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DIREITO DA

UNIÃO EUROPEIA
SOFIA ALVES CUNHA

FDUL

2020/2021
Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 2


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

HISTÓRIA E PONTO DA SITUAÇÃO DA INTEGRAÇÃO EUROPEIA

PRÉ́-HISTÓRIA DA INTEGRAÇÃO EUROPEIA: IMPÉRIOS E SONHOS1

A ideia de Europa e a identidade europeia

Apesar de não existirem certezas quanto ao primeiro momento em que se utilizou o termo
Europa, é certo que terá sido bastante anterior à ideia de uma integração europeia.

Já na mitologia Grega se utilizava a expressão Europa, descrevendo-a como uma mulher,


filha de um rei fenício que foi seduzida pelo Deus Zeus, mas Europa era também a palavra
fenícia que designada o Sol. Contudo, foi Heródoto o primeiro a referir-se à Europa como
uma parte do mundo, ao lado da Ásia e da África, como sendo uma terra excessivamente
bela e com muito valor.

Surge no século VIII a ideia política de Europa, com o avanço do Mouros, estando esta
associada à Cristandade Ocidental. Posteriormente, Carlos Magno reforça o sistema
político europeu, designando-se o pai da europa e procurando desenvolver múltiplos
centros políticos e administrativos, a par de práticas económicas e cristãs comuns. No
fundo, são estes os três elementos constitutivos da identidade europeia – sistema político,
economia e cultura comuns.

Desta forma, a Europa é vista como um espaço cujos habitantes partilham um


determinado modo de vida fundamentado no humanismo cristão. Além das crenças
religiosas comuns, que levaram à exclusão dos não cristãos, os europeus partilhavam uma
forma peculiar de economia política, com trocas comerciais entre as diversas cidades
consideradas centros económicos.

Assim, desde a Antiguidade Clássica que verificamos uma manutenção da ideia de


Europa como unidade cultural, civilizacional e espiritual, mesmo que esta coesão se desse
devido à figura do Papa.

Desde então que a Europa se tende a sentir o centro do mundo, na medida em que possuía
uma elite que partilhava uma tradição cultural comum, justificando-se o colonialismo
precisamente por essa superioridade cultural europeia. Isto tem como consequência uma
certa ignorância para com os não europeus, o que se verifica atualmente no modo
diferente como são tratados os Estados não membros da União Europeia.

Desde o século XVIII que a Europa se afirma como um local onde coexistem múltiplas
comunidade políticas que partilham um determinado modo de vida, baseado no
progresso, na civilização, na aprendizagem e na cultura. A identidade europeia
completa-se no Século XX.

Apesar da ideia de identidade europeia ser anterior às comunidades europeias, estas vêm
contribuir para a construção e desenvolvimento desta identidade. A identidade europeia
deve-se à identificação de uma comunhão de interesses, princípios e valores que deve ser
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Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 63 a 68

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aproveitada e desenvolvida pela União. A identidade europeia foi criada com base em
fatores de aproximação dos povos europeus, o que pressupõe uma identificação dos
cidadãos com um certo modelo económico, social e político, levando à criação de laços
de solidariedade entre eles.

A existência de uma moeda única, o euro, que pode ser usada em qualquer Estado dentro
da zona Euro, é outro elemento importante na definição da identidade europeia. Algumas
das manifestações do respeito da identidade europeia são os artigos 1º e 2º do TUE e o
artigo 20º do TFUE.

Por vezes, esta identidade europeia aproxima-se dos valores dos EUA, no que toca à
economia de mercado ou à democracia constitucional, mas também se afasta, no que toca
à matéria de Estado Social e da proibição da pena de morte.

Tem-se verificado uma afirmação da Europa no resto do mundo e um reconhecimento da


União como um todo por parte de terceiros, sentindo-se isso na política comercial comum,
na política externa e na segurança comum.

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PROJETO DE INTEGRAÇÃO EUROPEIA2

Os precursores do século XVII ao XIX

Desde os finais do século XVII que se verifica um movimento fundado na ideia de


unidade política europeia.

William Penn que sustentou a criação de um Parlamento europeu composto por


representantes dos Estados, tendo como objetivo prevenir guerras e promover a justiça.
John Bellers propôs a divisão da Europa em 100 cantões, representados num Senado
Europeu, os quais contribuiriam para um exército europeu.

Vemos que ambos os autores tinham subjacente um forte cariz confederal.

Saint Pierre defendeu um projeto federal limitado à Europa, no qual os soberanos


estabeleceriam uma Sociedade Europeia. Seria criado um Congresso ou Senado Perpétuo,
com representantes permanentes de todos os Estados. A guerra era proibida, exceto com
caráter sancionatório, e seriam criadas câmaras de comércio para regularem os conflitos
comerciais
Rousseau tendo em conta as dificuldades políticas que a Europa enfrentava na época,
limitou-se a defender a criação de uma federação de Estados fundada no princípio da
vontade nacional.
Kant defendeu uma confederação geral dos Estados europeus, mas considerava que para
assegurar a paz perpétua os regimes dos Estados deveriam ser republicanos, porque só
em República se requeria o consentimento do povo para fazer a guerra.

Estes três projetos visavam a concertação dos soberanos que, naquela época, travavam
lutas sangrentas. Por e por outras razões, nenhum destes projetos vingou.
No início do século XIX verifica-se uma emergência dos nacionalismos, o que dificulta
a criação de uma União Europeia.

Saint-Simon, a pedido da França e da Inglaterra, defendeu a substituição do sistema de


organização política do Estado-Nação por um sistema central soberano. Os Estados
europeus (França e Inglaterra com abertura à Alemanha) seriam governados por um
parlamento próprio nacional, porém, criava-se um parlamento europeu onde seriam
resolveriam problemas de interesse comum.

Contudo, o tempo não propício à implantação destas ideias devido ao auge em que se
encontrava o Estado- Nação.

Projetos de “União Europeia” após a I Guerra Mundial

A primeira Guerra Mundial vem estimular quem já defendia a união das comunidades
como a forma de evitar situações semelhantes e para responder à concorrência económica
dos EUA, Japão e Argentina.

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Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 69 a 71

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Logo após a primeira Guerra Mundial, Luigi Eunaudi, propôs a congregação do Estados
da Europa, contudo esta união não foi possível devido à afirmação dos nacionalismos que
encontramos com a assinatura do Tratado de Versalhes.

Em 1922, Coudenhove-Kalergi expôs a necessidade de instituir uma união pan-europeia


inspirado na Constituição dos EUA. Apelava aos parlamentos nacionais que perdessem a
soberania nacional tendo em vista a unificação da europa.

Em 1926, pois iniciativa oficial do político Édouard Herriot, o parlamento francês acolheu
a ideia da unificação da Europa. Em 1927, o Ministros francês Loucher propôs a criação
de carteis europeus do carvão, do aço e dos cereais.

Em 1926 por iniciativa de Coudenhove-Kalergi (Conde Checo) foi realizado em Viena o


primeiro Congresso Pan-europeu assente em 9 pontos:
• Confederação Europeia com garantia recíproca de igualdade de segurança e de
soberania de todos os Estados europeus.
• Tribunal Federal Europeu para regular todos os conflitos entre Estados
• Aliança Militar Europeia, com uma força aérea comum para garantir a paz e o
desamamente equilateral
• Criação progressiva de uma união aduaneira europeia
• Colocação em comum das colónias dos Estados europeus
• Moeda Europeia
• Respeito das civilizações nacionais de todos os povos da Europa, fundamento da
comunidade de cultura europeia
• Proteção de todas as minorias nacionais e religiosas da Europa, contra a
desnacionalização e a opressão
• Colaboração da Europa com o outros Estados no quadro da Sociedade das Nações
Universal

A ideia foi acolhida pelo meio intelectual, mas o meio político mostrava-se bastante
cético, apesar de ter sido um tema abordado em sede da SDN poucos países receberam a
ideia de forma positiva. Foi apenas após um memorando enviado por Briand em 1930
que, sem contar com o Reino Unido, os países apesar de desconfiantes procurava aceitar
a ideia, colocando algumas questões sobre a compatibilidade da união com a soberania
nacional, contudo o ambiente não era propício à aceitação da proposta.

Era complexa a ideia de uma associação federal conjugada com soberania total dos
Estados, havia forte resistência do Reino Unido, a crise económica mundial forçava os
Estados a adotar medidas económicas protecionistas, no fundo os Estados não estavam
prontos a assinar algo tão radical. Com a morte de Briand em 1932 a ideia foi abandonada.

Contextualização histórica e económica3

O fim da II Guerra mundial e o desejo de paz na Europa foram os dois principais fatores
para o ressurgimento da ideia de unidade europeia, contudo foi igualmente importante o
colapso das economias, a pendência da ameaça Rússia, a existência de problemas comuns
e a consciência dos políticos da necessidade de entreajuda para a reconstrução da Europa.

3
Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 72 a 77

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o Discurso de Churchill e Congresso de Haia

O discurso de Churchill, na Universidade de Zurique em 1946 foi um dos principais


relançamentos da ideia da união dos países europeus. Este defendeu a criação de uns
Estados unidos da Europa, começando pela reconciliação entre a França e a Alemanha.
Mas esta conciliação não incluía o Reino Unido por já pertencer à Commonwealth,
contudo mobilizou os europeístas sob o impulso do United Europe Movement.

Foi em 1948 realizado em Haia um congresso para se discutir a unidade da Europa, teve
mais de 775 delegados de mais de 24 Estados europeus. Foram apresentadas duas teses:
• Tese Federalista que pugnava pela instituição imediata de uma federação
política
• Tese Unionista que agrupava os que defendiam os contactos
intergovernamentais

A moção final do congresso foi aprovada por unanimidade, contudo a tese federalista não
conseguiu instituir a eleição por sufrágio direto e universal de uma assembleia
constituinte, contudo foi aprovado um Comitê para a Europa Unida e uma Assembleia
Europeia constituída por parlamentos nacionais que visava:
• Contribuir para criar e exprimir a opinião pública europeia
• Recomendar as medidas imediatas adequadas ao estabelecimento
progressivo, tanto no plano político como no plano económico, da unidade
necessária na Europa
• Examinar os problemas jurídicos e constitucionais colocados pela criação
de uma união ou de uma federação, assim como as suas consequências
económicas e sociais
• Elaborar os projetos de instrumentos jurídicos necessários para o eeito
• Propor a criação de um Tribunal encarregado de assegurar o respeito de
uma carta europeia dos direitos humanos

O congresso de Haia tem tendência unionista e vai permitir a construção da União


Europeia por via da cooperação intergovernamental.

o Plano Marshall4

Com a ameaça da Guerra Fria e com a ruína económica da Europa após a II Guerra
Mundial os EUA sugeriram um plano económico à Europa. O plano de recuperação
económica para a Europa foi aprovado em congresso norte-americano em 1948, sendo
aceite pelos estados europeus, à exceção da Rússia e respetivos aliados. Espanha não foi
convidada a participar, e Portugal inicialmente recusou a ajuda, contudo veio depois
beneficiar desta.

A política de base do plano Marshall consistia em interligar a democracia com o


capitalismo. Foi notável o êxito deste plano, nomeadamente na abertura à Europa da
possibilidade de importar bens, permitindo uma recuperação mais rápida. Permitiu
igualmente a cooperação dos dirigentes europeus na criação de um plano económico.

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Eduardo Paz Ferreira, Integração Europeia e Direito Económico Europeu, AAFDL, 2018, Página 19 - 22

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o Afirmação da via intergovernamental no domínio económico

Foi criada em Abril de 1948 a OECE com os seguintes objetivos:


• Relançamento económico
• Eliminação gradual das restrições quantitativas ao comércio intra-europeu
• Instituição no seu âmbito de uma União Europeia de Pagamentos, que
repondo a convertibilidade das moedas, facilitasse o desenvolvimento das
trocas comerciais entre os países membros

Rapidamente foram atingidos estes objetivos, pelo que em 1960 a OECE foi extinguida
e substituída pela OCDE, que contem fins mais amplos, atingindo o Canadá e os EUA.

Em 1949 foi proposta a criação de uma União Europeia de Pagamentos que foi aprovada
pelos ingleses e colocada em prática em 1950.

o Afirmação da via intergovernamental no âmbito da defesa

Em 1947 assinou-se o Tratado de Dunquerque entre a França e o Reino Unido, um pacto


de aliança e assistência mútuas contra o ressurgimento da agressão alemã.

Contudo, foi a ameaça da ex-URSS que levou cinco Estados europeus a unirem-se para
concretizarem os seus propósitos de defesa comum – Bélgica, Holanda, Luxemburgo,
França e Inglaterra.
Assim, a 17 de março de 1948 foi assinado o Tratado de Bruxelas, que instituiu a União
Ocidental, criando-se um compromisso de assistência mútua em caso de agressões
armadas na Europa. O Tratado previa um sistema de consultas mútuas no domínio da
cooperação económica, social e cultural e organizava um sistema de resolução pacífica
dos conflitos entre os Estados-membros. Em 1954, esta organização tornou-se a União da
Europa Ocidental.

A 4 de abril de 1949 foi criada a NATO/OTAN pelo Tratado de Washington, integrando


Estados europeus e ainda os EUA e o Canadá.

A Alemanha só vai passar a fazer parte do sistema de defesa europeia com a revisão do
Tratado de Bruxelas, que ocorreu por força dos Acordos de Paris, de 23 de outubro de
1954, os quais criaram a União da Europa Ocidental. Os seus signatários foram a França,
o Reino Unido, a Bélgica, a Holanda, o Luxemburgo, a Alemanha e a Itália, a que se
juntaram mais tarde Espanha, Portugal e Grécia.
A UEO foi formalmente extinta a 30 de junho de 2011, tendo sido progressivamente
integrada na União Europeia desde 1998.
o Afirmação da via intergovernamental no plano político

Em 1948, os Governos belga e francês propuseram ao Conselho da UEO as conclusões


do Congresso de Haia, bem como a criação de uma Assembleia Parlamentar Europeia. A
Inglaterra respondeu com uma contraproposta baseada num sistema de cooperação
intergovernamental, incentivando à criação do Conselho da Europa.
A 5 de maio de 1949, foram assinados em Londres os Estatutos do Conselho da Europa
por Bélgica, França, Holanda, Luxemburgo, Reino Unido, Dinamarca, Irlanda, Itália,
Noruega e Suécia.

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ECE: 3º os membros do Conselho reconhecem o princípio do primado do direito e o


princípio de que qualquer pessoa sob a sua jurisdição goza dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais.
ECE: 4º só pode ser membro do Conselho o Estado que observe estes princípios.
ECE: 8º e 9º a violação destes princípios pode levar à suspensão ou expulsão.

O principal objetivo deste Conselho era a proteção dos direitos humanos, por isso, foi
criada a a 4 de novembro de 1950 a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a qual
se enquadrou no movimento de dotar a Europa de uma carta comum de direitos e
liberdades, que repercuta os valores políticos e culturais das democracias ocidentais.
À Convenção juntam-se 16 Protocolos, dos quais alguns acrescentam novos direitos e
outros introduzem modificações na competência, na estrutura e no funcionamento dos
seus órgãos de controlo.

Esta causa foi entusiasticamente abraçada pela Europa porque as atrocidades cometidas
durante a II Guerra Mundial mostraram a necessidade de uma maior proteção dos direitos
humanos e porque era preciso afirmar um quadro ideológico comum relação aos países
de leste, em resposta à ameaça soviética.

Em suma, ao contrário do que tinha sido proposto pelo Congresso de Haia, a componente
política passa a ser tratada numa perspetiva intergovernamental.

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OS ANOS 50: A CRIAÇÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS5

O TRATADO CECA

o A Declaração Schuman6

A 9 de maio de 1950, o Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Robert Schuman,


apresentou uma proposta de colocação do conjunto da produção franco-alemã de carvão
e aço sob o controlo de uma alta autoridade comum, numa organização aberta à
participação de outros países da Europa. Houve cinco países que acolheram
favoravelmente a proposta francesa: Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo.

A Declaração permitiu, por um lado, apaziguar as angústias francesas em relação ao


perigo alemão e, por outro lado, representou para os alemães a oportunidade de voltarem
a entrar na cena política europeia e em pé de igualdade com os seus parceiros.

A Declaração Schuman foi um grande impulso para a integração europeia, tendo ficado
para a história como o verdadeiro momento de criação das Comunidades Europeias, visto
que levou à criação da primeira Comunidade Europeia – a Comunidade Europeia do
Carvão e do Aço (CECA).

o A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço – CECA7

O Tratado de Paris, de 18 de abril de 1951, instituiu a CECA. Seis Estados europeus


(França, Itália, República Federal da Alemanha, Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos)
decidiram pôr sob uma autoridade comum todo o setor produtivo do carvão e do aço, que
era fundamental na época, pois era o que possibilitava a guerra.
Desta forma, os Estados limitaram a sua soberania e abdicaram de poderes a favor de uma
entidade comum, em obediência a valores que só em comum podiam ser salvaguardados.

A CECA tinha dois tipos de objetivos:


• Políticos: manutenção da paz no mundo e na Europa.
• Económicos e sociais: contribuição para a expansão económica, o aumento do
emprego e o relançamento do nível de vida nos Estados membros, graças ao
estabelecimento de um mercado comum – TCECA: 2º e 4º.

Os órgãos criados pelo Tratado CECA eram os seguintes:

Alta Autoridade – TCECA: 8º e ss.


Órgão com poder de decisão independente dos Estados, que atuava no interesse geral da
Comunidade, não aceitando nem recebendo instruções de nenhum governo nem de
nenhum outro organismo.
Assembleia – TCECA: 20º e ss.
Era composta pelos representantes dos povos dos Estados reunidos na Comunidade e
detinha somente um poder de controlo.
Conselho – TCECA: 26º e ss.

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Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 77 a 84
6
Eduardo Paz Ferreira, Integração Europeia e Direito Económico Europeu, AAFDL, 2018, Página 22 a 27
7
Eduardo Paz Ferreira, Integração Europeia e Direito Económico Europeu, AAFDL, 2018, Página 35 a 37

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Era formado por representantes dos Estados, partilhando com a Alta Autoridade a tomada
das decisões mais importantes, pois era necessário o seu parecer conforme. Tinha por
missão harmonizar a missão da Alta Autoridade e dos governos responsáveis pela política
económica geral dos seus países.
Tribunal – TCECA: 31º e ss.
Assegurava o controlo do Direito, dispondo de competência para assegurar o respeito do
Direito na interpretação e aplicação do Tratado e dos regulamentos de execução. A sua
jurisdição era obrigatória.

TCECA: 65º, 66º, 80º o Tratado CECA estabelecia uma relação direta entre a Alta
Autoridade e as empresas, sem necessidade de mediação por parte dos Estados.

TCECA: 6º esta Comunidade dispunha de personalidade jurídica e detinha capacidade


jurídica nas relações internacionais.

Os Tratados CEE e Euratom

Durante as negociações do Tratado CECA, iniciou-se a guerra da Coreia, assistiu-se ao


aumento da ameaça da URSS, ao rearmamento da Alemanha e à sua entrada na NATO,
o que, de certa forma, não agradou à França.
Assim, o Ministro da Defesa francês, Pléven, a 24 de outubro de 1950, apresentou na
Assembleia Nacional francesa uma proposta de criação, para a defesa comum, de um
exército europeu ligado às instituições políticas da Europa unida, colocado sob a
responsabilidade de um Ministro da Defesa europeu, sob controlo de uma Assembleia
europeia e com um orçamento militar comum.

A 27 de maio de 1952 foi assinado o Tratado da Comunidade Europeia de Defesa (CED).


Esta Comunidade deveria traduzir-se na criação de um exército comum europeu. Porém,
a iniciativa da CED só adquiria sentido no quadro de uma Comunidade política que
enquadrasse a Comunidade já existente e as que viessem a surgir, por isso, o TCED: 38º
atribuía à Assembleia da CED a missão de criar uma estrutura política federal ou
confederal.

Em 1952, assistiu-se a uma Assembleia ad hoc composta por membros da Assembleia da


CECA e do Conselho da Europa, com o objetivo de elaborar, no prazo de 6 meses, um
projeto de ComPE.
O projeto saído da Assembleia ad hoc no início de 1953 apresentou-se como uma
Constituição europeia com uma estrutura federal e de construção de um mercado comum,
mas este projeto não foi aceite pelos seis Estados membros fundadores.

Entretanto, a mudança de governo ocorrida na França e as preocupações com a cedência


da soberania no domínio militar, levaram em 1954 à recusa de ratificação do Tratado
CED por parte da Assembleia Nacional francesa. Assim, também se liquidou o projeto
da ComPE.
Na sequência deste fracasso, Jean Monnet, anuncia que não estará disponível para a
renovação do mandato como Presidente da Alta Autoridade da CECA.

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Em abril de 1955, o governo holandês enviou a Paul-Henri Spaak o Memorando Beyen


de 1952, no qual se propunha a criação de uma comunidade supranacional global cuja
tarefa seria realizar a integração económica da Europa no sentido lato, devendo começar
por uma união aduaneira e depois passar à criação de um amplo mercado comum europeu
e de uma união económica e monetária. Spaak, que defendia a integração setorial, foi
obrigado a levar em conta as propostas holandesas.

Mais tarde no mesmo ano, o Conselho CECA reuniu em Messina com o objetivo de tratar
da substituição de Jean Monnet.
Em maio de 1955, um memorando do Benelux é enviado aos participantes da conferência
de Messina, apresentando dois caminhos possíveis para a integração europeia:
• Caminho global, defendido por Beyen
• Caminho setorial, defendido por Spaak

Os seis Estados membros fundadores acabaram por aprovar uma resolução favorável ao
desenvolvimento de novas instituições comuns, à integração progressiva das economias
nacionais, à criação de um mercado comum e à harmonização da política social. Assim,
criou-se um comité especial, presidido por Paul-Henri Spaak, com o objetivo de preparar
estes projetos.
Na sequência dos trabalhos deste comité, foi apresentado o Relatório Spaak, que concluía
pela necessidade de criação de duas novas comunidades dotadas de quatro instituições,
com o objetivo de criarem um mercado comum geral e de instituírem uma entidade dotado
de autoridade própria. O Relatório foi aprovado pelos Ministros dos Negócios
Estrangeiros dos Seis e, assim, surgiu a proposta de criação da CEE e da CEEA.

A 25 de março de 1957 foram assinados três tratados em Roma: o Tratado institutivo da


CEE, o Tratado institutivo da CEEA e o Tratado relativo a certas instituições comuns.

o A Comunidade Económica Europeia (CEE)8

O Tratado da CEE estabelecia objetivos que afetavam o núcleo da soberania dos Estados-
membros, eram eles:
• A paz e a união cada vez mais estreita entre os povos europeus.
• O estabelecimento de bases comuns do desenvolvimento económico.
• O progresso económico e social.
• A melhoria constante das condições de vida e de emprego dos povos da Europa.
• A construção de um mercado comum geral.

Os principais órgãos da CEE eram:

Conselho
Era o órgão, por excelência, representativo dos Estados. Detinha o poder normativo na
aplicação do Tratado, o poder de adotar decisões de natureza constitucional, o poder de
decisão ao nível do alargamento da competência dos órgãos comunitários, o poder de
decisão em matéria orçamental, o poder de assegurar a coordenação das políticas
económicas dos Estados-membros. A regra da votação era a da maioria, o que relvava o
desejo de evitar o domínio do processo de decisão comunitário por parte de cada um dos
Estados-membros isoladamente.

8
Eduardo Paz Ferreira, Integração Europeia e Direito Económico Europeu, AAFDL, 2018, Página 37 a 43

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Comissão
Era o órgão independente dos Estados-membros, defendia os interesses da Comunidade,
não devendo receber instruções dos governos. Era a guardiã dos Tratados, detendo
poderes de se informar junto dos Estados e das empresas, de aplicar sanções às empresas,
de desencadear o processo por incumprimento contra os Estados-membros, de controlar
a aplicação das cláusulas de salvaguarda, de negociação dos tratados internacionais de
que a Comunidade fosse parte, de gestão dos serviços da Comunidade e dos fundos
comunitários.

Assembleia Parlamentar
Era o órgão representativo dos povos europeus. Os seus poderes legislativos eram, no
início, essencialmente consultivos. A possibilidade de eleição do Parlamento por sufrágio
direto e universal estava prevista no Tratado, desde a sua entrada em vigor.

Tribunal de Justiça
Era o órgão jurisdicional, independente dos Estados, pois o Tratado previa um sistema
comunitário de garantia do cumprimento das normas.

O Tratado da CEE é um tratado-quadro, por isso, o pleno cumprimento dos objetivos nele
previstos impunha a adoção de medidas, atos e normas por parte dos órgãos da CEE.
Assim, as fontes de Direito Derivado previstas no TCEE: 189º eram os regulamentos, as
diretivas, as decisões, os pareceres e as recomendações.

As relações entre a Comunidade e os seus Estados-membros baseavam-se numa


comunhão de interesses e num vínculo de solidariedade, que tinha consequências ao nível
da repartição de atribuições entre a Comunidade e os seus Estados-membros bem como
ao nível da cooperação entre ambos na execução do Direito Comunitário.

Os Estados-membros comprometeram-se a adotar todas as medidas necessárias ao


cumprimento dos objetivos do Tratado e a não adotar quaisquer medidas que pusessem
em causa esses objetivos.

Inicialmente, o orçamento comunitário viveu das contribuições dos Estados, mas a versão
originária do Tratado já previa a possibilidade de este orçamento dispor de receitas
próprias. A construção das finanças comunitárias como finanças autónomas data do início
da década de 70.

O Tratado da CEE tinha uma vigência limitada, o que não impediu a modificação da sua
denominação para Tratado da Comunidade Europeia nem a sua substituição pelo Tratado
de Funcionamento da União Europeia.

o A Comunidade Europeia de Energia Atómica (CEEA)

Visava promover a utilização da energia nuclear para fins pacíficos e o desenvolvimento


da potente indústria nuclear continua a existir mesmo após a entrada em vigor do Tratado
de Lisboa.

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OS ANOS 60 E 70: UM PERÍODO DE ESTAGNAÇÃO?9

A posição do Reino Unido

o Associação Europeia do Comércio Livre (EFTA)10

Na sequência do fracasso das negociações que se iniciaram em 1957, entre os membros


da OECE e os da CEE, no sentido da criação de uma zona de comércio livre entre eles, o
Reino Unido, que por sua vontade tinha ficado fora da construção europeia, decidiu, em
1958, impulsionar a criação de uma zona de comércio livre entre ele e mais seis Estados
europeus – Noruega, Suécia, Áustria, Suíça, Dinamarca e Portugal.

A 4 de janeiro de 1960 foi assinada em Estocolmo a Convenção que criou a EFTA/AECL.


A EFTA tinha objetivos essencialmente económicos, situando-se num plano estritamente
intergovernamental.

O enfraquecimento da Commonwealth associado ao sucesso das Comunidades


Europeias, levou o Reino Unido a alterar a sua posição face à integração europeia, tendo
pedido a adesão às Comunidades a 9 de dezembro de 1961, a qual é vetada pela França.

As dificuldades de construção da Europa Política

Na Conferência de Paris, de fevereiro de 1961, o General De Gaulle apresentou um


projeto de união política europeia original – a Europa dos Estados – o qual teve a oposição
de vários parceiros comunitários. Por essa razão, foi criada a comissão Fouchet, com a
missão de dar forma à vontade de união política da Europa. A 18 de julho de 1961, foi
adotada pelos Seis uma resolução – a Declaração de Bad-Godesberg – na qual se decidiu
a criação de uma união de Estados europeus. Esta declaração é tida por alguns como o
ato de nascimento da ideia da Europa política.

• I Plano Fouchet: apresentava um projeto de tratado que previa a criação de uma


união indissolúvel de Estados e abarcava, essencialmente, aspetos sociais e
políticos.
• II Plano Fouchet: alargava o domínio do futuro tratado à economia e previa a
existência de recursos próprios.

Estas propostas baseavam-se numa matriz de União de Estados de tipo confederal, em


que cada Estado tinha direito de veto. Foram apenas apoiadas pela França. As restantes
delegações, favoráveis à Europa dos povos, defenderam uma União de Estados e de povos
europeus, bem como a adoção de uma política externa comum e de uma política de defesa
comum. Apesar da tentativa de De Gaulle para subverter a ideia de integração europeia
que estava subjacente à Declaração de Bad-Godesberg, os países não chegaram a acordo
e, por isso, as negociações foram suspensas e os planos Fouchet foram abandonados.
Assim, começava a ser visível o isolamento da França dentro da Europa comunitária,
tendo a tensão aumentado com o veto francês ao alargamento ao Reino Unido.
A Crise da Cadeira Vazia e os Acordos de Luxemburgo
9
Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 84 a 91
10
Eduardo Paz Ferreira, Integração Europeia e Direito Económico Europeu, AAFDL, 2018, Página 43 a
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Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

O ano de 1965 foi marcado por uma das maiores crises das Comunidades Europeias. Em
maço de 1965, a Comissão de Hallstein formulou três propostas, com vista à passagem à
terceira etapa do mercado comum, as quais deveriam ser negociadas em conjunto.
A primeira visava aumentar os poderes da Assembleia, a segunda defendia um sistema
de recursos próprios, de modo a tornar as Comunidades financeiramente independentes
das contribuições nacionais e a terceira incluía uma série de regulamentos financeiros
relativos à política agrícola comum.
A França recusou a primeira proposta, inviabilizando as restantes, já que a Comissão
insistiu na negociação em conjunto.

Após o fracasso das negociações, a França iniciou a sua política da cadeira vazia, ou seja,
recusou-se a participar nas reuniões do Conselho. Esta crise só foi ultrapassada com os
acordos de Luxemburgo, de 30 de janeiro de 1966.

Na prática, os acordos de Luxemburgo instituíram o direito de veto dos Estados no


Conselho, sempre que estes entendessem que estavam em causa os seus interesses vitais.
Com efeito, antes de a questão ser levada a votação no seio do Conselho, um Estado-
membro poderia invocar os seus interesses vitais para impedir a votação, o que dava a
qualquer Estado um direito de veto em relação a qualquer assunto.
Por outro lado, os acordos de Luxemburgo viriam a ser responsáveis pela paralisia do
Conselho nas duas décadas seguintes.

o Tratado de Fusão

A 8 de abril de 1965, os Seis assinaram, em Bruxelas, o Tratado de Fusão, o qual instituiu


um Conselho único e uma Comissão única. Tendo em conta que a Assembleia e o
Tribunal de Justiça já eram únicos desde 1958, o quadro institucional das três
comunidades passou a ser um só, embora os órgãos continuassem a dispor de diferente
competência consoante a Comunidade ao abrigo da qual estavam a atuar.

A 11 de maio de 1967, o Reino Unido renovou o pedido de adesão às Comunidades


Europeias e a França vetou de novo a sua entrada, com base em razões económicas e
monetárias, o que a deixou bastante isolada em matéria de política europeia.

A Cimeira de Haia de 1969 e os seus desenvolvimentos na década de 70

As Comunidades atravessavam uma crise no final da década de 60, que só foi ultrapassada
com a Cimeira de Haia de 1 e 2 de dezembro de 1969.

Em 1969, o General De Gaulle demitiu-se, tendo sido substituído por Pompidou, que
sustentava uma política de maior abertura em relação à Europa. Assim, a Cimeira foi
convocada por iniciativa da França, para examinar os problemas da Comunidade: o
aprofundamento da união económica e monetária, o alargamento ao Reino Unido e o
acabamento da política agrícola comum.
Nesta Cimeira, afirmou-se a necessidade de concretização da União Económica e
Monetária e de criação de recursos próprios, que ficou pendente desde a crise da cadeira
vazia.
O Alargamento ao Reino Unido, á Irlanda e à Dinamarca

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Na sequência da Cimeira de Haia, abriram-se as negociações com os Estados candidatos


à adesão: Reino Unido, Irlanda, Dinamarca e Noruega. O primeiro alargamento
concretizou-se com a assinatura do Tratado de adesão a 22 de janeiro de 1972, porém, na
sequência de um referendo interno, a Noruega não viria a ratificar o Tratado. Assim, a
partir de 1 de janeiro de 1973, as Comunidades passaram a ser compostas por nove
Estados-membros.

Além disso, o Conselho adotou a Decisão de 21 de abril de 1970 relativa aos recursos
próprios, com fundamento no antigo TCEE: 201º, o qual previa, desde o início, a
possibilidade de criação de recursos próprios das Comunidades.

A cooperação política europeia

A Cimeira de Haia encarregou os Ministros dos Negócios Estrangeiros dos Seis de


prepararem um relatório sobre a melhor forma de obter progressos em matéria de união
política no contexto do primeiro alargamento. Assim, o Relatório Davignon, foi
definitivamente adotado a 27 de outubro de 1970, na Cimeira do Luxemburgo, do qual
resultava a instauração da cooperação política europeia.

Considerando que o alargamento se tinha tornado uma realidade, a Cimeira de Paris de


1972 convidou os Ministros dos Negócios Estrangeiros dos Seis a apresentar uma nova
proposta sobre a forma de melhorar a cooperação política, com vista a permitir à Europa
uma maior contribuição para o equilíbrio internacional.
O Segundo Relatório Davignon sustentava a necessidade de cooperação entre os Estados-
membros das Comunidades e de adoção de posições comuns no que dizia respeito aos
principais problemas internacionais.

A Cimeira de Copenhaga, de 14 e 15 de dezembro de 1973, ocorreu num ambiente pouco


propício à tomada de decisões. A crise monetária internacional, a crise militar no Médio
Oriente e a crise energética tornaram impossível a tomada de posições comuns dos nove
Estados-membros, tendo sido apenas adotada uma Declaração sobre a identidade
europeia, na qual se definiam os seus elementos fundamentais no que respeita às relações
entre as Comunidades e o resto do Mundo.

A Cimeira de Paris II, de 1974, criou o quadro institucional da cooperação política


europeia – o Conselho da Europa.

A união económica e monetária

A 22 de março de 1971 foi aprovada uma resolução do Conselho tendente à instauração


de uma união económica e monetária, por etapas, inspirada no Plano Werner, de outubro
de 1970. Este Plano previa a criação de uma política monetária comum, a aproximação
das políticas económicas dos Estados e a criação de uma moeda única ou, pelo menos, o
congelamento das taxas de câmbio entre as moedas europeias. O Plano não vingou,
devido à França que via nele um reforço das instituições europeias.

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No entanto, os Seis decidiram realizar a união económica e monetária em três etapas, até
1980. Todavia, a crise mundial que se vivia não era propícia à criação da UEM.
Apesar do fracasso, o Presidente da Comissão propôs, a 27 de outubro de 1977, a criação
de um Sistema Monetário Europeu, o qual foi aprovado no Conselho Europeu de
Bruxelas, de 5 e 6 de dezembro de 1977.

O Sistema entrou em vigor a 13 de março de 1979, sem o Reino Unido, em resultado do


que tinha sido acordado nos Conselhos Europeus de Bremen, de 6 e 7 de julho de 1978,
e de Bruxelas, de 4 e 5 de dezembro de 1978. O SME fundou-se em inúmeros documentos
e relatórios, dos quais se destacam o Plano Werner.

A necessidade de reforma institucional

Não obstante os avanços efetuados, a verdade é que, devido aos acordos de Luxemburgo,
a Comissão tinha muita dificuldade em fazer passar as suas propostas no Conselho, o que
implicava o incumprimento dos prazos previstos no Tratado quanto a determinados
objetivos. Por isso, os relatórios apresentados na década de 70 referiam-se
frequentemente à necessidade de reforma das instituições comunitárias.

Na sequência da Cimeira de Paris, de 1972, que havia solicitado às instituições que


elaborassem relatórios sobre a criação da União Europeia, o Parlamento Europeu adotou
uma resolução, a 10 de julho de 1975, da qual se deve destacar a parte relativa à eleição
do parlamento por sufrágio direto e universal. Elaborado a pedido do Conselho, o
Relatório Tindemans foi apresentado a 29 de dezembro de 1975, tendo sido submetido
aos Conselhos Europeus do Luxemburgo e de Bruxelas de 1976. Não tendo obtido
consenso entre os Estados-membros, o Conselho Europeu de Haia, de 29 e 30 de
novembro de 1976, limitou-se a solicitar aos Ministros dos Negócios Estrangeiros e à
Comissão que apresentassem relatórios anuais sobre os progressos realizados em direção
à União, sem ter assumido qualquer outro compromisso quanto à adoção das propostas
previstas naquele Relatório, as quais giravam em torno da criação da União Europeia. No
Relatório definiam-se as diferentes componentes da União Europeia, que incluía uma
vertente externa forte a par de uma política económica e social e da necessidade de
aproximar a Europa dos cidadãos. Para realizar estes objetivos, o Relatório defendia a
necessidade de uma reforma institucional, de modo a tornar as instituições mais eficazes
e democráticas. Com base neste espírito, sustentava-se que ao Parlamento deveriam ser
atribuídos verdadeiros poderes legislativos.

Na Cimeira de Paris II, de 9 e 10 de dezembro de 1974, decidiu-se a criação do Conselho


da Europa. No comunicado final da Cimeira, pode ler-se que os Chefes de Governo
decidiriam reunir-se, acompanhados dos Ministros dos Negócios Estrangeiros, 3 vezes
por ano e, sempre que necessário, em Conselho das Comunidades e a título de cooperação
política, acrescentando ainda que estas disposições não afetam de forma nenhuma as
regras e os processos estabelecidos nos tratados, nem os acordos de Luxemburgo e de
Copenhaga, no que diz respeito à cooperação política. Portanto, o Conselho Europeu tem
a sua origem imediata num ato informal dos Estados-membros, o comunicado final da
Cimeira de Paris. Este é o órgão da cooperação política europeia e detém competência
relativamente a assuntos comunitários. A 20 de dezembro de 1976 foi aprovado o Ato
relativo à eleição dos representantes ao Parlamento Europeu. A 22 de julho de 1975 foi
assinado um novo tratado em matéria orçamental, onde se previa a criação do Tribunal
de Contas.

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OS ANOS 80: O IMPULSO DO ATO ÚNICO EUROPEU11

Os antecedentes do Ato Único Europeu

A 1 de janeiro de 1981 deu-se o segundo alargamento das Comunidades. A Grécia tinha


com a Comunidade um tratado de associação desde 1961, tendo pedido formalmente a
adesão em 1975. O seu processo de negociação foi interrompido durante a «ditadura dos
coronéis», tendo o Tratado de adesão vindo a ser assinado a 29 de maio de 1979.

Em novembro de 1981, os Ministros dos Negócios Estrangeiros alemão e italiano


elaboraram o Plano Genscher-Colombo, o qual vai influenciar a Declaração Solene sobre
a União Europeia de Estugarda, de 19 de junho de 1983, em que o Conselho Europeu de
Estugarda estabeleceu um verdadeiro mandato político para permitir o relançamento das
Comunidades Europeias.

A 14 de fevereiro de 1984, o Parlamento Europeu aprovou um projeto de Tratado sobre


a União Europeia, o Tratado Spinelli, que propunha uma União Europeia de tipo federal
em que a política externa, as políticas macro-económicas e de comércio seriam comuns e
o poder das instituições seria reforçado. Apesar de não ter sido aprovado, este projeto
representou um passo importante no relançamento da construção europeia, uma vez que
vai influenciar o AUE.

Entretanto, Portugal e Espanha tinham solicitado a adesão às Comunidades em março e


junho de 1977, respetivamente. Após um longo período de negociações, o Tratado de
adesão de Portugal e Espanha foi assinado a 12 de junho de 1985, entrando em vigor a 1
de janeiro de 1986. As Comunidades Europeias passaram a ser constituídas por doze
Estados-membros.

As principais razões que levaram à revisão dos Tratados

A versão originária dos Tratados sofreu algumas modificações ao longo dos tempos,
sendo que a sua primeira revisão de fundo ocorreu com o AUE, assinado em fevereiro de
1986 e entrando em vigor a 1 de julho de 1987.

Em meados dos anos 80, as Comunidades Europeias confrontavam-se com vários


problemas:
• Devido aos acordos de Luxemburgo, as Comunidades viviam uma certa paralisia
institucional.
• O Parlamento Europeu reclamava uma maior participação no procedimento
legislativo, desde o Ato de Bruxelas de 1976, que previa a sua eleição por sufrágio
direto e universal, alegando que as Comunidades sofriam de défice democrático,
o que era corroborado pela Comissão e apoiado pela generalidade da
jurisprudência juscomunitária.
• Era necessário reformular a política agrícola comum, que absorvia percentagens
muito elevadas do orçamento comunitário, que eram sobretudo canalizadas para
os agricultores franceses e alemães, quando o maior contribuinte era o Reino
Unido, que reclamava uma participação no orçamento mais equitativa.

11
Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 91 a 98

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• Devido aos alargamentos, as Comunidades apresentavam uma maior


heterogeneidade, dado que os Estados detinham níveis de desenvolvimento muito
diferentes.
• A via da UME, já em curso, não era possível com o Tratado de Roma, na medida
em que este não continha os instrumentos jurídicos necessários à passagem à fase
seguinte.

O Conselho Europeu de Fontainebleau, de 25 e 26 de junho de 1984, criou dois comités


com vista à apresentação de propostas de revisão dos Tratados de Roma:
• Comité Adonnino, no domínio da Europa dos cidadãos.
• Comité Doodge ou Spaak 2, no domínio da reforma institucional.

Com base nos relatórios destes comités, o Conselho Europeu de Milão, de junho de 1985,
resolveu convocar uma CIG com o objetivo de rever os tratados, não obstante a
contestação de Margaret Tatcher, PM do Reino Unido.

As principais modificações introduzidas pelo AUE nos tratados

o Respeito pela democracia, pelo Estado de direito e pelos direitos


fundamentais
O Ato veio afirmar no preâmbulo que os Estados-membros estão dispostos a promover
em conjunto a democracia, que se funda nos direitos fundamentais reconhecidos nas
constituições dos Estados-membros, na CEDH e na Carta Social Europeia,
nomeadamente, a liberdade, a igualdade e a justiça social. Do ponto de vista político, isto
representava a vontade de “humanizar” as Comunidades e de ultrapassar o seu carácter
primordialmente económico.

o Sistema institucional
Consagrou-se formalmente o Conselho Europeu, cuja composição aparecia, pela primeira
vez, definida num texto de Direito Originário, ainda que não se fizesse qualquer
referência à sua competência.
Reforçaram-se os poderes do Parlamento Europeu ao nível do procedimento de decisão,
o qual se estendeu igualmente do domínio dos acordos de adesão e dos acordos de
associação.
Reconheceu-se a competência de execução da Comissão, dado que o Conselho nos atos
que adotava deveria atribuir à Comissão competência de execução das normas que
estabelecia. Foi reposta a regra de votação por maioria no seio do Conselho.
Introduziu-se a base jurídica necessária para a criação do Tribunal de Primeira Instância
(mais tarde, denominado Tribunal Geral, pelo Tratado de Lisboa).

• Mercado interno
Estabeleceu-se como objetivo comunitário a construção do mercado interno, que
constituía um grande impulso à União Económica Monetária. O mercado interno era
definido como «um espaço sem fronteiras, no qual a livre circulação das mercadorias,
das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada, de acordo com as disposições do
presente Tratado».

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• Introdução de novas políticas comuns e da coesão económica e social


O AUE introduziu novas normas que consagravam novas políticas e a coesão económica
e social. Introduziu também novas bases jurídicas para algumas políticas, como a política
de investigação e desenvolvimento tecnológico, a política de ambiente e de cooperação
no domínio da política económica e monetária, alertando expressamente que o salto
qualitativo na UEM necessitava de uma revisão dos Tratados.
Foram inseridos no Tratado dois artigos em matéria de política social, bem como foi
introduzido um novo título relativo à coesão económica e social, que preconizava o
desenvolvimento harmonioso do conjunto da Comunidade e a redução das diferenças
entre as diversas regiões e do atraso das menos favorecidas.
Assim, o AUE pretendeu dotar a Comunidade de instrumentos necessários à alteração das
regras de funcionamento dos fundos estruturais, que se tinham mostrado desajustadas, em
virtude dos sucessivos alargamentos.

• Alargamento das atribuições externas da Comunidade


O AUE previu normas específicas em matéria de investigação e desenvolvimento
tecnológico e em matéria de ambiente.

• Cooperação política europeia


O AUE consagrou as práticas já existentes em matéria de cooperação política europeia,
lançando as bases para a criação de uma política externa e de segurança comum que viria
a constituir o segundo pilar intergovernamental do TUE.

Os Acordos de Schengen

Visto que não se atingia um consenso em relação à abolição gradual dos controlos de
fronteiras internas, cinco Estados-membros da Comunidade – Bélgica, Luxemburgo,
Holanda, França e Alemanha – assinaram, em 1985, o acordo Schengen, ao qual aderiram
outros Estados da Comunidade – Itália, Portugal, Espanha, Grécia, Áustria, Dinamarca,
Finlândia e Suécia. Este acordo tinha um carácter predominantemente programático, no
qual se indicavam quais os setores em que era necessário harmonizar as respetivas
políticas e encetar formas de cooperação entre os respetivos responsáveis. A 19 de junho
de 1990, os Estados-membros da Comunidade, à exceção do Reino Unido, assinaram a
convenção de aplicação do acordo Schengen, a qual definia as medidas de harmonização
necessárias para abolir definitivamente os controlos das fronteiras internas da
Comunidade.

A Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores

Foi aprovada no Conselho Europeu de Estrasburgo, de 8 e 9 de dezembro de 1989,


assinada por todos os Estados-membros, à exceção do Reino Unido. Apesar de não ter
efeitos jurídicos vinculativos, destaca-se a liberdade de circulação dos trabalhadores e a
igualdade de tratamento, o direito a um emprego justamente remunerado, a melhoria das
condições de vida, o direito à proteção social adequada, o direito de concluir convenções
coletivas, o direito à greve, a formação profissional, a igualdade de tratamento entre
homens e mulheres, a proteção da saúde e da segurança, a proteção das crianças e dos
adolescentes e a inserção profissional dos deficientes.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 20


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O TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA ASSINADO EM MAASTRITCHT12

A génese do Tratado da União Europeia

O Ato Único Europeu, embora tenha introduzido inovações muito tímidas, gerou uma
dinâmica de desenvolvimento na integração europeia, que acabou por impulsionar o
avanço para etapas de integração económicas mais evoluídas, como é o caso da União
Económica Monetária.
Com efeito, o grande mercado interno impõe a criação de novas políticas e meios
financeiros necessários para a sua realização, pelo que se começou a formar um certo
consenso de que esses objetivos não seriam alcançáveis com os quadros institucionais
existentes, por isso, a revisão dos Tratados afigurava-se imperiosa.

O Conselho Europeu de Hanover, de 27 e 28 de junho de 1988, decidiu constituir um


comité liderado pelo Presidente da Comissão, Jacques Delors, com o objetivo de estudar
e propor passos concretos para a via da UEM.
O relatório apresentado por este comité a 12 de abril de 1989, propunha a criação, em três
etapas, de uma verdadeira UEM, dotada de uma política monetária e de uma moeda
comum, sob a responsabilidade de um Sistema Europeu de Bancos Centrais, autónomo e
independente dos órgãos comunitários e nacionais, acompanhada da coordenação das
políticas económicas dos Estados-membros.

O Conselho Europeu de Madrid, de 26 e 27 de junho de 1989, reafirmou a determinação


das Comunidades no sentido da realização progressiva da UEM, tal como previsto no
AUE, na perspetiva do mercado interno. Além disso, decidiu que o início da primeira fase
da UEM seria a 1 de julho de 1990, encarregando as instâncias competentes de
organizarem os trabalhos preparatórios para a convocação de uma conferência
intergovernamental, a qual foi convocada pelo Conselho Europeu de Estrasburgo, de 8 e
9 de dezembro de 1989, para o segundo semestre de 1990, sob a presidência italiana. Mais
uma vez, a convocação desta CIG não teve a aprovação do Reino Unido.

Inicialmente, o objetivo dessa conferência intergovernamental restringia-se à UEM.


Todavia, o processo de realização da UEM revelou-se insuficiente em muitos domínios,
quer devido a fatores externos à Comunidade, quer por força de circunstâncias internas,
pelo que se gerou um certo consenso a favor de uma revisão mais ampla dos tratados com
incidência direta no sistema institucional.

A conjuntura política internacional revelou-se um fator decisivo da necessidade de


acelerar o processo de integração europeia. A queda do muro de Berlim, a unificação
alemã, a desagregação da URSS e a Guerra do Golfo, geraram uma nova ordem
geopolítica mundial que, em conjunto com as tensões demográficas, a pobreza do
Terceiro Mundo e a destruição da camada de ozono, impuseram às Comunidades a
necessidade de reequacionarem a sua posição em face dos grandes conflitos mundiais, o
que implicaria alguns saltos qualitativos na integração europeia. E assim ressurgiu a ideia
da União Política.

Jacques Delors, a 17 de janeiro de 1990, aquando da apresentação do programa anual da


Comissão ao Parlamento Europeu, defendeu a necessidade de a conferência

12
Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 99 a 114

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Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

intergovernamental se debruçar não só sobre questões monetárias, mas também sobre


outros projetos, incluindo os institucionais, o que foi bem aceite no meio comunitário.
A 20 de março de 1990, o Governo Belga apresentou um memorando em que enunciou
as primeiras propostas sobre a União Política Europeia, subordinadas a três ideias-chave:
• Melhoria do funcionamento institucional.
• Reforço da legitimidade democrática.
• Desenvolvimento da dimensão externa da Comunidade.

O impulso decisivo para a revisão dos Tratados verificou-se nas vésperas do I Conselho
Europeu extraordinário de Dublin, de 28 de abril de 1990, através de uma carta conjunta
do Chanceler Kohl e do Presidente Mitterand enviada ao PM irlandês, na qual defendiam
uma alteração mais profunda dos Tratados.
Segundo eles, os trabalhos da União Política deviam concentrar-se no reforço da
legitimidade democrática, na maior eficácia dos órgãos comunitários, na unidade e na
coerência das ações a empreender e na definição e implementação de uma política externa
e de segurança comuns.
Com base nestas premissas, foi convocado o II Conselho Europeu de Dublin, de 25 e 26
de junho de 1990, onde se decidiu convocar uma segunda conferência intergovernamental
sobre União Política.

As conferências intergovernamentais, que abriram formalmente a 15 de dezembro de


1990 em Roma, acordaram concentrar-se nos seguintes aspetos:
• Legitimidade democrática: reforço da participação do Parlamento no processo
de decisão comunitário, a associação do Parlamento à nomeação dos membros da
Comissão, bem como o reforço do papel das entidades regionais e locais.
• PESC: definição dos interesses comuns dos Estados na matéria e a criação de um
quadro institucional específico.
• Cidadania: participação dos cidadãos dos Estados-membros nas eleições para o
Parlamento Europeu, bem como a liberdade de circulação de pessoas e a sua
proteção fora das fronteiras comunitárias.
• Alargamento das atribuições comunitárias: em matéria social, de coesão
económica e social, de meio ambiente, de saúde, de investigação, de energia, de
infraestruturas, de património cultural e educacional, dos assuntos internos e de
justiça.
• Eficácia: clarificação do papel do Conselho Europeu, reforço da regra da maioria
qualificada na adoção das decisões por parte do Conselho e das competências de
execução da Comissão.

Entretanto, tinha ocorrido o Conselho Europeu de Roma, de 27 e 28 de outubro de 1990,


em que se tinha reafirmado a vontade de prosseguir os objetivos da UEM e de manter os
calendários previstos.

O texto de alteração dos tratados comunitários foi aprovado pelos Estados-membros no


Conselho Europeu de Maastricht, a 10 de dezembro de 1991, tendo sido assinado a 7 de
fevereiro de 1992. Contudo, o Tratado só entrou em vigor a 1 de novembro de 1993,
devido ao primeiro referendo negativo dinamarquês, já que as normas de revisão do
Tratado para entrarem em vigor necessitam de ser ratificadas por todos os Estados-
membros.

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O CONTEÚDO DO TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA

A criação da União Europeia

O Tratado de Maastricht procedeu à criação da União Europeia, a qual apresentava uma


estrutura tripartida, fundada nas três Comunidades então existentes, sendo
complementada por dois pilares intergovernamentais:

• PESC

Abrangia o conjunto das questões relativas à segurança da União Europeia, incluindo a


definição a termo de uma política de defesa, que poderia conduzir, no futuro, a uma defesa
comum.
A PESC constituía tarefa da União e dos seus Estados-membros, que não transferiram
para a União as suas atribuições em matéria de defesa e mantinham o controlo das ações
em matéria de segurança e de relações externas com ela relacionadas.
Desta forma, a PESC representava um avanço muito tímido em relação à Cooperação
Política Europeia que tinha sido formalizada no AUE.

• CJAI

A construção de um mercado sem fronteiras internas, no qual as mercadorias, as pessoas,


os serviços e os capitais circulam livremente, tornou clara a necessidade de regras comuns
em matéria de asilo, imigração, controlo de fronteiras externas, luta contra a
criminalidade internacional, cooperação judicial em matéria penal e civil e de polícia.
O objetivo da CJAI era o desenvolvimento de uma cooperação estreita no domínio da
justiça e dos assuntos internos, deslocando para o plano do Direito Originário a
regulamentação destas matérias.

O TUE elencava os objetivos económicos, sociais e políticos da União Europeia. Para a


prossecução desses objetivos, a UE era assistida por órgãos com competência própria: o
Conselho Europeu, o Parlamento Europeu, o Conselho, a Comissão e o Tribunal de
Justiça.

A cidadania da União e a proteção dos direitos fundamentais

O impulso político dado pelo TUE permitiu aprofundar o envolvimento dos cidadãos
europeus. Com efeito, o TUE considerava como objetivo da União o reforço da proteção
dos direitos e interesses dos nacionais dos Estados-membros, através da instauração de
uma cidadania da União. Contudo, o desenvolvimento deste objetivo não constava do
TUE, mas sim do Tratado CE.

Tornava-se cada vez mais nítido o carácter incompleto das soluções encontradas no
domínio da proteção dos direitos fundamentais, designadamente, pelo Tribunal de Justiça.
Além disso, a passagem de uma Comunidade meramente económica para uma União
política tinha como consequência uma maior limitação dos poderes da autoridade pública
em relação dos cidadãos como forma de garantir os ideais da democracia e da
Comunidade de direito.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 23


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Ora, de acordo com a tradição política humanista ocidental, o respeito dos direitos do ser
humano enquanto tal constitui um dos elementos essenciais da identidade europeia, o que
já tinha sido afirmado politicamente pelas Comunidades Europeias em diversos
momentos.
Assim, o TUE consagrou expressamente que a União respeita os direitos fundamentais,
tal como são garantidos pela CEDH, e tal como resultam das tradições constitucionais
comuns aos Estados-membros enquanto princípios gerais de direito.

Além disso, um dos objetivos da PESC era o reforço e o desenvolvimento da democracia


e do Estado de direito, bem como o respeito dos direitos do homem e das liberdades
fundamentais.
No domínio do terceiro pilar, o TUE referia que as questões de interesse comum seriam
tratadas no âmbito da CEDH e da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de
1951, e que se teria em conta a proteção concedida pelos Estados-membros às pessoas
perseguidas por motivos políticos.
A proteção dos direitos fundamentais dirigia-se tanto aos cidadãos dos Estados-membros
da União Europeia como aos cidadãos de Estados terceiros.

A nova repartição de atribuições entre as Comunidades e os Estados-membros

O TUE consagrou novas atribuições à Comunidade Europeia, que deixou de se denominar


CEE. De entre essas novas atribuições, é de salientar a matéria da união económica e
monetária. Outras atribuições que já existiam foram desenvolvidas e aperfeiçoadas, como
por exemplo, a coesão económica e social, a política de ambiente e a promoção da
investigação e desenvolvimento tecnológico.

O TUE entrou em domínios que constituem o cerne da soberania dos Estados, como é o
caso da cidadania, da política monetária e da política de vistos. Além disso, o TUE
preparou o terreno para futuras transferências de soberania que viriam a ocorrer em
Amsterdão, em matéria de imigração, asilo e controlo das fronteiras externas. Para
compensar a perda de soberania dos Estados, o TUE impôs o respeito das identidades
nacionais e da cultura dos Estados, assim como introduziu o princípio da subsidiariedade.
Deste modo, procurou-se um equilíbrio entre o poder político individual de cada Estado
e o poder político comum da União.

O princípio da subsidiariedade

Este foi um doa temas centrais dos debates da conferência intergovernamental sobre a
União Política. Defrontaram-se duas tendências:
• Defensores de uma maior integração procuraram aproximar este princípio ao
princípio federal paralelo.
• Opositores do aprofundamento da integração viram neste princípio uma hipótese
de descentralização.

O princípio da subsidiariedade acabou por ficar consagrado, aplicando-se às matérias de


atribuições concorrentes entre os Estados-membros e a Comunidade. Portanto, a
aplicação deste princípio pressuponha uma prévia definição da repartição de atribuições
entre as Comunidades e os Estados-membros, o que sempre foi um tema muito
controverso, não tendo o Tratado de Maastricht conseguido clarificá-lo.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 24


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Basicamente, os órgãos comunitários competentes, antes de atuarem, tinham a obrigação


de averiguar se a ação que pretendiam levar a efeito preenchia os seguintes critérios:
• Critério da suficiência dos Estados: averiguava-se se os objetivos da ação
encarada não podem ser suficientemente realizados pelos Estados.
• Critério da maior eficácia da Comunidade: apreciava-se se os objetivos da ação
encarada não podiam ser melhor alcançados pela Comunidade, devido à sua
dimensão e aos seus efeitos.

As modificações no quadro institucional

O TUE procurou dar resposta às reivindicações de maior legitimidade democrática, de


maior eficácia e de maior transparência institucional das Comunidades. Na verdade, a
Comunidade nasceu sob o signo do défice democrático, pois a transferência de poderes
que antes pertenciam aos Estados não foi acompanhada da atribuição a esses povos de
um controlo eficaz e adequado da ação dos órgãos comunitários.

O TUE procurou minimizar esse défice democrático por duas vias: reforçando os poderes
do Parlamento Europeu (PE) e aumentando do número de casos de votação, por maioria
qualificada, no Conselho:
• Quanto ao seu processo eleitoral uniforme, o PE passou a ter de dar um parecer
favorável.
• Quanto ao poder legislativo, o Tratado de Maastricht introduziu o procedimento
de codecisão Conselho/PE e aumentou o número de casos em que se exigia o
parecer favorável do PE. Este procedimento influenciou a regra de votação no
seio do Conselho, visto que este passou a decidir, por maioria qualificada, num
maior número de casos.
• Quanto ao controlo do poder político, o PE alargou a sua competência, através do
poder que lhe foi conferido para constituir comissões de inquérito e da exigência
de apresentação de relatórios por parte dos outros órgãos comunitários.
• O PE aumentou a sua participação na designação de membros de outros órgãos,
designadamente, passou a ser necessário um voto de aprovação por parte do PE
na designação do Presidente e dos outros membros da Comissão e só,
posteriormente, se daria a nomeação, de comum acordo, pelos governos dos
Estados-membros.

As alterações institucionais tiveram como principal objetivo a aproximação da União aos


seus cidadãos, tentando aumentar a sua participação na vida política comunitária.
Contudo, os resultados alcançados não foram satisfatórios nem tiveram as consequências
positivas que se esperava.

O Tratado de Maastricht introduziu ainda alterações no domínio da competência do


Tribunal de Justiça, as quais reforçaram o papel do PE no contencioso comunitário, mas
também o papel dos cidadãos, uma vez que o PE é eleito por eles direta e universalmente.
Dessas alterações, salientam-se as seguintes:
• Consagração da legitimidade ativa e passiva do PE e do BCE para o recurso de
anulação e para a ação de omissão.
• Alargamento do objeto de recurso de anulação aos atos adotados em conjunto pelo
PE e pelo Conselho.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 25


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

• Possibilidade de invocação da exceção de ilegalidade em relação aos atos


adotados em conjunto pelo PE e pelo Conselho.
• Modificação introduzida no processo por incumprimento, no que diz respeito à
obrigação de executar o acórdão que declara o incumprimento e em relação à
aplicação de sanções ao Estado que não cumpre um acórdão que anteriormente
declarou o incumprimento.

A flexibilidade e a diferenciação

Isto não são novidades introduzidas em Maastricht, desde os finais dos anos 60 que se
defendia que, na impossibilidade de conseguir o consenso de todos, em determinadas
áreas, seria preferível que apenas alguns Estados avançassem para formas de cooperação
mais estreita, enquanto os outros, que não queriam ou não podiam participar, se
manteriam à margem.
O Tratado de Maastricht introduziu a possibilidade de não participação de alguns Estados,
os chamados opt outs, em áreas de vital importância para as Comunidades e para a UE:

o União económica e monetária

O Reino Unido e a Dinamarca beneficiaram de um opt out, ou seja, da possibilidade de


não participarem na terceira fase da UEM, bastando para tal que manifestassem a sua
vontade nesse sentido. Podiam fazer cessar o seu estatuto privilegiado através de uma
notificação da vontade de integrar o regime comum, sendo certo que teriam de preencher
os critérios de convergência. Uma vez feito cessar o seu estatuto privilegiado, a sua
integração da UEM seria definitiva. Porém, nunca usaram esta prerrogativa.

O não preenchimento dos critérios de convergência também configurava uma situação de


diferenciação, mas, nesse caso, dependia de condições exteriores à vontade dos Estados.
Aqueles que não conseguissem preencher os critérios poderiam mais tarde integrar a
UEM, bastando para tanto uma decisão por maioria qualificada do Conselho da União.

o Política social

O Tratado de Maastricht continha um Protocolo que integrava um acordo em matéria


social entre apenas catorze Estados, tendo o Reino Unido ficado de fora. A flexibilidade
assentava, portanto, num acordo internacional, mas utilizavam-se as instituições, os
procedimentos e os mecanismos do Tratado CE. A cessação desta forma de diferenciação
não se encontrava prevista no protocolo nem no acordo, mas, na prática, com a mudança
de governo no Reino Unido, este veio a pôr fim ao acordo e a política social foi integrada
no Tratado de Amsterdão.

o Pilares intergovernamentais

No âmbito da PESC e da CJAI previa-se a possibilidade de alguns Estados avançarem


para formas de cooperação mais estreitas. No quadro do segundo pilar, o Tratado previa
a possibilidade de diferenciação relativamente à defesa. No terceiro pilar, o TUE previa
que as disposições da CJAI não constituíam obstáculo à instituição e ao desenvolvimento
de uma cooperação mais estreita entre dois ou mais Estados, na medida em que esta
cooperação não contrariasse nem dificultasse a cooperação prevista no tratado.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 26


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O TRATADO DE AMSTERDÃO13

A génese e os objetivos do Tratado de Amsterdão

A revisão dos tratados das Comunidades Europeias operada pelo Tratado de Maastricht
foi encarada como uma fase transitória no processo de integração europeia, pelo que,
desde logo, se fixou um prazo para futuras alterações. Além disso, ficou também decidido
que se deveria convocar, em 1996, outra conferência intergovernamental.

Entretanto, tinha sido assinado o Tratado de Adesão da Áustria, Finlândia, Suécia e


Noruega, a 24 de junho de 1994, embora a Noruega tenha recusado pela segunda vez
aderir à UE, em referendo. Assim, a União Europeia passou a dispor de 15 elementos, o
que dificultava ainda mais a obtenção de consensos e a adoção de decisões nos órgãos da
União.

No Conselho Europeu de Corfu, de 24 e 25 de junho de 1994, os Chefes de Estado e de


Governo decidiram criar um grupo de reflexão para preparar os trabalhos da conferência,
conhecido como o Grupo Westendorp, assim como convidaram os órgãos comunitários
e os Estados-membros a apresentarem relatórios sobre o funcionamento do TUE. Nestes
relatórios, fez-se o balanço da aplicação do Tratado ou de alguns dos seus aspetos e, em
certos casos, avançaram mesmo com propostas de revisão do Tratado.

O grupo de reflexão trabalhou com base nesses relatórios e, em dezembro de 1995,


apresentou o seu próprio relatório ao Conselho Europeu de Madrid, onde se fixavam as
diretrizes da organização da CIG.

A revisão do Tratado obedeceu ao processo fixado no atual TUE: 48º, tendo os órgãos
da União apresentado os seus pareceres favoráveis.
A conferência foi convocada oficialmente pela Presidência, a 29 de março de 1996, com
o objetivo de se concentrar nos seguintes temas:
• Uma União mais próxima do cidadão.
• Maior democracia e eficácia das instituições da União.
• Reforço da capacidade de ação externa da União.

Após mais de um ano de negociações, sob as presidências italiana e irlandesa, o Tratado


de Amsterdão foi assinado no dia 2 de outubro de 1997, durante a presidência holandesa,
mas só entrou em vigor a 1 de maio de 1999.

A revisão do Tratado efetuada em Amsterdão tinha, essencialmente, dois objetivos:


• Consolidação e melhoria da União Europeia, enquanto entidade central.
• Concessão de uma posição privilegiada ao cidadão, enquanto principal
destinatário da revisão.

13
Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 114 a 132

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 27


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AS PRINCIPAIS MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS POR AMSTERDÃO

A consolidação da União Europeia

O Tratado de Amsterdão reformulou a União Europeia, contribuindo para a sua


consolidação e maior coerência e unidade, através da proximidade dos pilares
intergovernamentais – PESC e CJAI – ao pilar comunitário, designadamente, ao nível das
fontes, dos órgãos e da fiscalização judicial dos atos e das normas.
Os pilares intergovernamentais sofreram uma revisão global, a qual foi imposta pela
inoperância das disposições adotadas em Maastricht e pela necessidade de uma maior
democratização da União. Contudo, o Tratado de Amsterdão não conferiu expressamente
personalidade jurídica à União.

A «humanização» da União – o reforço do papel do cidadão

Um dos objetivos dos Tratados era conferir ao cidadão uma maior participação no
processo de integração europeia, bem como o de «humanizar» a União. Por isso, o
Tratado de Amsterdão procedeu a alterações significativas nos domínios que mais
repercussões poderiam ter nesses aspetos, como é o caso de:

Proteção dos direitos fundamentais


• Afirmação expressa da jurisdição do Tribunal para apreciar os atos dos órgãos,
com fundamento na violação de direitos fundamentais.
• A declaração nº1 da conferência relativa à abolição da pena de morte invoca o
protocolo nº6 à CEDH.
• Multiplicação das referências no Tratado aos direitos fundamentais e aos direitos
humanos.
• Reforço dos direitos sociais através do aditamento de um considerando ao
preâmbulo do Tratado, que refere a Carta Social Europeia, assinada em Turim a
18 de outubro de 1961, e a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais
dos Trabalhadores de 1989, e da introdução de um título VIII relativo ao emprego,
no qual ficou consagrado o direito ao emprego.
• Alargamento do âmbito de aplicação do princípio da não discriminação, através,
nomeadamente, da inserção, no Tratado CE, de uma norma que estabelecia que o
Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão e após
consulta ao PE, poderia tomar as medidas necessárias para combater a
discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença,
deficiência, idade ou orientação sexual.
• Consagração de alguns direitos oponíveis à administração comunitária como, por
exemplo, o direito de acesso aos documentos do PE, do Conselho e da Comissão
e o direito à proteção de dados pessoais.
• A declaração nº11 relativa ao estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional,
as Igrejas e associações ou comunidades religiosas nos Estados-membros, bem
como as organizações filosóficas ou não confessionais.
• A declaração nº22 relativa à exigência de as Instituições da Comunidade
respeitarem os direitos das pessoas com deficiências, quando adotam medidas de
aplicação, ao abrigo do artigo 114º do TFUE.

Porém, o Tratado de Amsterdão não se debruçou sobre dois aspetos cruciais: a adesão da
União Europeia à CEDH e a inclusão de um catálogo de direitos fundamentais no Tratado.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 28


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Cidadania da União
• Consagração expressa do carácter complementar da cidadania da União em
relação à cidadania nacional e constitucionalizou o direito do cidadão da União se
dirigir aos órgãos comunitários na sua língua e de obter uma resposta nessa mesma
língua.
• Direito subjetivo de acesso aos documentos do PE, do Conselho e da Comissão
passou a estar expresso no TCE, adquirindo também dignidade constitucional.
• O Protocolo relativo ao direito de asilo de nacionais dos Estados-membros da UE
estabelecia que cada Estado-membro seria considerado pelos restantes como um
país de origem seguro para todos os efeitos jurídicos e práticas em matéria de asilo
e que a cidadania e a discriminação entre os nacionais dos Estados-membros se
encontravam excluídas da cláusula de cooperação reforçada.
• O reforço dos poderes do PE contribuiu para aumentar a participação dos cidadãos
na vida da União e para uma maior legitimidade democrática da União.
• As alterações no âmbito das políticas de emprego, social, de ambiente, de saúde
pública e de proteção dos consumidores foram impulsionadas pelo papel central
que se pretendia atribuir ao cidadão na União.
• A complexidade formal e material dos Tratados, que afastava os cidadãos, foi
simplificada pela Declaração nº42, que permitiu o expurgo de todas as normas
que já não estavam em vigor e a renumeração sequencial das normas em vigor. A
própria sistemática do Tratado foi melhorada, surgindo primeiro as normas
atinentes à UE, depois as alterações aos Tratados comunitários e, por fim, os
protocolos e as declarações.

A reforma institucional possível

A necessidade de revisão do sistema institucional tinha vindo a ser reclamada desde o


primeiro alargamento e foi-se agravando com os novos alargamentos. Com efeito, a queda
do muro de Berlim provocou os pedidos de adesão dos países da Europa central e oriental,
que antes faziam parte do bloco soviético (denominados na gíria como PECO’s). Além
disso, também a Turquia, Chipre e Malta tinham solicitado a adesão.

A União celebrou acordos de associação com os PECO’s com vista a prepará-los para
responderem aos critérios de Copenhaga. Estes países tinham perdido as suas tradições
democráticas, a sua economia funcionava sem referência ao mercado e a sua moeda era
muito fraca. Os acordos europeus tinham em vista reduzir as diferenças económicas entre
eles e a União.

A reforma do sistema institucional da União era inevitável, aliás, o sentimento de


insatisfação perante o quadro institucional era partilhado pelos órgãos comunitários, que
tinham apresentado nos seus relatórios ao grupo de reflexão a falta de eficácia e
democracia do mesmo.
Para ultrapassar estes problemas, a CIG tinha como objetivos diminuir o número de
comissários, aumentar os casos de votação por maioria e alterar o sistema de ponderação
de votos, no seio do Conselho, de modo a torna-lo mais eficaz e democrático. Contudo,
o consenso não foi conseguido nestes domínios, por isso, a CIG limitou-se a aprovar o
protocolo relativo ao alargamento, no qual se previu que antes do próximo alargamento
da União, a Comissão deveria ser composta por um nacional de cada Estado-membro e a

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 29


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ponderação de votos no Conselho deveria ser alterada, de forma a compensar os Estados


grandes que viessem a perder um comissário.
Além disso, previa-se uma reforma institucional de fundo, através da convocação de uma
conferência intergovernamental o mais tardar um ano antes de a União passar a ser
constituída por 20 Estados, com o objetivo de proceder a uma revisão global das
disposições do Tratado, referentes à composição e ao funcionamento das instituições.

Nos termos dos Tratados, os protocolos fazem parte integrante do Tratado, têm efeito
jurídico vinculativo e podem ser invocados perante o Tribunal de Justiça. Assim, os
Estados obrigaram-se a resolver a questão da ponderação de votos e do número de
comissários antes do próximo alargamento, tendo-se previsto a convocação de uma nova
CIG, sujeita a um prazo incerto. O seu objeto seria a reforma institucional, mas não se
fixou o seu conteúdo. Em 2000 realizou-se a CIG que deu lugar ao Tratado de Nice.

Não obstante o fracasso da reforma institucional no que diz respeito à Comissão e ao


Conselho, o Tratado de Amsterdão introduziu algumas modificações significativas
relativamente aos outros órgãos que contribuíram para reforçar a legitimidade
democrática da União e o papel do cidadão:
• O PE viu os seus poderes reforçados em sede de participação no procedimento
legislativo, o qual se estendeu a novas matérias, abrangendo, por exemplo, o
emprego, a política social, a saúde pública, a luta contra a fraude comunitária, os
transportes ou a coesão económica e social.
• O procedimento de codecisão foi alterado, suprimindo-se a terceira leitura, que
assegurava uma posição de supremacia do Conselho em relação ao PE.
• O PE e o Conselho passaram a estar numa posição de igualdade como verdadeiros
colegisladores.
• O procedimento de cooperação apenas se manteve no respeitante à união
económica e monetária.
• O procedimento de parecer conforme manteve-se apenas quanto às questões
constitucionais ou internacionais, sendo retirado das matérias legislativas.
• Elevou-se para 700 o número máximo de membros do PE e impôs-se que as
futuras alterações ao número de representantes do PE eleitos em cada Estado
assegurassem a representação adequada dos povos dos Estados reunidos na
Comunidade.

Também ao nível do Comité de Regiões, criado pelo Tratado de Maastricht, se


introduziram alterações a dois níveis: autonomia organizacional e alargamento de
poderes. Este foi um contributo importante para a maior aproximação dos cidadãos à
União, pois este órgão é constituído por representantes das coletividades regionais e
locais que, deste modo, são ouvidas na tomada de decisão comunitária.

Além disso, reforçou-se o papel dos parlamentos nacionais, tendo-lhes dedicado um


Protocolo, no qual lhes conferia o controlo da ação governamental em matéria europeia,
através da transmissão atempada das propostas legislativas da Comissão. E ainda
institucionalizou a COSAC.
Por fim, reforçaram-se os poderes do Tribunal de Justiça, alargando a sua jurisdição a
áreas que antes lhe estavam vedadas. A competência do Tribunal passou a abranger:
• Os tratados institutivos das três Comunidades Europeias.
• As disposições relativas ao terceiro pilar, com algumas restrições.
• As disposições relativas à cooperação reforçada.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 30


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• A proteção dos direitos fundamentais no âmbito do pilar comunitário.


• As disposições finais do TUE.
A competência do TJ alargou-se aos seguintes domínios:
• À matéria dos vistos, do asilo, da imigração e de outras matérias referentes à livre
circulação de pessoas, bem como ao acervo proveniente dos acordos de Schengen.
• Ao terceiro pilar, embora com restrições.
• À garantia do cumprimento das condições relativas à cooperação reforçada.
• À matéria de proteção dos direitos fundamentais no âmbito do pilar comunitário.

A nova repartição de atribuições entre a União e os Estados-membros

Entre as alterações introduzidas pelo Tratado de Amsterdão, salientam-se as seguintes:

o A criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça, com a consequente


comunitarização de alguns aspetos do terceiro pilar

No domínio da justiça e dos assuntos internos, a ideia-base que presidiu às alterações no


terceiro pilar foi a da criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, no
qual o cidadão ocupasse o lugar central.
Este objetivo foi desenvolvido no Tratado CE, nas disposições relativas aos vistos, asilo,
imigração e outras políticas relativas à livre circulação de pessoas e, no TUE, nas
disposições relativas à cooperação policial e judiciária em matéria penal.

o A comunitarização dos acordos de Schengen

A comunitarização de alguns domínios do terceiro pilar teve repercussões na manutenção


do acervo Schengen nos moldes em que este existia.

O Tratado de Amsterdão incluiu um protocolo que integrava o acervo de Schengen no


âmbito da União Europeia, no qual se previa que todos os Estados-membros, à exceção
do Reino Unido e da Irlanda, instaurassem uma cooperação reforçada nos domínios
abrangidos pelos acordos de Schengen.
Essa cooperação realizar-se-ia no quadro institucional e jurídico da União Europeia
(artigo 1º protocolo), desaparecendo, assim, o quadro institucional previsto nos acordos
de Schengen. Isto também seria feito com base nos princípios da progressividade e da
flexibilidade, na medida em que enquanto o Conselho não adotasse a decisão relativa às
bases jurídicas, referidas no artigo 2º/1, 2ª parte do protocolo, os atos adotados com base
nos acordos de Schengen eram considerados atos baseados no Título VI, ou seja, no
terceiro pilar (artigo 2º, 4ª parte do protocolo), o que facilitou a aceitação da integração
do acervo Schengen no TUE.
Além disso, os atos que fossem adotados com base nos acordos Schengen só poderiam
vir a ter um efeito mais vinculativo mediante uma decisão unânime do Conselho (artigo
2º/1, 2ª parte do protocolo). Portanto, assistiu-se a um adiamento da decisão definitiva.

De acordo com o referido protocolo, o Reino Unido e a Irlanda, que não faziam parte dos
acordos Schengen, não se encontravam vinculados, prevendo-se a possibilidade de
poderem vir, a todo o tempo, requerer a aplicação, no todo ou em parte, das disposições
deste acervo (artigo 4º protocolo). Podiam ainda participar através da notificação, por
escrito, ao Presidente do Conselho de que o desejavam fazer (artigo 5º do protocolo).

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 31


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A Dinamarca não quis ficar de fora dos acordos Schengen, mas também não quis
participar plenamente, pelo que passou a dispor de um estatuto especial, que se
consubstanciava na não aplicação da decisão do Conselho a que se refere o artigo 2º/2, 2ª
parte nas partes do acervo de Schengen cuja base jurídica fosse o título referente aos
vistos, asilo, imigração e outras políticas relativas à livre circulação de pessoas.
A Dinamarca justificou esta exigência por força das dificuldades surgidas aquando da
ratificação de Maastricht.

Enquanto o Reino Unido e a Irlanda não tinham qualquer interesse na matéria, a


Dinamarca pretendia participar num quadro intergovernamental, recusando toda e
qualquer comunitarização.

o A integração do acordo social no Tratado CE

O Tratado de Amsterdão trouxe a revogação do acordo social, porque a subida ao poder


dos Trabalhistas, no Reino Unido, criou as condições necessárias à modificação da
posição deste Estado. A política social passou a estar prevista no CE, destacando-se duas
inovações:
• A menção de que a Comunidade e os seus Estados-membros devem ter presentes
na sua atuação os direitos sociais fundamentais, tal como constam da Carta Social
Europeia de 1961 e da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos
Trabalhadores de 1989.
• A aplicação do procedimento de codecisão em relação à adoção de algumas
decisões, nas quais se incluem as relativas ao princípio da não discriminação entre
o homem e a mulher.

o As modificações de algumas normas relativas às políticas e às ações


comunitárias

A política de emprego passou a estar associada à política económica. O título relativo ao


emprego era precedido de um título relativo à UEM, o que demonstrava a ligação que se
estabeleceu entre as questões económicas e as sociais. O elevado nível de emprego e a
proteção social elevada passaram a fazer parte dos objetivos da União e da Comunidade.
Neste domínio, as atribuições da Comunidade eram de mera coordenação da atividade
dos Estados-membros, incentivo à cooperação entre os Estados-membros e apoio da
mesma. A ação da Comunidade era subsidiária e de coordenação em relação aos Estados,
devendo respeitar plenamente as competências destes.

No domínio da política do ambiente, foi inserido o princípio do desenvolvimento


sustentável como um dos objetivos da União e incluiu-se também a missão de promover
um elevado nível de proteção e melhoria da qualidade do ambiente. Consagrou-se o
princípio da integração da política de ambiente na definição e execução das políticas e
ações da Comunidade, em especial com o objetivo de promover um desenvolvimento
sustentável. Do ponto de vista do procedimento de decisão, a cooperação foi substituída
pela codecisão, devendo o Comité das Regiões ser obrigatoriamente consultado.

Em matéria de saúde pública, a ação da Comunidade passou a incidir não só sobre a


prevenção das doenças, mas também sobre a melhoria da saúde pública. Além disso, a
Comunidade passou a poder adotar uma série de medidas, neste domínio, de acordo com
o procedimento de codecisão.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 32


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No domínio da defesa dos consumidores, estes passaram a ser encarados não apenas de
um ponto de vista económico, como compradores e vendedores, mas antes numa visão
de conjunto. A Comunidade deverá contribuir para a proteção da saúde, da segurança e
dos interesses económicos dos consumidores, bem como para a promoção do seu direito
à informação, à educação e à organização para a defesa dos seus interesses.

Em matéria cultural, a Comunidade deverá ter em conta, quando atua ao abrigo de outras
disposições do Tratado, os aspetos culturais, nomeadamente, a diversidade das culturas
dos Estados-membros. Assim, afirma-se o princípio da diversidade cultural como
princípio do direito comunitário.

o A extensão das atribuições e competências externas da Comunidade

O Tratado de Amsterdão introduziu algumas alterações no domínio das relações externas


da Comunidade, destacando-se:
• A possibilidade, mediante decisão por unanimidade do Conselho, da aplicação,
em matéria de política comercial, das normas relativas às relações externas às
negociações de acordos internacionais no setor dos serviços e da propriedade
intelectual.
• A consagração de regras diferentes para a suspensão de aplicação de um acordo
de associação.

Os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade

O Tratado de Amsterdão continha um protocolo relativo a estes princípios, o qual


clarificava alguns aspetos relativos à natureza do princípio da subsidiariedade, bem como
ao seu carácter neutro e sindicável perante o Tribunal de Justiça.

A consagração da flexibilidade como princípio da União Europeia

O princípio da flexibilidade ou da diferenciação faz parte do Direito Comunitário desde


a origem das Comunidades, mas foi com o Tratado de Amsterdão que passou a ter uma
aplicação generalizada a todos os setores, com exceção da PESC.
A flexibilidade e a cooperação reforçada foi consagrada como princípio geral, tendo-se
adotado a solução em que se avança, em alguns domínios, sem os Estados que se
opuseram. Além disso, a flexibilidade manifestou-se ainda sob a forma de derrogações
concedidas a certos Estados – Reino Unido, Irlanda e Dinamarca – em relação a algumas
matérias em que não se conseguiu chegar a consenso, como por exemplo, ao nível da
comunitarização de alguns aspetos do terceiro pilar e do acervo de Schengen.

A possibilidade de suspensão dos direitos de um Estado-membro

O Tratado de Amsterdão criou um meio não jurisdicional ou político para sancionar os


Estados-membros, que se consubstanciava na possibilidade de suspensão de direitos de
um Estado-membro que não respeitasse os princípios da União, quais sejam a liberdade,
a democracia, o respeito pelos Direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, bem
como o Estado de direito.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 33


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O TRATADO DE NICE14

Os antecedentes do Tratado de Nice

O Tratado de Nice foi aprovado na CIG de 10 e 11 de dezembro de 2000, tendo sido


assinado a 26 de fevereiro de 2001. Porém, só entrou em vigor a 1 de fevereiro de 2003,
devido a um referendo negativo por parte do povo irlandês.

A ideia da CIG de 2000, realizada em Nice, foi oficialmente lançada no Conselho


Europeu de Colónia, de junho de 1999, tendo sido depois confirmada pelo Conselho
Europeu de Helsínquia, de dezembro de 1999, o qual decidiu que a CIG deveria examinar
a dimensão e a composição da Comissão, a ponderação de votos no seio do Conselho, a
extensão eventual da votação por maioria qualificada no Conselho e outros aspetos
relacionados com as instituições.
A Comissão emitiu o seu parecer a 26 de janeiro de 2000 e o Parlamento Europeu fê-lo a
3 de fevereiro de 2000. A CIG de 2000 acabou por ser, oficialmente, convocada, a 14 de
fevereiro de 2000.

O principal objetivo do Tratado foi a realização da reforma institucional da União


Europeia, uma vez que esses problemas deixados em aberto em Amsterdão tinham de se
resolver antes do alargamento da União aos Estados da Europa central e de leste, sendo
que as negociações de adesão já tinham sido iniciadas.

A Conferência Intergovernamental de 2000 iniciou-se durante a Presidência portuguesa,


com um debate sobre o programa de trabalho e o modo de funcionamento. A conclusão
dos seus trabalhos estava prevista para dezembro de 2000, durante a Presidência francesa,
como se veio a verificar.

Na primeira reunião, os representantes dos Governos estipularam as questões relativas às


instituições que deveriam ser debatidas:
• As matérias que podiam passar a ser votadas por maioria qualificada.
• As instituições que mereciam ser debatidas e com que objetivo.
• A necessidade de abranger nesse debate o PE e porquê.

No decurso das negociações tornou-se claro que outros temas deveriam ser incluídos na
ordem de trabalhos. No Conselho Europeu da Feira, de 19 e 20 de junho de 2000, fez-se
o ponto da situação dos progressos dos trabalhos da CIG e decidiu-se o seu alargamento
às cooperações reforçadas.
A 6 de julho de 2000 a CIG reuniu, pela primeira vez, sobre a Presidência francesa, onde
se apresentaram propostas e documentos claramente favoráveis aos Estados Grandes, os
quais não podiam ser aceites pelos Estados Médios e Pequenos. As principais
divergências situavam-se nos domínios das regras de votação no seio do Conselho,
designadamente, na ponderação de votos e na passagem de certas matérias à votação por
maioria qualificada, na composição da Comissão e nas cooperações reforçadas.

A Presidência francesa divulgou, a 6 de dezembro de 2000, o primeiro projeto de Tratado


que havia de constituir a base das negociações em Nice.

14
Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 132 a 146

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 34


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AS REFORMAS INTRODUZIDAS POR NICE

O Tratado não alterou qualitativamente a estrutura da União, que manteve o seu carácter
tripartido, continuou a não deter personalidade jurídica internacional e a não abranger a
defesa. Porém, apesar das dificuldades das negociações, as alterações introduzidas foram
significativas.

A reforma institucional

O tema central da reforma foi a ponderação de votos no seio do Conselho, o que se


compreende pois é aí que se verifica o poder dos Estados no âmbito da União Europeia.
Alterou-se significativamente o equilíbrio entre os Estados Grandes e os Estados Médios
e Pequenos:
• Alemanha, França, Itália e o Reino Unido passaram a deter 29 votos (antes tinham
10)
• Espanha passou a contar com 27 votos (antes tinha 8)
• Bélgica, Portugal e Grécia passaram de 5 para 12 votos
• Dinamarca, Irlanda e Finlândia passaram de 3 para 7 votos
• Holanda passou de 5 para 13 votos
• Áustria e Suécia passaram de 4 para 10 votos
• Luxemburgo passou de 2 para 4 votos

Em consequência do aumento do número de votos de cada Estado, o Tratado teve de


modificar as regras relativas às maiorias necessárias para aprovação das normas e dos
atos comunitários.
• Deliberações por maioria qualificada passaram a ser tomadas se obtivessem, no
mínimo, 169 votos, os quais deveriam exprimir a votação favorável da maioria
dos membros sempre que, por força do Tratado, as decisões devessem ser tomadas
sob proposta da Comissão.
• As restantes deliberações seriam tomadas se obtivessem, no mínimo, 169 votos
que exprimisse a vontade favorável de, pelo menos, 2/3 dos membros.

Além disso, introduziu-se um outro elemento relevante no domínio da tomada de decisões


no seio do Conselho: a população de cada um dos Estados-membros da União. Ou seja,
a aprovação de decisões no seio do Conselho também ficou dependente de uma
percentagem da população da União, correspondente a 62%.
Sempre que o Conselho tomasse uma decisão por maioria qualificada, qualquer membro
do Conselho poderia pedir que se verificasse se os Estados-membros que constituíam essa
maioria representavam, pelo menos, 62% da população total da União, sendo que, se isso
não se verificasse, a decisão não seria adotada.

Também se aumentou o número de casos de votação por maioria qualificada, em


detrimento da regra da unanimidade.
Porém, a maioria qualificada não se aplicava às matérias mais sensíveis, que têm maior
conexão com a soberania nacional: questões constitucionais (alargamento de poderes dos
órgãos da União), fiscalidade e política social.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 35


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

O Conselho viu os seus poderes reforçados nos seguintes domínios:


• Constatação da existência de um risco claro de violação grave por parte de um
Estado-membro dos princípios da UE.
• Autorização das cooperações reforçadas no âmbito da PESC.
• Tomada de medidas para fomentar a cooperação entre os Estados-membros com
base no Eurojust.
• Criação das câmaras jurisdicionais.
• Adoção de disposições que recomendem aos Estados-membros a atribuição de
competências ao TIJ em matéria de propriedade intelectual.
• Novas competências no que diz respeito à cooperação económica, financeira e
técnica.

A Comissão viu as suas regras serem alteradas relativamente a:


• Composição.
• Aumento de poderes do Presidente.
• Modo de designação.

O poder de iniciativa da Comissão foi alargado nos seguintes casos:


• Âmbito da PESC.
• Criação de câmaras jurisdicionais pelo Conselho.
• Domínio da constatação da existência de um risco claro de violação grave por
parte de um Estado-membro.

Quanto ao PE, o Tratado de Nice introduziu modificações nos seguintes aspetos:


• Número de membros do PE, que passou para 732.
• Distribuição dos deputados entre os Estados-membros, tendo em conta a futura
adesão de novos países, reduzindo o número de deputados dos Estados que na
época integravam a União e estabelecendo regras que se destinavam a ser
aplicadas após a adesão.
• Alargamento da competência, estendendo-se os casos de aprovação de atos
comunitários, segundo o procedimento de codecisão.
• Reforço dos poderes do PE no domínio jurisdicional, pois o PE passou a ser
considerado recorrente privilegiado em sede de recurso de anulação e a deter
legitimidade ativa no processo consultivo previsto no antigo TCE: 300º/6.

A reforma jurisdicional

As questões jurisdicionais tiveram um tratamento privilegiado na CIG de 2000.

Em maio de 1999, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância (atualmente


Tribunal Geral), apresentaram um documento de reflexão – o Futuro do Sistema
Jurisdicional da União Europeia – no qual se identificaram os problemas, se
apresentaram propostas de alterações imediatas do Regulamento de Processo, se
sugeriram medidas que implicavam alterações dos Tratados ou dos Estatutos, se
propuseram medidas concretas de reformulação do sistema jurisdicional em matéria de
composição e organização do TJ e do TPI, de transferência de competência no âmbito
dos recursos diretos para o TPI e de reformulação do processo das questões prejudiciais.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 36


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Posteriormente, foi nomeado pela Comissão um grupo de reflexão sobre o futuro do


sistema jurisdicional comunitário, presidido por Ole Due, denominado os “Amigos da
Presidência”, que depois apresentou o seu parecer ao Conselho, a 19 de janeiro de 2000.

Em seguida, o Tribunal apresentou propostas concretas de alteração do Tratado, naquilo


que denominou como a Contribuição do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira
Instância na Conferência Intergovernamental.

O Tratado de Nice incorporou, no domínio jurisdicional, todos esses contributos, através


da consagração de novas normas no Tratado CE e da modificação de normas já existentes.
Também alterou o Estatuto do TJ, que consta de um Protocolo anexo ao Tratado.

Principais alterações introduzidas pelo Tratado de Nice no domínio jurisdicional:


• Alteração da composição, organização e funcionamento do TJ e do TPI.
• Modificação da repartição de competências entre os dois Tribunais.
• Possibilidade de criação de câmaras jurisdicionais (tribunais especializados) para
contenciosos específicos.
• Pequenas alterações em matéria de contencioso comunitário.

As alterações introduzidas tinham como objetivo preparar o alargamento e obviar à


sobrecarga de trabalho do Tribunal, que prejudicava a celeridade processual.

Os valores da União e a suspensão dos direitos de um Estado-membro

A chamada questão austríaca, que ocorreu no primeiro semestre de 2000, tornou clara a
incapacidade do mecanismo de suspensão dos direitos de um Estado-membro para
responder a situações em que os princípios consagrados no TUE: 6º/1 ainda não foram
violados, mas poderão vir a ser postos em risco. Por isso, introduziu-se um mecanismo
preventivo de alerta no antigo TUE: 7º.

Isto acarretou a modificação do antigo TUE: 46º, e), referente à competência do TJ e ao


exercício dessa competência, que passou a incluir as disposições processuais previstas no
antigo TUE: 7º na competência do TJ, pronunciando-se aquele Tribunal a pedido do
Estado-membro em questão, no prazo de um mês, a contar da data da constatação do
Conselho.

A modificação de algumas normas referentes às políticas comunitárias

No Conselho Europeu de Nice surgiram algumas preocupações da União em relação a


certas políticas e ações comuns, designadamente, a fixação de uma agenda social, a
harmonização fiscal da poupança, o reforço da segurança alimentar e o reforço da
segurança marítima.

No domínio social, alteraram-se as disposições relativas a esta matéria, prevendo-se a


possibilidade de criação de um Comité de Proteção Social.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 37


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No âmbito da política comercial, foi modificado o antigo TCE: 133º/5, que estendeu a
aplicação das normas constantes dos nº1 a 4 aos acordos comerciais em matéria de
serviços e propriedade intelectual.

Em sede de política de cooperação económica, financeira e técnica com países terceiros,


foi introduzido um preceito no TCE, que estabeleceu como objetivo desta política o
desenvolvimento e a consolidação da democracia, do Estado de direito, do respeito dos
direitos do homem e das liberdades fundamentais.

As alterações aos pilares intergovernamentais

o PESC

As principais inovações ocorreram à margem da revisão dos Tratados. A guerra do


Kosovo demonstrou a necessidade de definir uma política externa e de segurança comuns,
pelo que o Conselho Europeu de Colónia, de junho de 1999, decidiu dotar a União dos
meios necessários «para decidir e agir em face das crises».

Os cinco Estados reunidos no Eurocorps – Alemanha, Bélgica, Espanha, França e


Luxemburgo – tomaram a decisão de o transformar em «corpo de reação rápido europeu».

O Conselho Europeu de Helsínquia, de dezembro de 1999, decidiu a criação até 2003 de


uma força de reação rápida não permanente, composta por 50 mil militares capazes de se
deslocarem num prazo de 2 meses, em caso de crise internacional, se a NATO não
intervier.

O Conselho Europeu de Nice aprovou a criação de estruturas operacionais para gestão de


crise – o Comité Político e de Segurança, o Comité Militar e o Estado-Maior – os quais,
na prática, funcionavam desde o ano 2000. Trata-se de estruturas criadas à margem do
Tratado.
Dentro do quadro da União propriamente dito, a principal inovação do Tratado de Nice
foi a autonomização da defesa europeia, tendo a UEO deixado de ser o braço armado da
União.

o CPJP

O Conselho Europeu de Tampere, de outubro de 1999, previu a criação, antes do fim de


2001, de uma unidade de juízes europeus – a Eurojust – que teria competência para
investigar sobre a grande criminalidade, o que acarretou modificações nos antigos artigos
29º e 31º do TUE.

A reforma das cooperações reforçadas

As regras relativas às cooperações reforçadas, introduzidas pelo Tratado de Amsterdão,


impunham condições de tal forma rígidas para a sua aplicação que impossibilitaram, na
prática, a realização de qualquer ação de cooperação reforçada no âmbito daquele
Tratado.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 38


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Tendo em conta esta situação, que o alargamento a leste tendia a agravar, a Comissão, no
seu parecer de 26 de janeiro de 2000, defendeu a modificação das referidas regras nos
seguintes termos:
• O número mínimo de Estados para iniciar uma cooperação reforçada deveria de
ser de 1/3 e não da maioria, como se previa no Tratado de Amsterdão.
• Os processos particulares, que permitiam opor a tomada de decisão à maioria
qualificada, deviam ser suprimidos.
• Devia possibilitar-se a cooperação reforçada em matéria de PESC.

Após um primeiro consenso no Conselho Europeu de Biarritz, de 13 e 14 de outubro de


2000, em que se conseguiu chegar a acordo sobre a dupla necessidade de prever um
dispositivo aberto e de respeitar o acervo comunitário, as cooperações reforçadas
acabaram por sofrer as seguintes alterações:
• Extensão do mecanismo das cooperações reforçadas à PESC com a exigência de
condições específicas, como sejam o respeito dos princípios, dos objetivos e das
orientações gerais e da coerência da PESC. Deviam ainda respeitar as
competências da Comunidade, bem como a coerência entre o conjunto das
políticas da União e a sua ação externa. Encontravam-se excluídas das
cooperações reforçadas as questões com implicações militares ou no domínio da
defesa.
• Supressão das condições específicas relativamente ao pilar comunitário e ao
terceiro pilar.
• Manutenção das condições gerais.
• Supressão do direito de veto dos Estados, exceto no que toca ao segundo pilar.
• Fixação do número mínimo de oito Estados para se iniciar uma cooperação
reforçada.
• No quadro do pilar comunitário exigia-se o parecer conforme do PE, quando a
matéria em causa exigisse a aplicação do procedimento de codecisão.

Estas alterações foram introduzidas em normas de carácter geral e em disposições


específicas para cada um dos pilares.
As condições gerais para a realização de uma cooperação reforçada diziam respeito aos
objetivos e finalidades da cooperação reforçada, à competência da União e da CE e ao
respeito dos direitos e prerrogativas dos Estados.

Balanço sobre o Tratado de Nice

A maioria da doutrina considerou os resultados da conferência de Nice dececionantes. As


causas do fracasso prendem-se, essencialmente, com:
• O carácter restrito da agenda, que teve como consequência uma diminuta margem
de negociação dos Estados.
• A dificuldade de obtenção de consensos nas matérias intimamente relacionadas
com o exercício do poder dentro da União.

As principais críticas incidiram sobre a falta de clareza dos compromissos alcançados nos
domínios da ponderação de votos no seio do Conselho, da composição da Comissão ou
da reforma institucional. Na verdade, a enorme complexidade do texto aprovado em Nice
não contribuiu para aproximar os cidadãos da União Europeia.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 39


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Tendo consciência da sua incompletude, o Tratado previu novamente a sua revisão a curto
prazo, em 2004.

As implicações do Tratado de Nice sobre o futuro da integração europeia

O Tratado de Nice não representou qualquer rutura constitucional, pois não introduziu
alterações substanciais suscetíveis de transformar a natureza jurídica da UE, mas teve
importantes repercussões ao nível do Direito Constitucional da União, uma vez que
ajustou o equilíbrio de poder no seio da União nas suas 3 vertentes: o equilíbrio entre os
órgãos, o equilíbrio entre os Estados-membros e o equilíbrio entre os Estados-membros
e a União.

Muito significativa foi a declaração nº23 adotada pela Conferência, respeitante ao futuro
da União, na qual se previu a convocação de uma CIG para 2004, com o objetivo de
debater as seguintes questões:
• O estabelecimento e a manutenção de uma delimitação mais precisa das
competências entre a União e os Estados-membros, que respeite o princípio da
subsidiariedade.
• O estatuto da Carta dos Direitos Fundamentais da UE proclamada em Nice, de
acordo com as conclusões do Conselho Europeu de Colónia.
• A simplificação dos Tratados a fim de os tornar mais claros e mais
compreensíveis, sem alterar o seu significado.
• O papel dos parlamentos nacionais na arquitetura europeia.

O debate acerca do futuro da integração europeia passou a centrar-se nos aspetos


constitucionais. Na verdade, as dificuldades de obtenção de consensos em Nice
demonstraram o esgotamento de um modelo de integração pensado para 6 Estados-
membros, tendo impelido à descoberta de um novo modelo.

Foi para responder a este magno desafio que o Conselho Europeu de Laeken, de 15 de
dezembro de 2001, decidiu a transposição do método da convenção usado na elaboração
da Carta dos Direitos Fundamentais da EU para a revisão do Tratado.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 40


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PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA

Princípio da Coesão Económica e Social e Territorial


Princípios
Princípio da não Discriminação
Fundamentais
Princípio da Liberdade Económica

Princípio do Primado

Princípio da Aplicabilidade Direta


Princípios inerentes às
fontes de Direito
Princípio do Efeito Direto

Princípio da Autonomia do Direito da União Europeia

Princípio da Cooperação leal

Princípio do Acervo

Princípio do Respeito das Identidades Nacionais


Princípios que regem
Princípio da Atribuição
as atribuições
Princípio da Subsidiariedade

Princípio da Proporcionalidade

Princípio da Flexibilidade

Princípio da Competência de Atribuição


Princípios relativos à
Princípio do Equilíbrio Institucional
estrutura institucional
e orgânica da União
Princípio Democrático
Europeia
Princípio da Coerência

Princípio da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os


Tribunais nacionais
Princípios da Justiça
Princípio da tutela efetiva

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 41


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PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Princípio da Coesão Económica e Social e Territorial


TUE: 3º/3 TFUE: 174º a 178º

Esta disposição encontra-se inserida no elenco dos objetivos da União Europeia.

A União Europeia procede ao fortalecimento da sua coesão económica, social e territorial


no intuito de promover um desenvolvimento harmonioso da União como um todo. A
União pretende, nomeadamente, reduzir as disparidades entre os níveis de
desenvolvimento das diversas regiões. Entre as regiões em causa, é consagrada especial
atenção às zonas rurais, às zonas afetadas pela transição industrial e às regiões com
limitações naturais ou demográficas graves e permanentes, tais como as regiões mais
setentrionais com densidade populacional muito baixa, bem como as regiões insulares,
transfronteiriças e de montanha.

A política de coesão constitui a principal política de investimento da União Europeia.


Proporciona benefícios a todas as regiões e cidades da UE e apoia o crescimento
económico, a criação de emprego, a competitividade das empresas, o desenvolvimento
sustentável e a proteção do ambiente.

Na Comunidade Europeia (atual União Europeia) existiram, desde sempre, grandes


disparidades territoriais e demográficas, que podem constituir entraves à integração e ao
desenvolvimento na Europa. O Tratado de Roma (1957) criou mecanismos de
solidariedade sob a forma de dois fundos: Fundo Social Europeu (FSE), Fundo Europeu
de Orientação e de Garantia Agrícola, (FEOGA, secção «Orientação»). Em 1975, foram
introduzidos os aspetos regionais: Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional
(FEDER). Em 1994, foi igualmente criado o Fundo de Coesão.

Com o Ato Único Europeu de 1986, a coesão económica e social tornou-se uma
competência da Comunidade Europeia. Em 2008, o Tratado de Lisboa introduziu uma
terceira dimensão da coesão da UE: a coesão territorial. Estas três vertentes da coesão
recebem apoio através da política de coesão e dos Fundos Estruturais.

Um dos principais objetivos da UE consiste no reforço da sua coesão económica, social


e territorial. Uma parte considerável das suas atividades e do seu orçamento é consagrada
à redução das disparidades entre as regiões, nomeadamente as zonas rurais, as zonas
afetadas pela transição industrial e as regiões com limitações naturais ou demográficas
graves e permanentes.

A UE apoia a realização destes objetivos utilizando os Fundos Europeus Estruturais e de


Investimento (FSE, FEDER, Fundo de Coesão, Fundo Europeu Agrícola de
Desenvolvimento Rural (Feader) e Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas
(FEAMP)) e outras fontes, como o Banco Europeu de Investimento.

Em 2014, o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural substituiu a secção


Orientação do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola. No âmbito da

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 42


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

política de coesão da União, o Feader apoia o desenvolvimento rural e a melhoria das


infraestruturas agrícolas.

O Fundo Social Europeu é o principal instrumento da União que presta apoio a medidas
destinadas a prevenir e combater o desemprego, desenvolver os recursos humanos e
promover a integração social no mercado de trabalho. O Fundo Social Europeu financia
iniciativas que promovem um elevado nível de emprego, a igualdade de oportunidades
para homens e mulheres, o desenvolvimento sustentável e a coesão económica e social.

O Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional tem por objetivo contribuir para a


correção dos principais desequilíbrios regionais na UE. Presta apoio a regiões menos
desenvolvidas e à reconversão das regiões industriais em declínio.

O Fundo de Coesão contribui financeiramente para projetos relacionados com o


ambiente e as redes transeuropeias no domínio das infraestruturas de transportes. Apenas
têm acesso a este fundo os Estados-Membros cujo rendimento nacional bruto por
habitante seja inferior a 90 % da média da UE.

A fim de garantir uma utilização eficiente dos fundos estruturais, devem ser respeitados
os seguintes princípios:
• organização dos fundos por objetivos e por regiões;
• parceria entre a Comissão, os Estados-Membros e as autoridades regionais no
contexto do planeamento, da implementação e do acompanhamento da sua
utilização;
• programação das intervenções;
• adicionalidade das contribuições da UE e nacionais.

A dotação dos recursos financeiros da União destinada à política de coesão centra-se em


dois objetivos fundamentais:
• o investimento no crescimento e no emprego, com vista a consolidar o mercado
laboral e as economias regionais;
• a cooperação territorial europeia, a fim de apoiar a coesão da UE através da
cooperação ao nível transfronteiriço, transnacional e inter-regional.

O Parlamento desempenha um papel muito ativo no domínio do apoio ao reforço da


coesão económica, social e territorial da UE. A legislação relativa à política de coesão e
aos Fundos Estruturais é elaborada nos termos do processo legislativo ordinário, em que
o Parlamento e o Conselho têm igualdade de poderes.

O Parlamento participou ativamente nas negociações sobre a reforma da política de


coesão para o período 2014-2020. Esta reforma define as prioridades e os instrumentos
da futura ação da UE com vista a reforçar a coesão económica, social e territorial. O
Parlamento Europeu tem apoiado fortemente as propostas que visam uma política de
coesão ampla e eficiente, que exige também recursos financeiros suficientes.

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Princípio da não Discriminação (Igualdade)


TUE: 2º TFUE: 18º (34º, 35º, 37º/1 e 2, 45º/2 e 3. 49º, 54º, 57º, 92º)

O objetivo da lei da não discriminação consiste em permitir a todos os indivíduos uma


perspetiva equitativa e justa de acesso às oportunidades disponíveis numa sociedade. Este
princípio significa essencialmente que os indivíduos em situações semelhantes deverão
receber tratamento idêntico e não ser tratados de forma menos favorável simplesmente
devido a uma determinada característica «protegida» que possuam.

O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia proíbe a discriminação em razão


da nacionalidade. Além disso, permite ao Conselho adotar medidas adequadas para
combater a discriminação em razão do sexo, origem racial ou étnica, religião ou crença,
deficiência, idade ou orientação sexual. Os tratados da União Europeia (UE) proibiram
desde sempre a discriminação em razão da nacionalidade (bem como a discriminação em
razão do sexo no contexto do emprego). As outras razões de discriminação foram
mencionadas pela primeira vez no Tratado de Amesterdão.

Em 2000, foram adotadas duas diretivas: a diretiva relativa à igualdade no emprego que
proíbe a discriminação em função da orientação sexual, convicção religiosa, idade e
deficiência na área do emprego; e a diretiva relativa à igualdade racial que proíbe a
discriminação em razão da raça ou etnia, novamente no contexto do emprego, mas
também no acesso ao sistema de previdência e segurança social e a bens e serviços.

TFUE: 10º Em 2009, o Tratado de Lisboa introduziu uma cláusula horizontal com vista
a integrar a luta contra a discriminação em todas as políticas e ações da EU. Neste domínio
da luta contra a discriminação, deverá ser utilizado um procedimento legislativo especial:
O Conselho deve deliberar por unanimidade e após aprovação do Parlamento Europeu.

Os cidadãos europeus podem exercer o seu direito de recurso judicial em casos de


discriminação direta ou indireta, especificamente nos casos em que sejam tratados de
forma diferente em situações comparáveis ou quando uma desvantagem não possa ser
justificada por um objetivo legítimo e proporcional.

Princípio da Liberdade Económica


TUE: 3º/3

O princípio da liberdade económica reflete-se, precisamente, na realidade de que o


mercado interno é expressão de uma economia de mercado, de inspiração neoliberal – o
que explica a importância que os tratados atribuem ao princípio da livre concorrência.
Tal princípio comporta, por isso mesmo, a propriedade privada dos meios de produção
(constitucionalmente garantida quer na ordem jurídica interna dos Estados Membros quer
no quadro da União); comporta, igualmente, a liberdade de empreender e de agir no
domínio económico (livre iniciativa).

A liberdade económica implica, ainda, mais concretamente, o direito reconhecido aos


operadores ou agente económicos do mercado interno de circular livremente no espaço
da União para aí se dedicarem a um trabalho assalariado ou independente (atividade
artesanal ou profissão liberal), para se estabelecerem como comerciante ou produtores em

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 44


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

qualquer domínio da vida económica e para prestarem livremente os serviços


correspondentes ao seu ramo de atividade.

Tudo isto no quadro de um estado de direito democrático que salvaguarda os direitos que
dão conteúdo real ao princípio da liberdade económica.

Note-se, porém, que a liberdade económica não é absoluta, já que os Estados se reservam
no direito de restringir o acesso dos operadores do mercado interno à propriedade e ao
uso de certos meios de produção e a determinadas atividades profissionais.
TFUE: 345º Diz-nos que “Os Tratados em nada prejudica o regime de propriedade nos
Estados Membros”.

Cada Estado é, portanto, livre não somente de manter, mas igualmente de alargar, em
detrimento da propriedade privada, o sector público da economia – e isto quer através da
criação de novas empresas, quer mediante a socialização (por nacionalização,
expropriação, tomada de posição acionista, etc.) de empresas preexistentes.

No entanto, o facto de o Tratado não interferir com o regime de propriedade dos meios
de produção, tem muito a ver com o uso que deles é feito: as empresas do setor público
estão, com efeito, no exercício da respetiva atividade, sujeitas às regras comuns de
concorrência e os Estados obrigados a respeitar o princípio da não discriminação. (artigos
101º e 106º TFUE).

Desde o Tratado de Roma que a liberdade económica assenta no reconhecimento de 4


liberdades fundamentais que ultrapassam fronteiras nacionais:
• Livre circulação de mercadorias
• Livre circulação de pessoas (trabalhadores)
• Livre prestação de serviços e liberdade de estabelecimento
• Livre circulação de capitais.

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PRINCÍPIOS INERENTES ÀS FONTES DE DIREITO15

Primado do Direito da União Europeia

A União Europeia é uma nova forma de manifestação do Poder Político, é composta pelos
seus Estado-membros, contudo estes continuam a ter a sua autonomia e independência.
A relação entre o Direito da união e o Direito dos Estados-membros nunca teve traços
iguais aos do monismo ou dualismo, nem se assumiu uma prevalência do Direito federal
sobre o Direito federado. O Direito da União Europeia afasta-se da construção do Direito
Internacional por se aplicar por vezes de forma direta aos cidadãos, mas afasta-se também
do Direito federal pois não foi criada com recurso às técnicas do federalismo.

O Tribunal de Justiça foi afirmando ao longo dos anos princípios que permitem explicar
a coexistência entre o Direito dos Estados-membros e o Direito da União, assim o
princípio do primado surge de jurisprudência.

Fala-se em primado quando exista conflito entre duas normas de ordenamentos jurídicos
distintos, nomeadamente entre o Direito da União e o Direito Nacional e este conflito não
possa ser superado com recurso, por exemplo, à interpretação conforme à norma. Contudo
para existir conflito é necessário que uma norma da união tenha sido diretamente aplicada
na Ordem Jurídica Nacional e que a solução que esta norma propõe não seja conforme
com a solução da norma de direito interno.

O que acontece quando uma disposição do direito da União, que estabelece direitos e
obrigações diretamente para os cidadãos da União Europeia, é incompatível no seu
conteúdo com uma norma de direito nacional?

Tal conflito apenas se resolve se uma das duas ordens jurídicas prevalecer sobre a outra.
O direito escrito da União Europeia não contém qualquer disposição clara nesta matéria.
Em nenhum dos Tratados existe uma regra que determine se é o direito da UE que deve
ceder ou se é o direito nacional.

O conflito entre estes dois direitos só pode ser resolvido na medida em que seja dado ao
direito da União o primado sobre o direito nacional e, assim, todas as disposições
nacionais que se afastem de uma disposição da União Europeia sejam esquecidas e esta
ocupe o seu lugar nas ordens jurídicas nacionais.
Doutro modo, o que restaria do direito da União se o pretendêssemos subordinar ao direito
nacional? Quase nada! As disposições da União podiam ser anuladas por qualquer lei
nacional e, assim, estaria igualmente excluída a sua aplicação uniforme em todos os
Estados-Membros.
Outra consequência seria a impossibilidade de a UE cumprir as tarefas que lhe foram
cometidas pelos Estados-Membros. O funcionamento da União seria posto em causa e a
construção de um sistema comum de direito europeu, portador de grandes esperanças,
estaria definitivamente comprometida.

Um problema desta natureza não existe nas relações entre direito internacional e direito
nacional. Uma vez que o direito internacional deve ser integrado ou transposto para o

15
Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 515 a 563

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 46


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direito interno para poder fazer parte da ordem jurídica de um país, a questão do primado
resolve-se exclusivamente na base do direito interno. Consoante o lugar que o direito
nacional reconhece ao direito internacional, este ultimo pode exercer a sua primazia sobre
o direito constitucional, ser colocado entre o direito constitucional e o direito comum ou
ao mesmo nível que o direito comum.
As relações ao mesmo nível entre a legislação internacional integrada ou transposta e a
legislação nacional regem-se pelo princípio do primado das disposições mais recentes
sobre as mais antigas (lex posterior derogat legi priori).
Estas disposições nacionais que regem os conflitos entre normas jurídicas não se aplicam,
em contrapartida, à relação entre direito da União e direito nacional, já que aquele não é
parte integrante da ordem jurídica nacional. Em consequência, qualquer conflito entre a
legislação da União e a legislação nacional deve ser exclusivamente resolvido com base
na ordem jurídica da UE.

Origem do princípio do primado

Foi de novo o Tribunal de Justiça que, prevendo estas consequências, impôs o princípio
do primado do direito da UE sobre o direito nacional, fazendo-o, no entanto, com a
resistência de alguns Estados-Membros. Dotou, assim, a ordem jurídica da UE de uma
segunda trave-mestra, depois da aplicabilidade direta, que a transformou definitivamente
num edifício sólido.

o Jurisprudencial

1. Acórdão Costa ENEL

O Tribunal de Justiça formulou duas considerações muito significativas no tocante às


relações entre o direito da União e o direito nacional:
• Os Estados-Membros transferiram de forma definitiva para uma
Comunidade, por eles criada, certos direitos soberanos, e medidas
unilaterais posteriores seriam incompatíveis com o conceito de direito da
União Europeia.
• O Tratado estabelece como princípio fundamental que um Estado-
Membro não pode pôr em causa a particularidade que tem o direito da UE
de se impor uniforme e completamente no conjunto da União.

Resulta destas considerações que o direito da União, criado por forca dos poderes
previstos nos Tratados, detém o primado sobre toda e qualquer norma jurídica de direito
nacional a ele contrária. Prevalece não só sobre a legislação nacional anterior, mas
também sobre atos legislativos ulteriores.

Em síntese, o Tribunal de Justiça, quando proferiu o acórdão Costa vs. ENEL, não pôs
em causa a nacionalização do setor da eletricidade em Itália, mas estabeleceu sem
equívoco o primado do direito da União sobre o direito nacional.

TFUE: 267º
Os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros são, por natureza, os primeiros garantes
do direito comunitário.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 47


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Para assegurar este papel, os juízes nacionais podem, e por vezes devem, dirigir-se ao
Tribunal de Justiça da União Europeia a fim de solicitar o esclarecimento de um ponto de
interpretação do direito comunitário, para poderem verificar a conformidade da respetiva
legislação nacional com este direito ou ainda para fiscalizar a legalidade de um ato de
direito comunitário.

A) “interpretação dos tratados” inclui decisões judiciais sobre a conformidade de uma lei
nacional com o Tratado.

Parágrafo 3: os órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões são irrecorríveis, como


acontecia neste caso, devem submeter ao TJUE uma questão a título prejudicial sobre a
“interpretação do Tratado”.

O Tribunal pronuncia-se apenas sobre a questão particular, o artigo 267º, assente numa
nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal, não
permite a este último conhecer a matéria de facto, nem censurar os fundamentos e
objetivos do pedido de interpretação.

Os Tratados da União Europeia e o do seu Funcionamento integram-se no sistema jurídico


dos Estados Membros a partir da sua entrada em vigor e impõem-se aos seus órgãos
jurisdicionais nacionais.

Os Estados Membros ao criarem ou entrarem na UE transferiram atribuições para a


mesma: limitaram, ainda que pouco, os seus direitos soberanos e criaram assim o corpo
de normas aplicável aos seus nacionais e a si próprios.

Os Estados Membros não podem fazer prevalecer sobre uma ordem jurídica por eles
aceite numa base de reciprocidade, uma medida unilateral. A eficácia do direito
comunitário não pode variar de um Estado para outro em função de legislação interna
posterior, sem colocar em perigo a realização dos objetivos do tratado e sem provocar
uma discriminação proibida TUE: 3º

Quando é reconhecido aos Estados Membros o direito de agir unilateralmente isso apoia-
se numa cláusula especial precisa. Por outro lado, os pedidos de derrogação estão sujeitos
a processos de autorização.

O primado é confirmado TFUE: 288º O regulamento “é obrigatório” e “diretamente


aplicável em todos os Estados-membros.”. No caso português, o princípio do primado
encontra-se consagrado CRP: 8º/4
Consequentemente, não obstante, toda e qualquer lei nacional, prevalecem sempre os
Tratados.

Não está expressamente previsto nos Tratados. O princípio resulta de uma


construção do TJUE que, através do processo de vinculação dos Estados ou de outras
disposições do tratado, foi consagrado.
Tem quase uma natureza constitucional. Sem o primado, a UE não funcionaria, é
necessário para dar efetividade à ordem jurídica da UE.
O Primado só funciona quando há uma atribuição de competências. Tem como
pressuposto os Tratados e as competências da UE.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 48


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Limites do primado:
• Não podem declarar a invalidade da norma nacional contrária às normas da UE.
• Não é um princípio de direito absoluto, por isso está sempre limitado pelos
princípios do Estado de Direto Democrático.
• TUE: 4º/2 Igualdade dos Estados Membros e identidade nacional. Até que ponto
é que estas disposições moldam o próprio primado após o Tratado de Lisboa?
Ainda não se sabe, não há jurisprudência sobre o assunto.

2. Acórdão Hadelsgesselschatt

TJUE diz que a possível violação dos direitos fundamentais tal como estão formulados
num determinado Estado Membro não afetarão a validade de um ato da Comunidade.
Prevalência ocorre seja qual for a hierarquia que a norma tem no quadro nacional. Pode
estar em causa uma norma constitucional.

3. Processo Simmenthal

Uma decisão a título prejudicial sobre as consequências da aplicabilidade direta do direito


comunitário em caso de conflito com disposições eventualmente contrárias de direito
nacional.

Aplicabilidade direta: As disposições comunitárias diretamente aplicáveis devem,


independentemente de quaisquer normas ou práticas internas dos Estados
Membros, produzir plena e totalmente os seus efeitos e serem uniformemente
aplicadas nas ordens jurídicas destes últimos, para que possam ser garantidos os
direitos subjetivos criados na esfera jurídica dos particulares.
Assim, eventuais disposições nacionais, contrárias às normas comunitárias, devam ser
consideradas inaplicáveis de pleno direito, sem que seja necessário esperar a sua
revogação pelo legislador nacional ou por outros órgãos constitucionais (declaração de
inconstitucionalidade).

O reconhecimento de qualquer forma de eficácia jurídica atribuída a atos legislativos


nacionais que invadem o domínio no qual se exerce o poder legislativo da Comunidade
ou que, por qualquer forma, se mostrem incompatíveis com disposições de direito
comunitário, implicaria a negação do caráter efetivo dos compromissos assumidos pelos
Estados Membros, por força do tratado, de modo incondicional e irrevogável,
contribuindo assim para pôr em causa os próprios fundamentos da Comunidade.

o Interpretação global dos Tratados como fundamento do Tratados para o TJ

TUE: 4º/3 Princípio da Cooperação Leal


Estados não vão adotar medidas que colocam em risco os objetivos da União, pelo que
não devem emanar atos legislativas contrários ao Direito Comunitário.

TFUE: 18º Princípio da não discriminação em razão da nacionalidade


Seria violado se cada Estado colocasse em causa o Direito Comunitário.

TFUE: 108º/3 + 346º - 348º Exceção em que os Estados podem agir unilateralmente

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 49


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Âmbito de aplicação

O facto da execução do Direito competir ao Estados-membros, o que leva à colaboração


das autoridades nacionais, e devido ao efeito direito (estudado em seguida), permitiu que
se adotasse uma visão muito ampla do que era abrangido, nomeadamente, Direito
Originário mas também todas as demais fontes de Direito Comunitário.
Hoje em dia coloca-se a dúvida de saber se este conceito tão amplo é conforme com o
TUE: 4º/2 que garante a identidade nacional

Consequências resultantes do primado

Com consequências referimo-nos a deveres impostos pelo TJ às autoridades nacionais,


dando primazia ao Direito da União que ao Direito Nacional.

A consequência jurídica deste princípio do primado é que, em caso de conflito entre leis,
a disposição nacional contrária à disposição da UE deixa de ser aplicável e não podem
ser introduzidas novas disposições de direito interno contrárias à legislação da União.

Destaca-se:
• A não aplicação do Direito nacional incompatível
• A interpretação conforme do Direito Nacional com o Direito Comunitário
• A supressão ou a reparação das consequências de um ato nacional contrário ao
Direito Comunitário
• O controlo jurisdicional efetivo da aplicação do Direito Comunitário
• Os Estados-membros devem fazer respeitar as regras comunitárias pelos nacionais

O Tribunal baseia-se no primado para determinar que tanto os tribunais como as


autoridades nacionais devem garantir o primado, não aplicando regras nacionais
contrárias ao Direito Comunitário de forma a proteger os direitos dos particulares.16

As autoridades nacionais devem apagar as consequências financeiras que surjam da


aplicação de uma norma contrária ao Direito Comunitário.17

O Tribunal retira ainda do corolário do primado que toda a autoridade nacional quando
tenha dúvidas sobre o sentido da norma deve interpretar de acordo com o DUE.
A figura da interpretação da conformidade com o direito da União só foi reconhecida de
forma relativamente tardia pelo Tribunal de Justiça quando foi introduzida na ordem
jurídica da União Europeia. Só depois de o Tribunal de Justiça, em resposta a questões
dos órgãos jurisdicionais nacionais, ter considerado que era «adequado garantir» uma
interpretação uniforme das disposições jurídicas nacionais no âmbito de aplicação de uma
diretiva é que, apenas em 1984, se determinou que se assumiria um compromisso para
uma interpretação conforme das diretivas no processo Von Colson e Kamann.

Este processo dizia respeito à fixação do montante de uma indemnização por danos
resultantes da discriminação de mulheres na contratação laboral. Ao passo que o Governo
alemão previa apenas uma indemnização pela quebra de confiança (e sobretudo as

16
Acórdão Factortame e Zuckerfabrik
17
Acórdão Francovich

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 50


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

despesas puramente resultantes da candidatura), a Diretiva 76/207/CEE exigia a aplicação


de sanções efetivas segundo o direito nacional para implementação da igualdade dos
géneros no acesso à profissão. Porém, uma vez que a sanção não teve concretização, a
diretiva não pôde ser considerada como de aplicação direta neste ponto, com o risco de
que viesse a ser proferida uma sentença que estabelecesse a ilegalidade da legislação
nacional face à legislação da União mas não desse fundamento às instâncias jurisdicionais
nacionais para deixarem de levar em conta as disposições nacionais.

Foi por isso que o Tribunal de Justiça estatuiu que os órgãos jurisdicionais nacionais eram
obrigados a interpretar e aplicar as disposições nacionais de direito civil de forma a
garantir uma sanção efetiva da discriminação com base no género. Uma indemnização
meramente simbólica não era suficiente para dar resposta à necessidade de transpor a
diretiva de uma forma eficaz.

Assim sendo, os Estados-Membros são obrigados a tomar todas as medidas adequadas,


de cariz geral ou específico, para cumprir as obrigações resultantes do TUE ou da ação
das instituições da União Europeia.
Acresce que as autoridades nacionais devem ajustar a aplicação e interpretação do direito
nacional que venha a entrar em conflito com as disposições da UE no que se refere ao
respetivo teor e objetivo (dever de lealdade para com a União Europeia18).
Os órgãos jurisdicionais nacionais verão aqui também refletido o seu papel como órgãos
jurisdicionais europeus enquanto depositários do dever de utilizarem e respeitarem
devidamente o direito da União Europeia.

Uma forma especial de interpretação da conformidade com o direito da UE é a


interpretação conforme das diretivas. Por conseguinte, os Estados-Membros estão
obrigados a transporem as diretivas.

Os responsáveis pela aplicação do direito e os órgãos jurisdicionais devem contribuir para


uma interpretação conforme das diretivas, de forma que esta obrigação seja plenamente
respeitada pelo Estado-Membro em questão. A interpretação conforme das diretivas
permite alcançar a conformidade das diretivas ao nível da aplicação do direito e garante,
deste modo, a interpretação e aplicação uniformes da legislação transposta para o direito
nacional de todos os Estados-Membros.
Não se deve dividir no plano nacional o que acabou agora precisamente de ser
harmonizado por diretivas ao nível da União Europeia.

A interpretação quanto à conformidade com o direito da UE atinge os seus limites quando


a redação de forma clara da disposição nacional não permite uma interpretação. Mesmo
perante a obrigação que o direito da União Europeia tem de adotar uma interpretação
conforme com o direito da União, não pode o direito nacional ser interpretado «contra
legem», e isto também é válido no caso de uma recusa expressa do legislador nacional de
trans- por uma diretiva para o direito nacional.
Um conflito daí resultante, entre o direito da União e o direito nacional, só poderá ser
solucionado através de uma ação por incumprimento dos Tratados

18
Acórdão Pfeiffer

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 51


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Impacto do Tratado de Lisboa

O que referimos até agora reporta-se ao momento da Comunidade Europeia, assim, com
a criação da União Europeia no Tratado de Maastricht e posteriormente no Tratado de
Lisboa colocou-se a questão de saber se a Jurisprudência relativa ao Primado se aplicava
no Direito da União Europeia.

O TECE tinha uma cláusula expressa sobre o primado o que não ocorre no Tratado de
Lisboa devido à desconfiança que tinha provocado anteriormente, contudo não podemos
ignorar a Declaração da Conferência sobre o primado do Direito Comunitário.

Primado no Direito dos Estados-Membros

O Tribunal de Justiça afirmou a supremacia indiscutível do primado do Direito da União,


contudo, excluindo a Holanda e o Luxemburgo, os Estado-Membros tem muita
dificuldade em aceitar o primado das normas comunitárias sobre o direito nacional,
principalmente o constitucional.

Os Tribunais nacionais tendem a encontrar o fundamento do primado nas próprias


clausulas constitucionais e não nos tratados Internacionais, pelo que consideram que o
Direito do Primado varia de país para país.

Embora no início hesitassem, os tribunais nacionais acabaram por seguir, no essencial, a


interpretação do Tribunal de Justiça.

Nos Países Baixos, onde a constituição reconhece expressamente o princípio do primado


do direito da União Europeia sobre o direito nacional, nunca poderiam surgir dificuldades.

Nos outros Estados-Membros, os órgãos jurisdicionais nacionais reconheceram


igualmente este princípio face às legislações nacionais.
Em contrapartida, os tribunais constitucionais da República Federal da Alemanha e da
República Italiana começaram por não aceitar o princípio do primado do direito da UE
sobre o direito constitucional interno, em especial no que se refere a garantias nacionais
em matéria de direitos fundamentais. Apenas admitiram esse primado quando a proteção
dos direitos fundamentais na ordem jurídica da UE tinha atingido um nível
correspondente, no essencial, ao que consagram as constituições nacionais.
No entanto, subsistem as reservas do Tribunal Constitucional da República Federal da
Alemanha face a uma progressiva integração, que exprimiu com clareza, sobretudo nos
seus acórdãos sobre o Tratado de Maastricht e, ultimamente, sobre o Tratado de Lisboa.

o Caso Português

No caso português, a primeira versão da Constituição (1975), devido a Portugal não fazer
parte das Comunidades não fazia nenhuma referência do Direito Comunitário, contudo
isso muda a 1982, houve apesar de não ser expressamente uma possibilidade de vigência
do Direito Comunitário na Ordem Jurídica Portuguesa.

Em 1989 tornou-se possível invocar de forma expressa as diretivas.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 52


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

As alterações mais profundas deram-se após o Tratado de Maastricht com a revisão


Constitucional de 1992, destacando-se:
• CRP: 7º/6 Exercício Comum dos poderes necessários à construção europeia
• CRP: 15º/5
• CRP: 166º f) + 197º i)

Em 1997 incluiu-se o CRP: 112º/9.

A revisão de 2001 tinha como objetivo permitir a ratificação da Convenção de Roma e


adaptar a Ordem Jurídica Constitucional às novas exigências em matéria de liberdades,
segurança e justiça.

Em 2004 CRP: 7º/6 alterou-se a cláusula constitucional que permite o exercício comum
dos poderes necessários à construção da União Europeia.

CRP: 8º/4 Configura o primado do Direito da União sobre o Direito Português,


estabelecendo que o Direito Originário e Derivado da União prevalece sobre as normas
internas, contudo estas não se tornam inválidas apenas não são aplicáveis ao caso
concreto.
Contudo o preceito não esclarece qual é o último órgão garante da constitucionalidade e
da preservação dos Direito Fundamentais, ficando a doutrina dividida entre o Tribunal
Constitucional e o Tribunal de justiça da União Europeia.

Aplicabilidade Direta e Efeito Direto

A aplicação do Direito Europeu é descentralizada, pois é a Administração e os Tribunais


Nacionais que o aplicam. A União tem capacidade para produzir normas e a
aplicabilidade direta e o efeito direto vieram permitir que essas normas fossem invocadas
nos tribunais nacionais, o que não se verifica com o Direito Internacional.
Devido a não ser evidente, nem toda a Doutrina admite a distinção entre aplicabilidade
direta de efeito direito; não ajuda o facto do TJ utilizar mais a expressão efeito direto.
Para Ana Maria Guerra Martins a distinção justifica-se.
Aplicabilidade direta Efeito direto

Suscetibilidade de aplicação de Suscetibilidade de invocação de uma norma


um ato ou norma da União, sem da União a quem essa norma confere direitos
necessidade de transposição por ou obrigações, num tribunal nacional ou
parte do Estado. perante autoridades, quer a norma tenha ou
Opera a Nível da aplicação da não tenha sido implementada.
norma e por estar expressamente Resulta da interpretação da norma operando
prevista opera automaticamente a nível da sua invocabilidade e não é
em relação às normas que a automático pois necessitam de se verificar
tenham. determinadas condições.

Para Klaus-Dieter Borchardt (ABC do DUE) a distinção não se justifica pelo que a
aplicabilidade direta do direito da União significa apenas que o direito da União cria
obrigações e confere direitos, não só para as instituições da União Europeia e os Estados-
Membros, mas também para os cidadãos da União.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 53


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Aplicabilidade direta

A desnecessidade de transposição não se deve confundir com a desnecessidade de adoção


de medidas de implementação ou execução da norma da União.
TFUE: 291º/1 Regra Geral: Essas medidas são competência dos Estados-membros
TFUE: 291º/2 Exceção

TFUE: 288º É evidente que os regulamentos gozam de aplicabilidade direta


TFUE: 288º/3 Apesar de não ser tão claro, não se considera haver razões para excluir a
aplicabilidade direta das decisões.

Considerando que não adota a distinção, Klaus-Dieter Borchardt diz-nos que a questão
da aplicabilidade direta (efeito direto para Ana Martins) coloca-se em relação às diretivas
e às decisões cujos destinatários sejam os Estados-Membros, uma vez que os
regulamentos e as decisões cujos destinatários são pessoas singulares são já diretamente
aplicáveis por forca dos Tratados TFUE: 288º.
Desde 1970 que o Tribunal de Justiça tornou o princípio da aplicabilidade direta do direito
primário da União extensível às disposições das diretivas e às decisões dirigidas aos
Estados-Membros.

Efeito direto

Um dos grandes méritos do Tribunal de Justiça é o de ter reconhecido a aplicabilidade


direta das disposições de direito da União, apesar da resistência inicial de determinados
Estados-Membros, e de ter consolidado assim a existência da ordem jurídica da União.

o Acórdão Van Gend & Loos

O ponto de partida para esta jurisprudência foi o processo que envolveu a empresa
neerlandesa Van Gend & Loos, que intentou uma ação junto dos tribunais neerlandeses
contra a administração das alfândegas do seu país por esta pretender cobrar um direito
aduaneiro mais alto na importação de um produto químico da República Federal da
Alemanha.
A resolução deste litígio dependia de se saber se um particular podia invocar o disposto
no artigo 12º do Tratado CEE, que proíbe expressamente a introdução pelos Estados-
Membros de novos direitos aduaneiros ou o aumento dos existentes no mercado comum.

O Tribunal de Justiça pronunciou-se, contra o parecer de numerosos governos e do seu


advogado-geral, pela aplicabilidade direta das disposições da EU, tendo em conta a
natureza e os objetivos da União

... que a Comunidade constitui uma nova ordem jurídica (...) cujos sujeitos são não só os
Estados-Membros, mas também os seus nacionais. Por conseguinte, o direito
comunitário, independente da legislação dos Estados-Membros, tal como impõe
obrigações aos particulares, também lhes atribui direitos que entram na sua esfera
jurídica. Tais direitos nascem não só quando é feita uma atribuição expressa pelo Tratado,
mas também como contrapartida de obrigações impostas pelos Tratados de forma bem
definida, quer aos particulares, quer aos Estados-Membros, quer às instituições
comunitárias.»

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 54


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Esta posição, por si só, não permite avançar muito porque resta saber quais são as
disposições do direito da União Europeia que são diretamente aplicáveis. O Tribunal de
Justiça começou por examinar esta questão à luz do direito primário da União, tendo
estabelecido que todas as disposições dos Tratados da União Europeia podem ser
diretamente aplicáveis aos nacionais dos Estados-Membros sempre que:
1) são formuladas sem reservas;
2) são autossuficientes e juridicamente perfeitas, e por estas razões;
3) não necessitam de qualquer ação dos Estados-Membros ou das instituições da União
para a sua execução e eficácia.

Foi o que o Tribunal decidiu quanto ao antigo artigo 12º do Tratado CEE. A empresa
«Van Gend & Loos» podia basear-se neste artigo para fazer valer os seus direitos, que o
tribunal neerlandês tinha que salvaguardar e, consequentemente, tinha de considerar
ilícito o aumento do direito de importação, por contrário ao Tratado.

Esta jurisprudência foi mais tarde desenvolvida pelo Tribunal de Justiça para outras
disposições do Tratado CEE que são para o cidadão da União muito mais importantes do
que o artigo 12º do Tratado CEE, sendo de salientar os acórdãos relativos à aplicabilidade
direta da livre circulação, da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços.
No que se refere às garantias de livre circulação, o Tribunal de Justiça pronunciou-se a
favor da sua aplicabilidade direta no processo «Van Duyn». Em causa estavam os
seguintes factos: em maio de 1973, a Sra. Van Duyn, cidadã neerlandesa, viu ser-lhe
recusada a entrada no Reino Unido por aí querer trabalhar como secretária na «Igreja da
Cientologia», uma organização que o Ministério do Interior britânico considerava
«socialmente perigosa».
Invocando as disposições do direito da União Europeia sobre livre circulação dos
trabalhadores, a Sra. Van Duyn solicitou ao «High Court» que confirmasse o seu direito
de residência no Reino Unido para aí exercer uma atividade profissional por conta de
outrem e que, para tal, lhe fosse dada autorização para entrar no país. Instado pelo «High
Court», no âmbito de um reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo
48º do Tratado CEE (45º do TFUE) era diretamente aplicável e conferia aos particulares
direitos que as jurisdições nacionais de um Estado-Membro deviam salvaguardar.

O Tribunal de Justiça teve também ocasião de se pronunciar sobre a aplicabilidade direta


do princípio da livre prestação de serviços no âmbito do processo «Van Binsbergen».
Tratava-se, nomeadamente, de saber se uma disposição legal neerlandesa, por força da
qual só os residentes nos Países Baixos podiam intervir como mandatários «ad litem»
junto de um órgão jurisdicional de recurso, era compatível com as disposições do direito
da União Europeia relativas à livre prestação de serviços. O Tribunal de Justiça respondeu
pela negativa, fundamentando-se no facto de considerar que todas as restrições à
liberdade de estabelecimento a que um cidadão da União estivesse sujeito em razão da
nacionalidade ou da sua residência seriam contrárias ao artigo 59º do Tratado CEE (artigo
56º do TFUE) e, por isso, nulas.

Em todos estes acórdãos vemos que o Tribunal de Justiça reconheceu o efeito direto de
modo mais amplo ou mais restrito, ou seja, por vezes não reconhece a forma mais amplo
do efeito direto (horizontal) acabando por admitir uma versão mais restrita (vertical)
admitindo apenas os efeitos horizontais como incidentes.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 55


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Efeito direto vertical Efeito direto horizontal

O particular invoca a norma da União nas Opera quando a norma da União


relações que estabelece com o Estado ou é invocada nas relações jurídico-
com qualquer entidade pública, isto é nas privadas, ou seja, entre os
relações jurídico-públicas. particulares.

o Efeito direto das normas do Direito Originário

No que diz respeito ao direito primário, ou seja, aos textos de base da ordem jurídica
europeia, o Tribunal de Justiça estabeleceu no acórdão Van Gend en Loos o princípio do
efeito direto. Não obstante, indicou como condição que as obrigações devem
ser precisas, claras, incondicionais e não devem requerer medidas complementares, de
carácter nacional ou europeu.

O Tribunal de Justiça conferiu efeito direito tanto vertical como horizontal.

As disposições que contêm proibições ou impõem abstenções aos Estados-membros


podem ser invocadas nos litígios entre os particulares e os Estado (vertical).
TFUE: 30º, 37º e 110º

As disposições que impõem obrigações de resultados precisos, como as que a execução


tem de ser concretizada num prazo TFUE: 37º, 45º e 56º ou as disposições que impõem
obrigações insuscetíveis de apreciação TFUE: 106º, 102º, 117º e 130º podem igualmente
ser invocadas nos litígios entre os particulares e os Estado (vertical).

As disposições em matéria de concorrência dirigem-se diretamente aos particulares, pelo


que podem ser invocadas nos litígios entre eles (horizontal). TFUE: 102º

TFUE: 45º e 157º Podem ser invocados contra qualquer empregador, público ou privado

o Efeito direto nas normas do Direito Derivado

TFUE: 288º É clara o efeito direito dos regulamentos, contudo nem todas as disposições
podem ser invocadas em tribunais nacionais. Caso as disposições exijam medidas de
execução, só podem ser invocadas caso as medidas não tenham sido adotadas.

No que toca às diretivas, devido ao seu caracter incompleto necessitam de ser transpostas
para o Direito Interno, o efeito direito é adotado de forma mais restrita.
Foi no processo de Van Duyn onde se fundamentou pela primeira vez o efeito direto das
diretivas. No caso Ursula Becker admitiu-se que as disposições podem ser invocadas
pelos particulares caso tenham objeto próprio.

O Tribunal de Justiça tem vindo a não admitir o efeito direito horizontal das normas das
diretivas, maioritariamente por razões políticas e não jurídicas, tendo em vista evitar
conflitos com os tribunais nacionais, exemplo disto é o caso Marshall.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 56


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

As diretivas não podem ser invocadas em litígios horizontais, isto porque a diretiva tem
como destinatários os Estados, logo a diretiva é fonte de direito para os particulares mas
nunca é fonte de obrigações para estes. Por isso é que o tribunal tem sido pressionado
para mudar de opinião.

Para compensar a falta de efeito direto horizontal o tribunal tem vindo a admitir invocar-
se diretivas contra entidades que dificilmente se enquadram no conceito de Estado-
membros, como autoridades regionais e locais. A interpretação conforme foi outro meio
de atenuar a ausência de efeito horizontal, por força do princípio da cooperação os
tribunais nacionais devem, dentro da medida do possível, interpretar as normas
comunitários, incluído as diretivas, à luz das disposições comunitárias, incluído as
normas das diretivas não transpostas.

O Tribunal admite o efeito direto horizontal incidental nas relações triangulares em que
um terceiro sai prejudicado.

Foi igualmente reconhecido efeito direto às decisões em termos semelhantes aos das
diretivas, fincado excluídas as diretivas no âmbito do PESC.

Têm sempre um efeito direto. TFUE: 288º precisa que os


regulamentos são diretamente aplicáveis nos países da UE. O
Regulamento
Tribunal de Justiça especifica no acórdão Politi de 14 de dezembro
de 1971 que se trata de um efeito direto completo.
A diretiva é um ato destinado aos países da UE, devendo ser
transposta por estes últimos para os seus direitos nacionais. No
entanto, o Tribunal de Justiça reconhece-lhes, em determinadas
situações, um efeito direto para proteger os direitos dos particulares.
Assim, o Tribunal estabeleceu na sua jurisprudência que uma
diretiva tem um efeito direto quando 1) as suas disposições são
Diretiva
incondicionais e suficientemente claras e precisas, e quando o 2) país
da UE não tiver transposto a diretiva no prazo previsto (acórdão de
4 de dezembro de 1974, Van Duyn). No entanto, o efeito direto só
pode ser vertical; os países da UE têm a obrigação de aplicar as
diretivas, mas não podem invocá-las contra os particulares (acórdão
de 5 de abril de 1979, Ratti);
As decisões podem ter um efeito direto quando designam um país
da UE como destinatário. O Tribunal de Justiça reconhece um efeito
Decisão
direto apenas vertical (acórdão de 10 de novembro de 1992, Hansa
Fleisch);
No acórdão Demirel de 30 de setembro de 1987, o Tribunal de
Acordos Justiça reconheceu um efeito direto para determinados acordos,
Internacionais segundo os mesmos critérios aplicados no acórdão Van Gend en
Loos;
Pareceres Os pareceres e recomendações não têm força jurídica vinculativa.
Recomendações Por conseguinte, não têm efeito direto.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 57


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Princípio da autonomia do Direito da União Europeia

Ao instituírem a União, os Estados-Membros limitaram os seus poderes legislativos


soberanos e criaram uma ordem jurídica independente que os vincula, tal como aos seus
nacionais, e que deve ser usada pelos seus órgãos jurisdicionais.

Um dos processos mais conhecidos ouvidos pelo Tribunal de Justiça foi o processo Costa
vs. ENEL em 1964, em que o Sr. Costa intentou uma ação contra a nacionalização da
geração e distribuição de eletricidade e a consequente aquisição do negócio das antigas
companhias de eletricidade pela ENEL, a nova empresa pública.

A autonomia da ordem jurídica da UE tem um significado fundamental para ela própria,


pois constitui a única garantia de que o direito da União Europeia não será́ desvirtuado
pela interação com o direito nacional e de que poderá ser aplicado uniformemente em
todos os Estados-Membros. Em virtude dessa autonomia, os conceitos jurídicos da UE
são interpretados fundamentalmente à luz das exigências do direito e dos objetivos da
União Europeia. Esta determinação dos conceitos, especifica da União Europeia, é
imprescindível, uma vez que os direitos garantidos pela ordem jurídica da UE poderiam
estar em perigo se cada Estado-Membro pudesse ter a última palavra para decidir por si
próprio a interpretação que faria dos princípios relativos às liberdades garantidas pelo
direito da União. Analisemos, por exemplo, o conceito de «trabalhador», que determina
o alcance do direito à liberdade de circulação. O conceito especificamente comunitário
de «trabalhador» pode perfeitamente não corresponder inteiramente aos conceitos
utilizados e conhecidos na ordem jurídica de um ou outro Estado-Membro. Acresce que
o padrão para avaliar os atos da UE é exclusivamente o próprio direito da União e não o
direito nacional ou constitucional de um Estado-Membro.

Assim, perante esta noção de autonomia da ordem jurídica da UE, como descrever a
relação entre direito da União e direito nacional?

Mesmo apresentando-se o direito da UE como uma ordem jurídica independente das


ordens jurídicas dos Estados-Membros, não se deve pensar que aquela e estas se
sobrepõem como se fossem camadas. Contra esta visão rígida das ordens jurídicas
existem dois argumentos: por um lado, elas dizem respeito a um mesmo indivíduo que
reúne em si as qualidades de cidadão de um Estado e de cidadão da União. Por outro lado,
um tal entendimento esqueceria que o direito da União Europeia só tem aplicação prática
se for transposto para as ordens jurídicas dos Estados-Membros. A ordem jurídica da UE
e as ordens jurídicas nacionais são, na verdade, interdependentes e cooperam entre si.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 58


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

PRINCÍPIOS RELATIVOS À ESTRUTURA INSTITUCIONAL E ORGÂNICA19

Princípio da Competência de Atribuição


TUE: 5º

Ao abrigo deste princípio fundamental do direito da União Europeia, esta atua unicamente
dentro dos limites das competências que os países da União lhe tenham atribuído nos
Tratados. Estas competências estão definidas TFUE: 2º a 6º. As competências que não
sejam atribuídas à UE pelos Tratados pertencem, assim, aos países da UE.

O princípio da atribuição rege os limites das competências da UE, ao passo que o


exercício destas competências é regido pelos princípios da subsidiariedade e da
proporcionalidade.

Princípio do Equilíbrio Institucional

O princípio do equilíbrio institucional na União Europeia (UE) implica que cada


instituição atue no âmbito das atribuições que lhe são conferidas pelos tratados em
conformidade com a repartição das competências.

O princípio decorre de um acórdão proferido em 1958 pelo Tribunal de Justiça (acórdão


Meroni) e proíbe qualquer intromissão de uma instituição nas competências atribuídas a
outra. Compete ao Tribunal de Justiça da União Europeia tomar providências para que
este princípio seja respeitado.

Por outras palavras, refere-se à relação entre as três principais instituições da UE: o
Parlamento Europeu, o Conselho da UE e a Comissão Europeia. A dinâmica entre estes
organismos evoluiu consideravelmente ao longo dos anos com a adoção de novos
tratados. O Parlamento Europeu, em particular, é dotado de competências mais alargadas,
sendo-lhe o conferido o direito de codecisão com o Conselho (de acordo com o processo
legislativo ordinário) na maioria dos domínios políticos da União, bem como poderes
orçamentais mais amplos.

Apesar de tradicionalmente esta distribuição não seguir a sugerida por Montesquieu e que
se encontra nas instituições dos Estados-Membros, com o Tratado de Lisboa ficou
definido qual a função atribuída a cada órgão:
TUE: 14º/1 + 16º/1 Função Legislativa e Orçamental dividida entre o Parlamento e o
Conselho. TUE: 15º/1 Conselho Europeu não exerce funções legislativas
TUE: 14º/1 Função de controlo do Parlamento Europeu
TUE: 16º/1 Função na definição das políticas e de coordenação em conformidade com
as condições dos tratados dividida entre o Parlamento e o Conselho.
TUE:14º/2 O poder legislativo pertence ao Parlamento Europeu (vontade da união) e ao
Conselho (vontade dos Estados Membros)
TFUE: 291º/1 A função executiva tende a pertencer às Administrações Nacionais

19
Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 394 a 398

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 59


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Princípio da coerência institucional


Princípio Democrático
TUE: 9º a 12

No Tratado de Maastricht (1992), a UE declarou a consolidação da democracia como um


objetivo da cooperação ao desenvolvimento (art. 130), definiu a sua Política Externa e de
Segurança Comum, e o princípio da democracia foi introduzido em todos os seus acordos
externos de cooperação e de comércio.

O funcionamento da União assenta na democracia representativa. Ser cidadão europeu


também confere direitos políticos: todos os cidadãos europeus adultos têm o direito de se
apresentar como candidatos e de votar nas eleições para o Parlamento Europeu. Os
cidadãos europeus têm o direito de se apresentar como candidatos e de votar no seu país
de residência ou no seu país de origem.

A UE norteia-se pelo princípio da democracia representativa, com os cidadãos


diretamente representados ao nível da União no Parlamento Europeu os Estados-
Membros no Conselho Europeu e no Conselho da UE.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 60


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

OS PRINCÍPIOS QUE REGEM AS ATRIBUIÇÕES DA UNIÃO20

Tendo em conta que são os Estados-membros quem confere as atribuições à União


Europeia, há que distinguir entre os princípios gerais de relacionamento da União com os
seus Estados-membros e os princípios específicos relativos à repartição de atribuições
entre a União e os seus Estados-membros e ao seu exercício.

Princípios gerais de relacionamento da união com os seus estados-membros

o Princípio da cooperação leal / da solidariedade / da lealdade

Este princípio integra o Direito da União desde o início do processo de integração


europeia. É verdade que no seio da União há uma divergência de interesses dos Estados,
contudo, também existe uma comunhão de interesses que fundamenta vínculos de
solidariedade entre a União e os seus Estados-membros e vice-versa, assim como entre
os Estados-membros entre si. Assim, este princípio é a manifestação da coesão e da
comunhão entre os Estados e os povos da Europa.

Este princípio deve ser entendido como uma manifestação de um princípio mais vasto, o
princípio da boa fé. Porém, é preciso perceber que, por um lado, o processo de integração
da União não atingiu um nível muito elevado de transferência de atribuições dos Estados
para a União e, por outro lado, a União Europeia tem uma ligação muito mais estreita
com os seus Estados-membros do que a relação que se verifica entre os Estados ao nível
do Direito Internacional.

Na verdade, a União só conseguirá exercer plenamente as suas tarefas se existir uma total
colaboração, cooperação e fidelidade dos seus Estados-membros, uma vez que a União
se serve das administrações nacionais para executar o seu Direito e serve-se do aparelho
judiciário dos Estados-membros para aplicar esse Direito.

TUE: 4º/3
Este princípio tem um conteúdo positivo, no sentido de que os Estados devem tomar todas
as medidas necessárias ao cumprimento da missão da União, mas também tem um
conteúdo negativo, no sentido de que os Estados se devem abster de praticar atos que
ponham em perigo a aplicação dos Tratados.

Este princípio repercute-se a todos os níveis de atuação da União, mas releva de um modo
muito particular no domínio da repartição de atribuições entre a União e os seus Estados-
membros, assim como em matéria de execução do Direito da União e no âmbito do
relacionamento entre a ordem jurídica da União e as ordens jurídicas dos Estados-
membros.

Este princípio constituiu uma das principais bases jurídicas invocadas pelo TJ da UE para
fundamentar alguns dos mais importantes e inovadores princípios de Direito da União,
como é o caso do princípio do primado, o princípio do efeito direto e o princípio da
responsabilidade do Estado por violação de normas e atos da União.

20
Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 309 a 328

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 61


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

TUE: 2º e 3º/3 + TFUE: 222º


Aliás, a ideia de cooperação leal entre os Estados-membros e da solidariedade em geral
encontra-se plasmada em muitos outros preceitos dos Tratados.

O princípio da cooperação leal desempenha igualmente um papel muito importante no


domínio da ação externa da União Europeia.

TUE: 13º/2
Este princípio também se aplica nas relações das instituições, órgãos e organismos da
União entre si.

o Princípio do acervo da União

Este princípio surgiu na sequência dos sucessivos alargamentos da União em razão do


território, com o intuito de impedir a adulteração do caráter específico, inovador e
autónomo da União e do seu Direito.

Em todos os tratados de adesão foram introduzidos preceitos referentes a este princípio,


mas o princípio do acervo comunitário passou a constar do Tratado de Maastricht, na
medida em que um dos objetivos da União era a manutenção da integralidade do acervo
comunitário e o seu desenvolvimento.

Este princípio já não encontra idêntica consagração expressa nos Tratados, mas pode
retirar-se do TUE: 1º, 3ª parte, o qual afirma que a União se substitui e sucede à
Comunidade Europeia, o que implica que a União reconhece todo o Direito anteriormente
produzido pela Comunidade Europeia e pela própria União, bem como toda a ação
política.

Ao analisarmos os diversos tratados de adesão, concluímos que o princípio do acervo


impõe aos Estados que aderiram à União um dever de respeito integral de todo o seu
Direito, no estádio de desenvolvimento em que se encontre, bem como de todas as
decisões políticas tomadas até ao momento da sua adesão.

Desta forma, o princípio do acervo tem duas vertentes:


• Do ponto de vista jurídico
Os novos Estados devem respeitar as disposições dos tratados originários e dos atos
adotados pelos órgãos da União, ou seja, todo o direito originário, derivado e ainda a
jurisprudência dos tribunais da União. Além disso, os novos Estados obrigaram-se a
aderir às convenções internacionais, adotadas com fundamento no antigo artigo 293º do
TCE, hoje revogado, e a respeitar todos os acordos internacionais de que a União faz
parte.
• Do ponto de vista político:
Os novos Estados ficam vinculados pelas decisões e acordos adotados pelos
representantes dos Governos reunidos no seio do Conselho e por todas as declarações,
resoluções ou outros atos adotados pelos Estados-membros, de comum acordo, em
relação às Comunidades.

Contudo, este princípio admitiu exceções e derrogações, nomeadamente, os períodos


transitórios, mais ou menos longos, que têm sido concedidos aos novos Estados,
consoante as dificuldades previsíveis da sua adaptação.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 62


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Alguma doutrina retirava deste princípio a ideia de irreversibilidade do processo de


integração europeia, uma vez que se impunha aos Estados aderentes o respeito de todas
as obrigações provenientes do Direito da União.
Porém, após o Tratado de Lisboa, esta ideia parece não fazer sentido, uma vez que várias
disposições dos Tratados admitem e pressupõem o retrocesso do processo de integração
europeia – TUE: 48º/2 e 50º + TFUE: 2º/2. Além disso, o Brexit veio dissipar todas as
dúvidas que pudessem haver a este respeito.

o Princípio do respeito da identidade nacional

A expressão identidade nacional designa os fundamentos últimos que individualizam um


Estado em relação aos outros e lhe conferem especificidade.

TUE: 3º/3, 4ª parte


A União respeita a riqueza da diversidade cultural e linguística europeias bem como o
desenvolvimento do património cultural europeu.

TUE: 4º/2
Porém, além da vertente cultural, o respeito da identidade nacional tem também uma
vertente jurídica, na medida em que implica o respeito pela identidade constitucional de
cada um dos Estados-membros.

A elaboração deste preceito deveu-se, essencialmente, à desconfiança manifestada por


alguns Estados-membros no que toca à expansão de atribuições da União e ao receio de
que a progressiva transferência de poderes dos Estados para a União desvirtuasse a sua
identidade constitucional.

Todavia, este princípio tem consequência em vários níveis do Direito da União Europeia.

Desde logo, o princípio do primado do Direito da União Europeia sobre os Direitos dos
Estados-membros não pode ser equacionado de modo absoluto, visto que a União não
pode legislar contra as estruturas políticas e constitucionais fundamentais dos Estados-
membros, se não estaria a violar este preceito. Porém, estes serão casos excecionais, na
medida em que a União se pauta pelos mesmos princípios constitucionais que os seus
Estados-membros, designadamente, democracia, rule of law e proteção dos direitos
fundamentais – TUE: 6º/3.

Este princípio tem também influência nas relações entre o Tribunal de Justiça da UE e os
tribunais nacionais, especialmente os tribunais constitucionais.
TUE: 19º/1
Ainda que a última palavra, em matéria de interpretação e aplicação do Direito da União,
seja do TJUE, é duvidoso que a competência para definir quais são as estruturas políticas
e constitucionais fundamentais de cada Estado lhe possa caber. Os tribunais
constitucionais terão, sem dúvida, uma palavra a dizer neste domínio, sem prejuízo do
uso do mecanismo de diálogo judicial previsto no TFUE: 267º.
Além disso, o entendimento que o TJUE e os tribunais constitucionais têm tido da questão
da identidade constitucional como parte integrante da identidade nacional não coincide.
Alguns tribunais constitucionais têm vindo a desenvolver uma conceção muito ampla de
identidade constitucional, declarando ultra vires os atos da União que, na sua opinião,
violam a sua identidade constitucional. Já o TJUE admite que a identidade constitucional

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 63


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

de um Estado-membro pode afastar normas da União, designadamente as relativas à livre


circulação.

A identidade constitucional dos Estados-membros não é um valor nem um princípio


absoluto, devendo ser ponderada com outros valores e princípios, nomeadamente o
princípio da proporcionalidade.

Por último, este preceito deve ser encarado como uma manifestação do pluralismo
constitucional e do constitucionalismo multinível, em que o Direito da União, o Direito
Constitucional dos Estados e os respetivos tribunais se influenciam e interagem numa
base de cooperação.

Princípios específicos relativos à repartição de atribuições entre a união e os seus


estados-membros e ao seu exercício

o Princípio da atribuição ou da especialidade

Este princípio esteve presente desde os primórdios do processo de integração europeia. A


ideia básica é que a União só dispõe de capacidade para praticar os atos necessários à
prossecução dos seus fins. Este princípio aplica-se tanto em matéria de ação interna como
externa.

Apesar da clareza e simplicidade desta formulação, na prática, tornou-se quase impossível


excluir determinadas tarefas dos fins da União Europeia, tendo em conta a amplitude
destes últimos.

TUE: 4º/1
A União não possui competência próprias, inerentes à sua natureza, porque as atribuições
de que dispõe são lhe conferidas pelos Estados. Daqui decorre que a extensão das
atribuições da União acabará inevitavelmente por se reconduzir à erosão das atribuições
dos seus Estados-membros.

Esta situação foi vista com algum desconforto pelos Estados-membros, tendo-os levado
a exigir uma determinação mais clara das atribuições da União. Por isso, o princípio da
atribuição ou da especialidade foi expressamente consagrado no TUE: 5º, que opera ao
nível da repartição de atribuições entre a União e os seus Estados-membros.

o Princípio da subsidiariedade

Este princípio incide sobre o exercício dessas atribuições, devendo, portanto, estar
previamente definida a respetiva atribuição. No fundo, este princípio acaba por constituir
um filtro entre a atribuição da União e a possibilidade de ela exercer a competência, na
medida em que a União só pode exercer uma determinada competência depois de passar
pelo crivo daquele princípio.
TUE: 5º/3
No domínio das competências não exclusivas, portanto, que podem ser desempenhadas
tanto pela União como pelos Estados-membros, a União apenas poderá exercer a
competência em questão quando nenhum dos níveis de poder dos Estados puder atuar de
modo eficiente.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 64


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Contudo, o Protocolo nº2 anexo ao Tratado de Lisboa não contém diretrizes relativas à
aplicação do princípio da subsidiariedade. Assim sendo, a ação da União, nos domínios
que não sejam da sua competência exclusiva, está sujeita a dois critérios:
• Critério de descentralização: só pode agir se e na medida em que os objetivos
não possam ser suficientemente realizados pelos Estados-membros.
• Critério de eficiência: esses objetivos devem ser melhor alcançados pela União.

Protocolo nº2: artigos 1º a 5º


A aplicação do princípio da subsidiariedade compete, em primeira linha, às instituições
da União e deve integrar a fundamentação dos atos legislativos.

Protocolo nº2: artigo 6º e 8º


Foi introduzido um mecanismo de participação dos parlamentos nacionais, designado
como «alerta rápido», que tem por objetivo permitir que os parlamentos nacionais
avaliem se o princípio da subsidiariedade está a ser corretamente aplicado. Isto pode ir
até à interposição de um recurso de anulação, nos termos do artigo 263º do TFUE, pelos
Estados-membros, a solicitação dos parlamentos nacionais.

Apesar deste princípio ter sido introduzido no Direito da União Europeia com um caráter
eminentemente político, não restam dúvidas de que se trata de um princípio jurídico,
sindicável perante o TJUE.

As razões para a existência de conflitos decorrentes da aplicação do princípio da


subsidiariedade podem ser diversas:
• Caráter exclusivo ou não das atribuições da União
• Incumprimento das exigências de fundamentação dos atos legislativos
• Apreciação do suficiente alcance dos objetivos da ação por parte dos Estados
• Apreciação da melhor atuação por parte da União

A conclusão destas questões depende muito mais de critérios políticos do que de critérios
jurídicos, na medida em que existe uma grande margem de discricionariedade por parte
do decisor político, o que torna a atuação do TJUE improvável.

o Princípio da proporcionalidade

Este princípio não é uma inovação do Tratado de Lisboa e, muito menos, do Direito da
União Europeia. Este princípio decorre do Estado de direito, atuando ao nível do controlo
da atuação dos órgãos e do controlo do exercício de poderes por parte dos Estados-
membros e da União.

O controlo da proporcionalidade das medidas nacionais e das medidas da União por parte
do Tribunal de Justiça não obedece necessariamente aos mesmos critérios.
• Medidas nacionais: a exigência é maior, o TJ averigua se existem alternativas
menos restritivas e, se isso se verificar, considera-se que a medida viola o
princípio da proporcionalidade.
• Medidas da UE: só se considera que a medida viola o princípio da
proporcionalidade se a ação for manifestamente inapropriada.

O princípio da proporcionalidade implica que a medida em causa deve ser apropriada e


necessária para atingir os seus objetivos.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 65


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

• Teste da adequação: prende-se com a relação entre o meio e o fim, ou seja, os


meios empregues pela medida devem ser adequados e razoáveis para atingir os
seus objetivos.
• Testa da necessidade: prende-se com a ponderação do peso dos diferentes
interesses em conflito. O TJ deve avaliar as consequências adversas que uma
determinada medida tem num direito digno de proteção e determinar se essas
consequências são justificadas tendo em conta a importância do objetivo
prosseguido, designadamente, se não há outras medidas menos restritivas.

Mesmo que a medida passe estes dois testes e que não haja meios menos restritivos, a
medida não respeitará a proporcionalidade se tiver um efeito excessivo sobre os cidadãos
por ela abrangidos.

Este princípio está intimamente ligado ao princípio da igualdade, uma vez que na aferição
da necessidade da medida deve sempre averiguar-se como são tratadas as situações
comparáveis.

Ao contrário do princípio da subsidiariedade, que se aplica apenas quando estão em causa


atribuições concorrentes, este princípio também se aplica às atribuições exclusivas,
dizendo unicamente respeito ao âmbito e à intensidade do seu exercício.

o Princípio da flexibilidade

Este princípio permite a um ou mais Estados-membros não participarem, permanente ou


temporariamente, em determinadas realizações da União, quer por não quererem, quer
por não preencherem os critérios dessa participação.

Existem manifestações da flexibilidade desde a versão originária dos Tratados institutivos


das Comunidades Europeias, mas foi o Tratado de Maastricht que consagrou a
flexibilidade em relação a matérias determinadas (UEM, política social e pilares
intergovernamentais), através do mecanismo dos opt-outs.

O Tratado de Amsterdão aumentou o número de matérias em relação às quais se


admitiram opt-outs (acervo Schengen e espaço de liberdade, segurança e justiça) e
transformou a flexibilidade num princípio geral do Direito da União Europeia, através da
instituição do mecanismo da cooperação reforçada.
A verificação de todas as condições previstas no Tratado de Amsterdão para a realização
de uma cooperação reforçada revelou-se muito difícil, o que impediu a sua aplicação
prática. Por isso, o Tratado de Nice modificou essas regras e estendeu as ações de
cooperação reforçada ao pilar PESC.

A introdução do princípio da flexibilidade nos Tratados prova a dificuldade de acomodar


as diversas sensibilidades dos Estados-membros relativamente a um conjunto muito lato
de matérias que constitui, hoje em dia, o sistema de atribuições da União. Porém, é
curioso notar que este mecanismo nunca foi utilizado, provavelmente devido à
dificuldade de preenchimento de todas as condições e limites nelas previstos.

Assim, a flexibilidade assume duas formas distintas:


• Expressa consagração nos Tratados de cláusulas de opt-out para alguns Estados-
membros em relação a certas matérias.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 66


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

• Cláusulas de cooperação reforçada – TUE: 20º.

TUE: 20º/1
São impostas duas condições substantivas aos Estados-membros que pretendam instituir
entre si uma cooperação reforçada:
1. Não podem estar em causa competência exclusivas da União.
2. O princípio da atribuição deve ser respeitado.

TFUE: 82º/2, 83º/3 e 86º/1


Prevê ainda um procedimento especial de cooperação reforçada nos domínios da
cooperação judiciária em matéria penal.

TFUE: 87º/3
Prevê ainda um procedimento especial de cooperação reforçada nos domínios da
cooperação policial.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 67


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA

Princípio da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os Tribunais nacionais

Existe um diálogo constante entre os Tribunais, tendo em vista encontrar a melhor solução
para os conflitos que surgem entre Ordens Jurídicas.

A relação que existe entre os tribunais nacionais é de hierarquia vertical, contudo a


relação deste com os Tribunais da União, originalmente, é cooperação e colaboração
horizontal. Atualmente tem havido um desenvolvimento com base no processo das
questões prejudiciais que tornou as relações multilaterais e mais verticais.

Princípio da tutela efetiva

O Direito da União Europeia impõe obrigações aos estados-membros e confere direitos


aos cidadãos. A cada direito corresponde um meio jurisdicional que o permita efetivar.

Devido aos meios jurisdicionais no âmbito do sistema de fiscalização judicial tornarem


difícil o acesso direto dos cidadãos ao Tribunal da União Europeia, estes podem defender
os seus direitos perante tribunais nacionais aplicando o Direito produzido pela União
devido aos princípios da aplicabilidade direta, primado e efeito direito.

Este princípio deve ser entendido como uma forma de superar o défice judiciário da União
Europeia e para aumentar a democratização da justiça.

As primeiras manifestações deste princípio foram na década de 60:


Caso SPA Salgoil: instituição da tutela direta e imediata do DUE para assegurar os
interesses das pessoas sujeitas à jurisdição do tribunal nacional.
Caso Rewe Zentrale: assegurar a existência de nomas processuais tão eficazes para tutelar
os direitos conferidos pelas normas comunitárias como os nacionais.

Na década de 80 existiram também manifestações jurisprudenciais:


Caso Johnston, Heylens, Bozzetti, Hansen: Tribunal qualifica expressamente o princípio
como um direito fundamental que se baseia no direito constitucional dos Estados-
membros e na CEDH.

Na década de 90 o desenvolvimento leva ao surgimento de outros princípios:

o Princípio da tutela cautelar perante tribunais nacionais

A Jurisprudência do Tribunal de Justiça construiu a obrigação de os tribunais nacionais,


quando lhes for requerido, decretarem providências cautelares (provisórias ou
antecipatórias) para protegerem situações jurídicas ou direitos subjetivos reconhecidos
pelo DUE nas mesmas circunstâncias em que os tribunais da União devem TFUE: 279º

Tem origem e expressão Jurisprudencial:


Caso Factortame: questão prejudicial suscitada pela Câmara dos Lordes britânica
Caso Antonissen: Despacho 29 de Janeiro de 1997

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 68


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

o Princípio da Responsabilidade do Estado

Além de forma de garantir uma tutela judicial efetiva serve para suprir a recusa do efeito
direto horizontal das diretivas.

Possibilita que os particulares sejam indemnizados por danos que sofram devido à não
transposição de uma diretiva por parte do Estado.

Caso Francovich e Bonifaci: São determinadas condições de responsabilidade:


1. A atribuição de direitos aos particulares pela norma ou ato
2. A possibilidade de identificação concreta desses direitos
3. Relação de causalidade entre a violação de obrigação que incumbe ao Estado e o
prejuízo sofrido pelos lesados.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 69


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

AS ATRIBUIÇÕES DA UNIÃO

ANTES DO TRATADO DE LISBOA21

As atribuições ao nível interno

Esta questão está relacionada com a repartição de atribuições entre a União e os seus
Estados-membros, na medida em que, como já vimos, a União só pode exercer os poderes
que lhe tiverem sido atribuídos por estes últimos.

Antes, os Tratados não continham qualquer cláusula de repartição de atribuições entre os


Estados-membros e a União, na qual estivessem claramente definidas as atribuições
exclusivas da União, as atribuições exclusivas dos Estados-membros e as atribuições
concorrentes entre ambos.
Os Tratados apenas enumeravam os objetivos e os instrumentos necessários para os
atingir, além de consagrarem diversas bases jurídicas de implementação desses objetivos
e instrumentos. Este método revelou-se, desde muito cedo, propício a conflitos.

As atribuições da União não se retiram apenas dos Tratados, antes resultam da interação
de 4 variáveis:
• As opções dos Estados-membros expressas nos Tratados e desenvolvidas nas
sucessivas revisões.
• A aprovação de legislação por parte do Conselho e do PE que ultrapassou os
estritos limites previstos nos Tratados.
• A jurisprudência dos tribunais da União.
• As decisões políticas dos órgãos da União.

O método através do qual foram concebidas as atribuições da União propiciou ao Tribunal


um amplo terreno para desenvolver uma jurisprudência expansionista das atribuições
internas da União.
No entanto, foram os Estados-membros que tomaram a opção política de atribuir à União
amplos poderes em matérias tão diversas como: o ambiente, a proteção dos consumidores,
a cultura, a saúde, o emprego e a formação profissional. Além disso, os órgãos da União,
por vezes, interpretaram as competências que os Tratados lhes atribuíam de modo muito
amplo.

O Tribunal de Justiça sempre foi visto como o garante do respeito do Direito na


interpretação e aplicação dos Tratados, por isso, coube-lhe a última palavra na definição
das atribuições da União.

Assim, o Tribunal distinguir vários tipos de atribuições: exclusivas, concorrentes e


partilhadas. O Tribunal aceitou igualmente que certas atribuições se encontravam
reservadas aos Estados-membros.

A atividade jurisprudencial do TJ neste domínio é muito relevante. Em primeiro lugar, é-


lhe devida a criação jurisprudencial da figura da atribuição exclusiva. Em segundo lugar,
o TJ procedeu a uma interpretação dos Tratados que o permitiram incluir nas atribuições
exclusivas matérias que não estavam expressamente qualificadas como tal. Depois, o

21
Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 328 a 347

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 70


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Tribunal afastou-se totalmente da regra vigente no Direito Internacional de que as


limitações de soberania não se presumem e procedeu a uma interpretação teleológica do
Tratado que, por vezes, levantou dúvidas sobre a observância do princípio da atribuição.
Além disso, o Tribunal interpretou as atribuições da União tanto nos casos em que
procurou o sentido comunitário da norma, como quando interpretou restritivamente as
atribuições e competências comunitárias. E por último, o Tribunal transmutou algumas
atribuições concorrentes em atribuições exclusivas, através do chamado fenómeno da
preempção, o que também levou à extensão das atribuições da Comunidade.

A entrada em vigor do TUE contribuiu para refrear um pouco o Tribunal, mas não alterou
a situação, pois continuou a não existir no Tratado uma enumeração clara das diferentes
atribuições da União.

As atribuições ao nível externo

o Das origens até ao Ato Único Europeu

As Comunidades Europeias surgiram na década de 50 com objetivos primordialmente


económicos:
• CECA – construção do mercado comum do carvão e do aço.
• CEE – construção do mercado comum geral.
• CEEA – promoção da utilização da energia nuclear para fins pacíficos e o
desenvolvimento da potente indústria nuclear.

Desta forma, as suas atribuições concentraram-se no plano interno, e os tratados


institutivos das Comunidades Europeias continham escassas referências à dimensão
externa, isto é, à afirmação e participação das Comunidades nas decisões da comunidade
internacional.

Todavia, logo após a entrada em vigor do TCEE, a Comunidade encetou negociações e


celebrações de acordos internacionais com terceiros Estados. A partir da década de 70,
tendo tomado consciência da importância e imprescindibilidade da dimensão externa das
Comunidades Europeias, tiveram lugar algumas iniciativas políticas cujo intuito terá sido
o de ultrapassar o défice de atribuições neste domínio.

A 27 de outubro de 1970, foi aprovado o Relatório Davignon pelos Ministros dos


Negócios Estrangeiros dos então seis Estados-membros, o qual previa a instauração da
cooperação política externa em termos muito modestos. Este relatório foi completado
pelo Relatório de Copenhaga, de 23 de julho de 1973, tendo a Cimeira de Paris II de 1974
criado o seu quadro institucional – o Conselho Europeu. Mas, na verdade, até ao QUE,
na segunda metade dos anos oitenta, não se verificaram avanços significativos.

Contudo, o Tribunal de Justiça construiu uma jurisprudência, iniciado na década de 70,


que permitiu o alargamento do treaty-making power das Comunidades Europeias. Na
verdade, as normas dos Tratados não respondiam com clareza a algumas questões
fundamentais, o que fez com que o Tribunal dispusesse de um terreno fértil para afirmar
uma jurisprudência inovadora.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 71


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

No caso AETR22, o Tribunal decidiu que a Comunidade gozava da capacidade de


estabelecer relações com Estados terceiros em toda a extensão dos objetivos definidos no
Tratado. Esta competência não resultava apenas de uma atribuição explícita nesse sentido,
mas podia também retirar-se de outras disposições do Tratado e dos atos adotados pelos
seus órgãos.

Assim, as atribuições externas da Comunidade podem ser expressas ou implícitas, ou seja,


não resultam necessariamente de disposições expressas dos Tratados podendo retirar-se
implicitamente de outras disposições dos Tratados e dos atos adotados pelos órgãos
comunitários.

Esta teoria das competências implícitas foi reiterada no parecer nº1/75, no parecer nº1/76
e no parecer nº1/78, que confirmou a tese das atribuições paralelas da Comunidade e dos
Estados-membros.

A entrada em vigor do AUE trouxe algumas inovações no domínio das atribuições


externas das Comunidades, visto que foram aditadas novas disposições que atribuíam
expressamente poderes à Comunidade para concluir acordos internacionais.

As revisões posteriores – Maastricht, Amsterdão e Nice – continuaram a extensão da


capacidade internacional da Comunidade, tendo inclusivamente integrado no articulado
dos Tratados algumas soluções jurisprudenciais. O Tratado de Lisboa vai igualmente
procurar desenvolver a capacidade internacional da União.

Deste modo, o AUE institucionalizou fortemente o órgão cuja competência se vai revelar
crucial no domínio das atribuições externas – o Conselho Europeu – embora não faça
qualquer referência à sua competência.

As inovações do AUE eram muito tímidas e revelaram-se insuficientes. Por um lado, não
dotavam as Comunidades de todos os mecanismos e instrumentos necessários para se
afirmarem externamente e, por outro lado, deixavam muitas questões em aberto. Por isso,
a vigência do AUE não inibiu o Tribunal de prosseguir a construção jurisprudencial
inovadora iniciada na década de 70, tendo surgido o parecer nº1/92 e o parecer nº2/91,
em que o Tribunal reafirmou a tese do paralelismo de atribuições internas e externas da
Comunidade.

o Do Tratado de Maastricht até ao Tratado de Nice

O Tratado de Maastricht introduziu modificações significativas no domínio da ação


externa da União e da CEE, que passou a denominar-se CE.
Aliás, um dos objetivos das conferências intergovernamentais, nas quais foi negociado o
Tratado, centrava-se na definição dos interesses comuns dos Estados na PESC e na
criação de um quadro institucional específico.
Além disso, o alargamento das atribuições da CE em vária matérias poderia repercutir-se
na capacidade internacional da CE por duas vias: através da referência expressa a novas
atribuições externas no Tratado e, ainda que essa referência não se verificasse, a expansão

22
Acórdão TJ 31.03.1971, AETR, processo 22/70.

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das atribuições sempre poderia resultar da aplicação da jurisprudência do paralelismo de


atribuições internas e externas.
A partir do Tratado de Maastricht tornou-se ainda mais claro que a ação internacional da
UE não se limitava aos domínios que até então tinham sido objeto de desenvolvimento
pelas Comunidades Europeias, mas integrava igualmente a PESC. Portanto, a ação
externa da União operava em duas frentes distintas e antagónicas.

Porém, a necessidade de coerência do conjunto da ação externa da União, impunha a sua


compatibilização. A dualidade da União ao nível internacional entre, por um lado, as
matérias previstas no TCE, objeto de um tratamento supranacional, e por outro lado, as
matérias relativas à PESC, equacionadas num quadro intergovernamental, deveria ser
ultrapassada, tornando mais coerente e consistente a ação da União na cena internacional.

O princípio da coerência entre os dois pilares surge como um princípio fundamental da


ação externa da CE e da União. A coesão e consistência da política externa da União
dependiam da ausência de contradições entre a ação desenvolvida no âmbito das políticas
da CE e da PESC.

Com efeito, a sobreposição de atribuições entre a CE e a PESC não estava totalmente


excluída, como a prática veio a demonstrar. Dois exemplos da possibilidade dessa
sobreposição são o controlo da exportação de bens de uso duplo (para fins civis e
militares) e as sanções económicas comunitárias em relação a terceiros Estados.

As normas adotadas em Maastricht não propiciavam, na prática, nem coerência nem


coesão da União Europeia na cena internacional, revelando-se inadequadas para atingir o
objetivo central de afirmação da União na cena internacional. Assim, foi necessário
proceder à sua revisão.

As principais alterações introduzidas pelo Tratado de Amsterdão tinham como objetivo


reforçar a capacidade de ação externa da União e a sua identidade, por isso, as alterações
centraram-se no domínio da PESC, que foi objeto de uma revisão global.

Contudo, outras áreas com notória relevância e projeção externa não mereceram a mesma
atenção. Apesar da comunitarização dessas matérias, o Tratado de Amsterdão, nesses
domínios, não dotou a Comunidade de novos poderes externos explícitos,
designadamente, para a conclusão de convenções internacionais. Todavia, deve salientar-
se que a jurisprudência do paralelismo de atribuições internas e externas permite suprir
esta lacuna.

Tendo em conta as críticas dirigidas ao Tratado de Amsterdão, o Tratado de Nice


procedeu a aditamentos e alterações de relevo no domínio dos poderes externos da
Comunidade e da União.

No que diz respeito às atribuições externas da CE, uma das mais relevantes alterações
ocorreu no âmbito do atual artigo 207º do TFUE, relativo à política comercial comum. O
Tratado de Nice alargou a capacidade internacional da Comunidade neste domínio,
alargamento esse que teve como principal objetivo a ultrapassagem das dificuldades
inerentes à capacidade internacional da Comunidade, nomeadamente, no que diz respeito
à negociação e à conclusão de acordos comerciais sobre certas matérias, em especial, no
âmbito da OMC.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 73


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A complexidade das normas comunitárias em matéria de repartição de atribuições entre


a Comunidade e os Estados-membros no plano internacional, bem como a exigência da
unanimidade proveniente do caráter misto de alguns acordos, contribuíram para o
enfraquecimento da posição negocial da Comunidade, fortalecendo os seus parceiros
comerciais.

Assim, na tentativa de obvir a estas fragilidades, o Tratado de Amsterdão tinha


introduzido uma passarela no antigo artigo 133º/5 do TCE, o qual previa a possibilidade
de o Conselho, por unanimidade, estender a regra da maioria qualificada às negociações
e aos acordos internacionais relativos aos setores dos serviços e aos direitos de
propriedade intelectual. A verdade é que, na prática, essa passarela nunca funcionou.

A principal preocupação em Nice foi evitar a paralisia e os bloqueios nas negociações


internacionais, sobretudo, tendo em conta o alargamento da União a mais dez Estados
que se avizinhava. Por essa razão, o antigo artigo 133º do TCE sofreu uma profunda
reformulação, cujo resultado final foi tudo menos claro. Consequentemente, o Tratado de
Nice incluiu igualmente algumas modificações no procedimento de conclusão dos
acordos internacionais previsto no antigo artigo 300º do TCE, atual artigo 218º do TFUE.

Pode concluir-se que, no domínio da política comercial, o Tratado de Nice representou


algum avanço, tendo, sobretudo, contribuído para uma maior adequação e eficácia da
ação internacional da Comunidade. Porém, para satisfazer os Estados mais
intergovernamentalistas, foi necessário refrear os avanços com exceções, derrogações e
reservas.

Acresce que o Tratado de Nice introduziu no YCE um título XXI relativo à cooperação
económica, financeira e técnica com os países terceiros no antigo artigo 181º-A do TCE,
procurando adequar as bases jurídicas externas previstas aos vários tipos de acordos que
a Comunidade, na prática, já celebrava.
No âmbito da PESC, também se introduziram algumas alterações, que procuraram
ultrapassar as críticas que tinham sido dirigidas à anterior redação dos Tratados.

Apesar de as sucessivas revisões dos Tratados institutivos terem alterado


significativamente as normas relativas às atribuições externas da Comunidade e da União,
a problemática da repartição de atribuições externas entre a Comunidade e a União e os
Estados-membros continuou a propiciar disputas judiciais. Por conseguinte, o Tribunal
de Justiça, chamado a dirimir essas controvérsias, prosseguiu no desenvolvimento da sua
jurisprudência anterior.

Apesar de não o ter expressado abertamente, na década de 90, o Tribunal parece ter
arrepiado caminho em alguns casos, como aconteceu em matéria de propriedade
intelectual, no parecer nº1/94. Alguma doutrina olha para este parecer como um
retrocesso em relação à anterior jurisprudência relativa às atribuições externas exclusivas
da Comunidade, visto que marcou a futura jurisprudência do Tribunal relativa às
atribuições externas da Comunidade.

Já no parecer nº2/94, relativo à adesão da Comunidade à CEDH, o TJ decidiu que no


estádio de evolução em que se encontrava o Direito Comunitário, a Comunidade não
detinha poderes para aderir à CEDH, porque nenhuma disposição do Tratado conferia aos

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 74


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órgãos comunitários competência para editar normas ou concluir convenções


internacionais no domínio dos direitos fundamentais. Para o Tribunal, a adesão à CEDH
implicaria uma alteração de tal modo substancial do regime de proteção dos direitos
fundamentais, tanto na Comunidade como nos Estados-membros, que não se poderia
basear no antigo artigo 235º do TCEE, antes necessitando de uma modificação
constitucional pela via da revisão do Tratado.

No entanto, este parecer não parece representar um retrocesso no ativismo judicial, mas
sim uma atitude defensiva do Tribunal quando é posta em causa a sua jurisdição. A
confirmação disso está no parecer nº1/03, em que o Tribunal decidiu que a Comunidade
detinha poderes exclusivos para celebrar a nova convenção de Lugano relativa à
competência judiciária, ao reconhecimento e execução de decisões judiciárias em matéria
civil e comercial que se destinava a substituir a anterior convenção de Lugano, na medida
em que era suscetível de afetar as regras comunitárias do regulamento nº44/2001,
retomando, assim, a jurisprudência consagrada no parecer nº2/91.

Já no parecer nº1/08, o Tribunal também se pronunciou sobre a repartição de atribuições


externas entre a Comunidade e os Estados-membros, tendo concluído pela partilha de
atribuições.

Assim, uma conclusão se impõe: as regras de repartição de atribuições entre a União


Europeia e os Estados-membros, tanto no plano interno como no externo, não primavam
pela clareza nem pela transparência, pelo que era necessário resolver esta questão.

A repartição de atribuições entre a União e os seus Estados-membros no TECE

Apesar de as sucessivas revisões dos Tratados terem introduzido alterações no domínio


da repartição de atribuições internas e externas entre a União e os seus Estados-membros,
a verdade é que nunca se estabeleceram regras claras e transparentes que permitissem
identificar, sem dúvidas, a quem cabia determinada competência num determinado
momento. Perante esta incerteza, a última palavra cabia ao Tribunal de Justiça.

Desta forma, a enumeração das atribuições da União foi sendo reclamada por vários
setores, inclusive pelos Estados-membros, que se consideravam amputados das suas
próprias atribuições, sem que para isso tivessem dado o seu consentimento, mas também
pelos órgãos da União, que pretendiam conhecer previamente as matérias em relação às
quais podiam adotar atos e normas validamente.

A Declaração nº23, adotada pela Conferência que aprovou o Tratado de Nice, previu a
convocação de uma CIG para 2004, com o objetivo de debater a questão do
estabelecimento e manutenção de uma delimitação mais precisa das competências entre
a União Europeia e os Estados-membros, que respeite o princípio da subsidiariedade,
procurando responder às críticas relacionadas com o caráter insuficiente, pouco claro e
sem limites determinados.

O TECE aprovado pela CIG de 2004 introduziu alterações significativas o que toca à
enumeração das atribuições da União, tendo definido, pela primeira vez, no Direito
Originário, as categorias de atribuições e as matérias que se inserem em cada uma delas.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 75


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Assim, o TECE previa 5 tipos de atribuições:

• Exclusivas
Aqui só a União podia atuar através de atos legislativos e atos juridicamente vinculativos.
Estas competências abrangiam as regras de concorrência necessárias ao funcionamento
do mercado interno, a política monetária para os Estados que tenham adotado o euro, a
política comercial comum, a união aduaneira e a conservação dos recursos biológicos do
mar, no âmbito da política comum das pescas.

• Partilhas
Estas atribuição eram partilhadas entre a União e os Estados-membros, nas quais ambos
podiam atuar. Abarcavam os domínios do mercado interno, do espaço de liberdade, de
segurança e justiça, da agricultura e pescas, dos transportes e redes transeuropeias, da
energia, da política social, da coesão económica, social e territorial, do ambiente, da
defesa dos consumidores e dos problemas comuns de segurança em matéria de saúde
pública.

• Coordenação das políticas económicas e de emprego


Implicava a competência da União para adotar medidas com vista a garantir a
coordenação de 3 tipos de políticas dos Estados-membros: as políticas económicas, as
políticas de emprego e as políticas sociais. Além disso, seriam aplicáveis disposições
específicas aos Estados que tenham adotado o euro.

• Política externa e de segurança comum


Esta era subtraída ao regime comum da repartição de competências, abrangendo todos os
domínios da política externa bem como todas as questões relativas à segurança da União,
incluindo a definição gradual de uma política comum de defesa que poderá conduzir a
uma defesa comum.

• Domínios de ação de apoio, de coordenação ou de complemento


Aqui a União podia desenvolver ações, sem se substituir aos Estados. Estes domínios
incidiam no âmbito da industria, da proteção e melhoria da saúde humana, da educação,
formação profissional, juventude e desporto, cultura e proteção civil.

A revisão operada pelo Tratado de Lisboa vai retomar, no essencial, as disposições do


TECE em matéria de atribuições da União.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 76


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APÓS DO TRATADO DE LISBOA23

As categorias e a respetiva definição das atribuições da União Europeia no TFUE

TFUE: 2º a 6º
Estes preceitos enumeram as categorias de atribuições da União, especificam quais as
consequências para a União e para os Estados-membros da inserção de uma determinada
matéria em cada uma dessas categorias e indicam qual o domínio material de cada uma
delas.
Além disso, ao longo do TFUE desenvolvem-se as bases jurídicas das diversas matérias
que integram cada uma das categorias de atribuições.

TFUE: 2º
Categoria de atribuições:

1. Atribuições exclusivas
Aqui só a União pode legislar e adotar atos juridicamente vinculativos, sendo que os
Estados-membros só podem fazê-lo mediante habilitação da União ou para implementar
os atos da União.

2. Atribuições partilhadas
Os limites das atribuições partilhadas decorrem das demais disposições dos Tratados,
pelo que os Estados-membros só perdem as suas atribuições nos termos previstos nos
Tratados e na estrita medida em que a União exerceu as suas atribuições. Além disso, se
a União não exercer as suas atribuições, estas revertem para os Estados-membros.

TFUE: 4º/1
Trata-se de uma categoria residual, que se aplica aos domínios não contemplados nas
outras categorias.

3. Atribuições de coordenação das políticas económicas e de emprego dos


Estados-membros
O preceito não especifica quais as consequências que resultam para os Estados-membros.
Assim sendo, essas consequências terão forçosamente de ser inferidas, por um lado, do
termo «coordenação» e, por outro lado, das disposições específicas do TFUE sobre estes
domínios – TFUE: 120º a 126º + 145º a 150º.

4. Definição e execução de uma política externa e de segurança comum,


inclusive para definir gradualmente uma política comum de defesa

5. Desenvolver ações destinadas a apoiar, coordenar e completar a ação dos


Estados-membros, sem substituir a competência dos mesmos nesses domínios

23
Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 347 a 355

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O domínio material das várias categorias de atribuições da União

o Atribuições exclusivas da UE

TFUE: 3º/1
Este preceito enumera os domínios que se devem considerar como fazendo parte das
atribuições exclusivas.
Estas matérias gozam de uma presunção de exclusividade, sem necessidade de quaisquer
outras averiguações.

A lista de matérias incluídas nas atribuições exclusivas da UE revela-se bastante limitada,


deixando de fora algumas áreas centrais, como por exemplo, as quatro liberdades. A razão
de ser desta solução aparentemente restritiva parece ter a ver com o facto de a inserção
de uma determinada matéria nesta categoria ter consequências para os Estados-membros,
que não poderão adotar atos legislativos ou atos juridicamente vinculativos. Ora, em
certos domínios, são os Estados-membros que impulsionam o desenvolvimento do
Direito da União, o que se perderia se a matéria em causa passasse a integrar as atribuições
exclusivas da União.

TFUE: 3º/2
Estende a categoria das atribuições exclusivas da União à celebração de acordos
internacionais em determinados casos.

Este preceito não se limita a definir as atribuições exclusivas da União no domínio das
relações externas, pois também trata da questão das atribuições implícitas, devendo ser
conjugado com o TFUE: 216º/1.
Este preceito trata a questão das atribuições da União, no domínio externo, de forma
muito próxima à do artigo 3º/2, mas não é exatamente idêntico, uma vez que não se deve
limitar o preceito às atribuições exclusivas.

Contudo, estes preceitos transpõem para o Direito Originário a jurisprudência firme e


constante do Tribunal de Justiça relativa às atribuições internacionais da União, o que
deve ser encarado como um contributo positivo no sentido de uma maior transparência
da repartição de atribuições entre a União e os seus Estados-membros e da ação externa
da União.

Com efeito, é significativo para os terceiros Estados ou Organizações Internacionais que


contratem com a União, que as atribuições externas sejam clarificadas, porque os sujeitos
internacionais que se relacionam com a União não têm a obrigação de conhecer em
pormenor a complexa repartição de atribuições dentro da União e entre esta e os seus
Estados-membros.

o Atribuições partilhadas entre a UE e os Estados-membros

TFUE: 4º/2
Este preceito enumera a lista das matérias que se incorporam nas atribuições partilhadas,
a qual se deve considerar exemplificativa, na medida em que o corpo do preceito se refere
aos principais domínios, o que parece pressupor que pode haver outros.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 78


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É de notar que não é fácil de traçar a delimitação entre as atribuições partilhadas e as


ações de apoio, de coordenação ou complementares da ação dos Estados-membros. Se
atentarmos, por exemplo, nos domínios materiais previstos nas disposições relativas à
politica social – TFUE: 151º a 161º – nem sempre poderemos incluí-los nas atribuições
partilhadas. É o caso do TFUE: 153º cuja letra aponta muito mais no sentido de se tratar
de ações de apoio, de coordenação ou complementares. O mesmo se diz às áreas previstas
no TFUE: 4º/3 e 4.

Por último, importa saber que o grau de partilha de cada uma das atribuições previstas
nesta categoria é muito diferente consoante a matéria que está em causa.

o Coordenação das políticas económicas e de emprego dos Estados-membros

TFUE: 2º/3 + 5º
Estes preceitos não são exatamente coincidentes, uma vez que o nº3 do artigo 5º
estabelece que a União pode tomar iniciativas para garantir a coordenação das políticas
sociais dos Estados-membros.

Contudo, por vezes é difícil demarcar as diferentes categorias de atribuições da União,


especialmente, no domínio da política social, na medida em que certos aspetos dessa
política se incluem nas atribuições partilhadas e outros aspetos inserem-se nas ações de
apoio, coordenação e complementares, ainda que não façam parte da lista constante do
artigo 6º TFUE.

Para complicar ainda mais este quadro, o artigo 5º/3 TFUE estabelece que há igualmente
matérias que relevam das ações de coordenação das políticas económicas e de emprego
dos Estados.

TFUE: 5º/1, 2ª parágrafo


Além disso, aos Estados-membros cuja moeda seja o euro são aplicáveis regras
específicas.

o PESC – TFUE: 2º/4 + TUE: 23º e ss.

o Desenvolvimento de ações destinadas a apoiar, a coordenar e a completar a


ação dos Estados-membros

TFUE: 2º/5 + 6º
Enumeração das matérias sobre as quais podem incidir ações da União destinadas a
apoiar, coordenar e complementar a ação dos Estados.
Apesar desta lista parecer exaustiva, na realidade existem outras matérias em relação às
quais as disposições específicas do TFUE admitem ações deste tipo, como é o caso da
política social – TFUE: 153º – e da política de emprego – TFUE: 147º. Desta forma,
pode ser difícil estabelecer uma fronteira nítida entre estas ações da União e as atribuições
partilhadas da União.

O âmbito da atuação da União varia consoante a matéria que está em causa, podendo,
inclusivamente, vir a ser adotados atos jurídicos vinculativos pela União Europeia, desde
que fundados nas disposições específicas do TFUE, o que vai necessariamente ter
repercussões nas competências que, no futuro, os Estados-membros poderão vir a exercer.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 79


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A AÇÃO EXTERNA DA UNIÃO EUROPEIA24

Preliminares

O Tratado de Lisboa constitui a mais recente tentativa de superação das dificuldades de


afirmação da União Europeia na cena internacional.

A CEE, inicialmente vocacionada para o comércio internacional, cedo manifestou


interesse em estabelecer relações, quer com os seus vizinhos mais próximos (Grécia e
Turquia), quer com países mais longínquos de África, das Caraíbas e do Pacífico,
particularmente carentes no domínio social e económico e a necessitarem de ajuda ao
desenvolvimento.

Apesar de serem muito reduzidas as bases jurídicas previstas nos Tratados no domínio da
ação externa da União, a CEE conseguiu afirmar-se na cena internacional devido ao seu
elevado poder económico. Porém, à medida que essa afirmação crescia, a União foi
ganhando mais consciência da insuficiência dos seus poderes em comparação com outros
atores internacionais, como os EUA.

Além disso, a própria CEE enfrentou problemas dentro da sua estrutura orgânica,
discutindo a competência com os seus Estados-membros, que se mostravam bastante
avessos a abdicar da sua soberania no domínio internacional. Ora, tudo isto fragilizava a
atuação externa da então CEE.

Desta forma, uma das preocupações constantes das sucessivas revisões dos Tratados
consistiu na afirmação da identidade e coerência da União na cena internacional. A
extensão dos poderes externos da União Europeia contribuiu para a afirmação da Europa
como uma potência mundial, não só do ponto de vista económico, mas também ao nível
de outras áreas.

A União Europeia assume uma política de abertura ao exterior, em contraste com a


política de hegemonia dos EUA. Por outro lado, a ação da União Europeia na cena
internacional assenta em valores e princípios que a União considera exportáveis para o
resto do Mundo: a democracia, o Estado de direito, a universalidade e a indivisibilidade
dos direitos humanos. Por isso, é frequente nas relações externas da UE incluírem-se
cláusulas em que os terceiros Estados se obrigam a respeitar esses valores e princípios,
sob pena de suspensão ou cessação da vigência do acordo em questão.

Por último, a União também atua no domínio da segurança e da defesa, através dos seus
Estados-membros, estando no terreno das operações civis e militares e tendo participado
em várias missões pelo mundo.

Contudo, existem vários entraves à ação externa da União, como por exemplo, a
necessidade de cooperação leal entre os Estados e a União e dos órgãos da União entre
si. Assim, o Tratado de Lisboa procedeu a alterações importantes no domínio da
afirmação da União Europeia na cena internacional.

24
Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 355 a 378

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Os antecedentes próximos do Tratado de Lisboa – o TECE

O TECE surgiu numa conjuntura em que a ação da União na cena internacional já é dotada
de muito peso, ou seja, a União afirma-se como uma autêntica potência mundial, tanto
âmbito das relações económicas internacionais, como ao nível político.

O dualismo de métodos da ação externa da União, oscilando entre o intergovernamental


e o comunitário, conduziu a que as modificações introduzidas no TECE tivessem como
principais objetivos, por um lado, uma maior coerência entre a política externa e as outras
políticas em geral bem como entre a PESC e a restante ação externa e, por outro lado,
uma maior eficácia da ação externa da União.

o Bases jurídicas da ação externa da União no TECE

As disposições que regulavam a ação externa da União encontravam-se dispersas entre


as Partes I e III do TECE.

A Parte I continha as disposições específicas da PESC e da PCSD, bem como uma


“cláusula de solidariedade”. A parte III consagrava o regime jurídico geral da ação
externa da União, o qual contempla duas disposições de âmbito geral, cujo desígnio
parecia ser o de conferir maior unidade e coerência à atuação da União na cena
internacional. Além disso, continha normas sobre cada um dos domínios da ação externa
da União. Depois, existiam várias disposições sobre as questões financeiras das duas áreas
de atuação, as regras de conclusão de convenções internacionais, a cooperação com os
países terceiros, os acordos internacionais e o relacionamento da União com
Organizações Internacionais e países terceiros.

o Objetivos e os princípios da ação externa da União

Os objetivos da ação externa situavam-se na Parte I do TECE, bem como as regras


específicas relativas à PESC e à PCSD, enquanto que as restantes regras se posicionavam
na Parte III do TECE.

Nas suas relações com o resto do mundo, a União tem como objetivos afirmar e promover
os seus valores e interesses, contribuir para a paz, a segurança, o desenvolvimento
sustentável do planeta, a solidariedade e o respeito mútuo entre os povos, o comércio livre
e equitativo, a erradicação da pobreza, a proteção dos direitos do Homem, a observância
e o desenvolvimento do Direito Internacional e o respeito dos princípios da Carta das
Nações Unidas.

Para a prossecução destes princípios, a ação externa da União deveria observar os


princípios da democracia, do Estado de direito, da universalidade e da indivisibilidade
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, do respeito da dignidade da pessoa
humana, da igualdade e da solidariedade e o respeito do Direito Internacional, em
conformidade com os princípios da Carta das Nações Unidas.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 81


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o Especificidades da PESC e da PCSD constantes da Parte I

O TECE consagrou a estrutura unitária da União Europeia, mas manteve o caráter


intergovernamental da PESC, na medida em que os Estados-membros não estavam
dispostos a abdicar da sua soberania num domínio tão significativo como este. Com
efeito, o distanciamento da PESC em relação às outras políticas da União verificava-se a
vários níveis.

Em primeiro lugar, ao enumerar as categorias de competências da União, o TECE


autonomizava a PESC. Em segundo lugar, o TECE incluiu normas específicas sobre a
PESC e a PCSD, sem paralelo nos outros domínios da política externa da União. Ou seja,
a unificação formal da União não foi acompanhada da correspondente “comunitarização”
da PESC e da PCSD, fugindo-se ao método comunitário nestas matérias. Além disso, as
disposições específicas a propósito da execução da PESC nem sequer constavam da Parte
III, mas sim da Parte I.

O Tratado de Lisboa

o As disposições gerais no domínio da ação externa

Os Estados não quiserem incorporar estas matérias no TFUE com receio de isso poder
reverter em qualquer tipo de aproximação aos procedimentos próprios desse Tratado. Tal
explica-se pelo facto de as políticas externa e de defesa de um Estado serem a expressão
mais acabada da soberania de um Estado. A verdade é que esta separação formal acaba
por não ter consequências jurídicas significativas, uma vez que os dois Tratados têm o
mesmo valor jurídico.
No TUE temos disposições gerais relativas à ação externa da União e disposições
específicas relativas à PESC. No TFUE temos disposições relativas à ação externa da
União em relação a todas as outras políticas.

TUE: 21º e 22º Temos disposições gerais relativas à ação externa da União onde se
definem os princípios, os interesses e os objetivos da ação externa da União bem como
os órgãos competentes para os desenvolver.

TUE: 2º A ação externa da União deve pautar-se pelos princípios decorrentes dos valores,
pela primeira vez, expressamente definidos no Direito Originário. Os princípios
enunciados não são exclusivos da União, são partilhados pelos seus Estados-membros e
tendencialmente aceites até ao nível universal.

São estes princípios que justificam a inserção das chamadas “cláusulas de direitos
fundamentais” nos acordos internacionais que a União celebra com o resto do Mundo,
tando do ponto de vista bilateral como multilateral.

Apesar de não ser membro das Nações Unidas nem ter feito parte da comunidade
internacional no momento em que se formou a maioria dos princípios atualmente vigentes
no Direito Internacional, a União Europeia assume-se como um verdadeiro sujeito de
Direito Internacional, com preocupações e responsabilidades semelhantes às dos Estados.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 82


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TUE: 21º/2, a) O objetivo de salvaguarda da sua segurança, independência e integridade


manifesta uma preocupação idêntica à de qualquer Estado nas relações internacionais, já
a defesa dos seus valores e interesses fundamentais pode levantar alguns problemas em
termos de compatibilização com os outros objetivos consagrados no mesmo preceito.

TUE: 21º/2 Na definição e prossecução das políticas e ações comuns, a União deve
contribuir para solucionar os principais problemas mundiais, entre os quais se incluem
todos aqueles que estão versados nas alíneas deste preceito.

A União tem desempenhado um papel muito importante em todos estes domínios, quer
através das relações bilaterais que estabelece com o resto do mundo, quer no âmbito das
relações multilaterais através da participação em convenções internacionais multilaterais.
Muitas vezes, a União sujeita as ajudas económicas previstas nos acordos que celebra
com terceiro a cláusulas de respeito pela democracia, o Estado de direito e a proteção dos
direitos fundamentais, impondo mesmo aos Estados que não cumprirem esses requisitos
sanções de variada natureza, designadamente, económicas.

A competência dos órgãos da União não é idêntica em todas estas ações, os órgãos detêm
poderes diversos, consoante a política que esteja em causa. O Conselho Europeu, o
Conselho e o Alto Representante dispõem de uma posição privilegiada em relação aos
outros órgãos, porque podem atuar em matéria de PESC e PCSD.

TUE: 22º A identificação e definição dos interesses e objetivos estratégicos da União é


da competência do Conselho Europeu, que delibera por unanimidade por recomendação
do Conselho. Essas decisões definem a duração e os meios a facultar pela União e pelos
Estados-membros.

o A PESC

TUE: 23º e 24º O facto de a PESC abranger todos os domínios da ação externa é
suscetível de vir a causar alguns embaraços à União, na medida em que as regras e
procedimentos nestes domínios são diferentes das previstas no TFUE para as outras
políticas com dimensão externa. Além disso, a fronteira entre a PESC e os outros
domínios da política externa da União nem sempre é muito fácil de traçar, dado que uma
determinada ação pode ter implicações em várias políticas.

TUE: 21º/3 e 26º/3 Por isso, os Tratados insistem na necessidade de coerência entre os
diferentes domínios da ação externa da União e entre estes e as outras políticas, cabendo
ao Conselho e à Comissão, assistidos pelo Alto Representante, assegurar essa coerência
e cooperarem para esse efeito.

TUE: 24º/1, 2º parágrafo A PESC está sujeita a regras e procedimentos específicos.


Neste âmbito, não se aplica o processo legislativo ordinário, pelo que a intervenção da
Comissão e do PE fica muito aquém da dos outros órgãos.
TUE: 26º/2 Quando não estão em causa matérias com implicações no domínio da defesa,
a tomada de decisão cabe ao Conselho, com respeito pelas orientações gerais e linhas
estratégicas definidas pelo Conselho Europeu.

TUE: 31º/1 e 2 Em regra, o Conselho Europeu e o Conselho deliberam por unanimidade,


embora haja exceções em que deliberam por maioria qualificada. Nesses casos, os

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 83


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Estados-membros podem invocar razões vitais e expressas de política nacional para


impedir a votação.

TUE: 30º/1 e 36º A Comissão e o PE não têm qualquer poder decisório. A Comissão
apenas tem um poder de iniciativa cujo exercício se realiza por intermédio do Alto
Representante, embora em certos casos possam submeter iniciativas conjuntas. O PE tem
um poder meramente consultivo, podendo dirigir recomendações ao Conselho e ao Alto
Representante.

Alto Representante da União


TUE: 18º É nomeado, com o acordo do Presidente da Comissão, pelo Conselho Europeu,
por maioria qualificado, podendo ser destituído por qualquer um deles a qualquer
momento pelo mesmo processo. Esta forma de nomeação implica uma dupla
responsabilidade, perante o Presidente da Comissão e perante o Presidente do Conselho
Europeu, sendo certo que estes representam interesses distintos.

TUE: 17º/4 e 5 e 16º/6 É Vice-presidente da Comissão e presidente do Conselho de


Negócios Estrangeiros.

TUE: 17º/8 + TFUE: 234º É membro da Comissão, logo, é responsável perante o PE


pelas atividades que desenvolva no âmbito da Comissão e deve demitir-se em caso de
aprovação de moção de censura.

TUE. 15º/2 Faz parte do Conselho Europeu.

O Alto Representante exerce funções ao nível da ação externa da União em geral e, em


especial, ao nível da PESC. Uma vez que é nomeado pelo Conselho Europeu e sendo
Vice-presidente da Comissão, é suposto que ele faça a ponte entre estes dois órgãos,
devendo contribuir para uma maior unidade, coerência e eficácia da política externa da
União – TUE: 26º/2.

Aliás, o principal objetivo que o Tratado de Lisboa pretendeu atingir com a criação deste
Alto Representante foi conferir maior visibilidade e estabilidade à representação externa
da União nos assuntos da PESC e maior consistência e coerência entre os diferentes
aspetos da política externa da União.

Os atos a adotar no domínio da PESC não coincidem com os instituídos no TFUE: 288º.
Aliás, em vários preceitos se exclui, de modo expresso, a adoção de atos legislativos.
Assim, as fontes de direito derivado da PESC são previstas no TUE. 25º.

o A PCSP

TUE: 42º/1 e 43º/1 A União pode empregar os meios civis e militares em missões no
exterior para assegurar a manutenção da paz, a prevenção de conflitos e o reforço da
segurança internacional, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas. Os
meios civis e militares podem ser empregues nas operações de desarmamento, nas
missões de aconselhamento e assistência militar, nas missões de prevenção dos conflitos
e na estabilização pós conflito.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 84


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

TUE: 42º/7 Aqui temos uma cláusula de assistência mútua, no caso de um Estado-
membro vir a ser vítima de agressão armada no seu território, salvaguardando, no entanto,
os compromissos assumidos na NATO pelos Estados que são membros desta
Organização.

TFUE: 222º Aqui temos uma cláusula de solidariedade no caso de um Estado-membro


ser alvo de um ataque terrorista ou de uma catástrofe natural ou de origem humana.

TUE: 44º Confere à União uma maior flexibilidade em relação a certas crises onde a
capacidade de reação é essencial, permitindo confiar num grupo de Estados-membros
uma missão que estes desejem e que tenham os meios necessários.

TUE: 42º/6 e 46º + Protocolo nº10


Cooperação estruturada permanente entre Estados-membros cujas capacidades militares
preencham critérios mais elevados e que tenham assumido compromissos mais
vinculativos tendo em vista a realização de missões mais exigentes.

o Outros domínios da ação externa da União

TFUE: 216º e 214º


Clarifica a questão das atribuições da União para a celebração de acordos internacionais
e também a questão da ajuda humanitária.

TFUE: 207º e 218º


Relativo aos acordos comerciais e relativo ao procedimento de conclusão dos acordos
internacionais.

O Tratado de Lisboa clarificou e estendeu o âmbito de aplicação das atribuições


exclusivas da União no domínio da política comercial comum, a qual passou a incluir o
comércio de serviços e os aspetos comerciais da propriedade intelectual, bem como o
investimento estrangeiro, o que implica uma redução do espaço dos acordos mistos. A
política de transportes continua excluída da política comercial comum e, como tal, das
atribuições exclusivas da União.
As hipóteses de decisão do Conselho por maioria qualificada alargaram-se, embora se
mantenham, por exemplo, no domínio da política comercial comum, alguns aspetos
sujeitos à regra da unanimidade.
Os poderes do PE saíram consideravelmente reforçados pois além de se exigir o seu
consentimento para os acordos que abranjam domínios em que se deve adotar o processo
legislativo ordinário, ainda se deve manter o PE imediata e permanentemente informado.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 85


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

O QUADRO INSTITUCIONAL DA UNIÃO EUROPEIA25

TUE: 13º a 19º + TFUE: 223º e ss.

Uma questão que se levanta acerca da «constituição» da UE é a da sua organização. Quais


são as instituições da UE? Uma vez que esta exerce funções que habitualmente só os
estados exercem, cabe perguntar se a UE tem um governo, um parlamento, autoridades
administrativas e órgãos jurisdicionais, tal como existem nos Estados-Membros.
O exercício das atribuições conferidas à União e a coordenação do processo de integração
não foram deliberadamente
deixados exclusivamente à
iniciativa dos Estados-
Membros ou da cooperação
internacional. Pelo
contrário, a União Europeia
assenta num sistema
institucional que lhe
permite conferir novos
impulsos e novas metas
para a União Europeia e, ao
mesmo tempo, desenvolver
nas matérias da sua
competência normas
jurídicas igualmente
vinculativas para todos os
Estados-Membros.
Os principais
intervenientes do sistema
institucional da UE são:
TUE: 13º/1 o Parlamento
Europeu, o Conselho
Europeu, o Conselho, a
Comissão Europeia, o
Tribunal de Justiça da
União Europeia, o Banco
Central Europeu e o
Tribunal de Contas.

Como instituições comple-


mentares surgem ainda:
TFUE: 308º o Banco
Europeu de Investimento.
TUE: 13º/4 o Comité
Económico e Social
Europeu e o Comité das
Regiões.

25
Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 355 a 378

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 86


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

PARLAMENTO EUROPEU

TUE: 14º

O Parlamento Europeu representa os povos dos Estados reunidos na União. O PE nasceu


da fusão da Assembleia Comum da CECA com a Assembleia da CEE e a Assembleia da
CEEA, consagrada na Convenção de 1957 relativa a Certas Instituições Comuns às
Comunidades (primeiro Tratado de Fusão), e que deu uma origem a uma única
«assembleia».
A designação oficial «Parlamento Europeu» surgiu apenas quando o Tratado UE foi
alterado pelo Tratado que institui a União Europeia (Tratado de Maastricht), e que se
limitou a usar uma designação de uso já generalizado que teve a sua origem na alteração
do próprio nome da Assembleia para «Parlamento Europeu» em 1958.

o O modo de designação e o estatuto dos membros

Inicialmente o PE era composto por representantes designados pelos parlamentos


nacionais, segundo um processo nacional. No entanto, o Tratado de Roma previu, desde
a sua versão originária, a possibilidade de eleição do PE por sufrágio direto e universal,
o que se tornou possível a partir da decisão do Conselho de 20 de setembro de 1976. A
partir de 1979, o PE passou a ser eleito pela população dos Estados-membros por sufrágio
direto e universal, de acordo com os sistemas eleitorais de cada um dos Estados-membros.
Desde essa época que se procura aprova um sistema eleitoral uniforme em todos os
Estados-membros, o que não se conseguiu até ao momento.
TFUE: 223º/1
Retoma esta questão, conferindo ao PE a base jurídica para tal, sendo que é da
competência do Conselho definir as disposições necessárias para este efeito.

Após décadas de esforços foi introduzido um processo eleitoral uniforme, com o ato
relativo à eleição dos representantes ao Parlamento Europeu por sufrágio universal direto
em 1976, que posteriormente sofreu uma reforma profunda com o ato relativo às eleições
diretas em 2002. Desde então, cada Estado-Membro estabelece o seu próprio processo
eleitoral, mas utiliza as mesmas regras democráticas fundamentais:
• Sufrágio direto e universal
• Representação proporcional
• Voto livre e secreto
• Idade mínima (para se ter o direito de voto todos os Estados-Membros requerem
a idade mínima de 18 anos, à exceção da Áustria, onde a idade mínima foi
reduzida para os 16 anos)
• Mandatos de cinco anos renováveis
• Incompatibilidade com o exercício de outros cargos (os deputados do PE não
podem exercer simultaneamente outros cargos, por exemplo, magistrado,
procurador-geral, ministro, etc; estão ainda sujeitos à legislação do seu país, que
pode impor restrições adicionais no que diz respeito à acumulação de mandatos
ou cargos)
• Data do escrutínio
• Igualdade entre homens e mulheres.
Em alguns países o exercício do voto é obrigatório (Bélgica, Grécia e Luxemburgo).

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 87


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

TUE: 14º/3 Os membros do PE são eleitos por sufrágio universal direto, livre e secreto,
por um mandato de 5 anos. Desta forma, o PE ganhou legitimidade democrática e pode
ser o «representante dos cidadãos da UE».

TUE: 14º/2 A anterior versão dos Tratados estabelecia que o PE era composto por
representantes dos povos dos Estados reunidos na Comunidade, o que fazia com que se
discutisse se o PE retirava a sua base de legitimidade dos povos dos Estados-membros ou
de um pretenso povo europeu. Atualmente, esta discussão está ultrapassada, pois percebe-
se neste preceito que a base de legitimidade do PE são os cidadãos da União.

TFUE: 223º/2 Estatuto e condições gerais de exercício das funções dos membros do PE.
Atualmente, o estatuto único do deputado, que entrou em vigor em 1 de julho de 2009,
define as disposições e condições gerais que regulam o exercício da função de Deputado,
consagrando, designadamente, a liberdade e a independência dos Deputados, o seu direito
de iniciativa e de participação nos grupos parlamentares bem como regras relativas a
privilégios e imunidades, incompatibilidades, irresponsabilidade e inviolabilidade.
Introduz também um vencimento único para todos os deputados que é suportado pelo
orçamento da União Europeia.

Porém, a mera existência de um parlamento diretamente eleito não basta para responder
à exigência fundamental de uma constituição democrática, nos termos da qual todos os
poderes do Estado emanam do povo. Entre estes figuram, além da transparência no
processo de tomada de decisões e da representatividade nos órgãos responsáveis pela
adoção de decisões, também a supervisão pelo Parlamento da legitimidade das
instituições da UE que participam no processo de tomada de decisões.
Nesta matéria também foram conseguidos progressos consideráveis nos últimos anos.
Deste modo, não só foram sendo constantemente aumentados os direitos do Parlamento
como também, com o Tratado de Lisboa, o funcionamento da União Europeia no seu
conjunto passou a ter a obrigação expressa de respeitar o TUE: 10º princípio
fundamental da democracia representativa
Se quisermos falar de um défice ainda existente no atual ordenamento democrático da UE
poderemos referir o facto de o Parlamento Europeu, ao contrário do que acontece no
modelo nacional de democracia parlamentar, não escolher um governo que seja
responsável perante o Parlamento.

Este «défice» explica-se, aliás, pelo simples facto de não existir na UE um governo na
sua forma convencional. Em vez disso, as funções equiparáveis à governação previstas
nos Tratados da União são repartidas entre o Conselho e a Comissão Europeia.
No entanto, ao Parlamento foram concedidos recentemente pelo Tratado de Lisboa
amplos poderes na designação da Comissão, que vão desde a escolha do presidente da
Comissão Europeia pelo Parlamento Europeu, por proposta do Conselho Europeu, até à
aprovação pelo Parlamento Europeu de todo o elenco da Comissão Europeia (o chamado
voto de confiança).
Em contrapartida, o Parlamento não dispõe de influência comparável na composição do
Conselho, pois este apenas está sujeito a uma supervisão parlamentar idêntica àquela a
que está sujeito cada membro, na sua qualidade de ministro, por parte do Parlamento do
seu país de origem.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 88


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

o A composição

O número de Deputados tem vindo a variar ao longo dos tempos em função do número
de Estados que em cada momento integraram as Comunidades e, posteriormente, a União
Europeia. A repartição dos Deputados pelos Estados-membros também sofreu
modificações.

Até ao alargamento de 2004, o PE era composto por 626 deputados, repartidos pelos
diferentes Estados-membros. Todavia, este número bem como o número de Deputados
atribuído a cada Estado foi alterado pelo Tratado de Nice, tendo em vista a preparar a
adesão de novos Estados-membros: reduziu-se o número de Deputados dos Estados que
na altura integravam a UE, procurando libertar lugares para os Estados em vias de adesão,
e estabeleceram-se as regras que se destinavam a ser aplicadas após a adesão.

Posteriormente, os Tratados de adesão dos novos Estados-membros estabeleceram o


número de Deputados eleitos em cada Estado-membro.

O número de Deputados negociado e aceite pelos Estados, no Tratado de Nice, teve em


conta as contrapartidas obtidas em sede de ponderação de votos no seio do Conselho, o
que prova a crescente importância do PE no espectro institucional da UE. Assim, a
repartição de lugares no PE não obedeceu a métodos aritméticos ou demográficos, mas
sim a um compromisso político.

TUE: 14º/2 O PE não pode ter mais do que 750 deputados + o Presidente.
Quanto aos Estados-membros, consagrou-se o princípio da representação
degressivamente proporcional, ou seja, quanto menos população um Estado tiver,
menor é o número de habitantes correspondente à atribuição de um Deputado.
Além disso, procurando responder aos receios dos Estados mais pequenos, fixou-se, para
cada Estado-membro, um limiar máximo de 96 Deputados e um limiar mínimo de 6
Deputados.

A atribuição do número concreto de Deputados de cada Estado-membro é feita através


de uma decisão do Conselho Europeu, por iniciativa do PE e com aprovação deste.

o Organização e funcionamento

O modo como o Parlamento se organiza e funciona está inscrito nos Tratados e no


regimento adotado pelo PE, ao abrigo do TFUE: 232º. Portanto, o PE tem um direito de
auto-organização que decorre dos Tratados, como aliás já foi reconhecido pelo Tribunal
de Justiça no Acórdão Lord Bruce of Donington.

TUE: 14º/4
O Parlamento elege de entre os seus membros o seu Presidente e a sua Mesa.
TFUE: 226º Além disso, o PE dispõe de comissões permanentes, que têm como tarefa
preparar a legislação, e também pode recorrer a comissões de inquérito temporárias.

TUE: 10º/4 + TFUE: 224º


Os Deputados podem organizar-se em partidos políticos ao nível europeu e podem existir
deputados não inscritos.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 89


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

TUE: 14º/3 A legislatura do PE tem a duração de 5 anos.


TFUE: 229º O PE tem uma sessão anual, mas também pode reunir-se em sessão
extraordinária. Além disso, como já se viu, também funciona em comissão.

TFUE: 231º
A regra de votação no seio do PE é a maioria dos votos expressos, exceto nos casos em
que se prevê outra regra expressamente nos Tratados, como no exemplo 234º.

o Competência

Na versão originária dos Tratados, o PE dispunha de uma competência bastante diminuta,


limitando-se a ser consultado no procedimento legislativo e a aprovar o orçamento. Após
a sua eleição por sufrágio direto e universal, em 1979, este órgão começou a reclamar
cada vez mais poderes em consonância com a sua legitimidade democrática direta. E a
verdade é que o PE ganhou novos poderes, tanto nível orçamental como de participação
no procedimento legislativo e de fiscalização política, praticamente em todas as revisões
dos Tratados.

TUE: 14º/1
O Parlamento detém poderes ao nível legislativo e orçamental, de fiscalização política e
de designação de membros de outras instituições, órgãos e organismos (como o
Presidente da Comissão), devendo ainda mencionar-se a sua participação no domínio da
revisão dos Tratados.

O Parlamento participou no poder legislativo desde o início do processo de integração,


mas essa participação limitava-se à consulta por parte do Conselho antes da tomada de
decisão. Com o Tratado de Maastricht os poderes legislativos do PE foram reforçados
através da introdução do procedimento de codecisão ou decisão conjunta, do PE e do
Conselho, que corresponde atualmente ao processo legislativo ordinário.
TFUE: 289º/1 No âmbito do processo legislativo ordinário, o Parlamento pode apresentar
em várias leituras alterações aos atos jurídicos e, dentro de determinados limites e em
certos casos, impô-las com êxito ao Conselho. Sem acordo entre o Conselho e o
Parlamento Europeu um ato jurídico da União não pode entrar em vigor.

TFUE: 218º/6, a)
O PE participa também na conclusão de acordos internacionais, tendo passado a ser
chamado a aprovar vários outros acordos previstos neste preceito.
O Parlamento dispõe de um direito de emissão de parecer favorável em todos os acordos
internacionais importantes que incluam algum domínio sujeito à codecisão, bem como
nos Tratados de Adesão assinados com novos Estados-Membros e que estabeleçam as
condições de adesão.

TFUE: 314º
No domínio do poder orçamental, o PE passou a deter um poder idêntico ao do Conselho.
Tradicionalmente o Parlamento desempenha também um papel determinante no processo
orçamental. Com o Tratado de Lisboa os poderes orçamentais do Parlamento Europeu
viram-se ampliados na medida em que o PE deve autorizar o quadro financeiro plurianual
e participar na codecisão no que respeita a todas as despesas.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 90


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Em matéria de controlo político, o PE sempre deteve alguns poderes, os quais foram


sendo aumentados, em especial depois da aprovação do Tratado de Maastricht, e depois
reforçados com o Tratado de Lisboa.
Assim, o PE sempre teve competência para fiscalizar a Comissão e o Conselho, através
das questões orais, com ou sem debate, que podia colocar a estes dois órgãos, bem como
aprovar uma moção de censura à Comissão.

TUE: 17º/8 + TFUE: 234º


A Comissão é politicamente responsável perante o PE. Este tem competência para
aprovar uma moção de censura à Comissão. Porém, a dupla maioria exigida para a
aprovação da mesma tem impedido que, até à atualidade, se tenha conseguido reunir o
número de votos necessários para censurar a Comissão.

TFUE: 226º
O PE detém ainda outras competências de controlo político que se traduzem na
possibilidade de construir comissões de inquérito temporárias e de ser o destinatário de
relatórios e informações de outros órgãos da União.
Em junho de 2016 foi criada uma dessas comissões devido às revelações no âmbito dos
«Papéis do Panamá» acerca de empresas offshore e dos seus proprietários secretos.
Competiu a esta comissão de inquérito investigar possíveis violações do direito da União
relacionadas com branqueamento de capitais, elisão fiscal e evasão fiscal

Deve ainda acrescentar-se que o PE teve ainda sempre competência para proceder a
debates de política geral e para votar resoluções sobre quaisquer questões de atualidade.

TFUE: 88º/2 e 85º/1


O PE também controla as atividades do Europol e do Eurojust.

O PE participa na designação de membros de outras instituições, órgãos e organismos,


como TUE: 17º/7 o Presidente da Comissão, TFUE: 228º/1 o Provedor de Justiça
Europeu.

TUE: 48º e TFUE: 223º


O PE participa no poder constituinte, designadamente, no procedimento de revisão
ordinário e nos procedimentos de revisão simplificados, bem como na regulamentação da
sua própria eleição.

o Relação do PE com os parlamentos nacionais

TUE: 12º + Protocolo nº1 e 2


A progressiva transferência de atribuições dos Estados-membros para a UE criou nos
parlamentos nacionais o sentimento de estarem a perder poderes, que na verdade não
eram recuperados pelo PE, mas sim pelo Conselho e, em última análise, pelos Governos
dos Estados-membros, o que conduziria ao défice democrático.

A participação dos parlamentos nacionais na elaboração das posições nacionais em


matéria europeia e na aplicação das regras da União sempre dependeu muito dos sistemas
constitucionais de cada Estado-membro.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 91


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

A partir de 1989 a questão da necessidade de o PE reforçar as relações e as discussões


com os parlamentos nacionais ganhou força e a partir de novembro de 1989
institucionalizaram-se as chamadas COSAC’s – reuniões periódicas entre membros do
PE e membros dos parlamentos nacionais.

o Sede

O Parlamento tem a sua sede em Estrasburgo, onde se realizam 12 sessões plenárias por
ano, incluindo a sessão relativa ao orçamento.
Outras sessões plenárias são realizadas em Bruxelas, onde os comités também se reúnem.
Contudo, o Secretariado-Geral do Parlamento tem a sua sede no Luxemburgo.
A decisão do Conselho de 1992 relativa a estas localizações foi confirmada no Protocolo
n.o 6 do Tratado de Lisboa. Um resultado pouco satisfatório desta decisão é que os
deputados do Parlamento Europeu, bem como uma parte dos seus funcionários e agentes,
veem-se obrigados a deslocações frequentes a Estrasburgo, Bruxelas e ao Luxemburgo,
o que é muito dispendioso.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 92


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

CONSELHO EUROPEU

TUE: 15º

O Conselho Europeu tem a sua origem nas Cimeiras de Chefe de Estado e Chefes de
Governo, que ocorreram desde 1961. Tratavam-se de conferências diplomáticas à
margem das Comunidades Europeias, nas quais se discutiam os assuntos relacionados
com a cooperação política e, mais tarde, também assuntos comunitários.

O Conselho Europeu nasceu na Cimeira de Paris de 9 e 10 de dezembro de 1974. Do


comunicado final daquela Cimeira constava que os Chefes de Governo, preocupados em
globalizar as atividades comunitárias e as que relevam da cooperação política, decidiram
reunir-se, acompanhados dos Ministros dos Negócios Estrangeiros, 3 vezes por ano, e
sempre que necessário, em Conselho das Comunidades e a título de cooperação política,
acrescentando ainda que estas disposições não afetam de forma nenhuma as regras e os
processos estabelecidos nos Tratados, nem as dos acordos de Luxemburgo e de
Copenhaga, no que diz respeito à cooperação política.
Assim, o Conselho Europeu teve a sua origem imediata num ato informal dos Estados-
membros, o comunicado final da Cimeira de Paris. Segundo aquele comunicado, o
Conselho Europeu devia desempenhar uma dupla função: ocupar-se dos assuntos
comunitários e configurar-se como o órgão da cooperação política europeia.

o Composição, organização e funcionamento

TUE: 13º/1
O Conselho Europeu é uma instituição da União Europeia de pleno direito.

TUE: 10º/2 + 15º/2 e 3


O Conselho Europeu reúne pelo menos duas vezes por semestre em Bruxelas. É composto
pelos respetivos Chefe de Estado ou de Governo dos Estados-membros, pelo seu
Presidente e pelo Presidente da Comissão. O Alto Representante da União para os
Negócios Estrangeiros e para a Política de Segurança participa nos seus trabalhos. Além
disso, quando a ordem do dia o exigir, os membros do Conselho Europeu podem fazer-
se assistir por um Ministro e o Presidente da Comissão pode fazer-se assistir por um
membro da Comissão.

TFUE: 235º/2
O Presidente do PE pode ser convidado para ser ouvido pelo Conselho Europeu.

TUE: 15º/5
O Tratado de Lisboa criou o cargo de Presidente do Conselho Europeu. Vem substituir o
sistema das presidências rotativas semestrais, exercidas pelo Chefe de Estado ou de
Governo do Estado-membro a quem cabia a presidência do Conselho Europeu.
Isto foi visto por alguns como um ponto negativo, porque esse sistema dava visibilidade
aos Estados médios e pequenos, que aproveitavam a sua presidência para brilhar.

TUE: 15º/6 Funções do Presidente do Conselho Europeu.

TUE: 15º/4 A regra de deliberação do Conselho Europeu é o consenso, com algumas


exceções previstas nos Tratados TFUE: 235º/3 e 236º

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 93


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

o Competência

Inicialmente, a definição do papel do Conselho Europeu no quadro institucional foi objeto


de declarações políticas, designadamente, da Declaração Solene de Estugarda de 1983
sobre a União Europeia, tendo-se verificado, até à entrada em vigor do Tratado de
Maastricht, alguma confusão entre o Conselho Europeu e o Conselho.

O Tratado de Maastricht definia a competência do Conselho Europeu como sendo a de


dar à União os impulsos necessários ao seu desenvolvimento e definir as orientações
políticas gerais. Ou seja, reconhecia ao Conselho Europeu um papel de motor da
integração na PESC e na UEM.

TUE: 15º/1 Definição das competências do Conselho Europeu atualmente.


Estas orientações assumem a forma de «conclusões» que são adotadas por consenso e
contêm decisões ou instruções básicas e orientações políticas destinadas ao Conselho ou
à Comissão Europeia. Assim, a União Económica e Monetária, o sistema monetário
europeu, a eleição do Parlamento por sufrágio universal direto, ações de política social e
as questões da adesão contam-se entre as áreas de ação do Conselho Europeu.

A exclusão da função legislativa não é absoluta, na medida em que o Conselho Europeu


pode ter de agir em vez do Conselho em algumas situações – TFUE: 48º, 82º, 83º e 87º/3.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 94


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

CONSELHO

TUE: 16º

o Composição

Após o Tratado de Fusão de 1965, o Conselho passou a ser um órgão comum das três
Comunidades. O artigo 2º daquele tratado previa que «o Conselho é composto por
representantes dos Estados-membros. Cada Governo delega num dos seus membros».

TUE: 16º/2 e 6 A composição do Conselho não tem membros fixos, é variável em função
da ordem do dia, reunindo-se em diferentes formações em função da área política
agendada, sendo que cada país envia um Ministro de tutela da área em questão ou os
respetivos Secretários de Estado. Esta lista é adotada com base no TFUE: 236º.
Exemplo: quando o Conselho se reúne para debater assuntos económicos e financeiros, é
o Ministro das Finanças de cada país que estará presente.

Não existe nenhuma hierarquia entre as formações do Conselho, embora o Conselho dos
Assuntos Gerais tenha um papel especial de coordenação e seja responsável pelos
assuntos institucionais, administrativos e horizontais. O Conselho dos Negócios
Estrangeiros também tem um mandato especial.

Qualquer uma das 10 formações do Conselho pode adotar um ato que seja da competência
de outra formação. Por esse motivo, a formação não é mencionada em nenhum ato
legislativo adotado pelo Conselho

TUE: 16º/9 As reuniões são presididas pelo ministro do Estado-Membro que exerce a
presidência semestral do Conselho. As mudanças de presidência ocorrem em 1 de
janeiro e 1 de julho de cada ano.
TUE: 18º/3 Exceção a esta regra é o Conselho dos Negócios Estrangeiros, que é
habitualmente presidido pelo Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros
e a Política de Segurança.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 95


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Dada a mudança relativamente frequente da Presidência, cada uma elabora com base na
sua atividade um programa de trabalho, que é decidido em conjunto com as duas
presidências seguintes, sendo assim válido por um período de 18 meses (o chamado «Trio
de Presidências»).

À presidência do Conselho cabe, sobretudo, orientar os trabalhos dos conselhos e


respetivos comités no âmbito das suas competências. Para além disso, a presidência do
Conselho assume também um protagonismo político na medida em que o Estado-Membro
que ocupa a presidência é avaliado pela comunidade internacional, o que permite
nomeadamente aos «pequenos» países «medir-se» também com os «grandes» no plano
político e afirmar-se no contexto da política europeia.

o Funcionamento

As condições de funcionamento do Conselho estão previstas no TUE, no TFUE e no


seu regulamento interno.

TUE: 16º/8 A publicidade das reuniões do Conselho quando se debruça sobre atos
legislativos contribui para o reforço da transparência e da democracia no sistema
institucional da União.

TUE: 16º/7 + TFUE: 240º/1


A atividade do Conselho é preparada por um número considerável de instâncias
preparatórias (comités e grupos de peritos ou de trabalho) compostas por representantes
dos Estados-Membros. A instância preparatória mais importante é o Comité de
Representantes Permanentes dos governos dos Estados-Membros (COREPER), que,
regra geral, reúne pelo menos uma vez por semana.
O COREPER não é um órgão da UE, é um órgão auxiliar do Conselho, ao qual está
subordinado. Não dispõe de competência de decisão nem a pode receber por delegação.
A sua função é a preparação dos trabalhos do Conselho e aí não pode menosprezar o
direito de iniciativa reconhecido à Comissão.
O COREPER não pode decidir, mas se chegar a acordo, o Conselho pode, posteriormente,
aprovar o ato sem discussão, pois o assunto será inserido no ponto A da agenda do
Conselho, que é o ponto em que se adota o ato sem discussão. Na verdade, a ordem do
dia é estabelecida previamente pelo Presidente com a colaboração do COREPER e do
Secretariado-Geral do Conselho, compreendendo as duas partes a cima mencionadas
(assuntos legislativos e não legislativos) e dentro de cada uma delas comporta uma parte
A (votação sem debate) e uma parte B (debates seguidos ou não de votação). A Comissão
participa nas deliberações do Conselho para defender as suas propostas.

O Conselho conta com o apoio de um Secretariado-Geral, composto por


aproximadamente 2800 funcionários e sob a autoridade de um secretário-geral nomeado
pelo Conselho.

TFUE: 134º + TUE: 38º


Os Tratados preveem ainda alguns comités, como o Comité Económico e Financeiro e o
Comité Político e de Segurança. O Conselho tem vindo a criar diversos comités com base
nos Tratados.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 96


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

o Negociações e tomada de decisão no Conselho / Votação

É no âmbito das deliberações do Conselho que se constrói o equilíbrio entre os interesses


dos Estados-Membros e os da União. Embora sejam os interesses nacionais que
geralmente prevalecem ao nível do Conselho, os seus membros devem, todavia, ter
presentes os objetivos e as necessidades de toda a UE. O Conselho é uma instituição da
União, não é uma conferência governamental, razão pela qual as suas deliberações visam
conseguir não o mais pequeno denominador comum entre os interesses dos Estados-
Membros, mas um equilíbrio ideal entre os interesses da União e os interesses da cada
Estado-Membro.
As regras de votação no seio do Conselho são extremamente importantes, pois delas
depende o exercício do poder de decisão na União bem como a sua plena eficácia.
Portanto, a regra de votação no seio do Conselho depende da base jurídica ao abrigo da
qual aquela instituição adota o ato. O mesmo se aplica às propostas de alteração
apresentadas e discutidas no decurso de uma sessão.

TUE: 16º/3 e 4 + TFUE: 238º/2 e 3 + Protocolo nº36, artigo 3º


A regra geral de votação no Conselho é a maioria qualificada, salvo disposição em
contrário dos Tratados, os quais preveem, em certos casos a unanimidade, e noutros casos
a maioria simples.
Para evitar que Estados-Membros menos populosos impeçam a adoção de uma decisão
está previsto que uma minoria de bloqueio deva ser composta por pelo menos quatro
Estados-Membros, representando pelo menos 35% da população da UE. O sistema é
completado com um mecanismo adicional: caso não se verifique uma minoria de
bloqueio, o processo de decisão pode ser suspenso. Neste caso, o Conselho não procede
à votação, mas continua as negociações durante um «prazo razoável», caso membros do
Conselho que representem pelo menos 75% da população ou pelo menos 75% do número
de Estados-Membros assim o exijam como necessário para se formar uma minoria de
bloqueio.

TFUE: 238º/1, 240º/2 e 3, 241º, 242º.


Só em determinados domínios, em especial questões processuais, é que a maioria simples
é suficiente, dispondo cada membro do Conselho de um voto

TFUE: 238º/4
Está prevista nos Tratados a unanimidade para decisões
políticas em domínios especialmente sensíveis. Todavia, as
abstenções não podem obstar à tomada de uma decisão. A
unanimidade aplica-se também a decisões relativas a impostos,
segurança social e proteção dos trabalhadores, à determinação
de violações aos princípios constitucionais por um Estado-
Membro, bem como decisões relativas à definição dos
princípios no domínio da Política Externa e de Segurança
Comum e respetiva aplicação ou decisões no domínio da
cooperação policial e judiciária em matéria penal.

Tendo em conta a importância da população para o apuramento


da maioria qualificada no seio do Conselho, o Regulamento
Interno do Conselho fixa no Anexo III números referentes à
população da União e de cada Estado-membro da União.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 97


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

A aprovação das decisões por maioria qualificada no seio do Conselho e do Conselho


Europeu continua a depender de uma tripla maioria, o que em nada contribui para a
simplificação nem para a maior eficiência do processo.

A ponderação de votos no seio do Conselho confere aos Grandes, e sobretudo a Espanha,


um aumento de poder, mesmo tendo em conta a especificidade da negociação no seio da
União. Esse poder é ainda reforçado pela relevância que pode ser dada à população para
o apuramento da maioria qualificada, o que aumenta a possibilidade de os Estados mais
populosos, designadamente a Alemanha, bloquearem as decisões do Conselho, com o
apoio de muito poucos.

Estas regras foram introduzidas no Tratado de Nice e, na altura, baseavam-se no princípio


da maior legitimidade democrática da União, mas na verdade, isto apenas tem que ver
com o receio de os Estados grandes perderem o seu peso no seio da União e perderem o
seu poder devido aos alargamentos que foram feitos a leste.

o Competência

TUE: 16º/1 O Conselho tem competência para aprovar atos legislativos e para aprovar o
orçamento. O Conselho tem a função de elaborar legislação, que exerce no quadro do
processo de codecisão em conjunto com o Parlamento Europeu e, além disso, elabora
ainda, com base num anteprojeto da Comissão Europeia, um orçamento que depois
precisa ainda de obter a aprovação do Parlamento Europeu.
É também o Conselho que recomenda ao Parlamento Europeu que dê quitação à
Comissão pela execução do orçamento.

O Conselho tem uma intervenção muito importante em certos domínios:


• Coordenação das políticas económicas e sociais dos Estados-membros que fazem
parte da zona Euro.
• PESC – TUE: 26º/2
• É responsável por celebrar acordos entre a União e países terceiros ou
organizações internacionais.
• Alargamento das competências das instituições da União – TFUE: 352º
• Poder de aprovar decisões de natureza constitucional em matéria de recursos
próprios da União – TFUE: 311º, 3ª parte
• Eleição dos deputados ao PE, sob reserva de aprovação por parte dos EM’s, de
acordo com as suas regras constitucionais – TFUE: 223º/1, 2ª parte
• Nomear os membros do Tribunal de Contas, do Comité Económico e Social
Europeu e do Comité das Regiões.

TFUE: 291º/2 O Conselho não é o órgão de execução dos atos legislativos por
excelência, mas em casos específicos devidamente justificados, ele pode reservar para si
a execução de atos juridicamente vinculativos.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 98


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

COMISSÃO

A Comissão tem a sua origem na Alta Autoridade da CECA, tendo passado a ser um
órgão comum às três Comunidades após o Tratado de Fusão de 1965. Sempre se tratou
de um órgão independente dos Estados-membros, dotado de poderes importantes, mas foi
sofrendo diversas alterações com os Tratados de Maastricht, Amsterdão e Nice.

o Composição, modo de designação e independência

TUE: 17º/4 e 3 A Comissão Europeia é composta por um membro nacional de cada


Estado-Membro. No seguimento de uma decisão do Conselho Europeu, o disposto no
TUE: 17º/5 de reduzir o número de membros da Comissão para dois terços do número
de Estados-Membros a partir de 1 de novembro de 2014 não entrou em vigor.

TUE: 17º/7 Modo de designação do Presidente da Comissão e dos seus membros.

TUE: 17º/3 + TFUE: 245º e 247º


Os membros da Comissão são independentes em relação aos interesses privados. Os
comissários têm de exercer as suas funções em exclusividade, não podendo exercer
quaisquer outras tarefas remuneradas ou não. Estes não podem ser destituídos pelo
Conselho, nem pelo conjunto dos Governos.

o Mandato e responsabilidade

TUE: 17º/3 O presidente e os membros da Comissão são nomeados para um período de


cinco anos, salvo TFUE: 246º demissão voluntária ou compulsiva, através do
procedimento de investidura, previsto no TFUE: 17º/6.
Este procedimento desenrola-se em várias etapas:
1. Nomeia-se o presidente
2. São selecionadas as pessoas a nomear para membros da Comissão
3. Nomeiam-se oficialmente o presidente da Comissão, o Alto Representante da
União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e os outros
membros da Comissão.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 99


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

TUE: 17º/7 Os resultados das eleições para o Parlamento Europeu devem ser tomados
em consideração aquando da seleção do candidato para o cargo de presidente. Este novo
requisito tem como objetivo aumentar o nível de politização da Comissão. Em última
análise, tal significa que os grupos políticos que controlam uma maioria no Parlamento
têm um peso significativo na nomeação do presidente.

Aquando da nomeação de Jean-Claude Juncker, o Parlamento acabou por forçar o


Conselho a propor-lhe o candidato avançado pelo grupo político maioritário no
Parlamento (PPE). Para o efeito, o Parlamento utilizou a regra de que, se o candidato ao
cargo de presidente for recusado pelo Parlamento, o Conselho, deliberando por maioria
qualificada, deve propor um novo candidato no prazo de um mês a contar da decisão do
Parlamento, que será nomeado em conformidade com o mesmo procedimento. Isto
confere um valor considerável à nomeação pelos partidos de Spitzenkandidaten, ou
candidatos de primeira linha, para as eleições parlamentares, e torna mais visível para os
cidadãos a importância da participação, uma vez que o seu voto contribui de forma
indireta para a eleição do presidente da Comissão. O Parlamento elege o candidato
proposto por maioria dos seus membros.

Uma vez eleito o presidente, o Conselho adota «de comum acordo» a lista das demais
personalidades que tenciona nomear para membros da Comissão, que é elaborada de
acordo com as propostas dos Estados-Membros. As pessoas são escolhidas em função da
sua competência geral e do seu empenhamento europeu, devendo ser totalmente inde-
pendentes no desempenho das suas obrigações.
TUE: 18º/1 Uma maioria qualificada no Conselho é suficiente para nomear o alto-
representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança.
O Conselho e o presidente eleito da Comissão devem chegar a consenso quanto aos
candidatos. A nomeação do alto-representante exige mesmo o acordo expresso do
presidente indigitado da Comissão. Os outros membros da Comissão não podem ser
nomeados se o presidente eleito vetar a nomeação.
TUE: 17º/8 Uma vez eleito, o colégio está sujeito a um voto de aprovação do PE.
Contudo, os comissários indigitados devem primeiro responder às questões colocadas
pelos deputados numa audição, que dizem habitualmente respeito a tópicos que se
enquadram no âmbito previsto das suas responsabilidades e a posições pessoais quanto
ao futuro da UE. Após a aprovação do Parlamento, por maioria simples, o presidente e os
outros membros da Comissão são nomeados pelo Conselho, deliberando por maioria
qualificada. A Comissão começa a exercer as suas funções assim que forem nomeados os
seus membros.

TFUE: 234º O PE pode votar uma moção de censura à Comissão, que se for aprovada
obriga à demissão dos seus membros. Porém, a exigência da dupla maioria fez com que
isso nunca se tenha verificado até hoje.

o Funcionamento

TUE: 17º/6 Funções do Presidente da Comissão.


A liderança da Comissão cabe ao seu presidente, que tem uma posição forte dentro da
Comissão. O presidente já não é um mero «primeiro entre iguais», é alguém que goza de
uma posição de destaque. Como tal, o presidente tem autoridade tanto para emitir
orientações como para exercer o controlo organizacional. Investido destes poderes, o

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 100


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

presidente é responsável por assegurar que a ação tomada pela Comissão é coerente,
eficiente e cumpre o princípio da colegialidade, que está especialmente patente no facto
de as decisões serem tomadas por um órgão colegial.

TFUE: 250 e 248º As deliberações da Comissão são tomadas por maioria dos seus
membros. A Comissão constitui um colégio, pelo que todos os membros do colégio são
coletivamente responsáveis, no plano político, pelo conjunto das decisões adotadas.

Por último, a posição de destaque do presidente também está patente no direito que lhe
assiste de ser ouvido em relação à seleção de outros membros da Comissão e no facto de
ser membro do Conselho Europeu.

Os comissários constituem equipas de projeto sob a liderança de um vice-presidente,


tratando cada equipa de um dos seguintes domínios políticos:
1. União da Energia resiliente dotada de uma política em matéria de alterações
climáticas virada para o futuro;
2. Emprego, Crescimento, Investimento e Competitividade;
3. Mercado Único Digital;
4. Euro e Diálogo Social;
5. Orçamento e Recursos Humanos.
Os vice-presidentes atuam em nome do presidente da Comissão, como seus
representantes. São eles que orientam e coordenam o trabalho de vários comissários nos
domínios da sua responsabilidade. O primeiro vice-presidente assume um papel especial,
atuando como «braço direito» do presidente, sendo-lhe confiadas funções horizontais
como a agenda «Legislar Melhor», as relações interinstitucionais, o Estado de direito e a
Carta dos Direitos Fundamentais. Uma proposta da Comissão só chega a ser debatida na
Comissão se for reconhecida como uma medida necessária pelo primeiro vice-presidente.

o Competência

A Comissão é o principal motor da política da UE. Está na origem de toda a ação da


União, já que lhe compete apresentar ao Conselho propostas legislativas para a UE (o
chamado direito de iniciativa da Comissão). A Comissão não desenvolve as suas
atividades de acordo com as suas preferências, estando obrigada a agir quando o interesse
da UE assim o exigir.

TFUE: 241º e 225º + TUE: 11º/4 Também o Conselho, o Parlamento Europeu e um


grupo de cidadãos da União, no âmbito de uma iniciativa de cidadania, podem convidar
a Comissão a elaborar uma proposta.

TUE: 17º/1 Conjunto de competências da Comissão.

TFUE: 258º A Comissão é também «guardiã do direito da União», vela pelo respeito e
pela aplicação pelos Estados-Membros do direito primário e derivado da União. Em caso
de violação do direito da União a Comissão instaura um procedimento por infração ao
Tratado e pode, se necessário, recorrer ao Tribunal de Justiça.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 101


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

A Comissão intervém ainda em casos de infrações à legislação da União perpetradas por


pessoas singulares ou coletivas, em especial infrações da lei europeia da concorrência,
podendo também infligir pesadas sanções.

O poder de controlo do cumprimento do Direito da União traduz-se na obtenção de


informações junto dos Estados e das empresas, nas verificações do respeito dos direitos
de defesa para as empresas, na aplicação de sanções às empresas, em caso de violação de
certas disposições do Direito da União, nomeadamente, de regras de concorrência e ainda
no poder de desencadear o processo por incumprimento.

A Comissão tem também a função de representante dos interesses da União. A Comissão


não pode por princípio defender outros interesses para além dos da União. Deve envidar
todos os esforços nas negociações no Conselho, que são frequentemente difíceis, para
fazer prevalecer o interesse da União e chegar a compromissos que tenham esse interesse
em conta. É, pois, simultaneamente um papel de mediação entre os Estados-Membros,
para o qual a sua neutralidade é especialmente apropriada e necessária.

A Comissão é, embora num âmbito limitado, um órgão executivo, designadamente no


domínio do direito da concorrência, em que exerce as funções de uma autoridade
administrativa clássica: analisa factos, concede autorizações, formula proibições e, se for
o caso, inflige sanções.
As competências administrativas da Comissão são também muito vastas no contexto dos
fundos estruturais da UE e da execução orçamental.

Regra geral, é, todavia, aos próprios Estados-Membros que compete velar pela execução
das disposições da União em cada caso concreto. Esta solução, devidamente consagrada
nos Tratados, tem a vantagem de aproximar os cidadãos de uma realidade para eles ainda
um pouco «distante», a da ordem europeia, colocando-a sob a autoridade e no quadro
familiar da ordem nacional.

TUE: 17º/2 A Comissão detém um poder de iniciativa legislativa que exerce por
iniciativa própria ou a pedido do PE.

À Comissão são atribuídos poderes legislativos primários apenas em casos pontuais (por
exemplo no domínio do orçamento da UE, dos fundos estruturais, do combate à
discriminação fiscal ou dos auxílios e cláusulas de salvaguarda). Aqui a Comissão detém
um poder normativo autónomo.
Por outro lado, também são atribuídos à Comissão poderes legislativos de execução das
regras da União, delegados pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu, onde a Comissão
detém um poder normativo subordinado TFUE: 290º.

TFUE: 292º e 258º A Comissão pode adotar recomendações e pareceres.

O papel da Comissão não é idêntico em todos os domínios materiais previstos nos


Tratados, desempenha um papel muito mais reduzido no âmbito da PESC do que noutros
domínios.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 102


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

ALTO REPRESENTANTE DA UNIÃO PARA OS NEGÓCIOS


ESTRANGEIROS E PARA A POLÍTICA DE SEGURANÇA

TUE: 18º

Este cargo não se tornou, como previa o projeto de constituição, no cargo de Ministro dos
Negócios Estrangeiros da UE, embora a sua posição na estrutura institucional se tenha
visto significativamente reforçada e alargada. O Alto-Representante tem, por isso, uma
ligação ao Conselho, onde ocupa a presidência do Conselho de Assuntos Externos, e tem
uma ligação à Comissão, onde é vice-presidente responsável pelos Negócios
Estrangeiros.

O Alto-Representante é nomeado pelo Conselho Europeu, por maioria qualificada, com


o aval do Presidente da Comissão, sendo assistido pelo Serviço Europeu para a Ação
Externa (SEAE), que foi criado em 2011 e é resultado da fusão dos departamentos de
política externa da Comissão e do Conselho e da integração dos diplomatas dos serviços
diplomáticos nacionais.

Os conselheiros estão organizados em três grupos (empregadores, trabalhadores e


representantes da sociedade civil). Os pareceres que a assembleia plenária adota são
elaborados por «grupos especializados». Acresce que o CESE coopera estreitamente com
as comissões e os grupos de trabalho especializados do Parlamento Europeu.
Em determinadas circunstâncias, deve ser consultado no processo legislativo. Pode
também emitir pareceres de sua própria iniciativa. Estes pareceres constituem uma síntese
de posições por vezes muito díspares e extremamente úteis para a Comissão e o Conselho,
na medida em que dão a conhecer as alterações que os grupos diretamente visados pelas
propostas gostariam de nelas ver introduzidas.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 103


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA

TUE: 19º

TUE: 13º/2 Refere que o Tribunal de Justiça da União Europeia é uma das instituições
da UE, mas na verdade este abrange o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral.

o Competência do TJUE

TUE: 19º/1 O TJUE garante o respeito do Direito na interpretação e aplicação dos


Tratados. Para tal, o TJUE é dotado de uma competência muito vasta:
• Controlo preventivo dos projetos de convenções internacionais de que a União é
parte
• Controlo sucessivo dos atos das outras instituições da União
• Fiscalização do cumprimento das obrigações dos Estados-membros
O TJUE dispõe de uma enorme panóplia de meios contenciosos e debruça-se sobre uma
quantidade muito ampla de matérias, que vai desde o Direito Constitucional ao Direito
Civil, do Direito Administrativo ao Direito Penal, do Direito do Trabalho ao Direito do
Ambiente.

TFUE: 267º e 263º Pode afirmar-se que o TJUE exerce funções próprias de um Tribunal
Constitucional quando interpreta ou aprecia a validade de uma norma da União por
confronto com os Tratados, assim como quando aprecia a validade dos atos legislativos
do Conselho, do Parlamento e ainda da Comissão, nos casos em que ela detém
competência legislativa, a requerimento de algumas destas instituições ou Estados-
membros.

TFUE: 218º/11 O Tribunal exerce um controlo constitucional a priori quando aprecia a


compatibilidade de um projeto de convenção internacional de que a União é parte com o
Tratado. Neste caso, será um tribunal constitucional em sentido funcional.

O TJUE também atua como um verdadeiro Tribunal Constitucional, do ponto de vista


material, quando exerce o controlo da constitucionalidade do Direito Derivado, quando
salvaguarda os princípios do equilíbrio institucional, da subsidiariedade e da
proporcionalidade, quando garante a repartição de atribuições entre os Estados-membros
e a UE e quando assegura a proteção dos direitos fundamentais.

O TJUE também é um Tribunal Administrativo quando se pronuncia sobre recursos de


anulação de atos individuais ou sobre ações de omissão nas mesmas condições.

TFUE: 258º e ss. O TJUE também atua como um Tribunal Internacional quando declara
o incumprimento de um Estado-membro.

O TJUE também exerce funções próximas das de um tribunal interno de natureza cível,
nomeadamente, em matéria de responsabilidade civil extracontratual da União Europeia.

Pode definir-se a competência do TJUE da seguinte forma:


• Diálogo judicial – processo das questões prejudiciais TFUE: 267º
• Controlo jurisdicional a título preventivo – processo consultivo TFUE: 218º
• Controlo jurisdicional a título sucessivo

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 104


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

§Dos atos dos Estados-membros por incumprimento TFUE: 272º e 273º


§Dos atos das instituições da UE
i. Recurso de anulação TFUE: 263º e 264º
ii. Ação de omissão TFUE: 265º e 266º
iii. Exceção de ilegalidade TFUE: 277º
iv. Ação de indemnização TFUE: 268º e 340º
v. Recurso dos funcionários TFUE: 270º
• Competência arbitral TFUE: 272º e 273º

Algumas destas competências estão reservadas ao Tribunal de Justiça, enquanto que


outras devem ser exercidas pelo Tribunal Geral.

Tribunal de Justiça

TUE: 19º/2 É a mais alta instância judicial na jurisdição europeia. O TJ é composto de


um juiz por cada Estado-membro, sendo assistido por oito advogados-gerais.
TFUE: 252º Esse número pode ser aumentado por decisão unânime do Conselho, a
pedido do TJ.

ETJ: 20º, 5ª parte A intervenção dos advogados-gerais nos processos não é obrigatória.
O Tribunal, ouvido o advogado-geral, pode prescindir das conclusões se considerar que
não se suscitam novas questões de direito.

TUE: 19º/2 + TFUE: 255º, 253º e 254º Modo de designação e estatuto dos juízes e dos
advogados-gerais. Este sistema de designação pretende tornar o TJ autónomo em relação
aos outros órgãos da União, especialmente em relação ao Conselho. A introdução do
comité neste processo teve em vista impedir que personalidades sem as qualificações
adequadas para a função sejam nomeadas pelos Governos apenas por razões políticas.

TFUE: 253º, 2ª parte O mandato dos juízes e dos advogados-gerais é renovável. Em


teoria, a designação dos juízes não está sujeita a nenhuma regra de nacionalidade, pelo

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 105


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

que poderá ser designado um cidadão de Estado terceiro, no entanto, tal não se tem
verificado na prática.

TFUE: 252º, 1ª parte A garantia da independência não se refere unicamente ao


comportamento do juiz no exercício das suas funções, mas também à própria
personalidade do juiz.

O Tratado não se limita a exigir a garantia da independência no momento da sua


designação: contém uma série de disposições que pretendem assegurar a manutenção
desta independência ao longo do exercício das suas funções.
ETJ: 2º Os juízes comprometem-se, sob juramento, a exercer as suas funções em plena
imparcialidade e consciência e nada divulgar do segredo das deliberações. Estas
obrigações mantêm-se após a cessação de funções.
ETJ: 4º O estatuto de juiz implica algumas incompatibilidades. Os juízes não podem
exercer qualquer atividade política ou administrativa e nenhuma outra atividade
profissional, remunerada ou não, salvo autorização, a título excecional, do Conselho.
Como contrapartida destas obrigações, os juízes gozam de certos direitos.

TFUE: 251º Com o objetivo de impedir que o TJ se transforme numa assembleia, o


Tribunal a três níveis: em Secção, em Grande Secção e em Pleno. A regra é a da
apreciação do processo pelas Secções, sendo a formação em Grande Secção e em Pleno
a exceção.

TFUE: 253, 3ª parte O Presidente do TJ é eleito por três anos, em escrutínio secreto, por
maioria absoluta. O Presidente representa o TJ, dirige os trabalhos e os serviços do TJ e
preside às audiências.

TUE: 19º/1 O Tribunal de Justiça é a jurisdição suprema para todas as questões decor-
rentes do direito da União. Compete-lhe, na generalidade e para esse efeito, «garantir o
respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados». Esta apresentação geral
das suas funções comporta três domínios fundamentais:
• Controlo do respeito do direito da União, quer em termos da conduta das
instituições da UE aquando da aplicação das disposições dos Tratados, quer em
termos do cumprimento das obrigações decorrentes do direito da União pelos
Estados-Membros e pessoas singulares;
• Interpretação do direito da União;
• Desenvolvimento da legislação da União.

O Tribunal de Justiça desempenha estas funções através de atividades de consulta jurídica


e de jurisprudência.

A consulta jurídica assume os contornos de pareceres vinculativos sobre acordos que a


União pretende celebrar com países terceiros ou organizações internacionais.

O seu papel de instância jurisprudencial é, porém, muito mais significativo.


Neste contexto, o Tribunal de Justiça tem competências que no sistema jurídico dos Esta-
dos-Membros estão repartidas por várias jurisdições. Assim, age enquanto jurisdição
constitucional nos litígios entre as instituições da União e no controlo da legalidade da

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 106


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

legislação da União; é uma jurisdição administrativa para verificar os atos


administrativos adotados pela Comissão ou, indiretamente, pelas autoridades dos
Estados-Membros (com base no direito da União); funciona enquanto jurisdição social e
do trabalho para as questões atinentes à liberdade de circulação, à segurança social dos
trabalhadores e à igualdade de tratamento entre homens e mulheres no mundo do trabalho;
tem um papel de jurisdição financeira para questões de validade e interpretação das
diretivas relativas a direito fiscal e aduaneiro, e é uma jurisdição cível para julgar ações
de reparação de danos ou para a interpretação da legislação relativa ao reconhecimento e
à execução das decisões judiciais em matéria cível e comercial.

Tribunal Geral

Inicialmente chamava-se Tribunal de Primeira Instância (TPI). Este não se encontrava


previsto na versão inicial do Tratado de Roma. Foi o AUE que previu a sua criação.

O Tratado de Maastricht estendeu a competência do TPI, excluindo apenas as questões


prejudiciais, mas foi o Tratado de Nice que alterou profundamente o estatuto do TPI, que
passou a ser mencionado nos Tratados ao lado do TJ e deixou de ser um tribunal de
primeira instância, passando a ser um tribunal de recurso quanto às questões de direito
das decisões dos tribunais especializados, que viessem a ser criados.

Apesar de se ter previsto nos Tratados um alargamento considerável da competência do


TPI, a verdade é que, na prática, não se verificaram assim tantas modificações, como veio
a ser confirmado pelo Tratado de Lisboa.

O Tribunal Geral não é uma nova instituição da União, mas antes um órgão do Tribunal
de Justiça da União Europeia que é independente e está organicamente separado do
Tribunal de Justiça. Possui uma estrutura administrativa própria e um regulamento
processual. Num intuito de clareza, os processos que dão entrada no Tribunal Geral são
classificados com a letra «T» (= Tribunal), seguida do número (por exemplo, T-1/99),

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 107


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

enquanto os do Tribunal de Justiça são classificados com a letra «C» (= Court), seguida
do número (por exemplo, C-1/99).

TFUE: 256º O TG tem competência para, em primeira instância, conhecer dos recursos
de anulação, de omissão, das ações de responsabilidade, dos recursos de funcionários e
dos recursos com fundamento em cláusula compromissória, com exceção dos que sejam
atribuídos a um tribunal especializado.
ETJ: 51º Contém derrogações a estas regras, estabelecendo a competência exclusiva do
TJ nos recursos de anulação e de omissão interpostos por um Estado-membro ou por uma
instituição da União quando estão em causa certos atos, decisões ou abstenções. Ou seja,
continua-se a consagrar uma reserva de competência do TJ em relação aos processos
propostos pelos Estados-membros, pelos órgãos comunitários e pelo BCE.

TFUE: 256º/2 e 3 + ETJ: 62º O TG é igualmente competente para conhecer dos recursos
interpostos das decisões de um tribunal especializado. Quanto às questões prejudiciais
previstas no artigo 267º TFUE, o TG pode conhecer delas em matérias específicas
determinadas pelo Estatuto, mantendo-se a possibilidade de remeter as questões
prejudiciais ao TJ quando está em causa a unidade e a coerência do Direito da União
Europeia. Trata-se de uma espécie de recurso no «interesse da lei».

TUE: 19º/1 e 2 O TG integra o Tribunal de Justiça da União Europeia e conta, pelo


menos, com um juiz por cada Estado-membro.

TUE: 19º/2 + TFUE: 255º, 253º e 254º Os juízes do TG são indicados pelos Estados-
membros, de comum acordo, sem intervenção do PE nem do TJ, após consulta ao comité.
São nomeados por 6 anos, sendo metade substituídos de 3 em 3 anos. Beneficiam dos
privilégios e das imunidades idêntico aos juízes e advogados-gerais do TJ.

TFUE: 254º + ETJ: 49º O TG não dispõe de advogados-gerais permanentes, mas os


juízes podem, em certas circunstâncias, ser chamados a desempenhar as funções de
advogado-geral, possibilidade esta que, devido ao excesso de trabalho dos juízes, não tem
tido aplicação prática.

ETJ: 50º O TG pode funcionar em secções de 3 ou 5 juízes, bem como em sessão plenária
ou através de juiz singular. O Regulamento de Processo pode ainda prever a reunião em
Grande Secção, nos casos e condições nele previstos.
As secções elegem os seus presidentes, sendo que o Estatuto estabelece expressamente
que os presidentes das secções de 5 juízes são eleitos por 3 anos e só podem ser reeleitos
uma vez.

Tribunais especializados

TFUE: 257º
Prevê a criação de tribunais especializados pelo Conselho e o PE, deliberando de acordo
com o processo legislativo ordinário. Atualmente, há um tribunal especializado para
litígios administrativos.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 108


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BANCO CENTRAL EUROPEU

TUE: 13º/1 + TFUE: 282º e ss. + Protocolo nº4

O BCE não é uma instituição como as outras, dado que a sua competência não se estende
a todas as matérias dos Tratados, mas somente às matérias monetárias.

TFUE: 127º a 133º Atribuições do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) e do


Banco Central Europeu.

O Banco Central Europeu (BCE) tem a sua sede em Frankfurt-am-Main e está no cerne
da União Económica e Monetária, cabendo-lhe determinar o volume das emissões da
moeda europeia, o euro, e sendo também o responsável pela estabilidade desta divisa.

TFUE: 130º + 282º/3 Para que o BCE possa levar a bom termo a sua missão, inúmeras
são as disposições que consagram a sua independência. Nem o BCE nem nenhum banco
central de um Estado-Membro podem receber instruções das instituições da UE, dos
governos dos Estados-Membros ou de qualquer outra entidade quando exercem os seus
poderes e no cumprimento das suas atribuições e deveres. As instituições da UE e os
governos dos Estados-Membros comprometem-se a não fazer qualquer tentativa neste
sentido.

TFUE: 129º, 282º/1 e 127º/2 O Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) compõe-
se do BCE e dos bancos centrais dos Estados-Membros. Cabe-lhe conceber e executar a
política monetária da União e só ele pode autorizar a emissão de notas e de moedas na
União. Compete-lhe ainda gerir as reservas cambiais oficiais dos Estados-Membros e
promover o bom funcionamento dos sistemas de pagamentos da União.

TFUE: 132º/1 + 263º e 267º Embora limitado às matérias monetárias, o Banco pode
emitir regulamentos, tomar decisões, formular recomendações e emitir pareceres. Estes
atos, tal como os atos adotados pelas outras instituições, podem ser impugnados pela via
do recurso de anulação ou podem ser objeto de questões prejudiciais.

TFUE: 288º Este artigo referente às fontes de direito derivado da União, não menciona
expressamente os atos do BCE, o que pode causar alguma perplexidade. No entanto, esta
ausência justifica-se pelo facto de estas fontes terem um caráter específico, restrito à
matéria monetária.

TFUE: 296º e ss. Aplicam-se-lhe as regras gerais em matéria de fundamentação e


publicidade.

Estatuto do SEBC e do BCE: 34º/3 O BCE pode ainda aplicar multas ou sanções
pecuniárias temporárias às empresas, em caso de incumprimento de obrigações
decorrentes dos seus regulamentos e decisões, nos limites e condições fixados pelo
Conselho, de acordo com o procedimento previsto no artigo 41º do Estatuto.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 109


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

O Tribunal de Constas foi criado pelo Tratado de Bruxelas em 22 de julho de 1975 em


matéria orçamental, tendo iniciado as suas funções em 1977 no Luxemburgo. Mais tarde,
foi erigido a órgão principal das Comunidades Europeias pelo Tratado de Maastricht.
Atualmente, encontra-se previsto no TUE:13º/1 e tem como principal função fiscalizar
as contas da União – TFUE: 285º.

TFUE: 285º O Tribunal de Contas é composto por um nacional de cada Estado-membro,


os membros são TFUE: 286º/1 escolhidos de entre personalidades que pertençam ou
tenham pertencido, nos respetivos países, a instituições de fiscalização externa ou que
possuam uma qualificação especial para essa função.

TFUE: 286º/2 O Conselho, após consulta ao PE, aprova por maioria qualificada a lista
dos membros estabelecida em conformidade com as propostas apresentadas por cada
Estado-membro, sendo que o seu mandato é de seis anos, renovável.

TFUE: 285º e 286º/1, 3 e 4 Os membros do Tribunal de Constas devem oferecer todas


as garantias de independência e devem exercer as suas funções com total independência,
no interesse geral da União. Por conseguinte, não solicitarão nem aceitarão instruções de
nenhum Governo ou qualquer entidade e abster-se-ão de praticar qualquer ato
incompatível com a natureza das duas funções. Enquanto durarem as suas funções, não
podem exercer qualquer atividade remunerada ou não.

TFUE: 286º/8 + Protocolo nº7


As disposições do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União são
igualmente aplicáveis aos membros do Tribunal de Contas.

TFUE: 287º Aqui estão estabelecidas as competências do Tribunal de Contas, cujo


principal expoente é o exame das contas da totalidade das receitas e das despesas da
União, bem como de qualquer órgão ou organismo criado pela União, na medida em que
o respetivo ato institutivo não exclua esse exame.

O Tribunal de Contas tem como missão verificar a legalidade e regularidade das receitas
e despesas da UE e assegurar-se de que a execução orçamental é correta. A verdadeira
arma do Tribunal de Contas é o efeito mediático. Os resultados da sua atividade de
fiscalização são compilados, após o encerramento do ano orçamental, num relatório anual
que é publicado no Jornal Oficial da União Europeia, tornando-se assim conhecido da
opinião pública. Além disso, o Tribunal de Contas pode, em qualquer altura, adotar
posições relativamente a matérias específicas, que são igualmente publicadas no Jornal
Oficial em relatórios extraordinários.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 110


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

OS ÓRGÃOS CONSULTIVOS DA UNIÃO EUROPEIA

TUE: 13º/4 + TFUE: 300º a 309º

Comité Económico e Social

Este órgão já se encontrava previsto na versão originária do Tratado de Roma.


Atualmente, está previsto no TFUE: 300º a 304º.

TFUE: 300º/2 O Comité Económico e Social (CESE) é composto por representantes dos
diferentes setores da vida económica e social.
TFUE: 301º e 302º/2 O Comité pode ter um máximo de 350 membros. A composição
concreta do Comité é definida por decisão do Conselho, deliberando por unanimidade,
sob proposta da Comissão. O mandato dos membros é de 5 anos, renovável.

TFUE: 304º A competência do Comité Económico e Social é meramente consultiva,


sendo, em muitos casos, obrigatória.

Comité das Regiões

O Comité das Regiões (CR) foi instituído apenas pelo Tratado de Maastricht, estando
atualmente previstos no TFUE: 300º/3 e 305º a 307.
O CR não é uma instituição da UE, uma vez que só exerce funções consultivas e não
desempenha, como as autênticas instituições da UE, as funções cometidas à União de
forma juridicamente vinculativa.

TFUE: 300º/3 e 305º O Comité das Regiões pode ter um máximo de 350 membros, que
representam as autoridades regionais e locais dos Estados-Membros que foram
mandatadas para governar através de eleições, ou que respondem politicamente perante
uma Assembleia eleita. A composição concreta do Comité é definida por decisão do
Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão. O mandato dos
membros é de 5 anos, renovável.

TFUE: 307º A competência do Comité Económico e Social é meramente consultiva,


sendo, em muitos casos, obrigatória. O Comité pode mesmo emitir parecer por iniciativa
própria. A consulta do CR pelo Conselho da UE ou pela Comissão é por vezes uma
consulta obrigatória, em especial quando se trata de questões da esfera da educação,
cultura, saúde pública, redes transeuropeias, transportes, telecomunicações e
infraestruturas energéticas, coesão económica e social, política de emprego e legislação
social. Acresce que o Conselho consulta regularmente e sem obrigação jurídica o Comité
das Regiões sobre diversos projetos legislativos, é a chamada consulta facultativa.

Banco Europeu de Investimento

TFUE: 308º e 309º + Protocolo nº5 A UE dispõe, para o seu «desenvolvimento


equilibrado e harmonioso», de um organismo financeiro sediado no Luxemburgo, o
Banco Europeu de Investimento (BEI). O BEI tem como missão a concessão de
empréstimos e garantias em todos os setores da economia, e sobretudo para desenvolver
regiões menos desenvolvidas, modernizar ou reconverter empresas e criar novos postos
de trabalho, assim como para projetos de interesse comum para vários Estados-Membros

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 111


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

PROVEDOR DE JUSTIÇA

O Provedor de Justiça foi criado no Tratado de Maastricht

TFUE: 228º/1 e 2
O Provedor de Justiça Europeu é eleito pelo PE pelo período da legislatura, podendo ser
reconduzido nas suas funções.

TFUE: 228º/3
O Provedor de Justiça exercerá as suas funções com total independência, não solicitará
nem receberá instruções de qualquer organismo e não pode exercer qualquer outra
atividade profissional, remunerada ou não.

TFUE: 228º/4
O estatuto do Provedor de Justiça é fixado pelo PE, por meio de regulamentos adotados
por iniciativa própria de acordo com um processo legislativo especial, após parecer da
Comissão e com a aprovação do Conselho.

TFUE: 228º/1
Competências e poderes do Provedor de Justiça.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 112


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

AS AGÊNCIAS INDEPENDENTES

Nos últimos anos tem-se assistido nas administrações publicas nacionais a um fenómeno
de descentralização funcional caracterizado pela criação de entidades instrumentais à
administração e com personalidade jurídica própria, às quais se atribui a realização de
funções específicas.
As agências independentes também são um fenómeno conhecido do Direito da União
Europeia, aliás, a criação de organismos distintos da estrutura institucional e orgânica
geral sempre esteve prevista no Tratado Euratom, que ainda continua em vigor. Porém, a
multiplicação das agências independentes é muito mais recente, procurando responder à
necessidade de assegurar determinadas tarefas para as quais as instituições e os órgãos da
União não se encontravam vocacionadas.

As agências independentes consistem em entidades com personalidade jurídica e


independência em relação às instituições da União em sentido próprio. Elas são dotadas
de autonomia financeira e são-lhes atribuídos uma série de poderes de natureza técnica,
científica ou de gestão específica. Estas agências operam em todos os domínios materiais
dos tratados, inclusivamente, nas matérias que anteriormente faziam parte dos pilares
intergovernamentais. Algumas delas encontram-se expressamente previstas nos tratados,
enquanto outras foram criadas por ato normativo, designadamente, por regulamento.

As agências independentes colocam problemas jurídicos complexos que se prendem,


designadamente, com os limites à possibilidade de delegação de poderes por parte do
Conselho, com o controlo da sua atividade e com a não inclusão das suas receitas e
despesas no orçamento da União.

As diversas agências independentes não estão submetidas a qualquer regime jurídico


unificado, o que tem dificultado bastante a obtenção de resultados.

TFUE: 263º/1, 1ª parte O Tratado de Lisboa esforçou-se por integrar melhor estas
agências no sistema institucional da União, tendo inclusivamente previsto a possibilidade
de recorrer de anulação contra os seus atos

As agências integram-se nos seguintes tipos:


• Agências e organismos descentralizados: destinam-se a apoiar os Estados-
membros e os seus cidadãos. Obedecem a um princípio de descentralização
geográfica e procuram responder à necessidade de adaptação a novas tarefas de
caráter jurídico, técnico e científico. São organismos de direito público europeu,
distintos das instituições da União e dotados de personalidade jurídica.
Exemplos: Agência Europeia dos Medicamentos (EMA); Instituto Europeu para
a Igualdade de Género (EIGE); Autoridade Bancária Europeia (EBA); etc.

• Agências de execução: organismos criados para efeitos de atribuição de


determinadas tarefas relacionadas com a gestão de um ou mais programas
comunitários.

• Agência e organismos da Euratom: estruturas criadas para apoiar a realização


dos objetivos do Tratado Euratom.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 113


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

A CLÁUSULA DE FLEXIBILIDADE26
O alargamento da competência das instituições e dos órgãos da união

TFUE: 352º

Pressupostos substanciais de aplicação desta cláusula:

1. Necessidade de uma ação da União


Esta condição depende, essencialmente, da liberdade de conformação do legislador.
Assim sendo, não se anteveem muitos casos de anulação de atos ou normas adotados com
base neste artigo por violação deste requisito.

2. No quadro das políticas definidas pelos Tratados


Este requisito estende o âmbito de aplicação deste preceito às matérias do TUE e aos
domínios integrados no TFUE.

3. Para atingir um dos objetivos estabelecidos pelos Tratados


Remete-se implicitamente para o TUE: 3º, o qual abrange tão díspares como o espaço de
liberdade, segurança e justiça, a liberdade de circulação de pessoas ou o mercado interno.
Todavia, a cláusula de flexibilidade não permite que se adotem atos no domínio dos
objetivos do âmbito da PESC, dado que estes se encontram expressamente excluídos,
devendo ser respeitados os limites do TUE: 40º.

4. Ausência de poderes de ação necessários para o efeito


Atualmente, este requisito poderá ser mais difícil de preencher. Em primeiro lugar, as
categorias e os domínios de atribuições da União estão definidas no TFUE: 2º a 6º.

Em segundo lugar, introduziram-se novas bases jurídicas relativamente a matérias que


antes não faziam parte dos Tratados ou eram insuficientemente reguladas. Ora, à medida
que as bases jurídicas específicas vão aumentando e as atribuições da União se precisam
e clarificam, é natural que a necessidade de recorrer a esta cláusula de flexibilidade
diminua.

Embora seja provável a redução dos casos de aplicação desta cláusula de flexibilidade,
nada garante que esta venha a ser utilizada apenas em casos excecionais e que venha a
funcionar, única e exclusivamente, como uma cláusula residual de resposta a
acontecimentos inesperados e a novos desafios.

Este procedimento conjuga as três legitimidades (integrativa, democrática e


intergovernamental).
• Proposta da Comissão.
• Mecanismo de alerta aos Parlamentos nacionais.
• Aprovação do Parlamento Europeu.
• Adoção pelo Conselho, deliberando por unanimidade.

26
Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 440 a 454

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 114


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Limites à aplicação desta cláusula:


• Não abrange os objetivos do domínio da PESC, têm de ser respeitados os limites
do TUE: 40º + TFUE: 352º/4
• Não pode haver harmonização TFUE: 353º/3
• Implicitamente, retira-se que esta cláusula não pode servir de fundamento para
alargamento do âmbito das atribuições da União para além do quadro geral do
Tratado, não pode servir como uma base jurídica adequada para se conferir novas
atribuições à União, dado que essas dependem da revisão do Tratado e também
não pode servir de fundamento à aprovação de disposições que impliquem, em
substância, nas suas consequências, uma alteração do Tratado.

Pressupostos formais de aplicação desta cláusula:

TFUE: 352º/2
Às propostas baseadas nesta cláusula, aplica-se o mecanismo de controlo do princípio da
subsidiariedade por parte dos parlamentos nacionais, previsto no TUE: 5º/3 e no
Protocolo nº2.
A Comissão alerta os Parlamentos nacionais para as propostas cuja base jurídica é esta
cláusula de flexibilidade, o que, por um lado, traduz uma limitação dos poderes do
Conselho, e por outro lado, contribui para tornar a União mais próxima dos cidadãos e
mais democrática.
Porém, a participação dos parlamentos nacionais não contribui para tornar a União mais
eficaz, no sentido de conduzir à adoção mais célere dos atos cuja base jurídica seja o
artigo 352º TFUE.

Protocolo nº2, artigo 6º, 7º/2 e 8º


A participação dos parlamentos nacionais retarda a adoção das medidas e, além disso, a
opinião dos mesmos não vincula as instituições da União, mas permite, desde logo,
antever a forte probabilidade de acionamento do recurso de anulação.
Na verdade, os parlamentos nacionais não têm legitimidade ativa para interpor um recurso
de anulação, eles apenas têm o poder de influenciarem o seu Estado-membro a fazê-lo.

Além disso, há um reforço dos poderes do PE, ao invés da mera consulta, os atos adotados
com base nesta cláusula de flexibilidade necessitam da aprovação do PE. O procedimento
legislativo ordinário não se aplica a estes atos, não se aplica a regra da votação por maioria
qualificada no seio do Conselho. As decisões com base nesta cláusula seguem a regra da
unanimidade.

TFUE: 353º
O artigo 352º TFUE não pode ser revisto com base no processo simplificado, o que
significa que a unanimidade no seio do Conselho bem como todos os outros pressupostos
de aplicação desta disposição só podem ser alterados com fundamento no processo de
revisão ordinário, previsto no TUE: 48º/2 e 5.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 115


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

PROCEDIMENTOS DE DECISÃO DA UNIÃO EUROPEIA

ANTES DO TRATADO DE LISBOA27

Apesar de serem procedimento que já não estão em vigor, as alegações de complexidade,


falta de eficácia e défice democrático que lhes foram dirigidas incentivaram as alterações
que se deram com o Tratado de Lisboa.

O princípio da separação de poderes nunca teve tanta clareza e efetividade na União


Europeia como tem nos seus Estados-membros, porque:
§ Dificuldade em determinar com exatidão as funções que cada órgão
desempenhava num caso concreto
§ Mesmo órgãos podiam exercer poderes legislativos a par de outros poderes,
geralmente de natureza administrativa ou de execução

Nos Estados-membros distingue-se entre função legislativa, atribuída ao parlamento e


função executiva, atribuída ao Governo. Na União Europeia não havia esta distinção,
confundindo-se as funções, contudo esta distinção é uma exigência do princípio do Estado
de direito da União Europeia e é relevância para a eficácia do sistema jurídico.

Contudo era claro que a União Europeia podia emanar normas jurídicas de caracter geral,
abstrato e inovador, desempenhado uma função legislativa. Era igualmente assente que o
Tribunal de Justiça ao decidir exercia uma função jurisdicional.

A maior confusão prendia-se com a determinação da função administrativa e executiva e


a distinção destas com a função legislativa.
Tratado Constitutivo da União Europeia: 202º Tanto a Comissão como o Conselho
podiam exercer a função administrativa, mencionando apenas a palavra “execução” não
distinguia entre execução normativa da material.
A doutrina tendia a considerar que o artigo se referia a execução normativa, ficando a
execução material a cargo da administração nacional. O Tribunal de Justiça28 considerou
porém que a referência a execução incluía a elaboração de normas de execução e a sua
aplicação a casos particulares.

Havia um poder de decisão atribuído ao Conselho, à Comissão e ao Parlamento Europeia,


daqui resultavam três atos: regulamentos, diretivas e decisões, mas só dois modos de
concretização das decisões jurídicas: regulamentos e decisões.
Nos Estados-membros havia a lei, regulamento e ato administrativo.

As normas não se podiam distinguir consoante o seu autor, pois o tratado não previa os
procedimentos em função da natureza normativa mas sim tendo em conta os poderes de
participação dos órgãos.

A estrutura tripartida da União fazia com que os procedimentos diferissem consoante


estivessem no pilar comunitário ou no intergovernamental.
A função legislativa e procedimentos de decisão no pilar comunitário

27
Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 455 a 463
28
Acórdão de 24/10/89, processo 16/88, coleção 1989, página 3457

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 116


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Não existia um critério material para determinação do procedimento aplicável, esta


decisão dependia dos consensos políticos que se gerassem.

Os procedimentos de decisão que permitiam o exercício da função legislativa eram:


o Procedimento de consulta, exercido pelo Conselho
o Procedimento de cooperação
o Procedimento de parecer favorável, exercido pelo Conselho
o Procedimento de codecisão, exercido pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu,
sendo onde era aprovada a maior parte da legislação comunitária.

A função administrativa ou de execução no pilar comunitário

Era aqui que se encontravam os problemas, principalmente devido à proliferação dos


comités, podendo ser criados pelo Conselho, pela Comissão ou até como grupos de
trabalhos por ambos e ainda por outros comités, que geravam falta de eficácia e
transparências na atuação da União.

Atuavam por vezes com funções de controlo mas geralmente era órgãos consultivos, de
acessória em matérias especificas.

o Atribuída à Comissão
Apesar de ser designada como o Executivo da União, os tratados atribuíam-lhe um poder
de decisão sem especificar a sua natureza.
Do ponto de vista funcional e institucional podia ser considerado o órgão executivo, mas
tinha um caracter também administrativo através das diretivas, com dimensão de caracter
técnico e não político como o executivo.

Apesar de TCE lhe atribuir a execução normativa e material, devido ao princípio da


subsidiariedade e da administração indireta da EU, a sua execução material só se
verificava quando os tratados o determinassem, pois a execução do DUE competia à
administração nacional por excelência.

A comissão tinha ainda poderes de execução singular em regras especificas, de


competência genérica de controlo do cumprimento do DUE e ainda de controlo e
supervisão sobre as administrações, procurando incumprimentos por parte dos Estado.

o Atribuída ao Conselho
Em regra desempenhava a função legislativa mas tinha poderes de execução normativa e
de execução singular, podendo até reservar a si competências de execução normativa.
Questionava-se em que circunstâncias tal podia acontecer, tendo-se pronunciado a
comitologia e a jurisprudência.
Outro problema suscitado por esta atribuição de poderes era que as decisões emanadas da
competência de execução normativa, ao contrário das que vem da função legislativa, não
podiam ser azo de controlo político.
O Tribunal de Justiça, procurando resolver esta questão criou uma hierarquia entre Direito
Secundário e Direito Terciário, ficando o último subtido ao primeiro.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 117


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

APÓS O TRATADO DE LISBOA29

Um dos principais objetivos do Tratado foi a reforma do procedimento de decisão na


União Europeia, procurando conjugá-lo com os seus instrumentos jurídicos, tendo em
vista alcançar a simplificação, eficácia e legitimidade democrática reforçada, através:
§ Eliminação da estrutura tripartida que levou à unificação dos instrumentos
jurídicos, eliminando os antigos, passando as diretivas, decisões se regulamentos
a fazer parte do Direito derivado.
§ Criando um critério formal de distinção entre ato legislativo e ato não legislativo.
TFUE: 289º/3 Os atos jurídicos adotados por procedimento legislativo são atos
legislativos, tendo consequências práticas.

Os procedimentos de adoção de atos legislativos

Tal como antes do Tratado o poder está distribuído por várias instituições, a Comissão, o
Conselho e o Parlamento Europeu. É também imposta a participação de certos órgãos,
Comité das Regiões e Comité Económico e Social e a possibilidade de participação dos
parlamentos nacionais.

o Iniciativa nos processos legislativos

TUE: 17º/2 Regra Geral: Proposta da Comissão


Exceção 1: Conselho ou Parlamento caso um tratado indique ou TFUE: 225º
+ 241º Caso solicitem à Comissão que lhes submeta propostas adequadas à
elaboração de atos para a aplicação de Tratados.
Exceção 2: TFUE: 76º Quatro Estados-Membros pode sobre cooperação
judicial em matéria penal e cooperação policial.
Exceção 3: TUE: 11º/4 Inovação dando iniciativa a cidadãos com os
procedimentos e condições do TFUE: 24º

o Processo legislativo Ordinário30 TFUE: 294º

O processo de codecisão foi introduzido pela primeira vez em 1992 e a sua utilização foi
alargada em 1999. Com a adoção do Tratado de Lisboa, a codecisão passou a designar-
se processo legislativo ordinário e tornou-se no principal processo de decisão utilizado
para adotar legislação da EU, aplicando-se nos casos em que os tratados assim prevejam.

Síntese
Nº2 Apresentação da proposta da comissão ao Parlamento e Conselho
Nº3 Parlamento estabelece uma posição e envia ao Conselho
Nº4 Conselho concorda com a posição e ao ato é adotado
Nº5 Conselho não concorda com o Parlamento
Nº6 Comissão e o Conselho explica a sua posição ao Parlamento
Nº7 a) Parlamento aprova a posição do Conselho ou não se
pronuncia, sendo o ato adotado com a formulação da posição do conselho.

29
Klaus-Dieter Borchardt, ABC do Direito da União Europeia, Comissão Europeia, 2016, Página 116 a 124
Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 464 a 477
30
https://www.europarl.europa.eu/external/html/legislativeprocedure/default_pt.htm

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 118


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Nº7 b) Rejeitar o ato, não sendo aprovado


Nº7 c) Apresentar propostas ao Conselho que tem 3 meses
Nº 8 a) Conselho aprova as alterações, sendo ato adotado
Nº 8 b) Conselho não aprova as alterações, pelo que tem 6
semanas para convocar uma reunião com o Comité de Conciliação
Nº 10 + 11º
Nº 12 Comité não aprova projeto com ato morre
Nº 13 Comité aprova texto conjunto tendo o
Parlamento e o Conselho 6 semanas para aprovar, caso não aprovem ato morre

Nº15 Prevê exceções no procedimento caso a iniciativa venha dos cidadãos, do Banco
Central Europeu ou dos Estados-membros.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 119


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Fase de elaboração de uma proposta

Cabe à Comissão fundamentalmente desencadear o processo, com a elaboração de uma


proposta (é o chamado «direito de iniciativa») sobre a medida da União Europeia a tomar.

Esta iniciativa é tomada pelo serviço da Comissão que se ocupa do domínio económico
em causa, sendo frequente nesta fase o recurso a especialistas nacionais.
A consulta destes peritos nacionais decorre em parte no contexto de comités criados para
o efeito ou sob a forma de um processo de consulta «ad hoc» de peritos por parte dos
serviços da Comissão. Importa, no entanto, ter presente que a Comissão não está
vinculada aos pareceres dos peritos nacionais na fase de elaboração da proposta.

O projeto da autoria da Comissão é então discutido de uma forma pormenorizada quanto


ao seu conteúdo e ao modelo das medidas a tomar pelos membros da Comissão e
finalmente aprovado por maioria simples, sendo simultaneamente transmitido ao
Conselho e ao Parlamento Europeu, sob a forma de «proposta da Comissão», bem como
eventualmente ao Comité Económico e Social Europeu, para parecer, e/ou ao Comité das
Regiões, acompanhado de uma pormenorizada exposição de motivos.

Primeira leitura no Parlamento Europeu e no Conselho

O presidente do Parlamento Europeu remete a proposta para a comissão parlamentar


competente, cujas conclusões são depois discutidas na sessão plenária, após o que é
emitido um parecer que aprova, recusa ou modifica a proposta. O Parlamento Europeu
transmite seguidamente a sua posição ao Conselho.

O Conselho pode então proceder do seguinte modo na primeira leitura:


1) Aprova a posição do Parlamento, sendo o ato jurídico em questão aprovado com
a redação da posição do Parlamento e ficando o processo legislativo assim
concluído.
Na verdade, tornou-se prática comum o processo legislativo ficar concluído na primeira
leitura. Para o conseguir, utiliza-se o «trílogo informal», em que representantes do
Parlamento, do Conselho e da Comissão se reúnem e tentam chegar a um compromisso
mutuamente aceitável nesta fase inicial do processo legislativo;

2) Não aprova a posição do Parlamento, estabelecendo assim a sua posição em


primeira leitura, que depois comunicará ao Parlamento Europeu.

O Conselho e a Comissão informam o Parlamento Europeu, de forma pormenorizada,


sobre as razões pelas quais estabeleceram a sua posição em primeira leitura.

Segunda leitura no Parlamento Europeu e no Conselho

O Parlamento Europeu tem, na segunda leitura, três possibilidades para agir, no prazo de
três meses, após receber a posição do Conselho:
1) Parlamento aprova a posição do Conselho ou não se pronunciar sobre ela. Nesse
caso, o ato jurídico em questão será adotado na versão da posição do Conselho;

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 120


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

2) Parlamento rejeita a posição do Conselho por maioria dos seus membros. Nesse
caso, o ato jurídico proposto é considerado não adotado e o processo legislativo
fica assim concluído;

3) Parlamento aprova, por maioria dos seus deputados, alterações


à posição do Conselho. Nesse caso, a versão modificada é transmitida ao Conselho
e à Comissão, emitindo a Comissão um parecer sobre estas alterações.

O Conselho delibera sobre a posição modificada e tem, no prazo de três meses após a
entrada das alterações do Parlamento, duas possibilidades para agir:
1) Aprovar todas as alterações apresentadas pelo Parlamento.
Nesse caso, o ato jurídico em questão é adotado, para o que basta uma maioria qualificada,
se a Comissão concordar com as alterações apresentadas pelo Parlamento. Se isso não se
verificar, o Conselho só poderá́ aprovar as alterações do Parlamento por unanimidade.

2) Caso não aprove todas as alterações apresentadas pelo Parlamento, ou não seja
obtida a necessária maioria, será́ iniciado o processo de conciliação.

Processo de conciliação

O início do processo de conciliação é desencadeado pelo presidente do Conselho, em


consonância com o presidente do Parlamento Europeu, sendo para tal criado um Comité
de Conciliação que atualmente é composto por 28 representantes do Conselho e 28 do
Parlamento Europeu, dotados de direitos iguais.

O Comité de Conciliação tem a tarefa de, por maioria qualificada e no prazo de seis
semanas após a sua convocação, alcançar um consenso com base nas posições adotadas
em segunda leitura pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho. Para tal é necessário chegar
uma solução de compromisso que só pode ser alcançada se «todos os aspetos de discórdia
forem analisados». Contudo, a questão passa sempre e muito simplesmente por se chegar
a um compromisso entre as duas posições divergentes do Parlamento e do Conselho. Para
o efeito, podem ser utilizados novos métodos que facilitem o processo de compromisso,
desde que estes se enquadrem no resultado global da segunda leitura. Contudo, não é
possível utilizar alterações que não tenham conseguido alcançar as maiorias necessárias
na segunda leitura.

A Comissão participa nos trabalhos do Comité de Conciliação e toma todas as iniciativas


necessárias para obter uma aproximação das posições do Parlamento Europeu e do
Conselho.

Caso o Comité de Conciliação não aprove, no prazo de seis semanas após a sua
convocação, um projeto comum, o ato jurídico proposto será́ considerado como não
aprovado.

Terceira leitura no Parlamento Europeu e no Conselho

Caso o Comité́ de Conciliação aprove um projeto comum no prazo de seis semanas, o


Parlamento Europeu e o Conselho dispõem de um prazo de seis semanas, a partir desta

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 121


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

aprovação, para aprovar o ato jurídico em questão de acordo com este projeto, sendo
necessária a maioria dos votos expressos no Parlamento Europeu e uma maioria
qualificada no Conselho. Caso contrário, o ato jurídico proposto é considerado não
adotado e o processo legislativo fica assim concluído.

Publicação TFUE: 297º

Uma vez aprovado, o ato jurídico é redigido, na sua forma final, nas atuais 24 línguas
oficiais da União (alemão, búlgaro, checo, croata, dinamarquês, eslovaco, esloveno,
espanhol, estónio, finlandês, francês, grego, húngaro, inglês, irlandês, italiano, lituano,
maltês, neerlandês, polaco, português, romeno e sueco), assinado pelos presidentes do
Parlamento Europeu e do Conselho e, por fim, publicado no Jornal Oficial da União
Europeia ou, se o ato jurídico se destinar a determinados destinatários, «notificado aos
respetivos destinatários».

O processo de codecisão representa simultaneamente um desafio e uma oportunidade para


o Parlamento Europeu. Na verdade, o êxito deste processo requer um acordo prévio no
Comité́ de Conciliação mas simultaneamente transforma de uma forma fundamental a
relação entre o Parlamento Europeu e o Conselho. Entre ambas as instituições existe uma
igualdade na atividade legislativa e está nas mãos do Parlamento Europeu e do Conselho
demonstrarem a sua capacidade de compromisso político e, se possível, chegarem a
acordo sobre um projeto comum no Comité́ de Conciliação.

o Processos Legislativos Especiais

Existe uma pluralidade de processos legislativos especiais, contudo no geral pode definir-
se processo legislativos especial TFUE: 289º/2

O processo legislativo especial caracteriza-se habitualmente por:


Uma tomada de decisão por parte do Conselho, deliberando por unanimidade
sobre uma proposta da Comissão e após consulta ao Parlamento Europeu
Exemplo: TFUE: 308º Estatutos do Banco Europeu de Investimento)
Pela adoção de um ato jurídico por parte do Parlamento Europeu após obter
aprovação do Conselho
Exemplo 1: TFUE: 226º/3 Exercício do direito de inquérito através de uma comissão
parlamentar de inquérito
Exemplo 2: TFUE: 228º/4 Condições gerais de exercício das funções do Provedor de
Justiça

Existem outras formas de legislar que diferem destes casos habituais mas que, não
obstante, não deixam de enquadrar-se no processo legislativo especial.

TFUE: 314º É o caso das decisões tomadas em matéria de orçamento, o processo tem
regras pormenorizadas e corresponde em grande medida ao processo legislativo
ordinário.

O Conselho toma uma decisão por maioria sobre uma proposta da Comissão, após
consulta ao Parlamento Europeu (ou outras instituições da UE e órgãos consultivos); este

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 122


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

era originalmente o processo de consulta em que, no início, se traduzia o processo


legislativo normal ao nível da UE, mas agora é utilizado apenas em casos isolados como
num processo legislativo especial
Exemplo 1: TFUE: 140º/2 Derrogações no contexto da União Económica e Monetária
Exemplo 2: TFUE: 128º/2 Emissão de moedas

O Conselho toma uma decisão sem a participação do Parlamento Europeu. Contudo, trata-
se de uma rara exceção que, para além do domínio da política externa e de segurança
comum, onde o Parlamento é informado das decisões do Conselho TUE: 36º, só acontece
em casos pontuais
Exemplo 1: TFUE: 31º Fixar os direitos da pauta aduaneira
Exemplo 2: TFUE: 301º/2 Composição do Comité Económico e Social.

O processo legislativo especial previsto para certos domínios políticos pode ser
substituído pelo processo legislativo ordinário através das «cláusulas-ponte», assim como
a unanimidade no Conselho pode ser substituída por uma maioria qualificada.
Importa distinguir entre dois tipos de cláusulas-ponte:
Cláusulas-ponte gerais aplicáveis a todos os domínios políticos, sendo que a sua
utilização deve acontecer através de uma decisão unânime do Conselho Europeu.
Cláusulas-ponte específicas aplicáveis a determinados domínios políticos.
Estas cláusulas são diferentes das cláusulas-ponte gerais, na medida em que, regra geral,
os parlamentos nacionais não têm direito de veto e a decisão também pode ser tomada
pelo Conselho e não necessariamente pelo Conselho Europeu.
Exemplos: TFUE: 312º quadro financeiro; TFUE: 81º cooperação judiciária em matéria
de direito da família; TFUE: 333º Cooperação reforçada; TFUE: 153º domínio social e
TFUE: 192º ambiente.

• Processo de consulta

Este processo tem vindo a ser aplicado a um número cada vez menor de casos, devido às
críticas sobre défice democrático que lhe teceram.

Em regra geral a iniciativa pertence à Comissão, o poder de decisão ao Conselho,


decidindo geralmente por unanimidade, havendo contudo casos de maioria qualificado, e
o Parlamento é apenas consultado.

Apesar de por vezes obrigatório, o parecer do Parlamento não é vinculativo, pelo que o
Conselho não necessita de o seguir. Contudo o Parlamento deve ser consultado de novo
sempre que a proposta se afaste muito da versão inicial.

• Processo de aprovação pelo Parlamento Europeu

Uma forma igualmente importante de participação do Parlamento Europeu no processo


legislativo no seio da União Europeia é o processo de aprovação.
Este processo implica que um instrumento jurídico, para poder ser adotado, seja
previamente aprovado pelo Parlamento Europeu. Todavia, este processo não permite ao
Parlamento Europeu influenciar diretamente a natureza das disposições jurídicas, porque,

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 123


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no âmbito do processo de aprovação, o Parlamento Europeu não pode propor nem impor
alterações, limitando-se a aprovar ou rejeitar o instrumento jurídico proposto.

Este processo está previsto em relação TFUE: 218º/6 a) à celebração de acordos


internacionais, TFUE: 329º/1 à cooperação reforçada ou TFUE: 352º/1 ao exercício de
poderes para adotar disposições.

O processo de aprovação pode fazer parte tanto de um processo legislativo especial de


adoção de atos legislativos como de um processo legislativo simplificado de adoção de
atos não legislativos vinculativos.

O Processo de adoção de atos não legislativos

Os atos não legislativos definem-se por exclusão de partes, sendo todos os atos que devem
ser adotados pelas instituições e órgãos e que os tratados não exigem que sejam aprovados
pelo processo legislativos, contudo temos 3 tipos:

o Atos que resultam diretamente de tratados

TFUE: 105º + 108º Medidas adotadas pela comissão no domínio da concorrência ou das
ajudas de Estado
TFUE: 132º Medidas adotadas pelo Banco Central Europeu no âmbito de políticas
monetárias.
TFUE: 74º Medidas adotadas pelo Conselho destinadas a assegurar a cooperação
administrativa entre os serviços e justiça
TFUE: 329º Autorização do Conselho para dar início à cooperação reforçada nos
domínios das atribuições não exclusivas da União
TFUE: 236º a) Decisão do Conselho Europeu que estabeleça a lista das formações do
Conselho

o Atos Delegados TFUE: 290º

O principal objetivo destes atos é fazer com o legislador se concentre na definição dos
elementos essenciais facilitando a tomada de decisão por parte do Conselho e do
Parlamento, contudo possibilitam também submeter a atuação executiva a um controlo
legislativo. Existem problemas de interpretação:
• Distinção entre atos da comissão que alteram elementos não essenciais e
atos de execução pouco nítida
• O que são elementos essenciais?
• As condições de delegação são taxativas ou exemplificativas?

TFUE: 290º A adoção de atos delegados cabe à comissão com base numa autorização
especial dada por um ato legislativo adotado pelo Conselho e pelo Parlamento.

O conteúdo da delegação só pode consistir na alteração de determinados elementos não


essenciais de um ato legislativo, sendo que os elementos essenciais de determinado
domínio não podem estar sujeitos a uma delegação de poder.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 124


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Isto significa que as disposições fundamentais são adotadas pelo próprio órgão legislativo
e não podem ser delegadas no órgão de execução. São, assim, tidos em conta os princípios
da democracia e da separação de poderes.

Caso estejam envolvidas decisões politicamente importantes com consequências


abrangentes, cabe ao Parlamento e ao Conselho assumir a sua responsabilidade primária
de legislar. Tal aplica-se especialmente a objetivos políticos para ação legislativa, à
seleção dos meios para alcançar esses objetivos e a possíveis implicações das disposições
para pessoas singulares e coletivas.

Além disso, os atos delegados destinam-se apenas a alterar ou complementar um ato


legislativo, por forma a não comprometer a finalidade do mesmo.

Por último, as disposições a alterar ou acrescentadas através do ato delegado devem estar
claramente especificadas no ato legislativo. Por conseguinte, os atos delegados podem
englobar adaptações legislativas relativas a desenvolvimentos futuros, tais como
alterações no estado da arte, alinhamento com alterações previsíveis noutra legislação ou
garantir que as disposições de um ato legislativo sejam aplicadas mesmo quando surgem
circunstâncias especiais ou novas informações.

A delegação de poderes pode ter um período de vigência ou, se for válida por tempo
ilimitado, pode existir uma disposição que preveja o direito de a revogar. Para além da
possibilidade de revogar a delegação de poderes, o Conselho e o Parlamento podem
prever o direito de formular objeções à entrada em vigor dos atos delegados da Comissão.
Caso o Conselho e o Parlamento tenham delegado poderes de execução na Comissão,
esta última pode adotar atos de execução. Não existe qualquer disposição no direito
primário que autorize a inclusão de outras instituições. Contudo, a Comissão está
autorizada a consultar em especial peritos nacio- nais, o que, na prática, acontece
geralmente.

o Atos de Execução

TFUE: 291º Em regras estes atos são da responsabilidade da administração nacional,


respeitando-se TUE: 4º/3 o princípio da cooperação leal

TFUE: 291º/2 Regra geral a competência de adoção destes atos é da Comissão


TUE: 24º e 26º Exceção: competência do Conselho

TFUE: 291º A adoção de atos de execução pela comissão foi concebida como exceção
do princípio da responsabilidade dos Estados-Membros em relação à execução
administrativa do direito da UE e, por conseguinte, encontra-se sob o controlo dos
Estados-Membros.

Trata-se de um afastamento significativo da posição jurídica anterior, em que o processo


de cometologia dava ao Conselho e ao Parla- mento direitos de codeterminação na adoção
de medidas de execução. Esta alteração reflete o facto de a clara separação entre atos
delegados e atos de execução significar que os direitos de controlo e participação tiveram
de ser reorganizados em conformidade.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 125


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Considerando, como o legislador da UE, que o Conselho e o Parlamento têm acesso aos
atos delegados, este acesso cabe aos Estados-Membros no caso dos atos de execução, em
conformidade com a responsabilidade que lhes está inerente de execução administrativa
do direito da UE.

Em consonância com o seu mandato legislativo, o legislador da UE (ou seja, o Conselho


e o Parlamento) definiu regras e princípios gerais relativos aos mecanismos de controlo
do exercício das competências de execução no Regulamento (UE) nº 182/2011 («Re-
gulamento Comitologia»).
O Regulamento Comitologia reduziu para dois o número de procedimentos de
comitologia: o procedimento consultivo e o procedimento de exame. Foram criadas
disposições específicas relativas à escolha do procedimento.

Os processos de decisão da União Europeia no domínio internacional

Não podemos falar de um processo a nível internacional, mas sim de diversos tipos
conforme o tratado em causa.
TFUE: 218º Processo comum
TFUE: 207º Processo específico para acordos internacionais
TFUE: 219º Processo específico para acordo monetários e cambiais

o Processo da decisão internacional TFUE: 218º

Aplica-se quando os tratados determinarem que a União Europeia pode celebrar acordo
internacionais com estados terceiros ou organizações internacionais.

Balanço Geral

Apesar de continua a haver uma significativa quantidade de processos decisivos da União


Europeia verificamos que o tratado de Lisboa procurou reduzir e clarificar, procurando
definir quais os interesses representados em cada instituição e quais os tipos de ato que
cada uma deve adotar.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 126


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

FONTES DO DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA31

O sistema de fonte sofreu uma constante evolução culminando com o Tratado de Lisboa,
contudo sempre se pautou pela sua singularidade face ao Direito Internacional e ao
Direito Nacional dos Estados membros e complexidade crescente, nomeadamente após o
Tratado de Maastricht, que introduziu pilares intergovernamentais. O sistema de fontes
anterior ao Tratado de Lisboa sofreu críticas, especialmente devido à falta de hierarquia
das normas e dos atos e na falta de correspondência entre atos e normas e funções dos
órgãos. O Tratado de Lisboa abandona a estrutura tripartida tendo em vista descomplicar
e procurou estabelecer uma hierarquia pela distinção entre atos legislativos e não
legislativos.

Direito Primário

Acordos Internacionais da EU

Direito Derivado

Princípios Gerais de Direito

Convenções entre Estados-membros

31
Klaus-Dieter Borchardt, ABC do Direito da União Europeia, Comissão Europeia, 2016, Página 94 a 115

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 127


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DIREITO PRIMÁRIO / ORIGINÁRIO32

As primeiras fontes de direito primário são os Tratados originários da União Europeia,


incluindo os TUE: 51º respetivos anexos e protocolos, bem como aditamentos e
alterações posteriores.

Uma vez que se trata de direito criado diretamente pelos Estados-Membros, ele é
designado, em linguagem jurídica, por direito primário da União.

Os tratados originários e os respetivos aditamentos e alterações, sobretudo introduzidos


pelos tratados de Maastricht, Amesterdão, Nice e Lisboa, bem como os diferentes
Tratados de Adesão, contêm as normas jurídicas fundamentais relativas aos objetivos, à
organização e ao modo de funcionamento da União, bem como partes do seu direito
económico. Sendo a última modificação o Tratado de adesão da Croácia.

TUE: 6º/1 Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia adquiriu o mesmo valor
jurídico que os Tratados desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa.

Contudo a ideia de um texto único como base constitucional que vinha da Convenção
sobre o Futuro da Europa aceite pela Convenção Intergovernamental de 2004 foi
abandonada e surge o Tratado de Lisboa.

O TFUE seria o tratado que desenvolve as bases. O TUE contem as bases, fixa as regras
fundamentais sobre os objetivos, as atribuições, os princípios democráticos, as
instituições, as condições de revisão e de adesão etc. Porém contêm regras que o
distanciam de um tratado de base, nomeadamente as regras sobre PESC.

TUE: 3º/1 Não existe uma relação de subordinação entre eles, tem mesmo valor jurídico,
mas apenas juntos constituem o fundamento, limite e critério do DUE.

TUE: 55º Línguas em que foi redigido e que pode vir a ser, aplica-se ao TFUE: 358º

o Âmbito de aplicação

Os Tratados são as disposições «constitucionais» de enquadramento da União que


proporcionam às instituições da União um quadro para o exercício das suas competências
legislativas e administrativas no interesse da União Europeia. Constituem o critério e
limite das atribuições normativas, situando-se no topo da hierarquia das fontes do Direito
da União Europeia.

TUE: 53º TFUE: 355º Os tratados têm vigência ilimitada contudo não são destinados a
vigorar eternamente.

Até ao Tratado de Lisboa não existia um âmbito territorial de aplicação.


TUE: 52º + TFUE: 355º e 349º Aplicam-se os Estados Membros, contudo tem vindo a
ser aprovadas normas com aplicação em territórios determinados.

32
Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, Almedina, 2017, Página 482 a 491

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 128


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A revisão dos Tratados

o A génese e a evolução das normas de revisão dos Tratados

Desde a versão original dos tratados que estes contêm normas sobre a revisão, tendo estas
sido consideradas obrigatórias pelo Tribunal de Justiça. A sua tramitação até ao Tratado
de Lisboa era composta por três níveis: comunitário, intergovernamental e nacional.

Anteriormente previsto no TUE: 48º

O poder de incitativa era da Comissão em partilha com os Governos dos Estados-


membros, sendo posteriormente, caso o Conselho emitisse um parecer favorável,
convocada uma CIG.

Na CIG quem dominada eram os Estados-membros onde negociavam e discutiam as


alterações quanto à sua forma e conteúdo.

o A revisão dos Tratados após o Tratados de Lisboa

TUE: 48º/2 a 5 Processo de revisão ordinário


TUE: 48º/6 e 7 Processo de revisão simplificado

o Figuras próximas

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 129


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DIREITO DERIVADO

O direito criado pelas instituições da União no exercício das suas competências derivadas
e atribuídas pelos Tratados institutivos tem a designação de direito derivado da União
Europeia e é a segunda fonte importante do direito da UE.

O direito derivado da União está a ser criado de uma forma paulatina e progressiva, e a
sua adoção confere vitalidade ao direito primário da União criado pelos Tratados da UE,
assim se construindo e completando, gradualmente, a ordem jurídica europeia.

Antigamente verifica-se a existência de denominações especificas, não coincidentes com


os conceitos que encontramos na Teoria do Estado, ato legislativo, ato executivo e ato
administrativo e não sendo também clara a correspondência entre as funções, os atos e os
órgãos.

Encontravam-se previstas no TCE: 249º, artigo que não incluía todos os tipos de atos,
sendo excluídos por exemplo, os atos do Banco Central Europeu, e também não definia
nenhuma hierarquia entre as normas e os atos do direito derivado.

Regime comum dos atos de Direito Derivado no Tratado de Lisboa

A natureza de um ato não depende da sua qualificação, mas sim do seu conteúdo. Existe
um princípio da presunção de legalidade das normas e dos atos da União Europeia,
contudo os atos com vícios graves, nomeadamente que coloquem em causa o princípio
da segurança jurídica, podem ser declarados inexistentes pelo Tribunal de Justiça.

TFUE: 296º Existe um dever de fundamentação que expressa a base jurídica do ato, e
caso haja área de discricionariedade deve se justificar as razões.

TFUE: 297º Publicação dos atos no Jornal Oficial da UE, existindo obrigatoriedade para
todos os atos legislativos e alguns não legislativos. Estabelece ainda a entrada em vigor
de forma supletiva ao tratado. Os atos legislativos são publicados no Jornal Oficial da
União Europeia, Série L (Legislação). Os atos não legislativos são assinados pelo
presidente da instituição que os adotou. São publicados no Jornal Oficial da União
Europeia, Série C [«informações e noticações» (C = Comunicação)].

Desenvolveram-se instrumentos que permitem às instituições da União incidir, em graus


diferentes, sobre os ordenamentos jurídicos nacionais.
A forma extrema desta ação é a substituição das normas nacionais por normas da União.
Seguem-se as normas que permitem às instituições da União incidir apenas indiretamente
sobre o ordenamento jurídico dos Estados-Membros.
Prevê-se ainda a possibilidade de, para a regulamentação de casos concretos, serem
tomadas medidas em relação a um destinatário determinado ou determinável.
Por último, estão previstos também atos jurídicos que não contêm qualquer disposição
vinculativa para os Estados-Membros ou para os cidadãos da União.

TFUE: 288º Apresentam-se no quadro a seguir os instrumentos jurídicos do sistema


normativo da UE, na perspetiva dos destinatários e dos efeitos que produzem nos Estados-
Membros.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 130


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 131


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Regulamento
TFUE: 288º/2

Os atos jurídicos através dos quais as instituições da União podem interferir mais
profundamente nas ordens jurídicas nacionais são os regulamentos, que team duas
características não habituais no direito internacional:

• Caráter comunitário

Consiste na particularidade de imporem um direito igual a toda a União sem ter em conta
as fronteiras e com validade uniforme e integral em todos os Estados-Membros.

Isto significa que um Estado-Membro não pode, por exemplo, aplicar as disposições de
um regulamento apenas parcialmente ou decidir quais as que irá aplicar para, desse modo,
excluir as normas a que um Estado-Membro já se tenha oposto durante o processo de
decisão ou que sejam contrarias a certos interesses nacionais.

Os Estados-Membros também não podem recorrer a normas ou usos do direito nacional


para se subtraírem à obrigatoriedade das disposições dos regulamentos.

• Aplicabilidade direta

O disposto nos regulamentos estabelecer um mesmo direito que não carece de normativas
especiais de aplicação de caráter nacional, conferindo direitos e impondo obrigações
diretamente aos cidadãos da União. Os Estados-Membros, incluindo as suas instituições,
tribunais e autoridades, estão diretamente vinculados ao direito da União e devem
respeitá-lo da mesma forma que o direito nacional.

As similitudes destes atos jurídicos com as leis nacionais são manifestas e, enquanto
forem adotados no âmbito do chamado processo legislativo ordinário com o Parlamento
Europeu, serão considerados «atos legislativos».

Aos regulamentos que emanam exclusivamente do Conselho Europeu e da Comissão


Europeia falta-lhes esta componente de corresponsabilização parlamentar, e assim, pelo
menos formalmente, não apresentam todas as características essenciais de uma lei.

Diretivas
TFUE: 288º/3

A diretiva é, juntamente com o regulamento, o instrumento de ação mais importante da


União Europeia. Trata-se de um ato através do qual se procura conciliar a necessária
unidade do direito da União com a manutenção das diversas peculiaridades nacionais.

Assim, o principal objetivo da diretiva não é (como no caso do regulamento) a unificação


do direito, mas antes uma aproximação das diversas legislações que permita eliminar as
contradições e os conflitos entre as disposições legislativas e administrativas dos Estados-
-Membros ou suprimir paulatinamente as diferenças, de modo a que sejam criadas nos
diversos Estados-Membros condições tão idênticas quanto possível.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 132


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Em consequência, a diretiva é um dos instrumentos básicos para a consecução do mercado


interno.

A diretiva vincula os Estados-Membros apenas quanto ao resultado a alcançar, deixando


às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios para realizar os
objetivos estabelecidos pela União no quadro da ordem jurídica nacional.

Esta participação dos Estados-Membros remete a intenção de intervir na estrutura jurídica


e administrativa nacional de forma mais atenuada, o que permite ter em conta as
particularidades dos Estados-Membros na realização dos objetivos da União.

As disposições de uma diretiva não substituem automaticamente as do direito nacional,


são os Estados-Membros que ficam obrigados a transpor para o direito nacional as normas
da União, o que implica a necessidade de um procedimento de criação do direito dividido
em duas fases.

Na primeira fase, ao nível da UE, a diretiva estabelece o objetivo proposto de forma


vinculativa para os destinatários, que são vários ou todos os Estados-Membros, e que
deverão realizá-lo num prazo determinado.
As instituições da União podem determinar esse objetivo através de normas de tal modo
pormenorizadas que os Estados-Membros não disponham de espaço de manobra para dar
uma configuração própria às suas disposições de transposição.
É o que se passa sobretudo no âmbito das normas técnicas, bem como do ambiente.

Na segunda fase, ao nível nacional, a realização do objetivo previsto no dispositivo da


UE compete ao direito nacional de cada um dos Estados-Membros.
Embora os Estados-Membros tenham essencialmente liberdade para escolher a forma e
os meios da transposição, a avaliação para determinar se a transposição dessas normas se
efetuou de acordo também com o direito da União é feita segundo os critérios da própria
UE.
O princípio fundamental a respeitar é o da criação de uma situação jurídica que permita
reconhecer de forma suficientemente clara e precisa os direitos e as obrigações emanados
da diretiva, de modo a que os cidadãos da União os possam invocar perante os órgãos
jurisdicionais nacionais ou oporem-se a eles.
Para esse efeito, é sempre necessária a adoção de um ato jurídico nacional de caráter
vinculativo ou a supressão ou a alteração de disposições legislativas, regulamentares e
administrativas vigentes. Uma simples prática administrativa não é suficiente, já que a
mesma, em virtude da sua própria natureza, pode ser alterada conforme o entender a
administração de tutela e não goza de publicidade suficiente.

As diretivas não criam normalmente direitos e obrigações diretos para e contra os


cidadãos da União, sendo seus destinatários expressos apenas os Estados-Membros.
Os cidadãos da União só ficam, em contrapartida, sujeitos a direitos e obrigações quando
as autoridades competentes dos Estados-Membros realizam os atos de execução. Em
princípio, pouco importa aos cidadãos da UE a forma como os Estados-Membros dão
cumprimento às obrigações que lhes incumbem por força dos atos de direito da União.

Porém, se os Estados-Membros não aprovarem, ou aprovarem de forma de ciente, o


necessário ato de execução os cidadãos poderão vir a ser prejudicados se o objetivo
previsto pela diretiva lhes proporcionava um benefício efetivo.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 133


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Para evitar estes inconvenientes, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente a afirmado na


sua jurisprudência que os cidadãos também podem, sob certas condições, fazer valer as
disposições de uma diretiva e invocar os direitos nela previstos, bem como, se tal for o
caso, invocá-los perante os órgãos jurisdicionais nacionais.

O Tribunal de Justiça estabeleceu as condições necessárias para que a diretiva possa


produzir esses efeitos diretos:
• Disposições da diretiva devem determinar os direitos dos cidadãos e das empresas
da União de forma su cientemente clara e precisa;
• Invocação desses direitos não deve estar sujeita a qualquer condição ou obrigação;
• Legislador nacional não deve dispor de qualquer margem de apreciação acerca da
de nição do conteúdo desses direitos; e
• Prazo de transposição da diretiva deverá ter terminado.

Esta jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o efeito direto das diretivas baseia-se
essencialmente na consideração de ordem geral de um Estado-Membro se estar a
comportar de forma abusiva e contrária ao direito sempre que continua a aplicar a sua
anterior legislação quando já está obrigado a respeitar o objetivo previsto nas disposições
da diretiva.
Este comportamento por parte de um Estado-Membro é abusivo e o reconhecimento do
efeito direto da diretiva pretende evitar que o Estado-Membro em questão obtenha
qualquer vantagem com a inobservância do direito comunitário. Assim, o efeito direto
tem caráter de sanção para o Estado-Membro.
Neste contexto, é significativo que o Tribunal de Justiça só tenha aplicado o princípio do
efeito direto em processos entre cidadãos e Estados-Membros e só quando a aplicação da
diretiva beneficia o cidadão da União, e não quando o prejudica, ou, por outras palavras,
quando a situação do cidadão perante a lei alterada pela diretiva é mais favorável do que
perante a lei inalterada (o chamado «efeito direto vertical»).

Em contrapartida, o Tribunal de Justiça ainda não reconheceu o efeito direto das diretivas
nas relações entre os próprios cidadãos (o chamado «efeito direto horizontal»).
O Tribunal considera, devido ao próprio caráter de sanção do efeito direto, que este não
pode ser aplicado a relações entre particulares, uma vez que estes não podem ser
responsabilizados pela omissão do Estado-Membro, sendo preferível que se baseiem
antes nos princípios da segurança jurídica e da garantia da confidencialidade.
Os cidadãos da União devem estar confiantes de que ficarão sujeitos aos efeitos de uma
diretiva apenas em função das medidas nacionais de transposição. Contudo, o Tribunal
de Justiça desenvolveu um princípio de direito primário segundo o qual o conteúdo de
uma orientação também é aplicável a questões de direito privado, desde que dê expressão
à proibição geral de discriminação.
O conceito do Tribunal de Justiça vai além da proibição de discriminação, que, tal como
consta das respetivas diretivas, obriga as autoridades nacionais e em especial os tribunais
nacionais a proporcionar, dentro dos limites da sua jurisdição, a proteção jurídica que os
indivíduos usufruem do direito da UE e assegurar a total e eficácia desse direito, não
aplicando se for caso disso qualquer disposição da legislação nacional que seja contrária
a esse princípio. Por conseguinte, graças ao primado do direito da UE, a proibição da
discriminação tal como de definida nas respetivas diretivas sobrepõe-se ao direito
nacional divergente.
Como tal, embora não tenha posto em causa a sua jurisprudência sobre a falta de efeito
horizontal das diretivas, o Tribunal acabou efetivamente por chegar a essa conclusão no

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 134


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

que toca à proibição da discriminação em todos os processos onde se dá expressão a esta


última numa diretiva. O Tribunal já antes considerou ser este o caso relativamente às
orientações relacionadas com a tradicional discriminação em razão da nacionalidade, do
sexo ou da idade. Contudo, trata-se de algo que deve ser aplicado a todas as orientações
adotadas para combater as razões da discriminação enunciadas TFUE:19º

O efeito direto de uma diretiva não implica necessariamente que uma disposição de uma
diretiva confira direitos a um particular. Em vez disso, as disposições da diretiva exercem
um efeito direto também na medida em que têm um efeito jurídico objetivo.
Para reconhecer este efeito aplicam-se os mesmos requisitos que para o reconhecimento
de um efeito direto, com a única diferença que em vez de um direito do cidadão ou da
empresa da União definido com clareza e rigor é determinada uma obrigação do Estado-
Membro com clareza e rigor.

Sendo este o caso ficam todas as instituições, designadamente os legisladores, as


administrações e os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros, vinculadas à diretiva e
terão de a respeitar e aplicar ex officio como direito primário da União.

Daqui resulta concretamente a obrigação de interpretar o direito nacional em


conformidade com a diretiva («interpretação conforme à diretiva»), ou de fazer com que
a disposição em causa da diretiva prevaleça sobre o direito nacional com que está em
conflito. Além disso, as diretivas exercem determinados efeitos suspensivos sobre os
Estados-Membros ainda antes de decorrido o prazo de transposição. No que se refere ao
cariz vinculativo do objetivo de uma diretiva, e nos termos do TUE: 4º princípio da
cooperação leal com a União, os Estados-Membros, ainda antes de terminado o prazo de
transposição, tomam todas as medidas para garantir que a realização do objetivo da
diretiva não será́ seriamente posta em perigo.

Acresce que nos processos Francovich e Bonifaci, de 1991, o Tribunal de Justiça


reconheceu que os Estados-Membros eram obrigados a pagar indeminizações por danos
causados por ausência de transposição ou por transposição errónea.
Em ambos os processos estava em causa a responsabilidade do Estado italiano pelo facto
de a transposição da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa
à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à proteção dos
trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador não ter sido feita no
prazo previsto. Esta diretiva garantia o direito do trabalhador a remuneração durante o
período anterior à declaração de insolvência do empregador ou ao despedimento por
insolvência. Para esse fim deveriam ser criados fundos de garantia que não poderiam estar
sujeitos à intervenção de outros credores dos empregadores e cujos meios financeiros
resultariam de contribuições dos empregadores e/ou do Estado.
O problema nestes processos residia no facto de a diretiva pretender conceder aos
trabalhadores o direito de continuarem a receber uma remuneração a partir do fundo de
garantia a criar. Ora, os tribunais nacionais estavam impedidos de assegurar a sua
aplicabilidade direta, uma vez que, na ausência de transposição da diretiva, o fundo de
garantia não tinha sido criado e não era possível determinar quem era o devedor das somas
a pagar relacionadas com a situação de insolvência.

O Tribunal de Justiça deliberou pois que o Estado italiano, ao não transpor a diretiva
atempadamente, privou os trabalhadores em causa dos direitos instituídos pela diretiva,
ficando consequentemente obrigado a indemnizá-los. Embora a obrigação de indemnizar

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 135


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

não esteja expressamente prevista no direito da União, o Tribunal de Justiça considera-a


parte integrante da ordem jurídica da UE, uma vez que a integridade da sua eficácia e os
direi- tos por ela atribuídos estariam postos em causa se os cidadãos não tivessem a
possibilidade de exigir e obter uma indemnização por violação dos seus direitos devido à
atuação de um Estado-Membro contrária ao direito da União.

Decisões
TFUE: 288º/4

O Tratado de Lisboa, com as «decisões», fez aumentar a variedade de instrumentos


jurídicos. É possível distinguir entre duas categorias de decisões: decisões que
especificam a quem se destinam e decisões gerais, que não especificam a quem se
destinam. Enquanto as decisões que especificam a quem se destinam substituem as
anteriores decisões que regulamentam casos individuais, as decisões gerais que não
especificam a quem se destinam englobam uma variedade de instrumentos que têm em
comum o facto de não regulamentarem casos individuais.
Lamentavelmente, estes dois tipos de instrumentos jurídicos muito diferentes são
designados com o mesmo nome, sendo que as inevitáveis questões de delimitação dão
origem a muita incerteza jurídica. Teria sido melhor utilizar um termo para medidas que
preveem casos individuais, com efeitos externos e juridicamente vinculativos para o
indivíduo, e introduzir um outro termo para os outros instrumentos jurídicos com força
vinculativa.

As instituições da União Europeia (em especial o Conselho e a Comissão) utilizam


habitualmente decisões que especificam a quem se destinam para desempenharem as suas
funções executivas. Decisões deste tipo podem exigir que um Estado-Membro, uma
empresa ou um cidadão da União haja ou se abstenha de agir, assim como conferir-lhe
direitos e impor-lhe obrigações.
Trata-se exatamente da situação que existe nas ordens jurídicas nacionais, onde também
são as autoridades administrativas que fixam de forma vinculativa para os cidadãos as
consequências da aplicação de uma lei a um caso concreto através da aprovação de uma
decisão administrativa.

Este tipo de decisão tem as seguintes características estruturais:

• Aplicabilidade individual
Distingue do regulamento.
Dirige-se apenas individualmente aos destinatários, que deve obrigatoriamente designar.
Para esse efeito, basta que o universo dos destinatários seja claramente identificável na
altura da produção de efeitos da decisão e que tal universo não possa posteriormente ser
alterado. O conteúdo da decisão deve, pois, ser adequado para produzir efeitos diretos e
precisos no que se refere à situação do destinatário. Nesse sentido, a decisão pode também
afetar individualmente terceiros, na medida em que estes, devido a características
pessoais ou a circunstâncias específicas, sejam suscetíveis de ser identificados em
condições similares aos destinatários e, por isso e de uma forma idêntica, possam ser
identificáveis como destinatários.

• Vinculativa
Em todos os seus elementos, o que a distingue da diretiva, que só vincula o Estado-
Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 136


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• Aplicabilidade direta aos seus destinatários


Além disso, uma decisão dirigida a um Estado-Membro pode também, em condições
idênticas às de uma diretiva, ser diretamente aplicável aos cidadãos da União.

As decisões gerais que não especificam a quem se destinam são vinculativas em todos os
seus elementos, embora não seja claro quem ca vinculado por elas. Trata-se de algo que
só fica determinado a partir do conteúdo de cada decisão.

No caso das decisões gerais, é possível distinguir entre os seguintes tipos de instrumento:

• Decisões que alteram as disposições dos Tratados


Estas decisões são aplicáveis de uma forma geral e abstrata, ou seja, são vinculativas para
todas as instituições, órgãos, organismos e agências da União, bem como para todos os
Estados-Membros.
TFUE: 81º/3; 192º/2 c) simplificam os procedimentos de adoção
TFUE: 312º/2; 333º/1 tornam menos exigentes os requisitos relativos a maiorias.

• Decisões que acrescentam substância ao direito decorrente dos Tratados


Estas decisões têm efeito vinculativo para toda a União Europeia ou para as instituições,
órgãos, organismos e agências caso se trate de uma decisão relativa à sua composição,
não tendo qualquer efeito externo no indivíduo;

• Decisões que visam a adoção de direito intrainstitucional e interinstitucional


Estas decisões são vinculativas para as instituições, órgãos, organismos e agências da UE
afetados e envolvidos.
Exemplo: os regulamentos internos das instituições, bem como os acordos
interinstitucionais celebrados entre os organismos da UE;

• Decisões no contexto do controlo organizacional


Estas decisões (por exemplo, nomeações, remuneração) vinculam o detentor do cargo ou
os membros dos organismos pertinentes;

• Decisões para elaboração de políticas


Estas decisões concorrem com os regulamentos e as diretivas, mas não pretendem ter um
efeito externo e juridicamente vinculativo no indivíduo. Em princípio, o seu efeito
vinculativo está confinado às instituições envolvidas na sua emissão, em especial quando
estão relacionadas com orientações ou diretrizes para políticas futuras. Apenas em casos
excecionais é que têm efeitos jurídicos de natureza geral e abstrata ou consequências
nanceiras.

• Decisões no âmbito da política externa e de segurança comum


Estas decisões são juridicamente vinculativas para toda a União Europeia.
Até que ponto vinculam os Estados-Membros encontra-se restringido por disposições
especiais
Exemplo: TFUE: 28º/ 2 e 5; 31º/1
Não estão sujeitas à supremacia da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 137


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Recomendações e pareceres

Por fim, existe uma última categoria de atos, expressamente prevista nos Tratados da
União, que é a categoria das recomendações e pareceres. Estes permitem às instituições
da União pronunciarem-se de forma não vinculativa, isto é, sem que tal sirva para
fundamentar qualquer obrigação jurídica para os destinatários relativamente aos Estados-
Membros e, em certos casos, aos cidadãos da UE.

As recomendações sugerem aos destinatários um dado comportamento, sem com isso lhes
impor uma obrigação legal. TFUE: 117º/1 Assim, quando houver motivo para recear que
a adoção ou alteração de uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa
possa provocar uma distorção das condições de concorrência no mercado interno
europeu, a Comissão recomendará aos estados interessados as medidas adequadas,
tendentes a evitar a distorção em causa.

Em contrapartida, os pareceres são emitidos pelas instituições da União sempre que se


revele oportuno apreciar uma dada situação ou factos na União ou nos Estados-Membros.
Em certos casos, os pareceres podem criar condições prévias à posterior formulação de
atos jurídicos vinculativos ou constituem requisito necessário para a propositura de uma
ação no Tribunal de Justiça. TFUE: 258º + 259º

Essencialmente, a importância das recomendações e dos pareceres é sobretudo política e


moral. Os autores dos Tratados, ao preverem estes atos jurídicos, fizeram-no na
expectativa de que os destinatários, tendo em conta o prestígio das instituições da UE e o
facto de estas disporem de uma visão geral e de conhecimentos que ultrapassam o âmbito
nacional, os acatariam voluntariamente e infeririam da apreciação de uma situação
concreta por parte da UE as consequências necessárias.
Aliás, as recomendações e os pareceres podem ter efeitos jurídicos indiretos quando
constituem condições para atos jurídicos posteriores de caráter obrigatório ou quando a
instituição da União que os formula se compromete a atuar de certa forma, podendo
assim, em certas circunstâncias, criar legítimas expectativas.

Atos não previstos | Acordos interinstitucionais


Resoluções, declarações, programas de ação, comunicações e códigos de conduta

Para além dos atos jurídicos expressamente previstos nos Tratados, as instituições da
União dispõem de uma vasta panóplia de instrumentos de ação para modelar os contornos
da ordem jurídica da UE. Na prática, os mais importantes são as resoluções, as
declarações e os programas de ação.

o Resoluções
As resoluções podem emanar do Conselho Europeu, do Conselho da UE e do Parlamento
Europeu. Consubstanciam posições e intenções comuns em relação ao processo geral de
integração e a ações específicas tanto no plano da UE como fora dela.

As resoluções em matéria de assuntos internos tratam das grandes questões políticas da


União, da política regional, da política energética e da união económica e monetária,
sobretudo da criação do Sistema Monetário Europeu. A importância política destas
resoluções decorre essencialmente da orientação que as mesmas imprimem aos trabalhos
futuros do Conselho.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 138


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Enquanto manifestações da vontade política comum, contribuem decisivamente para a


constituição de plataformas de entendimento ao nível do Conselho. Asseguram ainda um
mínimo de concordância ao nível da tomada de decisões entre as autoridades nacionais e
da União Europeia.

A avaliação do significado jurídico deste instrumento deve ter presentes estes elementos,
isto é, a resolução deve manter uma certa flexibilidade, sem estar demasiado vinculada a
requisitos e obrigações jurídicas.

o Declarações
As declarações podem ser de dois tipos. Quando dizem respeito ao desenvolvimento da
União, como é o caso das declarações relativas à UE, à democracia ou aos direitos
fundamentais, aparentam-se às resoluções e servem essencialmente para atingir um vasto
público ou um grupo específico de destinatários.
Há também as declarações emanadas do processo decisório do Conselho, através das
quais os membros do Conselho exprimem pareceres conjuntos ou individuais sobre a
interpretação das decisões que o Conselho aprova.

Estas declarações interpretativas, muito frequentes no Conselho, são essenciais na busca


de compromissos. O alcance jurídico destas declarações deve ser avaliado à luz dos
princípios fundamentais da interpretação, por força dos quais a interpretação de uma
norma depende em grande parte das intenções que presidiram à sua elaboração. Todavia,
este princípio só vale se às declarações em questão for dada a publicidade devida, já que
o direito derivado da União, que reconhece direitos diretos ao cidadão, não pode ver-se
preterido por disposições acessórias que não tenham sido tornadas públicas.

o Programas de ação

Estes programas são elaborados pelo Conselho e pela Comissão, por iniciativa própria ou
a pedido do Conselho Europeu, e têm por objetivo a realização de programas legislativos
e a consecução dos objetivos gerais que os Tratados consagram.
Sempre que os programas estejam expressamente previstos nos Tratados, as instituições
da União devem respeitar estas disposições na elaboração dos mesmos. Há também outros
programas que, na prática, funcionam como simples orientações, desprovidas de qualquer
efeito juridicamente vinculativo. Consubstanciam, no entanto, uma vontade política das
instituições da União de se conformarem às disposições que deles emanam.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 139


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PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

Como qualquer outra ordem jurídica, também a ordem jurídica da UE não pode ser
constituída apenas por normas escritas, pois todas as ordens jurídicas têm lacunas que
deverão ser colmatadas por direito não escrito.

Trata-se de normas que traduzem conceitos fundamentais de direito e justiça, às quais


qualquer ordem jurídica está obrigada. O direito escrito da União, que fundamentalmente
só regula situações económicas e sociais, cumpre esta obrigação apenas em parte. Assim,
os princípios gerais de direito são uma das fontes mais importantes do direito da União.

Os referidos princípios permitem colmatar as lacunas existentes ou desenvolver de forma


mais justa o direito estabelecido através de interpretação, recorrendo ao princípio da
equidade. \
A concretização destes princípios é feita através da aplicação do direito, principalmente
através da jurisprudência do Tribunal, que, no âmbito das suas atribuições, TUE: 19º
garante o respeito do direito na interpretação e aplicação do Tratado.

Os principais pontos de referência para determinar os princípios gerais de direito são os


princípios gerais comuns às ordens jurídicas dos Estados-Membros. Fornecem o material
a partir do qual se cria, no âmbito do direito da UE, a regra necessária à solução de um
problema.

Paralelamente aos princípios da autonomia, da aplicabilidade direta e do primado do


direito da União, existem outros princípios jurídicos que incluem a proteção dos direitos
fundamentais (pelo menos para a Polónia e o Reino Unido, que não estão sujeitos à Carta
dos Direitos Fundamentais devido à cláusula de exclusão), o princípio da
proporcionalidade (que foi efetivamente regulamentado por uma disposição positiva
TUE: 5º/4 ), o princípio da proteção da confiança legítima, o direito à justiça ou ainda o
princípio da responsabilidade dos Estados-Membros em caso de violação do direito da
União.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 140


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DIREITO INTERNACIONAL

Como um dos polos do mundo, a Europa não pode limitar-se a ter nas suas mãos apenas
a gestão dos seus assuntos internos e deve, pelo contrário, procurar desenvolver as
relações económicas, sociais e políticas com outros países do mundo.
Com este objetivo, a UE celebra com os «países não membros» da UE (os chamados
países terceiros) e com outras organizações internacionais acordos de direito
internacional.

Direito Internacional Geral ou Comum

Os Tribunais da União reconhecem a vinculação da União ao Direito Internacional Geral,


como à regras da Convenção de Viena do Direito dos Tratados, da qual a União nem faz
parte, contudo insistem em resolver conflitos de Tratados com o recurso à CVDT,
nomeadamente nas matérias de interpretação, apreciação da validade ou
suspensão/cessação da vigência.

O Tribunal esclarece que aplica a CVDT, mesmo a união não sendo membro, devido ao
caracter consuetudinário geral das duas normas, adotando uma visão monista ao contrário
da predominância da posição dualista que encontramos nos Estados-membros.

Os Tribunais consideram ainda que apesar de não fazer parte a União se encontra
vinculada à Carta das Nações Unidas, devido a todos os membros serem partes.

Direito Internacional Convencional

TFUE: 217º A União Europeia tem a possibilidade de celebrar Tratados pela União com
terceiros; Tratados celebrados pelos Estados membros entre si ou com terceiros e ainda
Atos de organizações internacionais.

Existem matérias em que a União detém competência exclusiva para a celebração de


acordos, seja com terceiros Estados ou Organizações internacionais.
Contudo no caso dos acordos mistos a União partilha a competência, pelo que podem ser
concluídos acordos entre a União e os Estados membros.
Por fim existem os acordos de pré-adesão celebrados entre os Estados membros e
terceiros.

o Acordos de associação

A associação é algo que ultrapassa a pura regulamentação de questões de política


comercial e visa uma cooperação económica estreita associada a um vasto apoio
financeiro da UE aos parceiros envolvidos.

• Acordos destinados a salvaguardar relações especiais de certos


Estados-Membros da UE com países terceiros
ACABAR

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 141


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JURISPRUDÊNCIA

A Jurisprudência do Tribunal de Justiça tem uma grande relevância por alguns fatores
que levam à sua intervenção no desenvolvimento do Direito:
1. Carácter vago dos Tratados e rigidez das regras de divisão o que leva o TJ a
aprofundar os Tratados, tendo criado assim os princípios
2. Panóplia de meios contencioso e da diversidade de matérias que tem de intervir
3. Paralisia dos órgãos de decisão tornando o TJ o motor da integração jurídica.

Existem diversos métodos de interpretação cuja escolha compete ao Juiz:


o Interpretação em função da intenção dos autores das normas
É um método subjetivo que deixa pouco espaço para criar jurisprudência, abanado por
desempenhar um papel muito secundário.

o Interpretação que parte do texto para resolver as dificuldades interpretativas


É um método textual que recorre à interpretação gramatical confrontando várias versões
linguísticas, dando azo a grande subjetividade à escolha do juiz.

o Interpretação que se baseia nos textos mas tem liberdade analisando o


contexto
É um método teleológico ou funcional devido à relevância do contexto político social e
económico.

o Interpretação que tem e conta a inserção sistemática das normas

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 142


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DIREITO CONSUETUDINÁRIO

O direito consuetudinário também faz parte das fontes não escritas do direito da União e
pode definir-se como o direito que nasce da prática e da convicção jurídica e que completa
ou altera o direito primário ou o derivado.

A possibilidade da existência do costume no direito da União é, em princípio,


reconhecida. Todavia, levantam-se consideráveis restrições na prática à real constituição
do direito consuetudinário ao nível do direito da União:

1. TUE: 54º Existência de um procedimento especial para a revisão dos Tratados


que, apesar de não excluir pura e simplesmente a constituição do direito
consuetudinário, determina uma maior dificuldade quanto ao cumprimento dos
critérios a estabelecer para fazer prova da sua existência e da respetiva certeza
jurídica.

2. Validade de qualquer ato das instituições da União só poder ser apreciada à luz
dos Tratados da União e não do comportamento real ou da vontade da instituição
de criar relações jurídicas.
Em consequência, e de acordo com os Tratados, o direito consuetudinário não pode de
forma alguma ser estabelecido pelas instituições da União, mas só eventualmente pelos
Estados-Membros e apenas em conformidade com os rigorosos critérios já mencionados.

Os procedimentos e as certezas jurídicas dos órgãos da União não podem, no entanto,


resultar da interpretação das disposições jurídicas emanadas destas instituições, o que,
dependendo das circunstâncias, pode alterar significativamente as consequências de
caráter jurídico e pratico do ato jurídico em questão, devendo, no entanto, ser também
devidamente considerados os requisitos e restrições estipulados pelo direito primário da
União.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 143


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GARANTIA JURISDICIONAL DO DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA

Não há qualquer relação hierárquica entre os Tribunais nacionais e os Tribunais


Europeus.
Nunca há direito de recurso de uma decisão de um tribunal nacional para um tribunal
europeu.
Enquanto particular, não tenho maneira de fazer o caso chegar ao TJUE. Só há reenvio
se os tribunais nacionais o fizerem e também não há recurso.

Só há um tribunal supranacional para o qual é possível recorrer de uma decisão


portuguesa: TEDH, em casos de direitos fundamentais. Não pertence à UE, mas sim ao
Conselho da Europa.

Via autónoma: exceção de ilegalidade, 277º TFUE ou contestação de atos nacionais


(feitos com base em atos ilegais europeus) perante um tribunal nacional.
Responsabilidade extracontratual da UE (268º e 440º).

PESC e justiça à competências do TJUE continuam muito limitadas, principalmente da


PESC.

O direito europeu é aplicado tanto pelos tribunais nacionais quanto pelos tribunais
europeus.
Tribunais nacionais são os tribunais comuns da UE, os tribunais que mais aplicam o
direito europeu.

Ratio decidendi à só isto forma precedente nos sistemas anglo-saxónicos.


Obiter dicta, afirmações dos acordaos que não são necessárias ou que foram além do que
era necessário para resolver o caso concreto à não é precedente no sistema anglo-
saxónico, mas quanto ao DUE, é muitas vezes mais importante do que a solução do caso
concreto.
Keck, jurisprudência na qual o tribunal inverteu a sua posição expressamente.

Os tribunais nacionais regem-se pelo direito processual nacional. à princípio da


autonomia processual. No entanto, os legisladores nacionais encontram-se limitados por
dois princípios:
• Equivalência: as soluções para a defesa dos direitos nacionais têm de ser idênticas
– ou melhor, não podem ser piores – que as soluções para a defesa dos direitos
europeus.
• Efetividade: as soluções consagradas no direito nacional para a defesa de direitos
provenientes da ordem jurídica europeia não podem tornar impossível ou
excessivamente difícil o exercício desses direitos.

Processo de reenvios prejudiciais, 267º.


Órgão jurisdicional, pode não ser tribunais em EM’s que não o tenham.
Fundamental na defesa da uniformidade da aplicação do DUE em toda a UE.
Mecanismo de colaboração entre os tribunais nacionais e o TJUE.

“órgão jurisdicional dos EM’s”:


− Origem legal do órgão.
− Permanência.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 144


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

− Independência.
− Caráter obrigatório da sua jurisdição.
− Natureza contraditória do processo.
− Talante jurisdicional da decisão.
− Aplicação de normas jurídicas.
Tribunais arbitrais por via de regra estão excluídos, exceto se foram obrigatórios naquele
processo. Autoridades administrativas estão excluídas.

Competente para:
1. Responder a questões colocadas por tribunais nacionais sobre a interpretação dos
Tratados (direito europeu primário);
2. Responder a questões colocadas por tribunais nacionais sobre a interpretação ou
validade de Direito europeu secundário.
3. Pode até interpretar atos europeus não vinculativos, na medida em que sejam
relevantes para o esclarecimento de Direito europeu.
4. Não tem competência para interpretar nem aferir a validade de atos nacionais.
Mas pode esclarecer se uma norma nacional, tal como apresentada (e interpretada
pelo tribunal nacional), é compatível com o Direito europeu.

É obrigatório um reenvio prejudicial quando:


− a decisão não é suscetível de recurso interno e suscita a tal questão prejudicial.
Há certas ações que não têm direito de recurso ou não têm direito de recurso até
ao supremo. Todos os tribunais de última instância têm a obrigação de submeter
as questões prejudiciais, 267º/4º parágrafo. Exceto se (caso CILFIT):
· questão suscitada seja irrelevante.
· Disposição comunitária em causa já tenha sido interpretada pelo TJUE.
· Teoria do ato claro: aplicação correta do DUE é tao obvia que não deixa
margem para dúvida razoável.

− Caso Foto-Frost: só o tribunal europeu é que pode declarar a invalidade de um


ato europeu. Se um tribunal nacional achar que um ato europeu é inválido, não o
pode desaplicar; tem de fazer um reenvio para o tribunal de justiça que vai dizer
se é ou não inválido e se pode ou não desaplicar.

Em todos os outros casos, o reenvio é facultativo: “se considerar que uma decisão sobre
essa questão é necessária ao julgamento da causa”.

Efeitos: assume a forma de uma sentença, obriga o órgão jurisdicional que introduziu o
pedido de decisão a título prejudicial, assim como as outras instâncias envolvidas no
litígio. Acresce que, na prática, os reenvios prejudiciais funcionam como precedentes que
têm também consideráveis efeitos sobre outros processos similares.

Processo por incumprimento: um EM violou o direito europeu.


Regra geral: é a Comissão Europeia a fazer estes processos, 258º; também pode ser um
EM, 259º. São exclusivamente executados pelo TJUE.

Pode estar em causa:


• Violação de uma norma do TFUE.
• Não transposição ou transposição incorreta de uma diretiva.
• Violação de um regulamento.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 145


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

O comportamento em causa do EM pode ter sido adotado por:


• Parlamento.
• Governo.
• Tribunal.
• Qualquer entidade pública desconcentrada ou descentralizada.
Ou seja, qualquer entidade que exerça poderes de autoridade pública.

Fase pré-contenciosa/administrativa: procedimento preliminar, antes de se recorrer para


o TJUE, nos termos do qual é dada uma oportunidade ao EM em causa para apresentar
as suas observações sobre as acusações.
• Comissão fala informalmente com o Estado (basicamente uma audiência prévia,
dá-se hipótese de o estado se defender) – contactos prévios.
• Se há efetivamente incumprimento, Comissão vai ter de adotar um parecer
fundamentado: documento expressa a posição da Comissão sobre a interpretação
das obrigações europeias que estão a ser violadas, os atos nacionais (normativos
ou concretos) que violaram essas obrigações, avaliação das eventuais
circunstâncias especiais que se verifiquem, concluindo com um “ultimato” ao EM
– se este não adotar as medidas necessárias para repor a legalidade, dentro de um
prazo fixado no parecer fundamentado, a Comissão dará início a um processo por
incumprimento.
• Dá-se um prazo para o estado repor a legalidade.
• Final do prazo: não repõe a legalidade.
• Avança-se para a parte contenciosa.

Fase contenciosa:
• Ação por incumprimento: faz-se medidas. EM deve tomar as medidas necessárias
para se conformar sem demora com o direito da União. Declaração de
incumprimento.
• Estado não as adota.
• 2ª ação por incumprimento (incumprimento do acórdão). Imposição de sanções.
• Certeza de que de facto o estado sabia que havia uma violação e uma obrigação,
o que legitima que sejam já aplicáveis sanções pelo tribunal para punir e compelir
aquele estado a respeitar o direito europeu:
− Coima: principalmente punitiva; e/ou
− Sanção pecuniária compulsória. Montante diário que o estado tem de
pagar enquanto não cumprir o direito da UE. 260º TFUE.

A grande maioria são processos de não transposição atempada ou de transposição


incorreta de diretivas.
Para o caso em que o incumprimento seja este, juntou-se as duas fases
contenciosas numa. Pede-se logo a declaração de incumprimento e a aplicação de
sanções. O que leva a que os EM’s tentem resolver logo tudo na fase não contenciosa. à
260º/3.

108º/2, exceção ao processo por incumprimento.

Resolve o problema para o futuro, mas não remedia nada no passado (particulares
prejudicados por exemplo).

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 146


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Recurso por anulação: 263º TFUE.


Ação de nulidade ou ação de resolução. Vem permitir a possibilidade de um controlo
judicial e objetivo das ações das instituições da União (controlo abstrato de normas) e
abre ao cidadão, embora com determinadas restrições, o acesso à jurisdição da UE
(garantia da proteção dos direitos individuais).

Podem ser contestadas todas as medidas das instituições que produzam efeitos jurídicos
vinculativos que interfiram com os interesses do queixoso através de uma intrusão no seu
estatuto jurídico.
O recurso pode ser interposto por todas as instituições, na medida em que se
queiram opor a uma violação dos direitos que lhes foram conferidos.
Os cidadãos e as empresas só podem interpor recurso de anulação contra
decisões de que sejam destinatários ou contra decisões que, embora dirigidas a terceiros,
lhes digam direta e individualmente respeito. O TJUE diz que uma pessoa só pode ser
individual e diretamente destinatária de uma decisão se a mesma a individualizar de uma
forma que a distinga de todos os restantes agentes económicos.
As ações populares também estão excluídas.

As pessoas singulares ou coletivas também têm legitimidade para dar início a


procedimentos contra um ato regulamentar, desde que este diga diretamente respeito à
pessoa e não implique medidas de execução. à colmatação de uma lacuna verificada no
processo Jégo-Quéré / UPA
O que é um ato regulamentar? Forma restrita: atos de aplicação geral que não
sejam legislativos. Forma ampla: todos os atos de aplicação geral, incluindo os
legislativos. TJUE consagrou a primeira interpretação no processo Inuit Tapiriit
Kanatami.

Atos normativos (gerais e abstratos) ou individuais e concretos. Tribunal é muito restrito


nesta possibilidade de recurso.

Exceção da ilegalidade: 277º TFUE.


Atos gerais e abstratos da UE podem sempre ser contestados, mesmo depois de passado
o prazo do recurso de anulação, no contexto de litígios em que se suscita a aplicação desse
ato normativo.
Utilização do recurso de anulação para contestar um ato individual e concreto da
UE que aplica um ato geral e abstrato.
O particular a que foi endereçado o ato individual não tem legitimidade para
contestar a legalidade do ato geral, mas sim do individual. No recurso de anulação contra
essa decisão, pode invocar a exceção de ilegalidade, ou seja, dizer que o ato individual é
ilegal por o ato geral em que assenta também o ser.

Outra via que não a deste artigo: atos individuais são atos nacionais que podem ser
contestados em tribunal nacional. Depois há de ocorrer reenvio prejudicial.

Recurso por omissão: 265º.


Este tipo de ação completa a proteção jurídica face ao PE, ao Conselho Europeu,
ao Conselho, à Comissão e ao BCE, uma vez que lhes dá também a possibilidade de
interporem uma ação judicial contra uma omissão ilegal de um ato da União.
Porém, antes de interpor a ação existe um procedimento prévio nos termos do
qual o demandante deve convidar a instituição em causa a agir.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 147


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Se o demandante é um cidadão da União ou uma pessoa coletiva, na sentença


final é apenas constatada a ilegalidade da omissão, já que o TJUE não é competente para
nas suas sentenças ordenarem a adoção obrigatória das medidas necessárias.

Ação de reparação/indemnização: 268º e 340º/2 TFUE.


Possibilita aos cidadãos da UE e pessoas coletivas e também aos EM’s que tenham
suportado danos em virtude de um erro de um dos agentes da UE, recorrerem ao TJUE
para solicitar uma indemnização por estes danos. Condições:
− Comportamento ilícito por parte de uma instituição da UE ou de um agente da UE
no exercício das suas funções. Tem de existir a violação qualificada de uma norma
do direito da UE aprovada para conferir direitos ou proteger uma pessoa singular
ou coletiva ou um EM;
− Existência de um dano.
− Nexo causal entre o ato da instituição e o alegado dano.
− Não é necessário provar a culpa da instituição da UE.

Processo de recurso: 256º TFUE.


Todas as decisões do Tribunal Geral é passível de recurso para o Tribunal de Justiça.

Proteção jurídica provisória: 278º e 279º TFUE.


As ações intentadas no Tribunal não têm qualquer efeito suspensivo, então o Tribunal
dispõe de dois mecanismos:
− Suspensão da execução do ato impugnado, 278º;
− Medidas provisórias, 279º. 3 critérios:
· Probabilidade da existência de um direito.
· Urgência da decisão: natureza e gravidade da infração.
· Equilíbrio dos interesses.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 148


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AS QUATRO LIBERDADES

Processo de integração económica internacional:

1. Zona de comércio livre: pressupõe liberdade de circulação de bens entre os


territórios dos Estados ou territórios aduaneiros autónomos nela participantes,
sem possibilidade de imposição ou cobrança de quaisquer direitos aduaneiros por
eles aplicados, podendo dar lugar a operações de “desvio de comércio”, para
aproveitamento dos encargos aduaneiros comparativamente mais baixos exigidos
por algum dos Estados-membros no respetivo território. Exemplos de zonas de
comércio livre: EFTA, NAFTA.

2. União aduaneira: para além da liberdade de circulação de bens entre os


territórios dos Estados ou territórios aduaneiros autónomos nela participantes,
sem possibilidade de imposição ou cobrança de quaisquer direitos aduaneiros nos
atos de entrada ou de saída de bens entre esses territórios nacionais, exige também
a adoção de uma pauta aduaneira única em toda a extensão territorial abrangida,
tanto nas importações como nas exportações de bens, de e para países terceiros.
A diferença relativamente à zona de comércio livre, é que essa permitia que os
vários Estados-membros cobrassem direitos aduaneiros diferentes nas trocas
comerciais com países terceiros. Aqui a pauta aduaneira única impede situações
de “desvio de comércio”.

3. Mercado comum/interno: é um espaço de prosperidade e liberdade que


proporciona a livre circulação e o acesso a mercadorias e aos três fatores de
produção (pessoas, serviços e capitais), além de estabelecer uma união aduaneira.
O mercado comum foi o principal objetivo do Tratado de Roma de 1957, que
instituiu a CEE, tendo depois sido redenominado para “mercado interno” pelo Ato
Único Europeu, que entrou em vigor a 1 de julho de 1987, fixando como data
precisa para a sua concretização o dia 31 de dezembro de 1992. Atualmente, um
bom exemplo de mercado comum é a União Europeia.
O mercado interno europeu conta também com a participação de outra instância
europeia, a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), que juntamente à
União Europeia formou o Espaço Económico Europeu (EEE), dentro do qual é
permitido a livre circulação dos bens, dos serviços, das pessoas e dos capitais e as
quatro liberdades fundamentais, com exceção da união aduaneira que é restrita a
países da UE.

4. União Económica e Monetária: a UEM é o resultado de uma integração


económica progressiva da UE, sendo uma expansão do mercado único da UE,
com regulamentações comuns dos produtos e a livre circulação de bens, capitais,
trabalhadores e serviços. Uma moeda comum, o euro, foi introduzida na área do
euro, que é composta atualmente por 19 Estados-Membros da UE. Todos os
Estados-Membros da UE, exceto a Dinamarca, devem adotar o euro, logo que
cumpram os critérios de convergência. Uma política monetária única é definida
pelo Eurosistema (composto pela Comissão Executiva do Banco Central Europeu
e os governadores dos bancos centrais da área do euro) e é complementada por
regras orçamentais e vários graus de coordenação das políticas económicas. Na
UEM não existe um governo económico central. Essa responsabilidade é antes

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 149


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repartida entre os EM’s e várias instituições da UE. O Tratado de Maastricht,


fixou a data do mercado interno a 31 de dezembro de 1992. E estabeleceu o
objetivo de dominar todas as fronteiras económicas de todos os EM’s, e
estabeleceu um outro objetivo: construir uma União Económica e Monetária e
uma moeda única para todos os Estados-membros. Estabeleceram-se três fases:
1990; após a alteração dos Tratados, 1 de janeiro de 1994; 1 de janeiro de 1997
ou, o mais tardar, a 1 de janeiro de 1999.
Mercado interno:
TUE: 3º/3 e 4 objetivos da UE
TFUE: 4º/2/a) o mercado interno é da competência partilhada
TFUE: 26º e ss. + 114º e 115º onde estão previstas as regras do mercado interno
TFUE: 26º/2 definição de mercado interno

Espaço de prosperidade e liberdade que proporciona o acesso a bens, serviços e empregos,


assim como a oportunidades empresariais e à riqueza cultural.
Eliminação das fronteiras entre os Estados-membros da União. Este mercado único
europeu é complementado por outras políticas económicas comuns, como a política
comercial e a política da concorrência.

• Mercado comum de 1958


Segundo o Relatório Spaak (abril de 1956), a realização do mercado comum
implicava a fusão dos vários mercados nacionais num só mercado, onde vigorasse a livre
circulação de mercadorias, capitais, trabalhadores e serviços, sendo aplicáveis as regras
da concorrência, com o objetivo de promover um desenvolvimento económico
harmonioso.
O mercado comum, principal objetivo do Tratado de Roma, viu-se concretizado
através da união aduaneira, da abolição das quotas e da livre circulação de cidadãos e
trabalhadores (alcançados em 1968) e de um determinado grau de harmonização fiscal
com a introdução generalizada do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) em 1970.

Acórdão Schul, 5 de maio de 1982, definiu Mercado Comum como sendo “a eliminação
dos entraves às trocas intracomunitárias tendo em vista a fusão dos mercados nacionais
num mercado único que funcione como se fosse um mercado interno”.

• Lançamento do mercado interno na década de 1980 e Ato Único Europeu


O facto de ter havido poucos progressos na consecução do mercado comum foi
atribuído, em grande medida, à regra da unanimidade exigida para a adoção de decisões
no Conselho.
O Ato Único Europeu, que entrou em vigor em 1 de julho de 1987, redenominou
o mercado comum para “Mercado Interno”, fixando como data precisa para a sua
concretização o dia 31 de dezembro de 1992. Também reforçou os mecanismos de tomada
de decisão do mercado interno, introduzindo a votação por maioria qualificada
relativamente às pautas aduaneiras comuns, à livre prestação de serviços, à liberalização
dos movimentos de capitais e à aproximação das legislações nacionais.
Quando o prazo expirou, mais de 90% dos atos legislativos previstos no Livro
Branco de 1985 tinham sido aprovados, em grande parte, ao abrigo da regra da maioria
qualificada.

Harmonização da legislação nacional: TFUE: 114º.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 150


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

A harmonização deve ser limitada aos requisitos essenciais, e justifica-se quando


as regras nacionais não podem ser consideradas equivalentes e criam restrições.
As diretivas adotadas segundo esta nova abordagem têm a dupla finalidade de
assegurar a livre circulação de mercadorias, através da harmonização técnica de setores
inteiros, e de garantir um elevado nível de proteção dos objetivos de interesse público
referidos no artigo 114.º/3, do TFUE (por exemplo, brinquedos, materiais de construção,
máquinas, aparelhos a gás e equipamentos terminais de telecomunicações).

Limites à aplicação do artigo 114º:


è Deve ser utilizado para harmonizar as leis nacionais existentes, não deve ser
adotado para criar direitos novos.
è Tem de haver disparidade entre os direitos nacionais e isso tem de consubstanciar
um obstáculo ao estabelecimento ou funcionamento do mercado interno. Saber
quando é que existe esse obstáculo é através de um juízo de probabilidade.
è A medida deve de facto contribuir para a eliminação do entrave ao comércio.

Rumo a uma responsabilidade partilhada para a concretização do mercado interno


O contributo do mercado interno para a prosperidade e a integração da economia da UE tem
sido considerável. No período compreendido entre 2003 a 2010, a nova estratégia do mercado
interno colocou a tónica na necessidade de facilitar a livre circulação de mercadorias, de integrar
os mercados de serviços, de reduzir o impacto das barreiras fiscais e de simplificar o
enquadramento regulamentar. Nessa altura alcançaram-se progressos significativos no que
respeita à abertura dos mercados dos transportes, das telecomunicações, da eletricidade, do
gás e dos serviços postais.

Em outubro de 2012, a Comissão apresentou o Ato para o Mercado Único II (COM(2012)0573)


com vista a aprofundar o mercado único e libertar o seu potencial inexplorado enquanto motor
de crescimento.

Este Ato continha 12 ações fundamentais que as instituições da UE deviam aprovar sem
demora. Estas ações centravam-se nos quatro principais motores do crescimento, do
emprego e da confiança:
• redes integradas;
• mobilidade dos cidadãos e das empresas além-fronteiras;
• economia digital e;
• ações suscetíveis de reforçarem a coesão e os benefícios para os consumidores.

O Ato para o Mercado Único II surge no seguimento de um conjunto inicial de medidas


apresentadas pela Comissão, o Ato para o Mercado Único I, incluindo, além disso, as
ações seguidamente enumeradas que visam um mercado único mais aprofundado e
melhor integrado:
• Mobilidade das empresas (nomeadamente introduzindo disposições que tenham
por objetivo mobilizar investimentos a longo prazo, modernizar os procedimentos
de insolvência e apoiar a criação de um ambiente suscetível de proporcionar uma
segunda oportunidade a empresários em falência);

• Economia digital (para alcançar progressos na conclusão do mercado único digital


até 2015, a Comissão tinha proposto que se promovesse o comércio eletrónico na

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 151


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

UE simplificando os serviços de pagamento, reforçando a sua fiabilidade e


tornando-os mais competitivos. Por outro lado, também se salientou a necessidade
de abordar as principais causas da falta de investimentos em ligações de banda
larga de elevado débito assim como a normalização da faturação eletrónica nos
procedimentos de adjudicação de contratos públicos);

• Confiança dos consumidores (introduzindo, por exemplo, medidas que asseguram


um acesso generalizado a contas bancárias, assim como comissões associadas às
contas transparentes e comparáveis e uma maior facilidade na mudança de conta
bancária).

Mais recentemente, em 2020:

Durante a pandemia de COVID-19, na sua comunicação intitulada «A Hora da Europa:


Reparar os Danos e Preparar o Futuro para a Próxima Geração» (COM(2020)0456), a
Comissão anunciou que a digitalização do mercado único seria um pilar essencial da
recuperação da crise. Vai basear-se em quatro elementos:
Ø investimento em conectividade melhor,
Ø uma presença industrial e tecnológica mais forte em elementos estratégicos da cadeia
de abastecimento (por exemplo, IA, cibersegurança, infraestrutura de computação em
nuvem, 5G),
Ø uma verdadeira economia dos dados e espaços comuns europeus de dados e
Ø um ambiente empresarial mais justo e mais simples.

Conclusão: o mercado interno está praticamente alcançado, o que se faz neste momento é
procurar formas para o aperfeiçoar.

Liberdade de circulação de mercadorias: TFUE: 26º e 28º e ss.

Garantida através da eliminação dos direitos aduaneiros e das restrições quantitativas,


além da proibição de medidas de efeito equivalente.

A noção de “mercadorias” não foi explicada no Tratado, mas resulta do próprio texto que
esta é uma expressão em sentido amplo, incluindo os produtos industriais, os produtos
agrícolas e as pescas – TFUE: 38º/1. Abrange todos os bens físicos, com exceção
daqueles que estão abrangidos por outras liberdades de circulação (ex: as moedas com
curso legal estão regidas pela liberdade de capitais e de meios de pagamento).

União aduaneira: zona de comércio livre (proibição de direitos aduaneiros nas


importações e nas exportações) e proíbe-se quaisquer diferenças de regime em termos de
direitos aduaneiros nas relações económicas com países terceiros.
A pauta aduaneira única resulta de um regulamento, aplicável a todos os EM’s.

A adoção de uma pauta aduaneira comum simboliza a harmonização nesse domínio


através de uma política comercial comum, ambos domínios da competência exclusiva da
União, como previstos nos preceitos TFUE: 30º e ss. + 206º e 207º + 3º/1, a), e).

O que são direitos aduaneiros?

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 152


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Imposições pecuniárias ou tributos (impostos) exigidos pelo Estado aos importadores ou


exportadores de produtos provenientes de outros Estados, aquando da transposição da
fronteira entre territórios aduaneiros distintos. Têm como fins principais a proteção do
mercado, dos produtos e dos produtores nacionais, bem como a obtenção de receitas
públicas. Estão previstos no Código Aduaneiro da União. Podem ser:
• Direitos aduaneiros específicos: o montante pecuniário é calculado e baseado nas
características do bem (a sua natureza, peso ou volume).
• Direitos aduaneiros “ad valorem”: o montante pecuniário é calculado e baseado
no seu valor aduaneiro.

O Tratado de Roma estabeleceu o congelamento dos níveis de proteção aduaneira


vigentes nos EM’s da altura e a eliminação gradual dos direitos aduaneiros, bem das
restrições quantitativas (cláusulas stand still) durante um período transitório até ao final
da década de 60, mas esse objetivo foi alcançado antes do termo do prazo.
O Tratado obrigou também os EM’s a não criarem novos obstáculos comerciais e a não
agravarem os anteriormente vigentes nas relações com outros EM’s, como o TJ
reconheceria no Acórdão Van Gend en Loos à o TJ reconheceu o efeito direto do antigo
artigo 12º TCEE, atual artigo 30º TFUE. Os Estados comprometeram-se de forma clara,
precisa e incondicional através dos artigos 25º, 28º e 29º TFUE, pelo que não era
necessária a prática de qualquer outro ato posterior para se considerar efetivo o referido
compromisso, por isso, o respetivo cumprimento podia ser exigido imediatamente,
mediante propositura de ação nos tribunais competentes.

TFUE: 30º: O que se deve entender por encargos de efeito equivalente?


Qualquer imposição, independentemente da sua designação ou meio de
aplicação, “que, incidindo especificamente sobre o produto importado de um país
membro e não sobre o produto nacional similar, tenha como resultado, ao alterar o seu
preço, ter sobre a livre circulação de produtos a mesma incidência que um direito
aduaneiro”, pode ser considerada um encargo de efeito equivalente, independentemente
da sua forma ou natureza. à Acórdão Van Gend en Loos.

Igualmente aplicável aos direitos aduaneiros de natureza fiscal, financeira,


unilaterais por parte do Estado e das entidades públicas, mas não estarão abrangidos os
tributos de natureza interna, previstos no TFUE: 110º.

Através deste acórdão, o TJ apreciou também a conformidade da criação de um novo


direito aduaneiro por um Estado-membro, tendo concluído que o artigo 30º estabelece
uma obrigação de abstenção clara, precisa e incondicional, a qual vedava aos EM’s a
possibilidade de criarem novos direitos aduaneiros, podendo a mesma ser invocada pelos
particulares em juízo por criar direitos na respetiva esfera jurídica (efeito direto).

Esta proibição precisa e essencial à concretização do Mercado Interno tem exceções que
devem ser interpretadas restritivamente:
• Exceções do TFUE: 36º
• Impostos internos não discriminatórios em função da origem dos bens TFUE:
110º
• Outros encargos permitidos por fontes de direito internacional
• Encargos proporcionalmente correspondentes a uma prestação efetivamente
realizada pelas autoridades do Estado-membro, designadamente quando o serviço
prestado seja exigido pelo DUE (ex: despesas reais com o desalfandegamento).

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 153


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TFUE: 34º: as restrições quantitativas são muito mais limitadoras das trocas comerciais,
do que os direitos aduaneiros. Exemplo de restrição quantitativa: proibir a entrada de um
determinado bem numa determinada quantidade.

O que são restrições quantitativas à livre circulação de mercadorias?


Regulamento CE nº2679/98 do Conselho, de 7 de dezembro de 1998 à entrave atual ou
potencial à livre circulação de mercadorias, atribuível a um Estado-membro e que envolva
uma ação ou omissão por parte deste, que possa constituir uma violação dos artigos 34º a
36º. Estamos perante um entrave proibido quando:
• Perturbação séria à livre circulação de mercadorias
• Que cause um prejuízo grave às pessoas afetadas
• E que exija uma ação imediata para impedir a continuação ou o agravamento da
perturbação ou prejuízo em questão

Os EM’s são responsabilizados por entraves à livre circulação de mercadorias com


origem em perturbações sérias causadas por particulares, mas se os Estados não agirem
imediata e eficazmente com vista a fazê-las cessar, o mesmo Regulamento prevê um
mecanismo de verificação destas situações, conduzido pela Comissão, que pode levar à
solicitação de cessação imediata do entrave existente e à sujeição ao princípio da
transparência, a fim de permitir a concretização plena do mercado interno.

O que são medidas de efeito equivalente a uma restrição quantitativa?


No seu acórdão Dassonville, o Tribunal de Justiça da União Europeia considera
que qualquer regulamentação comercial aplicada pelos Estados-Membros que seja
suscetível de entravar, direta ou indiretamente, efetiva ou potencialmente, o comércio
intracomunitário, deve ser considerada uma medida de efeito equivalente a uma restrição
quantitativa.
A argumentação do Tribunal de Justiça foi mais desenvolvida no acórdão Cassis
de Dijon, que estabelece o princípio segundo o qual qualquer produto legalmente
fabricado e comercializado num Estado-Membro, em observância das suas normas justas
e tradicionalmente aceites e dos processos de fabrico desse país, deve ser admitido no
mercado de qualquer outro Estado-Membro – princípio de reconhecimento mútuo das
legislações nacionais (aplicável na ausência de medidas de harmonização europeias).

TFUE: 34º e 35º têm efeito direto, podem ser imediatamente invocadas perante as
autoridades públicas, incluindo os tribunais.

TFUE: 36º prevê situações de exceção aos artigos 34º e 35º. Desde que estes valores se
encontrem em perigo, de forma proporcional e necessária, poderão justificar-se medidas
restritivas ao comércio entre os Estados-membros.
è As medidas não podem constituir um meio de discriminação arbitrária ou uma
restrição dissimulada ao comércio entre EM’s.
è As medidas devem ter um efeito direto no interesse geral que visam proteger.
è As medidas não podem exceder o nível necessário – princípio da
proporcionalidade.

Acórdão Cassis de Dijon reconhece que os Estados-Membros podem adotar derrogações


à proibição de medidas de efeito equivalente com base em exigências imperativas
(atinentes, designadamente, à eficácia dos controlos fiscais, à proteção da saúde pública,

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 154


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

à lealdade das transações comerciais e à defesa dos consumidores). Os Estados-Membros


devem notificar a Comissão das medidas derrogatórias nacionais.

Liberdade de circulação de pessoas: TUE: 23º/parágrafo 2 + TFUE: 21º +


CDFUE: 45º

A liberdade de circulação e de residência das pessoas na União Europeia constitui a pedra


angular da cidadania da União, estabelecida pelo Tratado de Maastricht em 1992.
A supressão gradual das fronteiras internas nos termos dos acordos de Schengen
foi seguida da adoção da Diretiva 2004/38/CE relativa ao direito de os cidadãos da União
Europeia e aos membros das suas famílias poderem circular e residir livremente na União
Europeia.

Diz sobretudo respeito à liberdade de circulação das pessoas enquanto


participantes no processo de produção, enquanto trabalhadores, contribuindo para a
eficiência do funcionamento do mercado. Mas não se restringe a isto, abrange a circulação
de todas as pessoas, independentemente de existir uma justificação económica específica
para o efeito.
Tendo em vista a liberdade de circulação de pessoas, tomam-se medidas de
natureza legislativa. Na liberdade de circulação de pessoas também se abrange os
cônjuges e os filhos dos trabalhadores, seja qual for a sua nacionalidade, e os seus
ascendentes, verificadas certas condições.
Espaço Schengen – acordo celebrado a 14 de junho de 1985:
Nem todos os que são da UE participam no Espaço Schengen (ex: Irlanda) e nem todos
os que participam do Espaço Schengen são da União Europeia (ex: Suíça e Noruega).

1. Abolição dos controlos nas fronteiras internas para todas as pessoas;

2. Medidas destinadas a reforçar e harmonizar os controlos nas fronteiras externas:


todos os cidadãos da UE só têm de apresentar o bilhete de identidade ou o
passaporte para entrar no espaço Schengen;

3. Uma política comum em matéria de vistos para estadias de curta duração: os


cidadãos de países terceiros incluídos na lista comum de países não membros,
cujos cidadãos necessitam de um visto de entrada, podem obter um visto único,
válido para todo o espaço Schengen.

Ato Único Europeu, de 1986, introduziu a liberdade de circulação das pessoas como
objetivo a alcançar para a concretização plena do Mercado Interno, estendendo o processo
de integração europeia a outros domínios, para além do estritamente económico.

Livre circulação de cidadãos da UE e dos membros das suas famílias:


Neste sentido, o principal instrumento jurídico que foi adotado é a Diretiva
2004/38/CE do PE e do Conselho.
A diretiva destina-se a incentivar os cidadãos da União a exercer o direito à livre
circulação e residência nos Estados-Membros, a reduzir ao estritamente necessário as
formalidades administrativas, a definir melhor o estatuto dos membros da família e a
circunscrever a possibilidade de recusar a entrada ou pôr termo ao direito de residência.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 155


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Alguns pontos mais relevantes dessa diretiva:


Para estadias com uma duração inferior a três meses: o único requisito para
os cidadãos da União é serem titulares de um documento de identidade ou
passaporte válido. O Estado-Membro de acolhimento pode exigir à pessoa em
questão que registe a sua presença no país.

Para estadias com uma duração superior a três meses: os cidadãos da UE e os


membros da respetiva família — caso não exerçam uma atividade profissional —
têm de possuir recursos económicos suficientes e seguro de saúde, de modo a
assegurar que não se tornem num peso para os serviços sociais do Estado-Membro
de acolhimento durante a sua estada. Os cidadãos da União não necessitam de
autorização de residência, mas os Estados-Membros podem exigir que se registem
junto das autoridades competentes.

Direito de residência permanente: os cidadãos da União adquirem este direito


depois de um período de cinco anos consecutivos com o estatuto de residente
legal, desde que não tenham sido objeto de uma decisão de expulsão. Este direito
deixou de estar sujeito a quaisquer condições. A mesma regra é aplicável aos
membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado-Membro e que
tenham residido com um cidadão da União durante um período de cinco anos.

Livre circulação de trabalhadores: TFUE: 45º e ss.

45º/1 tem efeito direto – Acórdão Yvonne van Duyn c. Home Office, 4 de dezembro de
1974.

Acórdão Heylens, de 15 de outubro de 1987, o TJ referiu-se inovadoramente a um “direito


fundamental” de circulação dos trabalhadores.
Estas disposições, em termos resumidos, preveem a abolição de qualquer
discriminação em razão da nacionalidade no que diz respeito ao emprego, à remuneração
e demais condições de trabalho.
Este artigo estabelece ainda que um trabalhador da União tem o direito de
responder a ofertas de emprego efetivamente feitas, de se deslocar livremente no território
dos EM’s, de residir num deles para aí exercer uma atividade laboral e de nele permanecer
depois de ter exercido uma atividade laboral em determinadas condições.

O TJ precisou que é considerado trabalhador qualquer pessoa humana que já tenha


exercido, que exerça ou que pretenda exercer uma atividade económica assalariada –
Acórdão Walrave/Koch c. Association Union Cycliste Internationale, de 12 de dezembro
de 1974.

Atividade assalariada é aquela que é exercida por conta de outrem, ou equiparada, e


tratada como tal para efeitos da legislação de segurança social do Estado-membro em que
a mesma é exercida, ou em que a situação equiparada se verifique – Regulamento CE
nº883/2004.

Apesar da definição, também gozam de liberdade de circulação os desempregados


involuntários, os incapacitados e as pessoas abrangidas por algum sistema de segurança

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 156


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

social aplicável aos trabalhadores, o que significa que o estatuto de trabalhador ≠ conceito
mais amplo de cidadão da União.

O trabalho prestado deve ser real e efetivo, mesmo que de curta duração ou a tempo
parcial, mas não meramente acessório, independentemente de os rendimentos auferidos
atingiram o mínimo de subsistência previsto pelo Estado de acolhimento, do lugar da
residência do trabalhador e da natureza e duração do vínculo contratual existente –
Acórdão Franca Ninni-Orasche, de 6 de novembro de 2003.

O Tratado prevê exceções ao artigo 45º, como no caso de empregos na administração


pública (45º/4), sendo que o Acórdão Comissão c. Bélgica, de 17 de dezembro de 1980,
definiu a noção funcional de administração pública como os “empregos que comportam
uma participação, direta ou indireta, no exercício do poder público em funções que
tenham por objeto a salvaguarda de interesses gerais do Estado ou de outras coletividades
públicas, que transcendem o exercício do poder político”.

O 45º/3 representa situações em que certas pessoas poderão ser impedidas de exercer o
seu direito fundamental por um daqueles motivos, porém, essas razões devem ser
interpretadas restritivamente. Quanto ao limite saúde pública, não vigora um regime
uniforme na União, tentou-se prever uma lista de doenças que impedem a entrada no
território de um Estado-membro, mas isso não servirá de muito se a doença tiver sido
contraída após a entrada no território nacional, por isso, a Prof. Maria Luísa Duarte
defende a supressão desta causa de restrição da liberdade de circulação. Quanto aos
limites ordem pública e segurança jurídica, o fundamento deve ser exclusivamente o
comportamento pessoal do indivíduo em casa – Acórdão Roland Rutili o TJ afirmou que
o comportamento tem de constituir “uma ameaça grave e atual a interesses fundamentais
da comunidade nacional” e que os Estados não podem invocar esta reserva por motivos
económicos.

Liberdade de circulação de serviços: TFUE: 49º e ss.

Haverá liberdade de circulação de serviços no Mercado Interno se os profissionais


independentes de um EM da UE puderem prestar as respetivas atividades específicas no
território de qualquer outro EM, sem restrições ou discriminação em razão da
nacionalidade e quando os destinatários dessas prestações de serviços delas beneficiarem,
no território de qualquer outro EM, sem quaisquer restrições de circulação.
Só existirá uma completa liberdade de circulação de serviços entre os EM se não
só for reconhecido como cumprido o direito de estabelecimento, 49º TFUE.

Liberdade de estabelecimento e de circulação de serviços são duas formas alternativas de


circulação ou prestação transfronteiriça de serviços.

Serviços TFUE: 57º


A liberdade de prestação de serviços resulta e também pressupõe a liberdade de circulação
de pessoas. Alguns autores consideram os serviços uma mera decorrência da livre
circulação de pessoas ou do respeito pelo princípio da não discriminação.

Prestação passiva de serviços: realiza-se no país em que o prestador reside ou se encontra


estabelecido.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 157


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Prestação ativa: serviços prestados no território de um EM ao qual se desloque o operador


económico (sem que nele possua um estabelecimento).
TFUE: 54º e 62º, encontram-se excluídas do direito de estabelecimento e da liberdade de
prestação de serviços as pessoas coletivas que não prossigam fins lucrativos,
precisamente porque o direito do Mercado Interno da UE regula atividades económicas,
não atividades e organizações sem fins económicos.

Existe o benefício do tratamento nacional: “nas condições definidas na legislação do país


de estabelecimento para os próprios nacionais” (49º TFUE) e 57º/último parágrafo. Estas
obrigações estão perfeitamente definidas, logo terão, só por si, efeito direto; assim, o
TJUE concluiu que compete às jurisdições nacionais garantir o respetivo cumprimento.

Liberdade de estabelecimento: TFUE: 49º e ss.


Que é exercida a partir de um estabelecimento aberto com natureza permanente, para
clientes indeterminados, destinando-se, por isso, a perdurar estavelmente, para além da
prestação de um determinado serviço.

Artigo 49º: o direito de estabelecimento das pessoas no território de outro Estado-


membro, complementa o mercado único. No direito de estabelecimento, não se recorre à
prestação de serviços de outras pessoas que se encontram no território doutro Estado-
membro. Ao contrário do que acontece na circulação de serviços.

Liberdade de circulação de serviços: TFUE: 56º e ss.


Presença no território é temporária, pelo que as instalações materiais a que possa
ter de recorrer para executar a prestação de serviços não se manterão depois da referida
prestação.

O Tratado de Roma de 1957 que criou a CEE que previu a concretização do Mercado
Interno e, com isso, da liberdade de circulação de serviços – além das liberdades de
circulação de trabalhadores e de capitais, bem como a de circulação de mercadorias.

Pretende-se que os trabalhadores independentes e os profissionais ou as pessoas coletivas,


na aceção do artigo 54.º do TFUE, que operem legalmente num Estado-Membro, podem:
(i) exercer uma atividade económica estável e contínua noutro Estado-Membro
(liberdade de estabelecimento: Artigo 49.º do TFUE); ou
(ii) oferecer e prestar os seus serviços noutros Estados-Membros, a título
temporário, permanecendo no seu país de origem (liberdade de prestação de
serviços: artigo 56.º do TFUE).

Derrogação:
Em conformidade com o TFUE, as disposições relativas à liberdade de estabelecimento
e de prestação de serviços não são aplicáveis às atividades que estejam ligadas ao
exercício da autoridade pública (artigo 51.º do TFUE).
Também é possível ter um regime especial para os estrangeiros, que se fundamente em
razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (olá covid) (art.52.º/1 TFUE).

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 158


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Liberdade de circulação de capitais e pagamentos: TFUE: 63º e ss. Artigos


com efeito direito (Acórdão Sanz de Lera)

A livre circulação de capitais está subjacente ao mercado único e complementa as outras


três liberdades.
Contribui também para o crescimento económico, ao permitir que o capital seja
investido de forma eficiente, e promove a utilização do euro como moeda internacional,
contribuindo desse modo para o papel da UE enquanto interveniente mundial.
Não é possível reconhecer-se uma liberdade de circulação de mercadorias, sem
se reconhecer também a de pagamentos.
A liberdade de capitais está ligada com a liberdade de estabelecimento. A
liberdade de estabelecimento pressupõe a liberdade de alguém optar pela abertura de um
estabelecimento num outro Estado-membro, além do Estado-membro onde já exerce
determinada atividade.

Se os pagamentos pela aquisição de mercadorias, pela realização do trabalho e pela


prestação de serviços fossem considerados movimentos de capitais, em sentido estrito, os
beneficiários das liberdades de circulação não os poderiam transferir para outros EM’s,
restringindo intoleravelmente o respetivo exercício.
Compreensivelmente, o TJUE distinguiu movimento de capitais de pagamentos
correntes, incluindo nos pagamentos as “transferências de divisas que constituem uma
contraprestação, no âmbito de uma transação subjacente”.

TFUE: 63º Todas as restrições aos movimentos de capitais e aos pagamentos entre EM’s
ou entre EM’s e países terceiros são proibidas.
Movimentos de capitais com países terceiros: 64º/1 e 3, 65º/4 e 66º TFUE

TFUE 65º: também prevê restrições que podem ser invocadas no seio da UE (Grécia e
Chipre fizeram-no na crise das dívidas soberanas).

O Tratado de Maastricht, fixou a data do mercado interno a 31 de dezembro de 1992.


Estabeleceu também um objetivo de dominar todas as fronteiras económicas de todos os
Estados-membros, e estabeleceu um outro objetivo: construir uma União Económica e
Monetária e uma moeda única para todos os Estados-membros.
Estabeleceram-se três fases:
1. 1990.
2. Após a alteração dos Tratados, 1 de janeiro de 1994.
3. 1 de janeiro de 1997 ou, o mais tardar, a 1 de janeiro de 1999.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 159


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

UNIÃO ECONÓMICA E MONETÁRIA (UEM)

Em 1988, o Conselho Europeu de Hannover criou um comité encarregado de estudar a


UEM, presidido por Jacques Delors, então presidente da Comissão.
O Relatório Delors, apresentado em 1989, salientou a necessidade de uma melhor
coordenação das políticas económicas, do estabelecimento de regras orçamentais fixando
limites para os défices dos orçamentos nacionais e da criação de uma instituição
independente que seria responsável pela política monetária da União: o Banco Central
Europeu (BCE). Além disso, propunha que a UEM decorresse em 3 fases:
• 1 de julho de 1990 – 31 de dezembro de 1993: destinada a liberalizar totalmente
o movimento de capitais entre os EM’s e a permitir o reforço da coordenação das
políticas económicas;
• 1 de janeiro de 1994 – 31 de dezembro de 1998: destinada a reforçar a
cooperação entre os bancos centrais nacionais dos EM’s, através da criação do
Instituto Monetário Europeu (IME), que estava encarregado de fazer os
preparativos necessários à introdução da moeda única. Durante esta fase, os
bancos centrais nacionais deveriam tornar-se independentes. Além disso, permitiu
aos EM’s reunirem as condições necessárias à adesão, nomeadamente por via do
cumprimento dos critérios de convergência.
• 1 de janeiro de 1999 em diante: aqui já existiria a UEM. Aplicação de uma
política monetária comum, sob a égide do Eurosistema desde o primeiro dia, e
uma introdução gradual das notas e moedas em euros em todos os EM’s da área
do euro. A transição para a terceira fase dependia da consecução de um grau
elevado de convergência duradoura, avaliada com base num conjunto de critérios
definidos nos Tratados. As regras orçamentais tornar-se-iam vinculativas e
qualquer Estado-Membro incumpridor poderia incorrer em sanções. A política
monetária da área do euro foi confiada ao Eurosistema, composto pelos seis
membros da Comissão Executiva do BCE e os governadores dos bancos centrais
nacionais da área do euro.
O Tratado de Maastricht institucionalizou estas propostas e este calendário acabou por
ser cumprido.
Desde 1 de janeiro de 1999, o Euro passou a ser a moeda dos 11 países originalmente
aderentes, tendo sido nessa data fixadas irrevogavelmente as taxas de conversão entre
essas moedas e o Euro, entrando também em vigor a vária legislação aplicável.
Dos países que mais recentemente aderiram à EU, são vários os que já declararam querer
completar o seu processo de acesso à UEM no mais breve trecho possível. A definição e
execução da política monetária é comum e da responsabilidade exclusiva do Sistema
Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu. Para esse efeito, muitos EM’s
tiveram de rever o enquadramento legal dos seus Bancos Centrais.
PEC: define o modelo de continuidade dos critérios de convergência entre os diferentes
Estados prevendo a supervisão e coordenação das políticas económicas.

Para aderir à UEM é necessário os Estados reunirem duas condições cumulativas:


1. Serem EM’s da UE
2. Cumprirem os critérios de convergência:
• Estabilidade dos preços: inflação média durante um ano com desvio
inferior a 1,5% em relação à média dos EM’s com melhores resultados.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 160


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

• Convergência das taxas de juro: devem possuir uma taxa de juro nominal
média com desvio inferior a 2% em relação à média dos EM’s com
melhores resultados.
• Estabilidade cambial: permanência no Sistema Monetário europeu durante
pelo menos 2 anos, sem desvalorização da taxa central bilateral.
• Situação orçamental: garantir que as finanças públicas são sólidas e
sustentáveis – o défice orçamental inferior a 3% do PIB e dívida pública
total abaixo de 60% do PIB.
A UEM vem completar o Mercado Único e, simultaneamente, a sua viabilidade depende
do sucesso deste. Vantagens:
• Estabilidade de preços
• Finanças públicas saudáveis e estabilidade económica
• Ganhos de senhoriagem
• Fim da especulação cambial
• Economia de reservas cambiais
• Reforço do papel internacional da UE e do próprio Euro
• Eliminação dos custos de transação
• Transparência nos preços
• Estímulo ao comércio interno
Desvantagens:
• Convergência nominal não chega para assegurar a muito mais necessária
convergência real entre as economias
• Desaparecimento do instrumento taxa de câmbio e perda de lucros cambiais
• Desemprego

Base jurídica desta matéria:


TUE: 3º
TFUE: 3.º, 5.º, 119.º a 144.º, 219.º e 282.º a 284.º

Protocolos anexos aos Tratados: Protocolo n.º 4 relativo aos Estatutos do Sistema
Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu; Protocolo n.º 12 sobre o
procedimento relativo aos défices excessivos; Protocolo n.º 13 relativo aos critérios de
convergência; Protocolo n.º 14 relativo ao Eurogrupo; Protocolo n.º 16, que contém a
cláusula de autoexclusão aplicável à Dinamarca;

Tratados intergovernamentais: o Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e


Governação (TECG), o Pacto para o Euro Mais e o Tratado relativo ao Mecanismo
Europeu de Estabilidade (MEE).

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 161


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

DIREITO DA CONCORRÊNCIA

Três grandes áreas:


− Práticas restritivas da concorrência/anti-trust.
· Práticas coletivas. 101º TFUE e 9º e 10º da Lei 19/2012.
§ Acordos.
§ Práticas concertadas.
§ Decisões de associações de empresas.
· Práticas unilaterais.
Na UE, só há um tipo. Em alguns estados-membros há dois tipos.
§ A que toda a gente tem é a proibição de abuso da posição
dominante, 102º TFUE e 11º Lei da Concorrência.
§ O 2º tipo está no artigo 12º da Lei da Concorrência: abuso de
dependência económica. Refere-se a situações em que é explorada
abusivamente a ascendência (dominância) de uma empresa em
relação a outra, no domínio das relações bilaterais entre ambas,
sempre que esse comportamento seja suscetível de afetar o
funcionamento do mercado ou a estrutura da concorrência.
− Controlo de concentrações, Regulamento 139/2004 e Lei da Concorrência.
− Auxílios de estado, 107º a 109º do TFUE.

Há um mar de juridicidade que decorre da jurisprudência europeia.

Princípio de uma economia de mercado aberto: 119º/2 TFUE.


Princípio de livre concorrência: 120º TFUE.

Relação entre o mercado interno e a política de concorrência:


1. Complemento da vertente da integração negativa assumida pelas regras sobre as
liberdades: é necessário impedir que os obstáculos à integração dos mercados
criados pelos Estados que os Tratados interditam sejam reerguidos.
2. Promoção da eficiência económica no mercado interno.

Há derrogações ao princípio da concorrência: falhas de mercado (fornecimento de bens


públicos) e outros objetivos de interesse público (proteção ambiental, da saúde pública,
diversidade cultural, pluralismo).

A concorrência é simultaneamente o parâmetro-regra de organização do mercado e um


instrumento de promoção do bem-estar, devendo ser conciliada com outras dimensões do
interesse público da UE e dos EM’s.

Poder de mercado: “capacidade de manter, de forma rentável, os preços acima dos níveis
concorrenciais durante um determinado período de tempo ou de manter, de forma
rentável, a produção, em termos de quantidade, qualidade e diversidade do produto ou de
inovação, abaixo dos níveis concorrenciais durante um determinado período de tempo”
à definição da CE.

Concorrência efetiva:
Será efetiva aquela concorrência que se traduza na ausência de poder de mercado. É
tutelada por eliminar as ineficiências resultantes do exercício do poder de mercado e o

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 162


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

seu limite é a ratio e a proporcionalidade de uma intervenção pública tendente a assegurar


essa concorrência efetiva.

Tem-se sempre de definir o mercado em causa quando estamos a tratar do direito da


concorrência.

Cláusulas de exclusão deste regime (destinados às empresas):


1. Exercício de poderes de autoridade.
2. Atividade prosseguida com solidariedade em vez de estrutura económica.

O que são empresas?


· Conceito funcional, fixado no acórdão Höffner: abrange qualquer entidade que
exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e
modo de financiamento.
· Existência de um centro de controlo comum a esses ativos que define a
organização dos recursos produtivos à sua disposição e os orienta para uma
finalidade por ele definida.
· Tem de ser uma entidade capaz de determinar com autonomia o seu
comportamento no mercado.
· Grupo empresarial.
· Unidade económica.
· Não se identifica com uma pessoa jurídica, pode ou não ser. Podem até ser várias
pessoas.

· Acórdão Centrafarm: o artigo 101º não visa os acordos ou práticas concertadas


entre empresas pertencentes aos mesmo grupo, enquanto sociedade-mão e filial,
se as empresas constituem uma unidade económica no interior da qual a filial não
goza de real autonomia na determinação da sua atuação sobre o mercado e se tais
acordos ou práticas têm por objetivo estabelecer uma repartição interna das tarefas
entre as empresas.

· Acórdão Viho c. Comissão: duas filiais da mesma sociedade-mãe fazem parte da


mesma unidade económica.

Atividade económica:
1. Assunção do risco de empresa: sem receitas não é sustentável manter aquela
unidade económica.
2. Oferta de bens ou serviços no mercado em concorrência.

Como sabemos se tem efeitos nas trocas entre EM’s? Há uma presunção nesse sentido
quando a prática se estenda à totalidade do território internacional. Critério do efeito nas
trocas entre EM’s é definido pelo TJUE.

Práticas restritivas da concorrência:


Os artigos 101º e 102º TFUE produzem efeito direto na ordem jurídica dos EM’s. Assim,
estas normas criam direitos na esfera jurídica dos particulares suscetíveis de tutela pelos
tribunais nacionais.
Têm primazia não só quanto ao Direito dos EM’s, mas também quanto ao direito
derivado.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 163


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Regulamento CE 1/2003 à regulamento europeu processual sobre as práticas restritivas


da concorrência que nos diz logo como se efetua a relação entre o direito europeu e o
nacional. Temos o primado, mas aqui ele sofreu uma pequena derrogação:
− Práticas coletivas prevalece sempre o direito da UE.
− Práticas unilaterais a norma nacional pode ser mais exigente. Não pode ser mais
permissiva, apenas mais exigente. Daí a proibição do abuso da dependência
económica.

Também se aplicam as proibições a associações de empresas por uma razão lógica: se


as empresas pudessem evadir-se à disciplina que proíbe acordos e práticas concertadas
entre elas pela sua transformação em atos formalmente unilaterais de uma associação em
que todas participam, o efeito útil do 101º seria irremediavelmente posto em causa.

Será que também se pode aplicar os artigos 101º e 102º a comportamentos que ocorrem
fora do território dos EM’s?
Teoria dos efeitos: se existir um efeito qualificado e uma conexão substancial e genuína,
sim. Confirmado pelo acórdão Pasta de Papel I.

101º e ss:

101º:
Acordos, 101º/1: encontro de vontades entre, pelo menos, duas empresas.
Forma de manifestação não é importante, desde que constitua a expressão fiel das
mesmas.
Basta que tenham expressado a sua vontade comum de se comportarem no
mercado de forma determinada.
Assim, um simples “acordo de cavalheiros” pode constituir um acordo entre
empresas, apesar da sua natureza não vinculativa.

Práticas concertadas: 101º/1.


Forma de conluio que partilha a mesma natureza de um acordo e que só se distingue pela
sua intensidade e pela forma como se manifesta. Elementos: acórdão Anic.
• Elemento subjetivo: concertação entre 2 ou + empresas. Não pode ter a
intensidade necessária para configurar um acordo. Substituir conscientemente os
riscos da concorrência por uma cooperação prática com objetivo ou efeito
anticoncorrencial.
• Elemento objetivo: comportamento no mercado que seja consequência dessa
concentração.
• Nexo de causalidade entre esses dois elementos.

101º/1, a proibição dá corpo ao princípio segundo o qual cada agente económico deve
definir de forma independente a sua conduta no mercado. Dois requisitos para tal conduta
estar sujeita a esta proibição:
1. Ter como objetivo ou por efeito restringir a concorrência;
2. Comportamento seja suscetível de afetar o comércio entre Estados.

101º/1/a): não está em causa a fixação entre as partes das condições negociais, mas sim a
restrição da liberdade das partes quanto às condições que irão praticar no mercado junto
dos respetivos clientes.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 164


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Existem exceções à proibição do número 1:


· 101º/3, isenção individual. Faz-se um balanço entre os efeitos anticoncorrenciais
da prática
· Isenção categorial: depende de regulamentos europeus.
· Exceção Wouters: prevalência de valores fundamentais (tais como, saúde,
ambiente), mesmo que isso restrinja a concorrência no mercado interno.

102º:
Posição dominante à situação que lhe permite comportar-se de maneira largamente
independente em relação aos seus fornecedores, concorrentes e clientes, Acórdão United
Brands.
· Só há uma empresa com posição dominante em cada mercado.
· Presunção de dominância de uma empresa com uma quota de mercado33 a partir
de 50%.

As empresas dominantes não são proibidas, só o é o abuso dessa posição. As empresas


dominantes têm, pela posição que ocupam, especiais deveres de conduta.

A jurisprudência cria uma exceção: haver uma justificação económica para o


comportamento aparentemente abusivo. A exceção é decalcada do 101º/3 TFUE.

Um acordo ser abrangido pelo 101º/3 não afasta uma possível aplicação do 102º.

Controlo de concentrações:
Concentração de empresas: alteração estrutural do mercado, mediante a integração de
duas ou mais empresas a um controlo comum, que pode ser unitário ou conjunto.
A construção de uma filial comum a 2 ou + empresas para o exercício de forma
duradoura de uma atividade económica também consiste numa concentração.

Concentração horizontal: entre empresas concorrentes.


Concentração vertical: entre empresas numa relação de fornecedor-cliente.

Os artigos 101º e 102º intervêm na conduta das empresas, enquanto o controlo


de concentrações se preocupa com a modificação da estrutura concorrencial.
101º e 102º envolvem tipicamente condutas que já estão em curso no momento
em que são objeto de uma intervenção pelas autoridades da concorrência ou pelos
tribunais à intervenção ex post. As concentrações estão sujeitas a um regime de controlo
prévio à intervenção ex ante.

Regulamento de controlo de concentrações: atribui competência exclusiva à CE para se


pronunciar sobre concentrações de dimensão europeia, criando, para operações desta
natureza, um balcão único a que as empresas se devem dirigir.
O critério legal para autorização ou proibição da operação de concentração é
inspirado no 102º TFUE: será proibida uma concentração caso esta entrave
significativamente a concorrência efetiva no mercado interno ou numa parte substancial
deste, em particular caso da mesma resulte a criação ou reforço de uma posição
dominante.

33
Devem ser calculadas em quantidade, recorrendo-se frequentemente ao valor das vendas. Quanto maior
for a quota de mercado de uma determinada empresa, maior o seu poder de mercado, ou seja, maior o
potencial de esta ter a capacidade de aumentar os preços acima do nível concorrencial.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 165


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

O regulamento não prevê isenções, mas a ponderação de eventuais ganhos de


eficiência integra a apreciação do critério substantivo de autorização ou
proibição.

A comissão europeia é a primus interpares na matéria da concorrência. Pode “tirar” casos


a autoridades de concorrência dos EM’s.

Decisão da CE impugna-se no Tribunal Geral da UE com uma ação de anulação, com


recurso para o TJUE.
Decisão da Autoridade da Concorrência europeia: impugna-se no Tribunal da
Concorrência de Santarém com recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 166


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

AUXÍLIOS DE ESTADO

É a única área de direito da concorrência que é estritamente europeia (não existe direito
nacional dos auxílios de Estado).

É natural que os Estados queiram ver as suas empresas favorecidas no âmbito da


concorrência e que para tal as procurem beneficiar através de auxílios.
O que encontraríamos no mercado concorrencial sem o regime dos auxílios de Estado
seria uma situação em que os Estados se viam forçados a replicar os auxílios dos demais
Estados para não se encontrarem em desvantagem – poderia levar ao “efeito delaware”
ou “corrida para o fundo”, na tentativa de preços mais baixos.

Podemos então caracterizar o regime dos auxílios de Estado como um sistema de controlo
supranacional da atribuição de vantagens financeiras a empresas por entidades públicas,
sendo da responsabilidade da Comissão a implementação do sistema.

Apesar da existência deste regime, continua a ser possível existirem distorções


concorrenciais, nomeadamente, atribuindo condições fiscais mais favoráveis que atraiam
as empresas, isto porque os poderes da União em matéria fiscal são limitados.

Podemos considerar que o regime tem uma forte componente política e alguma
insegurança jurídica, devido à margem de discricionariedade da Comissão para a
determinação do que são ou não auxílios.

TFUE: 107º Qualquer medida concedida pelo Estado que confira uma vantagem
económica aos beneficiários, suscetível de afetar as trocas comerciais entre os
EstadosMembros, concedida de forma seletiva, que favoreça o beneficiário e que falseie
ou ameace falsear a concorrência intracomunitária.

Para determinar se um apoio concedido se enquadra no conceito de auxílios de Estado é


necessário que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:

1. O apoio é concedido pelo Estado ou é proveniente de recursos estatais

Estado é entendido para este efeito no seu sentido mais amplo, ou seja, o auxilio é
imputável ao Estado se for adotado por qualquer autoridade pública, ainda que
descentralizada, desconcentrada, com autonomia jurídica ou independência.
Exemplos: órgãos de soberania, órgãos da administração pública, central e local, e alarga
o âmbito mesmo para uma atuação indireta, através de intermediários, mesmo privados,
designados pelo Estado.

Segundo o acórdão GEMO de 2003


A forma que assuma o apoio também é indiferenciada, podendo ser quer uma
transferência financeira, quer uma redução de encargos
Exemplo: subvenções, empréstimos sem juros ou a juros reduzidos, bonificações de
juros, garantias prestadas em condições especiais, abatimentos fiscais e parafiscais,
fornecimento de bens ou serviços em condições preferenciais

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 167


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

No acórdão Altmark (2003), ficaram determinados os requisitos para que uma


compensação por obrigações de serviço público não seja qualificada como um auxilio de
Estado e, portanto, não tendo de ser notificada e autorizada pela Comissão Europeia:
a) a empresa beneficiária deve ser efetivamente incumbida do cumprimento de obrigações
de serviços públicos e essas obrigações devem estar claramente definidas;
b) os parâmetros com base nos quais será calculada a compensação devem ser previamente
estabelecidos de forma objetiva e transparente, a fim de evitar que essa implique uma vantagem
económica suscetível de favorecer a empresa beneficiária em
relação a empresas concorrentes:
c) a compensação não pode ultrapassar o que é necessário para cobrir total ou parcialmente os
custos que advém do cumprimento de obrigações de serviço público, atendendo às receitas obtidas
assim como um lucro razoável pela execução destas
obrigações:
d) quando a escolha da empresa não seja efetuada através de um processo de concurso público
que permita selecionar o candidato capaz de fornecer esses serviços ao menor custo para a
coletividade, o nível de compensação necessária deve ser determinado com base numa análise
dos custos que uma empresa média, bem gerida e adequadamente equiparada em meios de
transporte para poder satisfazer as exigências de serviço público
requeridas, teria suportado para cumprir essas obrigações.

2. A intervenção confere uma vantagem ao beneficiário numa base seletiva

De acordo com o Acórdão do TJUE Altmark 2003 um auxílio ocorre quando "a
empresa beneficiária recebe uma vantagem económica que não teria obtido em condições
normais de mercado" (é o chamado critério do operador numa economia de mercado).
Estamos perante uma aceção lata de empresa, pública ou privada, que pressupõe que o
beneficiário desenvolve uma atividade que, de acordo com a jurisprudência que o
Tribunal de Justiça tem vindo a definir, se possa considerar de carácter económico, de
oferta de um bem ou serviço num mercado a vigorar em regime concorrencial.

O critério de seletividade pressupõe que a autoridade que concede o auxílio dispõe de


um poder discricionário, concedendo o apoio a apenas a um só beneficiário.
Exemplo: uma categoria de empresas, um setor de atividade ou a um outro qualquer
agregado particular de empresas.

É aqui que s auxílios se distinguem das medidas gerais, que apesar de também poderem
proporcionar vantagens competitivas e distorcerem a concorrência intracomunitária, se
aplicam uniformemente a todos os operadores.

3. A intervenção é suscetível de afetar as trocas comerciais intracomunitárias.

A concorrência foi ou é suscetível de ser falseada, o que pressupõe que existe um


mercado a vigorar em regime concorrencial e que o apoio dá uma vantagem
económica ao beneficiário face aos demais concorrentes, que não poderia ser obtida
no mercado.

Não é necessário demonstrar efetivas importações/exportações ou a presença de


concorrentes de outros EMs, mas apenas a potencialidade do impacto nas trocas entre

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 168


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

EM. Normalmente, os apoios com efeitos em mercados de âmbito local não terão efeitos
nas trocas entre EMs, ainda que já tenham ocorrido exceções.

De acordo com o Acórdão Philip Morris de 1980 isto ocorre quando "um auxílio
financeiro concedido por um Estado ou através de receitas de Estado reforça a posição de
uma empresa relativamente a outras empresas concorrentes nas trocas comerciais
intercomunitárias"
Este critério tem sido criticado por ser funcional e pouco exigente (por exemplo nos casos
dos monopólios) mas ainda é o único critério aceite pela maioria da doutrina.

Exceções ao princípio da incompatibilidade dos auxílios de Estado

Apesar de preencherem todos os requisitos do TFUE: 107º/1 os auxílios podem ser


compatíveis quando:
TFUE: 107º/2 Beneficiem de uma isenção de direito
Podem considerar-se benefícios automáticos onde se incluem auxílios de natureza social,
auxílios concedidos para remediar danos causados por calamidades naturais ou por
outros acontecimentos extraordinários.
Nestes casos os EM tem de avisar a Comissão da atribuição dos benefícios, contudo esta
não tem margem de discricionariedade, está vinculada a adotar a decisão de isenção caso
verifique que se encontram preenchidos os requisitos.

TFUE: 107º/3 Beneficiem de uma isenção individual


Podem considerar-se derrogações não automáticas onde a Comissão goza de uma grande
margem de discricionariedade pois é a própria que avalia os efeitos positivos e negativos
da atribuição do auxilio geralmente recorrendo a critérios estabelecidos pela própria.
• Auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões com
nível de vida anormalmente baixo ou com grave situação de subemprego;
• Auxílios destinados a fomentar a realização de um projeto de interesse europeu
ou a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado-Membro;
• Auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas atividades
económicas ou regiões; quando não alterem as condições das trocas comerciais
de maneira que contrariem o interesse comum;
• Auxílios destinados a promover a cultura e a conservação do património;
• Outras categorias de auxílios especificadas por decisão do Conselho.

Em suma regime comunitário de auxílios de Estado assenta num sistema de autorização


prévia, nos termos do qual a Comissão Europeia determina se uma medida de auxílio
que o Estado-Membro pretenda conceder pode beneficiar das derrogações previstas.

Formas dos Auxílios de Estado

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 169


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Os auxílios podem assumir diversas formas, sendo as mais comuns:


Subvenções;
• Empréstimos sem juros ou a taxas inferiores às de mercado;
• Bonificações de juros;
• Concessão de garantias em condições vantajosas;
• Regimes de amortização acelerada;
• Injeções de capital;
• Vantagens fiscais e reduções de contribuições para a Segurança Social;
• Fornecimento de bens ou serviços em condições preferenciais.

Cálculo do equivalente-subvenção bruto


Devido à existência destas diferentes formas de auxílios de Estado tornou-se necessário
recorrer uma unidade de medida comum, para poder apreciar a intensidade do auxilio e
a compatibilidade com o mercado interno.
O equivalente-subvenção bruto (ESB) é o valor que efetivamente corresponde a uma
vantagem financeira atribuída pelo Estado, independentemente do organismo que atribui
a ajuda.

ESB é igual ao valor do incentivo, uma vez que a totalidade


Incentivo a fundo perdido do apoio corresponde de facto a uma vantagem financeira
que o Estado proporciona à empresa.

Uma vez que o valor do reembolso não confere uma


Subsídio reembolsável ou de
vantagem para a empresa encontrando-se esta vantagem
uma bonificação de
apenas no valor dos juros que a empresa fica dispensada de
juros
pagar, o respetivo ESB terá de ser calculado.

ESB consistirá na diferença, para um determinado ano, entre


os juros de referência calculados à taxa em vigor no
Empréstimo em condições momento da concessão e os juros efetivamente pagos, ou
favoráveis seja, consiste no apuramento do elemento de auxílio
enquanto vantagem conferida ao beneficiário, que este não
conseguiria obter em condições normais de mercado.

No cálculo do ESB dos auxílios a desembolsar em diversas prestações deve ser aplicada
a taxa de juro prevalecente no mercado aquando da concessão do auxílio. Para assegurar
uma aplicação uniforme, transparente e simples das regras em matéria de auxílios de
Estado é conveniente considerar que as taxas do mercado aplicáveis são as taxas de
referência. Estas taxas são periodicamente fixadas pela Comissão, publicadas no Jornal
Oficial da União Europeia e comunicadas aos Estados-Membros. Para além de serem
utilizadas no ESB estas taxas de referência são igualmente aplicáveis ao reembolso de
auxílios ilegais, auxílios não notificados e/ou não cobertos por nenhum enquadramento
regulamentar como o regulamento de isenção por categoria ou pelo regime de minimis.

Notificação dos auxílios de Estado

Todo o financiamento público que preenche os critérios enunciados no TFUE: 107º/1

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 170


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

constitui um auxílio de Estado e deve ser notificado à Comissão TFUE: 108º/3 sendo
lhe proibido adotar um novo auxilio sem confirmação da compatibilidade.

O procedimento de análise de um auxílio notificado divide-se em três fases: a)


Fase opcional de pré-notificação
b) 1º fase: investigação preliminar com prazo de 2 meses
c) 2º fase: investigação formal, não sujeita a prazo (note-se, contudo, a possível violação
do princípio da boa administração por duração excessiva).

Após a notificação completa à Comissão esta decidirá:


a) que o auxilio é incompatível com o mercado interno, sendo o EM proibido de
conceder o auxilio e obrigado a recuperar todo o beneficio que foi atribuído, acrescido
de juros
b) que o auxilio é compatível com o mercado interno, podendo o auxilio ser
atribuído ou, no caso dos não notificados, o auxilio em si não pode ser recuperado, mas
tem de se recuperar do beneficiário os juros relativos ao período durante o qual
beneficiou do auxilio enquanto este ainda era ilegal.

O Regulamento (CE) n.º 994/98, do Conselho, de 7 de maio e, posteriormente, o


Regulamento (UE) n.º 733/2013, do Conselho, de 22 de julho, conferem poderes à

De acordo com o 108.º e 109.º do TFUE, a Comissão tem poderes para declarar certas
categorias de auxílios podem vir a ser consideradas isentas de notificação. Como os
auxílios a pequenas e médias empresas, os auxílios à investigação e desenvolvimento, os
auxílios à proteção do ambiente, os auxílios ao emprego e à formação, bem como os
auxílios que respeitem o mapa aprovado pela Comissão para cada Estado-Membro com
vista à concessão de auxílios com finalidade regional.

Atualmente, as exceções à obrigatoriedade de notificação prévia à Comissão Europeia


referem-se à regra de minimis (auxílios de reduzido valor não suscetíveis de afetar de
forma significativa a concorrência intracomunitária).

A experiência no período 2007-2013, através da aplicação do Regulamento (CE) n.º 800/2008,


da Comissão, de 6 de agosto, permitiu à Comissão definir melhor as condições em que certas
categorias de auxílio de Estado podem ser consideradas compatíveis com
o mercado interno e alargar o âmbito de aplicação das isenções por categoria.

O Regulamento (UE) n.º 651/2014, que sucede ao Regulamento (UE) n.º 800/2008,
abrange assim as seguintes categorias de auxílios:
• Auxílios com Finalidade Regional;
• Auxílios às PME;
• Auxílios ao acesso das PME ao financiamento;
• Auxílios à investigação e desenvolvimento e à inovação;
• Auxílios à formação;
• Auxílios a trabalhadores desfavorecidos e trabalhadores com deficiência;
Auxílios à proteção do ambiente;
• Auxílios destinados a remediar os danos causados por certas calamidades
naturais;

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 171


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

• Auxílios sociais ao transporte para habitantes de regiões periféricas;


• Auxílios a infraestruturas de banda larga;
• Auxílios à cultura e conservação do património;
• Auxílios a infraestruturas desportivas e recreativas multifuncionais;
• Auxílios a infraestruturas locais.

Em 17 de maio de 2017, a Comissão Europeia informou os Estados-Membros que procedeu a


uma alteração ao RGIC que isentam do controlo prévio da Comissão certas medidas de apoio
público a portos, aeroportos, projetos culturais, bem como às regiões ultraperiféricas. De acordo
com a Comissão, o objetivo é facilitar o investimento público
para a criação de emprego e crescimento e, ao mesmo tempo, manter a concorrência.

O Regulamento (UE) 2017/1084, da Comissão, de 14 de junho, alterou o Regulamento (UE) n.º


651/2014 no que se refere aos auxílios às infraestruturas portuárias e aeroporturárias, aos limites
de notificação para os auxílios a favor da cultura e da conservação do património e para os auxílios
a infraestruturas desportivas e recreativas multifuncionais, bem como aos regimes de auxílios
regional ao funcionamento nas regiões ultraperiféricas e que altera o Regulamento (UE) n.º
702/2014 no que se refere ao
cálculo dos custos elegíveis.

Regras Processuais e procedimentos

A regras variam consoante o grau de distorção da concorrência que o auxílio é


suscetível de provocar, sendo que se exige uma análise mais ou menos aprofundada.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 172


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

Há quatros níveis de apreciação dos auxílios de Estado:


Regime de minimis;
• Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC); Apreciação
normal;
• Apreciação aprofundada.

A regra de minimis destina-se a auxílios de Estado de pequeno montante, que a


Comissão considera não afetar a concorrência ou o comércio entre Estados-Membros e
nestes casos o procedimento é simples e quase automático, desde que verificadas as
condições previstas no Regulamento (UE) n.º 1407/2013, da Comissão, de 18 de
dezembro.

Nestes casos os Estados-Membros podem conceder estes auxílios sem terem a obrigação
de notificar tão pouco a Comissão à posteriori. Os Estados-Membros devem contudo
assegurar um controlo dos auxílios concedidos, assegurar que os limiares e as normas
sobre cumulação são assegurados, podendo recorrer para o efeito um sistema baseado em
declarações ou, como no caso português, recorrer a um registo central.

Nos auxílios enquadráveis no âmbito do RGIC, possibilita-se aos Estados-Membros


beneficiar da isenção de notificação prévia à Comissão, de determinadas categorias de
auxílio, desde que sejam verificadas as condições e critérios enunciados no Regulamento
(UE) n.º 651/2014, ou seja, os Estados-Membros poderão aplicar essas medidas de
auxílios sem a existência de uma apreciação adicional por parte da Comissão.

Contudo os Estados Membros necessitam de apresentar à Comissão uma informação das


medidas no prazo de 20 dias úteis após a aplicação da medida.

Na apreciação normal verifica-se necessário a notificação e aprovação prévia pela


Comissão.

Esta apreciação consiste, geralmente, em apreciar condições pré-definidas como os limiares das
intensidades de auxílios, com base nas orientações ou outro enquadramento aplicável, pelo que
se considera que neste caso se trata de uma apreciação
substancialmente mais superficial.

Os auxílios suscetíveis de provocar distorções de concorrência mais graves, que


exigem, para além de, como no caso anterior, notificação e aprovação prévia pela
Comissão, uma análise aprofundada.

Nestes casos qualquer auxílio concedido sem notificação e autorização prévia da


Comissão será considerado ilegal e pode ser objeto de reembolso pelo beneficiário, caso
a Comissão venha a considerá-lo incompatível com o mercado comum.

Método de base utilizado para a apreciação dos auxílios de Estado

No âmbito da iniciativa Modernização da política da UE no domínio dos auxílios estatais


(MAE) verifica-se uma tendência para uniformizar os critérios de averiguação da
compatibilidade dos auxílios de Estado, nas diferentes orientações vigentes.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 173


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

A nova metodologia para efetuar a apreciação dos auxílios de Estado é bastante mais
profunda do que a vigorava até então, assentando na análise de sete critérios económicos,
a saber:
• Contributo para um objetivo de interesse comum;
• Necessidade de intervenção do Estado;
• Adequação;
• Efeito de incentivo;
• Proporcionalidade do auxílio/limitação do auxílio ao mínimo necessário;
Efeitos negativos;
• Transparência.

Por contribuição para um objetivo de interesse comum entende-se uma medida de auxílio
claramente definida, que visa a prossecução de um objetivo de interesse comum em
conformidade com o nº 3 do artigo 107.º do TFUE.

No que diz respeito à necessidade de intervenção do Estado procura-se acautelar que a medida de
auxílio de Estado propõe corrigir uma situação, como por exemplo, uma falha de mercado, ou
uma qualquer outra situação em que o mercado deixado a si mesmo, não seria capaz de corrigir e
por conseguinte, a medida de auxílio de Estado visa uma melhoria
do mercado no seu todo.

A medida de auxílio deverá ainda garantir a adequação da mesma, ou seja, garantir que se trata
do instrumento político mais adequado para atingir o já mencionado objetivo de
interesse comum.

É ainda exigido à medida de auxílio que possua um efeito de incentivo, que altere o
comportamento da(s) empresa(s), criando e diversificando as atividades, o que não teria
ocorrido da mesma forma na ausência do auxílio.

O efeito de incentivo encontra-se estritamente ligado à proporcionalidade dos auxílios, ou seja, à


limitação do montante de auxílio ao mínimo necessário para incentivar o(s) investimento(s) e/ou
atividade(s) complementar(es), o mínimo necessário à alteração do
comportamento da(s) empresa(s). (1)

O critério da prevenção de efeitos negativos visa limitar as distorções da concorrência e das trocas
comerciais entre Estados-Membros ao mínimo indispensável, ou seja, os efeitos negativos dos
auxílios são suficientemente limitados, para que, numa ponderação entre os efeitos positivos e os
efeitos negativos, o balanço global da medida seja
claramente positivo.

Por fim, as medidas deverão garantir a transparência do auxílio, todas as informações e atos
relevantes da medida deverão ser do conhecimento público e encontrar-se facilmente acessíveis
aos Estados-Membros, à Comissão, aos operadores económicos e o público em
geral.
Esta metodologia que tem subjacente uma abordagem económica na apreciação da
compatibilidade dos auxílios de Estado continua o processo de simplificação e modernização dos
aspetos processuais do controlo dos auxílios de Estado, que se vinha
afirmar nos últimos anos numa lógica de “menos auxílios, mais bem centrados”.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 174


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

AUXÍLIO DE ESTADO À TAP

A TAP Air Portugal, que faz parte do grupo TAP, controlada em última instância pela
Transportes Aéreos Portugueses SGPS S.A. («TAP»), é uma companhia aérea de grande
dimensão a operar em Portugal. Com uma frota de 105 aviões, a TAP Air Portugal serviu
em 2019 95 destinos em 38 países, transportando mais de 17 milhões de passageiros a
partir da sua principal plataforma, Lisboa, e de outros aeroportos portugueses para vários
destinos internacionais.

Em 9 de junho de 2020, Portugal notificou a Comissão da sua intenção de conceder


um empréstimo de emergência de 1 200 milhões à TAP.
A medida visa proporcionar à TAP recursos suficientes para fazer face às
necessidades imediatas de liquidez, com vista a preparar um plano para a
viabilidade da empresa a longo prazo.

A TAP já estava confrontada com dificuldades financeiras antes do surto de coronavírus,


ou seja em 31 de dezembro de 2019. Desde o início do surto, a TAP Air Portugal, como
muitas outras empresas do setor da aviação, sofreu uma redução significativa dos seus
serviços, da qual resultaram elevadas perdas de exploração. Estas perdas são a
consequência da imposição de restrições às viagens por Portugal e por muitos países de
destino para limitar a propagação do coronavírus.

A TAP não é elegível para receber apoio ao abrigo do Quadro temporário da Comissão
relativo aos auxílios estatais, destinado a apoiar empresas que de outro modo seriam
viáveis. Por conseguinte, a TFUE: 107º/3 c) Comissão avaliou a medida ao abrigo das
suas Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação,
que permitem aos Estados-Membros apoiar empresas em dificuldade, desde que as
medidas de apoio público sejam limitadas no tempo e no âmbito e contribuam para
um objetivo de interesse comum.

Os auxílios de emergência podem ser concedidos por um período máximo de seis meses
para dar a uma empresa tempo para encontrar soluções numa situação de emergência.
Em especial, as autoridades portuguesas comprometeram-se a que a TAP reembolsará o
empréstimo ou apresentará um plano de reestruturação no prazo de seis meses, a fim de
assegurar a viabilidade futura da empresa.

A Comissão considerou que a medida contribuirá para evitar perturbações aos


passageiros, por conseguinte, apoiará indiretamente o setor do turismo português,
o qual foi duramente atingido pelo surto de coronavírus. Ao mesmo tempo, as condições
estritas associadas ao empréstimo em termos de remuneração e de utilização dos fundos
e a sua duração limitada a seis meses reduzirão ao mínimo a distorção da
concorrência potencialmente desencadeada pelo apoio estatal.
Nesta base, a Comissão concluiu que a medida é compatível com as regras da UE em
matéria de auxílios estatais.
A Raynair contestou de imediato a autorização do auxilio, tendo apresentado recurso em
tribunal requerido a anulação dos auxílios por considerar uma concorrência desleal.

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 175


Direito da União Europeia | Regente Eduardo Ferreira

O TJUE considerou recentemente que a decisão pouco fundamentada, pelo que anulou a
decisão que aprovou os auxílios, sem efeitos suspensivos. Cabe agora à Comissão
apresentar novos elementos.

Contexto

Os apoios financeiros da UE ou os financiamentos nacionais concedidos a serviços de


saúde ou a outros serviços públicos para fazer face à situação gerada pelo coronavírus
não são abrangidos pelo controlo exercido aos auxílios estatais. O mesmo se aplica a
qualquer apoio financeiro público concedido diretamente aos cidadãos. Da mesma forma,
as medidas de apoio público que estão disponíveis para todas as empresas como, por
exemplo, as subvenções salariais e a suspensão do pagamento do IVA e do IRC ou das
contribuições para a segurança social, não são abrangidas pelo controlo dos auxílios
estatais e não requerem a aprovação pela Comissão ao abrigo das regras da UE em
matéria de auxílios estatais. Em todos estes casos, os EM’s podem agir imediatamente.

Quando são aplicáveis as regras dos auxílios estatais, os EM’s podem conceber uma
grande diversidade de medidas de auxílio para apoiar as empresas ou os setores afetados
pelas consequências do surto de coronavírus que sejam compatíveis com a moldura
legislativa dos auxílios estatais da UE. Em 13 de março de 2020, a Comissão adotou uma
Comunicação relativa a uma resposta económica coordenada ao surto de COVID-19,
onde estabelece estas possibilidades. A este respeito, por exemplo:
• As regras em matéria de auxílios estatais baseadas no artigo 107.º, n.º 3, alínea
c), do TFUE, nomeadamente as Orientações da Comissão relativas aos auxílios
estatais de emergência e à reestruturação, permitem que os Estados-Membros
apoiem as empresas (incluindo as empresas já em dificuldade antes de 31 de
dezembro de 2020) que enfrentam graves problemas de liquidez e dificuldades
financeiras associadas ao surto de coronavírus ou por ele agravadas e que
necessitam urgentemente de um auxílio de emergência.
• Os EM’s também podem compensar empresas ou setores específicos (sob a forma
de regimes) pelos prejuízos sofridos e diretamente causados por acontecimentos
extraordinários, como os causados pelo surto de coronavírus. É o que prevê o
artigo 107.º, n.º 2, alínea b), do TFUE.
• Estas medidas podem ser completadas por várias medidas suplementares, como
as previstas no Regulamento de minimis e no Regulamento geral de isenção por
categoria, que também podem ser imediatamente aplicadas pelos EM’s, sem
intervenção da Comissão.
Outros Casos: Apple Irlanda, Ryaner França e Holanda, Google

Sofia Cunha FDUL 2020/2021 176

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