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Direito da UE

ISCAL – Davide Argiolas


Power points baseados nos manuais adotados
para a unidade curricular. A sua utilização
destina-se exclusivamente aos alunos da UC
e não dispensa o estudo dos manuais. É
proibida a sua publicação ou difusão por
meios não autorizados pelo docente.
Bibliografia utilizada

GORJÃO-HENRIQUES, Miguel, Direito da União, 8.ª ed., Almedina, 2017


QUADROS, Fausto de, Direito da União Europeia, 3.ª ed, Almedina, 2015
CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luís Mota de; PEREIRA,
António Pinto, Manual de Direito Europeu: O Sistema Jurisdicional, a
Ordem Jurídica e o Ordenamento Económico da União Europeia, (7.ª ed.),
Coimbra Editora: Coimbra, 2014
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes, Direito da União Europeia, (3.ª ed.)
Coimbra Editora: Coimbra, 2018
CRAIG, Paul; Búrca, Gráinne, EU Law, 6.ª ed, Oxford University Press,
2015
Antes de tudo...

• Qual é o objeto desta


cadeira?
• A ordem jurídica da UE
Mais especificamente

• Vamos estudar a sua configuração


• jurídico-política (as suas instituições,
os processos decisórios, etc.)
• jurídico-económica (o mercado
único, a concorrência, etc.)
1. Como tudo começou: a
génese das comunidades
europeias
A unidade cultural europeia
• Apesar da sua fragmentariedade étnica, cultural e
linguística, a Europa apresenta traços
identitários comuns a vários níveis:
• religioso – devido à religião cristã
• cultural – devido à filosofia grega, ao Humanimso, ao Iluminismo,
etc.
• linguístico – devido ao latim
• jurídico – devido ao Direito Romano
• etc.
Apesar disso, a Europa foi durante
séculos o palco de guerras
sangrentas
O projeto europeu nasce do
sonho de alcançar a paz no solo
europeu
Ao longo da história europeia
houve vários pensadores que
defenderam projetos federais
• Citemos, como exemplos, Dante Alighieri (século
XIV), o duque de Sully (século XVII) ou o abade
Charles de Saint-Pierre ou Kant (século XVII)
• Mais tarde, no século XIX e, ainda mais, após a
primeira guerra mundial, as correntes que
defendiam o federalismo europeu ganharam nova
força (citemos, aqui, os projetos de Victor Hugo,
Mazzini ou Aristide Briand)
No entanto
• Nenhum destes projetos chegou
a vingar, ou por serem demasiado
utópicos, ou por se traduzirem em
entidades vagas de mera
coordenação entre Estados
soberanos, sem criação de uma
autoridade suprema (como é o
caso da Santa Aliança, criada em
1815 pela Rússia, a Prússia e a
Áustria)
No fim da I Guerra Mundial

• A Grande Depressão levou ao


surgimento de nacionalismos radicais e,
em breve, à guerra na Europa, destruindo
definitivamente os sonhos de unificação
europeia
Nos escombros do segundo pós-guerra, tornou-
se mais do que nunca clara a necessidade de se
encontrar um novo equilíbrio europeu
• O que se tornara evidente
era que, apesar de todos os
seus méritos, o modelo de
Estados-Nação soberanos
e independentes,
inaugurado pela Paz de
Vestefália (1648), era
incapaz de conter os
nacionalismos e as suas
repercussões belicistas
O projeto europeu deve também
muito a alguns homens
visionários
Winston Churchill
• Defendeu em 1946, num
famoso discurso
proferido em Zurique, a
criação dos Estados
Unidos da Europa, para
reconciliar os Estados da
Europa continental -
embora sem a
participação do Reino
Unido
Um extrato do seu discurso
“... temos de recrear a família europeia
numa estrutura regional, a que talvez se
possa chamar os Estados Unidos da
Europa, e o primeiro passo prático para
tal será a constituição de um Conselho da
Europa. Mesmo que, no início, nem
todos os Estados europeus estejam
dispostos ou possam juntar-se a nós,
temos de começar por reunir e conjugar
os esforços daqueles que querem e
podem fazê-lo.”
Ainda mais relevante, foi a
intervenção de Robert
Schumann
• O então ministro dos
negócios francês
esteve diretamente
envolvido na origem
da criação da
primeira das
comunidades
europeias, como
veremos daqui a
pouco
Finalmente também não podemos esquecer a
importância neste processo de Jean Monnet,
Alcide de Gasperi e Konrad Adenauer
Principais objetivos desta nova
entidade
1. pacificar as relações França-Alemanha, cuja
rivalidade estava há 300 anos na origem das
guerras europeias, tendo dramaticamente
aumentado depois da unificação alemã em 1871
2. Reconstruir economicamente a Europa
3. consolidar a democracia e o Estado de Direito
4. reforçar o poder político face às potências
emergentes (USA, URSS, China)
Concretamente, como
começou?
• Devido à reticência inglesa em relação a
projetos demasiado ambiciosos,
avançou-se em 1950, por iniciativa do
Schumann com a ideia de criação de uma
Alta Autoridade que colocasse em
comum apenas a produção franco-
alemã de carvão e aço
Na famosa Declaração
Schuman, declarou:
• «A Europa não se fará de uma só vez, nem de acordo com um
plano único. Far-se-á através de realizações concretas que
criarão, antes de mais, uma solidariedade de facto.»
• «O Governo francês propõe subordinar o conjunto da produção
franco-alemã de carvão e de aço a uma Alta Autoridade, numa
organização aberta à participação dos outros países da Europa.»
• «A solidariedade de produção assim alcançada revelará que
qualquer guerra entre a França e a Alemanha se tornará não
apenas impensável como também materialmente impossível. .»
Declaração Schuman, proferida na Sala do
Relógio, em Quai d’Orsay, em Paris
Assim, em 1951 foi assinado o
Tratado de Paris, que instituiu a
Comunidade Europeia do Carvão
e do Aço (CECA)
Inicialmente, houve seis
contratantes
• França
• RFA
• Itália
• Bélgica
• Holanda
• Luxemburgo
ideia central

• Colocar o carvão e o aço sob o


controlo de uma autoridade
independente
• Por um lado, tratava-se de dois importantes
recursos económicos
• Por outro, dada a centralidade destes
elementos na esfera militar, os Estados-
Membros já não podiam mobilizar os
exércitos sem que os outros o soubessem
• Eliminava-se assim a desconfiança recíproca
Validade

• O Tratado foi celebrado por um prazo de


50 anos
• Caducou em 2002
Qual foi a visão inicial para o
projeto europeu?
• Em vez de apostar logo numa união política
(Estado Federal), decidiu-se começar por
colaborações dos Estados em matéria
concretas, de tipo económico, criando assim
uma solidariedade de facto entre eles
• Chama-se a isso de integração funcional
Lógica atrás da integração
funcional
• Tornar a colaboração entre os
Estados vantajosa economicamente,
de maneira a tornar a guerra
altamente desvantajosa
A seguir, foram assinados os
Tratados de Roma, de 1957, que
instituíram a Comunidade
Económica Europeia (CEE) e a
Comunidade Europeia da Energia
Atómica (CEEA ou Euratom)
CEE
(chamada apenas Comunidade Europeia, a
partir do Tratado de Maastricht)

• Apesar de perseguir um objetivo político


de longo prazo, esta inovadora
organização internacional focava-se
essencialmente na esfera económica,
dando particular destaque à criação de um
mercado comum
CEEA (Euratom)
• Esta organização era responsável pela
coordenação das políticas nacionais em
matéria nuclear
• Fora criada no pressuposto (errado) de
que a energia nuclear se tornaria a base
do desenvolvimento económico
1.1. As reformas posteriores
Os tratados sucessivos
incidiram sobretudo em duas
áreas
a) Alargamento: de 6 a 28
1957: Holanda, RFA, Itália,
França, Luxemburgo, Bélgica
1973: Dinamarca, Irlanda e
Reino Unido
1981: Grécia
1986: Portugal e Espanha
1995: Áustria, Finlândia e
Suécia
2004: República Checa, Estónia,
Letónia, Lituânia, Chipre, Hungria,
Malta, Polónia, Eslováquia e Eslovênia
2007: Bulgária e Roménia
2013: Croácia
Futuras possíveis adesões
b) Aperfeiçoamento
institucional
• Vários tratados alteraram o quadro
institucional das comunidades europeias e
da UE, nomeadamente para responder aos
desafios decorrentes dos alargamentos e
das novas funções assumidas
• Salientemos apenas os momentos mais
marcantes
Ato Único Europeu - 1986
• Preparou a implementação do mercado interno
• Era necessário eliminar todos os obstáculos
tarifários e burocráticos para a circulação de
bens, serviços, capitais e pessoas entre os
Estados-Membros
• Adequou o sistema institucional comunitário
aos novos membros
Tratado de Maastricht (Tratado
da União Europeia) (1992)
(TUE)
• Trata-se de uma viragem decisiva na construção
europeia, pois criou a União Europeia, assente em
três pilares
• o pilar comunitário (CE, Euratom e CECA)
• cooperação de tipo intergovernamental em matéria de
política externa e de segurança comum (PESC)
• cooperação de tipo intergovernamental em matéria penal
(CPJP),
UE

Política
Cooperação
Comunidades Externa e de
Política e
Europeias Segurança
Judiciária em
Comum
Matéria Penal
(PESC)
• Outras mudanças importantes
• Prepara a União Económica e Monetária
• Alarga as atribuições a domínios não
económicos
• Cria o processo de co-decisão, que reforçou
o poder de decisão do Parlamento Europeu
Tratado de Amsterdão (1997) e
Tratado de Nice (2001)
• Várias reformas institucionais para novos
alargamentos
Tratado Constitucional Europeu
(TCE) (2004)
• Este tratado apresentava ambições
constitucionais, no plano formal e
material
Exemplos

• Adotava-se a bandeira e o hino da EU


• A Carta Europeia dos Direitos
Fundamentais da UE tornava-se
vinculante para todos os Estados-membros
• Diretivas e Regulamentos iam passar a
chamar-se Leis e Leis-Quadro
• Abandonado depois do duplo “não”, em
2005, nos referendos em França e
Holanda
Tratado de Lisboa
(incicialmente chamado de
Tratado Reformador) (2007)
Do que se tratava?

• Para não se perder todo o trabalho


feito para o TCE, adotou-se um
tratado que recuperava algumas das
novidades daquele, rejeitando apenas
as mais ousadas ou simbólicas (ex.º, a
terminologia constitucional)
• Mantém em vigor os Tratados anteriores,
alterando-os
• O Tratado de Roma (ou Tratado da
Comunidade Europeia) passou a chamar-se
Tratado sobre o Funcionamento da União
Europeia (TFUE), como a UE substituiu a CE
• A Carta dos Direitos Fundamentais passou
a ter a mesma força normativa dos Tratados
• Os três pilares são eliminados
• Todavia, a PESC continua como uma
realidade à parte, de tipo
intergovernamental
• Foi integrada numa nova realidade
chamada Ação Externa da União (arts.
21.º a 46.º, TUE)
Para evitar a rejeição...

• A maior parte dos países optou pela


ratificação parlamentar
• No entanto, a constituição irlandesa
obriga a referendar os tratados
• Resultado: mais um “não” (2008)
Contudo...

• Em 2009, no segundo referendo, a


Irlanda, receando a crise financeira
entretanto eclodida, diz finalmente
SIM!
Portanto, atualmente a União Europeia é
fundada sobre dois tratados (com o mesmo
valor jurídico, v. art.º 1.º, § 3, TUE), mais o
tratado Euratom e a Carta dos Direitos
Fundamentais
• Tratado que institui a
• TUE (princípios Comunidade Europeia
gerais) da Energia Atómica
• TFUE (aspetos • Carta dos Direitos
Fundamentais da União
técnicos, Europeia (mesmo valor
mercado comum, jurídico dos Tratados –
várias políticas art.º 6.º, n.º 1, TUE)
europeias, etc.)
Para concluir...
• A UE nasce com um fim político: garantir
a paz mediante uma federação europeia
• Para tanto, contudo, inicialmente só exercia
atividades económicas (integração funcional)
• Depois de Maastricht, e sobretudo hoje, a
UE tem assumidamente fins que vão para
além do económico
• A esse respeito, cfr. o art.º 3.º, TUE
2. A UE no contexto das organizações
internacionais
• As comunidades europeias não foram as
únicas organizações internacionais
criadas a seguir à II Guerra Mundial.
Pensemos, por exemplo, na NATO, no
Conselho da Europa, na ONU, etc.
• As organizações internacionais podem
ser classificadas de várias formas
• Segundo Miguel Gorjão-Henriques, estas
são as (pp. 26 ss.) principais
classificações
1. com base na geografia
2. com base nos objetivos
3. com base na estrutura
O que será então a UE?
• É uma organização regional de tipo
supranacional, com finalidades
variadas
• Contudo, algumas áreas ainda funcionam
segundo o método intergovernamental
• Porquê? Porque os EMs não quiseram
largar a sua soberania nessas áreas
sensíveis (ex.º, as relações externas)
No fundo, o supranacionalismo é um
estado intermédio entre a mera
cooperação intergovernamental e o
federalismo
Para aprofundar

• Discurso de Winston Churchill:


• https://european-union.europa.eu/principles-countries-his
tory/history-eu/eu-pioneers/winston-churchill_pt

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