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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC-SP

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM DIREITO

PAULO BASSIL HANNA NEJM

USO ABUSIVO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO PLANEJAMENTO


TRIBUTÁRIO

MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

SÃO PAULO

2019
PAULO BASSIL HANNA NEJM

USO ABUSIVO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO PLANEJAMENTO


TRIBUTÁRIO

Dissertação apresentada à
Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção
do título de Mestre em Direito
Tributário, sob a orientação do Prof.
Dr. Robson Maia Lins.

SÃO PAULO

2019
Banca Examinadora

__________________________________

__________________________________

__________________________________
Ao meu pai Bassil

À minha mãe Naziha,

Aos meus irmãos Bassil Filho e Marie

À minha noiva Carol


AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, aos meus pais e irmãos que sempre me apoiaram e


incentivaram em meu desenvolvimento pessoal, profissional e acadêmico.

Agradeço à minha noiva Caroline pelo apoio, compreensão e companheirismo


nessa importante etapa da minha vida.

Agradeço ao meu orientador Professor Robson Maia Lins pelas sempre


proveitosas e agradáveis conversas e lições ao longo do curso, bem como
pelas excelentes aulas no crédito de Sanções.

Agradeço ao Professor Paulo de Barros Carvalho pelos brilhantes


ensinamentos nos créditos de Lógica e Direito Tributário, e pela oportunidade
de participar do grupo de estudos do IBET, um exemplo a ser seguido na
docência, não só pela inestimável sabedoria, mas pela cordialidade e
humanidade que trata os alunos e colegas.

Agradeço ao Professor Tácio Lacerda Gama pelas valiosas considerações na


qualificação, pelas excelentes aulas no crédito de Interpretação e
Fundamentação no Direito Tributário, bem como pela possibilidade de
participar do grupo de estudos em seu escritório.

Agradeço à Professora Fabiana Del Padre Tomé pelas grandes contribuições


na qualificação e proveitosas lições no crédito de Provas.

Agradeço ao Professor Lucas Galvão de Brito pelos ensinamentos e pela


agradável e valiosa conversa ajudou a traçar as primeiras linhas deste trabalho
quando ainda estava em estágio embrionário.

Agradeço a todos os meus colegas que colaboraram para o meu crescimento


acadêmico, compartilhando os seus ensinamentos e experiências.
“A sabedoria é a coisa principal; adquire pois a
sabedoria, emprega tudo o que possuis na
aquisição de entendimento.”

Provérbios 4:7
RESUMO

A presente dissertação tem como objeto a análise do uso abusivo dos tratados
internacionais para fins de planejamento tributário. E para cumprirmos essa
finalidade abordamos os principais conceitos e institutos ligados ao tema,
analisando as normas jurídicas de direito interno que permitem e limitam o
exercício da atividade de planejamento tributário. Analisamos ainda como
ocorrem os planejamentos tributários com a utilização dos tratados
internacionais. E por fim, o que torna essa prática abusiva, e os meios de se
coibir o abuso na utilização dos tratados para realizar planejamento tributário.

Palavras-chave: Direito Tributário Internacional; Tratados Internacionais;


Planejamento Tributário; Treaty Shopping; Rule Shopping; Uso Abusivo dos
Tratados.
ABSTRACT

This dissertation aims to analyze the abusive use of international treaties for tax
planning purposes. And to fulfill this purpose we approach the main concepts
and institutes related to the theme, analyzing the legal norms of domestic law
that allow and limit the exercise of tax planning activity. We also analyze how
tax planning occurs with the use of international treaties. And finally, we
investigate what makes this practice abusive, and ways to curb abuse by using
treaties to execute tax planning.

Keywords: International Tax Law, Tax Planning; Tax Treaty; Treaty Shopping;
Rule Shopping; Treaty Abuse
SUMÁRIO
1. DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL .................................. 15

1.1. ORDENAMENTO JURÍDICO ................................................. 16

1.2. SOBERANIA TRIBUTÁRIA .................................................... 25

1.2.1. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA ........................................... 28

1.3. ELEMENTOS DE CONEXÃO E A DUPLA TRIBUTAÇÃO..... 35

1.3.1. MECANISMOS DE MITIGAÇÃO DA DUPLA TRIBUTAÇÃO


............................................................................................ 37

2. TRATADOS INTERNACIONAIS ................................................... 40

2.1. PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS


INTERNACIONAIS........................................................................................ 41

2.2. O PARADOXO DAS SANÇÕES LEGITIMADAS ................... 44

2.3. INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS .... 47

2.4. INTEGRAÇÃO DO DIREITO NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO


NACIONAL .... ............................................................................................... 54

2.4.1. DAS LACUNAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO ...................... 57

2.5. CONFLITOS ENTRE NORMAS ............................................. 63

2.5.1. CONFLITO ENTRE NORMAS DE DIREITO CIVIL E DE


DIREITO TRIBUTÁRIO ............................................................................. 64

2.5.2. CONFLITO ENTRE NORMAS DE DIREITO INTERNO E DE


DIREITO INTERNACIONAL ...................................................................... 67

2.5.2.1. HIERARQUIA OCUPADA PELOS TRATADOS


INTENACIONAIS ................................................................................... 68

2.5.2.2. HIERARQUIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS EM


MATÉRIA TRIBUTÁRIA ........................................................................ 72

3. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO .................................................. 78

3.1. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL .............. 79

3.2. CONSTITUIÇÃO FEDERAL: DIREITO E LIMITES AO


PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO .................................................................. 80
3.2.1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ............................................ 80

3.2.2. PRINCÍPIO DA MORALIDADE .......................................... 86

3.2.3. PRINCÍPIO DA ISONOMIA ................................................ 88

3.2.3.1. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA .................................. 90

3.2.3.1.1. INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DO DIREITO ... 94

3.3. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA .............................. 97

3.4. PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA ........................................ 99

3.5. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES .................. 102

3.6. EVASÃO X ELISÃO ............................................................. 103

3.6.1. DOLO, FRAUDE, SIMULAÇÃO E DISSIMULAÇÃO ....... 108

4. USO ABUSIVO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO


PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO .................................................................... 112

4.1. MEDIDAS UNILATERAIS PARA COMBATER O USO


ABUSIVO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS........................................ 118

4.1.1. ABUSO DE DIREITO E ABUSO DE FORMA ................... 118

4.1.2. PROPÓSITO NEGOCIAL ................................................. 121

4.2. BRASIL E AS NORMAS ANTIELISIVAS.............................. 123

4.3. FICÇÕES JURÍDICAS ......................................................... 129

4.4. DA PROVA E DAS PRESUNÇÕES .................................... 130

4.5. MEDIDAS BILATERAIS DE COMBATE AO USO INDEVIDO


DOS TRATADOS INTERNACIONAIS ........................................................ 134

4.6. ESFORÇOS INTERNACIONAIS PARA COMBATER O


PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL ABUSIVO .................. 141

4.6.1. A ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O


DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - OCDE ....................................... 142

4.6.1.1. O BRASIL E A OCDE ................................................ 143

4.6.2. GRUPO DOS 20 – G20 .................................................... 145

4.6.3. AÇÕES DO PROJETO BEPS .......................................... 146


4.6.4. MINIMUM STANDARDS .................................................. 148

4.6.4.1. COMBATER AS PRÁTICAS TRIBUTÁRIAS


PREJUDICIAIS ................................................................................... 149

4.6.4.2. COMBATER O ABUSO DOS TRATADOS


TRIBUTÁRIOS , .................................................................................. 150

4.6.4.3. DIVULGAÇÃO OBRIGATÓRIO DE PLANEJAMENTOS


TRIBUTÁRIOS AGRESSIVOS ............................................................ 154

4.6.4.4. DECLARAÇÃO PAÍS-A-PAÍS .................................... 156

4.6.4.5. MECANISMOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS


MAIS EFICAZES ................................................................................. 161

4.6.4.6. CONVENÇÃO MULTILATERAL ................................ 163

4.6.5. DECLARAÇÃO EXPLICATIVA ......................................... 164

4.7. TRATADOS FIRMADOS PELO BRASIL PÓS BEPS .......... 168

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................ 172

BIBLIOGRAFIA ................................................................................... 179


13

I- Tema analisado e a Delimitação do Objeto

Os tratados internacionais em matéria tributária são largamente


utilizados entre os países para estreitar as relações comerciais, fomentando a
circulação de bens, mercadorias, serviços, direitos e ativos financeiros, com o
objetivo de evitar, principalmente, a bitributação, bem como atenuar a
burocracia administrativa, concedendo tratamento tributário diferenciado e
benefícios mútuos entre os signatários.

No entanto, o agravamento da chamada “erosão da base tributária”


experimentada por diversos países nas últimas décadas, tem chamado a
atenção das nações mais desenvolvidas, que em geral são as mais afetadas
pelo fenômeno.

Os organismos internacionais identificaram como uma das causas da


erosão da base tributável, os planejamentos tributários tidos como agressivos
ou abusivos, que se utilizam de estruturas societárias complexas, apropriando-
se indevidamente de benefícios concedidos por tratados internacionais, muitas
vezes com o auxílio de jurisdições com regimes tributários privilegiados.

Neste trabalho abordaremos as questões envolvendo os planejamentos


tributários abusivos, operacionalizados com a utilização de tratados
internacionais, tendo como base a legislação brasileira, e o tratamento
conferido pelo nosso ordenamento a essas situações.

Para este estudo, utilizaremos como base o sistema jurídico brasileiro,


limitando-nos a tratar dos tratados internacionais em matéria tributária.

II- Método da Pesquisa

A pesquisa será desenvolvida por consulta bibliográfica, e pela análise


das normas jurídicas e julgados do ordenamento jurídico brasileiro, tendo como
objeto de estudo o planejamento tributário internacional, mais especificamente
a utilização abusiva de tratados internacionais para a realização de
planejamento tributário.

A principal fonte de pesquisa da dissertação será a legislação brasileira


e a doutrina específica sobre o tema.
14

Porém, serão abordadas, também, doutrinas de outros países, e estudos


de organismos internacionais especializados no tema, em especial a OCDE
que possui um projeto que trata justamente o objeto deste trabalho.

III- Roteiro do Trabalho

A dissertação está dividida em quatro capítulos, e mais a conclusão final,


que abordarão o tema do planejamento tributário com a utilização de tratados
internacionais, e mais especificamente em que situações essas atividades
podem ser consideradas abusivas. E analisaremos os esforços internacionais
para evitar o abuso na utilização dos tratados internacionais.

O primeiro capítulo apresenta os conceitos fundamentais de Direito


Tributário Internacional, ordenamento jurídico, soberania tributária, introduzindo
as situações de elementos de conexão que possibilitam a tributação por mais
de uma jurisdição sobre a mesma situação.

O segundo capítulo abordará questões relacionadas aos tratados


internacionais, mais especificamente sobre o processo de internalização
desses instrumentos no ordenamento jurídico brasileiro, a forma como devem
ser interpretados e como se relacionam com as normas jurídicas de direito
interno.

No terceiro capítulo trataremos do planejamento tributário e das normas


de direito interno que permitem e limitam essa prática, abordando os traços
distintivos da elisão e evasão fiscal.

E no quarto e último capítulo abordaremos diretamente do uso abusivo


dos tratados internacionais para fins de planejamento tributário.
15

1. DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL

Direito Tributário Internacional é uma especialidade do Direito Tributário,


que tem como objeto de estudo as relações jurídico-tributárias quando ao
menos um dos sujeitos da relação (sujeito ativo e/ou o sujeito passivo)
encontra-se numa jurisdição e o fato gerador do tributo ocorre em outra
jurisdição.

Esse ramo do direito tem exatamente o mesmo objeto de estudo do


Direito Tributário, com a diferença de que neste último a relação jurídica limita-
se a situações que ocorrem numa mesma jurisdição, enquanto que naquela
existe mais de uma jurisdição envolvida na relação.

Assim, quando o assunto é tributação de situações que envolvem mais


de uma jurisdição, seja ela com ou sem a presença de tratados internacionais,
estamos no ramo do Direito Tributário Internacional.

Importante salientar que não existe tributação internacional, pelo menos


não até a presente data. A tributação é sempre devida a um Estado soberano,
portanto, qualquer incidência tributária é matéria de direito interno.

Nesse sentido, Heleno Torres ensina que:

Mutatis mutandis, porque útil para estabelecer os


parâmetros metodológicos necessários à interpretação e
aplicação das respectivas normas, o presente estudo
conduzir-se-á admitindo a distinção entre o Direito
Tributário Internacional (DTI) e o Direito Internacional
Tributário (DIT), ambos entendidos como simples
especialidades da ciência do direito tributário (interno),
autônomos apenas didaticamente, sem qualquer afetação
ad nutum ao princípio da unicidade sistêmica do jurídico,
diga-se desde já.

No plano da ciência do direito, esses setores não são


ramos autônomos entre si. Não podem reclamar qualquer
segmentação, porque não possuem um subsistema de
normas organizado estruturalmente com função e
princípios próprios, para servir-lhes de objeto de estudo.
Antes, são extremamente dependentes, de método e
objeto, do Direito Tributário (no caso do Direito Tributário
Internacional); ou do Direito Internacional, para o Direito
16

Internacional Tributário. Estes, sim, são dotados de


autonomia didática.1

Portanto, estaremos no campo do Direito Tributário Internacional quando


existir elementos de conexão entre mais de um ordenamento jurídico, numa
situação invocar questões tributárias.

Note que não é necessário que haja a incidência tributária, basta que
exista uma relação jurídico-tributária. Pois, existem situações, como as que
abordaremos mais adiantes, de dupla não incidência tributária, onde nenhuma
das jurisdições impõe qualquer ônus tributário sobre o sujeito passivo, seja em
razão de isenções, créditos tributários, regimes tributários privilegiados etc.

Com a globalização e a crescente circulação de pessoas, bens, capitais


e tecnologias, entre os países, muitas situações podem sofrer a incidência
tributária em mais de uma jurisdição, fato que pode inviabilizar ou dificultar a
circulação de riquezas e pessoas.

Para mitigar esse problema as nações podem firmas acordos bilaterais


ou multilaterais fazendo concessões mútuas entre as partes.

Porém, essas concessões podem viabilizar planejamentos tributários


abusivos, objeto de estudo deste trabalho e que passaremos a abordar adiante.

Porém, antes de ingressarmos especificamente no uso abusivo dos


tratados internacionais, cumpre tecermos breves comentários sobre um
instituto imprescindível para o tema, que é o ordenamento jurídico, tendo em
vista que o os tratados internacionais deve necessariamente ser firmados entre
dois ordenamentos diversos.

1.1. ORDENAMENTO JURÍDICO

As normas de Direito Tributário Internacional não são aplicadas num


ordenamento jurídico internacional, muito pelo contrário, são normas de um

1
TÔRRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2ª ed. ver.,
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 53.
17

ordenamento jurídico estatal, devendo ser, inclusive, internalizadas para que


tenham validade e produzam os seus regulares efeitos, em respeito à
soberania de cada Estado.

Veremos mais adiante o processo de internalização de um tratado


internacional, no ordenamento jurídico brasileiro, e como os tratados
internacionais se relacionam com as demais normas internas, depois de
passarem a integrar o nosso sistema jurídico.

Um ordenamento jurídico é formado por um conjunto de normas que se


relacionam, no qual, para que uma nova norma seja inserida no sistema, uma
norma já existente deve conferir-lhe fundamento de validade.

Assim, para que um tratado internacional seja validamente inserido no


ordenamento jurídico brasileiro, deve respeitar todo o procedimento de
internalização estabelecido pela Constituição Federal, e depois que passar a
integrar o sistema, começará a interagir com as demais regras e princípios de
direito interno.

E como bem ensina Paulo de Barros Carvalho, “as normas jurídicas


formam um sistema, na medida em que se relacionam de várias maneiras,
segundo um princípio unificador”2 .

Lourival Vilanova, quando trata da forma como as normas se relacionam,


ensina que:

O sistema consta de proposições normativas; uma proposição normativa


tem sua origem (reason of validity) em outra proposição normativa; uma
proposição normativa só pertence ao sistema se podemos reconduzi-la à
proposição fundamental do sistema. Cada norma provém de outra norma e
cada norma dá lugar, ao se aplicar à realidade, a outra norma. O método de
construção de proposições normativas está estipulado por outras normas3.

Cumpre frisar desde já que, apesar de entendermos coerentes as


correntes que fazem distinções entre ordenamento jurídico e sistema jurídico,
adotaremos, neste trabalho, a posição de ter as duas expressões como

2
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 6. ed. São Paulo:
Noeses, 2015. p. 226.
3
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 4. ed. São Paulo:
Noeses, 2010. p.126
18

sinônimas, alertando o leitor que ao nos referirmos a ordenamento e sistema


jurídico estamos nos referindo ao mesmo instituto.

Tárek Moysés Moussallem faz distinção entre ordenamento jurídico e


sistema jurídico, entendendo o primeiro como sendo o conjunto composto por
diversos sistemas jurídicos sucessivos nos tempos, portanto, refere-se a
sistema de direito positivo como um conjunto de normas estaticamente
consideradas, enquanto que o ordenamento seria dinâmico, sendo composto
pela sequencia desse conjunto de normas.

Assim o conjunto OJ é composto por vários subconjuntos


denominados SDP1, SDP2, SDP3, SDPn, sucessivos nos
tempos t1, t2, t3, tn, modificados por expansão, contração
ou revisão de acordo com as regras constitutivas de
introdução e de eliminação. O ordenamento jurídico não é
um conjunto de normas, mas, sim, uma sequência
temporal de conjuntos de normas4

Apesar de muito bem formulada a posição supra, preferimos a tese de


que o ordenamento jurídico constitui-se como um sistema.

Como ensina Lourival Vilanova “onde há sistema há relações e


elementos, que se articulam segundo leis”5, nesse sentido, considerando
ordenamento jurídico como o conjunto de normas válidas, e que a validade de
cada norma deve ser observada de acordo com um princípio unificador,
fundadas em regras de coordenação e subordinação, concluímos que o
ordenamento jurídico é um sistema, portanto, ao falarmos em ordenamento
jurídico ou sistema jurídico, estaremos nos referindo a mesma coisa.

Como um conjunto de normas válidas, o ordenamento jurídico


caracteriza-se como um sistema, pois, a validade da norma só pode ser
verificada relacionando-a com outras normas do ordenamento, conforme regras
de coordenação e subordinação.

4
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. 2ª ed. São Paulo: Noeses,
2011, p. 139.
5
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 4ª ed. São Paulo:
Noeses, 2010, 87
19

Tercio Sampaio Ferraz Jr., observa que “o sistema é um complexo que


se compõe de uma estrutura e um repertório. Nesse sentido, ordenamento é
sistema”6.

As características de um sistema jurídico são a unicidade, a coerência e


a completude. E como bem observou Norberto Bobbio, “todo ordenamento
jurídico, unitário e tendencialmente (se não efetivamente) sistemático, pretende
ser também completo”7.

Veremos a importância de entendemos a completude do sistema jurídico


quando, mais adiante, quando abordarmos o problema das chamadas lacunas
do direito, e a sua importância para o planejamento tributário.

Porém, quando estudamos temas relacionais aos tratados


internacionais, principalmente quanto à aplicação dessas normas comuns a
mais de um país, surge o debate sobre a existência de um único ou mais de
um ordenamento jurídico, bem como sobre a hierarquia que as normas
inseridas pelos tratados internacionais ocupam dentro de um ordenamento
jurídico.

Atualmente, a doutrina trabalha com basicamente duas teorias para


debater a posição ocupada pelos tratados internacionais no direito interno: (a)
dualista e (b) monista; esta última subdivide-se em (b.1) monista com primazia
do direito internacional e (b.2) monista com primazia do direito interno.

Passemos então à análise de cada uma dessas teorias para depois


voltarmos às questões relacionais ao ordenamento jurídico.

Os adeptos da teoria dualista, basicamente, defendem que o direito


internacional e o direito interno são sistemas jurídicos distintos e
independentes, de tal modo que, para que uma norma de direito internacional
mereça obediência na esfera do direito interno, ela deve ser incorporada a este
último, mediante processo legislativo próprio.

Os primeiros estudos que abordam essa relação entre o direito


internacional e o direito interno, apontando a distinção entre os dois sistemas,

6
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p.140
7
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Ari Marcelo Solon. 2ª ed. São
Paulo: EDIPRO, 2014, p. 48.
20

foram realizados por Carl Heinrich Triepel, em 1899, defendendo a total


independência entre eles. Essa corrente, que a princípio era chamada de
“teoria da incorporação”, foi acompanhada pelo jurista italiano Dionisio Anzilotti,
que a introduziu na Itália, onde foi largamente aceita e difundida. A
denominação “teoria dualista” foi atribuída pelo jurista austríaco Alfred
Verdross, que era adepto da teoria monista e que mais adiante em seus
estudos afirma que o correto seria falar em “teoria pluralista”, pois no direito
internacional existem diversos direitos internos8.

Por sua vez, a teoria monista, como facilmente se presume, reza


exatamente o contrário da dualista, ou seja, que não há diferença entre o
direito internacional e o interno, tratando-se de um ordenamento jurídico único.

Essa teoria subdivide-se em monista com primazia do direito interno e a


monista com primazia do direito internacional.

Nesse sentido, preleciona Hans Kelsen em sua notável obra Teoria pura
do direito que,

[...] se o Direito internacional e o Direito estadual formam


um sistema unitário, então a relação entre eles tem de
ajustar-se a uma das duas formas expostas. O Direito
internacional tem de ser concebido, ou como uma ordem
jurídica delegada pela ordem jurídica estadual e, por
conseguinte, como incorporada nesta, ou como uma
ordem jurídica total que delega nas ordens jurídicas
estaduais, supraordenada a estas e abrangendo-as a
todas como ordens jurídicas parciais. Ambas estas
interpretações da relação que intercede entre o Direito
internacional e o Direito estadual representam uma
construção monista. A primeira significa o primado da
ordem jurídica de cada Estado, a segunda traduz o
primado da ordem jurídica internacional9.

Dessa forma, a teoria monista com supremacia do direito interno


defende que o Estado detém uma soberania absoluta, entendendo o direito
internacional como uma extensão do direito interno, sendo a legislação interna
hierarquicamente superior às normas e tratados internacionais.

8
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2004. v. 1, p. 121-123.
9
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 369-370.
21

Já a monista com supremacia do direito internacional vai pelo mesmo


sentido de entender existir um sistema jurídico único, sem distinção entre o
internacional e o interno, porém reconhece a superioridade das normas de
direito internacional em detrimento do direito interno.

Essa prioridade é defendida em prol de uma crescente interdependência


entre as nações, num ambiente cada vez mais globalizado, em que as relações
internacionais ganham mais relevância política, econômica e social.

Tanto o dualismo quanto o monismo, com primazia em qualquer dos


sistemas jurídicos, apresentam certas inconsistências que, com a devida vênia
aos grandes nomes defensores das teorias supracitadas, as fragilizam.

A prova disso é que atualmente já se fala em dualismo moderado e/ou


monismo moderado, que acabam, praticamente, misturando as duas correntes,
evidenciando a fragilidade de ambas.

Como vimos, as teorias dualista e monista (com as suas ramificações)


fundamentam-se, basicamente, na defesa de existir um único ordenamento
jurídico, ou mais de um.

Não restam dúvidas de que os sistemas de direito internacional e de


direito interno são independentes, assim como entendem os adeptos da teoria
dualista, ou pluralista (terminologia que entendemos mais correta, em razão da
pluralidade de direitos internos e/ou internacionais).

Essa distinção fica evidente pelo fato de que uma mesma situação
ocorrida no campo do direito interno e no exterior poderá sofrer consequências
diversas, ser analisada e tratada por agentes diferentes, podendo incorrer em
sanção em um ambiente e em outro não; esse é apenas um exemplo para
evidenciar a existência de mais de um sistema jurídico.

Reconhecer a existência de um ordenamento único ou de mais de um


ordenamento é importante para definir se os tratados internacionais fazem
parte do direito interno ou internacional.

Cada Estado soberano possui o seu próprio ordenamento jurídico. Neste


sentido, Norberto Bobbio prescreve com mestria que
22

onde existe um poder soberano existe um direito e, todo


poder soberano, sendo por definição independe de
qualquer outro poder soberano, cada direito constitui
ordenamento autônomo. Há tantos direitos diferentes
entre si quantos são os poderes soberanos. Que os
poderes soberanos sejam muitos e independentes é um
fato. Partindo do dogma voluntarista do direito, um direito
universal não pode ser concebido senão pela hipótese de
um único poder soberano universal10

A existência de mais de um ordenamento jurídico é latente por qualquer


ângulo que se analise a questão, basta verificar que para que os tratados
internacionais tenham validade no ordenamento interno, a exemplo do que
acontece no Brasil, faz-se necessário que estes acordos passem por um
complexo e moroso processo de internalização, do qual falaremos mais
detalhadamente em tópico próprio.

No entanto, salientamos que para que o tratado internacional tenha


validade no ambiente interno, faz-se necessária a sua promulgação por meio
de Decreto Legislativo.

Assim, podemos constatar que os tratados internacionais são normas de


direito internacional, mas no caso do Brasil, os Decretos Legislativos que
venham a promulgar o acordo são normas jurídicas do direito interno, e são
aplicadas no ordenamento jurídico brasileiro.

Podemos concluir pela existência de diversos ordenamentos jurídicos,


que corresponde aos diversos ordenamentos internos de cada Estado 11, mas
além desses, os conjuntos-interseção formados pelos tratados internacionais,
que vinculam os Estados signatários, formando ordenamentos jurídicos
próprios entre esses agentes, como muito bem preconiza Lourival Vilanova, ao
dizer que:

com o apoio nos fatos, o que podemos dizer é que há


apenas uma porção comum de normas de Direito
Internacional integrando os sistemas jurídicos parciais.

10
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Ari Marcelo Solon. 2ª ed. São
Paulo: EDIPRO, 2014, p.152.
11
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Ari Marcelo Solon. 2ª ed. São
Paulo: EDIPRO, 2014, p.152
23

Ora, se nem todos os membros (partes) de um sistema


são membros de outro sistema tomado como
supersistema, mas tão-só alguns, a relação do Direito
Internacional público geral ante os sistemas jurídicos é a
de um conjunto-interseção, e não a relação-de-
includência. O núcleo comum de normas, este forma um
subconjunto do conjunto que é o Direito Internacional: a
parte comum que todas as ordens jurídicas-positivas têm
e que faz a sua relação-de-pertinencialidade (parcial) ao
sistema total. Também, como o conjunto interseção é
subconjunto de qualquer dos conjuntos que se
interseccionam num segmento comum, do ponto de vista
lógico-formal há núcleos de recíproca pertinência nos
sistemas parciais12

Nesse sentido, as partes signatárias vinculam-se ao tratado, que passa


a obriga-las na exata medida dos termos do acordo, a partir do momento em
que entra em vigor, apesar da grande dificuldade de visualização de um meio
coercitivo que efetivamente tenha o condão de forçar o seu cumprimento, ao
contrário do que ocorre no direito interno, onde as partes podem recorrer aos
tribunais e órgãos administrativos.

Hans Kelsen defende um ordenamento único (monismo) entre o direito


internacional e o interno, por conterem o mesmo fundamento de validade,
prevendo que:

[...] toda a evolução técnico-jurídica apontada tem, em


última análise, a tendência para fazer desaparecer a linha
divisória entre Direito internacional e ordem jurídica do
Estado singular, por forma que o último termo da real
evolução jurídica, dirigida a uma centralização cada vez
maior, parece ser a unidade de organização de uma
comunidade universal de Direito mundial, quer dizer, a
formação de um Estado mundial13.

É nesse sentido que Herbert Lionel Adolphus Hart, opondo-se à teoria


de Kelsen, entende pela inexistência de um ordenamento jurídico internacional
justamente pelo fato de não ser possível aplicar sanções àqueles que
descumpram os acordos, afirmando que “sem tais sanções, o direito
internacional, num contexto tão diferente, não imponha obrigações, não seja
“vinculante” e, portanto, não mereça ser denominado “direito”. Afirmando que
12
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 4ª ed. São Paulo:
Noeses, 2010, p.143-144.
13
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 364.
24

sequer existe um ordenamento jurídico internacional, tampouco uma norma


fundamental para esse direito. Em suas palavras:

[...] postulamos não haver nenhuma norma fundamental


que ofereça critérios gerais de validade para as normas
do direito internacional e que as normas de fato em
operação não compõem um sistema, mas um simples
conjunto de normas, entre as quais se encontram aquelas
que estipulam a força vinculante dos tratados14.

Esse é também o entendimento de João Maurício Adeodato, que diz


que:

Desde logo, segundo a terminologia aqui acolhida (como


conveniente), não se pode na realidade designar como
direito uma ordem [o direito internacional] que só está
garantida pelas expectativas da reprovação e das
represálias daqueles que são lesados, quer dizer,
convencionalmente e pela situação de interesses, e que
careça de um quadro de pessoas especialmente
destinado a impor seu cumprimento”15

No entanto não acreditamos ser este o melhor entendimento, ao


contrário, concordamos com o posicionamento de Norberto Bobbio que
preconiza pela existência de diversos ordenamentos jurídicos, rebatendo esta
afirmação de que não há sanção no direito internacional, questionando se

porventura, no ordenamento internacional um ilícito não


importa consequência alguma? O que são as represálias
e, nos casos extremos, a guerra, senão uma resposta à
violação, isto é, a resposta à violação que é possível e
legítima naquela sociedade peculiar que é a sociedade
dos Estados? Se existe uma diferença entre ordenamento
internacional e outros ordenamentos, como, por exemplo,
o ordenamento estatal, ela não reside na ausência de
uma sanção regulada, porém, quando muito, somente no
modo como é regulada16.

O mesmo autor anuncia que: “Há não apenas um, mas muitos
ordenamentos jurídicos, porque há muitas nações, que tendem a exprimir, cada

14
HART, H. L. A. O conceito de direito. Trad. Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo:
Martins Fontes, 2009. p. 305.
15
ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo. São
Paulo: Noeses, 2014, p. 341.
16
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Ariani Bueno Sudatti e Fernando Pavan
Baptista. 6ª ed. São Paulo: EDIPRO, p. 169.
25

uma num ordenamento unitário (o ordenamento estatal), a sua personalidade,


ou, se quisermos, o seu gênio jurídico”17.

É evidente que existe sanção para o descumprimento de acordos


internacionais, não sendo este um argumento válido para desconsiderá-lo
como existente.

Assim, para concluirmos este capítulo sobre o Ordenamento Jurídico,


entendemos pela existência de diversos ordenamentos jurídicos internos, um
para cada Nação, além da existência de diversos ordenamentos jurídicos
internacionais, que corresponde aos conjuntos-interseção existentes em razão
dos tratados firmados entre os agentes de direito internacional.

Entendemos que os tratados internacionais fazem parte do sistema


jurídico internacional, por serem documentos aptos a vincular as partes
naquele ordenamento, e os decretos, devidamente promulgados e publicados,
são instrumentos que compõe o ordenamento jurídico interno no caso do
Brasil.

1.2. SOBERANIA TRIBUTÁRIA

A soberania constitui um dos fundamentos da República Federativa do


Brasil18, que representa a independência absoluta do país na esfera
internacional e a autonomia interna, no exercício de suas competências, não se
subordinando a nenhuma força superior.

Nesse sentido, José Francisco Rezek leciona que:

A soberania não é apenas uma ideia doutrinária fundada


na observação da realidade internacional existente desde
quando os governos monárquicos da Europa, pelo século
XVI, escaparam do poder centralizante do Papa e do
Sacro Império romano-germânico. Ela é hoje uma
afirmação do direito internacional positivo, no mais alto
nível de seus textos convencionais.
17
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Ari Marcelo Solon. 2. ed. São
Paulo: Edipro, 2014. p. 152.
18
Art. 1º, inciso I, da Constituição Federal.
26

Hildebrando Accioly, ao tratar de soberania, nos ensina que:

A soberania é também definida como sendo a autoridade


que possui o Estado para decidir sobre as questões da
sua competência, isto é, para dirigir os seus negócios
internos e externos. Ela é, pois, interna e externa, sendo a
primeira também chamada autonomia e a segunda,
independência.

O autor ressalta, ainda, que “a soberania significa apenas um poder que


decide, em última alçada, nas questões de sua competência. Não é, pois, um
poder absoluto.”

Além de presar pela soberania interna do Brasil, a Constituição Federal,


ao discorrer sobre os princípios que devem reger as relações internacionais,
com outros Estados soberanos, realça o respeito à soberania das outras
nações, ao defender a independência nacional, autodeterminação dos povos,
não-intervenção e igualdade entre os Estados19.

Dentre as competências dos Estados está a de constituir o seu próprio


ordenamento jurídico, incluindo, o próprio sistema tributário interno,
configurando-se, assim, a soberania tributária das nações independentes,
frente às demais.

Sobre a soberania tributária, Heleno Tôrres destaca que:

É no âmbito das relações interestatais, portanto, pelas


relações simétricas de autodeterminação (interna) e
reconhecimento de reciprocidade (externa), que a
soberania tributária, tomando em conta sua vertente de
princípio fundamentador da própria existência jurídica do
Estado, propõe-se como motivo da articulação das
relações entre os Estados, em matéria fiscal, que se trata
de uma articulação de soberanias e não de poderes de
tributar, cujas conotações se aperfeiçoam e lhe ofertam
concretização.20

19
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos
seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III -
autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI -
defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo
político.
20
TÔRRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2ª ed. ver.,
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 67.
27

Assim, dentro dos limites estabelecidos na Constituição Federal, deve


ser observada a soberania tributária, no território nacional, sobre as pessoas e
coisas que nele se encontram, e/ou sobre fatos nele ocorridos.

Não resta qualquer dúvida de que para que o Estado possa exercer a
sua soberania tributária deve existir algum elemento de conexão entre o Estado
e o sujeito, o bem ou a situação objeto de tributação.

Com a globalização e a circulação crescente entre países de pessoas,


bens, capitais e tecnologias, não raras as vezes podemos verificar o exercício
da soberania tributária de mais de um Estado, sobre o mesmo ato ou negócio
jurídico.

O respeito à soberania de cada nação exige obediência à imposição


tributária de ambas as jurisdição, podendo, assim, o contribuinte sofrer dupla
ou múltipla incidência tributária.

Para Victor Uckmar, Giuseppe Corasaniti, Paolo de’ Capitani di


Vimercate e Caterina Corrado Oliveira, a vinculação da tributação com a
soberania das nações representa um obstáculo à evolução do Direito Tributário
Internacional:

O grande obstáculo à evolução do Direito Tributário


Internacional é constituído essencialmente pela
resistência política, quase de ciúmes, dos Estados-
Nações – de origem no século XIX, mas que ainda hoje
não foi totalmente desmantelada – de considerar a
tributação um atributo essencial da soberania com uma
liberdade absoluta, até mesmo de sobrepor outros
ordenamentos, entendendo-se não subsistir nenhum
limite de Direito Internacional21.

Entendo que a tributação e a soberania são inseparáveis, ao menos na


atual sistemática das relações internacionais, visto que permitir que outras
nações ou um organismo internacional possam estabelecer regras de
tributação num país, retirando o controle da sua principal fonte de receitas,
serviria como mecanismo de controle e subordinação, fato este que eliminaria
ou mitigaria a soberania dessa nação.

21
UCKMAR, Victor; CORASANITI, Giuseppe; VIMERCATE, Paolo de’ Capitani di; OLIVA,
Caterina Corrado; GRECO, Marco Aurélio; ROCHA, Sergio André. Manual de direito
tributário internacional. São Paulo: Dialética, 2012. p. 22.
28

A soberania tributária é essencial para a autodeterminação e


independência de um Estado.

Em razão dessa situação, não podendo uma nação interferir na


soberania tributária de outra, é extremamente necessário e salutar que firmem
acordos para evitar a dupla ou múltipla tributação.

Existindo acordo firmado entre países, a soberania tributária recebe


outra feição, que é a obrigação de ambas as jurisdições respeitarem e
aplicarem corretamente as disposições contidas nesses instrumentos, zelando
pelo cumprimento das cláusulas previamente acordadas entre os países
contratantes.

1.2.1. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

A competência tributária é uma das expressões da soberania nacional,


visto que, por deter o poder de tributar, o Estado é capaz de distribuir as
competências para imposição tributária, entre as pessoas jurídicas de direito
público internas, conforme disposto na Constituição Federal.

A competência tributária deve necessariamente ser exercida pelo ente


da federação que recebeu essa atribuição pela Constituição Federal,
respeitando os procedimentos legislativos preestabelecidos pelo ordenamento
jurídico.

Este é um estudo importante para entendermos quais são os limites de


competência conferidos à autoridade competente ao firmar um acordo
internacional em matéria tributária.

No Brasil, a competência tributária é indelegável, por força do artigo 7º,


do Código Tributário Nacional22, o que significa que a pessoa jurídica de direito
público que recebeu o poder de instituição de tributos e legislar sobre essa

22
Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou
fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria
tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do
artigo 18 da Constituição.
29

exação, não tem a permissão de transmitir essas atribuições a outra pessoa. A


única atribuição que pode ser delegada a outra pessoa é a capacidade
tributária ativa, cujas atividades são a de arrecadação, fiscalização e cobrança
do tributo.

Da mesma forma, a competência tributária é imprescritível, ou seja, o


ente federado não perde essa atribuição caso deixe de exercê-la, independente
do período transcorrido, sendo vedado, por força do artigo 8º, do Código
Tributário Nacional23, no caso de não exercício dessa atividade, que outra
pessoa jurídica de direito público assuma essa competência.

Apesar de ser indelegável e imprescritível, a competência tributária é


facultativa, o que significa que o ente federado pode não exercer a sua
competência e não instituir o tributo de sua competência.

Cumpre salientar que estamos tratando de competência tributária, pois,


a capacidade tributária ativa é obrigatória. Ou seja, o ente federado não está
obrigado a exercer a sua competência e instituir o tributo, no entanto, uma vez
exercida a competência tributária e criado o tributo, a sua arrecadação,
fiscalização e cobrança são atividades obrigatórias.

Nesse sentido, como ensina Tácio Lacerda Gama, ao tratar da


competência tributária:

Seu âmbito de vigência compreende a criação e


revogação de novas materialidades, novos princípios ou
imunidades, mas também a instituição de novos tributos,
isenções, deveres instrumentais, regras de constituição,
suspensão e extinção da obrigação tributária. Para isso,
são os dispositivos da competência legislativa que dão
forma ao Sistema Tributário Nacional.

Também por isso podemos classificar essas


competências como sendo heterônomas, qualificadas,
vinculadas e intransferíveis. Noutras palavras, são
competências cujo exercício vincula terceiros, os sujeitos
competentes são qualificados e definidos, e deverão ser

23
Art. 8º O não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de direito
público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído.
30

exercidas nos estritos limites da lei, vedada sua


transferência para outras pessoas.24

É cediço que a Constituição Federal não cria absolutamente tributo


algum, apenas reparte competências, entre os entes federados, para que cada
uma dessas pessoas jurídicas de direito público exerça a imposição tributária,
sempre dentro dos limites impostos pela Lei Maior, respeitando-se os conceitos
nela estabelecidos.

Antes de prosseguirmos, cumpre fixar a premissa de que entendemos


que a Constituição Federal estabelece conceitos e não tipos tributários.

Em suma, a corrente que entende que a Constituição estabelece tipos,


acredita, basicamente, que a Lei Maior nomeou os tributos, cabendo ao
legislador infraconstitucional estabelecer os conceitos, e portanto, o alcance de
incidência do tributo. E para os adeptos da corrente de que a Constituição
prescreve conceitos tributários, o entendimento é no sentido de que o
legislador infraconstitucional deve respeitar os conceitos já preestabelecidos
pela Constituição Federal, com base em conceitos já fortemente estabelecidos
no ordenamento, não possuindo o legislador infraconstitucional margem para
inovar ou estender os limites da abrangência da incidência do tributo.

Nesse sentido, Paulo Ayres Barreto faz excelente síntese da doutrina e


jurisprudência que fazem distinção entre tipos e conceitos:

Percorrendo a doutrina e a jurisprudência relativas ao


tema dos tipos e conceitos constitucionais, podemos
identificar, ao menos, quatro entendimentos distintos, a
saber: (i) as significações dos vocábulos constantes do
Texto Constitucional são atribuídas integralmente pelo
legislador infraconstitucional; (ii) há um importante nível
de imprecisão ou vaguidade nas referências sígnicas
constitucionais, de modo a permitir um espaço
significativo para a participação do legislador na
construção de sentido desses conceitos; (iii) a
Constituição Federal de 1988 teria feito uso de tipos para
discriminar as competências impositivas, cabendo à lei
complementar formular o conceito dos impostos nela
referidos; (iv) os conceitos constitucionais devem ser
construídos por intermédio de processo interpretativo
eminentemente constitucional, devendo o legislador
24
GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2ª
ed. São Paulo: Noeses, 2011, p 232
31

infraconstitucional reconhecer tais conceitos como balizas


ou limites a sua atuação.25

Portanto, entendemos que ao estabelecer a competência tributária, a


Constituição prescreve conceitos, conferindo maior segurança jurídica, e
mitigando conflito de competência entre os entes.

A competência tributária, então, é a atribuição conferida pela


Constituição Federal para que um ente da federação possa instituir tributos e
legislar sobre essa exação.

Resta saber se a instituição de novas hipóteses de incidência via


tratados internacionais, em especial naquelas situações em que se pretende
evitar a dupla não tributação feriria a competência tributária.

Como base nessa discussão cumpre relembrarmos os debates


existentes sobre a possibilidade de instituição de isenções via tratados
internacionais.

Muito se discutiu a respeito da possibilidade de concessão de isenções


via tratados internacionais, em especial quando a desoneração tributária
referia-se a tributos de competência de outros entes da federação, que não a
União, em razão da vedação expressa à concessão de isenções heterônomas,
em razão do artigo 151, inciso III, da Constituição Federal26.

É certo que a concessão de isenções é parte da competência tributária


dos entes da federação, que da mesma forma que recebem poder para instituir
tributos, também recebem o poder de desonerar e legislar de forma ampla
sobre os tributos que lhe foram atribuídos a competência.

O Supremo Tribunal Federal já há muito pacificou essa questão, sob o


fundamento de que apenas o Presidente da República, como representante da
República Federativa do Brasil é quem teria competência para firmar acordos
internacionais, nos termos do artigo 84, inciso VIII, da Constituição Federal27, e
que nessas oportunidades, estaria revestido na posição de Chefe de Estado, e

25
BARRETO, Paulo Ayres. Planejamento tributário: limites normativos. São Paulo: Noeses,
2016, p. 53
26
Art. 151. É vedado à União: (...) III - instituir isenções de tributos da competência dos
Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios
27
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) VIII - celebrar tratados,
convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
32

não de Chefe de Governo, portanto, não representando a União, mas sim a


República.

A cláusula de vedação inscrita no art. 151, III, da


Constituição – que proíbe a concessão de isenções
tributárias heterônomas – é inoponível ao Estado Federal
brasileiro (vale dizer, à República Federativa do Brasil),
incidindo, unicamente, no plano das relações
institucionais domésticas que se estabelecem entre as
pessoas políticas de direito público interno (...). Nada
impede, portanto, que o Estado Federal brasileiro celebre
tratados internacionais que veiculem cláusulas de
exoneração tributária em matéria de tributos locais (como
o ISS, p. ex.), pois a República Federativa do Brasil, ao
exercer o seu treaty-making power, estará praticando ato
legítimo que se inclui na esfera de suas prerrogativas
como pessoa jurídica de direito internacional público, que
detém – em face das unidades meramente federadas – o
monopólio da soberania e da personalidade internacional.

RE 543.943 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 30-11-2010,


2ª T, DJE de 15-2-2011. Nesse sentido RE 229.096, rel.
p/ o ac. min. Cármen Lúcia, j. 16-8-2007, P, DJE de 11-4-
2008

A isenção de tributos estaduais prevista no Acordo Geral


de Tarifas e Comércio para as mercadorias importadas
dos países signatários, quando o similar nacional tiver o
mesmo benefício, foi recepcionada pela Constituição da
República de 1988. O art. 98 do CTN "possui caráter
nacional, com eficácia para a União, os Estados e os
Municípios" (voto do eminente ministro Ilmar Galvão). No
direito internacional, apenas a República Federativa do
Brasil tem competência para firmar tratados (art. 52, § 2º,
da CF), dela não dispondo a União, os Estados-membros
ou os Municípios. O presidente da República não
subscreve tratados como chefe de Governo, mas como
chefe de Estado, o que descaracteriza a existência de
uma isenção heterônoma, vedada pelo art. 151, III, da
Constituição. RE 229.096, rel. p/ o ac. min. Cármen Lúcia,
j. 16-8-2007, P, DJE de 11-4-2008. Neste mesmo sentido
AI 235.708 AgR, rel. min. Gilmar Mendes, j. 24-8-2010, 2ª
T, DJE de 17-9-2010; RE 543.943 AgR, rel. min. Celso de
Mello, j. 30-11-2010, 2ª T, DJE de 15-2-2011
33

Portanto, com relação à possibilidade de concessão de isenções de


tributos de outros entes da federação, não há qualquer restrição, visto que o
Presidente da República, como chefe de Estado, não estaria representando
qualquer dos entes federados, mas o Estado como um todo.

Mas a Constituição Federal prevê que qualquer desoneração tributária


somente poderia ser concedida por meio de lei específica, pela inteligência do
artigo 150, parágrafo 6º, da Constituição Federal28.

Da mesma forma que para a instituição de tributos, o mesmo artigo 150,


em seu inciso I, determina que para a instituição ou aumento de tributo faz-se
necessário que seja feito por meio de lei.

Essas disposições são reforçadas pelo artigo 97 do Código Tributário


Nacional, que estabelece a necessidade de lei, para criar, extinguir, aumentar,
reduzir, estabelecer hipóteses de isenção (exclusão do crédito tributário),
dentre tantas outras situações.

A competência do presidente da república para representar o Estado ao


firmar acordos internacionais resta incontestável e pacífico em nosso
ordenamento. Porém, a possibilidade de exercer a competência tributária única
e exclusivamente por meio de lei também o é.

Assim, a primeira vista, nos parece crível afirmar que, pelo fato de o
Supremo Tribunal Federal já ter permitido a imposição de isenções por meio de
tratados internacionais, a criação de novas hipóteses de incidência tributária
também poderiam ser instituídas, visto a competência privativa do Presidente
da República em firmar esses instrumentos internacionais.

No entanto, importante destacar que os tratados internacionais não


podem criar absolutamente nenhum tributo, e tampouco hipóteses de
incidência tributária, não previstas no ordenamento jurídico interno, ao menos
não no caso do Brasil.

Como destaca Marco Aurélio Greco:

28
Art. 150. (...) § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de
crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só
poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule
exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição,
sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.
34

um tributo não pode ser “criado” por um tratado ou


convenção internacional. Assim é, pois a Constituição
brasileira reserva à lei a função de instituir ou aumentar
tributo. Isto quer dizer que, ainda que haja um consenso
internacional de que determinadas práticas elisivas devem
ser combatidas, e, ainda que se entenda que o meio de
fazê-lo é através da criação de uma incidência tributária
abrangente que considere o universo de operações dos
agentes econômicos, onde quer que eles se encontrem,
nem mesmo a celebração de um tratado ou convenção
internacional neste sentido será suficiente para instituir o
tributo no Brasil. Sua instituição no Brasil dependerá de
uma lei ordinária interna, pois o tratado teria natureza
semelhante à do Código e este, por definição, não cria
tributos.29

Os tratados internacionais em matéria tributária podem apenas limitar o


poder de tributar, sem impor nova carga tributária, que só pode ser realizado no
exercício da competência tributária, pelas vias expressamente previstas pela
Constituição Federal.

Nesse sent ido, Kees Van Raad leciona que:

Taxation is based on internal tax law while a tax treaty


may restrict such taxation. The issue is therefore not
whether a tax treaty contains any rule that permits the
imposition of tax, but whether anything in the treaty
prohibits the unrestricted application of the internal tax
law.30

Existe uma diferença gritante entre a imposição de novas hipóteses de


incidência tributárias e a desoneração tributária. Em respeito à separação de
poderes, ao Estado Democrático de Direito, e ao princípio da legalidade, o
aumento da carga tributária deve se submeter a todo o processo legislativo
democrático de instituição por meio de lei, enquanto que o Estado pode abrir
mão de suas receitas, concedendo desoneração da carga tributária, por meio
de tratados internacionais, para fomentar políticas públicas econômicas
atraindo investimento estrangeiro.

29
GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2011. p. 435.
30
RAAD, Kees Van. Five fundamental rules in applying tax treaties. Liber Amicorum Luc
Hinnekens. Bruylant: Bruxelles, 2002, p. 588.
35

Assim, ao firmar acordos internacionais em matéria tributária, a


competência tributária está limitada à concessão de isenções e desonerações
tributárias, não sendo possível a instituição de novas hipóteses de incidência
tributária, a pretexto de se evitar a dupla não incidência de tributos.

1.3. ELEMENTOS DE CONEXÃO E A DUPLA TRIBUTAÇÃO

Os Estados soberanos são dotados de território, povo e um governo


independente, e é justamente dentro desse território que o governo exerce a
sua jurisdição, incluindo-se a possibilidade de instituição de tributos, legislando
sobre essa matéria.

Possuindo o Estado soberania tributária, tem o poder de instituir


livremente normas em matéria tributária dentro do seu território. Mas
justamente pelo fato de cada país exercer a sua soberania tributária dentro do
seu território, acarreta na possibilidade cobrança tributária, sobre a mesma
situação, em mais de uma jurisdição.

Isso ocorre pelo fato de que o antecedente da norma jurídica pode


prever como fato gerador uma situação que ocorreu em outro país. E a
depender dos elementos de conexão utilizados pelos Estados ao instituir as
suas normas tributárias, é perfeitamente possível que os dois países cobrem
tributo sobre o mesmo fato. Pois, o país é livre para impor a incidência de
tributo, mesmo para fatos, rendas, bens, pessoas, ou situações fora do seu
território, desde que apresentem algum elemento de conexão, seja com o
território, ou com o povo desse Estado.

Sobre esse assunto, Alberto Xavier ensina que:

o poder de tributar (jurisdiction to tax) baseia-se na


soberania do Estado e como esta tem duas vertentes –
uma pessoal (baseada na nacionalidade) e outra territorial
(baseada no território), assim também a tributação se
36

pode basear num princípio da pessoalidade ou num


princípio da territorialidade. 31

Ao tratarmos de imposição de tributos nas relações exteriores, podem


ser adotados diversos critérios para definir o fato gerador do tributo, e são três
os princípios que devem ser observados, para a eleição do critério, que são:
Territorialidade, Fonte e Universalidade.

A territorialidade está relacionada com o aspecto espacial do fato


gerador do tributo, no entanto, quando tratamos de tributação internacional,
esse aspecto não está relacionado apenas ao local onde ocorre o fato gerador,
mas estabelece a premissa de que o Estado pode tributar fatos que se
relacionem, de alguma maneira, com o seu território.

Assim, a territorialidade pode determinar como vínculo para a instituição


de tributação as pessoas residentes, domiciliadas ou nacionais de seu território
(adotando-se uma feição pessoal à territorialidade), bem como pode
estabelecer o vínculo com base na ocorrência do fato gerador dentro do
território, ou seja, onde esteja a fonte de produção ou pagamento (adotando-se
uma feição objetiva ou real).

Nesse sentido, Luis Eduardo Schoueri, descreve os elementos de


conexão do fato com o território:

Dada a existência de diversos critérios, pode-se cogitar de


um sistema alcançar: (i) os residentes (ou nacionais), por
sua renda no território (somatória dos critérios de conexão
pessoal e real); (ii) os residentes (ou nacionais) por sua
renda universal (conexão apenas pessoal – princípio da
universalidade); (iii) os não-residentes por sua renda no
território (conexão real – princípio da fonte); ou (iv) os não
residentes, por sua renda universal. De todas as
hipóteses, apenas a última é que potencialmente
contrariaria o princípio da territorialidade, dada a
impossibilidade de o Estado tributar situações sem
qualquer conexão com o território.32

31
XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil: tributação das operações
internacionais. 5ª edição, atualizada – Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 21.
32
SHOUERI, Luís Eduardo. Princípios no Direito Tributário Internacional: Territorialidade, Fonte
e Universalidade. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação. São
Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 338.
37

Os Estados, portanto, podem adotar diversos critérios para impor a


tributação, mas sempre com uma vinculação ao seu território, seja real ou
pessoal. Os critérios mais comuns são o da residência e da fonte.

O critério da fonte implica estabelecer como vínculo a origem do


rendimento que sofrerá a incidência tributária, assim, poderá tributar a origem
do recurso financeiro, ou seja, a fonte de pagamento, ou o local onde foi
gerado o rendimento, que é a fonte de produção.

Outro critério vinculado ao território que pode ser adotado é o da


nacionalidade, onde o país pode tributar os rendimentos auferidos por um
nacional, mesmo que o fato gerador tenha ocorrido fora do país e esse
nacional não ser mais residente. Esse é um critério raro, mas que pode ser
utilizado.

Utilizando-se como critério a residência do sujeito passivo, o Estado


poderá tributar todos os rendimentos auferidos pelo contribuinte, independente
de onde tenha ocorrido o fato gerador, é o que se denomina de tributação em
bases universais, assim, uma empresa residente no Brasil, que contabilizar
receitas de controlada localizada em Butão poderá sofrer a incidência de
tributação adotando-se esse critério.

E o princípio, portanto, que gera a possibilidade de tributação de


situações que ocorrem fora do território do Estado tributante é justamente o
princípio da universalidade. Que se traduz pela possibilidade de um Estado
tributar situações, mesmo que ocorridas fora do seu território, mas que sejam
praticadas por seus residentes ou nacionais.

1.3.1. MECANISMOS DE MITIGAÇÃO DA DUPLA TRIBUTAÇÃO

Em razão da possibilidade de múltipla incidência tributária, alguns


métodos, tanto unilaterais, implementados pela legislação interna de cada país,
quanto bilaterais, estabelecidas em acordos bilaterais ou multilaterais, servem
para neutralizar ou mitigar essa situação.
38

Os métodos mais adotados pelos Estados são os da isenção, da


imputação (ou crédito) e o da dedução. Ambos visam atender à neutralidade na
tributação, ou pelo menos reduzir o ônus causado pela múltipla incidência de
tributos sobre o mesmo fato gerador.

A neutralidade é a situação que busca atingir a justiça tributária, fazendo


incidir a tributação de apenas uma das jurisdições, impactando minimamente
as atividades empresarias.

Luís Eduardo Schoueri indica as duas formas de se atingir a


neutralidade fiscal, ou se todos os países tributarem os seus residentes em
bases universais, possibilitando a compensação integral de créditos dos
tributos pagos no exterior, ou se os países harmonizarem as suas bases
tributáveis e alíquotas:

There are basically two ways of achieving CEN, either: (i)


all countries tax the income of their residents in an
universal basis, granting unlimited credit in relation to
taxes paid in other countries (even if foreign taxes were
higher than local ones); or (ii) all States harmonize their
tax bases and tax rates. 33

Os acordos firmados entre as nações para evitar a múltipla tributação


além de conferirem maior segurança jurídica ao investidor, limitam a jurisdição
dos Estados contratantes, reduzindo ou eliminando os riscos da dubla ou
pluritributação sobre o mesmo fato gerador.

Para isso, podem ser utilizados os seguintes métodos: (i) isenção


integral; (ii) isenção progressiva; (iii) imputação limitada; (iv) imputação integral;
(v) dedução.

A isenção integral pode ser conferida pelo Estado de Residência sobre a


renda auferida pelo contribuinte no outro Estado da Fonte, para que o
contribuinte possa competir com igualdade de condições com os residentes do
outro Estado Contratante, neutralizando os efeitos tributários, estando o
contribuinte sujeito à mesma carga tributária que os seus concorrentes naquela
jurisdição.

33
SHOUERI. Luís Eduardo. Chapter 3: The international allocation of Taxing Rights. In.
ROCHA, Sergio André e CHRISTIANS, Allison (coord). Tax Sovereignty in the BEPS Era.
Series: International Taxation (Book 60). The Netherlands: Wolters Kluwer, 2017, p. 53.
39

Na modalidade de isenção progressiva os rendimentos obtidos no


exterior não são tributados pelo Estado de Residência, no entanto, são
contabilizados para efeito de aplicação de alíquota progressiva nesse Estado
de Residência, estando sujeito à progressão da alíquota devido ao volume de
renda obtido no exterior.

Outra medida é a imputação integral ou crédito integral que consiste na


possibilidade de o residente abater integralmente os tributos pagos no Estado
da Fonte, dos tributos a serem pagos no Estado de Residência, sem qualquer
limitação.

Já a imputação limitada ou crédito limitado consiste na possibilidade de


abater o tributo pago no Estado da Fonte, até o limite da tributação no Estado
de Residência incidente sobre os mesmos rendimentos.

E, por fim, a dedução permite que o tributo pago no exterior seja


deduzido, a título de despesa, da base de cálculo do tributo a ser pago no
Estado de Residência. Este último método não atinge a neutralidade tributária,
mas mitiga o ônus tributário incidente no exterior.

Os tratados internacionais, portanto, utilizam-se dessas medidas para


neutralizar ou mitigar a dupla ou múltipla tributação. Porém, como veremos
mais adiante, esses institutos que foram criados para solucionar o problema da
múltipla tributação, podem ser utilizados pelos contribuintes para evitar, reduzir
ou postergar a incidência tributária.
40

2. TRATADOS INTERNACIONAIS

Primeiramente, cumpre salientar que, apesar de serem muitas as


nomenclaturas utilizadas para denominar os instrumentos que formalizam os
acordos realizados na esfera do direito internacional, não há qualquer diferença
entre eles, não passando de sinônimos, podendo ser chamados de tratados,
acordos, convenções, cartas, protocolos etc.

A própria Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, da qual o


Brasil é signatário, define esse ato da seguinte forma: “um acordo internacional
concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer
conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos,
qualquer que seja sua denominação específica”34.

Importante destacarmos essa questão, pois a Constituição Federal, em


diversas oportunidades, ao dispor sobre os tratados internacionais, menciona
mais de uma denominação, às vezes num mesmo artigo, passando a ideia de
que se trata de instrumentos diferentes, quando na verdade não o são.

Como vimos, os tratados, convenções e atos internacionais não se


distinguem e, tomando como exemplo o supracitado inciso VIII do artigo 84,
que diz que “Compete privativamente ao Presidente da República celebrar
tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso
Nacional”, notamos a imperfeição técnica incorrida pelo legislador constituinte,
que de forma redundante cita no mesmo dispositivo legal três sinônimos como
se fossem instrumentos distintos.

Ultrapassada a questão terminológica, prosseguiremos com o processo


de incorporação dos tratados.

34
Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Artigo 2. Expressões Empregadas – 1. Para os
fins da presente Convenção: a) “tratado” significa um acordo internacional concluído por
escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento
único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação
específica.
41

2.1. PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS


INTERNACIONAIS

Cada país tem o seu próprio procedimento para a internalização dos


acordos internacionais firmados, o que já demonstra a complexidade da atual
sistemática.

O processo de incorporação adotado pelo Brasil segue o disposto no


Decreto 7.030/2009, que promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados e na Constituição Federa.

E, resumidamente, podemos destacar quatro fases nesse processo, i) a


primeira, que é privativa do Presidente da República, podendo ser delegada ao
Ministro das Relações Exteriores ou a um representante acreditado pelo
Estado, corresponde à fase de negociações, que se encerra com a assinatura
do tratado, por qualquer das pessoas acima relacionadas, que demonstra a
intenção do Estado em vincular-se ao tratado; ii) a segunda fase corresponde à
aprovação desse tratado pelo Congresso, assim, depois de assinado, o texto é
enviado ao Congresso por meio de Mensagem do Presidente, devendo ser
votado e aprovado pelas duas Casas Legislativas, a começar pela Câmara dos
Deputados e posteriormente pelo Senado Federal, sendo aprovado, o texto
será promulgado e publicado, por meio de Decreto Legislativo; iii) a terceira
fase corresponde à ratificação desse tratado, que é o momento em que a
nação comunica os demais Estados signatários que se vincula ao acordo,
passando a surtir efeitos na esfera internacional; iv) no Brasil, exige-se, ainda,
uma quarta e última fase, que é a promulgação da ratificação por meio de
Decreto Presidencial, momento em que o tratado passa a surtir efeitos na
esfera nacional, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, por
ocasião do julgamento da ADIn 1.480/DF.

O processo de internalização dos tratados certamente é uma etapa


retrógrada, que não atende de forma eficiente o atual cenário econômico e
político globalizado, merecendo a matéria mais atenção, conferindo mais
segurança jurídica e efetividade nas relações internacionais.
42

Esse processo de incorporação dos tratados internacionais ao sistema


jurídico brasileiro é complexo, pois, após as negociações e a assinatura do
acordo pelo representante do Poder Executivo, a sua aprovação depende,
ainda, do consentimento do Congresso Nacional, mas para que seja conferida
efetividade faz-se necessária a promulgação da ratificação por meio de Decreto
Presidencial.

O artigo 84, inciso VIII, da Constituição Federal35 atribui, privativamente,


ao Presidente da República o poder de celebrar tratados, convenções e atos
internacionais.

Esse processo, no Brasil, segue o disposto no Decreto 7.030/2009, que


promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.

Assim, após a conclusão das negociações, os representantes dos


Estados envolvidos devem autenticar o texto final do acordo celebrado que, por
via de regra, caso não tenha outra forma disposta no acordo, é realizado por
simples rubrica ou assinatura do texto, representando uma aprovação
preliminar do texto final do acordo.

Após a autenticação, o texto final segue para assinatura, que é o ato em


que os representantes de cada Estado expressam o consentimento em obrigar-
se por um tratado.

Importante destacar que o texto constitucional atribui competência


originária ao Presidente da República para firmar os tratados internacionais,
como vimos acima, no entanto, esse ato pode ser realizado pelo Ministro das
Relações Exteriores ou ser delegado a um representante acreditado pelo
Estado.

Após a assinatura do tratado, o documento deve ser encaminhado ao


Congresso Nacional, que tem competência exclusiva para resolver
definitivamente sobre tratados internacionais que acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

35
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VIII – celebrar tratados,
convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.
43

A princípio, todos os tratados internacionais estão sujeitos à aprovação


pelo Congresso Nacional, no entanto essa regra pode comportar exceções,
dependendo da interpretação que se atribua ao texto constitucional.

Isso porque o artigo 84, inciso VIII, da Constituição Federal36 diz que os
tratados internacionais celebrados estão sujeitos a referendo do Congresso
Nacional, sem destacar qualquer exceção.

Todavia, o artigo 49, que trata especificamente das atribuições do


Congresso Nacional, dispõe em seu primeiro inciso que estão sujeitos à
aprovação do órgão os tratados que acarretem encargos ou compromissos
gravosos ao patrimônio nacional.

Assim, há quem entenda que o inciso I do artigo 49 da Magna Carta37


dispensa a remessa para a deliberação do Congresso Nacional dos tratados
internacionais que não acarretam encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio da nação, bastando a assinatura do representante do Poder
Executivo.

Em se tratando de acordos internacionais em matéria tributária sempre


haverá encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio da nação, visto que
certamente estarão presentes cláusulas que desoneram o contribuinte do
pagamento de tributos.

Assim, considerando a tramitação ordinária, em que se faz necessária a


deliberação pelo Parlamento, o texto, após a assinatura, é enviado ao
Congresso por meio de Mensagem do Presidente, passando, primeiramente,
pela Câmara dos Deputados e, posteriormente, pelo Senado Federal.

Antes de ser encaminhado ao plenário de ambas as Casas Legislativas,


o texto passa pelas Comissões temáticas competentes, tanto da Câmara
quanto do Senado.

A aprovação do texto depende de maioria simples, primeiro na Câmara e


depois pelo Senado, resultando na promulgação de um decreto legislativo, pelo

36
VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso
Nacional.
37
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente
sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos
gravosos ao patrimônio nacional.
44

presidente do Senado Federal, que deverá ser publicado no Diário Oficial da


União.

Caso o texto seja rejeitado, o procedimento será arquivado,


comunicando-se o fato mediante Mensagem ao Presidente da República.

Aprovado o texto, e posteriormente promulgado e publicado o decreto


legislativo, o Presidente da República está autorizado a ratificar o tratado.

Assim, como afirma Paulo de Barros Carvalho,

[...] os tratados e as convenções internacionais, bem


como os convênios interestaduais, não são portadores de
força vinculante. É imperioso, por decorrência do princípio
da legalidade, que a ordem jurídica recolha a matéria
desses atos multilaterais de vontade, sem o que não se
dá a produção de normas válidas do direito pátrio. E é
precisamente por essa razão que o decreto legislativo
assume importância significativa como instrumento
primário de introdução de regras tributárias38.

A ratificação é o momento em que a nação comunica às demais partes


do tratado o seu desejo de vincular-se por aquele documento e o tratado passa
a surtir seus efeitos internacionalmente àquele que o ratifica.

A ratificação ocorre por meio da troca dos instrumentos entre os


participantes, geralmente utilizada nos acordos bilaterais, ou pelo depósito dos
instrumentos, mais comum nos acordos multilaterais. Nada impede que os
participantes elejam outra forma de ratificar os acordos internacionais, porém
essas duas são mais usadas.

2.2. O PARADOXO DAS SANÇÕES LEGITIMADAS

Como exposto, a ratificação representa o momento em que o Estado


expressa o seu consentimento em obrigar-se ao instrumento firmado, porém a
ocasião em que esse acordo efetivamente passará a produzir os seus efeitos
deverá ser convencionada pelos participantes e deverá vir expressa no tratado,
38
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
p. 90.
45

podendo ser uma data específica ou depois de ultrapassado um prazo


predefinido.

Nos acordos multilaterais, por exemplo, pode ser depois do último


depósito, ou depois de um determinado número de depósitos; como vimos, é
de livre escolha das partes.

É notório que o trâmite brasileiro é extremamente moroso e complexo,


dependendo da transposição de diversos atos e etapas até que o País
finalmente manifeste o seu consentimento e se obrigue nos termos do tratado
ratificado.

O processo supracitado diz respeito à entrada em vigor do tratado na


esfera internacional. No entanto, no Brasil, mesmo depois de aprovado e
ratificado, o tratado ainda deve ser promulgado pelo Presidente, mediante a
publicação de decreto presidencial, no Diário Oficial da União.

Assim, o momento em que o tratado passa a surtir seus efeitos perante


os demais participantes na esfera internacional é definido pelo próprio
instrumento, porém o momento em que passará a vigorar internamente e
obrigar as pessoas de direito interno ainda gera dúvida em nosso ordenamento
jurídico.

O entendimento que predomina em nossos tribunais é o de que o tratado


se incorpora em ordenamento jurídico brasileiro com a promulgação do decreto
do Presidente.

Interessante observar que, como ensina Tárek Moysés Moussallem, “em


verdade, o tratado internacional passa a compor os enunciados-enunciados do
veículo introdutor denominado decreto legislativo”, e que todo o procedimento
disposto na Constituição Federal, até a promulgação, é a atividade de
enunciação dessa norma39.

Notamos que, mesmo depois de aprovado e ratificado, é necessária uma


última etapa interna, que é a promulgação, ainda que esse tratado tenha sido
trocado ou depositado e já esteja surtindo os seus regulares efeitos
internacionalmente.

39
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006.
p. 204-205.
46

É exatamente nesse ponto que está o problema, pois esse entendimento


pode gerar conflitos e penalidades de ordem internacional ao Brasil, uma vez
que o tratado poderá entrar em vigor e vincular o País na esfera internacional,
porém permanecer desobrigado no ordenamento jurídico interno. Ou seja, o
Brasil está obrigado a cumpri-lo perante os demais países signatários, mas
internamente esse tratado não terá qualquer validade.

O Supremo Tribunal Federal manifestou-se sobre o caso, por meio da


ADIn 1.480/DF, e entendeu que:

O iter procedimental de incorporação dos tratados


internacionais – superadas as fases prévias da
celebração da convenção internacional, de sua aprovação
congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado –
conclui-se com a expedição, pelo Presidente da
República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos
básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do
tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto;
e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa,
então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do
direito positivo interno.

O Supremo, como exposto, decidiu que os tratados passam a surtir


efeitos no plano do direito positivo interno somente após a promulgação, e não
de sua ratificação ou troca, momentos em que, geralmente, o tratado passa a
obrigar a parte na esfera internacional.

Fica nítido o risco a que se submete o País em razão desse


entendimento, que é o de obrigar-se perante os demais signatários do tratado,
no âmbito internacional, porém internamente esse tratado não está em vigor,
carecendo de obediência pelos agentes de direito interno.

Sendo a promulgação um ato, exclusivamente, de direito interno, não


influencia a sua vigência na esfera de direito internacional.

Isso faz com que o País se encontre obrigado a cumprir o tratado na


esfera internacional, mas não tem força para obrigar os seus agentes de direito
interno a observar o tratado firmado.

O contrário também é verdadeiro; caso esse tratado venha a ser


denunciado por outro país signatário, ele deixará de produzir efeitos na esfera
internacional, mas se manterá válido no ordenamento interno. Nesse sentido,
47

Tárek Moysés Moussallem diz que “destaca-se que a denúncia de tratado


internacional não revoga o decreto legislativo que o inseriu na ordem interna.
Este continuará válido enquanto não for retirado do sistema do direito positivo
por veículo introdutor competente”40.

Dessa forma, o Estado pode incorrer num paradoxo de sofrer sanções


legitimadas, ou seja, o descumprimento do tratado firmado pelas partes pode
gerar sanções ao País perante os órgãos internacionais, legitimadas pelo
próprio sistema jurídico interno desse país que desobriga os agentes de direito
interno pelo cumprimento dos acordos.

O Supremo Tribunal Federal, portanto, teve a oportunidade de


solucionar esse conflito, mas, ao invés de decidir que o tratado passaria a
vincular os agentes de direito interno no mesmo momento em que obrigasse o
País perante os entes internacionais, ou seja, no momento da troca, depósito
ou outra forma determinada no acordo, optou por uma formalidade interna,
totalmente desnecessária, que é a etapa de promulgação, para vincular os
agentes de direito interno.

2.3. INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS

Analisaremos neste capítulo como devem ser interpretados os tratados


internacionais que versem sobre matéria tributária, para a correta aplicação em
nosso ordenamento jurídico, bem como trataremos da utilização dos institutos
do direito privado, quando necessários para a interpretação de normas do
direito tributário.

As normas jurídicas são sempre passíveis de serem construídas, assim,


a norma não é a literalidade do texto normativo.

Portanto, necessário traçar a distinção entre enunciados, proposições e


normas jurídicas, os primeiros apresentam-se como produto da atividade de
enunciação, ou seja, como textos que obedecem a regras gramaticais de
determinado idioma, as proposições representa a carga semântica

40
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006.
p. 207.
48

(significação) expressa pelos enunciados, enquanto que a norma jurídica são


as “significações construídas a partir dos textos positivados e estruturas
consoante a forma lógica dos juízos condicionais, compostos pela associação
de duas ou mais proposições prescritivas”41.

O direito se manifesta por meio de linguagem, e, portanto, precisa ser


interpretado para que possamos construir a norma jurídica.

E sendo a atividade de interpretação uma tarefa individual, o indivíduo


utiliza o seu repertório próprio, objeto da sua cultura para exercer essa tarefa.
Dessa forma, não só é possível, mas muito comum, que de um mesmo texto
possam ser apresentadas interpretações diversas e colidentes.

Cada intérprete, com o seu repertório cultural próprio, suas convicções,


ideologias e conhecimentos específicos, poderá construir interpretações a partir
dos suportes físicos analisados.

Tanto é verdade que um leigo, sem muitos conhecimentos do sistema


jurídico, e com um limitado acesso aos textos legais, pode ter dificuldades em
interpretar normas jurídicas, que um jurista mais experiente compreende
facilmente, sem qualquer esforço.

Como ensina Paulo Ayres Barreto

os métodos de interpretação tradicionalmente referidos


pela doutrina (literal, lógico, histórico, teleológico e
sistemático) são aplicáveis em matéria tributária, com
suas virtudes e os seus defeitos.42

Para enfrentar a árdua tarefa de interpretar o sistema jurídico, Paulo de


Barros Carvalho nos apresenta um método, denominado Construtivismo
Lógico-Semântico, cuja finalidade é auxiliar o operador do direito na construção
de sentido da norma jurídica, Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho:

O método apresenta instrumentos adequados para a


exploração, em níveis mais profundos, dos textos do
direito positivado, decompondo-os em quatro sistemas,
todos eles qualificados como jurídicos. As mencionadas

41
CARVALHO, Paulo de Barros. fundamentos jurídicos da incidência. 10ª ed. ver. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2015, pp. 46/48.
42
BARRETO, Paulo Ayres. Planejamento tributário: limites normativos. São Paulo: Noeses,
2016, p. 26/27
49

incisões, como é óbvio, são de caráter meramente


epistemológicos, não podendo ser vistas as fronteiras dos
subsistemas no trato superficial com a literalidade dos
textos.43

Ao percorrer esse processo o interprete não irá extrair o significado da


norma jurídica, mas sim construí-lo, não existindo, necessariamente, um único
significado possível, pois, como bem ensina Paulo de Barros Carvalho a norma
jurídica é “uma estrutura categorial, construída, epistemologicamente, pelo
intérprete, a partir das significações que a leitura dos documentos do direito
positivo desperta em seu espírito”44 .

Ao iniciar o processo de interpretação, o primeiro contato que o


intérprete tem é com o texto, ou conjunto de textos, que correspondem os
enunciados prescritivos das mensagens legisladas, grafados num suporte
físico.

Texto como “plano de expressão ou plano dos significantes, base


empírica e objetivada em documentos concretos, postos intersubjetivamente
entre os integrantes da comunidade do discurso”45

Corresponde a uma base empírica e objetivada, pois, o contato com o


suporte físico é o início da empreitada do exegeta (base empírica), além de ser
a parcela do percurso comum a todos os que iniciam esse mesmo processo
(objetivada).

A interpretação, portanto, parte do texto, mas a ele não se limita, neste


sentido, Ricardo Lobo Torres ensina que “a intepretação, embora se vincule ao
texto da norma, nele não se deixa aprisionar, eis que o texto da norma não se
confunde com a própria norma.”46

Grande parte das alterações promovidas no sistema de direito positivo


são realizadas no plano da literalidade, no entanto, é perfeitamente possível, e
frequente, que o sistema seja modificado por meio dos panos semânticos ou
pragmáticos.

43
CARVALHO, Paulo de Barros. fundamentos jurídicos da incidência. 10ª ed. ver. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 107.
44
idem, p. 111.
45
idem, p. 112.
46
TORRES, Ricardo Lobo. Interpretação e integração da lei tributária. In: MACHADO, Hugo de
Brito. Interpretação e aplicação da lei tributária. São Paulo: Dialética, 2010. p. 335.
50

Os textos jurídicos podem manter-se totalmente inalterados, contudo, as


palavras podem receber significações diversas ao longo do tempo, acarretando
alteração do sistema pelo plano semântico, ou ainda, modificações no campo
pragmático, em razão das constantes transformações sociais, com o
crescimento exponencial das novas tecnologias, novas formas de se relacionar
etc.

Apesar de admitirmos que o sistema jurídico pode ser alterado por meio
dos planos semânticos e pragmáticos, as plataformas físicas de enunciação
são a principal forma de modificação sistêmica, e as autoridades competentes
se esforçam para contemplar as alterações semânticas e pragmáticas nos
textos legais.

Ricardo Lobo Torres destaca os problemas de limitar-se à interpretação


literal do texto da lei:

O problema da interpretação literal sempre esteve muito


ligado ao das fontes do Direito e ao dos valores jurídicos.
O apego à literalidade era forma de prestigiar o legislador
em detrimento do juiz. As proibições de interpretar, desde
Justiniano, não tinham outro alcance que o de obrigar o
intérprete a se manter vinculado à letra do texto legal com
o que se evitam as interpretações extensivas, com as
suas conotações políticas, bem como as interpretações
objetivas ou evolutivas com o esquecimento da vontade
do legislador. A defesa exagerada da interpretação literal
implica também a recusa das valorações jurídicas com a
preponderância da forma sobre o conteúdo e da
segurança sobre a Justiça.47

Importante destacar que ao iniciar o processo de formação de sentido


deve ter-se em mente que os enunciados são prescritivos, e que foram
inseridos no sistema jurídico por órgãos competentes.

Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho ensina que:

(...) serão requisitos para o ingresso nesse subsistema: i)


que sejam expressões linguísticas portadoras de sentido;
ii) produzidas por órgãos credenciados pelo ordenamento

47
TORRES, Ricardo Lobo. Interpretação e integração da lei tributária. In: MACHADO, Hugo de
Brito. Interpretação e aplicação da lei tributária. São Paulo: Dialética, 2010. p. 346.
51

para a sua expedição; e iii) consoante o procedimento


específico que a ordem jurídica estipular.48

O operador do direito, então, passa a interpretar os textos contidos nos


suportes físicos, construído o sentido individualmente aos textos de direito
positivo, na medida em que o intérprete vai entrando em contato com os
vocábulos prescritos, dispostos nos suportes físicos analisados.

Depois de entrar em contato com o texto legislado, e interpretar os


enunciados isoladamente, o exegeta conjugará essas significações,
construindo o sentido completo da norma jurídica.

Ou nas palavras de Tárek Moysés Moussallem, “como unidades de


sentido deôntico obtidas mediante o agrupamento das proposições isoladas, o
exegeta organiza as significações em um arquétipo formal de implicação (p ↔
q) com vistas às plenitude de sentido deôntico.”49

Pela interpretação individualizada de um ou outro texto não é possível


construir a norma com sentido completo. No entanto, quando conjugamos as
significações construídas, constitui-se a estrutura lógica de uma norma jurídica.

E finalizando o percurso de interpretação, organizam-se as normas


construídas em relação de coordenação e subordinação, compondo a forma
superior do sistema normativo.

Lembramos que o intérprete realizará esse percurso tantas vezes


quantas forem necessárias para que ele construa a norma jurídica e atinja o
seu objetivo de interpretar e organizar o discurso.

Mas uma das principais dificuldades que enfrentamos, quando o assunto


é interpretação dos textos legais, é justamente o fato de que nem sempre
podemos construir uma única interpretação válida.

E quando o texto legal advém de um tratado internacional, que é


originalmente negociado e redigido numa língua, e posteriormente traduzido
para a língua de cada um dos países contratantes, pode haver distorções
interpretativas em razão das traduções realizadas.

48
CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, p. 117.
49
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. 2ª ed. São Paulo: Noeses,
2011, p. 125.
52

Acrescenta-se, ainda, nesses casos, o fato de que esse texto traduzido


deverá ser internalizado em cada um dos ordenamentos jurídicos, de cada
nação signatária, e nesse momento, passará a integrar o sistema jurídico, e
numa relação de coordenação e subordinação com os demais textos
legislativos servirá para construir as normas jurídicas que dele emanarem.

As regras para a interpretação dos tratados internacionais estão


previstas na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que foi
promulgada e devidamente internalizada em nosso ordenamento jurídico, pelo
Decreto nº 7.030/2009, mais especificamente dos artigos 31 a 33 do referido
dispositivo legal.

Nota-se que a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados presa


pela interpretação teleológica, ou seja, uma interpretação voltada a atingir os
objetivos e finalidades dos tratados firmados pelos Estados contratantes,
levando-se em consideração absolutamente todos os documentos, e
manifestações de vontade, para identificar esses objetivos e finalidades.

SEÇÃO 3

Interpretação de Tratados

Artigo 31

Regra Geral de Interpretação

1. Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o


sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu
contexto e à luz de seu objetivo e finalidade.

2. Para os fins de interpretação de um tratado, o contexto


compreenderá, além do texto, seu preâmbulo e anexos:

a)qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas


as partes em conexão com a conclusão do tratado;

b)qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias


partes em conexão com a conclusão do tratado e aceito
pelas outras partes como instrumento relativo ao tratado.

3. Serão levados em consideração, juntamente com o


contexto:
53

a)qualquer acordo posterior entre as partes relativo à


interpretação do tratado ou à aplicação de suas
disposições;

b)qualquer prática seguida posteriormente na aplicação


do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes
relativo à sua interpretação;

c)quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional


aplicáveis às relações entre as partes.

4. Um termo será entendido em sentido especial se


estiver estabelecido que essa era a intenção das partes.

Artigo 32

Meios Suplementares de Interpretação

Pode-se recorrer a meios suplementares de interpretação,


inclusive aos trabalhos preparatórios do tratado e às
circunstâncias de sua conclusão, a fim de confirmar o
sentido resultante da aplicação do artigo 31 ou de
determinar o sentido quando a interpretação, de
conformidade com o artigo 31:

a)deixa o sentido ambíguo ou obscuro; ou

b)conduz a um resultado que é manifestamente absurdo


ou desarrazoado.

Artigo 33

Interpretação de Tratados Autenticados em Duas ou Mais


Línguas

1. Quando um tratado foi autenticado em duas ou mais


línguas, seu texto faz igualmente fé em cada uma delas, a
não ser que o tratado disponha ou as partes concordem
que, em caso de divergência, prevaleça um texto
determinado.

2. Uma versão do tratado em língua diversa daquelas em


que o texto foi autenticado só será considerada texto
autêntico se o tratado o previr ou as partes nisso
concordarem.

3. Presume-se que os termos do tratado têm o mesmo


sentido nos diversos textos autênticos.

4. Salvo o caso em que um determinado texto prevalece


nos termos do parágrafo 1, quando a comparação dos
textos autênticos revela uma diferença de sentido que a
54

aplicação dos artigos 31 e 32 não elimina, adotar-se-á o


sentido que, tendo em conta o objeto e a finalidade do
tratado, melhor conciliar os textos.

Primeiramente, importante destacar que toda e qualquer norma jurídica


é sempre interpretada sistemicamente, e a Convenção de Viena determina que
se observe a boa-fé, e sejam consideradas absolutamente todas as formas de
manifestação de vontade das partes contratantes, tais como o preâmbulo do
tratado, os seus anexos, tratados futuros ou qualquer outra forma de expressão
dos objetivos e finalidades que se pretenda atingir, conforme texto dos citados
artigos, numa nítida prescrição de intepretação teleológica das normas
dispostas nos tratados.

Com relação à interpretação que se deve conferir aos tratados


internacionais, Sergio André Rocha diz que:

Cumpre aos Estados contratantes o dever, concretizável a


partir do princípio da boa-fé que rege a interpretação dos
tratados internacionais, de não buscar uma interpretação
que seja contrária ao interesse de ambas as partes
formalizado naquele pacto internacional.50

Cumpre salientar que prevendo a dificuldade de interpretação das


normas dispostas em acordos internacionais, em caso de controvérsia na
interpretação desses instrumentos, a Convenção Modelo da OCDE prevê a
aplicação de formas alternativas de solução de conflitos, o procedimento
amigável – MAP e a arbitragem internacional.

2.4. INTEGRAÇÃO DO DIREITO NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

Dizemos que um ordenamento jurídico é completo quando qualquer


caso concreto puder ser regulado por uma norma jurídica. Enquanto que a
ausência de norma, por sua vez, é chamada de lacuna.

50
ROCHA, André Sergio. Tributação internacional. São Paulo: Quartier Latin, 2013. p. 208.
55

Como bem observa Tácio Lacerda Gama, a completude “Trata-se pois,


de atributo complementar à coerência.”, correspondendo a “circunstância de o
sistema disciplinar toda e qualquer conduta. Inversamente, ordenamento
incompleto é aquele que não dispõe de normas para regular algum caso
concreto.”51

Numa análise axiológica desse atributo do sistema, Norberto Bobbio diz


que “a completude não era um mito, mas uma exigência de justiça; não era
uma função inútil, mas uma defesa útil de um dos valores supremos a que deve
servir a ordem jurídica, a certeza”52

Com as constantes transformações sociais, bem como pelo aumento de


troca de informações e avanços tecnológicos, os agentes competentes por
introduzir normas no sistema jurídico dificilmente acompanham as inovações,
tornando, assim, o problema das lacunas do direito cada vez mais em voga, e
consequentemente surgem dúvidas quanto à efetiva completude do sistema
jurídico.

Evidente que as transformações ocorrem numa velocidade muito


superior à capacidade de produção de textos legais, até porque, na maioria das
vezes, o legislador os elabora com base nos acontecimentos sociais.

As mutações sociais além de apresentarem novas realidades em razão


do avanço tecnológico, como, por exemplo, a internet das coisas, carros que
não mais necessitam de motoristas, impressoras 3D etc. Também podemos
observar alterações em termos jurídicos, em razão da alteração da prática
social, a exemplo, do conceito de casamento, que ao longo do tempo foi se
transformando para se adaptar a novas realidades.

Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho ensina que:

Com o sensível aumento na velocidade das informações,


os processos de alteração significativa dos termos
jurídicos vêm se desenvolvendo em intervalos cada vez
mais curtos, o que valoriza a pesquisa da dimensão

51
GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2ª
ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 159
52
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Ari Marcelo Solon. 2ª ed. São
Paulo: EDIPRO, 2014, p. 123
56

pragmática, na busca do reconhecimento das mudanças


por que passam os sistemas jurídico-positivos53

Notamos que, inevitavelmente, surgirão novas situações que as normas


postas podem não abarcar, acarretando no que chamamos acima de lacunas
do direito.

Houve quem defendesse, ainda, a inexistência de lacuna no direito,


argumentando subsistir, nesses casos em que não há a previsão de norma, o
que se chamou de espaço jurídico vazio. Para esta corrente as situações não
previstas na legislação seriam juridicamente irrelevante, constituindo um
espaço jurídico vazio.

Assim, para essa corrente, como o direito constitui restrição sobre a


liberdade do ser humano, o que não fosse relevante para o direito, estaria
completamente permitido, estando o indivíduo livre para agir como bem
entendesse.

A primeira inconsistência dessa tese encontra-se no fato de que para o


direito o que é permitido também é juridicamente relevante, visto que as
normas jurídicas são modalizadas como obrigatórias, proibidas ou permitidas.

Além disso, os únicos fatos irrelevantes para o direito são os impossíveis


e os necessários, tendo em vista que se o fato é impossível de ocorrer ou
necessariamente deve acontecer, não podemos modaliza-lo em obrigatório,
proibido ou permitido.

Assim, não entendemos como plausível este argumento, ao menos não


em nosso ordenamento jurídico, onde nenhuma lesão ou ameaça a direito
pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário. Em tese, toda situação
possível e não necessária é potencialmente relevante para o direito.

Hans Kelsen classifica a ideia de lacuna como uma ficção. Na visão de


Kelsen “quando a ordem jurídica não estatui qualquer dever de um indivíduo de
realizar determinada conduta, permite essa conduta”, assim, sempre seria
possível aplicar a ordem jurídica, e entender de forma contrária acarretaria,
segundo o citado jurista, na possibilidade de afastar a aplicação do Direito por
razões ético-políticas, conferindo poder ao juiz para decidir arbitrariamente,

53
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 115
57

sempre que entender como insatisfatória a aplicação da ordem jurídica no caso


concreto54

Para Kelsen as situações que não sejam qualificadas pelo sistema como
obrigatórias ou proibidas, são juridicamente permitidas, não existindo, assim,
lacunas no direito, essa seria o que a doutrina chamou de norma geral
exclusiva. Certamente, essa visão reducionista do problema não encontra mais
espaço num sistema tão complexo quanto o nosso.

Talvez possamos aceitar como válida a ideia de normas gerais


exclusivas em áreas como a do Direito Penal que tipificam condutas ilícitas,
onde se prega que não há a possibilidade de enquadramento penal sem lei que
expressamente admita essa possibilidade, nullum crimen sine lege. Neste
caso, tudo aquilo que não está previsto em lei como proibido ou obrigatório, do
ponto de vista criminal, está permitido.

Porém, quando falamos em atos vinculados, como é o lançamento


tributário, ou quaisquer atos que devam ser praticados pelos agentes da
administração pública, a ideia é diametralmente oposta, visto que os agentes
públicos, ao praticarem atos vinculados devem realizar apenas o permitido pela
norma jurídica, assim, na ausência de lei, não há qualquer permissão, mas
uma proibição.

2.4.1. DAS LACUNAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Grande parte das discussões relativas à abusividade na utilização dos


tratados internacionais trata de uma forma ou de outra das chamadas das
lacunas do direito, visto que os contribuintes organizam-se de forma a não
serem alcançados pelas normas de incidência tributária.

Como acabamos de mencionar, o crescente aumento da complexidade


das relações sociais, nem sempre é acompanhado pela produção legislativa, o

54
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 273/275.
58

que faz com que possam existir casos não contemplados pelas normas
jurídicas.

As relações sociais sofrem tantas mutações ao longo do tempo que a


própria significação de certas palavras pode vir ser alterada, assim, sem que
exista qualquer mudança no texto da lei, poder-se-ia imprimir significação
diversa à norma jurídica.

Isso ocorre pelo fato de o direito manifestar-se por meio de linguagem,


no entanto, alterando-se a significação dos vocábulos, implicará na
transformação da norma jurídica, ou a norma jurídica poderá não ser mais
satisfatória, tornando-se obsoleta.

Neste caso, poderíamos ter o que Norberto Bobbio denomina de


lacunas ideológicas, que retrata aquela situação em que se verifica “a ausência
não de uma solução, qualquer que seja, mas de uma solução satisfatória, ou,
em outras palavras, não a ausência de uma norma, mas a ausência de uma
norma justa, isto é, daquela norma que gostaríamos que existisse, mas não
existe”55.

Bobbio distingue as espécies de lacunas, também, em subjetivas e


objetivas, sendo as primeiras relativas à omissão do legislador, e a segunda
verificada em razão do desenvolvimento das relações sociais, que provocam o
“envelhecimento dos textos legislativos”. As lacunas subjetivas, o autor
subdivide, ainda, em voluntárias e involuntárias, estas últimas dizem respeito a
“distração do legislador”, que deixa de se manifestar, por descuido, ou por
achar a situação pouco relevante, e as voluntárias são aquelas que o legislador
deixa em aberto para que o julgador analise no caso concreto, em razão da
complexidade da matéria. E por fim, distingue as lacunas em praeter legem,
quando a norma é excessivamente específica, não sendo possível
compreender todos os casos possíveis, e intra legem, quando, ao contrário, as
normas são demasiadamente genéricas, cabendo ao intérprete preencher
esses “vazios”.56

55
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, p. 133
56
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, p. 136/137
59

Parte da doutrina entende que a existência de lacuna, ou não, depende


de quem é o intérprete.

Kelsen faz a distinção entre intérprete autêntico e intérprete não-


autêntico. O intérprete autêntico é o órgão aplicador do direito, enquanto que o
não-autêntico é aquele indivíduo que deve observar o Direito, seja como
cientista do direito, ou praticando condutas na sociedade. Nas palavras do
jurista:

Dessa forma, existem duas espécies de interpretação que


devem ser distinguidas claramente uma da outra: a
interpretação do Direito pelo órgão que aplica, e a
interpretação do Direito que não é realizada por um órgão
jurídico mas por uma pessoa privada e, especialmente,
pela ciência jurídica.57

Herbert Hart classifica esses sujeitos como observadores e participantes


do sistema jurídico. Sendo os observadores os cientistas do direito, que
analisam o sistema e o descrevem. Enquanto que os participantes são os
agentes competentes para julgar o caso concreto.

Adotando a classificação de Hart, Tácio Lacerda Gama entende que


aqueles que participam do sistema estão impossibilitados de se esquivar do
dever de decidir utilizando como fundamento a inexistência de norma
disciplinando o caso concreto, para o participante “que detém competência
para aferir a regularidade e aplicar o direito ao caso concreto, o sistema é
completo e oferece normas que regulam todas as situações concretas.” . O
autor complementa dizendo que a ausência de norma podem ser percebida no
âmbito intrassubjetivo, no entanto, ao expor a sua interpretação, o participante
decide com fundamento na lei. “E faz isso em nome da operatividade do
sistema, ou seja, faz isso em nome da sua unidade, coerência e
completude.”58.

Da mesma foram, entendemos que para os operadores do direito, não


há o que se falar em lacuna, visto que em razão do Princípio da

57
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, p. 388
58
GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade, p.
162
60

Inafastabilidade do Poder Judiciário, que permeia o poder jurisdicional do


Estado, exige-se que todos os casos levados à sua apreciação sejam
decididos.

Esta é uma premissa que, em última análise, pressupõe que o sistema é


completo, pois, o julgador não pode se esquivar de realizar as suas funções
alegando ausência de norma59.

Ainda que as partes de uma relação jurídica tivessem encontrado


dificuldades em construir adequadamente a norma jurídica que regularia a
conduta, não haveria lacuna, pois, aquele que necessariamente terá de julgar a
situação, numa eventual lide, deve completar o sistema, verificada a ausência
de norma.

No campo da ciência jurídica podem ser apontadas falhas no sistema,


para o fim de aperfeiçoá-lo, desconstruí-lo, ou pura e simplesmente criticá-lo,
indicando o problema. Mas para os operadores do direito o sistema é completo.

O doutrinador, em sua análise, observando o direito, pode identificar


lacunas, e ao identifica-las, pode, ou não, integrar o sistema da forma como lhe
for mais conveniente, inclusive sugerindo soluções existentes em outros
sistemas de direito positivo, como o direito comparado, ou buscando a
integração com a moral, religião etc. O doutrinador é livre para expor as suas
ideias, que poderão ser tidas como mais ou menos adequadas, sem com isso
influenciar diretamente no sistema.

Não estamos aqui negando a possibilidade de a doutrina influenciar no


sistema jurídico, o que pode ocorrer no caso de uma citação bibliográfica num
julgado, ou na utilização de um parecer, mas esta influência não será direta.

Assim, o doutrinador pode ou não apresentar sugestões para a solução


de eventual lacuna por ele observada, tendo à sua disposição as mesmas
ferramentas de integração do sistema que o intérprete participante. A diferença
é que, como intérprete observador, pode ele deixar a sua obra inacabada, sem

59
Em nosso ordenamento este princípio pode ser extraído do inciso XXXV, do artigo 5º da
Constituição Federal, conjugado com o artigo 140, do Código de Processo Civil, que
prescreve que “O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do
ordenamento jurídico”.
61

com isso apresentar a sua sugestão de integração do sistema, nem por isso o
sistema é incompleto.

O sistema pode aparentemente não ser completo, no entanto, ele é


completável, ou seja, o próprio ordenamento oferece ferramentas para que
possamos alcançar a completude sistêmica, ainda que nossos legisladores não
tenham normatizado todas as condutas possíveis.

No ordenamento jurídico brasileiro, por exemplo, a Lei de Introdução às


Normas do Direito Brasileiro apresenta um modelo genérico de integração do
sistema jurídico, permitindo que em casos omissos o julgador decida o caso
concreto utilizando-se das seguintes ferramentas: analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito60.

O mesmo diploma legal nos indica, ainda, como é possível solucionar as


chamadas lacunas ideológicas, dizendo que juiz atenderá aos fins sociais a
que a lei se dirige e às exigências do bem comum.61

Esta modalidade deve ser utilizada com muita responsabilidade, em


especial no direito tributário, visto que alguns atos de autoridades fiscalizados,
e até mesmo algumas doutrinas, a pretexto de buscarem o “fim social” do
tributo, acabam cobrando tributos por analogia, o que é terminantemente
proibido em nosso ordenamento.

Alguns ramos do direito apresentam metodologias específicas a serem


utilizadas para a chamada integração do sistema, a exemplo do direito
tributário, que prevê regras próprias, dispostas no Código Tributário Nacional,
onde o intérprete, em matéria tributária, deverá utilizar, na ordem indicada a
analogia; os princípios gerais de direito tributário; os princípios gerais de direito
público; a equidade.62

60
Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito.
61
Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum.
62
Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a
legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:
I - a analogia;
II - os princípios gerais de direito tributário;
III - os princípios gerais de direito público;
IV - a equidade.
62

O próprio sistema impede, no entanto, por opção legislativa, que


determinas técnicas para integrar o sistema sejam aplicadas em situações
específicas, a exemplo do parágrafo primeiro, do artigo supracitado 63, que
impede a utilização de analogia caso o seu emprego resulte na exigência de
tributo não previsto em lei.

Essa regra serve tanto para evitar a antinomia, ou seja, evita a utilização
de analogia para integrar o sistema, quando essa regra puder entrar em conflito
com o princípio da legalidade, que determina, em brevíssima síntese, que a
hipótese de incidência de um tributo deve ser criada por lei, e também
estabelece uma norma (negativa) de integração do sistema, estabelecendo
uma proibição ao agente público e ao julgador.

Como vimos, o sistema apresenta as técnicas juridicamente válidas para


se auto integrar. Neste sentido, por mais que possamos, no processo de
interpretação do direito positivo, perceber eventual ausência de norma a ser
aplicada, teremos sempre presentes os critérios válidos para integrar o
sistema.

Como bem ensina Paulo de Barros Carvalho, as normas são sempre


implícitas, pois, estão sempre na implicitude dos enunciados, não existindo
normas explícitas64.

Nesse sentido, existem normas, chamadas de implícitas, por não


fazerem relação direta com qualquer enunciado prescrito no ordenamento, no
entanto, o exegeta, ao conjugar enunciados expressos no ordenamento, as
constrói. É o caso, por exemplo, do princípio da segurança jurídica, ou da
supremacia do interesse público sobre o privado, dentre outros, que derivam da
conjugação de diversos outros enunciados e suas proposições.

O ordenamento jurídico é, portanto, completo, e deve ser coerente


também, e para isso deve estabelecer normas que corrijam a existência de
normas contraditórias.

63
§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.
64
CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos Jurídicos da incidência Tributária, p. 47.
63

2.5. CONFLITOS ENTRE NORMAS

Sobre um mesmo fato, não raras as vezes, pode incidir mais de uma
norma, e caso essas normas sejam conflitantes, estaremos diante de uma
antinomia.

O emaranhado de normas existentes e criadas diariamente nos diversos


sistemas jurídicos, inevitavelmente, resultam em conflitos. Essas antinomias
podem se dar dentro de um mesmo sistema jurídico, ou entre normas de
ordenamentos diversos.

No entanto, em muitos dos casos, o próprio sistema jurídico, em que se


verifica o conflito de normas contraditórias, apresenta as formas de solução
desse conflito, nesse caso, dizemos que a antinomia é aparente. Visto que, no
próprio ordenamento, encontramos as ferramentas necessárias para
ultrapassar esse obstáculo e eleger a norma adequada para o caso concreto.

Dessa forma, a antinomia representa a existência de duas ou mais


normas conflitantes, ambas válidas e emanadas por autoridade competente.

Identificadas as antinomias, podem ser utilizados três critérios para a


solução dos conflitos: (a) critério cronológico, que prescreve que a norma
posterior prevalece sobre norma anterior; (b) critério da especialidade, em que
a norma especial prevalecerá sobre a norma geral; (c) critério hierárquico, que
determina que norma de superior hierarquia prevalecerá sobre norma
hierarquicamente inferior.

Há casos em que podemos observar conflitos de normas que envolvam


apenas um dos critérios acima citados, no entanto, podemos nos confrontar
com antinomias mais complexas, que envolvem dois ou mais dos critérios
supracitados.

Nesses casos, havendo conflito entre os critérios cronológico e o da


especialidade, deverá prevalecer o da especialidade. Já no conflito entre os
critérios cronológico e hierárquico, deverá prevalecer o hierárquico. Assim,
constatamos que o critério cronológico sucumbirá quando enfrentar qualquer
dos outros dois critérios.
64

Porém, quando os critérios da especialidade e o hierárquico se


confrontarem, deverá prevalecer o hierárquico, visto que norma inferior não
poderá contrariar norma de superior hierarquia.

A Constituição Federal é norma geral, que confere fundamento de


validade a todas as demais normas do ordenamento jurídico, devendo todas as
demais normas se conformar com a lei maior do país.

Os critérios acima são construções doutrinárias, utilizadas para sanar


eventuais conflitos normativos que possam surgir no sistema jurídico, no
entanto, o próprio ordenamento, muitas vezes, já oferece as ferramentas
necessárias para que sejam resolvidas essas situações.

2.5.1. CONFLITO ENTRE NORMAS DE DIREITO CIVIL E DE DIREITO


TRIBUTÁRIO

O artigo 110 do Código Tributário Nacional65 expressamente prevê que a


legislação tributária não poderá alterar definição, o conteúdo e o alcance de
institutos, conceitos e formas já consagradas e estabelecidas pelo direito
privado, que sejam utilizados para definir competência tributária ou estabelecer
as limitações ao poder de tributar.

Na mesma linha, o artigo 109, do mesmo diploma legal, prevê a


possibilidade de utilização de princípios do direito privado, para questões
tributárias.

Nesse sentido, devemos investigar qual é o alcance e grau de influência


do direito privado sobre o direito tributário.

Especialmente, quando se pretende utilizar institutos do direito privado


para fundamentar a cobrança de tributos. Como, por exemplo, a fraude, dolo,
simulação, comércio, serviços, renda, receita, salário, dentre outros.

65
Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos,
conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela
Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito
Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
65

Primeiramente, devemos sempre reconhecer a autonomia do direito


tributário frente a outros ramos do direito. E que apesar de reiteradamente ser
mencionado que o Direito é uno e indivisível, sendo separado em ramos por
questões meramente didáticas, essa afirmação não nos parece completamente
adequada.

Que o Direito é uno e indivisível não podemos negar, constituindo-se em


um sistema, formado pelo conjunto de normas válidas, fundadas em regras de
coordenação e subordinação. Porém, não podemos admitir que os ramos
sejam separados por questões meramente didáticas, visto que as áreas do
direito possuem institutos, conceitos, procedimentos que lhes são próprios.

Mas frequentemente as áreas do direito se relacionam, e


especificamente o direito tributário alimenta-se de muitos conceitos que são
próprios do direito privado, em especial do direito civil.

Em razão disso, algumas questões devem ser levantadas,


principalmente quando normas do direito tributário colidirem com normas do
direito civil.

Sabemos que a Constituição Federal ao repartir a competências


tributárias entre entes da federação, o fez estabelecendo conceitos, muito
deles advindos do direito privado, e o próprio Código Tributário Nacional, no
artigo 110, determina que devem ser observados os institutos de direito privado
para definir ou limitar a competência tributária, não podendo a lei tributária
alterar esses conceitos estabelecidos pelo direito privado.

Porém, o problema está no caso de o legislador infraconstitucional


pretender alterar esses institutos de direito privado, utilizados pela Constituição
Federal para outorgar a competência tributária.

Nesse caso, entendemos pela impossibilidade de alteração, por lei


infraconstitucional, dos conceitos de institutos consagrados pelo direito privado,
e que tenham sido utilizados pela Constituição para conferir competência
tributária.

Caso contrário, o legislador infraconstitucional poderia livremente alterar


disposição constitucional, manipulando a lei.
66

Nesse sentido, Hugo de Brito Machado entende que:

Na verdade, não pode o legislador ordinário alterar


nenhum dos conceitos que a Constituição utiliza para
definir ou limitar as competências tributárias. Nos anos
1960, a comissão de juristas que elaborou o anteprojeto
do atual Código Tributário Nacional considerou necessário
que esse importante diploma legal o dissesse
expressamente, porque a cultura jurídica nacional ainda
não tinha disto firme consciência. Hoje, porém, conforme
temos ensinado, o art. 110 do Código Tributário Nacional,
no qual cristalizou-se aquela importante lição de doutrina
jurídica, tem na verdade sentido apenas didático,
meramente explicitante. E não pode ser de outro modo,
porque admitir que a lei ordinária redefina conceitos
utilizados por qualquer norma da Constituição é admitir
que a lei ordinária modifique a Constituição66.

Humberto Ávila ao tratar do tema, afirma que:

Se se admite que o legislador infraconstitucional possa


mudar aqueles conceitos que foram utilizados pela
Constituição, fatalmente se estará admitindo que o
legislador infraconstitucional possa alterar a Constituição.
Isso, por uma questão de supremacia constitucional, não
pode ser admitido.67

O Autor prossegue no seu raciocínio, entendendo que “o legislador


tributário, quando não houver reserva constitucional expressa ou implícita,
pode modificar os conceitos de Direito Privado, dentro dos limites
constitucionais e ontológicos e desde que haja um motivo relevante para
tanto”68. E conclui afirmando que a legislação de direito privado poderá ser
considerada “quando, não havendo reserva constitucional ou de lei
complementar, tivermos matéria de lei federal sem lei específica tributária”69.

Nesse sentido Paulo Ayres Barreto ensina que “a definição do espectro


para aplicação de normas insertas no Código Civil exige que, primeiramente,

66
MACHADO, Hugo de Brito. Interpretação e aplicação das leis tributárias. In: MACHADO,
Hugo de Brito. Interpretação e aplicação da lei tributária. São Paulo: Dialética, 2010. p. 148.
67
ÁVILA, Humberto. Eficácia do novo Código Civil na legislação tributária.
In:GRUPENMACHER, Betina, Treiger (Coord.). Direito tributário e o novo Código Civil. São
Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 68
68
Idem. p. 71.
69
Idem. p.73.
67

sejam desveladas as regras específicas que se voltam, no âmbito do Direito


Tributário, ao tema da elisão fiscal”.70

Portanto, os conceitos de deito privados podem ser utilizados para


definir os conceitos dispostos na Constituição Federal, para distribuir a
competência tributária entre os entes federados, no entanto, esses conceitos
não podem ser livremente alterados pelo legislador infraconstitucional.

E os institutos de direito privados não podem instituir hipóteses de


incidência tributárias, não previstas em lei, alargando os conceitos
estabelecidos.

Assim, existindo conflito entre normas de direito tributário e normas de


direito privado, pelo critério da especialidade, devem ser aplicadas as normas
tributárias, para assuntos que envolvem essa matéria, possibilitando a
aplicação das normas de direito civil quando a lei tributária ou a Constituição
Federal não dispuserem sobre o tema.

2.5.2. CONFLITO ENTRE NORMAS DE DIREITO INTERNO E DE DIREITO


INTERNACIONAL

No caso dos tratados internacionais que tratam de matéria tributária, o


artigo 98 do Código Tributário Nacional cumpre essa missão. Estabelecendo
que a legislação deverá observar o disposto nos tratados. Estabelecendo a
hierarquia que esses instrumentos normativos ocupam em nosso ordenamento
jurídico

70
BARRETO, Paulo Ayres. Planejamento tributário: limites normativos. São Paulo: Noeses,
2016, p. 153.
68

2.5.2.1. HIERARQUIA OCUPADA PELOS TRATADOS INTENACIONAIS

Como já dissemos, apesar de os tratados serem necessariamente


internalizados em nosso ordenamento jurídico pelos decretos legislativos,
tomaremos a liberdade de utilizarmos o termo hierarquia dos tratados ao invés
de hierarquia dos decretos legislativos, por questões didáticas.

Um dos grandes problemas enfrentados pelos tratados internacionais,


no que diz respeito ao seu cumprimento e efetividade, é a questão da
hierarquia atribuída a esses tratados perante a legislação interna de cada país.

Como preleciona o jurista Hildebrando Accioly,

[...] o respeito aos compromissos assumidos e, portanto,


aos tratados é ponto fundamental do direito das gentes.
Assim, a principal garantia da execução das cláusulas de
um ajuste internacional reside na palavra empenhada por
cada uma de suas partes contratantes71.

A posição hierárquica assumida pelos tratados internacionais no


ordenamento interno de cada país é uma questão muito delicada e gera muita
instabilidade e incerteza quanto ao efetivo cumprimento desses acordos.

De nada adianta todo o esforço de negociação entre os países e


transcorrer o longo processo de internalização de um tratado no ordenamento
jurídico nacional, se qualquer norma interna puder revogar arbitrariamente um
tratado firmado entre dois países soberanos. Esse ato pode inclusive gerar
desgastes e consequências negativas no âmbito internacional para o País.

As incertezas no campo do direito positivo e a insegurança jurídica


causada por não se saber ao certo se os tratados firmados serão efetivamente
obedecidos no ordenamento interno, ou se eles poderão ser revogados pela
legislação interna, podem colocar o Brasil à margem da globalização. Assim
ensina João Maurício Adeodato, ao preconizar que

[...] ter organizado dogmaticamente seu direito passa a


ser critério crucial para incluir ou excluir um Estado no
mundo globalizado, um padrão para aferição do grau de

71
ACCIOLY, Hildebrandro. Direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 1948. p. 311.
69

civilização de uma sociedade, que serve como pré-


condição inclusive para o comércio e a atração de
investimentos. Aí se inter-relacionam questões
econômicas e temas éticos, como o respeito aos direitos
humanos. Compreender esses padrões de pensamento
jurídico é útil também para países cujo direito não é
dogmaticamente positivado, seja porque pretendam
dogmatizá-lo, como pode ser o caso do Brasil e da
“periferia dogmática” ocidental, seja porque intencionem
manter-se afastados disso, como parece ser o caso da
periferia oriental.72

Assim, a questão da hierarquia atribuída aos tratados perante a


legislação interna de cada Estado é matéria que deve ser analisada com a
devida atenção. E o atual cenário jurídico interno brasileiro é um tanto quanto
nebuloso no que diz respeito aos compromissos assumidos na esfera
internacional.

Tercio Sampaio Ferraz Júnior adverte-nos sobre a relevância do tema,


dizendo que

[...] há, porém, normas internacionais que têm por objeto a


conduta do ser humano diretamente e que tornam os
cidadãos de um Estado verdadeiros sujeitos de direito
internacional, inclusive lhes concedendo o acesso direto
aos tribunais internacionais. Isso, obviamente, repercute
na hierarquia das fontes legais, pois podem essas fontes,
eventualmente, contrariar ditames constitucionais de um
Estado e, não obstante, sobre eles prevalecer.73

O jurista José Francisco Rezek, ao abordar o tema do conflito entre


tratado e norma de direito interno, ensina que normalmente os Estados tendem
a preservar a Constituição Federal como norma fundamental, afirmando que:

[...] posto o primado da constituição em confronto com a


norma pacta sunt servanda, é corrente que se preserve a
autoridade da lei fundamental do Estado, ainda que isso
signifique a prática de um ilícito pelo qual, no plano
externo, deve aquele responder. Abstraída a constituição
do Estado, sobrevive o problema da concorrência entre
tratados e leis internas de estatura infraconstitucional. A
solução, em países diversos, consiste em garantir

72
ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo. São
Paulo: Noeses, 2014. p. 359-360.
73
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 196-197.
70

prevalência aos tratados. Noutros, entre os quais o Brasil


contemporâneo, garante-se-lhes apenas um tratamento
paritário, tomadas como paradigma as leis nacionais e
diplomas de grau equivalente74.

Há de se reconhecer que o tratado internacional é instrumento de direito


internacional e os decretos que introduzem o conteúdo dos tratados
internacionais no ordenamento jurídico nacional são instrumentos do
ordenamento jurídico interno.

Entretanto, concordamos, em parte, com Luís Eduardo Schoueri quando


diz que:

[...] reconheçam-se os tratados internacionais como


integrantes da ordem internacional ou de ordem interna, a
conclusão será, sempre, de que são eles os instrumentos
que definirão o alcance da jurisdição nacional; uma vez
definida a jurisdição pelo meio próprio, não pode uma lei
dispor sobre assunto que ultrapasse os limites impostos
pelo tratado, por falta de competência. Neste passo, é
forçoso admitir que é falsa a questão da hierarquia entre
tratados em matéria tributária e lei interna. Não é uma
relação hierárquica, mas de competência75.

Realmente, independentemente da discussão entre ser ou não o tratado


internacional integrante da ordem jurídica interna ou internacional, a sua
aplicação, ou não, quando em conflito com norma de direito interno,
concordamos tratar-se de uma relação de competência, como bem observou
Schoueri, mas, sendo norma de competência, não exclui a existência de
relação hierárquica.

Tácio Lacerda Gama, ao tratar do assunto competência, dispõe que:

[...] o termo “competência tributária” será aqui definido


como a aptidão, juridicamente modalizada como permitida
ou obrigatória, que alguém detém, em face de outrem,
para alterar o sistema de direito positivo, mediante a
introdução de novas normas jurídicas que, direta ou

74
REZEK, José Francisco. Direito internacional público. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 96-
97.
75
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 112.
71

indiretamente, disponham sobre a instituição, arrecadação


e fiscalização de tributos76.

Nesses termos, o tratado internacional ou o decreto que o internaliza


cumpre perfeitamente esse papel de delimitar a competência do Estado no
exercício de suas atividades.

No entanto, ao ser inserido no sistema jurídico interno, por meio do


decreto competente, não há como deixar de lado a questão de hierarquia, uma
vez que não há sistema tributário sem ela. Assim, podemos dizer que o tratado
internacional não pode ser hierarquizado em nosso ordenamento jurídico, mas
o decreto que confere validade a esse tratado sim, pois faz parte do sistema
jurídico interno, e, como bem observa Paulo de Barros Carvalho:

Sem hierarquia não há sistema de direito, pois ninguém


poderia apontar o fundamento de validade das unidades
componentes, não se sabendo qual deva prevalecer. Uma
regra há de ter, para desfrutar de juridicidade, seu
fundamento em outra que lhe seja superior. E isso vale
tanto para o direito público como para o direito privado,
sem qualquer distinção. Daí ser possível afirmar,
peremptoriamente, que o princípio da hierarquia é um
axioma77.

Quando falamos em hierarquia dos tratados internacionais, tratamos na


verdade da hierarquia do decreto que o internaliza em nosso ordenamento
jurídico.

Ao tratar da força do decreto que serve de instrumento de incorporação


do tratado no ordenamento jurídico interno, Charles William McNaughton,
destaca que:

[...] assinalar que Tratado é um veículo, autônomo, ainda


que na qualidade de objeto imediato do direito interno –
que independe do objeto imediato do direito internacional
– implica reconhecer que as normas por ele introduzidas
guardam uma relação hierárquica que seria inexistente
caso não instituídas por tal espécie normativa78.

76
GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2.
ed. São Paulo: Noeses, 2011. p. 226-227.
77
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 6. ed. São Paulo:
Noeses, 2015. p. 232.
78
MCNAUGHTON, Charles William. Hierarquia e sistema tributário. São Paulo: Quartier Latin,
2011. p. 332.
72

Analisaremos, a seguir, a hierarquia desses instrumentos no


ordenamento jurídico brasileiro.

2.5.2.2. HIERARQUIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS EM MATÉRIA


TRIBUTÁRIA

A posição hierárquica ocupada pelos tratados internacionais no sistema


jurídico brasileiro ainda gera muita divergência na doutrina, mas o atual
posicionamento do Supremo Tribunal Federal é a de que os tratados em geral
são equiparados às leis ordinárias, adotando-se a regra de que lei posterior
derroga a anterior, com exceção dos tratados internacionais de direitos
humanos e de direito tributário, que têm normas específicas atribuindo
posições hierárquicas diferenciadas.

No caso dos tratados internacionais que versam sobre matéria tributária,


o artigo 98 do Código Tributário Nacional79 prevê a superioridade destes sobre
a legislação tributária interna, determinando que os tratados e convenções
internacionais, além de revogarem legislação interna anterior, devem ser
observados pelo legislador quando da elaboração de normas futuras.

A redação do artigo 98 do Código Tributário Nacional já foi


exaustivamente criticada por mencionar que os tratados internacionais
“revogam” a legislação interna.

Os tratados internacionais não podem revogar legislação interna. Eles,


na verdade, se sobrepõem, ou seja, o tratado prevalece sobre a norma de
direito interno, e, quando esse tratado deixa de existir, a norma interna volta a
ter eficácia. Tudo faz crer que essa imperfeição terminológica não passou de
um equívoco do legislador.

Luís Eduardo Schoueri consegue explicitar muito bem esse equívoco


técnico do legislador citando os ensinamentos de Vogel e preconizando que:

79
Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação
tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.
73

Para a compreensão do fenômeno, parece interessante


lembrar símile proposto por Klaus Vogel. Refere-se o
autor aos acordos de bitributação como uma máscara,
colocada sobre o direito interno, tapando determinadas
partes deste. Os dispositivos do direito interno que
continuarem visíveis (por corresponderem aos buracos
recortados no cartão) são aplicáveis. Os demais, não.

A figura é bastante feliz, inicialmente, porque ilustra o


tema da prevalência: os tratados internacionais não
revogam a legislação interna; apenas prevalecem. Esta
continua válida, mas tem sua aplicação contida pelo
tratado internacional80.

Nesse mesmo sentido Lucas Galvão de Britto ensina que:

Não seria apropriado dizer que os tratados revogam a


legislação interna, isso porque a razão que dita a sua
aplicação preferencial não é a revogação, mas o grau de
especificidade de suas disposições que, mais especificas
que aquelas gerais das leis tributárias nacionais, devem
ser preferidas no processo de construção de sentido das
normas jurídicas tributárias.81

Assim, temos que o tratado não atinge a validade da legislação interna


como faz crer o termo revogação e, na verdade, ele fere a sua eficácia técnica.

A diferença está no fato de que a eficácia, como ensina Paulo de Barros


Carvalho, é

[...] o próprio mecanismo lógico da incidência, o processo


pelo qual, efetivando-se o fato previsto no antecedente,
projetam-se os efeitos prescritos no consequente. É a
chamada causalidade jurídica, ou seja, vínculo de
implicação mediante o qual, ocorrendo o fato jurídico
(relato do evento no antecedente da norma), instala-se a
relação jurídica82.

80
SCHOUERI, Luís Eduardo. Tratados e convenções internacionais sobre tributação. In: Direito
Tributário Atual. v. 17. São Paulo: Dialética, 2003. p. 35.
81
BRITTO, Lucas Galvão de. O lugar e o tributo: Ensaio sobre competência e definição do
critério espacial na regra-matriz de incidência tributária. São Paulo: Noeses, 2014. p. 166.
82
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 6. ed. São Paulo:
Noeses, 2015. p. 474.
74

Então, apesar de permanecer válida, a norma de direito interno perde


eficácia naquilo em que contrariar o tratado.

Como vimos, quando se tratar de matéria tributária, existe previsão


expressa em nosso ordenamento jurídico, por força do artigo 98 do Código
Tributário Nacional, de que os tratados internacionais celebrados e
devidamente incorporados ao nosso sistema jurídico devem prevalecer sobre a
legislação tributária interna.

À primeira vista, note que o artigo 98 do Código Tributário Nacional


parece conceder aos tratados internacionais, em matéria tributária, supremacia
até com relação à própria Constituição Federal, pois fala genericamente em
“legislação tributária interna”, sem qualquer distinção.

Entretanto, o próprio Código Tributário Nacional interpreta e delimita a


extensão da expressão “legislação tributária”, como correspondendo “as leis,
os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas
complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações
jurídicas a eles pertinentes”83.

Apesar de não estar inserida no texto do artigo supracitado,


evidentemente a principal fonte normativa do direito tributário é a própria
Constituição Federal. Portanto, fica a dúvida se o rol do artigo 96 do CTN é
exemplificativo, devendo ser considerada a Constituição Federal como
legislação tributária, ou taxativa, devendo ser excluída, e neste último caso,
merece a reflexão se o Código Tributário Nacional pode definir o que é ou não
considerado como legislação em nosso ordenamento jurídico.

A norma interpretativa pode apenas suprir eventuais omissões, dúvidas


ou contradições legais, e não alterar o sentido de conceitos já consagrados e
solidificados em nosso ordenamento jurídico.

Mas deixar de incluir a Constituição Federal como parte da legislação


para fins de aplicação das normas contidas no Código parece-nos correto,
tendo em vista que norma infraconstitucional não poderia submeter a
Constituição Federal às suas imposições.
83
Art. 96. A expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as convenções
internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte,
sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.
75

A Suprema Corte já se manifestou decidindo que os tratados de direito


tributário ocupam posição hierárquica superior ao das leis infraconstitucionais,
mas inferior à Magna Carta.

Alguns doutrinadores entendem que os decretos legislativos que


incorporam os tratados internacionais teriam prevalência sobre as leis federais,
estaduais e municipais, mas não em relação a leis nacionais, por exemplo,
Tárek Moysés Moussallem afirma que:

[...] cumpre-nos firmar que lei nacional que contrariar


disposições de tratado internacional tem o condão de
revogá-lo na ordem interna. Veja-se que falamos em lei
nacional, e não em lei federal, estadual ou municipal, uma
vez que a primeira transcende todas as outras84.

O presente trabalho versa sobre os tratados internacionais de direito


tributário, mas, apenas para enriquecer o estudo, cumpre tecer breves
comentários sobre os acordos internacionais que tratem de outras matérias.

Sobre as convenções internacionais de direitos humanos, a Constituição


Federal, no § 3º do artigo 5º, determina que “os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Como vemos, a Magna Carta concede status de emenda constitucional


aos tratados internacionais sobre direitos humanos, desde que tenham a
aprovação qualificada nos termos do dispositivo legal supracitado.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal atribuiu caráter de


supralegalidade aos tratados que versem sobre direitos humanos que não
tenham sido aprovados nos termos do § 3º do artigo 5º da Constituição
Federal, da mesma forma como decidido para os tratados internacionais de
direito tributário.

No julgamento do Recurso Extraordinário 466.343-1, após extensa


análise das quatro teses possíveis de ser adotadas, que poderiam ser
aplicadas sobre a posição hierárquica que devem ocupar os tratados

84
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006.
p. 206.
76

internacionais de direitos humanos não contemplados no § 3º do artigo 5º da


Constituição (supraconstitucional, constitucional, status de lei ordinária ou
supralegal), o Ministro Gilmar Mendes expõe que:

[...] parece mais consistente a interpretação que atribui a


característica de supralegalidade aos tratados e
convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo
argumento de que os tratados sobre direitos humanos
seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter
especial em relação aos demais atos normativos
internacionais, também seriam dotados de um atributo de
supralegalidade.

Vale destacar trecho, no mesmo julgado, que trata das convenções


internacionais de direito tributário, atribuindo caráter supralegal, ou seja,
prevalecendo sobre as normas infraconstitucionais:

No Direito Tributário, ressalto a vigência do princípio da


prevalência do direito internacional sobre o direito interno
infraconstitucional, previsto pelo art. 98 do Código
Tributário Nacional. Há, aqui, uma visível incongruência,
pois admite-se o caráter especial e superior
(hierarquicamente) dos tratados sobre matéria tributária
em relação à legislação infraconstitucional, mas quando
se trata de tratados sobre direitos humanos, reconhece-se
a possibilidade de que seus efeitos sejam suspensos por
simples lei ordinária85.

Marco Aurélio Greco, ao analisar o sistema tributário brasileiro e o


tratamento que é conferido aos tratados internacionais, destacou ser inviável a
ideia de uma tributação “mundial” em nosso ordenamento:

Assim, diante do sistema tributário brasileiro, a ideia de


uma tributação “mundial” que seja efetivamente mundial,
no sentido de orgânica e a partir de uma fonte originária
internacional, não possui no ordenamento vigente no
Brasil autoridade absoluta, nem aplicabilidade imediata.
Com efeito, no regime vigente, as disposições de âmbito
internacional devem necessariamente passar por uma
mediação realizada pela Constituição e pelo Código e,
portanto, elas não podem ter maior eficácia do que o
próprio Código ou do que a Constituição.

Neste sentido, o regime estabelecido pelo Direito


Tributário brasileiro está a meio caminho entre a
85
Voto Ministro Gilmar Mendes: Recurso Extraordinário 466.343-1/São Paulo.
77

“soberania exclusiva” (que prestigia apenas a autoridade


da Constituição emanada do Estado local) e a “soberania
inclusiva” que incorpora as disposições internacionais
como elementos do seu contexto. Porém, não chegamos,
ainda, à concepção transnacional de Estado; mas isto não
impede que novos passos sejam dados nessa direção.86

Não é demasiado dizer que o Brasil é signatário da Convenção de Viena


sobre o Direito dos Tratados, diploma que está devidamente internalizado em
nosso sistema jurídico, pelo Decreto 7.030/2009.

Ao vincular-se à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, o


Brasil compromete-se a “abster-se da prática de atos que frustrariam o objeto e
a finalidade de um tratado” (art. 18), e concordou que “uma parte não pode
invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento
de um tratado” (art. 27).

Vale lembrar que existem meios formais e expressos de revogação de


um tratado internacional, que é por meio da denúncia.

O descumprimento de qualquer norma de direito internacional pode


gerar consequências negativas e sanções internacionais à nação infratora.

86
GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2011. p. 436.
78

3. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

O tema planejamento tributário é rodeado de muitas incertezas, não só


em nosso ordenamento jurídico, mas vem ganhando relevância internacional,
em razão da constante preocupação das nações no combate da erosão da
base tributária, como consequência de uma economia cada vez mais
globalizada e avanços tecnológicos, que permitem arranjos tributários que
tenham a finalidade de melhorar os resultados dos contribuintes e/ou
conferindo vantagens competitivas no mercado.

Importante salientar que o planejamento tributário, a princípio, é medida


totalmente lícita, e desejável a toda eficiente administração de empresas, para
melhorar seus resultados e sobreviverem num mercado competitivo e
globalizado.

O planejamento tributário é a atividade de o contribuinte organizar o seu


patrimônio e/ou negócios com o objetivo de fazer incidir a menor carga
tributária possível sobre eles, de forma lícita.

O contribuinte pode exercer esse seu direito sobre um negócio que já


está em andamento ou sobre patrimônio de sua titularidade, nesse caso
dizemos que o contribuinte pode reorganizar as suas atividades, a fim de
reduzir a carga tributária.

Mas essa atividade pode ser realizada preventivamente, e o contribuinte,


antes de adquirir um patrimônio ou iniciar um negócio, pode organizar as suas
atividades a fim de que sobre elas incida a menor carga tributária possível.

Em ambos os casos, lembramos, só podemos falar em planejamento


tributário se os atos praticados e o resultado final dessa atividade forem lícitos.

Porém, qual seria o limite entre o lícito e o ilícito, quando o assunto é


redução de tributos? O que seria um planejamento tributário agressivo? O
planejamento tributário puro, ou seja, aquele que tem como única finalidade a
redução da carga tributária, passou a ser proibido?
79

Antes de tratarmos dessas questões, importante diferenciarmos o


planejamento tributário do planejamento tributário internacional, por ser o
escopo deste trabalho.

3.1. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL

Não entendemos que existam grandes diferenças entre o conceito de


planejamento tributário e planejamento tributário internacional, principalmente
pelo fato de que ambas as situações serão verificadas dentro do ordenamento
jurídico interno de cada país em que essa atividade ocorrer.

Como bem destaca Alberto Xavier o planejamento tributário internacional


tem exatamente a mesma natureza do planejamento tributário praticado no
âmbito do ordenamento jurídico interno.

O problema da natureza jurídica da elisão fiscal


internacional não se coloca em termos diversos dos da
elisão fiscal no direito interno: trata-se da prática de ato ou
conjunto de atos (operações), no âmbito da esfera de
liberdade concedida aos particulares pelo princípio da
estrita legalidade ou tipicidade da tributação, e que têm
como efeito a aplicação de regime tributário menos
oneroso do que se aplicaria sem que tal ato ou conjunto
de atos tivesse sido praticado.87

A diferença é que no planejamento tributário interno, o contribuinte


utiliza-se das normas jurídicas de um único ordenamento jurídico para alcançar
a redução da carga tributária.

Planejamento tributário internacional, portanto, é a atividade de o


contribuinte organizar os seus negócios com o objetivo de reduzir, eliminar ou
postergar o pagamento de tributos, utilizando-se das normas jurídicas de mais
de um ordenamento jurídico, ou de normas que são aplicadas a mais de um
ordenamento de forma simultânea, como os tratados internacionais, ou a
combinação de ambas as situações.

87
XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil: tributação das operações
internacionais. 5ª edição, atualizada – Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.311.
80

3.2. CONSTITUIÇÃO FEDERAL: DIREITO E LIMITES AO


PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

Abordaremos neste subcapítulo o planejamento tributário à luz da


Constituição Federal, apresentando as regras e princípios nela previstos que
norteiam a matéria.

É evidente que a atuação do contribuinte não é livre e desregrada, mas


ele também tem direitos que devem ser respeitados pela administração pública
na imposição de tributos e no respeito aos arranjos organizacionais
estruturados.

João Dácio Rolim indica que:

A proporcionalidade juntamente com a razoabilidade pode


equilibrar todos os princípios tributários que justifiquem
enfrentar a elisão tributária, principalmente a equidade e a
doutrina do abuso de direito, contra outros princípios
relevantes, tais como a boa-fé, segurança jurídica e
previsibilidade. Todos eles são importantes e nenhum
deles deve ser absoluto ou exclusivo.88

Adiante veremos as normas constitucionais que permitem e resguardam


o direito do contribuinte de se organizar da forma que for mais benéfica
tributariamente aos seus negócios. Bem como aquelas que limitam esse
exercício, evitando-se abusos.

3.2.1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O Princípio da Legalidade recebe diversas acepções, dependendo do


ramo do direito analisado. Para o direito privado, por exemplo, o princípio da
88
ROLIM, João Dácio. Norma geral tributária antielisiva: sua função e expansão na tributação
internacional. In: SEGUNDO, Hugo de Brito Machado; MURICI, Gustavo Lanna; RODRIGUES,
Raphael Silva (orgs.). O cinquentenário do Código Tributário Nacional. V.1, Belo Horizonte:
D’Plácido, 2017, p. 536.
81

legalidade, dentre as suas principais expressões, exprime a segurança de que


tudo o que não estiver juridicamente proibido, é permitido. E quando tratamos
desse mesmo princípio no ramo do direito público, a ideia se inverte,
prescrevendo que tudo aquilo que não estiver juridicamente permitido é
proibido.

O Princípio da Legalidade para o ramo do direito privado está previsto,


em sua forma geral, no inciso II, do artigo 5º da Constituição Federal,
configurando-se como direito individual fundamental, e estabelece que, em
regra, aquilo que não for proibido ou obrigatório às pessoas (físicas ou
jurídicas) lhes é permitido.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

...

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de


fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

O mesmo princípio, para o Direito Público, determina que as pessoas


jurídicas de direito público não poderão realizar nada que não esteja previsto
em lei, respeitando sempre os limites estabelecidos pela legislação, nesse
sentido, leciona Hely Lopes Meirelles:

A legalidade, como princípio de administração (CF, art.


37, caput), significa que o administrador público está, em
toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da
lei, e às exigências do bem comum, e deles não se pode
afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e
expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal,
conforme o caso.89

Num primeiro momento pode parecer existir uma contradição lógica


nessas duas facetas do mesmo princípio, mas em verdade são prescrições
perfeitamente complementares e têm uma óbvia justificativa, que é a proteção
social, ao conferir ao jurisdicionado o sentimento de segurança de quais ações

89
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28ª ed. São Paulo: Malheiros:
2003, p.86.
82

podem, ou não, ser praticadas por ele e pelo Estado, na expectativa de não
existirem surpresas ou arbitrariedades.

O Princípio da Legalidade é um dos pilares de um Estado Democrático


de Direito, nele a sociedade pode se apoiar para que na esfera privada o
cidadão possa ter consciência do que lhe é lícito ou não fazer, aos olhos do
Estado que regula a sua conduta, e ao mesmo tempo ter certo grau de certeza
de que o Poder Público também está subordinado às regras impostas pelo
ordenamento.

Ciente da dificuldade em legislar sobre todas as possíveis relações


intersubjetivas que podem eventualmente ocorrer no convívio em sociedade,
em razão da constante evolução social, cultural e econômica, fruto do eficaz e
cada vez mais célere aprimoramento técnico, tecnológico e científico, na esfera
privada, tudo aquilo que o legislador não imprimiu o selo de conduta proibida,
em regra, pode ser praticado.

Caso contrário, necessitaríamos sempre aguardar o moroso processo


legislativo para que os progressos sociais, culturais e econômicos ocorressem,
o que de fato não se sustentaria frente ao natural anseio inventivo do ser
humano.

Por outro lado, com base no mesmo ideal de proteção do jurisdicionado,


para os ramos do direito público, este mesmo princípio da legalidade reza que
aquilo que a lei expressamente não permitir não pode ser realizado pela
administração e seus agentes.

Mais especificamente para o Direito Tributário, um dos ramos do Direito


Público, o Princípio da Legalidade é um dos principais limitadores ao poder de
tributar do Estado, em especial por garantir o respeito a outro princípio
fundamental em nosso ordenamento jurídico, que é tido, inclusive, como
cláusula pétrea da atual Constituição Federal, que é o Princípio da Separação
dos Poderes, que estudaremos mais adiante.
83

A Constituição Federal de 1988 estabelece que sequer uma Emenda


Constitucional poderá abolir a Separação dos Poderes, da forma como
estabelecida na Carta Magna90.

O Princípio da Legalidade privilegia outro preceito fundamental


estampado logo no parágrafo único, do primeiro artigo da nossa Lei Maior 91,
que diz que todo poder emana, direta ou indiretamente, do povo. Inclusive o
Poder de Tributar das pessoas jurídicas de direito público que detém a
competência para instituir tributos.

Hugo de Brito Machado destaca a dupla característica da legalidade


tributária, tanto como regra quanto como princípio, ressaltando a sua natureza
de verdadeiro direito fundamental do contribuinte.

A legalidade tributária no Brasil é, sem nenhuma dúvida,


um direito fundamental do contribuinte. Considerando a
norma da Constituição Federal que o estabelece como
regra, em face de sua estrutura, e como princípio, por
força de sua fundamentalidade. Essa norma pode ser
entendida em pelo menos dois distintos significados. Pode
significar que a cobrança do tributo depende do
consentimento dos cidadãos que o pagam. E pode
significar que o tributo deve ser cobrado segundo regras
objetivamente postas, de sorte a preservar a segurança
nas relações entre o Fisco e os contribuintes.92

Por mais que alguns autores tentem mitigar a legalidade tributária,


reconhecendo o seu caráter meramente principiológico, confrontando-o com
outros princípios e valores constitucionalmente postos, a legalidade é uma
verdadeira regra jurídica, estampada de forma reiterada tanto na Constituição
Federal, quanto no Código Tributário Nacional.

Ressaltamos que a própria Constituição Federal estabelece que, dentre


outras matérias, compete à lei complementar regular as limitações
constitucionais ao poder de tributar, e estabelecer normas gerais em matéria de

90
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º Não será objeto de
deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) III - a separação dos Poderes.
91
Art. 1º (...) Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
92
MACHADO, Hugo de Brito. Introdução ao planejamento tributário. 2ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2019, p. 101/102.
84

legislação tributária, especialmente, na definição dos fatos geradores, base de


cálculo e quem serão os contribuintes de determinado tributo, bem como para
definir as obrigações tributárias, lançamento e créditos93.

Logo no conceito de tributos estabelecido pelo Código Tributário


Nacional, observamos a regra expressa de que o tributo deverá ser instituído,
única e exclusivamente, por meio de lei.

O mesmo diploma legal determina expressamente que somente a lei


pode estabelecer a instituição de tributos, a definição do fato gerador da
obrigação tributária principal, a cominação de penalidades, dentre tantas outras
situações94.

Adotando-se os conceitos que diferenciam as regras dos princípios, não


há como negar o nítido caráter de regra, nestes comandos diretos estatuídos
no Código Tributário Nacional, não sendo possível qualquer ponderação de
valores que possibilite o seu descumprimento.

Todas essas regras, prescritas tanto na Constituição Federal, quanto no


Código Tributário Nacional, são conjugadas para formar o que conhecemos
como a norma da estrita legalidade tributária.

Paulo Ayres Barreto ao tratar da legalidade tributária nos ensina que:

A Constituição Federal de 1988, ao repartir a competência


impositiva, atribuiu poder de tributar aos entes políticos,
referindo conceitos ou classes de fatos geradores. Além
disso, estabeleceu a garantia de que os cidadãos não
sofrerão imposição tributária fora dos limites fixados
constitucionalmente. Nesse sentido, entendemos que há
inequívoca afirmação da legalidade estrita, com

93
Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) II - regular as limitações constitucionais ao poder de
tributar; III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente
sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos
discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
94
Art. 97 - Somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção; II - a
majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e
65; III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto
no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV - a fixação de alíquota do tributo
e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V - a
cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou
para outras infrações nela definidas; VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de
créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.
85

determinação constitucionalmente estabelecida para o


exercício da atividade impositiva de tributos.95

Concordamos com Hermes Marcelo Huck quando diz que em atenção à


legalidade, e outros princípios constitucionais, o contribuinte, desde que não
esteja presente a fraude, o dolo ou a simulação, pode organizar-se da forma
como foi mais adequado para desenvolver os seus negócios, mesmo que a sua
intensão seja a redução da carga tributária.

Os princípios da legalidade e da tipicidade estrita, dentre


outros, garantem ao contribuinte o direito de organizar
seus negócios da forma que lhe seja a mais econômica
tributariamente, mesmo quando a forma adotada tenha
como única finalidade a fuga do pagamento do imposto.96

Com relação aos tratados internacionais em matéria tributária, depois de


passarem pelo processo de internalização e passarem a integrar o nosso
ordenamento jurídico, apesar de o Supremo Tribunal Federal ter atribuído
hierarquia supralegal aos decretos que os internalizam, em atenção ao
disposto no artigo 98 do Código Tributário Nacional97, não podemos perder de
vista que o próprio Supremo conferiu status hierárquico infraconstitucional.

E sendo determinação constitucional que somente as leis (ordinárias ou


complementares, a depender do tributo) podem definir as hipóteses de
incidência de tributos e obrigações tributárias, os tratados jamais poderão
estatuir novas hipóteses de incidência, sob pena de ferir preceito
constitucionalmente posto.

Além disso, a própria norma que confere status hierárquico supralegal


aos tratados internacionais (o Código Tributário Nacional), também restringe as
matérias atinentes a definição de hipóteses de incidência e obrigações
tributárias à lei.

95
BARRETO, Paulo Ayres. Planejamento tributário: limites normativos. São Paulo: Noeses,
2016, pp. 90/91.
96
HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e Elisão no Direito Tributário Internacional. In: ROCHA,
Valdir de Oliveira. Planejamento Fiscal: Teoria e prática. 2º Vol. São Paulo: Dialética, 1998.
p. 12
97
Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação
tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha
86

Portanto, sob nenhum prisma que se analise a matéria, podemos admitir


qualquer hipótese de incidência tributária, e tampouco a criação de obrigações
tributária que não estejam previstas em lei, incluindo, essa vedação a hipóteses
de incidência tributária prescritas única e exclusivamente em tratado
internacional, sem o devido respaldo em lei.

3.2.2. PRINCÍPIO DA MORALIDADE

Importante salientar que além do princípio da legalidade, um dos


princípios que devem reger toda a atividade pública é o da moralidade.

Princípio extremamente caro para o Direito Administrativo, a Moralidade


não consiste apenas em zelar pela boa aplicação e administração dos bens
públicos, mas também nas boas práticas de arrecadação de receitas públicas.

A atividade de fiscalização e arrecadação de tributos pode ser


extremamente danosa ao contribuinte se mal executada.

Muito se exige do contribuinte, para que aja com moralidade no


pagamento dos seus tributos, mas pouco se comenta sobre a necessidade de
a administração pública dar o exemplo em suas atividades, agindo com
moralidade ao fiscalizar, cobrar e arrecada-los.

Cumpre citar Klaus Tipke, que, ao relacionar a moral do cidadão com a


moral do Estado, afirma que:

Uma verdadeira renovação moral do contribuinte só teria


êxito, se em primeiro lugar as leis tributárias fossem
remoralizadas, a Justiça Tributária não mais
permanecendo marginalizada. Um ordenamento tributário
remoralizado é algo diferente do que um mero
ordenamento coativo para a execução de leis que medem
com os mais variados critérios98

A moralidade exige, dentre outras situações, que o fim único da


atividade fiscal não seja meramente econômico, ou seja, não pode o fisco ter
como único objetivo arrecadar cada vez mais. O objetivo deve ser o de

98
TIPKE, Klaus. Moral tributária do estado e dos contribuintes. Trad. Luiz Dória Furquim. Porto
Alegre: Sergio Antonio Abris Editor, 2012, p.114.
87

arrecadar aquilo que é determinado por lei, nem mais, nem menos, apenas o
juridicamente prescrito pelo ordenamento.

Note que dissemos que o objetivo é arrecadar o quanto determinado por


lei, e não permitido, visto que em matéria tributária não há discricionariedade, a
administração pública é obrigada a exigir os tributos devidos.

A cobrança de tributos é atividade estritamente vinculada, como prevê o


artigo 3º do Código Tributário Nacional, nesse sentido, não há
discricionariedade para que a administração pública deixe de cobrar tributos, e
tampouco para que inove ou cobre além do estritamente previsto na norma
jurídica.

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória,


em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não
constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada
mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Atividade vinculada não admite juízo de conveniência e oportunidade. E


a Constituição Federal prevê diversos princípios e normas que visam preservar
a Segurança Jurídica e evitar situações de surpresa ao contribuinte.

Em regra, caso a lei não estabeleça determinada prática como ilícita, o


jurisdicionado tem a permissão para praticá-la. E consequentemente, o agente
da administração pública está proibido de elaborar auto de infração e
imposição de multa para coibir esta conduta.

Muitas situações que geram dúvidas no momento da arrecadação


tributária, poderiam ser solucionadas caso tivéssemos um processo legislativo
mais célere e eficiente.

Isso nos faz lembrar as palavras de Alfredo Augusto Becker que ao


criticar a irresponsabilidade dos legisladores diz que:

O mundo jurídico é criação abstrata do cérebro humano.


As leis são regras de conduta para impor um
determinismo artificial nas relações entre os homens. A lei
é mecanismo ortopédico. Entretanto, as leis que são
fabricadas (por má-fé ou ignorância), em lugar de
restituírem o sorriso ao rosto ou devolverem o caminhar
às pernas, provocam o esgar da dor e fixam grilhões. As
leis, a hermenêutica jurídica, os acórdãos, tudo no mundo
88

jurídico é abstrato e artificial, salvo os efeitos: a dor e a


perda da liberdade.99

Assim, inconcebível em nosso ordenamento jurídico a tributação de fatos


jurídicos que não subsumam à norma, ou seja, que não encontrem correlação
a nenhuma hipótese de incidência prevista em lei ordinária ou complementar
juridicamente válida.

Existem diversas atos do cotidiano que não interessam ao direito


tributário, por escolha do legislador, ficando fora do alcance da incidência
tributária, não podendo ser objeto de lançamento. Existem, ainda, situações
que normalmente são objeto de tributação, no entanto, o legislador, por algum
motivo, elege exceções que afastam do sujeito ativo a possibilidade de
cobrança, há outras, ainda, que a própria lei confere ao sujeito passivo a
oportunidade de escolher dentre as opções que lhe forem mais convenientes,
do ponto de vista tributário.

Notamos que todos cenários acima expostos são lícitos, não sendo
proibido, em si, o planejamento tributário, ou estruturar as atividades
empresariais ou civis de uma forma que seja tributariamente mais favorável.

Evidente que o jurisdicionado pode praticar atos aparentemente lícitos,


mas que estejam impregnados de vícios. Esses casos são expressamente
coibidos pelo nosso ordenamento jurídico, que prevê a possibilidade de
desconsideração dos atos ou negócios jurídicos nos casos de dissimulação, e
a possibilidade de revisão do lançamento quando verificado o dolo, a fraude ou
a simulação.

3.2.3. PRINCÍPIO DA ISONOMIA

O Princípio da Isonomia está prescrito em sua forma genérica no caput,


do artigo 5º da Constituição Federal100, quando diz que todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

99
BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval tributário. 2ª ed. São Paulo: LEJUS, 1999, p.49
89

Essa é a faceta da isonomia que estabelece que a lei deve ser aplicada
a todos de forma igualitária, ou seja, ela é igualmente válida a todos.

Especificamente para o Direito Tributário, o Princípio da Isonomia está


previsto no inciso II, do artigo 150, da Constituição101, que prevê a
impossibilidade de tratamento desigual para contribuintes que estejam em
situação equivalente.

Ao impossibilitar o tratamento diferenciado, para pessoas que estejam


em situações equivalentes, é evidente está permitida a discriminação entre
contribuintes que estejam em situações desiguais.

E para que possamos estabelecer se contribuintes estão, ou não, em


situação equivalente, são necessários critérios de comparação entre eles. E a
própria Constituição Federal, estabelece que esse critério de diferenciação não
pode ser em razão de títulos, posição social, cargos. Que deve ser interpretada
como uma proibição de se conceder privilégios a autoridades, pessoas que
ocupam cargos públicos, que tenham determinados títulos etc., o que faria
aumentar a desigualdade.

Assim, a administração pública deve aplicar a lei de forma igualitária aos


contribuintes caso estejam em situação equivalente.

Nesse sentido, Alberto Xavier leciona que:

De outra parte, a concorrência pressupõe a igualdade em


face da lei, e esta não pode obviamente ser garantida se
a Administração fiscal dispuser nas suas mãos de
poderes de decisão que lhe permitam uma aplicação
“individualizadora” da lei de imposto. Por esta forma ainda
se aliam, em estreita relação, os princípios da segurança
jurídica, da legalidade e da igualdade.102

100
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
101
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente,
proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
102
XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1978. p. 54/55.
90

Além disso, para que o Princípio da Igualdade seja observado, não é


possível que sejam utilizados critérios não jurídicos para diferenciar os
contribuintes, como ensina Klaus Tipke.

As necessidades financeiras do Estado não constituem


nenhum motivo real que justifique um ônus diferenciado.
O Estado deve cobrir suas necessidades financeiras
exatamente através de carga fiscal equitativa. Falta
também de um motivo real para a violação, quando o
legislador tenta justificar a violação através de fatos que
na realidade não existem, ou quando o objetivo colimado
pela diferenciação não é, em geral, juridicamente
admissível.103

O Princípio da Isonomia determina que a legislação seja aplicada a


todos, sem discriminação, mas que é possível impor carga tributária
diferenciada a contribuintes que estejam em situação não equivalente.

É evidente que todo critério de diferenciação entre os contribuintes deve


levar em consideração a manifestação de riqueza entre eles.

E um dos critérios estabelecidos pela Constituição Federal, para


possibilitar o tratamento diferenciado entre contribuintes é o Princípio da
Capacidade Contributiva.

3.2.3.1. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

A capacidade contributiva é um princípio tributário constitucional,


previsto no parágrafo primeiro, do artigo 145, da Constituição, que prevê que a
tributação deve incidir ao contribuinte, sempre que possível, observando-se a
sua capacidade econômica.

Art. 145.

...

103
TIPKE, Klaus. Princípio da Igualdade e ideia de sistema no direito tributário. Trad. Brandão
Machado. In: MACHADO, Brandão (coord.). Direito Tributário: estudos em homenagem ao
Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 526.
91

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter


pessoal e serão graduados segundo a capacidade
econômica do contribuinte, facultado à administração
tributária, especialmente para conferir efetividade a esses
objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e
nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as
atividades econômicas do contribuinte.

A capacidade contributiva deve respeitar sempre dois limites, o do não-


confisco e o do mínimo existencial. Ou seja, a capacidade contributiva começa
a parti do momento em que o sujeito passivo, seja ele pessoa física ou jurídica,
não sofra prejuízo à própria subsistência (mínimo existencial), e deve cessar
quando a carga tributária passar a representar um ato confiscatório ao seu
patrimônio.

Nesse campo, existente entre esses dois pontos sensíveis, reside a


capacidade contributiva, devendo, sempre que possível, a tributação ser
graduada conforme a capacidade econômica do contribuinte, a partir das
manifestações de riqueza externalizadas por ele.

Esse pode ser considerado, inclusive, um preceito de direito humanos,


por estar previsto no artigo 13º da Declaração de Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789.

Art. 13º. Para a manutenção da força pública e para as


despesas de administração é indispensável uma
contribuição comum que deve ser dividida entre os
cidadãos de acordo com suas possibilidades.

Sobre este princípio, Regina Helena Costa ensina que:

No plano jurídico-positivo a capacidade contributiva


significa que um sujeito é titular de direitos e obrigações
com fundamento na legislação tributária vigente, que é
quem vai definir aquela capacidade e seus âmbitos. No
plano ético-econômico, por sua vez, relaciona-se com a
justiça econômica matéria. Aqui se designa por
“capacidade contributiva” a aptidão econômica do sujeito
para suportar ou ser destinatário de impostos, que
depende de dois elementos: o volume de recursos que o
sujeito possui para satisfazer o gravame e a necessidade
que tem de tais recursos.

Por fim, em nível técnico ou técnico-econômico têm-se em


conta todos os princípios, regras, procedimentos e
92

categorias relativos à operatividade e eficácia


arrecadatória dos impostos. Portanto, têm capacidade
contributiva, segundo esta concepção, aqueles sujeitos
que (a) constituam unidades econômicas de possessão e
de emprego de recursos produtivos ou de riqueza, (b)
sejam facilmente identificáveis e avaliados pela Fazenda
Pública como suscetíveis de imposição e (c) estejam em
situação de solvência presumidamente suficiente para
suportar o tributo.104

A capacidade contributiva vem ganhando destaque nos estudos


referentes ao planejamento tributário, pois, alguns autores o apontam com um
dos critérios para diferenciar a elisão e a evasão fiscal.

Nesse sentido, Hermes Marcelo Huck entende que:

Nessa ótica, somente haverá isonomia tributária se todos


os que se encontrarem na mesma condição forem
chamados a suportar carga fiscal idêntica. Se, com igual
capacidade contributiva, um contribuinte, pela
manipulação das formas jurídicas, pelo abuso de direito,
pela simulação ou por qualquer outro subterfúgio, puder
fugir ao imposto, estará sendo comprometido o princípio
da igualdade, princípio esse que deve ser avaliado com a
mesma importância que se concede aos da proteção da
propriedade e da segurança jurídica. Quando o processo
elisivo, mediante abuso de formas ou simulação, inibe a
eficácia da norma tributária, está a um só tempo inibindo a
plenitude dos princípios da capacidade contributiva e da
isonomia. 105

Entendemos que a capacidade contributiva é um dos princípios


fundamentais para tentarmos atingir a justiça fiscal, no entanto, é direcionado
ao Poder Legislativo, e não ao Poder Judiciário e tampouco ao Executivo.

O legislador ao definir as hipóteses de incidência deve sempre buscar


atingir esse fim, no entanto, não pode ser arbitrariamente utilizado pela
administração pública para desconsiderar atos praticados pelo contribuinte e
fazer incidir o tributo sem lei que o estabeleça.

104
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 4ª ed. atual., rev. e e ampl.
São Paulo: Malheiros, 2012. p.26/27.
105
HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e Elisão no Direito Tributário Internacional. In: ROCHA,
Valdir de Oliveira. Planejamento Fiscal: Teoria e prática. 2º Vol. São Paulo: Dialética, 1998.
p. 16.
93

Esse é também o entendimento de Antônio Roberto Sampaio Dória, ao


tratar da elisão fiscal e capacidade contributiva:

A derradeira crítica à legitimidade da elisão, embora não


de cunho estritamente jurídico mas que vem repercutir
algumas de suas consequências no âmbito do direito,
assevera que a elisão frustra o princípio cardial da
repartição moderna dos custos públicos: a diretriz da
capacidade contributiva.

...

Entretanto, o problema da divisão equitativa das despesas


públicas, conforme as possibilidades econômicas de cada
um, compete ao legislador e não ao juiz, Se o legislador
descura de sua eficácia prática, quer conscientemente ao
estabelecer hipóteses de isenção, redução e não-
incidência, inclusive sob a forma de indução à elisão, quer
involuntariamente ao desperceber-se de vazamentos ou
trincas na norma fiscal, não é função judiciária (e muito
menos administrativa) estar a suprir-lhe as falhas, no
pressuposto da impotência legislativa para corrigir tais
anomalias. Ademais, do ponto de vista político, uma
opção se impõe no sentido de predominar o princípio da
legalidade, vetor de segurança e certeza jurídica, sobre os
da capacidade contributiva e igualdade, guias ideias da
atividade legislativa que deve, entretanto, na formulação
do direito positivo tributário, enfrentar realidades de poder
nem sempre solícitas a ceder às necessidades da justiça
fiscal. 106

Além disso, Fernando Aurelio Zilveti aponta a dificuldade de se alcançar


esse princípio e fixa o direito constitucional do cidadão e seus direito
fundamentais como limites à imposição tributária.

Não obstante boa parte das Constituições ocidentais


prever, expressamente, o princípio da capacidade
contributiva, esse não é um parâmetro matemático a ser
seguido à risca na elaboração das leis tributárias. O
legislador deve pautar-se na Constituição e gozar da
discricionariedade necessária para escolher a melhor
forma de executar a política fiscal. Deve, então, encontrar
esse caminho no campo do direito, observando o limite da

106
DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Elisão e evasão fiscal. São Paulo: Livraria dos
Advogados, 1971. p. 78/79.
94

capacidade contributiva. O limite é justamente o direito


constitucional do cidadão e seus direitos fundamentais.107

Os tratados internacionais em matéria tributária, inclusive, são firmados


em respeito a este princípio, como bem ensina a Betina Treiger Grupenmacher:

Os tratados internacionais em matéria tributária


estabelecem usualmente medidas que implicam
concessões múltiplas no que diz respeito as suas
pretensões impositivas e o fazem com vistas à
preservação de vários interesses em comum, estre eles a
fiel observância ao princípio da capacidade contributiva,
inserto nas constituições dos Estados democráticos108.

Portanto, entendemos equivocada a posição daqueles que, por meio de


uma interpretação econômica do direito, tentam utilizar a capacidade
contributiva como um dos critérios para diferenciar a elisão da evasão, no
entanto, os tratados internacionais que visam eliminar a dupla tributação
certamente observam este preceito, evitando a tributação confiscatória.

3.2.3.1.1. INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DO DIREITO

Muitos juristas têm defendido uma interpretação econômica do direito,


atribuindo a fatos jurídicos conceitos econômicos, especialmente para traçar
uma distinção entre elisão e evasão fiscal.

Nesse sentido, Hermes Marcelo Huck defende que:

A aplicação dos conceitos pregados pela consideração ou


interpretação econômica da norma tributária é instrumento
eficiente no combate à evasão e propicia uma inegável
vantagem no combate a praticamente todas as formas de
107
ZILVETI, Fernando Aurelio. Princípios de Direito Tributário e a Capacidade Contributiva. São
Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 164.
108
GRUPENMACHER, Betina Treiger. O princípio da não discriminação e os tratados
internacionais em matéria tributária. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; BIANCO, João Francisco
(coords.). Estudos de Direito Tributário, em homenagem ao professor Gerd Willi Rothmann.
São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 67.
95

elisão fiscal. Aos princípios de legalidade e tipicidade


estrita, seria acrescido o da capacidade contributiva,
igualmente constitucional, a justificar essa apreciação da
norma tributária.109

Não podemos concordar com esse posicionamento, visto que os fatos


jurídicos devem ser interpretados exclusivamente por conceitos jurídicos, além
disso, a capacidade contributiva é prescrição direcionada ao legislador, e não
ao aplicador do direito.

Sobre a relação da moral com o direito Ricardo Mariz de Oliveira expõe


que:

Assim, cabe ao legislador, em estágio pré-legislativo,


procurar que valores dominam a sociedade ao tempo da
edição da norma, porque tais valores também contribuem
para o bem comum que o direito deve prover, de tal modo
que até poderão ser perquiridos quando da interpretação
teleológica da norma posta no ordenamento. Entretanto,
nada mais pode ser retirado da moral para definir e
garantir a estabilidade das relações jurídicas.110

Em oposição à interpretação econômica do Direito, Paulo de Barros


Carvalho é enfático ao frisar que sobre um mesmo fato podem existir diversos
tipos de interpretação, que pode ser uma interpretação jurídica, histórica,
econômica, dentre tantas outras, porém, cada uma delas é útil para a disciplina
a que pertence, não podendo ser utilizada para o Direito a interpretação
contábil, econômica, histórica ou qualquer outra.

Existe interpretação econômica do fato? Sim, para os


economistas. Existirá interpretação contábil do fato?
Certamente, para o contabilista. No entanto, uma vez
assumido o critério jurídico, o fato será, única e
exclusivamente, fato jurídico; e, claro, fato de natureza
jurídica, não econômica ou contábil, entre outras matérias.
Como já anotado, o Direito não pede emprestado
conceitos de fatos para outras disciplinas. Ele mesmo
109
HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e Elisão no Direito Tributário Internacional. In: ROCHA,
Valdir de Oliveira. Planejamento Fiscal: Teoria e prática. 2º Vol. São Paulo: Dialética, 1998.
p. 14.
110
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Formalismo e substantivismo tributário. Dever moral e
obrigação jurídica. E a Segurança Jurídica? In. PRETO, Raquel Elita Alves (coord. e org.).
Tributação brasileira em evolução: Estudos em homenagem ao Professor Alcides Jorge
Costa. São Paulo: IASP, 2015. p. 508.
96

constrói sua realidade, seu objeto, suas categorias e


unidades de significação.111

Ricardo Lobo Torres destaca que os eventuais dados econômicos que


possam influenciar na formação de conceitos tributário devem passar pelo filtro
jurídico:

Mas para a formação dos conceitos tributários os dados


econômicos passam pelo filtro jurídico, como, de resto,
toda a realidade pré-jurídica, que, embora já formada
teleologicamente, necessita do crivo valorativo do
Direito.112

Para verificar a ocorrência de elisão fiscal, Hermes Marcelo Huck ensina


que os efeitos econômicos não são relevantes, devendo unicamente verificar
se ocorreu ou não o fato gerador:

É fato assente que a elisão não constituí, per se, fraude à


lei, visto que nenhuma norma tributária proíbe que se
alcancem resultados econômicos possíveis em si
mesmos, porém através de uma via diversa da prevista
pelo legislador. É consagrada a análise de Hensel para
quem o mandamento legal “deves pagar o imposto” está
condicionada à frase “se ocorre o fato imponível”, e não
“se ocorre determinado efeito econômico”. 113

Nesse mesmo sentido José Eduardo Soares de Melo destaca que:

não tem nenhum cabimento jurídico cogitar-se da


prevalência da interpretação do direito tributário segundo
o princípio da realidade econômica subjacente ao fato
gerador, porque o sentido da lei deve ser compreendido
consoante a sistemática constitucional, aplicando-se
critérios e conceitos eminentemente jurídicos. 114

Portanto, as correntes doutrinárias que defendem a atribuição de


interpretação econômica a fatos jurídicos mostram-se equivocadas, pois, esse

111
CARVALHO, Paulo de Barros. O absurdo da interpretação econômica do fato gerador. In:
MARTINS, Ives Gandra da Silva; MARTINS, Rogério V. Gandra da Silva; COSTA-CORRÊA,
André L.; FERNANDES, Edison Carlos; FLORA, Luis Antonio (Coords.). CTN 50 anos com
eficácia de Lei Complementar (1967-2017). p. 41/42
112
TORRES, Ricardo Lobo. Interpretação e integração da lei tributária. In: MACHADO, Hugo de
Brito. Interpretação e aplicação da lei tributária. São Paulo: Dialética, 2010. p. 355.
113
HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e Elisão no Direito Tributário Internacional. In: ROCHA,
Valdir de Oliveira. Planejamento Fiscal: Teoria e prática. 2º Vol. São Paulo: Dialética,
1998.p. 13
114
MELO, José Eduardo Soares de. IPI, ICMS, ISS e planejamento fiscal. In: ROCHA, Valdir de
Oliveira. Planejamento Fiscal: Teoria e prática. 2º Vol. São Paulo: Dialética, 1998. p. 75.
97

intercâmbio desconsidera direitos fundamentais dos contribuintes, em prol de


uma otimização na arrecadação tributária, que pode ser aplicada
arbitrariamente pela administração tributária, sem qualquer respaldo legal.
Toda a interpretação de fatos jurídicos deve observar única e exclusivamente
interpretação jurídica.

3.3. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

O Princípio da Segurança Jurídica configura-se como direito


fundamental em qualquer Estado de Direito, na busca da estabilidade,
previsibilidade e compreensão do ordenamento jurídico. Neste sentido, as
normas jurídicas devem ser claras, a forma como essas normas são aplicadas
deve ser conhecida, e o jurisdicionado deve ter o mínimo de segurança de que
os seus atos praticados e direitos adquiridos não poderão ser revistos
arbitrariamente.

No Direito Tributário existem algumas normas que servem a esse fim,


tais como a legalidade, anterioridade e a irretroatividade.

A Constituição Federal de 1988 prescreve em seu preâmbulo que a


segurança e a justiça são valores sobremos que devem ser almejados na
ordem interna e internacional. A Carta Magna, ainda, dispõe no caput do artigo
5º, como direito fundamental a garantia da segurança.

É indiscutível a importância de um ordenamento estável, previsível e


compreensível.

O Princípio da Segurança Jurídica é fundamental para todo o


ordenamento jurídico, porém, mostra-se ainda mais essencial para o Direito
Tributário, onde o contribuinte sofre incidência direta da exação em seu
patrimônio.

Sobre esse princípio, Alberto Xavier ensina que:

a doutrina dominante – especialmente a alemã – tende a


ver a essência da segurança jurídica na susceptibilidade
98

de previsão objetiva, por parte dos particulares, das suas


situações jurídicas (Vorhersehbarkeit e
Vorausberechenbarkeit), de tal modo que estes possam
ter uma expectativa precisa dos seus direitos e deveres,
dos benefícios que lhe serão concedidos ou dos encargos
que hajam de suportar. Daqui resulta que a ideia geral de
segurança jurídica se analise – como o observam Löhlein
e Jaenke – num conteúdo formal, que é a estabilidade do
Direito e num conteúdo material, que é a chamada
“proteção da confiança” (Vertrauensschutz). 115

Concordamos com Douglas Yamashita quando apresenta este princípio


como um dos aspectos do princípio do Estado de Direito:

O princípio do Estado de Direito tem um aspecto formal e


um aspecto material. O Estado de Direito formal significa,
predominantemente, segurança jurídica concretizada em
vários outros subprincípios, como os princípios da
legalidade (arts. 5º, II e 150, I, da CF/88), da proteção do
ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada
(art. 5º, XXXVI, da CF/88), da anterioridade (art. 150, III,
da CF/88) entre outros. Já o Estado de Direito material
serve à realização da justiça, o que vem, entre nós,
explicitado no art. 3º, I, da CF/88 e concretizado na ordem
constitucional valorativa, especialmente, como o princípio
da igualdade (arts. 5º, caput, I, 7º, XXXIV, 14, caput, 37,
XXI, 150, II, 196, caput, da CF/88) e como direitos e
garantias fundamentais (arts. 5º e ss.), tais como o direito
à vida, à liberdade ou à propriedade.116

Os malefícios causados por um ordenamento jurídico que não presa


pela Segurança Jurídica são muitos, como bem aponta Humberto Ávila em
obra dedicada a este tema:

O cidadão, pela ausência de inteligibilidade do


ordenamento jurídico, não sabe o que é válido hoje
(insegurança com relação ao Direito presente); ele, pela
falta de previsibilidade do ordenamento jurídico,
igualmente não sabe o que está válido ou vinculante
amanhã (insegurança com relação ao Direito futuro); e
ele, pela carência de estabilidade do ordenamento
jurídico, paradoxalmente também não sabe se o que foi

115
XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1978. p. 45.
116
YAMASHITA, Douglas. Elisão e evasão de tributos: Planejamento tributário: Limites à luz do
abuso do Direito e da Fraude à Lei. São Paulo: Lex Editora, 2005. p. 88/89.
99

válido ontem continuará valendo hoje (insegurança com


relação ao Direito pretérito).117

A Segurança Jurídica, portanto, é um dos pilares fundantes de um


ordenamento jurídico, o que garante que todas as demais normas do
ordenamento possam ser compreendidas e aplicadas, possibilitando ao
jurisdicionado que exerça suas atividades sem o risco de serem
desconsiderados os seus atos, ou suprimidos seus direitos de forma arbitrária.

Sem a Segurança Jurídica, inclusive, princípios como o da Livre


Iniciativa ficam tolhidos, pelo medo que o cidadão possui de exercer livremente
as suas atividades.

3.4. PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA

A Livre Iniciativa é um princípio constitucional que se caracteriza como


um verdadeiro direto fundamental, em nosso ordenamento jurídico, podendo
ser observado logo no primeiro artigo da Constituição Federal de 1988,
representando, segundo a própria Constituição, um dos alicerces do Estado
Democrático de Direito.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela


união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos:

(...)

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Além de expressamente ser um dos pilares do nosso ordenamento,


como acima mencionado, a Constituição Federal reserva um Título inteiro à
Ordem Econômica e Financeira (Título VII), que se inicia com o artigo 170, que

117
ÁVILA, Humberto. Teoria da Segurança Jurídica. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Malheiros, 2014. p. 76.
100

reforça que a livre iniciativa é um direito fundamental à ordem econômica, e


estabelece os princípios que devem ser observados nesse campo118.

Recentemente foi publicada a Lei nº 13.874/2019, que institui a


Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de
proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e
disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador.

Apesar de louvável a iniciativa para assegurar os direitos fundamentais


previstos na Constituição Federal, entendemos que a citada Lei era totalmente
desnecessária, visto que o Princípio da Livre Iniciativa apresenta-se como
norma de eficácia plena, devendo ser aplicado de forma integral e imediata,
sem ressalvas ou mitigações.

Não temos dúvidas de que a Lei, apesar de garantir alguns importantes


direitos em certas matérias, acabou por mitigar a liberdade econômica num dos
pontos mais sensíveis às empresas e empreendedores, que é o direito
tributário.

Não nos interessa, neste momento, tecer comentário à íntegra da Lei,


focaremos apenas nas implicações relacionadas ao tema deste trabalho, que
são os reflexos tributários.

A lei expressamente retira o direito tributário do alcance das disposições


nela prescritas, com algumas poucas ressalvas. Afirmando que a Lei será
observada na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial,
econômico, urbanístico e do trabalho. E que não se aplica ao direito tributário e
ao direito financeiro119.

118
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada;
III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI -
defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII -
redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX -
tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
119
Art. 1º Fica instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece
normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e
disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, nos termos do
inciso IV do caput do art. 1º, do parágrafo único do art. 170 e do caput do art. 174 da
Constituição Federal. § 1º O disposto nesta Lei será observado na aplicação e na
interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações
101

Não há matéria com potencial de causar tantos danos à liberdade


econômica quanto o Direito Tributário, a tributação excessiva, e em
desconformidade com os preceitos legais e constitucionais atinge diretamente
o patrimônio dos contribuintes, restringindo a liberdade econômica.

Além disso, a lei, que diz prezar pela liberdade econômica, priva os
representantes dos contribuintes de participar da edição de súmulas que
deverão orientar as decisões administrativas perante o Conselho Administrativo
de Recursos Fiscais – CARF, bem como os atos administrativos e normativos
dos órgãos da administração tributária.

A Lei prevê a formação de um Comitê composto por integrantes do


Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, da Secretaria Especial da
Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia e da Procuradoria-Geral
da Fazenda Nacional, para editar tais súmulas.

Ou seja, quem terá maioria absoluta, podendo chegar à integralidade, de


membros no Comitê, será a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional. O CARF que é órgão, teoricamente, paritário, não poderá
editar as próprias súmulas, ficando essa prerrogativa a cargo apenas da
administração pública.

Não é necessário muito esforço para prever um direcionamento das


decisões em favor do Fisco, especialmente nas questões onde, no órgão,
estiver se formando tendência jurisprudencial em favor dos contribuintes, fato
que poderá ter um efeito contrário ao pretendido pela lei, mitigando a liberdade
econômica, ao invés de fortalecer esse princípio.

Acreditamos que o princípio da livre iniciativa deve ser observado na sua


integridade, e a liberdade de estruturar os seus negócios não deve ser
mitigado, desde que a lei seja respeitada.

Nesse sentido, Alberto Xavier ensina que:

jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação e na ordenação pública, inclusive


sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito,
transporte e proteção ao meio ambiente. (...) § 3º O disposto nos arts. 1º, 2º, 3º e 4º desta
Lei não se aplica ao direito tributário e ao direito financeiro, ressalvado o inciso X do caput
do art. 3º.
102

Com efeito, num sistema econômico que tenha como


princípios ordenadores a livre iniciativa, a concorrência e
a propriedade privada, torna-se indispensável eliminar, no
maior grau possível, todos os fatores que possam
traduzir-se em incertezas econômicas suscetíveis de
prejudicar a expansão livre da empresa, designadamente
a insegurança jurídica. E isto era o que inevitavelmente
sucederia se ao domínio claro da lei se sucedesse o
“voluntarismo” da Administração.120

O direito de realizar atos ou negócios jurídicos de modo a pagar menos


tributos, desde que essa alternativa esteja em conformidade com a lei, e não
estejam caracterizados simulação, fraude ou dolo, está respaldada pelo
princípio da livre iniciativa e liberdade econômica.

3.5. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

A Constituição Federal prescreve que em nosso ordenamento jurídico o


Estado deve se organizar de forma a separar as suas funções em três
Poderes, independentes e harmônicos entre si, que são: o Legislativo, o
Judiciário e o Executivo.

Essa ideia de separação de poderes para se evitar abusos por parte


dos governantes já está muito bem sedimentado ao longo de todo o processo
civilizatório, tendo as suas origens, pelo menos, desde as lições de Aristóteles,
que em sua obra “Política”, faz a distinção entre as funções estatais e esboça
essa necessidade de separação dos poderes.

O poder de tributar deve ser exercido pelo Poder Legislativo, por meio
dos representantes do povo, atendendo a máxima que levou à Revolução
Americana, e que retrata um dos aspectos mais característicos do Estado de
Direito, que diz “no taxation without representation”.

O Poder Executivo é parte manifestamente interessada na instituição e


aumento da carga tributária, visto que é o destinatário direto das receitas

120
XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1978. p. 50.
103

auferidas. E conferir a ele poder para criar as hipóteses de incidência dessas


exações seria ferir de morte todo o ideal que fundamenta a Separação dos
Poderes, que seria a limitação do autoritarismo estatal.

O combate a este autoritarismo, em especial à instituição desenfreada


de novas hipóteses de incidência tributária, foi um dos corolários que sustentou
o que muitos descrevem como a primeira constituição, a Magna Carta de 1215,
que impunha limitações ao poder de tributar do rei, atribuindo a necessidade de
consulta às instituição representativas da época, quando da imposição de nova
situação que acarretasse em instituição de tributos.

Não é atribuição do agente da administração pública, ou do magistrado


legislar ou proferir qualquer tipo de juízo de valor a respeito de ser ou não justa
a forma eleita pelo Poder Legislativo de como ocorrerá a imposição tributária.

Qualquer alteração na instituição de tributos deverá ser prescrita pelos


meio constitucionalmente legitimados para este fim, respeitando-se o direito
fundamental do contribuinte de previsibilidade da aplicação do direito, e
combate ao arbítrio estatal de imposição tributária, sem a devida prescrição
pelo Poder Legislativo.

3.6. EVASÃO X ELISÃO

Importante traçarmos a distinção entre elisão e evasão fiscal, e indicar


qual significado atribuiremos a cada um dos dois institutos, visto que essas
palavras encontram grande divergência semântica na doutrina.

Hugo de Brito Machado, por exemplo, reconhece que a maioria da


doutrina compreende a elisão fiscal como o procedimento lícito, no entanto, o
ilustre jurista endente a elisão como o procedimento ilícito de redução ou
eliminação da carga tributária de forma ilícita, por uma questão semântica da
palavra.

Se tivermos, porém, de estabelecer uma diferença de


significado entre esses dois termos, talvez seja preferível,
contrariando a preferência de muitos, utilizarmos evasão
104

para designar a conduta lícita e elisão para designar a


conduta ilícita. Realmente, elidir é eliminar, ou suprimir, e
somente se pode eliminar, ou suprimir, o que existe.
Assim, quem elimina ou suprime um tributo está agindo
ilicitamente, na medida em que está eliminando ou
suprimindo a relação tributária já instaurada. Por outro
lado, evadir-se é fugir, e quem, foge está evitando,
podendo a ação de evitar ser preventiva. Assim, quem
evita pode estar agindo licitamente.121

Alberto Xavier ao tratar de evasão fiscal internacional, destaca que a


expressão é “ambígua” e “multifacetada”, afirmando que a pode representar
três situações distintas:

Numa primeira acepção, ela representaria o oposto da


dupla tributação, aludindo às situações em que, mercê da
diversa configuração dos elementos de conexão,
nenhuma norma tributária se reconhece aplicável a uma
certa situação da vida tributária internacional, ocorrendo
portanto a figura do conflito negativo ou vácuo
(internationale Doppel – Nichthesteuerung, um caso de
Normenmangel, por oposição ao de Normenhäufung).

Numa segunda acepção, ela exprime os atos ilícitos pelos


quais o contribuinte viola os deveres decorrentes de uma
relação jurídica tributária com elementos de estraneidade,
trate-se de deveres materiais, como o dever de cumprir,
ou de deveres instrumentais, como o de apresentar
declarações verdadeiras ou de manter escrituração
regular.

Numa terceira acepção, ela englobaria, além de tax


evasion propriamente dita, a figura da tax avoidance ou
elisão fiscal internacional que se traduz na prática de atos
ilícitos pelos quais os particulares, influenciado
voluntariamente os elementos de conexão, procuram
evitar a aplicação de certo ordenamento tributário. 122

A divergência de significados que se atribui a esses instituídos não deve


ser tida como uma barreira, e tampouco devemos nos ater demasiadamente
nesses debates, bastando que esclareçamos qual será o sentido que
utilizaremos nesse trabalho.

121
MACHADO, Hugo de Brito. Introdução ao planejamento tributário. 2ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2019. p.68
122
XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil: tributação das operações
internacionais. 5ª edição, atualizada – Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 44.
105

Adotaremos, então, o entendimento de que elisão fiscal é a situação


lícita, que permite o contribuinte se organizar de forma a reduzir, eliminar ou
postergar o pagamento de tributos, e que, portanto, não pode ser sofrer
qualquer imposição tributária, e tampouco de penalidades.

Enquanto que a evasão fiscal representa ato ilícito praticado pelo


contribuinte, com a finalidade de reduzir, eliminar ou postergar o pagamento de
tributos, pela prática de fraude, dolo ou simulação, devendo ser penalizada na
forma da lei.

Marco Aurélio Greco, em obra que desenvolve do tema Planejamento


Tributário, destaca três fase ultrapassadas pela doutrina para desenvolver a
distinção entre evasão e elisão fiscal:

na primeira fase, predomina a liberdade do contribuinte de


agir antes do fato gerador e mediante atos lícitos, salvo
simulação; na segunda fase ainda predomina a liberdade
de agir antes do fato gerador e mediante atos lícitos,
porém nela o planejamento é contaminado não apenas
pela simulação, mas também pelas outras patologias do
negócio jurídico, como o abuso de direito e a fraude à lei.

Na terceira fase, acrescenta-se um outro ingrediente que


é o princípio da capacidade contributiva que – por ser um
princípio constitucional tributário – acaba por eliminar o
predomínio da liberdade, para temperá-la com a
solidariedade social inerente à capacidade contributiva.123

O autor destaca, portanto, que atualmente a licitude ou a ilicitude dos


atos não é suficiente para identificarmos se estamos diante de uma elisão ou
evasão, devemos conjugar, para esse fim, o princípio da capacidade
contributiva.

Cumpre salientar que o princípio da capacidade contributiva, a nosso


ver, deve ser observado pelo legislador e não pelo julgador e tampouco pelo
Poder Executivo, caso contrário um mesmo arranjo poderia ser considerado
elisão quando praticado por uma pessoa e evasão quando por outra.

Rubens Gomes de Sousa ao traçar a diferença entre elisão e evasão,


diz que a intenção do agente não pode ser critério identificação entre uma ou
outra, visto que em ambas as situações o contribuinte tem o mesmo objetivo
123
GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2011. p. 319.
106

que é reduzir, eliminar ou retardar o pagamento de tributo, nesse sentido,


entende como critério seguro, para identificar se estamos diante de uma elisão
ou evasão, o momento em que os atos foram praticados.

Fraude fiscal, que pode ser definida como toda ação ou


omissão destinada a evitar ou retardar o pagamento de
um tributo devido, ou a pagar tributo menor que o devido.
Todavia, um problema muito importante é a distinção
entre fraude fiscal e evasão: também esta é uma ação ou
omissão destinada a evitar, retardar ou reduzir o
pagamento de um tributo, mas a diferença está em que
fraude fiscal constitui infração da lei e portanto é punível,
ao passo que a evasão não constitui infração da lei e
portanto não é punível. Qual é, portanto, o critério para
distinguir a fraude fiscal da evasão? É claro que o critério
da intenção do contribuinte (§ 36) não pode convir, porque
aquela intenção é a mesma em ambos os casos: evitar,
retardar ou reduzir o pagamento do tributo. Também não
resolve o problema o critério da natureza dos atos
praticados pelo contribuinte, para verificar se são lícitos
ou ilícitos, porque o que importa é o resultado visado ou
obtido pelo contribuinte. Nessas condições, o único
critério seguro é verificar se os atos praticados pelo
contribuinte, para evitar, retardar ou reduzir o pagamento
de um tributo, foram praticados antes ou depois da
ocorrência do respectivo fato gerador (§ 23): na primeira
hipótese, trata-se de evasão; na segunda, trata-se de
fraude fiscal.124

Apesar da coerência dessa posição, acreditamos que a limitação


temporal não é a mais adequada, visto que diversos atos simulados e
fraudulentos podem ser arquitetados antes de ocorrido o fato gerador.

Como bem explica Hermes Marcelo Huck, ao dizer que a “distinção


meramente temporal não é completa, pois, não são raras as situações em que
a fraude pode ocorrer antes do fato gerador, como no sempre lembrado
exemplo do comerciante que emite a nota fiscal adulterada, promovendo, em
seguida, a saída da mercadoria de seu estabelecimento”125.

124
SOUSA, Rubens Gomes. Compêndio de legislação tributária. São Paulo: Editora Resenha
Tributária, 1975. p. 137/138
125
HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e Elisão no Direito Tributário Internacional. In: ROCHA,
Valdir de Oliveira. Planejamento Fiscal: Teoria e prática. 2º Vol. São Paulo: Dialética, 1998.
p. 12.
107

Douglas Yamashita prefere a distinção entre a elisão e evasão


justamente pelo critério da ilicitude, mas destaca que a ilicitude deve ser
entendida de forma ampla, e trata das ilicitudes típicas e ilicitudes atípicas.

Sendo critério da ilicitude aquele decisivo para distinguir


entre evasão e elisão de tributos, passou-se em revista
crítica sobre diversos preconceitos da doutrina tradicional
acerca do conceito de ilícito civil. Verificou-se
basicamente que ilícito civil é um ato jurídico contrário ao
direito e imputável a um sujeito. Separou-se da essência
do conceito de ilícito civil os tradicionais elementos de
culpa, dano e indenização. Em especial, verificou-se a
ilicitude dos atos nulos, como a fraude à lei ou a
simulação. Feito isso, constatou-se que, hodiernamente, a
ilicitude já não se limita a conduta contrária a regras,
como a simulação ou fraude (ilicitude típica), mas
estende-se a condutas contrárias a princípios (ilicitude
atípica).126

E o autor conclui o seu raciocínio identificando as condutas ilícitas


(típicas e atípicas), destacando a importância dos conceitos do Direito Privado
para o Direito Tributário:

Isto posto, conclui-se que elisão fiscal consiste nas


condutas lícitas destinadas a reduzir ou eliminar o ônus
fiscal e evasão fiscal consiste nas condutas ilícitas
destinadas a reduzir ou eliminar o ônus fiscal, aí incluídos
além da fraude comum e da simulação, o abuso do direito
e a fraude à lei. Daí a necessidade de examinar as
relações entre o Direito Tributário e o Direito Privado.127

Concordamos com a posição de que a diferença entre elisão e evasão


deve se restringir à licitude ou ilicitude os atos praticados, no entanto,
observando-se apenas aqueles institutos que o Código Tributário Nacional
destaca como ilícitos passíveis de desconsideração dos atos praticados pelo
contribuinte, que são: dolo, fraude e simulação.

126
YAMASHITA, Douglas. Elisão e evasão de tributos: Planejamento tributário: Limites à luz do
abuso do Direito e da Fraude à Lei. São Paulo: Lex Editora, 2005. p. 64.
127
idem. p. 66
108

Além disso, os conceitos de direito privado podem ser observados pelo


Direito Tributário, no entanto, com as limitações que destacaremos em tópico
destinado ao tema.

3.6.1. DOLO, FRAUDE, SIMULAÇÃO E DISSIMULAÇÃO

O Código Tributário Nacional permite, em seu artigo 116, parágrafo


único, que a autoridade administrativa desconsidere atos ou negócios jurídicos
quando verificada a dissimulação.

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-


se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá


desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com
a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do
tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da
obrigação tributária, observados os procedimentos a
serem estabelecidos em lei ordinária. (Incluído pela Lcp nº
104, de 2001)

O mesmo diploma legal, no artigo 149, prevê a possibilidade de a


autoridade administrativa realizar o lançamento de ofício quando verificado o
dolo, fraude ou simulação.

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela


autoridade administrativa nos seguintes casos:

VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou


terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou
simulação;

O parágrafo único do artigo 116, foi inserido pela Lei Complementar


104/2001, ou seja, a possibilidade de revisão do lançamento já era permitida
em caso de dolo, fraude ou simulação, pelo artigo 149, inciso VII, mas o
legislador resolveu acrescentar a figura da dissimulação, com a previsão de
possibilidade de desconsideração de ato ou negócio jurídico.

A princípio, duas são as observações que devem ser feitas, a primeira é


com relação à vagueza das definições dos institutos de dolo, fraude, simulação
ou dissimulação. E a segunda, diz respeito à inserção de um dispositivo legal
109

(parágrafo único, do artigo 116), que trata da dissimulação, que guarda muita
semelhança com um instituto que já estava previsto, que é o da simulação.

Existem diversas normas jurídicas em nosso ordenamento que trazem


conceitos abertos, e que comportam diversos significados.

A esse respeito, Lucas Galvão de Britto nos explica que:

É precisamente esse quantum de vagueza que permite


abstrair apenas alguns elementos da irrepetibilidade e
infinitude de aspectos do real e tratar de semelhanças,
ignorando as diferenças específicas que os propósitos da
classificação levam a desprezar. A conotação será
sempre marcada por algum grau (sempre positivo) de
vagueza, pois precisa abranger os elementos de um
conjunto que não se entrega pronto e acabado, muito
menos conhecido em todos os seus infindáveis
aspectos128.

O Código Tributário Nacional não especifica as situações de dolo,


fraude, simulação ou dissimulação, e nem poderia, visto que seria impossível
prever num diploma todas as possíveis circunstâncias que pudessem se
enquadrar nessas modalidades.

E o próprio legislador, prevendo essa dificuldade, na maioria das vezes


em que trata do tema, no Código Tributário Nacional, cita todos eles no mesmo
artigo (Arts. 149, VI; 150, §4º; 154, parágrafo único; 180, I; 208; 155, I).

Mas por não existir uma certeza de significação de cada um desses


institutos, na prática, poderá arbitrariamente rotular uma prática perfeitamente
lícita, numa dessas modalidades, atribuindo sentido que lhe for mais
conveniente.

O dolo consiste em toda prática de ato ilícito, conscientemente, realizada


pelo contribuinte. E o ato ilícito em matéria tributária configura-se como fraude
ou simulação.

A fraude está expressamente descrita no artigo 72, da Lei 4.502/64,


caracterizando por ser “ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar,
total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária

128
BRITTO, Lucas Galvão de. Sobre o uso de definições e classificações na construção do
conhecimento e na prescrição de condutas. In: CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.).
Lógica e Direito. São Paulo: Noeses, 2016. P. 349.
110

principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo


a reduzir o montante do imposto devido a evitar ou diferir o seu pagamento”.

A fraude, portanto, configura-se quando o contribuinte exclui ou modifica


as características essenciais do ato ou negócio jurídico.

E a simulação ocorre quando o negócio jurídico realizado esteja


mascarado, ou seja, a vontade real do contribuinte, não corresponde com a
verdade declarada. E pode ser configurada quando as pessoas envolvidas no
negócio não conferem com aquelas apresentadas nos documentos públicos
(interposta pessoa); quando existir declaração, confissão, condição ou cláusula
não verdadeira; ou ainda quando a data constante nos instrumentos que
constituem o negócio jurídico forem diversas das datas em que os atos
ocorreram.

A simulação está prevista no artigo 167, do Código Civil:

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas


subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância
e na forma.

§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas


diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou
transmitem;

II - contiverem declaração, confissão, condição ou


cláusula não verdadeira;

III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou


pós-datados.

Para muitos doutrinadores não existe qualquer diferença entre simulação


e dissimulação, restando o parágrafo único, do artigo 116, inserido pela Lei
Complementar 104/2001, totalmente redundante.

Para aqueles que prefiram diferençar os dois institutos, podemos dizer


que o negócio jurídico simulado (simulação absoluta) pode se diferenciar da
dissimulação na medida em que na primeira situação o negócio jurídico é
inexistente, enquanto que no segundo caso o negócio jurídico ocorrido é
diverso do declarado (simulação relativa). No entanto, mesmo trançando
caraterísticas distintivas entre eles, na prática, a inserção do parágrafo único,
111

do artigo 116, não trouxe qualquer inovação, visto que a previsão de revisão do
lançamento de ofício já estava prevista para essas situações, sempre se
enquadraram na figura da simulação, aplicando-se o artigo 149, VI.

Porém, alguns preferem chamar o parágrafo único, do artigo 116, do


Código Tributário Nacional de norma geral antielisiva, sobre essa norma,
trataremos mais adiante, em capítulo específico.

Ricardo Lobo Torres trata da inserção desse dispositivo legal,


juntamente com o Código Civil, ambas as leis sancionadas 2002, como uma
superação ao formalismo exagerado e com a busca de comportamentos mais
éticos e conformados com um mundo globalizados:

Por muito mais do que mera coincidência, a publicação


das duas importantes leis marcam um momento de
renovação do direito brasileiro, com a superação de
posições positivistas formalista129s e com a procura do
mais íntimo relacionamento com a ética, sem falar na
busca de inserção no mundo globalizado.

129
TORRES, Ricardo Lobo. Planejamento tributário: elisão abusiva e evasão fiscal. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2012. p. 22.
112

4. USO ABUSIVO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO


PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

O planejamento tributário realizado com a utilização de tratados


internacionais, se não estiverem presentes elementos de fraude, dolo ou
simulação, é atividade totalmente lícita e está no campo da elisão fiscal,
podendo ser praticado.

No entanto, algumas situações podem ser consideradas abusivas fato


que, consequentemente, torna indevida a utilização dos tratados internacionais
para o aproveitamento de benefícios.

Lembramos que o objeto deste estudo não é toda forma de


planejamento tributário internacional, mas apenas aquelas que podem ser
consideradas abusivas, com a utilização de tratados internacionais.

O uso indevido ou abusivo dos tratados internacionais em matéria


tributária, geralmente são denominados Treaty Shopping e Rule Shopping.

Os chamados Treaty Shoppings são os arranjos empresariais feitos com


a única finalidade de se aproveitar de benefícios fiscais concedidos por
tratados internacionais, que conjugados com a legislação interna de cada uma
das jurisdições envolvidas, acarreta na não incidência de tributação ou redução
da tributação, sem que essa pessoa seja residente em nenhuma das
jurisdições signatárias do tratado que concede o benefício.

Importante salientar que só podemos falar em Treaty Shopping quando


da existência de acordos internacionais, não basta que o benefício tributário
tenha sido gerado em razão de arranjos internacionais. Nesse sentido Luís
Eduardo Schoueri afirma que:

Treaty Shopping ocorre quando, com a finalidade de obter


benefícios de um acordo de bitributação, um contribuinte
que, de início, não estaria incluído entre seus
beneficiários, estrutura seus negócios, interpondo, entre si
e a fonte do rendimento, uma pessoa ou um
estabelecimento permanente, que faz jus àqueles
benefícios.
113

Por outro lado, excluímos do conceito de Treaty Shopping


as hipóteses em que o benefício fiscal não decorreu da
existência do acordo de bitributação, mas de outro artifício
de que se valeu o contribuinte e que, independente
daquele acordo, já traria a vantagem.130

Sobre treaty shopping, Hermes Marcelo Huck ensina que essa prática
“exprime um dos tipos de elisão fiscal subjetiva, pois ocorre através da escolha
de elementos de conexão subjetivos, como os do domicílio ou da sede da
empresa.”131., que caracteriza-se

quando terceiros, sem vínculo de conexão com os


Estados partes nos tratados contra bitributação, incluem
em seus negócios um elemento intermediário, com a
exclusiva finalidade de beneficiar-se das vantagens do
tratado, ocorre o treaty shopping. Em resumo, configurar-
se-ia o treaty shopping quando um contribuinte, não
incluído entre os beneficiários de um tratado, estrutura
seus negócios, interpondo entre si e a fonte dos
rendimentos uma pessoa ou um estabelecimento
permanente que faz jus àqueles benefícios.132

Vale destacar, ainda, as lições de Alberto Xavier sobre essa prática:

O “Treaty Shopping” é a modalidade de elisão fiscal (uso


impróprio, ou abuso de tratado) consistente na escolha
(pela influência da vontade das partes no elemento de
conexão “residência”), do tratado que oferece melhores
benefícios para uma certa operação, mediante a
imposição no país escolhido de uma pessoa nele
residente para figurar como titular jurídico ou formal do
direito a um dado rendimento, quando o beneficiário dos
efeitos econômicos desse direito é uma terceira pessoa
não residente nesse Estado.133

Existem diversos arranjos possíveis que podem ser utilizados para que
uma empresa se utilize de um tratado internacional, para obter os seus
benefícios, sem que efetivamente seja residente de uma das jurisdições, as

130
SCHOUERI. Luís Eduardo. Planejamento fiscal através de acordos de bitributação: treaty
shopping. São Paulo: RT, 1995. p. 21/22.
131
HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e Elisão no Direito Tributário Internacional. In: ROCHA,
Valdir de Oliveira. Planejamento Fiscal: Teoria e prática. 2º Vol. São Paulo: Dialética, 1998.
p. 21.
132
idem.
133
XAVIER, Alberto. Os conceitos de “treaty shopping” e “beneficiário efetivo” no Direito
Tributário Internacional. In. PRETO, Raquel Elita Alves (coord. e org.). Tributação brasileira
em evolução: Estudos em homenagem ao Professor Alcides Jorge Costa. São Paulo: IASP,
2015, p. 1070.
114

mais comuns são as chamadas direct conduit companies (empresas-canais) e


stepping-stone companies (empresas-trampolins).

Empresas-canais (conduit companies)

As empresas-canais são sociedades constituídas em algum dos países


signatários, para canalizar os recebimentos dos valores e se beneficiar de um
tratado internacional, e posteriormente conduzir as receitas, livre de tributação
ou com uma tributação mais benéfica, para o beneficiário efetivo.

A OCDE exemplifica essa situação da seguinte forma:

A company resident of State A receives dividends, interest


or royalties from State B. Under the tax treaty between
State A and B, the company claims that it is fully or
partially exempted from the withholding taxes of State B.
The company is wholly owned by a resident of a third
State not entitled to the benefit of the treaty between State
A and B. It has been created with a view to taking
advantage of this treaty’s benefits and for this purpose the
assets and rights giving rise to the dividends, interest or
royalties were transferred to it. The income is tax- exempt
in State A, e.g. in the case of dividends, by virtue of a
parent-subsidiary regime provided for under the domestic
laws of State A, or in the convention between State A and
B. 134

Empresas-trampolins (stepping stone companies)

No caso das empresas-trampolins, a empresa que aufere as receitas


está sujeita à incidência normal de tributação no Estado de residência, no
entanto, são gerados diversos débitos em favor de uma terceira empresa que,
normalmente, está situada num país com regime tributário privilegiado (paraíso
fiscal), sendo os valores remetidos para essa empresa sem que sofram a
incidência de tributação, e ao mesmo tempo gerando despesas dedutíveis,
reduzindo ou zerando a base de cálculo para a incidência de tributos.

A OCDE exemplifica essa situação da seguinte forma:

134
OECD (2019), Model Tax Convention on Income and on Capital 2017 (full version), OECD
Publishing. http://dx.doi.org/10.1787/g2g972ee-en. p. 1834/1835.
115

The situation is the same as in example 1. However, the


company resident of State A is fully subject to tax in that
country. It pays high interest, commissions, service fees
and similar expenses to a second related “conduit
company” set up in State D. These payments are
deductible in State A and tax-exempt in State D where the
company enjoys a special tax regime135.

Ao resumir a diferença entre empresa canal e empresa trampolim, Luis


Eduardo Schoueri desta que:

As estruturas acima diferenciam-se, basicamente, porque


na “canalização”, a empresa interposta não está sujeita à
tributação em sua sede, enquanto no “trampolim”, prevê-
se que a empresa interposta esteja sujeita à tributação e,
por isso, os recursos obtidos com os benefícios do acordo
de bitributação são transferidos, a título de despesas, que
reduzem o seu lucro tributável.136

Schoueri, citando Helmut Becker e Felix J. Wurm, aponta, ainda, a


possibilidade de estruturas bilaterais, que não precisariam de uma terceira
jurisdição, os same country holding structure e quinteto.

Becker e Wurm alertam que a triangulação de países não


é necessária para que se dê o Treaty Shopping. Eles
apresentam dois exemplos de estruturas bilaterais, em
que se pode, também, verificar a utilização dos
beneficiários dos acordos por pessoas que, a princípio,
não estariam protegidas.

Num primeiro caso, examina-se uma estrutura em que se


cria uma empresa de participações, no mesmo país em
que estão localizados os beneficiários finais dos
rendimentos (same country holding structure). Supõe-se o
caso de uma empresa sediada no País A, que possui uma
participação minoritária em outra empresa, sediada no
País B. Entre A e B, vigora um acordo de bitributação, que
isenta os dividendos remetidos de B para A, desde que a
beneficiária dos rendimentos possua uma participação
substancial no capital daquela que os distribui. De acordo

135
OECD (2019), Model Tax Convention on Income and on Capital 2017 (full version), OECD
Publishing. http://dx.doi.org/10.1787/g2g972ee-en. p. 1835
136
SCHOUERI, Luís Eduardo. Planejamento fiscal através de acordos de bitributação: treaty
shopping. São Paulo: RT, 1995. p. 25.
116

com a legislação do País B, os dividendos pagos por uma


empresa a outra pessoa jurídica, localizada no mesmo
País, estão isentos de tributação. Deste modo, a empresa
investidora minoritária, localizada em A, constitui, no País
B, uma subsidiária integral, a quem são transferidas as
suas ações do capital daquela que pagará os dividendos.
Quando da efetiva distribuição, os dividendos são pagos a
uma empresa localizada no próprio País B que, por sua
vez, sendo subsidiária integral daquela localizada no País
A, beneficia-se do acordo, quando da remessa dos lucros
assim auferidos.

A outra estrutura bilateral ficou conhecida, na Alemanha,


como “quinteto”, já tendo sido objeto, inclusive, de exame
pela jurisprudência daquele país. Diversos acordos de
bitributação assinados pela República Federal da
Alemanha dispõem que a isenção do imposto sobre os
dividendos distribuídos somente se aplica no caso de o
investidor estrangeiro deter menos de vinte e cinco por
cento do capital da empresa alemã que distribui o
rendimento. Assim, um investidor localizado no País A,
que detém a totalidade do capital de uma empresa alemã,
constitui, no próprio País A, cinco novas empresas, a
quem são transferidas, respectivamente, vinte por cento
das ações da empresa alemã. Deste modo, cada uma das
“novas” acionistas passa a deter menos de vinte e cinco
pro cento do capital da empresa alemã, fazendo jus, pois,
aos benefícios do acordo.137

Para essas situações que não necessitam de uma terceira jurisdição


para o aproveitamento dos benefícios, Heleno Tôrres chama de rule shopping,
diferenciando-as dos treaty shoppings.

Para a caracterização de treaty shopping Heleno Tôrres aponta quatro


elementos imprescindíveis:

. Busca planejada da melhor convenção, visando a um


resultado fiscalmente mais favorável para a operação;

. A pessoa que planeja (beneficiário efetivo) não deve ser


residente dos países signatários da convenção escolhida;

. Interposição de pessoa qualificável como “residente” no


país signatário do acordo selecionado, distinto do país da
fonte do rendimento;

137
SCHOUERI, Luís Eduardo. Planejamento fiscal através de acordos de bitributação: treaty
shopping. São Paulo: RT, 1995. p. 25/26.
117

. Afastamento do regime aplicável pelo país da fonte do


rendimento, mediante o uso do privilégio garantido pelo
tratado escolhido.138

O uso indevido dos tratados internacionais pode ser caracterizado,


também, quando residentes em uma das jurisdições contempladas pelo
tratado, ou seja, uma pessoa qualificada como beneficiária, procura enquadrar-
se na regra mais favorável, prevista no acordo, esse é o chamado Rule
Shopping.

Sobre o tema, Heleno Torres destaca que apesar de parte da doutrina


tratar o treaty shopping e o rule shopping da forma genérica, “uso abusivo” ou
“uso indevido” dos tratados, são figuras muito distintas, e que acarretam
consequências diversas.

Resumindo, enquanto no treaty shopping opera-se uma


escolha do melhor tratado, dentre todos os existentes, por
sujeitos não-residentes, para usufruir das vantagens
tributárias que estes possam oferecer, no rule shopping,
sujeitos residentes, no âmbito de um tratado específico,
procuram ajustar-se a regras mais favoráveis ou constituir
“vácuos” de tributação, afastando a incidência de ambos
os sistemas tributários.139

Esses são os exemplos mais comuns de uso abusivo dos tratados


internacionais para a redução ou eliminação da carga tributária, no entanto,
não são os únicos.

Para combater o uso abusivo dos tratados internacionais os países


podem adotar medidas unilaterais, alterando a legislação interna, medidas
bilaterais, através da inserção de cláusulas nos tratados internacionais, que
prevejam essas situações, ou, ainda, medidas comunitárias, quando falamos
de países que compõe um mesmo bloco econômico, e que possuem regras
comuns entre eles.

138
TÔRRES, Heleno. Direito Tributário Internacional: Planejamento tributário e operações
transnacionais. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2001. p.329/330.
139
TÔRRES, Heleno. Direito Tributário Internacional: Planejamento tributário e operações
transnacionais. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2001. p. 322.
118

4.1. MEDIDAS UNILATERAIS PARA COMBATER O USO ABUSIVO DOS


TRATADOS INTERNACIONAIS

As medidas unilaterais de combate ao uso abusivo dos tratados


internacionais são impostas por cada um dos países, e depende de alterações
legislativas internas.

Dessa forma, a adoção de meio de coação ao planejamento tributário


internacional, ou mais especificamente à utilização abusiva dos tratados
internacionais para esse fim, pode ser impostas pelos ordenamentos internos
de cada nação, por meio de normas específicas ou gerais antielisivas.

Analisaremos, então, as formas mais comuns de medidas unilaterais


adotadas pelos países, sempre abordando os institutos à luz do ordenamento
jurídico brasileiro.

4.1.1. ABUSO DE DIREITO E ABUSO DE FORMA

O abuso de direito configura-se quando o ato praticado é aparentemente


lícito, no entanto, é praticado para fins diversos daqueles pelos quais foi
instituído pela lei, contrariando a boa-fé, os bons costumes ou os fins sociais ou
econômicos do ato praticado.

Em nosso ordenamento, o abuso de direito está previsto como um ilícito


civil, no artigo 187, do Código Civil.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito


que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes.

Há quem faça distinção entre os institutos do abuso de direito e abuso


de forma, a exemplo de Alberto Xavier, ao dizer que:

O conceito de “abuso de formas”, tal como surgiu ao


direito alemão, não se refere ao instituto do abuso do
direito, de raiz francesa, mas ao fenômeno que ocorre
quando se utiliza um tipo ou modelo negocial
119

(denominado impropriamente “forma”), não para realizar a


sua causa-função típica, mas para atingir fins que não se
harmonizam com aquela causa (como sucede nos
negócios indiretos) ou quando a causa-função típica é um
meio que excede aos fins a que as partes visam (como
sucede nos negócios fiduciários).140

No entanto, entendemos que abuso de forma é uma espécie de abuso


de direito, pois, ao utilizar indevidamente uma forma permitida em lei, o sujeito
estará exercendo um direito que lhe é conferido, realizando,
consequentemente, abuso de direito.

A Medida Provisória 66/2002, que pretendeu inserir uma norma geral


antielisiva em nosso ordenamento, previa o instituto do abuso de forma como
situação que possibilitaria a desconsideração do ato praticado pelo
contribuinte, e o entendia como sendo “a prática de ato ou negócio jurídico
indireto que produza o mesmo resultado econômico do ato ou negócio jurídico
dissimulado.”

Apesar de essa parte não ter sido convertida em lei, o citado dispositivo
trouxe uma possível definição do instituto.

Como bem ensina Paulo Ayres Barreto, “negócio jurídico indireto


caracteriza-se por uma incompatibilidade entre os fins colimados e os meios
utilizados para realizar tal intento”141.

Para Luis Eduardo Schoueri o abuso de direito verifica-se quando o


sujeito age além do que lhe faculta o direito e causa danos a terceiros:

não nos parece correto falar-se em abuso do direito,


quando ao exercício de um direito se opuserem direitos
subjetivos de outrem, legalmente protegidos. Aqui,
teremos mera questão de conflito normativo e o ilícito não
aparecerá por ter o sujeito ultrapassado os limites do
próprio direito, mas por ter contrariado a norma jurídica
que protegia o direito alheio. No abuso, o sujeito agiu
além do que lhe facultava seu próprio direito e daí
resultou o dano.

140
XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo:
Dialética, 2002. p. 92-93.
141
BARRETO, Paulo Ayres. Planejamento tributário: limites normativos. São Paulo: Noeses,
2016. p. 146.
120

Seguindo a teoria subjetiva-objetiva, devemos concluir,


destarte, que para caracterizar o exercício abusivo de um
direito faz-se mister a pesquisa do aspecto subjetivo do
ato: a intenção de prejudicar a outrem. 142

Parece não existir dúvida de que o abuso de direito é considerado um


ilícito civil, assim classificado pelo Código Civil, no entanto, a discussão reside
na possibilidade da utilização desse fundamento para desqualificar ato ou
negócio jurídico para fins tributários.

Alguns autores defendem a necessidade de existir uma norma geral


antielisiva permitindo essa desqualificação, enquanto que outros defendem a
tese de que por ser um ato ilícito, ainda que civil, não haveria a necessidade de
norma prevendo essa situação.

Gerd Willi Rothmann e Gaetano Paciello defendem a necessidade de


existir uma norma geral antielisiva para essas situações:

No que concerne ao abuso de forma, trata-se de hipótese


que precisaria estar prevista em Norma Geral de Direito
Tributário, que ainda não existe no nosso ordenamento
jurídico tributário, que autorize desrespeitara forma
juridicamente válida, escolhida pelo contribuinte.143

Por outro lado, Hermes Marcelo Huck não vê a necessidade de uma


norma geral antielisiva para desconsiderar atos ou negócios praticados com
abuso de direito:

Muito embora não haja no Brasil, a exemplo de outros


países, uma espécie de norma geral tributária permitindo
a desconsideração do ato jurídico julgado abusivo e a
tributação do resultado econômico alcançado pelo agente,
não se pode negar que o planejamento tributário, quando
estruturado por uma construção elisiva, mas sem
qualquer finalidade negocial senão a da economia fiscal,
pode ser taxado como forma de abuso de direito,
sujeitando-se à desconsideração para efeitos fiscais.144

142
SCHOUERI. Luís Eduardo. Distribuição disfarçada de lucros. São Paulo: Dialética, 1996, p.
150.
143
ROTHMANN, Gerd Willi; PACIELLO, Gaetano. Elisão e evasão fiscal. In: Direito tributário :
artigos selecionados em homenagem aos 40 anos do Centro de Extensão Universitária. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012. p. 946.
144
HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e Elisão no Direito Tributário Internacional. In: ROCHA,
Valdir de Oliveira. Planejamento Fiscal: Teoria e prática. 2º Vol. São Paulo: Dialética, 1998.
p. 15.
121

Nesse mesmo sentido, Douglas Yamashita entende que:

Ao reputar ilícito o exercício de um direito por seu titular,


sempre que tal exercício exceda manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes, o art. 187 do CC/2002
não faz outra coisa senão traduzir em nível
infraconstitucional limites constitucionais à autonomia da
vontade, consubstanciada essencialmente na liberdade
de iniciativa garantida pela Constituição Federal de 1988,
sem seus arts. 1º, IV e 170. Assim, à toda evidência, o
contexto do abuso do direito e do art. 187 do CC/2002 é o
contexto constitucional, em que se insere o ordenamento
jurídico brasileiro no início deste século XXI.145

Sobre a importância de uma norma geral antielisiva, Hugo de Brito


Machado pontua que:

A nosso ver, embora essa fronteira possa ser vista com


certa facilidade diante de casos concretos, sua definição,
em tese, é extremamente difícil. Por isso mesmo, uma
norma geral antielisão poderá evitar grande número de
conflitos, permitindo a cobrança do tributo sem
penalidades naqueles casos em que o Fisco entenda
estar configurado o abuso do direito.146

Entendemos que, sem uma norma geral antielisiva, não é possível


desconsiderar atos praticados pelo contribuinte, desde que válidos e permitidos
em lei.

4.1.2. PROPÓSITO NEGOCIAL

A teoria do propósito negocial exige que para que um planejamento


tributário seja legítimo, o ato ou negócio praticado, que resultou na redução,
eliminação ou postergação do pagamento do tributo, deve estar relacionado
com a atividade empresarial do contribuinte, e não pode ter como única
finalidade o benefício tributário alcançado.

145
YAMASHITA, Douglas. Elisão e evasão de tributos: Planejamento tributário: Limites à luz do
abuso do Direito e da Fraude à Lei. São Paulo: Lex Editora, 2005. p. 87/88.
146
MACHADO, Hugo de Brito. Introdução ao planejamento tributário. 2ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2019. p, 126.
122

Concordamos com Ricardo Mariz de Oliveira, quando diz que o


propósito negocial não pode servir de condição para o aproveitamento dos
benefícios tributários, mas pode ser útil para comprovar que o ato não foi
praticado mediante simulação.

a existência de outras causas externas à economia


tributária, conquanto não possa ser imposta como
condição para justificar o resultado favorável perante o
fisco, pode ser um elemento útil à demonstração da
efetividade dos atos praticados, vale dizer, pode funcionar
como um elemento de evidência e convencimento da
inexistência de simulação.147

Sobre a teoria da utilidade negocial ou business purpose theory Antônio


Roberto Sampaio Dória destaca que:

Estreitamente vinculadas à teoria subjetiva da intenção do


contribuinte, desenvolveram-se duas doutrinas, no direito
suíço e norte-americano, segundo as quais, para que se
legitime a elisão, é necessária a existência de algum
objetivo, propósito ou utilidade, de natureza material ou
mercantil, e não puramente tributária, que induza o
indivíduo à prática de determinados atos de que resulte
economia fiscal.148

Para Alberto Xavier, o critério do propósito negocial poderia inviabilizar o


planejamento tributário.

O ato hipotético que se pretende tributar coincidirá, na


prática, inexoravelmente, com o modelo alternativo mais
oneroso que o Direito Privado oferece às partes para
atingir os seus propósitos negociais, o que, na prática,
anula a liberdade de os cidadãos se organizares e
atingirem de forma fiscalmente menos onerosa que a lei
permite.149

Hugo de Brito Machado refuta a teoria pelos próprios argumentos que a


validariam, quando diz que:

147
OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Planejamento tributário – teoria e prática perante o Imposto de
Renda. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. Planejamento Fiscal: Teoria e prática. 2º Vol. São
Paulo: Dialética, 1998. p.113.
148
DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Elisão e evasão fiscal. São Paulo: Livraria dos
Advogados, 1971. p. 46.
149
XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo:
Dialética, 2002. p.91-92
123

Ocorre que o propósito exclusivamente tributário de evitar,


reduzir ou postergar um tributo coincide com o objetivo
essencial de toda e qualquer empresa, que é o de obter
lucro. Não é razoável, portanto, entender que na escolha
da forma de exercer suas atividades a empresa
desconsidere o ônus da tributação.150

No Brasil, não existe qualquer norma que exija a demonstração do


propósito negocial para validar qualquer ato ou negócio que tenha sido utilizado
como planejamento tributário, no entanto, equivocadamente, e sem qualquer
fundamento legal, os tribunais administrativos, frequentemente, adotam essa
teoria para desconsiderar atos lícitos praticados pelos contribuintes, que
resultaram em economia tributária.

4.2. BRASIL E AS NORMAS ANTIELISIVAS

As normas antielisão visam coibir situações que possam reduzir, evitar


ou postergar a incidência de determinado tributo, e podem ser classificadas
como normas gerais antielisivas ou normas específicas antielisivas.

As normas gerais antielisivas permite a desconsideração de um fato e


permite que o lançamento tributário seja feito pela autoridade administrativa,
apontando o fato gerador que o Fisco entender que melhor se adapte àquela
situação.

A norma geral antielisiva transforma a elisão em prática ilícita, limitando


as escolhas do contribuinte, quando o assunto for gestão tributária, às
situações expressamente permitidas pela lei.

Existindo, portanto, economia fiscal em determinado ato ou negócio


jurídico praticado, potencialmente a norma geral antielisiva poderá ser
invocada, para desfazer o fato e imputar a tributação que a autoridade
administrativa entender como mais adequado à situação, neutralizando os
efeitos do ato elisivo.

150
MACHADO, Hugo de Brito. Introdução ao planejamento tributário. 2ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2019. p. 116.
124

Na norma geral antielisiva o legislador toma como hipótese


(antecedente) da norma o benefício tributário experimentado pelo sujeito
passivo, genericamente considerado, sempre que existir forma mais gravosa
de imposição tributária.

No Brasil, quando se tentou implementar uma norma geral antielisiva,


foram eleitos os dois critérios acima expostos para a desconsideração do ato
ou negócio jurídico, quando se verificasse economia tributária, o propósito
negocial e o abuso de forma.

A Lei Complementar 104/01, incluiu o parágrafo único, no artigo 116, do


Código Tributário Nacional, permitindo à autoridade administrativa
desconsiderar atos ou negócios praticados com a finalidade de dissimular a
ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos
da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos
em lei ordinária.

Essa norma é tida pela doutrina como norma geral antielisiva, no


entanto, não compreendo dessa forma, pelo fato de que estabelecemos a
premissa de que elisão fiscal é a prática de se buscar de forma lícita a
economia de tributos, em que o contribuinte, dentre as alternativas válidas e
permitidas pelo sistema jurídico, para estruturar o seu negócio, elege aquela
que acarreta na menor carga tributária.

A dissimulação é espécie de simulação, portanto, ato ilícito e não lícito,


no entanto, a própria Medida Provisória 66/2002, que visava regulamentar o
artigo 116 do Código Tributário Nacional denominava essa norma como Norma
Geral Antielisão.

Em todo caso, a norma geral antielisiva possibilita a desconsideração de


atos ou negócios jurídicos totalmente válidos e lícitos, pelo simples fato de
implicarem em economia tributária, sem que estivesse presente nenhum
elemento de fraude, dolo ou simulação.

No entanto, cumpre salientar que a norma inserida no sistema jurídico


pela LC 104/01, exigia a regulamentação por meio de lei ordinária.
Caracterizando-se como verdadeira norma de eficácia limitada, dependendo de
outra norma para surtir os seus regulares efeitos.
125

Tentou-se realizar essa regulamentação por meio da Medida Provisória


nº 66/2002. Que, como sabemos, especificamente os artigos que tratavam da
regulamentação do procedimento relativo à norma geral antielisão não foram
convertido em lei pelo Poder Legislativo, perdendo a sua validade e eficácia.

Por meio dessa Medida Provisória, tentou-se inserir no ordenamento


jurídico brasileiro dois consagrados institutos na doutrina e jurisprudência de
outros países, que são o propósito negocial e o abuso de forma, porém, como
já abordamos linhas acima, foram rejeitadas pelo Congresso Nacional.

Importante salientar esse fato, pois, esses dois institutos são invocados,
não raramente, pelos tribunais administrativos para justificar a manutenção de
autos de infração e imposição de multa, que desconsideraram atos ou negócios
jurídicos praticados pelo contribuinte.

Como esse dispositivo legal foi o mais próximo que tivemos de uma
norma geral antielisiva, cumpre tecermos alguns comentários sobre ele.

Começaremos destacando que o parágrafo único do artigo 13 da Medida


Provisória 66/2002 deixa claro que elisão caracteriza-se pela prática de atos
totalmente lícitos, ou seja, que “não inclui atos e negócios jurídicos em que se
verificar a ocorrência de dolo, fraude ou simulação”.

O artigo 14 daquele dispositivo legal apontava como atos ou negócios


jurídicos passiveis de desconsideração, aqueles que visassem reduzir o valor
de tributo, evitar ou postergar o seu pagamento, ou ocultar os verdadeiros
aspectos do fato gerador ou a real natureza dos elementos constitutivos da
obrigação tributária.

E adotava como critérios permissivos da desconsideração a (i) falta de


propósito negocial; o (ii) abuso de forma; e (iii) entre outras.

O artigo 14 apontava dois critérios específicos e um totalmente genérico,


que permitia a desconsideração por qualquer fundamento eleito pela
administração tributária.
126

O artigo 14 era redigido da seguinte forma:

§ 1º Para a desconsideração de ato ou negócio jurídico


dever-se-á levar em conta, entre outras, a ocorrência de:

I - falta de propósito negocial; ou

II - abuso de forma (grifos nossos)

A expressão entre outras, empregada pela Medida Provisória,


configurava-se como uma verdadeira carta branca para que a autoridade
administrativa elegesse qualquer justificativa, para desconsiderar
absolutamente qualquer ato ou negócio jurídico que acarretasse em redução
da carga tributária.

A falta de propósito negocial caracterizar-se-ia nos casos em que o


contribuinte adotasse a forma mais complexa ou mais onerosa, dentre às
possíveis para a prática de determinado ato. Enquanto que o abuso de forma
jurídica corresponderia à prática de um ato ou negócio jurídico indireto que
produzisse o mesmo resultado econômico do ato ou negócio jurídico
dissimulado.

Percebemos, então, que a norma permitia que qualquer ato ou negócio


jurídico praticado pelo contribuinte, que fosse realizado de forma diversa da
usual, e que acarretasse a redução da carga tributária, poderia ser desfeito
pela administração tributária e tributado como se tive sido praticado o ato ou
negócio jurídico mais oneroso.

Tributar uma situação como se outra fosse nada mais é do que tributar
por analogia fato que é expressamente proibido pelo parágrafo primeiro, do
artigo 108, do Código Tributário Nacional151.

A Medida Provisória 66/2002 foi uma tentativa de regulamentar a norma


geral antielisão, prevista no parágrafo único, do artigo 116, do Código Tributário
Nacional.

151
Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a
legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:
I - a analogia;
(...)
§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.
127

No entanto, como já dissemos, os artigos que tratavam desse tema, não


foram convertidos em lei, não tendo ingressado em nosso ordenamento
jurídico, restando sem eficácia a norma do parágrafo único, do artigo 116.

Hugo de Brito Machado entende necessária uma norma geral antielisão,


para conferir segurança jurídica ao contribuinte:

Em teoria – repita-se – é fácil dizer o que é lícito e o que é


ilícito; mas na prática a fronteira entre o lícito e o ilícito
nem sempre pode ser determinada com segurança. Daí a
utilidade de uma norma geral antielisão, como está no
parágrafo único do art. 116 do CTN, que infelizmente teve
frustrada sua aplicação pela não conversão em lei de
dispositivos da Medida Provisória 66/2002, em face do
quê o Fisco Federal passou a tratar todas as situações
como fraude, aumentando significativamente a quantidade
de questões levadas ao Poder Judiciário, com prejuízo
para todos.152

Realmente, o Fisco tem considerado como irregulares diversos arranjos,


lícitos, realizados pelos contribuintes, sob a alegação de falta de propósito
negocial e abuso de forma, porém, sendo legítimos os atos ou negócios
jurídicos, não há como a administração tributária desconsiderá-los,
exclusivamente por acarretarem em redução da carga tributária ao contribuinte.

Caso não seja recomendável a utilização desses arranjos para pagar


menos tributos, deve-se inserir normas específicas antielisão, especificando
que aquela situação é passível de tributação, mas nunca tributando por
analogia.

A elisão fiscal é medida que visa, por meio de alteração um ou mais dos
critérios da regra matriz de incidência tributária, reduzir, evitar ou postergar o
pagamento de tributo.

A norma específica antielisiva institui uma nova hipótese de incidência


tributária, em que no antecedente da norma estará descrita a situação elisiva.

Enquanto que a norma geral antielisiva prescreve a desconsideração do


ato ou negócio jurídico permitindo que a administração tributária realize novo
152
MACHADO, Hugo de Brito. Introdução ao planejamento tributário. 2ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2019. p.79
128

lançamento com base numa hipótese de incidência já existente, e que melhor


se adeque ao caso concreto.

Sobre a diferença entre normas gerais e normas específicas (especiais)


antielisivas, Alberto Xavier ensina que:

As cláusulas gerais antielisivas são normas que têm por


objetivo comum a tributação, por analogia, de atos ou
negócios jurídicos extratípicos isto é, não subsumíveis ao
tipo legal tributário, mas que produzem efeitos
econômicos equivalentes aos dos atos ou negócios
jurídicos típicos sem, no entanto, produzirem as
respectivas consequências tributárias.

A doutrina anglo-saxônica contrapõe as General Anti-


Avoidance Rules (GAAR) às Special Anti-Avoidance
Rules (SAAR).

Umas e outras não se colocam, porém, no mesmo plano.


As chamadas cláusulas especiais antielisivas não passam
da tipificação a posteriori, por lei, de certos atos ou
negócios jurídicos que a experiência revelou serem
utilizados como forma anteriormente não prevista em lei
de obter resultados equivalentes aos dos atos tributados,
socorrendo-se frequentemente de presunções ou ficções
legais.153

A título de exemplo, em nosso ordenamento, temos como norma


específica antielisão, o artigo 19 da Lei nº 9.430/96, que trata de preço de
transferência154.

É perfeitamente possível, em nome do princípio da livre iniciativa, que as


pessoas vendam as suas mercadorias pelo preço que bem entenderem.
Porém, entendendo o legislador que seria uma atitude reprovável, estabelecer
preços irrisórios, quando a transação ocorrer entre pessoas vinculadas,
estabelecidas em países diferentes, por essa atitude potencialmente
representar uma manobra para transferir a base tributável para países com
menor incidência tributária, entendeu por bem instituir um tributo incidente
153
XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo:
Dialética, 2002. p.85.
154
Art. 19 - As receitas auferidas nas operações efetuadas com pessoa vinculada ficam
sujeitas a arbitramento quando o preço médio de venda dos bens, serviços ou direitos, nas
exportações efetuadas durante o respectivo período de apuração da base de cálculo do
imposto de renda, for inferior a noventa por cento do preço médio praticado na venda dos
mesmos bens, serviços ou direitos, no mercado brasileiro, durante o mesmo período, em
condições de pagamento semelhantes.
129

sobre a diferença de valores normalmente praticadas no mercado e o valor das


operações praticadas pelo contribuinte, integrando essa diferença na base de
cálculo do imposto sobre a renda.

É certo que não se trata de mero arbitramento da base de cálculo do


imposto de renda, mas sim a instituição de uma nova hipótese de incidência
tributária. Cuja base de cálculo, resumidamente, é a diferença entre o valor de
mercado e o valor da operação.

Abordamos algumas das medidas internas de combate ao planejamento


tributário, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, no entanto, alertamos para o
fato de que citaremos outros meios inseridos em nosso ordenamento, quando
tratarmos da influência do Projeto BEPS em nosso sistema jurídico.

4.3. FICÇÕES JURÍDICAS

Em matéria tributária admite-se a desconsideração do ato e negócio


jurídico e o lançamento de ofício pela administração pública apenas nos casos
de dolo, fraude, simulação, conforme expressamente previsto do Código
Tributário Nacional.

No entanto, o fisco vem se utilizando de teorias das mais variadas


denominações para fundamentar a desconstituição de planejamentos
tributários lícitos e juridicamente válidos.

Essas teorias levam as mais diversos nomenclaturas como Abuso de


Direito, Fraude à Lei, Abuso de Formas, Falta de Propósito Negocial,
Prevalência da Substância Sobre a Forma.

Essas teorias, por não estarem positivadas, configuram-se como


verdadeiras ficções jurídicas, e como ensina Maria Rita Ferragut:

É inconstitucional a utilização das ficções jurídicas em


Direito Tributário, especificamente no que tange à criação
de obrigações tributárias, já que na ficção jurídica
considera-se como verdadeiro aquilo que, da perspectiva
fenomênica, é falso, ou seja, tem-se como fato jurídico
tributário um fato que, diante da realidade fática e jurídica
comprovada, não é. E a razão desse entendimento é a
130

violação de diversos princípios constitucionais, dentre os


quais a legalidade, a tipicidade e a discriminação
constitucional de competências

No Brasil, a tipificação dos fatos passíveis de serem


tributados é rígida, não permitindo qualquer extensão
infraconstitucional, estando a competência residual da
União Federal (artigo 154, inciso I, da Constituição)
excepcionada dessa regra desde que exercida
obedecendo-se aos limites impostos pela Carta Magna.155

Para que o consequente da norma jurídica se opere, faz-se necessário a


verificação concreta do seu antecedente, como diz Paulo de Barros Carvalho:

Tomamos por eficácia jurídica o próprio mecanismo lógico


da incidência, o processo pelo qual, efetivando-se o fato
previsto no antecedente, projetam-se os efeitos prescritos
no consequente. É a chamada causalidade jurídica, ou
seja, vínculo de implicação mediante o qual, ocorrendo o
fato jurídico (relato do evento no antecedente da norma),
instala-se a relação jurídica.156

4.4. DA PROVA E DAS PRESUNÇÕES

A prova é uma questão muito sensível quando tratamos do tema


planejamento tributário, evidente que não estamos falando em provar a
ocorrência ou não de planejamento tributário, visto que o planejamento em si
não é proibido, necessário provar a ocorrência, ou não, de ilícitos tributários,
que ensejam o desfazimento do negócio jurídico realizado e o consequente
lançamento tributário, com as penalidades cabíveis.

A princípio devemos identificar qual é a fundamentação utilizada, para


desconstituir o ato ou negócio jurídico, e qual é a modalidade do ilícito, ou seja,
dolo, fraude, simulação, dissimulação ou qualquer das teorias não positivadas.

155
FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin,
2005, p. 160/161.
156
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 6ª ed. São Paulo:
Noeses, 2015, p. 474.
131

Como já frisamos linhas acima, o lançamento tributário é atividade


administrativa plenamente vinculada, e é cediço que os atos administrativos
são revestidos de presunção de legitimidade e veracidade.

No entanto, a presunção de legitimidade e veracidade dos atos


administrativos não excluem a necessidade de motivação explícita, clara e
congruente, como prescreve o artigo 50, da Lei 9.784/99.

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados,


com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos,
quando:

I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III - decidam processos administrativos de concurso ou


seleção pública;

IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo


licitatório;

V - decidam recursos administrativos;

VI - decorram de reexame de ofício;

VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a


questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e
relatórios oficiais;

VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou


convalidação de ato administrativo.

§ 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente,


podendo consistir em declaração de concordância com
fundamentos de anteriores pareceres, informações,
decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte
integrante do ato.

Além de motivados os atos devem ser comprovados pela administração


pública.

Fabiana Del Padre Tomé ensina que

a enunciação do fato jurídico posto no antecedente da


norma individual e concreta precisa realizar-se em
conformidade com as regras do sistema, observando
forma e conteúdos normativamente prescritos. Os
132

princípios da legalidade e da tipicidade na esfera da


tributação, por exemplo, exigem que as relações
obrigacionais e sancionatórias sejam desencadeadas
apenas se efetivamente verificados os fatos
conotativamente descritos nas correspondentes hipóteses
normativas, razão pela qual se faz imprescindível que
tanto os atos de lançamento e de aplicação de
penalidades como as decisões proferidas no curso de
processos administrativos tributários sejam pautados em
provas.157

Neste contexto, a constituição do fato jurídico, por meio da linguagem


das provas é de extrema importância para a correta aplicação da lei, e
necessária para a desconsideração de qualquer negócio jurídico.

O grande problema é a falta de critérios objetivos que possibilitam a


identificação das situações lícitas e ilícitas.

O Código Tributário Nacional prevê quatro situações que possibilitam o


desfazimento de ato ou negócio jurídico, que são o dolo, simulação, fraude e
dissimulação.

Como preleciona Paulo de Barros Carvalho:

Com efeito, surge como outro requisito indispensável à


perfeita configuração das hipóteses de incidência
tributária, assim como da simulação, a existência de
provas aptas a atestar a vontade do agente de criar
situação ludibriante para evitar que se conheça a
ocorrência do evento capaz de ensejar efeitos tributários.
Somente com a demonstração da evidente intenção de
fraudar é que será possível desencadear as normas
previstas pela legislação para coibir as práticas de burla à
legislação fiscal. Vale, nesse caso, reiterar a afirmação:
não se admitem presunções ou suposições no tocante à
configuração de fraude, dolo e simulação, pois são atos
que dependem da vontade do agente.158

A falta de prova de eventual ato ilícito praticado pelo contribuinte torna o


lançamento, realizado pela administração pública, nulo.

157
TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário: de acordo com o código de
processo civil de 2015. 4ª ed., rev., atual. São Paulo: Noeses, 2016, p.357
158
CARVALHO, Paulo de Barros. Entre a forma e o conteúdo na desconstituição dos negócios
jurídicos simulados. In: Estudos de Direito Tributário, em homenagem ao professor Gerd
Willi Rothmann. SCHOUERI, Luís Eduardo; BIANCO, João Francisco (coords.). São Paulo:
Quartier Latin, 2016, p. 735.
133

Nesse sentido, Fabiana Del Padre Tomé sustenta que:

sendo o lançamento ou o ato administrativo de aplicação


de penalidade realizados sem respaldo em provas,
estando, portanto, viciados na motivação, é imperativa
sua retirada do ordenamento jurídico pela autoridade
competente. Ainda que depois de instalado o processo
administrativo tributário venham a ser colacionadas
provas capazes de constituir o fato jurídico ou o ilícito
tributário, tal procedimento não supre a invalidade que
afeta o ato, pois, como anotamos, trata-se de vício na
estrutura interna, de natureza não convalidável. A
instrução realizada no corpo do processo instaurado por
ocasião da impugnação do contribuinte , volta-se tão
somente ao convencimento do julgador sobre pontos
contraditados pelo particular, não servindo para preencher
eventual ausência de comprovação do fato que serve de
suporte à exigência ou autuação fiscal.159

Questão que se mostra muito relevante também é com relação ao ônus


da prova, quando estivermos diante de situações em que exista presunção
legal.

É certo que no direito tributário não existem presunções absolutas, visto


que qualquer fato que negado por meio da linguagem competente (provas),
que demonstrem o contrário do que se pressupõe pode ser desconstituído.

Como já anteriormente mencionado, o lançamento é ato administrativo,


e com relação a esses atos subsiste a presunção de legitimidade e veracidade,
no entanto, esta não é uma presunção absolta, visto que qualquer meio de
prova que demonstre que o fato jurídico que ensejou a elaboração desse
lançamento não existiu, o ato é desconstituído/anulado.

Mesmo existindo presunção de legitimidade e veracidade da atividade


administrativa, faz-se necessária a comprovação do fato jurídico que ensejou a
sua constituição. Ainda, que o contribuinte possa apresentar provas para
desconstituir o ato administrativo, o ônus da prova é do fisco, em demonstrar
os atos constitutivos do seu direito.

Nesse sentido Fabiana Del Padre Tomé explica que

159
TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário: de acordo com o código de
processo civil de 2015. 4ª ed., rev., atual. São Paulo: Noeses, 2016, p.361/362.
134

(...) mesmo quando existam presunções legais, compete à


autoridade administrativa apresentar provas dos fatos a
partir do qual se estabelece o raciocínio presuntivo.
Qualquer que seja a modalidade de presunção,é
imprescindível a prova dos indícios para, a partir deles,
demonstrar a existência de causalidade com o fato que se
pretende dar por ocorrido.160

Vale lembrar que, muitas vezes, a constituição de prova de fato negativo


mostra-se muito mais dificultosa, podendo caracterizar-se como um
cerceamento de defesa, assim, evidente que se entendermos pela
possibilidade de aceitar a presunção de fatos, mesmo sem que sejam
produzidas provas indiciárias de que esse fato tenha a probabilidade de ter
ocorrido, pode facilitar a prática de abusos pelo fisco, que simplesmente
autuaria os contribuintes e atribuiria a este último o ônus de desconstituir o auto
de infração.

4.5. MEDIDAS BILATERAIS DE COMBATE AO USO INDEVIDO DOS


TRATADOS INTERNACIONAIS

As medidas bilaterais são aquelas dispostas em acordos internacionais,


onde os países signatários de comum acordo preveem em seus tratados,
coibindo essas situações indesejáveis..

Abordaremos, inicialmente, os métodos comumente utilizados nos


tratados tributários internacionais, para coibir o treaty shopping.

A Convenção Modelo da OCDE, atualmente adotada pelo Brasil, prevê


diversas cláusulas, que podem ser utilizadas, de forma combinada ou
individualizada, pelos signatários dos acordos, para combater o uso abusivo
dos tratados.

160
TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário: de acordo com o código de
processo civil de 2015. 4ª ed., rev., atual. São Paulo: Noeses, 2016, p. 299.
135

Países com Regimes Fiscais Privilegiados

Uma das principais medidas adotadas para evitar o uso abusivo dos
tratados internacionais é a identificação das jurisdições com regimes fiscais
privilegiados, os chamados paraísos fiscais.

Nesses casos, os signatários de um tratado internacional podem inserir


cláusulas que impeçam a utilização dos benefícios contidos no acordo, quando
um dos países signatários possuir regime tributário privilegiado, evitando-se,
assim, o acumulo de benefícios.

Isso pelo fato de que aqueles que visam obter vantagens indevidas
geralmente buscam essas jurisdições, por viabilizarem a concessão de
benefícios sem impor grandes obstáculos, muitas vezes até incentivando essa
prática para atrair investimento estrangeiro para o seu território.

Estabelecimento Permanente

Da mesma forma, os tratados podem definir o que é, e principalmente, o


que não é considerado um estabelecimento permanente, pois, a pessoa
somente poderá se beneficiar do tratado se possuir um estabelecimento
permanente em algum dos Estados Contratantes.

Assim, caso não seja identificado um estabelecimento permanente em


qualquer das jurisdições, pode ser negado ao contribuinte a utilização dos
benefícios contidos no instrumento.

Beneficiário Efetivo

Para evitar o uso abusivo, os tratados internacionais podem prever


cláusulas que visam restringir os incentivos fiscais identificando que é o
beneficiário efetivo, possibilitando o aproveitamento dos benefícios constantes
no acordo, desde que o beneficiário efetivo seja residente em um dos Estados
Contratantes.

No entanto, não há uma definição clara de quem seria o beneficiário


efetivo.
136

Luis Eduardo Schoueri entende que:

Em nossa opinião, assiste razão aos que defendem que o


conceito de benefical owner restringe-se aos casos em
que o rendimento é pago a quem, por obrigação
contratual ou de outra natureza, deve, de imediato,
repassá-lo a terceiro, já que não lhe pertence. É o caso de
uma instituição financeira, que administra a carteira de
investimentos de seus clientes. Ela recebe, por ordem e
por conta de terceiros (os “beneficiários efetivos”) o
rendimento, e o repassam imediatamente.161

Para Heleno Tôrres, ao definir beneficiário efetivo, entende que:

este não pode ser entendido como a pessoa que apenas


juridicamente seja indicada como destinatário da renda ou
a simples detentora do controle acionário da fonte
pagadora. Devendo reconhecer como tal, também, o
sujeito que detém plenos poderes para decidir sobre a
sua aplicação, quanto à sua destinação econômica.162

A identificação do beneficiário efetivo é de extrema importância, pois,


este é um elemento fundamental para se caracterizar o treaty shopping.

Heleno Tôrres indica o beneficiário efetivo, nesses casos de treaty


shopping, como a pessoa não residente em nenhuma das jurisdições
signatárias de acordo, e que planeja a estrutura.

A pessoa que planeja (beneficiário efetivo) não deve ser


residente dos países signatários da convenção escolhida
– A aplicação das convenções internacionais em matéria
tributária sobre a renda e o capital envolve quatro âmbitos
bem delimitados: subjetivo (pessoas que podem reclamar
os benefícios dispostos nos textos da convenção –
residentes dos signatários), territorial (critério espacial de
aplicação), temporal (tempo de vigência do acordo) e
objetivo (quanto aos tipos de rendimentos disciplinados e
aos tributos incidentes sobre estes, acolhidos para
sofrerem limitações na incidência ou obterem tratamento
mais benéfico). Assim, apenas quem for considerado
“residente” por um dos Estados contratantes (art. 1º), nos
limites dos Estados signatários, é que, em seguida à
ratificação, poderá reclamar a concretização do conteúdo
normativo da convenção, no interior dos respectivos

161
SCHOUERI. Luís Eduardo. Planejamento fiscal através de acordos de bitributação: treaty
shopping. São Paulo: RT, 1995. p. 159.
162
TORRES, Heleno. Direito Tributário Internacional. p. 373/374.
137

sistemas jurídicos (art. 4º, §1º), quanto aos rendimentos e


tributos por ela regulados.163

Os tratados podem prever a impossibilidade de aproveitamento dos


benefícios a depender do percentual ou grau de participação na sociedade, de
pessoas que estão estabelecidas em uma terceira jurisdição.

Alguns critérios podem ser inseridos nos tratados internacionais para


combater o uso indevido desses instrumentos, abaixo relacionaremos os mais
comuns.

Look-through approach:

O critério da transparência (look-through approach) permite a utilização


dos benefícios do tratado apenas se os sócios da empresa que pretende obtê-
los forem residentes no Estado que a empresa é residente, impossibilitando o
benefício para empresas controladas por não residentes.

A tratar desse critério, Heleno Tôrres destaca que:

Adotando-se esse critério, um Estado pode deixar de


conceder os benefícios previstos na convenção ao
verificar que uma determinada sociedade, controlada por
não-residentes, aplica uma proporção significativa da
renda obtida para satisfazer obrigações com seus
acionistas principais ou vinculados, por exemplo, quanto a
juros, por empréstimos ou créditos recebidos deles, a
royalties, pelo uso de licenças de propriedade etc., gastos
com promoções, publicidade, viagens etc. Nesses casos,
presume-se que a renda da sociedade aparente estaria
sendo absorvida pelos pagamentos feitos aos acionistas
ou pessoas vinculadas, ou mesmo sendo reduzida pela
excessiva despesa com gastos dedutíveis, sem qualquer
fim negocial além daquele de servir de “filtro” ou de
condutora dos rendimentos, da fonte ao beneficiário
efetivo (terceiro não-residente), apenas para anteder o fim
de economia fiscal.164

Nesses casos, a intenção é identificar medidas que possam ser


caracterizadas como uma distribuição disfarçada de lucro, e repasses
realizados a terceiros que normalmente não poderiam se beneficiar do tratado.

163
TORRES, Heleno. Direito Tributário Internacional. 331/332.
164
TORRES, Heleno. Direito Tributário Internacional. p.364.
138

The exclusion approach

O critério da exclusão impede que determinados tipos societários


possam se aproveitar dos benefícios previstos nos tratados, especialmente
quando essas sociedades obtenham privilégios tributários em seus Estados de
residência. Esse critério visa excluir privilégios concedidos para determinados
tipos societários específicos residentes em países que tenham regimes
tributários privilegiados.

The subject-to-tax approach

O critério da sujeição efetiva à tributação possibilita que os benefícios


previstos no tratado sejam utilizados, somente se o receita ou capital estiver
sujeita à tributação no Estado de residência. Isso permitiria atingir apenas ao
objetivo de evitar a dupla incidência de tributação, impedindo a dupla não
tributação.

Essa medida é também conhecida como benefícios apenas nos casos


de Dupla Tributação.

Essas cláusulas permitem a utilização dos benefícios apenas nos casos


em que efetivamente o contribuinte estiver diante de uma situação de dupla ou
múltipla tributação. Ou seja, o Estado que deveria abrir mão da tributação,
concedendo o benefício, somente o fará quando o rendimento, situação ou
patrimônio seja tributado na outra jurisdição. Caso não haja tributação no outro
país, não será concedido o benefício, para se evitar a dupla não tributação.

The channel approach

O critério channel approach ou da canalização de recursos impede o


aproveitamento de benefícios concedidos por um tratado a sociedades
residentes num determinado país signatário, que sejam controladas por não-
residentes, nos casos em que mais de 50% da receita seja utilizada para
satisfazer reinvindicações dessas pessoas, tais como juros, royalties,
139

publicidade, despesas de viagem, depreciação, inclusive de bens imateriais,


processos etc. 165

Esse critério é muito parecido com o critério da transparência, mas


impondo limite de receita utilizada.

Bona fide provisions

A OCDE recomenda que independente do critério utilizado, dentre os


que acabamos de mencionar, é importante que tenha a previsão do dispositivo
da boa-fé.

Assim, mesmo que presentes quaisquer das situações supracitadas,


possuindo elementos suficientes para demonstrar a boa-fé do beneficiário
efetivo, comprovando a existência de propósito negocial, além do mero
aproveitamento dos benefícios previstos no tratado, estes poderão ser
utilizados por ele.

Para a identificação da boa-fé, a OCDE estabelece quatro dispositivos


que podem ser inseridos nos tratados: (i) general bona fide provision; (ii)
activity provision; (iii) amount of tax provision; (iv) stock exchange provision.

General bona fide provision é uma cláusula geral que dispõe que quando
a empresa demonstrar que o objetivo principal da sua constituição não é a
obtenção dos benefícios previstos no acordo, e que a condução das suas
atividades é legítima e tem fins comerciais, ela pode se aproveitar dos
benefícios sem qualquer restrição.

Activity provision prevê que quando a empresa demonstra uma


substancial operação comercial no Estado Contratante em que é residente,
pode se aproveitar dos benefícios que incidirem sobre as receitas obtidas.

Amount of tax provision determina que os benefícios poderão ser


aproveitados quando a redução tributária não for maior do que a tributação
imposta pelo Estado Contratante de residência da companhia.

165
OECD (2019), Model Tax Convention on Income and on Capital 2017 (full version), OECD
Publishing. http://dx.doi.org/10.1787/g2g972ee-en. p. 1848.
140

Stock exchange provision estabelece que os benefícios poderão ser


aproveitados pela empresa caso as suas ações principais estiverem
registradas em bolsa de valores no país Contratante, ou se a sua proprietária
for empresa residente, cujas ações sejam negociadas em bolsa.

Cumpre salientar que essas cláusulas trazem critérios objetivos que


caso identificados presumem-se ocorridas as situações nelas previstas, no
entanto, pode ser adotada uma cláusula geral, de cunho subjetivo, denominada
Principle Purpose Test.

Principle Purpose Test e a Limitação de Benefícios

Pode, ainda, ser adotado o Principle Purpose Test, que é uma cláusula
genérica, adotando-se um critério subjetivo, que determina que se for razoável
concluir, com base em todos os fatos e circunstâncias relevantes, que obter
esse benefício constituiu um dos objetivos principais de um acordo ou
operação, que tenha resultado, direta ou indiretamente, nesse benefício.

O Brasil, na atualização do tratado firmado com a Argentina, incluiu o


principle purpose test.

ARTIGO XXVII

Limitação de benefícios

1. Não obstante outras disposições da presente


Convenção, um benefício da presente Convenção não
será concedido em relação a um componente de renda ou
de capital se for razoável concluir, com base em todos os
fatos e circunstâncias relevantes, que obter esse
benefício constituiu um dos objetivos principais de um
acordo ou operação que tenha resultado, direta ou
indiretamente, nesse benefício, a menos que seja
demonstrado que a concessão de tal benefício nessas
circunstâncias estaria de acordo com o objeto e propósito
das disposições pertinentes da presente Convenção.166

Não é preciso muito esforço para identificar o alto grau de subjetividade


e insegurança jurídica que esta cláusula expõe o contribuinte.

166
Decreto nº 9.482/2018.
141

Ora, essa é uma cláusula que pode ser utilizada em absolutamente


todos os casos em que, pela utilização do trato, resulte um benefício fiscal,
pois, a cláusula não exige provas de que o benefício seja a única intenção da
pessoa beneficiada, mas “um dos objetivos principais”.

Assim, mesmo que a pessoa beneficiada pelo tratado não se enquadrar


em nenhum dos critérios objetivos, é possível limitar ou negar a concessão do
benefício por meio de uma condição geral, que permite à administração
tributária de cada Estado identificar situações que possam se classificar como
abusivas.

Note que essa cláusula geral prescreve a possibilidade de


aproveitamento dos benefícios caso seja demonstrado pelo contribuinte que a
concessão de tal benefício nessas circunstâncias estaria de acordo com o
objeto e propósito das disposições pertinentes da presente Convenção.

É uma verdadeira inversão do ônus da prova, onde o contribuinte teria


que provar que ele possui outros objetivos além de única e exclusivamente o
aproveitamento dos benefícios.

4.6. ESFORÇOS INTERNACIONAIS PARA COMBATER O


PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL ABUSIVO

Os avanços tecnológicos e a crescente integração econômica, política e


social entre as nações, propiciam uma globalização mais acentuada, o que é
um campo fértil para viabilizar modelos de negócios transnacionais.

Para fomentar e atrair negócios em seu território, os países firmam


tratados internacionais para evitar a dupla tributação de uma mesma base
tributária, tornando-se mais atrativos para investimento estrangeiro.

Essas operações não ocorrem de forma desestruturada. Para que sejam


bem sucedidas é necessário que se façam diversos estudos de logística,
mercado, analises de risco etc. E dentre esses estudos, certamente é
analisado do impacto tributário, para se verificar a viabilidade do negócio.
142

A globalização viabiliza às empresas transnacionais utilizarem-se dos


tratados internacionais para reduzir a carga tributária, por vezes de forma
abusiva. Em razão disso, diversos países que perceberam uma queda
substancial nos ingressos de receitas tributárias, principalmente depois da crise
de 2008, passaram a se mobilizar para achar soluções a esses problemas.

Nesse cenário, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento


Econômico (OCDE), em conjunto com o G20, apresentou um projeto intitulado
BEPS, acrônimo para a expressão inglesa Base Erosion and Profit Shifting, que
constitui um plano de ação, composto de quinze diretrizes que devem ser
desenvolvidas e implementadas pelos países, tendo como foco principal os
planejamentos tributários tidos como agressivos.

Antes de tratarmos especificamente do projeto supracitado e dos


impactos experimentados em nosso ordenamento jurídico, em razão das ações
por ele desenvolvidas, cumpre termos breves comentários sobre as
organizações internacionais envolvidas no desenvolvimento desse projeto e o
seu envolvimento com o Brasil.

4.6.1. A ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O


DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - OCDE

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico


(OCDE) é uma organização internacional, criada em 30 de setembro de 1961,
com a missão, pelo menos declarada, de promover políticas que visam
aprimorar a economia, o bem estar social e o meio ambiente ao redor do
mundo.

Apesar de a OCDE ter sido oficialmente criada em 1961, foi originada da


antiga Organização para a Cooperação Econômica Europeia (OCEE), criada
em 1948, após a Segunda Guerra Mundial para implementar o Plano Marshall,
financiamento Norte Americano para a reconstrução da Europa, devastada pela
Grande Guerra.

Em razão do sucesso obtido no continente europeu na implantação do


plano de desenvolvimento econômico, e pretendendo expandir esse trabalho
143

num cenário global, em dezembro de 1960, o Canadá e os Estados Unidos da


América, assinaram com os membros da, até então, OCEE, uma nova
Convenção, que criaria a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), que nasceu oficialmente em 30 de setembro de 1961,
quando a Convenção entrou em vigor167.

A OCDE é composta atualmente por 36 países membros, e dentre as


suas principais atividades está a de coletar e analisar dados, dos mais
variados, das nações ao redor do mundo, e realizar fóruns e discussões para a
troca de experiências e apresentar práticas recomendadas sobre políticas
públicas e definição de padrões globais, que a organização entende como
adequados para que os países sigam e internalizem em seus ordenamentos
jurídicos.

É um ambicioso projeto de padronização das normas internacionais,


onde, a princípio, mostra-se como uma mera recomendação de boas práticas,
em que cada país, membro ou não, decide se irá aderir ou não a cada uma das
sugestões.

A adesão do país às normas sugeridas pela organização serve como um


atestado de boas práticas, que teria, em tese, o condão de atrair mais
investimento estrangeiro, por representar uma maior segurança jurídica interna.

Em tese, a organização não visa apenas os interesses dos seus países


membros, mas sim de todas as nações que pretendam se adequar às boas
práticas desenvolvidas em razão dos estudos promovidos pela instituição, com
objetivos globalizados, especialmente, ligados ao comércio internacional,
investimentos e produtividade, para melhorar a economia, gerar empregos para
promover uma educação forte e combater a evasão tributária internacional168.

4.6.1.1. O BRASIL E A OCDE

O Brasil começou a se relacionar com a OCDE na década de 1990,


quando ingressou no Comitê do Aço, em 1996 e tornou-se membro do Centro
de Desenvolvimento em 1997. Atualmente, em razão da intensificação do

167
OCDE. Disponível em: <https://www.oecd.org/about/history/>. Acesso em: 05 mai. 2019.
168
OCDE. Disponível em: < http://www.oecd.org/general/Key-information-about-the-
OECD.pdf/>. Acesso em: 05 mai. 2019.
144

engajamento do Brasil aos programas da OCDE, o país figura como “Parceiro-


Chave” da organização, ao lado de China, Índia, Indonésia e África do Sul,
visando uma possível adesão. E nessa qualidade o Brasil tem a possibilidade
de participar dos órgãos da OCDE, aderir aos instrumentos legais da
organização, e integrar aos informes estatísticos e sistema de informações.

Sobre a influência exercida pela OCDE em nosso ordenamento jurídico,


Luís Eduardo Schoueri ensina que:

Embora não seja membro da OCDE, a influência da CM-OCDE sobre os


acordos de bitributação brasileiros é visível, e foi reconhecida pelos
negociadores já nos primeiros acordos. Ultimamente, esta influência vestiu
contornos formais, pois o Brasil foi convidado a tomar parte nas discussões da
Convenção Modelo. A posição brasileira está incluída entre as Posições dos
Países não-Membros (“Positions of Non-Member Countries”). Isso não afasta o
mérito de o Brasil não necessariamente seguir a CM-OCDE: pelo contrário, o
Brasil deixa claro onde não estará de acordo com o Modelo e seus
Comentários.169

Em 2015, foi assinado entre o Brasil e a OCDE um Acordo de


Cooperação, que institucionaliza a participação brasileira em diversos órgãos
da OCDE e estabelece linhas de trabalho em conjunto. Este acordo foi
promulgado pelo Decreto nº 10.109/2019.

E em maio de 2017, o Brasil apresentou seu pedido formal de adesão à


OCDE na Reunião Ministerial do Conselho. E mais recentemente, o governo
brasileiro tem evidenciado, cada vez mais, o seu interesse em fazer parte da
OCDE.

Durante o processo de acessão a membro da OCDE, o Brasil deverá


convergir a todos os instrumentos legais e ser aceito por todos os membros da
organização. Dessa forma, apesar de os instrumentos legais da organização,
ou seja, as Decisões, Recomendações, Declarações, Entendimentos, e
Acordos Internacionais, não passarem de normas sem força de inovar em
nosso ordenamento jurídico, servindo como sinalização de boas práticas a

169
SHOUERI, Luís Eduardo. Contribuição à história dos acordos de bitributação: a experiência
brasileira. In: Revista Direito Tributário Atual. nº 22. São Paulo: Dialética, 2008, p. 283.
145

serem adotadas pelos países membros e candidatos a membros, certamente,


influenciam os países a adotá-las e internalizá-las em seu ordenamento
jurídico, em especial aqueles que pretendem serem aceitos como membros
dessa organização.

As recomendações da OCDE já influenciam nas normas do


ordenamento jurídico brasileiro há muito tempo, conforme abaixo
demonstraremos.

4.6.2. GRUPO DOS 20 – G20

O Grupo dos 20, ou, como é mais comumente chamado, G20, é


constituído por 19 (dezenove) países170 e pela União Europeia, cujas
economias, conjugadas, representam mais de 80% do PIB mundial.

Importante salientar que o G20 não é uma organização internacional,


mas sim um fórum de discussões de assuntos econômicos e financeiros.

O G20 foi criado em 1999, após sucessivas crises financeiras globais,


em especial em a crise financeira asiática, em 1997 e 1998, quando os
ministros das finanças do Grupo dos 7 (G7 – antigo G8) entenderam que seria
importante a participação de países de mercados emergentes nas discussões
sobre o sistema financeiro internacional.

Inicialmente as reuniões eram realizadas com a presença dos Ministros


de Finanças (Ministros da Fazenda) e os presidentes dos Bancos Centrais do
G20, com foco em assuntos econômicos e ligados ao sistema financeiro
internacional. No entanto, na reunião de 2008, ocorrida em Washington (EUA),
ao invés dos ministros de finanças e presidentes dos bancos centrais,
reuniram-se os Chefes de Estado ou de Governo, representando uma
significativa mudança na importância que o G20 passou a representar,
assumindo o posto de “principal fórum para cooperação econômica
internacional”, conforme destacado na reunião de cúpula do ano de 2009,
ocorrida em Pittsburgh171.

170
África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China,
Estados Unidos da América, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Coréia do Sul,
Reino Unido, Rússia, Turquia.
171
G20. Disponível em: <https://www.g20.org/en/summit/about/>. Acesso em: 05 mai. 2019.
146

As reuniões de cúpula do G-20 ocorrem anualmente, e são lideradas por


um país anfitrião que assume a presidência do fórum, de dezembro a
novembro do ano seguinte, que antes da reunião de cúpula, organiza reuniões
ministeriais e de grupos de trabalho relevantes ao longo do período.

4.6.3. AÇÕES DO PROJETO BEPS

O projeto BEPS, como acima exposto, é uma empreitada capitaneada


pela OCDE, em razão da intensificação do processo de erosão da base
tributária, experimentada por diversos países, com a consequente perda de
receitas, fato que vem preocupando, principalmente, as nações mais
desenvolvidas, que têm se sentido mais lesadas por esse fenômeno.

O projeto foi dividido em 15 Ações, que representam frentes de trabalho,


que num primeiro momento estudaram as causas e desenvolveram um
diagnóstico dos problemas que estão gerando a erosão na base tributável, e
posteriormente fizeram as devidas recomendações de possíveis soluções para
essas causas.

Percebe-se que a ambição do projeto é a de servir de orientador para a


padronização dos sistemas tributários, tendo como coordenadores e
influenciadores diretos dessas diretrizes, os países que compõe a OCDE.

Nesse momento, as 15 Ações já possuem estudos relevantes sobre as


causas, tendo sido elaborados relatórios precisos sobre as informações
colhidas pelos envolvidos nas pesquisas, e prescreveram medidas a serem
adotadas pelos países membros e os que estiverem de acordo com o projeto.

Essas práticas, em tese, serviriam para harmonizar os diferentes


regimes tributários ao redor do mundo, evitando-se as brechas utilizadas para a
realização de planejamentos tributários, que se utilizam de tratados
internacionais e as incompatibilidades das legislações “mismatch” ou a
utilização de países com regimes fiscais privilegiados.
147

A princípio as ações servem como normas de boa conduta, mas a


intenção de buscar um ordenamento jurídico padronizado na esfera
internacional está evidente.

Como vimos, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento


Econômico – OCDE, lançou um plano de combate à erosão da base tributária,
denominado BEPS - Base Erosion and Profit Shifting, para que seja adotado
como modelo pelos países que aderirem ao programa, que dentre as ações
propostas, há alguns que tratam diretamente de planejamentos tributários
agressivos, de forma a atribuir aos contribuintes que visam reduzir carga
tributária sempre uma imagem negativa, independente de terem se utilizado de
meios lícitos ou ilícitos para se organizarem.

Será que podemos atribuir apenas ao contribuinte a culpa pela erosão


na base tributária?

Certamente, quem estabelece as regras para a estruturação de


negócios, possibilitando a redução de carga tributária são as nações, o
contribuinte apenas se utiliza das ferramentas a sua disposição.

Com o nível de globalização atingido atualmente, e com tendências de


se intensificar, os problemas gerados em razão dos negócios transnacionais
dificilmente poderão ser resolvidos no ambiente interno de cada país,
necessitando da cooperação entre países.

O problema é que os ordenamentos jurídicos, ainda, são extremamente


diferentes e, muitas vezes, conflitantes. Soluções importadas de outros países,
não necessariamente poderão ser adotadas com tanta facilidade em nosso
ordenamento. Além disso, os países, ainda, têm muita resistência em aceitar a
mitigação da sua soberania.

Projetos como o BEPS dependem de uma massiva adesão dos países,


para internalizar as recomendações apontadas em seus ordenamentos
jurídicos, o fortalecimento de organismos internacionais, implicando na
mitigação de soberania das nações, em prol de uma padronização de normas e
a busca de um bem comum.

No Brasil, a adesão ao projeto e o comprometimento em cooperar com o


seu desenvolvimento já tem autorização do Congresso Nacional. O artigo 5º da
148

Lei 12.649, de 17 de maio de 2012, autorizar o Poder Executivo a contribuir


para a manutenção dos foros, grupos e iniciativas internacionais, como o
Fórum Global sobre Transparência e Intercâmbio de Informações para Fins
Tributários (Global Forum on Transparency and Exchange of Information for
Tax Purposes); Comitê de Assuntos Fiscais (Committee on Fiscal Affairs) da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE; Fórum
sobre Administração Tributária vinculado à OCDE (Forum on Tax
Administration); Grupo de Coordenação e Administração da Convenção sobre
Assistência Mútua Administrativa em Assuntos Tributários (Convention on
Mutual Administrative Assistance in Tax Matters); Projeto sobre Erosão de
Base de Cálculo e Deslocamento de Lucros - BEPS (Project on Base Erosion
and Profit Shifting).

Não restam dúvidas sobre o interesse do Brasil em cooperar e


internalizar as medidas discutidas e desenvolvidas pelo Projeto BEPS, e em
outros semelhantes.

O que torna de suma importância o acompanhamento dos estudos e


medidas desenvolvidas por este órgão, em especial o projeto em comento.

4.6.4. MINIMUM STANDARDS

O projeto BEPS tem realmente a intenção de padronizar e criar um


sistema tributário internacional globalizado, e este é um objetivo declarado pela
OCDE, que no escopo do projeto, desenvolveu o “Inclusive Framework”,
visando a aplicação generalizada e coerente das recomendações do projeto
BEPS, em especial no que se refere a trocas de informações entre as nações.
E este trabalho, tem em sua denominação a palavra “inclusivo”, pois, chama
para se envolverem nesta empreitada, de forma igualitária, países e jurisdições
não pertencentes ao G20 ou à OCDE, mas que se comprometam a
implementar o projeto BEPS, incluindo economias em desenvolvimento172.

172
OCDE. Disponível em: < https://www.oecd.org/tax/beps/inclusive-framework-on-BEPS-
progress-report-july-2016-june-2017.pdf>. Acesso em: 05 mai. 2019.
149

E dentre as medidas elencadas no “Inclusive Framework”, estão os


“Minimum Standards”, que como o próprio nome diz, são os padrões mínimos
que as nações devem aderir, caso estejam empenhadas em cooperar.

E para pôr fim às práticas de erosão da base tributável, foram


identificadas as medidas prioritárias, em que as ações deveriam ser adotadas
de forma urgente. E nesta esteira foram classificadas como “Minimum
Standards” quatro Ações do projeto BEPS: 1) Ação 5: Combater práticas
tributárias prejudiciais; 2) Ação 6: Evitar o abuso de tratados tributários; 3) Ação
13: Declaração País-a-País; e 4) Ação 14: Aumentar a eficácia da resolução de
disputas.

O Brasil se comprometeu a implementar os “Minimum Standards”, e de


fato já tomou medidas concretas para tanto.

4.6.4.1. COMBATER AS PRÁTICAS TRIBUTÁRIAS PREJUDICIAIS

A Ação 5 do BEPS é um dos quatro “minimum standards” do BEPS que


todos os membros da “Inclusive Framework” se comprometeram a
implementar. E tem como foco principal identificar regimes fiscais preferenciais,
que têm o potencial para facilitar a erosão da base tributária e transferência de
lucros, podendo causar prejuízos para outras jurisdições.

Os critérios para identificar os regimes tributários preferenciais estão


sendo atualizados, e a lista das jurisdições que se enquadram nessa
modalidade também.

Atualmente são cinco fatores-chave que são considerados para


classificar como regime preferencial e mais cinco outros fatores.

Os fatores-chave são:

1- O regime não impõe tributação efetiva ou impõe tributação baixa


sobre as receitas de atividades geograficamente móveis;

2- O regime privilegia a economia doméstica


150

3- O regime carece de transparência

4- Não há troca efetiva de informações com relação ao regime

5- O regime não requer atividades substanciais

E a atual lista conta com 57 regimes preferenciais expressamente


elencados.

Essa Ação reforça o trabalho sobre práticas fiscais prejudiciais, com o


objetivo de melhorar a transparência e denunciar regimes que possam gerar a
erosão da base tributária, prejudicando outras jurisdições.

Nesse sentido, a Receita Federal do Brasil, por meio da Instrução


Normativa 1.037/2010, indica a lista de jurisdições com tributação favorecida e
regimes fiscais privilegiados, que vem sendo atualizada constantemente, para
fins de aplicar normas tributárias diferenciadas para empresas residentes
nessas jurisdições.

4.6.4.2. COMBATER O ABUSO DOS TRATADOS TRIBUTÁRIOS

A Ação 6 do projeto BEPS, que é um dos minimun standards do projeto,


que os membros do Inclusive Framework, dentre eles o Brasil,
comprometeram-se a implementar, visa, especificamente, combater a
abusividade na utilização dos tratados internacionais, para fins de
planejamento tributário, em especial o chamado treaty shopping, e apresenta
regras e recomendações para lidar com essas situações.

O projeto BEPS, nesta Ação 6, qualifica o treaty shopping como sendo a


situação que envolve a tentativa de uma pessoa acessar, indiretamente, os
benefícios de um tratado internacional firmado entre duas jurisdições, sem ser
um residente de nenhuma das jurisdições.

A principal justificativa para a implantação desta ação é a de que com a


proliferação de tratados internacionais, firmados entre os países, visando evitar
a dubla tributação, e facilitar a circulação de bens, serviços, capitais,
tecnologias e pessoas, ao redor do mundo, acabou gerando oportunidade de
151

algumas empresas, buscarem jurisdições que possibilitassem a redução ou


não incidência tributária, por meio de arranjos que se beneficiam dessa extensa
rede de tratados.

E sustenta que existe uma grande quantidade de acordos internacionais


que permitem que não residentes das jurisdições que firmaram o tratado se
beneficiem deles, acarretando em prejuízos à soberania fiscal dos países, ao
terem de suportar benefícios em situações em que os signatários do tratado
não pretendiam conceder, suprimindo receita tributária dessas nações e ferindo
o princípio da reciprocidade, que sustenta as relações internacionais entre as
nações.

Esses arranjos fazem com que a renda não seja tributada, ou seja
tributada de forma inadequada, contrariando a intenção dos países signatários
dos acordos.

Além disso, o projeto aponta como um dos motivos, o fato de que a


possibilidade de aproveitamento indireto dos benefícios, por meio desses
arranjos, desincentivaria a jurisdição de residência do beneficiário de firmar
acordos internacionais ou outros países, pois, os seus residentes já
conseguem se aproveitar dos benefícios de forma indireta, não tendo a
necessidade de conceder os benefícios de forma recíproca.

Esta ação que visa atacar toda e qualquer forma de utilização abusiva
dos tratados internacionais, que tenha como única finalidade a redução da
carga tributária, exige que as jurisdições adotem dois dispositivos nos acordos
firmados por elas.

O primeiro deles é a exigência de que conste no preâmbulo dos tratados


a expressa declaração de que os signatários tem a intenção comum de eliminar
a dupla tributação sem criar oportunidade para a não tributação ou redução
tributária por meio de elisão ou evasão fiscal, incluindo os arranjos conhecidos
como treaty shopping.

Além da declaração expressa supracitada, esta ação exige que as


jurisdições adotem um dos três métodos abaixo descritos:
152

1- inclusão de uma cláusula de principal purpose test (PPT), em conjunto


com uma versão detalhada ou simplificada da cláusula de limitação de
benefícios (limitation on benefits - LOB); ou

2- inclusão apenas da cláusula de principal purpose test (PPT), ou

3- a versão detalhada da cláusula de limitação de benefícios (limitation


on benefits - LOB), conjugado com algum mecanismo que tenha a
finalidade de combater o abuso na utilização dos tratados,
semelhante ao PPT.173

No combate aos planejamentos tributários internacionais tidos como


abusivos, que visam a transferência da base tributável de jurisdições com alta
carga tributária, para jurisdições de baixa ou nenhuma tributação, os países
estão adotando as recomendações definidas no Projeto BEPS, em especial a
cláusula de limitação de benefícios (LOB)

Essa medida visa implementar uma imposição tributária mais eficaz e


transparente em âmbito global, tendo como principal alvo as operações de
empresas multinacionais.

Como bem explicam Sergio André Rocha e Ramon Tomazela Santos:

As regras da LOB são compostas por uma série de testes


objetivos, que devem ser satisfeitos pelo contribuinte para
obter acesso aos benefícios do tratado internacional.
Esses testes servem para verificar se o contribuinte
possui um nexo suficiente com o Estado da residência,
evitando-se, assim, a prática de “treaty shopping”, mas
sem a necessidade de investigar o objetivo principal do
negócio jurídico praticado.174

A cláusula de limitação de benefícios apresenta diversos critérios


objetivos para tentar identificar situações de abusividade na utilização dos
tratados internacionais, no entanto, como esses critérios podem não ser

173
OCDE: https://www.oecd.org/tax/beps/beps-actions/action6/
174
ROCHA, Sergio André; SANTOS, Ramon Tomazela. A Convenção Multilateral da OCDE e a
Ação 15 do Projeto BEPS. Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT - Belo Horizonte, ano
16, n. 93, maio/jun. 2018, p. 186.
153

suficientes para abarcar todas as situações possíveis, é recomendada,


também, a cláusula do Principal Purpose Test – PPT, que configura-se como
critério subjetivo, dispondo que quando for razoável concluir, com base nos
fatos e circunstâncias relevantes, que obter o benefício disposto no tratado
constituiu um dos objetivos principais do acordo ou operação realizada, esse
benefício tributário não será concedido.

Nota-se que a Principal Purpose Test é muito mais abrangente podendo


englobar toda e qualquer situação que a administração tributária compreender
que o objetivo principal seja a de aproveitamento dos benefícios.

Comparando as duas cláusulas, Paulo Ayres Barreto e Caio Augusto


Takano dizem que:

Como se vê, a aproximação das cláusulas LOB é mais


precisa, porém corre-se o risco de prover um roteiro para
que contribuintes cometam “abusos” por intermédio de
reestruturações de negócios que tenham como finalidade
obter benefícios de um determinado tratado internacional,
por um contribuinte residente em um terceiro Estado (não
contratante), especialmente em tratados cuja validade
perdure no tempo. De outro lado, a aproximação da
cláusula PPT, mais abrangente, oferece uma maior
flexibilidade para a administração tributária lidar com
estratégias tributárias que poderão ser desenhadas com o
passar do tempo, mas inegavelmente gera insegurança
jurídica para os contribuintes.175

Nos novos acordos internacionais firmados pelo Brasil, e na atualização


de alguns já em andamento, tivemos a inserção da cláusula de Limitação de
Benefícios, juntamente com a previsão do Principal Purpose Test, as duas
recomendações presentes no texto do MLI e que buscam coibir planejamentos
tributários que tenham como objetivo o aproveitamento dos benefícios previstos
nos acordos, por terceiros não residentes em nenhum dos países signatários

175
BARRETO, Paulo Ayres; TAKANO, Caio Augusto. Os desafios do planejamento tributário
internacional na era pós-BEPS. In: XIII Congresso Nacional de Estudos Tributários. São
Paulo: Noeses, 2016. p. 989-1028. p. 1012.
154

ou, ainda, quando verificados arranjos artificiais, cuja única finalidade seja o
aproveitamento desses benefícios.

A cláusula de Limitação de Benefícios classifica-se como regra


específica antielisiva, apresentando critérios objetivos, para a identificação de
elisão fiscal.

E o Principal Purpose Test caracteriza-se como regra geral antielisiva,


sendo regra demasiadamente subjetiva. Não é preciso lembrar que o
Congresso Nacional já rejeitou medidas que se assemelham a ela (propósito
negocial e abuso de forma) quando deixou de converter em lei a Medida
Provisória 66/2002, portanto, entendemos que essa cláusula é contrária às
normas do ordenamento jurídico brasileiro.

4.6.4.3. DIVULGAÇÃO OBRIGATÓRIO DE PLANEJAMENTOS


TRIBUTÁRIOS AGRESSIVOS

A Ação 12 determina que sejam impostas regras obrigando o sujeito


passivo e os consultores tributários a revelar “planejamentos tributários
agressivos”.

A primeira crítica que fazemos é a falta de definição clara do que seria


um planejamento tributário “agressivo”. Nem mesmo a OCDE consegue
especificar quais seriam os critérios para que possamos enquadrar um
planejamento como agressivo. Na prática, o que se pretende é que toda e
qualquer medida tendente à redução da carga tributária seja declarada, em
razão da abrangência e falta de definição clara do termo.

Além de inviabilizar o planejamento tributário, a ação tende a acabar


com a atividade profissional do consultor que atua na área tributária, pois,
impede que ele inove ou busque meios não convencionais para apresentar
soluções aos seus clientes.

Um contribuinte que investiu grandes recursos na contratação de


profissionais, pesquisas, consultorias etc, para conseguir uma vantagem
155

competitiva, em razão de um planejamento tributário legítimo, poderia ter que


revelar essa operação, correndo o risco, ainda, de ter toda a sua operação
desfeita e pagar todo o tributo economizado, acrescido de juros.

A justificativa utilizada pelo Projeto BEPS é a de que a falta de


informações sobre as estratégias tributárias utilizadas pelos contribuintes é um
grande desafio enfrentado pelas administrações tributárias, e que essas
informações permitiriam que os governos respondessem rapidamente aos
riscos tributários, realizando auditorias, alterações na legislação e
regulamentos.

Ou seja, essa medida serve para que as autoridades tributárias


imponham normas específicas antielisivas aos contribuintes, com base nas
informações prestadas por eles mesmos, tornando ilegal algo que era
totalmente legítimo, exclusivamente pelo fato de resultar em redução da carga
tributária.

Apesar de a Ação 12 não ser um dos minimum standard, o Brasil tentou


implementar, por meio da Medida Provisória nº 685/15, a obrigação de informar
à administração tributária federal os planejamentos tributários realizados.

No entanto, essa parte da Medida Provisória não foi convertida em lei,


perdendo a sua validade.

Essa medida está de acordo com a Ação 12 do BEPS, exigindo de seus


jurisdicionados mais transparência em operações que resultem em redução da
carga tributária. Na própria exposição de motivos da Medida Provisória, no item
5, havia citação expressa ao Projeto BEPS176.

5. Nesta linha, o Plano de Ação sobre Erosão da Base


Tributária e Transferência de Lucros (Plano de Ação
BEPS, OCDE, 2013), projeto desenvolvido no âmbito
da OCDE/G20 e que conta com a participação do
Brasil, reconheceu, com base na experiência de
diversos países (EUA, Reino Unido, Portugal, África
do Sul, Canadá e Irlanda), os benefícios das regras
de revelação obrigatória a administrações tributárias.
Assim, no âmbito do BEPS, há recomendações

176
PLANALTO. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Exm/Exm-MP%20685-15.pdf. Acesso em: 5 mai. 2019.
156

relacionadas com a elaboração de tais regras quanto a


operações, arranjos ou estruturas agressivos ou abusivos.

A Medida Provisória exigia que o conjunto de operações realizadas pelo


contribuinte que envolvesse atos ou negócios jurídicos que acarretassem
supressão, redução ou diferimento de tributo, deveriam ser declarados pelo
sujeito passivo quando esses atos ou negócios jurídicos “não possuírem razões
extratributárias relevantes”; ou quando a forma adotada não fosse usual,
utilizasse de negócio jurídico indireto ou contivesse cláusula que desnaturasse
os efeitos de um contrato típico; ou quando se tratasse de atos ou negócios
jurídicos específicos previstos em ato da Secretaria da Receita Federal do
Brasil.

A declaração do sujeito passivo seria tratada como consulta à legislação


tributária, e caso não fosse reconhecida a legitimidade das operações
realizadas, o sujeito passivo deveria arcar com o pagamento dos tributos
devidos acrescidos apenas de juros de mora.

Caso o sujeito passivo não apresentasse a declaração, ficaria


caracterizada a omissão dolosa do sujeito passivo com intuito de sonegação ou
fraude e os tributos devidos seriam cobrados acrescidos de juros de mora e
multa.

Basicamente, tentou-se implementar as regras gerais antielisivas do


propósito negocial e abuso de forma, inviabilizando ou criminalizando qualquer
forma de planejamento tributário.

No entanto, o Congresso Nacional não aprovou a conversão em lei


dessas determinações, rejeitando a imposição da necessidade de declarar
qualquer medida relativa a planejamento tributário realizado pelo sujeito
passivo.

4.6.4.4. DECLARAÇÃO PAÍS-A-PAÍS

A Ação 13 do BEPS determina que os países que se comprometeram a


adotar os minimum standards, exijam das grandes multinacionais que
157

entreguem declarações país-a-país com informações sobre a alocação global


de renda, lucro, pagamento de tributos e atividades econômicas entre as
jurisdições em que operam.

Segundo a descrição desta Ação 13, esses relatórios trocados entre as


nações, será utilizado para otimizar as informações relacionadas aos preços de
transferência e na avaliação de risco do BEPS. Pois, a falta de informação de
qualidade sobre a tributação das empresas foi considerado como limitador para
medir os efeitos fiscais e econômicos da elisão fiscal, o que dificulta a
avaliação de preço de transferência entre empresas vinculadas e a realização
de auditorias.

Os trabalhos realizados, a pretexto de facilitar a implantação do


Relatório país-a-país, apresenta um pacote que consiste num modelo de
legislação a ser utilizado pelos países, para obrigar as empresas multinacionais
a entregarem a declaração, bem como três modelos de Acordos entre
Autoridades Competentes: (1) um modelo de convenção de assistência
administrativa em matéria tributária; (2) um modelo de convenção tributária
bilateral; (3) um modelo de contrato de troca de informações tributárias.

Em 29 de agosto de 2016 foi promulgado, por meio do Decreto nº


8.842/2016, o texto da Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em
Matéria Tributária.

E em atenção à Ação 13 do BEPS, e ao Decreto supracitado, em 29 de


dezembro de 2016, a Receita Federal do Brasil publicou a Instrução Normativa
1.681/16, que obriga os contribuintes a entregarem a citada "Declaração País-
a-País".

Nos termos dessa norma, estão obrigadas a entregar a Declaração País-


a-País toda “entidade integrante residente para fins tributários no Brasil que
seja a controladora final de um grupo multinacional”177. E a própria Instrução
Normativa RFB nº 1681/16 descreve o que entende por “controlador final do
grupo multinacional”178, no artigo 2º, inciso VI.

177
Art. 3º da Instrução Normativa RFB nº 1681/16.
178
Art. 2º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, os termos ou expressões
relacionados à matéria ora disciplinada, a seguir enumerados, são definidos da seguinte
forma:
158

As informações que devem ser prestadas por esta Declaração estão


relacionadas ao montante integral das receitas auferidas, ao lucro, imposto de
renda pago e devido, capital social, lucros acumulados, quantidade de
funcionários e colaboradores, ativos tangíveis, a natureza das principais
atividades econômicas, todos segregados por jurisdição onde o grupo atual179.

Em alguns pontos, a Instrução Normativa RFB 1.681/16 é


manifestamente ilegais, principalmente ao instituir penalidades a quem
descumprir esta obrigação, e é possível, também, questionar se esta obrigação
configura-se efetivamente como uma obrigação tributária acessória ou não.

A Declaração País-a-País apresenta-se travestida de uma obrigação


tributária acessória, quando na verdade não nos parece ser.

Uma obrigação tributária acessória constitui-se como uma prestação


positiva ou negativa, com interesse na arrecadação ou fiscalização de tributos,
como previsto no artigo 113, parágrafo segundo, do Código Tributário Nacional.

No entanto, no preâmbulo dessa Instrução Normativa, encontramos que


o objetivo dessa Declaração é cumprir o disposto “nos acordos, tratados e
convenções internacionais firmados pelo Brasil que contenham cláusula
específica para troca de informações para fins tributários”.

Ou seja, o objetivo não é utilizar a declaração para fins arrecadatórios ou


fiscalizatórios, mas para trocar informações com outras jurisdições. A obrigação
tributária acessória deve servir para fiscalizar ou arrecadar um tributo
específico, e definitivamente este não é o caso.

Nos termos do artigo 113, parágrafo segundo, do Código Tributário


Nacional, as obrigações acessórias podem ser instituídas por meio de
legislação tributária, podendo ser enquadrada a Instrução Normativa, nesta

(...)
VI - controlador final do grupo multinacional: refere-se à entidade integrante que controla direta
ou indiretamente 1 (uma) ou mais entidades integrantes de modo que:
a) seja obrigada a preparar demonstrações financeiras consolidadas sob princípios contábeis
geralmente aceitos em sua jurisdição de residência para fins tributários;
b) estaria sujeita a elaborar demonstrações financeiras consolidadas caso seu capital social
fosse negociado publicamente (em bolsa de valores nacional ou estrangeira ou mercado de
balcão, incluindo mercados locais e regionais) em sua jurisdição de residência para fins
tributários; e
c) não seja controlada direta ou indiretamente por outra entidade integrante conforme definido
nas alíneas "a" e "b";"
179
Art. 9º da Instrução Normativa.
159

classe. No entanto, essa Declaração não tem como finalidade facilitar a


arrecadação ou fiscalização tributária, mas única e tão somente alimentar uma
base de dados global.

Neste caso, poderíamos nos socorrer do princípio constitucional da


legalidade geral, que diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
algo, senão em virtude de lei180.

Nesse sentido, a Instrução Normativa seria inconstitucional.

Além disso, a Instrução Normativa impõe algumas penalidades para


quem não cumprir as determinações nela impostas, porém, obrigação tributária
principal, que corresponde ao pagamento de tributos e penalidades
pecuniárias, deve necessariamente ser instituída por meio de lei, ordinária ou
complementar, a depender da situação, nos termos do parágrafo primeiro, do
artigo 113, do Código Tributário Nacional181.

Esta prescrição é reforçada pelo artigo 97, do Código Tributário Nacional


que estabelece que somente a lei pode definir o fato gerador da obrigação
tributária principal e definir a cominação de penalidades.

Dessa forma, concluímos pela ilegalidade da instituição de penalidade


pelo descumprimento dessa obrigação, mediante Instrução Normativa. E a
inconstitucionalidade da instituição da obrigação da declaração, por meio de
instrução normativa, por não se tratar especificamente de uma obrigação
tributária acessória.

No entanto, o Brasil já adotou diversas medidas exigindo cada vez mais


informações dos contribuintes, além de viabilizar a troca de informações com
outras jurisdições.

Além da já citada Declaração País-a-País, introduzida pela Instrução


Normativa RFB nº 1.681/16, o Brasil, por meio da Instrução Normativa RFB nº
1.689/17, dispôs sobre a troca de informações relativas a rulings, que é troca
180
Art. 5º (...)
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
181
Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento
de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações,
positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos
tributos.
160

de informações entre as administrações tributárias, no caso do Brasil, de


qualquer solução de consulta, ou solução de divergência emitidas pela Receita
Federal, que tenham como objeto a interpretação de determinado dispositivo
da legislação tributária e/ou aduaneira relativas a regimes tributários
preferenciais, preços de transferência e estabelecimento permanente.

Nessa linha, a Receita Federal exige, ainda, obrigatoriedade de


declaração do beneficiário final.

E, por fim, cumpre salientar que o Brasil assinou dois acordos referentes
à troca automática de informações tributárias, que é o Foreign Account Tax
Compliance Act, denominado FATCA, com os Estados Unidos, e o Common
Reporting Standard - CRS, no âmbito do Fórum Global de Transparência e
Troca de Informações Tributárias.

Curioso notar como a legislação brasileira evoluiu de um sigilo quase


total das informações fiscais do contribuinte, para uma transparência absoluta
dessas informações, inclusive disponibilizando-as a outros países.

A Lei nº 556, de 25 de junho de 1850, que instituiu o Código Comercial,


previa no seu artigo 17 o sigilo quase que total das informações contidas na
escrituração fiscal do contribuinte.

Art. 17 - Nenhuma autoridade, juízo ou tribunal, debaixo


de pretexto algum, por mais especioso que seja, pode
praticar ou ordenar alguma diligência para examinar se o
comerciante arruma ou não devidamente seus livros de
escrituração mercantil, ou neles tem cometido algum
vício.

E atualmente observamos o fisco impondo cada vez mais obrigações


tributárias acessórias, e compartilhando essas informações com outras
jurisdições, beirando, em certos casos, a ilegalidade e inconstitucionalidade,
como acima demonstramos.

Não bastasse a imposição de obrigações acessórias que exigem que o


sujeito passivo exponha uma grande quantidade de informações, as
autoridades administrativas tributárias receberam o poder de violar o sigilo
161

bancário dos sujeitos passivos, por meio da Lei Complementar nº 105/01182, a


seu exclusivo critério, no curso de um processo administrativo, ou
procedimento de fiscalização.

Essa disposição legal fere o direito fundamental à inviolabilidade de


quaisquer dados do contribuinte, previsto no Art. 5º, XII, da Constituição
Federal183.

O contribuinte vem há muito tempo tendo os seus direito violados, em


nome de uma transparência excessiva, devendo o Estado ter mais cautela para
não ultrapassar os limites do autoritarismo que tanto se combateu antes de se
instaurar o Estado Democrático de Direito.

4.6.4.5. MECANISMOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS MAIS


EFICAZES

Ação 14 do projeto BEPS prevê a implantação de medidas relacionadas


à resolução de situações que poderão resultar em tributação diversa da
estabelecida em acordo internacional envolvendo as jurisdições contratantes.
Estabelecendo meios eficazes e mais céleres para resolver essas questões.

A atual Convenção Modelo da OCDE prevê, no Artigo 25, mecanismos,


independentes da legislação interna de cada país, que permitem às
autoridades competentes dos países contratantes resolver eventuais conflitos
relacionados à interpretação ou aplicação das convenções.

São duas as ferramentas indicadas pelo citado artigo, (1) o Mutual


Agreement Procedure – MAP, que seria uma instância administrativa

182 o
Art. 6 As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de
instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações
financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em
curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa
competente.
183
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e
das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na
forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
162

disponibilizada pelas autoridades tributárias de cada país, e (2) a Arbitragem


Internacional.

Segundo a Convenção Modelo, a arbitragem internacional poderá ser


solicitada quando uma questão não for resolvida pelo MAP. Desde que o
assunto submetido à análise não tenha sido julgado pela esfera judicial ou
tribunal administrativo de alguma das jurisdições.

E no caso de arbitragem, a Convenção Modelo estabelece que as


decisões arbitrais proferidas serão vinculativas aos Estados Contratantes e
deverão ser implementadas na legislação doméstica desses países.

A nosso ver essa é uma flagrante tentativa de intervenção na soberania


dos países, e mais uma forma que a OCDE encontrou para impor
arbitrariamente as suas vontades e controlar a legislação tributária das nações.

Nesse sentido, concordamos com Sergio André Rocha que faz duras
críticas à arbitragem tributária internacional, que, para o autor, seria um
instrumento para que a OCDE impusesse o seu “Imperialismo Tributário
Internacional”, que a permitiria interpretar todo e qualquer tratado internacional,
que fosse submetido à sua analise, mesmo aqueles que elaborados de forma
diversa do “padrão OCDE”, interferindo diretamente nas políticas internacionais
dos países. Nas palavras do próprio autor:

If treaties signed by developing countries depart many


times from what is the “OECD Standard,” and if the
interpretation of legal texts and international treaties alike
is definitely a creative endeavor, it is certainly dangerous
for countries that have been able to put in place their own
international treaty policy, to subject themselves to
international binding arbitration, which could become an
instrument of “International Tax Imperialism.”

Not even the fact that there would be arbitrators from


developing countries participating in the arbitration
procedure reduces this concern. In fact, as noted in the
previous topic, “Theoretical International Tax Imperialism”
knows no borders. There-fore, in this author’s view,
subscribing to the use of international binding arbitration
as a mechanism to settle disputes could be the same as
163

being exposed to an interpretative override of a country’s


treaty policy.184

O Brasil acertadamente não aceitou se submeter à arbitragem


internacional, no entanto, implementou o MAP - Mutual Agreement
Procedures, através da Instrução Normativa RFB nº 1.669/2016, estabelecendo
o “procedimento amigável no âmbito das Convenções e dos Acordos
Internacionais Destinados a Evitar a Dupla Tributação da Renda de que o
Brasil seja signatário”.

A instrução normativa citada deixa claro que o procedimento não tem


natureza contenciosa, sendo partes as autoridades competentes dos Estados
Contratantes. Ou seja, estabelece instituto muito parecido, a nosso ver, à
Solução de Consulta já existente, com a diferença de que neste caso, pode a
Receita Federal, estabelecer diálogo com a autoridade administrativa do outro
país.

4.6.4.6. CONVENÇÃO MULTILATERAL

A Ação 15 prevê a elaboração de um tratado multilateral que permita a


simplificação da implantação das medidas recomendadas pelo projeto BEPS,
permitindo a atualização imediata dos mais de três mil tratados internacionais,
para evitar a dupla tributação, existentes.

Elaborar uma convenção multilateral foi uma inteligente solução para


que as medidas do projeto BEPS deixassem de ser meras recomendações, e
passassem a vincular efetivamente os países que aderissem à convenção.

Além de conferirem maior celeridade à sua implementação, visto que


caso os países tivesse que negociar, assinar e internalizar cada tratado já
firmado para evitar a dupla tributação, para atualizá-lo às recomendações do

184
ROCHA, Sergio André. The Other Side of BEPS: “Imperial Taxation” and “International Tax
Imperialism” In. ROCHA, Sergio André e CHRISTIANS, Allison (coord). Tax Sovereignty in
the BEPS Era. Series: International Taxation (Book 60). The Netherlands: Wolters Kluwer,
2017, p. 192
164

projeto, esse processo seria extremamente moroso e poderia não ser tão
eficiente, pois, quando entrassem em vigor já estariam defasados.

A Convenção Multilateral facilita, ainda, a padronização dos diversos


tratados firmados pelo Estado aderente.

Foram utilizadas diversas estratégias para simplificar e viabilizar a


adesão à Convenção Multilateral, destacando-se a flexibilidade do instrumento,
que confere aos signatários opções pela inclusão ou exclusão de determinadas
dispositivos, ou optar por disposições alternativas, para a mesma situação.
Além de prever um sistema de notificação, em que o signatário deve indicar
quais tratados internacionais, e quais disposições desses tratados serão
afetadas.

Importante salientar que o Brasil optou por não assinar a Convenção


Multilateral, preferindo realizar as alterações de cada Acordo Internacional
individualmente, tanto pelo fato de entender que a complexidade de
interpretação do instrumento poderia gerar grandes e alongadas discussões no
Congresso, quanto pelo fato de que o Brasil possui uma quantidade reduzida
de tratados, comparado com o padrão mundial.

O Brasil conta hoje com apenas 33 tratados bilaterais ativos para evitar a
dupla tributação185. Situação que facilita a negociação individual dos tratados,
não havendo a necessidade de adesão à Convenção Multilateral.

4.6.5. DECLARAÇÃO EXPLICATIVA

A Convenção Multilateral foi elaborada em conjunto com uma


Declaração Explicativa (Explanatory Statement), que detalha os objetivos que
se pretendem alcançar com o Projeto BEPS, bem como quais foram as
medidas tomadas e quais serão os próximos passos.

A Declaração Explicativa pode parecer irrelevante, ou de pouco efeito


prático, no entanto, muito se discute a respeito da sua validade jurídica,
185
Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, China, Coreia do Sul, Dinamarca, Equador, Eslováquia,
Espanha, Filipinas, Finlândia, França, Hungria, Índia, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo,
México, Noruega, Países Baixos, Peru, Portugal, República Tcheca, Rússia, Suécia,
Trinidad e Tobago, Turquia, Ucrânia e Venezuela.
165

principalmente, pelo fato de ter sido produzida juntamente com a Convenção


Multilateral.

Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), da qual já


tratamos linhas acima, promulgada pelo Decreto nº 7.030/2009, estabelece na
“Seção 3”, mais especificamente nos artigos 31, 32 e 33, as Regras Gerais de
Interpretação, para um tratado internacional.

SEÇÃO 3

Interpretação de Tratados

Artigo 31

Regra Geral de Interpretação

1. Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o


sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu
contexto e à luz de seu objetivo e finalidade.

2. Para os fins de interpretação de um tratado, o contexto


compreenderá, além do texto, seu preâmbulo e anexos:

a)qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas


as partes em conexão com a conclusão do tratado;

b) qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias


partes em conexão com a conclusão do tratado e aceito
pelas outras partes como instrumento relativo ao tratado.

3. Serão levados em consideração, juntamente com o


contexto:

a) qualquer acordo posterior entre as partes relativo à


interpretação do tratado ou à aplicação de suas
disposições;

b) qualquer prática seguida posteriormente na aplicação


do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes
relativo à sua interpretação;

c) quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional


aplicáveis às relações entre as partes.

4. Um termo será entendido em sentido especial se


estiver estabelecido que essa era a intenção das partes.

Artigo 32

Meios Suplementares de Interpretação


166

Pode-se recorrer a meios suplementares de interpretação,


inclusive aos trabalhos preparatórios do tratado e às
circunstâncias de sua conclusão, a fim de confirmar o
sentido resultante da aplicação do artigo 31 ou de
determinar o sentido quando a interpretação, de
conformidade com o artigo 31:

a)deixa o sentido ambíguo ou obscuro; ou

b)conduz a um resultado que é manifestamente absurdo


ou desarrazoado.

Artigo 33

Interpretação de Tratados Autenticados em Duas ou Mais


Línguas

1. Quando um tratado foi autenticado em duas ou mais


línguas, seu texto faz igualmente fé em cada uma delas, a
não ser que o tratado disponha ou as partes concordem
que, em caso de divergência, prevaleça um texto
determinado.

2. Uma versão do tratado em língua diversa daquelas em


que o texto foi autenticado só será considerada texto
autêntico se o tratado o previr ou as partes nisso
concordarem.

3. Presume-se que os termos do tratado têm o mesmo


sentido nos diversos textos autênticos.

4. Salvo o caso em que um determinado texto prevalece


nos termos do parágrafo 1, quando a comparação dos
textos autênticos revela uma diferença de sentido que a
aplicação dos artigos 31 e 32 não elimina, adotar-se-á o
sentido que, tendo em conta o objeto e a finalidade do
tratado, melhor conciliar os textos.

Como vimos acima, os artigos 31 e 32 da Convenção de Viena


estabelecem as diretrizes que conferem a devida importância à Declaração
Explicativa.

O Artigo 31 estabelece que os tratados devem ser interpretados “à luz


de seu objetivo e finalidade”, devendo ser utilizado para esses fins, também, o
“preâmbulo e anexos”, assim entendido “qualquer instrumento” “em conexão
com a conclusão do tratado”.

A Declaração Explicativa foi elaborada em conjunto com a Convenção


Multilateral, enquadrando-se perfeitamente nesta qualidade.
167

Além disso, o próprio Artigo 31 estabelece critérios mais amplos como


de “qualquer prática” “pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à
sua interpretação”.

E o Artigo 32 diz que “Pode-se recorrer a meios suplementares de


interpretação, inclusive aos trabalhos preparatórios do tratado e às
circunstâncias de sua conclusão”.

A Declaração Explicativa, caso não possa ser enquadrada como anexo,


certamente, pode ser enquadrada em qualquer das outras duas modalidades,
tendo, portanto, tanta importância, como norma jurídica, quanto a Convenção
Multilateral, por conferir sentido a este último. Ajustando-se perfeitamente nos
critérios estabelecidos pela Convenção de Viena, como instrumento hábil a
explicitar os objetivos e finalidades da Convenção Multilateral.

Para não restar dúvidas quanto a este ponto, no “parágrafo 11”, da


própria Declaração Explicativa, existe a menção expressa de que esse
instrumento “acompanha a Convenção” tendo sido preparada para esclarecer
as intenções que se pretende atingir com a Convenção Multilateral186.

Nesse mesmo sentido, Sergio André Rocha e Ramon Tomazela Santos


ao abordarem a importância da Declaração Explicativa, para a interpretação da
Convenção Multilateral, aduzem que:

Esse tema tem relação com a discussão acerca da


relevância jurídica a ser atribuída aos Comentários à
Convenção Modelo da OCDE. Porém, há aqui uma
distinção fundamental, que reside no fato de que a
Declaração Explicativa é um instrumento estabelecido em
conjunto com a Convenção Multilateral, o que permite o
seu enquadramento como “contexto interno” ou, no
mínimo, como “meio suplementar de interpretação”, ao

186
11. The text of this explanatory statement to accompany the Convention (“Explanatory
Statement”) was prepared by the participants in the ad hoc Group, and in the Sub-
Group on Arbitration, to provide clarification of the approach taken in the Convention
and how each provision is intended to affect tax agreements covered by the
Convention (“Covered Tax Agreements”). It therefore reflects the agreed understanding
of the negotiators with respect to the Convention. It includes descriptions of the types
of treaty provisions which are intended to be covered and the ways in which they are intended
to be modified. The members of the ad hoc group adopted this Explanatory Statement on 24
November 2016 at the same time as adopting the text of the Convention.
168

contrário do que ocorre com os Comentários à Convenção


Modelo da OCDE.187

Os ordenamentos jurídicos internos de cada nação são muito diferentes,


e por consequência os sistemas tributários, os conceitos dos diversos institutos
jurídicos, o tratamento e a importância que se dá para os eventos sociais
também o são.

Sem contar a barreira linguística, podendo existir divergências


interpretativas no momento da tradução de um idioma para outro.

Os artigos, supracitados, da Convenção de Viena, fixam critérios


hermenêuticos que devem ser aplicados quando houver necessidade de
solução de eventuais divergências de interpretação na aplicação dos tratados.

Em razão disso, a Declaração Explicativa que acompanha a Convenção


Multilateral tem tanta validade jurídica quanto a própria convenção, merecendo
a devida atenção para aqueles que aderiram ou tiverem a intenção de aderir ao
instrumento multilateral.

4.7. TRATADOS FIRMADOS PELO BRASIL PÓS BEPS

Conforme analisamos linhas acima, para que uma norma passe a surtir
efeitos em nosso ordenamento jurídico ela deve passar por todo o processo de
positivação que a legitime como uma norma válida, e a injete no ordenamento.

Apesar de o Brasil, ainda, não ser membro da OCDE e de não ter


assinado a Convenção Multilateral, o Projeto BEPS exerce influência direta
nosso ordenamento jurídico, tendo o Brasil adotando diversas das
recomendações e dispositivos contidos na Convenção Modelo da OCDE nos
tratados internacionais recém firmados, bem como alterando tratados já em
vigor, para adapta-los às diretrizes do Projeto.

187
ROCHA, Sergio André; SANTOS, Ramon Tomazela. A Convenção Multilateral da OCDE e a
Ação 15 do Projeto BEPS. Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT - Belo Horizonte, ano
16, n. 93, maio/jun. 2018, p. 176.
169

Como acima exposto, o Brasil preferiu não aderir à Convenção


Multilateral, mas renegociar os tratados já firmados de forma bilateral.

Alinhado com o projeto BEPS, o Brasil assinou, em 24 de julho de 2017,


na cidade de Mendoza, o protocolo de emenda ao acordo para evitar a
bitributação, celebrado com a Argentina em 17 de maio de 1980. Que foi
devidamente promulgado, e internalizado mediante o Decreto nº 9.482/2018, já
em vigor.

Essa foi a primeira renegociação bilateral que altera um acordo para


evitar a bitributação celebrado pelo Brasil, aderindo às recomendações da
OCDE, e que efetivamente entrou em vigor, tendo sido incorporada ao nosso
ordenamento.

As alterações começam pelo preâmbulo da Convenção, que explicita a


influencia das recomendações dispostas nas Ações do Projeto BEPS, incluindo
que a Convenção destina-se “A ELIMINAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO E
PREVENIR A EVASÃO E A ELISÃO FISCAL”.

No preâmbulo, o protocolo deixa claro o objetivo de não criar a


oportunidade para a dupla não tributação ou tributação reduzida, mediante a
elisão e evasão fiscal, e coibir as situações de uso abusivo do tratado, essa
recomendação está expressa no artigo 6º, item 1, da Convenção Multilateral
formulada pelo Projeto BEPS188.

Ainda no preâmbulo, o protocolo atende a outra recomendação, disposta


na Convenção Multilateral, no item 3, do mesmo artigo 6º189, mencionando o
desejo das duas nações em desenvolver as relações econômicas e fortalecer a
cooperação em matéria tributária.

188
Artigo 6.º – Finalidade de uma Convenção fiscal abrangida. 1.
Uma Convenção fiscal abrangida é modificada de modo a incluir a seguinte redação
preambular: “Pretendendo eliminar a dupla tributação no que respeita aos impostos
abrangidos pela presente Convenção sem criar oportunidades de não tributação ou de
tributação reduzida através de fraude ou evasão fiscal (designadamente através de
construções abusivas que visem a obtenção dos desagravamentos previstos na presente
Convenção para benefício indireto de residentes de terceiras jurisdições);”
189
3. Uma Parte pode igualmente optar por incluir a redação preambular que se segue
relativamente às suas Convenções fiscais abrangidas que não contenham uma redação
preambular que mencione o desejo de desenvolver as relações económicas ou de reforçar a
cooperação em matéria fiscal: «Desejando desenvolver as suas relações económicas e
reforçar a sua cooperação em matéria fiscal,».
170

As menções expostas no preâmbulo não têm efeitos práticos imediatos,


mas em caso de interpretação de qualquer cláusula do tratado, que possam
gerar dúvidas, o preâmbulo indica qual é a intenção do tratado, e pode
influenciar na decisão do intérprete, nos caso em que o tratado puder acarretar
em dupla não tributação.

No entanto, há algumas alterações constantes no protocolo que


reproduzem de forma quase que literal o disposto na Convenção Multilateral
elaborada em razão da Ação 15 do projeto BEPS, que têm efeitos práticos
significativos.

O Protocolo incorpora, entre outras alterações, os padrões mínimos


(minimum standard) e outras recomendações apresentadas pela OCDE no
âmbito do Projeto BEPS.

Para não precisamos reproduzir integralmente o texto da Convenção


Multilateral, elencaremos os dispositivos do Protocolo abaixo que trazem as
alterações mais significativas, e apontaremos, quando necessário o artigo da
Convenção Multilateral correspondente.

O Protocolo traz o conceito de “pessoa estreitamente relacionada a uma


empresa”190, nos exatos termos do artigo 15 da Convenção Multilateral,
fundamental para identificar controladas e controladoras, e consequentemente
o beneficiário efetivo.

Modifica, ainda, as hipóteses em que não é considerado


“estabelecimento permanente”, não podendo essas pessoas se beneficiarem
do tratado, relacionando as seguintes situações: “a) a utilização de instalações
unicamente para fins de armazenagem, exposição ou entrega de bens ou
mercadorias pertencentes à empresa; b) a manutenção de um estoque de bens
ou mercadorias pertencentes à empresa unicamente para fins de

190
“k) a expressão “pessoa estreitamente relacionada a uma empresa” significa uma pessoa
que, com base nos fatos e circunstâncias relevantes, possui o controle sobre uma empresa
ou esta última sobre a primeira, ou ambas estão sob o controle das mesmas pessoas ou
empresas. Em qualquer caso, uma pessoa será considerada como estreitamente
relacionada a uma empresa se uma possuir, direta ou indiretamente, mais de 50% de
participação na outra (ou, no caso de uma sociedade, mais de 50% do total dos direitos de
voto e do valor das ações da sociedade ou da participação nos lucros da sociedade), ou se
outra pessoa possuir, direta ou indiretamente, mais de 50% de participação (ou, no caso de
uma sociedade, mais de 50% do total dos direitos de voto e do valor das ações da
sociedade ou da participação nos lucros da sociedade) na pessoa e na empresa.”
171

armazenagem, exposição ou entrega; c) a manutenção de um estoque de bens


ou mercadorias pertencentes à empresa unicamente para fins de
transformação por outra empresa; d) a manutenção de uma instalação fixa de
negócios unicamente para fins de adquirir bens ou mercadorias ou obter
informações para a empresa; e) a manutenção de uma instalação fixa de
negócios unicamente para fins de desenvolver, para a empresa, qualquer outra
atividade; f) manutenção de uma instalação fixa de negócios unicamente para
fins de qualquer combinação das atividades mencionadas nas alíneas a) a e),
desde que essa atividade ou, no caso da alínea f), a atividade geral da
instalação fixa de negócios seja de caráter auxiliar ou preparatório”

Além das alterações dispostas no referido acordo, que estão diretamente


relacionadas, e em harmonia com as recomendações do Projeto BEPS, já
apontamos as diversas alterações na legislação interna brasileira, que
contemplam a influência das diretrizes internacionais em nosso ordenamento
jurídico, portanto, inegável a influência do projeto em nosso ordenamento, que
tende a se intensificar.
172

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema planejamento tributário vem sendo enfrentando com cada vez


mais frequência pelos nossos tribunais administrativos e judiciais, e a
complexidade inerente a essas situações geram problemas que precisam ser
enfrentados para conferir maior segurança jurídica aos jurisdicionados.

Os problemas apontados dizem respeito à utilização de teorias não


positivadas em nosso ordenamento, bem como a vagueza dos dispositivos que
permitem a desconstituição de atos ou negócios jurídicos ilícitos, e por fim, a
questão da necessidade de prova para que essa desconstituição dos
planejamentos tributários.

O enfrentamento desses temas deverá levar em conta as regras e


princípios do ordenamento jurídico brasileiro, sem a importação de teorias
estrangeiras que são incompatíveis com as normas nacionais.

Abordamos, neste trabalho, a utilização de tratados internacionais para


fins de planejamento tributário e mais especificamente o uso abusivo desses
instrumentos para esse fim.

Como estudado, o tema planejamento tributário é rodeado de muitas


incertezas, e vem ganhando especial atenção, não só em nosso ordenamento
jurídico, mas em âmbito internacional, em razão da constante preocupação das
nações no combate da erosão da base tributária.

Com a globalização e a circulação crescente entre países de pessoas,


bens, capitais e tecnologias, combinado com o fato de que os países possuem
soberania, e com isso liberdade para legislar livremente sobre matéria
tributária, e consequentemente impor tributos sobre situações que possuam
algum elemento de conexão com o Estado, não raras as vezes podemos
verificar o exercício da soberania tributária de mais de um Estado, sobre o
mesmo ato ou negócio jurídico.

E, assim, o respeito à soberania de cada nação exige obediência à


imposição tributária de ambas as jurisdição, podendo, assim, o contribuinte
sofrer dupla ou múltipla incidência tributária.
173

Em razão dessa situação, não podendo uma nação interferir na


soberania tributária de outra, é extremamente necessário e salutar que firmem
acordos para evitar a dupla ou múltipla tributação.

Existindo acordo firmado entre países, a soberania tributária recebe


outra feição, que é a obrigação de ambas as jurisdições respeitarem e
aplicarem corretamente as disposições contidas nesses instrumentos, zelando
pelo cumprimento das cláusulas previamente acordadas entre os países
contratantes.

Destacamos, ainda, a incoerência do processo de internalização dos


tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, podendo gerar o que
chamamos de paradoxo das sanções legitimadas, pois, o atual procedimento
faz com que o tratado entre em vigor na esfera internacional em momento
diverso do que na esfera interna, obrigando perante o Estado Contratante, mas
desobrigando os agentes de direito interno do cumprimento dos acordos.

Tratamos, ainda, das regras para a interpretação dos tratados


internacionais, que estão previstas na Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados, que foi promulgada e devidamente internalizada em nosso
ordenamento jurídico, pelo Decreto nº 7.030/2009, mais especificamente dos
artigos 31 a 33 do referido dispositivo legal.

A referida Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados presa pela


interpretação teleológica, ou seja, uma interpretação voltada a atingir os
objetivos e finalidades dos tratados firmados pelos Estados contratantes,
levando-se em consideração absolutamente todos os documentos, e
manifestações de vontade, para identificar esses objetivos e finalidades.

Abordamos o problema do conflito de normas em nosso ordenamento,


onde identificadas as antinomias, podem ser utilizados três critérios para a
solução dos conflitos: (a) critério cronológico, que prescreve que a norma
posterior prevalece sobre norma anterior; (b) critério da especialidade, em que
a norma especial prevalecerá sobre a norma geral; (c) critério hierárquico, que
determina que norma de superior hierarquia prevalecerá sobre norma
hierarquicamente inferior.
174

E concluímos que existindo conflito entre normas de direito tributário e


normas de direito privado, pelo critério da especialidade, devem ser aplicadas
as normas tributárias, para assuntos que envolvem essa matéria, possibilitando
a aplicação das normas de direito civil quando a lei tributária ou a Constituição
Federal não dispuserem sobre o tema. E que os institutos de direito privados
não podem instituir hipóteses de incidência tributárias, não previstas em lei,
alargando os conceitos estabelecidos.

Com relação ao conflito de normas internas e internacionais, abordamos


a questão da hierarquia dos tratados internacionais em matéria tributária, tendo
sido conferido, pelo STF, status supralegal e infraconstitucional, em atenção ao
artigo 98 do Código Tributário Nacional.

No entanto, a proliferação de acordos internacionais, combinado com a


existência de diferentes regimes tributários ao redor do mundo, bem como a
existência de países com regimes tributários privilegiados (paraísos fiscais)
propiciam brechas que podem ser utilizadas para a realização de
planejamentos tributários, que se utilizam de tratados internacionais e as
incompatibilidades das legislações “mismatch” ou a utilização de países com
regimes fiscais privilegiados.

Importante salientar que o planejamento tributário, a princípio, é medida


totalmente lícita, para melhorar os resultados das empresas e para que elas
sobrevivam num mercado competitivo e globalizado.

O planejamento tributário é a atividade de o contribuinte organizar o seu


patrimônio e/ou negócios com o objetivo de fazer incidir a menor carga
tributária possível sobre eles, de forma lícita.

Concluímos, neste trabalho, pela inexistência de grandes diferenças


entre o conceito de planejamento tributário e planejamento tributário
internacional, principalmente pelo fato de que ambas as situações serão
verificadas dentro do ordenamento jurídico interno de cada país em que essa
atividade ocorrer.

A diferença é que o planejamento tributário internacional é atividade de o


contribuinte organizar os seus negócios com o objetivo de reduzir, eliminar ou
postergar o pagamento de tributos, utilizando-se das normas jurídicas de mais
175

de um ordenamento jurídico, ou de normas que são aplicadas a mais de um


ordenamento de forma simultânea, como os tratados internacionais, ou a
combinação de ambas as situações.

Os tratados internacionais em matéria tributária são largamente


utilizados entre os países para estreitar as relações comerciais, fomentando a
circulação de bens, mercadorias, serviços, direitos e ativos financeiros, com o
objetivo de evitar, principalmente, a bitributação, bem como atenuar a
burocracia administrativa, concedendo tratamento tributário diferenciado e
benefícios mútuos entre os signatários.

Salientamos que os tratados internacionais em matéria tributária podem


apenas limitar o poder de tributar, sem impor nova hipótese de incidência
tributária, que só pode ser realizado no exercício da competência tributária,
pelas vias expressamente previstas pela Constituição Federal.

Assim, ao firmar acordos internacionais em matéria tributária, a


competência tributária está limitada à concessão de isenções e desonerações
tributárias, não sendo possível a instituição de novas hipóteses de incidência
tributária, a pretexto de se evitar a dupla não incidência de tributos.

Os acordos firmados entre as nações para evitar a múltipla tributação


além de conferirem maior segurança jurídica ao investidor, limitam a jurisdição
dos Estados contratantes, reduzindo ou eliminando os riscos da dubla ou
pluritributação sobre o mesmo fato gerador.

Para isso, podem ser utilizados os seguintes métodos: (i) isenção


integral; (ii) isenção progressiva; (iii) imputação limitada; (iv) imputação integral;
(v) dedução.

Os tratados internacionais, portanto, utilizam-se dessas medidas para


neutralizar ou mitigar a dupla ou múltipla tributação. Porém, esses institutos
que foram criados para solucionar o problema da múltipla tributação, podem
ser utilizados pelos contribuintes para evitar, reduzir ou postergar a incidência
tributária.

No entanto, o agravamento da chamada “erosão da base tributária”


experimentada por diversos países nas últimas décadas, tem chamado a
atenção das nações e organismos internacionais, que identificaram como uma
176

das causas da erosão da base tributável, os planejamentos tributários tidos


como agressivos ou abusivos, que se utilizam de estruturas societárias
complexas, apropriando-se indevidamente de benefícios concedidos por
tratados internacionais, muitas vezes com o auxílio de jurisdições com regimes
tributários privilegiados.

Concluímos que o planejamento tributário realizado com a utilização de


tratados internacionais, se não estiverem presentes elementos de fraude, dolo
ou simulação, é atividade totalmente lícita e está no campo da elisão fiscal,
podendo ser praticado.

No entanto, algumas situações podem ser consideradas abusivas fato


que, consequentemente, torna indevida a utilização dos tratados internacionais
para o aproveitamento de benefícios.

O uso indevido ou abusivo dos tratados internacionais em matéria


tributária, geralmente são denominados Treaty Shopping e Rule Shopping.

Os chamados Treaty Shoppings são os arranjos empresariais feitos com


a única finalidade de se aproveitar de benefícios fiscais concedidos por
tratados internacionais, que conjugados com a legislação interna de cada uma
das jurisdições envolvidas, acarreta na não incidência de tributação ou redução
da tributação, sem que essa pessoa seja residente em nenhuma das
jurisdições signatárias do tratado que concede o benefício.

Destacamos os principais arranjos utilizados para que uma empresa se


utilize de um tratado internacional, para obter os seus benefícios, sem que
efetivamente seja residente de uma das jurisdições, as mais comuns são as
chamadas direct conduit companies (empresas-canais) e stepping-stone
companies (empresas-trampolins).

Apresentamos outro formato de uso abusivo dos tratados que é o Rule


Shopping, caracterizando-se quando residentes em uma das jurisdições
contempladas pelo tratado, ou seja, uma pessoa qualificada como beneficiária,
procura enquadrar-se na regra mais favorável, prevista no acordo.

Apontamos as possíveis formas para combater o uso abusivo dos


tratados internacionais, onde os países podem adotar medidas unilaterais,
alterando a legislação interna, medidas bilaterais, através da inserção de
177

cláusulas nos tratados internacionais, que prevejam essas situações, ou, ainda,
medidas comunitárias, quando falamos de países que compõe um mesmo
bloco econômico, e que possuem regras comuns entre eles.

As medidas unilaterais de combate ao uso abusivo dos tratados


internacionais são impostas por cada um dos países, e depende de alterações
legislativas internas, por meio das normas gerais antielisivas ou normas
específicas antielisivas.

As medidas bilaterais são aquelas dispostas em acordos internacionais,


onde os países signatários de comum acordo preveem em seus tratados,
coibindo essas situações indesejáveis.

Os tratados podem prever cláusulas trazem critérios objetivos que caso


identificados presumem-se abusiva a sua utilização, como por exemplo,
critérios para identificação de Países com Regimes Fiscais Privilegiados,
impedindo a utilização dos benefícios contidos no acordo, quando um dos
países signatários possuir regime tributário privilegiado, evitando-se, assim, o
acumulo de benefícios; cláusulas que visam identificar a existência ou não de
Estabelecimento Permanente no Estado Contratante, pois, a pessoa somente
poderá se beneficiar do tratado se possuir um estabelecimento permanente em
algum dos Estados Contratantes; cláusulas que visem identificar o Beneficiário
Efetivo, possibilitando o aproveitamento dos benefícios constantes no acordo,
desde que o beneficiário efetivo seja residente em um dos Estados
Contratantes; ou ainda podem ser inseridas cláusulas que estabeleçam
critérios de identificação de uso indevido dos tratados como: Look-through
approach; The exclusion approach; The subject-to-tax approach; The channel
approach.

Apontamos, ainda, para a possibilidade de inclusão nos tratados de uma


cláusula geral, de cunho subjetivo, denominada Principle Purpose Test.

Que, como observamos, é extremamente perigosa, podendo ser


utilizada em absolutamente todos os casos em que, pela utilização do trato,
resulte um benefício fiscal, pois, a cláusula não exige provas de que o benefício
seja a única intenção da pessoa beneficiada, mas “um dos objetivos principais”.
178

Alertamos para fato de que essa cláusula geral prescreve a possibilidade


de aproveitamento dos benefícios caso seja demonstrado pelo contribuinte que
a concessão de tal benefício nessas circunstâncias estaria de acordo com o
objeto e propósito das disposições pertinentes da presente Convenção,
configurando-se como uma verdadeira inversão do ônus da prova, onde o
contribuinte teria que provar que ele possui outros objetivos além de única e
exclusivamente o aproveitamento dos benefícios.

Destacamos, ainda, a influência do projeto BEPS em nosso


ordenamento jurídico, acarretando em diversas alterações legislativas e
tentativas de inserção de normas gerais antielisivas.
179

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