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Laura

 Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

DIREITO  DA  UNIÃO  EUROPEIA  I  


 
DEZEMBRO  DE  2012  
 
BIBLIOGRAFIA:  M.  GORJÃO-­‐HENRIQUES,  Direito  da  União;  e  J.  MOTA  DE  CAMPOS,  Manual  de  Direito  Europeu;  Power-­‐
points  Prof.  Alexandra  Aragão  e  Afonso  Patrão.  
 
 
PARTE  I  –  HISTÓRIA  DA  UNIÃO  EUROPEIA  
 
Da  Segunda  Guerra  Mundial  à  Declaração  de  Schuman  
 
• Após  a  II  Guerra  Mundial,  os  Estados  Ocidentais  rapidamente  se  organizaram  para  fazer  face  
aos  desafios  da  construção  e  para  se  defenderem  das  ameaças,  através  da  celebração  de  vários  
tratados  de  cooperação  militar.  
• Contudo,  a  necessidade  de  ir  para  além  de  uma  mera  coordenação  de  soberanias,  na  linha  do  
Congresso  federalista  de  Haia  (1948)  e  do  discurso  de  Churchill,  levou  o  Ministro  dos  Negócios  
Estrangeiros   francês,   Robert   Schuman,   em   1950.   Tal   declaração,   sobre   o   problema   das  
relações   franco-­‐germânicas,   propunha   a   solução   de   “colocar   o   conjunto   da   produção   franco-­
alemã   do   carvão   e   do   aço   sob   o   controlo   de   uma   alta   autoridade   comum,   numa   organização  
aberta  à  participação  de  outros  países  da  Europa”.    
 
As  três  comunidades  europeias  
 
• A   adesão   à   proposta   de   Schuman   fez   com   que   logo   se   iniciassem   entre   os   seis   países   –  
Alemanha,   França,   Itália,   Bélgica,   Luxemburgo   e   Países   Baixos.   Em   1951,   constituiu-­‐se   a  
Comunidade  Europeia  do  Carvão  e  do  Aço.  Esta  Comunidade  apresentava  vários  elementos  de  
uma   estrutura   supranacional,   a   nível   institucional,   dos   objectivos   e   do   conteúdo,   e   como   que  
desbloqueou   uma   situação   de   impasse.   Esta   comunidade   possuía   uma   Alta   Autoridade,  
composta  de  personalidades  independentes,  um  Tribunal  comunitário  e  uma  Assembleia.  
• Assim,   em   1957,   celebrou-­‐se   em   Roma   os   tratados   institutivos   da   Comunidade   Económica  
Europeia   e   da   Comunidade   Europeia   da   Energia   Atómica.   Estas   comunidades   apresentavam  
características   bem   diversas   da   primitiva   CECA,   nomeadamente   a   nível   da   estrutura  
institucional:  a  Conselho,  órgão  de  representação  dos  governos  dos  Estados-­‐membros,  passa  a  
ser   o   principal   órgão   de   decisão,   enquanto   que   a   Alta   Autoridade   da   CECA   se   transformou  
numa  Comissão.  
 
Tratado  de  Roma  da  CEE  
 
• Numa   primeira   fase,   realizou-­‐se   a   união   aduaneira   e   o   mercado   comum.   Também   há   nestas  
alturas  tentativas  de  criação  de  formas  de  cooperação  política.    
• O   Tratado   de   Bruxelas,   em   1965,   veio   operar   uma   fusão   dos   principais   órgãos   de   direcção   e  
decisão  das  três  comunidades,  passando  a  haver  apenas  um  Conselho  e  uma  Comissão  (as  três  
comunidades  partilhavam  já  um  tribunal  e  um  parlamento).  
• Em  1965,  França  desencadeia  a  chamada  “crise  da  cadeira  vazia”,  devido  ao  protagonismo  da  
Comissão   e   ao   princípio   do   voto   maioritário.   Esta   questão   foi   resolvida   diplomaticamente,  
através  do  compromisso  de  Luxemburgo,  que  veio  atenuar  a  dimensão  integradora.  
• A   Cimeira   de   Haia,   em   1969,   veio   concretizar   uma   significativa   mudança,   anunciando   três  
objectivos  primordiais:    
- Alargamento,   pela   adesão   do   Reino   Unido,   Irlanda   e   Dinamarca   (1973),   Grécia  
(1981),  e  Portugal  e  Espanha  (1986);  
- Acabamento,  designadamente  da  política  agrícola  comum;  
- Aprofundamento   da   integração,   nomeadamente   pela   utilização   mais   frequente   do  
actual   mecanismo   do   art.   352.º   TFUE,   pelo   reforço   da   cooperação   política,   e   pela  
institucionalização,  na  Cimeira  de  Paris  de  1974,  do  Conselho  Europeu.  
• Com   o   Acto   de   20   de   Setembro   de   1976,   estabeleceu-­‐se   a   legitimidade   democrática   do  
Parlamento   Europeu   através   do   sufrágio   universal   e   directo,   concretizado   a   partir   de   1979.   Foi  
já   um   Parlamento   directamente   eleito   que   em   1984   propôs   aos   parlamentos   nacionais,   sob   a  
inspiração  de  Altierio  Spinelli,  o  primeiro  projecto  de  Tratado  da  União  Europeia.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

 
Acto  Único  Europeu    
 
• Em   1986,   assina-­‐se   o   Acto   Único   Europeu,   motivado   pela   autonomização   financeira   da  
Comunidade,   a   lógica   de   aprofundamento   das   matérias   de   integração   europeia,   o   reforço  
competencial   do   Parlamento,   a   criação   do   Conselho   Europeu   e   a   voluntas   integradora   do  
Parlamento,  e  que  vem  por  isso  fazer  uma  revisão  dos  tratados  comunitários:  
- Introduziu-­‐se  a  ideia  de  criação  da  União  Europeia  nos  objectivos  do  tratado.  
- Fez-­‐se  uma  institucionalização  do  Conselho  Europeu  como  instância  de  cooperação  
política,  não  sujeito  aos  procedimentos  dos  órgãos  das  Comunidades.  
- Fez-­‐se  uma  primeira  reforma  do  sistema  institucional  comunitário:  são  aumentadas  
as  matérias  em  que  o  Conselho  passa  a  decidir  por  maioria  qualificada  e  são  criados  
novos   procedimentos   de   decisão   que   privilegiam   o   papel   do   Parlamento;   o   Conselho  
é  limitado  no  exercício  das  suas  funções,  atribuindo-­‐se  a  competência  de  execução  à  
Comissão;   e   prevê-­‐se   a   criação   de   uma   nova   instância   jurisdicional   (o   actual   Tribuna  
Geral).  
- Aumenta-­‐se   o   leque   de   atribuições   comunitárias,   introduzindo   o   objectivo   de   coesão  
económica  e  social.  
 
 
Tratado  de  Maastricht  
 
• O   Acto   Único   Europeu   representou   a   primeira   reforma   global   e   unitária   dos   tratados  
comunitários,  porém  não  operou  uma  alteração  significativa.  No  final  dos  anos  80  do  século  XX,  
assistiu-­‐se  a  uma  série  de  alterações  políticas,  como  a  reunificação  da  Alemanha  e  os  pedidos  
de   adesão   dos   países   de   centro   e   de   leste,   que   levou   à   convocação   de   duas   conferências   e   à  
assinatura,  em  1992,  do  Tratado  de  Maastricht  ou  Tratado  da  União  Europeia,  com  um  duplo  
objectivo:  criar  a  União  Europeia  e  alterar  os  tratados  comunitários.    
• A   criação   da   União   Europeia   não   substituía   ou   absorvia   as   Comunidades   Europeias,   antes  
coexistindo  com  elas  como  estrutura  externa  e  paralela  às  Comunidades,  sendo-­‐lhe  atribuídos  
domínios   particulares   como   a   política   externa   e   de   segurança   comum,   mais   próximos   do  
modelo  intergovernamental.    
• Principais  alterações  ao  tratado  de  Roma  da  CEE:  
- A   CEE   passa   a   designar-­‐se   apenas   Comunidade   Europeia,   algo   paradoxal   visto   que  
este  tratado  elevou  a  integração  económica  ao  estádio  superior:  a  união  económica  e  
monetária.  
- Reforma  institucional:    
o Atribuição   de   poderes   de   natureza   legislativa   ao   Parlamento,   através   do  
procedimento  de  co-­‐decisão;  
o Reforço  dos  poderes  de  controlo  do  Parlamento,  nomeadamente  através  da  
criação  do  Provedor  de  Justiça  Europeu,  nomeado  por  ele,  e  da  exigência  de  
aprovação  parlamentar  prévia  da  Comissão;  
o Conselho:   alargamento   do   âmbito   material   de   aplicação   do   princípio  
maioritário;  
o Criação   do   Comité   das   Regiões   e   qualificação   do   Tribunal   de   Contas   como  
uma  verdadeira  instituição;  
- Alterações  nas  atribuições:  
o Abertura  à  integração  diferenciada;  
o Criação  da  união  económica  e  monetária;  
o Criação  de  novas  políticas,  em  educação,  cultura,  saúde  pública,  defesa  dos  
consumidores;  
o Introdução  da  cidadania  da  União.  
 
Tratado  de  Amsterdão  
 
• Em  1995,  aderiram  outros  três  Estados:  Áustria,  Finlândia  e  Suécia.  
• O   Tratado   de   Maastricht   previa   a   realização   de   uma   Conferência   Intergovernamental   em   1966,  
que  veio  conduzir  à  assinatura,  em  1997,  do  Tratado  de  Amsterdão.  
• O  Tratado  de  Amsterdão  possuía  quatro  objectivos  essenciais:  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

- Reforma  dos  pilares  cooperativos;  


- Preparação  para  o  alargamento  aos  países  de  leste;  
- Hierarquia   dos   actos   comunitários   e   consolidação   das   políticas   comunitárias  
anunciadas;  
- Simplificação  dos  tratados.  
 
Tratado  de  Nice  
 
• As   críticas   aos   resultados   obtidos   em   Amsterdão   e   a   necessidade   de   preparar   o   alargamento  
conduziram   à   convocação   da   CIG/2000,   concluída   com   a   assinatura   do   Tratado   de   Nice   em  
2001,  com  os  seguintes  objectivos:  
- Reforma   institucional,   alterando   a   composição   da   Comissão   e   a   maioria   qualificada  
no  Conselho;  
- Desenvolvimento  das  cooperações  reforçadas;  
- Crítica  do  que  não  se  fez,  em  especial,  a  refundação  da  União  pela  elaboração  de  uma  
constituição.  
• No  centro  dos  resultados  do  Tratado  de  Nice  estão,  por  isso,  as  reformas  institucionais:  
- Recomposição   da   Comissão:   os   Estados   membros   de   maior   dimensão   admitiram  
renunciar   a   um   segundo   comissário   na   Comissão   se   adquirissem   um   maior   peso   nas  
deliberações  do  Conselho,  por  maioria  qualificada,  reforma  que  teria  efeito  a  partir  
de  2005.  Com  isto,  os  Estados  de  maior  dimensão  ganharam  peso  relativo  e  absoluto  
nas  deliberações  a  adoptar  pelo  Conselho  (três  dos  maiores  Estados  continuavam  a  
poder  bloquear  qualquer  deliberação  por  maioria  qualificada).  
• No   quadro   da   União   Europeia,   é   ainda   de   assinalar   mais   um   passo   no   reconhecimento   não  
explícito   da   sua   personalidade   jurídica.   O   Tratado   continha   ainda   um   conjunto   ambicioso   de  
objectivos  para  2004.  
 
Da  Constituição  Europeia  ao  Tratado  de  Lisboa  
 
• Após  a  entrada  em  vigor  do  Tratado  de  Nice,  a  União  Europeia  sofreu  um  período  de  profunda  
mutação,  marcado  por  dois  factores  principais:  
- O  alargamento  da  União  a  mais  12  Estados-­‐membros,  em  2004:  Chipre,  Eslováquia,  
Eslovénia,  Estónia,  Letónia,  Lituânia,  Hungria,  Malta,  Polónia  e  República  Checa;  e  em  
2007:  Bulgária  e  Roménia.  
- A  refundação  constituinte  da  União,  através  da:  cessação  da  vigência  do  Tratado  de  
Paris   em   2002;   da   CIG/2004   e   do   “Tratado   que   institui   a   Constituição”;   e   da  
CIG/2007  e  do  Tratado  de  Lisboa.  
• Na   Declaração   sobre   o   Futuro   da   União   do   Tratado   de   Nice   previa-­‐se   que   seria   adoptada   a  
Declaração   de   Laeken   (2001),   que   apontou   para   a   aprovação   na   União   de   um   texto  
constitucional.  
• Para   a   preparação   da   CIG/2004,   prevista   na   CIG/2001,   o   Conselho   Europeu   convocou   uma  
“Convenção”   de   formação   heterogénea,   com   representantes   dos   órgãos   comunitários,   dos  
Estados  e  dos  países  candidatos.  A  Convenção  apresentou  ao  Conselho  um  projecto  de  “Tratado  
que  institui  a  Constituição”,  o  qual  serviu  de  base  para  a  CIG/2004.  
• Este   projecto   foi   objecto   de   acordo   político   no   Conselho   Europeu   de   Bruxelas,   e   assinado   pelos  
Estados-­‐membros.  A  Constituição  Europeia...:  
- Afirmava  explicitamente  o  primado  do  direito  comunitário.  
- Sucedia   à   União   Europeia   (em   sentido   estrito)   e   à   Comunidade   Europeia,  
assegurando  a  continuidade  das  instituições  e  procedimentos.  
- Conferia  personalidade  jurídica  e  símbolos  próprios  à  União  Europeia.  
- Assumia   o   Parlamento   como   pleno   legislador   e   revolucionava   totalmente   o   quadro  
das  fontes  de  direito.  
• A   Constituição   soçobrou,   por   não   ter   sido   possível   completar   o   processo   de   ratificação   em  
todos   os   Estados-­‐membros   signatários.   A   União   entrou   então   num   período   de   reflexão   e,   tendo  
os  Estados  manifestado  a  intenção  de  concluir  o  processo  de  reforma,  convocou-­‐se  a  CIG/2007,  
que   culminou   com   a   assinatura   do   Tratado   de   Lisboa,   também   em   2007.   Este   tratado   visa  
recuperar,  na  medida  do  democraticamente  possível,  as  soluções  da  Constituição.    
• O  Tratado  de  Lisboa...:  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

- Não   revoga   os   tratados   anteriores:   nem   o   Tratado   de   Maastricht,   no   qual   baseia   a  


estrutura  da  Nova  União;  nem  o  Tratado  de  Roma,  que  institui  a  Comunidade,  apenas  
alterando   a   designação   (para   Tratado   sobre   o   Funcionamento   da   União   Europeia),  
alterando  o  nome  “Comunidade”  por  “União”.    
- Introduz  alterações  importantes  nas  instituições  da  União:  
o Reconhece  uma  dupla  legitimidade  ao  edifício  institucional  europeu,  no  qual  
estarão  representados  os  cidadãos  e  os  Estados-­‐membros  (art.  10.º  TUE).  
o Reconhece   o   Parlamento   como   legislador   de   pleno   direito,   em   estrita  
igualdade   com   o   Conselho   no   processo   legislativo   ordinário.   O   Parlamento  
vê   também   crescerem   os   seus   poderes   de   controlo   político,   quer   em   relação  
ao  Conselho  Europeu  e  ao  Conselho,  quer  em  relação  à  Comissão  –  afirma-­‐se  
explicitamente  que  a  Comissão  é  responsável  perante  o  Parlamento  e  a  este  
cabe   eleger   o   seu   Presidente.   Note-­‐se   que   o   Tratado   de   Lisboa   vem  
consagrar,   com   grande   transparência,   as   funções   e   o   enquadramento   de  
cada  órgão.  
o Reestrutura   profundamente   o   Conselho   Europeu.   Este   passa   a   constar   da  
lista   das   instituições,   mantendo-­‐se   como   órgão   de   direcção   política,   porém  
afirma-­‐se   expressamente   que   este   “não   exerce   função   legislativa”   (15.º/1  
TUE).  Surge  a  nova  figura  do  Presidente  do  Conselho  Europeu.  
o O   Conselho   permanece   um   órgão   central   no   exercício   dos   poderes  
legislativo   e   executivo   da   União,   porém   passa   a   partilhar   o   seu   papel   de  
legislador   com   o   Parlamento   Europeu   em   praticamente   todas   as   áreas   de  
actuação   da   União.   Consagra   também   a   regra   da   maioria   qualificada,   ao  
contrário   da   anterior   norma,   enganosa,   da   maioria   simples,   que   constituía  
na  verdade  a  excepção.  
o Consagra,   pela   primeira   vez,   com   transparência,   as   funções   da   Comissão.  
Autonomiza   a   figura   do   Alto   Representante   para   os   Negócios   Estrangeiros   e  
a  Política  da  Segurança.  O  Presidente  da  Comissão  continua  a  ser  uma  figura  
central  no  sistema  institucional  europeu.    
o O   sistema   jurisdicional   foi   também   afectado.   O   Tribunal   de   Primeira  
Instância   passa   a   designar-­‐se   Tribunal   Geral,   e   as   câmaras   jurisdicionais  
introduzidas   com   o   Tratado   de   Nice   passam   a   designar-­‐se   Tribunais  
Especializados.  Elimina-­‐se  a  norma  que  limitava  a  competência  fiscalizadora  
do  Tribunal  de  Justiça  a  certas  normas  do  tratado.  É  de  salientar  também  o  
impacto   da   vinculação   aos   direitos   fundamentais,   decorrente   da  
incorporação   indirecta   que   é   feita   da   Carta   dos   Direitos   Fundamentais   da  
UE.   O   TUE   incorpora   a   jurisprudência   do   Tribunal   ao   afirmar   que   “os  
Estados-­‐membros   estabelecem   as   vias   de   recurso   necessárias   para  
assegurar   uma   tutela   jurisdicional   efectiva   nos   domínios   abrangidos   pelo  
direito  da  União”.  
o O  Banco  Central  Europeu  é  formalmente  elevado  à  categoria  de  instituição,  
bem  como  o  Tribunal  de  Contas.  
   
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

PARTE  II  –  DIREITO  INSTITUCIONAL  DA  UNIÃO  EUROPEIA  


 
As   Comunidades   Europeias   e   a   União   Europeia   evoluíram,   ao   longo   da   sua   história,   no   sentido   da  
uniformização  da  sua  estrutura  orgânica.  Com  o  Tratado  de  Lisboa,  supera-­‐se  este  problema,  pois  a  União  
dispõe  de  um  quadro  institucional  único  (13.º  TUE).  
 
Classificação  dos  órgãos:  
• De  direcção  política  
• De  direcção,  decisão  e  execução  
• De  controlo  
• Auxiliares  
 
Órgãos  de  direcção  política:  
• Conselho  Europeu  
• Conselho  
• Parlamento  Europeu  
 
1.  Parlamento  Europeu  (14.º  TUE,  223.º  e  segs.)  
 
Evolução  
• O   Parlamento   Europeu   começou   por   ser   a   Assembleia   da   CECA,   um   órgão   consultivo   não  
previsto  na  Declaração  de  Schuman.  Com  o  Tratado  de  Roma,  passou  a  ser  um  órgão  comum  às  
três  comunidades,  tendo  visto  o  seu  nome  alterado  para  o  actual  Parlamento  Europeu  em  1962.  
• O   Acto   de   20   de   Setembro   de   1976   veio   reforçar   a   legitimidade   democrática   do   Parlamento  
através   da   consagração   do   sufrágio   directo   e   universal,   que   teve   lugar   pela   primeira   vez   em  
1979.  
 
Composição  
• É  composto  por  representantes  dos  cidadãos  da  União  (14.º/2  TUE).  
• Com   o   Tratado   de   Lisboa,   a   composição   do   Parlamento   deixa   de   constar   do   tratado,   para   ser  
definida   por   decisão   do   Conselho   Europeu,   tomada   sob   iniciativa   do   Parlamento,   de   modo   a  
facilitar  a  actualização  do  número  de  deputados  (14.º/2  TUE).    
• A   composição   é   definida   pelo   modelo   da   proporcionalidade   degressiva,   com   maior   peso   dos  
pequenos  e  médios  Estados  (14.º/2  TUE).  O  modelo  de  proporcionalidade  regressiva  visa  não  
prejudicar  os  Estados  de  pequena  e  média  dimensão;  e,  se  cada  deputado  representasse  apenas  
1  milhão  de  habitantes,  Malta  não  seria  representada.  
• O   sufrágio   é   universal,   directo   livre   e   secreto.   Com   a   criação   da   cidadania   da   União,   podem  
eleger   e   ser   eleitos   tanto   os   nacionais   dos   Estados-­‐membros,   como   os   nacionais   de   outros  
Estados  que  aí  residam  (20.º/2/b).  
• O  mandato  dos  deputados  é  de  cinco  anos  e  coincide  praticamente  com  o  mandato  da  Comissão  
(244.º   in   fine).   O   seu   mandato   é   representativo,   logo   devem   apresentar   uma   total  
independência  em  relação  aos  Governos  e  aos  Parlamentos  nacionais  (art.  2.º  Regimento  PE).  
•  
 
Organização  
• O  Parlamento  dispõe  de  um  poder  de  auto-­‐organização  (232.º).    
• Organiza-­‐se  por  partidos  políticos  a  nível  europeu,  que  viram  reconhecido  o  seu  estatuto  com  o  
tratado  de  Maastricht  (10.º/4  TUE).  Estes  são  obrigatoriamente  compostos  por  deputados  de  
pelo  menos  um  quinto  dos  Estados-­‐membros.  
• Para   além   dos   partidos   políticos,   o   Parlamento   possui   outros   órgãos,   como   a   Mesa   do  
Parlmaneto   (art.   21.º   Regimento),   o   Presidente,   os   Vice-­‐Presidentes,   e   comissões  
parlamentares.    
Sede  
• A  sede  oficial  do  Parlamento  é  em  Estrasburgo.  
 
Funcionamento  
• O  Parlamento  delibera  por  maioria  absoluta  dos  votos  expressos,  salvo  disposição  em  contrário  
dos  tratados    (231.º).  O  quorum  constitutico  é  fixado  no  respectivo  regimento.    
• Excepções  à  regra  da  maioria  qualificada:  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

- Eleição  do  Presidente,  que  pode  ser  por  maioria  simples  (art.  14.º  Regimento);  
- Rejeição   de   proposta   no   processo   legislativo   ordinário   (art.   294.º/7/b)   e   rejeição   do  
orçamento  (art.  272.º/7/c),  que  tem  de  ser  por  maioria  absoluta.  
 
Competências  
• O  Parlamento  é  o  órgão  cujas  competências  têm  sofrido  o  maior  incremento  com  as  revisões  dos  
tratados,   baseada   no   reforço   da   sua   legitimidade   democrática   com   a   eleição   por   sufrágio  
universal  directo,  
• Art.  14.º/1  TUE:  o  Parlamento  exerce:  
- Função  legislativa;  
- Função  orçamental;  
- Função  de  controlo  político;  
- Função  consultiva.  
• Função  legislativa:  surge  com  o  Tratado  de  Maastricht,  com  a  criação  do  procedimento  de  co-­‐
decisão.   O   Parlamento   não   dispõe   de   iniciativa   legislativa,   salvo   nos   casos   excepcionais  
(289.º/4),   embora   possa   suscitá-­‐la   perante   a   Comissão   (225.º).     Geralmente,   o   Parlamento  
legisla  através  do  processo  legislativo  ordinário  (289.º),  em  estrita  igualdade  com  a  Comissão,  
raramente  o  fazendo  sozinho,  por  um  processo  legislativo  especial.  O  Tratado  de  Lisboa  vem,  
pois,   consagrar   uma   dimensão   de   bicameralismo.   Após   o   exercício   da   função   legislativa,   o  
Parlamento   controla   a   execução   dos   actos,   através   da   atribuição   à   Comissão   de   poderes  
delegados   (290.º)   ou   da   definição   das   regras   de   execução   com   o   Conselho   (291.º/3).   O   Tratado  
de   Lisboa   reconheceu   também,   pela   primeira   vez,   a   competência   para   apresentar   propostas   de  
revisão  dos  tratados  (48.º/2  TUE).  
• Função   orçamental:   cabe   ao   Parlamento   a   definição   das   regras   da   elaboração   e   execução   do  
Orçamento  (322.º),  a  sua  preparação,  discussão  e  aprovação  (310.º  e  314.º),  e  o  controlo  da  sua  
execução  (319.º).  
• Função  de  controlo  político:    
- Em  relação  à  Comissão:  a  Comissão  apresenta  uma  tripla  dependência  em  relação  
ao  Parlamento,  de  cariz  genético,  funcional  e  extintivo.    
1. Genético:   o   Presidente   da   Comissão   é   eleito   pelo   Parlamento   e   a  
nomeação   da   Comissão   pelo   Conselho   Europeu   depende   da   aprovação  
prévia  do  Parlamento  (17.º/7,  §3  TUE).  
2. Funcional:  a  Comissão  é  responsável  perante  o  Parlamento  (17.º/8  TUE).  
Cada  Comissão  é  nomeada  para  uma  dada  legislatura  do  Parlamento.  
3. Extintiva:   só   o   Parlamento   pode   demitir   a   Comissão,   através   da   adopção  
de  uma  moção  de  censura  (17.º/8  TUE  e  234.º).  
- Constituição  de  comissões  de  inquérito,  226.º.  
- Provedor   de   Justiça   Europeu:   apesar   de   este   ser   um   órgão   institucionalmente  
independente,   é   eleito   pelo   Parlamento,   após   cada   eleição   e   durante   o   seu   período  
de  legislatura  (228.º).  
- Direito  de  petição:  20.º/2/d  ,  24.º  §2  TUE,  227.º.  
- Crescente  reconhecimento  da  legitimidade  contenciosa  do  Parlamento:  262.º  §2.  
• Função   consultiva:   originariamente,   era   a   competência   mais   significativa,   e   está   prevista   em  
várias  situações.  No  domínio  da  PESC,  esta  é  a  única  competência  do  Parlamento  (37.º  TUE).  
 
 
Provedor  de  Justiça  Europeu  (228.º)  
 
Designação  
• O   Provedor   de   Justiça   é   um   órgão   personalizado,   introduzido   pelo   Tratado   de   Maastricht.   É  
formalmente   eleito   pelo   Parlamento   após   a   sua   eleição   e   pelo   período   da   sua   legislatura  
(228.º/1  e  2).  
• O  Parlamento  exerce,  como  tal,  um  poder  de  controlo  sobre  o  Provedor,  que  se  traduz  em:  
- Obrigação   do   Provedor   apresentar   anualmente   um   relatório   ao   Parlamento  
(228.º/1);  
- Poder  do  Parlamento  de  demissão  do  Provedor,  por  pedido  ao  Tribunal  de  Justiça  
(228.º/2);  
- Poder  do  Parlamento  estabelecer  as  condições  gerais  do  exercício  das  funções  do  
provedor  (228.º/4).  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

 
Funções:  
• Compete  ao  Provedor  receber  queixas  de  qualquer  cidadão  da  União,  respeitantes  a  casos  de  má  
administração   na   actuação   das   instituições   e   órgãos   da   União.   O   Provedor   instrui   essas   queixas  
e  apresenta  relatórios  sobre  ela,  podendo  ainda  realizar  inquéritos  (228.º/1).  
• O  Provedor  exerce  as  suas  funções  com  total  independência  (228.º/3).  
 
 
2.  Conselho  Europeu  (15.º  TUE,  235.º  e  segs.)  
 
Origem  
• Em  face  de  bloqueios  de  decisão  pelos  órgãos  comunitários,  surgiu  a  necessidade  de  um  órgão  
superior,   dotado   de   poderes   de   impulsão   política.   Assim,   na   Cimeira   de   Paris,   em   1974,   a  
França  propôs  que  os  Chefes  de  Estado  e  de  Governo  se  encontrassem  periodicamente.    
• Até   ao   Tratado   de   Lisboa,   discutia-­‐se   se   este   era   uma   mera   conferência   inter-­‐governamental;  
porém,  este  veio  resolver  a  controvérsia  consagrando-­‐o  formalmente  como  uma  instituição.  O  
Conselho   Europeu   é   um   órgão   de   cúpula,   que   reúne   as   personalidades   máximas   da   Europa.  
Tem   como   missão   dar   os   impulsos   necessários   à   União,   remover   os   bloqueios   de   decisão   e  
assegurar  a  representação  externa  da  União.  
 
Composição  
• O  Conselho  Europeu  tem  uma  composição  fixa  e  integra  os  Chefes  de  Estado  ou  de  Governo  dos  
Estados-­‐membros,   o   seu   Presidente   e   o   Presidente   da   Comissão   (15.º/2   TUE).   O   Alto  
Representante  participa  nos  seus  trabalhos.  
 
Sede  
• O  Conselho  Europeu  tem  a  sua  sede  em  Bruxelas.  
 
Funcionamento  
• Reúne-­‐se   pelo   menos   duas   vezes   por   semestre,   por   convocação   do   seu   Presidente   (15.º/3  
TUE).  As  reuniões  são  preparadas  pelo  Conselho  de  Assuntos  Gerais  (16.º/6  TUE).  
• Salvo   disposição   em   contrário,   o   Conselho   Europeu   pronuncia-­‐se   por   consenso.   No   entanto,  
prevêem-­‐se  certas  excepções:  
- Nas   situações   previstas   no   art.   235.º/3   delibera   por   maioria   simples   (questões  
processuais  e  adopção  do  regulamento  interno);    
- Nas  situações  previstas  no  art.  236.º,  delibera  por  maioria  qualificada;  
- No   domínio   da   PESC,   delibera   por   unanimidade   (22.º   TUE)   –   a   unanimidade,   ao  
contrário  do  consenso,  não  permite  abstenções.  
 
Funções  
• O   Conselho   Europeu   não   exerce   função   legislativa   (15.º/1   TUE).   No   entanto,   o   Tratado   de  
Lisboa   veio-­‐lhe   reconhecer   competência   para   a   adopção   de   actos   jurídicos   (art.   288.º,   que   se  
refere  genericamente  às  “instituições”).  
• O   Conselho   Europeu   exerce   fundamentalmente   uma   (1)   função   política   de   natureza  
intergovernamental   –   “define   as   orientações   e   prioridades   políticas   gerais   da   União”   (15.º/1  
TUE).  
• Tem   também   (2)   competência   de   acção   externa,   competindo-­‐lhe   definir   os   interesses   e  
objectivos  estratégicos  da  União.  No  domínio  da  PESC,  o  TUE  reconhece  ao  Conselho  Europeu  e  
ao  Conselho  a  competência  para  a  definir  e  executar  (24.º/1  TUE).  
• Finalmente,   é   um   (3)   órgão   de   resolução   de   litígios   entre   os   Estados-­‐membros   e   a   União  
Europeia,  principalmente  nas  seguintes  matérias:  
- Segurança  Social  (48.º  §2)  
- Cooperação  judiciária  em  matéria  penal  (82.º/3,  83.º/3)  
- Cooperação  com  vista  ao  combate  às  infracções  lesivas  dos  interesses  financeiros  
da  União  (86.º/1)  
- Cooperação  operacional  em  matéria  policial  (87.º/3)  
• (4)  Outras  funções:    
- Verificação  do  cumprimento  dos  valores  do  art.  2.º  (7.º  TUE);  
- Intervenção  nos  processos  de  revisão  (48.º  TUE);  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

- Intervenção  nos  processos  de  suspensão  e  retirada  da  União  (354º  e  50.º  TUE);    
- Avaliação  das  ameaças  com  que  a  União  se  confronta  (222.º).  
 
Relação  com  as  outras  instituições  
• Com  o  Conselho:  delibera  sobre  as  formações  do  Conselho  e  a  presidência  das  mesmas  (236.º).  
O  Conselho  dos  Assuntos  Gerais  prepara  as  reuniões  do  Conselho  Europeu  (16.º/6  TUE).  
• Com   a   Comissão:   a   Comissão   é   nomeada   pelo   Conselho   Europeu   (17.º/7   TUE);   o   Conselho  
Europeu  determina  o  número  de  membros  da  Comissão  e  propõe  uma  personalidade  a  eleger  
pelo  Parlamento  como  Presidente  da  Comissão  (17.º/5  e  7  TUE).  
• Com   o   Alto   Representante   para   o   Negócios   Estrangeiros   e   a   Política   de   Alta   Segurança:   é  
nomeado  pelo  Conselho  Europeu  (18.º/1  TUE).  
• Com   o   Parlamento   Europeu:   o   Presidente   do   Conselho   Europeu   apresenta   um   relatório   ao  
Parlamento  após  cada  reunião  (15.º/6  TUE);  e  o  Presidente  do  Parlamento  Europeu  pode  ser  
chamado  para  ser  ouvido  pelo  Conselho  Europeu  (235.º/2).  
 
Presidência  
• A  figura  do  Presidente  do  Conselho  Europeu  foi  criada  com  o  Tratado  de  Lisboa,  para  substituir  
o   sistema   das   presidências   rotativas   entre   os   Estados-­‐membros.   Pretendeu-­‐se   assim   dar  
estabilidade  à  representação  externa  da  União.  
 
 
-­  Alto  Representante  para  os  Negócios  Estrangeiros  e  a  Política  de  Segurança  (18.º  TUE)  
 
Designação  
• O  Alto  Representante  é  nomeado  pelo  Conselho  Europeu,  deliberando  por  maioria  qualificada  
(numa  excepção  ao  art.  15.º/4  TUE,  logo  o  Presidente  do  Conselho  Europeu  e  o  Presidente  da  
Comissão  não  votam  –  art.  253.º/2)  e  com  o  acordo  do  Presidente  da  Comissão  (18.º  TUE).  
• É   uma   novidade   do   Tratado   de   Lisboa,   tendo   origem   no   anterior   Alto   Representante   para   a  
Política   Externa   e   Segurança   Comum,   figura   extinta   com   o   Tratado   de   Lisboa.   Este   órgão  
funcionava  junto  do  Conselho  e  conduzia  a  política  externa  da  União  no  âmbito  da  PESC.  O  novo  
Alto  Representante  tem  a  mesma  função,  porém  com  poderes  acrescidos.  
 
Integração  nas  instituições  
• É  um  dos  vice-­‐presidentes  da  Comissão  Europeia  (18.º/4  TUE).  
• Preside  ao  Conselho  dos  Negócios  Estrangeiros,  uma  das  formações  do  Conselho  (18.º/3  TUE).  
• Tem  o  papel  de  observador  no  Conselho  Europeu.  
• Ao   colocar   o   Alto   Representante   simultaneamente   nas   três   instituições,   o   Tratado   de   Lisboa  
pretendeu  dar  coerência  à  acção  externa  da  União.    
 
Funções  
• Ao   Alto   Representante   cabe   a   (1)   definição,   com   as   suas   propostas,   da   política   externa   e   de  
segurança   comum,   como   definido   pelo   Conselho   Europeu,   (2)   a   sua   condução   (18.º/2   TUE)   e  
(3)  a  representação  da  União  nesse  domínio  (27.º/2  TUE).  
• É,  por  isso,  ao  Alto  Representante  que  cabe  o  papel  fundamental  no  domínio  da  PESC,  apesar  do  
Tratado  afirmar  que  ao  Presidente  do  Conselho  Europeu  cabe  assegurar,  “ao  seu  nível  e  nessa  
qualidade,   a   representação   externa   da   União”   nestas   matérias.   Em   último   termo,   será   à  
Comissão   que   caberá   o   papel   principal   de   representação   externa   da   União,   como   a   prática   o  
demonstra.    
 
3.  Conselho  (16.º  TUE,  237.º  e  segs.)  
 
Composição  
• O   Conselho   surgiu   com   os   Tratados   de   Roma,   que   instituíram   um   Conselho   para   a   CEE   e   um  
Conselho  para  a  CEEA.  Contudo,  já  na    CECA  existia  um  Concelho  Especial  de  Ministros.  Com  o  
Tratado  de  Bruxelas  de  1965,  o  Conselho  da  CEEA  e  o  Concelho  Especial  da  CECA  fundiram-­‐se  
com  o  Conselho  da  CEE,  que  passou  a  ser  um  órgão  comum  às  três  comunidades.  
• O  Conselho  é  um   órgão   de   representação   dos   Governos   dos   Estados-­‐membros   (10.º   TUE),   sendo  
por   isso   composto   por   representantes   dos   Estados   ao   nível   ministerial,   com   poder   para  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

vincular  o  respectivo  Governo  (16.º/2  TUE).  Tem-­‐se  entendido  que  pode  ser  qualquer  membro  
do  Governo.  
• A   composição   do   Conselho   é,   tradicionalmente,   variada.   As   formações   do   Conselho   são  
determinadas  pelo  Conselho  Europeu  (236.º),  o  que  reduz  o  seu  poder  de  auto-­‐organização.  O  
Conselho  dos  Assuntos  Gerais  será  a  sua  formação  base,  à  qual  os  tratados  atribuem  funções  de  
coordenação  e  acompanhamento  das  actividades  do  Conselho.  
• O  Alto  Representante  preside  ao  Conselho  dos  Negócios  Estrangeiros  (18.º/3  TUE),  e  também  a  
Comissão  pode  participar  nas  suas  reuniões.  
 
Coerência  
• Falta   ao   Conselho   a   continuidade   e   permanência   da   sua   acção,   pelo   que   se   desenvolveram  
mecanismos  institucionais  que  garantem  a  unidade  e  coerência  da  sua  acção.  
- Sistema  de  rotação  igualitária  das  presidências  das  formações  do  Conselho  (16.º/9  
TUE  e  236.º);  
- Atribuição   da   presidência   do   Conselho   dos   Negócios   Estrangeiros   ao   Alto  
Representante  (18.º/3  TUE);  
- Comité   de   Representantes   Permanentes   dos   Governos   dos   Estados-­‐Membros  
(16.º/7  TUE);  
- Cabe   ao   Conselho   dos   Assuntos   Gerais   assegurar   a   coerência   dos   trabalhos   das  
várias  formações  (16.º/6).  
 
Funcionamento  
• As  reuniões  do  Conselho  são  públicas  (16.º/8  TUE).  O  Conselho  reúne  por  convocação  do  seu  
Presidente,   art.   237.º,   e   em   diferentes   formações,   em   função   das   matérias   tratadas   (16.º/6  
TUE).  
• O   quorum   deliberativo   do   Conselho   corresponde   à   maioria   dos   seus   membros.   Cada   membro  
do   Conselho   pode   fazer-­‐se   representar   por   outro   membro,   mas   cada   membro   do   Conselho  
apenas  pode  representar  um  outro  Estado-­‐membro  (239.º).  
• Em   regra,   o   Conselho   delibera   por   maioria   qualificada   (16.º/3   TUE).   No   entanto,   os   Tratados  
prevêem  excepções:  
- Maioria   simples   (238.º/1):   cada   Estado   dispõem   de   um   voto,   sendo   adoptada   a  
deliberação  que  tiver  mais  um  voto  a  favor  do  que  os  votos  contra.  
- Unanimidade  (238.º/4):  não  pode  haver  votos  contra,  mas  pode  haver  abstenções.  
Na   PESC   vigora   a   regra   da   unanimidade   (31.º   TUE),   com   a   especificidade   da  
abstenção   construtiva.   Um   Estado   pode   abster-­‐se,   não   obstando   à   tomada   da  
deliberação,  declarando  que  a  decisão  não  se  lhe  aplica.  Nesse  caso,  a  deliberação  é  
tomada  e  vincula  os  restantes  Estados-­‐membros.  As  excepções  à  unanimidade  na  
PESC  estão  previstas  no  art.  31.º/2  TUE.  
• A  regra  da  maioria  qualificada  veio  substituir  a  regra  da  maioria  simples.  Se  nos  casos  em  que  o  
Conselho  delibera  por  maioria  simples,  ou  por  unanimidade,  todos  os  Estados-­‐membros  têm  o  
mesmo   peso   na   deliberação   (um   Estado-­‐um   voto),   na   deliberação   por   maioria   qualificada   os  
Estados-­‐membros   maiores   têm   maior   peso   absoluto.   A   implementação   do   novo   modelo   de  
maioria   qualificada   será   feito   de   forma   progressiva:   até   2014,   vigoram   as   regras   do   Tratado   de  
Nice;  de  2014  a  2017,  são  implementadas  progressivamente  as  regras  do  Tratado  de  Lisboa;  e  
em  2017,  entra  em  pleno  vigor  as  regras  deste  tratado.  
• Além  de  aumentar  o  número  de  matérias  em  que  o  Conselho  delibera  por  maioria  qualificada  
em   vez   de   unanimidade,   o   Tratado   da   União   Europeia   prevê   que   em   várias   matérias   em   que   se  
delibere   por   unanimidade   o   Conselho   Europeu   permita   decisões   do   Conselho   por   maioria  
qualificada   –   cláusulas   passerelle   (31.º/3   TUE,   333.º),   inclusivamente   através   de   um   processo  
de  revisão  simplificada  (48.º/7  TUE).  
• Em  sentido  oposto,  os  Tratados  consagraram  mecanismos  de  “travagem  de  emergência”,  como  
sucede,  por  exemplo,  nos  domínios  da  PESC  (31.º/1  e  2  TUE).  
• Porém,   nem   sempre   as   regras   de   votação   são   as   que   estão   previstas   no   tratado.   Há   duas  
excepções:  
- Compromisso   de   Joanina   de   1992:   foi   adoptado   por   pressão   do   Reino   Unido   em  
1992,   aquando   do   alargamento   da   Comunidade   a   15   Estados.   Antes   do   alargamento,  
o   Reino   Unido   e   outro   Estado   formavam   uma   minoria   de   bloqueio;   depois   do  
alargamento,   eram   precisos   2   Estados   grande   e   um   pequeno.   O   compromisso   de  
Joanina   foi   uma   decisão   do   Conselho,   que   determinou   que   a   minoria   de   bloqueio  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

continuava   a   ser   formada   com   2   Estados   grandes.   Desapareceu   com   o   alargamento   a  


25   Estados   e   é   refundado   e   recuperado   com   o   Tratado   de   Lisboa,   permitindo   aos  
Estados  grandes  assegurar  prerrogativas  apesar  da  entrada  em  vigor  do  Tratado  de  
Lisboa.  
- Acordos  de  Luxemburgo:  em  1965,  a  França,  sob  a  presidência  de  Charles  de  Gaulle,  
desencadeia  a  crise  da  cadeira  vazia,  contra  o  protagonismo  da  Comissão  e  contra  a  
votação  por  maioria  qualificada  em  certas  matérias.  Assim,  acordou-­‐se  que  sempre  
que  estivesse  em  causa  um  interesse  muito  importante  de  um  Estado,  a  deliberação  
teria  de  ser  tomada  por  unanimidade.  
 
COREPER  
• Os  Ministros  são  assistidos  pelo  Comité  de  Representantes  Permanentes  (COREPER),  composto  
por  representantes  permanentes  do  Governos  (16.º/7  TUE  e  240.º/1).  
• Os  membros  do  COREPER  analisam  a  ordem  de  trabalhos  do  Conselho  e  discutem,  entre  eles,  as  
matérias.   Se   as   matérias   obtiverem   consenso,   são   inscritas   no   ponto   A   do   Conselho   e   os  
Ministros   limitam-­‐se   a   aprová-­‐las   sem   discussão.   Se   não   houver   consenso,   são   inscritas   no  
ponto  B  e  discutidas  no  Conselho.  
• O  COREPER  pode  adoptar  decisões  de  matéria  processual.  
 
Sede  
• O  Conselho  tem  sede  em  Bruxelas  e  Luxemburgo.  
 
Funções  
• Inicialmente,   o   Conselho   era   o   órgão   mais   poderoso   da   União.   Apesar   de   actualmente   este  
poder   ter   decrescido,   continua   a   considerar-­‐se   uma   instituição   muito   poderosa,   com   poder  
político  e  de  decisão  (legislativo).  Antes  do  Tratado  de  Lisboa,  a  questão  das  competências  do  
Conselho   variava   de   forma   significativa.   O   art.   16.º/1   TUE   veio,   pois,   enunciar   as   competências  
do  Conselho:  
- Função  legislativa;  
- Função  orçamental;  
- Função  de  definição  das  políticas  e  de  coordenação.  
• Função  legislativa:    
- O  Conselho  sempre  foi  o  órgão  legislativo  por  excelência  na  Comunidade  Europeia  
e   União   Europeia   (pré-­‐Lisboa).   No   entanto,   apesar   de   o   continuar   a   ser,   tem-­‐se  
assistido   a   uma   crescente   partilha   do   poder   legislativo   com   o   Parlamento,  
nomeadamente  no  processo  legislativo  ordinário  (289.º/1  e  294.º).  
- O  Conselho  celebra  os  acordos  internacionais.  
- O  Conselho  exerce  ainda  o  poder  de  execução  dos  seus  actos  legislativos  (290.º).  
• O   Conselho   desempenha   um   papel   central   e   até   exclusivo   em   matérias   onde   subsiste   uma   forte  
intervenção  intergovernamental,  como:  
- PESC   (só   o   Conselho   e   o   Conselho   Europeu   tomam   decisões   no   quadro   da   PESC,  
art.  31.º);  
- Cooperação  judiciária  em  matéria  penal  e  cooperação  judicial;  
- Revisão  dos  Tratados  (48.º  TUE);  
- Adesão  de  outros  Estados  (49.º  TUE);  
- Fiscalização  do  respeito  pelos  valores  da  União  (7.º  TUE).  
• Finalmente,   o   Conselho   exerce   funções   de   coordenação   das   políticas   económicas   dos   Estados-­‐
membros  (5.º  e  121.º)  e  outras  (150.º  ou  160.º).  
 
 
4.  Comissão  Europeia  (17.º  TUE,  244.º  e  segs.)  
 
Composição  
• A  Comissão  teve  a  sua  origem  na  Alta  Autoridade  da  CECA.  Os  Tratados  de  Roma  vieram  depois  
instituir  a  Comissão  da  CEE  e  a  Comissão  da  CECA.  Com  o  Tratado  de  Bruxelas  de  1965,  estres  
três  órgãos  foram  fundidos  num  só.  
• A   Comissão   é   um   órgão   de   indivíduos,   de   funcionamento   colegial,   que   representa   o   interesse  
geral  da  União  (17.º/1  TUE).  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

• Os   membros   da   Comissão   devem   ser   escolhidos   segundo   critérios   de   independência,  


empenhamento   europeu   e   competência,   qualidades   que   deve   manter   durante   o   exercício   das  
suas   funções,   e   até   mesmo   após   a   sua   cessação   (245.º   e   247.º).     O   próprio   órgão   deve   actuar  
com  independência  (17.º/3).  
• Número   de   comissários:   até   ao   Tratado   de   Nice,   os   Estados-­‐membros   de   maior   dimensão   (os  
cinco   mais   populosos   –   França,   Alemanha,   Reino   Unido,   Itália   e   Espanha)   possuíam   dois  
comissários  na  Comissão;  ao  contrário  dos  restantes  Estados-­‐membros,  que  apenas  possuíam  
um.   Na   CIG/2000,   os   primeiros   admitiram   renunciar   a   um   segundo   comissário   na   Comissão,   se  
adquirissem   um   maior   peso   nas   deliberações   do   Conselho   por   maioria   qualificada   (motivado  
por  receios  relacionados  com  o  alargamento  da  União  aos  países  da  Europa  de  leste  e  central),  
o   que   estava   já   inserido   num   protocolo   de   objectivos   a   atingir   a   médio   prazo   no   Tratado   de  
Amsterdão   e   teria   efeitos   a   partir   de   2005.   Os   Estados-­‐membros   de   maior   dimensão   passaram,  
assim,   a   ter   um   maior   peso   relativo   no   Conselho,   pois   passaram   a   ter   um   maior   número   de  
votos   em   relação   aos   Estados-­‐membros   de   pequena   e   média   dimensão;   e   um   maior   peso  
absoluto,   pois   três   dos   maiores   Estados-­‐membros   continuavam   a   poder   bloquear   qualquer  
deliberação  por  maioria  qualificada.    
• Assim,   segundo   o   protocolo   anexo   ao   Tratado   de   Nice,   a   Comissão   que   iniciaria   funções   em  
2005   seria   composta   por   “um   nacional   de   cada   Estado-­‐membro”.   Este   protocolo   previa  
também   que,   quando   a   União   contasse   27   membros,   o   número   de   membros   seria   inferior   ao  
número  de  Estados-­‐membros.  O  Tratado  de  Lisboa,  no  art.  17.º/5,   prevê  que,  a  partir  de  2014,  
a   Comissão   será   constituída   por   apenas   dois   terços   dos   Estados-­‐membros,   disposição   que   foi  
derrogada  por  acordo  obtido  no  Conselho  Europeu  em  2008.  
• Se   a   Comissão   representa   o   interesse   geral   da   União,   porque   é   que,   tendencialmente,   há   um  
comissário  por  cada  Estado?  
- Para  que  os  Estados  aceitem  mais  facilmente  as  decisões  da  Comissão.  
- Se   a   Comissão   vai   defender   o   interesse   da   União,   vai   muitas   vezes   desagradar   aos  
Estados;   e   se   estes   não   tivessem   nenhum   nacional   representado,   tal   prejudicaria   a  
aceitação  das  decisões.  
 
Nomeação  
• O   processo   de   nomeação   da   Comissão   é   complexo   e   compreende   as   seguintes   fases   (17.º/7  
TUE):  
1. Aprovação   do   Presidente:   proposta   pelo   Conselho   Europeu,   deliberando   por  
maioria   qualificada   e   tendo   em   conta   os   resultados   eleitorais   das   eleições   para   o  
Parlamento   (art.   17.º/7   TUE,   este   princípio   democrático   foi   uma   novidade   do  
Tratado  de  Lisboa);  aprovação  pelo  Parlamento;  
2. Aprovação   dos   Comissários:   proposta   pelos   Estados-­‐membros,   aprovação   pelo  
Conselho  e  pelo  Presidente;  
3. Aprovação  da  Comissão:  pelo  Parlamento;  
4. Nomeação  da  Comissão:  pelo  Conselho  Europeu.  
• É,   assim,   notória   a   dependência   política   da   Comissão   face   ao   Conselho   Europeu   e   ao  
Parlamento.  
• O  mandato  da  Comissão  é  de  5  anos  (17.º/3  TUE)  e  termina  após  o  início  de  cada  legislatura  do  
Parlamento,   facto   que   é   confirmado   pelo   regime   de   substituição   da   Comissão   em   caso   de  
demissão  de  comissários  (246.º).  
• A   cessação   de   funções   individual   pode   ocorrer   por   demissão   voluntária   ou   compulsiva,  
renúncia,   ou   morte   (246.º).   A   cessação   de   funções   colectiva   pode   ocorrer   por   termo   do  
mandato,   demissão   colectiva   voluntária   ou   aprovação   de   uma   moção   de   censura   pelo  
Parlamento.  
 
Organização  
• A   Comissão   organiza-­‐se   em:   Presidente,   Vice-­‐Presidentes   (um   dos   quais   é   o   Alto  
Representante),  direcções-­‐gerais  e  serviços  equiparados.  
 
Funcionamento  
• A   Comissão   delibera   colegialmente,   sob   proposta   de   algum   dos   membros,   por   maioria   dos   seus  
membros  (250.º).  Este  é  também  o  seu  quorum.  
• A  Comissão  não  tem  funcionamento  público.  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

Presidência  
• O  Presidente  da  Comissão  desempenha  um  papel  central  na  Comissão,  e  até  na  União  Europeia.  
(1)   Representa   a   Comissão   perante   terceiros   e   possui   (2)   poderes   de   direcção   e   organização  
internas   na   Comissão,   bem   como   no   (3)   exercício   diário   das   suas   funções.   Os   Tratados  
reconhecem-­‐lhe  as  seguintes  competências:  
- Membro  do  Conselho  Europeu  (15.º/2  TUE);  
- Escolha  dos  restantes  comissários  (17.º/7  TUE);  
- Designação  dos  Vice-­‐Presidentes;  
- Nomeação  do  Alto  Representante  (18.º/1  TUE);  
- Definição  das  orientações  da  Comissão  (17.º/6/a  TUE)  
 
Sede  
• A  Comissão  tem  a  sua  sede  em  Bruxelas.  
 
Funções  
• As  competências  da  Comissão  são  enunciadas  no  art.  17.º/1  e  2  TUE:  
- Promove  o  interesse  geral;  
- Vela  pela  aplicação  dos  tratados;  
- Executa  o  orçamento  e  gera  os  programas;  
- Exerce  funções  de  coordenação,  execução  e  gestão;  
- Assegura  a  representação  externa  da  União;  
- Toma  a  iniciativa  da  programação  anual  e  plurianual;  
- Toma  a  iniciativa  legislativa.  
• Função  legislativa:  O  Tratado  de  Lisboa  consagra,  pela  primeira  vez,  (1)  o  monopólio  do  direito  
de   iniciativa   legislativa   da   Comissão.   No   entanto,   continuam   a   existir   matérias   em   que   a  
Comissão   não   dispõe   de   iniciativa   ou   a   partilha   com   os   Estados-­‐membros   (289.º/4).   Mas   a  
função   legislativa   da   Comissão   não   se   esgota   aqui:   esta   realiza   consultas,   formula  
recomendações,  cria  instâncias  preparatórias  ou  auxiliares  e  executa  políticas.  
• Função  executiva:  a  Comissão  tem  competência  para  (1)  adoptar  actos  gerais  delegados  (290.º)  
e  estabelecer  as  disposições  de  execução  (291.º).  Este  não  é  um  órgão  legislativo  de  primeiro  
nível,  pelo  que  a  actividade  normativa  se  insere  no  quadro  do  exercício  de  poderes  delegados,  
sujeitos  ao  controlo  do  Parlamento  e  do  Conselho.  A  Comissão  dispõe  de  (2)  extensos  poderes  
de   administração   e   gestão.   A   dimensão   executiva   da   Comissão   manifesta-­‐se   ainda   na   (3)  
relação  com  os  restantes  órgãos:  responsabilização  política  face  ao  Parlamento  e  obrigações  de  
apresentações  de  relatórios  e  outros.  No  entanto,  a  competência  executiva  é  partilhada  com  o  
Conselho,  falando-­‐se  até  de  um  executivo  bicéfalo.    
• Função  de  representação  da  União  Europeia:  cabe  à  Comissão  a  representação  externa  da  União,  
salvo  no  domínio  da  PESC,  que  é  assegurado  pelo  Alto  Representante,  que  é  um  Vice-­‐Presidente  
da  Comissão.  
• Função   de   guardiã   dos   tratados:   esta   é   uma   competência   originária   da   Comissão.   Neste  
contexto,   cabe   à   Comissão:   (1)   controlo   do   respeito   pelo   direito   da   União   pelos   Estados-­‐
membros  e  mesmo  pelas  restantes  instituições;  (2)  controlo  do  respeito  do  direito  europeu  da  
concorrência   pelas   empresas,   e   (3)   controlo   dos   auxílios   de   Estado   (108.º)   e   medidas   de  
salvaguarda  (193.º).  Para  tal,  a  Comissão  tem  direito  de  acção  em  todo  o  contencioso  da  União  
Europeia,  e  os  Estados-­‐membros  e  empresas  possuem  obrigações  de  informar  a  Comissão.  
 
 
5.  Tribunal  de  Justiça  da  União  Europeia  (19.º  TUE,  251.º  e  segs.)  
 
Sistema  jurisdicional  da  União  Europeia  
• O  sistema  jurisdicional  da  União  organiza-­‐se  em:  
1. Tribunal  de  Justiça  da  União  Europeia  (19.º/1  TUE)  
i. Tribunal  de  Justiça  (em  sentido  estrito)  
ii. Tribunal  Geral  
iii. Tribunais  especializados  
2. Órgãos  jurisdicionais  nacionais  (19.º/1  TUE  e  274.º)  
 
Tribunal  de  Justiça  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

Natureza  
• O   Tribunal   de   Justiça   surgiu   com   o   Tratado   de   Paris,   como   órgão   da   CECA.   Com   os   Tratados   de  
Roma,  passou  a  ser  um  órgão  comum  às  três  comunidades.  
• O   Tribunal   de   Justiça   é   um   verdadeiro   tribunal,   permanente,   independente   e   de   competência  
obrigatória.  
• É  um  tribunal  de  última  instância.  
 
Funções  
• O  Tribunal  desempenha  funções  de:  
- Jurisdição  ordinária  (268.º  e  340.º);  
- Jurisdição  internacional  (258.º  a  360.º);  
- Jurisdição  administrativa  (263.º);  
- Jurisdição  constitucional  (263.º,  267.º,  218.º).  
• A  sua  intervenção  conhece,  no  entanto,  limites  funcionais:  
- Repartição  interna  de  poderes;  
- Soberania  estadual;  
- Princípio  da  atribuição.  
• O   Tribunal   de   Justiça,   na   sua   missão   de   interpretação   do   direito   da   União   Europeia,   tem   sido  
uma   importante   instância   de  inovação,   retirando   dele   importantes   princípios   como   o   princípio  
do  primado  e  o  do  efeito  directo.  
 
Composição  
• O   Tribunal   de   Justiça   é   composto   por   27   juízes   e   8   advogados-­‐gerais   (19.º/2   TUE).   Estes   são  
escolhidos  por  critérios  de  independência  e  qualidade  técnica  (253.º).  
• A  designação  dos  juízes  e  advogados-­‐gerais  é  feita  pelos  Estados-­‐membros  (255.º).  
• O  mandato  dos  juízes  tem  a  duração  de  seis  anos  e  pode  ser  renovado,  sem  limitação.    
• O  Presidente  é  eleito  pelos  seus  pares,  por  um  período  de  três  anos  (253.º).  
• Os   advogados-­gerais   são   oito,   competindo   ao   Conselho   aumentar   o   número   e   cabendo   a  
iniciativa   ao   Tribunal   (252.º).   Desempenham   um   papel   fundamental   e   funcionam   como  
instância  independente  dos  interesses  das  partes  (19.º/2  TUE  e  252.º),  colmatando  a  falta  de  
voto  de  vencido  e  fazendo  o  adequado  contraponto  à  decisão.  
 
Organização  
• O  Tribunal  tem  funcionamento  permanente  e  colegial.    
• Organiza-­‐se  em  secções  de  três  ou  cinco  juízes,  mas  também  pode  reunir  em  grande  secção  (13  
juízes)  ou  em  tribunal  pleno  (251.º).    
 
Sede  
• O  Tribunal  tem  a  sua  sede  em  Luxemburgo.  
 
Regime  linguístico  
• A   regra   é   a   escolha   da   língua   do   processo   pelo   demandante,   podendo   no   entanto   ocorrer  
excepções.  
 
Relação  com  o  Tribunal  Geral  
• O   Tribunal   Geral   corresponde   ao   anterior   Tribunal   de   Primeira   Instância.   No   entanto,   o  
Tribunal  Geral  não  é  sempre  um  tribunal  de  primeira  instância.    
• Situações  em  que  (1)  o  Tribunal  de  Justiça  funciona  como  primeira  instância:  
- Recursos  de  anulação  (263.º);  
- Acções   para   incumprimento   (265.º)   interpostas   por   um   Estado-­‐membro   contra  
um  acto  ou  omissão  do  Parlamento  Europeu  e  do  Conselho;  ou  por  uma  instituição  
da  União  contra  acto  ou  omissão  do  Parlamento  e/ou  do  Conselho,  da  Comissão  ou  
do  Banco  Central.  
• Situações  em  que  (2)  o  Tribunal  Geral  funciona  como  instância  de  recurso:  
- Recursos  interpostos  contra  as  decisões  dos  tribunais  especializados  (256.º/2).  
 
 
6.  Banco  Central  Europeu  (282.º  e  segs.)  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

Caracterização  
• Apesar  de  qualificado  como  uma  instituição  da  União,  o  Banco  Central  é,  em  rigor,  uma  pessoa  
jurídica,  dotada  como  tal  de  personalidade  jurídica  (282.º/3).  
• A   União   Económica   Monetária   assenta   no   Banco   Central   Europeu   e   no   Sistema   Europeu   de  
Bancos  Centrais,  este  último  constituído  pelo  BCE  e  pelos  bancos  centrais  nacionais  (282.º/2).  
O   SEBC   é   dirigido   pelos   órgãos   de   decisão   do   BCE   (129.º).   O   objectivo   do   SEBC   é   a   manutenção  
da  estabilidade  de  preços  (127.º).  
• Uma  característica  fundamental  do  BCE  e  dos  seus  órgãos  é  a  independência  (282.º/3).  
 
Composição  
• Os  órgãos  de  decisão  do  BCE  são  o  conselho  e  a  comissão  executiva  (283.º/1).  
• O   Conselho   do   BCE   é   composto   pelos   membros   da   comissão   executiva   e   pelos   governadores  
dos   bancos   centrais   nacionais   dos   países   cuja   moeda   seja   o   euro.   Não   tem   mandato   definido  
nem  composição  fixa  e  dispõe  de  poder  de  auto-­‐organização.  
 
Sede  
• O  Banco  Central  tem  a  sua  sede  em  Frankfurt.  
 
Funções  
• O  BCE  tem  o  direito  exclusivo  de  autorizar  a  emissão  do  euro  (128.º/1).  
• Tem  competências  de  consulta.  
• Para   atingir   os   seus   objectivos,   o   BCE   pode   adoptar   regulamentos   ou   decisões   e   formular  
recomendações   e   pareceres;   e   ainda   aplicar   multas   ou   sanções   pecuniárias   às   empresas  
(132.º).  
 
 
7.  Tribunal  de  Contas  (295.º  e  segs.)  
 
Composição  
• O   Tribunal   de   Contas   foi   criado   pelo   Tratado   de   Bruxelas   de   1975   (diferente   do   Tratado   de  
Fusão).  
• A   colocação   do   Tribunal   de   Contas   no   elenco   das   instituições   ocorreu   com   o   Tratado   de  
Maastricht   e   terá   sido   resultado   de   uma   motivação   política   que   pretende   destacar   a  
importância   da   gestão   do   orçamento   da   União.   Em   rigor,   esta   não   será   uma   instituição   isto   não  
decidir  nem  resolver  litígios.  
• É   composto   por   27   juízes   (um   de   cada   Estado-­‐membro),   escolhidos   por   critérios   de  
qualificação  técnica  e  independência  (285.º  e  286.º/1).  Esta  independência  deverá  ser  genética  
e  funcional.  
• Os  juízes  são  nomeados  pelo  Conselho,  por  maioria  qualificada  (286.º/2).  
• O   mandato   dos   juízes   é   de   6   anos.   Estes   escolhem   entre   si   o   seu   Presidente,   que   pode   ser  
reeleito  (286.º/2).  
 
Funções  
• Cabe  ao  Tribunal  de  Contas:  
-  A   fiscalização   das   contas   da   União,   abrangendo   as   receitas   e   despesas   de   qualquer  
organismo  ou  órgão  (287.º/1).  
- Examinar   a   legalidade   e   regularidade   das   receitas   e   despesas   e   garante   a   boa  
gestão  financeira.  
- Assistir  o  Parlamento  Europeu  e  o  Conselho  no  exercício  da  respectiva  função  de  
controlo  da  execução  do  orçamento  (287.º/4).  
• No   exercício   das   suas   funções,   o   Tribunal   tem   o   direito   de   acesso   a   qualquer   documento   e   o  
direito  de  inspecção  na  sede  que  qualquer  instituição  (282.º/3).  
• O   Tribunal   envia   ao   Parlamento   Europeu   e   ao   Conselho   uma   declaração,   que   é   publicada   no  
Jornal  Oficial  da  União  Europeia  (281.º/1  
8.  Órgãos  auxiliares  
 
Comité  Económico  e  Social  (301.º  e  segs.)  
 
Composição  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

• É   um   órgão   consultivo   dos   órgãos   deliberativos   da   União   –   Parlamento,   Conselho   e   Comissão  


(13.º/4  TUE  e  300.º/1).  Está  previsto  desde  a  versão  originária  do  Tratado  de  Roma.  
• A   composição   é   determinada   por   decisão   do   Conselho,   não   podendo   ter   mais   do   que   350  
membros   (301.º).   Estes   são   nomeados   também   pelo   Conselho,   para   mandatos   de   5   anos,   a  
partir  das  propostas  apresentadas  pelos  Estados-­‐membros  (302.º).    
• É   composto   por   representantes   da   sociedade   civil,   principalmente   nos   domínios  
socioeconómico,   cívico,   profissional   e   cultural.   Os   membros   dispõem   de   independência  
funcional  face  aos  restantes  órgãos  (300.º/4).  
 
Funções  
• O   Comité   Económico   e   Social   é   um   órgão   de   consulta,   com   poder   de   participação   no   processo  
legislativo   (304.º).   Além   disso,   pode   ser   consultado   mesmo   que   tal   não   esteja   previsto   nos  
tratados.    
• A  falta  de  emissão  de  parecer  pelo  Comité  não  impede,  todavia,  a  adopção  do  acto  da  União.  
 
 
Comité  das  Regiões  (305.º  e  segs.)  
 
Composição  
• O  Comité  das  Regiões  é  igualmente  um  órgão  consultivo  (13.º/4  TUE  e  300.º/1),  introduzido  no  
tratado  da  Comunidade  Europeia  pelo  Tratado  de  Maastricht.  
• É  composto  por  representantes  das  autarquias  locais  e  regionais.  
• A  composição  é  definida  por  decisão  unânime  do  Conselho,  para  mandatos  de  5  anos  (305.º).  
sendo   obrigatoriamente   os   seus   membros   dotados   de   uma   legitimidade   democrática,   o  
mandato  no  Comité  cessa  automaticamente  com    termo  do  mandato  no  Estado-­‐membro.  
 
Funções  
• O   Comité   das   Regiões   exerce   funções   consultivas,   nos   mesmos   termos   das   do   Conselho  
Económico  e  Social.  
 
 
Outros  comités  
 
• Os  tratados  prevêem  ainda  um  conjunto  de  comités  que  contribuem  para  a  preparação  técnica  
e  formação  da  vontade  dos  órgãos  da  União.    
• O   estatuto   dos   comités   são   aprovados   por   maioria   simples   do   Conselho,   após   consulta   à  
Comissão  (242.º).  
• Estes  comités  intervêm  nos  seguintes  domínios:  
- Materiais:  Comité  do  Emprego  (150.º)  
- Orgânicos:  Comité  para  a  designação  dos  juízes  do  Tribunal  de  Justiça  (255.º)    
- Procedimentais:  Comité  da  Conciliação  (294.º)  
• Existem   também   comités   previstos   para   assistirem   a   Comissão   no   exercício   das   suas  
competências  de  execução.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

PARTE  III  –  ORDENAMENTO  JURÍDICO  DA  UNIÃO  EUROPEIA  


 
PROCEDIMENTOS  NORMATIVOS  
 
Considerações  gerais  
• Os   procedimentos   de   decisão   da   União   conheceram   uma   reforma   profunda   com   o   Tratado   de  
Lisboa,   anunciada   pelo   projecto   de   Constituição   de   2004.   A   reforma   do   sistema   de   fontes   foi  
motivada  pelos  seguintes  problemas:  
- Inexistência  de  relações  verticais  entre  os  actos;  
- Excessiva  complexidade;  
- Défice  democrático.  
• Com   o   Tratado   de   Lisboa,   deixa   de   (1)   existir   a   distinção   entre   procedimentos   de   decisão   da  
União   Europeia   e   da   Comunidade   Europeia,   suprimindo-­‐se   um   conjunto   variado   de  
procedimentos   tradicionais.   O   Tratado   introduz,   assim,   a   (2)   distinção   entre   processos  
tendentes   à   adopção   de   actos   legislativos   e   actos   legislativos.   Finalmente,   os   (3)   processos   de  
revisão  são  também  objecto  de  reforma.  
• O  Tratado  introduz  também  o  princípio  da  escolha  dos  actos  (legislativos  ou  não),  em  respeito  
pelos  processos  aplicáveis  e  pelo  princípio  da  proporcionalidade  (296.º).    
• Todos  os  actos  devem  ser  fundamentados  (296.º).  
 
Procedimento  
• Iniciativa  da  Comissão  (salvo  disposição  em  contrário),  autónoma  ou  solicitada  pelo  Conselho  
ou  Parlamento  Europeu  (241.º  e  255.º).  
• Discussão   no   Conselho   (COREPER   e/ou   grupos   de   trabalhos   especializados)   e   Parlamento  
(comissões   parlamentares   competentes).   O   Conselho   só   pode   alterar   a   proposta   deliberando  
por   unanimidade   (293.º/1).   Pelo   contrário,   a   Comissão   é   livre   para   alterar   a   sua   proposta   a  
qualquer  tempo  (293.º/2).  
• Adopção  do  acto  pela  instituição.    
 
 
1.  Processos  legislativos  
 
Considerações  gerais  
• Os  processos  legislativos,  com  o  Tratado  de  Lisboa,  distinguem-­‐se  em:  
- Processo  legislativo  ordinário;  
- Processo  legislativo  especial.  
• Estes   processos   caracterizam-­‐se,   não   pela   natureza   das   normas,   mas   pelo   seu   processo   de  
elaboração.  Assim,  a  natureza  de  um  acto  legislativo  resulta    do  seu  procedimento  (289.º/3).  
• Todos  os  actos  legislativos  são,  em  regra,  adoptados  sobre  iniciativa  da  Comissão,  (17.º/2  TUE)  
e  publicados  no  Jornal  Oficial  da  União  Europeia,  entrando  em  vigor  após  uma  vacatio  legis  de  
vinte  dias  (2917.º/1).  
 
1.1.  Processo  legislativo  ordinário  
 
• O   processo   legislativo   ordinário   consiste   na   adopção   de   um   regulamento,   directiva   ou   decisão  
conjuntamente   pelo   Parlamento   Europeu   e   pelo   Conselho,   sobre   proposta   da   Comissão  
(289.º/1).   Corresponde   ao   antigo   processo   de   co-­‐decisão,   embora   alterado.   É   caracterizado  
pelos  seguintes  elementos:  
- Iniciativa  da  Comissão  (salvo  disposição  em  contrário  –  289.º/4);  
- Natureza  vinculativa  do  acto  a  adoptar;  
- Procedimento  aplicável  –  art.  294.º;  
- Possível   intervenção   dos   parlamentos   nacionais,   no   controlo   do   princípio   da  
subsidiariedade;  
- Adopção   conjunta   do   Parlamento   Europeu   e   Conselho   (a   aprovação   do   acto  
subordina-­‐se  ao  acordo  expresso  de  ambos).  
• A  aplicação  do  processo  legislativo  ordinário  pode  também  ser  decidida:  
- Pelo   Conselho   Europeu,   segundo   o   procedimento   de   revisão   simplificado   (48.º/7  
TUE)  
- Pelo  Conselho,  por  unanimidade.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

• Os   actos   legislativos   só   estão   perfeitos   quando   forem   assinados   pelos   Presidentes   do  


Parlamento  Europeu  e  do  Conselho.  A  publicação  é  igualmente  condição  da  sua  validade.  
• Exemplos  de  domínios  nos  quais  se  aplica  o  processo  legislativo  ordinário  (TFUE):  
- Art.  14.º  (serviços  de  interesse  económico  geral);  
- Art.  15.º  (direito  de  acesso  a  documentos);  
- Art.  24.º  (regulamentação  da  iniciativa  de  cidadania);  
- Art.  43.º  (organização  comum  dos  mercados  agrícolas);  
- Art.  50.º  (liberdade  de  estabelecimento);  
- Art.  133.º  (utilização  do  euro);  
- Art.  169.º  (política  de  consumidores);  
- Art.  178.º  (Fundo  Europeu  de  Desenvolvimento  Regional).  
 
1.2.  Processos  legislativos  especiais  
 
• Os   processos   legislativos   especiais   correspondem   a   situações   nas   quais   um   acto   vinculativo   é  
adoptado   por   apenas   um   órgão   (Parlamento   Europeu   ou   Conselho),   com   a   participação   do  
outro.  Prescindem  de  iniciativa  da  Comissão.  
• Geralmente,  o  processo  legislativo  especial  confere  ao  Conselho  a  autoria  e  ao  Parlamento  a  (1)  
aprovação,  o  que  confere  a  este  um  autêntico  direito  de  veto.  Exemplos:  
- Art.  19.º  (medidas  de  combate  à  discriminação);  
- Art.   223.º   (decisão   sobre   processo   de   eleição   do   Parlamento   Europeu   por   sufrágio  
universal,  livre  e  directo).  
• Esta  participação  pode  também  ser  uma  (2)  participação  consultiva  do  Parlamento.  Exemplos:  
- Art.  22.º  (cidadania);  
- Art.  64.º  (medidas  de  retrocesso  em  relação  à  livre  circulação  de  capitais).  
• Em   muitos   casos,   os   tratados   prevêem   que,   sem   necessidade   de   revisão   formal,   o   Conselho  
Europeu   ou   o   Conselho   determinem   que   actos   adoptados   segundo   um   processo   legislativo  
especial  passem  a  ser  adoptados  segundo  um  processo  legislativo  ordinário  (48.º/7  TUE).  
• Os   actos   não   legislativos,   para   serem   perfeitos,   precisam   de   ser   assinados   pelo   Presidente   da  
instituição  que  os  adoptou.  A  publicação  é  também  condição  de  validade  (297.º/1).  
 
 
A  democracia  nos  processos  legislativos  
 
O  Tratado  de  Lisboa  veio  reforçar  a  democracia  nos  procedimentos  legislativos  da  União  Europeia:  
• Através  do  reforço  dos  poderes  do  Parlamento  Europeu;  
• Através  do  reforço  dos  poderes  dos  parlamentos  nacionais;  
• Através   do   estabelecimento   de   uma   rede   democrático-­representativa,   caracterizada   pela  
complementaridade   entre   as   instituições   europeias   e   as   instituições   nacionais   –  
nomeadamente,  através  da  cooperação  interparlamentar  (art.  10.º  Protocolo  relativo  ao  papel  
dos  parlamentos  nacionais).  
 
Reforço  dos  poderes  do  Parlamento  Europeu  
• O  Parlamento  Europeu  tem  conhecido  um  (1)  alargamento  sucessivo  de  competências,  à  custa  
dos  poderes  de  outras  instituições  europeias  e  dos  Estados-­‐membros,  assinalando-­‐se  também  
o  (2)  reforço  da  sua  legitimidade  democrática  –  através  da  eleição  directa,  introduzida  com  o  
Acto   de   20   de   Setembro   de   1976;   e   da   criação   da   cidadania   europeia,   com   a   qual   podem   eleger  
e   ser   eleitos   para   o   Parlamento   Europeu   tanto   os   nacionais   do   Estado-­‐membro   como   os  
nacionais   de   outros   Estados-­‐membros   que   aí   residam   e   pretendam   exercer   o   seu   direito   de  
voto  (20.º/2/b).  
• O   Tratado   de   Lisboa,   ao   reformar   os   procedimentos   normativos,   veio   contribuir   fortemente  
para  o  reforço  de  competências  do  Parlamento:  
- O   Parlamento   foi   equiparado   ao   Conselho   no   antigo   processo   de   co-­‐decisão,   que  
passou   a   ser   o   processo   legislativo   ordinário,   aumentando   assim   o   seu   poder   no  
exercício   da   função   legislativa   –   este   dá   um   verdadeiro   poder   de   decisão   ao  
Parlamento,  pois  o  acto  só  é  adoptado  com  o  seu  acordo.  
- O   leque   de   domínios   de   competência   legislativa   foi   substancialmente   alargado,  
estendendo-­‐se  hoje  por  mais  de  quarenta  matérias.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

• Porém,  não  vigora  plenamente  na  União  o  princípio  do  parlamentarismo,  com  o  seu  corolário  
da  primazia  democrático-­‐parlamentar  e  a  existência  de  uma  reserva  absoluta  de  competência  
legislativa;   nem   uma   prerrogativa   geral   de   iniciativa   legislativa,   que   continua   a   caber   à  
Comissão,   pese   embora   o   Parlamento   lhe   possa   solicitar   que   esta   apresente   propostas  
adequadas   sobre   certas   questões   (225.º)   e,   em   casos   excepcionais,   disponha   mesmo   de  
iniciativa  (288.º/4).  
 
Reforço  dos  poderes  dos  parlamentos  nacionais  
• Os   parlamentos   nacionais   devem   contribuir   activamente   para   o   bom   funcionamento   da   União,  
de  acordo  com  o  Protocolo  relativo  ao  papel  dos  parlamentos  nacionais  na  União  Europeia.  
• Devem  garantir  o  respeito  pelos  princípios  da  proporcionalidade  e  subsidiariedade:  a  Comissão  
deve  enviar  aos  parlamentos  nacionais  todos  os  documentos  de  consulta,  bem  como  todos  os  
documentos   relativos   à   programação   legislativa   ou   de   estratégia   política.   Os   projectos   de   actos  
legislativos   dirigidos   ao   Parlamento   Europeu   e   ao   Conselho   são   enviados   aos   parlamentos  
nacionais,   e   estes   podem   dirigir   aos   presidentes   do   Parlamento,   Conselho   e   Comissão   um  
parecer  fundamentado  sobre  a  conformidade  dos  projectos  com  o  princípio  da  subsidiariedade  
e   proporcionalidade   (Protocolo,   art.   1.º   e   segs.).   Em   caso   de   parecer   negativo,   a   Comissão   pode  
manter  a  proposta,  fundamentando  (art.  7.º/3  Protocolo  relativo  à  aplicação  dos  princípios  da  
subsidiariedade  e  da  proporcionalidade).  
• Participam  na  avaliação  das  políticas  adoptadas  no  âmbito  do  espaço  de  liberdade,  segurança  e  
justiça,  no  controlo  político  da  Europol  (77.º)  e  na  avaliação  do  Eurojust  (85.º  e  88.º);  
• Participam  no  processo  de  revisão  dos  tratados  (48.º  TUE);  
• São  informados  dos  pedidos  de  adesão  (49.º  TUE).  
 
A  democracia  nas  fontes  de  direito  derivado  
• Maior  leque  de  matérias  que  exigem  o  procedimento  legislativo  ordinário.  
• Atribuição  de  um  valor  superior  aos  actos  com  a  intervenção  do  Parlamento:  
- Hierarquia   entre   actos   legislativos   e   não   legislativos,   que   se   distinguem   pelo  
processo;  
- Maior   valor   aos   actos   adoptados   pelo   procedimento   ordinário,   visto   resultarem   de  
um  consenso  entre  o  interesse  da  União  (Comissão),  Estados  (Conselho)  e  cidadãos  
(Parlamento).  
• Reforço  dos  poderes  dos  parlamentos  nacionais.  
 
 
 
FONTES  DE  DIREITO  DA  UNIÃO  EUROPEIA  
 
FONTES  FORMAIS  
 
1.  Direito  originário  
 
Caracterização  
• O  direito  originário  distingue-­‐se  do  direito  derivado  por  um  critério  de  fonte  formal.    
• É  o  direito  criado  pelos  Estados-­membros  através  de  tratados  internacionais,  constituído  pelas  
normas   que   criaram   a   União   Europeia,   conferindo-­‐lhe   atribuições   e   regulando   a   sua  
organização   e   funcionamento;   bem   como   por   aquelas   normas   que   vêm   modificando   os  
tratados.  
• É  composto  por:  
- Tratados  institutivos;  
- Tratados  de  adesão;  
- Tratados  de  revisão  geral;  
- Acordos  de  revisão  parcial:  
- Protocolos  anexos;  
- Acordos  previstos  nos  tratados.  
 
Força  jurídica  
• Devido   ao   princípio   da   atribuição,   a   União   só   pode   intervir   para   realizar   os   objectivos   e  
competências  que  lhe  são  atribuídos  com  os  tratados.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

• Nenhum   dos   actos   da   União   pode   deixar   de   encontrar   a   sua   base   jurídica   numa   norma   de  
direito  originário,  sob  pena  de  invalidade.  
• O   direito   originário   é   o   parâmetro   de   validade   normativa   de   todo   o   direito   derivado   (direito  
criado  pelos  órgãos  da  União).  
• As   normas   de   direito   da   União   são   incorporadas   no   direito   interno   como   normas   de   direito  
internacional,  depois  de  regularmente  aprovadas  e  ratificadas  (8.º/2  CRP).  No  caso  do  tratado  
da   União,   a   vigência   interna   depende   da   própria   vigência   internacional,   que   só   ocorrerá   após   a  
ratificação  por  todos  os  Estados-­‐membros.  
 
Integração  de  lacunas  
• Apesar   da   União   Europeia   não   poder   criar   a   sua   própria   competência,   desde   cedo   se   admite  
que,   em   algumas   hipóteses,   a   falta   de   previsão   de   competência   ou   dos   mecanismos   de   acção  
não   foi   voluntária,   permitindo-­‐se   a   integração   de   lacunas.   Esta   conhece,   pois,   como   limite   o  
princípio  da  atribuição.  
• Assim,  são  três  os  mecanismos  previstos  de  integração  de  lacunas  (apontando-­‐se  também  um  
quarto,  a  revisão  dos  tratados):  
1. Unidade  de  sentido  imanente  aos  tratados;  
2. Princípio  das  competências  implícitas;  
3. Fundamento  subsidiário  do  art.  352.º;  
• (1)   Unidade   de   sentido   dos   tratados   (via   jurisprudencial):   este   foi   um   primeiro   mecanismo  
tradicionalmente  usado,  em  particular  pelo  Tribunal  de  Justiça.  Normalmente,  os  tratados  das  
Comunidades   constituídas   em   Roma   serviam   de   paradigma   para   a   integração   de   lacunas   do  
tratado   da   CECA,   apesar   de   o   inverso   também   suceder.   Isto   porque,   apesar   de   coexistirem  
várias   organizações   (CECA,   CE,   EURATOM,   UE),   existia   uma   unidade   de   sentido   entre   si   pois  
eram   constituídas   pelos   mesmos   Estados,   possuíam   as   mesmas   instituições   e   órgãos   e  
objectivos   complementares.   Hoje,   apesar   de   alguns   autores   considerarem   este   mecanismo  
desactualizado   o   TFUE   e   o   TUE   podem   ser   usados   para   integração   de   lacunas   do   Tratado   da  
CEEA.  O  contrário  não  pode  suceder,  pois  o  Tratado  da  CEEA  é  entendido  como  desactualizado.  
• (2)   Princípio   das   competências   implícitas   (via   doutrinal):   o   princípio   das   competências  
implícitas   diz-­‐nos   que   uma   organização   internacional   deverá   ter   todas   as   competências   que  
sejam   necessárias   ou   convenientes   à   prossecução   dos   seus   fins,   não   implicando   nenhuma  
excepção   ao   princípio   da   legalidade   da   competência.   O   Tribunal   de   Justiça   reconheceu  
expressamente   este   princípio   na   sua   jurisprudência,   no   princípio   do   paralelismo   das  
competências:   a   competência   interna   da   União   implica   a   sua   competência   externa,   se   for  
necessária  a  realização  de  um  dos  objectivos  da  União.  O  Tratado  de  Lisboa  veio  consagrar  este  
princípio  no  art.  3.º/2.  
• (3)  Mecanismo  dos  poderes  subsidiários  do  art.  352.º  (via  normativa):  o  art.  352.º  diz-­‐nos  que,  se  
uma   acção   da   União   for   considerada   necessária   para   atingir   um   objectivo   estabelecido   pelos  
tratados  e  não  esteja  neles  prevista,  o  Conselho,  deliberando  por  unanimidade,  sob  proposta  da  
Comissão   e   após   aprovação   do   Parlamento,   adoptará   as   disposições   adequadas.   A   norma  
refere-­‐se,  assim,  às  competências  subsidiárias  da  União,  só  podendo  ser  usada  se  não  houver  um  
outro  fundamento  jurídico,  expresso  ou  implícito  (e  apesar  de  poder  ser  também  usado  como  
mecanismo   complementar).   A   sua   utilização   está   sujeita   à   verificação   de   um   conjunto   de  
requisitos,  principalmente  formais:  
- Proposta  da  Comissão;  
- Parecer  do  Parlamento;  
- Decisão  do  Conselho  por  unanimidade.  
• ...  E  encontra  os  seguintes  limites:  
1. Princípio  da  atribuição  –  só  se  pode,  por  esta  via,  dar  um  salto  quantitativo,  isto  é,  
ampliar  os  poderes  previstos;  
2. Visa  apenas  os  objectivos  do  art.  3.º/2,  3  e  5  (Declaração  ad  art.  352.º);  
3. Tem  de  respeitar  as  proibições  expressas  (352.º/3);  
4. Não  pode  ser  utilizado  no  âmbito  da  PESC  (352.º/4);  
5. Não  se  pode  aplicar  o  processo  de  revisão  simplificada  (353.º);  
6. As  propostas  estão  sujeitas  ao  controlo  pelos  parlamentos  nacionais  (352.º).  
 
Revisão  dos  tratados  
• O   Tratado   de   Lisboa   prevê   um   processo   ordinário   de   revisão   dos   tratados   e   processos  
simplificados  (48.º/1).  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

• (1)   Processo   ordinário:   encontra-­‐se   descrito   no   art.   48.º/2   e   segs.   TUE.   Salienta-­‐se   o   papel  
fundamental   desempenhado   pelos   Estados,   pois   é   na   Conferência   de   Representantes   dos  
Estados-­‐membros   que   se   prepara,   com   total   liberdade   de   conformação,   o   sentido   e   conteúdo  
futuro  dos  tratados.  
• Fases:  
1. Intracomunitária:  iniciativa,  parecer  e  decisão;  
2. Intermédia:  fase  facultativa  de  convocação  de  uma  Convenção;  
3. Interestadual:  Conferência  Intergovernamental  (CIG);  
4. Interna:  ratificação.  
• (2)  Processos  simplificados:  estão  previstos  no  art.  48.º/6  e  7  TUE.  
- 48.º/6:   é   relativo   às   políticas   e   acções   internas   da   União.   A   característica  
fundamental   deste   processo   é   a   capacidade   de   os   Estados-­‐membros   afastarem   a  
intervenção   da   Comissão   e   do   Parlamento,   que   apenas   são   consultados.   As  
alterações  não  podem  aumentar  as  competências  atribuídas  à  União.  
- 48.º/7:  permite  que  as  deliberações  do  Conselho  por  unanimidade  possam  passar  
a   ser   feitas   por   maioria   qualificada   (com   excepção   das   decisões   com   implicações  
no   domínio   militar   ou   defesa);   e   autoriza   que   o   Conselho   adopte   decisões   pelo  
processo  legislativo  ordinário.  A  aprovação  do  Parlamento  é  necessária  e  qualquer  
parlamento  nacional  pode,  por  si  só,  impedir  previamente  a  adopção  da  decisão.  
• (3)  Os  tratados  prevêem  também  outros  processos  de  revisão  simplificados,  isto  é,  que  certas  
modificações  sejam  feitas  sem  necessidade  de  um  procedimento  formal  de  revisão.  Exemplos:  
- O   Conselho   pode,   deliberando   por   unanimidade,   aumentar   o   número   de  
advogados-­‐gerais  (252.º);  
- O   Parlamento   Europeu   e   o   Conselho   podem,   deliberando   de   acordo   com   o  
processo  legislativo  ordinário,  criar  tribunais  especializados  (257.º).  
 
Relação  com  outros  tratados  
• (1)  Acordos  celebrados  entre  Estados-­membros:  
- Acordos   anteriores   à   conclusão   dos   tratados   comunitários:   apenas   subsistem   na  
estrita  medida  em  que  sejam  compatíveis  com  eles.  
- Acordos  posteriores  à  conclusão  dos  tratados  comunitários:  a  questão  é  resolvida  
pelo  art.  4.º/3  TUE,  segundo  o  qual  os  Estados  se  obrigam  a  abster-­‐se  de  quaisquer  
medidas  susceptíveis  de  pôr  em  perigo  a  realização  dos  objectivos  da  União,  pelo  
que  a  assinatura  entre  dois  Estados-­‐membros  de  um  acordo  incompatível  com  os  
tratados  poderia  mesmo  originar  condenação  perante  o  Tribunal  de  Justiça  (258º  
a  260.º).  
• (2)  Acordos  celebrados  por  Estados-­‐membros  com  terceiros:  
- Acordos   anteriores   à   conclusão   dos   tratados   comunitários:   rege   o   art.   351.º,  
segundo   o   qual   os   Estados-­‐membros   continuam   obrigados   a   essas   convenções,  
porém  deverão  procurar  eliminar  as  incompatibilidades.  
- Acordos   posteriores   à   conclusão   dos   tratados   comunitários:   esta   questão   é   hoje  
maioritariamente   resolvida   pela   competência   geral   e   exclusiva   da   União   para  
celebrar   acordos   internacionais   com   outros   Estados   ou   organizações  
internacionais  (art.  216.º).  
 
2.  Direito  derivado  
 
Considerações  gerais  
• O   direito   derivado   é   constituído   pelos   actos   adoptados   pelos   órgãos   da   União,   no  
desenvolvimento   das   competências   que   os   tratados   lhes   conferem.   Estes   actos   não   têm   todos   a  
mesma  natureza  e  alcance  jurídico.    
• O  Tratado  de  Lisboa  veio  introduzir  uma  reforma  profunda  na  estruturação  da  ordem  jurídica  
da  União,  tendo  introduzido  uma  hierarquização  dos  actos  de  direito  derivado:  
1. Actos  legislativos;  
2. Actos  não  legislativos:  
i. Actos  delegados  de  natureza  não  legislativa;  
ii. Actos  não  legislativos  de  base;  
iii. Actos  de  execução,  de  natureza  não  legislativa;  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

Classificação  dos  actos  de  direito  derivado  segundo  um  critério  formal  
 
1.  Actos  legislativos  
• É  a  principal  categoria  de  actos  de  direito  derivado.  O  que  caracteriza  os  actos  legislativos  é    o  
seu   procedimento   de   adopção   (289.º/3),   daqui   decorrendo   a   distinção   entre   regulamentos,  
directivas  e  decisões  legislativos  e  não  legislativos.    
• O   processo   legislativo   inclui   ainda   um   regime   de   perfeição   jurídica   autónomo,   cujo  
cumprimento   é   condição   de   validade:   a   assinatura   pelo   legislador   e   a   publicação   no   Jornal  
Oficial  (297.º/1).    
• Os   actos   legislativos   primam   hierarquicamente   sobre   os   outros   (precedência   da   lei),   gozando  
ainda  de  reserva  de  lei  e  apenas  eles  podem  delegar  na  Comissão.  
 
2.  Actos  não  legislativos  
• À  luz  do  sistema  anterior,  não  existia  qualquer  distinção  formal  entre  actos  legislativos  e  actos  
não  legislativos,  e  os  órgãos  exerciam  as  suas  competências  de  forma  relativamente  livre,  não  
desprovida  de  controlo.  O  sistema  em  vigor  antes  do  Tratado  de  Lisboa  radicava  na  chamada  
“Comitologia”,   que   estabelecia   as   modalidades   de   controlo   do   exercício   pela   Comissão   as  
competências   de   execução   conferidas   pelo   Conselho.   Este   sistema   foi   reformado   pela   Decisão  
do   Conselho   de   28   de   Junho   de   1999,   que   fixa   as   regras   de   exercício   das   competências   de  
execução  atribuídas  à  Comissão,  através  de  vários  procedimentos  de  controlo.    
• O   Tratado   de   Lisboa   veio   alterar   substancialmente   esta   realidade,   introduzindo   os   actos  
delegados  e  os  actos  de  execução.  
-  Actos   delegados:   o   art.   290.º   permite   ao   legislador   (Parlamento   ou   Conselho)  
delegar   na   Comissão   o   poder   de   adoptar   actos   não   legislativos,   de   alcance   geral,  
que   completem   ou   alterem   certos   elementos   não   essenciais   do   acto   legislativo.  
Este  regime  veio  substituir  o  sistema  da  comitologia.  Os  elementos  essenciais  são  
reserva  absoluta  de  actos  legislativos.  
- Actos   de   execução:   a   execução   dos   actos   juridicamente   vinculativos   cabe  
principalmente  aos  Estados-­‐membros,  nos  termos  do  art.  291.º.  No  entanto,  estes  
podem   atribuir   ao   Conselho   ou   à   Comissão   a   execução   dos   actos.   O   Parlamento  
Europeu   e   o   Conselho   podem,   por   meio   de   regulamento   adoptado   segundo   um  
processo   legislativo   ordinário,   definir   previamente   as   regras   e   princípios   gerais  
dos  mecanismos  de  controlo  dos  Estados-­‐membros  sobre  a  execução  da  Comissão.  
Quanto   aos   actos   de   execução,   o   Tratado   de   Lisboa   veio   consagrar   as   seguintes  
novidades:  grau  hierárquico  inferior  e  competência  genérica  da  Comissão  para  sua  
adopção  (291.º/2).  
 
Classificação  dos  actos  de  direito  derivado  segundo  um  critério  material  
 
1.  Actos  típicos  (vinculativos)  
 
1.1.  Regulamento    
• O  regulamento  está  previsto  no  art.  288.º,    §2  e  possui  três  características:  
- Tem  carácter  geral,  isto  é,  aplica-­‐se  a  uma  generalidade  de  destinatários;  
- Goza   de   aplicabilidade   directa,   não   necessitando   de   nenhum   mecanismo   de  
recepção   para   vigorar   internamente   (a   sua   reprodução   é   mesmo   proibida).   A  
aplicabilidade   directa   depende   apenas   do   preenchimento   das   condições   de  
vigência  e  validade  das  normas  da  União,  a  saber:  
i. Adopção  pelo  órgão  ou  órgãos  competentes;  
ii. Adopção  segundo  o  processo  adequado;  
iii. Fundamentação  (296.º);  
iv. Publicidade  (assinatura  e  publicação)  (297.º);  
v. Vacatio  legis  (297.º).  
- É  obrigatório  em  todos  os  seus  elementos,  o  que  significa  que  os  destinatários  não  
podem   adaptar   o   seu   conteúdo.   Os   regulamentos   são   normativamente  
autosuficientes,   ou   seja,   regulam   a   totalidade   da   matéria.   Contudo,   existe   uma  
excepção:  os  regulamentos  de  base,  que  estabelecem  apenas  os  aspectos  essenciais  
da   intervenção   comunitária,   deixando   à   Comissão   a   competência   para   legislar  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

sobre  os  aspectos  não  essenciais  através  dos  regulamentos  delegados  (art.  290.º);  
ou  a  outras  instituições  através  dos  regulamentos  de  execução  (164.º  e  178.º).  
• A  aplicabilidade  directa  dos  regulamentos  não  significa  aplicabilidade  imediata,  pois,  para  além  
da   vacatio   legis   exigida,   pode   suceder   que   a   aplicação   do   regulamento   esteja   subordinada   à  
aplicação   de   medidas   complementares   a   adoptar   quer   pela   instituição   da   União   competente  
(regulamentos  de  execução),  quer  pelas  autoridades  nacionais  competentes.    
• A   vigência   directa   dos   regulamentos   no   ordenamento   jurídico   português   resulta   do   art.   8.º/3  
CRP,  que  consagra  a  sua  incorporação  automática.  A  obrigatoriedade  dos  regulamentos  supõe  
que  não  possam  ser  postos  em  causa  por  instrumentos  de  direito  interno.  
 
1.2.  Directiva  
• As  directivas  estão  previstas  no  art.  288.º,  §3,  e  caracterizam-­‐se  por  serem  actos  da  União  que  
impõem   aos   Estados-­membros   a   realização   de   certos   objectivos   dentro   de   um   certo   prazo,  
deixando-­‐lhes,  no  entanto,  uma  liberdade  quanto  à  forma  e  ao  meio  de  os  alcançar.  
• Assim,  a  directiva  distingue-­‐se  do  regulamento:  
- Ao   contrário   dos   regulamentos,   as   directivas,   apesar   de   poderem   conter   uma  
disciplina  geral,  têm  como  destinatários  imediatos  apenas  os  Estados;  
- Se  os  regulamentos  são  obrigatórios  em  todos  os  seus  elementos,  as  directivas  só  
vinculam  o  Estado  quando  ao  objectivo  a  alcançar;  
- Enquanto  que  o  regulamento  goza  de  aplicabilidade  directa,  a  directiva  carece  de  
um  acto  nacional  de  incorporação  para  poder  vigorar  internamente.  
• A   obrigatoriedade   de   resultado   decorre   da   própria   directiva   e   do   art.   4.º/3   TUE   (dever   de  
cooperação).  Consequentemente,  ao  aplicar  o  direito  interno,  especialmente  as  disposições  de  
um  acto  nacional  adoptado  com  vista  à  transposição  da  directiva,  as  jurisdições  nacionais  estão  
obrigadas  a  desaplicar  as  normas  internas  contrárias  (princípio  do  primado)  e  a  interpretar  o  
direito  nacional  à  luz  do  texto  e  finalidade  da  directiva  (interpretação  conforme).  
• A   liberdade   quanto   aos   meios   significa   que,   desde   que   respeitem   o   resultado,   cada   Estado-­‐
membro  decide  quais  as  medidas  concretas  a  adoptar  para  o  atingir.  
• A   liberdade   quanto   à   forma   significa   que   os   Estados   podem   recorrer,   para   atingir   o   objectivo  
prescrito,   qualquer   das   modalidades   ou   instrumentos   técnico-­‐jurídicos   de   direito   público  
interno   –   por   via   legislativa,   regulamentar   ou   administrativa.   Porém,   de   acordo   com   a  
jurisprudência   constante   do   Tribunal   de   Justiça,   a   transposição   deve   ser   correcta,   completa   e  
com   a   especificidade,   exactidão   e   clareza   suficientes   para   que   seja   satisfeita   a   exigência   de  
segurança   jurídica   e   o   seu   efeito   útil.   Incumbe   à   Comissão   fazer   prova   bastante   de   que   os  
instrumentos  utilizados  pelo  Estado-­‐membro  são  contrários  ao  direito  da  União  (17.º/1  TUE  e  
258.º).  
• Em   Portugal,   a   transposição   de   directivas   deve   revestir   a   forma   de   lei   ou   decreto-­‐lei   (art.  
112.º/9   CRP),   medida   introduzida   em   1997   e   terá   sido   motivada   pelo   reconhecimento  
normativo  da  posição  hierárquica  das  normas  da  União.  
• Porém,   a   vigência   interna   de   uma   directiva   não   está   totalmente   dependente   da   sua  
transposição,   podendo   os   cidadãos   e   empresas   invocar   certos   direitos   e   obrigações   delas  
emanados  contra  o  Estado,  mesmo  na  falta  de  um  acto  de  transposição.  Com  efeito,  a  directiva  
gera,   para   o   Estado,   uma   vinculação   imediata,   pelo   que,   se   o   Estado   estava   obrigado   a   transpor  
uma   directiva   e   não   o   fez   no   prazo   estipulado,   incorre   numa   situação   de   incumprimento   e  
poder   ser   sancionado   contenciosamente   (258.º)   e   não   pode   beneficiar   dele.   Assim,   o   particular  
poderá  invocá-­‐la  jurisdicionalmente  contra  o  Estado,  obtendo  o  benefício  da  sua  aplicação  e  a  
desaplicação   das   normas   nacionais   que   a   ela   se   oponham,   desde   que   a   directiva   reúna   certas  
condições  –  efeito  directo.    
• Para  este  efeito,  deve  considerar-­‐se  Estado  numa  concepção  ampla,  incluindo  a  Administração  
Pública  e  todos  os  organismos  ou  entidades  que  estejam  sujeitas  à  autoridade  ou  ao  controlo  
do  Estado.  
• E   antes   de   decorrer   o   prazo?   Apesar   de   os   Estados   não   estarem   obrigados   à   adopção   de  
medidas,   durante   o   dito   prazo   devem   abster-­‐se   de   adoptar   disposições   que   possam  
comprometer  gravemente  o  resultado  prescrito  pela  directiva,  como  resulta  do  art.  4.º/3  TUE  
(processo  Wallonie).  
 
1.3  Decisão  
• A   decisão   está   prevista   no   art.   288.º,   §4,   e   é   um   acto   obrigatório   em   todos   os   seus   elementos,  
podendo   ser   individual   ou   geral.   Os   seus   destinatários   tanto   podem   ser   Estados-­membros   ou  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

particulares.  A  noção  de  decisão  foi  alterada  com  o  Tratado  de  Lisboa,  visto  que  esta  já  não  tem  
de  indicar  destinatários,  aumentando  assim  o  número  de  matérias  e  situações  em  que  pode  ser  
utilizada.    
• Em  princípio,  as  decisões  não  tem  carácter  geral,  e  a  sua  vigência  depende  da  notificação  (salvo  
se  adoptadas  por  processo  legislativo,  297.º/2).  
• As   decisões   gozam   de   efeito   directo?   Em   princípio,   como   qualquer   acto   juridicamente  
vinculativo   da   União,   gozam   de   efeito   directo,   mas   a   limitação   dos   destinatários   e   a   forma   de  
publicidade  (notificação)  tornam  difícil  o  reconhecimento  geral  do  seu  efeito  directo.  Torna-­‐se  
necessário  distinguir  três  tipos  de  situações:  
- Decisões   dirigidas   a   particulares:   geram   efeito   directo,   cumpridos   os  pressupostos  
de  que  este  depende  em  geral.  
- Decisões   dirigidas   aos   Estados:   em   princípio,   estas   decisões   não   geram   efeito  
directo.   Este   era   o   entendimento   corrente;   porém,     o   Tribunal   de   Justiça,   no  
acórdão   Franz   Grad,   veio   consagrar   o   efeito   directo   de   uma   decisão,   que  
dependerá  da  adopção,  pelo  Estado,  de  actos  internos  de  execução.  
- Excepção:  decisões  sem  destinatário,  art.  25.º  TUE,  no  âmbito  da  PESC.  
 
1.  Actos  típicos  (não  vinculativos)  
• Os  actos  típicos  da  União  não  vinculativos  são  as  recomendações  e  os  pareceres,  encontrando-­‐se  
previstos   no   art.   288.º,   §5.   Apesar   de   serem   caracterizados   como   não   vinculativos,   alguns  
pareceres   têm   consequências   jurídicas   (como   os   pareceres   do   Tribunal   de   Justiça,   218.º/11).  
Os   actos   vinculativos   têm   também   de   fazer   expressa   referência   aos   pareceres,   sob   pena   de  
invalidade  por  falta  de  fundamentação.  
• Distinção  entre  recomendações  e  pareceres:  
- Os  tratados  determinam  se  o  acto  a  adoptar  é  uma  recomendação  ou  um  parecer;  
- Normalmente,  a  recomendação  é  da  iniciativa  do  órgão  e  dirige-­‐se  para  o  exterior,  
ainda  que  não  seja  publicitada;  
- O   parecer   costuma   ser   adoptado   no   quadro   do   desenvolvimento   habitual   do  
processo  de  decisão,  como  acto  interno  e  preparatório.  
 
2.  Actos  atípicos  
• É   possível   encontrar,   ao   longo   do   direito   originário   e   derivado,   outros   actos   jurídicos   com  
características   diferenciadas   –   actos   atípicos,   por   não   estarem   previstos   no   art.   288.º.   Apesar  
de,   tradicionalmente,   estes   actos   serem   desprovidos   de   efeitos   jurídicos   obrigatórios,   alguns  
actos   atípicos   têm   relevo   jurídico   (exemplo:   os   regulamentos   internos,   235.º,   240.º,   249.º).   A  
força  jurídica  de  um  acto  depende,  não  da  sua  designação,  mas  do  seu  conteúdo.  
• Exemplos  de  actos  atípicos:  
- Propostas  (17.º/2  TUE);  
- Projectos  (48.º/2  TUE);  
- Directrizes  (207.º/3),  
- Relatórios  (249.º/2);  
- Conclusões  (148.º/1);  
- Declarações  (287.º/1);  
- Cartas  de  arquivamento  (258.º);  
- Resoluções;  
- Comunicações.  
 
 
FONTES  ESPONTÂNEAS  
 
Entre  as  tradicionais  fontes  espontâneas  contam-­‐se:  
• Costume:   o   reconhecimento   do   costume   como   fonte   de   direito   da   União   Europeia   é  
praticamente   pacífico,   e   funda   o   reconhecimento   de   normatividade   jurídica   a   actos   e   órgãos   de  
maior  importância  para  a  União.  
• Princípios   gerais   de   direito:   desempenham   um   papel   fundamental   no   ordenamento   jurídico  
europeu,   defendendo-­‐se   que   primam   sobre   o   direito   derivado   e   mesmo   sobre   o   direito  
originário,   sempre   que   acolham   direitos   inderrogáveis.   Podemos   distinguir   três   tipos   de  
princípios  gerais:  
- Princípios  de  direito  interno;  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

- Princípios  de  direito  internacional  público;  


- Princípios  fundamentais  da  União.  
A   estes   pode-­‐se   acrescentar   um   quarto   tipo,   os   princípios   que   regulam   as   relações   entre   o  
direito  interno  e  o  direito  da  União.  
• Jurisprudência  e  doutrina.  
 
 
PRINCÍPIOS  GERAIS  DE  DIREITO  
 
1.  Princípios  de  direito  interno  
 
Os  princípios  captados  do  direito  interno  dos  Estados-­‐membros  dividem-­‐se  em:  
• (1)   Princípios   expressos:   são   princípios   de   direito   interno   para   os   quais   os   tratados   reenviam  
expressamente,   prevendo   que   uma   questão   relativa   à   aplicação   do   direito   da   União   seja  
resolvida  com  base  neles.  Exemplos:  
- Art.   340.º:   em   matéria   de   responsabilidade   extra-­‐contratual,   reenvia-­‐se   para   os  
princípios  gerais  comuns  dos  direitos  dos  Estados-­‐membros.  
- Art.   288.º:   em   matéria   de   responsabilidade   contratual,   remete-­‐se   para   o   direito  
nacional  do  Estado  cuja  lei  for  aplicável  ao  contrato.  
• (2)  Princípios  implícitos:  são  princípios  que  o  Tribunal  de  Justiça  deduz  dos  direitos  internos  
dos  Estados-­‐membros.  Exemplos:  
- Princípio  do  respeito  da  confiança  legítima;  
- Princípio  da  segurança  jurídica;  
- Princípio  da  não  retroactividade  dos  actos  da  União;  
- Princípio  do  enriquecimento  sem  causa;  
- Princípio  da  hierarquia  das  normas  jurídicas.  
 
 
2.  Princípios  de  direito  internacional  público  
 
O  Tribunal  de  Justiça  tem  feito  apelo  aos  princípios  de  direito  internacional  público  em  três  situações:  
• Quando  é  oportuno  reafirmar  o  carácter  obrigatório  dos  tratados  em  que  União  se  funda;  
• Quando   se   trata   de   resolver   um   conflito   entre   os   tratados   que   regem   a   União   e   um   outro  
tratado  celebrado  entre  Estados-­‐membros  ou  entre  eles  e  terceiros.    
• Sempre   que   seja   necessário,   para   interpretar   os   tratados,   utilizar   os   métodos   de   interpretação  
de  direito  internacional  público.  
 
Exemplos:  
• Princípio  da  legítima  defesa;  
• Princípio  da  resolução  pacífica  de  controvérsias;  
• Princípio  da  não  ingerência  em  assuntos  internos;  
• Princípio  da  proibição  do  recurso  à  força  armada.  
 
 
3.  Princípios  fundamentais  da  União  Europeia  
 
Estes   são   princípios   que   decorrem   da   natureza   da   União   Europeia   e   que   o   Tribunal   de   Justiça   deduz   dos  
tratados,   aplicando-­‐os   no   exercício   da   sua   missão   de   garantir   o   respeito   do   direito   na   interpretação   e  
aplicação  dos  tratados  (19.º/1  TUE).  Exemplos:  
• Princípio   da   igualdade   entre   os   Estados-­‐membros:   nenhum   dos   Estados   pode,   fora   das  
situações  em  que  os  tratados  o  admitem,  reivindicar  uma  situação  de  privilégio;  
• Princípio   da   igualdade   dos   agentes   económicos   e   dos   particulares   em   geral:   significa   que   todos  
são   sujeitos,   em   condições   de   perfeita   igualdade,   dos   direitos   e   obrigações   decorrentes   dos  
tratados  ou  de  actos  adoptados  na  conformidade  destes;  
• Princípio  da  solidariedade:  nenhum  Estado  pode  beneficiar  das  vantagens  conferidas  aos  seus  
membros   sem   cumprir   em   relação   aos   seus   parceiros   as   obrigações   que   os   tratados   em  
contrapartida  lhe  impõem.  Implica  um  dever  geral  de  cooperação  leal;  
• Princípio   da   coesão   económica,   social   e   territorial:   a   realização   de   um   objectivo   de  
desenvolvimento   harmonioso   da   União   supõe   que   os   Estados   mais   ricos   exprimam   a   sua  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

solidariedade   em   relação   aos   menos   desenvolvidos   consentindo,   através   da   sua   contribuição  


para  o  orçamento  da  União,  numa  transferência  de  recursos  financeiros.  
 
Incluem-­‐se   também   nesta   categoria   de   princípios   os   princípios   democráticos,   que   regulam   a   relação   da  
União  com  os  parlamentos  nacionais,  por  um  lado,  e  com  os  cidadãos,  pelo  outro.  
 
-­‐  Princípio  da  cidadania  
• A  cidadania  europeia  foi  criada  com  o  Tratado  de  Maastricht  e  encontra-­‐se  consagrada  no  art.  
20.º.  
• Apresenta  o  seguinte  conteúdo:  
- Direito  de  circulação  e  permanência,  art.  21.º;  
- Direito   de   eleger   e   ser   eleito   nas   eleições   locais   do   Estado   de   residência   e   nas  
eleições   para   o   Parlamento   Europeu   nesse   mesmo   Estado,   sem   qualquer  
discriminação  em  razão  da  nacionalidade,  art.  22.º;  
- Direito   à   protecção   diplomática   por   outros   Estados-­‐membros   no   território   de  
Estados   terceiros   onde   o   Estado   da   nacionalidade   não   esteja   representado,   art.  
23.º;  
- Direito  de  iniciativa  democrática,  que  compreende:  
i. Direito  de  desencadear  propostas  legislativas  –  art.  11.º  TUE  e  24.º;  
ii. Direito   de   petição   ao   Parlamento   Europeu   e   direito   de   queixa   ao   Provedor  
de  Justiça  –  art.  24.º.  
 
 
Com  o  objectivo  de  aumentar  a  dinâmica  democrática  da  União,  a  Comissão  apresenta,  numa  comunicação  
da  25  de  Julho  de  2011,  o  Livro  Branco  da  Governância  Europeia:  
• Nas   últimas   décadas,   a   União   tem-­‐se   deparado   com   o   desafio   democrático   europeu,   que   se  
traduz  na  necessidade  de  aproximar  as  instituições  europeias  dos  cidadãos.  
• Este  desafio  traduz-­‐se  num  verdadeiro  paradoxo:  por  um  lado,  os  cidadãos  europeus  esperam  
que   seja   a   União   a   resolver   os   grandes   problemas   da   actualidade;   por   outro,   esses   mesmos  
cidadãos   têm   cada   vez   menos   confiança   nas   suas   instituições,   ou   simplesmente   não   se  
interessam   por   elas.   A   solução   deste   paradoxo   estará   no   reforço   da   democracia   e   da  
proximidade  da  União  aos  cidadãos.  
• Esta  tendência  está,  no  entanto,  presente  desde  a  criação  da  União,  com  a  adopção  de  medidas  
como  a  consagração  do  princípio  da  subsidiariedade,  a  criação  do  Comité  das  Regiões,  a  criação  
da   figura   do   Provedor   de   Justiça,   o   reforço   das   competências   dos   parlamentos   nacionais   no  
processo  legislativo...  Todavia,  esta  necessidade  acentuou-­‐se  nos  últimos  tempos.  
• Assim,  com  o  Livro  Branco  da  Governância  Europeia,  a  Comissão  veio  propor  várias  medidas  e  
princípios  tendentes  a  aproximar  a  União  dos  seus  cidadãos:  
1. Princípio  da  transparência;  
2. Princípio  da  abertura;  
3. Princípio  da  eficácia;  
4. Princípio  da  coerência;  
5. Princípio  da  responsabilização.  
 
-­‐  Princípio  da  transparência  
• O   princípio   da   transparência   é   um   princípio   democrático   fundamental   e   está   numa   relação  
directa   com   a   legitimidade   das   políticas   da   União.   A   transparência   relaciona-­‐se   com   a  
publicidade  da  actuação  dos  órgãos  da  União  e  promove:  
- A  publicidade  normal  das  actuações:  através  da  publicação  ou  da  notificação;  
- A  visibilidade  das  actuações:  através  da  visibilidade  do  iter  procedimental  anterior  
à  adopção  da  acção  (15.º/2  e  3).  
• Assim,  a  transparência  institucional  europeia  comporta  duas  dimensões:  
- Transparência   procedimental:   caracteriza-­‐se   pelo   direito   de   acesso   às   sessões   de  
trabalho   das   instituições.   Aplica-­‐se   apenas   ao   Parlamento   e   ao   Conselho,   e   neste  
último   apenas   quando   se   vote   um   projecto   de   um   acto   legislativo.   A   finalidade  
desta   transparência   é   o   controlo   in   loco   da   actuação   dos   representantes   dos  
cidadãos.  
- Transparência   documental:   significa   que   todos   os   documentos   relevantes   devem  
poder   ser   acedidos.   Não   se   limita   à   tradicional   liberdade   de   acesso   aos  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

documentos,   não   se   bastando   numa   garantia   mínima   e   exigindo   também   a  


publicação   tempestiva   de   toda   a   documentação   relevante.   O   dever   de  
fundamentação   (consagrado   no   art.   296.º),   aliado   à   transparência   documental,  
veio  contribuir  para  aumentar  a  compreensibilidade  geral  do  sistema.  
 
-­‐  Princípio  da  abertura  
• O   princípio   da   abertura   é   frequentemente   confundido   com   o   princípio   da   transparência,   e  
relaciona-­‐se   com   a   receptividade   das   instituições   à   participação   da   sociedade   civil   e   com   a   sua  
capacidade  de  incorporarem  os  contributos  recebidos  dos  participantes.  
• O  art.  15.º/1  TFUE  confunde  os  dois  conceitos  não  distinguindo  abertura  e  transparência.  
 
-­‐  Princípio  da  participação  
• O  princípio  da   democracia  representativa  foi  a  grande  inovação  do  Tratado  de  Lisboa  –  art.  10.º  
TUE.   Este   princípio   estabelece   como   dever   fundamental   das   instituições   europeias   o   diálogo  
com  os  cidadãos  e  associações  representativas,  enquanto  interessados  nas  acções  da  União.  
• O  Tratado  da  União  Europeia  consagra  quatro  dimensões  da  democracia  representativa:  
- Liberdade   de   expressão   qualificada:   é   o   direito   de   fazer   chegar   a   sua   opinião  
directamente   às   instituições   da   União,   e   cria   para   esta   o   dever   de   estabelecer   os  
meios  adequados  de  comunicação.  
- Dever   institucional   de   diálogo:   é   um   dever   de   audição   e   reacção   das   instituições   da  
União,   que   tem   como   direitos   contrapostos   o   direito   de   ser   ouvido   e   de   obter   uma  
reacção.  Compreende  três  subprincípios:  
i. Diálogo  aberto:  deve  haver  uma  flexibilidade  de  posições;  
ii. Diálogo  transparente;  
iii. Diálogo   regular:   com   regularidade,   em   datas   previsíveis   e   mantido   pela  
União  através  a  divulgação  activa  das  medidas  adoptadas.  
- Dever  de  consulta:  é  o  dever  de  auscultar  os  interessados,  e  comporta  a  obrigação  
das   instituições   adoptarem   um   conjunto   de   comportamentos   activos,   como  
identificas   as   partes   interessadas,   divulgar   os   elementos   essenciais   da   consulta,  
interpelar  directamente  os  interessados  e  reagir  à  participação.  
- Poder   de   iniciativa   pública:   os   cidadãos   podem   apresentar   directamente,   perante  
as   instituições   da   União,   uma   iniciativa   legislativa   (11.º/4   TUE).   Para   o   efeito,  
exige-­‐se  a  assinatura  de  um  milhão  de  cidadãos.  
• “A  transparência  confere  máxima  utilidade  à  participação,  que  por  sua  vez  implica  abertura”.  
 
-­‐  Princípio  da  eficácia  
• O   princípio   da   eficácia   diz-­‐nos   que   as   medidas   da   União   devem   ser   tomadas   ao   nível   e   no  
momento   adequados,   e   produzir   os   efeitos   pretendidos   –   isto   é,   serem   eficazes.   O   Livro   Branco  
vem  propor  medidas  de  maior  eficácia,  rapidez  e  simplificação  da  regulamentação  europeia,  a  
fim  de  aumentar  a  adesão  e  confiança  dos  cidadãos.  
• O  princípio  da  eficácia  está  consagrado,  em  termos  gerais,  nos  arts.  3.º  TUE  e  352.º.  
 
-­‐  Princípio  da  coerência  
• Sendo  as  políticas  da  União  extremamente  diversas,  exige-­‐se  um  esforço  acrescido  de  coerência  
para  que  a  participação  e  o  envolvimento  dos  cidadãos  sejam  possíveis.  
• Encontra-­‐se  consagrado  no  art.  7.º,  mas  também  no  art.  13.º  TUE,  16.º  TUE,  21.º/3  TUE  e  29.º  
TUE.  
 
-­‐  Princípio  da  responsabilização  
• O  princípio  da  responsabilização  exige  uma  maior  clarificação  do  papel  de  cada  interveniente  
no   processo   de   decisão,   e   a   responsabilização   dos   intervenientes   pelos   actos   tomados   no  
exercício  das  suas  atribuições.  
• O  princípio  da  responsabilização  está  previsto  nos  arts.  263.º,  266.º  e  4.º/3  TUE.    
 
 
4.  Princípios  que  regulam  as  relações  entre  os  direitos  internos  e  o  direito  da  União  
 
4.1.  Princípio  da  cooperação  leal  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

• Está   previsto   no   art.   4.º/3   TUE   e   diz-­‐nos   que   os   Estados-­‐membros   devem   todas   as   medidas  
adequadas   para   garantir   a   execução   das   obrigações   decorrentes   dos   tratados   e   resultantes   dos  
actos  das  instituições  da  União,  e  abster-­‐se  de  tomar  medidas  susceptíveis  de  pôr  em  perigo  a  
realização  dos  objectivos  da  União.  
 
4.2.  Princípio  da  atribuição  de  competências  
• O   princípio   da   atribuição   de   competências   foi   introduzido   formalmente   com   o   Tratado   de  
Maastricht,  e  está  previsto  no  art.  5.º/1  e  2  TUE.  
• Significa  que  a  União  só  dispõe  das  atribuições  e  competências  que  lhes  hajam  sido  conferidas  
pelos   Estados-­‐membros,   através   dos   instrumentos   de   direito   originário.   Possui   duas  
dimensões:  
- Dimensão  positiva:  reconhecimento  da  competência  da  União  quando  os  Estados-­‐
membros  lhe  tenham  atribuído;  
- Dimensão   negativa:   quando   os   tratados   não   tenham   conferido   à   União  
competência,  esta  mantém-­‐se  no  Estado-­‐membro.  
• Este   princípio   percebe-­‐se   à   luz   do   princípio   da   especialidade,   que   delimita   a   capacidade  
jurídica   das   organizações   internacionais   no   direito   internacional   público;   e   pelo   facto   da   União  
não   poder   criar   a   sua   própria   competência,   pois   a   competência   da   competência   é   característica  
dos   Estados   soberanos.   Ou   seja,   o   princípio   da   atribuição   envolve   princípios   constitucionais  
dos  Estados-­‐membros,  proibindo  estes  de  transferir  a  competência  das  competências  e  obriga  
a  União  a  respeitar  a  identidade  nacional  dos  Estados.  
• O   Tratado   de   Lisboa   classifica   as   competências   da   União   em   competência   exclusivas   (3.º),  
competências   partilhadas   (4.º),   competências   de   coordenação   (5.º)   e   competências   de  
acompanhamento   ou   suplemento   (6.º).   Nos   domínios   de   competência   partilhada,   funciona   o  
princípio   da   preempção,   art.   2.º/2:   os   Estados-­‐membros   exercem   a   sua   competência   na   medida  
em   que   a   União   não   tenha   exercido   a   sua.   Os   Estados-­‐membros   voltam   a   exercer   a   sua  
competência   na   medida   em   que   a   União   tenha   decidido   de   exercer   a   sua.   A   ideia   de   preempção  
é  uma  ideia  de  precedência  –  o  exercício  da  competência  da  União  impede  os  Estados-­‐membros  
de  exercerem  a  sua.  
 
4.3.  Princípio  da  subsidiariedade  
• A   afirmação   expressa   do   princípio   da   subsidiariedade   ocorreu   com   o   Acto   Único   Europeu,  
embora   na   política   do   ambiente;   tendo   o   princípio   obtido   consagração   como   princípio   geral   de  
direito  com  o  Tratado  de  Maastricht.  Está  previsto  no  art.  5.º/3  TUE,  e  dispõe:  “nos  domínios  
que  não  sejam  sua  competência  exclusiva,  a  União  intervém  apenas  se  e  na  medida  em  que  os  
objectivos   da   acção   considerada   não   possam   ser   suficientemente   alcançados   pelos   Estados-­‐
membros,   tanto   ao   nível   central   como   ao   nível   regional   e   local,   podendo   contudo,   devido   às  
dimensões  ou  aos  efeitos  da  acção  considerada,  ser  mais  bem  alcançados  ao  nível  da  União”.  
• Este  princípio  só  vale  nos  domínios  de  competência  concorrente  entre  os  Estados-­‐membros  e  a  
União,  e  tem  como  limite  o  princípio  da  proporcionalidade.  Os  critérios  para  a  repartição  das  
competências  são  a  dimensão  da  acção  e  o  alcance  dos  efeitos.  
• O  princípio  da  subsidiariedade  constitui  um  princípio  jurídico  geral  de  direito  da  União  e  está  
sujeito  à  fiscalização  do  Tribunal  de  Justiça  da  União  Europeia.  
• O   Tratado   de   Lisboa   veio   também   eleger   o   controlo   do   respeito   pelo   princípio   da  
subsidiariedade  como  uma  das  áreas  onde  será  mais  evidente  a  intervenção  dos  parlamentos  
nacionais   (Protocolo   relativo   ao   papel   dos   Parlamentos   nacionais   e   Protocolo   relativo   à  
aplicação  dos  princípios  da  subsidiariedade  e  proporcionalidade):  
- Qualquer   parlamento   nacional   pode   dirigir   aos   presidentes   do   Parlamento  
Europeu,   do   Conselho   e   da   Comissão   um   parecer   fundamentado   sobre   a  
conformidade   de   determinado   projecto   de   acto   legislativo   com   o   princípio   da  
subsidiariedade  (art.  6.º  Protocolo);  
- Todos   os   actos   legislativos   da   União   devem   ser   devidamente   fundamentados  
quando  ao  princípio  da  subsidiariedade  (art.  5.º  Protocolo);  
- Um   Estado-­‐membro   pode   interpor   um   recurso   de   anulação   com   fundamento   na  
violação  do  princípio  da  subsidiariedade  (art.  8.º  Protocolo).  
 
4.4.  Princípio  da  proporcionalidade  
• O  princípio  da  proporcionalidade  está  previsto  no  art.  5.º/1  e  4  TUE  e  a  sua  consagração  formal  
ocorreu  com  o  Tratado  de  Maastricht.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

• Compete  a  este  princípio  servir  de  critério  sobre  a  adequação  de  determinada  acção  da  União  
ou   dos   Estados-­‐membros   para   a   realização   de   determinados   objectivos,   bem   como   a  
certificação   da   inexistência   de   outros   meios   menos   prejudiciais   para   realizar   os   mesmos.   O  
princípio  da  proporcionalidade  é  indissociável  do  princípio  da  subsidiariedade  na  medida  em  
que  serve  de  limite  ao  exercício  das  competências  concorrentes  pela  União.  Como  a  transferência  
de   poderes   para   a   União   constitui   um   meio   para   atingir   as   finalidades   substantivas   dos  
tratados,   o   princípio   da   proporcionalidade   impõe   a   limitação   material   e   formal   das   medidas   da  
União  ao  estritamente  necessário  à  prossecução  dos  objectivos  dos  tratados.  
• Este   princípio   não   pode   ser   entendido   com   a   mesma   densidade   e   significado   que   lhe   é  
reconhecido  no  direito  interno.  O  Tribunal  de  Justiça  entende  que  este  princípio  “exige  que  os  
actos   das   instituições   comunitárias   não   ultrapassem   os   limites   do   adequado   e   necessário   à  
realização   dos   objectivos   legítimos   prosseguidos   pela   regulamentação   em   causa”.   O   princípio  
da  proporcionalidade  compreende  três  subprincípios:  
- Adequação:  a  medida  da  União  deve  ser  apta  a  realizar  o  fim  desejado.  
- Necessidade:  exige  que  a  medida  seja  a  menos  onerosa,  do  ponto  de  vista:  
1. Dos  custos  administrativos;  
2. Dos  encargos  administrativos;  
3. Da   ingerência   na   soberania   dos   Estados   –   o   princípio   da  
proporcionalidade   aponta   para   a   adopção   da   medida   europeia  
menos   detalhada   possível,   de   forma   a   permitir   uma   margem   de  
manobra   tão   grande   quanto   possível.   Assim,   deve   dar-­‐se  
prevalência   a   directivas-­‐quadro   sobre   directivas   propriamente  
ditas,  e  a  estas  sobre  os  regulamentos;  
- Proporcionalidade  em  sentido  estrito:  requer  que  sejam  evitadas  as  medidas  que  
possam  ter  mais  custos  que  benefícios.  
• Uma   correcta   aplicação   do   princípio   da   proporcionalidade   requer   a   promoção   de   amplas  
consultas  e  a  fundamentação  de  todas  as  propostas.  
 
4.5.  Princípio  da  aplicabilidade  directa  
• É   a   desnecessidade   de   um   acto   nacional   de   recepção   para   que   os   regulamentos   vigorem   na  
ordem  jurídica  interna.  
• O   princípio   da   aplicabilidade   directa   está   previsto   no   art.   288.º.   Aplica-­‐se   aos   regulamentos,  
quer   legislativos,   quer   não   legislativos,   e   diz-­‐nos   que   estes   vigoram   directamente   nos  
ordenamentos   jurídicos   internos,   sem   necessidade   de   qualquer   acto   de   transformação   ou  
recepção.  
• Encontra-­‐se   consagrado   no   art.   8.º/3   CRP:   “as   normas   emanadas   dos   órgãos   competentes  
(Parlamento  Europeu  e  Conselho)  das  organizações  internacionais  de  que  Portugal  seja  parte  
(União   Europeia)   vigoram   directamente   na   ordem   interna   (gozam   de   aplicabilidade   directa)  
desde  que  tal  se  encontre  estabelecido  nos  respectivos  tratados  constitutivos  (288.º)”.  
 
4.6.  Princípio  da  efectividade  
• O   princípio   da   efectividade   diz-­‐nos   que,   por   força   da   sua   pertença   à   União   Europeia   e   das  
obrigações   emanadas   dos   tratados,   designadamente   do   art.   4.º/3   TUE,   os   Estados-­‐membros  
devem  garantir  a  plena  eficácia  do  direito  da  União.  
• O  princípio  da  efectividade  desdobra-­‐se  em  vários  subprincípios:  
- Princípio  do  efeito  directo;  
- Princípio  do  primado;  
- Princípio  da  interpretação  conforme  
- Princípio   da   responsabilidade   civil   do   Estado   pela   violação   do   direito   da   União  
Europeia.  
 
4.6.1.  Efeito  directo  
• É   a   possibilidade   de   os   particulares   invocares,   juntos   dos   órgãos   jurisdicionais   nacionais,  
direitos  subjectivos  que  lhes  sejam  conferidos  pelas  normas  de  Direito  da  União  Europeia.  
 
1.  No  direito  originário  
• O  efeito  directo  foi  afirmado  pela  primeira  vez  no  (1)  processo  Van  Gend  en  Loos  (1963),  acerca  
da  criação  de  uma  taxa  aduaneira  pela  Holanda  sobre  a  importação  de  resina  e  a  produção  ou  
não   de   efeitos   directos   da   norma   que   proibia   a   criação   destas   taxas   (actual   art.   28.º).     Neste  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

acórdão,  o  tribunal  reconheceu  que  os  particulares  podiam  invocar  contra  o  Estado  normas  dos  
tratados  que  estabelecessem  obrigações  de  abstenção  para  os  Estados  de  forma  clara,  precisa  e  
incondicionada.  Os  argumentos  que  o  Tribunal  invocou  na  fundamentação  foram  os  seguintes:  
- Insuficiência  da  acção  de  incumprimento;  
- Fins   do   reenvio   prejudicial   –   assegurar   a   unidade   da   interpretação   do   direito  
nacional;  
- Natureza  do  direito  comunitário  –  a  Comunidade  constitui  uma  ordem  jurídica  de  
direito   internacional,   em   benefício   da   qual   os   Estados   limitaram   os   seus   direitos  
soberanos;  
- Sujeitos   do   direito   comunitário   –   os   sujeitos   do   direito   comunitário   são,   não  
apenas  os  Estados,  mas  também  os  seus  cidadãos.  
• No  (2)  acórdão  Simmenthal  (entre  a  administração  fiscal  italiana  e  a  Simmenthal,  uma  empresa  
de   carnes   em   conserva),   o   Tribunal   veio   fornecer   uma   definição   de   efeito   directo,  
argumentando   que,   como   as   disposições   dos   tratados   constituíam   uma   fonte   imediata   de  
direitos   e   obrigações   para   todos   os   destinatários,   quer   Estados-­‐membros,   quer   cidadãos,   os  
juízes  devem  proteger  os  direitos  conferidos  aos  particulares  pelo  direito  comunitário.    
• E   no   direito   derivado?   O   efeito   directo   tanto   se   verifica   no   direito   originário   como   no   direito  
derivado  –  as  normas  das  directivas,  regulamentos  e  decisões  são  susceptíveis  de  gerar  efeito  
directo,  desde  que  sejam  suficientemente  claras,  precisas  e  incondicionadas.  
 
2.  Nas  directivas  
• Como  as  directivas  vinculam  os  Estados-­‐membros  quanto  ao  resultado  a  alcançar,  deixando  às  
instâncias  nacionais  a  competência  quanto  à  forma  e  ao  meio,  os  direitos  aos  particulares  com  
base   nas   directivas   apenas   poderiam   resultar,   à   partida,   das   disposições   internas   adoptadas  
pelo  Estado  destinatário.    
• Contudo,  a  jurisprudência  do  Tribunal  de  Justiça  foi-­‐se  consolidando  no  sentido  de  afirmar  que,  
sob   certas   condições,   as   directivas   podiam   gerar   efeito   directo.   Esta   concepção   foi  
explicitamente   afirmada   no   acórdão   Van   Duyn   (1974),   no   qual   uma   trabalhadora,   adepta   da  
cientologia,  se  viu  discriminada  num  posto  de  trabalho  em  Inglaterra  em  razão  da  sua  crença.  
Reenviando  este  processo  ao  Tribunal  de  Justiça,  este  considerou  que  a  directiva  comunitária  
acerca   da   livre   circulação   de   trabalhadores,   que   proibia   qualquer   discriminação,   tinha   efeito  
directo,  com  base  nos  seguintes  argumentos:  
- Recusa   do   argumento   literal:   do   art.   189.º   não   se   pode   concluir   que   apenas   os  
regulamentos  geram  efeito  directo;  
- Força  vinculativa:  a  directiva  gera  uma  obrigação  para  os  Estados-­‐membros;  
- Efeito  útil:  o  efeito  útil  da  directiva  implica  que  os  particulares  a  possam  invocar  
contra  o  Estado  perante  os  tribunais  nacionais.  
• Esta   posição   foi   reafirmada   por   vários   acórdãos   posteriores.   No   caso   Ratti,   no   qual   um  
particular   cumpriu   as   exigências   de   rotulagem   de   uma   directiva   comunitária   não   transposta  
pelo  Estado  italiano,  e  menos  exigentes  do  que  as  previstas  na  legislação  nacional,  o  Tribunal  
afirmou   o   efeito   directo   da   directiva,   afirmando   que   esta   teria   efeitos   semelhantes   ao   do  
regulamento:   da   sua   força   vinculativa   decorre   a   possibilidade   dos   particulares   a   poderem  
invocar   perante   os   tribunais   nacionais;   e   com   base   no   princípio   do   Estoppel   (non   venire   contra  
factum   proprium),   ou   seja,   a   directiva   é   invocada   como   um   escudo.   Este   efeito   directo   foi  
também   afirmado   no   caso   Becker,   no   qual   uma   particular   reivindicou   a   restituição   do   IVA   de  
transacções   comerciais   que,   de   acordo   com   uma   directiva   não   transposta,   deveriam   estar  
isentas,   argumentando   o   Tribunal   que   a   não   transposição   de   uma   directiva   não   poderia   ter  
efeitos  punitivos  para  os  particulares.  A  directiva  é  por  isso  invocada  como  uma  espada,  com  
efeitos  punitivos.  
• Pressupostos  do  efeito  directo  das  directivas:  
1. Decurso  do  prazo  de  transposição;  
2. Falta  de  transposição;  
3. Direitos  para  os  particulares;  
4. Contra   o   Estado,   ou   seja,   uma   directiva   não   produz   efeitos   entre   particulares  
(Acórdão  Marshall);  
5. Norma  clara,  precisa  e  incondicionada:  
- Clara:   não   deixa   aos   Estados-­‐membros   qualquer   margem   de   apreciação,   o  
seu  sentido  é  inequívoco.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

- Precisa:   uma   norma   é   precisa   quando   as   jurisdições   nacionais   não   estão  


autorizadas   a   suprir   uma   eventual   deficiência   da   norma,   logo   é   possível  
identificar:  
a. Identidade  das  pessoas  com  direito  à  garantia;  
b. Conteúdo  da  garantia;  
c. Identidade  da  pessoa  responsável  pela  garantia.  
- Incondicionada:  não  estabelece  condições  nem  reservas;  
• “Excepções”  aos  pressupostos:  
1. No   caso   Inter-­Environment   Wallonie,   um   decreto   na   Bélgica,   adoptado   depois   da  
entrada  em  vigor  da  directiva,  excluía  da  classificação  de  resíduos  que  constava  da  
directiva   certos   resíduos.   Considerou-­‐se   que   uma   directiva   produz   efeitos  
jurídicos   relativamente   ao   Estado-­‐membro   desde   o   momento   da   sua   notificação,  
pelo   que,   durante   o   prazo   de   transposição,   o   Estado   deve   abster-­‐se   de   adoptar  
medidas   susceptíveis   de   comprometer   o   resultado   imposto   pela   directiva   –   a  
obrigação  de  stand  still.  
2. A   directiva   gera   também   efeito   directo   caso   tenha   sido   objecto   de   uma  
transposição  incompleta  e/ou  errada.  
• A   questão   do   efeito   directo   horizontal   (excepção   ao   3.   pressuposto   da   directiva   ser   invocada  
contra   o   Estado):   entende-­‐se   por   efeito   directo   vertical   a   possibilidade   dos   particulares  
invocarem  as  normas  de  direito  comunitário,  perante  órgãos  jurisdicionais  nacionais,  contra  o  
Estado;   e   por   efeito   directo   horizontal   a   possibilidade   de   as   invocarem   contra   outros  
particulares.   Apesar   de   o   Tribunal   ter   reiterado   inúmeras   vezes   na   sua   jurisprudência   a  
inexistência   de   efeito   directo   horizontal   (Acórdão   Marshall,   1986),   razões   de   justiça,   igualdade,  
uniformidade  na  aplicação  e  unidade  na  ordem  jurídica  tornam  necessário,  em  certas  situações,  
a  produção  de  efeitos  directos  horizontais.  Assim,  o  Tribunal,  apesar  de  nunca  afirmar  o  efeito  
directo  horizontal,  veio  afirmar  a  existência  de:  
1. Efeito  directo  vertical  alargado:  possibilidade  do  particular  invocar  uma  directiva,  
não   directamente   contra   o   Estado,   mas   contra   uma   outra   entidade   a   ele  
subordinada.  Este  efeito  foi  afirmado,  em  primeiro  lugar,  no  (1)  caso  Marshal,  no  
qual  uma  particular,  professora  da  autoridade  de  saúde  de  Southampton,  pediu  a  
reintegração  do  posto  de  trabalho  do  qual  foi  dispensada  por  ter  atingido  a  idade  
da   reforma,   que   era   de   62   anos   (diferentemente   dos   homens,   65   anos).   O   Tribunal  
afirmou   o   efeito   directo   de   uma   directiva   que   consagrava   a   igualdade   de   acesso   ao  
emprego,  mesmo  contra  a  Health  Autority,  visto  que  esta  era  um  órgão  do  Estado.  
Também   no   (2)   caso   Frateli   Constanzo,   no   qual   a   empresa   Frateli   Constanzo   pediu  
a   anulação   de   uma   decisão   que   recusou   a   sua   proposta   num   concurso   de  
empreitadas  públicas  por  ser  anormalmente  baixa,  e  o  Tribunal  reconheceu  que  a  
directiva  que  visava  a  coordenação  das  propostas  de  empreitadas  públicas  gerava  
efeito  directo,  pois  os  seus  direitos  podem  ser  invocados  contra    todos  os  órgãos  
da   Administração,   mesmo   entidades   descentralizadas.   Finalmente,   no   (3)   caso  
Foster,  no  qual  uma  particular  foi  reformada  compulsoriamente  aos  60  anos  pela  
British  Gas  Corportation,  o  Tribunal  afirmou  o  efeito  directo  de  uma  directiva  que  
consagrava  a  igualdade  de  acesso  e  condições  de  trabalho,  visto  que  a  British  Gas  
era  uma  empresa  nacionalizada,  sob  a  autoridade  do  Estado  (a  idade  para  reforma  
dos  homens  era  de  65  anos).  
A  noção  de  Estado  alargado,  segundo  o  Acórdão  Foster,  engloba  as  entidades:  
  -­‐  Sujeitas  à  autoridade  do  Estado;  
  -­‐  Que  disponham  de  poderes  exorbitantes;  
  -­‐  Que  prestem  serviços  de  interesse  público.  
2. Efeitos   indirectos:   produção   de   efeitos   directos   horizontais   através   do   princípio   da  
interpretação   conforme.   Este   efeito   foi   afirmado   no   (1)   caso   Von   Colson,   no   qual  
uma  empresa  recusou  a  contratação  de  trabalhadoras  femininas  –  apesar  de  este  
se  tratar  de  um  litígio  entre  particulares,  o  Tribunal  afirmou  que  a  directiva  acerca  
da  igualdade  de  acesso  e  condições  de  trabalho  produziria  efeitos  neste  caso  visto  
que  a  legislação  nacional  deveria  ser  interpretada  à  luz  do  seu  texto  e  fins.  No  (2)  
caso   Kolpinghuis,   um   processo   penal   contra   uma   empresa   distribuidora   de   uma  
bebida   composta   por   água   da   torneira   com   gás   carbónico   e   designada   por   “água  
mineral”,  o  Tribunal  afirmou  como  limites  à  interpretação  conforme  à  directiva:  a  
imposição   de   uma   obrigação   prevista   numa   directiva   não   transposta   e   a   não  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

criação   ou   agravamento   de   obrigações   para   particulares.   No   (3)   caso   Marleasing,  


no   qual   a   empresa   Marleasing   instaurou   contra   La   Comercial   e   outras   empresas  
uma   acção   de   declaração   de   nulidade   do   contrato   social   com   fundamento   numa  
causa  de  nulidade  existente  na  lei  espanhola  mas  não  na  directiva  não  transposta,  
o   Tribunal   afirmou   que   a   interpretação   conforme   tanto   valia   para   o   direito  
nacional   posterior   como   anterior   –   assim,   não   seria   possível   a   declaração   de  
nulidade   de   uma   sociedade   anónima   por   motivos   diferentes   dos   que   eram  
enunciados  na  directiva.  
3. Efeitos   horizontais   incidentais:   trata-­‐se   da   produção   de   efeitos   directos   horizontais  
em  incidentes  processuais,  isto  é,  numa  relação  triangular  (Estado,  particular  1  e  
particular  2):  o  particular  1  invoca  uma  directiva  contra  o  Estado,  o  que  vai  atingir  
o   particular   2.   Estes   são   verdadeiros   efeitos   directos   horizontais,   pese   embora   o  
Tribunal   continue   relutante   em   reconhecê-­‐lo.   No   (1)   caso   Ruiz   Bernaldez,   um  
processo   penal   no   qual   Ruiz   Bernaldez,   tendo   provocado   um   acidente   de   viação  
por   conduzir   embriagado,   foi   condenado   a   pagar   os   danos   causados   e   a   sua  
seguradora   foi   absolvida,   nos   termos   da   lei   espanhola.   Neste   caso,   o   Tribunal  
considerou   que   se   deveria   aplicar   uma   directiva   que   impunha   a   cobertura  
obrigatória  dos  danos  causados,  com  fundamento  na  uniformidade  de  aplicação  do  
direito   comunitário.   No   (2)   caso   Oceano   vs.   Salvat,   em   matéria   de   cláusulas  
abusivas   em   contratos   celebrados   com   os   consumidores,   dois   consumidores  
recusaram  o  pagamento  das  prestações  da  aquisição  de  uma  enciclopédia  e  foram  
demandados   no   tribunal   da   sede   das   editoras   e   não   no   do   seu   domicílio.   O  
Tribunal  considerou  que  a  directiva  visando  a  não  vinculação  pelos  consumidores  
das   cláusulas   abusivas   produzia   efeitos   neste   caso,   com   fundamento   na  
interpretação  conforme,  logo  os  órgãos  jurisdicionais  nacionais  poderiam  apreciar  
oficiosamente   as   cláusulas   abusivas.   No   (3)   caso   Delena   Wells   (2004),   no   qual  
Delena  Wells  invoca  contra  o  Estado  uma  directiva  que  impunha  a  avaliação  prévia  
do   impacto   ambiental   de   explorações   mineiras,   devido   ao   facto   de   a   uma  
exploração  mineira  ter  sido  permitida  a  retoma  da  exploração  com  base  numa  old  
mining   permission.   O   Tribunal   considerou   que   a   directiva   que   consagrava   a  
obrigação   da   avaliação   do   impacto   ambiental   da   exploração   produzia   efeitos.   O  
facto  de  uma  directiva  implicar  efeitos  negativos  contra  terceiros  não  implica  que  
se  negue  o  efeito  directo  (Acórdão  Frateli  Constanzo,  1989).  
 
4.6.2.  Primado  
• O   princípio   do   primado   do   direito   da   União   Europeia   significa   que   as   normas   de   direito  
europeu,  quer  originário,  quer  derivado,   têm  primazia  na  aplicação  sobre  as  normas  de  direito  
interno.  
• O   princípio   do   primado   foi   afirmado   pela   primeira   vez   pelo   Tribunal   de   Justiça   no   (1)   caso  
Costa   vs.   ENEL   (1964),   no   qual   se   denunciava   a   legislação   italiana   de   nacionalização   da   energia  
eléctrica,   incompatível   com   certas   disposições   do   Tratado   de   Roma.   O   Tribunal   afirmou   a  
primazia  do  direito  comunitário,  com  base  nos  seguintes  argumentos:  
- Natureza  específica  da  ordem  jurídica  comunitária:  o  direito  comunitário  constitui  
uma  ordem  jurídica  própria,  integrada  na  ordem  jurídica  dos  Estados-­‐membros  e  
que   se   impõe   às   suas   jurisdições,   do   que   decorre   a   impossibilidade   para   os  
Estados-­‐membros  de  fazer  prevalecer,  contra  uma  ordem  jurídica  por  eles  aceite,  
uma  medida  unilateral  ulterior.    
- Exigências   próprias   da   ordem   jurídica   comunitária:   a   força   vinculativa   do   direito  
comunitário  ao  pode  variar  de  Estado  para  Estado.  
• Mas   a   afirmação   da   primazia   absoluta   e   incondicional   do   direito   comunitário   ocorreu   no   (2)  
caso   Simmenthal   (1978),   entre   a   Simmenthal,   uma   empresa   de   carnes   em   conserva,   e   a  
administração  fiscal  italiana,  que  impunha  uma  inspecção  sanitária  e  taxas  sobre  a  importação  
das  carnes.  O  Tribunal  de  1ª  instância  decidiu  contra  Simmenthal.  O  Tribunal  de  2ª  instância,  
deparando-­‐se  com  a  questão  do  conflito  entre  o  direito  interno  e  comunitário,  enviou  a  questão  
para   o   Tribunal   Constitucional   e   reenviou   a   questão   para   o   tribunal   de   Justiça:   teria   de   esperar  
pela  resposta  do  Tribunal  Constitucional  para  poder  desaplicar  o  direito  interno?  A  resposta  foi  
negativa:   deveria   mesmo   decidir   o   próprio   tribunal,   desaplicando   o   direito   interno   e   aplicando  
o   direito   comunitário.   Isto   com   os   seguintes   argumentos:   fins   do   reenvio   prejudicial   e   natureza  
da  ordem  jurídica  comunitária  e  seu  efeito  útil.  Neste  acórdão,  o  Tribunal  afirma  o  juiz  nacional  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

tem   a   obrigação   de   aplicar   integralmente   o   direito   comunitário,   desaplicando   qualquer  


disposição  eventualmente  contrária  da  lei  nacional,  quer  anterior,  quer  posterior.  Esta  primazia  
verifica-­‐se   qualquer   que   seja   a   natureza   das   normas   de   direito   interno,   pelo   que   também   se  
aplica  a  normas  de  nível  constitucional.  
• Todos   os   ordenamentos   jurídicos   tendem   a   aceitar   a   prevalência   na   aplicação   do   direito   da  
União   Europeia   sobre   o   direito   infraconstitucional.   Já   em   relação   às   normas   de   natureza  
constitucional,  cada  Estado-­‐membro  regula,  de  forma  diferente,  a  questão.  
• Em  Portugal,  a  revisão  constitucional  de  2004  veio  introduzir  o  art.  8.º/4,  que  estabelece  que  as  
disposições   dos   tratados   que   regem   a   União   Europeia   e   as   normas   emanadas   das   suas  
instituições   são   aplicáveis   na   ordem   interna   nos   termos   definidos   pelo   direito   da   União,     com  
respeito   pelos   princípio   fundamentais   do   Estado   de   Direito   Democrático.   Este   artigo   parece   vir  
reconhecer  o  princípio  do  primado  em  sobre  o  direito  interno  e  sobre  a  própria  Constituição,  
visto   que   a   vigência   do   direito   europeu   no   direito   interno   é   definida   nos   termos   do   próprio  
direito  europeu.  
 
4.6.3.  Interpretação  conforme  
• O   princípio   da   interpretação   conforme,   também   definido   por   alguns   autores   como   efeito  
directo   indirecto,   afirma   que   o   juiz   deverá,   na   aplicação   de   direito   interno,   conferir-­lhe   a  
interpretação   que   se   apresente   conforme   com   o   sentido,   economia   e   termos   das   normas  
europeias,  na  medida  do  possível  e  recorrendo  a  mecanismos  de  direito  interno.  
• Este  princípio  pode  ser  baseado  no  acórdão  Marleasing,  no  qual  se  afirmou  que  o  juiz  nacional  
deve  entre  os  métodos  permitidos  pelo  seu  sistema  jurídico,  dar  prioridade  ao  método  que  lhe  
permite   dar   à   disposição   do   direito   nacional   em   causa   uma   interpretação   compatível   com   a  
norma  de  direito  europeu.    
• Este  princípio  conhece  os  seus  limites  (afirmados  no  acórdão  Kolpinghuis):  
- A  imposição  de  uma  obrigação  prevista  numa  directiva  não  transposta;  
- A  não  criação  ou  agravamento  de  obrigações  para  os  particulares.  
• Para   além   destes   limites,   a   interpretação   conforme   é   limitada   pelos   princípios   gerais   de   direito  
–   designadamente,   o   da   segurança   jurídica   e   o   da   não   retroactividade   –   e   não   pode   servir   de  
fundamento  a  uma  interpretação  contra  legem  do  direito  nacional  (acórdão  Adelener  e  O.).  
 
 
4.6.4.  Responsabilidade  civil  dos  Estados-­‐membros  pela  violação  do  direito  da  União  Europeia  
• Se   um   Estado-­‐membro   não   cumpre   o   direito   da   União   Europeia,   tal   não   significa   uma   total  
desprotecção  dos  direitos  dos  particulares.  Os  princípios  do  efeito  directo  e  da  prevalência  na  
aplicação   permitem   aos   particulares   a   invocação   em   juízo   das   normas   da   União   dotadas   de  
efeito   directo;   porém,   esta   via   não   oferece   uma   protecção   completa   –   pelo   que   o   Tribunal   de  
Justiça,   sensível   à   necessidade   de   protecção   e   eliminação   das   consequências   jurídicas  
resultantes   do   incumprimento   estadual,   reconheceu   o   princípio   da   responsabilidade   do   Estado  
pela  violação  do  direito  da  União  Europeia.  
• A   responsabilidade   do   Estado   pela   violação   de   direito   comunitário   baseia-­‐se   nos   seguintes  
fundamentos:  
- Efeito   útil   do   direito   comunitário:   este   ficaria   comprometido   se   os   particulares,  
vendo   direitos   que   lhes   são   conferidos   pelo   direito   comunitário   violados   pelo  
Estado,  não  pudessem  obter  dele  uma  compensação;  
- Obrigação   de   uma   acção   prévia   do   Estado   para   assegurar   o   efeito   útil   da   directiva:  
a   responsabilidade   do   Estado   é   particularmente   evidente   nestas   situações,   não  
podendo  o  efeito  útil  da  directiva  ficar  comprometido  pela  falta  da  acção  prévia.  
- Princípio   inerente   ao   tratado:   o   princípio   da   responsabilidade   do   Estado   pela  
violação  de  direitos  conferidos  pelo  direito  comunitário  é  um  princípio  inerente  ao  
tratado.  
• A  responsabilidade  do  Estado  pela  não  transposição  de  directivas  está  sujeita  à  verificação  de  3  
condições:  
- A  directiva  deve  conferir  direitos  aos  indivíduos;  
- Deve  ser  possível  identificar  o  conteúdo  desses  direitos  com  base  na  directiva;  
- Deve  existir  um  dano  causal  entre  o  dano  do  particular  e  a  falta  do  Estado.  
• A  responsabilidade  do  Estado  pela  não  transposição  de  directivas  foi  consagrada  pelo  Tribunal  
de   Justiça   no   (1)   caso   Francovich   e   Bonifaci   (1991).   no   qual   o   Tribunal   negou   a   obrigação   de  
indemnização  por  danos  do  Estado  pela  não  transposição  de  uma  directiva  relativa  à  protecção  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  de  2012/2013  

dos  trabalhadores  no  caso  de  insolvência  da  entidade  patronal  visto  que  esta  não  identificava  
quem   era   responsável   por   esta   garantia   de   protecção.   Também   no   (2)   caso   Brasserie   du  
Pêcheur   vs.   Factortarme   III   (1996)   o   Tribunal   afirmou   o   princípio   da   responsabilidade   dos  
Estados   pela   violação   do   direito   comunitário   –   a   legislação   alemã   sobre   a   pureza   da   cerveja  
impedia  a  exportação  da  cerveja  francesa  pela  Brasserie.  Esta  intenta  contra  o  Estado  alemão  
uma  acção  de  indemnização  com  fundamento  numa  norma  do  tratado  sobre  a  livre  circulação  
de  mercadorias,  e  este  é  obrigado  a  indemnizá-­‐la  visto  verificarem-­‐se  os  três  requisitos  supra.  
 
4.7.  Princípio  da  autonomia  
• O  princípio   da   autonomia   estabelece   que   o   direito   da   União   Europeia   é   autónomo   pois,   embora  
integrado   no   direito   internacional   em   sentido   amplo,   caracteriza-­‐se   por   diferentes   modos   de  
formação  e  de  aplicação.    
• Assim,  podemos  dizer  que  a  autonomia  do  direito  da  União  Europeia  resulta  da:  
- Autonomia  na  criação;  
- Autonomia  na  aplicação;  
- Autonomia  na  interpretação  e  integração  de  lacunas;  
- Autonomia  na  força  jurídica.  
• O  direito  europeu  é  também  autónomo  em  relação  ao  direito  interno  pois,  mesmo  incorporadas  
nos  ordenamentos  estaduais,  as  normas  mantêm  a  sua  natureza.  
 
 
 
 
 
 
 

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