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A.V. ROLDAN, L. R. S.

MARGATO
Lígia Pinheiro ISSN: 2317-1308

O Policial Militar aplicador de medida protetiva para as vítimas da Lei


11.340/06 (Maria da Penha). Novas perspectivas em face da
Lei nº 13.827 de 13 de maio de 2019

Alexandre Vitorino Roldan1, Luís Roberto Soares Margato2


Resumo: O enfrentamento à violência se reveste em múltiplas ações, por diferentes órgãos, no
escopo de se atingir níveis satisfatórios de resultados e controle. O poder legislativo, como
agente elaborador de normas jurídicas, tem seu papel nessa contribuição. Assim, a inovação
normativa, objeto de estudo, busca ampliar a atuação das forças de segurança, em especial da
Polícia Militar, nas ações de proteção às vítimas de violência doméstica, por meio da
concretização da aplicação imediata de medidas protetivas, antes mesmo da apreciação do
judiciário.
Palavras-chave: Violência Doméstica. Medidas Protetivas. Polícia Militar

Abstract: Coping with violence involves multiple actions by different agencies in order to
achieve satisfactory levels of results and control. Legislative power, as an agent of legal norms,
has its role in this contribution. Thus, the normative innovation, object of study, seeks to expand
the performance of security forces, especially the Military Police, in the protection of victims of
domestic violence, through the implementation of immediate protective measures, even before
the appreciation. of the judiciary.
Keywords: Domestic Violence. Protective measures. Military police

.3”

Introdução
Em 13 de maio foi sancionada a Lei nº 13.827/19 que altera a Lei nº11.340/06 –
Lei Maria da Penha -, trazendo inovações legislativas que podem
-
, cada vez
mais, um fenômeno social que atinge governos e populações, tanto global quanto
localmente, no público e no privado, estando seu conceito em constante mutação 4”

1
É oficial da Polícia Militar do Estado de são Paulo, Mestre em Segurança e Ordem Pública pelo Centro
de Altos Estudos em Segurança da Polícia Militar.
2
É oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Mestre em Direito pela FMU, professor de Direito
Constitucional na APMBB.
3
Kofi Annan, Secretário-Geral da ONU, Um mundo livre da violência contra as mulheres, 1999.
4
JESUS, Damásio de. Violência contra a mulher: aspectos criminais da Lei n. 11.340/2006, 2ª edição,
São Paulo: Saraiva, 2015. p.7.

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dessa forma, o enfrentamento dado pelo Estado, único legítimo ao uso da força para o
combate ao crime, deve necessariamente percorrer outras perspectivas para lograr a
eficiência esperada no alcance da preservação da ordem pública.
A presente inovação jurídica, mais do que possibilitar um enfrentamento
imediato da violência contra mulher, passa a reconhecer cada vez mais a investidura dos
agentes de segurança pública, como aplicadores diretos de meios para a proteção social.
A ação do policial, ao efetivar a medida protetiva de maneira imediata ao delito, antes
mesmo da apreciação judicial, produz uma ressignificação nas competências das
polícias, em especial da atuação das polícias militares.
Nesse esteio, o objeto desse estudo, além de abordar a inovação na legislação de
combate a violência contra mulher, é apresentar as consequências intrínsecas da
reformulação legislativa ao ampliar as competências das polícias.

1. Proteção normativa da mulher


A evolução protetiva do direito da mulher no Brasil é uma marca que vem se
moldando com relativa morosidade o qual ainda não chegou ao seu fim. Interessante
observar que há pouco séculos atrás, vigorava no nosso país, enquanto ainda colônia de
Portugal, as Ordenações Filipinas5 que pautavam os cidadãos por valores ligados a
religião, a moral e a divisão da sociedade em castas que condicionavam diretamente a
crueldade das penas e desigualdade de tratamento. A título ilustrativo a mulher adúltera
era punida com pena de morte. omem casado sua mulher em adultério,
á ”6
Em que pese a substituição da possibilidade de matar a mulher adúltera tivesse
sido abolida pelo Código Criminal do Império de 1830, a legítima defesa da honra ainda
era tolerada pela Justiça para estes casos. De igual modo não se impunha pena ao
estuprador que casasse com a ofendida7.
Nem a República instituída em 1889 conseguiu, de modo significativo, trazer
avanços imediatos a igualdade de tratamento entre homens e mulheres. O Código Penal

5
Vigorou no Brasil, no que se refere aos crimes, até a edição do Código Criminal do Império de 1830.
6
Ordenações Filipinas. Livro V, Título XXXVIII.
7
Código Penal do Império
Art. 219. Deflorar mulher virgem, menor de dezasete annos.
Penas - de desterro para fóra da comarca, em que residir a deflorada, por um a tres annos, e de dotar a
esta.
Seguindo-se o casamento, não terão lugar as penas.

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de 1890 não apresentou muita diferença com relação ao anterior, pois ainda havia
qualificação das vítimas. Nos casos de estupro as penas eram distintas se a mulher fosse
” ó 1916 ( 103 ) q
mulher quando adquiria o matrimônio tornava-se relativamente capaz para todos os atos
da vida civil, juntamente com os pródigos, os silvícolas e tal qual os menores de entre
16 e 21 anos8. Assim, era plenamente capaz tão somente seu esposo e não ela.
Apenas com a reforma do código eleitoral de 1932, e confirmada na edição da
Constituição de 1934, é que as mulheres foram dotadas de cidadania, comungando da
possibilidade do sufrágio, as quais eram alijadas até então.
No regime ditatorial de Getúlio Vargas, deu-se surgimento a um novo código
penal, em 1940, ainda vigente. Nele, o caráter da mulher ainda constituía elementar do
tipo penal, como por exemplo, o artigo 215 que previa como crime ter conjunção carnal
com mulher honesta, mediante fraude, ou ainda o artigo 216 que dispunha como
infração penal induzir mulher honesta, mediante fraude, a praticar ou permitir que com
ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Assim, se não fosse mulher
honesta, o crime não ocorreria. Essa redação persistiu incrivelmente até o ano de 2005.
A legislação processual penal dispôs espantosa distinção ao conferir, conforme
aduz o artigo 35, que a mulher casada não poderá exercer o direito de queixa (nos
crimes de ação penal privada, como calúnia, difamação e injúria) sem consentimento do
marido, cuja redação persistiu até 1997.
O grande marco para a efetiva igualdade9 de tratamento, que nas palavras de
Marcelo Novelino10 não podem ser confundias com homogeneidade, parece ter se
desenhado com a promulgação da Constituição Federal de 1988. A partir dela, novel
hermenêutica foi dada a aplicação da norma jurídica e muitos outros dispositivos foram
sendo inseridos, destacando-se a promulgação da lei nº 11.106 de 2015 que subtrai do
Código Penal expressões que se referiam à honra da mulher e a revogação da causa

8
Código Civil – 1916
Art. 6. São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I. Os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos.
II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal.
III. Os pródigos.
IV. Os silvícolas.
9
Igualdade na visão Aristotélica de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de
sua desigualdade.
10
Marcelo Novelino. Direito Constitucional. p. 392.

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extintiva da punibilidade o casamento entre o agressor e a ofendida nos crimes sexuais.
Neste esteio, Valéria Fernandes11 ilustra da seguinte forma:

Desde o início de nossa história, pela primeira vez a legislação


rompeu o elo que se estabelecia entre a honra da mulher e a práti

elementar importava em flagrante discriminação e naturalizava
diferenças culturais entre homens e mulheres.

Nesse alamiré, a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), apresenta um processo


cuja centralidade se pauta na efetividade da proteção da mulher, com foco na prevenção
da violência. O escopo é romper a nefasta segregação que permeava a violência de
gênero, historicamente imiscuída no seio social conforme demonstrado. Para o pleno
alcance desse fim, foi necessário impor uma releitura das autoridades constituídas no
Estado. A proteção da mulher passou a ser contemplada por um rito multidisciplinar de
agentes públicos.
A Lei Maria da Penha, por si, não impõe disposição incriminadora autônoma,
mas disciplina um tratamento diferenciado às ofendidas. O referencial teórico para seu
supedâneo é vasto, encontramos expressões na Constituição da República das quais
devem decorrer a máxima efetividade, tais como, justiça social, sociedade livre, justa e
solidária, promoção do bem de todos, combate aos preconceitos decorrentes de sexo e
qualquer outra forma de discriminação12. Roga, ainda, a Carta Maior, o anseio pela
consolidação dos ideais de igualdade entre homens e mulheres 13 e a proteção da família
pelo Estado, criando mecanismos para coibir a violência14.
É oportuno registrar que a reforma normativa também se coaduna com tratados
internacionais incorporados pelo Brasil como a convenção sobre a eliminação de todas

11
Fernandes, Valéria Diez Scarance . Lei Maria da Penha: O Processo Penal no Caminho da
Efetividade. p. 15.
12
CRFB - Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação.
13
CRFB - Art. 5º inc. I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição;
14
CRFB - Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
...
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando
mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

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as formas de discriminação contra as mulheres15, e também a convenção interamericana
para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher16.
Por derradeiro, a evolução normativa busca a mais eficaz preservação dos
direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, em especial às mulheres, no âmbito
das relações domésticas e familiares, protegendo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

2. Inovação Legislativa
Em 13 de maio de 2019 foi publicada a lei 13.827 que altera a lei 11.340/06 e
confere ao policial (militar ou civil) a possibilidade de aplicar medida protetiva à
mulher, nas localidades que não forem sedes de comarca, para os casos de atual ou
ainda iminente risco à vida ou à integridade física em situação de violência doméstica e
familiar, ainda que seja a seus dependentes, determinando o afastamento imediato do
agressor do lar.
Cabe destacar que dos 645 municípios no Estado de São Paulo, 331 não são sede
de comarca17 (vide anexo), e assim, se não houver delegado de polícia no momento da
violência atual ou iminente, contra à mulher ou seus dependentes, o Policial Militar
poderá determinar o afastamento do agressor do seu lar, por força da inovação
legislativa ora citada, em especial o artigo 12-C e seu inciso III.
Segue abaixo íntegra da publicação:

Lei Federal nº 13.827 de 13 de maio de 2019


Art. 1º Esta Lei altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei
Maria da Penha), para autorizar, nas hipóteses que especifica, a
aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial
ou policial, à mulher em situação de violência doméstica e familiar,
ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida
protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho
Nacional de Justiça.
Art. 2º O Capítulo III do Título III da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de
2006 (Lei Maria da Penha), passa a vigorar acrescido do seguinte
art. 12-C:

15
Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002.
16
Decreto nº 1.973, de 1º de Agosto de 1996.
17
Comarca é a extensão territorial em que um juiz de direito de primeira instância exerce sua jurisdição.
Corresponde ela, assim, à jurisdição de um tribunal judicial de primeira instância, quer com competência
genérica, quer com competência especializada (cível, criminal, etc.). Seu conceito remete a um critério
estritamente judiciário.

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"Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida
ou à integridade física da mulher em situação de violência
doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será
imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência
com a ofendida: (grifo do autor)
I - pela autoridade judicial;
II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de
comarca; ou
III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e
não houver delegado disponível no momento da denúncia. (grifo do
autor)
§ 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será
comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá,
em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida
aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público
concomitantemente.
§ 2º Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à
efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida
liberdade provisória ao preso."
Art. 3º A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha),
passa a vigorar acrescida do seguinte art. 38-A:
"Art. 38-A. O juiz competente providenciará o registro da medida
protetiva de urgência.
Parágrafo único. As medidas protetivas de urgência serão registradas
em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional
de Justiça, garantido o acesso do Ministério Público, da Defensoria
Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social,
com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas protetivas."
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 13 de maio de 2019;
198º da Independência e 131º da República.
JAIR MESSIAS BOLSONARO

Diante do exposto, seguem algumas observações sobre a inovação normativa em


comento. O agente público que vai confirmar se foi praticada uma violência ou se há
uma possibilidade de existir violência é o policial que atender a ocorrência in locus. O
Policial citado no inciso III do artigo 12-C da Lei 13.827/19 é gênero, dos quais são
espécies os policiais civis e militares. Contudo, em regra, é a patrulha policial militar
que atende a chamada de violência doméstica, seja por decorrência do despacho da
ligação ao número 190, ou por se deparar durante o patrulhamento preventivo. Portanto,
diante desse cenário, se na cidade em que o militar atuar compreender algum dos 331
municípios da lista anexo, e se não existir delegado no momento (não está aqui a se
falar em delegacia de polícia na cidade, mas sim na real presença de um delegado
plantonista na urbe), o policial militar deve aplicar a medida protetiva de determinação
do afastamento do agressor da vítima ou de seus dependentes e comunicar em até 24

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horas a autoridade judicial (a comunicação do policial militar deve ser feita diretamente
ao juiz que exerce jurisdição na localidade, e não ao delegado de polícia).
Importe frisar que a imposição de medida protetiva pelo policial militar é um
j : o agressor será ”. A lei não
aponta discricionariedade ao agente público, mas sim uma imposição legal. Existindo a
violência doméstica real ou iminente, à mulher ou seus dependentes, o militar deverá
aplicar a medida.
Assim, nessa inovação normativa o que se busca é a proteção de cada uma das
pessoas que compõe a família, abrangendo as peculiaridades de seus membros e
implementando ações direcionadas a segmentos sociais, historicamente discriminados,
corrigindo desigualdades e propiciando a inclusão social por meio de políticas públicas
específicas, com um tratamento diferenciado para compensar a exclusão a que as
mulheres por vezes são expostas. Não está, portanto, a se tutelar nesta lei o alcance ou o
poder da polícia. O objeto da lei não é tratar se o policial militar ou o policial civil
podem impor medida protetiva, mas o desígnio é instrumentalizar a proteção a mulher
vítima de violência doméstica e seus dependentes pelo agente público, por seu dever de
ofício, impondo uma ação a esses agentes públicos.
Em síntese, para os municípios que não sejam sede de comarcar e não tenham
delegados de plantão no momento, se o policial militar atender uma chamada de
violência doméstica que foi praticada (entende-se que a mera declaração da mulher é
suficiente para sua concretização, uma vez que agressões – físicas ou verbais – e
ameaças são realizadas, em regra, dentro do ambiente doméstico, onde não há
testemunhas, tão pouco há que se falar em exame pericial – corpo de delito – nesse
momento) ou ainda se o policial militar entender que poderá ocorrer uma violência
doméstica a mulher ou seus dependentes ele deve de ofício determinar a aplicação da
medida protetiva, independente dos demais desdobramentos legais inerentes da
ocorrência.
Nesse sentido, a inovação legislativa apenas consolida a aptidão típica das
Polícias Militares, por sua responsividade e capilaridade em todos os rincões do País,
em tornar mais efetivo quanto possível esse novo modelo de proteção integral às
mulheres e familiares vítimas de violência doméstica, seja por meio das Patrulhas ou
Rondas Maria da Penha ou ainda, mediante modelos de acionamento ou atendimento

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dedicado como o recém-lançado SOS Mulher18 da Polícia Militar do Estado de São
Paulo que poderá ser implementado diante da nova dinâmica introduzida pela Lei.
Não resta dúvida, que o escopo legislativo é otimizar a ação feita de proteção do
Estado para a mulher vulnerável, mantendo a competência do poder judiciário, contudo,
possibilitando que o agente policial atue até que o magistrado delibere em definitivo.
Há, portanto, um aperfeiçoamento da Lei Maria da Penha.

3. Alcance da norma
A inovação apresentada pela lei 13.827/2019 mostra-se atualizada e condizente
com a leitura contemporânea de atuação das polícias militares. A competência
constitucional da polícia militar é extremamente ampla. Senão vejamos:

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem


pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições
definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

Ao se referir sobre a atividade de polícia ostensiva, o constituinte traz à baila o


conceito de que esta seja uma atividade eminentemente preventiva, e é, portanto, nas
í Á L zz
õ í j à ”19.
Acrescenta ainda o magistrado, citando Diogo de Figueiredo Moreira Neto, que a
polícia ostensiva compreende a ordem de polícia, o consentimento de polícia, a
fiscalização de polícia e a sanção de polícia. Todas essas, atribuições próprias da
Policia Militar, decorrente do conceito de polícia ostensiva.
O constituinte acrescentou ainda que cabe à Polícia Militar a preservação da
Ordem Pública e dentro deste conceito está inserido a Segurança Pública – estado
antidelitual decorrente de ações de polícia preventiva ou repressiva típica; a
Tranquilidade Pública – estado de ânimo decorrente da sensação de sossego e
segurança; e Salubridade Pública, que decorre da ambiência favorável a vida e ao
estado de sanidade de um loca.

18
Lançamento do programa SOS Mulher: http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/governo-de-sao-
paulo-lanca-aplicativo-sos-mulher/
19
Lazzarini, Álvaro, A Segurança Pública e o Aperfeiçoamento da polícia no Brasil, Revista de Direito
Administrativo. Rio de Janeiro. Abr./Jun. 1991. p. 52

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Inegável a compreensão do policial militar como autoridade policial, uma vez
que assim já manifestou reiteradamente o poder judiciário. Destaca-se a publicação do
provimento número 806/2003 do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, ao
consolidar as normas relativas aos Juizados Informais de Conciliação, Juizados
Especiais Cíveis e Criminais e Juizados Criminais, que afirmou da seguinte forma:

A autoridade policial, ao tomar conhecimento da ocorrência, lavrará


termo circunstanciado, que encaminhará imediatamente ao Juizado e,
considerando a peculiaridade de cada caso, determinar que as partes
compareçam, de pronto ou em prazo determinado pelo Juízo, ao
Juizado Especial.
Considera-se autoridade policial, apta a tomar conhecimento da
ocorrência e a lavrar termo circunstanciado, o agente do Poder
Público, investido legalmente para intervir na vida da pessoa natural,
que atue no policiamento ostensivo ou investigatório. (grifo nosso)
O Juiz de Direito, responsável pelas atividades do Juizado, é
autorizado a tomar conhecimento dos termos circunstanciados
elaborados por policiais militares, desde que também assinados por
Oficial da Polícia Militar.

Esse tem sido também o posicionamento do STF, senão vejamos:20

quer conferir ao termo


‘ ’ 69 L º 9 099/95
compatibiliza com o art. 144 da Constituição Federal, que não faz
essa distinção. Pela norma constitucional, todos os agentes que
integram os órgãos de segurança pública – polícia federal, polícia
rodoviária federal, polícia ferroviária federal, policias civis, polícia
militares e corpos de bombeiros militares – cada um na sua área
í ”

Há de se mencionar, com o cuidado dialético que se exige, que a teoria dos


poderes implícitos (inherent powers), decorrente do direito norte-americano, entrega ao
policial militar, na sua competência de preservar a ordem pública, o dever de adotar
ações concretas para o alcance real, e não meramente retórico desse fim. Não há lógica
jurídica em interpretação diversa! Esse é o entendimento, por exemplo, dado à
competência do Ministério Público para a realização de investigação, ora, se o Parquet
tem a titularidade para o exercício da ação penal pública, é claro que tem o poder de
investigar para colher esses elementos, sob pena de não se lhe garantir o meio idôneo

20
Recurso Extraordinário 1.051.393/SE, já transitado em julgado

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para realizar a persecução criminal21. Pelo exposto, evidencia-se que a aplicação de
medida protetiva pelo policial militar se coaduna com os limites constitucionais de sua
atuação nas ações de polícia ostensiva e preservação da ordem pública.
Neste esforço de se garantir as competências constitucionais das polícias
militares, registre-se o louvável acréscimo do artigo 38-A, em seu parágrafo único, que
determina que todas as medidas protetivas devem ser registradas em um banco único,
para que os órgãos de segurança pública possam fiscalizar e permitir efetividade à
proteção da ofendida.

Conclusão
As ações afirmativas são medidas de Estado aplicadas em reconhecimento a
necessidade de tratamento desigual aos desiguais, em razão da sua hipossuficiência. A
mulher, por seu gênero, foi historicamente fragilizada e tratada de modo diferente
quando comparado com os homens. Ainda que a atualidade permeie um cenário de
maior conforto e tratamento igualitário, as consequências históricas permanecem e são
por elas que por vezes o legislador insere dispositivos legais que buscam mitigar as
diferenças.
A propositura, objeto desse estudo, vai nesse diapasão, invertendo
imediatamente o polo de interesse. Assim, ao invés da mulher que sofreu a violência
buscar o judiciário para sua proteção, ela será concedida imediatamente (nos casos já
elencados), cabendo ao agressor recorrer ao judiciário e produzir as provas e
conhecimento que bem prouver para demonstrar o contrário.
O grande facilitar e garantidor da real aplicação dos direitos humanos à mulher
vítima de violência passa a ser potencialmente o policial militar. Extensão do Estado em
todas as cidades, 24 horas por dia. Permitindo, imediatamente, que aquela família ora
objeto de brutalidade, possa, minimamente, reestabelecer sua paz. A ordem normativa
infraconstitucional aquiesce e caminha conjuntamente com a ideia proposta pelo
constituinte, ao ampliar, de modo substancial, a competência das polícias militares, face
ao jaez de sua atuação e capilaridade de alcance.

21
(10) LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Vol. 1. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p.
462.

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Referências Bibliográficas
Brasil, Código Penal do Império. Lei de 16 de dezembro de 1830. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM-16-12-1830.htm

_______, Código Civil de 1916. Disponível

Fernandes, Valéria Diez Scarance . Lei Maria da Penha: O Processo Penal no


Caminho da Efetividade. [Minha Biblioteca].

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Método, 2010.

JESUS, Damásio de. Violência contra a mulher: aspectos criminais da Lei n.


11.340/2006, 2ª edição, São Paulo: Saraiva,

Provimento nº 806/03: CSM - Consolida as Normas relativas aos Juizados


Informais de Conciliação, Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Juizados Criminais
com ofício específico no Estado de São Paulo. Fonte: TJSP - Conselho Superior da
Magistratura. 05/08/2003. Disponível em
https://www2.oabsp.org.br/asp/clipping_jur/ClippingJurDetalhe.asp?id_noticias=14272
&AnoMes=20038

Ordenações Filipinas, disponível em:


http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm

ANEXO

Relação de Municípios de São Paulo que não são sede de comarca

Adolfo; Águas da Prata; Águas de Santa Bárbara; Águas de São Pedro;


Alambari; Alfredo Marcondes; Altair; Alto Alegre; Alumínio; Álvares Florence;
Álvares Machado; Álvaro de Carvalho; Alvinlândia; Américo de Campos; Analândia;
Anhembi; Anhumas; Aparecida d'Oeste; Araçariguama; Araçoiaba da Serra; Aramina;
Arandu; Arapeí; Arco-Íris; Arealva; Areias; Areiópolis; Ariranha; Aspásia; Avaí;
Avanhandava; Bady Bassitt; Balbinos; Bálsamo; Barão de Antonina; Barbosa; Barra do
Chapéu; Barra do Turvo; Barrinha; Bento de Abreu; Bernardino de Campos; Biritiba-
Mirim; Boa Esperança do Sul; Bocaina; Bofete; Bom Jesus dos Perdões; Bom Sucesso
de Itararé; Borá; Boracéia; Borebi; Braúna; Brejo Alegre; Buritizal; Cabrália Paulista;
Caiabu; Caiuá; Cajamar; Cajati; Cajobi; Campina do Monte Alegre; Campos Novos
Paulista; Canas; Cândido Rodrigues; Canitar; Capela do Alto; Cássia dos Coqueiros;
Castilho; Catiguá; Cedral; Cesário Lange; Charqueada; Clementina; Colômbia;
Coroados; Coronel Macedo; Corumbataí; Cosmorama; Cristais Paulista; Cruzália; Dirce
Reis; Divinolândia; Dobrada; Dolcinópolis; Dourado; Dumont; Echaporã; Elias Fausto;
Elisiário; Embaúba; Emilianópolis; Engenheiro Coelho; Espírito Santo do Turvo; Estiva

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A.V. ROLDAN, L. R. S. MARGATO
Lígia Pinheiro
Gerbi; Estrela do Norte; Euclides da Cunha Paulista; Fernando Prestes; Fernão; Flora
Rica; Floreal; Florínia; Gabriel Monteiro; Gastão Vidigal; Gavião Peixoto; Glicério;
Guaiçara; Guaimbê; Guapiaçu; Guapiara; Guará; Guaraçaí; Guaraci; Guarani d'Oeste;
Guarantã; Guararema; Guareí; Guatapará; Guzolândia; Herculândia; Holambra;
Iacanga; Iacri; Iaras; Ibirá; Ibirarema; Icém; Igaraçu do Tietê; Igaratá; Ilha Comprida;
Indiana; Indiaporã; Inúbia Paulista; Iperó; Ipeúna; Ipiguá; Iporanga; Iracemápolis;
Irapuã; Irapuru; Itaju; Itaóca; Itapirapuã Paulista; Itapuí; Itapura; Itirapuã; Itobi;
Jaborandi; Jaci; Jambeiro; Jeriquara; Joanópolis; João Ramalho; Júlio Mesquita;
Jumirim; Juquitiba; Lagoinha; Lavínia; Lavrinhas; Lindóia; Lourdes; Louveira;
Lucianópolis; Luís Antônio; Luiziânia; Lupércio; Lutécia; Macedônia; Magda;
Manduri; Marabá Paulista; Marapoama; Mariápolis; Marinópolis; Mendonça;
Meridiano; Mesópolis; Mineiros do Tietê; Mira Estrela; Mirassolândia; Mombuca;
Monções; Monte Alegre do Sul; Monte Castelo; Monteiro Lobato; Morungaba; Motuca;
Murutinga do Sul; Nantes; Narandiba; Natividade da Serra; Neves Paulista; Nipoã;
Nova Aliança; Nova Campina; Nova Canaã; Paulista; Nova Castilho; Nova Europa;
Nova Guataporanga; Nova Independência; Nova Luzitânia; Novais; Ocauçu; Óleo;
Oriente; Orindiúva; Oscar Bressane; Ouro Verde; Palmares Paulista;Paraíso;Paranapuã;
Parapuã; Pardinho; Parisi; Paulicéia; Paulistânia; Pedra Bela; Pedranópolis; Pedrinhas
Paulista; Pedro de Toledo; Pereiras; Piacatu; Pindorama; Piquerobi; Pirapora do Bom
Jesus; Planalto; Platina; Poloni; Pongaí; Pontalinda; Pontes Gestal; Populina; Potim;
Pracinha; Pradópolis; Pratânia; Presidente Alves; Quadra; Queiroz; Quintana; Rafard;
Redenção da Serra; Reginópolis; Restinga; Ribeira; Ribeirão Branco; Ribeirão
Corrente; Ribeirão do Sul; Ribeirão dos Índios; Ribeirão Grande; Rifaina; Rincão;
Rinópolis; Riolândia; Riversul; Rubiácea; Rubinéia; Sabino; Sagres; Sales; Sales
Oliveira; Salmourão; Saltinho; Salto Grande; Sandovalina; Santa Albertina; Santa Clara
d'Oeste; Santa Cruz da Conceição; Santa Cruz da Esperança; Santa Ernestina; Santa
Gertrudes; Santa Lúcia; Santa Maria da Serra; Santa Mercedes; Santa Rita d'Oeste;
Santa Salete; Santana da Ponte Pensa; Santo Antônio da Alegria; Santo Antônio de
Posse; Santo Antônio do Aracanguá; Santo Antônio do Jardim; Santo Antônio do
Pinhal; Santo Expedito; Santópolis do Aguapeí; São Francisco; São João das Duas
Pontes; São João de Iracema; São João do Pau d'Alho; São José da Bela Vista; São José
do Barreiro; São Lourenço da Serra; São Pedro do Turvo; Sarapuí; Sarutaiá;
Sebastianópolis do Sul; Serra Azul; Sete Barras; Severínia; Silveiras; Sud Mennucci;
Suzanápolis; Tabatinga; Taciba; Taguaí; Taiaçu; Taiúva; Tapiraí; Tapiratiba; Taquaral;
Taquarivaí; Tarabai; Tarumã; Tejupá; Terra Roxa; Timburi; Torre de Pedra; Torrinha;
Trabiju; Três Fronteiras; Tuiuti; Turiúba; Turmalina; Ubarana; Ubirajara; Uchoa;
União; Paulista; Uru; Valentim Gentil; Vargem; Vera Cruz; Vista Alegre do Alto;
Vitória Brasil; Zacarias

UNISANTA LAW AND SOCIAL SCIENCE – P. 16 – 27; VOL. 8, Nº 1 (2019) 27

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