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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Evolução Histórica do Direito da União Europeia

ABC do Direito da União Europeia

Organizações Euro-atlânticas: resultam da aliança concluída após a segunda guerra mundial


entre os EUA e a Europa.

 Organização Europeia de Cooperação Económica: foi fundada em 1948, com iniciativa


dos EUA, visto que George Marshall (então Ministro dos Negócios Estrangeiros)
convidou os países europeus a unirem esforços para a reconstrução económica, sendo
o apoio dos EUA garantido- concretizou-se no Plano Marshall. A primeira missão desta
organização consistiu na liberalização das trocas comerciais entre os países. Em 1960,
os países membros (que incluíam os EUA e o Canadá) decidiram alargar o campo de ação
à ajuda aos países do Terceiro Mundo, tornando-se esta organização na Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Económicos.
 NATO (1949): aliança militar da Europa com os EUA e Canadá.
 União da Europa Ocidental (1954) com intuito de reforçar a colaboração em matéria de
política de segurança entre os países europeus, marcando o início do desenvolvimento
de uma política de segurança e defesa na Europa. Nasceu no Tratado de Bruxelas entre
o Reino Unido, França, Bélgica, Luxemburgo e Holanda, juntando-se depois a República
Federal Alemã e a Itália. A maioria das suas competências foi transferida para outras
instituições internacionais (NATO, Conselho da Europa e União Europeia), continuando,
no entanto, a ter a tarefa da defesa coletiva, visto que esta ainda não foi assumida pela
União Europeia.

Conselho da Europa: criado em 1949, não se prevendo nos seus estatutos qualquer
transferência ou exercício em comum de partes da soberania nacional, sendo todas as decisões
tomadas por unanimidade, podendo assim qualquer país opor um veto à adoção de uma
decisão. Constitui um organismo de cooperação internacional, levando à conclusão de diversas
convenções em inúmeros domínios (Ex: Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do
Homem e das Liberdades Fundamentais- 1950, que permitiu um nível mínimo de proteção dos
direitos humanos e um sistema de garantias jurídicas que habilitam os órgãos- Comissão
Europeia dos Direitos do Homem e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem- a condenar
quaisquer violações da Convenção).

Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE): criada em 1994, está


vinculada a princípios e objetivos consagrados na Ata Final de Helsínquia (1975) e na Carta de
Paris (1990), como a promoção de medidas geradoras de confiança entre os países europeus e
a criação de uma rede de segurança para a resolução pacífica de conflitos.

União Europeia: esta organização distingue-se das restantes por reunir países que renunciaram
a uma parte da respetiva soberania a favor da União Europeia, conferindo a esta poderes
próprios e independentes dos Estados-Membros.

➢ Declaração de 9 de Maio de 1950 de Robert Schuman em que apresentou um projeto


para a unificação da indústria europeia do carvão e aço numa Comunidade Europeia do
Carvão e do Aço (CECA). Esta ideia vem a ser consagrada no Tratado de Paris que institui
a CECA em 1951 (entrou em vigor em 1952 julho) celebrado entre os 6 estados
fundadores: Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos e República Federal
Alemã. Esta instituição foi criada com um período de 50 anos, sendo que, quando este
acabou (2002), foi integrada na Comunidade Europeia.

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➢ Tratados de Roma de 1957: instituíram a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a


Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA ou Euratom), que entram em vigor em
1958.
➢ Tratado de Maastricht de 19921: criou a União Europeia, sendo o seu ato constitutivo,
e foi um marco no processo de união política europeia.
➢ Tratados de Amesterdão de 1999 e de Nice de 2003: tiveram como objetivo manter a
capacidade de atuação da União Europeia numa União alargada de 15 para 27 membros.
Conduziram a reformas institucionais e mostraram uma vontade política de integração
europeia mais fraca. Estes levam a que em 2001 se aprove a Declaração sobre o futuro
da União Europeia, comprometendo-se a que a União se torne mais democrática,
transparente e eficiente, assim como abrir caminho a uma Constituição. A Convenção
sobre o Futuro da Europa foi encarregue de elaborar a Constituição que viria a ser
aprovada em 2004. Esta Constituição permite unificar a União Europeia e a Comunidade
Europeia assentando estas num único Tratado Constitucional. Apenas a CEEA
continuaria autónoma, mantendo uma estrita articulação com a União Europeia. Esta
tentativa constitucional fracassou visto que no processo de ratificação, foi rejeitado nos
referendos realizados em França e nos Países Baixos. No seguimento do Tratado de
Nice, o Conselho Europeu de Lacken decidiu convocar uma convenção para assegurar
uma preparação ampla e transparente da futura conferência intergovernamental, tendo
essa convenção como missão examinar as questões que se colocavam ao futuro
desenvolvimento da União e procurar as diferentes respostas possíveis (num
documento final deveria apresentar as diferentes opções, precisando o apoio que cada
um delas tinha recebido). Veja-se que foi a própria Convenção que se inclinou para a
adoção de uma Constituição Europeia, mesmo sem indicação por parte do Conselho
Europeu, visto que se gerou um certo consenso no sentido de incluir a Carta dos Direitos
Fundamentais no texto do projeto o que implicaria a natureza constitucional do texto
saído da convenção. A ideia era que da Convenção saísse um projeto de alterações a
introduzir, que seriam posteriormente aprovadas pela Conferência Intergovernamental.
O método de convenção permite a participação do PE e dos Parlamentos Nacionais
numa fase preliminar, o que permite que estes influenciem efetivamente as decisões
finais. Este método é escolhido devido à critica feita quanto à falta de legitimidade
democrática na revisão dos Tratados. A Convenção elabora um projeto que será
discutido na GIG 2003/2004, a qual procede a alterações ao projeto, sendo este projeto
alterado que é objeto de ratificação pelos Estados Membros. O projeto de Tratado que
estabelece uma Constituição para a Europa foi adotado por consenso e é discutido na
GIG 2003/2004, tendo sido aprovado na segunda tentativa. O texto aprovado respeitava
na sua essência as opções fundamentais e o equilíbrio global do projeto, mas introduziu
alterações em relação a aspetos que não tinham sido consensuais no Convenção, como
as questões institucionais. O texto do Tratado foi assinado em 2004 e deveria ser
ratificado pelas partes, em conformidade com as respetivas normas constitucionais. No
processo de ratificação, França e Espanha puseram em causa a compatibilidade do TECE
com as suas constituições, Luxemburgo, França, Holanda, Espanha, Polónia, Portugal e
Reino Unido organizaram referendos nacionais. Em França e na Holanda os referendos
foram negativos, e este resultado leva à suspensão dos processos de ratificação da
República Checa, Dinamarca, Irlanda, Polónia, Portugal, Suécia e Reino Unido, apesar de

11Teve de vencer alguns obstáculos na fase de ratificação: foram precisos dois referendos na Dinamarca para a sua
aprovação e na Alemanha foi interposto um recurso no Tribunal Constitucional contra a aprovação parlamentar do
Tratado.

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já 16 dos 25 Estados tivessem procedido à ratificação. Após o resultado dos referendos


na França e Holanda iniciou-se um período de crise político- institucional, levando a que
o Conselho emitisse uma Declaração afirmando que iria iniciar-se um período de
reflexão sobre o que fazer no futuro, sendo retomada a questão na primeira metade de
2006. Nessa altura o período de reflexão foi prolongado e foi atribuído à Presidência o
dever de apresentar no primeiro semestre de 2007 um relatório em que, após consultas
aos Estados Membros, se avaliasse o estado da discussão em relação ao TECE e projetar
o que fazer no futuro. Entretanto, já 18 Estados tinham ratificado e a Bulgária e a
Roménia tinham aderido. As discussões no Conselho Europeu de 2006 relevam que a
ratificação por todos os Estados seria impossível, mas existiu um consenso quanto à
necessidade de fortalecer a União, aprofundar a democratização do seu processo de
decisão e, para isso, era essencial adotar um novo Tratado para ultrapassar a crise atual.
A Presidência Alemã em 2007 determina o mandato da GIG, que apresenta a base
jurídica exclusiva e os termos em que a GIG deveria desenvolver os Tratados existentes
e não de criar um texto constitucional que lhes substituísse. Afirma-se que o termo da
Constituição não deverá ser usado, a figura do Ministro dos Negócios Estrangeiros será
substituída pelo Alto Representante, a nova tipologia de fontes de Direito Derivado será
retirada e que não haverá nenhum preceito relativo aos símbolos. Este novo tratado iria
introduzir as inovações resultantes da GIG 2004 nos tratados existentes, que se mantêm
em vigor. A GIG com base no Mandato aprovará o Tratado de Lisboa em 2007.
➢ Tratado de Lisboa de 2007: tendo caráter reformador, retoma as modificação de fundo
introduzidas pelos tratados de Maastricht, Amesterdão e Nice, no sentido de aumentar
tanto a capacidade de atuação interna como externa da União, reforçar a legitimidade
democrática e melhorar a eficiência da ação da UE. Este tratado viu as suas alterações
serem avançadas através de as conclusões do Conselho Europeu terem determinado o
alcance das inovações, sendo que a Conferência Intergovernamental de 2007 apenas
aplicou tecnicamente as modificações pretendidas. Em Irlanda teve complicações a
ratificar, visto que só depois de terem sido dadas algumas garantias quanto ao alcance
do novo tratado é que o tratado acolheu concordância no referendo. O Tratado entra
em vigor em 2009, visto que República Checa ratifica apenas quando garante que o
Tratado e a Carta dos Direitos Fundamentais não põem em causa os Decretos Benes de
1945, que excluíam quaisquer exigências territoriais relativas a antigos territórios
alemãs incorporados na República Checa. Este Tratado permite juntar a União Europeia
e Comunidade Europeia numa única União Europeia. Abandona o modelo de 3 pilares
da União Europeia, sendo o mercado interno e as políticas da Comunidade Europeia (1º
pilar) fundidos com o segundo pilar (política externa e de segurança comum) e com o
terceiro (cooperação policial e judiciária em matéria penal). Foi introduzida uma
clausula de saída, que permite a um Estado abandonar a União Europeia, requerendo-
se apenas um acordo entre a União Europeia e o Estado-Membro em questão de
modalidades de saída ou caso o acordo não se verifique, o cumprimento de um prazo
de dois anos contados após a notificação da intenção de saída para que esta se
concretize mesmo ser acordo. Falta, no entanto, uma disposição sobre a exclusão de um
Estado-Membro em caso de graves e repetidas violações do Tratado.
➢ Tratado sobre o funcionamento da União Europeia: resulta do tratado que institui a
Comunidade Europeia (Tratado de Roma), seguindo essencialmente a organização
desse Tratado. Este tem o mesmo valor jurídico que o Tratado da União Europeia.

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➢ Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica: institui a CEEA e foi
modificado apenas pontualmente e as modificações especificas foram incluídas nos
protocolos inseridos em anexo ao Tratado de Lisboa.

A União Europeia tem 27 Estados-Membros:

 Países Fundadores da CEE: Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos.


 1973: Dinamarca, Irlanda (mesmo com um PIB inferior a metade do PIB comunitário, a
Comunidade continuou a ser de países ricos) e Reino Unido (no início da década de
sessenta a França recusava-se expressamente à entrada do Reino Unido).
 1981: Grécia.
 1996: Portugal e Espanha.
 1995: Áustria, Finlândia e Suécia.
 2004: Estónia, Letónia, Lituânia, República Checa, Hungria, Polónia, Eslovénia,
Eslováquia, Chipre e Malta.
 2007: Bulgária e Roménia.
 2013: Croácia.

Integração e Direito Económico Europeu

A União Europeia constitui o modelo de integração com maior sucesso. A integração europeia é
um efeito direto da Segunda Guerra Mundial e da tentativa de criar condições que impedissem
o desenvolvimento de novos conflitos militares. É a Winston Churchill que se deve a ideia de
necessidade de construir “uma espécie de Estados Unidos da Europa”, apelando especialmente
a uma cooperação paritária entre a França e a Alemanha. Contudo, existiam 2 dificuldades:
rivalidade franco-alemã marcada por uma tendência hegemónica da Alemanha e a falta de
experiência de trabalho em comum.

O apoio norte-americano à reconstrução pós-guerra vai ser fundamental: Plano Marshall


(concretizava a doutrina Truman), que vai demonstrar uma inspiração política, visto que os
países que se juntam ao Plano aderem à ideia de uma estreita ligação entre a democracia e o
capitalismo. Teve como êxito a experiência de planeamento económico e o facto de habituar os
dirigentes europeus a trabalhar em conjunto. A partir de 1947, torna-se claro que que para que
ocorresse a reconstrução europeia era necessário a cooperação. No âmbito do Plano Marshall,
foi criada em1948, a Organização para a Cooperação Económica Europeia.

Declaração Schuman: preparada por Jean Monnet, foi uma declaração de Schuman na qual
França afirma a sua disponibilidade para promover uma união de mercado de carvão e aço sobre
o patrocínio de uma comissão supranacional- Alta Autoridade Comum. É a esta declaração que
se liga o arranque do processo de integração europeia, concretizando a ideia expressa antes por
Churchill. Esta declaração mostra-se como uma significativa vitória da diplomacia alemã, visto
que a Alemanha consegue romper o veto à sua industrialização e evitar o projeto de
transformação do Estado num país essencialmente agrícola, reintegrando no conjunto das
nações prósperas. Esta solução era igualmente benéfica para França que dispunham das fontes
de energia e da indústria alemãs. A Alemanha deixou que França fosse a cara da paz e da
integração e, ao mesmo tempo, recuperaram o poder económico e político. A declaração inicia
um método de construção faseada, visto que proclamou que a Europa não se construiria de uma
só vez, mas pela concretização de um projeto global predeterminado, resultado de realizações
concretas.

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Desde a sua entrada que o Reino Unido mostra uma posição distante, não aderindo ao euro nem
aceitando a Carta Social Europeia, por exemplo- “casamento sem casamento”.

Foi na segunda metade do século XIX que surgiram as primeiras organizações internacionais de
caráter regional amplo, tendencialmente extensivas a todo o continente europeu e algumas
mesmo de caráter universal: Comissão Internacional dos Correios/União Geral dos Correios/
União Postar Universal; União Telegráfica Internacional; Organização Mundial da Propriedade
Industrial. Surge também nesta altura a criação de organizações internacionais, ao nível dos
transportes, do conhecimento dos recursos naturais e da agricultura. Em 1919 foi criada a
Organização Internacional do Trabalho e em 1930 o Banco de Pagamentos Internacionais. A
Cooperação Económica Europeia desenvolveu-se no início do século XX, mas a partir de 1929 a
doutrina protecionista toma conta da política económica internacional.

➢ Da Comunidade de Carvão e Aço à Comunidade Económica Europeia: Jean Monnet


propõe a criação de uma organização para a energia atómica, sendo o projeto
EURATOM lançado. Em 1957, são assinados os Tratados de Roma que entram em vigor
em 1958, onde são criados a CEE e o EURATOM, pertencendo a estes os mesmos países
que pertenciam à CECA.
➢ Comunidade Económica Europeia: visava essencialmente constituir um mercado
comum, assente na livre circulação de mercadorias, serviços, pessoas e capitais (quatro
liberdades de circulação), enquanto estabelecia uma barreira alfandegária comum em
relação a todos os produtos vindos do exterior. Consagram-se regras de concorrência e
de proibição de auxílio de Estado. Vai apresentar uma inovação visto que constitui uma
forma de integração pela positiva, assente na definição de políticas próprias a ser
executadas no território dos Estados abrangidos e na criação de um conjunto de órgãos
de caráter supranacional. A Comissão Europeia (surge como o poder executivo e propõe
atos comunitários ao Conselho de Ministro, e ainda tem poder de execução no que
respeita a aplicação de políticas comuns e poder fiscalizar em relação à aplicação de
tratados. Surge como uma autoridade supranacional, uma vez que os comissários
devem agir em nome do interesse europeu e não aceitar instruções dos seus executivos)
iria zelar pelos interesses comuns e o Conselho de Ministros iria zelar pelos interesses
dos Estados. A Assembleia Parlamentar detinha sobretudo funções consultivas e reunia
elementos dos diversos parlamentos. O Tribunal de Justiça zelava pelo respeito dos
princípios do direito europeu, sendo interprete dos Tratados (acabou por ter imensa
relevância no desenvolvimento do Primado do Direito Comunitário). O Conselho
Económico e Social tinha funções consultivas e congregava representantes dos paceiros
sociais dos vários estados. O Tribunal de Contas estava encarregue de controlar a
administração financeira. A única política comum expressamente consagrada foi a
Política Agrícola Comum.
➢ Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA): criada pela Convenção de Estocolmo de
1960, sendo os seus fundadores a Áustria, Dinamarca, Noruega, Portugal (a entrada foi
sedutora, visto que não existia qualquer forma de compromisso político e as províncias
ultramarinas não eram abrangidas pelo acordo. Portugal beneficia ainda de um até 2002
um regime de especial ao desenvolvimento industrial), Reino Unido, Suécia e Suíça,
sendo o Reino Unido o impulsionador com o intuito de criar um acordo aduaneiro com
estados que tinham ficado fora da CEE, tendo ainda como objetivo a celebração de um
acordo de livre comércio entre a EFTA e CEE que foi recusado, levando o Reino Unido a
pedir a adesão à CEE, sendo rejeitada (1961). Em 1973, o Reino Unido e a Dinamarca
entram na CEE, o que, implicando a saída do EFTA, leva a que este se esvazie (hoje

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apenas a Islândia, Noruega e Liechtenstein fazem parte) de importância. Os seus órgãos


eram o Conselho de Ministros, o Comité de Vigilância, o Secretariado e o Tribunal. Em
1972, foi celebrado um acordo de comércio livre entre a EFTA e a CEE, sendo Portugal
um dos beneficiados. Portugal beneficiou de forma ampla do desarmamento aduaneiro
com um maior crescimento das importações e exportações.
➢ Congresso Europeu de Haia em 1948 tornou clara a existência de perspetivas diferentes
da integração europeia: uma de raiz federalista e outra que visava apenas o
estabelecimento de formas de cooperação entre os Estados Europeus.
➢ Comunidade Europeia de Defesa: concebido por Jean Monnet e sendo apresentado
como o Plano Pleven tem como justificação a tensão que existia com a guerra fria, dando
jeito contra o bloco soviético que a imposição de desarmamento contra a Alemanha
terminasse, e pretendia que se juntasse as forças militares dos vários estados membros.
França não aceita, não sendo o tratado aprovado pela Assembleia. Apesar do fracasso
desta organização, criou-se a União da Europa Ocidental (CECA e Reino Unido),
efetivando-se o rearmamento da Alemanha, sendo esta criação um passo de maior
importância para o processo de reintegração da Alemanha na Comunidade
Internacional. A sua relevância foi quase nenhuma, sendo depois integrada na União
Europeia. A partir de 1992, o Conselho de Ministros da União Europeia Ocidental
instituiu missões através da Declaração de Petersberg, sendo necessário que os
membros dessa Organização disponibilizassem a essa, à NATO e à UE unidades militares.
Foi com a Cimeira de Saint-Malo entre a França e Reino Unido que a União Europeia
começou a avançar no domínio da defesa: Operação Concordia na Macedónia. O artigo
40º do Tratado de Lisboa determina que existe uma subordinação da política comum de
segurança e defesa à política externa e de cooperação, sendo possível a União aplicar
meios no exterior de modo a assegurar a manutenção da paz, a preservação de conflitos
e o reforço da segurança nacional de harmonia com a Carta da ONU. O artigo 222º/1 do
Tratado do Funcionamento da União Europeia prevê a atuação da União em conjunto
para prevenir a ameaça terrorista num Estado-Membro, proteger instituições
democráticas e população civil. No seguimento da Cimeira de Bratislava de 2016,
apresenta relevância o estabelecimento de uma Cooperação Estruturada Permanente
(CEP) para reforçar a cooperação militar entre os estados-membros, a qual foi aprovada
no Conselho da União Europeia em 2017.
➢ Conselho da Europa: foi instituído pelo Tratado de Londres em 1949, juntando
representantes de 10 estados (Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Luxemburgo, Holanda,
Suécia e Reino Unido). Hoje o Conselho da Europa reúne 47 membros, e ainda 5 estados
observadores: Canadá, EUA, Japão, México e Vaticano. A exigência de acesso era o
respeito pela democracia. Em 1940, Churchill propôs uma união política franco-
britânica, criando-se a cidadania comum e unindo-se a defesa e finanças, o que foi
rejeitado. O Conselho da Europa vai funcionar como uma reserva moral da europa
recusando a entrada de regimes ditatoriais. A grande obra desta instituição será a
Convenção Europeia dos Direitos Humanos (1953), sendo este essencial para a
afirmação de uma cultura democrática europeia. Através da Convenção dos Direitos
Sociais, o Conselho da Europa juntou direitos económicos e sociais aos direitos políticos.
Em 1959 foi criado o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem para fazer respeitar a
Convenção, sendo uma instância de controlo das decisões dos tribunais nacionais. Tem
como órgãos o Comité de Ministros (Negócios Estrangeiros), Assembleia Parlamentar e
Secretário-Geral. O seu âmbito estende-se para além as Comunidades Europeias e,

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inicialmente o seu grau de apreciação da democracia era extremo (o que já não é tanto
após a queda do muro de Berlim).
➢ Portugal começa por aderir ao Conselho da Europa em 1976 (manifestando o desejo de
adesão em 1974). Para aderir à CEE, Portugal apresenta argumentos de ordem política
e económica, sendo a complexidade dos segundos a razão da demora do processo de
adesão. A entrada de Portugal e também da Grécia e de Espanha vão levar ao
surgimento de novos desafios para a CEE, visto que passaria de um conjunto de países
ricos para um conjunto de nações heterogéneas, em que o princípio da solidariedade se
deve fazer sentir. A adesão da Grécia foi mais fácil, visto que já estava ligada Às
Comunidades por acordo de associação, que fora congelado durante a ditadura. Neste
alargamento, o aumento acentuado de regiões desfavorecidas em relação à média
europeia levaria à necessidade de reforçar o FEDER, criado em 1975.
➢ Ato único Europeu: primeira alteração do Tratado de Roma, com vista a concluir a
realização do mercado interno. Este Ato Único prevê um aumento do número de casos
em que o Conselho pode deliberar por maioria qualificada e não por unanimidade, para
facilitar a realização do mercado interno, o que promove a tomada de decisões,
impedido os bloqueios que surgem da necessidade de unanimidade. Assim, a
unanimidade deixa de ser necessária quanto a medidas com vista ao estabelecimento
do mercado interno, com exceção das relativas à fiscalidade, livre circulação de pessoas
e direitos e interesses dos trabalhadores assalariados. Passa a ser necessário um parecer
favorável do Parlamento aquando da conclusão de um acordo de associação. Institui o
Conselho Europeu que oficializa as conferências ou cimeiras dos Chefes de Estado e de
Governo. Criou bases para a criação do Tribunal de Primeira Instância. O artigo 30º do
Ato apresenta que os Estados Membros devem esforçar-se para formular e aplicar em
comum uma política externa europeia.
➢ Tratado de Maastricht: expressa uma verdadeira união económica e política, A ideia de
moeda única deve-se a Mitterrand que considerava que se deveria substituir o marco
alemão por uma moeda única que permitira o equilibro europeu. A moeda única seria
integrada na União Económica e Monetária. A necessidade de um novo tratado surge
com o alargamento resultante da entrada de novos países ocidentais e de Estados que
anteriormente se encontravam na área de influência soviética. Para rever o Tratado de
Roma, em 1991 convocou-se duas conferências intergovernamentais: uma destinada a
discutir assuntos relativos à união económica monetária e outra relativa à união política
(sendo essas indissociáveis). Isto vai culminar no Tratado de Maastricht que entrou em
vigor em 1993. Foi consagrada uma regra de subsidiariedade: “o nível mais alto só deve
intervir quando o mais baixo se revelar impotente”. A União Europeia assentava em 3
pilares: a Comunidade, resultante da unificação das suas anteriores comunidades; a
Política Externa e de Segurança Comum; e a Cooperação Policial e Judiciária em matéria
penal. O Tratado reforçou os poderes do Parlamento em matéria legislativa. Foi
introduzida a ideia de cidadania europeia, dando uma sensação de envolvimento da
generalidade dos cidadãos dos Estados-Membros. Contudo, esta cidadania é entendia
em termos restritos e é vista como uma ideia distante para os seus titulares. A cidadania
europeia materializava-se em: direito de circular e residir em qualquer Estado; votar
para o Parlamento Europeu no Estado em que residam; de votar e de ser eleito nas
eleições locais; apresentar queixa ao Provedor da Justiça Europeu; proteção consular
num Estado terceiro em que não exista representação do Estado de Origem. Foi criado
o Fundo de Coesão, destinado a projetos no domínio do ambiente e dos transportes em
Estado cuja média do PIB fosse inferior a 90%. As dúvidas sobre a natureza do Tratado

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levou a que o Tribunal Constitucional Alemão fosse chamado a pronunciar-se sobre a


sua compatibilidade com a Constituição Alemã: a sentença estabelece os limites
considerando que os Estados são donos do Tratado, devendo quaisquer futuras
transferências ser sempre aprovadas pelos Parlamentos Nacionais e ainda reservou-se
o direito de analisar se futuras decisões da União estão dentro das competências
transferidas e se não estivessem seriam inaplicáveis. Esta ideia não combina com a
supremacia do Direito Comunitário que foi apresentada pelo Tribunal de Justiça e com
o facto de o Tratado ter obrigado à revisão das Constituição dos vários estados
membros. A dificuldade sentida em vários países para a ratificação do Tratado (Reino
Unido, França e Dinamarca) levou a que se criasse uma prática repetida de introduzir
disposições mais favoráveis aos Estados que tinham recusado a ratificação para
conseguir atingir a ratificação. Com a multiplicação de pedidos de adesão, o Conselho
da Europa de Copenhaga de 1993 apresentou certos critérios (critérios de Copenhaga)
para a adesão à União Europeia: estabilidade das instituições que garantem a
democracia, o Estado de direito, os direitos humanos e o respeito pelas minorias e pela
sua proteção; economia de mercado que funcione efetivamente e a capacidade de fazer
face à pressão concorrencial e às formas de mercado da União Europeia; capacidade de
assumir as obrigações decorrentes da adesão, incluindo a capacidade de aplicar
eficazmente as regras, normas e políticas que compõem o corpo legislativo da União
Europeia e a adesão aos objetivos de união política, económica e monetária. O primeiro
critério terá de ser respeitado para que se inicie o processo e negociações de adesão.
➢ Tratados de Amesterdão e Nice: são tratados que apresentaram poucas alterações,
mostrando uma Europa bloqueada. Tiveram como objetivo preparar a União Europeia
para a entrada dos novos países que antes faziam parte do bloco soviético, sendo
anexado um protocolo ao Tratado de Amesterdão que previa os requisitos que as
instituições da União Europeia deveriam preencher até ao próximo alargamento e a
convocação de uma Conferência Intergovernamental quando atingisse um número
superior a 20 Estados. Nesse sentido, alarga-se a aplicação da votação por maioria
qualificada do Conselho, visto que o alargamento seria incompatível com a regra da
unanimidade. Registou-se um reforço dos poderes do Parlamento Europeu no âmbito
do processo legislativo, abrangendo novas matérias. As propostas iriam ser rejeitadas
se as duas instituições não estivessem de acordo: Conselho e Parlamento. Aumentam
os atos sujeitos a controlo por parte do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,
que passou a poder julgar questões relativas a direitos fundamentais. Importa perceber
que existiram casos em que os membros da União não conseguiram seguir juntos, e por
isso, conjuntos formados avançavam de forma diversa, como na União Económica e
Monetária e em Schengen. O Tratado de Amesterdão veio permitir a imposição de
sanções aos Estados-Membros que violassem os princípios apresentados no artigo 6º/1
e na Convenção dos Direitos Humanos do Conselho da Europa, como a suspensão de
direitos previstos nos tratados para esses estados, mantendo os deveres- importa
perceber que se assiste a uma passividade na aplicação destas exceções (só à Áustria
quando a extrema direita entrou no poder). O Tratado de Nice surge na sequência da
Conferência Intergovernamental que foi prevista no Conselho Europeu de Helsínquia de
1999, que reviu apenas os Tratados anteriores. Este tratado veio colmatar as
insuficiências que tinham sido deixadas principalmente em matéria institucional:
aumentou-se o número de votos de cada estado (????) e consagrou-se um sistema
baseado no critério demográfico, sendo o número de votos maior ou menor consoante
a sua população. Aumentou-se outra vez as matérias em que é possível a votação

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maioritária, criando-se um mecanismo que permite que qualquer membro do Conselho


requeira a verificação de que a decisão sujeita à maioria qualificada representa um
mínimo de 62% da população da União. Este tratado teve uma natureza complementar
ou concretizadora do Tratado de Amesterdão.
➢ Tratado da Constituição para a Europa: na sequência do Conselho Europeu de 2001
resultou a convocação da Convenção Europeia sobre o Futuro da Europa, refletiu a
preocupação de dotar a União de uma melhor repartição de competências, de um
caráter mais transparente, democrático, de uma maior eficácia e de tornar mais claros
os instrumentos jurídicos que a regessem através da sua simplificação. Apresenta uma
ideia de progressão no aprofundamento cada vez mais estreito da integração. O Tratado
da Constituição tinha como objetivo substituir todos os tratados anteriores, com
exceção da EURATOM, num esforço de sistematização e clareza. Previu a unificação da
União Europeia à Comunidade Europeia que passaria também a deter personalidade
jurídica própria. Este tratado não gerou consenso entre os Estados e não chega a
concretizar-se pela recusa da ratificação da França e Holanda (que tiveram referendos
negativos), visto que a sua vigência estava dependente da ratificação de todos os
estados membros.
➢ Tratado de Lisboa (aprovado em 2007, entrando em vigor em 2009, depois do
compromisso de não sujeitar o Tratado a referendo- ideia de que seria rejeitado porque
“o impulso federal subsiste”): na sequência do Conselho da Europa de 2007, foi
convocada uma conferência intergovernamental à qual foi conferida o poder de adotar
o tratado reformador. Estabeleceu-se que o Tratado da União Europeia e o Tratado
sobre o Funcionamento da União Europeia não teriam caráter constitucional. Este não
revogou todos os tratados anteriores, continuando a existir o Tratado da União Europeia
(que a instituiu) e o Tratado que institui a Comunidade Europeia (Tratado de Roma),
sendo este último fora designado Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Dá-se a unificação da União Europeia à Comunidade Europeia, mantendo-se a
EURATOM como instituição autónoma.
➢ Noruega, Islândia e Lichtenstein fazem parte da EFTA e da área económica europeia que
lhes assegura acesso ao mercado interno. A Geórgia, Moldávia e Ucrânia celebraram um
acordo de associação com a União Europeia e entraram na Deep and Comprehensive
Free Trade Area destinada a criar melhores condições para um pedido de adesão.

Ana Maria Guerra Martins- Manual de Direito da União Europeia

Estrutura Tripartida Inicial da União Europeia: a expressão “União Europeia” só surge


consagrada no Tratado de Maastricht, sendo esta fundada nas Comunidades Europeias e
completada por políticas e formas de cooperação (pilares intergovernamentais): PESC- Política
Externa e de Segurança Comum- e CJAI- Cooperação Judiciária e em matéria de Assuntos
Internos (que passa no Tratado de Amesterdão a CPJP- Cooperação Policial e Judiciária Penal).
A União detinha, portanto, 3 pilares: Comunidades Europeias; PESC; e CJAI. O regime destes
pilares era diverso, visto que as Comunidades obedeciam a um “método comunitário”, que
implicava maior participação do PE e da Comissão, regra de votação por maioria qualificada no
seio do Conselho, controlo jurisdicional dos atos adotados por parte dos Tribunais da União. Por
outro lado, a PESC e CJAI seguiam o “método intergovernamental”, ou seja, a Comissão e o PE
estavam praticamente afastados da decisão, que cabia exclusivamente ao Conselho Europeu
e/ou Conselho, os quais decidiam por unanimidade ou por consenso, os atos adotados não se
aplicavam diretamente nas Ordens Jurídicas Nacionais e o TJ não exercia qualquer controlo
jurisdicional sobre eles. No Tratado de Amesterdão começa uma processo de emancipação da

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

União em relação às Comunidades e ainda uma aproximação dos pilares intergovernamentais


ao pilar comunitário. Com este Tratado tenta reforçar-se a capacidade de ação externa da União
e da sua identidade, revendo-se globalmente as normas do segundo pilar. O terceiro pilar da
União sofre a comunitarização de certas matérias nele enquadradas, como as relativas aos
vistos, asilo, imigração e outras políticas relativas à livre circulação de pessoas e manteve-se o
que restava no âmbito intergovernamental. A partir desta revisão de Amesterdão, iniciou-se um
período no sentido da unidade, coerência e uniformização dos procedimentos, mecanismos e
instituições dos 3 pilares da União.

Atual Estrutura Unitária: o Tratado de Lisboa confere à União Europeia uma estrutura europeia,
e, por isso, esta sucede às Comunidades Europeias e aos pilares intergovernamentais e passa a
deter personalidade jurídica (47º TUE). Note-se que a unificação formal, não foi acompanhada
da uniformização de todos os procedimentos de decisão, do sistema de fontes nem do controlo
jurisdicional dos Tribunais da União, visto que se mantêm significativas diferenças entre as
matérias que integram as Comunidades e as matérias dos pilares intergovernamentais- existem
claros resquícios da estrutura tripartida.

Personalidade Jurídica da União: foi consagrada expressamente no Tratado de Lisboa, e tem


como consequências: a possibilidade de a União celebrar tratados internacionais, ainda que
exista clara complexidade de repartição de atribuições entre a União e os seus Estados
Membros, o que dificulta a identificação clara do sujeito internacional responsável pela
implementação do acordo ou pelo seu incumprimento; direito de participação em Organizações
Internacionais, ainda que existam dificuldades ao nível de consenso dos interesses dos Estados
Membros e exista da parte dos Estados terceiros e Organizações Internacionais alguma
desconfiança pela estrutura da União fora dos parâmetros tradicionais do Direito Internacional;
direito de legação, que é assegurado através da SEAE, sob autoridade do Alto Representante;
direito de representação internacional, que não é absoluto, visto que há a exclusividade de
jurisdição do TJUE afirmada pelos Tratados; por fim, é suscetível de ser responsabilizada pelas
violações do Direito Internacional que lhe sejam imputáveis e em casos extremos, até pelas que
sejam imputadas aos seus Estados Membros, visto que os Estados terceiros não têm obrigação
de conhecer a repartição de atribuições entre a União e os Estados, prevalecendo o principio
pacta sunt servanda.

Objetivos da União: estão presentes no artigo 3º TUE e nos artigos 8º-17º TFUE. O TJ considerou
que os objetivos não podem ter por efeito impor obrigações aos Estados Membros ou conferir
direitos aos indivíduos, visto que dependem de implementação de políticas por parte da União
ou dos Estados Membros. Contudo, afiguram-se bastante relevantes em questão de
interpretação, pois as normas sobre as atribuições da União bem como algumas disposições
relativas à competência dos órgãos constantes dos Tratados são lidas em consonâncias com os
objetivos da união.

Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE): desde cedo surge a ideia de que a
Comunidade e, mais tarde a União Europeia, deveriam não só respeitar como também proteger
os direitos fundamentais. Portanto, a Carta enquadra-se num contexto de afirmação de direitos
das pessoas por parte da União, feita através da jurisprudência que defende que as
Comunidades devem assegurar o respeito dos direitos fundamentais consagrados nas tradições
constitucionais comuns aos Estados Membros e no Direito Internacional dos Direitos Humanos,
em especial na CEDH. A Carta foi criada por uma Convenção, que decorre em simultâneo com a
GIG 2000, na qual se aprova o Tratado de Nice. O objetivo da Carta era tornar visíveis os direitos
já existentes, de forma a aumentar a segurança jurídica e a proteção dos cidadãos. Tinha-se

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

como finalidade atribuir caráter vinculativo à Carta, através da sua inserção no TUE, mas a falta
de consenso quanto a isso, não permitiu, sendo esta Carta proclamada pela Comissão, PE e
Conselho e politicamente aprovada pelos Estados Membros no Conselho Europeu de Nice em
2000. O estatuo jurídico da Carta foi incluindo na declaração nº23 anexa ao Tratado de Nice. A
CDFUE pretendia ainda constituir um impulso ao processo de constitucionalização da União e
consolidar um movimento de implicação dos indivíduos no processo de integração europeia. A
Carta tem 7 títulos, sendo respetivos à Dignidade, Liberdade, Igualdade, Solidariedade,
Cidadania, Justiça e Disposições Finais. A Carta não tinha até ao Tratado de Lisboa (6º/1 TUE tem
valor jurídico idêntico ao dos Tratados) força jurídica vinculativa, mas tal não impediu que as
suas normas fossem invocadas por exemplo pela Comissão, Advogados-Gerais do Tribunal de
Justiça, TPI e TJUE- era considerada soft law.

Princípios que regem as atribuições da União

 Princípio da cooperação leal (4º/3, 2º e 3º/3 TUE e 222º TFUE): existe uma comunhão
de interesses que fundamenta vínculos de solidariedade entre a União e os seus
membros e vice versa. Este princípio é uma manifestação do princípio da boa fé. A União
só pode exercer plenamente as suas tarefas se existir uma total colaboração,
cooperação e fidelidade dos seus Estados Membros, visto que a União se serve das
administrações nacionais para executar o seu Direito e do aparelho judiciário dos
Estados para o executar. Este princípio tem um conteúdo positivo, os Estados devem
tomar todas as medidas necessárias ao cumprimento da missão da União, e tem um
conteúdo negativo, ou seja, devem abster-se de praticar atos que ponham ao perigo a
aplicação dos Tratados. Este princípio serve de base ao TJUE para fundamentar certos
princípios: primado do direito da união sobre os direitos dos Estados; princípio da tutela
judicial efetiva; princípio do efeito direto; e princípio da responsabilidade do Estado por
violação de normas e atos da União. Este princípio desempenha um papel importante
no domínio da ação externa da União e é também aplicado nas relações das instituições,
órgãos e organismos da União entre si.
 Princípio do acervo da União: passa a integrar os Tratados após o Tratado de
Maastricht, podendo atualmente ser retirado do artigo 1º/3 TUE, que afirma que a
União substitui e sucede à Comunidade Europeia, reconhecendo-se assim todo o direito
anteriormente produzido. Este princípio traduz-se na imposição de os novos Estados
que aderem à União respeitarem na integra todo o seu direito, no estádio de
desenvolvimento em que se encontre, bem como as decisões políticas tomados até esse
momento. Ou seja, os novos Estados devem respeitar as disposições de tratados
originários e dos atos atotados pela União (Direito Originário, Direito Derivado e
Jurisprudência dos Tribunais da União). Por outro lado, obrigam-se a aderir às
convenções internacionais e a respeitar todos os acordos internacionais de que a União
e Comunidade fazem parte. Por fim, ficam vinculados pelas decisões e acordos adotados
pelos representantes dos Governos reunidos no Conselho e por todas as declarações,
resoluções ou outros atos adotados pelos Estados Membros em relação à Comunidade.
Note-se que podem existir sempre períodos de transição, para os recentes Estados se
adaptem.
 Princípio do respeito das identidades nacionais: o artigo 3º/3 4º parte TUE afirma que
a União respeita a riqueza da sua diversidade cultural e linguística e vela pela
salvaguarda e pelo desenvolvimento do património cultural europeu. O artigo 4º/2
apresenta que a União respeita a identidade nacional dos Estados Membros, refletida
nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles, incluindo no

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

que se relaciona com a autonomia regional, respeitando as funções essenciais do


Estado, nomeadamente aquelas que garantem a integridade territorial, a ordem pública
e as que salvaguardam a segurança nacional, sendo esta última uma competência
exclusiva de cada Estado Membro. Hoje o Tratado impõe o respeito pela identidade
cultural, mas também a identidade jurídica.
 Princípio da atribuição: implica determinar de forma precisa os fins justificativos do
reconhecimento da personalidade jurídica e, por outro lado, ajustar funcionalmente o
exercício da capacidade aos fins a atingir. Este princípio não deve ser visto de forma
muito rígida, visto que deve permitir-se a prática de todos os atos, mesmo os
meramente instrumentais ou acessórios, necessários à prossecução dos fins constantes
do seu instrumento constitutivo. A União não tem por natureza competências próprias
e, portanto, a extensão das competências desta tem de resultar sempre de uma erosão
das atribuições dos Estados Membros. Com a crescente desconfiança dos Estados é
expresso no TUE no seu artigo 5º o princípio da atribuição ou da especialidade. Note-se
que o TJUE nunca anulou ou declarou nulos quaisquer atos ou normas com fundamento
exclusivo na violação do princípio da atribuição, uma vez que na prática é quase
impossível excluir determinadas tarefas dos fins da União, pois estes têm bastante
amplitude.
 Princípio da subsidiariedade: este constitui um filtro entre a atribuição da União e a
possibilidade de exercer a competência, pois a União só pode exercer certa competência
depois de passar o crivo do princípio. Foi expressamente consagrado no Tratado de
Maastricht, para compensar as modificações introduzidas que forem consideras
centralizadoras. Contudo, este princípio tem um caráter neutro e visa essencialmente
aproximar a decisão o mais possível dos cidadãos. Este é previsto no artigo 5º/3 TUE e
no Protocolo nº2, sendo expresso que no domínio das competências não exclusivas, a
União apenas poderá exercer a competência em questão, quando nem o nível central,
regional nem local puderem atuar de modo suficiente. Assim, no domínio das
competência não exclusivas, o princípio da subsidiariedade está sujeito a um critério de
descentralização, visto que a União só pode agir se e na medida em que os objetivos
não possam ser eficientemente realizados pelos Estados Membros, e a um critério de
eficiência, uma vez que esses objetivos devem ser mais bem alcançados pela União. O
protocolo inseriu a novidade de os Parlamentos Nacionais poderem avaliar se o
princípio da subsidiariedade está a ser corretamente aplicado, podendo até interpor um
recurso de anulação nos termos do artigo 263º TFUE pelos Estados Membros a
solicitação dos Parlamentos Nacionais- mecanismo de participação dos Parlamentos
Nacionais no procedimento legislativo, designado como “alerta rápido”. Este princípio é
sindicável pelo TJUE, visto que é um princípio jurídico, mas este princípio depende muito
mais de critérios políticos (quais são as atribuições de caráter exclusivo da União,
exigências de fundamentação impostas pelo Protocolo para atos de fundamentação
podem não ser cumpridas, se é ou não mais eficiente a atuação da União) do que
jurídicos, sendo difícil a atuação do Tribunal.
 Princípio da proporcionalidade: foi consagrado expressamente no Tratado de
Maastricht, mas já antes era utilizado pelo TJ para controlar o exercício de poderes por
parte dos Estados e da União. Este princípio visou regular os conflitos provenientes do
exercício de poderes por parte dos Estados Membros entre a prossecução de um
determinado objetivo e o prejuízo que a medida poderia implicar para outros objetivos
cuja legitimidade também eram reconhecida pelo Direito Comunitário. Tem também
como finalidade arbitrar conflitos entre os diferentes objetivos que a Comunidade deve

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

prosseguir. Além disto, o princípio desempenha um papel importante na solução de


conflitos entre os objetivos da Comunidade e a proteção dos direitos fundamentais,
visto que, segundo o Tribunal, todo o encargo imposto ao destinatário de regras
comunitárias deve ser limitado à medida do estritamente necessário para atingir o
objetivo a prosseguir e requerer os menores sacrifícios possíveis da parte dos
operadores sobre que incide. O controlo da proporcionalidade por parte do Tribunal é
superior nas medidas nacionais, visto que haverá violação do princípio se existirem
“medidas menos restritivas”, mas quanto às medidas da União só há violação se a ação
for “manifestamente inapropriada”. O princípio da proporcionalidade está presente no
artigo 5º/4 TUE, compreendendo 2 testes: o da adequação (relação entre o meio e o
fim, isto é, os meios empregues pela medida devem ser adequados para atingir os seus
fins) e o da necessidade (ponderação do peso dos diferentes interesses em conflito, isto
é, se as consequências adversas causadas estão justificadas tendo em conta a
importância do objetivo a prosseguir, não existindo medidas menos restritivas). Mesmo
que passe os dois testes, não respeita a proporcionalidade a medida que tiver um efeito
excessivo sobre os cidadãos por ela abrangidos. Este princípio aplica-se também às
competências exclusivas, dizendo respeito apenas ao âmbito e intensidade do exercício
das várias competências.
 Princípio da flexibilidade: permite que um ou mais Estados Membros não participem,
permanentemente ou temporariamente, em determinadas realizações da União quer
por não quererem quer por não preencherem os requisitos dessa participação. O
Tratado de Maastricht previu este princípio em certas matérias, como a UEM, política
social e pilares intergovernamentais, através do mecanismo dos opt-outs. Mas é no
Tratado de Amesterdão que este é transformado num princípio geral do Direito da
União, através do mecanismo de cooperação reforçada, ou seja, admitiu-se que os
Estados instituíssem entre si uma cooperação mais estreita e mais profunda. O Tratado
de Nice modifica as condições para essa cooperação, flexibilizando-as e alarga as ações
ao pilar PESC. A flexibilidade é a melhor forma de manter na União as atividades dos
Estados que pretendem ensaiar formas de integração mais aprofundadas e aqueles que
se querem manter num nível menos avançado. Veja-se que a flexibilidade assume duas
domas- cláusulas de opt-out para alguns Estados em relação a certas matérias e
clausulas de cooperação reforçada. O Tratado de Lisboa apresenta no artigo 20º TUE a
cooperação reforçada, apresentando como condições: 1) não podem estar em causa
competência exclusiva da União; 2) o princípio de atribuição deve ser respeitado. Por
outro lado, as cooperações reforçadas devem favorecer a realização dos objetivos da
União, preservar os seus interesses e reforçar o processo de integração e devem
respeitar os Tratados e Direito da União, não podendo prejudicar o mercado interno,
nem a coesão económica, social e territorial. Note-se que a cooperação reforçada não
pode constituir uma restrição nem uma discriminação ao comércio entre Estados nem
provocar distorções da concorrência entre eles. A decisão que autoriza a cooperação é
tomada pelo Conselho, quando este tenha determinado que os objetivos da cooperação
em causa não podem ser atingidos num prazo razoável pela União no seu conjunto e
desde que pelo menos 9 estados participem na cooperação. O artigo 328º TFUE
estabelece um princípio de abertura das cooperações reforçadas a todos os Estados,
incluindo aqueles que inicialmente não tenham participado, desde que respeitem as
condições de participação referidas na decisão de autorização bem como os atos já
adotados. Na votação no Conselho só participam os Estados que integram a cooperação
reforçada e os atos adotados no âmbito da cooperação reforçada só vinculam os

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

participantes, não sendo estes constitutivos do acervo. Nos domínios da PESC e


Cooperação Judiciária em matéria penal e policial existem procedimentos especiais e
específicos.

Atribuições da União

Existem atribuições exclusivas, atribuições partilhadas, atribuições de coordenação das políticas


económicas e de emprego dos Estados Membros, atribuições no domínio da definição e
execução de uma política externa e de segurança comum e atribuições para desenvolver ações
destinadas a apoiar, coordenar e a completar a ação dos Estados Membros.

As atribuições exclusivas estão enunciadas no artigo 3º/1 TUE, gozando estas matérias de
presunção de exclusividade, o que implica que nestas matérias só a União pode legislar e adotar
atos juridicamente vinculativos, sendo que os Estados Membros só podem fazê-lo mediante
habilitação da União ou para implementar atos da União. É competência exclusiva da União a
celebração de acordos internacionais: quando tal celebração esteja prevista num ato legislativo;
quando seja necessária para dar à União a possibilidade de exercer a sua competência interna;
e quando seja suscetível de afetar regras comuns ou de alterar o alcance das mesmas. Este
preceito deve ser conjugado com o artigo 216º/1 TFUE (não se deve considerar apenas aplicável
às competências exclusivas) em que se determina que a União pode celebrar acordos
internacionais com um ou mais países terceiros e com Organizações Internacionais quando: os
Tratados o prevejam; a celebração do acordo seja necessária para alcançar, no âmbito das
políticas da União, um dos objetivos previstos nos Tratados; a celebração do acordo esteja
prevista num ato juridicamente vinculativo da União; e a celebração do acordo seja suscetível
de afetar as normas comuns ou de alterar o seu alcance.

As atribuições partilhadas estão enunciadas no artigo 4º/2 TUE, não sendo essa enunciação
exaustiva, mas meramente exemplificativa (“principais domínios), o que implica que nestas
matérias tanto a União como os Estados Membros podem legislar e adotar atos juridicamente
vinculativos, e os Estados Membros exercem a sua competência na medida em que a União não
tenha exercido a sua e voltam a exercer na medida em que a União tenha deixado de exercer a
sua. Os artigos 4º/3 e 4 apresentam domínios em que a União dispõe de competência para
desenvolver ações, mas isso não pode impedir os Estados de exercerem a sua própria
competência. O grau de partilha de cada uma das atribuições previstas nesta categoria diverge
consoante a matéria que está em causa.

A atribuição na coordenação das políticas económicas e de emprego dos Estados Membros


está presente no artigo 2º/3 e 5º TFUE, que determinam que a União pode tomar iniciativas para
garantir a coordenação das políticas sociais dos Estados membros. Note-se a dificuldade de
traçar a linha entre estas atribuições e as partilhadas, visto que no domínio da política social,
certos aspetos se incluem nas atribuições partilhadas e outros na categoria seguinte de
atribuições (ainda que não se apresentem no artigo 6º TFUE).

As atribuições de desenvolvimento de ações destinadas a apoiar, coordenar e completar a


ação dos Estados Membros estão presentes no artigo 6º TFUE, mas a enumeração não é
exaustiva, existindo em outras matérias, como a política social e em certos aspetos da política
de emprego. O âmbito de atuação nesta categoria varia consoante a matéria que está em causa,
podendo inclusivamente vir a ser adotados atos jurídicos vinculativos pela União, desde que
fundados nas disposições especificas do TFUE, o que tem consequências nas competências que
os Estados poderão vir a exercer.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Ação Externa da União Europeia- PESC

As disposições gerais e disposições especificas relativas à PESC estão consagradas no Capitulo V


do TUE, sendo estas afastadas do TFUE com receio de isso reverter em qualquer tipo de
aproximação aos procedimentos próprios desse Tratado. Este facto acaba por não ter grande
relevância, visto que os dois Tratados têm o mesmo valor jurídico. Contudo, veja-se que as bases
jurídicas da ação externa em relação a todas as outras políticas estão presentes no artigo 205º
e seguintes do TFUE.

Disposições Gerais no domínio da Ação Externa (21º e 22º TUE): a União deve pautar-se pelos
princípios da democracia, Estado de Direito, universalidade e indivisibilidade dos direitos do
Homem e das liberdades fundamentais, respeito pela dignidade humana, igualdade e
solidariedade e princípios da Carta das Nações Unidas e do Direito Internacional. Estes princípios
são decorrentes dos valores definidos no Direito Originário, sendo estes partilhados pelos
Estados Membros e tendencialmente aceites ao nível internacional. A União assume-se como
um verdadeiro sujeito de Direito Internacional, com preocupações e responsabilidades
semelhantes às dos Estados. Na definição e prossecução das políticas e ações comuns, a União
deve contribuir para solucionar os principais problemas mundiais, tendo desempenhado um
paral bastante importante neste âmbito. Por outro lado, desempenha também missões de
preservação da paz, de prevenção dos conflitos e de reforço da segurança internacional. O
Conselho Europeu, o Conselho e o Alto Representante dispõem de uma posição privilegiada em
relação aos outros órgãos (PE, Comissão e TJ) por poderem atuar em matéria de PESC e PCSD,
não existindo em matéria de ação externa uma competência dos órgãos idêntica. A identificação
e definição dos interesses e objetivos estratégicos da União é da competência do Conselho
Europeu que delibera por unanimidade, por recomendação do Conselho (22º/1 TUE).

Política Externa e de Segurança Comum da União Europeia (PESC): esta abrange todos os
domínios da política externa, bem como todas as questões relativas à segurança da União,
incluindo a definição gradual de uma política de defesa comum que poderá conduzir a uma
defesa comum (24º/1 TUE). Cabe ao Conselho e à Comissão, assistidos pelo Alto Representante
assegurar a coerência entre os diferentes domínios da política externa da União e entre estes e
as outras políticas, cooperando para esse efeito. A PESC está sujeita a regras e procedimentos
específicos, e nestes a intervenção da Comissão e do PE não é tão alargada como no processo
ordinário- a Comissão e o PE não têm qualquer poder decisório. A Comissão apenas apoia ou
não as iniciativas do Alto Representante ou em certos casos, podem submeter iniciativas
conjuntas, mas mantém o seu poder se apresentar propostas no domínio da ação externa nas
matérias que estejam fora da PESC. O PE tem apenas função consultiva, dirigindo
recomendações ao Conselho e ao Alto Representante, apesar de poder exercer algum controlo
político através da competência que dispõe em matéria de orçamento. No âmbito da PESC, a
tomada de decisões cabe ao Conselho (quando não está em causa matérias com implicações no
domínio da defesa), com respeito pelas orientações gerais e linhas estratégicas definidas pelo
Conselho Europeu. Em regra, o Conselho e o Conselho Europeu, deliberam por unanimidade,
com exceção nos casos previstos no 31º/2 TUE, em que os Estados podem invocar razões vitais
e expressas de política nacional para impedir a votação. Os Estados têm poder de iniciativa em
matéria de política externa e segurança comum. O Alto Representante para os Negócios
Estrangeiros e para a Política Externa (vem “substituir” no mandato da GIG 2007 a figura do
Ministro dos Negócios Estrangeiros criada no TECE) é nomeado, com acordo do Presidente da
Comissão, pelo Conselho Europeu, por maioria qualificada, que o pode destituir a qualquer
momento. É simultaneamente Vice-Presidente da Comissão (onde é responsável pelas relações

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

externas e coordena outros aspetos da política externa, conduz a PESC, assegura com o Conselho
a unidade, consistência e efetividade da ação da União no domínio da PESC) e Presidente do
Conselho de Negócios Estrangeiros, do que pode surgir dificuldades, visto que estes órgãos
prosseguem interesses diversos. É responsável perante o Presidente do Conselho Europeu,
perante o Presidente da Comissão (podendo estes dois destituí-lo), ainda, perante o PE por ser
membro da Comissão pelas atividades que desenvolva no âmbito da comissão e deve demitir-
se da Comissão caso o PE aprove uma moção de censura à Comissão. O Alto Representante faz
a ponte entre os dois órgãos, contribuindo para uma maior unidade, coerência e eficácia da
política externa da União. O principal objetivo do Tratado ao instituir a figura de Alto
Representante é conferir maior visibilidade e maior estabilidade à representação externa nos
assuntos da PESC e maior consistência e coerência entre os diferentes aspetos da política
externa da União. Exerce o direito de iniciativa e apresenta propostas no domínio da PESC com
conjunto ou com o apoio da Comissão. Negocia acordos internacionais exclusivamente ou
principalmente no domínio da PESC, representa a União, conduzindo o diálogo político com
terceiros, expressa a posição da União nas organizações e conferências internacionais e
apresenta a posição da União perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Executa as
decisões da PESC, consulta regularmente o PE, exerce autoridade sobre os representantes
especiais nomeados pelo Conselho e sobre o SEAE, incluído as delegações da União nos Estados
terceiros ou nas Organizações Internacionais. O Alto Representante propõe, conjuntamente
com a Comissão, as sanções a adotar pela União com base numa decisão PESC. Propõe ainda
juntamente com a Comissão as regras de execução da clausula de solidariedade e informa
periodicamente o PE, juntamente com a Comissão, da evolução das cooperações reforçadas,
emite parecer sobre a coerência da cooperação reforçada em matéria de PESC e sobre o
preenchimento das condições da participação de um Estado em cooperações reforçadas em
curso no domínio da PESC. O Alto Representante é apoiado por um Serviço Europeu para a Ação
Externa (SEAE- pretende tornar a ação externa da União mais consistente e mais visível),
constituído por uma administração central e pelas delegações da Comissão e do Conselho no
exterior, que passaram a delegações da União, devendo estas representá-la. Veja-se que o
procedimento da União em sede da PESC ainda está muito caracterizado pelo seu caráter
intergovernamental: apesar do princípio da lealdade parecer ter sido estendido à PESC, as
normas especificas da PESC não são em geral suscetíveis de ser sindicadas pelo Tribunal de
Justiça, pelo que o cumprimento das obrigações decorrentes do artigo 24º/3 TUE depende
basicamente da vontade dos Estados. Portanto, as disposições especificas relativas à PESC estão
excluídas da jurisdição do TJ, salvo a competência para verificar a observância do artigo 40º TUE
e a fiscalização da legalidade de certas decisões previstas no 275º TFUE. Nos termos do artigo
25º TUE, as fontes de direito derivado da PESC são as orientações gerais, decisões que definam
as ações a desenvolver, as posições a tomar pela União e as regras de execução dessas decisões
e ainda as decisões de cooperação sistemática entre os Estados Membros, sendo excluída a
adoção de atos legislativos. Os acordos internacionais concluídos no âmbito da PESCA estão
sujeitos ao procedimento geral previsto no artigo 218º TFUE e são vinculativos para os Estados
Membros e para a União (37º TUE e 216º/2 TFUE).

A representação externa da União fica a cargo do Alto Representante, do Presidente do


Conselho Europeu e do Presidente da Comissão.

Política de Defesa e de Segurança Comum (PCSD): o Tratado de Lisboa modificou as disposições


relativas à PCSD, com o intuito de permitir ao Conselho e aos Estados Membros uma mais ampla
escolha de soluções flexíveis na condução efetiva e eficiente de um maior número de operações
civis e militares, aumentando o valor acrescentado no âmbito da festão de crises. No Tratado de

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Lisboa é introduzida uma “clausula de assistência mútua” (42º/7 TUE), no caso de um Estado vir
a ser vítima de agressão armada no seu território, salvaguardando-se, no entanto, os
compromissos assumidos na NATO pelos Estados que são membros dessa Organização. O artigo
222º TFUE consagra uma clausula de solidariedade, no caso de um Estado Membro ser alvo de
um ataque terrorista ou de uma catástrofe natural ou de origem humana. O artigo 44º TUE
permite que a União confie as missões previstas no artigo 43º TUE a um grupo de Estados que
o desejem e que tenham os meios necessários, como forma de maior flexibilização a certas crises
em que a capacidade de reação é essencial. Outra inovação é a cooperação estruturada
permanente, isto é, uma cooperação entre Estados cujas capacidades militares preencham
critérios mais elevados e que tenham assumido compromissos mais vinculativos tendo em vista
a realização de missões mais exigentes (42º/6 e 46º TUE). A Agência Europeia de Defesa é
mencionada no Direito Originário (45º TUE).

O Tratado de Lisboa clarifica e estende o âmbito de aplicação das atribuições exclusivas da União
no domínio da política comercial comum, a qual passa a incluir o comércio de serviços e aspetos
comerciais da propriedade comercial, bem como o investimento estrangeiro. As hipóteses de
decisão do Conselho por maioria qualificada alargam-se. Os poderes do PE saem reforçados,
visto que se exige o seu consentimento para acordos que abranjam domínios que se deve adotar
o processo legislativo ordinário e deve manter-se o PE imediata e permanentemente informado.

O Tratado de Lisboa2 procura tornar a Ação Externa da União mais coerente e eficiente, mas
note-se que o sucesso ou insucesso das disposições depende muito da vontade dos Estados.

Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça

Esta matéria está prevista nos artigos 67º a 89º do TFUE. Ao contrário do que aconteceu com a
PESC, quanto a esta matéria não houve praticamente oposição na Convenção sobre o Futura da
Europa, GIG 2004 e GIG 2007 quando à comunitarização. Estando agora o espaço de liberdade,
segurança e justiça sujeito ao método comunitário, há uma tentativa de aproximação deste aos
procedimentos comuns de decisão, às fontes comuns de Direito Derivado e à jurisdição do TJ.
Note-se que os efeitos jurídicos dos atos adotados com base no tratado anterior se mantêm,
não podendo a jurisdição do TJ se aplicar imediatamente às normas relativas a matérias que
anteriormente faziam parte do terceiro pilar. Só passado 5 anos, o TJ adquiria competência,
mantendo-se até lá o regime jurídico constante do anterior TUE na versão de Nice. Com o
Tratado de Lisboa, o processo legislativo ordinário passa a aplicar-se às matérias do espaço de
liberdade, segurança e justiça. Ora, veja-se que os poderes do PE passaram de meramente
consultivos a um verdadeiro poder legislativo (decisório), o que se justifica atendendo aos
efeitos importantes que esta legislação tem sobre direitos fundamentais. Contudo, as matérias
dos artigos 76º, 81º/3, 86º/1, 87º/3 e 89º TFUE estão excluídos da aplicação do processo
legislativo ordinário, visto que são matérias muito marcadas pelo princípio da territorialidade
nacional, e por isso, muito ligadas à soberania dos Estados. As fontes comuns de Direito
Derivado presentes no artigo 288º TFUE aplicam-se a todas as matérias abrangidas pelo espaço
de liberdade, segurança e justiça. Os parlamentos nacionais avaliam a execução das políticas da
União dentro do espaço de liberdade, segurança e justiça, nos termos do artigo 70º TFUE e estão
associados ao controlo político da Europol e à avaliação das atividades da Eurojust (85º e 85º
TFUE). Sabemos que os Parlamentos Nacionais podem dirigir um parecer aos Presidentes do PE,

2
Tomar em atenção a influência que o Tratado de Lisboa sofreu do projeto de TECE elaborado pela Convenção sobre
o Futuro da Europa, TECE saído da GIG 2004 e o mandato da GIG 2007, anexo às conclusões do Conselho Europeu.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Conselho e Comissão em que exponham as razões segundo as quais consideram que o projeto
em causa não respeita o princípio da subsidiariedade (Protocolos 1 e 2 relativos ao papel dos
parlamentos nacionais e à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade).
Se os pareceres representarem um terço do total dos votos atribuídos aos parlamentos
nacionais, o projeto deve ser reanalisado. Mas se estiver em causa matéria prevista no artigo
76º TFUE- cooperação judiciária em matéria penal e cooperação policial- é apenas necessário
um quarto do total de votos para que seja reanalisado (nestas matérias o peso dos parlamentos
nacionais é superior, visto que o afastamento da proposta depende de um número menor de
votos). Depois da reanálise, a Comissão pode decidir manter a proposta, alterá-la ou retirá-la,
sendo que se decidir mantê-la deverá especificar em parecer fundamentado a razão por que a
mesma obedece ao princípio da subsidiariedade. Se por maioria de 55% dos membros do
Conselho ou por maioria dos votos expressos do PE, considerar que a proposta não é compatível
com o princípio da subsidiariedade, a proposta não continuará a ser analisada. O Tratado de
Lisboa estende a jurisdição do TJUE a todo o espaço de liberdade, segurança e justiça, contudo,
o artigo 276º TFUE prevê exceções a essa jurisdição: a) fiscalização da validade ou da
proporcionalidade de operações de polícia; b) decisão sobre o exercício das responsabilidades
que incumbem aos Estados Membros em matéria de manutenção da ordem pública e de
garantia da segurança interna. Por outro lado, pense-se também na existência de período
transitório já apresentado, o que leva a que o TJUE só possa ter jurisdição em matéria de
cooperação policial e cooperação judiciária em matéria penal 5 anos após a entrada do Tratado
de Lisboa.

As normas do TFUE relativas ao espaço de liberdade, segurança e justiça contêm desvios ao


regime jurídico geral da União: a) possibilidade de iniciativa legislativa por parte de um quarto
dos Estados- resquício do método intergovernamental (76º alínea b) TFUE); b) clausulas de
salvaguarda no âmbito da cooperação judiciária em matéria penal, admitem a suspensão da
adoção de uma diretiva se um membro do Conselho considerar que ela vai afetar aspetos
fundamentais do seu sistema de justiça penal- “travão de emergência” (82º/3 e 83º/3 TFUE); c)
condições especificas da cooperação reforçada relativa à cooperação judiciária em matéria
penal como consequência do fracasso da adoção de uma diretiva (82º/3 e 83º/3 TFUE); d)
responsabilidade exclusiva dos Estados, no que toca à manutenção da ordem pública e da
salvaguarda da segurança interna (72º TFUE); e) Estados Membros têm o direito de determinar
unilateralmente quotas de imigração de nacionais de terceiros Estados (79º/5 TFUE). Veja-se
que estes desvios relevam o método intergovernamental e são concessões à soberania dos
Estados Membros.

O protocolo nº20 rege a situação do Reino Unido e Irlanda quanto ao espaço de liberdade,
segurança e justiça. Note-se que estes Estados não fazem parte dos acordos Schengen, gozando
de um opt-out, isto é, podem, a todo o tempo, requerer a possibilidade de aplicar as disposições
deste. Assim, o Reno Unido e a Irlanda, segundo o Protocolo nº21 não participam na adoção
pelo Conselho de medidas cuja base jurídica seja o título V da parte III do TFUE relativo ao espaço
de liberdade, segurança e justiça, não lhes sendo aplicadas as disposições tomadas, a menos
que estes Estados decidam participar na adoção e aplicação dessas disposições. A Dinamarca
recusa a comunitarização de todas as matérias pelo espaço de liberdade, segurança e justiça,
sendo que o Protocolo nº21 lhe concede um regime de exceção, que pode vir a ser prescindido
em moldes um pouco mais limitados do que o Reino Unido e a Irlanda. Note-se que esta
diversidade implica que nem todos os cidadãos europeus gozem dos mesmos direitos e não
tenham acesso aos mesmos meios de defesa, sendo um atentado ao direito de a uma tutela

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

jurisdicional efetiva e ao princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação em função


da nacionalidade.

Natureza da União Europeia

Os Estados, quando instituem a União Europeia, transferem para esta parte dos seus poderes
de soberania para uma pessoa coletiva diversa destes (a partir do Tratado de Lisboa). A União
Europeia distingue-se das Organizações internacionais clássicas, pois: nestas últimas estamos
presentes da cooperação dos Estados, não existindo transferência do soberania, não podendo
uma decisão, em regra, ser imposta, visto que os membros decidem através da unanimidade
(veja-se que nem sempre é assim, como no caso da ONU); por outro lado, no caso da União
Europeia, existe uma integração, que pressupõe a transferência de soberania dos Estado para a
União, podendo portanto as decisões ser impostas aos Estados membros mesmo que estes não
concordem com essas. O facto de a União Europeia ser uma ordem de direito autónoma,
significa que o direito de União não será desvirtuado pela interação com o direito natural e será
aplicado uniformemente em todos os Estados-Membros. Mais, os próprios conceitos jurídicos
são interpretados à luz das exigências do direito e dos objetivos da união, e não à luz dos direitos
nacionais dos Estados-membros. A ordem jurídica da União e as ordens jurídicas são
interdependentes e cooperação entre si.

Veja-se o artigo 4º/3 TUE, que mostra que a União não constitui um sistema autossuficiente,
sendo dependente dos sistemas nacionais que estão na sua base para a respetiva aplicação do
seu direito. Assim, as autoridades nacionais devem, não só respeitar os tratados da União e
respetivas normas emanadas as instituições da União, mas também aplicá-las e dar-lhes vida.
Ilustrações da ligação entre as ordens jurídicas: sistema de diretiva, processo de questão
prejudicial quanto à interpretação ou validade do direito da União, recorrer às ordens nacionais
para colmatar lacunas do direito da União, execução do direito da União.

Conflito entre o direito da União Europeia e o Direito Nacional:

 Aplicabilidade do Direito da União: significa que o direito da União cria obrigações e


confere direitos, não só para as suas instituições, mas também para os cidadãos da
União. O Tribunal de Justiça da União determinou este princípio no caso Van Gend &
Loos (1963), sendo esta uma empresa neerlandesa, que intentou uma ação juntos dos
tribunais neerlandeses contra a administração das alfândegas do seu país por esta
pretender um direito aduaneiro mais alto na importação de um produto químico da RFA.
A questão dizia respeito à possibilidade da empresa (um particular) poder ou não
invocar o disposto no antigo artigo 12º Tratado CEE, que proíbe expressamente a
introdução pelos Estados de novos direitos aduaneiros ou o aumento dos existentes no
mercado comum. O TJUE pronunciou-se, contra o parecer de muitos governos e do
advogado-geral, pela aplicabilidade direta das disposições da União. Outros acórdãos
relevantes quanto à aplicabilidade direta da livre circulação (processo Van Duyn),
liberdade de estabelecimento (caso de J. Reyners) e da livre prestação de serviços
(processo Van Binsbergen). Desde 1970, o Tribunal de Justiça tornou este princípio
aplicável também às disposições das diretivas e às decisões dirigidas aos Estados-
membros (direito derivado).
 Primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional: o direito escrito da
União Europeia não apresenta este princípio. Contudo, se não existisse o primado do
Direito da União, as disposições da União poderiam ser anuladas por qualquer lei
nacional, estando excluída a aplicação uniforme em todos os Estados-Membros. Foi o

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Tribunal de Justiça que fixou este principio no acórdão Costa/ENEL (1964), fixando que
os Estados transferiram de forma definitiva para a União certos direitos soberanos,
sendo as medidas unilaterais posteriores incompatíveis com o conceito de direito da
União Europeia e, por outro lado, que o Tratado estabelece com principio fundamental
que um Estado-Membro, não pode pôr em causa a particularidade do Direito de União
se impor uniforme e completamente no conjunto da União. Assim, o direito da União
prevalece sobre qualquer norma nacional, ainda que posterior a si, sendo essa norma
inaplicável, não podendo ser introduzidas nocas disposições de direito interno
contrárias à legislação da União. Acórdão do Tribunal de Justiça de 1993, Administração
das Finanças do Estado c. Sociedade Anónima Simmenthal, Recueil 1978: “O juiz
nacional responsável, no âmbito das suas competências, por aplicar disposições de
direito comunitário, tem obrigação de assegurar o pleno efeito de tais normas,
decidindo, por autoridade própria, se necessário for, da não aplicação de qualquer
norma de direito interno que as contrarie, ainda que tal norma seja posterior, sem que
tenha de solicitar ou esperar a prévia eliminação da referida norma por via legislativa
ou por qualquer outro processo constitucional”. A partir da altura desse acórdão, o
Tribunal desenvolveu este primado, passando a afirmar que este existia até quanto ao
direito constitucional dos Estados. Em certos Estados isto é até reconhecido pelas
constituições (Países Baixos), mas noutros esta ideia levou ao surgimento de problemas:
os tribunais constitucionais da RFA e da República Italiana começaram por não aceitar
este primado, em especial no que se refere a garantias nacionais em matéria de direitos
fundamentais. Portanto, apenas permitiam o primado quando a proteção dos direitos
fundamentais na ordem jurídica da União tinha atingido um nível correspondente ao
que consagram as constituições nacionais.

Cidadania da União

A cidadania deve ser vista como tendo 3 dimensões: estatuto jurídico que confere um conjunto
coerente de direitos e deveres aos indivíduos; pressupõe um sentimento de ligação de um
individuo a uma comunidade particular; e pressupõe o direito de participar politicamente na
vida dessa comunidade. A cidadania da União foi inserida no Tratado de Maastricht e veja-se
que, ao contrário do pensamento comum, neste caso, quem atribui a nacionalidade, o Estado,
não coincide com a entidade em relação à qual se vão exercer os direitos de cidadania (conceitos
de nacionalidade e cidadania separam-se). A inclusão da cidadania tem a si inerente a noção de
igualdade, visto que esta cidadania traduz uma ideia de pertença a uma comunidade de direitos
e deveres, nos quais se inclui a igualdade. A criação da cidadania no Tratado de Maastricht deve-
se à transformação de ume europa económica numa europa política, em que se introduz uma
dimensão política na integração europeia e se desenvolve a sua dimensão social. A discussão
sobre a cidadania europeia opõe aqueles que defendiam a tese federalista (apoiavam) e os que
defendiam a tese intergovernamental (negavam), o que levou a que fosse a cidadania fosse
aceite, mas incluída no TCE (e não TUE), fosse esvaziada parcialmente de conteúdo e estivesse
dependente da atribuição de nacionalidade por parte dos Estados Membros.

Veja-se que a atribuição da nacionalidade é uma competência exclusiva dos Estados, e essa
competência é mantida intacta, podendo estes definir o modo como atribuem a nacionalidade
(afirmado nos casos Kaur e Micheletti, ainda que deva ser feito com respeito pelo Direito
Comunitário). Portanto, a União não pode atribuir cidadania com base em critérios
independentes. O conceito de cidadania europeia encontra-se totalmente dependente da
atribuição da nacionalidade pelos Estados Membros, visto que a ligação entre a União e seus

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

cidadãos é indiretamente criada através da nacionalidade dos Estados Membros (20º/1 TFUE)-
a cidadania é uma cidadania de sobreposição. Se a condição de cidadania europeia é a atribuição
de nacionalidade a pessoas dos Estados Membros, veja-se a desigualdade nas condições de
acesso que condicionam a atribuição da cidadania da União (e os direitos das pessoas,
consequentemente), pela diversidade de processos que existem nos diferentes Estados
Membros. A partir de Maastricht os nacionais dos Estados Membros passaram a ter duas
cidadanias- dos Estados Membros e da União. Note-se que este critério exclui da cidadania
europeia todos aqueles que residam nos países membros, mas que não tenham nacionalidade
dos mesmos e aqueles que percam a nacionalidade dos mesmos, visto que perdem também a
cidadania europeia e os direitos que lhes estão inerentes (ainda que possa manter a qualidade
de trabalhador migrante que lhe permite conservar alguns direitos). A cidadania realça o
individuo como elemento essencial da construção europeia, assim como avança no sentido de
afirmação de uma identidade europeia, na medida em que a inclusão da cidadania pressupõe a
aceitação de que os Europeus partilham alguns valores e provém de uma herança cultural
comum.

Um Estado Membro não pode recusar o reconhecimento da nacionalidade de uma pessoa a


quem outro Estado reconhece a qualidade de seu nacional, nem pode fazer depender esse
reconhecimento de quaisquer outras condições além da nacionalidade, como forma de
condicionar o gozo e o exercício dos direitos consagrados no Direito da União (nota-se o caso
Chen). Assim, os Estados Membros devem incondicionalmente aceitar a cidadania da União
conferida por outro Estado Membro. Veja-se que esta ideia tem como consequência que se um
Estado Membro for mais generoso na atribuição da nacionalidade do que outros, acaba por
vinculá-los também, visto que os Estados quando aceitam a cidadania europeia, aceitam
também certo grau de reconhecimento recíproco, incondicional e mútuo, no que diz respeito às
regras de nacionalidade. O Tribunal de Justiça tem visto a tentar reduzir a desigualdade que
advém da existência de diferentes leis de nacionalidade, afirmando que todo o cidadão da União
tem direito a um tratamento igual ao exercer direitos que lhe advêm do Direito Comunitário,
devendo a desigualdade ser sempre justificada com base em razões objetivas e tem de ser
proporcionada ao objetivo legitimamente prosseguido.

Direitos e Deveres do Cidadão da União: com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, os


direitos de cidadania passam a ter uma dupla base no direito originário- TFUE e CDFUE (antes
era só o TCE). Os direitos estão presentes nos artigos 18º e 21º a 24º TFUE (note-se que o direito
não estar sistematicamente integrado na parte da cidadania não obsta a que seja considerado
como tal, ex. 18º TFUE) e 39º a 46º CDFUE. Tem-se assistido a um movimento de extensão dos
beneficiários dos direitos de cidadania, que aponta no sentido de uma tendência de proteção
jurídica. Nesse sentido é possível distinguir: a) os direitos reservados aos cidadãos da União (22º
e 23º TFUE); b) direitos ligados à residência (24º e 15º/3 TFUE; o direito de livre circulação existe
para nacionais dos Estados Membros, o qual é extensivo às suas famílias, mas os residentes
nacionais de estados terceiros estão sujeitos a condições mais restritas); c) direitos que são
atribuídos a qualquer pessoa (boa administração e possibilidade de dirigir-se por escrito às
instituições quando os órgãos e organismos da União não aplicam o direito da União- 41º Carta).
Podem ser aditados novos direitos e/ou reforçar o quadro atual de direitos (muito mais limitado
que o associado à cidadania estadual), sem necessidade de revisão dos Tratados pelos processos
previstos no artigo 48º TUE (25º TFUE). O exercício da maioria dos direitos depende da condição
de o nacional se deslocar do Estado de que é nacional para outro Estado-Membro e de aí passar
a residir. O estatuto de cidadão não comporta nenhum dever. As normas referentes à cidadania
da União podem sofrer derrogações e a implementação das normas relativas à cidadania exige

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

por vezes a unanimidade do Conselho. O direito à não discriminação (18º TFUE) passou a ser
utilizado pelo TJ como um direito inerente à cidadania (20º TFUE), sendo esta relação expressa
pela primeira vez no caso Martinez Sala e confirmada nos casos Bickel-Franz e Grzelczyk. Nos
casos Wijsenbeek, Kaba I e Kapa II o TJ procede a interpretações mais restritivas do direito à não
discriminação.

O direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados Membros abrange o


direito de entrada num outro Estado Membro, livre circulação e o direito de residência efetiva
num outro Estado Membro e o direito de obter vantagens sociais. O TJ considera que as regras
que contêm um elemento territorial, como afetam o direito do cidadão da União de circular bem
como de escolher o seu local de residência, só são admissíveis se prosseguirem um fim legitimo
e passarem o teste da proporcionalidade.

O impacto da cidadania da União nos nacionais de terceiros Estados: um nacional de um


terceiro Estado, mesmo que resida legalmente na União, por um período de tempo, não tem
qualquer hipótese de vir a adquirir a cidadania da União, o que significa que não pode usufruir
das vantagens que esta lhe poderia conferir, nomeadamente o direito a não ser discriminado.
Nesse sentido, para além da vertente includente da cidadania da União, esta tem uma vertente
excludente, visto que exclui os estrangeiros, nacionais de países terceiros e os apátridas dos
direitos que estão associados à cidadania. Existe, portanto, desigualdade de tratamento- não
podem movimentar-se no mercado interno para procurar emprego ou para se estabelecer
noutro Estado Membro- e desigualdade de participação- não adquirem direitos políticos, como
o direito de eleger e ser eleito nas eleições municipais e nas eleições para o PE. Veja-se, contudo,
que a CDFUE no artigo 45º/2 admite a extensão do direito de circular a permanecer aos
nacionais de terceiros Estados que residam legalmente no território de um Estado Membro. O
TJ assume quanto a nacionais de terceiros Estados uma posição restritiva, recusando a aplicação
do direito à não discriminação a esses, o que mostra claramente que a cidadania da União não
contribui para reforçar os direitos dos nacionais de Estados terceiros.

Instituições da União Europeia

O artigo 13º do Tratado da União Europeia apresenta o quadro institucional, que é


complementado por outros órgãos complementares:

➢ Parlamento Europeu: o artigo 14º elenca as funções do Parlamento Europeu, sendo


estas a função legislativa, função orçamental, funções de controlo político e funções
consultivas. É este que elege o Presidente da Comissão. O Parlamento é considerado
legislador quanto ao processo legislativo ordinário (289º/1 TFUE), mas quando ao
processo legislativo especial raramente legisla sozinho, sendo a decisão atribuída ao
Conselho e o Parlamento é chamado a intervir nos casos excecionais (289º/2 TFUE). Não
é reconhecida iniciativa legislativa ao PE, apenas nos casos do artigo 289º/4 TFUE. A
função de elaborar o orçamento anual, segundo o artigo 310º do TFUE, é partilhado pelo
PE e Conselho, tendo estes um poder equiparado. O Tratado da União reforçou as
funções de controlo político, existindo uma responsabilidade política da Comissão
perante o PE (324º TFUE- prevê a possibilidade de apresentar uma moção de censura à
Comissão/ 17º/8 TUE). O Parlamento elege o Presidente da Comissão e adota a lista os
membros da Comissão, sendo esses escolhidos com base nas sugestões apresentadas
por cada Estado Membro (17º/7 TUE). O PE pode ainda constituir comissões de
inquérito temporárias (226 TFUE) e exigir a apresentação de relatórios e informações a
outros órgãos. Controla a Europol e o Eurojust , cabendo-lhe a eleição do Provedor de

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Justiça (288º/1 TFUE). Um Estado mais populoso representa mais cidadãos do que um
país menos populoso e nenhum estado com menos população dispõe de mais lugares
do que um estado com mais habitantes. O limite mínimo de deputados é 6 e o limite
máximo é 96. Os membros são eleitos por sufrágio universal direto a partir de 1979. A
União Europeia garante o princípio da democracia representativa, isto é, todos os
cidadãos estão diretamente representados no PE e têm o direito de participarem
ativamente na vida democrática na União Europeia (10º TUE). Regra geral, as decisões
são tomadas por maioria absoluta dos votos expressos, mas existem matéria e decisões
que têm de ser tomadas por maioria absoluta do número legal de deputados.
➢ Conselho Europeu: representa o mais alto nível de cooperação política entre os Estados
Membros, reunindo em Cimeiras normalmente trimestrais. É uma instituição autónoma
da União Europeia. A verdadeira função é estabelecer as diretrizes políticas gerais para
a atuação da União, aprovando decisões políticas de fundo e formulando diretrizes e
recomendações relacionadas com o trabalho do Conselho ou da Comissão Europeia.
Não exerce a função legislativa, mas tem poderes diversos quanto a organização e
formação das restantes instituições: delibera as formações e presidências do Conselho
(236º TFUE); designa a pessoa a ser eleita para Presidente da Comissão Europeia pelo
PE; nomeia a Comissão Europeia (17º/7 TUE); nomeia o Alto Representante para os
Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (18º/1 TUE); nomeia os membros da
Comissão Executiva do Conselho do Banco Central Europeu (283º/2 TFUE); e decide
sobre a abertura de um processo de revisão dos Tratados, bem como decidir de
alterações de determinadas disposições dos Tratados (48º TUE), utilizando o processo
de revisão simplificada, sendo que é exigido o assentimento de todos os Parlamentos
Nacionais.
➢ Conselho: é composto por um representante de cada Estado-Membro ao nível
ministerial, como poderes para vincular o Governo do respeito Estado e exercer o direito
de voto. O artigo 1º TUE apresenta que o Conselho exerce funções legislativas,
orçamentais, de definição das políticas e de coordenação (Ex. elabora a política externa
e de segurança comum- 26º/2 TUE; coordena as políticas económicas-121º TFUE; 150º
TFUE e 160º TFUE). Quanto à função legislativa, o processo ordinário legislativo é
conseguido pela decisão conjunta do Parlamento Europeu e do Conselho, sob proposta
da Comissão (289º/1 e 294º). A função orçamental é também dividida com o PE (314º e
322º TFUE). O Conselho exerce competências no alargamento das competências das
outras instituições (352º TFUE) e ainda competências para aprovar decisões de natureza
constitucional no que toca a recursos próprios da União Europeia (311º/3 TFUE). Por
fim, tem o poder de execução dos seus atos legislativos, reservando para si a execução
de atos juridicamente vinculados, em casos devidamente justificados (291º/2 TFUE). A
Presidência do Conselho é exercida rotativamente pelos Estados-Membros por períodos
de seis meses. A tarefa prioritária do Conselho é a elaboração de legislação (codecisão
com PE). Cabe-lhe ainda coordenar políticas económicas dos Estados-Membros e
elaborar um orçamento que será aprovado pelo PE. O Conselho nomeia os membros do
Tribunal de Contas, do Comité Económico e Social Europeu e do Comité das Regiões. É
ainda responsável pelo estabelecimento de acordos entre a União Europeia e países
terceiros ou organizações internacionais.
➢ Comissão Europeia: a sua principal atribuição é a representação e defesa dos interesses
da União Europeia na sua globalidade. O artigo 17º do TUE apresenta as funções desta:
promove o interesse geral da União, vela pela aplicação dos Tratados, controla a
aplicação do direito da União (tem a capacidade de controlar e impugnar

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

comportamentos que incumpram o direito, nomeadamente a partir da formulação de


um parecer fundamentado ou da submissão ao Tribunal- 258º e 260º TFUE), executa o
orçamento, exerce funções de coordenação, execução e de gestão, assegura a
representação externa da União e toma a iniciativa da programação anual e plurianual
da União. Tem poder de iniciativa legislativa, tanto por competência própria como a
pedido do Parlamento Europeu (17º/2 TUE). É o órgão executivo da União. Nos termos
do artigo 292º TFUE pode adotar recomendações e pareceres. O Tratado de Lisboa
reduziu bastante os poderes da Comissão.
➢ Tribunal de Justiça da União Europeia: é composto pelo Tribunal de Justiça, Tribunal
Geral e Tribunais Especializados. O Tribunal como justiça tem como função garantir o
respeito na interpretação e aplicação dos Tratados (19º/1 TUE), tendo para isso, funções
de jurisdição ordinária, internacional, administrativa e constitucional. Tem, no entanto,
limitações: não pode interferir com questões intimamente dependentes da soberania
estadual de cada Estado-Membro, nem ir contra o princípio do equilíbrio institucional
(13º/2 TUE). O Tribunal Geral surge da necessidade de auxílio do Tribunal de Justiça,
permitindo que o TJ se foque mais na sua função de garante de direito, garantindo o
princípio de dupla jurisdição. O Tribunal Geral funciona como tribunal de primeira
instância dos recursos, com exceção dos atribuídos a um tribunal especializado e dos
que o Estatuto reserva para o Tribunal de Justiça (podendo esse, portanto ser tribunal
de primeira instância). A Competência do TJ é: diálogo judicial (267 TFUE); controlo
jurisdicional a título preventivo (218º TFUE); controlo jurisdicional a título sucessivo dos
atos das instituições- recurso de anulação, ação de omissão, exceção da ilegalidade,
ação de indemnização e recursos dos funcionários; dos atos dos Estados Membros-
processo por incumprimento); competência arbitral (272º e 273º TFUE). O número de
juízes é 28, sendo composto por um juiz de cada Estado-Membro. O Tribunal de Justiça
é assistido por 11 advogados-gerais, que este pode chamar à intervenção no processo
se entender (sendo a partir do Tratado de Nice facultativa). Os juízes são nomeados por
um período de seis anos pelos Governos dos Estados-Membros, após consulta do comité
previsto no 255º do TFUE, sendo o mandato renovável. Os juízes não podem exercer
qualquer atividade política ou administrativa, nem exercer nenhuma atividade
profissional, remunerada ou não, salvo autorização excecional do Conselho, e gozam de
inamovibilidade durante o mandato (a menos que sejam removidos pelo tribunal por
decisão unanime dos juízes e advogados-gerais) e de imunidade de jurisdição para todos
os ato que praticarem durante o mandato no exercício da sua função ou não. O Tribunal
de Justiça tem um presidente eleito por 3 anos, por maioria absoluta em escrutínio
secreto, dirigindo os trabalhos e os serviços e presidindo às audiências. O Tribunal pode
reunir em Secções ( 3 e 5 juízes), Grande Secção (15 juízes presidida pelo Presidente do
TJ) e em Pleno (composto por todos os juízes, sendo o quórum de deliberação de 17
juízes- reúne nestas condições nos casos do 16º/4 do Estatuto).
➢ Banco Central Europeu: Este em conjunto com os bancos centrais dos Estados Membros
que adotaram o euro (Sistema Europeu de Bancos Centrais- SEBC) constituem o
Eurosistema, sendo através deste que é conduzida a política monetária da União. É
dotado de personalidade jurídica, tendo órgãos próprios e estatuto próprio, mas apesar
de essencial para a União, não tem intervenção na formação da sua vontade. É
independente (282º/3 TFUE), tendo como competência principal a emissão de notas de
banco em euro na União (128º TFUE). Tem como competências a adoção de
regulamentos ou decisões, formular recomendações e pareceres (132º TFUE) e aplica

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

multas ou sanções pecuniárias temporárias às empresas, em caso de incumprimento de


obrigações decorrentes dos regulamentos e decisões.
➢ Tribunal de Contas: foi criado em 1975 e tem como principal função a fiscalização das
contas da União (285º TFUE), tendo competência para o exame das contas da totalidade
das receitas e despesas da União, bem como qualquer outro órgão ou organismo criado
pela União, na medida em que o respetivo ato constitutivo não exclua isso. É composto
por um nacional de cada Estado Membro (27 membros), sendo escolhidos entre as
personagens que pertençam ou tenham pertencido nos respetivos países a instituições
de fiscalização externa ou que possuam uma qualificação especial para essa função. O
Conselho, após consulta do Parlamento Europeu, aprova a lista dos membros
estabelecida em conformidade com as propostas apresentadas por cada Estado-
Membro, sendo o mandato de 6 anos, renovável. Os juízes do Tribunal de Contas devem
exercer as suas funções com total independência no interesse da União, não solicitando
nem aceitando instruções de nenhum Governo ou qualquer entidade. Enquanto
exercem o mandato não podem exercer qualquer atividade, independentemente de ser
remunerada ou não. Os privilégios aplicáveis aos juízes do TJ são igualmente aplicáveis
aos membros do Tribunal de Contas.
➢ Comité Económico e Social: é um órgão consultivo (por vezes obrigatária- 304º TFUE)
previsto nos artigos 300º e seguintes do TFUE. É composto por representantes dos
diferentes setores da vida económica e social, sendo o número de membros definida
por decisão do Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da comissão, não
podendo ser superior a 350. O mandato é de 5 anos renovável.
➢ Comité das Regiões: é um órgão consultivo, sendo a competência consultiva muitas
vezes obrigatória, podendo até emitir parecer por iniciativa própria (307º TFUE). Este
órgão está regulado nos artigos 300º/3 e 305º a 307º TFUE. É composto por
representantes das Autarquias Regionais e Locais quer sejam titulares de um mandato
eleitoral a nível regional ou local, quer politicamente responsáveis perante uma
assembleia eleita. A composição do Comité é definido pelo Conselho, deliberando por
unanimidade, sob proposta da Comissão, mas o número máximo de membros é de 350.
➢ Provedor de Justiça da União: foi criado pelo Tratado de Maastricht, sendo eleito pelo
PE pelo período da legislatura. Exerce as suas funções com total independência, não
solicita nem recebe instruções de qualquer organismo e não pode exercer outra
atividade profissional, remunerada ou não. O Estatuto do Provedor de Justiça é fixado
pelo PE, por meio de regulamentos adotados por iniciativa própria de acordo com um
processo legislativo especial, após parecer da Comissão e com a aprovação do Conselho.
Esta figura tem poderes para receber queixas (que respeitem a má administração na
atuação das instituições, órgãos ou organismos da União, com exceção do TJUE no
exercício das suas funções jurisdicionais) apresentadas por qualquer cidadão da União
ou qualquer pessoa singular ou coletiva com residência ou sede estatuária num Estado
Membro. O Provedor de Justiça por iniciativa própria ou com base nas queixas,
diretamente ou por intermédio de membro do PE, exerce as suas funções mediante
inquéritos aos órgãos que considere em situação de má administração. Depois envia um
relatório ao PE e à instituição, órgão ou organismo em falta (depois de o ouvir), sendo a
pessoa que apresentou queixa informada do resultado do inquérito. Anualmente é
apresentado um relatório ao PE sobre o resultado dos inquéritos.

Fontes de Direito da União Europeia

25
Inês Godinho Turma A 2019/2020

O Tratado de Lisboa vai procurar eliminar a complexidade associada às fontes, abandonando a


estrutura tripartida da União e ainda vai tentar estabelecer uma hierarquia de normas e atos da
União pela vida da distinção entre atos legislativos e não legislativos.

Fontes Imediatas: Direito Originário, princípios gerais de Direito, Direito Derivado e o Direito
Internacional.

Fontes Mediatas: jurisprudência e Doutrina.

 Direito Originário: é o parâmetro de validade de todas as outras regras da União


Europeia (“bloco de constitucionalidade” que não pode ser ultrapassado por qualquer
outra regra aprovada pelas instituições da União- tratados institutivos estão no topo da
hierarquia das fontes da União, prevalecendo sobre todos os atos e normas de direito
derivado), sendo constituído pelos Tratados Institutivos (Tratado da CECA, Tratado da
CEE e o Tratado da EURATOM) e por todos os que os modificaram, completaram ou
adaptaram. Também a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia é Direito
Originário, visto que segundo o artigo 6º/1 TUE tem o mesmo valor que os tratados. A
Ordem Jurídica da União funda-se em dois tratados (TUE e TFUE) e nenhum deles é
autossuficiente, sendo que só juntos constituem o fundamento, critério e o limite do
Direito da União. As bases da União estariam reservadas ao TUE enquanto a
implementação pormenorizada faria parte do TFUE. O Direito Originário abrange ainda
os Tratados de Adesão dos Estados membros, assim como os Protocolos e Anexos aos
Tratados (51º TUE).
Revisão dos Tratados (48º TUE): há que distinguir o processo de revisão ordinário (48º/2
a 5) e os processos de revisão simplificados (48º/6 e 7). O processo de revisão ordinário
destina-se a possibilitar modificação em qualquer parte dos Tratados, consistindo em 3
etapas: transnacional , internacional e interna. O poder de iniciativa de revisão pertence
ao Governo dos Estados, PE e Comissão, sendo que estes podem submeter projetos de
revisão ao Conselho, que deve enviá-los ao Conselho Europeu e notificar os Parlamentos
Nacionais. O Conselho Europeu vai decidir por maioria simples, ouvidos o PE e a
Comissão, a prossecução da análise das propostas de revisão. Para a efetivação da
revisão poderá seguir-se o método convencional ou intergovernamental, sendo o
primeiro aquele em que consiste na convocação de uma convenção composta por
representantes dos parlamentos nacionais, dos chefes de estado ou do governo dos
estados, do PE e da Comissão, para analisar os projetos e adotar por consenso uma
recomendação dirigida à GIG. O Conselho de Estado pode considerar que isso não é
necessário, decidindo este por maioria simples, após aprovação do PE. Note-se que as
alterações ao Tratado só entraram em vigor, após ratificação, de acordo com o Direito
Constitucional dos Estados-Membros. No processo de revisão simplificado, é o Conselho
Europeu que decide as alterações deliberando por unanimidade, após consulta do PE e
da Comissão, exigindo-se a aprovação dos Estados Membros de acordo com as normas
constitucionais. O artigo 48º/7 apresenta a situação em que o Conselho Europeu pode
decidir que as matérias do TFUE e Título V do TUE que requerem a decisão de
unanimidade, possam ser revistas no sentido de o Conselho passar a decidir por maioria
qualificada (com exceção das decisões com implicações no domínio militar). Por outro
lado, o Conselho pode decidir que onde o TFUE determine que o Conselho adota atos
legislativos, de acordo com o processo legislativo especial, passe a adotar a decisão
desses atos nos termos do processo legislativo ordinário, por decisão do Conselho da
Europa. Os Parlamentos Nacionais podem manifestar-se no prazo de 6 meses, para

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

paralisar a adoção da decisão, se nenhum o fizer, a decisão é adotada por unanimidade


pelo Conselho Europeu, por unanimidade, após aprovação do PE, que se pronuncia pela
maioria dos membros.
Princípios Gerais de Direito: O Tribunal de Justiça recorre aos princípios gerais de direito
como parâmetro de legalidade e também para integrar lacunas tanto do direito
originário como do direito derivado. Utiliza também quando averigua a conformidade
de medidas nacionais com o Direito da União Europeia. Existem certos princípios que
podem ser considerados constitucionais, por serem reconhecidos nos tratados
constitutivos da União, como aqueles que se retiram implicitamente do artigo 2º TUE.
Resultam ainda explicitamente dos tratados os seguintes princípios: solidariedade entre
Estados-Membros, subsidiariedade, proporcionalidade, cooperação real entre os
Estados Membros e instituições da União, competências de atribuição, não
discriminação em função da nacionalidade, igualdade dos Estados-Membros, livre
circulação de mercadorias e pessoas, precaução. Do ordenamento da União pode
deduzir-se os princípios do equilíbrio institucional, da preferência comunitária e da
uniformidade. O Direito Internacional Público serviu como fundamento para alguns
princípios, designadamente os que vinculam a União enquanto sujeito de Direito
Internacional, como o princípio pacta sunt servanda, da boa fé na execução dos
tratados, do efeito útil da interpretação. Em certos casos, os princípios comuns a todos
os sistemas jurídicos e ainda, mais raramente os princípios gerais comuns aos Direitos
dos Estados Membros (ex. 340º TFUE e proteção dos direitos fundamentais na União
Europeia- 6º/3 TUE), foram usados como inspiração.
 Direito Derivado (288º TFUE): assenta no princípio segundo o qual, quando necessária
uma regulamentação comum a todos os Estados, as disposições nacionais devem ser
substituídas por um ato comunitário. Mas, quando não existe essa necessidade, há que
atender às ordens jurídicas dos Estados Membros.
 Regime Comum dos atos de Direito Derivado: a natureza do ato não depende
da sua qualificação, mas sim do seu conteúdo (ex. decisão pode ter forma de
regulamento- 263º, parte 4). Existe um princípio de presunção de legalidade a
favor das normas e atos da União. No entanto, os atos afetados por vícios graves
e evidentes podem ser considerados pelo TJ como inexistentes (raramente
utilizado, pois põe em causa o princípio da segurança jurídica). Segundo o artigo
296º TFUE, há um dever de fundamentação em relação a todos os atos jurídicos
da União, devendo esta incluir a menção expressa da base jurídica do ato, bem
como das propostas, iniciativas, recomendações, pedidos ou pareceres
obrigatoriamente obtidos por força do Tratado, assim como fazer referência às
razões que levaram à aprovação do ato dentro de uma certa margem de
discricionariedade. O artigo 297º/1 parte 3º do TFUE, apresenta que os atos
legislativos são publicados no Jornal Oficial da União Europeia, assim como os
regulamentos e diretivas dirigidas a todos os Estados Membros (atos não
legislativos) e as decisões que não indiquem destinatário. As outras diretivas e
decisões que indiquem um destinatário são notificadas aos respetivos
destinatários. Os atos publicados produzem entram em vigor na data por eles
fixada, ou se nada fixarem, no 20º dia após a sua publicação. Os atos não
publicados produzem efeitos mediante notificação.
 Regulamento: é um instrumento normativo da União que mais se assemelha à
lei a nível interno, por força da generalidade, da abstração e da eficácia erga
omnes. Tem como objetivo a unificação do direito. Aplica-se a uma

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

generalidade de pessoas e a uma generalidade de situações, não tendo


destinatários designados ou identificáveis. O TJ afirma, contudo, que “a
natureza de regulamento não é posta em causa pela possibilidade de se
determinar com maior ou menos precisão, o número ou mesmo a identidade
de sujeitos de direitos aos quais se aplica num dado momento, desde que tal
aplicação se faça em razão de uma situação objetiva de direito ou de facto”. O
regulamento tem caráter obrigatório em todos os seus elementos, o que
significa que os Estados não podem aplicar o regulamento seletivamente ou de
forma incompleta, não podem invocar disposições do seu Direito interno para
não aplicarem o regulamento e não podem impedir a execução do regulamento
com base no facto de terem expressado sérias reservas aquando da sua
aprovação. O regulamento é diretamente aplicável na União, não necessitando
da interposição do poder normativo nacional. Assim, este está apto para
conferir direitos e impor obrigações aos Estados-Membros, aos seus órgãos e
particulares. Os regulamentos adotados segundo um processo legislativo
ordinário ou especial constituem atos legislativos. Existem ainda os atos
delegados (quase legislativos) e os atos de execução. Pode, então, distinguir-se
de regulamentos de base (os legislativos) e os regulamentos de execução (atos
normativos de execução). Os regulamentos podem também necessitar de
medidas de execução a tomar por qualquer entidade nacional ou da União.
 Diretiva: vincula o Estado-Membro quanto ao resultado a alcançar, deixando às
instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios. Tem como
objetivo a aproximação das diversas legislações que permita eliminar as
contradições entre as disposições dos Estados Membros ou suprimir as
diferenças de modo a que sejam criadas condições tão idênticas quanto
possível. A diretiva, em virtude do seu processo de elaboração, pode ser um ato
legislativo (289º TFUE): se se dirigir a todos os Estados e for objeto de
implementação simultânea no conjunto da União tem um alcance geral
apresentando-se como um processo de legislação indireta. Poderá também ser
um ato não legislativo. Os Estados têm o dever de proceder à transposição das
diretivas para o Direito Interno3, sendo que em Portugal o artigo 112º/8 exige
que a transposição assuma a forma de lei, decreto-lei ou decreto legislativo
regional. Para que a diretiva se aplique aos indivíduos, a diretiva tem de ser
transposta para o Direito Interno, sendo a lei interna que se aplica aos
indivíduos. Ora, se o Estados não transpusessem a diretiva no prazo previsto, os
indivíduos ficariam em desigualdade com outros de outros Estados-Membros.
O efeito direto, defendido pelo TJ, surge com a necessidade de proteger os
indivíduos, e tem como condições: as disposições da diretiva devem determinar
os direitos dos cidadãos e das empresas de forma suficientemente clara e
precisa, a invocação desses direitos não deve estar sujeita a qualquer condição
ou obrigação, o legislador nacional não deve dispor de qualquer margem de
apreciação acerca da definição do conteúdo desses direitos, e o prazo de
transposição da diretiva deverá ter terminado. A tendência é o TJUE só aplicar

3O TJ no caso Francovich e Boniface de 1991 reconheceu a responsabilidade dos Estados por danos causados por
ausência de transposição ou por transposição errónea. Esta indemnização está intimamente relacionada com a
especificidade da ordem jurídica europeia, na medida em que se não fosse possível a indemnização dos danos
causados por não transposição da diretiva estaria em causa a integridade e eficácia dos direitos por ela atribuídos aos
particulares

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

esse efeito direto quando a situação do cidadão perante lei alterada pela
diretiva é mais favorável do que perante a lei inalterada- efeito direto vertical
(ainda que o benefício do cidadão implique o prejuízo de outro- diretiva de
duplo efeito), existindo aqui uma situação de “cidadão contra o Estado-
Membro”. O TJEU não reconheceu ainda o efeito direto das diretivas nas
relações entre os próprios cidadão- efeito direto horizontal. VER ABC UNIÃO
EUROPEIA 099- o TJ tem relativizado esta recusa do efeito direto horizontal, as
limita-se a permiti-lo, isto é, não recusá-lo de todo, nos casos em que uma parte
queira invocar um direito previsto na diretiva e contrapô-lo a outro direito de
outra parte decorrente do direito nacional.
 Decisão: após o Tratado de Lisboa, a decisão é o ato principal da PESC e pode
consubstanciar-se num ato legislativo ou não. Esta é obrigatória em todos os
seus elementos. A decisão pode ou não ter efeito direto, consoante os seus
destinatários ou seu conteúdo: se se dirige aos particulares ou empresas pode
ser invocada em tribunal diretamente; se se dirige aos Estados, apesar da
possível controvérsia, o Tribunal de Justiça, no caso Fratz Grad, reconheceu o
efeito direto dessas decisões. Poderá existir decisões com o objetivo de
completar os Tratados (Decisão do Conselho relativa à eleição do PE por
sufrágio direto e universal e Decisão da criação do Tribunal de Primeira
Instância) e as decisões com alcance meramente interno ou orgânico. As
decisões são o ato típico através do qual as instituições da União regulam
situações concretas.
 Recomendações e Pareceres: são atos não vinculativos. A recomendação
sugere um determinado comportamento ao destinatário e é adotada por
iniciativa do seu autor. O parecer expressa uma opinião de um órgão com
respeito a uma situação e emite-se por iniciativa de outro órgão ou sujeito de
Direito de União, muitas vezes no âmbito de um processo de formação de um
ato vinculativo ou como pressuposto processual. Os destinatários podem ser os
Estados-Membros e os particulares determinados ou indeterminados. Se a
emissão do parecer ou recomendação for obrigatória, a sua ausência acarreta
um vício, a violação de formalidades essenciais, que é um dos fundamentos do
recurso de anulação previsto no artigo 236º TFUE.
 Atos não previstos: resoluções4, conclusões, programas de ação5,
comunicações, declarações6 e códigos de conduta. As resoluções e declarações
políticas do Conselho visam muitas vezes estabelecer os princípios gerais na
base dos quais a União deve fundamentar a sua atuação no futuro fixando
prazos. As comunicações da Comissão são atos de alcance geral em domínios

4 Podem ser emanadas do Conselho Europeu, Conselho e PE e consubstanciam posições e intenções comuns em
relação ao processo geral de integração e a ações especificas tanto no plano da União como fora dela. Estas acabam
por exprimir a orientação para os trabalhos futuros do Conselho.
5 Elaborados pelo Conselho e pela Comissão, por iniciativa própria ou a pedido do Conselho Europeu, e têm por

objetivo a realização de programas legislativos e a consecução dos objetivos gerais que os tratados consagram.
Existem programas que estão expressamente previstos nos Tratados, sendo que a União publica-os habitualmente
sob a forma de livros brancos. Há ainda outros, que funcionam como simples orientações desprovidos que qualquer
efeitos juridicamente vinculativo, que apresentam uma vontade política das instituições da União de se conformarem
às disposições que deles emanam e são habitualmente publicados sob a designação de livros verdes.
6 Podem ser de dois tipos: as que dizem respeito ao desenvolvimento da União, equiparando-se às resoluções e

servem essencialmente para atingir um vasto público ou um grupo específico de destinatários; e as emanadas do
processo decisório do Conselho, através das quais os membros expressam pareceres conjuntos ou individuais sobre
a interpretação das decisões que o Conselho aprova- declarações interpretativas, devendo estas ser publicitadas.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

em que a Comissão tem apenas poderes de decisão a exercer caso a caso. Nos
acordos interinstitucionais (295º TFUE e presenta ainda o artigo 13º/2 TUE que
as instituições mantém entre si uma cooperação leal) as instituições e órgãos da
União estabelecem entre eles uma cooperação através de diretivas,
recomendações e pareceres que dirigem uns aos outros no quadro de
mecanismos de decisão ou através de acordos que estabelecem entre eles, sob
formas muito diversas.
 Direito Internacional Geral ou Comum: os Tribunais da União reconhecem a
vinculação da União a este direito, designadamente à CVDT, utilizando normas
desta Convenção para resolverem as questões relativas aos acordos
internacionais de que a Comunidade era parte. O Tribunal considera nos casos
Rack e Herbert Weber que as disposições da CVDT, sendo Direito Internacional
Geral, vinculam a Comunidade. O TPI decidiu que deve considerar-se que a
Comunidade está vinculada pelas obrigações resultantes da CNU da mesma
forma que estão os seus membros, por força do próprio tratado que a instituiu.
Não pode, por outro lado, violar as obrigações que incumbem aos Estados por
força da CNU, nem obstar à sua execução, estando obrigada a adotar todas
disposições necessárias para permitir que os Estados cumpram essas
obrigações. Por isso, segundo o TPI, o Direito da ONU prima sobre o Direito
Comunitário, escapando as disposições do primeiro à fiscalização jurisdicional
do TPI. Podendo fiscalizar a legalidade das resolução à luz do ius cogens,
considera que essas não violam os direitos fundamentais reconhecidos pelo
Direito Comunitário.
 Direito Internacional Convencional: a União detém capacidade para celebrar
acordos internacionais. Podermos falar em acordos propriamente ditos, nas
matérias em que a União detém competência exclusiva, ela pode celebrar
acordos com Estados terceiros ou Organizações Internacionais, aos quais fica
vinculada assim como os Estados (216º/2 TFUE). Por outro lado, menciona-se
os acordos mistos, visto que nos domínios em que a união não possui
competência exclusiva, os acordos tem de ser concluídos pela União ao lado dos
Estados-Membros. Existem também os acordos pré-união, celebrados pelos
Estados-Membros com terceiros Estados antes da criação das Comunidades ou
da sua adesão às Comunidades, que se mantêm em vigor segundo o 351º TFUE,
na medida em que são compatíveis. Se não forem o Estado Membro em causa
vai fazer todos os esforços para eliminar as incompatibilidades existentes.
 Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União: O Tribunal assume relevância
ao interpretar, desenvolver e aprofundar os Tratados, contribuindo de forma
decisiva para a elaboração e sedimentação progressivas da Ordem Jurídica da
União Europeia. Assume o papel de verdadeiro motor de integração jurídica no
âmbito da União. O TJUE nunca rejeitou os métodos de interpretação previstos
no artigo 31º CVDT, mas utilizou outros: método subjetivista, que consiste na
interpretação em função da intenção dos autores da norma, tendo sido um
método pouco utilizado; método textual, em que o juiz parte do texto para
resolver as dificuldades de interpretação, recorrendo ao contexto,
interpretação gramatical, efeito útil (regra do efeito útil e regra do efeito
necessária- utilizada particularmente em matéria de extensão das atribuições
da União para conclusão de acordos internacionais) e confrontação entre as
várias versões; método teológico ou funcional, baseado nos objetivos dos textos

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

de acordo com a evolução política, social e económica, sendo este o melhor


método para completar as disposições de alcance genérico e as disposições
incompletas e para integras as respetivas lacunas; método sistemático que
apela ao contexto em que as disposições se inserem, chegando a abranger o
próprio sistema geral dos Tratados.
 Doutrina: constituída pelas opiniões dos jurisconsultos, tendo a função critica,
influenciado por vezes as opções do legislador.

Hierarquia entre as fontes de Direito

Tratados Institutivos e Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

Principios Gerais de Direito

Regulamentos e Diretivas de Base

Regulamento e Diretivas de Execução

Os princípios gerais de Direito têm um valor supraconstitucional, prevalecendo sobre o Direito


Derivado e sobre o Direito Internacional, sendo essa superioridade ainda mais forte quando se
trata de Direitos relativos a direitos fundamentais. O Direito Originário prevalece sobre os
acordos internacionais de que a União é parte, pois é possível o controlo jurisdicional dos
mesmos (218º/11 TFUE) e ainda a admissibilidade de controlo jurisdicional sucessivo pela vida
dos atos de conclusão e aplicação. Os acordos internacionais prevalecem sobre o Direito
Derivado, na medida em que vinculam os Estados-Membros e as instituições da União (216º/2
TFUE).

Atos Legislativos: são atos jurídicos adotados no processo legislativo ou num processo
legislativo especial (289º TFUE).

Atos jurídicos delegados: são atos jurídicos sem cariz legislativo, mas com aplicação geral e
vinculativa, que permitem alterar ou completar determinados elementos não essenciais de um
ato legislativo. O poder deve ser delegado por meio de um ato legislativo na Comissão. A
delegação de poderes pode ser revogada a qualquer momento pelo Conselho e pelo Parlamento
Europeu. O ato delegado só pode entrar em vigor se, no prazo fixado pelo ato legislativo, o PE e
o Conselho não formularem objeções (290º TFUE).

Atos jurídicos de execução: constituem a exceção de que todas as medidas necessárias à


execução de atos jurídicos vinculativos da União devem ser tomadas pelos Estados-Membros de
acordo com disposições de direito interno. São em regra geral aprovados pela Comissão e
excecionalmente também pelo Conselho.

Os acordos entre os Estados Membros da União Europeia também constitui uma fonte desta,
pois têm em vista a regulamentação de questões que têm ligação estreita com a atividade da
União, mas para as quais nenhuma competência foi atribuída às instituições da União. Estes
podem também alargar o campo de aplicação das normas nacionais e criar um direito
uniformemente na União.

Procedimentos de Decisão da União Europeia

O Tratado de Lisboa eliminou a estrutura tripartida da União, levando à unificação dos 3 pilares
com a consequente eliminação dos instrumentos jurídicos dos antigos segundo e terceiro
pilares. Introduz ainda uma distinção entre atos legislativos e não legislativos, com o intuito de

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

clarificar o sistema, sendo essa distinção apurada através do procedimento de decisão segundo
o qual o ato vai ser adotado.

O artigo 289º/3 apresenta que os atos jurídicos adotados por processo legislativo constituem
atos legislativos. A categoria de atos não legislativos é residual, nela se incluindo todos os
instrumentos jurídicos de direito derivado que são adotados através de um processo não
legislativo. A distinção tem consequências: os parlamentos só podem opor-se a medidas da
União que, no seu entender, violem o principio da subsidiariedade, quanto aos projetos de atos
legislativos; a publicidade das reuniões do Conselho só é obrigatória quando está em causa
votação de atos legislativos; a distinção tem também relevância quanto à possibilidade de
pessoas singulares e coletivas interporem recurso de anulação dos respetivos atos.

 Procedimentos da adoção de atos legislativos


 Iniciativa nos Processos Legislativos: o artigo 17º/2 TUE afirma que os atos
legislativos só podem ser adotados sob proposta da comissão, salvo nos casos
em que os Tratados disponham em contrário (ex. 76º TFUE: um quarto dos
Estados Membros têm iniciativa nos domínios da cooperação judicial em
matéria penal e da cooperação policial). Assim, como se vê, o Conselho e o
Parlamento Europeu só podem adotar atos legislativos que tenham sido
formulados pela instituição que representa o interesse geral da União. O
Parlamento e o Conselho podem, ainda assim pedir à Comissão que lhes
submeta propostas adequadas sobre as questões que considerem requerer a
elaboração de atos da União para efeitos de aplicação dos Tratados. Na prática,
algumas propostas da Comissão advém de deliberações de outras instituições,
como o Conselho Europeu. O artigo 11º/4 TUE apresenta outra possibilidade de
iniciativa.
 Procedimento Legislativo Ordinário: o tratado de Lisboa alargou o número de
casos em que é usado este processo, sendo o seu regime fixado no artigo 294º
TFUE e os seus trâmites nos números 2 a 14 desse preceito, não sendo sempre
necessário que se passe por todas essas etapas: (1) iniciativa legislativa da
Comissão, apresentando a proposta (aprovada por maioria simples) ao PE e
Conselho; (2) PE estabelece a sua posição em primeira leitura e transmite-a ao
Conselho; (3) Se o Conselho aprovar a visão do PE, o ato é adotado com a
formulação que lhe deu o PE. Caso isso não aconteça, o Conselho deve adotar a
sua posição e transmiti-la ao PE; (4) O Conselho deve apresentar ao PE quais as
razões que conduziram a adotar a sua posição e a Comissão deve informar o PE
da sua posição; (5) O PE após a comunicação pode no prazo de 3 meses, aprovar
a posição do Conselho, não se pronunciar, sendo que em ambos os casos o ato
é adotado com a posição do Conselho; pode rejeitar a posição por maioria dos
membros que o compõem, o que significa que o ato não é aprovado; ou pode
ainda propor emendas à posição por maioria dos membros que o compõem,
transmitindo o texto assim alterado ao Conselho e à Comissão, que deve emitir
parecer sobre as emendas; (6) Se no prazo de 3 meses, o Conselho por maioria
qualificada (se a Comissão concordar com as alterações) ou unanimidade (se a
Comissão não aprovar as alterações) aprovar as emendas do PE, considera-se
que o ato foi adotado. Se não aprovar as emendas, inicia-se o processo de
conciliação, e o Presidente do Conselho de acordo com o Presidente do PE, deve
convocar uma reunião do Comité de Conciliação (composto por 27 membros do
Conselho e 27 do PE, sendo que a Comissão participa) dentro de 6 semanas. Se

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

o Comité não chegar a acordo, conciliando as posições adotadas nas segundas


leituras do PE e Conselho, por maioria qualificada, no prazo de 6 semanas depois
de ser convocado, o ato é considerado como não adotado. Se o Comité aprovar
o ato no prazo de 6 semanas a partir da sua convocação, inicia-se um novo
período de seis semanas em que o PE, por maioria dos votos e o Conselho por
maioria qualificada têm de aprovar o ato de acordo com o texto conjunto. Se
algum dos órgãos não conseguir aprovar, então considera-se que o ato não foi
aprovado. O nº15 apresenta exceções e especificidades sempre que um ato
legislativo esteja submetido ao processo legislativo ordinário por iniciativa de
um grupo de Estados-Membros, por recomendação do BCE ou a pedido do TJ.
 Processos Legislativos Especiais: permite a adoção de atos legislativos segundo
modalidades diferentes do processo legislativo ordinário (289º/2).Um destes
pode ser aquele em que a iniciativa pertente à Comissão, é o Conselho que
decide, em regra por unanimidade, e o PE é apenas consultado (o parecer é
obrigatório, mas não vinculativo)- devido à pouca intervenção do órgão
representativo dos cidadãos e com legitimidade democrática, este processo
tem sido utilizado cada vez menos vez, mas mantém-se em matérias que os
Estados se mostram mais resistentes a abdicar da soberania. Outro processo
especial é aquele em que o Conselho decide com base numa proposta da
Comissão, após aprovação do PE, sendo esses casos os seguintes: 19º/1, 86º/1,
311º parte 4, 228º/4, 308º parte 3 TFUE. Há ainda outros procedimentos em
que o PE decide e o Conselho ou a Comissão aprovam. Há ainda situações em
que a Comissão é chamada a dar o seu parecer.
 Processo de Adoção de Atos não Legislativos, na prática são três:
 Atos que resultem diretamente de uma disposição especifica dos Tratados:
adotados por diversas instituições (medidas tomadas pela Comissão no domínio
da concorrência ou ajudas de Estado, medidas adotadas pelo BCE no âmbito da
política monetária, medidas adotadas pelo Conselho destinadas a assegurar a
cooperação administrativa entre os serviços competentes dos Estados
Membros, no domínio do espaço da liberdade, segurança e justiça, autorização
do Conselho para dar inicio à cooperação reforçada nos domínios das
atribuições não exclusivas da União) que deliberam de acordo com a regra de
votação prevista nos tratados. Nem sempre a proposta da Comissão é
obrigatória e a influência do PE também não é uniforme, mas é menor que no
processo legislativo ordinário. A distinção entre atos não legislativos e atos
legislativos pode confundir-se, quando se confronta este processo e certos
processos legislativos especiais.
 Atos delegados (290º TFUE): um ato legislativo pode delegar na Comissão (com
a indicação dos objetivos, conteúdo, âmbito de aplicação e período de vigência)
o poder de adotar atos não legislativos de alcance geral que completem ou
alterem os elementos não essenciais do ato legislativo. Os elementos essenciais
de cada domínio não podem ser sujeitos a delegação. Inovação do tratado de
Lisboa, como forma de levar o legislador a definir apenas os aspetos essenciais
do ato legislativo, focando-se nestes. São igualmente uma forma de submeter
o executivo ao controlo do legislativo. É difícil traçar uma distinção entre estes
atos delegados e os atos de execução praticados pela Comissão.
 Atos de execução: em regra a execução dos atos vinculativos da União compete
aos Estados Membros (291º TFUE), devendo estes respeitar o princípio da

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

cooperação leal. Mas quando forem necessárias condições uniformes dos atos
juridicamente vinculativos da União, serão usados os atos de execução
adotados pela Comissão, ou em casos específicos pelo Conselho. O artigo
291º/3 TFUE, estabelece que o PE e o Conselho através de regulamentos,
criados pelo processo legislativo ordinário, definem previamente as regras e os
princípios gerais relativos aos mecanismos de controlo que os Estados podem
aplicar ao exercício das competências de execução da Comissão.
 Processos de Decisão da União Europeia no domínio internacional: existem vários
processos de decisão, consoante o tipo de acordo que está em causa. O processo
comum está previso no 218º TFUE (mesmo quanto à PESC e JAI, ainda que com algumas
particularidades).
 Processo Comum de Decisão Internacional: aplica-se nos casos em que os
Tratados preveem que a União pode celebrar acordos com Estados terceiros ou
Organizações Internacionais. O processo inicia-se com fase inicial de contatos,
que estão a cargo da Comissão ou do Alto Representante (quando os acordos
dizem respeito a domínios integrados na PESC). O Conselho deve ser informado,
visto que ele é que autoriza a abertura formal das negociações (aprova uma
decisão de aprovação da abertura das negociações e designa, em função da
matéria, o negociador ou chefe de equipa de negociação), sendo-lhe entregue
recomendações para o autorizar a começar as negociações. O Conselho
acompanha as negociações, podendo fornecer diretrizes ao negociador e
designar um comité especial (para ser consultado durante as negociações). Uma
vez negociado, o negociador apresenta ao Conselho a proposta da celebração
bem como a sua aplicação a título provisório, devendo o Conselho aprovar uma
decisão para que o acordo seja assinado e, se for caso disso, a sua aplicação
antes da entrada em vigor. O Conselho adota igualmente uma decisão de
celebração do acordo. A regra de votação em tudo o que foi afirmado é a
maioria qualificada, exceto quando o acordo incida sobre um domínio em que
seja exigida a unanimidade para que seja adotado um ato da União, bem como
nos acordos de associação, de cooperação com os estados candidatos à adesão
e no acordo de adesão da União à CEDH. A participação do PE varia consoante
o tipo de acordo internacional, sendo necessária a sua aprovação nos casos de
acordos de associação, no acordo de adesão da União à CEDH, nos acordos que
criem um quadro institucional especifico, mediante a organização de processos
de cooperação, acordos com consequências orçamentais significativas e dos
acordos que abranjam domínios aos quais seja aplicado o processo legislativo
ordinário ou o processos legislativos especiais quando a aprovação do PE é
obrigatória. Nos restantes casos, o PE é apenas consultado.
 Processos Internacionais Específicos: especificidades dos acordos comerciais
(207º TFUE) dizem respeito a: negociação compete à Comissão, cabendo a esta
com o Conselho assegurar que os acordos são compatíveis com as políticas e
normas internas da União; a Comissão apresenta ao Comité Especial e PE um
relatório sobre a situação das negociações; Conselho delibera por maioria
qualificada, em regra, no que diz respeito à negociação e celebração, exceto,
em relação ao acordos nos domínios do comércio de serviços e nos aspetos
comerciais da propriedade intelectual, bem como do investimento estrangeiro,
quando esses acordos incluem disposições relativamente às quais é exigida a
unanimidade para a adoção de normas internas- delibera por unanimidade,

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

assim como quando estão em causa acordos no domínio do comércio de


serviços culturais e audiovisuais sempre que esses acordos sejam suscetíveis de
prejudicar a diversidade cultural e linguística da união, e acordos no domínio do
comércio de serviços sociais, educativos e de saúde, sempre que esses sejam
suscetíveis de causar grandes perturbações na organização desses serviços ao
nível nacional e de prejudicar a responsabilidade dos Estados membros de
prestarem esses serviços. Os acordos monetários e cambiais e os acordos de
transportes são sujeitos a regras específicas.

Princípio da Autonomia do Direito da União Europeia: presente no acórdão Costa Enel,


expressando que o Tratado que institui a CEE, cria o seu próprio sistema jurídico autónomo, que
se caracteriza pela existência de um sistema de fontes próprio, quadro institucional
independente, sistema de fiscalização judicial eficaz, princípios específicos e na especialidade
dos objetivos do Tratado.

Princípio do Primado do Direito da União:

➢ Na ótica do Direito da União Europeia: o princípio do primado não é expresso em


nenhum tratado da União, tendo sido desenvolvido pela jurisprudência do TJ. Os
acórdãos relevantes serão: Costa ENEL, Internationale Handelsgesellschaft e
Simmenthal. No acórdão Internationale Handelsgesellschaft afirma-se que a possível
violação de direitos fundamentais formulados nas constituições dos Estados Membros
ou a violação de princípios de uma estrutura constitucional, não afeta a validade de um
ato da Comunidade ou o seu efeito sobre o território desse Estado. No caso IN.GO.GE’
90 srl, O Tribunal interpreta a jurisprudência do Simmenthal, no sentido de a lei nacional
contrária à norma comunitária, não ser inexistente, mas sim inaplicável- o que foi
reafirmado no caso Krzysztof Filipiak (2009). Outro aspeto é aquele que afirma que é
aos tribunais nacionais que compete assegurar a prevalência da norma comunitária
sobre a norma nacional. Contudo, note-se que o TJ considera a Ordem Jurídica
Comunitária como devendo articular-se com as Ordens Jurídicas Nacionais, para que
possa ocorrer a plena aplicação de ambas- sistema específico de colaboração. O
principio do primado surgiu da interpretação global dos Tratados por parte do TJ,
nomeadamente, da natureza especifica da Ordem Jurídica da União e disposições dos
Tratados: principio da cooperação leal, que implica para o seu cumprimento, que os
Estados não devem emanar atos legislativos ou outros contrários ao Direito da União;
principio da não discriminação em razão da nacionalidade, o que seria posto em causa
se cada Estado pudesse afastar unilateralmente o direito comunitário, até porque os
Estados só têm o direito de agir unilateralmente se houver disposição expressa para tal.
Ora, se os Estados pudessem legislar em sentido contrário, as obrigações com caráter
incondicional assumidas no Tratado seriam postas em causa, tal como o caráter
obrigatório e diretamente aplicável dos regulamentos. O princípio do primado tem
como consequência lógica aquela em que não é o Direito Constitucional dos Estados
que comanda a posição que o Direito Comunitário deve ocupar na hierarquia das fontes
da Ordem Jurídica interna de cada Estado, sendo a própria natureza do Direito da União
que impõe a sua supremacia. Este princípio abrange o Direito Originário, Direito
Derivado e Direito Internacional que vincula a União Europeia. Quaisquer sejam as
normas da União prevalecem sobre qualquer norma do direito interno, sendo este
primado uma exigência existencial da União Europeia e do seu direito, que só tem
sentido e eficácia se for absoluto. O primado é garantido pelo efeito direto, isto é,

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

possibilidade de os particulares invocarem a norma comunitária perante as autoridades


nacionais, o que permite ao TJ impor certos deveres aos Estados-Membros no sentido
de assegurarem esse primado; e o facto de a execução do Direito da União competir aos
Estados Membros. Para assegurar o cumprimento deste primado, o TJ exige aos Estados:
não aplicação do Direito Nacional incompatível; interpretação conforme do Direito
nacional com o Direito da União; supressão ou a reparação das consequências de um
ato nacional contrárias ao Direito Comunitário (as autoridades têm obrigação de
reembolsar as somas que foram percebidas em aplicação de um texto não conforme ao
Direito Comunitário, podendo mesmo existir responsabilidade da autoridade pública-
Acórdão Francovich); controlo jurisdicional efetivo da aplicação do Direito Comunitário
(4º/3 TUE: os Estados devem controlar a aplicação das regras comunitárias a sancionar
o seu desrespeito com sanções efetivas, dissuasivas e proporcionais, comparáveis às
que aplicam à violação do Direito Nacional); e os Estados Membros devem fazer
respeitas as regras comunitárias pelos seus nacionais. Cabe tanto aos tribunais como às
autoridades administrativas, incluindo a administração descentralizada do Estado,
assegurar a aplicação integral do primado e conferir proteção aos direitos que o Direito
Comunitário atribui aos particulares, não aplicando toda e qualquer norma nacional
contrária. Esta regra aplica-se também às sanções penais. No caso Factortame7
considerou-se que o juiz nacional nas providências cautelares pode decretar a
suspensão da aplicação da disposição nacional até ao momento em que a
compatibilidade ou a incompatibilidade seja estabelecida (no caso Zuckerfabrik afirma-
se que esta incompatibilidade pode ser também com normas de direito derivado). Veja-
se outra regra: toda a autoridade nacional deve em caso de dúvida sobre o sentido de
uma norma nacional, interpretá-la à luz do direito comunitário- retira do princípio do
primado o princípio da interpretação do Direito nacional conforme ao Direito
Comunitário. Este princípio foi desenvolvido no âmbito das Comunidades Europeias e,
agora, resta saber se a jurisprudência se aplica à União Europeia. Ora, o Tratado de
Lisboa inclui uma Declaração da Conferência sobre o primado do Direito da União
Europeia (tenha-se em atenção que a declaração não tem o mesmo valor jurídico que
os Tratados, sendo o primado expresso nesta declaração por isso mesmo, face à
desconfiança dos Estados Membros), que afirma que os Tratados e o direito adotado
pela União com base nos Tratados primam sobre o direito de Estados-Membros, nas
condições pela jurisprudência apresentada. A Conferência anexa à Ata Final do Tratado
um Parecer do Serviço Jurídico do Conselho, em que se apresenta que o primado é um
princípio fundamental inerente à natureza especifica da Comunidade Europeia, não
sendo necessário ser inscrito no tratado. A não expressão no Tratado da União Europeia
não significa que o primado não se aplique, visto que o primado já existia antes e tem
aplicabilidade plena.
➢ Na ótica dos Estados Membros: com exceção dos Estados que admitem o primado do
Direito Internacional, como a Holanda e o Luxemburgo, os outros Estados têm mostrado
reservas à aceitação do primado do Direito Comunitário. A maior parte dos tribunais
nacionais fundam o primado nas próprias constituições (e não na interpretação global
ou na exigência natural), através das suas “clausulas Europa”, que permitem a limitação
da soberania, e, portanto, o primado não é uniforme, na ótica dos Estados. Assim, os
Tribunais Constitucionais em certas matérias têm fiscalizado as normas de Direito da

7“O direito comunitário deve ser interpretado no sentido de que, quando o órgão jurisdicional nacional ao qual foi
submetido um litígio que se prende com o direito comunitário considere que o único obstáculo que se opõe a que ele
conceda medidas provisórias é uma norma do direito nacional, deve afastar a aplicação dessa norma.”

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

União que são contra a sua Constituição. Ver os casos de Itália, Alemanha, França e
Portugal- páginas 505 a 516. Artigo 8º/4 CRP afirma que se a União respeitar as
competências que lhe foram atribuídas e se forem respeitados os princípios
fundamentais do Estado de Direito democrático, as disposições dos Tratados que regem
a União e as nomas emanadas das instituições da União são aplicáveis na ordem interna,
nos termos definidos pelo Direito da União (isto é, nos termos da jurisprudência do TJ).
É a própria Constituição que reconhece e impor a prevalência do Direito da União
Europeia. Ora, não se responde sobre quem tem competência para decidir se as normas
são emanadas no âmbito das competências da União ou se respeitam os princípios
fundamentais do Estado de Direito Democrático. Note-se que o Estado deve adequar a
sua Constituição aos compromissos que assumiu tanto interna como externamente, não
podendo, nos domínio que foram atribuídos à União, invocar as suas normas
Constitucionais para se furtar ao cumprimento de normas da União.

Princípios da aplicabilidade direta e do efeito direto no Direito da União

➢ Aplicação descentralizada do Direito da União: ou seja, são as administrações e os


tribunais nacionais que aplicam o direito da União. Isso verifica-se porque a União tem
capacidade para produzir normas que, por força da aplicabilidade direta e do efeito
direto, são suscetíveis de ser invocadas nos tribunais nacionais, podendo afastar normas
nacionais contrárias, por força do princípio do primado. Princípio do primado,
conjugado com os princípios da aplicabilidade direta e do efeito direto > relação direta
entre União e os cidadãos.
➢ Aplicabilidade Direta: é a suscetibilidade de aplicação de um ato ou norma da união na
Ordem Jurídica nacional, sem necessidade de mediação por parte do Estado Membro.
Esta opera ao nível da aplicação da norma e é automática em relação às normas que a
possuem, uma vez que se encontra prevista no TFUE para certas fontes (ex.
regulamentos).
➢ Efeito Direto: é a suscetibilidade de invocação de uma norma da União, por parte
daquele a quem essa norma confere direitos ou obrigações, num tribunal nacional ou
perante qualquer entidade pública, quer essa norma tenha sido implementada ou não
pelo Estado Membro. Este resulta da interpretação da norma, operando ao nível da sua
invocabilidade, não sendo automático por depender da verificação de determinadas
condições. Caso Van Gend & Loos: foi a primeira oportunidade do TJ se pronunciar sobre
o efeito direto de uma norma de direito comunitário, concluindo no acórdão o efeito
direto do artigo 30º TFUE (antigo 12º TCE). Exigiu como condições para se invocar a
norma comunitária a clareza, precisão, caráter completo e juridicamente perfeito e a
enunciação de uma obrigação incondicional. O efeito direto apareceu inicialmente
ligado à ideia de ausência da necessidade de medidas nacionais ou comunitárias. Mais
tarde, considera que existe efeito direto quando as entidades que deviam adotar as
medidas de aplicação não dispusessem de qualquer margem de apreciação, sendo
apenas necessário que a norma fosse clara, precisa e incondicional. Vai ainda admitir
que o efeito direto existe ainda que haja alguma discricionariedade, desde que essa
fosse judicialmente controlável. Efeito direto vertical: verifica-se quando o particular
invoca a norma da União nas relações que estabelece com o Estado ou com qualquer
entidade pública. Efeito direto horizontal: opera quando a norma da União é invocada
nas relações jurídico-privadas, isto é, entre particulares (o TJ nunca reconhece esta
versão mais ampla de efeito direito horizontal em relação a todas as normas de Direito
da União). Quanto às normas do Direito Originário, o TJ reconheceu tanto o efeito direto

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

vertical (nas disposições que contêm proibições ou impõe abstenções aos Estados;
disposições que impõem obrigações de resultado precisos; disposições que impõem
obrigações insuscetíveis de apreciação) como o efeito direto horizontal (disposições em
matéria de concorrência que se dirigem diretamente aos particulares; 45º e 157º TFUE).
O TJ defendeu também o efeito direto nas normas de Direito Derivado. Quanto aos
regulamentos, é necessário saber se o regulamento necessita ou não de medidas de
execução por parte dos Estados membros. No caso de ser necessário, atendimento à
margem de discricionariedade que terão os Estados pode fazer sentido que os
particulares invoquem os direitos consagrados no regulamento se as medidas de
execução não forem adotadas. Atendendo ao caso concreto veremos se o regulamento
tem efeito direto horizontal e vertical ou não. Quanto às diretivas, o reconhecimento do
seu efeito direto começou a surgir com a prática de emanação por parte do Conselho
de diretivas cada vez mais pormenorizadas que acabavam por impor obrigações
incondicionais que se assemelhavam às impostas pelos regulamentos. O efeito direto
das diretivas foi afirmado pelo TJ pela primeira vez no caso Van Duyn (efeito obrigatório
do artigo 288º e artigo 267º). No caso Ursula Becker o TJ afirma que o facto da diretiva
deixar uma certa margem de manobra aos Estados não exclui que certas disposições se
puderem ser destacadas do conjunto e invocadas pelos particulares. Note-se que não
existe efeito vertical invertido, isto é, o Estado não pode invocar a diretiva contra o
particular. O TJ defendeu ainda que mesmo depois da transposição da diretiva o
particular pode invocá-la contra o Estado se as normas nacionais de transposição não
forem aplicadas adequadamente na prática. Podem ser dados vários argumentos para
o TJ não aceitar o efeito direto horizontal, sendo o mais relevante o de que este é
negado para evitar as dificuldades que isso geraria nos tribunais nacionais, assim como
o conflito com entre esses e o TJ. O acórdão Marshall o TJ negou o efeito direto
horizontal por as diretivas serem apenas serem obrigatórias para os Estados Membros,
não sendo possível serem invocadas contra particulares. O TJ tem, no entanto, alargado
o conceito de Estado para incluir as autoridades regionais e locais, autoridades
constitucionalmente independentes responsáveis pela manutenção da ordem e da
segurança e quaisquer entidades públicas, mesmo que não estejam a agir no uso do seu
ius imperii. A diretiva tem ainda um efeito indireto, isto é, é imposto ao juiz nacionais
que interprete as disposições nacionais anteriores e posteriores à diretiva conforme o
texto e finalidade da mesma. É ainda imposto aos Estados que no período que media
entre a aprovação e o decurso do prazo de transposição da diretiva, evitem adotar
medidas que ponham seriamente em causa o resultado previsto pela diretiva. Em caos
como Mangold, Kücükdeveci e Birgit Bartsch, o Tribunal permitiu o efeito direto
horizontal, por considerar que a diretiva consagrava um princípio geral de Direito da
União. O TJ admite implicitamente o efeito direto horizontal acidental da diretiva, isto
é, a possibilidade de esta ao ser invocada contra o Estado causar efeitos adversos num
terceiro. Quanto às decisões, o TJ reconheceu-lhes efeito direto vertical quando o seu
destinatário é um ou mais Estados, nos mesmos termos que o da diretiva. Se a decisão
tem como destinatários particulares ou empresas, admite-se o efeito direto horizontal
(podendo nem ser necessário se não existir necessidade de medidas de
implementação). A decisão aplicada no âmbito da PESC (permitida a partir do Tratado
de Lisboa), dificilmente pode ser invocada nas Ordens Jurídicas Internas. O TJ
reconheceu ainda o efeito direto das disposições das convenções internacionais e dos
atos adotados em sua aplicação de que a União é parte. Este efeito direto é admitido
quando as disposições tenham caráter claro, preciso e incondicional (ver acórdãos). O

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

TJ admitiu ainda o efeito indireto das disposições das convenções internacionais,


considerando que tem competência para interpretaras convenções e para interpretar o
Direito Derivado em conformidade com as convenções internacionais.

Princípio da Tutela Judicial Efetiva: “a cada direito deve corresponder um meio jurisdicional que
permita efetivá-lo”. Está presente nos casos SPA Salgoil, Rewe Zentrale e Johnston (onde se
qualifica o princípio como um direito fundamental que se baseia nas tradições constitucionais
comuns aos Estados Membros e na CEDH). A partir da década de 90 consagraram-se dois
princípios: da tutela cautelar perante os tribunais nacionais e o da responsabilidade do Estado
por violação do Direito Comunitário. O primeiro consiste na possibilidade de os tribunais
nacionais, quando tal lhes for requerido, decretarem providências cautelares para protegerem
situações jurídicas ou direitos subjetivos reconhecidos pelo Direito da União e que sejam
invocados perante tribunais nacionais. Os tribunais nacionais devem conceder proteção cautelar
a direitos reconhecidos pelo Direito da União nas mesmas circunstâncias que os Tribunais da
União à luz do artigo 279º TFUE. A primeira vez que se afirmou esse princípio foi no caso
Factortame (questão prejudicial pedida pela Câmara dos Lordes Britânica) e reforçada nos casos
Zuckerfabrik e Atlanta. Este princípio pode exigir a aplicação de providências cautelares que no
direito nacional não estão previstas ou até que são proibidas. O segundo princípio apresentado
surge como uma forma de compensar a recusa do efeito direto horizontal das diretivas. O TJ
reconhece aos particulares o direito de obterem da parte de um Estado Membro a reparação
dos prejuízos que sofreram na sequência da ausência de transposição de uma diretiva da União
na ordem jurídica interna. Este principio é reconhecido no acórdão Francovich e Bonifact,
afirmando-se que na medida em que estejam reunidas as condições de responsabilidade do
Estado (atribuição de direitos aos particulares pela norma ou pelo ato de Direito Comunitário
concretamente considerado, a possibilidade de identificação concreta desses direitos e uma
relação de causalidade entre a violação da obrigação que incumbe ao Estado e o prejuízo sofrido
pelos lesados), nasce a favor dos particulares lesados um direito a obter a reparação, que se
funda diretamente do Direito Comunitário. O fundamento desta responsabilidade é a plena
eficácia das normas da união e a proteção dos direitos que elas reconhecem (princípio da tutela
judicial efetiva). No caso Köbler o TJ parece aceitar a responsabilidade o juiz por incumprir a
obrigação de suscitar uma questão prejudicial, estendendo a responsabilidade à função judicial.

Cooperação entre juízes nacionais e o Tribunal de Justiça da União Europeia

Sabemos que a Ordem Jurídica da União Europeia não seria verdadeiramente eficaz se as suas
normas não beneficiassem de garantia jurisdicional, sendo os tribunais comuns desta Ordem
Jurídica os tribunais nacionais, que aplicam, em primeira linha, um número considerável de
normas e de atos da União constituídos por disposições diretamente aplicáveis ou que gozam
de efeito direto. O TJ tem desenvolvido uma jurisprudência em relação à responsabilidade
extracontratual dos Estados Membros por incumprimento da União e à competência dos
tribunais nacionais para decretarem providências cautelares, fundadas no DUE com o objetivo
de proteger direitos subjetivos conferidos pela Ordem Jurídica da União, mesmo em contradição
com disposições internas, o que permite alargar o âmbito de jurisdição dos tribunais nacionais.
É necessário que as relações entre o TJ e os tribunais nacionais se reja por um princípio de
cooperação ou colaboração horizontal, sendo certo que a jurisprudência do TJ baseada
essencialmente no processo das questões prejudiciais (267º TFUE) tornou estas relações
multilaterais e até certo sentido verticais.

Questões Prejudiciais: o juiz nacional pode ver-se confrontado com a necessidade de aplicar
uma norma da União, visto que esse goza por vezes de aplicabilidade ou efeito direto, podendo

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

ser invocado pelas partes. Nesse seguimento, o juiz pode ter dúvidas sobre a interpretação ou a
validade da norma ou do ato do Direito da União e, se lhe fosse permitido resolver essa dúvida
sozinho, a longo prazo, existiria um fracionamento do Direito da União, que quebrava a
uniformidade. Para evitar estas divergências de jurisprudência, o artigo 267º expressa o
mecanismo das questões prejudiciais, que consiste na possibilidade de todo e qualquer tribunal
nacional submeter ao TJ questões de interpretação ou de validade do Direito da União que sejam
relevantes para a boa decisão da causa. Existem casos em que a submissão da questão ao TJ é
obrigatória: quando o tribunal nacional julga a última instância. Este mecanismo é essencial à
preservação do caráter comunitário do Direito instituído pelo Tratado e tem como efeito
assegurar que em todas as circunstâncias este Direito se aplica da mesma forma em todos os
Estados Membros. O Estatuto do TJ pode conferir competência ao TG para apreciar questões
prejudiciais, mas não a concedeu ainda, sendo o TJ o único tribunal a resolver as questões
prejudiciais suscitadas pelos tribunais nacionais. Este mecanismo impede que qualquer lacuna
que surgisse no sistema pusesse em causa a eficácia das disposições dos Tratados e do Direito
Derivado.

Razões da existência do artigo 267º TFUE: a) aplicação descentralizada do DUE; b) assegurar a


uniformidade de interpretação e aplicação do DUE pelos tribunais nacionais; c) assegurar a
estabilidade do Direito Derivado- impedir a desnaturação do DUE por parte dos tribunais
nacionais; d) favorecer o desenvolvimento do DUE; e) proteção jurídica dos particulares, como
forma de garantir a aplicação correta do DUE; f) compensação das restrições impostas aos
particulares em sede de recurso de anulação (263º TFUE), pelo menos nos casos de questões
prejudiciais de invalidade.

As questões prejudiciais apreciadas pelo TJ podem incidir sobre a interpretação dos Tratados e
sobre a interpretação e validade dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da
União.

Questões prejudiciais de interpretação: interpretar, para efeitos do artigo 267º TFUE, significa
esclarecer o sentido material das disposições do DUE e determinar o seu alcance e definir os
seus efeitos. Estas questões prejudiciais podem incidir sobre os Tratados (TUE, TFUE, anexos,
protocolos, CDFUE e todo o Direito Originário), atos adotados pelas instituições, órgãos ou
organismos da União (sendo que o TJ considera que a sua competência de interpretação se
estende a todos os atos de Direito Derivado, mesmo sendo atos atípicos (Resolução do
Conselho), diretamente aplicáveis ou não, com ou sem efeito direto, obrigatório ou não e até
quanto a direito não escrito, como os princípios gerais de direito, e, por fim, seus acórdãos
anteriores) e sobre os acordos internacionais em que a União é parte (incluindo os acordos
mistos, os acordos concluídos pelos Estados Membros em que a União lhes sucedeu e os acordos
concluídos pelos Estados, agindo por conta e no interesse da União). A competência do TJ
estende-se também às decisões tomadas pelos órgãos instituídos por um acordo internacional
concluído pela Comunidade e aos atos não obrigatórios concluídos por esses órgãos. Por fim, o
TJ admitiu a sua competência para interpretar o acordo que cria o Espaço Económico Europeu,
mas excluindo a sua aplicação aos Estados Membros da AELE.

Questões prejudiciais de apreciação de validade: o TJ tem competência para apreciar a validade


dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União, não podendo a validade
dos Tratados ser posta em causa, visto que são estes que criam o TJ. A noção de legalidade
abrange, tal como o artigo 263º, a legalidade tanto interna como externa. O TJ admite questões
prejudiciais sobre a validade de atos não obrigatórios e de atos individuais mesmo quando se

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

trata de decisões dirigidas aos Estados Membros. Por outro lado, TJ admite também em matéria
de acordos internacionais, mas a invalidade só tem efeitos dentro da União.

A apreciação da conformidade do Direito Nacional com o Direito da União Europeia e as


situações puramente internas, isto é, sem elementos de conexão com o DUE estão excluídas do
âmbito de interpretação e de apreciação da validade por parte do TJ.

Todos os órgãos jurisdicionais nacionais têm a faculdade de suscitar questões prejudiciais ao TJ


(questões prejudiciais facultativas- a faculdade não pode ser restringida por convenções das
partes nem por regras de processo internas, podendo ser a questão levantada pelas partes no
processo principal ou pelo próprio juiz, em qualquer que seja a fase em que se encontra o
processo principal), mas os órgãos jurisdicionais nacionais, cujas decisões não sejam suscetíveis
de recurso judicial, previsto no direito interno, têm a obrigação de o fazer (questões prejudiciais
obrigatórias). Assim, os órgãos jurisdicionais internacionais e os que são estranhos à União não
podem colocar questões prejudiciais ao TJ, ainda que na prática não seja sempre assim (ex.
questões prejudiciais apresentadas pelo Tribunal do BENELUX).

O que é um órgãos jurisdicional para efeitos do 267º TFUE? Será um órgão jurisdicional aquele
que tiver as seguintes características: a) composição do órgão não deve ser deixada à livre
escolha das partes; b) a nomeação dos membros do organismo, a designação do presidente e a
adoção do seu regulamento de processo é de competência ministerial ou então o organismo
exerce as suas funções com aprovação das autoridades públicas e funciona por concurso, tendo
assim origem na lei; c) o órgão deve estar submetido a regras de processo contraditório análogas
às que regem o funcionamento dos tribunais de Direito Comum; d) o organismo é chamado a
aplicar regras de Direito; e) as decisões, apesar de recorríveis nos tribunais ordinários, devem
ser de facto reconhecidas como definitivas. Se estes critérios não estiverem preenchidos o TJ
rejeita as questões prejudiciais. Esta noção releva visto que o TJ pode admitir questões que lhe
sejam suscitadas por órgãos que não tenham caráter jurisdicional, do ponto de vista das regras
internas, ou pode negar a qualidade de órgão jurisdicional a órgãos a que o direito interno
reconhece essa qualidade. A legislação nacional não deve impedir os juízes de suscitarem
questões prejudiciais, visto que é contrário ao 267º, violando o primado do Direito da União.

Sabemos já em que consistem as questões prejudiciais obrigatórias, mas imporá agora analisar
problemas que têm surgido à sua volta:

(A) No caso Foto-Frost, o TJ estende a obrigatoriedade de suscitar a questão prejudicial a


todos os tribunais nacionais, no que diz respeito à validade dos atos da União. Contudo
são competentes para considerarem o ato como válido e rejeitarem as causas de
invalidade invocadas. Esta posição do TJ foi reafirmada nos casos Zuckerfabrik e Bakers
of nailsea, sendo que contribuiu para uma maior segurança jurídica, reforço do princípio
da legalidade e para uma mais sólida garantia dos direitos dos particulares.
(B) O TJ tem seguido a teoria do litígio concreto, isto é, estão vinculados à obrigatoriedade
os tribunais cuja decisão não é suscetível de recurso judicial ordinário- supremo tribunal
naquele litígio concreto (e não o Supremo Tribunal, apenas como defende a teoria
orgânica).
(C) Será tido como “recurso judicial” para efeito do artigo 267º TFUE, todo o recurso
ordinário, isto é, aberto a cada uma das partes no litígio e só a elas, sem necessidade de
justificação particular e em que é permitido o reexame da aplicação do Direito. Assim,
independentemente da qualificação do direito interno a esse processo, há recurso
judicial, quando cada uma das partes no litígio tiver o direito de obter um reexame que

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

incida sobre o fundo da causa por um tribunal diferente. Excluem-se os recurso


extraordinários.
(D) A obrigação de suscitar a questão prejudicial não é absoluta, tendo o TJ admitindo
limites: a) se o TJ já se pronunciou sobre questão similar, mesmo que não
absolutamente idêntica, no âmbito do processo prejudicial ou não; b) se a questão
prejudicial suscitada não for pertinente e séria, só devendo ser suscitadas as questões
que sejam necessárias resolver para a boa decisão da causa; c) se a norma é de tal forma
evidente que não deixa lugar para dúvidas. É neste último limite que o TJ introduz a
teoria do ato claro ou do sentido claro, baseando-se na ideia de que deverão comparar-
se as versões linguísticas da disposição em causa, ter em conta que a União tem a sua
própria terminologia e que a disposição deve ser interpretada atendendo ao seu
contexto, à luz da sua inserção no sistema jurídico da União, das suas finalidades e
estado de evolução, antes de concluir pela clareza da mesma.
(E) Ao nível da Ordem Jurídica da União, a violação da obrigatoriedade de suscitar uma
questão prejudicial, é sancionada com o mecanismo do processo por incumprimento,
previsto nos artigos 258º a 260º TFUE, podendo este ser acionado pela Comissão ou
qualquer outro Estado Membro contra o Estado ao qual pertence o tribunal violador. A
Comissão nunca utilizou este mecanismo neste contexto, visto que isso poria o clima de
confiança e cooperação mutua em causa e, por outro lado, poderia não ter
consequências práticas, na medida em que o principio da separação de poderes pode
implicar a impossibilidade do poder executivo efetivar internamente a responsabilidade
do poder judicial, pela independência deste ou por o direito interno não dispor de meios
adequados a responsabilização. Recentemente, o TJ tem adotado uma posição no
sentido de responsabilizar o juiz nacional enquanto juiz comum do DUE. O caso Kühne
o TJ consagra o princípio de conformação de ato administrativo decidido com o DUE
posterior (atente-se às regras de direito nacional holandês que permitem que o ato
administrativo seja reavaliado, sendo esta possibilidade excluída no caso Rosemarie
Kapferer impedindo-se a reapreciação de uma sentença judicial transitada em julgado,
visto ser impedido pelo direito nacional austríaco). Ao nível do Direito Interno de cada
Estado Membro, parece que só a Alemanha, Áustria e Espanha dispõem de vias
jurisdicionais aptas para sancionar a violação do dever de suscitar a questão prejudicial.
Portugal não tem qualquer sanção para a violação desse dever.

Processo Questões Prejudiciais

A decisão de suscitar uma questão prejudicial é da competência exclusiva do juiz nacional, não
sendo exigido nenhum formalismo especial para o pedido, bastando um despacho em que
formula a questão e expõe os seus fundamentos, ainda que cada vez mais o TJ exija a
necessidade de fundamentação do pedido. Cabe também exclusivamente ao juiz nacional
apreciar a pertinência da questão e determinar o momento em que suscita a questão prejudicial.
O conteúdo material é também da competência exclusiva do juiz nacional, devendo este
formular a questão de tal maneira que permita ao TJ dar uma resposta útil, ou seja, deve explicar
as razões pelas quais tem necessidade de uma resposta, transmitindo dessa forma todas as
informações suficientes. Nesse sentido, são manifestamente inadmissíveis questões prejudiciais
que contenham referências insuficientemente precisas às situações de direito ou que
apresentem um caráter puramente hipotético.

O processo das questões judiciais baseia-se numa repartição de poderes entre o TJ e os tribunais
nacionais. A inicial posição do TJ, a que voltou ultimamente, era a de que o direito nacional e o

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

direito comunitário estavam separados, sendo também afastada a aplicação do direito


comunitário por parte dos tribunais nacionais e a interpretação do direito comunitário por parte
do TJ. Houve, contudo, uma fase em que o TJ veio defender a cooperação entre os tribunais
nacionais e ele próprio na solução de problemas que são de interesse comum, sendo ambos
chamados a contribuir direta e reciprocamente para a elaboração de uma sentença ou um
acórdão com vista à interpretação e aplicação uniformes do DUE no conjunto dos Estados
Membros. Veja-se que o TJ não pode substituir o juiz nacional na competência de formular
questões e não pode averiguar se o órgão jurisdicional que suscitou a questão é competente
para conhecer o litígio. O TJ tem o direito de reformular as questões que lhe são formuladas,
podendo recusar-se a responder a questões muito imprecisas ou puramente hipotéticas. Pode
transformar uma questão de interpretação numa questão de apreciação de validade e pode
conhecer os vícios do ato oficiosamente, ainda que caiba ao juiz nacional indicar quais os vícios,
salvo nos casos em que o vício é suscitado pelas partes.

O juiz nacional não deve suscitar a questão prejudicial nos casos em que não existe litigio (casos
em que não existe a necessidade de resposta objetiva relativamente à solução a um caso
concreto) e nos casos em que manifestamente o DUE não se aplica (no caso BIAO o TJ afastou-
se desta jurisprudência mais restritiva).

Efeitos do acórdão proferido no âmbito do processo das questões prejudiciais: (1) efeitos
materiais: o acórdão interpretativo obriga o juiz nacional que suscitou a questão, não podendo
este basear-se noutra interpretação (tanto a decisão como a fundamentação) para resolver o
litigo, e obriga ainda todos os outros juízes nacionais (caso Milch, Fett und Eierkontor), mesmo
que se tratem de tribunais superiores ao que formulou a questão prejudicial. A interpretação só
pode ser posta em causa se posteriormente houver uma modificação da norma ou das normas
que com ela se relacionam e só o próprio TJ podem alterar a sua interpretação anterior. O TJ
admite que um tribunal nacional possa suscitar questões prejudiciais mesmo que o TJ já tenha
respondido a questões idênticas se ainda não se encontrar suficientemente esclarecido. A
declaração de validade de uma questão prejudicial limita-se a declarar que o exame das
questões não releva nenhum elemento de natureza a afetar a validade do ato, podendo mais
tarde o mesmo ou outros tribunais invocar novos fundamentos de invalidade. Esta declaração
produz efeitos obrigatórios, impedido que o tribunal nacional e outros tribunais recusem a
aplicação do ato ao caso concreto, com fundamento na sua invalidade. A declaração de
invalidade obriga o juiz que formula a questão por este não poder aplicar o ato ferido de
invalidade, mas também obriga todo e qualquer tribunal nacional, visto que um ato inválido não
deve ser aplicado. Os tribunais nacionais poderão suscitar novas questões prejudiciais sobre este
ato, se subsistirem dúvidas relativas aos fundamentos, extensões ou consequências da
invalidade. Esta declaração pode ter implicações para as instituições e órgãos legislativos da
União e para os órgãos nacionais e a ilegalidade pode ser invocada pelo particular na exceção
de ilegalidade e na ação de responsabilidade, sem ter de ser reapreciada; (2) efeitos temporais:
o acórdão interpretativo tem efeito retroativo, o que significa que a interpretação apresentada
pode e deve ser aplicada pelo juiz às relações jurídicas nascidas e constituídas antes do acórdão
interpretativo, tendo como fundamento a natureza declarativa do acórdão, a necessidade de
interpretação e aplicação uniformes do DUE e o principio da legalidade, na medida em que essa
é a interpretação correta, só devendo ceder perante considerações de segurança jurídica,
confiança legitima e estabilidade nas relações jurídicas em situações excecionais. A declaração
de invalidade de um ato da União produz efeitos retroativos e o TJ limita no tempo os efeitos da
declaração de invalidade com base na aplicação analógica do artigo 264º parte 2º TFUE. A

43
Inês Godinho Turma A 2019/2020

jurisprudência do TJ afirma a competência exclusiva deste para limitar o tempo dos efeitos do
acórdão.

Note-se o TJ não pode reformar, revogar ou anular a sentença do tribunal nacional e só é


competente para a questão prejudicial na justa medida em que o tribunal nacional lhe suscita
essa questão.

Sistema de Proteção Jurídica da União Europeia

• Ação por Incumprimento dos Tratados (258º TFUE): este processo aplica-se no caso de
um Estado-Membro não cumprir as obrigações que lhe incumbem por força do direito
da União. A iniciativa parte quase sempre da Comissão, mas pode partir também de um
Estado Membro (269º TFUE), recorrendo estes ao TJ por incumprimento do Tratado. O
TJ instrui um processo e determina se existe ou não incumprimento. Se existir
incumprimento, o Estado Membro deve tomar as medidas necessárias para que este
cesse, sob pena de a Comissão dispor de possibilidade de condenar por incumprimento
do Tratado ao pagamento de uma quantia fixa ou sanção pecuniária compulsória,
através da submissão do caso ao TJ e se este considerar que o acórdão não foi cumprido
(260º TFUE).
• Recurso de Anulação (263º TFUE): permite a possibilidade de um controlo judicial e
objetivo das ações das instituições da União e abre ao cidadão , embora com restrições
o acesso à jurisdição da União Europeia. Podem ser contestadas toda as medidas da
União que produzam efeitos jurídicos vinculativos que interfiram com os interesses do
queixoso. O recurso pode ser interposto pelos Estados Membros, PE, Conselho,
Comissão, Tribunal de Contas, Banco Central Europeu e Comité das Regiões, na medida
em que se queiram opor a uma violação dos direitos que lhes foram conferidos. Os
cidadãos e as empresas, por outro lado, só podem interpor o recurso de anulação se
forem destinatários das decisões ou essas, embora dirigidas a terceiros, lhes digam
direta e individualmente respeito, isto é, segundo a jurisprudência do TJ se a decisão a
tiver efeito direito e individualizar o destinatário de uma forma que o distinga de todos
os outros agentes económicos. Se o recurso tiver fundamento, o TJ ou o TG podem
anular, com efeitos retroativos (em certos casos devidamente fundamentados podem
limitar o recurso de anulação a partir da data da sentença), o ato em causa.
• Ação por Omissão (265º TFUE): possibilidade de interposição judicial contra uma
omissão ilegal de um ato da União, devendo anteriormente existir um procedimento no
qual o demandante convida a instituição da União a agir. A sentença final apenas
constata a ilegalidade da omissão e expressa medidas a tomar pela instituição, mas esta
não pode ordenar a adoção obrigatória das medidas necessárias. Esta ação pode ser
iniciada por pessoa singular ou coletiva, Estados Membros e instituições da União.
• Ação de Indemnização (268º e 340º/2 TFUE): os cidadãos da União, pessoas coletivas e
Estados Membros que tenham suportado danos em virtude de um erro dos agentes da
União podem recorrer ao TJ para solicitar uma indemnização por estes danos. A
jurisprudência do TJ desenvolveu, com base nos princípios gerais de direito que as
ordens jurídicas dos Estados partilham, as condições para a reparação de danos: a)
comportamento ilícito (violação qualificada de uma norma do direito da União aprovada
para conferir direitos ou proteger pessoa singular ou coletiva ou um Estado Membro,
sendo suficientemente qualificada quando a instituição interveniente ultrapassou as
suas competências de forma flagrante e considerável) por parte de uma instituição da
União ou de um agente dessa no exercício das suas funções: b) existência de um dano;

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

c) nexo causal entre o ato da instituição da União e o dano; d) não é necessário provar
a culpa da instituição da União.
• Recurso dos Funcionários (270º TFUE): o TJ é competente em matéria de litigo entre a
União e os seus funcionários ou familiares sobrevivos que nele possam ser dirimidos no
contexto das condições de trabalho. O responsável pela receção destas queixas passou
a ser o tribunal especial para o serviço público da União Europeia.
• Litígio sobre Patentes da União (257º e 262º TFUE)
• Processo de Recurso (256º/2 TFUE): as decisões do TG são passíveis de recurso para o
TJ, limitado às questões de direito, tendo o recurso apenas por fundamento a
incompetência do TG, irregularidades processuais que prejudiquem os interesses do
recorrente ou uma violação do direito da União pelo TG. Se o recurso for procedente, o
TJ anula a decisão do TG. Se o litígio não estiver em condições de ser julgado, o TJ remete
o processo para o TG para novo julgamento, que está vinculado à solução dada às
questões de direito pela decisão do TJ. Veja-se que o TG aprecia as sentenças dos
tribunais especializados como se fosse uma instância de recurso.
• Proteção Jurídica Provisória (278º e 279º TFUE)
• Pedido de Decisão Prejudicial (267º TFUE): quando uma questão relacionada com um
litígio sobre disposições do DUE for apresentada a um órgãos jurisdicional nacional, este
pode suspender a instância e submeter ao TJ a questão da validade e/ou interpretação
do ato jurídico adotado pelas instituições da União à luz dos tratados da União. O TJ
responde com um acórdão. Este processo não é contencioso, como os anteriormente
apresentados. Este processo permite para além da preservação da uniformidade do
DUE, a possibilidade de os tribunais nacionais verificarem a conformidade da legislação
nacional com o direito da União, sendo que se houver incompatibilidade prevalece o
direito da União. O TJ no âmbito deste processo não é competente para interpretar o
direito nacional nem para decidir a sua conformidade com o direito da união, mas nem
sempre isto é respeitado. Os órgãos jurisdicionais que podem formular estas questões
são aqueles que são independentes e a quem compete resolver litígios num Estado de
Direito e cujas decisões produzem efeitos jurídicos (podendo ser os TC e instâncias de
arbitragem que não integram o sistema judiciário, com exceção das privadas). O
conceito de recurso para este efeito engloba todas as vias de recurso que permitam
verificar decisões de facto e de direito ou só de direito tomadas por um órgão
jurisdicional de uma instância superior (não se incluem aqui os recursos ordinários com
efeitos limitados ou específicos). Veja-se que se um tribunal nacional, nos casos em que
é obrigatório o reenvio prejudicial, pretender invocar a invalidade de um ato da União,
é obrigado a introduzir um pedido de reenvio ao TJ, visto que é competência exclusiva
deste rejeitar disposições que violem o direito da União. Nesse sentido, os tribunais
nacionais devem aplicar e respeitar o direito da União enquanto o Tribunal de Justiça
não tiver decidido a respetiva invalidade. A violação da obrigação de reenvio implica a
violação dos Tratados da União e pode levar à instauração de uma ação por
incumprimento contra esse Estado Membro ou então a ações de indemnização por
danos causados pelo desrespeito da obrigação de reenvio, devido à responsabilidade
contratual dos Estados Membros. Os acórdãos do TJ que respondem às questões
prejudiciais funcionam como um precedente, visto que têm efeitos sobre outros
processos similares.
• Responsabilidade dos Estados Membros por violações do Direito da União: tem sido
desenvolvida pela Jurisprudência do TJ, sendo reconhecido como um princípio geral (vai

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

para além da simples transposição tardia de uma diretiva) de responsabilidade dos


Estados pelos danos causados aos particulares por violações de direito da União.
• Responsabilidade por atos normativos ou omissões dos Estados Membros: ocorre
quando a disposição violada da União tiver por objeto o reconhecimento de direitos aos
particulares; essa violação for suficientemente caracterizada, isto é, violação de forma
flagrante e considerável dos limites impostos ao poder de apreciação dos Estados
Membros; deve existir um nexo causal direto entre a violação da obrigação e o dano
sofrido pelas pessoas lesadas.
• Responsabilidade por violação do Direito da União pelo Poder Judicial: o TJ
estabeleceu que os princípios da responsabilidade também se aplicam ao poder judicial.
As decisões emanadas por este poder podem ser apreciada nas instâncias de recurso e
no âmbito de uma ação de indemnização interposta junto dos órgãos jurisdicionais
competentes dos Estados Membros. No entanto, esta responsabilização acaba por ser
excecional, visto que só é tomada em consideração quando um órgão jurisdicional
ignora arbitrariamente o direito da União Europeia em vigor ou quando ignora o direito
da União, adotando uma decisão com validade jurídica que prejudica os cidadãos da
União.

As Quatro Liberdades- José Renato Gonçalves

O Tratado de Roma, que institui a Comunidade Económica Europeia, estabelece um Mercado


Comum8 (redenominado Mercado Interno no Ato Único Europeu em 1986), que se traduz num
espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e
capitais é assegurada de acordo com os Tratados (26º/2 TFUE). O Mercado Comum exigia a fusão
num só de vários mercados nacionais dos EM, no qual passaria a vigorar a livre circulação de
mercadorias e a livre circulação dos fatores de produção (capitais, trabalhadores e serviços) e
no qual seriam aplicadas as regras de concorrência, tendo em vista promover um
desenvolvimento económico harmonioso no território abrangido. Este Mercado Comum realiza-
se através do estabelecimento de uma União Aduaneira, caracterizada pela fusão de territórios
aduaneiros distintos e independentes num só.

O estabelecimento do Mercado Interno assenta em quatro liberdades económicas


fundamentais: a) liberdade de circulação de mercadorias; b) liberdade de circulação das
pessoas, ou dos trabalhadores; c) liberdade de circulação dos serviços; d) liberdade de circulação
dos capitais. Estas realidades estão associadas à vigência e aplicação de várias políticas
económicas comuns, como a política comercial e a política de concorrência. O Tratado de
Maastricht ao criar a UEM introduz um objetivo comum mais intenso e aprofundado de
integração económica internacional.

Integração Económica Internacional:

 A União Aduaneira9 esteve na origem do processo que conduziu à unificação alemã em


1971;

8 Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias sintetiza no acórdão Schul designadamente a noção de mercado
comum.
9 União Aduaneira: liberdade de circulação de bens entre os territórios dos Estados ou de territórios aduaneiros

autónomos que a formam, sem a necessidade de imposição ou cobrança de quaisquer direitos aduaneiros nos atos
de entrada ou de saída de bens entre esses territórios nacionais. Por outro lado, exige a adoção de uma Pauta
Aduaneira Única em toda a extensão territorial abrangida, tanto nas impostações como nas exportações de bens, de

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

 Zonas de Comércio Livre, isto é, zonas em que se pressupõe a liberdade de circulação


de bens entre os territórios dos Estados ou territórios aduaneiros autónomos nela
participantes, sem compromissos quanto à unificação dos direitos aduaneiros por eles
aplicados, podendo dar lugar a operações de “desvio de comércio” para aproveitamento
de encargos aduaneiros comparativamente mais baixos exigidos por algum dos EM no
respetivo território. Exemplos: Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), criada em
1960; Acordo de Comércio Livre da América do Norte (NAFTA), entre o Canadá, EUA e o
México em 1994.
 União Aduaneira da Comunidade Económica Europeia e agora União Económica (CEE).
 Classificações de Integração:
o Integração Setorial ou Vertical: envolve apenas um setor ou determinados
setores restritos de atividade económica (ex. CECA).
o Integração Geral ou Horizontal: abrange a generalidade dos setores económicos
dos países participantes (ex. CEE, EU, NAFTA, Mercosul.
o Integração Negativa ou Passiva e Integração Positiva ou Ativa, consoante se
tenha em vista essencialmente a eliminação das formas de discriminação e de
restrição à circulação fronteiriça de bens com vista à liberalização comercial
(negativa) ou, também a alteração dos meios e instituições e a criação de outros
com vista a promover o funcionamento eficiente dos mercados, a par de outros
objetivos económicos e/ou sociais mais vastos (positiva).
o Integração mais ou menos superficial ou contingente e Integração mais ou
menos aprofundada.
 Modalidades de Integração10:
o Área de Comércio Livre
o União Aduaneira
o Mercado Comum
o União Económica
o União Monetária
o União Tributária
o União Financeira
o União Política
 Na cooperação internacional tradicional continua a prevalecer a diversidade entre ao
vários Estados do Mundo, sendo as áreas de ação concertada muito restritas e, quando
não excecionais, são insuficientes parra pôr em causa a individualidade dos Estados, que
enquanto entidades soberanias, continuam a exercer plenamente os seus poderes,
mantendo a última palavra quanto à definição das regras económicas internas, desde
que não violem obrigações externas do Estado.
 Na cooperação económica internacional, os elos e unificação material no conjunto dos
Estados participantes, tendem a tornar-se mais abrangentes ou pelo menos a perdurar
e consolidar-se, o que tem implicações no exercício dos poderes soberanos do Estado,

e para países terceiros. Tudo se passa como se os territórios de os vários Estados que formam a União Aduaneira
constituíssem uma só unidade.

10 Estas modalidades podem ser consideradas fases, mas não são necessariamente uma sequência, visto que: o
Tratado de Roma decidiu criar uma união aduaneira simultaneamente com um mercado comum; e a reunificação
alemã pós queda de Berlim traduziu-se numa integração económica e política conjuntamente.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

traduzindo-se numa total, quase total ou muito substancial proximidade e unidade de


pontos de vista e de solução em áreas económicas essenciais.

(1) Liberdade de Circulação de Mercadorias e a União Aduaneira

A liberdade de circulação de mercadorias concretiza-se através da criação de uma União


Aduaneira, que abrange a totalidade do comércio de mercadorias e implica a proibição, entre
os EM, de direitos aduaneiros de importação e de exportação e de quaisquer encargos de efeito
equivalente, bem como a adoção de uma pauta aduaneira comum nas suas relações com países
terceiros (28º/1 TFUE). Esta disposição abrange tanto os produtos originários dos EM como os
produtos provenientes dos países terceiros que se encontrem em livre prática ou livre trânsito
nos EM11 (28º/2 TFUE), isto é, a liberdade de circulação de mercadorias respeita a todo o
comércio de mercadorias (produtos industriais, produtos agrícolas e das pescas, não abrange as
moedas com curso legal, regidas pela liberdade de circulação de capitais e de meios de
pagamento, a prestação de serviços respeita essencialmente a bens imateriais, embora possa
envolver mercadorias) no território de um dos EM que formam o Mercado Interno e
correspondem a uma União Aduaneira. A União Aduaneira e a Política Comercial Comum (206º
e 207º TFUE) são da competência exclusiva da União (3º/1 alíneas a) e a) TFUE). No domínio
mais amplo do Mercado Interno, quando não abrangido pela União Aduaneira, pela Política
Comercial Comum, pelas regras de concorrências necessárias ao funcionamento do Mercado
Interno ou relativas à conservação dos recursos biológicos do mar no âmbito da Política Comum
das Pescas, é qualificado pelos tratados como de competência partilhada da União com os EM
(4º/2 alínea a) TFUE).

Os direitos aduaneiros são imposições pecuniárias ou tributos exigidos pelo Estado aos
importadores ou exportadores de produtos, respetivamente, provenientes de outros Estados
para consumo ou outro tipo de utilização e também como origem neste último e destinados a
outros Estados, aquando da respetiva entrada ou saída de um território aduaneiro autónomo.
O montante pecuniário pode ser calculado e basear-se na natureza, peso ou volume do bem
(direitos aduaneiros específicos) ou então no seu valor aduaneiro (direitos aduaneiros ad
valorem). Os direitos aduaneiros da União Aduaneira da União estão previstos no Código
Aduaneiro da União. Quando o Tratado de Roma entra em vigor estabelece o congelamento
imediato dos níveis de proteção aduaneira vigentes na altura e a eliminação gradual dos direitos
aduaneiros durante o período transitório estabelecido (até ao final da década de 60), mas isso
foi alcançado antes desse período. O Tratado impõe também que os EM não criem obstáculos
comerciais e não agravem os anteriormente vigentes nas relações com outros Estados
Membros, o que foi reconhecido no Acórdão Van Gend em Loos pelo Tribunal de Justiça.

Sabemos que a União Aduaneira tem duas vertentes: (i) intracomunitária ou Intra União:
proíbe direitos aduaneiros de entrada no território nacional de produtos provenientes de EM e
de encargos de efeito equivalente, bem como de direitos aduaneiros de saída de bens do
território de cada EM com destino a outros EM e de encargos de efeito equivalente12; (ii)

11 São aqueles que têm origem num país terceiro que cumpriram as formalidades de importação da União Europeia
e em relação às quais foi efetuado o pagamento dos direitos aduaneiros exigidos na Pauta Aduaneira da União.
Cumpridos estes requisitos já podem circular livremente no território da União, segundo o artigo 29º TFUE.
12 O Tribunal de Justiça definiu-os como um encargo pecuniário, ainda que diminuto, unilateralmente imposto,

qualquer que seja a sua designação, ou a técnica utilizada, quer incida sobre mercadorias nacionais ou estrangeiras,
comunitárias ou não, em razão do simples facto de transporem a fronteira, independentemente do momento da

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

extracomunitária ou extraunião: pauta aduaneira comum igualmente aplicável em todos os


Estados Membros nas relações económicas com países terceiros (importações de e exportações
para países terceiros). Contudo, uma efetiva livre circulação de mercadorias exige, no plano
intracomunitário, a proibição de restrições quantitativas tanto na entrada no território de um
EM como na saída de um EM de mercadorias, de e para outros EM, bem como de todas as
medidas de efeito equivalente (34º e 35º TFUE), assim como exige a aproximação de
determinadas políticas económicas dos EM, ou até a respetiva unificação, quando necessária
para o bom funcionamento do Mercado Interno.

O Tribunal de Justiça proclamou e obrigou o cumprimento do princípio da desconformidade ao


Direito das Comunidades e da União de todas as regras e medidas de política comercial dos EM
que constituem, direta ou indiretamente, um enclave à liberdade de circulação de mercadorias
(acórdão Dassonville)- são desconformes o direito da União todas as regras e medidas que
constituem um enclave à liberdade de circulação de mercadorias. Por outro lado, afirma o
princípio do reconhecimento mútuo das legislações nacionais em domínios não
harmonizados, sem prejuízo de continuar a reconhecer a competência dos Estados para a
fixação de regras técnicas e de comércio (Cassis de Dijon- 1979).

O artigo 30º TFUE prevê a proibição de criação de direitos aduaneiros de importação e de


exportação ou outros encargos equivalentes entre os EM. Contudo, o artigo 36º e 110º fixam
exceções a essa proibição, às quais acrescem os encargos permitidos por fontes de Direito
Internacional e os encargos proporcionalmente correspondentes a uma prestação efetivamente
realizada pelas autoridades do EM, designadamente quando o serviço prestado seja exigido pelo
DUE.

Para consolidar a liberdade de circulação de mercadorias entre os EM, são proibidas as


restrições quantitativas13 à importação e à exportação (todas as mercadorias, tanto produtos
originários como os produtos em livre prática- expresso no acórdão Suzanne Donckerwolcke e
Schou de 1976), bem como todas as medidas de efeito equivalente14 (34º e 35º TFUE). Note-se

respetiva cobrança, desde que aquando ou em razão da importação. Estes encargos de efeito equivalente a direitos
aduaneiros deverão ter projeção comunitária, não exclusivamente no interior do EM.
13 Todos os obstáculos à livre circulação de mercadorias consistentes na imposição de contingentes ou quotas de

importação ou exportação de mercadorias, produzidas num EM ou em livre prática no seu território. Regulamento
do Conselho de 1998: entrave atual ou potencial à livre circulação de mercadorias, isto é, qualquer comportamento
atribuível a um EM e que envolve uma ação ou omissão por parte deste, que possa constituir uma violação dos 34º a
36º TFUE, e que provoque uma perturbação séria à livre circulação de mercadorias, que cause um prejuízo grave às
pessoas e que exija uma ação imediata para impedir a continuação ou o agravamento da perturbação ou prejuízos
apontados. Se os EM não agirem imediata e eficazmente com vista a cessar os enclaves à livre circulação com origem
em perturbações sérias causadas por particulares, o regulamento institui um mecanismo conduzido pela Comissão,
o qual pode justificar a solicitação de cessação imediata do entrave existente, para além da sujeição do princípio da
transparência.
14 Tribunal de Justiça no acórdão Dassonville em 1974 determina que são medidas de efeito equivalente “qualquer

regulamentação comercial dos EM suscetível de prejudicar, direta ou indiretamente, atual ou potencialmente, o


comércio intracomunitário”. O Tribunal de Justiça determinou também no seu acórdão Cassis de Dijon de 1979, que
vigora um princípio de reconhecimento mútuo das legislações nacionais, devendo por isso ser admitidos a circulação
e comercialização no território dos EM os produtos regularmente e comercializados noutro EM (Estado de origem do
bem). No decurso dos anos, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, tem visto o artigo 34º TFUE no sentido de
restringir o respetivo âmbito de aplicação às situações em que o direito nacional incida sobre as trocas comerciais
entre os EM. No Acórdão Keck e Mithouard de 1993 o TJ distinguiu as disposições nacionais que determinam as
condições dos produtos produzidos ou provenientes de outros EM e que são legalmente transacionadas no respetivo
território, as quais, mesmo quando não discriminatórias, restringem o comércio intracomunitário, pelo que são
proibidas, exceto se e na medida em que encontrem justificação na prossecução de objetivos de interesse geral
suscetíveis de prevalecer sobre as exigências da livre circulação de mercadorias; e as disposições nacionais que
limitam ou proíbem certas modalidades de venda a produtos provenientes de outros EM, que não afetem, pela sua
natureza, o comércio entre os EM, sendo possíveis, salvo se não se aplicarem igualmente a todos os operadores que

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

que segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça considera que estas disposições têm efeito
direto, podendo ser imediatamente invocadas perante autoridades públicas, incluindo os
tribunais. Só são admitidas as exceções do artigo 36º, desde que cumpram os critérios da
necessidade, proporcionalidade e uniformidade, não podendo ser discriminatórias em razão da
nacionalidade.

(2) Da Livre Circulação dos Trabalhadores à Livre Circulação das Pessoas

A liberdade de circulação de fatores de produção, isto é, dos trabalhadores, serviços e capitais,


também constitui uma exigência das zonas de comercio livre e das uniões aduaneiras. O
processo de integração europeia desenvolveu-se inicialmente sobretudo em torno da
concretização de um objetivo de natureza essencialmente económica: estabelecimento de um
Mercado Comum, capaz de contribuir para a melhoria geral das condições de vida dos povos
participantes. Na origem das Comunidades Europeias, o homem era tomado em conta enquanto
ser económico, o que leva a que, desde o começo, se garantisse que os trabalhadores e os
prestadores de serviço pudessem circular livremente em toda a extensão da Comunidade.
Posteriormente, reconheceu-se o direito de serem acompanhados pelas suas respetivas
famílias. O TJ reconhece ainda o direito de circulação aos que não participam ativamente, mas
apenas passivamente no processo produtivo (acórdão Luisi e Carbone 1984). Daí em diante
passou a ser assegurada uma efetiva liberdade de circulação das pessoas, independentemente
da existência de uma justificação económica especifica para o efeito- passamos da restrição do
âmbito da liberdade de circulação dos trabalhadores e prestadores e beneficiários de serviços à
respetiva função económica no processo produtivo, para uma liberdade de circulação
generalizada.

Note-se também a relevância da celebração do Acordo Schengen em 1985 pela Alemanha,


França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. O Ato Único Europeu em 1986 introduziu no direito
primário a liberdade de circulação das pessoas como objetivo a alcançar para a concretização
plena do Mercado Único (26º TFUE). Em 1987, no acórdão Heylens o TJ referiu-se a um direito
fundamental (de natureza económica) de circulação dos trabalhadores. Em 1990 foram
aprovadas 3 diretivas destinadas a reconhecer os direitos de entrada, de permanência e de
residência no território de um EM aos nacionais dos restantes EM que ainda não fossem titulares
dos direitos de circulação já atribuídos aos trabalhadores e aos prestadores e beneficiários de
serviços. Estas diretivas são revogadas por uma relativa ao direito de livre circulação e residência
dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos EM, desde então
apenas sujeito à condição de possuir recursos económicos suficientes e à condição de prova de
que não constituirá um encargo suplementar para a segurança social do EM de acolhimento.

Só no Tratado de Maastricht foi instituída a Cidadania Europeia, definindo-se imediatamente


direitos especiais próprios dos cidadãos da União, existindo a possibilidade para uma inclusão
posterior de novos direitos. Um dos direitos dos cidadãos europeus é o direito fundamental de
circular e permanecer livremente no território dos EM (20º/2 alínea a) e 21º TFUE e 45º CDFUE).
O TJ reconheceu efeito direto à norma 45º/1 TFUE, desde o caso Yvonne van Duyn.

Veja-se que não vigora na União a liberdade de circulação de nacionais de países terceiros,
independentemente de já terem sido reconhecidos como trabalhadores num EM. Contudo, o

exerçam a respetiva atividade no território nacional ou se afetarem diversamente produtos nacionais e os


provenientes de outros EM, ocorrendo aí a violação do 34º TFUE.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

direito derivado ampliou os benefícios de circulação de trabalhadores15 aos seus familiares, seja
qual for a sua nacionalidade (cônjuge e descendentes menores de 21 anos ou a seu cargo e os
ascendentes do trabalhador e os do seu cônjuge que se encontrem a cargo).

O que implica o direito de livre circulação dos trabalhadores (45º a 48º)? Direito de entrar e
permanecer no território de outro EM, mesmo que apenas para procurar emprego, o direito ao
tratamento igual ao dado aos nacionais (18º e 45º/2 TFUE) com implicações em diversos
domínios, como a procura de emprego, remuneração e outras condições laborais, sendo
proibida a sujeição a regras de contratação ou de obrigações exigíveis diversas das aplicáveis
aos nacionais do próprio EM ou a imposição de clausulas de nacionalidade (Acórdão Bosman de
1995 e Regulamento nº 1612/68). O direito de circulação não depende de um documento do
EM de acolhimento, mas este pode exigir que a permanência no respetivo território seja
comprovada por um certificado de registo ou cartão de residência permanente, com efeito
declarativo, cuja não obtenção ou perda de validade não deve determinar a não admissão no
território do Estado, quer para o trabalhador como para os seus familiares- Caso MRAX vs.
Estado Belga TJ de 2002, Regulamento nº 1612/68 e Acórdão Maria Teixeira 2010.

O direito fundamental de circulação entre EM, consagrado no acórdão Heylens, deverá ceder
(apesar de não poder em princípio ser objeto de restrições em razão da nacionalidade) se
necessário para assegurar interesses públicos relevantes, como a exigências do domínio
suficiente da língua oficial do país de acolhimento no exercício de certas funções ou profissões
(45º/4 TFUE). Por outro lado, a circulação de pessoas encontra-se restringida por razões de
ordem pública, segurança pública e saúde pública (45º/3 TFUE). Veja-se, contudo, que as
restrições terão de ser aplicadas restritivamente, pois trata-se de um direito fundamental.
Tendo em vista as coordenação das medidas nacionais nestes domínios o Conselho adotou uma
Diretiva, que foi posteriormente revogada pela Diretiva 2004/38/CE do PE e do Conselho, com
um regime específico para a reserva de saúde pública (previsão da lista de doenças que podiam
impedi a entrada no território16- Maria Luísa Duarte considera que se a doença for adquirida no
país de acolhimento não pode ser fundamento para supressão do direito de circulação) e outro
assente na harmonização de diretrizes para situações de ordem pública e segurança pública- as
medidas nacionais deveriam fundamentar-se exclusivamente no comportamento pessoal do
individuo em causa (limita bastante a possibilidade de invocação desta restrição pelos EM), o
qual foi descrito no acórdão Roland Rutili de 1975 no qual o TJ como “uma ameaça grave e atual
a interesses fundamentais da comunidade nacional”, não podendo os Estados invocar esta
reserva por motivos económicos (ou devido a condenações penais).

(3) Liberdade de Circulação de Serviços

15 É considerado trabalhador qualquer pessoa humana que já tenha exercido, que exerça ou que pretenda exercer
uma atividade económica assalariada- Tribunal de Justiça no acórdão Walrave (…) de 1974- sendo esta aquela que é
exercida por conta de outrem ou equiparada tratada como tal para efeitos da legislação de segurança social do Estado
Membro em que a mesma é exercida ou em que a situação equiparada se verifique (Regulamento nº 883/2004 CE.
Não obstante gozam de liberdade de circulação também os desempregados involuntários, os incapacitados e as
pessoas abrangidas por um sistema de segurança social aplicável aos trabalhadores. O trabalho prestado deve ser
real, efetivo, mesmo que de curta duração ou a tempo parcial, mas não meramente acessório (acórdão Franca Ninni-
Orasche de 2003), independentemente de os rendimentos auferidos atingirem o nível mínimo de subsistência
previsto pelo Estado de acolhimento, lugar de residência do trabalhador e da natureza e duração do vínculo contratual
existente. A não verificação destes pressupostos só leva a que não exista livre circulação de trabalhadores, pois todos
os nacionais dos EM gozam do direito de circular.
16 Contudo, não vigora na União um regime uniforme e dificilmente poderá servir de justificação para a rejeição da

entrada de um cidadão nacional de outro EM.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

A liberdade de circulação de serviços está prevista nos artigos 49º a 62º, sendo dividido em
direito de estabelecimento e prestação de serviços, sendo estas duas formas alternativas e não
cumulativa de circulação ou prestação transfronteiriça de serviços. O artigo 57º define serviços.
Veja-se que a livre circulação de serviços pode ser considerado como uma mera decorrência da
livre circulação de pessoas, ou no respeito pelo princípio da não discriminação, próximo do
tratamento nacional. A liberdade de prestação de serviços no Mercado Interno abrange quer os
serviços prestados no território do EM em que o operador económico da União tenha residência
ou em que se encontre estabelecido, a quem aí pretenda deles beneficiar (prestação passiva-
cidadão belga vai a um advogado em Lisboa) quer os serviços prestador no território de um EM
ao qual se desloque o operador económico (prestação ativa- médico vai a outro EM prestar um
serviço), bem como os serviços prestador por um operador económico de um EM, ou nele
estabelecido, a um consumidor residente ou estabelecido no território de outro EM sem que a
prestação desse serviço implique a deslocação fronteiriça dos dois operadores (ex. projeto
desenvolvido por arquiteto num EM para pessoa de outro EM).

Veja-se que haverá liberdade de circulação de serviços no Mercado Interno europeu se os


profissionais independentes de um EM puderem prestar as respetivas atividades especificas no
território de qualquer outro EM da União, sem restrições ou discriminação em razão da
nacionalidade, e quando os destinatários dessas prestações de serviço delas beneficiarem, no
território de qualquer outro EM da União, sem quaisquer restrições de circulação.

Direito de Estabelecimento (49º TFUE): compreende o acesso a atividades não assalariadas e o


seu exercício, como a constituição e a gestão de empresas e designadamente de sociedades por
parte dos nacionais de um EM da União (estabelecem-se através da criação de um
estabelecimento principal), nas condições definidas na legislação do país de estabelecimento
para os seus próprios nacionais, bem como direito de criarem agências, sucursais ou filiais de
empresas já constituídas noutro EM (estabelecem-se através de estabelecimento secundário).

Distinção entre a liberdade de prestação de serviços e liberdade de estabelecimento: na


liberdade de prestação de serviços, a presença no território é temporária, pelo que as
instalações materiais a que possa ter de recorrer para executar a prestação de serviços não se
manterão depois da referida prestação de serviços a clientes determinados. Por outro lado, a
liberdade de estabelecimento é exercida a partir de um estabelecimento aberto com natureza
permanente, para clientes indeterminados, destinando-se por isso a perdurar estavelmente
para além da prestação de um determinado serviço. Note-se que a nacionalidade de um EM da
União é condição necessária para o exercício das liberdades económicas de estabelecimento e
de prestação de serviços. Assim, basta ser nacional de um EM para, em principio, poder abrir
um estabelecimento principal no território desse ou no de outro EM, mas já não para abrir um
estabelecimento secundário e para prestar serviços num EM do qual não é originário, porque o
direito à constituição de agências, sucursais ou filiais é atribuído apenas aos nacionais de um EM
já estabelecidos no território de outro EM.

A distinção entre estas figuras foi abalada pela Proposta Bolkenstein que abrange ambas as
liberdades de circulação de serviços e todos os setores da economia, com exceção dos
especialmente regulados ao nível da União, e que tem em conta a jurisprudência do TJ. A
Diretiva 2006/123/CE introduz alterações que contribuíram para uma realização mais eficaz do
mercado interno de serviços, ainda que não reflita na totalidade a Proposta. Prevê o princípio
geral do deferimento tácito dos requerimentos de autorização para o exercício da prestação de
serviços, invertendo a prática dos ordenamentos nacionais (incluindo Portugal). Reconheceu o
princípio do reconhecimento mútuo das habilitações no acesso e no exercício da livre circulação

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

de serviços e estabelece o princípio geral das autorizações concedidas para todo o território
nacional e com duração ilimitada. Em caso de autorização temporária, passou a haver lugar à
sua renovação automática, presumindo-se que se mantêm condições para a respetiva
concessão, exceto se razões imperiosas de interesse público justificarem solução diversa.

Note-se que nenhum EM pode, por legislação interna, restringir os efeitos da atribuição de
nacionalidade por outro Estado, devendo reconhecer essa atribuição, exceto se violasse
disposições imperativas de DI ou DUE.

Estão excluídas do direito de estabelecimento e da liberdade de prestação de serviços as pessoas


coletivas que não prossigam fins lucrativos, precisamente porque o direito do Mercado Interno
regula atividades económicas, não atividades e organizações sem fins económicos.

No acórdão Luisi e Carbone de 1984, o TJ considerou que a liberdade de circulação de serviços


abrange também os respetivos destinatários, incluindo os turistas. Assim, todos os cidadãos de
um EM da União quando se desloquem pelo território de outros EM, independentemente do
fim que os mova, ficam presumivelmente abrangidos pelo disposto no Tratado em matéria de
liberdade de prestação de serviços (56º TFUE), tal como os seus familiares (incluindo o cônjuge),
independentemente de serem nacionais de um país terceiro, ao abrigo do principio fundamental
da não discriminação em razão da nacionalidade (18º TFUE, segundo parágrafo do artigo 49º e
parte final do último parágrafo do artigo 57º TFUE) e do direito de proteção da vida humana.
Mas, a não discriminação em razão da nacionalidade prevista pelo Tratado não coincide
rigorosamente com a regra do tratamento nacional, visto que um nacional de outro EM pode
beneficiar efetivamente de um tratamento mais favorável do que o reconhecido aos nacionais
do próprio EM. Os estrangeiros nacionais de outro EM não têm de apresentar as qualificações
profissionais ou as autorizações especialmente exigidas aos nacionais do próprio Estado,
bastando normalmente a prova da titularidade de autorizações, diplomas ou qualificações
equiparáveis emitidos noutro EM. O TJ afirma o entendimento segundo o qual as disposições do
Tratado relativas à liberdade de estabelecimento não se aplicam a situações puramente
internas, visto que a cada EM define quais as obrigações em matéria de estabelecimento
económico a que os seus nacionais ficam sujeitos. O EM pode aplicar ainda disposições
legislativas, regulamentares e administrativas que prevejam um regime especial para os
estrangeiros, justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (52º e
62ºTFUE). O TJ reconheceu o efeito direito dos artigos 49º e 56º TFUE nos acórdãos Reyners e
Binsbergen de 1974, cuja concretização dependeu da adoção de medidas legislativas por parte
dos EM no quadro da transposição de diretivas comunitárias que se destinavam a efetivar os
referidos direitos. Para cumprir os artigos 49º, 56º e 57º os Estados tiveram de eliminar
imediatamente as discriminações decorrentes da legislação interna contra os nacionais de
outros EM. Veja-se que as disposições relativas ao direito de estabelecimento e à liberdade de
prestação de serviços não são aplicáveis às atividades que, num EM, estejam ligadas, mesmo
ocasionalmente, ao exercício da autoridade pública (51º e 62º TFUE). A jurisprudência e
evolução legislativa europeia restringiram esta derrogação ao exercício direto ou indireto da
autoridade pública, não sem antes se ter permitido alguma extensão a atividades especificas e
diretamente conexas com o exercício de autoridade pública.

A concretização do direito de estabelecimento e da livre prestação de serviços ficou dependente


da gradual redução e eliminação das discriminações e restrições baseadas na nacionalidade
ainda em vigor nas legislações dos EM. Para garantir isto foram aprovadas diretivas de
harmonização legislativa, especificas para diversas profissões regulamentadas e gerais (não
dirigidas a uma determinada profissão ou área de atividade independente).

53
Inês Godinho Turma A 2019/2020

A Diretiva 2005/36/CE impôs aos EM o reconhecimento das qualificações obtidas pelo prestador
de serviços noutro EM sem excluir a exigência de um nível mínimo de qualificações quanto a
atividades em que o acesso, o exercício ou a modalidade de exercício se encontram
subordinadas à posse de qualificações profissionais especificas. O regime nesta diretiva é
supletivo, aplicando-se na ausência de regras especificas de harmonização e quando não se
verifiquem as condições de aplicação de regimes especiais.

(4) Liberdade de Circulação de Pagamentos e Capitais

Está presente nos artigos 63º a 66º do TFUE e integra a competência partilhada17 da União com
os Estados Membros, cujo exercício se rege pelo disposto no artigo 2º/2 TFUE. No Tratado de
Roma (atual artigo 63º TFUE) foi expressa a supressão das restrições aos movimentos de
capitais, na medida do necessário para o bom funcionamento do mercado comum, o que foi
interpretado como a atribuição de um poder discricionário às instituições europeias quanto ao
momento e à forma de abolição, levando a que o TJ não reconhecesse efeito direto a essa
norma. O Conselho adota em 1960 a primeira diretiva sobre movimentos de capitais,
modificada em 1962, que eliminou as restrições de certos tipos de movimentos de capitais
privados e comerciais, incluindo a aquisição de bens imobiliários, os créditos a curto e médio
prazo conexos com transações comerciais e a aquisição de valores mobiliários negociados em
bolsa. Alguns EM, como a Alemanha, Países do BENELUX e depois o Reino Unido, eliminaram
unilateralmente a generalidade das restrições vigentes aos movimentos de capitais.

A concretização da liberdade de circulação de capitais foi posta em 2º plano face às restantes


liberdades de circulação, mas a eficácia destas dependia em larga medida dos pagamentos
efeitos pela aquisição de mercadorias, pela realização de trabalho e pela prestação de serviços.
Neste sentido, o TJ distingue entre “movimentos de capitais” e “pagamentos correntes”,
correspondendo os primeiros a operações financeiras que visam essencialmente a colocação ou
o investimento do montante em causa, e não a remuneração de uma prestação (abrange a
aquisição de bens imobiliários, as participações sociais que tenham como único objetivo realizar
uma aplicação financeira sem intenção de influenciar a gestão e o controlo da empresa e as
aquisições por doação ou por sucessão; e os últimos às transferências de divisas que constituem
uma contraprestação, no âmbito de uma transação subjacente, nomeadamente no exercício das
outras 3 liberdades. Para além disso o TJ reconhece efeito direto à norma que previa a
liberdade dos pagamentos entre EM. O Tratado previa que os pagamentos correntes relativos
aos movimentos de capitais entre os EM ficassem libertos de todas as restrições o mais tardar
até 1962.

Quanto ao movimento de capitais, o impulso decisivo no sentido da sua liberalização ocorreria


nos anos oitenta, com o projeto de relançamento e aprofundamento do Mercado Comum a
concretizar até 1992, efetuando-se alterações à primeira diretiva sobre movimentos de capitais
e, com a criação de uma união monetária, foram liberalizados por completo os movimentos de
capitais entre os EM (diretiva 88/361/CEE de 1998- caducou, visto que tinha como objeto a

17

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

execução do artigo 67º do Tratado de Roma substituído pelo Tratado de Maastricht-


reconhecido pelo TJ no acórdão Trummer e Mayer de 1999).

O Tratado da União Europeia extraiu do artigo 67º (atual 63º TFUE) o excerto que justificava a
não atribuição do efeito direito pelo TJ, o que leva a que este a reconheça, no acórdão Sanz de
Lera de 1995. Veja-se que o artigo 63º proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais
entre EM e países terceiros e igualmente entre EM, ou seja, os nacionais de países terceiros
passaram a beneficiar da liberdade de circulação europeia de capitais. O acórdão
Comissão/França de 2001 determina que são proibidas todas as medidas discriminatórias e
aquelas que impeçam, limitem ou apenas dissuadam os movimentos de capitais. As únicas
restrições possíveis estão previstas no artigo 65º TFUE, tendo estas como objetivo evitar
infrações à legislação nacional, particularmente nos domínios fiscal e da supervisão prudencial
dos serviços financeiros, bem como procedimentos de contabilização, verificação e controlo dos
movimentos de capitais, designadamente para fins estatísticos, e ainda medidas fundadas em
razões de ordem pública ou segurança pública, desde que preenchidas as condições especificas
para a respetiva aplicação (principio necessidade e proporcionalidade). O artigo 75º TFUE e 215º
TFUE mostram ainda outras exceções possíveis ao princípio geral presente no 63º TFUE. Para
além estas exceções, existem aquelas se aplicam somente a movimentos de capitais com países
terceiros: 64º/1 e 3; 65º/4; 65º e 66º TFUE. O TJ entende que estas últimas exceções devem ser
entendias mais permissivamente que as entre os EM.

A proibição geral do 63º TFUE necessitou de ser complementada: diretiva 2007/64/CE que
estabelece a base jurídica das normas aplicáveis a todos os serviços de pagamento (DSP), para
que os pagamentos fronteiriços fossem fáceis, eficientes e seguros e para promover a eficácia e
a redução de custos através do reforço da concorrência resultante dos mercados de pagamentos
a novos operadores; Regulamento nº 260/2012 que fixa os requisitos técnicos para as
transferências bancárias e débitos diretos em euros com a imposição de prazos limite para a
migração dos sistemas de transferências e débitos direitos nacionais para os instrumentos do
Espaço único de Pagamentos Europeu (SEPA); Diretiva 2015/2366 relativa aos serviços de
pagamentos do Mercado Interno, que reforça a transparência e a proteção dos consumidores e
adapta as normas então vigentes aos novos serviços de pagamentos; criação em 2015 da União
dos Mercados de Capitais, com o objetivo de criar um mercado único de capitais até 2019, que
é necessário para a realização de uma verdadeira UEM.

A criação de sucursais, de empresas novas e da aquisição integral de empresas já existentes são


abrangidas na liberdade de estabelecimento ou liberdade de circulação de capitais? O TJ
determinou que exerce o direito de estabelecimento o nacional de um EM que detém, no capital
de uma sociedade com sede noutro EM uma participação que lhe confere uma influência certa
sobre as decisões dessa sociedade e lhe permite que determine as respetivas atividades. O
investimento “de carteira” não está abrangido pela liberdade de estabelecimento, mas a
aquisição de ações numa sociedade que confira ao seu titular o controlo da mesma constituirá
o exercício da liberdade de circulação de capitais e da liberdade de estabelecimento, podendo
o mesmo concluir-se quando à criação de sucursais ou de empresas novas e à aquisição integral
de empresas já existentes.

No acórdão Liga Portuguesa de Futebol Profissional, o TJ esclarece que no caso de uma medida
nacional respeitar simultaneamente a várias liberdades fundamentais, o TJ aprecia-a, em
principio, à luz de apenas uma dessas, se se revelar que, nas circunstâncias do caso, as outras
liberdades são totalmente secundárias relativamente à primeira e podem estar-lhe
subordinadas.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

União Económica e Monetária- Marco Capitão Ferreira

No início da década de 70, a instabilidade do sistema monetário internacional e a desvalorização


do dólar, levam a Europa a abandonar o dólar como moeda referencial das margens de
flutuação, mantendo-se margens restritas de flutuação entre as moedas europeias (o que já se
sabia ser necessário para a realização do mercado comum). Contudo, as moedas europeias
tinham dificuldade em manter-se dentro das margens de flutuação, e em 1979, surge o Sistema
Monetário Europeu com o objetivo de eliminar a turbulência cambial e abrir caminho à união
monetária. O primeiro objetivo pode dizer-se que foi cumprido, pelo menos até à década de 90,
mas o segundo objetivo nem por isso. O Sistema era apoiado pelo Fundo Europeu de
Cooperação Monetária, através de Mecanismos de Crédito, na gestão de câmbio dentro do
sistema e ao financiamento dos défices da balança de pagamentos, e surge o ECU (Unidade
Monetária Europeia) como unidade de conta comum. Veja-se, no entanto, que o Ato Único
Europeu institucionalizou o Sistema, mas não o torna obrigatório e não faz qualquer referência
quanto ao momento e forma da União Económica Monetária. Por outro lado, os Estados vão
submeter qualquer decisão de avanço nesta matéria a comum acordo de todos os Estados.

Em 1988, o Conselho Europeu, em Hannover, encarregou um Comité de elaborar um relatório


que contivesse indicações sobre a viabilidade e forma de efetivação de uma União Económica e
Monetária. O resultado foi o Relatório/Plano Delors que lançaria definitivamente a União
Económica e Monetária, dividindo em 3 fases: (1) de 1990 a 1993 destinada a liberalizar
totalmente o movimento de capitais e a permitir o reforço da coordenação das politicas
económicas; (2) de 1994 a 1998 destinava-se a permitir aos Estados Europeus reunirem as
condições necessárias à adesão, nomeadamente por via do cumprimento dos critérios de
convergência; (3) fase iniciada em 1999 em que já existiria a União Económica e Monetária. O
Tratado de Maastricht institucionalizou as propostas do Relatório Delors. Note-se que em 1993,
as margens de flutuação foram alargadas visto que ocorreu uma grande crise. O Mecanismo de
Taxas de Câmbio foi substituído pela União Económica e Monetária para aquele Estados que a
ela aderiram. A 1 de Janeiro de 1999 o Euro passou a ser a moeda de 11 países originalmente
aderentes. A partir da entrada de um país na UECM, a definição e execução da política monetária
e comum é da responsabilidade exclusiva do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco
Central Europeu, o implica que em muitos países (incluindo Portugal) tenha de existir uma
revisão do enquadramento dos seus Bancos Centrais. Associada à UEM surge o Pacto de
Estabilidade e Crescimento, em que se define modelos de continuidade dos critérios de
convergência entre os diferentes Estados prevendo a supervisão e coordenação de políticas
económicas. Este grau de supervisão foi elevado pela aprovação do Tratado Orçamental.

Competências do Banco Central Europeu: a) definição da política cambial do Euro face às


restantes moedas no mercado cambial; b) controlo da inflação; c) decisões relativas à emissão
de moeda. Importa perceber que no âmbito da UEM os Estados abdicam das políticas monetária
e cambial para passam para o BCE. Perdem a possibilidade de recorrer a estas políticas para
reagir a situações adversas. O Banco Central Europeu é uma instância independente do poder
político, mas a sua atividade é acompanhada pelo Conselho de Ministros da Economia e Finanças
que tem competências em matéria de coordenação de políticas macroeconómicas dos Estados
Membros e da definição de políticas de câmbio. Para cumprir o mandato de estabilidade dos
preços, o BCE dispõe mecanismos de influência sobre o mercado e controla massa monetária
que pode adequar às variações do mercado, através de cedências e absorções de liquidez junto
do mercado bancário, por meio de operações em mercado aberto, delimitando a taxa de juro a
curto prazo.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Para os países aderirem ao euro têm (e tiveram, para entrar na UEM) de ser membros da
Comunidade e terem cumprido os critérios de convergência (estabilidade de preços- inflação
média com desvio inferior a 1,5% em relação à media dos Estados Membros com melhores
resultados- taxas de juros- taxa de juro nominal com desvio inferior a 2% em relação à media
dos Estados Membros com melhores resultados- estabilidade cambial e disciplina das finanças
públicas- limites máximos de dívida pública e défice) e os requisitos institucionais, que se podem
resumir na independência dos bancos centrais nacionais e a proibição de financiamento da
dívida junto destes. Foram 11 Estados considerados pelo Conselho Europeu como cumpridores
dos critérios de convergência. O critério da dívida pública foi agilizado, sendo considerado
cumprido por aqueles países que apresentavam valores elevados, mas que tinham vindo a
descer. O critério do défice foi bastante criticado, atendendo à dificuldade de reduzir os défices
no período de crise económica que se atravessava, e levou muitos países a reduzi-lo através de
uma contabilidade criativa (Ex. desorçamentação de despesas). Sendo que praticamente todos
o fizeram, não foram questionados os valores de défice orçamentais.

A UEM vem permitir completar o Mercado Único e a sua viabilidade depende do sucesso do
primeiro.

Vantagens da UEM:

a) Estabilidade de preços
b) Finanças Públicas Saudáveis e Estabilidade Económica: exige-se aos participantes que
atinjam valores referenciais de défice e dívida públicos como condição de entrada, mas
ainda depois da sua entrada, através do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Este fato
permite o bom desempenho da moeda comum nos mercados cambiais e para a
contenção da inflação.
c) Ganhos de senhoriagem: o euro assume um papel no mercado internacional que poderá
levar a que operadores estrangeiros usem Euros nas suas transações e que os Bancos
Centrais dos outros países os detenham como reservas cambiais.
d) Fim da Especulação Cambial: o euro é menos sensível à especulação cambial do que
cada uma das moedas dos participantes individualmente considerada.
e) Economia de Reservas Cambiais (?)
f) Reforço do papel Internacional da União e do Euro: a Europa ganha peso ao nível das
trocas mundiais, visto que o euro é uma divisa de expressão mundial. Por outro lado, o
prestígio da moeda europeia está associado ao prestígio e peso da própria União nos
fóruns mundiais, nomeadamente nos que lidam com matérias económicas, financeiras
ou monetárias.
g) Eliminação dos custos de transação: os custos de transação na zona ficam mais baixos,
devido à eliminação do risco cambial, à atenuação do risco contabilístico e à não
necessidade de fazer gestão dos fundos com divisas.
h) Transparência nos preços: os atores económicos passam a poder, com maior facilidade,
comparar os preços dos bens e serviços nos vários Estados Membros.
i) Estímulo ao comércio interno dentro da Zona

Desvantagens da UEM:

a) Convergência nominal: a mera convergência nominal não chega para assegurar a


convergência real entre as economias da zona, podendo mesmo provocar uma
divergência real causada por medidas destinadas a obter a convergência nominal a

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

qualquer custo. A falta de convergência real, ou pelo menos a prevalência da


convergência nominal pode criar choques assimétricos e gerar desigualdades regionais.
b) Desaparecimento do instrumento taxa de câmbio e perda de lucros cambiais: perde-se
a possibilidade de ajustar das taxas de câmbio à situação económica, nomeadamente
sob forma de desvalorizações competitivas da moeda. Perde-se também os ganhos para
o Estado das variações cambiais. Note-se que face a isto existe sempre a maior
vantagem de estabilidade cambial.
c) Desemprego: a perda de instrumentos cambiais e financeiros e a restrição dos
instrumentos orçamentais criam um quadro favorável a que o desemprego seja a
solução do arrefecimento da economia.

Se um país da União Europeia que participe na UEM sofrer um choque económico adverso,
quais são os instrumentos ao seu dispor para o combater?

 Teoria das Zonas Monetárias Ótimas: defende que numa zona monetária ótima, os
custos de um choque assimétrico são atenuados, quando não evitados de todo, pela
própria dinâmica interna da Zona Monetária. Nesta os ciclos económicos dos países
participantes tendem a ser cada vez mais sincronizados, o que na teoria afastaria os
choques assimétricos. Se todos os participantes sofressem um choque assimétrico
simultaneamente, continuavam a ser válidos os instrumentos tradicionais como as
medidas cambiais e monetárias pelo BCE. A sincronização dos ciclos depende não só do
grau de integração, mas também de uma flexibilidade de salários e preços
acompanhada de uma elevada mobilidade dos fatores de produção que permitirá ao
mercado absorver por si os choques. O país incluindo numa Zona Monetária Ótima
beneficia da possibilidade de usar os recursos tornados livres pela inexistência da moeda
nacional para outros fins, mas pode vir a suportar as consequências da perda dos
instrumentos tradicionais de política económica, existindo nesta figura uma política
orçamental centralizada. Numa Zona Monetária Ótima os choques assimétricos não
existem. Mas nenhum Zona Monetária é totalmente imune a crises geograficamente
setoriais. Vejamos agora se a União Económico e Monetária é ou não uma Zona
Monetária Ótima: é certo que a UEM é uma Zona Monetária Única; a maioria dos
Estados Membros não tem uma estrutura de salários e preços suficientemente flexíveis
para fazerem face a um choque económico, o que é reforçado pela intenção do BCE de
manter a estabilidade de preços; a mão-de-obra não se desloca com tanta flexibilidade
para que se possa esperar daí uma solução a uma crise económica, pois a movimentação
de trabalhadores e capitais dentro da Zona Monetária permitia resolver os choques
sobre o emprego e a produção, mas subsistem na EU barreiras culturais e linguísticas
que tornam pouco recorrente a mobilidade dentro da Zona Euro; a política orçamental
na UEM foi deixada aos Estados Membros18, mas já sabemos que a capacidade de um
Estado Membro de reagir a uma fase negativa é bastante restringida pelos Tratados e
PEC. Pelos argumentos, percebe-se que a UEM não é uma Zona Económica Ótima,
existindo, portanto, choques assimétricos. As políticas cambiais e monetárias únicas e a
integração a todos os níveis no contexto do mercado único reduzem em certo modo as
probabilidades de choques assimétricos. Por outro lado, os fundos comunitários
estruturais têm capacidade para reduzir as diferenças estruturais produtivas o que
previne os choques assimétricos. Muitos autores consideram que a unificação

18Visto que a centralização orçamental comporta a necessidade de transferir mais fundos para o orçamento
comunitário e iria aumentar os riscos de cada país com os demais.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

monetária prevenia os choques assimétricos, baseados na ideia de que esta,


acompanhada de uma crescente integração económica e financeira e da coordenação
das políticas económicas levaria à sincronização dos ciclos económicos dos países
participantes (o Reino Unido não adere à moeda única em grande parte pelas disfunções
do seu ciclo económico), permitindo ao BCE usar as políticas monetárias e cambial como
elementos anticíclicos, respondendo às necessidades de estabilização de toda a zona
euro. Veja-se que o BCE não dispõe de instrumentos necessários para acorrer a choques
económicos localizados, mas apenas para a estabilização da Zona Euro. A UEM é
particularmente sensível a choques assimétricos causados por diferenças nas estruturas
produtivas, sendo necessários instrumentos de estabilização eficazes, habilitados a
responder a choques assimétricos de diferente magnitude, origem e dimensão
geográfica. Uma Zona Monetária tende por si a estabilizar, ainda que de forma pouco
efetiva, por via da sincronização dos ciclos económicos e evitar, assim choques
assimétricos. Existe ainda outro estabilizador automático: a estrutura fiscal e
orçamental da Zona. Esta é uma matéria em que a integração europeia se mostra menos
profunda, acabando por prejudicar o objetivo apresentado. O tempo de decisão da
Europa é lento e a solidariedade é praticamente existente. Os Estados Membros não
estão dispostos a transferir a soberania fiscal e orçamental, visto que consideram que
essa é a sua última arma para intervir na economia, não sendo possível o funcionamento
da estabilização económica no seio da UEM (ainda que já haja uma certa coordenação
de políticas fiscais e orçamentais, não existe a transferência de poderes nesta área para
a Comunidade). Atendendo que é essencial encontrar-se instrumentos de estabilização
na UEM, quem será competente para assegurar essa estabilização, a União ou os
Estados Membros? Partindo do principio da subsidiariedade, temos que perceber se os
Estados Membros conseguiriam fazê-lo de forma suficiente satisfatória, sob pena de ser
a União a fazê-lo. Ora, já sabemos que não existe suficiente flexibilidade de salários e
preços nem mobilidade fluida dos trabalhadores, assim como que os EM não dispõem
de políticas monetárias e cambiais para fazer face a crises económicas e que a
estabilização por via fiscal é pouco viável e demasiado onerosa. Por outro lado, os
esforços de um EM para estabilizar a economia vão sofrer um fenómeno de
externalidades. Assim, um EM tem poucos ou nenhuns incentivos para prosseguir uma
política de estabilização própria, visto que será demasiado cara e pouco eficiente. Mais,
o deixar a obrigação de estabilização aos EM vai gerar cada vez mais assimetrias, visto
que a região que for mais frequentemente assolada por choques terá maior dívida
pública e uma economia instável que o resto da Europa. Assim, conclui-se pela
necessidade de a estabilidade ser competência da União. O Mecanismo Europeu de
Estabilidade apenas fez face à crise da dívida pública, não respondendo à totalidade dos
problemas nem a outras crises que possam ocorrer.
 O que é a estabilização automática? Se existem transferências de impostos para o
Governo Central, numa crise económica, essas são reduzidas, mas se as transferências
do Governo Central para o Estado se baseiam em pressupostos diversos, como as
prestações de caráter social, receberá o mesmo volume de receitas → O Estado afetado
paga menos ao Governo Central e recebe o mesmo volume de receitas. Uma região em
expansão económica paga mais do que recebe do Governo Central, existindo uma
solidariedade inter-regional indireta que beneficia o Estado afetado.
 Responde também à questão de saber quanta autonomia tem o Estado Português para
agir se a economia nacional for afetada por um choque assimétrico no âmbito da
vigência da UEM. Sabemos já que os Estados perderam a política monetária e cambial

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

para o BCE, restando-lhes a política orçamental que se encontra condicionada pelo


Pacto de Estabilidade e Tratado Orçamental, na medida em que estes definem regras
para a dívida pública, défice do orçamento e a inflação. Ora, a margem de liberdade dos
Governos é reduzida para fazer face aos choques económicos. A própria escolha das
receitas e despesas está sujeita a constrangimentos (os fundos estruturais implicam
uma certa participação nacional condicionando as despesas de investimento, os
impostos indiretos estão sujeitos a um regime harmonizado, as regras sobre auxílios de
Estados condicionam a composição das despesas, (…)), mesmo sendo apontada como
uma competência exclusiva dos Estados Membros.
 A ideia de choque assimétrico depende da existência de um grau de integração
económica muito elevado.
 FEDER e QREN não são mecanismos de atuação contra choques assimétricos, mas
permitem atenuar diferenças estruturais, através de investimentos a longo prazo. Não
respondem a crises pontuais, mas são um instrumento importante na aproximação dos
níveis de produtividade e desenvolvimento económico sustentado entre regiões.
Podem contribuir para a uniformização das condições económicas da zona.
 O artigo 127º/1 do TFUE determina que o objetivo primordial do BCE é a manutenção
da estabilidade dos preços, mas não só visto que, desde que não se comprometa o
objetivo de estabilidade dos preços, tem o dever de contribuir para a prossecução dos
fins da União fixados no artigo 3ºTUE, que vão muito além da estabilidade dos preços.
O BCE é independente do poder político e, na resposta a crises económicas, interpreta
o seu mandato restritivamente (só lhe compete a estabilização dos preços), tendo em
conta uma média onde estão apenas as grandes economias da Europa, na medida em
que tem de se definir uma política para toda a zona euro, mas as diferentes economias
estão a sofrer de forma diversa.
 UEM pós crise 2008: foram criados dois pacotes legislativos para fortalecer o Pacto de
Estabilidade e Crescimento: Six Pact- introduz uma nova ferramenta de vigência, o
procedimento de desequilíbrio macroeconómico- e Two Pact- prevê que os EM da área
euro apresentem projetos de planos orçamentais para o ano seguinte em meados de
outubro, permitindo que a orientação da Comissão possa ser levada em consideração
antes da adoção de orçamentos nacionais (aplicadas no contexto do Semestre Europeu-
ciclo anual de coordenação e vigilância das políticas económicas da EU. Permite que os
EM discutam os seus planos económicos e orçamentais com os seus parceiros da União
em momentos específicos da primeira parte do ano, de modo a que a ação nacional
possa ser tomadas na segunda parte do ano, designadamente com a adoção dos
orçamentos para o ano subsequente19). Estes projetos permitiram a existência de regras
mais claras, um maior acompanhamento e uma melhor implementação pelos Estados
das políticas adotadas. Veja-se que também implica menos liberdade de decisão por

19Em Novembro, começa o Semestre Europeu com a publicação da AGS, AMR e o Projeto de Relatório Conjunto de
Emprego e recomendações para a área do euro. Os líderes da EU consideram em Março esses documentos, sendo as
recomendações adotadas pelo Conselho em Fevereiro. Nesse mês ainda a Comissão publica o relatório nacional para
cada estado membro que analisa a situação económica e o progresso na implementação da agenda de reforma do
EM. Em Abril os EM apresentam os seus programas de reforma nacionais e os seus programas de estabilidade e
convergência (primeiros para os países da área do euro e os segundos para todos os EM) à Comissão, devendo esses
programas informar sobre as políticas especificas para impulsionar o emprego e o crescimento, prevenir e corrigir os
desequilíbrios macroeconómicos e os seus planos concretos para garantir o cumprimento das imposições europeias.
Para os países da zona euro, devem apresentam à Comissão projetos de planos orçamentais para o ano seguinte até
15 de Outubro, sendo estes avaliados pela Comissão através dos requisitos do PEC e recomendações especificas e
esta emite um parecer sobre cada um deles em Novembro.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

parte dos EM. Foi criado também o Tratado Orçamental que prevê que se devem limitar
os défices estruturais a 0,5% do PIB ou a 1% se a sua relação entre a dívida pública e o
PIB for bem superior a 60%. Exige que se criem mecanismos de correção automática
para ser desencadeados se o limite do défice estrutural20 for violado. Se houver um
desvio significativo do objetivo a médio prazo ou do caminho de ajustamento para o
mesmo, a Comissão endereça um aviso ao EM que será endossado pelo Conselho,
podendo este aviso ser tornado público. Esta situação será acompanhada e, se não for
corrigida, a Comissão pode propor um depósito de 0.2% do PIB (apenas na zona euro)
que deve ser aprovado pelo Conselho, podendo o montante ser desenvolvido ao EM
que corrigir o desvio. Se os EM violarem o critério do défice ou da dívida, eles são
colocados em um Procedimento de Défice Excessivo, estando sujeitos a uma supervisão
adicional, sendo fixados prazos para a correção do défice. A Comissão monitora o
cumprimento ao longo do ano, com base em previsões económicas e nos dados no
Eurostat. O novo regime prevê sanções mais progressivas e mais rápidas, visto que para
os EM da área do euro, no Processo de Défice Excessivo, as penalidades financeiras são
iniciadas antes e podem ser gradualmente intensificadas: a falta de redução pode
resultar em multas de 0,2% do PIB ou 0,5% se tiver havido a ocultação da estatística do
desequilíbrio; as sanções no âmbito desse processo são aprovadas pelo Conselho, a
menos que a uma maioria qualificada dos EM vote contra essa aplicação (votação por
maioria qualificada reserva). Os Estados Membros que sofrem dificuldades financeiras
ou sob programas de assistência preventiva do MEE são submetidos a vigilância
reforçada, isto é, missões periódicas de revisão pela Comissão. Se tal não permitir
resolver a questão, os EM podem ser convidados a preparar programas completos de
ajuste macroeconómico, sendo essa decisão tomada pelo Conselho deliberando por
maioria qualificada, sob proposta da Comissão. O Procedimento de Desequilíbrio
Macroeconómico (MIP) tem como objetivo monitorar e prevenir desenvolvimentos que
possam comprometer a estabilidade macroeconómica e promover o ajuste por meio de
políticas apropriadas. Este Procedimento é aplicado no Semestre Europeu sendo
desenvolvido através de 4 etapas principais: (1) Relatório de Mecanismo de Alerta, ou
seja, os EM são analisados quanto a possíveis desequilíbrios com base num conjunto d
variáveis principais, bem como indicadores auxiliares e outras informações, para medir
a evolução económica ao longo do tempo, sendo este Relatório publicado em
Novembro pela Comissão, indicando os EM que exigem uma analise mais profunda; (2)
Análise Aprofundada, ou seja, a Comissão analisa os EM que estão potencialmente em
risco de desequilíbrios, verificando a existência destes e da sua gravidade, sendo a
Revisão Aprofundada (IDR) publicada na primavera e fazem parte dos relatórios dos
países do semestre europeu; (3) Recomendações da Comissão que fazer parte do pacote
de recomendações especificas para cada país emitidas em Maio; (4) Monitoramento. Se
no final a Comissão entender que existem desequilíbrios excessivos no EM, pode lançar
o Procedimento de Desequilíbrio Excessivo (EIP), implicando a entrega e a adoção de
um plano de ação corretivo dentro dos prazos, sendo esse acompanhado pela Comissão,
sendo que a falta de conformidade repetidamente com os objetivos estipulados pode
levar a sanções.

Política de Concorrência- Miguel Moura e Silva

20 Défice estrutural: mede a saúde das contas públicas abstraindo do momento da Economia e das medidas
extraordinárias. Assenta em conceitos como o PIB potencial (assenta na multiplicação ponderada do desemprego
natural, capital existente e a produtividade) e as receitas e despesas do Estado que existiriam nesse cenário.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

O regime da concorrência é um dos elementos do mercado interno. Veja-se os artigos 101º e


109º TFUE que apresentam os princípios de uma economia de mercado aberto e de livre
concorrência. Os artigos 101º e 102º TFUE são dirigidos às empresas e, segundo a jurisprudência
do TJUE, têm a mesma finalidade que é a de manter uma concorrência efetiva no mercado
interno (Acórdão Continental Can c. Comissão 1973). Nesse sentido, esses dois artigos produzem
efeito direto na ordem jurídica dos EM (Acórdãos BRT c. Sabam e Fonior de 1974; e Sacchi de
1974), criando direitos na esfera jurídica dos particulares suscetíveis de tutela pelos tribunais
nacionais. O mercado interno e a política de concorrência interligam-se na medida a aplicação
do direito de concorrência reflete, sobretudo no que respeita aos acordos de distribuição bem
como a certas categorias de abuso da posição dominante a uma preocupação com a unidade do
mercado enquanto princípio imperativo da ordem jurídica da União. Por outro lado, a defesa da
concorrência promove a eficiência económica no mercado interno. O princípio da concorrência
assume-se como regime-regra de organização da atividade económica no mercado interno. A
integração económica prosseguida pelos Tratados implica uma concorrência efetiva entre
operadores económicos de modo a que possam produzir os benefícios previstos pela Teoria da
Integração Económica (incremento da eficácia produtiva resultante do alargamento do espaço
de atuação dos agentes económicos a todo o mercado interno a eficiência na afetação de
recursos, resultante do incremento da liberdade de escolha dos consumidores e do beneficio da
concorrência nas vertentes do preço , qualidade, variedade e inovação), que dependem da
existência de estímulo da concorrência para que as empresas aumentem a sua eficiência e a
economia desse espaço comum incremente a produtividade dos seus fatores de produção.

Existem, no entanto, derrogações ao princípio da concorrência (só em circunstâncias muito


específicas), visto que em determinados contextos, a concorrência é insuscetível de gerar os
benefícios esperados ou pode inviabilizar a prossecução de outros interesses públicos. Isso
poderá levar à limitação ou até exclusão da regra da concorrência em favor de outros regimes,
como o fornecimento de bens em condições de exclusividade face à insuficiência ou falhas de
mercado, bem como condicioná-la ao cumprimento de outros objetivos de interesse público.
Note-se que as regras de direito originário (em especial os artigos 101º e 102º TFUE)
determinam a primazia das regras da concorrência não só face ao direito dos EM como ao direito
derivado, isto é, os atos das instituição não podem pôr em causa o regime-regra da concorrência,
senão na medida em que os Tratados o permitam. A política de concorrência vai interligar-se
com outras políticas da União, no sentido de respeitar a exigência de coerência no artigo 7º
TFUE. A concorrência é simultaneamente o parâmetro-regra de organização do mercado e um
instrumento de promoção do bem-estar, devendo ser conciliada com outras dimensões do
interesse público da União e dos EM.

A concorrência é instrumental à eficiência económica, promovendo a eficiência na afetação de


recursos, permitindo a máxima satisfação das necessidades dos consumidores ao mais baixo
custo, de modo a que os produtores eficientes consigam obter retorno dos seus investimentos.
A livre concorrência protege um mecanismo descentralizado de tomada de decisões económicas
no mercado, através da interação anónima da oferta com a procura, o que leva a afirma que a
concorrência tem uma função de garantia institucional de direitos e liberdades fundamentais e
assegura condições efetivas para o controlo do poder económico pelo poder político
democrático. Por outro lado, a concorrência tem um papel redistributivo, visto que, ao
liberalizar um mercado, a introdução de concorrência tende a reduzir a apropriação de bem
estar dos consumidores pelos produtores, até aí escudados da pressão concorrencial, sendo
esse bem estar recuperado pelos consumidores na forma de preços mais eficientes e de maior

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

inovação e qualidade de serviço. A concorrência promove a eficiência produtiva e a eficiência


dinâmica, sendo um dos motores do incremento da produtividade da economia.

A concorrência está estritamente ligada à proteção do bem estar dos consumidores contra o
exercício de poder de mercado por uma ou mais empresas, sendo o conceito de poder de
mercado definido pela Comissão Europeia como “a capacidade de manter, de forma rentável,
os preços acima dos níveis concorrenciais durante um determinado período de tempo ou de
manter, de forma rentável, a produção, em termos de quantidade, qualidade e diversidade do
produto ou de inovação, abaixo dos níveis concorrenciais durante um determinado período de
tempo (Orientações da Comissão Europeia sobre a cooperação horizontal). Neste seguimento o
que releva para efeito de aplicação das regras de concorrência é o exercício sustentado desse
poder, durante um período relevante, sendo necessário ponderar também a magnitude do
poder de mercado exercido, as condições concorrenciais existentes e a norma de concorrência
em causa.

A concorrência será efetiva se se traduzir na ausência de poder de mercado, ou seja, a


concorrência existe e é tutelada por eliminar as ineficiências resultantes do exercício do poder
de mercado (fundamento). Noutro sentido, o parâmetro de aferição da ratio e
proporcionalidade de uma intervenção pública tendente a assegurar essa concorrência efetiva
é o controlo do poder de mercado. O direito da concorrência visa assim proteger os benefícios
que advêm para a sociedade pela existência da concorrência enquanto princípio organizador
dos mercados. Nesse seguimento, quando a concorrência é insuscetível de conduzir a um
melhor resultado em termos de bem estar, será necessário ponderar a eventual necessidade de
recurso a outros instrumentos de intervenção como a regulação setorial.

O parâmetro comprativo relevante é o preço que prevaleceria em condições de concorrência


efetiva para que se possa determinar se há ou não poder de mercado. É necessário determinar
a identificação e caracterização das pressões concorrenciais a que uma ou mais empresas estão
sujeitas, para que as mesmas possam ser consideradas detentoras de poder de mercado.

Princípio de economia processual: quando a conduta em causa apresente uma natureza


eminentemente anti-concorrencial, de tal forma que os custos administrativos de indagação
sobre o caráter nocivo de uma dada prática superem os benefícios resultantes da identificação
dos casos em que a mesma pode contribuir para a eficiência, justificam que não se analise mais
profundamente a existência de poder de mercado. Este princípio traduz-se na categoria de
restrições por objetivo no direito da União. Assim, nos casos que envolvem restrições muito
graves em abstrato, como os cartéis (acordos entre empresas concorrentes que eliminam ou
restringem a concorrência entre elas), a respetiva proibição não depende de uma avaliação do
poder de mercado das partes- existe aqui uma presunção judicial inilidível, no sistema da União
Europeia. Ora, nos casos em que a presunção não seja viável, a demonstração da existência de
uma conduta proibida exige, no caso dos acordos e práticas concertadas entre empresas, a
demonstração do seu caráter restritivo por efeito (atual ou potenciais), o que exige a
demonstração desses efeitos face às circunstâncias concretas da alegada infração, o que supõe
uma avaliação do poder de mercado. Quanto ao abuso da posição dominante, o conceito de
domínio de mercado pressupõe a identificação do eventual poder de mercado detido pelas
empresas em causa. Em suma, o alcance da análise de poder de mercado é definida da seguinte
forma: pode ser dispensada no caso das restrições por objetivo proibidas pelo 101º/ TFUE que
sejam insuscetíveis de beneficiar de exceção do 101º/3 TFUE; é necessária quanto às restrições
por efeito no âmbito do 101º/1 TFUE e à aplicação do 101º/3 TFUE como causa justificativa, bem
como no domínio do 102º TFUE e do controlo de concentrações de empresas.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

O poder de mercado pressupõe uma redução da quantidade produzida, sendo necessário


relacionar se os consumidores conseguem encontrar substitutos para as unidades retiradas do
mercado e se as empresas que operam no mercado têm capacidade para aumentar o respetivo
volume de produção, assim compensando a redução por parte da empresa em causa. O poder
de mercado é um conceito relativo e o grau de poder de mercado relevante para a aplicação de
uma regra de concorrência é inferior ao exigido para qualificar uma empresa como detendo uma
posição dominante.

Metodologia de análise concorrencial que nos permite identificar a existência de poder de


mercado:

(i) Definição do mercado relevante: consiste em deduzir a existência de poder de


mercado a partir das quotas de mercado da empresa em causa, da sua comparação
com as contras dos concorrentes, análise do grau de concentração no mercado,
obstáculos à entrada e à expansão e na ponderação de outros fatores que indiciem
a ausência de pressões concorrenciais sobre a empresa ou empresas em causa e
que tenham origem nos consumidores e nos concorrentes, efetivos e potenciais.
Acórdão United Brands c. Comissão 1978: “as possibilidades de concorrência face
ao disposto no artigo (102º) do Tratado devem ser analisadas em função das
características especificas do produto em caso e por referência à zona geográfica
claramente definida na qual é comercializado e onde as condições de concorrência
são suficientemente homogéneas para se poder apreciar o efeito do poder
económico da empresa em questão”- delimita-se o mercado numa dimensão
material (definição do mercado de produto/serviço) e numa dimensão espacial
(definição do mercado geográfico- acórdão United Brands- consiste na zona
geográfica claramente definida na qual é comercializado (o produto em causa) e
onde as condições de concorrência são suficientemente homogéneas para se poder
apreciar o efeito do poder económico da empresa em questão- também aqui tem
relevância a substituibilidade do lado da procura, sendo necessário determinar, se
perante um aumento hipotético dos preços dos bens, os consumidores podem
encontrar uma fonte alternativa de abastecimento junto de empresas situadas
noutras áreas geográficas. Os fatores ligados à oferta são tidos em conta na
perspetiva dos eventuais incentivos/desincentivos ou obstáculos que motivem ou
inviabilizem uma resposta competitiva das ). Afere-se a relação de substituibilidade
através do critério da elasticidade cruzada da procura, isto é, face a um aumento do
preço de A parte significativa da procura passa a comprar o bem B. A Comissão
adotou também o critério do monopolista hipotético, ou seja, procura medir-se o
efeito ao nível dos consumidores e dos concorrentes efetivos de um aumento
hipotético, pequeno, mas significativo e duradouro, dos preços de um dado bem
num determinado período. Procura-se identificar um mercado relevante onde é
viável o exercício de poder de mercado, encontrando-se um mercado que valha a
pena monopolizar, isto é, onde um monopolista hipotético dispõe de poder de
mercado. As pressões que limitam o poder de mercado podem também resultar da
resposta de concorrentes, na medida em que perante um aumento do preço pelo
monopolista hipotético, estes podem responder, afetando à produção do bem em
causa ativos usados para o fabrico de outro bem e, com esse aumento da produção,
diminuindo a rentabilidade do incremento dos preços. Assim, deve ter-se em conta
a substituibilidade do lado da oferta (Acórdão Continental Can). Contudo, quando a
substituibilidade do lado da oferta obrigar a uma adaptação significativa dos ativos

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

corpóreos existentes, ou exige investimentos suplementares, modificações na


estratégia empresarial ou aina atrasos, a Comissão não a terá em conta nesta fase,
remetendo-a para a fase de análise concorrencial.
(ii) Análise da situação concorrencial
a. Quotas de mercado: calculadas em quantidade, referentes ao valor de vendas
de cada uma das empresas que participa no mercado. Quanto maior for a quota
de mercado de uma determinada empresa, maior o potencial de esta ter a
capacidade de aumentar os preços acima do nível concorrencial.
b. Rácios de concentração: num mercado mais concentrado há maior
probabilidade de existir um poder de mercado.
c. Obstáculos à entrada (origem nas políticas públicas, assumam caráter estrutural
ou sejam de natureza comportamental), expansão e saída (obrigações
contratuais com recursos humanos ou fornecedores ou obrigações ambientais
ou financeiras impostas pelo Estado: aumentam o risco de entrada e podem
aumentar a pressão concorrencial entre as empresas que estão no mercado) do
mercado e concorrência potencial
d. Poder do comprador: a capacidade de exercício de poder de mercado depende
também da aptidão dos clientes para reagir e adotar contramedidas. Se as
empresas em causa enfrentarem um número limitado de compradores, estes
podem exercer um contrapoder que inibe o risco de exercício de poder de
mercado levando a que mesmo quotas de mercado elevadas do lado da oferta
não sejam suficientes para indiciar a criação ou reforço ou poder de mercado.

É essencial que todas as fontes de pressão concorrencial relevantes foram tidas em conta, antes
de concluirmos pela existência de poder de mercado, sendo a definição de poder de mercado
apenas um instrumento para orientar a aplicação das regras de concorrência a casos concretos
(acordos entre empresas, abusos da posição dominante ou concentrações).

Estrutura das Regras de Concorrência aplicáveis às empresas (101º a 106º TFUE)

O artigo 3º/1 alínea b) TFUE determina que o estabelecimento das regras de concorrência
necessárias ao funcionamento do mercado interno são competência exclusiva da União. As
principais normas substantivas de concorrência são os artigos 101º e 102º TFUE e o
Regulamento nº139/2004 que fixa o Regime de Controlo de Concentrações.

O artigo 101º proíbe os acordos e práticas concertadas entre empresas bem como as decisões
de associações de empresas que tenham por objetivo ou como efeito impedir, restringir ou
falsear a concorrência e sejam suscetíveis de afetar o comércio entre EM, sob pena de nulidade
desses acordos ou práticas (101º/2 TFUE- o 101º/1 estabelece um principio de ordem publica
económica imperativo, negado a garantia das cláusulas restritivas). Está em causa a proibição à
restrição da liberdade das partes quanto às condições que irão praticar no mercado junto dos
respetivos clientes. Veja-se que se num determinado mercado onde existem apenas 5 empresas
concorrentes estas se reúnem para fixar os preços que cada uma irá praticar, teremos um caso
claro de uma prática restritiva da concorrência (um cartel). O nº3 do artigo 101º permite excluir
do âmbito da proibição do número 1 aqueles comportamentos que, embora preenchendo os
requisitos da proibição, são compatíveis com o mercado interno por preencherem os requisitos
do nº3, que procuram fazer um balanço entre os efeitos anticoncorrenciais da prática e os
eventuais benefícios (balanço económico), e se traduzem na exigência de ganhos objetivos de
eficiência (contribuem para melhorar a produção ou distribuição dos bens ou serviços em causa
ou para promover o progresso técnico e económico), no facto de as vantagens se repercutirem

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

na sociedade, devendo os utilizadores receber uma parte equitativa desses ganhos. Por outro
lado, é exigido ainda que a restrições sejam indispensáveis à prossecução dos objetivos legítimos
em causa e que não possam dar às partes a capacidade de eliminar a concorrência numa parte
substancial dos produtos em causa- eliminação da concorrência é um parâmetro ultrapassável.
A aplicação do artigo 101º/3 TFUE é facilitada pela existência de regulamentos da Comissão que
atribuem o benefício da inaplicabilidade do nº1 aos acordos que preencham certos requisitos
(regulamentos de isenção por categoria).

O artigo 102º é aplicável apenas a empresas que tenham a detenção de uma posição dominante,
ao contrário do artigo 101º/1 que é aplicável potencialmente a qualquer empresa. A existência
por si só de posição dominante não é proibida, mas apenas o abuso dessa posição. Por outro
lado, estas empresas, atendendo à sua posição dominante, estão sujeitas a especiais deveres de
conduta. Este artigo apresenta uma cláusula geral, prevendo uma tipologia exemplificativa que
concretiza o tipo de condutas que podem ser consideradas abusivas. Note-se que o tratado não
fixa uma exceção ao 102º, mas a prática da Comissão e da Jurisprudência do TJUE tem
reconhecido uma exceção decalcada do nº3 do 101º TFUE. Note-se que o facto de um acordo
ser abrangido pelo artigo 101º/3 ou por um regulamento de isenção por categoria não afasta a
aplicação do artigo 102º, desde que estejam reunidos os pressupostos desta última disposição.

A concentração traduz-se numa alteração estrutural do mercado mediante a integração de duas


ou mais empresas, que passam a ter um controlo comum, que pode ser unitário ou conjunto.
Os artigos 101º e 102º intervêm na conduta das empresas, enquanto que o controlo de
concentração se preocupa com a modificação da estrutura concorrencial. Por outro lado, os
artigos incidem sobre condutas que já estão em curso, e as concentrações estão sujeitas a um
regime de controlo prévio. O controlo de concentrações é definido pelo Regulamento
nº139/2004 (Regulamento de Controlo de Concentrações), sendo atribuída à Comissão a
competência exclusiva para se pronunciar sobre concentrações de dimensão europeia, criando
um balcão único a que as empresas se devem dirigir para essas operações. O critério legal para
autorização ou proibição da operação de concentração é inspirado pelo artigo 102º, isto é, será
proibida uma concentração caso esta entrave significativamente a concorrência efetiva no
mercado interno ou numa parte substancial deste, em particular caso da mesma resulta a
criação ou reforço de uma posição dominante.

Âmbito de aplicação das regras da concorrência da União

 Âmbito subjetivo: as regras de concorrência aplicam-se a atividades de natureza


comercial ou industrial, sem existirem dúvidas quanto a isso. Para além destas, o âmbito
será aferido com base no princípio da competência de atribuição, isto é, a União tem
apenas as competências que lhe foram conferidas pelos Tratados. O critério decisivo
para determinar o alcance das normas de integração económica é o de “atividade
económica”, sendo que nas normas de concorrência, esse conceito está refletido na
noção de empresa e da sua atividade. O acórdão Höffner e Elser c. Macrotron de 1991
do TJ fixa o conceito de empresa como abrangendo “qualquer entidade que exerça uma
atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e modo de
financiamento”, sendo uma entidade capaz de determinar com autonomia o seu
comportamento no mercado. A concorrência faz-se entre unidades económicas, que
podem incluir diferente entidades juridicamente autónomas, mas economicamente
sujeitas a um controlo unitário- desconsidera-se a personalidade jurídica individual de
cada uma das partes em favor de um conceito de unidade económica, como centro de
definição da conduta da empresa enquanto agente do jogo concorrencial (acórdão

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Centrafarm o TJ considerou que um acordo entre uma sociedade-mãe e uma sua


subsidiária não constituía um acordo entre empresas para efeitos do 101º TFUE;
acórdão Viho c. Comissão, tendo o TJ entendido que duas sociedades estabelecidas em
EM diferentes e que eram controladas a 100% por uma sociedade-mãe constituída
noutro EM formavam uma unidade económica, não dispondo as filiais de autonomia
para determinar a sua atuação no mercado, sendo esta ditada pelas instruções que lhes
eram dirigidas pela sociedade-mãe). Veja-se que se duas entidades juridicamente
distintas integram a mesma empresa, um contrato entre elas não constitui um acordo
entre empresas e sim um ato de cariz intraempresarial, eventualmente sujeito à
proibição de abusos da posição dominante. Por outro lado, a conduta de uma entidade
juridicamente distinta que integra uma empresa pode levar à responsabilização da
sociedade-mãe por infração cometida pela subsidiária. O objetivo da empresa, no
âmbito das regras da concorrência, é o exercício de uma atividade económica, isto é, a
oferta de bens e serviços num determinado mercado, suportando o risco de empresa.
Ora, para a sujeição da empresa às regras da concorrência é precisamente necessário o
caráter económico da atividade realizada. Interessa-nos saber se o agente tem uma
atuação dirigida para o mercado, uma atividade de oferta de bens e serviços em
concorrência, em que o sucesso na disputa com outra empresas é fundamental para a
sustentabilidade da atividade, ainda que a empresa não prossiga fins lucrativos. Note-
se que heterogeneidade de organização das funções do Estado na União torna
impossível a definição de uma lista exaustiva de atividades excluída do âmbito das
regras da concorrência. No entanto, é possível categorizar fundamentos de exclusão:
atividades que decorrem da própria autoridade pública, corolários da soberania dos
Estados em áreas onde esta não foi limitada pelas obrigações impostas pelo quadro da
União; e domínio onde a atividade do setor público e do setor cooperativo e social se
insere numa lógica antagónica à da concorrência, prosseguindo-se fins de solidariedade.
O artigo 101º TFUE é aplicável ainda às associações de empresas, impedido que as
empresas pudessem pela transformação de atos formalmente unilaterais de uma
associação escapar à disciplina do artigo 101º. O conceito de associação de empresas
também tem um entendimento funcional, não estando dependente de qualificações
formais quanto ao tipo de associação em questão. Caso MarterCard: o facto de uma
associação de empresas se ter constituído como uma sociedade comercial também não
afasta essa sua qualificação.
 Âmbito material: as regras de concorrência do TFUE são de aplicação a todos os setores
de atividade económica, ainda que sujeitas a regimes especiais quanto a alguns setores
onde a sua aplicação tem de ser em contra sobretudo fatores socioeconómicos, como a

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

agricultura21, os transportes22 e a defesa23, relativamente aos quais o tratado estabelece


uma lei especial.
 Âmbito espacial: os artigos 101º e 102º são aplicáveis a condutas que tenham lugar no
território dos EM da União, mas é fácil de perceber que se fosse exclusivamente assim,
facilmente a concorrência ser posta em causa, o que leva a ponderar a aplicação das
regras fora do território dos EM. O princípio da territorialidade funciona como base de
legitimação da atuação dos EM, mas a prossecução dos interesses do Estado pode exigir
que este disponha sobre condutas, que tenho lugar noutro território, afetam aqueles
interesses. Nesse sentido, podemos falar num princípio de territorialidade subjetiva que
permite a aplicação da lei do EM do foro quando a ilícitos cuja execução tenha início no
seu território e princípio da territorialidade objetiva que reconhece o exercício da
competência legislativa quanto a comportamentos iniciados fora do seu território, mas
que neste sejam consumados. Para que um Estado possa aplicar a sua legislação de
defesa da concorrência, terá de existir um efeito imediato, substancial e previsível no
mercado do Estado do foro (teoria dos efeitos- acórdãos Gencor c. Comissão de 1999;
TG de 1999; Intel Corp c. Comissão 2014).

Condutas abrangidas pelo artigo 101º/1 TFUE:

a) Acordos entre empresas: o conceito de acordo é mais amplo que o conceito de


“contrato”, podendo assumir uma forma totalmente desprovida de força jurídica
vinculativa. No acórdão Bayer o TJ cita a definição dada pelo TG para o conceito,
afirmando que o conceito de acordo se baseia na existência de uma concordância de
vontades entre pelo menos duas partes, cuja forma de manifestação não é importante,
desde que constitua a expressão fiel das mesmas. Assim, basta que as empresas em
causa tenham expressado a sua vontade comum de se comportarem no mercado de
uma forma determinada. Veja-se que na noção de acordo, a substância prevalece sobre
a forma.
b) Práticas concertadas entre empresas: traduzem formas de conluio que partilham a
mesma natureza e que só se distinguem pela sua intensidade e pelas formas como e
manifestam. Para estarmos perante uma prática concertada é necessário que a mesma
constitua uma forma de coordenação entre as empresas, que não tendo intensidade
necessária para configurar um acordo, substitua conscientemente os riscos da

21
O artigo 42º TFUE estabelece que os artigos 101º a 109º apenas se aplicam à produção e
comercialização de produtos agrícolas (elenco taxativo anexo I TFUE), na medida do estabelecido num
Regulamento de execução, a aprovar com base no procedimento do artigo 43º e tendo em conta os
princípios estabelecidos pelo artigo 39º- TJ afirma que há aqui uma primazia da política agrícola
relativamente às regras de concorrência e o poder conferido ao Conselho de definir em que medida as
regras seriam aplicáveis ao setor agrícola (acórdão Maizena c. Conselho 1989). Quanto aos auxílios de
Estado, o Conselho aprova mediante proposta da Comissão, a concessão de auxílios às explicações em
situação desfavorável devido a condições estruturais ou naturais no âmbito de um programa de
desenvolvimento económico. O artigo 102º TFUE aplica-se.
22
Regulamento nº17/62.
23Competência reservada aos EM, prevendo o artigo 346º/1 alínea b) TFUE uma exceção quanto a medidas tomadas
por estes relativas à proteção dos interesses essenciais à sua segurança, desde que relativas à produção ou comércio
de armas, munições e material de guerra, sujeita a uma condição de não distorcerem as condições de concorrência
quanto a produtos não destinados a fins especialmente militares. Este artigo não autoriza legalmente as práticas
anticoncorrenciais no setor da defesa, visto que as derrogações têm de ser vistas restritivamente, podendo apenas
ser relevante quanto a medidas tomadas pelos EM que, de outra forma, poderiam ser contrárias às obrigações
impostas pelas regras de concorrência. O Regulamento nº139/2004 permite aos EM tomar medidas quanto a
concentrações de dimensão europeia, que sejam adequadas e proporcionais à proteção de interesses legítimos,
sendo um desses fins a defesa.

68
Inês Godinho Turma A 2019/2020

concorrência por cooperação prática com o objetivo ou efeito anti-concorrencial. Para


além dessa concertação é necessário um comportamento no mercado e um nexo de
causalidade entre a concertação e a conduta. Sendo necessário uma comunicação, o
conceito de prática concertada torna-se inoperante face a comportamentos em que as
características do mercado são de tal como propicias à colusão que as empresas não
precisam de recorrer a uma dessas formas de comunicação. A colusão tácita é (quase)
tão nociva (gera pode de mercado coletivo e ineficiências na afetação de recursos, tal
como um cartel explicito em que os representantes das empresas se juntam para
articular uma estratégica comum) quanto à colusão explicita do ponto de vista do
resultado económico, mas a primeira não é contrária às regras da concorrência e
segundo é proibida. No plano da União existe flexibilidade no preenchimento do
conceito de coordenação, subsumindo ao mesmo casos em que a coordenação resulta
de prova indireta de contactos entre empresas concorrentes, tendo o mero paralelismo
de ser acompanhado de um conjunto de provas sérias, previstas e concordantes que a
concertação é a única explicação plausível para esse paralelismo.
c) Decisões de associações de empresas: é possível a coordenação do comportamento das
empresas associadas através de atos formalmente unilaterais (porque imputáveis à
vontade da associação), mas este meio poderá partilhar natureza dos acordos e práticas
concertadas. Note-se que a jurisprudência acolhe a possibilidade de
corresponsabilidade de uma associação e dos seus membros por participação conjunta
na mesma infração, desde que seja demonstrado que a associação teve um
comportamento distinto dos seus membros. Por outro lado, uma associação de
empresas pode ser considerada como empresa para efeitos do artigo 101º/1 TFUE, se
oferecer serviços em concorrência com outros operadores que tenham fins lucrativos
(acórdão Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas c. Autoridades da Concorrência de
2013).

Restrição da Concorrência

Num mercado concorrencial, cada agente económico deve determinar livremente e de forma
autónoma o respetivo comportamento no mercado. Nesse sentido, o artigo 101º/1 TFUE
pretende impedir que as empresas restrinjam a concorrência entre si ou relativamente a
terceiros mediante a coordenação da respetiva conduta concorrencial. O direito da concorrência
visa preservar uma estrutura concorrencial que conduza a um grau de concorrência suscetível
de beneficiar os consumidores, em termos de preço, qualidade, variedade e inovação. Não
existe, no entanto, o objetivo de criar e proteger um equilíbrio nas relações entre os produtores
e distribuidores. O conceito de restrição da concorrência exige que se analise o cenário real de
evolução do mercado, na medida em que o controlo jusconcorrencial seja exercido após a
prática estar em execução, avaliando a forma como a concorrência se processa na vigência das
práticas em causa, e exige que se analise o cenário hipotético da evolução do mercado (cenário
contrafactual), isto é, como se desenvolveria a concorrência na ausência da prática. Assim, só
existira restrição da concorrência se, devido ao acordo ou prática em cauda, a concorrência fosse
restringida relativamente ao que sucederia num cenário sem a conduta controvertida (Acórdão
56/65 de 1996). A qualificação das restrições como sendo por objetivo ou por efeito é
determinante para a maior facilidade ou dificuldade da demonstração de uma restrição de
concorrência, na medida em que conduz-nos à delimitação de uma fronteira entre
comportamentos prima facie ilegais e outros em que será necessária uma demonstração de
efeitos anticoncorrenciais. Por outro lado, veja-se que a Comissão considera que as condições
de isenção do 101º/3, sendo em tese aplicáveis às duas categorias, na prática, é improvável que

69
Inês Godinho Turma A 2019/2020

restrições graves de concorrência (restrições por objetivo) satisfaçam as condições exigidas pelo
artigo (Comunicação da Comissão- Orientações relativas à aplicação do nº3 do artigo 81º do
Tratado). Existe uma prioridade lógica das restrições por objetivo sobre as restrições por efeito,
na medida em que se uma prática tem por objetivo restringir a concorrência e, reúne os
requisitos do artigo 101º/1 TFUE, a mesma será proibida, apenas podendo ser resgatada pela
exceção do artigo 101º/3 TFUE. Constituem restrições por objeto aquelas condutas que, pela
sua própria natureza, são prejudiciais ao funcionamento da concorrência. Para o efeito, é
necessário ter em conta o teor das disposições controvertidas, os seus objetivos e o contexto
económico e jurídico em que se inserem. Apenas quando a análise da prática não revela um
objetivo anti-concorrencial é que será necessário examinar o seu efeito (acórdão Cartes
Bancaires). Isto não significa que o resultado da conduta seja indiferente para a análise por
objetivo, visto que a própria qualificação de uma restrição por objetivo assenta num juízo de
que a conduta em questão é apta a restringir a concorrência no mercado interno. A restrição
por efeito implica uma análise mais detalhada do mercado e, sobretudo, do potencial poder de
mercado das partes ou, no caso de coexistência de redes de contratos de distribuição com a
mesma natureza, do poder de mercado coletivo, expresso na capacidade de um encerramento
anti-concorrencial do mercado (Acórdão LTM). Note-se a regra de minimis, isto é, exige-se uma
apreciabilidade da restrição da concorrência para que a mesma atinga o patamar da ilegalidade
substancial do 101º/1 TFUE (acórdão Völk c. Vervaecke de 1969 e comunicações interpretativas
da Comissão, com relevância da de 2014).

Afetação do Comércio entre os Estados Membros

O requisito das práticas serem suscetíveis de afetar o comércio entre os EM, pretende distinguir
as práticas que apenas têm relevância nacional ou local das que são suscetíveis de afetar o
mercado interno. Nesse sentido, se não ocorrer tal afetação, as restrições não são abrangidas
pelas regras do Tratado, sem prejuízo de puderem violar disposições da legislação do Estado. A
jurisprudência tem definido o termo comércio englobando toda a atividade económica
transfronteiriça e não apenas o comércio de bens ou serviços. O TJ reconhece que se preenche
este requisito também se um acordo ou prática abusiva afetam a própria estrutura concorrencial
do mercado (ex. eliminar ou criar o risco de eliminação de uma empresa). Na Comunicação de
2004, a Comissão estabelece uma presunção negativa ilidível, segundo a qual,
independentemente da natureza das restrições em causa, os acordos que preencham os
critérios da regra NASC (quota de mercado agregada das partes em qualquer mercado relevante
na Comunidade afetado pelo acordo não ultrapassa 5% e no caso de acordos horizontais, o
volume de negócios anual agregado na comunidade das empresas em relação aos produtos
objeto do acordo não é superior a 40 milhões de euros) não são considerados abrangidos pelas
regras dos artigos 101º e 102º TFUE.

Abuso de posição dominante

Já vimos que o artigo 102º aplica o princípio da proibição da exploração abusiva de uma posição
dominante sem prever qualquer possibilidade de exceção. No entanto, veja-se que é necessário
um elemento de conduta qualificável como abusivo e distinto da situação especial do agente,
visto que o que é ilícito é o abuso da posição dominante e não a criação desta ou a mera
detenção da mesma.

O que é a posição dominante? Jurisprudência do TJ procura conjugar dois elementos: um


relativo ao impacto na concorrência efetiva e outro à margem de discricionariedade à disposição
da empresa em causa. Nesse sentido, no acórdão United Brands, o TJ define posição dominante

70
Inês Godinho Turma A 2019/2020

como uma posição de poder económico detida por uma empresa que lhe permite afastar a
manutenção de uma concorrência efetiva no mercado em causa e lhe possibilita comportar-se,
em medida apreciável, de modo independente em relação aos seus concorrentes, aos seus
clientes e aos consumidores. Note-se que a existência de posição dominante não depende da
demonstração da exclusão de toda e qualquer concorrência, na medida em que apenas é
necessário que a pressão concorrencial existente seja insuficiente para garantir uma
concorrência efetiva, permitindo à empresa que se comporte de forma relativamente
independente face à reação dos concorrentes, clientes, fornecedores e consumidores- o
conceito de posição dominante não é incompatível com a existência de concorrência. Para
definir a existência de posição dominante é necessário definir previamente o mercado
relevante. Posteriormente deve-se apurar as quotas de mercado da empresa em causa, sendo
que a jurisprudência tem apresentado que uma quota de 10% do mercado só pode dar lugar a
uma posição dominante em circunstâncias excecionais e nos casos em que existe um
concorrente com uma parte de mercado igual, uma quota de 33% também e insuficiente para
estabelecer a existência de uma posição dominante. Por outro lado, nas Orientações sobre
abusos de exclusão, a Comissão considera que é pouco provável que uma empresa seja
considerada dominante quando a sua quota se situe abaixo dos 40% (exemplo em que tal não
se observa: British Airways). Na faixa entre os 40% e os 50% o critério da quota de mercado é
considerado insuficiente para estabelecer uma posição dominante, sendo necessário apreciar
os dados da quota de mercado face ao poder económico e aos número de concorrentes (caso
United Brands). Quanto existe uma quota de 50% existe uma presunção ilidível de que existe
uma posição dominante. Acima dos 50% uma empresa dificilmente deixará de ser considera
dominante, sendo relevante o tempo em que a empresa conseguiu manter uma quota tão
preponderante. A determinação de uma posição dominante não se pode limitar à avaliação das
características objetivas dos produtos em causa, devendo ter em conta as condições de
concorrência e a estrutura da oferta e da procura em causa. Note-se que o abuso da posição
dominante para ser proibida pressupõe a possibilidade de a empresa não abusar, isto é, de
adotar voluntariamente um comportamento compatível com a manutenção da concorrência
efetiva, devendo existir capacidade de agir independentemente das forças disciplinadoras do
mercado.

O abuso da posição dominante consiste no exercício da margem ampla de apreciação que lhe é
conferida pela especial posição que ocupa de forma a obter vantagens que, na presença de um
grau de concorrência efetiva, não poderia alcançar. O abuso da posição poderá traduzir-se em
duas vantagens: lesão atual ou potencial de um bem jurídico protegido, sendo este a estrutura
concorrencial do mercado enquanto elemento propiciador da participação dos concorrentes
numa concorrência não falseada pelo recurso a métodos que não os da concorrência pelo mérito
e, por outro lado, de um tratamento equitativo dos clientes, fornecedores e dos consumidores
que interagem, direta ou indiretamente com a empresa dominante. Existem duas categorias de
abuso: a) abuso de exploração, em que a vantagem é auferida mediante o exercício de poder de
mercado sobre os clientes, fornecedores ou consumidores dos bens ou serviços da empresa
dominante. Esta vantagem pode corresponder à prática de preços de monopólio ou à aptidão
para lhes impor um encargo, obstáculo ou ónus injustificado. Assim, a empresa em posição
dominante deve comportar-se como se estivesse sujeita a uma pressão concorrencial efetiva,
abusando da mesma quando a sua confuta lhe confira uma vantagem que decorre dessa posição
de preponderância. Exemplos desta conduta: prática de preços excessivos ou imposição de
outras condições não equitativas; discriminação de preços entre clientes ou fornecedores;
imposição de uma proibição de exportação a clientes ou fornecedores; subordinação de

71
Inês Godinho Turma A 2019/2020

prestações; e a recusa de venda a um cliente habitual; b) abusos de exclusão, em que o poder


exercido se traduz na capacidade de impedir a manutenção de uma concorrência efetiva,
através de condutas tendentes a eliminar ou, pelo menos, disciplinar os concorrentes da
empresa dominante. É necessário distinguir atos de concorrência que promovem o
funcionamento eficiente do mercado daqueles em que a exclusão resulta de uma prática
censurável. A jurisprudência apresenta dois critérios para essa distinção: qualificação de certas
práticas como sendo, por natureza, anticoncorrenciais, quando adotadas por empresas em
posição dominante; e o critério do concorrente igualmente eficiente, que se traduz no apelo a
metodologias de comparação de custos e de preços para apurar se uma determinada prática é
abusiva na medida em que se mostre apta excluir uma empresa tão eficiente quanto a empresa
em posição dominante. A Comissão reconhece que este critério tem limitações, considerando
que em certas circunstâncias um concorrente menos eficiente pode igualmente exercer uma
pressão que deverá ser tida em conta na avaliação do efeito de encerramento do mercado,
devendo adotar-se a prática de ter em conta o nível de eficiência que esse concorrente poderia
vir a alcançar na ausência da prática abusiva.

Sabemos que o artigo 102º não reconhece uma causa de exclusão da ilicitude do abuso da
posição dominante, mas veja-se que pode ser tido em conta o contexto em que o
comportamento é tomado ou mesmo a intenção que lhe é subjacente, na fase de qualificação
da conduta como abusiva, podendo essa conduta não ser qualificada como abusiva por se
encontrar uma justificação objetiva (aferição da necessidade objetiva e da proporcionalidade do
comportamento em causa face a fatores externos à empresa em posição dominante. Por outro
lado, também é apresentado nas Orientações sobre o abuso de exclusão que uma empresa pode
invocar uma justificação objetiva defendendo-se de uma alegação de abuso pela demonstração
de que a sua conduta gera ganhos de eficiência substanciais, que compensam qualquer efeito
anti-concorrencial a nível dos consumidores (veja-se acórdão Post Danmark I).

Sistema de Aplicação dos artigos 101ºe 102º TFUE

Veja-se o Regulamento nº 1/2003 que atribui competência à Comissão e aos tribunais nacionais
para aplicar regras de concorrência do TFUE. Existe um sistema de aplicação em rede, pela
Comissão e pelas Autoridades Nacionais de Concorrência (ANC), com a primeira a assumir, em
conformidade com o seu papel de guardiã dos Tratados, um papel de coordenação e de garante
da uniformidade na interpretação e aplicação administrativa dos artigos 101º e 102º TFUE. As
ANC têm o dever de abrir um processo ao abrigo dos artigos 101º e 102º sempre que iniciem
uma investigação por condutas equivalentes ao abrigo da legislação nacional de concorrência
(princípio da aplicação simultânea). O regulamento apresenta que o direito nacional não pode
proibir acordos que afetem o comércio entre EM, mas que não restrinjam a concorrência, na
aceção do artigo 101º/1 TFUE nem podem proibir acordos que afetem o comércio e restrinjam
a concorrência, que sejam abrangidos pelo artigo 101º/3 ou por um regulamento comunitário
de isenção. Quanto ao artigo 102º, o regulamento permite que a legislação nacional seja mais
restritiva, proibindo atos unilaterais de empresas ou que imponha sanções por esses atos.
Quanto ao controlo nacional de concentrações, as regras apresentadas anteriormente não se
aplicam, sem prejuízo dos princípios gerais e de outras disposições de direito comunitário (esta
ressalva aponta para o primado do direito da União e para as regras europeias sobre o controlo
de concentrações).

A Comissão aplica os artigos 101º e 102º através de diversos instrumentos: a) atos individuais:
decisões de verificação e cessação da infração; decisões que decretam medidas provisórias;
decisões que aceitem compromissos e concluem pela inexistência de fundamento para a adoção

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

de medidas; decisões de não aplicabilidade; b) regulamentos de isenção por categoria; c)


inquéritos setoriais; d) atos informais (cartas de orientação). As decisões da Comissão são
recorríveis no âmbito do recurso de anulação (263º) ou por omissão (265º). Das decisões que
apliquem coima cabe recurso de plena jurisdição (261º). A importância das coimas aplicadas
pela Comissão é proporcional à dimensão das empresas que têm sido objeto da sua intervenção
bem como da respetiva dimensão em termos de volume de negócios e da gravidade da prática.

Controlo de Concentrações

A concentração de empresas compreende a reunião de duas ou mais empresas ou de parte


delas, anteriormente independentes uma da outra, sob controlo unitário- é essencial pois a
integração de duas unidades económicas autónomas numa só entidade, em que existe controlo
por parte de uma empresa sobre as outras. Podemos ter 3 modalidades de concentrações,
consoante os efeitos no mercado, ainda que seja possível que a mesma operação tenha efeitos
horizontais e verticais

 Concentração Horizontal: ocorre quando as empresas envolvidas são concorrentes, isto


é, produzem ou distribuem produtos concorrentes na mesma área geográfica. A
concentração de duas empresas concorrentes num mercado amplo não tem grande
impacto, mas num mercado reduzido, sendo estas por exemplo, as duas únicas
empresas nesse mercado, a concentração destas, cria uma situação de monopólio que
é ilegal. Esta situação é pouco usual, sendo a preocupação principal do controlo das
concentrações visar impedir que pela concentração de diversas indústrias as empresas
consigam evitar os riscos de deteção de práticas anticoncorrenciais, uma vez que esse
risco é tanto menor quanto menor for o único de empresas no mercado. Por outro lado,
a redução de concorrentes pode levar à criação de incentivos a que as empresas
remanescentes exerçam poder de mercado de forma não coordenada.
 Concentração Vertical: ocorre quando a concentração diz respeito a duas ou mais
empresas numa relação de fornecedor-cliente. É seguida uma abordagem mais
tolerante nestes casos, visto que existe complementaridade das atividades em causa e
potencializa-se a produção de ganhos de eficiência.
 Conglomerados
 Quando as empresas envolvidas produzem os mesmos produtos ou produtos
similares em mercados geográficos distintos: conglomerado de extensão de
mercado.
 Quando as empresas envolvidas produzem produtos complementares ou que
podem ser produzidos ou distribuídos da mesma forma: conglomerado de
extensão do produto.
 Quando os produtos não têm qualquer relação entre si: conglomerado puro ou
de diversificação.

Aspetos Processuais RCUE:

a) Obrigação de notificação prévia para concentrações que sejam consideradas de


dimensão comunitária, sendo este critério preenchido com base em limiares
quantitativos de volume de negócios, que denotem uma grande dimensão e um
envolvimento significativo no comércio entre EM (veja-se os artigos 1º/2 e 3 RCUE)
b) Só a Comissão tem competência para controlar as operações com base em
considerações de defesa da concorrência (princípio do balcão único), ainda que estas

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

regra seja objeto de regimes especiais de remessa de processos da Comissão para as


autoridades nacionais e vice-versa.
c) A notificação suspende, em princípio, a concentração, devendo esta ser autorizada por
decisão da Comissão. Esta autoridade deve concluir a sua avaliação dentro de prazos
rigorosos, sob pena de a concentração se considerar tacitamente autorizada.
d) Conceito de concentração corresponde a uma mudança duradoura de controlo que
decorre de uma fusão ou da aquisição do controlo de uma empresa por outra empresa
ou por uma pessoa que controla outra empresa. A aquisição de controlo consiste na
possibilidade de exercer uma influência determinante sobre a atividade de uma
empresa, sendo que o regulamento abrange qualquer meio apto para conferir a uma
pessoa essa possibilidade de exercer uma influência dominante sobre uma empresa,
devendo ser ainda tidas em conta as circunstâncias de facto e de direito em que esses
meios são adquiridos e exercidos.
e) Os EM não podem aplicar as respetivas leis de concorrência a concentrações de
dimensão a nível da UE, com exceção do que seja necessário à realização de
investigações para apreciar se há fundamento para uma remessa e após a remessa para
preservar ou salvaguardar a concorrência no mercado distinto em causa. As operações
de concentração podem também motivar intervenções públicas tendentes a acautelar
aspetos do interesse geral que não sejam considerações de índole concorrencial, sendo
essa salvaguarda um limite à competência exclusiva da Comissão para apreciar
concentrações de dimensão a nível da União, nos estritos limites do que seja necessário
à defesa de interesses legítimos do EM em causa e desde que esses interesses sejam
compatíveis com os princípios gerais e demais normas do direito da União.
f) A concentração só pode ter lugar depois de notificada e aprovada, sob pena de uma
imposição de coimas até 10% do volume de negócios total da empresa em causa, sendo
punível a negligência.
g) Após a notificação, existe uma Fase I que é destinada à triagem dos casos evitando os
inconvenientes e custos de demoras no processo, terminando com a aprovação de uma
decisão ou , na ausência da decisão, com aprovação tácita quando decorridos 25 dias
úteis após a notificação. A Comissão pode tomar 4 tipos de decisões: a) a operação
notificada não é abrangida pelo RCUE e, portanto, as autoridades nacionais mantêm os
poderes conferidos pela legislação nacional para apreciar essa operação; b)
concentração não suscita dúvidas sérias e é declarada compatível com o mercado
interno; c) concentração fica sujeita a condições e obrigações para que possam ser
afastadas as dúvidas sérias e considerada compatível com o mercado interno; d) a
concentração suscita sérias dúvidas e a Comissão abre a Fase II.
h) Caso a Comissão considere que a operação em causa suscita sérias dúvidas quanto à
compatibilidade com o mercado interno tem início a Fase II, dispondo a Comissão de um
prazo de 90 dias úteis para decidir. Nessa fase a Comissão pode: a) declarar a
compatibilidade da concentração com o mercado interno; b) declarar a compatibilidade
com o mercado interno de uma concentração após a introdução de alterações pelas
empresas em causa; c) declarar a compatibilidade com o mercado interno após a
introdução de alterações pelas empresas em causa, acompanhando a decisão de
condições e obrigações; d) declarar a concentração incompatível com o mercado
interno.
i) A Comissão tem poderes em sede de medidas cautelares (8º/5 RCUE), podendo ordenar
a dissolução de uma concentração realizada que tenha sido declarada incompatível com
o mercado interno ou que tenha sido realizada em violação de uma decisão que impõe

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

condições e obrigações, bem como ordenar qualquer outra medida adequada a


restabelecer a situação anterior à concentração.
j) Os problemas suscitados num processo de controlo de concentrações podem ser
ultrapassados mediante a negociação de modificações da operação notificada ou
através da aceitação de certos compromissos.
k) Todas estas decisões são recorríveis no âmbito do recurso de anulação (263º) ou por
omissão (265º). Das decisões que apliquem coima cabe recurso de plena jurisdição
(261º).

Elementos Essenciais do RCUE

Hoje, apesar de a maior parte dos casos de incompatibilidade de uma concentração se


continuarem a relacionar com a existência de uma posição dominante, já não é esse o único
fundamento. O artigo 2º/1 RCUE apresenta uma lista de fatores que devem ser tido em conta
na apreciação da Comissão, ainda que não exista a obrigatoriedade em ter em conta todos os
fatores em todos os casos, nem a atribuição de maior ou menor pessoa um deles em especial.
A RCUE tem uma presunção segundo a qual são compatíveis as concentrações que resulte uma
parte de mercado não superior a 25% do mercado interno ou de parte substancial deste.

Estado e as medidas restritivas da concorrência

As medidas estatais que colidem com o bom funcionamento do mercado interno são objeto, por
excelência das regras relativas à eliminação de obstáculos ao comércio no domínio das quatro
liberdades. Ainda assim, o TJ não tem entendido que os artigos 101º e 102º não são aplicáveis a
medidas estatais, na medida em que o artigo 4º/3 TUE e o Protocolo relativo ao mercado interno
e à concorrência atribuem aos EM o dever de respeito pelas regras de concorrência do TFUE. No
acórdão INNO c. ATAB o TJ apresenta que o artigo 102º é dirigido às empresas, mas o Tratado
impõe aos EM que não adotem ou mantenham em vigor medidas suscetíveis de eliminar o efeito
útil dessa disposição. A aplicação conjunta do princípio da garantia de uma concorrência não
falseada, do dever de lealdade dos Estados previsto no 4º/3 TUE e dos artigos 101º e 102º TFUE
a medidas estatais resulta da obrigação dos EM de não pôr em causa o efeito útil daquelas
últimas disposições. Veja-se que as disposições não proíbem medidas estatais que distorçam a
concorrência na ausência de um comportamento subsumível àquelas disposições. Segundo o
acórdão Van Eycke de 1988 uma medida estatal será considerada contrária às obrigações
decorrentes com do artigo 4º/3 TFUE, tendo em conta o objetivo de salvaguarda de uma
concorrência não falseada quando esse Estado impõe ou favorece a conclusão de acordos
contrários ao artigo 101º ou reforça os efeitos de tais acordo ou retira à própria regulamentação
o seu caráter estatal, delegando em operadores económicos privados a responsabilidade de
tomar decisões de intervenção em matéria económica. É, portanto, necessário um
comportamento de empresas subsumível ao 101º e que seja demonstrado um elemento de
conexão entre esse comportamento e a medida estatal em causa.

Os direitos especiais e exclusivos e os Serviços de Interesse Económico Geral

O artigo 106º estabelece que os EM não podem tomar ou manter em vigor medidas contrárias
ao Tratado no que respeita às empresas públicas e às empresas titulares de direitos exclusivos
ou especiais, remetendo para outras disposições do Tratado com as quais tem de ser conjugado
para que possa ser operativo. Este artigo enfatiza um dever de neutralidade concorrencial no
tratamento dado pelo Estado às empresas. O nº 2 do artigo 106º determina uma isenção para
as empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral e para os
monopólios fiscais, visto que em relação a estas serão aplicadas as regras da concorrência, na

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

medida em que a aplicação destas regras não constitua um obstáculo ao cumprimento, de


direito e de facto, da missão particular que lhes foi confiada. Note-se também o artigo 14º TFUE
que determina que a União e os EM zelarão por que esses serviços funcionem com base em
princípios e condições, nomeadamente económicas e financeiras, que lhes permitam cumprir as
suas missões. O artigo 106º/3 TFUE determina o poder da Comissão de velar pela aplicação do
artigo e o poder de esta dirigir aos EM as diretivas ou decisões adequadas. O artigo 106º TFUE é
o principal instrumento de liberalização à disposição da Comunidade.

Auxílios de Estado- Miguel Sousa Ferro

O regime dos auxílios de Estado é um ramo do direito da concorrência da União, mas que tem
como característica ser estritamente um direito europeu, na medida em que no direito nacional
não existe auxílios de Estado. Veja-se que a regulação da atribuição de auxílios de Estado mostra-
se bastante relevante para que não exista uma situação em que todos os Estados se veriam
forçados a replicar os auxílios atribuídos pelos restantes, sob pena de verem as suas empresas
perderem no jogo da concorrência, na medida em que é uma tendência natural os Estados
tentarem favorecer as suas empresas na concorrência com as de outros Estados. Nesse sentido,
o TFUE e o direito secundário que o implementa criaram um sistema de controlo supranacional
da atribuição de vantagens financeiras a empresas por entidades públicas, cabendo à Comissão
o poder de implementação desse sistema. O direito europeu dos auxílios de Estado pode ser
visto como um instrumento do processo de construção do mercado interno, sendo utilizado
como moeda de troca para a aceitação política da criação de um mercado unificado, mas
também é um instrumento que permite o controlo da despesa pública, o que coloca questões
políticas sobre a perda de soberania e a extensão do poder que se coloca na esfera da Comissão.
Veja-se que as regras de auxílio de Estado não impedem totalmente distorções concorrenciais,
na medida em que os poderes da União em matéria fiscal são muito limitados, não existindo
verdadeiramente uma harmonização das políticas fiscais dos Estados, conseguindo estes
concorrer entre si atribuindo condições fiscais mais favoráveis para atrair empresas para o seu
território. Ora, isto cria obviamente uma distorção concorrencial, mas essa não pode ser
controlada pelas normas dos auxílios de Estado. O regime dos auxílios de Estado destaca-se dos
outros dois ramos de direito da concorrência por ter uma componente política mais acentuada
e por implicar um maior grau de insegurança jurídica. Isto significa que tanto para determinar a
existência de um auxílio de Estado como para determinar o preenchimento dos requisitos para
autorização de um auxílio, a Comissão tem uma ampla margem de discricionariedade, que está
sujeita a um controlo judicial muito limitado.

Fontes de Direito: a) direito primário: 107º a 109º TFUE; b) direito secundário: diplomas de
direito substantivos e de direito processual, que, respetivamente, estabelecem os requisitos
para a qualificação de medidas como auxílios de Estado e definem as condições da sua
legalidade; e regulam o modo de notificação, avaliação e autorização de auxílios; c) soft law:
documentos da Comissão, que acabam por definir parâmetros normativos que têm de ser
respeitados pelos sujeitos de direito.

Conceito de auxílios de Estado abrangidos pelo artigo 107º TFUE

Para que uma medida pública seja considerada um auxílio de Estado proibido pelo Tratado
deverão verificar-se as seguintes condições:

a) Deve ser atribuída uma vantagem: segundo o TJUE deve determinar-se se a empresa
beneficiária recebe uma vantagem económica que não teria obtido em condições
normais de mercado (2009- Espanha v. Comissão). Não interessa ao direito europeu a

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forma nem a configuração exata do auxilio, mas sim que o beneficiário dique, direta ou
indiretamente, numa posição económica melhor do que aquela em que estaria na
ausência dessa medida, por esta aumentar a utilidade económica na sua esfera
patrimonial ou por diminuir a desutilidade, por comparação à situação que se verificaria
na ausência da medida pública em causa (acórdão Altmark de 2003). O TJUE no acórdão
GEMO de 2003 determina que no conceito de auxílio podem enquadrar-se tanto as
prestações positivas como intervenções que aliviam encargos que normalmente
oneram o orçamento de uma empresa. Veja-se que a intenção por detrás da medida é
irrelevante, apenas sendo relevante o seu efeito ou potencial efeito (acórdão TGUE
Ladbroke Racing de 1998). A atribuição de um benefício para restabelecer a legalidade
não é uma vantagem, desde que o benefício respeito o princípio da proporcionalidade
e a legalidade não seja contrária ao direito europeu. Para identificar uma vantagem
importa atender ao critério do operador numa economia de mercado, ou seja, não
existe benefício se a interação entre o Estado e a empresa ocorrer nos termos que se
teriam verificado num mercado livre, aferido em função da informação disponível no
momento da transação (acórdão SFEI 1996), cabendo ao Estado o ónus de provar o
respeito por este critério. Veja-se que, de modo geral, se a troca tiver ocorrido na
sequência de um concurso competitivo, transparente, não discriminatória e
incondicional, ou se intervierem nela entidades públicas e operadores privados nos
mesmos termos e condições pode assumir-se que a transação ocorreu de acordo com a
lógica de um operador numa economia de mercado. No acórdão Altmark, o TJUE fixa os
seguintes requisitos para que uma compensação por obrigações de serviço público não
seja qualificada como um auxilio de Estado e, portanto, não tendo de ser notificada e
autorizada pela Comissão Europeia: a) a empresa beneficiária deve ser efetivamente
incumbida do cumprimento de obrigações de serviços públicos e essas obrigações
devem estar claramente definidas; b) os parâmetros com base nos quais será calculada
a compensação devem ser previamente estabelecidos de forma objetiva e transparente,
a fim de evitar que essa implique uma vantagem económica suscetível de favorecer a
empresa beneficiária em relação a empresas concorrentes: c) a compensação não pode
ultrapassar o que é necessário para cobrir total ou parcialmente os custos que advém
do cumprimento de obrigações de serviço público, atendendo às receitas obtidas assim
como um lucro razoável pela execução destas obrigações: d) quando a escolha da
empresa não seja efetuada através de um processo de concurso público que permita
selecionar o candidato capaz de fornecer esses serviços ao menor custo para a
coletividade, o nível de compensação necessária deve ser determinado com base numa
análise dos custos que uma empresa média, bem gerida e adequadamente equiparada
em meios de transporte para poder satisfazer as exigências de serviço público
requeridas, teria suportado para cumprir essas obrigações. A Comissão vai
posteriormente detalhar a aplicação destes requisitos.
b) Essa vantagem deve ter origem estatal: o TJUE determinou que as vantagens terão de
ser concedidas direta ou indiretamente através de recursos estaduais, ou seja, é
necessário que da medida resulte um encargo para o Estado (Acórdão França v.
Comissão de 2002). Esta jurisprudência apresenta um exemplo de interpretação
restritiva da esfera de competências da União, na medida em que se pretendeu que não
coubesse no âmbito do regime europeu de controlo de auxílios de Estado toda e
qualquer regulação económica nacional que aumentasse receitas ou reduzisse custos
das empresas, mesmo que a soberania para regular essas matérias não tivesse sido
transferida ou não tivesse ainda sido exercida pela União. Um auxílio é imputável ao

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Estado se for adotado por qualquer autoridade pública ainda que descentralizada ,
desconcentrada, com autonomia jurídica ou independência. Pode ocorrer ainda que
seja imputável ao Estado o auxilio atribuído por uma empresa pública (quando exista
um exercício específico de controlo, bastando indícios associados às circunstâncias e
contexto do caso concreto) ou até entidade privada, não sendo possível que o simples
facto de o Estado criar instituições autónomas encarregadas da distribuição dos auxílios
permita contornar as regras relativas aos auxílios de Estado. A ideia de que se utiliza
recursos estatais implica a transferência de recursos ou a abdicação de receitas de
qualquer entidade do Estado no sentido lato. Veja-se que os fundos europeus são
também considerados recursos estatais na medida em que a sua atribuição tenha sido
decidida por um EM no exercício da sua margem de discricionariedade. Os mecanismos
indiretos de financiamento público são também considerados recursos estatais desde
que antes da transferência direta ou indireta para o beneficiário, os recursos sejam
colocados sobre o controlo público.
c) Deve ser seletiva: só são proibidos os auxílios que favoreçam certas empresas ou certas
produções e, portanto, se beneficiarem (ou puderem beneficiar) todos os agentes no
mercado não são suscetíveis e distorcer a concorrência não sendo proibidos. Estamos
presentes de uma medida seletiva de direito se resultar da sua configuração formal que
só algumas empresas/setores têm acesso a esses benefícios. Por outro lado, será uma
medida seletiva de facto se, analisando-se as consequências factuais da medida,
identifica-se um benefício significativo de um determinado grupo de agentes
económicos. Do artigo 107º/1 TFUE conseguimos perceber que o Estado pode distorcer
as regras de concorrência desde que o faça através de medidas gerais. Contudo, existem
ainda medidas estatais que favorecem um universo seleto de pessoas, mas que não são
consideradas seletivas, porque decorrem da aplicação dos objetivos intrínsecos ao
sistema. Quanto a medidas regionais, a seletividade das medidas é aferida em relação
ao quadro de referência aplicável nessa ária infranacional (acórdão Portugal c. Comissão
2006)- a seletividade geográfica da medida dependerá do grau de autonomia da
autoridade regional relativamente à administração central.
d) Deve ser atribuída a uma empresa (ou produções): é uma empresa qualquer entidade
que desenvolve uma atividade económica, independentemente do seu estatuto e do
modo como é financiada, abrangendo qualquer entidade que ofereça bens/serviços
num mercado. O conceito de empresa é funcional, isto é, a mesma entidade pode ser
empresas para umas coisas (quando atua no âmbito de uma atividade económica) e não
para outras.
e) Deve falsear ou ameaçar distorcer a concorrência e afetar as trocas entre os Estados:
haverá um efeito distorcido da concorrência quando um auxílio financeiro concedido
por um Estado ou através de receitas de Estado reforça a posição de uma empresa
relativamente a outras empresas concorrentes nas trocas comerciais intracomunitárias.
Veja-se que não é necessário demonstrar efetivas importações/exportações ou a
presença de concorrentes de outros EMs, mas apenas a potencialidade do impacto nas
trocas entre EM. Normalmente, os apoios com efeitos em mercados de âmbito local não
terão efeitos nas trocas entre EMs, ainda que já tenham ocorrido exceções. Não se inclui
neste âmbito os auxílios de minimis, estando fixado em regulamento (nº 1407/2012 da
Comissão) os valores e critérios específicos que devem estar preenchidos para afastar a
aplicação da proibição.

Auxílios Compatíveis com o Tratado

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Mesmo que uma medida preencha todos os requisitos do artigo 107º/1 TFUE, tal não significa
que ela seja incompatível com o Tratado necessariamente, podendo ser compatível por
beneficiar de uma isenção de direito, ao abrigo do 107º/2 TFUE, de uma isenção categorial, ao
abrigo de um regulamento europeu, ou de uma isenção individual, ao abrigo do artigo 107º/3
TFUE.

São de direito compatíveis com o mercado interno os auxílios de Estado que se enquadrem num
dos 3 casos previstos no artigo 107º/2: a) auxílios sociais atribuídos diretamente a consumidores
individuais que não discriminem consoante a origem dos produtos: b) auxílios para remediar
danos causados por calamidades naturais (artigo 50º regulamento mº 651/2014) ou
acontecimentos extraordinários, na medida em que se limitem a compensar os danos que
resultam diretamente da calamidade ou acontecimento extraordinário (acórdão Grécia c.
Comissão de 2004); c) e auxílios para apoiar a convergência económica dos Länder da Alemanha
oriental. Visto que são exceções terão de ser interpretadas restritivamente (acórdão Alemanha
c. Comissão 2000). Os EM têm de notificar a Comissão destas medidas, mas esta não tem
margem de discricionariedade, limitando-se a verificar se estão preenchidos os requisitos. No
caso de estarem, a Comissão está vinculada a adotar uma decisão de isenção.

Os artigos 109º e 108º/4 TFUE determinam que a Comissão pode, dentro de limites definidos
pelo Conselho, adotar regulamentos de isenção categorial. OS regulamentos terão por efeito
declarar a compatibilidade com o mercado interno dos auxílios de Estado que cumpram os
requisitos por eles definidos, dispensado a notificação prévia à Comissão, sem prejuízo dos
deveres de informação. A grande maioria de isenções categoriais está reunida no Regulamento
Geral de Isenção Categorial, que define os requisitos gerais (capítulo I) e específicos (capítulo III)
para diferentes tipos de auxílios. A cada EM cabe avaliar se as medidas que pretende adotar
preenchem os requisitos do regulamento de isenção categorial. Mas a Comissão pode vir a
discordar e exigir a notificação de uma determinada medida e ainda, enquanto mecanismo
sancionatório e de reação a uma prática abusiva, que a Comissão possa retirar, num caso
concreto, o benefício da isenção categorial, se um EM tiver alegado incorretamente que um
determinado auxílio estava abrangido pelo regulamento.

Veja-se que, mesmo que um auxílio de Estado caia na proibição do artigo 107º/1, não se
enquadre no artigo 107º/2 nem goze de proteção de uma isenção categorial, pode ainda
beneficiar de uma isenção individual, isto é, o caso concreto pode ser apreciado e autorizado
pela Comissão ao abrigo das alíneas do artigo 107º/3 TFUE. A Comissão pode então autorizar
auxílios individuais (ad hoc) ou autorizar regimes de auxílio, isto é, esquemas gerais ao abrigo
dos quais, na medida em que se verifiquem todas as condições, poderão ser concedidos auxílios
individuais. Para que a Comissão aplique uma isenção individual terá de ponderar os efeitos
positivos e negativos de uma medida, ao nível dos objetivos prosseguidos e do funcionamento
do mercado interno, e a aplicação do teste da proporcionalidade. Veja-se, portanto, que a
Comissão goza de ampla margem de discricionariedade na aplicação do 107º/3. O TJUE tem
imposto alguns limites, mas fá-lo normalmente por adesão aos critérios previamente
estabelecidos pela própria comissão. Note-se que a dimensão política da autorização de auxílios
de Estado traduz-se ainda, na previsão de um direito de recurso do EM causa para o Conselho
e, este pode, por unanimidade autorizar um auxílio proibido pela Comissão em derrogação do
artigo 107º e 109º TFUE. A Comissão tem vindo a concretizar o seu entendimento sobre as
situações que podem beneficiar destas isenções em documentos de soft-law horizontais ou
setoriais, isto é, aplicáveis a todos ou alguns setores da economia. Cabe ao EM o ónus de
alegação e de prova do preenchimento dos requisitos para beneficiar de uma isenção, não sendo

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a Comissão obrigada a ponderar, por sua iniciativa, fundamentos de compatibilidade de um


auxílio. Importa entender que um auxílio de Estado abrangido pelo artigo 107º/1 TFUE que ainda
não foi autorizado é ilegal, passando a ser definitivamente ilegal com a decisão de
incompatibilidade.

Quando os requisitos de Altmark não estiverem preenchidos, a compensação do serviço público


é classificada como auxílio, mas pode beneficiar da exceção do artigo 106º/2 TFUE, o que é
definido pelo TFUE como tendo o sentido de obrigar a uma isenção individual ao abrigo dos
critérios do artigo 106º/2, mantendo a Comissão o monopólio de aferição individual da
compatibilidade de um auxílio com o Tratado.

Procedimento Administrativo de notificação e aferição de auxílios (108º TFUE, Regulamento


nº 2015/1589 e Regulamento nº 794/2004):

a) Auxílios existentes: legais, não tendo de ser notificados, sem prejuízo de deveres de
informação, nomeadamente através da submissão de relatórios anuais sobre os auxílios
existentes.
a. Auxílios preexistentes à adesão de um EM que perduram
b. Auxílios autorizados, por decisão expressa ou tácita da Comissão, ou medidas
individuais adotadas estritamente nos termos de um regime de auxílios
autorizado
c. Medidas que só se tornaram auxílios após a sua execução, devido a uma
evolução das circunstâncias
b) Auxílios novos: não são existentes, incluindo alterações de auxílios existentes.
a. Notificados: foram notificados à Comissão e não foram implementados antes
de uma decisão favorável, sendo-lhes aplicável o processo previsto nos artigos
2º a 11º do Regulamento nº 2015/1589.
b. Não notificados: executados sem notificação ou antes de decisão favorável,
sendo ilegais e nunca produzem efeitos nem podem criar expectativas legitimas
nos seus beneficiários, sendo-lhes aplicável o processo previsto nos artigos 12º
a 16º do Regulamento nº 2015/1589. É muito comum a apresentação de
denúncias à Comissão por terceiros interessados relativas a auxílios de Estado
ilegais sendo este o principal meio para a deteção de auxílios não notificados.

Em ambos os casos, após notificação completa à Comissão esta decidirá: a) que o auxilio é
incompatível com o mercado interno, sendo o EM proibido de conceder o auxilio e obrigado a
recuperar todo o beneficio que foi atribuído, acrescido de juros; ou b) que o auxilio é compatível
com o mercado interno, podendo o auxilio ser atribuído ou, no caso dos não notificados, o
auxilio em si não pode ser recuperado, mas tem de se recuperar do beneficiário os juros relativos
ao período durante o qual beneficiou do auxilio enquanto este ainda era ilegal. Note-se que isto
expressa que o regime dos auxílios de Estado é uma lei especial que derroga as regras gerais do
TFUE sobre o processo de incumprimento.

Segundo o artigo 108º/3 e os artigos 2º e 3º do Regulamento nº 2015/1589, sempre que um EM


pretenda conceder novo auxilio ou adota um novo regime de auxílios deve notificar a Comissão
atempadamente e com toda a devida informação, sendo-lhe proibido implementar novo auxilio
antes de receber uma decisão de compatibilidade (ou pelo menos antes de passar o prazo para
a decisão), sem prejuízo da possibilidade de se recorrer a um procedimento de notificação
simplificado (sem necessidade de apresentação de um grande número de informações). É

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frequente a notificação de medida por cautela, ainda que o EM entenda que não constituem
auxílios de Estado.

O procedimento de análise de um auxílio notificado divide-se em três fases:

a) Fase opcional de pré-notificação


b) 1º fase: investigação preliminar com prazo de 2 meses
c) 2º fase: investigação formal, não sujeita a prazo (note-se, contudo, a possível violação
do princípio da boa administração por duração excessiva).

Controlo Judicial das decisões da Comissão Europeia: estão sujeitas a controlo judicial as
decisões que põem termo a uma análise preliminar, decisões que dão início a uma investigação
formal e decisões sobre a compatibilidade de um auxílio de Estado, que o autorizam, proíbem
ou obrigam à recuperação. Estas decisões são sempre endereçadas aos EM que têm o direito
de recorrer contra atos gerais e abstratos, incluindo documentos e soft-law da Comissão. Os
terceiros interessados também poderão ter o direito de recurso de decisões concretas, na
medida em que se lhes aplica os requisitos gerais do artigo 263º TFUE. Pode haver ainda recursos
por omissão e recursos que invoquem a responsabilidade extracontratual da União por danos
causados por estas decisões. Veja-se que o Tribunal exerce um controlo pleno da qualificação
de uma medida como auxílio de Estado ao abrigo do 107º/1 TFUE e um controlo limitado à
identificação de erros manifestos de apreciação na aplicação dos artigos 107º/2 e 3 TFUE.
Mesmo na identificação de um auxílio é necessário juízos técnicos e económicos complexos, o
que leva o TJUE a permitir uma ampla margem de discricionariedade à Comissão. Portanto, o
domínio dos auxílios de Estado é a área do direito da concorrência em que a Comissão está
sujeita ao menos grau de controlo judicial do exercício dos seus poderes, o que se compreende
face à natureza eminentemente política de muitas das decisões em causa24. Por outro lado, no
direito dos auxílios de Estado existe uma maior relevância e apego judicial ao soft-law da
Comissão, visto que ela se autovincula a uma determinada interpretação e modo de aplicação
do direito dentro da sua margem de discricionariedade. O Tribunal tende a compensar a sua
limitação com a maior exigência na fundamentação das decisões, permitindo-lhe ordenar a
anulação com base em motivos processuais, podendo a decisão voltar a ser adotada sem o vício
processual. Por outro lado, a decisão anulada com base em vícios substantivos não pode voltar
a ser adotada com o mesmo conteúdo, ficando a Comissão obrigada a atuar de modo a cumprir
a legalidade.

Papel dos Tribunais Nacionais: os tribunais nacionais têm um papel importante a desempenhar
na garantia do respeito pelas regras dos auxílios de Estado, podendo para o efeito formular
pedidos de suspensão de decisão ou recuperação de um auxílio de Estado ilegal, pedidos de
indemnização por danos causados por auxílios de Estado ilegais e pedidos de revisão da
legalidade de uma decisão de recuperação de um auxílio ilegal. Como os artigos 107º/1 e 108º/3
TFUE tem efeito direito, os tribunais podem e devem decidir sobre a qualificação de uma
determinada medida como um auxílio de Estado e sobre a eventual violação do dever de
notificação prévia, protegendo os direitos reflexos dos particulares. Contudo, não podem
apreciar a compatibilidade nos termos dos artigos 107º/2 e 3 TFUE, visto que é uma decisão
exclusiva da Comissão. Existem mecanismos de cooperação entre a Comissão e os tribunais
neste tipo de ações, nomeadamente para garantir o respeito pelo primado do direito da União

24 O controlo do tribunal é pleno no exercício dos poderes da Comissão no caso da aplicação dos critérios de
jurisprudência Altmark, visto que nesses casos a Comissão tem de respeitar a margem de discricionariedade dos EM.

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(Comunicação relativa à aplicação da legislação em matéria de auxílios estatais pelos tribunais


nacionais).

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