Você está na página 1de 5

A unidade europeia ao longo dos séculos

O continente europeu, o chamado velho continente, tem sido palco


das maiores transformações da história, quer em termos geográficos,
económicos, políticos, quer em termos sociais.
Ao longo dos séculos, grandes personagens sentiram e
transmitiram a ideia de uma Europa unida. Carlos Magno encorajou a
construção de uma nova identidade europeia com base territorial, tendo a
Igreja Católica como referência unificadora. Em 799, o poeta Angibert
designou Carlos Magno como “rei, pai da Europa”. Em 1304, o jurista Pierre
Dubois concebeu, antes de qualquer outro, um projeto de “Estados Unidos da
Europa”. No tratado "De Recuperatione Terrae Sanctae", Pierre Dubois
preconizava um concílio de príncipes e prelados, sem tutela do papa nem do
Imperador. Dante Alighieri, em De Monarchia também denunciava os
nacionalismos e afirmava a unidade de Europa na sua diversidade.
Contudo, é com Erasmo de Roterdão (1467 – 1536), teólogo e
humanista holandês, que podemos, com maior rigor, falar de uma
consciência europeia. Erasmo viajou por toda a Europa em busca de
conhecimento. Erasmo acreditou sempre no valor humanista da educação
como fator de progresso e foi pioneiro na denúncia do domínio exercido pela
Igreja sobre a educação, a cultura e a ciência. No seu livro O Elogio da
Loucura, escrito em 1509, colocava em cena a Loucura como personagem, e,
através dela, falava das grandes e pequenas loucuras do ser humano,
incluindo os ricos e a Igreja. (Deve referir-se que o notável programa
ERASMUS da União Europeia é uma homenagem a Erasmo de Roterdão.)
O século XVIII foi fértil em discursos sobre a paz e a criação de
projetos de União entre os Estados Europeus. Emeric Crucé publicou em

1
1623 a obra O Novo Cíneas, ou Discurso do Estado, que consistia num
projeto de paz geral, compreendendo:
. a liberdade de comércio em todos os países,
. a criação de uma Assembleia ou Senado permanente dos
Estados em Veneza,
. uma Assembleia ou Senado para julgar divergências,
. um exército comum para fazer respeitar as decisões tomadas.
O projeto “Grand Dessein” do duque de Sully, ministro do Rei
Henrique IV da França, era também mais um grande e ambicioso projeto de
unidade política e institucional europeia. Em 1638, o duque de Sully defendeu
um equilíbrio europeu baseado numa confederação de Estados Europeus,
dividida em quinze Estados, igualitários, mas sob a égide do catolicismo, do
calvinismo e do luteranismo. Esta unidade política seria liderada por uma
espécie de Conselho Geral da Europa. Sully chegou até ao ponto de
conceber um exército europeu e um fundo monetário comum.
Em 1693 é a vez de William Penn publicar o Ensaio pela Paz
Presente e Futura da Europa, no qual apresenta o seu projeto de Federação
dos Príncipes.
Em 1712, ano da Paz de Utrecht, o Abade de Saint-Pierre
publicava o Projeto de Paz Perpétua, no qual preconizou uma Sociedade
Europeia, composta por vinte e quatro deputados representantes de cada
Estado Europeu. Caminhar-se-ia, assim, para a paz perpétua, uma união de
nações semelhante à União Europeia de hoje. Os projetos de Saint-Pierre
foram reescritos por Rousseau em 1756, sob a forma de Extrato, e
mereceram minuciosas críticas. A proposta de Rousseau consistia na
formação de uma federação, uma união de Estados em que cada estado
seria soberano internamente, mas onde a capacidade militar seria conjunta,
em caso de agressão externa.
Em 1795, o filósofo alemão, Emmanuel Kant publicou o projeto
europeu “Pela Paz Perpétua” onde criticou as tendências antissociais dos
Estados, as guerras e os impostos. Kant preconizava uma "Sociedade de
Nações", com base num "estado de direito" internacional. A ideia de Kant era
a de que a "razão prática" dos homens obrigava os Estados a abandonar um
"estado de natureza", que causava sempre novas guerras. Assim, esboçou

2
uma verdadeira teoria pacifista e internacionalista, assente na ideia de
federação republicana.
Por sua vez, o projeto de Jeremy Bentham, para a paz universal e
perpétua, publicado em 1843, propunha a criação de uma Dieta (Tribunal ou
Conselho), cujas funções seriam emitir opiniões e avisos sobre os problemas
de interesse comum. As condições desse ideal de paz seriam, entre outras, o
abandono das colónias, o desarmamento e a criação de um tribunal comum
internacional.
Em 1814, um mês depois do início do Congresso de Viena, Claude
Henri de Rouvroy, Conde de Saint-Simon, em colaboração com o historiador
Jacques Augustin Thierry, publicavam o ensaio De la Réorganisation de la
Societé Européenne, que constitui o primeiro modelo de unificação europeia
dos povos. Segundo eles, para pacificar a Europa, era necessário reorganizar
a sociedade europeia com base num princípio novo, capaz de reunir os
povos num só corpo político. E, para a realização deste objetivo, deveria
haver um órgão supranacional, um Parlamento Europeu.
Porém, a visão mais clara e concreta sobre uma Europa pacífica foi
concebida pelo escritor francês Victor Hugo em meados do século XIX. Victor
Hugo referia um elemento fundamental que está profundamente enraizado na
história europeia: a unidade na diversidade. As nações da Europa deviam
juntar-se numa grande fraternidade, «sem perderem as suas qualidades
distintas e a sua gloriosa individualidade». As últimas décadas do século XIX
foram ainda palco para a publicação de um determinado número de projetos
europeus. Estas propostas incluíam a criação de uma Mitteleuropa, ou seja,
uma vasta federação organizada em torno da Áustria (Constantin Frantz) ou
ainda uma União Aduaneira (Gustave de Molinari).
A Primeira Guerra Mundial transformou o mapa do continente
europeu: derrubaram-se impérios, fracassaram regimes democráticos,
deslizando para o autoritarismo. Igualmente, emergiram novas formas
políticas, tais como o totalitarismo, o nazismo e o fascismo. Porém, foi com a
eclosão da I Guerra Mundial que se criou o espaço político necessário às
primeiras ações em favor da unidade europeia, sustentadas por um
movimento de opinião. E foi também desde essa altura que surgiram duas
conceções distintas de ‘construção’ da Europa: por um lado, uma simples
cooperação para gerir as soberanias existentes e, por outro lado, uma
3
ultrapassagem das soberanias através de um processo de unificação da
Europa.
Logo após a guerra de 1914-1918, Luigi Einaudi, economista liberal
e antifascista italiano, que viria a ser presidente da República, publicou uma
primeira mensagem em que expunha a necessidade de congregar os povos
europeus que acabavam de sair de uma luta cruel e de os tornar solidários na
construção de uma Europa unida e pacífica. Muitas das propostas que
surgiram neste período contrapunham à existência de Estados-Nação a
criação de espaços mais amplos. Friedrich Naumann, com a sua obra
Mitteleuropa (1915), tornou-se um pioneiro da integração Europeia. Friedrich
Nauman propagou a ideia de uma união económica e militar dos países da
Europa Central. Segundo Nauman, a democracia liberal era a base política
para uma solução dos problemas da classe trabalhadora. O dinamarquês
Christian Frederick Heerfordt, igualmente defensor de um Estado Federal
Europeu, para além de uma assembleia interparlamentar, de um diretório de
chefes de Estado com direito de veto e de um ministério federal, previa um
regime especial para a agricultura e um período de transição para a
realização de uma união aduaneira. Foi também nesta altura que surgiu o
primeiro grupo organizado em torno das questões europeias, o Movimento
Pan-Europeu (1923), com um projeto concreto de uma união pan-europeia.
Richard Nikolaus Graf Coudenhove-Kalergi tornou-se o apóstolo da
unificação da Europa, tarefa à qual iria consagrar a sua vida. O Conde
Coudenhove-Kalergi, em 1923, fundou a União Pan-Europeia, o mais antigo
movimento de unificação Europeia. A União Pan-Europeia criou-se com o
objetivo de lançar as bases para a realização da unidade política e a
integração económica da Europa. Por iniciativa do Conde Coudenhove–
Kalergi, realizou-se em Viena de Áustria, em 1927, o congresso Pan-
Europeu. Num ambiente de entusiasmo, os apóstolos da nova Europa
fizeram a sua profissão de fé nos destinos de uma Europa unificada, a partir
dos grandes precursores: Kant, Victor Hugo, Sully e o Abade de Saint-Pierre.
Em consonância com a luta de Kalergi, o então ministro dos Negócios
Estrangeiros da França, Herriot, lançou em 1925, no Parlamento Francês, um
primeiro apelo oficial à união da Europa.
Em 1927, o ministro francês Louis Loucheur propunha, por seu
turno, a criação de cartéis europeus do carvão, do aço e dos cereais,
4
organizados pelos Governos no interesse geral e não apenas para satisfação
do egoísmo dos produtores. Dois anos mais tarde, em 1929, Aristide Briand,
ministro dos Negócios Estrangeiros da França, submete à Assembleia das
Sociedade das Nações o seu projeto de União Europeia. O projeto de
Aristides Briand assentava na criação de um "laço federal" entre as nações
europeias, mas mantendo o total respeito pela soberania dos Estados
membros da organização a constituir.
Contudo, a iniciativa de Briand apareceria como uma ideia morta
com a subida ao poder de Hitler na Alemanha (1924) e quando começaram a
aparecer os primeiros indícios de uma nova guerra. Em todo o caso, o
entusiasmo pela unificação da Europa esmoreceria progressivamente ao
longo dos anos trinta, ao mesmo tempo que aumentavam as tensões entre os
Estados da Europa. O resultado acabaria por ser a eclosão da Segunda
Guerra Mundial.

Bibliografia

CAMPOS, João Mota - Manual de Direito Europeu. Portugal: Wolters Kluwer


& Coimbra Editora: 2010.
FERNANDES, Joaquim - O sonho dos EU da Europa, Jornal de Notícias: 05
Abril 2016 (disponível online: http://www.jn.pt/opiniao/convidados/interior/o-
sonho-dos-eu-da-europa-5110480.html último acesso: 15.10.2016).
MCCORNIC, John - Understanding the European Union: a concise
introduction. New York: Palgrave Macmillan; 6th edition, 2014.
MORIN, Edgar — Pensar a Europa. S.I. : Publicações Europa-América, 2010.
PIRES, Maria Laura Bettencourt - Estudos Europeus I. Lisboa: Universidade
Aberta, 2001.
RIBEIRO, Maria Manuela Tavares - A Ideia de Europa, Uma Perspectiva
Histórica. Coimbra, Quarteto: 2003.
ROCHA, Acílio Da Silva Estanqueiro - Filosofia e Ideia de Europa:
Cosmopolitismo e Paz no "Iluminismo", Revista Portuguesa de Filosofia, vol.
58 (2): p.p. 223 - 254 (2002). (Disponível online:
www.repositorium.sdum.uminho.pt último acesso: 16.10.2016).

Evanthia Balla
5

Você também pode gostar