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Núcleo de Estudantes de Direito e Solicitadoria da Universidade Lusíada, no Porto

DIREITOS REAIS
Professor Regente: Professor Doutor A. Santos Justo.
Aulas Teóricas da Unidade Curricular de Direitos Reais, 3º ano, 1º semestre, Licenciatura em
Direito na Universidade Lusíada, no Porto.

Agradecimentos: Ana Rita Alves, Catarina Monteiro, David da Silva, Érica Araújo, Gabriela Lopes, João Paulo
Silva, Marlene Ferreira, Matilde Campos.

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TEMA 1 - Introdução

O que são os direitos reais? Que modalidades existem de direitos reais?

Um direito real é o poder ou faculdade que alguém tem sobre uma coisa certa e determinada de
exigir dos outros (todos nós) um comportamento negativo (non facere). É uma obrigação passiva
universal de não fazer.

Os direitos reais são, por vezes, diferentes de país para país, dependendo do fator político-
económico vigente em cada país:

-> País capitalista – privilegia a propriedade privada

-> País socialista/comunista – privilegia a propriedade pública

-> País cooperativo – privilegia a propriedade cooperativa

TEMA 2 – Características dos direitos reais

As características dos direitos reais dividem-se em:

 Eficácia absoluta

Ora, um direito real é suscetível de ser imposto a todas as pessoas, todas as pessoas têm a
obrigação de não interferir, de nada fazer, de não perturbar. Uma imposição ergaomnes, para
com todos.

Ex: Alguém perturba outrem e não o deixa consultar o livro que é seu/ Alguém perturba a nossa
habitação.

A eficácia absoluta contrapõe-se à eficácia relativa, por exemplo, alguém emprestou a outra
pessoa 500€, a quem é que pode exigir o cumprimento da dívida? Ao seu devedor e só a ele.
Logo, eficácia relativa. Por outro lado, eu posso exigir o cumprimento de toda a gente de não me
prejudicar o uso que tenho de um certo livro que é meu. Logo, eficácia absoluta.

Há, no entanto, uma exceção importante: A vendeu a B um prédio, temos um contrato de compra
e venda, este produz efeitos reais, ou seja, o próprio contrato transfere a propriedade da coisa
vendida de A para B, art. 408º/1 CC, B passa a ser o dono. Pode pôr-se um problema. B não
registou a aquisição do prédio no registo predial, e o prédio continua registado no nome de A. E
por isso A vende depois o prédio a C e este regista. Ora, A não é dono quando o vende a C, o
dono é B, pelo que A vendeu uma coisa de que não é dono. Todavia, como B não registou, a sua
aquisição não produz efeitos em relação a terceiros. Art. 5º/1 CRegisto Predial (nº4 deste artigo
refere quem são os terceiros). Uma vez que B não registou, por força do artigo 5º/1 do Código do
Registo Predial, ele não pode opor o seu direito a C. O senhor B é o dono, face ao Código Civil
(408º), mas não goza de eficácia absoluta.

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 Sequela

É o direito de seguimento, ou seja, o direito real segue a coisa que tem por objeto. Tem também
o nome de direito de acompanhamento. Era aquilo a que os romanos chamavam ubi rem invenio
ibi vindico. Isto, em relação aos direitos de gozo, por exemplo, direito de propriedade, o direito
acompanha a coisa para permitir ao proprietário que a recupere, de demandar quem a tem para
a entregar. Em relação a um direito real de garantia, por exemplo uma hipoteca, a sequela
traduz-se na faculdade que o credor tem de mandar executar a coisa hipotecada, de a vender,
para pagar a dívida. Quanto a direitos reais de aquisição, direitos que permitem a alguém
adquirir uma coisa com preferência a outro e se a coisa não for vendida a quem tem preferência,
o titular da preferência pode substituir o comprador, tornando-se ele adquirente da coisa. A
sequela manifesta-se de forma diferente.

Existem exceções, ou seja, há casos em que o direito real não acompanha a coisa. Se não a
acompanha não há sequela. Uma está prevista no CC português e outra está prevista no Código
do Registo Predial.

CC: A vendeu a B um prédio, por efeito real desta compra e venda, B é proprietário. Mas
pergunta-se, porquê que B comprou a A? E a resposta pode ser, porque B enganou A ou porque
B coagiu A ou porque o A enganou-se e o erro era desculpável, estamos perante vícios da
vontade. E neste caso, senhor A vendeu a B e B, que registou, vendeu a C e este também
registou.

O A foi coagido, foi enganado ou enganou-se e o erro é desculpável, ele pode intentar uma ação
para declarar a invalidade, tendo esta declaração efeitos retroativos. Artigo 289º CC (podem sair
estes artigos nas frequências/exames). Portanto, se esta ação que o senhor A intenta contra B,
proceder, dado o seu feito retroativo, o dono é A. A nunca deixou de ser o dono, tem efeitos
retroativos, destrói o que foi feito para trás, a CV. Se é o dono, tem o direito de exigir o prédio
onde quer que ele esteja, se está em poder de C, pode exigir de C o prédio. Só que pode não
ser este o caso: Artigo 291º CC o terceiro é C, adquiriu por compra e venda, portanto é negócio
oneroso, e vamos supor que este está de boa-fé, ou seja, ignora o que se passou para trás.
Portanto, esta declaração de nulidade não prejudica os direitos adquiridos por C. Neste caso,
significa que o senhor A não tem direito a exigir de C, uma vez que a declaração de nulidade da
sentença que deu efeitos retroativos não prejudica C. Sendo ele proprietário face ao Código
Civil, não tem sequela. No entanto, os direitos do terceiro não são reconhecidos se a ação for
proposta e registada dentro dos 3 anos posteriores à conclusão do negócio. É necessário que
esta ação tenha sido registada depois de 3 anos, e ainda depois dos 3 anos é necessário que o
senhor C tenha registado antes do registo da ação. Durante 3 anos, o senhor A está protegido,
tem sequela, pode exigir. Se deixar passar 3 anos, e ainda por cima C registou antes do registo
da ação, o senhor A não tem direito de sequela. Tem que se verificar estes dois requisitos
(depois de 3 anos + o terceiro registar antes do registo da ação), e se se verificarem, por força
do artigo 291º, o proprietário civil, que é A (por efeito retroativo da declaração de nulidade), que
nunca deixou de o ser, não pode, todavia, exigir o prédio a C pois não tem sequela.

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CRegisto Predial: A vende a B (408º/1 CC), B é dono mas não registou. O registo mantém-se em
A e este vendeu a C, C registou. Já vimos que, por efeito do artigo 5º/1 do Código do Registo
Predial, o B que é o proprietário civil por efeito do artigo 408º/1 CC, não pode exigir a C que
entregue a coisa, visto que C registou. Temos aqui outra exceção à sequela.

Urge agora atentar numa figura jurídica em que não há sequela no direito francês e inglês, mas
pode haver sequela no direito português:

Um senhor que gosta muito de objetos de arte, entra numa galeria e compra uma pintura de
Picasso. A comprou, B vendeu e é o dono da galeria. O A é dono do quadro. A levou o quadro
para casa e convidou os amigos para irem lá, sendo que um amigo seu, C, exclamou que aquele
quadro lhe tinha sido roubado, que o quadro era seu. No direito inglês e no direito francês, o C é
o dono mas não tem sequela, não pode reivindicar a coisa onde quer que ela se encontre,
porque isto seria comprometer o comércio jurídico. Se assim fosse, qualquer pessoa que
quisesse comprar um quadro, antes de o fazer, perguntaria ao vendedor “este quadro é
roubado?”, ou seja, o quadro acabava por não se vender. Assim não, se o C não tem sequela, se
o quadro não pode ser recuperado, está em poder de quem o comprou, estamos perante uma
garantia ao comércio jurídico.

No direito português pode ou não haver sequela, ou seja, para haver sequela, o dono para
recuperar o quadro, C paga o preço que A pagou a B, e depois o C dirige-se contra B em
regresso. Se ele estiver disponível para isso, recupera o quadro, logo tem direito de sequela. Se
não estiver disposto a isso, não recupera o quadro, logo não tem direito de sequela.

Artigo 1301º CC O que exigir de terceiro coisa por este comprada, de boa fé, a comerciante que
negoceie em coisa do mesmo ou semelhante género é obrigado a restituir o preço que o
adquirente tiver dado por ela, mas goza do direito de regresso contra aquele que culposamente
deu causa ao prejuízo.

 Prevalência/Prioridade

Prior in tempore potion in iure. O primeiro no tempo é o mais forte em direito.

Por força deste princípio, o direito real mais antigo tem mais força que o direito real mais novo.
Quando duas coisas são incompatíveis, por exemplo duas propriedades sobre a mesma coisa, a
propriedade mais antiga prevalece sobre a mais nova. Isto está consagrado no artigo 408º/1.

No entanto, encontramos dificuldades: A vendeu a B um prédio. Não há registo. A de seguida


vendeu a C o mesmo prédio. Também não há registo. Existem dois contratos de compra e venda
sobre a mesma coisa. Pelo princípio da prioridade, prevalece o mais antigo, ou seja, a compra e
venda de A e B. Ora, quando A vende a C, está a vender coisa alheia, visto que o prédio é de B,
ele é que é o dono, a venda A-C é a non domino, uma venda feita por quem não é dono. A
venda de coisa alheia é nula, artigo 892º. Se é nula a segunda venda, não vale nada, não existe
nenhuma prioridade, B tem um direito, C tem um não direito. A prioridade só existe quando
temos dois direitos em confronto, não existe quando temos um direito sobre um não direito.

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Onde existe a prioridade? Por exemplo, nos direitos reais de garantia, como a hipoteca. A é
devedor a uma pessoa de uma importância elevada e hipotecou um prédio ao credor B, mas o
senhor A tem mais credores, voltando a hipotecar o mesmo prédio a favor de outro credor C. A
hipoteca incide sobre o mesmo prédio, pode fazê-lo? Sim, artigo 713º. Na prática, os efeitos que
se produzem são o facto de, vencido o crédito, se B não for pago, manda vender o prédio, e se
restar alguma coisa, se houver algum resto do preço, vai depois para C. temos aqui a primeira
hipoteca (A-B) e a segunda hipoteca (A-C), a hipoteca é um direito real, pelo que prevalece o
direito real mais antigo sobre a mais nova, pelo princípio da prioridade.

Atenção que, a prioridade não é exclusiva dos direitos reais, também funciona em direitos
relativos, direitos de crédito. Portanto, a prioridade não é uma característica exclusiva dos
direitos reais. (Ex: senhor A arrendou uma casa durante 15 dias no mês de outubro ao senhor B,
no entanto arrendou para esses mesmos dias ao senhor C. O senhor B aparece no dia aprazado
para ocupar a casa e o senhor C aparece também com o mesmo propósito. 407º CC vai
prevalecer o arrendamento mais antigo, ou seja, A e B, pois os direitos de crédito também
gozam do princípio da prioridade).

Existe uma verdadeira exceção a este princípio no campo dos direitos reais: há direitos reais
mais novos que prevalecem sobre os mais antigos. Artigo 759º/2 o direito de retenção prevalece
sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente.

 Inerência

A inerência é a ligação íntima do direito à coisa que é seu objeto.

A, dono de um prédio, constitui um direito de usufruto a favor de B, desse mesmo prédio que tem
no Porto. Usufruto é o direito sobre uma coisa alheia, que permite ao usufrutuário usar e fruir. É
um direito real. Não é dono, mas pode usar a coisa e obter frutos (naturais ou civis). A deu a B o
direito de usufruto sobre essa casa no Porto. No entanto, B vai ser transferido do seu local de
trabalho, que era no Porto, para Braga, onde A por acaso tem também uma casa. O senhor B já
não precisa da casa do Porto, precisa da casa de Braga.

Não é possível manter-se o direito de usufruto e alterar o objeto (casa do Porto passa para a
casa de Braga), porque há uma ligação íntima entre o direito (o direito de usufruto) e o objeto (a
casa do Porto). Assim, o usufruto da casa do Porto extingue-se e criam novo usufruto sobre a
casa de Braga.

 Usucapião – Modo de aquisição

Surge uma característica quanto à forma como são violados os direitos reais, a violação de um
direito real resulta de uma ação/perturbação/impedimento. Pelo contrário, a violação dos direitos
de crédito resulta em regra de uma omissão (o devedor devia pagar e não o faz, omite o
pagamento).

Esta figura só existe nos direitos reais, que permite adquirir direitos reais e não existe nos
direitos de crédito (ninguém é credor por usucapião, mas alguém pode tornar-se proprietário por

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usucapião). Esta é uma verdadeira característica dos direitos reais. É o modo originário de
adquirir um direito de gozo com base na posse.

 Permanência

Temos de distinguir dois tipos de permanência:

Se por permanência entendermos com perpetuidade: há direitos reais que não são permanentes,
são temporários. Nomeadamente, é o caso do usufruto, que pode ser constituído apenas durante
um certo tempo.

Se por permanência entendermos estabilidade: também aqui há direitos reais que não são
estáveis, porque se extinguem com o seu exercício. É o caso de um direito real de garantia, por
exemplo uma hipoteca, esta extingue-se com o pagamento da dívida.

A permanência, seja na modalidade da perpetuidade, seja na modalidade da estabilidade, não é


verdadeiramente uma característica dos direitos reais.

 Tutela forte dos direitos reais

Há no comércio jurídico, maneira de adquirirmos uma tutela forte: a reserva de propriedade,


prevista no artigo 409º.

Se A vende um automóvel a B e reserva a propriedade, por força do artigo 409º/1. A propriedade


não se transfere para o comprador, mantém-se no vendedor, até que o preço seja pago. O dono
continua a ser A. Supondo que B tem dívida para com C, e B não lhe pagou, logo C intenta uma
ação contra o seu devedor B para lhe exigir o pagamento, e se ele não pagar C procede à
execução dos bens de B. Vai ser executado o automóvel? Não, porque não é de B. Temos aqui
uma tutela forte do A, é lhe dada pelo direito de propriedade, e que afasta da execução dos bens
de B o automóvel pois há reserva de propriedade. Protege-se o vendedor dos credores de B.
Mas protege também B, uma vez que antes de pagar, já está a servir-se da coisa. A tutela forte
dos direitos reais é dada a A porque este mantém-se proprietário.

Outro sistema de tutela forte é o leasing. Este é um tipo de contrato feito por pessoas privadas e
até pelo próprio Estado. A comprou uma casa mas para tal pediu dinheiro emprestado ao banco,
A é o dono. Se o A não pagar a dívida ao banco, este executa-lhe a casa, mas se houver vários
credores de A, o banco sofre o concurso dos vários credores e não recebe a totalidade do
crédito. Existe, no entanto, uma tutela forte conferida ao banco, assegurada pelo contrato de
leasing, nos termos do qual será o banco, através de uma instituição, a comprar a casa e a
entrega-la ao comprador, mas por que a casa foi comprada pelo banco, a casa está no nome
desse banco, e os credores de A já não podem executar a casa pois esta foi adquirida pelo
banco. Quando A pagar a casa (ou uma parte, prevista no contrato) é que o banco transfere a
propriedade da casa para ele.

Princípios estruturantes dos direitos reais

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 Princípio da coisificação

O objeto de um direito real deve ser uma coisa corpórea, não pode ser uma pessoa nem um bem
imaterial. Aquilo a que os romanos chamavam “uma coisa que se vê e que se toca”. O código
civil consagra este princípio no artigo 1302º, aplicando-se este artigo a todos os direitos reais
pois o direito de propriedade, onde está consagrado este princípio, é o direito-modelo dos
direitos reais.

 Princípio da especialidade/individualização

A coisa deve ser certa e determinada, ter individualidade própria, existência atual. No entanto, é
possível vender coisas futuras. Estas dividem-se em: as que ainda não existem, são coisas
absolutamente futuras; as que já existem, mas que não pertencem, por hipótese, ao vendedor ou
não pertencem a ninguém ainda, são coisas relativamente futuras. Desta forma, o vendedor
obriga-se a efetuar todas as diligências para que essa coisa venha a existir e lhe venha a
pertencer (venda das uvas que só vão ser colhidas daqui a 3 meses, por exemplo, não existem
no momento da CV mas podem ser vendidas), este contrato está suspenso até que a coisa se
individualize. Artigo 408º/2

 Princípio da totalidade da coisa

O objeto do direito real é uma coisa na sua totalidade. Aqui temos de distinguir: as partes
integrantes ou componentes, a estrutura da coisa, por exemplo não é possível vender uma casa
sem telhado; e partes acessórias, não é parte essencial da coisa, por exemplo, é possível vender
uma casa sem um televisor. As partes integrantes estão ligadas materialmente à coisa, outras
não, são as partes acessórias. Enquanto as partes integrantes seguem o destino da coisa que
integra, as partes acessórias não. O que está aqui em causa no princípio da totalidade da coisa
são as partes integrantes.

Ex: alguém mandou fazer uma casa, contratou com empreiteiro, este fornece a mão-de-obra e o
dono da casa foi fornecendo os materiais de construção. Está a casa quase acabada e faltou
dinheiro ao dono da casa sendo que era necessário colocar um elevador. O dono compra um
elevador com reserva de propriedade à empresa. A casa é do dono A, mas o elevador é do
fabricante dos elevadores, B. Se o dono da casa a quiser vender, não pode vender o elevador
que já está instalado, porque não é dele, comprou-o com reserva de propriedade. Daí que este
problema prático foi resolvido pelo STJ nestes termos: o elevador foi comprado com reserva de
propriedade, pelo que pertence ao seu fabricante, mas a partir do momento em que é colocado
na casa, torna-se parte integrante da casa e por isso a reserva de propriedade acabou. O dono
da casa ao vender a casa, está também a vender o elevador.

 Princípio da compatibilidade ou da exclusão

Só pode haver sobre a mesma coisa, vários direitos reais se eles forem compatíveis entre si.
Pode ser um objeto de vários direitos, se forem incompatíveis não podem coexistir. Por exemplo:
uma casa pode ser objeto de um direito de propriedade e simultaneamente de um direito de
usufruto, mas já não pode ser objeto de dois direitos de propriedade, porque um anula/exclui o
outro.
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 Princípio da elasticidade ou da consolidação

Um direito real tende a abranger o máximo de utilidades que a coisa oferece (um direito de
propriedade – usar fruir e dispor). Mas pode ser que um direito real de propriedade seja
comprimido para coexistência com um direito real menor que seja compatível, por exemplo um
direito de usufruto. Este princípio surge pois se o direito real de usufruto se extinguir, o direito de
propriedade adquire a sua plenitude de forma automática - vis atractiva (força atrativa do direito
de propriedade que permite que quando se extingue um direito real menor, aquele se expanda
até à sua plenitude).

 Princípio da transmissibilidade

Os direitos reais são transmissíveis livremente mortiscausa e intervivos. Há, no entanto,


exceções: o usufruto é transmissível intervivos mas não é transmissível mortiscausa, porque o
direito de usufruto extingue-se com a morte do usufrutuário e é um direito intuitu personae, ou
seja, um direito criado tendo em vista uma certa pessoa e à sua morte, extingue-se. Também
não é possível transmitir, nem intervivos nem mortiscausa, uma figura de usufruto menor
chamada uso e habitação, artigo 1484º e seguintes. A vendeu um prédio a B, o dono é B, mas
as partes fazem um acordo em que B se obriga a não revender o prédio ao C – uma exceção à
livre transmissibilidade. No entanto, quando B se obriga para com A a nunca vender o prédio a
C, está a restringir o seu direito de propriedade e isto não é permitido, por força do artigo 1306º,
assim a consequência surge no artigo 294º, esta cláusula de não venda a C é nula, B tem
liberdade para vender a C. Só não será assim se B se comprometeu a não vender durante
determinado tempo, há uma intransmissibilidade temporária, se B vender nesse tempo, essa
clausula não produz direitos reais mas produz para A um direito de crédito sobre B, pois este
violou a obrigação que tinha para com A.

Há situações de intransmissibilidade consagradas pela lei portuguesa, uma tem a ver com as
doações, com a chamada reserva do doador dispor de uma coisa a favor dele: A faz uma doação
a B, o dono passa a ser o donatário B, mas o senhor A quando fez a doação fez uma reserva, de
ser ele a dispor da coisa que tinha doado a B, o que significa que só pode dispor o doador, mas
o proprietário é outra pessoa, B, artigo 959º/1 (o proprietário é o donatário, mas quem pode
dispor é o doador, que já deixou de ser proprietário, estamos face a uma situação em que o
proprietário não pode dispor da coisa, não a pode transmitir, porque o doador fez para si essa
reserva). Outra situação é a chamada doação com substituição fiduciária/fideicomissárias: A faz
uma doação a B, mas desta doação está consagrada a possibilidade de à morte de B, a coisa
doada passar para C, B é o fiduciário e C o fideicomissário, o que significa que B não pode
dispor da coisa, pois esta irá para outra pessoa quando este morrer, deve conservar a coisa,
artigo 962º, que remete para 2286º.

 Princípio da consensualidade

Princípio segundo o qual a propriedade se transmite por mero efeito do contrato. Basta o
consenso, o acordo, artigo 408º/1. Este princípio foi consagrado na ordem jurídica portuguesa,
pela primeira vez, em 1867, ou seja, com o primeiro código civil português da autoria do
Visconde de Seabra, por influência do código francês. Até aí não existia o princípio da

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consensualidade, porque não bastava o contrato para transferir a propriedade, era necessário,
além do acordo, que o vendedor obrigava-se a entregar a coisa móvel ao comprador (ação
material) ou a registar em nome do comprador. Sem isso, o contrato não produzia os seus
efeitos reais, produzia sim efeitos obrigacionais, pois obrigava o vendedor a fazer uma daquelas
coisas (entregar ou registar). Esta ideia surge do direito romano e era prática recorrente em
Portugal.

Há, atualmente, 3 modelos de transferência de propriedade: o sistema do título e do modo


(negócio jurídico e entrega), o sistema do título (só negócio jurídico) e o sistema do modo (só
entrega). No sistema do título basta só o contrato, é um negócio jurídico que serve de causa, e o
sistema do modo é a execução, a entrega (por exemplo, num contrato de compra e venda, o
título é a compra e venda, o modo é a entrega da coisa). Em Portugal, vigora o princípio da
consensualidade, e portanto, o sistema do título.

 Princípio da tipicidade ou da taxatividade ou numerus clausus

Segundo este princípio, só podemos constituir ou transferir direitos reais previstos no código civil
português, não temos liberdade para criar outros. O nosso legislador consagrou o princípio da
tipicidade no artigo 1306º. O numerus clausus é absoluto, mas há casos em que, o legislador
permite às partes aumentar ou diminuir o conteúdo do direito real, é o caso do direito de
usufruto, por força do artigo 1445º - tipo relativamente fechado (o direito de propriedade, por
exemplo, é um tipo absolutamente fechado, 1305º).

Direitos Reais 07/10/2021

Recapitulando…

Principio do numerus clausus ou tipicidade ou taxatividade: no domínio da criação de um direito


real não existe liberdade contratual, só podemos constituir direitos reais que estejam previstos no
Código Civil. O direito de propriedade, por exemplo, é um direito real absolutamente fechado,
consagrado no artigo 1305º. Existem, no entanto, tipos de direitos reais relativamente fechados,
como o direito de usufruto, artigo 1445º. Não existem tipos abertos, estamos limitados pelo
princípio da tipicidade.

Que motivos terão levado o nosso legislador a consagrar este princípio da tipicidade?

-Para evitar a proliferação dos direitos reais

-Para facilitar a livre circulação dos bens

-Para evitar conflitos

-Contribuir para um maior aproveitamento económico das coisas

Será que o princípio da tipicidade se aplica também aos negócios jurídicos que constituem os
direitos reais? Ou seja, nós só podemos celebrar negócios jurídicos que o código preveja se
quisermos criar um direito real? Estamos amarrados ao princípio da tipicidade também nos

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contratos com os quais criamos os direitos reais? Não, somos livres de escolher o contrato.
Podemos fazer uma compra e venda, uma doação, uma permuta, etc., aqui temos liberdade
contratual.

O nosso legislador está amarrado ao princípio da tipicidade? Será que ele não pode criar figuras
jurídicas diferentes daquelas que o código contém? Sim, se foi livre para fixar o princípio da
tipicidade, é livre para criar outros direitos reais. Desta forma, encontramos o direito de habitação
periódica (timesharing)

E o costume pode criar direitos reais (para além dos previstos no código)? Tudo depende da
conceção que tenhamos de costume:

-Se considerarmos o costume como uma fonte do direito ao lado da lei – assim como a
lei pode criar tipos de direitos reais, também o costume pode criar.

-Se não considerarmos o costume como uma fonte de direito – nesta perspetiva, o
costume não pode criar direitos reais.

E a analogia? Podemos criar novos direitos reais por analogia de outros previstos no código?
Não, pois esta implica criar um novo direito real, por muito semelhante que seja à figura
consagrada no código.

Artigo 1306º

“1. Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou
de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei;”

Não podemos criar restrições aos direitos reais que estão previstos no código nem criar outros
direitos reais que sejam figuras parcelares do direito de propriedade, senão nos casos previstos
no código.

Importa, portanto, distinguir restrições de propriedade e figuras parcelares da propriedade, que é


isso que está proibido no código. Um exemplo de uma restrição de um direito de propriedade é
uma servidão predial (se eu crio uma servidão predial sobre um prédio a favor de outrem, que
permite passar por um prédio para dar acesso a outro, o prédio por onde passo está restringido,
o dono desse prédio não pode usar essa parte, aqui está uma restrição à propriedade), uma
servidão a favor do outro prédio implica uma restrição ao prédio por onde a servidão passa. São
diferentes propriedades sobre a mesma coisa, são parcelas de propriedade. Outro exemplo, um
direito de superfície, que é o direito de construir ou plantar em terreno alheio - temos duas
propriedades parcelares, dois donos, a propriedade do dono do terreno e a propriedade das
árvores ou da construção que pertence a quem plantou ou construiu. Ou outro exemplo, uma
coisa é a propriedade de um terreno, outra coisa é a propriedade das águas que nascem nesse
terreno, se assim é o dono do terreno pode vender as águas sem vender o terreno.

Agora, não é possível criar figuras parcelares do direito de propriedade se não está previsto no
código.

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Segunda parte do nº1: “toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas
condições, tem natureza obrigacional”, ou seja, toda a restrição ao direito de propriedade que
não esteja prevista no código tem natureza obrigacional, pelo que não é um direito real, cria
obrigações para as partes.

Na primeira parte, o código proíbe a criação de restrições e de figuras parcelares, mas na


segunda parte só fala de toda a restrição, não fala das figuras parcelares. Levanta-se um
problema: o que é que tem efeitos obrigacionais? Só as restrições? Ou são também as figuras
parcelares, que estão omitidas nesta segunda parte?

Aqui entramos no domínio da nossa doutrina com duas perspetivas. Para o professor Oliveira
Ascensão, embora o código na primeira parte só refira toda a restrição, também se aplica às
figuras parcelares, porque uma figura parcelar é também uma restrição, logo também se lhe
aplica a segunda parte, também tem efeitos obrigacionais. Acresce que o código diz “toda a
restrição”, dando uma amplitude maior, compreendendo também as figuras parcelares. Daí que
o professor Oliveira Ascensão defenda uma conversão legal e diga que “toda a restrição tem
efeitos obrigacionais” se aplica a tudo, seja a restrições, seja a figuras parcelares.

Do lado oposto, surgem os nossos clássicos, professor Pires de Lima e professor Antunes
Varela. Para eles, não são a mesma coisa, há que separar restrições e figuras parcelares,
porque têm tratamentos diferentes. Assim, se alguém criar uma restrição a um direito de
propriedade não prevista no código, por força deste artigo, esse negócio jurídico é nulo, não
produz efeitos reais, não cria um direito real. Mas quando diz que tem natureza obrigacional,
também não há aqui uma conversão legal (existe a conversão voluntária, que depende da nossa
vontade de tornar um negocio jurídico noutro; e a conversão legal que resulta da lei). Para o
professor Pires de Lima e professor Antunes Varela, não há aqui uma conversão legal. Se é
criada uma restrição não prevista no código, é nula como criação de um direito real, mas os
efeitos obrigacionais que estão aqui não são uma conversão legal, são uma presunção relativa,
ou seja, presume-se que as partes, quando criaram uma restrição que não está prevista no
código, que se soubessem que o não podiam fazer, teriam criado uma obrigação para reparar os
danos das partes, e se não quisessem era simplesmente nulo, nem sequer efeitos obrigacionais.
Quanto às figuras parcelares, se alguém cria uma figura parcelar não prevista não código, a
solução é a nulidade enquanto criação de um direito real. Conversão voluntária, ou seja,
pensando que não podiam criar uma figura parcelar que não está prevista no código, as partes
podiam converter numa figura parcelar prevista no código.

Em suma, para o professor Oliveira Ascensão há uma conversão legal nas duas coisas
(restrições e figuras parcelares), para o professor Pires de Lima e professor Antunes Varela há
uma distinção, para as restrições há uma presunção relativa de efeitos obrigacionais e nas
figuras parcelares temos uma conversão voluntária.

Vamos analisar, positiva e negativamente, o pensamento destes grandes jurisconsultos.

Professor Oliveira Ascensão: não distingue restrições de figuras parcelares e a tudo aplica
efeitos obrigacionais, conversão legal – a lei converte aquilo que é nulo como direito real num
direito de crédito. Positivamente, esta doutrina, se olharmos para a letra da lei “toda a restrição

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resultante de negócio jurídico … tem natureza obrigacional”, não diz que pode ter, diz que tem
natureza obrigacional, ou seja, o professor Oliveira Ascensão tem a seu favor a letra da lei.
Quando defende uma conversão legal para as restrições e para as figuras parcelares, tem a seu
favor a letra da lei. No entanto, pelo lado negativo, pode ser uma violência e o professor admite
isso mesmo: duas pessoas criaram uma figura de direito real que não está prevista no código,
tem efeitos obrigacionais, ou seja, um é obrigado a indemnizar o outro pelos prejuízos que lhe
causou, “tem natureza obrigacional”, mas e se ambas as partes não quiserem isto? Uma delas é
obrigada a indemnizar a outra? Há aqui uma violência na conversão legal, que é a lei que opera.

Professores Pires de Lima e Antunes Varela: distinguem, uma coisa são as restrições, outra as
figuras parcelares, a lei só fala em restrições, não fala em figuras parcelares. Quanto às
restrições, trata-se de uma presunção relativa, ou seja, Antunes Varela considera que quando o
código diz “toda a restrição… tem natureza obrigacional” deveria ter dito “presume-se que tem
natureza obrigacional” e esta presunção é ilidível. Se as partes quiserem efeitos obrigacionais,
têm, se não quiserem, ilide-se a presunção e não têm nada. Esta é uma posição de apreciação
positiva a Antunes Varela, pois não violenta a vontade das partes, presume-se apenas. Há, no
entanto, uma posição negativa, que é a letra da lei, o legislador diz “tem natureza obrigacional”,
não diz que se presume, e isto é particularmente grave pois Antunes Varela foi o principal
responsável pelo código. Quanto às figuras parcelares, se for possível converter uma figura
parcelar que não está prevista no código numa outra que esteja prevista, vamos fazer uma
conversão voluntária e não legal, mas a lei diz “tem natureza obrigacional”, não diz pode ter,
Antunes Varela tem aqui contra si a letra da lei.

O professor Santos Justo considera que o legislador não foi feliz na redação que fez. Vamos
alterar a conversão legal numa conversão voluntária. E assim evitamos a violência que o próprio
professor Oliveira Ascensão reconhece.

 Princípio da publicidade

Tudo é transparente na criação e transferência dos direitos reais.

Se quisermos comprar um prédio devemos saber que pertence ao vendedor. Se alguém fez uma
hipoteca sobre um prédio, deve ser pública porque quem o vai comprar deve saber se está ou
não hipotecado. A função da publicidade é transmitir a segurança e a certeza sobre a situação
das coisas.

Há várias formas de assegurar a publicidade:

-Através do formalismo negocial (exige-se uma escritura pública ou um documento particular


autenticado na compra e venda de um imóvel, exige-se o registo predial nas coisas imóveis,
artigo 1º Código do Registo Predial, publicidade racionalizada)

-Através da posse (a posse é um poder que se manifesta sobre uma coisa, publicidade
espontânea)

-Através do Registo Predial

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Classificação dos direitos reais

-de gozo (direito de propriedade, usufruto)


-de garantia (servem para garantir créditos, penhor, direito de retenção, 733º)
-de aquisição (permitem alguém adquirir uma coisa com preferência a outra pessoa,
contratos de promessa com eficácia real/pactos de preferência com eficácia real, 1380º)

Impõe-se perguntar o que é um direito real? Qual é a sua natureza jurídica? Entrando no campo
especulativo, vamos seguir as teorias.

A primeira teoria que procurou responder a estas questões foi a teoria clássica (ou realista), que
remonta à idade média, à escola dos glosadores, escola dos comentadores e escola de Bártolo:
para eles, o direito real é um poder direto e imediato sobre uma coisa certa e determinada. Esta
doutrina esteve sem contestação até ao século XVIII, abalada por críticas tais como, é um poder
direto e imediato sobre uma coisa, mas só existem relações estabelecidas entre pessoas, não
entre pessoas e coisas; uma hipoteca não é um poder direto e imediato, é uma especial
afetação; por outro lado, há poderes diretos e imediatos no âmbito dos direitos de crédito
(arrendatário de uma casa tem um poder direto e imediato sobre a casa).

Tudo isto fez com que surgisse uma nova doutrina, a doutrina personalista pura, que remonta ao
século XIX, o seu autor é um grande jurisconsulto romano chamado Windshield, que refere que
um direito real é uma relação entre pessoas, entre a pessoa titular e todas as outras pessoas
(relação entre um proprietário de um livro e todas as pessoas, que têm uma obrigação passiva
universal, de nada fazer). Nada distingue um direito de propriedade de um usufruto/servidão
predial ou outro direito real, pois é uma relação entre as pessoas e não um poder direto sobre a
coisa. Isto é grave, pelo que, no século XX surge uma terceira doutrina mista, que procura
catalisar das duas doutrinas anteriores o que estas têm de melhor, esta doutrina considera dois
lados do direito real: o lado interno-funcional e o lado externo-natural. Do lado interno-funcional
(teoria clássica), é o poder direto e imediato sobre uma coisa, do lado externo-natural (teoria
personalista pura), há a obrigação de todas as pessoas e o titular do direito.

Acabamos por não ter uma ideia do que é um direito real como categoria unitária, só temos
várias categorias de direitos reais. Esta é hoje a melhor teoria, e a mais seguida, embora haja,
mesmo em Portugal, quem defenda a teoria clássica.

Figuras ligadas aos direitos reais

-obrigações reais (uma obrigação real é um vinculo jurídico, que tem a particularidade do
titular do direito real ser o devedor, é o vinculo jurídico em que o titular de um direito real
está adstrito para com outro ao cumprimento de uma prestação que deve ser positiva,
facere. Exemplo: uma casa é objeto de um direito de usufruto, tem o proprietário e o
usufrutuário, o proprietário tem aquilo a que se chama uma propriedade nua, sem
grande conteúdo, pois quem usa e colhe os frutos é o usufrutuário, sendo que este é

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quem faz também as reparações ordinárias, previsto no artigo 1472º, aplicando-se aqui
a figura romana do ubi commoda ibi incommoda, onde estão as coisas
comodas/ganhos/proveitos, estão as incomodas/encargos/prejuízos, sendo que o nº3
enquadra uma particularidade do usufrutuário se renunciar a estas despesas,
renunciando ao usufruto e o proprietário recuperava a propriedade plena pelo principio
da elasticidade. Qual é o regime jurídico de uma obrigação real? É uma obrigação
normal pois está no livro II do CC das obrigações ou é uma obrigação especial porque
tem um regime jurídico diferente? Algumas considerações antes da resposta: Se
olharmos para as obrigações normais, previstas no CC aí vigora o principio da liberdade
contratual, mas tratando-se de uma obrigação real estamos no campo dos direitos reais,
e aí vigora o principio da tipicidade, depois enquanto se mantiverem os seus
pressupostos, a obrigação real não prescreve, e finalmente o devedor pode extinguir a
sua obrigação renunciando ao seu direito-renúncia liberatória. Se a obrigação real tem
este regime específico, é obvio que uma obrigação real não é uma obrigação normal,
não é nenhuma das previstas no livro II do CC, trata-se de uma obrigação especial que
tem a particularidade de viver à sombra do direito real, que é o devedor, esta
acessoriedade a um direito real é o que lhe confere a sua dimensão especifica de uma
obrigação autónoma, esta obrigação pode ou não ser ambulatória: se A vendeu a B a
sua fração de um prédio e depois disso é necessário reparar o telhado, a obrigação
passa de A para B, é ambulatória; mas se a reparação foi feita antes da venda, a
obrigação de A não se transmite a B, não é ambulatória).
-ónus reais

Direitos reais 14/10/2021

-ónus real: quem diz ónus, diz encargos, que onera uma coisa a favor de outra pessoa, essa
pessoa tem direito que o titular dessa coisa lhe preste rendimentos produzidos pela coisa. O
proprietário da coisa é obrigado a dar os rendimentos produzidos pela coisa ao titular do ónus
real. Se a coisa mudar de titular, o devedor passa a ser o novo titular, uma vez que o ónus onera
a coisa, não a pessoa. Tem o titular do ónus real a faculdade de executar a coisa se esses
rendimentos não lhe forem prestados.

Breve referência histórica: no direito romano encontramos a figura da enfiteuse, a propriedade


fragmentava-se em duas, o domínio direto e o domínio útil, o titular do domínio útil (enfiteuta) era
obrigado a pagar uma renda, em regra anual, ao titular do domínio direto – temos aqui uma
espécie de um ónus. Na idade média encontramos o censo consignativo (traduz-se em: alguém
contrai um empréstimo e afeta ao pagamento desse empréstimo os rendimentos produzidos por
uma certa coisa). A revolução francesa aboliu os ónus reais, libertando o direito de propriedade
de quaisquer encargos.

Em Portugal, encontramos a figura do ónus real: no direito público, o IMI (imposto sobre prédios),
taxa de beneficiação de rega (uma taxa que podemos encontrar no Alentejo, em que para levar a
água a prédios que não a têm, fazem-se canais de irrigação, quem paga é o Estado, mas os
donos dos prédios contemplados com essa água passam a pagar ao Estado uma taxa, em regra
anual); no direito privado, encontramos a única figura do ónus real, no chamado apanágio do

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cônjuge sobrevivo, previsto no artigo 2018º CC. Antes da reforma de 1977, o marido não era
herdeiro da mulher nem a mulher era herdeira do marido, os bens passavam para os filhos, mas
eram dados os rendimentos desses bens ao viúvo/viúva para que sobreviva. Depois desta
reforma, o viúvo é herdeiro ao lado dos filhos e a viúva é herdeira ao lado dos filhos, então
porque não foi revogada esta figura? Não foi revogada devido às heranças pequenas.

Posse

O que é a posse?

A resposta é dada no artigo 1251º “A posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por
forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.

A posse existe para o cumprimento de algumas funções?

 A posse protege o possuidor enquanto houver dúvidas quanto à titularidade de um


determinado direito real.
 Por outro lado, é um sintoma da existência de um direito (quem tiver a posse presume-
se titular desse direito).
 É um instrumento de paz enquanto as dúvidas não forem resolvidas.
 Para além disso, a posse permite adquirir um direito por usucapião.

- Estrutura da posse:

Temos duas doutrinas: teoria objetivista e a teoria subjetivista.

 Doutrina subjetivista (Windscheid e Savigny): atrás deles está a filosofia de Kant, com
ênfase dada à autonomia da vontade, para eles a posse é um poder de facto (corpus –
elemento material) acompanhado pela intenção (animus - elemento espiritual) de que o
titular desse poder é também titular do direito real a que esse poder corresponde.
Sintetizando, a posse é um poder de facto que alguém exerce com a intenção de ser
titular de um direito real. Sendo certo que destes dois elementos, o que tem maior
intensidade é o animus, uma vez que a posse pode existir mesmo sem o exercicio
efetivo desse tal poder, basta a possibilidade de exercer o poder para que haja posse.
 Doutrina objetivista (Ihering): contesta a doutrina subjetivista, considera que a posse é
um poder de facto sobre uma coisa que se manifesta estavelmente, não é esporádico
(para Ihering só existe verdadeiramente o corpus, não existe o animus, este está
implícito no poder, sem autonomia).

Exemplos que apontam para a teoria subjetivista e exemplos que apontam para a teoria
objetivista no nosso Código Civil:

A nossa doutrina está profundamente dividida: há quem entenda que o nosso Código Civil
consagra a teoria objetivista e quem entenda que segue a teoria subjetivista. Quem defende a

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teoria objetivista são a maioria dos professores da Faculdade de Direito de Lisboa, quem
defende a teoria subjetivista são os professores da Faculdade de Direito de Coimbra.

Argumentos esgrimidos pelos professores de Lisboa na defesa da doutrina objetivista: não há,
no artigo 1251º, qualquer referência à intenção, ao animus, quer o estilo quer a sistemática do
código é objetivista e se olharmos para o artigo 1133º/2 (aí estamos face à figura do comodato,
um contrato nominado, em que alguém entrega uma coisa móvel ou imóvel a outra pessoa para
que se sirva dela e depois a restitua sem preço), se a pessoa que utiliza a coisa, o comodatário,
for privado dos seus direitos ou perturbado no exercicio deles, pode usar contra o comodante, o
proprietário, os meios facultados ao possuidor, ou seja, o comodatário tem a tutela da posse e se
assim é, ele é possuidor. Portanto, se não há animus e há posse, temos aqui uma consagração
empírica da teoria objetivista. Muitos mais artigos se poderão juntar a este. Falamos aqui do
professor Oliveira Ascensão, no professor Carvalho Fernandes, no professor Menezes Leitão.

Por outro lado, para os professores de Coimbra, o Código Civil é subjetivista, invocando vários
argumentos: o mais decisivo é o artigo 1253º/1 alínea a), quem exerce um poder de facto sem
intenção é detentor, não é possuidor, a contrario senso os que agirem com intenção são
possuidores, logo temos a posse subjetiva. Este artigo é muito importante, sendo que a Escola
de Lisboa não consegue ultrapassar este obstáculo. Pegando no comodato, no artigo 1133º/2,
perguntamo-nos porquê que o comodatário é protegido pela tutela da posse? Pois existe uma lei
especial que lhe concede essa tutela, que é o 1133º/2, se essa lei especial não existisse ele não
era protegido. É necessário que haja uma proteção especial. Os possuidores são protegidos em
linha geral, basta ter a posse para serem protegidos, mas outros para serem protegidos tem que
haver uma lei especial, pois sem esta não estão protegidos e na realidade não são
verdadeiramente possuidores. Depois, só o animus pode distinguir a propriedade de um direito
de usufruto, por exemplo? O artigo 1305º refere que o proprietário goza de modo pleno e
exclusivo nos direitos de uso, fruição e disposição, mas se olharmos para o artigo 1439º aí se diz
que o usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente: ambas as posses são plenas, o que
distingue a posse do proprietário e a posse do usufrutuário é a intenção com que se exerce o
poder, ou seja, o animus. Quem exercer o poder com uma intenção de ser proprietário, a posse
corresponde ao exercicio do direito de propriedade; quem exercer o poder com intenção de ser
usufrutuário, a posse corresponde ao exercicio do direito de usufruto.

Há, no entanto, uma coisa em que Coimbra e Lisboa estão de acordo. Para Lisboa, que defende
a linha objetivista, há elementos de subjetividade. Para Coimbra, que defende a linha
subjetivista, há elementos de objetividade. Logo, o nosso Código Civil não é puramente
objetivista nem puramente subjetivista.

- Objeto

Qual é o conteúdo da posse?

A posse, regressando ao artigo 1251º, “é o poder que se manifesta quando alguém atua por
forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.

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E pergunta-se: que outro direito real para além da propriedade (que está expressamente
referida) pode ser suscetível da posse?

Nós sabemos que há direitos reais de gozo, há direitos reais de aquisição e há direitos reais de
garantia, e portanto, não dizendo o código que outro direito real é, somos nós chamados a dizer.
Só que entramos aqui num confronto.

Mais uma vez mergulhamos na disputa entre professores de Coimbra e de Lisboa.

Para os professores de Coimbra, esse outro direito real não pode ser um direito real de garantia,
porque este garante um crédito, seria necessário que o possuidor fosse simultaneamente credor.
O nosso código Civil só consagrou a posse nos direitos reais de gozo, eles previram os efeitos
importantes nos direitos reais de gozo. Quem é que pode adquirir por usucapião? Aquele que
exerce a posse em termos correspondentes a um direito real de gozo. Não em termos
correspondentes a um direito real de garantia (não dá lugar à usucapião).

Quanto a Lisboa, destacando-se o professor Menezes Cordeiro, concorda com Coimbra no facto
de que a posse não pode corresponder ao exercicio do direito real de garantia, mas para os
professores de Lisboa há exceções: há direitos reais de garantia que podem ser suscetíveis de
posse, são os que se traduzem num poder de facto do credor sobre uma coisa, para garantir o
seu crédito. O penhor é uma garantia real que incide sobre uma coisa móvel. Ora, quando
alguém constitui penhor de uma coisa móvel a favor do credor, entrega a coisa ao credor até que
seja pago, se for pago o credor restitui a coisa ao dono, se não for pago o credor promove a
venda da coisa. O que caracteriza o penhor é o contacto que o credor tem sobre a coisa. O que
é a posse se não um contacto também? Portanto, quanto ao penhor pode haver posse pois o
credor tem contacto sobre a coisa. E o mesmo se diga em relação aos direitos de retenção – um
poder sobre uma coisa, por exemplo, um carro está em poder do dono da oficina até ser pago o
seu conserto, este poder também é posse. Sendo a posse um poder sobre uma coisa, a posse
também pode corresponder a um direito real de retenção. Portanto, naqueles direitos reais em
que há um poder de facto sobre uma coisa, aí pode haver posse.

Quanto aos direitos reais de aquisição, serão estes suscetíveis de posse? Quando esses direitos
reais de aquisição se exercem, extinguem-se. Se se extinguem com o seu exercicio não são
suscetíveis de posse, uma vez que a posse é duradoura.

Em suma, que outro direito real é que será? Os direitos reais de gozo e na posição do professor
Menezes Cordeiro os direitos reais de garantia como o penhor e o direito de retenção.

Há um direito real de gozo insuscetível de posse: 1280º (servidões não aparentes).

Espécies de posse:

Artigo 1258º

 Posse titulada e posse não titulada:

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A posse titulada funda-se em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do


direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico. O negócio jurídico que
permite adquirir um direito real serve de título à posse (compra e venda, uma doação ou uma
transação). “independentemente do direito do transmitente”: A compra e venda que não serve
para transmitir a propriedade por se tratar de coisa alheia, todavia serve de título à posse,
justifica a posse. “independentemente da validade substancial do negocio jurídico”: fazendo aqui
uma distinção, uma invalidade formal do negócio jurídico é a inobservância de forma (CV de um
imóvel sem escritura pública/documento autenticado), e uma invalidade substancial/material tem
por base um vício de substância (erro, dolo, coação), apesar desta invalidade substancial e do
negócio ser nulo, o negócio serve na mesma de título à posse.

Levanta-se aqui um problema: e quanto à invalidade formal? Se a invalidade substancial do


negócio não impede que esse negócio sirva de título à posse, a contrario senso a invalidade
formal não serve de titulo à posse (se alguém vende um imóvel sem escritura pública, o artigo
875º refere que é inválido). O problema é posto pelo professor Menezes Cordeiro: estamos
perante dois vícios, um formal e outro material/substancial, o substancial titula a posse, o formal
não, o vício mais grave é uma pessoa não fazer escritura pública ou uma pessoa ser coagida? O
vício mais grave é o substancial. No entanto, este serve de título à posse quando o vício menos
grave não serve. Deveria ser ao contrário.

Direitos Reais 21/10/2021

(Continuação da posse titulada e não titulada)

Se numa compra e venda houver uma simulação absoluta, serve de título? Não há posse titulada
numa simulação absoluta, porque nesta apenas se quer enganar, não há venda nenhuma. E na
simulação relativa? Há um negócio simulado e um dissimulado, esse negócio dissimulado sofre
de vício formal – não titula a posse -, se sofre de vício substancial – já titula a posse.

Em relação à posse pertencente ao de cuius: que tipo de posse é aquela herdada pelo herdeiro
do de cuius? Esta posse é titulada ou não titulada? A resposta surge no artigo 1255º: se a posse
do de cuius era titulada – a do herdeiro será também; se a posse do de cuius não era titulada – a
do herdeiro não será também.

1259º/2: o título da posse não se presume, ou seja, o nosso legislador consagrou uma doutrina
oriunda do direito romano, recusando o título putativo – é preciso provar que o título existe.

Por outro lado, por força do nº2 do artigo seguinte, a posse titulada presume-se de boa-fé e a
não titulada de má-fé. Estamos perante uma presunção ilidível.

A posse não titulada, em contraposição com a titulada, é aquela que não se justifica num título
ou ainda que haja um título, esse tem um vício formal. A propósito desta posse, falamos também
na mera posse.

 Posse de boa-fé e posse de má-fé

Artigo 1260º/1 a posse diz-se de boa-fé quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava
um direito de outrem. A contrario senso, se não ignorar está de má-fé.
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Núcleo de Estudantes de Direito e Solicitadoria da Universidade Lusíada, no Porto

Este artigo levanta mais um obstáculo: “quando o possuidor ignorava”. Há quem entenda que
basta ignorar, desconhecer que está a lesar direito alheio – é o critério psicológico, critério
defendido pela escola de Coimbra (Antunes Varela). Mas, por outro lado, na Faculdade de
Direito de Lisboa, discorda-se deste critério e defende-se um critério ético – não basta ignorar, é
necessário que a ignorância não seja culposa – se alguém violar um direito mas for culpado
porque nada fez para vencer a ignorância, então está de má-fé, só estando de boa-fé aquele que
ignorar mas a ignorância não é culposa porque tudo fez para saber.

Olhando para estes critérios, o que tem sido seguido pelos nossos tribunais é o critério ético.

Ora, a existência da posse de boa-fé e de má-fé são importantes, desde logo porque os prazos
para a usucapião são diferentes: para alguém adquirir um direito real por usucapião tem que ter
a posse, se a posse for de boa-fé o tempo é inferior, se a posse for de má-fé o tempo é superior.
Para além de que se a posse for de boa-fé, os frutos da coisa possuída pertencem ao possuidor,
mas se a posse for de má-fé os frutos já pertencem ao proprietário.

 Posse pacífica e posse violenta

1261º a posse pacífica é aquela que foi adquirida sem violência. A posse violenta é referida no
nº2 deste artigo. Além disso, a posse violenta não pode ser registada. Por outro lado, enquanto a
posse for violenta, não é suscetível de usucapião. E por força do 1260º/3, esta é sempre de má-
fé – presunção absoluta/inilidível.

 Posse pública e posse oculta

1262º é aquela que é suscetível de conhecida pelos interessados. Quem são os interessados?
Falamos que a posse é pública quando é suscetível de ser conhecida pelo bonus pater famílias,
ou seja, o Homem médio. A contrario sensu, considera-se oculta a posse que o Homem médio, o
bom pai de família, não pode conhecer. Essa posse oculta não é suscetível de usucapião e não
pode ser registada.

Nos móveis, a posse oculta é frequente. Nos imóveis, não é fácil.

Estas são as modalidades de posse. Deixamos, todavia, para trás, uma figura que não é bem
posse: a detenção, presente no artigo 1253º (posse precária). O detentor é aquele que tem o
corpus, mas não tem o animus. Portanto, se não tem o animus não é possuidor.

Para além das espécies previstas no código, há outras não consagradas: estão previstas na
doutrina/ciência jurídica.

- Posse causal: posse que integra um direito, faz parte do conteúdo do direito. Por exemplo, um
direito de propriedade. Se o proprietário de uma casa vive na casa, é proprietário, porque faz
parte do conteúdo do direito de propriedade viver lá, se viver lá tem um poder sobre a coisa, tem
a posse. Não é posse autónoma, não está separada do direito de propriedade. Mas desmembra-

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Núcleo de Estudantes de Direito e Solicitadoria da Universidade Lusíada, no Porto

se perante o direito de propriedade. Exemplo: A, dono de um prédio, é o proprietário, tem a casa


ocupada por B. A tem dois tipos de reação: pode agir como proprietário (demanda quem ocupou
a casa com a ação de reivindicação, que é a ação que tutela o direito de propriedade, 1311º), ou
agir como simples possuidor (a posse causal apaga-se porque se apaga o direito, e estamos
perante uma posse formal, autónoma, do 1251º, que permite a A recuperar a posse através da
ação de restituição de posse, 1278º).

- Posse efetiva: aquela que tem um controlo material sobre a coisa possuída.

- Posse não efetiva (ou fictícia): posse que verdadeiramente não existe, mas o direito considera
que sim (A perdeu a posse durante 3 meses, nesse tempo a posse esteve em poder de B, só
que a ação que ele intentou contra B fez com que B lhe restituísse a posse, estes 3 meses são
apagados, como se A nunca tivesse perdido a posse, 1283º; ou então é o caso da posse que se
transmite ao herdeiro e se mantém mesmo enquanto a herança não for aceite, 1255º).

- Posse imediata: que se exerce de imediato com o contacto com a coisa.

- Posse mediata: que se exerce através de intermediário (posse que o comodatário exerce em
nome do comodante).

Efeitos da posse

- Efeito probatório

O possuidor goza da presunção de que é titular do direito (possuidor goza da presunção de que
é proprietário). Esta presunção é ilidível, mas não deixa de ser uma presunção importante,
porque segundo ela como o possuidor é titular de um direito real, basta trazer a prova de que é
possuidor para se presumir titular de um direito. Afasta a prova diabólica – se um proprietário
quiser intentar uma ação de reivindicação, terá de provar que é proprietário, tem o ónus da prova
(onus probandi), mas é muito difícil de provar. Aqui está o efeito probatório da posse: se alguém
em vez de intentar aquela ação como proprietário, vai intentar uma ação de restituição de posse,
provando mais facilmente que é possuidor, recuperando a posse.

Pode haver, no entanto, outras presunções, como o registo: a pessoa em nome de quem o
prédio esteja registado, goza da presunção de que é proprietário ou titular de um outro direito.
Havendo presunção do registo e presunção da posse, temos uma concorrência, triunfando a
mais antiga.

-Frutos

A quem é que pertencem os frutos da coisa possuída? Ao possuidor de boa-fé. Não pertencem
ao possuidor de má-fé, pertencerá ao proprietário. 1270º

A é possuidor, está de boa-fé, mas a partir de um certo momento passa a estar de má-fé, se os
frutos forem colhidos quando ele está de boa-fé, os frutos pertencem-lhe, se os frutos são
colhidos quando ele está de má-fé, os frutos pertencem ao proprietário. Levanta-se um
problema: os frutos estão pendentes quando está de boa-fé, ou seja, ainda não foram colhidos, e
só foram colhidos quando está de má-fé, aqui os frutos são do proprietário, no entanto, este é

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obrigado a indemnizar o possuidor das despesas 1270º/2. Outra situação: os frutos estão
alienados, vendeu os frutos antes da colheita, a colheita ocorre quando já está de má-fé, aqui a
alienação subsiste, no entanto o produto da colheita pertence ao proprietário, sendo que este vai
pagar ao possuidor a despesas que teve (nº3). Uma situação prevista nos artigos 214º e 215º
que refere uma colheita prematura (A colheu os frutos antes do tempo), aqui o possuidor de boa-
fé deve restitui-los, mas tem direito a ser indemnizado das despesas que teve.

Na posse de má-fé, 1271º, os frutos devem ser restituídos ao proprietário até ao termo da posse,
e além disso pelo valor dos frutos que um proprietário diligente poderia ter obtido.

- Perda ou deterioração da coisa

1269º

O possuidor de boa-fé só é responsável pela perda ou deterioração da coisa se tiver procedido


com culpa. O possuidor de má-fé, a contrario sensu, responde mesmo que tenha atuado sem
culpa. No entanto, se provar que esta deterioração teria acontecido na mesma por factos
naturais (terramoto, incêndio) ou em poder do proprietário, o possuidor de má-fé não responde,
devendo fazer esta prova.

- Encargos

1272º Os encargos com a coisa são pagos pelo titular do direito e pelo possuidor, na medida dos
seus diretos sobre os frutos.

- Benfeitorias

Falamos de benfeitoria necessária (despesa feita para evitar a deterioração da coisa), da


benfeitoria útil (despesa feita para aumentar a comodidade da coisa) e da benfeitoria voluptuária
(despesa feita para capricho pessoal).

Benfeitorias necessárias e úteis, 1273º/1. As necessárias não podem ser levantadas, tendo
direito a ser indemnizado pelo titular do direito; As úteis podem ser levantadas desde que não
estrague a coisa, caso não seja possível o possuidor é indemnizado pelo titular do direito. Não
se distingue o possuidor de boa e de má-fé.

Diferentes são as benfeitorias voluptuárias, 1275º. Aqui distingue-se a posse de boa-fé da posse
de má-fé. O possuidor de boa-fé tem direito a levantar as benfeitorias desde que não danifique a
coisa, caso contrário, nem sequer tem direito a uma indemnização; O possuidor de má-fé não as
pode levantar (mesmo que não danifique) nem tem direito a indemnização.

Direitos Reais 28/10/2021

 Qual é o âmbito da usucapião?

No artigo 1287º, refere-se que a posse de um direito de propriedade ou de outro direito real de
gozo, ou seja, afasta da usucapião os direitos reais de garantia e de aquisição.

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Mas a usucapião é excluída em certas situações de direitos reais de gozo: não se pode adquirir
um direito por usucapião se a posse for violenta ou oculta, só permitindo quando deixarem de o
ser. Outra situação está presente no artigo 1293º, ou seja, as servidões prediais não aparentes
(uma servidão que não se vê, não pode adquirir-se por usucapião desde logo porque o
proprietário não sabe da existência desta posse de um terceiro, e se não sabe não pode reagir,
daí que não se permite que o possuidor se torne titular do direito de propriedade por usucapião)
e os direitos de uso e habitação (protege-se o titular do direito de propriedade, é um direito
personalíssimo).

Direito de uso e habitação – trata-se de um usufruto em ponto menor, limitado. O usufrutuário


tem o gozo pleno, o uso e a fruição da coisa a que corresponde o direito de usufruto. Face a uma
casa, podemos ter um direito de propriedade e um direito de usufruto, pelo que B, titular do
direito de usufruto, usa e retira frutos da coisa, enquanto o A, titular do direito de propriedade,
tem uma nua propriedade – não pode usar nem fruir.

A figura do direito de usufruto foi criada pelos romanos para defender a viúva: o marido morria,
os filhos são os proprietários, a viúva é usufrutuária. Os filhos são pobres, a viúva é rica (com
vários pretendentes e consequentemente com muitos divórcios). Desta forma, os romanos
alteraram isto: a viúva tornou-se mais pobre, porque só recebia o essencial para a satisfação das
suas necessidades, o resto ia para os filhos, proprietários, que ficavam mais ricos – esta figura é
o uso e habitação.

Usucapião da liberdade – a aquisição da liberdade por usucapião. Vamos supor: temos o prédio
A, prédio B e prédio C, este tem que passar pelo prédio A para ter acesso à via pública, temos
aqui uma servidão de passagem/predial. Se alguém se apoderar deste prédio e exercer a sua
posse de forma completa apagando a servidão, como se ela não existisse, adquire por
usucapião a totalidade do prédio, e como a servidão era um encargo sobre o prédio A esse
encargo desaparece, ou seja, o prédio readquire a sua liberdade. A usucapião da liberdade está
consagrada no artigo 1569º/1 c). Permite a alguém adquirir a liberdade de um prédio, ou seja,
eliminar a servidão que o onerava.

 Quem tem capacidade para ser possuidor?

A resposta encontra-se no 1289º/1: “A usucapião aproveita a todos os que podem adquirir”. Já o


nº2 refere: “Os incapazes podem adquirir por usucapião, tanto por si como por intermédio das
pessoas que legalmente os representam”. No entanto, devemos considerar que este artigo
1289º/2 não está só, é acompanhado pelo artigo 1266º: relativamente às coisas suscetíveis de
ocupação, são as coisas que não têm dono (aqui mesmo não tendo uso da razão podem ser
possuidores já que não prejudica ninguém), mas se a coisa tiver dono é preciso que tenha o uso
da razão.

Como a usucapião depende da posse, o incapaz pode adquirir por usucapião por si (1289º/2)
mas para isso tem que ser possuidor, e para ser possuidor tem que ter o uso da razão (1266º).

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Detentores: aqueles que não têm o animus possidendi. Só adquirem por usucapião para a
pessoa que representam (aquela que tem a posse), artigo 1252º/1, a menos que haja uma
inversão do título (deixa de ser detentor para se tornar possuidor). A título de exemplo: A
arrendou um prédio a B, este é detentor porque possui em nome de A, mas se B decidir não
pagar a renda e age publicamente como se fosse o proprietário (com animus), neste caso há
uma inversão do título, ele deixa de ser detentor para ser um verdadeiro possuidor. Numa
palavra, para que um detentor seja o possuidor deve haver inversão do título, não havendo ele
continua detentor e a posse não está em seu nome mas em nome de outra pessoa.

 Prazos

A usucapião depende da posse, sendo que esta não pode ser oculta nem violenta. Mas a posse
deve ter uma determinada duração, que a lei considerará. Temos vários prazos, destacando-se:

- Justo título e registo, artigo 1294º (aquela posse que tem uma justificação, ou seja, um título e
que está registada): o possuidor de boa-fé espera 10 anos, o de má-fé 15 anos.

- Sem registo (a posse não está registada): o possuidor de boa-fé espera 15 anos, o de má-fé
espera 20 anos.

- Quanto às coisas móveis que não forem registáveis: artigo 1299º estabelece que se há título de
aquisição da posse de coisa móvel (há um título) são 3 anos de espera; se não houver título são
6 anos.

Aquisição da posse

Os modos de aquisição da posse estão contemplados no artigo 1263º. Uns modos são modos
de aquisição originária (aquela em que o possuidor tem um poder direto e imediato sobre a
coisa), outros são modos de aquisição derivada (há uma transferência de posse do antigo
possuidor para o novo).

A posse adquire-se:
Pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do
direito – modo de aquisição originária. Esta prática deve ser duradoura, embora possa ser um
único ato (semear o terreno, por exemplo) a evidenciar a posse; a posse tem que ser pública; os
atos materiais incidem sobre a coisa.
Por inversão do título da posse – modo de aquisição originária. Um detentor que age como dono
da coisa e torna-se possuidor enquanto o proprietário não reagir.
Pela tradição material ou simbólica da coisa, efetuada pelo anterior possuidor – modo de
aquisição derivada. É pela entrega da coisa do antigo para o novo possuidor. A tradição material
é a entrega da coisa, a tradição simbólica tem várias modalidades:
- traditio longa manu (tradição de grande mão): um possuidor de um automóvel,
da varanda, aponta para o sítio onde tem o automóvel estacionado e diz ao novo
possuidor que lhe entrega o automóvel. Aponta à distância, daí que os romanos
usaram esta expressão.

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- traditio brevi manu: se A arrenda a B, A é possuidor e B detentor, mas se A


vende a B, este passa a ser proprietário e portanto possuidor. A entregou a
posse em B, mas a coisa já estava em poder de B como detentor. A entrega
nem se vê porque já estava em B.
- traditio ficta (tradição fictícia): é a entrega da chave em vez da coisa, aquilo que
simboliza a coisa.
Por constituto possessório – modo de aquisição derivada. Não é necessário um ato material ou
simbólico. A vende a B, transfere a propriedade e a posse, e faz um contrato de arrendamento
em que A passa a ser arrendatário/detentor de B.

Direitos Reais 04/11/2021

Sucessão da posse: o de cuius tinha a posse sobre determinado bem. O herdeiro tem a mesma
posse do de cuius? Sim. Portanto, se a posse do decuius for titulada, também será a de seu
herdeiro, se for não titulada, não titulada será a do seu herdeiro.

Se nos referirmos ao seu património (compreendendo os bens ativos e os bens passivos, como
as dívidas), falamos da herança. Mas se nos referirmos apenas a um determinado bem, falamos
do legado. Põe-se um problema: o legatário também sucede na posse ao decuius?

Para os professores Pires de Lima e Antunes Varela: a posse do legatário é igual a posse do
decuius. O legatário também sucede. O artigo 1255º refere “sucessores”, não diz que são
legatários mas também não diz que são os herdeiros, para estes professores a palavra
sucessores compreende os herdeiros e os legatários, ambos sucedem.

Para o professor Menezes Cordeiro: a posse do legatário é diferente da posse do decuius. Não
há aqui uma sucessão na posse. Para este professor, enquanto numa herança o herdeiro não
pode aceitar umas coisas e recusar outras (aceita tudo ou recusa tudo), num legado o legatário
pode aceitar a posse e recusar a posse. A posição do professor Menezes Cordeiro não deixa de
ser uma posição forte, mas devemos apoiar a posição dos professores Pires de Lima e Antunes
Varela.

Sucessão ≠ Acessão: Na sucessão, a posse é a mesma. Na acessão há duas posses diferentes


que se somam, tem esta particularidade. Por exemplo, a posse do possuidor A (5 anos) e a
posse do possuidor B (de 10 anos), com o somatório das duas, B passa a ter uma posse de 15
anos.

E não é indiferente para a usucapião: se não somarmos as duas posses nenhum deles adquire
por usucapião, mas se somarmos o tempo da posse do antigo possuidor A, que transmitiu a
posse a B, e o tempo da posse de B, já dá 15 anos, já é possível a usucapião.

A acessão de posse está prevista no artigo 1256º. O nº1 estipula aquilo que acabamos de referir
(tem que ser por titulo diverso da sucessão por morte, pois essa é outra figura, como por
exemplo a compra da posse, por doação, etc). O nº2 tem uma particularidade: “Se, porém, a
posse do antecessor (A) for de natureza diferente da posse do sucessor (B)…”, ou seja se a

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posse de A for de má-fé e a posse de B for de boa-fé ou uma é titulada e a outra não titulada; “…
a acessão só se dará dentro dos limites daquela que tem menor âmbito”, portanto se B está de
boa-fé, recebendo a posse de A que está de má-fé, a sua posse, que tem 15 anos, é de má-fé
(que tem menor âmbito). Isto faz com que esta figura possa não interessar a B uma vez que não
pretende uma posse de má-fé (se for de boa-fé tem direito aos frutos, tem um prazo menor para
a usucapião), por isso é que o 1256º/1 refere “pode juntar”, pelo que B pode decidir se quer ou
não fazê-lo.

Para haver acessão, é necessário que esta posse tenha sido adquirida por negócio jurídico
(intervivos). E isto levanta um problema: se recuarmos no tempo, os romanos referiam que para
haver acessão de posse tem que haver um negócio jurídico; hoje em dia, há quem concorde com
esta visão e quem recuse o ponto de vista dos romanos. Quem segue os romanos são os
nossos clássicos, Pires de Lima e Antunes Varela, que consequentemente fez os nossos
tribunais seguir também esta visão. Mas o professor Menezes Cordeiro tem outra posição: para
exigir um documento exige-se um título (posse titulada), mas a verdade é que a usucapião
também se verifica na posse não titulada, bastando a entrega (traditio), pelo que isto dificulta a
usucapião, porque alguém pode adquirir por usucapião sem posse titulada, entendendo que uma
vez que a posse pode ser adquirida pela entrega material, não fará sentido exigir um documento
escrito, ou seja, a posse titulada. Esta posição merece acolhimento, apesar dos nossos tribunais
seguirem o ponto de vista romano.

Conservação da posse

Artigo 1257º “A posse mantém-se enquanto durar a atuação correspondente ao exercício do


direito ou a possibilidade de a continuar”.

A posse corresponde sempre ao exercicio de um direito. Se o direito se extinguir por falta de uso,
a posse pode continuar? Levanta aqui um problema:

Doutrina subjetivista (defendida por Pires de Lima e Antunes Varela): a posse continua enquanto
houver a possibilidade de a continuar, mesmo que o direito se extinga (não implica a perda da
posse). Uma coisa é o direito, outra é a posse.

Doutrina objetivista (defendida pelos professores de Lisboa): a posse é a imagem de um direito,


pelo que se o direito se extingue a posse também se extingue.

Perda da posse

Artigo 1267º, aqui se indica as diversas situações que podem determinar a perda da posse,
sendo que esta enumeração não é taxativa (expropriação para utilidade pública, não uso que
pode implicar a perda da posse).

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 Pelo abandono – o possuidor abandona a coisa. Implica dois elementos estruturantes: o


corpus (o afastamento da coisa) e o animus (a intenção de, com esse afastamento, se
perder a posse);
 Pela perda ou destruição material da coisa ou por esta ser posta fora do comércio –
quem perde tem o corpus (perdeu contacto com a coisa), mas não tem o animus, por
isso é que logo que a coisa seja achada, o possuidor recupera a posse.
 Pela cedência – se alguém cede a posse a outra pessoa, perde-a;
 Pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse
houver durado por mais de um ano – pergunta-se, quando é que perde a posse? A partir
do momento em que outro alguém tenha a coisa em seu poder pelo menos durante um
ano e um dia (esta figura vem do direito francês – posse de ano e dia);

Defesa da posse

Artigo 1276º - há um justo receio (um receio fundado que o Homem médio tem naquela
situação). Esta ação afasta este receio. É a primeira forma de tutela da posse.

Trata-se, no entanto, de uma tutela precária/provisória, uma vez que se alguém perde a posse
porque lhe foi retirada pelo proprietário e ele procura recuperar essa posse (através de uma ação
de restituição de posse), caso o proprietário consiga provar que é proprietário, esta ação
extingue-se.

Encontramos aqui duas modalidades de tutela da posse:

 Autotutela – feita pelos possuidores


 Tutela judicial – feita nos tribunais

Quanto à autotutela, levanta-se um problema: este artigo refere a ação direta mas omitiu a
legítima defesa (outra forma de autotutela). Analisando o artigo 337º, a posse faz parte do
património de uma pessoa, logo seria possível o nosso legislador referir a legitima defesa e não
só a ação direta. No entanto, a melhor solução seria, uma vez que omitiu a legítima defesa,
omitir também a ação direta, porque ambas são figuras de aplicação geral (que o possuidor já
tem, sem ter de ser especificado).

Quanto à tutela judicial, temos várias ações, desde logo a manutenção e restituição da posse:

- Manutenção: 1278º. O possuidor “perturbado será mantido”, ou seja, intenta uma ação para
afastar uma perturbação que lhe é causada em termos de posse, sendo que o artigo 1281º/1
refere quem tem legitimidade para intentar esta ação, e o artigo 1282º refere que esta ação
caduca ao fim de 1 ano (figura da posse de ano e dia).

- Restituição: 1278º. O possuidor “esbulhado será restituído”, pode intentar uma ação para
recuperar a posse que perdeu. No artigo 1281º/1 menciona a legitimidade e no artigo 1282º a
caducidade (também de um ano). Esta ação de restituição é muito importante, uma vez que se o
proprietário for simultaneamente possuidor, convém utilizar esta figura e não a ação de
reivindicação (onde tem o ónus de provar que é proprietário, e essa prova é diabólica; na
restituição não é, basta provar que é possuidor, sendo uma prova mais fácil).

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Ação de restituição com esbulho violento: artigo 1279º (o esbulhador agiu com violência pelo que
há a particularidade de o juiz dispensar a audiência deste). O artigo 1282º não refere prazo para
a ação por esbulho violento, no entanto o regime que se justifica é o mesmo e por isso podemos
aplicar por analogia este artigo.

Embargos de terceiro: artigo 1285º. Por exemplo, alguém deve certa quantia, não pagou e é
executado, é penhorada a coisa que é possuída por um terceiro. O proprietário é A, é quem
deve, quem é executado (é promovida a sua venda), a coisa está em seu nome, o possuidor é B
(que não participou no processo). O possuidor arrisca-se a ficar sem a posse por efeito da
execução, reage através desta figura de embargos de terceiro, tendo 30 dias após a diligência
(penhora, arresto, etc), mas nunca depois da coisa ter sido vendida. O processo é suspenso e o
possuidor é restituído provisoriamente na posse. A justificação é que o possuidor não intervém
no processo, não se podendo defender, sendo certo até que a posse tem a presunção de que o
possuidor é o dono.

Efeitos:

1283º - A perdeu a posse, demandou B através de uma ação de restituição de posse, em


consequência desta ação, a coisa que estava em poder de B regressa a A. Temos efeitos
retroativos – como se A nunca tivesse perdido a posse.

Além disso, os frutos colhidos durante o tempo em que B teve a posse pertencem a A, pois B é
tido como nunca ter sido possuidor.

Isto também conta para a usucapião – se A nunca deixou de possuir, beneficia do tempo que B
esteve para efeitos de usucapião.

Qual é a natureza jurídica da posse?

Uma pergunta delicada, que nunca teve uma solução convincente. Persistem hoje as dúvidas.
Há fundamentalmente duas respostas:

Para uns, a posse é um poder de facto sobre uma coisa, não pode ser um direito, pode é ser um
anti direito, injusta, contrária ao direito (posse oculta, posse violenta). Esta solução foi entre nós
defendida pelo professor de Coimbra Orlando de Carvalho, que refere que a posse não deixa de
ser o que funda o direito, uma vez que a posse pode, através da usucapião, fazer adquirir um
direito.

Do outro lado está a maioria dos autores, que defende que a posse é uma situação jurídica: há
quem veja um direito subjetivo, desde logo porque tem um objeto que é uma coisa certa e
determinada, porque satisfaz o interesse do possuidor e porque é reconhecido pelo direito
(professor Manuel Rodrigues); há quem considere um direito precário/provisório porque a tutela
da posse acaba se alguém provar que é proprietário, não deixando no entanto de ser um direito
(professor Mota Pinto); a posse não é um direito real de gozo, mas também não é um direito
pessoal, sendo portanto um direito de gozo diferenciado (professor Menezes Cordeiro).

Chegados a este ponto, continuando a querela, não sabemos qual é a natureza da posse.

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TEMA 7 – Propriedade

A propriedade aparece, desde logo, no artigo 1302º. Aqui não se define a propriedade, refere o
que pode ser objeto deste direito. Não existe uma definição da figura complexa do direito de
propriedade.

1305º (conteúdo do direito de propriedade) - “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos
direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e
com observância das restrições por ela impostas”.

Se pode usar, também pode não usar – não se perde a propriedade por falta de uso, salvo uma
exceção que a seu tempo veremos. Se pode fruir também pode não fruir. Pode dispor e pode
não dispor.

1305º-A (propriedade dos animais) – antes de 2017, os animais eram considerados coisas, não
havendo necessidade de uma norma especial; o nº2 deste artigo não é taxativo.

1306º

Características da propriedade:

 Indeterminação – uma vez que não existe uma definição de direito de propriedade;
 Exclusividade – a propriedade é um direito exclusivo, no sentido de que não admite
outras propriedades sobre a mesma coisa, elas destroem-se;
 Elasticidade – a propriedade tem uma aptidão para ser plena, no entanto admite que
existam outros direitos sobre a mesma coisa, desde que compatíveis com ela, ou seja,
uma coisa pode ser objeto de um direito de propriedade e de um direito de
usufruto/servidão predial. A partir do momento em que este direito menor se extingue, o
direito de propriedade expande-se até à sua plenitude automaticamente.

Direitos Reais 11/11/2021

Modalidades da propriedade:

 Propriedade plena – consta do artigo 1305º “de modo pleno”;


 Propriedade restrita/limitada – quando falha algum dos elementos do artigo 1305º, ou
seja, “usar, fruir e dispor”, temos uma propriedade limitada (um direito menor como o
usufruto, servidão predial ou uso e habitação, comprime o direito de propriedade, este
deixa de ser pleno);
 Propriedade perpétua – quando não cessa pelo decurso do tempo nem por falta de uso,
a propriedade diz-se perpétua, está previsto no artigo 1313º;
 Propriedade temporária – é a propriedade que se constitui durante certo tempo, 1307º/2.
Exemplo: a propriedade do fiduciário. O decuius no seu testamento pode deixar um bem
ao B, mas à morte de B este bem não passa para os seus herdeiros, passa para um
terceiro, C. B é o herdeiro fiduciário e C é o herdeiro fideicomissário. A propriedade
cessa com a morte de B, um evento futuro e certo, portanto um termo, uma vez que não
se transmite aos seus herdeiros;

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 Propriedade resolúvel – está sujeita a uma condição resolutiva, uma vez verificada essa
condição, a propriedade cessa, nos termos do artigo 1307º/1 e 3. Exemplo: alguém que
tem bens se ausenta para parte incerta e não se sabe se é vivo ou se morreu. Temos de
resolver o problema sobre os bens que deixou. Falamos do instituto da ausência,
previsto no artigo 114º, que refere esperarmos 10 anos desde as últimas notícias ou
então apenas 5 anos caso o ausente tenha mais de 80 anos. Caso não haja noticias,
declara-se a morte presumida e os bens passam para os seus herdeiros. Depois de
declarada a morte presumida, se a pessoa afinal está viva, anula-se a presunção de
morte e os bens regressam para si, o que significa que os herdeiros tiveram uma
propriedade resolúvel. Outro exemplo são os bens doados para casamento: caso o
casamento se dissolva por divórcio com culpa do donatário, a doação considera-se sem
efeito, ou seja, os bens voltam para os doadores;

Limitações legais

A propriedade sempre foi limitada, nunca foi absoluta, sejam limitações por interesses públicos,
por interesses particulares ou religiosos. Dependendo, também, do sistema político-económico
(num sistema liberal, a propriedade tem menos limites; num sistema social, tem mais limites).

 Limitações de interesse público


 Expropriação

Artigo 1308º, quando a lei determina a possibilidade de haver uma expropriação, o proprietário
não pode resistir, há uma limitação ao seu direito de propriedade imposta pelo interesse público.
A expropriação obedece a princípios fundamentais: a entidade pública deve, em primeiro lugar,
declarar o interesse público na expropriação daquele terreno, para permitir ao dono contestar
aquele interesse; se não contesta ou contesta e não tem vencimento, num segundo momento a
entidade que expropria paga o valor do terreno (se não o fizer temos um confisco e este é
proibido pela Constituição); em terceiro lugar, este deve ser afeto àquele fim (a estrada), porque
se for afetado a um fim diferente haverá reversão, ou seja, anulação, da expropriação.
Cumpridos estes princípios, a entidade que expropriou adquire a propriedade.

 Requisição

Artigo 1309º, quando o Estado precisa de utilizar uma coisa faz uma requisição. Por exemplo,
um terreno que tem um poço de água, há uma população atingida por uma seca que necessita
dessa água, faz-se a requisição dessa água e o dono do terreno não pode resistir, é obrigado a
ceder a água.

 Fracionamento dos prédios rústicos

Artigo 1376º. A partir de uma certa zona geográfica do país, a regra é a de que a propriedade
dos terrenos é muito estreita (minifúndios). Para cada zona do país, existe uma portaria que
refere a área de cultura mínima e fixa o número de hectares, sendo que um prédio que não tiver

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esses hectares não pode ser fracionado. Além disso, se A quiser vender o seu terreno, terá de
dar preferência a B, e vice-versa, para que, onde havia dois prédios pequeno, passe a haver um
prédio maior. Se A não pode fracionar o seu prédio, está limitado nos seus poderes. Se A tem
um prédio e este não pode ser fracionado porque não tem a unidade mínima prevista na portaria,
o dono morreu, os seus herdeiros B e C não podem, na partilha, dividir o prédio, pelo que um fica
com o prédio e o outro ou fica com os outros bens ou deve ser indemnizado.

 Atravessadouros

Artigo 1383º. O nosso código aboliu a maior parte dos atravessadouros. Mas não se
conseguiram abolir todos, pelo que surge o artigo 1384º. Os atravessadouros que dão acesso a
uma ponte ou uma fonte mantêm-se enquanto não houver uma estrada ou uma via que permita
esse acesso. No entanto, enquanto se mantêm o proprietário nada pode fazer, está limitado pelo
interesse público.

 Limitações impostas pelo direito privado


 Emissão de fumo, produção de ruídos e factos semelhantes

Artigo 1346º. Está limitado quando esses comportamentos importem um prejuízo substancial
para o vizinho ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam. Surge aqui um
problema: o vizinho só pode opor-se caso se verifiquem estes dois pressupostos
cumulativamente (prejuízo substancial e utilização anormal), portanto devemos ler este artigo
desta forma “importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel e não resultem da utilização
normal do prédio de que emanam”.

 Ruína de construção

Artigo 1350º. O dono de um prédio em ruínas tem a obrigação de o reparar para evitar a queda e
consequentes danos. Se é obrigado a fazê-lo é uma limitação. Esta solução não advém do
direito romano: a sua sociedade fomentava construções de casas sem segurança, pelo que
desabavam prédios com muita frequência e danificavam os prédios vizinhos. Os romanos
obrigavam o dono a reparar o prédio, se não o fizesse transferiam o prédio para o vizinho para
este o reparar. Não é isto que está previsto no nosso código.

 Construções e edificações

Quanto ao artigo 1360º, ninguém pode abrir janelas, portas, etc. que deem para o lado do
vizinho, sem recuar pelo menos um metro e meio. Caso não recue, o vizinho pode reagir e
mandar tapar as janelas. No entanto, e por força do artigo 1362º, se não reagir e deixar passar
um tempo, o dono da casa adquire por usucapião uma servidão de vistas, pelo que o vizinho já
não as pode mandar tapar.

Quanto às frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, caso não se verifique uma das condições
previstas no artigo 1363º, o vizinho pode mandar tapar as frestas. Mas mesmo que este não o
faça, a lei diz “podendo o vizinho levantar a todo o tempo”, portanto o dono das frestas não

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adquire o direito de mantê-las por usucapião, o vizinho pode a todo o tempo tapar através da
construção de uma parede.

Depois, em relação ao estilicídio, previsto no artigo 1365º, quando alguém pretende construir
uma casa, não pode deixar que o telhado goteje sobre o prédio vizinho, devendo deixar um
intervalo mínimo de 5 decímetros, mas não o fazendo, e o vizinho não se importando, passando
determinado tempo, o dono adquire o direito de servidão de estilicídio.

 Plantação de árvores e arbustos

Artigo 1366º. O dono do prédio pode plantar junto à linha divisória, só que o vizinho tem o direito
de mandar aprumar os ramos e cortar as raízes que se introduzam no seu terreno, caso o dono,
depois de notificado, não o faça dentro de 3 dias. Se o vizinho não notificar, o dono, depois de
determinado tempo, adquire por usucapião o direito de os ramos se manterem inclinados sobre o
prédio do vizinho e das raízes não serem cortadas? Não, o que significa que a todo o tempo o
vizinho pode mandar aprumar os ramos e cortar as raízes, e caso aquele não o faça, o vizinho
irá fazê-lo, e não adquire por dois motivos: para adquirir por usucapião tinha que ter a posse e
além disso a propriedade do vizinho não se extingue por não uso (ele não usou da faculdade de
mandar cortar as raízes). Mas o dono da árvore é obrigado a aprumar os ramos e cortar as
raízes? Não, porque se não o fizer, o vizinho tem o direito de o fazer. Exceção: se o vizinho
construir uma casa junto à linha divisória e o dono plantar junto a essa linha uma árvore, as
raízes vão destruir os alicerces da casa, pelo que o dono da árvore é obrigado a cortar as raízes
para evitar isso.

Além disso, temos ainda a figura prevista no artigo 1367º, em que os frutos da árvore caem no
terreno do vizinho. Os frutos pertencem ao dono da árvore, no código civil português. Já no
código civil italiano e brasileiro, os frutos pertencem ao vizinho. Porquê esta divergência?

Direitos Reais 18/11/2021

Quanto à apanha de frutos, prevista no artigo 1367º, pergunta-se a quem pertencem os frutos:

 Para o direito italiano e brasileiro, os frutos pertencem ao vizinho para compensar os danos
provocados pela queda dos frutos no seu terreno. Mas, e se os frutos não causaram danos?
Se o vizinho fica com os frutos apenas porque caíram no seu terreno, haverá lugar a um
enriquecimento sem causa. Assim, os tribunais italianos fizeram uma interpretação restritiva
dessa norma jurídica, distinguindo: se os frutos caíram no terreno do vizinho porque
amadureceram e o dono da árvore não os colheu, esses frutos pertencem ao vizinho –
sanção à inércia do dono da árvore; se, por outro lado, os frutos caíram no lado do vizinho
por ação de ventos, tempestades, etc., esses frutos continuam a pertencer ao dono da
árvore.
 Para o direito português, o nosso código civil, através do artigo 1367º, entende que os frutos
pertencem ao dono da árvore, no entanto se a apanha dos frutos causar danos ao vizinho, o
dono da árvore é obrigado a indemnizar. Esta solução vem do direito romano.

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 Limites convencionais (por acordo)

É possível a um proprietário criar limitações ao seu direito de propriedade a favor de outra


pessoa?

Por força do artigo 1306º/1, se as restrições acordadas pelas partes constarem no código é
possível, se não constarem no código não é possível porque viola o princípio da tipicidade ou
numerus clausus.

Aquisição

Vamos distinguir a aquisição originária (aquela que se faz através do contacto com uma coisa,
dominando-a, adquirindo a propriedade, não há nenhuma relação jurídica ou se houver é
irrelevante) e a aquisição derivada (alguém adquire a propriedade que lhe é transmitida por
outrem).

 Aquisição originária
 Ocupação (art.1318º)

A ocupação é a apreensão material de uma coisa que não tem dono, com intenção do ocupante
se tornar proprietário dessa coisa. A coisa tem que ser móvel e não ter dono, ou seja, uma res
nullius – significa isto, portanto, que se pode ocupar um cão que esteja abandonado mas não
podemos ocupar as galinhas do vizinho porque têm dono, também não se pode ocupar imóveis
porque esses sempre têm dono (1345º). Algumas figuras específicas:

-Animais selvagens com guarida própria (1320º): são animais que, vivendo no seu
estado de liberdade natural, se recolhem numa guarida feita pelo homem onde
pernoitam. Se um desses animais perde o hábito de pernoitar ali, na guarida do seu
dono, e vai pernoitar na guarida do vizinho ou noutro mais distante, quando é que o dono
perde a propriedade desse animal? Se o animal puder ser reconhecido pelo seu dono, é
seu, e portanto insuscetível de ser adquirido por ocupação pelo dono da nova guarida;
Se não puder ser reconhecido, torna-se uma res nullius e por isso suscetível de ser
adquirido por ocupação; Pode ainda dar-se o caso do animal ser atraído por fraude, aí
não deixa de ter dono e o animal é restituído, caso não seja possível a restituição quem
usou a fraude é obrigado a pagar uma indemnização.

-Animais e coisas móveis perdidas (1323º): trata-se de alguém que perdeu uma coisa
que foi achada por outra pessoa. A quem pertence? Por um lado, o achador se souber
quem é o dono restitui-lhe a coisa, por outro lado, se não souber quem é o dono, deve
anunciar o achado pelos meios de comunicação social ou avisar as autoridades. Aí dá-
se um prazo de um ano ao dono para reclamar o que perdeu. Caso deixe passar esse
prazo, a coisa torna-se res nullius e pertence ao achador. Caso o dono reclame a coisa,
deve indemnizar o achador pelas despesas que teve, e este enquanto não for
indemnizado goza do direito de retenção. Tratando-se de animais, o achador, mesmo
sabendo quem é o dono, pode reter o animal em caso de fundado receio de que seja
vítima de maus tratos por parte do proprietário.

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 Acessão (1325º)

A acessão é uma união ou incorporação de uma coisa numa outra coisa.

Por força do artigo 1326º, a acessão pode ser natural, se a união das duas coisas é feita por
forças da natureza, ou industrial, se a união das duas coisas é feita por trabalho humano. Dentro
da industrial, se em causa estiver a união de coisas móveis diz-se acessão mobiliária, mas se
estiver em causa a união de coisas imóveis diz-se acessão imobiliária. Quanto à acessão
natural:

-Aluvião, artigo 1328º, ou seja, uma parte de terra que se vai separando gradualmente de outra
de forma impercetível e vai-se unindo à terra de outro dono, portanto o dono perde aquela
quantidade de terra e o outro dono tem o seu terreno aumentado.

-Avulsão, artigo 1329º, ou seja, a terra é arrancada bruscamente, por exemplo por um terramoto,
pelo que, como se vê a deslocação da terra, o dono da terra deslocada tem direito à terra, mas
tem que a reclamar no prazo de 6 meses, pois se não o fizer perde essa porção de terra, que é
adquirida pelo dono do outro terreno onde aquela se foi juntar.

Quanto à acessão industrial mobiliária:

-Especificação, artigo 1336º e 1337º, ou seja, a transformação de uma coisa nova a partir de
outra. Há aqui um trabalho humano (por exemplo, alguém que transforma a uva em vinho). O
especificador (quem faz esta transformação) pode estar de boa ou de má-fé: age de boa-fé se
ignorar que está a lesar o direito de outrem, e aqui funciona o critério do valor, ou seja, saber
qual das coisas é mais valiosa: o azeite ou o trabalho do especificador nessa transformação? Se
for o trabalho, pertence ao especificador, e este indemniza o dono da azeitona; Se for a matéria-
prima, a coisa nova pertence ao dono da azeitona, que deve indemnizar o especificador; age de
má-fé se souber que está a prejudicar, aqui o dono da azeitona tem direito ao azeite no estado
em que se encontrar, no entanto o especificador tem direito a uma indemnização dada pelo dono
da azeitona se a diferença de valor exceder uma terça parte.

Quanto à acessão industrial imobiliária:

-Obras, sementeiras ou plantações com materiais alheios, artigo 1339º, em que o construtor faz
uma construção no seu terreno, mas com materiais alheios (ou sementes alheias/plantas
alheias). Aqui a lei não distingue entre construtor de boa-fé e de má-fé, pelo que o construtor
paga pelos materiais que não são seus ao dono destes ou então se puder, restituir materiais
iguais sem prejuízo do dono (caso da sementeira).

-Obras, sementeiras ou plantações feitas em terreno alheio, artigo 1340º e 1341º, ou seja,
alguém que utiliza os seus materiais de construção (ou sementes/plantas) para fazer uma obra
em terreno alheio. Aqui é preciso distinguir entre a boa e a má-fé: estará de boa-fé, por força do
nº 4 do artigo 1340º; a contrario sensu, sabendo que o terreno é alheio, está de má-fé. A nossa
doutrina oscila:

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Núcleo de Estudantes de Direito e Solicitadoria da Universidade Lusíada, no Porto

o Os nossos clássicos entendem que se trata de uma aquisição imperativa (no


momento em que B faz a obra que vale mais, adquire automaticamente o
terreno, e se o terreno vale mais o A adquire automaticamente a obra),
justificando-se com a interpretação literal da lei (o nosso código diz “adquire” no
nº1 e “pertence” no nº3) e com o facto de se não fosse assim o código diria a
quem pertence a obra e o terreno caso nenhum deles quisesse adquirir.
o Por outro lado, sabemos que para adquirir a obra o dono tem que a pagar e para
adquirir o terreno o construtor tem que o pagar, mas e se não tiver condições
para pagar? Ora, a Escola de Lisboa entende que o código precisa de ser
retificado: onde está adquirir colocar-se-ia “pode adquirir” (se tiver dinheiro e
quiser adquire, se não tiver não adquire) e onde está pertencem “pode
pertencer” (se o dono do terreno quiser adquire a obra, se não quiser não
adquire), estamos perante um direito potestativo (aquisição facultativa).

Mas e se o construtor sabe que o terreno não é seu? Está de má-fé, 1341º. O dono do terreno
pode exigir que a construção seja desfeita e o terreno restituído, mas pode também manter a
construção e indemniza o construtor segundo as regras do enriquecimento sem causa.

-Prolongamento de edifício por terreno alheio, 1343º. O dono do terreno B constrói uma casa e
ocupa uma parte do terreno de A. O proprietário A tem 3 meses para reagir, mandando desfazer
a obra e pedindo uma indemnização ao construtor pelos prejuízos. Caso passem esses 3 meses
e A não reagiu, ele perde o direito de mandar destruir a obra e B pode adquirir a parte do terreno
que ocupou, indemnizando o dono do terreno por aquele terreno que foi ocupado.

-Usucapião (já foi dado)

 Aquisição derivada
 Contrato, artigo 408º/1

O contrato tem efeitos reais, produz a transferência da propriedade (1316º). Até ao nosso código
de Seabra, o contrato produzia apenas efeitos obrigacionais (tradição jurídica vinda do direito
romano), sendo que o Visconde de Seabra, influenciado pelo código francês, fez esta alteração.

 Sucessão por morte

A propriedade transmite-se para os herdeiros do falecido. O artigo 1316º faz uma referência
expressa, mas em bom rigor o código escusava de dizer aquilo porque di-lo mais à frente, no
artigo 2024º.

 Outros modos de aquisição

Destaca-se a aquisição dos frutos naturais pelo possuidor de boa-fé (1270º/1), comunhão
forçada (1370º), a compropriedade, ou seja, o facto de que se uma coisa tiver vários donos, a
renúncia de um faz com que o outro adquira a parte do renunciante (1411º/1).

Tutela

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 Meios extrajudiciais

O artigo 1314º fala da ação direta, mas não refere a legitima defesa. Ao consagrar
expressamente a ação direta, o código quis afastar a legitima defesa? O proprietário pode
recorrer a ambas as figuras, por terem aplicação geral.

Outros meios de defesa: direito de tapagem (1356º), em que o proprietário tem o direito de vedar
aquilo que é seu para evitar a invasão da privacidade; o proprietário tem o direito de exigir que o
vizinho aprume os ramos e corte as raízes das suas árvores plantadas junto à linha divisória e
caso este não o faça, o proprietário pode fazê-lo; o proprietário tem o direito de ir ao terreno do
vizinho apanhar os frutos que lá caíram.

 Meios judiciais

Ação de reivindicação: 1311º. Esta ação, apesar de não prescrever (1313º), tem um problema, é
a chamada prova diabólica: o proprietário tem o ónus da prova, mas, por exemplo, se disser que
adquiriu do A, será que A era proprietário? E se este adquiriu por herança do seu pai C, será que
C era proprietário? Torna-se difícil esta prova. Este problema só termina quando alguém adquiriu
a propriedade a título originário (usucapião, acessão). Pelo que, se o proprietário for
simultaneamente possuidor, deve intentar uma ação de restituição de posse, pois a prova é mais
simples.

Direitos Reais 25/11/2021

Ação confessória: quando alguém põe em causa o direito de propriedade de uma pessoa. Esta
pessoa move uma ação para que o tribunal aprecie e declare que ele é proprietário, afastando
essas dúvidas.

Ação negatória: pode suceder que alguém diga que tem um direito real menor (por exemplo um
usufruto) sobre determinado prédio: o que faz o proprietário desse prédio? Move-lhe uma ação
para que o tribunal declare que esse direito menor não existe.

Ação de prevenção contra danos: teme-se que venha a existir um dano, pelo que se intenta uma
ação para o evitar (é o caso daquela pessoa que teme que do lado do vizinho venham fumos,
odores, etc) ou ainda uma construção de obras, instalações ou depósitos de substâncias
corrosivas ou perigosas (alguém para evitar que essas construções afetem o seu prédio, move
uma ação contra o vizinho).

Ações possessórias: quando não é possível provar que é proprietário, movendo uma ação de
reivindicação, e sendo simultaneamente possuidor, vai evitar a prova diabólica ao intentar uma
ação de restituição.

Extinção da propriedade

 Expropriação por utilidade pública

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Núcleo de Estudantes de Direito e Solicitadoria da Universidade Lusíada, no Porto

O proprietário expropriado perde o seu direito de propriedade, adquirida pela entidade pública
expropriante, 1308º.

 Perda de coisas móveis

Ao fim de um ano, o proprietário não aparece, a coisa torna-se res nullius.

 Impossibilidade definitiva de exercício

O proprietário está impossibilitado definitivamente de exercer o seu direito de propriedade,


cessando o seu direito (é o caso do navio que está afundado há mais de 20 anos, os bens que
eram lá transportados deixam de ser desse proprietário, após os 20 anos)

 Abandono

É um negócio jurídico unilateral não recetício (basta o simples abandono da coisa móvel, pois as
coisas imóveis têm sempre dono – nem que seja o Estado, 1345º). Implica o ato material de
abandonar acompanhado da intenção de, com o abandono, perder a propriedade.

 Renúncia

Pode a propriedade cessar por renúncia do proprietário? 1305º, o proprietário pode dispor. O
professor Oliveira Ascensão considera que é possível, porque a renúncia é um ato de disposição
(previsto no 1305º). Por outro lado, há quem recuse esta ideia, ou seja, que a renúncia não é um
modo de extinção da propriedade, porque a renúncia está expressamente consagrada no
usufruto (1476º/1 alínea e) e nas servidões (1569º/1 d) como modo de extinção desses direitos,
mas não está consagrada para o direito de propriedade, pelo que o professor Henrique Mesquita
refere que se o código prevê expressamente a renúncia como forma de extinguir o usufruto e a
servidão e não admite essa figura no direito de propriedade, então é porque o legislador afastou
a renúncia como modo de extinção do direito de propriedade (o professor A. Santos Justo
concorda com esta posição). De todo o modo, admitamos que a renúncia é possível: será
necessário que a pessoa que renuncia faça uma escritura pública através da qual declara que
renuncia ao seu direito de propriedade? Se não houvesse uma escritura pública o que sucederia
era: o proprietário renuncia hoje e amanhã arrepende-se, então renuncia ou não? E se ele disser
que não renunciou tendo renunciado, onde temos a segurança de que renunciou? Daí que, para
quem admita que a renúncia é um modo de extinção da propriedade, para segurança do
comércio jurídico, essa renúncia deve constar de escritura pública e do registo predial.

 Caducidade

A propriedade caduca nos direitos reais temporários (portanto, a propriedade temporária caduca
com o decurso do prazo).

 Não uso

Regra geral, a propriedade não se extingue por falta de uso. No entanto, o direito de propriedade
extingue-se por não uso “nos casos especialmente previstos na lei”, 298º/3. Há apenas um caso

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no nosso código civil: 1397º, ou seja, foram águas que na sua origem eram públicas e depois
foram afetadas à rega de prédios particulares para exploração agrícola, de tal modo que as
aguas se tornaram inseparáveis desses prédios, mas se o dono do prédio não fizer uso das
águas, elas que se tornaram privadas, deixam de o ser e voltam a ser públicas, pelo que o
proprietário perde a propriedade dessas águas por não uso.

 Contrato

O contrato de compra e venda: o vendedor transfere a propriedade para o comprador, pelo que
se extingue o direito de propriedade do vendedor.

 Usucapião

Quando alguém adquire por usucapião uma coisa, o seu dono perde a propriedade.

 Acessão

Quando duas coisas se juntam e passa a ser apenas de um deles, o outro perdeu a propriedade
da sua parte.

Direitos Reais 02/12/2021

Natureza jurídica do direito de propriedade

Terminando esta temática, importa perguntar: o que é a propriedade? Qual é a sua natureza
jurídica? Destacam-se duas doutrinas:

 Doutrina da pertença – a propriedade é um direito próprio do seu titular. Trata-se,


portanto, de uma coisa que está subordinada ao seu proprietário (relação de
subordinação). No entanto, dizer isto não permite distinguir a propriedade dos outros
direitos reais (também a coisa que constitui objeto do usufruto está adstrita ao seu titular,
e o mesmo se diz sobre uma servidão predial), pelo que surge nova doutrina.
 Doutrina do senhorio – a propriedade é o direito real mais extenso, que confere ao seu
titular um maior número de faculdades do que nos outros direitos reais. No entanto,
ignora-se, por exemplo, que o usufrutuário tem mais poderes sobre a coisa do que o nu
proprietário, aqui o direito de propriedade não é mais extenso do que o direito de
usufruto (sendo certo que a propriedade tem uma vocação para a sua plenitude, ou seja,
logo que o usufruto termine, automaticamente a propriedade recupera a sua plenitude).

Entre nós, aceita-se a doutrina do senhorio, mas com a convicção firme de que nenhuma destas
doutrinas é completa.

TEMA 8 – Propriedade das águas particulares

O estudo da propriedade das águas é autónomo em relação ao estudo da propriedade porque


está sujeita a diversas alterações, é uma fonte de conflitos (mais no passado) e há aqui
princípios diferentes.

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Núcleo de Estudantes de Direito e Solicitadoria da Universidade Lusíada, no Porto

Artigos 1386º (águas particulares)

A propriedade destas águas nunca é absoluta, existem limitações, por lei ou por acordo feito
entre o titular e alguém a quem as águas são cedidas.

O artigo 1388º estabelece uma grande limitação: a requisição das águas em casos urgentes de
incêndio ou calamidade pública (seca, por exemplo), sendo que o nº2 refere o pagamento de
uma indemnização no caso de resultarem certos danos.

- Aproveitamento das águas

1389º: significa que se a água pertence ao dono de um prédio onde está uma fonte ou uma
nascente, ele pode dispor livremente dela, mas tem restrições impostas pela lei ou por direitos
adquiridos por justo título. Exemplos em que a lei limita o uso do proprietário: 1392º; 1557º;
1558º.

Quanto aos direitos adquiridos por título justo, importa saber o que é um título justo (1390º) que
é qualquer meio legitimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões
(compra e venda, doação, permuta, etc). Já a usucapião (nº2) sofre uma limitação importante (o
doutor Guilherme Moreira afasta esta figura uma vez que não pode existir sobre um produto de
um prédio, ou seja, a água, mas não vingou).

1391º: o prédio de baixo recebe as águas sobrantes do prédio de cima, podendo eventualmente
aproveitá-las, este só aproveita as águas por mera tolerância do dono da fonte. No entanto,
podem ser privados desse uso se o proprietário lhe der um novo aproveitamento. Levantam-se
problemas: se o dono das águas é A, B (prédio de baixo) tem algum direito às águas? As águas
que vêm de cima para baixo pertencem ao dono do terreno B, C, D e etc? Temos duas posições:
há quem entenda que não tem direito à água e por isso A pode tirar a água a B para fazer um
novo aproveitamento; por outro lado, há quem entenda que existe um direito, recorrendo à figura
da acessão natural, referindo que B adquiriu por acessão natural a propriedade sobre a água
sobrante. De todo o modo, mesmo que B tenha um direito, A pode retirar-lhe para nova
utilização, pelo que se trata de um direito precário.

Há uma situação que devemos atentar: vamos supor que A (dono do poço) desvia a água,
impedindo que vá para o terreno do B, apenas por incompatibilidade com ele. Não há aqui
qualquer aproveitamento, como referido no artigo 1391º (este desvio surge por efeito de novo
aproveitamento), uma vez que A o fez apenas para prejudicar B. Este problema foi resolvido no
âmbito das nossas ordenações, referindo que o dono do poço não o poderia fazer, permitindo
que o dono do prédio de baixo reclame contra o prédio de cima por ódio. Hoje em dia, falamos
em abuso de direito, A abusou do seu direito (334º)

1934º: se A vendeu a água, não pode fazer uma exploração subterrânea e privar o comprador
dessas águas.

1396º

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Núcleo de Estudantes de Direito e Solicitadoria da Universidade Lusíada, no Porto

Alguns problemas em relação à exploração de águas subterrâneas: o proprietário do prédio onde


se fez essa exploração pode vender a água subterrânea que exista aí? Não pode, porque pode
até não haver água e o objeto de um direito real é uma coisa certa e determinada. O contrato é
nulo, embora possa ser convertível, artigo 1395º/2, ou seja, a venda da água pode não existir, o
contrato é nulo porque não há objeto mas pode converter-se a compra e venda na venda do
direito de explorar. E pode o dono das águas, por hipótese A, que vendeu essa exploração a B,
pode também fazer a sua exploração? 1396º/2 sim pode, mas se no contrato de compra e venda
figurar que abdicou aí já não pode, se não referir mantem o direito.

1397º (se alguém quiser vender o prédio não o pode fazer sem vender a água e vice-versa)
quanto ao abandono referido neste artigo, devemos interpretar isto em termos hábeis:
abandonadas como? Abandono permanente, pois se for o abandono episódico, para apenas a
exploração de uma nova cultura agrícola para depois regressar, a água não está abandonada.
Quanto ao uso proveitoso, caso se faça um uso que não satisfaça esse fim, também reverte.
Este artigo é a única situação em que a propriedade se perde por não uso.

-Condomínio das águas

É o caso em que as águas são aproveitadas por donos de campos diferentes, a água foi
adquirida por vários proprietários – compropriedade/condomínio. A água passa por aquedutos,
que podem entupir ou estragar-se, e é necessário reparar esses instrumentos de condução de
água, e por força do 1398º/1 tal despesa é paga por todos os proprietários da água na proporção
do seu uso. Quanto ao 1398º/2, nenhum dos donos se pode eximir de tais despesas ao
renunciar, se for contra a vontade dos restantes (limitação à renúncia liberatória). Em relação à
divisão das águas, esta divide-se contratualmente, mas se não foi feito por contrato: o 1399º diz
para o fazer segundo o costume observado há mais de 20 anos (1400º); depois, se não houver,
em terceiro lugar quem tiver uma superfície maior tem direito a mais água/ quem tiver mais
necessidade de água tem direito a mais água e pela natureza da cultura.

1401º (aboliu-se o sistema de torna-torna, ou seja, em que apenas o primeiro ocupante poderia
utilizar as águas, sendo que o segundo teria de esperar)

Interpretação dos títulos (1402º): vamos pôr a hipótese de uma compra e venda ou doação, em
que vários donos dizem num contrato que um fica com o direito ao uso estival/uso semanal/uso
diário – são expressões ambíguas, e quando assim é, vem o legislador interpretar estas
expressões, estamos perante uma norma interpretativa.

Direitos Reais 09/12/2021

TEMA 9- Propriedade horizontal

Imaginando um prédio, cada uma das frações tem o seu dono, mas em conjunto são
proprietários das partes comuns (porta da entrada, escadas, elevador, paredes mestras, sótão,
telhado, jardim, garagens). Portanto, a propriedade horizontal está sujeita a um regime
específico, em que há 2 direitos ligados inseparavelmente: o direito de propriedade que cada
proprietário tem sobre a sua fração (condómino) e o direito de todos eles que são

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Núcleo de Estudantes de Direito e Solicitadoria da Universidade Lusíada, no Porto

comproprietários das partes comuns.


O acesso a cada uma das frações ocorre pela parte comum (porta de entrada, escadas,
elevador), ou seja, nenhum dos condóminos passa pela fração do outro para ter acesso à sua.
Portanto, cada fração tem uma ligação direta para a parte comum ou via pública - fração
autónoma/independente, previsto no 1415°

Partes comuns - quais são?


1421° umas são obrigatoriamente comuns; outras presumivelmente comuns (esta presunção é
relativa, ilidível). O nº1 trata das partes imperativamente comuns. Já o nº2 refere as partes que
se presumem comuns.

Como se constitui a propriedade horizontal? Em 2 momentos:


1° Momento - título constitutivo
É um negócio jurídico unilateral, que transforma a propriedade normal em propriedade horizontal.
Todavia, fica suspenso até ao segundo momento.
Não há propriedade horizontal sem vários condóminos, e sem essa pluralidade o título está feito
mas está suspenso. No entanto, já produz alguns efeitos. Por exemplo: pode um dos
condóminos hipotecar a sua fração? Pode. Pode um dos condóminos arrendar a sua fração?
Pode.

Quando é que o título constitutivo pode ser feito? Em vários momentos: quando o prédio não
está feito e o projeto vai ser aprovado (pela entidade camarária); ou durante a construção; ou
quando o prédio está acabado.

Conteúdo do título constitutivo (1418º). Este negócio jurídico unilateral tem um conteúdo
obrigatório (nº1) e um facultativo (nº2). Em relação ao nº1 deve o título conter as frações (ou
seja, 1ºDireito, 1ºEsquerdo, 2ºDireito, etc), cada uma tem normalmente uma letra própria e fixado
o valor de cada fração.

2° Momento - pluralidade de condóminos


Como se obtém? Basta 2 condóminos para que o título, que estava suspenso, se torne pleno.
Obtém-se por compra e venda, doação ou permuta (negócio jurídico intervivos) ou por
testamento (negócio jurídico mortiscausa) ou ainda por usucapião (o dono do prédio vendeu o
primeiro direito ao António e o primeiro esquerdo ao Bento, não fizeram escritura pública, mas
pagaram e habitam, têm a posse e após determinado tempo transforma essa posse em
propriedade). Também pode ser constituída por decisão administrativa (quando a propriedade
horizontal é construída por uma autarquia com função social) ou decisão judicial, em processo
de inventário ou em ação de divisão de coisa comum, ou ainda em execução de contrato de
promessa de compra e venda ou através do direito de superfície.

O título constitutivo pode ser posteriormente modificado (1419º/1), mas essa modificação não
pode violar os requisitos exigidos, ou seja, não pode transformar uma fração autónoma numa
fração dependente de outra, isto colocaria em causa a estrutura da propriedade horizontal.

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Núcleo de Estudantes de Direito e Solicitadoria da Universidade Lusíada, no Porto

Regime jurídico - 1420°


Quanto ao seu nº2, entendemos que não funciona aqui a renúncia liberatória, pois nenhum se
pode exonerar dos encargos ao renunciar.
No entanto, se cada fração tem o seu proprietário, há limites tanto de interesse público como de
interesse particular. Estamos face à mesma situação da propriedade normal. Assim, há que
respeitar as relações de vizinhança: o proprietário de qualquer uma das frações não pode
possuir animais domésticos se causarem distúrbios ofensivos da boa vizinhança, não pode emitir
fumos, cheiros que passem para as restantes frações (1346º), não pode construir instalações
prejudiciais (1347º) e não pode ligar aparelhos musicais depois de uma certa hora (há
regulamentos administrativos que o proíbem); acrescentando o mencionado no artigo 1422º/2.

- Direito de preferência - 1423°


Imaginemos que o condómino do 1ºD quer vender a sua fração: será que o seu vizinho do 1ºE
tem direito de preferência? Caso tenha, o número de condóminos diminui. E se todos tiverem
direito de preferência pode suceder que a propriedade horizontal acabe e fique apenas na mão
de um condómino, que comprou todas as frações (como já vimos, para haver propriedade
horizontal é necessário pelo menos 2 condóminos).
Assim, os condóminos não gozam do direito de preferência na alienação das frações. Também
não gozam do direito de pedir a divisão das partes comuns.
O nosso legislador olha com muita simpatia para a propriedade horizontal devido às situações de
famílias menos abastadas, que precisam de casas mais baratas. Por isso afasta o direito de
preferência, para manter o maior número possível de condóminos, e afasta também o direito de
pedir a divisão das partes comuns, pois se fosse possível a coisa comum desaparecia e sem
coisa comum não há propriedade horizontal.

Quanto às coisas comuns, estas deterioram-se com o tempo, pelo que as suas reparações são
pagas pelos condóminos na proporção do valor das suas frações, como previsto no artigo 1424º.
Mas há exceções: em relação ao nº2, vamos supor que os condóminos decidiram que o sótão
(parte comum) seja utilizado apenas por um deles, será ele a pagar as despesas; quanto ao nº3,
todos os condóminos, tendo acesso ao sótão, pagam a limpeza e reparação das escadas, mas
se por exemplo apenas os dois proprietários do 3º andar tiverem acesso ao sótão, os do 1º e 2º
não devem pagar as limpezas daquela parte das escadas que dão ao sótão; nº4 quanto aos
elevadores, vamos pôr a hipótese de que o 1º andar pode ser servido pelo elevador, no entanto
se ficar no rés-do-chão, o elevador não serve estes dois condóminos, pelo que estes não pagam
a despesa (isto tem gerado problemas: imaginemos que o dono de uma das frações do 1º andar
refere que apenas utiliza as escadas, não necessita do elevador pelo que não tem de pagar
essas despesas, será assim? O nº4 refere “possam ser servidas”, pelo que tem de pagar mesmo
que não use, porque pode servir);
- Inovações (1425º)
Que dependem da aprovação da maioria dos condóminos, representando dois terços do valor
total do prédio. Essas inovações só não podem alterar a estrutura da propriedade horizontal.
Quem é que paga as despesas com as inovações? Por força do 1426º/1, em regra pagam todos.
Mas se as inovações forem para satisfazer caprichos desses dois terços, a minoria de um terço
que não aprovou deve ser obrigada a pagá-los? O nº2 e o nº3 respondem: se a recusa for
judicialmente havida como fundada, ou seja, se as obras forem de natureza voluptuária ou não
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sejam proporcionadas à importância do edifício, os condóminos que não aprovaram essa


inovação não têm de a pagar.

-Reparações indispensáveis e urgentes (1427º)


Em que exista perigo iminente (fuga de gás, estrago da canalização, etc). Em regra, as
reparações devem ser providenciadas pelo administrador, mas na sua falta ou impedimento,
pode ser qualquer condómino.

- Receitas
A propriedade horizontal não contempla a hipótese de um prédio gerar receitas, no entanto pode
acontecer: antenas publicitárias (ex: empresa de televisão), publicidade afixada, as garagens
podem ser arrendadas, etc.
Essas receitas não estão previstas aqui, no entanto trata-se de coisas comuns: vamos ao regime
da compropriedade. Por efeito de uma norma que se insere na compropriedade, ou seja, o artigo
1405º, as receitas são divididas proporcionalmente pelos vários condóminos.

-Destruição do prédio (1428º)


O prédio foi atingido por um terramoto, incêndio ou tempestade que o destrói. Importa distinguir:
 Se a destruição é igual ou maior a três quartos – a despesa para reconstruir vai ser
maior. A reparação é tão cara que não se vai reconstruir o prédio, porque o valor é muito
alto e pode existir um que não o consiga pagar, pelo que qualquer um dos condóminos
tem o direito de exigir a venda do terreno e dos materiais (nº1)
 Se a destruição é menor que três quartos - a despesa para reconstruir vai ser menor. A
assembleia delibera e pode dar-se a reconstrução (nº2). No entanto, o nº3 refere aquela
minoria que possa ter votado contra a reconstrução pois não a quer pagar, entendendo
que a reconstrução não é impedida e a minoria é obrigada a vender a sua participação
na propriedade horizontal.

- Seguro obrigatório (1429º)


É obrigatório que a totalidade do edifício tenha seguro contra o risco de incêndio. Não se obriga
a que seja contra todos os riscos (inundações, terramotos, tempestades), uma vez que é mais
frequente um incêndio do que um terramoto, além disso, se fosse contra todos os riscos, seria
mais caro. Se o prédio for destruído por um incêndio, paga o seguro pela reconstrução.

- Órgãos administrativos (1430º)


As frações mais valiosas, como têm mais encargos, têm mais votos; as frações menos valiosos,
com menos encargos, têm menos votos. Temos uma assembleia que delibera e um
administrador que executa.

Natureza jurídica – o que é a propriedade horizontal?


Importa destacar a doutrina que tem por base o regime jurídico do código civil português:

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 Teoria de um novo direito real de gozo – um direito real de gozo novo consagrado com
autonomia no CC. Um direito diferente dos outros, sendo que vemos esta diferença em
vários aspetos: sujeição ao princípio da tipicidade ou numerus clausus; cada fração é
propriedade singular do seu condómino; as partes comuns são compropriedade de todos os
condóminos; e depois há uma série de desvios à propriedade singular - o dono de uma
moradia pode fazer todas as obras, mesmo que prejudiquem a sua arquitetura, já o dono de
uma fração não pode fazer obras que prejudiquem a estética do edifício; o dono de uma
moradia pode afetá-la a um fim diferente, o dono de uma fração não pode afetar a um fim
diferente daquilo previsto no título constitutivo ou regulamento. Portanto, a propriedade de
cada fração tem algo de específico que a afasta da propriedade singular normal, e também
há algo de específico quanto às partes comuns (não há direito de preferência, não se pode
pedir a divisão de coisas comuns) que é um desvio ao regime da vulgar compropriedade
(onde há direito de preferência e onde se pode acabar com a compropriedade, pedindo
divisão de coisa comum).
Direitos Reais 16/12/2021
TEMA 10 – Usufruto e Uso e Habitação
Uma figura que vem do direito romano. Os jurisconsultos romanos, principalmente Paulus,
construíram este instituto jurídico.
Durante muito tempo, os casamentos em Roma sujeitavam as mulheres aos poderes dos
maridos, considerada juridicamente filha do seu marido. Sendo considerada filha, era herdeira do
seu marido juntamente com os filhos, ou seja, a viúva ficava com bens para viver a sua viuvez.
No entanto, o Direito é cultura e esta transforma-se. A partir de uma certa altura, culturalmente,
entendeu-se que era indigno para uma mulher casada dizer ser filha do seu marido. Portanto,
houve um movimento cultural que afastou essa ideia – a mulher ficava independente do seu
marido. Só que isto tem um preço grave: se já não é considerada filha também já não é herdeira
do seu marido. Só os filhos é que herdavam os bens e ela ficava sem nada. Resultado: o marido
morre, deixa os bens aos filhos e a mulher, esquecida pelos seus filhos, morria à fome ou
entregava-se à prostituição.
A ciência jurídica romana reagiu, criando a figura do usufruto: morre o marido, herdam os filhos,
estes são proprietários dos bens, mas a viúva fica com o direito de usufruto sobre os bens
herdados por eles, ou seja, é a viúva que pode usar e colher os frutos enquanto ela viver.

Noção
O direito de usufruto encontra-se definido no artigo 1439º. É, portanto, o direito de gozar algo
alheio de modo pleno e temporário, sem a alterar. Aparte destes limites e do seu carácter
temporário, o usufruto é um direito real de gozo.
Temporalidade, 1443º: O usufruto é temporário porque pode ser constituído para durar um certo
tempo ou ainda porque qualquer que seja o prazo, o usufruto extingue-se sempre por morte do
usufrutuário, isto porque se trata de um direito intuitu personae, ou seja, um direito constituído
em atenção à pessoa do usufrutuário. Caso seja constituído a favor de uma pessoa coletiva, tem
um prazo de 30 anos.

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O que justifica este carácter temporário? Ora, no usufruto coexistem 2 direitos sobre a mesma
coisa: o direito de propriedade – a que chamamos a nua propriedade – e o direito de usufruto. E
quando assim é, isto dificulta a produção dos bens e a sua livre circulação, e é para evitar estas
situações anómalas dos bens que produzirem menos e serem menos circuláveis que existe a
temporalidade.
Retomando ao artigo 1439º, o usufruto pode ter por objeto uma coisa (móvel ou imóvel,
consumível ou não consumível, fungível ou não fungível, etc) ou direito alheio. Quanto ao direito,
levanta-se um grave problema na doutrina portuguesa: um dos princípios do direito real é que
tem por objeto coisas corpóreas, mas se o usufruto tiver por objeto um direito, trata-se de uma
coisa não corpórea. Vamos supor que alguém é credor e constitui um usufruto sobre esse direito
de crédito a favor de outra pessoa, o objeto do usufruto é um direito de crédito (coisa não
corpórea), qual a natureza do usufruto que tem por objeto coisas não corpóreas? Será um direito
real? Há quem entenda que é um direito real, atendendo à génese deste direito de usufruto (o
usufruto surgiu para satisfazer necessidades do usufrutuário), ora, os juros de um crédito
também satisfazem as necessidades, logo, um usufruto pode incidir sobre um crédito, não deixa
de ser usufruto, assim pensa o professor Antunes Varela; mas há quem pense que não, tendo
em conta que um direito real só pode ter por objeto coisas corpóreas, este como não tem, não é
um direito real, trata-se sim de um direito de crédito, é o que entendem os professores Oliveira
Ascensão e Menezes Cordeiro da Escola de Lisboa; já o professor Carvalho Fernandes
considera que se trata de um direito real, mas irregular.
Além disso, deve respeitar a forma e a substância (se o usufruto incide sobre um pomar, não se
pode transformar o pomar noutra coisa qualquer).

Modalidades de usufruto
1441º
O senhor A pode constituir um usufruto a favor de B; pode o senhor A constituir um usufruto
simultaneamente a B e a C; pode A constituir primeiro a favor de B e depois a favor de C,
sucessivamente. O normal é ser constituído a uma pessoa só.
Ora, se constitui um usufruto a favor de B, à morte deste acaba o usufruto, a propriedade torna-
se plena. Se constitui simultaneamente a favor de B e a favor de C, à morte de B o usufruto
passa para C, ou vice-versa – direito de acrescer (1442º).
O artigo 1441º tem uma condição “contanto que existam ao tempo em que o direito do primeiro
usufrutuário se torne efetivo”, ou seja, o senhor C tem que existir no momento em que o usufruto
de B se torna efetivo. Por exemplo, se o usufruto foi constituído por testamento por A a favor de
B e C, o usufruto de qualquer um deles torna-se efetivo com a morte do testador, sendo que B e
C têm que existir no momento da morte do testador. Vamos supor que B ainda não nasceu (tanto
no usufruto constituído por A a favor de B por testamento como no usufruto constituído por A a
favor de B e C, também por testamento), não se cumpre o requisito do artigo 1441º, ele não
existe no momento da morte do testador, pelo que o usufruto aqui não produz efeitos. O
professor Mota Pinto resolve o problema: o nascituro nasce 2 dias antes da morte do testador,
existe, pelo que cumpre a condição; o nascituro nasce 2 dias depois de ele morrer, não existe

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quando ele morre, não se cumpre a condição, isto não é justo, daí que o professor Mota Pinto
considere que se faça uma ficção jurídica daquele que nasce depois, fingindo que nasceu antes
da morte do testador, de modo a salvar o usufruto.
Por força do artigo 1440º, o usufruto pode ser constituído por contrato, por testamento, por
usucapião ou disposição da lei.
-Por contrato
Alguém pode criar um usufruto a favor de outra pessoa, através de uma compra e venda, doação
ou permuta. Mas neste contrato, vamos supor uma compra e venda, pode haver 2 vias de
constituição do usufruto: a via por translação e a via por dedução. Ex: A vende o usufruto a B –
translação; A vende a nua propriedade a B e reserva para si o usufruto – por dedução. Isto tem
interesse uma vez que o usufrutuário pode ser obrigado a prestar uma caução ao proprietário,
para reparar eventuais danos que no fim do usufruto a coisa possa ter (1468º b), mas sucede
que, no usufruto constituído por dedução, o usufrutuário não é obrigado a prestar essa caução
(1469º).
-Por testamento
À morte do testador constitui-se o usufruto, como vimos anteriormente. O usufruto pode incidir
sobre toda a herança, sobre uma parte da mesma ou sobre uma coisa determinada. O
usufrutuário, que tem o usufruto sobre a totalidade da herança, tem o estatuto de herdeiro ou de
legatário? O artigo 2030º/4 e 5 diz que embora o usufrutuário tenha o usufruto sobre toda a
herança, é considerado legatário.
-Por usucapião
Durante muito tempo entendeu-se que não era possível constituir o usufruto por usucapião,
porque apesar do usufruto ser um direito de gozar plenamente, a propriedade também é o direito
de gozar plenamente, como é que se distingue esta posse? É uma posse ambígua, o possuidor
pode adquirir por usucapião a propriedade ou pode adquirir por usucapião o usufruto. Para evitar
que se trate de uma posse equívoca, afastou-se a possibilidade de constituir um direito de
usufruto por usucapião.
O nosso código civil consagra esta possibilidade, uma vez que há um elemento que os
diferencia: ambos têm o corpus, é o gozo pleno; mas quanto ao animus, ou seja, a intenção com
que se exerce a posse, é diferente, uma coisa é intenção de agir como proprietário, outra coisa é
a intenção de agir como usufrutuário. Portanto, o animus possidendi distingue a posse do
proprietário da posse do usufrutuário.
-Por disposição da lei
Temos que distinguir duas situações: antes de 1977 e depois de 1977 (devido a grandes
alterações no direito da família, direito das sucessões, mas também em alguns aspetos dos
direitos reais). Antes de 1977, os pais tinham o direito de usufruto sobre os bens dos filhos
menores. Isso acabou em 1977, mas continua consagrado. Ou seja, não há lei nenhuma que
conheçamos que constitua o direito de usufruto (deixando em aberto essa possibilidade).

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Direitos do usufrutuário
Quanto ao âmbito do 1446º, falamos do Homem médio. Ora, confrontando o 1446º com o 1439º,
não existe aqui nenhuma repetição, porque uma coisa é a forma e substancia e outra coisa é o
destino económico: se alguém tem uma casa, que deixa de ser de habitação para ser um
estábulo de recolha de gado, não há alteração da forma e substância, mas há alteração do
destino económico.

Imaginemos, agora, a seguinte situação: temos um usufruto que cessa num determinado dia e
os frutos estão pendentes; quem vai recolher os frutos é o proprietário, mas quem teve a
despesa na produção agrícola foi o usufrutuário. Para evitar um enriquecimento sem causa, deve
o proprietário indemnizar o usufrutuário pelas despesas que este teve, por força do artigo 1447º.
Do mesmo modo, se o usufrutuário vender os frutos antes da colheita, ou seja, quando o
usufruto cessou ele já os tinha vendido, a venda subsiste mas o preço é pago ao proprietário,
sendo que este deve pagar as despesas que o usufrutuário teve (de modo a evitar o
enriquecimento sem causa, 1448º).

-Benfeitorias (1450º)
O usufrutuário é considerado um possuidor de boa-fé, em relação às benfeitorias, pelo que se
aplica o regime da posse. Acabando o usufruto, o usufrutuário tem direito a retirar a benfeitoria
(por hipótese, útil), se com isso não deteriorar a coisa, se implicar a deterioração não pode
retirar, mas será indemnizado (1273º). Quanto às benfeitorias voluptuárias, se for possível pode
levantá-las, se não for possível não tem direito a nada (1275º).
-Coisas consumíveis (1451º)
O usufrutuário pode consumi-las e findo o usufruto restitui o valor se a coisa tiver um valor
estimado, caso não tenha restitui outro tanto na mesma qualidade e quantidade.
-Perecimento de árvores (1453º e 1454º)
A quem pertencem as árvores? Temos duas situações, pois uma coisa é a árvore morrer de
velha e outra coisa é a árvore morrer por ter sido arrancada por uma tempestade. Em relação à
morte natural, o 1453º diz que as árvores que morreram de velhas pertencem ao usufrutuário,
porque se considera como frutos e estes pertencem ao usufrutuário. Mas se as árvores não
forem velhas e morrerem porque foram arrancadas, essas árvores já não frutos, são capital, e o
capital pertence ao proprietário, 1454º.
-Exploração de águas (1459º)
Mas o usufrutuário ao abrir poços/minas, não está a alterar a forma e substância do prédio?
Pode estar, mas trata-se de um melhoramento para o prédio, o que se sobrepõe à forma e
substância, pelo que é permitido.
-Servidões (1460º)
Servidões ativas e passivas. Ex: temos dois prédios A e B. Pode o usufrutuário constituir uma
servidão sobre o prédio objeto de usufruto (A) a favor de outra pessoa? Estamos face a uma
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servidão passiva. Pode, mas no fim do usufruto a servidão extingue-se. O mesmo não se dirá em
relação a uma servidão que beneficia o prédio, ou seja, se o usufruto em vez de ser do prédio A
é do prédio B, pelo que não se extingue a servidão com o fim do usufruto.
-Tesouro (1461º)
Um objeto valioso, escondido, que deixou de ter dono, descoberto por alguém. Esse tesouro está
no terreno que pertence a A e quem descobriu foi B. a quem pertence? O tesouro não pertence
ao usufrutuário, pertence ao proprietário. 50% é para quem descobriu e os outros 50% são para
o proprietário, porque um tesouro não é produzido periodicamente (como os frutos), encontra-se
apenas 1 vez.
-Universalidade de animais (1462º)
Um rebanho dado em usufruto, por exemplo. As crias novas pertencem ao usufrutuário (são
frutos do rebanho), mas com uma condição: pertencem ao usufrutuário aquelas crias não
necessárias para compensar os animais que morreram (se morreram 5 e nasceram 10, 5 são do
proprietário para compensar a perda de capital, e as restantes 5 são do usufrutuário).

Obrigações do usufrutuário
1468º - O usufrutuário deve fazer uma relação dos bens objeto de usufruto, porque é necessário
saber na constituição do usufruto quais são os bens, uma vez que extinguindo o usufruto, esses
bens revertem para o dono. E já vimos que o usufrutuário deve prestar caução, se esta for
exigida pelo proprietário, de modo a garantir o pagamento de possíveis danos causados por si.
Exceção do 1469º - A caução não é exigida quando o usufruto é constituído por dedução
1472º - As reparações ordinárias estão a cargo do usufrutuário e as extraordinárias a cargo do
proprietário, porque se é ele que goza a coisa, é ele que deve pagar os danos (ubi commoda ibi
incommoda). Mas, como refere o nº3, o usufrutuário pode eximir-se das reparações ou despesas
a que é obrigado, renunciando ao usufruto – obrigação real (renúncia liberatória).
Extinção do usufruto
1476º
Quanto à alínea a): à morte do usufrutuário porque é um direito intuitu personae, direito pessoal
constituído tendo em conta uma pessoa; ou devido ao prazo estipulado.
b): reunião na mesma pessoa, ou seja, A proprietário e B usufrutuário, ou A adquire o usufruto e
este extingue-se porque se concentra com a propriedade ou então B adquire a propriedade,
passa a ser proprietário e o usufruto extingue-se.
c): Ao não exercicio corresponde o regime da caducidade, 298º.
d): remissão para o 1478º caso a perda seja apenas parcial
e): por renúncia, o usufrutuário pode renunciar ao direito de usufruto para se eximir das suas
obrigações de pagamento das despesas.
Direitos Reais 06/01/2022

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Extinção do usufruto
Existem também regimes especiais da extinção do usufruto:
 Destruição do edifício – 1479º, se o usufruto tiver por objeto um edifício e este for destruído,
o usufrutuário tem o direito de desfrutar o solo e os materiais restantes. No entanto, o
proprietário da raiz pode reconstruir o edifício, ocupando o solo e os materiais, pagando ao
usufrutuário, durante o usufruto, os juros correspondentes ao valor do mesmo solo e dos
materiais.
 Indemnizações – 1480º/1 há aqui uma modificação no objeto
 Seguro – 1481º contempla a possibilidade de o objeto do usufruto fazer parte de um contrato
de seguro. Importa distinguir se foi feito pelo usufrutuário ou o proprietário: se foi o
usufrutuário, com a indemnização, que é dada pelo seguro, o usufruto transmite-se da coisa
para a indemnização do segurador; se foi o proprietário, o usufruto extingue-se.
 Mau uso por parte do usufrutuário – 1482º, se o usufrutuário fizer um mau uso da coisa
usufruída, em regra, o usufruto não se extingue. No entanto, há uma exceção: o abuso
grave, se o usufrutuário abusou gravemente o seu direito de usufruto a solução é diferente.
O nosso Código Civil não define intencionalmente o que é abuso grave, para não diminuir a
liberdade do juiz de determinar se numa situação concreta o abuso é grave ou não. Perante
o abuso grave, o proprietário pode exigir a entrega da coisa, mas deve compensar o
usufrutuário, ou que se tome as providências necessárias previstas no 1470º.

Efeito
 Restituição – 1483º, extinto o direito de usufruto, importa que a coisa seja restituída ao
proprietário. Pode ser invocado o direito de retenção (754º e ss) caso o usufrutuário tenha
alguma indemnização sobre o proprietário, retendo a coisa até que o proprietário pague. E
se o usufrutuário, devendo restituir a coisa ao proprietário, não o faz? Recorre-se à ação que
protege o direito de propriedade – o proprietário intenta contra o ex usufrutuário uma ação de
reivindicação de modo a recuperar a coisa. É necessário ter também em atenção o artigo
1451º quando se trate de uma coisa consumível, o usufrutuário vai restituir o valor da coisa.
Para as coisas deterioráveis, o usufrutuário deve restituir as coisas tal como se encontrarem
uma vez que se deterioram por força da natureza (1452º).

Natureza jurídica
Destacamos as 3 grandes doutrinas:
 Teoria do desmembramento (ou parcelamento) da propriedade: ou seja, quando se
constitui um direito de usufruto, a propriedade desdobra-se em 2. Esta teoria foi
acolhida pelo Código de Seabra, falando-se o usufruto é uma “propriedade
imperfeita”. Crítica – a propriedade não pode coexistir com outra propriedade, por
força do princípio da compatibilidade, uma vez que se tivermos dois direitos de
propriedade sobre a mesma coisa, as duas se anulam uma à outra, daí que não

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podemos considerar que o usufruto seja uma propriedade imperfeita, porque apesar
de ser imperfeita, não deixa de ser propriedade. Não podemos aceitar esta teoria.
 Teoria da propriedade temporária: há também dois proprietários, mas com
faculdades diferentes, sendo que o usufruto é uma propriedade temporária e a nua
propriedade é uma propriedade perpétua. Crítica – apesar de temporária, o usufruto
não deixa de ser propriedade, pelo que se faz a mesma crítica feita à teoria anterior,
as duas propriedades sobre a mesma coisa não podem coexistir, são incompatíveis.
 Teoria de um direito real autónomo: doutrina defendida na Alemanha, por uma
grande corrente jurídica designada Pandectística que inspirou o nosso CC, que
considera que o usufruto é um direito real de gozo autónomo que onera, que
comprime, o direito de propriedade. É, diríamos, um direito real autónomo de gozo
menor, que comprime a propriedade, a tal ponto que quando o usufruto se extinguir,
a propriedade que estava comprimida recupera a sua plenitude, por efeito do
princípio da elasticidade. Está consagrado nos artigos 1439º e ss, portanto esta é a
doutrina que suscita a nossa adesão.

Direito de uso e habitação


1484º e seguintes
Na definição de uso e habitação encontramos uma limitação que não existe no direito de
usufruto: “na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família”, ou seja, o
usufrutuário pode usar e fruir sem limite, desde que respeite a forma e substância, mas pode
fazê-lo; aqui há uma limitação, os rendimentos que a coisa proporcionar não podem ir além do
necessário para a satisfação das suas (e familiares) necessidades, pois os rendimentos que
excedam essa necessidade são para o nu proprietário.
- Breve referência histórica
Tal como o direito de usufruto, também esta figura provém do direito romano. Foi dito
anteriormente o porquê da criação da figura do usufruto (recorde-se: a viúva, não herdeira, a
quem se dá um direito de usufruto para sobreviver), no entanto, décadas depois verificou-se, na
sociedade romana, que as viúvas eram muito ricas devido ao direito de usufruto, o que levou a
um grande número de casamentos e divórcios, e para evitar este drama, os jurisconsultos
romanos criaram a figura de uso e habitação: os rendimentos já tinham a limitação do
necessário, o suficiente para a sua sobrevivência e da sua família, e os que sobrarem são para
os filhos – os proprietários.
Na idade média, este direito de uso e habitação entrou em decadência.
Atualmente, esta figura jurídica sofre uma recuperação importante: é recuperada, desde logo, em
relação às uniões de facto (quando uma das pessoas unidas de facto morre, a outra tem direito
ao uso e habitação).

1488º - é intransmissível e não é onerável


1484º - limitado à satisfação das necessidades pessoais e familiares.

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Para este efeito, o que se considera família? 1487º


Como se constitui o direito de uso e habitação? Como no usufruto 1485º, com uma exceção na
constituição: 1293º b) “Não podem adquirir-se por usucapião: b) Os direitos de uso e de
habitação”, ou seja, por forma desta norma remissiva e restritiva, o usufruto pode constituir-se
por usucapião, mas o uso e habitação não.
Qual a posição do cônjuge sobrevivo? O viúvo ou viúva é herdeiro ao lado dos filhos e além
disso (DL 496/77) “tem direito a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação
da casa de morada da família e no direito de uso do respetivo recheio”, o viúvo ou a viúva têm o
direito de uso e habitação sobre a casa de morada de família, que tem todavia uma restrição:
“caducam os direitos atribuídos no número anterior se o cônjuge não habitar a casa por prazo
superior a um ano” (2103º-A). Em relação às pessoas que vivem em união de facto há mais de 2
anos, em caso de morte de um, o outro tem o direito real de habitação durante 5 anos, tendo
ainda o direito de preferência se eventualmente o prédio for vendido (Lei 6/2001).

Regime jurídico
A título de conclusão, já vimos que se aplicam as regras do usufruto. ou seja, o regime jurídico
do uso e habitação é plasmado no regime jurídico do direito de usufruto; difere, com uma
limitação importante, pois no usufruto, o usufrutuário tem direito a todos os rendimentos, e no
uso e habitação tem apenas direito aos rendimentos necessários à satisfação de necessidades e
da família; tal como no usufruto, o titular deste direito é obrigado a prestar uma caução ao
proprietário, que garanta a sua responsabilidade por possíveis danos; o direito de uso e
habitação responsabiliza o seu titular pelas reparações ordinárias, tal como no usufruto (1489º);
agir como um bom pai de família (1446º); e deve restituir a coisa objeto do direito.
Extinção
A extinção segue os mesmos modos que o usufruto.
Natureza jurídica
Este direito é menos autónomo que o direito de usufruto, visto estar muito ligado a este (pois
parte substancial do regime jurídico vem do usufruto), mas não deixa de ter alguma diferença –
que lhe concede autonomia. Basta dizer que, tal como o direito de usufruto, o direito de uso e
habitação é um direito real de gozo autónomo, com individualidade própria.
Bom estudo e boa sorte, se é que a sorte tem algo a ver com isto…

O Núcleo de Estudantes de Direito e Solicitadoria da Universidade Lusíada, no


Porto.

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