Hipóteses de imprescritibilidade ........................................................... 180
3.3. Espécies de prescrição ................................................................................... 180
3.3.1. Prescrição da pretensão punitiva ........................................................... 180
3.3.2. Prescrição da pretensão executória .........................................................190
3.3.3. Redução dos prazos prescricionais.......................................................... 192
3.3.4. Causas suspensivas da prescrição ........................................................... 193
3.3.5. Prescrição da multa ................................................................................. 194
Teoria Geral Da Pena ............................................................................................... 195
1. Conceito de pena .................................................................................................... 195
2. Fundamento ou justificação da pena ..................................................................... 195
2.1. Fundamento político-estatal........................................................................... 195
2.2. Fundamento psicossocial................................................................................ 195
2.3. Fundamento ético-individual ......................................................................... 195
3. Finalidade da pena ................................................................................................. 195
3.1. Teorias ............................................................................................................ 195
3.1.1. Teoria absoluta ou retribucionista .......................................................... 195
3.1.2. teoria relativa ou utilitarista .................................................................... 196
3.1.3. Teoria mista ou eclética (também chamada de unitária) ........................ 196
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

3.2. Doutrina moderna e a tríplice finalidade da pena .......................................... 196


3.2.1. Pena em abstrato ..................................................................................... 196
3.2.2. Aplicação da pena (sentença) .................................................................. 197
3.2.3. Execução da pena .................................................................................... 197
3.3. Justiça Restaurativa e Justiça Retributiva .....................................................198
4. Princípios norteadores da pena .............................................................................198
4.1. Princípio da reserva legal................................................................................198
4.2. Princípio da anterioridade ..............................................................................198
4.3. Princípio da personalidade ou da pessoalidade da pena ................................198
4.4. Princípio da individualização da pena ............................................................ 199
4.5. Princípio da proporcionalidade ...................................................................... 199
4.6. Princípio da inderrogabilidade ou inevitabilidade da pena .......................... 200
4.7. Princípio da dignidade da pessoa humana .....................................................201
5. Tipos de pena .........................................................................................................201
5.1. Penas proibidas no Brasil (art. 5º, XLVII, da CR) ..........................................201
5.1.1. Pena de morte ...............................................................................................201
5.1.2. Pena de caráter perpétuo ............................................................................. 202
5.1.3. Pena de trabalhos forçados .......................................................................... 202
5.1.4. Pena de banimento ...................................................................................... 202
5.1.5. penas cruéis ................................................................................................. 202
5.2. Penas permitidas ........................................................................................... 203
6. Aplicação da pena.................................................................................................. 204
6.1. Etapas a serem percorridas pelo juiz na aplicação da pena .......................... 204
6.2. Cálculo da pena privativa de liberdade.......................................................... 205
6.2.1. Primeira fase........................................................................................... 205
6.2.2. Segunda fase ........................................................................................... 209
6.2.3. Terceira fase ............................................................................................ 219
6.3. Fixação do regime inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade . 223
6.3.1. Introdução .............................................................................................. 223
6.3.2. Crime punido com reclusão .................................................................... 224
6.3.3. Crime punido com detenção................................................................... 225
6.3.4. Crime punido com prisão simples .......................................................... 225
6.3.5. A detração na fixação do regime de cumprimento de pena ................... 226
6.3.6. Hipóteses excepcionais............................................................................227
6.4. Análise da possibilidade de substituição por penas alternativas .................. 228
6.4.1. Penas restritivas de direito ..................................................................... 228
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

6.4.2. Pena de multa ......................................................................................... 235


7. Suspensão condicional da execução da pena (“sursis”) ........................................ 240
7.1. Conceito ......................................................................................................... 240
7.2. Sistemas .......................................................................................................... 241
7.2.1. Sistema franco-belga ............................................................................... 241
7.2.2. Sistema anglo-americano ........................................................................ 241
7.2.3. Sistema do “probation of first offenders act” .......................................... 241
7.3. Espécies de sursis .......................................................................................... 242
7.3.1. Sursis simples ......................................................................................... 242
7.3.2. Sursis especial......................................................................................... 242
7.3.3. Sursis etário ............................................................................................ 244
7.3.4. Sursis humanitário ................................................................................. 244
7.3.5. Quadros sinóticos ................................................................................... 245
7.4. Perguntas de concurso ................................................................................... 247
7.4.1. Reincidente por crime de multa ............................................................. 247
7.4.2. Sursis X Crimes hediondos ou equiparados ........................................... 247
7.4.3. Sursis e tráfico de drogas........................................................................ 247
7.4.4. Sursis para estrangeiro em situação irregular no país ........................... 248
7.4.5. Sursis incondicionado ............................................................................ 248
7.5. Revogação do sursis....................................................................................... 248
7.5.2. Revogação facultativa (art. 81, § 1º) ....................................................... 250
7.6. Prorrogação do sursis ..................................................................................... 251
7.7. Cumprimento das condições .......................................................................... 251
7.8. Casuística ........................................................................................................ 251
7.8.1. Sursis simultâneos ................................................................................... 251
7.8.2. Sursis sucessivos...................................................................................... 251
7.8.3. Sursis na legislação extravagante ........................................................... 252
8. Concurso de crimes ............................................................................................... 252
8.1. Conceito ......................................................................................................... 252
8.2. Espécies.......................................................................................................... 252
8.3. Infrações penais que admitem concurso de crimes ....................................... 252
8.4. Concurso material (ou real) de crimes .......................................................... 253
8.4.1. Previsão legal .......................................................................................... 253
8.4.2. Requisitos ............................................................................................... 253
8.4.3. Espécies de concurso material ............................................................... 253
8.4.4. Regras de fixação de pena no concurso material ................................... 253
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

8.5. Concurso formal (ou ideal) de crimes.............................................................255


8.5.1. Previsão legal ...........................................................................................255
8.5.2. Requisitos do concurso formal ................................................................255
8.5.3. Espécies de concurso formal ...................................................................255
8.5.4. Regras de fixação da pena ...................................................................... 256
8.6. Crime continuado .......................................................................................... 256
8.6.1. Previsão legal ...........................................................................................257
8.6.2. Natureza jurídica do crime continuado ...................................................257
8.6.3. Continuidade delitiva e homicídio doloso ...............................................257
8.6.4. Espécies de crime continuado .................................................................257
8.6.5. Observações importantes ....................................................................... 260
8.6.6. Quadro sinótico concurso de crimes ....................................................... 261
9. Medidas de segurança ............................................................................................ 261
9.1. Conceito .......................................................................................................... 261
9.2. Finalidades ..................................................................................................... 262
9.3. Princípios ....................................................................................................... 262
9.4. Pressupostos da medida de segurança .......................................................... 262
9.4.1. Prática de fato previsto como crime ....................................................... 262
9.4.2. Periculosidade do agente ........................................................................ 263
9.5. Medida de segurança preventiva ................................................................... 263
9.6. Espécies de medidas de segurança ................................................................ 264
9.7. Aplicação das medidas de segurança ............................................................. 264
9.8. Duração da medida de segurança .................................................................. 264
9.9. Perícia médica ................................................................................................ 266
9.10. Desinternação (art. 97, § 3º, do CP)........................................................... 266
9.11. Reinternação do agente: Art. 97, § 4º, do CP ............................................. 266
9.12. Superveniência da doença mental durante a execução da pena ................ 267
10. Efeitos da condenação ....................................................................................... 267
10.1. Efeitos penais ............................................................................................. 267
10.2. Efeitos extrapenais ..................................................................................... 268
10.2.1. Efeitos extrapenais genéricos ................................................................. 268
10.2.2. Efeitos extrapenais específicos ............................................................... 268
11. Reabilitação ................................................................................................... 269
11.1. Previsão legal.............................................................................................. 269
11.2. Análise do art. 93 do CP ............................................................................. 269
11.3. Requisitos ................................................................................................... 270
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

11.4. Reabilitação e pluralidade de penas........................................................... 270


11.5. Revogação da reabilitação .......................................................................... 270
11.6. Competência e recurso ................................................................................ 271
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Introdução ao Direito Penal

1. Aspectos gerais:
1.1. Conceito de direito Penal:
O conceito de direito penal pode ser visto sob dois aspectos distintos, o aspecto
formal ou material:
a. Aspecto Formal: é o conjunto de normas que qualifica comportamentos domo
infrações penais;
b. Aspecto Material: é um instrumento de controle social que visa assegurar a
disciplina na sociedade.
A manutenção da paz social demanda a existência de normas que estabelecem
diretrizes. Uma vez violadas essas diretrizes, cabe ao estado a imposição de sanções
para que se restaure a ordem.
Tais sanções, que podem ter vários aspectos, como civis, administrativas, tributárias,
mas, é certo que quando a conduta atenta contra bens jurídicos especialmente
tutelados, a reação do Estado deve ser mais enérgica, valendo-se assim do Direito
Penal.
O que diferencia a norma penal das demais é a espécie de conseqüência
jurídica, pois o Direito Penal trabalha com penas privativas de liberdade, ou seja, a
conseqüência jurídica mais grave. Por tanto, o Direito Penal é considerado a ultima
ratio do sistema, a derradeira trincheira no combate dos comportamentos indesejáveis,
por isso é norteado entre outros, pelo princípio da Intervenção Mínima.

1.2. Missão do Direito Penal:


O funcionalismo penal divide em duas as missões do Direito Penal, missões
mediatas e imediatas.
a. Missão Mediata: a) controle social; b) limitação do jus puniendi;
O Direito Penal atua em duas frentes, pois de um lado sanciona o
comportamento humano indesejado, como forma de prover o controle social, de
outro é necessário limitar também o poder do Estado neste controle, evitando
uma hipertrofia da punição.

b. Missão Imediata: aqui a doutrina funcionalista se diverge:


Segundo Roxin, é missão imediata do Direito Penal proteger bens
jurídicos indispensáveis à convivência da vida em sociedade (funcionalismo
teleológico);
Segundo Jakobs é missão imediata do direito penal assegurar a
vigência da norma (Funcionalismo Sistêmico);

1.3. Limites do Direito Penal:


Das lições acima, concluí-se que o Direito Penal não é ilimitado, ou absoluto,
assim, a doutrina apresenta três limites ao jus puniendi:
a. Quanto ao modo  O direito de punir deve respeitar os direitos e garantias
fundamentais, principalmente a dignidade das pessoas humana, idéia
expressada por Canotilho.
b. Quanto ao Espaço Em regra, aplica-se a lei penal brasileira aos fatos
ocorridos no território nacional. Adota-se assim, o critério da territorialidade
temperada (por tratados e convenções internacionais)

1
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

c. Quanto ao Tempo: O direito de punir do estado não é eterno, por isso, verifica-
se em nossa legislação o fenômeno da prescrição penal, p. ex.

Pode se afirmar assim, que o direito de punir é monopólio do Estado, ficando,


pois, proibida a vingança privada, esta, inclusive é tipificada no Art. 145 do CP.
Obs.: há um único caso em que é tolerada sanção penal paralela à punição
estatal, tal hipótese é a prevista no Art. 57 do Estatuto do Índio, que prevê a
possibilidade de punição com caráter de pena por grupos indígenas, salvo penas cruéis
ou de morte.

1.4. Velocidades do Direito Penal:


Idéia introduzida por Silva Sanchez, a respeito do tempo que o direito penal leva
para punir crimes de maneira mais ou menos severa.
a. Primeira velocidade: Infrações penais mais graves, punidas com penas
privativas de liberdade, exigem um procedimento mais demorado,
com maiores garantias penais e processuais. Ex. Júri  Art. 121 CP.
b. Segunda velocidade: Crimes menos graves, punidos com penas
alternativas, possibilita um procedimento mais célere, possibilidade de
flexibilização das garantias. Ex. Crimes de menor potencial ofensivo 
JEC.
c. Terceira Velocidade: Há uma mescla entre a primeira e a segunda
velocidade, defendendo a punição do criminoso com penas privativas de
liberdade, mas permite para determinados crimes a flexibilização do
procedimento. Ex. Crimes ligados à organização criminosa.
d. Quarta velocidade: Não é reconhecida pelo criador da teoria (Silva Sanchez),
mas existe na doutrina admissão, se relacionando com o direito penal
internacional, punindo os violadores de tratados internacionais de
direitos humanos mais gravemente. Ex. Crimes de Genocídio TPI
(Roma).

1.5. Fontes do Direito Penal: As fontes indicam de onde vem e


como se revela o direito de punir estatal.
a. Fontes Materiais: De onde vem, é o órgão encarregado da produção da
norma penal. União, Art. 22, I da CF.
Obs.: é previsto na CF (Art. 22, p. único) que uma Lei Complementar pode
autorizar um estado a legislar sobre direito penal, em questões
específicas, porém tal lei ainda não foi criada.
b. Fontes Formais: é o instrumento de exteriorização do direito penal, modo
como se revela o direito, fonte de conhecimento ou cognição.
A divisão acima é a adotada pela doutrina clássica, que admite uma subdivisão
nas fontes formais em Mediatas Costumes e princípios gerais do direito; e
Imediatas Lei.
Entretanto, a doutrina moderna aponta uma divisão diferente que será tratada
abaixo.

1.5.1. Fontes Formais na doutrina moderna:


a. Fontes Formais Imediatas: Lei, CF, Tratados internacionais de direitos
humanos, Jurisprudência, Princípios e Atos Administrativos
b. Fontes Formais Mediatas: Doutrina.
Obs.: Para esta doutrina moderna, os costumes são fontes informais de
direito penal.

2
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

1.6. Fontes Formais Imediatas em espécie:


a. Lei: é a única fonte formal capaz de criar infrações e cominar sanções
penais.
b. Constituição Federal: Não cria crimes ou comina penas, pois não é sua
função.
A Constituição Federal até poderia criar crimes ou cominar penas, em virtude
de emanar do “ilimitado” poder constituinte originário, entretanto, por seu
difícil, delicado e moroso procedimento de mudança, a CF torna-se
incompatível com o dinamismo do direito penal.
A CF, entretanto, dita regras mínimas a respeito do direito penal, que
devem ser observadas pelo legislador no momento da criação do tipo.
São os chamados mandados constitucionais de criminalização,
patamares mínimos abaixo dos quais a intervenção do estado não pode ser
reduzida. Ex. Art. 5º, XLII1 (a pratica do racismo);
Obs.: Mandado constitucional de criminalização tácito: é possível, na
hipótese de a CF indiretamente ou tacitamente determinar que se proteja um
certo bem jurídico, Ex. Quando a CF garante o direito à vida, determina que
esta seja protegida, e em ultima analisa, veda que seja exterminada,
mandando o direito penal criminalizar o homicídio.
c. Tratados internacionais sobre direitos humanos: Não criam crimes
ou cominam penas no âmbito do direito nacional, mas no direito
internacional é possível.
Observa-se que em relação a tratados internacionais, o direito brasileiro pode
recepcioná-los com dois status: a. Constitucional: Se ratificados com
quorum de emenda constitucional; b. Supra legal: Se ratificados com quorum
comum. Obs.: Há uma corrente internacionalista (Flávia Piovezam) que
defende o fato de os tratados internacionais, independentemente do quorum
de ratificação, sempre terão status/caráter de norma constitucional, a teor dos
Art. 5º, §§ 1º e 2º da CF.
d. Jurisprudência: Não cria crime ou comina pena, mas na prática pode ser
fonte reveladora de direito penal, principalmente no que tange a
conceitos e interpretações da norma. Ex. Art. 70 do CP, nesse caso, a
jurisprudência propõe o que seria “condições de tempo e espaço” para o
crime continuado.
Obs.: Súmulas vinculantes também são fontes formais.
e. Princípios: Não cria crime ou comina pena, mas pode ser vetor para a
imposição do direito penal, revelando seus limites, p. ex.
f. Atos Administrativos: Servem de complemento de normas penais
em branco, o que neste caso revela o direito penal.

1.7. Interpretação da lei penal:


É o ato de interpretar, é sempre feito por um sujeito que emprega um modo pré
definido chegando a um resultado. Assim a interpretação da lei penal se dá de três
formas: a. quanto ao sujeito que a interpreta; b. quanto ao modo de interpretação e c.
quanto ao resultado da interpretação.
a. Quanto ao sujeito que a interpreta (Origem):
a.1) Autentica/Legislativa: Interpretação da lei pela própria lei Ex. Art. 327 do
CP que traz o conceito de funcionário público.
a.2) Doutrinária/Científica: Feita pelos estudiosos do direito, ex. a exposição
do motivos do CP contem vários exemplos.

1“Art. 5º, XLII a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena
de reclusão, nos termos da lei”

3
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

a.3) Jurisprudencial: Fruto das decisões judiciais pelos tribunais. Ex.


Súmulas vinculantes, que alem de trazer uma interpretação da norma
vinculam o judiciário e a administração pública direta e indireta.
b. Quanto ao modo de interpretação:
b.1) Gramatical: Busca os sentidos das palavras no texto legal;
b.2) Teleológica: Busca a vontade da lei ou do legislador quando da
elaboração do texto legal;
b.3) Histórica: Busca a origem do texto ou do instituto que está contido no
texto legal para se chegar a um sentido mais justo na interpretação da norma;
b.4) Sistemática: Para se chegar ao sentido mais justo, busca-se uma
interpretação do sistema jurídico como um todo, uma vez que ele, embora
dividido em ramos, ainda continua uno.
b.5) Progressiva:
c. Quanto ao resultado da interpretação: é a modalidade mais
importante!
c.1) Declarativa: A letra da lei corresponde exatamente ao que o legislador
quis dizer, nada é adicionado ou retirado.
c.2) Extensiva: Amplia-se o alcance das palavras para corresponder a vontade
do texto legal, aqui, o legislador disse menos do que deveria.
c.3) Restritiva: Reduz-se o alcance do texto legal, o legislador disse menos do
que deveria.

1.7.1. A interpretação extensiva contra o réu:


A doutrina diverge no sentido da admissão da interpretação extensiva contra o
réu. Sendo que há duas posições a serem consideradas:
a. Nucci e Luis Régis Prado: Entendem que uma vez que não há vedação
expressa na legislação, tal método de interpretação pode ser usado para
prejudicar a situação do réu. E a corrente que prevalece.
b. Art. 22 do Estatuto de Roma: Entende que apenas cabe em se tratando de
normas penais não incriminadoras.
c. Zaffaroni: Entende que por regra não é cabível a interpretação extensiva
contra o réu, mas, se da aplicação dos métodos restritivos ou ampliativos
resultar um “escândalo por sua notória irracionalidade” será
possível interpretar a norma extensivamente contra o réu. Ex. uso
de “arma” no crime de furto qualificado. A lei não prevê o que seja arma,
assim não considerar uma “faca de cozinha” para qualificar o furto é um
“escândalo” daí admite-se a interpretação extensiva.

1.7.2. Interpretação extensiva (IE) X Interpretação analógica (IA):


São duas figuras diferentes, na IE o que se interpreta é apenas uma palavra do
texto legal, já na IA a interpretação recai sobre o próprio dispositivo legal, pois o
legislador neste caso se vale de exemplos seguidos de uma cláusula geral com
encerramento genérico.
Obs.: Ambas as figuras são passiveis de utilização contra o réu, o que não se pode
confundir com a analogia in malam partem, de inicio observa-se que analogia não
é forma de interpretação, mas de integração do direito, ou seja, a norma não existe
para aquele caso concreto, e o julgador socorre-se de uma norma prevista para um caso
similar, pois não pode deixar de julgar um caso alegando lacuna na lei.
Para que se possa utilizar em direito penal, há que se respeitar dois
pressupostos cumulativos: i) Certeza de aplicação favorável; ii) Existência de
efetiva lacuna legal, ou seja, a omissão do legislador deve ser involuntária, um

4
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

“silêncio eloqüente”, se o legislador propositalmente se omitiu, não cabe


analogia, ainda que em benefício do réu.
REVISÃO:
Interpretação Extensiva Interpretação Analogia (não é interpretação)
Analógica
Há lei prévia criada p/o caso. Há lei prévia criada Não há lei para o caso.
p/o caso.
Ampliação de um conceito Depois de exemplos, a É modo de integração do
legal, não importando no lei encerra o texto de direito, e não interpretação. É a
surgimento de nova norma. forma genérica, criação de uma nova norma, a
permitindo alcançar partir de outra norma aplicável
outras hipóteses. para casos semelhantes.
Ex. Expressão “arma”, Ex. art.121, §2º, incisos I, Ex. art.181, I, CP – que fala em
prevista no art.157, do CP. III e IV, CP. cônjuge. Empresta-se este artigo à
Essa expressão recebe expressão “companheiro”, numa
interpretação extensiva, hipótese de isenção de pena
abrangendo arma própria e (favorável ao réu, portanto).
imprópria.

Princípios Gerais do Direito Penal:


O professor trabalha com a principiologia básica da matéria dividindo-a em
quatro grandes grupos: i) Princípios relacionados com a missão fundamental do direito
penal; ii) Princípios relacionados com o fato do agente; iii) Princípios relacionados com
o agente do fato e iv) Princípios relacionados com a pena.

Relacionados com a
Relacionados com Relacionados com Relacionados com
missão fundamental
o fato do agente o agente do fato a pena
do Direito Penal

Princípio da Princípio da Princípio da Princípio da


exclusiva exteriorização responsabilidad Proibição da
proteção de ou e pessoal pena indigna
bens jurídicos materialização
do fato Princípio da Princípio da
Princípio da responsabilidad Humanização
Intervenção Princípio da e subjetiva das penas
Mínima legalidade
Princípio da
Princípio da Proporcionalida
Princípio da Princípio da culpabilidade de
Insignificância ofensividade/
lesividade Princípio da
Princípio da pessoalidade
igualdade
Princípio da
Princípio da
presunção de
Vedação do bis
inocência ou
in idem (ne bis
presunção de
in idem)
não culpa

5
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

1. Princípios relacionados com a missão fundamental


do direito penal:
1.1. Princípios da exclusiva proteção dos bens jurídicos:
O direito penal deve servir apenas para proteger bens jurídicos2 relevantes e
indispensáveis à convivência em sociedade, o seja, o princípio impede que o Estado
utilize o direito penal para a proteção de bens ilegítimos.

1.2. Princípio da intervenção mínima:


Prevê que o direito penal só pode ser aplicado quando for estritamente
necessário. Traduz a idéia de subsidiariedade e fragmentariedade do Direito Penal.
a. Subsidiariedade: A atuação do direito penal é condicionada ao fracasso
dos demais ramos do direito;
b. Fragmentariedade: O direito penal somente deve observar os casos de
relevante lesão ou perigo de lesão aos bens jurídicos tutelados.
Obs.: Da fragmentariedade do Direito Penal decorre o Princípio da
Insignificância, que em última análise se relaciona com a missão
fundamental do direito penal.

1.2.1. O Princípio da Insignificância:


Tem natureza da excludente de tipicidade material. Ou seja, o fato é
previsto como crime, mas não será punido, pois a conduta não é bastante para que lese
o bem jurídico protegido pela norma.
O STF tem indicado diretrizes para que o princípio seja aplicado, estas devem
estar cumulativamente presentes: PROL  PROL da sociedade!
 Ausência de Periculosidade da ação;
 Reduzida Reprovabilidade do comportamento;
 Mínima Ofensividade da conduta;
 Inexpressiva Lesão jurídica provocada;
O STF e o STJ entendem que para a aplicação do princípio deve ser observada a
capacidade econômica da vítima, caso contrário se poderia dar margem à uma norma
penal elitista.
É incabível a aplicação do princípio nos casos de reincidência, se o agente for
portador de maus antecedentes ou ao criminoso habitual.
Tem-se admitido a aplicação do princípio nos delitos contra o patrimônio se
praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, ex. no furto desde que não
qualificado.
Há uma tendência de não se admitir a aplicação quando o bem jurídico for
difuso ou coletivo mas há divergência, sendo que ora os tribunais adotam, ora
ignoram a tese.
Obs.: Bagatela Própria X Bagatela Imprópria:
Própria: Os fatos já nascem irrelevantes para o direito penal onde há a
atipicidade material, não há desvalor na conduta. Ex. furto de um clipe de
papel;
Imprópria: O fato, apesar de ser relevante não desperta o interesse punitivo
do Estado, pois a pena é desnecessária ao caso, o que ocorre é a falta do jus

2Conceito de bem jurídico: é um ente material ou imaterial haurido do contexto social de


titularidade individual ou metaindividual, reputado como essencial à coexistência do homem e
seu desenvolvimento em sociedade.

6
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

puniendi. Ex. aplicação do perdão judiciário num homicídio culposo do filho do


autor num acidente de transito.
Obs.: Insignificância X Adequação Social: Embora ambos limitem o direito
penal a insignificância analisa o fato sob a ótica do bem jurídico tutelado, já
a adequação social analisa o fato sob a ótica da aceitação do fato pela sociedade
(leniência).

2. Princípios relacionados com o fato do agente:


2.1. Princípio da Exteriorização ou Materialização do
fato:
Prevê que o direito penal só pode incriminar condutas humanas
voluntárias, o princípio visa impedir o direito penal do autor.
Obs.: Direito à perversão: O Estado não incrimina pensamento ou estilos de vida.

2.1.1. Sistemas de direito penal:


a. Direito Penal do Autor: Visa a punição de pessoas;
b. Direito Penal do Fato: Visa a punição de condutas;
c. Direito Penal do Fato que considera o autor: Incrimina fatos, mas ao puni-los
leva em consideração as características daquele que os praticou.3

2.2. Princípio da Ofensividade ou da Lesividade:


Prevê que para a ocorrência de um delito, é necessária a lesão ou perigo de lesão
ao bem jurídico tutelado.
Obs.: Constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato:
Segundo a ótica do princípio o questionamento aponta para duas soluções:
a. Não violam a CF pois a adoção de tais tipos penais trata-se de mera política
criminal, que visa uma antecipação à proteção dos bens jurídicos.
b. Violam a CF pois ocorre a punição sem que haja qualquer prova efetiva da
lesão ou da ameaça de lesão aos bens jurídicos.
O STF já admitiu ambas as corrente.

2.3. Princípio da Legalidade:


Será tratado no item 4, em separado, devido à sua importância.

3. Princípios Relacionados com o agente do fato:


3.1. Princípio da Responsabilidade pessoal:
Proíbe-se o castigo pelo fato de outrem, ou seja, não se pune o terceiro pelo fato
praticado por outrem, assim veda-se a responsabilidade coletiva.
O principio tem dois desdobramentos importantes:
a. Obrigatoriedade da individualização da acusação: o MP não pode oferecer
denúncia genérica, vaga ou evasiva, assim, o promotor deve individualizar
os comportamentos de cada agente.4

3 Assis Toledo entende que o CP adotou essa corrente, uma vez observado o Art. 59 do CP.

4 Existe uma certa flexibilização desse desdobramento nos caos de crimes societários,
onde,uma vez que é muito difícil saber a exata ação de cada um, vez que tomadas à “portas
fechadas” na empresa, admite-se que a denuncia se restrinja ao fato ocorrido como um todo, e
que durante a instrução criminal sejam provadas as condutas de cada réu.

7
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

b. Obrigatoriedade da individualização da pena: O juiz na fixação da punição


deve individualizá-la de acordo com a gravidade do fato e as condições
pessoais do agente.

3.2. Princípio da Responsabilidade Penal Subjetiva:


Não basta que o fato seja causado pelo agente, ficando sua responsabilidade
condicionada á existência da voluntariedade, ou seja, não existe
responsabilidade penal sem dolo ou culpa, se o fato não foi querido, assumido ou
presumido pelo agente.
Obs.: O sistema trás duas exceções: i) Actio libera in causana embriaguez
voluntária; ii) Casos de rixa qualificada.
Assim, pode-se afirmar que o sistema proíbe a responsabilidade penal
objetiva, havendo uma única exceção, pois parcela da doutrina aponta que a pessoa
jurídica tem responsabilidade penal objetiva nos crimes ambientais, em virtude de
expressa previsão constitucional.

3.3. Princípio da Culpabilidade:


Só pode o Estado impor pena ao agente imputável, com potencial
consciência da ilicitude, quando dele exigível conduta diversa5.
É um princípio limitador do direito de punir do Estado.

3.4. Princípio da Isonomia/Igualdade:


Trata-se de uma igualdade material, não meramente formal.
Assim, admitem-se a existência de distinções desde que justificadas. Ex. Lei
Maria da Penha6.
Obs.: O Art. 24 da CIDH7 estabelece que “todos são iguais perante a lei. Por
conseguinte, tem direito, sem discriminação, a igual proteção da lei.”

3.5. Princípio da Presunção de Inocência, Estado de


Inocência ou Não Culpa:
O princípio prevê que ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória.
O STF prefere a expressão não culpa, uma vez que a CF não presume inocente
em seu Art. 5º, LVII, mas diz “não será culpado”. A expressão “presunção de inocência”
encontra-se no Art. 8º da CIDH8.
Assim, é necessário se apontar três inafastáveis conclusões:
a. Não se admite, como regra, a restrição de liberdade antes da decisão
definitiva de culpa;
Obs.: O Art. 320 do CPP deve ser lido balizando-se a expressão “conveniência
da instrução criminal” por “imprescindibilidade à instrução criminal” pois as
prisões preventivas são sempre imprescindíveis, são a exceção, nunca a regra.

5 São exatamente os elementos da culpabilidade.

6 O STF confirmou o entendimento na ADC 19, onde afastou a tese de que o tratamento a
mulher pela Lei 11.340/06 não seria isonômico.

7 Convenção Interamericana de Direitos Humanos

8 “(...)Toda pessoa tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove
legalmente as culpa(...)”

8
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

b. A acusação é quem deve demonstrar a responsabilidade do agente, e


não este provar sua inocência;
c. A condenação deve derivar da certeza do julgador.

4. Princípio da Legalidade:
Constitui uma limitação ao poder de o Estado influir nas liberdades pessoais do
cidadão. Encontra-se previsto na Constituição Federal no Art. 5º, II e XXXIV, no Art.
1º do CP, no Estatuto de Roma, na Convenção Interamericana de Direitos Humanos e
até mesmo na Bíblia Sagrada.
Assim afirma-se que a elaboração de normas penais é função exclusiva da lei
(reserva legal), que deve definir anteriormente e precisamente a conduta
proibida.
A doutrina aponta três fundamentos básicos para o princípio da legalidade:
i. Político: Impede o poder punitivo Estatal com base no livre arbítrio;
ii. Democrático: Respeita a divisão dos poderes estabelecida na Bíblia
Política, sendo função precípua do legislador a elaboração de leis.
iii. Jurídico: Uma lei prévia e clara tem importante efeito intimidativo,
garantindo a vigência da norma.

4.1. Sub-princípios ou “Ângulos” da legalidade:


Para que se respeite efetivamente o princípio da legalidade, além da obvia
existência da lei definindo a conduta criminosa, necessário que tal lei seja: Anterior
ao fato; que seja lei em sentido formal, que seja, interpretada restritivamente
e que tenha, conteúdo determinado.

4.1.1. Anterioridade (lege praevia):


Não há legalidade se a lei que regula o fato for posterior ao cometimento deste, ou
seja, não se admite retroatividade maléfica.

4.1.2. Reserva legal (lege stcripta):


Somente leis em sentido estrito (lei ordinária/complementar) podem criara
infrações penais e cominar sanções, bem como o agravamento das suas conseqüência.
Obs.: Medida provisória tratando de direito penal: Sobre o tema há duas
posições, i) A posição constitucionalista entende que não poderia MP tratar de
matéria afeta ao direito penal, através de uma leitura textual do Art. 60, § 1º “b” da
Constituição Federal; ii) A corrente majoritária admite o tratamento da matéria por MP
apenas em relação ao direito penal não incriminador. Assim é certo que MP
jamais poderá criar crimes ou cominar penas.
Obs.: Em relação às resoluções do TSE elas apenas reproduzem crimes e
penas já previstas na legislação eleitoral, nada cria em matéria penal.

4.1.3. Vedação à analogia e aos costumes incriminadores (lege


stricta):
A lei penal deve ser escrita e estrita, ou seja, não pode se usar nem a analogia,
nem o costume para incriminar o acusado, mas é possível a utilização desses dois
institutos em seu favor.
Obs.: A doutrina admite a possibilidade do costume interepretativo, aquele
que ajuda a aclarar a letra da lei, o “secundum legem”. Ex. Art. 155, § 1º CP a expressão
“repouso noturno” depende inevitavelmente dos costumes do lugar.
Obs.: O costume abolicionista: A doutrina diverge a cerca da sua possibilidade,
são três correntes: i) Admite o costume revogador, quando a infração não contraria
mais o interesse social; ii) Não admite a utilização de costume para abolir crime, mas

9
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

se o fato já não contraria mais o interesse social, a lei não deveria ser aplicada pelo
magistrado; iii) Não existe costume abolicionista, pois, somente a lei pode revogar
outra lei, essa corrente prevalece nos tribunais e na doutrina.

4.1.4. Taxatividade ou mandado de certeza (lege certa):


A lei penal deve ser determinada em seu conteúdo, não se permitindo a criação de
tipos penais vagos, ou seja, com conteúdo extremamente genérico.
Obs.: Os tipos penais abertos são permitidos no ordenamento jurídico, são
aqueles que empregam conceitos amplos, mas com conteúdo bem delimitado.

4.1.5. Necessidade:
A lei penal deve ser o mecanismo necessário para coibir a ofensa ao bem jurídico
tutelado.
Aqui tem-se um claro desdobramento do princípio da intervenção mínima.

4.2. Legalidade Formal X Legalidade Material:

A legalidade formal representa a obediência aos trâmites


procedimentais (devido processo legislativo) fazendo da lei aprovada,
sancionada e publicada uma lei vigente.
Entretanto, para que haja legalidade material, a observância às formas e
procedimentos impostos não é suficiente, sendo imprescindível que a lei respeite o
conteúdo da Constituição Federal, bem como dos tratados internacionais de direitos
humanos, observando direitos e garantias do cidadão. Apenas desse modo é possível
falar em lei válida.

4.3. Princípio da legalidade, tipo aberto e a norma penal


em branco:
4.3.1. Leis Completas X Leis Incompletas:

a. Completas: Dispensa qualquer complemento, seja normativo, seja valortativo,


ex. Art. 121 CP.

10
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

b. Incompleta: Depende de um complemento para que tenha sentido completo.


O complemento pode ser:
b.1. Normativo  quando é dado pela norma, da origem à uma norma
penal em branco;
b.2. Valorativo  quando é dado pelo julgador, da origem à um tipo penal
aberto.

4.3.2. Tipo penal aberto X Norma penal em branco:

a. Tipo Penal Aberto: espécie de lei penal incompleta que depende de um


complemento valorativos, dado pelo juiz na análise do caso contrato.
Ex. Tipos culposos ou com elementos normativos do tipo.
Obs.: Não violam o principio da legalidade se trouxer um mínimo de
determinação (taxatividade).
b. Norma Penal em branco: espécie de lei penal incompleta, que depende de
uma complemento normativo dado por outra norma.

4.3.3. Espécies de Normas Penais em Branco:


a. Norma penal em branco própria (em sentido estrito ou heterogênea): O
complemento normativo não emana do legislador, mas de fonte diversa da
lei, ex. decreto, portaria.
b. Norma penal em branco imprópria (em sentido amplo ou homogênea): O
complemento normativo é dado pelo próprio legislador, a lei é
complementada por outra lei, se divide em duas sub-espécies:
b.1. Homovitelina: A norma complementar e a complementada estão
previstas no mesmo documento legal. Ex. Art. 312 e Art. 327 do CP9.
b.2. Heterovitelina: O complemento da norma encontra-se num documento
legislativo distinto, ou seja, encontra-se em outra lei10. Nucci fala em tipo
penal remetido.

Obs.: Norma Penal em branco ao réves: O complemento normativo diz respeito


ao preceito secundário do tipo penal, ou seja, à sanção cominada pela prática do

9 Exemplo: o artigo 312 do Código Penal trata do crime de peculato, conduta praticada por
funcionário público. O conceito de funcionário público, para fins penais, está positivado em
outro artigo, mais precisamente o 327, também do Código Penal.

10 Exemplo: o artigo 236 do Código Penal95 depende de complemento encontrado no Código


Civil, instância legislativa diversa. Note-se que o conceito de "impedimento" é encontrado em
diploma legal distinto (Código Civil).

11
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

ilícito. Ex. A Lei 2.889/56 prevê os crimes de genocídio, as condutas típicas que
caracterizam o genocídio (preceito primário), mas remete à análise do CP ao cominar as
penas (preceito secundário).
Obs.: Norma Penal em branco ao quadrado ou raiz quadrada da norma penal: é a
norma penal cujo complemento também precisa de complementação. Ex. Art. 38 da Lei
de Crimes Ambientais.

Aplicação da Lei Penal:

1. Eficácia da Lei Penal no Tempo:

Como decorrência do princípio da legalidade, aplica-se, em regra, a lei penal


vigente ao tempo da realização do fato criminoso (tempus regit actum). A lei penal,
para produzir efeitos no caso concreto, deve ser editada antes da prática da conduta
que busca incriminar.
Excepcionalmente, no entanto, será permitida a retroatividade da lei penal para
alcançar fatos passados, desde que benéfica ao réu.

1.1. Tempo do Crime:


O crime se considera praticado no momento da ação ou omissão, ou seja, no
momento da conduta. Assim, observa-se que o Código Penal11 adotou a teoria do
resultado.
Pelo princípio da coincidência (da congruência ou da simultaneidade),
todos os elementos do crime (fato típico, ilicitude e culpabilidade) devem estar
presentes no momento da conduta.
A doutrina aponta outras duas teorias em relação ao tampo do crime:
i. Teoria do Resultado: Considera-se praticado o crime no momento em que
ocorre o resultado.
ii. Teoria Mista: Considera-se praticado o crime tanto no momento da
conduta, quanto no momento do resultado.
Obs.: Teoria tem implicação prática p. ex. no caso em que um menor atira
contra uma pessoa, como a teoria considera o crime praticado nos dois
momentos, se a vítima vier a falecer após o autor completar 18 anos,
deverá haver crime, e não mero ato infracional.
O momento do crime é também marco inicial para saber a lei que, em regra, vai
reger o caso concreto, ganhando ainda mais importância no caso de sucessão de leis
penais no tempo.

1.2. Lei Penal no Tempo:


A regra que permeia o tempo é a de que se aplica a lei penal vigente ao tempo do
fato criminoso (pela teoria da atividade, a lei vigente no momento da conduta).
Entretanto, aponta-se exceções à regra, adotadas em razão de políticas criminais,
que causam a ultratividade ou a retroatividade da lei penal, ou seja, a aplicação de uma
lei que não se encontra vigente à um caso concreto.

11 Art. 4º: "considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja
o momento do resultado”

12
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

1.2.1. Abolitio crimins: Art. 2º, caput do CP


Prevê que ninguém pode ser punido por fato que lei posterioro deixa de
considerar crime. Cessando-se assim, os efeitos penais da condenação (os civis
permanecem)bem como a execução da pena.
A abolitio crimins tem natureza jurídica de causa extintiva de punibilidade,
em que pese haja pequena divergência doutrinária, entendendo tratar-se de causa
extintiva da tipicidade (Flávio Monteiro de Barros), que por via de conssequencia, afeta
a punibilidade.
Obs.: Abolitio criminis X Continuidade normativo típica: São figuras diferentes, a
primeira, o legislador não quer mais considerar a conduta como sendo ofensiva ao
comportamento social, e por isso, típica, já na segunda, a conduta continua sendo
tipificada pelo ordenamento jurídico, mas altera-se seu tipo penal, ocorre uma
migração de um tipo para outro. Ex. A figura típica do atentado violento ao pudor que
saiu do tipo do Art. 214 do CP e foi para o Art. 213, cuja conduta agora configura
estupro.

1.2.2. Retroatividade da lei penal mais benéfica: Art. 2º p. único


CP (novatio legis in mellius)
Trata-se da nova lei que de qualquer modo beneficia o réu, também conhecida
como lex mitior.

"A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos

anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. "
Depreende-se que caso a lei de qualquer modo favoreça o agente, ela deverá ser
aplicada, não havendo respeito se quer à coisa julgada.
Assim, antes da prolação da sentença, cabe ao juiz competente para o processo a
aplicação da lei nova mais benéfica, bem como que após a sentença condenatória
(recorrível), cabe à instância recursal esta função.
Questiona-se em relação ao juiz natural para a aplicação da Lex mitior, nos casos
em que haja coisa julgada, sobre o tema a Súmula nº 611 do STF estabelece que:

"transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juiz da execução a

aplicação de lei mais benigna”


Entretanto, o raciocínio está incompleto, uma vez que a doutrina entende que a
aplicação pelo juiz da execução penal apenas se a aplicação da lei mais benéfica
depender de simples operação matemática, ex. subtração de meses ou anos na pena, de
outro lado, se para a aplicação da lei for necessário juízo de valor, o juiz competente
será o de primeiro grau, sendo hipótese de revisão criminal.
Obs.: Lex mitior e sua aplicação na vacatio legis: Sobre a possibilidade da
aplicação da lei mais benéfica no seu período de vacatio legis, a doutrina diverge: i)
Uma corrente minoritária admite sua aplicação, pois se o lapso temporal serve a
dar aos cidadãos o conhecimento da lei, quem já a conhece pode aplicá-la, essa é a
posição de Alberto Silva Franco; ii) A corrente majoritária entende que uma lei
em vacatio não tem eficácia jurídica, não admitindo assim aplicação,
posição defendida por Nucci e Damásio.

1.2.3. Combinação de Leis Penais:


A combinação de leis penais seria a faculdade conferida ao juiz para, na
determinação da lei mais benéfica, tomar preceitos ou critérios mais favoráveis da lei
anterior e, ao mesmo tempo, os da lei posterior, conjugando-os de forma a aplicá-
los ao caso concreto.

13
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Sobre o tema há duas correntes, segundo Nelson Hungria, é vedada a


combinação de leis penais sob o auspícios de o julgador se tornar legislador, ao criar
uma Lex tertia, uma terceira lei, esse é o teor da Súmula 501 do STJ12
De outro lado, Rogério Greco defende a possibilidade, pois, se ao juiz é dado o
poder de aplicar o “todo” de uma lei, mais sensato seria que ele pudesse aplicar a
“parte” de outra para favorecer o agente. Essa posição é extremamente garantista e
atualmente minoritária.

1.2.4. Leis Excepcionais e Leis Temporária: Art. 3º do CP


Ambas figuras estão previstas no Art. 3º do Código Penal:

"A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou

cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante

sua vigência"
A lei Temporária é aquela que traz em seu texto o tempo de sua vigência,
também chamada de lei temporária em sentido estrito.
A lei Excepcional, é a que atende necessidades estatais transitórias, ou seja,
perdura até que a excepcionalidade se encerre. Também é chamada de lei temporária
em sentido amplo.
É possível afirmar que ambas as leis são ultrativas, pois de acordo com o CP
aplicam-se a fatos ocorridos em sua vigência, ainda que decorrido o prazo, ou
cessada a situação excepcional.
As leis temporária e excepcional têm duas características essenciais:
a. Autorrevogabilidade:
As leis temporária e excepcional são autorrevogáveis, daí porque chamadas
também de leis intermitentes . Esta característica significa dizer que as leis temporária
e excepcional se consideram revogadas assim que encerrado o prazo fixado (lei
temporária) ou cessada a situação de anormalidade (lei excepcional) .
b. Ultra-atividade:
Por serem ultra-ativas, alcançam os fatos praticados durante a sua vigência129,
ainda que as circunstâncias de prazo (lei temporária) e de emergência (lei excepcional)
tenham se esvaído, uma vez que essas condições são elementos temporais do próprio
fato típico. Observe-se que, por serem (em regra) de curta duração, se não tivessem a
característica da ultra-atividade, perderiam sua força intimidativa. Em outras palavras,
podemos afirmar que as leis temporárias e excepcionais não se sujeitam aos
efeitos da abolitio criminis (salvo se houver lei expressa com esse fim).
A doutrina discute acerca se o Art. 3º do CP foi recepcionado pela Ordem
Constitucional de 88, sendo duas as posições: i) Para Rogério Greco e Zaffaroni, a
norma não foi recepcionada, pois a CF não faz qualquer menção à retroatividade
maléfica; ii) Para LFG não se trata de retroatividade da norma penal, ou seja não há
conflito de leis penais no tempo, pois ambas tratam de fatos distintos, assim, não se
pode analisar ou não a recepção da norma.

1.2.5. Sucessão de Complementos da Norma Penal em Branco:


Na hipótese de norma penal em branco, havendo alteração de conteúdo, alteram-
se as respectivas normas complementares, surgindo a questão se, em relação a essas

12 "É cabível a aplicação retroativa d a Lei n. 11.343/2006, desde q u e o resultado da


incidência das suas disposições, na integra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da
aplicação da Lei nº 6.368/76, sendo vedado a combinação de leis".

14
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

alterações, deve incidir (ou não) as regras da retroatividade. Sobre o assunto, temos
quatro correntes:
i. Sempre retroage se mais benéfico (Paulo José);
ii. Será irretroativo, não se admite revogação de normas penais pela
revogação de seus eventuais complementos (Frederico Marques);
iii. Na NPBco Homogênea, a alteração benéfica retroage, mas na
Heterogênea, só retroagirá se a alteração provocar uma real alteração na
figura abstrata e não quando importar uma mera alteração circunstancial
(Mirabete);
iv. A NPBco Heterogênea apenas retroage se a modificação do
complemento não se reveste de caráter excepcional ou
temporário, a Heterogênea sempre retroage (Alberto Silva Franco),
seguido pelo STF13

2. Eficácia da Lei Penal no Espaço:


Sabendo que um fato punível pode, eventualmente, atingir os interesses de dois
ou mais Estados igualmente soberanos, o estudo da lei penal no espaço procura
descobrir qual é o âmbito territorial de aplicação da lei penal brasileira, bem
como de que forma o Brasil se relaciona com outros países em matéria penal.
Delimita-se a fronteira de atuação da lei penal brasileira através dos princípios
aplicáveis:

2.1. Princípios Aplicáveis:

Em matéria de eficácia da lei penal no espaço, são aplicáveis os seguintes


princípios:
i) princípio da territorialidade: aplica-se a lei penal do lugar do crime, não
importando a nacionalidade dos envolvidos ou do bem jurídico tutelado. Esse
princípio é a regra geral da maioria dos ordenamentos jurídicos;
ii) princípio da nacionalidade ativa: aplica-se a lei penal da nacionalidade do
agente, não importando a nacionalidade da vítima, o bem jurídico ou loca do crime;
iii) princípio da nacionalidade passiva: Aqui há uma cisão na doutrina a
respeito do significado desse princípio.
Assim, segundo Bitencourt ensina que deve-se aplicar a lei da nacionalidade da
vítima, não importando a nacionalidade do agente, o bem jurídico ou o local do
crime, é a corrente que prevalece. Entretanto, Fernando Capez diz que aplica-se a
lei penal da nacionalidade do agente,quando ofender um concidadão, ou seja, só
se aplica a lei brasileira no exterior se o agente for brasileiro E praticar um crime contra
um brasileiro;
iv) princípio da defesa (ou real): aplica-se a lei penal da nacionalidade do bem
jurídico lesado, não importando o local do crime ou a nacionalidade dos sujeitos;
v) princípio da justiça universal ou cosmopolita: o agente fica sujeito à lei do
país onde for encontrado. Serve para punir os crimes que os países se obrigam a
punir em tratado internacional. Normalmente presente nos Tratados Internacionais de
cooperação na repressão de determinados delitos de alcance internacional, Ex. tráfico
de pessoas, de drogas, genocídio;

13 Cf. STF – Primeira Turma – HC 73.168, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 15/03/1995 e STF –
Segunda Turma HC 68.904, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 03/-4/1992.

15
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

vi) princípio da representação (ou da subsidiariedade/substituição/da


bandeira/do pavilhão): a lei penal nacional aplica-se aos crimes praticados em
aeronaves e embarcações privadas, quando no estrangeiro, e lá não sejam
julgados, é determinante a inércia do país estrangeiro.
No Brasil, é adotado, como regra, o princípio da territorialidade (art. 5º,
CP), o que significa que em regra, a lei brasileira é aplicável aos crimes cometidos no
território nacional, mas o Brasil também adota todos os outros princípios, mas como
justificativa para a adoção da extraterritorialidade da lei penal (Art. 7º CP) :

Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e

regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. (...)


A territorialidade adotada foi a temperada (ou limitada), e não a absoluta, pois o
Brasil admite aplicar a lei de outros países à crimes cometidos em seu
território, o que se verifica por conta da expressão: “sem prejuízo de convenções,
tratados e regras de direito internacional”. Assim, conforme determina o art. 5º do CP:
i) ocorrido o crime no Brasil e aplicada a leibrasileira:princípio da
territorialidade;
ii) ocorrido o crime fora do Brasil e aplicada a brasileira: princípio da
extraterritorialidade (art. 7º, CP):

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: (...)


iii) ocorrido o crime no Brasil e aplicada a lei estrangeira: princípio da
intraterritorialidade (lei estrangeira entrando no território brasileiro – art. 5º, caput,
do CP). Ex.: imunidades diplomáticas.
No art. 5º, portanto, o princípio da territorialidade foi temperado pelo
princípio da intraterritorialidade.
Obs.: Ao contrário do direito civil, onde na eventualidade de aplicação da lei
estrangeira ao caso, a competência ainda é do juiz brasileiro, no direito penal tanto
a lei quanto a competência para a sua aplicação passam ao juiz estrangeiro.
Assim, é possível afirmar que o juiz criminal brasileiro só aplica a lei brasileira,
nunca aplicará direito estrangeiro.
O direito brasileiro, ao adotar o princípio da territorialidade, limitou a eficácia
espacial dalei brasileira ao território nacional. Importante descobrir, portanto, o que é
território nacional (os limites espaciais dalei).
Território nacional é o espaço geográfico acrescido do território jurídico
(prevê o que é espaço jurídico art. 5º, § 1º, do CP).

Art. 5º (...) § 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do

território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou

a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves

e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem,

respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.


O art. 5º, § 2º, do CP prevê a reciprocidade para as regras anteriores:

Art. 5º (...) § 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de

aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas

em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas

em porto ou mar territorial do Brasil.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Conclusões (combinação dos §§ 1º e 2º do Art. 5º do CP):


i) Quando os navios ou aeronaves brasileiros forem públicos ou
estiverem a serviço do governo brasileiro, quer se encontrem em território
nacional ou estrangeiro, são considerados parte do território brasileiro;
ii) os navios e aeronaves privados, quando em alto-mar ou no espaço aéreo
correspondente, seguem a lei da bandeira que ostentam;
iii) os navios e aeronaves estrangeiros em território brasileiro, desde que
públicos, não são considerados parte doterritório brasileiro.
Há algumas questões que o Código Penal não responde, mas a doutrina:
Embarcação privada brasileira em alto-mar naufraga e, sobre os destroços, um
italiano mata um argentino. Qual lei será a aplicável: brasileira, italiana ou argentina?
Os destroços do navio continuam ostentando a sua bandeira, logo, será aplicável a lei
brasileira.
Embarcação privada brasileira se choca, em alto-mar, com outra holandesa.
Constrói-se uma jangada, com destroços de ambos os navios. Um dos construtores,
sobre a jangada, mata um argentino. Qual a lei aplicável?Na dúvida, para não
surpreender o agente, deve-se ficar com o princípio da nacionalidade ativa.
Atraca na costa brasileira um navio público da Colômbia. Caso o marinheiro
desça do navio e pratique o crime em solo brasileiro, qual a lei aplicável? Se ele desce a
serviço de seu país, a lei aplicável será a colombiana. Caso contrário, a brasileira.
Obs.: A embaixada não é extensão do território que represente, uma vez que o CP
não trás qualquer regra específica relacionada à elas, então, apesar de invioláveis,
não são extensão do território que representam, assim,ocorrido crime dentro
da embaixada, o crime é de jurisdição do país onde a embaixada se encontra,
embora seja burocraticamente de difícil investigação.

2.2. Territorialidade:
2.2.1. Teoria adotada pelo Brasil: Quando o crime se considera
praticado no território brasileiro?
São três as teorias sobre o tema:
i. Pela teoria da atividade, considera-se lugar do crime aquele onde o agente
desenvolveu a conduta.
ii. De acordo com a teoria do resultado, considera-se o lugar do crime
aquele onde ocorreu o evento (resultado).
iii. Pela teoria mista (ou da ubiquidade), considera-se lugar do crime
aquele onde ocorreu a conduta ou o resultado.
O Brasil adotou a teoria mista ou da ubiquidade (art. 6º, CP):

Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou

omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria

produzir-se o resultado.
Obs.:Se no território brasileiro ocorre unicamente o planejamento ou
preparação do crime, o fato não interessa ao direito brasileiro.Salvo quando
a preparação, por si só, caracterizar crime autônomo, ex. associação criminosa.
Dessa forma, observando o inter criminis (Cogitação  Preparação
ExecuçãoResultado/Consumação), apenas interessa à lei brasileira os atos de
execução e o resultado/consumação, salvo se a lei brasileira punir

17
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

autonomamente os atos de preparação, a cogitação nunca será objeto de


interesse do direito penal (direito à perversão).

2.2.2. Direito à passagem inocente


Caso um navio privado saia de Uruguai em direção ao Chile e, quando em mar
brasileiro, ocorre um crime em seu interior, aplica-se a lei brasileira? Pela letra do art.
5º do CP, dir-se-ia que a lei brasileira seria aplicável. Porém cuidado: se onavio
apenas passa pelas águas do Brasil, a lei brasileira não é aplicada.
Quando o navio atravessa território nacional apenas como passagem necessária
para chegar ao seu destino, não se aplica a lei brasileira, por conta do princípio da
passagem inocente (art. 3o da Lei 8.617/1993):

Art. 3º É reconhecido aos navios de todas as nacionalidades o direito de passagem

inocente no mar territorial brasileiro.

§ 1º A passagem será considerada inocente desde que não seja prejudicial à paz, à

boa ordem ou à segurança do Brasil, devendo ser contínua e rápida.

§ 2º A passagem inocente poderá compreender o parar e o fundear, mas apenas na

medida em que tais procedimentos constituam incidentes comuns de navegação ou

sejam impostos por motivos de força ou por dificuldade grave, ou tenham por fim

prestar auxílio a pessoas a navios ou aeronaves em perigo ou em dificuldade grave.

§ 3º Os navios estrangeiros no mar territorial brasileiro estarão sujeitos aos

regulamentos estabelecidos pelo Governo brasileiro.


A lei veio somente a concretizar tratados internacionais aos quais o Brasil já havia
aderido.
A passagem inocente, de acordo com a lei, não abrange aeronaves. Há
uma minoria (Luiz Flávio Gomes, por exemplo), que entende não haver sentido ou
razão para o tratamento diferenciado.

2.2.3. Crime à distância e crime plurilocal e crime em trânsito


O crime à distância não se confunde com o crime plurilocal.
No crime à distância (ou de espaço máximo), o delito percorre
territórios de países soberanos. Ele gera um conflito internacional de
jurisdição (gera dúvida acerca de qual país aplicará sua lei). Esse conflito encontra
solução no art. 6º do CP (teoria da ubiquidade ou mista).
Obs.: o crime em trânsito percorre o território de mais de dois (três) países
soberanos, no mais é idêntico ao crime à distancia.
Já no crime plurilocal, o delito percorre territórios do mesmo país soberano. O
crime plurilocal gera um conflito interno de competência (gera dúvida acerca de qual
juiz aplicará a lei interna). A solução (regra) para esse conflito é o art. 70 do CPP, que
adotou a teoria do resultado:

Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se

consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o

último ato de execução.

§ 1º Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a

competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

último ato de execução.

§ 2º Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será

competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou

devia produzir seu resultado.

§ 3º Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando

incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas

ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.

2.3. Extraterritorialidade
É o fenômeno pelo qual a lei brasileira será aplica a fatos ocorridos fora do
território nacional.
Assim, embora o fato tenha ocorrido fora do nosso território, quem
efetivamente aplicara nossa lei é um juiz ou tribunal pátrio, uma vez que a
aplicação do Direito Penal brasileiro por juiz ou tribunal estrangeiro viola nossa
soberania.
A extraterritorialidade da lei penal está prevista no art. 7º do CP. A divisão entre
os incisos se deve ao fato de serem hipóteses diferentes de extratarritorialidade:
incondicionada, condicionada e hipercondicionada.

2.3.1. Extraterritorialidade incondicionada (art.7º, I e § 1º, do


CP)
Nas hipóteses de extraterritorialidade incondicionada, pouco importará a
condenação ou a absolvição do agente no estrangeiro. Será sempre aplicável a
lei brasileira.

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

I - os crimes:

a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;

b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de

Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista,

autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;

c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço;

d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; (...)

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que

absolvido ou condenado no estrangeiro.


Obs.: Nas três primeira hipóteses, (“a”, “b” e “c”) a extraterritorialidade encontra
base no princípio da defesa/real; Já a hipótese da alínea “d” tem por base a
aplicação do princípio da justiça penal universal ou cosmopolita.

2.3.2. Extraterritorialidade condicionada (art. 7º, II e § 2º, do CP)


Nas hipóteses de extraterritorialidade condicionada, a aplicação da lei
brasileira dependerá do concurso de condiçõesque serão analisadas a seguir.
São as hipóteses mais exigidas em concurso público.

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: (...)

II - os crimes:

a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;

b) praticados por brasileiro;

c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade

privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. (...)


Obs.: A alínea “a” encampa o princípio da justiça penal universal ou
comsmopolita; A alínea “b”, tem base o princípio da nacionalidade ativa; E a
alínea “c” o principio da representação/da bandeira.
Para a lei brasileira alcançar o crime, devem estar presentes todas as hipóteses
do art. 7º, § 2º (perceba que a lei fala no “concurso das seguintes condições”):

Art. 7º (...) § 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do

concurso das seguintes condições:

a) entrar o agente no território nacional;

b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;

c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a

extradição;

d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar

extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.


Ou seja, as condições são cumulativas!
i) o agente tem de entrar no território nacional:
Entrar não significapermanecer. Mesmo que o agente logo vá embora,
ingressando no território nacional está preenchida a primeira condição. “Território
nacional”, aqui, é compreendido como o espaço geográfico acrescido do espaço jurídico.
ii) ser o fatopunível também no país em que foi praticado:
Ex. num país que admite a poligamia, não se pode punir pelo crime de bigamia
um brasileiro que, naquele país, tenha se casado várias vezes.
iii) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira
autoriza a extradição:
Incluir a parte de extradição e deportação do caderno/livro do estefam

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

A idéia aqui não é extraditar, mas sim conferir uma uniformidade de tratamento
aos réus, dessa forma, os requisitos para a extradição deverão coincidir com os
autorizadores da aplicação da nossa lei no estrangeiro.
Assim, o estatuto do estrangeiro lista alguns requisitos para permitir a extradição
de alguém, assim o CP “empresta” para a extraterritorialidade condicionada os mesmos
requisitos.
Obs.: Para a incidência da condição prevista na alínea “c”, deve ser o crime
punido com pena de prisão superior a um ano (art. 77, IV, da Lei 6.815/1989: Estatuto
do Estrangeiro):

Art. 77. Não se concederá a extradição quando: (Renumerado pela Lei nº 6.964, de

09/12/81) (...)

IV - a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano;
iv) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena:
Perceba a diferença para os crimes de extraterritorialidade incondicionada, nos
quais pouco importa a condenação ou a absolvição no estrangeiro.
v) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou extinta a punibilidade, de
acordo com a lei mais favorável.
Caso prático: um brasileiro, nos EUA, mata um italiano. Logo depois do crime,
foge para o Brasil. Aplica-se a lei brasileira, desde que presentes todas as condições
acima estudadas.A competência para a aplicação da lei brasileiraserá, em regra, da
justiça estadual. Será da Justiça federal se presente alguma das condições do art. 109 da
CR. O território competente (comarca) será o da capital onde houver por último
residido o acusado. Seele nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da
capital da República (art. 88 do CPP):

Art. 88. No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será

competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado.

Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da

República.
Como visto, na extraterritorialidade incondicionada aplica-se a lei brasileira,
pouco importando se o agente tenha sido absolvido ou condenado no exterior. Isso
significa que pode haver um processo no estrangeiro e um processo no Brasil, bem
como que o agente pode ser condenado no estrangeiro e no Brasil. Assim, ele pode ter
de cumprir pena no estrangeiro e no Brasil.
Isso não configura um bis in idem? Como estudado, a vedação do bis in idem tem
significado processual, penal e execucional, buscando evitar duplicidade em todas essas
hipóteses. A doutrina enxerga, no caso, uma exceção à vedação do bis in idem,
justificada por razões de soberania nacional.
Francisco de Assis Toledo ensina que o art. 8º evita um bis in idem. Na verdade, o
dispositivo não evita a existência do bis in idem(dois processos e de duas
condenações), mas apenas atenua a duplicidade de penas:

Art. 8º - A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo

mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas. (Redação

dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

2.3.3. Extraterritorialidadehipercondicionada (art. 7º, §§ 2º e 3º


do CP)
Na extraterritorialidade hipercondicionada, a aplicação da lei brasileira
dependerá da observância das condições previstas no art. 7º, § 2º (extraterritorialidade
condicionada), acrescida daquelas previstas no art. 7º, § 3º:

Art. 7º (...) § 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por

estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições

previstas no parágrafo anterior:

a) não foi pedida ou foi negada a extradição;

b) houve requisição do Ministro da Justiça.


Obs.: O princípio que embasa a aplicação da lei penal brasileira é o principio da
nacionalidade passiva.

2.3.4. Princípiosaplicáveis às hipóteses previstas no art. 7º do CP


Neste tópico, será feita uma relação entre os princípios aplicáveis em matéria de
lei penal no espaço (estudados no item 2.2 acima) e as hipóteses de
extraterritorialidade previstas no art. 7º do CP.
i) art. 7º, I, “a” (crime contra a vida ou a liberdade do Presidente da República):
princípio da defesa (ou real);
ii) art. 7º, I, “b” (crime contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito
Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de
economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público): princípio da
defesa (ou real);
iii) art. 7º, I, “c” (crime contra a administração pública, por quem está a seu
serviço): princípio da defesa (ou real);
iv) art. 7º, I, “d” (crimede genocídio, quando o agente for brasileiro ou
domiciliado no Brasil):
1ª corrente:princípio da justiça universal, pois o Brasil se obriga a reprimir o
crime de genocídio em tratados internacionais.
2ª corrente:princípio da defesa (ou real), pois o dispositivo se preocupa com o
fato de o agente ser brasileiro ou domiciliado no Brasil.
3ª corrente:princípio da nacionalidade ativa.
Para Rogério, a 3ª corrente está errada, pois somente olha para a primeira parte
do dispositivo.A ordem das correntes apresentada é também de prevalência (justiça
universal é o mais aceito).
v) art. 7º, II, “a”(crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a
reprimir): princípio da justiça universal;
vi) art. 7º, II, “b”(crimes praticados por brasileiro): princípio da nacionalidade
ativa;
vii) art. 7º, II, “c”(crimes praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras,
mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam
julgados): princípio da representação.
viii) art. 7º, § 3º:
1ª corrente:princípio da nacionalidade passiva. Para Rogério, a corrente está
errada, pois pelo princípio da nacionalidade passiva, aplica-se a lei penal da
nacionalidade do agente que atinge um concidadão. Na verdade, quem adota esta

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

primeira corrente não adota o mesmo conceito de nacionalidade passiva (entende que o
princípio da nacionalidade passiva se preocupa com a defesa da vítima, enquanto que o
da defesa ou real se preocupa com o bem jurídico).
2ª corrente: princípio da defesa (ou real), aquele segundo o qual se aplicaa lei
penal da nacionalidade da vítima ou do bem jurídico. Esta é a posição defendida por
Rogério.

3. Validade da lei penal em relação às pessoas


(Imunidades)

3.1. Introdução
A lei penal se aplica a todos, por igual, não existindo privilégios
pessoais (art. 5º da CR).
Há, no entanto, pessoas que, em virtude das suas funções, desfrutam de
imunidades.
Longe de uma garantia pessoal, trata-se de uma prerrogativa funcional, de
uma proteção ao cargo. Não se trata de um privilégio, mas de uma prerrogativa.

Privilégio Prerrogativa
Exceção à lei comum deduzida da situação Conjunto de precauções que rodeiam a
de superioridade das pessoas que a função e servem para o exercício desta.
desfrutam. Parte da noção de que umas
pessoas seriam superiores às outras.
É subjetivo e anterior à lei. É objetiva e deriva da lei.
Tem essência pessoal. É anexa à qualidade do órgão.
É poder frente à lei. É conduto para que a lei se cumpra.
Próprio das aristocracias sociais. Própria das aristocracias das
instituições governamentais.
Não se trata, portanto, de foro “privilegiado”, como se diz, mas de foro por
“prerrogativa” de função.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

3.2. Imunidades Diplomáticas:


3.2.1. Conceito
As imunidades diplomáticas são prerrogativas de direito público internacional de
que desfrutam: i) os Chefes de Governo ou de Estado estrangeiro, sua família e
membros da comitiva;ii) o Embaixador e sua família;iii) os funcionários do corpo
diplomático e suas famílias; e iv) os funcionários das organizações internacionais (ex.:
ONU), quando em serviço.

3.2.2. Natureza jurídica


Há duas correntes acerca da natureza jurídica das imunidades diplomáticas:
1ª corrente:causa pessoal de isenção de pena (prevalece).
2ª corrente:causa impeditiva da punibilidade (LFG).

3.2.3. Garantias das imunidades


A lei penal contém um preceito primário (conteúdo criminoso) e um preceito
secundário (consequência jurídica). A imunidade diplomática torna o Diplomata imune
às consequências jurídicas previstas no preceito secundário. Ele deve obediência ao
preceito primário, mas escapa das consequências jurídicas do país onde o fato é
cometido, ficando sujeito às do país de origem.
Assim, apesar de todos deverem obediência ao preceito primário da lei penal do
país em que se encontram (generalidade da lei penal), os diplomatas escapam à sua
consequência jurídica, permanecendo sob a eficácia da lei penal do estado a que
pertencem.
Cuidado: a imunidade diplomática não impede a investigação criminal contra o
diplomata, principalmente a que busca resguardar a materialidade (vestígios) do crime.
O diplomata pode renunciar à imunidade (por exemplo, num caso em que as
consequências jurídicas em seu país de origem sejam piores do que as previstas na lei
brasileira)? Não, pois a imunidade não é da pessoa, mas uma prerrogativa do cargo.
Ninguém pode renunciar a algo que nãopossui. O país que ele representa, todavia, pode
retirar dele a imunidade, desde que o faça expressamente. Isso já aconteceu: um
diplomata da Geórgia atropelou uma brasileira nos EUA dirigindo bêbado.
Os agentes consulares têm imunidade? Não se deve confundir o embaixador com
o agente consular:

Embaixador Agente consular


Tem imunidade para: Tem imunidade apenas para crime funcional.
i) crime comum; O agente consular não tem imunidade no
ii) crime funcional. crime comum porque exerce funções
meramente administrativas e não político-
representativas.
Apesar de minoria em sentido contrário, prevalece que, de acordo com a
Convenção de Viena, a embaixada não é extensão do território que representa, embora
inviolável. O STF decidiu que não é possível a realização de busca e apreensão em
embaixada, justamente por essa inviolabilidade. A lei processual penal não pode ser
aplicada em embaixadas, sendo preciso vencer barreiras internacionais para tanto.

3.3. Imunidades Parlamentares:


As imunidades parlamentares encontram previsão na CF.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Não configuram “privilégios” mas “prerrogativas” necessárias ao desempenho


independente da atividade parlamentar e à efetividade do Estado Democrático de
Direito, marcado pela representatividade dos cidadãos-eleitores.
Se dividem em:

3.3.1. Imunidade parlamentar absoluta: Art. 53, caput, da CF


A imunidade parlamentar absoluta também é conhecida como imunidade
material, substancial ou real, inviolabilidade e indenidade.
Resumem o freedom of speech, ou seja, são invioláveis por opiniões, palavras e
votos.

3.3.1.1. Previsão legal:


A imunidade parlamentar absoluta está prevista no art. 53, caput, da CR:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por

quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 35, de 2001) (...)

Parte da doutrina ensina que a inviolabilidade não exclui somente as


responsabilidades civil e penal, alcançam também a responsabilidade administrativa
e política.
Inclusive de acordo com o STF, a imunidade material exime o seu titular de
qualquer tipo de responsabilidade (criminal, civil, administrativa e política).
Estas duas últimas foram acrescentadas pelo próprio STF.

3.3.1.2. Natureza jurídica


Há seis correntes acerca da natureza jurídica das imunidades materiais:
1ª corrente: causa excludente de crime (Pontes de Miranda).
2ª corrente: causa que se opõe à formação do crime (Basileu Garcia).
3ª corrente: causa pessoal funcional de isenção de pena (Aníbal Bruno).
4ª corrente: causa de irresponsabilidade penal (Magalhães Noronha).
5ª corrente: causa de incapacidade pessoal penal por razões políticas (Frederico
Marques).
6ª corrente: causa de atipicidade (Luiz Flávio Gomes e o STF). É a tese
a ser adotada em concurso público.
A importância desta corrente é a seguinte: a partir do momento em que se trata
de causa de atipicidade, o fato é atípico não somente para o parlamentar como
para todos que para ele concorreram14, ou seja, eles também ficarão .
Obs.: Na verdade, o parlamentar ficará imune criminalmente, e os demais
que concorreram ficarão isentos de pena.
A Súmula 245 do STF15, tendo em vista esse entendimento, hoje está restrita à
imunidade parlamentar relativa:

14 A punibilidade do partícipe depende de que o fato praticado pelo autor seja típico E ilícito,
pela teoria da acessoriedade limitada.

15 Súmula 245 - a imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

3.3.1.3. Limites:
O limite da imunidade parlamentar é o exercício da função.
É imprescindível o nexo funcional entre as palavras ou opiniões e a função
exercida pelo parlamentar.
Entende a doutrina, seguida pela jurisprudência que estando o parlamentar nas
dependências do Parlamento presume-se de modo absoluto o nexo.
Fora da Casa Legislativa, o nexo deve ser comprovado. Portanto, apesar de
chamada de absoluta, a imunidade tem limites.
Segundo o voto emblemático do Min. Marco Aurélio, no Inquérito nº 1316, o
instituto da imunidade parlamentar absoluta não permite ações estranhas ao
mandato, como ofensas pessoais, sem que haja consequências.
A não se entender assim, estarão eles acima do bem e do mal, blindados, como se
o mandato fosse um escudo polivalente.
Obs.: Tem se entendido que em hipótese de utilização de meios eletrônicos
(facebook, Twitter, e-mail, etc) para divulgar mensagens ofensivas à honra de alguém
deve haver vinculação com o exercício da atividade parlamentar, ainda que a
mensagem tenha sido gerada dentro do gabinete. Entendimento diverso daria margem
ao exercício abusivo dessa prerrogativa, que é da instituição e não do parlamentar.

3.3.2. Imunidade parlamentar relativa:


A imunidade parlamentar relativa é também conhecida como imunidade
formal, processual ou adjetiva.
Ela pode ser relativa: i) ao foro por prerrogativa de função, ii) à prisão, iii) ao
processo e iv) à condição de testemunha.

3.3.2.1. Imunidade relativa ao foro por prerrogativa de função


A imunidade relativa ao foro por prerrogativa de função está prevista no art. 53, §
1º, da Constituição Federal, com redação dada pela EC 30/2001:

Art. 53 (...) § 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão

submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

O foro por prerrogativa de função estabelece a competência originária do


Supremo Tribunal Federal para o julgamento dos congressistas por infrações
penais, cometidas antes ou depois do inicio efetivo do mandato.
Obs.: não abrange o julgamento por atos de improbidade.
Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos
a julgamento pelo STF.
Veja que não precisa ainda ter ocorrido a posse, bastando a diplomação
(pegadinha de concurso).
O foro especial não se estende ao concorrente sem imunidade, gerando
nessa hipótese a separação do processo, o parlamentar é processado no STF e os
participes são processados por seu juiz natural.

16“2. Os atos praticados em local distinto escapam à proteção absoluta da imunidade, que
abarca apenas manifestações que guardem pertinência, por um nexo de causalidade, com o
desempenho das funções do mandato parlamentar” (STF – Tribunal Pleno – Inq. 2.813 – Rel.
Min. Marco Aurélio – DJe 24/05/2011)

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

O foro especial não permanece depois de terminado o mandato, justamente


por não configurar privilégio, mas sim prerrogativa.
Com o fim do mandato, o processo volta para o Juiz de 1º grau. Caso
permanecesse no STF, a imunidade seria encarada como um privilégio pessoal.
Todavia, em se tratando de uma prerrogativa, finalizado o mandato, o juízo natural de
1º grau retoma sua competência.
A Súmula 394 do STF17foi cancelada, justamente porque previa um privilégio
pessoal. Não são admitidos privilégios no Brasil. Somente prerrogativas são
fomentadas.
De acordo com o STF encerrada a instrução ou autos pautados para o
julgamento, a renuncia do parlamentar não retira da corte o poder de julgá-lo18.

3.3.2.2. Imunidade relativa à prisão:


A imunidade relativa a prisão, também denominada pelo STF de
“incoercibilidade pessoal dos congressistas”, do direito americano freedom from arrest,
encontra previsão no Art. 53, § 2º da Constituição Federal.

3.3.2.2.1. Previsão legal


A imunidade relativa à prisão está prevista no art. 53, §2º, da Constituição
Federal:

Art. 53 (...) § 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso

Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável.

Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à

Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva

sobre a prisão. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)


A garantia, portanto presente desde a diplomação, recais sobre a prisão
provisória, excepcionada apenas a prisão em flagrante por crime inafiançável ex.
racismo.
Uma vez realizada a prisão em flagrante por crime inafiançável, os autos serão
remetidos no prazo de vinte e quatro horas para a casa respectiva, que
deliberará, por maioria de votos sobre a prisão. A deliberação tem caráter
eminentemente político (conveniência e oportunidade) e não técnico.
De acordo com esse dispositivo, desde a expedição do diploma, os membros do
Congresso Nacional não poderão ser presos. Observe, novamente, que o constituinte
fala que a imunidade se dá “desde a expedição do diploma”, isto é, não se dá com a
posse do parlamentar. Tomar cuidado para não confundir!

17Súmula 394 - cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial
por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a
cessação daquele exercício (cancelada).

18Obs.: AP 396, percebendo que estava na iminência do julgamento pelo STF e que se avizinhava
a prescrição, o parlamentar renunciou ao mandato, com o objetivo de obter a prescrição (por
conta do longo caminho que haveria do envio dos autos do STF ao juízo de 1º grau). No entanto,
restou decidido pelo STF que a renúncia na véspera do julgamento pelo Pleno configura fraude
processual inaceitável, pois objetiva, em primeiro lugar, fugir à punição, buscando a prescrição.
Diante desse quadro, o STF permaneceu competente para o processo e julgamento da demanda.
Observou o Min. Marco Aurélio, discordando da maioria, que a renúncia do parlamentar é um
direito potestativo e, como tal, deve ser analisado dentro do direito de ampla defesa do réu.

27
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

3.3.2.2.2. Hipóteses de cabimento


A imunidade relativa à prisão não se aplica à hipótese de prisão definitiva.
Ou seja, ela não se aplica à hipótese de prisão decorrente de condenação transitada em
julgado. Logo, a imunidade dos membros do Congresso apenas se dá nas hipóteses de
prisão provisória, conforme decisão do STF no Inquérito nº 51019.
Além disso, cabe prisão em flagrante quando o crime é inafiançável.
Nesse caso excepcional em que cabe prisão provisória (flagrante) do parlamentar,
os autos serão encaminhados à Casa respectiva (para a Câmara, se for Deputado, e para
o Senado, se for Senador) para que resolva sobre a manutenção ou não da prisão. Vale
observar que o juízo realizado pela Casa é político, pois se averigua a conveniência e
oportunidade da manutenção da prisão.
Portanto, dentro de 24 horas, os autos serão encaminhados ao STF e à Casa
respectiva. O STF fará uma análise jurídica da prisão, ao passo que a Casa fará uma
análise política da manutenção da prisão em flagrante. Note que são duas análises
distintas. O STF vai analisar a formalidade do flagrante. A casa respectiva vai analisar a
conveniência e oportunidade da manutenção da prisão.
Obs.: Caso do Senador Delcídio em 2015: O STF, no entanto, de forma
excepcional, no final de 2015, decretou prisão preventiva de Senador (Delcídio do
Amaral), a exemplo do que, num passado recente, fez em relação a um deputado
estadual, igualmente imune. Em resumo, o Senador, buscando embaraçar investigação
em curso na Operação Lava Jato, evitando futura delação, propõe a um filho de preso
um verdadeiro plano de fuga para seu pai, bem como anuncia exercer indevida
influência em Ministros da Corte Suprema, o que garantiria a tão almejada
liberdade do condenado. Oferece, ainda, uma ajuda de custo (R$ 50.000,00) para o
condenado manter-se no país de destino. O afastamento da aplicação de regras válidas
ante as circunstâncias específicas do caso concreto é conhecido como
derrotabilidade (ou superabilidade). Em tais hipóteses, o intérprete confere ao
princípio da justiça e aos princípios que justificam o afastamento da regra um peso
maior do que ao princípio da segurança jurídica e àqueles subjacentes à regra20. A
ponderação, portanto, não é feita entre a regra e o princípio, mas entre princípios que
fornecem razões favoráveis e contrárias à aplicação da regra naquele caso específico.
Não há nisso, qualquer desobediência ao direito, pois a decisão é pautada
por normas estabelecidas pelo próprio ordenamento jurídico.
Cabe prisão civil do parlamentar federal? O STF entende que o parlamentar não
pode sequer sofrer prisão civil por dívidas.

3.3.2.2.3. Injúria qualificada pelo preconceito X racismo


Suponha que o parlamentar chama uma pessoa negra de “macaco” durante uma
partida de futebol. Ele pode ser preso? Esse exemplo foi tema de concurso da Polícia
Federal. Muitos candidatos, por entenderem tratar-se de crime de racismo,
raciocinaram que o crime seria inafiançável e, por isso, concluíram pela possibilidade
de prisão do parlamentar. Ocorre que não se tratava de crime de racismo, mas deinjúria
qualificada pelo preconceito, o qual é crime afiançável. Logo, não será possível a prisão
em flagrante nesse exemplo.

19 Incluir um texto desse inquérito.

20 É um absurdo manter o senador solto neste caso, quando o sentimento de justiça dita
exatamente o contrário, assim, ponderando entre a regra da imunidade à prisão e o princípio da
justiça, o STF entendeu prevalecer o princípio em relação à regra, daí a legitimidade da prisão.

28
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

A injúria qualificada pelo preconceito, prevista no art. 140, § 3º, do CP21 e


afiançável,não se confunde com racismo.Na injúria qualificada, o agente atribui
qualidade negativa, valendo-se da raça, cor, religião, origem. Já o crime de racismo,
previsto na Lei 7.716/1989, é crime inafiançável e não consiste em atribuir qualidade
negativa à vítima. No racismo, existe segregação.
Chamar alguém de “macaco” não é segregar, mas atribuir qualidade negativa. No
entanto, se o parlamentar houvesse se recusado a receber o jogador negro em seu time
em razão de sua raça, isso caracterizaria uma segregação e, portanto, crime de racismo,
passível de flagrante, por ser crime inafiançável.

3.3.2.3. Imunidade relativa ao processo


A imunidade relativa ao processo encontra previsão no art. 53, §§3º, 4º e 5º, da
Constituição Federal, alcançando os crimes praticados pelos congressistas após a
diplomação:

Art. 53 (..) § 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime

ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa

respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da

maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da

ação.

§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo

improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa

Diretora.

§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato.

Diz o art. 53, §3º que, recebida a inicial contra o parlamentar, o STF dará
ciência do recebimento à Casa respectiva (apenas e tão somente isso).
Obs.: Antes da EC 35/2001, o STF sequer poderia processar o
parlamentar, pois precisava de autorização da Casa respectiva. Hoje, o STF apenas
dará ciência, não sendo necessária a autorização para processar o parlamentar.

A imunidade relativa ao processo só abrange crime ocorrido após a


diplomação. O crime ocorrido antes da diplomação tramitará perante o Supremo
(que é foro especial), mas não poderá ser suspenso porque não é abrangido pela

21 Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: (...) § 3o Se a injúria


consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição
de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa.

29
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

imunidade. Em relação ao crime ocorrido após a diplomação, a Casa respectiva poderá


sustar o andamento da ação. Havendo a suspensão da ação, também haverá a
suspensão da prescrição.
Ex.: crime de corrupção praticado antes da diplomação. A partir da diplomação, o
crime de corrupção será apurado perante o STF e a Casa respectiva jamais poderá
sustar o andamento dessa ação. Se o crime fosse cometido após a diplomação, a Casa
respectiva poderia, por maioria de seus membros, decidir pela suspensão da ação e
consequente suspensão do prazo prescricional.
Nos termos do art. 53, §3º, a Casa respectiva está autorizada a sustar apenas o
andamento de ação penal.
O poder do Congresso é sustar processos, assim os inquéritos policiais
instaurados não podem ser sustados.
De acordo com o STF, a imunidade formal não impede a instauração de
inquérito policial ou a realização de investigação penal contra os membros do
Congresso Nacional.
Depois de o STF autorizar a instauração do inquérito e a realização de diligência,
o Congresso Nacional não poderá suspender o seu andamento.

3.3.2.4. Imunidade relativa à condição de testemunha


A imunidade relativa à condição de testemunha encontra previsão legal no art.
53, §6º, da CR:

Art. 53 (...) § 6º Os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre

informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as

pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações. (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 35, de 2001)


Perceba que em nenhum momento o dispositivo quer dizer que o Congressista
não é obrigado a testemunhar. O que a Constituição diz é que ele não pode testemunhar
“sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem
sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações”. Tirando essas
questões, o parlamentar é tão obrigado a testemunhar quanto qualquer pessoa e
também presta compromisso de falar a verdade. O que a CR estabelece é o direito do
parlamentar de permanecer em silêncio em relação às questões mencionadas no art. 53,
§6º.
O Deputado e o Senador têm a prerrogativa de escolher o dia, hora e local para
testemunhar. É o que dispõe o art. 221, do CPP:

Art. 221. O Presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e deputados

federais, os ministros de Estado, os governadores de Estados e Territórios, os

secretários de Estado, os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados

às Assembleias Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros

e juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem

como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente

ajustados entre eles e o juiz. (...)


Atenção: o Supremo acabou de decidir que não pode haver abusos. Se o
parlamentar demorar, de forma injustificada, mais de 30 dias ou um prazo razoável
para marcar local, dia e hora para ser ouvido pelo juiz, ele perde essa prerrogativa. Ora,
caso ele tivesse ampla liberdade para escolher uma data, ele poderia tentar beneficiar

30
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

seu colega parlamentar que é investigado ou processado, de modo a possibilitar a


prescrição do crime.
Essa prerrogativa da escolha do dia, hora e local para oitiva existe quando o
parlamentar está sendo processado ou investigado? O Supremo já decidiu sobre esse
tema. De acordo com o STF, o parlamentar indiciado ou acusado não tem a
prerrogativa a que se refere o art. 221, do CPP.

3.3.3. Questões importantes sobre as imunidades

3.3.3.1. Imunidade parlamentar e Estado de Sítio


A imunidade parlamentar permanece no Estado de Sítio? Esse tema é
disciplinado pelo art. 53, §8º, da CR:

Art. 53 (...) § 8º As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o

estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos

membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do

Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida. (Incluído

pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)


Nos termos do dispositivo, as imunidades subsistirão durante o Estado de Sítio.
Essa é a regra. Mas a CR estabelece que as imunidades poderão ser suspensas: i)
mediante o voto de 2/3 dos membros da Casa respectiva; ii) só em relação aos atos
praticados fora do recinto do Congresso Nacional; e iii) desde que sejam incompatíveis
com a execução da medida emergencial/excepcional. Fora dessas hipóteses, não há
como suspender as imunidades parlamentares.

3.3.3.2. Parlamentar que se licencia para exercer cargo no executivo mantém


a imunidade:
Em regra, o parlamentar que se licencia para exercer cargo no executivo perde a
imunidade.
Isso porque, como visto, a imunidade não é da pessoa, ela é prerrogativa do cargo
(anexa à qualidade do órgão). Se o sujeito não é mais parlamentar, a imunidade não o
acompanha.
Cumpre notar que essa questão da perda da imunidade sempre foi consenso.
Entretanto, hoje há uma exceção, criada pelo Supremo, que vem decidindo que o
parlamentar licenciado não perde o foro especial22.
Em razão disso, Marcelo Novelino não chama o foro especial de imunidade, mas
de prerrogativa. Ou seja, ele faz uma distinção entre foro especial e prerrogativas da
função. Isso porque, mesmo com a licença do cargo, o parlamentar mantém o foro
especial.
A Súmula nº 4, do STF, dizia que o parlamentar nomeado ministro de estado não
perderia a imunidade parlamentar tal súmula foi cancelada, o que significa dizer
que, hoje, o Supremo adota a visão contrária.
Ou seja, perde a imunidade parlamentar o congressista nomeado Ministro de
Estado (com exceção do foro especial ou por prerrogativa de função).

22 A 1ª Turma concedeu habeas corpus para cassar decreto de prisão expedido por juiz de
direito contra deputado estadual. Entendeu-se que, ante a prerrogativa de foro, a vara
criminal seria incompetente para determinar a constrição do paciente, ainda que
afastado do exercício parlamentar”. (STF – Info nº 628 – HC 9548 – Rel. Min. Marco
Aurélio – DJe 24/05/2011)

31
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

3.3.3.3.
Os deputados estaduais têm as mesmas imunidades dos deputados
federais:
Nos termos do art. 27, §1º, da CR, os deputados estaduais têm as mesmas
imunidades dos deputados federais:

Art. 27. (...) § 1º - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais,

aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral,

inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença,

impedimentos e incorporação às Forças Armadas. (...)

O dispositivo consagra o princípio da simetria, entretanto, deve-se atentar


apenas para a questão do foro especial para os deputados estaduais, que não será o
STF, mas o TJ (nos crimes da competência da justiça estadual), o TRF (nos crimes
da competência da justiça federal) e o TRE (nos crimes da competência da
justiça eleitoral).
A imunidade do deputado estadual não se limita ao território de seu Estado,
desde que ele esteja no exercício de sua função. Basta imaginar a situação de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito que tenha de viajar para outros estados para
realizar investigação. Cabe notar que a Súmula nº 3 do STF23, que trazia
entendimento diverso, foi superada. Ela limitava a imunidade às fronteiras do
Estado, mas isso não mais se aplica hoje.

3.3.3.4. Imunidade dos Vereadores:


Os vereadores, por força do Art. 29, VIII da Constituição Federal, desfrutam
somente de imunidade absoluta, desde que suas opiniões, palavras e votos sejam
proferidos na circunscrição do município e no exercício do mandato.

Quadro comparativo acerca das imunidades dos deputados federais, deputados

Deputados Federais Deputados Estaduais Vereadores


Têm imunidade absoluta. Têm imunidade absoluta. Têm imunidade absoluta,
nos limites do município
em que exercem o mandato.
Têm imunidade relativa: Têm imunidade relativa: Não têm imunidade
i) ao foro (STF); a) ao foro (TJ, TRF ou TRE); relativa. Mas a constituição
ii) à prisão; b) à prisão; estadual pode dar ao
iii) ao processo; c) ao processo; vereador foro especial (TJ,
iv) à condição de d) à condição de testemunha; TRF e TRE).
testemunha;
estaduais e vereadores:
Comparando as imunidades dos deputados federais e dos deputados estaduais,
observa-se que a diferença está apenas no foro especial previsto.

Súmula 3- A imunidade concedida a deputados estaduais é restrita à justiça do estado.


23

(SUPERADA)

32
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Quanto aos vereadores, a imunidade absoluta está apenas restrita aos


limites do município em que eles exercem o mandato24. Ex.: vereador de Belo
Horizonte só tem imunidade absoluta em Belo Horizonte. Por isso há jurisprudência
decidindo em desfavor de vereadores que realizam entrevistas em rádios cujas
frequências alcançam diversos municípios além daquele em que o vereador exerce o
mandato. Nesses casos, o vereador perde a imunidade porque o que ele fala alcança
cidades fora do limite do município.
Os vereadores não têm imunidade relativa.
Obs.: cuidado: Segundo o STF a Constituição Estadual pode prever foro
especial (TJ, TRF e TRE). Há dois exemplos de estados que inseriram em suas
constituições essa previsão: Rio de Janeiro e Piauí.

3.3.3.5. Foro por prerrogativa de função e crime doloso contra a vida


O foro por prerrogativa de função, previsto na Constituição Federal prevalece
sobre a competência do tribunal do júri, a CF nesse caso excepciona a si mesmo, o
que é perfeitamente possível.

Parlamentar federal Parlamentar estadual Vereador


Tanto a previsão do Tribunal A competência do Tribunal do O Tribunal do Júri está previsto
do Júri quanto a previsão do Júri está prevista na CR e o na CR. Já o foro especial, se
foro especial para o foro especial dos houver, estará previsto na
parlamentar federal parlamentares estaduais vem constituição estadual. Aqui há um
encontram-se na CR. Logo, a previsto na CR e na CE. conflito entre a norma da CR e da
própria Constituição federal Também nesse caso, a CR está constituição estadual. Assim, a
se excepciona. Sendo assim, o excepcionando a si mesma. norma da constituição federal
parlamentar será julgado Assim,o parlamentar deverá prevalecer, de modo que o
perante o STF, mesmo no estadual será processado vereador que pratica crime
caso de crime doloso perante o TJ, mesmo no doloso contra a vida será
contra a vida. caso de crime doloso julgado pelo Tribunal do
contra a vida. Júri.
A preponderância do foro especial sobre o tribunal do júri, não se aplica aos
vereadores, pois se existir, a prerrogativa de foro dos vereadores se encontra na CE
enquanto o tribunal do júri tem previsão na Constituição Federal, tal raciocínio reflete
o quanto disposto na Súmula 721 do STF e a Súmula Vinculante nº 45, de mesmo
teor25.

24 “A imunidade material concedida aos vereadores por suas opiniões, palavras e votos

não é absoluta. A barca as manifestações que tenham pertinência com o cargo e o interesse
municipal, ainda que ocorram fora do recinto da Câmara, desde que dentro da
circunscrição municipal” (STF – Primeira Turma, AI 698921 Agr – Rel. Min. Ricardo
Lewandowski - DJe 14/08/2009)
25Súmula 721- A competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro por
prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual. Súmula
Vinculante nº 45 “A competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro
por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual”.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Veja que, dos três analisados, a hipótese do vereador é a única em que o foro por
prerrogativa de função vem previsto exclusivamente na constituição estadual. Por
isso, apenas o vereador vai a julgamento perante o Júri popular.
No que se refere ao deputado estadual, de fato há previsão na constituição
estadual, mas não de forma exclusiva. Portanto, a norma da constituição federal que lhe
assegura o foro especial serve para excepcionar a regra constitucional da competência
do tribunal do júri para os crimes dolosos contra a vida.

4. Conflito aparente de normas


4.1. Considerações gerais

Sob a denominação conflito aparente de normas, encontram-se os casos em que a


uma mesma conduta ou fato podem ser, aparentemente, aplicadas mais de
uma norma penal.
Evidentemente que não se trata de conflito efetivo de normas, sob pena de o
direito penal deixar de constituir um sistema ordenado e harmônico, onde suas normas
apresentam entre si uma relação de dependência e hierarquia, permitindo a aplicação
de uma só lei ao caso concreto, excluindo ou absorvendo as demais.
Assim, dá-se o Conflito Aparente de Normas quando um fato único subsume-se
em dois ou mais tipos legais, aplicando-se porém apenas um deles.
Na análise do problema verifica-se qual das normas deve se aplicar ao autor do
crime. Os princípios reitores da matéria impedem o bis in idem, isto é, a aplicação
conjunta de duas ou mais normas a um único fato.
Segundo a doutrina, a configuração do Conflito Aparente de Normas depende
necessariamente de três requisitos:
i. Unidade de Fato, que pode ser simples ou complexa;
ii. Pluralidade de Normas nas quais se enquadram esse fato delituoso;
iii. Vigência contemporânea das normas no momento em que o fato é
praticado.
Faltando um desses requisitos, não conflito aparente de normas.

4.2. Princípios regentes do conflito aparente de normas


Tradicionalmente se distinguem várias categorias de concurso de leis, que, no
entanto, têm mais valor classificatório do que prático.
A doutrina majoritária apresenta os seguintes princípios para solucionar o
conflito em exame26: especialidade, subsidiariedade e consunção. Há ainda
alguns que arrolam também a alternatividade, que, a rigor, não soluciona conflito
algum de normas, pois, na verdade, não há conflito aparente.

26 Hungria, em seu anteprojeto de reforma do Código Penal, pretendia tratar da matéria


na Parte Geral do Código, dispondo da seguinte maneira: “Quando a um mesmo fato podem ser
aplicadas duas ou mais normas penais, atende-se ao seguinte, a fim de que uma só pena seja
imposta: (a) a norma especial exclui a norma geral; (b) a norma relativa a crime que passa a ser
elemento constitutivo ou qualificativo de outro é excluída pela norma atinente a este; (c) a
norma incriminadora de um fato que é meio necessário ou normal fase de preparação ou
execução de outro crime é excluída pela norma a este relativa. Parágrafo único. A norma penal
que prevê vários fatos, alternativamente, como modalidades de um mesmo crime, só é aplicável
uma vez, ainda quando os ditos fatos são praticados, pelo mesmo agente, sucessivamente”.

34
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Muito embora não haja consenso sobre o assunto (salvo no tocante ao princípio
da especialidade), admitem-se comumente os princípios mencionados.

Para se determinar qual o princípio adequado a resolver o conflito aparente de


normas, é preciso, antes, estabelecer a relação entre os tipos penais ou os crimes
virtualmente aplicáveis.

O princípio da especialidade será empregado sempre que, entre os tipos


aparentemente incidentes, der-se uma relação de especialidade, isto é, de
gênero e espécie.

O princípio da subsidiariedade, por sua vez, pressupõe que entre as disposições


penais conflitantes exista uma relação de subsidiariedade, vale dizer, de continente e
conteúdo.Nestes casos, a comparação entre as normas virtualmente aplicáveis se faz no
plano abstrato, é dizer, confrontando-se o teor dos dispositivos para, então, determinar,
ora o especial (que prevalecerá sobre o geral), ora o principal (que predominará em
relação ao subsidiário).

O princípio da consunção ou absorção ocorre em face de uma relação consuntiva


(de meio e fim), isto é, quando há crime-meio praticado no inter criminis de outro, que
será o crime-fim.

O princípio da alternatividade aplica-se a tipos mistos alternativos, ou seja, os


que possuem mais de um verbo nuclear alternativamente conectados.

Nos dois últimos princípios, a solução do conflito se dará necessariamente in


concreto. Não será, então, a comparação entre os dizeres da lei que resolverá a
controvérsia, mas a análise do caso concreto.

4.2.1. Princípio da especialidade


Considera-se especial uma norma penal, em relação a outra geral,
quando reúne todos os elementos desta, acrescidos de mais alguns,
denominados especializantes. Isto é, a norma especial acrescenta elemento
próprio à descrição típica prevista na norma geral.
A regulamentação especial tem a finalidade, precisamente, de excluir a lei
geral e, por isso, deve precedê-la (lex specialis derrogat lex generalis).
O princípio da especialidade evita o bis in idem, determinando a prevalência da
norma especial em comparação com a geral, e pode ser estabelecido in abstracto,
enquanto os outros princípios exigem o confronto in concreto das leis que definem o
mesmo fato.
Há relação de especialidade entre o tipo básico e os tipos derivados, sejam
qualificados ou privilegiados. Assim, os furtos qualificados e privilegiados constituem
preceitos especiais em relação ao furto simples. Há igualmente especialidade quando
determinada lei descreve como crime único dois pressupostos fáticos de crimes

35
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

distintos, como, por exemplo, o crime de roubo, que nada mais é do que o furto
praticado com violência ou grave ameaça à pessoa.
Alguns autores acrescentam a alternatividade como outro princípio do conflito de
normas, porém, afirma Cezar Roberto Bitencourt que nesse caso há ausência de
conflito aparente.
Haveria alternatividade quando dois tipos contêm elementos incompatíveis entre
si, excluindo-se mutuamente, como seriam exemplos o furto e a apropriação indébita.
Ora, o fundamento do concurso de leis é a coincidência parcial das normas penais,
sendo, pois, incompatíveis, afastam, por razões lógicas, o referido conflito.
Na realidade, ou não se trata de fato único, mas de fatos múltiplos, que se
excluem mutuamente, assim como as disposições legais que lhes correspondem, ou
então se trata de fatos que se enquadram nos critérios da especialidade ou
subsidiariedade.

Segundo André Estefam e Vitor Eduardo Rios Gonçalves, o princípio da


especialidade aplica-se sempre que existir entre os tipos penais em conflito uma relação
de especialidade (gênero — espécies).

Será especial, e portanto prevalecerá, a norma que contiver todos os elementos de


outra (a geral), além de mais alguns, de natureza subjetiva ou objetiva, considerados
especializantes. “Toda a ação que realiza o tipo do delito especial realiza também
necessariamente, e ao mesmo tempo, o tipo do geral, enquanto que o inverso não é
verdadeiro”.

Assim, se a mãe mata o filho durante o parto, sob a influência do estado


puerperal, incorre, aparentemente, nos Arts. 121 (homicídio) e 123 (infanticídio) do CP.
No primeiro, porque matou uma pessoa; no segundo, porque essa pessoa era seu filho e
a morte se deu no momento do parto, influenciada pelo estado puerperal. O infanticídio
contém todas as elementares do homicídio (“matar” + “alguém”), além de outras
especializantes (“o próprio filho” + “durante o parto ou logo após” + “sob a influência
do estado puerperal”), o que o torna especial em relação a esse.

Percebe-se, então, que toda ação que realiza o tipo do infanticídio realiza o do
homicídio, mas nem toda ação que se subsume ao homicídio tem enquadramento no
tipo do infanticídio.

Relembre-se que esse conflito se resolve abstratamente, isto é, basta a


comparação entre as duas normas, em tese, para saber qual delas é a especial e, por via
de consequência, a aplicável. Também é interessante notar que na relação de
especialidade é indiferente se a norma especial é mais ou menos grave. Acrescente-se
que a relação de especialidade se dá entre tipos fundamentais e secundários (exs.:
roubo simples — art. 157, caput, e roubo circunstanciado — art. 157, § 2º).

36
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

4.2.2. Princípio da subsidiariedade


Há relação de primariedade e subsidiariedade entre duas normas quando
descrevem graus de violação de um mesmo bem jurídico, de forma que a
norma subsidiária é afastada pela aplicabilidade da norma principal.
Frequentemente se estabelece a punibilidade de determinado comportamento para
ampliar ou reforçar a proteção jurídico-penal de certo bem jurídico, sancionando-se
com graduações menos intensas diferentes níveis de desenvolvimento de uma mesma
ação delitiva. A rigor, a figura típica subsidiária está contida na principal.
Para se constatar a relação primariedade-subsidiariedade deve-se analisar o fato
in concreto.
O fundamento material da subsidiariedade reside no fato de distintas proposições
jurídico-penais protegerem o mesmo bem jurídico em diferentes estágios de ataque.
Assim, a estrutura lógica da subsidiariedade não é a da subordinação, mas a da
interferência de normas.

Segundo André Estefam e Vitor Eduardo Rios Gonçalves, caberá o princípio em


questão quando, confrontando-se os tipos penais virtualmente aplicáveis, identificar-se
entre eles uma relação de subsidiariedade, ou seja, de continente e conteúdo.

Mencionada relação ocorrerá quando os tipos descreverem diferentes


graus de violação ao mesmo bem jurídico.

Haverá, portanto, uma norma mais ampla, porque descreverá um grau maior de
violação ao bem; será a norma primária ou principal. Existirá, ainda, outra menos
ampla, pois descreverá um grau inferior de violação a esse mesmo bem; será a norma
subsidiária ou famulativa.

Ensinava Hungria que “a diferença que existe entre especialidade e


subsidiariedade é que, nesta, ao contrário do que ocorre naquela, os fatos previstos em
uma e outra norma não estão em relação de espécie e gênero, e se a pena do tipo
principal (sempre mais grave que a do tipo subsidiário) é excluída por qualquer causa, a
pena do tipo subsidiário pode apresentar-se como ‘soldado de reserva’ e aplicar-se pelo
“residum”.

Assim, por exemplo, o crime de roubo será agravado quando o agente utilizar,
como meio executório, arma de fogo (CP, art. 157, § 2º, I). Caso se apure que o ofendido
não portava absolutamente nenhum bem consigo, será aplicada a figura do art. 17 do
CP (crime impossível), afastando-se o delito patrimonial. O juiz, todavia, não deverá
simplesmente absolver o réu, mas, sim, condená-lo por porte ilegal de arma de fogo
(Lei n. 10.823/2006, art. 14), o qual atuará como “soldado de reserva”.

A subsidiariedade pode ser expressa ou tácita:


i. Será expressa quando a norma em seu próprio texto condiciona a
sua aplicação à não aplicação de outra norma mais grave, a

37
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

norma se autoproclama subsidiária, indicando expressamente que só terá


aplicação “se o fato não constituir crime mais grave”. como, por exemplo,
o crime do art. 132 do CP27.
ii. Será tácita quando determinada figura típica funcionar como elemento
constitutivo, majorante ou meio prático de execução de outra figura
mais grave, ou seja, um tipo penal é previsto como elementar ou
circunstância legal de outro crime28. Assim, o crime de dano é subsidiário
do furto com destruição ou rompimento de obstáculo; a violação de
domicílio do crime de furto ou roubo, com entrada em casa alheia; o
constrangimento ilegal dos crimes em que há emprego de violência ou
grave ameaça.

4.2.3. Princípio da consunção


Pelo princípio da consunção, ou absorção, a norma definidora de um crime
constitui meio necessário ou fase normal de preparação ou execução de
outro crime.
Em termos bem esquemáticos, há consunção quando o fato previsto em
determinada norma é compreendido em outra, mais abrangente, aplicando-se somente
esta. Na relação consuntiva, os fatos não se apresentam em relação de gênero e espécie,
mas de minus e plus, de continente e conteúdo, de todo e parte, de inteiro e fração.
Por isso, o crime consumado absorve o crime tentado, o crime de perigo é
absorvido pelo crime de dano.
A norma consuntiva constitui fase mais avançada na realização da
ofensa a um bem jurídico, aplicando-se o princípio major absorbet minorem.
Assim, as lesões corporais que determinam a morte são absorvidas pela tipificação do
homicídio, ou o furto com arrombamento em casa habitada absorve os crimes de dano
e violação de domicilio.
A norma consuntiva exclui a aplicação da norma consunta, por abranger o delito
definido por esta. Há consunção quando o crime-meio é realizado como uma fase ou
etapa do crime-fim, onde vai esgotar seu potencial ofensivo, sendo, por isso, a punição
somente da conduta criminosa final do agente.
Não convence o argumento de que é impossível a absorção quando se tratar de
bens jurídicos distintos. Na verdade, a diversidade de bens jurídicos tutelados não é
obstáculo para a configuração da consunção.

27 Exemplo: art. 132 do CP, que define como crime o ato de expor a vida ou a saúde de
outrem a perigo direto e iminente, punindo-o com detenção, de três meses a um ano, se o fato
não constitui crime mais grave. Se o agente, v.g., efetua disparos de arma de fogo em direção à
vítima, para matá-la, embora ela não seja atingida, responde por tentativa de homicídio (norma
primária), deixando de aplicar-se o delito mencionado anteriormente (norma subsidiária).

28 Exemplo: a omissão de socorro, que é crime autônomo, é também prevista como causa
de aumento de pena do homicídio e da lesão corporal culposos. Isto ocorre tanto no Código
Penal (Arts. 121, § 4º, 129, § 7º, e 135) quanto no Código de Trânsito Brasileiro (Arts. 302,
parágrafo único, 303, parágrafo único, e 304). Dessa forma, se uma pessoa dirige
imprudentemente seu veículo e atropela outra, ferindo-a gravemente, e, em seguida, deixa de
lhe prestar socorro, não comete dois crimes: lesão culposa agravada pela omissão de socorro
(art. 303, parágrafo único, do CTB) e omissão de socorro no trânsito (art. 304 do CTB), mas
somente o primeiro, o qual constitui norma primária, dada a relação de subsidiariedade entre
eles

38
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Não é, por conseguinte, a diferença dos bens jurídicos tutelados, e tampouco a


disparidade de sanções cominadas, mas a razoável inserção na linha causal do crime
final, com o esgotamento do dano social no último e desejado crime, que faz as
condutas serem tidas como únicas (consunção) e punindo-se somente o crime último
da cadeia causal, que efetivamente orientou a conduta do agente.
Aníbal Bruno ensina que “o fato definido em uma lei ou disposição de lei pode
estar compreendido no fato previsto em outra, de sentido mais amplo. Então, é essa
disposição mais larga que vem aplicar-se à hipótese. É o princípio da consunção. Pode
ocorrer isso quando o fato previsto em uma norma figura como elemento constitutivo
do tipo delituoso definido em outra, conduta inicial, meio para realizá-lo ou parte do
todo que ele representa”.
Concluindo, o princípio fundamental para a solução do conflito aparente de
normas é o princípio da especialidade, que, por ser o de maior rigor científico, é o mais
adotado pela doutrina. Os demais princípios são subsidiários e somente devem ser
lembrados quando o primeiro não resolver satisfatoriamente o conflito.

Ensinam André Estefam e Vitor Eduardo Rios Gonçalves que o princípio da


consunção ou absorção dá-se sempre que se apresentar, entre os atos praticados pelo
agente, a relação consuntiva, isto é, de meio e fim. Tal relação se verificará quando um
crime for praticado como meio necessário ou normal na fase de preparação ou de
execução de outro.

É o que ocorre entre os atos preparatórios puníveis, seguidos dos atos executórios
e, por fim, da consumação (todos inseridos no mesmo iter criminis). Por exemplo: o
indivíduo que porta consigo uma faca (porte de arma branca — ato preparatório
punível), brande o instrumento (ato executório) e golpeia a vítima, ferindo-a
(consumação), responde somente pelo crime-fim, ou seja, pela lesão corporal.

Verifica-se, ainda, quando o mesmo indivíduo realiza ações que configurariam


mero auxílio e, logo após, atos materiais que se subsumem ao verbo nuclear. Por
exemplo: o roubador que, em conjunto com outros, limita-se a conduzir o veículo
utilizado para levar os comparsas à cena do crime, mas, durante sua execução, decide
ingressar no estabelecimento e atuar na subtração dos bens. Ele não comete dois
roubos, mas um só.

Aplica-se a consunção, ainda, no crime progressivo e na progressão criminosa.


Dá-se a progressão criminosa quando o agente inicia o iter criminis com o objetivo de
provocar determinada lesão a um bem jurídico; depois de conseguir seu intento,
contudo, muda de ideia e busca causar um grau maior de violação ao mesmo bem
jurídico. Exemplo: o sujeito pretendia ferir seu desafeto, mas, em meio aos socos e
pontapés, decide tirar-lhe a vida e leva-o a óbito. Só responde pelo homicídio, ficando
as lesões corporais por este consumidas.

39
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Não se deve confundir progressão criminosa em sentido estrito com crime


progressivo. Naquela, o sujeito modifica seu intento durante a execução do fato, isto é,
inicia-o com um objetivo determinado (por exemplo: violar domicílio alheio),
alterando-o durante seu cometimento (por exemplo: decide furtar um objeto
encontrado no interior do imóvel em que ingressou). No crime progressivo, o indivíduo
possui, desde o princípio, o mesmo escopo e o persegue até o final, ou seja,
pretendendo certo resultado de maior lesividade (v.g., a morte de alguém), pratica
outros atos de menor intensidade (v.g., sucessivas lesões corporais) para atingi-lo. O
princípio da absorção, por derradeiro, também se aplica nas hipóteses de antefato e
pós-fato impuníveis, anteriormente estudadas (itens 10.3.1 e 10.3.2).

Interessante destacar que um setor da doutrina situa as hipóteses de antefato e


pós-fato impuníveis fora do âmbito do conflito aparente de normas. É o caso de Cezar
Roberto Bitencourt. Para o penalista, em tais situações, ocorre uma “pluralidade de
fatos”, em que se adotam “critérios valorativos” para se optar pela incidência de
somente uma das normas penais incriminadoras. Significa que, para o autor, não há
conflito algum entre normas penais, não existindo razão formal para que ambas sejam
aplicadas. O que justifica a incidência de apenas uma delas (por meio do princípio da
consunção ou absorção) é uma opção valorativa, inspirada em critérios jurídicos.

4.2.4. Princípio da alternatividade


Este princípio tem lugar nas infrações penais de ação múltipla ou conteúdo
variado, que são aqueles tipos penais que possuem diversos núcleos (verbos),
separados pela conjunção alternativa “ou” (tipos mistos alternativos).
Quando alguém pratica mais de um verbo do mesmo tipo penal, apresentando-se
uma conduta como consequência da outra, atingindo, todas, o(s) mesmo(s) objeto(s)
material(ais), só responde por um crime (e não pelo mesmo crime mais de uma vez).
Exemplos: a) aquele que expõe à venda e, em seguida, vende drogas pratica um só
crime de tráfico ilícito de entorpecentes (Lei n. 11.343/2006, art. 33); b) quem induz e
instiga outrem a se suicidar, vindo a vítima a falecer, incorre uma só vez no delito de
auxílio ao suicídio (art. 122 do CP).
Anote-se, entretanto, que em tais casos o juiz deve considerar a incursão em mais
de uma ação nuclear na dosagem da pena, de modo a exacerbar a sanção imposta ao
agente.

4.3. Antefato e pós-fato impuníveis


O princípio da consunção tem abrangência maior do que aquela tradicionalmente
reconhecida, como simples conflito aparente de normas, podendo atingir, inclusive, a
pluralidade de fatos, adotando critérios valorativos.
Um fato típico pode não ser punível quando anterior ou posterior a outro mais
grave, ou quando integrar a fase executória de outro crime. Um fato anterior ou
posterior que não ofenda novo bem jurídico muitas vezes é absorvido pelo fato
principal, não se justificando, juridicamente, sua punição autônoma. Podem ser
lembrados, como exemplos de fato anterior impunível, a falsificação do cheque para a
obtenção da vantagem indevida no crime de estelionato; de fato posterior, a venda que
o ladrão faz do produto do furto a terceiro de boa-fé. Outras vezes, determinados fatos

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

são considerados meios necessários e integrantes normais do iter criminis de uma ação
principal.
Casos como esses não se confundem com o conflito aparente de normas, embora,
tais fatos sejam absorvidos pelo principal, a exemplo do que ocorre com o princípio da
consunção. Com efeito, apesar da possibilidade de configurar uma pluralidade de ações,
em sendo naturalista, que ofendam o mesmo bem jurídico e, normalmente, sejam
orientadas pelo mesmo motivo que levou à prática do ato principal; apesar de, a
princípio, ser possível a punição autônoma, pois legalmente previstos como figuras
típicas, não passam, in concreto, de simples preliminares (fatos anteriores) ou meros
complementos (fatos posteriores) do fato principal. Nesses casos, a punição do fato
principal abrangê-los-á, tornando-os, isoladamente, impuníveis. Os fatos posteriores
que significam um “aproveitamento” do anterior, aqui considerado como principal, são
por este consumidos.
Para alguns autores, nas hipóteses de antefato impunível ocorre uma espécie de
subsidiariedade tácita. Não parece a definição mais adequada, considerando esse
entendimento em termos de consequências, isto é, sob o ponto de vista prático, pois
não decorre de uma alteração in concreto. Contudo, quando se trata de pós-fato
impunível, inegavelmente, está-se diante do princípio da consunção. Normalmente,
esse episódio ocorre com atos que não são adequados ao exaurimento do crime
consumado, que, no entanto, também estão previstos como crimes autônomos. Com
efeito, a punição daquele absorve a destes. Assim, no exemplo do ladrão que, de posse
da res furtiva, a deteriora pelo seu uso, a punição pela lesão resultante do furto absorve
a punição pela lesão decorrente do dano.
No entanto, se o agente vende a coisa a terceiro de boa-fé, comete estelionato em
concurso material com crime de furto, pois produziu nova lesão autônoma e
independente contra vítima diferente, com outra conduta que não era consequência
natural e necessária da anterior.
Em síntese, deve-se considerar absorvido pela figura principal tudo aquilo que,
enquanto ação – anterior ou posterior – , seja concebido como necessário, assim como
tudo o que dentro do sentido de uma figura constitua o que normalmente acontece
(quod plerumque accidit). No entanto, o ato posterior somente será impune quando
com segurança possa ser considerado como tal, isto é, seja um autentico ato posterior e
não uma ação praticada contra outra pessoa, mas pela natureza do fato praticado em
relação à capacidade de absorção do fato anterior.

Segundo André Estefam e Vitor Eduardo Rios Gonçalves, ocorre o ante factum
impunível quando o agente realiza uma conduta criminosa visando praticar outra, em
que a primeira esgotará toda a sua potencialidade lesiva. A ação ou omissão anterior
não possui razão de ser, senão para viabilizar a prática da seguinte, em que produzirá
todo seu malefício.

É o que ocorre quando o agente falsifica uma folha de cheque de terceiro,


assinando-a como se fosse o titular da conta corrente e, então, entrega o documento
falsificado ao lojista, o qual, iludido em razão da fraude empregada, vende a ele a
mercadoria, supondo que a cártula será honrada pela instituição financeira. Houve
duas condutas criminosas: a falsidade documental (CP, art. 297, § 2º), seguida do
estelionato (CP, art. 171), na qual a primeira esgotou todo seu malefício, ou seja, toda
sua potencialidade lesiva. Quer dizer, em outras palavras, que o documento falso não se

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

prestará a nenhum outro golpe, a não ser aquele já consumado. É exatamente isso que
preconiza a Súmula n. 17 do STJ: “Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais
potencialidade lesiva, é por este absorvido”.

Ocorre o post factum impunível quando, após a consumação, realiza-se nova


conduta contra o mesmo bem jurídico, incapaz, porém, de agravar a lesividade do
comportamento anterior; significa que todo o malefício que poderia ser produzido
contra o bem já ocorreu e não sofre qualquer acréscimo com a nova ação.

Cite-se, como exemplo, o dano (CP, art. 163) da coisa recém-subtraída (CP, art.
155): o indivíduo furta o relógio da vítima e, já distante, quando consumada a infração
patrimonial, nota que o objeto não possui o valor que esperava e, raivoso, danifica-o. O
dano representa, nesse caso, um pós-fato impunível por não ter o condão de agravar o
malefício já produzido ao patrimônio do sujeito passivo.

Teoria do crime

1. Aspectos introdutórios
A teoria do crime preocupa-se com o estudo de elementos que possibilitam a
compreensão do necessários para a configuração do crime (Teoria geral do
delito), bem como com os pressupostos necessários à imposição da pena
(Teoria Geral da Pena).
Segundo Zaffaroni, a teoria do delito é uma construção dogmática, que nos
proporciona o caminho lógico para averiguar se há delito em cada caso concreto.
A par disso, pode-se afirmar ser o crime, o delito, a infração penal a pedra de
toque da teoria abaixo estudada.
Para tanto necessário discernir dos vocábulos usados para identificar o objeto de
estudo.
Pois bem, de inicio observa-se que o conceito de infração penal pode variar
conforme o enfoque.
Sob o enfoque formal, infração penal é aquilo que assim está rotulado em
uma norma penal incriminadora, sob ameaça de pena.
Num conceito material, infração penal é comportamento humano causador de
relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, passível de
sanção penal.
O conceito analítico leva em consideração os elementos estruturais que compõem
infração penal, prevalecendo fato típico, ilícito e culpável.
No Brasil, infração penal é gênero, podendo ser dividida em crime (ou delito)
e contravenção penal (ou crime anão, delito liliputiano ou crime vagabundo), adotou-
se o sistema dualista ou binário.
Entretanto essas espécies, no entanto, não guardam entre si distinções de
natureza ontológica (do ser), mas apenas axiológica (de valor), ou seja qualquer crime

42
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

ou contravenção em sua essência são a mesma coisa, entretanto, pelo direito brasileiro,
por uma questão de política criminal, são valorados de forma distinta.

1.1. Diferenças entre crimes e contravenções


Conforme visto acima, o rótulo de crime ou contravenção penal para determinado
comportamento humano depende do valor que lhe é conferido pelo legislador.
De forma que as condutas mais graves devem ser etiquetadas como crimes; as
menos lesivas , como contravenções penais.
Trata-se, portanto, de opção política que varia de acordo com o momento
histórico-social em que vive o país, sujeito a mutações.
Apesar de ontologicamente idênticos (aplicando-se às contravenções as regras
gerais do CP) , crime e contravenção possuem algumas diferenças trazidas pela própria
lei.

1.1.1. Quanto à pena privativa de liberdade imposta


O Art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal traz textualmente tal distinção:

Art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal: “Considera-se crime a infração

penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente,

quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a

infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de

multa, ou ambas alternativa ou cumulativamente”.

Assim, observa-se que os crimes serão punidos com penas mais severas (reclusão
ou detenção), enquanto as contravenções penais com penas menos severas
(destacando-se a prisão simples, art. 6° da LCP, que não segue os rigores penitenciários
daquelas).

1.1.2. Quanto à espécie de ação penal


As contravenções penais são todas perseguidas mediante ação penal
pública incondicionada, por força do artigo 1 7 da Lei das Contravenções Penais.

Art. 17: “A ação penal é pública, devendo a autoridade proceder de ofício”.


Os crimes, por sua vez, serão, em regra, processados mediante ação penal pública
incondicionada, sendo de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada
quando a lei dispuser em sentido contrário.

1.1.3. Quanto à admissibilidade da tentativa


A tentativa de crime é punida nos termos do Art. 14, parágrafo único, do Código
Penal.
Por sua vez, muito embora possa ocorrer, no mundo dos fatos, a tentativa de
contravenção penal não é punível, consoante disposição do artigo 4° da Lei de
Contravenções Penais.

1.1.4. Quanto à extraterritorialidade da lei penal brasileira


Não existe extraterritorialidade de contravenção penal.

1.1.5. Quanto à competência para julgar


A competência é matéria disciplinada pela Constituição Federal.
O processo e julgamento de crimes serão de competência da Justiça Federal
sempre que incidirem uma das hipóteses do artigo 109 da Carta Magna, sendo residual
a competência da Justiça Estadual.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Art. 109: “Aos juízes federais compete processar e julgar: IV - os crimes políticos e as

infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou

de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções

e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”.

No que tange às contravenções penais, entretanto, a competência será


sempre da Justiça Estadual, salvo na hipótese em que o contraventor seja
detentor de foro por prerrogativa de função que obrigue julgamento perante Tribunal
federal ou nacional (TRF, STJ ou STF).

1.1.6. Quanto ao limite das penas


O Art. 10 da LCP diz que a duração da pena de prisão simples não pode, em caso
algum ultrapassar cinco anos.
Já em relação aos crimes, o Art. 75 do Código Penal estabelece a duração máxima
de cumprimento de pena em 30 anos.

1.1.7. Quanto à ignorância ou à errada compreensão da lei


Nas contravenções penais, a ignorância ou a errada compreensão da lei, quando
escusáveis, podem fazer com que a lei deixe de ser aplicada (art. 8º do Decreto-lei
nº 3.688/41).
Tratando-se de crime, por outro lado, o desconhecimento da lei é inescusável;
serve no máximo como atenuante de pena (Arts. 21 e 65, inciso II, do Código Penal).

1.1.8. Quadro sinótico

44
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

2. Conceito de crime
2.1. Conceito formal
Sob o enfoque formal, crime é aquilo que está estabelecido em uma norma penal
incriminadora, sob ameaça de sanção penal.

2.2. Conceito material


Para o conceito material, crime é comportamento humano, causador de lesão ou
perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, passível de sanção penal.

2.3. Conceito analítico


O conceito analítico leva em consideração os elementos ou substratos que
compõem a infração penal, prevalecendo: fato típico, ilicitude e culpabilidade.
Há mais um substrato que pode ser considerado, a punibilidade, que pelo
conceito analítico de crime, não integra seu conceito, mas é a conseqüência
jurídica do cometimento de uma infração penal.

3. Sujeitos do crime
3.1. Sujeito ativo
3.1.1. quem pode figurar como sujeito ativo de uma ação penal?
Sujeito ativo é o autor da infração penal.
Pode figurar como sujeito ativo de uma infração penal a pessoa física, com idade
igual ou superior a dezoito anos e capaz.
Há três correntes acerca da possibilidade de a pessoa jurídica figurar como sujeito
ativo de crime:
1ª corrente: a pessoa jurídica não pratica crimes nem pode ser responsabilizada
criminalmente. A responsabilidade penal da pessoa jurídica ofende:i) o princípio da
responsabilidade subjetiva (trata-se de responsabilidade sem dolo e sem culpa); ii) o
princípio da culpabilidade;iii) o princípio da responsabilidade pessoal (configurando
responsabilidade coletiva); e iv) o princípio da personalidade da pena (a pena passa da
pessoa do delinquente).
2ª corrente: a pessoa jurídica pode ser autora de crimes ambientais, sendo por
eles responsabilizada penalmente (Lei 9.605/1998). Isso porque:i) trata-se de
responsabilidade objetiva (sem dolo e sem culpa) autorizada pela própria CR;ii) a
pessoa jurídica deve responder por seus atos, adaptando-se o juízo da culpabilidade às
suas características; e iii) a responsabilização penal não viola o princípio da
personalidade da pena, transmitindo-se, eventualmente, os efeitos da condenação.
3ª corrente:apesar de a pessoa jurídica ser um ente autônomo e distinto de seus
membros, dotado de vontade própria, não pratica crimes, mas pode ser
responsabilizada penalmente (art. 3º da Lei 9.605/1998). Trata-se de responsabilidade
penal social:

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e

penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida

por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no

interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas

45
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.


O dispositivo adotou o sistema da dupla imputação: quem pratica o crime é a
pessoa física, mas a pessoa jurídica pode ser responsabilizada penalmente. Apesar de
não praticar o crime, a pessoa jurídica pode ser responsabilizada penalmente quando o
delito lhe beneficia, cometido seguindo suas ordens.
Há julgados do STJ de acordo com a segunda e terceira correntes. Não há
definição de predominância.

3.1.2. Classificação doutrinária dos crimes conforme o sujeito ativo

3.1.2.1. crime comum


Crime comum é aquele que pode ser praticado por qualquer pessoa. O tipo não
exige qualidade especial do agente. Admite participação e coautoria.

3.1.2.2. Crime próprio


No crime próprio, o tipo exige qualidade especial do agente. Também admite
participação e coautoria.

3.1.2.3. Crime de mão própria (ou de conduta infungível)


No crime de mão própria, a exemplo do crime próprio, o tipo exige qualidade
especial do agente. O detalhe está no fato de que somente admite participação, não
coautoria. Por isso de conduta infungível.

3.2. Sujeito passivo


3.2.1. Conceito
Sujeito passivo é a pessoa ou o ente que sofre as consequências da infração penal.

3.2.2. Espécies de sujeito passivo

3.2.2.1. Sujeito passivo constante ou formal


Sujeito passivo constante (ou formal) é o Estado, titular do mandamento
proibitivo, lesado pela conduta do sujeito ativo. Nessa classificação, o Estado é vítima
constante, formal, de todo e qualquer crime.

3.2.2.2. Sujeito passivo eventual ou material


Sujeito passivo eventual ou material é o titular do interesse penalmente
protegido, podendo ser qualquer pessoa, física ou jurídica, ou mesmo ente
despersonalizado.
Atenção! Crime vago é aquele que tem como vítima um ente despersonalizado.
Ex.: crimes que tenham como vítima a família.

3.2.3. Questões especiais relacionadas ao sujeito passivo


Morto não pode figurar como vítima de crime, pois ele não tem mais direitos
resguardados pela ciência criminal. Ou seja, não sendo titular de direitos, não é sujeito
passivo de crime. Punem-se, entretanto, os delitos contra o respeito aos mortos, sendo
vítimas a família ou mesmo a coletividade.
Os animais irracionais também não podem ser vítimas de crime, podendo apenas
consistir no objeto material, a coisa sobre a qual recai a conduta criminosa (ex.: furto,
dano etc.)
O homem pode, ao mesmo tempo, ser sujeito ativo e passivo de um delito? A
maioria entende que não. Rogério Greco, todavia, enxerga uma exceção: no delito de
rixa, o indivíduo é sujeito ativo e passivo, ao mesmo tempo. Rogério Sanches concorda
com essa posição.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Pessoa jurídica pode ser vítima de extorsão mediante sequestro, desde que
atingida no seu patrimônio. Sequestra-se a pessoa física, mas quem paga o resgate é a
pessoa jurídica. Nesse caso, ela também será vítima do crime.
Pessoa jurídica pode ser vítima de crime contra a honra?

Calúnia Difamação Injúria


Não, segundo o STF. Sim. Não, pois ela não tem
dignidade ou decoro.
Difamação

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.


O infanticídio é exemplo de crime com sujeito passivo próprio (o tipo exige
qualidade ou condição especial do sujeito passivo):o sujeito passivo é o próprio filho,
durante ou logo após o parto. O estupro já foi crime de sujeito passivo próprio, quando
exigia da vítima a condição de mulher.
Delito de dupla subjetividade passiva é aquele que tem, necessariamente,
pluralidade de vítimas ou de sujeitos passivos. Ex.: na violação de correspondência, as
vítimas são o remetente e o destinatário.

4. Objeto material
Objeto material é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta criminosa.
Ele não pode ser confundido com o sujeito passivo. Ex.: se “A” furta a carteira de
“B”, o sujeito ativo é “A”, o sujeito passivo é “B” e o objeto material é a carteira. Há
crimes, como o homicídio, em que os dois institutos se confundem.
Em regra, não existe crime sem objeto material. Há, todavia, exceções
doutrinárias: ato obsceno e falso testemunho.

5. Objeto jurídico
Objeto jurídico é o bem ou interesse tutelado pela norma.
Delitos pluriofensivos são os que lesam ou expõem a perigo mais de um bem
jurídico. Ex.: o latrocínio tem como bens jurídicos a vida e o patrimônio.
Não se admite delito sem objeto jurídico. Para que haja crime, é imprescindível
um direito ou bem tutelado pela norma. Crime sem proteger nenhum interesse é um
uso ilegítimo do direito penal.

6. Crime e seus elementos (ou substratos)


O direito penal somente se ocupa de fatos (direito penal do fato). Os inúmeros
fatos que ocorrem no mundo podem ser humanos ou da natureza. Ao direito penal,
apenas interessam os fatos humanos (aqueles em que participa o homem). Trata-se do
princípio da exteriorização do fato.
O direito penal, todavia, não se ocupa de todos os fatos humanos. Ele é seletivo,
somente se ocupando dos fatos humanos indesejados. Ainda assim, em decorrência do
princípio da intervenção mínima, que norteia a disciplina, nem todos os fatos
humanos indesejados interessam ao direito penal.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Dentre os indesejados, somente interessam os fatos oriundos de uma


conduta, produtora de um resultado, com nexo causal e um ajuste formal e
material a um tipo penal (tipicidade).
Os fatos que possuem essas características são os fatos típicos (1º substrato do
crime). Tipicidade é composta por conduta, resultado, nexo causal e ajuste formal e
material a um tipo penal (tipicidade, em sentido estrito). Além da tipicidade, para haver
crime deve haver ilicitude, ou antijuridicidade (2º substrato do crime) e, para a imensa
maioria,a culpabilidade (3º substrato do crime29).
A punibilidade é a consequência jurídica do crime. Não se trata de elemento (ou
substrato) do crime.

7. Teorias do crime/da tipicidade/da conduta


(Sistemas Penais)
Sistema Neoclássico Finalista Funcionalista
Clássico Corresponde ao anterior, Hans Welzel Se divide em: funcionalismo
Liszt, Beling, acrescido da teoria de Reinhard sistêmico ou radical (Jakobs) e
Radbruch Frank e de Edmund Mezger teleológico ou moderado
(Roxin), dentro dos quais se
desenvolveu a (moderna)
teoria da imputação objetiva.
O crime é O crime é dividido em: O crime é dividido em: O crime é dividido em:
dividido em • Injusto: composto de • Injusto: • Injusto:
• Critério Fato típico + composto de Fato composto de Fato
objetivo: antijuridicidade típico + típico +
Fato típico + antijuridicidade antijuridicidade +
antijurídico imputação objetiva
•Culpabilidade: possui
três elementos:
o Imputabi • Culpabilidade: • Responsabilidad
lidade possui 3 elementos: e: que é formada pela:
• Critério
o Dolo ou o Imputabi o Culpabilidade
subjetivo:
culpa lidade o Satisfação de
Culpabilidade,
dividido em dolo o Exigibilid o Potencial necessidades
ou culpa ade de conduta consciência da preventivas
diversa ilicitude
Obs. Dolo e culpa o Exigibilid Culpabilidade
são espécies de ade de conduta expandida. A
culpabilidade. A culpabilidade passa a responsabilidade é a
diversa.
ser considerada um juízo soma da ImpoEx +
de reprovação sobre o satisfação de
ato, mas ainda contém Obs. culpabilidade=
necessidades
dolo e culpa. ImPoEx
preventivas. Se o juiz
Obs. No finalismo o dolo
entender que a aplicação
e culpa migram para o
da pena não tem o
fato típico (agora
condão de prevenir a
composto por dolo e
pratica de crimes
culpa).
A culpabilidade torna-se futuros, não aplica a
exclusivamente normativa; dolo pena.
e culpa passam a integrar o fato A ação perde relevância como
típico elemento central da teoria do
crime, dando lugar à
imputação; a culpabilidade é
expandida para uma noção
mais abrangente (a de
responsabilidade

29 Bettiol é o autor que chama fato típico, antijurídico e culpável de “substratos” do crime.

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7.1. Teoria causalista (causal naturalista/ clássica/


naturalística ou mecanicista)
7.1.1. Noções gerais
A conceito causal de ação foi elaborado por Von Liszt e Beling no final do século
XIX, em decorrência da influencia do pensamento científico-natural na ciência do
direito penal, do positivismo.
Pode se afirmar que a teoria causalista segue o método empregado para as
ciências naturais, a lei da causa e efeito.
Assim, o direito deveria ser explicitado pela experimentação de fenômenos,
trabalhando-o como uma ciência exata (ao lado da matemática ou da física p. ex.).
Para a teoria causalista, crime é fato típico, antijurídico e culpável (a teoria
causalista é tripartite).
A conduta, elemento do fato típico, é a ação humana, voluntária, causadora de
modificação no mundo exterior, perceptível pelos sentidos.
Dolo e culpa pra o causalismo não são elementos da conduta, mas sim da
culpabilidade (que é sinônimo de imputabilidade para a teoria).
Por essa razão, o tipo penal deve ser o mais neutro possível, somente se
reconhecendo nele elementos objetivos.
O tipo penal pode ter elementos:
i) objetivos: percebidos pelos sentidos;
ii) normativos: demandam juízo de valor; e
iii) subjetivos: espelham a finalidade especial do agente.
O causalista vê no tipo penal somente os elementos objetivos, percebidos pelos
sentidos.
De acordo com a teoria causalista, a conduta é composta de vontade30,
movimento corporal e resultado, porém a vontade não está relacionada com a
finalidade do agente, elemento este analisado somente na culpabilidade31.
O crime era o fato típico e antijurídico (aspecto objetivo), praticado por dolo ou
culpa (aspecto subjetivo – culpabilidade). O Sistema Clássico, portanto, divide o crime
em aspecto objetivo e aspecto subjetivo.
O aspecto objetivo corresponde ao chamado “injusto”, que nada mais é do que
o fato típico (ação + tipicidade – nos crimes materiais, há ainda o resultado e o nexo
causal) e a antijuridicidade (ausência de excludentes de ilicitude).
O aspecto subjetivo determina que não basta o “injusto”, devendo estar presente
também a culpabilidade, formada por duas espécies: dolo ou culpa.
Percebe-se, portanto, que não há crime sem culpabilidade, ou seja, sem dolo ou
culpa (devem estar presentes os aspectos subjetivos e objetivos).
Obs.: É a partir desse sistema que se incorpora na ciência penal o entendimento
de ser incabível a responsabilidade penal objetiva (sem análise de culpa – a qual era
muito comum na época).

30 A vontade segundo o causalismo é composta de um aspecto externo, o movimento

corporal do agente, e de um aspecto interno, vontade de fazer ou não fazer (conteúdo final da
ação). A ação seria, portanto, composta de vontade, movimento corporal e resultado, porém a
vontade não está relacionada à finalidade do agente, elemento analisado somente na
culpabilidade.
31 A finalidade especial do agente é o que característica a teoria finalista.

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O causalismo divide o tipo penal em normal e anormal. O tipo penal normal


somente possui elementos objetivos (ex.: art. 121, caput, do CP32). O anormal
possui elementos objetivos e normativos e/ou subjetivos (ex.: art. 299,caput,do CP33).

7.1.2. Críticas à teoria causalista


A teoria causalista:
1. Ao conceituar conduta como “movimento humano”, esta teoria não explica
de maneira adequada os crimes omissivos (inação / sem movimento).
2. Não há como negar a presença de elementos normativos e subjetivos do tipo.
3. Ao fazer a análise do dolo e da culpa somente no momento da culpabilidade,
não há como distinguir, apenas pelos sentidos, a lesão corporal da tentativa
de homicídio, por exemplo.
4. É inadmissível imaginar a ação humana como um ato de vontade sem
finalidade.

7.1.3. Quadro Sinótico

7.2. Teoria neokantista (neoclássica ou causal valorativa)


7.2.1. Noções gerais
A teoria neokantista tem base causalista, para mitos é uma modernização desta
teoria, surgida em meados do século XX e idealizada pelo alemão Edmund Merzger.
Fundamenta-se numa visão neoclássica, marcada pela superação do
positivismo34, através da racionalização do método35.

32 Art 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

33 Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou
nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de
prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena
- reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos,
e multa, se o documento é particular.

34 Que acreditava que todas as ciências deveriam ser analisadas através de uma mesma forma
de observação (a forma causal).

35 Valores metafísicos, valoração dos fenômenos (método axiológico).

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Reconhece que o direito não é uma ciência exata, do ser, mas sim, uma ciência do
“dever ser”
Por isso, abandona a idéia de que a conduta seria o que é apenas perceptível pelos
sentidos, e admite a existência de elementos normativos ou valorativos e
subjetivos, contrariando os causalistas que apenas admitem critérios objetivos.
Dessa forma conduta é um comportamento humano voluntário causador de um
resultado.
Observa-se que para o causalista, conduta é ação humana. O neokantista fala em
comportamento humano, que abrange ação e omissão.
O objetivo desta teoria foi corrigir a lacuna do sistema clássico, no tocante à
culpabilidade. Entendeu-se que a culpabilidade não se restringia ao dolo ou a culpa,
abarcando também a reprovabilidade.
A culpabilidade passa a significar reprovabilidade (que é um juízo de valor). A
análise unicamente do dolo ou da culpa não possui a essência da culpabilidade – só é
culpável o comportamento digno de censura e reprovação.
Mas como se determinar a reprovabilidade de um comportamento?
Para que houvesse uniformização e, consequentemente, segurança jurídica, era
necessário trazer um conceito para a reprovabilidade.
O critério escolhido foi a possibilidade de o indivíduo agir ou não de forma diversa
(exigibilidade de conduta diversa), assim era necessário analisar se a pessoa podia ou
não agir de maneira diversa, evitando o delito.
Ora, as pessoas são livres para escolher seu caminho, devendo ser recompensadas
pelas boas escolhas, e sofrer as conseqüências pelas más escolhas. Para que alguém
possa, de fato, sofrer a conseqüência negativa da má escolha, é necessário que na
situação concreta tenha havido real condição de optar.
Se o agente não podia agir de outro modo, se os fatores externos à conduta não
davam ao agente condição de escolher, não poderá haver punição (não houve má
escolha, mas sim falta de escolha).
Este pensamento resulta no fato de a culpabilidade depender do exame da
possibilidade de exigir outra conduta do agente – é a exigibilidade de conduta
diversa.
A culpabilidade passa a conter elementos (e não as espécies dolo e culpa, como no
Sistema Clássico). São eles:
i) Imputabilidade
ii) Dolo ou culpa
iii) Exigibilidade de conduta diversa

Assim, a culpabilidade deixa de ter aspectos apenas subjetivos, passando a ter juízo
de valor (= elemento normativo). Passa a ter natureza normativa.

7.2.2. Críticas à teoria neokantista


A teoria neokantista:
Permanece considerando dolo e culpa como elementos da culpabilidade;
Analisando dolo e culpa na culpabilidade, ficou contraditória ao reconhecer
elementos normativos e subjetivos no tipo36.

36 Como elementos subjetivos retratam uma finalidade especial do agente, como se pode
analisar um fim especial do agente, se nem ao menos se analisa no tipo o fim especial, ou seja, o
dolo e a culpa, que ainda estão na culpabilidade.

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7.2.3. Quadro Sinótico

7.3. Teoria finalista


7.3.1. Noções gerais
Foi criada pelo alemão Hans Welzel em meados do século XX.
O Finalismo pesquisa a essência do homem, e através de dados e informações da
realidade, procura construir verdades absolutas, leis imutáveis. Trata-se de um
método empírico em busca da estrutura do crime.
Percebe-se que cada conduta humana leva a um resultado (premissa
fundamental). O homem, em todas as suas ações, sempre está em busca de alguma
finalidade. Por ter conhecimento da conseqüência dos atos que deseja praticar, o
homem os dirige para a obtenção de uma meta.
Segundo Welzel, a finalidade é a espinha dorsal da conduta humana.
Nos sistemas anteriores, ou seja, no Causalismo, a ação era definida de forma
incompleta, pois não se preocupava com a intenção que move toda e qualquer
conduta humana.
Assim, surge um novo conceito de conduta: é o comportamento humano
voluntário, psiquicamente dirigido à um fim.
O conceito de conduta para o finalismo nasceu diferente: falava-se em
“psiquicamente dirigido a um fim ilícito”. Mas a teoria logo se corrigiu, tendo o “ilícito”
sido retirado do conceito, pois ele excluía o crime culposo.
O grande marco do finalismo foi a saída do dolo e da culpa da
culpabilidade, os quais migraram para a conduta (ou seja, para o fato típico). Aqui,
que nasce a famosa expressão: “o causalismo é cego; o finalismo, vidente”.
Zaffaroni é adepto da teoria finalista e afirma que o dolo está livre de toda
reprovação, porque a reprovabilidade (culpabilidade) é um passo posterior à
averiguação do injusto (conduta típica e antijurídica), pois o dolo integra o injusto
como uma característica da tipicidade dolosa. Nesse sentido, o autor sustenta um
conceito de dolo valorado (quanto à reprovação), enquanto os partidários da teoria
causalista (dolo na culpabilidade) em geral defendem um conceito de dolo desvalorado
(o dolo só pode ser dolo culpável).
A culpabilidade, para o Finalismo, é formada por três elementos:
i) Imputabilidade (capacidade mental de entender o caráter ilícito do fato
e de exercitar o autocontrole)

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ii) Potencial consciência da ilicitude (possibilidade de entender o caráter


ilícito do fato)
iii) Exigibilidade de conduta diversa (destacou-se no finalismo, embora
tenha surgido no sistema neoclássico)
A culpabilidade torna-se, exclusivamente, juízo de valor (aspecto puramente
normativo – não há mais previsão de dolo e culpa, que são elementos subjetivos e
fazem parte do fato típico) – Teoria normativa pura da culpabilidade.

Origem do elemento “Potencial consciência da ilicitude”


Antes do Finalismo, a “potencial consciência da ilicitude” era analisada
juntamente com o dolo.
No sistema Neoclássico, o dolo continha três elementos:
1. Consciência
2. Voluntariedade (vontade)
3. Consciência da ilicitude (bastante semelhante ao “dolus malus” do direito
romano, que era o dolo com má-fé).
Dessa forma, apenas agia dolosamente aquele que tinha consciência de que a
conduta não era correta, que era ilícita. Este é o chamado dolo normativo ou híbrido, o
qual já foi superado.
Este conceito não se coaduna com o pensamento finalista, que prega que dolo é
toda intenção, seja boa ou ruim, pois todo o comportamento humano é movido por
uma finalidade. O dolo não se limita a coisas erradas, sendo inerente a todo
comportamento humano.
Assim, no finalismo o dolo foi reduzido para dois elementos:
i. Consciência
ii. Vontade
É o dolo natural ou neutro.
A consciência da ilicitude permaneceu na culpabilidade (enquanto que o dolo
passou a integrar o fato típico).

7.3.2. Críticas ao finalismo


A teoria finalista:
1. Não abrangia os crimes culposos: como visto, o finalista corrigiu a própria
teoria, alterando o conceito de conduta, para abranger os crimes culposos;
2. Centralização da teoria no desvalor da conduta, ignorando o desvalor do
resultado.

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7.3.3. Quadro Sinótico

7.3.4. Teoria finalista dissidente


Foi desenvolvida no Brasil e segundo tal teoria crime é fato típico e ilicitude,
adotando o conceito bipartido de crime.
Para esta teoria, a culpabilidade não integra o crime, sendo mero
pressuposto de aplicação da pena (juízo de censura).
O conceito de conduta, todavia, continua o mesmo.

7.4. Teoria social da ação


7.4.1. Noções gerais
Foi criada por Wessels e seguida principalmente por Jescheck.
Busca conciliar os conceitos finalista e causalista de conduta, e não substituí-los,
dando uma nova dimensão.
Para a teoria social da ação, o crime é tripartite (fato típico, ilicitude e
culpabilidade). A culpabilidade é formada pela imputabilidade, exigibilidade de
conduta diversa e potencial consciência da ilicitude.
A conduta está no fato típico. É, para essa teoria, é o comportamento humano
voluntário, psiquicamente dirigido a um fim socialmente relevante.
Dolo e culpa continuam no fato típico, na conduta, mas voltam a ser analisados
na culpabilidade quando da ocasião da fixação da pena.
Os adeptos desta teoria sustentam seu valor na capacidade que tem de adequar a
realidade jurídica à realidade social, pois um fato não pode ser considerado tipicamente
penal ao mesmo tempo em que a sociedade lhe é indiferente e o resultado de eventual
conduta, consequentemente, não tem relevância social.

7.4.2. Críticas à teoria social da ação


A teoria social da ação:
1. quer agradar a todos: ao finalista, colocando o dolo e a culpa na conduta, e ao
causalismo e ao neokantismo, entendendo que o dolo e a culpa voltam a ser
analisados na culpabilidade;

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2. Não há clareza acerca do que significa “fim socialmente relevante”, é uma


expressão vaga, uma noção muito ampla, sendo arriscado incorporá-la ao
direito penal, limitando a sua intervenção.

7.4.3. Quadro Sinótico

7.5. Teorias funcionalistas


7.5.1. Noções gerais

As teorias funcionalistas penais ganham força na década de 70, discutidas com


ênfase na Alemanha, buscando, em apertada síntese, adequar a dogmática37 penal aos
fins do Direito Penal (missões).
Os penalistas, observando os sistemas anteriores, perceberam que havia uma
grande preocupação com a estrutura do crime, com a elaboração de um sistema
harmônico, com teorias logicamente compatíveis, deixando para segundo plano a
análise sobre as soluções dadas a esse sistema (não se analisava a justiça das decisões).
Segundo o sistema funcionalista, houve uma perda de foco.
Assim, deve-se colocar em primeiro plano um sistema que proporcione soluções
justas, para somente depois elaborar o sistema, em consonância com tais decisões.
Importante mencionar que, desde o Sistema Clássico, começou a se desenvolver a
idéia de que Dogmática (Teoria) e Política Criminal deveriam ser analisadas de forma
separada. A dogmática seria responsabilidade do jurista, enquanto que a política
criminal (redução da criminalidade, enfrentamento do crime) era deixada a cargo do
legislador.
O Funcionalista discorda dessa premissa, pois, além de se preocupar com a
Teoria, entende importante que o jurista se preocupe com a política criminal, que se
preocupe com a Justiça. As Teorias elaboradas pelo jurista devem ser aptas a propiciar
o cumprimento da função do direito penal.
A teoria é chamada de funcionalista, na medida em que considera que a análise
da teoria do crime deve ser feita à luz da “função ou “missão” do direito penal”.
Esse ponto de vista é comum para Roxin e Jakobs.
Entretanto, observa-se que o conceito de conduta está diretamente ligado ao que
se admite por “missão” do direito penal, sendo que os dois grandes expoentes dentro
dessa teoria, Roxin e Jakobs, divergem quanto à missão do Direito Penal.

37 Ex. o que vem a ser a conduta.

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7.5.2. Funcionalismo teleológico/dualista/moderado/ da política


criminal (Klaus Roxin)
Para Roxin, a missão do direito penal é a proteção subsidiária de bens jurídicos.
Ou seja, o direito penal deve ser utilizado somente em último caso (e não em toda e
qualquer situação).
Foi Roxin que criou o princípio da insignificância, ao encontrar situações que,
embora se enquadrem na estrutura do crime, são lesões tão insignificantes ao bem
jurídico que devem ser ignoradas pelo direito penal.
Roxin sustenta o Funcionalismo racional teleológico ou Funcionalismo
Moderado.
Para a teoria funcionalista teleológica (ou moderada) de Roxin, crime é fato
típico, ilicitude e reprovabilidade.
A reprovabilidade, por sua vez, é constituída de imputabilidade, exigibilidade de
conduta diversa, potencial consciência da ilicitude e necessidade da pena.
Desnecessária a pena, o fato deixa de ser reprovável e, por isso, deixa de ser crime.
Exemplos: i) o sujeito que, tendo subtraído um relógio, se arrepende e devolve o
bem à vítima, para Roxin não pratica o crime. Ao devolver o relógio, ele devolve a paz
social, o que torna a pena desnecessária; ii) o marido bate na esposa, causando lesão
leve. A esposa vai à delegacia, noticia o crime e representa criminalmente por lesão
leve. O promotor oferece a denúncia e ela é recebida. Na instrução, a mulher, grávida
do agressor e convivendo com ele há muito tempo, pede o encerramento do processo,
por ter ele se arrependido e se tornado uma pessoa diferente. Para o direito positivo
brasileiro atual, o máximo que ocorreria seria uma atenuante. Para Roxin, todavia, não
houve reprovabilidade e, por consequência, não houve crime.
Para Roxin, a culpabilidade é funcional. É o instrumento de limite da pena, não
integrando o crime.
Dolo e culpa estão na conduta, ou seja, no fato típico.
Conduta, elemento do fato típico, é conceituada de acordo com a missão do
Direito Penal: é o comportamento humano voluntário, causador de relevante e
intolerável lesão, ou perigo de lesão, ao bem jurídico tutelado38.

7.5.3. Funcionalismo sistêmico/exarcebado/radical (Gunter Jakobs)


Para Jakobs, o direito penal busca “garantir a vigência da norma” – embora seja
utilizado o termo “vigência”, deveria ter sido utilizado “eficácia” – há preocupação com
a efetiva aplicação da norma.
Observando a aplicação da norma, o direito penal assegura expectativas
normativas. É o chamado Funcionalismo Sistêmico ou Funcionalismo
Exacerbado / Radical.
Segundo Jakobs, a prática do crime transmite a mensagem de que, para o autor, a
norma não tem importância (tanto que esta é por ele desrespeitada). Se essa mensagem
for insistentemente transmitida, pela prática do mesmo crime diversas vezes, a
consequência será o enfraquecimento da expectativa normativa. Ou seja, a
confiança que a coletividade possui na norma fica enfraquecida, as pessoas param de
acreditar e respeitar tal norma39.

38 Isso porque, para Roxin, a missão do direito penal é proteger bens jurídicos

indispensáveis ao homem.
39 Foi o que ocorreu em SP, com os ataques do PCC, em que a sociedade apenas temeu os

ataques, se recolhendo às suas casas, sem confiar na norma penal.

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A aplicação da pena envia uma mensagem em sentido contrário para a sociedade


– de que a norma é eficaz, de que apesar da prática do crime, a norma será respeitada.
Para a teoria funcionalista sistêmica (ou radical) de Jakobs, crime é fato típico,
ilicitude e culpabilidade40.
Culpabilidade, que segundo Jakobs é sim elemento do crime, continua sendo
imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial consciência da ilicitude.
Para o funcionalismo radical, dolo e culpa permanecem na conduta (e, portanto,
no fato típico).
Todavia, conduta é comportamento humano voluntário, violador do sistema,
frustrando as expectativas normativas.
Para Jakobs, a missão do direito penal é bem diferente da preconizada por Roxin.
É resguardar o sistema. Desrespeitada a norma, há o crime. Ou seja, aquele que não
respeita o sistema, é seu inimigo. Nasce a teoria do direito penal do inimigo.
Exatamente por isso, diferentemente de Roxin, que trabalha com o princípio da
insignificância, Jakobs não admite sua aplicação.
Assim, conduta é um comportamento humano voluntário causador de um
resultado violador do sistema, frustrando as expectativas normativas.

7.5.3.1. A teoria do Direito Penal do Inimigo


As premissas sobre as quais se funda o Funcionalismo Sistêmico deram ensejo à
exumação41 da TEORIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO, representando a
construção de um sistema próprio para o tratamento do indivíduo infiel a sistema.
A teoria considera que àquele que se dedica a determinados crimes não se deve
garantir o status de cidadão, merecendo, ao revés, punição específica e severa42, uma
vez que o seu comportamento põe em risco, de forma ímpar, a integridade do sistema.
Entretanto, Jakobs fomenta o Direito Penal do inimigo apenas para determinados
tipos de criminosos, não à todos, como ex. o terrorista, traficante de drogas, de armas e
de seres humanos e para os membros de organizações criminosas transnacionais.
O direito penal do inimigo tem características similares às da “tolerância zero”
(teoria norte-americana dos broken windows):
i. Antecipação da punibilidade, com a tipificação de atos preparatórios:
O iter criminis tem quatro fases: cogitação, preparação, execução e resultado. No
direito penal do fato, a punibilidade surge a partir do início da execução. A cogitação e a
preparação deveriam ser impuníveis, mas o direito penal do inimigo antecipa a
punibilidade, tipificando como crimes atos meramente preparatórios, buscando evitar o
início da execução do crime.
ii. Criação de tipos de mera conduta:
Ocorre então a flexibilização do princípio da lesividade. Ex. O Brasil tem
vários crimes de mera conduta: ato obsceno, violação de domicílio. Os crimes omissivos
puros são de mera conduta.
iii. Criação de tipos de perigo abstrato:

40 E não reprovável como se vê na lição de Roxin.


41Jakobs exumou o Direito Penal do inimigo e não o inventou, inspirando-se em vários
pensadores, entre eles, Protágoras, São Tomás de Aquino, Kant, Locke, Hobbes.
42 “ O Delinquente, autor de determinados crimes, não é ou não deve ser considerado

cidadão, mas sim um cancro no societário que deve ser extirpado”.

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O STF tem reduzido muito a aceitação de tipos penais de perigo abstrato.


Todavia, na Lei de Drogas, os crimes são de perigo abstrato, não havendo dúvidas a
esse respeito.
iv. Inobservância dos princípios da ofensividade e da exteriorização do fato:
Na medida em que tipifica atos preparatórios, o direito penal do inimigo
desrespeita o princípio da exteriorização do fato. Ao punir tipos de mera conduta,
desrespeita o princípio da ofensividade.
v. Flexibilização do princípio da legalidade:
A flexibilização do princípio da legalidade é feita pelo direito penal do inimigo
mediante a descrição vaga dos crimes e das penas. Ex.: o art. 20 da Lei
7.170/198343 (Lei dos Crimes contra a Segurança Nacional) fala em atos de terrorismo,
sem explicar no que eles consistem. Quanto mais vaga e ambígua a redação do tipo
penal, maior o número de condutas abrangidas:
Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o
dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.
vi. Preponderância do direito penal do autor, em prejuízo ao direito penal do
fato.
Flexibilização do princípio da exteriorização do fato, ex. admite a punição do
agente pelo simples fato de ele ser terrorista, não necessariamente por efetivamente
praticar atos terroristas.
vii. Surgimento das chamadas “leis de luta ou de combate”:
As leis de luta ou de combate são as leis oportunistas, leis de ocasião surgidas
graças à pressão da mídia. No Brasil, isso se verificou na edição da Lei dos Crimes
Hediondos, do Estatuto do Torcedor etc.
viii. Restrição de garantias penais e processuais:
O direito penal do inimigo é considerado um direito penal de terceira velocidade.
Obs.: Cada velocidade está ligada a um momento histórico vivido pelo direito
penal.No direito penal de 1ª velocidade, predominava a pena privativa de liberdade.
Começou-se a perceber a falência, o caos do sistema prisional. O direito penal de 2ª
velocidade passa a fomentar penas alternativas. O direito penal de 3ª velocidade surge
no contexto de medo do terrorismo e de organizações criminosas. Daí o fato de o direito
penal de 3ª velocidade envolver a redução das garantias penais e processuais penais
(campo fértil para o direito penal do inimigo). Essa divisão é de Silva Sanchez.

7.5.4. Noções finais


O injusto continua, assim como no finalismo, contendo elementos objetivos e
subjetivos (dolo e culpa continuam dentro no fato típico).
Porém, no fato típico se insere um novo elemento: a imputação objetiva.
No Funcionalismo, há a expansão da culpabilidade. Em um primeiro momento
não se fala mais em culpabilidade, mas sim responsabilidade, que é formada pela
culpabilidade (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigência de conduta
diversa) e pela satisfação de necessidades preventivas, por meio da aplicação da pena.
Ou seja, verificar se a aplicação da pena prevenirá a prática de novos crimes.

43 Art. 20 - Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado,

incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por
inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações
políticas clandestinas ou subversivas. Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Responsabilidade = culpabilidade (finalista) + satisfação de finalidades


preventivas.
Assim, um pai que culposamente mata o filho, apesar de cometer um fato típico,
antijurídico e culpável, não será penalizado, uma vez que essa penalização não satisfaz
qualquer necessidade preventiva. Isso já é reconhecido pelo nosso Direito Penal (é
política criminal).
A diferença do Funcionalismo é que ela traz essa idéia para dentro da Teoria
Penal, ou seja, une dogmática e política criminal.

7.5.4.1. Críticas à teoria funcionalista teleológica


A teoria funcionalista teleológica:
i) coloca a reprovabilidade como elemento integrante do crime;
ii) conceitua a culpabilidade como limite da pena44: ou seja, ela não explica o que
é a culpabilidade, somente para que ela serve.

7.5.4.2. Críticas à teoria funcionalista sistêmica


A teoria funcionalista sistêmica:
i) serve aos estados totalitários (para alguns, seria uma teoria nazista, fascista).
ii) cria a noção de direito penal do inimigo.

7.6. Quadro sinótico acerca das teorias do crime e da


conduta
Crime Conduta Culpabilidade Observações
Causalismo Fato típico, Elemento do fato É imputabilidade e No tipo penal há
antijurídico e típico, é a ação possui duas somente os
culpável. humana, espécies: dolo e elementos
voluntária, culpa. objetivos,
causadora de percebidos pelos
modificação no sentidos.
mundo exterior.
Neokantismo Fato típico, Elemento do fato É imputabilidade, Admite
antijurídico e típico, é o exigibilidade de elementos não
culpável. comportamento conduta diversa, objetivos no tipo.
humano, dolo e culpa (que
voluntário, são elementos, não
causador de espécies).
modificação no
mundo exterior.
Finalismo Fato típico, Elemento do fato É imputabilidade, Migração do dolo
antijurídico e típico, é o exigibilidade de e da culpa da
culpável. comportamento conduta diversa e culpabilidade

44 Posicionamento que deve ser adotado nas provas da Defensoria Pública.

59
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

humano voluntário potencial para a conduta


causador de consciência da (ou seja, para o
modificação no ilicitude. fato típico).
mundo exterior,
psiquicamente
dirigido a um fim.
Finalismo Fato típico e Elemento do fato Não integra o Contorcionismo
Dissidente antijurídico. típico, é o crime. É mero teórico brasileiro.
comportamento pressuposto de
humano voluntário aplicação da pena
causador de (juízo de censura).
modificação no
mundo exterior,
psiquicamente
dirigido a um fim.
Teoria Social Fato típico, Elemento do fato É imputabilidade, Dolo e culpana
da Ação antijurídico e típico, é o exigibilidade de conduta (fato
culpável. comportamento conduta diversa e típico), mas
humano potencial voltam a ser
voluntário, consciência da analisados na
psiquicamente ilicitude. fixação da pena.
dirigido a um fim
socialmente
relevante.
Funcionalismo fato típico, É o Éinstrumento de Dolo e culpana
Teleológico ou antijurídico e comportamento limite da pena, não conduta (fato
moderado reprovável45. humano integrando o típico).
(Roxin) voluntário, crime.
causador de
relevante e
intolerável lesão,
ou perigo de lesão,

45 Reprovabilidade é imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa, potencial consciência da


ilicitude e necessidade da pena.

60
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ao bem jurídico
tutelado46.
Funcionalismo Fato típico, Éo comportamento É imputabilidade, Dolo e culpa na
Sistêmico antijurídico e humano exigibilidade de conduta (fato
(Jakobs) culpável. voluntário, conduta diversa e típico).
violador do potencial
sistema, frustrando consciência da
as expectativas ilicitude.
normativas47.

Fato Típico (Tipicidade)

1. Aspectos gerais
1.1. Conceito
É um fato humano, indesejado que, norteado pelo princípio da intervenção
mínima, consiste numa conduta causadora de um resultado, com ajuste formal,
material a um tipo penal (tipicidade) 48.
Assim, pelo conceito é possível extrair os requisitos do fato típico: 1. Conduta;
2. Resultado; 3. Nexo Causal e 4. Tipicidade penal.
Obs.: A tipicidade penal não se confunde com o tipo penal, este é apenas o
modelo de conduta proibido pela norma49. Aquela, é o modelo de conduta
proibida pela norma, é requisito do fato típico.

46 Para Roxin, a missão do direito penal é proteger bens jurídicos indispensáveis ao homem.

47 Para Jakobs, a missão do direito penal é resguardar o sistema (aquele que não respeita o
sistema é seu inimigo: direito penal do inimigo).

48 Fato típico, portanto, pode ser conceituado como ação ou omissão humana,

antissocial que, norteada pelo princípio da intervenção mínima, consiste numa conduta
produtora de um resultado que se subsume ao modelo de conduta proibida pelo Direito Penal,
seja crime ou contravenção penal
49 Ex. é a conduta “matar alguém” descrita no Art. 121 do Código Penal,

61
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

2. Conduta
A conduta, como acabamos de apresentar, é um dos elementos do fato típico, e,
uma vez ausente, não se pode falar em crime (nullum crimen sine conducta), assim não
há crime sem conduta.
Entretanto, há doutrina que nega a responsabilidade da pessoa jurídica pois, o
ente coletivo não tem conduta, mas é conduzido, mas prevalece ser possível
responsabilizar penalmente pessoa jurídica autora de crimes ambientais, pois a própria
Constituição Federal (Art. 225, § 3º50) admite essa possibilidade, cabendo a doutrina
conformar suas lições à esse mandamento.
Segundo Rogério Greco, “a ação, ou conduta, compreende qualquer
comportamento humano comissivo (positivo) ou omissivo (negativo), podendo ser
ainda dolosa (quando o agente quer ou assume o risco de produzir o resultado) ou
culposa (quando o agente infringe o seu dever de cuidado, atuando com negligência,
imprudência ou imperícia) .

2.1. Conceito de conduta


Conduta é um elemento do fato típico cujo conceito dependerá da teoria adotada
(causalista, neokantista, finalista, social da ação, funcionalista teleológica ou moderada
ou funcionalista sistêmica ou radical).
Para uma análise dos diferentes conceitos de conduta, ver o tópico “Teorias do
Crime” (item “7”, da “Teoria geral do delito”), em resumo, tem-se:
1. Teoria Causalista: Conduta é um movimento corporal (Ação) voluntário
que produz uma modificação no mundo exterior perceptível pelos sentidos;
2. Teoria Neokantista: Conduta é um comportamento (Ação ou Omissão)
voluntário que produz uma modificação no mundo exterior perceptível pelos
sentidos;
3. Teoria Finalista: Conduta é um comportamento humano voluntário
psiquicamente dirigido a um fim;
4. Teoria Social da Ação: Conduta é um comportamento humano voluntário
psiquicamente dirigido é um fim socialmente reprovável;

50

62
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

5. Teoria Funcionalista Moderada (Roxin): Conduta é um


comportamento humano voluntário, causador de relevante e intolerável lesão
ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal;
6. Teoria Funcionalista Radical (Jakobs): Conduta é um comportamento
humano voluntário causador de um resultado evitável, violador do sistema,
frustrando as expectativas normativas.

2.2.1. Conceito de conduta adotado no Brasil


De acordo com a doutrina tradicional, o Código Penal brasileiro, com a reforma
de 1984, adotou a teoria finalista51. O Código Penal Militar é causalista (dolo e culpa
como espécies de culpabilidade), como se verifica em seu art. 33:

Art. 33. Diz-se o crime:

Culpabilidade

I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

II - culposo, quando o agente, deixando de empregar a cautela, atenção, ou diligência

ordinária, ou especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o

resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria

ou que poderia evitá-lo. (...)


A doutrina moderna adota o funcionalismo moderado de Roxin, apenas não
reconhecendo a “reprovabilidade” como elemento do crime, para quem a culpabilidade
(ImPoEx52) volta a ser o terceiro substrato do crime.

2.3. Hipóteses de ausência de conduta


Do causalismo até o funcionalismo, a conduta possui um denominador comum: é
“movimento humano voluntário”.
Voluntário significa dominável pela vontade53. Qualquer movimento humano não
dominado pela vontade não será considerado conduta, assim se o comportamento
praticado, ainda que previsto em um tipo penal, não for precedido da vontade do seu
agente, não haverá conduta, e, consequentemente, desfigurado estará o fato típico
(substrato do crime), faltando seu primeiro elemento, ou substrato.
Outra característica da conduta é a sua repercussão no mundo exterior. A
simples cogitação (o pensamento não exteriorizado) é estranha ao Direito Penal.
Dessa forma, podemos admitir como dois os elementos da conduta:
a. Comportamento voluntário (dirigido a um fim): nos crimes dolosos, o
fim é a lesão ao bem jurídico ou sua exposição a perigo, ao passo que, nos
crimes culposos, a finalidade é a prática de um ato cujo resultado previsível
seja capaz de causar lesão ao bem jurídico;
b. Exteriorização da vontade: é o aspecto mecânico ou neuromuscular,
consistente na prática de uma ação ou omissão capaz de externar o elemento
psíquico.
Nesse sentido, a conduta pode ser considerada ausente nos casos de:
i. Caso fortuito e força maior:

51 Alguns entendem que o finalismo adotado é o alemão, entretanto, outros entendem que

o finalismo adotado é o dissidente.


52 Imputabilidade, Potencial consciência da ilicitude e Exigibilidade de conduta diversa

(ImPoEx).
53 Copiar a nota de rodapé 31 do livro do Rogério Sanches.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Segundo Maria Helena Diniz, a Força maior é fato da natureza ocasionando o


acontecimento (ex.: raio que provoca incêndio). Já o Caso fortuito é o evento tem
origem em causa desconhecida (ex.: cabo elétrico que sem motivo aparente se rompe
provocando incêndio).
Excluem a conduta uma vez que são fatos imprevisíveis ou inevitáveis.

ii. Involuntariedade:
Há uma ausência na direção da conduta de acordo com a sua finalidade.
a. atos reflexos imprevisíveis:
traduz-se num sintoma de reação automática do organismo a um estimula
externo, é um movimento desprovido de vontade.
Entretanto, para excluir a conduta, o ato reflexo deve ser imprevisível, pois se era
previsível e acaba acontecendo, aquele que o pratica pode responder pelo crime doloso
ou culposo, se o caso. Ex.: o sujeito que limpa uma arma na frente de uma criança
responde pelo crime se ela dispara por conta de um susto sofrido por ele.
Obs.: Segundo Flávio Monteiro de Barros, há uma diferença entre os movimentos
reflexos e as “ações em curto-circuito54”, Nestas existe vontade de praticar o ato, vez
que oriunda de um movimento relâmpago provocado por excitação.
b. estado de inconsciência:
Exemplos de estado de inconsciência são o sonambulismo e a hipnose. Se o
sonâmbulo mata alguém, o fato é atípico pela ausência de conduta.
iii. Coação Física Irresistível:
O Coagido é impossibilitado de determinar seu movimentos de acordo com a sua
vontade55.

2.4. Espécies de Conduta

Atendidos todos os requisitos já expostos, impõe-se analisar a voluntariedade e o


modo de execução do delito, isto é, se a conduta do agente foi dolosa ou culposa (ou
mesmo preterdolosa), comissiva (por ação) ou omissiva (por omissão).

2.4.1. Crime doloso

2.4.1.1. Previsão legal


O crime doloso está previsto no art. 18, I, do CP:

Art. 18 - Diz-se o crime:

Crime doloso

I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

54 "Com efeito, nos movimentos reflexos há um impulso completamente fisiológico


provocado pela excitação de um só órgão. Nas ações em curto-circuito (atos impulsivos), ao
revés, há um movimento relâmpago, provocado pela excitação de diversos órgãos, acompanhado
de um elemento psíquico, isto é, de uma vontade obcecada, de modo que o agente não chega a
perder a consciência, podendo, inclusive, evitar o seu agir pelo exercício do autocontrole" Ex.
Torcida de futebol que inflamada pelo “calor do jogo” começa a atirar objetos no campo.
55 Não se confunde com a coação moral, que interfere na culpabilidade, apenas se for

irresistível, se for resistível interfere na pena,

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

2.4.1.2. Conceito
Segundo a doutrina, “dolo é a vontade livre e consciente de realizar ou aceitar
realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador”.
Dolo é consciência e vontade.
O equívoco desse conceito, entretanto, está na palavra “livre”. A existência ou não
de liberdade na vontade é matéria a ser analisada na culpabilidade (mais precisamente
na exigibilidade de conduta diversa), e não no dolo56.
Há quem diga que o doente mental não tem dolo, mas não é o que prevalece. Ele
tem consciência e vontade, dentro de seu precário mundo valorativo. Caso contrário,
não haveria como aplicar a medida de segurança, que pressupõe fato típico e ilícito. O
mesmo com relação aos demais inimputáveis.
A noção de dolo não se esgota na realização do resultado, podendo abranger
também o resultado demais circunstâncias da infração penal.

2.4.1.3. Elementos
Do conceito acima, extraem-se os elementos do dolo:
i. Elemento intelectivo: consciência  Consciência da conduta e do
resultado.
ii. Elemento volitivo: vontade  Vontade de praticar a conduta típica.
A liberdade, como visto, não é elemento do dolo, mas uma circunstência a ser
analisada na culpabilidade.

2.4.1.4. Teorias acerca do dolo

2.4.1.4.1. Teoria da vontade


Para a teoria da vontade, dolo é a vontade consciente de querer praticar a
infração penal.

2.4.1.4.2. Teoria da representação


Segundo a teoria da representação, há dolo sempre que o agente tem a previsão
do resultado como possível e, ainda assim, decide continuar a conduta. Essa teoria
amplia o conceito de dolo e acaba por abranger a culpa consciente57.

2.4.1.4.3. Teoria do assentimento (ou consentimento)


De acordo com a teoria do assentimento (ou consentimento), há dolo sempre que
o agente tem a previsão do resultado como possível e, ainda assim, decide continuar a
conduta, assumindo o risco de produzi-lo.
O Brasil adotou, para explicar o dolo direto, a teoria da vontade. O dolo
eventual, por sua vez, é explicado pela teoria do consentimento.

2.4.1.5. Espécies de dolo

2.4.1.5.1. Dolo direto (ou determinado)


Configura-se o dolo direto quando o agente prevê um determinado
resultado, dirigindo sua conduta na busca de realizá-lo. Ex.: o sujeito prevê
uma lesão (art. 129 do CP) e dirige sua conduta exatamente para praticá-la.

56 Fosse o caso de ser um dos elementos do dolo, a coação moral irresistível excluiria de

início a tipicidade, e não a culpabilidade como é o caso.


57 Em ambas as figuras o agente prevê o resultado e aceita prosseguir com a sua conduta,

mas no dolo ele aceita o resultado, e na culpa consciente ele acredita que o resultado não vai
acontecer

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

2.4.1.5.2. Dolo direto de 1º grau


O dolo direto de 1º grau é sinônimo de dolo determinado ou direto.

2.4.1.5.3. Dolo direto de 2º grau (ou de consequências necessárias)


No dolo de segundo grau, a vontade do agente se dirige aos meios utilizados
para alcançar determinado resultado.
Abrange os efeitos colaterais, de verificação praticamente certa, para gerar o
evento desejado. O agente não persegue imediatamente esses efeitos
colaterais, mas tem por certa sua superveniência, caso se concretize o
resultado pretendido.
O dolo direto ou de consequências necessárias consiste na vontade do agente
dirigida a determinado resultado, efetivamente desejado, em que a utilização dos meios
para alcançá-lo inclui, obrigatoriamente, a existência de efeitos colaterais de
verificação praticamente certa.
O agente não deseja, imediatamente, os efeitos colaterais, mas tem por certa a sua
ocorrência, caso se concretize o resultado pretendido. Ex.: o sujeito coloca uma bomba
num avião para matar uma pessoa específica, sabendo que acabará matando outras.
O dolo direto de segundo grau não se confunde com dolo eventual:

Dolo direto de 2º grau Dolo eventual


Espécie de dolo direto Espécie de dolo indireto
O resultado paralelo é certo e necessário. O resultado paralelo é incerto, eventual,
possível e eventualmente desnecessário.

2.4.1.5.4. Dolo de 3º grau


Consiste na conseqüência da conseqüência necessária ao dolo de segundo grau,
ex. querendo matar um passageiro, coloca uma bomba num avião, mata a tribulação os
passageiros e uma grávida, que aborta.
O professor Rogério Sanches entende que não existe dolo de terceiro grau. No
exemplo, ou o agente sabia que uma passageira era gestante, e o aborto está no dolo de
segundo grau, ou não sabia e não responde pelo aborto, para evitar responsabilidade
penal objetiva.

2.4.1.5.5. Dolo indireto (ou indeterminado)


No dolo indireto (ou indeterminado), o agente, com a sua conduta, não busca
resultado certo e determinado.
O dolo indireto tem duas subespécies:
i. Dolo alternativo:
No dolo alternativo, o agente prevê uma pluralidade de resultados,
dirigindo sua conduta para realizar qualquer deles. Ex.: o agente prevê lesão
ou homicídio e dirige sua conduta para praticar uma ou outra figura. Não há um
resultado que ele queira mais que o outro.
A doutrina divide o dolo alternativo em duas espécies:
a. Objetivo: Quando a vontade indeterminada estiver relacionada com o
resultado em face da mesma vítima. Ex. atira contra a vítima para ferir ou
matar, tanto faz.
b. Subjetivo: a vontade indeterminada envolve as vítimas de um mesmo
resultado. Ex. Atira contra um grupo de pessoas para matar qualquer delas.
ii. Dolo eventual:

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

No dolo eventual, o agente prevê a pluralidade de resultados, dirigindo


sua conduta para realizar um deles, assumindo o risco em relação aos outros. O
agente dirige a conduta visando à lesão, mas assume o risco de praticar o homicídio.

2.4.1.5.6. Dolo cumulativo


No dolo cumulativo, o agente pretende alcançar dois resultados, em
sequência. É um caso de progressão criminosa, ex. O agente, depois de ferir a vítima,
resolve matá-la.

2.4.1.5.7. Dolo de dano e dolo de perigo


No dolo de dano, a vontade do agente é causar efetiva lesão ao bem jurídico.No
dolo de perigo, o agente atua com a intenção de expor a risco o bem jurídico tutelado.
Ex.: o agente que atira uma pedra na cabeça de outro para matá-lo, age com dolo
de dano e responderá por tentativa de homicídio. Caso o agente atire a pedra para
assustar, responderá pelo crime de exposição de alguém a perigo.

2.4.1.5.8. Dolo genérico e dolo específico


No dolo genérico, o agente tem vontade de realizar a conduta descrita no tipo,
sem um fim específico.
No dolo específico, o agente tem vontade de realizar a conduta descrita no tipo,
com um fim específico (ex.: art. 299 do CP):

Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia

constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser

escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre

fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de

um a três anos, e multa, se o documento é particular. (...)


Não mais se fala em dolo genérico e dolo específico. Fala-se em dolo com ou sem
elemento subjetivo do tipo. Ou seja, o dolo tem de alcançar esse elemento subjetivo do
tipo.

2.4.1.5.9. Dolo geral (ou erro sucessivo)


Ocorre dolo geral (ou erro sucessivo)na hipótese em que o agente, supondo já ter
alcançado o resultado visado, pratica nova ação que efetivamente o provoca. O assunto
será analisado por ocasião do estudo do erro de tipo.

2.4.1.5.10. Dolo normativo/hibrido ou colorido


É o adotado pela teoria neoclássica/neokantista, essa espécie de dolo integra a
culpabilidade trazendo, a par dos elementos consciência e vontade, também a
consciência atual da ilicitude, elemento normativo que o diferencia do dolo natural.
Como estudado acima, para a teoria neokantista,o crime é fato típico, ilicitude
e culpabilidade e o dolo está na culpabilidade, cujos elementos são imputabilidade,
exigibilidade de conduta diversa e culpa ou dolo.
Esse dolo tem como elementos, 1. Consciência; 2. vontade e 3. consciência
atual da ilicitude. É um dolo acrescido de um terceiro elemento, o elemento
normativo, chamado de dolo normativo.
Assim, dolo normativo é o dolo adotado pela teoria neokantista. Trata-se de
elemento da culpabilidade composto de consciência, vontade e consciência atual da
ilicitude.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

2.4.1.5.11. Dolo natural


Para a teoria finalista original, crime é fato típico, ilicitude e culpabilidade. O dolo
é analisado na conduta e composto somente de elementos naturais: consciência
e vontade. É um dolo despido de elemento normativo.
Portanto, dolo natural é o dolo adotado pela teoria finalista. Migrou da
culpabilidade para o fato típico, sendo composto por dois elementos: consciência e
vontade.

2.4.1.5.12. Dolo de propósito


Dolo de propósito é o chamado “dolo refletido”. Nem sempre ele agrava a pena,
pois a premeditação, por si só, não qualifica o crime.

2.4.1.5.13. Dolo de ímpeto


Dolo de ímpeto é o dolo repentino. Deve ser uma atenuante de pena. Ocorre nos
crimes multitudinários, como a rixa.

2.4.1.6. Quadro resumo – Espécies de Dolo

 Resumo – Classificações do Dolo


1. D. Adotado pela teoria neokantista, essa espécie de dolo integra a culpabilidade,
Normativo trazendo, a par dos elementos consciência e vontade, também a consciência atual
ou Híbrido da ilicitude (que é o elemento normativo do dolo).
2. Dolo Adotado pela teoria finalista, essa espécie de dolo compõe a conduta, pressupondo
Natural ou consciência e vontade (despido de elemento normativo).
Neutro
3. D. Direto ou Configura-se quando o agente prevê um determinado resultado, dirigindo sua
determinad conduta na busca de realizá-lo.
o
4. Dolo Configura-se quando o agente, com a sua conduta, não busca resultado certo e
Indireto ou determinado. Esse dolo possui duas formas:
indeter-
minado
5. Dolo É espécie de dolo indireto. O agente prevê uma pluralidade de resultados. Mas, no
alternativo dolo alternativo, o agente quer UM OU OUTRO, tanto fazendo.
6. Dolo É espécie de dolo indireto. O agente prevê uma pluralidade de resultados. Mas,
eventual aqui, o agente quer um resultado, aceitando produzir o outro.
7. Dolo O agente pretende alcançar dois resultados, em sequência. É um caso de
cumulativo progressão criminosa. O dolo cumulativo é o dolo presente na progressão
criminosa.
8. D. de 1º grau É a mesma coisa que dolo direto.
9. Dolo de 2º O agente para alcançar o resultado desejado, utiliza meios que acabam,
grau obrigatoriamente, gerando efeitos colaterais. O agente não deseja imediatamente
os efeitos colaterais, mas tem por certa sua ocorrência, caso se concretize o
resultado pretendido.
10. D. de Perigo A vontade do agente é causar efetiva lesão ao bem jurídico tutelado.
11. D. de Dano O agente atua com a intenção de expor a risco o bem jurídico tutelado.
12. D. Genérico O agente tem a vontade de realizar a conduta descrita no tipo penal, sem um fim
específico.
13. Dolo O agente tem a vontade de realizar a conduta descrita no tipo penal, COM UM FIM
Específico específico, visando um fim específico. Essa classificação está totalmente
ultrapassada, pois o que antes era chamado de dolo específico, hoje é chamado de
elemento subjetivo do tipo.
14. Trata-se do dolo existente na modalidade de erro de tipo acidental sobre o nexo
Dolo geral causal (modalidade de “aberratio causae”), em que o agente, mediante conduta
ou sucessivo desenvolvida em dois ou mais atos, provoca o resultado pretendido, porém com
outro nexo. O dolo geral também é chamado de “erro sucessivo”. Ele não exclui o
dolo nem a culpa, não isenta o agente de pena, e o agente responde pelo resultado
produzido, com o nexo causal real, pois o agente, de modo geral, aceita qualquer
meio para atingir o fim pretendido.
15. D. de O dolo de propósito, nada mais é do que o dolo refletido.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

propósito
16. D. de ímpeto É um dolo repentino. Defende-se que esse dolo repentino é uma circunstância
atenuante.

2.4.2. Crime culposo

2.4.2.1. Previsão legal


O crime culposo está previsto no art. 18, II, do CP:

Art. 18 - Diz-se o crime:(...)

Crime culposo

II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência,

negligência ou imperícia.

2.4.2.2. Conceito
O crime culposo consiste numa conduta voluntária que realiza um fato ilícito não
querido ou aceito pelo agente, mas que foi por ele previsto (culpa consciente) ou lhe
era excepcionalmente previsível (culpa inconsciente) e podia ser evitado se o agente
atuasse com a cautela necessária.
Culpa é a quebra do dever objetivo de cuidado.
No art. 33, II, do CPM, há um conceito legal de crime culposo:

Art. 33. Diz-se o crime:

Culpabilidade (...)

II - culposo, quando o agente, deixando de empregar a cautela, atenção, ou diligência

ordinária, ou especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o

resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente

[irresponsavelmente] que não se realizaria ou que poderia evitá-lo.

2.4.2.3. Elementos estruturais do crime culposo


São elementos do crime culposo:
i. Conduta voluntária:
No crime culposo, a vontade do agente circunscreve-se à realização da conduta e
não à produção do resultado.
A ação ou a omissão é dirigida pelo querer, mas o resultado causado é
involuntário.
Em última análise é uma conduta voluntária + resultado involuntário
ii. Violação de um dever objetivo de cuidado:
O agente atua em desacordo com o que esperado pela lei e pela sociedade, viola
uma regra básica para o convívio social.
O operador deve analisar as circunstâncias do caso concreto, pesquisando se uma
pessoa de diligência mediana evitaria o perigo, o resultado.
São formas de violação do dever de cuidado:
a. Imprudência (afoiteza) ela se manifesta concomitantemente à ação,
estando presente no decorrer desta culminando no resultado
involuntário, ex. conduzir veículo em alta velocidade em dia chuvoso;

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

b. Negligência (falta de precaução) ela se manifesta antes do início da


conduta, pois o agente não adota a precaução necessária que se exige
no caso concreto, ex. conduzir veículo com pneus gastos.
c. Imperícia (falta de aptidão técnica para o exercício de arte, ofício ou
profissão), ex. condutor atrapalha-se e troca o pedal do freio pelo
pedal da embreagem.
Lembra Mirabete que as modalidades de culpa não se excluem, podendo
haver no mesmo caso concreto a verificação de mais de uma dela, ou apenas de uma, o
que não há é culpa sem qualquer delas, tanto que eventual denúncia do MP não
pode deixar de apontar a modalidade de culpa ocorrente. Caso não aponte
negligência, imprudência ou imperícia, a peça acusatória será inepta. Mas não basta
apontar. Deve-se descrever a modalidade escolhida.
O problema é que nem sempre é fácil distinguir imprudência e negligência. A
diferença é muito tênue. Há doutrina, como Juarez Tavares e Juarez Cirino, que
entende ser a imprudência e a imperícia espécies de negligência (só é afoito aquele que
não age com precaução; só é imperito aquele que é negligente).
Obs.: Se o Promotor descreve na denúncia um crime culposo em caso de
negligência, mas na instrução percebe-se tratar de caso de imperícia, deve ela ser
aditada ou o juiz pode sentenciar? A alteração na forma de violação do dever de
cuidado implica em nova imputação, sendo imprescindível a figura da mutatio
libelli, assim, adita-se a inicial, pois o réu se defendeu da negligência, e não da
imperícia (trata-se de uma circunstância nova, não objeto do contraditório e da ampla
defesa). Aplica-se, portanto, o art. 384 do CPP58.
iii. resultado naturalístico:
O crime culposo é sempre delito material, ou seja, exige modificação do
mundo exterior.
Obs.: Há, entretanto, uma exceção a essa regra (uma hipótese de crime
culposo não material): o art. 38 da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006). Trata-se do
único crime culposo da lei:

Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas

necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com

determinação legal ou regulamentar:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinquenta) a

200 (duzentos) dias-multa. (...)


Na modalidade “prescrever”, o crime se consuma com a mera entrega da
receita ao paciente, não sendo necessário que ele consuma a droga e sofra as
consequências maléficas à saúde. Há parcela da doutrina que diz ser o resultado
naturalístico a entrega da receita, mas Rogério rebate dizendo que o resultado
naturalístico é o dano que se busca evitar.
iv. Nexo causal entre a conduta e o resultado:
Tratando-se, como mencionado, de crime que pressupõe resultado naturalístico,
e em decorrência da teoria da conditio sine qua non, adotada no art. 13, caput, do

58 Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica

do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração


penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no
prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação
pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. (Redação dada pela Lei nº
11.719, de 2008). (...)

70
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Código Penal, deve estar presente a relação de causalidade entre a ação ou omissão
voluntária e o resultado involuntário.
v. Previsibilidade do resultado involuntário:
Previsibilidade é a possibilidade de conhecer o perigo advindo da conduta.
Não se confunde com previsão, em que o agente conhece o perigo. No crime
culposo basta a previsibilidade, não sendo necessária a efetiva previsão.
Não se descarta a culpa desde que o agente acredite poder evitar o resultado, é o
claro caso da culpa consciente.
Obs.: A doutrina fala em: 1. Previsibilidade objetiva do resultado, traduzida
na possibilidade do portador de inteligência mediana ser capaz de concluir que sua
conduta pode resultar no ilícito; 2. Previsibilidade subjetiva, entendida como a
possibilidade de conhecimento do perigo analisada sob o prisma subjetivo do autor,
levando em consideração seus dotes intelectuais, sociais e culturais59.
vi. Tipicidade (art. 18, parágrafo único, do CP):

Art. 18 (...) Parágrafo único- Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode

ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica

dolosamente.

Segundo o dispositivo, se o tipo penal não tem expressa previsão de modalidade


culposa, ele somente é punido na forma dolosa, tal dispositivo consagra o princípio
da excepcionalidade do tipo culposo.
O crime culposo é sempre descrito num tipo aberto. Isso significa que o juiz,
analisando a conduta do agente, conclui se houve negligência, imprudência ou
imperícia. Há, entretanto, um crime culposo que o legislador define a priori os
comportamentos que entende negligentes: a receptação culposa (art. 180, § 3º, do CP):

Art. 180 (...) § 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela

desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve

presumir-se obtida por meio criminoso: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas. (Redação dada

pela Lei nº 9.426, de 1996)


Alguns doutrinadores chegam a dizer que o art. 180, § 3º seria um tipo culposo
fechado (Cléber Masson). Rogério discorda, em virtude da existência de elementos
normativos a serem valorados pelo Juiz.
Zaffaroni ensina que o autor culposo é o causador de um resultado, mas não tem
domínio do fato. Apenas o autor doloso tem o domínio do fato.

2.4.2.4. Espécies de culpa

2.4.2.4.1. Culpa consciente (com previsão ou ex lascívia)


Na culpa consciente, o agente prevê o resultado, mas espera que ele não
ocorra, supondo poder evitá-lo contando com sua habilidade ou com a sorte. Também
é chamada de culpa com previsão. Mais que previsibilidade o agente tem previsão, mas
o resultado continua involuntário, ainda que previsto pelo agente.

59 Segundo Cleber Masson, a previsibilidade subjetiva não é elemento da culpa, mas


será considerada pelo magistrado no juízo da culpabilidade, integrando o elemento da
exigibilidade de conduta diversa.

71
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

2.4.2.4.2. Culpa inconsciente (sem previsão ou ex igonorantia)


Na culpa inconsciente, o agente não prevê o resultado, que, entretanto, lhe era
previsível. Trata-se de uma culpa sem previsão.

2.4.2.4.3. Culpa própria (propriamente dita)


O Agente não quer e não assume o risco de produzir o resultado, mas acaba lhe
dando causa por imprudência, negligencia ou imperícia, é a quebra do dever objetivo de
cuidado.
É gênero da qual são espécies: Conduta voluntária + Resultado involuntário.
a. Culpa consciente:
b. Culpa inconsciente:

2.4.2.4.4. Culpa in re ipsa (presumida)


A culpa in re ipsa (ou presumida) era modalidade de culpa admitida pela
legislação penal brasileira antes do CP/1940 e consistia na simples inobservância de
uma disposição regulamentar. Não observada uma norma, um regulamento, presumia-
se a culpa. Hoje, a culpa não mais se presume, devendo ser comprovada.

2.4.2.4.5. Culpa imprópria (por equiparação/assimilação/extensão)


É a conseqüência legal para erro evitável numa discriminante putativa, está
prevista no art. 20, § 1º, do CP:

Art. 20 (...) § 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas

circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não

há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime

culposo.
Trata-se daquela em que o agente, por erro evitável, fantasia certa situação de
fato, supondo estar agindo acobertado por uma excludente de ilicitude (descriminante
putativa) e, em razão disso, provoca intencionalmente um resultado ilícito.
Apesar de a ação ser dolosa, o agente responde por culpa por razões de
política criminal. A estrutura do crime é dolosa (conduta voluntária + resultado
voluntário) há consciência e vontade, porém ele é punido como se culposo fosse.
São sinônimos de culpa imprópria: culpa por extensão, por assimilação ou por
equiparação.

Consciência Vontade
Dolo direto O agente prevê o resultado. O agente quer o resultado.
Dolo eventual O agente prevê o resultado. O agente assume o risco de
produzir o resultado, aceitando-o.
Culpa consciente O agente prevê o resultado. O agente acredita que o resultado
não vai ocorrer.
Culpa inconsciente O agente não prevê o O agente não tem vontade de
resultado, que era realizá-lo (obviamente).
previsível.
A dificuldade em diferenciar dolo eventual e culpa consciente não é teórica, mas
prática. O “racha“, para os Tribunais Superiores, é dolo eventual. Todavia, em prova da
Defensoria, deve-se alegar que se trata de culpa consciente. A embriaguez, sem racha, é

72
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

considerada culpa consciente na jurisprudência (posição, inclusive, da PGJ/SP).


Rogério acha que tanto a embriaguez quanto o racha são dolo eventual.

2.4.2.4.6. Quadro resumo – Espécies de Culpa

 Resumo – Classificações da Culpa


1. Culpa É aquela em que o agente não quer e não assume o risco de produzir o
Própria resultado.
2. Culpa O agente prevê o resultado, mas espera que ele não ocorra, supondo
Consciente poder evitá-lo com sua habilidade. Trata-se de uma culpa com
previsão.
3. Culpa O agente não prevê o resultado, que, entretanto, era previsível. (culpa
Inconsciente com previsibilidade e não com previsão).
Culpa É aquela em que o agente, por erro evitável, fantasia certa situação de
imprópria fato, supondo estar agindo acobertado por uma causa excludente de
4. ou culpa por ilicitude (descriminante putativa). Em razão disso, provoca
extensão/ intencionalmente um resultado ilícito. Apesar de a ação ser dolosa, o
assimilação/ agente responde por culpa, por razões de política criminal (art.20, §1º,
equiparação do CP).
5. Culpa Tratava-se de modalidade de culpa admitida pela legislação penal,
presumida antes do CP de 1940 e consistia na simples inobservância de uma
ou in re ipsa disposição regulamentar. Hoje, a culpa não mais se presume, devendo
ser comprovada.

2.5. Erro de Tipo


2.5.1. Conceito
Erro é a falsa percepção da realidade.
Erro de tipo é aquele que recai sobre as elementares, circunstâncias ou qualquer
dado agregado ao tipo penal.
Obs.: Não se confunde com erro de proibição. No erro de tipo, o agente
tem falsa percepção da realidade. Ele não sabe o que faz.
No erro de proibição, o agente percebe a realidade. Ele sabe o que faz, mas
desconhece ser um ilícito.
Ex.: o sujeito que vai a um local próprio para a caça, acha que estava matando um
veado e acerta outro caçador pratica erro de tipo. Pessoa acha um guarda chuva na rua
e pensa “achado não é roubado” sem saber que comete o crime do Art. 169, § 2º.
Ex.: o agente subtrai ferro velho, pensando tratar-se de sucata abandonada (não
sabe que subtrai coisa alheia móvel).
Ex.: quem transporta droga sem ter consciência da natureza da substância
transportada age em erro de tipo. Em Presidente Prudente uma mulher que foi
convencida a transportar a droga, mas não sabia que era droga.
O erro de tipo pode ser essencial ou acidental, modalidades que serão estudadas a
seguir.

2.5.2. Espécies de erro de tipo

2.5.2.1. Erro de tipo Essencial: Art. 20 caput, CP

Ocorre quando o erro recai sobre elementares, dados principais do tipo.


Se alertado do erro, o agente deixaria de agir.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo,

mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. (...)


Ex.: caçador, em local próprio para a caça, atira contra um arbusto que se mexia,
pensando lá se esconder um animal. Percebe que atrás do arbusto, na verdade, se
escondia um homem.

2.5.2.1.1. Consequências do erro de tipo essencial


As consequências do erro de tipo essencial variarão conforme seja ele inevitável
ou evitável:
i. Erro de tipo essencial inevitável:
O erro de tipo essencial inevitável exclui dolo e culpa.
Assim, o agente fica isento de pena.
Exclui o dolo por fulminar a consciência, que é elemento do dolo e exclui a
culpa por não ter o agente a previsibilidade60, pois, o que é imprevisível é
inevitável.
ii. Erro de tipo essencial evitável:
No erro de tipo essencial evitável, há exclusão do dolo, por não ter o agente a
consciência, elemento do dolo.
No entanto, pune-se a culpa, pois se o erro era evitável, ele era previsível e a
culpa exige previsibilidade como um de seus elementos, mas somente se prevista como
crime.
Para que se diferencie o erro evitável do inevitável há que se proceder à análise do
caso concreto, aliado à figura do “homem médio”, por entender que a previsibilidade
deve ser avaliada tão-somente sob o enfoque objetivo, levando em consideração
estritamente o fato e não o autor.
Entretanto, há uma clara impossibilidade da definição do homem médio, em
razão disso, deve-se analisar se o erro era ou não evitável de acordo com as
circunstâncias que rodeiam o agente no caso concreto. A idade, o local, o grau
de instrução, a hora, etc. são circunstâncias que podem fazer com que determinado
agente erre em determinada situação. É um critério muito mais justo.

2.5.2.2. Erro de tipo acidental


Ocorre quando o erro recai sobre dados periféricos, secundários do
tipo.
Assim, ainda que o agente seja alertado do erro, ele continuará a agir ilicitamente,
corrigindo os caminhos da sua conduta. Ex.: sujeito vai ao supermercado para subtrair
um pacote de açúcar, mas acaba por furtar um pacote de sal. Informado do erro, ele
prosseguiria na conduta e providenciaria a subtração do pacote de açúcar.
O erro de tipo acidental se divide em cinco espécies segundo a doutrina.

2.5.2.2.1. Erro de tipo acidental sobre o objeto


O erro de tipo sobre o objeto é uma criação doutrinária e não tem
previsão legal61.
Nele, o agente, por erro, representa mal o objeto material visado, atingindo
coisa diversa da projetada. Ex.: o sujeito quer subtrair um relógio de ouro, mas, por
erro, acaba furtando um relógio dourado. Essa projeção equivocada se dá por conta de
má representação.
60 A previsibilidade é um dos elementos da culpa.
61 O MP das Alagoas já explorou essa faceta do instituto.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Consequências: Essa espécie de erro de tipo não exclui dolo, não exclui
culpa e não isenta o agente de pena. O agente responderá pelo delito,
considerando objeto material efetivamente atingido e não o desejado.62
Segundo o exemplo, o agente responderá por furto, considerando a coisa
efetivamente atingida (o objeto real) e não a coisa a que ele visava atingir (o objeto
projetado, virtual). Ou seja, o agente responderá por furto considerando o relógio de
latão (se poderia cogitar até de aplicação do princípio da insignificância, o que não seria
possível em relação ao objeto pretendido, relógio de ouro).
Atenção! Obs.: Zaffaroni tem um posicionamento no sentido de que, nesse
caso, se deve aplicar o princípio do in dubio pro reo, ou seja, deverá ser
considerado o objeto material mais favorável ao agente. Assim, não se vai
considerar efetivamente a coisa pretendida ou a coisa efetivamente atingida, mas a que
mais beneficie o réu. No exemplo, o objeto material mais favorável ao agente seria o
relógio de latão, porque ele permitiria a aplicação do princípio da insignificância.
3.1.1.1. Erro de tipo acidental sobre a pessoa: Art. 20, §3º, do CP.
Art. 20 (...) § 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não
isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima,
senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.
No erro de tipo sobre a pessoa, o agente, por erro, representa mal a pessoa visada,
atingindo outra, diversa da pretendida, não havendo erro na execução, mas na
representação, o agente confunde as vítimas do crime.
Apresentam-se então “duas vítimas” a virtual ou visada e a efetivamente atingida,
ou real.
Ex.: agente quer matar seu pai (vitima virtual), porém representando
equivocadamente quem entrava em casa no começo da noite, atira e percebe que quem
entrava, na verdade, era seu tio (vítima real)63.
Observe que, no erro sobre o objeto há “coisa X coisa”, ao passo que, no erro
sobre a pessoa, há “pessoa X pessoa”.
Consequências: O erro sobre a pessoa não exclui o dolo ou a culpa e, portanto,
não isenta o agente de pena. Assim, o agente responderá pelo crime
considerando-se as qualidades e as condições da vítima virtual.64
No exemplo, o agente vai responder por parricídio (homicídio do pai), mesmo seu
pai estando vivo. Veja que não há discussão sobre qual seria a consequência do erro de
tipo sobre a pessoa porque há expressa previsão legal a respeito. Quando o
legislador prevê a hipótese de erro de tipo, a solução do caso fica muito mais fácil.
Obs.: Zaffaroni entende que a segunda parte do dispositivo deve ser interpretada
com extremo cuidado. Primeiro, porque a lei fala em crime pressupondo ter sido
praticado um crime. Diante disso, quando uma ação é dirigida contra uma pessoa que
não possui as qualidades típicas necessárias para que a conduta possa ser considerada
crime, muito embora o agente, por erro, acredite possuir ela essas qualidades, não
existe crime consumado ou tentativa de crime. Aquele que, pretendendo oferecer
vantagem indevida a funcionário público, a oferece a vizinho deste, por erro quanto à
pessoa, pratica uma conduta atípica quanto ao art. 333, caput, do CP. E isso também
não constitui tentativa, porque não deu início à execução do crime de corrupção ativa,
porquanto nada ofereceu a um funcionário público. Consequentemente, quando, por

62 Aqui há a aplicação da teoria da concretização.


63 Não houve qualquer erro na execução, pois a vítima efetivamente morreu, mas uma
confusão mental do agente.
64 Nesse caso, a teoria aplicada é a teoria da equivalência.

75
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

erro quanto à pessoa, a ação é praticada contra um extraneus, não há crime por tratar-
se de uma conduta atípica.
3.1.1.2. Erro de tipo acidental sobre a execução (ou aberratio ictus): Art.
73, CP
O erro de tipo acidental na execução é também chamado de aberratio ictus,
envolve a relação “pessoaXpessoa”
Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o
agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa
diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela,
atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também
atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste
Código.
No erro na execução, o agente, por acidente ou erro no uso dos meios de
execução, atinge pessoa diversa da pretendida, apesar de corretamente
representada, não há qualquer confusão mental65. Ex.: buscando matar seu pai, o
agente atira contra sua pessoa, mas, por erro na execução, acaba por atingir seu tio, que
estava ao lado do pai no momento do disparo.
Veja que, tanto no erro sobre a pessoa quanto no erro na execução, há “pessoa X
pessoa”, mas as figuras não se confundem. No erro sobre a pessoa, o agente representa
mal e executa bem, ao passo que, no erro na execução, o agente representa bem,
mas executa mal.
Consequências: O erro na execução não exclui o dolo e a culpa e,
portanto, não isenta o agente de pena. E o agente responderá pelo crime
considerando-se as qualidades e condições da vítima pretendida.
Mas o Art. 73 ainda trás uma diferenciação:
a. Aberratio Ictus com resultado único: Somente a pessoa diversa da
pretendida, o agente será punido considerando-se a qualidade da
vítima pretendida.66
b. Aberratio Ictus com resultado duplo ou Unidade Complexa: O agente atinge
também a pessoa pretendida, aqui, o agente responde pelos crimes
aplicando-se a regra do concurso formal (Art. 70, CP).
Há quatro situações possíveis quando se atinge mais de uma pessoa no erro na
execução:
1) o agente atira para matar A, mas acaba por atingir B, que morre. O agente
responde por homicídio de A (é a regra do art. 73 do CP).
2) o agente atira para matar A. A é atingido, mas não morre. Por erro na
execução, culposamente, o agente acaba por ferir B. O agente responde por tentativa de
homicídio de A e lesões culposas em B, em concurso formal de crimes (art. 70 do CP).
3) o agente atira para matar A. A morre, mas por erro na execução, acaba por
atingir culposamente B, que não morre. O agente responde por homicídio de A e lesões
culposas em B, em concurso formal de crimes (art. 70 do CP).
4) o agente atira para matar A. A fica ferido e, por erro na execução, acaba por
atingir B, que morre. Prevalece na doutrina que o agente responde por tentativa de
homicídio de A e homicídio consumado de A, em concurso formal de crimes. As

65 O que diferencia essa figura do erro sobre a pessoa, onde também há relação
“pessoaXpessoa”, mas a confusão é meramente mental.
66 Teoria da equivalência

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qualidades de B não são consideradas, é como se o agente tivesse matado A (vítima


pretendida).
A doutrina identifica duas espécies de “aberratio ictus” no art. 73:
i) aberratio ictus por acidente: não há um erro no “golpe”, mas ocorre um desvio
na execução do delito, assim, a pessoa projetada pode ou não estar no local, mas
não é atingida. No erro por acidente, não ocorre erro no manuseio do instrumento de
execução.
Ex. Sujeito coloca bomba no carro de seu desafeto para que, quando ele gire a
chave na ignição, o carro exploda. Ocorre que o motorista da vítima projetada liga o
veículo pela manhã e morre, não houve “erro no golpe”, pois a bomba explodiu
corretamente.
ii) aberratio ictus por erro no uso dos meios de execução: existe um erro no
golpe, o desvio na execução se da por inabilidade do agente no uso do instrumento,
assim, a pessoa projetada está no local, mas não é atingida.
Ex. A mira em B mas atinge C pois não sabe atirar.
Veja que essas espécies de aberratio ictus apontadas pela doutrina estão
mencionadas no próprio texto legal (não são criações doutrinárias).
Obs.: Erro sobre a pessoa X Erro na execução:

3.1.1.3. Erro de tipo acidental com resultado diverso do pretendido (ou


aberratio criminis ou aberratio delict): Art. 74 do CP
Art. 74 - Fora dos casos do artigo anterior67, quando, por acidente ou erro
na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde
por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado
pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.
Ao usar a expressão “fora dos casos do artigo anterior”, o dispositivo demonstra
que o erro de tipo acidental com resultado diverso do pretendido é uma
espécie de erro na execução.
No resultado diverso do pretendido, o agente, por acidente ou erro na execução
do crime, provoca resultado diverso do pretendido, lesando bem jurídico diferente
do projetado. A relação é coisaXpessoa.
Ex.: o agente atira uma pedra para danificar o carro conduzido por seu pai, mas,
por erro, acaba atingindo a cabeça do motorista, que morre na hora.
Aberratio ictus (art. 73) Aberratio criminis(art. 74)
Espécie de erro na execução. Espécie de erro na execução.
Pessoa X Pessoa. Coisa X Pessoa.

67 A aberratio criminis é também espécie de erro na execução.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

O resultado provocado é o O resultado provocado é diverso do


mesmo que o pretendido, porém se pretendido.
atinge pessoa diversa da almejada.
O agente atinge o mesmo bem O agente atinge bem jurídico
jurídico. diverso.
Consequências: Nos termos do art. 74, a aberratio ictus não isenta o agente de
pena, de modo que o agente responderá pelo resultado diverso do pretendido,
a título de culpa. Se ocorrer também o resultado pretendido, será aplicada a regra do
concurso formal de crimes (art. 70).
No caso do filho que arremessa uma pedra no carro do pai, visando a danificar o
automóvel, o resultado pretendido é o dano e o resultado produzido (diverso do
pretendido) é a morte. De acordo com o art. 74, esse agente responderá por homicídio
culposo de seu pai (art. 121, §3º, do CP).
Obs.: Alerta Zaffaroni que o artigo 74 do CP não pode ser aplicado se o
resultado diverso do pretendido atingir bem jurídico menos valioso, menos
importante para o homem. Ou seja, a regra do dispositivo deve ser afastada quando
o resultado pretendido for mais grave que o resultado produzido, hipótese
em que o agente responderá pelo resultado pretendido na forma tentada. Isso para
que não haja impunidade. Assim, no exemplo, o agente que pretendia matar o pai vai
responder por tentativa de homicídio.
3.1.1.4. Erro de tipo acidental sobre o nexo causal (aberratio causae)
O erro sobre o nexo causal é também denominado de aberratio causae. Essa
modalidade não é criação doutrinária, não encontrando previsão legal.
O agente produz o resultado desejado, mas com nexo causal diverso do
pretendido.
São modalidades de erro sobre o nexo causal:
i) erro sobre o nexo causal em sentido estrito:
No erro sobre o nexo causal em sentido estrito, o agente, mediante um só ato,
provoca o resultado pretendido, porém com nexo causal diverso. Ex.: agente empurra a
vítima de um penhasco para que ela morra afogada. Durante a queda, a vítima bate a
cabeça contra uma rocha, morrendo em razão de traumatismo craniano. Assim, ao
invés de o nexo ser o afogamento, foi o traumatismo craniano.
ii) dolo geral/erro sucessivo ou aberratio causae:
No dolo geral, o agente, mediante conduta desenvolvida em dois ou mais atos,
provoca o resultado pretendido, porém com nexo de causalidade diverso. Ex.: o agente
atira na vítima e, imaginando que ela está morta, empurra o corpo no mar. Em razão
disso, a vítima morre asfixiada.
Atenção para não confundir essas duas modalidades de erro sobre o nexo causal.
Em ambos os casos, há erro sobre o nexo causal. No entanto, no erro sobre o nexo
causal em sentido estrito, há apenas um ato. Ao revés, no dolo geral, a conduta é
desenvolvida em dois ou mais atos.
Consequências: O erro sobre o nexo causal não exclui o dolo ou a culpa e,
portanto, não isenta o agente de pena. Nessa hipótese, o agente responde
pelo crime praticado. Nos exemplos, o agente responderá pelo crime de homicídio.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

A discussão dessa modalidade repousa na responsabilização do agente em relação


ao nexo causal, o tema tem importância, porque, p. ex. no segundo exemplo, o tiro não
gera qualificadora, mas a asfixia gera a qualificadora do art. 121, §2º, III68.
Há três correntes sobre o tema69.
1ª corrente:o agente responde pelo crime considerando o nexo efetivo,
ocorrido, real. No primeiro exemplo, o agente responde em relação ao traumatismo
craniano e, no segundo, pela asfixia.
2ª corrente:o agente responde pelo crime considerando o nexo pretendido,
projetado, virtual, evitando-se responsabilidade penal objetiva (sem dolo ou culpa).
Não se pode esquecer de que o nexo causal tem que ser alcançado pelo dolo do agente.
3ª corrente:o agente responde pelo crime considerando o nexo mais benéfico
para o réu (in dubio pro reo).
Prevalece na doutrina a primeira corrente. Rogério defende a terceira corrente,
porque, pelo fato de não haver previsão legal sobre as consequências dessa modalidade
de erro, deve-se decidir da forma mais favorável ao réu.
O que são delitos aberrantes? Apesar de a doutrina criticar essa classificação de
delitos “aberrantes”, são eles: aberratio ictus (art. 73 do CP), aberratio criminis (art.
74 do CP) e aberratio causae (erro sobre o nexo causal).

2.5.2.3. Questões importantes de concurso sobre erro de tipo

2.5.2.3.1. Erro de subsunção


É o erro que recai sobre conceitos jurídicos, onde o agente decifra
equivocadamente o sentido jurídico de seu comportamento.
Ex.: suponha que uma pessoa falsifique cheque do Banco Itaú. Essa pessoa será
responsabilizada por crime de falsidade documental. Mas crime de falsidade
documental de documento público ou particular? O art. 297, §2º, do CP estabelece que
o título ao portador ou transmissível por endosso equipara-se a documento público
para fins penais. Assim, apesar de o Itaú ser instituição particular, o documento será
considerado público por equiparação.
Imagine que o promotor denunciou o agente por falsidade de documento público.
Porém, na audiência, o réu sustenta que não sabia que o cheque seria documento
público. Que modalidade de erro é esse? Veja que não é erro de tipo, porque, nessa
modalidade de erro, o agente desconhece a realidade (e o agente sabia que estava
falsificando cheque). Também não é erro de proibição, porque o agente sabia que
estava cometendo crime (ainda que não soubesse se tratar de documento público).
Afirma-se que, nessa hipótese, houve erro de subsunção70.
O erro de subsunção é uma criação doutrinária, não tem previsão legal. Note que
o erro de subsunção não se confunde com o erro de tipo, pois não há falsa percepção da
realidade. Também não se confunde com o erro de proibição, pois o agente conhece a
ilicitude de seu comportamento. Trata-se de erro que recai sobre valorações jurídicas,
ou seja, o agente interpreta equivocadamente o sentido jurídico de seu comportamento.

68 Art. 121. (...) § 2° Se o homicídio é cometido: III - com emprego de veneno, fogo, explosivo,
asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; Pena -
reclusão, de doze a trinta anos.

69Rogério observa que esse tema não é tratado dessa forma detalhada pelos manuais. Cezar
Roberto Bitencourt tem um manual específico sobre erro de tipo.

70 No MP de MG já foi abordado esse tema na fase oral.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Ex.: sujeito ignora que jurado é funcionário público para fins penais ouq ue
cheque é documento particular. Veja que, nesses dois exemplos, está-se diante de
interpretação jurídica equivocada.
O erro de subsunção não exclui o dolo ou a culpa, de modo que não
isenta o agente de pena. Assim, o agente responde pelo crime. Nesse caso, o erro
pode gerar, no máximo, uma atenuante de pena (art. 66 do CP, que prevê a
atenuante genérica/inominada):

Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante,

anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.

2.5.2.3.2. Aberratio ictus e competência de acordo com a qualidade da vítima


Ex.: imagine que o atirador pretende atirar e matar determinado servidor público
federal. No entanto, por erro na execução, ele acaba matando outra pessoa, que é
servidor público estadual. Trata-se de hipótese de aberratio ictus. Nesse caso, o
homicídio será processado perante a justiça federal ou estadual?
Pela regra do art. 73, apesar de o agente ter atirado contra o servidor público
estadual, ele responde como se tivesse atingido o servidor público federal (vítima
pretendida). O crime praticado contra servidor federal deveria ser apurado pela justiça
federal. No entanto, o CP não prevê consequências de ordem processual penal para a
aberratio ictus. Assim, deve-se aplicar apenas os reflexos de direito material do art. 73.
Isso significa que, para fins de competência, considera-se a pessoa efetivamente
atingida.

2.5.2.3.3. Erro provocado ou determinado por terceiro


O erro provocado ou determinado por terceiro é hipótese prevista pelo artigo 20,
§2º, do CP:

Art. 20 (...) § 2º - Responde pelo crime o terceiro que determina o erro.


No erro de tipo, o agente erra por conta própria, por si só, já na hipótese do art.
20, §2º, existe terceira pessoa que induz o agente a erro (não espontâneo). Ou seja, o
agente não incorreu em erro sozinho, mas, sim, porque foi induzido.
Ex.: médico quer matar paciente. Depois de colocar veneno na seringa, pede para
a enfermeira ministrar no doente, dizendo tratar-se de antibiótico.

Nesta figura há duas figuras, o agente provocador do erro e o agente provocado.


Assim se o agente provocador determina dolosamente o erro de outrem responde
por crime doloso. E, quem determina o erro culposamente, responde por crime
culposo. Há aqui a figura do autor mediato,71.
E o agente provocado, se o evento era imprevisível, o fato é atípico. Se, por outro
lado, era previsível, ela responde por culpa. E, por fim, se a enfermeira previu,
querendo ou assumindo, o risco, restará caracterizado o dolo direto ou eventual.

2.5.2.3.4. Erro de tipo vs. delito putativo por erro de tipo


Tanto no erro de tipo quanto no delito putativo por erro de tipo, o agente não
sabe o que faz. Ou seja, há falsa percepção da realidade.
Ex.: sujeito atira no arbusto achando que, atrás dele, está um animal que
pretende caçar. Na verdade, há lá uma pessoa escondida. Nesse caso, há erro de tipo.
Agora, se o sujeito atira em pessoa que já está morta, acreditando que ela estava viva,
há delito putativo por erro de tipo.

71 Será estudada quando da análise do concurso de pessoas.

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Erro de tipo Delito putativo por erro de tipo


Agente imagina estar agindo licitamente. Agente imagina estar agindo fora da lei.
O agente ignora a presença de elementar do O agente ignora a ausência de uma elementar
tipo (ele ignora que, atrás do arbusto, há (pessoa morta deixa de ser “alguém”).
“alguém”, que é elementar do tipo de
homicídio).
O agente pratica fato típico sem querer. O agente pratica fato atípico sem querer.
O sinônimo de delito putativo por erro de tipo é “delito de alucinação” (essa
terminologia foi cobrada pelo MP da Bahia), porque o agente fantasia estar cometendo
um crime.

Inevitável
Essencial
Evitável

Sobre o Objeto
Erro de Tipo
Erro de Sobre a pessoa
Proibição
Acidental Na Execução (aberratio ictus)*
Resultado Diverso do Pretendido (aberratio
criminis)*
Sobre o Nexo Causal (aberratio Causae)*

2.6. Crimes Comissivos e Crimes Omissivos

2.6.1. Crimes Comissivos

O crime comissivo é aquele praticado por ação. Para a compreensão desse


conceito, deve-se lembrar da ideia de tipo proibitivo. O direito penal protege bens
jurídicos, proibindo algumas condutas desvaliosas. No crime comissivo, o agente
pratica exatamente essa conduta desvaliosa que o tipo proíbe.

2.6.2. Crimes Omissivos


O crime omissivo é aquele praticado por omissão. Para a compreensão desta
espécie de conduta, fundamental recordar o conceito de tipo mandamental. No tipo
mandamental, o direito penal protege bens jurídicos, determinando a realização de
condutas valiosas72. Assim, no crime omissivo, o agente não age praticando a
conduta valiosa a que estava juridicamente obrigado e que lhe era possível
realizar.
No caso do tipo omissivo a violação é de uma norma (tipo) mandamental que
pode decorrer:
i) do próprio tipo penal (omissão própria): O tipo incriminador descreve a
própria omissão.
São tipos penais normalmente iniciados com as expressões “deixar de”. Ex.: art.
135, do CP:

72 Ou proibindo a inação de condutas valiosas.

81
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à

criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou

em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade

pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão

corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.


Quando a conduta omissiva decorre da violação de norma mandamental prevista
no próprio tipo penal, diz-se que há uma omissão própria (pura).
ii) de uma cláusula geral (omissão imprópria ou crime comissivo por omissão): O
dever de agir encontra-se previsto numa norma ou cláusula geral.
O art. 13, §2º do CP traz uma norma geral mandamental:

Art. 13 (...) § 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia

agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.


O agente mesmo tendo se omitido responde por crime praticado normalmente
por uma ação, pois violou dever jurídico previsto na norma geral73.
Quando a conduta omissiva decorre da violação de uma norma mandamental
prevista em cláusula geral, trata-se de uma omissão imprópria (impura).

Omissão própria Omissão imprópria


O agente tem um dever genérico de agir. Ou O agente tem o dever específico de evitar o
seja, a norma mandamental atinge a todos resultado. Esse dever específico tem
indistintamente. Esse dever genérico é o personagens próprios, os chamados
dever de solidariedade. garantidores (art. 13, 2º, do CP).
Na omissão própria, a omissão está descrita Na omissão imprópria, a omissão está
no tipo. Ou seja, existe subsunção direta descrita em cláusula geral. Por não ter
entre a omissão e o tipo penal (o fato é uma evitado o resultado, o agente responderá
omissão e a lei também descreve uma por crime comissivo, como se o tivesse
omissão, por isso subsunção direta). praticado. Entre a omissão e o tipo penal
Exemplo: omissão de socorro. Assim, aquele não existe subsunção direta, sendo
que omitiu socorro incorrerá na norma do necessário passar-se pelo art. 13, §2º, para,
art. 135, do CP. então, buscar o tipo penal comissivo. É um
caso de subsunção indireta (o fato é uma

Ex. não há um tipo penal que incrimina a conduta de “deixar de amamentar o filho
73

causando-lhe a morte”, entretanto, o homicídio que é um crime naturalmente comissivo será


imputado à mãe que nega amamentação ao seu filho, por força da cláusula geral do Art. 13, § 2º.

82
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

omissão e a lei descreve uma ação. Primeiro


deve-se ir ao art. 13, parágrafo 2º, do CP,
para depois se chegar à norma do tipo
omissivo impróprio. Se não fosse o art. 13,
parágrafo 2º, do CP não seria possível
ajustar o fato à norma).
Não admite tentativa. Por ser tratada como crime comissivo, a
omissão imprópria admite a tentativa.
Imagine que o sujeito se depara com uma pessoa agonizando e pedindo socorro.
Quando esse sujeito deixa de socorrer essa pessoa, qual crime ele pratica? Depende de
quem é essa pessoa. Se esse sujeito não é um garantidor, ele vai responder por omissão
de socorro. No entanto, se o sujeito era um dos garantes, ele deveria evitar o resultado
e, por não fazê-lo, vai responder por homicídio (doloso ou culposo).
Erro mandamental é o erro do agente que recai sobre os requisitos objetivos de
uma norma mandamental. É a hipótese de erro de tipo na omissão imprópria.
O erro mandamental (hipótese em que o agente desconhece seu dever de agir
para evitar o resultado) é causa de discussão na doutrina, sendo que há duas posições
sobre o tema:
a) 1ª Corrente: O erro mandamental deve ser equiparado ao erro de tipo,
aplicando-lhe as mesmas conseqüências. Luiz Flávio Gomes;
b) 2ª Corrente: O erro mandamental deve ser equiparado ao erro de
proibição, é a corrente que prevalece.

2.6.2.1. Crimes Omissivos Próprios


Ocorre quando a conduta omissiva está descrita no tipo incriminador, sendo que
para a sua concretização basta a não realização da conduta valiosa descrita no
tipo penal, sendo, em princípio, irrelevante a ocorrência de resultado naturalístico
eventualmente previsto. Esse resultado, aliás, serve para fixação da pena, podendo
gerar até mesmo majorante ou uma qualificadora
A lei estabelece um dever genérico de agir que não é observado pelo destinatário.
Este dever, aliás, é dirigido a todos indistintamente (dever de solidariedade).

2.6.2.2. Crimes Omissivos Impróprio


Nos crimes omissivos impróprios não basta a simples abstenção de
comportamento.
Adota-se aqui a teoria normativa, em que o não fazer, a omissão só será
penalmente relevante quando o omitente possuir a obrigação de agir para
impedir a ocorrência do resultado (dever jurídico), ou seja é um “garante da
situação”.
Somente assumem a posição de garante aquelas pessoas que se amoldam Às
situações elencadas pelo§ 2º do Art. 13 do CP74:

Art. 13 (...)

§ 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para

74 O Código Penal adotou o critério das fontes formais do dever de garantidor,

abandonando a teoria das funções que defendia a tese de que seria garantidor o agente que
tivesse uma relação estreita com a vítima, mesmo que não existisse qualquer obrigação legal
entre eles.

83
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

2.6.3. Crimes de conduta mista


Trata-se do tipo penal que prevê uma conduta precedente comissiva e uma
conduta subsequente omissiva.
Em outras palavras, é um crime que começa por ação e termina por omissão. Ex.:
art. 169, parágrafo único, II, do CP:

Art. 169 - Apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso

fortuito ou força da natureza:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Parágrafo único - Na mesma pena incorre:[...]

II - quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente,

deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade

competente, dentro no prazo de 15 (quinze) dias.


Perceba que o tipo penal começa descrevendo uma ação (achar coisa alheia) e,
depois, descreve conduta omissiva (deixar de restituir a coisa achada).
É o chamado crime à prazo, pois a omissão pressupõe mais de 15 dias para a
caracterização do delito.

3. Resultado

Da conduta (ação ou omissão sem a qual não há crime) podem advir dois
resultados: naturalístico (presente em determinadas infrações) e normativo
(indispensável em qualquer delito)

3.1. Espécies de resultado


3.1.1. Resultado naturalístico
O resultado naturalístico é a modificação do mundo exterior (perceptível pelos
sentidos) provocada pelo comportamento do agente. Ex.: a morte, a diminuição do
patrimônio, etc.
Obs.: Não se pode confundir o resultado naturalístico com as conseqüências
do crime, porque o resultado é elemento do fato típico, logo, ele não influencia na
pena, aquilo que integra o tipo não influencia a pena, sob o risco de ocorrer bis in idem.
O resultado é um efeito da conduta previsto no tipo. Exemplo: Não pode o juiz
dizer aumento a pena do homicídio em 1/6 porque a vítima morreu. Já os efeitos
extratipo são as conseqüências, não o resultado. O agente que, para subtrair bens de
uma pessoa mata duas ou mais, responderá por um único latrocínio (bem visado era o
patrimônio de uma das vítimas - dolo). A primeira morte irá servir para identificar o
delito, o resultado (latrocínio) e as demais mortes serão conseqüências desse crime,
serão utilizadas para aumentar a pena conforme a previsão do art. 59 do CP,
circunstâncias judiciais, porque essas conseqüências influenciam na pena base.

84
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

3.1.1.1. Classificação dos crimes quanto ao resultado


naturalístico
Para saber se todo crime tem resultado normativo ou naturalístico, importante
analisar a classificação dos delitos quanto ao resultado:
i) Crime material ou naturalístico:
Nos crimes materiais, o tipo penal descreve conduta E resultado
naturalístico, sendo que a ocorrência do resultado naturalístico é indispensável à
configuração do delito. Ex.: homicídio é o exemplo mais emblemático de delito
material.
ii) crime formal ou de consumação antecipada:
Nos crimes formais ou de consumação antecipada, o tipo penal também descreve
uma conduta E um resultado naturalístico, mas para o crime formal, o resultado
naturalístico é dispensável para a consumação, que se dá com a simples conduta
(por isso, ele também recebe a denominação de crime de consumação antecipada). Veja
que basta a mera possibilidade de o resultado naturalístico ocorrer. Se ele vier a
ocorrer, será considerado mero exaurimento.
O mero exaurimento será considerado pelo juiz na fixação da pena-
base.
Em determinado concurso, o examinador perguntou um exemplo de crime formal
que é assim definido por súmula do STJ. A resposta que ele buscava estava na súmula
96 do STJ, que trata do crime de extorsão:

Súmula 96 – STJ: O crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção

da vantagem indevida.
Nesse caso, a vantagem indevida é o resultado naturalístico dispensável para a
consumação de delito de extorsão.
iii) crime de mera conduta ou de mera atividade:
Nos crimes de mera conduta ou de mera atividade, o tipo penal descreve
somente conduta, sem resultado naturalístico (por isso, crime de mera conduta).
Ex.: violação de domicílio, omissão de socorro.
Assim, partindo da classificação acima, conclui-se que: i) o crime material tem
resultado naturalístico, e tal resultado é indispensável; ii) o crime formal tem resultado
naturalístico, mas tal resultado é dispensável; e iii) o crime de mera conduta não tem
resultado naturalístico descrito no tipo.
Entretanto, todo crime tem resultado normativo, requisito indispensável
em qualquer crime.
Qual dos dois resultados integra o fato típico: o normativo ou o naturalístico? Há
duas correntes:
1ª corrente: o resultado naturalístico.Quem concorda com essa corrente tem de
observar que crime material é composto de conduta, resultado, nexo e tipicidade e
crime formal e de mera conduta é composto de conduta e tipicidade.
2ª corrente: o resultado normativo. Para quem concorda com essa corrente,
pouco importa se o crime é material, formal ou de mera conduta. O crime será
constituído de conduta, resultado, nexo e tipicidade.
Hoje, vem prevalecendo na doutrina a segunda corrente.

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3.1.2. Resultado normativo ou jurídico


O resultado normativo (ou jurídico) é a caracterização da lesão ou perigo de lesão
ao bem jurídico tutelado.
Não se trata de evento material, aferível por meio dos sentidos, mas sim de um
evento ideal (no plano das idéias). Assim, é possível afirmar que todo crime,
inclusive a tentativa, possui resultado jurídico, porque todo crime lesa ou coloca em
perigo um bem jurídico. Não há crime sem resultado jurídico.

3.1.2.1. Classificação dos crimes quanto ao resultado normativo

i) Crime de lesão ou de dano:


É aquele cuja consumação requer efetiva a lesão ao bem jurídico tutelado.
Ex. furto – para a consumação exige a lesão a bem protegido. O homicídio se
consuma com a supressão da vida humana extrauterina.
O crime de dano não é necessariamente material, podendo ser forma, como p. ex.
a extorsão.
ii) Crimes de perigo (de ameaça).
São aqueles cuja consumação se contenta com a exposição do bem jurídico a uma
situação de perigo. Ex. Art. 132, CP
São divididos em perigo concreto/real , abstrato/presumido e perigo abstrato
de perigosidade real
a) Crimes de perigo concreto / real: o risco, o perigo é elementar do tipo,
razão pela qual deve ser demonstrado/provado.
A demonstração do perigo deverá ser feita em relação à certa e determinada
pessoa.
No CTB, art. 309, está previsto o crime de direção sem habilitação, que consiste
na pessoa conduzir o veículo automotor sem habilitação, gerando perigo de dano (o
perigo de dano é previsto no próprio art. 309).
b) Crimes de perigo abstrato / presumido: o perigo não figura como
elementar, dispensando-se sua demonstração, bastando comprovar a
realização da conduta, que o legislador o presume perigosa.
Ex. porte de arma, embriaguez ao volante.
Segundo parte da doutrina os crimes de perigo abstrato violam o princípio da
ofensividade ou lesividade. Mesmo que o legislador não fizer referência ao perigo, deve
ser demonstrado.
Os adeptos do princípio da ofensividade / lesividade, que prega que não há crime
sem a devida lesão ao bem jurídico no caso concreto, entendem que o legislador não
pode assumir presunções absolutas.
Assim, se adotado, este princípio resultaria em uma nova leitura dos crimes de
perigo abstrato, que seriam interpretados conforme a constituição. Tais crimes apenas
seriam válidos se, no caso concreto, ainda que o tipo penal não exija demonstração do
perigo, o aplicador da lei penal fizesse esta exigência.
É a posição defendida, por exemplo, por Rogério Greco, que transforma todos os
crimes de perigo abstrato em crimes de perigo concreto. Porém, não é essa a posição
que prevalece.

86
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Ainda que não haja exigência de demonstração do perigo concreto. Para quem
adotam esse princípio, deve-se comprovar o perigo concreto. Fazem uma interpretação
conforme.
Importa frisar que os Tribunais Superiores75 entendem que são válidos
os crimes de perigo abstrato, pois constituem estratégia válida do legislador para
proteger bens jurídicos relevantes, coibindo eventuais agressões (a esses bens) em seus
estágios iniciais.
c) Crime de perigo abstrato de perigosidade real: o perigo advindo da conduta,
deve ser comprovado, mas dispensa a prova do risco à pessoas certa
e determinada, admitindo o perigo à pessoas difusas.

4. Nexo Causal

4.1. Conceito
Entre conduta e resultado, deve haver um vínculo, um liame, algo que os una.
Nexo de causalidade é o vínculo entre conduta e resultado.
O estudo da causalidade busca concluir se o resultado, como um fato, ocorreu da
conduta e se pode ser atribuído, objetivamente, ao sujeito ativo, inserindo-se na sua
esfera de autoria por ter sido ele o agente do comportamento.
Em ultima analise o nexo causal busca aferir se o resultado pode ser atribuído
objetivamente ao sujeito ativo como obra do seu comportamento típico.
Para atribuir o resultado é preciso estabelecer haver o nexo (critério de imputação).
O código penal adotou a Teoria da equivalência dos antecedentes
(conditio sine qua non).
Quando o legislador escolhe o modo de imputação confere ao sistema segurança
jurídica, de forma, a manter uniforme a aplicação do direito.

4.2. Teorias acerca do nexo de causalidade


4.2.1. Teoria da causalidade adequada
Esta teoria não foi adotada pelo Código Penal e segundo a mesma “Causa” é
somente o fato adequado a produção do resultado, segundo o que
normalmente acontece (quod plenunque accidit)
Assim, nem todos os antecedentes serão causas do resultado (somente alguns
serão adequados).
Considera-se causa apenas o antecedente adequado à produção do resultado,
segundo aquilo que normalmente acontece.
Ou seja, a pessoa, fato ou circunstancia que além de praticar um antecedente
indispensável à produção do resultado, realiza uma atividade adequada à sua
concretização.
O método utilizado para aferir a relação de causalidade é o juízo de prognose
póstuma objetiva (mecanismo de verificação da causalidade da teoria da causalidade
adequada, que não foi adotada pelo CP).
Deve-se verificar se, ao tempo da conduta, o resultado se mostrava como algo
previsível, segundo uma prognose (um cálculo para o futuro) baseada naquilo de

75 . No Informativo do STF de número 643, entendeu-se que o crime de embriaguez ao


volante é de perigo abstrato. Embora não haja uma consolidação dessa corrente.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

normalmente acontece. Ou seja, o aplicador da lei penal deve verificar se no momento


da conduta o resultado se afigurava previsível, segundo o que normalmente acontece.
Não o sendo, não haverá nexo.
É a ideia de voltar ao passado, para que se possa olhar para o futuro. Se o juiz,
colocando-se no papel do réu, entende que o resultado, naquele momento, já era
previsível, a conduta do réu será causa do resultado.
Ex. discussão entre duas pessoas, um saca um canivete e desfere um corte, sem
perfurar, causando apenas um leve corte. O autor do corte deixa o lugar. A vítima
sangra até falecer.
Para esta teoria, não poderia se imputara morte ao autor, visto que o corte não é
fato adequado para produzir o resultado morte. Assim, não haveria nexo causa.
Para a teoria da equivalência, tudo que influencia o resultado a sua causa. Assim,
há relação de causalidade, podendo, para seus defensores, eventualmente imputar o
resultado.
O CP, na parte final do art. 13, caput, ao determinar que “Considera-se causa a
ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”, fez opção pela Teoria da
Equivalência dos Antecedentes / conditio sine qua non.

4.2.2. Teoria da equivalência dos antecedentes


O art. 13, caput, do CP determina o seguinte:

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a

quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o

resultado não teria ocorrido.


O dispositivo adotou a causalidade simples, generalizando as condições, assim
todas as causas concorrentes se põem no mesmo nível de importância, equivalendo-se
em seu valor (teoria da equivalência dos antecedentes causais ou conditio
sine qua non76). Todo fato sem o qual o resultado não teria ocorrido é considerado
causa.
O método utilizado para aferir a relação de causalidade é o juízo de
eliminação hipotética (Procedimento Hipotético de Eliminação de
Thyren,).
Basta analisar os antecedentes hipoteticamente, eliminando-os. Se com a
eliminação, o resultado de mantém, não será causa. Porém, se com sua eliminação o
resultado não se concretizar, será sua causa.
Para esta teoria, tudo o que influenciar o resultado é sua causa.

O problema dessa teoria é que, objetivamente, a imputação da causa tende ao


infinito. É exatamente contra esse regresso ao infinito que se insurge a teoria da
imputação objetiva.
Da forma como consta no CP, a imputação objetiva do resultado tende regressar
ao infinito, dependendo somente do nexo físico: presente o nexo físico, a conduta é
causa. A responsabilidade depende, também, do nexo psicológico (dolo e culpa). Caso
não se exigisse dolo e culpa, regressar-se-ia a responsabilidade penal também ao
infinito. Não fossem o pai e a mãe do Fernandinho Beira-mar, ele não nasceria e não
haveria crimes. Os pais dele, portanto, são causa dos crimes dele para a teoria, mas não
são responsabilizados por não terem agido com dolo ou culpa.

76 Também e conhecida como Teoria da equivalência das condições, teoria da condição


generalizadora ou teoria da condição simples.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Conforme salientado acima, adoção dessa teoria traz dois problemas notáveis:
A. Regresso ao infinito (ad infinitum)
O exemplo clássico é o do homicídio praticado com arma de fogo. É possível dizer
que, entre o ato de disparar os tiros e a morte, existe relação de causalidade.
Porém, se feito regresso nos antecedentes de forma infinita, se chegará na
conclusão de que a venda da arma ao criminoso deu causa do homicídio (o influenciou,
ainda que de forma pequena), bem como poderia se concluir que a fabricação desta
arma influenciou no homicídio, para a teoria da eliminação hipotética.

Embora correto no ponto de vista lógico, este raciocínio não é correto sob o ponto
de vista jurídico.
Apesar de reconhecer o problema dos regressos ao infinito, o legislador entendeu
ser dispensável resolver este problema de forma expressa no CP. Isso porque a Teoria
da ausência do dolo ou da culpa seria apta a resolver o problema.
No exemplo citado, o produtor e vendedor da arma não sabiam a finalidade que
seria dada a ela pelo sujeito, de forma que a ausência de dolo o isenta de
responsabilidade.
Entretanto, esta teoria não resolve todas as situações. Pode ser que o vendedor
soubesse que a arma seria utilizada para matar determinada pessoa X. Deveria o
vendedor ser responsabilizado pelo homicídio? Ora, existe nexo de causalidade entre
essa venda e o crime, e ele tinha conhecimento da intenção do comprador (havia dolo
no vendedor, não se aplicando a Teoria da ausência de dolo).
Assim, de forma exagerada e absurda, deveria se incluir na responsabilização
criminal o vendedor, que nada mais fez do que cumprir as normas de seu trabalho.

B. Cursos causais hipotéticos / Cursos causais extraordinários


Constituem um exagero voltado para frente, para o futuro.

Ex: motorista sai contrariado de casa, dirigindo imprudentemente, e atropela um


pedestre, provocando lesão corporal grave. Pedestre é colocado na ambulância, e esta
sofre um acidente e capota, causando a morte do pedestre.
Pelo nexo de causalidade, o motorista deveria responder pela morte (o que é
bastante exagerado e injusto, pois a morte não foi causada pelos ferimentos do
acidente).

Nesta hipótese, o legislador previu uma solução no CP: art. 13, §1º:

§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a


imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto,
imputam-se a quem os praticou

O CP exclui a imputação nesses casos, respondendo o sujeito apenas pelos


resultados provocados.

Posição do CP a respeito dos excessos:


 Quanto ao regresso ao infinito: o CP não trouxe solução expressa, deixou a
cargo da doutrina, que adota a teoria da ausência do dolo ou culpa (ex.
fabricante da arma não agiu com dolo em relação a morte).
 Quanto ao curso causais hipotética: o legislador solucionou tal situação com
o art. 13, §1º, CP/84 (previsto no art. 11, §único, do CP/1940).
Nesse caso, o CP exclui a imputação nas hipóteses desses cursos causais,
de modo que o agente só responde pelo resultado diretamente produzido

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

por sua conduta. No exemplo dado acima, o atropelador responderia apena


pela lesão corporal.
Dessa forma, cria-se a teoria da imputação objetiva para, efetiva mente,
impedir o regressus ad ínfínitum, consequência inevitável da teoria da conditio sine
quo non. Percebam que o finalismo, apesar de filtrar a responsabilidade penal com a
causalidade psíquica, não evita, sob o ângulo da causalidade objetiva, seu regresso a
comportamentos distantes do evento. Para evitar, de fato, o regresso ao infinito, não
importando o ângulo de análise, a teoria da imputação objetiva, no estudo da
causalidade objetiva , não se contenta com o nexo físico (relação de causa/efeito),
acrescentando um nexo normativo composto de: a) criação ou incremento de um risco
proibido, b) a realização do risco no resultado, c) e resulta do dentro do alcance do tipo.
Sendo que tal teoria será esmiuçada adiante.

4.3. Concausas
O resultado, não raras vezes é feito de pluralidade de comportamentos, uma
associação de fatores, entre os quais a conduta do agente aparece com seu principal
(mas não único) elemento desencadeante.
Assim dessa pluralidade de comportamentos, derivam as efetivas causas do
resultado, que podem ser especificadas inicialmente em:
a) Causas Dependentes: são aquelas inseridas dentro da linha de
desdobramento causal natural da conduta. São aquelas consequências naturais
da conduta, eventos corriqueiros. Estes fatores se inserem dentro do quod
plenum que accidit, ou seja, dentro da linha de desdobramento causal esperada
(aquilo que normalmente acontece).
Ex. duas pessoas discutem. Uma pessoa pega o facão e o crava na pessoa
com quem discutia. Nesse caso, o choque hemorrágico é o resultado esperado
dentro da conduta.

b) Causas Independentes: são aqueles fatores que se encontram fora da linha


de desdobramento causal natural. Seria uma causa inesperada, surpreendente.
São situações que fogem à normalidade, que não costumam acontecer.
Ex: morte causada por um simples corte, em virtude de a vítima ser
hemofílica. O autor do corte responderia pela morte?
O estudo das concausas se debruça justamente em relação à estas causas
independentes.

4.3.1. Conceito
As concausas consistem na pluralidade de causas concorrendo para o mesmo
resultado. Ex.: “A” dá veneno à vítima, que morre em razão da queda de um lustre na
cabeça. No exemplo, há “causa efetiva”, que é a queda do lustre, e a “causa
concorrente”, que é o envenenamento. Quem envenenou, mas viu a vítima morrer da
queda do lustre, responde por crime?

4.3.2. Espécies
As concausas podem ser divididas em dois grupos, absoluta ou relativamente
independentes.

4.3.2.1. Concausas absolutamente independentes


As concausas são absolutamente independentes quando a causa efetiva não se
origina da causa concorrente.
São fatores que guardam total, completa e absoluta autonomia em
relação à conduta. Essas causas, por si só, produzem o resultada.

90
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Quando presentes tais causas, não haverá nexo entre conduta e resultado. Basta
utilizar o método da eliminação hipotética. Ao eliminar hipoteticamente a conduta,
percebe-se que o resultado se mantém.
Se as concausas forem absolutamente independentes, qualquer que seja o
momento, preexistente, concomitante, ou superveniente, haverá rompimento do
nexo causal e o agente não vai responder pelo resultado.

Elas podem ser preexistentes, concomitantes ou supervenientes:


i) Preexistentes: quando a causa efetiva antecede ao comportamento
concorrente:
Ex. 1: às 19 horas, “A” dá veneno para a vítima, que às 20 horas toma um tiro de
“B”. A vítima morre, às 21 horas, em razão do veneno. O envenenamento é a causa
efetiva do homicídio doloso consumado. “A” responderá por homicídio consumado. O
tiro é causa concorrente. Trata-se de causa efetiva absolutamente independente, na
medida em que, eliminando-se do mundo o tiro, a morte ocorreria do mesmo jeito.
Trabalha-se, neste caso, com a causalidade simples. A causa efetiva é preexistente à
concorrente. No exemplo, a causa concorrente será punida por tentativa.

ii) Concomitantes: quando a causa efetiva é simultânea à causa


concorrente:
Ex. 2: às 19 horas, “A” envenena a vítima que, nesse mesmo horário, é atingida
por um tiro de “B”. A vítima morre, às 20 horas, em razão do disparo. A causa efetiva da
morte é o tiro fatal. “B” responderá por homicídio consumado. O envenenamento é
causa concorrente. A relação entre as causas efetiva e concorrente é de absoluta
independência (causalidade simples: elimina-se do mundo a conduta para saber se ela
concorreu ou não para o resultado). As concausas são concomitantes. A causa
concorrente será punida por tentativa.
iii) Supervenientes: quando a causa efetiva é posterior à causa
concorrente.
Ex.: 3: às 19 horas, “A” dá veneno à vítima, que morre, às 20 horas, pela queda de
um lustre, de traumatismo craniano. As causas são absolutamente independentes
(causalidade simples). A causa efetiva é superveniente, pois a queda do lustre ocorreu
depois do envenenamento. A causa superveniente será punida por tentativa.
Assim, sempre que a relação entre as concausas for de absoluta independência, o
agente que produzir a causa concorrente será punido pela tentativa, pois há
quebra do nexo causal entre a conduta e o resultado, não podendo ser punido por esse.

4.3.2.2. Concausas relativamente independentes


As concausas são relativamente independentes quando a causa efetiva se
origina direta ou indiretamente da causa concorrente.
São as causas/fatores que se somam à conduta e, juntas, conduzem à
produção do resultado (soma de fatores: causas + conduta).
Neste caso, pela Teoria da Equivalência dos Antecedentes e pelo método da
eliminação hipotética, há nexo causal. Ora, sem a conduta o resultado não se
produziria.
Em relação ao momento da conduta, as causas relativamente independentes
podem ser:

91
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

4.3.2.2.1.
Concausas relativamente independentes
preexistentes
As concausas relativamente independentes são preexistentes quando a causa
efetiva antecede a concorrente.
Ex.: às 20 horas, “A” deu um golpe de faca para matar a vítima, mas a lesão foi
leve. A vítima, no entanto, era hemofílica e, apesar de a lesão ter sido leve, não foi
possível estancar o sangue. A vítima morre em decorrência dos desdobramentos da
doença. A hemofilia foi a causa efetiva da morte. O golpe de faca é uma causa
concorrente. Existe entre as causas uma relação de independência relativa (causalidade
simples: sem a facada, a hemofilia não se manifestaria). A hemofilia é causa
preexistente. A causa concorrente será punida por crime consumado (homicídio), pois é
possível imputar o resultado à causa concorrente.
Obs.: A jurisprudência e a doutrina modernas, no exemplo do hemofílico, só
atribuem o resultado à causa concorrente se o agente tinha conhecimento da doença
preexistente, para evitar responsabilidade penal objetiva.

4.3.2.2.2.
Concausas relativamente independentes
concomitantes
As concausas relativamente independentes são concomitantes quando a causa
efetiva ocorre ao mesmo tempo em que a concorrente.
Ex.: às 19 horas, “A” dispara contra a vítima que, em razão dos disparos, tem
parada cardíaca e morre. A causa efetiva é a parada. A concorrente é o disparo. A
relação entre ambas é de independência relativa (causalidade simples). As causas
efetiva e concorrente são concomitantes. A causa concorrente será punida por crime
consumado (art. 13, caput, do CP), pois sem ela o resultado não teria ocorrido.
O agente responde se a causas relativamente independentes eram conhecidas ou
previsíveis, para que se evite a responsabilização penal objetiva.

4.3.2.2.3. Concausas relativamente independentes


supervenientes77
As concausas relativamente independentes são supervenientes quando a causa
efetiva ocorre depois que a concorrente (art. 13, § 1º, do CP)78:

Art. 13 (...) § 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a

imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto,

imputam-se a quem os praticou.


Da análise do dispositivo, percebe-se que há dois tipos de concausa relativamente
independente superveniente:
i) Aquela que por si só produz o resultado:
Nesta hipótese, a causa efetiva sai da linha de desdobramento causal
normal da causa concorrente (evento imprevisível). A causa efetiva se origina da causa
concorrente, mas toma um rumo inesperado. Como consequência, o resultado não
pode ser imputado à causa concorrente. O agente será punido pelos eventuais
fatos anteriores (normalmente ocorre uma tentativa).
Ex.: imaginando-se que a vítima do tiro, no hospital, aguardando a sua alta, sofre
um acidente, como a queda do teto e morre em decorrência do desabamento. Neste

77 Tema muito importante para fins de concurso público.

Ao contrário do caput, que traz a teoria da causalidade simples, o parágrafo


78

primeiro trabalha com a teoria da causalidade adequada.

92
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

exemplo, quem deu o tiro não responde por homicídio consumado, mas tentado, na
medida em que o evento que causou o resultado era imprevisível. Aqui, não se trabalha
com a causalidade simples (eliminando-se a conduta, o resultado não aconteceria).
Caso contrário, não seria possível excluir a responsabilidade do atirador por
consumação. Aqui, trabalha-se com causalidade adequada.
O art. 13, caput, como visto, trabalha com causalidade simples, atribuindo-se
o resultado a quem lhe deu causa (conduta sem a qual o resultado não teria ocorrido).
Já o art. 13, § 1º prevê a causalidade adequada, isto é, somente haverá imputação do
resultado se, no conjunto das causas, fosse a conduta do agente, consoante as regras de
experiência comum, a mais adequada à produção do evento.
ii) Aquela que não produz o resultado por si só:
Nesta hipótese, a causa efetiva está na linha de desdobramento causal
normal da causa concorrente (trata-se de evento previsível, que não se confunde
com evento previsto). A causa concorrente e a causa efetiva estão na mesma linha de
desdobramento causal normal (a causa efetiva não toma um rumo inesperado). Como
consequência, o resultado deve ser atribuído à causa concorrente.
Ex. 1: “A” dá um tiro na vítima, que vai ao hospital, onde ocorre um erro médico
durante a tentativa de salvá-la. Ela morre em decorrência do erro médico. Trata-se de
concausa relativamente independente superveniente que não por si só produziu o
resultado. O erro médico é algo previsível, de modo que o resultado morte pode ser
atribuído ao autor do disparo.
Ex. 2: imagine a vítima do tiro indo ao mesmo hospital que, em vez da queda ou
do erro médico, morre de infecção hospitalar. Há doutrina e jurisprudência para ambos
lados. Todavia, em prova do CESPE, a infecção hospitalar é tratada da mesma forma do
erro médico (ou seja, é uma causa que está na linha de desdobramento causal normal).

4.4. Teoria da imputação objetiva


A teoria surge como um ator limitador ao nexo causal, uma vez que estabelecer
qual o melhor critério para imputar uma conduta a um resultado é uma preocupação
constante no direito penal.
O grande debate entre os penalistas era a imputação fundada no nexo de
causalidade baseado na Teoria da Equivalência, ou baseada no nexo da causalidade
baseado na Teoria da causalidade adequada, que como visto acima causavam
problemas se aplicadas à determinados casos, p. ex. o regresso ao infinito.
Assim a imputação objetiva nasce para solucionar esse eterno problema,
acrescentando um elemento novo ao estudo da causalidade, o nexo normativo.

4.4.1. Versão original da Teoria da Imputação objetiva


Honig desenvolveu uma Teoria em 1930. Defendia que o direito penal não se
preocupa apenas em ligar uma conduta a um resultado (como ocorria no debate
citado), mas sim estabelecer as bases justas para que seja realizado o juízo de
responsabilização (pois posteriormente a ele, virão todas as conseqüências da pena).
Este jurista entendia que não bastava o nexo de causalidade, sendo necessário
encontrar critérios jurídicos / normativos de imputação. O nexo de causalidade não é
um critério que, em todas as soluções, consegue extrair soluções justas.
Honig entendia que uma pessoa só poderia ser vinculada a um resultado quando
este fosse oriundo de obra sua, e não do acaso ou de terceiro.
O resultado somente poderia ser imputado àquela pessoa que tinha controle do
curso causal (que tinha condições de interferir no evento).

93
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

4.4.2. A teoria da imputação objetiva segundo Clauss Roxin


A teoria criada por Honig foi reformulada em 1970 pelo grande doutrinador
Clauss Roxin, que afirmava a necessidade do abandono do nexo causal.
Roxin, em 1970, escreveu um trabalho, em livro que homenageava Honig.
Analisou exatamente este aspecto da Teoria desenvolvida pelo jurista, se propondo a
estabelecer qual seria o melhor critério de imputação.
Roxin concordava ser necessário abrir mão do nexo de causalidade, substituindo-
o por critérios normativos de imputação.
No entanto, em 1977, admitiu que não é possível abrir mão do nexo causal. Assim,
a imputação objetiva limita a teoria do nexo causal.
Segundo Roxin, o critério jurídico escolhido por Honig era insatisfatório. Assim,
desenvolveu dois critérios jurídicos, chamados de níveis de imputação. Após aprimorar
sua teoria, por mais de 20 anos, Roxin passou a defender a existência de três níveis de
imputação.
Roxin afirma que em primeiro plano, a imputação do resultado a conduta começa
com o nexo causal (com base na teoria dos equivalentes).
Após, o segundo passo consiste em verificar os níveis ou critérios de imputação
objetiva. Que servem para confirma a imputação. São três níveis: i) criação ou
incremento de risco proibido e relevante; ii) produção do risco no resultado; iii)
resultado no alcance do tipo penal.

4.4.3. Causalidade objetiva e teoria da imputação objetiva


Para a doutrina tradicional, a causalidade objetiva se contenta com o nexo
físico (relação de causa e efeito). Assim, se existe uma relação de causa e efeito, a causa
é objetiva. Nesse caso, tem-se que analisar a causalidade psicológica (subjetiva), ou
seja, dolo e culpa. Chega-se à responsabilização penal a partir da soma das causalidades
objetiva e subjetiva.
Ex. 1: uma pessoa compra um bolo, coloca veneno nele, a vítima come e morre.
Aquele que deu o bolo para a vítima é causa objetiva. Será responsabilizado pelo
resultado por ter dolo. A vendedora do bolo é causa objetiva do resultado. Não será
responsabilizada se não tiver dolo.
Ex. 2: vítima atropelada por alguém dirigindo em alta velocidade. O sujeito
causou objetivamente o resultado e agiu com culpa. Será responsabilizado
criminalmente.
Para a teoria da imputação objetiva, a causalidade objetiva necessita, além do
nexo físico, de um nexo normativo, consistente, cumulativamente, na:
1. Criação ou incremento de um risco não permitido: Entende-se por risco
proibido, aquele não tolerado pela sociedade;
2. Realização do risco no resultado: O resultado deve estar na linha de
desdobramento causal normal da conduta;
3. O risco abrangido pelo tipo: O perigo gerado pelo comportamento do agente
deve ser alcançado pelo tipo penal, o modelo de conduta que não se
destina a impedir todas as contingências do cotidiano.
Somente depois dessa análise, a teoria parte para a causalidade subjetiva (análise
do dolo e da culpa). Perceba, portanto, que a teoria da imputação objetiva não se
contenta com o nexo físico. Ela acrescentou um novo elemento, o nexo normativo.
Ex. 1: dar bolo com veneno a alguém é criação de um risco não permitido, realiza
o risco no resultado e o risco está abrangido no tipo, de modo que o sujeito que dá o
bolo responderá pelo crime. Sob a ótica da boleira, fazer e vender bolo não são a criação

94
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

ou incremento do risco, de modo que não haverá nexo normativo. Para a teoria da
imputação objetiva, ela sequer é causa do resultado.
Exemplo 2: dirigir em alta velocidade aumenta o risco não permitido, realiza o
risco no resultado e o risco está abrangido pelo tipo penal. O agente que mata alguém
será responsabilizado criminalmente.
Analisada segundo o enfoque da doutrina tradicional (causalidade simples),a
causalidade objetiva regressa ao infinito. A teoria da imputação objetiva surgiu para
colocar um freio nesse regresso.
Em resumo: insurgindo-se contra o regresso ao infinito da causalidade simples, a
teoria da imputação objetiva enriquece a relação de causalidade, acrescentando um
nexo normativo, composto de: i) criação ou incremento de um risco não permitido; ii)
realização do risco no resultado (resultado na mesma linha de desdobramento causal
normal da conduta); e iii) risco abrangido pelo tipo penal.
Importante observar que a teoria da imputação objetiva não substitui a teoria do
nexo causal, apenas a complementa. Busca resolver o problema da distinção entre ação
e acaso, para dizer se um acontecimento é ou não obra de um sujeito.

4.4.4. Aplicação prática da teoria da imputação objetiva

4.4.4.1. Teoria da diminuição do risco


De acordo com a teoria da diminuição do risco, não há como imputar o fato ao
autor se ele não modifica um curso causal de modo que o perigo já existente para a
vítima seja diminuído, melhorando a situação do objeto da ação. Falta o primeiro
requisito do nexo normativo.
Ex.: “A”, percebendo que “B” será atropelado, empurra o amigo ao solo, vindo
este a fraturar o braço. Conclusão:para a doutrina tradicional, “A”se exime do crime
alegando estado de necessidade de terceiro;de acordo com a teoria da imputação
objetiva, “A” não é causa da lesão.

4.4.4.2. Risco não realizado no resultado


O resultado não é atribuído ao autor como realização do risco nos casos de
substituição de um risco por outro e em algumas hipóteses de contribuição da vítima
para o resultado.
Ex. 1: tentando salvar vítima de disparo com intenção de morte, o médico comete
um erro, vindo a vítima a falecer. Se o resultado é produto exclusivo do erro médico
(risco posterior), então o médico responde por homicídio culposo e o atirador por
tentativa de homicídio. Se o resultado é produto combinado de ambos os riscos (lesão e
falha médica), então o médico responde por homicídio culposo e o atirador por
homicídio doloso.
Ex. 2:“A” atira em “B” que, ao ser socorrido, morre em face de colisão entre a
ambulância que o transportava e outro veículo. A doutrina tradicional trabalha o
exemplo da seguinte forma: trata-se de concausa relativamente independente
superveniente que não por si só produziu o resultado. O atirador responde pela morte
consumada. A teoria da imputação objetiva analisa o exemplo da seguinte forma: o
objetivo do tipo do art. 121 do CP não é prevenir as mortes causadas por acidentes de
veículos que não estejam sob o domínio direto ou indireto do autor de um disparo. O
atirador responde por tentativa.
Em prova de concurso do MP/MG, os candidatos foram indagados acerca do
chamado “direito penal quântico”. Essa tese significa o seguinte: a imputação objetiva
não se contenta com a física clássica (pura), tendo trazido para o Direito Penal a física
quântica, valorativa. Como visto, a doutrina tradicional contenta-se com um nexo
físico, enquanto que a imputação objetiva, além do nexo físico, exige nexo normativo.

95
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

4.4.5. Teoria da Imputação objetiva segundo Jakobs

Jakobs, que assim como Roxin é adepto do funcionalismo, adota a Teoria da


Imputação Objetiva com algumas peculiaridades.
Jakobs entende ser impossível abrir mão de um mínimo de causalidade. A
causalidade é inerente ao pensamento humano (relação causa-efeito),
Assim, se desde o início não houver nexo causal, não será necessário utilizar a
teoria da imputação objetiva.
Primeiro deve ser verificado o nexo causal. Após sua verificação, sabendo que
este produz uma série de excessos e exageros, será utilizada a Teoria da Imputação
Objetiva, restringindo o nexo causal.
Na concepção de Jakobs, a Teoria da imputação objetiva limita a imputação,
corrigindo os excessos do nexo causal. Esta teoria irá excluir a imputação em quatro
situações (princípios da Teoria).

4.4.5.1.
Princípios da Teoria da imputação objetiva, segundo
Jakobs:
i) Princípio do risco permitido
Se o risco for permitido, a imputação estará afastada.
ii) Princípio da confiança
Não há imputação quando o agente pratica uma conduta lícita na confiança de
que os outros também o farão, cumprindo cada um o seu papel social, ainda que estes
não o façam.
Ex: pessoa conduz seu automóvel em via pública. Em via secundária, percebe que
outro motorista vem na mesma velocidade. Por estar na via principal, o motorista
mantém a velocidade, acreditando que o outro motorista cumprirá seu papel e o dará
preferência.
Caso o outro motorista não o faça, e um terceiro morra, quem será responsável?
Ora, há nexo causal entre a conduta do motorista e a morte. Porém, a imputação
em relação ao motorista da via principal se afasta, pois abarcado pelo princípio da
confiança.
iii) Princípio da proibição do regresso
Uma conduta inicial lícita não conduz à responsabilidade por atos ilícitos
subseqüentes praticados por terceiro.
Ex: cidadão que compra uma arma em determinada loja, sendo que o lojista,
ouvindo sua conversa no celular, descobre que o cidadão vai matar pessoa pública.
Ainda assim, o vendedor realiza a venda e a morte ocorre.
Pela Teoria da Equivalência, há nexo de causalidade entre a venda da arma e a
morte (vendedor seria responsabilizado).
A Teoria tradicional não responsabiliza o vendedor por ausência de dolo, mas não
explica a situação na qual o vendedor vende a arma desejando a morte da vítima.
A Teoria da imputação objetiva, pelo princípio da proibição do regresso, exclui a
imputação nesta hipótese de forma satisfatória.
iv) Princípio da capacidade ou competência da vítima
O consentimento do ofendido exclui a imputação.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Para Jakobs, tanto faz se o bem jurídico é disponível ou não. Porém, para aplicar
este princípio ao direito brasileiro, o bem jurídico deverá ser disponível.

4.4.6. Teoria da imputação objetiva e o direito brasileiro


O enfoque dado por Jakobs para a Teoria da Imputação Objetiva é o único que
pode ser adotado no direito brasileiro, pois ele traz como pressuposto para a aplicação
da teoria a análise do nexo de causalidade.
A versão de Roxin não pode ser adotada, uma vez que o CP expressamente adotou
a Teoria da Causalidade.

4.5. Causalidade na Omissão


Como estudado, os crimes omissivos dividem-se em próprios e impróprios. Nos
próprios, a omissão está descrita no tipo. Pune-se a mera inatividade. Nos impróprios,
a omissão é tratada como causadora do resultado, pois aquele que devia não o impediu.
Assim, o regramento da causalidade será diverso nos crimes omissivos próprios e
nos impróprios.
No crime omissivo próprio, há somente a omissão de um dever de agir, imposto
normativamente, dispensando-se a relação de causalidade naturalística. O crime é de
mera conduta, sem resultado naturalístico.
Já no crime omissivo impróprio, o dever de agir é para evitar o resultado
concreto. Está-se diante de um crime de resultado material, que exige um nexo entre a
conduta omitida e o resultado. Esse nexo, todavia, não é naturalístico (do nada, nada
surge). Na verdade, o vínculo é jurídico, isto é, o sujeito não causou o resultado, mas
como não o impediu, é equiparado ao verdadeiro causador (nexo de não impedimento
ou não evitação).

5. Tipicidade Penal
É a relação de subsunção entre o fato concreto e a norma penal/modelo legal,
somada à lesão ou ameaça de lesão ao bem penalmente protegido.
Portanto, a tipicidade é dotada por 2 aspectos:
a) Formal – subsunção do fato à norma
b) Material – relevância da lesão ou ameaça de lesão ao bem protegido
Tipicidade é um juízo de adequação, de subsunção, do fato concreto ao
tipo legal, é o enquadramento do fato no tipo legal.
Entretanto, a simples tipicidade formal não permite concluir pela tipicidade
penal, sendo imprescindível analisar a tipicidade sobre a ótica material.
Se o agente matar a vítima, vai haver tipicidade, isso porque esse fato se enquadra
no tipo “matar alguém” do art. 121, do Código Penal.
A natureza jurídica da tipicidade é a constatação de que ela é um elemento do fato
típico, logo, sem tipicidade, o fato será atípico.

5.1. Tipicidade formal, tipicidade material e tipicidade


conglobante (Zaffaroni)
Como visto anteriormente, o fato típico é composto de conduta, resultado, nexo e
tipicidade penal.
Para a doutrina clássica, a tipicidade era formal, ou seja, mera subsunção do fato
à norma. A doutrina moderna, entretanto, passou a entender que a tipicidade penal é a
tipicidade formal acrescida da tipicidade material (que representa a relevância da lesão
ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado).

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Por isso o princípio da insignificância exclui o fato típico: ele exclui a tipicidade
material, que exclui a tipicidade penal (componente do fato típico). Desaparecido o fato
típico, não há crime.
Zaffaroni, não se conformando com a teoria da tipicidade material, criou a teoria
da tipicidade conglobante.
Para o autor, a tipicidade é composta de tipicidade formal acrescida da tipicidade
conglobante (a qual, por sua vez, é composta de tipicidade material acrescida de atos
antinormativos, que são aqueles não determinados ou não incentivados por
lei). Ou seja, somadas a tipicidade material e a antinormatividade do ato, há tipicidade
conglobante.
Exemplos:
i) na subtração de um veículo automotor, há tipicidade formal e conglobante: o
ato não estava determinado e não era incentivado em lei;
ii) na subtração de uma caneta BIC, há tipicidade formal, mas não a conglobante:
o ato, apesar de ser normativo, não possui tipicidade material;
iii) na realização de penhora de bens por oficial de justiça, mediante o auxilio de
força policial, para a doutrina clássica, haveria tipicidade formal, acobertada pela
excludente de ilicitude do estrito cumprimento de dever legal (o devedor resistiu e viu o
auxilio da força policial gerar a penhora de seus bens, conduta essa que, analisada com
cautela, enquadra-se no tipo de roubo, pois o oficial assenhora-se de bens de outra
pessoa com emprego de violência). A teoria de Zaffaroni não quer sequer que o fato seja
típico. Trata-se de um ato normativo, pois a lei exige do oficial que haja daquela
maneira.
Perceba que, com a tipicidade conglobante, o estrito cumprimento de um dever
legal e o exercício regular de um direito incentivado deixam de excluir a ilicitude
e passam a excluir o próprio fato típico79. Isso porque são atos determinados ou
incentivados por lei.
Assim, pode-se afirmar que a tipicidade conglobante é um corretivo da
tipicidade penal, tendo como requisitos a tipicidade material (relevância da lesão ou
perigo de lesão ao bem jurídico) e a antinormatividade do ato (ato não determinado ou
não incentivado por lei). Como consequência, o estrito cumprimento de um dever legal
e o exercício regular de direito incentivado deixam de excluir a ilicitude para excluírem
a tipicidade80.
Vale observar que o estado de necessidade e a legítima defesa continuam
excluindo a ilicitude, pois são ações meramente toleradas por lei. Não são não
incentivados nem determinados. São, portanto, antinormativos.
Zaffaroni pensou no ordenamento jurídico de forma geral, conglobada. Para
ele, as pessoas vivem num ordenamento jurídico, que, portanto, pressupõe ordem. A
partir do momento em que o fato é considerado, ao mesmo tempo, uma penhora
forçada, determinada pelo Direito Processual Civil, e fato típico, do ponto de vista
penal, isso passa a ser uma desordem.
A maioria entende que o Delegado é o senhor da tipicidade formal provisória. A
tipicidade material e a conglobante são matérias de análise exclusiva do titular da ação
penal.

79 Assim, adotar a teoria de Zaffaroni é dizer que são discriminantes apenas a Legitima

defesa e o Estado de necessidade.


80 Luiz Flávio Gomes, em sua obra, já trata de ambos na tipicidade.

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5.2. Espécies de tipicidade formal


5.2.1. Tipicidade formal direta (ou imediata)
A tipicidade formal direta ocorre quando há um só dispositivo para a realização
da adequação típica. Ex.: o art. 121 do CP pune a conduta de “matar alguém”. De fato,
ocorreu que “A” matou “B”. A adequação típica é direta (a conduta subsume-se
diretamente, não sendo necessária nenhuma outra norma para auxiliar o intérprete no
ajuste).

5.2.2. Tipicidade formal indireta (ou mediata)


A tipicidade formal indireta ocorre quando há necessidade de mais de um
dispositivo para a realização da adequação típica.
Exemplos:
i) o art. 121 do CP pune “matar alguém”. “A” tentou matar “B”. Não é possível a
subsunção da conduta de “A”diretamente no art. 121 sem antes se socorrer do art. 14 do
CP. Háuma adequação típica indireta.
ii) o art. 121 do CP pune “matar alguém”. “A” auxilia o agente a matar “B”.
Porém,“A” não matou ninguém. Não é possível a subsunção da conduta de “A”
diretamente na norma. É necessário o auxílio da norma do art. 29 do CP (concurso de
pessoas). Trata-se de adequação típica indireta.
Essas normas que são imprescindíveis na adequação típica indireta são chamadas
de normas de extensão. São dispositivos que servem para concretizar a tipicidade
indireta. Exemplos:
i) art. 14, II, do CP (tentativa): norma de extensão temporal;
ii) art. 29, do CP (partícipe): norma de extensão pessoal;
Obs.: Somente poderá ser utilizado o art. 29 do CP para aquele que não realizou o
núcleo do tipo, mas de qualquer modo concorreu para a prática do crime. Autor e
coautor realizam o núcleo do tipo, portanto, a subsunção é direta. A norma do art. 29 só
deve ser utilizada para a conduta do partícipe.
iii) art. 13, §2º, do CP (omissão imprópria): norma de extensão causal.

Ilicitude (Antijuridicidade)
A ilicitude ou antijuridicidade é o segundo substrato81 do crime para todas as
correntes, desde o causalismo até o funcionalismo. Não há divergência a esse respeito.

1. Aspectos iniciais
1.1. Conceito
Ilicitude é “a relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento
jurídico como um todo, desde que não haja qualquer exceção determinando,
fomentando ou permitindo a conduta típica”.
É uma conduta típica não justificada, espelhando a relação de contrariedade entre
o fato típico e o ordenamento jurídico como um todo, assim, sendo um fato típico não
justificado, diz-se que também é ilícito.

81 Lembrando que crime para a teoria tripartite é Fato típico, antijurídico e culpável.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Vale observar que, adotada a teoria da tipicidade conglobante, o conceito de


ilicitude passa a ser o seguinte: “a relação de contrariedade entre o fato típico e o
ordenamento jurídico como um todo, desde que não haja qualquer exceção permitindo
a conduta típica”. Isso porque, para essa teoria, se houver exceção determinando ou
incentivando a conduta típica, é excluído o próprio fato típico.

1.2. Relação entre tipicidade e ilicitude


Há quatro teorias discutindo a relação entre ilicitude e tipicidade: 1. teoria da
autonomia; 2. teoria da indiciariedade; 3. teoria da absoluta dependência e 4. teoria dos
elementos negativos do tipo.

1.2.1. Teorias explicativas

1.2.1.1. Teoria da autonomia (ou da absoluta independência)


Para a teoria da autonomia (ou da absoluta independência), a tipicidade não
tem qualquer relação com a ilicitude (Beling).

1.2.1.2. Teoria da indiciariedade82 (ou da ratio cognoscendi)


De acordo coma teoria da indiciariedade (ou da ratio cognoscendi) se há fato
típico, presume-se, relativamente, que ele é ilícito.
A consequência é que, partir do momento em que o fato típico presume-se
relativamente ilícito, inverte-se o ônus da prova, de modo que quem tem de comprovar
que o fato não é ilícito é a defesa.
Ou seja, o réu deve comprovar a presença de uma descriminante, e não
o MP comprovar a sua ausência.
Mayer é um dos partidários dessa teoria.
Antes da Lei n. 11.690/08 Depois da Lei n. 11.690/08
O Brasil adotou a teoria da O Brasil continua adotando a teoria
indiciariedade. da indiciariedade.
O fato típico presume ser ilícito, ou O fato típico presume ser ilícito, ou
seja, há inversão do ônus da prova da seja, há inversão do ônus da prova da
existência de uma descriminante. existência de uma descriminante.
A defesa deve provar a causa A defesa deve provar a causa
excludente da ilicitude. excludente da ilicitude.
Na dúvida sobre a existência da Porém, havendo fundada dúvida, o
descriminante, o juiz condena. juiz absolve.
Atenção, pois não se aplica o in Aplica-se o in dubio pro reo apenas
dubio pro reo. em caso de fundada dúvida.
OBS: A jurisprudência aplicava o in É a redação do art. 386, VI, do CP.
dubio pro reo havendo dúvida razoável
Portanto, diz-se que o Brasil adota a
(atenuava o rigorismo da lei).
teoria da indiciariedade temperada.

1.2.1.3. Teoria da absoluta dependência (ou da ratio essendi)


De acordo com a teoria da absoluta dependência (ratio essendi), a ilicitude é a
essência da tipicidade. Isso significa que, não havendo ilicitude, não há fato
típico. O fato típico e a ilicitude estão umbilicalmente ligados. Cria-se, aqui, o tipo
total do injusto. Partidário desta teoria é Mezger.

82 É a teoria que prevalece no Brasil.

100
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Para esta teoria, o ônus da ausência da descriminante é da acusação. O MP tem


de provar que o sujeito matou e não houve legítima defesa.

1.2.1.4. Teoria dos elementos negativos do tipo


A teoria dos elementos negativos do tipo atinge o mesmo resultado da anterior,
porém percorrendo caminho diverso. Segundo ela, um tipo penal é constituído de
elementos positivos (que devem ocorrer para que o fato seja típico) e negativos (não
devem ocorrer para que o fato seja típico).Os elementos negativos são implícitos.
Ex.: o art. 121 do CP tem elementos positivos (“matar alguém”) e negativos
(estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício
regular de um direito).
Esta teoria não se confunde com a da tipicidade conglobante, pois a teoria dos
elementos negativos trouxe tudo para a tipicidade.
Prevalece na doutrina que o Brasil adotou a teoria da indiciariedade. A principal
consequência é que o ônus da descriminante é da defesa. Dessa forma, não se aplica o
“in dubio pro reo”. Se a legítima defesa está duvidosa, o juiz condena. Na dúvida, há
condenação.
Observação: de acordo com a jurisprudência, havendo dúvida razoável, o juiz
deve absolver. Mitigou as consequências da teoria da indiciariedade. O que era
jurisprudência foi seguido pelo legislador, em 2008: o art. 386, VI, do CPP seguiu a
jurisprudência.
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde
que reconheça:
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena
(arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver
fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

1.3. Antijuridicidade formal e material


Antijuridicidade formal é a contrariedade do fato típico a todo o ordenamento
jurídico. Material era a relevância da lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.
Hoje, o conceito de antijuridicidade formal mantém-se. Já o de antijuridicidade
material é o que se entende por tipicidade material, o conceito foi “atualizado”, assim
temos:
i. Ilicitude formal é a mera contradição entre o fato praticado
pelo agente e o sistema jurídico em vigor. É a característica da conduta
que se coloca em oposição ao Direito.
ii. Ilicitude material, ou substancial, é o conteúdo material do
injusto, a substância da ilicitude, que reside no caráter antissocial do
comportamento, na sua contradição com os fins colimados pelo Direito, na
ofensa aos valores necessários à ordem e à paz no desenvolvimento da vida
social.
Em sede doutrinária, prevalece o entendimento de que a ilicitude é formal, pois
consiste no exame da presença ou ausência das suas causas de exclusão.
Nesses termos, o aspecto material se reserva ao terreno da tipicidade.
Cumpre ressaltar, porém, que somente a concepção material autoriza a
criação de causas supralegais de exclusão da ilicitude.
De fato, em tais casos há relação de contrariedade entre o fato típico e o
ordenamento jurídico, sem, contudo, revelar o caráter antissocial da conduta.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

2. Causas de exclusão da ilicitude (descriminantes ou


justificantes)
As causas de exclusão da ilicitude não estão previstas unicamente na parte
geral (Art. 23, CP), assim encontram-se: i) na Parte Geral do CP (ex.:art. 2383); ii) na
Parte Especial do CP (ex.: art. 12884: aborto permitido); iii) na legislação extravagante
(ex.: Lei 9.605/1998); iv) supralegais (não previstas em lei): ex.: consentimento do
ofendido.

2.1. Estado de necessidade (art. 24 do CP)


Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar

de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo

evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável

exigir-se.

§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de

enfrentar o perigo.

§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena

poderá ser reduzida de um a dois terços.

2.1.1. Conceito
Considera-se em estado de necessidade quem pratica um fato típico, para salvar,
de perigo atual, direito próprio ou de terceiro, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não
era razoável exigir-se.
Assim, se há dois bens em perigo de lesão, o Estado permite que seja sacrificado
um deles, pois, diante do caso concreto, a tutela penal não pode salvaguardar ambos.
Assim pode-se afirmar que o fundamento jurídico do estado de necessidade
reside no conflito de interesse diante da situação adversa, remetendo a ideia de
sopesamento de bens diante dessa situação, atuando o agente no espírito de
conservação, proteção, preservação do bem jurídico em risco.

2.1.2. Requisitos objetivos


O estado de necessidade depende de requisitos que estão previstos no Art. 24 e
por isso são chamados de objetivos e de outros de caráter subjetivo, que não estão
presentes na legislação, mas decorrem do finalismo adotado pelo Código Penal.

83Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em


legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
(...)

84 Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: I - se não há outro meio de salvar a vida
da gestante; II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da
gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal [cuidado com a expressão “não se
pune”, pois ela não exclui a punibilidade, mas a ilicitude].

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

ATUAL

Direito próprio
ou alheio PERIGO INEVITÁVEL

Conhecimento
de situação
justificante

2.1.2.1. Perigo atual


Atual é o perigo presente, que está acontecendo, mas não tem destinatário
certo
Relativamente ao perigo iminente (que está prestes a ocorrer) enquanto requisito
do estado de necessidade, há duas correntes:
1ª corrente: apesar do silêncio da lei, a excludente do estado de necessidade
abrange também o perigo iminente. A tarefa de se definir quando o perigo deixa de ser
iminente e passa a ser atual é árdua.
2ª corrente: diante do silêncio da lei, a excludente do estado de necessidade
não abrange o perigo iminente.
Para a segunda corrente, perigo iminente seria perigo do perigo, algo muito
distante para sacrificar bem jurídico alheio. É a corrente a ser sustentada em prova
objetiva.
O perigo no estado de necessidade não tem destinatário certo. Essa é uma
grande diferença entre o estado de necessidade e a legítima defesa, como será analisado
adiante.
Além disso, o perigo pode ser causado por comportamento humano, animal ou
fato da natureza (ex.: um tsunami).
O perigo deve ser real, de forma que o perigo remoto ou futuro, normalmente
imaginário, ou seja, aquele que pode ocorrer em momento ulterior ao da prática do fato
típico, bem como o perigo pretérito ou passado - que já se verificou e encontra-se
superado – não caracterizam o estado de necessidade e por isso não exclui a
ilicitude do fato.

2.1.2.2. Situação de perigo não causada voluntariamente pelo agente


Para que haja estado de necessidade, a situação de perigo não pode ter sido
causada voluntariamente pelo agente. Qual é, entretanto, o sentido de
“voluntariamente”?
O panorama é tranquilo sobre o perigo dolosamente provocado: não é
possível invocar a causa de justificação em apreço.
Em relação ao perigo culposamente criado pelo agente, entretanto, a doutrina
revela divergências.
i. Aníbal Bruno, Basileu Garcia, Bento de Faria, Damásio E. de Jesus e Heleno
Cláudio Fragoso aduzem ser a palavra "vontade" um sinal indicativo de dolo.
Logo, aquele que culposamente provoca uma situação de perigo pode se

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valer do estado de necessidade para excluir a ilicitude do fato típico


praticado85.
ii. Por outro lado, Magalhães Noronha, Francisco de Assis Toledo, José
Frederico Marques e Nélson Hungria sustentam que a atuação culposa
também é voluntária em sua origem: a imprudência, a negligência e a
imperícia derivam da vontade do autor da conduta. Consequentemente, não
pode suscitar o estado de necessidade a pessoa que culposamente produziu
a situação perigosa. É também o entendimento de Guilherme de Souza
Nucci
Obs.: Com efeito, além de a culpa também ser voluntária em sua origem
(involuntário é somente o resultado naturalístico), o Direito não pode ser piedoso com
os incautos e imprudentes, autorizando o sacrifício de bens jurídicos alheios, em regra
de terceiro inocentes, para acobertar com o manto da impunidade fatos típicos
praticados por quem deu causa a uma situação de perigo.
Se não bastasse, o Código Penal deve ser interpretado sistematicamente e, nesse
ponto, entra em cena o art. 13. § 2°, "c":

Art. 13. O resultado. de que depende a existência do crime. Somente e Imputável a

quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado

não teria ocorrido. ( ... )

§ 2.° A omissão é penalmente relevante quando o omitente podia e devia agir para

evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: ( ... )

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

A conclusão é simples: se quem cria a situação de perigo, dolosa ou


culposamente, tem o dever jurídico de Impedir o resultado, igual
raciocínio deve ser utilizado no tocante ao estado de necessidade, é dizer,
quem cria o perigo, dolosa ou culposamente, não pode invocar a causa de
justificação. Seria incoerente, por exemplo, incriminar o nadador profissional que
convida um amigo iniciante no esporte a atravessar a nado um rio, e, durante o trajeto,
este vem a morrer, e, simultaneamente, reconhecer o estado de necessidade, com a
automática exclusão do crime, àquele que culposamente incendeia uma lancha, e, para
se salvar, afoga o seu companheiro para ficar com a única bóia que se encontrava na
embarcação.

2.1.2.3. Salvação de direito próprio ou alheio


Para que haja estado de necessidade, deve-se buscar a salvação de direito próprio
ou alheio Salvar direito próprio é o que se conhece por estado de necessidade próprio;
salvar direito alheio é o que se conhece por estado de necessidade de terceiro.
No estado de necessidade de terceiro, é indispensável a autorização do terceiro
para que se possa reconhecê-lo?
1ª corrente: a autorização, consentimento ou ratificação do terceiro é
dispensável.
2ª corrente: a autorização, consentimento ou ratificação do terceiro só é
dispensável quando o bem jurídico em perigo for indisponível, em sendo o bem
disponível é necessário a autorização.
Prevalece a primeira corrente.
85Na Alemanha, Claus Roxin informa ser unânime o entendimento no sentido de que a
provocação culposa do perigo não afasta a possibilidade de invocar o estado de necessidade.

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2.1.2.4. Inexistência do dever legal de enfrentar o perigo


Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o
perigo, enquanto o perigo comportar enfrentamento. Ex.: bombeiro diante do
incêndio. O bombeiro não tem de ser um mártir. Ele tem de enfrentar o perigo
enquanto o perigo comportar enfrentamento. Claro que ele pode salvara vida dele, nas
situações em que o perigo não mais possa ser enfrentado.
O fundamento da norma é evitar que pessoas que têm o dever legal de enfrentar
situações perigosas se esquivem de fazê-lo injustificadamente. Aquele que, por
mandamento legal, tem o dever de se submeter a situações de perigo, não está
autorizado a sacrificar bem jurídico de terceiro, ainda que para salvar outro bem
Jurídico, devendo suportar os riscos inerentes â sua função.
Discute-se na doutrina o significado da expressão "dever legal de enfrentar o
perigo".
i. Para uma primeira corrente, a expressão deve ser interpretada
restritivamente. Portanto, "dever legal" abrange somente o dever
decorrente da lei em sentido amplo (lei, medida provisória, decreto,
regulamento, portaria, etc.) e principalmente o garantidor do art. 13, § 2º,
a, do CP. É o entendimento de Nélson Hungria.

ii. Uma segunda corrente, por sua vez, afirma que a expressão há de ser
interpretada extensivamente, compreendendo, além do dever legal,
qualquer espécie de dever jurídico, tal como o dever contratual,
especialmente em relação aos os garantidores do art. 13, § 2º, a, b e c, do
CP. É o entendimento da maioria, entre todos o de Bento de Faria, Costa e
Silva e Galdino Siqueira86, que, aliás, coincide com a exposição de motivos
do CP87.
Obs.: A discussão passa a interessar quando se analisa a hipótese do segurança
particular. Ele tem ou não o dever legal de enfrentar o perigo? Para a primeira corrente,
como ele se enquadra na alínea “b”, não tem o dever legal de enfrentar o perigo. Para a
segunda corrente, o dever existe. Em prova para Polícia do DF, o gabarito considerou
correta a segunda corrente.

2.1.2.5. Inevitabilidade do comportamento lesivo


Para que haja estado de necessidade, o comportamento do agente deve ser
absolutamente inevitável para salvar o direito. Isso significa que o
comportamento não deve ser o meio mais cômodo, devendo haver prova de que não
havia alternativa ao sacrifício do direito.
No estado de necedade, a fuga do perigo é o caminho preferencial, é o chamado
pela doutrina de “commudus dicessus”, isto é, obrigação de procurar uma
cômoda fuga do local, evitando sacrificar bem jurídico alheio.
Obs.: O commudus dicessus não existe na legítima defesa, apenas no estado de
necessidade.

86 “Esse dever jurídico pode também resultar de uma relação contratual como a do

enfermeiro que se obriga a cuidar de um demente. e que não pode, para escapar do perigo de
seus acessos, praticar fato em prejuízo de terceiro.”

87 Como se extrai do item 21 da atual Exposição: "A abnegação em face do perigo só é


exigível quando corresponde a um especial dever jurídico".

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2.1.2.6. Inexigibilidade de sacrifício do interesse ameaçado


Para que haja estado de necessidade, deve ser inexigível o sacrifício do interesse
ameaçado. Ou seja, deve haver proporcionalidade entre o bem protegido e o
sacrificado.
Discutindo a proporcionalidade, há duas teorias:
i) Teoria diferenciadora:
A teoria diferencia o estado de necessidade justificante (exclui a ilicitude) e o
estado de necessidade exculpante (exclui a culpabilidade).
De acordo com a teoria diferenciadora, há estado de necessidade justificante
quando o bem protegido vale mais que o sacrificado. Já no estado de necessidade
exculpante, o bem protegido vale o mesmo ou menos que o sacrificado.
ii) Teoria unitária:
A teoria unitária somente reconhece o estado de necessidade justificante,
que exclui a ilicitude. Para esta teoria, há estado de necessidade justificante quando,
na comparação entre o bem protegido e o sacrificado, aquele vale mais ou o mesmo que
este.
Perceba que, para a teoria diferenciadora, se os bens têm igual valor é excluída a
culpabilidade. Já para a teoria unitária, se os bens têm igual valor é excluída a ilicitude.
Na teoria unitária, quando há desproporcionalidade entre os bens
protegido e sacrificado (este vale mais que aquele), há mera redução de
pena.
Teoria Estado de Excludente Bem Bem
Necessidade Protegido sacrificado
Teoria Justificante Exclui a Vale Mais Vale Menos
Diferenciadora ilicitude
Exculpante Exclui a Vale Igual Vale Igual
culpabilidade Vale Menos Vale Mais
Teoria Justificante Exclui a Vale Mais Vale Menos
Unitária ilicitude Vale Igual Vale Igual

O CP adotou a teoria unitária (art. 24, § 2º):

Art. 24 (...) § 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a

pena poderá ser reduzida de um a dois terços.


Entretanto, o Código Penal Militar, por sua vez, adotou a teoria diferenciadora
(art. 39 e 45):

Estado de necessidade, com excludente de culpabilidade

Art. 39. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a

quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e

atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio,

ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoàvelmente

exigível conduta diversa.


Exemplo: Furto famélico – requisitos para que seja reconhecido o estado de
necessidade:
(i) que o fato seja praticado para mitigar a fome;

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(ii) seja o único e derradeiro recurso do agente (inevitabilidade do


comportamento lesivo);
(iii) que haja a subtração de coisa capaz de diretamente contornar a fome (estado
de emergência). A subtração deve ser de comida. O STJ não reconhece furto famélico
na subtração de gás de cozinha e utensílios domésticos, por exemplo;
(iv) insuficiência dos recursos adquiridos pelo agente com o trabalho ou a
impossibilidade de trabalhar. Isso é importante, pois deixa claro que a tese do furto
famélico não serve apenas para o desempregado, mas também para o empregado,
desde que os recursos auferidos com o trabalho sejam insuficientes.
Obs.: O furto de remédios não configura furto famélico, mas pode configurar
estado de necessidade.

2.1.3. Requisito subjetivo


O requisito subjetivo do estado de necessidade é o conhecimento da situação de
fato justificante, há no agente consciência e vontade de agir para salvar de perigo atual
direito próprio ou alheio.
Assim, o agente deve estar movido pela vontade de salvamento, deve haver a
intenção de salvar direito próprio ou alheio, com o conhecimento da situação de perigo.

2.1.4. Classificações doutrinárias de estado de necessidade


A divisão do estado de necessidade leva em conta diversos critérios:

2.1.4.1. Quanto ao bem sacrificado


No que tange ao valor do bem sacrificado, o estado de necessidade pode ser:
a) Estado de Necessidade Justificante: o bem sacrificado é de valor igualou
inferior ao preservado. Exclui a ilicitude.
b) Estado de Necessidade Exculpante: O bem sacrificado é de valor superior ao
preservado.
A ilicitude é mantida, mas, no caso concreto, pode afastar a culpabilidade, em
face da inexigibilidade de conduta diversa.

2.1.4.2. Quanto à titularidade do bem jurídico preservado


Em relação ao titular do bem jurídico preservado pela lei penal, o estado de
necessidade pode ser:
a) Estado de Necessidade Próprio: protege-se bem Jurídico pertencente ao autor
do fato necessitado.
b) Estado de Necessidade de terceiro: o autor do fato necessitado tutela bem
Jurídico alheio.

2.1.4.3. Quanto à origem da situação de perigo


Quanto à pessoa que suporta o fato típico, o estado de necessidade pode ser:
a) Estado de Necessidade Agressivo: ocorre quando o bem sacrificado pertence a
um terceiro inocente. A absolvição penal não faz coisa julgada no cível.
É aquele em que o agente, para preservar bem Jurídico próprio ou de terceira
pessoa, pratica o fato necessitado contra bem jurídico pertencente a terceiro inocente,
ou seja, pessoa que não provocou a situação de perigo. O autor do fato necessitado,
embora não seja responsável pelo perigo, deve indenizar o dano suportado pelo terceiro
(CC, art. 929), reservando-lhe, porém, ação regressiva contra o causador do perigo (CC,
art. 930, caput/).

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

A absolvição baseada no EM agressivo não faz coisa julgada no cível, pode


indenizar o inocente.
b) Estado de Necessidade Defensivo: é aquele em que o agente, visando a
proteção de bem Jurídico próprio ou de terceiros, pratica o fato necessitado contra bem
jurídico pertencente àquele que provocou o perigo, ou seja, ocorre quando o bem
sacrificado pertence ao provocador do perigo. A absolvição penal faz coisa julgada no
cível. Obviamente, não há obrigação de ressarcir os danos causados, como se extrai da
análise a contrario sensu do art. 929 do Código Civil.
A absolvição baseada no EN defensivo faz coisa julgada no cível, impede a
reparação dos danos.

2.1.4.4. Quanto ao aspecto subjetivo do agente


Essa classificação diz respeito à ciência, ao conhecimento da situação de perigo
por parte do autor do fato necessitado. O estado de necessidade se divide em:
a) Estado de Necessidade Real: a situação de perigo efetivamente existe, e dela o
agente tem conhecimento. Exclui a ilicitude.
b) Estado de Necessidade Putativo: não existe a Situação de necessidade, mas o
autor do fato típico a considera presente. O agente, por erro, isto é, falsa percepção da
realidade que o cerca, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria sua ação
legítima. E mantida a ilicitude.
Se o erro for escusável, entretanto, exclui-se a culpabilidade. E, se inescusável,
subsiste a responsabilidade por crime culposo, se previsto em lei (CP, art. 20, § 1.0).
Obs.: Cabe estado de necessidade em crime habitual e permanente? Exigindo a
lei, como requisito, a inevitabilidade do comportamento lesivo, referindo-se às
circunstâncias do fato (ou seja, daquele momento), não se tem admitido estado de
necessidade em crimes habituais e permanentes.

2.2. Legítima defesa


Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios

necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de

outrem.

2.2.1. Conceito
O conceito de legítima defesa está muito bem reproduzido no art. 25 do CP. O
dispositivo esgota o assunto, diferentemente do estado de necessidade.

2.2.2. Fundamentos da legitima defesa


i. Jurídicos-individuais: é o direito que todo homem possuí de defender seu
bem jurídico.
ii. Jurídicos-socias: O ordenamento jurídico não deve ceder ao injusto.

2.2.3. Estado de necessidade e Legítima defesa


Qual é a diferença entre legítima defesa e estado de necessidade? Há uma região
nebulosa que faz com que muitos confundam os institutos:

Estado de Necessidade Legítima Defesa


Há conflito entre vários bens jurídicos diante de uma Há ameaça ou ataque ao bem
situação de perigo. jurídico.
O perigo decorre de conduta humana, comportamento Agressão humana.
de animal ou fato da natureza.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

O perigo não tem destinatário certo. Agressão é dirigida a alguém.


Os interesses em conflito Os interesses do agressor são ilegítimos. Por isso, não é possível
são legítimos. Por isso é legítima defesa x legítima defesa simultânea (uma das ações deve
possível estado de ser ilegítima). É possível apenas legitima defesa sucessiva.
necessidade x estado de Mas, atenção! É possível legitima defesa x legitima defesa putativa
necessidade simultâneo. (pois esta é ilegítima). É possível, ainda, legitima defesa putativa x
legitima defesa putativa (pois ambas são ilegítimas).
Ex. dois náufragos disputando um único colete salva- Ex. uma pessoa bate na outra, que
vidas. se defende em legítima defesa.

Questão: um carro desgovernado vai em direção a uma multidão. O agente


percebe esse fato e colide com o carro desgovernado, matando o motorista. Trata-se de
estado de necessidade ou de legítima defesa? Deve-se lembrar da quarta distinção, feita
no quadro acima (destinatário do perigo). É o caso, portanto, de estado de necessidade
(de terceiro).
Por serem legítimos os interesses em conflito no estado de necessidade, é possível
que duas pessoas ajam em estado de necessidade, uma contra a outra. A legítima
defesa, por sua vez, não admite o mesmo raciocínio. Não é possível haver legítima
defesa contra legítima defesa, pois para que um dos agentes possa alegar legítima
defesa, o outro tem de estar agindo injustamente.
Também não é possível haver legítima defesa contra quem age em estado de
necessidade, pois a legítima defesa pressupõe agressão injusta. Todavia, no estado de
necessidade agressivo (que atinge um terceiro), há quem entenda ser possível a legítima
defesa.

2.2.4. Requisitos objetivos

2.2.4.1. Agressão injusta


Agressão injusta é a conduta humana que ataca ou coloca em perigo bem jurídico
de alguém. Cuidado, pois ela não se confunde com mera perturbação e pode ser ativa
ou passiva.
É possível haver legítima defesa contra omissão injusta (a omissão, nesse caso,
torna-se uma agressão). Ex.: agente penitenciário que se recusa a cumprir alvará de
soltura. Nesse caso o preso pode agir em legítima defesa.
A agressão deve ser injusta, independentemente da consciência da ilicitude por
parte do agressor. Assim, quem se defende de agressão atual ou injusta praticada por
inimputável, age em legítima defesa, mas há posição contrária88.
Vale observar, contudo, que há doutrina minoritária rotulando a agressão do
inimputável como perigo atual, configurando sua repulsa estado de necessidade. De um
modo ou de outro, está sendo excluída a ilicitude.
A consequência prática da diferença é que, para a teoria majoritária (reagir à
agressão é legítima defesa), o ofendido pode reagir mesmo que possível a fuga.
Para a doutrina minoritária (reagir à agressão é estado de necessidade), a reação deve
ocorrer somente quando inevitável, devendo o agente fugir, se a fuga era possível.
A injustiça da agressão não pressupõe a tipicidade do fato, pode haver legítima
defesa contra agressão que não configure fato típico, basta que a agressão seja injusta.

88 Para Roxin, não se concede a ninguém um direito ilimitado de legítima defesa face à

agressão de um inimputável, de modo que a excludente não se aplica a todas as situações. Ex.
criança de 3 anos agride um adulto – não se pode matar a criança alegando legítima defesa.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Ex.: furto de uso (é uma agressão injusta contra o patrimônio, que comporta legítima
defesa, não obstante seja fato atípico), princípio da insignificância etc.
Repelir ataque de um animal é legítima defesa? Depende de ser o ataque
espontâneo ou provocado por terceiro. No primeiro caso, ele configura um perigo atual,
gerando estado de necessidade. No segundo, configura uma agressão injusta. O animal
passa a ser instrumento na mão do provocador. Em sendo agressão injusta, gerará
legítima defesa. Em se tratando de ataque instantâneo, em vez de abater o animal, o
sujeito deve preferir a fuga; no segundo caso, ele pode abatê-lo.
Há discussão na doutrina a respeito da possibilidade da agressão injusta ser
culposa, havendo posição no sentido de que a agressão culposa não é causa de
legítima defesa, pois não tem destinatário certo, configurando perigo atual,
autorizando estado de necessidade.
Obs.: André Estefam entende que até mesmo a agressão praticada sem culpa
permite a reação defensiva. Exemplo: aquele que está sentado no banco de um ônibus e
nota uma pessoa que acabara de escorregar caindo em sua direção, pode, se necessário,
empurrá-la contra o chão para não ser atingido.

2.2.4.2. Agressão atual ou iminente


Atual é a agressão presente. Iminente é agressão prestes a ocorrer. Se a agressão é
passada, o fato configurará mera vingança.
Se a agressão que se busca repelir é futura, trata-se de simples suposição,
entretanto se a agressão futura for certa89, a legítima defesa antecipada pode ser
configurada mas trata-se de uma hipótese de inexigibilidade de conduta diversa, e
exclui, portanto, a culpabilidade, e não a ilicitude.

2.2.4.3. Uso moderado dos meios necessários


Por meio necessário, entende-se o menos lesivo dentre aqueles à
disposição do agente e capaz de repelir a injusta agressão.
Assim, não basta, entretanto, encontrar o meio necessário, ele tem de ser usado
moderadamente, evitando o excesso.
Ex.: “A” movimenta-se no sentido de agredir “B” com uma faca. “B” tem à
disposição para tentar repelir a agressão as suas habilidades físicas, artes marciais, uma
pedra, uma arma de fogo e uma bazuca. O meio menos lesivo à disposição de “B” é a
habilidade física. Porém, esse meio é incapaz de reagir a uma agressão de faca de forma
eficaz. Logo, não é meio necessário (é ineficaz). Entre a pedra, a arma e a bazuca, a
arma será considerada o meio necessário.

2.2.4.4. Proteção de direito próprio ou alheio


Para que haja legítima defesa, deve ser buscada a proteção de direito próprio ou
alheio. A proteção de direito próprio é a chamada legítima defesa própria. A proteção
de direito alheio é a chamada legítima defesa de terceiro.

2.2.5. Requisito subjetivo


Da mesma forma que no estado de necessidade, na legitima defesa exige-se um
requisito subjetivo, que deriva da adoção do finalismo como sistema penal e é
consubstanciado no conhecimento do agente da situação de fato justificante. Ou seja, o
sujeito tem de saber que age em legítima defesa.

89 Ex. Fernandinho Beira-mar, preso, ameaça promotor de justiça de morte. Uma semana
depois, ele é solto e compra munição com as iniciais do promotor. O promotor não tem dúvidas
de que irá morrer e se antecipa à repulsa.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Assim, para que se conheça a legítima defesa, a atitude seve ser subjetivamente
orientada à defesa de direito próprio ou alheio, é o chamado animus defendendi aqui
trata-se de um requisito implícito (no estado de necessidade é expresso).
Deste modo, aquele que com animus necandi, mata seu inimigo, à distância, e
somente depois constata que antes da morte este estava prestes a matar terceira pessoa,
não poderá alegar legítima defesa de terceiro. Ora, não havia animus defendendi (a
intenção era de matar seu inimigo).

2.2.6. Classificações doutrinárias da legítima defesa

2.2.6.1. Legítima defesa real e putativa


Na legítima defesa real, a agressão injusta existe. Na legítima defesa putativa, a
agressão injusta foi imaginária ou fantasiosa.
A legítima defesa putativa não exclui a ilicitude, sendo considerada um
comportamento injusto. Assim, é perfeitamente possível haver legítima defesa de
legítima defesa putativa (porque esta é uma agressão injusta). Capez diz que é possível
haver legítima defesa putativa de legítima defesa putativa (ex.: dois neuróticos se
encontram na rua e uma atira contra o outro).

2.2.6.2. Legítima defesa defensiva e agressiva


Na legítima defesa defensiva, a reação não constitui fato típico. O exemplo que se
dá é o da imobilização do agressor. Rogério considera que, neste exemplo, haveria ao
menos constrangimento legal ou uma lesão, ainda que pequena, de modo que o fato
não seria propriamente atípico.
Já na legítima defesa agressiva, a reação constitui fato típico. É o caso da troca de
socos.

2.2.6.3. Legítima defesa subjetiva


Legítima defesa subjetiva é o excesso exculpável na legítima defesa. Ocorre
quando qualquer pessoa, nas mesmas circunstâncias, se excederia. Esta modalidade de
legítima defesa elimina a culpabilidade.

2.2.6.4. Legítima defesa sucessiva


A legítima defesa sucessiva ocorre na repulsa contra o excesso abusivo do agente.
Ou seja, há uma legítima defesa seguida de outra legítima defesa90. Note que elas não
são simultâneas. Não existe legítima defesa contra legítima defesa.

2.3. Estrito cumprimento de um dever legal


Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: (...)

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

2.3.1. Conceito e noções gerais


Diferentemente do que ocorre na legítima defesa, não é possível extrair com
segurança da lei um conceito de estrito cumprimento de dever legal, pois não encontra
outro dispositivo detalhando seus requisitos.
Os agentes públicos, no desempenho de suas atividades, não raras vezes devem
agir interferindo na esfera privada dos cidadãos, exatamente para assegurar o
cumprimento da lei. Essa intervenção redunda em agressão a bens jurídicos como a

90Reflexão: para Nucci, se há excesso não há legítima defesa, de modo que a primeira legítima
defesa sequer teria ocorrido. Talvez Rogério tenha se equivocado nesse exemplo.

111
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

liberdade, a integridade física e até mesmo a própria vida. Dentro de limites aceitáveis,
tal intervenção é justificada pelo estrito cumprimento de dever legal.
Note que a descriminante está ligada ao conceito de agente públicos, cuja função
está voltada a assegurar a aplicação e o cumprimento da lei. Exemplo de estrito
cumprimento de um dever legal é o flagrante compulsório previsto no art. 301, caput,
segunda parte, do CPP:

Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão

prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.


Se no flagrante tiver de ser empregada força e o preso acabar machucado, desde
que dentro de limites aceitáveis, haverá estrito cumprimento do dever legal.
A expressão “legal” deve ser tomada no seu sentido mais amplo. Não abrange lei
em sentido estrito, mas todas as espécies normativas previstas no art. 59 da
CR. Isso significa que para haja incidência dessa discriminante, deve haver uma norma
determinando um comportamento do agente público.
Ademais, o agente deve ter conhecimento de que está praticando a conduta sob o
véu da descriminante, é o reflexo do finalismo presente nas demais excludentes.
Entretanto, para os adeptos da teoria da tipicidade conglobante, o estrito
cumprimento de um dever legal não exclui a ilicitude, mas a própria tipicidade,
pois é um ato normativo determinado por lei.
Trata-se, assim, de descriminante em branco, que precisa ser
complementada com outra norma em que o conteúdo da norma permissiva se deduz de
outra norma jurídica (fenômeno que se assemelha à norma penal em branco).
Francisco de Assis Toledo ensinava que a expressão abrangia também
“costumes”, logo, para o autor, estaria presente a descriminante, atualmente, é um
entendimento minoritário.

2.3.2. Requisitos do estrito cumprimento de dever legal


São requisitos do estrito cumprimento de dever legal:
i) Conduta praticada por agente o público ou particular.
Esse requisito encontra divergência na doutrina, pois uma primeira corrente
entende ser a descriminante exclusiva dos agentes públicos, sendo que o
particular somente poderia estar acobertado por ela quando praticada conduta quando
no exercício da função publica, ex. mesário no dia das eleições, é a posição de
Mirabete.
Entretanto, uma segunda corrente, entende que é possível particular invocar
essa descriminante, ex. advogado que se recusa a depor em juízo em razão do dever de
sigilo profissional. É a posição majoritária.
ii) Proporcionalidade;
iii) Razoabilidade;
iv) Conhecimento da situação de fato justificante (requisito subjetivo).

2.4. Exercício regular de direito


Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: (...)

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

2.4.1. Conceito e noções gerais


O legislador também não destrinchou a descriminante em requisitos,
aumentando a importância da doutrina na conceituação do instituto.

112
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

O exercício regular de direto compreende ações do cidadão comum


autorizadas pela existência de direito definido em lei e condicionadas à
regularidade do exercício desse direito.
Se de um lado o estrito cumprimento de dever legal vincula-se a agentes públicos,
o exercício regular de direito está vinculado aos cidadãos comuns, mas ambas as figuras
devem ser complementada por outra norma, que anuncia o direito91.
Adotada a teoria da tipicidade conglobante, o exercício regular de direito
incentivado não exclui a ilicitude, mas a tipicidade penal, pois o sujeito pratica ato
normativo.

2.4.2. Requisitos do exercício regular de direito


São requisitos do exercício regular de direito:
i) indispensabilidade: impossibilidade de recurso útil aos meios coercitivos
normais para evitar a perda do direito;
ii) proporcionalidade;
iii) conhecimento da situação de fato justificante (requisito subjetivo)92.

2.4.3. Espécies de exercício regular de direito

2.4.3.1. Exercício regular de direito “pro magistratu”


O exercício regular de direito pro magistratu ocorre nas situações em que o
Estado não pode estar presente para evitar a lesão a um bem jurídico ou recompor
a ordem pública, incentiva o cidadão a atuar nesse sentido. Exemplos:
i) possibilidade de prisão em flagrante por qualquer um do povo (art. 301,
primeira parte, do CPP);
ii) desforço imediato do direito civil (retomada da posse do bem);
iii) retenção de bagagens do hoteleiro (penhor legal).

2.4.3.2. Direito de castigo


O castigo é espécie de exercício regular de direito. Trata-se, aqui, dos castigos
inerentes à educação. Representam exercício do poder familiar. O pai que tranca o filho
no quarto, de castigo, não responderá por sequestro. Evidentemente, deve haver
indispensabilidade e proporcionalidade na medida adotada contra a criança ou o
adolescente.

2.5. Consentimento do ofendido


2.5.1. Conceito
O consentimento do ofendido é uma causa supralegal de excludente da ilicitude
(ou seja, não está prevista em lei).

2.5.2. Requisitos
Para que o consentimento do ofendido exclua a ilicitude, devem estar previstos os
seguintes requisitos:
i) o não consentimento da vítima não pode integrar o tipo penal: para que exclua
o crime, o dissentimento da vítima não pode ser elementar do tipo. Sendo o
dissentimento elementar do tipo, o consentimento a vítima exclui o próprio fato típico
(e não a ilicitude do fato). É o caso, por exemplo, do estupro, em que a ausência de

91 O Exercício regular de um direito é descriminante em branco.


92 Como nas demais descriminantes o requisito subjetivo é decorrência lógica do
finalismo, pois a conduta para tal doutrina é sempre dirigida à um fim.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

consentimento integra o fato típico. Não fosse assim, para o direito penal todas as
pessoas teriam nascido de estupro com excludente de ilicitude;
ii) o ofendido tem de ser capaz, ou seja, saber o que faz;
iii) o consentimento deve ser válido (livre e consciente);
iv) o bem deve ser disponível;
v) o bem deve ser próprio: não existe a descriminante no consentimento de lesão
a bens alheios. O bem deve ser do próprio ofendido;
vi) o consentimento deve ser dado antes ou durante a execução da lesão:
consentimento posterior não exclui a ilicitude. Poderá, entretanto, extinguir a
punibilidade, em crimes de ação privada, na medida em que poderá configurara
hipótese de renúncia ou perdão do ofendido;
vii) o consentimento deve ser expresso, ainda que haja doutrina reconhecendo
possível o consentimento tácito;
viii) deve haver o conhecimento da situação de fato justificante (requisito
subjetivo).

2.6. Ofendículos
2.6.1. Conceito
Ofendículo é o aparato preordenado para a defesa do patrimônio. Ex.: cerca
elétrica, lança na murada, cacos de vidro no muro, animal de guarda etc.

2.6.2. Natureza jurídica


Há quatro correntes acerca da natureza jurídica dos ofendículos. Desde já,
cumpre observar que todas elas excluem a ilicitude, muito embora a terceira prevaleça.
1ª corrente: o uso de ofendículos é exercício regular de direito (o direito de
proteger o patrimônio).
2ª corrente: o uso de ofendículos configura legítima defesa (repulsa a injusta
agressão ao patrimônio).
3ª corrente: enquanto não acionado o ofendículo, seu uso configura exercício
regular de direito. Quando acionado, trata-se de legítima defesa. Como dito, é a que
prevalece.
4ª corrente: diferencia ofendículo (um aparato aparente), que é exercício
regular de direito, e defesa mecânica predisposta (um aparato oculto), que é legítima
defesa.
Se o uso do ofendículo traduz um direito do cidadão em defender seu patrimônio,
tal direito, como todos os demais, deve ser utilizado com prudência e consciência, para
que não sejam ultrapassadas as raias do razoável, colocando-se em risco a segurança
das demais pessoas. Ex.: a descarga elétrica de uma cerca não deve ser de tal grau que
“torre” a pessoa, mas somente que evite que ela ingresse no imóvel. Também não pode
potencialmente atingir inocentes, como a cerca elétrica em uma altura que possa
lesionar crianças.

3. Excesso nas justificantes


3.1. Previsão legal
O excesso nas justificantes está previsto no art. 23, parágrafo único, do CP:

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:

114
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

I - em estado de necessidade;

II - em legítima defesa;

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Excesso punível

Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo

excesso doloso ou culposo.

3.2. Classificação doutrinária do excesso


3.2.1. Excesso crasso
O excesso crasso ocorre quando o agente, desde o princípio, já atua
completamente fora dos limites legais. Ex.: matar criança que furta laranja.

3.2.2. Excesso extensivo (ou excesso na causa)


O excesso extensivo (ou excesso na causa) ocorre quando o agente reage antes da
efetiva agressão (futura e esperada). Não exclui a ilicitude, podendo, conforme o caso,
excluir a culpabilidade.
Como visto, na legítima defesa, a agressão deve ser atual ou iminente. A agressão
passada gera vingança; a futura, suposição. Todavia, se a agressão for futura, porém
certa, esperada, deixa de ser suposição e configura legítima defesa antecipada ou
preordenada. Nesse caso, excluirá a culpabilidade quando configurar hipótese de
inexigibilidade de conduta diversa.

3.2.3. Excesso inensivo


O excesso intensivo ocorre quando o agente, que inicialmente agia dentro do
direito, diante de uma situação fática agressiva, intensifica a ação justificada e
ultrapassa os limites permitidos. Ou seja, de uma reação moderada, o sujeito passa a
uma reação imoderada. Ele passa do campo da licitude para o da ilicitude.
Se o excesso for doloso, o agente responderá por dolo. Se for culposo, responderá
por culpa. Se o agente não agir com dolo nem culpa, o excesso será considerado
exculpante (exclui a culpabilidade).

3.2.4. Excesso acidental


O excesso acidental ocorre quando o agente, ao reagir moderadamente, por força
de acidente, causa lesão além da reação moderada. Aqui, diferentemente do que ocorre
no excesso intensivo, a reação do agente nunca deixou de ser moderada. Mas o
resultado da reação torna-se desproporcional.

4. Descriminantes putativas
4.1. Conceito
Descriminantes putativas são excludentes de ilicitude que aparentam estarem
presentes em uma determinada situação, quando, na realidade, não estão. É uma causa
de excludente de ilicitude imaginária, proveniente de um “erro”.
Apesar de as descriminantes significarem excludentes de ilicitude, quando
associadas à situação de putatividade, excluirão ora a tipicidade, ora a culpabilidade,
como será analisado a seguir.

115
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

4.2. Espécies de descriminantes putativas


Descriminante é causa de exclusão da ilicitude. Putativo é imaginário. A
descriminante putativa, portanto, não deixa de ser uma espécie de erro. Como visto
anteriormente, há dois tipos de erro: o erro de tipo e o erro de proibição.
Saber se a descriminante putativa configura uma ou outra modalidade dependerá
da espécie de descriminante putativa e da teoria adotada.

4.2.1. Erro quanto à existência ou aos limites da descriminante


O agente pode imaginar-se na situação justificante em razão de erro quanto à
existência ou aos limites da descriminante. Nesse caso, o agente conhece a situação
de fato, mas ignora a ilicitude do comportamento.
Ex.: pessoa espancada imagina estar autorizada a reagir, de forma tardia, com
tiros contra o agressor.
Nesse exemplo, o agente erra em relação aos limites da legitima defesa,
conhece a situação de fato, mas age fora dos limites da discriminante.
Assim, esse erro é equiparado a um erro de proibição, Tratando-se do chamado
erro de proibição indireto93 ou de permissão.

4.2.2. Erro quanto aos pressupostos fáticos do evento


Diversamente da modalidade anterior, pode o agente enganar-se quanto aos
pressupostos fáticos do evento (art. 20, § 1º, do CP), ou seja, pressupõe estar diante de
uma situação fática que na verdade não existe.
Ex.: o agente imagina que seu desafeto vai matá-lo, momento em que se arma e
ceifa a vida do sujeito. Perceba que a agressão injusta, pressuposto da legítima defesa,
nunca existiu.
Neste caso, há duas correntes acerca da natureza jurídica da descriminante
putativa:
1ª corrente: erro de tipo (erro de tipo permissivo). Para a teoria limitada da
culpabilidade, o exemplo do agente que mata seu desafeto imaginando que ele o
mataria é um caso de erro de tipo. Ou seja, se inevitável, o erro exclui dolo e culpa; se
evitável, o agente responde por culpa (se houver a modalidade culposa, obviamente).
2ª corrente: erro de proibição (erro de proibição indireto). A teoria extremada
da culpabilidade encara o exemplo como um erro de proibição. Ou seja, se inevitável,
isenta de pena; se evitável, diminui a pena (o sujeito responde por crime doloso, com
diminuição de pena).
3ª corrente: Luiz Flávio Gomes ensina que o art. 20, § 1º, do Código Penal
adotou uma teoria extremada sui generis, punindo o erro evitável a título de culpa
(e não mera diminuição de pena) por razões de política criminal:

Art. 20 (...) § 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas

circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não

há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime

culposo.
Prevalece na doutrina, entretanto, que o Código Penal adotou a teoria limitada da
culpabilidade. Esta teoria está expressa na Exposição de Motivos94. A expressão “é

O erro é indireto pois, recai sobre descriminantes e não sobre o tipo penal em si.
93

Exposição De Motivos Do Código Penal: 17. (...) Definiu-se a evitabilidade do erro


94

em função da consciência potencial da ilicitude (parágrafo único do art. 21), mantendo-se no

116
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

isento de pena” não pode ser ligada somente ao erro de proibição, mas também ao erro
de tipo.
O art. 20 do CP fala de erro de tipo e o art. 21 do erro de proibição. O fato de o
legislador pátrio ter colocado esse erro quanto aos pressupostos fáticos do
evento dentro do art. 20 prova que a sua intenção foi exatamente
equiparara figura ao erro de tipo. Se quisesse equipar ao erro de proibição, teria
inserido a norma como um dos parágrafos do art. 21. É o que prevalece na doutrina95.

O professor Fábio Roque vai falar de


culpabilidade. Não sei se acrescento aqui ou no
Caderno próprio dele. De qualquer forma a aula
continua e o professor Rogério vai tratar ainda
de que Concurso de Pessoas, Inter Criminis e
Prescrição

Culpabilidade

1. Noções Gerais
1.1. Princípio Da Culpabilidade
O princípio da culpabilidade é um dos princípios basilares, fundamentais, do
direito penal. Segundo a doutrina, tal princípio possui previsão constitucional no art.
5º, LVII.
Neste dispositivo é possível identificar de maneira imediata o princípio
processual da presunção de não culpabilidade. Porém, também é possível extrair o fato
de que uma sentença penal condenatória somente será proferida quando o réu for
considerado culpado.
Para que haja responsabilidade penal, é necessário demonstrar a culpa do réu.
Segundo a doutrina “não há pena sem culpabilidade” (nulla poena sine culpa).
Os princípios se diferenciam das regras devido a sua elevada abstração. O
princípio da culpabilidade reflete na esfera penal, trazendo consequências. São elas:
a) Vedação da responsabilidade penal objetiva
Segundo a doutrina, duas situações são capazes de gerar responsabilidade penal
objetiva, sendo vedadas. São elas:
i) Crime sem dolo ou culpa
O CP determina que é necessário haver dolo ou culpa para haver a
responsabilização do agente (artigos 18 e 19).

tocante às descriminantes putativas a tradição brasileira, que admite a forma culposa, em


sintonia com a denominada “teoria limitada da culpabilidade”.
95 Em provas do CESPE sempre é tida como correta a alternativa que aponta a teoria

extremada da culpabilidade.

117
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

É o que ocorre, por exemplo, na versare in re illicita. Consiste em situação na


qual se reconhece a existência da infração penal ainda que não ocorra dolo ou culpa,
bastando a voluntariedade.
Qualquer situação na qual o legislador se contente somente com a voluntariedade
da conduta para o reconhecimento da infração penal, haverá ofensa ao princípio da
culpabilidade.
Na parte geral da LCP há previsão nesse sentido. Há dispositivo que afirma que,
para efeito de contravenção penal, basta a voluntariedade. Tal artigo não foi
recepcionado pela CF/88, pois atualmente não se pode admitir como suficiente a
voluntariedade do ato.
Portanto, é possível afirmar que os artigos 18 e 19 do CP, que condicionam a
responsabilização à existência de dolo ou culpa, se aplicam subsidiariamente à LCP.

ii) Pena imposta sem culpabilidade


Para que se imponha uma pena, todos os elementos da culpabilidade devem estar
presentes.
Por exemplo, não é possível a imposição de pena se não houver imputabilidade,
potencial consciência da ilicitude ou exigibilidade de conduta diversa.
Tais exigências constam do CP (artigos 21, 22 e 26/28).

b) A pena deve ser graduada conforme a gravidade do fato


No momento de se estabelecer a quantidade e o rigor da pena, o juiz deve se ater
à gravidade do fato (e não à pessoa do réu).
Existem dois modelos quanto à graduação da pena:
i) Direito penal do fato – a pena é aplicada de acordo com a gravidade do
fato
ii) Direito penal do autor – a preocupação no momento de aplicação da
pena é com a periculosidade do agente. Pune o agente também pelo que
ele fez, mas sobretudo por quem ele é.
Percebe-se que somente é compatível com o princípio da culpabilidade a
concepção do direito penal do fato.

1.2. Culpabilidade formal e material


A culpabilidade formal é aquela definida em abstrato, que serve ao legislador na
edição da lei para cominar os limites máximos e mínimos de pena atribuída a
determinada infração penal.
A culpabilidade material é estabelecida no caso concreto, dirigida a um
agente culpável que cometeu um fato típico e ilícito, para a fixação da pena pelo
juiz.
Obs.: Este viés da culpabilidade está positivado no artigo 59, caput, do Código
Penal, que permite considerar "graus de culpabilidade" do agente, análise que
influenciará na pena concretamente aplicada.

1.3. Teorias do crime


Como visto, o fato típico é o primeiro e a ilicitude o segundo substrato do crime.
Questiona-se na doutrina se a culpabilidade é ou não o terceiro substrato do crime.
Ambas as correntes serão analisadas a seguir.

118
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

1.3.1. Teoria bipartite (René Ariel Dotti)


Para a teoria bipartite, a culpabilidade não integra o crime. Ou seja, essa corrente
defende que, objetivamente, para a existência do crime é prescindível a culpabilidade.
O crime existe por si mesmo, com os requisitos fato típico e ilicitude. Mas o crime só
será ligado ao agente se este for culpável, de modo que a culpabilidade é pressuposto
da pena, juízo de reprovação.

1.3.2. Teoria tripartite (Cezar Roberto Bittencourt e os clássicos)


A teoria tripartite inclui a culpabilidade como o terceiro substrato do crime.
Trata-se do juízo de reprovação extraído da análise de como o sujeito ativo se situou e
posicionou, pelo seu conhecimento e querer, diante do episódio com o qual se envolveu.
Essa teoria entende que a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade são
pressupostos da pena. Para ela, é perfeitamente possível que sejam, ao mesmo tempo,
substratos do crime e pressupostos da pena.
Prevalece, para fins de concurso, a teoria tripartite (CESPE, concursos federais
etc.) No estado de São Paulo, ainda há resquícios da teoria bipartite.

2. Evolução Do Conceito De Culpabilidade


O tema se liga umblicalmente aos já estudados sistemas penais que são um
conjunto de teorias acerca da estrutura/elementos do crime.
Em cada um dos sistemas a culpabilidade é vista de maneira diferente. Vejamos:

2.1. Sistema Clássico


É o sistema do final do século XIX e início do século XX. Este sistema adotava
duas teorias:
a) Teoria Causal ou naturalista da ação: Não se preocupava para
caracterizar a conduta humana com o elemento de vontade do agente,
assim, a conduta é apenas ação ou omissão, e por isso “dolo e culpa” estão
na culpabilidade.
b) Teoria psicológica da culpabilidade:
A culpabilidade era vista como o vínculo psicológico que une o autor ao fato
através do dolo ou da culpa, o elemento volitivo, anímico, subjetivo.
Portanto, o dolo e a culpa eram analisados na culpabilidade do agente, como se
fossem espécies do gênero culpabilidade.
Nesta época já se falava em imputabilidade penal, mas apenas considerada um
pressuposto para que se analisasse a culpabilidade (faltando imputabilidade, haveria
impossibilidade de agir dolosa ou culposamente).
Assim, para esta teoria, o pressuposto da culpabilidade é a imputabilidade.
Há, aqui,espécies de culpabilidade: dolo e culpa. O sujeito que age com dolo tem
culpabilidade dolosa. O que age com culpa, tem culpabilidade culposa.
Obs.: A teoriapsicológica normativa da culpabilidadetem base neokantista. Para
ela, a culpabilidade é formada pelos seguintes elementos (ou pressupostos):i)
imputabilidade;ii) exigibilidade de conduta diversa;iii) culpa; e iv) dolo.
A teoria psicológica normativa não divide a culpabilidade em espécies. O dolo e a
culpa, que eram espécies de culpabilidade para a teoria anterior, passam a ser
elementos.
Com visto anteriormente, o dolo da teoria psicológica normativa é formado por i)
consciência;ii) vontade; eiii) consciência atual da ilicitude. Repare que há no dolo um

119
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

elemento normativo (o elemento “iii”), razão pela qual ele échamado dedolo
normativo.

2.2. Sistema Neoclássico


Este sistema era adotado no início do século XX. Se baseava em duas teorias:
a) Teoria causal ou naturalista da ação (mesma teoria do sistema clássico
quanto à ação)
b) Teoria normativa da culpabilidade (psicológico-normativa)
A teoria psicológica-normativa da culpabilidade tem base neokantista, trata-se de
uma doutrina que busca um juízo normativo, ou seja de valor se opondo ao juízo
natural.
A culpabilidade era tida como sinônimo de reprovabilidade (atualmente, a idéia
de reprovabilidade ainda é analisada juntamente com a culpabilidade).
A imposição de uma pena apenas se justifica quando o comportamento do agente
é digno de reprovação social. O comportamento será reprovável quando se verificar
que, no caso concreto, o réu poderia ter agido de maneira diversa.
A punição somente se justifica nas situações em que o agente possui efetivamente
escolha ao atuar.
Em uma situação em que não há liberdade de escolha não haverá censurabilidade
da conduta (não é possível reprovar quem faz o que qualquer pessoa faria na mesma
situação). Ex: gerente de agência bancária que, mediante coação moral irresistível, abre
o cofre para os assaltantes. Neste caso, o gerente não será penalizado juntamente com
os assaltantes.
No sistema clássico, essa situação era penalizada. Portanto, percebe-se uma
evolução no sistema neoclássico. A culpabilidade não possui mais espécies, mas sim
elementos. São eles:
i) Imputabilidade
ii) Dolo ou culpa
iii) Exigibilidade de conduta diversa
Esta teoria é chamada de psicológico-normativa pelo fato de, ao lado dos
elementos normativos, a culpabilidade ainda ser dotada de um elemento psicológico
(dolo ou culpa).
Com visto anteriormente, o dolo da teoria psicológica normativa é formado por i)
consciência;ii) vontade; e iii) consciência atual da ilicitude do fato. Repare que há no
dolo um elemento normativo (o elemento “iii”), razão pela qual ele era chamado de
dolo normativo. Assim, a “potencial consciência da ilicitude” era a atual consciência
da ilicitude, o elemento normativo do dolo.
Com o finalismo essa concepção será alterada em se tratando de conduta, e terá
reflexos na culpabilidade, como se verá a seguir.

2.3. Sistema Finalista


Este sistema surgiu na segunda metade do século XX, se baseando em uma
premissa bastante importante: toda conduta humana é movida por uma finalidade.
Esta concepção foi construída por Hans Welzel: “a finalidade é a espinha dorsal
da conduta humana”.
Esta premissa se aplica à teoria da ação, e também reflexamente à culpabilidade.
O Sistema finalista adota as seguintes teorias:

120
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

a) Teoria finalista da ação


Toda conduta humana é movida por uma finalidade.
Welzel percebe que o direito penal, até então, separava a ação da finalidade
(dolo), segundo ele conceitos indissociáveis. O dolo, intenção do agente, deve ser
analisado dentro da conduta, e não da culpabilidade.
O dolo e a culpa não fazem parte da culpabilidade, mas da conduta (pois toda
conduta possui uma finalidade). Assim, surge uma concepção de culpabilidade sem
elemento psicológico.
b) Teoria normativa pura da culpabilidade
Segundo esta teoria, os elementos da culpabilidade são (IMPOEX):
i) Imputabilidade (art. 26/28)
ii) Potencial consciência da ilicitude (art. 21)
iii) Exigibilidade de conduta diversa (art. 22)
Dessa forma, a teoria normativa pura (ou extremada) da culpabilidade tem base
finalista.
No finalismo, o dolo e a culpa migram para o fato típico. O dolo, aliás, migra
despido do elemento normativo (consciência da ilicitude). Esse dolo, como visto, é o
chamado dolo natural.
Vale reparar que, na teoria anterior, a consciência da ilicitude deixa de integrar o
dolo normativo (que desaparece) e ganha status de elemento ou pressuposto da própria
culpabilidade.
Assim, a culpabilidade deixa de ser psicológica, pois os elementos volitivos
encontram-se agora na conduta (dolo e culpa) havendo apenas elementos estritamente
normativos.

2.3.1. Teoria limitada da culpabilidade


A divergência existente entre a teoria limitada e a extremada da culpabilidade se
resume na natureza jurídica da descriminante putativa sobre pressupostos fáticos do
evento. Para a teoria limitada, como visto,ela equipara-se a erro de tipo. Já para a teoria
extremada, trata-se de mais uma hipótese de erro de proibição96. O tema será
aprofundado quando do estudo do elemento “potencial consciência da ilicitude”.

2.4. Sistema Funcionalista


O termo “funcionalismo” se deve ao fato de o dado mais importante da Teoria do
Crime ser, para este sistema, compreender e cumprir a função do direito penal. O
direito penal não é um fim em si mesmo, cabendo ao intérprete compreender sua
função e aplicá-la.
A idéia fundamental do funcionalismo, no tocante à culpabilidade é expandida
para uma noção mais abrangente: responsabilidade. Somente há responsabilização
penal (e a conseqüente sanção) se houver responsabilidade (o que é mais amplo do que
culpabilidade).
A responsabilidade penal estará presente quando a aplicação da sanção penal for
apta a cumprir a função do direito penal.
Existem duas vertentes principais do sistema funcionalista:

96 A diferença foi objeto de questão de segunda fase da prova do MP/MG.

121
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

2.4.1. Funcionalismo racional teleológico ou moderado


Para Roxin, a função do direito penal é a proteção subsidiária de bens jurídicos.
Roxin defende a vertente funcionalista mais aceita atualmente (função do direito
penal como a proteção subsidiária de bens jurídicos). Segundo sua Teoria, haverá
responsabilidade penal quando presentes dois vetores:
i) Culpabilidade (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e
exigibilidade de conduta diversa)
ii) Satisfação de necessidades preventivas
Ora, para que haja proteção dos bens jurídicos (bens fundamentais à
coletividade), cumprindo o direito penal sua função, é necessário evitar a prática de
crimes.
Assim, a imposição de uma sanção somente fará sentido quando ela cumprir esta
finalidade preventiva (evitar a prática de novos crimes, tanto pelo próprio agente
quanto por terceiros, protegendo os bens jurídicos).
Ora, existem situações em que a imposição da pena se mostra absolutamente
desnecessária. Por exemplo, o homicídio culposo de um filho, que já traz um trauma
tão grande por si só, que não justifica uma responsabilização penal (o perdão judicial,
possível nesta situação, é reflexo dessa necessidade de satisfazer necessidades
preventivas através do direito penal). O fato por si só já cumpre essa necessidade
preventiva, não sendo necessária a pena.
Trata-se de caso em que existe culpabilidade, mas ainda assim a imposição da
pena não se justifica (percebe-se, então, que para o funcionalismo, a responsabilidade
não se limita à culpabilidade).

2.4.2. Funcionalismo radical ou sistêmico


Segundo Jakobs, a função do direito penal é a garantia da vigência da norma
(embora a doutrina utilize o termo “vigência” na tradução da Teoria, a preocupação é
com a eficácia, com o respeito do direito penal pelos destinatários).

3. Coculpabilidade
A teoria da coculpabilidade aponta a parcela de responsabilidade social do Estado
pela não inserção social e, portanto, o dever de também suportar o ônus do
comportamento desviantes do padrão normativo por parte dos atores sociais sem
cidadania plena, que possuem uma menor autodeterminação diante das concausas
socioeconômicas da criminalidade urbana e rural.
Nesse sentido, não há exclusão da culpabilidade, mas essas circunstâncias
externas devem ser consideradas na dosimetria da pena. O nosso Código Penal
possibilita a adoção dessa teoria ao prever, em seu Art. 6697, uma atenuante inominada.
Obs.: Coculpabilidade as avessas: trata-se de teoria elaborada com propósito
crítico à seletividade do sistema penal, merecendo dois ângulos de análise:
a) Crítica em relação à seletividade do sistema penal, que volta seu arsenal mais
pesado aos indivíduos mais frágeis, normalmente escanteados da vida em
sociedade e das atividades básicas do Estado, tratando-se de uma espécie de
criminalização da vulnerabilidade em si mesma.
b) Discute-se também uma responsabilização criminal mais severa em relação
àqueles que praticam crimes valendo-se de uma posição elevada seja
economicamente, seja socialmente, ex. crimes do colarinho branco.

97 Art. 66: “A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante,
anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.”

122
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Há de ser destacado, contudo, que, ao contrário da coculpabilidade, que pode se


assentar no art. 66 do Código Penal, a coculpabilidade às avessas não encontra respaldo
legal, razão pela qual, como agravante, não pode ser aplicada, vedada, como se sabe, a
analogia in malam partem.

4. Elementos (ou pressupostos) da culpabilidade


A culpabilidade é subjetiva (do agente) ou objetiva (do fato)98?
1ª corrente:a culpabilidade é objetiva, resultado do direito penal do fato (Luiz
Flávio Gomês).
2ª corrente:a culpabilidade é subjetiva, não significando que o direito penal
seja do autor. Para esta corrente, o direito penal não deixa de ser do fato só porque a
culpabilidade é subjetiva. O direito penal incrimina fatos, não pessoas.
Prevalece, no entanto, a primeira corrente.

4.1. Imputabilidade
4.1.1. Conceito
Imputabilidade é a capacidade de imputação, ou seja, a possibilidade de se
atribuir a alguém a responsabilidade pela prática de uma infração penal.

Direito penal Direito civil


Imputável Capaz para os atos da vida civil
Inimputável Incapaz para os atos da vida civil
Observe, entretanto, que nem todo capaz no âmbito civil será considerado
imputável. Exemplo: o adolescente casado, que é capaz no âmbito civil, continua
inimputável no âmbito penal.
Atenção: eventual emancipação civil não retira a presunção absoluta de
inimputabilidade na órbita penal.
O Código Penal não conceitua imputabilidade, elencando, desde logo, as
hipóteses de inimputabilidade. Trata-se de um conceito negativo (conceitua-se algo
explicando o que esse algo não é). Ou seja, o CP conceitua a imputabilidade a contrario
sensu.
Assim, pode-se dizer que a imputabilidade é a capacidade mental, inerente
ao ser humano de, ao tempo da ação ou da omissão, entender o caráter
ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento.
Segundo essa definição, a doutrina aponta dois “elementos” da imputabilidade:

98 Questão de prova da Defensoria Pública de São Paulo.

123
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

a) Elemento intelectivo: é a integridade biopsiquica, consistente na perfeita


saúde mental que permite ao indivíduo o entendimento do caráter ilícito
do comportamento do fato;
b) Elemento volitivo: é o domínio da vontade, ou seja, no momento da prática do
fato, o agente, controlando seus instintos e vontades ante ao caráter ilícito
daqueles, determina-se em não praticá-lo.
Necessário observar que ambos os elementos devem estar presentes, e
assim, ao agente poderá ser atribuída a responsabilidade penal, de outro lado,
ausente qualquer dos elementos, o agente deverá ser considerado ininputável, e
por isso, isento de pena.
Dessa forma, é possível afirmar que a imputabilidade é a regra no sistema, ou
seja, todo maior de 18 anos é presumido imputável, e a ininputabilidade é exceção,
sendo que só poderá ser ininputável, e por isso isento de pena, aquele que se enquadrar
nas hipóteses legais.

4.1.2. Sistemas de imputabilidade

4.1.2.1. Sistema biológico


O sistema biológico leva em conta apenas o desenvolvimento mental do acusado,
independentemente do fato de ele possuir ou não, no momento da conduta, capacidade
de entendimento e autodeterminação. Para esse sistema, todo louco é inimputável.

4.1.2.2. Sistema psicológico


O sistema psicológico considera apenas se o agente, ao tempo da conduta, tinha
capacidade de entendimento e autodeterminação, independentemente da sua condição
mental. O sistema psicológico é exatamente o oposto do biológico.

4.1.2.3. Sistema biopsicológico


O sistema biopsicológico nada mais é que a soma dos sistemas anteriores. Leva
em conta o desenvolvimento mental do acusado e sua capacidade de entendimento e
autodeterminação no momento da conduta.
No Brasil, não é adotado um ou outro sistema, mas ambos, de acordo com a
hipótese de inimputabilidade de que se trate.

4.1.3. Hipóteses de inimputabilidade

4.1.3.1. Inimputabilidade em razão de anomalia psíquica


Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou

desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou

da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de

determinar-se de acordo com esse entendimento. (...)


O art. 26, caput, do CP, adota o sistema biopsicológico. Portanto, nem toda
pessoa doente mental será considerado inimputável. Para que seja, ele deve, ao tempo
do crime, ser inteiramente i. incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
ii. determinar-se de acordo com esse entendimento, assim:
i. A doença mental impede que o agente “saiba o que está fazendo”,
retirando-lhe o discernimento em relação à contrariedade do fato ao
direito;
ii. O agente entende o caráter ilícito do fato, mas a compulsão produzida pela
doença mental o impede de deixar de agir, retirando-lhe o livre arbítrio e
o impelindo a produzir o fato.

124
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

A expressão “doença mental” deve ser tomada em sua maior amplitude e


abrangência, isto é, como qualquer enfermidade que venha a debilitar as funções
psíquicas.
Como consequências, haverá inquérito policial, denúncia, processo e absolvição,
com aplicação de medida de segurança (que é uma espécie de sanção penal). A pessoa é
absolvida, mas sofre sanção penal (a chamada absolvição imprópria).
Trata-se do único caso excepcional em que o juiz, mesmo diante de fato típico,
ilícito e não culpável, deve receber a inicial.

4.1.3.1.1. O Semi-imputável ou fronteiriço


Perceba que o art. 26, parágrafo único, do CP, não traz hipótese de
inimputabilidade, mas de imputabilidade com responsabilidade penal diminuída
(semi-imputável):

Art. 26 (...) Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o

agente, em virtude de perturbação99 de saúde mental ou por desenvolvimento

mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o

caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.


Trata-se da hipótese em que o agente entende parcialmente o caráter ilícito, ou
tem parcial capacidade de determinar-se de acordo com o entendimento.
A semi-imputabilidade tem natureza jurídica de causa obrigatória de
diminuição de pena, a ser imposta na terceira fase da dosimetria.
Como consequências, haverá inquérito policial, denúncia, processo e condenação
(diferentemente do inimputável, que é absolvido). A condenação será com pena
diminuída ou com medida de segurança (teoria unitária ou vicariante100).
Discute-se se a semi-imputabilidade é compatível com as circunstâncias
subjetivas que rodeiam o crime, como o motivo do delito (motivo fútil, torpe etc.)
Prevalece que sim, mas essa é uma tese a ser utilizada em prova para a Defensoria
Pública.

4.1.3.2. Inimputabilidade em razão da menoridade


Art. 27- Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis,

ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.


A legislação a que se refere o art. 27 do CP é, evidentemente, o ECA101.
Por que a opção por menores de 18 anos? A CR, em seu art. 228, fala que os
“menores de dezoito anos” são inimputáveis102.O CP, em seu art. 27, reproduz a regra.
O sistema adotado para a inimputabilidade do menor de 18 anos foi o biológico,
assim, não há preocupação com a capacidade de entendimento do agente, mas
simplesmente com a idade a partir da qual se presume o discernimento.

99 É uma doença mental, embora mais suave. Não elimina totalmente, mas reduz em parte

o discernimento do agente em relação ao caráter ilícito e em relação à sua determinação.


100 Até 1984 o Código Penal adotava o “sistema duplo-binário” que autorizava a imposição

de penas E medidas de segurança, entretanto após 1984 o Código Penal passa a adotar o sistema
vicariante, que possibilita a aplicação de pena OU medidas de segurança.
101 Assim, o menor não comete crime, mas ato infracional, e por isso, à ele não se aplica

pena, mas medidas sócioeducativas.


102Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da
legislação especial.

125
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Assim, pode-se afirmar que o critério adotado é absoluto, trata-se de uma


presunção juri et de juris e não admite prova em contrário103.
Nesse sentido, os arts. 228 da CR e 27 do CP não seguem postulados científicos,
mas critérios de política criminal. Não é a ciência que recomenda que os menores de
dezoito anos sejam inimputáveis, mas a política criminal, a criminologia.
A menoridade deverá ser comprovada por meio de documento hábil, nos termos
da Súmula nº 74 do STJ104. Uma vez constatada, por meio de certidões, a
inimputabilidade do agente à época do fato criminoso, deve ser anulado o processo ab
initio, sujeitando-o à legislação especial.
O art. 5º, 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos diz que “os menores,
quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a
tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento”105. Perceba
que o Pacto não fala expressamente numa idade específica, deixando a cada Estado
rotular a idade conveniente para a definição de menor, segundo a sua própria política
criminal.
Menor de dezoito anos pode ser julgado perante o Tribunal Penal Internacional
(ex.: em determinado país, um jovem de dezessete anos,comandando exército, pratica
crime de guerra em nome do governo dele). O art. 26 do Estatuto de Roma exclui
expressamente da jurisdição do TPI os menores de dezoito anos, seguindo,
coincidentemente, o critério brasileiro:

Artigo 26.º - Exclusão da jurisdição relativamente a menores de 18 anos

O Tribunal não terá jurisdição sobre pessoas que, à data da alegada prática do crime,

não tenham ainda completado 18 anos de idade.


O agente passa a ser imputável no primeiro segundo do dia do seu décimo oitavo
aniversário. Pouco importa a hora que ele nasceu.
Em relação ao fato de que a ininputabilidade do menor de idade ser um direito
individual não podendo ser abolido por alteração constitucional, não há duvidas106.
Discute-se, entretanto a possibilidade de alteração da maioridade penal, ou seja
de que se diminua de 18 anos a possibilidade de que o Estado considere imputáveis os
agentes de crimes, principalmente nos últimos tempos, quando várias Emendas
Constitucionais tiveram o tema como objeto, nesse sentido a doutrina se diverge:
1ª corrente: A redução seria impossível atreves de emenda, uma vez que a
garantia individual é de que o menor de 18 anos não se veja processado, julgado e

103 Nesse sentido, não cabe, eventualmente, ao MP fazer prova de que o menor conseguia

compreender o caráter ilícito, o popular “sabia o que estava fazendo”, de que já estaria
emancipado na esfera cível, etc.
104 Súmula nº 74: Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer

prova por documento hábil.


105Artigo 5º - Direito à integridade pessoal (...) 5. Os menores, quando puderem ser
processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a
maior rapidez possível, para seu tratamento.

106 Em 1993 o STF decidiu que o rol de direitos e garantias individuais extrapola aqueles

previstos no Art. 5º da Constituição Federal, podendo ser encontrados em vários outros artigos
do texto constitucional, inclusive no Art. 151, que prevê limitações ao poder de tributar do
estado, nesse sentido, por óbvio uma clara limitação ao poder punitivo estatal (caso da
ininputabilidade do menor de idade) deve necessariamente ser considerada como uma garantia
individual.

126
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

condenado pela justiça comum, assim em tese essa alteração só poderia advir do poder
constituinte originário, inaugurando uma nova ordem constitucional107.
2º corrente: Uma vez tratada como garantia contra o Estado, a menoridade
penal não poderia ser abolida, por ser clausula pétrea, mas a alteração na idade seria
perfeitamente possível através de emenda constitucional, desde que não se atingisse
seu “núcleo essencial”.

4.1.3.3. Inimputabilidade em razão da embriaguez acidental completa


Art. 28 (...) § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa,

proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da

omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de

determinar-se de acordo com esse entendimento.


O art. 28, § 1º, do CP adotou o sistema biopsicológico. Além da embriaguez
completa, ele exige a incapacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Embriaguez é a intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool, ou por
substâncias de efeitos análogos, apta a provocar a exclusão da capacidade de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Segundo a doutrina jurídica, há três níveis de embriaguez:
i) Excitação: nessa fase a embriaguez é incompleta
ii) Depressão: a embriaguez é completa.
iii) Letargia – ocorre quando a pessoa fica em estado de coma alcoólico, a
embriaguez é completa. Neste momento, é possível a prática de crimes
omissivos.
Na primeira fase a embriaguez é incompleta, enquanto que nas outras duas é
completa.

4.1.3.3.1. Espécies de embriaguezes:


i) embriaguez acidental:
A embriaguez acidental pode ser proveniente de caso fortuito (o sujeito
desconhece o efeito inebriante da substância que ingere) ou força maior (o sujeito é
obrigado a ingerir a substância).
Se for completa, elimina a capacidade de entendimento e autodeterminação. Se
incompleta, diminui a capacidade de entendimento e autodeterminação.
Repare que somente a embriaguez acidental completa exclui a
culpabilidade, uma vez que elimina do sujeito a liberdade de ação na oportunidade da
ingestão da substância, ou seja, não há consciência de que ingeria (ex. colocaram droga
na bebida e o sujeito não viu) ou a vontade de ingeri-la (ex. foi coagido ingerir a
substância).
Importante observar que a embriaguez acidental incompleta somente reduz a
pena.
ii) embriaguez não acidental:
A embriaguez não acidental pode ser voluntária - Aérton - (o agente tem a
intenção de se embriagar, o que não significa que ele quer se embriagar para praticar
crime, que é outra coisa), ou culposa - Aurélio - (a embriaguez é fruto de negligência).

Ainda aqui há controvérsias principalmente em relação aos limites ao poder


107

constituinte originário.

127
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Mais uma vez, se for completa, elimina a capacidade de entendimento e


autodeterminação. Se incompleta, apenas diminui tal capacidade.
A embriaguez não acidental voluntária ou culposa, completa ou
incompleta, não exclui a culpabilidade.
iii) embriaguez patológica:
A embriaguez patológica caracterizada pelo vício, ou seja, é a doentia. Equipara-
se a doença mental, não sendo se quer entendimento da doutrina penal, mas também
da OMS.
Nesse sentido, é possível que a embriaguês exclua a culpabilidade,
entretanto, não poder se tratar de embriaguês, mas por equiparar-se à uma doença
mental, garantindo-se a aplicando-se o art. 26 do CP nos termos acima estudados.
Obs.: Não basta ser viciado no álcool, mas sim que à época do fato o viciado não
pudesse compreender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse
entendimento, aplicação do critério biopsicolígico. Porém, por vezes, é possível o
reconhecimento da inimputabilidade do viciado ainda que ele não esteja sob o efeito da
substância, ao contrário, pode ser que em abstinência o resultado possa ser pior, pois a
crise pode instigá-lo a cometer o ilícito, por não poder determinar-se de acordo com a
situação108.
iv) embriaguez preordenada:
A embriaguez preordenada é aquela em que o agente fica entorpecido para o
cometimento de um crime. Assim como as duas primeiras, pode ser completa ou
incompleta.
A embriaguez preordenada, além de não excluir a culpabilidade, será
considerada agravante de pena (art. 61, II, “l”, do CP):

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou

qualificam o crime: (...)

II - ter o agente cometido o crime: (...)

l) em estado de embriaguez preordenada.

4.1.3.3.2. A teoria da “actio libera in causa”


A teoria da actio libera in causa aplica-se quando o agente se auto-coloca em
uma situação de ausência de discernimento mental ou capacidade de ação (ex. a
embriaguez não decorre de caso fortuito ou força maior). Assim, Se a embriaguez for
voluntária, o agente é punido, aplicando a teoria da actio libera in causae – ação livre
na causa, ou seja, o sujeito voluntariamente se embriagou.
Em resumo, o ato transitório revestido de inconsciência decorre de ato
antecedente que foi livre na vontade, transferindo-se para esse momento anterior a
constatação da imputabilidade. Ou seja, a teoria manda transferir para o ato anterior a
análise da imputabilidade, sem ignorar a voluntariedade.
Entretanto, alguns autores como Juarez Cirino criticam a adoção dessa teoria,
sob a ideia de que sua aplicação poderia gerar responsabilidade penal objetiva109,
porém, a maioria entende que por ser uma medida de política criminal, sua aplicação, a
fim de evitar a responsabilidade penal objetiva, exige que no momento da auto-
colocação de modo voluntário em estado de embriaguez o resultado posterior seja ao
menos previsível.

108 Ex. sujeito que furta objetos apenas para conseguir a droga.
109 Atribuir-se-ia responsabilidade penal a quem não tem liberdade de ação.

128
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Ex: aquele que, embriagado, decide dirigir até sua residência e provoca a morte
de um pedestre, responderá pelo delito de homicídio culposo na direção de veículo
automotor (o resultado é previsível).
Assim, a embriaguez não acidental completa e a preordenada serão punidas
graças à teoria da actio libera in causa. Ex.: motorista, completamente bêbado,
atropela e mata motociclista:

Ato antecedente livre na vontade Ato transitório revestido de


inconsciência
No momento da ingestão, o agente previu e Responderá por homicídio doloso (art. 121 do
quis o atropelamento. CP).
No momento da ingestão, o agente assumiu o Responderá por homicídio doloso (dolo
risco do atropelamento. eventual).
No momento da ingestão, o agente previu, Responderá pelo art. 302 do CTB110 (culpa
mas acreditou poder evitar o atropelamento. consciente).
No momento da ingestão, o resultado era Responderá pelo art. 302 do CTB, com culpa
previsível. inconsciente.
No momento da ingestão, o resultado era Fato atípico (ausência de dolo ou culpa).
imprevisível.
De acordo com a doutrina moderna (Luiz Flávio Gomes, Damásio, Bettiol), a
teoria da actio libera in causa deveria ser limitada ao caso da embriaguez preordenada.
Na hipótese da embriaguez não acidental, deve ser analisada a vontade do agente,
evitando-se responsabilidade penal objetiva.
Obs.: O índio, ainda que alheio aos costumes e cultura do homem fora da tribo,
não necessariamente será considerado inimputável. Isso não significa que ele será
culpável, vez que pode estar ausente a potencial consciência da ilicitude ou
exigibilidade de conduta diversa. Ou seja, o índio, para ser totalmente inimputável, terá
de se enquadrar numa das circunstâncias de inimputabilidade. O simples fato de ser
índio ou de ser totalmente alheio aos costumes da civilização não o tornará inimputável
(o que não significa que será necessariamente culpável).

110 Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de
dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para
dirigir veículo automotor.

129
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

4.1.3.3.3. Quadro sinótico: Espécies de embriaguez e consequências:

4.1.3.4. Emoção e paixão


O art.28, I, do CP diz que essas circunstâncias não excluem a imputabilidade.

Emoção e paixão

Art. 28, CP - Não excluem a imputabilidade penal:

I - a emoção ou a paixão;

Emoção Paixão
É um estado súbito e passageiro É um sentimento crônico e duradouro
Apesar de a emoção não excluir a Já a paixão, dependendo do grau, pode ser
imputabilidade, ela pode interferir na pena, considerada doença e, aí, ser tratada como
sendo uma atenuante ou privilégio. doença, nos termos do art. 26, caput, do
CP.

4.2. Exigibilidade de conduta diversa


Conforme será estudado adiante, a exigibilidade de conduta diversa é a porta de
entrada das causas supralegais de exclusão da culpabilidade.
Isso porque o rol de hipóteses de inexigibilidade de conduta diversa é o
único exemplificativo, dentre as excludentes dos elementos da culpabilidade. Com
efeito, tanto as hipóteses de inimputabilidade quanto a de exclusão da potencial
consciência da ilicitude (erro de proibição) são taxativas.

4.2.1. Conceito
Para que surja a culpabilidade, não é suficiente que o sujeito seja imputável e
tenha cometido o fato com possibilidade de lhe conhecer o caráter ilícito. Além desses
dois primeiros elementos, exige-se que, nas circunstâncias, exista a possibilidade
de realização de outra conduta, de acordo com o ordenamento jurídico.
Ou seja, para que o fato seja culpável, é imprescindível que, naquela situação,
pudesse se exigisse do agente que se comportasse de outra forma.

4.2.2. Hipóteses de inexigibilidade de conduta diversa


Embora o Código Penal não traga expressamente as expressões consagradas na
doutrina, a legislação apresenta hipóteses em que do agente não se exige outra conduta,
são dois institutos que, por isso afastam a exigibilidade de conduta diversa.

130
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

4.2.2.1. Coação moral irresistível (art. 22,1ª parte, do CP)


Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência

a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da

coação ou da ordem.
A coação moral (vis comuplsiva) consiste na ameaça de inflição de um mal grave
e injusto. Consiste na coação psicológica, psíquica, produzindo medo e temor na vítima.
Na coação moral irresistível o coagido é imbuído de vontade de cometer o ilícito,
por isso não se excluí a conduta (como na coação física irresistível), entretanto, sua
vontade não é livre e desembaraçada.
Assim, a coação moral deve ser irresistível, ou seja, tão intensa que não gere ao
agente a possibilidade de vencê-la, ou seja, até haveria outra opção de conduta111 para o
coagido, mas dele, o direito penal não a exige em virtude da coação.
Ex. gerente abordado por assaltantes que ameaça sob pena de matar sua família.
Requisitos são: promessa séria e ser o mal verossímil.
Para aferir a irresistibilidade devem ser analisados alguns fatores:
i. Seriedade da promessa (ainda que a ameaça não seja séria, deverá soar
como tal à vítima);
ii. Gravidade e iminência do mal prometido
A Imediatidade do mal prometido – trata-se de fator temporal, se não houver
imediatidade será possível exigir do réu conduta diversa.
iii. O mal prometido deve ser verossímil
iv. Ponderação entre o mal prometido e o ato exigido - situação em que o
mal prometido era mais grave do que o ato exigido, caso contrário, a
coação se configuraria resistível.
Na coação moral irresistível, há sempre dois importantes personagens: coator e
coagido.
Obs.: Se houver coação física irresistível (vis absoluta), o fato será
considerado atípico, por ausência de conduta (a qual requer voluntariedade).

São requisitos da coação moral irresistível:


i) coação moral: a coação física, como visto, exclui a conduta;
ii) irresistibilidade: se a coação for resistível estar-se-á diante de uma atenuante
de pena (art. 65, III, “c”, primeira parte, do CP):

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (...)

III - ter o agente: (...)

c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem

de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato

injusto da vítima;
Dependendo da espécie de coação, há diferenças na responsabilidade do coagido,
mas não do coator (que sempre será condenado, com agravante de pena). Vejamos:
Coação moral irresistível Coação moral resistível

111 Ex. o gerente pode escolher perder a família e salvar o dinheiro do banco e não entregá-
lo aos criminosos, mas o direito penal não exige essa conduta do mesmo.

131
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Condenação, com aplicação de


Condenação, com aplicação de
Coator agravante (art. 62) ou tortura (art. 1,
agravante (art. 62)
Lei 9.455/97 – concurso formal
Absolvição por isenção de pena
(ausência de culpabilidade – por Condenação, com aplicação de
Coagido
inexigibilidade de conduta diversa) – atenuante (art. 65)
isto se for processado.

Consequência da coação moral irresistível é que só é punível o autor da coação,


que será considerado autor mediato, uma vez que o coagido tornou-se um
instrumento para o crime.
Exemplo: “A” coage “B”, de forma moral e irresistível,a matar “C”. “B” não pratica
crime, por se tratar de caso de inexigibilidade de conduta diversa. “A” responderá pelo
homicídio de “C”, na condição de autor mediato, e pela tortura de “B”, em concurso
material (art. 1º, I, “b”, da Lei 9.455/1997).“A” responderá pela tortura
independentemente do fato de “B” haver ou não matado “C”.

Art. 1º Constitui crime de tortura:

I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe

sofrimento físico ou mental: (...)

b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;

4.2.2.2. Obediência hierárquica (art. 22, caput, 2ª parte, do CP)


Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a

ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o

autor da coação ou da ordem.


São requisitos da obediência hierárquica:
i) Ordem de superior hierárquico: trata-se da manifestação de vontade do
titular de uma função pública a um funcionário que lhe é
subordinado, no sentido de que realize uma conduta.
Assim, somente é possível falar em obediência hierárquica no contexto de
relações de direito público. Ex: relação existente entre servidor público e seu chefe.
Na esfera privada, não se fala em hierarquia, mas sim em subordinação. Nas
relações familiares (ex. pai e filho) também não há hierarquia, mas temor reverencial.
Nas relações de trabalho não há hierarquia, mas subordinação.
É importante observar que entre servidores do mesmo patamar na carreira
pública não há hierarquia, pois nenhum é superior em relação ao outro.
Além disso, o superior hierárquico pode emitir ao seu subordinado uma série de
ordens legais, as quais podem lesar bens alheios, e ainda assim deverão ser cumpridas,
pois amparadas por lei (estrito cumprimento de um dever legal art. 23, III, CP –
excludente de ilicitude).
ii) Ordem não manifestamente ilegal: trata-se da ordem não claramente,
evidentemente ilegal. Deve a execução limitar-se à estrita observância da
ordem, não podendo o subordinado se exceder.
Pode-se afirmar que a ilegalidade não pode ser manifesta, ou seja, se a ordem
emitida for manifestamente, expressamente ilegal, o subordinado não será obrigado a
cumpri-la. A ninguém é dado cumprir ordens ilegais.

132
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Entretanto, se o subordinado cumprir a ordem manifestamente ilegal, responderá


pelo crime juntamente com seu superior. Há algumas diferenças quanto a aplicação da
pena, vejamos:
a) Ordem claramente ilegal: nesse caso, o superior e o subordinado serão
punidos. No caso do subordinado, incide atenuante de pena (art. 65, III, “c”,
do CP):

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (...)

III - ter o agente: (...)

c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de

autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato

injusto da vítima;
b) Ordem legal: superior e subordinado podem alegar estrito cumprimento de um
dever legal;
c) Ordem não manifestamente ilegal: o superior será punido (na condição de
autor mediato) e o subordinado isento de pena.

4.2.2.3. Causas supralegais


Segundo a doutrina, é possível, em tese, reconhecer causas supralegais de
exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, sempre
que ficar demonstrado que o réu não podia se comportar de outro modo.
Assim, se o réu não puder se comportar de outro modo, mas ainda assim não
consistir em obediência hierárquica ou coação moral irresistível, é possível a sua
absolvição por isenção de pena (ausência de culpabilidade).
Esse rol, portanto, é exemplificativo para a doutrina. Tem como fundamento
utilizado pela doutrina é a analogia in bonam partem (em benefício do agente)112.
Ex. Mãe, pobre e morando em casa muito simples, que tem que trabalhar e não
outro meio deixar as filhas as tranca em casa, deixando-as com comida e água, num
incêndio na vizinhança ambas morrem.

4.3. Potencial consciência da ilicitude


4.3.1. Conceito
A culpabilidade pressupõe não apenas imputabilidade e exigibilidade de conduta
diversa, mas também a possibilidade de o agente conhecer a ilicitude de seu
comportamento.
A potencial consciência da ilicitude é a possibilidade de conhecer o caráter ilícito
do fato. Trata-se de análise cultural, se a pessoa tinha possibilidade de entender aquela
conduta como ilícita, ou seja, se esta ilicitude chegou a seu conhecimento.
Não se confunde com a imputabilidade, que examina a capacidade mental do
indivíduo de compreender o caráter ilícito do fato.
Na potencial consciência da ilicitude há capacidade mental de compreender a
ilicitude do fato, o problema é se esta ilicitude sequer chegou a seu conhecimento.

112 Ex. A interrupção da gravidez do feto anencefálico não constitui o crime de aborto sob

o fundamento da lei de transplante – conclui a vida com a atividade encefálica. Assim, vida é
relacionada com atividade encefálica. O feto anencefálico não produz atividade encefálica,
portanto, não se configura aborto. Antes da lei, a interrupção da gravidez do feto anencefálico
constituiria uma causa supralegal visto que não se podia exigir da gestante que se leve até o
final.

133
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Na grande maioria dos casos, o juiz analisa este elemento em poucos segundos,
concluindo pela existência da potencial consciência da ilicitude conforme um raciocínio
exemplificado abaixo:
a) O réu tinha conhecimento do caráter ilícito do fato? O réu sabia que o
comportamento era ilícito?
Geralmente a resposta é positiva, o que constata a presença da potencial
consciência da ilicitude (quanto a este aspecto, há culpabilidade). Neste caso, fica
reconhecida a potencial consciência da ilicitude, e o juiz passa a análise do terceiro
elemento da culpabilidade (a exigibilidade de conduta diversa).
Não se analisa aqui se há ou não o conhecimento da lei, desconhecimento da lei é
inescusável, e ninguém pode alegá-lo para não sofrer as suas conseqüências. Esse
elemento, o potencial consciência da ilicitude, não tem relação com isso. Temos um
aprendizado cultural do que é errado e do que é certo.
A resposta também pode ser negativa (o ato foi praticado de boa fé, sem a menor
noção da ilicitude), embora seja mais raro.
Neste caso, o juiz concluirá que o agente incidiu em erro de proibição, quando
há desconhecimento do caráter ilícito da conduta (não é erro de tipo, no qual a pessoa
entende de maneira imperfeita a realidade ao ser redor).
Suponhamos que o réu não tivesse conhecimento do caráter ilícito do fato, como,
p.ex., o cidadão que acha um relógio, procura o dono e não o encontra, fica com ele,
praticando então apropriação de coisa achada (art. 169, parágrafo único, CP). Ele
poderia muito bem não saber da existência desse crime, acreditando que “achado não é
roubado”.
Tem-se, então, a seguinte conclusão: o agente incorreu em erro. O DP trabalha
com duas modalidades de erro: o erro de tipo e o erro de proibição. No erro de tipo a
pessoa enxerga a realidade de modo errado. Ex: pegar o Código por engano do colega.
Já no erro de proibição a pessoa vê corretamente a realidade, mas acredita
que faz algo que a lei não proíbe. O exemplo seria o já dado do que se apropria de
coisa achada.
Assim, a ausência de potencial consciência de ilicitude dá-se com o erro de
proibição.
Para excluir a culpabilidade pela ausência de potencial consciência da ilicitude
não basta a conclusão de que houve erro de proibição (réu não tinha conhecimento da
ilicitude). Será necessária outra indagação:
b) O réu tinha possibilidade de conhecer o caráter ilícito do fato? Do ponto de
vista cultural, era possível que o réu soubesse que aquele comportamento era
ilícito?
Como se trata de fator cultural, deverá se analisar se a cultura na qual o réu se
formou, se a maneira pela qual ele foi criado, daria a ele condições de perceber que o
fato poderia ser ilícito.
Se o juiz entender que havia condições de saber o caráter ilícito do fato, o erro de
proibição cometido era evitável / vencível / inescusável. Neste caso, o segundo
elemento da culpabilidade estará presente (há potencial consciência da ilicitude), e o
juiz passa à análise do terceiro.
O art. 21 determina que, neste caso, a condenação terá a pena diminuída de 1/6 a
1/3.
Somente se a conclusão for de que não havia nenhuma condição de conhecer a
ilicitude da conduta (erro de proibição inevitável) é que se levará a ausência de

134
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

culpabilidade, por falta do elemento “potencial consciência da ilicitude” (o réu será


absolvido, por ser isento de pena).
Obs.: Uma coisa é conhecer o regulamento legal. Quem não tem ciência disto não
tem conhecimento da lei. Este é inescusável. Outra é conhecer o caráter ilícito.
Obs.: Índio não integrado é inimputável? R: O índio não integrado só será
inimputável se apresentar anomalia psíquica, se for menor de 18 anos ou se estiver sob
embriaguez acidental completa. O fato de ele não ser integrado, por si só, não exclui a
imputabilidade. Pode ser que o índio não integrado não seja culpado, mas
por outra circunstância (ex. potencial consciência da ilicitude ou
exigibilidade de conduta diversa). Então, o índio não integrado não é
necessariamente inimputável, o que não significa que é culpável, podendo
estar ausente a potencial consciência da ilicitude ou a exigibilidade de
conduta diversa.

4.3.2. Hipótese de exclusão de potencial consciência da ilicitude:


erro de proibição
Uma hipótese de exclusão da potencial consciência da ilicitude é o erro de
proibição (art. 21 do CP). O erro de proibição anula a consciência da ilicitude, que está
na culpabilidade. Logo, quando inevitável, exclui a culpabilidade. Perceba que o
desconhecimento da lei não se confunde com erro sobre a ilicitude do fato:

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato[o

agente conhece a lei, mas desconhece a ilicitude de seu comportamento],

se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a

consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou

atingir essa consciência.


São situações possíveis envolvendo a potencial consciência da ilicitude:
i) o agente desconhece a lei, mas conhece a ilicitude:
Nesta hipótese, o agente, apesar de não conhecer a lei, tem condições de saber
que seu comportamento contraria o direito. Nesse caso, como o sujeito somente
desconhece a lei, poderá estar diante de uma atenuante (art. 65, II, do CP):

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (...)

II - o desconhecimento da lei;
Ex.: a pessoa não sabe que urinar na rua é ato obsceno, mas sabe que urinar na
rua contraria o direito, contraria o senso do que é certo; o sujeito não sabia que
anunciar métodos abortivos é contravenção penal, mas sabia que é algo errado.
ii) o agente conhece a lei, mas desconhece a ilicitude do fato:
Nesta hipótese, o agente, apesar de conhecer a lei, imagina que seu
comportamento não está proibido, ou seja, que seu comportamento não é abrangido
pela norma legal. Aqui, há erro de proibição. Em se tratando de erro inevitável, ele
estará isento de pena. Se o erro for evitável, haverá diminuição da pena (art. 21, caput,
do CP).
Ex.: o marido chega a casa e a esposa se recusa à conjunção carnal. Ele acha que
pode empregar violência para consegui-la. Ele sabe que estupro é crime, mas acredita
que aquele seu comportamento não está proibido.
iii) o agente não conhece a lei e ignora a ilicitude do seu comportamento:

135
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Nesta hipótese, agente age sem saber que o fato é típico, bem como não percebe
que contraria o senso de direito. Também se trata de erro de proibição (art. 21, caput,
do CP).
Ex.: quem fabrica açúcar em casa pratica infração penal. Há um decreto nesse
sentido. O agente que o faz desconhece a lei e não percebe que essa conduta caracteriza
crime.
Assim, no que diz respeito ao erro de proibição, é importante ressaltar que
embora o dispositivo fale que “o desconhecimento da lei é inescusável”, a verdade é que
ele aceita a sua errônea compreensão.
Qual foi a importância da passagem da teoria psicológicanormativa da
culpabilidade para a teoria normativa pura da culpabilidade, no assunto erro de
proibição?113

Teoria psicológica normativa Teoria normativa pura


A culpabilidade tinha como elementos: A culpabilidade tem os seguintes elementos:
i) imputabilidade; i) imputabilidade;
ii) exigibilidade de conduta diversa; ii) exigibilidade de conduta diversa;
iii) culpa; iii) potencial consciência da ilicitude.
iv) dolo (consciência, vontade e consciência atual
da ilicitude).
Na teoria psicológica normativa, a consciência da ilicitude tinha de ser atual e,
com a teoria normativa pura, passou a ser potencial. Para a teoria psicológica
normativa, no erro de proibição, seja inevitável ou evitável, não havia a atual
consciência da ilicitude, de modo que todo erro de proibição sempre excluía o dolo
(e, por consequência, a culpabilidade).
Na teoria normativa pura, o erro de proibição também pode ser evitável ou
inevitável. No inevitável, não há consciência atual nem potencial da ilicitude, razão pela
qual ele sempre excluía culpabilidade. No evitável, não há consciência atual da ilicitude,
mas a potencial, de modo que ele não exclui a culpabilidade (diferentemente da
teoria psicológica normativa).
Assim, para a teoria psicológica normativa, exigindo do agente atual consciência
da ilicitude, o erro de proibição, evitável ou inevitável, sempre exclui a culpabilidade. Já
na teoria normativa pura, contentando-se com a potencial consciência da ilicitude,
somente o erro de proibição inevitável exclui a culpabilidade. Se o erro de proibição for
evitável, atenua a pena, mas a condenação se impõe sem alterar a natureza do crime
doloso.

5. Culpabilidade: elementos e dirimentes (causas de


exclusão)
Elementos Dirimentes (exclusão da culpabilidade)
Imputabilidade i) anomalia psíquica (art. 26, “caput”, do CP);
ii) menoridade (art. 27 do CP);
iii) embriaguez acidental completa (art. 28, § 1º, do CP);

113 Questão exigida em prova do Ministério Público de São Paulo.

136
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Este rol é taxativo.


Potencial consciência da Erro de proibição inevitável (art. 21 do CP).
ilicitude Este rol é taxativo.
Exigibilidade de conduta i) coação moral irresistível (art. 22, 1a parte)
diversa ii) obediência hierárquica (art. 22, 2a parte)
Este rol é meramente exemplificativo.
Por ser meramente exemplificativo o rol de dirimentes relacionadas à
exigibilidade de conduta diversa, admite-se causa supralegal de exclusão da
culpabilidade. Isso porque, por mais previdente que seja o legislador, as hipóteses de
exigibilidade de conduta diversa extrapolam aquela previsão. Ou seja, o legislador não
tem como prever todos os casos em que a inexigibilidade de outra conduta deve excluir
a culpabilidade.A porta de entrada das dirimentes supralegais é a exigibilidade de
conduta diversa.
Exemplo de causas supralegais de exclusão da culpabilidade:
i) abortamento do feto anencefálico pela a gestante114 (Cezar Roberto
Bittencourt);
ii) legítima defesa antecipada;
ii) cláusula de consciência:
Estará isento de pena aquele que, por motivo de consciência ou crença, praticar
um injusto penal, desde que não ofenda direitos fundamentais individuais. Costuma-se
dar o exemplo do pai que impede a transfusão de sangue no filho por razões de crença.
Para Rogério, o pai está sim violando direito fundamental individual do filho,
colocando a vida dele em risco.
iii) desobediência civil:
Desobediência civil é um fato que objetiva mudar o ordenamento, sendo, no final
das contas, mais inovador que destruidor. Tem como requisitos que a desobediência
esteja fundada na proteção de direitos fundamentais e que o dano causado não seja
relevante. Exemplos: invasões de prédios públicos nas passeatas, invasões pacíficas do
MST reivindicando melhores condições de distribuição da terra (não responderão por
invasão de domicílio), protestos pacíficos etc.
Crime (e seus substratos)
Fato típico Ilicitude Culpabilidade
Causa supralegal de exclusão
Princípio da insignificância Consentimento do ofendido Desobediência civil

Concurso de Pessoas

1. Noções gerais

A matéria foi dada antes da decisão do STF que tratou do tema. Recomenda-se a leitura
114
daquele acórdão.

137
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Geralmente é chamado de concurso de pessoas ou agentes, mas já se utilizou a


expressão concurso de delinquentes, codelinquência, etc.
Antes da reforma da parte geral do CP, em 1984, não se falava em concurso de
pessoas, mas tão apenas em co-autoria (não havia participação antes da reforma).
Existem, portanto, julgados antigos que tratam de co-autoria como gênero (como se
fosse concurso de pessoas), e alguns que se referem à co-participação, no sentido de
concurso de pessoas.
Em regra, os delitos tipificados no nosso ordenamento penal são de concurso
eventual (ou unissubjetivos) , podendo ser executados por uma ou várias pessoas.
Exemplo: J OÃO, sozinho, pode praticar o crime de homicídio, furto, roubo,
extorsão, estupro etc. Nesses tipos o legislador não exige a pluralidade de agentes,
circunstância que, se existir, serve apenas para qualificar, majorar ou agravar a pena do
delito.
Temos, excepcionalmente, delitos de concurso necessário (plurissubjetivos) ,
figurando como elementar do tipo a pluralidade de agentes.
Exemplo: JOÃO , sozinho, jamais praticará o crime de formação de quadrilha ou
bando. O tipo penal do art. 288 do CP exige a pluralidade de agentes (mais de três).
Nota-se, com facilidade, que a teoria do concurso de pessoas só tem interesse nos
delitos unissubjetivos, pois nos plurissubjetivos, a reunião de pessoas emana do
próprio tipo penal.

1.1. Conceito
Compreende-se concurso de pessoas a reunião de vários agentes concorrendo, de
forma relevante para a realização do mesmo evento, agindo todos com identidade de
propósitos.
Em ultima análise, é um número plural de pessoas concorrendo para o mesmo
evento.
O concurso de pessoas demanda adesão de vontade do concorrente até a
consumação do delito. Assim, depois da consumação pode ocorrer uma nova adesão
que eventualmente configurará crime autônomo.

1.2. Classificação dos crimes quanto aos agentes


1.2.1. Crime monossubjetivo
Crime monossubjetivo é aquele que pode ser cometido por número plural de
agentes. É crime de concurso eventual. É a regra no Código Penal (ex.: homicídio,
furto, roubo etc.)

1.2.2. Crime plurissubjetivo


Crime plurissubjetivo é aquele que somente pode ser praticado por número
plural de agentes. É crime de concurso necessário, sendo o concurso uma elementar do
tipo penal. Divide-se em três espécies:
i) Crime plurissubjetivo de condutas paralelas: nele, as várias condutas
auxiliam-se mutuamente. Exemplo: art. 288 do CP (quadrilha ou
bando);

Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de

cometer crimes:

Pena - reclusão, de um a três anos. (Vide Lei 8.072, de 25.7.1990)

Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.

138
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

ii) Crime plurissubjetivo de condutas contrapostas: nele, as condutas são


praticadas umas contra as outras. O melhor exemplo é a rixa (art. 137 do
CP);

Art. 137 - Participar de rixa, salvo para separar os contendores:

Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa.

Parágrafo único - Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo

fato da participação na rixa, a pena de detenção, de seis meses a dois anos.


iii) Crime plurissubjetivo de condutas convergentes: nele, as condutas se
encontram e, desse modo, nasce o crime. O melhor exemplo era o do
adultério. Como não existe mais, a doutrina tende a dar como exemplo a
bigamia.

Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:

Pena - reclusão, de dois a seis anos.

§ 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada,

conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três

anos.

§ 2º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que

não a bigamia, considera-se inexistente o crime.


O estudo do concurso de pessoas é relacionado ao crime monossubjetivo, pois nos
plurissubjetivos a pluralidade de agentes já é elementar do tipo.
O delito de concurso eventual (monossubjetivo) pode ser praticado: a) por uma só
pessoa (autor); b) por número plural de pessoas (autor + partícipe ou vários autores,
que serão coautores).

2. Requisitos do concurso de pessoas

2.1. Pluralidade de agentes CULPÁVEIS


A denúncia deve narrar a conduta de cada envolvido.
O instituto do concurso de pessoas, previsto nos artigos 29 a 31, apenas se aplica
aos crimes unissubjetivos, também chamados de “crimes unilaterais” ou “crimes de
concurso eventual”. São aqueles crimes normalmente praticados por uma única pessoa,
mas que admitem concurso. Ex: homicídio.
Do outro lado, se temos os crimes unissubjetivos, temos também os crimes
plurisubjetivos. Os crimes plurissubjetivos podem ser de duas espécies:
i) Crimes necessariamente plurissubjetivos
Tais crimes também são chamados de “plurilaterais” ou “de concurso necessário”.
São aqueles em que o tipo penal reclama uma pluralidade de agentes.
Ex: quadrilha ou bando (art. 288).
Para tais crimes, o instituto do concurso de pessoas se mostra irrelevante. Ora, o
próprio tipo penal já traz regra específica sobre o concurso de pessoas (não sendo
necessário utilizar a regra geral sobre o tema).

139
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

ii) Crimes acidentalmente plurissubjetivos


Tais crimes são aqueles que podem ser praticados por uma só pessoa. Porém,
quando praticados em concurso, têm a pena aumentada.
Ex: furto (o crime de furto é qualificado quando praticado em concurso de
pessoas).
Ex2: roubo (o crime de roubo, quando praticado em concurso de pessoas, sofre a
incidência de causa de aumento de pena – roubo circunstanciado).

Em relação aos crimes plurissubjetivos, qualquer que seja sua espécie, basta
que um dos agentes seja culpável.

No concurso de pessoas da parte geral, ou seja, aquele aplicável aos crimes


unissubjetivos, todos os agentes devem ser culpáveis.
Ora, caso um dos agentes não seja culpável, não haverá propriamente concurso
de pessoas, mas sim autoria mediata (é a espécie de autoria em que alguém se vale
de um inculpável para a prática do crime).
Na autoria mediata não há concurso de pessoas.
Autoria mediata: É a espécie de autoria em que alguém se vale de um
inculpável para a prática de um crime. Ex: pessoa maior entrega uma arma para uma
criança de 12 anos e fala para ela matar outra pessoa. Na autoria mediata NÃO HÁ
CONCURSO DE PESSOAS

2.2. Relevância causal das condutas


A ausência de relevância causal acarreta em inexistência de concurso de pessoas.
Se há baixa ou reduzida relevância causal, pode ser aplicada a figura da
participação de menor importância, art. 29, §1º, CP – que configura no benefício de
diminuição de pena de 1/6 a 1/3.

Havendo pluralidade de agentes, haverá também pluralidade de condutas.


A conduta de cada um dos agentes deve ter contribuído, de algum modo, para o
resultado final.

Não há concurso de pessoas na chamada “participação inócua”. Ou seja,


aquela na qual o agente, embora tenha o desejo de contribuir, na prática, em nada
ajuda a produzir o resultado.
Ex: A empresta arma para B, que pretende matar a vítima. Porém, B acaba
matando a vitima com o emprego de veneno. A participação de A no homicídio é
inócua, pois embora A desejasse auxiliar na prática do crime, sua conduta em nada
contribuiu para o resultado.

Cabe participação após a consumação odo crime?


Analise da relevância causal é feito pelo juízo da eliminação hipotética. Se não
exerceu nenhuma influência no resultado, não haverá relevância.

140
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

No caso, não cabe participação após a consumação, mas pode configurar em


crime autônomo, como por ex, o crime de favorecimento pessoal, favorecimento real ou
receptação.

2.3. Unidade de desígnios (Vínculo subjetivo/ identidade


de propósitos ou liame subjetivo).
Este requisito significa que deve o concorrente estar animado da consciência de
que coopera e colabora para o ilícito, convergindo sua vontade ao ponto comum da
vontade dos demais participantes.
Assim, o concurso de pessoas não se exige acordo prévio (“pacta sceleris”),
reclamando apenas vontade de participar e cooperar da ação de outrem. É o que se
chama, no direito penal, de “unidade de desígnios”.
Traduz-se na intenção de todos os agentes na busca do mesmo resultado, é a
vontade de todos os agentes direcionada ao mesmo resultado.
Aqui, quando falamos em vínculo subjetivo, exige-se a HOMOGENEIDADE DO
ELEMENTO SUBJETIVO, desde modo, se o crime é doloso, todos devem ter dolo; se o
crime é culposo, todos devem ter culpa.
Não existe participação dolosa em crime culposo e também não existe
participação culposa em crime doloso.
O liame subjetivo é imprescindível à caracterização do concurso de pessoas. Caso
haja pluralidade de agentes concorrendo para o mesmo evento, sem liame subjetivo,
haverá autoria colateral ou autoria incerta115, mas nunca concurso de pessoas.
Cuidado: a autoria incerta não guarda relação com a autoria desconhecida que é
matéria afeta ao direito processual penal, onde não se apura a identidade do autor.
Esse elemento se relaciona diretamente com o primeiro pois, fala-se em
pluralidade de agentes culpáveis e só pode-se exigir homogeneidade do elemento
subjetivo se todos forem culpáveis. Somente existe vínculo subjetivo, ou seja, vontade
penalmente relevante, quando todos os agentes são culpáveis (o 1º e o 3º requisito se
completam).
Obs.: O concurso de agentes depende de prévio ajuste entre os envolvidos? O
vínculo subjetivo é o mesmo que exigir prévio ajuste?
NÃO. Prévio ajuste é muito mais do que o vínculo subjetivo, de modo que aquele
apenas ocorre quando todos os agentes efetivamente ajustaram a prática do crime. No
vínculo subjetivo, basta que todos queiram o mesmo resultado, ainda que um dos
agentes desconheça a contribuição alheia.
Ex: A procura B combinando de matar C. Combinam que B e C vão sair juntos e A
mata C. Isso é o prévio ajuste.

115Autoria colateral ocorre quando dois agentes, embora convergindo suas condutas para a
prática de determinado fato criminoso, não atuam unidos pelo liame subjetivo. Ex.: “A” e “B”
querem matar “C”, sem liame subjetivo (um não sabe da vontade do outro). Ambos atiram
contra “C”, que morre em razão do tiro de “B”. Se “A” e “B” estivessem agindo em concurso,
ambos responderiam por homicídio consumado. Todavia, como não estavam, “B” responde por
homicídio consumado e “A” por homicídio tentado.

Autoria incerta, por sua vez, é uma espécie de autoria colateral, em que não se consegue
determinar qual dos comportamentos causou o resultado. Ex.: “A” e “B” querem matar “C”, sem
liame subjetivo (um não sabe do outro). Ambos atiram contra “C”, que morre sem que seja
possível definir quem foi o responsável pela morte. Se estivessem agindo com liame subjetivo,
ambos responderiam por homicídio consumado. Todavia, como não estavam, ambos respondem
por homicídio tentado, por conta da aplicação do in dubio pro reo.

141
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Ex2: A falando no telefone que mataria C. B, tendo também a vontade de matar C,


ajuda A a matar C. Observa-se que aqui A nem sabe que B o ajudou.

2.4. Identidade de infração penal para todos os agentes


Todos os agentes devem contribuir para o mesmo evento.
A doutrina moderna, todavia, prefere rotular a identidade de infração penal como
consequência-regra no concurso de agentes, e não um requisito.
Tal fato se dá, pois há três teorias que discutem a infração penal, em tese,
cometida por cada concorrente:

2.4.1. A teoria Monista


O CP, no art. 29, caput, adotou uma Teoria Unitária ou Monista no concurso de
pessoas, como regra. Pois prevê que quem de qualquer modo que contribuir para o
crime, incidirá nas penas dele previsto.

Em regra, no concurso de agentes há pluralidade de sujeitos e unidade de crime.

2.4.2. Exceções pluralistas (à teoria monista)


São aquelas hipóteses em que várias pessoas buscam o mesmo resultado, a cada
um dos agentes, se atribui conduta, razão pela qual, cada um responde por delito
autônomo, havendo tantos crimes quanto agentes que concorrem para o evento.
Como visto, a regra adotada pelo Código Penal é a teoria monista mas, ele
excepciona a si mesmo adotando a teoria pluralista em alguns casos, a título de
exemplo:
i) Art. 124 e art. 126 do CP – Auto-aborto e aborto provocado por terceiro,
com o consentimento da gestante
Embora ambos busquem o mesmo resultado (morte do feto), a gestante que
consentiu com o aborto responde pelo art. 124, enquanto que o médico
responde pelo art. 126.

ii) Art. 317 e 333 do CP – corrupção passiva e corrupção ativa


Ambos buscam a não realização do ato de ofício e a vantagem indevida, mas
cada um responde por um tipo penal.

iii) Art. 318 e 334 do CP – facilitação ao contrabando ou descaminho e


contrabando ou descaminho
Embora os agentes busquem o mesmo resultado, cada um responde por um
tipo penal específico.

iv) Art. 342 e 343 do CP – falso testemunho ou falsa perícia e oferecer


vantagem para que alguém preste falso testemunho ou falsa perícia

2.4.3. Teoria Dualista


Para esta teoria, tem-se um crime para os executores do núcleo do tipo penal e
outro para aqueles que concorrem de qualquer modo para o evento, sem executar o
verbo típico previsto no núcleo.
Trata-se, na verdade, de dupla concepção a respeito do papel exercido por cada
um dos agentes, cabendo ao autor o desempenho da ação principal e ao partícipe a
prática de atos acessórios.
O Código Penal tem um resquício dessa teoria, pois é adotada nos parágrafos 1º e
2º do Art. 29, quando distingue coautoria da participação.

142
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

3. Autoria

Para que se compreenda o tema concurso de pessoas, é indispensável que se saiba


exatamente quem é o autor da infração, penal, entretanto, o tema não é pacífico, m
virtude de não ter o Código Penal traduzido os conceitos de autor e partícipe, sendo que
tais definições ficaram a cargo de nossa doutrina.
Surgiram, portanto, algumas definições restritas, outras mais abrangentes e
também posições tidas como conciliatórias.

3.1. Teorias para a conceituação do “autor”


Dessa forma, a conceituação de “autor” depende da teoria adotada.

3.1.1. Teoria restritiva:


Para a teoria restritiva , autor é aquele que pratica a conduta descrita no tipo. Ex.:
no homicídio, é quem mata; no furto, quem subtrai; no estupro, quem constrange.

3.1.2. Teoria subjetiva ou unitária:


A teoria extensiva (subjetiva ou unitária) é diametralmente oposta à anterior.
Para ela, não se faz distinção entre autores e partícipes, assim todo aquele que,
de alguma forma, colaboram para a prática do fato, são considerados autores.

3.1.3. Teoria Extensiva:


Igualmente à teoria subjetiva, não distingue autor de participe, mas permite o
estabelecimento de graus diversos de autoria, com a previsão de causas de
diminuição conforme a relevância da sua contribuição.

3.1.4. Teoria Objetiva ou Dualista


Estabelece clara distinção entre autor e partícipe, podendo ser subdividida em
duas:
A) Teoria Objetivo Formal: O autor realiza o núcleo e o partícipe concorre
sem realizar o núcleo do tipo.
B) Teoria Objetivo Material: O autor contribuí de forma mais efetiva para a
concorrência do resultado, sem necessariamente praticar o núcleo do tipo. O
participe concorre de forma menos relevante.

3.2. Teoria do domínio do fato:


Para a teoria do domínio do fato, autor é quem tem o domínio final sobre o
fato, o poder de decisão. Esta teoria só tem aplicação nos crimes dolosos, a única forma
que admite o controle finalístico sobre o fato, não se aplicando aos crimes culposos.
A teoria do domínio do fato tem base na teoria finalista. Traz as seguintes
consequências:
a) é autor aquele que, possuindo todo o domínio da conduta, pratica diretamente
o fato (autor direto ou executor);
b) também é autor aquele que, mesmo não praticando diretamente o fato, possui
uma atividade indispensável no plano global (autor ou coautor funcional – é o caso do
advogado no delito de falso testemunho);
c) aquele que se vale de um terceiro (agente instrumento) para executar o fato,
também é autor (autor mediato).
A doutrina moderna já adota esta teoria majoritáriamente, sendo que já foi
inclusive aplicada pelo STF no célebre processo do “mensalão”.

143
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

3.2.1. Autoria Mediata

3.2.1.1. Conceito
Autor mediato é aquele que, sem realizar diretamente a conduta prevista no tipo,
comete o fato punível por meio de outra pessoa, usada como seu instrumento.
Ex.: “A” convence “B”, menor de idade (inimputável), a subtrair um veículo. “A”
não é autor, pois não realiza o verbo nuclear, não é coautor, pois não realiza, ainda que
em parte, o verbo nuclear, e não é partícipe do furto, pois seu comportamento não é
meramente acessório do crime. Ele se vale da incapacidade de alguém, razão pela qual é
considerado autor mediato.
Na autoria mediata, há necessariamente ao menos duas pessoas envolvidas: autor
mediato (“autor de trás”) e autor imediato.
Na autoria mediata não existe concurso de pessoas entre autor mediato e
autor imediato.
Ora, o primeiro requisito do concurso de pessoas é a pluralidade de agentes
culpáveis, o que não se verifica em relação ao autor imediato.
Ademais, o concurso de pessoas também reclama o vínculo subjetivo entre os
agentes, o que não existe em relação ao inculpável. O autor imediato não passa de um
instrumento do crime.
Portanto, o CP brasileiro adora a Teoria Restritiva objetivo-formal,
complementada pela autoria mediata.

Autor mediato Partícipe


O autor mediato pratica o crime usando O partícipe assessora o autor principal.
alguém como seu instrumento.
Autor mediato e partícipe não realizam o núcleo do tipo. Quem o faz é o autor principal.
A autoria mediata não se confunde com a autoria intelectual, que é aquele que
planeja o crime executado por outro.

3.2.1.2. Hipóteses de autoria mediata


O Código Penal sem definir autor mediato, anuncia quatro hipóteses de autoria
mediata é aplicável:
i) Erro de tipo escusável determinado por terceiro (art. 20, § 2º, do CP)

Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas

permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. (...)

§ 2º - Responde pelo crime o terceiro que determina o erro.


ii) Coação moral irresistível (art. 22, 1ª parte, do CP)

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a

ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da

coação ou da ordem.
iii) Obediência hierárquica (art. 22, 2ª parte, do CP): Se o fato é cometido em
estrita ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico, só é
punível o autor da ordem;
iv) Erro de proibição escusável provocado por terceiro (Art. 21 Código Penal)
v) Instrumento impunível (ex.: inimputável usado como instrumento). O art.
62, III, do CP é uma agravante de pena:

144
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Art. 62 - A pena será ainda agravada em relação ao agente que: (...)

III - instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-

punível em virtude de condição ou qualidade pessoal;


O agente que, em concurso com um inimputável, pratica um crime de furto, será
punido como partícipe do crime de furto. O menor responderá pelo furto ato
infracional, mas o partícipe poderá ser punido, pois a conduta do menor é típica e ilícita
(teoria da acessoriedade limitada). Todavia, se o agente se vale da incapacidade do
menor para praticar o furto, então essa conduta não é mais acessória ao furto ato
infracional praticado pelo menor. Nesse caso, ter-se-á a figura do autor mediato: o
menor sendo utilizado como seu instrumento.

3.2.1.3. Autoria de escritório


“Autoria de escritório” é a autoria nas grandes organizações criminosas. Trata-se
de forma especial de autoria mediata. Pressupõe uma máquina de poder, determinando
a ação de funcionários, os quais, no entanto, não podem ser considerados meros
instrumentos nas mãos dos chefões. O autor de escritório tem poder hierárquico sobre
seus soldados (ex.: PCC).
Zaffaroni ensina que não se trata de qualquer associação para delinquir, e sim de
uma organização caracterizada pelo aparato de seu poder hierarquizado, e pela
fungibilidade de seus membros (se a pessoa determinada não cumpre a ordem, outro a
cumprirá; o próprio determinador faz parte da organização).

3.2.1.4. Situações especiais

3.2.1.4.1. Autoria mediata em delito próprio


A autoria mediata em delito próprio (aquele que exige qualidade ou condição
especial do agente e admite coautoria e participação) é causa de debate na doutrina,
sendo que há duas correntes sobre o tema.
1ª corrente:é perfeitamente possível116.
2ª corrente:é possível, desde que o autor mediato possua as condições
pessoais exigidas do autor imediato (Luiz Flávio Gomes, Paulo Queiróz etc.)
Ex.: para a primeira corrente, é possível autoria mediata no crime de peculato.
Para a segunda, somente será possível se o autor mediato for funcionário público.

3.2.1.4.2. Autoria mediata em delito de “mão própria”


Ao contrário do crime próprio, não é possível autoria mediata em delito de mão
própria, pois se trata de infração penal de conduta infungível (ex.: ninguém
pode praticar falso testemunho através de outrem).
Obs.: Zaffaroni e Pierangeli desenvolveram, para o caso, a figura do autor por
determinação, evitando eventual impunidade.
Se, nos termos do art. 29 do Código Penal, pune-se quem, de qualquer modo,
concorre para o crime, não há razão para deixar impune o autor de
determinação que, dotada de plena eficácia causal, é levada a efeito por
quem atua, por exemplo, sem conduta (v.g. , hipnose). Assim o agente não é autor
do crime, mas responde pelo fato, por exercer, sobre o fato, domínio equiparado à
autoria.
Assim, o autor por determinação é o autor mediato em que não se admite esse
tipo de autoria, evitando assim a impunidade.

116 Em concurso público, foi cobrada a primeira corrente.

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3.2.1.4.3. Autoria mediata x Crimes Culposos


Apesar de existir doutrina admitindo, para a maioria o instituto é incompatível
com os crimes culposos, pois o autor mediato deve ter o “domínio finalístico” do
evento, que só há nos crimes dolosos.

3.3. Questões importantes sobre autoria

3.3.1. Autoria colateral / co-autoria imprópria / co-autoria


lateral / autoria parelha
Na autoria colateral, dois ou mais agentes praticam atos de execução de um
mesmo crime, cada um desconhecendo a vontade do outro, assim, não é um caso de
concurso de pessoas, é apenas uma coincidência de autores.
Verifica-se a autoria colateral quando dois ou mais agentes, um ignorando
a contribuição do outro, ou seja, sem liame subjetivo, concentram suas
condutas para o cometimento da mesma infração penal, na autoria colateral não
se encontra liame subjetivo (pois seria caso de coautoria).
Ex. Fulano e Beltrano, um ignorando a presença do outro escondem-se à espera
de Sicrano para matá-lo. Surgindo a vítima, os dois disparam, e Sicrano morre em
decorrência certa do tiro de Fulano.
Nos casos de autoria colateral, ausente o vínculo, cada um responde
individualmente, sendo que, no ex., aquele que matou será imputado o homicídio
consumado e ao outro será atribuída a tentativa117.

3.3.2. Autoria incerta


Ocorre quando dois ou mais agentes, sem liame subjetivo, concorrem para o
mesmo resultado, porém não há como identificar o real causador do mesmo.
Assim, é possível afirmar que a autoria incerta pressupõe uma autoria
colateral, ou seja, ela ocorre no contexto de uma autoria colateral, mas não é possível
identificar quem deu causa ao resultado não havendo também não há concurso de
pessoas.
No exemplo acima citado, haveria autoria incerta se não fosse possível constatar
qual tiro causou a morte da vítima Sicrano.
Não sendo possível aferir quem matou Sicrano e quem apenas tentou matá-lo,
ambos responderão por tentativa de homicídio.
Obs.: A solução é dada pela aplicação do princípio do in dubio pro reo, pois há
certeza de que ambos os réus praticaram tentativa de homicídio, mas não se sabe qual
deles praticou o crime consumado. Assim, ambos responderão pelo crime menos grave
(pois dele se tem certeza).
Obs.: É possível, na prática, que duas pessoas queiram matar a vítima, a vítima
efetivamente morra, e ninguém responda por crime algum?
Sim, embora seja raro, pois, para que a vítima morra e todos os envolvidos na
morte saiam impunes basta que, na autoria incerta, um dos envolvidos tenha
praticado crime impossível.
Continuando com o ex. um dos tiros que atingiu Sicrano o fez quando ele já
estava morto, mas não se pode saber qual foi o autor desse disparo.
Assim, pelo princípio do in dubio pro reo, não se tendo certeza do que cada
atirador fez, deve-se considerar crime impossível para ambos.

Se houvesse liame subjetivo, e por isso, concurso de pessoas, ambos responderiam por
117

homicídio consumado.

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3.2.3. Autoria desconhecida


Diferentemente da autoria incerta, que é matéria de direito penal, a autoria
desconhecida é matéria processual.
Houve a prática de um crime, mas não existem sequer indícios acerca de seu
autor.
A autoria desconhecida acarreta o arquivamento do IP.

3.2.4. Crimes multitudinários


Crime multitudinário é o crime praticado pela multidão, em tumulto.
Ex: linchamentos; saques; etc.
O CP prevê uma atenuante genérica para os crimes praticados sob a influência de
multidão em tumulto (art. 65, III, “e”). Só possui direito à atenuante genérica o agente
que tenha praticado o crime sob a influência da multidão em tumulto, desde que não
tenha provocado o tumulto.

3.2.4.1. Denúncia nos crimes multitudinários


O MP, ao oferecer a denúncia, deve especificar a conduta praticada por cada um
dos agentes na multidão?
Existem duas posições:
1ª posição: Sim, é necessário especificar a conduta de cada um dos agentes, pois o
MP está obrigado a individualizar cada uma das condutas de cada um dos agentes,
detalhando a denúncia, sob pena de inépcia da mesma. Isso porque o réu se defende
dos fatos a ele imputados, e não do tipo penal imputado (princípio da ampla defesa).
Ainda que essa individualização seja difícil, não se pode prejudicar o réu. [Posição a ser
adotada para o concurso da Defensoria Pública]
2ª posição: Não. A individualização precisa na denúncia acabaria por inviabilizar
a ação penal. Assim, nos crimes multitudinários, a imputação pode ser genérica.
[Posição do MP, e majoritária no STF e STJ]

4. Coautoria
4.1. Conceito
O conceito de coautoria acompanha o conceito de autor e por isso, depende da
teoria adotada na autoria.
i. Teoria restritiva:
Para a teoria restritiva, coautoria é o número plural de pessoas realizando o verbo
nuclear.
ii. Teoria extensiva:
Para a teoria extensiva, coautoria é o número plural de pessoas concorrendo, de
qualquer forma, para a realização do crime.
iii. Teoria do domínio do fato:
Para a teoria do domínio penal do fato, coautoria é a pluralidade de pessoas com
o domínio sobre o fato unitário. É a decisão “colegiada”.
A co-autoria pode ser de duas espécies:
a) Parcial ou funcional

147
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Os dois ou mais autores realizam atos de execução diversos, que somados,


produzem a consumação.
Ex: enquanto um estrangula a vítima, o outro a esfaqueia.
b) Direta ou material
Os agentes praticam os mesmos atos de execução.
Ex: ambos os agentes esfaqueiam a vítima.

4.2. Coautor sucessivo


Normalmente, todos os coautores iniciam juntos a empreitada criminosa. Porém,
pode ocorrer de alguém, ou mesmo de um grupo, já ter começado a percorrer o
caminho do crime, quando outra pessoa adere à conduta criminosa, unindo sua
vontade à dos demais. Ex.: iniciada a execução de um furto, um segundo criminoso
ingressa no meio dela, realizando o fato típico.
O coautor sucessivo é admitido até a consumação, ou seja, até o fim da
execução.
Consumado o crime, qualquer auxílio realizado dali em diante configurará crime
autônomo (favorecimento pessoal ou real, conforme o caso).

4.3. Crime de mão própria e coautoria


Tradicionalmente, se entende que crime de mão própria não admite coautoria,
por se tratar de infração penal infungível, personalíssima, não admitindo divisão de
tarefas. Exemplo de crime de mão própria é o falso testemunho. De acordo com a
resposta tradicional, portanto, o advogado que induz testemunha a mentir seria
partícipe do crime.
Porém, o STF e o STJ têm encarado esse advogado como coautor do crime,
criando uma espécie nova de coautoria no crime de mão própria. Para Rogério, só há
uma explicação para que os Tribunais Superiores tenham assumido esse
posicionamento: adotaram a teoria do domínio do fato118.

Crime comum Crime próprio Crime de mão


própria
O tipo penal não O tipo penal exige O tipo penal exige
exige qualidade ou qualidade ou condição qualidade ou condição
condição especial do especial do agente. especial do agente.
agente.
Admite coautoria e Admite coautoria e Admite apenas a
participação. participação. participação, por se tratar
de delito de conduta
pessoal / infungível.

5. Participação
5.1. Conceito de partícipe
Entende-se por partícipe o coadjuvante do crime, fato determinado ou praticado
por autor conhecido e individualizado.
O partícipe realiza o fato de per si atípico, mas que passa a ser típico
considerando o fato por ele assessorado. Ex.: o sujeito que fica na esquina postado,

118 Lembre-se que para Zaffaroni, o advogado nesse caso não seria autor mediato mas

148
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

checando se a polícia aparece, não comete, por si só, fato típico, o qual passa a ser típico
se ele o faz para auxiliar o autor do crime de furto. A sua conduta isolada, sem o
conhecimento da prática do crime, não é ilícita.
Zaffaroni ensina que participação é a contribuição dolosa que se faz ao
injusto doloso de outro.
A participação deve ser sempre acessória de um injusto alheio. Não pode haver
participação na conduta de outro, se a conduta do outro não é típica e antijurídica.
A participação pode ter lugar enquanto não se tenha exaurido a execução do
injusto, mesmo quando já se encontre consumado.
A participação é acessória e para ter relevância, depende da conduta principal,
pois por si a conduta do partícipe é atípica.

5.2. Formas de participação


A participação pode ser:
a) Moral: É aquela participação que envolve apenas idéias,
palavras, conselhos. Pode ocorrer de duas maneiras:
a.1) Induzimento
Induzir é fazer surgir na mente de outrem a idéia criminosa, que
até então não existia.
a.2) Instigação
Instigar é reforçar uma idéia criminosa preexistente.
Tanto o induzimento como a instigação devem ter como destinatária uma pessoa
ou pessoas determinadas.
Além disso, devem visar um fato determinado ou fatos determinados.
Não há participação penalmente punível no induzimento ou instigação genéricos.
Ex: músicas ou livros que genericamente se referem a alguma atividade criminosa, ou
até mesmo mencionam, imperativamente, a prática de conduta criminosa.
Obs.: Zaffaroni entende que a instigação deve ter por resultado o convencimento
do autor à realização do fato. Quando o autor já está decidido a realizar este fato, não
pode haver instigação. A contribuição feita quando o autor já está decidido, trazendo
ideias para a realização, é cooperação ou cumplicidade psíquica, mas não é instigação.
Pode ocorrer que um mesmo sujeito convença outro (instigue) e também lhe dê ideias
para a execução. Nesse caso haverá um concurso de duas formas de participação
(instigação e cumplicidade), em que a mais grave (instigação) absorverá a mais leve
(cumplicidade psíquica). A contribuição do instigador é levar à decisão, não à ideia.

b) Material: É o auxilio. Auxiliar é concorrer materialmente para o


crime, sem executá-lo.
Ex: agente que fornece instrumentos, objetos ou qualquer meio material para a
prática do crime, sem executar o núcleo do tipo.
O auxílio, no direito penal, também é chamado de cumplicidade.
O auxílio deve ocorrer durante os atos preparatórios ou executórios. O auxílio
não pode ser posterior à consumação do crime, salvo se foi ajustado
previamente.
Ex1: A mata a vítima, e encontrando seu amigo por acaso, pede ajuda para
fugir. O auxílio do amigo é posterior, e não havia sido ajustado previamente. Deste
modo, o amigo do agente responderá pelo crime de favorecimento pessoal (art.
348 CP).
Ex2: A mata a vítima, e conforme o combinado, pega carona com seu amigo,
que lhe aguardava próximo ao local do delito. O auxílio é posterior, mas foi
ajustado previamente. O amigo responderá por homicídio, na condição de
partícipe.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Atenção: se cotejada a atuação do partícipe com o tipo legal violado, para efeito
de verificação da tipicidade, será manifesta a falta de adequação, pois o partícipe não
realiza o ato nuclear. A adequação será possível graças à norma de extensão pessoal do
art. 29.

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este

cominadas, na medida de sua culpabilidade.

5.3. A punição do participe (Teoria da acessoriedade)


O partícipe desempenha uma conduta nitidamente acessória (art. 31, CP), só se
punindo o caráter de acessoriedade quanto o autor pratica ao menos um crime tentado.
Assim, a participação, segundo a maioria, está fundamentada na teoria da
acessoriedade (o autor pratica uma conduta principal e o partícipe uma conduta
acessória).
Há quatro classes de acessoriedade: mínima, média (ou limitada), máxima e
hiperacessoriedade.

5.3.1. Teoria da acessoriedade mínima


Segundo a teoria da acessoriedade mínima, a participação será punível
quando a conduta principal for típica.
Isso pode parecer óbvio, mas ela conduz a uma conclusão equivocada e em certo
ponto injusta, caso o partícipe induza alguém a agir em legítima defesa. O autor terá a
ilicitude da sua conduta afastada; o partícipe não, sendo punido pelo homicídio
consumado.

5.3.2. Teoria da acessoriedade média ou limitada


Segundo a teoria da acessoriedade média ou limitada, para que a participação
seja punível, a conduta principal deve ser típica E ilícita.
Para ela, aquele que induz o autor a agir em legítima defesa não comete crime,
pois a conduta principal não foi ilícita.
Essa teoria é a mais aceita pela doutrina, mas, não está imune à críticas, uma
vez que confunde participação com autoria mediata (há um equívoco, portanto).
Obs.: Como visto por ocasião do estudo da imunidade parlamentar absoluta, o
parlamentar é imune nas suas opiniões, palavras e votos (crime de opinião). Foi dito
que a imunidade serve para a garantia do bom desempenho da atividade legislativa.
Quanto à natureza jurídica da imunidade, verificou-se que, de acordo com o STF, a
inviolabilidade dos parlamentares é causa de atipicidade. Assim, todos aqueles que
concorrem para o fato praticado pelo parlamentar não podem ser punidos (teoria da
acessoriedade média ou limitada).

5.3.3. Teoria da acessoriedade máxima


Segundo a teoria da acessoriedade máxima, para que a participação seja punível a
conduta principal deve ser típica, ilícita e culpável.
Assim, v.g. no fato praticado por menor, o partícipe imputável não é punível pois
o menor não é culpável.

5.3.4. Teoria da hiperacessoriedade


Segundo a teoria da hiperacessoriedade, para que a participação seja punível a
conduta principal deve ser típica, ilícita, culpável e punível.
Essa Teoria é exagerada, pois exige muito para que ocorra a punição do partícipe
(o protege de modo exacerbado).

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Ex: Pessoa contrata alguém para matar a sogra. O matador efetivamente a mata, e
se mata em seguida. Praticou fato típico, ilícito, e é culpável, mas não será punido no
caso concreto. Nesta hipótese, pela Teoria da acessoriedade limitada, o partícipe não
poderá ser punido

5.4. Participação dolosamente distinta, de “menor


importância” e outras observações
5.4.1. Participação dolosamente distinta (Art. 29, § 2º Código
Penal119)
Também é chamada de “desvios subjetivos entre os agentes”, trata-se da
possibilidade de algum dos concorrentes quiser participar de crime menos grave, a ele
será conferida a pena deste. Caso o resultado mais grave fosse previsível, a pena será
aumentada até metade.
Ex. Imagine-se um crime menos grave (furto) e outro mais grave (latrocínio). Os
agentes A e B ajustam a prática do crime menos grave, combinando a prática de um
furto em veículo. No momento da prática do furto, o alarme do carro toca, e a vitima
chega para verificar o que está acontecendo. Diante da presença da vítima, A foge e B
mata a vítima.
A responde por tentativa de furto qualificado pelo concurso de pessoas, enquanto
que B responde por latrocínio consumado.
Entretanto, se o crime ocorrido é diverso do combinado, mas previsível, o
participe responde pelo crime combinado com a pena aumentada pela metade.
Se o crime ocorrido foi previsto e aceito, o concorrente reponde por esse crime.
Obs.: O instituto da cooperação dolosamente distinta configura uma mitigação da
Teoria Monista no concurso de pessoas?
Não, quanto ao crime mais grave não há concurso de pessoas neste caso. Somente
houve concurso de pessoas no tocante ao crime menos grave, desejado por ambos os
agentes.

5.4.2. Participação de menor importância (art. 29, §1º)


Segundo o CP, se a participação for de menor importância, o juiz pode
diminuir a pena de 1/6 até 1/3.
O vocábulo “pode” gera uma interpretação dúplice pela doutrina, sendo que
Mirabete entende que ao juiz é facultado a aplicação da causa de diminuição,
entretanto o entendimento é minoritário, pois a maioria entende que trata-se de
direito subjetivo do réu, comprovada a menor importância da participação o juiz
tem que reduzir a pena sendo a discricionariedade aplicável apenas ao quantum da
diminuição.
A natureza jurídica da participação de menor importância, portanto, é de causa
de diminuição da pena.
Conceito: participação de menor importância é aquela causa de leve relevância
causal, é o participe que “com ele ou sem ele” o resultado aconteceria da mesma
maneira.
A minorante só tem aplicação para o partícipe, jamais para o coautor.

119 Art. 29 (...) § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos

grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese
de ter sido previsível o resultado mais grave.

151
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Obs.: Participação de menor importância X Participação inócua


A participação inócua não concorre em nada para o resultado, sendo
absolutamente ineficaz. Assim sendo, há concurso de pessoas na participação de menor
importância. Porém, na participação inócua ele não existe.

5.4.3. Participação em cadeia


Ocorre quando alguém induz outrem a induzir ou instigar ou auxiliar terceira
pessoa a praticar um crime.
Ex. A convence B a convencer C a matar D. Nos crimes de corrupção é comum
esses tipos de participação em cadeia.

5.4.4. Participação sucessiva


Não se confunde com participação em cadeia, na participação sucessiva, o
mesmo agente é induzido, instigado ou auxiliado por duas ou mais pessoas sem que
estas tomem conhecimento uma das outras.
Ex. A é convencido por B, C e D a praticar um crime.

5.4.5. Participação negativa / Conivência


Primeiramente, importante mencionar que aquele que tem o dever de agir (art.
13, §2º), ao presenciar a execução de um crime, e nada fazer para evitá-lo, responderá
como partícipe deste crime.
Ex: policial militar presencia o estupro de uma mulher, mas nada faz para evitá-
lo. Responderá pelo estupro, na condição de partícipe.
A participação negativa ocorre quando o agente, que não possui o dever de
agir, presencia a execução do crime e nada faz para evitá-lo, é uma simples
contemplação do crime, que não gera qualquer responsabilidade
Ex. Fulano percebe que a casa do vizinho está sendo furtada e nada faz.

5.4.6. Participação impunível (art. 31 do CP)


A participação tem caráter acessório, apenas sendo punível se o autor pratica ao
menos um crime tentado.
A conduta do autor é principal, enquanto que a conduta do partícipe é acessória.

5.4.7. Executor de reserva


É o sujeito que pode ser co-autor ou partícipe do delito, dependendo de sua
atuação no caso concreto.
Ex: A vai na direção da vítima, com a intenção de matá-la espancada. B surge e
oferece ajuda, mas A aceita a ajuda apenas como uma garantia, caso algo dê errado.
Executor de reserva é o sujeito que presencia a execução de um crime,
aguardando a necessidade de eventual intervenção. Se ele intervier, será co-autor do
delito; caso contrário, será tratado como partícipe.

5.4.8. Tentativa qualificada (ou abandonada) e participação


Os efeitos da desistência voluntária ou do arrependimento eficaz do autor
alcançam o partícipe?
Natureza jurídica da Natureza jurídica da tentativa abandonada
participação (art. 15 do CP)
Teoria da acessoriedade Há duas correntes:
limitada: a participação só
1ª corrente:extingue a tipicidade da
será punível quando a conduta

152
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

principal for típica e ilícita. tentativa (a conduta principal não é típica, no que
diz respeito à tentativa). Conclusão: os efeitos
alcançam o partícipe.
2ª corrente:extingue a punibilidade (a
conduta principal é típica, ilícita e culpável).
Conclusão: os efeitos não alcançam o partícipe.
Como visto, prevalece a segunda corrente.
Se quem desiste não é o autor, mas o partícipe, o que ocorre? No caso de
arrependimento do partícipe (ex.: aquele que induziu “B” a matar “C”), ele somente não
será responsabilizado penalmente se conseguir fazer com que o autor não pratique a
conduta criminosa (o arrependimento deve ser eficaz).

5.4.9. Participação em crime doloso por omissão


É possível a participação em crime doloso por omissão, desde que:
i) o omitente tenha o dever jurídico de evitar o resultado;
ii) haja liame subjetivo (vontade de ver realizado o resultado); e
iii) haja relevância da omissão.
Exemplo: a mãe sabe que a filha está sendo estuprada pelo padrasto e nada faz
(ela quer ou aceita o comportamento). Nesse caso, como ela tem o dever jurídico de
evitar o resultado, pratica estupro por omissão.
Se o omitente não tem o dever jurídico de evitar o resultado (ex.: o vizinho vê a
casa do outro sendo furtada e nada faz), ou seja, se não existe o dever jurídico de agir
(art. 13, § 2º, do CP120), a abstenção de atividade apenas pode determinar uma
participação penalmente relevante se foi anteriormente prometida pelo omitente como
condição para o êxito do crime. No caso do vizinho, ele não responde por furto, salvo se
prometeu aos furtadores que ele não faria nada, ou seja, que a omissão dele seria
condição para o êxito do furto. Nesse caso, ele acaba auxiliando os furtadores,
respondendo pelo crime.
Portanto, se o omitente não tinha o dever de agir, nem prometeu sua omissão, há
mera conivência impunível. É a chamada participação negativa.

6. Circunstancias incomunicáveis (art. 30 do CP)


Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias [interferem na pena] e as condições

de caráter pessoal, salvo quando elementares [interferem na tipicidade] do

crime.
Circunstâncias são dados que, agregados ao tipo, interferem na pena.
Elementares são dados que, agregados ao tipo, interferem na tipicidade.
As circunstâncias e as elementares podem ser objetivas (quando relacionadas ao
meio ou modo de execução) ou subjetivas (quando relacionadas ao motivo ou ao estado
anímico do agente).Ex.: no furto praticado contra ascendente, o fato de o crime ser
praticado contra ascendente é circunstância; a violência é elementar do roubo.

120Art. 13 (...) § 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir
para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado,
proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c)
com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

153
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

As circunstâncias subjetivas (ex.: reincidência) são incomunicáveis. Todas as


demais, desde que ingressem no dolo do agente, são comunicáveis.
Circunstância Elementares Objetivas Subjetivas
s
São dados São dados Quando Quando
que agregados ao agregados ao tipo ligada ao meio ou ligada ao motivo,
tipo interferem na que interferem na modo de execução. estado anímico ou
pena. Ex.: art. 121 + tipicidade. Ex.: art. condição pessoal do
domínio de violenta 155 + violência à agente.
emoção = art. 121 pessoa = roubo.
com pena reduzida.

7. Outras questões relevantes


7.1. Concurso de pessoas em crimes omissivos
É possível haver concurso de pessoas em crimes omissivos?
Crime omissivo próprio Crime omissivo impróprio
Há somente omissão de um dever O dever de agir é para evitar um
de agir, imposto normativamente, resultado concreto. Deve haver um nexo
dispensando, via de regra, a investigação causal entre a conduta omitida (esperada)
sobre a relação de causalidade e o resultado.
naturalística (delito de mera conduta).
O sujeito não causou, mas como não
Trata-se do dever genérico de agir. impediu é equiparado ao verdadeiro
causador do resultado (nexo de não
impedimento).
Trata-se de dever jurídico de agir. É
a condição de garantidor (art. 13,
parágrafo 2º, do CP).

7.2. Concurso de pessoas em crimes omissivos próprios


É cabível participação em crime omissivo próprio. Ex.: “A” induz “B” a não
socorrer “C”. “A” e “B” respondem por omissão de socorro, “A” na condição de partícipe
e “B” na condição de autor.
A doutrina, todavia, diverge quanto à coautoria em crimes omissivos próprios:
1ª corrente: Juarez Tavares entende que não cabe coautoria, de modo que cada
um responde isoladamente pela omissão criminosa (ou seja, cada um é autor da sua
omissão).
2ª corrente:Bittencourt e Rogério Greco entendem que cabe coautoria (ex.: se
“A” e “B” combinam não socorrer “C”, ambos são coautores na omissão de socorro).
Prevalece esta segunda corrente.

7.3. Concurso de pessoas em crimes omissivos impróprios


Em crime omissivo impróprio é cabível participação. Ex.: “A” instiga “B” a não
alimentar o filho. Ambos são homicidas, “A” na condição de partícipe e “B” na condição
de autor. Luiz Regis Prado não admite participação em crime omissivo impróprio.
A coautoria também é cabível no crime omissivo impróprio. Ex.: os pais
combinam não alimentar o filho. Juarez Tavares discorda. Para ele, também não existe
coautoria em crime omissivo impróprio.

154
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

7.4. Concurso de pessoas em crimes culposos


De acordo com a maioria da doutrina, admite-se coautoria, mas não
participação em crimes culposos.
A inobservância do dever de cuidado é o substrato da coautoria, pois, qualquer
ato que possa derivar o resultado involuntário é considerado ato de autor.
Assim, toda forma de negligência é autoria, logo, várias pessoas concorrendo com
negligência para o mesmo resultado são coautores.
Exemplos:
i) dois operadores de obra lançam uma tábua, que atinge pedestre. São
coautores?
ii) passageiro incentiva motorista a acelerar veículo, que se acidenta. O passageiro
é partícipe?
A maioria da doutrina admite a coautoria em crime culposo, mas não a
participação. O crime culposo é normalmente definido por um tipo penal aberto,nele se
encaixando todo comportamento que viola o dever objetivo de cuidado. Logo, a
concausação culposa importa sempre em autoria, pois todo aquele que, de qualquer
modo, concorre para o evento danoso, viola dever de cuidado e é autor de sua própria
negligência.
Zaffaroni ensina que a participação somente é concebível na autoria dolosa. Isso
se deve a que, na tipicidade culposa, todo aquele que põe uma causa para o resultado é
autor. Apenas aqueles que sustentam o conceito extensivo de autor, distinguindo-o da
cumplicidade por um animus, podem admitir a participação culposa. Do contrário, ela
é inadmissível.
Não é admissível a participação culposa em delito doloso, nem a participação
dolosa em delito culposo e tampouco a participação culposa em delito culposo. A única
participação possível é a dolosa em delito doloso.

Consumação, Tentativa E Seus Desdobramentos

1. Iter criminis
Para o estudo da consumação, tentativa e seus desdobramentos é imprescindível
a análise do conceito de iter criminis. Trata-se do conjunto das fases que se sucedem
cronologicamente no desenvolvimento do delito (doloso).
Assim, O iter criminis, ou "caminho do crime", corresponde às etapas percorridas
pelo agente para a prática de um fato previsto em lei como infração penal.
Esse conjunto de fases pode ser dividido em duas macrofases: uma interna e
outra externa.

1.1. Macrofase interna


Prevalece na doutrina que a macrofase interna divide-se em duas: cogitação e
atos preparatórios.

1.1.1. Cogitação
Cogitação é a simples ideia do crime, o agente passa a idealizar o delito.
A mera cogitação é sempre impunível, por força do princípio da materialização do
fato, trata-se de um irrelevante penal.
Querer punir a cogitação é permitir a aplicação do direito penal do autor.

155
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Já no Direito Romano proclamava Ulpiano: cogitationis poenam nemo


Patitur isto é ninguém pode ser punido exclusivamente pelos seus pensamentos.
É possível a divisão da cogitação em três momentos distintos:
1) Idealização: o sujeito tem a idem de cometer uma infração penal;
2) Deliberação: o agente sopesa as vantagens e desvantagens de seu
eventual comportamento contrário ao Direito Penal; e
3) Resolução: o sujeito se decide pelo cometimento da infração penal
Assim, a cogitação não se confunde com a premeditação.

1.1.2. Atos preparatórios


Cezar Roberto Bittencuort entende que os atos preparatórios não estão na
macrofase interna, mas na seguinte, a externa.
Nos atos preparatórios, ou conatus remotus, o agente procura criar
condições para a realização da conduta delituosa.

Há atos preparatório quando o plano começa a ser posto em práticas, são os 1º


atos materiais tendente a pratica do crime.
Atos preparatórios, em regra, são impuníveis. Há exceções, como o art. 288,
291 ambos do CP, um exemplo mais recente se encontra na Lei 13.260/16:

Art. 5º: Realizar atos preparatórios de terrorismo com propósito inequívoco de

consumar tal delito:

Pena: A correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade.


Nesse sentido, não se trata de um crime tentado pois, o CP vinculou a tentativa
ao início da execução do crime (art. 14, II). Só haverá tipicidade com o início da
execução.
Nos caos acima, o legislador tipifica como crime autônomo a realização de atos
preparatórios. Isto é chamado de antecipação da tutela penal.

Em ultima análise, em regra, os atos preparatórios, geralmente, não são puníveis,


nem na forma tentada, uma vez que não se iniciou a realização do núcleo do tipo penal.
De fato, o art. 14, II, do Código Penal vinculou a tentativa à prática de atos executórios.
Obs.: O direito penal do inimigo usa como regra a punição dos atos
preparatórios, ao passo que no Brasil a utilizamos como exceção.

1.2. Macro fase externa


A macrofase externa, por sua vez, subdivide-se em atos executórios e consumação
do crime.

1.2.1. Atos executórios

1.2.1.1. Conceito
Os atos executórios traduzem a maneira pela qual o agente atua exteriormente
para a realização do núcleo do tipo.
Esse é o marco inicial do interesse de punir, como regra (há as exceções
dos atos preparatórios puníveis, como visto).
Há, no entanto, uma região nebulosa entre os atos preparatórios e a execução, na
qual não é possível definir se se trata de ato preparatório impunível ou de execução

156
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

impunível. Ex.: o sujeito permanece na esquina da casa da vítima, aguardando que ela
saia.
Nesse sentido, faz-se necessário uma análise mais aprofundada do momento de
transição entre um ato preparatório (em regra não punível) para um efetivo ato de
execução (punível), assim nasceram as teorias abaixo:

1.2.1.2. Teorias
As teorias a seguir buscam diferenciar atos preparatórios do início da execução.

1.2.1.2.1. Teoria da hostilidade ao bem jurídico (ou critério material)


Para a teoria da hostilidade ao bem jurídico (ou critério material), atos
executórios são aqueles que atacam o bem jurídico, criando-lhe uma situação
concreta de perigo (Nelson Hungria). Para ela, o sujeito aguardando na esquina da
casa da vítima ainda está nos atos preparatórios.

1.2.1.2.2. Teoria objetiva-formal


Para a teoria objetiva-formal, desenvolvida por Franz Von Liszt, atos executórios
são aqueles que iniciam a realização do núcleo do tipo (Frederico Marques). Para ela,
só existe furto quando o sujeito começa a subtração. A pessoa que aguarda a saída da
outra ou até mesmo já pulou o muro ainda está nos atos preparatórios. Essa teoria
reconhece o início da execução em momento muito próximo da consumação, razão pela
qual ela é bastante criticada.

1.2.1.2.3. Teoria objetivo-individual


Para a teoria objetivo-individual, atos executórios são aqueles que, de acordo com
o plano do agente, realizam-se no período imediatamente anterior ao começo
da execução típica (Zaffaroni).
Assim, para ela, o sujeito que pula o muro da casa já iniciou a execução. Não é
necessário aguardar o início da prática do núcleo do tipo. Não precisa colocar a mão em
nenhum bem da vítima.
Flávio Monteiro de Barros pondera que nenhuma dessas teorias, sozinha,
satisfaz. Elas podem ser utilizadas pelo juiz de acordo com as peculiaridades do caso
concreto.

1.2.1.2.4. Outras teorias


a) Teoria Subjetiva – não há transição entre ato preparatório e ato executório.
Esta teoria entende que a vontade do agente em todos os atos seria a mesma,
pregando a punição dos atos preparatórios. Não é a teoria adotada.
b) Teoria objetivo-material – ato de execução é aquele em que o agente inicia a
realização do núcleo do tipo e todos os atos que lhe sejam imediatamente
anteriores na visão do “terceiro observador”
Ex: agente que sobe uma escada, do lado de fora de uma casa, portando chaves
falsas e um pé de cabra já estaria realizando atos executórios do furto.
Foi criada por Reinhard Frank (criador da teoria da culpabilidade).

1.2.2. Consumação
A consumação assinala o instante da composição plena do fato criminoso.
Cuidado, pois nem todo comportamento delituoso passa, necessariamente, pelas
quatro etapas. Há crimes para os quais não há nenhuma cogitação. Já outros não têm
resultado naturalístico.

157
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

2. Crime consumado
2.1. Previsão legal
O crime consumado está previsto no art. 14, I, do CP:

Art. 14 - Diz-se o crime:

I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição

legal;
Dá-se a consumação, também chamada de crime consumado ou summatum
opus, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal
E, por isso, um crime completo ou perfeito, pois a conduta criminosa se realiza·
integralmente.
Verifica-se quando o autor concretiza todas as elementares descritas pelo preceito
primário de uma lei penal incriminadora. Ex. no homicídio, em que a conduta e "matar
alguém", a consumação ocorre com a morte de um ser humano, provocada por outra
pessoa.

2.2. Conceito
Mesmo diante de um dispositivo tão claro como o art. 14, I, do CP, é importante
destacar um conceito de crime consumado emprestado da doutrina: considera-se
crime consumado a realização do tipo penal por inteiro, nele encerrando oiter
criminis. Em ultima análise, é o crime perfeito.

2.3. Crime consumado e crime exaurido


Crime consumado não se confunde com crime exaurido.
Como visto a consumação encerra o inter criminis, já o Crime exaurido (ou
esgotado plenamente) são os atos posteriores à consumação, os acontecimentos
posteriores ao término do iter criminis.
Assim o exaurimento não é etapa do iter criminis, trata-se de uma
intensificação da lesão ao bem protegido.
Quando o comportamento concreto se encaixar no tipo legal, o que ocorrer depois
não agressão é exaurimento.
O exaurimento pode ter relevância na dosimetria da pena, vez que
normalmente atua na 1ª fase, que é das circunstancias judiciais. Ex. consequências do
crime.
Mas, em alguns casos, o exaurimento pode funcionar como qualificadora, como
se dá na resistência (CP, art. 329, § 1.0), ou como causa de aumento da pena, tal como
na corrupção passiva (CP, art. 317, § 1.0).
Sendo excepcionalmente considerado como crime autônomo Ex. sequestro para
fim libidinoso (sequestro + estupro).
Obs.: Há crimes cuja consumação se protrai no tempo, até que cesse o
comportamento do agente. São os crimes permanentes. Muito foi dito acerca do crime
permanente por ocasião do estudo da lei penal no tempo.

2.4. Classificação dos crimes quanto ao momento


consumativo
2.4.1. Crime material
No crime material, o tipo penal descreve conduta e resultado naturalístico, sendo
que o resultado naturalístico é indispensável para a consumação do delito.
Ex.: homicídio.

158
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

2.4.2. Crime formal (ou de consumação antecipada)


No crime formal (ou de consumação antecipada), o tipo penal também descreve
conduta e resultado naturalístico. Todavia, o resultado naturalístico é
dispensável. É mero exaurimento. Isso porque a consumação ocorre com a simples
conduta. Ex.: art. 158 do CP:

Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito

de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se

faça ou deixar fazer alguma coisa:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. (...)

2.4.3. Crime de mera conduta


Nesta espécie de crime, o tipo penal simplesmente descreve uma conduta. Não
há a descrição de um resultado naturalístico. Ex.: violação de domicílio (art. 150
do CP):

Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade

expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:

Pena - detenção, de um a três meses, ou multa. (...)

2.5. Consumação formal e consumação material


Analisada a classificação dos crimes quanto ao momento consumativo,
importante observar a diferenciação que se faz entre consumação formal e consumação
material.
Há consumação formal quando ocorre o resultado naturalístico nos crimes
materiais ou quando o agente concretiza a conduta típica nos crimes formais e de mera
conduta. Há consumação material quando ocorre a relevante e intolerável lesão ou
perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Aquela está ligada à tipicidade formal; esta, à
tipicidade material.

3. Crime tentado
3.1. Previsão legal
O crime tentado está previsto no art. 14, II, do CP, que traz a chamada tentativa
simples:

Art. 14 - Diz-se o crime:

II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por

circunstâncias alheias à vontade do agente.


É interessante notar que o Art. 14, II do Código Penal é uma espécie de norma
de extensão temporal, pois amplia a proibição para alcançar fatos
humanos realizados de forma incompleta.

3.2. Conceito
No caso do crime tentado, o conceito legal é suficiente.
Obs.: Dizer “crime de tentativa” é elevá-la ao status de crime autônomo. Por isso,
o ideal é falar em “tentativa de crime”, pois a tentativa é a forma incompleta de um
crime.

159
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Com efeito, a tentativa não constitui crime sui generis, com pena autônoma, mas
é violação incompleta da mesma norma de que o crime consumado representa violação
plena.
Assim, pode-se afirmar que na tentativa a adequação típica é mediata. Ou seja, o
fato praticado pelo agente não se encaixa diretamente na lei penal, no tipo penal.
Novamente, configura norma de extensão temporal, ampliando a proibição
contida nas normas penais incriminadoras a fatos humanos realizados de forma
incompleta. Ex. homicídio tentado, o Art. 121 prevê “matar alguém” como crime não
sua tentativa, assim, sem a norma do Art. 14, II a conduta do agente que tenta matar
outrem estaria incompleta, não podendo imputar-lhe a pratica de um homicídio.
Obs.: Zaffaroni entende que a tentativa, em nosso sistema positivo, tem dupla
fundamentação:
a. justifica-se pelo fato de que nela há dolo (vontade final concreta que se
dirige a um resultado que afeta bem jurídico);
b. A exteriorização deste dolo sempre implica a afetação de um bem
jurídico.

3.3. Elementos do crime tentado


i) início da execução;
ii) não consumação do crime por circunstâncias alheias à vontade do agente;
iii) dolo de consumação (requisito implícito).
iv) Resultado possível.
Obs.: Rogério não gosta de extrair este terceiro elemento. Ele entende que o dolo
de consumação está implícito no segundo (a vontade do agente).

3.4. Consequências do crime tentado


Antes de se trabalhar as conseqüências previstas na lei, necessário verificar as
várias as teorias que cuidam da punição do conatus, dentre as quais se destacam as
seguintes:

3.4.1. Teorias sobre a punição da tentativa

3.4.1.1. Sistema ou teoria subjetiva, voluntarística ou monista


A punição da tentativa deve observar seu aspecto subjetivo do delito, da
perspectiva do dolo do agente. Sabendo que, seja na consumação seja na tentativa, o
crime é subjetivamente completo, não pode haver, para esta teoria, distinção entre as
penas nas duas modalidades. A tentativa merece a mesma pena do crime
consumado.

3.4.1.2. Sistema ou teoria sintomática


A punição da tentativa tem lastro na periculosidade revelada pelo agente, o que
possibilita a penalização inclusive de atos preparatórios.

3.4.1.3. Sistema ou teoria objetiva ou realística


A punição da tentativa deve observar o aspecto objetivo do delito. Apesar de a
consumação e a tentativa serem subjetivamente completas, esta (tentativa), diferente
daquela (consumação), é objetivamente inacabada, autorizando punição
menos rigorosa quando o crime for tentado.

3.4.1.4. Sistema ou teoria da impressão ou objetivo-subjetiva


Tem por escopo limitar o alcance da teoria subjetiva, evitando a punição irrestrita
de atos preparatórios porque torna possível a punição da tentativa apenas a partir do
momento em que a conduta seja capaz de abalar a confiança na vigência do

160
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

ordenamento jurídico; e também quando a conduta transmita àqueles que dela tomem
conhecimento a mensagem de perturbação da segurança jurídica.
O nosso Código, como regra, adotou a teoria objetiva, punindo-se a
tentativa com a mesma pena do crime consumado, reduzida de 1 /3 a 2/3.

3.4.2. Consequência: regra


Conforme visto acima, o código adotou a teoria objetiva, dessa forma, como regra,
a tentativa será punida com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de
um a dois terços, conforme Art. 14, parágrafo único, do CP:

Art. 14 (...) Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa

com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois

terços.
A diminuição será proporcional ao caminho percorrido no iter criminis: quanto
mais próxima a consumação, menor a redução; quanto mais distante a consumação,
maior a redução.
O critério adotado pela consequência regra é o objetivo ou o subjetivo?

Delito consumado Delito tentado


É objetiva e subjetivamente perfeito. É subjetivamente perfeito e objetivamente
inacabado.
O crime tentado merece uma pena menor que a do consumado por ser ele
objetivamente menor, imperfeito, incompleto. Assim, o critério regra adota o critério
objetivo. Por isso, o delito tentado é chamado de “tipo manco”: ele tem uma perna
objetiva menor que a subjetiva.

3.4.2.1. Exceções à teoria objetiva


O Art. 14, parágrafo único, do CP fala em “salvo disposição em contrário”. Por
conta disso, excepcionalmente a tentativa será punida com a mesma pena do delito
consumado, sem qualquer redução (conforme a sugere a teoria subjetiva).
Na consequência exceção, comparados o delito consumado e o tentado, o quadro
anterior é o mesmo. Todavia, não se observa a linha objetiva. Na exceção, o que justifica
a mesma pena para os dois crimes é a linha subjetiva.
Os crimes em que a tentativa é punida da mesma forma que a consumada são
chamados de delito de atentado ou de empreendimento121. Como dito, neles é
adotado o critério subjetivo. Ex.: art. 352 do CP e Art. 309 do Código Eleitoral:

Art. 352 - Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o indivíduo submetido a medida

de segurança detentiva, usando de violência contra a pessoa:

Pena - detenção, de três meses a um ano, além da pena correspondente à violência.

Art. 309 - Votar ou tentar votar mais de uma vez, ou em lugar de outrem

Pena – reclusão até três anos.


Obs.: Há crimes em que o legislador somente pune a forma tentada, sendo a
modalidade consumada atípica. Exemplos: Arts. 11 e 17 da Lei 7.170/1983 (crimes de
lesa pátria).

Art. 11 - Tentar desmembrar parte do território nacional para constituir país

121Crimes em que o legislador, adotando a teoria subjetiva pune a tentativa com a mesma
pena da infração consumada.

161
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

independente.

Pena: reclusão, de 4 a 12 anos.


Perceba que a efetiva constituição de país independente é fato atípico.

Art. 17 - Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o

regime vigente ou o Estado de Direito.

Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.

Parágrafo único.- Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até a

metade; se resulta morte, aumenta-se até o dobro.

3.5. Espécies de tentativa (Classificação)


3.5.1. Quanto ao “iter” percorrido

3.5.1.1. Tentativa imperfeita (ou inacabada)


Na tentativa imperfeita (ou inacabada), o agente é impedido de prosseguir no
seu intento, deixando de praticar todos os atos executórios à sua disposição. Ex.:
o sujeito tinha quatro projéteis para atingir a vítima e é impedido após disparar o
primeiro.

3.5.1.2. Tentativa perfeita (acabada ou crime falho)


Na tentativa perfeita (acabada ou crime falho), o agente, apesar de esgotar os
atos executórios à sua disposição, não consegue consumar o crime por circunstâncias
alheias à sua vontade. Ex.: o sujeito tinha quatro projéteis para atingir a
vítima,descarrega a arma na vítima e mesmo assim ela não morre, pois houve
intervenção médica.
Assim, a execução se esgota, tendo o sujeito feito tudo o que pretendia fazer, mas,
por motivos vários, o resultado não se verificou.
A tentativa perfeita somente é compatível com os crimes materiais. Isso porque o
esgotamento dos atos executórios nos delitos formais e de mera conduta caracteriza a
consumação.

3.5.2. Quanto ao resultado produzido na vítima

3.5.2.1. Tentativa cruenta (tentativa vermelha)


Na tentativa cruenta, a vítima é atingida.

3.5.2.2. Tentativa incruenta (tentativa branca)


Na tentativa branca, a vítima não é atingida, ou seja, não gera lesão efetiva,
palpável à integridade corporal do ofendido.

3.5.3. Quanto à possibilidade de alcançar o resultado

3.5.3.1. Tentativa idônea


Na tentativa idônea, o resultado era possível de ser alcançado, mas por motivos
alheios à vontade do agente esse não ocorre.

3.5.3.2. Tentativa inidônea


Na tentativa inidônea, o resultado era absolutamente impossível de ser
alcançado, tem-se aqui um sinônimo de crime impossível.

162
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

3.5.3.3. Tentativa supersticiosa:


Entende-se por tentativa supersticiosa (ou irreal) aquela em que o agente
acredita estar incurso numa situação típica que, na prática, não é
realizável. Assim, o agente tem plena consciência a respeito do meio que emprega ou
do objeto visado e acredita que tanto num caso como noutro o resultado pode
ser alcançado, embora, objetivamente, isso seja impossível. Ex. Sujeito acredita
que conseguirá matar o desafeto apenas com o poder da mente.
Embora semelhantes, difere-se da tentativa inidônea, nesta, ao empregar meio
absolutamente ineficaz ou visar a objeto absolutamente impróprio, o agente ignora
esta circunstância e acredita no contrário, ou seja, que o meio eleito é apto a
provocar o resultado ou que o objeto esteja em condições de sofrer os efeitos do
resultado.
Tentativa inidônea Tentativa supersticiosa
O agente ignora estar valendo-se de O agente conhece o meio ineficaz,
meio absolutamente ineficaz na produção mas, acredita que com ele produzirá o
do resultado. Ex. atirar contra um resultado. Ex. matar alguém com o poder
cadáver, sem saber da condição deste. da mente.

3.6. Infrações penais que não admitem tentativa


3.6.1. Crime culposo
No crime culposo, não há dolo de consumação, assim o agente não tem vontade
de produzir o resultado, não há dolo de consumação que, como visto, é um elemento da
tentativa.
Atenção! Na culpa imprópria o agente tem dolo de consumação, razão pela
qual parcela da doutrina (Fernando Pedroso) admite a tentativa quanto a ela122.
Na culpa imprópria, o agente quer o resultado, porque ele pratica a conduta com
base em erro inescusável quanto à ilicitude do fato. O agente supõe uma situação de
fato que, se existisse, tornaria sua ação legítima (ou seja, imagina presente uma causa
excludente da ilicitude, que na verdade não existe).
A culpa imprópria é dolo que, por questões de política criminal, foi punido como
se fosse culpa.
Segundo ensina Zaffaroni, a tentativa requer sempre o dolo, isto é, o querer o
resultado, por isso não há falar em tentativa em crimes culposos. Isso porque o tipo
culposo não individualiza as condutas pela finalidade e sim pela forma em que esta é
alcançada.

3.6.2. Crime preterdoloso


Também não se admite a tentativa nos crimes preterdolosos em razão da
ausência de dolo de consumação.
Todavia, não há dolo de consumação em relação ao subsequente culposo, mas o
dolo existe no antecedente, ou seja, é possível a tentativa quando a parte frustrada é o
antecedente.
Ex.: aborto qualificado pela morte da gestante. O aborto é um antecedente
doloso. A morte é um subsequente culposo. Não existe tentativa quanto à morte, mas é

122 "Em suma: via de regra, não admitem os crimes culposos a tentativa. Ressalva-se a

hipótese, porém, de o episódio ser informado pela culpa imprópria, igualmente chamada de
culpa por equiparação, extensão ou assimilação. Em tal caso, porque – excepcionalmente - há
vontade endereçada ao malogrado resultado, a tentativa é compossível"

163
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

possível a tentativa quando fica provada a frustração do antecedente (a interrupção


dolosa da gravidez).
Obs.: Crítica à Súmula 610 do STF: A Súmula 610 do STF diz o seguinte:

Súmula 610 - Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não

realize o agente a subtração de bens da vítima.


A Súmula considera um crime consumado sem que nele se reúnam todos os
elementos de sua definição legal. De acordo com Rogério Greco, ela ignora o conceito
de crime consumado trazido pelo art. 14, I, do CP.
Em prova objetiva, deve-se ficar com a Súmula, que é ratificada copiosamente
pelos Tribunais Superiores. Essa crítica deve ser usada em prova para a Defensoria
Pública.

3.6.3. Contravenção penal


O art. 4º da Lei das Contravenções Penais diz que não se pune a tentativa:

Art. 4º Não é punível a tentativa de contravenção.


O dispositivo não diz que tentativa de contravenção não existe. Ela é possível,
mas não será punida. Assim juridicamente, ela não interessa ao direito penal, é um
irrelevante.

3.6.4. Crime de atentado (ou de empreendimento)


Nos crimes de atentado, conforme já visto, a tentativa é punida com a mesma
pena que a consumação.
No entanto, em que pese a doutrina cometa uma imprecisão, pois, alguns dizem
que esses crimes não admitem tentativa.
Entretanto, neles a tentativa é punida da mesma forma que a
consumação. Por isso, para Rogério Greco, somente não se admite a redução da pena
no caso da tentativa dos crimes de atentado.

3.6.5. Crime habitual


O crime habitual não admite a tentativa porque, ou existe a reiteração de atos e o
delito está consumado, ou há um só ato e o fato é atípico.

3.6.6. Crime unisubsistente


Nos crimes unisubsistentes, a execução não admite fracionamento da execução.
Exemplos:i) delito omissivo puro; e ii) delito de mera conduta (cuidado, pois a
violação de domicílio, Art. 150, Código Penal, na modalidade “entrar”, é um crime de
mera conduta que admite a tentativa, por sua execução poder ser fracionada).

3.6.7. Crimes que só são puníveis quando há determinado


resultado
Não se admite tentativa nos crimes que só são puníveis quando há determinado
resultado. Ex.: art. 122 do CP(perceba que a pena é condicionada aos resultados morte
ou lesão grave):

Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o

faça:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a

três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.


Obs.: Bitencourt discorda desse posicionamento. Para o autor, a lesão grave no
art. 122 é tentativa.

164
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

3.6.8. Dolo eventual


Existe doutrina não admitindo a tentativa em crimes praticados com dolo
eventual. Todavia, a maioria discorda. A lei, quando fala em “vontade”, equipara dolo
direto com dolo eventual. Em ambos há vontade, dolo de consumação.
Cuidado: de acordo com a maioria da doutrina, dolo eventual admite tentativa,
justamente porque se trata de crime doloso.
A não consumação do crime, mesmo no dolo eventual, deriva do acaso ou
circunstancias exteriores à vontade do agente (“quem assume o risco, quer”, segundo
Nelson Hungria123).

3.7. Tentativa qualificada ou abandonada


3.7.1. Previsão legal
A tentativa qualificada ou abandonada está prevista no art. 15 do CP:

Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução

ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.


Necessário observar que a tentativa simples possui como nota característica o início
da execução de um crime, o qual não se consuma por circunstâncias alheias à vontade
do agente. Entretanto, na tentativa qualificada, gênero do qual são espécies a
desistência voluntária e o arrependimento eficaz o crime não se consuma por
circunstâncias inerentes à vontade do agente.
Obs.: Fórmula de Frank (Reinhart Frank)
• Tentativa: “Quero, mas não posso” (frase que o agente diz para si próprio - o
agente quer, mas não pode).
• Desistência voluntária e arrependimento eficaz: “Posso, mas não quero” (mas
queria).
Trata-se do que Franz Von Liszt denominava "ponte de ouro". O agente está
diante de um fato cujo resultado material é perfeitamente alcançável, mas, até que
ocorra a consumação, abre-se a possibilidade (ponte de ouro) para que o agente retorne
à situação de licitude, seja desistindo de prosseguir na execução, seja atuando
positivamente no intuito de impedir a ocorrência do resultado.

3.7.2. Espécies

3.7.2.1. Desistência voluntária (art. 15, 1ª parte, do CP)


A desistência voluntária está prevista no art. 15, 1ª parte, do CP (o agente,
voluntariamente, “desiste de prosseguir na execução”).
Na desistência voluntária, o agente, por manifestação exclusiva do seu querer,
desiste de prosseguir na execução da conduta criminosa, ou seja, o sujeito ativo
abandona a execução do crime quanto ainda lhe sobra, do ponto de vista
objetivo, uma margem de ação.
São elementos da desistência voluntária:

Tentativa simples (art. 14, II, do CP) Desistência voluntária (art. 15, primeira parte, do
CP)

123 "Se o agente aquiesce no advento do resultado específico do crime, previsto como

possível, é claro que este entra na órbita de sua volição: logo, se, por circunstâncias fortuitas, tal
resultado não ocorre, é inegável que o agente deve responder por tentativa. É verdade que, na
prática, será difícil identificar-se a tentativa no caso de dolo eventual, notadamente quando
resulta totalmente improfícua (tentativa branca). Mas, repita-se: a dificuldade de prova não
pode influir na conceituação de tentativa.

165
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

i) início da execução; i) início da execução124;


ii) não consumação por circunstâncias ii) não consumação por circunstâncias inerentes
alheias à vontade do agente; à vontade do agente (ele desiste de prosseguir);
iii) o agente quer prosseguir, mas não iii) o agente pode prosseguir, mas não quer (por
pode; isso que ela é chamada de tentativa abandonada);
iv) consequências: em regra, haverá iv) o agente só responde pelos atos já praticados.
diminuição de pena, variando de um a
dois terços.
Exemplos:
i) o sujeito pula o muro, coloca a mão na maçaneta do automóvel, é impedido de
furtar e acaba preso. Há tentativa de furto (pena do furto reduzida).
ii) o sujeito pula o muro, coloca a mão na maçaneta do automóvel e desiste de
furtar. Responderá pela violação de domicílio.
A desistência tem de ser voluntária, mas, não precisa ser espontânea.
Assim, pode haver interferência subjetiva externa animando o abandono. Entretanto, a
influência objetiva externa não configura desistência voluntária, permanecendo a
tentativa.
Ex.: a pessoa subtraindo o veículo é surpreendida com uma sirene policial, uma
luz ou um alarme. Ao sair da cena do crime, o sujeito está praticando desistência
voluntária ou se trata de tentativa? Voluntária é a desistência sugerida ao agente. Ele
assimila, subjetiva e prontamente essa sugestão, esta influência externa de outra
pessoa. Se a causa que determina a desistência é circunstância exterior, uma influência
objetiva externa, que compele o agente a renunciar ao propósito criminoso, haverá
tentativa.

3.7.2.2. Arrependimento eficaz (ou resipiscência)


O arrependimento eficaz está previsto no art. 15, 2ª parte, do CP (o agente,
voluntariamente, “impede que o resultado se produza”).
O arrependimento eficaz ocorre quando o agente, desejando retroceder na
atividade delituosa percorrida, desenvolve nova conduta, após terminada a
execução, evitando o resultado naturalístico.
Dessa forma, não basta uma atitude passiva, é preciso que tenha atitude positiva
do agente, no sentido de concretamente impedir a consumação, por isso, só tem
cabimento nos crimes materiais125, pois nos crimes formais ou de mera conduta,
uma vez esgotados os atos, o crime está consumado, sendo inviável o arrependimento.
São elementos do arrependimento eficaz:

Arrependimento eficaz (art. 15, 2ª parte, do CP) Desistência voluntária (art. 15, 1ª parte, do CP)

i) início da execução; i) início da execução;

i) não consumação por circunstâncias inerentes à ii) não consumação por circunstâncias inerentes à

vontade do agente (ele desiste de prosseguir); vontade do agente (ele desiste de prosseguir);

124 O Art. 10 da Lei 13.260 traz uma hipótese interessante de desistência voluntária nos

atos preparatórios, pois manda aplicar ao Art. 5º da Lei, as regras previstas no Art. 15 do Código
Penal.
125 Onde a consumação esta na dependência da ocorrência do resultado naturalístico, o

que viabiliza a prática de uma nova ação tendente a evita-lo.

166
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

iii) o agente pode prosseguir, mas não quer iii) o agente pode prosseguir, mas não quer

(tentativa abandonada); (tentativa abandonada);

iv) esgotamento dos atos executórios e retrocessão iv) abandono do intento criminoso quando ainda

na conduta (evitando o resultado); restavam atos executórios a serem praticados;

v) o agente só responde pelos atos já praticados. v) o agente só responde pelos atos já praticados.
Veja que a diferença entre as figuras está no momento do abandono do propósito
criminoso. Na desistência voluntária, o agente abandona o intento quando ainda
restavam atos executórios a serem praticados (no meio da execução). No
arrependimento eficaz, ele esgota os atos executórios e retrocede na conduta (depois do
fim da execução, evitando o resultado).
Exemplo de arrependimento eficaz: o sujeito dá três tiros na vítima, se arrepende,
leva a vítima ao hospital e ela é salva. Não responderá por homicídio tentado, mas pela
lesão corporal, leve, grave ou gravíssima, conforme ao caso.
Basta que o arrependimento seja voluntário. Não precisa ser espontâneo, mas
tem de ser eficaz. O Arrependimento ineficaz, ou seja aquele que não consegue evitar
o resultado, é mera atenuante de pena.

3.7.3. Natureza jurídica da tentativa abandonada ou qualificada


Há duas correntes acerca da natureza jurídica da tentativa abandonada ou
qualificada:
1ª corrente:causa de exclusão da tipicidade.
2ª corrente:causa de extinção da punibilidade (por razões de política criminal).
Para a primeira corrente, a desistência voluntária e o arrependimento eficaz
excluem a norma de extensão. Não há as circunstâncias “alheias” à vontade do agente.
Prevalece a segunda corrente.
Esse tema é importante quando da análise dos efeitos da tentativa abandonada ou
qualificada ao partícipe, que serão estudados adiante.

3.8. Arrependimento posterior


3.8.1. Previsão legal
O arrependimento posterior está previsto no art. 16 do CP:

Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa,

reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou

da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois

terços.
O legislador inseriu o instituto do arrependimento posterior dentro da Teoria do
Crime. Porém, aqui o crime já está consumado, já tendo sido oferecida a queixa ou
denúncia.
Não possuindo qualquer relação com a Teoria do Crime, mas sim com a Teoria da
Pena (mais especificamente com sua fixação) trata-se de um equívoco do legislador.
É maneira de privilegiar a reparação dos danos ou restituição das coisas.
A expressão posterior significa depois da consumação. A atitude premiada é o ato
que se dá depois da consumação do crime.
O arrependimento posterior é um instituto que existe para proteger a vítima
(vitimologia), pois visa a reparação do dano sofrido.

167
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Além disso, é uma manifestação do direito premial, ou seja, o legislador concede


prêmios ao criminoso arrependido, que decide colaborar com o Estado e recompor o
patrimônio da vítima.

3.8.2. Natureza jurídica


A natureza jurídica da norma do art. 16 é de causa geral de diminuição de
pena.

3.8.3. Momento do arrependimento


O momento do arrependimento é aquele posterior à consumação. O
arrependimento eficaz do art. 15 evita a consumação. O posterior do art. 16 pressupõe a
consumação e a reparação do dano ou a restituição da coisa.

3.8.4. Requisitos

3.8.4.1. Crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa


Violência contra a coisa (ex.: dano, furto qualificado pelo rompimento ou
obstáculo etc.) não obsta o benefício.
Segundo a doutrina, crimes culposos, mesmo que violentos, admitem o benefício.
Para a maioria, crimes praticados com violência imprópria, sem emprego efetivo
de força física ou grave ameaça (ex.: art. 157, caput, segunda parte, do CP126) admite o
benefício do arrependimento posterior.
Violência imprópria: é todo meio que retira da vítima a capacidade de resistência,
sem consistir em violência à pessoa ou grave ameaça. Ex: boa noite cinderela, no qual o
sujeito coloca na bebida da vítima uma substância entorpecente, para subtrair seus
bens – é roubo; hipnotizar a vítima; drogar ou embriagar a vítima.
Há duas posições:
1ª posição: a violência imprópria é violência contra a pessoa, não admitindo
arrependimento posterior (posição a ser utilizada para o MP).
2ª posição: a violência imprópria admite arrependimento posterior, pois quando a
lei fala em violência contra a pessoa, se refere somente à violência própria.

3.8.4.2. Reparação do dano ou restituição da coisa


A reparação do dano deve ser integral.
Se parcial, não admite o benefício, salvo se a vítima concordar e mostrar
satisfação com ela (posição do TJSP e de recente decisão de uma Turma do STF).

3.8.4.3. Reparação ou restituição até o recebimento da denúncia ou da


queixa
O recebimento da denúncia ou queixa é o termo final da reparação do dano ou
restituição da coisa. Ocorridas após o recebimento da queixa, haverá mera atenuante de
pena.

3.8.4.4. Ato voluntário do agente


Ato voluntário, como visto, não exige espontaneidade. Basta voluntariedade.

3.8.5. Conseqüências do reconhecimento do arrependimento


posterior
A consequência do arrependimento posterior será causa de diminuição de 1/3 a
2/3 da pena.

126Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou
violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de
resistência: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

168
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

O critério a ser utilizado para aferir a redução é conforme a presteza do agente –


quanto mais rápida a reparação maior será a redução.
Obs.: não se aplica o artigo 16 quando a legislação estabelecer um benefício maior
em virtude da reparação dos danos. Há crimes que a reparação dos danos é causa
extintiva da punibilidade. Ex.: peculato culposo; apropriação indébita previdenciária;

3.8.6. Outras questões relacionadas ao arrependimento posterior

i. Comunicabilidade com o correu: Há duas correntes acerca da


comunicabilidade do arrependimento posterior:
1ª corrente: exigindo voluntariedade do agente, o arrependimento posterior é
personalíssimo, não se comunicando aos demais concorrentes do crime (Luis Regis
Prado).
2ª corrente: o arrependimento é circunstância objetiva comunicável,
beneficiando os demais concorrentes do crime (Luiz Flávio Gomes). Prevalece a
segunda corrente.
ii. A recusa injustificada da vítima não exclui o benefício
O agente deve, perante a autoridade policial, depositar a coisa nos autos. Na pior
das hipóteses, poderá o agente ingressar com ação de consignação em pagamento.
iii. Critérios para diminuição da pena
No arrependimento posterior, o juiz deve diminuir a pena de 1/3 a 2/3.
Os critérios para esta diminuição são:
b) Celeridade (quanto tempo o agente levou para efetivamente reparar o dano);
c) Voluntariedade (os motivos que levam o agente a reparar o dano ou restituir
a coisa).

3.8.7. Regras especiais sobre a reparação do dano:


i. Reparação do dano no peculato culposo: art. 312, §3º, CP.
A reparação do dano anterior à sentença irrecorrível (ou seja, antes do trânsito
em julgado da condenação) extingue a punibilidade.
Além disso, a reparação do dano posterior à sentença irrecorrível (posterior ao
trânsito em julgado) reduz a pena pela metade.
Essas regras se aplicam apenas ao peculato culposo. No peculato doloso
incidem as regras do arrependimento posterior.
ii. Lei 9099/95
São as infrações penais de menor potencial ofensivo (todas as contravenções
penais e os crimes com pena máxima de até 2 anos, independentemente de rito
especial).
Obs: as contravenções penais são sempre de competência da Justiça Estadual,
mesmo quando praticadas em prejuízo da União. O art. 109, IV, CF, excluiu
expressamente as contravenções penais da Justiça Federal.
Nas infrações penais de menor potencial ofensivo, quando se tratar de crime de
ação privada ou crime de ação pública condicionada à representação, a reparação do
dano acarreta na renúncia ao direito de queixa ou de representação, com a conseqüente
extinção da punibilidade.

169
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

4. Crime impossível (tentativa inidônea ou quase-


crime ou “crime oco”)
4.1. Teorias acerca do crime impossível
4.1.1. Teoria sintomática
Pela teoria sintomática, com sua conduta, demonstra o agente ser perigoso, razão
pela qual deve ser punido ainda que o crime se mostre impossível de ser consumado.
Esta teoria trabalha no campo do direito penal do autor: pune-se o sujeito pelo que ele
é, e não pelo que ele faz.

4.1.2. Teoria subjetiva


Para a teoria subjetiva, sendo a conduta subjetivamente perfeita (dolo de
consumação), o agente deve ser punido com a mesma pena da tentativa. Esta segunda
corrente também tem predicados de direito penal do autor.

4.1.3. Teoria objetiva


Crime é conduta e resultado. Este configura dano ou perigo de dano ao bem
jurídico. A execução deve ser idônea, ou seja, trazer a potencialidade do evento. Caso
inidôneo, temos configurado o crime impossível. A teoria objetiva subdivide-se:
i) Teoria objetiva pura: não há tentativa, mesmo que a inidoneidade
seja relativa, considerando-se neste caso que não houve conduta
capaz de causar lesão;
ii) Teoria objetiva temperada: para que não haja tentativa, a
inidoneidade deve ser absoluta.

4.2. Previsão legal


O crime impossível está previsto no art. 17 do CP, que adotou a teoria objetiva
temperada:

Art. 17 - Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por

absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.

4.3. Elementos do crime impossível


São elementos do crime impossível:
i) início da execução;
ii) não consumação do crime por circunstâncias alheias à vontade do agente;
iii) dolo de consumação
iv) resultado absolutamente impossível de ser alcançado (inidôneo).

4.4. Espécies de crime impossível


O crime impossível possuí duas espécies.
i. Na inidoneidade absoluta do meio, falta potencialidade causal, pois
os instrumentos utilizados pelo agente são ineficazes, em qualquer
hipótese, para a produção do resultado. Ex.: usar, para matar uma pessoa,
um revólver que não traz projétil;
ii. Já na inidoneidade absoluta do objeto, a pessoa ou coisa que
representa o ponto de incidência da ação não serve à consumação do
delito. A inidoneidade do objeto se verifica tanto em razão das
circunstancias em que se encontra (objeto impróprio) quanto em razão da
sua inexistência (objeto inexistente) Ex.: atirar contra cadáver; praticar
abortamento em mulher que se supõe grávida (gravidez psicológica).

170
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Punibilidade

1. Conceito e limites
Punibilidade é a consequência jurídica do crime. Significa o direito do Estado de
punir o autor de um injusto penal culpável. Esse direito de punir, entretanto, não é
absoluto. Está condicionado (limitado):
i) limite temporal: prescrição;
ii) limite espacial: princípio da territorialidade;
iii) limite modal: princípio da dignidade da pessoa humana.

2. Extinção da punibilidade
2.1. Noções gerais
A punibilidade pode ser extinta. O art. 107 do CP traz um rol de causas extintivas
da punibilidade, o qual é meramente exemplificativo:

Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:

I - pela morte do agente;

II - pela anistia, graça ou indulto;

III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

IV - pela prescrição, decadência ou perempção;

V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação

privada;

VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;

VII – (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005);

VIII - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005);

IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.


Além dessas, há outras causas extintivas da punibilidade espalhadas fora do
dispositivo. Exemplos: i) art. 312, § 3º, do CP127; ii) Lei 9.099/1995 (cumprimento do
período de prova da suspensão condicional do processo).
Existem, ainda, causas supralegais de extinção da punibilidade. Exemplo é a
Súmula 554 do STF. Lida a súmula a contrário senso, chega-se à conclusão de que a
reparação do dano antes do recebimento da denúncia extingue a punibilidade:

Súmula 554 - O PAGAMENTO DE CHEQUE EMITIDO SEM PROVISÃO DE

FUNDOS, APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA, NÃO OBSTA AO

127Art. 312 (...) Peculato Culposo § 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de
outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. § 3º - No caso do parágrafo anterior, a
reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é
posterior, reduz de metade a pena imposta.

171
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL.

2.2. Morte do agente


O agente pode ser o indiciado, o acusado e o reeducando. Daí conclui-se que a
morte do agente extingue a punibilidade a qualquer tempo, ou seja, na fase de
inquérito, processo ou execução penal.
A morte do agente extingue a punibilidade, pois é um desdobramento lógico da
pessoalidade da pena, isto é, se a pena não pode passar da pessoa do condenado e este
morre, o Estado perde o interesse em punir.
É preciso atentar para o fato de que a morte do agente extingue apenas os efeitos
penais da condenação, sendo certo que os efeitos extrapenais permanecem. Dessa
forma, a condenação definitiva, por exemplo, mesmo com a morte do agente, continua
servindo como título executivo judicial, podendo ser executada contra os sucessores,
porém, observados os limites da herança.
Em provas de concurso observa-se com frequência a seguinte assertiva: “a morte
do agente extingue os efeitos da condenação”. A afirmação está errada, na medida em
que a morte do agente extingue os efeitos penais da condenação, permanecendo os
extrapenais.
Além disso, a morte do agente é uma causa extintiva da punibilidade
personalíssima, ou seja, só vai extinguir a punibilidade do agente que morreu, não
operando efeitos em relação aos demais concorrentes (coautores e partícipes). Hipótese
absurda seria imaginar o contrário, pois em um crime cometido em concurso de
pessoas, bastaria que um agente matasse o outro para que a punibilidade fosse extinta.
O art. 62 do CPP estabelece que a morte do agente somente será declarada pelo
juiz à vista da certidão de óbito e, depois de ouvido o MP. É uma hipótese de prova
vinculada, não bastando meras declarações, oitiva de testemunhas etc. (aqui, temos
uma exceção ao princípio da liberdade de provas). E a doutrina vai além exigindo a
certidão de óbito original.

Art. 62. No caso de morte do acusado, o juiz somente à vista da certidão de óbito, e

depois de ouvido o Ministério Público, declarará extinta a punibilidade.


Apesar de não haver previsão legal, a doutrina moderna admite como prova a
sentença civil que declara a morte do ausente.
Quais são os efeitos da sentença que declara extinta a punibilidade com
fundamento em certidão de óbito falsa?
Há duas correntes:
1ª corrente (Capez): se depois de transitada em julgado a sentença declaratória
extintiva da punibilidade, ficar constatada a falsidade da certidão de óbito, não mais
poderá ser revista, pois está vedada a revisão criminal pro societate, remanescendo a
possibilidade de punir o autor pelo uso de documento falso.
2ª corrente (Mirabete, Paccelli): a decisão que reconheceu a extinção da
punibilidade com base em certidão de óbito falsa é inexistente, insuscetível de sofrer os
efeitos da coisa julgada material. O agente deve ser processado pelo crime sobre o qual
recaiu a decisão extintiva da punibilidade, bem como pelo delito de uso de documento
falso.
O STF adotou a segunda corrente em suas decisões, porém, são decisões antigas.
Ainda não chegaram ao STF casos concretos recentes que possibilitassem observar
qualquer mudança de posicionamento.

172
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

A morte do agente impede a revisão criminal? E a reabilitação?A morte do agente


não impede a revisão criminal, porém veda a reabilitação. Cuidado para não misturar
as hipóteses.
Qual a única hipótese em que a morte da vítima extingue a punibilidade do
agente?Quando o crime for de ação penal privada personalíssima, a morte da vítima
extinguirá a punibilidade do agente.

2.3. Anistia, graça e indulto


São formas de renúncia do Estado ao direito de punir.
Cabe anistia, graça ou indulto em delito de ação privada?
É preciso distinguir o direito de ação e o direito de punir. O direito de ação pode
ser transferido ao particular, por isso é possível a ação penal privada. Já o direito de
punir é monopólio do Estado, assim, apenas este decide se concederá anistia, graça ou
indulto, não havendo nenhuma participação da vítima. A vontade da vítima não
interfere na execução penal (institutos como o perdão do ofendido devem ocorrer até a
fase da execução, quando o estado não mais se importará com a vontade da vítima). Na
fase de execução a sua vontade não é considerada.
Portanto, é possível anistia, graça e indulto nos crimes de ação penal privada,
haja vista que o direito de punir é monopólio do estado.

2.3.1. Anistia
Conceito: é ato do Legislativo federal, ou seja, lei penal, devidamente sancionada
pelo Executivo, através do qual o Estado, em razão de clemência ou de política social
esquece um fato criminoso, apagando seus efeitos penais.
Trata-se de lei penal. Assim, não é concedida anistia por decreto legislativo.
Atenção, pois a graça e o indulto podem ser concedidos por decreto. É uma evidente
hipótese da chamada lei penal anômala, que visa esquecer um fato criminoso através de
uma lei.
Zaffaroni ensina que a etimologia da palavra anistia alude a “esquecimento”.
Usualmente, diz-se que a anistia “apaga” o delito. O autor entende que uma lei de
anistia é uma lei que descriminaliza o delito, isto é, uma lei descriminalizadora. Não
obstante, não é uma lei descriminalizadora comum, e sim anômala, posto que se trata
de uma descriminalização temporária.
Deve ser uma lei em sentido material e formal, ou seja, lei editada pelo
Congresso, já que somente pode descriminalizar uma conduta quem tem a faculdade de
incriminá-la. Daí estabelecer a CR que compete à União conceder anistia (art. 21,
XVII).
A lei deve ser devidamente sancionada, podendo ser vetada. Atenção, pois a
Assembleia Legislativa do estado não tem competência para editar lei versando sobre a
anistia, pois é matéria de direito penal, de competência reservada à União. Exemplo: no
caso dos bombeiros do RJ que fizeram greve, já há uma lei de anistia sendo votada.
Anistia e abolitio criminis:
A grande diferença entre a anistia e a abolitio criminis é que, em nenhum
momento a anistia vai abolir o crime, só há o esquecimento do fato criminoso por parte
do Estado. O crime não é abolido do ordenamento jurídico.
Portanto, a anistia incide no fato criminoso, preservando a lei penal. Já a abolitio
criminis atinge a própria lei: há supressão da figura criminosa.
A anistia só apaga os efeitos penais principais ou secundários, permanecendo os
efeitos extrapenais. Se já há sentença condenatória transitada em julgado, ela
permanece funcionando como título executivo (questão AGU/DPU).

173
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Veja que a anistia deve ligar-se a fatos, o que significa possuir caráter impessoal,
não podendo ser destinada a pessoas individualizadas. Assim, uma lei pode anistiar,
por exemplo, todos os delitos patrimoniais praticados durante determinado período de
tempo, mas não pode anistiar os delitos cometidos pelos cidadãos A, B, C e D. No
entanto, a anistia pode exigir certas condições subjetivas, mas sempre orientadas pelo
sentido geral, e não com referencia a uma pessoa determinada.
Efeitos da anistia:
i) extingue a ação penal, posto que não pode prosseguir a pretensão punitiva
acerca de um fato que perdeu a tipicidade;
ii) quando existir decisão condenatória, a anistia eliminará a condenação e todos
os seus efeitos;
iii) persiste o direito dos particulares à indenização, porque a descriminalização
em nada afeta a responsabilidade civil;
iv) a anistia não pode ser repudiada pelo beneficiário, porque seus efeitos
operam-se de pleno direito (somente pode ser recusada quando condicionada);
v) a condenação por crime anistiado não pode ser considerada para os efeitos de
reincidência;
vi) a condenação por delito anistiado não impede a concessão de sursis;
vii) a anistia do delito cometido pelo autor elimina também a tipicidade da
conduta dos coautores e partícipes;
viii) a parte da pena cumprida até a descriminalização é considerada ao abrigo do
direito vigente à época de sua execução, de modo que não se pode pedir a restituição da
multa paga;
ix) o autor pode beneficiar-se da anistia sempre que persista algum efeito da
condenação, direito que se estende a seus herdeiros, desde que nele comprovem
legítimo interesse;
x) a anistia não pode ser revogada;
Espécies de anistia:
i) anistia própria ou propriamente dita: é aquela concedida antes da condenação.
ii) anistia imprópria: é aquela concedida depois da condenação. Lembrando que
os efeitos extrapenais não desaparecem.
iii) anistia restrita: é aquela que exige certas condições pessoais do agente para a
obtenção do benefício. Ex.: ser o réu primário.
iv) anistia irrestrita: não exige condições pessoais do agente para a sua concessão.
v) anistia condicionada: a lei exige que o agente cumpra algumas condições ou
requisitos não pessoais, ou seja, o agente deve respeitar requisitos objetivos. Ex.:
reparação do dano.
vi) anistia incondicionada: a lei não impõe qualquer requisito para a obtenção do
benefício.
vii) anistia comum: como o próprio nome já enuncia, incide sobre delitos
comuns.
viii) anistia especial: incide sobre delitos políticos.
O Congresso Nacional resolve conceder anistia para determinado crime e o
Presidente sanciona. Contudo, percebe-se a péssima repercussão da anistia concedida.
Assim, o Congresso Nacional decide, imediatamente, fazer uma nova lei impedindo a

174
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

anistia anteriormente concedida e o Presidente sanciona, revogando a primeira lei. Isso


impede a extinção da punibilidade?
Uma vez concedida, não pode a anistia ser revogada, porque a lei posterior
revogadora prejudicaria os anistiados, em clara violação ao princípio constitucional de
que a lei não pode retroagir para prejudicar o acusado.

2.3.2. Graça e indulto


Conceito comum: são benefícios concedidos ou delegados pelo Presidente da
República, via decreto presidencial, atingindo somente os efeitos executórios penaisda
condenação (subsistindo o crime, a condenação e seus efeitos secundários penais e
extrapenais). Cuidado, pois a anistia extingue somente os efeitos penais e aqui,
somente são extintos os efeitos executórios.
Ex.: anistia extingue reincidência e graça e indulto não, pois não se trata de efeito
executório.
É um ato do Poder Executivo, ou seja, deve ser feito pelo Presidente da República
ou outra pessoa por ele delegada (Ministro da Justiça ou AGU, por exemplo). Em
consequência disso, é concedido via decreto presidencial.
Outro detalhe ao qual deve ser dado relevo é que a graça e o indulto apagam os
efeitos executórios. Isto é, os demais efeitos penais e extrapenais permanecem.
ANISTIA GRAÇA E INDULTO
Apaga os efeitos da reincidência Não apagam os efeitos da
(extingue todos os efeitos penais, reincidência (extingue somente os efeitos
executórios ou não). executórios, permanecendo os penais e
extrapenais).
Diferenciação entre a graça e o indulto: são institutos muito próximos, porém,
existem algumas diferenças.
GRAÇA INDULTO
É um benefício individual. Trata-se de benefício coletivo.
Depende de provocação do Não depende de provocação do
interessado. interessado.
É o chamado “indulto individual”. É a chamada “graça coletiva”.
Cuidado: há doutrina ainda sustentando que somente é cabível graça e indulto
após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Todavia, após a previsão de
execução provisória no ordenamento jurídico, passa a ser perfeitamente possível graça
e indulto na execução penal provisória pro reo. Seria uma antecipação de institutos da
execução.
Espécies de graça e indulto:
A maioria das espécies de graça e indulto coincidem com as espécies estudadas na
anistia (restrita e irrestrita; condicionada e incondicionada; comum e especial).
i) plenos: extinguem totalmente a pena.
ii) parciais: diminuem ou comutam a pena.
Os crimes hediondos e equiparados são incompatíveis com anistia, graça e
indulto. Não raras vezes é perguntado se é possível comutação de penas nos crimes
hediondos. Quando a CR diz que não se admite indulto nos crimes hediondos, qual é a
espécie a que se refere? A CR proíbe tanto o indulto pleno quanto o indulto parcial para
os crimes hediondos.

175
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

É possível graça ou indulto em se tratando de medida de segurança?Os livros que


abordam o tema dizem que, apesar de incomum, não existe proibição de indulto em
medida de segurança.

2.4. Abolitio criminis


Esta causa de extinção da punibilidade já foi estudada.

2.5. Decadência e perempção


O instituto da decadência está previsto no art. 103 do CP e art. 38 do CPP, e por
isso é chamada de norma mista (possui natureza penal e processual penal).

Art. 103 - Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de

queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses,

contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do

art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da

denúncia.

Art. 38. Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal,

decairá no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de

seis meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso

do art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.


Conceito: decadência é a perda do direito de ação pela consumação do termo
prefixado pela lei para o oferecimento da queixa ou da representação. Demonstra,
claramente, a inércia do titular do direito de queixa ou de representação.
Diferenciação entre decadência, prescrição, perempção e preclusão:
DECADÊNCIA PRESCRIÇÃO PEREMPÇÃO PRECLUSÃO
Perda, em face Perda, em face É uma sanção É a perda do
do decurso do tempo, do decurso do tempo, processual imposta ao exercício de uma
do direito de ação. do direito de punir ou querelante inerte ou faculdade processual.
executar punição já negligente.
imposta.

É importante observar que nem sempre a prescrição acarretará a perda do direito


de ação. Somente acarreta a perda do direito de ação se ocorrer na fase de inquérito.
A preclusão, perda do exercício de uma faculdade processual, pode ser lógica,
consumativa ou temporal.
O prazo da decadência é, em regra, de 6 meses, conforme estabelecem os arts. 103
do CP e 38 do CPP. Em regra, porque o dispositivo faz menção à “disposição expressa
em sentido contrário”, portanto, é possível que o prazo decadencial seja alterado. Ex.:
Lei de Imprensa (que, conforme já decidido, não fora recepcionada pela CR), adultério
tinha prazo decadencial de 1 mês (porém, fora abolido pelo princípio da intervenção
mínima). Único exemplo vigente que temos hoje é o caso de crimes contra a
propriedade imaterial (art. 529 e 530 do CPP), hipótese na qual o prazo decadencial
será de 30 dias; havendo prisão em flagrante, o prazo será de 8 dias.

Art. 529. Nos crimes de ação privativa do ofendido, não será admitida queixa com

fundamento em apreensão e em perícia, se decorrido o prazo de 30 dias, após a

homologação do laudo.

Parágrafo único. Será dada vista ao Ministério Público dos autos de busca e

176
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

apreensão requeridas pelo ofendido, se o crime for de ação pública e não tiver sido

oferecida queixa no prazo fixado neste artigo.

Art. 530. Se ocorrer prisão em flagrante e o réu não for posto em liberdade, o prazo a

que se refere o artigo anterior será de 8 (oito) dias.


O prazo de 6 meses é de natureza penal ou processual penal?
Sempre que estivermos diante de norma penal mista, prevalecerá o prazo mais
favorável ao réu. Dessa forma, trata-se de prazo penal, computado na forma do art. 10
do CP (computa-se o dia do começo e exclui-se o do fim). Conclui-se, portanto que,
tratando-se de prazo penal, não se suspende, interrompe ou prorroga.

Art. 10 - O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses

e os anos pelo calendário comum.


Qual é o termo inicial do prazo decadencial?Em regra, o termo inicial do prazo
decadencial será o conhecimento da autoria (dia em que souber quem é o autor do
crime), tratando-se de ação penal privada ou pública incondicionada. Contudo, em se
tratando de ação penal privada subsidiária da pública, o prazo será contado do dia em
que se esgota o prazo para o oferecimento da denúncia pelo MP.
AÇÃO PENAL PRIVADA / PÚBLICA AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA
INCONDICIONADA PÚBLICA
O termo inicial conta-se do dia da ciência da O termo inicial é contado do dia em que se
autoria. esgota o prazo para o oferecimento da denúncia.
Em caso de inércia da vítima, a Se o MP requer arquivamento ou
consequência é a extinção da punibilidade. diligências, não existe espaço para a ação penal
privada subsidiária da pública.
Em caso de inércia da vítima, o MP retoma a
titularidade exclusiva da ação penal.

Note que na hipótese de inércia da vítima na ação penal privada subsidiária da


pública ocorre a decadência sem extinção da punibilidade, porque o MP continua
titular da ação penal.

2.6. Renúncia ao direito de queixa e perdão da vítima


A renúncia existe como desdobramento lógico do princípio da oportunidade,
norteador da ação penal privada.
Conceito: é ato unilateral do ofendido ou de seu representante legal abdicando do
direito de promover a ação penal, extinguindo a punibilidade do agente.
Cuidado, pois não se trata de desdobramento lógico do princípio da
disponibilidade da ação penal privada. Aqui, ainda não há ação penal, por isso não se
pode falar em disponibilidade da ação penal.
Cabe renúncia em crime de ação penal pública? Essa pergunta deve ser
respondida considerando o antes e o depois da Lei n. 9.099/95.
Antes da Lei n. 9.099/95, a resposta era que não cabia renúncia em ação penal
pública, sendo instituto exclusivo da ação penal privada. Após a Lei n. 9.099/95, em
regra não cabe, porém há uma exceção: é o que ocorre com o art. 74, parágrafo único,
da Lei n. 9.099/95. É hipótese excepcional.

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz

mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil

competente.

177
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal

pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao

direito de queixa ou representação.


Momento em que pode ocorrer a renúncia: a renúncia é um instituto que sempre
antecede o início da ação penal. É sempre extraprocessual.
A renúncia pode ser: (i) expressa (art. 50 do CPP) ou (ii) tácita (prática de ato
incompatível com a vontade de exercer o direito de queixa ou representação). O
exemplo é sempre o mesmo: convidar o caluniador para ser padrinho de casamento é
um ato incompatível com a vontade de exercer o direito de queixa ou de representação.
A composição civil de danos (até mesmo morais) gera renúncia tácita? Essa
resposta também tem de ser dada antes e depois da Lei n. 9.099/95.
Antes a resposta era que não gerava renúncia tácita, com fundamento no art. 104,
parágrafo único, do CP. Depois da Lei, a resposta é que, em regra, não. Contudo,
tratando-se de infração penal de menor potencial ofensivo, a aceitação da composição
civil dos danos pelo ofendido gerará a renúncia tácita. É o que dispõe o art. 74,
parágrafo único, da Lei n. 9.099/95.
Imagine-se uma situação em que a vítima renuncia com relação ao autor 1, mas
oferece queixa com relação ao autor 2. Na ação penal privada, o princípio da
indivisibilidade da ação proíbe que isto ocorra. O juiz não aceitará essa queixa,
entendendo haver renúncia tácita, conforme art. 49 do CPP. É o critério de
extensibilidade da renúncia.

Art. 49. A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do

crime, a todos se estenderá.


Renuncia e pluralidade de vítimas: imagine-se que a vítima 1 renuncia em relação
ao autor, mas a vítima 2 oferece queixa. O juiz receberá a queixa em razão dos direitos
autônomos e independentes das vítimas. Ou seja, a renúncia de uma vítima não pode
prejudicar os interesses da outra.

2.7. Retratação do agente, nos casos em que a lei a


admite
Esta causa de extinção da punibilidade será estudada em processo penal.

2.8. Perdão do ofendido


O perdão do ofendido é o desdobramento lógico do princípio da disponibilidade
da ação penal de iniciativa privada.
Conceito: é ato pelo qual o ofendido ou seu representante legal desiste de
prosseguir no andamento do processo já em curso, desculpando o ofensor. Cuidado,
pois o perdão só extingue a punibilidade se aceito. Portanto, o perdão é um ato bilateral
(ao contrário da renúncia ao direito de queixa, que é ato unilateral e extraprocessual).

É possível perdão na ação penal pública? Não se admite perdão do ofendido em


crimes de ação penal pública. Só é cabível perdão do ofendido em crimes de ação penal
privada. Isso porque, na ação penal pública vige o princípio da indisponibilidade (e não
da disponibilidade, como ocorre na ação penal privada).
O perdão pode ser condicionado? E o ato de aceitar ao perdão, pode estar
atrelado a alguma condição? Observa Magalhaes Noronha que tanto o perdão quanto a
aceitação são atos incondicionais. Perdoa-se sem exigências e aceita-se sem condições.
Portanto, o perdão não pode ser condicionado, assim como a aceitação não pode estar

178
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atrelada a qualquer condição.Caso isso ocorra, o juiz irá ignorar a condição e conceder
o perdão, com a consequente extinção da punibilidade.
Em relação ao momento até o qual é cabível o perdão, cumpre ressaltar que o
perdão é cabível até o transito em julgado (art. 106, parágrafo 2º, do CP).

Art. 106 - O perdão, no processo ou fora dele, expresso ou tácito: (Redação dada pela

Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I - se concedido a qualquer dos querelados, a todos aproveita; (Redação dada pela Lei

nº 7.209, de 11.7.1984)

II - se concedido por um dos ofendidos, não prejudica o direito dos outros; (Redação

dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

III - se o querelado o recusa, não produz efeito [ato bilateral]. (Redação dada pela

Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 1º - Perdão tácito é o que resulta da prática de ato incompatível com a vontade de

prosseguir na ação. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 2º - Não é admissível o perdão depois que passa em julgado a sentença

condenatória. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)


Perdão Aceitação Recusa
Pode ser extraprocessual A aceitação também pode A recusa, por sua vez,
(a vítima perdoa fora do ser extraprocessual ou pode ser extraprocessual ou
processo, porém, o processo está processual. processual e deve ser expressa.
em curso). Ex.: a vítima perdoa
em um programa de televisão, Ainda, poderá ser Todavia, importante
em cartório ou no processo (no expressa ou tácita. Ex. de observar que não existe recusa
bojo dos autos). aceitação tácita: silêncio do tácita, pois o silêncio do acusado
acusado após o perdão do gera a aceitação.
Pode também ser ofendido.
expresso ou tácito.

Em relação ao perdão e a pluralidade de vítimas, o perdão de uma não prejudica a


vontade de prosseguir no andamento do processo da outra, pois são vontades
autônomas.
Perdão e pluralidade de acusados (coautoria): havendo dois acusados, a vítima
não poderá oferecer o perdão em relação a apenas um deles, em razão do princípio da
indivisibilidade. Em relação àquele ao qual não fora oferecido o perdão, o juiz
interpretará como perdão tácito. Todavia, conforme mencionado, o perdão deve ser
aceito pelo acusado para que produza seus efeitos.

3. Prescrição
3.1. Conceito
Prescrição é a perda, em face do decurso do tempo, do direito do Estado de punir
ou de executar punição já imposta. Observe que a perda do direito de punir é somente
uma espécie de prescrição. A perda do direito de executar a pena imposta é outra,
comumente esquecida.
Trata-se de limite temporal ao poder punitivo ou executório do Estado.
Em ultima análise, é uma garantia do cidadão contra a hipertrofia da punição, a
eternização do poder de punir.

179
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Em regra todos os crimes, por mais graves que sejam, prescreve, entretanto, há
duas exceções, previstas no Texto Constitucional:
i. Racismo – Lei 7.719/89  Art. 5º, XLII;
ii. Ação de grupos armados , civis ou militares, contra a ordem constitucional
e o Estado Democrático  Art. 5º, XLIV.
Obs.: Tortura prescreve, as hipóteses de imprescritibilidade são taxativas e estão
na CF.

3.2. Principais fundamento da prescrição


O principal fundamento da prescrição é o fato de que o tempo faz desaparecer o
interesse social de punir ou executar a pena imposta, uma vez que:
i. O decurso do tempo leva ao esquecimento do fato;
ii. O decurso do tempo recupera naturalmente o criminoso não reincidente;
iii. O decurso do tempo enfraquece o suporte probatório;
iv. O Estado deve arcar com a sua inércia.

3.2.1. Hipóteses de imprescritibilidade


Em regra, por mais grave que seja um crime, ele ordinariamente prescreve. Há,
todavia, duas hipóteses de imprescritibilidade:
i) prática do racismo (art. 5º, XLII, da CR);

Art. 5º (...) XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,

sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;


ii) ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o estado democrático
(art. 5º, XLIV, da CR):

Art. 5º (...) XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos

armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;


A lei ordinária não pode ampliar as hipóteses de imprescritibilidade. Somente a
CR pode fazê-lo.

3.3. Espécies de prescrição


a.1) PPP propriamente dita (art.109,
CP);

Prescrição da
Pretensão Punitiva:
Ocorre antes do trânsito a.2) PPP retroativa (art. 110, 1º, CP);
em julgado e faz
desaparecer todos os
efeitos de eventual
condenação – penais e a.3) PPP superveniente ou
extrapenais. Esta espécie intercorrente (art. 110, 1º, CP);
Espécies de de prescrição se divide
Prescrição em 4 subespécies:
a.4) PPP virtual ou antecipada ou por
prognose ou em perspectiva -
jurisprudência;

Prescrição da Pretensão Executória (art. 110, caput, CP):


Ocorre depois do trânsito em julgado e impede a execução da sanção. Os
demais efeitos da condenação permanecem, pouco importando se penais
ou extrapenais.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

3.3.1. Prescrição da pretensão punitiva


A prescrição da pretensão punitiva ocorre antes do trânsito em julgado da
sentença.
Impede efeitos penais e extrapenais de eventual sentença, podendo ser de quatro
subespécies: i) propriamente dita (ou em abstrato); ii) retroativa; iii) superveniente (ou
intercorrente); e iv) em perspectiva (por prognose, antecipada ou virtual).

3.3.1.1. PPP propriamente dita (ou em abstrato)

3.3.1.1.1. Noções gerais


A PPP propriamente dita, prevista no art. 109 do CP, é regulada pelo máximo
da pena privativa de liberdade cominada ao crime:

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto

no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de

liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234, de

2010). (...)
Tendo o Estado a tarefa de buscar a punição do criminoso, deve anunciar quando
essa punição já não mais o interessa (essa é a finalidade do art. 109).
Sendo incerta a quantidade da pena que será fixada pelo juiz na sentença, o prazo
prescricional é resultado da combinação da pena máxima prevista abstratamente para o
crime e a escala do art. 109 do CP:

Art. 109. (...) I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a

doze;

III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não

excede a dois;

VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. (Redação dada

pela Lei nº 12.234, de 2010).


Pena Máxima Prazo Prescricional
< 1 ano 3 anos128
≥ 1 ano e ≤ 2 anos 4 anos
> 2 anos e ≤ 4 anos 8 anos
> 4 anos e ≤ 8 anos 12 anos
> 8 anos e ≤ 12 anos 16 anos
> 12 anos 20 anos
OBS.: decorar os dois primeiros degraus da tabela – são os que costumam cair em provas.

128 ATENÇÃO: até o dia 05/05/2010 o prazo mínimo era de 2 (dois) anos (e não três

anos). A alteração foi prejudicial ao réu (novatio legis in pejus). A partir de 06/05/2010, com a
redação dada pela nova lei, o prazo mínimo passou a ser de 3 (três) anos, Essa lei, por prejudicar
o réu, é irretroativa, de modo que os fatos anteriores a ela continuam regulados pelo prazo
prescricional mínimo de dois anos.

181
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

3.3.1.1.2. Causas de aumento e de diminuição de pena


Para se aferir a pena máxima abstratamente cominada ao crime, devem ser
consideradas causas de aumento ou de diminuição da pena.
No caso das majorantes em montante variável, o aumento considerado será o
máximo; no caso das minorantes variáveis, a diminuição será a mínima
possível.
Deve-se, entretanto, atentar para o disposto no art. 119 do CP, pois a PPP
propriamente dita não considera a causa de aumento no caso de concurso de
crimes. Assim, havendo concurso de crimes, cada delito prescreve isoladamente:

Art. 119 - No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a

pena de cada um, isoladamente.

3.3.1.1.3. Agravantes e atenuantes


Já no caso das agravantes e atenuantes, como o quantum de aumento ou de
diminuição fica a critério do juiz, a pena acaba por não ter valor certo e determinado,
razão pela qual elas não podem ser consideradas para fins de cálculo da
prescrição, sob pena de deixar a prescrição a critério do magistrado.
Importante atentar para o disposto no art. 115 do CP, que traz duas atenuantes
(menoridade e sensibilidade) de pena que reduzem os prazos prescricionais pela
metade:

Art. 115 - São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era,

ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de

70 (setenta) anos.
Obs.: As circunstâncias judiciais do Art. 59 Código Penal também não podem
ser consideradas para o cálculo da prescrição, uma vez que não tem previsão legal,
cabendo ao magistrado avaliá-las na aplicação da pena.

3.3.1.1.4. Termo inicial da PPP propriamente dita


O termo inicial da PPP propriamente dita (ou em abstrato) está previsto no art.
111 do CP:

Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a

correr:

I - do dia em que o crime se consumou;

II - no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa;

182
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

III - nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência;

IV - nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro

civil, da data em que o fato se tornou conhecido.

V - nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste

Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito)

anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal. (Redação dada pela

Lei nº 12.650, de 2012129).


Conforme visto, o código adota a teoria do resultado, assim, nada mais certo do
que estabelecer o marco inicial da prescrição no dia em que o crime se consumou.
Na hipótese de tentativa, a “cessação da atividade criminosa” (inciso II) deve ser
entendida como “do último ato executório”.
Em caso de crimes permanentes, a prescrição só começa a correr do dia em que
cessou a permanência, Ex. de crime permanente (inciso III) é a extorsão mediante
sequestro, em que se inicia o prazo prescricional somente quando o seqüestrado for
libertado.
No caso do inciso IV (crimes de bigamia ou alteração de assentamento de registro
civil) como são praticados de forma a ocultar a atividade criminosa do conhecimento
geral, a prescrição começa a correr do momento em que a atividade criminosa se torna
conhecida.
Nesse inciso V, o legislador preocupou-se com a situação das vítimas dos crimes
contra a dignidade sexual, que normalmente são praticados em ambiente doméstico e
familiar. Antes dessa lei, quando a criança vítima crescia e ficava maior, tornando-se
apta para denunciar o abuso contra ela praticado, muitas vezes o crime já estava
prescrito. Então, para solucionar esse problema recorrente, nos crimes contra a
dignidade sexual de menores – crimes estes previstos no CP ou em legislação
extravagante –, a prescrição começará a correr da data em que a vítima completar 18
anos, salvo se, a esse tempo, já houver sido intentada a ação penal130 (caso em que o
crime não mais estará oculto e não mais será necessário impedir o início da fruição do
prazo prescricional. E, nesse caso, a prescrição começará a correr). O fundamento
constitucional para dessa regra está no art. 227, §4º, da CF, que diz:

Art. 227, §4º, CF - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual

da criança e do adolescente.

Obs.: Crime habitual, termo inicial: Ex.: casa de exploração sexual inaugurada
em 2000 e fechada em 2007. De acordo com o STF131, nos crimes habituais o prazo
prescricional inicia-se da data da última das ações que constituem o fato
típico, aplicando-se o mesmo raciocínio dos crimes permantentes.

129 Cuidado: No caso acima, uma vez tratar-se de lei que piora a situação dos acusados,
ela não poderá ser aplicada em relação a fatos pretéritos, pois trata-se de novatio legis in pejus
– não tem alcance retroativo, vale a partir de 18/05/12.
130 “salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal” 1ªC: “proposta a ação

penal” significa ação penal oferecida (interpretação literal); 2ªC: “proposta a ação penal”
significa ação penal recebida (interpretação teleológica e sistemática com o Art. 117, I Código
Penal).
131 Deve ser aplicado o “espírito” do Art. 109, III, O Min. Marco Aurélio foi contra esse

entendimento. Ele enxergou, nesse raciocínio, uma analogia in mallan partem, entendendo que
se estaria dando ao crime habitual o mesmo raciocínio dos permanentes sem previsão legal.

183
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

3.3.1.1.5.
Causas interruptivas da PPP propriamente dita (art. 117, I a IV,
do CP)132
Identificados o prazo e o seu termo inicial aplicável ao caso concreto, não se pode
ignorar a existência de causas de suspensão ou interrupção da prescrição, que
encontram-se previstas nos Arts. 116 e 117, do Código Penal.
As causas interruptivas da prescrição, que ZERAM a contagem do seu prazo. Os
quatro primeiros incisos do art. 117, do CP são causas interruptivas da Prescrição da
Pretensão Punitiva e os dois últimos da Prescrição da Pretensão Executória.

Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se:

I - pelo recebimento da denúncia ou da queixa; [cuidado: trata-se do

“recebimento”, não do “oferecimento” – pegadinha de concurso]

II - pela pronúncia;

III - pela decisão confirmatória da pronúncia;

IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; (Redação

dada pela Lei nº 11.596, de 2007).


a) Pelo recebimento da denúncia ou da queixa:
 A doutrina diverge acerca do momento, se é com o despacho de
recebimento ou sua publicação em cartório;
 O simples aditamento da inicial para correção de meras irregularidades
não interrompe novamente o prazo, mas havendo inclusão de nova conduta
criminosa, interrompe;
 Súmula 709 do STF: “Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o
acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo,
pelo recebimento dela.”
 Anulado o despacho de recebimento da inicial, o novo recebimento será o
marco interruptivo.

b) Pela pronúncia133:
 “Súmula 191 STJ: A pronúncia é causa interruptiva da prescrição, ainda
que o Tribunal do Júri venha a desclassificar o crime.”
c) Decisão confirmatória da pronuncia;

132 Os incisos V e VI do art. 117 do CP são causas interruptivas da pretensão executória.

Reconhecendo haver prova da materialidade e indícios de autoria de crime doloso


133

contra a vida, submete-se o caso a júri popular.

184
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

d) Publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis:


 Acórdão Condenatório (reforma a sentença absolutória ou acórdão em sede
de foro por prerrogativa de função) interrompe a prescrição (art. 117, IV, CP).
Mas, acórdão meramente confirmatório (simplesmente confirma a sentença
condenatória) não interrompe a prescrição. Outra corrente entende que se
aumentar a pena também interrompe a prescrição.

3.3.1.1.6. Conseqüências da PPP Propriamente dia (em abstrato)


Uma vez reconhecida a prescrição da pretensão punitiva em abstrato, eis as
suas consequências:
a) Desaparece para o Estado o seu direito de punir, inviabilizando qualquer
análise de mérito.
Obs: Se o Estado reconhece a prescrição, ele não pode analisar o mérito; ele
simplesmente declara extinta a punibilidade; não há condenação nem absolvição.
Contudo, no caso do art. 397, do CPP134, é possível absolvição com fundamento na
extinção da punibilidade, como, por exemplo, na prescrição.
Aqui houve um erro gravíssimo do legislador. A extinção da punibilidade jamais
deveria estar aqui! Então, CUIDADO!!! Nos termos do art. 397, IV, CPP, o juiz absolve
sumariamente o réu quando presente causa de extinção da punibilidade.
b) Eventual sentença condenatória provisória (antes de transitar em julgado) é
rescindida, não se operando qualquer efeito (penal ou extrapenal);
Então, se houver uma condenação de penal em grau de recurso, essa condenação
não gera qualquer efeito.
c) O acusado não será responsabilizado pelas custas processuais.
d) O acusado terá direito à restituição integral da fiança;

3.3.1.1.7. Questões relevantes


1ª questão: imagine que a denúncia tenha sido por homicídio doloso, mas os
jurados desclassificam a conduta para a modalidade culposa, em que o rito não é do

134 Art. 397, CPP - Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste

Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: (Redação dada pela
Lei nº 11.719, de 2008).
IV - extinta a punibilidade do agente. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

185
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Júri. Se o Promotor tivesse desde o início denunciado por homicídio culposo, a


prescrição teria sido zerada menos vezes (favorecendo o acusado, portanto). Sendo o
homicídio culposo, é justo que a pronúncia e a decisão confirmatória da pronúncia
continuem interrompendo a prescrição?
A Súmula 191 do STJ diz que a pronúncia é causa interruptiva da prescrição,
ainda que o Tribunal do Júri venha a desclassificar o crime:

Súmula 191 - A pronúncia é causa interruptiva da prescrição, ainda que o Tribunal do

Júri venha a desclassificar o crime.


2ª questão: pode o juiz reconhecer a prescrição de ofício?
Sendo a prescrição matéria de ordem pública, pode ser declarada a qualquer
momento, até mesmo de ofício (art. 61 do CPP):

Art. 61. Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade,

deverá declará-lo de ofício. (...)


3ª questão:existe prescrição de ato infracional?
Sim (Súmula 338 do STJ):

Súmula 338 - A prescrição penal é aplicável nas medidas socioeducativas.


Observações:
1ª situação: o acórdão de sentença condenatória interrompe a prescrição, todavia,
o acórdão meramente confirmatório da condenação não interrompe o prazo
prescricional.
2ª situação: há sentença absolutória e acórdão condenatório reformando a
decisão de absolvição de 1º grau. Nesse caso, a sentença absolutória não interrompe a
prescrição, mas o acórdão condenatório interrompe. O acórdão não é meramente
confirmatório, ele reforma a decisão de 1º grau que havia absolvido o acusado.
3ª situação: sentença condenatória e acórdão confirmatório da condenação. Esse
acórdão, no entanto, altera substancialmente a pena, aumentando, inclusive, o prazo
prescricional (majora substancialmente a pena). De acordo com o STF, esse acórdão
também interrompe a prescrição (HC 155.290/SP).
Obs.: Exercícios
Exercício de fixação nº 1: crime de furto (art. 155 do CP: pena de 1 a 4 anos).
Da data do fato até o recebimento da denúncia, prescrição regula-se pela pena
máxima em abstrato (quatro anos). Segundo o art. 109, IV, do CP, o crime prescreve em
oito anos. Assim, se o Estado não concluir as investigações, transformando o inquérito
policial em ação penal dentro do prazo de oito anos, há prescrição da pretensão
punitiva em abstrato.
Recebida a inicial, o “cronômetro” é zerado. Do recebimento da inicial à
publicação da condenação, volta a haver um período de PPP em abstrato, de oito anos.
Ou seja, o Estado tem esse prazo para, recebida a inicial, publicar a sentença
condenatória. Se demorar mais que isso, ocorrerá a prescrição, extinguindo-se a
punibilidade.
Observação importante: no rito comum, acórdão meramente confirmatório da
condenação (aquele que não aumenta a pena) não interrompe a prescrição. Se
aumentar a pena, segundo Rogério Greco, liderando a maioria, também há interrupção
da prescrição.
Exercício de fixação nº 2: crime de tentativa de furto qualificado (art. 155, § 4º,
c/c 14, II, CP: pena de 2 a 8 anos; a tentativa diminui a pena em variação de 1/3 a 2/3).

186
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Como visto, da data do fato até o recebimento da inicial, a prescriçãoregula-se


pela pena máxima em abstrato(a PPP propriamente dita se vale da teoria da pior das
hipóteses). A pena máxima possível do furto qualificado é de oito anos. Com a redução
mínima (1/3), o máximo da pena abstratamente cominada chega a 5 anos e 4 meses.
Combinando-se esse prazo com o previsto no art. 109, III, do CP, o crime prescreverá
em 12 anos.
Isso significa que o Estado tem 12 anos da prática do fato para receber a
denúncia, hipótese em que o “cronômetro será zerado”. A partir do recebimento até a
publicação da sentença condenatória recorrível, e da publicação da sentença
condenatória até o trânsito em julgado final, os períodos prescricionais serão de 12
anos.
Vale lembrar, mais uma vez, que acórdão meramente confirmatório da
condenação e a sentença absolutória, ainda que imprópria, não interrompem a
prescrição.

3.3.1.2. Prescrição da Pretensão Punitiva Retroativa

3.3.1.2.1. Noções gerais

A PPP retroativa está prevista no art. 110, § 1º, do CP:

Art. 110 (...) § 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em

julgado para a acusação [a pena não poderá ser aumentada em razão da

proibição da reformatio in pejus] ou depois de improvido seu recurso, regula-se

pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data

anterior à da denúncia ou queixa. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).


Antes da Lei 12.234/2010, ela estava prevista no § 2º do mesmo artigo:

Art. 110 § 2º - A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo

inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa. (Redação dada pela

Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (Revogado)


A PPP retroativa regula-se pela pena aplicada, uma vez que antes da sentença
recorrível, não se sabe a quantidade da pena que será fixada pelo magistrado, razão
pela qual o lapso prescricional regula-se pela pena máxima prevista em lei.
Contudo, fixada a pena, ainda que provisoriamente, e transitando em julgado
essa decisão para a acusação (ou sendo seu recurso improvido), não mais existe razão
para se levar em conta a pena máxima, já que, mesmo diante do recurso da defesa, é
proibida a reformatio in pejus. Surge um novo norte para a prescrição, a pena
efetivamente aplicada na sentença.
Atenção! Se o MP não recorre da condenação ou seu recurso é improvido, pode-se
analisar se da publicação da condenação até o recebimento da denúncia ocorreu a
prescrição com base na pena aplicada na sentença.
Obs.: O recurso da acusação só impede a P.P.P.R. se buscar o aumento da pena.
Se o MP recorre contra o tipo de pena (e não sua quantidade) não impede a P.P.P.R.

187
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3.3.1.2.2. Características
A PPP retroativa possui as seguintes características:
i) Pressupõe sentença ou acórdão condenatório;
ii) Pressupõe sentença transitada em julgado para a acusação;
iii) Conta-se a prescrição da publicação da sentença condenatória até a data
do despacho de recebimento da inicial (contagem retroativa);
iv) Os prazos prescricionais são os mesmos do art. 109 do CP, regulados pela
pena aplicada na sentença;
v) Tem as mesmas consequências da PPP em abstrato:
a) Impede a análise do mérito;
b) A sentença condenatória é rescindida, não operando efeitos penais ou
extrapenais;
c) Não haverá custas processuais;
d) Eventual fiança paga será restituída.

3.3.1.2.3. PPP retroativa e a Lei 12.234/2010


Antes da Lei 12.234/2010, havia prescrição da pretensão retroativa da data do
fato até o recebimento da inicial e do recebimento da inicial até a publicação da
sentença condenatória.
Depois da lei, não há mais PPP retroativa antes da denúncia ou queixa. É uma
alteração ruim para o réu, motivo pelo qual é irretroativa, não alcançando os fatos
pretéritos.
A lei nº 12.234/10 é prejudicial para o réu, portanto, irretroativa (fatos praticados
antes admitem a P.P.P.R. entre o recebimento da inicial e a data do crime).

3.3.1.2.4. Reconhecimento pelo juiz de primeiro grau da PPP retroativa


O juiz de primeiro grau pode reconhecer a PPP retroativa?
1ª corrente: (Capez) havendo sentença proferida em primeiro grau, o juiz
esgotou sua jurisdição, não podendo reconhecer a PPP retroativa. Para Capez, a
sentença que reconhece a PPP retroativa nela própria é uma sentença autofágica.
2ª corrente: (Luiz Flávio Gomes e a maioria) em se tratando de matéria de
ordem pública, a PPP retroativa pode ser reconhecida ainda em 1º grau. Na
prática, os tribunais pedem para o 1º grau reconhecê-la, para evitar que subam
processos já prescritos.

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3.3.1.3. Prescrição da Pretensão Punitiva Superveniente (intercorrente)

3.3.1.3.1. Noções gerais


A PPP superveniente (ou intercorrente) também está prevista no art. 110, § 1º, do
CP:

Art. 110 (...) § 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em

julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena

aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da

denúncia ou queixa. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).


Assim como a retroativa, a PPP superveniente também regula-se pela pena
aplicada na sentença.
Entre a data do fato e o recebimento da inicial, há PPP em abstrato, regulada pela
pena máxima em abstrato. Do recebimento da inicial até a publicação da sentença
penal condenatória, continua-se falando em PPP em abstrato. Da publicação da
sentença condenatória até o trânsito em julgado final, há ainda PPP em abstrato.
Caso o MP não recorra ou seu recurso seja improvido, pode-se, da condenação ao
recebimento da inicial analisar a PPP retroativa, regulada pela pena aplicada. Se não
ocorreu a PPP retroativa, analisa-se se houve a PPP superveniente, regulada também
pela pena aplicada.
Veja que a única diferença entre a PPP retroativa e a superveniente é que uma
conta-se para trás, enquanto a outra se conta para frente. No mais, elas são idênticas.

3.3.1.3.2. Características
São características da PPP superveniente
i) pressupõe sentença ou acórdão condenatório;
ii) pressupõe trânsito em julgado para a acusação;
iii) os prazos prescricionais são os mesmos do art. 109 do CP, regulados pela pena
em concreto;
iv) conta-se da publicação da sentença condenatória até a data do trânsito em
julgado definitivo;
v) tem as mesmas consequências da PPP em abstrato e da PPP retroativa.
Obs.: Exercícios
Entre a data do fato e o recebimento da inicial, há PPP em abstrato, regulada pela
pena máxima em abstrato. Do recebimento da inicial até a publicação da sentença
penal condenatória, continua-se falando em PPP em abstrato. Imaginando-se que a
condenação tenha sido de um ano de reclusão:
i) o MP recorre, buscando aumentar a pena: não se pode falar em nenhuma
prescrição que não a PPP em abstrato;

189
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

ii) o MP não recorre: pode-se falar tanto da PPP retroativa quanto da PPP
superveniente;
iii) MP recorre, buscando regime mais rigoroso para o cumprimento da pena:
pode-se falar tanto da PPP retroativa quanto da PPP superveniente, pois a pena
cominada será a máxima possível.
Vale observar que, seguindo o mesmo espírito da PPP retroativa, também é
possível reconhecer a PPP superveniente se o recurso do MP não busca aumento de
pena. Também nesta espécie de prescrição, discute-se se o juiz de primeiro grau pode
reconhecê-la.

3.3.1.4. Prescrição da Pretensão Punitiva em perspectiva, por prognose,


antecipada ou virtual
No mesmo exemplo do furto, imagine que, decorrido o prazo de cinco anos do
recebimento da inicial, ainda não houve o julgamento. O réu é primário e portador de
bons antecedentes. Já dá pra imaginar que o juiz aplicará a pena mínima (justa), de
modo que a prescrição retroativa será de quatro anos. Ou seja, dá pra perceber,
antecipadamente, ocorrência da PPP retroativa. Falta, nesse caso, interesse processual
para o MP continuar agindo.
Assim, a PPP virtual nada mais é que uma antecipação da PPP retroativa, com
base na pena em perspectiva. É o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva
retroativa no curso da ação penal, hipótese de falta de interesse de prosseguir
com a ação penal.
A PPP virtual não tem previsão legal. É criação jurisprudencial. O STF135 e o
STJ não reconhecem essa espécie de prescrição (Súmula 438 do STJ):

Súmula 438 - É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão

punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou

sorte do processo penal.

3.3.2. Prescrição da pretensão executória

3.3.2.1. Noções gerais


A prescrição da pretensão executória (PPE) está prevista no art. 110, caput, do
CP:

Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença

condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no

artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é

reincidente.
Ela pressupõe trânsito em julgado da condenação e somente impede o Estado de
executar a punição. Os demais efeitos penais e extrapenais permanecem.
Regula-se pela pena aplicada, cotejada com os prazos estabelecidos pelo art. 109
do CP.
Observação importante: os prazos são aumentados de 1/3 se o condenado for
considerado reincidente na sentença. Essa regra é exclusiva da PPE. Não existe na PPP.

135 (...) Aduziu-se que a jurisprudência da Corte rejeitaria a possibilidade de

reconhecimento da prescrição retroativa antecipada (“prescrição em perspectiva”). Consignou-


se que o repúdio do STF à prescrição em perspectiva teria base na possibilidade de
aditamento à denúncia e de descoberta de novos fatos aptos a alterar a capitulação
jurídica da conduta.

190
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Trata-se de prescrição de pena em concreto, que pressupõe sentença


condenatória com trânsito em julgado para ambas as partes.
A consequência é que, reconhecida a PPE, extingue-se a pena aplicada,
sem, contudo, rescindir a sentença condenatória, que, como visto, produz
efeitos penais e extrapenais.
Essa sentença, apesar de prescrita, continua gerando reincidência, por exemplo,
bem como continua servindo como título executivo na esfera cível.
Prescrição da Pretensão Punitiva Prescrição da Pretensão Executória
Rescinde eventual sentença condenatória, não Não rescinde condenação, produzindo
operando efeitos penais e extrapenais. efeitos penais e extrapenais.
Extingue o direito de punir. Extingue o direito de executar a pena imposta.
Não gera reincidência. Gera reincidência.
A sentença não serve como título executivo. A sentença serve como título executivo.

3.3.2.2. Termo inicial da PPE


O termo inicial da PPE está previsto no art. 112 do CP:

Art. 112 - No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr:

I - do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a

que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional;

II - do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção

deva computar-se na pena.


Segundo a lei, a PPE pressupõe o trânsito em julgado final, mas começa a
correr do dia do trânsito em julgado para o MP.
Vale observar que, apesar de o art. 112, I, do CP enunciar que o termo inicial da
PPE é do dia do trânsito em julgado para a acusação136.
O entendimento é para ser criticado, e não seguido.

3.3.2.3. Causas interruptivas da PPE


As causas interruptivas da PPE estão previstas no art. 117, V e VI, do CP (lembrar
que os incisos I a IV referem-se à PPP):

Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se: (...)

V - pelo início ou continuação do cumprimento da pena; (Redação dada pela

Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)

136 A 5ª Turma do STJ, em recente julgado, decidiu que o início do prazo prescricional

seria a data do trânsito em julgado para as duas partes (HC 137.924). Esse julgado foi objeto de
severas críticas da doutrina, pois contraria a lei, legislae age em verdadeira analogia in mallan
partem.

191
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

VI - pela reincidência. (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996) (...)


Publicada a condenação em 10 de janeiro de 2000, a quatro anos de reclusão, em
20 de fevereiro de 2000há o trânsito em julgado para o MP. No dia 15 de abril de 2000,
ocorre o trânsito em julgado para a defesa. Pergunta-se: a pretensão executória do
Estado vai até quando? O Estado tem oito anos para executar a pena, contados de 20 de
fevereiro de 2000. Ou seja, tem até 19 de fevereiro de 2008.
Imagine que o condenado é preso em 10 de janeiro de 2001. Não ocorreu a
prescrição. A partir do momento em que ele é preso (início da execução), o prazo é
interrompido (zerado) e não corre enquanto a pena é cumprida.
Caso ele fuja dois anos depois, inicia-se novo prazo de PPE. Pergunta-se: quanto
tempo tem o Estado para recapturar o preso? Na hipótese de fuga, a PPE considera a
pena imposta na sentença ou o restante da pena a cumprir? O art. 113 do CP dá a
resposta: a PPE é regulada pelo tempo que resta da pena:

Art. 113 - No caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se o livramento

condicional, a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena.


No exemplo, o Estado tem quatro anos para recapturar o condenado. Se, durante
os quatro anos que o Estado está tentando recapturá-lo, chegar a notícia que ele
praticou (basta praticar, nos termos do art. 63 do CP137) um crime, o prazo é
interrompido e o Estado volta a ter mais quatro anos para tanto.

3.3.3. Redução dos prazos prescricionais


O art. 115 do CP prevê duas hipóteses de redução dos prazos de prescrição:

Art. 115 - São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso

era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da

sentença, maior de 70 (setenta) anos.


i) criminoso menor de 21 anos no momento da conduta (art. 4º do CP138):
Vale observar que o CC/02, ao considerar a pessoa capaz aos 18 anos, não aboliu
esta causa de redução do prazo, pois o Direito Penal não considera a capacidade civil,
mas a idade cronológica.
ii) criminoso maior de 70 anos na data da sentença.
Importante observar que esta hipótese não foi alterada pelo Estatuto do Idoso.
Assim, não são todos os idosos que terão prazo prescricional reduzido pela metade, mas
apenas aqueles com mais de 70 anos.
Se o agente alcançar essa idade depois da sentença, em grau de recurso, o
tribunal pode reconhecer a redução?
1ª corrente:“data da sentença” significa data da primeira decisão condenatória,
não abrangendo acórdão meramente confirmatório.
2ª corrente: “data da sentença” significa data da condenação ou confirmação da
condenação.

137Art.
63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em
julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

138Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro
seja o momento do resultado.

192
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

A questão não está consolidada nos Tribunais Superiores, mas a tendência é pela
segunda corrente.

3.3.4. Causas suspensivas da prescrição


O art. 116 do CP prevê as causas suspensivas da prescrição:

Art. 116 - Antes de passar em julgado[PPP] a sentença final, a prescrição não corre:

I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o

reconhecimento da existência do crime;

II - enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro.

Parágrafo único - Depois de passada em julgado[PPE] a sentença condenatória, a

prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro

motivo.
Elas não zeram o prazo, apenas impedem o curso dele. Depois que as causas
suspensivas se extinguem, o prazo continua de quando parou.
Os incisos I e II prevêem as causas suspensivas aplicáveis à PPP. O inciso I trata
das chamadas “questões prejudiciais”, previstas nos arts. 92 a 94 do CPP.Ex.: réu
processado por bigamia questiona no juízo cível a validade do primeiro casamento. A
validade do primeiro casamento é uma questão prejudicial. Enquanto não resolvida,
suspende-se o processo criminal e a prescrição. Invalidado o primeiro casamento,
desaparece o crime.

Art. 92. Se a decisão sobre a existência da infração depender da solução de

controvérsia, que o juiz repute séria e fundada, sobre o estado civil das pessoas, o

curso da ação penal ficará suspenso até que no juízo cível seja a controvérsia dirimida

por sentença passada em julgado, sem prejuízo, entretanto, da inquirição das

testemunhas e de outras provas de natureza urgente.


Já o parágrafo único do dispositivo prevê a causa suspensiva aplicável à PPE.
Depois do trânsito em julgado para a condenação, a PPE não corre durante o tempo em
que o condenado está preso por outro motivo.
Vale observar que o rol do art. 116 do CP é meramente exemplificativo. Há outras
causas extintivas da punibilidade previstas no ordenamento jurídico. Exemplos: art. 53,
§ 5º, da CR139 (imunidade parlamentar: enquanto o parlamentar tiver o processo
suspenso, suspender-se-á a prescrição); arts. 366 e 368 do CPP140; art. 89 da Lei
9.099/1995 (suspensão condicional do processo).
Quadro resumo:
PPPR PPPS PPE

139Art. 53 (...) § 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato.


(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

140 Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão
suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção
antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos
termos do disposto no art. 312. (Redação dada pela Lei nº 9.271, de 17.4.1996)

Art. 368. Estando o acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado mediante carta
rogatória, suspendendo-se o curso do prazo de prescrição até o seu cumprimento. (Redação
dada pela Lei nº 9.271, de 17.4.1996)

193
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Conta-se da publicação Conta-se da publicação Haverá publicação da


da sentença condenatória da sentença condenatória sentença condenatória,
para trás (até o recebimento para frente (até o trânsito em trânsito em julgado para a
da denúncia). julgado definitivo). acusação e trânsito para a
defesa.
Pressupõe trânsito em Pressupõe trânsito em
julgado para a acusação. julgado para a acusação. A PPE conta-se do
trânsito em julgado para a
acusação, não obstante
pressuponha trânsito em
julgado para ambas as partes.

3.3.5. Prescrição da multa

Segundo disposição do Art. 114 do Código Penal, a prescrição da pena de multa


ocorrerá: (A) em 2 (dois) anos, quando a multa for a única cominada o u aplicada e (B)
no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade, quando a
multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada.

Art. 114: A prescrição da pena de multa ocorrerá:

I - em 2 (dois) anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada;

II - no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade,

quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente

aplicada.
Extraímos do artigo cinco hipóteses de prescrição no caso de multa, sendo três da
pretensão punitiva e duas da pretensão executória:
i. Hipóteses da pretensão punitiva:

ii. Hipóteses da pretensão executória:

194
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Teoria Geral Da Pena

1. Conceito de pena
A pena é uma espécie de sanção penal, ao lado das medidas de segurança.
É uma resposta estatal ao infrator da norma incriminadora (crime ou
contravenção penal), consistente na privação ou restrição de determinados bens
jurídicos do agente (liberdade e patrimônio).
É a resposta estatal consistente na privação ou restrição de bens jurídicos ao
autor de um fato punível (leia-se:“um fato não atingido por causa extintiva da
punibilidade”).

2. Fundamento ou justificação da pena


A justificação ou fundamento da pena (o porquê da existência da pena) pode ser
de três espécies: político-estatal, psicossocial e ético-individual. Essa tríplice
fundamentação da pena não se confunde com a finalidade da pena, como será
analisado a seguir.

2.1. Fundamento político-estatal


A pena se justifica porque, sem ela, o ordenamento jurídico deixaria de ser
coativo, capaz de reagir com eficácia às infrações.

2.2. Fundamento psicossocial


A pena é indispensável porque satisfaz o anseio de justiça da comunidade e, com
isso, evita justiça privada.

2.3. Fundamento ético-individual


A pena se justifica porque permite ao próprio condenado liberar-se de algum
sentimento de culpa. Muitas vezes, aquele que praticou um crime diz: “já cumpri minha
pena, não devo mais nada”.

3. Finalidade da pena
3.1. Teorias
3.1.1. Teoria absoluta ou retribucionista
Para a teoria absoluta (ou retribucionista), pune-se alguém pelo simples fato de
essa pessoa haver delinquido.
A pena acaba sendo sem fim, majestade dissociada de fins. Apesar de muito
criticada, essa teoria tem um ponto positivo. Na medida em que trabalha com o espírito

195
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

do “Talião”, ela introduz a ideia de proporcionalidade da pena ao fato


praticado.
A proporcionalidade é um avanço, em comparação com a incerteza da duração e
das medidas das penas que reinavam anteriormente.
Sem considerar fins específicos, trata-se da causação de um mal
proporcional ao causado.
A teoria também tem um ponto negativo: o desapego a qualquer função política
da pena (pena sem objetivo). Ex.: não se trabalha com a ressocialização do preso. A
pena não está preocupada em reeducar o preso, mas em retribuir com mal o mal
causado.

3.1.2. teoria relativa ou utilitarista


Com a teoria relativa (ou utilitarista), a pena passa a ser algo instrumental, meio
de combate à ocorrência e à reincidência de crimes.
Vislumbra-se uma utilidade na pena: ela projeta-se para o futuro, com função
essencialmente preventiva.
O ponto positivo desta teoria é o fato de a pena ter função político-social:
combater a ocorrência e a reincidência de crimes.
Porém, ela tem um ponto negativo: a pena é aplicada sem pensar no que foi feito,
essencialmente, mas, principalmente, em como impedir que o agente volte a agir.
Esquece-se da gravidade do fato e se volta os olhos à periculosidade do agente. Ela pode
redundar em penas indefinidas. A pena deixa de ser proporcional à gravidade do fato.

3.1.3. Teoria mista ou eclética (também chamada de unitária)


Para a teoria mista (eclética ou unitária), a pena é retribuição proporcional
ao mal culpável do delito, mas também se orienta à realização de outros
fins, dentre os quais a prevenção e a ressocialização.
Essa teoria mista ou eclética corresponde à doutrina dominante, entretanto, o CP
não adotou uma ou outra expressamente.
Parece que ele se aproxima mais desta teoria, como demonstra o art. 59 do CP,
que fala na reprovação (teoria absoluta) e na prevenção (utilitarista). A LEP também se
preocupa com a ressocialização.

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à

personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime,

bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e

suficiente para reprovação e prevenção do crime: […].

3.2. Doutrina moderna e a tríplice finalidade da pena


A doutrina moderna costuma reconhecer na pena uma tríplice finalidade141
(Roxin): i) retribuição; ii) prevenção; e iii) ressocialização. Essas três finalidades não
necessariamente se operam ao mesmo tempo, mas variam de acordo com o momento
da pena.

3.2.1. Pena em abstrato


Considerada em abstrato, a finalidade da pena é a prevenção geral, o que
significa que a pena atua antes da prática do crime e visa à sociedade.

141De acordo com o STF, a pena no Brasil é polifuncional, assim a depender do


momento a pena tem uma finalidade específica.

196
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

A prevenção geral pode ser positiva (afirmação da validade da norma desafiada


pelo crime) e negativa (busca evitar que o cidadão venha a delinquir).

3.2.2. Aplicação da pena (sentença)


No momento da sua aplicação, vislumbram-se duas finalidades na pena:
i) prevenção especial: a pena visa o delinquente e quer evitar a reincidência.
ii) retribuição: a pena retribui com mal o mal causado.
Importante observar que recorrer à prevenção geral na fase da aplicação da pena
seria tomar o sentenciado como puro instrumento a serviço de outros. Por isso, a
doutrina moderna não reconhece essa finalidade da pena no momento de sua
aplicação. Corre-se o risco da aplicação de uma pena desproporcional.
Jakobs enxerga na pena ainda uma outra finalidade, no momento de sua
aplicação. Para ele, quando a pena é aplicada, demonstra fidelidade ao direito e
comprova que o direito é mais forte que a infração penal, ou seja, perpetua o sistema (a
principal finalidade da pena seria, portanto, a prevenção geral positiva).

3.2.3. Execução da pena


No momento da execução, as finalidades da pena são concretizar as disposições
da sentença e a ressocialização (art. 1º da LEP):

Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença

ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração

social do condenado e do internado.

Pena em abstrato Aplicação da pena (sentença) Execução da pena


Prevenção geral, positiva Prevenção especial e Concretização das
(afirmação da validade da retribuição. Obs.: para disposições da sentença
norma) e negativa (evitar que Jakobs, também seria a penal e ressocialização.
o condenado volte a prevenção geral positiva
delinquir). (demonstração da força do
direito penal).
Da análise do quadro acima se extraia expressão utilizada pelo STF:
“polifuncionalidade da sanção penal” (HC 97.256/RS, Min. Ayres Britto).
Pergunta de concurso: o magistrado, na aplicação da pena, deve orientar-se pela
prevenção geral? É preciso lembrar que a prevenção geral visa à sociedade, evitar a
ocorrência do crime. Imaginando-se que uma pessoa pratique uma lesão corporal de
natureza leve e o juiz aplique uma pena de 3 meses; a sociedade, diante da pena
irrisória, poderia sentir-se estimulada a delinquir. O juiz, dessa forma, estaria mais
preocupado com a sociedade, esquecendo-se da proporcionalidade e da
individualização da pena.
(resposta) Na fase da aplicação da pena, não se tem a pretensão de fazer da
decisão um exemplo para outros possíveis infratores. Recorrer à prevenção geral na
fase de individualização da pena seria tomar o sentenciado como puro instrumento a
serviço de outrem (violando a proporcionalidade).
Pergunta de concurso: para Jakobs, no momento da aplicação da pena, qual a sua
principal finalidade? A finalidade, no momento de aplicação da pena, é o
fortalecimento, exercício de fidelidade ao direito, comprova que o direito é mais forte
que a sua infração, perpetua o sistema. É a prevenção geral positiva.

197
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

3.3. Justiça Restaurativa e Justiça Retributiva


Atualmente, a sociedade vive um momento de crescimento da ideia da chamada
Justiça Restaurativa, paralelamente à tradicional Justiça Retributiva.
Assim, a justiça restaurativa tem adquirido cada vez mais importância no cenário
jurídico-penal, pois baseada num procedimento de consenso envolvendo os
personagens da infração penal (autor, vítima e comunidade).
Quebra a dualidade da função da pena (retribuição e prevenção), incluindo a
reparação (do dano à vítima) como nova possibilidade, assim, há que se “chamar a
vítima” ao processo, pois muitas vezes a vítima apenas quer a reparação do dano.

Justiça Retributiva Justiça Restaurativa


Características: Características:
i) o crime é ato contra a sociedade, i) o crime é ato contra a comunidade, a vítima
representada pelo Estado; e o próprio autor do fato;
ii) o interesse na punição é público; ii) o interesse em punir ou reparar é das
iii) como decorrência, predomina a pessoas envolvidas no fato;
indisponibilidade da ação penal; iii) predomina a disponibilidade da ação
iv) a concentração do foco punitivo volta-se penal;
ao infrator; iv) concentra-se num foco conciliador;
v) predominam penas privativas de v) predominam a reparação do dano e as
liberdade; penas alternativas;
vi) existência de penas cruéis e humilhantes; vi) existência de penas proporcionais e
vii) consagra-se a pouca assistência à vítima. humanizadas;
vii) o foco da assistência é voltado à vítima.
Hoje, há no ordenamento dispositivos legais cujos focos são nitidamente a justiça
restaurativa. Ex.: a nova fiança, trazida pela Lei 12.403/2011, é extremamente
preocupada em reparar o dano à vitima. Ela vem, inclusive, sendo chamada de “fiança
restaurativa”.
Obs.: Uma lei típica de justiça retributiva é a Lei Maria da Penha: foco punitivo
voltado ao infrator, o interesse na punição é público, predomínio de penas restritivas de
direito (não se aplica a Lei dos Juizados) etc.

4. Princípios norteadores da pena


4.1. Princípio da reserva legal
O princípio da reserva legal já foi tratado acima.
Obs.: Reserva legal + anterioridade

4.2. Princípio da anterioridade


O princípio da anterioridade já foi tratado acima.

4.3. Princípio da personalidade ou da pessoalidade da


pena
O princípio da personalidade (ou da pessoalidade) da pena tem previsão no art.
5º, XLV da CR. Segundo ele, nenhuma pena passará da pessoa do condenado.

198
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Art. 5º (...) XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a

obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos

da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do

patrimônio transferido;
O princípio é absoluto ou relativo? Duas correntes discutem o tema:
1ª corrente: o princípio da personalidade da pena é relativo, havendo uma
exceção prevista na própria Constituição da República, “a pena de confisco” (Flávio
Monteiro de Barros), quando fala “e a decretação do perdimento de bens”.
2ª corrente: o princípio da personalidade da pena é absoluto. O confisco
previsto na CR não é pena, mas efeito da condenação. Esta é a corrente majoritária.
Obs.: A pena de multa, executada como dívida ativa, não poderá passar da pessoa
do condenado. Entretanto, como será visto adiante, a multa não perde seu caráter
penal.

4.4. Princípio da individualização da pena


O princípio da individualização da pena também tem guarida constitucional (art.
5º, XLVI). A pena deve ser individualizada, considerando o fato e seu agente:

Art. 5º (...) XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as

seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;


A individualização ocorre em três momentos:
i) Cominação em abstrato (comando para o legislador observar na definição
do crime e na cominação da pena);
ii) Na aplicação da pena (comando dirigido ao juiz na fase de imposição da
pena);
iii) Na execução da pena (comando dirigido ao juiz da execução penal – Art.
5º da LEP).
Segundo Zaffaroni, há dois sistemas de aplicação da pena:
a) Sistemas das penas relativamente determinadas:
O legislador brasileiro observando o princípio da individualização da pena adota
o sistema das penas relativamente indeterminadas, onde as penas são estabelecidas
fixando um patamar mínimo e um máximo de pena a ser aplicada, que possibilita ao
juiz individualizar a pena.
b) Sistemas de penas fixas:
O sistema das penas relativamente indeterminadas se contrapõe ao das penas
fixas, no qual o legislador fixa pena determinada, sem variar de um mínimo ao máximo.
Nesse caso, o juiz não individualiza pena, somente a aplica.

4.5. Princípio da proporcionalidade


Segundo a doutrina, o princípio da proporcionalidade é implícito na CR, é um
desdobramento do princípio da individualização da pena.

199
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Atualmente há doutrina que os tratam como simbióticos, não havendo menção à


individualização, mas somente à pena proporcional, trata-se apenas de uma tendência.
Segundo o princípio, a pena deve ser proporcional à gravidade da
infração, sem desconsiderar as condições do agente. Ou seja, o meio deve ser
proporcional ao fim perseguido com a aplicação da pena.
Dele decorre o princípio da suficiência das penas alternativas, nesse sentido, se as
penas alternativas são suficientes, ou seja, se são meio proporcional ao fim perseguido,
deve-se preferi-las, em detrimento das privativas de liberdade.
O princípio da proporcionalidade é comumente estudado como o princípio da
proibição do excesso (ou seja, evitar a hipertrofia da punição142).
Todavia, possui outro ângulo bastante importante143: a proibição da insuficiência
da intervenção estatal (ou seja, busca evitar a impunidade144) tratando-se de um
importante comando ao legislador.
Exemplo de intervenção estatal insuficiente: no Brasil, o abuso de autoridade é
infração de menor potencial ofensivo. Apesar de se tratar de crime grave, a pena é
ínfima.
Assim, em ultima análise, segundo o princípio, a pena a ser imposta é a pena
mínima necessária, ponderando as características do agente e as peculiaridades do
caso concreto.
O STF, na ADI 3112, decidiu: “pode-se dizer que os direitos fundamentais
expressam não apenas uma proibição de excesso, mas também podem ser traduzidos
como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela”.

4.6. Princípio da inderrogabilidade ou inevitabilidade


da pena
Segundo o princípio da inderrogabilidade ou inevitabilidade da pena, desde que
presentes os seus pressupostos, a pena deve ser aplicada e fielmente
cumprida.
Há casos, em que o Estado não tem interesse em aplicá-la (perdão judicial) ou
executá-la (“sursis”) – são exceções ao princípio da inevitabilidade da pena.
Este princípio deve conviver com o da necessidade concreta da pena (art. 59 do
CP) , de modo que, constatada a desnecessidade da resposta estatal, o juiz tem o poder
de não aplicá-la, como ocorre no perdão judicial (a exemplo do Art. 121, § 5º do CP) .
Este princípio não é absoluto. Ele admite exceções. São casos em que, apesar da
presença de seus pressupostos, a pena não será cumprida. Ex.: perdão judicial, sursis.
Aqui que deve ser diferenciado o princípio da bagatela própria e imprópria
(questão da magistratura do MS).
Princípio da bagatela própria Princípio da bagatela imprópria
O fato não gera relevante e Apesar de o fato gerar lesão ou
intolerável lesão ou perigo de lesão ao perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, a
bem jurídico tutelado. pena mostra-se desnecessária.
É hipótese de exclusão da tipicidade É hipótese de falta de interesse de

142 Segundo Ferrajolli é o garantismo negativo, uma garantia do indivíduo contra o


Estado.
143 A “dupla face do princípio da proporcionalidade” segundo Lenio Streck.
144 Novamente segundo Ferrajolli, trata-se do garantismo positivo, que também é uma
garantia do individuo em ver o Estado protegendo bens jurídicos com eficiência.

200
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

material. punir.
Ex. bagatela própria: furto de uma caneta bic. Ex. de bagatela imprópria: perdão
judicial dado ao pai que mata culposamente o filho (a própria morte do filho já causa
sofrimento suficiente ao pai, a pena é desnecessária).

4.7. Princípio da dignidade da pessoa humana


De acordo com o princípio a ninguém pode ser imposta pena ofensiva à dignidade
da pessoa humana, vedando-se sanção indigna, cruel, desumana ou degradantes.
Se, por um lado, no atual estágio da humanidade o crime jamais deixará de
existir, por outro, existem formas humanizadas de garantir a eficiência do Estado para
punir o infrator. O Estado hoje é constitucional e humanista.
Tem guarida no art. 5º, XLIX: a pena não pode ser cruel ou degradante.

Art. 5º (...) XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
Foi um dos princípios em que se baseou o STF para a declaração de
inconstitucionalidade do regime integralmente fechado. O novo “alvo” deste princípio é
o Regime Disciplinar Diferenciado.
Defensoria Pública: se, por um lado, o crime jamais deixará de existir no estágio
atual da humanidade, por outro, há formas humanizadas de garantir a eficiência do
Estado para punir o infrator, corrigindo-o sem humilhação (vivemos hoje num estado
constitucional e humanista). Rogério Greco pondera que hoje olhamos para a Idade
Média e ficamos estupefatos com as penas que eram aplicadas, mas, no futuro, as
próximas gerações enxergarão a forma desumana como tratamos os que se encontram
atualmente presos.
Obs.: Lembrar do Art. 57 do Estatuto do Índio, como visto acima, tolera a
aplicação de penas pela tribo, desde que não seja cruel degradante ou de morte.

5. Tipos de pena
5.1. Penas proibidas no Brasil (art. 5º, XLVII, da CR)
Art. 5º (...) XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;

5.1.1. Pena de morte


A pena de morte é, em regra, proibida no Brasil. Todavia, a CR admite três
exceções:
i) em caso de guerra declarada:
O CPP prevê que a pena de morte se executa por fuzilamento. Não é cobrado o
projétil.
Surge a dúvida: a guerra de que trata o dispositivo abrange a guerra civil? O
dispositivo cuida da guerra legalmente declarada, por ato presidencial, mediante
autorização ou referendo do Congresso Nacional. Conflito armado, guerrilha urbana ou
qualquer perturbação, que não configure guerra nos termos constitucionalmente
estabelecidos, não admite a pena capital.

201
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

ii) art. 303, § 2º, da Lei do Abate (Lei 7.565/1986):

Art. 303 (...) § 2° Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave

será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos

incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou

autoridade por ele delegada. (Incluído pela Lei nº 9.614, de 1998)


Trata-se de dispositivo de questionável constitucionalidade, segundo alguns, por
fugir da exceção de guerra declarada.
iii) art. 24 da Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998):

Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de

permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua

liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal

perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.


Trata-se da pena de morte da pessoa jurídica. Também é dispositivo de
questionável constitucionalidade.
Para Zaffaroni, pena de morte não é pena, pois lhe falta cumprir as finalidades de
prevenção e ressocialização. Em caso de guerra declarada, no entanto, ela é admitida,
por ser caso de inexigibilidade de conduta diversa.

5.1.2. Pena de caráter perpétuo


Relativamente à proibição de pena de caráter perpétuo, surge um problema. O
Brasil é signatário do Estatuto de Roma, o qual veda a realização de reservas. O art. 77,
1, “b”, daquele diploma legal prevê a possibilidade de aplicação de prisão perpétua:

Artigo 77.º - Penas aplicáveis

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 110.º, o Tribunal pode impor à pessoa

condenada por um dos crimes previstos no artigo 5.º do presente Estatuto uma das

seguintes penas: (...)

b) Pena de prisão perpétua, se o elevado grau da ilicitude do facto e as condições

pessoais do condenado o justificarem.


Como fica o dispositivo em contraposição à CR? Na verdade, o conflito entre a CR
e o Estatuto de Roma é aparente. Quando a CR veda a pena de caráter perpétuo, está
direcionando seu comando para o legislador interno brasileiro, não alcançando os
legisladores estrangeiros e internacionais.

5.1.3. Pena de trabalhos forçados


A proibição de pena de trabalhos forçados significa que ninguém pode ser
obrigado a trabalhar como meio de cumprimento da pena.
Não se confunde com o trabalho na penitenciária, durante o cumprimento da
pena, que serve para o condenado galgar benefícios e se ressocializar.

5.1.4. Pena de banimento


Banimento é a expulsão do país do brasileiro nato ou naturalizado.

5.1.5. penas cruéis


Conforme visto acima, a ninguém pode ser imposta pena ofensiva à dignidade da
pessoa humana, vedando-se reprimenda indigna, cruel, desumana ou degradante. Este
mandamento guia o Estado na criação, aplicação e execução das leis penais.

202
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Dessa forma, as penas cruéis são proibidas no Brasil, sendo que a pena privativa
de liberdade, permitida no Brasil, não poderia ser executada em celas escuras e
insalubres, forma cruel e desumana de execução.

5.2. Penas permitidas


Segundo a Constituição Federal são penas permitidas, no Brasil:

“Art. 5º, XLVI, a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras (rol

exemplificativo), as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens145;

c) multa;

d) Prestação social alternativa;

e) Suspensão ou interdição de direitos.

Nesse sentido, o legislador infraconstitucional anuncia três tipos de pena:


i) privativas de liberdade (reclusão, detenção e prisão simples):
Cada vez mais existem menos diferenças entre a reclusão e a detenção. As
principais são as seguintes:

146

ii) restritivas de direitos;


Prestação de serviços a comunidade, limitação de fim de semana, interdição
temporária de direitos, perda de bens, prestação pecuniária, etc.
iii) pecuniárias (multa).
Obs.: O legislador pode criar outras espécies de penas não previstas na CF/88,
mas, uma vez que o rol do Art. 5º inciso XLVI é exemplificativo, se previstas em lei,
são legítimas, desde que não sejam cruéis, desumanas e degradantes novas criações do
legislador, ex. advertência147, degredo (designar durante algum tempo lugar fixo de

145 É diferente de confisco (efeito da condenação), o dispositivo constitucional trata de

uma modalidade de pena alternativa.


146 STF – HC 83.515.
147 Lei 11.343/06 – Art. 28, I, III.

203
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

residência para o condenado), desterro (proibição de o condenado habitar no lugar de


sua residência ou da vítima).

6. Aplicação da pena
Não há pena sem prévia cominação legal, dessa forma, uma vez praticada a
infração penal, nasce para o Estado o poder-dever de aplicar a pena.
A aplicação da pena exige-se o devido processo legal, que se encerra com a
prolação da sentença pelo magistrado, ato judicial que impõe ao condenado a pena
individualizada.

6.1. Etapas a serem percorridas pelo juiz na aplicação


da pena
A aplicação da pena exige que o juiz percorra quatro etapas:
i) Primeira etapa (prédosimetria): escolha da pena, pelo juiz, dentre as
alternativamente cominadas.
ii) Segunda etapa (dosimetria da pena): cálculo da pena (privativa de
liberdade).
No cálculo da pena privativa de liberdade, deve-se verificar o art. 68 do CP:

Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código;

em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por

último, as causas de diminuição e de aumento.


O juiz ao aplicar a pena, deve seguir o critério trifásico (ou critério Nelson
Hungria):
a) A primeira fase: fixação da pena base através da observância das
circunstâncias judiciais do art. 59, incidindo sobre a pena em abstrato ou
qualificada
b) A segunda fase: em que analisa as circunstâncias agravantes ou
atenuantes, partindo da pena base anteriormente fixada na primeira fase;
c) A terceira fase: há a fixação da pena definitiva, em que o juiz considera
as causas de aumento e diminuição de pena, partindo da pena
intermediária fixada na segunda fase.
iii) Terceira etapa (pósdosimetria): fixação do regime inicial de cumprimento
de pena.
iv) Quarta etapa (pósdosimetria): substituição das penas privativas de
liberdade por penas alternativas ou aplicação do sursis, quando cabíveis.
O método trifásico de aplicação da pena busca viabilizar o exercício do direito de
defesa, colocando o réu inteiramente a par de todas as etapas de individualização da
pena, bem como ele passa a conhecer o valor atribuído pelo juiz às circunstâncias legais
que reconheceu presentes.
Em resumo: Quadro Geral de Aplicação da Pena:
Aplicação da Pena:
1. Predosimetria:
Estabelece os Limites Abstratos (mínimo e máximo), que norteará a aplicação da pena (é
o preceito secundário adequado ao fato).
Interferem na Predosimetria: as Elementares, Qualificadoras e Privilégios.
2. Dosimetria:

204
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Sistema Trifásico (é o que estudaremos neste momento).


1ª Etapa – Pena Base: Análise das Circunstâncias Judicias (Art. 59).
2ª Etapa – Pena Intermediária: Análise das Agravantes e Atenuantes (Art. 61/66).
3ª Etapa – Pena Definitiva: Causas de Aumento e Diminuição (esparsas na legislação).
3. Pós-dosimetria:
a) Juiz fixa o Regime Inicial;
b) Juiz verifica o cabimento de Pena Alternativa;
c) Juiz verifica o cabimento de “Sursis”;
d) Juiz aplica eventual Multa Cumulativa.

Nos tópicos seguintes, serão estudadas as etapas “ii”, “iii” e “iv”.

6.2. Cálculo da pena privativa de liberdade


Como visto, o cálculo da pena privativa de liberdade segue o método trifásico.

6.2.1. Primeira fase

6.2.1.1. Finalidade, instrumentos e ponto de partida


A finalidade da primeira fase do cálculo da pena é encontrar a pena-base.
Os instrumentos de que se vale o juiz para tanto são as circunstâncias
judiciais do art. 59, caput, do CP:

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à

personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime,

bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e

suficiente para reprovação e prevenção do crime: (...)

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; [entenda-se:

“pena-base”]
O ponto de partida para o juiz aplicar a pena base é a pena simples ou
qualificada prevista no preceito secundário. Ex.: homicídio simples (art. 121,
caput, do CP): pena de 6 a 20 anos; homicídio qualificado (art. 121, § 2º, do CP): pena
de 12 a 30 anos.
A qualificadora, portanto, não entra no critério trifásico (não faz
parte de nenhuma das três fases). Na verdade, ela é norte desse critério
(ponto de partida).

6.2.1.2. Utilização das circunstâncias do agente na fixação da pena-base


Nota-se que o Código Penal não fixou o quantum de aumento para as
circunstâncias judiciais desfavoráveis ao sentenciado. Esse montante, portanto , fica a
critério do juiz, que deverá sempre fundamentar a sua decisão.
A jurisprudência sugere um aumento de 1/6148 para cada circunstância presente;
a doutrina, 1/8 (pois são oito circunstâncias).
De todo modo, nesta etapa, o juiz está atrelado aos limites mínimos e
máximos abstratamente previstos no preceito secundário da infração
penal (art. 59, II, CP), não podendo suplantá-los.

148Motivo: Essa é a menor fração dentre as previstas no CP, por isso a doutrina sugere
que se adote esse critério.

205
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

A Constituição Federal adota um Direito Penal garantista, compatível,


unicamente, com direito penal do fato, há doutrinadores que criticam as circunstâncias
subjetivas constantes do art. 59 do CP.
A maioria da doutrina, entretanto, discorda, pois a análise das condições
subjetivas do agente serve para individualizar a pena. Isso significa que o juiz está sim
punindo o fato, mas sem se esquecer da pessoa do autor, como condição para
individualizar a pena.

6.2.1.3. Circunstâncias judiciais do art. 59, caput, do CP


As circunstâncias judiciais previstas no art. 59, caput, do CP, são as seguintes:
i. Culpabilidade:
A “culpabilidade” a que se refere o art. 59 não se confunde com a
culpabilidade enquanto substrato do crime.
Consiste, na verdade, no grau maior ou menor de reprovabilidade da
conduta149.
Trata-se do liga o crime à pena, pois, é possível dizer que algo é mais culpável ao
invés de menos culpável.
É possível censurar mais um homicida do que outro. É, portanto o juízo de
censura que se faz em face dos elementos da culpabilidade (imputabilidade, potencial
consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa).
Presente os elementos, o réu será condenado. A culpabilidade do art. 59 é, na
verdade, o elemento principal que congrega os demais. Se negativos todos os do art. 59,
a pena base deverá partir do máximo, se positivos todos os elementos, a pena base
partirá do mínimo.
ii. Antecedentes do agente:
Os antecedentes são a vida pregressa do agente. Ou seja, a vida anteacta (antes
do ato praticado).
Fato posterior ao crime não pode ser considerado como “mau antecedente” na
fixação da pena base.
Inquérito policial, arquivado ou em andamento, e processo, com absolvição ou
em curso, não servem como maus antecedentes, em respeito ao princípio da presunção
de inocência (ou da não culpabilidade). Passagens na Vara da Infância e da
Juventude150 (ex.: sujeito que, quando adolescente, possui histórico da prática de ato
infracional também não servem como maus antecedentes.
Na verdade, serve como mau antecedente a condenação passada
(definitiva), que perdeu força para gerar a reincidência.
A sentença condenatória, como será analisado adiante, gera reincidência somente
por um determinado período de tempo (cinco anos).
Prevalece que a sentença condenatória gera maus antecedentes até o final da vida
do sujeito, pois, não existe previsão legal de período depurador para maus
antecedentes.

149 Na Reforma de 1984, ela substituiu a expressão que designava “grau menor ou maior

de dolo na conduta”.
150 Podem servir no estudo da personalidade do agente, que também é uma circunstância

judicial – HC 146.684/RJ.

206
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Entretanto, Bitencourt discorda, e leciona ser possível aplicar o Art. 64, I151 por
analogia (in bonam parten), entendendo que o prazo depurador de cinco anos da
reincidência aplica-se em relação aos maus antecedentes, posição que conquista cada
vez mais adeptos, inclusive no STF152.
Tudo quanto dito acima é o que prevalece, mas não é unânime. A Súmula 444 do
STJ, por exemplo, veda a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para
agravar a pena base (leia-se: não servem como maus antecedentes):

Súmula 444 - É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso

para agravar a pena-base.


iii. Conduta social do agente:
Trata-se do comportamento do réu no seu ambiente familiar, de trabalho e na
convivência com os outros.
É por conta do julgamento que se faz da conduta social na aplicação da pena que
o réu costuma arrolar, em sua defesa, as chamadas "testemunhas de beatificação",
assim consideradas aquelas que nada sabem sobre os fatos, mas que têm contato
suficiente com o acusado para depor sobre o seu comportamento pretérito.
iv. Personalidade do agente:
Personalidade é o retrato psíquico do delinquente. Segundo o STJ, a
personalidade do agente não pode ser considerada de forma imprecisa, vaga,
insuscetível de controle. Na verdade, para utilizar a personalidade como circunstância
judicial, a fundamentação deve ser baseada em fatos ocorridos, sob pena de retorno ao
direito penal do autor (REsp 513.641).
v. Motivos do crime:
Correspondem ao "porquê" da prática da infração penal. Entende-se que esta
circunstância judicial só deve ser analisada quando os motivos não integrem a própria
tipificação da conduta, ou não caracterizem circunstância qualificadora ou agravante,
sob pena de bis in idem.
vi. Circunstâncias do crime;
Exige do magistrado a análise da maior ou menor gravidade do crime espelhada
pelo modus operandi do agente. São as condições de tempo e local em que ocorreu o
crime, a relação do agente com a vítima, os instrumentos utilizados para a prática
delituosa etc.
vii. Consequências do crime:
São os efeitos decorrentes da infração penal, seus resultados, particularmente
para a vítima, para sua família ou para a coletividade.
Obs.: Atualmente, com a nova redação conferida ao artigo 387 do Código de
Processo Penal (dada pela Lei 11.719/2008) , o magistrado tem a possibilidade de fixar,
na própria sentença condenatória, o valor mínimo indenizatório destinado à reparação

151 “Art. 64: Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre
a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de
tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento
condicional, se não ocorrer revogação;”
152 Min Toffoli, no HC 119.200/PR, “A interpretação do disposto no inciso I do artigo 64

do Código Penal [que trata da reincidência] deve ser no sentido de se extinguirem, no prazo ali
preconizado, não só os efeitos decorrentes da reincidência, mas qualquer outra valoração
negativa por condutas pretéritas praticadas pelo agente”, afirmou o ministro. “Se essas
condenações não mais prestam para o efeito da reincidência, que é o mais, com muito maior
razão não devem valer para os antecedentes criminais, que é o menos”.

207
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

dos danos causados. A análise das consequências do crime será o substrato para a
fixação deste montante.
viii. Comportamento da vítima:
Não existe, no direito penal, compensação de culpas. Todavia, a culpa
concorrente da vítima atenua a responsabilidade do agente.
Obs.: Provocação da vítima:
réu agindo sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima: o juiz não apreciará o comportamento da vítima como
circunstância judicial. Isso gera o “Privilégio” (que, na verdade, é causa de diminuição
de pena) previsto no homicídio doloso e lesão corporal dolosa.
réu agindo sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da
vítima: o juiz não apreciará o comportamento da vítima na 1ª fase. Isso configura uma
Atenuante Genérica (Art. 65, III, “c”).
réu reage à provocação da vítima: aqui será analisada na 1ª fase e favorecerá a
posição do autor.
Outro Exemplo: Condenação por crime culposo. Magistrado verifica que a vítima
também foi descuidada. Eventual culpa da vítima não elide a culpa do autor, todavia,
será valorada pelo juiz como circunstância judicial favorável ao réu.

6.2.1.4. Limites da pena-base


Não pode o juiz aplicar pena base aquém do mínimo ou além do máximo
previstos em lei, pois há proibição expressa nesse sentido (art. 59, II, do CP):

Art. 59 (...) II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;


Ex.: no homicídio simples, não pode o juiz fixar a pena base a menos de seis ou
mais de 20 anos.

6.2.1.5. Conflitos entre circunstâncias favoráveis e desfavoráveis


Havendo conflito entre as circunstância a doutrina aponta como soluções:
a) Ponderação Quantitativa: o juiz vê quantas são favoráveis e quantas são
desfavoráveis. Cada favorável anula outra desfavorável até ver o que sobra. Se sobrar só
favorável, pena base no mínimo; se sobrar só desfavorável, pena base acima do
mínimo.
b) Ponderação Qualitativa (é melhor adotar esse critério): o juiz atribui o peso
que cada circunstância merece no caso concreto. Alguns fatores devem ter natureza
preponderante, isto é, o juiz deve dar peso maior (sejam favoráveis ou desfavoráveis).
Os fatores preponderantes são (com base no art. 67 do CP):

Art. 67: No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite

indicado pelas circunstancias preponderantes, entendendo-se como tais as que

resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da

reincidência.

6.2.1.6. Situações de prova relacionadas à primeira fase do cálculo da


pena
Em prova, é possível haver quatro diferentes situações, relacionadas à primeira
fase do cálculo da pena privativa de liberdade:
i) ausência de circunstâncias judiciais relevantes:a pena base deve ser fixada no
mínimo;

208
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

ii) só há circunstâncias judiciais favoráveis:a pena base deve ser fixada no


mínimo;
iii) só há circunstâncias judiciais desfavoráveis: a pena-base deve ser fixada acima
do mínimo. O quantum de aumento ou diminuição, nas circunstâncias judiciais, fica a
critério do juiz, devendo ele fundamentar o patamar fixado;
iv) concursos de circunstâncias judiciais favoráveis e desfavoráveis: aqui, há duas
correntes:
1ª corrente: há compensação entre as circunstâncias.
2ª corrente (Sérgio Salomão Shecaira): deve-se analisar a circunstância
preponderante (analogia com o art. 67 do CP):

Art. 67 - No concurso de agravantes e atenuantes, [leia-se: no concurso de

circunstâncias judiciais favoráveis e desfavoráveis]a pena deve aproximar-se

do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as

que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da

reincidência.
A Rogério parece melhor a segunda corrente. É a que prevalece.
Pena-base fixada no mínimo sem fundamentação é tolerada (obviamente, não é
recomendável). Todavia, fixada acima do mínimo, sem fundamentação, torna a
sentença nula no ponto. Isto é, o juiz deve renovar o cálculo da pena (observe que a
condenação não é anulada).
O art. 59 do CP não é usado somente na fixação da pena base, mas para todas as
demais fases da aplicação da pena, como demonstram os incisos III e IV. Na verdade, o
dispositivo é polifuncional, pois serve para a fixação da pena-base,do regime inicial e
para a análise da possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade:

Art. 59 (...) III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena,

se cabível. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

6.2.2. Segunda fase

6.2.2.1. Finalidade, instrumentos e ponto de partida


A finalidade da segunda fase do cálculo da pena é a fixação da pena
intermediária, partindo da pena base encontrada na primeira fase.
Os instrumentos de que dispõe o juiz para tanto são:
i) as circunstâncias agravantes previstas nos Arts. 61 e 62 do CP, além das
agravantes especiais, previstas na legislação extravagante (ex.: cometimento do crime
ambiental à noite, prevista na Lei dos Crimes Ambientais);
ii) as circunstâncias atenuantes (Arts. 65 e 66 do CP), além das atenuantes
especiais, previstas na legislação extravagante (ex.: baixo grau de escolaridade do
sujeito que comete crimes ambientais, prevista na Lei dos Crimes Ambientais).
As agravantes e atenuantes podem ser definidas como circunstâncias objetivas ou
subjetivas que não integram a estrutura do tipo penal, mas se vinculam ao crime,
devendo ser consideradas pelo juiz no momento de aplicação da pena.

209
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

O ponto de partida da pena intermediária é a pena-base. Ou seja, as agravantes


e as atenuantes são aplicadas sobre a pena-base.

6.2.2.2. Agravamento da pena pelas circunstâncias agravantes


Agravantes (Arts. 61 a 64):
Art. 61 I – Reincidência;
II – Rol de Agravantes: alíneas “a” até “l”
Art. 62 I a IV – Agravantes no caso de Concurso de Pessoas
Art. 63 / 64 Reincidência
O Art. 61, caput, do CP determina que as circunstâncias agravantes o farão como
regra:

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem

ou qualificam o crime: (...)

Há, portanto, exceções (ou seja, agravantes presentes e provadas que não servirão
para agravar a pena):
i) quando constituem ou qualificam o crime:
A vedação da utilização da agravante quando ela constituir ou qualificar o crime
serve para evitar bis in idem. Ex.: a gravidez da vítima é uma agravante genérica e, ao
mesmo tempo, elementar do crime de aborto. Por essa razão, não servirá como
agravante, num crime de aborto, para evitar a dupla punição.
ii) quando a pena-base foi fixada no máximo:
Perceba que o juiz, na segunda fase, também está atrelado aos limites previstos
em lei153.
iii) quando a atenuante for preponderante, nos termos do art. 67 do CP.
O quantum de agravamento também fica a critério do juiz, que deve fundamentar
a opção por uma delas.

6.2.2.3. Atenuação da pena pelas circunstâncias atenuantes


As atenuantes sempre atenuam a pena? Comparando-se a redação do art. 65,
caput, com a do art. 61, caput, do CP, percebe-se que aquele dispositivo não excepciona
a incidência da atenuante:

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (...)


Todavia, há exceções (atenuantes presentes, que não atenuam a pena):
i) quando constituem ou privilegiam o crime:
Zaffaroni discorda desta exceção, entendendo que não há previsão legal
excepcionando a hipótese. Para ele, esse entendimento fere o princípio da legalidade.
ii) quando a pena-base foi fixada no mínimo:
A Súmula 231 do STJ determina exatamente isso:

Súmula 231 - A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução

da pena abaixo do mínimo legal.


Ex.: “A” (22 anos) e “B” (19 anos) matam “C”. Ambos são primários e não têm
circunstâncias judiciais desfavoráveis. A pena em abstrato cominada a ambos é a
153 Súmula 231 do STJ

210
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

mesma: 6 a 20 anos. “A”, terá a pena fixada no mínimo nas três fases; “B” também, mas
teve ignorada circunstância pessoal favorável.
Diante disso, indaga-se: a Súmula 231 é constitucional? Existe minoria na
doutrina afirmando que ela ofende os seguintes princípios: i) individualização da pena;
ii) isonomia; e iii) legalidade (não existe na lei dispositivo proibindo o juiz de extrapolar
os limites mínimo e máximo previstos no preceito secundário).
iii) quando a agravante for preponderante, nos termos do art. 67 do CP:
O quantum da atenuação fica a critério do juiz.

6.2.2.4. Concurso de agravantes e atenuantes (art. 67 do CP)


Conforme visto acima, é possível que na fase da fixação da pena base haja
concurso entre circunstâncias favoráveis e desfavoráveis, sendo que o mesmo pode
ocorrer em relação às agravantes e atenuantes, e a solução encontra-se prevista no Art.
67 do Código Penal:

Art. 67 - No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do

limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como

tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente

e da reincidência.
O art. 67 do CP é confuso, sendo necessária a elaboração de uma tabela de
preponderância, sugerida pela jurisprudência:
1ª Atenuantes da MENORIDADE / SENILIDADE (Art. 65, I) 154;
2ª Agravante da REINCIDÊNCIA (Art. 64)
3ª ATENUANTES / AGRAVANTES SUBJETIVAS
4ª ATENUANTES / AGRAVANTES OBJETIVAS
i) menoridade:
A atenuante que mais prepondera é a da menoridade. Assim, se houver uma
agravante da reincidência e uma atenuante da menoridade, não será aplicada aquela (a
atenuante preponderará).
Existe doutrina equiparando à hipótese da menoridade a atenuante do agente
maior de 70 anos na data da sentença, para fins de consideração da circunstância mais
preponderante.
ii) reincidência:
Depois da menoridade, a reincidência é a que prepondera. Se a reincidência
concorrer com a atenuante da coação moral irresistível, a agravante preponderará (o
juiz terá de agravar a pena).
iii) agravantes e atenuantes subjetivas:
Havendo uma agravante subjetiva concorrendo com uma atenuante objetiva, o
juiz terá de agravar a pena.
iv) agravantes e atenuantes objetivas:
Havendo uma agravante objetiva concorrendo com uma atenuante objetiva, uma
não preponderará sobre a outra: o juiz poderá compensá-las.
Em resumo:

154 Cuidado: A menoridade significa o agente ser menor de 21 anos na data dos
fatos e a senelidade significa ser o agente maior de 70 anos na data da sentença!

211
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Tabela de preponderância sugerida pela jurisprudência


1º lugar: menoridade
2º lugar: reincidência
3º lugar: agravantes e atenuantes subjetivas
4º lugar: agravantes e atenuantes objetivas
Atenção! Concorrendo a agravante da reincidência (2º lugar) com a atenuante
da confissão espontânea (3º lugar), em tese preponderaria a reincidência. Todavia, há
julgados do STJ no sentido de compensar a agravante da reincidência com a atenuante
da confissão espontânea, para fins de readequação da pena imposta na sentença. Esse
entendimento, todavia, não é o que prevalece sequer no STJ. O STJ (HC 152.079) e o
STF (HC 102.486) entendem, de forma majoritária, que a agravante da reincidência
prepondera sobre a atenuante da confissão espontânea.
(TJ/CE) As agravantes e as atenuantes se aplicam a todos os crimes?

Atenuantes Agravantes
Aplicam-se a: Aplicam-se a:
a) crimes dolosos a) crimes dolosos
b) crimes culposos b) excepcionalmente aos crimes culposos: a
única agravante aplicável a crime culposo é a
da reincidência.
Vale ressaltar que aprova da Magistratura do Ceará considerou que o “motivo
torpe” seria aplicável a crime culposo. Isso porque o STF, no HC 70.362, defendeu
justamente esse posicionamento. Não é o que prevalece. Hoje, o STF não admitiria
raciocínio como esse.
Obs.: A agravante não precisa estar articulada na denúncia, para ser considerada.
Ex.: nunca se fala na denúncia que o réu é reincidente, o que não impede o juiz de
considerá-la155.

6.2.2.5. Reincidência (art. 63 do CP)


Uma vez tratar-se da agravante mais importante e por isso, mais incidente em
concursos, será objeto de um estudo mais aprofundado, pois como o curso é intensivo o
professor não estudara cada uma das causas.

6.2.2.5.1. Conceito
Num conceito vulgar, reincidir é repetir o fato punível. O conceito legal está
previsto no art. 63 do CP:

Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime,

depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no

estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

6.2.2.5.2. Requisitos
São requisitos da reincidência:
i) trânsito em julgado de sentença penal condenatória por crime anterior;

155Art. 385 do CPP – “Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença
condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como
reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada.”

212
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

ii) cometimento de novo crime:


A sentença, no novo crime, não precisa transitar em julgado. Ela somente
declarará esse estado.
Relativamente aos requisitos da reincidência, deve-se atentar para o fato de que o
art. 63 do CP deve ser complementado pelo art. 7º da Lei das Contravenções
Penais:

Art. 7º Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção

depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil

ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de

contravenção.
Em resumo:

Infração anterior com Cometimento de Consequência


condenação definitiva nova infração
Crime Crime Reincidência (art. 63 do
(condenação no Brasil ou no CP).
estrangeiro)
Crime Contravenção penal Reincidência (art. 7º da
(condenação no Brasil ou no LCP)
estrangeiro)
Contravenção penal Contravenção penal Reincidência (art. 7º da
(condenação no Brasil) LCP)
Contravenção penal Crime Maus antecedentes
(não há previsão legal
de reincidência, neste
caso)

6.2.2.5.3. Homologação da sentença estrangeira


A sentença estrangeira, para gerar a reincidência, não precisa ser
homologada no Brasil pelo STJ.
O art. 9º do CP traz dois casos em que a sentença estrangeira tem de ser
homologada para surtir efeitos no Brasil, dentro dos quais não está a configuração da
reincidência.

Art. 9º - A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na

espécie as mesmas consequências, pode ser homologada no Brasil para:

I - obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos

civis;

II - sujeitá-lo a medida de segurança.

6.2.2.5.4. Atipicidade do crime praticado no exterior


Se o crime pelo qual o sujeito foi condenado no estrangeiro é fato atípico no Brasil
(ex.: perjúrio, a mentira do réu), a condenação não pode ser considerada para fins de

213
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

reincidência, no crime praticado no Brasil. Assim, se no Brasil o fato é atípico, a


sentença estrangeira não gera reincidência.

6.2.2.5.5. Cometimento de crime no dia do trânsito em julgado


O art. 63 fala na prática do crime “depois” do trânsito em julgado. Cometido novo
crime no dia do trânsito em julgado, o sujeito é considerado reincidente? O
cometimento do novo crime no dia em que transita em julgado a condenação anterior
não é capaz de gerar a reincidência. A lei quer que seja, ao menos, um dia depois.

6.2.2.5.6. Pena de multa e reincidência


Importa saber qual foi a pena imposta à infração penal anterior? Multa gera
reincidência?
Não importa a espécie de crime, tipo ou quantidade da pena, pois
basta a condenação definitiva. Logo, multa gera reincidência.
O art. 77, § 1º, do CP somente existe porque a condenação anterior à pena de
multa, apesar de gerar reincidência, não impede a concessão do benefício da suspensão
condicional da pena:

Art. 77 - § 1º - A condenação anterior a pena de multa [apesar de gerar

reincidência] não impede a concessão do benefício.

6.2.2.5.7. Extinção da punibilidade do crime anterior


Há reincidência se o crime anterior for atingido por causa extintiva da
punibilidade?
Em se tratando de causa extintiva da punibilidade ocorrida antes da condenação
definitiva, o crime anterior não gerará reincidência, pois não se poderá formar
condenação anterior definitiva (ex.: prescrição da pretensão punitiva não gera
reincidência em nenhuma de suas modalidades).
Entretanto, a causa extintiva da punibilidade do crime anterior ocorrida depois
da condenação definitiva não impedirá o trânsito em julgado da condenação, gerando
reincidência. Ex.: prescrição da pretensão executória, que apenas impede o
cumprimento da pena, mas não apaga a condenação.
Há, todavia, duas exceções a esta regra: i) abolitio criminis;e ii) anistia. Que
mesmo que posteriores a condenação definitiva impedem a reincidência pois
impedem qualquer efeito penal da condenação.
Cumpre ressaltar, ainda, o disposto no art. 120 do CP, segundo o qual a sentença
que conceder o perdão judicial não será considerada para efeitos de reincidência.

Art. 120 - A sentença que conceder perdão judicial não será considerada

para efeitos de reincidência.


Prevalece em relação ao tema a dicção da Súmula 18 do STJ, segundo a qual a
sentença que concede o perdão judicial não tem natureza condenatória, mas é uma
sentença meramente declaratória

6.2.2.5.8. Temporariedade da reincidência


O art. 64, I, do CP adotou o sistema da temporariedade da reincidência:

Art. 64 - Para efeito de reincidência:

I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou

extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo

superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do

214
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

livramento condicional, se não ocorrer revogação;


O dispositivo traz o chamado “prazo depurador da reincidência”, pois é
equivocado falar em “prescrição” da reincidência.
Fazendo-se uma linha do tempo, há quatro marcos a serem considerados: i)
prática do primeiro crime; ii) condenação definitiva pelo primeiro crime; iii)
cumprimento da pena relativa ao primeiro crime; e iv) cinco anos após o cumprimento
da pena pelo primeiro crime.

Trânsito em Cumprimento 5 anos após o


julgado da da Pena cumprimento
Condenação da Pena

Se o agente pratica novo Se o agente pratica Se o agente pratica novo crime, após os
crime, entre o trânsito em novo crime, antes de 5 anos do cumprimento da pena, o
julgado da condenação passados 5 anos do agente é portador de maus
anterior e o cumprimento cumprimento da pena antecedentes. É o chamado período
da pena dessa do crime anterior, ele depurador da reincidência.
condenação, ele é é reincidente. Essa é Obs: Tem doutrina que chama isso de
reincidente. Essa é a a chamada
“prescrição da reincidência”. Mas
chamada reincidência reincidência real. trata-se de um equívoco, pois prescrição
ficta. não tem nada a ver com isso.

Caso a pessoa pratique novo crime antes da condenação definitiva, não será
considerada reincidente; praticado novo crime após a condenação e antes do
cumprimento da pena, será considerada reincidente; praticado novo crime após o
cumprimento da pena e antes dos cinco anos, será considerada reincidente; praticado
novo crime após os cinco anos, contados do cumprimento da pena, a pessoa será
considerada portadora de maus antecedentes (mas não será considerada reincidente).
a) Reincidência ficta: é a ocorrida entre a condenação definitiva e o
cumprimento da pena.
b) Reincidência real é a ocorrida entre o cumprimento da pena e o termo final do
prazo de cinco anos.
No prazo de cinco anos, será computado o tempo de sursis de livramento
condicional. Assim, devidamente cumpridos dois anos do período de prova, três anos
depois haverá a depuração da reincidência.

6.2.2.5.9. Reincidência genérica e específica


A reincidência genérica ocorre entre crimes que não são da mesma espécie. Já a
reincidência específica ocorre entre crimes da mesma espécie. O conceito de crimes da
mesma espécie será estudado adiante.

6.2.2.5.10. Comunicabilidade da reincidência


A reincidência é uma circunstância subjetiva pessoal. Logo, incomunicável aos
demais coautores e partícipes.

6.2.2.5.11. Prova da reincidência


(MP/SP) Como se prova a reincidência? A reincidência prova-se através de
certidão cartorária.
Vale observar, contudo, que o STJ admitiu como prova a certidão emitida pelo
Instituto Nacional de Identificação. Há decisões admitindo a Folha de Antecedentes.

215
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

6.2.2.5.12. Reincidência e bis in idem


Caso o sujeito, por exemplo, tenha condenação definitiva por furto, no passado, e,
no presente, pratique um roubo, é possível a utilização da condenação definitiva do
furto como maus antecedentes e reincidência? Não, sob pena de bis in idem. Nesse
caso ela é utilizada somente como reincidência (Súmula 241 do STJ):

Súmula 241 - A reincidência penal não pode ser considerada como

circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância

judicial.
No entanto, se o sujeito tem no passado uma condenação definitiva por furto e
outra por estupro, e, no presente, comete um furto, pode o estupro ser usado como mau
antecedente e o furto como reincidência. Essa hipótese não está abrangida pela
proibição da Súmula. Isso porque não está sendo considerada a mesma condenação
para a aferição da reincidência.
Será que o próprio instituto da reincidência, por si só, não configuraria um bis in
idem? A reincidência foi recepcionada pela CR? No caso da utilização de um furto
ocorrido para fins de reincidência, o mesmo fato não está sendo considerado duas vezes
em prejuízo do mesmo agente? O professor Luíz Flávio Gomes é adepto a essa teoria,
mas, o STJ não admite essa tese.
De acordo com o tribunal, o fato de o reincidente ser punido mais gravemente do
que o primário não viola o princípio da proibição do bis in idem, pois visa, apenas,
reconhecer maior reprovabilidade na conduta daquele que é contumaz
violador da lei penal156 (REsp 984.578).

6.2.2.5.13. Condenações irrecorríveis que não geram reincidência


Há quatro condenações irrecorríveis que não geram a reincidência:
i) condenação cuja pena foi cumprida ou extinta há mais de cinco anos;
ii) condenação relativa a crime militar próprio (art. 64, II, do CP);
iii) condenação referente a crime político (art. 64, II, do CP);

Art. 64 - Para efeito de reincidência: (...)

II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos.


iii) Condenação anterior por contravenção penal.
Obs.: Os crimes eleitorais caracterizam atitudes antissociais lesivas à regra
jurídica preestabelecida em proteção aos atos eleitorais, do alistamento do eleitor
à diplomação do eleito. Não pertencem, contudo, ao rol dos crimes políticos e por
isso podem gerar reincidência.

6.2.2.6. Circunstâncias atenuantes: menoridade


No art. 65, I, do CP, há duas atenuantes: a da menoridade e a do maior de setenta
anos, que já foi chamada de atenuante da “senilidade”, uma expressão politicamente
incorreta.

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70

(setenta) anos, na data da sentença;


O dispositivo fala em “ser o agente menor de 21 anos na data do fato”. A primeira
indagação diz respeito à eventual influência da alteração do CC/02, que trouxe a
capacidade civil plena aos dezoito anos. Ainda há espaço para essa atenuante? Sim. A
156 Trata-se em verdade de individualização da pena.

216
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

menoridade não foi alterada pelo CC/02, pois interessa ao direito penal não a
capacidade civil do agente, mas sua idade biológica. Assim, o menor de 21 anos
continua se valendo da atenuante do art. 65, I, do CP.
O agente tem de ser menor de 21 anos na data do fato. Analisa-se a menoridade
na data da conduta, pouco importando a idade do sujeito quando produzido o
resultado(art. 4º do CP: teoria da atividade).

Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que

outro seja o momento do resultado.


Segundo a Súmula 74 do STJ, essa menoridade deve ser provada “por documento
hábil”:

Súmula 74 - Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer

prova por documento hábil.

6.2.2.7. Circunstâncias atenuantes: agente maior de setenta anos


Como ressaltado, no art. 65, I, do CP há duas atenuantes: a da menoridade e a do
maior de setenta anos, que já foi chamada de atenuante da “senilidade”, uma expressão
politicamente incorreta.
O Estatuto do Idoso considera alguém idoso a partir do sexagésimo aniversário. O
Estatuto do Idoso refletiu nesta atenuante? Não. O dispositivo não foi alterado pelo
Estatuto do Idoso, beneficiando somente o idoso com mais de setenta anos (posição do
STF e do STJ).
Qual o significado da expressão “na data da sentença”?
1ª corrente: o agente deve ter mais de setenta anos na data da decisão que
primeiro o condena (sentença de primeiro grau ou acórdão condenatório). Não adianta
que o sujeito tenha mais de setenta anos na ocasião do acórdão meramente
confirmatório.
2ª corrente: o agente deve ter mais de setenta anos na data da decisão que o
condena ou confirma sua condenação. Esta corrente abrange o acórdão meramente
confirmatório.
Nos tribunais superiores são encontradas decisões nos dois sentidos. A questão
não está consolidada nem no STJ nem no STF. A decisão mais recente do STF está de
acordo com a primeira corrente.

6.2.2.8. Circunstâncias atenuantes: confissão espontânea:


Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (...)

III - ter o agente: (...)

d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;


Ela tranqüiliza o espírito do julgador, evitando erro judiciário, além de colaborar
com o deslinde do processo.
A atenuante da confissão espontânea possui alguns requisitos, que têm de ser
observados:
i) Espontaneidade (requisito claro e óbvio):
Deve ser livre de interferência subjetiva externa, ou seja, não basta que a
confissão seja voluntária. Voluntariedade não se confunde com espontaneidade, já que
naquela existe interferência externa, enquanto que nesta a confissão parte do agente.
ii) Deve ser simples, isto é, não abrange a confissão qualificada:

217
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Na confissão simples, o sujeito simplesmente admite ter praticado o crime. Na


qualificada, o sujeito assume a autoria, mas agrega alguma tese defensiva
(ex.: confessa que matou, mas em legítima defesa).
Segundo o STF, no HC 99.436, admitiu a atenuante quando a confissão é
qualificada. De acordo com a 1ª Turma do Tribunal, o art. 65, III, “d”, não ressalva a
maneira como o agente pronuncia a confissão.
iii) Deve ser feita perante a autoridade.
O agente que, depois de haver confessado na polícia, retrata-se em juízo, merece a
atenuante? Em regra, não. Todavia, de acordo com o STF e o STJ, se a confissão
extrajudicial foi efetivamente utilizada para embasar a sentença condenatória, a
atenuante da confissão espontânea deve ser aplicada. Nesses Tribunais Superiores, há
minoria em sentido contrário.
iv) Deve ser completa.

6.2.2.9. Circunstância atenuante inominada


Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante,

anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.


Da leitura do dispositivo, extraem-se algumas conclusões:
A primeira delas é que, enquanto as circunstâncias agravantes devem estar
expressas na lei, as atenuantes não dependem de previsão legal.
Além disso, o art. 66 permite a aplicação do princípio da coculpabiliade, que
nasce da inevitável conclusão de que a sociedade, não raras vezes, é desorganizada,
discriminatória, marginalizadora, criando condições sociais que reduzem o âmbito de
determinação e liberdade do agente, contribuindo para o delito. Essa postura social
deve ser em parte compensada, atenuando-se a pena do agente.
O art. 19, IV, da Lei de Drogas tem predicados de coculpabilidade. É o Estado
chamando todos na prevenção da droga:

Art. 19. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas devem observar os

seguintes princípios e diretrizes: (...)

IV - o compartilhamento de responsabilidades e a colaboração mútua com as

instituições do setor privado e com os diversos segmentos sociais, incluindo usuários

e dependentes de drogas e respectivos familiares, por meio do estabelecimento de

parcerias;
Outro exemplo de aplicação do princípio da coculpabilidade é o art. 2º da Lei
12.288/2010 (Estatuto Racial), em que a sociedade é chamada à responsabilidade na
concessão de igual tratamento a todos:

Art. 2º É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades,

reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da

pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas,

econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua

dignidade e seus valores religiosos e culturais.


A coculpabilidade está sendo deixada de lado hoje, pois, a rigor, ela estaria agindo
de forma marginalizadora (punindo mais duramente o rico e de forma mais branda o
pobre).

218
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

São críticas à coculpabilidade:


i) parte da premissa de que a pobreza é a causa do delito;
ii) pode conduzir à redução de garantias quando se trate de rico;
iii) continua ignorando a seletividade do poder punitivo.
Hoje, a doutrina prefere a “teoria da vulnerabilidade”, segundo a qual quem conta
com alta vulnerabilidade de sofrer a incidência do direito penal (e esse é o caso de
quem não tem instrução, família estruturada etc.) tem a sua culpabilidade reduzida.
Esta teoria nasceu para substituir a da coculpabilidade.

6.2.3. Terceira fase

6.2.3.1. Finalidade, instrumentos e ponto de partida


A finalidade da terceira fase é fixar a pena definitiva.
Os instrumentos que o juiz utiliza para a fixação da pena definitiva são as causas
de aumento e diminuição de pena.
O ponto de partida da terceira fase é a pena intermediária, ou seja, a imposta na
segunda fase.

6.2.3.2. Causas de aumento e diminuição de pena, agravantes,


atenuantes e qualificadoras
As causas de aumento e diminuição encontram-se espalhadas pela parte geral, a
parte especial e a legislação penal extravagante.
Seu quantum está especificado na lei, podendo ser em quantidade variável, ex.
1/6, 1/3 a 2/3, etc, assim, a lei anuncia o valor.
Na terceira fase do calculo da pena, o juiz não está atrelado aos limites
mínimo e máximo do preceito secundário.
Não devem ser confundidas as causas de aumento e diminuição da pena com as
agravantes e atenuantes:

Agravantes/atenuantes Causas de aumento/diminuição de pena


São consideradas na segunda fase do sistema São consideradas na terceira fase do sistema
trifásico. trifásico.
O quantum do aumento ou diminuição fica O quantum de aumento ou diminuição está
a critério do juiz, que deve fundamentar previsto em lei, em quantidade fixa (ex.:
sua decisão. art. 327, § 2º, do CP157) ou variável (art. 157, §
2º, do CP158).

157 Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora
transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. (...) § 2º - A
pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo
forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da
administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída
pelo poder público.

158Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou
violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de
resistência: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. (...) § 2º - A pena aumenta-se de um
terço até metade: I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; II - se há o
concurso de duas ou mais pessoas; III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o
agente conhece tal circunstância. IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser
transportado para outro Estado ou para o exterior; V - se o agente mantém a vítima em seu
poder, restringindo sua liberdade.

219
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

O juiz está atrelado aos limites mínimo O juiz não está atrelado aos limites
e máximo do preceito sancionador mínimo e máximo do preceito
(Súmula 231 do STJ). sancionador. A pena definitiva pode ficar
aquém do mínimo ou além do máximo.
Súmula 231 - A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução

da pena abaixo do mínimo legal.


As causas de aumento também não se confundem com as qualificadoras:

Causas de aumento Qualificadoras


São consideradas na terceira fase do É ponto de partida do sistema
sistema trifásico. trifásico. A pena qualificada não entra no
critério trifásico (o juiz analisa se utilizará a
pena qualificada no momento da escolha da
pena a ser aplicada).

6.2.3.3. Concurso de causas de aumento e/ou de diminuição

Nesta fase, o juiz determina a pena definitiva, como visto é a única fase em
que poderá haver pena fora dos limites abstratos fixados na fase
preliminar, ou seja, abaixo do mínimo ou acima do máximo.
Causas de aumento e diminuição não se compensam e todas devem ser utilizadas.
Como possuem valor legal – cada tipo penal possui um específico, sendo que primeiro
o juiz deve aumentar, depois deve diminuir.
Importante lembrar que todas as causas de aumento e diminuição da parte geral
são obrigatoriamente utilizadas;
Todas as causas de aumento e diminuição da parte geral confrontadas com as da
parte especial são obrigatoriamente utilizadas;
Porém, as causas de aumento e diminuição previstas exclusivamente na parte
especial, é possível aplicar ambas ou somente a mais grave, a mais intensa.
Ex.: sujeito ateia fogo em um casa (crime de incêndio art. 250), porém havia uma
pessoa dentro da casa ocasionando sua morte. Tipificação incêndio seguido de morte.
Causas de aumento no mesmo incêndio (i) fogo em residência urbana; e, (ii) morte da
pessoa. Nesse exemplo, o juiz pode aplicar as duas causas de aumento ou apenas uma
delas.

6.2.3.3.1. Regras básicas para aumento e diminuição:


i. 1ª regra: quais causas o juiz deve aplicar (Art. 68, § único.):

Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em

seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as

causas de diminuição e de aumento.

Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na

parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição,

prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

220
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Se todas as causas de aumento ou diminuição são da parte geral: é obrigatória a


sua incidência.
Se causas de aumento ou diminuição estiver na parte especial:
a) se houver só uma causa de aumento e/ou diminuição, a incidência é
obrigatória.
b) se houver concurso (mais de uma causa de aumento ou diminuição) na parte
especial, o juiz pode aplicar todas, ou só a maior, a seu critério.
ii. 2ª regra: por onde o juiz começa: concurso: mais de uma causa a ser
aplicada:
- o juiz sempre inicia pela causa da parte especial,
- e depois pela causa da parte geral
iii. 3ª regra: como o juiz aplica a pena: sistema da incidência cumulada
(utilizado):
O juiz segue o princípio da incidência cumulada (se houver mais de uma causa):
A segunda causa deverá incidir sobre o resultado da operação anterior, ou seja,
sobre a pena resultante da aplicação da primeira causa.
A segunda causa incide sobre o resultado da operação anterior.

6.2.3.3.2.
Concurso homogêneo (duas causas de aumento ou duas de
diminuição)
a) 1ª situação: duas causas de aumento ou de diminuição previstas na parte
especial do Código Penal.
Concorrendo duas causas de aumento ou de diminuição previstas na parte
especial do Código Penal, aplica-se o art. 68, parágrafo único, do CP:

Art. 68 (...) Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição

previstas na parte especial [concurso homogêneo], pode o juiz limitar-se a

um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que

mais aumente ou diminua.


Veja que o dispositivo somente será aplicado se ambas as causas
estiverem na parte especial.
O juiz pode se limitar a um só aumento ou a uma só diminuição, escolhendo a
causa que mais aumente ou diminua. Ex.: caso haja uma causa aumentando de
metade e outra de 1/3, o juiz pode escolher a primeira.
O juiz, segundo o dispositivo, “pode” se comportar dessa forma, entretanto, nada
impede que o juiz reconheça ambas as causas de aumento ou de diminuição, decidindo
com base nos fins da pena, atentando-se ao princípio da suficiência da punição, tendo
por base o que é mais interessante para a reprovação e prevenção do crime.
Preferindo o juiz reconhecer as duas causas de aumento de pena, ele as aplicará
isolada ou cumulativamente?
Ex.: pena intermediária de 6 anos na segunda fase, uma causa de aumento de 1/3
e outra de 1/2. Incidência isolada: 6 + (1/3.6) + (1/2.6) = 11 anos; incidência
cumulativa: 6+ (1/3.6) =8 anos + 1/2.8 = 12 anos (o segundo aumento é sobre o
resultado da operação anterior). Assim, na hipótese de causas de aumento, faz-se a
incidência isolada, na medida em que mais favorável ao réu.

221
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Preferindo o juiz reconhecer as duas causas de diminuição de pena, a incidência é


isolada ou cumulativa?
Ex.: pena intermediária de 6 anos na segunda fase e duas causas de diminuição
de metade. Incidência isolada: 6 – (½.6) – (½.6) = 0 (perceba que, no caso de
diminuição da pena, não é possível trabalhar com incidência isolada, sob pena de se
chegar a uma pena zero); incidência cumulativa: 6 – (½.6) = 3 anos - ½. 6 = 1 ano e 6
meses. A incidência será, portanto, sempre cumulativa, no caso de
diminuição de pena.
b) 2ª situação: duas causas de aumento ou duas causas de diminuição da parte
geral do Código Penal.
Concorrendo duas causas de aumento ou duas causas de diminuição da parte
geral, não se aplica o art. 68, parágrafo único, do CP, na medida em que ele faz
menção somente às causas de aumento ou de diminuição previstas na
parte especial.
Nesta segunda situação, portanto, o juiz aplica as duas causas de aumento
(a incidência será sempre isolada) ou as duas de diminuição (com incidência
cumulativa).
Obs.: Princípio da incidência isolada159, prevê que cada causa de aumento
deverá recair sobre a pena intermediária, e não sobre a pena já
aumentada.
Ex. duas causas de aumento de ½ em uma pena de 6 anos, cada causa de
aumento deverá recair sobre os 6 anos (6 + ½ e 6 + ½ = 12 anos).
c) 3ª situação: uma causa de aumento da parte geral e outra da parte
especial, ou uma causa de diminuição da parte geral e outra da parte especial
do Código Penal.
Nesses casos, o juiz deve aplicar as duas causas de aumento (a incidência
é isolada) ou as duas de diminuição (incidência cumulativa).
Não pode o magistrado valer-se do disposto no art.68, parágrafo único, do CP
(que faculta ao magistrado a aplicação de apenas uma delas), na medida em que as
duas causas de aumento ou diminuição não estão previstas na parte especial, mas
apenas uma.

6.2.3.3.3. Concurso heterogêneo (causa de aumento com causa de


diminuição de pena)
Evidentemente, havendo concurso heterogêneo (causa de aumento com causa de
diminuição de pena), não se aplica o art. 68, parágrafo único, que serve somente
para concurso homogêneo na parte especial.
Aqui, a lei não dá a resposta. O juiz deve aplicar ambas (o aumento e a
diminuição de pena) e prevalece a incidência cumulativa (o segundo aumento ou
diminuição aplicado sobre o resultado da operação anterior).
O juiz primeiro aumenta e depois diminui ou primeiro diminui e depois
aumenta? Há duas correntes:
1ª corrente: o juiz primeiro diminui e depois aumenta. Esta primeira corrente
segue os passos do art. 68, caput, do CP que diz “por último as causas de diminuição e
de aumento”. Veja que ela segue ipsis literis o dispositivo.

159 Não se trabalha nesse ponto com o princípio da incidência cumulativa, vez que

prejudicial ao réu, onde cada causa de aumento aplica-se à pena encontrada anteriormente, ex.
duas causas de aumento de ½ em uma pena de 6 anos (6 + ½ = 9  9 + ½ = 13 anos e 6
meses).

222
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

2ª corrente: o juiz primeiro aumenta e depois diminui, pois é mais favorável ao


réu. Todavia, isso nem sempre ocorrerá. Quase sempre não há diferença alguma.
Somente haverá diferença se o juiz chegar à segunda fase da aplicação da pena com
pena em dias. É a corrente que prevalece.

6.3. Fixação do regime inicial do cumprimento da pena


privativa de liberdade
6.3.1. Introdução
A fixação do regime inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade,
terceira etapa da aplicação da pena, demanda a análise do art. 33 do CP:

Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto

ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo

necessidade de transferência a regime fechado.

§ 1º - Considera-se:

a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou

média;

b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou

estabelecimento similar;

c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento

adequado.

§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva,

segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as

hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em

regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não

exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro)

anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

§ 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com

observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código.


Obs: Cuidado! Prisão simples (pena privativa de liberdade para as
contravenções) não admite regime fechado jamais! Nem mesmo por
regressão de regime!
O juiz, na fixação do regime inicial de cumprimento de pena, deve observar:
i) Tipo de pena (reclusão, detenção ou prisão simples);
ii) Quantidade da pena definitiva imposta na sentença;
iii) Reincidência do condenado;
iv) Circunstâncias do Art. 59 do CP.

223
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

RECLUSÃO DETENÇÃO PRISÃO SIMPLES


O regime inicial, na pena de A detenção não admite A prisão simples não admite
reclusão, será: regime inicial fechado. regime fechado, nem mesmo
• fechado: pena • Semiaberto: pena por meio da regressão.
superior a oito anos superior a quatro anos (> • semiaberto: pena
(> 8); 4); superior a quatro anos (>
• semiaberto: pena • aberto: pena não 4);
superior a quatro superior a quatro anos (< • aberto: pena não
anos, mas que não ou = a 4), desde que não superior a quatro anos (<
excede a oito anos (> reincidente; ou = 4), desde que não
4 e < 8), desde que Obs.: a detenção pode ser reincidente;
não reincidente cumprida no fechado quando Obs.: há outras diferenças
(hipótese em que irá ocorrer regressão de regime entre a detenção e a prisão
ao fechado); (uma punição ao preso simples no art. 6° da LCP.
• aberto: pena não faltoso).
superior a quatro
anos (< ou = a 4),
desde que não
reincidente.
Obs.: condenado a três anos,
reincidente, terá qual regime
inicial? De acordo com a lei,
o regime seria fechado.
Todavia, a Súmula 269 do
STJ, o agente poderá ir ao
semiaberto, se favoráveis as
circunstâncias judiciais.

6.3.2. Crime punido com reclusão


O regime inicial, em se tratando de crime punido com reclusão, será:
i) fechado: pena superior a oito anos;
ii) semiaberto: pena superior a quatro anos, mas que não excede a oito anos,
desde que não reincidente (hipótese em que irá ao fechado);
iii) aberto: pena não superior a quatro anos, desde que não reincidente.
Obs.: Condenado a três anos, reincidente, terá qual regime inicial? De acordo com
a lei, o regime seria fechado. Todavia, de acordo com a Súmula 269 do STJ, o agente
poderá ir ao semiaberto, se favoráveis as circunstâncias judiciais:

Súmula 269 - É admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes

224
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias

judiciais.
Obs.: Pergunta de Concurso: Um condenado por roubo com emprego de arma
teve a pena fixada em 5 anos e 4 meses de reclusão. Esse condenado é primário. Qual o
regime inicial?
R: Segundo o art. 33, §2º, do CP, o regime inicial é o semiaberto. Contudo, tem
jurisprudência, com base na gravidade em abstrato do regime de roubo, inadmitindo o
regime semiaberto para o delito de roubo, fixando o regime inicial no fechado.
Contudo, segundo a súmula 718, do STF e a súmula 440, do STJ, isso não pode ser
feito.

Súmula 440, do STJ - Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o

estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da

sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito.

Súmula 718, do STJ - A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime

não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o

permitido segundo a pena aplicada.


A gravidade em concreto do caso pode agravar o regime de cumprimento de pena,
conforme súmula 719, do STF:

Súmula 719, do STF - A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a

pena aplicada permitir exige motivação idônea. (A motivação idônea é a gravidade em

concreto).
Então, a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação suficiente para
imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada (Súmulas
718, do STF e 440, do STJ). A gravidade em concreto permite regime mais severo,
constituindo motivação idônea (súmula 719, do STF).

6.3.3. Crime punido com detenção


A detenção não admite regime inicial fechado. Assim, em se tratando de
crime punido com detenção, o regime inicial será:
i) semiaberto: pena superior a quatro anos;
ii) aberto: pena não superior a quatro anos, desde que não reincidente;
Vale observar que a detenção pode ser cumprida no regime fechado
quando ocorrer regressão de regime (uma punição ao preso faltoso).

6.3.4. Crime punido com prisão simples


A prisão simples não admite regime fechado, nem mesmo por meio da
regressão. Assim, em se tratando de crime punido com prisão simples, o regime
inicial será:
i) semiaberto: pena superior a quatro anos;
ii) aberto: pena não superior a quatro anos, desde que não reincidente.
Cumpre observar que há outras diferenças entre a detenção e a prisão simples no
art. 6º da LCP:

Art. 6º A pena de prisão simples deve ser cumprida, sem rigor penitenciário, em

225
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime semi-aberto

ou aberto[não é admissível regime fechado nem em razão de regressão].

(Redação dada pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977)

§ 1º O condenado a pena de prisão simples fica sempre separado dos condenados a

pena de reclusão ou de detenção.

§ 2º O trabalho é facultativo, se a pena aplicada, não excede a quinze dias.

6.3.5. A detração na fixação do regime de cumprimento de


pena
O fato de um condenado ter estado preventivamente da origem ao instituto da
detração.
Trata-se do computo na pena privativa de liberdade ou medida de segurança, do
tempo cumprido, no Brasil o no estrangeiro, em prisão provisória, ou hospitais de
custódia.
A análise da detração era matéria exclusiva do juízo das execuções, quando da
oportunidade do cumprimento da pena.
Entretanto, a Lei 12.736/2012, incluiu o parágrafo segundo no Art. 387 do Código
de Processo Penal160, determinando que deve o magistrado responsável pela dosimetria
da pena, por ocasião da fixação do regime de cumprimento, levar o instituto em
consideração.
Dessa forma, suponha-se um condenado a 8 anos e 1 mês de reclusão, cujo
regime teria necessariamente de ser o fechado, mas que tendo ficado preso
provisoriamente por 1 ano e 3 meses, toma-se em conta esse período, pelo juiz
sentenciante, de modo a fixar o regime inicial no semiaberto.
O professor alerta, porém, que a detração, nessa fase, só é capaz de
permitir regime prisional menos rigoroso se o tempo de prisão provisória,
administrativa ou internação coincidir com o requisito temporal da
progressão, sem desconsiderar outros requisitos objetivos inerentes ao incidente
(como a reparação do dano nos crimes contra a administração publica) .
Vamos tentar explicar nossa conclusão com o auxílio de um caso prático :
João, depois de permanecer 60 dias preso temporariamente, é condenado a pena
de 8 anos e 1 mês de reclusão. Antes da Lei 1 2.7361 1 2, por conta da pena imposta na
sentença, a lei determinava o regime inicial fechado (art. 33, § 2°, "a" , do CP) . Com a
nova ordem legal, o magistrado, na etapa da fixação do regime inaugural, deve
computar o tempo de prisão temporária (60 dias). Esse cômputo, culminando com
pena inferior a 8 anos, pode redundar no regime semiaberto (art. 33, § 2,"b", do CP) ,
desde que presentes os requisitos objetivos da progressão, em especial, o requisito
temporal. É dizer: o tempo de prisão cautelar redunda em regime menos severo quando
igual ao tempo necessário para a progressão de regime (1/6 da pena, salvo quando se
tratar de crime hediondo ou equiparado, que exige 2/5, se primário o agente, ou 3/5 , se
reincidente) .
Qualquer preso condenado a 8 anos e 1 mês de reclusão, iniciando o seu
cumprimento no regime fechado, teria que cumprir mais de 1 ano e 4 meses para galgar
regime menos severo. Ora, como pode João, preso temporariamente por 60 dias,

160 "Art. 387, § 2º: O tempo de prisão provisória, prisão administrativa ou de internação,
no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena
privativa de liberdade .".

226
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

conquistar a semiliberdade? Raciocínio outro cria campo fértil para a insuficiente (e


ineficaz) proteção do Estado ao cidadão, bem como ofensa ao sistema progressivo de
cumprimento de pena.
A tese está começando a chegar aos Tribunais Superiores, e o STJ não entende da
maneira acima, pois não admite que a prisão provisória tenha pelo menos o mesmo
prazo exigido para a progressão.

6.3.6. Hipóteses excepcionais


O art. 1º, § 5º, da Lei 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro), prevê uma
hipótese de crime punido com reclusão, com pena superior a oito anos (que, nos termos
do art. 33 do CP, mereceria regime fechado), em que o juiz pode fixar o regime inicial
aberto:

Art. 1º (...) § 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em

regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la,

a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe

colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que

conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e

partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. (Redação

dada pela Lei nº 12.683, de 2012)


Trata-se de regime aberto ou semiaberto como prêmio da delação.
Já o art. 10 da Lei 9.034/1995 (Lei dos Crimes Decorrentes de Organização
Criminosa) prevê hipótese de crime punido com detenção que admite regime inicial
fechado:

Art. 10 Os condenados por crime decorrentes de organização criminosa iniciarão o

cumprimento da pena em regime fechado.


Imagine um crime de roubo, com emprego de arma, praticado por um agente
primário (art. 157, § 2º, I, do CP161). A pena mínima é quatro anos e, aumentada da
metade (máximo de aumento),chegará a seis anos de reclusão. Nesse caso, os juízes
costumam fixar o regime inicial fechado, fundamentando no uso de arma e na
gravidade em abstrato do delito. Todavia, deve-se atentar para o disposto nas Súmulas
718 e 719 do STF.
Segundo a Súmula 718, pouco importa a opinião do juiz acerca da gravidade em
abstrato do crime, a qual não é motivo para que ele fuja ao regime inicial legalmente
fixado:

Súmula 718 - A OPINIÃO DO JULGADOR SOBRE A GRAVIDADE EM ABSTRATO

DO CRIME NÃO CONSTITUI MOTIVAÇÃO IDÔNEA PARA A IMPOSIÇÃO DE

REGIME MAIS SEVERO DO QUE O PERMITIDO SEGUNDO A PENA APLICADA.


A Súmula 719, entretanto, permite que o juiz fixe regime inicial da pena com base
na gravidade do crime no caso concreto:

Súmula 719 - A IMPOSIÇÃO DO REGIME DE CUMPRIMENTO MAIS SEVERO DO

161Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou
violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de
resistência: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. (...) § 2º - A pena aumenta-se de um
terço até metade: I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;

227
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

QUE A PENA APLICADA PERMITIR EXIGE MOTIVAÇÃO IDÔNEA.


É o caso, por exemplo, de um roubo grave (praticado com arma de alto
calibre,contra senhora idosa, com requintes de crueldade etc.)
No mesmo sentido é a Súmula 440 do STJ:

Súmula 440 - Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de

regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com

base apenas na gravidade abstrata do delito.

6.4. Análise da possibilidade de substituição por penas


alternativas
Fixada a pena privativa de liberdade e determinado o regime prisional para o seu
inicial de cumprimento, deve o juiz verificar a possibilidade de substituição da prisão
por penas alternativas.
Assim, a última etapa da aplicação da pena pelo juiz é a análise dessa
possibilidade verificando a viabilidade de substituição das penas privativas de liberdade
por penas alternativas ou aplicação do sursis, quando cabíveis.

6.4.1. Penas restritivas de direito


As restritivas de direitos, espécies de pena alternativa, seguindo a tendência do
Direito Penal moderno, buscam eliminar a pena privativa de liberdade de
curta duração, por não atender satisfatoriamente às finalidades da
sanção penal (ênfase de política criminal).

6.4.1.1. Conceito
Pena restritiva de direitos é a sanção imposta em substituição à pena privativa de
liberdade consistente na supressão ou diminuição de um ou mais direitos do
condenado. É tendência do direito penal moderno de eliminação da pena privativa de
liberdade de curta duração.
As medidas alternativas à prisão podem ser:
i) penas alternativas (pressupõem pena): aqui entram as penas restritivas de
direito;
ii) sursis e livramento condicional (pressupõem pena);
iii) medidas alternativas à pena (medidas despenalizadoras que evitam a pena):
aqui sequer haverá a pena (ex.: transação penal).
As penas restritivas de direitos são, portanto, uma espécie de pena alternativa.
Não podem ser consideradas medidas alternativas à pena. São penas alternativas (pois
pressupõem pena), não uma alternativa à pena. São alternativas à prisão.
Segundo a maioria da doutrina, trata-se de um direito subjetivo do réu,
assim, presentes os requisitos legais, não se faculta ao magistrado a aplicação de penas
alternativas, mas lhe é imposta a substituição.

6.4.1.2. Espécies de penas restritivas de direito


São espécies de penas restritivas de direito:
i) prestação de serviços à comunidade;
ii) limitação de fim de semana;
iii) interdição temporária de direitos;
iv) prestação pecuniária (acrescentada ao CP pela Lei 9.714/1998);

228
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

v) perda de bens e valores (acrescentada ao CP pela Lei 9.714/1998).


As penas restritivas de direitos dividem-se em reais (prestação pecuniária e
perda de bens e valores) e pessoais (prestação de serviço à comunidade ou a
entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana).
Obs.: As duas últimas restritivas, cumpre observar, têm natureza real. Até a Lei
9.714/1998, havia no CP somente restritivas de direito de natureza pessoal.
Deve-se atentar, ainda para o fato de que alguns diplomas legais têm regras
próprias sobre penas alternativas (CTB, Lei de Crimes Ambientais, Lei de Drogas,
Estatuto do Torcedor162 etc.)

6.4.1.3.
Critérios de aplicação das penas restritivas de direito (art. 44 do
CP)
Duas características das penas restritivas de direito são a autonomia e a
substitutividade:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas [não cumulativas] e

substituem as privativas de liberdade, quando: (...)


a) Autonomia representa a regra da impossibilidade de cumulação de
penas privativas de liberdade com restritivas de direito.
Obs.: Há, no entanto, hipóteses em que tal cumulatividade é possível:
i) Art. 78 da Lei 8.078/1990 (CDC):

Art. 78. Além das penas privativas de liberdade e de multa, podem ser

impostas, cumulativa ou alternadamente, observado o disposto nos Arts. 44 a

47, do Código Penal:

I - a interdição temporária de direitos;

II - a publicação em órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às

expensas do condenado, de notícia sobre os fatos e a condenação;

III - a prestação de serviços à comunidade.


ii) Código de Trânsito Brasileiro: ver os inúmeros casos de
cumulatividade, ex. Art. 292163.
b) Substitutividade: significa que primeiramente o juiz deve primeiramente fixar
a pena privativa de liberdade, anunciando seu regime inicial e, depois, na
mesma sentença, a substituir pela pena restritiva de direitos.
Há aqui, também, uma exceção (uma pena restritiva de direitos não substitutiva):
o art. 28 da Lei de Drogas. Veja que, no caso do art. 28, as penas restritivas de direito
são principais, e não substitutivas:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo,

162 Estatuto do torcedor (Lei nº 10.671/03 - art. 41-B § 2º): “Na sentença penal
condenatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de
comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize
evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de acordo com a gravidade da
conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido
anteriormente pela prática de condutas previstas neste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.299, de
2010).”
163 “Art. 292: A suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para

dirigir veículo automotor pode ser imposta isolada ou cumulativamente com outras
penalidades.”

229
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação

legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. (...)


A pena restritiva de direitos, ao menos em regra, tem a mesma duração da
pena privativa de liberdade substituída (art. 55 do CP):

Art. 55. As penas restritivas de direitos referidas nos incisos III, IV, V e VI do art. 43

[prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e

limitação de fim de semana] terão a mesma duração da pena privativa

de liberdade substituída, ressalvado o disposto no § 4º do art. 46

[descumprimento injustificado da restrição imposta].


Esse assunto é repleto de exceções (casos em que a restritiva de direitos não tem a
mesma duração da privativa de liberdade substituída):
i) Restritiva de direitos de natureza real (prestação pecuniária e a perda de
bens e valores): trata-se de hipótese óbvia;
ii) Prestação de serviços à comunidade (art. 46, § 4º, do CP):

Art. 46 (...) § 4o Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao

condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior

à metade da pena privativa de liberdade fixada.


iii) Art. 41-B, § 2º, do Estatuto do Torcedor:

Art. 41-B (...) § 2º Na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de

reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem

como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses

a 3 (três) anos, de acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser

primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de

condutas previstas neste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).


O dispositivo suscita dois problemas. A pena prevista para o crime (promover
tumulto, promover ou incitar a violência ou invadir local restrito aos competidores) é
de reclusão, de 1 a 2 anos. O § 2º diz que o juiz deve substituir por restritivas de direitos
que variam de 3 meses a 3 anos. Veja que não só as penas restritivas de direito não são
iguais à privativa como o prazo daquelas suplanta em um ano o máximo da pena
privativa de liberdade imposta. Além disso, o legislador determina que o juiz “deverá”,
e não “poderá” substituir (o legislador está aplicando pena). Por conta desses
questionamentos, a doutrina suscita a inconstitucionalidade desse dispositivo.

6.4.1.4. Requisitos para a substituição


Os requisitos para a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas
de direito estão previstos no art. 44 do CP, com redação dada pela Lei 9.714/1998:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de

liberdade, quando [os requisitos são cumulativos]:

I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos E o crime

230
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa OU, qualquer

que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

II - o réu não for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 9.714,

de 1998)

III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do

condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição

seja suficiente. (...)


a) Substituição em crimes dolosos:
Em se tratando de crime doloso, para que haja substituição, a pena privativa de
liberdade imposta não deve ultrapassar quatro anos e o crime deve ter sido
cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, assim a violência contra a
coisa não impede a substituição.
A doutrina leciona que a violência presumida também não impede a substituição,
entretanto, o STF já decidiu que a expressão “violência” abrange a real e a presumida
(HC 99.828/SP), sendo que nessas hipóteses o sujeito não faz jus à substituição.
Crimes violentos, mas de menor potencial ofensivo, como a lesão corporal (art.
129), o constrangimento ilegal (art. 146) e a ameaça (art. 147), admitem a substituição.
Trata-se de interpretação sistemática do dispositivo com a Lei 9.099/1995, a qual
manda sempre privilegiar a substituição.
Obs.: Cuidado, entretanto, com o art. 44, § 3º, do CP, que autoriza a substituição
mesmo no caso de agente reincidente em crime doloso.
Trata-se de caso excepcional de reincidência em crime doloso em que é admitida
a substituição.
Para a incidência do dispositivo, a medida tem de ser socialmente
recomendável e não pode se tratar de reincidência específica.

Art. 44 (...) § 3º Se o condenado for reincidente[não específico], o juiz poderá

aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja

socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude

da prática do mesmo crime.


b) Substituição nos crimes culposos:
Em se tratando de crime culposo, a substituição será sempre cabível, não
importando o crime ou a pena.
Obs.: Nos casos de crimes preterdolosos, a doutrina se divide, uma primeira
corrente diz que os requisitos serão os do crime culposo. Outra corrente, diz que devem
os requisitos ser os do crime doloso, pois o crime preterdoloso nada mais é do que um
crime doloso qualificado culposamente, sendo essa a posição do STJ.
Nos termos do art. 44, III, as circunstâncias judiciais devem indicar que a
substituição é suficiente.
Trata-se da efetivação do princípio da suficiência da pena alternativa (já estudado
anteriormente). Rogério não é contra a aplicação de pena restritiva de direitos em
crimes hediondos, desde que o juiz a considere suficiente.
Importante destacar que os três requisitos previstos no art. 44 são
cumulativos. Faltando um deles, o juiz não pode realizar a substituição.
Quadro resumo:

231
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

CRIME DOLOSO CRIME CULPOSO


Pena privativa de liberdade não superior a 4 Qualquer que seja a pena aplicada cabe a
anos; substituição;
Crime sem violência ou grave ameaça à
pessoa;
Réu não reincidente em crime doloso (atentar
para o parágrafo 3º do art. 44);
Circunstâncias judiciais indicando que a Circunstâncias judiciais indicando que a
substituição é suficiente para os fins de substituição é suficiente para os fins de
retribuição e prevenção do crime (princípio da retribuição e prevenção do crime (princípio da
suficiência das penas alternativas); suficiência das penas alternativas);

6.4.1.5. Aplicação da pena restritiva de direitos (art. 44, § 2º, do CP)


Art. 44. (...) § 2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser

feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena

privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e

multa ou por duas restritivas de direitos.


A aplicação da pena restritiva de direitos é feita da seguinte forma:
i) pena imposta não suplanta um ano: a privativa de liberdade é substituída por
uma restritiva de direitos ou multa;
ii) pena imposta suplanta um ano: será substituída por duas restritivas de direitos
ou uma restritiva de direitos mais multa.
1 pena restritiva de direitos
Condenação NÃO SUPERIOR a 1 OU
ano Multa
Essa escolha será feita pelo juiz, com base nos fins da
pena.
1 pena restritiva de direitos + multa
Condenação SUPERIOR a 1 ano OU
2 penas restritivas de direitos
Essa escolha será feita pelo juiz, com base nos fins da
pena.

6.4.1.6. Hipóteses de conversão das penas restritivas de direitos (art. 44,


§§ 4º e 5º)
Até aqui, referiu-se à transformação da pena privativa de liberdade em restritivas
de direito como “substituição”. O fenômeno oposto (restritiva de direitos passando a
privativa de liberdade) é denominado “conversão”.
São hipóteses de conversão:
i) Descumprimento injustificado da restrição imposta:

Art. 44 (...) § 4º A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade

quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No

cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da

pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou

reclusão.
Ex.1: na condenação a pena privativa de liberdade de um ano, a restritiva de
direitos também durará um ano. Se, depois, do décimo mês, ocorre o descumprimento

232
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

injustificado da restrição, o condenado terá de cumprir dois meses de privativa de


liberdade. A lei determina que seja realizada a detração, nesse caso. Isso é novidade
de 1998. Até então, o sujeito teria de cumprir um ano, se descumprisse
injustificadamente as restrições impostas.
Ex.2: no mesmo exemplo (condenação a pena privativa de liberdade de um ano,
restrição de direitos por um ano), se ocorrer o descumprimento injustificado faltando
20 dias do último mês para o cumprimento da pena, a lei determina que a detração é
admitida, mas deve ficar um saldo mínimo de 30 dias de pena a cumprir. Assim, o
sujeito terá de cumprir, no mínimo, 30 dias da pena que resta.
Obs.: Luiz Flávio Gomes entende que o saldo mínimo de 30 dias de cumprimento
de pena imposto pelo § 4º do art. 44 é inconstitucional, pois uma parcela da pena já foi
cumprida e é indevido novo cumprimento, configurando bis in idem, entretanto, não é
o que prevalece.
ii) Condenação a pena privativa de liberdade por outro crime:

Art. 44 (...) § 5º Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por

outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar

de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior.


Ex.: pena imposta de um ano, substituída por restritiva de direitos de um ano. No
sétimo mês de cumprimento, condenado o sujeito por outro crime, ocorre a conversão.
Cuidado: havendo compatibilidade entre a condenação e a restritiva de direitos em
curso, pode o juiz da execução deixar de determinar a conversão. Ex.: sujeito está
prestando serviços à comunidade e é condenado a pena em regime aberto.
A lei, diferentemente da hipótese anterior, não fala em detração, assim há
doutrina que admite a detração também no § 5º por analogia, entretanto, não é o que
prevalece.
Todas as penas restritivas de direitos podem ser convertidas em privativas de
liberdade?
1ª corrente: para a maioria, todas as penas restritivas de direitos, pessoais ou
reais, podem ser convertidas em privativas de liberdade. Essa é a posição do STF e do
STJ (HC 118.010/SP).
2ª corrente: as restritivas de direitos de natureza real, a exemplo da multa, não
podem ser convertidas em privativas de liberdade, apenas executadas no cível.
A primeira corrente prevalece.
iii) hipóteses previstas no art. 181 da LEP:

Art. 181. A pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade nas

hipóteses e na forma do artigo 45e seus incisos do Código Penal[o dispositivo

refere-se à redação antiga do CP, anterior às reformas de 1998].

§ 1º A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o

condenado:

a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender a

intimação por edital;

b) não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que deva prestar

serviço;

233
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

c) recusar-se, injustificadamente, a prestar o serviço que lhe foi imposto;

d) praticar falta grave;

e) sofrer condenação por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não

tenha sido suspensa.

§ 2º A pena de limitação de fim de semana será convertida quando o condenado não

comparecer ao estabelecimento designado para o cumprimento da pena, recusar-se a

exercer a atividade determinada pelo Juiz ou se ocorrer qualquer das hipóteses das

letras "a", "d" e "e" do parágrafo anterior.

§ 3º A pena de interdição temporária de direitos será convertida quando o condenado

exercer, injustificadamente, o direito interditado ou se ocorrer qualquer das hipóteses

das letras "a" e "e", do § 1º, deste artigo.


Prevalece que a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos é direito subjetivo do réu, não uma faculdade do juiz. Assim, comprovada a
presença do rol de requisitos, o juiz deve substituir a pena.
É imprescindível a prévia intimação pessoal do reeducando que descumpre pena
restritiva de direitos para que se proceda à conversão da pena alternativa em privativa
de liberdade. Isso porque se deve dar oportunidade para que o reeduncando esclareça
as razões do descumprimento, em homenagem aos princípios do contraditório e da
ampla defesa (Informativo 536 do STJ, 5ª Turma, HC 251.312-SP, Rel. Min. Moura
Ribeiro, julgado em 18/2/2014).

6.4.1.7. Prestação de serviços à comunidade (art. 46 do CP)


Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às

condenações superiores a seis meses de privação da liberdade.


Se a pena privativa de liberdade não for superior a seis meses, está vedada a
substituição por prestação de serviços à comunidade; sendo superior a seis meses, tal
substituição está autorizada.

6.4.1.8. Prestação pecuniária (art. 45, § 1º do CP)


Art. 45 (...) § 1º A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima,

a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de

importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360

(trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de

eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.


Qual é a diferença entre a prestação pecuniária e a multa?

Prestação pecuniária Multa


Espécie de pena alternativa. Espécie de pena alternativa.
Beneficiários: vítima, seus dependentes Beneficiário: o Estado (a multa vai para o
(Cezar Roberto Bittencourt: não abrangendo Fundo Penitenciário).
os sucessores não rotulados como tais) ou
entidade pública ou privada com destinação
social.

234
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Consiste no pagamento de 1 a 360 salários Consiste no pagamento de 10 a 360 dias-


mínimos. multa.
O valor pago pode ser deduzido da eventual Não admite dedução de eventual condenação
condenação civil, se coincidentes os no cível.
beneficiários.
Pode ser convertida em privativa de Não pode ser convertida em privativa de
liberdade, segundo o STF. liberdade (lembrar que há doutrina
minoritária em sentido contrário).
A fiança, no CPP, pode servir para pagamento da prestação pecuniária, nos
termos do que dispõe a Lei 12.403/2011, se o condenado não o fizer espontaneamente.
As penas restritivas de direitos estão previstas em rol taxativo ou exemplificativo?
Elas podem ser criadas pelo juiz, contando inclusive com a participação do réu, ou têm
de estar previstas expressamente em lei? O art. 45, § 2º, fala na suposta ausência de
taxatividade do rol:

Art. 45 (...) § 2º No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a

prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza.


Apesar de a maioria rotular o § 2º do art. 45 de constitucional, entende a minoria
que esse sistema de pena alternativa (não taxativo) é de questionável
constitucionalidade, pois configura pena indeterminada, ferindo o princípio da
legalidade (princípio irrenunciável). Há quem diga que não seria inconstitucional por
conta da possibilidade de concordância do réu. Por isso a observação acerca da
irrenunciabilidade do princípio da legalidade.

6.4.2. Pena de multa


Cominada no preceito secundário do tipo incriminador (isolada, alternativa ou
cumulativa com a pena privativa de liberdade) ou substitutiva da prisão (art. 44 do CP),
a pena de multa é espécie de sanção penal patrimonial, consistente na obrigação
imposta ao sentenciado de pagar ao fundo penitenciário determinado valor em
dinheiro.

6.4.2.1. Introdução
Multa é conceituada como espécie de pena alternativa, consistente no pagamento
ao fundo penitenciário de quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa.
Zaffaroni faz duras criticas a pena de multa, taxando-a de “pena burra” pois na
verdade, não há qualquer certeza de que é efetivamente o condenado quem a paga164.
Duas leis marcam a pena de multa: Lei 9.268/1996 e Lei 9.714/1997.
Antes da Lei 9.268/1996, a pena privativa de liberdade aplicada não superior a
seis meses admitia a substituição por pena de multa (art. 60, § 2º, do CP165). Cabia
conversão em privativa de liberdade em caso de descumprimento (antigo art. 51166).

Vide o caso dos mensaleiros que fizeram pedidos de doações para que simpatizantes
164

pagassem os valores.
165 Art. 60 (...) § 2º - A pena privativa de liberdade aplicada, não superior a 6 (seis) meses, pode
ser substituída pela de multa, observados os critérios dos incisos II e III do art. 44 deste
Código.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

166 Art. 51. A multa converte-se em pena de detenção, quando o condenado solvente deixa de
pagá-la, ou frustra a sua execução (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). (...)
(Revogado)

235
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Após a Lei, manteve-se a possibilidade de substituição da pena privativa de


liberdade no caso de pena não superior a seis meses (art. 60, §2º). Todavia, a lei vedou
a sua conversão em privativa de liberdade. A partir de então, a multa passou a ser
considerada dívida de valor e executada nos termos da Lei de Execuções fiscais (novo
art. 51 do CP):

Art. 51 - Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada

dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da

Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da

prescrição. (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)


Depois da Lei 9.714/1998, o CP passou prever que a pena privativa de liberdade
não superior a um ano poderia ser substituída por multa (art. 44, § 2º). De acordo com
a maioria, continua vedada a sua conversão em privativa de liberdade, em caso de
descumprimento:

Art. 44 (...) § 2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser

feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena

privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e

multa ou por duas restritivas de direitos. (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)
Há, todavia, uma minoria que entende que o art. 60, § 2º, não foi revogado pelo
art. 44, § 2º, do CP, mas que os dispositivos convivem no ordenamento jurídico.
Haveria, segundo esse entendimento, duas hipóteses de conversão da pena privativa de
liberdade por multa:

Art. 60, § 2º Art. 44, § 2º


Prisão de até seis meses. Prisão de até um ano.
Beneficiário não reincidente em crime Beneficiário não reincidente em crime
doloso. doloso.
Crime cometido com violência a pessoa. Crime cometido sem violência a pessoa.
Não admite conversão em privativa de Admite conversão em privativa de liberdade.
liberdade.
Para a maioria, todavia, o art. 60, § 2º, foi revogado e não enseja conversão em
privativa de liberdade. A Súmula 693 do STF representa esse entendimento, ao
determinar que não cabe HC contra decisão condenatória a pena de multa (por não
haver a possibilidade de conversão de prisão):

Súmula 693 - NÃO CABE "HABEAS CORPUS" CONTRA DECISÃO

CONDENATÓRIA A PENA DE MULTA, OU RELATIVO A PROCESSO EM CURSO

POR INFRAÇÃO PENAL A QUE A PENA PECUNIÁRIA SEJA A ÚNICA COMINADA.


Para quem é adepto da corrente minoritária, todavia, em vista da
conversibilidade, caberia HC no caso da pena de multa convertida nos termos do art.
44, § 2º.

6.4.2.2. Sistemas de aplicação da multa


O Código Penal trabalha com a aplicação da pena de multa através da fixação dos
chamados “dias multa”, conforme será visto abaixo.
Entretanto, essa não é a única forma de aplicação desse tipo de pena no sistema
jurídico, havendo outra formas na legislação extravagante, ex: Lei 8666/93 (licitação) –

236
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Art. 99. Trabalha com a idéia de índices percentuais e Lei 8245/91 (locações) - Art. 43.
valor do aluguel.

6.4.2.3. Etapas a serem percorridas para a fixação da pena de multa (art.


49 do CP)
Art. 49 - A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia

fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no

máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

§ 1º - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um

trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5

(cinco) vezes esse salário.

§ 2º - O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de

correção monetária.
Assim, segundo o Art. 49, o juiz, quando fixa pena de multa, deve atentar para
duas etapas:
i) 1ª etapa: Fixação da quantidade de “dias-multa”
Na primeira etapa, ele fixa a quantidade de dias-multa. Há três correntes acerca
do critério de variação dos dias-multa:
1ª corrente: o juiz varia a quantidade de dias-multa de 10 a 360 considerando
somente as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP.
2ª corrente: o juiz deve considerar o sistema trifásico (art. 68 do CP).
3ª corrente: o juiz deve observar a capacidade financeira do condenado.
Na prática, os juízes adotam a primeira corrente, a doutrina entretanto, tem-se
inclinado pela adoção da segunda corrente, ou seja, aplicação à pena de multa do
critério trifásico.
ii) segunda etapa: Decisão do valor do “dia-multa”
Na segunda etapa, o juiz determina o valor de um dia-multa, o qual será
multiplicado pela quantidade de dias-multa fixada.
Aqui não há discussão, o juiz deve considerar a capacidade financeira do
condenado167.
Sendo que o dia-multa varia de 1/30 a 5 vezes o salário mínimo, podendo o juiz
triplicar o valor, se considerar insuficiente168.
Assim, fixando o juiz a quantidade de 10dias-multa, sendo o dia-multa no
mínimo, a multa será equivalente a 1/3 do salário mínimo.
A Súmula 43 do STJ, que representa o entendimento do STF, determina o termo
inicial da atualização da multa: a data do fato.

Súmula 43 - Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do

efetivo prejuízo. [leia-se: desde a data do fato].

167Art. 60: Na fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação

econômica do réu.
168 “Art. 60: § 1º - A multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em

virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo. ”

237
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

6.4.2.4. Cálculo e pagamento da pena de multa


Na fixação da multa, o juiz apenas estabelece o número de dias-multa e o valor
unitário do dia-multa, sendo que a quantificação em “Reais” é feita em outro momento,
assim, após o TJ da Sentença, intima-se o sentenciado a pagar em 10 dias – o cartório
que calcula o valor em reais, segundo o Art. 50 do Código Penal:

“Art. 50 - A multa deve ser paga dentro de 10 (dez) dias depois de transitada em

julgado a sentença. A requerimento do condenado e conforme as circunstâncias, o

juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais.”


Uma vez intimado, por vezes o condenado não realiza o pagamento espontâneo, o
que dará ensejo à execução forçada, uma vez que atualmente é considerada como dívida
ativa, aplicando-se o que couber a lei de execução fiscal, nos termos do Art. 51 do
Código Penal:

“Art. 51 - Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada

dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da

Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da

prescrição.”
Como dívida a ser cobrada através de execução fiscal, discute-se quem tem
legitimidade para assim proceder, havendo três correntes acerca da legitimidade e da
competência para a execução da multa não paga:
1ª corrente: a legitimidade é do MP e a competência do juízo das execuções
criminais, com o rito da lei das execuções fiscais. Ou seja, somente o rito que mudou.
2ª corrente: a legitimidade é da Procuradoria da Fazenda respectiva (estadual
ou federal, a depender do tipo de condenação) e a competência é da Vara das Execuções
Fiscais (Vara da Fazenda Pública). A multa, para esta corrente, não perde o caráter
penal169.
3ª corrente: a legitimidade é da Procuradoria da Fazenda e a competência é da
Vara das Execuções Fiscais, com um detalhe: a multa perde o caráter penal. Esta
terceira corrente entende que a multa, por perder o caráter penal, pode ser executada
em face dos sucessores, passando da pessoa do delinquente.
No STF e no STJ, o entendimento encontra-se pacificado, inclusive por edição de
Súmula:

STJ, Súmula nº 521: A legitimidade para a execução fiscal de multa pendente de

pagamento imposta em sentença condenatória é exclusiva da Procuradoria da

Fazenda Pública.
Obs.: Há um entendimento no STJ170, ainda que não possa executar propriamente
a pena de multa (agora em virtude da Súmula 521), o MP poderia manejar medidas
assecuratórias que visem resguardar o patrimônio do acusado, evitando sua
dilapidação, com a finalidade de que seja garantida a execução da pena de multa.

169Tem importância no sentido de que não poderá passar da pessoa do condenado.


170 (...) Todavia, na hipótese em análise, discute-se a legitimidade do MP não para
cobrança de pena de multa – esta sim de legitimidade da Fazenda Pública –, mas para promover
medida assecuratória, a qual está assegurada tanto pelos termos do art. 142 do CPP quanto pela
própria titularidade da ação penal, conferida pela Constituição Federal. Precedentes. REsp
1.275.834-PR, Rel. Min. Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em
17/3/2015, DJe 25/3/2015.

238
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Obs.: A única multa que nunca será executada perante o juízo das
execuções fiscais é aquela aplicada no Juizado Especial Criminal, por força do art.
98, I, da CR:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes

para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor

complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os

procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a

transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; (...)


Na prática não é o que ocorre.
Obs.: Se a pena de multa tiver um valor irrisório a doutrina discute se há interesse
em sua execução, sendo que uma primeira corrente entende que uma vez que o Estado
gastaria mais para executar do que na arrecadação propriamente dita, não haveria
necessidade em assim proceder. Entretanto, uma segunda corrente, que prevalece,
entende que a cobrança é obrigatória, independentemente do valor apurado, pois a
pena de multa, como pena incide o princípio da inderrogabilidade.

6.4.2.5. Observações finais


Crime “Z”, com pena de um a quatro anos e multa, em que resta fixada pena
privativa de liberdade de um ano, mais 10 dias-multa. Pode o juiz substituir a pena
privativa de liberdade por outra multa?
Nos termos da Súmula 171 do STJ, se o crime “Z” estiver no CP, é possível a
substituição. Se estiver na legislação extravagante, não poderá ser realizada a
substituição:

Súmula 171 - Cominadas cumulativamente, em lei especial, penas privativas de

liberdade e pecuniária, é defeso a substituição da prisão por multa.


O verdadeiro motivo pelo qual a súmula foi criada foi evitar que o usuário de
drogas tivesse pena substituída por multa, isso no regime antigo da Lei 6.368/76, com a
legislação atual (Lei 11.343/06), não há mais motivo para a existência dessa súmula em
que pese os tribunais ainda a apliquem.
Cuidado com o art. 17 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006):

Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a

mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a

substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.


O dispositivo quer que o condenado não sofra somente pena de multa se o crime
tem também previsão de pena privativa de liberdade. Ou seja, ele não quer que o caso
se resolva por meio da multa.
É suspensa a execução da pena de multa se sobrevém ao condenado doença
mental.

239
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA MULTA


Espécie de pena alternativa. Espécie de pena alternativa.
Beneficiários: vítima, seus dependentes Beneficiário: o Estado (a multa vai para o
(Cezar Roberto Bittencourt: não Fundo Penitenciário).
abrangendo os sucessores não rotulados
como tais) ou entidade pública ou
privada com destinação social.
Consiste no pagamento de 1 a 360 Consiste no pagamento de 10 a 360 dias-
salários mínimos. multa.
O valor pago pode ser deduzido da Não admite dedução de eventual
eventual condenação civil, se condenação no cível.
coincidentes os beneficiários.
Pode ser convertida em privativa de Não pode ser convertida em privativa de
liberdade. liberdade (lembrar que há doutrina
minoritária em sentido contrário, tese a
ser usada em prova de Defensoria
Pública).

7. Suspensão condicional da execução da pena


(“sursis”)
7.1. Conceito
A suspensão condicional da execução pena é um instituto de política criminal que
suspende por determinado período de tempo (período de prova) a execução da pena
privativa de liberdade, ficando o sentenciado em liberdade sob determinadas
condições.
Assim, busca-se evitar o recolhimento à prisão do condenado e submetendo-o à
observância de certos requisitos legais e condições estabelecidas pelo juiz, perdurando
estas durante tempo determinado, findo o qual, se não revogada a concessão,

240
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

considera-se extinta a punibilidade (apesar de assim dizer a doutrina, não é o que


está previsto na lei, como será analisado a seguir).
Obs.: Esse trecho “considera-se extinta a punibilidade” será encontrado nos
manuais. Mas, essa expressão merece crítica, pois, na realidade, considera-se extinta a
pena (e não necessariamente a punibilidade).
Encontra previsão o Art. 77 do Código Penal, embora a lei traga as expressão
“poderá” o juiz deve conceder o benefício ao sentenciado que preencha os requisitos,
tratando-se assim de direito subjetivo do réu.

“Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois)

anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: ”

7.2. Sistemas
Há no mundo basicamente três sistemas de sursis: i) franco-belga; ii) anglo-
americano; e iii) probation of first offenders act.

7.2.1. Sistema franco-belga171


No sistema franco-belga, o réu é processado, reconhecido culpado e condenado,
suspendendo-se a execução da pena.

7.2.2. Sistema anglo-americano


Anglo-americano é o sistema do plea barganing. O réu é processado e
reconhecido culpado, suspendendo-se o processo, sem imposição de pena
(condenação).

7.2.3. Sistema do “probation of first offenders act”


No sistemado probation of first offenders act (“a prova para aquele que pela
primeira vez delinque”), o réu é processado e o processo é suspenso, sem implicar
reconhecimento de culpa.
No Código Penal Brasileiro, o sursis adotou o sistema franco-belga.
Entretanto, o sistema do probation está previsto na suspensão condicional do
processo (art. 89 da Lei 9.099/1995).

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano,

abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá

propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não

esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os

demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do

Código Penal).
Obs.: Embora o Brasil não utilize o sistema Anglo-americano, a doutrina aponta o
mesmo como grande inspiração para a Lei 13.850/13, notadamente em relação à
delação premiada, mas o assunto ainda merece ser melhor analisado pela doutrina.
Franco Belga Anglo Americano “Probation of first
offenders act”
- O réu é processado, - O réu é processado, - O réu é processado,
reconhecido culpado, reconhecido culpado, suspendendo-se o processo
condenado, suspendendo-se a suspendendo-se o processo sem reconhecimento de culpa.

171 É por isso que se pronuncia “Sursi” pronuncia-se sem o “s”, pois a origem da palavra é
francesa.

241
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

execução da pena. (evita-se a condenação). - É adotado na Suspensão


Condicional do Processo
- O Brasil adota o
(Art. 89, da Lei 9.099/95).
Sistema Franco Belga.

7.3. Espécies de sursis


De acordo com o previsto nos artigos 77, 77§ 2º e 78 do CP, pode-se verificar
quatro espécies de sursis, onde cada uma delas advém da combinação dos artigos
citados.
Obs.: O sursis simples e o especial são muito parecidos. O que muda são as
condições, que no especial são menos rigorosas.

7.3.1. Sursis simples

7.3.1.1. Previsão legal


O sursis simples está previsto no art. 77, combinado com o art. 78, § 1º, do CP:

Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos,

poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:

I - o condenado não seja reincidente em crime doloso;

II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem

como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício;

III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código.

Art. 78 (...) § 1º - No primeiro ano do prazo, deverá o condenado prestar serviços à

comunidade (art. 46) ou submeter-se à limitação de fim de semana (art. 48).

7.3.1.2. Pressupostos
São pressupostos do sursis simples:
i) pena imposta não superior a dois anos. Considera-se, nesse tempo, o concurso
de crimes;
ii) período de prova (período de suspensão) variando de dois a quatro anos. Dica:
sempre o período mínimo de prova coincidirá com o máximo da pena a
ser suspensa.

7.3.1.3. Condições
No sursis simples, primeiro ano de prazo, o condenado se sujeita ao disposto no
art. 78, § 1º, do CP (tem de prestar serviços à comunidade ou terá limitados seus finais
de semana).

7.3.1.4. Requisitos
Para a aplicação do sursis simples, devem estar presentes os seguintes requisitos:
i. condenado não reincidente em crime doloso;
ii. circunstâncias judiciais favoráveis;
iii. não indicada ou cabível pena restritiva de direitos.
Isso significa que o sursis é subsidiário.

7.3.2. Sursis especial

7.3.2.1. Previsão legal


O sursis especial está previsto no art. 77, combinado com o art. 78, § 2º, do CP:

242
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos,

poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:

I - o condenado não seja reincidente em crime doloso;

II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem

como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício;

III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código.

Art. 78 (...) § 2º Se o condenado houver reparado o dano, salvo

impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do art. 59 deste Código

lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência do

parágrafo anterior pelas seguintes condições, aplicadas cumulativamente: (Redação

dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)

a) proibição de frequentar determinados lugares;

b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz;

c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e

justificar suas atividades.

7.3.2.2. Pressupostos
São pressupostos do sursis especial:
i) pena imposta não superior a dois anos. Considera-se, nesse tempo, o concurso
de crimes;
ii) período de prova (período de suspensão) variando de dois a quatro anos. Mais
uma vez, fica a dica: sempre o período mínimo de prova coincidirá com o máximo da
pena a ser suspensa;
O legislador repete os pressupostos nos sursis especial e simples, pois está
preocupado com o “princípio da suficiência da pena alternativa172”.
iii) reparação do dano (ou comprovada impossibilidade de fazê-lo);
iv) condições judiciais inteiramente favoráveis.

7.3.2.3. Condições
No sursis especial, primeiro ano, o condenado se sujeita às condições previstas no
art. 78, § 2º, do CP: comparecimento mensal, proibição de ausentar-se sem autorização
do juiz e proibição de frequentar determinados lugares.
Veja que são condições menos rigorosas que as do sursis simples, pois o
agente reparou o dano. Por isso sursis especial.

7.3.2.4. Requisitos
Para a aplicação do sursis especial, devem estar presentes os seguintes requisitos:
i) condenado não reincidente em crime doloso;

172 Segundo o principio da suficiência da pena alternativa, se uma pena menos aflitiva é
suficiente para punir determinada conduta, não deve o juiz impor uma pena mais grave. Ou seja,
preenchidos os requisitos legais, o juiz poderá substituir a pena de prisão por uma pena
restritiva de direitos.

243
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

ii) circunstâncias judiciais favoráveis;


iii) não indicada ou cabível pena restritiva de direitos. Isso significa que o sursis é
subsidiário.

7.3.3. Sursis etário

7.3.3.1. revisão legal


A previsão legal do sursis etário está no art. 77, § 2º, 1ª parte:

Art. 77 (...) § 2º A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro

anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado

seja maior de setenta anos de idade[sursis etário], ou razões de saúde

justifiquem a suspensão[sursis humanitário]. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de

1998)

7.3.3.2. Pressupostos
São pressupostos do sursis etário:
i) pena imposta não superior a quatro anos. Considera-se, nesse tempo, o
concurso de crimes;
ii) período de prova variando de quatro a seis anos. Sempre o mínimo período de
prova corresponde ao máximo da pena a ser suspensa.
iii)maior de setenta anos. Este é um requisito especial. Deve-se atentar para o
fato de que o dispositivo não foi alterado pelo Estatuto do Idoso, de modo que nem
todo idoso será beneficiado com o sursis etário.

7.3.3.3. Condições
As condições do sursis etário variam de acordo com o fato de haver ou não o
condenado reparado o dano. Podem ser, portanto, as condições do art. 78, § 1º(caso
tenha havido reparação) ou 2º (caso não tenha havido reparação).

7.3.3.4. Requisitos
Para a aplicação do sursis etário, devem estar presentes os seguintes requisitos:
i) condenado não reincidente em crime doloso;
ii) circunstâncias judiciais favoráveis;
iii) não indicada ou cabível pena restritiva de direitos (como dito, o sursisé
subsidiário).

7.3.4. Sursis humanitário

7.3.4.1. Previsão legal


A previsão legal do sursis humanitário está no art. 77, § 2º, 2ª parte.

7.3.4.2. Pressupostos
São pressupostos do sursis humanitário:
i) pena imposta não superior a quatro anos. Considera-se, nesse tempo, o
concurso de crimes;
ii) período de prova variando de quatro a seis anos. Sempre o mínimo período de
prova corresponde ao máximo da pena a ser suspensa.

244
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

iii) doença cujo tratamento não é possível no cárcere ou doente em estado


terminal. Este é o pressuposto especial. A AIDS, hoje, já consegue tratamento no
cárcere.

7.3.4.3. Condições
Assim como no sursis etário, as condições variam de acordo com o fato de haver o
condenado reparado ou não o dano. Podem ser, portanto, do art. 78, § 1º ou 2º, do
Código Penal.

7.3.4.4. Requisitos
Para a aplicação do sursis humanitário, devem estar presentes os seguintes
requisitos:
i) condenado não reincidente em crime doloso;
ii) circunstâncias judiciais favoráveis;
iii) não indicada ou cabível pena restritiva de direitos (o sursis é subsidiário).

7.3.5. Quadros sinóticos


Espécie de Pressupostos Condições (sempre Requisitos
sursis aplicáveis no 1º ano de
prazo)
Simples (art. i) pena imposta não superior Art. 78, § 1º, do CP: Condenado não
77, c/c art. a dois anos e período de prestação de serviços à reincidente em crime
78, § 1º, do prova variando de dois a comunidade ou doloso, circunstâncias
CP) quatro anos. limitação de final de judiciais favoráveis e
semana. não indicada ou cabível
pena restritiva de
direitos.
Especial i) pena imposta não superior Art. 78, § 2º, do CP: Condenado não
a dois anos e período de comparecimento reincidente em crime
(art. 77, c/c
prova variando de dois a mensal, proibição de doloso, circunstâncias
art. 78, § 2º,
quatro anos. ausentar-se sem judiciais favoráveis e
do CP)
autorização do juiz e não indicada ou cabível
ii) reparação do dano (ou
proibição de pena restritiva de
comprovada impossibilidade
frequentar direitos.
de fazê-lo);
determinados lugares.
iii) condições judiciais
favoráveis.
Etário (art. i) pena imposta não superior Condições do art. 78, § Condenado não
77, § 2º, 1ª a quatro anos e período de 1º (caso tenha havido reincidente em crime
parte, do CP) prova variando de quatro a reparação) ou 2º (caso doloso, circunstâncias
seis anos; não tenha havido judiciais favoráveis e
reparação). não indicada ou cabível
ii) maior de setenta anos.
pena restritiva de
direitos.
Humanitário i) pena imposta não superior Condições do art. 78, § Condenado não
a quatro anos e período de 1º (caso tenha havido reincidente em crime
(art. 77, § 2º,
prova variando de quatro a reparação) ou 2º (caso doloso, circunstâncias
2ª parte, do
seis anos; não tenha havido judiciais favoráveis e
CP)
reparação). não indicada ou cabível
ii) doença cujo tratamento
pena restritiva de
não é possível no cárcere ou
direitos.
doente em estado terminal.
“Sursis” Simples’(Art. 77 c/c Art. 78, §1) “Sursis” Especial(Art. 77 c/c Art. 78, §2)
- Pressupostos: - Pressupostos:
a) pena Imposta não superior a 2 (dois) anos a) pena imposta não superior a 2 (dois) anos

245
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

(considera-se o concurso de crimes). (considera-se o concurso de crimes).


b) período de prova (prazo de suspensão): de b) período de prova (prazo de suspensão): de 02
02 (dois) a 04 (quatro) anos. (dois) a 04 (quatro) anos.
no 1º ano: Art. 78, §1º: Prestação de no 1º ano: Art. 78, §2º: proibição de
Serviços à Comunidade OU Limitação de Fim frequentar determinados lugares; + proibição de
de Semana. ausentar-se da comarca onde reside, sem
autorização do juiz; + comparecimento pessoal e
obrigatório a juízo, mensalmente, para informar
- Requisitos: e justificar suas atividades.
I) Condenado não reincidente em crime doloso
II) Circunstâncias Judiciais Favoráveis - Requisitos:
(Princípio da Suficiência: o juiz deve analisar
I) Condenado não reincidente em crime doloso
se o “sursis” é suficiente para atingir os fins da
pena). II) Circunstâncias Judiciais INTEIRAMENTE
Favoráveis (Princípio da Suficiência).
III) Não cabível PRD (o “Sursis” é subsidiário)
III) Não cabível PRD (o “Sursis” é subsidiário)
IV)Reparação do Dano, salvo
impossibilidade de fazê-lo.
“Sursis” Etário (Art. 77, §2º, 1ª parte) “Sursis” Humanitário (Art. 77 §2º, 2ª
parte)
- Pressupostos: - Pressupostos:
a) Pena imposta não superior a 4 anos a) Pena imposta não superior a 4 anos
b) Período de Prova: de 4 a 6 anos b) Período de Prova: de 4 a 6 anos
c) Condenado maior de 70 anos (OBS.: essa c) Razões de Saúde justificam o benefício
idade não foi alterado pelo Estatuto do Idoso – (doenças cuja cura ou tratamento é incompatível
PRAVELECE) com o cárcere).
no 1º ano: no 1º ano:
Art. 78, §1º; ou Art. 78, §1º; ou
Art. 78, §2º (se reparou o dano). Art. 78, §2º (se reparou o dano).

- Requisitos: - Requisitos:
I) Não reincidente em crime doloso; I) Não reincidente em crime doloso;
II) Circunstâncias Judiciais Favoráveis; II) Circunstâncias Judiciais Favoráveis;
III) Não cabível PRD III) Não cabível PRD
Sursis Simples Sursis Especial
Previsão Legal Art. 77 c/c art. 78, §1º, do CP Art. 77 c/c art. 78, §2º, do CP
Pena imposta não superior a 2 anos
Pressupostos (considera-se o concurso de crimes para avaliar esse pressuposto).

Varia de 2 a 4 anos. (O mínimo do Varia de 2 a 4 anos.


prazo de suspensão deve ser igual ao No primeiro ano, ocorre a proibição
Período de máximo da pena). de frequentar determinados
Prova No primeiro ano, ocorre prestação de lugares, proibição de ausentar da
(prazo de serviços à comunidade ou limitação de comarca sem autorização ou
suspensão) fim de semana (art. 78, §1º, do CP) comparecimento em juízo, pois o
agente reparou o dano ou
comprovou a impossibilidade de
fazê-lo (art. 78, §2º, do CP).
Esse sursis é especial, pois tem
condições menos rigorosas.

246
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

• Condenado não reincidente em crime doloso.


• Circunstâncias judiciais favoráveis, considerando-se os fins da pena
Requisitos (princípio da suficiência);
• Não indicadas ou cabíveis restritivas de direitos (o sursis é, então,
subsidiário).
Ex.1: Roubo simples tentado, com violência à pessoa – pena aplicada em 2
anos.
Ex.2: Lesão corporal grave ou gravíssima.
Sursis Etário Sursis Humanitário
Previsão Legal Art. 77, §2º, 1ª parte, do CP. Art. 77, §2º, 2ª parte, do CP.
Pena Imposta não superior a 4 anos. Pena Imposta não superior a 4
Condenado maior de 70 anos (a idade anos.
Pressupostos não foi alterada pelo estatuto do idoso, Razões de saúde justificam o
de modo que nem todo idoso tem direito beneficio. Razões de saúde são
ao sursis etário). doenças cuja cura ou tratamento é
incompatível com o cárcere. Hoje,
a AIDS, por si só, não impede o
encarceramento, porque é
possível tratar a AIDS mesmo na
clausura.
Período de Varia de 4 a 6 anos. (O mínimo do prazo de suspensão deve ser igual ao
Prova máximo da pena).
(prazo de No primeiro ano, o agente fica sujeito ao art. 71, §1º, do CP ou, se tiver
suspensão) reparado o dano, ficará sujeito Às condições do art. 78, §2º, do CP.
• Condenado não reincidente em crime doloso.
Requisitos • Circunstâncias judiciais favoráveis, considerando-se os fins da pena
(princípio da suficiência);
• Não indicadas ou cabíveis restritivas de direitos (o sursis é, então,
subsidiário).

7.4. Perguntas de concurso


7.4.1. Reincidente por crime de multa
Imagine que determinado sujeito, no passado, tenha sido definitivamente
condenado por furto privilegiado, e a pena imposta foi multa. No presente, o agente é
condenado por novo crime doloso. Porém, a uma pena de dois anos. Entre o
cumprimento da pena do crime passado e a prática do presente, há menos de cinco
anos.Cabe sursis?
O agente é reincidente em crime doloso. Não preenche, portanto, o primeiro
requisito do art. 77. À primeira vista, poderia parecer que não caberia suspensão
condicional da pena. Porém, cuidado com o art. 77, § 1º, do CP: multa gera
reincidência, mas uma reincidência que não impede a concessão dosursis:

Art. 77 (...) § 1º - A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do

benefício.

7.4.2. Sursis X Crimes hediondos ou equiparados


Não havendo vedação expressa, prevalece ser cabível sursis para crime hediondo
ou equiparado, desde que preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos
(circunstâncias judiciais indicando que o sursis é suficiente). Ou seja, deve-se justificar
o cabimento com base no princípio da suficiência.

7.4.3. Sursis e tráfico de drogas


Não cabe sursis para o condenado por tráfico de drogas, em virtude da vedação
expressa prevista no art. 44 da Lei 11.343/2006:

247
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Art. 44.Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são

inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória,

vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.


Essa vedação, todavia, é constitucional? Com fundamento no princípio da
isonomia, se cabe sursis para crimes hediondos e equiparados, deve ser cabível no
tráfico de drogas. Ex.: se cabe sursis para tortura, por que não caber para tráfico?
Além disso, a vedação com base na gravidade em abstrato do crime é
inconstitucional, ferindo o princípio da individualização da pena, bem como Sumula do
STJ.
Não bastasse tudo isso, o STF decidiu que o condenado por tráfico pode ser
beneficiado com pena restritiva de direitos. Desse modo, o sursis (que é o “menos” e
subsidiário) deveria também ser admitido.
Na mesma linha de raciocínio que culminou com a inconstitucionalidade da
proibição de concessão de penas restritivas de direitos, da vedação da liberdade
provisória e de imposição do regime inicial obrigatoriamente fechado, temos decisões
julgando a proibição do “sursis” igualmente inconstitucional, mas não é o que
prevalece.

7.4.4. Sursis para estrangeiro em situação irregular no país


A Lei 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro) veda a concessão do sursis para o
estrangeiro em situação irregular no país. Porém, a 1ª Turma do STF, com fundamento
no princípio da isonomia, aplicou os benefícios previstos para o estrangeiro em situação
regular para o estrangeiro em situação ilegal. Aliás, estendeu ao estrangeiro, mesmo
que em situação ilegal, todos os benefícios conferidos ao nacional (HC 103.311/PR).

7.4.5. Sursis incondicionado


Sursis incondicionado seria aquele sem condições no primeiro ano de prova.
Como visto, todas as espécies de sursis estudadas são condicionadas. Não existe
previsão legal de sursis incondicionado.
E se o juiz da condenação aplicar sursis sem condições e a sentença transitar em
julgado? Há, aqui, duas correntes:
1ª corrente: se, por mera falha, não foi imposta nenhuma condição, não pode o
juiz da execução supri-la (posição a ser adotada em prova para a Defensoria Pública);
2ª corrente: se o juiz da condenação se omite em especificar as condições, o juiz
da execução pode determiná-las.
Haveria, nesse segundo entendimento, ofensa à coisa julgada? A segunda
corrente entende que não se pode falar em ofensa à coisa julgada, pois ela diz respeito à
concessão do sursis, e não às condições, as quais podem ser alteradas no curso da
execução da pena (STF e STJ).

7.5. Revogação do sursis


Na medida em que suspensão condicional da execução da pena, o sursis está
sujeito a revogação, que pode ser obrigatória ou facultativa.
Na medida em que devem ser respeitadas, essas hipóteses de revogação são
chamadas “condições legais indiretas do sursis”.

7.5.1 – revogação obrigatória (art. 81, I, II e III, do CP


Art. 81 - A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário:

I - é condenado, em sentença irrecorrível, por crime doloso;

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II - frustra, embora solvente, a execução de pena de multa ou não efetua, sem motivo

justificado, a reparação do dano;

III - descumpre a condição do § 1º do art. 78 deste Código[prestação de serviços à

comunidade ou limitação de fim de semana]. (...)

7.5.1.1.Beneficiário condenado, em sentença irrecorrível, por crime


doloso
Para a incidência da hipótese de revogação prevista no art. 81, I, do CP, pouco
importa ter sido a nova infração penal cometida antes ou depois do início do
período de prova, bem como a espécie de infração.
Para o juiz revogar obrigatoriamente o sursis, ele deve ou não ouvir antes o
beneficiário? Prevalece que esta hipótese dispensa a oitiva do beneficiário.
Ou seja, é uma causa de revogação obrigatória automática. O beneficiário já se
defendeu no processo em que foi condenado, motivo pelo qual ele não será novamente
ouvido.
Obs.: Para Rogério Greco, apesar do silencio da lei, se o reeducando for
condenado a uma pena de multa por crime doloso, o benefício não será
obrigatoriamente revogado.

7.5.1.2.Beneficiário frustra, embora solvente, a execução da pena de


multa
Esta primeira parte do art. 81, II, do CP, foi tácita/implicitamente revogada pela
Lei 9.268/1996.
Como visto, esta lei vedou a possibilidade de conversão da multa em
pena privativa de liberdade.
Ora, se a pena de multa não pode ser transformada em privativa de liberdade, a
frustração da execução da pena de multa não pode mais ser causa de revogação do
sursis.
Caso contrário, seria um meio indireto de transformação da pena de multa em
privativa de liberdade.

7.5.1.3.Beneficiário não efetua, sem motivo justificado, a reparação do


dano
A reparação do dano é uma condição legal de todo e qualquer sursis173.
É condição direta do sursis especial e indireta das demais modalidades.
Assim, de um modo ou de outro, o agente terá de reparar o dano. Reparado o
dano antes da condenação definitiva, será cabível o sursis especial. Caso não repare o
dano depois, o benefício será revogado.

Reparação antes da condenação definitiva Reparação depois da condenação definitiva


Se a reparação do dano ocorre antes da Depois da condenação, a reparação do dano
condenação definitiva, gera o sursis especial. deve ser feita para evitar a revogação das
demais espécies de sursis.
Não efetuar a reparação “sem motivo justificado” significa que o beneficiário
deve ser ouvido, para justificar por que não reparou o dano.

173O sursis especial tem lugar quando o agente, antes de ser condenado e eventualmente
recebido o benefício, se antecipa à reparação do dano, requisito essencial para a concessão de
qualquer espécie do benefício.

249
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7.5.1.4. Beneficiário descumpre a condição do art. 78, § 1º, do CP


O art. 78, § 1º,do CP prevê, como condição do sursis simples (aplicável também
ao etário e ao humanitário em que a reparação do dano não tenha sido realizada antes
da condenação definitiva), a prestação de serviços à comunidade ou a limitação de fim
de semana.
Caso o beneficiário descumpra tais condições, o sursis será revogado. Esta
modalidade de revogação exige a prévia oitiva do beneficiário. Repare, portanto,
que somente a revogação prevista no inciso I do art. 88 é automática.

7.5.2. Revogação facultativa (art. 81, § 1º)


Art. 81 (…) § 1º - A suspensão poderá ser revogada se o condenado descumpre

qualquer outra condição imposta ou é irrecorrivelmente condenado, por crime

culposo ou por contravenção, a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos.


Segundo o art. 81, § 1º, do CP, são hipóteses de revogação facultativa do sursis:
i) descumprimento pelo beneficiário de qualquer outra condição imposta (art. 78,
§ 2º ou art. 79 do CP):

Art. 78 (...) § 2° Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de

fazê-lo, e se as circunstâncias do art. 59 deste Código lhe forem inteiramente

favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência do parágrafo anterior pelas seguintes

condições, aplicadas cumulativamente: (Redação dada pela Lei nº 9.268, de

1º.4.1996)

a) proibição de frequentar determinados lugares;

b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz;

c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e

justificar suas atividades.

Art. 79 - A sentença poderá especificar outras condições a que fica subordinada a

suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado.


ii) condenação definitiva do beneficiário por crime culposo ou contravenção penal
a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos (leia-se: condenação a pena
que não seja de multa).
Diante de uma das hipóteses de revogação facultativa previstas no art. 81, § 1º, do
CP, pode o juiz optar: i) pela revogação; ii) por nova advertência; iii) por prorrogar o
período de prova até o máximo; ou iv) por exacerbar as condições impostas.
Revogação não pode ser confundida com a cassação do sursis.
A revogação ocorre depois da audiência de advertência. As hipóteses de revogação
já foram estudadas (art. 81 do CP). Não se confunde com a cassação, que ocorre antes
da audiência de advertência.
As hipóteses de cassação do sursis são duas: i) o beneficiário não comparece à
audiência admonitória, sem justificar (nesse caso, o MP pede a cassação do benefício);
ii) o beneficiário não aceita o benefício, recusando as condições; e iii) provimento de
recurso da acusação contra a concessão do benefício.
Revogação Cassação
- pressupõe início do período de prova; - O período de prova não teve início

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- Hipóteses: Art. 81 CP - Hipóteses:


a) o condenado não comparece a audiência
admonitória;
b) o condenado não aceita as condições do
benefício;
c) decisão concessiva reformada no
tribunal.

7.6. Prorrogação do sursis


Art. 81 (…) § 2º - Se o beneficiário está sendo processado por outro crime ou

contravenção, considera-se prorrogado o prazo da suspensão até o julgamento

definitivo.
A prorrogação pressupõe recebimento de denúncia ou queixa pelo outro crime ou
pela contravenção. Simples inquérito policial não prorroga o prazo de
suspensão.
Não importa se o crime é doloso ou culposo, ou se se trata de contravenção.
Havendo o recebimento da denúncia ou queixa, prorroga-se automaticamente o
prazo do sursis.
Durante a prorrogação, não subsistem as condições impostas originariamente. O
beneficiário não ficará, por exemplo, durante todo o prazo de prorrogação, tendo de
prestar serviços à comunidade ou comparecer em juízo.

7.7. Cumprimento das condições


Art. 82 - Expirado o prazo sem que tenha havido revogação, considera-se extinta a

pena privativa de liberdade.


Como visto por ocasião do estudo do conceito do sursis, o benefício extingue a
punibilidade. Isso para a doutrina. A lei alerta, todavia: considera-se extinta a pena
privativa de liberdade. O sursis exaure a punibilidade.

7.8. Casuística
7.8.1. Sursis simultâneos
É possível haver sursis simultâneos, desde que, depois de aplicado o primeiro
sursis, o segundo o seja antes da realização da audiência admonitória do primeiro.
Assim, Sua existência é possível quando o réu, durante o período de prova, é
condenado irrecorrivelmente por crime culposo ou contravenção a pena privativa de
liberdade não superior a dois anos. Nesse caso ele pode obter novo sursis porque não é
reincidente em crime doloso. E nada obsta a manutenção do primeiro, pois a revogação
é facultativa” (Flavio Monteiro de Barros).

7.8.2. Sursis sucessivos


É possível haver sursis sucessivos, exemplificando a doutrina com o caso do
agente que, depois de cumprir o sursis (ou durante o período de prova), vem a ser
condenado por crime culposo ou contravenção penal.
Assim, Sursis sucessivo é o obtido pelo réu após a extinção do sursis anterior, o
que ocorre quando o sujeito, depois de cumprir o benefício, pratica delito culposo ou
contravenção penal. Como não é reincidente em crime doloso, nada obsta que venha
novamente a beneficiar-se do sursis” (Flávio Monteiro de Barros).

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7.8.3. Sursis na legislação extravagante


O sursis pode ter regramentos especiais em legislação extravagante. Preveem
regras específicas relacionadas ao tema a Lei 9.606/1998 (art. 16) e a Lei das
Contravenções Penais:

7.8.3.1. Contravenções Penais:


LCP, Art. 11. Desde que reunidas as condições legais, o juiz pode suspender, por

tempo não inferior a um ano nem superior a três, a execução da pena de prisão

simples, bem como conceder livramento condicional.


Os requisitos para o sursis são os mesmos do CP. O período de prova para as
contravenções, contudo, é menor, ou seja, é de um a três anos, enquanto nos crimes é
de dois a quatro.

7.8.3.2. Código Penal Militar


Art. 88. A suspensão condicional da pena não se aplica:

I – ao condenado por crime cometido em tempo de guerra;

II – em tempo de paz:

a) por crime contra a segurança nacional, de aliciação e incitamento, de violência

contra superior, oficial de dia, de serviço ou de quarto, sentinela, vigia ou plantão, de

desrespeito a superior, de insubordinação, ou de deserção;

b) pelos crimes previstos nos arts. 160, 161, 162, 235, 291 e seu parágrafo único, ns. I

a IV.

7.8.3.3. Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais), Art. 16:


Art. 16. Nos crimes previstos nesta Lei, a suspensão condicional da pena pode ser

aplicada nos casos de condenação a pena privativa de liberdade não superior a três

anos.
Embora o instituto se encontre um tanto esvaziado em virtude da ampliação da
possibilidade de substituição por PRD, que é mais favorável, vale o registro de que,
tratando-se de crimes ambientais (LCA, art. 16), pode ser concedida suspensão em
condenação a PPL até três anos, e não dois, como se dá em relação ao sursis comum e
ao especial (CP, art. 77).

8. Concurso de crimes
8.1. Conceito
Ocorre o concurso de crimes quando o agente, com uma ou várias condutas,
realiza mais de um crime.

8.2. Espécies
Há três espécies de concursos de crimes: i) concurso material – Art. 69; ii)
concurso formal – Art. 70; e iii) continuidade delitiva – Art. 71.

8.3. Infrações penais que admitem concurso de crimes


Em tese, todas as infrações admitem concurso de crimes (crime consumado ou
tentado, comissivo ou omissivo, doloso ou culposo).

252
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É perfeitamente possível que haja concurso entre um crime doloso e um culposo.


Exemplo:aberratio ictusem que o agente mata quem queria (homicídio doloso) e acaba
ferindo terceiro sem vontade (lesão culposa).
a) Comissivo/omissivo;
b) Doloso/culposo;
c) Consumado/tentado;
d) Simples/qualificado;
e) Crime/contravenção penal.

8.4. Concurso material (ou real) de crimes


8.4.1. Previsão legal
O concurso material de crimes está previsto no art. 69 do CP:

Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão,

pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se

cumulativamente[as penas aplicadas isoladamente são somadas] as

penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação

cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.

8.4.2. Requisitos
São requisitos do concurso material:
i) pluralidade de condutas;
ii) pluralidade de crimes.

8.4.3. Espécies de concurso material

8.4.3.1. Concurso material homogêneo


O concurso material homogêneo ocorre quando os crimes são da mesma
espécie. Ex. dois crimes de furto, um em Ribeirão, outro em São Paulo

8.4.3.2. Concurso material heterogêneo


O concurso material heterogêneo ocorre quando os crimes não são da mesma
espécie. Ex.: roubo e estupro.

8.4.4. Regras de fixação de pena no concurso material


No concurso material, as penas são aplicadas individualmente, isto é,
cada crime tem sua pena aplicada de forma isolada.
Em seguida, as penas devem ser cumuladas, somadas (sistema da
cumulação).

8.4.4.1. Sistema da cumulação ou Cúmulo material


Um furto e um estupro, na forma do art. 69 do CP. O juiz aplicará a pena para o
furto e depois para o estupro. A pena do furto (art. 155 do CP) varia de 1 a 4 anos; a do
estupro (art. 213 do CP) varia de 6 a 10 anos. O juiz aplicará o critério trifásico,
isoladamente, para ambos os crimes. Encontrada a pena definitiva para o furto de, por
exemplo, um ano, e para o estupro de, por exemplo, seis anos, como há o cúmulo
material, as penas serão somadas, e o sujeito cumprirá sete anos.

253
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

8.4.4.2. Detenção X Reclusão


Crime “X”, punido com detenção, e crime “Y”, punido com reclusão. A soma das
penas será feita na forma do art. 69, caput, 2ª parte:

Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou

mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de

liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de

reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.


Executa-se primeiro a reclusão, depois a detenção.

8.4.4.3. Privativa de liberdade X Restritiva de direitos


Crimes “X” e “Y”, em concurso material. Para o crime “X”, é imposta pena
privativa de liberdade. Cabe, para o crime “Y”, a aplicação de pena restritiva de
direitos?
A resposta está no art. 69, § 1º, do CP:

Art. 69 (...) § 1º - Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena

privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será

incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código.


Assim, somente caberá restritiva de direitos ao crime “Y” se a pena privativa do
crime “X” for suspensa. Imposta pena privativa de liberdade não suspensa para um dos
crimes, ao outro não caberá a substituição por restritiva de direitos.

8.4.4.4. Cumprimento de mais de uma pena restritiva de direitos


Crime “X”, em concurso material com o crime “Y”. Para ambos, o juiz aplicou
pena restritiva de direitos. Como se dará o cumprimento das penas?
A resposta está prevista no art. 69, § 2º, do CP:

Art. 69 (...) § 2º - Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado

cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as

demais.
O cumprimento será, portanto, simultâneo, se as penas forem compatíveis, ou
sucessivo, se não compatíveis.

8.4.4.5. Concurso material e concessão de fiança depois da Lei


12.403/2011
Com o advento da Lei 12.403/2011, a fiança passou a caber independentemente
do quantum da pena. Com efeito, a inafiançabilidade não diz mais respeito ao
quantum, mas ao tipo de crime (hediondos e equiparados, racismo e ação de grupos
armados).
Em crimes cuja pena máxima abstratamente cominada seja de até quatro anos, a
fiança é concedida pela autoridade policial. Acima de quatro anos de pena máxima em
abstrato, a fiança é concedida pela autoridade judicial. Para saber se a pena máxima
está ou não acima dos quatro anos, deve-se considerar o concurso de crimes.

8.4.4.6. Concurso material e suspensão condicional do processo (art. 89


da Lei 9.099/1995)
A suspensão condicional do processo somente é admissível quando, no concurso
material, a somatória das penas mínimas abstratamente previstas nos crimes não
ultrapassar um ano, pressuposto do art. 89 da Lei 9.099/1995 (posições do STF e do
STJ).

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8.4.4.7. Concurso material e prescrição


Como visto anteriormente, no concurso material de crimes cada crime tem uma
prescrição autônoma (art. 119 do CP):

Art. 119 - No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a

pena de cada um, isoladamente.


As penas, portanto, não são somadas para se aquilatar o prazo prescricional.

8.5. Concurso formal (ou ideal) de crimes


8.5.1. Previsão legal
O concurso formal de crimes está previsto no art. 70 do CP:

Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica

dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas

cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um

sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou

omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos,

consoante o disposto no artigo anterior. (...)

8.5.2. Requisitos do concurso formal


São requisitos do concurso formal de crimes:
i) conduta única:
Cuidado, pois conduta única não importa, obrigatoriamente, em ato único,
podendo haver conduta fracionada em vários atos174.
ii) pluralidade de crimes.

8.5.3. Espécies de concurso formal

8.5.3.1. Concurso formal homogêneo


No concurso formal homogêneo, os crimes decorrentes da conduta única são da
mesma espécie (mesmo tipo penal) ex. acidente de transito causando a morte de dois
passageiros.

8.5.3.2. Concurso formal heterogêneo


No concurso formal heterogêneo, os crimes decorrentes da conduta única são de
espécies diversas (não estão no mesmo tipo penal). Ex: Acidente de transito causando
lesões corporais em um passageiro e morte de outro

8.5.3.3. Concurso formal perfeito (normal ou próprio)


O concurso formal perfeito (normal ou próprio) ocorre quando não há
desígnios autônomos (leia-se: vontade) em relação a cada um dos crimes.

8.5.3.4. Concurso formal imperfeito (anormal ou impróprio)


No concurso formal imperfeito (anormal ou impróprio), há desígnios
autônomos em relação a cada um dos crimes.

174 Há um exemplo extremamente controvertido na jurisprudência: assalto em ônibus. Há

quem diga que se trata de concurso material (um crime para cada passageiro) e há quem diga
que se trata de continuidade delitiva. Para o STF, todavia, o concurso é formal impróprio: há
uma só conduta fracionada em vários atos (ou seja, cada passageiro é uma fração de uma só
conduta).

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8.5.4. Regras de fixação da pena

8.5.4.1. Concurso formal próprio


No concurso formal próprio (aquele em que não há desígnios autônomos em
relação a cada crime), o juiz aplica uma só pena, se idênticas as penas dos crimes, ou a
maior, quando não idênticas, em qualquer dos casos aumentada de um sexto
até a metade (sistema da exasperação).
Ex.: um atropelamento gera duas mortes. Trata-se de uma conduta gerando dois
resultados idênticos. O juiz trabalhará com a pena de um só resultado (art. 302 do CTB,
com pena de 2 a 4 anos). Na primeira fase, fixará a pena base, na segunda aplicará as
agravantes e as atenuantes, fixando a pena intermediária e, na terceira fase, aplicará o
art. 70 do CP, aumentando a pena de 1/6 até a metade (causa de aumento), por conta
do concurso formal. Para o STF, quanto mais crimes ocorrerem, mais próximo o
aumento ficará da metade; quanto menos crimes, mais próximo o aumento ficará de
um sexto.
Vale observar que se a soma das penas é melhor para o réu, o sistema da
exasperação deve ser substituído pelo da cumulação, uma vez que o concurso formal de
crimes nasceu para beneficiar o réu, assim prefere-se o que for a ele mais benéfico.
Nesses casos, aplica-se o sistema do cúmulo material benéfico, previsto no art.
70, parágrafo único, do CP:

Art. 70 (...) Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível

pela regra do art. 69 deste Código.


Ex.:aberratio ictus com duplo resultado (homicídio doloso mais lesão culposa).
Há o crime do art. 121 (6 a 20 anos) e do art. 129, § 6º (2 meses a 1 anos). Aplicado o
sistema da exasperação, seria aplicada a pena do homicídio e, na terceira fase, a pena
seria aumentada de um sexto até a metade, por conta do concurso formal. Imaginando-
se uma pena de seis anos mais 1/6, dará uma pena de sete anos. Aplicado o sistema da
cumulação, seria aplicada uma pena de seis anos do homicídio, mais dois meses da
lesão culposa, o que dará uma pena de seis anos e dois meses.
Veja que pelo sistema da cumulação a pena fica menor. Nessa hipótese, é esse o
sistema que será aplicado (cúmulo material benéfico).

8.5.4.2. Concurso formal impróprio


No concurso formal impróprio (ou imperfeito), as penas são somadas, pois, a
exemplo do concurso material, o agente atua com desígnios autônomos (sistema da
cumulação). A pena é aplicada como se se tratasse de concurso material (art. 70, caput,
segunda parte, do CP).

8.6. Crime continuado


A figura do “Crime Continuado” é extremamente necessária no ordenamento
jurídico, pois evitam-se situações esdrúxulas.
Ex.: a doméstica subtrai o faqueiro de ouro do patrão, mas opta levar uma peça
por dia para que ninguém perceba (o faqueiro tem 120 peças, ela demora 120 dias para
subtrair o faqueiro inteiro). Se não existisse o Crime Continuado ela teria praticado 120
furtos e a soma da sua pena seria altíssima e desproporcional. Nesse caso, seria mais
vantajoso praticar o latrocínio e levar o faqueiro embora (a pena seria menor quando
comparado com a soma de 120 furtos).
Entretanto, apesar de necessário, o Crime Continuado deve ser aplicado de
maneira correta a fim de não servir de benefícios para os criminosos habituais sendo
imprescindível ao julgador saber diferenciar Crime Continuado de mera Reiteração
Delituosa (isso acontece aplicando de maneira correta os requisitos necessários do
crime continuado).

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8.6.1. Previsão legal


O crime continuado está previsto no art. 71 do CP:

Art. 71, do CP - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica

dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar,

maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser

havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos

crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de

um sexto a dois terços.

8.6.2. Natureza jurídica do crime continuado


O instituto do crime continuado está baseado em razões de política criminal.
O juiz, ao invés de aplicar as penas correspondentes aos vários crimes praticados
em continuidade, por ficção jurídica, para fins da pena, considera como se um só crime
fosse praticado pelo agente, majorando a sua pena, adotando-se o sistema da
exasperação pois mais benéfico ao réu.
Há três teorias acerca da natureza jurídica do crime continuado:
i) teoria da unidade real: para esta teoria, efetivamente todos os crimes em
continuidade formam um só crime;
ii) teoria mista: para esta teoria, os crimes em continuidade formam um terceiro
delito;
iii) teoria da ficção jurídica: para esta teoria, para o efeito da pena, todos os
crimes formam um só. Somente para efeito da pena.
O Brasil adotou a teoria da ficção jurídica. Prova disso é o art. 119 do CP:

Art. 119 - No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a

pena de cada um, isoladamente.


Para fins de extinção da punibilidade, trabalha-se com cada crime, isoladamente.
Para o efeito da fixação da pena é que se trabalha como se o crime fosse um só.

8.6.3. Continuidade delitiva e homicídio doloso


É possível continuidade delitiva no homicídio doloso?
De acordo com a Súmula 605 do STF, não se admite continuidade delitiva nos
crimes contra a vida:

Súmula 605 - NÃO SE ADMITE CONTINUIDADE DELITIVA NOS CRIMES

CONTRA A VIDA.
Cuidado, todavia, pois a Súmula é anterior ao processo de reforma do CP/1984,
quando foi acrescentado ao art. 71 seu parágrafo único, autorizando a continuidade nos
delitos praticados com violência contra a pessoa (o qual é um gênero, que tem como
espécie o homicídio).
Veja que a Súmula 605 não foi cancelada. Contudo, ela está
evidentementesuperada. O MP, em prova, até hoje costuma aplicá-la(também em prova
do CESPE). A Defensoria Pública não admite a aplicação da Súmula.

8.6.4. Espécies de crime continuado


Há uma divisão estabelecida pela lei, trazendo assim duas espécies de crime
continuado:

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8.6.4.1. Crime continuado genérico: Art. 71, “caput”

8.6.4.1.1. Previsão legal


O crime continuado genérico está previsto no art. 71, caput, do CP:

Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou

mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar,

maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser

havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos

crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de

um sexto a dois terços.

8.6.4.1.2 – requisitos
São requisitos do crime continuado genérico:
i) pluralidade de condutas;
ii) pluralidade de crimes da mesma espécie:
Prevalece que crimes da mesma espécie são os previstos no mesmo tipo penal
protegendo igual bem jurídico. Ex.: furto e roubo não admitem continuidade delitiva,
pois não estão no mesmo tipo penal. Roubo e extorsão também não, pelo mesmo
motivo.
Furto simples e furto qualificado, todavia, admitem a continuidade delitiva,
mesmo que as formas do furto não sejam as mesmas (apesar de haver jurisprudência
não admitindo). Isso porque o dispositivo faz a seguinte alusão: “aplica-se-lhe a pena
de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas”. Somente haverá penas
diversas se os crimes não forem da mesma forma. Para Rogério, ainda que o tipo
mencione a mesma maneira de execução, não se deve prender a minúcias, caso
contrário não haverá nunca a caracterização do crime continuado.
Entre roubo simples e latrocínio, todavia, não se admite continuidade
delitiva, pois os bens jurídicos protegidos não são os mesmos (o latrocínio protege
também a vida). Segundo o STF, para haver a continuidade delitiva, os “crimes da
mesma espécie” devem ser previstos no mesmo tipo penal, protegendo o mesmo
bem jurídico.
Obs.: O STJ admitiu a continuidade delitiva entre o Art. 168-A e 337-A, trata-se
de uma decisão isolada175.
iii) existência de um elo de continuidade:
Para haver continuidade delitiva (e isso é o que diferenciará o crime continuado
da habitualidade delituosa), exige-se um elo de continuidade. Isso significa que a
pluralidade de condutas deve seguir as mesmas condições de tempo, de
lugar e a mesma maneira de execução.
Infrações que têm as mesmas condições de tempo, segundo a jurisprudência, são
aquelas que se distanciam uma da outra até 30 dias176.
Obs.: Trata-se de hipótese de jurisprudência como fonte formal imediata
(conforme estudado anteriormente), ou seja, relevando direito penal.

175Resp: 1.212.911
176 Vale destacar que, nos crimes contra a ordem tributária, os tribunais admitem
continuidade delitiva com intervalo temporal de até três exercícios financeiros e se o fato
gerador for eventualmente anual, o STJ já admitiu até cinco anos.

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Para que haja as mesmas condições de lugar, os delitos têm de ser cometidos na
mesma comarca ou em comarcas vizinhas. Isso também é resultado da
jurisprudência.
Por fim, a “mesma maneira de execução” não deve, como visto, ser interpretada
estritamente assim, não se pode exigir que o modus operandi do agente seja
exatamente idêntico. Caso contrário, será muito difícil a configuração da continuidade
delitiva. Evidente que há jurisprudência em sentido contrário. Ex.: caso haja um furto
simples e outro com rompimento de obstáculo, um estupro e um ato diverso da
conjunção carnal ou um roubo com arma de fogo e outro sem, haverá sim continuidade
delitiva.
iv)unidade de desígnios ou homogeneidade subjetiva (há polêmica sobre a
presença deste requisito):
discute-se se para haver continuidade, exige-se unidade de desígnios, ou seja, se
os vários crimes devem ser parte de um plano previamente elaborado pelo agente,
sobre o tema, duas posições:
1ª corrente: além dos requisitos legais, é imprescindível a presença de um “dolo
unitário ou global” que tornem coesas todas as infrações cometidas, executando-se um
plano pré concebido, trata-se da teoria objetivo-subjetiva. Segundo essa corrente, é
a unidade de desígnios que permite distinguir o criminoso habitual daquele em
“continuidade”. Adotam essa teoria Zaffaroni, o STF (HC 890.907) e o STJ (HC
151.012).
2ª corrente: a unidade de desígnio não faz parte dos requisitos do crime
continuado, inclusive por não haver essa previsão no Art. 71, bastando a presença dos
requisitos “i” (pluralidade de condutas), “ii” (pluralidade de crimes da mesma espécie)
e “iii” (elo de continuidade) acima (teoria objetiva pura). Não é a que prevalece, como
se pode perceber pelos julgados citados. É a corrente defendida por Luiz Flávio Gomes
e pela Defensoria Pública.
Obs.: A doutrina trata cada um dos crimes cometidos pelo nome de “delito
parcelar” que ao final, se tornarão um único crime, através da ficção jurídica da
continuidade delitiva.

8.6.4.1.2. Regras de fixação da pena para o crime continuado genérico


No crime continuado genérico, o juiz leva em conta uma só pena, se idênticas, ou
a maior, se não idênticas, em qualquer dos casos aumentando-a de um sexto a dois
terços (sistema da exasperação).
Ex.: havendo cinco furtos em continuidade delitiva, o juiz trabalhará com um só
furto (pena de 1 a 4 anos). Na primeira fase, é fixada a pena base (art. 59), na segunda
fase são aplicadas as agravantes e as atenuantes, que orientam a pena intermediária, e
na terceira fase é feito o aumento da continuidade delitiva (1/6 a 2/3). Quanto mais
crimes, a pena será aumentada a um patamar mais próximo dos 2/3; quanto menos
crimes, mais próximo ficará o aumento de 1/6.

8.6.4.2. Crime continuado específico: Art. 71, parágrafo único

8.6.4.2.1. Previsão legal


O crime continuado específico está previsto no art. 71, parágrafo único, do CP:

Art. 71 (...) Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes,

cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz,

considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do

agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos

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crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as

regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.

8.6.4.2.2. Requisitos
Os requisitos do crime continuado específico são os mesmos do art. 71, caput,
com alguns requisitos especializantes:
i) os crimes têm de ser dolosos;
ii) as vítimas devem ser diferentes;
iii) os crimes devem ter sido cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa.
Presentes essas três especializantes, incidirá o art. 71, parágrafo único.

8.6.4.2.3. Regras de fixação da pena no crime continuado específico


No crime continuado específico, também se aplica o sistema da exasperação,
porém a pena será aumentada de um sexto até o triplo (é o mesmo sistema do caput,
com aumento diverso).
Entretanto, nesta espécie de crime continuado, deve ser observado o cúmulo
material benéfico (art. 70, parágrafo único, do CP), ou seja, se a soma das penas for
mais benéfica que o aumento, é ela que será utilizada.

8.6.4.3. Aplicação cumulativa de concurso formal e continuidade delitiva


Ex.: no dia 1º de outubro, os agentes praticam um roubo em passageiros de um
ônibus. Dias 2 e 3 de outubro, esses assaltantes roubam os passageiros de outros
ônibus, prevalecendo as mesmas condições de local, tempo etc. Repare que cada um
dos três roubos praticados configura concurso formal e eles estão em continuidade
delitiva. Serão aplicados ambos os concursos?
1ª corrente: quando há concurso formal e crime continuado ao mesmo tempo,
só persiste o crime continuado, desfazendo-se o concurso formal, para evitar bis in
idem. Assim, no exemplo, haveria três roubos, em continuidade delitiva (posição de
Luiz Flávio Gomes). Essa posição deve ser utilizada em provas da Defensoria Pública.
2ª corrente: o magistrado deve aplicar, cumulativamente, o aumento do art. 70
e o acréscimo do art. 71, não existindo bis in idem (STF HC 73.821).

8.6.5. Observações importantes

8.6.5.1. Continuidade X crimes dolosos contra a vida


Segundo o Art. 71, parágrafo único, do CP, em tese seria possível, pois homicídio
é crime doloso, com vítimas diferentes (pois não se mata a mesma pessoa duas vezes),
com violência.
Entretanto, a Súmula 605 do STF diz que “não se admite continuidade
delitiva nos crimes conta a vida”.
Necessário observar que a Súmula, contudo, apesar de ser aplicada ainda em
alguns concursos, é anterior à reforma de 1984, não mais seguida pelo legislador com a
introdução do parágrafo único ao art. 71, do CP. Então, afirma-se que esta súmula está
ultrapassada.

8.6.5.2. Crime continuado X Sucessão de leis penais


Aplica-se sempre a ultima lei vigente, ainda que mais grave, segundo a Súmula
711 do STF:

Súmula 711, do STF - A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao

crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da

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permanência.

8.6.5.3. Continuidade de delitiva X Suspensão condicional do processo


Súmula 723 - Não se admite a suspensão condicional do processo por crime

continuado[sursis processual], se a soma da pena mínima da infração mais grave

com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano.


No crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o
aumento mínimo de um sexto for superior a um ano, esqueça a suspensão condicional
do processo, prevista na Lei 9.099/1995.

8.6.5.4. Concurso de Crimes e Reunião de Processos:


Modalidades de Concurso Vínculo Processual “Vis attractiva”
de Crimes
- Material Conexão CPP, Art. 78
- Formal Continência CPP, Art. 78
- Crime Continuado Conexão CPP, Art. 71 (prevenção)

8.6.5.5. Multa no Concurso de Crimes (CP, Art. 72):


Os Critérios da Exasperação e do Cúmulo Material orientam a aplicação da Pena
Privativa de Liberdade, e NÃO a pena de Multa.

Art. 72: No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e

integralmente.

8.6.6. Quadro sinótico concurso de crimes

Previsão Legal Requisitos Sistema


Adotado
Concurso Art. 69, CP Pluralidade de condutas Cúmulo material
Material Pluralidade de crimes ou cumulação
Concurso Art. 70, caput, CP Unidade de conduta Exasperação
Formal Pluralidade de crimes (1/6 até 1/2)
Concurso Unidade de conduta Cúmulo material
Formal Art. 70, caput, CP Pluralidade de crimes ou cumulação
Impróprio + Desígnios autônomos
Crime Pluralidade de condutas
Continuad0 Art. 71, caput, CP Pluralidade de crimes da mesma espécie Exasperação
Genérico Elo de continuidade (1/6 até 2/3)
Pluralidade de condutas
Crime Art. 71, parágrafo Pluralidade de crimes da mesma espécie
Continuado único, CP Elo de continuidade Exasperação
Específico + Crimes dolosos (1/6 até 3x)
Vítimas diferentes
Violência ou grave ameaça

9. Medidas de segurança
9.1. Conceito
A medida de segurança é a medida com que o Estado reage contra a violação da
norma proibitiva por agente não imputável.

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Ou seja, é mais um instrumento (além da pena) utilizado na resposta à violação


da norma penal, aplicado aos agentes não imputáveis ou semi imputáveis.

9.2. Finalidades
Como visto anteriormente, a pena é polifuncional (busca retribuição, prevenção e
ressocialização), está preocupada, principalmente, com o passado, com a culpabilidade
do agente. Já a medida de segurança está preocupada com o futuro, com a
periculosidade do agente. A pena liga-se principalmente à infração penal praticada,
enquanto a medida de segurança está primordialmente preocupada em curar o agente e
no que ele pode vir a fazer.
Pena Medida de Segurança
A pena é polifuncional, porque tem as É essencialmente preventiva (curativa).
seguintes finalidades:
a) Prevenção; Obs: Como toda medida restritiva de
b) Retribuição; liberdade, não se pode negar o seu caráter
c) Ressocialização. penoso. Por isto, fala-se em
(Finalidades preventiva, retributiva e essencialmente preventiva.
ressocializadora).
Volta ao passado Volta ao futuro177
Trabalha com a culpabilidade Trabalha com a periculosidade

9.3. Princípios
Os princípios aplicáveis à medida de segurança são os mesmos das penas, porém
com duas observações:
i) princípio da legalidade:
O art. 1º do CP determina o seguinte:

Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia

cominação legal.
Nesse sentido, discute-se se o dispositivo abrange medida de segurança, a
doutrina se divide:
1ª corrente: sabendo que a medida de segurança tem caráter puramente
assistencial ou curativo, não é necessário que ela se submeta ao princípio da legalidade.
A corrente já foi considerada correta em prova do MP/PI. É o posicionamento adotado
por Assis Toledo (Princípios Básicos de Direito Penal).
2ª corrente: não desconsiderando o caráter penoso da medida de segurança, ela
deve, a exemplo da pena, sujeitar-se ao princípio da legalidade. É a corrente que
prevalece.
ii) princípio da proporcionalidade:
Como visto, a pena se ajusta à gravidade do fato delituoso. Já a medida de
segurança se ajusta ao grau de periculosidade do agente.
Assim, na aplicação da medida como sanção penal, o juiz não poderá
fundamentar na relação de gravidade entre a conduta do agente e a gravidade do fato,
mas, sim no grau de periculosidade daquele que se a ela se sujeita.

9.4. Pressupostos da medida de segurança


9.4.1. Prática de fato previsto como crime
Apesar de falar em crime, o pressuposto abrange, obviamente, a contravenção
penal.

177 Fato abstrato que o agente poderá cometer.

262
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

No Brasil, as medidas de segurança são pós-delituais, ou seja, aplicadas depois


que o agente pratica o injusto penal, não existindo as medidas pré-delituais, ou seja,
aplicadas para prevenir o ilícito penal.

9.4.2. Periculosidade do agente


Periculosidade é a personalidade de certos indivíduos, militando serem
possuidores de clara inclinação para o crime.
Essa periculosidade pode se externar através de doença mental (inimputável) ou
de perturbação mental (semi-imputável).
No caso de doença mental, haverá a absolvição imprópria, com aplicação
de medida de segurança;
Já no caso da perturbação mental, haverá a condenação, com pena reduzida ou
com medida de segurança (a ser escolhida pelo juiz).
Trata-se do sistema vicariante, onde segundo Zaffaroni, há substitutividade,
passando a medida a ocupar o lugar da pena em certos casos, isto é, a medida pode
vicariar (substituir) a pena.
Dessa forma, às vezes o homem é tratado como pessoa e às vezes como ente
perigoso. A substituição ou “vicarização” tampouco tem lugar quando se trata de
incapazes psíquicos, aos quais somente se aplicam medidas de segurança.
Obs.: A medida de segurança decorrente de condenação para o semi-imputável
gerará reincidência. Caso seja fruto de absolvição imprópria, não gerará reincidência.

9.5. Medida de segurança preventiva


Existe medida de segurança provisória ou preventiva?
Antes da Lei 12.403/2011, não existia medida de segurança preventiva. O
magistrado, se imprescindível, decretava a prisão preventiva. Após a lei, admite-se
medida de segurança como medida cautelar (art. 319, VII, do CPP):

Art. 319.São medidas cautelares diversas da prisão:(Redação dada pela Lei nº 12.403,

de 2011).(…)

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com

violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-

imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;(Incluído pela Lei nº

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

12.403, de 2011).

9.6. Espécies de medidas de segurança


As espécies de medida de segurança estão previstas no art. 96 do CP:

Art. 96. As medidas de segurança são:

I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em

outro estabelecimento adequado;

II - sujeição a tratamento ambulatorial. (...)


i) medida de segurança detentiva: internação;
ii) medida de segurança restritiva: tratamento ambulatorial.

9.7. Aplicação das medidas de segurança


Segundo o que determina art. 97 do CP, a medida detentiva seria aplicada aos
crimes punidos com reclusão ou detenção. Já o tratamento ambulatorial seria aplicável
aos crimes punidos com detenção:

Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se,

todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-

lo a tratamento ambulatorial.
Assim, de acordo com o art. 97 do CP, crime punido com reclusão sujeita o
não imputável à internação; se punido com detenção, a medida de segurança
pode ser o tratamento ambulatorial.
Podendo-se afirmar que em relação à lei, a regra é internação, a exceção é que é o
tratamento ambulatorial.
Entretanto, faz-se uma crítica, uma vez que pela dicção do Art. o Código Penal
leva em conta apenas a gravidade da infração, e não a periculosidade do agente,
ignorando o princípio da proporcionalidade.
Nesse sentido, tem prevalecido o caráter excepcional da internação, não
importando o regime de cumprimento da pena (se detenção ou reclusão).
Atente-se ainda para o art. 17178 da Resolução 113 do CNJ, segundo o qual o juiz
competente para a execução da medida de segurança, sempre que possível, buscará
implantar políticas antimanicomiais, mesmo para os crimes punidos com reclusão.

9.8. Duração da medida de segurança


De acordo com o art. 97, § 1º, do CP, a medida de segurança tem prazo mínimo,
que varia de um a três anos, e será por tempo indeterminado (leia-se: não tem
prazo máximo):

Art. 97 (...) § 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por

tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante

perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a

3 (três) anos.
O prazo mínimo será diretamente proporcional à gravidade da anomalia mental
do sentenciado.

178 “Art. 17 O juiz competente para a execução da medida de segurança, sempre que
possível buscará implementar políticas antimanicomiais, conforme sistemática da Lei nº 10.216,
de 06 de abril de 2001.”

264
Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

Nesse prazo mínimo, é possível a detração (art. 42 do CP):

Art. 42 - Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o

tempo de prisão provisória [e também internação provisória], no Brasil ou no

estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos

estabelecimentos referidos no artigo anterior.


Obs.: Há que se acrescentar aqui, também, a internação provisória cautelar
do art. 319, VII179, do CPP, criada pela Lei 12.403/2011 (a analogia in bonam partem é
recomendável).
Obs.: A indeterminação do tempo de duração é de questionável
constitucionalidade, sendo que atualmente prevalece o entendimento pela
inconstitucionalide180. Entretanto, sendo inconstitucional, a doutrina tem duas
correntes em relação ao seu “prazo máximo”:
1ª corrente: ante a inexistência de prazo máximo da medida de segurança, deve
respeitar o prazo máximo do art. 75 do CP181 (30 anos).
2ª corrente: Sugere que a MS não possa suplantar o limite máximo da pena
prevista abstratamente ao delito cometido, havendo Súmula do STJ nesse sentido:

Súmula 527: “O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o

limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.”


Obs.: Uma vez escoado o limite máximo, caso persista a periculosidade, deve-se
buscar perante o juízo cível a interdição do agente (figurando o MP como parte
legítima), demonstrando-se a necessidade da internação extrapenal, como forma de
proteger o paciente e a sociedade.
Nesse sentido, constatando-se a manutenção da periculosidade, a internação deve
persistir, porém com natureza civil (art. 1.769 do Código Civil c/c o art. 9º da Lei
10.216/2001):

Art. 1.769. O Ministério Público só promoverá interdição:

I - em caso de doença mental grave;

II - se não existir ou não promover a interdição alguma das pessoas designadas nos

incisos I e II do artigo antecedente;

III - se, existindo, forem incapazes as pessoas mencionadas no inciso antecedente.

Art. 9º A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente,

pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do

estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e

179 “Art. 319 CPP: São medidas cautelares diversas da prisão: (Redação dada pela Lei nº

12.403, de 2011). VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados
com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-
imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; (Incluído pela Lei nº 12.403,
de 2011).”
180 Não havendo prazo máximo, pode-se configurar como sanção de caráter perpétuo,

vedada pela Constituição Federal.


181 Art. 75 - O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a
30 (trinta) anos. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (...)

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

funcionários.

9.9. Perícia médica


O art. 97, § 2º, do CP determina o seguinte:

Art. 97 (...) § 2º - A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo

fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o

juiz da execução.
Ex.: medida de segurança com tempo mínimo de dois anos. Depois dos dois anos
de cumprimento da medida, é realizada perícia médica. Permanecendo a anomalia, são
realizadas novas perícias, de ano em ano.
Veja que as novas perícias, a serem realizadas anualmente, podem ser
antecipadas pelo Juiz da execução penal, por expressa previsão do dispositivo,
mas as perícias jamais poderão ser adiadas para depois de um ano.
O art. 43 da LEP admite que médico particular acompanhe a execução da medida:

Art. 43 - É garantida a liberdade de contratar médico de confiança pessoal do

internado ou do submetido a tratamento ambulatorial, por seus familiares ou

dependentes, a fim de orientar e acompanhar o tratamento.


Havendo divergência entre as opiniões do perito oficial e a do médico particular,
diz o parágrafo único que o juiz poderá ficar com uma ou com outra, a depender da que
a melhor o convencer. Ele pode, inclusive, determinar a realização de outra.

Art. 43 (...) Parágrafo único. As divergências entre o médico oficial e o particular

serão resolvidas pelo Juiz da execução.

9.10. Desinternação (art. 97, § 3º, do CP)


Art. 97 (...) § 3º - A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional

devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1

(um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade.


A desinternação ou liberação182 será concedida a título de ensaio. Isso porque,
durante um ano, caso haja a prática de qualquer fato indicativo da persistência de sua
periculosidade, o agente volta a ser internado.
Veja que o fato praticado não precisa sequer ser típico, basta que indique
a persistência da periculosidade. Ex.: um furto insignificante, um furto de uso, a
autolesão etc., apesar de atípicos, podem indicar a persistência da periculosidade.
Obs.: A jurisprudência dos Tribunais tem admitido a “desinternação progressiva”,
consistente na passagem da internação para o tratamento ambulatorial antes da
definitiva liberação do agente.

9.11. Reinternação do agente: Art. 97, § 4º, do CP


Trata-se do oposto ao tema acima, uma vez que o art. 97, § 4º, do CP determina:

Art. 97 (...) § 4º - Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz

determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins

182Fala-se em desinternação no caso de o agente estar internado e liberação no caso de o


agente estar submetido a tratamento ambulatorial.

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

curativos.
Dessa forma, estando o agente em tratamento ambulatorial e sobrevindo fato
indicativo da necessidade de internação, o juiz poderá determiná-la, caso a
providência seja necessária para fins curativos.
Não se trata de regressão-sanção, nesse sentido, o agente não está sendo punido e
migrando para o regime fechado. A finalidade é curativa.
No caso, o tratamento mostra-se insuficiente para a anomalia mental, que para
fins curativos exige a internação.

9.12. Superveniência da doença mental durante a


execução da pena
Na hipótese de superveniência da doença mental durante a execução da pena, o
agente é condenado enquanto era imputável, surgindo a anomalia psíquica durante o
cumprimento da pena.
Quando isso ocorre, há duas consequências diversas:
i) art. 41 do CP:

Art. 41 - O condenado a quem sobrevém doença mental deve ser recolhido a hospital

de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, a outro estabelecimento adequado.


O disposto no art. 41 do CP é aplicado no caso de enfermidade passageira. Nessa
hipótese, o período de internação ou tratamento é computado como pena cumprida.
Estando curado, o condenado volta a cumprir o restante da pena no presídio.
ii) art. 183 da LEP

Art. 183.Quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier

doença mental ou perturbação da saúde mental, o Juiz, de ofício, a requerimento do

Ministério Público, da Defensoria Pública ou da autoridade administrativa, poderá

determinar a substituição da pena por medida de segurança.


No caso do art. 183 da LEP, não há mais uma enfermidade passageira, mas
duradoura. É um caso de conversão real. O preso submeter-se-á a medida de
segurança, nos termos do art. 97 do CP.
Nesse caso, aplica-se Súmula 527 do STJ, já estudada acima183.

10. Efeitos da condenação


Existem efeitos penais e extrapenais da condenação.
A divisão dos efeitos em penais e extrapenais é importante, pois os efeitos
extrapenais permanecem mesmo nos casos de abolitio criminis e de anistia, enquanto
que os efeitos penais desaparecem, nessas hipóteses.

10.1. Efeitos penais


Os penais dividem-se em principal e secundários. O efeito principal da
condenação é a execução forçada da pena imposta. Efeitos secundários são a
reincidência, a interrupção da prescrição etc.

183 Súmula 527: “O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o
limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.”

267
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10.2. Efeitos extrapenais


Efeitos extrapenais da condenação podem ser genéricos, como servir a sentença
como título executivo, específicos.

10.2.1. Efeitos extrapenais genéricos


Os efeitos extrapenais genéricos estão previstos no art. 91 do CP:

Art. 91 - São efeitos da condenação[extrapenais genéricos]:

I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;

II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:

a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação,

uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido

pelo agente com a prática do fato criminoso.

10.2.2. Efeitos extrapenais específicos


Os efeitos extrapenais específicos, previstos no art. 92 do CP, são os mais exigidos
em concurso. Estão umbilicalmente ligados à reabilitação, que é o próximo assunto que
será estudado.

10.2.2.1. Perda do cargo, função pública ou mandato eletivo


Art. 92 - São também efeitos da condenação:

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano,

nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a

Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro)

anos nos demais casos.


Em se tratando de crimes funcionais, são requisitos para a incidência do efeito
previsto no art. 92, I, do CP:
i) deve ser aplicada pena privativa de liberdade: se aplicada pena restritiva de
direitos ou multa, este efeito não é gerado;
ii) pena igual ou superior a um ano;
Em se tratando de crimes comuns, são requisitos para este efeito:
i) deve ser aplicada pena privativa de liberdade: se aplicada pena restritiva de
direitos ou multa, este efeito não é gerado;
ii) a pena deve ser superior a quatro anos.

10.2.2.2. Incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou


curatela
Art. 92 - São também efeitos da condenação: (...)

II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes

dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;


São requisitos para a ocorrência deste efeito:i) crime doloso;ii) aplicação de pena
de reclusão;iii) o crime deve ter sido cometidocontra o filho, tutelado ou curatelado

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

(cuidado, pois este efeito, que é extrapenal, não tem nada a ver com a suspensão do
poder familiar do direito civil, que é preventiva).

10.2.2.3. Inabilitação para dirigir veículo


Art. 92 (...) III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a

prática de crime doloso.


Para a ocorrência deste efeito, não tem o veículo necessariamente de ser
automotor. São requisitos para a possibilidade de incidência deste efeito extrapenal:
i) o veículo deve ser utilizado como meio para a prática de crime doloso:
Ex.: um ex-Deputadofoi preso por dirigir embriagado e matar duas pessoas.
Acabou denunciado por homicídio doloso e, se condenado, poderá acabar inabilitado
para dirigir veículo.

10.2.2.4. Declaração na sentença


Importante destacar o disposto no art. 92, parágrafo único, do CP: os efeitos ali
previstos não são automáticos da condenação, devendo ser motivadamente
declarados na sentença:

Art. 92 (...) Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos,

devendo ser motivadamente declarados na sentença.


Na Lei de Tortura, diferentemente, a perda do cargo como efeito da condenação é
automática, não precisando ser motivadamente declarada na sentença.

11. Reabilitação
Os efeitos da condenação, estudados no tópico anterior, não são eternos. É
possível que o condenado se reabilite.

11.1. Previsão legal


A reabilitação está prevista nos arts. 93 a 95 do CP, dispositivos que serão
estudados a seguir.

11.2. Análise do art. 93 do CP


Art. 93 - A reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva,

assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação.

Parágrafo único - A reabilitação poderá, também, atingir os efeitos da condenação,

previstos no art. 92 deste Código [efeitos extrapenais específicos], vedada

reintegração na situação anterior, nos casos dos incisos I e II do mesmo artigo[não é

possível retomar o cargo, emprego ou função pública, nem o poder

familiar, tutela ou curatela].


Nos termos do dispositivo acima, a reabilitação é o instituto declaratório que:
i) que garante ao condenado sigilo sobre o processo e a condenação:
Atenção! Conforme o art. 202 da LEP, o sigilo não mais depende da reabilitação,
tratando-se de garantia que incide automaticamente, com o cumprimento ou extinção
da pena:

Art. 202. Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou

certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer

notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova

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Direito Penal Parte Geral: Professor: Rogério Sanches Cunha

infração penalou outros casos expressos em lei.


ii) atinge os efeitos da condenação previstos no art. 92 do CP:
Como se pode perceber, na verdade a reabilitação hoje somente serve para uma
coisa: atingir os efeitos da condenação, previstos no art. 92, I, II, e III do CP.
Cuidado, pois nos casos dos incisos I e II está vedada a reintegração à situação
anterior. Ou seja, aquele que está incapacitado para o exercício do poder familiar
poderá voltar a exercer o poder familiar, mas não mais sobre aquela vítima. Aquele que
perde cargo, emprego ou função pública pode prestar outro concurso e rezar para
passar.A reintegração somente é total no caso do inciso III (reabilitação para dirigir
veículo).

11.3. Requisitos
Os requisitos da reabilitação estão previstos no art. 94 do CP. São requisitos
cumulativos:

Art. 94 - A reabilitação poderá ser requerida, decorridos 2 (dois) anos do dia em que

for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução, computando-se o

período de prova da suspensão e o do livramento condicional, se não sobrevier

revogação, desde que o condenado:

I - tenha tido domicílio no País no prazo acima referido;

II - tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom

comportamento público e privado;

III - tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a absoluta

impossibilidade de o fazer, até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a

renúncia da vítima ou novação da dívida.

Parágrafo único - Negada a reabilitação, poderá ser requerida, a qualquer tempo,

desde que o pedido seja instruído com novos elementos comprobatórios dos

requisitos necessários.
Pleiteada e negada a reabilitação, ela poderá ser requerida a qualquer tempo,
desde que o pedido seja instruído com novos elementos comprobatórios.

11.4. Reabilitação e pluralidade de penas


Prevalece na doutrina e na jurisprudência que, no caso de várias condenações, o
pedido deve aguardar o cumprimento de todas as sanções. Somente depois do
cumprimento é que começa a correr o prazo de dois anos.

11.5. Revogação da reabilitação


A revogação da reabilitação está prevista no art. 95 do CP:

Art. 95 - A reabilitação será revogada, de ofício ou a requerimento do Ministério

Público, se o reabilitado for condenado, como reincidente, por decisão definitiva, a

pena que não seja de multa.


Condenado definitivamente o reabilitado como reincidente, a reabilitação é
revogada, desde que a pena que não seja de multa.É possível reabilitação no caso de
medida de segurança, principalmente ao semi-imputável que é condenado (ele é
condenado e pode sofrer os efeitos específicos da condenação).

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11.6. Competência e recurso


Os dispositivos do CPP sobre o direito material da reabilitação foram revogados
com a reforma da parte geral do Código Penal de 1984. Assim, no estudo da reabilitação
prevista no CPP, devem ser analisados apenas os dispositivos processuais penais.
De quem é a competência para julgar o pedido de reabilitação? Evidentemente, o
pedido é feito ao juiz da condenação (art. 743 do CPP), e não para o juiz da execução.
Isso porque não há mais execução da pena:

Art. 743. A reabilitação será requerida ao juiz da condenação, após o decurso de

quatro ou oito anos, pelo menos[o prazo é de 2 anos após a extinção ou

término do cumprimento da pena], conforme se trate de condenado ou

reincidente, contados do dia em que houver terminado a execução da pena principal

ou da medida de segurança detentiva, devendo o requerente indicar as comarcas em

que haja residido durante aquele tempo.


Da decisão que nega a reabilitação cabe apelação. Por outro lado, da decisão que
concede a reabilitação, cabe apelação e recurso de ofício, nos termos do art. 746 do CPP
(para alguns, o recurso de ofício não foi recepcionado pela CR):

Art. 746. Da decisão que conceder a reabilitação haverá recurso de ofício.

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