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DUE I - sebenta

Direito da União Europeia II (Universidade de Coimbra)

A Studocu não é patrocinada ou endossada por alguma faculdade ou universidade


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Direito da União Europeia I

Victor Quelhas Montaño

3ª turma, 2019/2020

Professor: Miguel Gorjão-Henriques

Base: aulas práticas A.P e P.O e sebentas Maria Paixão, Tomás Cunha e Liliane Andrade.

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Esta sebenta visa corrigir erros e clarificar o estudo em relação a materiais já


anteriormente produzidos, não é de se esperar inovação quanto a apresentação de conteúdo.

Sumario breve de conceitos e abreviações:

Como conceitos apriorísticos, nos importa afigurar a existência de certas instituições


no seio da União Europeia:

• Parlamento Europeu: órgão político-legislativo da UE. É diretamente eleito


pelos cidadãos europeus de cinco em cinco anos.
• Conselho Europeu: órgão fundamentalmente político. Define a agenda
política da UE e, portanto, tem sido considerado o motor da integração
europeia.
• Conselho da União Europeia (referido como o Conselho): órgão político; reúne-
se em diferentes formações: política externa, economia e finanças, agricultura,
educação, telecomunicações etc.
• Comissão Europeia (referida como Comissão): representa e defende os
interesses da União Europeia (UE) na sua globalidade. Propõe além da
legislação, política e programas de ação
• Tribunal de Justiça da União Europeia: órgão de controlo
• Banco Central Europeu: órgão auxiliar
• Tribunal de Contas: órgão auxiliar

Também é de se atentar que são importantes as seguintes abreviações:

• CECA = Comunidade Europeia do Carvão e do Aço


• CEE = Comunidade Económica Europeia
• EURATOM = Comunidade Europeia da Energia Atómica
• AUE = Ato Único Europeu
• TUE = Tratado da União Europeia
• TFUE = Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
• ETJUE = Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia
• PESC = Política Externa e Segurança Pública
• TJUE = Tribunal de Justiça da União Europeia
• BCE = Banco Central Europeu
• PTCE = Projeto de Tratado Constitucional Europeu
• ARUNEPS = Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a
Política de Segurança

Jurisprudência indicada (extra):

1. Caso Van Duyn


2. Caso Marismas de Santoña
3. Acórdão Delena Wells
4. Acórdão Simmenthal
5. Acórdão Foto Frost

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História e tratados principais

1. História

No fim da Segunda Guerra Mundial, o problema da reconstrução, estabilização e


defesa da Europa colocou-se com especial acuidade. A tentativa de criar um quadro político,
económico e social para Europa insere-se no contexto mais vasto da erupção do
multilateralismo que se seguiu àquele conflito.

Através da conferência de Bretton-Woods e a elaboração do Plano Marshall os EUA


ajudam a Europa com sua reconstrução económica no contexto da Guerra Fria. Uma das
condições sine qua non desse plano era a assunção, por parte dos europeus, da
responsabilidade de edificarem instituições e procedimentos que possibilitassem a cooperação
política e a reconstrução económica. A cooperação França-Alemanha era vista como essencial.

No pós-guerra assiste-se a uma proliferação de organizações de base regional


europeia: OCEE, NATO, UEO, OCDE etc. Em 1950, Robert Schumann, primeiro-ministro francês,
avança com a ideia de construção de uma comunidade europeia que, através de realizações
concretas e pacíficas, conseguisse aprofundar os laços de solidariedade entre os povos
europeus, com base num acervo de valores capazes de fazer face ao totalitarismo fascista e
comunista.

2. Os tratados fundadores

O projeto europeu assentou em dois tratados fundadores. O tratado de Paris, em


1951, que instituía a Comunidade Europeia de Carvão e do Aço (CECA), tendo como
contratantes a França, República Federal Alemã, Bélgica, Itália, Holanda e Luxemburgo.
Assumia a ratio de evitar conflitos bélicos ao submeter tais matérias-primas ao controlo de
uma autoridade independente, contribuindo também para um desenvolvimento económico
mais harmonioso. Caracterizava-se pela supranacionalidade e federalismo funcional.

Em 1957 é celebrado o Tratado de Roma, pelo qual se institui a Comunidade


Económica Europeia (CEE), organização internacional com características inovadoras. Previa-se
um processo de integração por fases, começando pela criação de uma União Aduaneira e
progredindo para o estabelecimento de um mercado único (reporta-se ao GATT 1947),
assentando nos princípios da livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais.

Seguir-se-ia uma fase ulterior de união económica e monetária. A edificação de uma


união política permanecia como objetivo longínquo. O mesmo tratado procedeu à criação da
Comunidade Europeia da Energia Atómica, num contexto pós Hiroshima e Nagasaki e assente
no pressuposto da generalização da energia nuclear como base de desenvolvimento
económico.

Numa Convenção anexa ao Tratado de Roma estabeleceu-se o Tribunal de Justiça e o


Parlamento Europeu, como órgão comum às três comunidades, e o Comité Económico e
Social, como órgão comum da CEE e da CEEA. Pela via do Tratado de Bruxelas operou-se a

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fusão dos principais órgãos de direção e decisão das três comunidades, passando a haver
apenas um Conselho e uma Comissão.

A Cimeira de Haia, em 1969, veio concretizar uma significativa mudança, anunciando


três objetivos primordiais:

• Alargamento: adesão do Reino Unido, Irlanda Dinamarca (1973); Grécia


(1981); Portugal e Espanha (1986); Áustria, Finlândia e Suécia (1995); países de
Leste (2004, 2007 e 2013).
• Aperfeiçoamento: o modo de funcionamento das Comunidades deverá ser
progressivamente agilizado ou facilitado.
• Aprofundamento: ampliação das áreas de competência da UE.

3. O Ato Único Europeu (1986)

O Ato Único Europeu veio convencionar autonomamente uma política de cooperação


europeia, procedendo a uma revisão dos tratados fundamentais.

• Introduziu-se a ideia da criação de uma União Europeia;


• Institucionalizou o Conselho Europeu como instância de cooperação política não
sujeita aos procedimentos dos órgãos das Comunidades anteriores;
• Operou-se a primeira reforma do sistema institucional comunitário: houve um
aumento das matérias que era decididas pelo Parlamento Europeu por maioria
qualificada, consequentemente criaram-se procedimentos de decisão novos e houve
ainda a limitação do exercício das funções do Conselho;
• Aumentou o leque de atribuições comunitárias, introduzindo o objetivo de coesão
económica e social.

4. O Tratado da União Europeia (TUE)

Este é o Tratado de Maastricht, através dele procede-se à criação da UE, que não
substitui as outras Comunidades anteriormente criadas, mas sim coexiste com elas
funcionando externa e paralelamente às mesmas. Cria-se também institutos integrativos antes
não previstos e novas políticas de prossecução da União. Nascem assim as seguintes figuras:

• A União Económica e Monetária:

A criação dessa figura é acompanhada pela previsão de um processo em três fases que
deveria conduzir, após 1 de janeiro de 1999, à instituição da moeda única. Foram instituídos
órgão de competência específica e de competência decisória como o Sistema Europeu de
Bancos Centrais (SEBC) e o Banco Central Europeu (BCE).

O funcionamento do BCE caracteriza-se pela independência relativamente aos


Governos nacionais e às instituições europeias. Abolhe-se o exercício de competências
normativas e consultivas. Foram ainda transferidas para o BCE competências monetárias e
financeiras nos domínios de emissão da moeda, da política monetária, da política cambial, da
fixação das taxas diretoras e da regulação das instituições de crédito.

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• A cidadania europeia:

O conceito de cidadania europeia assenta do direito de livre circulação e residência, no


direito de sufrágio ativo e passivo nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu, no
direito à proteção diplomática fora da UE por qualquer Estado-membro e no direito de petição
e queixa perante os órgãos da UE.

A cidadania europeia funda-se num estatuto de igualdade jurídica, assente no princípio


da proibição da discriminação em razão de nacionalidade. Trata-se de uma cidadania
complementar e de sobreposição, dependente das leis da nacionalidade dos Estados-
membros, que não pretende substituir. A definição dos critérios de atribuição da
nacionalidade é competência dos Estados-membros, não existindo uma “Lei da Nacionalidade”
de âmbito europeu.

5. O Tratado de Nice

Os objetivos que presidiram à conclusão deste tratado foram:

• Reforma institucional: alteração da composição da Comissão e maioria


qualificada no Conselho;
• Desenvolvimento das cooperações reforçadas;
• Alargamento da competência do Tribunal de Justiça;
• Cooperação judiciária em matéria penal (criação do Eurojust);

No centro das reformas institucionais levadas a cabo no Tratado de Nice esteve a


preocupação com os alargamentos que previam, e que, ocorrendo em 2004 e 2005,
determinaram a entrada para a UE dos países da Europa de Leste. Estas reformas manifestam
um reforço do peso dos Estados com mais densidade demográfica.

6. Da Constituição Europeia ao Tratado de Lisboa

A. Projeto de Tratado Constitucional Europeu

Após a entrada em vigor do Tratado de Nice, a UE sofre um período de profunda mutação


marcado por três fatores principais:

• O alargamento da UE a 12 novos Estados-membros que, como se disse, são na


sua maioria países de leste, ex-países comunistas;
• A refundação constituinte da UE devido à cessação da vigência do Tratado de
Paris, em 2002;
• O aumento das áreas de atuação da UE fez com que o direito comunitário
aumentasse as suas áreas de tensão com o direito constitucional. O Tribunal
de Justiça da UE foi transformando os Tratados numa verdadeira Carta
Constitucional.

Estes desenvolvimentos afiguram-se controvertidos do ponto de vista histórico-


institucional e jurídico-político: na generalidade dos Estados-membros o termo Constituição
surge em regra ligado à expressão última da soberania de uma comunidade política
independente. Assim, sustentam-se duas posições: Alguns defendem que a UE, por exercer

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prerrogativas de soberania, tem forçosamente de ter uma Constituição e outros duvidam que
a dita constitucionalização dos tratados constitutivos tenha atingido um estado de plenitude
constituinte que implique a criação de uma nova Grundnorm.

Um dos domínios em que a questão se faz sentir prende-se com a problemática de revisão
dos tratados. O art. 48º TUE estabelecia as normas que regulam o procedimento para a sua
revisão, à semelhança das normas constitucionais que regulam o poder constituinte
derivado. A este propósito alguns interrogavam-se se seria legítimo aos Estados-membros
adotarem outros procedimentos de revisão dos tratados (de acordo com a Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados – documento de direito internacional público). A
jurisprudência comunitária tem dado uma resposta negativa a esta questão. A dimensão
constitucional dos tratados parece prevalecer sobre a sua natureza jurídico-internacional.
Em todo o caso, ela ainda não foi ao ponto de desativar a soberania internacional dos
Estados-membros transformando-os em meros Estados federados. A verdade é que o
avanço do direito da UE tem aumentado as preocupações de muitos Estados membros com
a sua identidade nacional.

Em 2001, os Chefes de Estado e de Governo da UE decidiram convocar uma Convenção


sobre o Futuro da Europa, cujos trabalhos decorreram entre 2002 e 2003. Foi então que ganho
consistência o objetivo de criar uma Constituição para a UE, capaz de reforçar a respetiva
legitimidade, unidade de ação e credibilidade internacional. O Projeto de Tratado
Constitucional foi assinado em 29 de outubro de 2004. As principais manifestações do caráter
constitucional deste tratado eram:

• A expressão “constituição”, claramente assumida no documento;


• A adoção de um hino (Hino à Alegria), de uma bandeira e da divisa de “unidade
na diversidade”;
• Adoção de uma Carta de Direitos Fundamentais da UE;
• Os regulamentos passavam a serem designados leis e as diretivas por leis-
quadro;
• Instituição de um Presidente do Conselho Europeu e um Ministro dos Negócios
Estrangeiros;
• Reforço do princípio democrático no seio da UE, nas suas dimensões
parlamentar, direta e participativa.
• Abolição dos três pilares e da CEEA e CE, estabelecendo-se a UE como
sucessora daquelas organizações, assente num único pilar.

O PTCE foi abandonado pois um duplo “não” nos referendos em França e na Holanda
determinaram a não ratificação daquele projeto. Estes acontecimentos motivaram um período
de reflexão, a que se segui uma tentativa de recuperar o Tratado a tempo das eleições para o
Parlamento Europeu.

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B. O Tratado de Lisboa

O Tratado de Lisboa, assinado em 2007 e em vigor desde 2009, remete


incontornavelmente para o PTCE, tanto na sua génese, como no seu conteúdo. Foi ratificado
pelos parlamentos de todos os Estados, com exceção da Irlanda. Quanto ao seu conteúdo, o
Tratado de Lisboa funciona como uma solução de compromissos. Por um lado, se ele mantém
algumas caraterísticas do PTCE; por outro, ele introduz algumas alterações no equilíbrio
institucional que aquele projeto propunha. Formalmente, contém dois artigos que introduzem
alterações no TUE e no TCE, passando este último a designar-se como. Tratado sobre o
Funcionamento da UE (TFUE). Esta solução compreende- se na medida em que a UE sucede às
antigas comunidades. No seu conjunto, o TUE e o TFUE abrangem os Tratados que sustem a
estrutura institucional e normativa da UE.

Algumas das alterações relativas às instituições da UE foram as seguintes:

• Dupla legitimidade democrática do edifício constitucional europeu: tanto os cidadãos


como os Estados- membros estão representados.
• Simplificação do sistema jurídico, com a fusão da CE na UE.
• O Parlamento é reconhecido como legislador de pleno direito, em estrita igualdade
com o Conselho no processo legislativo ordinário; o Parlamento vê ainda crescerem os
seus poderes de controlo político;
• Reestruturação profunda do Conselho Europeu;
• O Conselho permanece como órgão central no exercício dos poderes legislativo e
executivo da UE, passando, no entanto, a partilhar poderes legislativos com o
Parlamento e a funcionar mediante maioria qualificada;
• Consagração, com transparência, das funções da Comissão;
• Alteração do sistema jurisdicional;
• O BCE e o Tribunal de Contas são elevados à categoria de instituição;
• É atribuído aos Parlamentos Nacionais um papel de fiscalização da ação da União.

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Natureza Jurídica do Direito da União


1. Direito da UE e direito internacional

O direito da UE, a despeito de se manifestar como ordenamento jurídico autónomo sui


generis, distinto do direito internacional, estabelece com ele uma íntima e permanente
interação. Por um lado, o direito internacional está presente na celebração dos tratados de
Paris e Roma instituidores da CECA, CEEA e CEE. Estes tratados foram aprovados e ratificados
de acordo com as regras que regem os tratados internacionais entre Estados.

Por outro lado, o mesmo faz sentir a sua influência no funcionamento do Conselho
Europeu e do Conselho, especialmente na sua formação de negócios estrangeiros. O direito
internacional mantém também a sua relevância no quotidiano da UE disciplinando as relações
que se estabelecem entre ela e terceiros Estados e organizações internacionais. Se os Estados-
membros puderem tomar iniciativas unilaterais externas nos domínios de competência da UE,
rapidamente irão comprometer a coerência e uniformidade das respetivas políticas.

Naturalmente, portanto, o direito da UE define os aspetos materiais, institucionais e


procedimentais em que se desenvolvem essas relações:

I. Ius inter gentes: traduz-se no poder de celebrar tratados internacionais. A UE, tendo
personalidade jurídica, pode celebrar tratados com um ou mais Estados ou
organizações internacionais no âmbito da política externa e de segurança comum (art.
37º TUE);
II. Ius legationis: possibilidade de estabelecer relações diplomáticas e consulares): a UE
pode estabelecer delegações em países terceiros, organizações internacionais e
conferências internacionais (arts. 32º e 35º TUE); a UE dispõe de privilégios e
imunidades junto dos próprios Estados membros, e vice-versa.

Nota-se ainda que as relações entre os Estados-membros se regem ainda pelo Direito
Internacional – que não pelo direito interno europeu – exceto na medida em que o direito
internacional tenha sido preterido a favor do direito comunitário.

No entanto, litígios entre Estados membros podem envolver a um tempo direito


internacional e direito da UE. Nestes casos deve aplicar-se o art. 344º TFUE: os Estados-
membros comprometem-se a não submeter qualquer diferendo relativo à interpretação e
aplicação de Tratados a um modo de resolução diferente daqueles previstos. A violação desta
norma conduz a um processo por incumprimento do direito da UE, nos termos do art. 258º
TFUE.

2. Compatibilidade entre o direito da UE e o direito internacional

As instituições da UE devem observar o direito internacional na sua atuação, sendo os


respetivos princípios parte integrante da ordem pública comunitária. Do mesmo modo,
reconhece-se explicitamente a subordinação das instituições comunitárias aos princípios gerais
de direito internacional e reconhece-se à jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça a
sua qualidade como fonte auxiliar de direito internacional.

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Relativamente aos tratados internacionais celebrados pela UE coloca-se a questão de


saber em que termos e com que força jurídica se verifica a sua aplicação ao nível do direito
interno dos Estados-membros. Embora se verifique uma centralidade da doutrina do efeito
direto no direito comunitário, a jurisprudência comunitária não adota uma posição de “one
size fits all”. Distingue, por isso, entre os vários tratados internacionais:

I. General Agreement on Tariffs and Taxes (GATT 47): o TJUE entendeu que as
obrigações dele resultantes não são, em via de regra, suficientemente precisas,
determinadas e incondicionais para serem diretamente aplicáveis e acionáveis
pelos cidadãos europeus junto dos tribunais nacionais. Essa resolução é de fácil
compreensão se percebermos o intuito do GATT como um regulador do jogo de
trocas internacionais, assim, é de se estranhar que suas disposições sejam
invocadas por particulares contra Estados-membros de um mercado comum com
instrumentos próprios de solução de litígios.
II. GATT/OMC 1994: esse acordo é uma atualização do GATT 47. O TJUE recusou o
efeito direto dos acordos da OMC por entender que os mesmos repousam em
princípios contratuais flexíveis e condicionais, negociáveis e moldáveis pelos
poderes legislativo e executivo; excetuam-se as situações em que a Comissão
tenha decidido dar cumprimento a uma específica obrigação assumida nesse
quadro ou quando há uma remissão expressa, por parte do ato sub judice, para
uma norma precisa desses acordos. Como exemplo temos a assunção do princípio
do GATT da “most favoured nation” – não é possível dar um tratamento mais
favorável as trocas com uma nação sem que ele seja estendido aos demais
membros da OMC.

3. O direito da UE e o direito interno dos membros

A UE é uma organização supranacional dotada de caraterísticas constitucionais. Ela


estabelece, organiza e limita o exercício de poderes de autoridade pública, ao nível da UE, com
incidência nos domínios político, legislativo, administrativo e jurisdicional. E fá-lo com efeito
direto e primazia sobre o direito interno dos Estados.

Determina o art. 8º/4 CRP que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e
as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são
aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos
princípios fundamentais do Estado de direito democrático”. Está aqui em causa a integração,
na ordem constitucional portuguesa, da primazia e efeito direto do direito da UE. Salienta-se
que só estarão sujeitas a este regime as disposições das instituições europeias, quando estas
atuem no exercício das respetivas competências.

As competências da UE são determinadas nos Tratados, nos termos do art.5º TUE. O art.
3º TFUE enumera as competências exclusivas da União. Por fim, o art. 352º TFUE prevê as
chamadas “competências implícitas” da UE. Isto conduz a que os tribunais nacionais tenham a
obrigação de desaplicar o direito interno contrário ao direito da UE e de interpretar o direito
interno de acordo com o direito da UE. Mais polémica é a relação estabelecida entre o direito
da UE e o direito constitucional dos Estados-membros: há defensores da tendencial primazia

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do direito constitucional interno, da primazia do direito da UE e da tendencial paridade entre


ambos.

4. A cidadania europeia

A nacionalidade repousa num vínculo genuíno e efetivo a um determinado Estado –


vínculo derivado de nascimento, descendência ou residência. A cidadania, por sua vez, consiste
no complexo de direitos que caracterizam uma pessoa enquanto sujeito de uma determinada
comunidade. Estes dois conceitos pressupõem-se um ao outro: a nacionalidade é o vínculo
legal que corresponde ao direito a ter direitos; já a cidadania é o conjunto de direitos a que a
nacionalidade dá acesso.

Porém, no plano internacional, a cidadania tem vindo a ser distanciada da nacionalidade. A


cidadania, como conceito mais complexo, comporta três dimensões:

I. Dimensão civil: direitos inerentes à liberdade individual, liberdade de expressão e


à liberdade de pensamento;
II. Dimensão social: direito de participação no exercício do poder político (como
eleitor ou eleito), no conjunto das instituições da autoridade pública;
III. Dimensão política: direitos económicos e sociais.

A cidadania da União Europeia resulta do art. 20º TFUE: “É instituída a cidadania da


União. É cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-
Membro”.

A cidadania da União acresce à cidadania nacional e não a substitui: Como decorre do


que determina o artigo, o critério da cidadania da União não assenta em critérios próprios,
resultando na verdade de critérios de nacionalidade estabelecidos pelos Estados-membros
(nacionalidade de um Estado-membro -> cidadania europeia + cidadania nacional). Assim
quem é nacional de um Estado-membro da UE é, ipso facto, cidadão da União, sem
necessidade de qualquer declaração ou procedimento para o efeito. Por contrapartida, quem
não é nacional de um Estado-membro da União Europeia não é cidadão (ainda que a resida no
“território da UE”).

Este entendimento das coisas é criticado por alguns setores da doutrina devido ao
estatuto que é conferido a nacionais de países terceiros residentes na União. Assim, surgem
opiniões a favor da autonomização de um critério próprio para a definição de “cidadania da
União”, que desligue a cidadania da nacionalidade: deveria prevalecer um critério de
residência legal por tempo determinado.

Entre nós considera-se que a resposta mais viável seria a uniformização dos critérios
de nacionalidade dos Estados-membros, por referência, sobretudo, à residência nesses
Estados. Operar-se-ia uma equiparação às nacionais, dos residentes não nacionalizados; como
se compreende não está aqui em causa uma comunhão de pleno direito entre as duas
categorias. A existência de uma cidadania da União tem como escopo:

• Tornar o processo de integração europeia mais relevante para os cidadãos;


• Incrementar a participação dos cidadãos;

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• Promover o envolvimento na vida política da União;


• Reforçar a proteção dos direitos dos cidadãos;
• Reforçar os laços entre os cidadãos e a Europa;
• Promover uma opinião pública europeia.

De acordo com Miguel Poiares Maduro, este vínculo político que é a cidadania europeia une os
povos da Europa e decorre do compromisso de construir uma nova forma de solidariedade
cívica e política. A cidadania europeia reforça os laços que unem os Estado e emancipa os
cidadãos. Está em causa o compromisso recíproco de abrir as comunidades políticas a outros
cidadãos europeus.

4.1. O conteúdo da cidadania da União

I. Direito de livre circulação e permanência:

Encontra-se consagrado no artigo 21º TFUE. Este é um corolário do princípio da não


discriminação em função da nacionalidade, tendo sido integrado com o Tratado de
Amesterdão (onde se incorporaram as disposições relativas ao Acordo de Schengen).

Nos termos deste artigo, todos os cidadãos da União têm direito a circular e residir
livremente no território dos Estados-membros, não se exigindo, como outrora, o exercício de
uma atividade económica. Este direito pressupõe ainda que, de acordo com o princípio da
proporcionalidade, seja conferido direito de residência a familiares (cônjuge ou equiparados,
descendentes diretos e ascendentes diretos a cargo) de um cidadão da União.

A concepção de este direito a outros familiares a cargo do cidadão da UE, dos quais este
tenha de cuidar pessoalmente por motivos de saúde grave, ou a outra pessoa com a qual
mantenha uma relação permanente certificada, deve ser facilitada pela legislação nacional.
Este direito inclui o direito de saída e o direito de entrada. Sendo que: para a saída basta a
apresentação de bilhete de identidade ou passaporte; para a entrada bastará, em regra,
também o BI ou passaporte, podendo ser exigidos documentos de viagem ou visto para
membros da família (este visto deve ser emitido gratuita e celeremente).

Quanto ao direito de residência (num Estado da UE, mas que não o Estado de
nacionalidade), sempre que este for exercido por um período superior a 3 meses, exige-se:

• Que o cidadão exerça uma atividade assalariada ou não assalariada ou esteja


inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado;
• Que o cidadão detenha seguro de doença e recursos suficientes.

O direito de residência permanente é conferido aos cidadãos e família que tenham residido
legalmente por um período de 5 anos consecutivos no território do Estado-membro (que,
embora da UE, não é o Estado de nacionalidade). O direito de residência permanente apenas
se perde por ausência superior a 2 anos. A cidadania da União já não é apenas uma cidadania
assente no mercado, mas não é ainda uma plena cidadania dos valores. Com efeito, verificam-
se alguns desvios:

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• Nem todas as pessoas colocadas em situação comparável têm o direito de aceder à


nacionalidade de um Estado-membro e, deste modo, à cidadania da União (os
critérios são distintos de Estado para Estado);
• Mesmo dentro da nacionalidade de um Estado subsiste alguma diferenciação pois,
por ex., o estatuto de residente permanente, embora muito próximo da plena
cidadania, dá acesso a muitos direitos, mas não à cidadania da União.

II. Direitos políticos:

Consagrados no art. 22º TFUE. Estão aqui em causa os direitos: (1) a eleger e ser eleito nas
eleições municipais do Estado de residência (que não seja o de nacionalidade); (2) direito e
eleger e ser eleito para o Parlamento Europeu.

Estes mecanismos permitem ampliar as bases da identidade europeia, baseando-se na


participação política no país de residência (se este for diferente do país de nacionalidade). As
regras aplicáveis às eleições são definidas dominantemente ao nível nacional, desde que se
assegure o respeito pelo princípio da igualdade em razão de nacionalidade.

Há quem advogue a necessidade de maior uniformidade no processo eleitoral para o


parlamento europeu, pela criação de círculos transnacionais (de modo a promover o relevo
dos partidos políticos a nível europeu). Porém, as normas relativas àquele processo eleitoral
constituem tão-só princípios mínimos a ser respeitados pelos Estados (ex.: data da realização
das eleições, sistema de escrutínio etc.).

III. Direito à proteção diplomática:

Regulado pelo art. 23º TFUE. Os cidadãos da União têm direito a proteção diplomática e
consular no território de Estados nos quais o Estado-membro de nacionalidade não se
encontre representado. Estas condições devem, no entanto, ser determinadas por acordos
internacionais; para a maioria da doutrina não se trata ainda de um direito diretamente
invocável e exequível.

Com o Tratado de Lisboa determinou-se a criação do Serviço Europeu para a Ação Externa
que, sendo o corpo diplomático da UE, pode vir a ter competências nesta matéria.

IV. Direito de petição:

Este direito encontra-se consagrado no art. 24º TFUE. Segundo o disposto no artigo
supramencionado todos os cidadãos da UE têm: (1) direito de petição ao Parlamento Europeu;
(2) direito de petição ao Provedor de Justiça Europeu; (3) direito de se dirigir a qualquer uma
das instituições europeias do art. 13º do TUE por escrito.

Este direito é também reconhecido a qualquer pessoa singular ou coletiva residente ou


sedeada num Estado-membro. Também está aqui envolvido o “direito à expressão linguística”,
que é garantido numa das línguas oficiais da União (art. 24º/3 TFUE).

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V. Novos direitos a serem incluídos à cidadania

Em coerência com o seu caráter evolutivo e dinâmico, o Conselho tem incluído novos
direitos no âmbito da cidadania da União, designadamente:

• Direito ao nome;
• Direito à família: a reunificação familiar deve ser facilita sempre que não seja
afetado o núcleo essencial da cidadania da União. Deverá ter-se em conta: o
princípio da proporcionalidade, a vida familiar e, quando aplicável, o interesse
superior da criança;

O âmbito da cidadania da União também conheceu grande desenvolvimento com o


Tratado de Lisboa, nomeadamente com a Carta dos Direitos Fundamentais da União: Nos
termos do art. 11º/4 TUE “Um milhão, pelo menos, de cidadãos da União, nacionais de um
número significativo de Estados-Membros, pode tomar a iniciativa de convidar a Comissão
Europeia a, no âmbito das suas atribuições, apresentar uma proposta adequada em matérias
sobre as quais esses cidadãos considerem necessário um ato jurídico da União para aplicar os
Tratados.”.

Este é um mecanismo de democracia participativa, onde se permite a iniciativa dos


cidadãos. Os organizadores da iniciativa devem formar um comité formado, pelo menos, por
sete pessoas residentes em, pelo menos, sete Estados- membros. A Comissão tem, neste
âmbito, amplos poderes:

• Não registar uma iniciativa que seja considerada contrária aos valores da União, ou
que seja abusiva, frívola e vexatória;
• Considerar inadmissível uma proposta se esta se referir a uma matéria em que o ato
jurídico da UE não possa ser adotado por falta de competências;
• Não iniciar um procedimento normativo (tendo que fundamentar essa decisão) ou de
iniciar um procedimento com conteúdo distinto do solicitado na iniciativa.

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Direito Institucional da União Europeia


1. A dicotomia órgãos vs instituições

São instituições da União Europeia aquelas previstas no art. 13º do TUE: o Parlamento
Europeu, o Conselho Europeu, o Conselho [da Europa], a Comissão Europeia, o Tribunal de
Justiça da União Europeia, o Banco Central Europeu e o Tribunal de Contas.

Para efeitos do direito europeu, as Instituições são órgãos de soberania com poderes de
direção e de controlo mais forte. Os restantes órgãos desempenham funções
predominantemente auxiliares como o Comité Económico e Social ou o Comité das Regiões.

É com base nesta distinção que iniciamos o estudo institucional da UE. O elenco enunciado
no tratado está em ordem decrescente de importância, começando pelo Parlamento Europeu
o órgão com legitimidade democrática por excelência. De fato, esta é uma instituição
paradoxal que, apesar da imensidão de membros que tem da importância que se faz desta
instituição, não tem as competências que gostaríamos que tivesse. Contudo, olhando para a
evolução do Parlamento, vemos que o leque de matéria tem vindo aumentar, diminuindo o
denominado “défice democrático” muitas vezes apontado ao PE.

2. Aspectos gerais do funcionamento das instituiç ões e dos órgãos

São notas gerais às instituições e órgãos da UE:

• Autonomia: a autonomia das instituições europeias deve ser considerada numa dupla
acepção. Por um lado, verifica-se uma autonomia interna: as instituições têm poder de
auto-organização, mediante a provação de um regulamento interno próprio, e têm a
prerrogativa de organização dos seus serviços, podendo criar órgãos subsidiários.
Quanto à autonomia externa, falamos do grau de independência da própria UE na sua
relação com os Estados-membros e outras entidades jurídicas, mercê da personalidade
jurídica que lhe é reconhecida;
• Função pública comunitária: Os funcionários e agentes dos órgãos e instituições
devem atuar com autonomia e imparcialidade;
• Privilégios e imunidades: A UE não beneficia de imunidade de jurisdição, mas apenas
pode ser demandada junto do Tribunal de Justiça, no quadro da competência atribuída
pelos Tratados;
• Regime linguístico: A UE tem 24 línguas oficiais, sendo este um elemento essencial à
diversidade cultural do espaço da União;
• Sede: A localização das sedes das instituições consta de um Protocolo específico – o
“Protocolo relativo à localização das sedes das Instituições, Órgãos, certos Organismo
e Serviços da UE”. As sedes das instituições europeias encontram-se definidas como
em seguida:
▪ Parlamento Europeu: Estrasburgo (12 sessões plenárias mensais); Bruxelas
(sessões complementares); Luxemburgo (onde funciona o Secretariado-Geral e
respetivos serviços).
▪ Conselho: repartido entre Luxemburgo e Bruxelas.
▪ Comissão: sede em Bruxelas, conservando alguns serviços no Luxemburgo.

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▪ Tribunal de Justiça: Luxemburgo.


▪ Comité Económico e Social: Bruxelas.
▪ Comité das Regiões: Bruxelas. Banco Europeu de Investimento: Luxemburgo.
▪ Banco Central Europeu: Frankfurt.
▪ EUROPOL e Eurojust: Haia.

3. O parlamento europeu
O Parlamento Europeu é uma instituição europeia composta pelos representantes dos
cidadãos da União eleitos por sufrágio universal direto e secreto para um mandato de 5 anos.
O regimento interno do PE define, as seguintes questões:

▪ O estatuto do Deputado Europeu.


▪ A organização e atuação dos “partidos políticos ao nível europeu”.
▪ A composição das Comissões parlamentares permanentes e das Delegações do
Parlamento ao exterior.
▪ O quórum constitutivo do Parlamento Europeu – 1/3 dos seus membros.

Os Estados mais populoso elegem mais deputados, entretanto, os cálculos


repartitórios de cadeiras no PE são feitos de forma a que não haja desequilíbrio entre os
diferentes Estados. Cada Estado não pode ter mais de 96 deputados nem menos de 6
deputados, nos termos do art. 14º/2 do TUE.

Os cidadãos europeus podem escolher onde que votam ou em qual dos Estados
participaram do ato eleitoral, pode-se votar e ser eleito num Estado que não seja o da
nacionalidade ou apenas o da residência. Os deputados não estão arranjados em função da
nacionalidade, não representa os povos da Europa, mas sim os cidadãos, portanto, agrupam-se
em função das ideologias e grupos políticos (ex: Partido Socialista).

O Parlamento funciona por Comissões e a decisão é tomada em plenário. Há uma


sessão única anual pública, composta por 12 reuniões ordinárias do plenário, podendo ter
lugar sessões extraordinárias. É possível a constituição de Comissões Especiais. As delegações
constituem vias de abertura do Parlamento ao exterior.

A votação do Parlamento

A regra da deliberação no Parlamento é a maioria de votos expressos (art. 231º TFUE).


A regra da votação assenta ainda no regime de “dedo no ar”, mediante confirmação por voto
eletrônico; em algumas situações especiais, como nomeações, o escrutínio é secreto. A
votação deverá sempre respeitar o quórum constitutivo: 1/3 dos deputados. Em matérias de
grande sensibilidade, as regras são mais exigentes:

▪ Dupla maioria: 2/3 dos votos expressos correspondendo à maioria dos


deputados eleitos nos casos, por exemplo, de aprovação de moção de censura
à Comissão Europeia (art. 234º TFUE) e de aprovação das sanções a um
Estado-membro por violação do disposto no art. 7º TUE.
▪ Maioria dos votos expressos: correspondendo à maioria dos deputados
eleitos em algumas decisões em matéria orçamental.

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▪ 3/5 dos votos expressos: correspondendo à maioria dos deputados eleitos


quando esteja em causa a confirmação de alterações ao orçamento
apresentado pelo Conselho e que este tenha rejeitado (art. 314º/7/d) TFUE).

O Parlamento Europeu não tem iniciativa legislativa (ao contrário do que sucede com
os órgãos legislativos nacionais), exceto em matérias de relevo interno ou quanto à revisão dos
tratados (art. 48º TUE). Pode, no entanto, suscitar a iniciativa da Comissão, a que esta tem de
responder fundamentadamente.

Funções do Parlamento

Tem como função o exercício da função legislativa. É hoje o verdadeiro titular do poder
legislativo. Não tem, entretanto, os mesmos poderes dos parlamentos nacionais. Não tem a
iniciativa da proposta legislativa, sendo esta a cargo da Comissão Europeia. A Comissão Europeia
não fica obrigada a apresentar a proposta sendo pedida pelo Conselho ou Parlamento. A
Comissão tem apenas de fundamentar porque não apresentou, caso contrário, o PE pode
apresentar uma moção de censura.

Além desta, corresponde ao PE a função orçamental. O PE exerce, juntamente com o


Conselho, a função orçamental (art. 14º/1 TUE). A ambos cabe a elaboração e aprovação do
orçamento anual da UE, deliberando de acordo com o processo legislativo especial (art. 314º
TFUE). O PE realiza ainda uma atividade de controlo orçamental e financeiro da UE.

Ocorre nas competências do PE a função de consulta. Desempenham-se importantes


funções consultivas (art. 14º/2 TUE) podendo intervir em processo legislativo especial ou na
tomada de decisões do Conselho sem direito de voto. Ele é consultado regularmente pelo Alto
Representante sobre questões de política externa, segurança e defesa (art. 36º TUE). O PE emite
ainda parecer conforme, no domínio da uniformização do procedimento eleitoral em todos os
Estados. O parecer do PE pode surgir inserido num verdadeiro procedimento normativo (art.
294º TFUE).

Outrossim, compete ainda ao PE a função de exercer poderes de controlo. Define o


Provedor de Justiça da União Europeia. Órgão que pode receber queixas relativas ao mal
funcionamento das instituições, órgãos ou organismos da União e pode instá-las a responder
sobre elas. Tem de transmitir este relatório ao Parlamento. Qualquer cidadão ou residente num
Estado-Membro pode fazer as queixas. Não se limitando a esse tipo de controlo, exerce
igualmente função de fiscalização - diversos órgãos têm dever de informação para com o PE,
devendo apresentar-lhe um relatório anual (arts. 121º/5 TUE, 284º/3, 287º/4 TFUE, 25º, 175º
TFUE etc.). O Parlamento tem ainda poderes de interpelação, audição (art. 230º TFUE) e
inquérito (art. 226º TFUE).

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4. A comissão europeia
A Comissão Europeia é um órgão colegial composto por pessoas independentes que
garantem todas as condições de imparcialidade e representam o interesse da Comunidade
(art. 17º TUE). Esta instituição é considerada a guardiã da ordem pública. Cabe-lhe proteger o
interesse geral da UE, tomando as iniciativas adequadas a esse efeito. Procura promover o
Bem comum, de forma totalmente independente dos Estados-membros (art. 17º/3 TUE). Este
é, portanto, um órgão colegial, não governamental e de indivíduos. Os membros da Comissão
são escolhidos entre os nacionais dos Estados-membros, com base num sistema de rotação
rigorosamente igualitário.

O processo de escolha da Comissão Europeia inicia-se um pouco antes das eleições para o
Parlamento Europeu. Depende de um acordo entre o Parlamento, Conselho e Conselho
Europeu. Os partidos políticos devem indicar a pessoa que, se esse partido vencer as eleições,
entende que deve ser o novo Presidente da Comissão Europeia.

Em 2019, o Conselho Europeu nomeou uma personalidade que não havia sido indicada
pelos partidos. O Presidente da Comissão será eleito pelo PE sob proposta do Conselho
Europeu, tendo em conta os resultados das eleições europeias e após a realização de
consultas adequadas e que, por conseguinte, tal como ocorreu em 2014, os partidos políticos
europeus deverão designar uma lista de comissários sob escrutínio significativo pelo
Parlamento Europeu, cada comissário devendo apresentar uma lista de interesses.

Os comissários têm de dar garantias de independência, que não recebem instrução de


governos nacionais ou procurando beneficiar um Estado em particular e devendo ser
independente em relação ao poderio econômico; não podem ocupar outras funções,
remuneradas ou não. Cada comissário é responsável por uma pasta e podem não aprovar a
comissão globalmente se não aceitarem um determinado candidato à comissário. Depois a
comissão passará por um voto de aprovação e o Conselho à nomeará. Portanto, a comissão
depende politicamente do Parlamento.

As funções da Comissão Europeia

A Comissão detém praticamente o monopólio das funções de iniciativa. Através dos seus
poderes formais de iniciativa a Comissão atua como “motor” da integração europeia. Cabe-lhe,
desde logo, a tomada de iniciativa de programação anual e plurianual da UE (art. 17º/1 TUE). A
sua iniciativa assume um especial relevo no exercício dos poderes legislativos.

O princípio geral do exclusivo da iniciativa legislativa da Comissão visa assegurar que as


iniciativas legislativas no seio da UE sejam motivadas por uma avaliação dos interesses globais
da União e não apenas por uma avaliação nacional de interesses. Os desvios às propostas da
Comissão requerem, em regra, unanimidade no Conselho. O poder de iniciativa da Comissão é
muito vasto e abrange uma diversidade de matérias (arts. 26º, 42º, 43º, 60º, 74º, 76º, 78º/3,
81º/2, 103º, 107º, 109º, 114º, 121º TFUE). Também encontramos poderes de iniciativa da
Comissão no domínio da alteração dos Tratados nos processos ordinário e simplificado,
podendo submeter ao Conselho projetos de revisão (art. 48º/2/6 TUE). Os poderes de

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iniciativa da Comissão estão sujeitos aos princípios da atribuição de competências, da


subsidiariedade, da proporcionalidade e do financiamento.

No âmbito da função normativa, esta tem um poder significativo de decisão e


conformação quanto ao momento, conteúdo, modo, forma e densidade das medidas
normativas adotadas. Para além disso, a Comissão exercer poderes normativos próprios e
poderes normativos delegados. No primeiro caso trata-se de poderes que lhe são atribuídos
diretamente pelos Tratados (arts. 55º/3/d), 106º/3 TFUE etc.). No segundo caso, admite-se a
existência de atos legislativos de delegação de competências normativas na Comissão (art.
290º TFUE). Nota-se que não se deve confundir a função da Comissão e do Conselho
juntamente com o Parlamento – à primeira reporta-se a iniciativa com a consequente
definição normativa, à segunda reporta-se a deliberação das normas criadas para conferir
validade a elas.

Para além disso, podemos sumariamente indicar em tópicos as seguintes outras funções
da Comissão:

1) Função orçamental: também o exercício da função orçamental é da iniciativa da


Comissão. À Comissão compete reunir as previsões de receitas e despesas para o
exercício orçamental seguinte. O projeto de Orçamento será apresentado ao PE e ao
Conselho, a quem compete elaborar e aprovar o Orçamento.
2) Função executiva: a Comissão vela pela aplicação dos Tratados e das medidas adotadas
pelas Instituições comunitárias por força destes (art. 17º/1 TUE). Ela dispõe de
competências especificada para a emissão de atos individuais e concretos de execução
(arts. 105º, 126º, 43º, 163º, 175º TFUE etc.). A função executiva implica ainda o dever
de execução do orçamento juntamente com os Estados (art. 317º TFUE).
3) Função de vinculação internacional: a Comissão participa no processo de vinculação
internacional da UE, podendo formular recomendação ao Conselho sobre as
negociações (art. 218º/3 TFUE).
4) Função de representação externa: nesta função, a Comissão tem a oportunidade de
estabelecer uma ampla rede de contatos internacionais granjeando por essa via uma
capacidade de influência considerável.
5) Função de representação dos Estados-membros: a Comissão goza de privilégios e
imunidades, necessários ao cumprimento da sua missão e reguladas por Protocolo
especial. Cabe à Comissão representar a UE junto dos tribunais nacionais
6) Função de supervisão económica e orçamental: a Comissão está no centro do sistema
híbrido e multinível de governação financeira e orçamental da UE. A Comissão tem
competência para desencadear procedimentos de défice, dívida e desequilíbrio
macroeconómico excessivos. Esses procedimentos podem conduzir à aplicação de
sanções aos Estados-membros. No chamado Semestre Europeu os Estados-membros
submetem à Comissão os projetos de orçamento, cabendo a esta controlar a
observância dos requisitos mínimos para a concepção e operação das leis orçamentais
nacionais. A Comissão pode objetar aos projetos de orçamento nacionais e exigir
alterações. A Comissão tem ainda outros poderes de supervisão e controlo da disciplina
orçamental dos Estado, podendo conduzir à adoção de sanções.

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7) Funções de controlo: a Comissão tem importantes poderes de controlo, sob supervisão


do TJUE (art. 17º/1 TUE), para tal, a Comissão dispõe de poderes de recolha de
informações e verificações necessárias (art. 337º TFUE). A Comissão tem ainda o dever
de investigar queixas que lhe são apresentadas pelos particulares e de controlar a
utilização dos fundos pelos Estados. Tem poder de intentar ações de incumprimento do
direito da UE contra os Estados Membros de acordo com o disposto nos artigos 258º e
260º TFUE.

A Comissão e as demais instituições

A Comissão exerce as suas funções com independência face ao Conselho e aos Estados-
membros; porém, pode apontar-se a sua dependência política relativamente ao PE:

• Dimensão genética: processo de nomeação; a designação do Presidente da


Comissão tem em conta o resultado das eleições para o PE.
• Dimensão funcional: coincidência de mandatos; resposta às questões
dirigidas pelos Parlamento; apresentação de um relatório geral anual ao
Parlamento; constituição de comissões de inquérito.
• Dimensão extintiva: o PE pode aprovar moções de censura à Comissão,
conduzindo à sua demissão.

5. O Conselho da União Europeia


Órgão da UE de legitimidade governamental e, portanto, representativo dos Governos dos
Estados-membros, sendo composto por um representante de cada Estado a nível ministerial,
que terá poderes para vincular esse Estado (art. 16º TUE). A Presidência do Conselho é rotativa
por 6 meses e assegurada, de forma igualitária, pelos representantes dos Estados-membros. O
Conselho é composto por formações, tantas quantos os assuntos a debater.

Funções do Conselho

Função legislativa: o Conselho exerce a função legislativa juntamente com o PE (art.


16º/1 TUE). Ambos assumem o papel principal na criação do direito secundário da UE.

Função orçamental: o Conselho exerce a função orçamental juntamente com o PE (art.


16º/1 TUE). Ele aprecia o projeto de orçamento proposto pela Comissão, devendo tomar uma
posição fundamentada, para posterior articulação com o PE (art. 314º/2 e 3 TFUE).

Funções de coordenação: o Conselho exerce importantes funções de definição das


políticas de coordenação e complementação, nomeadamente no domínio económico ou em
domínios de competências paralelas (arts. 4º/3, 5º, 6º e 16º/1 TUE).

Função de vinculação internacional da UE: o Conselho desempenha um papel


importante na celebração de tratados internacionais entre a UE e um ou mais países terceiros
ou organizações internacionais nos termos previstos nos Tratados e em ordem à prossecução
dos seus objetivos (arts. 216º e 218º TFUE). O papel do Conselho é especialmente importante

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na fase de negociação, ouvindo o PE sempre que tal seja exigido. No processo, ele deve seguir
as recomendações que lhe sejam formuladas pela Comissão ou pelo Alto Representante.

Função de alteração dos Tratados: o Conselho participa no processo de alteração dos


Tratados, recebendo propostas no processo de revisão ordinário e remetendo-as para o
Conselho Europeu (art. 48º/2 TUE).

Função de iniciativa: embora a regra seja a iniciativa da Comissão, o Conselho pode


solicitar estudos e propostas à Comissão, tendo em vista a realização dos objetivos dos
Tratados. A decisão da Comissão de não apresentar uma proposta deve ser fundamentada,
embora este órgão não fique vinculado pelas solicitações do Conselho (art. 241º TFUE). g)
Função de controlo: o Conselho goza de legitimidade processual ativa para intentar ações de
controlo da legalidade dos atos e das omissões das instituições e órgãos da UE (arts. 263º e
265º TFUE).

Função de recursos humanos: o Conselho tem um papel importante na fixação de


vencimentos, subsídios, abonos e pensões de alguns membros de instituições (art. 234º TFUE).
Juntamente com o PE também lhe cabe aprovar o Estatuto dos Funcionários e o regime
aplicável a outros agentes da UE (art. 336º TFUE).

O COREPER

O Comité dos Representantes Permanentes (COREPER) é um órgão auxiliar do


Conselho, composto pelos representantes dos Estados-membros em Bruxelas, que prepara os
trabalhos do Conselho e exerce os mandatos que este lhe confia, assegurando uma ligação
entre os Governos dos Estados-membros e o Conselho, no âmbito dos processos legislativos.
As competências do COREPER aplicam-se a todos os domínios de atividade do Conselho, não
obstante a existência de Comités específicos.

A deliberação do Conselho da União Europeia

Em 2017, verificámos a plena entrada em vigor do sistema de maioria qualificada do


Tratado de Lisboa - 16º/4 TUE e 238º/2 TFUE. O processo de maioria qualificada tem um duplo
objetivo: que os muitos Estados pequenos não imponham a sua vontade aos grandes e que os
poucos Estados grandes não decidam sozinhos os destinos da UE.

As decisões são tomadas com 55% dos Estados-membros (ou seja, a maioria), desde que
estes representem 65% da população europeia. Para bloquear a decisão, são necessários 4
Estados com, pelo menos, 35% de representatividade da população.

Quanto à PESC, vigora a regra da unanimidade - art. 31º TUE. Não são tomadas
deliberações sem o acordo unânime de todos os 27 Estados-membros. Há aqui uma
especificidade importante - 31º/2 TUE: o instituto da "abstenção construtiva" - um Estado
pode abster-se (não obstando à tomada da deliberação), declarando que a decisão não se lhe
aplica. Neste caso, a decisão é tomada e vincula apenas dos demais Estados-membros. É
abstenção "construtiva" porque, caso não existisse essa figura, um Estado que não quisesse
aplicar a deliberação votaria contra, não permitindo que a União a adotasse.

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6. O Conselho Europeu
O Conselho Europeu (art. 15º TUE) é composto pelos chefes de Estado e de Governo dos
Estados-membros (assistidos pelos MNE), pelo Presidente do Conselho Europeu, pelo
Presidente da Comissão e pelo Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a
Política de Segurança (ARUNEPS). Esta é uma composição fixa.

Os Estados-membros têm aqui poder de impulsão política. O Conselho Europeu foi


instituído através da Cimeira de Paris em 1974. É o órgão de decisão e de impulso da
construção europeia, reunindo as personalidades máximas dos Estados-membros.

Até ao Tratado de Lisboa discutia-se se era um órgão da União ou se era apenas uma
conferência intergovernamental, sem ligação à União Europeia. O Tratado de Lisboa veio
resolver esta controvérsia: o Conselho Europeu é hoje uma instituição da UE (art. 13º e 15º
TUE). É a instituição de Cúpula, que reúne as personalidades máximas da Europa. Tem como
missão:

• Dar os impulsos necessários à União;


• Resolver os bloqueios de decisão;
• Assegurar a representação externa da UE, tendo um importante papel no âmbito
do 2º

Como é o funcionamento? Sendo um órgão de Cúpula, o Conselho Europeu não adota


atos jurídicos - adota posições políticas; não delibera pelas regras dos Tratados (maioria, etc.) -
decide por consenso - art. 15º/4 TUE; não está sujeito à jurisdição do Tribunal de Justiça; se
reúne, ordinariamente, 4 vezes por ano (15º/3 TUE).

A Presidência do Conselho Europeu (art. 15º/6 TUE): Dirige os trabalhos; exerce


mediação entre os Estados-membros; representa externamente a União, exercendo as
competências do Conselho Europeu em matéria de política externa.

Até ao Tratado de Lisboa, presidia o Estado-membro que estivesse a presidir o


Conselho da União (Conselho ou Conselho de Ministros) - sistema de presidências rotativas
entre os chefes de Estado e de Governo. Pretendendo-se dar estabilidade à representação
externa da UE, criou-se a figura do Presidente do Conselho Europeu, uma personalidade
escolhida pelos Chefes de Estado e de Governo para um mandato de dois anos e meio.

O Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança


(ARUNEPS) - art. 18º TUE - tem como função máxima executar a política externa da União
Europeia (a PESC). É um órgão que funciona junto do Conselho da União, subordinado aos
Estados-membros. Integra igualmente a Comissão Europeia, sendo um dos seus Vice-
Presidentes - art. 18º/4 TUE. Preside a uma das formações do Conselho da União - art. 18º/3
TUE. Ao colocar-se simultaneamente no Conselho Europeu, no Conselho da União e na
Comissão Europeia, o ARUNEPS pretende dar coerência à ação externa da União. O ARUNEPS
tem uma tripla missão:

• Conduz a PESC, de acordo com o definido pelo Conselho Europeu - art. 18º/2 TUE;

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• Preside ao Conselho dos Negócios Estrangeiros, contribuindo para a definição da


PESC (18º/3 TUE);
• Na generalidade das políticas (onde a UE é representada externamente pela
Comissão), é o membro da Comissão que exerce as competências internacionais
desta - 18º/4 TUE.

Diferenças entre o Conselho e o Conselho Eur opeu

A proximidade dos nomes faz-nos causar confusão entre instituições que detém
poderes diferentes.

7. Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de


Segurança (ARUNEPS)
O ARUNEPS é uma figura híbrida, de ligação interinstitucional interna e de representação
externa, cuja principal função é a condução da política externa e de segurança comum da
União - PESC (art. 18º TUE). Esta figura intervém em várias instituições da UE:

a) É um dos vice-presidentes da Comissão (art. 17º/6 TUE);


b) É nomeado/demitido pelo Conselho Europeu (art. 18º/1 TUE);
c) Pode intervir nas deliberações do Conselho Europeu (art. 15º/2 TUE);
d) Preside ao Conselho dos Negócios Estrangeiros;

Funções do ARUNEPS

Não é possível identificar concretamente as funções desta figura, devido à sua


natureza híbrida, mas tão-só alguns atos que lhe estão atribuídos:

• Emite pareceres (art.329º TFUE);


• Apresenta propostas (arts. 22º/2, 27º/1, 32º/2 TUE e 215º, 218º, 222º TFUE);
• Apresenta recomendações (art. 218º TFUE);
• Assegura ligações com outras organizações e instâncias internacionais (art.
220º TFUE e 34º TUE);
• Relaciona-se com o Parlamento Europeu (art. 36º TUE);
• Assegura a observância dos princípios da lealdade e solidariedade mútua (art.
24º/2 TUE);
• Executa a PESC em conjunto com os Estados-membros (arts. 24º/1, 26º/3 e
27º/1 TUE);

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• É mandatário da Política Comum de Segurança e Defesa da União e garante a


unidade e coerência externa desta (art. 26º/3 TUE). O ARUNEPS é apoiado no
exercício das suas funções por um Serviço Europeu para a Ação Externa (art.
23º TFUE).

8. O Tribunal de Justiça da União Europeia


O Tribunal de Justiça é uma das principais e originárias instituições na arquitetura
institucional da UE. O seu papel, como órgão jurisdicional, é garantir a correta interpretação e
aplicação do direito da União. As normas referentes ao TJ constam dos arts. 19º do TUE e 251º
e ss. TFUE. O Protocolo nº3 contém o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

Características do sistema jurisdicional da UE:

• Sistema desconcentrado (ou difuso) - quem tem competência p/ aplicar e fiscalizar


o DUE? São todos os tribunais nacionais, independentemente da instância,
competência ou especialidade;
• Sistema de justiça compulsória (não-facultativa) - o reconhecimento do TJUE é
automático e resulta dos Tratados. Os destinatários não podem escolher meios
jurisdicionais alternativas (nem por acordo das partes);
• Não-hierárquica (nas relações com tribunais nacionais) - não há recurso judicial
das decisões dos tribunais nacionais para a UE.

O Tribunal de Justiça da União Europeia é uma instituição com dupla personalidade


composta por dois tribunais: Tribunal de Justiça e Tribunal Geral. Inclui também os tribunais
especializados e os órgãos jurisdicionais nacionais (os chamados "tribunais comuns de direito
comunitário") - artigo 19º/1 TUE.

Tem sede em Luxemburgo. Cumpre salientar que é necessário qualificar este Tribunal
como um verdadeiro Tribunal, uma verdadeira jurisdição permanente, independente e de
competência obrigatória. O Tribunal de Justiça é, desde o início, um órgão comum e único às
então três Comunidades Europeias (CECA, CEEA e CE) e, entre os Tratados de Maastricht e de
Lisboa, também da União Europeia. Hoje, é um órgão comum à União Europeia e à CEEA.

Pode definir-se como missão do TJUE: Interpretar o direito da União Europeia, em


colaboração com os tribunais nacionais; controlar a atuação ilegal das instituições e órgãos da
UE e controlar o cumprimento do direito da UE pelas autoridades nacionais.

A jurisdição do TJUE

A jurisdição do TJ, quando prevista nos Tratados, é:

✓ Obrigatória;
✓ Exclusiva (as partes não podem recorrer a tribunais nacionais ou a qualquer meio
judicial ou arbitral de resolução de lítios);
✓ Tendencialmente completa (a jurisdição do TJ abrange quase todas as questões
contenciosas no âmbito da UE, sobretudo após o Tratado de Lisboa);

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✓ Definitiva (as decisões do TJ constituem caso julgado quando não admitirem mais
recurso).

É de salientar que as competências do TJ não são exclusivamente de natureza jurisdicional.


Com efeito, os Tratados reconhecem uma (1) competência consultiva ao TJ no âmbito do
procedimento de conclusão de tratados internacionais. (2) O TJ tem ainda poderes de iniciativa
legislativa, nos termos do art. 257º TFUE). (3) Estabelece-se ainda um mecanismo de
cooperação entre o TJ e os Tribunais nacionais, de modo a assegurar a correta e uniforme
interpretação e aplicação do Direito da União – o chamado reenvio prejudicial.

O Reenvio Prejudicial

O reenvio prejudicial é uma forma de controlo judicial indireto (ou de colaboração na


administração da justiça), pelo qual o TJUE interpreta ou aprecia a validade de normas
comunitárias. O TJUE não decide o caso concreto (o litígio submetido ao juízo do tribunal
nacional), respondendo apenas às questões de interpretação de validade de normas
comunitárias que lhe são colocadas pelos tribunais nacionais.

As decisões adotadas pelo TJUE são relevantes na medida em que vinculam o tribunal
de reenvio: os procedimentos judiciais nacionais suspendem-se enquanto o processo de
reenvio prejudicial se encontra pendente. A decisão proferida pelo TJUE tem natureza
interlocutória ou incidental, uma vez que não consubstancia uma solução do litígio em causa,
incidindo tão só sobre a validade e interpretação da norma de direito comunitário que haja
suscitado polémica. Assim sendo, com base na decisão do TJUE, os tribunais nacionais deverão
ainda analisar os factos relevantes e concretizar o direito aplicável. Como se compreende, este
é um procedimento baseado na cooperação entre os tribunais nacionais e o TJUE, num
contexto em que a aplicação do direito da UE vincula os primeiros e é relevante para a decisão
de um caso concreto.

Como objetivos do procedimento de reenvio prejudicial podemos indicar: melhorar a


administração da justiça – o TJUE esforça-se por dar uma resposta útil para a solução do litígio
principal, mas caberá sempre ao órgão jurisdicional nacional tirar as consequências concretas
dessa resposta; promover a interpretação e aplicação consistente do direito da UE; assegurar a
uniformidade do direito da UE em todos os Estados-membros; constituir uma ampliação da
garantia de acesso de indivíduos ao TJUE; permitir, de certa forma, o desenvolvimento do
direito da União.

Desde o Tratado de Nice é possível que o Tribunal Geral tenha competências para
apreciar questões prejudiciais em específicas áreas definidas no seu Estatuto (art. 256º/3
TFUE). Porém, esta possibilidade não foi ainda prevista e regulada no respetivo Estatuto,
permanecendo o TJUE em sentido estrito como única autoridade competente em matéria de
reenvio prejudicial (art. 267º TFUE). Mesmo que o Tribunal Geral venha a ter competência
nesta matéria, o Tribunal de Justiça sempre terá a última palavra quando esteja em causa um
sério risco para a unidade e consistência do direito da União (art. 256º/3 in fine TFUE). O órgão
jurisdicional nacional deve comunicar a decisão que tenha proferido ao TJUE.

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Nos termos do critério da necessidade, as questões prejudiciais podem assumir-se


como:

→ Facultativas: qualquer órgão jurisdicional poderá suscitar a pronúncia do TJUE,


quando a considerar necessária ao julgamento da causa (art. 267º/2 TFUE);

→ Obrigatórias: o reenvio prejudicial tem, necessariamente, de ser efetuado quando


se suscite uma questão relativa à interpretação ou apreciação da validade do direito da UE
perante um tribunal nacional que decida em última instância (portanto, cuja decisão é
insuscetível de recurso).

Sublinhe-se que a norma que o TJUE venha a considerar inválida continua eficaz, ainda
que seja desaplicada no caso. Isto porque só as Instituições que a adotaram têm competência
para rever ou anular; o TJUE também poderá assumir tais competências, mas somente no
âmbito de uma ação específica para o efeito.

Membros do TJUE

Os juízes e os advogados-gerais do Tribunal de Justiça, escolhidos entre personalidades


que ofereçam todas as garantias de independência e reúnam as condições exigidas, nos
respetivos países, para o exercício das mais altas funções jurisdicionais ou que sejam
jurisconsultos de reconhecida competência.

São nomeados de comum acordo, por 6 anos, pelos Governos dos Estados-membros,
após consulta a um comité (art. 255º TFUE), que dá parecer sobre a adequação dos candidatos
ao exercício das funções de juiz ou de advogado-geral.

O TJ é composto por um juiz por Estado e por 9 advogados-gerais, estando ambos


sujeitos às mesmas regras de designação, independência e estatuto. É possível a designação de
relatores assistentes.

A figura do Advogado Geral

Prevista no art. 19º/2 TUE e no 252º TFUE. Desempenham um papel fundamental no


quadro do processo perante os tribunais, funcionando como instância independente dos
interesses das partes. Devem intervir com imparcialidade e independência, colmatando a falta
de "votos de vencido" na jurisprudência do Tribunal de Justiça, fazendo assim o adequado
contraponto à decisão, fundando-a, contraditando os argumentos das partes e clarificando a

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própria fundamentação do coletivo dos juízes, muitas vezes pouco explícita, pela
imperatividade que resulta da sua fundamental unidade deliberativa.

A jurisdição do Tribunal Geral

Nos termos do art. 256º TFUE, a jurisdição do Tribunal Geral (antigo TPI) abrange as seguintes
situações:

✓ Escrutínio da legalidade de atos adotados pelas Instituições ou pelo BCE (iniciadas, em


regra, por privados);
✓ Ações relativas à inação de instituições ou do BCE;
✓ Ações de indemnização (iniciadas por privados); Jurisdição da sequência de uma
cláusula arbitral;
✓ Recurso das decisões em matéria de direito dos Tribunais especializados.

9. Restantes instituições
O sistema orgânico-institucional da União Económica e Monetária (UEM), introduzido com
o Tratado de Maastricht, constitui um verdadeiro subsistema no quadro da União Europeia. A
UEM assenta em duas entidades que o quadro normativo denomina SEBC e BCE: Sistema
Europeu de Bancos Centrais e Banco Central Europeu.

O Banco Central Europeu é hoje expressamente qualificado como instituição da União


(13º/1 TUE), embora não seja, em rigor, um órgão, mas sim uma pessoa jurídica, dotado por
isso de personalidade jurídica (282º/3 TFUE), regida por um Estatuto em Protocolo anexo ao
Tratado (129º/2 TFUE) e dotada de órgãos próprios. A sua sede é em Frankfurt na Alemanha.
Quanto às suas funções, cfr. artigos 128º e 133º.

O Tribunal de Contas assumiu a veste de instituição no quadro institucional único da União


com o Tratado de Maastricht. Consta hoje do leque das instituições da União previsto no artigo
13º/1 TUE e nos artigos 285º a 287º TFUE. A sua competência é a de fiscalização das contas da
União. Esta fiscalização abrange as receitas e despesas de qualquer órgão ou organismo criado
pela União. O seu poder de fiscalização engloba o poder de garantir a fiabilidade das contas e
de assinalar qualquer irregularidade ou mesmo ilegalidade. É o garante da boa gestão
financeira.

10. Órgãos complementares e auxiliares


Os Tratados preveem um conjunto diversificado de órgãos com caráter técnico e/ou
consultivo.

O Comité Económico e Social é um órgão previsto desde a versão originária do Tratado de


Roma instituente da então CEE. É hoje apresentado como órgão constitutivo dos órgãos
deliberativos da UE, ou seja do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão Europeia -
artigos 13º/4 TUE e 300º/1 TFUE. Deve ser consultado quando estejam em causa grupos
económicos e sociais.

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O Comité das Regiões é um órgão consultivo da UE que, originariamente, foi introduzido


no Tratado da Comunidade Europeia pelo Tratado de Maastricht. É um órgão consultivo do
Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão – arts. 13º/4 TUE e 300º/1 TFUE.

O Provedor de Justiça da União Europeia é um órgão personalizado introduzido nos


Tratados pelo Tratado de Maastricht - 228º TFUE. Compete-lhe receber queixas apresentadas
por qualquer cidadão da União ou qualquer pessoa singular ou coletiva com residência/sede
num Estado-membro e respeitantes a casos de má administração na atuação das instituições,
órgãos ou organismos da União, com exceção do Tribunal de Justiça da União Europeia no
exercício das suas funções. O Provedor de Justiça instrui essas queixas e apresenta relatório
sobre as mesmas.

Os Tratados preveem, ainda, um conjunto importante de órgãos auxiliares, em particular


os Comités, que contribuem para a preparação técnica e formação da vontade dos órgãos da
União, em geral ou em domínios materiais específicos. Encontramos hoje o Comité Político e
de Segurança, que intervém no âmbito da PESC, no acompanhamento da situação
internacional.

Já o Comité Económico e Financeiro, previsto no 134º/2 TFUE, é um órgão de consulta do


Conselho e da Comissão Europeia, cabendo-lhe ainda o acompanhamento da situação
económica e financeira da União e dos Estados membros.

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O ordenamento jurídico da União Europeia


No Direito da União, parece lógico que se distinga entre o Direito que criou e moldou a
atual União Europeia e aquele Direito no dia-a-dia da vida da Comunidade e da União pelos
órgãos previstos nos Tratados e com o propósito de realizar os objetivos assinalados.

Todos os sistemas democráticos são baseados numa multiplicidade de regras jurídicas,


com múltiplas proveniências, que devem ser coordenadas entre si. Deste modo, também no
âmbito da União Europeia não existe um elenco unívoco de fontes de direito: existem, com
efeito, vários instrumentos/procedimentos que permitem a adoção de normas jurídicas.

O Direito da União, como direito de uma entidade supranacional, assume a


particularidade de se subdividir em duas dimensões: (1) o direito originário e (2) o direito
derivado.

O Direito originário ou primário é o Direito criado pelos Estados através de Tratados


internacionais, constituído pelas normas que criaram a União Europeia, conferindo-lhes as
suas atribuições e regulando a sua organização e funcionamento internos, bem como por
aquelas normas que vêm modificando e completando o sentido dos tratados originários. Já o
Direito Derivado/Secundário consiste no conjunto de regras criadas diretamente pelas
instituições e órgãos da UE.

Qual é a importância do direito originário?

• Em primeiro lugar, devido ao princípio da atribuição, a União só pode


intervir para realizar os objetivos e atribuições que estejam definidos nos
Tratados (no Direito originário);
• Em segundo lugar, nenhum ato dos órgãos da UE pode deixar de encontrar
a sua base jurídica numa norma de direito originário, sob pena de
invalidade;
• Em terceiro lugar, por consequência, o direito originário afirma-se
explicitamente como parâmetro de validade normativa de todo o direito
derivado: o direito criado pelos órgãos da EU

O Direito Originário
São atos de direito originário, dos quais não há hierarquia entre si, os seguintes:

1. Tratados constitutivos da UE - TFUE (o Tratado de Roma) e o TUE (Maastricht). --»


qual a relação destes Tratados com as nossas normas constitucionais? A CRP
reconhece a superioridade do Direito Internacional - art. 8º CRP.
2. Tratados de adesão: condições materiais e procedimentais para adesão à UE: »
materialmente, tem de ser um Estado europeu e respeitador de determinados direitos
– 49º + 2º. Critérios de elegibilidade (=critérios de Copenhaga). » condições
procedimentais- 49º.
3. Tratados de revisão
4. Protocolos anexos aos Tratados - com a mesma força jurídica destes.
5. Acordos - ex.: 341º - os Governos juntam-se e celebram um acordo sobre a sede das
instituições. 253º - a mesma coisa em relação à nomeação dos membros do TJUE. 347º

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- e em relação às medidas tomadas para evitar perturbações ao mercado interno da


UE.
6. Princípios fundamentais de direito da UE: podemos aqui integrar princípios gerais de
direito, princípios gerais de direito internacional (igualdade soberana dos Estados,
territorialidade, etc.), princípios gerais de direito constitucional comuns aos Estados-
membros, princípios axiomáticos dos Estados de Direito (igualdade, democracia,
legalidade proteção da confiança, etc.), princípios específicos do direito da União.

Uma vez que não há, como se disse, hierarquia entre normas de direito originário, a sua
compatibilização deve ser efetuada de acordo com os princípios gerais aplicáveis a regras com
idêntico valor jurídico (lex posteriori priori derrogat; lex specialis derrogat lex generalis).

Estando as normas de direito originário no topo da pirâmide do direito da União, o TJ não


pode considerar as suas normas inválidas, podendo tão-só interpretá-las. Daí que o direito
originário seja visto como a carta constitucional da UE. O direito originário pode ser alvo de
revisões, nos termos do art. 48º TUE.

O processo de revisão comporta duas modalidades: (1) processo de revisão ordinário (2)
processos de revisão simplificados. Pode dizer-se que estamos em face de um poder
constituinte duplamente derivado: por um lado, pretende alterar-se os Tratados que
estruturam a UE; por outro, essa alteração será efetuada segundo processos regulados pelos
Tratados.

Processo ordinário de revisão

O processo ordinário de revisão dos tratados está consagrado no art. 48º/2 a 5 do TUE.
Este processo ocorre por 4 fases, que analisaremos sucintamente:

a) Apresentação do processo de revisão. Têm legitimidade para apresentar um


projeto de revisão os Estados, o PE e a Comissão. Eles podem aumentar ou reduzir
as competências atribuídas à UE pelos Tratados (art. 48º/2 TUE). Os projetos são
submetidos ao Conselho, sendo simultaneamente enviados ao Conselho Europeu e
notificados aos parlamentos nacionais.
b) Decisão sobre a análise das alterações propostas. Cabe ao Conselho Europeu
aceitar ou rejeitar as alterações propostas, após consulta ao PE e à Comissão. A
decisão é tomada por maioria simples (art. 48º/3 TUE).
c) Decisão de aprovação das alterações propostas. No caso de decisão favorável à
análise das propostas de alteração, a decisão para a aprovação das alterações
propostas pode ser tomada por uma Convenção e/ou por uma Conferência de
Representantes dos Governos, conforme os casos. Pode, portanto, haver lugar a
uma Convenção e a uma Conferência ou só a uma Conferência.

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d) Entrada em vigor das alterações. As alterações dos Tratados entram em vigor


depois de ratificados pelos Estados membros de acordo com as respetivas normas
constitucionais (arte. 48º/4 TUE). O art. 48º/5 TUE dispõe que o Conselho Europeu
será chamado a intervir se depois de 2 anos a contar da data da assinatura de um
Tratado de revisão 4/5 dos Estados o tiverem ratificado e um ou mais tiveram com
dificuldades em obter essa ratificação.

Processo simplificado de revisão

O Tratado de Lisboa prevê dois processos simplificados de revisão dos Tratados. É


neste domínio que surgem as chamadas “cláusulas passerelle” ou “cláusulas ponte”.

a) No primeiro processo simplificado de revisão, previsto no art. 48º/6 TUE, os


Governos dos Estados-membros, o Parlamento Europeu ou a Comissão podem
submeter ao Conselho Europeu a alteração total ou parcial das normas da Parte III
do TFUE relativo às políticas e ações internas da UE. O Conselho Europeu, em
derrogação do processo ordinário, pode proceder às alterações por unanimidade.
O Parlamento Europeu e o BCE, no caso de alterações institucionais no domínio
monetário, devem ser consultados previamente. Apenas se dispõe, em
consonância com o princípio das competências por atribuição, que essa decisão
não pode aumentar as competências da UE. A decisão terá de ser ratificada de
forma unânime por todos os Estados-membros. Estes conservam o seu direito de
veto.
b) O segundo processo simplificado de revisão, previsto no art. 48º/7 TUE, prevê uma
“cláusula passarelle” que permite que, por decisão unânime do Conselho Europeu
uma matéria constante do TFUE ou do Título V do TUE que até aí requeira
unanimidade do Conselho (para a produção normativa nesse âmbito) passe a
bastar-se com a maioria qualificada dessa instituição. Permite-se, deste modo,
uma alteração do direito primário pelo consenso dos membros do Conselho
Europeu. Excluídas estão apenas as decisões que possam ter implicações no
domínio militar ou da defesa. Além disso, o Conselho Europeu pode determinar
por unanimidade que uma matéria que requeira processo legislativo especial, por
força do TFUE, passe a ser decidida através do processo legislativo ordinário.

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Estas iniciativas deverão ser comunicadas aos parlamentos nacionais para que estes se
pronunciem no prazo de 6 meses. Havendo oposição de um parlamento nacional, a medida
não pode ser adotada. Além disso, a aprovação das alterações exige um voto do PE por maioria
dos seus membros.

A integração de lacunas no Direito Originário

Na doutrina, é comum apontar três grandes mecanismos de integração de lacunas dos


Tratados: a unidade de sentido iminente aos Tratados (via jurisprudencial); o princípio das
competências implícitas (via doutrinal) e o fundamento subsidiário do artigo 352º TFUE (via
normativa). O primeiro mecanismo tradicionalmente usado é o da unidade de sentido
presente entre os vários Tratados (os três Tratados da União).

Um segundo mecanismo de integração de lacunas é o princípio das competências


implícitas ou dos poderes implícitos. Este afirma que uma organização internacional deverá
ter todas as competências que sejam necessárias ou convenientes à prossecução dos seus fins.
Artigos 3º/2 TUE; 207º/3, 207º/4, 218º, 207º e 217º TFUE. Esta tese encerra a ideia de que
uma organização tem todas as competências para realizar os objetivos inscritos nos seus
tratados internacionais. Em face de um objetivo prescrito, estão implícitos os poderes
necessários para perseguir o dado objetivo.

Por último, temos o mecanismo dos poderes subsidiários, previsto em geral no artigo
352º TFUE. Se não existir ou não for suficiente um outro exercício jurídico ou base jurídica para
comportar certa ação, o artigo 352º TFUE permite atribuir à UE poderes não expressamente
previstos. A operatividade desde mecanismo encontra-se sujeita ao preenchimento de um
conjunto de pressupostos procedimentais e substanciais. Nos formais, supõe o envolvimento
dos órgãos da União de direção (Conselho, Comissão Europeia e Parlamento Europeu),
cabendo a deliberação final ao Conselho, seguindo o princípio unanimitário. O Tribunal de
Justiça assinalou importantes limites à utilização deste mecanismo, designadamente: o
respeito pela "Constituição Comunitária" (há um núcleo fundamental que não pode ser
desrespeitado - só pode lançar-se mão deste mecanismo quando o Tratado tenha plasmado os
objetivos e faltem apenas os poderes para agir); e a impossibilidade de fundar um "salto
qualitativo de integração" (só podem ser aumentados, ampliados os poderes previstos - salto
quantitativo).

O direito derivado/secundário
É constituído pelos atos adotados pelos órgãos da União, no desenvolvimento das
competências que os Tratados lhes conferem. Contudo, nem todos os atos adotados pelos
órgãos da União têm a mesma natureza e alcance jurídicos. O artigo 8º/3 CRP permite que o
direito europeu derivado seja considerado diretamente a nível interno (aplicabilidade direta).
Nota: 288º TFUE = 112º CRP O elenco do 288º não é um elenco taxativo - são os atos
normativos típicos.

É possível classificar estes atos em diversas categorias: unilaterais/convencionais,


gerais/individuais, típicos/atípicos, vinculativos/não, vinculativos, finais/preparatórios,
obrigatórios/facultativos.

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Atos unilaterais/convencionais

Os atos unilaterais são atos de direito derivado da União Europeia geradores de


direitos por vontade exclusiva das instituições. Vigora, neste contexto, o princípio da
tipicidade: só os instrumentos previstos nos Tratados, e aos quais este reconheça tal eficácia,
têm eficácia vinculativa externa (isto é, em relação a terceiros). O art. 288º TFUE enumera os
atos jurídicos da UE: regulamentos, diretivas, decisões, (acórdãos do TJ), recomendações e
pareceres; determina ainda que são atos vinculativos o regulamento, a diretiva e a decisão,
sendo as recomendações e pareceres não vinculativos. Os atos vinculativos encontram-se
sujeitos a um procedimento específico em função da questão que é objeto de regulação.
Atentemos nas dimensões deste procedimento:

1. Aprovação pelo órgão competente: os atos jurídicos da União devem ser


aprovados pela Instituição competente e assinados pelo respetivo Presidente (art.
297º/1 e 2 TFUE);
2. Obrigação da fundamentação (art. 296º TFUE):
a) Os atos da União devem, desde logo, mencionar a base jurídica que dá
legitimidade à UE para adotar aquele ato – verificação do princípio da
especialidade;
b) Os atos devem fazer menção a todos os pareceres e propostas pedidos,
justificando a sua eventual aceitação;
c) Os atos devem mostrar respeito pelos princípios da subsidiariedade e
proporcionalidade;
d) A fundamentação presente nos considerandos e na avaliação de impacto
da medida proposta deve ser clara e suficiente.
3. Publicação ou notificação (art. 297º TFUE): os atos legislativos adotados de acordo
com o procedimento ordinário ou especial devem ser publicados; os atos não
legislativos podem exigir publicação ou ser apenas notificados aos respetivos
destinatários (caso das diretivas e decisões que indiquem destinatário).
4. Entrada em vigor (art. 297º TFUE): os atos que exigem publicação entram em
vigor na data neles fixada ou no vigésimo dia posterior ao da publicação; os atos
notificáveis produzem efeitos a partir da notificação aos destinatários.

Como se desvela mediante o que foi dito, os atos jurídicos da União estão sujeitos a
três tipos de requisitos:

1. Requisitos de validade (princípio da competência, procedimento, forma do


ato, respeito pelos Tratados e outra legislação)
2. Requisitos de eficácia (publicação e notificação)
3. Requisitos de oponibilidade em relação a um particular (notificação ou
publicação na língua oficial do interessado).

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Hierarquia entre atos de direito derivado

Antes do Tratado de Lisboa não existia uma hierarquia formal entre atos unilaterais de
direito derivado. Com efeito, os diversos atos podiam ser adotados no âmbito da mesma
política, exceto quando a regulamentação dessa política nos Tratados excluísse ou exigisse
determinado ato. A distinção entre regulamentos, diretivas e decisões não assentava, nem
assenta hoje, na Instituição ou órgão que os adota, nem na natureza dos poderes exercidos
(legislativos ou administrativos), mas nas caraterísticas do próprio ato (círculo de destinatários,
eficácia jurídica).

O Tratado de Lisboa procedeu a modificar tal regime. Em primeiro lugar, o Tratado de


Lisboa procedeu à eliminação de vários procedimentos especiais, nomeadamente o
procedimento de consulta facultativa, o procedimento do parecer favorável e o procedimento
de cooperação. Em segundo lugar, introduziu-se ainda uma hierarquia entre atos jurídicos,
que não continua a não assentar nos poderes exercidos (legislativos ou administrativos), mas
que diferencia os atos do ponto de vista procedimental, entre atos legislativos e atos não
legislativos. Esta diferenciação não radica, portanto, no tipo material de atos adotados
(regulamentos, diretivas, decisões etc.), mas sim no tipo de procedimento adotado.

Portanto, admite-se a existência de regulamentos, diretivas e decisões com valor


legislativo e de regulamentos, diretivas e decisões com valor não legislativo. São atos
legislativos os adotados mediante procedimentos legislativo, especial ou ordinário; são não
legislativos os atos adotados por outros procedimentos.

Os atos legislativos, adotados através de procedimentos legislativos (ordinário ou


especial), têm uma hierarquia superior uma vez que pressupõem a participação do
Parlamento Europeu e, por isso, têm uma mais ampla base democrática.

Atos legislativos

I. Procedimento legislativo ordinário – art. 294º TFUE

O procedimento legislativo ordinário consiste na adoção conjunta pelo Parlamento


Europeu e pelo Conselho de um regulamento, diretiva ou decisão, tendo por base uma
proposta da Comissão.

A primeira fase é a da proposta. a Comissão apresenta uma proposta ao Conselho (art.


294º/2 TFUE). Esta é uma manifestação do princípio da exclusividade da iniciativa da
Comissão, um princípio basilar da UE. Em casos específicos, a iniciativa pode partir de um
grupo de Estados-membros ou do Parlamento Europeu; a proposta pode ainda consistir numa
recomendação do BCE ou pedido do Tribunal de Justiça ou do Banco Europeu de Investimento.

A segunda fase é da primeira leitura. O Parlamento Europeu dá um parecer sobre a


proposta, por maioria simples. Em seguida, pode ocorrer uma de duas situações:

a) se o Conselho aprovar a posição do Parlamento, o ato é aprovado;

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b) se o Conselho não aprovar a posição do PE, o Conselho deve comunicar ao


Parlamento as razões de desacordo e, simultaneamente, à Comissão, que
formulará uma posição sobre o desacordo.

A terceira fase é da segunda leitura. Nela, o PE deverá, no prazo de 3 meses:

a) Aprovar a posição do Conselho em primeira leitura (se não se pronunciar é


entendido como assentimento) – o ato é adotado.
b) Rejeitar a posição do Conselho em primeira leitura, por maioria absoluta – o ato é
rejeitado.
c) Propor emendas à posição do Conselho, por maioria absoluta – o texto é enviado
ao Conselho e à Comissão, que se pronuncia. Nesta situação, podem ocorrer duas
situações: (a) o Conselho aprova todas as emendas, e o mais tardar 3 meses após a
sua recepção o ato é adotado; (b) o Conselho não aprova todas as emendas
propostas pelo Parlamento, sendo convocado um Comité de Conciliação no prazo
de 6 semanas.

Continuando a proposta, procede-se para a quarta fase, a conciliação. O Comité de


Conciliação examina as posições do Parlamento e do Conselho em segunda leitura e dispõe do
prazo de 6 semanas para elaborar uma proposta comum; se no prazo de 6 meses não for
aprovado um projeto comum, considera-se que o ato foi rejeitado.

A quinta e última fase possível é da terceira leitura: em caso de aprovação de um projeto


comum pelo Comité de Conciliação, o Parlamento e o Conselho dispõem de 6 semanas para
adotar o ato em causa.

II. Procedimentos legislativos especiais

Nos casos específicos definidos nos Tratados, a adoção de um regulamento, diretiva ou


decisão pelo Parlamento Europeu com a participação do Conselho, ou por este com a
participação daquele, também constituem procedimentos legislativos, embora especiais (art.
289º/2 TFUE).

Como se compreende, exige-se a participação conjunta do Parlamento Europeu e do


Conselho e a determinação específica, nos Tratados, de que se trata de procedimentos
legislativo especial. São exemplos destes procedimentos, o procedimento para adoção do
Orçamento (art. 314º TFUE), o procedimento para elaboração do Estatuto do Provedor de
Justiça da UE (art. 228º/4 TFUE) e do procedimento tendente a aprovar medidas de combate à
discriminação (art. 19º/1 TFUE).

Atos não legislativos

Os atos não legislativos submetem-se, sob pena de invalidade, aos atos legislativos. De
facto, ao longo dos Tratados, as bases jurídicas prescrevem outros procedimentos decisórios.
Os atos adotados por intermédio de procedimentos não legislativos podem derivar de duas
situações:

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I. Atos executados no âmbito de uma competência própria – ex.: arts. 106º e 96º
TFUE.
II. Atos praticados na sequência do anteriormente designado procedimento comum
de decisão ou de consulta obrigatória – ex.: arts. 103º, 74º, 78º, 95º, 129º TFUE.
Este procedimento está previsto no art. 293º do TFUE e, embora após o Tratado de
Nice tenha perdido grande parte da sua importância, já foi o procedimento
previsto pela maioria das bases jurídicas.
III. Atos adotados pela Comissão e pelo Conselho em execução de atos legislativos –
arts. 291º/2 e 3 e 4º TFUE.
IV. Atos adotados pela Comissão no âmbito de poderes delegados – art. 290º TFUE.

No caso dos atos de execução dos outros atos legislativos, o escopo prosseguido é a
criação de condições uniformes para a execução dos atos, substituindo-se, deste modo, o
procedimento de comitologia.

Os atos de execução devem mencionar o facto de pretendem executar um ato


legislativo. Noutro prisma, embora os Tratados não os prevejam expressamente, devem ser
instituídos mecanismos de controlo do exercício das competências de execução.

O Regulamento nº 182/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de fevereiro


de 2011, cujo objetivo principal é a simplificação dos procedimentos de comitologia, tornando-
os mais claros, veio dar competências de controlo do exercício das competências de execução
por parte da Comissão aos Estados-membros, através da sua participação em comités e em
comités de recurso.

Assim, são previstos dois procedimentos: o procedimento consultivo (art. 4º) e


procedimento de exame (art. 5º e 6º).

a. O procedimento de consulta é de aplicação residual: o comité dá parecer, se


necessário, procedendo a votação; a Comissão decidirá tendo em conta as
discussões havidas no comité e o parecer emitido (não vinculativo).
b. O procedimento de exame aplica-se nas matérias mais relevantes e
sensíveis – atos de execução de alcance geral e outros com implicações
significativas, a política agrícola comum, a política comum de pescas, a
política comercial comum, atos de execução relativos a matérias como o
ambiente, a segurança e a proteção da saúde e segurança das pessoas,
animais e plantas, a tributação. No âmbito do procedimento de exame, uma
opinião negativa do comité determina que a Comissão não deva adotar o
ato, remetendo para um comité de recurso. A opinião positiva conduz à
adoção do ato pela Comissão.

Relativamente aos atos delegados, determina o art. 290º TFUE que os atos legislativos
podem delegar na Comissão o poder para emitir atos não legislativos que alterem ou
completem certos elementos não essenciais desses mesmos atos legislativos. Os praticados
pela Comissão ao abrigo deste artigo devem referir a circunstância de o ato ser delegado. Os
Tratados preveem mecanismos de controlo relativamente a esta atuação da Comissão. Ainda
assim, não há um enquadramento horizontal destes procedimentos (depende do que ficar

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definido no ato de base), nem se prevê a consulta a comités. Porém, a delegação de


competências na Comissão deve respeitar os seguintes limites:

• Limites materiais: a delegação deve ser clara, precisa e circunstanciada – o


legislador determina os objetivos a alcançar com a delegação e os limites que
os atos delegados não podem ultrapassar.
• Limites temporais: a duração da delegação de poderes é estabelecida pelo
legislador (art. 290º TFUE); a Comissão considera não estarem aqui em causa
as chamadas “cláusulas de caducidade”, mas que está em causa tão-só a
previsibilidade da atuação da Comissão.

O art. 290º/2 TFUE determina duas condições a que o legislador pode (não tendo de
ser aplicadas simultaneamente) submeter a delegação de poderes: o direito de revogação e o
direito de oposição. Enquanto a oposição é uma censura específica a um ato delegado
claramente identificado, a revogação priva a Comissão de forma geral e absoluta dos seus
poderes delegados. Um ato delegado ao qual o Parlamento Europeu ou o Conselho se tenha
oposto, não pode entrar em vigor, podendo a Comissão adotar um novo ato no uso dos
poderes delegados. Noutro prisma, se alguma daquelas instituições revogar os poderes
delegados, a Comissão não pode de todo, adotar qualquer ato. Estamos, no fundo, em face de
mecanismos de controlo.

É de salientar, por fim, que o TJUE tem jurisdição para controlar a legalidade de todos
os atos legislativos e não legislativos que visem produzir efeitos em relação a terceiros,
nomeadamente no que toca a possível violação dos Tratados ou de qualquer norma relativa à
sua aplicação (é o caso de atos não legislativos em violação de atos legislativos) – art. 263º
TFUE].

Os Regulamentos e as diretivas
O regulamento

O Regulamento, previsto no n.2º do art. 288º TFUE, apresenta três características


fundamentais: caráter geral, aplicabilidade direta e obrigatoriedade em todos os seus
elementos.

O Regulamento é, em primeiro lugar, um ato geral no sentido estrito do termo. Tem


uma generalidade de destinatários. Todas as pessoas (singulares ou coletivas, Estados) que se
encontrem no seu âmbito de aplicação (objetivo, subjetivo, espacial, temporal) estão por ele
vinculadas. O caráter geral diz respeito ao facto de ser aplicável em todos os Estados membros
e a todas as pessoas - dirige-se a um conjunto indeterminado de destinatários. Afeta todos os
tipos de sujeitos da sociedade comunitária (EM, empresas, autarquias, indivíduos). Aplica-se a
todos os sujeitos em toda a UE.

Em segundo lugar, o Regulamento goza de aplicabilidade direta. Esta sua característica


exprime o facto de, para poder vigorar internamente, não necessitar de qualquer mecanismo
de recepção no ordenamento jurídico dos Estados-membros. Na verdade, os regulamentos da
União Europeia, incorporam-se automaticamente na ordem jurídica dos Estados membros. A
sua aplicabilidade direta depende apenas e exclusivamente do preenchimento das condições

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de validade e vigência resultantes direta, imediata e exclusivamente da norma da União. O


regulamento dispensa qualquer ato das ordens jurídicas nacionais de recepção. Aliás, é
proibida a sua reprodução. A incorporação na ordem jurídica nacional é totalmente
incondicionada. A aplicabilidade direta dos Regulamentos está prevista no art. 288º TFUE.

Finalmente, o Regulamento é obrigatório em todos os seus elementos. Tal significa


que os seus destinatários não podem adaptar o seu conteúdo e o sentido das suas prescrições
ao ordenamento jurídico interno.

Tudo o que é disposto no Regulamento é obrigatório, podendo mesmo falar-se de uma


presunção de autossuficiência normativa. Claro que isso não implica que todo e cada
regulamento seja em si mesmo preciso e suficiente, ao ponto de dispensar qualquer atuação
normativa por parte da União ou dos Estados-membros.

A obrigatoriedade de todos os elementos - é um ato jurídico muito denso: regula toda


a matéria que visa disciplinar. Os destinatários de um regulamento têm que o aplicar sem
qualquer variação. Assim, os regulamentos são normativamente autossuficientes. Regulam a
totalidade da matéria, não deixando aos EM qualquer margem de adaptação.

A vigência direta dos regulamentos na nossa ordem jurídico-constitucional resulta,


antes de mais, e diretamente dos artigos 8º/3 e 4 da CRP. A sua vigência efetiva depende
apenas do grau de determinação das suas prescrições e da necessidade ou não de adoção de
disposições complementares, nos termos estabelecidos no Direito da União. Em princípio,
estão em condições de produzir efeitos diretos no ordenamento jurídico interno, gerando
direitos e obrigações na esfera jurídica dos seus destinatários. Por outro lado, a sua
obrigatoriedade supõe que não sejam postos em causa por instrumentos de direito interno.

Se as autoridades nacionais não derem cumprimento aos regulamentos, trata-se


claramente de uma violação do DUE - TUE 4º/3.

A decisão

A decisão é a última categoria de ato típico interno e vinculativo. Como estabelece o 4


do art. 288º TFUE, a decisão "é obrigatória em todos seus elementos. Quando designa
destinatários, só é obrigatória para estes".

Ao contrário do Regulamento e da Diretiva, a decisão é, em princípio, um ato


juridicamente obrigatório, mas já não necessariamente individual, podendo mesmo ter um
alcance geral, como sucede no domínio da PESC. Os seus destinatários tanto podem ser
Estados como particulares singulares ou coletivos. Isto significa que, em princípio, as decisões
não têm caráter geral, mas, em contrapartida, são obrigatórias em todos os seus elementos.

A sua vigência depende de notificação e serão inválidas se não se encontrarem


devidamente fundamentadas. Como qualquer ato juridicamente vinculativo da União, deverão
gozar de efeito direto, mas a limitação dos seus destinatários e a forma de publicidade tornam
difícil o reconhecimento geral do seu efeito direto. Assim, diz-se que as decisões são atos aptos
a gerar efeitos diretos, ou seja, suscetíveis de ser invocados pelos interessados perante os

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órgãos jurisdicionais nacionais. Ao invés, é pacífico o reconhecimento do efeito direto de


decisões dirigidas a particulares.

As diretivas

Ao contrário do que sucede com os Regulamentos, as Diretivas caracterizam-se por


serem atos da União que, essencialmente, impõem aos Estados membros a realização de
certos objetivos, deixando aos EM uma margem na escolha da forma e dos meios para a sua
implementação. Estas, apesar de poderem conter uma disciplina geral, têm como destinatários
imediatos (diretos) apenas os Estados Membros.

As diretivas, como reza o terceiro do artigo 288º TFUE, só vinculam o Estado "quanto
ao resultado a alcançar, deixando (...) às instâncias nacionais a competência quanto à forma e
aos meios" para atingir esse resultado. Isso significa que o conteúdo da diretiva supõe, em
princípio a possibilidade de diferenciações normativas do regime jurídico a estabelecer
nacionalmente. Desde que respeitem o resultado previsto, os EM gozam de alguma liberdade
de conformação normativa, podendo adaptar o texto da diretiva à realidade jurídica,
económica e social do Estado. Mas além da liberdade "quanto aos meios", os EM também
gozam de "liberdade quanto à forma".

Enquanto o Regulamento goza de aplicabilidade direta, a Diretiva necessita de um ato


nacional de incorporação para poder - se for caso disso - gerar direitos e obrigações na esfera
jurídica dos particulares. Necessitando de um ato nacional de inserção na ordem jurídica
nacional, as diretivas devem, em princípio, ser objeto de um processo de transposição, de uma
transformação em um ato de direito interno, cuja dignidade normativa incumbe ao Estado
determinar, dentro de certos limites.

De acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a transposição das


diretivas pelos EM destinatários deve ser correta, completa e com a especificidade, exatidão e
clareza requeridas para que seja satisfeita a exigência da segurança jurídica e assegurado o
efeito útil. Os EM têm a obrigação, no âmbito da liberdade que lhes é reconhecida pelo
terceiro parágrafo do 288º TFUE, de escolher as formas e os meios mais adequados para
assegurar o efeito útil das diretivas. Incumbe à Comissão, no âmbito do exercício do seu poder
de controlo, por força, nomeadamente dos artigos 17º TUE e 258º TFUE, fazer prova bastante
de que os instrumentos utilizados pelo EM para esse efeito são contrários ao direito
comunitário.

Convém salientar que a vigência interna de uma Diretiva, ainda que limitada, não está
totalmente dependente da sua transposição, podendo os cidadãos e empresas invocar certos
direitos e obrigações dela emanados, mesmo na falta de um tal ato, ainda que apenas contra o
Estado.

A razão disto é, antes de tudo, o facto de a Diretiva haver gerado, para o Estado, uma
vinculação imediata, a partir do momento em que, também em relação a ela, se cumpriram os
requisitos de: adoção pelo órgão competente (288º/1 TFUE), fundamentação (296º),
publicação ou notificação (297º) e entrada em vigor (297º). Facto que leva ao seu

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reconhecimento, pela jurisprudência nacional e europeia, como instrumento de "legislação


indireta".

Se o EM estava obrigado a transpor a diretiva e não o faz (no prazo por esta fixado),
coloca-se numa situação de incumprimento, sancionável contenciosamente (258º) e não pode
prevalecer-se (beneficiando) perante os particulares do seu próprio incumprimento. Pelo que,
se a Diretiva não transposta (ou incorretamente transposta) reunir as condições de que
depende o efeito direto de qualquer norma da União (clareza, precisão e incondicionalidade),
o particular poderá invocá-la jurisdicionalmente contra o Estado-membro incumpridor,
obtendo o benefício da sua aplicação e a desaplicação das normas nacionais que a esta se
oponham.

Paradigmático da afirmação do efeito direto vertical é o Acordão Fratelli Costanzo:


«Há que salientar que (...) os particulares têm o direito de invocar as disposições de uma
diretiva nos tribunais nacionais é porque os deveres que dela decorrem se impõem a todas as
autoridades dos EM. Seria, por outro lado, contraditório entender que os particulares têm o
direito de invocar perante os tribunais nacionais, as disposições de uma diretiva (...) com o
objetivo de fazer condenar a administração e, no entanto, entender que esta não tem o dever
de aplicar aquelas disposições afastando as de direito nacional que as contrariem. Daqui
resulta que (...), todos os orgãos da Administração, incluindo as entidades descentralizadas,
tais como as comunas, têm o dever de aplicar aquelas disposições».

O princípio do efeito direto tem uma importância crucial. É ele que traça a diferença e
particularidade únicas do Direito comunitário. As normas de direito comunitário, se tiverem
determinadas condições, podem ser invocadas pelos particulares perante órgãos nacionais
contra o Estado e contra os particulares. Que condições são essas? Ser uma norma clara (não
ssucitar dúvidas quanto ao sentido precrito pela UE), ser uma norma precisa (não carecer de
qualquer concretização por parte do Estado - cria, de forma autossuficiente, um concreto
direito subjetivo para os particulares) e ser uma norma incondicional.

Só produzem efeitos direitos se preenchidos três requisitos: passou o prazo de


transposição; cumprimento dos requisitos gerais do efeito direto (norma clara, precisa e
incondicional); e só pode ser utilizada em relações verticais.

Questão diversa e controvertida doutrinalmente é a do efeito direto horizontal das


diretivas, que o Tribunal nega decisivamente.

Mesmo que uma diretiva não produza efeito direto horizontal, pode produzir aquilo a
que se chama "efeito indireto". O juiz, ao aplicar direito nacional, vai tentar atingir o objetivo
da diretiva, desde que o sistema de interpretação do direito nacional o permita. É o princípio
da interpretação conforme - o juiz nacional, quando aplica direito nacional, deve interpretá-lo
no sentido mais próximo do direito europeu. Exemplo: caso Von Colson, caso Kolpinghuis e o
caso Marleasing.

No caso Marleasing, estava em causa uma diretiva de garantias exigidas às sociedades


para proteção dos sócios e de terceiros, não transposta pelo Estado espanhol. A empresa
Marleasing instaurou uma ação de declaração de nulidade do contrato social contra a 'La

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Comercial' e outras empresas com fundamento numa causa de nulidade da lei espanhola
inexistente na Diretiva não transposta. Concluiu-se que a exigência de uma interpretação do
direito nacional conforme ao art 11º desssa Diretiva (68/151) impede a interpretação das
disposições do direito nacional relativas às sociedade anónimas de maneira a que a nulidade
de uma sociedade possa ser declarada por motivos diferentes dos que são taxativamente
enunciados nessa Diretiva.

O Juiz nacional, ao aplicar o DIREITO NACIONAL, vai tentar atingir o objetivo da


diretiva, desde que o sistema de interpretação do direito nacional o permita. Ao aplicar direito
nacional, deve ter em conta o fim imposto pela diretiva, que vincula o Estado-Membro. O
órgão jurisdicional nacional é obrigado a interpretar o seu direito à luz do texto e do objetivo
imposto pela Diretiva. Esta obrigação não implica que sejam atribuídos a particulares, face a
particulares, direitos por uma diretiva não transposta. Implica que o juiz nacional, dentro dos
métodos de interpretação que lhe são conferidos pelo ordenamento jurídico nacional,
interpretar a norma legal no sentido mais próximo do objetivo a que o Estado está vinculado.

Também há aquilo que o TJ designa de 'efeitos incidentais' das Diretivas. Ao invocar a


Diretiva contra o Estado numa relação triangular, atinge-se o mesmo resultado que se obteria
se as diretivas produzissem efeitos diretos horizontais. Exemplo: A 'Medicamentos Bons' pode
exigir ao Estado o seu direito a que não existam empresas farmacêuticas dirigidas por não
farmacêuticos. Exerce o efeito direito vertical das Diretivas. Ao fazê-lo numa relação triangular
(pede ao Estado que faça x a outro particular), os efeitos da Diretiva acabam por coincidir com
os efeitos horizontais. A “Medicamentos Bons” não propôs a ação contra a outra empresa,
mas sim contra o INFARMED (órgão governamental). Pode invocar a diretiva contra o
INFARMED? PODE! Então pode conseguir invocar a Diretiva! E quem sofrerá as consequências?
OUTRO PARTICULAR. É o Efeito Incidental das Diretivas. Exemplos - caso Ruiz Bernaldez, caso
Oceano Salvat.

No caso Ruiz Bernaldez a situação era a seguinte: Ruiz provocou um acidente de viação por
conduzir embriagado; em processo penal foi condenado a pagar os danos causados e a sua
seguradora foi absolvida, nos termos da lei espanhola. Foi para reduzir as discrepâncias
entre as legislações dos EM quanto ao alcance da obrigação de seguro, que a diretiva em
causa impôs, em matéria de responsabilidade civil, uma cobertura obrigatória dos danos
patrimoniais e das lesões corporais. Alargou-se, ainda, esta obrigação à cobertura dos
danos resultantes de lesões corporais causadas aos outros passageiros além do condutor.
Tendo em conta o objetivo de proteção, a diretiva desse ser interpretado no sentido de
que o seguro automóvel obrigatório deve permitir aos terceiros vítimas de um acidente
causado por um veículo ser indemnizados de todos os danos emergentes de lesões
corporais e dos danos patrimoniais sofridos. Qualquer outra interpretação teria por
consequência permitir aos EM limitar a indemnização dos terceiros vítimas de um acidente
de viação a certos tipos de danos, provocando assim, disparidades de tratamento entre as
vítimas - a diretiva ficaria assim privada do seu efeito útil. Assim, a Diretiva opõe-se a que a
seguradora possa invocar disposições legais ou cláusulas convencionais para recusar
indemnizar os terceiros vítimas de um acidente causado pelo veículo segurado.

Tratando-se de uma situação em que não houve transposição de uma diretiva, ao


aplicar o Direito nacional, quer se trate de disposições anteriores ou posteriores à diretiva, o
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órgão jurisdicional chamado a interpretá-lo é obrigado a fazê-lo, na medida do possível, à luz


do texto e da finalidade da diretiva, para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir,
desta forma, o art. 249º/3º parágrafo TFUE.

Deste modo, cabe ao juiz de reenvio, chamado a decidir um litígio abrangido pelo
domínio de aplicação da diretiva e resultante de factos posteriores ao termo do prazo de
transposição desta última, quando aplica as disposições de direito nacional em vigor à data dos
factos, interpretá-las, na medida do possível, de acordo com a diretiva, de uma forma tal que
possam ser aplicadas oficiosamente. O órgão jurisdicional nacional é obrigado a interpretar as
disposições de direito nacional à luz do texto e da finalidade da Diretiva em causa.

O dever de ‘stand still’

Uma última questão se coloca: a de saber se um EM poderá, no prazo que


legitimamente tem para transpor a Diretiva, estabelecer legislação interna que se afaste dos
resultados prescritos pela Diretiva.

A questão foi objeto de juízo no processo 'Wallonie' (Acordão 'Inter-Environment


Wallonie' de 1997). Afirmou-se que «se bem que os EM não estejam obrigados a adotar tais
medidas de transposição antes de expirar o prazo, da aplicação do 4º/3 TUE, em relação com o
288º TFUE, deduz-se que, durante o dito prazo, devem abster-se de adotar disposições que
possam comprometer gravemente o resultado prescrito pela diretiva.» Esta resposta baseia-se
na aptidão da diretiva produzir alguns efeitos jurídicos desde a sua notificação ou publicação.

Assim, este Acordão veio invocar o princípio da cooperação leal para dizer que os EM
devem abster-se de tomar quaisquer medidas que possam comprometer gravemente o
resultado prescrito pela Diretiva. Esta, desde o momento em que entra em vigor, cria algumas
expectativas jurídicas nos particulares, que merecem tutela. É o "dever de stand still". Ou seja,
antes do fim do prazo, os Estados não estão obrigados a atingir o objetivo da Diretiva. Mas,
estão proibidos de tomar medidas que se afastem do objetivo, tornando impossível o
cumprimento da Diretiva.

Atos típicos não vinculativos


Entre os atos jurídicos típicos – aqueles que se encontram discriminados no art. 288º
TFUE – são não vinculativos as recomendações e os pareceres. Estes atos podem ser adotados,
não só pelo Conselho, Conselho e Parlamento e Comissão, mas também pelo Parlamento
isoladamente, pelo TJ, pelo Tribunal de Contas e pelos Comités.

A recomendação é da iniciativa do órgão que a fórmula, podendo dirigir-se aos


Estados-membros ou outros órgãos comunitários, ressaltando pontos de vista ou reclamando
medidas ou comportamentos.

O parecer surge normalmente no âmbito de um procedimento de decisão, como seu


ato preparatório, enunciando a posição técnico- jurídica especialmente qualificada de um
determinado órgão ou Instituição.

Ainda que estes atos não sejam, em regra, vinculativos, é possível apontar algumas
situações em que se verifica a sua vinculação mitigada:

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• Todos os atos vinculativos devem indicar os pareceres emitidos, sob pena


de invalidade (art. 296º TFUE);
• As recomendações e pareceres desempenham um papel prospetivo
importante no desenvolvimento do direito da UE.
• Estes atos não são considerados como desprovidos de valor jurídico,
devendo os juízes nacionais tomá-los em consideração para resolver
litígios de direito da União.
• Os pareceres desfavoráveis, vinculativos, ao impedirem a tomada de
decisão (art. 218º/11 TFUE).

Atos atípicos

São atos atípicos todos aqueles previstos avulsamente nos Tratados, isto é, aqueles
que não constam do art. 288º TFUE, sem referência às suas caraterísticas essenciais.

Os atos atípicos são adotados por iniciativa dos órgãos comunitários ou por imposição
das normas de direito derivado. As designações dadas a estes atos são múltiplas, entre as
quais podemos salientar os Relatórios, os Programas de ação, os Códigos de conduta, os Livros
verdes e Brancos (sendo os primeiros relativos à discussão numa área e os segundo as
propostas de ação nessa matéria), etc. É de reforçar que o nomen iuris conferido aos atos não
tem relevância, podendo um ato ser vinculativo e ter, por ex., aplicabilidade direta, embora a
sua designação não o transpareça.

Os atos atípicos têm, efetivamente, eficácia jurídica, ainda que limitada.


Nomeadamente, os regulamentos dos órgãos que vinculam o órgão que os elaborou. Por outro
lado, todos estes atos terão relevo interpretativo, tendo em conta o princípio da interpretação
conforme. Aliás, estes atos podem constituir a expressão de princípios gerais de direito da
União e bordão de apoio da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

Atos convencionais

Nos termos do art. 216º TFUE, a União tem competência para celebrar acordos com
terceiros. Estes acordos poderão ser:

A. acordos de associação com Estados ou Organizações;


B. acordos setoriais;
C. acordos mistos: concluídos simultaneamente pela UE e pelos Estados-membros com
outros Estados ou Organizações. A competência internacional da Comunidade não
necessita de estar expressamente indicada nos Tratados, pois vigora aqui o princípio
do paralelismo de competências.

A competência internacional da Comunidade coexiste com a possibilidade deixada aos


Estados-membros de adotarem medidas nacionais e de se vincularem externamente, quando
essas medidas ou compromissos internacionais não sejam passíveis de alterar/afetar o âmbito
do direito comunitário. Quando esta atuação individual dos Estados coloca em risco as regras
comuns da UE, as competências externas da União tornam-se exclusivas.

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Quanto ao procedimento de conclusão dos acordos internacionais, este encontra-se


previsto nos Tratados (art. 218º TFUE), o qual inclui a possibilidade de parecer vinculativo do
TJ. Os acordos internacionais têm precedência sobre os outros atos de direito derivado, pois
são atos de direito internacional público. Daí que o Tribunal de Justiça possa fiscalizar a
validade de uma norma tomando acordos internacionais como parâmetros normativos – art.
216º/3 TFUE.

Existem ainda outras convenções que gravitam na órbita do direito da União, por não
decorreram do sistema orgânico institucional previsto especificamente nos Tratados, mas que
visam cumprir as suas dispões ou complementá-los: acordos entre Estados-membros relativos
à nomeação de juízes do TJ, convenções celebradas à margem das reuniões do Conselho, mas
entre os seus representantes, etc.

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Os princípios jurídicos fundamentais


Há várias classificações possíveis de princípios da União:

• Princípios de repartição de competências;


• Princípios de relacionamento entre a União e os Estados membros;
• Princípios estruturantes da União;
• Princípios fundamentais de direito da União;
• Princípios de boa administração.

Os princípios da União brotam de várias fontes, como as tradições constitucionais dos


Estados-membros (pelo menos, as que forem comuns – arte- 6º TUE), o direito internacional
público, ou a natureza específica da União.

Princípios de repartição da competência

Nos termos do art. 3º/6 TUE, a União prossegue os seus objetivos mediante os meios
adequados e de acordo com as competências que lhe são atribuídas pelos Tratados. Assim, as
instituições e órgãos da UE só podem atuar se e quando os Tratados previrem competências
para tal. Como foi já referido, a atuação das instituições e órgãos requer uma base jurídica,
onde constem:

• Objetivos a prosseguir;
• Competências: âmbito material de intervenção da União (isto é, os poderes de
ação que lhe são conferidos);
• Poderes: modalidades de exercício das competências (ou seja, formas/meios
de ação ou tipos de atos passíveis de serem adotados);
• Procedimentos: conjunto de passos necessários para a tomada de decisão.

Os tipos de competência:

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A. As competências verticais consistem naquelas que procedem a um balanço


entre as competências do Estado e da UE;
B. enquanto as competências horizontais procedem a um balanço
interinstitucional, isto é, entre instituições e órgãos da União.
C. Por sua vez, as competências exclusivas pertencem apenas à União ou apenas
aos Estados- membros (arts. 5º/3 in fine, 4º/1 TUE e arte. 3º TFUE);
D. as competências concorrentes são partilhadas entre a União e os Estados-
membros (arte. 5º/3 TUE) – arte. 2º/1 e 2 TFUE.

As competências exclusivas da UE constituem competências transferidas total e


definitivamente dos Estados para a União, constituindo um campo reservado ao exercício das
instituições órgãos comunitários. Estas competências estão exaustivamente consagradas no
art. 3º TFUE.

A falta de ação da UE neste âmbito não implica a extinção da competência ou a sua


devolução aos Estados-membros. Os Estados-membros só poderão agir no âmbito de
competências exclusivas da UE quando autorizados especificamente pelas autoridades
competentes ou como administradores ordinários do direito da União, tendo especiais deveres
de ação e abstenção de modo a respeitar e promover os interesses comuns.

Também os Estados-membros dispõem de competências exclusivas, isto é,


competências retidas por aqueles, não transferidas total nem parcialmente para a UE. São
exemplos de competências exclusivas dos Estados-membros:

• nacionalidade
• estado civil a organização militar
• a segurança nacional
• os salários
• os direitos de associação
• a greve
• a regulação da propriedade etc. (exs.: arts. 153º/5 e 345º TFUE).

No que respeita as competências partilhadas entre UE e Estados-membros, tanto a


primeira como os segundos podem agir, mas o exercício da prerrogativa encontra-se
normalmente dependente da concretização dos princípios da preempção e da subsidiariedade
(arts. 2º/2 in fine TFUE e 5º/3 TUE).

Com o Tratado de Lisboa, adotou-se o método enunciativo: as competências exclusivas


da União são apenas as definidas nos Tratados e, em regra, resultam de processos prévios de
consolidação jurisprudencial e normativa (arte. 3º TFUE).

Já as competências partilhadas, enunciadas no art. 4º TFUE, integram um elenco não


taxativo. Existem ainda tipos particulares de competências nomeadamente:

• Competências paralelas: a atuação da União não impede a atuação, em


simultâneo, dos Estados-membros – arte. 4º/3 e 4 TFUE.

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• Competências de coordenação: os Estados-membros coordenam as suas


políticas relativas a determinadas matérias no âmbito da União – arte. 5º
TFUE.
• Competências de apoio ou complemento: a competência dos Estados-
membros é primária pelo que a ação da União visa coordenar, completar e
apoiar as atuações daqueles – arte. 6º TFUE.
• Competências específicas: cooperação entre União e Estados-membros em
matéria de PESC – arte. 2º/4 TFUE. Nos arts. 8º a 17º TFUE constam os critérios
gerais, transversais, aos quais a União se encontra vinculada no exercício de
todas as suas competências.

O princípio da especialidade/atribuição (art. 5º/2 TUE)

O princípio da especialidade é aplicável a todas as organizações internacionais, uma


vez que, por serem criadas por um ato voluntário dos Estados, só poderão, como é lógico,
exercer as competências que aqueles lhes conferiram. Assim, a UE não é dona da sua própria
competência: por um lado, as competências são-lhe atribuídas/delegadas pelos Estados; por
outro, sendo as competências definidas pelos Estados, as instituições e órgãos da UE limitam-
se a interpretá-las e aplicá-las. Decorre deste princípio a circunstância de qualquer medida (de
direito derivado) dever ser acompanhada da correspondente base legal, mediante a
identificação dos artigos do Tratado nos quais se funda.

O princípio das competências/poderes implícitos – 3º/2 e 216º TFUE

Segundo este princípio, a UE deve ser titular de todas as competências convenientes


e/ou necessárias à prossecução das suas atribuições, mesmo que não expressamente previstas
nos Tratados. Este princípio foi já por nós analisado acima, sendo que podemos identificar as
suas principais repercussões:

• Princípio do paralelismo de competências (art. 3º/2 TUE);


• Mecanismo de preenchimento de lacunas previsto no art. 352º TFUE;
• Cláusula de solidariedade (art. 222º TFUE): pode implicar uma intervenção não
prevista da União, em caso de catástrofe ou guerra.

O princípio da preempção – 2º/2 TFUE

O princípio da preempção intervém em matéria concorrente (mas não em


competências paralelas), e estipula que se a UE regular determinada matéria
concorrente/partilhada, tal preclude os Estados-membros de legislarem a mesma matéria, na
mesma extensão.

É este o entendimento do art. 2º/2 in fine TFUE: os Estados-membros exercem a sua


competência na medida em que a União não tenha exercido a sua; os Estados-membros
voltam a exercer a sua competência na medida em que a União tenha deixado de exercer a
sua.

Na prática, como se compreende, este princípio poderá converter uma competência


concorrente/partilhada numa competência exclusiva, quando a União opere uma

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regulamentação extensiva da matéria, não deixando espaço de manobra aos Estados-


membros. Porém, sempre que se verifique uma retração ou revisão das medidas da UE, uma
competência que estava a ser exclusivamente exercida pela UE regressa à esfera dos Estados-
membros (art. 48º/2 TUE).

Com efeito, atualmente verifica-se uma tendência para a reavaliação das medidas já
adotadas pela União e a equação da possibilidade de “passos atrás” na integração europeia. O
princípio da preempção assume particular relevância no âmbito das competências externas,
pois a União assumirá a competência para concluir acordos internacionais sempre que estes
sejam suscetíveis de afetar ou alterar as disposições comunitárias. Enquanto as disposições
comunitárias versarem sobre certa matéria, os Estados-membros não terão competência para
celebrar acordos internacionais relativos a essa matéria.

O princípio da subsidiariedade

O princípio da subsidiariedade tem já raízes históricas no seio da União, tendo sido


inicialmente incluído no Tratado de Roma pela revisão operada mediante o Tratado de
Maastricht.

Este princípio intervém apenas no âmbito de competências concorrentes (mas não


paralelas). Segundo este princípio, a União intervém se e apenas na medida em que os
objetivos de ação não possam ser suficientemente alcançados pelos Estados-membros.
Conclui-se, portanto, que a competência comunitária depende do preenchimento de dois
requisitos:

• Requisito negativo: insuficiência da ação dos Estados, ao nível local, regional


ou estadual.
• Requisito positivo: a atuação da União deve ser uma mais-valia – deverá
realizar-se um teste de eficiência comparativa entre a atuação da União e a
atuação do Estado, tendo em conta, nomeadamente:
✓ Se o problema em questão envolve aspetos transnacionais de relevo;
✓ Se as ações realizadas pelos Estados-membros independentemente
são contrárias às disposições dos Tratados ou prejudicam os interesses
dos outros Estados ou da União;
✓ Se as medidas comunitárias existentes ainda não foram suficientes
para atingir as metas fixadas. Segundo Paul Craig, este princípio tem
como funções:
▪ Gerir litígios sobre competências partilhadas/concorrentes;
▪ Demonstrar que, em matérias específicas, a atuação da UE é
uma necessidade;
▪ Evitar excessiva centralização de competências na União;
▪ Promover o pluralismo e a diversidade de valores nacionais.

Poderá perguntar-se, pertinentemente, se este princípio se assume como um


instrumento político ou como um instrumento cooperativo. Por um lado, tendo em conta que
poderá estar em causa uma defesa da periferia em face do centro (mediante a preferência de
tomada de decisão ao nível mais próximo dos cidadãos), está em causa a salvaguarda

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relativamente à excessiva centralização de poderes na UE. Por outro, assumindo-se uma


matriz neutra deste princípio (a decisão deve ser tomada ao nível mais adequado, que nem
sempre é o mais próximo dos cidadãos), estamos em face de um mecanismo de natureza
colaborativa.

O princípio da subsidiariedade comporta três dimensões: uma administrativa, uma


judicial e uma político-legislativa.

1. Dimensão administrativa: o princípio da subsidiariedade implica uma melhor


regulamentação administrativa por parte das Instituições da União, em especial da
Comissão (que detém o poder de iniciativa). Com efeito, terá de ser analisadas as
várias alternativas de atuação e elaboradas avaliações de impacto. A Comissão e o
Comité das Regiões têm de elaborar relatórios sobre a aplicação deste princípio.
2. Dimensão judicial: o princípio da subsidiariedade constitui um requisito de validade
dos atos da União. Em regra, cabe à Comissão demonstrar em que medida as
competências dos Estados-membros estão limitadas em determinada atuação
concorrente devido aos requisitos do princípio da subsidiariedade. Este princípio é de
difícil controlo dada a margem de liberdade do legislador para atuar e fundamentar
aquela atuação. Assim, embora justiçável perante o TJ, o princípio da subsidiariedade
tem vindo a ser de “utilização subsidiária” no plano judicial. Os Parlamentos nacionais
dispõem da possibilidade de, através do executivo do Estado, interpor recurso para o
TJ com fundamento em violação do princípio da subsidiariedade por um ato legislativo
(art. 8º do Protocolo relativo à aplicação do princípio da subsidiariedade e
proporcionalidade). Esta via é usualmente designada de “Cartão vermelho”. O Comité
das Regiões dispõe de idêntica prerrogativa em relação aos atos sobre os quais é
consultado.
3. Dimensão político-legislativa: está aqui em causa o controlo político operado através
do processo legislativo da União e da informação aos Parlamentos nacionais. No
âmbito do processo legislativo, os Parlamentos nacionais são informados dos projetos
legislativos e podem, no prazo de 8 semanas, pronunciar-se sobre os mesmos
mediante parecer fundamentado (art. 4º do Protocolo nº1 sobre o Papel dos
Parlamentos Nacionais na UE). O Parlamento de cada Estado-membro tem direito a 2
votos (essencialmente para acomodar os parlamentos bicamerais). No caso de o caso
do número de pareceres em sentido de a inobservância do princípio da
subsidiariedade constituírem:
• 1/3 do total dos votos atribuídos aos Parlamentos nacionais ou 1/4 dos votos
no âmbito do espaço de liberdade, segurança e justiça, o projeto deverá ser
reanalisado, podendo a Comissão mantê-lo, alterá-lo ou retirá-lo – é o
chamado “Cartão amarelo”.
• A maioria simples dos votos atribuídos aos Parlamentos nacionais, em caso de
procedimento legislativo ordinário, impende sobre a Comissão a reanálise da
proposta, podendo mantê-la, alterá-la ou retirá-la.

Se a Comissão decidir manter a proposta deverá especificar, em parecer


fundamentado, a razão pela qual ela obedece ao princípio da subsidiariedade. Tanto os
pareceres dos Parlamentos nacionais como o parecer da Comissão deverão ser submetidos ao

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legislador, para ponderação no processo legislativo. A ponderação do princípio da


subsidiariedade durante o processo legislativo ocorre em duas fases:

I. Antes da conclusão da primeira leitura: o legislador pondera a compatibilidade


da proposta com o princípio da subsidiariedade, tendo em conta os pareceres
dos Parlamentos nacionais e da Comissão.
II. Se o legislador, numa fase posterior, considerar a proposta incompatível com o
princípio da subsidiariedade (por 55% dos votos), tendo em conta aqueles
pareceres, a proposta não continuará a ser analisada – estamos em face do
“Cartão laranja”.

Espera-se que, com este contexto institucional, se consiga uma maior eficácia e ganhos
de legitimidade que se traduzam numa redução da obscuridade e complexidade do direito da
União. Deste modo termina um período de quase monopólio de facto e de direito do Governo
em matéria de contributo nacional para o processo de decisão europeia, comprometendo-se
diretamente o Parlamento na construção, aprofundamento e consolidação da União.

O princípio da proporcionalidade – 5º/4 TUE

O princípio da proporcionalidade é uma exigência relativamente à atuação da União


quer no exercício de competências exclusivas, quer no exercício de competências
concorrentes. Este princípio é um princípio de tradição constitucional comum, sendo que as
suas três dimensões são amplamente conhecidas: adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito. A forma de atuação da UE deve ser o mais simples
possível e adequada à obtenção satisfatória dos objetivos. Sempre que tal seja possível, e na
medida do possível, as ações da União devem deixar espaço para a regulamentação nacional.

Princípios de relacionamento entre a UE e os Estados-membros


O princípio da autonomia

A UE dispõe de caraterísticas específicas que permitem caracterizá-la como uma


ordem jurídica específica autónoma sui generis. Esta autonomia revela-se tanto em relação ao
nível internacional como ao nível do direito interno dos Estados-membros. Relativamente ao
direito internacional, a União tem os seus próprios objetivos, estrutura institucional,
procedimentos de tomada de decisão, fontes de direito e mecanismos de controlo. Em relação
ao direito interno dos Estados-membros, o direito da UE será sempre configurado como tal,
mesmo quando concretizado pelo direito nacional. Os conceitos e métodos de interpretação
do direito da União são próprios, definidos de acordo com a finalidade das normas
comunitárias e com o auxílio da jurisprudência do TJ. Com efeito, a jurisprudência do TJ, em
consequência da utilização do mecanismo do reenvio prejudicial, tem sido o principal
instrumento de afirmação da autonomia do direito da União.

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O princípio da cooperação sincera – art. 4º/3 TUE

Este princípio é integrado por deveres de lealdade em sentido estrito (deveres de agir
em boa fé) e de solidariedade entre UE e Estados-membros, baseando tanto obrigações de
abstenção como obrigações de ação. É dele que deriva a “cláusula de solidariedade” prevista
no art. 222º TFUE e art. 46º/7 TUE, a que já referimos. Assim, por um lado, os Estado-membros
devem abster-se de quaisquer ações ou omissões que possam violar o direito da UE ou colocar
em causa a sua eficácia; por outro, devem respeitar as obrigações resultantes dos Tratados e
dos demais atos comunitários. Este princípio determina ainda obrigações da UE para com os
Estados-membros e destes entre si.

A aplicabilidade direta

Algumas normas comunitárias gozam de aplicabilidade direta: são imediatamente


integradas na ordem jurídica dos Estados-membros, sem a necessidade de qualquer ato de
recepção ou transposição. Nestes casos, o direito da União é autossuficiente, sendo proibidas
as medidas que integrem ou publiquem as normas comunitárias no ordenamento jurídico
nacional. Nos termos do art. 288º TFUE, são diretamente aplicáveis os regulamentos e as
decisões.

O efeito direto

O conceito de “efeito direto” é ambíguo e complexo no conjunto das normas


comunitárias: em sentido amplo ou objetivo, consiste no direito de invocar provisões de
direito comunitário suficientemente precisas, claras e incondicionais perante os tribunais
nacionais. Em sentido restrito ou substantivo, traduz-se no direito atribuído por provisões de
direito comunitário precisas, claras e incondicionais.

Saliente-se, neste ponto, que “aplicabilidade direta” e “efeito direto” são conceitos
que não se confundem. Na aplicabilidade direta está em causa a vigência imediata dos atos
comunitários na ordem jurídica dos Estados-membros; já no efeito direto está em causa a
natureza material de certos atos, que os torna invocáveis nos tribunais nacionais (ainda que
não tenham aplicabilidade direta).

A questão de fundo que aqui se coloca é a de saber se os indivíduos podem ou não


invocar diretamente o direito da União perante os tribunais nacionais. Como temos vindo a
referir, tudo dependerá da natureza material do ato. Assim terão efeito direto as disposições
que:

• Sejam suficientemente claras: não suscitem dúvidas quanto ao seu conteúdo;


• Sejam precisas: não necessitem de ato de concretização, sendo suficientemente
densas;
• Sejam incondicionais: não admitam exceções ou desvios.

Neste contexto, o TJ já aceitou o efeito direto de normas dos Tratados instituidores, de


normas de regulamentos e de decisões, de alguns acordos internacionais e até de alguns casos
excecionais de diretivas. Neste ponto é crucial determinar contra quem pode ser invocado o
efeito direto. Ora, o efeito direto caracteriza-se pela sua eficácia vertical – privados/entidades

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públicas – e horizontal – privados/privados (por ex. disposições relativas a liberdades


fundamentais).

O princípio do primado

Princípio fundamental, afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. Uma qualquer
norma de direito interno quando em conflito é substituída na aplicação por uma norma de
direito europeu quando em casa normas infraconstitucionais. A questão torna-se mais
complexa quando se trata de uma norma constitucional. As várias ordens jurídicas dos
Estados-membros têm admitido a prevalência do direito europeu sobre o direito interno com
algumas restrições. Exemplo da CRP: art. 8, quando sejam respeitados os princípios do Estado
de Direito Democrático.

Caso não estejamos perante uma norma com efeito direito, está em causa uma mera
questão de interpretação. O TJ não distingue entre tipos de normas comunitárias e nacionais,
entre as quais poderá verificar-se um conflito. Assim, prima facie, o direito da UE teria primazia
sobre o direito nacional de um modo geral (o que implica a sua primazia em face do direito
constitucional).

Este entendimento motivou reações de crítica por parte dos Estados-membros, em


especial dos seus Tribunais Constitucionais. De facto, nos Tratados não se encontra
expressamente consagrado o princípio do primado. Aliás, esta foi uma das grandes críticas ao
Tratado Constitucional (PTCE), onde se incluía expressamente uma norma com tal conteúdo.
Noutro prisma, de acordo com o art. 53º da Carta dos Direito Fundamentais da UE, em matéria
de direitos fundamentais, terão sempre primazia as regras mais protetoras, sejam elas
nacionais ou comunitárias. Apesar da polémica que envolve o princípio do primado, tem-se
verificado uma aproximação baseada na interconexão entre as duas ordens legais:

• Os novos Estados-membros têm revisto as suas Constituições antes da adesão à


UE com o objetivo de evitar conflitos futuros de grande dimensão;
• Os Tribunais Constitucionais devem utilizar o mecanismo do reenvio prejudicial
(requerer a interpretação do TJ) antes de se pronunciarem sobre a
inconstitucionalidade de certa medida comunitária;
• A desaplicação do direito da União tem sido vista como uma possibilidade pelos
Estados-membros apenas quando aquele direito coloque em causa princípios
fundamentais da ordem constitucional do Estado- membros – TC’s assumem-se
como “guardiões do núcleo essencial da Constituição” (entre nós: arte. 8º/4 CRP)
• As normas de direito comunitário são já parte integrante do bloco da
constitucionalidade e da legalidade nacional, por opção de alguns Estados.

O princípio da interpretação conforme

O princípio da interpretação conforme foi já diversas vezes mencionado pois tem


grande relevância na ordem jurídica dos Estados-membros. Decorre deste princípio que, na
interpretação e aplicação das normas internas deve ter-se em máxima consideração o direito
da União, mesmo que este não esteja ainda plenamente em vigor (recorde- se a “cláusula de
stand still” no âmbito das diretivas. Um intérprete/aplicador do direito nacional deverá sempre

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fazê-lo atribuindo a estas normas um sentido compatível com o direito europeu. De igual
modo, deve assegurar-se que a interpretação e aplicação do direito da UE é feita de maneira
harmoniosa em todos os Estados-membros, de modo a evitar níveis distintos de integração.

Por isso mesmo, as derrogações às normas comunitárias devem ser interpretadas


restritivamente, de modo a assegurar a plena eficácia do direito da União. O papel do juiz
nacional torna-se agora mais rico: deverá seguir as normas de interpretação seguidas no
direito nacional, mas privilegiando métodos interpretativos ou elementos das normas que
permitam conferir-lhes um sentido compatível com as normas comunitárias.

Interpretação conforme regulamentos aparentemente inválidos

O juiz considera que o regulamento europeu é invalido porque está a desrespeitar


algumas normas do direito originário, o juiz pode então desaplicar a norma de
direito comunitário, uma vez que esta é inválida?
Os tribunais nacionais são tribunais comuns de direito comunitário, eles devem
aplicar o direito comunitário, os tribunais nacionais não devem aplicar normas de
direito comunitário que sejam invalidas, poderíamos responder que o juiz de
primeira instancia poderia desaplicar as normas, pois, esta não é válida.
O juiz poderia a partida desaplicar a norma de direito consoante sua invalidade,
mas o tribunal de justiça da União Europeia , no acordão de 87 (Foto Frost) veio
afirmar que sempre que um juiz nacional seja confrontado com a questão de uma
norma de invalidade de um direito derivado e se incline para considerar que essa
norma e efetivamente invalida, não pode desaplicar essa normas sem recorrer ao
reenvio prejudicial de validade. Ou seja, estabelecemos uma segunda situação de
reenvio obrigatório, o juiz está obrigado a reenviar.
O tribunal nacional deve perguntar ao Tribunal Europeu se o ato é mesmo invalido.
O Tribunal da União Europeia invoca que a obrigatoriedade de reenvio é necessária
para assegurar a uniformidade para a aplicação do direito comunitário. O tribunal
de justiça da união europeia deve controlar se o ato é ou não invalido.
O segundo argumento : reserva da própria estrutura dos tratados a reserva da
questão da apreciação da validade das normas dos tratados e por isso mesmo é
que cabe ao Tribunal de Justiça da União Europeia a competência para anular atos
de direito da União Europeia com base na respectiva invalidade ( art.263º e 264º
TFUE).

Embora este princípio se estenda a todas as autoridades nacionais no campo na


aplicação material do direito, deve ter-se em conta que:

• A interpretação conforme não pode conduzir ao agravamento de obrigações


sobre os particulares (desde logo, não poderá dar lugar à criação de obrigações
no domínio penal);
• A interpretação conforme não pode conduzir a uma interpretação contra
legem do direito nacional.

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Caberá aos Estados-membros determinar os tribunais e as regras processuais


destinados a assegurar a proteção dos cidadãos quanto à aplicação das normas comunitárias
com efeito direto. Estas normas nacionais relativas ao efeito direito das normas comunitárias
devem cumprir dois requisitos, de modo a promover a correta e uniforme aplicação do direito
da UE:

I- Não devem ser menos favoráveis do que as normas que regem similares processos
domésticos-equivalência e não discriminação;
II- Não devem tornar virtualmente impossível ou excessivamente difícil o exercício
dos direitos atribuídos pelas normas comunitárias – eficácia.

Princípio da responsabilidade dos Estados-Membros

O princípio da responsabilidade dos Estados-membros traduz-se na obrigação que recai


sobre estes em caso de danos causados aos seus cidadãos em virtude de violações de direito
da União pelos quais são responsáveis.

Este princípio, embora não diretamente consagrado nos Tratados, é-lhes inerente.
Efetivamente, o pleno efeito do direito comunitário seria comprometido e a proteção dos
direitos que ele confere seriam enfraquecidos se os particulares não pudessem obter
compensação quando os seus direitos são lesados por violação culposa do direito comunitário
pelo Estado-membro onde residem. As condições para a efetivação da responsabilidade dos
Estados-membros repousam no direito nacional, sendo que o Estado não poderá impor
requisitos que tornem excessivamente difícil a obtenção de uma reparação. Assim, são
pressupostos a reunir para a responsabilidade dos Estados:

• A norma violada deve ter como função atribuir direitos aos indivíduos,
devendo ser possível a identificação do conteúdo do direito com base na
norma em causa;
• A violação deve ser suficientemente caraterizada ao nível do direito
comunitário, de modo a que seja possível exigir indemnização pelos danos
(sendo que não é necessário que a violação em causa seja previamente
declarada pelo TJ);
• O Estado deve ter incorrido em desrespeito grave pela obrigação
comunitária: devem aqui ter-se em conta requisitos como a clareza e
precisão da norma, a intencionalidade da violação, a possibilidade de
desculpabilização do Estado, a margem de discricionariedade conferida ao
Estado, a contribuição dos órgãos da UE para o incumprimento, etc., de
modo a atestar a gravidade da conduta estadual;
• O comportamento do Estado e o dano sofrido devem estar relacionados
por um vínculo casual (o que pressupõe ainda que a indemnização, quando
tenha lugar, seja adequada ao prejuízo sofrido como causa do
comportamento do Estado).

O TJ considera que este princípio se aplica a qualquer tipo de violação do direito da UE


e a qualquer autoridade nacional (poder executivo, legislativo ou jurisdicional). É evidente que,
no caso de a responsabilidade recair sobre o poder jurisdicional, o regime aplicável terá

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algumas especificidades. Isto porque, neste âmbito, assume particular preponderância o


paradigma da independência e autoridade do poder judicial, que, em certa forma, comporta a
sua “irresponsabilidade”. Desde logo, a violação do dever de reenvio não constitui em si
mesma uma violação do direito da UE.

Princípios Estruturantes da UE

• Princípio da rule of law ou da Comunidade/União de Direito – como Comunidade de


direito e democracia, a lei, em sentido amplo, deve prevalecer sobre as restantes
fontes de direito (art.1º TUE).
• Princípio da integração ou supranacionalidade – a UE visa não só ser um espaço de
cooperação, mas também um espaço de integração, no qual se edifica uma ordem
jurídica comum (artº 3/2 e 3 TUE).
• Princípio da diferenciação/flexibilidade: a UE respeita plenamente as diferenças entre
os Estados-membros, numa lógica de respeito pela individualidade cultural, linguística
e política (art. 3º/3 in fine TUE).
• Princípio da democracia (art. 2º TUE).
• Princípio da solidariedade – a UE visa a cooperação leal e solidárias entre os Estados-
membros (art. 4º/3 TUE).
• Os princípios fundamentais do direito da União

Os princípios fundamentais da UE desempenham um papel constitutivo e interpretativo do


direito da União, pelo que devem ser tomados em consideração na definição das opções
de direito derivado e na concretização das disposições comunitárias. O catálogo de
princípios fundamentais é um catálogo aberto, isto é, alguns princípios encontram-se
explicitamente acolhidos nos Tratados, enquanto outros foram deduzidos pelo TJ das
caraterísticas principais da ordem jurídica comunitária. Podemos apontar, não
taxativamente, os seguintes:

✓ Princípio da igualdade e da não discriminação (arts. 2º/3 TUE e arts. 18º e 19º
TFUE);
✓ Princípio da proporcionalidade (este é um princípio transversal, pelo que foi já
analisado
✓ Princípio do respeito pelos direitos fundamentais (arts. 6º e 7º TUE e Carta dos
Direitos Fundamentais);
✓ Princípio da segurança jurídica: a ação da União deve ser previsível e
consistente;
✓ Princípio do respeito pelas legítimas expetativas: numa das suas refrações,
introduz limites à eficácia retroativa e desfavorável das ações da União.

Os princípios da boa administração

Estes princípios constituem, sobretudo, princípios sobre a conduta procedimental e a


tomada de decisão ao nível da UE. Surgiram com o objetivo de regular esta matéria o Código
Europeu de Boa Conduta Administrativa do Parlamente Europeu (2001) e o Livro Branco sobre
Governança Europeia (2001). Também a Carta dos Direitos Fundamentais contém algumas
disposições aplicáveis nesta matéria, assim como os Tratados. Nestes últimos destaca-se o

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princípio da abertura, introduzido pelo Tratado de Lisboa. Embora estes princípios se


caracterizem por um caráter marcadamente discricionário, é possível o seu controlo
administrativo – mediante a atuação do Provedor de Justiça – e judicial. De um modo geral, a
administração da UE deve ser responsável, aberta, transparente, coerente, eficiente e
equitativa.

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