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Conceito e estrutura da Obrigação

Direito de crédito: direito subjetivo cujo objeto é a prestação – comportamento que o devedor está
vinculado a adotar em benefício do credor (art. 397)

Porém, este comportamento não pode ser coercivamente imposto – art. 817, o credor só pode:
- satisfazer o seu direito à custa dos bens do devedor (art. 827 ss – execução específica)
- Exigir uma indemnização pelos danos sofridos (art. 798 ss – indemnização por incumprimento)

Se a prestação é incoercível, o objecto do direito de crédito não será antes o património do devedor,
uma vez que só através dele o credor pode obter judicialmente a satisfação do seu direito?
 Teorias personalistas – o direito de crédito é um vínculo pessoal: um direito que tem por objeto uma
conduta do devedor. Duas sub-teorias, o crédito é um…

• direito sobre o devedor (direito de domínio sobre uma pessoa). Solução tradicional do Direito
Romano, inaceitável atualmente: o devedor é um sujeito da obrigação e não um objeto dela – a
execução para satisfação do crédito faz-se sobre os bens, não sobre a pessoa do devedor

• direito à prestação do devedor. Faculdade de exigir de determinada conduta (prestação) em


benefício de outrem; não pode ser coercivamente exigida, mas como tem valor patrimonial,
permite a execução do património do devedor para ressarcimento do credor. O direito de
crédito não incide sobre o património do devedor nem sobre a coisa a prestar – é um direito à
conduta do devedor
 Teorias realistas – o crédito é um direito sobre o património do devedor. Sub-teorias: é um…

• direito sobre os bens do devedor. Tal como o direito real, é um direito sobre bens – não
determinados, mas todo o património do devedor (universalidade). Nega a existência de um
direito à prestação – o cumprimento da obrigação, sendo incoercível, é absolutamente livre

Crítica: a faculdade de execução visa garantir o direito de crédito, não constitui o seu objeto. A
prestação pode ser de facto, e até de facto negativo – nesse caso o cumprimento não consiste na
entrega de bens do devedor... Se a prestação for originariamente impossível, o direito de crédito
nem se chega a constituir (art. 401, n.º 1) e a obrigação extingue-se em caso de impossibilidade
superveniente da prestação (art. 790) – estas soluções seriam incompreensíveis se o objecto do
direito de crédito fossem os bens do devedor...
A aplicação de sanções ao devedor em caso de mora (art. 804), incumprimento da obrigação (art.
798) ou sua impossibilidade culposa (art. 801) mostra que o devedor está vinculado ao
cumprimento – não se pode considerar este como livre... A inexistência de bens no património
não impede alguém de assumir obrigações – não se pode considerar o direito de crédito como
tendo por objeto os bens do devedor…

• crédito como uma relação entre patrimónios. Não é o devedor que deve ao credor, mas antes
o património do devedor que deve ao património do credor. O crédito, tal como o direito real,
é um direito sobre bens, não bens determinados, mas sim o património do devedor

Crítica: os patrimónios são complexos de bens e as relações jurídicas estabelecem-se entre


pessoas, sofre das mesmas críticas anteriores…
• crédito como um direito à transmissão dos bens do devedor. A obrigação é um processo de
aquisição de bens. A diferença entre o direito de crédito e o direito real é que este pode ser
exercido diretamente sobre a coisa, enquanto naquele haveria um fenómeno de “propriedade
indirecta”, um direito à aquisição de bens do devedor

Crítica: a obrigação não envolve a transmissão de bens (a prestação pode ser de facto, não tem
de ter valor económico). Mesmo nas prestações de coisa, o que está em causa é a conduta do
devedor relativamente à entrega da coisa (distinta da transmissão da propriedade sobre ela)

• crédito como expectativa da prestação, acrescida de um direito real de garantia sobre o


património do devedor. Distingue na obrigação duas relações fundamentais, o débito (mera
expectativa) e a responsabilidade (verdadeiro direito subjectivo)
 Teorias mistas – a obrigação tanto tem por objeto a prestação como o património do devedor. O
débito é o vínculo principal da obrigação – dever de efetuar a prestação; a responsabilidade é um
vínculo de garantia: sujeição do património do devedor que assegura o equivalente patrimonial da
prestação em caso de incumprimento. O credor tem dois direitos fundamentais: direito à prestação
(direito pessoal) e direito sobre o património do devedor (direito real de garantia)

 Doutrinas que defendem a complexidade do vínculo obrigacional: a obrigação como organismo,


como estrutura e como processo

A obrigação é uma realidade complexa, abrangendo uma série de elementos, incluindo a


prestação e a execução do património do devedor
 Posição adoptada - a obrigação é um vínculo pessoal, através do qual um sujeito pode exigir do
outro um comportamento em seu benefício. O objecto do direito de crédito é a prestação (art. 397)

O credor não tem qualquer direito sobre o património do devedor – a ação executiva é uma
sanção pelo incumprimento da obrigação que dá proteção jurídica ao direito de crédito: o Estado
substitui-se ao devedor, obtendo os meios necessários através da execução do seu património

O credor tem um direito subjetivo à prestação: o devedor está vinculado ao cumprimento; a


existência de um direito só depende do seu reconhecimento por uma norma,
independentemente de ser garantido por uma sanção ou de a sanção ter plena eficácia…
Características da Obrigação

 Patrimonialidade (tendencial)

susceptibilidade de a obrigação ser avaliável em dinheiro, tendo, portanto, conteúdo económico…

Art. 398, n.º 2 – a prestação não necessita de ter carácter pecuniário, mas deve corresponder a um
interesse do credor, digno de protecção legal

São admissíveis obrigações sem cariz patrimonial – ex: emissão de um desmentido ou de um pedido de
desculpas, obrigação de não fazer barulho quando o credor está doente, etc

Que hipóteses não “correspondem a um interesse do credor, digno de protecção legal?”


- Antunes Varela: esta norma pretende excluir prestações que sejam caprichos ou manias do devedor
e prestações tuteladas por outras ordens normativas (religião, moral ou trato social)

- Menezes Cordeiro: podem ser constituídas obrigações relativas a caprichos ou manias desde que
sejam situações jurídicas; se resultarem de complexos normativos, não são admissíveis

- Menezes Leitão concorda: o interesse do credor ser uma mania ou capricho para a generalidade das
pessoas não exclui a sua eventual importância para o credor; só se a situação disser exclusivamente
respeito a outras ordens normativas é que a sua juridicidade é excluída

A obrigação tem natureza patrimonial na esmagadora maioria dos casos


 Mediação ou colaboração devida

O credor não pode exercer direta e imediatamente o seu direito – ele necessita da colaboração do
devedor para satisfazer o seu interesse

Distinção face aos direitos reais – que consistem num poder direto e imediato sobre uma coisa

Porém, em certos casos, perante a recusa do devedor em prestar, o credor pode obter a satisfação do
seu direito à prestação por via coerciva, como sucede na execução específica (art. 827 ss)

Ainda assim a mediação é característica das obrigações: se judicialmente se pode substituir a conduta
do devedor, isso acontece porque o devedor se vinculou a prestar essa conduta
 Relatividade

Normalmente apontada como característica das obrigações, pode ser entendida em dois sentidos:

 prisma estrutural – o direito de crédito estrutura-se com base numa relação entre credor e devedor

Indiscutível: o direito de crédito só pode ser exercido pelo seu titular (o credor) contra outra pessoa
determinada que tenha o correlativo dever de prestar (o devedor)

Distingue-se dos direitos reais, que têm carácter estruturalmente absoluto – ao terem por objecto uma
coisa, não se estruturam a partir de uma relação entre pessoas, mas antes pressupõem uma ausência
dessa relação, sendo oponíveis erga omnes…
 prisma de eficácia – o direito de crédito apenas é eficaz contra o devedor: só a ele pode ser oposto e
só por ele pode ser violado. A obrigação não tem eficácia externa (eficácia perante terceiros)

Este prisma é mais discutível:

Doutrina clássica – os direitos de crédito nunca podem ser violados por terceiros: sendo direitos
relativos, o terceiro não tem o dever de os respeitar

- art. 406, n.º 2 (em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos previstos na lei)

- distinção entre responsabilidade delitual (o art. 483 sujeita a responsabilidade civil a violação
culposa de direitos absolutos por qualquer pessoa…) e responsabilidade obrigacional (o art. 798,
relativo à violação do direito de crédito, restringe-se ao devedor…)
Outra parte da doutrina - salienta que o dever geral de respeito, de não lesar direitos alheios (neminem
laedere) também abrange os direitos de crédito, que também teriam tutela delitual (art. 483)

Posição intermédia – não existe um dever geral de respeito dos direitos de crédito mas pode haver
oponibilidade dos créditos perante terceiros através do princípio do abuso do direito (art. 334): o
terceiro poderá ser responsabilizado quando a sua actuação lesiva do direito de crédito seja considerada
um exercício inadmissível da sua liberdade de acção ou da sua autonomia privada

- Normalmente o terceiro que contrata com o devedor não deve ser responsabilizado pelo facto de
este violar as suas obrigações

- Não existe nenhum requisito de legitimidade para constituir obrigações – é válida a constituição de
créditos que o devedor não poderá satisfazer sem incumprir outros anteriores – art. 604
Só excecionalmente se pode responsabilizar o terceiro: quando ele exerça a sua liberdade de contratar
de forma disfuncional – um exercício inadmissível de posições jurídicas

Exemplo: se o credor se encontra numa grande situação de dependência em relação à prestação, não
havendo mais ninguém em condições de a realizar e o terceiro, com o único fim de lesar o credor,
convence o devedor a não cumprir a obrigação

Esta situação seria uma infração aos princípios da boa fé, dos bons costumes ou da função sócio-
económica da autonomia privada, podendo invocar-se o abuso do direito (art. 334)
 Autonomia (não é característica da obrigação)

Autonomia significaria o facto de a obrigação ser regulada pelo Direito das Obrigações: não seriam
verdadeiras obrigações aquelas situações que embora estruturalmente obrigacionais, fossem reguladas
por outros ramos do Direito

Exemplos: a obrigação de pagar impostos; a obrigação de pagar alimentos; a obrigação do trabalhador


prestar trabalho sob autoridade e direcção da entidade patronal…

Alegada “grave crise do Direito das Obrigações” – a sucessiva institucionalização de relações jurídicas
obrigacionais, por causa do seu enquadramento em novos complexos normativos orientados pelo seu
fim social (Direito Bancário, Direito dos Seguros, Direito do Consumidor) levaria à contínua
desagregação do Direito das Obrigações, que apenas regularia as obrigações constantes do Código Civil
Esta conceção está errada: a estrutura da obrigação autónoma e não autónoma é idêntica; o seu regime
pode divergir mas não impede a qualificação de ambas como verdadeiras obrigações

As situações estruturalmente obrigacionais noutros ramos do Direito continuam a ser obrigações e são
reguladas pelo Direito das Obrigações nas partes não sujeitas a um regime específico

A autonomia não deve ser considerada como uma características das obrigações
Distinção entre direitos de crédito e direitos reais

Critério do objeto:

 os direitos de crédito são direitos a prestações – direitos a uma conduta do devedor

 os direitos reais são direitos sobre coisas

Têm características diferentes:

 o crédito é um direito à prestação – necessita da colaboração do devedor para ser exercido. Mesmo
se a prestação tiver por objeto uma coisa, o credor não tem um direito direto sobre ela, tem apenas
direito a que o devedor a entregue (necessita da sua colaboração para satisfazer esse interesse)

 Nos direitos reais, o credor não necessita da colaboração de ninguém para exercer o seu direito – o
seu direito incide direta e imediatamente sobre uma coisa
 O direito de crédito tem uma relatividade estrutural: assenta numa relação (tem que ser exercido
contra o devedor)

 O direito real não assenta em qualquer relação interpessoal – é exercido diretamente sobre a coisa,
podendo ser oposto a toda e qualquer pessoa (oponibilidade erga omnes)

 O direito de crédito é um direito relativo – a sua oponibilidade a terceiros é limitada, só podendo


ocorrer em certas circunstâncias

 A oponibilidade do direito real a terceiros é plena – o direito real adere à coisa e estabelece uma
vinculação tal com a coisa que dela já não pode ser separado (a chamada “inerência”)

Ex.: se alguém constituir uma hipoteca sobre determinado prédio, não pode depois transferir a
hipoteca para outro prédio: o direito incide sobre aquela coisa e não pode ser dela separado
 A inerência tem uma manifestação dinâmica: a sequela – o titular de um direito real pode perseguir
a coisa onde quer que ela se encontre

Ex.: A é proprietário de um bem e outrem vende-o a um terceiro, que o torna a revender. Para
reclamar a coisa do seu possuidor atual, A não necessita de demonstrar a invalidade de todas as
transmissões, bastando-lhe demonstrar a sua propriedade para obter a restituição da coisa,
através da ação de reivindicação (art. 1311). Apesar de existir uma série de transmissões, se
alguém demonstrar a titularidade de um direito real sobre a coisa, pode sempre exercê-lo: o
direito real persegue a coisa onde quer que ela se encontre e pode sempre ser exercido

 O direito de crédito não tem esta característica: se alguém tem direito a uma prestação e o devedor
aliena o objeto da mesma, o credor já não a pode exigir – só pode pedir uma indemnização ao
devedor por ter impossibilitado culposamente a prestação
 Os direitos reais também se caracterizam pela prevalência: em sentido amplo, significa a prioridade
do direito real primeiramente constituído sobre posteriores constituições (salvo as regras do registo)
e a maior força dos direitos reais sobre os direitos de crédito (não é possível constituir
sucessivamente dois direitos reais incompatíveis sobre o mesmo objeto, só um pode prevalecer)

Ex.: se alguém vende o mesmo objeto 2 vezes a pessoas diferentes, prevalece a primeira venda,
ou, nos bens sujeitos a registo, a que for registada primeiro. Existe um requisito de legitimidade
para a constituição dos direitos reais (art. 892): com a primeira alienação o vendedor perde a
sua legitimidade para dispor do bem, já não o pode vender outra vez

 Os direitos de crédito não têm esta característica: não se hierarquizam entre si pela ordem da
constituição, antes concorrem em pé de igualdade sobre o património do devedor que, se não for
suficiente, é rateado para se efetuar um pagamento proporcional a todos os credores (art. 604, n.º 1)
Ex.: se alguém tiver um património no valor de 1,000 EUR, e assumir sucessivamente duas
obrigações de pagar 1,000 EUR a dois credores distintos, as duas obrigações foram validamente
assumidas, tendo o património do devedor que ser dividido para pagar a cada um dos credores
metade do seu crédito. Os direitos de crédito não se hierarquizam entre si pela ordem da
constituição ou do registo: têm todos uma posição equivalente sobre o património do devedor,
a não ser que surjam acompanhados de um direito real que atribua prevalência no pagamento
(art. 604, n.º 2). Efetivamente, os direitos reais tem mais força do que os direitos de crédito,
pelo que, no caso de um conflito entre o direito real e um direito de crédito, o direito real
prevalece
Conclusão:

A distinção entre direitos de crédito e direitos reais baseia-se numa diferença de objeto:

- Os direitos de crédito são direitos sobre prestações, possuindo as características da mediação do


devedor, da relatividade, de uma oponibilidade a terceiros limitada, ausência de inerência e não
hierarquização entre si

- Os direitos reais são direitos sobre coisas: são direitos imediatos, absolutos, plenamente oponíveis
a terceiros, inerentes a uma coisa, dotados de sequela e hierarquizáveis entre si (a constituição de
um direito implica a perda de legitimidade para posteriormente constituir outro)
A questão dos direitos pessoais de gozo

O Código Civil fala em direitos pessoais de gozo (arts. 407 e 1682-A): o direito do locatário (art. 1022),
do comodatário (art. 1129), do parceiro pensador (art. 1121) e do depositário (art. 1185) entre outros

A qualificação destas figuras como direitos reais ou direitos de crédito é discutível:

 Posição clássica (Galvão Telles, Antunes Varela): qualifica-os como direitos de crédito

 Outros autores (Dias Marques, Oliveira Ascensão): reconhecem, pelo menos, natureza real ao direito
do arrendatário

 Posição intermédia – os direitos pessoais de gozo constituem um tertium genus


- Manuel Henrique Mesquita - em relação ao locatário, o cariz dualista resulta de, para alguns
efeitos, ele ser titular de uma verdadeira posição de soberania, enquanto que, para outros,
permanece como mera contraparte num contrato

- José Andrade Mesquita – direitos pessoais do gozo não são direitos reais, porque são
estruturalmente relativos (estruturam-se numa relação entre o credor e o devedor) mas
também não são direitos de crédito, porque são direitos imediatos sobre uma coisa corpórea,
não necessitam da colaboração do devedor para ser exercidos

- Nuno Pinto Oliveira – Os direitos pessoais de gozo são direitos de regime dualista (misto),
cabendo ao intérprete pronunciar-se caso a caso sobre a aplicação do regime dos direitos reais
ou dos direitos de crédito
 Menezes Leitão – a posição intermédia junta características contraditórias entre si:

 Se o direito recai imediatamente sobre uma coisa (não necessitando da colaboração do


devedor para ser exercido) não se pode dizer que é estruturalmente relativo…

 Se o direito se estrutura numa relação com o devedor, então tem de ter por objeto uma
prestação do devedor, não uma coisa…

Determinar a natureza dos direitos pessoais de gozo requer optar entre as teses personalista e realista,
e não pela defesa de uma posição eclética
 O legislador pretendeu qualificar os direitos pessoais de gozo como direitos de crédito,
estabelecendo que embora confira o gozo de uma coisa, esse gozo resulta de:
- uma obrigação positiva assumida pela outra parte (locação, arts. 1022 e 1031 b) e parceira
pecuária, arts. 1121 e 1125)
- uma obrigação negativa assumida pela outra parte (comodato, arts. 1129 e 1131, n.º 1)
- uma autorização eventual (depósito, arts. 1185 e 1189, in fine)

 Não há um direito imediato sobre a coisa (característico dos direitos reais), exigindo-se a mediação
do devedor (característica dos direitos de crédito)

 A inserção sistemática (no título relativo aos contratos em especial e não no livro dos direitos reais)
mostra a intenção de qualificar estes direitos como direitos de crédito
MAS… os direitos pessoais de gozo têm características que os aproximam dos direitos reais:

 Uma tutela que extravasa a simples ação de cumprimento e execução (art. 817) – podem ser
utilizadas as ações possessórias contra terceiros que privem o titular do direito pessoal de gozo da
coisa ou perturbem o exercício do seu direito, mesmo contra a contraparte (arts. 1037, n.º 2; 1125,
n.º 2; 1133, n.º 2; 1188, n.º 2)

O devedor da obrigação é tratado como qualquer lesante caso viole esse direito, que parece
estruturado em termos absolutos (tal como os direitos reais), não relativos (direitos de crédito)

 O exercício do gozo sobre a coisa normalmente realiza-se sem a intervenção de qualquer pessoa: o
locatário, o comodatário, o parceiro pensador e o depositário podem obter diretamente o gozo da
coisa a partir do momento em que esta lhes é entregue
 No caso do locatário parece existir um fenómeno de inerência à coisa (próprio dos direitos reais):
art. 1057 – emptio non tollit locatum (a compra não prejudica a locação)

O adquirente da coisa sucede nos direitos e obrigações do locador, logo o locatário tem o direito de
perseguir a coisa, seja qual for o património em que se encontre. Nos direito de crédito, a subtração
de uma coisa ao património do devedor implica normalmente a impossibilidade de cumprimento,
nunca a oneração do património de terceiro com essa obrigação…

 A lei hierarquiza os direitos pessoais de gozo segundo a ordem da sua constituição ou registo (art.
407)

Nos direitos de crédito, a regra não é a da hierarquização mas sim a do rateio sobre o património do
devedor (art. 604, n.º 1)
Não seria preferível considerar os direitos pessoais de gozo como direitos reais (direitos absolutos,
dotados de inerência e prevalência)? Não:

 No Direito Romano, os direitos reais eram tutelados pelas actiones in rem e os direitos de crédito
pelas actiones in personam. Os direitos pessoais de gozo foram sempre defendidos por actiones in
personam, o que explica a sua configuração atual como direitos de crédito

 Aos direitos pessoais de gozo foram sempre aplicadas regras distintas dos direitos reais, e.g., a
desnecessidade de legitimidade para constituir validamente direitos pessoais de gozo sobre a coisa

Ex.: se alguém arrendar um prédio que não é seu, o arrendamento não deixa de se considerar
validamente constituído: o locador responde por incumprimento em caso de não conseguir
proporcionar o gozo da coisa ao locatário (art. 1304). A regra do art. 407 é distinta do conflito entre
direitos reais: o conflito entre direitos pessoais de gozo é um conflito entre direitos validamente
constituídos; o pretenso conflito entre direitos reais é um conflito entre um direito e um não direito (o
alienante só pode eficazmente alienar uma vez o seu direito)
 Os direitos reais defendem-se através da ação de reivindicação (art. 1311): é necessário demonstrar
que se é o verdadeiro titular do direito real (o que só é possível, se não houver presunções de
titularidade, através da demonstração de uma aquisição originária do direito)

 Os direitos pessoais de gozo defendem-se através das ações relativas aos contratos que os
constituíram (art. 817), bastando invocar o respetivo contrato (art. 406). Essa invocação é sempre
necessária, sendo referida mesmo no caso do art. 1057

Menezes Leitão: no art. 1057 não existe um fenómeno de sequela mas sim uma transmissão
forçada das obrigações (sub-rogação legal), já que se funda na aquisição do direito com base no
qual foi celebrado o contrato (ou seja, numa aquisição derivada), não tendo que se demonstrar a
válida constituição desse direito através de uma aquisição originária (típico dos direitos reais)
Ex.: alguém arrenda um prédio e depois vende-o a terceiro. Face ao art. 1057 transmitem-se para esse
terceiro os direitos e obrigações do locador, independentemente de o locador ser ou não proprietário da
coisa, suscitando-se em caso negativo a aplicação do art. 1034

Se, porém, alguém constituir um usufruto sobre um bem seu, a constituição do usufruto para ser válida
dependerá do facto de o alienante ser proprietário da coisa

Caso não seja, o pretenso usufrutuário não pode invocar o seu direito, nem sequer perante posteriores
adquirentes do direito com base no qual foi constituído o usufruto (que não terão, como o pretenso
usufrutuário, direito algum)

Demonstrando-se que a propriedade pertence afinal a um terceiro, o pretenso usufruto não é assim
oponível perante ninguém. Pelo contrário, o direito do locatário constitui-se validamente, mesmo que o
locador não seja proprietário, pelo que é sempre oponível aos adquirentes do direito com base no qual
foi celebrado o contrato (art. 1057)
Conclusão:

Os direitos pessoais de gozo são direitos de crédito, uma vez que através deles o titular adquire o
direito a uma prestação do devedor, que consiste em assegurar o gozo de uma coisa corpórea, tutelável
através da ação de cumprimento

A satisfação dessa prestação pressupõe, porém, atribuição ao credor de um direito à posse das coisas
entregues, o que justifica que a lei lhe atribua as ações possessórias para defesa dessa situação jurídica

A existência de posse nestes direitos não implica, porém, a sua qualificação como direitos reais, uma
vez que neste caso o direito ao gozo da coisa é obtido a partir de uma prestação do devedor,
resultando, portanto, de um direito de crédito
Objecto da obrigação: a prestação

Art. 397: a prestação consiste na conduta que o devedor se obriga a desenvolver em benefício do credor

A realização da prestação pelo devedor considera-se cumprimento, extinguindo a obrigação (art. 762,
n.º 1)

Art. 398, n.º 1 – ação ou omissão, as partes podem determinar o seu conteúdo dentro dos limites da lei

Art. 280 – requisitos do objecto negocial:

- Possibilidade física e legal – vide art. 401, n.º 1 e 401, n.º 2 (não confundir com art. 790)

Prestação de coisa futura – art. 399 (ver art. 880, nº 1)


- Licitude – art. 280º, n.º 1 e 294

- Determinabilidade – art. 280 – a prestação tem de ser determinável

Exemplos de prestações indeterminadas – obrigações genéricas (art. 539) e obrigações alternativas (art.
543)

Art. 400 – determinação da prestação

- Não contrariedade à ordem pública e bons costumes – art. 280, n.º 2


A relação obrigacional complexa

Obrigação em sentido estrito – art. 397 (binómio direito de crédito – dever de prestar)

Obrigação em sentido amplo (relação obrigacional) – conjunto de situações jurídicas geradas no âmbito
da relação entre o credor e o devedor. Abrange:

• Dever de efectuar a prestação principal


Ex: entrega de um automóvel (compra e venda), reparação de um automóvel (empreitada)

• Deveres secundários de prestação (prestações autonómas, ainda que especificamente acordadas,


com o fim de complementar a prestação principal, sem a qual não fazem sentido)

Ex: encher o depósito do carro, lavar o carro, por vezes exigidos por lei (ex: 882, n.º 2)
• Deveres acessórios impostos pela boa fé (destinam-se a permitir que a execução da prestação
corresponda à plena satisfação do interesse do credor)

Ex: em relações contratuais duradouras, que exigem relações de confiança mútua. Deveres acessórios de
informação, proteção e lealdade. Ex: informar do modo de funcionamento do automóvel

• Sujeições (contraponto de situações jurídicas potestativas)

Ex: nas obrigações puras a interpelação constitui o devedor em mora (art. 805, n.º 1)

• Poderes ou faculdades que o devedor pode exercer perante o credor

Ex: art. 777, n.º 1, art. 539


• Excepções – faculdade de paralisar eficazmente o direito de crédito

Ex: prescrição (art. 303), excepção de não cumprimento do contrato (art. 428), benefício da excussão
(art. 638), direito de retenção (art. 754)
Modalidades das obrigações

• Obrigações civis

• Obrigações naturais – art. 402 ss. Caracterizadas pela não exigibilidade judicial da prestação

Classificações em função dos tipos de prestações:

• Prestações de coisa – a prestação consiste na entrega de uma coisa (ex: art. 878 b). Prestações de
dare. Vide art. 827

• Prestações de facto – não consistem na entrega de uma coisa mas sim noutro tipo de conduta.
Prestações de facere (fazer), non facere (não fazer) e de tolerar a realização de uma conduta por
outrem (pati)
• Prestações fungíveis – a prestação pode ser realizada por outra pessoa que não o devedor (o
devedor pode fazer-se substituir no cumprimento)

• Prestações infungíveis – só o devedor pode realizar a prestação

Art. 767, n.º 1 – em regra as prestações são fungíveis

Art. 767, n.º 2 – infungibilidade natural ou convencional

Vide art. 828 – execução específica


• Prestações instantâneas – a execução ocorre num único momento. O seu conteúdo e extensão não
estão delimitados em função do tempo

• Prestações duradouras – a execução prolonga-se no tempo. A sua realização global depende do


tempo
- prestações duradouras continuadas (ex: 1031 b), fornecimento de electricidade)
- prestações duradouras periódicas (ex: pagamento da renda. Pluralidade de obrigações
distintas, não existe fixação inicial do montante global)

As prestações instantâneas podem ainda ser:


- integrais (realizadas de uma só vez)
- Fraccionadas (pagamento a prestações – art. 934). É apenas uma obrigação, mas o objecto é dividido
em fracções, com vencimentos intervalados – o montante global está definido desde o início)
O que distingue as prestações duradouras das instantâneas é que o decurso do tempo determina o
conteúdo e não apenas o momento em que esta deve ser realizada:

- Nas prestações fraccionadas – o decurso do tempo NÃO influi no conteúdo da obrigação, mas
apenas determina o seu vencimento (art. 805, n.º 2 a)), o qual pode em certos casos ocorrer
antecipadamente (art. 781)

- Nas prestações duradouras – o decurso do tempo influi no conteúdo e extensão da obrigação – a


extinção ou alteração do contrato antes do decurso do prazo implica a não constituição ou a
alteração relativa ao tempo posterior
Os contratos de execução duradoura têm de ter uma delimitação temporal, que resulta da lei ou da
vontade das partes

O contrato normalmente termina por caducidade

A denúncia é uma figura própria dos contratos de execução duradoura – se as partes não fixaram prazo,
qualquer uma delas pode extingui-lo para o futuro através de um negócio jurídico unilateral receptício

o Os contratos de execução continuada e duradoura podem ser denunciados pelas partes se forem
celebrados por tempo indeterminado

o Outra característica destes contratos: desvio à regra do regime da resolução do contrato (art. 434,
n.º 2) – a resolução só opera para o futuro

o São contratos em que vigoram com maior intensidade os deveres de boa fé


• Prestações de resultado – o devedor obriga-se a obter um resultado determinado, respondendo por
incumprimento se esse resultado não for obtido (ex: entregar uma encomenda)

• Prestações de meios – o devedor não está obrigado à obtenção do resultado, mas apenas a actuar
com a diligência necessário para que esse resultado seja obtido (curar um doente)

Esta distinção é relevante para efeitos de ónus da prova:

- Nas obrigações de resultado, basta ao credor demonstrar a não verificação do resultado, é o


devedor quem tem de demonstrar que não tem culpa

- Nas obrigações de meios, o credor tem de demonstrar que a conduta do devedor não foi diligente
• Prestações determinadas – a prestação encontra-se completamente determinada no momento da
constituição da obrigação

• Prestações indeterminadas – a determinação da prestação ainda não se encontra realizada, essa


determinação terá de ocorrer até ao momento do cumprimento

Vide art. 400. Podem ser genéricas ou alternativas:

• Obrigações genéricas – art. 539 (ex: vinte garrafas de vinho, dez quilos de arroz). Apenas o género e a
quantidade se encontram determinadas. Vide art. 207 (coisa fungíveis)

• Obrigações específicas – tanto o género como os espécimes da prestação encontram-se


determinados
Quando a obrigação é genérica tem de existir um processo de individualização dos espécimes dentro
desse género – a escolha (art. 400)

Art. 539 – em regra a escolha cabe ao devedor

Art. 542 – escolha pode caber ao credor ou a terceiro

Regime do risco – regra: art. 796

Na obrigação genérica a transferência da propriedade não pode ocorrer no momento da celebração do


contrato (art. 408, nº 1 – coisas determinadas)

O art. 408, n.º 2 NÃO se aplica às obrigações genéricas


Concentração da obrigação – arts. 540 e 541

• Obrigações alternativas – outra modalidade de prestações indeterminadas, em que existem duas ou


mais prestações de natureza diferente, mas em que o devedor se exonera com a mera realização de
uma delas – art. 543
• Obrigações pecuniárias – têm por objecto dinheiro, visando proporcionar ao credor o valor que essa
espécie monetária possua

Subdividem-se em:
- obrigações de quantidade – art. 552
Princípio do curso legal
Princípio nominalista

- obrigações em moeda específica – art. 539 ss

- obrigações em moeda estrangeira – art. 558


• Obrigações de juros – correspondem à remuneração da cedência ou diferimento da entrega de
coisas fungíveis (capital) por um certo lapso de tempo (art. 559 ss)

Os juros são frutos civis – art. 212, n.º 2

Os juros podem ser legais e convencionais


Indeterminação do credor na relação obrigacional

- Art. 511

Exs: art. 459, títulos ao portador

Pluralidade de partes na relação obrigacional

- Pluralidade activa – vários credores

- Pluralidade passiva – vários devedores


• Obrigações conjuntas (ou parciárias)

Regime regra

Cada devedor só está vinculado a prestar ao credor our credores a sua parte na prestação, e cada um
dos credores só pode exigir do devedor ou devedores a parte que lhe cabe

• Obrigações solidárias

Art. 512 ss

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