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ESTUPRO DE VULNERÁVEL
Uma análise do Estupro de Vulnerável à luz dos crimes contra a dignidade sexual, e da alteração
trazida pela Lei nº 13.718/18
Contagem/MG
2021
Gabriela Fradico Diniz Lucas e Pollyana Maciel Sales
Contagem/MG
2021
RESUMO
O “crime contra os costumes”, conceituado como o que era adequado em termos de pudor
público passa a se chamar, de acordo com a Lei nº 12.015/2009, “crime contra a dignidade
sexual”, buscando a adaptação ao modo de vida atual. O chamado estupro de vulnerável é
crime previsto no art. 2017-A do Código Penal Brasileiro e é caracterizado pela conjunção
carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos, ou com aqueles que por
deficiência mental ou qualquer outra causa, não tem discernimento ou não pode oferecer
resistência à prática do ato sexual. O presente artigo trata dos casos de estupro de vulnerável,
analisando aspectos da vulnerabilidade absoluta e relativa, sob a perspectiva doutrinária, e da
alteração trazida pela Lei nº 13.718/18, em que os crimes contra a dignidade sexual deixam de
ser crimes de ação pública condicionada, para ser ação de pública incondicionada. Trata ainda
da chamada “revolução sexual” ocorrida no Brasil, e da aceitação da sociedade perante a
mídia no que tange aos conteúdos que despertam o interesse sexual da criança mais cedo. Foi
realizada uma análise dos dados de casos concretos e uma demonstração dos indícios de um
abuso sexual e as suas consequências na vida das vítimas.
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1. INTRODUÇÃO
A Lei nº 13.718/18, especialmente o §5º do artigo 217-A do Código Penal surgiu com
intuito de atenuar as discussões sobre a relativização da vulnerabilidade, e fechar as lacunas
deixadas pela Lei nº 12.015/2009.
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2. HISTÓRICO DO CRIME DE ESTUPRO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
O crime de estupro na legislação brasileira sofreu diversas alterações desde que foi
instituído pela primeira vez, no Código Criminal do Império em 1830.
Em 1932 começou a ser elaborada uma primitiva ideia do estupro de vulnerável, pois
o artigo 269 passou a considerar a violência não só como o emprego da força física, como
também de meios ardis que privassem a mulher de suas faculdades psíquicas e por
consequência, de sua capacidade de resistir.
Somente com o advento da Lei nº 12.015/2009 o artigo 213, que trata do crime de
estupro, passou a atentar que qualquer pessoa pode ser vítima de estupro.
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legislação e às novas tendências vindas do desenvolvimento das relações interpessoais e à
própria Constituição.
3. DO ESTUPRO DE VULNERÁVEL
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém
que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento
para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer
resistência.
§ 2º (VETADO)
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liberdade sexual como bem jurídico protegido, pois se reconhece que não há a plena
disponibilidade do exercício dessa liberdade, que é exatamente o que caracteriza sua
vulnerabilidade. (BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, 4:
parte especial: dos crimes contra a dignidade sexual até os crimes contra a fé
pública. 6ª ed. São Paulo. Saraiva, 2012. p. 95.)
Relativamente aos sujeitos do crime, qualquer pessoa pode ser configurada como
sujeito ativo, sendo homem ou mulher, inclusive praticando o crime contra pessoa do mesmo
sexo. No mesmo sentido, o sujeito passivo poderá ser qualquer pessoa, desde que se encaixe
no tipo penal descrito no art. 217-A do Código Penal, ou seja, menores de 14 anos, enfermos
mentais, ou ainda, aqueles com incapacidade de consentir com o ato.
O legislador trata como vulnerabilidade absoluta aquela que não admite prova em
contrário, e refere-se aos menores de 14 anos, e aos enfermos mentais, ou aqueles que por
qualquer outra causa, não podem oferecer resistência à prática do ato sexual.
Em outros termos, poderia haver algum caso concreto em que o menor de 14 anos
tivesse a perfeita noção do que significaria a relação sexual, de modo que estaria
afastada a presunção de violência? Muitas decisões de tribunais pátrios, mormente
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quando analisavam situações envolvendo menores de 14 anos já prostituídos,
terminavam por afastar a presunção de violência, absolvendo o réu. Seria, então,
uma presunção relativa. (NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal –
Parte Especial – v. 3. Grupo GEN, 2019. p. 55.)
GRECO (2014) define enfermidade mental como “toda doença ou moléstia que
comprometa o funcionamento adequado do aparelho mental”, tendo que ser comprovada
perante perícia a sua real existência, no caso concreto, sob pena de ser uma hipótese
descartada.
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3.3. DA ALTERAÇÃO TRAZIDA PELA LEI nº 13.718/18
Uma das principais alterações trazidas pela Lei n° 13.718/18, está relacionada ao tipo
de ação que será movida contra o agente, que deixa de ser ação penal pública condicionada, e
torna-se ação penal pública incondicionada, ou seja, independe da iniciativa de qualquer
pessoa para ser iniciada.
Assim, quando a ação for promovida pelo Ministério Público, não haverá necessidade
de manifestação de vontade da vítima ou de qualquer outra pessoa interessada, portanto, os
crimes contra a liberdade sexual e os crimes sexuais contra vulnerável tornaram-se de
natureza incondicionada.
Além disso, a nova lei trouxe o crime de divulgação de cena de estupro de vulnerável,
de cena de sexo ou de pornografia. O art. 218-C traz vários núcleos como oferecer, trocar,
disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, e induzir,
se tratando de um único crime mesmo se cometido todos os tipos do núcleo.
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Sendo assim, a lei deu fim à discussão sobre a vulnerabilidade relativa, essencialmente
em razão do parágrafo 5º, do artigo 217-A, onde destaca-se que sendo a vítima menor de 14
anos, ainda que a relação sexual seja consentida ou que esta tenha experiência anterior, será
tipificado o crime de estupro de vulnerável.
A vulnerabilidade relativa no tocante à idade era aceita por uma corrente minoritária,
que defendia o afastamento da tipicidade a depender da situação fática. Neste sentido,
GILABERTE (2020):
Já dizia José Henrique Pierangeli: “Afixação de uma idade como limite de validade
de consentimento é de todo inaceitável, pois o amadurecimento fisiológico de uma
pessoa não segue padrões fixos, variando de indivíduo para indivíduo.
(GILABERTE, Bruno. Crimes contra a dignidade sexual. Rio de Janeiro. Freitas
Bastos Editora, 2020. p. 100)
Na mesma linha, alguns doutrinadores defendiam que deveria ser realizada a avaliação
da vítima através de perícia, com o intuito de apurar a sua imaturidade sexual no momento do
ato, pois, de acordo com tal entendimento, se a vítima fosse menor de 14 anos mas experiente
sexualmente, não havia que se falar no crime de estupro de vulnerável.
A inclusão do § 5.º ao art. 217-A possui o nítido objetivo de tornar claro o caminho
escolhido pelo Parlamento, buscando colocar um fim à divergência doutrinária e
jurisprudencial, no tocante à vulnerabilidade da pessoa menor de 14 anos. Elege-se a
vulnerabilidade absoluta, ao deixar nítido que é punível a conjunção carnal ou ato
libidinoso com menor de 14 anos independentemente de seu consentimento ou do
fato de ela já ter tido relações sexuais anteriormente ao crime. Em primeiro lugar, há
de se concluir que qualquer pessoa com menos de 14 anos, podendo consentir ou
não, de modo válido, leia-se, mesmo compreendendo o significado e os efeitos de
uma relação sexual, está proibida, por lei, de se relacionar sexualmente.
Descumprido o preceito, seu(sua) parceiro(a) será punido(a) (maior de 18, estupro
de vulnerável; menor de 18, ato infracional similar ao estupro de vulnerável). Cai,
por força de lei, a vulnerabilidade relativa de menores de 14 anos. Associa-se a lei
ao entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula 593). A
segunda parte está enfocando, primordialmente, a prostituição infantojuvenil; afinal,
a norma penal refere-se, de propósito, a relações sexuais (no plural), pretendendo
apontar para a irrelevância da experiência sexual da vítima. Essa experiência, como
regra, advém da prostituição. (NUCCI, Guilherme Souza. Manual de Direito Penal.
Grupo GEN, 2021. p. 797)
É sabido que o assunto “sexo” ainda é um tabu nos lares de muitas famílias no Brasil.
Contudo, há uma grande diferença entre sexo e sexualidade. O termo sexo remete ao ato
sexual em si, ao passo que a sexualidade trata-se de uma figura universal, que é desenvolvida
naturalmente ao longo da vida, tendo em vista as experiências obtidas por meio do convívio
social.
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Sendo a sexualidade um fato inerente ao ser humano, faz-se extremamente importante a
discussão sobre o tema, sobretudo com crianças e adolescentes, com o intuito de promover a
informação, visto que nessa fase acontecem as descobertas do próprio corpo. Neste contexto,
a criança deve aprender sobre as suas partes íntimas, sua privacidade e sobre o respeito às
outras pessoas e as suas individualidades.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É sabido que desde a concepção do Código Penal de 1940 a sociedade brasileira passou
por diversas mudanças, dentre elas sociais e culturais. Diante disso, houve a necessidade de se
adequar a legislação ao modo de vida atual.
Além disso, percebemos o quanto a violência sexual cresceu no Brasil, mesmo diante da
alteração legislativa retratada.
Neste sentido, tendo em vista que os abusos ocorrem em todas as classes sociais e em
todas as regiões do país, faz-se necessária a criação de políticas públicas no enfrentamento à
violência sexual contra crianças e adolescentes, dentre elas, a inserção da educação sexual nos
currículos escolares, a fim de que desde cedo as crianças aprendam sobre os seus corpos e
sobre o respeito consigo e com os demais.
Por fim, conclui-se que o estupro de vulnerável não deve ser tratado somente como um
problema legislativo, mas sim como um problema social que merece a devida atenção com o
intuito de preservar a vida e a dignidade das vítimas.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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