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A educação no
enfrentamento
da violência
doméstica
e familiar
ERICA SILVA PONTES
Copyright © 2020 by Fundação Demócrito Rocha
Raymundo Netto
Gerente Editorial e de Projetos
Marisa Ferreira
Coordenadora de Cursos
Joel Bruno
Designer Instrucional
Leila Paiva
Coordenadora de Conteúdo
Raymundo Netto
Coordenador Editorial
Andrea Araujo
Editora de Design e Projeto Gráfico
Miqueias Mesquita
Designer
Daniela Nogueira
Revisora
Carlus Campos
Ilustrador
Luísa Duavy
Produtora
Fernando Diego
Analista de Marketing
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experiências; histórias individuais e coletivas.
A escola está inserida em um sistema de
ensino, imbuído de concepções, valores e
padrões, todos permeados pela cultura vi-
gente. No entanto, a comunidade que cons-
trói a escola apresenta e anima seus paradig-
mas e valores, entrelaçados e costurados por
todos os sujeitos ali atuantes: estudantes,
famílias e profissionais da educação.
P
quente em nossa sociedade, surge como
aulo Freire, patrono da educa- papel fundamental da educação, e mais es-
ção brasileira, deixou o ensina- pecificamente, da escola, criar as condições
mento de que “Se a educação so- de enfrentamento. É necessária a atuação
zinha não transforma a sociedade, direta e permanente com estudantes e
sem ela tampouco a sociedade muda”. com suas famílias para construir narra-
Essa máxima anuncia a importância e a tivas e ações em prol da justiça social e
responsabilidade de uma educação dialógi- formas de prevenção e oposição à vio-
ca e libertadora, para que haja, de fato, esta lência doméstica e familiar contra a mu-
transformação, baseada no senso crítico. lher, adulta, adolescente ou criança.
É
importante apresentar o pressu- As mulheres se particularizam a partir
posto que guiará esta linha de racio- do olhar masculino, uma vez que a cons-
cínio. Parte-se da concepção de que trução social é de que estão sempre a ser-
gênero, ponto estruturante na nos- viço dos homens. Até a construção da sua
sa cultura ocidental, é uma construção social, autoestima está vinculada à aceitação e à
compreendido de maneira relacional, im- aprovação dos homens, do ponto de vista
plicando relações de poder, de maior ou estético ou moral. Isso empodera os ho-
menor prestígio e de empoderamento. mens e desempodera as mulheres. A
Assim, não será considerada aqui a de- obrigatoriedade de ser escolhida e aprova-
terminação de que existe um aparato bio- da pelo masculino provoca ações que vão
lógico inquestionavelmente diferenciado desde as exigências para a manutenção
entre mulheres e homens. Sabe-se que de um corpo estético padronizado até o
homens e mulheres são biologicamente desespero por relacionamentos sob quais-
distintos, mas o gênero, por ser uma cons- quer circunstâncias.
trução social, não deveria ser utilizado para Acrescente-se aqui a celeridade dessas
justificar espaços sociais de maior ou me- exigências, uma vez que também se cons-
nor empoderamento. Ou seja, a diferença trói uma narrativa sobre o “prazo de vali-
entre gêneros não poderia ser traduzida dade” das mulheres, atrelada à obrigato-
em oposição e desigualdade. riedade da maternidade. A capacidade de
É sabido que essa desigualdade ocorre. procriar da mulher passou a ser traduzida
Para entender algumas das razões disso, é em desigualdade, ao ser tornada indisso-
importante notar as construções das perfor- ciável da capacidade de cuidar. Parir e zelar
mances de gênero, ou seja, aqueles papéis pelas crianças passaram a ser atribuições
que são atribuídos de forma permanente na quase que exclusivas das mulheres, aprisio-
sociedade a cada homem e a cada mulher. nando-as ao espaço doméstico. E mais: to-
Há de se pensar sobre o que venha a ser um dos esses afazeres domésticos, de cuidado
homem ou uma mulher de “verdade”. Quais com a prole e toda a família, não são con-
são as características socialmente exigidas siderados “trabalho” . Consequentemente,
de cada uma dessas performances? não há remuneração para este serviço.
O
direito à Educação está atrela- Estes sujeitos também estão imersos na ló-
do ao princípio da Doutrina da gica da naturalização das performances de
Proteção Integral na perspec- gênero, bem como na lógica de domestica-
tiva de disputar o papel social ção dos corpos, permeada pela violência,
da escola, com espaço de desenvolvimento pela cobrança e pela vigilância.
integral de crianças e adolescentes. A violência para o sujeito que vive a escola
Portanto, é um direito humano o é experimentada de diversas formas e para que
acesso à educação e, para além de haver se fale sobre a proteção e a prevenção à vio-
o objetivo de formar o sujeito preparado lência contra mulheres, na área da educação,
para o ensino superior e para o mercado é preciso que se fale também sobre os lugares
de trabalho, consta na Constituição que onde as violências são perpetuadas, em es-
a educação deve contemplar o pleno de- pecial no espaço doméstico e familiar.
senvolvimento da cidadania de cada indi- A escola é um lugar importante para
víduo, sendo completa e integral. a garantia da segurança e da proteção a
O modelo educacional vigente, porém,
tem a ver com um projeto colonizador,
crianças e adolescentes porque, minima-
mente, há alguma atuação do Estado dian-
SAIBA MAIS
patriarcal e capacitista, que ensina sobre te de todo esquecimento e apagamento Introduziu-se a Doutrina da Proteção
obediência e restrição do corpo, cada vez das relações saudáveis em outros lugares. Integral no ordenamento jurídico
mais distante da perspectiva emancipató- Esse elemento impõe uma postura crítica brasileiro por meio do artigo 227 da
ria, em especial para as mulheres. diante da defesa do ensino domiciliar, pois Constituição Federal, que declarou
Neste sentido, parece ser urgente rom- o espaço doméstico é um dos que mais po- ser dever da família, da sociedade e
per com essa lógica extremamente difícil, tencializam violências e distorções sobre do Estado assegurar, à criança e ao
seja para estudantes, seja para profissionais segurança infantil em áreas socioeconômi- adolescente, com absoluta prioridade,
que operacionalizam a prática educacional. cas de extrema vulnerabilidade. os direitos humanos universais.
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pel de promover os direitos de crianças e digma na atuação do Sistema de Garantia de
de adolescentes considerando, inclusive, Direitos, incluindo no processo educacional
sua convivência familiar. Assim, diante de o debate sobre a obrigatoriedade da notifi-
qualquer situação de suspeita de violação cação dos casos de violência, escolar e do-
de direitos, a escola deverá comunicar o méstica, contra crianças ou adolescentes.
fato aos órgãos de proteção do Sistema. Ressalte-se que a competência primei-
Vale destacar que a atenção com atos ra é de prevenção, uma vez que políticas
de violência praticados contra a crianças com tal intuito objetivam reduzir a ocor-
e adolescentes nas redes pública e priva- rência de conflitos e agressões. Considera-
A
da paz e medidas de conscientização e criança ou adolescente no ambiente esco-
escola é o lócus privilegiado de prevenção a diversos tipos de violên- lar; o sigilo dos dados fornecidos e do caso
discussão sobre as questões que cia. O texto acrescenta à Lei de Diretrizes denunciado e a sistematização de dados
afetam o cotidiano e a socieda- e Bases da Educação Nacional (LDB – lei que possam auxiliar na formulação de po-
de. É o espaço estruturante para o nº 9.394/1996) dispositivos para determi- líticas públicas. Nesse sentido, podem ser
processo de educação com vistas à preven- nar que as instituições de ensino deverão grandes aliadas no enfrentamento da vio-
ção aos diversos tipos de violência, porque promover medidas de conscientização, lência doméstica e familiar contra a mulher.
trabalha com o conhecimento, valores, ati- de prevenção e de combate a todos os Uma tarefa relevante para profissionais
tudes e a formação de hábitos. tipos de violência, especialmente intimi- da educação é ter nitidez e certeza das infor-
É também o espaço onde muitas si- dação sistemática (bullying) e ainda es- mações que está prestando, conhecendo a
tuações de violência são identificadas. É, tabelecer ações destinadas a promover a rede de proteção existente e os encaminha-
portanto, papel da escola fazer a prevenção, cultura de paz nas escolas. mentos possíveis para a situação real, como a
a observação e a notificação dos casos que No que se refere a proteção e prevenção orientação adequada para que se realize o re-
envolvam suas alunas e seus alunos. Dessa à violência praticada contra crianças e ado- gistro do boletim de ocorrência, por exemplo.
D
iante de tantas delicadezas e di- • Você já usou histórias, biografias de FICA A DICA
ficuldades para o enfrentamento mulheres que foram valorizadas e Lives
à violência contra a mulher no reconhecidas por seus atributos em
ambiente doméstico e familiar, vez de ser pelo casamento? “Violência contra mulheres nos
é possível que surja a sensação de impo- livros didáticos o ensino de História
• Quantas heroínas você apresentou como tecnologia de gênero”:
tência e fragilidade, tanto para vítimas para suas alunas e seus alunos ou
como para profissionais. Porém, nem de www.youtube.com/
para familiares? watch?v=MYrg63GP63w
longe, esses devem ser os sentimentos rei-
nantes. Pelo contrário, a educação e a esco- • Você já contou a história grandiosa “Por que xingamos homens
la trazem a potência da transformação, cita- de mulheres que não se casaram? e mulheres de modo diferente”:
da por Paulo Freire, no começo deste texto. • Quantas cientistas mulheres você www.youtube.com/
Assim, há de se focar na esperança que apresentou para estudantes, paren- watch?v=nos3Q4DulJs
movimenta; na ação que muda. E para ati- tes ou amigas e amigos? Filmes
var essa mudança que tal se perguntar? As sufragistas (2015) e Nausicaä do Vale
• Como você poderia trabalhar histó-
• Como você, educadora/educador, rias e desenhos infantis desconstruin- do Vento (1984)
poderia construir tecnologias de gê- do certos estereótipos e ideais facil- Série
nero diferentes? mente naturalizados? Sex Education
ILUSTRADOR
CARLUS CAMPOS
Artista gráfico, pintor e gravador, começou
a carreira em 1987 como ilustrador no jornal
O POVO. Na construção do seu trabalho, aborda
várias técnicas como: xilogravura, pintura,
infogravura, aquarelas e desenho. Ilustrou
revistas nacionais importantes como a Caros
Amigos e a Bravo. Dentro da produção gráfica
ganhou prêmios em salões de Recife, São Paulo,
Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
APOIO PATROCÍNIO
REALIZAÇÃO