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Relatividade das obrigações

 Em regra, as obrigações estabelecem um vínculo entre dois sujeitos. Este vínculo só


obriga naquela situação concreta, ou seja, o direito de crédito estrutura-se com base
numa relação entre credor e devedor (relatividade estrutural). Isto significa que
aquela obrigação não tem eficácia erga omnes, mas sim inter-partes (406º), ou seja,
só tem eficácia contra o devedor, consequentemente só a ele pode ser oposto e só
por ele pode ser violado (relatividade quanto à eficácia).
A relatividade no sentido de não eficácia do direito de crédito em relação a terceiros
(não eficácia externa da obrigação), apresenta-se como mais discutível. Eis a
divergência doutrinária:
I. Cunha Gonçalves (Doutrina clássica): defende a não eficácia externa das
obrigações, sendo que que os direitos de crédito nunca podem ser violados por
terceiros, já que sendo direitos relativos os terceiros não têm o dever de os
respeitar. Assim, os direitos de crédito só podem ser violados pelo devedor, não
tendo o terceiro qualquer responsabilidade pela sua frustração. Esta solução
resulta do Art. 406º/2, do art. 405º, do art. 604º (não há prevalência de direitos
de crédito) e da distinção de responsabilidade delitual e responsabilidade
obrigacional.

Responsabilidade delitual- Fonte de obrigações baseada no princípio do ressarcimento


do dano. O objetivo é eliminar o dano ou prejuízo do lesado, colocar a pessoa na
situação onde estaria se não houvesse dano.
Responsabilidade obrigacional- A ilicitude traduz- ‐se no incumprimento de uma
obrigação (é um direito de crédito e o responsável é o devedor na obrigação
correspondente).

II. Menezes Cordeiro e Galvão Telles: entendem que o dever geral de respeito a
todos têm de não lesar os direitos alheios, também abrange os direitos de crédito
que consequentemente têm tutela delitual (483º). Defendem também que a
frustração de um direito de crédito alheio é sempre ilícita, contudo ainda que o
pressuposto da ilicitude esteja preenchido é necessário que o pressuposto da
culpa também se verifique.
Argumentos:
- Art. 483º- cláusula geral que não exclui os direitos de crédito
- Direito de crédito possui proteção judicial e por isso não faz sentido que não
tenha tutela perante terceiros.
- Prof. Pedro Múrias- não há diferença entre um caso que eu roube 20€ a A e um
caso que eu impeça o devedor de cumprir a sua obrigação perante o credor.

III. Posição intermédia- Menezes Leitão, Manuel de Andrade e Antunes Varela:


entendem que não existe um dever geral de respeito dos direitos de crédito, mas
admite alguma oponibilidade excecional dos créditos perante terceiros, através
do princípio do abuso de direito (art. 334º), ou seja, o terceiro pode ser
responsabilizado nos casos em que a sua atuação lesiva do direito de crédito se
possa considerar como um exercício inadmissível de liberdade de ação e
autonomia privada. Nestes casos o terceiro está a abusar de uma liberdade
genérica e não de um verdadeiro direito subjetivo.
Concluindo, só o devedor deve ser responsabilizado, mas isso não significa que
em certos casos a obrigação possa ter eficácia externa e um terceiro ser
responsabilizado.

O abuso de direito pode ser por duas vias: violação da tutela de confiança e violação da
materialidade subjacente.
Pressupostos da tutela da confiança:

 Tem que ter sido criada uma situação de confiança relativamente ao negócio ou à
conduta da outra parte, ou seja, tem que haver um estado de boa-fé subjetiva;
 Tem de haver uma justificação para esse estado;
 Tem de haver um investimento na confiança;
 Isso tem que ser imputável à outra parte.

Pode ainda existir situações de violação da titularidade do crédito, onde a maioria da


doutrina prevê que haja eficácia externa, por via da responsabilidade extracontratual do
art. 483º. Há três grandes grupos de casos de violação do direito de crédito:
1. Casos em que o terceiro destrói os meios com que o devedor ia cumprir para com o
credor;
2. Casos em que o terceiro se faz passar pelo credor;
3. Casos em que o terceiro sequestra o devedor.

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