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A publicidade espontânea é aquela que resulta automaticamente/ indiretamente do exercício

de um certo direito. A pessoa não exerce o direito para o dar a conhecer, mas a verdade é que
ao exercer esse direito, está a dar a conhecer. É um efeito colateral. É muito inequívoca, mas
em muitas situações não há remédio, geralmente no que toca a generalidade das coisas
moveis.

No que toca á publicidade provocada está-se a utilizar um instrumento ou instrumentos que


estão especificamente conhecidos para dar conhecimento/publicidade. Do ponto de vista
jurídico estão implementados para isto mesmo. A publicidade provocada distingue-se em
registal e não registal. A diferença está no grau de sofisticação da publicidade. A não registal
dá a conhecer apenas um certo acontecimento (não dá a conhecer as eventuais ligações desse
facto com outros factos). Exemplo: se consultamos hoje o diário da república e encontramos
um decreto de lei que promove alguma alteração a outro decreto de lei, só sabemos que há
outro decreto de lei que foi alterado por este, mas não sabemos como encontrá-lo. Temos de
ir procurar o decreto, o decreto de lei hoje publicado não faz a interligação. Ao contrário é
ainda mais difícil, se encontrarmos o decreto de lei de 1970 e tivermos de ir á procura das
alterações.

A publicidade registal dá a conhecer essa interligação. Em qualquer registo, predial ou não, há


um ponto central em torno do qual se organiza a informação. Se for um registo pessoal (como
o civil) essa organização organiza-se em torno da pessoa. Há um conjunto de factos que devem
ser adicionados ao registo civil, a conservatória tem o dever de organizar tudo.

No caso dos registos reais a informação organiza-se em torno do prédio, isto começa por
necessitar que haja uma identificação do prédio. No registo predial tem de se identificar o
prédio. A forma como se identifica depende se é rustico ou não.

Como isto é tudo tão incerto a identificação do prédio que tecnicamente se chama de
descrição predial. A descrição não faz fé, ninguém pode invocar direitos sobre o conteúdo da
descrição. Por isso, toda a informação relativa àquele prédio tem de ser conexionada com a
descrição. Cada vez que sucede um qualquer facto jurídico que tem aquele prédio como objeto
esse facto tem de ser inscrito naquela descrição.

Exemplo: O A vendeu o prédio a B, faz-se uma inscrição de compra conexionada com aquela
descrição. O B vende faz uma hipoteca a favor de C, o contrato é inscrito em conexão com a
inscrição.

O que se pretende é que haja uma continuidade de inscrições de modo a que haja uma história
jurídica daquele imóvel- o chamado trato sucessivo. O trato sucessivo é o conjunto de
inscrições relativas a certo imóvel que mantenha uma conexão lógica. Tem de haver uma
inscrição coerente.

A grande diferença entre publicidade provada registal e não registal é que a registal oferece
uma informação centralizada e global (quem pede informação de um prédio recebe
informação sobre todos os factos que aconteceram ao prédio, em vigor ou não, mas sobretudo
não é uma informação qualquer, são informações fidedignas). A informação que está na
descrição não faz fé, não é fidedigna, a lei não a garante. A informação que está na inscrição é
fidedigna, a lei garante que em princípio ela está certa, ainda que não esteja. A chamada fé
publica registal (artigo 7 CRP). A lei presume que se o facto foi inscrito então os efeitos
presumidos se produziram.

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2ª aula 23/09/20

Já tínhamos feito aquela distinção entre publicidade espontânea e provocada e já tinha


referido também que a principal hipótese de publicidade provocada é constituída pelo registo/
utilização do registo.

Entramos agora dentro da matéria do registo, registo predial.

O registo predial tem em vista dar publicidade á situação jurídica dos imóveis, a ideia central é
de que há um assento principal chamado de descrição onde se faz a identificação do prédio/
imóvel e depois em relação a essa descrição temos diversas inscrições. Ou seja, cada facto que
sucede relativamente àquele imóvel é objeto de inscrição, o conjunto das inscrições dá
conhecimento sobre a situação jurídica do prédio.

Duas ou três regras que é necessário referir quanto á inscrição: Primeiro, há o que se chama a
obrigatoriedade de registo que não é para confundir com o chamado registo constitutivo. O
ser obrigatório significa apenas que a falta de inscrição quando ela deva ser pedida implica que
a pessoa que devia pedir o registo fique sujeito a uma pena que, em geral, consiste no
pagamento do dobro do emolumento. A conservatória presta um serviço, o pagamento desse
serviço faz-se perante o pagamento do emolumento qualquer pedido de registo implica
pagamento de emolumento. Se a pessoa que devia pedir esse registo não o pedir dentro do
prazo que tem para pedir (a regra é de 30 dias) o pedido que seja depois deste fica sujeito ao
dobro do emolumento. A regra é de 30 dias, mas podem ser mais curtos os prazos. Ao pedido
de registo chama-se apresentação. Quem pede o registo apresenta os documentos previstos
(??), é relevante porque as apresentações são identificadas pelo dia e dentro do dia pela
respetiva ordem de entrada, isso significa que se porventura forem apresentados para o
mesmo prédio dois ou mais pedidos de registo a ordem entre eles é dada pela data da
apresentação. Se a data eventualmente for a mesma pelo número da ordem de apresentação.
A apresentação 6 do dia 22 prevalece sobre a 8 do mesmo dia.

Quem tem a obrigação do pagamento do dobro do emolumento? Pode parecer estranho, mas
não é a pessoa que tem interesse na realização do registo que em geral está obrigada a pedi-
lo. Na linguagem própria do registo o que adquire direitos sobre determinado prédio, ou seja,
aquele que é beneficiário da inscrição em causa é o sujeito ativo, e, portanto, a outra parte é o
sujeito passivo. Numa compra e venda, o sujeito ativo é o comprador. Numa doação o sujeito
ativo é o donatário. Na constituição de hipoteca o sujeito ativo é o credor hipotecário, não é
em geral o beneficiário da inscrição (sujeito ativo) que está obrigado a pedir o registo.

Em geral quem está obrigado é a entidade que formaliza o facto sujeito a registo. Se se trata
da compra e venda feita por escritura publica, por exemplo, quem tem de pedir o registo é o
notário que fez a escritura, porque é ele que formaliza aquela compra e venda. Se essa mesma
compra e venda foi efetuada por documento autenticado lavrado por advogado a entidade
que formaliza a compra e venda é o advogado (investido de funções notariais) portanto quem
tem de pedir o registo é o advogado, que o pede no interesse do sujeito ativo. A pessoa sobre
quem incide a obrigatoriedade de fazer o registo é a entidade que formaliza.

O sujeito ativo, eventualmente, pode agir, tem legitimidade de pedir o registo, mas apenas nos
poucos casos em que não intervém uma entidade externa para formalizar, ou nos casos em
que essa entidade não o fez, e como tem interesse em fazer o registo pode pedi-lo.

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Feita a apresentação e entregues os documentos que suportam a apresentação, o conservador
tem se se pronunciar sobre a viabilidade do pedido de registo, ou seja, a apresentação (o ato
em que o registo for pedido) só ingressa no registo no pressuposto de que na conservatória se
tenha entendido que o pedido é viável. O registo não é efetuado automaticamente, a
viabilidade do registo tem de ser apreciada. Esta apreciação tem o nome técnico de
qualificação (artigo 68 do C.reg.Predial). À conservatória cabe apreciar a legalidade do pedido
de registo para averiguar se ele pode ser feita ou não e, portanto, se o registo pedido deve ser
realizado, lavrado tal qual como foi pedido ou não.

Esta qualificação obedece aos critérios fixados pelo artigo 69 do código de registo predial. De
um modo geral, o conservador deve apreciar a legalidade. Qual legalidade? Deve apreciar a
legalidade registal, se as regras do registo estão a ser cumpridas por aquela apresentação.
Exemplo: tem de se verificar se o emolumento foi pago, tem de se verificar se o registo pode
ser feito tal e qual está a ser pedido de acordo com os registos anteriores. Se não houver
ligação lógica entre aqueles registos (traço sucessivo) o registo não pode ser efetuado, pelo
menos como foi pedido. Imaginemos que aparece a registo uma escritura em que o C é
vendedor e o D é comprador, mas a última pessoa inscrita no registo como proprietário é o B.
Do ponto de vista do registo não se pode efetuar o registo para D enquanto não se comprovar
se C adquiriu de B e como. Outro exemplo: B é que vendeu ao D, não o C, mas no registo o B
está identificado como Joaquim da silva Ferreira e na escritura de compra e venda aparece
Joaquim Ferreira, o conservador pode interrogar-se se é a mesma pessoa. Isto é suficiente
para que não sejam cumpridas regras registais. Não é necessariamente recusado não pode é
ser feito tal qual foi pedido isto é o que se chama a legalidade registal.

O conservador deve também apreciar a chamada legalidade substantiva, ou seja, se o ato


apresentado em registo respeita as regras de legalidade que a lei exige para esse mesmo ato.
Isto tanto quanto possível do ponto de vista de facto e jurídico. Imaginemos que o conservador
consegue perceber que o ato é inválido, mas o defeito que gera essa invalidade determina a
anulabilidade, o conservador não pode recusar o registo, não é fundamento de recusa porque
a pessoa em cujo interesse a lei estabelecera a anulabilidade é que pode anular. Se até agora
ninguém pediu a anulação não é o conservador que vai recusar efeitos a um ato que ninguém
quer anular. Se quem vendeu é maior acompanhado em princípio o ato é anulável, mas se o
respetivo acompanhante ou o próprio acompanhado não pediram a anulação não é o
conservador que o vai fazer, numa hipótese desta mesmo reconhecendo o vicio o conservador
não se pode reconhecer.

Mesmo quando se trate de defeito que conduza á nulidade o conservador só pode recusar no
pressuposto de que é nulidade manifesta. Ou seja, que evidentemente o ato é nulo. Se não for
obvio que é nulo não pode recusar.

Por fim, embora esta atividade de apreciação que é efetuada pelo conservador seja parecida
com aquela atividade que o tribunal desenvolve quando aprecia a validade de um ato qualquer
se diz que ele exerce uma função para-judicial porque no que toca á apreciação da validade de
atos jurídicos efetua uma função algo semelhante á de um tribunal. Para um tribunal apreciar
se um ato jurídico qualquer é válido ou não os tribunais devem recorrer a todos os meios de
prova possíveis, no caso das conservatórias estas podem recorrer a meios de prova para
avaliar acerca da validade do ato praticado e que se pretende registar, mas só mesmo em
função dos documentos apresentados. Ou seja, para apreciar se o contrato é válido ou não
essa apreciação só pode ser feita através de documentos apresentados ou eventualmente
documentos que estejam arquivados na própria conservatória. Em termos práticos isto

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significa que todos aqueles vícios/ defeitos que não resultarem dos documentos não podem
ser objetos de apreciação. É por isso que num caso em que o conservador desconfie que há
simulação a conservatória não pode deixar de efetuar o registo se os documentos
apresentados são os suficientes para o efeito a conservatória não pode deixar de efetuar o
registo, faz-se o registo ainda que eventualmente o ato seja simulado, porque a simulação não
resulta dos documentos. É perfeitamente possível que atos inválidos sejam inscritos no
registo, seja porque o conservador não tem meios de prova para verificar a respetiva validade,
seja porque está impedida a apreciação da validade. Quando se diz que o conservador deve
apreciar acerca da validade e legalidade do ato é com estas restrições, aprecia até onde lhe é
possível.

Aqui surge um problema, quaisquer registos são duplicações da realidade, quando se fazem
duplicações pode alguma coisa pelo meio acontecer. Exemplo: A nota que tive na oral foi 15
pode ser registado o 14 até que se prove que se teve 15 tem-se 14. Tem de se provar que
houve engano. O registo predial sendo um registo pode acontecer que algo que esteja no
registo não corresponde á realidade porque houve alguma falha na transposição.

Feita a qualificação o conservador tem duas opções elementares, ou faz o registo ou recusa o
registo. Só excecionalmente é que pode recusar, só pode recusar nos casos identificados no
artigo 69. Ou alguma daquelas hipóteses se verifica ou então tem de registar. Deve recusar se
houver nulidade manifesta do ato sujeito a registo, por exemplo.

Quando a opção seja fazer o registo há duas subopções: registo definitivo e registo provisório.

O registo é provisório quando esteja sujeito a um prazo no fim do qual ou se converte em


definitivo ou caduca e fica sem efeito. Normalmente, o prazo de vigência do provisório são 6
meses, mas renováveis desde que seja pedida antes do prazo de caducidade (artigo 11 do C.
reg.predi), o registo é definitivo quando não for provisório. É provisório por natureza ou por
duvidas. O provisório é por natureza nas hipóteses do artigo 92 do C. Reg.Pred. Há uma
tipificação, mas é nos casos previstos na lei que o provisório é por natureza, no fundo é aquela
lei que manda, o registo de propositura de uma ação é provisório por natureza… No provisório
por natureza é por regra quando os efeitos do facto registado ainda não se produziram, mas
espera-se que produzam.

O provisório por duvidas (70 C.Reg.Pred) fica ao critério do próprio conservador faz-se quando
não haja fundamento para provisório por natureza, mas também não possa ser lavrado
definitivo porque o conservador tem duvida sobre a identidade das partes, ou sobre a
identidade do prédio. Exemplo: a última pessoa inscrita é o Joaquim da Silva Ferreira, mas há
uma escritura apresentada em registo em que o Joaquim ferreira vende ao Manel. O
conservador pode levantar a dúvida de se o Joaquim Ferreira que aparece como vendedor
naquela escritura de compra e venda é o Joaquim Silva Ferreira presente no registo. O prédio a
que se refere a compra e venda na escritura está identificado como pertencente á freguesia
dos Anjos, mas de acordo com o registo pertencia á freguesia dos Prazeres. Há dúvidas perante
a identidade do prédio, por isso durante esses 6 meses os interessados que removam as
dúvidas, se conseguirem o registo converte-se em definitivo se não caduca pelo decurso do
prazo.

De acordo com o artigo 7 do C.Reg.Pred a fé publica registal só se produz para o registo


definitivo, portanto, só se pode assumir que a informação constante do registo corresponde á
realidade tratando-se de registo definitivo. Claro que, se o registo é provisório por duvidas não
pode fazer fé porque se o próprio conservador tem dúvidas sobre a viabilidade o publico não

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pode fazer fé em algo em que há dúvidas. Ao contrário, se o registo provisório for feito por
natureza já é diferente entre o definitivo e o provisório por natureza a diferença é meramente
formal. O provisório pela natureza faz-se nos casos previstos na lei supondo que não há
dúvidas. Entre o provisório por natureza e o definitivo a única diferença é o prazo qualquer um
dos dois ultrapassou o limite das dúvidas. A consequência disto é que é fiável.

Exemplo: se foram removidas as dúvidas quanto ao Joaquim Ferreira, terceiros podem


presumir que Manel é o proprietário do imóvel sobre o qual a compra e venda foi feita. Se ao
invés existisse um contrato promessa de compra e venda houvesse um contrato promessa de
compra e venda a inscrição a favor do Manel tinha de ser provisório a partir de um contrato
promessa não se pode presumir que o promitente comprador é proprietário. A presunção que
se tira desta sobre a propriedade é diferente, pode-se presumir que o Manel é mesmo
promitente comprador, que a compra e venda é valida e que foram gerados os efeitos
desejados.

Estar dotado de fé publica é poder tirar-se a presunção de que os efeitos correspondentes


àquele facto registado sucederam mesmo.

Efeitos do registo: qualquer registo predial tem ao mesmo tempo efeitos para terceiros e para
o sujeito ativo, aquele que beneficia da inscrição. Para terceiros o efeito do registo é sempre o
mesmo (fé publica de terceiro), para o sujeito ativo o registo pode ter efeito enunciativo,
constitutivo, consolidativo ou atributivo. Por regra, para o sujeito ativo o efeito é o
consolidativo.

Fé publica: a fé publica significa na essência que terceiros podem partir do princípio de que
aquilo que está inscrito no registo corresponde á realidade, podem assumir que a informação
registal é fidedigna mesmo que não seja, em princípio é. Exemplo: O certificado de habilitações
com as notas que lá estão presume à entidade patronal que o curso foi completado, mas
também com aquelas notas. O registo predial funciona igual, se a certidão que se pediu ao
registo resulta que o Joaquim ferreira vendeu ao Manel e não há mais inscrições em vigor,
presume-se que o Manel é proprietário. A linguem normalmente é de coincidência entre a
realidade substantiva e realidade registal. Pode não ser o caso, mas em princípio será, porque
a própria lei o diz (artigo7). É uma presunção legal e como todas as presunções legais só
deixam de vigorar com prova em contrário. Não basta demonstrar duvidas tem de haver
provas para afastar o efeito do registar. A fé publica tem dois sentidos /significados.

A fé pública conforme a configuração da situação pode pôr-se duas hipóteses: temos o sentido
negativo e o sentido positivo da fé pública.

Sentido negativo: presume-se a chamada compleição completuro do registo, ou seja, presume-


se que todos os factos que deviam ter sido apresentados ao registo foram apresentados.
Exemplo: A vendeu a B, mas B não registou, a entidade por alguma razão não pediu o registo
de imediato, passaram-se dias, (isto não é comum, o normal é que a entidade pede o registo
no momento). Enquanto o registo não for efetuado para rodos os efeitos o A é o titular sobre
o registo mesmo já tendo sido feito a compra e venda, e já sendo B juridicamente o
proprietário o registo está a favor de A.

O registo predial em Portugal, tem efeito consolidativo porque não é uma condição de
aquisição. No máximo pode-se dar ter de pagar o dobro do emolumento ou em casos mesmo
extremos o crime de desobediência, mas isto não faz com que o registo seja constitutivo.

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É preciso provar que houve uma nova delimitação das freguesias (1960 ou 70). Nestas
circunstâncias podem passar dias par se fazer esta prova.

Até que o B efetue o registo presume-se que o A é o proprietário (art.º 7) não é, mas do
registo presume-se isto, o que parece é que A é o proprietário. Se porventura, o A vender a C,
o mesmo prédio antes de B efetuar o seu registo o C pode partir do princípio que está a
comprar ao proprietário. Já sabemos que aquele compra e venda não é válida, porque B já é o
proprietário, só que isto tem de ser provado, até que a prova seja efetuada o A é
aparentemente proprietário e o C quando adquire tem fundamentos para supor que o A é
proprietário. É uma presunção e compleição no sentido em que se presume que tudo o que
aconteceu está no registo, o que não está registado não aconteceu. De um modo geral o B
pode fazer prova que comprou primeiro, que a falta de registo não lhe é atentável e consegue
á conta disso provar a invalidade da compra e venda AC. O B tem de intentar ação de
reivindicação e provar que é o proprietário.

Há casos em que o problema entre B e C não envolve o A.

Suponham que A vende a B o registo não foi efetuado de imediato. Entretanto o C que é
credor do A registou uma penhora sobre o imóvel que o A tinha vendido a B. Aparentemente o
imóvel pertence a A, mas na verdade já não. Se o C prevalecer sobre B A não terá
responsabilidade, por isso B provavelmente irá perder a propriedade sem depois poder pedir
indemnização a quem quer que seja. É preciso ter cuidado com a realização de registos, não
deixar correr porque há alguma coisa que pelo meio possa acontecer.

Sentido positivo: Pelo sentido positivo presume-se a exatidão do registo. Presume-se que os
factos inscritos no registo realmente sucederam e são válidos. No sentido positivo está sempre
suposta uma situação linear. A ideia é de que o princípio é sempre igual. Exemplo: A vendeu o
imóvel em causa ao B e depois o B vendeu o imóvel ao C, quer o B quer o C efetuaram registos,
não há problema de incompleição. O que acontece é que comprova-se que o negócio entre A e
B é inválido. A invalidação deste ato implica a invalidação dos atos subsequentes, se a compra
e venda AB é nula por falta de legitimidade ou por simulação, afinal de contas B não tinha
legitimidade para vender a C. aparentemente tinha, mas depois comprova-se que não podia.
Nesta situação o que é que a fé publica funda para O C? Até prova disto tudo o C pode
presumir que o B era o proprietário e que os atos que conduziram á aquisição de B são válidos
e eficazes. O C não sabe que a venda é inválida e pode sempre presumir e partir do princípio
de que B tinha a legitimidade. É uma presunção legal, como qualquer presunção legal pode ser
ilidida, ou seja, tem de se provar o contrário. É necessário que A ou B comprovem que aquele
negócio é nulo e, portanto, que o negócio BC não tem legitimidade. Esta é a regra a menos que
o C esteja em condições do chamado efeito atributivo. Em qualquer das situações o terceiro
(C) feita a prova correspondente da invalidade da presunção prevalece a realidade substantiva,
o terceiro não é protegido. Como regra quer em sentido negativo quer em sentido positivo C
não tem proteção exceto se C estiver em condições de preencher o efeito atributivo este
adquire o direito.

Nas situações triangulares temos duas pessoas que são eventualmente terceiros e depois
alguém que para eles é comum, nas situações lineares o terceiro C é adquirente de uma
pessoa B e subadquirente de A.

Efeitos para o beneficiário do registo:

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Efeito enunciativo: O efeito enunciativo dá-se quando o facto que se regista já é, por si
próprio, um facto publico. Função do registo é dar publicidade, por isso estamos a supor que
se não fosse o registo o facto não tinha publicidade, não seria publico. Estamos no pressuposto
de que o que está a ser publicitado já é publico e neste sentido o registo enunciativo é em
geral um ato inútil, e, portanto, o efeito enunciativo do registo só se produz nos casos
previstos na lei. Resulta especialmente do artigo 5 n2 C.Reg.Pred. exemplos: registo de
usucapião a mera posse do 295 n2 do CC. O registo das servidões aparentes é enunciativo
porque as servidões aparentes são as que se manifestam por símbolos que identificam a
própria servidão. O registo não adianta, os sinais são mais visíveis que o registo. No caso de
usucapião só pode invocar-se se a posse que justificar a usucapião for posse publica, portanto
quando se invoca o usucapião aquele que invoca já manteve durante o uso anterior uma posse
publica, uma posse suscetível de ser conhecida por terceiros (262). Vai-se registar algo que
durante 25 ou 30 anos foi publico. A mera posse do 1295 2 não é usucapião, mas pode ser
registada para efeitos de usucapião, ou seja, para abreviar p seu prazo. Este registo só se pode
fazer no pressuposto de que dura á pelo menos 5 anos de forma publica.

Efeito constitutivo: efeito excecional, não é o normal. O efeito constitutivo verifica-se sempre
que o registo seja um elemento indispensável para a produção de todos os efeitos do facto
sujeito a registo. Enquanto o registo não for feito o facto não tem quaisquer efeitos. O único
exemplo indiscutível é o de constituição de hipoteca (687/7 e 4 n2 do CRP). Neste caso não
basta o contrato de hipoteca ainda que lavrado por escritura publica ou documento
autenticado como a lei exige. É ainda necessário que o registo se faça para a hipoteca existir,
se o registo não foi feito não há hipoteca. Não é uma questão de não ter efeitos, de todo a
hipoteca não existe. O próprio contrato de constituição de hipoteca só está completo quando
o registo for efetuado. A constituição de hipoteca não é acompanhada pela transferência da
posse da coisa hipotecada para o credor. Externamente não se percebe que o imóvel está
hipotecado, por isso é que a hipoteca só existe com registo. A hipoteca só existe com registo.
O mesmo se deve dizer para a promessa com eficácia real e o pacto de preferência com
eficácia real.

A regra é o consolidativo 5 n1.

3ª aula

Tínhamos ficado, dentro dos efeitos do registo e dos efeitos para o beneficiário do registo, o
sujeito ativo, tínhamos visto o efeito enunciativo e o efeito constitutivo, passamos hoje para o
efeito consolidativo.

O efeito consolidativo que decorre do 5n1 do código de registo predial é o efeito normal do
registo. Significa que na falta de indicação legal em sentido contrário quando alguém procede
ao registo o efeito desse registo é o tal consolidativo.

Recordam-se que de acordo com o 408 n1 quando se celebra um negócio jurídico,


designadamente um contrato que transfira ou constitua direitos reais sobre uma coisa este
efeito translativo ou constitutivo dá-se automaticamente. Mal o contrato está celebrado,
nesse instante o efeito translativo ou constitutivo dá-se de imediato ainda que a coisa não seja
imediatamente entregue, o preço não seja imediatamente pago, ainda que o registo não seja
efetuado de imediato. Se o A vende a B, supondo que a venda é valida, quando o contrato de
compra e venda estiver formalizado para a escritura de compra e venda redigida para o efeito
(situação triangular), nesse instante o B é proprietário mesmo que imóvel não seja entregue a
B, mesmo que B não tenha de imediato pago o preço ou totalidade do preço, mesmo que o

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registo não tenha sido imediatamente efetuado. Por isto, pode dizer-se que o registo não é
constitutivo, mesmo que não se faça o registo os efeitos normais e típicos associados á
celebração daquele contrato produziram-se. Em geral, a realização do registo não é uma
condição para aquisição do direito e, portanto, regra geral este não é constitutivo. Por isso
quer o adquirente tenha registado ou não adquire de imediato porque o registo não é um
elemento constitutivo desse facto.

Por aqui só conseguimos demonstrar que o registo é irrelevante, só conseguimos dizer que
fazer registo ou não fazer não tem qualquer implicação e isto demonstraria no máximo que o
registo tem efeito enunciativo. Mas é mais do que isto, o professor já tinha dito no outro dia
que o efeito enunciativo significa ato inútil. Geralmente o registo não tem efeito enunciativo
porque se o tivesse o registo seria um ato inútil, nada acrescentaria os poucos casos em que se
admite ato enunciativo é porque ainda acessoriamente se consegue tirar alguma vantagem ou
algum benefício do registo, em geral não. O que está implícito no tal efeito consolidativo, daí a
expressão consolidativo é que o registo quando não seja feito, ou feito atempadamente pode
acarretar consequências negativas para o titular do direito em causa. Isto é, o registo não dá
direitos, mas a falta de registo pode tirar direitos, quando, designadamente, outra pessoa se
constitua numa situação incompatível.

Esquema triangular: A vendeu a B, e sempre na suposição de que esta é válida quer o B registe
ou não adquiriu. Mas, se porventura, não o fez ou não registou atempadamente, se,
entretanto, o C se constitui numa situação incompatível pode dar-se o caso de C prevalecer e
nesse caso o B perde o direito adquirido para C em virtude de o C prevalecer. Aí está, o registo
do B não é condição de aquisição, mas a falta de registo do B pode implicar para ele a perda do
seu direito se eventualmente alguém (C, no exemplo) se constituir numa situação incompatível
prevalecente. Justamente por isso é que se diz que o efeito normalmente associado ao registo
é o efeito consolidativo. Isto quer dizer que enquanto o registo não estiver efetuado a situação
do adquirente é precária, isto não porque os efeitos não estejam constituídos, mas porque
está sujeito a que lhe aconteça algum mal, ou seja, um terceiro adquirir um direito
incompatível e se colocar numa situação também ela incompatível. Enquanto o adquirente
estiver sem registo está nessa situação precária, assim que regista deixa de estar na situação
precária porque já ninguém pode registar um facto prioritário em relação ao seu (qualquer
facto incompatível que se tente registar será necessariamente depois do seu). Se o B registasse
de imediato, o facto de este registar primeiro não inviabiliza totalmente a venda de A a C.
Acontece é que se o B aparece a registar depois do C o seu registo prevalece. A realização do
registo fechou o registo no sentido de que impossibilita que outra pessoa se constitua em
situação incompatível e, portanto, impossibilita que haja outra pessoa a prevalecer, e assim e
consolidou uma situação que à partida era precária.

Quando é que o terceiro se coloca em situação de incompatibilidade? Quando é que podemos


dizer é que alguém que não devia adquirir pelas regras normais acaba por prevalecer sobre
aquele que pelas regras normais devia ter adquirido?

Nas situações em que o C beneficie do chamado efeito atributivo. O efeito atributivo do registo
dá-se quando alguém se coloca numa situação que em princípio não mereceria proteção, em
que os efeitos jurídicos não deveriam produzir-se mas preenche a seu favor uma série de
requisitos que permitem dar-lhe prevalência sobre o legitimo titular (aquele que adquiriu de
acordo com as regras substantivas). Na situação triangular, o C terá efeito atributivo quando a
sua posição prevaleça sobre a de B. B é o legitimo titular, mas pode dar-se o caso de o C
beneficiar as condições do efeito atributivo e nesse caso o C adquire prevalecendo sobre B.

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Nas situações lineares quem pode beneficiar do efeito atributivo é o C, prevalecendo sobre o
A. Estamos no pressuposto de que a venda AB não vale, antes dessa invalidade ser declarada o
B vendeu a C, mas essa compra e venda não vale visto que pelo menos B não tem legitimidade
para a venda a C, por isso presume-se que o atual proprietário ainda é A. Mas, se o C estiver
nas condições do efeito atributivo irá prevalecer sobre A e irá adquirir embora o A seja o titular
substantivo.

Quando é que se verifica o efeito atributivo?

Temos em tese duas possibilidades, ou aplicamos, para que o efeito atributivo se verifique, o
291 do CC ou aplicamos o 17 n2 do C.Reg.Pred. Se compararmos as disposições/ preceitos são
muito parecidas, não são idênticas, mas são parecidas.

Como sabemos se aplicamos um ou o outro?

Essencialmente, há dois critérios que têm de ser usados: o primeiro é o mais antigo (tem
menos defensores).

O 17 n2 do Rp para funcionar supõe dois registos. O registo a favor de quem transmite e a


favor de quem adquire. A previsão é esta.

Ao contrário o 291 apenas supõe o registo a favor de terceiro, apenas supõe um registo.

Voltamos ao exemplo linear, visto que estes dois artigos estão escritos a pensar na situação
linear, ainda que na opinião do professor se possam estender á situação triangular.

Nesta situação linear para que o C possa beneficiar de proteção (C é o terceiro de Boa fé para
efeitos do 17 n2) supõe-se que regista, mas supõe-se que a pessoa de quem pretensamente
adquiriu tenha também registo). Se lerem o artigo diz-se que a nulidade do registo não
prejudica os direitos adquiridos por terceiro que tenha registo, portanto se eventualmente o
registo do B for nulo isso não prejudica C se o C tiver registo a seu favor. Portanto o 17 n2 está
a pressupor o registo de B e de c. Para dizer que se C está de boa fé adquire o título oneroso e
regista a nulidade do registo de B não o prejudica a si, C.

Ao contrário, o 291 literalmente não prevê, só faz depender a sua aplicação do facto de o C ter
registo, não se pressupõe que o B tenha. Literalmente, isto é verdade é o que está escrito. Mas
não se pode esquecer que se aplicarmos assim o 291 o que estamos a dizer é que neste
entendimento tanto podemos aplicar para o C o 17n2 como o 291 dependendo apenas disso.
Aplicamos para o c o 291 quando o B não tenha registo, aplicamos para o C 17n2 quando antes
do C o B tenha registo. Em termos objetivos seria muito fácil, se há registo prévio a favor da
pessoa de quem o B adquire (17n2), se não há registo prévio (291).

Só que, se vamos levar isto assim temos de chegar á conclusão de que o 291 quase nunca se
aplica ou mesmo nunca. É que para o C registar sem que o B tenha registo anterior estamos
perante uma situação quase impossível, alguém conseguir registar a seu favor sem haver
registo a favor da pessoa de quem adquire é uma situação que na normalidade dos casos é
impossível. Uma regra essencial do registo é a do trato sucessivo, ou seja, que haja uma
coerência na sucessão de factos, se o ultimo titular o registo fosse o A ou se não houvesse
titular inscrito e o C apresentar registo de uma escritura de compra e venda lavrada com B, o

9
B no registo não existe, não tem registo portanto a pergunta que se colocará de imediato é
como é que o B vai registar a seu favor sem que a pessoa de quem adquire tenha registo. Só
em situações muito particulares (excecionais) é que se pode por a hipótese de o C obter o
registo sem que a pessoa de quem adquire não tenha já a titularidade do registo. Quem
defende este critério para diferenciar o 291 do 17n2 defende que o 291 nunca se aplicará ou
se aplicará muito pouco porque é assim. É uma possibilidade.

O segundo critério diz que o 17n2 está ligado ao 16 do mesmo código RP e o que este defende
é o terceiro de boa fé contra nulidades do ato de registo, não do facto registado. Uma coisa é
que a compra e venda a C tenha um defeito qualquer que impeça os seus efeitos (coação)
outra coisa é que o registo desta compra e venda tenha um defeito, uma coisa são defeitos ou
vícios do facto sujeito a registo, outra coisa são defeitos do ato sujeito a registo. O ato de
registo é um ato diferente do facto que se regista. Por isso mesmo pode haver defeitos
próprios de cada um. Uma coisa é um notário não assinar a escritura de compra e venda de um
imóvel, outra coisa é o conservador não assinar o ato de registo dessa compra e venda. Se a
escritura de compra e venda não foi assinada pelo notário, no fundo não é uma escritura, não
vale como escritura. Outra coisa é tendo a escritura de compra e venda sido assinada pelo
notário é que ao ser transposta para o registo o conservador do registo não tenha assinado o
registo. O vicio é diferente. No 16 diz-se que numa hipótese destas há uma nulidade do
registo.

A compra e venda cujo registo é nulo não é inválida, o facto de o registo ser nulo não implica
que a compra e venda registada ou que se queria registar seja nula, não implica nem pode
implicar. Acontece é que enquanto o registo não esteja assinado por quem deve assinar para
todos os efeitos é como se não houvesse registo, e se alguém invoca, entretanto, esse registo
é nulo por falta de assinatura.

Por isso o 17 n2 protege contra este género de invalidades, contra invalidades que não são do
próprio ato registado, mas sim do próprio registo.

Por conseguinte, se a compra e venda de A para B é válida e o registo dessa compra e venda é
inválido aplicamos o 17n2 para proteger o C. Mas proteger o C da nulidade do registo não da
compra e venda. As nulidades do registo são as do 16. Qualquer outra deficiência que o registo
possa ter que não caiba no 16 conduzirá á sua inexatidão, mas não invalidade.

Se o 17n2 tem em vista proteger o terceiro contra nulidades do ato de registo só o 291 se pode
aplicar quando a invalidade seja do ato registado. Exemplo: se a compra e venda AB é nula por
coação moral aplica-se o 291, é uma invalidade substantiva.

Quando estamos a ver se o efeito atributivo se produziu ou se produz o que estamos a querer
saber é se o terceiro que está nas condições do efeito atributivo adquiriu ou não adquiriu o
efeito em causa, não estamos a querer saber se o seu registo permanece ou não permanece
em virtude da nulidade do registo anterior. Quando o C possa invocar o 17n2 o preenchimento
dessas condições serve apenas para que o C possa manter o seu registo, o que o 17n2 está a
dizer é que se o registo do B for considerado nulo o registo de c não será nulo se o C estiver
nas condições do 17n2, mas o 17n2 não dá ao C o direito que ele não tenha adquirido por via
substantiva. Se a compra e venda BC for nula nada adianta o C manter o seu registo. O 17n2
apenas permite sustentar a posição de C nos casos de nulidade do registo, se o registo de B for
nulo o de C também devia ser nulo, mas se estiver nas condições do 17n2 o C mantém-se.
Dizer que o registo C se mantém não quer dizer que ele tenha adquirido o direito em causa se
o facto que ele registou não for válido, no 17n2 apenas é relevante ao registo e á sua validade.

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Para que o C adquira o direito por um facto registado que não é válido então só o 291 lhe pode
dar esse direito.

O 291 vai dar-lhe a propriedade que não conseguiu adquirir pela compra e venda.

Em resumo, o 17n2 dá apenas o direito á manutenção do registo a favor do C, o 291 dá ao C o


direito que ele deveria ter adquirido pelo negócio que celebrou, mas que não obteve em
virtude de o negócio ser inválido.

Como diz á pouco, quer o 17n2 quer o 291 estão concebidos a pensar nas situações lineares, as
situações triangulares diretamente não estão previstas e, portanto, em relação a isto há
diversas opiniões. Hoje em dia pode-se dizer que a opinião maioritária é de estender o 291 às
situações triangulares, o 291 não está escrito para elas mas substancialmente há identidade. A
configuração é diferente porque a razão que leva ao surgimento do C numa hipótese e noutra
é distinta, mas no fim do dia a situação do C é idêntica.

Na situação linear A vende a B e B vendeu a C e depois descobre-se que a compra e venda AB é


inválida, portanto a venda BC é viciada por ilegitimidade do B.

Na situação triangular A vendeu a B, a venda não é registada de imediato, entretanto o A


aproveita-se e vende a C. Aqui A não tinha legitimidade para venda a C. Na essência em
qualquer dos casos o C está a adquirir que alguém que não tem legitimidade para transmitir.
Por isso o 291 embora escrito para as situações lineares é extensível para as situações
triangulares.

Há um problema suplementar das situações triangulares, que consiste na questão de saber


quem é terceiro para este efeito. Há duas conceções possíveis. Há quem entenda que só são
terceiros aqueles que adquiram de um autor comum (B e C adquirem de A) com intervenção
da vontade desse autor comum, ou seja que haja negócio jurídico de A para B e de B para C.
por isso é que nesta hipótese se dá sempre o caso académico da dupla venda. Nesta conceção
chamada restrita se algum destes adquiriu pretensamente direitos por outra via qualquer que
não seja por negócio esse que adquiriu por essa via não é terceiro, não sendo terceiro não
pode invocar o efeito atributivo (291). Exemplo: B não regista de imediato, entretanto, C que é
credor do A, registou uma penhor sobre um imóvel que A tinha vendido a B, como não havia
registo ainda, presumivelmente, o imóvel pertence ao A. presumivelmente o C pode entender
que o A é proprietário e pode registar penhora sobre imóvel que o vendeu a B. nestas
condições o C não pode beneficiar do efeito atributivo, não preenche as condições do 291 na
medida em que o direito que C adquire o direito de garantia que resulta da penhora mas esse
direito não foi adquirido pela vontade do A. No conceito restrito de terceiro o C não é terceiro,
é em termos substanciais, mas não em termos registais, porque em termos registais quem não
adquire com intervenção da vontade do autor não é terceiro. Se não é terceiro para efeitos de
registo não pode invocar o 291 e, portanto, não pode beneficiar do efeito atributivo. Tudo o
que seja adquirir direitos que não seja por negócio jurídico não coloca o adquirente desses
direitos na posição de terceiro.

Temos depois o conceito amplo. Pelo conceito amplo de terceiro são terceiros todos aqueles
que adquiram direitos incompatíveis sem importar como os adquirem: se é por intervenção da
vontade do ator comum ou não.

Este problema só se põe nas situações triangulares. Se adotássemos o conceito amplo neste
exemplo o C já seria terceiro, o que importa é que adquire um direito de penhora sobre o

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imóvel de A, que ainda sem sabendo já tinha sido comprado por B. Se o consideramos terceiro
isso significa que está em condições do efeito atributivo se verificar a seu favor, falta é saber se
os requisitos do 291 estão preenchidos.

Na lei foi inserido um número quatro no artigo 5º em que aparentemente se consagrou o


conceito restrito, aparentemente porque este aditamento surge na sequência de uma certa
evolução jurisprudencial e na sequencia de um determinado ACUJ do STJ que uniformizou
justamente no sentido do conceito restrito. A questão é que se utilizou uma expressão que é
compatível com o conceito amplo. Vulgarmente quando se definia conceito restrito não se
dizia ator comum dizia-se transmitente comum e ao utilizar a palavra transmitente isso conduz
de facto á necessidade de intervenção da vontade do transmitente. Transmitente comum tem
uma conotação mais ligada ao conceito restrito que ator comum. Há quem entenda que não
obstante do 5n4 o conceito amplo deve ser adotado, até porque o argumento principal é de
que se o conceito amplo não se adota o registo acaba por servir para muito pouco, isso
significa que estamos a reduzir imensamente o campo das pessoas que pode confiar no
registo.

Já tinha dito que pelo segundo critério o efeito atributivo depende da verificação dos
requisitos do 291, mas temos agora de ver quais são os requisitos. Alguns destes requisitos são
explícitos e há outros que estão apenas implícitos.

Requisitos:

-Estamos a supor que há registo a favor do C, mas o facto registado é inválido. Se não
for inválido o C já adquiriu por isso não precisa do 291. Por teoria se um facto é inválido não
devia ter entrado no registo, mas para alem de haver vícios que não podem ser tomados em
conta, aqueles que por exemplo levam à anulabilidade, para alem disso a invalidade pode não
ser patente (simulação) que dos documentos não foi possível verificar.

-é necessário que esse facto invalido que foi registado a favor de terceiro tenha carater
onerosos. Trata-se de aplicar uma regra geral, que tem aqui uma manifestação, segundo a qual
as aquisições a título oneroso se protegem mais do que as a título gratuito. A razão essencial é
de que se alguém perder uma aquisição a título gratuito não é exatamente prejudicado, se
alguém perder uma aquisição a título oneroso tem um prejuízo. Estamos sempre no
pressuposto de que o objeto do ato inválido é coisa imóvel ou coisa movel sujeita a registo.

-Supõe-se que esse facto invalido, oneroso e inscrito não tenha vícios próprios. Isto
quer dizer que vícios tem esses vícios são é consequência de vícios anteriores. A vende a B, B
vende a C e depois descobre-se que a venda a B é simulada e por isso há um impedimento á
sua validade, isto só se descobre depois da venda a C e de C ter registado a seu favor. A venda
BC é nula por falta de legitimidade do B, mas a nulidade da venda BC é consequência da
nulidade da venda AB, decorre de um vicio anterior, neste sentido não é um vicio próprio. Só
assim C pode ser protegido. Se o negócio BC tiver vícios próprios a proteção do C não se dá
porque não se daria nunca. Quando se diz que se pressupõe que não haja vícios próprios são
vícios que não resultem de vícios anteriores de atos jurídicos anteriores ao seu.

-Supõe-se que o terceiro que registou o facto oneroso sem vícios próprios a seu favor
esteja de boa fé. Só faz sentido a proteção no pressuposto de boa fé. No pressuposto de que o
C ignorava no momento da aquisição que o B não tinha legitimidade para lhe dar porque o B
tinha adquirido invalidamente do A ou porque ignorava que o A tinha vendido anteriormente a
outra pessoa e que a outra pessoa não a tinha ainda inscrito no registo.

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-Embora não se diga explicitamente, por força da regra do trato sucessivo não se
concebe que o terceiro registe a seu favor sem que a pessoa de quem está a adquirir
(causante) tenha também registo. O registo do C supõe que nas situações lineares o B tenha
registo e nas situações triangulares o A tenha registo. A falta de registo a favor de quem se
está a adquirir pode ser suprida pelo próprio que vai registar. O terceiro quando vai registar e
verifica que o anterior titular não tem registo pode se tiver documentos suficientes para isso
pedir registo para o B e depois para si C, o registo não tem de ser pedido pela pessoa a quem
aproveita, o traço sucessivo é uma regra formal, de racionalidade do registo. Ou seja, não faz
sentido contar a história de Portugal sem fazer a cronologia dos reis e esta supõe ordenar
todos os reis, não se passa do primeiro para o quarto. O traço sucessivo significa exatamente
isto, tem de haver registo de todos os proprietários, quem faz esses registos e como faz não
importa. Para que este requisito esteja preenchido é necessário que o registo a favor da
pessoa de quem se adquire esteja feito do momento em que ele adquire, porque isso é que é
o fundamento da sua boa fé.

Quando o C regista supõe-se que o B já tem registo nessa altura porque é o facto de o B ter
registo que permite dizer que o C está de boa fé. Se o B tem registo este é presumivelmente o
titular (7 RP) e, portanto, o C tem fundamento sério para poder presumir que o B é o titular do
direito e para poder partir do princípio que está de boa fé. A boa fé de C fundamenta-se no
pré-registo do B, no sentido de que está feito quando o C regista, isso é que constitui
fundamento da boa fé do C. é este registo a favor da outra pessoa que permite afirmar que há
razões para se estar de boa fé.

-É necessário que decorra um prazo de três anos sem que durante esse período seja
intentada qualquer ação de nulidade ou de anulação do registo do causante. Temos várias
hipóteses para o início da contagem do tempo: três anos desde que a venda originalmente
inválida foi celebrada ou os três anos contam-se a partir da venda BC. Se assumimos a primeira
possibilidade isso significa que este requisito estará preenchido por definição se o C comprar
ao B já após cumpridos estes três anos, esta hipótese não é correta, por isso é justo dizer que o
prazo tem de começar a contar a partir da venda BC. Só quando C adquire ao B supondo que
os requisitos estão preenchidos é que começa a contar o prazo de três anos, o que significa
que nesse período mesmo que os requisitos sejam preenchidos a situação do C é instável,
sujeita-se a que alguém com legitimidade para isso intente ação de nulidade ou de anulação
desta primeira venda, e se isso suceder dentro deste prazo o C nada pode opor mesmo
estando verificados estes requisitos. Estes 5 ou 6 requisitos são cumulativos, só estando todos
preenchidos é que se dá proteção ao terceiro.

Eventualmente a falta de verificação de alguns requisitos pode superar-se pela invocação de


usucapião.

Verificados todos estes requisitos produzem-se para o terceiro os mesmos exatos efeitos que
se produziriam como se o facto que ele registou fosse válido. O 291 é um sucedâneo do ato
inválido. Normalmente, o C teria adquirido por via da compra feita ao B é porque isto não
aconteceu assim no caso concreto que o C estando em condições de invocar o 291 será
protegido com dando-lhe o mesmo que iria adquirir caso a sua aquisição por via da compra e
venda fosse válida. Portanto, para C tudo e passa como se o negócio de aquisição fosse válido.
Em termos de direito real se o C iria adquirir a propriedade por via da compra e venda
celebrada com o B/ A ele vai adquirir essa mesma propriedade por via do 291, o que vai
implicar que o B perca a sua propriedade (este pode eventualmente exigir responsabilidade
por danos causados ao A).

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Na situação linear o C vai adquirir a propriedade que devia ter adquirido pela compra e venda
a partir de quem a tinha, na melhor das hipóteses o A, ou alguém para trás de si.

Em termos obrigacionais numa situação linear o C adquire, portanto quem era titular do
direito perde a favor do C, evidentemente, se C tinha comprado embora invalidamente este
tem de pagar ao B o preço correspondente, isto pelo enriquecimento sem causa, este não
pode adquirir mais por via do 291 do que iria adquirir por via do contrato de compra e venda
se este fosse válido. Ou então dizer que os efeitos obrigacionais se mantêm, mas o professor
acha preferível falar do enriquecimento sem causa.

Nas relações entre A e B mantém-se as regras normais sobre a invalidade, o C vai ter de
restituir ao A aquilo que obteve indevidamente dado que a compra e venda A e B não vale.
Normalmente, o B teria de restituir ao A o imóvel, mas como o imóvel pertence ao C o
remedio é dizer que o C tem de entregar ao A não o imóvel, mas o valor correspondente, o
que levará á aplicação das regras da compensação. O A devolve o preço, o B o valor do imóvel
que devia ter restituído e não pode.

Aula 6/10/20

Terminámos a matéria relativa ao registo e passamos para a titularidade de direitos reais.

Vamos dar primeiro a titularidade efetiva e depois a aparente. A ideia é de que há situações
em que o titular do direito/aquele que aparenta ser titular do direito tem efetivamente essa
titularidade, efetivamente, o direito que exerce ou que aparenta exercer, nesses casos
estamos perante o que se chama de titularidade efetiva. Depois temos as situações em que
alguém aparenta exercer um certo direito sobre uma coisa, mas realmente não o tem.
Chama--se a isso titularidade aparente e a titularidade aparentemente em reais dá o mesmo
que posse, posse é o nome que damos as situações em que alguém aparenta exercer um
direito real quando realmente essa aparência não corresponde á substância, e, portanto, a
pessoa efetivamente não tem o direito em causa.

Titularidade efetiva

Direito de propriedade (1305 e ss) - O direito de propriedade tem um conteúdo que não se
consegue definir apenas se consegue enunciar as características principais. A ideia central é de
que o proprietário tem todos os poderes sobre a coisa que não lhe tenham sido retirados. Não
se consegue identificar o que tem, apenas se consegue identificar o que não tem. Tudo o que
não tiver sido retirado pertence-lhe, tem todos os direitos que por lei ou por negócio jurídico
não lhe tenham sido retirados. Apesar de a lei tentar uma definição de direito de propriedade
em rigor não é uma definição, é uma aproximação (1305), o proprietário normalmente tem os
poderes de uso, fruição e disposição da forma mais plena que for concebível. Tem tudo aquilo
que corresponder a usar, fruir e dispor a menos que esses poderes ou parte destes tenham
sido retirados. Isto é uma aproximação, pode dar-se o caso de o proprietário ter mais do que
isto ou ter menos do que isto. A reserva de propriedade (409), quando alguém reserva a
propriedade até que a parte contrária cumpra certas obrigações, o exemplo típico, o
automóvel é vendido, mas a propriedade só se transfere quando o comprador pagar o preço, o
direito de propriedade está a ser usado como garantia, não é direito para usar, fruir dispor mas
sim assegurar o cumprimento de obrigações. Está a funcionar como se fosse penhor. Aí o
proprietário tem o poder correspondente que não é nem de uso, fruição nem disposição.

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Por outro lado, a propriedade é um modelo dos direitos reais, por um lado este é o mais amplo
que há em matéria de direitos reais, por outro lado é um modelo para todos os outros direitos
reais que só se conseguem compreender por contradição/ comparação. O usufruto em termos
de uso e fruição é muito parecido com a propriedade, mas, em geral, o usufrutuário não tem
poderes de disposição, mas só se consegue perceber isto por contraposição com a
propriedade.

Neste sentido, podemos dizer que o direito de propriedade é a matriz dos outros direitos reais
todos, todos os outros são fundados na propriedade de tal forma que o 62 da CRP diz que o
direito de propriedade tem tutela/ garantia constitucional, mas tem-se entendido que quando
se diz propriedade para efeitos deste artigo não se está a pensar exclusivamente no direito de
propriedade previsto no direito civil, mas sim em todos os direitos patrimoniais, mesmo
aqueles que não sejam reais. Ao mesmo tempo, todos os outros direitos reais que não a
propriedade são, regra geral, pode haver no limite situações que não sejam assim são direitos
sobre coisa alheia, todos os outros direitos reais incidem sobre uma coisa que pertence a outra
pessoa, assim chegamos á denominação que o direito de propriedade é o direito real máximo
ou se quiserem maior, os outros direitos reais são menores, porque por comparação com a
propriedade oferecem menos poderes ao respetivo titular. O usufruto, a hipoteca, a servidão,
o penhor são todos direitos reais menores. Ao mesmo tempo, todos os direitos reais menores
são em geral direitos sobre coisa alheia, incidem sobre um objeto que pertence a outra
pessoa, porque em geral para existir um direito real menor alguém é titular de um direito real
maior (direito de propriedade). Para existir hipoteca ou usufruto supõe-se que a coisa objeto
dessa hipoteca ou usufruto pertence em propriedade a outra pessoa.

Isto conduz-nos á questão das chamadas situações de sobreposição sobre uma certa coisa. Se,
a existência de um direito real menor supõe a existência de um direito real maior de
propriedade para outra pessoa isso significa que sempre que há um direito real menor há mais
do que um direito a incidir sobre a mesma coisa, e, portanto, isso significa que sempre que
exista um direito menor haverá uma situação de sobreposição no sentido de coincidência de
dois ou mais direitos sobre a mesma coisa. As situações de coincidência admitem três
espécies: Paralela, hierárquica ou prevalente.

A sobreposição é paralela quando os direitos coincidentes sejam da mesma qualidade.


Exemplo: Compropriedade ou usufruto simultâneo. Duas ou mais pessoas são em simultâneas
proprietárias da mesma coisa ou têm usufruto sobre a mesma coisa. Se os direitos
coincidentes são de igual qualidade nenhum pode prevalecer sobre o outro nem vice-versa,
portanto, a regra que orienta principalmente esta colisão é a do 335 n1, se os direitos são de
igual espécie ou qualidade cada qual deve ceder na medida do necessário para que o outro
possa ser também exercido e vice versa. É por isso, por exemplo que em matéria de
compropriedade todos os comproprietários podem usar a coisa desde que o seu uso não
prejudique os outros, e vice-versa (1406).

Ao contrário, quer na sobreposição hierárquica, quer na sobreposição prevalente os direitos


coincidentes são de espécies diferentes, portanto, esses direitos são qualitativamente
desiguais, o que significa que um prevalece sobre o outro (335 n2).

Na hierárquica um dos direitos em conflito prevalece necessariamente sobre o outro no


sentido em que enquanto um existir e dentro do âmbito correspondente ao seu conteúdo o
outro direito não pode ser exercido. O essencial é o conteúdo de cada um. Entre propriedade e
usufruto já se sabe que propriedade é o direito maior, mas em termos de âmbito do seu

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conteúdo, mas quando está a ser exercido propriedade e usufruto no âmbito do usufruto
permanece o usufruto. Se o A é proprietário de uma casa e o B tem o respetivo usufruto, no
que toca ao uso e fruição quem pode usar e fruir é o usufrutuário e não o proprietário, ou seja,
seja em que circunstancia for enquanto houver usufruto quem pode usar e frui é o
usufrutuário. Os poderes do proprietário de uso e fruição ficam suspensos (porque chocam
com os do usufrutuário), os que choquem ficam paralisados/ suspensos porque enquanto
houver usufruto quem exerce a fruição e uso é o usufrutuário. A sobreposição é hierárquica no
sentido de que o exercício de um excluiu o exercício o do outro, seja qual for a razão para
prevalecer.

Na sobreposição prevalente, estamos no pressuposto de que um direito no seu âmbito de


exercício prevalece sobre outro, mas prevalece, mas apenas na medida do necessário, o outro
não fica totalmente excluído, fica excluído enquanto e se for necessário para o exercício do
que prevalece. Exemplo: se sobre o mesmo imóvel incidem duas hipotecas, uma é
necessariamente a primeira e outra necessariamente a segunda. De um modo geral, a
prioridade é dada pela ordem do registo, em tese pode existir um número infinito de hipotecas
a lei não proíbe a formação sucessiva de hipotecas, é um problema do credor querer saber. a
primeira hipoteca foi constituída para garantir um crédito de 100 mil euros (tem de constar do
registo), a segunda hipoteca serve para garantir 50 mil euros. Se a coisa hipotecada tiver valor
superior a 150 (soma dos dois créditos) e for vendido judicialmente por esse valor ambos os
credores conseguem a satisfação do seu crédito, chega para ambos. Se ao contrato não se
consegue obter na venda judicial os 150, tira-se 130 o primeiro credor hipotecário vai buscar
os seus 100, o segundo o que sobra (30). O conflito é resolvido a favor do primeiro, aquele que
prevalece, mas isso não exclui necessariamente o segundo, na prática pode excluir, mas não
necessariamente.

A diferença entre hierárquica e prevalente é que na hierárquica o que prevalece exclui sempre,
mesmo que o usufrutuário não necessite de usar e fruir a totalidade do imóvel ainda sim exclui
o proprietário, na prevalente o exercício por parte de um só exclui o outro o necessário na
medida da satisfação do primeiro.

O direito de propriedade tem garantia constitucional e dizer que tem garantia constitucional
significa dizer que é um direito equivalente/ equiparado a direito liberdade e garantia,
equipara-se a estes. Isto significa que nos termos do artigo 17 da CRP fica submetido á mesma
garantia fornecida pelo artigo 18 aos DLGs. O artigo 18 é a maior tutela dada a estes direitos.
Proibição de retroatividade, proibição de restrições individuais e concretas, proibição de que
as restrições sejam feitas por outra via que não seja lei ou decreto de lei… A propriedade
mesmo no plano constitucional tem uma proteção como a dos outros direitos
constitucionalmente previstos e garantidos.

Objeto- Na origem o direito de propriedade é um direito que tem objeto coisas corpóreas, o
código civil não faz esta limitação, aceita uma classificação que distingue as coisas corpóreas
das incorpóreas (tangíveis e intangíveis), ou seja, este aceita que exista o direito de
propriedade sobre coisas incorpóreas só que logo a seguir ao 1303 estabelece que pelo menos
no que toca aos principais exemplos de coisas incorpórea (bens objeto de propriedade
industrial e intelectual) quanto a esses o CC remete para legislação especial, na pratica acaba
por ter muito pouca relevância dizer que o direito de propriedade tanto pode incidir sobre
coisas corpóreas como coisas incorpóreas, a vantagem que se tem a dizer que se admite tanto
coisas corpóreas como coisas incorpóreas estaria em dizer que as regras da propriedade de
coisas corpóreas se podia aplicar a propriedade de coisas incorpóreas. Exemplo: Podia-se obter

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por usucapião a propriedade sobre uma marca industrial, se levássemos á letra esta
equiparação. No entanto, é o próprio código civil que estabelece que pelo menos os códigos
tipicamente identificados como coisas incorpóreas são objeto de legislação especial
constituída até por códigos especiais. Acaba por não ter grande relevância dizer que se admite
a propriedade sobre coisas incorpóreas porque depois não se tiram as ilações
correspondentes. No código civil, as regras do direito de propriedade e, portanto, as regras de
todos os direitos reais menores são extensíveis só aos direitos de propriedade ou reais
menores sobre coisas corpóreas. As coisas incorpóreas embora possam ser objeto de
propriedade ou de usufruto têm regras especificas.

Isto conduz a um problema específico que acabamos por tratar aqui, embora seja também
matéria de direito das pessoas que é o que diz respeito á questão da propriedade sobre o
próprio corpo (humano). É relativamente comum falar-se em propriedade sobre o corpo,
naquele sentido de que cada um é dono do seu corpo, isso é tudo mais ou menos indiscutível e
um ponto sobre o qual existe suficiente unanimidade. Pode, em princípio usá-lo como
entender. A questão que se coloca é de saber se ser dono do corpo significa ser proprietário do
corpo no sentido do 1305. Parece-se que a questão não é de propriedade porque se dizemos
que somos donos do corpo no sentido de direito de propriedade do 1305 teremos de admitir
que as regras do direito de propriedade se aplicariam indistintamente, ou seja, sem exceções.
Ora, pelas consequências percebe-se logo que não pode ser assim. Qualquer pessoa por ser
proprietária de alguma coisa está só por isso sujeita á expropriação para utilidade publica, não
quer dizer que alguma vez seja expropriada, mas o simples facto de sermos proprietários de
uma casa pode conduzir a que sejamos expropriados se houver utilidade publica nisso. Claro
que expropriar para utilidade publica significa indemnizar o respetivo proprietário, requisitar
para utilidade publica o mesmo, mas a verdade é que o ser proprietário implica a exposição
eventual a uma expropriação ou requisição para utilidade publica.

Ora, se dizemos que somos proprietários do corpo teríamos de admitir que o nosso corpo
pudesse em alguma circunstância ser requisitado ou expropriado para utilidade publica.
Expropriar o corpo de uma pessoa idosa que estivesse em boas condições para salvar o jovem.
Se dizemos que somos donos no sentido de proprietário do corpo temos que admitir estas
circunstâncias o que não faz sentido, daí o professor sustentar que embora se possa falar de
domínio sobre o corpo esse domínio não e propriedade, é mais um direito de personalidade
que atribui ao cidadão um domínio sobre o corpo mas sem que esse domínio possa ser
qualificado como propriedade.

Contudo, há partes do corpo que podem ser separadas, células, sangue, alguns órgãos que
podem ser extraídos sem que a vida da pessoa em questão fique em perigo, ora, as partes do
corpo que tenham sido separadas do corpo para todos os efeitos são coisas corpóreas e
portanto essas sim são objeto de propriedade normal. Haverá algumas particularidades aqui e
aí, haverá situações em que esta propriedade terá limitações particulares. Não é vulgar que
quando se retira uma parte do fígado para evitar a propagação de uma doença essas partes do
corpo sejam preservadas, são antes abandonadas ou destruídas, mas enquanto isto não
acontecer podem ser objeto de propriedade, por não fazerem parte do corpo.

Uma coisa é admitir-se que as partes do corpo possam ser objeto de propriedade, outra coisa
é dizer que essas partes do corpo pertencem ao dono do corpo. O sague depois de extraído é
direito de propriedade de outra pessoa, foi objeto de dádiva. São objeto de propriedade, mas
não necessariamente da pessoa de cujo corpo foi feita à extração.

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Uma outra característica da propriedade que não resulta diretamente do 1305, mas se extrai
do 1307 é a chamada perpetuidade. O direito de propriedade é tendencialmente (em
princípio) perpetuo. Em princípio este não pode ser temporário. O que é que significa dizer
que é temporário? O temporário pode ter dois significados: só um deles é inteiramente
rigoroso. Primeiro, a propriedade pode ser objetivamente temporária, isso significa que está
sujeita a um prazo e que no termo desse prazo ela se extingue, deixa de existir juridicamente.
É isto que se quer dizer com propriedade temporária em vigor, de acordo com o 1307 a
propriedade temporária só excecionalmente é que é admitida e este caso é um caso
especialmente discutível porque o exemplo que existe para explicar a propriedade temporária
é em si mesmo um exemplo que nem todos aceitam porque depende de uma certa construção
que não é adotada por todos. Há uma situação em que se admite a chamada constituição do
direito de superfície perpetuamente ou temporariamente. Há um direito real menor previsto
no 1524 e seguintes chamado de direito de superfície. O direito de superfície é essencialmente
o direito de manter uma obra no solo pertencente a outra pessoa, há uma situação jurídica
entre a propriedade do solo e a propriedade das construções ou plantações nesse solo. O
direito de superfície pode ser constituído perpetuamente ou temporariamente, se as partes
nada estabelecerem é perpetuo, se disserem algo estabelecem por um determinado tempo
(algo comum). No termo do prazo o direito de superfície extingue-se, isto pode configurar uma
hipótese de propriedade temporária porque o superficiário tem dois direitos: o direito de
superfície sobre o solo alheio (que lhe permite manter a construção ou plantação própria), o
outro direito do superficiário é o de propriedade sobre essa construção ou plantação. Se o
direito de superfície for temporário (50 anos) o direito de propriedade também é temporário,
no termo do prazo para alem do direito de superfície extingue-se o direito de propriedade
sobre a construção, nesse sentido a propriedade é temporária. Esta hipótese é mais linear.

A segunda hipótese é a que se chama de propriedade subjetivamente temporária. A


propriedade é subjetivamente temporária quando por morte do proprietário não haja um
continuador. A propriedade permanece na mão de um continuador. Dizer que a propriedade é
perpetua à letra é uma contradição porque os proprietários são pessoas, morrem e se forem
pessoas coletivas mais cedo ou mais tarde acabarão por se extinguir e, portanto, por morte ou
extinção de proprietário a propriedade fique sem titular acontece sempre. Mas, do ponto de
vista jurídico entende-se que no caso do ser humano os herdeiros da pessoa falecida são seus
continuadores, juridicamente o filho que for herdeiro continua o pai e a mãe, não há um corte
de cada vez que o herdeiro sucede, ele é apenas o continuador, por isto é que se pode
sustentar que o direito de propriedade, regra geral, é perpétuo não porque o seu titular vá
viver para sempre mas porque através do fenómeno da sucessão mortis causa umas pessoas
vão continuando outras e assim sucessivamente. Portanto, em geral não se põe a questão de
saber se a propriedade é temporária ou não nestas circunstâncias porque havendo
continuador a propriedade permanece em alguém que do ponto de vista jurídico se limitou a
continuar a pessoa de quem recebeu. Há, no entanto, situações em que a lei admite um corte,
ou seja, a lei admite que um proprietário não tenha continuador, nesse caso a propriedade é
temporária no sentido que não tem continuação. A ideia esta contida na chamada substituição
fideicomissária (2286 e seguintes). Na substituição fideicomissária o autor do testamento
designa uma certa pessoa como seu herdeiro, mas estabelece também que quando B falecer o
bem que foi atribuído ao B passa para C. O A designa logo dois herdeiros em sucessão, o
primeiro chama-se fiduciário, o segundo chama-se fideicomissário. A ideia central é de que o C
herdou do A e não do B o que tem as suas implicações, por exemplo, a capacidade sucessória
do C é aferida em relação ao A, como o C sucede ao A e não ao B é em relação ao A que se

18
deve ver a sua capacidade para suceder. Se o C sucede ao autor do testamento isso significa
que o B (fiduciário) não tem continuador, normalmente, por morte do B, o bem que pertencia
ao B seguiria para os seus herdeiros, assim segue para outra pessoa designada pelo autor do
testamento. Neste sentido a propriedade do B é subjetivamente temporária na medida em
que não tem continuador, o C continua o A e não o B.

O problema surge se o fiduciário é proprietário porque se não for proprietário não serve. De
um modo geral o fiduciário só tem poderes de uso e fruição (posição muito parecida á de um
usufrutuário). Só que, ainda que excecionalmente o fiduciário tem poder de disposição, em
caso de necessidade para preservação do património ou em caso de necessidade do próprio
fiduciário ele pode promover a venda do bem entregue a título fiduciário. Ainda que isto possa
ser feito apenas excecionalmente, a verdade é que pode, e o usufrutuário nunca pode alienar
os bens que lhe foram dados em usufruto. O fiduciário tem de ser tido como proprietário,
proprietário com poderes mais limitados que o proprietário vulgar, mas é proprietário e sendo
proprietário é subjetivamente temporário porque não tem continuação.

Defesa da propriedade- especialmente concebido para a propriedade, mas também se aplica à


defesa de outros direitos reais de gozo por força do 1315. Distinguimos logo as ações em ações
possessórias e petitórias. As ações possessórias são ações em que apenas está em discussão a
posse, saber quem tem a posse ou no máximo entre os dois litigantes quem tem melhor posse
sabendo que ambos têm. Dizer-se que em litígio está apenas a posse significa dizer que a prova
que está a ser apreciada diz apenas questão a saber quem esta em posse ou quem tem a
melhor posse, não a titularidade do direito correspondente á posse. Não se discute saber
quem é proprietário, mas sim saber quem tem posse, ou entre os dois quem tem a melhor
posse. Em rigor as ações possessórias estão aqui fora de contexto, isto não é local para falar
disso, mas as ações possessórias embora idealizadas para defesa da posse acarretam a defesa
do direito correspondente. A posse corresponde sempre ao exercício de um certo direito
aquele que tem posse tem posse porque atua como se tivesse um certo direito. 1251- A posse
está sempre referida a um direito real e, portanto, dizer que uma ação tutela a posse nem que
seja indiretamente é dizer que essa ação ainda que indiretamente protege o direito
correspondente. Se alguém tem posse de proprietário defender-se por ação possessória não
significa apenas dizer que se protege a posse, mas também a propriedade. Um direito está
necessariamente ligado ao outro.

As ações petitórias são aquelas que se destinam especificamente á defesa da propriedade e de


alguns direitos pessoais de gozo e são aquelas ações em que o que está em litígio não é só a
posse é sobretudo a titularidade do direito correspondente. O que está em litígio é saber,
entre os dois litigantes, quem é o proprietário. Se alguém é proprietário de uma casa e alguém
sem consentimento do proprietário ocupa a casa, juridicamente aquele que ocupou tem a
posse, é uma posse ilícita que não tem justificação, mas quando falamos de posse falamos só
da situação factual. Quem não tem a posse é o proprietário por isso é que ele intenta uma
ação para reaver a posse. Nesta situação o que se discute não é a posse, mas sim quem é
proprietário. O proprietário é quem alega ser ou aquele que ocupou? O que está em discussão
é saber quem é o titular do direito e saber isso implica que aquele que alega isso tenha de
provar que o é. Nas ações petitórias é isto que está em discussão.

O principal modelo das ações petitórias que é também o principal modelo das ações de
condenação é a ação de reivindicação (1311 para o proprietário), 1315 para os demais titulares
de direitos reais de gozo). Reivindicar permite que o autor/alegado proprietário peça que a
propriedade do reivindica seja reconhecida para na sequência pedir ao tribunal que seja feita a

19
entrega da coisa que está em poder de outra pessoa. O que se pede é que o tribunal apreenda
a coisa e a entregue ao titular da propriedade. A legitimidade ativa quem pode intentar a ação
é o proprietário que o consiga provar ou o titular de outro direito real de gozo que o consiga
provar. A legitimidade passiva tem qualquer pessoa que indevidamente tenha a coisa a seu
poder, não importa a título de posse ou de detenção, não importa se está de boa sou de má fé.
Isso poderá ter relevância para outros efeitos, mas para este não. Não há prazo para intentar a
ação porque a propriedade é um direito tendencialmente perpetuo. Indiretamente pode
acabar por existir um prazo dado que eventualmente o réu pode estar em condições de
invocar usucapião e se este invoca usucapião isso implica extinção da propriedade do
reivindicante. Se extingue a propriedade do autor não há litigância possível, já não está em
discussão a propriedade porque mesmo que a tivesse extingue-se.

Temos depois a ação negatória, esta não está diretamente prevista na lei nem no CC nem no
CPC, mas é unanimemente aceite e há quem a estenda para lá do âmbito dos direitos reais. A
ação negatória supõe que o autor mantenha a posse da coisa objeto do seu direito, não haja
desapossamento, mas pressupõe-se também que outra pessoa (terceiro) pratique atos que
ponham em perigo ou que pelo menos perturbem o normal exercício da propriedade.
Exemplo: A é proprietário de uma casa com jardim e o B, vizinho, alega ter um direito de
passar sobre esse caminho porque alega ter uma servidão de passagem e começa a passar. A
ação negatória intenta-se para recusar aquele que alega ter o direito de passar esse direito. O
proprietário é proprietário pleno, não sofre a limitação e ao declarar que a outra pessoa não
tem o direito que alega ter essa é condenada a no futuro não continuar com a atuação que
causa perturbação ao proprietário. Também é ação de condenação a diferença está no início
enquanto na de reivindicação começa por ser de simples apreciação positiva, tem em vista
reconhecer a existência do direito e na sequencia condenar, a negatória começa por ser de
simples apreciação negativa, tem em vista afirmar que o direito que o reu tem não existe para
na sequencia o condenar a parar de praticar os atos que o perturbam. Não há prazo porque a
propriedade é tendencialmente perpetua, sem prejuízo da usucapião. Legitimidade ativa o
proprietário ou o titular do direito real de gozo. Legitimidade passiva aquele que causa os atos
que perturbem o exercício do direito.

Ação de demarcação- é exclusiva do proprietário. Direitos reais de gozo não podem ser
autores. O que está em causa é a linha divisória entre dois prédios, pressupõem-se, portanto,
que os proprietários confinantes não sabem com certeza onde se situa a linha divisória entre
os dois prédios, cada um alega a sua coisa. A ação tem por finalidade estabelecer uma linha
divisória.

Se o que está em causa for não saber onde está a linha divisória porque há divergências
quanto a parcelas do terreno o problema aí já não é saber onde é que está a linha divisória
mas sim quem é que adquiriu a linha divisória. Aí deixamos de star numa ação de demarcação,
mas sim de reivindicação.

O que a ação de demarcação tem em particular é que nela não se consegue separar o autor do
réu, todas as partes são autoras e todas são réus porque a decisão do tribunal não pode ser
jamais a de atender ou desatender ao pedido. Aqui não há a questão de proceder ou não
proceder, o tribunal tem que tomar uma decisão e fixar a linha decisória onde calhar, em
última análise se a prova apresentada não for suficiente (deixar dúvida) o tribunal deve dividir
a parcela de terreno em litígio em partes iguais (1353 e seguintes). Todos estão obrigados a
fornecer os meios de prova para haver uma resposta o mais correta possível. Esta está dentro

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do que se chamam de ações de arbitramento porque o tribunal não aprecia a viabilidade dos
pedidos, mas sim de intervir para fixar no fim uma solução qualquer que ela seja.

Aula 13/10/20

Contitularidade

O regime da compropriedade embora escrito para a compropriedade, ou seja, na propriedade


plural é extensível a outros fenómenos de contitularidade. Por exemplo, o chamado usufruto
simultâneo é um caso de contitularidade embora não seja de compropriedade, mas sim
usufruto. Em geral, todos os direitos reais admitem contitularidade, ou seja, que o direito
possa ser exercido por duas ou mais pessoas ao mesmo tempo.

Há algumas distinções iniciais que têm de ser feitas para se chegar a contitularidade e
compropriedade.

Primeiro distingue-se antes de mais a chamada comunhão de mão comum (germânica) e


comunhão por quotas (ou romana).

A diferença está essencialmente na comunhão romana cada contitular tem um direito de


participação no bem comum (objeto que seja comum) com uma medida/ quantidade que lhe
está associada, ou seja, cada qual tem uma quota sobre a coisa comum. Em princípio, as
quotas são iguais, mas não têm de ser. Se têm dois comproprietários em princípio cada um
terá 50%, tem três cada qual terá 1/3, mas isto depende da forma como se constituiu a tal
situação.

Na comunhão de mão comum esta separação por quotas não existe, não há medidas de
participação, cada qual não tem uma medida de participação. A comunhão por quotas existe
por casualidade, ou seja, constitui-se uma situação de compropriedade porque calhou, duas
pessoas compraram um terreno, duas pessoas herdaram uma casa, acontece que estão em
comunhão.

Na comunhão de nome comum a razão de ser da comunhão radica de uma razão mais
importante. Nem todos aceitam esta classificação. O exemplo característico é a situação em
que ficam os bens comuns do casal, havendo casamento a razão para haver comunhão dos
bens não é casual, as pessoas estão em comunhão de bens porque estão em comunhão de
vida, enquanto o casamento se mantiver cada cônjuge não tem medidas de participação, a
chamada meação vale para os casos de dissolução quando ela ocorrer, enquanto ela não
ocorre para todos os efeitos o bens são comuns uma vez que cada qual participa neles
conforma as necessidades, não há divisões como é evidente.

Se duas pessoas são comproprietárias de um automóvel vão ter de arranjar uma maneira de o
usar, ao passo que, os bens comuns do caso, mesmo supondo que é um automóvel, não há
qualquer regra que imponha uma disciplina de utilização, estes utilizam-se conforme as
necessidades, pode haver disciplinas, mas não estão implícitas na comunhão. A comunhão
normalmente prevista no código civil é a comunhão por quotas, não a de mão comum, a de
mão comum existe em situações muito particulares, como, no exemplo típico, os bens comuns
do casal, mas, mesmo assim, nem todos aceitam esta classificação.

Distingue-se dentro das situações de comunhão por quotas, as situações pro indiviso das
situações pro diviso. Em geral a comunhão prevista no nosso código civil é pro indiviso. Isto
quer dizer que o bem objeto da comunhão mesmo havendo diversos contitulares é objeto do

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direito de cada qual na sua totalidade, ou seja, cada comproprietário não tem um direito sobre
partes especificas (“especificadas”) da coisa comum. Se duas pessoas são comproprietárias do
automóvel, obviamente que uma não é comproprietária do lado esquerdo e o outro do lado
direito, ambas são proprietárias do todo, o mesmo para um terreno, ainda que tenham quotas
diferentes o direito de cada qual incide sobre a totalidade. As partes individuais/ especificadas
continuam a ser de todos enquanto a divisão não for feita, enquanto não se der a extinção da
compropriedade.

É muito vulgar aparecerem situações em que se adquire um terreno por herança e um ficou
com o lado esquerdo e o outro com o lado direito, se isto foi só assim ainda que haja uma
divisão material continua a estar-se em compropriedade.

Há alguns anos apareceram muitas situações em que alguém tinha uma quantidade enorme de
terrenos, dividiu marcando em pequenos lotes e “vendeu-os a quem estivesse interessado na
aquisição”. Cada um construía nesses lotes/ parcelas que tinham adquirido. Se não foi feita a
divisão nos termos em que a lei exige, para termos civis a divisão tem de ser feita ou por
escritura publica ou por documento autenticado quando se trata de imoveis (1412 e ss). Tem
de ser observada a forma exigida para alienação onerosa. Tratando-se de imoveis,
designadamente solo, a divisão por escritura publica ou por documento autenticado tem de
ser precedida de autorização camararia para que aquela divisão se faça, esse parcelamento
para ser autorizado pressupõe um processo de loteamento, há uma quantidade de passos a
realizar antes da divisão que naquelas situações que não foram cumpridas. Estas divisões
informais mesmo que sejam respeitadas não são divisões e, para todos os efeitos, continuam
em compropriedade ainda que não tenham noção disso. Houve muitas situações em que áreas
de terrenos mais ou menos extensas foram divididas em 5 mil lotes e foram 5 mil compradores
que não tinham a noção de que se estavam a tornar em comproprietários, não houve uma
divisão formal, ainda que a respeitem estão em compropriedade, por isso é que houve
necessidade de dar uma solução a essas situações.

O ponto é de que a comunhão normalmente prevista no código civil é pro indiviso, ou seja,
enquanto houver comunhão o direito de cada comproprietário incide sobre a totalidade da
coisa, continua a ter por objeto a totalidade ainda que eventualmente haja acordos/ pactos
que têm em vista dividir a utilização, mas só a utilização. Para todos os efeitos, mesmo que
haja uma divisão material de um terreno por exemplo, essa não passa disso, em termos
formais ainda se está numa situação de compropriedade. Mesmo os casos que se podem
apontar excecionalmente de comunhão pro diviso (comunhão de partes de uma coisa comum)
são exemplos discutíveis, o melhor que se pode apontar é o da compropriedade sobre paredes
e muros que dividam parcelas, mas em que o muro seja comum. Temos duas parcelas de
terreno, e há muro a dividir, em princípio o muro pertence a um deles estará no seu solo, mas
admite-se que seja de meação, ou seja, admite-se que o muro esteja metade no solo de um e
metade no solo do outro. Cada qual pode usar o muro até metade e por isso pode-se dizer que
é pro diviso na medida em que incide sobre partes de uma coisa que é comum. Para usar o
muro para instalar uma canalização por exemplo, pode, mas até meio. São exemplos no limite
que se consegue arranjar.

A regra é de que cada comproprietário tem um direito sobre a totalidade da coisa, ou seja, de
que é pro indiviso. Fazendo-se a divisão nos termos do 1412 e 1413 deixa de haver
compropriedade, haverá tantos objetos como forem as partes proprietárias da coisa
inicialmente comum.

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Em tese para explicar a compropriedade temos duas hipóteses pode ver-se como um direito
com vários titulares ou uma situação em que há tantos direitos como forem os titulares. A
primeira hipótese afasta-se logo a partir do instante em que se diga que a comunhão prevista
entre nós em geral é a comunhão por quotas. A comunhão por quotas supõe que cada
contitular tem um direito próprio, individual sobre a coisa comum. Na comunhão de mão
comum podem pensar-se num direito para vários, ninguém tem participações em especial, na
divisão por quotas, por definição, se estamos a dizer por quotas já se supõe que cada qual tem
uma medida de participação, isso é incompatível com a ideia de existir um direito para todos,
cada qual tem o seu direito.

Sendo assim, cada qual tem um direito, mas um direito sobre o quê? Em tese pode dizer-se
que cada qual tem um direito sobre a coisa comum ou sobre a sua quota (a sua participação),a
entender-se assim, ou seja que o direito que cada qual tem incide sobre a quota que lhe
pertence arranja mais problemas do que resolve, porque uma quota não é uma coisa, se
estamos a partir do principio de que o direito incide sobre uma coisa, depois como resolvíamos
a questão do dono da coisa? Portanto casa comproprietário não é dono da coisa e a coisa não
tem titular, isto não faz sentido é uma consequência absurda.

A única opção é dizer que cada comproprietário tem um direito e cada direito incide sobre a
coisa, portanto, a comunhão em geral (compropriedade em particular) supõe tantos direitos
sobre a coisa comum quantos forem os comproprietários e também, assim sendo há uma
situação de colisão de direitos, cada direito de cada contitular limita dos direitos de cada
titular e vice versa, pode definir-se a situação como sendo sobreposição paralela. Na
compropriedade, contitularidade em geral há dois ou mais direitos de igual espécie que
incidem sobre a coisa ao mesmo limitando-se a cada um, sobrepõem-se todos sobre a mesma
coisa como são todos de igual qualidade essa sobreposição é paralela porque todos são da
mesma espécie.

Em termos de funcionamento: o direito de cada contitular é de igual qualidade ao dos outros


contitulares e, portanto, todos se limitam reciprocamente, o que significa que em principio
todos devem atuar em conjunto, cada vez que se atua em relação à coisa comum a regra é a
da unanimidade dado que todos devem atuar em conjunto dado que todos têm direitos de
igual qualidade. Se intentam uma ação devem intentar todos, todos devem surgir como autor.
Se é intentada uma ação contra a compropriedade todos devem ser réus, quem paga o
imposto são todos… a logica é de que todos devem atuar seja em que sentido for. Esta regra
tem exceções, há situações em que não é necessária a unanimidade (em que não é exigido que
todos atuem unanimemente porque basta outra maneira qualquer, fundamentalmente as
situações em que é necessária uma maioria e situações em que se admite a atuação individual
não obstante de a pessoa estar em compropriedade.

Os casos em que se exige maioria são essencialmente os casos ligados á administração da coisa
(1407), recordam-se que em geral dentro dos atos ordinários se distingue a atuação ordinária
da atuação extraordinária, a administração ordinária liga-se aos atos relativos á manutenção
da coisa e os atos relativos á sua frutificação (obtenção de rendimento). A administração
extraordinária é aquela que excede a conservação ou frutificação, mas sem constituir ato de
disposição.

O 1407 refere-se só a atos de administração ordinária ou extraordinária mas há um argumento


que não vale integralmente mas tem o seu peso que é o de que o 1407 só abrange atos de
administração ordinária, este permite que quando se trate de administrar (reparações

23
supondo que são necessárias, se se faz um levantamento de um muro para salvaguardar das
terras) apenas se exige a maioria, ou seja, apenas se exige a maioria com esta prevenção. É
preciso que haja maioria de pessoas, mas também que essa maioria de pessoas represente
pelo menos metade do valor das quotas, se tiverem 4 comproprietários e cada qual tiver ¼ se
não houver maioria de pessoas não há maioria de quotas, mas havendo maioria de pessoas é
necessário que estas representem maioria de quotas (3 a favor no caso).

Isto implica que aquele que se opôs tenha que suportar despesa mesmo que se tenha oposto,
essa sua oposição vale nada porque a lei admite que a deliberação possa ser tomada pela
maioria por isso se houver despesa tem de participar.

O argumento está em que mesmo havendo oposição a lei só impõe ter de participar na
despesa tratando-se de despesas de conservação ou de frutificação (1411), sempre que o ato
de administração implique despesas a lei impõe obrigatoriedade de participar nas despesas
mesmo àqueles que não aprovem a despesa desde que seja ato de conservação pu
frutificação.

Se porventura entendêssemos que no 1407 também caberiam os atos de administração


extraordinária isso não teria eficácia pratica porque quando houvesse uma despesa associada
a lei não iria impor aquele que se opusesse obrigação de participar na despesa. Se
entendêssemos que no 1407 cabe-se por exemplo os comproprietários queriam deixar de
plantar uva, mas plantar laranja já está afastada a utilização normal, se disséssemos que
bastava que três aprovassem nada adiantava porque em termos de participação da despesa o
que se opusesse não teria de participar, portanto, não teria utilidade pratica.

Parece por isso sensato dizer que no 1407 cabem apenas os atos de administração ordinária.
Para o ato de administração extraordinária é necessário que todos estejam de acordo para que
seja praticado, é preciso unanimidade.

Depois temos os atos que podem ser praticados individualmente por cada contitular mesmo
sem necessidade de aprovação por parte dos demais, seja de todos seja da maioria. O 1406
tem os casos de utilização, a utilização da coisa comum pode ser feita individualmente por
cada qual desde que isso não prejudique a utilização que os outros façam. Claro que para
facilitar admite-se que façam o que se chama uma convenção de uso, e estabelece-se um
acordo através do qual se fixam as regras que o uso há de observar. Depende muito das
situações, em matéria de compropriedade de águas é vulgar que a divisão se faça por dias ou
até por horas. Isso evita conflitos. A compropriedade permanece, isto não é divisão da coisa,
comum esta continua a ser comum, há é uma forma de chegar á sua utilização de forma
convencionada de modo a evitar conflito.

Para efeitos de uso não interessa, portanto, a quota que cada qual tenha, se tem quatro
comproprietários e cada qual 25% teoricamente devíamos repartir o uso também assim, cada
qual pode usar em 25%. O próximo 1406 diz que nada impede que aquele que tem 25% utilize
na totalidade, se isso não for impedimento para os demais, se os outros não se opuserem a
isso a utilização pode fazer-se assim. Nada impede que o apartamento pertença a três pessoas
em compropriedade, mas só um o esteja a utilizar.

Contudo, (1406/2) lido assim não tem significado. O que se quer dizer é que o facto de um
estar a utilizar em medida superior à sua participação não tem implicações, é só a constatação
de um facto, não tem implicações em matéria de usucapião. Aquele que utiliza a propriedade
exclusivamente há 20 anos não pode invocar a usucapião para se tornar proprietário exclusivo.

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Se não houver inversão do título pelo meio para já são apenas comproprietários, não obstante
de um estar a afazer utilização exclusiva há bastante tempo.

Cada comproprietário pode alienar ou onerar individualmente o seu direito na medida da sua
quota. Partimos do princípio de que cada comproprietário tem um direito sobre a coisa, cada
qual tem um direito sobre o seu. Cada qual tem o seu direito de propriedade e se esse direito
de propriedade dá uma medida de participação em função da quota que lhe for atribuída
evidentemente que é proprietário exclusivo daquela medida pode alienar onerar. Só pode
alienar ou onerar na medida da sua percentagem. Vender significa que vende um direito sobre
a totalidade da coisa, mas que concede a quem comprar 25% de participação nessa coisa. ~

Vamos supor que os quatro comproprietários são comproprietários de um terreno onde está
plantado vinho e um deles vende a sua parte, isso não significa que ele venda uma parte do
terreno, ele vende o seu direito sobre a totalidade da vinha que permite a quem comprar
participar nos proveitos e encargos a 25%.

Cada contitular/comproprietário não pode alienar nem onerar parte especificada da coisa
comum (1408), a ideia é de que cada qual pode alienar ou onerar o seu direito na medida da
sua quota cada qual não pode alienar nem onerar um parte especificada da coisa comum
porque enquanto houver comunhão cada um não tem direitos sobre parte especifica mas
sobre a totalidade, para este efeito utilizam-se estes dois conceitos: quota ideal e parte
especificada.

A quota ideal é a medida de participação que cada qual tem, a parte especificada é a parte da
coisa comum que está concretizada, enquanto houver compropriedade ninguém pode
concretizar, porque cada parte concretizada a coisa comum é coisa comum e continua a
pertencer a todos enquanto houver compropriedade. Dizer-se que não se pode alinear ou
onerar uma parte especificada é uma redundância, se não houve divisão uma parte
especificada da coisa comum pertence a todos tal qual a coisa comum, mesmo que os quatro
tenham parcelado o terreno dividiram a utilização não dividiram para efeitos do 1412 e 1413,
continuam a ser comproprietário, isso significa que embora respeitem a divisão que fizeram
cada parcela continua a pertencer a todos.

Se eventualmente suceder um ato de alienação ou de oneração sobre uma parte especificada


o n2 do 1408 manda equiparar essa alienação ou oneração a alineação de coisa alheia, ou seja,
em princípio nula.

Se na hipótese de há pouco os 4 dividiram o uso, se porventura um deles vende a parte que


está a utilizar está a vender algo que é dele, mas vende também algo que não é dele. Portanto,
á letra não é venda de bem alheio, mas dá para equiparar. Para esse efeito os todos
consentem ou considera-se oneração ou alineação de bem alheio.

Cada contitular tem também o direito de pôr termo à comunhão quando entender, o direito
de pôr fim à comunhão é um direito potestativo. Os demais contitulares sujeitam-se à divisão/
extinção por divisão dado que o direito de pôr termo à compropriedade por divisão é
concedido por lei sem necessidade de consentimento dos contitulares. A lei admite (1412) que
estabeleçam clausulas de indivisão (que durante X tempo a divisão não possa ser imposta).
Contudo, essa clausula de divisão, apesar de renováveis só podem durar 5 anos e só vinculam
aqueles que convencionaram. Se alguém alienou a terceiro este como não convencionou/ não
participou no acordo não é atingido por essa clausula. A clausula de indivisão força os
particulares a permanecerem na indivisão, mas durante X tempo. Não havendo esta ou tendo

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esta caducado pode o comproprietário por termo à compropriedade quando entender. Não
importa a sua medida de participação.

Dividir significa extinguir a compropriedade. Deixa de existir uma situação de compropriedade,


deixam de existir comproprietários. Se isso significa dividir/ parcelar o objeto em tantas partes
como proprietários pressupõe saber antes de mais nada se a coisa é divisível.

A divisão pode ser material ou jurídica, é material quando a coisa comum seja suscetível de
partição/ parcelamento. Há coisas indivisíveis e se as coisas são indivisíveis esta divisão não se
pode fazer, mesmo tratando-se de coisas divisíveis porque não estão na situação do 209
podem ser indiviseis porque a lei o declara, em muitas situações a lei não admite que a divisão
do solo seja feita. Para evitar a divisão ao limite dos limites há situações em que a lei não
admite divisão de imoveis e aí a divisão material não poderá ser feita.

Nesses casos resta a divisão jurídica. Ou a coisa comum é adjudicada a um dos antigos
comproprietários ficando este com a obrigação de entregar aso outros o montante
correspondente ao respetivo valor, o que pressupõe a avaliação da coisa ou então procede-se
á venda a terceiro dividindo-se entre os comproprietários o produto da venda.

De uma forma ou de outa (divisão material ou jurídica) pode ser feita amigavelmente,
extrajudicialmente ou judicialmente. Judicialmente supõe que alguém intente uma ação de
divisão de coisa comum para que o tribunal decida conforme lhe parecer mais adequado,
extrajudicial, faz-se por acordo, ou seja, através de um contrato que deve observar a forma de
alienação onerosa, ou seja, por documento autenticado. A divisão material tem efeito
retroativo, aplicam-se as mesmas regras da partilha da herança e, portanto, de acordo com as
regras do 2119 feita a divisão material tudo se passa como se nunca tivesse existido
compropriedade, cada comproprietário passa a ser tido como proprietário único, exclusivo da
parte que lhe couber na divisão material desde a data do inicio da compropriedade. Supondo
que a divisão material é possível, um terreno comprado nos anos 90 e divido por 3 cada qual é
tido como proprietário exclusivo da parcela em que ficou na divisão desde os anos 90.

Este regime conta dos artigos 1403 a 1413 e está escrito para a compropriedade, mas de
acordo com o 1404 este é extensível a todos os casos de contitularidade, pelo menos é
extensível a todos os casos de contitularidade em direitos reais, sempre que a contitularidade
exista em direitos reais estamos perante comunhão e, portanto, as regras da compropriedade
aplicam-se.

Cada comproprietário/ contitular pode alienar ou onerar livremente o seu direito na medida
da sua quota, ou seja, não precisa de consentimento dos demais para efetuar a alienação.
Agora, de acordo com o 1409 no caso de venda ou dação em cumprimento os outros
contitulares têm direito de preferência, o que significa que quando um contitular queira
alienar o seu direito por venda ou dação em cumprimento tem de fazer comunicação aos
outros para saber se os outros estão interessados (416) desde que essa alienação através de
venda ou dação em cumprimento esteja a ser efetuada a terceiros (não contitulares) a venda
ou dação que esteja a ser feita a outro contitular havendo mais contitulares não tem
preferência. A logica da atribuição do direito de preferência é de eliminar a compropriedade,
impedir a entrada de estranhos para reduzir o número de comproprietários. A ideia é de se
possível tentar acabar com a compropriedade, se a alienação já se dá entre comproprietários
não faz sentido o propósito inicial entre comproprietários.

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Teórica 20/10/20

Tínhamos ficado na compropriedade agora vamos chamar-lhe outra propriedade especial que
é a propriedade horizontal (1414 e ss).

A propriedade horizontal supõe sempre ou a existência de um edifício ou a existência de um


conjunto de edifícios desde que esse conjunto esteja unificado pela existência de partes
afetadas ao serviço de todo o edifício (1414 e 1438 A).

O código está escrito a pensar na propriedade horizontal sobre um único edifício (1414), só
que, entretanto, surgiram situações em que se tem diversos edifícios unidos por parcelas que
são comuns a todos (por exemplo, para todos efeitos as amoreiras são assim, cada edifício é
autónomo, mas depois têm, por exemplo, garagens que são comuns a todos, ou os chamados
condomínios fechados em que em rigor são edifícios isolados e independentes, mas há
parcelas que são comuns a todos).

Foi necessário aditar ao código o 1438-A porque os direitos reais só podem constituir-se nos
casos previstos na lei, ou seja, não podem haver direitos com carater real que não estejam
previstos (1306 n1) e, portanto, se não fosse aquele artigo só tínhamos previsão para hipótese
de propriedade horizontal sobre um único edifício, para outras situações que não coubessem
nessa hipótese teríamos de juntar as regras da propriedade singular com as regras da
compropriedade, que no fundo é o que a propriedade horizontal faz, a finalidade é juntar
regras da propriedade singular com a da compropriedade mas claro que esta junção se faz com
particularidades.

Exemplo: se vamos aplicar as regras da compropriedade de forma simples cada


comproprietário tem o mesmo poder para administrar a coisa que os outros todos (1407 para
985). Num edifício onde haja 20 condóminos se cada um pode administrar por si
independentemente dos demais vai dar confusão. Se cada um pode decidir mudar as lâmpadas
todas do edifício e mudá-las por leds como é que fica a posição dos outros? Juntando
propriedade com compropriedade para dar origem á propriedade horizontal pelo menos
chega-se á conclusão de que no que toca á administração não são todos, há um órgão
nomeado para o efeito, ainda que a administração caiba a algum condómino enquanto ele for
administrador é ele que toma os atos de administração por si a menos que ultrapasse esses
poderes.

No fundo, a propriedade horizontal junta a propriedade singular e compropriedade, mas faz


uma síntese, não é só duas partes somadas é uma transformação que resulta da junção.

A propriedade horizontal supõe em termos materiais partes do edifício que são objeto de
propriedade singular e partes que são comuns, ou seja, são objeto de compropriedade,
justamente a linguagem é “fração autónoma” para as que são de propriedade singular e
“partes comuns” para aquelas que são propriedade de todos.

A propriedade horizontal supõe em termos materiais a existência de frações autónomas e


partes comuns. Tudo o que não estiver individualizado como fração autónoma é tido como
parte comum. Não basta, para constituir propriedade horizontal, que ele respeite os requisitos
materiais para o efeito é preciso que se verifique algum modo de constituição. Não é só
porque um edifício tem os requisitos materiais para estar em propriedade horizontal que está,
é verdade que o elementar é que existam requisitos materiais (1715), na essência os requisitos

27
materiais significam que cada parte do edifício que se pretende constituir como fração
autónoma seja exatamente isto, seja autónoma, constitua uma unidade separada das outras
fisicamente e que seja suscetível de utilização independente. Para edifícios mais ou menos
modernos é obvio, em construções mais antigas pode não suceder, há frações que se querem
constituir como frações em que, por exemplo, as escadas que dão acesso á rua só dão acesso a
uma das frações que se pretende que seja fração, para chegar à outra é preciso passar por
dentro. A ideia central é que sejam suscetíveis de uma utilização independente em relação às
outras frações autónomas.

O simples facto de que a saída da porta dá para escadas comum dá para que esteja respeitada
a autonomia. Às vezes isto levanta dificuldades. Não há escadas, só um elevador e esse
elevador só serve uma fração pode colocar-se a dúvida de se há fração.

O mais importante é que os requisitos materiais têm de estar presentes (são pressuposto)
depois o essencial é que o edifício seja colocado em regime de propriedade horizontal, daí
(1417 e 1418) é necessário que suceda algum facto jurídicos que coloca o edifício nesse
regime. É necessário o título constitutivo que pode consistir:

1ª hipótese: Mais comum: o proprietário ou comproprietários do edifício declaram em


escritura publica ou documento autenticado que pretendem colocar o edifício em propriedade
horizontal. Estamos perante um ato jurídico unilateral.

Enquanto este ato não for feito juridicamente não há frações, só o edifício e, por isso, não
podem ser celebrados negócios de disposição ou de oneração sob frações que ainda não
existem, enquanto este negócio unilateral não estiver concluído, não se pode vender a fração
porque esta não existe. A lei admite que se façam registo provisórios por natureza (92 CRP) da
constituição da propriedade horizontal ou de aquisição de frações). Como já se projeta que o
edifício terá 10 frações pode-se já fazer o registo provisório de aquisição, mas até que o
negócio unilateral seja celebrado ou o edifício seja posto nesse regime atos de oneração ou de
disposição não são válidos, têm objeto impossível. De imediatos são nulos a não ser que sejam
feitos sobre bens futuros.

2ª hipótese: pressupondo que o edifício pertence a duas ou mais pessoas (situações de


compropriedade) podem os comproprietários por termo á compropriedade (1412 e 1413)
dividindo as frações resultantes da colocação do edifico em PH entre si. A divisão amigável/
extrajudicial pode ser feita em imoveis por escritura publica ou documento autenticado essa
divisão dá origem a um contrato entre comproprietários, quando a propriedade incida sobre
um edifício esse contrato pode permitir dividir frações. Exemplo: tem 4 proprietários de um
edifico com 8 apartamentos, por contrato colocam-no em regime de PH e no mesmo contrato
dividem entre si as frações resultantes da colocação do edifício em PH.

3ª hipótese: a PH pode ser constituída por usucapião. Isto pressupõe outra vez que haja pelo
menos dois comproprietários e que em relação a parcelas do edifício que serão no futuro
frações se comportem como se essas parcelas lhe pertencessem exclusivamente. Exemplo: o
edifício tem 2 apartamentos está em compropriedade, o A comporta-se como se o
apartamento do lado esquerdo lhe pertencesse e o B como se o apartamento do lado direito
lhe pertencesse. De imediato não adiante, de imediato continuam a ser comproprietários só
que se esta situação perdurar pelo tempo necessário para usucapião termo do prazo os
proprietários ou só um (chega) invocam usucapião para pôr o edifico em propriedade
horizontal e para na sequencia dividirem entre si. A usucapião transforma o que seria uma

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situação puramente factual numa situação jurídica legitima, começa por não ser legitima a
usucapião legitima.

4ª hipótese: pode constituir-se através de decisão judicial proferida em ação de divisão de


coisa comum, processo de inventário ou em execução especifica de contrato promessa relativo
a fração autónoma de edifico que ainda não está em PH. As duas primeiras hipóteses (divisão
de coisa comum ou processo de inventário) são idênticas á segunda hipótese salvo que corre
por via judicial.

Na segunda hipótese tínhamos contrato em que dividiam o edifício entre si ocorrendo


constituição de PH, agora temos a mesma coisa (divisão do edifício entre comproprietários/
herdeiros) só que ao invés de operar por contrato opera por decisão judicial, essa decisão
judicial dá origem á propriedade horizontal e divide as frações resultantes dessa divisão. A
outra hipótese é mais difícil de compreender. É muito frequente que antes de um edifico ser
colocado em propriedade horizontal que já se prometa comprar e vender uma fração do que
no futuro será o edifício, o congestor promete vender a um interessa uma fração do futuro
edifício, esta promessa não pode ser executada enquanto o edifico não existir e não estiver
posto em PH, em princípio será posto em PH pelo próprio congestor pela primeira hipótese.
Suponham que o congestor (aquele que vai vender) propositadamente vai adiando a
constituição da propriedade horizontal, mas não é lavrada o negócio unilateral de colocação
em PH. Em rigor o promitente comprador, não obstante de estar a comprar fração autónoma
de um edifico e ter direito á execução especifica nos termos do 830 n3 não consegue executar
porque não há objeto. A execução especifica supõe que o contrato prometido é executável, se
não há propriedade horizontal não há objeto e, portanto, o tribunal não pode preterir a
execução especifica de um contrato de promessa quando não há objeto do contrato
prometido. Á conta disso permite-se que o promitente adquirente dentro da própria ação de
execução especifica, com pedido prévio, peça a constituição do edifico em propriedade
horizontal. Pede-se que se ponha o edifício em propriedade horizontal e que depois se execute
o contrato promessa. A condição da execução do contrato promessa é a constituição do
edifico em PH. No fundo esta ação faz as duas coisas.

5ª hipótese: O artigo diz que também se pode constituir por decisão administrativa, em
princípio não serve para nada.

O título constitutivo da PH (seja qual for) é o que põe o edifico em regime de propriedade
horizontal. Este tem de no mínimo individualizar cada fração. Individualizar é ir ao pormenor, o
que não estiver identificado como fração ou componente de uma fração é propriedade
comum, por isso mesmo é preciso descrever.

Tudo o que se pretende que componha a fração tem de ser identificado como tal, não se
fazendo a identificação, pelo menos á partida será parte comum. Alem de individualizar peça a
peça o que compõe a fração tem de se atribuir um valor á fração expresso em percentagem ou
permilagem em relação ao valor global do edifício. Quando se diz valor de cada fração não é o
valor expresso em dinheiro (quanto custou/ quanto vale) mas sim quanto vale em comparação
com o resto. Se tem 5 frações cada uma pode valer 20% do valor total do edifico. Tem de se
fazer sito porque os direitos e obrigações de cada condómino são determinados por isto, o
número de votos depende da percentagem/ permilagem que cada um representa na
assembleia. Quando houver despesas elas devem ser repartidas, em princípio, em função da
percentagem/ permilagem que cada fração representa do total do edifício. É vulgar ver-se
escrito que a percentagem ou permilagem depende da área da fração/ localização…. A lei não

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fixa qualquer critério para atribuição de valor. Se em onze frações se decidir que um vale 90%
e as outras 1% é assim. Na normalidade são alguns os critérios usados (tamanho, como está
servido pelas escadas, lugar de garagem), mas estes são critérios de sensatez, a lei não impõe
critérios dessa ordem.

A elaboração do título em qualquer das modalidades pressupõe um projeto de construção


aprovado. Mesmo que seja o tribunal nas hipóteses em que é possível a constituir em
propriedade horizontal tem de constituir em propriedade horizontal em função do projeto que
for aprovado. A colocação do edifício em propriedade horizontal pressupõe que alguém
entregou um projeto de construção junto da camara municipal respetiva e que esse projeto foi
aprovado. A obra deve ser executada nos termos do projeto tal e qual foi aprovado. Em
princípio o título constitutivo da PH tem de estar em conformidade com o projeto aprovado.
Diz-se isto tudo porque no 1418/3 contem previsão para este aspeto: caso se verifique uma
discrepância no que toca ao fim atribuído às frações e entre o que consta do projeto aprovado
e do titulo executivo prevalece o que estiver no projeto aprovado, ou seja, sucede e sucedeu
muito que de acordo com o projeto aprovada as frações são todas para habitação e as do rés
do chão garagens.

Depois, segundo o título constitutivo algumas das frações devia ser habitacional serve, por
exemplo, para escritórios ou as garagens ao invés de serem garagens são lojas. A verdade é
que entre a finalidade que consta do título constitutivo e a finalidade do projeto aprovado há
discrepância. A questão foi discutida na jurisprudência e acabou por permanecer o ACUJ que
dizia que o projeto aprovado é que domina. Portanto, se o título constitutivo atribuir á fração
uma finalidade que não está de acordo com o projeto o tipo é nulo nessa parte. Na hipótese de
há pouco se o que era para garagens é usado para lojas, em conformidade para o título
constitutivo mas em desconformidade com o projeto ou se altera o projeto (apresenta-se um
projeto de alterações e a camara municipal aprova) ou o titulo é simplesmente nulo na parte
em que estabelece uma finalidade distinta e portanto a finalidade que deve ser cumprida em a
que está no projeto aprovada.

Pode colocar-se a questão em relação a outras divergências que existam ou que possam
existir. Isto pode acontecer com alguma facilidade porque o notário que elabora o título
constitutivo não tem acesso ao projeto, o projeto foi apresentado na camara e aprovado na
camara, é verdade que qualquer um pode pedir cópia, mas o notário não é obrigado a ir
verificar o projeto de construção e a decisão camarária que o aprovou, estas discrepâncias
podem suceder. Com a agravante de que o que vai ao registo predial não é o projeto é o título
constitutivo da propriedade horizontal. Por isso, havendo discrepância de finalidades para
terceiros a finalidade acessível é a do registo. No exemplo anterior, quem comprar o rés do
chão, no fundo compra uma loja porque é isso que está no registo predial. E, portanto, afirmar
aí que o projeto prevalece apresenta muitos problemas de ordem prática porque o terceiro
adquirente não tem meio de saber o que é que o projeto aprovado contém e sobretudo não
está obrigado a saber isso. Ele está obrigado apenas por razoes de obras praticas, mas é isso,
pedir uma certidão ao registo tem um custo pedir uma copia do projeto de construção
aprovado tem um custo muito grande. Não é qualquer proprietário de uma fração que tem o
projeto aprovado, quanto muito é o edifício, se houver meios para isso o edifício poderá
adquirir uma copia do projeto aprovado.

Numa situação deste género tem de prevalecer o que está no registo pese o que pesar (1418)
porque é isso que é acessível a terceiros.

30
As partes comuns dividem-se em duas categorias:

- 1421 n1: as partes necessariamente comuns: ou seja, aquelas que irão ser comuns
em qualquer circunstância… estas são forçosamente comuns, mas, por exemplo, pode dar-se o
caso de o edifício estar implantado, por exemplo, ao abrigo do direito de superfície. Quando
há direito de superfície o superficiário é proprietário só do implante, neste caso, do edifício. O
solo não lhe pertence. Portanto, nessa hipótese, o implante pode estar posto em propriedade
horizontal, nesse caso os condóminos não são proprietários do solo.

-1421 n2: presumivelmente comuns: são as que têm natureza comum salvo indicação
em contrário do título constitutivo. Por exemplo, os ascensores são partes presumivelmente
comuns, ou seja, podem deixar de o ser se o título constitutivo estabelecer o contrário.

As partes necessariamente comuns ou presumivelmente comuns estão sujeitas a um regime


geral de compropriedade, pelo menos com duas particularidades (1423): 1º não há direitos de
preferência seja na alienação das frações autónomas seja nas participações/quotas das partes
comuns. Umas são indissociáveis das outras, cada condómino é simultaneamente titular da
sua fração e contitular das partes comuns (1420). As duas situações são inseparáveis, é
contitular porque é proprietário da fração, não dá para separar. 2º não há o poder potestativo
de fazer a divisão das partes comuns. Garantidamente nenhum condómino pode impor a
divisão de partes comuns, pode eventualmente dar-se o caso de as partes presumivelmente
comuns poderão ser objeto de divisão entre os comproprietários (cessa a compropriedade)
nos termos em que se admite a chamada modificação do título constitutivo da propriedade
horizontal (1419).

Ou seja, desde que todos aprovem por unanimidade a divisão da parte presumivelmente
comum e desde que esta decisão seja formalizada em escritura publica ou documento
autenticado. Portanto, as partes presumivelmente comuns podem ser divididas, extinguindo-
se a compropriedade quanto a elas, mas não porque alguém tenha o poder de impor a divisão,
mas porque é necessário que todos estejam de acordo para que a divisão se faça. É uma
divisão não é imposta unilateralmente como acontece na compropriedade típica (1412 e
1413).

Para as partes comuns existem órgãos próprios de administração (assembleia de condóminos e


administrador), portanto, já não estamos perante uma desorganização como no caso da
compropriedade, há organização, há quem entenda que se pode ver o condomínio como uma
pessoa coletiva (o professor não concorda), isto porque tem estes órgãos.

A assembleia de condóminos reúne todos os condóminos, em geral, delibera por maioria de


capital, ou seja, em geral não é necessário maioria de pessoas é necessário que aqueles que
aprovam certa deliberação representem pelo menos metade do valor das frações.

O administrador é o órgão executivo pode ser condómino ou não, tem em vista dar execução
às deliberações da assembleia. Em qualquer caso, tem apenas poderes de administração,
ainda que atualmente tem um poder extra que é o de elaborar o chamado regulamento do
condomínio quando a própria assembleia não o aprove.

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O regulamento do condomínio tem em vista disciplinar a utilização dos espaços comuns. Este
diz coisas como não se puder atirar beatas para o chão, tem de se fechar a porta quando se
entra e sai… o que importa é que se vai ao pormenor. Em princípio quem deve aprovar o
regulamento é a assembleia, mas se esta não o fizer o administrador pode executá-lo e pô-lo
em vigor.

Sinceramente embora a lei não o diga de forma explicita dependa de ulterior aprovação pela
assembleia, não pode uma pessoa que até pode não ser condómina impor regras de utilização
aos condóminos assim sem mais. O poder que se dá ao administrador é no sentido de elaborar
e pôr em execução supondo que mais cedo ou mais tarde a assembleia á de votar, senão o
regulamento não vincula. Obviamente que o regulamento só pode dizer respeito á utilização
das partes comuns, não das frações autónomas. Exemplo: Proibição de animais. Ou isto é
aprovado em assembleia ou então não se pode limitar desta natureza, porque já atingem a
propriedade singular quando o administrador não tem nem pode ter poderes para isso.

Repartição de despesas: a regra é de que cada condómino participa nas despesas em função
da sua participação (percentagem ou permilagem) - 1424 n1 para as despesas de
administração ordinária e 1425 e 1426 para as inovações (despesas que excedem atos de
administração). No que toca às despesas do 1424 no n1 há duas categorias: despesas de
conservação propriamente ditas (manutenção das partes comuns) e despesas com serviços de
interesse comum (situações em que terceiros prestam serviços ao condomínio no interesse de
todos). Em princípio a repartição de despesas faz-se em função da participação mas admite-se
que a repartição se faça noutros termos, para se fazer noutros termos, designadamente, para
que se repartam igualmente por cabeça é necessário não uma unanimidade mas é necessário
pelo menos que aqueles condóminos que de acordo com o critério de repartição ficam com
uma participação maior na despesa prestem o seu consentimento. Exemplo: as frações
habitacionais representam cada uma 10% e as lojas em 6% quando for para repartir despesas
uns participam em 10% e outros em 6%. Se quiserem igualar é possível, mas desde que
aqueles que iriam pagar menos aprovem a despesa que os obriga a pagar mais. Não tem de ser
unanime, mas quem ia pagar menos tem de aprovar a despesa.

No que toca às despesas que excedam a administração extraordinária e que a lei designou
como inovações quando impliquem despesas repartem-se da mesma maneira, o critério pode
ser afastado desde que aqueles que participem em medida superior do que seria a sua quota
aprovem mas aqui já se admite que eventualmente possa haver recusa legitima, algum
condómino possa recusar legitimamente participar na despesa se se entender que a despesa é
desproporcionada em relação ao valor do edifício, ou que consiste numa benfeitoria
voluptuária.

Estas despesas com conservação e inovações são despesas por um lado associadas á fração,
mas que têm o seu devedor determinado no momento em que se torna necessário realizar os
atos em causa. Exemplo: é preciso arranjar a porta da entrada, nesse instante torna-se
necessário fazer reparação, portanto, nesse instante ficaram individualizados os devedores,
está obrigado a participar na despesa os que naquele instante forem condóminos. Se se dá o
caso de antes da reparação ser efetuada um dos condóminos vende a fração coloca-se a
questão de saber quem participa na despesa. Em princípio, as obrigações já vencidas não se
transmitem e, portanto, quem fica com obrigação de participar na despesa era quem era
proprietário na altura.

Aula

32
Entramos agora nos direitos reais menores.

Usufruto, Uso e Habitação

Segundo a sequência do código começamos pelo usufruto, uso e habitação (1439 e seguintes
para usufruto, e 1484 e seguintes para o uso e habitação).

Os nomes dizem quase tudo, o usufruto concede os direitos de uso e de fruição de forma
plena. No que toca ao uso e fruição o usufrutuário assemelha-se muito ao proprietário.
Evidentemente, tratando-se de um direito patrimonial o usufrutuário em princípio tem o
poder de disposição, pode transmitir/ onerar o seu direito. Pode vender o usufruto, doar o
usufruto, dá-lo em hipoteca etc… a menos que a lei ou o próprio ato de constituição digam o
contrário (1444).

Como regra, o usufrutuário pode dispor do seu direito, evidentemente, que este não pode
dispor da propriedade, porque não tem poder de disposição sobre a propriedade. A disposição
ou oneração que faça do seu direito é na medida do seu direito, o usufruto é necessariamente
um direito temporário, por isso a disposição/o oneração que se faça é pelo tempo de doação
do usufruto. Ele pode hipotecar, mas a hipoteca vai-se manter durante o tempo que o usufruto
se mantiver.

O usufrutuário não tem o chamado poder de disposição material, ou seja, não pode promover
a alteração física/material da coisa objeto do usufruto. A ideia é de que materialmente a coisa
deve manter-se mais ou menos conforme o proprietário a tinha disponibilizado (1439, o
usufrutuário deve respeitar a forma e substância da coisa). A forma será a estrutura da coisa, a
substância o respetivo valor económico. O usufrutuário pode usar e fruir, mas não pode
destinar a coisa a uma finalidade diferente daquela que o proprietário tinha inicialmente
imposto.

Contudo, esse limite tem um alcance reduzido, porque se eventualmente o usufrutuário


ultrapassar o limite que é imposto e, portanto, alterar a forma ou substância, é preciso saber
se essa alteração se dá em benefício da coisa fruída ou em prejuízo. Se se dá em benefício não
tem consequências e, provavelmente, até pode no termo do usufruto obrigar o proprietário de
raiz a compensar o usufrutuário pelo valor das benfeitorias efetuadas (benfeitorias necessárias
é o valor da coisa, se é útil é pelo valor que se incrementou na coisa).

Ao contrário se dá em prejuízo, a alteração da forma e substância prejudica a coisa é


necessário distinguir (1482) caso o prejuízo seja considerável ou não. É de difícil concretização,
mas a ideia central é de que se o prejuízo for não considerável (não for muito alto) o usufruto
mantém-se e o usufrutuário ficará obrigado a indemnizar o proprietário de raiz por danos
causados (termos gerais do 483 n1). Ao contrário se o prejuízo for substancial o proprietário de
raiz pode recorrer às providencias que estão associadas ao chamado mau uso do usufrutuário.
Ele pode, é lhe concedido o poder, mas não tem de o usar. Não é uma consequência
automática contra o proprietário e a favor do usufrutuário. Se o proprietário de raiz recorrer a
este mecanismo do 1482 o que isso irá provocar é a perda do poder de utilização, deixa de
utilizar a coisa, devendo restituí-lo ao proprietário ou entregá-la a terceiro, mas mantendo o
direito ao rendimento. Em rigor, pode-se dizer que o usufruto não se extingue em termos
económicos, permanece mantendo-se o poder de fruição o poder de utilização é que
desparece.

33
O usufruto é necessariamente um direito temporário se o usufrutuário for pessoa singular ou
há um prazo instituído ou não há. Se não há, mais comum, o usufruto irá doar pela vida do
usufrutuário, com a morte extingue-se. Se for instituído o usufruto de uma pessoa coletiva, ou
há prazo ou no máximo dura 30 anos. Depende daquilo que tiver siso instituído no ato de
constituição.

A lei admite no 1441 o chamado usufruto sucessivo, admite que o proprietário atribua o
usufruto a diferentes pessoas (2 ou mais) não para exercerem em simultâneo (se for para
exercer em simultâneo aplicam-se as regras da compropriedade), mas sim para exercerem de
forma sucessiva, ou seja, hierarquizada. Pressupõem-se que o proprietário designa 3 ou 4
usufrutuários que se sucederam uns aos outros no exercício. O proprietário ao instituir o uso
sucessivo podia estar a abrir a possibilidade de existir um usufruto por tempo indefinido, para
evitar isto o 1441 estabelece que podendo nomear-se os usufrutos sucessivos que se entenda
só contam aqueles usufrutuários que existirem no momento em que o primeiro começa a
exercer. Nomearam-se 30 usufrutuários sucessivos, mas só contam aqueles que quando o A
começar a exercer já existirem nessa altura, os que não existirem não são considerados. No
fundo diz-se que é como se o usufruto tivesse sido constituído a favor do último desses que
existem.

O uso e habitação (1484 e seguintes) na essência é usufruto, distingue-se o direito de uso do


direito de habitação pelo seu objeto. O direito de habitação como diz 1484 incide sobre casa
de morada, o de uso sobre outra coisa qualquer não seja casa de morada. O direito de uso
determina-se por exclusão de partes. Para todos os efeitos um ou outro são direitos de
usufruto, atribuem ao usuário ou ao morador usuário essencialmente os mesmos poderes
concedidos pelo usufruto. A única particularidade é que o usuário ou morador usuário para
alem de deverem respeitar os limites que estabeleceram também para o usufruto optem por o
direito de uso ou de habitação na medida das suas necessidades (do titular e da respetiva
família). O âmbito da família está definido no 1485 ou por aí. A limitação especifica que existe
é um direito que pressupõe na sua constituição que o respetivo titular tenha necessidade
desse direito. Daí decorre 1º que não pode haver nem transmissão nem oneração (estes não
podem transmitir ou onerar os seus direitos, se é uma necessidade especifica que aquela
pessoa tem, transmitir aquela habitação não estaria na medida das suas necessidades, a lei
exclui quer a transmissão quer oneração, 2º exclui também (1293/b) a constituição destes
direitos por usucapião, aqui não há uma incompatibilidade lógica, mas haveria sempre na
pratica muitas sobre se efetivamente haveria necessidade ou não, a usucapião supõe que a
pessoa tenha exercido a posse durante X tempo para depois invocar isso e adquirir o direito
correspondente, ora separar no exercício da posse aquele que atua como se fosse usufrutuário
daquele que atua como usuário na pratica seria impossível, não é possível saber se a pessoa
usou em função das suas necessidades ou não, por isso para evitar o problema a lei proíbe a
constituição por usucapião, pode constituir-se por contrato, testamento, disposição legal mas
não por usucapião. 3º acrescenta-se embora a lei não o digo explicitamente que se o uso e
habitação se constituem no pressuposto de existir uma necessidade do seu titular justifica-se
essa extinção no caso em que essa necessidade despareça. o direito só existe na medida da
necessidade do seu titular e respetiva família, por isso justifica-se que ele se extinga em caso
de desnecessidade.

Habitação periódica

O direito real de habitação periódica é um direito que na essência concede ao utente o direito
de usar e fruir de uma coisa alheia “unidade de alojamento pertencente a outra pessoa”, mas

34
durante um certo período de tempo em cada ano civil. O titular/ utente pode usar aquela
unidade de alojamento durante um período por ano, em cada ano. Isto porque noutros
períodos temporais no mesmo ano, outras pessoas têm o mesmo direito de utilização.

No fundo temos um caso de usufruto simultâneo só que com uma disciplina de utilização que
faz com que cada usufrutuário tenha à partida um período temporal para usar e fruir. Aqui
previamente estabelece-se assim. Estes direitos só podem ser constituídos sobre edifícios ou
conjuntos de edifícios que estejam classificados como empreendimentos turísticos, e o
proprietário desse empreendimento é que à partida constitui sobre cada unidade do
empreendimento destinada á habitação periódica os direitos de habitação periódica que
entender. Pode ser por semanas, quinzenas meses… e depois alienará esses direitos a quem os
quiser adquirir com a predefinição estabelecida. Está pré-estabelecido no título constitutivo o
direito de habitação periódica. Isto não tinha que levar á configuração da habitação periódica
como um direito real do tipo usufruto, mas entre nós foi a opção que se tomou. Isto é um
fenómeno chamado de timesharing que em Portugal e Espanha levou á criação de figuras
especiais de usufruto, noutros locais levou a criação de sistemas de compropriedade…

Entre nós optou-se por classificar o direito de habitação periódica como um direito real menor
e como um direito real de usufruto porque os titulares da habitação periódica não são pessoas
permanentemente presentes, estão presentes durante X tempo de cada ano e, portanto, se
fôssemos entende-los como proprietários teríamos grande dificuldade em resolver a questão
relativa à manutenção e conservação do empreendimento, se todos são proprietários todos
devem estar incumbidos da manutenção e conservação, em teoria é uma solução na pratica é
inviável. Construiu-se o direito desta forma para arranjar alguém, o proprietário, que tem de
proceder á conservação do empreendimento. Os titulares da habitação periódica remuneram
essa atuação do proprietário que para ele constitui no fundo a vantagem de permanecer
ligado ao empreendimento. A prestação que recebe dos titulares do direito por um lado paga
pela manutenção e por outro remunera o seu trabalho. A remuneração não pode exceder os
20% do valor total da prestação. Esta obrigação que os titulares da obrigação periódica têm de
remunerar o proprietário pela sua atuação e conservação é configurável como um ónus de
algo. Isto tem a sua importância e implicações.

Habitação duradoura (DL nº 1/2020)

Na essência é um direito de usufruto que incide sobre uma casa de morada/ habitação e que
tem de especial perante o usufruto que 1º é de habitação permanente, depois é
necessariamente vitalício, não pode ter um prazo de duração como tem o usufruto geral e por
fim obriga o titular da habitação, o usufrutuário, a pagar uma prestação mensal como
remuneração pela privação e ainda uma caução inicial. Até parece que a figura geral do
usufruto não dava para isto, dá, na prática o mais vulgar o usufruto se constituir a título
gratuito. O usufruto normal pode ser constituído a título gratuito ou oneroso, é verdade que
habitualmente é a titulo gratuito, mas, na lei nada obriga que seja assim, só é preciso que seja
convencionado de acordo com este decreto o direito de habitação caracteriza-se por
necessariamente implicar o pagamento de uma prestação mensal, não chamaram renda para
que não se confunda com o arrendamento.

A grande diferença deste regime para o do arrendamento é de que o arrendamento por


definição tem de ter um prazo nem que seja um prazo máximo que a lei impõe. O normal é as
partes fixarem um prazo curto que sucessivamente se vai renovando, mas se as partes não
estipularem um prazo a lei substitui-se e diz que o máximo é de 30 anos, aqui, por definição

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este direito irá durar pela vida do titular do direito de habitação duradoura, não valem
estipulações de prazo. Necessariamente envolve o pagamento de uma prestação mensal que
remunera a utilização, o usufruto normal não leva isto necessariamente, o arrendamento leva
isto sempre, aqui na habitação duradoura obriga o pagamento mensalmente, mas sem as
atualizações a que se sujeitam as rendas no contrato de arrendamento, a não ser que sejam
convencionadas no próprio contrato índices de atualização. É um elemento típico também a
prestação de caução, no arrendamento é vulgar que exista caução, no entanto, a lei não exige,
aqui a caução faz parte dos elementos constitutivos do próprio tipo. É permanente, vitalício,
obriga a prestação de uma renda e de uma caução.

Os direitos do morador são essencialmente os mesmos do usufrutuário, pode igualmente o


morador dispor do seu direito, seja transmitindo seja onerando. O tal decreto de lei serve
sobretudo para definir as regras relativas á prestação da caução. A lei foi tão interventiva,
estabeleceu tantas regras no que toca ao estabelecimento da caução que na prática as pessoas
não vão optar por esta via.

A grande diferença pratica para o arrendamento é este não ter prazo.

Servidão predial (1543 e seguintes)

Ao contrário de todos os outros direitos reais menores de gozo a servidão predial é o que se
chama um direito subjetivamente real, ao invés dos outros que são subjetivamente reais. Isto
significa que na generalidade dos direitos reais menores o direito em causa é atribuído aquela
pessoa por ser aquela pessoa, no caso da servidão o direito á atribuído a uma pessoa mas por
intermédio de um imóvel, quem beneficia da servidão tem esse beneficio porque tem um
outro direito real, geralmente de propriedade, ao qual a servidão está associada, quem é o
titular da servidão é quem for titular do prédio que beneficie da servidão, por isso é que se
pode dizer que a titularidade da servidão é indireta.

A servidão predial de acordo com o 1543 supõe dois imoveis, que esses imoveis pertençam a
pessoas diferentes e que um dos imoveis esteja a conceder ao outro um certo benefício. Um
dos imoveis esteja a conceder ao outro imóvel um certo benefício. Podem pensar, por
exemplo, numa servidão de passagem, a servidão impõe-se sobre um prédio a favor de outro
prédio, eventualmente que não tem comunicação com a vida publica e a utilidade/ benefício
que se concede é só o de passar, não há beneficio associado e, muito provavelmente, esse
beneficio está identificado: é passar de uma certa maneira, em certos dias… surgem diversos
problemas relativos á definição da servidão porque ou é aquilo que está definido ou mais
nada. Há sempre uma grande dificuldade (1544) em definir quando é que se pode dizer que o
benefício é concedido ao prédio e não há pessoa. O benefício retira-se de um prédio, o prédio
que concede o beneficio, fica onerado com a servidão é o prédio serviente, o prédio que
beneficia da servidão é o prédio dominante, claro que, não é o prédio dominante que passa
pelo prédio serviente, são as pessoas a quem pertence o prédio dominante. Quem tem o dever
de passar é de um modo geral o dono do prédio dominante.

A grande dificuldade é identificar quando é que o benefício é concedido ao prédio dominante,


ou quando é concedido ao titular do prédio dominante. Exemplo: concede-se aos proprietários
do edifício junto ao jardim o direito de irem passear ao jardim, este direito é concedido às
pessoas, mas não ao prédio, este direito pode ser concedido, mas não como servidão predial,
como direito de crédito que permite àquelas pessoas passear no jardim.

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Se, porventura, existia ao lado da faculdade um bar que pretendia conceder aos respetivos
clientes o poder de usarem a piscina, aí já se pode afirmar que o benefício está a ser concedido
ao prédio onde está instalado o bar e por isso já se podia perspetivar como servidão predial. O
essencial para caracterizar a servidão é que o benefício seja dado por um prédio a outro
prédio, que objetivamente o prédio dito dominante tenha alguma vantagem com a obtenção
da servidão, uma utilidade a quem for dono do prédio.

Classificações

Legais/ voluntárias- Isto para ser exato devia ser chamado de servidão coativa e servidão não
coativa. Há servidões (1547n2) que podem ser constituídas por decisão judicial ou por decisão
administrativa, também podem ser constituídas nos termos do n1 do 1547 (contrato,
testamento ou usucapião). Quem irá beneficiar da servidão, o titular do prédio dominante
pode escolher o caminho, claro que se opta logo por constituir por via judicial tem a certeza
que é legal, porque só a servidão legal é que pode ser constituída por decisão judicial. Se optar
por constituir contratualmente ela não deixa de ser legal, foi constituída contratualmente, por
usucapião, mas se não fosse usucapião ou contrato podia ser constituída por via judicial.
Exemplo: a servidão de passagem do 1550 supõe que o prédio dominante está encravado
porque não tem comunicação ou não tem comunicação suficiente com a via publica. Nessa
altura, o proprietário do prédio encravado pode tentar constituir a servidão com o vizinho que
lhe permite a passagem através de um contrato, tem é de ser contrato que incidindo sobre
imóvel tem de constar de escritura publica ou documento autenticado. Foi constituída por
contrato, mas se não fosse podia ser por decisão judicial, estando o prédio encravado a lei não
pode deixar dependente da passagem a colaboração da outra pessoa. Portanto, foi nesse caso
concreto obtido acordo, mas se não fosse o contrato o proprietário do prédio encravado podia
ter recorrido a tribunal para constituir servidão, por isso é legal. É servidão voluntária quando
não pode ser constituída por via judicial. Uma servidão é voluntária quando a lei não permita o
acesso á via judicial para constituir essa mesma servidão. Só quando houver algum sinal por
parte da lei que atribua o direito de adquirir unilateralmente por via judicial o direito é que ela
será legal. É preciso saber sempre se no caso concreto podia ser constituída por via judicial ou
não SEMPRE. A ação de reivindicação (1315) também se aplica á defesa de servidões. A
relevância da distinção não é muita, a primeira é que só nas legais se pode recorrer á via
judicial para a sua constituição, as legais quando efetivamente tenham sido constituídas por
via judicial fazem surgir um direito a indemnização pela desvalorização causada a favor do
proprietário do prédio serviente. Como supomos que a servidão está a ser imposta por via
coativa a imposição da servidão desvaloriza o prédio serviente e, portanto, pela desvalorização
provocada ao prédio serviente, o proprietário do prédio dominante é responsável e pode
dizer-se que é um dos casos típicos de responsabilidade objetiva por factos lícitos. Em último
lugar nas servidões legais a lei concede o tal direito potestativo constitutivo no pressuposto de
existir uma necessidade intensa que justifica que o titular do prédio dominante possa impor a
servidão mesmo contra a vontade do dono do prédio serviente. O 1569 diz que se essa
necessidade desparecer, no futuro a servidão legal se tornar desnecessária extingue-se
precisamente por essa desnecessidade, seja qual for o respetivo título de constituição. As
voluntárias (1569 n2) também se extinguem por desnecessidade, mas só quando tenham sido
constituídas por usucapião. Se foram constituídas por outro título qualquer não se extinguem
mesmo que haja desnecessidade.

Aparentes e não aparentes: As servidões aparentes (1548 n2) são aquelas que se revelam/
manifestam por sinais visíveis e permanentes colocados no prédio dominante ou serviente. Se

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a passagem se faz por uma estrada alcatroada á um sinal evidente, se se faz pela simples
passagem das pessoas por um terreno que não está alcatroado os sinais existem e desparecem
consoante a vegetação, por isso permanentes não são. Dependerá da situação. Uma situação
para fazer passar a cabos elétricos são não aparentes, visto que não há sinais visíveis e
permanentes, estes, geralmente, são subterrâneos. O efeito do registo da respetiva
constituição é diferente se for aparente ou não aparente. Nas não aparentes, o efeito do
registo da sua constituição é o efeito normal (consolidativo) nas aparentes o efeito do registo é
o enunciativo, isto porque a visibilidade/ publicidade já é dada pelos sinais. A publicidade
espontânea vale mais que a provocada.

A segunda consequência da distinção é que as servidões não aparentes não são suscetíveis em
geral da constituição por usucapião (1548 e 1293). Não seria impossível haver usucapião para
esses efeitos, mas como é duvidoso: os requisitos da posse do usucapião é que ela seja publica
e houve aqui um receio de juntar as duas coisas, como podia levar a situações muito duvidosas
e por isso não se aparente que a servidão não aparente se constitua por usucapião.

3ª consequência: não explicita, há um modo específico de constituição das servidões que


consiste na chamada destinação do pai de família (1549), isto supõe que existam dois prédios,
pertencentes á mesma pessoa e que entre esses dois prédios haja também uma relação de
serviço, ou seja que um dos prédios esteja a proporcionar uma cera utilidade ao outro. Na
prática se uma pessoa é proprietária de dois prédios, especialmente se forem contíguos, não
os está a ver como dois, entende-os como um só, mas juridicamente são dois, pode por isso
dar-se o caso de um permitir a passagem para o outro. Não pode ser vista esta concessão de
passagem como uma servidão porque pertence á mesma pessoa não se verifica um dos
requisitos da servidão, diz-se que há uma serventia. Suponham que no futuro um dos prédios
passa a pertencer a pessoa diferente, passa-se a ter também o requisito que faltava, o que era
serventia transforma-se/ dá origem a uma servidão desde que primeiro essa serventia inicial se
revele por sinais visíveis e permanentes e depois desde que no ato de separação não se tenha
declarado o contrário, não se tenha declarado que a servidão não irá ser constituída. A
servidão que surge neste caso é uma servidão aparente, devido aos requisitos.

Última consequência (1280): recordam-se que há ações especificamente destinadas á tutela


da posse, quem tenha posse, não importa em que termos, em princípio pode recorrer às ações
possessórias. Quem tenha posse de servidão pode recorrer a ações possessórias para defesa
dessa posse. Se a posse for de servidão não aparente em princípio exclui-se o recurso às ações
possessórias, só o possuidor da servidão aparente é que pode utilizar as ações possessórias
para defesa da sua posse, o outro, em principio não pode.

03/11

Pela função: as servidões desvinculativas são aquelas que libertam o proprietário do prédio
dominante de uma restrição legal de vizinhança (1362, por exemplo), as não desvinculativas
são aquelas que não desempenham esta função. A relevância desta distinção está ligada ao
facto destas restrições de vizinhança como se impõem no interesse privado, embora resultem
da lei podem ser afastadas por vontade das partes, de várias maneiras. Uma delas consiste na
constituição de uma servidão, não tem de ser assim, mas as servidões também podem ser
usadas para este efeito.

Terminamos assim matéria das servidões.

Direito de superfície

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Passamos assim para o direito de superfície (1524 e seguintes). O direito de superfície, na
essência, é uma espécie particular de servidão. É aquele direito que permite ao chamado
superficiário (titular do direito) manter uma construção própria/ plantação própria em solo
pertencente a outra pessoa. O proprietário do solo chama-se fundeiro e fica essencialmente
com um direito de propriedade que geralmente não tem conteúdo prático dado que a
utilização pelo superficiário, normalmente, irá inviabilizar a utilização por parte do fundeiro.

A logica é de que o superficiário depois da constituição do direito superfície fica com o direito
de primeiro construir ou plantar, embora a lei admita a hipótese em que o direito de superfície
se possa constituir sobre construção ou plantação já existente. Nessa hipótese o direito de
construir ou de plantar não existe porque a construção ou plantação já estão feitas. Uma vez
obtida a construção/plantação, o direito do superficiário é sobretudo o direito de manter essa
construção/ plantação num solo que não lhe pertence. Isto implica uma separação jurídica
entre a propriedade do solo e da construção /plantação. Ambos são proprietários, mas de
coisas diferentes ainda que materialmente ligadas. Por fim, eventualmente, se não estiver
proibido o superficiário tem ainda o direito de reconstruir/ replantar, caso, eventualmente, a
plantação/ construção originais se destruam por qualquer razão. Na essência é o direito de ter
uma construção ou plantação no solo alheio.

O solo que é utlizado para este efeito pode ser propriamente a superfície, pode ser também o
subsolo em conjunto com a superfície ou isoladamente (parque de estacionamento
subterrâneo, pode estar instalado no subsolo ao abrigo do direito de superfície) ou pode
(1526) a construção superficiária pode incidir sobre um edifício já existente (direito de sobre-
elevação).

Nos casos em que a superfície incide sobre o solo ou subsolo há propriedades separadas: o
fundeiro é proprietário do solo na parte não ocupada pela construção ou plantação, o
superficiário é proprietário dessa plantação ou construção.

No caso da sobre-elevação (1526) o direito de superfície só vigora até que a construção esteja
concluída, para ser mais exato até que sobre-elevação esteja concluída, uma vez terminada
juridicamente o edifício tem de ser posto em propriedade horizontal, porque, pelo menos,
passa a haver duas frações (a que corresponde ao edifício que já havia e a correspondente á
sobre-elevação que concluída a sobre-elevação passa a pertencer a outra pessoa). A utilização
da sobre-elevação implica que haja partes comuns ao serviço de todos e por isso uma vez
concluída a sobre-elevação o edifício tem de ser posto em regime de propriedade horizontal e
esta começa a vigorar. Se não fizerem isso são tidos como comproprietários.

Na essência, este é uma espécie particular de servidão porque o solo está a proporcionar uma
utilidade especifica á construção ou plantação: que é servir de suporte. O superficiário tem um
direito sobre o solo na medida em que seja necessário para implementar a construção ou
plantação, não tem mais utilização e por isso o direito do fundeiro varia em função da própria
natureza das coisas, depende do que foi construído, como foi construído, o que ocupou, se a
construção superficiária não abrange a totalidade do solo ou só o solo ou subsolo o fundeiro
pode usar o que não foi atingido pela construção ou plantação.

Os direitos de utilização do solo do fundeiro são eventuais depende da configuração da


situação. Por isso, normalmente, o benefício que o fundeiro tira da constituição do direito de
superfície consiste no recebimento do chamado cânon superficiário (1530). Este consiste no
direito de receber uma certa prestação anual, em dinheiro, que o superficiário fica obrigado a

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pagar nos termos convencionados. No fundo é o essencial do direito do fundeiro: ser
remunerado nos termos em que foi contratado pela utilização do solo.

TITULARIDADE APARENTE

Até aqui estivemos sempre a supor a hipótese em que o titular do direito é efetivamente
titular do direito. Pode dar-se o caso em que aquele que aparenta exercer um direito
realmente não o tem, só se descobre, geralmente, a posteriori, depois porque só depois é que
se descobre a existência de defeitos ou vícios que impediram a aquisição do direito e a pessoa
realmente está a atuar como se tivesse o direito quando realmente não o tem. Em todo o caso,
aparentemente, existe um direito, juridicamente, a isso chama-se posse.

A posse consiste numa atuação factual sobre uma coisa que corresponde ao exercício de um
direito real. Se alguém tem uma janela aberta/ feita a menos de metro e meio do terreno
vizinho aparentemente tem uma servidão que lhe permite ter uma situação assim. Pode não
ter, mas aparentemente sim. Aquele que usa um terreno para construir uma casa/ um terreno
para plantar um pomar aparentemente tem propriedade sobre o terreno porque está a atuar
como proprietário.

A posse, no fundo, é uma aparência de titularidade que se manifesta factualmente, pela


atuação factual que uma pessoa mantém sobre certa coisa. Apesar de ser só uma aparência
como normalmente essa aparência coincide com a realidade, ou seja, como aparentemente
aquele que atua como proprietário é mesmo, aquele que atua como se tivesse uma servidão
de vistas tem mesmo, daí resulta que a posse só por si, independentemente de estar
acompanhada por um direito ou não, tem efeitos jurídicos, esteja fundada num direito ou não.
Exemplo: O possuidor tem direito de recorrer às chamadas ações possessórias, não importa
ser titular do direito, o que importa é que aparentemente é, e como aparentemente é estas
ações podem acontecer.

A longo prazo pode invocar usucapião. Tudo isso são efeitos que resultam da atuação
correspondente a um direito independentemente desse direito existir ou não.

Posse formal e Posse material

Distingue-se por isso a chamada posse formal da chamada posse causal. A posse é causal
quando o possuidor (aquele que aparentemente atua como se tivesse o direito) o tem
efetivamente, portanto, parece ter e tem mesmo. A posse é causal porque como causa dessa
atuação está o direito correspondente a essa atuação. Aparência e realidade coincidem.

A posse é formal quando só existe aparência e a causa (titularidade do direito correspondente


à atuação) ou não existe ou não foi demonstrada. O proprietário do terreno que seja mesmo
proprietário tem posse causal, tem posse porque atua factualmente sobre esse terreno, essa
posse tem causa por que é efetivamente titular do direito correspondente.

Exemplo: O ladrão de automóveis que utiliza o automóvel roubado diariamente tem posse
porque atua tal e qual fosse proprietário, mas não tem causa, o direito que justificaria a
atuação não existe naquela pessoa- posse formal.

Não é preciso ir tão longe, o B promete comprar ao A um apartamento e o B já se instalou no


apartamento, já está a atuar como se fosse seu proprietário a ter posse será formal, porque
evidentemente o contrato de compra e venda não foi celebrado e do ponto de vista da

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titularidade do direito de propriedade ainda não é, a sua atuação só pode ser vista na melhor
das hipóteses como a de possuidor formal , tem uma atuação factual idêntica à do proprietário
mas ao não ter o direito correspondente , ainda não o pode ter adquirido para todos os efeitos
a sua posse é formal.

Esta distinção é importante, mas no regime da posse quase não tem qualquer relevância, a lei
trata a posse independentemente de causas, não importa se o possuidor tem posse causal ou
posse formal, importa que tenha posse. Se ao mesmo tempo tem o direito (possuidor causal)
melhor, porque isso significa que alem de ter os direitos de tutela próprios da posse tem
também os meios de tutela próprios do direito correspondente. Se o proprietário é mesmo
proprietário tem os meios de tutela próprios da posse como da propriedade.

No fundo, em geral, pelo menos, o regime da posse pode ver-se como “uma guarda avançada
da proteção que é dada ao direito real correspondente” porque muitas vezes na pratica a
demonstração que o direito existe e está na titularidade do possuidor, muitas vezes essa prova
não é fácil, a posse serve para atalhar caminho, Muitas vezes provar numa ação de
reivindicação que o autor é proprietário não é simples (tratando-se de coisas moveis não
registáveis é mesmo muito problemático, nem há registos nem há documentação que
comprova). Mesmo que exista a titularidade do direito naquele que reivindica a prova de que
existe é muito difícil, e, portanto, se não consegue provar a titularidade do direito na ação
reivindicação restam-lhe as ações possessórias, porque nessas aí basta provar que é possuidor.
Aquele que intenta a ação possessória por definição tem de provar que tem posse, quem
intenta uma ação possessória vai tentar provar tudo, quer a posse, quer o direito de
propriedade, o que se discute centra-se é na posse. Não está em causa a titularidade do direito
a menos que alguém vá buscar esse litígio.

Portanto, daqui em diante, é irrelevante se seja posse formal ou causal salvo se para alguns
efeitos da posse que necessariamente supõem posse formal.

O regime da posse (1251 e 1300 mais ou menos) são sobretudo pensadas para a posse formal,
embora se estendam também à posse dita causal. No regime possessório não se discute se a
titularidade do direito correspondente á atuação está no possuidor ou não e por isso, em
princípio é indiferente que a posse seja formal ou causal.

Posse e detenção

Em matéria de posse o problema central coloca-se na distinção entre posse e detenção.

É o problema central porque a posse é juridicamente relevante (tem efeitos) e a detenção é


juridicamente irrelevante (não tem efeitos), sendo certo que muitas vezes distinguir na prática
estes dois é muito trabalhoso, às vezes até impossível, e por isso se introduz que a lei pelo
menos em caso de duvida presume-se que quem tiver o poder de facto, estiver a atuar
factualmente sobre a coisa é possuidor (1252 n2).

A lei não optou por nenhuma opção de conceção. Temos duas conceções que se opõem de um
lado a subjetiva e do outro a objetiva do corpo. O problema que se põe para ambas é
estabelecer a fronteira entre posse e detenção.

Conceção objetiva: o essencial é que haja o chamado corpus (poder factual sobre a coisa/
domínio de facto sobre a coisa). Cada qual quando usa o telemóvel está a exercer um poder
factual sobre a coisa que usa- corpus. Na conceção objetiva: A posse é a regra, a detenção é a
exceção. Portanto, na conceção objetiva sempre que haja corpus há posse, a menos que a lei

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qualifique no caso concreto o titular do corpus como detentor. Na conceção objetiva, só
excecionalmente é que há detenção, a regra geral é posse. Se alguém utiliza um automóvel
alheio por ser um motorista contratado para o efeito entende-se que é um mero servidor da
posse, apesar de factualmente quem domina a atuação ser o motorista entende-se que a
posse correspondente é a do proprietário que a exerce através do servidor da posse. Se
alguém utiliza uma coisa que não lhe pertence por tolerância de outra pessoa, apesar daquele
que beneficia da tolerância atuar factualmente sobre a coisa entende-se que aquele que
tolerou é que é o possuidor. São estas exemplos de exceções ambas previstas no 1253 b) e c).
Isto para dizer que a nossa lei é compatível com esta conceção.

Conceção subjetiva: a existência de posse supõe novamente um corpus (atuação material de


domínio sobre a coisa) e supõe ainda o chamado animus possidendi (a pessoa que tem o
corpus atua como se fosse titular do direito, com intenção de ser titular do direito
correspondente à sua atuação). Concluiu-se logo á partida que haverá detenção quando haja
corpus, mas falte ESTE animus. A questão central desta conceção põe-se nestes termos: como
é que se identifica se o animus existe ou não existe. O animus é uma intenção e por isso aqui
como noutro lugar qualquer quando falamos de intenções tem de ser a partir de presunções.
Não se vai apurar psicologicamente (através de um perito) se a pessoa quer agir como titular
do direito. Como é que se avalia, presumivelmente, se o animus possidendi está presente ou
não?

Temos de separar duas vertentes da conceção subjetiva: animus possidendi avaliado em


concreto e animus possidendi avaliado em abstrato.

O animus possidendi avaliado em concreto significa que a aferição da existência de animus se


faz em função dos atos concretamente praticados por aquele que tiver o domínio factual sobre
a coisa.

Hipótese jurisprudencial: A prometeu vender apartamento ao B, muito antes da escritura de


compra e venda estar feita o A dá as chaves do apartamento ao B, o B faz um conjunto de
despesas típicas de possuidor de apartamento. Tem posse ou não? Depende da atuação que
em concreto se manteve. Com os atos praticados por ele (água, tv cabo, pagamento de
despesas do condomínio) tem um comportamento que permite deduzir que atua como se
fosse proprietário. Poder-se-á presumir que tem o animus possidendi e que por isso tem
posse.

Suponham que o A entregou as chaves ao B, mas manteve cópias das chaves, significa que não
se desfez da coisa, mantém reservas, por isso, isto pode ver-se como um ato de simples
tolerância, se for assim de acordo com o 1253 B) não se pode presumir a intenção e portanto
será detentor. Quando estamos a adotar a perspetiva do animus possidendi avaliado em
concreto estamos a ver caso a caso, portanto, dois casos aparentemente iguais podem não ser
iguais, em função daquilo que no caso concreto se consegue provar ou não. Não se pode
garantir que sempre que há contrato de promessa e a coisa entregue não se pode garantir que
haja posse, depende dos elementos que consigam provar para presumir o animus possidendi.

Na vertente do animus avaliado em abstrato, não importa os atos que foram concretamente
praticados, importa só a razão de ser/ causa desses atos. A ideia central é de que se o domínio
de facto se baseia num ato jurídico que em abstrato, teoricamente, seria capaz de dar ao
adquirente o direito real correspondente á sua atuação ou então essa pessoa terá posse. Os
atos que pratiquem baseiam-se num ato que teoricamente seria capaz de transmitir ao

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adquirente o direito capaz de justificar aquela atuação. Ao contrário se a atuação não se baseia
num ato dessa natureza será detenção.

Se o A atua sobre um apartamento porque beneficiou de uma compra e venda a seu favor, a
compra e venda teoricamente transmite o direito capaz de justificar aquela atuação, o
comprador uma vez que a coisa lhe seja entregue normalmente atua sobre a coisa como se
fosse proprietário, pode presumir-se o animus. Ao contrário se a atuação que mantém se
baseia num contrato promessa já não se pode entender que haja posse porque o contrato
promessa não é suficiente nem em tese nem teoricamente para atribuir ao promitente
comprador um direito capaz de justificar a sua atuação. Na base da sua atuação está um
contrato promessa, este não é capaz de justificar a sua atuação sobre a coisa.

Esta distinção é importante porque os efeitos a partir daqui é tudo ou nada.

Espécies de posse (1259 e seguintes)

Posse titulada e posse não titulada (1259) - a posse é titulada quando se baseie num título.
Para efeitos do 1259 um título é o que lá se chama um modo legitimo de adquirir o direito
correspondente á posse. Quando se diz que tem posse reconhece-se um estado de facto. Não
se deve avaliar a justiça da atuação que levou a posse. Enquanto a pessoa atua como se tivesse
o direito é possuidor não importa como lá chegou. O problema que se por aqui é saber se a
posse tal qual foi obtida está fundada/ justificada pela existência de um título (modo legitimo
de adquirir). O que é que se entende como modo legitimo de adquirir o direito correspondente
á posse? No sentido mais amplo que se pode dar á expressão consiste num qualquer ato
jurídico translativo ou constitutivo de um direito real que em abstrato seria capaz de conferir/
dar ao possuidor o direito correspondente á sua posse. Mesmo em concreto isso não tenha
acontecido. Exemplo: A vende a B o apartamento e na sequência da venda entrega o
apartamento, se a compra é válida a posse do B é causal, a posse causal não se classifica tem
na sua base um direito, esta nem é titulada nem não titulada, não faz sentido aplicar estas
classificações á posse causal porque quem tem a posse é titular do direito correspondente a
esta posse. Isto só faz sentido no pressuposto de o possuidor não ter o direito correspondente,
todas estas classificações de posse supõem possuidor formal. Por isto mesmo, temos de
pressupor que a compra e venda de A para B é invalida e por isso não se transmitiu o direito,
mas a verdade é que para todos os efeitos o possuidor baseia a sua atuação num contrato que
teoricamente teria sido capaz de lhe dar o direito, não deu no caso concreto.

Para a posse ser titulada supõe-se antes de mais nada que há posse formal, que essa posse se
baseia num ato jurídico translativo ou constitutivo, supõe-se que esse ato jurídico seja inválido
e por fim supõe-se (1259 a contrário) que essa invalidade de que o ato jurídico sofre é uma
invalidade substancial (erro, coação moral, erro por dolo, usura) a contrario do 1259 se o vicio
for formal a posse é não titulada. Entende-se a contrário que se já não é independentemente
da validade formal. Exemplo. A vendeu a B e entregou, a venda é invalida porque um deles foi
moralmente coagido, ainda assim a posse do B é formal titulada. Se não houver qualquer vicio,
mas não se cumpre a forma legalmente exigida a posse formal é não titulada. A posse titulada
tem mais vantagens para possuidor que a não titulada e entender que um vicio formal é mais
grave que um substancial custa, mas este é o regime instituído. Para efeitos de usucapião a
posse titulada torna o prazo mais curto, mas só se o título estiver registado. Se o vicio for
formal o título não entre no registo, por aí talvez se encontre uma razão para dizer que a posse
não titulada para seja por vicio formal.

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A posse é titulada quando se fundamente num ato jurídico translativo ou constitutivo de um
direito correspondente á posse que está a ser exercida, que esse ato jurídico seja invalido, e
que a invalidade seja substancial. Se a posse não se baseia num ato jurídico translativo/
constitutivo se esse ato jurídico sofrer um vicio mais forte que a invalidade, ou se existindo
uma invalidade formal a pose é não titulada.

As vantagens da posse titulada são: o benefício imediato é esta ser presumida de boa fé (1260
n2) e a posse não titulada presume-se de má fé. São presunções ilidíveis (legais por regra são
sempre ilidíveis) mas são presunções de que há partida o possuidor beneficia se a sua posse
for titulada. Ao ser presumida de boa fé daí decorrem benefícios em matéria de frutos (1270) e
em matéria de benfeitorias (1273 e 1275). A longo prazo beneficia-se da diminuição dos prazos
de usucapião por a posse ser titulada, mas mais por se presumir de boa fé.

Posse de boa/ má fé (1260): está aqui em causa a chamada boa fé subjetiva (no sentido de
desconhecimento) e má fé no sentido de conhecimento. Conhecimento no sentido de quê? De
que se está a lesar um direito alheio, a posse será de boa fé quando o devedor ao adquiri-la
desconhecer que está a lesar um direito de outra pessoa, será de má fé de souber que está a
lesá-lo.

Claro que quer o conhecimento quer o desconhecimento são avaliados em termos objetivos, o
que está em causa é o conhecimento/ desconhecimento que uma pessoa de normal diligencia
teria tido. Afere-se por um critério objetivo. A existência de posse de boa fé repercute-se em
alguns efeitos possessórios designadamente frutos (civis ou naturais dado que o possuidor de
boa fé, 1270, faz seus os frutos que recebeu enquanto esteve de boa fé, mesmo que não
consiga completar os prazos de usucapião faz seus os frutos enquanto ignorar que está a lesar
os direitos de outra pessoa). O possuidor de má fé (1271) deve restituir primeiro os frutos civis
ou naturais que recebeu enquanto esteve a exercer a posse e responde ainda por aqueles
frutos que um proprietário diligente teria obtido e que não foram obtidos no caso concreto
(não só restitui como indemniza). Em matéria de benfeitorias a distinção tem poucas
implicações, no que toca a benfeitorias necessárias ou uteis tanto faz, a boa ou má fé (1273)
este deve ser restituído pela despesa que efetuou pelo legitimo titular do direito (necessárias)
se forem uteis deve ser também compensado mas de acordo com as regras do enriquecimento
sem causa (1273-2), deve ser compensado pelo aumento do valor que provocou. Se forem
voluptuárias (1275) o possuidor de boa fé pode levantar as benfeitorias (não tem direito a
restituição nem compensação) se for de má fé perde qualquer direito sobre estas.

Posse pacifica/ violenta (1261) - a posse pacifica define-se por exclusão de partes, a posse é
violenta sempre que tenha sido obtida mediante coação moral ou coação física, e, portanto,
será pacifica em qualquer outra hipótese. Na definição da posse violenta a lei diz
expressamente que ela é violenta se houve coação moral nos termos do 255, mas quando se
refere á coação física não diz nos termos do 246. A questão está nas implicações que isto traz.
Quando chegarmos às ações possessórias vamos ver que a lei estabeleceu no CC um
procedimento cautelar para reagir contra o esbulho violento (1279). Quando alguém for
privado da sua posse com violência pode recorrer deste mecanismo do 1279. É verdade que se
esse esbulho ocorrer sem violência também se pode usar uma providencia cautelar para o
efeito, mas essa que se pode usar noutras circunstâncias não está especialmente prevista para
a hipótese. A providencia cautelar para reagir contra o esbulho violento tem de especial o
facto de não se observar segundo o próprio CPC e Cc o principio do contraditório, provando o
autor da providencia que houve violência a restituição é imediatamente decretada pelo
tribunal independentemente de depois na ação principal se demonstrar que de facto não

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houve violência ou que houve justificação para a violência e sem prejuízo de depois se dar
razão ao reu. A ideia central é de que como se provou que houve violência “presume-se logo à
partida” que o réu não tem razão e decreta-se de imediato a restituição seja esta justificada ou
não. Não observar o princípio do contraditório é uma situação excecionalíssima, roça o quase
impossível porque é uma violação de um princípio básico do procedimento. Esta providencia
cautelar, por isso mesmo, tem de ter um âmbito de aplicação muito reduzido ligado á
definição do que se pode adquirir violentamente. Se entendermos que coação física é
qualquer utilização de força física que ponha obstáculos ao exercício da posse estamos a dar á
coação física um sentido muito amplo. Suponham que o A tem uma servidão de passagem
sobre o prédio do B, e para esse efeito abriu-se um portão no muro que separa os prédios e é
por aí e que se faz a passagem, o B a uma certa altura, proprietário do prédio serviente tapou
o portão. O A para ter de imediato a passagem, independentemente do que depois for
discutido no processo pode recorrer á tal providencia cautelar para reagir contra esbulho
violento. O B está a atuar com violência ou não? Se entendermos coação física no sentido
técnico do termo aqui não há coação física, a coação quer física quer moral supõe duas
pessoas um coator e um coagido, usar força física para tapar a passagem, não significa que
haja coação física e, portanto, a providencia cautelar do 1279 não podia ser usada. Ao
contrário entendendo-se coação física como qualquer hipótese ou situação em que se tenha
recorrido á força física para privar outrem da sua posse então eventualmente esta hipótese
cabe no conceito e pode-se recorrer ao mecanismo do 1279.

Na jurisprudência a opção tem sido claramente pela opção mais largada possível, o que é
estranho porque se devia defender afincadamente o princípio do contraditório. Que
importância tem de qualificar a posse como violência? A logica geral é que o decurso dos
chamados prazos possessórios, do prazo de perda da posse (1267 n2), do prazo do 1281, dos
prazos de usucapião, de todos estes prazos possessórios pressupõe inercia, inatividade da
pessoa contra qual a posse se exerce. Alguém pode adquirir por usucapião porque outra
pessoa que é afetada pela posse não reagiu deixou as coisas correr, entretanto há usucapião.
O prazo para intentar ação possessória caduca porque a pessoa que podia ter intentado não
intentou. O fundamento geral do decurso de qualquer prazo é a inércia da pessoa afetada, não
se pode dizer que haja inercia nos casos em que a posse é violenta e á conta disso passaram
prazos não se pode dizer que há conta disso haja inércia. Se a pessoa está sobre coação a
pessoa não podia ter reagido, deixou correr o prazo porque a coação impediu de reagir.

No exemplo do portão tapado com pedras isto não é nenhuma coação contra A por isso se ele
não reage contra isso é porque não quer, não foi a atuação do B que é ilícita que impediu o
exercício do direito de ação. Não agiu porque não quis. De que é que adianta colocar a posse
como violenta nestas circunstâncias quando não é isso que impede o decurso dos prazos
possessórios. O professor não dá razão de dar alargar o conceito de coação física para um
conceito de força física porque isso nada adianta, não é por isso que os prazos possessórios
irão de deixar correr dado que não há nenhum impedimento colocado á pessoa por causa da
utilização de força física. Na jurisprudência o entendimento dominante é o inverso esta vale
como força física. A utilização de força física indica posse violenta não é preciso que sempre
haja coação física.

Alem de ter posto o muro a tapar a passagem o B está com uma caçadeira, isto pode ver-se
como coação moral e enquanto isto se mantiver os prazos possessórios não podem contar.
Nessa situação a privação da posse dá-se por meios violentos.

Aula 10/11/20

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Tínhamos ficado na distinção entre posse pacifica a e violenta e naquela providencia cautelar
de restituição provisória da posse (1279). Faltam-nos duas classificações

Posse publica e posse oculta (1262) – A posse é publica quando poder ser conhecida pelos
interessados. Pode ser, mas não tem de ser, não tem de ser efetivamente conhecida pelos
interessados e depois não é poder ser conhecida por toda a gente, mas sim pelos interessados,
as pessoas que são afetadas pela posse de certa ou outra pessoa. Exemplo: se alguém furtou
um relógio de sala e o usa, mas usa como relógio de sala a respetiva posse, em princípio, é
oculta, porque não pode em princípio conhecida pelos interessados, os interessados serão em
princípio o proprietário. Se o relógio é usado normalmente, ele está escondido, a sua posse
não pode ser conhecida pelos interessados. Se a pessoa que lavra um terreno vai
sucessivamente alargando a área onde lavra, passa a linha do seu prédio para o prédio vizinho
e faz isso sucessivamente, intencionalmente e sucessivamente, a sua posse é publica porque
pode ser conhecida pelo proprietário afetado aquela atuação daquela pessoa. Também é
verdade que há um ónus de conhecimento por parte do interessado, cultiva o seu e o do
proprietário do terreno ao lado, o vizinho reside no brasil e há 30 anos que não vem a
Portugal, apesar de este não ter conhecimento nem poder conhecer, não pode conhecer
porque não atua diligentemente em relação ao que lhe pertence. Esta distinção como a
anterior interessa sobretudo para prazos, sempre que a posse seja oculta enquanto for oculta
os prazos possessórios não começam a contar, os prazos de perda da posse, os prazos de
caducidade das ações possessórias e os prazos de usucapião. O facto de a posse ser violenta ou
ser oculta não impede que seja posse, impede é que uma grande parte dos benefícios da posse
se consigam obter, os mais importantes, ficam suspensos enquanto a posse mantiver estas
características de violência ou de ocultação.

A última classificação retira-se do 1257.

Posse efetiva e não efetiva: A posse é efetiva quando o possuidor a exerce quotidianamente, a
posse é não efetiva quando ela não é exercida pelo menos com frequência. Em geral, isto é
inteiramente irrelevante, tanto faz que a posse seja efetiva como não efetiva o que importa é
que há posse. Por isso é que o 1257 estabelece que há posse tanto enquanto ela se exerce
como quando exista a simples possibilidade de ser exercida. Enquanto for possível exercer há
posse, isto por razões de ordem pratica, não é nenhuma construção jurídica. Se o vizinho que
está no brasil faz 30 anos uma vez adquiriu a posse sobre o terreno em causa manteve-a, não
se pode dizer que só porque não está no local e porque habitualmente não dá uso àquele
imóvel não se pode dizer que não é possuidor. É possuidor porque é possível para ele exercer a
posse quando quiser, enquanto existir a possibilidade de exercer, enquanto isso se mantiver, à
posse. Mais adiante vamos ver que, contudo, para efeitos de usucapião está-se a pressupor
como sendo posse efetiva. É o único efeito possessório que depende da efetividade da posse,
no resto é igual.

Modos de aquisição da posse

Vamos distinguir os modos de aquisição originária dos modos de aquisição derivada.

Os modos de aquisição originária são aqueles em que a aquisição se dá sem intervenção/


colaboração do possuidor anterior. Nestas situações, adquire-se a posse contra a vontade ou
pelo menos sem intervenção da vontade do anterior possuidor. Nos casos chamados de
aquisição derivada a posse adquire-se com intervenção da vontade do anterior possuidor,
colaboração do anterior possuidor.

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Essa separação tem de imediato uma enorme consequência: quando a posse seja adquirida
originariamente, como o anterior possuidor não colabora, e até provavelmente se opõe isso
significa que a posse do anterior possuidor se mantém, ou seja, nem é rigoroso dizer anterior
possuidor, porque ele continua a ser possuidor. Após alguém ter adquirido posse
originariamente durante um certo período de tempo passamos a ter dois possuidores em
conflito, pelo menos. Aquele contra quem se adquiriu posse, sem a sua vontade, que mantem
a sua posse, essa posse certamente não será efetiva, ou totalmente efetiva, porque entretanto
surgiu o novo possuidor e temos do outro lado a posse daquele que adquire originariamente
contra a vontade do anterior. Durante um certo período ambos são possuidores, embora, o
anterior possuidor com uma posse não efetiva (sem possibilidade de atuar materialmente
sobre a coisa objeto da posse), o novo com uma posse efetiva. Mantem a possibilidade de
readquirir a posse.

Esse período de tempo é um ano, não há uma razão plausível para ser um ano, é uma razão
histórica. Resulta isto do 1267 n1 alínea d) e indiretamente do 1281 que estabelece o prazo de
caducidade das ações possessórias, o prazo é o mesmo. A ideia é que quando alguém adquire
posse originariamente, o anterior possuidor é em termos de efetividade da posse é esbulhado
(privado da posse, não implica violência), mas mantem a possibilidade de readquirir posse
efetiva intentando ação. Durante esse ano ambos têm posse, o esbulhador tem posse efetiva e
o esbulhado não tem posse efetiva, isto de um modo geral. Há situações em que a posse não é
apenas efetiva numa parte.

Quando é que se adquire originariamente? O 1263 tem duas hipóteses (não são todas, mas
principais):

-A primeira é o chamado apossamento (alínea a), dá-se quando alguém: pratica atos
materiais, reiteradamente e com publicidade sobre algo que não lhe pertence. Exemplo:
aquele que sucessivamente vai lavrando o terreno de forma a lavrar também o terreno do
terreno do vizinho e, á conta disso, ir-se apossando do terreno do vizinho. Aquele que sabendo
ou não sabendo constrói a sua casa em terreno que não lhe pertence. Com publicidade é nos
mesmos termos do 1262, a publicidade não é um requisito de aquisição da posse, é um
requisito de eficácia da posse, adquire-se posse mesmo que não haja publicidade, acontece é
que se a posse não for publica a generalidade dos efeitos possessórios não se produz. A
reiteração está pensada apenas para a normalidade, o que está propriamente em causa não é
a reiteração, mas sim a intensidade dos atos materiais. Se incide sobre imóvel pela prática de
atos materiais geralmente será necessária uma reiteração. Se lavra uma vez o terreno vizinho e
não se repete não se pode retirar daqui uma intenção de apropriação e não se pode entender
que houve apossamento. Será sempre necessária reiteração no sentido próprio do tempo. Se
estamos a falar de coisas moveis não é assim, basta um ato de subtração para revelar intenção
de apropriação. De imediato isso não afeta a situação do proprietário, de imediato o que
sucede é que se diz que um passou a ser possuidor, se isso altera a posição da pessoa que
sofreu o apossamento, só em termos materiais porque em termos jurídicos nada se alterou.

-Inversão do título da posse (1263 d) e 1265) - a inversão do título da posse supõe


sempre um detentor, que alguém começa como detentor e que depois sucede algo que o
transforma em possuidor, a transformação de detentor em possuidor. Pressupõe sempre um
detentor, só quem já é detentor é que pode adquirir posse por inversão. A regra é de que
quem começa como detentor permanece sempre como detentor independentemente da
duração ou intensidade dessa detenção. Se o A emprestou uma casa ao B e a título de
empréstimo o B está nessa casa 20/30/40 anos, ele é sempre detentor.

47
Se o A proprietário deu o apartamento de que é proprietário em usufruto ao B, o B esteja lá o
tempo que quiser é sempre detentor, detentor de que? Quando haja sobreposição de direitos
reais sobre a mesma coisa, o titular do direito real menor em termos possessórios é sempre
duas coisas ao mesmo tempo, possuidor em relação ao seu direito menor (usufruto no
exemplo) e é detentor em relação ao direito maior (propriedade), isto porque o proprietário
exerce a sua posse sobre a coisa através do detentor (usufrutuário), e, portanto, o B neste
exemplo, é possuidor mas só em relação ao usufruto, em relação á propriedade é detentor.
Por muito tempo dure o usufruto em relação á propriedade é sempre detentor, começou
como detentor presume-se que permanece sempre como detentor esta é a regra.

Para que o detentor alguma vez passe a possuidor é necessário que ocorra a tal inversão do
título da posse, esta consiste de acordo com o 1265 em duas hipóteses: inversão por
contradição do detentor, ou inversão por ato de terceiro.

A inversão por contradição supõe que o detentor pratique atos perante o possuidor que
demonstrem inequivocamente que já não reconhece a posse do possuidor e que, portanto,
pretende afirmar uma posse própria. Exemplo: O A deu de arrendamento ao B e o B obriga-se
a pagar-lhe uma certa renda mensal como retribuição (500 euros). Ao fim de X anos o
arrendatário depois de ter feito imensas benfeitorias que não lhe cabem, entende que o
apartamento agora é seu. E, portanto, afirma perante o proprietário que vai deixar de pagar
rendas porque considera que o local lhe pertence. Após o 25 de Abril muitos dos que
trabalhavam as terras arrendadas, com o argumento de que a terra é de quem a trabalha
deixaram de pagar rendas e deixam de reconhecer os proprietários como proprietário.
juridicamente estes argumentos não valem, não houve transferência da propriedade. Mas, a
verdade é que se isto é praticado perante o proprietário demonstra inequivocamente que há
uma mudança de atitude perante aquela coisa, o proprietário não pode continuar a presumir
que o arrendatário lhe reconhece a posse e propriedade. Pode presumir o contrário. Em
termos possessórios e em termos de titularidade do direito nada muda, mas em termos
factuais passa-se a ter um obstáculo dado que o outro se considera possuidor. Isto não é
vulgar porque implica que o detentor assuma um conflito e geralmente não o querem. Há uns
anos havia pescadores que tinham construído umas barracas para guardar as canas de pesca
em terrenos do porto de lisboa. Aquilo foi tolerado. Só que o que eram no início barracas de
pesca, passaram a casas de tijolo. Passados mais de 40 anos o porto de lisboa entendeu que
precisava dos terrenos e que os terrenos tinham que ser desocupados e as casas tinham de ir
abaixo. Estes foram abaixo porque estes nunca assumiram o conflito, nunca disseram que
aquilo era deles, não puseram em causa a propriedade do porto de lisboa, nunca houve
inversão, por isso, os prazos de usucapião não começaram a correr. A partir da data da
inversão o que era detenção passou a posse, posse formal, mas posse, começam a contar os
prazos possessórios. Tem de se atuar de acordo com a contradição que se queria.

Se o detentor quiser invocar usucapião e alguém se opuser não tem efeitos, se ninguém se
opuser acaba por ter.

Modalidade de inversão que ocorre por ato de terceiro: Estamos a supor que alguém que
nem é possuidor nem detentor celebra com o detentor um qualquer ato jurídico translativo ou
constitutivo pelo qual aparentemente transfere para o detentor o direito correspondente a
uma posse. Exemplo: A é proprietário, B é arrendatário, entretanto (não importa se é verdade
ou mentira) C alegando que é herdeiro do A vende ao B, arrendatário, o imóvel que lhe estava
arrendado. Como estamos a supor que o C é terceiro realmente a venda não está a ser feita
pelo proprietário, não vale, é nula. Até pode ser que esteja em vias de herdar e antecipando

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que tenha vendido, no entanto, quando a venda foi feita o imóvel não lhe pertencia e para
todos os efeitos a venda é nula, mas a verdade é que se o B arrendatário comprou a partir daí
a sua conduta muda, não se comporta como arrendatário vai começar a comporta-se como
proprietário. Em termos de titularidade de direitos nada mudou, mas em termos factuais a
situação do B mudou, ou pode mudar, a justificação, o titulo que ele tem deixa de ser o de
arrendamento passa a ser o de compra e venda, substitui o titulo anterior que lhe dava
detenção pelo titulo posterior que lhe dá posse. A posse do A de imediato não é afetada,
continua a ser ao mesmo tempo possuidor, ambos são e em termos de titularidade de direito o
A continua a ser proprietário. Claro que em termos práticos surge um obstáculo contra o qual
o A tem de reagir se quiser, mas isso é um problema factual. Isto não afeta de imediato do
ponto de vista jurídico o A, o B passa a ter posse, mas em relação ao A não há mudanças, em
termos factuais sim. Se o A não reage isso pode levar a que o B mais tarde venha a invocar
usucapião, mas isso é muito mais tarde.

Modos de aquisição derivada da posse

Situações em que a posse se adquire com intervenção da vontade do anterior possuidor que
de facto aqui passa a ser mesmo anterior possuidor porque se alguém adquire posse com a
declaração do anterior possuidor este anterior possuidor deixa de o ser, dá-se nos termos do
167 n1 alínea C, a chamada cedência da posse.

O que a aquisição derivada da posse se distingue da originaria é que na derivada o anterior


possuidor deixa de ser possuidor, esse cede a sua posse. Tem as suas dificuldades saber se o
ato praticado implica a cedência da posse, mas em termos formais é simples.

Quando o promitente vendedor entrega só ao abrigo do contrato de promessa a coisa


prometida quando entrega isto pode ser visto como cedência nos termos do 1267 alínea C)?
Depende de saber se o promitente comprador tem a posse ou não, e muitas vezes a aquisição
da posse só se consegue provar passado tempo, é uma situação duvidosa. A jurisprudência
maioritária vai no sentido de dizer que o promitente comprador não tem posse, o promitente
vendedor mantém a posse mesmo depois de entregar, em geral a posse é configurável apenas
como um ato de tolerância (1253 alínea B) em geral não houve cedência da posse.

Modos de aquisição derivada da posse

Quando o anterior possuidor tenha feito a entrega (1263 b) da coisa ao novo possuidor,
entrega com propósito de cedência. Nem todas as entregas significam a cedência da posse.
Depende de cada caso como é feita a entrega, temos a entrega material sendo coisa movel
normalmente sucede, é passar de mão em mão no fundo. Temos a entrega simbólica, é a que
se faz entregando algo que representa a coisa (chaves no exemplo típico), ou pode não ser
uma coisa nem outra depende da situação, é preciso não ser muito formalista. Há entrega da
coisa sempre que essa coisa é colocada à disposição do novo possuidor, como se coloca á
disposição depende do caso. Exige-se é que essa colocação da coisa á disposição seja efetuada
pelo anterior possuidor. Se a entrega é feita por outra pessoa quem a recebe não adquire
posse por esta alínea.

A traditio brevio menu (entrega abreviada) - a anterior entrega é longa manu. Na entrega
propriamente dita alínea B diz-se longa manu porque implica efetivamente a entrega. Na
traditio brevio manu, é no sentido de que nem sequer se faz a entrega porque essa entrega já
anteriormente foi efetuada, só que a título de detenção.

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Exemplo: o A deu de arrendamento ao B, suponham que depois o A vende o apartamento
arrendado ao B. Para que o B adquirisse posse era necessário que o A entregasse, no entanto,
este já tinha sido anteriormente entregue quando foi celebrado o arrendamento não se ia
exigir que este fosse devolvido ao A para que o A entregasse a posse, por isso abreviada no
sentido de que quem adquire posse já obteve a entrega anteriormente a titulo de detenção. A
traditio brevio manu supõe sempre um detentor, só pode adquirir por esta via a posse quem
antes fosse detentor. Quer a inversão do titulo da posse quer a traditio brevio manu
pressupõem um detentor, só funciona a favor de quem já é detentor a diferença é que na
inversão a aquisição se dá sem intervenção da vontade do possuidor e na traditio brevio manu
dá-se com intervenção da vontade do anterior possuidor. Não está diretamente prevista na lei,
geralmente admite-se.

Constituto possessório (1263 alínea C e 1264) - estamos perante uma situação em que alguém
adquire posse com intervenção da vontade do anterior possuidor, mas sem que haja entrega
ao novo possuidor porque a coisa permanece e irá continuar na detenção do anterior
possuidor (n1 do 1264) ou na detenção de um terceiro (n2 do 1264). No fundo, o anterior
possuidor não entrega ao novo possuidor porque este aceita que o próprio anterior possuidor
ou um terceiro permaneçam com a coisa em seu poder a título de detenção, não de posse.
Exemplos: o A possuidor do apartamento vende-o a B, mas combina com B que o deixará
permanecer no apartamento mais um mês, há uma tolerância do B em permitir a manutenção
do A durante mais um mês. Há uma tolerância do B em permitir a manutenção do A durante
mais um mês. O B adquire posse, no entanto, em que o contrato foi celebrado mesmo que não
haja entrega imediata. O que importa é que este irá permanecer como detentor, o possuidor
passa a ser B, mesmo não havendo entrega. Outro exemplo: A dá de arrendamento a B, A é
detentor, B é possuidor, o próprio A vende a C, a transferência da posse dá-se para C apesar de
o A continuar como arrendatário, porque a mudança de proprietário não afeta a situação do
arrendatário. O C adquire posse sem entrega, para não entrarmos, mais uma vez, em
formalismos ridículos.

Não importa se o ato translativo é valido ou invalido, o que importa é que tenha havido o ato
translativo. Mesmo que a venda de A para C não seja valida, do ponto de vista possessório
quem compra começa a atuar como proprietário. Portanto, outra vez na hipótese, o C é tido
como possuidor ainda que formal.

Sucessão na posse (1255): é a sucessão mortis causa, aquisição da posse por morte do anterior
possuidor. Juridicamente, uma parte dos sucessores mortis causa são tidos como
continuadores da pessoa falecida, e, portanto, a posse desses sucessores é exatamente
idêntica aquela que antes pertencia ao autor da sucessão. Quais são os sucessores mortis
causa que estão nestas situações? Os sucessores mortis causa são de duas espécies (2030):
herdeiros (sucedem em bens indeterminados) e legatários (sucede em bens ou valores
determinados). Os legatários funcionam do ponto de vista jurídico como simples credores da
herança, como a agência funerária é credora, do ponto de vista jurídico a qualidade é a
mesma, estes não são tidos como continuadores, estes vão adquirir posse adquirir posse dos
bens objeto da sucessão nos termos anteriores. Sendo assim, a sucessão na posse só funciona
para os herdeiros, só estes é que são vistos como continuadores do autor da sucessão. Mas o
que significa dizer que são continuadores do autor da sucessão? Primeiro, a duração da posse
conta-se desde o início da posse do autor da sucessão, necessariamente, a posse dos herdeiros
começa quando começou a posse do autor da sucessão, tem a duração correspondente. Na
aquisição derivada da posse também se podem juntar os temos possessórios dos anteriores

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possuidores, não tem de se juntar, mas pode-se, para efeitos de usucapião é o que geralmente
se faz, é o que se chama de acessão da posse (1256). Como os herdeiros continuam a posse do
autor da sucessão as qualidades que a posse tivesse com os autores da sucessão são as
qualidades que esta há de ter com os herdeiros (se a posse do autor da sucessão era de má fé
a posse dos herdeiros é de má fé, ainda que de boa fé, mesmo para a posse titulada e todas as
outras classificações). Nos outros modos de aquisição derivada da posse mesmo que se juntem
tempos possessórios para cada modo de aquisição faz-se uma classificação das suas
qualidades. Exemplo: A teve durante 10 anos posse não titulada de má fé, depois transmite ao
B que adquire por entrega, tem de novo de se classificar a posse adquirida por B. Na aquisição
derivada que não seja a de sucessão há um conjunto de classificações que se devem efetuar.

Nas aquisições derivadas que não sejam sucessão são faculdades que se oferecem ao atual
possuidor, soma se quiser e somando tem as consequências que tiver, na sucessão da posse a
soma é necessária, não tem opção, e as características da posse são as que tinham com o autor
da sucessão não há outra hipótese, seja para o melhor ou pior.

Aula 17/11/20

Efeitos da posse

A posse é juridicamente relevante, a detenção é juridicamente irrelevante na medida em que a


posse tem efeitos jurídicos que lhe estão associados independentemente de ser formal ou
causal. Ou seja, quer o possuidor tenha o direito correspondente á sua posse, quer não tenha
esses efeitos produzem-se sempre. Podemos discutir o porquê de estes efeitos se produzirem
mesmo para quem não tem o direito correspondente. A posse formal tem sempre alguma
coisa de irregular ou até de ilícito no seu aparecimento (o ladrão tem posse formal, o que se
apoderou do imóvel vizinho contra a sua vontade tem posse formal).

Em Espanha há hipóteses em que pessoas ocupam casas de férias e alguns que alegando que
não têm casa ocupam e colocam-se lá dentro, outros casos em que a agência foi mostrar uma
casa a uma pessoa qualquer e aproveita a oportunidade para trancar o intermediário lá fora e
está a ocupar a casa, entretanto quando chega o proprietário já mudaram a fechadura, isto é,
claramente uma situação ilícita agora a questão é pô-los fora. Mesmo que se chame a polícia a
polícia não consegue saber se a pessoa é possuidora ilícita ou não, a policia, a menos que
assista e possa atuar em flagrante, tem de ter provas, por isso tem de ser intentada ação. O
promitente comprador tem posse porque a situação se manteve para alem do que seria
normal, a situação dele devia ter-se resolvido pela realização do contrato de compra e venda,
por isso regularizando-se aquilo que começou como uma situação mais ou menos precária e
que acaba por não suceder ou porque se desentendem, faltam licenças e, portanto, a situação
do promitente comprador que tem a coisa em seu poder vai-se mantendo precariamente
quando não devia.

Há diversos graus de irregularidade ou ilicitude que podem ser subjacentes á situação do


possuidor, mas o possuidor formal para todos os efeitos está sempre numa posição irregular
no mínimo. Em verdade porem é que todas as situações têm os efeitos possessórios? Mas
porque é que se dão os benefícios da posse a essas pessoas? Há muitas explicações, mas a
decisiva é esta é uma questão de normalidade. Geralmente, por regra, temos de assumir que o
possuidor tem o direito correspondente á sua atuação, há coincidência entre posse e
titularidade do direito. Como sempre sucede nestas situações, para darmos proteção na
normalidade estamos a dar proteção nas anomalias. Estamos a conceder benefícios
eventualmente a pessoas que não os merecem, mas quando se parte do princípio de que o

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possuidor é titular do direito quando eventualmente não seja assim não será. Estes efeitos da
posse que também podem ser chamados benefícios da posse são concedidos na presunção de
que normalmente o possuidor é titular do direito.

Porque é que se concedem esses benefícios da posse na presunção de que o titular do direito
normalmente é o possuidor? Porque muitas vezes, a prova da titularidade do direito é muito
difícil, e, portanto, o próprio titular do direito não consegue fazer prova de que é titular do
direito. Se não fosse a posse que lhe corresponde provavelmente haveria situações em que se
perderia o direito à conta de não o conseguir provar.

Exemplo: Há 4/5 anos estabelece-se que os proprietários de terrenos confinantes com leitos
de rios navegáveis (domínio publico), só podiam ser tidos de propriedade privada aqueles que
conseguirem provar a aquisição da propriedade desde que essa aquisição foi conferida por um
decreto régio. Quem quiser manter a sua titularidade tem de provar a sua aquisição fundada
nesse decreto régio. Esta comprovação muitas vezes roça o impossível. Desde essa altura, se
fosse preciso tinha havido 20/30/40 transmissões, comprová-las e a respetiva validade roça o
impossível. O recurso á posse e aos chamados efeitos ou benefícios da posse pode superar o
problema designadamente pela usucapião, daqui que os chamados benefícios da posse
tenham surgido, surgiram para dar ao que normalmente será o titular do direito vantagens de
forma simplificada. Ao fazermos assim estamos a eventualmente a dar essas vantagens a
quem não as merece, mas parte-se do princípio de que esses serão uma minoria, esses que
obtêm vantagens por arrastamento é de forma esporádica.

Presunção de titularidade de direito (1266) – É uma presunção idêntica na sua natureza á do


artigo 7 CRP. O 7 do CRP presume a titularidade do direito a favor da pessoa que tiver registo a
seu favor. Aqui presume-se a titularidade do direito a favor de quem tiver a posse, quem atua
como se fosse proprietário presume-se como proprietário, quem atua como se fosse
usufrutuário presume-se que tem usufruto… Presume-se que o direito correspondente à
posse está na titularidade do devedor.

Sendo assim, as duas presunções podem chocar, pode dar-se o caso de uma pessoa ter a posse
e a outra o registo, uma ter a seu favor a presunção derivada da posse e a outra a presunção
derivada do registo. Pensem na situação da dupla venda, sem fazer intervir o 291. O A vende
ao B a quem entrega, não fazendo o registo vende também ao C que adquire registo a seu
favor. O natural é que o C de imediato apenas tenha o registo e não a posse. O B tem a
presunção derivada da posse e o C a presunção derivada do registo. Ambos são presumidos
titulares do direito, mas com fundamentos diferentes. O facto concludente, que permite tirar a
elação de que são titulares do direito é diferente, num caso a posse no outro o registo. Se o C
não puder beneficiar do 291 temos duas presunções em conflito, o que o 1268 manda fazer,
em princípio, é que prevalece a presunção que for mais antiga, o facto concludente que for
mais antigo. A lei diz que havendo título, se a venda A B é feita respeitando a forma necessária,
havendo título presume-se que há posse desde a data do título. Seria mais ou menos fácil
provar que a data da posse do B é mais ou menos anterior à data do registo do C. Se
porventura, houver conflito de presunções com a mesma data prevalece ainda a posse porque
o 1268 diz que o registo só prevalece se for anterior, ou seja, a contrário se é da mesma data
não é anterior.

Temos os benefícios da posse ligados a frutos e a benfeitorias. A posse de boa fé concede os


frutos que a coisa produzir ao possuidor, mesmo que seja posse formal, mesmo não tendo o
direito correspondente adquire os frutos enquanto estiver de boa fé (1270). Ao contrário o

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possuidor de má fé não tem direito a frutos e, portanto, vai ter de restituir o que recebeu,
salvo em qualquer caso em que haja usucapião, o regime do 1270 e 1271 não está em
condições de invocar usucapião, se estiver o problema fica resolvido e não há restituição,
mesmo em caso de má fé. A situação fica salvaguardada pela invocação de usucapião.

Ações possessórias – Hoje em dia, do ponto de vista contratual tirando o embargo de terceiro,
as restantes ações possessórias não têm autonomia do ponto de vista processual, não há um
processo próprio para as ações possessórias, são ações de condenação que seguem o processo
comum. Mas, do ponto de vista substantivo, do direito material continuam a ter autonomia,
sobretudo, porque têm regras próprias (1276 e ss). Temos ação de prevenção, ação de
manutenção e ação de restituição.

Na ação de prevenção, esta é uma ação, mas que desempenha a função de uma providencia
cautelar, pode ser intentada quando o possuidor antecipe a possibilidade de ser perturbado ou
esbulhado da sua posse. Á conta disso não tem prazos para ser intentada (é intentada
enquanto o receio existir) e há de ser intentada contra o autor eventual da perturbação/
esbulho. Na prática tem pouco utilidade.

O 1278 trata conjuntamente duas ações diferentes a ação de manutenção e a ação de


restituição. São tratadas conjuntamente porque muitas vezes no próprio processo não é fácil
perceber se o caso é de manutenção ou de restituição. A lei trata-as conjuntamente porque
processualmente pode haver dificuldade e para não haver formalidades a impedir que a ação
seja intentada dá-se o tratamento conjunto. A ação de manutenção supõe que o possuidor
que a intenta continua a poder exercer a sua posse, mesmo após o ato praticado por terceiro
continua a ser possuidor, em termos factuais. Acontece que o ato praticado por outra pessoa
impede o exercício normal da posse, neste sentido, perturba. Não exclui o exercício da posse.
Suponham que o proprietário do prédio A verifica que todos os dias o proprietário do prédio B
faz a passagem pelo seu terreno, isso não impede o A de exercer a sua posse, acontece é que
há uma atuação da pessoa que incomoda. Ao contrário a ação de restituição supõe que o
possuidor deixa de poder atuar factualmente sobre a coisa que possui á conta da atuação de
outra pessoa que o priva do seu exercício. Esta privação contra a vontade do possuidor
designa-se por esbulho. O esbulhado é aquele que é privado do exercício de facto, o
esbulhador é aquele que tirou. O esbulhado não perde a sua posse, se perdesse a sua posse
não podia intentar ação, na ação o esbulhado tem que provar a sua posse, se perdesse a posse
não poderia provar porque justamente a perdeu. O que se diz é que perdeu a posse em termos
atuais, deixou de factualmente poder atuar, continua a ser possuidor. Como sabem, enquanto
não passa um ano e um dia sobre a data do esbulho (1267 n1 alínea b) o esbulhado mantem a
posse, não é uma posse atual não pode ser factualmente exercida. Por outro lado, o esbulho
tanto pode ser total como parcial, a privação da posse atual tanto se pode dar por inteiro
como apenas em parte, especialmente nos casos em que apenas acontece em parte, muitas
vezes a separação entre esbulho e perturbação não é fácil. Dai a razão para a lei tratar
conjuntamente as duas ações, porque os nomes tanto fazem, se a ação é intitulada ação de
manutenção e o tribunal entende que não é perturbação, mas sim esbulho o tribunal decreta a
restituição, não obstante de entender que a qualificação feita na ação não é adequada. Não é
a diferente qualificação e o pedido que é feito em função da qualificação não serem os mais
adequados aos olhos do tribunal que impede a viabilidade da ação. O mesmo ao contrário. O
tribunal pode decretar algo de diferente daquilo que é pedido requalificando os factos. Ambas
as ações devem ser intentadas no prazo de uma no a contar doe esbulho/perturbação (1282),
se o esbulho foi violento ou oculto esse prazo só começa a contar quando cessar a violência ou

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a ocultação (1282 e 1267 n2). No caso da situação de manutenção temos uma situação
parecida com o chamado crime continuado, se os atos que traduzem a perturbação forem atos
continuados (uma sucessão/continuação de atos) pergunta-se quando é que o caso começa a
contar. se é uma to continuado que está em causa o prazo começa a contar quando esse ato
começou, se se trata de uma sucessão de atos distintos uns dos outros conta-se o prazo de um
ano sobre cada qual, cada ato representa um ato de perturbação e cada um deles dá origem á
contagem de um prazo distinto para cada qual. Legitimidade (1281, o número 1 para a ação
de manutenção, n2 para a ação de restituição). Quem pode intentar ação de manutenção é o
possuidor perturbado ou os seus herdeiros, a legitimidade passiva é do autor da perturbação,
sem prejuízo de havendo anos decorrentes da perturbação a ação poder ser também ação de
indemnização contra os herdeiros. Havendo sucessão na posse os herdeiros são
continuadores do autor da sucessão e, portanto, a posse dos herdeiros é a mesma do autor da
sucessão, logo se em vida o autor da sucessão foi ter a sua posse perturbada a perturbação
permanece com os herdeiros desde que estejam dentro do prazo de um ano, se o autor da
sucessão foi perturbado na sucessão, eles quando sucedem estão perturbados, ou seja,
quando sucedem eles próprios estando dentro do prazo têm legitimidade para a ação. O que é
especial é na própria ação de manutenção se poder fazer os pedidos de indemnização por
danos causados por perturbação, mesmo contra os herdeiros do autor da perturbação, já
estamos para alem do que seria uma ação possessória típica. Ação de restituição: A
legitimidade ativa, pode intentar ação o possuidor esbulhado e os seus herdeiros a razão é o
1255, podem porque são continuadores do autor da sucessão, supondo que estão dentro do
prazo os herdeiros do esbulhado são esbulhados, a posse é exatamente a mesma. A
legitimidade passiva, a ação pode ser intentada contra o esbulhador e seus herdeiros, o
esbulhador constitui posse para si próprio sempre que há uma aquisição originária da posse
aquele que adquire originariamente é esbulhador, esbulhar implica para o esbulhador
aquisição de posse. É porque adquire posse contra a vontade do antigo possuidor que é
esbulhador, daí decorre que se o esbulhador morrer os seus herdeiros adquirem posse
igualmente. A ação também pode ir contra os herdeiros porque para todos os efeitos eles
também são esbulhadores, a sua posição é a mesma, juridicamente é assim que se concebe. A
ação de restituição pode também ser intentada contra terceiro possuidor (já suponde que a
posse está noutra pessoa que não o esbulhador ou seus herdeiros) desde que este conheça o
esbulha (desde que esteja de má fé). Se o terceiro não for possuidor, mas sim detentor a ação
vai contra possuidor respetivo e não o detentor, ou seja, o A é possuidor foi privado da sua
posse, houve inversão do titulo por parte de B, o B em relação á coisa sobre a qual inverteu o
titulo deu-a de arrendamento ao C, tradicionalmente entende-se que o C é detentor, por isso a
ação deve ser intentada contra B, porque o C é um simples detentor. Mesmo que o terceiro
seja possuidor, se estiver de boa fé (ignorar o esbulho), o que significa que nessa hipótese a
posse do autor da ação se extingue, se ele não pode exigir a restituição contra terceiro
devedor de boa fé é porque a sua posse extingue-se. Nada pode fazer em termos possessórios,
se o A porventura tiver posse causal pode intentar ação de reivindicação nos termos gerais, em
termos possessórios é que já não pode atuar. Em qualquer caso seja na manutenção, mais
vincadamente, na restituição estamos sempre a supor que o conflito entre autor e reu é
mantido no plano possessório, se o litígio deixa de estar centrado na posse, mas sim na
titularidade do direito deixa de ser possessória, passa a ser petitória.

Embargo de terceiro (1285) – está previsto no CPC como um incidente da instância.


Substancialmente é uma ação, só que uma ação que surge enxertada noutra ação e por isso é
que funciona como um incidente da instância, um incidente dessa outra ação. Tem em vista

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reagir contra ofensas á posse fundadas em atos judiciais. A hipótese mais vulgar é que seja
esbulho, mas provocadas por diligencias judicialmente ordenadas. As duas hipóteses principais
arresto e penhora. Esse arresto ou penhora ter implicado a perda da posse ou ameaçado essa
perda (o embargo é repressivo ou preventivo) tem em vista responder preventivamente ou
repressivamente quando a pessoa embarga em relação ao que está a ser discutido naquele
processo ou terceiro. Quando a pessoa que embarga nada tem a ver com o litígio que naquele
processo está a ser resolvido. Exemplo: A vendeu a B, B não registou de imediato, entretanto,
o C credor do A registou ação executiva contra o A e nessa ação penhorou o que o tinha
vendido, mas que ainda não estava inscrito a favor do B. O B perante este processo é terceiro,
mas o que é facto é que naquela instância, naquela ação executiva, está a ser discutido um
problema que não diz respeito ao B, mas que envolve um bem que diz respeito ao B, o B pode
reagir embargando terceiro para obter a restituição do bem que lhe foi indevidamente
penhorado dado que não podia ter sido penhorado naquela situação. Se é assim o embargo se
funciona como incidente numa outra ação, isso significa que no máximo dos máximos o
embargo só pode ser deduzido até que essa ação finde, assim que a ação finde o embargo já
não é possível, nesse caso ao terceiro apenas restam os meios normais, a ação de
reivindicação, porque o embargo é meramente possessório, discute-se a posse. É por aqui que
muitas vezes a distinção entre posse e detenção perde algum do seu significado porque é
verdade que há muitas situações previstas na lei em que foram concedias ações possessórias a
pessoas que juridicamente são tidas como detentores (dá o arrendatário o recurso a ações
possessórias, ao comodatário o mesmo), dá que pensar se quando a lei faz assim essas pessoas
são possuidores. O que importa é que em certas situações a lei estende as ações possessórias
todas a pessoas que segundo as conceções normais são simples detentores. Parece que
analogias não sejam permitidas.

Usucapião (1287) – A usucapião na essência supõe a manutenção da posse durante um certo


período de tempo, geralmente um largo período de tempo. Os requisitos da usucapião são
posse e prazo. É preciso posse durante um certo período de tempo. A posse para este efeito
deve revestir três características: só serve se for efetiva, publica e pacifica.

Usucapião de imoveis (297):

Os prazos só começam a contar a partir do momento em que a posse se torne publica e


pacifica. Se a posse começou oculta ou violenta os prazos só começam a contar a partir do
momento em que sejam publica e pacifica. Isto porque a usucapião pressupõe a posse daquele
que invoca, mas também supõe a inercia daquele contra quem é invocada a usucapião, supõe-
se que aquele contra quem ela é invocada não reagiu podendo ter reagido, se a posse for
oculta ou violenta aquele que podia ter reagido não podia mesmo, não se pode dizer que
houve inercia porque, ou por desconhecer a existência da posse ou por estar sobre coação não
reagiu porque não podia reagir. Exemplo: se aparece num leilão um quadro que foi furtado
durante a segunda guerra mundial e que foi transferido de mão em mão, mas sem se conhecer
o paradeiro, a posse mesmo que não existisse intenção de esconder manteve-se oculta até
aparecer em leilão. Só hoje é que os prazos de usucapião começam a contar. o mesmo se
houver violência/ coação por parte de outra pessoa, nessa situação o afetado não reage por
medo.

A outra característica que a posse deve ter é ser efetiva. Normalmente, o não exercício de um
direito seja ele qual for leva à sua extinção. Ou por não uso ou por caducidade, ou mesmo por
prescrição. Se alguém não exerce um direito por um longo período de tempo ao fim de X
tempo o direito extingue-se. Ora, se para efeitos de usucapião pudesse valer posse não

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efetiva/ não exercida podemos chegar á incoerência de saber que alguém que não exerceu a
posse durante muito tempo iria através do não exercício adquirir um direito. Não faz sentido,
só faz sentido pelo não exercício perder-se um direito, por isso, é que se acrescenta que a
posse para efeito de usucapião tem de ser efetiva. A posse mantém-se (1257) mesmo que não
seja exercida, no entanto, uma coisa é manter a posse, outra coisa é através da posse
pretender adquirir um direito para esse efeito só faz sentido que a aquisição desse direito
resulte de uma posse efetivamente exercida.

Do outro lado os prazos de usucapião são variáveis em função de uma distinção, são mais
longos para a usucapião sobre imoveis/ moveis registáveis e são bastante mais curtos no caso
das coisas moveis não registáveis. No caso dos moveis não registáveis dentro desta categoria
os prazos variam em função da boa ou má fé, ou variam em função do carater titulado ou não
titulado da posse.

No caso dos imoveis ou moveis registáveis é preciso fazer uma distinção, A boa fé ou má fé
funcionam de modo idêntico, ou seja, a boa fé diminui o prazo a má fé estende-o. A posse
titulada no caso dos imoveis ou moveis registáveis não chega para tornar o prazo mais curto, é
necessário que o título esteja registado. Se a posse for titulada e o título estiver no registo o
prazo é mais curto, se a posse for não titulada ou titulada mas não estiver inscrita no registo o
prazo é mais longo.

No caso dos imoveis/ moveis registáveis é possível uma outra hipótese (meramente teórica,
mas que está previsto, 1295) que consiste no chamado registo da mera posse. Faz também
variar o prazo o registo da mera posse é a posse, só que posse não titulada ou pelo menos
titulada sem registo do título, nesse caso permite-se que o possuidor proceda ao registo da
posse para assim obter prazos idênticos, ou potencialmente idênticos aos que se obtêm nos
casos em que houve registo do titulo. Nos casos em que houve registo do titulo, os prazos de
usucapião são 10 ou 15 anos dependendo se haja boa fé do possuidor (1294), se o titulo não
for registado, mas for feito o registo da mera posse os prazos em potencia são idênticos
porque para se fazer o registo da mera posse tem de se intentar uma ação especificamente
prevista na lei para o efeito a chamada ação de justificação (116/ 117 e seguinte do CRP) em
que o possuidor tem de provar (1295 n2) a posse, que essa posse existe à pelo menos 5 anos e
que é publica e pacifica. Provando isto obterá a decisão que compra isso mesmo essa decisão
judicial vai a registo e a partir daí depende da boa fé ou da má fé.

Cumpridos os prazos de usucapião o possuidor pode invocar usucapião, não opera de forma
automática. O próprio 1287 diz que a posse mantida durante certo prazo de tempo faculta ao
possuidor, pode invocar. Essa invocação tanto pode fazer judicial como extrajudicialmente.
Judicial através da tal ação de justificação, extrajudicialmente, que é o modo mais frequente,
através da chamada escritura publica de justificação notarial. Em qualquer caso o possuidor
tem de provar a posse, normalmente fá-lo através de testemunhas que comprovam que
durante o tempo necessário a pessoa atuou como titular de um certo direito real de forma
ininterrupta publica e pacificamente. Obtida a decisão judicial ou escritura lavra-se o registo a
favor de possuidor. O registo neste caso tem efeito enunciativo, mas é obrigatório. Invocada a
usucapião por um destes meios o possuidor adquire o direito correspondente ao exercício da
posse.

Por fim, invocada a usucapião a aquisição do direito correspondente ao exercício da posse tem
efeito retroativo, ou seja, (1288), o possuidor é tido como titular do direito desde a data do
início da posse. Isto significa que a ação judicial apropriada para invocar usucapião não é

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exatamente a ação de simples apreciação, porque não se vai pedir para reconhecer que é
titular do direito a ação vai dar o direito. Por outro lado, não é constitutiva no sentido exato no
termos porque isso significa que o direito só se constitui quando se obtém a decisão favorável
e daí para a frente e por isso se vamos atender aos modelos de ações previstos no CPC não
cabe nem na de simples apreciação nem na constitutiva. Habitualmente diz-se que é uma ação
de simples apreciação, mas é porque é a mais próxima, não por caber exatamente nesse
modelo.

Teórica 24/11/20

Vicissitudes

Acontecimento/ evento a que os direitos reais em geral podem estar sujeitos, vamos ver
fundamentalmente três momentos: aquisição, modificação e extinção.

O primeiro ponto a salientar diz respeito à explicação que se deve dar para os casos de
sobreposição. Os direitos reais podem ser constituídos sobre a mesma coisa (sobreposição),
isso exige antes de mais nada que se justifique os direitos reais sobre a mesma coisa e implica
saber se a sobreposição de direitos sobre a mesma coisa se obtém por via de transmissão ou
de constituição.

Quando se constitui um direito menor sobre coisa alheia fica a questão de saber em que
situação é que fica o direito onerado (vamos dar o exemplo de propriedade). Na explicação
tradicional, que ainda subsiste em termos linguísticos no código civil, a explicação recorre-se à
teoria do desmembramento.

Quando se constitui um direito menor, o direito maior é amputado, é fracionado de modo a


que o titular do direito menor receba na sua titularidade aqueles poderes que antes faziam
parte do direito maior.

Nessa explicação quando se constitui usufruto os direitos de uso e fruição do proprietário são
transferidos do proprietário para o usufrutuário. O direito de propriedade é fracionado de
modo a que no fim, ambos ficam titulares de direitos menores, o usufrutuário fica com direito
de uso e fruição, o proprietário fica com a disposição.

Em rigor ambos os direitos na explicação são direitos menores, por isso é que surgiu a
designação “nua propriedade” ou propriedade de raiz, para dizer que a propriedade que
estivesse onerada com usufruto não era direito de propriedade no sentido exato do termo,
mas um outro direito que por comparação é menor. Em termos de explicação isto é tao bom
como outra coisa qualquer, o que acontece é que se levamos isto de forma muito séria a
consequência é que então quando se constitui o direito menor há uma transmissão, a
aquisição para o usufrutuário será derivada translativa, e depois quando o usufruto chega ao
seu termo há uma retransmissão, os poderes de uso e fruição do usufrutuário são
retransferidos para o proprietário.

Antes de mais nada isto fronta uma construção legal, o que a lei diz é que o usufruto quando
chega ao fim extingue-se, a extinção não é retransferência é desaparecimento (são as
hipóteses todas do 1476). Por outro lado, se há uma retransferencia, sempre o direito menor
incidisse sobre coisa imóvel tinha de haver uma escritura publica ou um documento
autenticado para fazer a retransferencia o que não só não é exigido como não faz sentido.
Portanto a configuração deste desmembramento nestes moldes contraria os próprios moldes
legais.

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É por isso que, em oposição, surge um chamado princípio da elasticidade ou da compressão
segundo o qual quando o direito menor se constitui daí resulta a imposição de uma limitação
ao direito que ficou onerado (seja mais extensa ou menos extensa consoante a natureza do
direito menor), que implica a imposição de uma suspensão do exercício de direitos contra o
titular do direito onerado, há quem use o termo congelamento, dizer suspensão é mais
tecnicamente correto.

Voltando ao exemplo, na explicação quando o proprietário constitui usufruto o proprietário


mantem os seus poderes de uso e fruição, não são transferidos, os poderes de uso e fruição do
usufrutuário surgem de novo, o que acontece é que agora passam a conflituar, sobre a mesma
coisa há duas pessoas com poderes de uso e fruição, usufrutuário e proprietário isso implica
que como o usufrutuário enquanto houver usufruto é que usa e frui isso significa que os
poderes de uso e fruição do proprietário ficam paralisados, ele tem esses poderes, mas pela
constituição do usufruto esses poderes estão paralisados ele fica nessa situação, pode exercer
os poderes de disposição material ou jurídica, mas não de uso e fruição.

Quando o usufruto se extingue nessa altura desaparece aquele obstáculo, o proprietário pode
de novo usar e fruir. Isto já está mais de acordo com a linguagem legal porque assim não há
nenhuma transmissão do proprietário para o usufrutuário, o proprietário não transmite o
usufruto ao usufrutuário há um direito novo que surge por via derivada constitutiva ou por via
originária dependendo do modo de constituição do usufruto, mas não por translação. Quando
o usufruto chega ao termo não há qualquer retransferencia, o que há é o desaparecimento de
um limite por extinção de um direito menor.

Em termos visuais parece ser tudo igual, mas adotar uma ou outra tem consequências, se
dizemos que há desmembramento quando o A constitui usufruto então houve transmissão dos
poderes de uso e fruição para o usufrutuário, o que importa é que enquanto houver usufruto
ao proprietário não pertencem os direitos de uso e fruição, por isso, se porventura, o
proprietário constitui outro usufruto sobre a mesa coisa antes de o primeiro estar extinto, isto
é ato sobre bens alheios, é um ato que está viciado por ilegitimidade do proprietário.

Se adotamos a perspetiva da elasticidade o proprietário mantém os poderes de uso e fruição,


não os pode exercer, mas estão na sua titularidade o que significa que se o proprietário
primeiro constitui usufruto a favor de B e depois a favor de C, o que está constituído a favor de
C não sofre de ilegitimidade, não há nenhuma invalidade no ato de constituição, o que sucede
é que esse segundo usufruto não pode ser exercido porque o A não pode dar a C mais do que
aquilo que tinha. C adquire os poderes de uso e fruição que, contudo, não pode exercer
enquanto houver o primeiro usufrutuário.

Esta é uma das muitas manifestações desta diferença. Hoje em dia, na doutrina dominante é
quase unanime é a hipótese da elasticidade, que não é uma característica especifica dos
direitos reais. O desmembramento terá de ficar para aquelas hipóteses em que se consiga
conceber um parcelamento do próprio direito, talvez a explicação sirva para a constituição do
direito de superfície. Nos demais direitos reais a explicação que domina é a explicação da
elasticidade.

Isto faz com que quando o titular do direito maior constitua um direito menor a favor de outra
pessoa a aquisição desta outra nunca seja derivada translativa, ou é derivada constitutiva ou
originária.

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A propósito do princípio da taxatividade (1306) “numerus clausus” a lei usa uma expressão
para a constituição de direitos menores que é a expressão “figuras parcelares” que faz
nitidamente apelo à teoria do desmembramento. Em termos linguísticos o código civil é feito
para uma altura em que dominava a teoria do desmembramento.

Modos de aquisição

Vamos distinguir os chamados modos gerais de aquisição de direitos, aqueles que servem para
todos ou quase todos ou, pelo menos, para um grande grupo de direitos reais, daqueles que
são específicos, só funcionam para certos direitos.

Modos de aquisição constitutivos

CONTRATO

Sublinha-se que o contrato deve ser translativo, os direitos reais adquirem-se por contrato
desde que o contrato seja para esse efeito, um contrato que esteja concebido para isso. A
compra e venda dá, a doação dá, a permuta dá. A promessa de compra e venda não, ele nunca
é constitutivo ou translativo de um direito real, pelo menos que atribua a posse da coisa.
Estamos sempre a supor contrato translativo.

Nesse domínio, no que toca a contratos destinados à aquisição de direitos reais vigora o
chamado princípio do consentimento (408/1). No que toca à aquisição de direitos reais há dois
grandes sistemas concebíveis, o chamado sistema do título e modo (título mais modo) e por
oposição o sistema de título.

Nos sistemas de titulo e modo é necessário que haja um titulo (um contrato), o contrato é a
base da aquisição, é o que a justifica, ma isso não chega, nestes sistemas este contrato só tem
eficácia obrigacional (gera obrigações entre as partes mas não serve para transmitir um direito
real), para que a transmissão aconteça é necessário um qualquer outro acontecimento, a que
tradicionalmente se chama de modo e que fundamentalmente pode consubstanciar-se em
dois atos: a entrega da coisa tratando-se de direito real sobre coisas moveis, o registo
tratando-se de direitos reais sobre imoveis. Num sistema deste género o contrato não chega
para transferir direitos reais, é necessário, mas não suficiente, tem de ser complementado ou
pela entrega ou pelo registo (tem de ter efeito constitutivo, só com o registo da coisa imóvel é
que o adquirente passa a ser titular do direito).

Nos sistemas de título o contrato faz as duas coisas, ele tem efeitos obrigacionais, mas
também efeito real, o contrato é condição necessária, mas suficiente. O contrato gera
obrigações, mas também constitui ou transfere o direito.

Isto é muito visível no caso da compra e venda (879), aliena a fala do efeito real, b e c dos
efeitos obrigacionais.

Este efeito real é sinonimo de princípio do consentimento, este significa (408/1 primeira parte)
que tratando-se de contrato concebido para ser translativo ou constitutivo basta a conclusão
do contrato, basta o acordo de vontades eventualmente formalizado, para que a transmissão
do direito ocorra. Quer a entrega da coisa (alínea b 879) quer o pagamento do preço (alínea c
879) são fruto de obrigações contratuais, portanto, como regra, quando se entrega já se está a
entregar algo que pertence ao comprador, já está a ser entregue a seu dono.

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O direito foi adquirido quando se deu o acordo. Quando se está a entregar entrega-se a quem
a coisa já pertence, o que paga o preço já está a pagar o preço por algo que quando pagou
muito provavelmente já é seu.

A ideia é separar efeito real de efeitos obrigacionais. O efeito real do 879 a) é uma aplicação da
regra do 408/1, por isso é que, o efeito normal do registo no ordenamento jurídico português
é o efeito consolidativo, não o constitutivo, porque, regra geral, o contrato já constituiu, o
contrato já transferiu ou constituiu o direito, o registo serve só para consolidar algo que já
aconteceu. O efeito constitutivo é um efeito excecional, de outro modo o princípio do
consentimento não pode funcionar.

A ideia central é de que a partir do momento em que na compra e venda se faz a escritura de
compra e venda ou o documento particular autenticado o comprador é titular do direito. Isto
tem depois uma implicação obrigacional, se é assim o risco de perecimento (796) está a correr
por conta do adquirente mesmo que a entrega não tenha sucedido de imediato.

Este princípio tem o que se chama de desvios e exceções.

Desvios e exceções

Temos exceções ao princípio do consentimento sempre que se tenha adotado o sistema do


título e do modo. Por vezes a lei exige a entrega de coisa para que o contrato se dê como
concluído, são os chamados contratos reais quanto à constituição, ou seja, são os casos em
que o contrato não está sequer acabado enquanto a coisa objeto do contrato não for entregue
ao adquirente. Temos essencialmente o contrato de penhor (só está constituído quando a
coisa empenhada for entregue ao credor ou a terceiro), a doação de coisas moveis (947/2
quando a doação não seja feita por documento escrito) e eventualmente temos o contrato de
mútuo, o empréstimo de coisas fungíveis, porque de acordo com a lei apesar de ser
empréstimo, só está concluído com a tradição da coisa).

Eventualmente, a exceção, ou seja, a adoção do sistema de título e modo também pode


decorrer da vontade das partes através da chamada clausula de reserva de propriedade (409).

Os desvios, são aqueles casos em que o contrato não seja suficiente para adquirir o direito
real, mas também não se exija a entrega da coisa para o efeito, estamos numa situação
intermédia. Exige-se outro acontecimento que não a entrega. São fundamentalmente as
hipóteses do 408/2 e do 409.

A primeira hipótese é o contrato sobre coisa futura ou sobre coisa indeterminada. A


transferência não exige a entrega da coisa, mas exige que a coisa futura se torne presente ou
que a coisa indeterminada se torne determinada.

A segunda hipótese são os casos em que excecionalmente a lei tenha adotado o efeito
constitutivo.

A terceira hipótese são os casos de reserva de propriedade nos termos do 409, que resulta de
negócio, do próprio acordo entre as partes. Tipicamente, o núcleo da reserva de propriedade é
constituído pelas hipóteses em que num contrato translativo o alienante estabelece que
enquanto o adquirente não cumprir uma certa obrigação, a transferência ou a constituição do
direito não sucede. A hipótese central é de que o A vende a B, enquanto o B não paga o preço
a propriedade fica reservada a favor do vendedor à espera desse acontecimento, na

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jurisprudência a reserva de propriedade é concebida como uma condição suspensiva com
particularidades.

Nada impede, por exemplo, que se convencione que o direito não se transfere enquanto a
coisa não for entregue, não tem grande sentido prático, mas nada impede isto. Isto porque a
função normal da reserva de propriedade é servir de garantia, o direito que se pretende
adquirir está a ser usado para garantir o cumprimento das obrigações. Funciona, por exemplo,
como uma hipoteca.

NEGÓCIO UNILATERAL

Recordam-se de obrigações que de acordo com o 457 há um princípio de taxatividade


“numerus clausus” de negócios unilaterais. O 457 somente atinge os negócios unilaterais
obrigacionais, os unilaterais que constituem obrigações contra o autor do negócio. O que
significa que outros negócios unilaterais que não tenham este efeito, designadamente,
negócios constitutivos de direitos reais, esses não são atingidos pelo 457, e por isso podem ser
livremente utilizados para o efeito. Contudo, se através de um negócio unilateral se constitui
um direito real em rigor não está ainda constituído, está constituído em potência, isto porque
ao princípio basilar do direito privado segundo o qual a aquisição de um direito embora seja
em principio um beneficio fica pendente de aceitação. Isto para dizer que o negócio unilateral
nesta hipótese, produz o seu efeito quando o beneficiário aceitar, só nessa altura é que sucede
a aquisição derivada translativa ou constitutiva do direito. O negócio unilateral tem apenas o
efeito potencial, só com a aceitação é que se produz.

MODOS DE AQUISIÇÃO ESPECÍFICOS DA PROPRIEDADE

OCUPAÇÃO

Consiste no ato material de apossamento de uma coisa móvel. A ocupação só funciona para
coisas móveis, os imoveis não são suscetíveis de ocupação com este efeito, ocupação é uma
situação factual, portanto, tudo o que é suscetível de ocupação pode ser ocupado.

Só que em relação a coisas moveis isso pode produzir aquisição de propriedade, em relação a
coisas imoveis não, só a ocupação não conduz à aquisição de propriedade. A ocupação pode
ser base para aquisição da posse e que mais tarde à custa da posse se possa invocar usucapião.
Mas só por si a ocupação de imoveis não tem nenhum efeito jurídico associado.

Mesmo para as coisas moveis, a coisa movel não pode ter um proprietário não ter proprietário
significa que já teve e não tem, foi abandonada pelo anterior proprietário ou nunca teve. É
irrelevante, o que importa é que atualmente não tenha dono para que a ocupação possa
produzir a respetiva aquisição. Se tiver dono, a ocupação produz no máximo aquisição de
posse formal nos termos do 1263 a) e eventualmente essa posse pode depois produzir
usucapião, de imediato não tem efeitos. Na dúvida presume-se que tem dono, para estar
numa situação de que não tem dono tem de ser manifesto que não tem dono.

Ou, por exemplo, se encontra num caixote do lixo, ou sobretudo caça e pesca, no entanto em
que se apodera materialmente do que pescou adquiriu propriedade, a ocupação acaba por ter
um âmbito de aplicação muito restrito, tem de ser coisa movel e sem dono, manifestamente
sem dono. É discutível se isto pode funcionar para as coisas moveis registáveis, o professor
acha que não, mas há diversas componentes a considerar.

ACHAMENTO

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O achamento pressupõe coisa movel, mas agora com dono, só que com dono desconhecido.
Pensa-se na hipótese de coisas moveis perdidas. Tem dono, não se sabe quem é o dono, na
dúvida não há ocupação porque se procede ao achamento. Na sequência, deve dar
conhecimento do achado, o código (1323 e 24) tem duas maneiras do anúncio, ou se dá
conhecimento às autoridades ou então anuncia-se o achado na forma mais conveniente
consoante a hipótese. Se isto for feito daí em diante tudo depende do que o proprietário faz,
se reclama a propriedade tem de ser entregue, se não o faz o achador pode fazer sua a coisa
encontrada. Se este procedimento não é seguido o achador não se torna proprietário, porque
só adquire posse formal.

Há hoje em dia uma particularidade no que toca a animais perdidos, se for perdido o achador
do animal deve cumprir na mesma este procedimento, mas o achador pode reter o animal se
houver alguma certeza/ prova de que o dono inflige maus tratos ao animal. Não se sabe se não
entrega definitivamente e por isso se houve aquisição da propriedade, se retém até que sejam
apresentada prova mínima de que o proprietário não continuará com maus tratos. O professor
acredita que reter a entrega não será um modo de aquisição.

ACESSÃO (1325 e ss)

A acessão dá-se quando duas coisas inicialmente pertencentes a donos diferentes tenham sido
juntas, tenham sido incorporadas de uma forma que não permite a sua separação, ou, pelo
menos a sua separação em termos economicamente viáveis. Exemplo: A juntou 50 litros de
azeite com 50 litros de azeite do B. A quem pertencem os 100 litros de azeite? Em princípio,
não há compropriedades a menos que se entendam. Um dos dois em princípio vai ter de ficar
com o todo compensando o outro com aquilo que ele eventualmente perdeu.

Ou hipótese mais vulgar aqueles casos em que alguém construiu em solo alheio e agora por
um qualquer desentendimento a aquisição não procede. Exemplo: A prometeu vender ao B
um lote de terreno, e entregou-lhe o terreno, tendo B começado a construir. Por uma razão
qualquer, o contrato de promessa acaba por não ser executado e o promitente comprador
acaba por não se tornar proprietário do terreno.

A acessão tem em vista resolver um problema que surge por acaso, ou até mesmo devido a má
fé de algum dos intervenientes, mas que tem de ser solucionado, regra geral, com algum dos
envolvidos a ficar proprietário do todo.

A acessão pode ser primeiro distinguida em acessão natural ou industrial.

É natural quando a junção de coisas pertencentes a pessoas diferente se dá por forma não
dominável pela vontade humana. O que está no código como casos de acessão natural são as
hipóteses de aluvião e avulsão (1328 e 1329), em qualquer dos casos, faltam requisitos para
ser acessão, daí os exemplos serem péssimos.

No caso de aluvião o fenómeno que temos é o da transformação de um imóvel por ação da


natureza, mas de uma forma impercetível, por exemplo, por ação de uma chuvada muito
intensa, conduz a terra de um terreno de uma pessoa para o de outra, percebe-se ao fim de
algum tempo que houve uma modificação dos terrenos, mas garantir que foi este bocado de
terra que veio dali e está aqui agora é quase impossível, também não se pode dizer que cada
grão de terra é uma coisa jurídica que contem valor.

Os casos de avulsão são casos em que há duas coisas envolvidas, mas em que não há junção.
Se por ação de uma chuvada, uma inundação leva coisas depositadas num certo local para um

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terreno diferentes. Não há aqui acessão porque as coisas são distinguíveis e separáveis, o que
se concebe é que o titular da coisa levada e depositada noutro sítio tem por direito ir buscá-la.
Para conjugar os interesses temos um prazo, tem um prazo que ou é o prazo legal ou o
proprietário do lugar onde a coisa é depositada lhe conceder, se não fizer a retirada da coisa
dentro do prazo fixado aí sim o titular do imóvel onde a coisa está fica com o direito de o
adquirir.

A acessão industrial é a que se dá por intervenção da vontade humana, dá-se porque alguém
quis fazer a junção. Distinguimos duas hipóteses:

 Acessão mobiliária: A acessão é mobiliária quando as coisas que se juntem são ambas
moveis.
 Acessão imobiliária: junta-se coisa originalmente movel a coisa imóvel,
designadamente, ao solo.

A acessão mobiliária é resolvida a favor de algum dos donos, concedendo a propriedade do


todo a um dos donos de acordo com o princípio da boa fé e na sequência do princípio do valor
relativo das coisas envolvidas. Num pressuposto de boa fé, de que aquele que fez a junção
desconhecia desculpavelmente que estava a juntar coisa alheia a algo que lhe pertence, o
problema entre os dois proprietário fica resolvido pelo princípio do valor relativo, aquele que
tiver a parte de maior valor adquire o todo e compensa a outra parte pelo valor
correspondente. No pressuposto de má fé do que faz a incorporação, este responde pelos
danos que causou e se a separação for possível faz-se, caso contrário aplica-se a mesma regra.
Na essência é uma compra e venda forçada, aquele que fica com o todo tem de compensar o
outro por aquilo que perdeu.

Tratando-se de acessão imobiliária há uma primeira forma de solução, que consistem em


conceder a propriedade do todo ao proprietário do solo (princípio da superfície solo cedit), ou
seja, o que for implantado à superfície fica a pertencer ao proprietário dolo solo, este princípio
em muitas ordens jurídicas é dominante. Entre nós esta solução só é adotada nos casos do
1339 e do 1341 in fine. Ou seja, a hipótese do 1339 é aquela em que o proprietário do solo
incorpora no seu solo materiais pertencentes a outra pessoa, não importa se de boa ou de má
fé, o que importa é que fez essa incorporação, fica obrigado a compensar o outro pelo valor
que ele perdeu.

Hipótese: Os condóminos de um edifício compraram um elevador para incorporar no edifício,


e foi comprado sobre reserva de propriedade, esqueceram-se que os elevadores servem para
ser instalados num edifício e que depois de instalados já não se tiram, foi instalado no edifico
antes de o preço estar pago e por isso reservar a propriedade já não interessa. Conclusão é de
que a reserva de propriedade fica sem efeito, não se consegue obter o efeito pratico que por
ela se pretende, usa-se o 1339, não há outra solução. Nesta situação a obrigação de pagar o
preço vem das regras da acessão (1339).

O mesmo se (1341 in fine) estamos numa situação em que a incorporação é feita de má fé, a
hipótese é de alguém que utilizou materiais seus e incorporou esses materiais em solo
pertencente a outra pessoa, é preciso distinguir que o incorporador atuou de boa ou de má fé.
se atuou de boa fé (1340) é preciso saber o que vale mais, se for o solo o proprietário do dolo
fica com o todo e compensa o dono dos materiais por aquilo que ele incorporou. Se o que vale
mais são os materiais incorporados então o dono desses materiais fica proprietário do solo e
indemniza o proprietário do solo pelos materiais que este perdeu. Se houver má fé o dono do
solo pode exigir a demolição, em alternativa, é-lhe concedido o direito de manter o que foi

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incorporado se isso lhe interessar, ficando ele obrigado de indemnizar o incorporador não pelo
que este despendeu, mas pelo enriquecimento sem causa do proprietário do solo.

Na hipótese do 1339 o princípio superfícies dolo cedit funciona automaticamente, no 1341


funciona se quiser, pode haver definição em alternativa.

Há uma velha questão que diz respeito ao problema de saber se a aquisição por acessão é
automática ou potestativa, se se dá no momento em que foi feita a incorporação ou se
depende do beneficiário da acessão beneficiar que quer beneficiar dela. Isto tem repercussão
sobretudo no montante a pagar aquele que perde. Se a acessão for automática, se dá no
instante da incorporação ainda que o problema só se venha a passar passados meses ou anos,
ainda que o litígio só se ponha passado tempo, o momento que se deve atender para fixar o
valor das coisas é o momento em que ocorreu a junção.

Na hipótese do 1339, por exemplo, se for automática e nesta hipótese não há duvidas, o valor
a pagar pelo que foi incorporado no solo é o valor correspondente ao momento da acessão,
ainda que o litigio entre os dois se ponha apenas passado anos, é normal que decorra tempo
entre o momento em que se dá a incorporação e o momento em que o problema se põe. Ao
contrário se a acessão for potestativa, somente há acessão nessa altura há uma atualização
dos valores em causa. Fundamentalmente, não é a maioritária, mas já é quase maioritária, na
jurisprudência a tese segundo a qual a acessão é potestativa.

Isto por duas razões, primeiro porque se formos dizer que é automática estamos a dizer que
alguém vai adquirir mesmo não querendo, estaríamos a violar o princípio dos negócios
unilaterais, estaríamos a fazer alguém adquirir sem o proprietário dessa aquisição não declarar
que quer. Se na hipótese do 1340 a simples junção de coisas leve a adquirir então aquele que
for dono da coisa maior adquire quer queira quer não queira. O segundo argumento ao dizer-
se que é uma aquisição imposta estaríamos a dizer que a pessoa que beneficia da aquisição
tem de pagar à outra aquilo que ela sofreu. Seja calculada sobre as regras da responsabilidade
civil, seja pelas regras do enriquecimento sem causa, há uma obrigação de indemnizar que é
imposta. Pode dar-se o caso de o beneficiário da aquisição não querer. Isso são argumentos
suficientes para de um modo geral se poder dizer que a aquisição pode ser potestativa.

Há situações em que nitidamente é automática (1339) fora desse âmbito, dos casos em que a
lei adotar a aquisição automática, em geral tem de ser potestativa.

Fica também a questão do que diz respeito à boa fé, quando é que se entende que o
incorporador está de boa fé/ má fé? o 1340/4. Uma das hipóteses é nítida há boa fé quando o
incorporador desconhecia estar a incorporar com algo que lhe pertence algo pertencente a
outra pessoa. Depois está lá outra parte o incorporador também está de boa fé quando
mesmo sabendo que aquilo que está a incorporar é alheio, teve autorização do dono daquilo
que incorporou para essa incorporação. Se isto se leva muito à letra dá disparate, se falamos
em autorização no sentido normal o resultado vai ser o de dar a qualquer pessoa que beneficia
de uma autorização o direito de adquirir por acessão.

Hipótese: Alguém tinha uma moradia construída numa área relativamente grande, tinha casa
com quintal e autorizou o irmão a construir no quintal outra casa. Ora, quem é maluco é o
irmão, o irmão vai construir uma casa num terreno que não é dele, quem corre o risco é quem
constrói não quem autoriza. Isso não significa que no fim se possa dizer que é acessão. A
acessão surge a título de chico esperto, como a camara municipal não ia autorizar a construção

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naqueles termos/ condições porque viola o PDM faz-se a construção clandestinamente depois
o irmão aparece a invocar a acessão, ele tem no fundo um loteamento ilegal.

A ideia central é de que esta autorização se for autorização propriamente dita é para seguir os
respetivos termos, aquele que implanta com autorização do dono do solo obedece aos termos
da autorização, geralmente essa autorização não revela mais que uma simples tolerância, essa
autorização é só mesmo dizer que pode fazer, mas sem atribuição de direitos. A autorização
tem de ser tácita, tem de haver uma não oposição há implantação, o proprietário vê a
construção a ser feita e não diz nada contra, no fim essa falta de oposição pode dizer-se que é
autorização, pode invocar-se a acessão de boa fé porque podia o proprietário do terreno opor-
se, mas não se opôs. Se há autorização expressa seguem-se os termos dessa autorização,
geralmente essas autorizações expressas não são autorizações para que depois aquele que
implanta venha invocar a acessão, essas autorizações são atos de mera tolerância, que não
conferem aquele que implantou mais do que uma posse precária nos termos gerais do 1253
b).

Teórica 15/12/20

Falta falar da distinção entre benfeitorias e acessão, estas são suscetíveis de confusão. No
fundo na acessão, o problema que se poe é o da determinação de quem é proprietário de algo
que resulta da junção de coisas pertencentes a pessoas diferentes.

Na benfeitoria o problema também se pode por assim, aquele que poe a benfeitoria quando
cessa o seu direito não a retirar, e fica a questão de saber a quem pertence. Quando o
arrendatário de uma vivenda constrói uma piscina com autorização do senhorio quando
termina esse contrato de arrendamento, tem direito de ser indemnizado, a piscina pode ser
retirada não…

O critério que se tem usado é o de saber se a incorporação é fruto do exercício de um direito


ou não. Se aquele que fez a incorporação a realizou ao abrigo de um direito sobre a coisa,
aplica-se o regime das benfeitorias. Se essa incorporação não é feita no exercício de um direito
aplica-se o regime da acessão, em geral o resultado a que se chega é satisfatório, só que, no
extremo se aplicamos o critério com muito rigor aparecem situações que são um disparate. Se
o arrendamento incide sobre prédio agrícola e o arrendatário instala uma piscina no prédio
agrícola, chamar a isto uma benfeitoria até choca, em rigor está-se a estragar, o terreno tem
finalidade agrícola, se uma parte do terreno tem uma piscina deixa de servir para o fim a que
se destina, perde valor, chamar-lhe benfeitoria choca. A verdade é que foi instalada ao abrigo
de um direito que se tem sobre a coisa, embora a opinião seja discutível, o professor crê que a
separação se deve fazer levando em conta a própria designação de benfeitoria. Para podermos
estar perante uma benfeitoria, estamos a pressupor que estamos perante um melhoramento e
que esse melhoramento representa algo de secundário/ acessório em relação à coisa principal,
que é possível distinguir o que é principal e o que é acessório, sendo a benfeitoria o acessório,
onde esta distinção não poder ser feita o regime será o da acessão.

Exemplo: o A promete vender o terreno ao B, entrega para construção e o B somente com


base no contrato promessa começa a construir aí não se pode identificar o que é acessório ou
o que é principal. Só podemos aplicar o regime da acessão.

ESPECIFICAÇÃO

Tratado juntamente com a acessão, mas não é acessão.

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A especificação supõe que alguém através do seu trabalho dá outra forma a coisa pertencente
a pessoa diferente. Não é uma questão de junção de coisas, mas de juntar trabalho a coisa
pertencente a outra pessoa. Desde as hipóteses do direito romano em que o A com madeira
pertencente ao B faz uma mobília, à hipótese em que o cirurgião com material genético de
outra pessoa produz células que podem ser utilizadas a experimentação clínica ou mesmo no
tratamento. O material genético retirado de outra pessoa só por si não pode ser usado para
utilização noutro corpo, mas uma vez transformado pela perícia do medico passa a ser
suscetível de ser usado para tratamento. Transforma-se uma coisa de outra pessoa, mudando
a sua forma e o seu fim para efeitos completamente distintos.

Em si, isto não é um problema de junção de coisas, mas é como se fosse, a quem é que
pertence a coisa transformada? A resolução faz-se nos mesmos modos da acessão imobiliária.
´

Antes de mais anda é preciso saber se o especificador (aquele que dá forma distinta) está de
boa ou de má fé, no pressuposto de estar de boa fé é preciso saber a seguir o que vale mais, se
a matéria prima se o trabalho, em função disso, a coisa objeto da transformação pertencerá ao
dono da matéria prima ou ao especificador.

MODIFICAÇÃO DO DIREITO REAL

Temos duas possibilidades a primeira para o professor não é um caso de modificação, mas
aceitamos a terminologia tradicional. Esta pode distinguir-se em modificação objetiva e
subjetiva.

Há modificação subjetiva quando o sujeito titular do direito muda por efeito da transferência
desse direito. A modificação dá-se apenas no plano do sujeito, do titular do direito, o direito
mantém-se.

A modificação objetiva dá-se quando o conteúdo do direito é alterado, quando o conjunto de


poderes e deveres que integram esse direito são modificados, não importa porque via e
sobretudo com que alcance, esta pode ser para mais ou menos, para qualidades distintas. As
hipóteses de modificação objetiva dependem de caso para caso. Temos de ver duas grandes
situações.

A primeira hipótese de modificação objetiva são as hipóteses de oneração. Quando é que há


oneração de um direito? Quando sobre a mesma coisa é constituído um direito real a favor de
outra pessoa. Há oneração quando se verifica uma qualquer hipótese de sobreposição de
direitos, seja sobreposição paralela seja sobreposição hierárquica. Tínhamos visto que cada vez
que se constitui um direito real sobre a mesma coisa os poderes que o titular do direito que
anteriormente existia sobre essa coisa são restringidos, quando o proprietário constitui
usufruto o direito de propriedade fica onerado, isto porque os poderes de uso e fruição do
proprietário em rigor são suspensos enquanto o usufruto durar. Quando o proprietário
hipoteca o seu direito, o poder de disposição que o proprietário tem mantem-se, mas sujeita-
se ao poder de disposição que o credor hipotecário também tem, em caso de incumprimento o
credor hipotecário pode promover a venda judicial do imóvel hipotecado. A ideia central é de
que sempre que há sobreposição há restrições/ limitações no mínimo derivadas da
concorrência de direitos que incidem sobre o titular que já antes tinha algum direito sobre a
coisa.

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Nos casos de sub-rogação, dão-se quando haja mudança de objeto, esta é uma sub-rogação
real. Há diversas situações em matéria de usufruto em que o usufruto se transfere para outro
objeto. O usufruto incidia sobre um imóvel destruído e estava seguro, havia um contrato de
seguro celebrado, a indemnização que é devida pela seguradora, passa a ser objeto de
usufruto. O usufrutuário que antes tinha direito de usufruir do imóvel passa a ter direito de
usufruir da indemnização. 1470 (não sabia bem o artigo). O objeto muda, mas o direito
mantém-se, para que isto suceda a lei tem de determinar que seja assim. Em mateira de venda
judicial a lei determina (824) que feita a venda judicial os direitos de garantia transferem-se
para o produto da venda.

A ideia é de que em certas circunstâncias se pretende manter um direito pré-existente, apesar


de o seu objeto se modificar. Uma coisa é usar e fruir um imóvel, outra coisa dinheiro. Ter uma
hipoteca sobre um imóvel, não é o mesmo que ter uma hipoteca sobre uma quantia em
dinheiro.

O problema que se poe assim é o de saber se realmente o caso é de simples modificação ou se


não será antes de extinção do direito inicial e constituição por via legal de um outro direito
com o mesmo nome ou não sobre a mesma coisa, ou sobre coisa distinta.

Se a hipoteca se transfere do imóvel para o preço pago pelo comprador da compra executiva,
é obvio que isto já não pode ser uma hipoteca, a começar pelo facto de que segundo a própria
lei a hipoteca só poder incidir sobre coisas registáveis. Portanto, nesta hipótese, é nítido que a
sub-rogação provoca uma extinção do primeiro direito e constituição de um outro direito até
de nome diferente sobre o dinheiro.

Se o usufruto incidir sob um prédio de habitação e passa a incidir sobre o prédio em dinheiro
que é dado pelo seguro, um direito chamado de usufruto pode dizer-se que existe, mas não é
o mesmo direito. Aqui acontece a extinção do primeiro direito e constituição ex lege de um
novo direito de usufruto.

Ao contrário, se o usufruto incidia sobre um terreno que de início era agrícola e depois passa a
ser florestal isso implica modificação de poderes mas não de uma forma extrema o suficiente
para que se possa dizer que o direito se extingue, aí a sub-rogação provoca um caso de
modificação. É a hipótese que diz perda parcial/ rei mutatio (1478 ou 79).

EXTINÇÃO

Os factos extintivos dos direitos reais.

RENÚNCIA E ABANDONO

Temos primeiro a chamada renuncia abdicativa, dá-se esta quando o titular do direito real
declara unilateralmente de forma expressa que não pretende continuar a ser titular. Tratando-
se de direitos sobre imoveis isso supõe que essa declaração se faça sobre escritura publica ou
sobre documento autenticado, não é nada comum que isto suceda. Se a pessoa quer renunciar
em princípio é porque o objeto do seu direito em princípio não lhe vale, não tem valor, ter de
fazer a despesa de escritura publica mais de registo é coisa que habitualmente não sucede. O
que habitualmente acontece é que o titular do direito deixa de exercer em termos pratica
abandona. Se em relação a moveis o abandono tem efeito extintivo para imoveis não tem, o
abandono se consistir apenas no não exercício do direito só por si não tem significado, a
consequência é que o titular do direito continua a ser quem era. Não pode ser visto como
renuncia porque não cumpriu a forma, não pode ser abandono porque o abandono é uma

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simples declaração tacita. O abandono dá-se quando pela prática de certos atos ou pela
omissão da sua prática se puder presumir a intenção de o titular do direito se desligar.

Isto não é concebível para imoveis, primeiro porque só atos omissivos é que podiam ter algum
significado. A inercia só por si não é significativa, lá pela casa estar em avançado estado de
degradação não se pode extrair que o seu proprietário não pretende ser proprietário, isso
tanto pode significar isso como falta de dinheiro para a renovar. Tudo o que fossem atos
omissivos relativos a imoveis não são significativos, daí que o abandono só possa dizer respeito
a coisas moveis.

Há uma questão que se tem de colocar em relação à renúncia à propriedade de imoveis. A


renuncia abdicativa é um modo de extinção de direitos reais com alcance genérico, em
princípio qualquer direito real pode ser objeto de renuncia. No caso da propriedade com um
argumento de alcance mínimo devido ao facto de a lei nada dizer quanto à possibilidade de se
poder renunciar à propriedade de imoveis houve quem defendesse que isso não seria possível,
em relação à propriedade. Se não fosse possível renunciar à propriedade de imoveis isso
significa que a propriedade de imoveis é um dever, ou seja, que ele tem de ser proprietário. só
isso demonstra que não tem sentido, o professor não vê qualquer dificuldade com a renúncia à
propriedade de imoveis.

Quando se renuncia ou quando se abando a propriedade de uma coisa movel ela fica na
situação de uma coisa sem dono, sendo por isso, suscetível de ocupação. Ao contrário os
imoveis cuja propriedade tenha sido renunciada nunca ficam sem dono, passam a ser tidos
como propriedade do estado (1340), os imoveis sem dono conhecido presumem-se
propriedade do estado, o que permite concluir que quando se trata da propriedade de coisas
moveis o abandono poe-a numa situação de sem dono, o que significa que a ocupação implica
uma aquisição originária. Tratando-se de renuncia à propriedade de imoveis, já não faz sentido
dizer que um imóvel que fica sem dono e o estado adquire-o originariamente, isso seria dar ao
estado mais do que aquilo que está à espera, a aquisição originária é aquela que se obtém sem
aquisição dos encargos e direitos que estivesse a favor da pessoa. Se a renuncia à propriedade
implicasse extinção do direito de propriedade sobre a coisa imóvel, caso essa propriedade
estivesse onerada com uma hipoteca a hipoteca tinha de se extinguir, isso é impensável. O que
significa que o imóvel passa a pertencer ao estado por efeito da renúncia com hipoteca, não se
livra dos encargos antes existentes sobre a cosia, o que significa que a renuncia abdicativa à
propriedade de imoveis não é causa de extinção, mas de transmissão.

Em geral a renuncia abdicativa ou o abandono são factos extintivos na renúncia a propriedade


de imoveis, essa renúncia é um facto transitivo, é uma causa de modificação subjetiva.

Temos uma terceira hipótese de renuncia que é a chamada renuncia liberatória. A renuncia
liberatória supõe que aquele que renuncia ao seu direito real está a fazê-lo porque ao mesmo
tempo que é titular desse direito tem obrigações que o vinculam como titular desse direito.
Estamos perante aquilo que se chamam de obrigações reais. As obrigações reais são aquelas
em que o obrigado é identificado indiretamente através da titularidade de um direito real, por
outras palavras é devedor quem for titular de um direito real no qual a obrigação está inserida.
Quem for comproprietário está obrigado nessa qualidade a contribuir para as chamadas
benfeitorias necessárias (1411), quem for condomínio está também obrigado a contribuir para
as despesas de conservação dos espaços comuns (1424), quem for usufrutuário está obrigado
a efetuar as chamadas reparações ordinárias de que a coisa necessite nos termos do 1472.

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Quem está obrigado nestas hipóteses é quem for comproprietário, condomínio, usufrutuário.
Quem deve é quem tiver o direito, a logica é de que se deixar de ser titular desse direito, deixa
de estar ligado, claro que se houver transmissão do direito é evidente que futuramente as
obrigações (1411) irão atingir o novo comproprietário.

A questão que se poe é de saber se unilateralmente, sem consentimento, sem acordo, sem
qualquer transmissão é possível extinguir a obrigação já vencida abdicando do direito, é isso
que se chama de renuncia liberatória, ela é liberatória exatamente porque o titular do direito
que já está obrigado a realizar uma certa prestação libera-se do cumprimento dessa obrigação,
renunciando ao seu direito porque o poe à disposição do respetivo credor, oferece ao
respetivo credor a vantagem decorrente da renuncia.

A ideia é de que na renúncia abdicativa o titular do direito renuncia atoa, ou seja, porque quer
renunciar, não quer continuar titular, na renuncia liberatória o titular do direito que ao mesmo
tempo é devedor, renuncia em beneficio do credor, é esse o propósito da renuncia e é isso que
justifica que o titular renunciante fique isento do cumprimento da obrigação, é verdade que
não cumpre mas em contrapartida oferece o direito de que é titular ao credor.

Supondo que é usufrutuário nos termos do 1472 deve ser ele a efetuar as reparações
ordinárias, é necessário reparar o telhado, o usufrutuário tem de o reparar. Seja porque não as
quer fazer, seja porque não tem meios para as fazer renuncia ao seu direito, mas a favor do
respetivo credor, o proprietário. o usufrutuário está obrigado a fazer reparações ordinárias
para que a coisa se mantenha integra dado que mais cedo ou mais tarde vai ter de a restituir
ao proprietário. a logica é de que quem tem o direito menor deve restituí-la no estado inicial e,
portanto, o proprietário é o credor desta obrigação. Se o usufrutuário não quiser/ não poder
cumprir oferece ao proprietário o seu não usufruto no fundo como troca do seu não
cumprimento, ele não cumpre, mas dá o usufruto como contrapartida do não cumprimento.

Como isto funciona assim em geral não se requer o consentimento dos credores, em geral esta
renúncia é mesmo unilateral como a abdicativa, não depende de aceitação, consentimento…

O efeito extintivo da obrigação (efeito obrigacional) obtém-se pela simples declaração


unilateral de renuncia.

Quanto ao efeito relativo ao direito real? A renuncia liberatória tem sempre dois efeitos
associados, o efeito relativo à obrigação a que o titular do direito estava titulado e o efeito
real. Em geral, o efeito obrigacional produz-se por simples declaração unilateral de vontade,
não se requer aceitação nem consentimento. Quanto ao efeito real é preciso distinguir
consoante o credor seja titular de outro direito real sobre a mesma coisa, os casos de
sobreposição dos casos em que o credor é titular de um direito real sobre outra coisa.

Quando se trata de direitos sobre a mesma coisa, a declaração de renuncia implica extinção do
direito real, quer na hipótese do 1411, quer na do 1472 quando o comproprietário ou
usufrutuário renunciam liberatoriamente, o direito real que cada um tinha extingue-se
automaticamente. Em termos de efeito real a renuncia liberatória e abdicativa não se
distinguem. A diferença está no fundamento da renúncia.

Ao contrário, quando o credor seja titular do direito real sobre coisa diferente a renuncia
liberatória apenas põe à disposição do credor o direito a que renunciou. No fundo o devedor o
que está a fazer é a perguntar ao credor se quer o seu direito real, propõe a aquisição. É a
hipótese do 1424, ao renunciar a obrigação extingue-se na parte que lhe incumbir, o direito

69
real de propriedade sobre a fração é posto à disposição dos outros condóminos, propõe-se a
aquisição. Se alguém aceitar ou todos aceitarem dá-se a transmissão para o credor/ credores.
Se ninguém aceitou a propriedade permanece com quem a tinha, o que é facto é que se
liberou.

Nestas situações em que devedor e credor são titulares de direitos reais sobre coisas
diferentes, a renuncia liberatória uma vez que apenas põe à disposição do credor não é facto
extintivo, o caso é apenas de transmissão. Se aceita, há transmissão para eles, se não aceitam
não há transmissão e o condómino continua a ser. A renuncia liberatória só tem feito extintivo
quando se trate de situações em que credo e devedor são titulares de direitos sobrepostos.

NÃO USO

Nos termos do 298/3 o não uso apenas é facto extintivo dos direitos reais de gozo. Outros
direitos reais, de espécie diferente podem estar sujeitos à extinção por prescrição ou por
caducidade, n1 e n2 desse mesmo artigo.

O não uso é exclusivo dos direitos reais de gozo e mesmo assim nem todos, porque se formos
ver a contagem do n3 não está lá nem o direito real de habitação periódica nem o direito real
de habitação duradoura. Aparentemente estes não se podem extinguir por não uso.

O não uso aparece no 298 porque é uma figura próxima quer da prescrição quer da
caducidade, porque na essência o não uso supõe o não exercício de um direito, mas o simples
não exercício não é motivo suficiente para provocar a extinção do direito porque pode haver
muitas razoes para a pessoa não o exercer e sobretudo porque o não exercício só por si não
tem significado, não se vai exigir que o titular do direito exerça esse direito a cada instante. O
simples facto de não estar a ser exercido um direito não chega para o extinguir. A hipoteca
tem de se manter para conservação do interesse de terceiros.

Para que o não uso seja facto extintivo é necessário que se estenda por um prazo
relativamente longo, normalmente 20 anos (usufruto, servidões, superfície, mas na superfície
são 10 anos). O não uso provocar a extinção pressupõe o não uso prolongado e o prolongado é
definido por lei em termos precisos. Só juntando o não uso durante esse período é que produz
a extinção.

Isto está no 298 porque na prescrição e caducidade também se pressupõe o não exercício
durante um período prolongado de tempo, entendeu-se que o não uso apresentava
características especiais que não se confundem com a caducidade ou prescrição, só para os
direitos reais de gozo.

Pode haver situações em que a lei não afixou um prazo específico para a eficácia extintiva não
uso, pode-se salientar que se repararmos na enumeração do 298/3 mesmo a propriedade
pode estar sujeita a não uso. Isto é difícil porque partindo do princípio de que a propriedade é
tendencialmente perpetua, extingui-la pelo não uso conflitua com essa ideia. Por isso é que o
próprio 298 afirma que os direitos reais de gozo podem extinguir-se pelo não uso desde que a
lei preveja isso, desde que a lei para cada direito real contenha essa previsão. No caso da
propriedade essa previsão em geral não existe a única hipótese que se pode por é a do
chamado abandono de águas originariamente publicas (1397). Se alguém tiver direito de
propriedade privada sobre águas que lhe foram concedidas por uma entidade publica, o
abandono dessas águas provoca a extinção da propriedade. Tem-se entendido que abandono
aqui vale como não uso, mas a própria lei não estabeleceu prazos, por isso, o que se tem

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entendido é que esse não uso se mantenha por um período de tempo mais ou menos
prolongado cabendo ao tribunal decidir o que vale como esse período. Não pode ser um não
uso momentâneo.

USUCAPIO LIBERTATIS

A lei só o refere a propósito das servidões embora tenha carater geral, designa-o como
aquisição por usucapião da liberdade do prédio (1569 c) e no 1574. Supõe que o titular de um
direito real em sobreposição não o exerce, mas não o exerce porque o titular de outro direito
real sobre a mesma coisa criou uma oposição a esse exercício e não houve reação.

Exemplo: A tem um prédio encravado e tem comunicação para a via publica através de uma
servidão constituída pelo prédio de B. Depois de constituída o B coloca um qualquer obstáculo
à passagem, o A pode reagir contra isto, tem um direito e a atuação do B impede o exercício
desse direito. O A pode intentar uma ação para que seja restituída a passagem. Se não o fizer,
não houver reação da sua parte e essa falta de reação se prolongar no tempo isso pode
provocar a extinção da servidão, como usucapio libertatis. Ou seja, porque funciona a
usucapião ao contrário, o que dava passagem pode invocar usucapião para libertar o seu
prédio daquela servidão na medida em que provoca a extinção da servidão pelo não exercício
prolongado, pela inercia do A mas inercia que é provocada pela própria oposição do B. A
oposição que o B provoca é em si mesmo ilícita, não pode impedir que o A passe. Se o A não
reage contra isso e deixa decorrer os prazos de usucapião obtém-se a extinção do direito por
via do decurso do prazo. Esta obtém-se quando decorrerem os prazos de usucapião, estes são
os que forem aplicáveis ao caso concreto, olha-se por analogia.

Em regra, são os prazos máximos, os 20 anos do 1296 para imoveis, porque esta oposição nem
tem título legitimo nem é feita de boa fé.

O não uso está sujeito às regras da caducidade, quer-se com isto dizer que opera o efeito
extintivo automaticamente, assim que os prazos previstos na lei estiverem verificados do
direito extingue-se o não uso, a usucapio libertatis uma vez que remete para as regras da
usucapião só tem o seu efeito extintivo quando o beneficiário invocar.

Relembrar que um outro facto extintivo, outros dois factos extintivos, são o termo resolutivo
ou condição resolutiva. De um modo geral os direitos reais podem estar sujeitos a um prazo de
resolução (termo resolutivo) ou a uma condição resolutiva. Salvaguardam-se a propriedade
dado que, como é um direito por definição tendencialmente perpetuo, a sua extinção pelo
decurso de um prazo em princípio não pode suceder, salvo nos casos previstos na lei (1307
n2). Os casos previstos na lei são questionáveis.

Temos duas hipóteses, o direito de propriedade que o superficiário tem sobre a obra ou
plantação superficiária quando o próprio direito de superfície tenha um prazo de duração ou o
caso da propriedade da fiduciária na chamada substituição fideicomissária

CONSOLIDAÇÃO

Supõe-se um fenómeno de sobreposição de direitos, nestas situações sempre que, não


importa a razão, na mesma pessoa se reúnam a titularidade do direito maior e do direito
menor o direito menor extingue-se por consolidação. Se o proprietário do prédio dominante
adquire o prédio serviente a servidão extingue-se. Isto não é só por razoes formais, há uma
razão substancial tendo o proprietário do prédio dominante o prédio serviente a passagem já

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não lhe é necessária a título de direito independente. Fá-lo porque os dois prédios lhe
pertencem.

Se o proprietário por qualquer razão transmite o seu direito de propriedade para o


usufrutuário, ele não vai ser ao mesmo tempo proprietário e usufrutuário, extingue-se o
usufruto.

Em obrigações fala-se em confusão.

Esta é a regra, é assim por razões de coerência logica.

Há situações em que esta coerência logica não se pode manter até ao fim, sobretudo, iria
prejudicar terceiros. Nessas situações o direito maior e menor permanecerão na titularidade
da mesma pessoa para salvaguardar direitos de terceiros.

Exemplo: Suponham que A é proprietário e B usufrutuário de um imóvel que pertence ao A, o


usufrutuário hipotecou o seu direito (688). O proprietário por testamento deixa a propriedade
ao usufrutuário, isto supostamente levaria à extinção do usufruto, porque na mesma pessoa se
juntaria a titularidade com o usufruto. Se o usufruto se extinguisse a hipoteca deixaria de ter
objeto e por isso extinguir-se-ia, isto não é aceitável. O credor hipotecário não tem de contar,
não lhe é exigido que espere que o usufruto se extinga por uma razão fortuita, e, portanto,
nessa situação a consolidação não tem os seus efeitos.

Aula 05/01/21

Conteúdo dos direitos reais

Há aqui um primeiro ponto que antecede o resto, que é este, ao contrário do que sucede com
as obrigações que podem em principio ser criadas livremente pela vontade das partes através
do contrato, e da autonomia que o contrato veiculo, a propósito do direito real vigora o
principio da taxatividade ou do numerus clausus (1306/1), sendo que isto é ultrapassável se
quisermos.

Isto é, segundo o entendimento que se dá a este princípio só podem ser direitos reais aqueles
que estejam previstos na lei como tal, não se podem criar direitos reais fora dos modelos
legais. Ou há total correspondência ou não havendo correspondência o direito não pode ser
tido como real.

No caso do usufruto (1439), o usufrutuário dispõe dos poderes de uso e fruição, mas não pode
alterar a forma nem a substância da coisa usufruída. Se, porventura, no ato de constituição do
usufruto fosse concedido ao usufrutuário o direito de alterar a forma ou a substância pode
faze-lo, só que o direito que fosse constituído assim, já não seria o usufruto previsto na lei,
portanto não é direito real, podemos chamá-lo de usufruto, mas não é um direito real, isto
porque não corresponde ao modelo do 1439.

O problema mais sério é de que é constituída uma pretensa servidão predial em que o
benefício atribuído pela servidão é concedido diretamente a uma pessoa e não a uma pessoa
intermedio de um prédio, essa servidão já não corresponde ao modelo do 1543 e não pode ser
tida como servidão predial, podemos chamá-la de servidão pessoal, o que quisermos, mas não
pode ser tida como previsão predial.

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Isto é um raciocínio muito formal, o que importa é o que está previsto na lei, se quiséssemos
dizer que o poder paternal é direito real, podemos chamar-lhe, é um exemplo ridículo, mas
podemos chamar-lhe. Dizer que os pais têm propriedade sobre os filhos menores do ponto de
vista ético é ilegítimo, mas do ponto de vista jurídico é legitimo, porquê? Porque está previsto
na lei. Acaba por ser um argumento muito formal, mas é o que é.

Como é que se tira essa elação a partir do 1306/1? O que se diz literalmente é que não são
permitidas figuras parcelares ou restrições à propriedade a não ser nos casos previstos na lei.
O problema que se poe é saber o que significa figura parcelar e restrição, porque o que não se
admite fora dos casos previstos são restrições e figuras parcelares.

Do ponto de vista do proprietário que é atingido por figura parcelar ou restrição não há
diferença quer uma quer outra implicam para ele uma limitação. O que importa, por exemplo,
para o proprietário de um terreno é que não pode construir nesse terreno. Não pode construir
porque existe uma limitação administrativa, que lhe é imposta pelo PDM, ou se não pode
construir porque a outra pessoa tem uma servidão de vistas é tudo igual. O que importa é que
não pode construir.

A diferenciação entre restrição ou figura parcelar faz-se por isso do lado da pessoa que é
atingida pela limitação. A ideia central é de que da imposição de uma limitação não resultam
direitos individuais para quem quer que seja, pode resultar um beneficio, mas um beneficio
que é geral. Exemplo: Existe uma limitação administrativa por força da qual o proprietário do
terreno não pode construir, essa limitação não tem um destinatário específico, em teoria é
toda a comunidade. Se a pessoa não pode construir porque outra pessoa tem uma servidão
pessoal de vistas já há um beneficiário específico, tem o direito de exigir que não se faça a
construção.

Das restrições não resultam direitos individuais para quem quer que seja, das figuras
parcelares resultam direitos para outras pessoas, porque se atribui um direito a terceiro daí
resulta uma limitação para o proprietário, e por isso para estarmos perante uma figura
parcelar, estamos a supor que alguém adquiriu um direito que lhe atribui uma vantagem da
qual resulta uma limitação para outra pessoa, designadamente algum proprietário.

No conceito de figura parcelar cabem os direitos menores, são sinónimos. A figura parcelar se
estiver prevista na lei como direito real será um direito real menor, se não estiver prevista na
lei como direito real, será um direito pessoal. Será muito ou pouco parecido com o direito real
correspondente, mas que a verdade é que não estando previsto não é real. Entre o usufruto
que respeito o modelo do 1439 e o que não limita o respeito pela forma e a substancia não há
grandes diferenças, para o usufrutuário é idêntico, só que o primeiro cabe no modelo (é direito
real) e o segundo não (não é direito real). A diferença é que um é eficaz perante terceiros, o
outro não, a diferença está no facto de não sendo tido como direito real não pode valer contra
terceiros. O proprietário, por exemplo, muda, o novo proprietário não tem de respeitar o
usufruto que seja direito pessoal, enquanto que se for direito real tem de respeitar. Usou-se a
linguagem de figura parcelar, porque quando se fala do surgimento dos direitos menores
temos duas conceções, a teoria do desmembramento (parcelamento) e o princípio da
elasticidade, a génese foi a teoria do desmembramento.

Relembrando: Figura parcelar prevista na lei equivale a direito real menor, figura parcelar não
prevista na lei equivale a um qualquer direito pessoal.

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Consequências da violação do princípio do numerus clausulas: se por negocio jurídico, se
pretende constituir uma restrição à propriedade não prevista na lei o 1306/1 estabelece na sua
parte final que essa restrição terá apenas eficácia obrigacional, há uma conversão automática:
o que se pretendia que valesse com eficácia real passa a valer com eficácia obrigacional (entre
as partes).

Exemplo. Em compropriedade os comproprietários estabelecem por acordo que irão ficar em


indivisão por 10 anos, a lei permite apenas que fiquem por 5 anos, entre eles convencionaram
10 anos são 10 anos, os 5 anos que a lei permite são 5 anos com eficácia real, a lei prevê com
eficácia real por 5 anos, na medida em que exceda os 5 anos continua a vincular, mas vincula
com eficácia obrigacional. Se algum dos comproprietários alienar o seu direito a terceiro, o
terceiro que adquirir fica vinculado pelos 5 anos, é o que a lei permite com eficácia real, pelo
excesso este não fica vinculado. a restrição não prevista tem valor meramente obrigacional. A
conversão aqui é automática, não é a conversão do 293.

Ao contrário se se pretender constituir uma figura parcelar, ou seja, um direito real menor que
a lei não prevê como direito real menor, o respetivo ato de constituição é nulo porque do 1306
retira-se uma norma imperativa e estas quando violadas implicam a nulidade do ato que as
viola, e depois como em qualquer negocio, pode pensar-se na conversão, mas conversão geral,
nos termos do 293. Exemplo: A proprietário dá um usufruto, mas concedendo-lhe a
possibilidade de se este quiser alterar a sua forma e circunstância, este ato de constituição é
nulo, a lei não prevê este tipo de usufruto, pode converter-se nos termos do 293 e passar a ter
somente eficácia obrigacional, vincular apenas o A e o B, não vinculará terceiro, esta conversão
não é automática, para acontecer é preciso que os requisitos do 293 estejam cumpridos.

Do 1306 retira-se o princípio da taxatividade, mas esta taxatividade é aberta porque se admite
que em aspetos que não modifiquem o modelo definido por lei é permitida a intervenção das
partes. No título constitutivo da propriedade horizontal podem as partes fixar direitos e
deveres que a lei não regula, a servidão predial impõe dois prédios e que um preste uma
utilidade ao outro, a utilidade que em si mesmo é prestada pelo prédio serviente é a que for.
Nuns casos a lei permite mais, noutros menos, mas em todo o caso permite-se que as partes
modifiquem o conteúdo do direito desde que não alterem o modelo.

Exemplo: no direito de superfície é possível que o superficiário pague uma certa prestação
anual ao fundeiro, a título de remuneração/ contrapartida, isso tem eficácia real, a lei permite
que vincule terceiro, novos superficiários, não tem existir, não tem de ser remunerado nem da
forma prevista no 1530, mas de uma maneira ou de outra, as partes podem modelar o
conteúdo.

Conteúdo positivo e conteúdo negativo dos direitos reais

Conteúdo positivo entende-se como poderes que são atribuídos ao titular do direito e o
conteúdo negativo como deveres ou limitações.

Temos de ver isto em geral, temos de distinguir caso estejamos perante direitos de gozo,
garantia ou de aquisição. O conteúdo positivo nos direitos de gozo, pode ser usar, fruir ou
dispor consoante os casos.

Na propriedade é tudo em geral, o usufruto em geral é usar e fruir, nua servidão é usar e usar
para uma cera utilidade, muito restritamente. Depende do conteúdo de cada direito, mas em
geral o que se concede ao titular do direito de gozo corresponde a uma destas três faculdades.

74
Usar como sabem é utilizar, fruir é sinonimo de retirar rendimentos, dispor é uma expressão
com muitos sentidos, mas habitualmente distingue-se a disposição material da disposição
jurídica. A disposição material consiste no poder de transformar a coisa, eventualmente, até
de a destruir, a disposição jurídica consiste no poder de alienar ou onerar.

Nos direitos de garantia, em geral, o poder que fundamentalmente é concedido ao titular é o


direito de promover a alienação judicial da coisa, em caso de incumprimento. O credor que
tenha hipoteca, penhor, que tenha direito de retenção, o que em geral pode fazer, não de
imediato, mas caso o devedor incumpra, dado que o direito d garantia assegura o
cumprimento de uma obrigação, aquilo que o credor com garantia real pode fazer é promover
a penhora desse bem, a apreensão judicial desse bem e na sequência promover a respetiva
venda judicial, fundamentalmente é para isto que o direito de garantia existe. Há desvios, no
caso do penhor admite-se que a venda possa ser feita extrajudicialmente, apesar de para isso
ser preciso que o autor do penhor e o credor convencionem que a venda pode ser feita dessa
maneira.

Nos direitos reais de aquisição (preferências legais, direito do promitente comprador tratando-
se de venda com eficácia real, preferência com eficácia real) o direito que é concedido ao
titular do direito de aquisição é o de promover a aquisição forçada de certo direito, o direito
de aquisição é o direito de adquirir certo direito. Quando tenha natureza real esse direito de
adquirir é um direito de impor a aquisição, quer aquele contra quem se impõe a aquisição
queira ou não queira a aquisição procede. Neste sentido é o direito de promover a aquisição.

Conteúdo passivo- limitações ou restrições sou deveres impostos ao titular do direito real
nessa circunstância.

Distinguimos consoante ao titular do direito real (sujeito a essa carga passiva) se imponha a
limitação sem que daí resultem direitos para terceiro, e naquelas situações em que a
imposição dessa carga passiva atribui direitos a terceiro. Na primeira hipótese estamos
perante aquilo que se acham ade limites ao exercício do direito, na segunda hipótese temos as
chamadas obrigações reais ou ónus reais.

Em qualquer caso o titular do direito atingido fica limitado, mas no caso dos limites impõe-se-
lhe apenas uma abstenção, não pode ultrapassar aquele limite. No caso das obrigações reais
(propter rem) e ónus reais o titular do direito atingir com essa carga passiva, fica obrigado a
realizar uma certa conduta porque outra pessoa tem o direito de exigir que essa conduta seja
realizada.

Na primeira hipótese, já vimos várias situações, talvez a mais importante seja constituída pelas
chamadas limitações de ??, mas em todo o caso as situações em que ao titular do direito real
se imponha uma abstenção definem-se em limites instituídos no interesse publico e no
interesse privado. Os limites instituídos no interesse publico são aqueles que não beneficiam
uma pessoa em particular, mas sim a comunidade. Quando se estabelece que uma certa zona
do território é reserva ambiental, daí decorrem limitações para os proprietários de terrenos
situados nessas zonas, em rigor o que daí decorre é que não podem desenvolver sobre os
imoveis todos os atos que em princípio um proprietário poderia.

Os limites no interesse privado são aqueles que atingem um certo titular de um direito real em
particular e atingem-no para proteção do interesse específico de outra pessoa. Exemplo: todas
as hipóteses de limitações de vizinhança decorrentes entre o 1346 e 1360. Estas impõem-se a
um para benefício de outro, mas de outro ou de outros que estão identificados, essa

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identificação faz-se em função da titularidade de outro direito. Exemplo: Hipótese central do
1346 (proibição de emissões), impõe-se a um em benefício dos vizinhos. É verdade que o
conceito de vizinhos é mais ou menos indeterminados, mas é evidente que depende da
distância, depende da própria emissão em si. De qualquer maneira, os beneficiários estão à
partida identificado, mas não individualmente. Estão identificados pela titularidade de outro
direito relativo a coisa vizinha, nestas situações os beneficiários estão individualizados pelo
interesse.

Nas limitações de interesse publico, há uma que devemos ter conhecimento, tem gerado
muito debate em tribunal “ius aedificandi” (direito de edificar), o problema que se poe é saber
se onde existam limitações à edificação, designadamente impostas pelo PDM, se isso altera a
natureza do direito de edificação ou não. A questão está em saber se o direito de edificação
faz parte por natureza do direito de propriedade sobre imoveis, se qualquer proprietário de
imoveis tem naturalmente o direito de edificar ou se, ao contrário, não o tem, e ele é
concedido pela administração publica, através justamente do PDM. O que importa é saber se o
proprietário do solo tem o direito de edificar ou não, se esse direito é por natureza e esse
direito é depois limitado ou excluído, ou se ao contrário o direito lhe é atribuído originalmente
pela administração publica. Isto pode parecer indiferente, mas se entendermos que o direito
de edificar faz parte do direito de propriedade sobre imoveis então temos de entender que
cada vez que esse direito seja limitado ou excluído de forma inesperada isso equivale a
expropriação, ou seja, obriga o estado a indemnizar o proprietário por expropriação.

Todos têm mais ou menos noção do que é expropriação por utilidade publica, esta supõe que
demonstrada utilidade publica o estado pode apropriar-se da propriedade sobre o que seja e,
portanto, adquirir essa propriedade provocando a perda do direito contra aquele que sofre a
expropriação, claro que indemniza. Há situações, e este exemplo é um deles, em que não se
expropriando formalmente a propriedade ela é de tal forma esvaziada que na prática não tem
conteúdo. Se um terreno estiver inserido em zona urbana e for impedido de construir que
outra utilidade lhe podemos dar? O proprietário do solo fica proprietário de uma coisa sem
conteúdo, sem valor económico.

À custa disso surgiu a chamada quase expropriação, esta consiste na situação em que o estado
através da imposição de limitações não retira formalmente a propriedade, mas elimina o seu
conteúdo pratico. Se ao proprietário é retirado de forma inesperado direito de edificar isto
pode significar quase expropriação.

Ao passo que se dizemos que o direito de edificação não faz parte da propriedade imóvel, e é
conseguido discricionariamente, nenhum proprietário pode invocar violação do direito de
propriedade, à partida ele não tem o direito de edificação é o estado que lho dá. É verdade
que o estado pode ter que indemnizar ou modificar algo por violação do princípio da
igualdade. Mas a questão não é esta, é saber se o estado tem de compensar pela exclusão do
direito de indemnizar, se este for dado pelo estado não. Se este fizer parte da propriedade de
imoveis a sua limitação ou exclusão pelo menos de forma inesperada, que viole as expectativas
consolidadas, leva a que ocorra a chamada quase expropriação e obriga a indemnização.

Hoje em dia, embora esta posição esteja longe de ser unanime a posição maioritária é de dizer
que o direito de edificar não faz parte da propriedade imóvel, é concedido pelo estado, se for
concedido, este concede a partir dos planos de ordenamento, sobretudo o PDM que é o que
tem carater normativo. A proibição de construção não é assim uma limitação.

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Do outro lado, ao titular do direito real podem-se-lhe impor deveres de atuação, não estamos
perante abstenções, mas deveres de atuação que são impostos ao titular do direito real nessa
qualidade.

Temos fundamentalmente duas hipóteses: as obrigações reais e ónus reais.

As obrigações reais são conhecidas como obrigações “propter rem”, obrigações em função,
ligadas à própria coisa.

Características:

 Daqui resultam relações obrigacionais normais, ou seja, uma obrigação real é uma
obrigação nos termos do 397, tem um sujeito passivo (devedor) sujeito ativo (credor) e
daí resultam deveres de prestação como é próprio de qualquer relação obrigacional. A
primeira especialidade é esta: o devedor é identificado não por si próprio, mas por
força da titularidade de um direito real, ou seja, quem está obrigado a certa prestação
é quem for titular de um direito real, quem está obrigado a participar na despesa de
conservação e manutenção de espaços comuns são os condóminos, é quem for
condómino, quem está obrigado a fazer as reparações ordinárias na coisa usufruída é
o obrigado, ou seja, ele não é obrigado individualmente mas porque é titular daquele
direito no qual a obrigação está incluída. Discutível.
 Geralmente as obrigações reais são caracterizadas pela funcionalidade, o conceito
mais restrito de obrigação real fala da funcionalidade. Suponham que a obrigação real
desempenha uma certa função, uma certa funcionalidade, não é imposta atoa. É
imposta porque há uma necessidade e essa necessidade geralmente está ligada à
manutenção/ conservação da coisa. Um proprietário pede cumprir as obrigações do
1411 para conservação da coisa comum. Usufrutuário faz reparações ordinárias no
1462 para conservação da coisa usufruída, há uma função que em posição a obrigação
desempenha, em geral conservação e manutenção da coisa.
 Estas obrigações são forçosamente obrigações de facere ou dare, obrigam a uma
prestação de conteúdo positivo.
 Depende da forma como se vê e sobretudo o que se entende de uma obrigação.
Quando se pergunta se são ambulatórias o que se quer saber é se como estão ligadas á
titularidade de um direito real se acompanham ou não a transmissão desse direito.
Exemplo: o condómino tem 2 anos de prestações de condomínio em mora, ao fim dos
2 aos vende a sua fração a outra pessoa. A pessoa que adquire a fração fica obrigada
também pelas prestações que estavam em mora ao tempo em que o proprietário era
o transmitente ou não? Quando A vende a B, o B fica obrigado pelas prestações em
atraso ou não. Se sim, a obrigação é ambulatória, senão não é. Embora a lei nada diga,
seja a que propósito a obrigação real for, o entendimento quase unanime é no sentido
de que a obrigação já está vencida não é ambulatória, no fundo as que ainda não se
venceram, em vigor ainda não vinculam acompanham a transmissão do direito, ao
contrário as vencidas, as que já têm um devedor determinado não são em geral
ambulatórias. Exemplo: As prestações de condomínio que se vencerem após a
aquisição do B, passam a vincular o B, são obrigações em potencia. As obrigações já
vencidas não há ambulatoriedade, o devedor ficou vinculado na altura em que elas se
venceram, é esse o devedor, a menos que haja acordo entre transmitente a
adquirente para transmissão da divida, B adquira as dividas de A não há transmissão e,
portanto, o devedor está vinculado. o devedor fica identificado no momento em que a

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obrigação se vence. Esta regra da não ambulatoriedade terá duas exceções que não
estão previstas na lei:
o Nos casos em que os pressupostos de facto, os requisitos materiais que levam
ao vencimento da obrigação sejam patentes, parte-se do princípio de que o
adquirente aceita a transferência da obrigação. Exemplo: suponham que o A
vendeu ao B um apartamento num condomínio e que na altura da venda havia
um elevador que estava avariado, é evidente que a sua reparação é
necessária, se o comprador aceita comprar naquelas condições (não diz, por
exemplo que compra, mas que o elevador tem de estar reparado), está a
aceitar que a despesa de reparação do elevador seja repartida com ele. Os
pressupostos factuais do vencimento da obrigação transparecem
patentemente da própria coisa, seria facilmente verificável que o edifício
precisa de reparação. A reparação já devia ter sido feita, mas se a reparação já
foi feita naquelas condições admite participar naquela despesa.
o Constituída pelos casos em que a obrigação real consista num fazer e a
realização/ execução desse fazer implique intromissão num direito alheio.
Exemplo: o usufrutuário não fez as reparações que estava obrigado nos
termos do 1472. Transferiu o seu usufruto para outra pessoa, em rigor se as
reparações já eram exigíveis antes da transmissão quem está obrigado é
aquele que transmitiu. Só que se o usufruto foi transferido para outra pessoa,
obrigar o anterior usufrutuário a realizar reparações, implica que ele possa
interferi com o usufruto do atual usufrutuário. O usufruto incide sobre uma
casa e o usufrutuário não fez reparações nas canalizações como devia ter feito,
transmitiu o seu direito. Para que o anterior usufrutuário possa realizar o seu
direito é preciso que o novo usufrutuário o deixe interferir, para todos os
efeitos o novo usufrutuário é quem tem o uso e disposição, qualquer outra
pessoa que queira reparar implica interferir em direito alheio, o obrigado à
reparação foi o usufrutuário já não é o usufrutuário atualmente, perdeu a
legitimidade para intervir na coisa. A opinião geral é que nestas situações
também há ambulatoriedade.
 O titular do direito do qual a obrigação está incluída pode fazer renuncia liberatória,
está obrigado em função da sua titularidade, pode deixar de estar obrigado se
renunciar ao seu direito, desde que essa renúncia seja em benefício do credor.

Ónus reais

São muito parecidos com as obrigações, dos ónus resultam relações obrigacionais normais, há
um devedor, há um credor, estas obrigações são de conteúdo positivo. A primeira
especialidade surge no facto de nos ónus o requisito da funcionalidade não estar presente, não
tem de existir uma função especificamente instituída em ligação com o cumprimento do ónus.
Existem porque existem, porque a lei constituiu ou permite a sua constituição, não têm de
desempenhar uma função particular. A característica que demarca o ónus é que este supõe
que a coisa atingida com esse ónus fica automaticamente afetada como garantia de
cumprimento. Portanto, é como se automaticamente houvesse uma hipoteca ou um penhor
constituídos sobre essa mesma coisa atingida pelo ónus para garantia de cumprimento.
Exemplos: No direito real de habitação periódica, o chamado utente adquire um direito de
habitar nessa unidade por um certo período de tempo em cada ano civil. Isto tem como
vantagem que o titular da propriedade de cada unidade de habitação é remunerado. A quantia
que recebe tem por um lado compensar pelas despesas de manutenção, e numa outra parte a

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remuneração que tem em vista compensar o proprietário do empreendimento pelo trabalho
que tem. Isto é um conjunto de obrigações que resultam daqui, apesar de a leis e referir como
apenas uma. E se o utente não paga? Como em qualquer relação obrigacional o credor pode
executar o património do seu devedor, mas tem privilégio creditório sobre o direito de
obrigação periódica. Antes de mais nada responde pelo não cumprimento o próprio direito de
habitação periódica. No caso da habitação periódica implicitamente o direito de habitação
periódica fica a garantir o cumprimento dessa obrigação. Se estivermos perante a obrigação de
pagar o IMI, esta obrigação é uma como outra qualquer, de um modo geral se o devedor não
paga o imposto o estado pode executar o património do devedor, mas neste caso o próprio
imóvel garante o cumprimento do IMI. O estado pode executar o próprio imóvel sujeito ao
IMI, segundo a lei este está a responder ao pagamento desse imposto.

É uma figura rara, há situações que se aproximam do Ónus sem o serem, a hipótese do 1530.
Nada na lei indicia que o próprio direito de superfície garante o cumprimento desta obrigação.
Não constitui um ónus real. Também não é obrigação real, não observa o carater da
funcionalidade.

Em várias situações temos uma terceira categoria em que falta a funcionalidade (não é
obrigação real), falta a constituição implícita e automática de uma garantia real (não é ónus),
mas há eficácia entre terceiros.

Na situação do canon superficiário, o CRP prevê a possibilidade de essa obrigação ser inscrita
no registo predial, se é inscrita no registo é para dar oponibilidade de terceiro, se o
superficiário inicial transmite o direito a outra pessoa, essa fica obrigada ao cumprimento do
cânon a partir daí sem que estejamos perante uma situação de obrigação real, sem que isso
seja ónus real.

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