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15/04/2021 06:45
Atualizado em 15/04/2021 às 09:06
Crédito: Pexels
Com o objetivo de evitar que o Poder Judiciário, locus idealizado para ser acolhedor
e humano, se torne um ambiente hostil e inóspito, este texto apresenta como
proposta central a extensão das formas humanizadas de oitiva de crianças e
adolescentes vítimas de violência às mulheres maiores de 18 anos, mediante o
reconhecimento da existência de um microssistema protetivo às mulheres vítimas de
violência sexual.
Nesse sentido, a Lei 13.505/2017 agregou ao corpo legal da Lei Maria da Penha o
artigo 10-A, §1º, inciso III, o qual estabeleceu como diretriz para a inquirição de
mulheres vítimas de violência a “não revitimização da depoente, evitando sucessivas
inquirições sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem
como questionamentos sobre a vida privada”.
É a partir desta raison d’être compartilhada pelas normas citadas que proponho
neste artigo, mediante a utilização da teoria conhecida no direito brasileiro como
diálogo das fontes, o reconhecimento de um microssistema protetivo às mulheres
vítimas de violência sexual.
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Pois bem. Os pontos de encontro entre a Lei 13.431/2017 e o corpus iuris protetivo
às mulheres vítimas de violência já foram expostos no início do texto; todavia, um
ponto ainda carece de maior aprofundamento, a saber, a norma de abertura (ou
remissiva) do microssistema de proteção às mulheres vítimas de violência sexual, ou
seja, o comando normativo central que viabiliza a interação permanente e
coordenada entre a Lei 13.431/2017 e as normas nacionais e internacionais
protetivas às mulheres maiores de dezoito anos: o artigo 6º, parágrafo único, da Lei
13.431/2017.
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Ao julgar o caso Favela Nova Brasília vs. Brasil, a Corte Interamericana de Direitos
Humanos também reconheceu o quilate fundamental da palavra da vítima em casos
de violência sexual, ao afirmar que: “dada a natureza dessa forma de violência, não se
pode esperar a existência de provas gráficas ou documentais e, por isso, a declaração
da vítima constitui uma prova fundamental sobre o fato[10]”.
Esta também parece ser a conclusão de Guilherme Madeira Dezem, ao afirmar que:
“Os mesmos motivos apresentados para o depoimento especial de crianças e
adolescentes podem ser aplicados para a oitiva de mulheres vítimas de violência:
evitar a revitimização e melhorar a qualidade epistêmica do depoimento[11]”.
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Por outro lado, caso a oitiva fosse realizada pela via comum do Código de Processo
Penal, a vítima de violência sexual seria instada a vivenciar novamente a violência
sofrida em ao menos duas oportunidades, uma em fase de investigação e outra nos
bancos do Poder Judiciário. Neste caso, menos é mais.
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Pois bem. Se, até o presente momento, o Estado optou pelo caminho da
insensibilidade em matéria de inquirição de mulheres vítimas de violência sexual,
surge com a novel iniciativa a oportunidade de recolocar nos trilhos da proteção da
dignidade humana um sistema de justiça que jamais deveria ter descarrilhado.
causados à vítima em razão da interferência das instâncias formais de controle social”. VIANA,
Eduardo. Criminologia. 2. ed. Bahia: Juspodivm, 2014, p. 69.
sexual, as professoras Virginia Bravo e Ibar Martínez Melella advertem que: “Es a través del
dialogo que podemos ayudar a la sobrevivente a resignificar suas experiencias y a recontextualizar
narrativas opresoras”. BRAVO, Virginia e MELELLA, Ibar Martínez. Herramientas para el diálogo en
la escucha de mujeres en situación de violencia. In: Herramientas para la tutela efectiva en
matéria de violencia familiar y contra la mujer. Paraná: Delta Editora, 2019, p. 37.
[3] STF, RE 466.343, rel. ministro Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 03 de dezembro de
2008.
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[4] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Recomendação geral nº 33 sobre o acesso das
[5] BENJAMIN, Antonio Herman; MARQUES, Cláudia Lima e; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de
Direito do Consumidor. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 145.
[6] STJ, AgRg no REsp 1483780/PE, rel. ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, julgado
[7] STJ, RHC 45.589/MT, rel. ministro Gurgel de Faria, 5ª Turma, julgado em 24 de fevereiro de
2015.
[8] STJ, Vara especializada em violência doméstica é competente para julgar abuso sexual contra
menina de quatro anos. Decisão de 22 de outubro de 2020, número do julgado não divulgado em
razão de segredo judicial. Disponível em:
<https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/22102020-Vara-
especializada-em-violencia-domestica-e-competente-para-julgar-abuso-sexual-contra-
menina-de-quatro-anos.aspx>.
[9] STJ, AgRg no HC 631.294/MS, rel. ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, julgado
[10] Corte IDH, Caso Favela Nova Brasília vs. Brasil. Exceções Preliminares, Fundo, Reparações e
[11] DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de Processo Penal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2021, p. 755.
[12] Art. 11, § 2º Não será admitida a tomada de novo depoimento especial, salvo quando
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[13] BARROSO, Luís Roberto. Sem data venia. Rio de Janeiro: Editora História Real, 2020, p. 76.
THIMOTIE ARAGON HEEMANN – Bacharel em Direito pela Fundação Escola Superior do Ministério Público
do Rio Grande do Sul (FMP). Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná, atualmente
na Comarca de Campina da Lagoa/PR. Colaborador no Centro de Apoio Operacional às Promotorias de
Direitos Humanos do Ministério Público do Estado do Paraná (CAOPJDH). Colaborador do Núcleo de
Promoção da Igualdade Étnico-Racial (NUPIER) do Ministério Público do Estado do Paraná. Palestrante.
Professor de Direito Constitucional e Direitos Humanos do Curso CEI, da Fundação Escola do Ministério
Público do Estado do Paraná (FEMPAR) e da Escola da Magistratura do Estado do Paraná (EMAP). Autor
de livros e artigos jurídicos.
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