Você está na página 1de 64

NOTA AO E-LEITOR:

Este documento constitui a versão online da publicação O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa. Nesta versão o e-leitor poderá
aceder aos conteúdos da forma mais tradicional (ecrã a ecrã) à mais interactiva (clicando sobre os elementos identificados: )
e aprofundar conhecimentos ou pesquisar mais informação através das ligações a sites exteriores incluídos.

Os conteúdos da presente publicação são da inteira responsabilidade dos seus autores, não representando a opinião da União Europeia.
A Comissão Europeia não se responsabiliza por qualquer uso que possa ser feito da informação aqui contida.
Introdução 6
Políticas Comunitárias 9

Outros Marcos Comunitários 12


Índice

O que o projecto de constituição


e o tratado de Lisboa trouxeram de novo 19
1 Principais diferenças entre o Projecto de Constituição
e o Tratado de Lisboa 21

2 O que há de novo em termos das competências 24

3 O que há de novo ao nível das Instituições


e do Processo de Decisão 25

4 O que há de novo em relação às Cooperações Reforçadas 33

5 As Finanças da União 34

O Futuro da Europa 36
1 O Futuro da Europa visto por Jean Monnet 37

2 O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa 40

3 A “Crise” e o Futuro da Europa 48

4 O Futuro que desejamos 59


A
Palavras-Chave A-K Acto Único Europeu (AUE) 10, 12, 13, 15
Alargamento 7, 13,16, 17, 37
Alcide de Gasperi 7, 8, 38
B
Banco Central Europeu 15, 25
C
Carta dos Direitos fundamentais 17, 22
CECA 7, 11, 14, 36
Comissão Europeia 11, 14, 17, 25, 31, 32, 34
Comité das Regiões 25
Comité Económico e Social 25
Competência de apoio, de coordenação ou de complemento 23, 24
Competência exclusiva 23, 24
Competência partilhada 23, 24
Comunidade Económica Europeia (CEE) 7, 9, 10, 11, 14, 21
Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA, Eurátomo) 7, 14, 31
Comunidade Europeia de Defesa (CED) 7
Conselho de Ministros 11, 14, 17, 23, 25, 28, 29, 30, 31, 34
Conselho Europeu 17, 25, 27, 41, 43, 44
E
Estratégia de Lisboa 55, 56
Euro 59, 60
Eurojust 26
Europol 26
F
Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) 10
J
JAI 14
Jean Monnet 7, 8, 36, 37, 38, 39
K
Konrad Adenauer 7, 8
M
Palavras-Chave M-U Maioria qualificada 29
Marcos Comunitários 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20
Método Comunitário 14
P
Parlamento Europeu 11, 14, 15, 17, 22, 23, 25, 26, 29, 31, 34
Paul-Henri Spaak 7, 8, 38
Política Agrícola (PAC) 10, 26
Política Externa e de Segurança Comum (PESC) 14, 27, 28, 29, 31, 33, 41
Políticas Comunitárias 9, 10, 11
Procedimento legislativo ordinário 23
Projecto de Constituição europeia 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 33, 36, 41, 54, 59
Projecto de Parceria Oriental 44, 45
R
Robert Schuman 7, 8, 38
Ronda de Doha 46, 50, 58
S
Sistema Europeu de Bancos Centrais 15
Subsidiariedade 14, 22, 24
T
Tratado de Amesterdão 16, 34, 40
Tratado de Lisboa 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 40, 41, 47, 54
Tratado de Maastricht sobre a União Europeia (TUE) 14, 15, 23, 25, 54, 55
Tratado de Nice 17, 30, 33
Tratado de Roma 7, 9, 10, 11, 21
Tribunal de Contas 25
Tribunal de Justiça 11, 14, 25, 31
U
União Económica e Monetária (UEM) 15
União para o Mediterrâneo 42, 43
6 Índice

Introdução

Passados 50 anos da criação de uma comunidade dita europeia, foi assinado, em


13 de Dezembro de 2007, sob a Presidência Portuguesa do Conselho da União
Europeia (UE), pelos Chefes de Estado e de Governo dos 27 Estados-Membros da
União, o Tratado de Lisboa.

Caracterizado pela reflexão, debate e procura de consensos, este Tratado exemplifica,


uma vez mais, o desafio de um caminho percorrido em conjunto, e que com altos e
baixos, com avanços e recuos, se tem realizado ao longo de uma história tão rica
como tem sido a da construção europeia.

Tendo por objectivo principal a informação e o esclarecimento do cidadão, esta


publicação pretende dar a conhecer, de forma o mais sucinta e clara possível, este
Tratado, delineando os desafios que coloca à construção europeia.

Para tal, façamos um ponto de situação dos nossos conhecimentos actuais sobre a
história da construção europeia tal como esta teve lugar desde o termo do segundo
conflito mundial, inspirada por uma ideia de base que se sobrepunha a todas as
outras – preservar a paz entre as nações da Europa.
7 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Comecemos assim por evocar a opção de Jean Monnet, claramente assumida em Argel, em 1943, “A prosperidade e os progressos sociais 1
num momento em que se desenhava já a vitória dos aliados no segundo conflito mundial.1 Esta serão impossíveis enquanto os Estados
opção, totalmente oposta à dos vencedores da guerra de 1914-18, tinha por base a reconciliação dos da Europa não se integrarem numa
inimigos da guerra de 1939-45, a renúncia a pretensões de hegemonia e, mais importante ainda, a unidade económica comum.”
partilha das respectivas soberanias em favor de uma soberania comum. Jean Monnet, 1943.
A primeira concretização desta opção de base, que contou desde o início com o apoio do então A Comunidade Europeia do Carvão e 2
Ministro dos Negócios Estrangeiros francês Robert Schuman e, logo a seguir, do chanceler alemão do Aço, criada pelo Tratado de Paris de
Konrad Adenauer, foi a criação de um dispositivo, a CECA2, destinado a pôr em comum a produção 18 de Abril de 1951, teve por objectivo
das mais importantes matérias estratégicas de base que eram então o carvão e o aço. unificar a indústria europeia destas duas
produções. O seu tratado foi assinado
Segundo o projecto inicial, a Comunidade assim criada deveria, por etapas sucessivas, transformar-se
por seis países (França, Alemanha,
numa verdadeira Comunidade Política. O primeiro passo foi, em 1952, o de fundar uma Comunidade
Europeia de Defesa (CED).Todavia, e muito embora o Tratado de Paris que deveria criar esta Bélgica, Luxemburgo, Países Baixos
Comunidade tivesse sido assinado pelos governos dos Estados-Membros da CECA, a recusa da e Itália), dando origem ao processo de
sua ratificação, em 1954, pela Assembleia Nacional francesa, levou ao abandono deste projecto integração europeia.
político cuja viabilidade se considerava, aliás, difícil, poucos anos depois de um conflito em que os Tendo cumprido a sua missão histórica,
participantes tinham lutado em campos opostos. foi extinta em 2002.

O realismo dos “Seis” levou-os a considerar que o prosseguimento da realização do projecto europeu
teria maiores probabilidades de êxito se assentasse no domínio estritamente económico. Esta opção
foi coroada de êxito na conferência de Messina, realizada em 1955 e animada, sobretudo, pelo político
belga Paul-Henri Spaak, que conduziu à criação da Comunidade Económica Europeia (CEE) e à
assinatura do Tratado de Roma em 25 de Março de 1957. Foi na mesma data assinado, também em
Roma, o Tratado criando a Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA, Eurátomo).

Sublinha-se que uma ideia subjacente à criação das Comunidades Europeias era a ideia de abertura,
oposta à que por vezes tinha sido avançada de criação de uma “fortaleza Europa”. Tal viria a ser
confirmado pela realização dos sucessivos alargamentos, sendo o mais expressivo em 2004, o Roma, 1957:
alargamento aos países do Leste Europeu. Assinatura do Tratado que cria a CEE.

CECA:
+info

http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_ecsc_pt.htm
http://eur-lex.europa.eu/pt/treaties/index.htm#founding
8 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Fundadores
do processo europeu Jean Monnet:
Político francês e pai da Europa,
dedicou a sua vida à construção
europeia.
Konrad Adenauer
Robert Schuman:
MNE francês, elaborou o plano Schuman
que deu origem à CECA. Presidente do
Parlamento Europeu (1958-1960).
Jean Monnet
Konrad Adenauer:
Primeiro Chanceler da RFA (1949-1963).
Paul-Henri Spaak:
Paul-Henri Spaak Primeiro Ministro (PM) e MNE belga.
Presidente do grupo de trabalho
responsável pela elaboração do Tratado
de Roma.
Robert Schuman Alcide de Gasperi:
PM e MNE italiano (1945-1953).

Alcide de Gasperi
+info

Tratado de Roma: http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_eec_pt.htm | http://eur-lex.europa.eu/pt/treaties/index.htm#founding


Fundadores da União: http://europa.eu/abc/history/index_pt.htm
9 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

POLÍTICAS COMUNITÁRIAS O quadro das políticas comunitárias,


numa estrutura ainda relativamente
rudimentar quando comparada com
Desde a sua criação, a União actua através da implementação de políticas em vários
a actual e traduzindo as grandes
domínios (económico, social, regulamentar e financeiro) que melhoram a vida dos
preocupações de então, compreendia,
cidadãos dos seus Estados-Membros.
segundo o Tratado de Roma,
Ao longo da sua história, a intervenção da União nos domínios políticos tem sido as políticas:
crescente. Actualmente divide-se em dois grandes conjuntos de políticas:

Políticas de coesão/solidariedade: dizem respeito aos domínios regionais,


agrícolas e sociais, apoiando a realização do mercado interno.

Políticas de inovação: remetem para os desafios concretos que se colocam no


dia-a-dia dos cidadãos europeus aos níveis do desenvolvimento tecnológico,
da investigação, do ambiente, da energia, da saúde, etc.
+info

Políticas Comunitárias:
http://europa.eu/abc/12lessons/index_pt.htm
10 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

POLÍTICAS COMUNITÁRIAS (Continuação)

Nos termos do Tratado de Roma, a CEE assentava numa união aduaneira complementada por uma Tal como numa zona de comércio livre, 3
política comercial comum.3 Tal política tomou por base as regras de concorrência4, na medida em que uma união aduaneira implementa a livre
estas asseguram o bom funcionamento do princípio das vantagens comparativas (base do comércio circulação de mercadorias entre os
internacional) segundo o qual cada país deve especializar-se naquilo que pode produzir em melhores Estados-Membros.
condições. A união aduaneira estabelece ainda
uma “pauta aduaneira comum”, i.e.
Mas é necessário ter em mente que ao pôr em contacto economias de peso diferente se poderiam
uma lista única de direitos aplicáveis
agravar as disparidades existentes à partida. Para evitar este desequilíbrio foram autorizadas ajudas
para o desenvolvimento de regiões onde o nível de vida fosse mais baixo ou onde existisse uma às importações originárias de países
situação de grave subemprego. Este tipo de auxílio conduziu a uma política regional, concretizada terceiros.
muito mais tarde, em 1975, através da criação de um Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional
(FEDER), e que só foi incluída no texto do Tratado da Roma pelo Acto Único Europeu em 1986. Uma das regras de concorrência 4
essenciais é a de não admitir ajudas
Para além da política regional, a política social, estabelecida no Tratado de Roma, logo em 1957, através estatais às empresas, a não ser que
de um Fundo, pode ser considerada como um contraponto da política de concorrência, por numa a situação em termos regionais ou de
larga medida permitir fazer face às eventuais consequências negativas de uma maior racionalidade emprego o exija.
económica, sobretudo no que toca à protecção social e ao emprego.

A política agrícola (PAC), por seu lado, foi concebida para assegurar a auto-suficiência alimentar e A PAC visava:
constituiu durante muitos anos uma excepção no contexto das relações da Comunidade com países - assegurar à população agrícola
terceiros, dado que estabelecia esquemas de protecção aos seus agricultores. A partir da década de um nível de vida justo;
90 começou a desenhar-se um movimento no sentido de submeter a agricultura comunitária às leis - estabilizar os mercados;
do mercado, muito embora persistam questões não resolvidas no que diz respeito às negociações - assegurar preços razoáveis ao
internacionais. consumidor;
- modernizar a agricultura.
Ainda respeitante aos fundamentos da Comunidade, na sua versão da 1957, o Tratado da Roma
estabelecia já a livre circulação das pessoas, dos serviços e dos capitais e comportava um título
relativo aos transportes, que não eram ainda considerados política comunitária.
11 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

POLÍTICAS COMUNITÁRIAS (Continuação)

Como foram implementadas estas políticas?

Para desenvolver as políticas nos domínios acima evidenciados, bem como o funcionamento da
própria União, eram necessários órgãos institucionais. Assim, logo em 1957, foram pensadas e criadas
quatro instituições:

a Assembleia (mais tarde Parlamento Europeu) que, na altura, era constituída por delegados Em 1979 os deputados do Parlamento
designados pelos Parlamentos dos Estados-Membros, e tinha como poderes principais o de dar Europeu passaram a ser eleitos pelos
parecer sobre o projecto de Orçamento e o de adoptar uma moção de censura em relação à cidadãos que representam.
gestão da Comissão.

o Conselho que era o principal órgão de decisão pois qualquer disposição de carácter geral O Conselho continua a ser o principal
ou minimamente importante teria de ser por ele decidida, mesmo se, num pequeno número de órgão de tomada de decisões na UE,
casos, só se pudesse pronunciar com base numa proposta da Comissão. representando os Estados-Membros.

a Comissão, guardiã dos tratados, tinha também como competência a aprovação de regulamentos
e directivas, a tomada de decisões e a formulação de recomendações e pareceres, assegurando
a gestão do quotidiano da União.

o Tribunal de Justiça que, criado em 1952, pelo Tratado da CECA, garantiria que em todos os
Estados-Membros a legislação europeia fosse seguida e aplicada.

Walter Hallstein
Primeiro Presidente da Comissão (1958-1969).
12 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

OUTROS MARCOS COMUNITÁRIOS

ACTO ÚNICO EUROPEU (AUE)

Com o objectivo de relançar o processo de construção europeia e de concluir o estabelecimento de O AUE deve a sua designação ao facto 5
um mercado interno, este Acto, assinado em Fevereiro de 1986, pelos representantes dos então de rever e alterar os Tratados anteriores,
12 Estados-Membros, constituiu a primeira grande modificação ao Tratado de Roma, da qual se e de abordar, pela primeira vez,
destacam:5 a cooperação europeia em matéria de
política externa.
O reforço do poder do Parlamento Europeu, com a instituição de uma maior cooperação entre
este e o Conselho em termos de tomada de decisão, sem por tal ainda se dar um verdadeiro
processo de co-decisão uma vez que o Conselho continuaria a ter a última palavra.

A introdução de medidas precisas tendo em vista a realização de um mercado interno, ou seja,


um espaço interior sem fronteiras no qual a livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e
capitais seria assegurada.

A substituição da decisão por unanimidade pela decisão por maioria qualificada, na maior parte
dos casos relativos ao estabelecimento do mercado interno, o que facilitaria o consenso a 12.

A dinamização da política social, autorizando o Conselho a adoptar prescrições mínimas para


melhorar as condições de trabalho dos europeus, protegendo-os ao nível da sua segurança e da
sua saúde.

Acto Único:
+info

http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_singleact_pt.htm
http://eur-lex.europa.eu/pt/treaties/index.htm#other
13 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

ACTO ÚNICO EUROPEU (Continuação)

A criação, no âmbito da política económica, de um capítulo especial relativo à política monetária


que será depois desenvolvido pelo Tratado de Maastricht, em 1993.

A introdução, no contexto das políticas da Comunidade, de todo um título sobre a coesão


económica e social, constituído por cinco novos artigos respeitantes ao funcionamento dos
Fundos Estruturais: Secção Orientação do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola
(FEOGA), Fundo Social Europeu e FEDER.

A promoção de um compromisso entre os 12 em relação a uma política externa comum, implicando


uma consulta sistemática entre os diferentes países membros sobre qualquer questão de política
externa com interesse para a segurança dos Estados-Membros.
Aos 6 países fundadores já se tinham
A definição de novas competências comunitárias, tais como a investigação, o desenvolvimento juntado em 1973 a Dinamarca, a Irlanda
tecnológico e o ambiente. e o Reino Unido. Em 1981, a Grécia
passa também a fazer parte da CEE.
1986 marca a entrada de Espanha e
Portugal.
14 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

O TRATADO DE MAASTRICHT SOBRE A UNIÃO EUROPEIA (TUE)

Na sequência da queda do Muro de Berlim (1989) e consequente reunificação da Alemanha (1990),


com o colapso do Comunismo na Europa de Leste, e tendo em conta a vontade dos Estados-Membros
em reforçar a sua união, este Tratado que entrou em vigor em 1993, criou uma União Europeia
assente sobre três pilares.

O primeiro pilar assenta nas três Comunidades Europeias: a CECA, a CEE e a Comunidade
Europeia da Energia Atómica (CEEA-Eurátomo) e refere-se às áreas nas quais os Estados-
-Membros agem em conjunto através das instituições comunitárias. Neste pilar aplica-se o método O método comunitário garante a
comunitário, ou seja o processo através do qual a Comissão Europeia propõe uma medida que defesa do interesse geral dos cidadãos
é adoptada pelo Conselho (por maioria qualificada) e pelo Parlamento Europeu e cuja legalidade europeus.
comunitária é assegurada pelo Tribunal de Justiça.

O segundo pilar é constituído pela Política Externa e de Segurança Comum (PESC), segundo O Tratado da União Europeia, assinado
a qual os Estados-Membros podem levar a cabo acções comuns em termos de política externa. em 1992 pelos então 12 Estados-
Neste pilar aplica-se o método intergovernamental, sendo as decisões tomadas por unanimidade -Membros, alterou a designação
ao nível do Conselho, tendo a Comissão e o Parlamento um papel limitado. da CEE que passou
a ser denominada por Comunidade
O terceiro pilar é composto pela cooperação nos domínios da justiça e dos assuntos internos (JAI) Europeia.
com vista a garantir aos cidadãos europeus alta protecção num espaço de liberdade, segurança Criou uma nova estrutura política
e justiça. O processo de decisão, tal como no segundo pilar, é intergovernamental. e económica: a União Europeia.
A União adquiriu uma dimensão política.

Tratado de Maastricht:
+info

http://europa.eu/legislation_summaries/economic_and_monetary_affairs/institutional_and_economic_framework/treaties_maastricht_pt.htm
http://eur-lex.europa.eu/pt/treaties/dat/11992M/htm/11992M.html
15 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

O TRATADO DE MAASTRICHT SOBRE A UNIÃO EUROPEIA (Continuação)

Alguns dos aspectos mais importantes do TUE foram os que introduziram novas disposições no Objectivos principais:
Tratado de Roma, nomeadamente:
1. Reforçar a legitimidade democrática
A introdução do conceito de cidadania europeia. Qualquer cidadão que tenha a nacionalidade de das instituições.
um Estado-Membro é também cidadão da União.

O estabelecimento de condições de protecção mínimas em matéria social, e de promoção da 2. Melhorar a eficácia das instituições.
melhoria das condições de vida e trabalho na Europa (Protocolo Social, anexo ao Tratado).
3. Instaurar uma UEM.
A criação de uma União Económica e Monetária (UEM).

A criação de um Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu. 4. Desenvolver a vertente social da
Comunidade.
A definição de novos sectores onde a UE pode desenvolver acções de complemento, coordenação
ou apoio, como sejam a saúde, a indústria, a cultura e a educação. 5. Instituir a PESC.

A determinação de áreas onde a intervenção da UE pode ser fundamental, como as redes


transeuropeias, cuja implementação implica meios especiais de financiamento (Fundo de
Coesão), ou ainda a defesa dos consumidores, e a juventude.

A inclusão de um verdadeiro processo de co-decisão por parte do Conselho e do Parlamento que


ultrapassa, em muito, o procedimento de cooperação do Acto Único.
16 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

O TRATADO DE AMESTERDÃO

Este Tratado que entrou em vigor em 1999 introduziu no Tratado de Roma um título relativo à política
de vistos, asilo e emigração, que assumiu especial relevo pelo facto de passar a ser da competência
comunitária quando anteriormente era matéria de competência intergovernamental.

Criou também um título especial relativo ao emprego, completando as disposições já existentes em


matéria de política social.

Tendo em conta as várias formas (mais ou menos ambiciosas) com que os diferentes Estados-Membros
encaram o seu nível de integração na União, este tratado introduziu um sistema de cooperações
reforçadas entre diversos Estados-Membros, permitindo-lhes um avanço mais rápido durante um
período em princípio limitado.

Aos 12 Estados-Membros juntaram-se,


em 1995, mais 3 países
(Áustria, Finlândia e Suécia).
A União dos 15 assinou dois anos mais
tarde, em 1997, o Tratado de Amesterdão
que alterou o TUE e o Tratado que
instituiu a Comunidade Europeia e
atribuiu uma nova numeração às suas
disposições.

Tratado de Amesterdão:
+info

http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/amsterdam_treaty/index_pt.htm
http://eur-lex.europa.eu/pt/treaties/index.htm#other
17 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

O TRATADO DE NICE

A contribuição deste Tratado, assinado em 2001 e em vigor desde Fevereiro de 2003, foi muito mais
modesta consistindo, sobretudo, na reforma das instituições comunitárias com vista a assegurar o
seu funcionamento após a entrada de mais dez Estados-Membros em 2004 e mais dois em 2007,
perfazendo uma União a 27.

É importante registar que, em Dezembro de 2000, aquando da realização do Conselho Europeu de


Nice, o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão proclamaram solenemente uma Carta dos
Direitos Fundamentais da União que se desejou depois integrar no texto da Constituição, o que não
foi possível dado esta não ter sido ratificada.
Em 2004 deu-se o grande alargamento
O Tratado de Lisboa não retomou a ideia de integrar esta Carta no seu texto. Todavia, embora não
faça parte de um texto fundamental, o que em termos concretos pode reduzir o alcance de algumas aos países da Europa Central e Oriental
de suas garantias, a Carta mantém-se plenamente em vigor. (Estónia, Eslováquia, Eslovénia, Hungria,
Letónia, Lituânia, Polónia, República
Checa), completado
pela entrada de Chipre e de Malta, e a
Bulgária e a Roménia em 2007.

Tratado de Nice:
+info

http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/nice_treaty/index_pt.htm
http://eur-lex.europa.eu/pt/treaties/dat/12001C/htm/12001C.html
18 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Após esta incursão sintética por mais de 50 anos de construção europeia, analisemos o presente,
focando a atenção no Tratado de Lisboa e no projecto de Constituição que o antecedeu, e procuremos
perspectivar as suas implicações em relação ao futuro da Europa.

Vários problemas poderão afectar o futuro da União.

É hoje certo que o aumento da esperança de vida e envelhecimento das populações europeias influirão A partir de 2015, prevê-se que o
a médio prazo sobre o sistema de pensões de aposentação e reforma, colocando um sério desafio ao número total de falecimentos na
modelo social europeu. UE27 ultrapasse o número total de
nascimentos, marcando o fim do
Tem-se evocado a necessidade de um maior recurso a seguros independentes e de um alargamento crescimento demográfico por
dos períodos contributivos, bem como a perspectiva de, com base no progresso científico e tecnológico, factores naturais.
conseguir acréscimos de produtividade que promovam o aumento das contribuições para a segurança
social.
A população com mais de 65 anos
Tem-se evocado menos, ou mesmo criticado, a redução dos tempos de trabalho, que permitiria em 2008 era de 17,1%. Prevê-se que
conjuntamente acrescer o número de contribuintes e reduzir o desemprego, em última análise o em 2060 ronde os 30% da população
direito a essa “ociosidade, mãe das artes e das nobres virtudes, bálsamo das angústias humanas” de europeia, e que os demais de 80 anos
que há mais de um século nos falava Paul Lafargue no seu sempre actual “Droit à la Paresse”. tripliquem até lá, de 4,4% para 12,1%.

Tudo isto são questões que, pela sua própria natureza, respeitam ao futuro mas que, nas condições Para manter a população ao mesmo
actuais e numa situação que no espaço de poucos meses evoluiu rapidamente, e com a possibilidade nível, as mulheres europeias deveriam
de prolongamentos afectando o médio prazo, não poderão ter aqui o desenvolvimento que se desejaria ter em média, e no mínimo, 2 filhos. Ora
nem permitir muito mais que sublinhar tratarem-se de problemas em relação aos quais a União terá cada mulher tem de facto em média 1 a
de assumir uma enorme responsabilidade no sentido de fazer face aos que, no essencial, são ainda
2 filhos.
tratados no contexto de 27 modelos nacionais.
Fonte: Eurostat
Neste quadro, a existência do Tratado de Lisboa talvez pudesse contribuir indirectamente para o
reforço de um modelo social europeu com cujo enfraquecimento não nos poderemos conformar.
+info

Estatísticas sobre a população europeia:


http://epp.eurostat.ec.europa.eu
19 Índice

O que o projecto de constituição


e o tratado de Lisboa trouxeram de novo

Compreender o Tratado de Lisboa e identificar o que trouxe de novo implica tomar


por base o que o antecedeu. Para além dos marcos fundamentais anteriormente
revisitados, é importante realçar o projecto de Constituição. Este último teve a sua
origem na Cimeira de Laeken (sob presidência belga), onde, em 2001, foi adoptada
uma Declaração sobre o futuro da UE na qual eram apontados os seus grandes
desafios, nomeadamente:

No plano interno, o desafio democrático.

No plano externo, o seu novo papel num contexto globalizado, no qual deveria
assumir as suas responsabilidades no domínio do controlo da globalização.

No projecto de Constituição decorrente exigia-se uma maior intervenção da UE


nos domínios das relações externas, da defesa e da segurança. Era ainda crucial
estabelecer uma clara distinção entre as competências exclusivas da União face às
dos Estados-Membros e as competências partilhadas.
20 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Conscientes de que após Maastricht, onde tinha sido possível progredir em várias áreas, o
aprofundamento da União tinha entrado em perda de velocidade, os Chefes de Estado e de Governo
presentes em Laeken decidiram convocar uma Convenção reunindo representantes dos Estados-
-Membros e dos então 12 países candidatos. Esta reunião intergovernamental tinha por objectivos
principais examinar os desafios que se colocavam ao futuro da UE e aprovar um projecto de Constituição
Europeia.

A Acta Final da Conferência Intergovernamental que aprovou o projecto foi assinada em Outubro de
2004, mas a sua ratificação foi recusada em referendo por dois Estados-Membros (França e Holanda),
o que invalidou todo o processo de aprovação da Constituição.
A este respeito não nos esqueçamos 1
Muito se debateu sobre as motivações dos eleitores, defendendo-se que estas pouco tinham a ver do problema da “cadeira vazia”, nas
com os aspectos desenvolvidos pela Constituição que, aliás, em diversos casos, eram favoráveis a reuniões do Conselho, provocado
todos, como a Carta dos Direitos Fundamentais. Mas o facto é que esta recusa provocou um receio de pela França nos anos 60, aquando da
que tivesse sido posto em causa o processo de construção europeia, esquecendo-se que no passado
mudança de sistema de tomada de
tinha havido crises mais graves comportando o risco de interromper todo o processo de integração.1
decisão, que passava da unanimidade à
A solução para este problema foi encontrada no Conselho Europeu de Junho de 2007 que estabeleceu maioria qualificada.
um mandato conferido à futura Presidência Portuguesa de elaborar um Tratado Reformador, menos Em alguns casos a França reservar-se-ia
ambicioso que o projecto de Constituição, sobretudo quanto à sua natureza, mas que respondesse o direito de não aceitar tal decisão, por
aos desafios que se colocavam. razões de interesse vital.
+info

Projecto de Constituição: http://europa.eu/scadplus/constitution/index_pt.htm


Tratado de Lisboa: http://europa.eu/lisbon_treaty/glance/index_pt.htm | http://www.consilium.europa.eu/showPage.aspx?id=1296&lang=pt
21 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

1 | Principais diferenças entre o Projecto de Constituição e o


Tratado de Lisboa
O projecto de Constituição previa a fusão do Tratado da União Europeia (TUE) com o Tratado da O Tratado da Comunidade Europeia 2
Comunidade Europeia (TCE), cobrindo assim num instrumento único todo o direito primário da União. (Roma) passa a ser designado por
O Tratado Reformador, assinado em Dezembro de 2007 em Lisboa, procedeu sobretudo a uma revisão Tratado sobre o Funcionamento da
dos dois tratados em vigor, mantendo a sua autonomia.2 União, o que, na prática, o subordina ao
Tratado da União Europeia (Maastricht)
Assim, o texto do Tratado Reformador, que passou a ser conhecido como Tratado de Lisboa, é
constituído por dois conjuntos de emendas aos tratados anteriores, consistindo numa revisão parcial que define os grandes princípios e as
da estrutura da União, ao contrário da revisão total prevista pelo projecto de Constituição. opções fundamentais.

Neste quadro, à semelhança do projecto de Constituição, o Tratado de Lisboa teve como principais
objectivos:

aumentar a democracia na Europa;

aumentar a eficácia da actuação da UE;

aumentar a capacidade da União de fazer face aos desafios globais, tais como as alterações
climáticas, a segurança e o desenvolvimento sustentável.
22 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Quais foram realmente as grandes diferenças e semelhanças entre o Tratado de Lisboa


e o projecto de Constituição?

Quadro 1
Diferenças e semelhanças entre
o Tratado de Lisboa e o projecto de Constituição

Curiosidade:

Conheca a história da bandeira da


Europa.

Todos os cidadãos são iguais perante as 3


instituições.
O Parlamento Europeu tem um papel 4
mais importante e haverá um maior
envolvimento dos Parlamentos nacionais.
Um grupo de, pelo menos, 1 milhão de 5
3
cidadãos de um número significativo
4 de Estados-Membros poderá solicitar
5 à Comissão que apresente novas
propostas.
23 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Novidades trazidas pelo Projecto


de Constituição e retomadas pelo
Tratado de Lisboa em resumo:
Tal como ao nível nacional ou local, o Direito Comunitário estabelece um quadro
jurídico que compreende actos legislativos e não legislativos, de acordo com o A UE poderá pronunciar-se
carácter mais ou menos geral dos assuntos que cobrem. e agir como entidade única
(personalidade jurídica).
Para assegurar o bom funcionamento da UE e das suas instituições, o Direito
Comunitário compreende actos jurídicos: as directivas, os regulamentos, as decisões, A tomada de decisão na UE
as recomendações e os pareceres. passa a assumir uma dupla
legitimidade (co-decisão:
Numa perspectiva constitucional, o projecto de Constituição introduzia, como já foi procedimento legislativo
referido no quadro anterior, uma alteração importante. Substituía a designação de ordinário).
Directiva pela de Lei Europeia. O Tratado de Lisboa não retomou esta alteração, tida
por muitos como demasiado constitucional. Manteve o termo directiva e apresenta Realizou-se um esforço de
uma versão mais moderada de medidas. clarificação em relação às
competências da União:
No entanto, o Tratado de Lisboa mantém o termo “procedimento legislativo ordinário” - competências exclusivas
introduzido pelo projecto de Constituição. Quer isto dizer que o Parlamento Europeu
e o Conselho adoptam em conjunto actos legislativos. Esta expressão confere à - competências de apoio,
UE uma imagem de dupla legitimidade consagrando como “ordinário” aquilo que coordenação e complemento
antes de Maastricht era excepcional: a adopção de um acto jurídico pelos Estados- - competências partilhadas
-Membros (Conselho) e pelo povo europeu (Parlamento Europeu). com os Estados-Membros.
24 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

2 | O que há de novo em termos das competências


Para dotar a UE e o seu funcionamento de maior transparência, o projecto de Constituição e o Tratado
de Lisboa realizaram um trabalho de clarificação onde as competências da União e dos Estados-
-Membros são definidas de forma mais precisa.

Quadro 2
Competências:

Para cada domínio de actividade, o


Tratado de Lisboa indica quem faz o quê
na União.
- Competência exclusiva:
o poder legislativo está todo
nas mãos da UE.
- Competência de apoio, de coordenação
ou de complemento:
a UE apenas pode apoiar a acção dos
Estados-Membros, por exemplo, através
de intervenções financeiras (cultura,
educação ou indústria).
- Competência partilhada:
Nos domínios da investigação e do desenvolvimento tecnológico e dos assuntos espaciais, bem abrange todos os outros domínios,
como nos domínios da cooperação para o desenvolvimento e da ajuda humanitária, a União tem tendo-se referido uma certa perda
competência para agir sem todavia poder impedir os Estados-Membros de o fazer. de eficácia da UE provocada pela
quantidade de competências partilhadas.
A UE assegura ainda a coordenação das políticas económicas, sociais e de emprego dos Estados-
-Membros, assumindo uma acção de apoio ou complemento em relação à indústria, à saúde, à
educação, à cultura, à protecção civil, ao turismo e à cooperação administrativa.
25 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

3 | O que há de novo ao nível das Instituições e do Processo de


Decisão
Nos termos da legislação actual as instituições da UE são o Parlamento Europeu, o Conselho, a O Tribunal de Contas tornou-se uma 6
Comissão, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas.6 O Parlamento, o Conselho e a Comissão instituição comunitária com o Tratado
são assistidos por um Comité Económico e Social e por um Comité das Regiões que exercem funções de Maastricht.
consultivas.

Neste quadro, o Conselho Europeu (que reúne ao nível de Chefes de Estado ou de Governo) não é
uma instituição da União.

O projecto de Constituição e, posteriormente, o Tratado de Lisboa propuseram modificações importantes,


apresentando um novo quadro institucional e alterações nos processos de decisão.

Segundo o Tratado de Lisboa, o quadro institucional da União compreende:


26 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

3 | 1 | Parlamento Europeu (PE)

O Parlamento Europeu é o único órgão da UE eleito directamente pelos cidadãos europeus. É composto
por deputados, de todos os 27 Estados-Membros, que representam 492 milhões de cidadãos e são
escolhidos todos os cinco anos.

O Tratado de Lisboa altera a composição do PE aplicando a regra da “proporcionalidade degressiva”,


quer isto dizer que a partir da sua aprovação haverá um número total de 751 deputados (750 mais
o presidente) repartidos com base na dimensão da população de cada Estado-Membro. Assim, os
países com mais habitantes serão representados por um maior número de deputados (máximo de
96), enquanto que os países com uma população menor terão menos deputados (mínimo de 6).

O PE exerce essencialmente as funções:

legislativa: tem um papel activo na redacção de actos legislativos que se reflectem no dia-a-dia Os poderes do PE têm vindo a ser a
dos cidadãos europeus, por exemplo, em relação à protecção do ambiente, dos direitos dos pouco e pouco alargados com a adopção
consumidores, da igualdade de oportunidades, etc. dos sucessivos tratados. O Tratado
de Lisboa confirma esta evolução,
orçamental: em conjunto com o Conselho aprova o orçamento anual da UE. reforçando os poderes do PE em matéria
legislativa, orçamental e de acordos
O alargamento do campo de aplicação do procedimento de co-decisão instituído pelo Tratado de Lisboa
internacionais.
tem consequências directas no funcionamento do PE que adquire um verdadeiro poder legislativo (ao
mesmo nível que o Conselho) relativamente a determinados domínios políticos como, por exemplo,
em matérias sobre a imigração legal, a cooperação judiciária penal (Eurojust), a cooperação policial
(Europol), a política comercial e agrícola.
+info

Parlamento Europeu:
http://www.europarl.europa.eu/news/public/default_pt.htm
27 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

3 | 2 | Conselho Europeu (CE)

Actualmente o Conselho Europeu, que reúne ao mais alto nível os representantes dos Estados-
-Membros e o Presidente da Comissão, não é uma instituição da UE, embora lhe seja reconhecido
um potencial político importante.

Com o Tratado de Lisboa, o CE é considerado uma instituição da União que tem como principais
funções:

Dar à União o impulso político necessário ao seu desenvolvimento;

Definir as orientações e prioridades políticas gerais.

Embora este Conselho não receba novas atribuições, a sua composição é alvo de uma reestruturação
importante, surgindo uma nova figura na arquitectura institucional da UE: o Presidente do Conselho O facto do CE não ser actualmente
Europeu. uma instituição da União indicia uma
menorização da UE em relação aos
Presentemente o Conselho Europeu é presidido pelo Estado-Membro que exerce semestralmente a Estados-Membros.
presidência da União. O Tratado de Lisboa modificou este sistema, criando um posto permanente que
preside a este conselho. Assim, o Presidente do Conselho Europeu é eleito pelo CE com um mandato A duração do mandato do novo
de dois anos e meio renovável uma vez. Presidente do CE deu origem
a numerosas críticas, nomeadamente
O papel do Presidente do Conselho Europeu eleito nestas condições tem, deste modo, sido comparado a de que poderia desvalorizar o papel
ao de um Chefe de Estado sem funções executivas, enquanto o Presidente da Comissão, eleito também do Presidente da Comissão.
para um posto permanente de cinco anos, renovável uma vez (situação que se verifica desde a criação
Esta crítica tem sido rebatida com
da CEE em 1957), exerce funções comparáveis às de um Primeiro-ministro, com uma interferência
o argumento de que as funções do
mais directa nos assuntos e na realização das políticas da União. Só a prática poderá dizer se, por
exemplo, nos conflitos internacionais, o papel do Presidente do Conselho Europeu poderá ultrapassar Presidente do CE são as de animar os
o de simples representação assumindo-se então como um elemento de importância fundamental no trabalhos do CE, de facilitar o consenso
campo da política externa. E seria altamente desejável que assim fosse. e de representar a UE, ao mais alto nível,
no domínio da PESC.
De qualquer modo, no contexto da PESC, o Presidente do Conselho Europeu poderá aparecer dotado
de poderes de que, de momento, ninguém dispõe no seio da UE e influenciar o papel da Europa no
Mundo, o que poderá não ser o caso se o Tratado de Lisboa não vier a ser ratificado.
+info

Conselho Europeu:
http://europa.eu/european-council/index_pt.htm
28 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

3 | 3 | Conselho de Ministros (CM)

O Conselho representa os Governos dos Estados-Membros. Consoante os assuntos a tratar, o Actualmente, todas estas formações 7
Conselho toma diferentes designações7 e acolhe os ministros com responsabilidades nessas áreas: do Conselho são presididas
semestralmente, por rotação entre os
Estados-Membros.
O Tratado de Lisboa mantém esta
rotatividade, que passa a ser definida
pelo Conselho Europeu, com excepção
para o Conselho dedicado
às relações externas.

O CM é actualmente a instituição 8
principal no domínio da tomada de
decisão em matéria de política externa e
de segurança comum.
O Tratado de Lisboa mantém este
papel prevendo um conselho dedicado
exclusivamente às relações externas e
que é o único presidido
permanentemente por uma nova figura:
De acordo com o Tratado de Lisboa, o papel do Conselho não sofre alterações significativas: o Alto Representante para os Negócios
Estrangeiros que, simultaneamente,
continuará a partilhar as funções legislativas e orçamentais com o Parlamento Europeu. ocupará o cargo de Vice-Presidente
conservará o seu papel em relação à PESC8 e à coordenação das políticas económicas. da Comissão.
+info

Conselho da União Europeia:


http://europa.eu/institutions/inst/council/index_pt.htm
29 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Conselho de Ministros (Continuação)

A principal alteração introduzida pelo Tratado Lisboa refere-se ao processo de decisão.

As decisões do Conselho são adoptadas por votação. Para a maior parte dos domínios é aplicado o
sistema da maioria qualificada que implica uma aprovação da maioria dos Estados-Membros e um
mínimo de 255 votos (73,9% dos votos). Assim, quanto maior for a população de um país, mais votos
tem no Conselho. Mas, para favorecer a representatividade dos países com uma população menor,
os números de voto são ponderados.
Quadro 3
Distribuição actual de votos no Conselho.

Alguns especialistas têm proposto outras 9


Em domínios mais sensíveis como é o caso da PESC, da fiscalidade ou da política de asilo e imigração,
soluções:
as decisões do Conselho só podem ser tomadas, actualmente, por unanimidade, o que faz com que
todos os Estados-Membros tenham nestas matérias direito de veto. - Supressão total da decisão por
unanimidade para evitar que uma
O Tratado de Lisboa mantém a maioria qualificada como sistema de base de tomada de decisão decisão seja bloqueada por apenas um
do Conselho, mas alarga os domínios da sua aplicação. Por exemplo, a ser aprovado o Tratado de Estado-Membro.
Lisboa, a imigração ou a cultura passarão a ser votadas por maioria qualificada. - Alargamento dos poderes do
Parlamento Europeu, o que é conseguido
Por outro lado, o Tratado de Lisboa prevê que, a partir do dia 1 de Novembro de 2014, a maioria
com o Tratado de Lisboa.
qualificada passe a ser definida como sistema de dupla maioria de Estados e de população. Quer isto
dizer que, para ser aprovada, uma decisão deverá obter o voto de 55% do número de Estados-Membros - Criação de uma segunda câmara de
(pelo menos 15), e deverá representar pelo menos 65% da população europeia. Esta alteração, representação paritária, composta por
introduzida também pelo projecto de Constituição, constitui a primeira modificação do conceito de representantes directamente eleitos,
maioria qualificada em toda a história da UE, evitando que o poder de decisão fique nas mãos dos onde cada Estado-Membro tivesse
países maiores9, uma vez que um grupo de países mais pequenos pode bloquear uma decisão. um voto.
30 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Conselho de Ministros (Continuação)

A título ilustrativo, e para uma visão de conjunto da evolução da repartição de votos ao longo da
construção europeia, observemos o seguinte quadro:

Quadro 4
Comparação dos sistemas de votação
no Conselho
Fonte: Tratado de Roma
e Tratado de Nice.

Com o Tratado de Lisboa, os cidadãos


europeus poderão conhecer directamente
as decisões tomadas pelos membros do
Conselho de cada Estado-Membro.
Todos os debates e deliberações do
Conselho em matéria legislativa serão
públicos.

Definida no projecto de Constituição, versão de 2003 Idem, versão de 2004


31 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

3 | 4 | Comissão Europeia

A Comissão Europeia é um órgão independente dos governos nacionais que tem como principal
missão assegurar os interesses da UE. Para esse efeito, a Comissão tem como principais funções:

elaborar e apresentar ao Parlamento e ao Conselho novas propostas de legislação europeia;

executar as decisões do Parlamento e do Conselho, aplicando as políticas, implementando os


programas e gerindo os fundos;

garantir o respeito pelo direito comunitário a par com o Tribunal de Justiça;

representar a UE ao nível internacional.

O Tratado de Lisboa não modifica os poderes da Comissão que mantém, no essencial, as mesmas A Comissão actual é o fruto da unificação
funções. Com excepção da PESC cuja representação passa a ser assegurada pelo Presidente do da CEE e da Comissão do Eurátomo
Conselho Europeu, a Comissão assegura a representação externa da UE10. (1965-1967).
Se o Tratado de Lisboa não altera substancialmente as funções da Comissão, o mesmo não se pode
dizer em relação à sua composição. O Vice-Presidente da Comissão: o 10
Alto Representante para os Negócios
Estrangeiros e a Política de Segurança
(figura nova) assume um papel
semelhante ao de um Ministro dos
Negócios Estrangeiros, que na Comissão
assegura a coordenação da acção
externa da União, e no Conselho assume
a condução e execução da PESC.
+info

Comissão Europeia:
http://ec.europa.eu/index_pt.htm
32 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Comissão Europeia (Continuação)

Actualmente, a Comissão é composta por 27 membros: os comissários. Cada comissário é nacional Esta reforma promovida pelo Tratado de 11
de cada um dos 27 Estados-Membros. Esta composição nem sempre seguiu a mesma regra. Por Lisboa não é totalmente nova. Em 2003,
exemplo, durante uma década (durante a qual se deram o alargamento a 15, em 1995 e o alargamento o Tratado de Nice, que instaurou
a 25, em 2004), a Comissão era composta por 20 comissários, sendo que alguns Estados, como a o sistema (aplicado desde 2005) de para
Alemanha, a França, a Itália, o Reino Unido e a Espanha que eram então os cinco maiores países, cada Estado-Membro um comissário,
tinham respectivamente dois comissários. previa que, quando a UE contasse 27
Estados-Membros, o número
O Tratado de Lisboa, por seu lado, reforma a composição da Comissão. A partir de 201411, e a
manter-se uma União a 27, a Comissão passará a ser composta por 18 comissários, correspondendo de comissários passaria a ser inferior,
a dois terços do número de Estados-Membros. Este número inclui o Presidente da Comissão e o novo recaindo a escolha num sistema de
cargo criado de Vice-Presidente da Comissão: o Alto Representante para os Negócios Estrangeiros rotatividade equitativa.
e a Política de Segurança.

Com vista a evitar a situação verificada no passado e garantir uma total representatividade dos O Presidente da Comissão é eleito para 12
Estados-Membros na Comissão, o Tratado de Lisboa instaura o princípio da “rotação paritária” que um mandato de cinco anos (renovável
será definida por unanimidade no Conselho. uma vez). É escolhido pelo conjunto
dos Estados-Membros e aprovado pelo
Por outro lado, o Tratado prevê ainda que este número de comissários possa ser modificado pelo Parlamento Europeu.
Conselho Europeu por decisão unânime.

Outra novidade importante que o Tratado de Lisboa estabelece diz respeito ao próprio Presidente
da Comissão12, sendo o seu papel reforçado com a possiblidade de poder conduzir um membro da
comissão a demitir-se das suas funções.
33 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

4 | O que há de novo em relação às Cooperações reforçadas?


Respeitando as diferenças entre os Estados-Membros, e tendo em conta a forma mais ou menos
ambiciosa como encaram o seu nível de integração na União, o Tratado de Amesterdão introduziu um
sistema de cooperações reforçadas entre os Estados-Membros.

Este sistema permitia a um grupo de países agirem juntos no sentido de uma maior e mais rápida
integração num dado domínio, durante um período de tempo em princípio limitado. No entanto, este
sistema era de díficil aplicação, na medida em que deveria seguir condições muito rigorosas.

O Tratado de Nice veio reforçar o avanço do sistema de cooperações reforçadas, permitindo que
um grupo de, pelo menos, oito Estados-Membros pudesse ir mais além na integração em algumas
matérias, desde que não implicassem questões militares e de defesa. Qualquer Estado-Membro
poderia juntar--se a este grupo de países desde que cumprisse os requisitos estabelecidos.

No projecto de Constituição, este aspecto foi tratado no quadro geral do exercício das competências
da União e com maior pormenor no quadro do funcionamento da União.

Os artigos propostos pelo Tratado de Lisboa foram fundamentalmente os mesmos que os do projecto
de Constituição, estendendo a aplicação deste mecanismo à PESC. Com a ratificação do Tratado de
Lisboa será possível a criação de grupos de Estados que queiram aprofundar a sua cooperação num
determinado domínio, nomeadamente em relação à segurança e à defesa.
34 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

5 | As Finanças da União
O Tratado de Lisboa insere as disposições financeiras no Tratado sobre o Funcionamento da União
(nova designação para o Tratado da Comunidade Europeia).

Estas disposições são apresentadas numa linguagem diferente daquela que se encontra presentemente
em vigor, mas inserem-se na mesma filosofia de base.

Assim, o orçamento da UE continuará a ser financiado na sua totalidade por recursos próprios da
União, embora o Tratado de Lisboa reformule o artigo já existente (269.º na numeração do Tratado
de Amesterdão) segundo o qual “o orçamento é integralmente financiado por recursos próprios, sem
prejuízo de outras receitas” e “o Conselho deliberando por unanimidade sobre proposta da Comissão
e após consulta do Parlamento Europeu, aprova as disposições relativas ao sistema de recursos
próprios da Comunidade cuja adopção recomendará aos Estados-Membros de acordo com as
respectivas normas constitucionais.”.

O Tratado de Lisboa substitui este segundo parágrafo pelos dois parágrafos seguintes: Em conformidade com o artigo 272.º
(modificado) do Tratado sobre o
“O Conselho deliberando em conformidade com um procedimento legislativo especial, por unanimidade
Funcionamento da União que substitui
e após consulta ao Parlamento Europeu adopta uma decisão fixando as disposições aplicáveis ao
o actual texto do artigo 272.º, o
sistema de recursos próprios da União. É possível neste quadro estabelecer novas categorias de
orçamento da UE é estabelecido pelo
recursos próprios ou revogar uma categoria existente. Esta decisão só entra em vigor após a sua
aprovação pelos Estados-Membros, de acordo com as respectivas normas constitucionais. Parlamento Europeu e pelo Conselho.

O Conselho, deliberando em conformidade com um procedimento legislativo especial fixa as medidas


de execução do sistema de recursos próprios da União na medida em que a decisão adoptada com base
no parágrafo precedente o prevê. O Conselho delibera após aprovação do Parlamento Europeu.”

Embora o Tratado de Lisboa utilize, como vimos no artigo anterior, uma linguagem diferente daquela Esta opção pela lógica 13
que actualmente se encontra em vigor, persiste a lógica intergovernamental13, o que se explica pelo intergovernamental
facto de não se ter desejado contrariar os interesses dos países mais ricos que poderiam opor-se e tem provocado grande
vetar uma formulação onde um Conselho e um Parlamento, deliberando em conjunto no quadro de descontentamento em alguns países
um procedimento legislativo ordinário, poderiam anunciar a realização de um verdadeiro federalismo menos desenvolvidos da UE.
financeiro.
35 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

“ Virá um dia em que todas as nações do continente, sem perderem a sua qualidade
distintiva e a sua gloriosa individualidade, se fundirão estreitamente numa unidade
superior e constituirão a fraternidade europeia.
Virá um dia em que não haverá outros campos de batalha para além dos mercados
abrindo-se às ideias.
Virá um dia em que todas as balas e as bombas serão substituídas por votos.”

Victor Hugo, 1849 aa

Ao longo de meio século a União tem dado resposta aos desafios que se lhe foram colocando.

A ser aprovado, o Tratado de Lisboa permitirá, como vimos anteriormente, actualizar as regras de
funcionamento da UE, do seu relacionamento com os seus Estados-Membros e com os cidadãos
europeus, através de dois aspectos essenciais:

modernização das instituições comunitárias;

aumento da capacidade dos métodos de trabalho comunitários.

Assim, a União continuará a responder eficazmente aos desafios actuais e futuros, enquanto potência
económica e comercial que em cinco décadas alcançou a estabilidade política tendo por base a ideia de
um pacto entre Estados soberanos que decidiram partilhar um destino comum assente nos princípios
e valores da paz, do bem-estar, da segurança, da democracia, da justiça e da solidariedade.
36 Índice

O Futuro da Europa

“O futuro já não é o que era”. Com esta afirmação em forma de paradoxo tem-
-se procurado, sobretudo, evidenciar alguns fenómenos que em certos momentos
históricos tiveram o poder de alterar, no bom e no mau sentido, as nossas formas
de encarar a evolução da economia e da vida em sociedade que nos tínhamos
habituado a considerar previsível.

Do ponto de vista que aqui mais nos interessa, podemos apontar a revolução que
teve lugar na Europa com:

a criação da CECA em 1951,

o alargamento a Leste na sequência da queda do muro de Berlim e do


desmantelamento da União Soviética,

a tentativa de aprovação de um projecto de Constituição Europeia,

e mais recentemente:

a crise financeira mundial, transformada rapidamente em crise económica,


entendida numa primeira fase como um fenómeno conjuntural, mas que
comporta o risco de provocar gravíssimos problemas de natureza estrutural se
vier a afectar uma união monetária ainda não totalmente realizada.

Assim, pensar a Europa numa perspectiva futura implica considerarmos eventos


internos e externos à própria União, que influenciam o caminho a percorrer.

Da concepção de futuro de Jean Monnet até ao Tratado de Lisboa, impossível é,


hoje, encarar o futuro da Europa sem analisar a crise mundial instalada.
37 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

1 | O FUTURO DA EUROPA VISTO POR JEAN MONNET


Ao falar da sua concepção sobre o futuro da Europa, Jean Monnet tinha em mente,
de maneira muito clara, a ideia de uma comunidade de destino. Esta poderia resultar,
simultaneamente, do melhor e do pior realizado e pensado pelos povos e políticos
europeus neste pequeno continente que tinha visto nascer filósofos, artistas e poetas
mas também todos aqueles que na destruição do “outro” tinham pensado encontrar
a sua mais completa e suprema forma de realização.

A partir da sua opção tão claramente expressa no final da II Guerra Mundial, a


concepção de Jean Monnet assentava, como vimos, nas ideias de paz, liberdade e
democracia. O esforço comum deveria ser realizado a partir de escolhas livremente
concebidas e aceites por todos, e jamais imposto pelos mais fortes aos mais fracos.
Esta opção era também dominada pela ideia de abertura, segundo a qual ninguém
poderia ser excluído do projecto que se pretendia levar a cabo.
Jean Monnet
+info

Jean Monnet:
http://www.jean-monnet.ch
38 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Embora durante as quatro décadas que se seguiram à criação da CECA os países de Leste não
tivessem podido participar num projecto de partilha de um destino comum, orientado no sentido da
paz e da prosperidade, da cultura e de um conhecimento ao alcance de todos, parece hoje clara a
vontade sempre existente de que todos participassem nesse projecto:

Desde que em finais da década de 80 do século passado, se dissiparam as razões de natureza


política que impediam essa participação, os países que dela se encontravam excluídos pediram
uma adesão plena e não apenas um simples dispositivo de cooperação económica promotor do
comércio e do investimento.

A UE correspondeu rapidamente aos desejos dos seus vizinhos de leste.

A futura integração na UE das Repúblicas da Ex-Jugoslávia e, mais ainda, de uma Turquia capaz
de demonstrar a compatibilidade da democracia com a religião islâmica, oportunidade histórica
ímpar, porventura irrepetível, poderá ainda prová-lo.

Tudo isto, quase totalmente realizado hoje, em termos formais, faz parte daquilo que era ainda não
há muito o “futuro” de Jean Monnet, desejado por todos os “Pais de Europa” fossem eles Robert
Schuman, Konrad Adenauer, Paul-Henri Spaak ou Alcide de Gasperi. Desejado, mas talvez difícil de
prever a um ritmo tão rápido.
39 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Quem pensaria há 20 anos que a União Europeia englobaria hoje três Repúblicas da antiga União
Soviética?

Recorde-se, aliás, que os anti-europeístas de finais dos anos 80 do século XX tinham detectado,
como consequência do desmantelamento do Bloco de Leste e da própria União Soviética, um sinal
de que a partir do momento em que esses blocos se tinham desmoronado, a Comunidade Europeia
tinha por seu lado deixado de ser “necessária”, razão pela qual também se desmantelaria.

Ora isto era ignorar ou esquecer que o problema era outro.

O projecto de Jean Monnet e Robert Schuman não tinha sido concebido para responder a qualquer
ameaça externa, para a qual existiam outros dispositivos e se contava com a participação dos Estados
Unidos, mas sim para pôr um termo às querelas intra-europeias e aos jogos de influência dos Estados-
-Membros mais poderosos, entre eles e com o exterior, nomeadamente também no quadro da política
colonial.

Mas em tudo isto, o “futuro de Jean Monnet” revelou-se fecundo e mantém-se ainda promissor.
Verificou-se, assim, que era ele que tinha razão.
40 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

2 | O TRATADO DE LISBOA E O FUTURO DA EUROPA


Recordando o capítulo anterior, e de um ponto de vista puramente formal, o
alargamento da UE encontra-se, hoje, quase realizado. Contudo, muitos dos novos
Estados-Membros “beneficiam” ainda de derrogações especiais, nomeadamente no
que toca à moeda única.
“Nada é
Por outro lado, não é certo que o mecanismo das cooperações reforçadas (já
mencionado atrás), não se tornará uma regra de uso frequente e sem limites no
tempo, independentemente do texto do Tratado de Amesterdão indicar que este tipo
possível
de cooperação tem, pela sua própria natureza, carácter temporário.
sem as pessoas,
A via da cooperação reforçada tem sido criticada, argumentando-se que teremos
criado um meio de, consciente ou inconscientemente, diluir um projecto, que deveria nada é
tendencialmente evoluir para a realização de um objectivo de integração política,
em algo que se arrisca a assemelhar-se progressivamente a uma zona de comércio duradouro
livre.

Se bem que, mesmo de um ponto de vista puramente comercial, haja um certo


sem as instituições.”
exagero em evocar uma opção que de qualquer modo se encontra ultrapassada,
muitos políticos influentes têm, a partir destes receios, retirado uma conclusão, ou
seja, que para garantir tudo o que em termos institucionais foi adquirido ao longo Jean Monnet
das últimas décadas, a Europa necessitaria, pelo menos, de um Tratado que lhe
assegurasse que esse adquirido “era mesmo para ficar”.

Nestes termos, e tendo em conta a natureza e o título desta publicação, será legítimo
colocar aqui uma questão fundamental.
41 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Vai o futuro da Europa depender de dispormos ou não de um Tratado com as características


do Tratado de Lisboa, uma vez que nas condições actuais a aprovação de uma Constituição se
afigura totalmente inviável?

Embora não tendo sido possível realizar os progressos que, porventura, se poderiam esperar com
o projecto de Constituição, o Tratado de Lisboa, se for aprovado sem grandes modificações, poderá
constituir um quadro capaz de desenvolver uma verdadeira vocação europeia.

Numa Comunidade a 27 membros, iríamos, mesmo com a Constituição, encontrar-nos, como


agora, numa situação em que a “defesa do interesse nacional” não poderia deixar de conduzir a um
enfraquecimento geral da UE perante o mundo exterior.

Restar-nos-ia, e não seria pouco, o reforço da integração a nível interno e aqui, para além de tudo
o que tem sido realizado no contexto do primeiro pilar, o êxito do espaço de liberdade, segurança e
justiça seria indispensável.

Aliás a nível externo, tudo o que tem sido e continua a ser realizado no plano económico é muito
importante.

Nada mudou, portanto, quanto ao carácter intergovernamental da Política Externa e de Segurança


Comum (PESC) onde as decisões continuam a ser tomadas por unanimidade excepto nos casos em
que se destinem a dar execução a outras medidas, tomadas elas por unanimidade.

Contudo, a existência de um verdadeiro Presidente do Conselho Europeu apresenta maiores garantias


de uma política unida.

Assim, e em matéria de relações da União com o exterior, que através dos mais variados modelos
cobrem hoje quase todos os países do mundo, centrar-nos-emos naquelas que, independentemente
dos progressos que tenham sido realizados, apresentam maiores perspectivas de futuro, ou em
relação às quais essas perspectivas assumem para a UE maior importância.
42 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Criação da União para o mediterrâneo

Embora os progressos realizados não tenham aqui registado ainda uma evolução satisfatória,
importa saudar o processo da criação, em 2008, de uma União para o Mediterrâneo, que consagra
a importância da região como elemento essencial da estabilidade e segurança da UE e que embora
com laços institucionais mais ténues revela objectivos que vão para além dos acordos existentes com
os países da margem sul.

Em que consiste a União para o Mediterrâneo e em que é que pode ser importante?

A União para o Mediterrâneo é uma comunidade de países que circundam o Mar Mediterrâneo. Contudo,
como tudo o que diz respeito à UE, para além dos países europeus situados na bacia mediterrânica,
Países fundadores:
todos os Estados-Membros da União foram incluídos. Assim, os países da UE juntam-se aos países
do sul e aos Estados potencialmente candidatos à UE, totalizando 44 países ou territórios. - Estados-Membros da UE27.
- Membros e observadores do Processo
A União para o Mediterrâneo foi criada através de uma declaração política e não de um Tratado, de Barcelona:
mantendo-se em vigor toda a base jurídica, que é o processo de Barcelona que, já desde 1995,
Albânia, Argélia, Autoridade Palestiniana,
aproxima os Estados-Membros da União dos Estados parceiros do Sul, numa cooperação multilateral,
e traduz um esforço conjunto pela paz, pela prosperidade e pelo diálogo na região. Egipto, Israel, Jordânia, Líbano, Líbia,
Marrocos, Mauritânia, Síria, Tunísia e
Turquia.
- Outros países ribeirinhos do
Mediterrâneo:
Bósnia-Herzegovina, Croácia, Mónaco e
Montenegro.
+info

União para o Mediterrâneo:


http://www.eurocid.pt/pls/wsd/wsdwcot0.detalhe?p_cot_id=4296&p_est_id=9749
43 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Segundo a Comissão Europeia muito já foi realizado no sentido de abordar numerosas questões
regionais e estratégicas, mas ainda persistem grandes desafios comuns, nomeadamente no que
toca:

à segurança,

à protecção do ambiente, A região mediterrânea é um dos 25


“pontos quentes” do planeta. Possui
ao abastecimento energético, das mais raras zonas biogeográficas
no mundo e uma biodiversidade de
à luta contra o crime organizado,
primeira importância.
ao controlo dos fluxos migratórios. Fonte: Eurostat

A Comissão tem ainda sublinhado que a Comunidade que agora se pretende criar deve assentar em
projectos concretos, não constituindo nem uma alternativa a um qualquer alargamento nem a base
para uma qualquer adesão.

O que se pretende é que os países mediterrânicos tenham a possibilidade de se pronunciar a uma Em síntese, e citando a Comissária
só voz sobre questões de uma importância estratégica fundamental como as que neste contexto se Ferrero Waldner, impõe-se-nos acreditar
lhes colocam. que berço da Europa o Mediterrâneo
é hoje o seu futuro.
A Comissão tenciona, neste quadro, promover projectos de cooperação e desenvolvimento, que
deverão ser analisados e implementados.

A contribuição para fornecer soluções ao conflito israelo-palestiniano deveria ser um dos principais
objectivos desta União mas é, também, um daqueles em que têm de se enfrentar maiores dificuldades
e neste momento aquele que pode impedir alguns países árabes de participar neste novo projecto
dada a situação ser muito mais desfavorável que no momento em que foi desencadeado o processo
de Barcelona (1995).
44 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Desenvolvimento do projecto de Parceria Oriental

A Comissão Europeia propôs no final de 2008 um projecto de Parceria Oriental que visa o estreitamento
das relações da UE com os países orientais. Este projecto, apresentado pela comissária responsável
pelas Relações Externas e pela Política Europeia de Vizinhança, Benita Ferrero-Waldner, como
elemento fundamental da política externa europeia do século XXI, é bem representativo do interesse
que a UE manifesta pelas mudanças que têm continuado a ocorrer nos países situados para além das
suas fronteiras de Leste.

Na sequência de acontecimentos graves como o corte efectuado pela Rússia do fornecimento de gás
à Ucrânia, que na altura afectou o aprovisionamento da União em energia, e mais ainda, o conflito
entre a Rússia e a Geórgia que a UE procurou resolver pacificamente, a Parceria Oriental pretende o
estreitamento das relações da UE com a Arménia, o Azerbaijão, a Bielorrússia, a Geórgia, a Moldávia
e a Ucrânia.
+info

Parceria Oriental:
http://ec.europa.eu/external_relations/eastern/docs/index_en.htm
45 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Desenvolvimento do projecto de Parceria Oriental (Continuação)

Este projecto permitirá:

Fornecer um maior apoio às reformas desejadas por esses países como também contribuir para
a paz, a prosperidade e a segurança da região numa base de interesse mútuo.

Criar uma alternativa a iniciativas aventurosas que precipitadamente se tem por vezes procurado
acelerar, ao consolidar as mudanças ocorridas após o desmantelamento da União Soviética.

Progredir na consolidação das relações com a Rússia, cuja evolução é difícil de prever dado que
se trata de um país, que é também um continente, e que autonomamente tem progressivamente,
com Putin e Medvedev, readquirido o seu estatuto de grande potência mundial.

Colmatar a ausência de uma política energética comum relativamente à qual os Estados-Membros Não nos podemos esquecer de que
da União coordenam as suas políticas nacionais no seio da OCDE, e que tem sido uma das esta Parceria engloba um importante
grandes deficiências da UE. país produtor de energia: o Azerbaijão,
e países de trânsito como a Ucrânia e a
A Parceria Oriental poderá constituir indirectamente um elemento dessa política com vista a melhorar
Geórgia, onde se têm dado problemas
a segurança energética da União e de toda a região.
particularmente delicados.
O facto de quase tudo estar por construir no que toca ao estabelecimento de relações com países
com os quais o relacionamento é muito longínquo ou não existe qualquer tradição de cooperação põe
em evidência a ambição de um projecto que - como foi recentemente sublinhado pela Comissão - seja
fonte de estabilidade e de prosperidade para os cidadãos das gerações vindouras.

Parceria Oriental:
http://ec.europa.eu/external_relations/armenia/index_en.htm | http://ec.europa.eu/external_relations/azerbaijan/index_en.htm
+info

http://ec.europa.eu/external_relations/belarus/index_en.htm | http://ec.europa.eu/external_relations/georgia/index_en.htm
http://ec.europa.eu/external_relations/moldova/index_en.htm | http://ec.europa.eu/external_relations/ukraine/index_en.htm
46 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Contribuição para o desfecho positivo da Ronda de Doha

Em 2001, a Organização Mundial do Comércio (OMC) deu início, no Qatar, a um


ciclo de negociações (ronda) que visava atenuar as barreiras comerciais a nível
mundial, em particular, procurando tornar as regras de comércio mais livres para os
países em desenvolvimento. Este ciclo designado como Ronda de Doha, e ainda
em curso, tem sido palco de numerosas controvérsias, sendo o seu desfecho adiado
sucessivamente.

Seria fundamental que a UE pudesse dar também uma contribuição para se chegar a
uma conclusão positiva do ciclo de Doha no domínio da agricultura e da propriedade
intelectual (produção de genéricos) o que, por sua vez, poderia facilitar a obtenção
de resultados nos restantes dossiers onde numerosos Estados-Membros têm
consideráveis interesses “activos” e não apenas de defesa comercial.
47 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Qual a contribuição do Tratado de Lisboa no domínio das relações externas, caso venha, de facto,
a ser adoptado no decurso dos próximos meses?

A resposta aqui pode ser muito clara e mais definitiva que as que resultam de uma análise dos
dispositivos existentes no plano interno: a contribuição do Tratado de Lisboa para a realização dos
objectivos da União no plano externo pode ser muito eficaz e a sua não aprovação poderá trazer
prejuízos para o futuro da Europa.

Com efeito, é no plano das relações externas que o papel do Presidente do Conselho Europeu assume
maior importância, podendo mudar de maneira altamente significativa o papel da UE, no Mundo,
nomeadamente nas duas grandes regiões acima evocadas, Mediterrâneo e o Leste.

Tal não significa minimizar a importância das outras regiões do Mundo como os países do Acordo de
Cotonu, o Mercosul, a China, o Japão e os Estados Unidos, relações estas há muito estabelecidas
em esquemas tradicionais.

Sublinha-se ainda que, no caso das relações entre a UE e os países em desenvolvimento, tem-se
verificado uma tendência para serem progressivamente estabelecidas numa base global entre os
países da União e o conjunto de países em desenvolvimento. A este respeito, não poderemos esquecer
que o Tratado de Roma previa, já em 1957, o estreitamento das relações entre a Europa e os países
em desenvolvimento (reduzidos nessa altura aos Países e Territórios do Ultramar), defendendo que
estas relações deveriam estabelecer-se com a Comunidade, no seu todo, e não entre os países
colonizadores e as respectivas colónias.
+info

Acordo de Cotonu: http://europa.eu/legislation_summaries/development/african_caribbean_pacific_states/r12101_pt.htm


Mercosul: http://www.mercosur.int/
48 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

3 | A “CRISE” E O FUTURO DA EUROPA


Uma crise é o primeiro sintoma de uma mudança, o sinal de que os equilíbrios
automáticos que permitiam uma evolução normal da economia e da sociedade
“As pessoas só
deixaram de ter lugar.
aceitam a mudança
É também um desafio: o de conseguirmos encontrar os meios de intervenção que
permitam corrigir os desvios sem destruir os fundamentos. quando se
Para perspectivar o futuro é, assim, necessário saber analisar o passado distinguindo
aquilo que apenas traduz uma evolução normal e exige a nossa adaptação a
encontram face
situações novas, daquilo que é um elemento perturbador que é preciso eliminar.
à necessidade,
Recordemos que a luta pelo acesso às matérias-primas – alimentares e outras
provenientes da agricultura, produtos de indústrias extractivas, especialmente e só reconhecem
metais e produtos energéticos – constituiu uma actividade fundamental dos países
desenvolvidos durante os dois últimos séculos. a necessidade
Esta luta traduziu-se por uma fácil apropriação, numa base colonial, de produtos
primários originários dos países menos desenvolvidos, africanos, asiáticos e latino- quando há uma crise.”
-americanos, na melhor das hipóteses pagos a baixo preço, ou seja, em última
análise, através de produtos manufacturados de fraco valor acrescentado.

Embora os países industrializados dispusessem de uma reserva importante de Jean Monnet


matérias-primas, era-lhes mais fácil, em muitos casos, importá-las a baixo custo em
proveniência dos países menos desenvolvidos, deslocalizando ao mesmo tempo
para esses países as actividades relativas a produções de menor valor acrescentado
que foram sendo (às vezes lentamente) abandonadas ou sofriam um processo de
reestruturação.
49 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Contudo, muitos países, considerados ainda há relativamente poucas dezenas de anos como
simplesmente “em desenvolvimento”, sobretudo a China, a Índia, o Brasil e a Coreia, têm atingido
taxas de crescimento que permitem que o nível do respectivo PIB possa duplicar de sete em sete anos.
Este crescimento tem consequências sobre a procura e põe em evidência um fenómeno totalmente
novo na estrutura da economia mundial: a posse de matérias-primas deixou de constituir um exclusivo
dos mais antigos países desenvolvidos ou das respectivas multinacionais.

Deve todavia sublinhar-se que estamos agora perante uma transformação fundamental da vida
moderna onde somos obrigados a reconhecer que todos os recursos naturais podem acabar.

Esta tomada de consciência ocorreu a partir do momento em que muitos países em desenvolvimento
se tornaram verdadeiramente países emergentes.

Nestas condições vamos ser obrigados a partilhar esses recursos, o que aliás não é mais que inteira Entre 1997 e 2006:
justiça. E começam a avançar-se números sobre quantos planetas Terra suplementares teríamos de
- a produção de energia da União recuou
ter à nossa disposição para produzirmos e consumirmos tudo o que desejássemos.
9%
Sabendo que a descida dos preços da energia verificada após as subidas de 2008 é puramente - o consumo da energia cresceu 7%
transitória e sintoma aliás de uma situação particularmente grave a nível mundial, tem de reconhecer-
- as importações de energia aumentaram
-se que a possibilidade de dispor de energia e de matérias-primas baratas é, no quadro da actual
estrutura dos recursos mundiais, praticamente impossível. 29%.
A dependência energética da UE27 era
É preciso não esquecer que partilhar os recursos mundiais através do mecanismo dos preços, mesmo em 2006 de 54%.
sabendo que tal não é feito da maneira mais justa, é preferível a excluir pura e simplesmente dessa Fonte: Eurostat
partilha dois terços da Humanidade, como no passado, ou a resolver querelas entre os países da
minoria mais favorecida através de conflitos armados.
50 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Quanto ao impacto da subida dos preços da energia e das matérias-primas agrícolas na economia Criado em 1947 com o objectivo de 1
dos países menos desenvolvidos, sublinha-se que, se essa subida, quase sempre desfavorável no harmonizar as políticas aduaneiras
caso da energia, pode no caso das matérias-primas alimentares ser favorável aos agricultores mais e regular o comércio internacional,
pobres e com menos recursos, as consequências para as populações mais pobres das zonas urbanas o GATT foi incorporado em 1994
são altamente desfavoráveis. Este aspecto tem sido aliás evidenciado, desde há muito, no Acordo na OMC.
Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT)1 e, mais recentemente, na OMC pelos pequenos
países em desenvolvimento, importadores líquidos.

Assim, se a actual situação é favorável para os países emergentes e para algumas populações dos
países menos desenvolvidos, isto significa igualmente que é necessário intensificar a ajuda a estes
últimos, tendo nomeadamente em vista proporcionar-lhes um maior grau de auto-suficiência.

Neste contexto, as negociações sobre a agricultura no quadro do ciclo de Doha assumem importância
fundamental, mas forçoso é reconhecer que os progressos têm sido praticamente nulos e a posição
da União continua a situar-se abaixo do que seria desejável.
+info

OMC:
http://www.wto.org
51 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Procurando perspectivar o futuro a médio e longo prazo, não nos deteremos


excessivamente:

sobre as origens e os efeitos negativos sobre a economia dos movimentos Tudo isto são aspectos graves de uma
especulativos; situação gerada por actividades ilícitas
cujos efeitos não tem sido
numa análise da crise do subprime e da proliferação de produtos “tóxicos” ainda possível avaliar totalmente.
resultante da titularização ilegal de activos de um valor real muito inferior ao do
valor nominal pelo qual têm sido negociados, implicando graves prejuízos para Mas trata-se também de uma
os que inadvertidamente os têm adquirido; situação em que todos temos de
realizar um esforço de compreensão
nos problemas da falta de liquidez e da crise do crédito, na medida em que no sentido de definir claramente o que
esta é essencialmente uma crise de confiança num sistema bancário que, terá de ser feito para sair de uma crise
consciente ou inconscientemente, se tem mostrado incapaz de a restabelecer, cujos detalhes já conhecemos
por aparentemente não conhecer sequer o valor real dos seus activos; e que todos os dias nos é
desveladamente explicada sem que
nas consequências da crise económica, gerada pela crise de confiança, e isso acrescente algo de significativo
que se traduz por uma ausência de crescimento ou por taxas negativas de ao que desejamos saber.
crescimento económico nos países mais desenvolvidos;

nos efeitos da crise social em que já se transformou a crise económica e que


tende a avolumar-se com um aumento das taxas de desemprego de efeitos
devastadores.
52 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Numa economia globalizada, criada a partir dos anos 90 do século passado, por uma progressiva
liberalização dos movimentos de capitais é normal que tudo o que se passasse na maior, mais rica
e mais pujante economia do mundo – os Estados Unidos – tivesse importantes repercussões nas
outras economias, desenvolvidas, emergentes ou subdesenvolvidas.

Por outro lado, deve sublinhar-se aqui um aspecto particularmente importante da evolução da
economia mundial, ou seja a rápida passagem da China de uma situação de país subdesenvolvido,
que era a sua no auge da “revolução cultural”, a uma situação de país emergente com taxas anuais
de crescimento superiores a 7% e uma subida espectacular das exportações, facilitadas pelos níveis
salariais mantidos artificialmente baixos e uma moeda deliberadamente subavaliada em relação às
dos grandes países industrializados.

Dada a dimensão do país credor, e o nível do comércio entre e China e os Estados Unidos, verifica- A expressão “A espada de Dâmocles” 2
-se que a economia americana tem sido financiada pelo défice externo, principalmente pela poupança vem de um episódio da História da
chinesa, constituindo a acumulação de créditos em dólares realizada pela China uma espada de Grécia Antiga.
Dâmocles2 que, de há muito (mesmo muito antes da crise), preocupava os economistas e os políticos
ocidentais. Dâmocles era um cortesão da corte de
Dionísio I de Siracusa (século IV a.C.,
Existe presentemente, na Administração americana, uma preocupação de que o auxílio à mobilização Sicília) e invejava bastante o tirano.
da liquidez do sistema bancário que, de momento, se encontra dificultada por uma desconfiança Dionísio propôs que Dâmocles tomasse
generalizada entre os bancos e entre estes e os utilizadores do crédito, seja susceptível de promover
o seu lugar por um dia. À noite, durante
um crescimento real capaz de reduzir a dependência da economia americana em relação ao resto do
um banquete, Dâmocles levantou a
mundo.
cabeça e viu uma espada suspensa por
Encontramo-nos paradoxalmente numa situação em que, existindo riqueza, capacidade produtiva cima dele, presa a apenas um fio da
e alta tecnologia, o sistema se encontra parcialmente paralisado por uma desconfiança que não cauda de um cavalo.
permite desencadear ao nível pretendido uma procura susceptível de fazer funcionar um sistema que Dâmocles percebeu assim que o papel
para tal dispõe de todos os meios materiais mas que sofre de uma grande dificuldade em os pôr em do tirano tinha duas faces: havia por um
marcha. lado um sentimento de poder, mas por
outro o receio da morte.
É nisto que se traduz a crise de liquidez devida ao facto de que aqueles que a podem criar não
saberem ao certo quais os meios de que dispõem para o fazer. É assim que desde o século XIX falamos
da espada de Dâmocles para descrever
E, nesta matéria, o Estado através de uma iniciativa autónoma, pode sem dúvida fazer muito, mas uma situação de perigo iminente.
não pode obviamente fazer tudo.
53 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Ao procurar compreender o funcionamento do actual sistema de relações económicas internacionais,


deparamo-nos com dois aspectos de natureza diferente, de que se apontam algumas das principais
características:

1. A situação da economia mundial com uma divisão tradicional em países desenvolvidos,


emergentes e subdesenvolvidos onde a rápida evolução registada pelos países emergentes e
a sua capacidade concorrencial têm criado uma situação que desvaloriza progressivamente a
posição relativa dos países desenvolvidos tradicionais que a consideravam como um adquirido.
Os países industrializados, e entre estes a UE, defrontam-se com problemas de médio e longo
prazo porventura ainda não convenientemente estudados e cuja solução vai exigir enormes
progressos nas áreas científica e tecnológica, nomeadamente quanto às energias renováveis.

2. No domínio financeiro apontam-se alguns problemas, dos quais interessa destacar os de natureza
psicológica mas que, embora se considerem como de curto prazo, provocam enormes estragos
e poderão ter prolongamentos graves a médio e longo prazo. É sobre esses que temos de nos
deter ao abordar o futuro da Europa.

Para a economia europeia, a recuperação da economia americana, objectivo que, desde Janeiro de
2009, ganhou nova credibilidade, é fundamental e constitui mesmo o único ponto de partida pois dada
a interdependência destas duas economias, as mais importantes do mundo, dificilmente se poderia
prever uma recuperação na Europa se as relações desta com os EUA continuassem a acusar a
degradação registada com a precedente Administração.

Por outras palavras, dado o carácter global da crise, só a recuperação da economia americana pode
constituir o motor da passagem a uma velocidade de cruzeiro que todos desejamos, condição que
não sendo suficiente é, sem dúvida, necessária pois uma recuperação da economia mundial num
futuro previsível não pode ser desencadeada nem pela União Europeia, nem pela China, nem pelo
conjunto dos países emergentes que para tal não dispõem, ou não dispõem ainda, da necessária
capacidade e onde não é possível evitar movimentos que se anulem uns aos outros.
54 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Assim, em que medida poderia a entrada em vigor do Tratado de Lisboa constituir


um elemento, pelo menos, dinamizador de uma saída da crise?

Poderíamos responder com outra questão. Por falta de outros estímulos, seremos
obrigados a constatar que se trata de um esforço inútil com vista à obtenção de
quaisquer resultados mesmo que modestos?

Encontramo-nos perante situações de tal complexidade que seria temerário dizer


que tal ou tal dispositivo institucional poderia ser fundamental ou, pelo contrário,
irrelevante para a realização de tal ou tal fim.

Deve, contudo, sempre sublinhar-se que na União Europeia os dispositivos apropriados


para o combate à crise existem, mas são, sobretudo, os que já tinham sido criados
antes de se falar em Constituição ou em Tratado de Lisboa, nomeadamente os que
resultam do Tratado da União Europeia na parte relativa à moeda única.

Com efeito, nem o projecto de Constituição nem o Tratado de Lisboa acrescentaram


nada de fundamental ao que já existia no Direito Comunitário em matéria de união
económica e monetária, e, contrariamente ao que se possa pensar, a UE, mesmo
com os novos Tratados, poderia continuar a ver a sua política monetária reduzida a
uma simples política anti-inflacionista (e a inflação não é de momento aquilo que mais
nos preocupa) e a possibilidade de estabelecer, de maneira concertada, medidas de
combate à crise continuaria a ser relativamente problemática.

De qualquer modo, com as suas virtudes e as suas insuficiências, o dispositivo


resultante do Tratado de Maastricht é aquele com que podemos contar.
Tratado de Lisboa, 13 de Dezembro de 2008. Assinatura dos
Chefes de Estado e de Governo dos 27 Estados-Membros.
55 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

No entanto, é importante notar que, sem ter previsto a crise financeira e económica de 2008, que aliás
assumiu contornos que ninguém previu, a UE tem estabelecido dispositivos susceptíveis de procurar
fazer face a problemas que pudessem ter efeitos de desaceleração do crescimento económico,
tomando inclusivamente medidas destinadas a diversificar os objectivos da União, nomeadamente:

a liberalização dos serviços;

a criação de uma sociedade do conhecimento e da informação.

No cumprimento destes esforços, assumiu particular relevo a definição da chamada Estratégia de A Estratégia de Lisboa apresentada na
Lisboa que não se traduziu pela aplicação de nenhum texto fundamental, mas muito mais simplesmente viragem para o século XXI
por um conjunto de conclusões da Presidência Portuguesa do Conselho Europeu (primeiro semestre apresentou uma nova estratégia para o
de 2000). desenvolvimento social e económico
da UE, colocando um novo objectivo
Estas conclusões apresentaram métodos com vista à definição de políticas destinadas à prossecução estratégico: fazer da UE o espaço
dos objectivos da União, em particular no que toca ao emprego e à criação de uma sociedade do
económico mais dinâmico e competitivo
conhecimento e da informação.
do Mundo, passando a ser um modelo de
Estes métodos comportariam, entre outros, o estabelecimento de orientações e calendários específicos progresso económico, social e ambiental.
para a consecução dos objectivos fixados, e de indicadores quantitativos e qualitativos adequados às
necessidades dos diferentes Estados-Membros.
+info

Estratégia de Lisboa:
http://www.estrategiadelisboa.pt/
56 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Talvez por se encontrar estabelecida em termos considerados por alguns como excessivamente Em 2005, a Estratégia de Lisboa foi
vagos, a Estratégia de Lisboa não tem sido recordada com o interesse que deveria merecer, mas relançada pela Comissão Europeia,
deve sublinhar-se que já em 2000: focando a atenção em duas metas
concretas:
traduzia uma preocupação de fazer face a problemas que pudessem surgir relativamente a
objectivos de crescimento sustentado; - garantir o crescimento económico;
- criar mais e melhores empregos.
definia novos objectivos em matéria de emprego;
Por essa razão, a Estratégia de Lisboa
procurava incentivar a liberalização do comércio de serviços, cada vez mais importante em passou também a ser designada:
relação ao comércio de mercadorias; Estratégia para o Crescimento
e o Emprego.
procurava consolidar o caminho no sentido da criação de uma sociedade do conhecimento onde
o papel da União deveria ser preponderante a nível mundial.

Com o desencadear da actual crise, verificou-se a necessidade de, em termos concretos e quantitativos,
se intensificar a cooperação entre todos os países que participam na economia mundial.
57 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Neste quadro, a reunião dos países economicamente mais importantes no mundo3 realizada em O G-20 é um grupo criado em 1999, 3
Londres, em 2 de Abril de 2009, constituía um desafio mas também, à partida, uma fonte de receio constituído pelas 19 maiores economias
na medida em que poderia conduzir a graves resultados caso os diferentes países participantes do mundo (África do Sul, Alemanha,
se manifestassem intransigentes na defesa exclusiva dos seus interesses nacionais esquecendo a Arábia Saudita, Argentina, Austrália,
necessidade de estabelecer compromissos de natureza global que da maneira mais justa cobrissem Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul,
os interesses de todos. Estados Unidos, França, Índia,
Os Estados Unidos estavam sobretudo preocupados em assegurar a expansão da procura enquanto Indonésia, Itália, Japão, México, Reino
a União Europeia colocava a ênfase na necessidade de reformar as medidas de regulação dos Unido, Rússia e Turquia) e pela UE.
mercados financeiros. Representa:
- 85% do PNB mundial
O simples facto de todos os participantes terem procurado agir na busca de soluções comuns, mesmo
que a satisfação do interesse global não tivesse permitido ir tão longe quanto alguns desejavam, foi - 80% do comércio mundial
considerado como uma importante viragem no quadro das relações internacionais. - Dois terços da população mundial.
+info

G20: http://www.g20.org
58 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

O comunicado desta cimeira sublinha a necessidade de restaurar o crédito, o crescimento, e os


empregos na economia. Neste sentido, foi decidido:

aumentar os recursos do Fundo Monetário Internacional (FMI) de 250 para 750 mil milhões de
dólares;

emitir 250 mil milhões de direitos de saque especiais, utilizáveis pelos países membros do FMI.

Todas as entidades que possam representar um risco para o sistema deverão ser supervisionadas.

Encontramos aqui o desejo de dar conjuntamente satisfação às preocupações dos Estados Unidos e
da União Europeia que, sendo naturalmente diferentes, não são necessariamente contraditórias.

A preocupação de evitar novas barreiras ao comércio e ao investimento ficou claramente afirmado,


tal como a decisão de finalizar o ciclo de Doha. Encontramo-nos aqui numa situação oposta à que
caracterizou a desastrosa década de 30 do século passado.

É certo que não obstante a reafirmação dos objectivos do Milénio no sentido de melhorar a ajuda aos
países em desenvolvimento, esses objectivos se encontram ainda longe de ser atingidos.

Todavia, através dos direitos de saque especiais e da venda de ouro por parte do FMI, vai ser possível
incrementar a ajuda do Fundo aos países em desenvolvimento, o que constitui outro avanço para a
resolução da crise.
+info

FMI: http://www.imf.org/external/index.htm
59 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

4 | O FUTURO QUE DESEJAMOS


Muito tem sido realizado na União para assegurar aos povos Europeus um futuro de paz, prosperidade,
liberdade e democracia, num contexto de abertura ao exterior, havendo sempre uma tentação de
estabelecer uma lista exaustiva de tudo quanto foi feito e conseguido.

Com os riscos que tal lista implica poderíamos interrogar-nos:

De tudo quanto foi realizado4, qual o domínio em que, se falharmos ou voltarmos atrás, os nossos - Criação de um mercado único. 4
netos nos condenariam irremediavelmente?
- Implementação de uma política de
No plano interno, a resposta só pode ser uma: a Moeda Única. coesão interna.
- Estabelecimento de uma moeda única.
Deve aliás sublinhar-se que, na actual situação de crise, a existência do euro e do Banco Central - Consagração de uma cooperação
Europeu evita um agravamento dos problemas associados a uma maior rarefacção do crédito. política progressivamente mais estreita.
Por outro lado, não podemos esquecer que a moeda única é ainda um exercício incompleto pois, - Promoção de relações com o mundo
para além de não compreender a libra, a derrogação de que “beneficiam” quase todos os novos exterior.
Estados-Membros, por não terem à partida possibilidade de satisfazer os critérios de convergência
de Maastricht, constitui uma séria deficiência e uma das fontes de preocupação que tinham levado
os Chefes de Estado e de Governo reunidos em Laeken a lançar as bases para a elaboração de um
projecto de Constituição.

É verdade que com a integração no sistema do euro se perde o recurso à desvalorização. Este último Este argumento conduz à defesa de 5
tem sido apontado como responsável pela perda da possibilidade, para países menos desenvolvidos um princípio de competitividade pelo
e mais frágeis em termos de relações internacionais, de restabelecer automaticamente o equilíbrio empobrecimento que pode ser invocado
das suas transacções externas, colocando-os em situações de dívida externa que poderão tornar-se transitoriamente em condições externas
incomportáveis (o que até é verdade).5 normais e em situações onde se
pretende desencadear um processo de
Mas seria mais justo e sobretudo mais operacional ver a questão sob um ângulo oposto e sublinhar
crescimento económico com base na
que são os países que não pertencem ao euro que perdem o recurso a algo de mais importante.
procura externa.
60 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Com efeito, a pertença ao euro traduz-se numa protecção quase automática resultante da possibilidade
de utilizar um maior recurso ao endividamento externo através do crédito interbancário. E é isso que
falta neste momento e que muitos governos têm procurado remediar.

Para além de certos limites, essa possibilidade encontrar-se-á evidentemente reduzida e acaba
por poder constituir um risco, mas deve reconhecer-se que as consequências da desvalorização,
sobretudo, se utilizadas repetidamente, constituem uma forma grave de empobrecimento, sendo em
geral mais graves que as de um endividamento externo. Isto, sobretudo, se este for aproveitado no
sentido de favorecer o investimento, que não implica aliás necessariamente uma transferência de
responsabilidades das gerações actuais para gerações futuras, tudo dependendo do crescimento
económico que pode promover.

Sublinha-se a este respeito um aspecto extremamente grave que afecta os novos Estados-Membros.
Com excepção da Eslovénia e da Eslováquia que já aderiram à moeda única, o facto de outros Estados-
-Membros ainda não beneficiarem da protecção do euro, coloca-os numa situação particularmente
difícil, mesmo ao ter em conta que apresentam taxas de crescimento real consideravelmente superiores
às dos Estados-Membros mais antigos da União.

Temos aqui mais um problema que alguns consideram ainda como conjuntural mas que, pela sua
gravidade, pelo número de países afectados e pela sua previsível duração pode apresentar efeitos
negativos sobre o futuro da Europa.
61 Índice O Tratado de Lisboa e o Futuro da Europa Pedro Álvares

Em resumo:

Ao longo de pouco mais de meio século de existência, a Europa que conhecemos parece não ter
esquecido os erros trágicos que se cometeram após o termo do conflito 1914-18:

Afrontou dificuldades;

Assistiu ao malogro de muitos projectos;

Conseguiu sempre encontrar para todos os seus problemas a melhor solução.

O refúgio no nacionalismo e no proteccionismo, que tinham precipitado a tragédia de 1939, nunca


teve lugar.

Saibamos não esquecer as lições deste passado recente e ter bem presente tudo quanto perderíamos
se, por razões obscuras, tentássemos um regresso ao clima de um período de “entre duas guerras”
que pensávamos pertencesse já ao passado.
Pedro Álvares
Especialista em matérias europeias, é licenciado em Economia pelo ISCEF, actual Instituto Superior de Economia
e Gestão (ISEG), e especializou-se em Altos Estudos Europeus no Colégio da Europa (Bruges).
Notas sobre o autor

Ao longo de 10 anos, foi responsável no Secretariado da Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) pelos
assuntos relativos à economia portuguesa.

Participou, desde 1974, na então Missão de Portugal junto das Comunidades Europeias, nas negociações que
haveriam de conduzir à assinatura do Acordo de Comércio Livre Portugal/CEE e nas negociações de adesão
desde o seu início, sendo responsável, a nível da Missão, pelos dossiers relativos ao Sector Industrial.

Assumiu, durante uma década, a função de Conselheiro Técnico Principal na Representação de Portugal junto da
União Europeia, tendo sido responsável directo pela Ronda do Uruguay, e pelas relações bilaterais com a China,
Macau e a Mongólia.

Durante os primeiros semestres de 1992 e 2000, presidiu a numerosas reuniões no âmbito do Comité 113 (Bruxelas
e Genebra), nomeadamente no contexto do Sector de Serviços.

Participou em missões oficiais na Europa, na América do Norte e do Sul, na Ásia Central e no Extremo Oriente.

Em Portugal foi Assessor Principal no Ministério da Economia e professor universitário, regendo as cadeiras
de Integração Económica na Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) e de Políticas da União Europeia na
Universidade Moderna.

É autor dos livros Portugal na CEE, A Europa e o Mundo, Maastricht e a Europa e o Futuro, O GATT de Punta
del Este a Marraquexe (Publicações Europa-América), L’élargissement de l’Union Européenne et l’expérience
des Négociations d’Adhésion du Portugal, Uma Sebenta Europeia - Roteiro da Europa do Futuro, Compreender o
Tratado de Lisboa (INA), e co-autor da obra Portugal e o Mercado Comum (Moraes Editores e Editorial Pórtico).
Ficha Técnica

Copyright © Comissão Europeia


Quaisquer resultados ou direitos sobre os mesmos, incluindo direitos de autor ou outros direitos de propriedade industrial
ou intelectual, obtidos no âmbito da execução do Contrato, serão da exclusiva propriedade da Comissão Europeia que os
pode utilizar, publicar, atribuir ou transferir conforme entender, sem limites geográficos ou outros, excepto nos casos em que
existam direitos de propriedade industrial ou intelectual anteriores ao Contrato.

Título: O Tratado de Lisboa e o futuro da Europa

Autor: Pedro Álvares

Fotografias: © European Community, 2009 | © Ricardo Oliveira, GPM (Capa)


Direcção editorial: Christelle Rodrigues
Design e Adaptação gráfica: Anja Wartig

Revisão linguística: Helena Romão


*

Executado/produzido/organizado por:

* O CIEJD enquanto Organismo Intermediário no quadro de Parceria de Gestão estabelecida entre o Governo Português e a Comissão Europeia, através da sua Representação em Portugal.

Você também pode gostar