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MARCA COMUNITÁRIA NA UNIÃO EUROPÉIA

Giovanne Henrique Bressan Schiavon

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CEP 86050-270 – Londrina / Paraná

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e-mail: giovaneschiavon@sercomtel.com.br

Atuação acadêmica:
Professor do Curso de Graduação em Direito da Faculdade Paranaense (FACCAR)
Rolândia/Pr, Professor do Curso de Gradução em Direito e da Especialização em Filosofia
Política e Jurídica (UEL)/Pr.

Títulos:
Doutorando em Filosofia – Universidade Federal de Santa Catarina (2006 - )
Mestre em Direito Negocial – Universidade Estadual de Londrina (2003)
Especialista em Filosofia Política – Universidade Estadual de Londrina (1999)
Especialista em Direito Penal e Execução Penal – Universidade Norte do Paraná (1999)
Bacharel em Direito – Universidade Estadual de Londrina (1997)
MARCA COMUNITÁRIA NA UNIÃO EUROPÉIA

RESUMO:

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 União Européia. 2.1 As agências


especializadas: O Instituto de Harmonização no Mercado Interno:
marcas, desenhos e modelos. 2.2 Supranacionalidade do direito
comunitário. 2.3 O regime jurídico comunitário e o direito nacional de
marcas. 3 Marca Comunitária. 3.1 Princípios. 3.2 Sinais registráveis. 3.3
Requisitos para registro e proteção. 3.4 Direitos conferidos. 3.5 Limites
ao direito: direito de exaustão da marca comunitária. 3.5.1 As
importações paralelas e os direitos nacionais de marcas. 3.6 Cessão e
licença da marca. 3.7 Tutela do direito de marca. 4 Notas conclusivas.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Internacional; Propriedade Industrial; Integração Regional.

1 INTRODUÇÃO

O direito comunitário da União Européia (UE) é um regime jurídico


complementar aos regimes internacional e nacional. Em âmbito europeu, a regulamentação
jurídica das marcas de produto e de serviço encontra-se exposta especificamente no
Regulamento (CE) n. 40/94. Nesse trabalho, apresenta-se um breve estudo sobre esse
regulamento
, de modo breve, a estrutura institucional da União Européia, a relação do
direito comunitário com o direito nacional e a relação do direito comunitário com o direito
internacional.

2 A UNIÃO EUROPÉIA

A União Européia (UE) é uma organização internacional composta por


uma série de acordos que preconizam a reunião de diversos Estados situados no continente
europeu num mercado comum por meio da uniformização de suas legislações.
No conceito de Fitzmaurice uma organização internacional é composta
pela “associação de Estados, constituída por tratado, dotada de uma constituição e de
órgãos comuns, e possuindo uma personalidade jurídica distinta da dos Estados-
membros”1.
1
apud DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. Trad.
Vítor Marques Coelho. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1999, p. 523.
Inicialmente a institucionalização da UE destinava-se ao estabelecimento
de um espaço econômico que absorvia os territórios nacionais dos Estados-membros sob o
nome de Comunidade Européia. Um mercado comum orientado pelos princípios da livre
concorrência e da liberdade de comércio, como garantia do livre acesso de produtores e de
livre escolha dos consumidores2.
Assim, da concretização da Comunidade Européia expandiu-se para o
projeto da União Européia, o qual além de pretender a uniformização da legislação
econômica, prevê uma reunião política sob princípios constitucionais comuns. A
harmonização dos direitos dos Estados nacionais europeus opera não pelo recurso a uma
moral ou ética, mas do consenso obtido comunicativamente através de uma série de
conferências e acordos menores que culminaram com a unificação das fronteiras e da
moeda, sob uma Constituição Européia3.
A elaboração do direito comunitário considera três esferas de interesse:
comunitário, nacional e do cidadão. Seus órgãos reproduzem essas esferas de interesses: a)
Comissão Européia, órgão executivo da União composto por membros nomeados pelos
Estados-membros, sujeitos a aprovação do Parlamento, a fim de disciplinar as questões
comunitárias; b) Conselho de Ministros da União Européia, constituído por um
representante de cada Estado-membro com poderes para vincular o seu governo nacional;
c) Parlamento Europeu, eleito diretamente pelos cidadãos, possui competência consultiva e
deliberativa; d) Conselho Europeu: formado pelos chefes de Estado ou de Governo dos

2
DROMI, Roberto; EKMEKDJIAN, Miguel A.; RIVERA, Julio C. Derecho Comunitario: Régimen del
Mercosur. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1995, p. 336.
3
O destaque ao fato de que esse projeto opera em função da institucionalização do direito comunitário está
em que as propostas de unificação anteriores (império romano, “reich” alemão, etc.) tinham fundamento no
uso da força ou busca da submissão como mecanismo de unificação. Os tratados originários da União
Européia são: Tratado de Paris (firmado em 18 de abril de 1951, entrou em vigor em 23 jul. 1952) celebrado
entre Alemanha, França, Itália, Bélgica, Luxemburgo e Países Baixo, criou a primeira das três Comunidades
Européias, a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA). Tratados de Roma (firmados em 25 mar.
1957, entraram em vigor em 1 jan. 1958) instituíram a Comunidade Européia da Energia Atômica (CEEA),
também chamada EURATOM e a Comunidade Econômica Européia (CEE), também chamado de Tratado da
Comunidade Européia (TCE). Tratado de Bruxelas, ou Tratado de fusão dos Executivos, de 1 jul. 1967, o
qual estabeleceu instituições únicas para as três Comunidades Européias. O Tratado do Ato Único Europeu
(firmado em 28 fev. 1986) atribuiu novas competências à Comunidade e reforçou as políticas comunitárias
no sentido de se aperfeiçoar o mercado interno único. Tratado de Maastricht (firmado em 7 de fevereiro de
1992, entrou em vigor em 1 nov. 1993), também conhecido como Tratado da União Européia (TUE), alterou
a denominação das Comunidades para “União Européia”, estabeleceu uma síntese global da unificação
progressiva dos Estados-membros, conservando a CECA, CEE e CEEA, o caráter de sujeito de direito
internacional, permanecendo instituições separadas dentro da União. Tratado de Amsterdã (firmado em 2 out.
1997) revê e atualiza os textos dos tratados originários (TCE e TUE) (cf. OLIVEIRA, Odete Maria de. União
Européia: processo de integração e mutação. Curitiba: Juruá, 1999, p. 93-126. A normatização européia,
originária e derivada, está disponível em <http://europa.eu.int/eur-lex/pt/search/search_treaties.html>.
Estados-membros se reúne, pelo menos, uma vez a cada seis meses e objetiva definir as
linhas políticas e objetivos da União4.
Quanto ao processo de decisão comunitário, esse é de iniciativa da
Comissão das Comunidades Européias; ao Parlamento Europeu compete se pronunciar
sobre essas propostas; e, uma vez adotada a proposta pelo Conselho Europeu, compete à
Comissão executá-la5. Há ainda a produção normativa derivada. Essa se dá a partir do
desenho institucional dos Tratados constitutivos da União. De sorte que, a partir desse
direito originário, as instituições da UE elaboram o denominado direito derivado. As
espécies do direito comunitário derivado, podem ser ordenadas por ordem de importância e
abrangência de aplicação como: os regulamentos, as diretivas, as decisões (espécies
dirigidas de modo imperativo aos Estados-membros), recomendações e pareceres (de
caráter orientativo)6.
O quadro institucional conta ainda, com órgãos de natureza judicial e
administrativa: o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias (TJCE), o Tribunal de
Primeira Instância e o Tribunal de Contas. O TJCE é órgão de natureza jurisdicional
integrado por 20 juízes encarregados de aplicar o direito comunitário e elucidar as questões
sobre a aplicação do mesmo existentes entre os Estados-membros da UE, as instituições
comunitárias ou mesmo entre particulares. O Tribunal de Primeira Instância foi concebido
para atuar em conjunto com o TJCE, àquele compete atuar como instância recursal aos atos
dos funcionários da UE e solucionar litígios entre particulares de forma geral nas áreas de:
concorrência; medidas antidumping; e, indenizações. Por fim, ao Tribunal de Contas
compete fiscalizar a execução do orçamento da União Européia7.

4
CASELLA, Paulo Borba. Comunidade européia e seu ordenamento jurídico. São Paulo: LTr, 1994, p. 106-
21; CONSELHO DA UNIÃO EUROPÉIA (União Européia). Guia informativo do Conselho da União
Européia. Luxemburgo: Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Européias, 2002; OLIVEIRA,
op. cit., 1999, p.129-73; SILVA, Roberto Luiz. Análise comparativa entre o sistema processual comunitário e
da integração. Scientia Iuris. Londrina, vol. 4, 2000, p. 273-4.
5
Além dessas instituições, a União Européia conta com uma série de órgãos consultivos que emitem
pareceres prévios às decisões sobre os temas de sua competência. Entre eles figuram o Comitê Econômico e
Social, composto por 222 membros provenientes dos agentes econômicos (sindicatos, organizações
empresariais ou profissionais, etc) e o Comitê das Regiões, também formado por 222 representantes de
entidades regionais e locais da União. Cite-se o Banco Europeu de Investimento e Banco Central Europeu
(cf. <http://www.comdelbra.org.br/pt/about_us/4.htm>). Há, ainda, quinze agências especializadas que
desempenham tarefas específicas de carácter técnico, científico ou de gestão, cf. subseção 2.1.
6
Casella acrescenta ao direito derivado outros atos comunitários de ordem interna, não previstos pelos
Tratados, abrangendo decisões, declarações, deliberações, resoluções, programas de ação e conclusões (cf.
CASELLA, op. cit., p. 123). Silva completa o direito comunitário com adição dos Acordos internacionais
anteriores e posteriores à constituição das Comunidades, Convenções entre Estados-membros, princípios
gerais do direito, jurisprudência, e o direito supletivo, para preencher lacunas baseando-se no direito
internacional público e direito nacional dos Estados-membros (cf. SILVA, op. cit., p. 275).
7
OLIVEIRA, op. cit., p.173-200; cf. <http://www.comdelbra.org.br/pt/about_us/4.htm>.
Embora sem função legislativa, o TJCE e o Tribunal de Primeira
Instância, muito contribuíram para elaboração e desenvolvimento do direito comunitário.
Por meio de controle de adequação do direito derivado dos Tratados, os órgãos judiciais
garantiram a uniformidade de aplicação, desenvolvendo e esclarecendo o conteúdo das
normas comunitárias8.
Uma vez apresentada a estrutura institucional, deve-se indicar que a
concretização do princípio da liberdade de mercado estabelecida no TCE9, existe como
paradigma central de sua atuação. A ponto do direito comunitário europeu, por meio do
trabalho interpretativo realizado pelos tribunais comunitários, ser entendido como
verdadeiro direito garantidor da iniciativa econômica.
Efetivamente, na UE, liberdade e mercado constituem princípios que
orientam a formação do seu regime jurídico. É o que dispõe o Tratado de Roma (TCE) no
art. 3, “f”, quando determina que para alcançar os fins enunciados no presente tratado,
deve-se estabelecer “Um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no
mercado interno”10.
Importante esclarecer que a instituição da livre concorrência num âmbito
de mercado unificado não se limita ao desaparecimento de barreiras aduaneiras, mas
também à proibição de eliminar, restringir ou desvirtuar o mercado por meio de acordos
privados ou práticas concertadas paralelas. Envolve também a proibição de abusar de
posições de domínio alcançadas no mercado, que de tal forma desvirtuariam os objetivos
de liberalização inerente à integração econômica11.
Isso pode ser percebido quando as autoridades comunitárias atuam
fiscalizando e notificando Estados-membros nos casos em que discriminem os produtos,
serviços ou nacionais de outros Estados. Inclusive com a atribuição de competência para os

8
Art. 3, “f”, TCE a partir da revisão operada pelo Tratado de Amsterdã é art. 3, “g”; CASELLA, op. cit., p.
122; OLIVEIRA, op. cit., p. 17. Os órgãos judiciais nacionais também participam do sistema comunitário,
por via reflexa, pois na medida em que é gerado pelos organismos jurídicos próprios, o direito comunitário
incorpora-se ao ordenamento jurídico de cada Estados-Membros, num movimento de unificação jurídica
(SILVA, op. cit., p. 274-5).
9
Arts. 30 a 34, TCE atuais 28 e 29, reformas introduzidas pelo Tratado de Amsterdã.
10
DROMI; EKMEKDJIAN; RIVERA. op.cit., p. 339. O TCE, na sua Parte III (políticas da Comunidade
Européia) Título I (livre circulação de mercadorias), Capítulo I (A união aduaneira) dispõe quanto às normas
sobre a concorrência. Este Capítulo está dividido em três seções, que contém disposições aplicáveis às
empresas (arts. 85 a 90), práticas de “dumping” (art. 91) e incentivos outorgados pelos Estados (arts. 92 a
94).
11
DROMI; EKMEKDJIAN; RIVERA. op.cit., p. 336-7.
tribunais comunitários para julgar a validade de atos normativos internos dos Estados-
membros12.
O Tratado de Roma consagra além de um regime jurídico de
concorrência, objetivos econômicos e sociais fundamentais, que permitem uma ampla
existência do regime econômico comunitário e dos regimes econômicos nacionais, guiados
pela imperatividade das disposições do ordenamento jurídico da UE, comprometida a
promover “a coesão económica (sic) e social e a solidariedade entre os Estados-
membros”13.
A concorrência permitida é a denominada efetiva (“workable
competition”), ou seja, aquela que garante a presença no mercado de um número de
empresas independentes funcionando em condições a proporcionar aos consumidores uma
razoável possibilidade de escolha14.

2.1 As agências especializadas: O Instituto de Harmonização no Mercado Interno: marcas,


desenhos e modelos

Em complemento à estrutura institucional da UE, foram instituídas


agências, as quais são organismos administrativos, públicos, com personalidade jurídica
das outras instituições comunitárias, Conselho, Parlamento, Comissão..., e que foram
criadas com objetivo de realizar tarefas de natureza técnica, científica ou de gestão 15.
12
cf. SILVA, op. cit., p. 274-5. Conforme a jurisprudência do Tribunal, quando lhe seja submetido um
recurso de anulação de uma decisão de aplicação do art. 85, § 1 o. do Tratado de Roma (atual artigo 81, “a”) a
apreciação se dará de forma geral, ou seja, proceder-se-á um controle completo sobre a questão (cf., acórdãos
do TJCE de 11 jul. 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, Recueil p. 2545, n. 34, e de 17 nov. 1987, BAT e
Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect, p. 4487, n. 62). Segundo Carvalho: “Na verdade, o Tribunal
através de decisões, por vezes pretorianas, preferenciando a interpretação teleológica, que era a que lhe
convinha para tal fim, impõs a sua jurisprudência de tal forma que os princípios defendidos nas suas decisões
acabaram transpostos para a lei [nacional]” (CARVALHO, Américo da Silva. Marca comunitária: Os
motivos absolutos e relativos de recusa. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 9).
13
Art. 2, do TCE; DROMI, Roberto; EKMEKDJIAN, Miguel A.; RIVERA, Julio C. Derecho Comunitario:
Regimen del Mercosur. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1995, p. 340.
14
SANTOS, Maria Cecília de Andrade. Direito comunitário da concorrência: perspectivas para o Mercosul.
Revista de Direito do Consumidor, São Paulo [RT] n. 32, out/dez, 1999, p. 79. De sorte que, uma “efetiva”
concorrência no mercado, pressupõe uma ação desenvolvida por um grande número de concorrentes, atuando
de maneira que a oferta e a procura provenham de compradores ou de vendedores, cuja igualdade de
condições os impeça de influir de modo permanente ou duradouro no preço e qualidade dos bens ou serviços,
pode ser desvirtuada por ação de concorrentes que atuem de modo desleal.
15
Atualmente, há quinze organismos que se inserem na categoria de agência comunitária, que são: Fundação
Européia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho; Agência Européia do Ambiente; Fundação
Européia para a Formação; Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência; Agência Européia de
Avaliação dos Medicamentos; Instituto de Harmonização no Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos);
Para administrar o regime jurídico de proteção à marca comunitária, o
RMC16, determinou a constituição e desenvolvimento de uma agência denominada
“Instituto de Harmonização no Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos)” - IHMI.
Este Instituto, é um organismo público, com autonomia jurídica, administrativa e
financeira, que tem sua sede em Alicante, na Espanha17.
O IHMI é o órgão no qual o direito de marca é registrado, bem como
eventuais transmissões, licenças ou outros direitos constituídos sobre a marca a fim de
serem oponíveis a terceiros. O registro da marca comunitária se constitui, também, em um
banco de dados que pode ser consultado em todo mundo, em tempo real, diretamente a
partir de qualquer serviço nacional de marca ou por intermédio de uma empresa e dos
agentes que atuem perante o serviço nacional de marca18.
A direção do IHMI é exercida por um Presidente 19 em conjunto com um
Conselho de Administração20 com competência consultiva e um Comitê Orçamentário 21. As
atividades da direção do IHMI são exercidas no âmbito do direito comunitário e a
supervisão da legalidade das suas decisões é da competência da Comissão e dos órgãos
jurisdicionais comunitários: o Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal de Justiça das
Comunidades Européias.
Compete à Comissão Européia controlar a legalidade dos atos do
Presidente do Instituto e os atos do Comitê, quando esse controle não for competência de
outro órgão. Se estes atos resultarem ilegais, a Comissão solicitará sua modificação ou sua
anulação. O controle de legalidade da Comissão poderá realizar-se de ofício, ou mediante
provocação de qualquer Estado-membro da União Européia ou por requerimento de

Agência Européia para a Segurança e a Saúde no Trabalho; Instituto Comunitário das Variedades Vegetais;
Centro de Tradução dos Organismos da União Européia; Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia;
Agência Européia de Reconstrução; Autoridade Européia para a Segurança dos Alimentos; Agência Européia
da Segurança Marítima; Agência Européia para a Segurança da Aviação (Disponível em:
<http://europa.eu.int/agencies/index_pt.htm>. Acesso em 28 mar. 2003).
16
Arts. 111 a 139, RMC.
17
cf. art. 2, RMC; CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 120; INSTITUTO DE HARMONIZAÇÃO NO
MERCADO INTERNO (União Européia). Marcas, desenhos e modelos. Luxemburgo: Serviço das
Publicações Oficiais das Comunidades Européias, 1996, p. 8. Cabe ao IHMI equilibrar o seu orçamento
através de receitas próprias, principalmente através da cobrança de taxas relativas ao registro ou à renovação
dos títulos de proteção (art. 134, RMC).
18
O Boletim do IHMI difunde a informação contida no registro sob a forma de uma publicação impressa,
incluindo reproduções policromáticas relativamente às marcas que tenham reivindicado a cor, cf.
INSTITUTO, op. cit., p. 26.
19
Art. 119 e 120, RMC.
20
Art. 121, RMC.
21
Art. 133, RMC.
qualquer terceiro, que esteja direta ou indiretamente afetado pelos atos cuja legalidade se
questiona22.
Por fim, o pedido de marca comunitária pode ser apresentado em
qualquer uma das línguas oficiais da União Européia 23 e garante uma proteção uniforme
para o sinal em todo o território da UE. Assim, o IHMI é responsável por administrar esse
regime de concessão, uso e proteção da marca comunitária.

2.2 Supranacionalidade do direito comunitário

A União Européia é uma organização de integração entre Estados de


natureza singular se comparada com outras organizações internacionais ordinárias. Isso
porque na UE inova-se frente ao direito internacional clássico quando opera uma cessão de
soberania a seu favor por parte dos Estados-membros. A ponto de afirmar-se a limitação da
competência plena dos Estados-membros em prol das instituições comunitárias.
Tal situação implica na necessidade de revisão de velhos conceitos e a
afirmação da existência de duas fontes de normatização jurídica a par da nacional:
internacional e transnacional. Essa revisão encontra-se justificada na observação da
existência de diferentes âmbitos de aplicação e de diferentes procedimentos de
incorporação das normas ao direito nacional.
Quanto ao âmbito de aplicação da norma internacional (sua natureza), o
regime jurídico internacional tradicional incorpora um conjunto de princípios e regras que
disciplinam as relações entre os Estados, cuja aplicabilidade depende da recepção ao
regime jurídico nacional. Enquanto que o proposto direito transnacional seria o regime
jurídico elaborado para regular as relações entre Estados, organizações internacionais e
pessoas naturais ou jurídicas, às vezes com aplicabilidade direta, nos moldes explicados
existente na UE24.

22
cf. art. 118, RMC. De sorte que, o IHMI partilha com os órgãos jurisdicionais dos Estados-membros da
União Européia a tarefa de decidir sobre os pedidos de concessão e invalidação dos registros, cf. CASADO
CERVIÑO, op. cit., p. 121; e, INSTITUTO, op. cit., p. 8.
23
Arts. 115 e 116, RMC. cf. INSTITUTO, op. cit., p. 16. Enquanto que os procedimentos posteriores ao
registro podem implicar numa escolha limitada às cinco línguas do IHMI. Ou seja, já no momento do
depósito do pedido, o requerente deverá indicar uma segunda língua, escolhida entre as cinco línguas do
IHMI. Por via de conseqüência, essa segunda língua será utilizada em caso de processo de oposição e de ação
de extinção ou de anulação.
24
A expressão direito transnacional é atribuída à Philip Jessup, cf. JESSUP, Philip C. Direito transnacional.
Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1965.
Esclarecem Dinh, Daillier e Pellet, que direito internacional e direito
transnacional, das organizações internacionais, não devem ser considerados como regimes
jurídicos distintos. Isso porque tal afirmação seria desconhecer que o direito internacional
pode evoluir e dar por certo que o “inter-estatismo” clássico é da natureza do direito
internacional, “in verbis”:

Na realidade, as decisões das organizações internacionais


satisfazem todas as condições para dependerem do direito
internacional, arriscando-se a constituir um ramo particular deste.
Estas decisões têm o seu fundamento nas cartas constitutivas das
organizações – que são tratados multilaterais, fontes clássicas do
direito internacional – a sua validade depende do respeito pelo
princípio da especialidade das organizações que, como princípio
geral de direito internacional, é igualmente fonte desse direito25.

Assim, não há problema em se entender como distintos o direito


internacional e o direito transnacional, uma vez que nesse, diferente daquele, as pessoas
naturais e jurídicas são freqüentemente destinatários das normas e que, às vezes, seus atos
são diretamente aplicáveis no território dos Estados membros. Problemático seria sustentar
o afastamento do regime jurídico transnacional dos princípios desenvolvidos pelo direito
internacional.
Sem desprezar os princípios do direito internacional, o regime jurídico
transnacional envolve várias estratégias, de modo que, primeiro são fixados objetivos
comuns, negociados no âmbito de um organismo internacional, para depois se acertarem
parâmetros mínimos de proteção jurídica e por fim busca-se a uniformização legislativa 26.
25
DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. Trad. Vítor
Marques Coelho. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1999, p. 521-2.
26
Da estratégia que coordena a aproximação das legislações nacionais surgem os princípios que irão
harmonizar o regime jurídico. Por meio do regime jurídico transnacional, as Organizações Internacionais e os
Estados, incorporam os princípios a serem observados pela legislação nacional. Embora o modelo da
uniformização, no sentido de vigência de um texto legal único, vez ou outra seja adotado também no direito
internacional, como por exemplo as Convenções de Genebra, para a adoção de uma disciplina comum sobre
os principais títulos de crédito, o direito internacional, não visa a uniformização das normas, mas a
harmonização do sentido de coordenação dos seus efeitos. (PORTUGAL, Heloisa Helena de Almeida.
Atividade empresarial & liberdade de estabelecimento no Mercosul. Curitiba: Juruá, 2001, p. 91-3).
Importante esclarecer que “coordenação” é o estabelecimento de estratégias comuns, para a aproximação das
legislações nacionais. Enquanto que, a “harmonização” tem como conteúdo a definição de princípios
legislativos. Contudo, Guido Soares explica que, a partir da experiência da União Européia e da emergência
de um “direito derivado”, de natureza supranacional, os conceitos uniformização e harmonização legislativa
tornaram-se confusos, uma vez que o funcionamento do direito comunitário em muito se assemelha ao do
direito nacional (SOARES, Guido Fernando Silva. O tratamento da propriedade intelectual no sistema da
organização mundial do comércio: Uma descrição geral do acordo “TRIPs”. Revista de Direito Civil,
Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo, n. 74, 1995, p. 104). Daí, concluir-se que, em regra, o direito
supranacional exerce o papel de legislação uniforme.
Vale recordar que, as normas produzidas pelas organizações
internacionais somente adquirem validade interna ao Estado, quando aprovadas num
processo de recepção, enquanto que as normas produzidas pela União Européia são
exigíveis tão logo produzidas. Em outras palavras, as normas de direito comunitário, uma
vez elaboradas possuem “aplicação direta”, instituem direitos e deveres aos particulares em
qualquer Estado-membro, independente de legislação nacional e as normas de direito
internacional não27.
Pode-se indicar, então, como elementos da supranacionalidade: a
independência das instituições comunitárias frente aos Estados-membros; a existência de
relações diretas entre as instituições comunitárias e os particulares e a transferência de
competências dos Estados-membros em favor da organização internacional. De sorte que,
caracteriza-se a supranacionalidade pela transferência permanente do exercício de algumas
atribuições estatais, dos Estados-membros à organização internacional28.
No caso da UE, esta é reconhecida como exemplo de órgão
supranacional, assim possui independência de atuação e sua legitimidade advém da
observância do procedimento de deliberação ou julgamento. Importante destacar que, o
direito comunitário vigora por si no ordenamento jurídico dos Estados-membros,
produzindo efeitos imediatos que os órgãos nacionais são obrigados a respeitar. Em caso
de conflito, entre a norma comunitária e a norma nacional, prevalece a norma
comunitária29.
Roberto Luiz Silva explica que pelo princípio da aplicabilidade direta o
direito comunitário não necessita de um processo recepção ao ordenamento interno. Pelo
27
O princípio do efeito direto foi reconhecido pelo processo Tribunal de Justiça no Acórdão Van Gend en
Loos (cf. UNIÃO EUROPÉIA. TJCE. Processo 26/62. Acordão de 05 fev. 1963. NV Algemene Transport-
en Expeditie Onderneming van Gend & Loos v Netherlands Inland Revenue Administration, Colect. Jurisp.
1963, p. 207 <www.curia.eu.int>)
28
OLIVEIRA, op. cit., p. 68-9; Segundo Stelzer: “O significado do termo supranacional expressa um poder
de mando superior aos Estados, resultado da transferência de soberania operada pelas unidades estatais em
benefício da organização comunitária, permitindo-lhe a orientação e a regulação de certas matérias, sempre
tendo em vista os anseios integracionistas” (STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio
ou realidade. Curitiba: Juruá, 2000, p. 67-8). Por exemplo, o IHMI possui personalidade jurídica própria e
autonomia funcional e financeira. Para o cumprimento de seus fins possui capacidade jurídica mais ampla
que as legislações nacionais dos Estados-membros podem conferir aos seus organismos administrativos
nacionais (cf. arts. 111 e 113 RMC; CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 120-1).
29
O princípio da supremacia do direito comunitário foi reconhecido em UNIÃO EUROPÉIA. TJCE.
Processo 6/64, Costa/ENEL, Acórdão de 15 jul. 1964, Colect. Jurisp., 1964, p. 554. De sorte que, uma norma
comunitária pode ser diretamente invocada pelos particulares perante os próprios tribunais nacionais de modo
a que o direito comunitário se impõe frente ao direito nacional. Vale destacar que atualmente a única
organização internacional cujo ordenamento possui tais características é a União Européia, cuja produção
normativa, possui validade independente da estrutura dos Estados-membros (cf. BRASIL, STJ. decisão do
Ministro Presidente do STJ Paulo Costa Leite à Petição n. 1273/RS, Registrada sob n. 2000/0040618-0 de 08
jun. 2000, disponível em: <www.stj.gov.br> apud SILVA, op. cit., p. 258-303).
princípio do primado da norma de direito comunitário afirma-se que, essa norma possui
primazia frente ao direito interno. Afirma-se, então, que os “dois direitos atuam de modo
paralelo”30.
A exemplo da coexistência entre o direito comunitário e nacional,
compatibiliza-se o direito comunitário com o regime jurídico internacional. O direito
comunitário convive com o direito internacional na forma de um regime excepcional de
regulação jurídica das relações entre Estados e para os particulares em qualquer Estado-
membro. Excepcional na medida em que suas normas instituem um regime jurídico
diferenciado com exclusão dos Estados não membros da UE31.

2.3 O regime jurídico comunitário e o direito nacional de marcas

Conforme já antecipado, a proteção jurídica às marcas da UE, vincula os


Estados-membros de duas maneiras. Enquanto a DM tem por objetivo, nos termos do seu
preâmbulo, aproximar as legislações dos Estados-membros em matéria de marcas, a fim de
eliminar as disparidades existentes suscetíveis de entravar a livre circulação dos produtos e
a livre prestação de serviços e de distorcer as condições de concorrência no mercado
comum, o RMC visa disciplinar de modo uniforme um regime jurídico de marcas.
De sorte que, a marca comunitária não substitui às marcas nacionais, nem
sua criação
supõe o desaparecimento das marcas nacionais existentes nos territórios
dos distintos Estados-membros da União Européia. Pelo contrário, ambas categorias de
marcas subsistem uma vez que os regimes nacionais coordenados pela DM terão plena
vigência para tutelar os interesses dos titulares do direito de marca que não vão operar em
escala comunitária32.
Casado Cerviño acrescenta que entre o sistema de marca comunitária e os
sistemas nacionais existem numerosas interconexões, das quais destacam-se: a) Um pedido
de registro de marca comunitária pode valer-se do direito de prioridade que nasce de um

30
SILVA, Roberto Luiz. Direito comunitário e de integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 80-1.
31
Efetivamente, o art. 2 do Tratado da Comunidade Européia (TCE) dispõe que, a UE, tem como missão,
promover, em toda a Comunidade, o desenvolvimento harmonioso, equilibrado e sustentável das atividades
econômicas, a coesão social e a solidariedade entre os Estados-membros, cf.
<http://europa.eu.int/eur-lex/pt/search/search_treaties.html>.
32
cf. art. 16, RMC; sobre os vários direitos nacionais cf. INSTITUTO DE HARMONIZAÇÃO DO
MERCADO INTERNO (União Européia). Derecho nacional y marca comunitária. 2 ed. Alicante: IHMI,
2002.
registro de marca nacional anterior. O requerente ou o titular de uma marca comunitária
também poderá renunciar do registro de sua marca nacional e continuar beneficiando-se
dos direitos que já havia adquirido com dita marca; b) um pedido de marca comunitária, ou
a sua titularidade, poderá transformar-se em marca nacional, conservando sua data de
prioridade, quando o pedido de marca comunitária for retirado ou quando a marca
comunitária deixe de produzir efeitos; c) ainda quando os efeitos da marca se
determinarem exclusivamente pelas disposições do RMC e dos Regulamentos que o
complementam, as infrações contra as marcas comunitárias se regerão pelo direito nacional
sobre infrações contra marcas nacionais33.
A regra geral é que, enquanto objeto de propriedade, a marca comunitária
é considerada em sua totalidade e para o conjunto do território da UE como uma marca
nacional registrada no Estado-membro no qual o titular da marca tenha sua sede ou seu
domicílio. Por via de conseqüência, estes atos serão regidos pela lei nacional aplicável. Se
o titular da marca não tem sua sede ou seu domicílio num Estado-membro suas ações serão
regidas pela lei espanhola, Estado em que se encontra a sede do IHMI34.
Por exemplo, no que se refere às marcas, no território da UE, os cidadãos
europeus gozam da possibilidade da proteção comunitária de seus direitos de titularidade.
Enquanto que o direito internacional é elaborado a partir de negociações na qual os Estados
através de mútuas concessões firmam um acordo. No regime jurídico previsto no RMC,
encontram-se princípios e regras elaborados por um órgão comunitário, no qual a vontade
dos Estados não é computada de modo simétrico e além dos interesses estatais são
regulados também interesses da organização internacional e dos indivíduos.
Recorde-se, um dos princípios fundamentais da regulamentação do
comércio do direito internacional, o princípio da nação mais favorecida, dispõe que todas
as condições de tratamento mais favorável concedidas de modo particularizado entre
Estados, devem ser expandidas ao universo multilateral dos contratantes do Acordo OMC.
Enquanto que, na UE, o órgão supranacional, estabelece um regime de tratamento
preferencial entre poucos Estados e que não se aplica a terceiros Estados, o que, em tese,
contraria frontalmente o princípio da nação mais favorecida da OMC (e do TRIPs) 35.
33
cf. arts. 29, 32 e 14, RMC; cf. CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 151-2.
34
Ibid., p. 128.
35
SOARES, Guido F. S. A compatibilização da Aladi e do Mercosul com o GATT. Boletim de Integração
Latino-Americana n. 16, jan./abr. 1995, p. 21. O art. XXIV, § 4o., do Acordo GATT dispõe: “Para os fins da
aplicação do presente artigo, entende-se por território aduaneiro qualquer território para o qual são mantidas
tarifas aduaneiras distintas ou outras regulamentações aplicáveis às trocas comerciais, em relação a outros
territórios, para uma parte substancial do comércio do território em questão. Entende-se por “união
Daí porque, os redatores do primitivo Acordo GATT, à luz do acordo
aduaneiro existente entre Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos, estabeleceram a
possibilidade de que uniões aduaneiras e zonas de livre-comércio fossem instituídas em
exceção ao princípio da nação mais favorecida36.
Porém os acordos regionais, inclusive os que dispõe sobre a proteção às
marcas, só são legitimados pela OMC na medida em que auxiliam na redução de barreiras
comerciais, ainda que a extensão de seus efeitos não se dê em âmbito multilateral, mas em
hipótese alguma poderá resultar em maior restrição a quem não é parte no Acordo37.
Embora, nesse trabalho, tenha-se distinguido o direito internacional do
direito comunitário (transnacional), essas ordens não são isoladas de sorte que a União

aduaneira” a substituição, por um só território aduaneiro de dois ou mais territórios aduaneiros de tal maneira
que todas as tarifas aduaneiras outras regulamentações restritivas das trocas comerciais entre os territórios
dos membros da união sejam eliminados de maneira substancial e que, da mesma forma, tarifas e outras
regulamentações sensivelmente semelhantes sejam aplicadas por cada Membro da União ao comércio com
territórios nela não compreendidos” (cf. BRASIL. Lei n. 313, de 30 jul. 1948. Autoriza o Poder Executivo a
aplicar, provisoriamente, o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio; reajusta a Tarifa das
Alfândegas, e dá outras providências. Disponível em <http://wwwt.senado.gov.br/legbras/>. Acesso em 22
mar. 2003.).
36
Pode-se distinguir uma zona de livre comércio, área de união aduaneira, mercado comum e união
econômica com as seguintes considerações, o grau de autonomia da organização internacional que representa
o acordo de integração numa zona de livre comércio é menor do que numa união aduaneira; contudo, as
normas adotadas pelos órgãos da união aduaneira, não possuem o efeito de vigência imediata e automática
nos territórios dos Estados-Partes, como existente num acordo de mercado comum e nem uma autoridade
supranacional como numa união econômica. Assim, numa zona de preferências tarifárias limitam-se a
estabelecer, no comércio recíproco entre seus sócios, tarifas aduaneiras menos elevadas que as normalmente
aplicáveis ao comércio de terceiros países, podendo haver também tarifa nula para determinados produtos
(por exemplo a Associação Latino-Americana de Livre Comércio - ALALC). Numa zona de livre comércio
há eliminação das tarifas que incidam no comércio intra-área e uniformização de normas de controle de
qualidade e de padrões de produtos (por exemplo o Acordo Norte-Americano de Livre Comércio – NAFTA);
Numa área de união aduaneira além de praticarem o livre comércio nas suas relações recíprocas, adotam uma
política comercial comum, que se consubstancia principalmente na aplicação de uma tarifa externa comum
(TEC) a terceiros países, de sorte que, há unificação da estrutura tarifária relativa a terceiros países e um
mínimo de harmonização das políticas monetária, fiscal e cambial (como por exemplo na Comunidade
Andina das Nações); Numa área de mercado comum, acrescenta-se a livre locomoção dos fatores de
produção, a criação de uma legislação harmônica com a sincronização das políticas em geral, ou seja a
integração alcança não só os setores econômicos e sociais, como também o monetária com a adoção de uma
moeda única (da qual o único exemplo atualmente é a União Européia); Vislumbra-se a possibilidade de um
mercado comum ser aperfeiçoado para uma união, na qual há unificação política e militar, com a
configuração de um espaço único, cf. SILVA, op. cit., p. 31; PEREIRA, Ana Cristina Paulo. Direito
institucional e material do Mercosul. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 93-4.
37
Guido Soares sintetiza os requisitos previstos no Acordo GATT como sendo: a) obrigação de que os
arranjos integrativos cubram o essencial das trocas comerciais; b) existência de um plano ou programa que
contenha previsões precisas sobre o estabelecimento de uma união aduaneira ou de uma zona de livre
comércio em um prazo razoável entre a instalação definitiva das mesmas e o final de um período transitório;
c) o acordo de integração deve ter por objeto facilitar o comércio e não opor obstáculos ao comércio dos
Estados não participantes; d) a formação do acordo de integração não poderá acarretar no aumento de tarifas
aduaneiras, nem tornar os regulamentos comerciais mais rigorosos, do que os estabelecidos anteriormente
nos territórios dos Estados participantes isoladamente considerados, antes de formação do acordo de
integração. cf. SOARES, op. cit., p. 22.
Européia pôde constituir-se em regime excepcional de regulacão jurídica internacional,
mas balizada pelos princípios do direito internacional.
A marca comunitária, então, surge como uma alternativa para a marca
internacional, mas sob os princípios do direito internacional, com o objetivo de ser um
complemento para a proteção oferecida pela marca nacional. Nesse sentido, cuida-se,
agora, especificamente de sintetizar as principais disposições do Regulamento (CE) 40/94,
sobre marca comunitária (RMC).

3 Marca Comunitária

3.1 Princípios

Os princípios que informam um determinado regime jurídico podem ser


identificados ainda que implícitos nas normas jurídicas através de um processo de
interpretação que envolve as expectativas sociais frente ao direito. No que se refere ao
direito de marcas afirma-se que esses princípios decorrem das funções econômicas
incorporadas pelas marcas e de suas expressões no direito positivo. Nesse sentido inicia-se
o estudo da marca comunitária por meio da análise do RMC de sorte a se identificar esses
princípios.
No preâmbulo do RMC encontra-se expresso que esse assume a função
de eliminar os obstáculos à livre circulação de mercadorias e à livre prestação de serviços
com a instituição de um regime que assegure não haver falseamento da concorrência em
âmbito comunitário.
A importância do direito de marcas para o bom funcionamento da
concorrência não é pouca. Vale destacar que, mesmo na Grã-Bretanha, na qual não há uma
lei específica para reprimir a concorrência desleal, há a previsão da “action of passing off”,
que trata de proteção contra o risco de confusão na concorrência, nos casos de ligação
parasitária, de uso abusivo de símbolos distintivos e de falsas indicações de procedência 38.
Se é certo que, o direito de marcas pressupõe que deve se reconhecer aos
comerciantes o controle sobre seu produto ou serviço identificado com a marca.
Reservando a esses, certa liberdade que lhes faculte eleger os canais de distribuição mais

38
DUTOIT, Bernard. O direito da concorrência desleal e a relação da concorrência: Dupla indissociável?
Uma perspectiva comparativa. Trad. Elsia de Araujo Riberio Alvares. Revista de Direito do Consumidor, São
Paulo [RT] n. 15, jul./set., 1995, p. 36.
apropriados. Contudo, também é certo que essa liberdade não pode resultar na divisão de
mercados unidos pelos tratados.
A função de regulamentação da concorrência, segundo Silveira, deve
indicar a evolução da marca de um mero sinal de propriedade ou de identificação do
produtor para um sinal que vai identificar diante dos consumidores uma procedência
constante de determinado produto ou serviço, oferecidos em concorrência com outros: “A
marca pressupõe a existência, ao menos potencial, de produtos idênticos ou similares
oferecidos perante o mesmo mercado sendo, pois, um instrumento de concorrência, e não
de monopólio”39.
De sorte que, o titular da marca além de ser detentor de um direito
privado subjetivo de uso do seu sinal é também responsável pelo produto ou serviço
marcado. Ostentar uma marca representa uma determinada garantia de que o fornecedor
seguirá oferecendo uma mesma qualidade de características nos seus produtos ou serviços.
Perante o consumidor, a aposição da marca significa que ele foi feito sob sua
responsabilidade. O crédito e o descrédito resultantes incidirão sobre o titular da marca,
influindo de forma positiva ou negativa sobre a sua reputação40.
Desta explicação decorre que, no regime jurídico de proteção às marcas
da UE, encontram-se contemplados os seguintes princípios hermenêuticos: respeito à
titularidade da marca; garantia de um mercado equilibrado (concorrência leal); e, respeito
ao interesse do consumidor. Daí decorre a proibição do uso enganoso da marca, seja esse
efetuado pelo titular ou por terceiro41.
Ou seja, as marcas podem ser explicadas como instrumento que
incorpora uma imagem protegida de forma idêntica em toda a União, valorizando “el
control de calidad que realizam los consumidores mediante su propia experiencia” 42.
Kors interpreta que, na normativa européia, na DM e no RMC
reconheceu-se que o consumidor tem direito a que a marca em dois produtos ou serviços

39
SILVEIRA, Newton. Licença de uso, as marcas e outros sinais distintivos. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 16.
40
SILVEIRA, op. cit., p. 16-7.
41
Essa solução é extraída da leitura da exposição de motivos da DM e também do RMC, nas quais se
expressa que a função de uma marca é “principalmente garantir a indicação de origem”(cf. KORS, op. cit.,
p.160; GONÇALVES, op. cit., p. 24).
42
KORS, Jorge Alberto. La marca: una herramienta del derecho de la competencia. In: CORREA, Carlos
Maria (org.) Temas de derecho industrial y de la competencia. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1999, p.160.
cf. preâmbulo do RMC (especificamente o sétimo parágrafo). Na explicação de Gonçalves, o consumidor
deve poder acreditar que o produto ou serviço é proveniente de empresas capazes de produzir (ou prestar um
serviço) com as mesmas vantagens não necessariamente da mesma fábrica, (GONÇALVES, Luís M. Couto.
Direito de marcas. Coimbra: Almedina, 2000, p. 20).
indique uma mesma origem, ainda que, nem sempre, todas as legislações reconheçam esse
direito com o mesmo rigor, preferindo acentuar o caráter patrimonial da marca 43.
Foi para satisfazer esses objetivos que a UE criou a marca comunitária e
conferiu a essa proteção única em todo território da União. Efetivamente, a marca
comunitária goza de proteção uniforme e produz efeitos sobre todo o território da União.
Isso porque a aproximação das legislações nacionais não foi suficiente para a supressão do
obstáculo da territorialidade do direito nacional. De sorte que, para as empresas exercerem
sem entraves uma atividade econômica em todo o mercado comum fez-se necessário criar
marcas reguladas pelo direito comunitário44.
Daí porque, através do regime jurídico da marca comunitária, pode-se
registrar uma marca para todo o território comunitário e com uma só solicitação, através de
um único organismo administrativo, essa marca, poderá ser cedida, ser objeto de renúncia,
caducidade ou de nulidade para o conjunto da UE45.
Assim, determina-se que a partir do registro surge a titularidade do
direito sobre a marca, de modo a permitir ao seu titular europeu, ou de seu representante
com sede em um dos Estados-membros, usar na comercialização, em atividades de
fabricação e distribuição de bens ou de prestação de serviços, seu sinal em escala
comunitária. Esse uso deve ser verdadeiro de modo a prestigiar os direitos dos
consumidores e não falsear a concorrência ou dividir mercados. Sob esses princípios abre-
se a oportunidade de se estudar as regras que disciplinam o regime jurídico da marca
comunitária.

3.2 Sinais registráveis

No RMC, primeiro institui-se um conceito de marca para, a seguir,


determinar quais sinais ou meios podem constituir-se validamente como marcas em âmbito
comunitário e estabelecer os critérios registrais pelos quais se fará guiar.
Nesse, uma marca de produto ou de serviço é todo sinal suscetível de
representação gráfica, que sirva para distinguir no mercado os produtos ou serviços de uma
empresa, dos produtos ou serviços idênticos ou similares de outra empresa. O sinal adotado
43
cf. KORS, op. cit., p.160-1.
44
cf, art. 1, § 2º. RMC.
45
O requerente de uma marca comunitária atua ante a um único escritório, paga taxas únicas e uniformes e
defende-se contra as decisões do IHMI por meio do exercício de uma única ação, com efeito em todo o
território da UE (CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 118-9).
como marca pode ser denominativo, gráfico, misto ou estar integrado por formas
tridimensionais como as embalagens46.
Então para poder ser registrado como marca comunitária, o sinal deve
preencher duas condições: ser um sinal suscetível de representação gráfica e permitir a
distinção desses produtos e serviços aos similares de uma outra empresa 47. O RMC
reconhece não só as marcas de produto e marcas de serviço como também regula
expressamente as marcas comunitárias coletivas48, a marca notória49 e a marca de
prestígio50.

3.3 Requisitos para o registro e proteção

A titularidade do direito sobre a marca comunitária se adquire com o


registro efetuado nos moldes do RMC 51. O direito surge da inscrição no IHMI. Assim, o
direito conferido pela marca comunitária só poderá ser oposto a terceiros a partir da
46
cf. art. 4, RMC; CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 122. No Acórdão do Tribunal, no Processo C-273/00. de
12 dez. 2002. Ralf Sieckmann contra Deutsches Patent und Markenamt. Pedido de decisão prejudicial:
Bundespatentgericht - Alemanha. Colectânea da Jurisprudência 2002 página 00000 lê-se: “O art. 2 da
Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-
membros em matéria de marcas, deve ser interpretado no sentido de que um sinal que não é, em si mesmo,
susceptível de ser visualmente perceptível pode constituir uma marca, desde que possa ser objecto de
representação gráfica, nomeadamente através de figuras, de linhas ou de caracteres, que seja clara, precisa,
completa por si própria, facilmente acessível, inteligível, duradoura e objectiva. Tratando-se de um sinal
olfactivo, os requisitos da representação gráfica não são cumpridos através de uma fórmula química, de uma
descrição por palavras escritas, da apresentação de uma amostra de um odor ou da conjugação destes
elementos”.
47
São exemplos de sinais registráveis: palavras, inventadas ou pertencentes a uma língua conhecida (neste
último caso, não devem servir para designar, nessa língua, os produtos e serviços aos quais a marca se
aplica); apelidos e nomes próprios; assinaturas; letras e números; siglas, combinações de letras, números e
símbolos, logotipos; slogans, desenhos, figuras e pictogramas; retratos de pessoas; conjuntos de palavras ou
de elementos gráficos, bem como sinais complexos associando sinais verbais e gráficos, por exemplo,
etiquetas; marcas tridimensionais, tais como formas de produto ou do seu fabrico; cores ou combinações de
cores; marcas acústicas, em particular frases musicais. (INSTITUTO, op. cit., p. 12).
48
Arts. 64 a 72, RMC.
49
Art. 8, § 2o., “c”, RMC.
50
Art. 8, § 5o., RMC. A inclusão expressa da marca de prestígio reveste de uma especial importância, já que
supõe dar reconhecimento legal a uma modalidade de marca cujo registro e a regra da especialidade é
praticamente irrelevante (CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 122). Interessante destacar que, o TJCE no
processo C-292/00, decidiu que a DM, deve ser interpretada no sentido de que deixa aos Estados-membros a
faculdade de preverem uma protecção específica a favor de uma marca registrada que goze de prestígio
quando a marca ou o sinal posterior, se destinar a ser utilizado ou for utilizado para produtos ou serviços
idênticos ou semelhantes aos abrangidos por esta. De sorte que, a DM não rompe totalmente com o princípio
da especialidade do registro de marca. cf. UNIÃO EUROPÉIA. TJCE. Processo C-292/00. Acórdão do
Tribunal (Sexta Secção) de 9 de Janeiro de 2003. Davidoff & Cie SA e Zino Davidoff SA contra Gofkid Ltd.
Pedido de decisão prejudicial: Bundesgerichtshof - Alemanha. Directiva 89/104/CEE - Artigos 4.º, n.º 4,
alínea a), e 5.º, n.º 2 - Marcas prestigiadas - Protecção contra o uso de um sinal para produtos ou serviços
idênticos ou semelhantes. Colect. Jurisp. 2003 p. 00000; cf. Comentários sobre a marca notória, Capítulo 2,
subseções 3.2.3 e 3.3.5.
51
Art. 6, RMC.
publicação do registro.Disso decorre afirmação de que o pedido de registro comunitário
tem efeitos constitutivos e não meramente declaratórios da proteção em todo o território da
UE.
Qualquer pessoa natural ou jurídica, oriunda dos Estados-membros da
UE, pode obter diretamente (ou por meio de um mandatário) o registro de uma marca
comunitária junto ao IHMI ou junto ao serviço nacional de propriedade industrial. No
entanto, as pessoas (naturais ou jurídicas) oriundas de países não membros da UE, as que
não têm domicílio, sede ou estabelecimento sério e efetivo num Estado-membro, devem
fazer-se representar por um mandatário autorizado ou por um advogado52.
A duração da proteção será de 10 anos, contados a partir da data da
apresentação do requerimento, renováveis ininterruptamente por períodos de também 10
anos53. Contudo poderá ser exigida uma indenização por fatos ocorridos posteriormente à
publicação do requerimento do registro da marca. Não obstante tenha-se por certo que o
Tribunal não poderá decidir sobre o mérito até a publicação definitiva do registro54.
A partir do momento do recebimento do pedido, um examinador do
IHMI verifica se esse contém o conjunto de elementos necessários e se as taxas foram
pagas. Quando necessário, o requerente é convidado a corrigir qualquer irregularidade
verificada55.
Superada a fase da apresentação do pedido, os serviços nacionais de
marcas elaboram relatórios de investigação sobre as marcas anteriores existentes. O IHMI,
por sua vez, elabora um relatório de anterioridade limitado às marcas comunitárias. São
fixados prazos imperativos para a conclusão do conjunto destes relatórios56.
Antes de o registro ser concedido poderá ocorrer (ou não) renúncia ou
nulidade. Renúncia consiste na declaração de que o titular não tem mais interesse no em
ser titular da marca. Essa renúncia pode se dar para a totalidade ou para parte dos produtos
ou dos serviços para os quais esteja registrada.
A renúncia válida deverá ser formulada por escrito e só terá efeitos após
o seu registro perante o IHMI. Se no registro se encontrava inscrito algum direito real em
favor de terceiro, a renúncia só poderá ser registrada com o consentimento do titular desse
52
cf. art. 5 e 25, RMC; INSTITUTO, op. cit., p. 15.
53
Art. 46, RMC.
54
cf. art. 9, § 3º.
55
cf. art. 27 e 36, RMC; INSTITUTO, op. cit., p. 20. Se o requerente der cumprimento à solicitação do
IHMI, este considerará como data do depósito do pedido a data em que as irregularidades e a falta de
pagamento verificadas foram sanadas (art. 36, § 3o., RMC).
56
cf. art. 39, RMC; INSTITUTO, op. cit., p. 20.
direito. Assim, se no registro se encontrava registrada uma licença, a renúncia só se
registrará se o titular da marca comprovar haver informado ao licenciado sua intenção de
renunciar57.
O instituto da nulidade regula o conjunto de proibições que afetarão de
modo absoluto a validade do registro de marca. Em concreto, não poderão inscrever-se
como marcas comunitárias os sinais que estejam integrados por: sinais que não são
suscetíveis de representação gráfica; sinais que carecem de caráter distintivo; nomes
habituais ou genéricos dos produtos ou serviços que pretenda distinguir; sinais geográficos,
salvo para as marcas coletivas que poderão estar integradas exclusivamente por estes sinais
geográficos58.
Se o pedido não for rejeitado por um motivo absoluto de recusa e se o
requerente não o renunciar, após tomar conhecimento dos relatórios de investigação que
lhe foram enviados, este será publicado pelo IHMI no Boletim de Marcas Comunitárias,
em todas os idiomas da UE59.
Durante o período de três meses após a publicação do pedido de registro,
pode ser formulada a oposição por terceiros solicitando a recusa do registro pelos
chamados motivos relativos60. Em suma, qualquer interessado poderá opor-se ao registro de
um sinal em infração ou em confusão à marca anterior para produtos ou serviços idênticos
ou similares61.
Uma vez superadas as fases anteriormente descritas, o pedido será
convertido em registro de marca comunitária 62. Para conservar o direito de exclusividade,
efetuado o registro, seu titular deve cumprir, basicamente, três obrigações: a) observar os

57
O instituto da renúncia é objeto do art. 49, RMC, a extinção é tratada no art. 50 e as causas de nulidade
estão reunidas no art. 51, RMC; CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 131.
58
Art. 7, RMC; CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 123. As nulidades absolutas podem ser reconhecidas de
ofício, independentemente de qualquer oposição.
59
Art. 40, RMC; INSTITUTO, op. cit., p. 23.
60
Art. 8, RMC; cf. art. 38, RMC. Sobre os motivos de recusa cf. CARVALHO, Américo da Silva. Marca
comunitária: Os motivos absolutos e relativos de recusa. Coimbra: Coimbra Editora, 1999.
61
cf. Art. 41 a 43; CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 125. Os direitos anteriores que podem ser tomados em
consideração no procedimento de oposição incluem: as marcas comunitárias anteriores; as marcas nacionais
registradas e as marcas internacionais com efeitos num dos Estados-membros da UE; as marcas notórias, no
sentido do art. 6 “bis”, CUP; as marcas embora não registradas já utilizadas por outrem e os sinais utilizados
na atividade comercial que, na legislação nacional que lhe é aplicável, confere ao seu titular o direito de
proibir a utilização de uma marca mais recente (por exemplo, nomes comerciais e os emblemas), cf.
INSTITUTO, op. cit., p. 24. Então, a nulidade, pode ser total ou parcial. Se a causa de nulidade somente
existir para parte dos produtos ou dos serviços para os quais está registrada a marca comunitária, se declarará
a nulidade dos direitos do titular só para os produtos ou serviços de que se trate (art. 51, §3 o. e art. 52, § 5o.).
Segundo o art. 52, RMC, a nulidade tem efeitos retroativos, de tal sorte que, a declaração de nulidade terá por
conseqüência considerar que a marca nunca produziu efeitos.
62
Art. 45, RMC.
trâmites procedimentais, como por exemplo, pagar as taxas previstas no RMC e no
Regulamento (CE) n. 2869/95; b) renovar o registro da marca a cada 10 anos 63; e, c) usar a
marca no mercado64.
Sob a influência dos princípios hermenêuticos, o RMC fixa as causas de
caducidade da marca comunitária que podem ser reconhecidas pelo IHMI e pelos tribunais:
a falta de uso sério; a perda de caráter distintivo do sinal, quando o sinal se converte
designação usual para o produto; se o titular do registro derivado, comunitário, não renova
o registro original, nacional; se a marca é utilizada de modo a criar confusão ou induzir o
público consumidor a erro65.
A caducidade não tem, como princípio geral, efeitos retroativos, de tal
sorte que a marca produz todos seus efeitos até a data que se apresentou seu requerimento
de declaração de caducidade da inscrição ou o requerimento de análise de regularidade.
Pode ser total ou parcial. Se a causa de caducidade somente existir para parte dos produtos
ou dos serviços para os quais está registrada a marca comunitária, se declarará a
caducidade dos direitos do titular só para os produtos ou serviços de que se trate66.
No que respeita a exigência do uso, a ausência de uso de uma marca
comunitária acarreta importantes conseqüências. Em primeiro lugar, se não a usa, seu
titular não poderá opor-se com êxito à inscrição de uma nova marca confundível com a
sua67. Tampouco poderá pedir a nulidade de uma marca comunitária posterior nem impedir
que se use no mercado68. Por último, impedirá que a marca comunitária se beneficie do
mecanismo da transformação, com a única exceção do previsto no art. 108, §2º “a”,
RMC69.
A não utilização séria durante cinco anos consecutivos, a perda do
caráter distintivo e o caráter enganador da marca resultante do seu uso constituem os
principais motivos que permitem fundamentar uma ação de extinção. A marca comunitária
está submetida à mesma obrigação de utilização que as marcas registradas nos Estados-
membros da UE e as marcas internacionais que produzam os seus efeitos nesses Estados70.

63
Art. 47, RMC. A falta de renovação provocará a extinção do direito.
64
Art. 15 e 50, RMC; CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 127.
65
Art. 50, RMC.
66
cf. arts. 50 e 54, RMC; CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 132.
67
Art. 43, § 2º, RMC.
68
Art. 53, RMC.
69
CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 128.
70
INSTITUTO, op. cit., p. 30. No Mercosul há caducidade da marca se não utilizada, somente quando o uso
for considerado obrigatório no Estado-Parte.
3.4 Direitos conferidos

A marca comunitária confere ao seu titular, mediante um único


procedimento de registro, um direito de uso exclusivo, uniforme, válido em todos os
Estados-membros, o que simplifica e reduz custos da proteção à escala européia aos
direitos inerentes à titularidade de marca.
Este direito de exclusividade se decompõe numa pluralidade de
faculdades, classificadas como positivas e negativas, em favor de seu titular. Entre as
faculdades positivas se encontram as seguintes: a) usar a marca de modo exclusivo no
movimento mercantil sobre seus produtos e serviços, em sua correspondência e
documentação comercial e na publicidade. b) ceder com ou sem a transferência do
negócio; c) licenciar autorizando seu uso por terceiro71.
Entre as faculdades negativas, direito de evitar certos atos, destacam-se:
a) impedir que um terceiro não autorizado use sua marca ou outro sinal confundível para
distinguir produtos ou serviços idênticos ou similares; b) opor-se a que se inscreva no
IHMI como marca comunitária um sinal que seja confundível com a marca de sua
titularidade; c) solicitar ante os Tribunais a nulidade de outras marcas inscritas com
posterioridade à sua, quando estime que existe o risco de confusão no mercado72.
Nesse particular, um terceiro pode licitamente utilizar a marca em obras
descritivas ou artísticas, quando não atente contra a imagem expressa pelo sinal e não
obtenha ganho pela simples utilização da marca, mas sim pela venda do produto. Ainda
que a exclusão dos usos não comerciais não se encontre expressa nas legislações de marca,
essa decorre das funções destas e dos princípios hermenêuticos que guiam o regime
jurídico das marcas73.
Explica-se, o uso da marca em textos literários ou científicos, ao não
cumprir uma função distintiva, mas de outro tipo, escapa o âmbito de proteção às marcas.
Isso é particularmente evidente nas marcas constituídas por palavras com conteúdo
conceitual, cuja utilização com tais em textos e discursos nem sequer coloca questões de
uso enganoso ou de determinação do campo protegido pelo princípio da especialidade.

71
cf. art. 9, § 1º., “a” a “c”; CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 125-6.
72
cf. art. 9, § 2º., “a” a “d”. Deve-se atentar que, o risco de associação é uma figura que nasceu na Lei
Uniforme do Benelux e foi incorporada na DM (art. 4, b), a partir da qual foi incorporada às legislações dos
Estados-membros da UE (MARTÍNEZ MEDRANO, Gabriel A., SOUCASSE, op. cit.,, p. 229).
73
CABANELLAS DE LAS CUEVAS, Guillermo. El uso atipico de la marca ajena. In. CORREA, Carlos
Maria (org.) Temas de derecho industrial y de la competencia. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1999, p. 51
Como exemplo de uso autorizado, tem-se a utilização da marca registrada em dicionários,
enciclopédias ou obra de consulta similar, desde que esta não gere a impressão de que se
trata de um termo genérico74.

3.5 Limites ao direito: direito de exaustão da marca comunitária

É certo que todo direito comporta limitações. No que se refere ao direito


de marcas, Aracama ensina que, tradicionalmente, seus limites são estudados a partir de
duas teorias: do denominado “droit de suite” (direito de seguimento) e da teoria do
esgotamento (direito de exaustão)75.
O direito de seguimento é definido como por Di Fiori como “direito a
controlar a sorte do produto marcado e em particular seu uso não enganoso (veracidade) ao
largo de sucessivas comercializações”76. Para essa teoria o titular desfruta de controle sobre
o produto ou serviço até que chegue à mão do consumidor final. Ou seja, o controle do
titular se manifesta até o final do curso econômico do produto, como se o seu direito não
houvesse extinguido com a transferência do produto ou serviço para um revendedor77.
Tal alcance conferido ao direito do titular freqüentemente será fonte de
conflitos, posto que a extensão dos direitos conferidos ao titular do sinal não coincide com
a propriedade material de um bem protegido. Ao se dissociar a transferência da
propriedade material da dos direitos intelectuais, o adquirente de um bem marcado poderia
ver travado o seu direito de disposição pelo direito de propriedade intelectual subsistente 78.

74
Art. 10, RMC; cf. UNIÃO EUROPÉIA. TJCE. Processo C-379/97. Acórdão do Tribunal de 12 out. 1999.
Pharmacia & Upjohn SA contra Paranova A/S. Pedido de decisão prejudicial: Sø- og Handelsretten -
Dinamarca. Direito de marca - Medicamentos - Importação paralela - Substituição de marca. Colectânea da
Jurisprudência 1999 página I-06927; UNIÃO EUROPÉIA. TJCE. Processo C-63/97. Acórdão do Tribunal,
proferido em 23 fev. 1999. Bayerische Motorenwerke AG (BMW) e BMW Nederland BV contra Ronald
Karel Deenik. Pedido de decisão prejudicial: Hoge Raad - Países Baixos. Directiva sobre as marcas - Uso não
autorizado da marca BMW nos anúncios de um garagista. (Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-
00905); UNIÃO EUROPÉIA. TJCE. Processo C-2/00. Acórdão do Tribunal, proferido em de 14 maio 2002.
Michael Hölterhoff contra Ulrich Freiesleben. Pedido de decisão prejudicial: Oberlandesgericht Düsseldorf -
Alemanha. Aproximação das legislações - Marcas - Directiva 89/104/CEE - Artigo 5.º, n.º 1 - Alcance do
direito exclusivo do titular da marca - Terceiros - Uso da marca para fins descritivos. ( Colectânea da
Jurisprudência 2002 página I-04187).
75
ARACAMA ZORRAQUÍN, Ernesto. El agotamiento de los derechos de marca y las importaciones
paralelas. CORREA, Carlos Maria (org.) Temas de derecho industrial y de la competencia. Buenos Aires:
Ciudad Argentina, 1999, p. 14.
76
DI FIORI, Diego. Las marcas en el comercio internacional: limitaciones a las importaciones mediante la
ley de marcas. Buenos Aires: Heliasta, 2000, p. 65.
77
ARACAMA ZORRAQUÍN, op. cit., p. 14-5.
78
ARACAMA ZORRAQUÍN, op. cit., p. 15.
A teoria do direito de seguimento abre margem para que o titular da marca se insurja
validamente contra o modo de exposição do produto no mercado, por exemplo.
Em outra linha de idéias Kohler, em fins do séc. XIX, enunciou a teoria
da exaustão do direito de marca. Para essa, tal direito consiste somente no direito exclusivo
de utilizar o sinal de marca para por o produto no mercado. Nesse momento, ocorre a
exaustão do direito do titular do sinal que se exaure com a primeira circulação do objeto
marcado.
O pressuposto essencial da exaustão de direitos de marcas é que a partir
da introdução no comércio de produto protegido pela marca, realizada pelo titular da marca
ou por um terceiro com seu consentimento, obtém-se pleno proveito da mesma79.
A partir do regular ingresso do objeto em circulação, o proprietário da
marca não tem mais direito e o comprador do produto marcado pode utilizar e revender
dito produto sem render contas àquele, o qual não pode impedir nem regulamentar sua
revenda. O revendedor não precisará de autorização expressa, do titular da marca, para
exibir os produtos em seus locais de venda, para mencioná-las nos seus catálogos de preços
e para realizar publicidade em distintos meios80.
Contudo, ainda que o titular já não possa mais exercer seu “ius
prohibendi” frente àqueles produtos que introduziu no comércio, ainda assim poderá
exercer contra terceiros que fabriquem dito produto sem seu consentimento. Mantém o
produtor a prerrogativa de proteger sua imagem81.
Então, para impedir a divisão de mercados, a jurisprudência dos tribunais
comunitários recepcionou a teoria do esgotamento do direito de marca. Na qual, o direito
sobre a marca, consiste somente no direito exclusivo de utilizar a marca para por o produto
no mercado, desde que a introdução ao mercado tenha sido efetuada de modo regular pelo
titular (ou terceiro autorizado)82.
79
ARACAMA ZORRAQUÍN, op. cit., p. 15-6.
80
CABANELLAS DE LAS CUEVAS, Guillermo. El uso atípico de la marca ajena. In. CORREA, Carlos
Maria (org.) Temas de derecho industrial y de la competencia. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1999, p. 60.
Tal licitude desaparecerá, contudo, quando se efetuem menções falsas sobre os produtos ou quando se efetue
apelo difamatório sobre a marca em questão. De sorte que, aceita-se que o titular da marca pode acionar
judicialmente alguém que realizar atos incompatíveis com as funções da marca, seja com a função distintiva,
função de garantia aos consumidores e função publicitária. (cf. ARACAMA ZORRAQUÍN, op. cit., p. 17-8).
81
SALIS, Eli. El protocolo de marcas del Mercosur y el sistema de marcas argentino. In. CORREA, Carlos
Maria (org.) Temas de derecho industrial y de la competencia. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1999, p.
234-5.
82
O Tribunal de Justiça reconheceu o princípio da exaustão dos direitos sobre marcas no Acórdão
Centrafarm: UNIÃO EUROPÉIA. TJCE. Processo C-443/99, Acórdão de 31 out. 1974, 16/74, Rec. P. 1183)
cf. n. 16, CONCLUSIONES DEL ABOGADO GENERAL SR. JACOBS presentadas el 12 jul. 2001. Asunto
C-443/99 Merck, Sharp & Dohme GmbH contra Paranova Pharmazeutika Handels GmbH (Petición de
Assim, para que seja aplicável a teoria do esgotamento do direito de
marca, é necessário que: a) que o ingresso ao mercado seja regular (o bem ou serviço tenha
sido disponibilizado pelo titular da marca de modo livre); b) que por circulação se entenda
a alienação ou transmissão de domínio do produto, que não ocorre enquanto não se tenha
saído da propriedade do dono original, como por exemplo quando se entrega a alguém o
produto para transporte ou em consignação83.
A teoria do esgotamento sobre a marca aplica-se a duas situações, ainda
que vinculadas entre si de alguma maneira são, em realidade, distintas: o tema das
importações paralelas e o tema dos direitos nacionais de marcas nos processo de integração
econômica.

3.5.1 As importações paralelas e os direitos nacionais de marcas

Desde já afirma-se que o tema das importações paralelas possui um


eminente interesse prático, pois não se trata simplesmente de questionamento teórico, mas
de um tema que afeta a atividade comercial em todos os seus aspectos.
A importação paralela é a operação mediante a qual alguém que não
participa, no país de importação, da rede “oficial” de distribuição ou comercialização
(estabelecida nesse país pelo titular da marca registrada) importa a este país bens com a
mesma marca, postos legitimamente e pela primeira vez em circulação no país de
exportação pelo titular da marca no país de importação ou com seu consentimento.
Por exemplo, há importação paralela quando uma empresa inglesa
importa o tênis “X” vendido na Espanha pelo titular da marca, para a Inglaterra em
concorrência ao revendedor autorizado em território inglês84.
Quanto à aplicação da teoria do esgotamento ao tema dos direitos
nacionais frente aos acordos de integração econômica, pode-se distinguir três espaços

decisión prejudicial planteada por el Oberlandesgericht Wien) y asunto C-143/00 Boehringer Ingelheim KG
y Boehringer Ingelheim Pharma KG y Otros contra Swingward Ltd y Otros (Petición de decisión prejudicial
planteada por la High Court of Justice of England and Wales). Disponível em:
<http://www.curia.eu.int/jurisp/cgi-bin/form.pl?
lang=pt&Submit=Pesquisar&docrequire=alldocs&numaff=&datefs=&datefe=&nomusuel=&domaine=&mot
s=marca+comunitaria&resmax=200> Acesso em 29 ago. 2002.
83
ARACAMA ZORRAQUÍN, op. cit., p. 17.
84
Aracama explica que o fato de que estas importações sejam efetuadas por pessoas alheias à rede “oficial”
de distribuição ou venda do titular da marca é o que originou o nome de importações paralelas, cf.
ARACAMA ZORRAQUÍN, op. cit., p. 19-20.
territoriais de exaustão de direitos de marcas: nacional, regional (comunitário) e
internacional85.
Assim, o primeiro, exaustão nacional do direito de marca, é causado pela
primeira comercialização dos produtos de marca realizada ou autorizada pelo titular no
mercado nacional. Esta exaustão num Estado não afeta os direitos que o titular possa ter
em outro Estado. Na exaustão regional a primeira comercialização é aferida em âmbito de
um mercado regional, ou seja, basta que um produto seja comercializado pelo titular ou
com sua autorização num Estado-Parte do acordo de integração para que o direito seja
exaurido (se esgote) também nos demais Estados. Por fim, a exaustão internacional,
significa que a partir da primeira comercialização em algum mercado, vale dizer, no
mercado do Estado exportador86.
A exaustão nacional tem por efeitos impor a unidade do mercado
nacional e garantir o livre comércio. Implica em que o titular da marca autoriza tacitamente
aos revendedores a utilizar dita marca para a promoção de seus produtos e oferta dos
produtos autênticos, regularmente adquiridos por procedimentos normais e isso não
constitui um uso ilícito ou uma falsificação de marca.
A exaustão regional, não é mais que a extensão ao território do novo
espaço econômico da proibição imposta ao proprietário da marca de excluir o uso dessa
quanto a produtos postos legitimamente no comércio por ele ou com sua autorização
dentro da região de que se trate.
De um lado, encontra-se, o interesse do titular de um direito de
propriedade industrial, em controlar a distribuição do seu produto no mercado nacional,
regional e/ou internacional, através do estabelecimento de redes próprias de distribuição ou
de revenda consentida. De outro, são os interesses de consumidores, terceiros
revendedores, e, de certa forma, do próprio processo de integração que proclama a
diminuição das barreiras para a importação de mercadorias87.
Então, apresenta-se que, que pela teoria do esgotamento aplicada ao tema
das importações paralelas, deve-se observar que não é lícito que o produtor após colocar

85
ARACAMA ZORRAQUÍN, op. cit., p. 21.
86
ARACAMA ZORRAQUÍN, op. cit., p. 21.
87
BORGES, Valesca Raizer. As Importações Paralelas no Brasil e no Mundo: Tendências do debate sobre a
exaustão dos direitos de propriedade intelectual, nas Importações Paralelas Palestra proferia no XXI
Seminário Internacional da Propriedade Intelectual. Vitória, 21 ago. 2001.
regularmente no mercado um produto venha se opor a que esse produto seja introduzido no
território de outro Estado88.
Até porque, pretende-se evitar que o titular da marca comercialize o
produto por preços distintos em Estados diferentes. Ou seja, se porventura o titular da
marca comercializar o produto num Estado a preço mais baixo, nada impedirá que alguém
compre esse produto no país estrangeiro e o introduza no seu país em concorrência ao
titular da marca89.
Na União Européia, o princípio da exaustão comunitária foi consagrado
no art. 7, §º 1, DM, que estabelece o seguinte:

O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir o


uso desta para produtos comercializados na Comunidade sob essa
marca pelo titular ou com o seu consentimento.

Subentende-se que abrange os produtos comercializados pela primeira


vez dentro do território da UE e não para produtos comercializados pela primeira vez fora
da Comunidade e depois introduzidos nela. De tal sorte que, quando o produto que leva a
marca é posto no mercado num Estado-membro da União pelo proprietário da marca ou
com seu consentimento, o direito se extingue também nos demais Estados-membros90.
Por outro lado, se o produto for comercializado pela primeira vez em
outro Estado qualquer que não forme parte da Comunidade, o direito não se exaure. Exceto
88
ARACAMA ZORRAQUÍN, op. cit., p. 20; cf. UNIÃO EUROPÉIA. TJCE. Processo C-173/98. Acórdão
do Tribunal (Quinta Secção) de 1 jul. 1999. Sebago Inc. e Ancienne Maison Dubois & Fils SA contra G-B
Unic SA. Pedido de decisão prejudicial: Cour d'appel de Bruxelles - Bélgica. Marca - Esgotamento do direito
do titular de uma marca - Consentimento do titular. Colect. Jurisp. 1999 p. I-04103; UNIÃO EUROPÉIA.
TJCE. Processos apensos C-414/99 a C-416/99. Acórdão do Tribunal de 20 nov. 2001. Zino Davidoff SA
contra A & G Imports Ltd e Levi Strauss & Co. e outros contra Tesco Stores Ltd e outros. Pedido de decisão
prejudicial: High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Patent Court) - Reino Unido.
Marcas - Directiva 89/104/CEE - Artigo 7.º, n.º 1 - Esgotamento do direito conferido pela marca -
Comercialização fora do UE- Consentimento do titular da marca - Necessidade de consentimento expresso ou
implícito - Lei aplicável ao contrato - Presunção de consentimento - Não aplicação. Colect. Jurisp. 2001 p. I-
08691; UNIÃO EUROPÉIA. TJCE. Processo C-143/00. Acórdão do Tribunal de 23 abr. 2002. Boehringer
Ingelheim KG, Boehringer Ingelheim Pharma KG, Glaxo Group Ltd, The Wellcome Foundation Ltd,
SmithKline Beecham plc, Beecham Group plc, SmithKline & French Laboratories Ltd e Eli Lilly and Co.
contra Swingward Ltd e Dowelhurst Ltd. Pedido de decisão prejudicial: High Court of Justice (England &
Wales), Chancery Division - Reino Unido. Marcas - Directiva 89/104/CEE - Artigo 7.º, n.º 2 - Esgotamento
do direito conferido pela marca - Medicamentos - Importação paralela - Reacondicionamento do produto
portador da marca. Colect. Jurisp. 2002, p. I-03759.
89
ARACAMA ZORRAQUÍN, op. cit., p. 21.
90
ARACAMA ZORRAQUÍN, op. cit., p. 22-3. cf. Processo C-313/94. Acórdão do Tribunal de 26 nov. 1996.
F.lli Graffione SNC contra Ditta Fransa. Pedido de decisão prejudicial: Tribunale di Chiavari - Itália.
Proibição do uso de uma marca num Estado-Membro - Proibição de importação de um produto de um outro
Estado-Membro sob a mesma marca - Artigo 30. do Tratado CE e directiva relativa às marcas. Colectânea
da Jurisprudência 1996 página I-06039.
se a Comunidade ou o Estado, aceite a exaustão internacional de direitos. Nesse sentido, a
exaustão internacional significa a liberdade plena das importações e subseqüentes vendas
paralelas dos produtos, uma vez que esses tenham sido introduzidos pela primeira vez pelo
titular da marca ou com seu consentimento em qualquer lugar do mundo91.
A atuação das autoridades européias tem partido do pressuposto de que é
necessário proteger em todas as circunstâncias as importações paralelas como forma de
obter a uniformização de preços dos produtos no território da UE. Mesmo o controle dos
preços em certos Estados-Membros não justifica nenhuma derrogação ao princípio da livre
circulação de mercadorias. Assim, segundo as autoridades comunitárias, mesmo no setor
farmacêutico, as importações paralelas não podem ser entravadas nem por medidas
nacionais nem por acordos entre empresas92.
Contudo, há de se questionar se a proteção absoluta das importações
paralelas é um mecanismo eficiente a fim de se chegar à harmonização dos preços no
mercado, quando é sabido que as fortes disparidades de preços podem ser resultado da
intervenção dos Estados-membros através de mecanismos estatais, como no caso de
produtos farmacêuticos.

3.6 Cessão e licença

A marca e o direito de marca são bens do ativo empresarial,


economicamente valiosos, que podem ser objeto de cessão, de licenças, de usufruto, de
hipoteca e de qualquer outro direito real, com autonomia da empresa. É arrolada como
patrimônio e pode ser objeto de venda em leilão em caso de falência da empresa.
O RMC introduz a cessão livre da marca no direito comunitário ao
admitir que a marca pode ser transmitida independentemente da venda da
empresa. Nesse particular, considera-se que por força do princípio da
especialidade a marca é divisível quanto aos efeitos de sua transmissão,
podendo ser cedida para a totalidade ou para só uma parte dos produtos
ou dos serviços para os quais esteja registrada93.
91
cf. Processo C-355/96. Acórdão do Tribunal de 16 jul. 1998. Silhouette International Schmied GmbH &
Co. KG contra Hartlauer Handelsgesellschaft mbH. Pedido de decisão prejudicial: Oberster Gerichtshof -
Áustria. Directiva 89/104/CEE - Esgotamento dos direitos conferidos pela marca - Mercadoria
comercializada na Comunidade ou num país terceiro. Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-04799.
92
cf. Processo T-041/96. Bayer e o./ Comissão e o. Disponível em: http://curia.eu.int/jurisp/cgi-bin/form.pl?
lang=pt&Submit=Pesquisar&docrequire=alldocs&numaff=T-
41%2F96&datefs=&datefe=&nomusuel=&domaine=&mots=&resmax=100 Consultado em 22 out. 2002.
93
Art. 17, RMC; Então, essa cessão da marca comunitária deverá ser feita por escrito e conter a assinatura
das partes contratantes, salvo se se faz em cumprimento de uma decisão judicial e deverá ser levada a registro
junto ao IHMI. Em caso contrário, se considera que a cessão da marca comunitária será nula (CASADO
O IHMI se limita, como princípio geral, a inscrever a cessão no registro e
a publica-la no Boletim de Marcas Comunitárias. Enquanto a cessão não se encontre
inscrita no registro, o cessionário não poderá valer-se dos direitos que derivam do registro
da marca comunitária94.
Além da cessão, a marca comunitária pode ser objeto de um contrato de
licença95. Em virtude do qual o titular da marca (licenciador) autoriza a um terceiro
(licenciado) a usar a marca mediante um pagamento pactuado. A licença se diferencia
claramente da cessão. Enquanto a cessão supõe a plena transmissão da titularidade da
marca, a licença é uma simples autorização de uso do titular da marca para um terceiro.
Não tem transmissão da propriedade da marca. A licença da marca comunitária pode ter
distinto alcance e conteúdo96.
No aspecto dos princípios hermenêuticos, chama a atenção a questão de
se o titular da marca, tem o dever de impor ao licenciado, a manutenção de certa qualidade
no produto ou serviço para o qual aquela será aplicada. Nesse particular o art. 22, § 2 o.,
RMC, a exemplo do disposto no art. 8, DM, autoriza expressamente ao titular do registro
controlar a conduta do licenciado. De modo que, à luz dos princípios hermenêuticos
reconhecidos no regime jurídico da UE, afirma-se que o titular do sinal (licenciador) deve
controlar a conduta do licenciado97.
A utilização da marca pelo licenciado permite ao licenciador satisfazer
ao requisito do uso da marca. Também possibilita que o licenciado, nas condições previstas
no RMC e sempre que o próprio contrato não estabeleça outra coisa, possa exercer ações

CERVIÑO, op. cit., p. 129).


94
Dessa afirmação não decorre que o IHMI seja obrigado a acatar o pedido de cessão, se essa cessão da
marca puder criar confusão para o consumidor, o IHMI deverá negar seu pedido de inscrição. (cf. CASADO
CERVIÑO, op. cit., p. 129).
95
Art. 22, RMC.
96
CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 130.
97
Jorge Alberto Kors sustenta o entendimento de que o licenciador não tem o dever de exercitar dito controle
nem tampouco existe uma determinação que exclua o uso simultâneo ou conjunto da marca em diferentes
formas para produtos de diversas qualidades (KORS, Jorge Alberto. La marca: una herramienta del derecho
de la competencia. In. CORREA, Carlos Maria (org.) Temas de derecho industrial y de la competencia.
Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1999, p. 174). Gonçalves, por sua vez, afirma que, o regime legal ao
instituir um direito exclusivo de titularidade, não isenta o titular do ônus de ser responsável por um bem com
uma finalidade fundamentalmente distintiva, (GONÇALVES, op. cit., p. 21-2). Nesse sentido, Casado
Cerviño entende que obrigatoriamente o licenciador deverá controlar o licenciado, sob o argumento de que se
esse não o uso de seu sinal, poderia ocorrer o uso enganoso da marca, o que resultaria em confusão entre os
consumidores e inclusive este erro ou engano pode ser causa de caducidade da marca (art. 50 RMC);
(CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 130). cf. também, art. 12, § 2 o. “b”, DM: “O registro de uma marca fica
igualmente passível de caducidade se, após a data em que o registro foi efectuado: [...] b) No seguimento do
uso feito pelo titular da marca, ou com o seu consentimento, para os produtos ou serviços para que foi
registrada, a marca for propícia a induzir o público em erro, nomeadamente acerca da natureza, qualidade e
origem geográfica desses produtos ou serviços”.
em defesa do direito de marca. E no caso de que tenha sido o titular da marca o que tenha
iniciado o processo por violação deste sinal comunitário, o licenciado poderá intervir a fim
de obter reparação do próprio prejuízo sofrido.

3.7 Tutela do direito de marca

O regime comunitário de proteção às marcas previsto no RMC


compreende um procedimento judicial completo e com a oportunidade de contraditório que
se caracteriza por estabelecer: a) regime atributivo, no qual o direito de marca surge do
registro no IHMI98; b) procedimento de oposição que permite aos titulares de direitos
anteriores opor-se à concessão de uma marca comunitária 99; c) recursos administrativos100 e
judicial101; e d) procedimento judicial relativo as marcas comunitárias102.
No que se refere à estrutura judicial, o RMC prevê que dentre os
Tribunais nacionais dos Estados-membros são designados Tribunais de marcas
comunitárias103. Nesse sentido, vale indicar que o direito processual nacional é fonte
subsidiária do direito comunitário104.
No caso de infração ao direito de titularidade sobre uma marca
comunitária aplica-se também o direito nacional. Por outro lado, quando as ações ocorrem
em Estados-membros diferentes, utiliza-se disposições inspiradas nas normas em
litispendência e de conexão de causas da Convenção de Bruxelas relativa à competência
judicial e à execução de resoluções judiciais em material civil e mercantil 105.
Assim, o titular de uma marca comunitária pode exercer ante os
Tribunais de marcas comunitárias as seguintes ações: ação por violação de marca (a
tentativa também pode ser objeto de ação se prevista na legislação nacional); ação
declaratória de inexistência de violação (se a legislação nacional a contemplar); ação para
reprimir uso enganoso da marca (art. 9, § 2o.); ação de reconvenção por caducidade ou por
nulidade da marca comunitária, cujo procedimento encontra-se previsto no art. 96106.

98
Arts. 5 e 6, RMC.
99
Art. 8, RMC.
100
Arts. 57 a 62, RMC.
101
Art. 63, RMC.
102
Arts. 90 a 103, RMC; CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 142-8.
103
Art. 91, § 1o., RMC.
104
CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 143.
105
CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 143-4; cf. INSTITUTO, op. cit., p. 28.
106
Art. 92, RMC; cf. CASADO CERVIÑO, op. cit., p. 144-7.
Interposta uma demanda por violação de uma marca comunitária e
comprovados os fatos alegados, o Tribunal de marcas comunitárias dita providências para
impedir que o infrator continue seus atos ou ameaça de violação. Assim, o Tribunal adota
todas as medidas idôneas que a legislação nacional do Estado-membro permite para
garantir a eficácia desta proibição107.
As ações previstas no art. 92, RMC são propostas ante os Tribunais de
marcas comunitárias de primeira instância e recursos contra as suas decisões podem ser
propostos ante os Tribunais de marcas comunitárias de segunda instância 108. As regras
processuais sob as quais se pode interpor recurso ante um Tribunal de marcas comunitárias
de segunda instância são as fixadas na legislação nacional do Estado-membro em cujo
território esteja radicado esse Tribunal109.
Para as demais ações que não se encontram contempladas no art. 92,
serão competentes os Tribunais nacionais que terão competência territorial e funcional se
se tratar de ações relativas a uma marca nacional registrada no Estado de que se trate. Se
nenhum Tribunal nacional tiver competência para conhecer uma ação distinta das
contempladas e relacionada a uma marca comunitária, dita ação poderá ser promovida ante
os Tribunais de marcas comunitárias da Espanha, sede do IHMI110. Resume-se, assim, o
procedimento judicial preconizado pela UE como complemento ao regime jurídico de
regulamentação da proteção às marcas.

4. NOTAS CONCLUSIVAS

Nesse texto tratou-se da proteção dispensada as marcas na União


Européia, especificamente do regime jurídico da marca comunitária.
Inicialmente esclareceu-se que a divisão dos regimes jurídicos em
internacional, transnacional e nacional, justifica-se na observação de diferentes âmbitos de
aplicação e de diferentes procedimentos de incorporação das normas ao direito interno.
Quanto ao âmbito de aplicação, o regime jurídico internacional incorpora um conjunto de
princípios e regras que disciplinam as relações entre Estados, que não possui aplicabilidade
107
Entre estas medidas o art. 99 RMC prevê expressamente as medidas provisórias e cautelares (CASADO
CERVIÑO, op. cit., p. 147).
108
Art. 101, §1o., RMC.
109
Art. 101, § 2o. e 3º., RMC. Por sua vez, às decisões dos Tribunais de marcas comunitárias de segunda
instância se aplicarão as disposições nacionais relativas ao agravo de cassação (CASADO CERVIÑO, op.
cit., p. 144-5).
110
cf. art. 93, § 3o. e art. 102, § 2o., RMC.
direta para os particulares; o regime jurídico transnacional envolve pessoas naturais,
organizações internacionais e Estados, e às vezes, possui aplicação direta aos particulares;
e o regime jurídico nacional disciplina condutas das pessoas naturais ou jurídicas de modo
direto em território nacional.
Afirmou-se que o direito transnacional não é de todo, distinto do direito
internacional, uma vez que, os princípios do direito internacional regem a instituição do
direito transnacional, similar à preeminência dos princípios constitucionais frente ao direito
nacional.
Efetivamente, os princípios do direito internacional determinam o direito
transnacional. Nesse as organizações internacionais, ou, aquela associação de Estados
instituída por tratado e composta por órgãos comuns com personalidade jurídica distinta da
dos Estados-membros, desempenham o papel de centralizar a produção normativa. Porém
sua validade fica condicionada à sua adequação aos princípios internacionais, conforme
exposto, a existência da União Européia ficou condicionada ao depósito de seus tratados
institutivos perante o GATT, posteriormente OMC.
As decisões de direito transnacional são elaboradas ou de modo
intergovernamental ou de modo supranacional. Na União Européia (UE), as normas
originadas dos organismos comunitários são dotadas de supranacionalidade, ou seja, há
independência das instituições comunitárias frente aos Estados-membros; há relações
diretas entre as instituições comunitárias e os particulares e há transferência de
competências dos Estados-membros em favor da organização internacional.
Assim, na UE foram identificadas duas estratégias para regular o regime
jurídico de marcas, a Primeira Diretiva Comunitária de Harmonização de Marcas (DM) e o
Regulamento da Marca Comunitária (RMC).
O RMC institui o Instituto de Harmonização no Mercado Interno:
marcas, desenhos e modelos (IHMI) com o objetivo de administrar o regime jurídico de
proteção à marca em âmbito comunitário. Assim, o regime jurídico instituído na UE rompe
com o princípio da territorialidade do direito nacional e determina a territorialidade
comunitária da proteção às marcas.
De sorte que, uma marca pode ser objeto de proteção em toda a União
Européia mediante um único procedimento administrativo, um único recolhimento de taxas
perante um único órgão e a exaustão de direitos sobre as marcas de produto e de serviço
assume contornos regionais.
A partir do registro de um sinal dotado de originalidade e novidade, surge
a titularidade de um direito sobre a marca em escala comunitária, de modo a permitir ao
seu titular, europeu ou estrangeiro através de representante com sede em um dos Estados-
membros, usar em atividades econômicas seu sinal. Esse uso deve ser verdadeiro de modo
a prestigiar os direitos dos consumidores e o interesse social a um mercado equilibrado.
Por fim destaca-se que, na UE qualquer interessado pode requerer a
extinção do registro por falta de uso sério, ou pela perda de caráter distintivo do sinal, ou
mesmo se a marca é utilizada de modo a induzir o público a erro. Daí afirmar-se a
obrigação do licenciador controlar a qualidade do produto ou serviço do licenciado.

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