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Enfrentamento à violência

doméstica e familiar contra

Mulher
GRATUITA
Essa publicaçã
o
não pode ser
comercializad
a

12
Violência
e Trabalho
ANA VIRGÍNIA PORTO
E LEILA PAIVA
Copyright © 2020 by Fundação Demócrito Rocha

FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA


Luciana Dummar
Presidente

André Avelino de Azevedo


Diretor Administrativo-Financeiro

Raymundo Netto
Gerente Editorial e de Projetos

Aurelino Freitas, Emanuela Fernandes e Fabrícia Góis


Analistas de Projetos

UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (Uane)


Viviane Pereira
Gerente Pedagógica

SUMÁRIO
Marisa Ferreira
Coordenadora de Cursos

Joel Bruno
Designer Instrucional

CURSO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER


Valéria Xavier
Concepção e Coordenadora Geral

Leila Paiva
Coordenadora de Conteúdo

Raymundo Netto
Coordenador Editorial

Andrea Araujo
Editora de Design e Projeto Gráfico

Miqueias Mesquita
Designer

Daniela Nogueira
Revisora

Carlus Campos
Ilustrador

Luísa Duavy
Produtora
Fernando Diego
Analista de Marketing

Este fascículo é parte integrante do Projeto “Programa de Enfrentamento à Violência Doméstica


e Familiar Contra a Mulher”, em atendimento do Contrato Nº 74/2020 firmado entre a Fundação
Demócrito Rocha e a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará e do Termo de Fomento Nº 02/2020
firmado entre Fundação Demócrito Rocha e Câmara Municipal de Fortaleza.

1. Apresentação 180
2. A relação entre trabalho e violência doméstica 181
3. Direitos Trabalhistas para mulheres 183
4. O mundo do trabalho e a violência de gênero 187
5. Possibilidade de afastamento do emprego face a violência doméstica 188
6. Garantia de emprego após o retorno ao trabalho 190
Referências 191

Todos os direitos desta edição reservados à:

Fundação Demócrito Rocha


Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora
Cep 60.055-402 - Fortaleza-Ceará
Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148
fdr.org.br | fundacao@fdr.org.br
2
A RELAÇÃO ENTRE
TRABALHO E VIOLÊNCIA
1 DOMÉSTICA
A
realidade trazida pela pandemia O que para o objeto deste módulo é de-
da covid-19 descortinou o coti- terminante é o dado revelado pela pesqui-
diano até então pouco discutido sa que demonstra que o índice de vio-
no mundo do trabalho: a relação lência contra as mulheres que integram

APRESENTAÇÃO entre trabalho e violência.


No momento em que vários profissio-
a população economicamente ativa, ou
seja, estão inseridas em atividades de

U
nais passaram a trabalhar no regime de trabalho (52,2%) é quase duas vezes
m problema enfrentado há muito tempo no Brasil e em ou- home office passaram também a equili- maior do que a taxa de violência do-
tros lugares do mundo, a relação entre mulheres e trabalho, brar o trabalho remunerado com tarefas méstica entre aquelas que não estão no
por ocasião da pandemia enfrentada pela população mun- domésticas. Porém esse fenômeno não mercado de trabalho (de 24,9%).
dial, foi acrescido de um terceiro componente: a violência. atinge as pessoas de forma igual; para mu- O mesmo estudo concluiu que mulheres
É certo que a pandemia da covid-19 afetou todas as lheres, essa realidade foi mais sentida. que trabalham fora e coabitam com o par-
pessoas, mas também é fato que elas não foram atingidas de As mulheres sempre tiveram de se divi- ceiro têm menor probabilidade de sofrer
forma igual. No Brasil um tema que tem sido aprofundado é como dir em várias responsabilidades, com a tão violência do que as que estão empregadas
as relações desiguais na sociedade e no trabalho impactam conhecida jornada dupla, que na pande- e separadas do agressor.
em diversas formas de violência de gênero – ou seja, a violência mia passou a significar milhares de tarefas, Chama atenção dos movimentos de
sofrida pelo simples fato de ser mulher. contando com pouca ou nenhuma ajuda defesa de direitos da mulher que resul-
As medidas tomadas para a contenção do novo coronavírus, de companheiros e de outros membros da tados tornam complexa a ideia de que
como a suspensão de aulas e a exigência de que famílias fiquem em família. Essa não tem sido uma tarefa fácil. empoderar economicamente as mulhe-
casa, resultaram em maior sobrecarga de trabalho para mulheres e Um estudo realizado pelo Instituto de res é suficiente para que elas saiam de
no aumento da violência que sofrem. Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em uma situação de violência. A dependên-
Assim, considerou-se importante no curso, que dialoga sobre 2019, discute os efeitos da participação cia econômica é vista como um fator
violência doméstica e familiar contra a mulher, aprofundar o tema da mulher no mercado de trabalho so- central para que mulheres permane-
do papel do trabalho nesse fenômeno. bre a violência doméstica e familiar con- çam em uma relação conjugal violenta,
Este módulo pretende, além de lançar algumas luzes sobre temas tra as mulheres, especialmente a violência mas é preciso considerar outros fatores
relacionados à violência doméstica e trabalho, trazer ao debate outras cometida pelo homem com quem mantem quando se fala em enfrentar a violência
formas de violência que se relacionam com a violência doméstica. vínculo afetivo ou já manteve. doméstica e familiar.

180 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER 181
O estudo revela ainda que, em alguns foi o retrato dramático da dinâmica per-
casos, o empoderamento econômico pode versa de exploração que esse trabalho
contribuir para o efeito contrário, fazendo ainda perpetua contra mulheres, que sa-
com que elas sofram mais violência. É níti-

3
crifica essas trabalhadoras que são, na
do que a violência sofrida deve ser atri- maioria, pobres e negras.
buída não ao fato de a mulher trabalhar A realidade é que o país novamente foi
fora, mas à cadeia de poder e domina- obrigado a debater um tema que, assim
ção com a qual ela está rompendo ao como a violência familiar, vem sendo cober-
entrar no mercado de trabalho e garan- ta pelo manto sagrado dos lares brasileiros.
tir independência econômica. No Brasil, estudo do Ipea com dados do
Assim, o tema do trabalho e gênero Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti-
toma dimensões relevantes para o deba- ca (IBGE) mostra que cerca de 6 milhões de
te do enfrentamento da violência contra a
mulher e chega a compor as várias faces da
mulheres (60% delas, negras), ou 14% da-
quelas que estão na força de trabalho, são DIREITOS TRABALHISTAS
PARA MULHERES
violência de gênero. empregadas domésticas. Os dados demos-
No Brasil, além da violência de gêne- tram que 9% das mulheres empregadas do-

A
ro causada por seus companheiros, outra mésticas do mundo estão no Brasil.
forma de violência contra a mulher e com A pandemia da covid-19 remexeu o de- Constituição Federal brasileira De acordo com o princípio fundamental
interface com o debate da simbologia do bate que é relegado e escondido há anos, reconhece o valor social do traba- da isonomia, homens e mulheres são iguais
“lar sagrado” é a violência oriunda do tanto que o grande pacto federativo por lho, como fonte de realização pes- em direitos e obrigações, nos termos da
trabalho doméstico. Se no cotidiano são direitos trabalhistas – a Consolidação dos soal, promoção do bem comum e Constituição da República Federativa do Bra-
as mulheres – com relações de emprego ou Direitos Trabalhistas (CLT) – deixou o tra- da dignidade humana, para efetivação de sil de 1988 (art. 5º). De outro lado, no rol dos
não – que cuidam das tarefas domésticas, balho doméstico de fora. Mas a realidade uma vida plena. Para tanto, prevê a garantia direitos sociais trabalhistas, o art. 7º da Cons-
fazem comida, limpam e lavam a roupa, as é que, não por acaso, a primeira morte por de igualdade de gênero na relação de tra- tituição Federal de 1988 estabelece a prote-
mulheres trabalhadoras domésticas vão covid-19 no Brasil foi de uma empregada do balho, proibindo diferença de remuneração ção do mercado de trabalho da mulher.
muito além: fazem o serviço na casa dos Rio de Janeiro, contaminada pela patroa. justa entre homens e mulheres, promoven- Ao mesmo tempo em que se determina
patrões com horários muito maiores que os Diferentemente de suas patroas, essas do melhores condições de trabalho a todos a liberdade de contratação e a liberdade do
demais trabalhadores e lutam com o desa- mulheres não tinham a opção de ficar em e a todas, bem como o desempenho de um exercício de qualquer trabalho ou ofício, a
fio de manter suas vidas, suas casas, sua fa- casa isoladas com suas famílias. Muitas trabalho saudável, livre e protegido. lei brasileira prevê que nenhuma pessoa
mília com todas as tarefas ou abrir mão de delas, para conseguir fazer isso, o fariam pode ser obrigada a realizar trabalho forço-
ter essa vida e viver a vida determinada pela sem nenhum rendimento, já que as “fa- so ou gratuito análogo ao de escravo nem
dinâmica da vida dos patrões. mílias” brasileiras não se propunham a sofrer qualquer tipo de discriminação no
A divulgação que mobilizou a impren- manter seus pagamentos. Esse é mais um trabalho. É importante ressaltar que a Cons-
sa acerca da morte de uma criança filha dos temas estruturantes para o debate do tituição Federal assegura a proteção à inti-
de trabalhadora doméstica no Recife (PE) tema que envolve trabalho e a violência midade e à honra da mulher trabalhadora
está longe de ser um acaso. Na verdade, contra a mulher. (artigo 5°, inciso X, da Constituição Federal).

182 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER 183
Veja a expressa vedação legal, tanto em
nossa Constituição Federal, no artigo 7º, in-
ciso XXX, quanto no artigo 5º da Consolida-
ção do Trabalho, abaixo transcritos:
“Art. 7º, XXX – proibição de diferença de sa-
lários, de exercício de funções de critério de
admissão por motivo de sexo, idade, cor ou
estado civil”;
“Art. 5º. A todo trabalho de igual valor
corresponderá salário igual, sem “distin-
ção de sexo”. TÁ NA LEI
Vislumbra-se da própria leitura da Conso- O artigo 373-A da Consolidação
lidação das Leis do Trabalho que esta prevê a das Leis do Trabalho traz importante
possibilidade de adoção de medidas com o previsão quando menciona quais são
objetivo de proteger o mercado de trabalho as proibições legais que devem ser
das mulheres, afastando de forma expressa respeitadas pelos empregadores:
a possibilidade de reduzir o salário: 1. Publicar ou fazer anúncio de
“Art. 377. A adoção de medidas de proteção emprego que faça referência ao sexo.
ao trabalho das mulheres é considerada de 2. Recusar emprego ou promoção,
ordem pública, não justificando, em hipó- ou motivar a dispensa do trabalho
tese alguma, a ‘redução de salário’”. em razão do sexo (salvo quando a
Desse modo, todos os preceitos que re- natureza da atividade seja
A Consolidação das Leis do Trabalho, gulam o trabalho dos homens também são notoriamente incompatível).
por sua vez, assegura à mulher a igualdade aplicáveis ao trabalho da mulher, desde 3. Considerar o sexo como variável
de oportunidades ao ingressar no merca- que não venham a colidir com a proteção determinante para fins de remuneração,
do de trabalho, por meio de vedações im- especial instituída no Capítulo III da CLT, em formação profissional e oportunidades
postas ao empregador. A CLT visa assegu- conformidade com o seu artigo 372. de ascensão profissional.
rar o livre e permanente acesso da mulher A jornada de trabalho da mulher será 4. Exigir atestado ou exame, de qualquer
ao mercado de trabalho, entre outras dis- de 8 horas diárias, exceto nas hipóteses em natureza, para comprovação de
posições, estabelecendo normas de prote- que for fixada duração inferior, nos mol- esterilidade ou gravidez, na admissão
ção ao trabalho feminino (artigos 372 a 401 des estampados no artigo 373 da Consoli- ou permanência no emprego.
da CLT), as quais dispõem sobre a duração dação das Leis do Trabalho. A duração da 5. Impedir o acesso ou adotar critérios
e as condições do trabalho da mulher, a jornada de trabalho da mulher é igual à dos subjetivos na inscrição ou provação de
discriminação contra a mulher, o trabalho homens, nos termos do artigo 372 da CLT, concursos, em empresas privadas, em
noturno, os períodos de descanso, os mé- abaixo transcrito: razão de sexo ou estado de gravidez.
todos e locais de trabalho e a proteção ao 6. Proceder ao empregador ou o
“Art. 372. Os preceitos que regulam o trabalho
matrimônio e à maternidade, sendo este masculino são aplicáveis ao trabalho femini- seu preposto a revistas íntimas nas
último assunto de grande importância e no, naquilo em que não colidirem com a pro- empregadas ou funcionárias
relevância na vida da mulher trabalhadora. teção especial instituída por este Capítulo”. (artigo 373-ABN VI, da CLT).

184 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER 185
A empregada gestante tem direi-
to à estabilidade provisória, pois
fica vedada a dispensa de forma ar-
bitrária ou sem justa causa, desde a
confirmação da gravidez até cinco
meses após o parto (art. 10, inciso
II, b, do Ato das Disposições Consti-
tucionais Transitórias).
A empregada gestante e, por iso-
nomia, a empregada adotante, a

4
Vejamos algumas informações impor- qual tenha sido concedida guarda
tantes quanto aos direitos das mulheres provisória para fins de adoção, tam-
gestantes: bém passaram a ter o direito à refe-
• Licença-maternidade: durante 120 rida estabilidade provisória (art. 391-
dias é devida à empregada gestante A, parágrafo único, da CLT, incluído Esse fenômeno da “feminização do em-
e à empregada que adotar ou obti- pela Lei 13.509/2017). prego” consiste em uma determinação so-
ver guarda judicial para fins de ado- • Para amamentar o filho, inclusive se cial das atividades adequadas às mulheres,
gerando canais de trabalho e segregação

O MUNDO DO
ção de criança ou adolescente (arts. advindo de adoção, até que este com-
392 e 392-A da CLT). Durante o perí- plete seis meses de idade, a mulher profissional que resultam em lacunas de
odo de licença-maternidade, a mu- tem direito, durante a jornada de tra- desigualdade econômica, política, social e
lher tem direito ao salário integral e,
quando variável, calculado de acor-
balho, a dois descansos especiais de
meia hora cada um (art. 396 da CLT).
TRABALHO E cultural, em que as mulheres assumem po-
sições subordinadas.
do com a média dos seis últimos
meses de trabalho, bem como os di-
• Direitos previdenciários: o salário-
-maternidade é devido à segurada da
A VIOLÊNCIA Esse trabalho doméstico feminino aca-
ba sendo considerado não produtivo e, por-
reitos e vantagens adquiridos. Após Previdência Social, durante 120 dias,
DE GÊNERO tanto, não remunerado, invisível aos olhos
da sociedade e das políticas trabalhistas.

A
a licença, à trabalhadora é facultado com início no período entre 28 dias
reverter à função que anteriormente As condições do trabalho doméstico são
antes do parto e a data de ocorrência pesar de todas essas disposições, precárias do ponto de vista dos direitos tra-
ocupava (art. 393 da CLT). deste (art. 71 da Lei 8.213/1991). Para as desigualdades ainda existentes balhistas e da seguridade social. Qualquer
• Durante a gravidez: é garantido à a segurada da Previdência Social que quanto à remuneração e aos de- que seja o trabalho feito em casa, o espaço
empregada sem prejuízo do salário adotar ou obtiver guarda judicial para mais direitos das mulheres devem privado por excelência, faz com que o Esta-
e demais direitos a transferência de fins de adoção de criança, também ser enfrentadas por meio de medidas mais do tenha pouca interferência nele, gerando
função, quando as condições de saú- é devido salário-maternidade pelo amplas e efetivas de combate à discrimina- um fortalecimento de papéis e estereótipos
de assim exigirem, assegurada a reto- período de 120 dias (art. 71-A da Lei ção no mercado de trabalho e de promoção de gênero e a ausência de mecanismos ju-
mada da função anteriormente exer- 8.213/1991). Todos os demais bene- do trabalho da mulher. rídicos e políticas públicas adequados que
cida, logo após o retorno ao trabalho; fícios previdenciários, devidos aos Há visível dificuldade, face a carga cul- regulam esse tipo de trabalho com adesão
dispensa do horário de trabalho pelo segurados e dependentes da Previ- tural que promove a prevalência masculina aos direitos humanos.
tempo necessário para a realização dência Social, são assegurados às no mundo do trabalho, para se chegar a um Há de se ponderar ainda que o trabalho
de, no mínimo, seis consultas médi- mulheres que sejam seguradas e patamar de igualdade entre trabalho e sa- doméstico remunerado, desde que conti-
cas e demais exames complementa- dependentes da Previdência Social, lários entre os gêneros. Reforçar a ideia da nue sendo um trabalho baseado na divisão
res (art. 392, § 4º, da CLT). como aposentadorias (por idade, por igualdade de gênero é uma finalidade cons- sexual do trabalho e sujeito a estereótipos
Em caso de aborto não criminoso, tempo de contribuição, por invalidez, tante que, na atualidade, passa a ser assimi- dominantes, não garantirá às mulheres uma
comprovado por atestado médico especial), auxílio-doença, auxílio- lada de forma mais alargada. escolha de liberdade total.
oficial, a mulher tem um repouso re- -acidente, salário-família, pensão por Em caso de assédio no trabalho, seja Um dos problemas que mais agravam
munerado de duas semanas, sendo morte e auxílio-reclusão. Há ainda os moral, seja sexual, a trabalhadora pode co- o surgimento das mulheres no mercado
assegurado o direito de retornar à serviços da Previdência Social, como municar o fato ao seu sindicato, ao Ministé- de trabalho é que a mudança histórica de
função que ocupava antes do afasta- a habilitação e reabilitação profissio- rio Público do Trabalho e/ou registrar ocor- afirmação dos direitos sociais das mulheres
mento (art. 395 da CLT). nal e o serviço social. rência à autoridade policial mais próxima. não foi acompanhada de mudanças ade-

186 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER 187
5 A previsão de tal medida mostra-se ne-
cessária e de extrema importância, pois
assegura a preservação física e psicológica
PARA REFLETIR
Para Sexta Turma, INSS deve arcar com afastamento
da mulher, tal como garantir sua afirmação, de mulher ameaçada de violência doméstica.
inclusive profissional, perante a sociedade.
quadas dentro da família: as mulheres que
trabalham fora de casa ainda têm respon- POSSIBILIDADE Entender o contrário acarretaria a imposi-
ção de uma situação insuportável para a
Em 2019, a Sexta Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que
manutenção do vínculo trabalhista, por
até seis meses, em razão de afastamento

DE AFASTAMENTO
sabilidade pelos cuidados das crianças e o Instituto Nacional do Seguro Social do trabalho da vítima, conforme previsto
mulher que vive apenas de seu trabalho,
pelas tarefas domésticas. Essa é uma forma (INSS) deverá arcar com a subsistência no artigo 9º, parágrafo 2º, inciso II, da Lei
sua fonte de renda. Assim, em casos de pre-

DO EMPREGO
de violência invisível que, na maioria dos da mulher que tiver de se afastar do Maria da Penha (Lei 11.340/2006).
mente vulnerabilidade à segurança física e
casos, não é percebida pelas mulheres. trabalho para se proteger de violência A manutenção do vínculo de emprego é
psicológica da mulher, torna-se necessário o
Acabar com a violência de gênero doméstica. Para o colegiado – que
FACE A VIOLÊNCIA afastamento da mulher do trabalho. Porém uma das medidas protetivas que o juiz
também significa promover o equilíbrio acompanhou o voto do relator, ministro pode tomar em favor da mulher vítima de
o legislador optou ainda por não onerar a
da vida familiar. As primeiras normas pro- Rogerio Schietti Cruz –, tais situações
DOMÉSTICA Previdência Social, ao não incluir o período violência, mas, como destacou o ministro
tegiam as mulheres com base em conside- ofendem a integridade física ou Rogerio Schietti, a lei não determinou a
de afastamento no rol das hipóteses que fa-

O
rações biológicas e estereótipos tradicio- psicológica da vítima e são equiparáveis quem cabe o ônus do afastamento – se
zem jus aos benefícios previdenciários.
nais que acabaram limitando seu acesso ao artigo 9º, parágrafo 2º, II, da Lei Maria da Penha esta- à enfermidade da segurada, o que seria responsabilidade do empregador
Portanto, uma possível solução para
trabalho para proteger a família. belece que deve ser assegurado à mulher vítima de justifica o direito ao auxílio-doença, até ou do INSS – nem esclareceu se é um
essa questão seria que a empregada fizes-
Ainda hoje as responsabilidades fa- violência doméstica e familiar o afastamento do em- mesmo porque a Constituição prevê caso de suspensão ou de interrupção do
se jus ao recebimento de numerários pagos
miliares não foram distribuídas de forma prego, com a finalidade de preservar sua integridade que a assistência social será prestada a contrato de trabalho.
pela Previdência Social, como ocorre, por
equitativa, as mulheres continuam assu- física e psicológica, com a manutenção do vínculo trabalhista, quem dela precisar, independentemente
exemplo, na licença-maternidade, previs- Fonte: Sítio eletrônico do Superior
mindo exclusivamente as tarefas domésti- pelo período de até seis meses. de contribuição.
ta no artigo 392 da CLT, e no afastamento Tribunal de Justiça (STJ): http://
cas. Afirmar a igualdade entre gêneros no Caso o agressor não esteja importunando a vítima, bem como No mesmo julgamento, a turma definiu
do trabalhador por doença, conforme arti- www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/
mundo do trabalho passa pela busca de no caso de cumprimento correto das medidas protetivas estabe- que o juiz da vara especializada em
go 476 da CLT e artigo 75, parágrafo 3º do Comunicacao/Noticias/Para-Sexta-
uma mudança cultural de fundo, a fim de lecidas ou na hipótese de estar preso em flagrante, a concessão violência doméstica e familiar – e,
Decreto 3.048/99. Assim, diversos autores Turma--INSS-deve-arcar-com-
que se previna essa violência silenciosa a do afastamento do emprego não se justifica, porquanto a empre- na falta deste, o juízo criminal – é
apontam que deve haver urgência no aper- afastamento-de-mulher-ameacada-de-
qual é submetida a trabalhadora. gada não corre riscos consideráveis. competente para julgar o pedido de
feiçoamento da Lei. violencia-domestica.aspx

188 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER 189
No caso específico da Lei nº 11.340/06,
a norma tem a finalidade de preservar o
contrato de trabalho exclusivamente du-
rante o período de seis meses, enquanto

6
a empregada encontrar-se afastada das
suas atividades laborais, e não visa à tute-
la do emprego após o retorno da obreira às
suas atividades normais no local de traba-
lho (Martins, 2012, p. 374).
A disposição legal que garante a manu-
tenção do contrato de trabalho, somada
ao princípio da continuidade da relação de
emprego, visa proteger o vínculo emprega-

GARANTIA tício celebrado e deixa claro que haverá a


garantia somente enquanto a medida esti-

DE EMPREGO ver sendo aplicada. Em atenção ao princí-


pio da legalidade, a lei é omissa quanto à

APÓS O tutela do emprego após o encerramento do


prazo de seis meses.

RETORNO AO Sendo assim, a empregada terá direito


à garantia de emprego durante o perío-

TRABALHO
do de afastamento permitido pela lei,
dentro do qual, caso seja dispensada,

O
terá direito à reintegração. Por outro lado,
direito de manutenção do vín- ultrapassado esse prazo, o empregador re-
culo trabalhista da empregada
vitimada pela violência domés-
tica e familiar que precisar se
assume com plenitude o seu poder diretivo,
podendo rescindir o contrato – com o paga-
mento das verbas rescisórias devidas.
REFERÊNCIAS
JOBIM, Tissiano da Rocha. A Lei Maria da Penha e Reflexos no Direito do Trabalho. Disponível
afastar do trabalho, por até seis meses, Essa é mais uma das demandas que po- em: <http://www.granadeiro.adv.br/boletim-abr07/N6-030407.php>. Acesso em: 6 out 2020.
concedido pela Lei Maria da Penha, tem dem ser determinantes para a redução da MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 28ª ed. São Paulo: Atlas, 2012.
sido considerado uma nova modalidade realidade de violência que ainda está pre- SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher.
de garantia de emprego. sente na vida de tantas mulheres brasileiras. 3ª ed. Curitiba: Juruá, 2009.

190 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER 191
AUTORAS
ANA VIRGÍNIA PORTO
Graduada em Direito pela Universidade
Federal do Ceará (UFC) com especialização em
Direito Processual Civil e Direito do Trabalho.
Cursa mestrado em Direito Privado no Centro
Universitário Sete de Setembro. É presidente
da Comissão de Direitos Humanos da OAB-CE
(licenciada) e especializada em gênero e trabalho.

LEILA PAIVA
Advogada, doutoranda em Direito, mestre
em Direito, especialista em Direito Público e
Processo Penal. É presidente da Comissão de
Direitos Humanos da OAB-CE e assessora da
Comissão de Direitos Humanos da Assembleia
Legislativa do Ceará. É professora de Direito e
ministrou diversos cursos e palestras sobre o
tema da violência doméstica.

ILUSTRADOR
CARLUS CAMPOS
Artista gráfico, pintor e gravador, começou
a carreira em 1987 como ilustrador no jornal
O POVO. Na construção do seu trabalho, aborda
várias técnicas como: xilogravura, pintura,
infogravura, aquarelas e desenho. Ilustrou
revistas nacionais importantes como a Caros
Amigos e a Bravo. Dentro da produção gráfica
ganhou prêmios em salões de Recife, São Paulo,
Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

APOIO PATROCÍNIO

REALIZAÇÃO

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