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Políticas
e diretrizes
nacionais para
investigar,
processar
e julgar
LUANNA MARLEY
Copyright © 2020 by Fundação Demócrito Rocha
Raymundo Netto
Gerente Editorial e de Projetos
Marisa Ferreira
Coordenadora de Cursos
Joel Bruno
Designer Instrucional
Leila Paiva
Coordenadora de Conteúdo
Raymundo Netto
Coordenador Editorial
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Editora de Design e Projeto Gráfico
Miqueias Mesquita
Designer
Daniela Nogueira
Revisora
Carlus Campos
Ilustrador
Luísa Duavy
Produtora
Fernando Diego
Analista de Marketing
E
stereótipos discriminatórios de
gênero no sistema de justiça ain-
da é um dos obstáculos que, mui-
tas vezes, mulheres sobreviven-
tes, familiares das vítimas de feminicídio
e outros crimes violentos contra as mulhe-
res enfrentam no cotidiano do sistema de
justiça. Esses estereótipos criam e refor-
çam, no imaginário social, como deve ser
o comportamento de homens e mulheres
e os papéis sociais que devem desenvol-
ver na sociedade. São criadas hierarquias
sociais de sexo/gênero, tendo como resul-
tado as desigualdades.
Além disso, os dados sobre violência
contra a mulher têm demonstrado que
há um entrelaçamento complexo dos
marcadores sociais da diferença, como
raça, classe e sexualidade que se imbricam
na produção de discriminações, opres-
sões e violências. Por isso, toda e qualquer
proposta de políticas públicas ou projeto
emancipatório para as mulheres, de de-
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Os Estados devem empenhar-se, dentre
outros, a: i) adotar medidas jurídicas que
exijam do agressor que se abstenha de per-
seguir, intimidar e ameaçar a mulher; de fa-
zer uso de qualquer método que danifique
ou ponha em perigo sua vida ou integrida-
de; ou danifique sua propriedade; ii) tomar
todas as medidas adequadas, inclusi-
ve legislativas, para modificar ou abolir
PROTEÇÃO INTERNACIONAL
leis e regulamentos vigentes; ou modificar
práticas jurídicas ou consuetudinárias que
A
inclusive, entre outros, medidas de prote-
discussão sobre os direitos hu- sembleia Geral das Nações Unidas, deno- ção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais
manos das mulheres e a ne- minada Convenção pela Eliminação de processos; iv) estabelecer mecanismos
cessidade do enfrentamento à todas as formas de discriminação con- judiciais e administrativos necessários
violência contra as mulheres tra as mulheres (Cedaw). O Brasil ratifi- para assegurar que a mulher sujeitada à
compõe uma agenda global, uma vez cou a Cedaw em 1984. violência tenha efetivo acesso a restituição,
que, como já reconhecido pelas Organiza- Outro importante instrumento inter- reparação do dano e outros meios de com-
ções das Nações Unidas (ONU), essas vio- nacional é a Convenção Interamericana pensação justos e eficazes (artigo 7).
lências e desigualdades se constituem um para Prevenir, Punir e Erradicar a Vio- Nesse sentido, o dever de agir do Esta-
fenômeno social preocupante no âmbito lência contra a Mulher (Convenção de Be- do, o acesso à justiça, a igualdade e a não
mundial. Os textos normativos e protoco- lém do Pará), adotada durante a Assembleia discriminação – considerando as intersec-
los que se inserem no âmbito da ONU e Geral das Organizações dos Estados Ameri- cionalidades de raça, cor, etnia, origem,
das Organizações dos Estados America- canos (OEA) ocorrida na cidade de Belém idade, território, religião, idioma, deficiên-
nos (OEA) representam a urgência de po- do Pará, no Brasil, em 1994. Conforme a cia, classe social, orientação sexual, iden-
líticas públicas de igualdade (equidade) Convenção de Belém do Pará, entende-se tidade de gênero, dentre outras, reconhe-
de gênero no mundo, a serem assumidos por violência contra a mulher “qualquer ato cendo, portanto, as diversas experiências e
pelos Estados (países). ou conduta baseada no gênero que cause vivências das mulheres – são os principais
O primeiro tratado internacional que morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou compromissos que devem ser assumido
aborda de forma ampla os direitos das psicológico à mulher, tanto na esfera públi- pelos Estados, trazidos por ambos os do-
mulheres foi adotado em 1979 pela As- ca como na esfera privada” (artigo 1). cumentos (Cedaw e Convenção de Belém).
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interseccionalidades, ou seja, reconhecer que
as violências contra as mulheres também são
distintas, uma vez que há especificidades a
serem observadas: quando as mulheres são
negras, pobres, lésbicas, meninas, jovens,
adultas ou idosas, com ou sem deficiência.
INVESTIGAR, PROCESSAR
E JULGAR COM A usam como estratégia a sistematização
de notícias sobre a morte das mulheres,
DE MULHERES NO BRASIL
policiais, judiciários, Instituto Médico Legal,
Defensorias Públicas e Ministérios Públicos
Q
também tem feito parte desses esforços. Po-
uantos crimes violentos contra tica brasileira, a necessidade do enfrenta- rém o uso de diferentes fontes de informa-
as mulheres em razão de gênero mento a essas violências, demonstrando ções pode gerar uma série de fragilidades
chegam a julgamento? Quais são que o ciclo de violências vivenciado pelas nos dados e, principalmente, uma subnotifi-
as decisões em relação a esses mulheres pode levá-las à morte. cação dos registros. Isso quer dizer que cada
tipos de crimes? Qual é o contexto em que Nomear a violência contra as mulhe- órgão sistematiza seus dados de forma dife-
as mulheres vítimas de feminicídio são mor- res e denunciá-la têm significado a des- rente e a partir da sua compreensão e atua-
tas? Essas questões têm se apresentado, ao naturalização da ideia de que “a violência ção, inclusive técnica e metodológica, resul-
longo dos anos, como desafios a serem en- doméstica é algo do âmbito privado e por tando em dados duplicados e nos inúmeros
frentados pelo sistema de justiça, no que diz isso ‘ninguém mete a colher’”. As denúncias casos que não são devidamente registrados.
respeito à violência letal de mulheres. também trazem consigo a necessidade de Mas qual é a importância de dados
No Brasil, nomear a violência contra as se conhecer melhor o fenômeno da violên- oficiais? Qual é a importância do julga-
mulheres, dentre elas a violência domésti- cia a fim de combatê-la, tanto no âmbito mento considerando a perspectiva de gê-
ca e familiar, tem sido um dos passos fun- público como no privado, exigindo a produ- nero? Conhecer os dados estatísticos, bem
damentais para pautar as instituições ção de dados oficiais sobre as violências e como dados qualitativos que permitam
públicas quanto à gravidade dessas as violações dos direitos das mulheres. compreender as questões estruturantes da
violências e à importância de uma com- Ao longo da história, têm ocorrido es- sociedade e o contexto de violência con-
preensão e atuação a partir da perspec- forços por parte de universidades, a partir tra as mulheres, permite a identificação de
tiva de gênero nos processos judiciais. A de grupos de pesquisa, organismos inter- elementos para a elaboração e implemen-
Lei nº 11.340 de 2006 (Lei Maria da Penha) nacionais e movimentos feministas, de sis- tação de políticas públicas voltadas à elimi-
se configurou como um dos passos funda- tematização de dados e informações sobre nação da discriminação e qualquer forma
mentais e que posiciona, na agenda polí- os feminicídios no Brasil. Muitas pesquisas de violência contra as mulheres.
SISTEMA DE JUSTIÇA
marcas ficam registradas no corpo
da vítima? Crimes de feminicídio
A
muitas vezes apresentam caracte-
rísticas de extrema violência e tortu- s Diretrizes Nacionais têm se con- violência por sua condição de mulher (de
ras, evidenciando a raiva, o nojo e a figurado como um documento gênero). Tais episódios poderiam ser evi-
vontade de punição que o agressor orientador para o sistema de tados. Entretanto, ainda são necessárias
tem em relação à vítima. Ficam evi- justiça criminal, o que não quer políticas públicas, inclusive no âmbito
denciadas partes do corpo afetadas, dizer que tenha sido totalmente adotado. do sistema de justiça criminal, para a eli-
como seios, rosto, órgãos genitais, Ainda há passos importantes para a conso- minação de toda e qualquer forma de
que deixam nítida a razão do gêne- lidação da perspectiva de gênero quando violência contra a mulher e para a efe-
ro, de eliminação da condição de ocorrem mortes violentas de mulheres ou tivação de uma vida livre, saudável,
mulher (do gênero feminino). tentativas. Contudo, o documento tem es- sem opressões e com equidade.
timulado a elaboração de protocolos espe- A eliminação de todas as formas de dis-
d. Sujeito ativo: qualquer pessoa.
cíficos para a apuração e o julgamento dos criminação e violências de gênero exige es-
Com a Lei Maria da Penha (Lei
crimes de feminicídio em alguns estados. forços sociais do Estado, que considerem
11.340/2006), houve uma amplia-
O Distrito Federal, em 2017, foi a primeira as especificidades das mulheres, sejam
ção de quem é o sujeito ativo (a
unidade da federação a criar um Protocolo elas cis, trans, negras, brancas, indígenas,
pessoa agressora). Em geral, são
de Investigação e Realização de Perícias quilombolas, ciganas, de várias idades e
homens, mas há situações em que
nos Crimes de Feminicídio, da Polícia religiões, mulheres do campo ou da cida-
as mulheres podem também agre-
Civil do Distrito Federal (PCDF). Em Per- de, com ou sem deficiência.
dir, em relações entre pessoas do
nambuco foi lançado o Protocolo Pernam- A transformação dessa realidade é fun-
mesmo sexo, bem como ter partici-
bucano de Feminicídio (2018). Os estados damental. Por isso, podemos presenciar
pação, como nos casos que envol-
do Maranhão, Mato Grosso do Sul, Piauí, uma incansável luta dos movimentos fe-
vem exploração sexual, tráfico de
Rio de Janeiro e Santa Catarina aderiram à ministas, movimentos de mulheres negras,
pessoas, dentre outras.
implementação das Diretrizes Nacionais e de lésbicas e bissexuais e de mulheres tran-
e. Sujeito passivo: o feminicídio tiveram a assessoria da ONU Mulheres para sexuais pela implementação de leis, proto-
tem como vítimas meninas e mu- o desenvolvimento dos protocolos. colos, políticas públicas, e capacitações no
lheres, independe de raça, etnia, Em uma sociedade com desigualda- sistema de justiça, para que a segurança, a
classe, idade, procedência regio- des de gênero, etnia, geração, sexualida- integridade física e psicológica e a vida se-
nal ou nacional, orientação sexual de, raça e classe, como o Brasil, as mu- jam uma realidade garantida e concreti-
e identidade de gênero. lheres são alvo de múltiplas formas de zada no cotidiano das mulheres.
SAIBA MAIS
CARNEIRO, Sueli. Mulheres negras, violência e
Comitê para a Eliminação da Discriminação contra
pobreza. In: SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS
a Mulher (CEDAW). Comentários finais. Brasil, 10
PARA AS MULHERES. Programas de Prevenção,
ago. 2007. CEDAW / C / BRA / CO / 6.
Criação de um Protocolo Nacional Assistência e Combate à Violência contra a
Mulher. Diálogos sobre a violência doméstica ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Comitê
Em junho de 2020 o Ministério da Justiça para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher
e de gênero: construindo políticas para as
e Segurança Pública, por meio da Portaria mulheres. Brasília-DF, 2003. (CEDAW). Recomendação geral nº 28: sobre as
nº 340/2020, criou o Protocolo Nacional obrigações fundamentais dos Estados Partes ao
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS
de Investigação e Perícias nos Crimes abrigo do art. 2º da Convenção sobre a Eliminação de
HUMANOS (CIDH). Acesso à justiça para mulheres
de Feminicídio. Entretanto, o Protocolo Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres
vítimas de violência nas Américas. OEA/Ser. L/V/II:
(adotada pelo Comitê na sua 47ª sessão) 2010.
tem sido questionado, ensejando um Doc. 68, 20 de janeiro de 2007.
PASINATO, Wania. “Femicídios” e as mortes
Projeto de Decreto Legislativo para sustar COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS
de mulheres no Brasil. Cadernos Pagu,
os efeitos da Portaria. Os principais HUMANOS (CIDH). Orientação sexual, identidade
(37), 219-246. 2016.
motivos são o fato de o documento ter de gênero e expressão de gênero: alguns
termos e padrões relevantes. Estudo elaborado SEVERI, Fabiana. (2016). Justiça em uma
um caráter sigiloso, sendo, portanto, perspectiva de gênero: elementos teóricos,
em cumprimento da resolução AG/RES. 2653
inconstitucional, e que “vai de encontro (XLI-O/11): Direitos Humanos, Orientação Sexual e normativos e metodológicos. Revista Digital
a compromissos internacionais firmado Identidade de Gênero, 23 de abril de 2012. de Direito Administrativo. 3. 574. 10.11606/
pelo Brasil”. Além disso, o Brasil já issn.2319-0558.v3i3p574-601.
FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro et al. Discursos
adotou o “Modelo de protocolo latino- Negros: legislação penal, política criminal e WERNECK, Jurema; IRACI, Nilza. A situação dos
racismo. Brasília: Brado Negro, 2015. direitos humanos das mulheres negras no Brasil:
americano de investigação de mortes
violências e violações. São Paulo: Criola-Geledés, 2016.
violentas de mulheres por razões de LAGARDE, Marcela. Por la vida y la liberdad de las
gênero (feminicídio), concretizando-o mujeres: fin al femicídio. El dia, V., fevereiro, 2004.
nas Diretrizes Nacionais para investigar, MELLO, Adriana de. Femicídio: uma análise
processar e julgar com perspectiva de sociojurídica do fenômeno no Brasil. Rio de
Janeiro: GZ Editora, 2016. MENDES, Soraia da
gênero as mortes violentas de mulheres.” Rosa. Criminologia Feminista: novos paradigmas.
Fonte: Agência Câmara de Notícias. São Paulo: Saraiva, 2017.
ILUSTRADOR
CARLUS CAMPOS
Artista gráfico, pintor e gravador, começou
a carreira em 1987 como ilustrador no jornal
O POVO. Na construção do seu trabalho, aborda
várias técnicas como: xilogravura, pintura,
infogravura, aquarelas e desenho. Ilustrou
revistas nacionais importantes como a Caros
Amigos e a Bravo. Dentro da produção gráfica
ganhou prêmios em salões de Recife, São Paulo,
Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
APOIO PATROCÍNIO
REALIZAÇÃO