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Faculdade de Direito da Universidade do Porto

Direito da União Europeia

Aulas Teóricas
Professora Doutora Graça Enes

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Faculdade de Direito da Universidade do Porto

Nota introdutória:

Esta sebenta diz respeito às aulas teóricas do ano letivo 2018/2019
da unidade curricular de Direito da União Europeia, lecionada pela
docente Graça Enes. Tem como base os apontamentos das aulas dos
elementos da CC2 Beatriz Pinto, Inês Henriques e Ricardo Silva, bem
como o livro indicado pela docente “Manual de Direito da União Europeia
– Após Tratado de Lisboa” de Ana Maria Guerra Martins.

Foi elaborada com o intuito de auxiliar os estudantes para o teste,


bem como para o exame no final do semestre. Salientamos ainda que a
leitura desta sebenta não substitui a leitura da obra indicada acima,
sendo assim um mero instrumento de auxílio ao estudo.

Caso seja encontrado algum erro, seja a nível técnico ou estilístico,


agradecemos que o mesmo seja comunicado para aperfeiçoamento do
documento, através do email da CC2 - cc2direito1819@gmail.com.

Bom estudo!

A Comissão de Curso do 2º Ano de Direito

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Direito da União Europeia

Aplicação do artigo 7.º do Tratado da União Europeia: tipo de procedimento a adotar


quando um Estado-Membro adota medidas que são contrárias aos valores fundamentais
da UE - respeito pela democracia e pelo Estado de Direito.
A Polónia está sobre um procedimento formal para averiguar e declarar uma situação de
risco sério destes valores fundamentais.
A Hungria ainda não está nesta fase.
O Projeto da UE é um projeto instrumental para garantir a paz na Europa, o progresso e
a defesa dos interesses dessa mesma Europa, dos Estados europeus e dos cidadãos.

Projeção de PETER – a Europa não é central (está toda a Norte) e é minúscula a sua
dimensão, relativamente a outros continentes. Está a encaminhar-se num sentido em que
o poder e a sua dimensão se aproximam. No entanto, continua a ser a mais recrutada.
Países emergentes: Rússia, Brasil.

Integração Europeia

Da comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) à União Europeia (UE)


Bandeira com as estrelas e hino – símbolos do Conselho da Europa primeiramente.

LEMA DA EUROPA: unida na diversidade (único símbolo exclusivo da União


Europeia – escola Belga – eleito no Parlamento Europeu)
Fases de desenvolvimento: (divisão da professora) – resultado de um processo – não se
sabe quando ou se acabará – pode reverter-se ou não; teve altos e baixos – não estagna;

 I CRIAÇÃO – 1951/1957
Estados fundadores: França, Alemanha, Bélgica, Itália, Holanda, Luxemburgo.

Projeto Europeu – corresponde ao ideário europeu, que tem três bases


fundamentais: base religiosa que assenta na matriz judaico – cristã; matriz
civilizacional que se cruza com ela; a matriz greco-romana; matriz mais recente,
a matriz iluminista, racionalista, que se desenvolveu na cultura europeia
essencialmente a partir do século XVIII com base na matriz anterior. É uma
dimensão laica, de liberdade e igualdade.
A ideia de Europa é muito anterior a qualquer projeto de integração europeia. A
unidade cultural, civilizacional e espiritual da Europa afirma-se desde a
Antiguidade Clássica. Assim, do ponto de vista cultural, a Europa apresentava-se
muito mais desenvolvida que os restantes continentes, considerando-se, por isso,

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o centro do mundo. A identidade europeia já se afirma há séculos, devido às


semelhanças que aproximam os Estados e os povos europeus e os distinguem de
terceiros.
Deste modo, esta comunhão de interesses, princípios e valores deve ser
aproveitada, aprofundada e desenvolvida, o que acabará por culminar no processo
de integração europeia, de que falaremos.

Tentativas na década de 30.


Após a 2ª Guerra Mundial sucederam-se vários acontecimentos relacionados com o pós-
guerra e com o trauma da guerra, para evitar que tornasse a acontecer; divisão da Europa
Ocidental e Oriental – avança-se para a consolidação da UE.
O fim da II Grande Guerra e o desejo de paz foram os dois principais motores do início
da integração europeia. A juntar-se a estes, vieram o colapso total das economias e das
estruturas europeias, o surgimento de outras potências mundiais, como a Rússia, e a
existência de problemas comuns a nível económico, político, social e de defesa, que
acordaram os países europeus para a necessidade de uma ação solidária na reconstrução
do continente.
A Declaração Schuman: o Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Robert Schuman,
apresentou, em maio de 1950, uma proposta de colaboração franco-alemã na produção de
carvão e de aço, com possibilidade de abertura a outros países europeus.

18 de abril de 1951 – Paris


Tratado CECA: entrou em vigor em 23 de julho de 1952 por um período de 50 anos;
cessou a sua vigência por caducidade a 23 de julho de 2002, sendo o seu acervo
integrado no regime da CE por decisão dos Representantes dos Estados. Uma
organização supranacional;
 Mercado comum nestes setores: indústria metalúrgica e siderúrgica, fundamentais
na indústria europeia e na indústria de guerra, sendo a sua gestão feita em conjunto
– pretendia-se evitar uma escalada nacionalista nestes setores (receio da França do
rearmamento alemão). A CECA apresentava, essencialmente, fins políticos (no
domínio da manutenção da paz), económicos e sociais, tendo, neste âmbito, como
fins a contribuição para a expansão económica, o aumento do emprego e o
estabelecimento de um mercado comum nos domínios já referidos
Tal mercado implicava:
 Livre circulação de produtos nos 6 Estados fundadores;
 Programa de gestão comum, com planos quinquenais que regulavam esses setores
em comum, sob vistoria da Alta Autoridade (órgão com poder decisivo,
independente dos Estados, que atuava no interesse geral da Comunidade, não
aceitando nem recebendo instruções de nenhum Governo nem de nenhum outro
organismo). O Tratado CECA estabelecia uma relação direta entre a Alta
Autoridade e as empresas, sem necessidade de mediação por parte dos Estados.

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Os Estados abdicaram de poderes a favor de uma entidade comum em setores da


sua economia vitais para a época.
O fracasso da comunidade de defesa e da Comunidade Política Europeia – NATO e
Pacto de Varsóvia.
Tem-se a dizer que, a nível económico, a CECA foi um sucesso. Apesar de representar
um avanço no domínio das relações internacionais, significou igualmente o abandono
temporário do ideal federalista global. Porém, durante as suas negociações iniciou-se a
Guerra da Coreia, o aumento da ameaça da União Soviética de Estaline, o rearmamento
da Alemanha e a sua entrada na NATO.
Surgem propostas de criação para a defesa comum, de um exército europeu, que não
foram objeto de particular entusiasmo.

25 de março de 1957 – Tratado de Roma


Tratado CEE: Comunidade Económica Europeia – Comunidade Europeia de Defesa.
Tratado CEEA: Comunidade Política Europeia da Energia Atómica (sob um modelo
federal).
 A 25 de Março foram assinados em Roma, três Tratados: o Tratado da CEE, o
Tratado da CEEA e o Tratado relativo a instituições comuns.
 O tratado da CEE estabelecia objetivos que afetavam o núcleo duro da
soberania dos Estados-membros, objetivos estes consagrados no preâmbulo
– Artigo 2.º do Tratado da CEE.
 As relações entre a Comunidade e os seus Estados–Membros baseavam-se
numa comunhão de interesses e num vínculo de solidariedade. Os Estados
Membros comprometeram-se a adotar as medidas necessárias ao
cumprimento dos objetivos do Tratado e a não adotar quaisquer medidas que
os pusessem em causa.
 O Tratado da CEE tinha uma vigência ilimitada, o que não impediu a
modificação da sua denominação aquando da revisão dos Tratados realizada
em Maastricht – passou a designar-se Tratado da Comunidade Europeia –
nem a sua substituição pelo Tratado sobre o Funcionamento da União
Europeia.
 Pelo contrário, o Tratado CEEA, que visava promover a utilização da energia
nuclear para fins pacíficos e o desenvolvimento da potente indústria nuclear,
continua a existir mesmo após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa.
A União Europeia sucedeu, com o Tratado de Lisboa, à Comunidade Europeia.
Continua a vigorar autonomamente do Tratado da União Europeia e do funcionamento da
UE.
Atualmente, temos duas organizações: a UE e a CEEA, esta última ainda que associada
e com órgãos comuns à União Europeia.

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Principais diferenças:
 Tratado CECA: Tratado setorial. Os membros da Alta Autoridade tinham um
estatuto absoluto de independência face aos Estados;
 Tratado CEE: Tratado de âmbito geral. Estabelece-se um mercado comum, não
setorial, mas em todas as dimensões, abrangendo todas as mercadorias, com
ligeiras exceções, como a indústria de defesa (produtos de utilização militar, tendo
que ver com a defesa dos Estados). Incluem-se os produtos agrícolas, um setor
com especial sensibilidade em toda a Europa.

Consolidação: 1958 (entram em vigor o Tratado de Roma: as três entidades)/1970


(período previsto provisório para consolidação do mercado comum) NOTA: No
final de 1969 previa-se que estivesse consolidado o mercado comum.

As três fases de consolidação do mercado comum:


1. 1958/1962: Congelamento das políticas nacionais que existiam em 1958. Os
Estados tinham uma determinada pauta aduaneira, a qual não podia ser agravada
(os Estados não podiam aumentar os direitos aduaneiros). Tinham uma obrigação
de abstenção.
2. 1963/1965: Desmantelamento das pautas aduaneiras. Os Estados diminuem os
direitos aduaneiros nas relações entre si. Começaram a elaborar-se as regras para
a Política Agrícola Comum. Esta é uma política difícil pois procura, à época, dar
competitividade à agricultura europeia (que sofria de debilitações várias, devido
ao seu cariz arcaico). Pretende-se valorizar este setor profissional, a ponto de o
pôr em harmonia com outros setores. Datam deste período os acórdãos Van Gend
e Loos, e Costa/Enel do Tribunal de Justiça.
3. 1966/1969: O Tratado da CEEA previa que as deliberações do Conselho de
Ministros ocorressem por maioria qualificada (e não por unanimidade).

 A “crise da cadeira vazia” e os Acordos de Luxemburgo


Junho/1965 — Vemos hoje alguns restícios desta crise. O Conselho de Ministros é
formado por múltiplos membros e, como tal, tem que haver uma presidência desse mesmo
órgão. A presidência do Conselho de ministros era rotativa, pelo que a cada 6 meses
mudava, sendo a mesma tomada por cada um dos Ministros dos Estados Membros. A
discussão das regras da PAC era complexa, passando a estar abrangida pela maioria em
1966. Foram discutidas três propostas com vista à passagem da terceira etapa do mercado
comum. A França rejeitou a primeira, que visava aumentar os poderes da Assembleia, o
que inviabilizou as restantes. A Comissão insistiu na negociação em package. Após o
fracasso das negociações, a França incidiu a sua política “da cadeira vazia”, ou seja,
recusou-se a participar nas reuniões do Conselho. Esta crise só viria a ser ultrapassada, a
30 de janeiro de 1966, pelos acordos de Luxemburgo, também designados como
compromisso de Luxemburgo. Na prática, estes Acordos instituíam o direito de veto dos
Estados no Conselho, sempre que estes entendessem que estava em causa os seus
interesses vitais – afastamento da regra de maioria qualificada.

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O que estabelecem estes dois acordos?


 Por um lado, para a primeira queixa, na qual se afirmava que a Comissão não
ouvia os EM antes de apresentar decisões ao Conselho, foi designada uma
Autoridade, o COREPER. É liderada por um embaixador, que tem toda uma
equipa de funcionários, grande parte deles também da carreira diplomática. Cria
um organismo que reúne as REPER’s, tendo a função de preparar os trabalhos do
Conselho. As propostas da Comissão serão analisadas e objeto de uma deliberação
no COREPER. De acordo com a sua avaliação e análise, têm um destino diferente
na reunião do Conselho de Ministros. Funciona como uma instância intermediária
entre o Conselho e a Comissão Europeia.
Temos 2 COREPER:
COREPER 1 — Tem competências genéricas nas políticas menos sensíveis: industrial,
a concorrência;
COREPER 2 — Trabalho nos domínios da chamada “política mais nobre”, de política
externa e de segurança comum, nomeadamente os programas de fundos estruturais. É
formado por embaixadores, que lideram as representações permanentes.
 Questão da maioria qualificada, e não por unanimidade. Um Estado que votou
contra uma proposta vê-se vinculado a uma decisão com a qual não concorda, pois
considera-a prejudicial. Quando um Estado invoca interesses vitais da sua
economia, ou da sua política interna o Conselho continuará a debater a questão até
que se alcance uma solução aceitável. Uma solução aceitável será aquela com a
qual todos os Estados concordem, não podendo pôr em causa as regras do Tratado.
Caso não se alcance um consenso, as regras de votação poderão ser aplicadas.

Em 1974, o Conselho Europeu elaborou uma lista do que poderiam ser interesses vitais.
Em algumas matérias, por exemplo no âmbito da cooperação judiciária e policial, assim
como na harmonização das regras da livre circulação de trabalhadores, em que um dos
Estados invoca um interesse vital, a deliberação é suspensa e a questão é remetida para os
chefes de Estado e de Governo, para que discutam a questão e consigam chegar a um
consenso para ela. Se chegarem a um consenso, a questão volta ao CM para deliberação
de acordo com as regras do Tratado.

Conclusão: O funcionamento da UE é um processo de negociação permanente, sendo o


trabalho das RETER’s de extrema importância, um trabalho diário e determinante no que
vêm a ser os resultados. Só 20% das decisões são efetivamente votadas no Conselho
Europeu.
A UE é uma potência internacional através do comércio, não tendo capacidade de
influência internacional decisiva noutras áreas.

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• A antecipação do mercado comum (1968)


• A federalização jurídica do TJ (casos ‘Meroni’; ‘Van Gend& Loos’; ‘Costa/Enel;
‘Handelsgesellschaft’)

Esta federalização deveu-se, em muito, ao Tribunal de Justiça. Na sedimentação da


ordem jurídica comunitária que permite, nos dias de hoje, dizer que esta é uma ordem
jurídica a par das dos outros Estados, com características federais nítidas.
Não é uma federação da UE. Mesmo no quadro jurídico, temos nuances que não nos
permitem fazer uma correspondência direta com o sistema federal americano.
Tendencialmente, a construção tem uma inspiração federal.

 Caso “MERONI”: perspetiva de consolidação institucional na UE. Em 1958, no


âmbito do Tratado da CECA, a Comissão deseja mandatar uma entidade externa
para desempenhar determinadas competências suas no âmbito da gestão dos
setores do carvão e do aço. O TIJ declarou que a Comissão não poderia alterar as
condições de exercício das suas funções, a não ser através de uma modificação do
próprio Tratado. Isto é relevante para garantir o respeito pelas competências que
o Tratado previa para a Comissão.

 “Van Gend& Loos”: Alteração no regime pautal que a Holanda tinha em 1958 -
a Holanda fez uma reclassificação pautal que veio alterar a taxa. A empresa Van
Gend E Loos contesta uma norma nacional holandesa (que pretende afastar,
alegando para isso, uma disposição do Tratado), norma essa que previa um
aumento das taxas aduaneiras para um determinado produto. O caso chega ao TJ
e os governos dos vários países alegam que o Direito Internacional não pode ser
invocado por os Tratados terem como sujeitos os Estados e não os particulares.
Na interpretação que faz, o TJ chega à conclusão que o Tratado da CEE é “mais
do que um acordo meramente gerador de obrigações recíprocas entre os Estados
contraentes”, pois os Estados limitam a favor da Comunidade, que constitui “uma
nova ordem jurídica”, os seus direitos soberanos cujos sujeitos são, para além dos
Estados Membros, os seus nacionais. Logo, o Direito Comunitário não só impõe
obrigações aos particulares, como lhes atribui direitos, sendo eles livres de
invocarem esses direitos nas instâncias judiciais nacionais. Afirma-se, com este
acórdão, e pela primeira vez, o princípio do efeito direto das normas de Direito
Comunitário originário e derivado, criadoras, para os particulares, de direitos
subjetivos tutelados pelos órgãos jurisdicionais nacionais. Para ter efeito direto, a
norma comunitária deve ser prescritiva (clara, precisa), suficiente (não requerer
quaisquer medidas complementares) e não estar sujeita a condições.

O Tribunal de Justiça admite que a Ordem Jurídica Comunitária é uma nova OJ,
diferente do tal Direito Internacional Comum, pois esta OJ não vincula apenas os Estados,

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tendo sido construída para os cidadãos, da qual os cidadãos tomam parte, através da
representação nas organizações civis (sindicatos, entidades patronais). É uma OJ que não
diz respeito meramente aos Estados.
O Parlamento Europeu da época não era eleito por sufrágio direto, cabendo ao parlamento
nacional de cada EM eleger os seus representantes.
O mercado comum não é do interesse dos Estados, mas sim dos cidadãos, pois destina-se
a eles. Visa construir um espaço onde os europeus possuem um conjunto de prerrogativas.
Os particulares podem invocar as normas do tratado desde que preencham
determinadas condições para garantir e exigir dos Estados o respeito pelos direitos e
interesses que essas normas tutelam — princípio do efeito direto. Traduz-se na faculdade
que tem um particular, desde que se possa considerar destinatário da norma em causa, para
se fazer prevalecer dessa norma e exigir judicialmente, se necessário, o reconhecimento e
a efetivação dos direitos consagrados por essa mesma norma. Compreende, por exemplo,
o direito a que não lhe fosse aplicada qualquer disposição que se pudesse traduzir no
agravamento da sua situação fiscal.
Não pode ser qualquer norma, mas sim uma norma que preveja a concessão de um direito
suficientemente individualizado na esfera jurídica do particular. A norma tem de ser
prescritiva, suficiente (o regime que estabelece não necessita de complementação
normativa qualquer, apenas de execução e aplicação individualizada) e incondicional.

 “Costa/Enel”: princípio do primado


Itália consagrava um regime de dualismo em relação ao Direito Internacional. Uma
norma interna, desde que posterior a um tratado internacional, afastava a aplicação do
Direito Internacional, pelo que prevalece o direito interno. O Tribunal de Justiça,
invocando vários argumentos, consagra que nenhuma norma do DUE pode ser
confrontada na sua aplicação com qualquer norma interna, seja ela superior ou inferior ao
Direito ordinário, posterior ou anterior. As normas da UE prevalecem sobre as normas
nacionais. Daqui resulta que a norma nacional deverá ser afastada da sua aplicação.
Há uma avaliação diferenciada da parte de alguns para tentar salvaguardar as normas
constitucionais.
 Flaminio Costa, cidadão italiano, é processado pela empresa pública de
eletricidade italiana (Enel) pelo não pagamento do serviço, visto estar em protesto
contra a nacionalização das empresas do setor, das quais era acionista. Costa alega
em tribunal que a nacionalização das empresas de energia viola várias disposições
do Tratado CEE e obriga, por dúvidas, o tribunal italiano a enviar a questão (para
o TJ) de saber se um órgão jurisdicional nacional pode invocar uma norma de um
tratado, reconhecendo, assim, vigência primordial dessa norma na ordem jurídica
interna do Estado. Perante isto, o TJ elabora, pela primeira vez, as bases do
relacionamento entre o direito comunitário e o direito interno dos Estados-
membro, ao afirmar que «o Tratado CEE institui uma ordem jurídica própria que
é integrada no sistema jurídico dos Estados-membros e que se impõe aos seus
órgãos jurisdicionais nacionais.

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§ [Argumentos:] Efetivamente, ao instituírem uma comunidade de duração


ilimitada, dotada de instituições próprias, de personalidade, de capacidade
jurídica, de capacidade de representação internacional e, mais especialmente, de
poderes reais resultantes de uma limitação de competências ou de uma
transferência […] criaram, assim, um corpo de normas aplicável aos seus
nacionais e a si próprios.» Com este acórdão, o TJ vai estabelecer definitivamente
o princípio do primado do Direito Comunitário, concretizado, para os Estados-
membros, «na impossibilidade de estes fazerem prevalecer, sobre uma ordem
jurídica por eles aceite numa base de reciprocidade, uma medida unilateral
posterior que não se lhe pode opor.»

Desenvolvimento – 1970/1993 (alargamento e aprofundamento)


 O relançamento da Cimeira de Haia (1969):
As Comunidades atravessavam, efetivamente, uma crise no final da década de 60, que só
foi ultrapassada em 1969, na Cimeira de Haia.

No plano económico, há uma orientação na economia internacional que se afirma a


partir da década de 60, tendo acolhimento na década de 80. Nesta década, a integração
europeia, com o entusiasmo do neoliberalismo, corresponde a um novo ideário de
liberdade económica, de competitividade pela concorrência.

 A época de 70 – sinais de estabilização das relações internacionais


o A década de 70 entre a “euroesclerose” e o aprofundamento discreto
(ação do TJ – o ativismo judiciário (casos ‘AETR’ e conexos; a
jurisprudência das ‘4 liberdades’); a decisão dos recursos próprios, de
21/4/1970; os Tratados orçamentais de 22/4/1970 e de 22/7/1975 e o
reforço dos poderes do PE; a eleição direta para o PE (1979)

As primeiras eleições para o Parlamento Europeu por sufrágio direto universal tomam
lugar em 1979. A partir daí, os membros do Parlamento Europeu passam a poder dizer
“somos nós os representantes europeus”, tendo um mandato para fazer promover os
objetivos europeus. Vimos um desinteresse progressivo dos europeus pelas eleições
europeias. O PE é determinado por formações políticas, com nuances e fações diversas,
que acarinham o projeto europeu – estão na origem de todo o projeto europeu os
socialistas, assim como o partido liberal; todas as formações políticas que eram mais
céticas sobre o projeto europeu sempre estiveram na margem.

 Os alargamentos – 1973 (Reino Unido, Irlanda, Dinamarca); 1981 (Grécia);


1986 (Portugal e Espanha).

 Ato único Europeu (1987) – o desígnio do “mercado interno” (Europa de 1992);


a incipiente “Cooperação Política Europeia”; a agilização da harmonização
legislativa e o “new approach” (linha Cassis de Dijon).

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Este assume-se como o primeiro tratado de revisão de tratados fundadores.


Tem alguns elementos que potenciaram uma nova euforia europeia. Surge, como
protagonista, Jacques Delors.
Esta revisão afigura-se de grande importância e procura ultrapassar a paralisia
institucional vivida, reforçar o princípio da democracia através do aumento de
poderes do Parlamento Europeu, reformar a PAC, que absorvia percentagens
muito elevadas do orçamento comunitário, proceder à homogeneização das
Comunidades que se tinha perdido com os sucessivos alargamentos e, por fim,
conceder à união económica e monetária os instrumentos jurídicos necessários à
sua evolução, já que o Tratado de Roma não os possuía.
A maioria dos avanços que têm lugar no quadro deste projeto não surgem
espontaneamente; são antes processos que se vão formando e ganhando alguma
consciência de bastidores e por vias diversas ao longo do tempo, que têm grande
dificuldade em concretizar-se, implementando-se muitas vezes, muitos anos após
a ideia original. O projeto tem que ser relançado, sendo esta uma convicção que
no início da década de 80 é afirmada pelos vários protagonistas.
Assim, as principais modificações que o AUE introduziu foram:
 Reforço do respeito pela democracia, pelo Estado de Direito e pelos
direitos fundamentais;
 Reformas institucionais, com o intuito de agilizar a tomada de decisões;
 Reforço do mercado interno;
 Introdução de novas políticas comuns e de coesão económica e social;
 Alargamento das atribuições externas das Comunidades;
 Reforço da cooperação política entre os Estados-Membros.

Avança muito rapidamente com iniciativas de necessidade de aprofundamento (à época)


– os projetos da união económica e monetária adormecidos desde a década de 70,
fazem-se avançar.
Em 1984, o PE aprova numa resolução sua um texto de um novo tratado que redundava
todos os anteriores – tratado da UE, que dava uma orientação federal às Comunidades
Europeias, em que a política externa, as políticas macroeconómicas e de comércio seriam
comuns e o poder das instituições seria reforçado. Também conhecido como Projeto
Spinelli (político italiano, um dos pais fundadores do projeto).
Os Estados não aceitaram este projeto, era demasiado ambicioso, pois tinha uma feição
federal. Não avançou, mas refez o caminho para a necessidade de avançar – com um
projeto menos ambicioso, quiçá. Representou um passo importante no sentido do
relançamento da construção europeia.
Em 1984 – Ato Único Europeu – entrou em vigor 1987. É muito limitado, com 33 artigos
apenas. Estabelecia um quadro de coordenação entre os responsáveis políticos nacionais
para dar uma voz unida à Europa, nas questões de índole internacional.
 Durante a segunda metade d 80, temos o desenvolvimento das relações entre a
União Soviética e os EUA - perestroika. A Europa no meio disto não tinha
qualquer orientação política comum, não tinha uma voz forte o suficiente para se
expressar no plano internacional – tem que criar uma cooperação comum
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(presente nos últimos 3 artigos do Ato Único Europeu). É desta base que se vai
fazer avançar a política externa de segurança comum.
Beneficiaram do contexto de neoliberalização que se vivia na época. Havia, formalmente,
liberdade de circulação de trabalhadores para a prestação dos serviços; mas se era
assim no papel, havia muito a ser feito para que efetivamente se garantisse não haver
obstáculos a restringir as tais liberdades de circulação.
Por exemplo, não se reconhecendo as qualificações académicas – os diplomas – está a
impedir-se que a liberdade de circulação se efetive. Vão-se deparar com a não admissão
a concurso – se seriam médicas, advogadas, ou uma outra determinada profissão num
determinado Estado, no outro não se poderiam intitular como tal.

No que concerne às mercadorias: onde parecia que tudo seria mais simples, não o era de
facto. Exige regulamentação. O desmantelamento dos direitos aduaneiros não é suficiente
para garantir a circulação de bens.

 Coube à jurisprudência do Tribunal ir tratando dessas matérias e desmantelando,


condenando os Estados a eliminar esse tipo de medidas que tinham
internamente, uma vez que eram contrárias ao mercado comum. Era
necessário alterar o Tratado – todas as medidas de harmonização que sejam
necessárias para eliminar este tipo de obstáculos devem ser agilizadas. O mercado
interno é também um espaço de liberdade económica com quatro liberdades, mas
pressupõe que não há qualquer tipo de barreiras à circulação. A tónica é colocada
não nas barreiras alfandegárias, mas que resultam da regulamentação dessa
matéria. Simbolicamente, manifestava-se pelo abolir das barreiras físicas – as
fronteiras. Continuava, de alguma forma, a haver todo um conjunto de controlos
administrativos e aduaneiros, que visavam o cumprimento de regras técnicas, que
se previa desmantelar completamente. Pretendia-se, com o Ato, o
desmantelamento das barreiras – até 31 de dezembro de 1992: que as pessoas e as
mercadorias circulassem pelo território europeu, como circulam dentro de um
Estado, sem enfrentar qualquer tipo de obstáculo.

Este projeto tomou lugar entre 1987 e 1992, através das mais de 300 diretivas que foram
organizadas para eliminar toda a panóplia de barreiras que pudessem haver.

New approach: resulta da jurisprudência dos tribunais; um dos acórdãos fundamentais do


Direito Europeu, porque é a sua lógica que vai permitir realizar o mercado interno de uma
forma tão conseguida e rápida. Se não fosse este projeto, resultado da jurisprudência,
as medidas para a eliminação de barreiras contar-se iam por milhares.
 O Tribunal afirma que os Estados podem, efetivamente, adotar medidas que
restrinjam e ainda proíbam aquilo que são mercadorias que se podem considerar
lesivas (proteção da saúde, da vida das pessoas, plantas e animais; proteção da
propriedade intelectual; proteção do património cultural e artístico nacional);

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podem aplicar com essas finalidades, e com as finalidades que a Alemanha


invocava – defesa do consumidor e do ambiente (será admissível desde que sejam
proporcionais e não camuflações à proibição de entrada de produtos de outros
estados). Assim como podem fazê-lo através da regulamentação interna, de
produção, composição, venda. No entanto, não podem pedir que os produtos que
sejam legalmente produzidos e comercializados nos outros Estados Membros não
sejam comercializados no seu território. Todos os produtos se consideram, desde
que validamente produzidos e comercializados no território, como podendo
circular livremente, exceto se existirem aquelas razões imperativas. Cabe ao
Estado o ónus de provar, justificar as tais razões imperativas.

Princípio do reconhecimento mútuo – cada Estado pode manter, enquanto não haja
harmonização no mercado interno, regras distintas de composição e produção; no
entanto, entre os Estados tem de haver o reconhecimento mútuo dos produtos
produzidos em cada Estado, mesmo que produzidos e embalados de forma
distinta. Só pode impedir a restrição se houver razões imperativas.
Não pode ser uma restrição dissimulada ao comércio.

A Comissão afirma que só irá harmonizar o que for estritamente necessário, sendo que,
por outro lado, nas matérias não harmonizadas, é reconhecida a autonomia dos Estados
Membros. Assim sendo, irá apenas harmonizar as tais medidas onde se verifiquem as tais
razões imperativas: a título exemplificativo, a defesa do consumidor, a proteção da vida
e da saúde.
Acórdão Cassis de Dijon: A Alemanha proíbe a venda de bebidas brancas de baixo teor
alcoólico, evocando razões de proteção do consumidor. Uma empresa alemã pretendia
importar o licor Cassis de Dijon, mas está impedida de o comercializar. A empresa
contesta a decisão em tribunal, afirmando que estava em causa uma discriminação e uma
restrição quantitativa, proibidas pelos Tratados. A questão foi enviada para o TJ, que se
pronunciou afirmando que “não existe fundamento válido para impedir que bebidas
alcoólicas, legalmente produzidas e comercializadas em outros Estados-membros, sejam
introduzidas em qualquer outro Estado-membro”. É assim estabelecido o princípio do
reconhecimento mútuo, que elimina, em grande parte, a necessidade de harmonização
legislativa.

Refundação I – 1993/2003 (aprofundamento para alargamento)

Fase de refundação do projeto europeu que decorre até hoje, que não está totalmente
completa ou definida, seja quanto à natureza dos objetivos, seja à densidade das
políticas a desenvolver. O projeto da UE tem de ser refundado. Deverá ser num
sentido mais federalista ou deveremos tomar uma via mais pragmática?

O aprofundamento é perspetivado como indispensável ao alargamento. Dá-se a partir


do início da década de 90 e com grandes reticências, feito pela força e não como algo que

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acolheremos com a maior das vontades; contudo, o alargamento é inevitável.

A adesão à NATO foi mais rápida, antecedendo a adesão à UE – esta última implica
uma partilha de valores, assim como um conjunto vasto de condições políticas, jurídicas
e até práticas, respetivas ao funcionamento da UE, que tornam esta uma adesão mais
difícil do que à NATO (que impõe questões de segurança e defesa).
Todos estes efeitos que se previam colocavam reticências a alguns responsáveis no lado
ocidental, tornando o processo demorado.
Tal alargamento só se veio a verificar em 2004 e 2007, com o alargamento a 12 Estados
de Leste. Não pode haver mercado interno sem uma União Económica e Monetária –
projeto da década de 70 que ficara adormecido e renascera em 1990. Concretizou-se num
grande espaço económico sem fronteiras.
Ao mercado interno tem que seguir, logo, uma união económica e monetária. Só faltava
uma moeda única para que exista um espaço económico paralelo às grandes economias
do mundo, como os EUA.
 Ao longo da década de 70, viveu-se um grande período de instabilidade
monetária. Foram criados mecanismos que visavam criar alguma estabilidade. A
estabilidade cambial, por exemplo, provoca perturbações no comércio, pois
quando se adquirem mercadorias temos que pagar determinado preço.
Foi criado um mecanismo chamado Sistema Monetário Europeu (SME) — a flutuação
cambial era limitada por limiares máximos e mínimos de subida e descida das moedas;
tal implicava uma intervenção dos bancos centrais quando surgisse algum desequilíbrio
(teriam de injetar moeda ou retirar moeda, o que tem custos, não só para a economia,
como para o banco em si).

Jacques Delors fora encarregado pelos governos dos Estados de preparar um projeto de
união económica e monetária. Em 1990, foi reunida uma conferência diplomática com
vista à revisão dos tratados para introduzir e instituir uma união económica e monetária,
a par do mercado interno.
 Plano Werner, 1970 – previa a criação de uma política monetária comum, a
aproximação das políticas económicas dos Estados e a criação da moeda única,
ou, pelo menos, o congelamento das taxas de câmbio entre as moedas europeias.
O plano não vingou.
 Apesar disso, em fevereiro de 1971, os “Seis” decidiram avançar com a União
Económica e Monetária em 3 fases. A crise mundial não foi propícia à sua criação.
 Apesar do fracasso, em 1977, o Presidente da Comissão propôs a Criação de um
Sistema Monetário Europeu – que entrou em vigor em 1979.

Não pode haver uma união económica e monetária sem uma união política - só desta
forma se poderia assegurar a grande Alemanha no projeto europeu. Os alemães trocaram
o seu marco pela ideia deste projeto, o que permitira à Europa ser uma realidade e
potência política.

A par desta conferência governamental, reúnem-se outras, compostas por negociadores


dos governos dos Estados que têm como missão rever os tratados, uma para instruir uma
união política e monetária, e outra uma união política — política externa e de segurança

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comum, na sua dimensão externa; e uma dimensão interna, que se veio a traduzir no
espaço de cooperação em matéria judicial e policial. O risco tem a ver com a segurança
interna. Tal como circulam as pessoas, podem circular os criminosos, surgindo uma maior
necessidade de segurança.

Veio-se a estabelecer uma cidadania da União. Vivia-se uma época de grande


eurotimismo. A Europa era a solução para os riscos e para as dificuldades.

 O Tratado de Maastricht (1993) e a criação da União Europeia a par das


Comunidades - o desequilíbrio “templo grego” com os dois novos pilares; a
UEM

O Ato Único Europeu permitiu, de facto, o desenvolvimento da integração


europeia, mas o mercado interno, já em fase de grande desenvolvimento, pedia
condições institucionais que os tratados anteriores a Maastricht não conseguiam
dar. O Tratado de Maastricht foi assinado em 1992 e entrou em vigor em 1993.
No entanto, este entusiasmo rapidamente esfriou — este tratado teve de ser sujeito
a referendos no plano nacional. Os dinamarqueses levaram o tratado a referendo
e disseram que não, afirmando que continha ambições políticas claras, com uma
natureza federal. O Governo dinamarquês, com a perspetiva da transparência
nórdica, decidiu pôr na caixa de correio de todas as casas dinamarquesas o Tratado
de Maastricht. Chegou a colocar-se a hipótese da Dinamarca sair da União.
Contudo, renegociaram-se um conjunto de derrogações à Dinamarca - já não
participava na união monetária, possuía um estatuto especial na política externa e
de segurança comum, com algumas garantias. Com estas condições, a Dinamarca
faz um segundo referendo, sendo este aceite.

 Que relação tem a UE com as comunidades?

No projeto de 1984, no Parlamento Europeu, as comunidades desapareceriam e


eram sucedidas, juridicamente, pela União Europeia. Este é um aprofundamento
calculoso, pelo que tal não aconteceu. Juridicamente, continuamos a ter as
comunidades — Comunidade Económica Europeia (torna-se comunidade
europeia); CECA (ainda se mantém em vigor); EURATOM. O Tratado da União
Europeia incidiu sobre vários domínios, entre os quais importa destacar: a criação
da União Europeia; o reforço do papel dos cidadãos na União, designadamente
através da cidadania da União; a consagração de novas atribuições às
Comunidades, especialmente em matéria de união económica e monetária;
implementação e desenvolvimento do princípio da subsidiariedade, que vem
definir que as Comunidades apenas intervêm quando determinados objetivos não
possam ser desenvolvidos pelos Estados, na medida em que as Comunidades os
desenvolverão com maior eficácia; e, por fim, modificações no panorama
institucional. Este tratado reforma as 3 comunidades, aumentando as suas
competências — política de investigação e desenvolvimento, política industrial,
ações em matéria cultural. Passam a estar sujeitas a maioria qualificada mais
complexa, pelo que cada Estado tinha um número de votos, havendo um limiar
de votos necessário. Substitui-se, então, a regra da unanimidade. Um Estado pode
não aprovar e deliberar desfavoravelmente em relação a um determinado ato
jurídico, ficando vinculado a tal ato caso a maioria o aceite, não podendo eximir-
se ao seu cumprimento. Contudo, existem algumas matérias sujeitas à

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unanimidade, como é o exemplo da harmonização da fiscalidade direta. Temos o


alargamento da influência do Parlamento, que passa a ser codecisor com o
Conselho. Um Estado que não possa valer o seu voto terá menos capacidade para,
neste quadro negocial, fazer valer os seus interesses. Além do procedimento de
cooperação, o PE pode apresentar emendas, passando a ter o procedimento de
codecisão. Temos dois tipos de procedimentos e aquele que corresponde a este
que foi introduzido neste tratado, o processo legislativo ordinário, em que temos
o Parlamento e o Conselho como colegisladores.

A união económica é prevista em três fases:


I. 1993 — 1995: Fase de standstill - os Estados ficam obrigados a manter as suas
regras, a não agravarem a sua realidade financeira de modo a que não consigam
progredir na harmonização destes critérios;
II. Aproximação substantiva à UEM e criação de um instituto monetário europeu
(embrião do BCE);
III. Instituíra-se a moeda única, em duas datas: em 1997, passar-se-ia à terceira fase
da UEM, se houvesse um acordo entre todos os Estados (excetuando a Dinamarca
e o Reino Unido), e se cumprissem os critérios; em 1999 fixou-se uma taxa de
conversão das moedas nacionais. Em 2002, estas são retiradas da circulação. À
medida que as moedas chegavam ao sistema bancário, os bancos remetiam-nas
para o Banco de Portugal, e este não as punha mais em circulação.

 Alargamento fácil (1995) — Áustria, Finlândia e Suécia


Estes três países já faziam parte do mercado interno, por força do espaço
económico europeu.

A integração europeia, desde as Comunidades, tem uma inspiração que resulta de uma
experiência histórica de alguns EM que é anterior aos próprios tratados comunitários, que
é o BENELUX — união económica e monetária, assim como uma união política. Reúne,
desde 1943, uma união entre si, para, na perspetiva do pós-guerra, poderem desenvolver
políticas comuns e servir de exemplo. Havia uma unidade política monetária, que era
definida em comum, apesar de existirem duas moedas; nos domínios da segurança interna,
da liberdade das pessoas, é no BENELUX que elas são primeiramente evidenciadas e
trabalhadas. Em 1995, é celebrado um acordo de cooperação em matéria policial e judicial
que garante a liberdade de circulação das pessoas. A partir da experiência do
Luxemburgo, cria-se um espaço de circulação que se pretende que seja um espaço de
segurança. Pretendia-se aprofundar medidas que diziam respeito ao reconhecimento e às
questões de foro judicial.

Três pilares:
1. Comunidades europeias
2. PESC (Política Externa de Segurança Comum) – conjunto de questões relativas
à segurança da União Europeia, incluindo a definição a termo de uma política de
defesa.
3. AIJ – desenvolvimento de uma cooperação estreita no domínio da justiça e dos
assuntos internos.

O que os une é o conjunto de disposições comuns incluídas no Tratado que consagra um


conjunto de princípios fundamentais respeitantes aos objetivos, às instituições, aos

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princípios fundamentais; e depois um quadro institucional comum, as instituições e


órgãos comuns, sendo este o quadro das comunidades.

O Tratado de Amesterdão (1999) – conclusão da tarefa de refundação? A ‘cooperação


reforçada’. O adiamento da reforma institucional. Reforma institucional.

A Comissão, à época, era constituída por dois comissários indicados pelos Estados
maiores e um indicado por Estados de menor dimensão. Se fosse replicado este molde
com o alargamento ao centro leste europeu, teríamos uma Comissão com mais de 30
membros, tornando-se um parlamento. A comissão era um órgão paritário, em que o
estatuto e o poder de cada comissário era exatamente igual. Desde o primeiro alargamento
começava-se a perceber a imperatividade da reforma das instituições, que foram feitas
para seis países inicialmente.
 A necessidade de revisão do sistema institucional vinha sendo reclamada desde o
primeiro alargamento, tendo-se tornado, contudo, mais urgente à medida que
novos membros iam aderindo às comunidades. Com efeito, o sistema institucional
– que tinha sido pensado na década de 50, para 6 Estados Membros – mostrava-
se incapaz de responder aos desafios da União de 15, situação que se foi agravando
com os sucessivos alargamentos (sobretudo resultantes da queda do Muro de
Berlim – pedidos de adesão dos Países da Europa Central e Oriental);
 A reforma do sistema institucional da União afigurava-se, portanto, inevitável.
Aliás, o sentimento de insatisfação perante o quadro institucional europeu,
partilhado pela Comissão, Parlamento Europeu e Conselho, chamavam à atenção
pela falta de eficácia e de democracia do mesmo.
 Pretendia-se diminuir o número de comissários, aumentar os casos de votação por
maioria e alterar o sistema de ponderação de votos. Antes do próximo alargamento
da União, a Comissão deveria ser composta por um nacional de cada Estado –
compensar os Estados que viessem a perder um comissário, os Estados grandes.

 Cessação da vigência da CECA (2002)


Entrou em vigor em 1952, cessando a sua vigência em 2002. Integrou-se todo o
acervo jurídico da CECA na Comunidade Europeia, sendo o setor do carvão e do
aço integrado nas políticas comunitárias.

 O Tratado de Nice (2003) - a reforma institucional para o alargamento. A


Proclamação da Carta dos Direitos Fundamentais.

O tema central da reforma institucional foi sem dúvida a ponderação de votos no


seio do Conselho, questão que acabou por condicionar todas as outras. Fez-se uma
reforma institucional, alterando a ponderação de votos, reforçando a influência
decisória dos Estados maiores, em detrimento dos mais pequenos. Alterou-se
significativamente o equilíbrio entre os Estados grandes e os Estados médios e
pequenos.

Carta dos Direitos Fundamentais


À altura, a Comunidade Europeia não possuía uma carta dos DF. Será a solução
adotar uma CDF própria ou a União aderir à Convenção Europeia dos Direitos do
Homem? A Carta surge, portanto, num contexto de afirmação dos direitos
individuais por parte da UE. Forçou-se um debate que vinha de 1975 sobre a
possibilidade de adesão à CEDH. A UE apresenta um pedido ao TJ de parecer

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sobre a compatibilidade da CEDH e da possibilidade, à luz do Tratado, de a CE


poder aceder a esta convenção. O Tribunal vem dizer que não, que a Comunidade
não tem competência para tal. A CEDH contempla princípios que, à regra, eram
considerados relevantes, mas, com o passar do tempo, existem princípios que a
Carta não contempla, em matéria social e ambiental, por exemplo. Assim, vamos
criar uma carta direitos de fundamentais própria da UE. Era uma nova forma
de legitimar a UE. É reunida uma convenção que prontifica, que, além dos
representantes do Governo, tinha representantes das instituições, como o
Parlamento, e da sociedade civil, personalidades que possam dar um input
positivo; redige a dita carta, proclamada na Cimeira de Nice, em 2001. Houve
grande controvérsia, quer na sua redação, quer na sua aceitação, pois existiam
tradições diferentes. A aceitação foi proclamada, mas não se convertendo num ato
jurídico com valor vinculativo para a União, para as Comunidades ou para os
Estados — é apenas um quadro de referência, não constituindo um tratado. De
seguida, as três instituições declaram que, no exercício das suas competências, vão
agir sempre de acordo com a Carta dos Direitos Fundamentais. A carta vem a ter
valor jurídico com o Tratado de Lisboa.
o A Carta não visava criar direitos novos, mas tornar visíveis os direitos já
existentes que constituíssem património comum dos europeus,
aumentando a segurança jurídica e proteção dos cidadãos.
o Um dos principais objetivos era o carácter vinculativo. Porém, cedo se
verificou a ausência de consenso neste sentido. Pretendia constituir um
forte impulso ao processo de constitucionalização da UE, bem como
consolidar um movimento de integração europeia.

 2004 -2007 (2013) – o grande alargamento aos PECO. A Europa dos 28: França,
Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Reino Unido, Irlanda,
Dinamarca, Grécia, Portugal, Espanha, Áustria, Finlândia, Suécia, Chipre, Malta,
Eslovénia, Eslováquia, República Checa, Polónia, Hungria, Letónia, Lituânia,
Estónia, Roménia, Bulgária, Croácia.

REFUNDAÇÃO II — 2003-2009

Quo vadis UE? Aprofundamento com diferenciação?

O alargamento com aprofundamento trazia problemas difíceis de superar, fruto


dessa diversidade. Vemos surgir o apelo da diferenciação, algo que tinha sido
consagrado no Tratado de Maastricht. Havia Estados que não pretendiam participar,
naquele momento, por não terem condições políticas internas para tal - Dinamarca, Reino
Unido – neste sentido, sabia-se que seria necessário um acordo para estes Estados, tendo
um regime derrogatório especial.

Verificavam-se situações casuísticas, como o espaço Schengen, pois alguns Estados não
participaram de início ou não vieram participar, tomando como exemplo o Reino Unido.
Além disso, contam-se situações especiais em relação a alguns Estados, como os novos
Estados de leste, que não tinham condições administrativas, de gestão e segurança, com
possibilidade de ter um espaço aberto, sem controlo de trânsito com outros Estados.

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A Convenção, reunião magna que não era diplomática, mas que, mesmo assim, foi capaz
de criar um documento fundador tão importante como a Carta dos Direitos Fundamentais,
deu o ímpeto necessário para a criação de um projeto europeu mais consolidado.

O PROJETO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITO (2004) - O fracasso do Tratado


Constitucional para a UE elaborada pela Convenção

Muitos entendem, particularmente os alemães, que era necessário fazer avançar o projeto
na sua direção política, principalmente. Avançar na federalização, garantindo uma
estabilidade dos objetivos, para que não fossem diminuídos. Temos que constitucionalizar
a Europa.

A primeira proposta que inicia este debate foi apresentada num debate universitário, por
um alemão, expressando o desejo do avanço europeu. A Europa não poderia aprofundar-
se com um alargamento de modo uniforme, desenvolvendo-se um mais rápido e outros de
modo mais lento.

Era necessária uma Europa com um “hard core” – um núcleo duro - houve, das partes dos
parceiros, uma vontade de negociar. O risco era ficar para trás, caso não o fizessem. Em
2003 houve lugar para o tratado constitucional, que iria ser materialmente, ainda que
sobre a forma de tratado internacional para os Estados, uma Constituição Europeia para
os Estados. Temos de reconhecer que a Europa tinha de se assumir como uma entidade
política e federal. Vamos fazer isto de forma mais aberta possível. Vamos reunir uma
grande convenção participada pelas diversas instâncias europeias e nacionais, com um
debate aberto à sociedade civil permanente, reunindo-se a convenção para formular e
firmar a Constituição.

Depois de aprovado, este documento teria que passar pelos procedimentos de ratificação
dos EM. Vai confrontar-se, mais uma vez, com referendos. Existem duas respostas
negativas que vão “matar” o projeto - a resposta dos holandeses e dos franceses.
Perceba-se que não havia nada que se pudesse fazer para levar a um referendo positivo.

O TRATADO DE LISBOA (2009) - a eliminação das disposições mais controversas; a


preservação do conteúdo substancial das políticas.

 A unificação dos pilares sob a UE, com fim da Comunidade Europeia, assente
em dois Tratados Fundamentais (TUE e TFUE);
 A atribuição de valor jurídico vinculativo à CDF;
 A manutenção da CEEA.

Em junho de 2007, frente à vulnerabilidade deste projeto, temos de encontrar outra


solução, voltando ao modelo anterior - dar um passo atrás. Vamos fazer um tratado de
reforma, de modo a completar a reforma institucional, fazendo-o nos moldes nacionais,
aprofundando algumas políticas, conferindo às instituições um funcionamento que seja
eficiente e que vai permitir à Europa acolher outros Estados que, entretanto, já tinham
aderido — TRATADO DE LISBOA — redigido entre junho e outubro de 2007. Temos
o acordo final, que deu lugar a uma assinatura no Parque das Nações, sendo o Primeiro
Ministro, à época, José Sócrates. A sua conclusão foi rápida, pois traduziu-se na passagem
para outra forma do tratado constitucional. Não havia nada de novo a negociar. As
disposições mais controversas, como, por exemplo, o primado da jurisprudência do TJ

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consagrado, caem, passando para uma declaração anexa ao tratado. Além do primado,
uma reivindicação antiga dos juristas era a clarificação das fontes do Direito, da própria
OJ da União, pois continua a ser escassa a diferença entre ato legislativo (atos mais
solenes, que correspondem, efetivamente, a leis) e ato regulamentar (se são de carácter
legislativo ou meros atos regulamentares). Este tratado falava de lei-quadro e depois de
regulamento.

A carta dos DF é alterada — é-lhe conferido valor jurídico, como um documento


autónomo; passamos a ter três tratados fundadores: o TUE, que fora instituído pelo
Tratado de Maastricht; o Tratado de Roma, o EURATOM (juridicamente autónomo) e o
Tratado da Comunidade Europeia, que fora alterado para Tratado de
Funcionamento da União Europeia;

O valor vinculativo da Carta dos Direitos Fundamentais da UE

Temos a extinção jurídica da Comunidade Europeia, sendo sucedida pela União


Europeia, que sucede, revendo todo o seu acervo; torna-se a única organização

Temos uma unificação dos pilares, mas não temos uma uniformização plena do
regime jurídico das várias áreas. Aquilo que estava no terceiro pilar, que já só era a
cooperação policial e a cooperação judiciária penal, transita para o Tratado sobre o
funcionamento da UE - integração do terceiro pilar no primeiro, com ligeiras nuances; a
PESC é unificada num regime unitário, continuando a ser um domínio completamente
regulado pelo Tratado da UE, como um restício daquela autonomização entre pilares,
mantendo características que lhe dão contornos mais intergovernamentais, como a
ausência de uma vinculação ao quadro jurídico comum da PESC e ainda a prevalência da
unanimidade; este domínio foi o menos reformado de todos. Com a política comunitária
de defesa e segurança pretende-se reforçar a capacidade política de segurança, o que se
torna difícil com a variedade de Estados — o Tratado de Lisboa unifica os pilares.

REFUNDAÇÃO III

Atualmente em processo de reforma

Superação das contradições e insuficiências da UEM – missão impossível?


 O Pacto Euro+ (mecanismo MAC, de 25/3/2011, entre 23 EM – não República
Checa, Suécia, Hungria, Reino Unido e Croácia);
 O FEEF e o seu sucessor Mecanismo Europeu de Estabilidade, de 2/2/2012,
vincula apenas os EM do € (em vigor desde 27/9/2012 e em funcionamento desde
8/10/2012);
 Six-Pack (Regulamento 1175/2011, que modifica o Regulamento 1466/97;
Regulamento 1177/2011, que modifica o Regulamento 1467/97; Regulamento
1173/2011; diretiva 2011/85/EU; Regulamento 1176/2011; Regulamento
1174/2011) — enquadramento mais severo às políticas públicas nacionais;
 Two-Pack (Regulamento 473/2013; Regulamento 472/2013) para a eurozona;
 Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e governação na União Económica e
Monetária (‘Tratado orçamental’), de 2/3/2012 (em vigor entre 25 EM – não
Reino Unido

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e República Checa, nem Croácia – desde 1/1/2013; o título III apenas vincula 22
EM – os 19 do € e Bulgária, Dinamarca e Roménia);
 A união bancária;
 O Pilar Europeu dos Direitos Sociais - visa reforçar a dimensão de reforço da
resiliência social; pode passar por direitos já consagrados, mas permitindo uma
articulação entre eles que conduza a uma harmonização;
 O semestre europeu.

Tudo isto se consegue resolver impondo critérios financeiros rigorosos que vão disciplinar
aqueles Estados mais desobedientes. Contudo, tal não funcionou devidamente. O primeiro
Estado a violar os princípios da política económica comunitária fora a Alemanha.

 O avanço da PCSD
o A “Estratégia de Segurança Europeia” de 2003
Alteração do quadro da segurança internacional, com o problema do
terrorismo, com o 11 de setembro. Os Estados do leste europeu são Estados
que têm sérias dificuldades em relação a qualquer projeto ou iniciativa para
uma política de defesa comum, pois eles olham para os EUA como sendo
o seu detentor e causador de distúrbio.
o A PCSD prevista no Tratado de Lisboa
A UE disponibiliza, através dos exércitos dos Estados, meios para garantir
aquele quadro de paz, para irem para o terreno e manter estabilidade numa
dada região, em áreas como África e Bósnia. Primeiro avanço no sentido
de reforço destas capacidades.
o A Cooperação Estruturada Permanente (PESCO)
Prevista no art. 42.º TUE. Pode ser feita individualmente ou a partir de
estruturas comuns. A nossa segurança é tão débil que não temos um
sistema de interseção de satélite comum; é um projeto que anda há anos a
ser desenvolvido, de modo a obter uma independência dos norte-
americanos — projecto Galileo. A diferença reside no poder político-
militar (exemplo dos EUA e da China, que têm um exército próprio, assim
como uma grande influência política).

UNIÃO EUROPEIA — Inspiração identitária e valores

O Tratado de Lisboa constitui a realidade jurídica que condiciona, vigora e determina a


União Europeia e o seu regime corrente.

 Que realidade é esta juridicamente?

Temos uma entidade jurídica com personalidade jurídica internacional,


criada por Estados através de tratados internacionais, com uma missão de

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prosseguir determinados objetivos que se concretizam em competências


conferidas aos órgãos, que estão previstos e regulados nos tratados. Encontra-se
definido aquilo que é o alcance das competências conferidas, os princípios e os
termos da relação entre a União e o EM; aproximar-se-ia da tal realidade federal
estadual. A própria realidade das competências atribuídas, a relação com os
Estados, os poderes conferidos às instituições, também, em grande medida, se
foram desenvolvendo, muito à imagem de realidades federais - ex: realidade
federal norte-americana; realidade federal alemã. Sobretudo do ponto de vista do
desenvolvimento dos princípios fundamentais, seja o primado ou o efeito
direto, o que vemos ressoar é a jurisprudência do Tribunal norte-americano.

Alta Autoridade: autoridade supranacional — é de salientar a sua independência;


obrigação para os EM no sentido em que a sua ação seria desenvolvida
independentemente dos Estados que o nomearam. Pretende promover os interesses
comuns. Ganha um sentido próprio, que assenta no reconhecimento de que as suas
competências estão à mercê de interesses próprios, que não se confundem com os
interesses dos Estados, sendo superiores aos mesmos. Há alguns elementos do
funcionamento da UE que reforçam esta independência e autonomia dos interesses e
objetivos a salvaguardar, como o facto das deliberações serem tomadas por maioria
qualificada em regra: os Estados não têm uma palavra definida, individualmente, sobre a
prossecução e definição dos objetivos. Quando são tomadas as decisões, o valor da
população das nações é todo o mesmo.
A UE tem um âmbito de ação que é bastante extenso. Verifica-se extensão e intensidade
do exercício das competências. Com a sua atribuição, os Estados ficam impedidos de
exercer competências naquela matéria.
Há varias categorias que foram sendo apontadas pela Ciência Política, essencialmente, e
que vão apontando para realidades diversas, próprias, algumas com uma inspiração até
federal, em que as federações são mais ligeiras.
 A UE será um condomínio — a noção de condomínio não é nova. Foi usada, por
exemplo, no caso de Andorra — uma realidade que tem um território, governo e
uma população, assumindo-se como uma nação; no entanto, a sua forma de
governo não é inteiramente autónoma (presidente francês em conjunto com o
bispo de Barcelona). Espaço em que o governo é exercido por governos de outras
entidades internacionais, sendo que não há um governo que seja inteiramente
autónomo. Temos espaços comuns que são da propriedade de todos os
condóminos; e espaços próprios, que são da propriedade de cada um dos
condóminos.
A UE, similarmente, tem competências comuns, em que não há uma titularidade
individualizada; e depois tem espaços com titularidade individual, de cada um dos EM.

Neofuncionalismo: Ernest Haas, 1950. Vem propor uma reforma da proposta


funcionalista de Mitany. Não há um automatismo desse esvaziamento do poder do Estado;
é necessário criar condições para tal, que assentam não só na composição, mas sobretudo
nos termos das deliberações dos órgãos. Os órgãos dessas OI’s são dotados de
competências efetivas, podendo exercê-las de modo autónomo, sem estarem dependentes
do assentimento dos Estados. Temos que ter deliberações vinculativas para todos, mas
tomadas por maioria, e não por unanimidade. As Comunidades Europeias inspiram-se no
modelo neofuncionalista. Nós vamos fazer a Europa, não de uma vez só, mas criando

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solidariedades de facto progressivamente (Declaração Schuman), começando com a


CECA.

Temos uma Alta Autoridade, que toma as decisões por maioria; um Conselho de
Ministros que confere tal legitimidade política e um Tribunal com competência
compulsória. Tal ia permitir, a prazo, construir uma federação.
Os Estados vão sendo esvaziados de competências, integrando-se na sua ordem jurídica
as definições determinadas a nível internacional, de forma a garantir a paz internacional.
As Nações Unidas têm garantido a paz, mas não têm impedido que os Estados se
continuem a manter como o centro do poder internacionalmente.
Na crise da cadeia vazia, esta teoria perde valor, vemos afirmar-se a soberania dos Estados
na sua conceção mais tradicional - o Estado diz que não aceita decisões por maioria
qualificada contra os seus interesses vitais. Ressurgem teorias intergovernamentalistas,
inspiradas no realismo internacional.

A UE não é uma realidade axiologicamente neutra, ao contrário de outras OI’s que,


do ponto de vista identitário, não têm um quadro de valores que inspire e
fundamente a sua existência.
Nas versões originárias dos Tratados, não se encontrava qualquer referência aos valores
subjacentes às Comunidades – o que não é sinónimo de ausência de base axiológica. Os
valores que atualmente fundam a UE sempre estiveram subjacentes à integração europeia.
No Tratado de Lisboa, temos uma série de previsões que determinam quais os valores
pelos quais se pauta a UE; além de serem valores identitários da UE, salienta-se o facto
de se considerar que são também valores dos EM.
Os Estados, quando participam deste projeto e aderem ao mesmo, subscrevem e
vinculam-se a estes valores.

Valores:
o Inspiração identitária;
o Respeito pela dignidade humana, liberdade, a igualdade, a democracia;
o Respeito pelos direitos humanos, direitos fundamentais.

Os últimos dois valores enunciados não só são valores da UE, como são universais. A UE
pauta-se por estes valores, não apenas na sua esfera interna, mas também os tem presentes
no âmbito das relações externas, considerando que são válidos internacionalmente. São
valores para toda a humanidade.

Indivisibilidade dos direitos - não há direitos com um estatuto privilegiado, direitos com
um maior estatuto, porquanto outros são de menor estatuto, podendo ser reduzidos.

*(Igualdade entre homens e mulheres - traduz-se no princípio de não discriminação,


presente desde o tratado de Roma, no que corresponde, em essencial, à igualdade
salarial).

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A importância destes valores do art. 2.º concretiza-se em 2 dimensões:


 Na adesão: o art. 49.º, que regula a adesão de novos EM, determina a
obrigatoriedade do respeito por estes valores e respetiva demonstração pelos
Estados candidatos. Isto garante-se porque a adesão é o procedimento que tem
todo um acompanhamento que é levado a cabo pela Comissão, de acordo com o
mandato do Conselho; só quando a Comissão entende que estão reunidas estas
condições, pode a adesão vir a concretizar-se, sendo necessário um parecer da
Comissão que garanta que está conseguido o respeito por estes valores.
 Art. 7.º: exige-se que os EM não venham a incorrer num risco manifesto de uma
violação séria destes valores ou que não tenham já recorrido à violação dos
mesmos. Foi introduzido no Tratado de Amesterdão, particularmente para os
Estados de Leste (mais precisamente para a Áustria).

União Europeia – inspiração identitária e valores

Objetivos – não se confundem, mas relacionam-se com o quadro de valores.

Estão presentes esses valores no quadro de desenvolvimento objetivo. A União Europeia


não é uma entidade de fins gerais, mas sim uma entidade de fins especiais,
semelhantemente ao que acontece com as OI´s, pelo que está condicionada pelos objetivos
que estão consagrados nos tratados constitutivos. Na verdade, o aprofundamento e a
extensão desses objetivos ao longo das várias décadas terá de ser feito de forma explícita
através dos tratados que os Estados Membros tenham realizado, seja por uma vida
endógena, interna, pelas instituições.
É importante perceber o alcance desses objetivos.
Mediatos:
Artigo 3.º/1 do TUE (“promover a paz, os seus valores e o bem-estar dos seus
povos”); Preâmbulo TFUE, em especial os § 9 e 10.
o São objetivos que estão presentes desde o início, como aquilo que é a
missão política fundamental da UE, mais do que jurídica.
o Os tratados foram sempre alargando o âmbito de aplicação da União
Europeia – novos objetivos, novas funções.
o Preâmbulo do Tratado sobre o funcionamento da UE – A paz,
promoção dos valores e o bem-estar dos seus povos.
o A União Europeia é um instrumento ao serviço daquelas finalidades
últimas – desempenha um papel crucial pelo relevo e importância que tem,
e deve continuar a ter nas relações europeias.
o Aproxima as relações económicas e os próprios povos europeus. Vamos
vendo o alargamento das competências para novos domínios, mas também
o aprofundamento, pela via da previsão das competências que, partilhadas
passam a ser exclusivas.
o Cobrem a generalidade dos vários setores possíveis das relações
económico-sociais e das relações jurídicas.
o “acquis communautaire”, expressão francesa – acervo comunitário –
este é um projeto de aprofundamento sucessivo, desenvolvendo-se assente

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naquilo que foi realizado, todo um conjunto de normas jurídicas que


concretizam e desenvolvem determinadas competências e objetivos dos
tratados.
o “spillover”- processo desenvolvido progressivamente através de políticas
concretas, mas que se vão aprofundando a outros domínios.
o Neofuncionalismo – condições institucionais que permitem que o
“spillover” continue, e não fique bloqueado.
Imediatos:
OBJETIVO GLOBAL: Preâmbulo TUE, §14; Artigo 1º, § 2 do TUE;
Preâmbulo TFUE, § 2 (“criação de uma União cada vez mais estreita entre os
povos da Europa”; o estatuto especial acordado para o Reino Unido);
o Estatuto especial para o Reino Unido – na perspetiva da realização do
referendo que teve lugar em 2016, o Reino Unido negociou com os
parceiros um acordo que foi aprovado por todos no Conselho Europeu. Um
acordo que efetivamente previa um conjunto de medidas especiais que iam
conferir ao Reino Unido um estatuto diverso, em vários domínios. Naquele
acordo que tinha sido celebrado para apaziguar o ceticismo britânico,
previa-se que o Reino Unido não ficava vinculado ao princípio da união
cada vez mais estreita dos povos da Europa: o Reino Unido enquanto
Estado Membro, não partilhava desse desígnio de aprofundamento
sucessivo e não retrocesso. “O acervo comunitário” – expressão francesa.
o Aprofundamento sucessivo – concretizam e desenvolvem determinadas
competências, em que não há redução do acervo; não há retrocesso; todos
os Estados que aderem se vinculam ao acervo comunitário. Implica a
aceitação de todo o património jurídico, que se substancia num património
político - vinculam-se a todo o Direito da União, tal como ele foi
desenvolvido anteriormente pelos Estados já membros. Não pode aderir de
modo diferenciado – aceita-se todo, ou não se adere. Não há
especificidades.
o Além deste alcance, havia desde o início um alcance interno: perspetiva
de que não poderia haver inversão de marcha, o processo implica extensão
e desenvolvimento e numa redução das competências atribuídas à União
Europeia.

Será possível equacionar para os restantes Estados Membros uma desvinculação


semelhante? Não, era exclusivamente para o Reino Unido (no entanto, tendo ficado
definido que o mesmo irá sair, a questão já não se coloca).

Quando na UE são adotadas regras – diretivas, regulamentos – no EEE são adotadas


igualmente. O comité do EEC – o conselho de ministros, num processo de revisão
autónomo – tornar o Direito da União Europeia, Direito do Espaço Economico Europeu
(naqueles que não fazem parte da União Europeia).
A Noruega integra normas que a UE configurou, por força de fazer parte do EEE; não tem
poder de decisão porque não faz parte da União, limita-se a aceitar. Se não aceitar, e pode
fazê-lo, fica excluída do espaço de circulação – se quer beneficiar, tem que se conformar.

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Tribunal EFTA – passou a ter um tribunal por causa do Espaço Económico Europeu.
Será que os Estados não estarão já impedidos de rever os tratados no sentido de reduzir
as competências comunitárias à época? Não podiam os Estados vir a eliminar o acervo
comunitário? Há uma progressividade definitiva. Não haveria hipótese de eliminar
competências que tivessem sido atribuídas às comunidades – o acervo estava
definitivamente consolidado. O Tratado de Lisboa veio a dar uma resposta positiva,
normativa vigente – a resposta não é nesse sentido. A referência ao acervo comunitário
desaparece. Não obstante, no seu artigo 48.º regula-se a revisão dos tratados – pode ser
no sentido de conferir competências, aprofundá-las ou até reduzi-las. Logo, o acervo não
é definitivo.

A integração Europeia tem toda uma complexidade que à primeira vista não é visível. O
regime que encontramos molda-se segundo quadros federais – é uma entidade sui generis,
reconhecendo-se o seu carácter específico e ao mesmo tempo inovador no âmbito das
relações internacionais, bem como a incapacidade de se enquadrar nas categorias
dogmáticas tradicionais.

Objetivos setoriais principais:


o Espaço de liberdade, segurança e justiça – espaço onde os europeus podem
viver como vivem no seu espaço nacional, de origem – podem circular
livremente sem estarem sujeitos a constrangimentos; não podem ser
sujeitos a restrições à deslocação; se pretenderem residir, não podem ser
sujeitos a restrições igualmente – princípio da não discriminação;
o Mercado interno – Artigo 3.º/3 TUE; Parte III, Título I TFUE (artigos 26.º
- 27.º);
o União Económica e Monetária – Artigo 3.º/4 TUE; Parte III, Título VIII
TFUE (artigos 119.º - 144.º)
o PESC – Artigo 3.º/5 TUE; Título V TUE (artigos 21.º - 46.º);
o Cidadania da União - Preâmbulo TUE, § 11; Parte II TFUE (artigos 20.º -
25.º);
o Coesão económica, social e territorial – Artigo 3.º/2, § 3 TUE; Parte III,
Título XVIII TFUE (artigos 174.º - 178.º).

Princípios fundamentais da União Europeia:

 Princípios relativos à relação entre a União e os Estados Membros

o Princípio do respeito pela identidade nacional: “refletida nas estruturas


políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles, incluindo no
que se refere à autonomia local e regional” – artigo 4.º/2 TUE, identidade
política e jurídica. Dimensões:
 O respeito pelas funções essenciais do Estado (integridade
territorial, ordem pública, segurança nacional (artigos 346.º e 347.º
TFUE);

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 As tradições constitucionais comuns – artigo 6.º TUE – a


constituição Irlandesa; manifestação das preocupações do povo
irlandês em relação ao Tratado de Lisboa;
 O reconhecimento das línguas oficiais dos EM – artigo 55.º TUE;
artigo 342.º TFUE;
 O reconhecimento de competências próprias dos EM – artigo
165.º/1 TFUE.

 Princípio do respeito pela diversidade cultural e linguística dos povos


europeus: artigo 55.º TUE; artigo 342.º TFUE;
o A UE tem uma obrigação de não afetar essas competências nacionais
através do exercício de competências próprias.
o Consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais – Princípio do respeito
pela diversidade cultural – artigo 17.º (a propósito da cidadania) e
artigos 165.º e 167.º (referem-se à dimensão cultural das
competências).
o A UE não pode adotar atos de harmonização legislativa em matéria de
educação e política cultural. Apenas pode apoiar os Estados. A cultura é
uma competência própria dos Estados.
o Apoio à promoção da cultura – património cultural dos Estados, Europeu
– mas sempre programas de apoio financeiro, administrativo.
o A revisão dos tratados operada em Lisboa manteve o princípio do respeito
pela riqueza da diversidade cultural e linguística europeias, bem como pelo
desenvolvimento do património cultural europeu.
 Artigo 36º TFUE - prevê a proteção do património cultural e
histórico. Regra que tem efeito direto, proíbe os Estados adotar
qualquer medida de restrição quantitativa na matéria do mercado
comum.
 Artigo 207.º, n.º 4, alínea a) – a celebração de acordos comerciais
de política externa com Estados terceiros está sujeito a maioria
qualificada. No entanto, quando falamos de acordos que tenham
um objeto que incida sobre produtos com uma substância cultural
– audiovisuais, programas televisivos - estes acordos têm que ser
adotados por unanimidade (podem vetar).

Jurisprudência relativa à proteção da língua nacional e o confronto com os direitos e


princípios do Direito Comunitário:
 Acórdão sobre o registo civil da Lituânia (C-391/09): uma cidadã da Lituânia casa
com um cidadão polaco, pelo que pretende alterar o seu nome no registo civil lituano.
A sua pretensão é indeferida, dado que a legislação da Lituânia não permite a
utilização de carateres cirílicos nas certidões do registo civil. É invocado o
princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem
racial ou étnica. Porém, o TJUE afirma que prevalece o princípio da identidade
nacional e que, portanto, os Estados podem limitar as fórmulas linguísticas usadas
nos seus registos civis.
 Acórdão Garcia Avello (C-148/02): em Espanha, a tradição diz que o apelido das
crianças é constituído pelo primeiro apelido do pai e, de seguida, pelo último

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apelido da mãe. Isto entra em conflito com o Código Civil belga, que estabelece
que o último apelido de uma criança deve ser o último apelido do pai. C. Garcia
Avello, de nacionalidade espanhola, casa com uma cidadã belga e pretende que os
seus descendentes, com dupla nacionalidade, sejam registados na Bélgica de acordo
com a tradição espanhola. A sua pretensão é recusada pelo governo belga, que
alega a defesa da identidade nacional («o princípio da imutabilidade do apelido
constitui um princípio fundamental da ordem social belga»). Contudo, o TJ decide
em sentido oposto, afirmando que não é legítimo que um Estado-membro «recuse
dar seguimento favorável a um pedido de alteração de apelido de crianças
residentes nesse Estado-Membro e que disponham da dupla nacionalidade desse
mesmo Estado e de outro Estado-Membro, quando o referido pedido tenha por
objetivo que as crianças possam usar o apelido de que seriam titulares ao abrigo do
direito e da tradição do segundo Estado-Membro.»
 Acórdão Sayn-Wittgenstein (C-208/09): uma cidadã austríaca residente na
Alemanha adquire, na Alemanha, um título nobiliárquico. Por uma decisão do
tribunal constitucional austríaco num processo análogo, é informada de que verá o
seu nome retificado no registo civil austríaco. Em causa está a proibição que a
constituição da Áustria faz à utilização de títulos nobiliárquicos, invocando-se
razões de ordem pública atinentes ao princípio republicano que orienta o regime
político austríaco, tratando-se, pois, de saber se deve o direito comunitário
respeitar a identidade nacional do Estado. Por seu turno, a cidadã alega que vê
posto em causa o seu direito de livre circulação e de livre prestação de serviços. A
decisão do TJ vai no sentido de considerar que o direito da UE «não se opõe a que as
autoridades de um Estado‑Membro possam recusar reconhecer o apelido de um
nacional desse Estado quando este apelido engloba um título nobiliárquico que não
é admitido no primeiro Estado‑Membro por força do seu direito constitucional.».

 Princípio da cooperação leal no cumprimento das missões do Tratado – artigo


4.º/3 TUE; artigo 197.º TFUE; artigo 291.º/1 TFUE
o Princípio da fidelidade federal – inspira-se diretamente numa disposição
similar existente na Constituição alemã. Significa que há um dever de
lealdade, colaboração e desenvolvimento das competências recíprocas.
o O art. 4.º foi modificado para lhe dar uma segunda dimensão que não
estava especificamente prevista, que agora é o art. 4.º/3 do TFUE.
o Este princípio fora densificado pelo tribunal através da jurisprudência.
Surge, normalmente, associado ao princípio do primado, que é uma
decorrência lógica do princípio da cooperação leal. Os Estados têm
obrigação de adotar todas as medidas indispensáveis para garantir o
cumprimento das normas do Tratado, do Direito da UE. Implica abstenção,
quando afete objetivamente a realização dos objetivos do Tratado; implica
adoção e aplicação das normas do Tratado.
o Nesta relação de obrigação vertical-ascendente dos Estados para a EU
(art. 291.º) há uma competência que é, simultaneamente um dever e um
direito. Perante a adoção de um ato legislativo da UE - regulamento - que

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necessite de atos regulamentares, de natureza normativa, à luz do art.


291.º/1, tal é da competência dos Estados.
o Existe uma ideia de comunhão de interesses que fundamenta os vínculos
de solidariedade da União e os seus EM e vice-versa, assim como entre os
EM entre si. Este princípio é a manifestação da coesão e da comunhão
entre os Estados e os povos da Europa.
o A UE e os EM respeitam-se e assistem-se mutuamente no cumprimento
das missões decorrentes dos Tratados, comprometendo-se os EM a adotar
todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução
das obrigações decorrentes dos Tratados ou dos atos das instituições da
União, bem como facilitar à União o cumprimento dos objetivos
constantes dos Tratados e abster-se de adotar quaisquer medidas que
ponham em causa esses objetivos.
o Este princípio tem dois conteúdos — um conteúdo positivo, na medida
em que os Estados devem tomar as medidas necessárias ao cumprimento
da missão da União; e um conteúdo negativo, pois devem-se abster de
praticar atos que ponham em perigo a aplicação dos Tratados.
o Art. 197.º - não estava inicialmente previsto no art. 4.º. A UE está
vinculada a um princípio de lealdade para com os Estados, oferecendo
meios de apoio para que estes possam desempenhar a sua função na
efetivação do Direito da UE; “A União pode apoiar os esforços dos Estados
membros para melhorar a sua capacidade administrativa…”.
 Refere uma obrigação para as instituições de cooperarem em sede
administrativa com as administrações dos EM, dando apoio e
formação. No processo de pré-adesão, uma das mais importantes
dimensões é o apoio à formação das administrações dos EM,
mantendo-se ao longo do tempo com programas específicos.
o Máquina de Bruxelas - a burocracia de Bruxelas tem desde funcionários a
agentes destacados pelos Estados, contando com a Administração Central
e toda a panóplia de agências independentes – falamos de cerca de 30000
pessoas. A dimensão é absolutamente insignificante para as competências
de que estamos a falar, que têm de ter alcance em todo o território. Entendeu-
se que deveria ser descentralizada. Tem vindo a crescer, mas
essencialmente depende dos Estados – simultaneamente administração
Pública Europeia e dos Estados.

 Princípio da solidariedade entre os povos e os EM - § Preâmbulo TUE; art. 24.º,


n.º 2 e 3 TUE (PESC); em especial, a cláusula de solidariedade do art. 222.º TFUE;
Decisão 2014/415, do Conselho, de 24/6/2014 (execução do art. 222.º); o Fundo
Europeu de Solidariedade (Reg. nº 2012/2002, do Conselho);
o Ac. do TG de 20/9/2012, P. T-339/09
o Em 1950, Schuman falava da construção de uma solidariedade. Princípio
que estava presente no desígnio político de cooperação e aproximação, de
criação de uma identidade comum entre os povos europeus, feito de forma
progressiva e pragmática através da integração dos setores, sobretudo
económicos. Depois vem a encontrar alguma previsão mais especial em
alguns domínios em particular, como no âmbito

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da PESC – realidade ambígua; política de cooperação entre os Estados no


âmbito da UE, sendo que pressupõe uma solidariedade entre os Estados e
a União dos Estados face aos desafios ou ameaças que se colocam na esfera
externa. Nada que seja semelhante a uma espécie de cláusula de segurança
coletiva, que implique que, perante a ameaça do Estado, todos os outros
Estados da UE tenham a obrigação de reagir e adotar medidas para
combates ou prevenir essa ameaça; não é nada semelhante ao previsto no
artigo 5.º da NATO onde encontramos cláusulas de defesa coletiva, que
explicitam que, quando se ataca um dos EM, ataca-se todos.
o Neste momento, o que temos de mais concreto que possa consubstanciar
com o princípio da solidariedade? O que está previsto no art. 222.º,
referente a ameaças e perigos que enfrentem os Estados. Podem ser perigos
com uma causa urbana, causa natural, terrorismo.
o Fundo europeu de solidariedade – fundo financeiro que pode ser
acionado pela Comissão Europeia, a pedido dos Estados, de modo a
mitigar os riscos das catástrofes naturais ou pedidos de reação a ameaças
humanas. Esta dimensão de solidariedade é uma dimensão muito ténue,
que em nada se aproxima daquilo que é comum em qualquer Estado
federal de solidariedade entre os Estados Federados, que se concentra na
distribuição financeira entre os Estados Membros mais ricos e os mais
pobres.

 Princípio da coesão económica, social e territorial (§ 8 e 9 do Preâmbulo TUE;


art. 3.º/3 TUE; § 2, 3, 5 do Preâmbulo TFUE; art. 27.º TFUE; Tít. XVIII – arts.
174.º - 178.º TFUE)
o Política partilhada complementar (arts. 174.º - 175.º TFUE), desenvolvida
sobretudo através do apoio financeiro estrutural (FEOGA – Orientação;
FSE, FEDER – art. 175.º TFUE); em especial o Fundo de Coesão para o
ambiente e redes transeuropeias (art. 177.º, § 2 TFUE).
o Linhas de ação – apoio ao desenvolvimento e ajustamento estrutural de
regiões menos desenvolvidas; apoio à reconversão das regiões em
declínio.
o Fundos
 FSE: mais antigo – existia já na CECA e tem como objetivo apoiar
a reconversão dos trabalhadores, para que em condições de maior
crise tenham capacidade de se adaptarem;
 FEDER: missão específica de apoiar projetos para que possam ter
uma incidência estrutural;
 O FEOGA e os apoios à agricultura durante muito tempo levavam
metade do orçamento da União Europeia – hoje em dia, 25%;
 Fundos de Coesão – para todos os aspetos em particular, apoio a
iniciativas e projetos que tenham uma incidência positiva no
ambiente; as redes transeuropeias, sejam as físicas, sejam as de
energia. Não tem havido grande desenvolvimento aí.

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o Política partilhada complementar de apoio às regiões mais desfavorecidas


e atrasadas.

 Princípio da subsidiariedade - Art. 1.º, § 2 TUE ("decisões ... ao nível mais


próximo possível dos cidadãos"); art. 5.º/3 TUE; Protocolo relativo aos
princípios da subsidiariedade e proporcionalidade – o âmbito limitado de
aplicação do princípio jurídico – exercício das competências partilhadas (5.º/3
TUE)
o As decisões devem ser tomadas ao nível mais próximo possível dos
cidadãos, junto da realidade na qual vão incidir. Desse pressuposto
conclui-se que o nível mais próximo serão os Estados – estão mais
próximos da realidade territorial; tal tem uma dimensão de reconhecimento
também das competências regionais e locais.
o Foi introduzido no Ato Único Europeu no âmbito da política ambiental.
o Tratado de Maastricht – foi introduzido como uma competência genérica
por exigência alemã, fruto das exigências dos landers alemães.
Diretamente, além desta inspiração democrata e cristã, é um princípio
modelado pelo princípio do sistema constitucional alemão. Foi um
tratado difícil – foi a subsidiariedade que “o salvou”, estando presente no
artigo que reuniu mais consenso. Porquê? Porque tanto os federalistas
como os eurocéticos se reviam nele. É um princípio federal, mas faz
prevalecer a soberania dos eurocéticos.
o O duplo requisito (a insuficiência dos EM; o valor acrescentado da
intervenção da União); fundamentos e critérios de aferição (a dimensão ou
os efeitos).
o A procedimentalização do princípio com a Declaração interinstitucional
de 1993; o art. 2.º do Protocolo (consultas - subsidiariedade integrativa); a
"ficha de impacto" (art. 5.º do Protocolo).
o Do controlo estritamente judicial ao duplo controlo (político e judicial - TJ
e tribunais nacionais).
o O controlo político preventivo dos parlamentos nacionais (arts. 6.º e 7.º do
Protocolo).
o O controlo judicial do TJ (art. 8.º do Protocolo); a legitimidade processual
ativa dos EM "em nome do seu Parlamento" (§ 1); a legitimidade
processual ativa do Comité das Regiões (§ 2)
o Este é um princípio diretamente inspirado na realidade alemã, com uma
longa história política que remonta à doutrina social da Igreja do século
XIX, orientações filosóficas que nos reconduzem para aquilo que é o
personalismo cristão, com uma influência muito notória no quadro das
formações políticas europeias, particularmente da democracia de centro-
direita.
o Este princípio incide sobre o exercício das atribuições repartidas pela
União e os respetivos EM, devendo estar previamente definida a sua
atribuição. Deve ser enquadrado no movimento de constitucionalização da
União, através do qual se dá uma maior participação dos cidadãos no
processo de integração europeia. Visa, essencialmente, aproximar a
decisão o mais possível dos cidadãos.

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o Prevê que, nos domínios que não sejam da sua competência exclusiva, a
União intervém apenas se e na medida em que os objetivos da ação
encarada não possam ser suficientemente alcançados pelos EM, tanto ao
nível central como ao nível regional ou local, devido às dimensões ou
efeitos da ação considerada serem mais bem alcançados ao nível da União.
o A aplicação deste princípio pressupunha uma prévia definição da
repartição de atribuições entre as Comunidades e os EM. Após o
apuramento prévio do caráter exclusivo ou concorrente de determinada
atribuição, os órgãos comunitários competentes antes de atuarem tinham a
obrigação de averiguar se a ação que pretendiam levar a cabo preenchia o
critério de suficiência dos Estados, pelo qual se averiguava se os objetivos
da ação encarada não podem ser suficientemente realizados pelos Estados
e o critério da maior eficácia da Comunidade, de acordo com a qual se
apreciava se os objetivos da ação encarada, devido à sua dimensão ou aos
seus efeitos, não podiam ser melhor alcançados pela Comunidade.
o Preservação da autonomia e liberdade das pessoas, que a intervenção
pública deve fazer subsidiariamente, quando se exige uma intervenção
pública na autonomia das pessoas. As intervenções das autoridades do
Estado devem intervir quando necessário para garantir objetivos
essenciais. Ex: preservação da autonomia familiar.
o As decisões devem ser tomadas ao nível mais próximo dos cidadãos, da
realidade em que incide. Aponta para uma prevalência do Estado, mas
também, dentro do Estado, do que são as esferas de poder mais próximas
— regiões e poder local. Orientando, apesar de salvaguardar a autonomia
dos Estados na sua organização política interna, mas fazendo a referência
à salvaguarda da autonomia regional e local no interior do próprio Estado.
o Âmbito de aplicação — competências não exclusivas (art. 3.º, n. º1 TFUE)
— não é aplicável o princípio da subsidiariedade.
o Diz respeito ao exercício das suas competências. Princípio de exercício de
competências, e não um princípio de divisão do exercício de competências.
Quando tendo ela competência, deve a UE agir, exercer essa competência.

Critérios:

- Negativo Art. 5.º/3 TUE

- Positivo

No âmbito do exercício, este princípio apenas tem relevo no âmbito das competências
não exclusivas. São competências partilhadas pela União e os Estados.
Quem deve intervir em cada momento? O princípio da subsidiariedade dá-nos os critérios
que vão presidir.

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Em domínios como, por exemplo, a política comercial externa, a união aduaneira ou a


política monetária, a gestão dos recursos do mar, estamos a falar de competências
exclusivas da UE. As medidas adotadas não podem ser avaliadas, aferidas na sua validade
à luz do princípio da subsidiariedade.

Critérios:
 Negativo: insuficiência dos Estados para alcançar o objetivo que aquela
atribuição/competência determina. Os Estados, por razões diversas, não serão
capazes de dar resposta normativa necessária para alcançar o objetivo que se
pretende promover ou salvaguardar os interesses necessários.
 Positivo: é necessário que se revele uma efetiva mais-valia da intervenção da UE.
A UE não dispõe de meios, o tipo de ação transcende a própria esfera de
intervenção da UE.

Indícios que permitem concluir que a ação não será suficientemente alcançada pelos
Estados, e será alcançada positivamente pela UE — art. 5.º/3:
 A natureza dos efeitos que a ação da UE pode ter e a dimensão da ação que é
necessária. Ex: em matéria ambiental, ainda que os problemas possam ser locais,
o alcance dos efeitos desses problemas locais é muitas vezes transfronteiriço. Só
com respostas que ultrapassem essas fronteiras, com uma resposta global da UE,
é que se pode, efetivamente, garantir o alcance dos objetivos.
 Quando se fala das questões em torno da UBER, uma das alegações da mesma,
quando encontra resistências à prestação dos seus serviços, foi que há, nessas
medidas estaduais, uma afetação da liberdade de prestação de serviços no mercado
interno. Qualquer medida que seja tomada ao nível do Estado pode afetar a livre
prestação de serviços. Não obstante, os Estados têm regras diferentes, pelo que a
solução passará por uma regulação a nível comum.

Controlo do princípio da subsidiariedade:


 Este princípio foi algo positivamente aceite por todos.
 Terá que se provar que, não só os Estados são insuficientes, como a UE poderá
apresentar alguma mais-valia na prossecução dos objetivos, comprovando que os
Estados não podem agir suficientemente.
 Está sujeita ao controlo comum do Tribunal: art. 19.º TUE + art. 263.º TFUE
(prevê o controlo da legalidade dos atos da UE). Um ato adotado pelo Conselho
que viole o princípio da subsidiariedade, adotado desrespeitando aqueles
requisitos, será invalidado pelo TJ ao abrigo do último artigo.
 Princípio de eficiência — o Direito não tem uma lógica de eficiência, pelo que
não cabe aos tribunais julgar a eficiência político-económica.

Subsidiariedade integrativa: trazer para o interior do processo de decisão os contributos


que permitam garantir que as medidas são as mais adequadas à realidade, trazer os

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interesses em jogo, podendo, dessa forma, modelar as decisões de modo a que


correspondam de modo mais efetivo às necessidades dos verdadeiros destinatários e
afetados. Perceber a realidade, de modo a que as decisões possam acautelar essa mesma
realidade, que passa pela procedimentalização da garantia de que as medidas são
adequadas à realidade.

Tratado de Lisboa: introduziu, para além do controlo judicial (art. 263.º), o controlo
político a exercer pelos Parlamentos nacionais, regulado no protocolo anexo ao Tratado,
A melhor forma de fazer o controlo é fazer intervir aquelas instituições que são os
representantes legítimos dos povos europeus e das democracias nacionais, que são os
Parlamentos.

Natureza — exercício de competências

Controlo:
 Judicial (art. 19.º, n.º 1 TUE / 263.p (267.º TFUE)
 Político - Protocolo - Parlamentos nacionais.

 Que características têm estes princípios? Tendo valor jurídico todos eles – todos
encontram uma base no Tratado, substantivamente do ponto de vista do seu
alcance têm uma incidência política e não somente jurídica.

 Identidade Constitucional – âmbito jurídico e político (prevenção da própria


soberania do Estado). Duplo alcance.
 Quando falamos de identidade constitucional, falamos de um princípio
com alcance jurídico e político, com a prevenção da própria natureza e
soberania dos Estados. Tendo um alcance político, tal condiciona o alcance
jurídico.

Cidadania, Democracia, não discriminação e livre circulação de pessoas


 Instituto da cidadania da UE – Preâmbulo TUE; Artigo 9.º TUE; Artigos 20.º a
23.º TFUE; Artigos 39.º a 46.º CDF
§ o reforço do estatuto de “cidadão da União” pelo TJ (do caso “Grzelczic” ao
caso “Rottman”, em especial os casos “Garcia-Avello”, “Ruiz Zambrano” e “Zhu
and Chen”). Em curso, o processo C-221/17 (Conclusões do AG)
Uma das críticas mais frequentemente dirigida à integração europeia prendia-se
com o seu afastamento do cidadão europeu, pelo que se afigurou essencial corrigir esta
situação, através da criação da cidadania da União e da consagração expressa da proteção
dos direitos fundamentais.

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o Importância e relevo que tem este instituto. Foi criado pelo Tratado de Maastricht.
É um instituto simultaneamente com a criação da UE, agregando as comunidades
pré-existentes.
o O seu regime fundamental foi previsto no TFUE, inserindo-se na não
discriminação (princípio coevo com o início da UE, a não discriminação em
função da nacionalidade e não discriminação do género em matéria de trabalho;
tem toda uma história, um funcionamento que não é inteiramente coincidente com
a cidadania da União) e cidadania da União.
o De acordo com o artigo 9.º, a cidadania da União é concedida a todos os
nacionais dos EM. É uma cidadania derivada, não originária, cujos
pressupostos e requisitos são definidos pelo DUE, embora tivesse havido ao longo
do tempo propostas nesse sentido. É conseguida por toda e qualquer pessoa que
residisse legalmente na UE por um período mínimo – 5 anos. Ao fim de 5 anos,
qualquer pessoa, mesmo proveniente de um Estado terceiro e não tendo
nacionalidade de um EM, adquiria a cidadania da União, fruto dessa residência
permanente e contribuição para a própria comunidade local. É uma cidadania
derivada da nacionalidade dos Estados.
Esta atribuição é uma competência própria dos Estados, definindo-a com inteira
autonomia. É uma competência que integra os princípios fundamentais da identidade
constitucional dos Estados. Há modelos distintos da atribuição da cidadania e da
nacionalidade – ius soli (lugar de nascimento); ius sanguini (ascendência de alguém que
tem essa mesma nacionalidade). É sempre uma competência dos Estados, que influencia
a cidadania da União.
É uma cidadania secundária. Ela de modo algum substitui a cidadania nacional.
Há uma secundarização desta cidadania que lhe dá um lugar inferior do ponto de vista do
estatuto fundamental para as pessoas, sendo que não se impõe nem se sobrepõe à
cidadania nacional. Previu-se um conjunto de direitos associados à titularidade dessa
cidadania. No entanto, eram novos direitos, antes conseguidos pelo menos uma das suas
dimensões, pelas liberdades do mercado comum após o mercado interno, e estavam
contemplados em atos de direito derivado (diretivas). Elevam-se estes direitos já
consagrados ao nível do direito secundário para o estatuto da cidadania da União
previsto no Tratado.

Críticas:
Era uma cidadania de direitos, sem ter como outra face aquilo que normalmente
se intui aos cidadãos dos Estados, o que é uma identidade, lealdade para com o
ente político (no caso nacional é o Estado), que confere e reconhece esse estatuto
de cidadania. Relativamente à cidadania dos Estados, testamos se aquela pessoa
tem uma ligação com o concreto Estado e sociedade, por exemplo. Quando
estrangeiros pretendem obter uma naturalização, são muitas vezes sujeitos a um
conjunto de testes que vão comprovar que aquela pessoa está integrada na
sociedade e partilha de valores e princípios fundamentais da sociedade em
questão, falando a sua língua e conhecendo a sua história. A atribuição da
cidadania da UE é automática, não pressupõe qualquer tipo de conhecimento
sobre ou adesão ao projeto europeu.
35
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 Artigo 21.º - Direito a circular livremente e a permanecer no território de


qualquer EM que não seja o seu Estado nacional; direito à livre circulação e
permanência. Exerce-se nas condições previstas pelo DUE: o direito à livre
circulação já era um direito anterior à cidadania da UE, para trabalhar, prestar e
beneficiar de serviços. É um direito exercido de acordo com as regras respeitantes
à livre circulação de trabalhadores e de prestação de serviços — esta prerrogativa
da cidadania é mais do que isso, é um direito a circular como pessoa, e não
estritamente como agente económico. Havia outras categorias de pessoas
protegidas por esta prerrogativa: estudantes ou alguém que fosse frequentar cursos
de formação profissional (direito de residir num Estado Membro durante o período
de formação). A condição é que tenham meios próprios de subsistência e
disponham de proteção na doença que não os torne um encargo para os sistemas
de apoio social do país de residência. A exigência de meios de subsistência pode
ser feita à chegada, mas não depois de ter sido concedida residência num dado
país. A partir daí, não pode haver discriminação. Ex: bolsa.

 A capacidade eleitoral passiva e ativa para as autarquias locais. Isto não era
algo inteiramente revolucionário. Sujeito a regras definidas pelo direito derivado
da UE. Em alguns Estados, como a França e o Luxemburgo, há alguns
condicionamentos. Tem a ver com a organização político-administrativa francesa
e a dimensão elevada de comunidades migratórias no Luxemburgo. Este direito, a
capacidade eleitoral, quer ativa quer passiva, é apenas para as autarquias locais, e
não para os órgãos de soberania (poder legislativo do Estado). A outra dimensão é
especificamente europeia. É um direito semelhante, a exercer não pelo estado de
nacionalidade, mas pelo estado de residência, nas eleições para o Parlamento
Europeu, pelo que o cidadão da UE pode votar e ser candidato nas eleições para a
UE, dado o Estado em que reside (e não o Estado de nacionalidade). Permite dar
mais substância à legitimidade democrática do Parlamento Europeu pelos
cidadãos da União.

 Direito à proteção diplomática em Estados terceiros, a ser realizada por qualquer


EM, que não o Estado de nacionalidade. É frequente os Estados terem acordos de
proteção diplomática entre si. Passa a ser um direito conferido pelo próprio DUE.
Na prática, tem de haver um qualquer tipo de acordo a estabelecer em que medida
isto se vai realizar. Permite racionalizar a rede de relações diplomáticas e
consulares que existem no mundo fora, limitando-as e diminuindo-as.

 Direito de petição ao Parlamento Europeu, ou de queixa ao Provedor de


Justiça Europeu. Embora associados ao estatuto da cidadania, não são direitos
estritamente de cidadãos da UE, mas de qualquer pessoa que tenha residência ou
sede (pessoa coletiva) na UE, que podem dirigir-se ao Provedor de Justiça da UE
relativamente à ação e práticas das instituições da União. Este não é um direito
concedido apenas aos cidadãos da UE, possuindo um âmbito de atribuição mais
vasto.

36
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 O estatuto da nacionalidade é uma competência reservada aos próprios EM, na


qual a UE não pode interferir e estabelecer condições. Os Estados conferem o
estatuto de nacional a quem entenderem, de acordo com os seus critérios,
atendendo ao DUE. O tribunal veio dizer que é algo que os Estados têm que
ponderar quando aplicam regras respeitantes ao estatuto da nacionalidade. Quando
os Estados atribuem ou retiram a nacionalidade, devem ponderar os efeitos na
cidadania da União.

1. Caso “ROTTMAN”
O senhor era austríaco e solicita a nacionalidade alemã, sendo-lhe a mesma
concedida. Veio-se a detetar que ele não preenchia os requisitos impostos
pela lei alemã, obtendo a cidadania de modo fraudulento. A Alemanha
pretendia retirar-lhe a cidadania que lhe dera. Na Áustria, não se previa a
possibilidade de dupla nacionalidade: quando alguém requer/obtém uma
outra nacionalidade, automaticamente perdia a nacionalidade austríaca, o
que aconteceu. As autoridades alemãs, quando pretendem retirar a
nacionalidade alemã, podem estar a originar uma situação de apatridia. O
senhor alega que, fruto da cidadania da União, ele estava, por força da
eventual perda da cidadania nacional, a perder o estatuto de cidadania da
União. O TJ proclama: as autoridades nacionais e o tribunal a nível interno
devem ponderar essa consequência para aferir da validade e da medida em
que seja possível a retirada da nacionalidade obtida fraudulosamente. Este
efeito pode ser violador de princípios fundamentais ou até
desproporcionado.

2. Caso Holandês
Perda de nacionalidade por não residência ou não permanência no
território holandês por mais de 10 anos. Quando não haja uma conexão
qualquer com o território da Holanda, prevê-se a perda da nacionalidade.

3. Caso “zhu and Chen” – cidadania da EU


Problemas do DUE. O DUE, fruto da sua própria natureza e da necessidade
de articulação com as entidades nacionais, alcança avanços que vão sendo
feitos em termos parciais e muitas vezes cujo alcance é definido pelo TJ,
e não por regras legais. Um dos grandes problemas são as lacunas e
contradições, espaços mal definidos e que obviamente podem ser muito
negativos, porque se traduzem numa tutela incompleta e limitada, podendo
propiciar aproveitamentos oportunistas desse regime. Pode resultar um
oportunismo por parte de determinadas pessoas, mas, mesmo assim, não
se pode dizer que estamos perante um abuso de direito.
Um casal chinês para fugir à política do filho único que vigorava à época,
emigra para a Europa com o objetivo de ter mais do que um filho, vindo
para o Reino Unido, como turistas, mas com a intenção de permanecer. A
senhora engravida e, quando vai ter a criança, vai tê-la à Irlanda do Norte,
beneficiando da lei de nacionalidade irlandesa à época, que conferia
nacionalidade irlandesa a todas as pessoas que nascessem na ilha da
Irlanda (ius soli), automaticamente torna-se cidadã da União, beneficiando
37
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dos direitos deste estatuto. Com o usufruto das prerrogativas do estatuto


de cidadão da UE, pode escolher o local de residência em qualquer EM da
União. Regressam ao Reino Unido e requerem a residência do Reino
Unido, mas também dos pais, ao abrigo do reagrupamento familiar,
invocando que a criança precisa do apoio dos pais. Terá, ao abrigo do
direito do reagrupamento familiar, direito a chamar os pais quando, na
verdade, não tem meios de subsistência própria? Há um abuso de direito
por parte dos pais. Os tribunais britânicos admitem que não é um abuso de
direito porque é fazer uso das prerrogativas previstas, pois a finalidade era
obter a cidadania, acompanhada de alguma capacidade para fazer uma
escolha seletiva, mas tal não é necessariamente censurável. Por outro lado,
a questão era a circulação potencial - não há uma circulação atual, mas um
direito de circulação que, se não se admitisse o reagrupamento familiar,
não poderia ter lugar de maneira alguma. O tribunal vai fazer algum
contorcionismo das regras para alcançar um resultado favorável à criança.
Esta é uma questão respeitante à proteção da unidade da família.
Imaginemos a situação em que ou alguém já circulou entre dois Estados
para realizar um trabalho ou no exercício dos direitos da cidadania, ou,
potencialmente, pode circular. O Tribunal admite que pode haver uma
afetação da circulação potencial, que a criança não exerce ou não pode
exercer se não tiver a presença dos pais. Esta é uma tutela que dá garantias
e confere direitos aos cidadãos móveis que, por razões várias, circulam no
espaço europeu, deixando desprotegidos aqueles que estão fixos e em
relação aos quais não se pode falar da afetação do seu direito de livre
circulação.
Se o Estado pode continuar a impor a suas regras aos seus nacionais, não as poderá impor
aos nacionais dos outros EM. Está em causa o princípio do reconhecimento do direito
dos outros EM, pelo que um Estado não pode impor as suas regras nacionais de um modo
rígido.
Na ausência de harmonização legislativa, as medidas são uma competência do Estado,
cabendo aos estados regulá-las.

 Princípio Democrático - Preâmbulo TUE; Artigo 2.º TUE; Artigo 9.º TUE
(“igualdade dos cidadãos”); Artigo 10.º TUE (“Democracia representativa”);
Artigo 11.º TUE (“Democracia Participativa” – a “Iniciativa de cidadania”;
Artigo 12.º (Parlamentos nacionais); Artigo 14.º TUE (Parlamento Europeu);
Artigo 24.º TFUE; Artigos 39.º e 40.º CDF; Protocolo relativo ao papel dos
parlamentos nacionais na União Europeia
o Artigo 9.º TUE: — igualdade entre os cidadãos, na medida em que todos
são iguais perante a lei e participam de modo igual nas competências da
UE.
o O valor da democracia faz igualmente parte das tradições constitucionais
comuns dos Estados-Membros, tendo sido afirmado pelas Comunidades muito
antes de constar do articulado dos Tratados.

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Faculdade de Direito da Universidade do Porto

o A democracia pressupõe a ideia de governo do povo, pelo povo e para o povo,


o que implica que a legitimidade do poder está sujeita à prossecução de
determinados fins e à realização de certos valores e princípios, dos quais se
destacam a soberania popular, a garantia dos direitos fundamentais, o
pluralismo de opinião e a organização democrática do poder político. A
democracia pressupõe, portanto, uma sociedade aberta e ativa.
o A eleição do Parlamento por sufrágio direto e universal vem aumentar a
democratização da União e aumentar a proximidade do cidadão à mesma.
o O próprio Tratado reconhece, através do art. 12.º e em dois protocolos, o
papel dos Parlamentos nacionais. No respeito do princípio da
subsidiariedade há um quadro político das propostas legislativas exercido
pelos Parlamentos nacionais, que irão dar um parecer sobre esta proposta à
luz do respeito pelo princípio da subsidiariedade, dando a sua opinião
sobre a compatibilidade das medidas propostas. Ao nível central, o
Parlamento é colegislador, ao lado do Conselho. Esta prática de consultar e
abrir à consulta pública, aos cidadãos e entidades que queiram participar e
também a algumas pessoas que são diretamente convocadas pela Comissão a
participar na elaboração das propostas e iniciativas legislativas, nos dias de
hoje, encontra-se plasmada no quadro do princípio da subsidiariedade. A
Comissão tem obrigação de, quando elabora as suas iniciativas, ouvir a
sociedade civil e colocar à sua disposição as informações e alternativas para
que se possa tomar uma orientação sobre essa matéria.

NOTA:
 Livro verde — a Comissão vai analisar uma determinada questão para encontrar
quais os problemas, interesses, objetivos e o que há de relevante e necessita de
intervenção. São colocados à consulta pública, que pode não ser aberta a todas as
pessoas, mas apenas a entidades relevantes da sociedade civil. É elaborado sobre
a forma de perguntas diretas; é perguntado quais as questões consideradas
relevantes e a resposta dada às mesmas.
 Livros brancos — conclusões que resultam da análise do livro verde, podem ser
as conclusões regulatórias. São objeto de discussão pública, permitindo a
pronúncia sobre elas. Daqui resultará a proposta da Comissão, com a escolha de
uma das alternativas do livro branco, prevalece uma opção. A proposta será
fundamentada de acordo com a análise que tiver sido feita.

o O papel do Tribunal de Justiça foi decisivo no reforço do estatuto e das


prerrogativas do Parlamento Europeu. Nos dias de hoje, isto já está
formalizado no Tratado, mas não estava no início, cabendo ao tribunal fazê-lo.
Construiu-se, sem uma base no Tratado, um reforço da democracia, com a relação
conjunta de três instituições: o Parlamento europeu, eleito por sufrágio direto
universal, procurando empurrar os Estados para avanços que o tratado não visava;
o Tribunal de Justiça; o Conselho Europeu.

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Faculdade de Direito da Universidade do Porto

o O Parlamento Europeu tinha uma função consultiva. As deliberações eram


propostas pela Comissão e o Conselho decidia-as, pelo que o PE não tinha
legitimidade processual. Não a tinha nem passiva, nem ativa; nem o tribunal podia
impugnar, nem podiam atos seus ser impugnados no TJ. O PE não decidia naquilo
que eram as deliberações de natureza legislativa e regulamentar com efeito
externo, mas decidia no quadro da sua própria organização interna; decidia em
questões respeitantes ao financiamento das candidaturas às eleições para o PE.

Dos acórdãos “VERDES/PE” e “PE/CONSELHO” ao Tratado de Lisboa


O Partido “Verdes” entende que a repartição do dinheiro nas eleições para o PE
não fora feita devidamente, padecendo de vícios que o prejudicavam. Pretendeu impugnar
a decisão do PE que fez essa distribuição do dinheiro em sede de eleições, em 1984.
Interpõe um recurso da decisão do PE junto do Tribunal de Justiça. O Tratado não previa
que o PE fosse objeto de um processo no Tribunal. O TJ veio a entender que, apesar de
não previsto no mercado, tinha que se admitir que decisões do PE que afetem terceiros
tinham de poder ser objeto de uma apreciação judicial, uma vez que isso integra o
princípio geral de Direito. O Tribunal diz que, no caso do Tratado da Comunidade
Europeia, é uma carta constitucional das comunidades, e, como tal, eles são a base
normativa de uma comunidade de direito. Esta comunidade é aquilo que conhecemos
como o Estado de Direito. Nas comunidades temos um sistema jurídico onde prevalece a
Rule of Law, as comunidades são um Estado de Direito, no qual os atos jurídicos que
modificam a esfera jurídica de alguém não podem estar isentos de controlo judicial. O
princípio do controlo judicial é o princípio geral de qualquer Estado de Direito. O facto
de o Tratado não o prever, não significa que tal possa ficar à margem do TJ. O PE pode
ser escrutinado junto do TJ, conferindo-se um estatuto semelhante àquele que tinha a
Comissão e o Conselho, sendo uma instituição de pleno Direito. Isto foi um reforço dos
poderes do PE.
Tinha sido reconhecido pelo Tribunal que o PE podia ser acionado, mas não havia
decisão que reconhecesse ao Parlamento a prerrogativa de acionar as outras instituições
em virtude de uma decisão que tivesse votado. Apesar de não estar previsto que o PE
podia interpor recursos de anulação de um ato, o TJ vem a reconhecer que sim, porque as
prerrogativas do PE, nomeadamente em sede de participação no processo decisório,
estavam em jogo. Reforço do lugar do PE no quadro da integração europeia, que tem
um lugar quase paritário com o Conselho.
 Iniciativa de cidadania - Regulamento (UE) n.º 211/2011 do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, sobre a iniciativa de cidadania (versão
consolidada de 28/7/2015);

 Não discriminação - Artigo 2.º TUE; Artigo 10.º TFUE (as múltiplas dimensões e
transversalidade); Artigo 18.º TFUE (nacionalidade); Artigo 19.º TFUE; Artigo
21.º CDF; Diretiva 2000/43 (raça, etnia); Diretiva 2000/78 (Religião, idade,
orientação sexual, deficiência no trabalho); Diretiva 2006/54 (género no
trabalho); Diretiva 2004/113 (género no acesso e oferta de bens e serviços)

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o Antes de mais, é importante saber que este princípio deriva do valor de


igualdade, também proclamado pelos Tratados, e que se desdobra
essencialmente na proibição da discriminação em função da nacionalidade e
na igualdade remunatória entre homens e mulheres.
o ARTIGO 10.º TFUE – alteração introduzida no Tratado de Amesterdão – A
União tem por objetivo combater a discriminação em razão de sexo, raça,
origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual.
o Quando as competências são partilhadas, a UE só intervém
subsidiariamente. O alcance que tem pode não ser uniformizador,
acarretando a manutenção de políticas internas que acabam por condicionar os
nacionais. Os Estados podem continuar a manter o seu regime regulatório em
relação aos seus nacionais. Esta orientação política liberal tende para a
desregulação, porque, tendencialmente, os Estados reduzem as exigências
regulatórias, de modo a que os nacionais não sejam colocados em situações
desfavoráveis.
o ARTIGO 18º TFUE – não pode haver discriminação assente na
nacionalidade. O mercado comum leva consigo uma proibição da
discriminação assente na nacionalidade.
o A União pretende unificar todas estas dimensões de discriminação; são
diretivas com um alcance limitado. Ex: a diretiva que estabelece um quadro
relativo à discriminação assente na religião, mas apenas aplicável no âmbito
do trabalho, das relações laborais. É necessário garantir que no acesso ao
trabalho, aquelas situações não são uma causa de tratamento discriminatório,
mas não tem um alcance geral, incidindo num domínio em particular.
o A nível nacional, há alguma proteção desta matéria.

 Livre circulação e permanência - Artigo 20.º TFUE; Artigo 45.º CDF; Diretiva
2004/38 (caso “Jipa”, caso “Carpenter”; caso “Rendon Marin”; caso “Chavez-
Vilchez”; caso “Coman”)
o Princípio associado à cidadania, mas que aparece autonomizado na
CARTA DOS DFS, sobretudo porque é um princípio que tem uma
dimensão múltipla com alguma autonomia: domínio da livre circulação
associada a uma atividade económica, seja uma atividade laboral subordinada,
seja na prestação de serviços como atividade autónoma; ganhou uma
amplitude que é o direito de circular livremente sem qualquer base e
fundamento económico, sem qualquer justificação associada às outras
liberdades. É transversal, abrange todos os domínios.
o Caso que envolve um nacional contra o Estado búlgaro, que o impede de sair
do seu território quando ele pretende circular para a Bélgica. Razões
invocadas: a Bulgária, antes de aderir à UE, tinha celebrado com a Bélgica um
acordo comprometendo-se a garantir que nacionais seus que tivessem sido
expulsos da Bélgica por razões resultantes da prática de atos criminosos, por
razões de segurança e ordem pública, seriam impedidos, pelas autoridades
búlgaras, de retornar ao território belga onde pudessem continuar atividades
de índole criminosa. A Bulgária adere à UE, mas as suas autoridades impedem

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o sujeito de sair e invocam o acordo com a Bélgica, assim como razões de


segurança pública para impedir e colocar uma restrição à saída. Aquilo que a
diretiva prevê de possibilidade de restrições assentes na segurança pública não
existia, apenas existia o que estava previsto na livre circulação de
trabalhadores. Pode um Estado impedir os seus nacionais de sair do seu
território? O direito à livre circulação abrange todas as dimensões. Há uma
dimensão que é o direito de sair do território do seu Estado, pelo que o Estado
não pode colocar restrições à saída ou entrada de nacionais seus.
o Caso “Coman” — com a Roménia. Um cidadão romeno casou com um
cidadão norte-americano, de um Estado terceiro. Quando regressa à Roménia,
invoca o reagrupamento familiar, que confere aos nacionais de qualquer EM,
quando exercem a sua livre circulação, poderem chamar os seus familiares de
residir no seu EM. Ele é nacional do Estado para onde pretende que o
reagrupamento tenha lugar. Até que ponto é obrigada a Roménia a reconhecer
uma família formada de acordo com o direito de outro Estado? Sim, a Roménia
tem obrigação de reconhecer essa família. Temos um princípio de
reconhecimento mútuo. Quando falávamos de identidade constitucional,
podemos equacionar que, para um certo Estado, a noção de família seja a de
família tradicional e não a constituição de família por pessoas do mesmo sexo.
Esta objeção, sendo colocada para fundamentar uma restrição, não é algo que
não se possa entender.
o Caso “Carpenter” — senhor britânico que casa com uma senhora da Malásia
e pretende que ela venha residir para o Reino Unido com ele. À luz do direito
britânico, não tem direito a lá residir. O senhor apela ao Direito da UE,
impugnando a decisão nos tribunais britânicos, com a invocação de que o seu
direito à livre circulação estava a ser restringido pelas autoridades britânicas,
assim como o respeito pelo direito à vida familiar. O senhor trabalha no Reino
Unido, mas presta serviços de consultoria por todo o mundo, nomeadamente
noutros EM, tendo de se deslocar aos mesmos — temos a livre circulação
enquanto prestador de serviços. O tribunal encontra a conexão suficiente para
a invocação da livre circulação, uma vez que o sujeito precisa do apoio familiar
da mulher. Ele consegue que o Tribunal reconheça que ele possa ser tutelado,
abrangido pela liberdade de circulação no âmbito da prestação de serviços.

Os restantes casos têm a ver com crianças e aquilo que é o reagrupamento


familiar, um direito dos cidadãos da União, com a revelação da Diretiva, permitindo aos
cidadãos da União chamar familiares seus, residentes de estados terceiros, mas que, neste
caso, é tutelado por menores.
O Tribunal alarga a base de inspiração desta tutela aos tratados internacionais de
proteção dos direitos de que são parte os EM. Esta é uma base que durante muito tempo
vai servir para a base da tutela dos direitos fundamentais por parte do Tribunal de Justiça.
Podemos apontar a crítica de que o tribunal, em teoria, reconhece os direitos, mas na
prática encontra sempre uma base para admitir restrições, que resultam do sistema
jurídico das comunidades à época. Não houve grandes inovações no Tribunal, mas há uma
criação interessante: aquilo que é reconhecido como um direito, o direito ao

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esquecimento. É uma criação do TJ que acaba por penetrar as ordens jurídicas dos
Estados e até a nível internacional com outro alcance.
Todos os desenvolvimentos conduziram à CARTA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS, que ganhou valor jurídico com o Tratado de Lisboa, em 2009. Tem,
sobretudo a partir das suas disposições finais, uma dimensão estritamente de
sedimentação do direito constituído nesta matéria; vai a par com a preservação do alcance
do artigo 6.º, n.º 2 e n.º 3 (tradição constitucional comum dos Estados), que se mantém
como a base jurídica e é a consagração da jurisprudência na tutela dos bens essenciais.
Independentemente de grande parte destes direitos encontrarem uma tutela na CDF, a sua
tutela originária continua a ser a do art. 6.º. A carta sedimenta aquilo que já era parte do
DUE. A tutela reforçada tinha que resultar da sua articulação sistemática com outras
normas do DUE. Ou a tutela reforçada é conferida em diretivas, que desenvolvem esses
direitos, ou a sua interpretação vai mais além, resultado da sua integração sistemática com
o TFUE. Esta é a lógica da jurisprudência do Tribunal, patente no art. 6.º. Há uns
protocolos anexos ao Tratado e uma declaração que colocam algum condicionamento ao
alcance da Carta: derrogações e isenções em relação às obrigações conferidas pelo DUE,
por parte do Reino Unido. Existe a indicação de que a CDF não implica aqui qualquer
transferência de soberania ou alargamento das competências, havendo uma espécie de
reserva do Reino Unido em relação aos direitos consagrados na Carta. Segue-se a Polónia,
que tenta encontrar alguma derrogação nesta matéria.
Em relação à tutela dos DF conferida pelo DUE, é preciso garanti-los, e não
apenas enunciá-los. É na efetivação que se lhes dá um verdadeiro alcance, papel este dos
tribunais, com particular destaque para o Tribunal de Justiça. Na sua resposta casuística
vamos vendo o alcance concreto que é reconhecido aos DF. Esta tutela está condicionada
ao alcance do Direito da União, às atribuições da EU; não vai para além do quadro do
tratado do art. 6.º e do quadro da Carta, uma vez que esta não implica um aumento de
competências. Vincula as instituições da União e o desempenho das suas competências
no quadro da União.
Como limites, sabemos que não vincula os Estados no quadro das suas
competências próprias e reservadas; estes estão vinculados ao DUE, e são eles próprios
aplicadores executantes do Direito da União.
Verificamos uma incidência transversal da garantia do respeito pelos direitos
fundamentais no quadro do DUE. Temos 2 faces de incidência dos DF:
 Face interna — aquilo que é o alcance interno da tutela dos DF; vincula as
instituições, pelo que o desrespeito dos DF é um vício que encarrega a respetiva
nulidade.
 Face externa — não tem o mesmo impacto. A tutela dos DF está contemplada
também nas condições que a União deve respeitar no desenvolvimento da sua ação
externa, promovendo os seus interesses e valores nas relações internacionais.
Uma consequência do respeito pelos DF é a cláusula de Direitos Humanos, que,
desde 2009, é uma cláusula obrigatória em todos os acordos celebrados.

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A proteção dos Direitos Fundamentais na União Europeia


 A cidadania da UE não é meramente simbólica.
 Há limites em relação a essa realidade.
 É de evitar que as pessoas fiquem inteiramente dependentes do Direito
Interno – mesmo sendo Estados de Direito, não controlam nem tutelam todas
as exigências que possam ser suscitadas.
 A tutela dos Direitos Fundamentais é anterior à cidadania, mas tem-se
desenvolvido nos últimos tempos.
A face externa corresponde, no âmbito das relações internacionais com outros
Estados terceiros, ao modo como a tutela dos DF é reconhecida, o seu alcance e como é
imposta.

Os Direitos Fundamentais e Direitos Humanos podem ser distinguidos


dogmaticamente, mas vamos integrá-los quer nos direitos individuais e pessoais, quer de
pessoas coletivas. Não se reconhece que há direitos com um relevo primacial e outros
com um relevo secundário e menor. O alcance universal traduzir-se-á numa orientação
política antiga, que encontra manifestações desde a década de 60. No entanto, é um
imperativo genérico a imposição, por parte da UE, de uma cláusula de respeito dos DF
em todos os acordos internacionais celebrados pela UE.
A União Europeia impõe aos parceiros uma cláusula de respeito pelos direitos
fundamentais.
Há constrangimentos que, por ventura, não correspondem a um ideal. Não
obstante, esta é a perspetiva europeia – única no mundo. Os autores internacionais, de
longe, condicionam o desenvolvimento das suas relações internacionais em prol dos
direitos fundamentais. As faces de “Juno” da vinculação internacional da União – duas
faces.
O facto de os direitos fundamentais serem um dos domínios principais, no âmbito
da ordem jurídica da União na face interna, leva a que haja alguma distinção, não
correspondendo a universalidade a uma absoluta dignidade.
Os Direitos Fundamentais correspondem a princípios gerais do Direito da União
Europeia. Implicam algum condicionamento nas relações internacionais:
 Parecer 1/91 – é aquele em que o TRIBUNAL declarou que o primeiro projeto
do espaço económico europeu era incompatível com o TCE, pondo em causa a
autonomia do sistema jurídico, da dimensão jurisdicional do sistema jurídico da
UE. Segundo a ideia de área de comércio livre, entre os espaços há livre circulação
de pessoas, mercadorias e capitais. Ainda que estes acórdãos possam ter
exatamente disposições idênticas, o seu alcance normativo é distinto, porque o
alcance normativo que têm as disposições dos Tratados visa alcançar um projeto
com ambição política, da cidadania europeia – um quadro jurídico de natureza
constitucional.

 Parecer de 86 – os Tratados são uma carta constitucional. As obrigações e direitos


que resultam das mesmas obrigações são idênticas. A diferente natureza da

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integração europeia confere-lhes um alcance distinto, que se reconduz à dimensão


constitucional. Logo, o acordo do espaço económico europeu teve de ser revisto
de forma a ser compatibilizado com os tratados constitutivos.

 O caso KADI – o objetivo internacional europeu e nacional na sequência do


terrorismo internacional, nomeadamente no caso das torres gémeas. É divulgada
uma lista de pessoas e entidades que são suspeitas de apoiar e ter alguma ação que
promove o terrorismo a nível internacional. Todos os Estados – pelo menos os que
são parte das Nações Unidas – têm o dever de adotar medidas restritivas a essas
pessoas – congelar os bens e fundos financeiros (por exemplo, para que não
possam apoiar financeiramente organizações terroristas), os ativos financeiros e
os ativos imobiliários (que pudessem gerar fundos). Estas são competências que,
no quadro da UE, não são da competência dos Estados, mas são implementadas
pela própria União Europeia (nomeadamente no âmbito da PESC). Adotam-se
medidas que depois cabem às autoridades nacionais cumprirem – os bancos, as
autoridades administrativas. Falemos agora do recurso de decisões para o Tribunal
de Justiça. Este é um acórdão que tem mais de 300 parágrafos, uma longa
fundamentação. Grande parte dos EM intervieram para fazer ouvir a sua posição.
O Tribunal declara aqui que os DF´s são uma condição e limite. Os atos internos
do Conselho de Segurança estão sujeitos ao escrutínio dos Direitos Fundamentais.
Enquanto não tivermos um sistema de tutela dos Direitos Fundamentais, que
confira uma tutela semelhante de idêntico alcance, não podemos admitir que os
DF´s consagrados nas constituições nacionais possam ser afetados e restringidos,
se na UE não existe esse quadro de garantia – que passa pelos DF´s terem uma
autonomia jurídica.

Princípios fundamentais que o Quadro do TCA impõe que sejam garantidos:


 Não admissibilidade da dupla incriminação. É uma nova salvaguarda que vem a
reconduzir à tutela designada “identidade constitucional” dos Estados.
A Itália é o berço do dualismo – para ela o direto internacional e o direito interno
são duas ordens distintas. O Direito nacional não pode ser afastado - a menos que
revogado ou afastado pelo legislador – e não para aplicar Direito Internacional. O acórdão
Costa Enel contesta isto.
Em 1978 temos o caso SIMMENTHAL. Os juízes não têm que esperar que o
legislador revogue o Direito Nacional para aplicar o Direito Comunitário. Verifica-se aqui
um fator sociológico que contribuiu para todo um ativismo judiciário, para combater a
relação entre a política e o crime organizado. Há um reforço do papel dos juízes.
Há a prevalência da tutela dos Direitos Fundamentais Constitucionais, que não
pode ser afetada pela tutela dos Direitos Comunitários. Há, contudo, que reconhecer que
o Direito Comunitário é um sistema jurídico onde são tutelados os Direitos Fundamentais.
Enquanto na Comunidade Europeia não estivesse instituído um sistema de efeitos
de garantia dos DF’s, os tribunais alemães e o Tribunal Constitucional Alemão arrogava-
se a prerrogativa de escrutinar o DUE à luz da tutela dos DF’s da Constituição alemã
-

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enquanto não tivermos um sistema da tutela dos DF que confira uma tutela semelhante,
de idêntico alcance, não poderemos, na Alemanha, admitir que DF consagrados na
Constituição Alemã, possam ser afetados e restringidos se na UE não existe esse quadro
de garantia - que passa pelos DF terem uma autonomia jurídica. Não podemos deixar,
porque esse é o nosso mandato constitucional, de exercer esse mandato.
Em 1986, com o Solange 2, temos a mesma perspetiva, mas uma conclusão
diversa: as CE dispunham de um sistema de tutela dos DF que não era igual ao da
Alemanha, mas que era de idêntica proteção. Logo, o tribunal alemão prescinde de fazer
um controlo sistemático e casuístico da tutela dos DF a propósito da implementação dos
atos comunitários. Reconhecimento do TCA que já tínhamos alcançado um quadro de
garantia dos DF semelhante ao garantido pelo sistema jurídico alemão.
Princípios fundamentais que o quadro do Tribunal Constitucional Alemão impõe
que sejam garantidos: presunção de inocência, princípio da legalidade, princípio da não
retroatividade, princípio da não admissibilidade da dupla incriminação. É uma nova
salvaguarda que se vem a reconduzir à tutela da designada “identidade constitucional”
dos Estados.
Com Itália, a saga foi semelhante.
Temos, num primeiro momento, uma resistência ao alcance do Costa Enel. Com
a alegação da garantia dos DF da Constituição, os tribunais italianos afirmam que não
poderão pôr em causa a tutela dos DF constitucional para assegurar a aplicação efetiva do
direito comunitário. O Direito Constitucional dos Estados não pode ser de modo algum
afetado pelo Direito Comunitário, reservando aos Estados o poder de fazer esse escrutínio.
Há que reconhecer que o direito comunitário é um sistema jurídico onde são
tutelados os DF’s.

Caso Taricco
O que estava em causa era o uso fraudulento de fundos comunitários, no âmbito
dos fundos estruturais. O senhor Taricco e outras pessoas são acusadas de fraude
financeira dos fundos comunitários. A imposição aos EM de adotarem todas as medidas
necessários para garantir que previnem e combatem devidamente a utilização fraudulenta
dos fundos da UE, é a proteção dos interesses financeiros da UE. A justiça italiana é lenta e
o processo está muito tempo em investigação até que haja acusação. Na defesa, Taricco
alega que já tinha prescrito o procedimento criminal.
O juiz italiano, com o reconhecimento do art. 325.º, resolve colocar ao TJ algumas
questões: se a legislação italiana, em matéria de prescrição, não é incompatível com o
Tratado e o DUE, pois não garante que aquele objetivo e obrigação dos Estados é
assegurado a nível interno. O TJ vem a entender que a legislação italiana tem como
consequência que há sistematicamente uma situação em que os interesses financeiros da
UE não são garantidos, sendo que pode concluir-se que o sistema italiano e as suas regras
são uma violação do Tratado.

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Quando nós vamos assegurar o cumprimento do caso Taricco, estão em causa


princípios fundamentais respeitantes à prescrição dos crimes e dos procedimentos
criminais, como o princípio da legalidade e da não retroatividade em matéria de aplicação
da lei penal incriminatória. São princípios fundamentais da nossa Constituição, mas
também princípios gerais de direito. Temos de assegurar o seu cumprimento.
O TJ reconhece que estes princípios são parte da OJ da UE. Naturalmente, se é
importante garantir a tutela dos interesses financeiros da UE, como uma comunidade de
Direito que tem essa pretensão de ter uma natureza constitucional, essa tutela dos
interesses não pode fazer-se à custa da violação de princípios como estes, que encontram
lugar na OJ da União. O DUE distingue-se do DI, pois é uma união de direito, um Estado
de Direito, algo que o DI não é de certeza.
Verifica-se resistência de alguns tribunais nacionais, nomeadamente dos novos
EM.
 Estes domínios que vemos aqui em que se avança, seja no âmbito do reforço da
legitimidade democrática, seja no âmbito do reforço da cidadania da UE, seja no
âmbito da tutela dos DF (que é o núcleo central do debate da UE nos dias de hoje),
traz o DUE para o debate constitucional. O DUE é uma OJ que tem uma pretensão
de natureza constitucional idêntica à que conhecemos nos Estados, razão pela qual
a UE tem o relevo atual, por causa, em grande medida, do alcance da sua ordem
jurídica.

Diz a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, no seu artigo


16.º que nenhum Estado é um Estado de Direito se não houver separação de poderes.
Neste sentido, a União Europeia procurou respeitar também estas exigências, já
que também proclama o princípio do Estado de Direito, tentando, de certa forma, proceder
a uma certa separação de poderes (não num sentido igual ao que se reproduz no interior
dos Estados) entre os seus órgãos e instituições:
 Reforço do Parlamento Europeu, poder judicial com uma estrutura complexa –
com mecanismos de interação entre deles.
 Algumas instituições já estavam previstas desde o início – com limitações e
passíveis de críticas – tem-se dado o seu reforço.

Âmbito do Direito da União Europeia:


Temos como pressuposto fundamental um princípio do Direito Internacional, que
preside à capacidade jurídica de qualquer ente coletivo que não seja uma pessoa
individual: princípio da especialidade (só tem capacidade naquele que é o seu objeto,
atividade para a qual foram criadas).
As competências do Estado presumem-se; as das organizações internacionais não
se presumem. Assim, temos que encontrar nos Tratados uma base jurídica que nos
permita, em relação a qualquer domínio, encontrar uma previsão que legitime a
intervenção da União. Se essa base não existir, a União não tem essa atribuição. Enquanto

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os Estados não têm que provar que determinada intervenção se inclui na sua capacidade
jurídica, a União tem.
No início das comunidades, os limites das atribuições eram mais restritos. Não
havia qualquer objetivo de cooperação na política externa. Não havia objetivos tão
ambiciosos.
A defesa militar não é um domínio que está nas atribuições da União Europeia.
Por outro lado, a política de defesa pode vir a evoluir para uma defesa comum, mas que
terá que passar por uma estrutura organizativa, que passaria a estar integrada na União,
ressuscitando, assim, um projeto de 1952/1953.
No artigo 4.º/2 estabelecem-se as competências próprias do Estado. Quanto à
manutenção da segurança interna do Estado, o próprio tratado o determina como
competência dos Estados. O facto de a União não prever como sua competência era
suficiente. No entanto, os Estados, não fosse a ambição da União, preferiram deixar bem
claro que esta era uma competência sua.
Todas as matérias que não são competência da União são da competência dos
Estados. É uma concessão perigosa – há domínios no panorama internacional que não são
do Estado. Apesar de não serem da União, também não são dos Estados.
No artigo 352.º estão configuradas as cláusulas subsidiárias do Tratado.

 CASO AETR – participação numa convenção internacional que estava no âmbito


da OCDE, com objetivo de introdução de uma regulação que assegurasse
condições mais adequadas para os motoristas dos transportes internacionais
rodoviários. Esta era uma competência da comunidade económica europeia. No
entanto, os Estados não concordavam com esta ingerência, dado que a incidência
era na esfera internacional, deviam ser eles a celebrar esse acordo internacional,
decidindo numa resolução do Conselho. A questão é levada ao TJ, que declara que
era, de facto, uma competência das Comunidades Europeias. Era indispensável e
tinha que ser reconhecida, para que tivesse a sua efetividade plena. Esta condição
verificava-se, já que já tinha sido aprovado um regulamento que regulava aquela
matéria no espaço das comunidades. Releva, para este caso, o princípio
do paralelismo das competências: se dado Tratado prevê uma dada competência
na esfera interna, implicitamente leva consigo a competência para a esfera externa
(na relação com terceiros).

 Parecer 2/91 – a União europeia é um sistema jurídico autónomo e pode ser


afetado por diversas vias, e uma delas tem que ver com os mecanismos de garantia
desse mesmo sistema (tutela judicial, que é garantida pelos Tribunais nacionais e
pelo Tribunal de Justiça) e que era incompatível com o sistema de tutela do sistema
económico.

 Parecer 2/09 – três patentes na Europa, três tutelas de invenções com níveis de
alcance diversos. A criação do Tribunal de patentes atentava contra a autonomia
do ordenamento jurídico: quanto atentamos contra as competências de um dado
órgão, estamos a atentar contra a autonomia que ele tem no âmbito da UE.

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Até ao Tratado de Lisboa, não havia a sistematização de competências, pelo que


violações das mesmas e ingerências de uns órgãos nas esferas de outros eram recorrentes.
Era, por isso, necessário proceder-se à harmonização dessas mesmas competências.
Já se exigia desde os anos 90 a clarificação da distribuição de competências entre
Estados-Membros e a União. Os artigos 3.º. 4.º, 5.º e 6.º do TFUE dão resposta a essas
reivindicações, dado que classificam e esclarecem as competências da União Europeia.
Até ao Tratado de Lisboa, não havia uma distribuição explícita de competências entre
as instituições das Comunidades (e, mais tarde, da União), pelo que violações das mesmas e
ingerências de uns órgãos nas esferas de outros eram recorrentes. Era, por isso, necessário
proceder-se à harmonização dessas mesmas competências. Os artigos 2º a 6º TFUE vêm dar
resposta a esse problema.

Passemos agora à classificação das competências da União Europeia.

Em primeiro lugar, temos as atribuições exclusivas, previstas no artigo 3º, nº 1 TFUE. As


competências exclusivas na esfera externa estão definidas no número 2 do mesmo artigo, que
deve ser visto em conjunto com os artigos 207º, nº6 e 216º, nº1 do mesmo Tratado.

a. Caso AETR – participação numa convenção internacional, no âmbito da


OCDE, com objetivo de introdução de uma regulação que assegurasse
condições mais adequadas para os motoristas dos transportes internacionais
rodoviários.
Esta era uma competência da CEE. No entanto, os Estados não concordavam
com esta ingerência, dado que incidia na sua esfera internacional; deviam
ser eles a celebrar esse acordo internacional, decidindo numa resolução do
Conselho. A questão é levada ao TJ, que declara que era, de facto, uma
competência das Comunidades Europeias. Era indispensável e tinha que ser
reconhecida, para que tivesse a sua efetividade plena. Esta condição
verificava-se, já que já tinha sido aprovado um regulamento sobre aquela
matéria. Releva, para este caso, o princípio do paralelismo das
competências: se dado Tratado prevê uma dada competência na esfera
interna, implicitamente leva consigo a competência para a esfera externa
(na relação com terceiros) – princípio das competências implícitas.

*Ver também Parecer 2/91, Parecer 1/03, Parecer 1/13 e Parecer 2/15.

Assim, como a Comunidade apenas dispõe de competências de atribuição, a


existência de uma competência, sobretudo de natureza exclusiva, deve
basear-se em conclusões resultantes de uma análise global e concreta da
relação existente entre o acordo internacional previsto e o direito
comunitário em vigor. Esta análise deve ter em consideração os domínios
abrangidos, respetivamente, pelas regras comunitárias e pelas disposições
do acordo projetado, as suas perspetivas de evolução previsíveis, bem como
a natureza e o conteúdo dessas regras e disposições, a fim de verificar se o
acordo em questão é suscetível de pôr em causa a aplicação uniforme e
coerente das regras comunitárias e o bom funcionamento do sistema que
instituem.
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Deste modo, nestes domínios, só a União pode legislar e adotar atos juridicamente
vinculativos, sendo que os Estados-membros só podem fazê-lo mediante habilitação da União
ou para implementar esses atos – aqui, os Estados têm em geral uma competência executiva
– artigos 2º, nº 1 e 291º, nº1 TFUE.
Depois, temos as competências partilhadas, previstas no artigo 4º, nº1 TFUE, no
Protocolo relativo ao exercício das competências partilhadas e na Declaração 18, que
pressupõem que a União e os Estados-membros podem legislar e adotar atos juridicamente
vinculativos. Os Estados exercem a sua competência na medida em que a União não tenha
exercido a sua ou em que a tenha deixado de exercer – artigo 2º, nº2 TFUE - princípio da
preempção. Este princípio determina então que à medida que a UE exerce competências que
não são à partida exclusivas, ela vai apreendendo essas competências, tornando-as suas e
excluindo a competência dos estados para agir. Portanto, o exercício de uma competência por
parte de um plano (Estado federal ou Estado federado, neste caso União ou Estados-membro)
vai impedindo a intervenção do outro plano. Será conveniente notar que se a UE deixar de
exercer essa competência, ela regressa para as mãos dos estados. Estas competências podem
ser classificadas como:
 Competências partilhadas concorrentes, previstas no artigo 4º, nº2 TFUE
(enumeração exemplificativa, não exaustiva) e às quais se aplica o princípio da
preempção já referido. Em alguns destes domínios não fará sentido referir a
preempção pois a UE age dependendo da ação dos estados (ex. coesão económica,
social e territorial). Há, no entanto, áreas em que a ação dos Estados é muito
reduzida, como por exemplo, no domínio da política agrícola comum, a
intensidade da regulação é intensa e os Estados pouco mais têm do que
competências de execução;

 Competências partilhadas paralelas, previstas no artigo 4º, nº 3 e 4 TFUE e às quais


não se aplica o princípio da preempção. Temos aqui competências partilhadas do
ponto de vista material, mas não concorrem entre si, concorrem paralelamente -
uma não interfere com a outra. Os Estados podem ter as suas próprias políticas
com as suas próprias preferências. Não há concorrência direta, há concorrência
paralela com domínios distintos;

 Competências partilhadas de coordenação, previstas no artigo 5º TFUE (tenha-se


em atenção a especificidade da Zona Euro, que implica previsões com ela
relacionadas – parágrafo segundo do nº1 do referido artigo). Cada Estado tem a
sua própria política económica, mas particularmente os estados da zona euro têm
uma obrigação de coordenar essas políticas no âmbito do Conselho, através de um
escrutínio inter pares - os Estados têm parâmetros a que se comprometem,
resultantes do PEC. Temos orientações que não têm efeitos jurídicos
modificadores do ordenamento jurídico de determinado estado, mas não são
totalmente destituídos de efeitos jurídicos, pois servem para um conjunto de
medidas suplementares que podem ser adotadas. São domínios de competência da
União, mas de fronteira entre o tipo intergovernamental e o tipo comunitário.
“Alguns falam da soft law, mas como algo hard”, na medida em que o grau de
escrutínio é de tal ordem que acarreta uma vinculação voluntária induzida. Um
exemplo será o método aberto de coordenação - utilizado no domínio da economia
e no das políticas de emprego -, de acordo com o qual, face aos parâmetros de
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autovinculação aos quais os Estados se comprometem, os Estados não podem ter


em consideração apenas as suas orientações nacionais, têm antes que ter presente
a noção que estão na UE e numa União Monetária, sendo importante perceber os
efeitos que as suas orientações poderão ter nos outros Estados. Urge então fixar
parâmetros consensuais que permitam evitar efeitos perversos.

Por fim, temos as competências complementares, de apoio e coordenação, previstas


no artigo 6º TFUE. A União não tem objetivos próprios autónomos dos objetivos dos Estados-
membros, pelo que se limita a complementar e a concertar, em moldes de tipo
intergovernamental, isto é, sem harmonização, esses objetivos, que contêm, por vezes,
domínios reservados aos Estados – artigo 2º, nº5 TFUE.

a) A ação externa da União e a Política Externa e de Segurança Comum, em


especial

O Tratado de Lisboa constitui a mais recente tentativa de superação das dificuldades


de afirmação da União Europeia na "cena internacional". Uma das preocupações constantes
das sucessivas revisões dos Tratados consistiu, precisamente, na afirmação da identidade e da
coerência da União, que eram postas em causa pela dificuldade de articulação entre as opções
políticas dos diferentes Estados-membros e a ação dos próprios órgãos comunitários. A
política externa da UE está prevista no Título V do TUE.

Os princípios que presidiram à criação e ao desenvolvimento da União são transversais


às suas políticas externas – artigo 21º TUE. Para além desses princípios, há que destacar a
importância do multilateralismo (artigo 21º, nº 2, alínea h) TUE) e o papel de destaque dado
à ONU (artigo 21º, nº 2, alínea c) TUE).

Os objetivos prosseguidos pela União na sua ação externa estão referidos no nº2 do
artigo 21º TUE, destacando-se, desde já, a salvaguarda da segurança, independência e
integridade da UE (alínea a)).

Os objetivos e interesses estratégicos da União nas suas relações externas (artigo 22º
TUE) são definidos pelo Conselho Europeu, através de decisões por unanimidade, por
recomendação do Conselho, que terá como base as propostas do Alto Representante, em
matéria de PESC, e da Comissão, nas restantes matérias. Essas decisões dizem respeito à
relação da UE com outros países e regiões e definem a duração da ajuda e os meios a facultar
pela União e pelos Estados-membros. A gestão dessas relações, dependendo do domínio,
poderá ficar a cargo do Alto Representante, da Comissão, do Conselho ou até mesmo dos
próprios Estados.

Prevista no artigo 2º, nº 4 TFUE e nos artigos 23º a 46º TUE está uma das partes mais
significativas da ação externa da União: a PESC. O âmbito da PESC está definido no artigo
24º, nº1 TUE.

O estreitamento das relações no âmbito da defesa e segurança poderá conduzir a uma


defesa comum, logo que o Conselho Europeu, por unanimidade o decida, devendo os Estados-
membros adotar uma decisão nesse sentido de acordo com as suas normas constitucionais
(artigo 42º, nº2 TUE). Ao contrário de outros domínios, verifica-se aqui o princípio da não

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interferência do Tribunal de Justiça, exceto na observância do artigo 40º TUE (artigo 24º, nº1,
parágrafo segundo, TUE e artigo 275º TFUE).

As políticas adotadas pela União no âmbito da PESC não afetam o caráter específico
da política de segurança e defesa de determinados Estados-membros, seja a nível de
neutralidade, seja no quadro da NATO (artigo 42º, nº2, parágrafo segundo, e nº7, parágrafo
segundo, TUE).

Respeita-se, na ação desenvolvida no âmbito da PESC, os princípios da solidariedade


política mútua e da lealdade (artigo 24º, nº 2 e 3 TUE), bem como, no âmbito da Política
Comum de Segurança e Defesa (PCSD), a cláusula de auxílio e de assistência mútua (artigo
42º, nº7, parágrafo primeiro TUE).

O artigo 25º TUE distingue as várias formas de atuação da União a nível da PESC,
excluindo-se, à partida, os atos legislativos (artigo 24º, nº1, parágrafo segundo TUE). A
execução da PESC dá-se quer a nível do Alto Representante, mediante o exposto no artigo
24º, nº1, parágrafo segundo TUE, quer a nível dos Estados, de acordo com o previsto nos
artigos 32º, parágrafo terceiro, 34º e 35º do mesmo Tratado.

A PESC está sujeita a regras e procedimentos específicos (artigo 24º, nº1, parágrafo
segundo TUE), não se lhe aplicando o processo legislativo comum da União — o processo
legislativo ordinário –, pelo que a intervenção da Comissão e do Parlamento Europeu fica
muito aquém da que estes órgãos têm neste processo.

Em suma, os procedimentos da União em sede de PESC continuam a primar pelo seu


caráter intergovernamental.

Por isso mesmo, a capacidade decisória dos Estados é muito maior nestes domínios do
que nos restantes. Daí que, muitas vezes, os Estados-membros optem por não aderir às opções
gerais definidas pela União ou por apor-lhes algumas reservas. Para permitir a integração,
ainda que menor, desses Estados, foi criado o mecanismo de cooperação reforçada, previsto
nos artigos 20º TUE e 326º a 334º TFUE (em especial no artigo 329º, nº2 TFUE).

Dentro da PESC temos a PCSD (artigos 42º a 46º TUE), cujos objetivos são a
manutenção da paz, a prevenção de conflitos e o reforço da segurança internacional, incluindo
o combate ao terrorismo (artigos 42º, nº1 e 43º, nº1 TUE). A ação desenvolvida no seu âmbito
assenta nas capacidades civis e militares fornecidas pelos Estados-membros, incluindo as
afetas a forças multinacionais (artigo 42º, nº1 e 3 TUE).

Há que destacar o papel da Agência Europeia de Defesa (artigos 42º, nº 3, parágrafo


segundo, e 45º TUE).
A competência a nível da PCSD cabe ao Conselho, que delibera por unanimidade, com
base em proposta do Alto Representante ou por iniciativa de um Estado-membro.
Em conclusão, as alterações introduzidas pelo Tratado de Lisboa, no domínio da
PESC, incluindo a PCSD, constituem uma tentativa séria e notável de pôr a União a falar a
"uma só voz". A revisão operada pelo Tratado de Lisboa procurou tornar a Ação Externa da
União mais coerente e eficiente. Deve, no entanto, notar-se que o sucesso ou insucesso dos
preceitos do Tratado depende muito da vontade dos Estados-membros, na medida em que, na
prática, são eles que vão atuar. Ora, os tempos atuais marcados pelas sucessivas crises não são
os mais propícios ao aprofundamento e ao desenvolvimento da integração no domínio da
política externa e de segurança nem da defesa.
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O exercício das competências da União norteia-se pelo princípio da subsidiariedade,


nas competências não exclusivas da UE (artigo 5º, nº 3 TUE e Protocolos 2 e 25). Nas
competências exclusivas tal não seria possível, na medida em que a UE é a única que pode
adotar legislação e atos vinculativos nesses domínios, e nas competências partilhadas
concorrentes esse princípio deve ser limitado, de modo a não se violarem os princípios e os
objetivos por que se rege a atividade da União. Também está vinculado ao princípio da
proporcionalidade (artigo 5º, nº4 TUE e Protocolo 2).

Fontes do Direito da União Europeia

O sistema de fontes de Direito da União Europeia sofreu, ao longo da integração


europeia, uma permanente evolução que veio culminar no Tratado de Lisboa. Com efeito,
com o desenrolar do processo de integração, a complexidade deste sistema aumentou. Deste
modo, o Tratado de Lisboa procurou eliminar uma boa parte dessa complexidade e estabelecer
uma hierarquia de normas e atos da União.

A primeira fonte do Direito da União Europeia é o direito originário ou primário, o


qual é o parâmetro de validade de todas as outras regras da União Europeia. O direito
originário é, em primeira linha, constituído pelos Tratados institutivos, bem como por todos
aqueles que os modificaram, completaram ou adaptaram. Abrange, depois, as Decisões, os
Protocolos e os Anexos que desenvolveram esses Tratados (artigo 51º TUE) e os Tratados de
adesão dos Estados-membros. Fazem ainda parte do direito originário o Tratado Orçamental
(ou Tratado de Bruxelas), o Tratado de Fusão das instituições europeias de 1965, a Decisão
relativa à eleição por sufrágio direto e universal do Parlamento Europeu, o Tratado que institui
o Mecanismo de Estabilidade Financeira e a CDFUE.

É importante referir, mais uma vez, que o TUE e o TFUE têm o mesmo valor jurídico
(artigo 1º, parágrafo terceiro, TUE). A Ordem Jurídica da União funda-se nestes dois
Tratados, que só juntos constituem o fundamento, o critério e o limite do DUE.

O TUE foi redigido nas línguas enunciadas no seu artigo 55º, nº1. Este preceito é
igualmente aplicável ao TFUE, por força do seu artigo 358º. Nos termos do artigo 55º, nº2
TUE, os Tratados podem ser traduzidos em qualquer outra língua que os Estados-membros
determinem. Para além disso, se uma versão linguística é ambígua, deve ser interpretada em
sentido conforme com as outras versões, pois só assim se preservará a unidade da
interpretação do DUE.

O âmbito de aplicação temporal dos Tratados está previsto nos artigos 53º TUE e 356º
TFUE; o âmbito de aplicação territorial nos artigos 52º TUE e 349º e 355º TFUE.

Os processos de revisão dos tratados estão revistos no artigo 48º TUE, nomeadamente
nos seus números 2 a 5, relativos ao processo de revisão ordinária, e 6 e 7, relativos ao
processo de revisão simplificada.

Por sua vez, o direito secundário ou derivado é aquele que resulta da normal atividade
desenvolvida pela União na prossecução dos seus objetivos. Constituirão direito derivado
todos os atos (legislativos ou não legislativos, gerais ou individuais, internos ou externos,
juridicamente obrigatórios ou não) adotados unilateralmente pelos órgãos da União, no
exercício das competências que os Tratados lhes reconhecem.
53
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Todos os atos de direito derivado têm de encontrar base jurídica numa norma de direito
primário. Assim se afirma o princípio da hierarquia das fontes, condicionando o direito
originário a validade do direito derivado.

Sobre estes atos há alguns aspetos a destacar. Em primeiro lugar, a sua natureza não
depende da sua qualificação, mas sim do seu conteúdo. Depois, existe um princípio de
presunção de legalidade a favor das normas e atos da União (presume-se que todos os atos
sejam praticados com observância das normas legais a eles referentes). Em terceiro lugar,
segundo o artigo 296º TFUE, verifica-se um dever de fundamentação em relação a todos os
atos jurídicos da União. Os atos legislativos, bem como os regulamentos e as diretivas
dirigidas a todos os Estados-membros, são publicados no Jornal Oficial da União Europeia –
297º TFUE. Por fim, a entrada em vigor do direito derivado depende do tipo de ato em questão
– também artigo 297º.

Hierarquia dos atos de direito derivado:

1. Atos legislativos (distinção entre atos legislativos e não legislativos presente no


artigo 297º TFUE – o processo de formação e a assinatura)
2. Atos não legislativos
I. Atos delegados
II. Atos não legislativos stricto sensu
III. Atos de execução

O artigo 288º TFUE enumera os diferentes tipos de atos de direito derivado da União
Europeia. Analisemo-los:

 Regulamentos: têm caráter geral, pelo que se dirigem a todos os sujeitos de Direito
que se encontrem no seu âmbito de aplicação, é obrigatório em todos os seus
elementos, já que não pode ser modificado ou contrariado por atos adotados pelos
Estados-membros, e diretamente aplicável, não precisando, por isso, de ser
recebido pelos ordenamentos jurídicos internos.
É o instrumento normativo da União que mais se assemelha à lei a nível interno.

É plenamente obrigatório, pelo que os Estados não o podem aplicar seletivamente ou


invocar disposições do seu direito interno para nem o aplicarem sequer. Esta
obrigatoriedade em todos os seus elementos diferencia-o quer dos atos não
vinculativos, como, por exemplo, as recomendações e os pareceres, quer dos atos
obrigatórios somente quanto a alguns elementos, como, por exemplo, as diretivas.

Os regulamentos adotados segundo um processo legislativo ordinário ou especial


constituem atos legislativos (artigo 289º, nº1 e 2 TFUE), mas paralelamente
existem outros — os atos delegados (artigo 290º TFUE) que a Doutrina considera
quase legislativos e os atos de execução (artigo 291º TFUE).

 Diretivas: distinguem-se dos regulamentos, na medida em que vinculam apenas


quanto ao resultado a alcançar, deixando aos Estados-membros a competência
quanto à forma e aos meios.
Os Estados têm o dever de proceder à transposição das diretivas para o direito interno.
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A escolha do tipo de ato destinado a implementar a diretiva releva do sistema


jurídico de cada Estado – em Portugal, segundo o artigo 112º, nº8 CRP, assumem
a forma de lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional.

Os destinatários das diretivas só podem ser os Estados-membros.

Em princípio, a diretiva não é diretamente aplicável aos indivíduos, pois dirige-se


apenas aos Estados-membros. Para se aplicar aos particulares necessita de ser
transposta para o direito interno, pelo que será a norma interna e não a norma da
União que se vai aplicar aos particulares.

Assim sendo, se os Estados não transpusessem a diretiva nos prazos nela previstos, os
indivíduos ficariam desprotegidos e em desigualdade de circunstâncias com os
nacionais dos outros Estados-membros. Para impedir esta situação, o TJ
considerou que, verificados certos requisitos, as normas das diretivas podem
produzir efeitos em relação aos indivíduos, mesmo antes da sua transposição. O
efeito direto resulta, portanto, da necessidade de proteger os cidadãos contra a
inércia do Estado.

A diretiva, tal como o regulamento, em virtude do seu processo de elaboração pode


ser um ato legislativo. Na verdade, sempre que se dirige a todos os Estados-
membros e é objeto de implementação simultânea no conjunto da União – o que é
bastante frequente –, tem um alcance geral, apresentando-se como um processo de
legislação indireta. Mas a diretiva, tal como o regulamento, também pode ser um
ato não legislativo.

 Decisões: a Decisão é um ato entre o Regulamento e a Diretiva. Aproxima-se do


Regulamento porque tem a mesma pretensão de exaustão, regulando de forma
plena o seu objeto, sendo obrigatória em todos os seus elementos, não tendo os
destinatários liberdade na respetiva implementação. Por outro lado, aproxima-se
da Diretiva porque pode ter destinatários individualizados, tal como os Estados,
mas não só.
Os destinatários das Decisões tanto podem ser os Estados-Membros como os
particulares.

A Decisão é um ato que vem modificar a esfera jurídica do seu destinatário (aplicando
uma coima, proibindo um ato, impondo uma obrigação, por exemplo), assumindo,
por isso, uma natureza normativa, e não legislativa.

Pode ou não ter efeito direito, em função dos seus destinatários e do seu conteúdo.
Assim, a Decisão que se dirige aos particulares pode ser invocada por eles em
tribunal. Relativamente às Decisões dirigidas aos Estados-membros, esse efeito
direto já não é tão facilmente reconhecível, na medida em que está dependente de
ações complementares por parte dos seus destinatários. Deste modo, é difícil
reconhecer a generalidade do seu efeito direto. Todavia, o Tribunal de Justiça, no
acórdão Frantz Grand, vem reconhecer globalmente o efeito direto deste ato de
direito derivado.

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 Recomendações e Pareceres: são classificados pelo artigo 288º TFUE como atos
não vinculativos, o que não significa que estejam completamente desprovidos de
efeitos jurídicos.
Os seus destinatários podem ser os Estados-membros e os particulares.

Têm em comum o facto de poderem ser emitidos por qualquer uma das instituições
europeias.

Enquanto que a Recomendação sugere um determinado comportamento ao seu


destinatário e se adota por iniciativa do seu autor, o Parecer expressa uma opinião
de um órgão da União relativamente a um caso concreto e é emitido por iniciativa
de outro órgão ou sujeito de Direito da União, muitas vezes no âmbito de um
processo de formação de um ato vinculativo.

Criam expectativas jurídicas, atendíveis à luz do princípio da confiança, e, mesmo não


vinculando o seu destinatário, podem levá-lo a seguir uma certa orientação ou
obrigá-lo a justificar-se caso não o faça.

Se a emissão de parecer ou recomendação for obrigatória, a sua ausência acarreta um


vício – a violação de formalidades essenciais –, que é um dos fundamentos do
recurso de anulação previsto no artigo 263º TFUE (v. parágrafo segundo do artigo).

As recomendações recebem especial menção no artigo 292º TFUE. Os pareceres, por


sua vez, surgem no artigo 218º, nº11 TFUE.

 Para além dos atos de direito derivado já referidos, temos ainda os atos atípicos,
assim chamados por não estarem previstos no artigo 288º. Grande parte destes atos
constituem soft law, já que não são vinculativos e apresentam efeitos jurídicos
inexistentes ou muito limitados, sendo poucas as exceções a esta regra.
Entre eles destacamos:

o Resoluções: muito usadas pelo Parlamento Europeu, não têm efeitos


jurídicos vinculativos, pelo que visam, na maioria das vezes, estabelecer os
princípios gerais na base dos quais a União deve fundamentar a sua atuação
no futuro;
o Regulamentos internos: com efeitos jurídicos vinculativos a nível interno,
isto é, a nível de funcionamento do órgão a que dizem respeito;
o Comunicações;
o Conclusões;
o Declarações comuns a vários órgãos: contêm obrigações recíprocas para
seguir num processo que eles determinam (v. 295º TFUE e 13º, nº2, parte
final, TUE)

Para além das fontes já referidas, temos ainda o Direito Internacional como fonte do
Direito da União. Enquanto sujeito de Direito Internacional, a UE atua na comunidade
internacional como autora e como destinatário das normas por ele criadas. A União encontra-
se, por isso, vinculada ao Direito Internacional, quer seja direito consuetudinário geral (as
regras da CVDT, da qual a União faz parte, o Direito da ONU e o ius cogens), que é superior
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e deve primar sobre o Direito da União, interpretando-se, assim, o direito derivado em


conformidade com o Direito Internacional, quer se trate dos acordos internacionais nos quais
é parte, seja sozinha ou em conjunto com os seus Estados-membros.

Dentro desta última modalidade de Direito Internacional que vincula a União, cumpre-
nos destacar o papel do artigo 216º, nº2 TFUE, que dá à União o poder de celebrar convenções
relativas às matérias sob sua competência exclusiva. Há ainda a referir os acordos mistos, nos
domínios em que a União não possua atribuições exclusivas, que terão que ser concluídos
entre a UE e os Estados-membros e a UE os restantes sujeitos de Direito Internacional, e os
acordos pré-União, que se mantêm em vigor em respeito ao princípio pacta sunt servanda e
ao artigo 351º, parágrafo primeiro, TFUE, mas que não deverão ser incompatíveis com os
princípios e a missão da União – parágrafo segundo do mesmo artigo.

Princípios fundamentais da UE:

- Princípios da relação entre a ordem jurídica e a União Europeia e as ordens


jurídicas dos EM:

Princípios da competência de atribuição - a adoção de atos jurídicos por parte da


UE, está sujeita à condição desses atos jurídicos se inscreverem no quadro das atribuições;
uma vez que as ultrapassem são atos ultravires, atos em desvio de poder, para além daquilo
que são as atribuições da UE. Tem um relevo fundamental que fora salientado nos últimos
anos por parte do Tribunal Constitucional Alemão: veio a dizer de modo explícito que não lhe
cabe fazer o controlo da validade do DUE, não está sujeito à legislação constitucional alemã.
Contudo, a UE é uma entidade submetida a um princípio de atribuições limitadas e nós
estaremos cá para aferir se a UE não vai para além das suas atribuições. Se tal acontecer, vai
para além do mandato que resulta dos Tratados.

Princípios da autonomia (fundamentos) – têm fundamentos distintos. Os


fundamentos principais da OJ da União é a vontade dos Estados, traduzindo-se num conjunto
de regras e princípios próprios, que obedecem aos fundamentos próprios dos EM. Estas duas
ordens são autónomas.

Princípio da subsidiariedade – O DUE é um direito com um lugar subsidiário, pelo


que a adoção das NOJ´s por parte das Instituições através dos atos jurídicos deverá acautelar
este princípio.

Princípio da imediação - Significa que a OJ da UE tem uma vocação para ser um


Direito de regulação direta, isto é, que o DUE constitui enquanto OJ um Direito similar ao
dos Estados, portanto, tem uma vocação para ser the law of the land, o direito vigente no
território a par do Direito dos Estados. Daí ser muito distinto do Direito Internacional. O
princípio da imediação não foi, ainda, autonomizado pela doutrina. O professor Gorjão-
Henriques, por exemplo, refere-se a ele difusamente enquanto um dos subprincípios da
efetividade. Em poucas palavras, é uma quase reunião do primado com o efeito direto do
direito comunitário. Este é, sobretudo, um princípio de articulação entre normas ou
ordenamentos jurídicos e não entre ordens jurídicas. Desta feita, o ordenamento jurídico da
União tem apetência para penetrar no ordenamento jurídico dos Estados-membro, produzindo
efeitos jurídicos com maior ou menor alcance, sem necessidade de qualquer mecanismo de
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receção por parte dos Estados. A vigência, o alcance da vigência e os efeitos da vigência do
direito comunitário nos Estados-membro são definidos por si mesmo e, em última instância,
pelo TJUE. Todos os princípios são definidos autonomamente pela ordem comunitária e sem
mediação pelos Estados-membro. Contrariamente aos Estados federais, na UE não se recorre
à figura da law of the land, mas, e, não obstante, não sendo a União Europeia uma federação,
o direito é federalizado. A violação do direito por parte dos Estados-membro dá lugar ao
instituto da responsabilidade, mas em termos distintos do Direito Internacional, não sendo
esta uma responsabilidade entre Estados, mas entre o Estado incumpridor e os respetivos
lesados.

Princípio da aplicabilidade direta (diz respeito essencialmente aos regulamentos e


tem que ver com essa normatividade perfeita) e do princípio do efeito direto (efeitos do
alcance do ato – como pode ser invocado por um sujeito de direito, e exigir que os efeitos
desse ato sejam reconhecidos em seu benefício; a diretiva – só as suas disposições têm efeito
direto, quando preenchem os requisitos necessários – prescritivos, suficientes); atos com
efeito horizontal: tratados
Ex. artigo 157º.

Princípio do primado – não é um princípio da hierarquia de normas. No âmbito das


atribuições, este significa um princípio de prevalência, pelo que as normas de DUE não podem
ser confrontadas com normas nacionais que impeçam a produção dos efeitos que elas visam
e a sua aplicação. Obriga as autoridades nacionais que impeçam a produção dos efeitos que
elas visam e a sua aplicação. Obriga as autoridades nacionais, em especial os Tribunais, a
garantir que essa prevalência se efetiva, afastando qualquer norma interna em conflito com a
norma de DUE.

Princípio da interpretação conforme - vale para qualquer ato do DUE. As


autoridades em geral, mas particularmente os Tribunais, estão vinculadas a garantir, no
alcance possível com os limites referidos, que o direito nacional que seja aplicável a qualquer
situação seja objeto de uma interpretação conforme com o DUE (com os Tratados, com a
CDF, com as diretivas e até com atos não vinculativos, como é o caso das recomendações).

Princípio da responsabilidade pelo incumprimento – Os particulares não ficam


completamente desprotegidos quando um Estado-membro não cumpre o direito comunitário.
Podem a qualquer momento, como já se viu, invocar em juízo junto dos tribunais nacionais,
normas comunitárias com efeito ou aplicabilidade direta. Resulta daqui, no entanto, que esta
proteção não contempla as normas comunitárias que não gozem de efeito direto. Para
responder a esta situação desvantajosa face ao incumprimento estadual, o Tribunal de Justiça,
no acórdão Francovich, estabeleceu a responsabilidade pelo incumprimento, e o consequente
direito de reparação, para atos desprovidos de efeito direto. Pressupostos para o direito
subjetivo dos particulares à reparação: a norma deve resultar na atribuição de direitos aos
particulares, o conteúdo do direito deve ser identificável com base nessas disposições,
comportamento ilícito (qualquer incumprimento é ilícito, não há ilicitude gravosa), existência
de um prejuízo sério (tem de ter significado para a esfera jurídica do visado, para o património
jurídico, um prejuízo sério imputável ao Estado), um dano grave e manifesto, um nexo de
causalidade entre o prejuízo e incumprimento do Estado. Verificados estes requisitos, o
Estado é responsável perante os cidadãos lesados pelo incumprimento indevido, incorreto ou
insuficiente do direito da União Europeia. Mais uma vez, importa saber quem é Estado para
este efeito, i.e., que (ausência de) atos de que entidades podem ser objeto de responsabilidade?
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Os atos do Estado enquanto pessoa coletiva de direito público; de qualquer entidade pública
ou privada que atue com prerrogativas de direito público; dos tribunais, mesmo que
independentes. 
 Resta-nos acrescentar que o problema da responsabilidade dá-se quase
sempre no quadro das diretivas, mas tem-se vindo a alargar a toda e qualquer norma do direito
comunitário (nestes termos, tem especial importância o regime da ação por incumprimento
contemplada nos artigos 259.º a 261.º TFUE). Por outro lado, têm sido dados alguns passos,
ainda curtos, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado por
incumprimento imputável ao exercício da função jurisdicional. 


Princípio da efetividade e da equivalência – artigo 291º TFUE. Alguns autores,


como Gorjão Henriques, englobam vários destes princípios no princípio da efetividade. A
prof. Graça Enes não subscreve esta visão, embora reconheça que todos estes princípios
convergem na efetividade do Direito. A relação do tribunal na determinação da relação
entre estes dois princípios tende a prevalecer para a efetividade, o que levanta problemas,
sendo um exemplo o Caso Taricco. O princípio da efetividade impõe-se diretamente aos
Estados-membro independentemente dos outros princípios. Decorre de uma disposição
especial contida no TFUE, que executa o princípio da cooperação leal. Artigo 291.º,
TFUE. Assim, o direito da União é aplicado no território dos Estados-membro pelos
órgãos próprios dos Estados sendo, portanto, estes a executá-lo. Falamos, portanto, em
autonomia estadual na execução do direito comunitário, mas autonomia não é sinónimo
de completa liberdade. Assim, todos os instrumentos autónomos utilizados para o
cumprimento do direito comunitário devem garantir a efetividade do mesmo. Por
exemplo, e a jurisprudência do TJUE vai nesse sentido, à luz do princípio da efetividade
cabe às instituições da União determinar quais os tipos de sanções que são apropriadas ao
incumprimento das normas. Se essas instituições entenderem que são sanções penais, são
os Estados obrigados, aquando da implementação da norma, a prever a aplicação de
sanções penais no seu direito interno que sejam proporcionais e dissuasoras. 
 O princípio
da efetividade não pode ser dissociado do princípio da equivalência, enquanto meio para
apreciar e determinar a execução do direito da União Europeia. Posto isto, dita o princípio
da equivalência que os Estados-membro deverão ser tão zelosos na aplicação do direito
comunitário quanto o são na aplicação do direito nacional. Daqui resulta que devam
aplicar o direito comunitário de acordo e utilizando as regras do direito nacional,
socorrendo-se, de forma equivalente, dos mecanismos de garantia já utilizados no direito
nacional. Apesar disto, a equivalência não garante a efetividade, pois os Estados podem
não ser zelosos na aplicação do seu direito. 


- Princípio da confiança mútua: Caso Melloni e caso M.A.S. são relevantes neste contexto.

Instituições da União Europeia: composição, competências e funcionamento

À medida que as Comunidades se foram alargando geograficamente e que as suas


tarefas foram aumentando, o seu quadro institucional viu-se na contingência de ter de se
adaptar aos novos desafios, para os quais não estava de todo preparado.

Os sucessivos alargamentos tornaram cada vez mais difícil a tomada de decisão. A


progressiva transferência de poderes dos Estados para as Comunidades, e posteriormente para
a União, conduziu a maiores exigências em matéria de democracia, de eficácia e de
transparência. Porém, qualquer modificação no domínio do quadro institucional, no sentido
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de o tornar mais democrático, mais eficaz e mais transparente afigura-se de uma enorme
complexidade.

Assim, podemos concluir que as alterações introduzidas pelo Tratado de Lisboa no


quadro institucional da União são o reflexo de duas décadas de trabalho árduo.

Após o AUE, assistimos a alterações com algum significado, mas que não conseguem,
de todo, dar resposta às exigências de eficiência e transparência, ou por se prenderem em
demasia ao espírito do texto original dos Tratados institutivos, ou porque propostas mais
inovadoras não conseguiram os necessários consensos.

As Comunidades Europeias foram evoluindo no sentido de uma unidade a nível do


quadro institucional. Deste modo, a CECA, que abrigava quatro instituições, “transferiu”, por
intermédio do Tratado de Roma, de 1957, duas delas – a Assembleia Parlamentar e o Tribunal
– para a CEE e a CEEA. Mais tarde, com o Tratado de Fusão (ou Tratado de Bruxelas) de
1965, esse processo de unificação orgânica das Comunidades continua passando o Conselho
e a Comissão a ser comuns às três Comunidades. Depois, o Tratado de Maastricht, que institui
a União Europeia, refere-se a um “quadro institucional único”, reforçando este desejo de
unificação institucional. Por fim, com o Tratado de Lisboa, a estrutura orgânica da União
passa a estar prevista no artigo 13º TUE.

Para se determinar a natureza dos vários órgãos da União, era preciso recorrer-se a
algum critério. O critério escolhido foi o critério funcional (isto é, da função), que vem
colmatar as falhas do modelo tradicional estadual e do modelo de representação de interesses.
Assim, a partir deste critério, passamos a distinguir entre órgãos de direção, de execução e de
controlo.

As instituições também podem ser abordadas numa perspetiva de separação entre


poderes. Desta forma, distinguimos, tal como a nível estadual, o poder legislativo, aqui a cargo
do Parlamento e do Conselho, que atuam sob proposta da Comissão, o poder executivo, cujo
exercício compete, essencialmente, aos Estados-membros (artigo 291º TFUE), e o poder
judicial, a cargo, como é óbvio, dos vários órgãos jurisdicionais comunitários, como sendo o
TJUE e o Tribunal de Contas.

Conselho Europeu

Este órgão foi criado na Cimeira de Paris de 1974.

A sua composição está prevista no artigo 15º, nº2 TUE. É composto pelos Chefes de
Estado e de Governo, pelo Presidente do Conselho Europeu e pelo Presidente da Comissão.
O Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança
também participa nos trabalhos do Conselho Europeu.

A sua sede fica em Bruxelas e reúne, segundo o disposto no artigo 15º, nº3 TUE, duas
vezes por semestre.

É o órgão máximo de direção política de índole intergovernamental, está isento de


controlo judicial e não exerce a função legislativa (artigo 15º, nº 1 TUE), mas adota atos
jurídicos (artigos 48º, nº7 TUE, 312º, nº2 TFUE e 355º, nº6 TFUE), inclusive atos suscetíveis
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de controlo judicial limitado (artigos 265º, parágrafo primeiro, 263º, parágrafo primeiro, e
269º TFUE). Assim, participa no processo de revisão dos Tratados, “define as orientações e
prioridades políticas gerais da União”, bem como os interesses e objetivos estratégicos da
União (artigo 22º, nº1 TUE). É também responsável pela execução na PESC, nos termos do
artigo 24º TUE, e exerce ainda competências a nível do Espaço de Liberdade, Segurança e
Justiça (artigos 68º e 222º, nº4 TFUE), da política económica (artigo 121º, nº2 TFUE) e do
emprego (artigo 148º TFUE).

Para além destas competências, o Conselho Europeu tem também poderes


relativamente à configuração de outros órgãos e da própria União. Assim: determina as listas
de formação do Conselho e da sua Presidência (artigo 236º TFUE); determina o número de
membros da Comissão (artigo 17º, nº5 TUE) e o seu mecanismo de rotação (artigo 244º
TFUE); designa a personalidade a eleger pelo Parlamento Europeu como Presidente da
Comissão (artigo 17º, nº7, parágrafo primeiro, TUE); nomeia a Comissão Europeia (artigo
17º, nº7, parágrafo terceiro, TUE); e nomeia o Alto Representante (artigo 18º, nº1 TUE) e os
membros da Comissão Executiva do Banco Central Europeu (artigo 283º, nº2, parágrafo
segundo, TFUE).

A regra relativa ao modo de deliberação é o consenso, previsto no artigo 15º, nº4 TUE.
Para além desta, temos regras especiais (artigos 7º e 31º TUE) e regras especiais que excluem
o voto do Presidente e do Presidente da Comissão: artigos 235º, nº1 e 236º TFUE, relativos
às situações de maioria qualificada, e 235º, nº3 TFUE, relativo às situações em que se verifica
a regra da maioria simples.

A eleição do seu Presidente e respetivas funções estão previstas no artigo 15º, nºs 5 e
6 TUE. Destaca-se a competência de representação externa na PESC, sem prejuízo das
atribuições do Alto Representante e da competência de representação externa genérica
conferida à Comissão (art. 17º, nº1 TUE).

O Presidente do Conselho Europeu não deve ser visto como um “Presidente da União”,
mas como o presidente de uma instituição ainda de caráter intergovernamental cuja missão é
mitigar os riscos decorrentes desta natureza, já que promove a concertação entre os Estados-
membros, sendo, por isso, o mais elevado símbolo da unidade política.

Parlamento Europeu

É composto por 751 Deputados (Decisão 2013/312/EU, do Conselho Europeu), eleitos


por circunscrições estaduais de acordo com uma proporcionalidade degressiva e por sufrágio
direto (desde o Ato de 20 de Setembro de 1976, com efeitos na eleição de 1979), que
representam os cidadãos da União. Na circunscrição estadual, dispõem de capacidade eleitoral
ativa e passiva os nacionais desse Estado-membro e os nacionais de outros Estados-membros
aí residentes (artigo 20º, nº 2, alínea b TFUE).

O seu mandato é de 5 anos (artigo 14º, nº3 TUE) e é paralelo ao da Comissão. O seu
estatuto (em especial, a parte relativa à sua independência) está prevista na Decisão
2005/684/CE, da Euratom.

Funciona por sessão plenária mensal em Estrasburgo (quatro dias por mês, exceto em
Agosto) e seis sessões de dois dias em Bruxelas. Quotidianamente, funciona em comissão.
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A sua sede é em Estrasburgo (artigo 341º TFUE e Protocolo relativo à localização das
instituições).

O PE organiza-se autonomamente (artigos 231º e 232º TFUE; o Regimento do PE),


em grupos parlamentares (atualmente 8 grupos parlamentares de, no mínimo, 25 deputados
de pelo menos um quarto dos Estados-membros), fundados na afinidade política, mas que se
têm vindo a afirmar de modo partidário (artigos 10º, nº4 TUE e 224º TFUE, Regulamento
(CE) 2004/2003 do PE e Conselho, relativo ao Estatuto e Financiamento dos partidos políticos
ao nível europeu). Tem um Presidente e 14 Vice-Presidentes, que constituem a Mesa do PE.
Para além disso, tem 20 Comissões permanentes, Comissões especiais e Comissões de
inquérito, Delegações, cuja função é a representação externa e desde 2014 que organiza
intergrupos transversais.

Relativamente ao modo de deliberação, a regra é a maioria absoluta dos votos


expressos (artigo 231º TFUE), assente num quórum constitutivo de um terço (artigo 168º do
Regimento do PE). Depois, há diversas maiorias qualificadas.

Passemos agora às competências do PE. A nível constitucional, detém o poder de


iniciativa para revisão dos Tratados (artigo 48º, nºs 2 e 6 TUE), participa no processo de
revisão dos mesmos (artigo 48º, nºs 3 e 7 TUE) e aprova a adesão de novos Estados-membros
(art. 49º TUE). Exerce um poder de controlo e legitimação política, especialmente em relação
à Comissão. Assim, elege o Presidente da Comissão, aprova (antes da nomeação pelo
Conselho Europeu) a Comissão, controla-a politicamente (um controlo estreito e intenso –
artigos 17º, nº8 TUE, 225º, 230º, 234º e 318º TFUE). Pode, ainda, constituir comissões
temporárias de inquérito (artigo 226º TFUE) e eleger e propor a demissão do Provedor de
Justiça (artigo 228º TFUE). No plano internacional, aprova (artigo 218º, nº6, alínea a) TFUE)
e é consultado relativamente aos acordos internacionais que a União celebra (artigo 218º, nº6,
alínea b) TFUE). Tem também competência legislativa (não tem, contudo, iniciativa, exceto
no previsto no artigo 289º, nº4 TFUE; limita-se, pois, a dispor da prerrogativa do artigo 225º
TFUE) em codecisão necessária com o Conselho, a nível do processo legislativo ordinário,
ou participando nos processos legislativos especiais; e competência orçamental – compete-
lhe aprovar o Orçamento da União.

Conselho

É composto por um representante de cada Estado-membro ao nível ministerial com


poderes para exercer o seu direito de voto e vincular o Governo (artigo 16º, nº2 TUE).
Também podem participar o Alto Representante (artigo 18º, nº3 TUE), no Conselho dos
Negócios Estrangeiros, ao qual preside, e a Comissão.
Pode funcionar sob várias formações, determinadas pelo Conselho Europeu, de acordo
com as matérias (artigo 236º, alínea a) TFUE e Decisão 2009/878/UE, alterada pela Decisão
2010/594/EU, do Conselho Europeu). As formações mais importantes verificam-se no
Conselho dos Assuntos Gerais e no Conselho dos Negócios Estrangeiros.
Tem sede em Bruxelas, reunindo, porém, no Luxemburgo nos meses de abril, junho e
outubro (artigo 1º, nº3 do Regulamento Interno do Conselho).
A Presidência, com exceção do caso do Conselho dos Negócios Estrangeiros, é
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exercida pelos representantes dos Estados-membros no Conselho num sistema rotativo


igualitário determinado pelo Conselho Europeu (artigos 16º, nº9 TUE e 236º, alínea b) TFUE).
Este órgão tem deixado de ter caráter intergovernamental e diplomático para passar a
assumir a natureza de câmara legislativa (artigo 16º, nº8 TUE).
Para efeitos de deliberação, o quórum definido é o da maioria dos membros, sendo
possível a representação de um membro por outro através da figura da delegação (artigo 239º
TFUE). A regra é a maioria qualificada (artigo 16º, nº3 TUE) – 55% dos membros, num
mínimo de 15, representando, no mínimo, 65% da população (artigo 16º, nº4 TUE). Para além
desta, temos regras especiais, que correspondem à unanimidade – as abstenções não contam
aqui (artigo 238º, nº4 TFUE) e esta regra verifica-se apenas em domínios como a PESC, a
cidadania, a adesão de Estados à UE ou as finanças da União – e à maioria simples – votação
favorável de 15 ou mais Estados-membros. Nestes casos, a cada Estado corresponde um voto.
A votação só pode ter lugar oito semanas após o envio da iniciativa para os parlamentos
nacionais.
O Conselho tem competências em vários planos: a nível constitucional, participa na
revisão dos Tratados (artigo 48º TUE) e na adesão de novos Estados-membros (artigo 49º
TUE); desempenha a função legislativa autonomamente ou em conjunto como PE e a função
orçamental também em conjunto com este; é responsável pela definição e coordenação
políticas (artigo 16º, nº1 TUE) e pela função executiva prevista nos artigos 24º, nº1, parágrafo
segundo, e 26º, nº2 TUE (domínios da PESC), nos termos do artigo 291º, nº2 TFUE; participa,
ainda, na vinculação internacional da União por meio dos tratados que celebra (artigo 218º,
nº6 TFUE).
As reuniões do Conselho não são a instância mais adequada para a discussão técnica
e diplomática das matérias. Sentiu-se a necessidade de se instituir instâncias preparatórias,
onde os assuntos inscritos na ordem do dia das reuniões do Conselho são previamente
discutidos e polidos por funcionários e diplomatas dos Estados-membros. O Comité de
Representantes Permanentes dos Governos dos Estados-Membros (COREPER) é a principal
instância política preparatória das reuniões do Conselho, e surge na sequência dos “Acordos
de Luxemburgo”. Está previsto nos artigos 16º, nº7 TUE e 240º, nº1 TFUE, podendo, nos
termos deste último, “adotar decisões de natureza processual”, nunca se afirmando como
órgão de decisão da União. O COREPER, para além de coordenar e de preparar os trabalhos
das diversas formações do Conselho, assegura, ainda, a coerência das políticas da UE e
negoceia acordos que são seguidamente apresentados ao Conselho para adoção.
Para além do COREPER, são inúmeras as instâncias e os grupos de trabalho
preparatório altamente especializados em razão de matéria, a título permanente ou ad hoc.
Finalmente, há ainda que referir a figura do Secretário-Geral do Conselho, previsto no
artigo 240º, nº2 TFUE, que é o órgão de apoio burocrático e administrativo, que preside a
alguns grupos de trabalho do Conselho e apoia, ao abrigo do artigo 235º, nº4 TFUE, o
Conselho Europeu.

Comissão Europeia
É composto por 28 membros, nacionais dos Estados-membros (Decisão 2013/272/EU
do Conselho Europeu). A independência dos Comissários está prevista nos artigos 17º, nº3
TUE, 245º e 247º TFUE.
Tem sede em Bruxelas, embora certos serviços tenham sede no Luxemburgo (artigo
341º TFUE). A duração do seu mandato é de cinco anos (artigo 17º, nº3 TUE).
O procedimento de constituição da Comissão é extremamente complexo e está
regulado no artigo 17º, nº7 TUE e na Declaração 11. Assim, após as eleições para o
Parlamento Europeu, o Conselho Europeu (através de maioria qualificada) propõe o
Presidente da Comissão, que será depois eleito pelo PE (maioria absoluta dos membros que o
compõem – artigo 14º, nº1 TUE). Depois, cada Estado-membro apresenta uma lista de
63
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candidatos a Comissário. De seguida, o Conselho e o Presidente eleito adotam a lista dos


membros a nomear, de acordo com os critérios do nº 3, parágrafo 2, e nº 5, parágrafo 2, do
artigo 17º TUE. O Parlamento Europeu aprova colegialmente os membros escolhidos para a
Comissão e, por fim, o Conselho Europeu nomeia a Comissão (por maioria qualificada).
O Alto Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança é
membro da Comissão, um dos seus vice-presidentes, e é nomeado por maioria qualificada do
Conselho Europeu, com acordo do Presidente da Comissão – artigo 18º, nº1 TUE. As suas
competências estão previstas nos artigos 18º, nºs 2 e 4 e 27º TUE. Tem uma função
preparatória e executiva da PESC (artigos 24º, 26º, 27º e 32º TUE) e atua dentro da
competência de representação externa genérica prevista para a Comissão (artigos 27º, nº2 e
34º TUE); preside ao Conselho dos Negócios Estrangeiros (artigo 18º, nº3 TUE); e dirige o
Serviço Europeu para a Ação Externa (artigo 17º, nº3 TUE). Partilha com o Presidente do
Conselho a representação externa da União e o papel de concertação política e partilha com
os Estados-membros a execução da PESC.
Abstratamente, a Comissão promove o interesse geral da União na missão de assegurar
a coerência e transparência das ações da União e de realizar amplas consultas. A função de
“guardiã” dos Tratados que lhe é confiada vem já das Comunidades e concretiza-se no poder
de fiscalizar o modo como as restantes instituições da União, os Estados-membros e até as
empresas e particulares aplicam e cumprem o direito da União.
Relativamente à função executiva de coordenação e gestão, note-se que é multiforme,
tendo a Comissão Europeia competência para, nos termos do artigo 290º, nº1 TFUE, adotar
atos regulamentares delegados com alcance normativo e, segundo o artigo 291º, nºs 2 e 3
TFUE, executar uniformemente os atos vinculativos da União, estabelecendo as respetivas
condições. O nº3 do artigo 291º TFUE revela-nos a realidade da “comitologia”, designa a
forma como a Comissão exerce as competências de execução que lhe são atribuídas pelo
legislador da UE, com a ajuda de comités de representantes dos países da UE, que discutem
os projetos de atos de execução que lhes são apresentadas pela Comissão, apoiando-a no
exercício das suas competências de execução, emitindo pareceres sobre os projetos de atos de
execução antes de serem adotados. Ainda dentro da função da execução, coordenação e de
gestão, importa destacar os largos poderes de administração da Comissão, que gere o pessoal,
os meios materiais e recursos financeiros da União, executando o orçamento (artigo 317º
TFUE) e prestando contas dessa execução ao Parlamento Europeu e ao Conselho.
Quanto à competência legislativa, a Comissão dispõe (tendencialmente) do monopólio
da iniciativa legislativa, elemento original da construção europeia que deriva do chamado
“método comunitário”, ampliado pelas limitações impostas pelos Tratados a alterações às
propostas da Comissão (artigo 293º TFUE). A Comissão só dispõe tendencialmente do
monopólio da iniciativa legislativa porque esta pode, em determinadas circunstâncias
previstas nos Tratados, ser exercida por um grupo de Estados-membros, pelo Parlamento
Europeu, por recomendação do Banco Central Europeu, a pedido do Tribunal de Justiça ou
do Banco de Investimento (artigo 289º, nº4 TFUE). No caso específico da cooperação
reforçada, a Comissão tem também competência de iniciativa, mas sob proposta dos Estados-
membros, nos termos do artigo 329º, nº1 TFUE.
A Comissão tem importantes poderes de representação externa da União, salvo no
âmbito da PESC, participando, inclusive, na negociação de tratados internacionais, por força
dos artigos 207º, nº3 e 218º TFUE. Será relevante, pois, concluir que, a nível de representação
externa, a União Europeia conta com quatro figuras: o Presidente da Comissão Europeia, o
Alto Representante, o Presidente do Conselho e o Presidente do Conselho Europeu.
Resta-nos referir a função consultiva prevista, por exemplo, no artigo 49º TUE.
Poder-se-á pensar que a Comissão corresponde ao executivo da União. Contudo, não
será assim: primeiro, porque a competência executiva é partilhada entre a Comissão e o
Conselho; e segundo, porque o primado da atividade executiva do direito da União é, à luz do
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artigo 291º, nº1 TFUE, responsabilidade das administrações nacionais.


Será importante referir também que a Comissão é politicamente responsável perante
o Parlamento Europeu, nos termos dos artigos 17º, nº 8 TUE e 234º, parágrafo segundo,
TFUE.
O poder do Presidente na organização interna da Comissão está previsto no artigo 17º,
nº6 TUE. Esta figura deixou de ser mero representante formal da instituição para passar a ser
primus supra partes, pelo que terá, até, poder de demitir os comissários. A Comissão tem
natureza colegial (artigo 17º, nºs 7 e 8 TUE) e delibera por maioria dos seus membros (artigo
250º TFUE).

Tribunal de Justiça da União Europeia


É uma instituição única, formada por vários tribunais, entre os quais o Tribunal de
Justiça, o Tribunal Geral e potenciais tribunais especializados que possam surgir (artigo 19º,
nº1, parágrafo primeiro, TUE).
Exerce a função judicial, ainda que não seja a única estrutura orgânica de efetivação
judicial do Direito da União: os tribunais nacionais são os tribunais comuns da UE, não
organicamente, mas funcionalmente (artigos 4º, nº3 TUE e 19º, nº1, parágrafo segundo, TUE
e Parecer 1/09, de 8/03/2011).
As suas competências estão sujeitas ao princípio da atribuição, mas manifestam-se nas
mais diversas áreas: cível/administrativa (artigo 268º TFUE), internacional (artigos 258º a
268º TFUE em especial, artigo 267º), administrativa (artigo 263º TFUE) e constitucional
(artigos 218º e 263º TFUE). Os limites ao exercício destas competências encontram-se nos
artigos 275º e 276º TFUE.

a) Tribunal de Justiça
É composto por um juiz por cada Estado-membro (artigo 19º, nº 2, parágrafo primeiro,
TUE) e por onze Advogados-Gerais, cuja natureza e missão estão previstas no artigo 252º,
parágrafo segundo, TFUE. Os membros do Tribunal de Justiça são escolhidos à luz dos
critérios previstos nos artigos 19º TUE e 253º TFUE, tendo que, por isso, apresentar
competências e garantias de independência para o cargo que vão desempenhar. Depois, são
nomeados por comum acordo dos governos dos Estados-membros (artigos 19º, nº2, parágrafo
segundo, TUE e 253º, parágrafo primeiro, TFUE), considerando sempre o parecer do comité
previsto no artigo 255º TFUE (v. Decisão 2014/76/UE, do Conselho). O seu mandato é de
seis anos, com substituição parcial dos membros do Tribunal e possibilidade de renovação
(artigos 253º TFUE e 9º Estatuto do Tribunal de Justiça).
Funciona permanente e colegialmente. Por norma, reúne em secções de três e cinco
juízes (artigos 251º TFUE e 16º, parágrafo primeiro, Estatuto TJ), podendo também reunir em
Grande Secção (15 juízes – artigos 251º TFUE e 16º, parágrafo segundo, Estatuto) ou em
tribunal pleno (artigos 251º TFUE e 16º, nºs 3 e 4 Estatuto). As deliberações fazem-se por
maioria dos juízes presentes, embora o tribunal só possa reunir e deliberar validamente com
um número ímpar de juízes. As audiências são públicas e a deliberação é secreta.
O Presidente do TJ é designado pelos juízes por três anos e tem importantes poderes
de organização funcional e processual do Tribunal.
Destacamos as seguintes competências do TJ:
 Reenvio prejudicial, apesar do disposto no artigo 256º, nº3 TFUE. Contudo, a
verdade é que os Estatutos, chamados a complementar o artigo, são omissos quanto
à matéria em causa, tendo a competência permanecido no Tribunal de Justiça (v.
artigo 267º TFUE);
 Ação por incumprimento dos Estados-membros (artigos 258º TFUE);

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 Recursos de anulação e por omissão de atos do PE e/ou Conselho interpostos por


um Estado-membro (artigos 263º e 265º TFUE), com exceção dos atos do
Conselho em matéria de auxílios de Estado, de dumping e dos atos de execução;
 Recursos interpostos por uma instituição contra atos de outra instituição (artigo
51º do Estatuto);
 Recursos contra um ato ou uma omissão da Comissão (331º TFUE – cooperação
reforçada);
 Recursos das decisões do Tribunal Geral em matéria de direito (artigo 256º, nº1,
parágrafo segundo, TFUE);
 Reapreciação das decisões do Tribunal Geral (artigos 256º, nº2, parágrafo
segundo, e 256º, nº3, parágrafo segundo, TFUE).

b) Tribunal Geral
É composto por, pelo menos, um juiz por Estado-membro (artigos 19º, nº 2, parágrafo
segundo, TUE e 254º TFUE). Atualmente, tem 45 juízes. Os membros do Tribunal Geral são
escolhidos à luz dos critérios previstos nos artigos 19º TUE e 254º TFUE, tendo que, por isso,
apresentar competências e garantias de independência para o cargo que vão desempenhar.
Depois, são nomeados por comum acordo dos governos dos Estados-membros (artigos 19º,
nº2, parágrafo segundo, TUE e 254º, parágrafo primeiro, TFUE), considerando sempre o
parecer do comité previsto no artigo 255º TFUE (v. Decisão 2014/76/UE, do Conselho). O
seu mandato é de seis anos, com substituição parcial dos membros do Tribunal e possibilidade
de renovação (artigos 253º TFUE e 9º Estatuto do Tribunal de Justiça). Para além disso, os
seus juízes podem ser chamados a desempenhar a função de advogados-gerais (artigo 49º
Estatuto).
Pode reunir em secções de três ou cinco juízes, em Grande Secção de 13 juízes ou em
Tribunal plenário. Para além disso, cada Juiz pode atuar singularmente. Tal como acontece no
Tribunal de Justiça, as deliberações fazem-se por maioria dos juízes presentes, as audiências
são públicas (artigo 31º Estatuto) e a deliberação é secreta (artigo 35º Estatuto).
O Presidente do TG é designado pelos juízes por três anos e tem importantes poderes
de organização funcional e processual do Tribunal.
São competências do TG:
 Recursos de anulação e por omissão (artigos 263º e 265º TFUE);
 Decidir com fundamento em cláusulas compromissórias, salvo nos casos
reservados ao TJ (artigo 272º TFUE);
 Recursos das decisões dos tribunais especializados (por exemplo, o Tribunal da
Função Pública) em matéria de direito (artigo 256º, nº2 TFUE);
 Reenvio prejudicial, embora não efetivado nos Estatutos.

Os procedimentos de decisão
O processo legislativo ordinário e os processos legislativos especiais
Estes procedimentos passam pelo triângulo institucional – Comissão, Conselho e
Parlamento Europeu

a) Processo legislativo ordinário (artigo 294.º):

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A proposta da Comissão é apresentada ao


Conselho e ao Parlamento Europeu e é enviada aos
parlamentos nacionais para que seja apreciada a nível
subsidiário. Temos uma participação do Comité de
Representantes Permanente, que fará um trabalho de
intermediação entre a Comissão e o Conselho. Há
sempre, da parte do Parlamento Europeu, propostas de
emenda no debate que vai tendo lugar.
A este propósito é relevante um nome: trílogos,
que correspondem ao trabalho desenvolvido em termos
informais por representantes das três instituições,
incluindo o COREPER, através do qual se procura
fazer um trabalho de aproximação das propostas que
permita de alguma forma fazer com que o
procedimento tenha um curso menos sinuoso. Os
trílogos são objeto de alguma crítica, por
corresponderem a um trabalho que é feito “nos
bastidores”, sem um escrutínio por parte dos membros
do Parlamento Europeu.
Temos uma outra leitura com base na posição
do Conselho, na qual o PE propõe emendas ao texto
original. Temos, depois, uma segunda leitura do
Conselho, que pode não aprovar as emendas e assim o
procedimento entrará numa terceira fase, que, por norma, se tenta evitar - o Comité de
Conciliação. Este expediente é visto como uma desvalorização da Comissão, que, apesar de
estar representada, conta apenas com um membro no CDC, enquanto que o Conselho e o
Parlamento Europeu são representados por 28 membros, cada um.
Para se evitar esta instância, acaba-se por valorizar a negociação informal prévia, uma
vez que aqui a proposta da Comissão já terá alterações. Espera-se que, no máximo, em 8
semanas se alcance um texto final, que pode ser profundamente diferente da proposta
originária. A Comissão tem o direito de retirar a proposta, exceto nos casos em que se chega
ao CDC.
Finda esta fase, temos uma aprovação final pelo Conselho e pelo PE. Se qualquer uma
destas instituições não aprovar o ato, este não é adotado, ainda que os representantes do CDC
tivessem chegado a acordo relativamente à sua redação final. Por norma, isto não se verifica,
dado que todo o trabalho que precede a redação final vai nesse sentido.

b) Processos legislativos especiais (artigo 289.º nº2 TFUE):

São mais simplificados e refletem aquilo que era o modelo internacional de decisão
até ao Ato Único Europeu.

O ato é do Conselho e do Parlamento Europeu (colegislação). O autor é uma única


instituição: ou o PE ou o Conselho, como visível no esquema que se segue. Há uma proposta
da Comissão, que pode ser da iniciativa da própria instituição, com a colaboração do
Conselho, por exemplo, através de parecer. O mais comum será um ato do Conselho com a
participação do Parlamento Europeu, resultante de uma proposta da Comissão. Temos
decisões distintas, que tanto podem ser por maioria qualificada como por unanimidade,
consoante o que estiver previsto.

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Autor: Aprovação (v.g. art.


223º nº 2 TFUE)
PE - com a participação do Conselho

CONSELHO – com a participação do PE Aprovação (v.g.


art. 19º, nº 1)
TFUE

Consulta (v.g. art.


21º, nº 3 TFUE)

c) Outros procedimentos
 Não legislativos - PESC;
 Atos regulamentares e de execução (artigos 290.º e 291.º TFUE): estão sujeitos à
colaboração dos Comités da Comitologia, compostos por representantes dos Estados.
O ato continua a ser uma iniciativa da própria Comissão e um regulamento da mesma,
podendo apenas o Parlamento intervir em situações imprevistas.
 Atos internos das instituições;
 Iniciativa: pode ser dos Estados-Membros ou, quando se tratam da organização destes
órgãos, eles também poderão intervir - EM, PE, BCE, TJ ou Banco Europeu de
Investimento (artigo 289.º nº4).

Contencioso:

 Processo de reenvio prejudicial:


o Disposições normativas: artigo 267.º TFUE, artigo 23.º ETJ, artigos 93.º e ss
do RPTR.
o O artigo 267.º prevê que quando um tribunal nacional tenha perante si um
litígio no qual seja pertinente o DUE, pode ou deve realizar um reenvio das
questões respeitantes à interpretação ou à validade do DUE para o TJ.
o O reenvio é um mecanismo de diálogo entre tribunais - tribunais nacionais e
TJ -, como estabelecido de acordo com determinados requisitos associados à
natureza de um tribunal.
o O primeiro requisito é o reenvio ser feito por um tribunal, com as respetivas
caraterísticas. Em princípio, o tribunal pode ser uma entidade que se integra na
orgânica administrativa (v.g. em matéria fiscal, autoridades da administração
fiscal que têm poderes jurisdicionais). Em princípio, tribunais arbitrais não
podem fazer reenvios, embora se tenham vindo a admitir exceções (v.g.
arbitragem obrigatória, imposta por lei, cumprindo-se o requisito. Deu-se isto
com uma empresa portuguesa, a Ascendi, colocando o tribunal arbitral
questões ao TJ).
o O segundo requisito é estarmos perante um litígio - um reenvio não serve para
elucidar os juízes, é necessária a existência de um litígio, caso contrário o
reenvio poderá ser considerado inadmissível. O reenvio serve para que o TJ se
pronuncie sobre a validade do DUE, sendo pertinente para julgar aquele litígio.
Neste sentido temos dois tipos de reenvio: o reenvio de interpretação e o
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reenvio de validade. No reenvio de interpretação, pede-se ao tribunal que


interprete normas do DUE, de qualquer fonte de Direito do mesmo.
Relativamente ao segundo tipo, não há um controlo de validade em relação ao
Direito primário, a validade está determinada com a instituição dos mesmos
tratados; o reenvio nunca poderá ser para declarar a invalidade de um tratado.
o A terceira caraterística é o reenvio ser facultativo ou obrigatória. É obrigatório
quando o tribunal nacional decide sem recurso ordinário da sua decisão,
estando obrigado a fazer o reenvio ao TJ para interpretação ou pronúncia sobre
a validade de uma norma de DUE. Há decisões que não podem ser objeto do
recurso por não terem valor/alçada suficiente para tal, no caso português, o que
levou a uma polémica em relação a que tribunais deverão estar obrigados a
fazer o reenvio, dado a não existência de recurso ordinário. O tribunal inclina-
se para um critério material neste sentido, uma vez que se um processo no
tribunal nacional, mesmo que não esteja nos tribunais supremos, mas da sua
decisão não houver recurso, esse tribunal estará obrigado a efetuar o reenvio
nos termos do 267.º.

 Reenvio com tramitação acelerada;


 Reenvio com tramitação urgente: há uma detenção, então prevê-se o reenvio
urgentemente, podendo-se suprimir a fase escrita;
 Órgão judicial (jurisprudência): Acórdão Belov, C-394/11, e Acórdão Ascendi, C-
377/13;
 Teoria do Ato Claro:
o Tem de ser um ato cujo sentido não suscite qualquer ambiguidade, sendo um
ato com um sentido evidente. Temos que ter presente qual o sentido que ele
tem em todas as línguas oficiais, para que não surjam ambiguidades resultantes
das traduções (o que nunca acontece, tendo que haver comparações sobre as
várias traduções do ato para não haver interpretações diferentes);
o Acórdão Cilflit (P. 283/81, AC. 6/10/82).

 Reenvio sobre a validade: Acórdão Foto-Frost P.314/85, AC. 22/10/87. O tribunal


tem de atender que existem fundamentos sérios para questionar a validade de um ato
de DUE. A jurisprudência acaba por corrigir “falhas” do artigo 267.º.

 Ação por incumprimento:

o Regime comum - artigo 258.º a 260.º TFUE. O artigo 258.º do TFUE trata-se
de um acompanhamento aos EM para fiscalizar o tratamento do DUE e as
obrigações decorrentes do mesmo. Temos um procedimento que passa por um
parecer fundamentado, portanto, quando a Comissão entende que um EM não
cumpriu uma obrigação decorrente do DUE, como a implementação de uma
diretiva. O artigo 259.º TFUE vem permitir que outros EM façam esse
acompanhamento e possam acionar um Estado, sendo situações excecionais
(apenas existem 2 casos até hoje).
o Regimes especiais - artigo 114.º/9, 126.º/10 e 348.º TFUE.
o Pré-contencioso: passa por um diálogo com o Estado. Perante uma denúncia
ou uma suspeita oficiosa de incumprimento, nomeadamente em virtude da falta
de comunicação de medidas de implementação de uma diretiva, iniciam-se
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contactos informais entre a Comissão e os responsáveis nacionais. Esta fase


não está disposta normativamente, no entanto é real. Espera-se uma alteração
do comportamento do Estado, no entanto, se o diálogo não fortificar, aí sim
inicia-se o procedimento formal, previsto no artigo 258.º TFUE. No entanto,
não se inicia com um parecer fundamentado, inicia-se com uma notificação
para cumprir, na qual são solicitados esclarecimentos, em regra no prazo de
dois meses.
o Segue-se o parecer fundamentado: surge com um pedido formal para que o
direito que a Comissão entende que está a ser infringido seja acatado, em que
a Comissão convida o Estado a comunicar as medidas necessárias para tal, em
regra no prazo de dois meses. Fixa o objeto da ação e delimita o mesmo, de
maneira a que a Comissão não possa vir a invocar outras violações que não
foram colocadas no parecer fundamentado - daí a sua importância.
o Fase contenciosa: é a ação declarativa condenatória do tribunal, em geral de
acordo com o artigo 260.º/1 TFUE, passando por uma petição da Comissão na
qual esta refere ao tribunal que o mesmo condene o Estado por incumprimento.
Não é uma ação com alcance executório nem vai modificar nada no Estado,
apenas quer condenar o Estado e coagi-lo a adotar as medidas necessárias para
eliminar o incumprimento. É o poder discricionário da Comissão, que se
evidencia também pela hipótese de desistência.
o Incumprimento do acórdão da primeira ação: o incumprimento do acórdão da
primeira ação permite à Comissão intentar uma segunda ação, com um
procedimento pré-contencioso simplificado - simplesmente com um aviso
prévio ao Estado para apresentar observações, - no qual o Estado será
condenado numa sanção pecuniária fixa determinada pela gravidade e pela
extensão temporal do incumprimento, ou numa sanção pecuniária compulsória
por cada dia em que permaneça em incumprimento. É uma ação com função
condenatória e função de tutela sancionatória.
o Recurso de anulação: este regime é simultaneamente contencioso de legalidade
e de controlo da constitucionalidade. É o controlo da legalidade, em sentido
amplo, por um lado constitucional (controlo da validade de atos de direito
secundário face ao primário) e por um lado controlo de legalidade stricto sensu
(quando apreciamos a conformidade de um ato delegado ou de execução com
o ato base). É ainda administrativo, por ex. uma empresa pode entender que
uma decisão padece de vícios, podendo-se vir a anular a decisão. Se o recurso
de anulação é interposto por uma instituição ou um Estado, a competência em
princípio é do TJ (a não ser que seja uma exceção, v.g. dumping).
o Legitimidade passiva: os autores do ato impugnado.
o Legitimidade ativa:
 Recorrentes privilegiados: não têm que demonstrar qualquer interesse
na impugnação. Têm legitimidade no interesse do Direito, não tendo
de demonstrar a relação do ato com qualquer direito, nem têm de
demonstrar interesse processual - EM, Conselho, Comissão e PE (2º§
do art. 263.º TFUE).
 Recorrentes semiprivilegiados: são recorrentes institucionalmente
interessados, pois apenas podem requerer a anulação de atos que
afetem as respetivas prerrogativas - BCE, Tribunal de Contas, Comité
das Regiões (3.º§ do artigo 263.º TFUE);
 Recorrentes ordinários (4§ do artigo 263.º): pessoas singulares e
coletivas (abrange órgãos dos Estados, v.g. autarquias e outras),
quando são afetados pelos atos ou quando há um desvio do poder, por
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exemplo. É de tal modo restritiva que pode qualificar-se de excecional.


A jurisprudência do TJ tem mantido essa posição restritiva e o
alargamento introduzido no Tratado de Lisboa deixa ainda de fora
situações em que os particulares não dispõem de qualquer outro meio
de tutela jurisdicional (Caso Inuit).

A primeira justificação deste expediente reside no artigo 19º, nº 1, parágrafo


segundo, TUE – cabe aos Estados-membros proporcionarem as vias de recurso
necessárias –, mas tal não impõe a criação de uma via de recurso específica quando a
situação não encontre cabimento nas vias estabelecidas no direito nacional.

Os recorrentes ordinários podem impugnar três categorias de atos:

  Os atos de que são destinatários;


 Os atos normativos dirigidos a outras pessoas que lhes digam direta e
individualmente respeito (v. caso Upa). A afetação direta existe quando o ato
em causa produz por si efeitos na situação jurídica do particular por não deixar
 qualquer margem de apreciação na respetiva aplicação (v. caso International
Fruit Company). Já a expressão “individualmente” diz respeito às situações
que afetam o agente em razão de determinadas qualidades que lhe são
específicas ou em razão de uma situação de facto que o caracteriza em relação
a qualquer outra pessoa e, por isso, o individualiza de modo análogo ao do
destinatário, tratando-se, por isso, de uma afetação radicalmente distinta de
 todos os outros (v. acórdão Plaumann);
 Os atos regulamentares que lhes digam diretamente respeito e não necessitem
de medidas de execução. Aqui alarga-se a legitimidade dos particulares
quando não se exige a afetação individual. Por outro lado, excluem-se os atos
legislativos, interpretando o TJ a expressão “atos regulamentares” em sentido
estrito.
Diz o artigo 275º que o Tribunal não é competente no que diz respeito às
disposições relativas à PESC. Contudo, o mesmo artigo define que “o Tribunal é
competente para controlar a observância do artigo 40º TUE e para se pronunciar sobre
os recursos interpostos nas condições do quarto parágrafo do artigo 263º TFUE, relativos
à fiscalização da legalidade das decisões que estabeleçam medidas restritivas contra
pessoas singulares ou coletivas, adotadas pelo Conselho”.

Nos termos do artigo 8º do Protocolo relativo à aplicação dos princípios da


subsidiariedade e da proporcionalidade, o Tribunal também “é competente para
conhecer dos recursos com fundamento em violação do princípio da subsidiariedade por
um ato legislativo que sejam interpostos nos termos do artigo 263º TFUE por um Estado-
Membro, ou por ele transmitidos”.

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