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Ano Letivo 2021/2022

Teoria Geral do
Direito Civil II
3.º Turma

Mariana Martins Ferreira


Rute Fernandes da Silva

Resumo realizado com base em:


• Apontamentos de aulas teóricas do Doutor André Pereira;
• Apontamentos de aulas práticas do Doutor André Pereira;
• Bibliografia da cadeira:
▪ Teoria Geral do Direito Civil, Carlos Alberto da Mota Pinto,
4.º Edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto.
Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

PÁGINA 331 DO MANUAL

OBJETO DA RELAÇÃO JURÍDICA


▪ A relação jurídica é composta por vários elementos, sendo um destes
elementos o objeto.
Objeto de relações jurídicas é um conceito intelectual, jurídico, filosófico,
que é o que está entre os sujeitos – aquilo sobre o qual incide a relação
jurídica – o quid – a coisa.
▪ É, pois, todo o quid, todo o ente, todo o bem sobre que podem recair
direitos subjetivos.
▪ É o objeto do direito subjetivo que constitui lado ativo da mesma
relação. É o quid sobre que incidem os poderes do titular ativo do
direito subjetivo.

A relação jurídica incide sobre coisas:


▪ Por exemplo, direitos reais, que têm como objeto coisas corpóreas,
móveis ou imóveis);

▪ Ou direito das sucessões, que em grande medida incide sobre coisas


que se herda – para além de créditos e dívidas.

▪ No direito da família também há coisas (vemos na administração dos


bens do casal); deveres entre os membros da família – são objeto da
relação jurídica – deveres familiares – lealdade, fidelidade, etc. – não são
coisas propriamente ditas, mas são objetos de relações jurídicas. Por
vezes as pessoas são objeto das relações jurídicas – p.e., objeto das
responsabilidades parentais – não significa uma instrumentalização da
natureza humana.

▪ No direito das obrigações o objeto são prestações.


▪ Neste direito, por vezes também a prestação é apenas uma forma
de chegar à coisa – p.e. um arrendamento de uma casa: há um
direito, uma prestação do senhorio que tem de dar a casa, mas o
que se quer é chegar à coisa (ter a casa para usar). Neste tipo de
obrigações/prestações têm interesse a distinção entre objeto
imediato (a prestação de entrega da chave da casa – cedência do
gozo da coisa) e o objeto mediato (a casa – a coisa).
▪ A compra e venda – um contrato obrigacional e real,
simultaneamente (tem componente de direito das obrigações –
pagar o preço e entregar a coisa; e reais – transferir a
propriedade da coisa). Por exemplo, comprar uma garrafa de
água. Há um objeto imediato (o dever de entregar a coisa; uma

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prestação; o dever jurídico de entregar a coisa) e um mediato (a


coisa – no caso, a garrafa de água).
▪ Estamos a ver aqui a distinção entre objeto mediato e objeto
imediato.
▪ Mediato – aquilo que só de forma indireta, i.e., através de
um elemento mediador, está submetido àqueles poderes
(p.e. garrafa de água, casa) – é aquele em que os poderes
do titular do direito apenas incidem de forma indireta ou
mediata.
▪ Imediato – aquilo que está diretamente submetido aos
poderes ideais que integram um direito subjetivo (p.e.
entregar a coisa) – os poderes do titular do direito vão
incidir de forma direta sobre o objeto da relação jurídica.
▪ Em contratos meramente pessoais, de prestação de serviços, p.e.
pagar alguém para fazer um recital de piano. Intelectualmente
podemos distinguir um mediato e um imediato, mas isso é algo
muito teórico – não há distinção de objeto mediato e objeto
imediato – não há distinção entre o comportamento devedor e o
quid.

POSSÍVEIS OBJETOS DE RELAÇÕES JURÍDICAS


Art. 202.º CC
▪ Este artigo tem o subtítulo I sobre as pessoas (relações jurídicas) e o
subtítulo II sobre as coisas – ou seja, dá a entender que o objeto das
relações jurídicas são as coisas, apesar de as relações jurídicas serem
muito mais que isso, p.e., também temos pessoas.
▪ Este artigo é imperfeito e incompleto.
▪ O objeto da relação jurídica é muito mais do que as coisas.
▪ As coisas são um dos objetos das relações jurídicas – a alínea 1 não está
tão correta – está mal escrita.
▪ Art. 202.º/2 – muito útil:
▪ Esta alínea permite distinguir o que são as coisas para o direito
civil (privado) e para o direito público – o que está no domínio
público não pode ser apropriado pelo civil.
▪ Por exemplo, se tirar um azulejo da faculdade e ficar com
ele durante 20 anos, não o adquiro por usucapião, uma vez
que é de domínio público.
▪ “Insuscetíveis de apropriação individual” – p.e., a lua – não seria
válido à luz do direito português; um grão de areia não tem valor
económico.

QUID QUE PODEM SER OBJETO DE RELAÇÕES JURÍDICAS:


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1. Pessoas
▪ Existem diversos direitos que temos sobre outras pessoas – existem
poderes/direitos funcionais que, por sua vez têm como objeto as
pessoas de outrem.
▪ P.e., nas responsabilidades parentais (art. 1878.º, 1881.º, 1886.º CC); no
regime da tutela (art. 1935.º CC) – não são direitos subjetivos em sentido
técnico, são poderes-deveres – o objeto da relação é a criança;
▪ São direitos que conferem poderes destinados a habilitarem os pais ou
o tutor ao cumprimento dos seus deveres para com a criança, podendo
os titulares ser sancionados se não os exercerem. Como tal, não há aqui
qualquer ofensa à dignidade humana.
▪ Isto obviamente não permite, p.e., a escravatura – é um crime. Estar-se-
ia a falar de admitir uma relação jurídica patrimonial sobre pessoas
físicas, o que hoje não é permitido. Deste modo, aqui a pessoa não é
objeto de relação jurídica, porque o direito não existe aqui para
sustentar.

2. Prestações
▪ Correspondem a direitos de crédito, ao mundo do direito das
obrigações;
▪ O objeto é uma conduta ou ato humano – a prestação.
▪ Nestes direitos o objeto não é rigorosamente uma coisa (res), mas um
comportamento do devedor – obrigação de prestar um facto positivo,
facto negativo, abstenção, etc.
▪ As prestações de serviços (contrato de prestação de serviços – art.
1154.º CC) são relações jurídicas em que o objeto não são as pessoas,
mas sim as prestações em si. O objeto da relação é a prestação (trabalho
manual ou intelectual).
▪ O quid que recai a relação jurídica são as prestações, os serviços.

3. Coisas corpóreas ou materiais


▪ São objeto de direitos subjetivos, são um quid.
▪ Ocorre tipicamente nos direitos reais.
▪ Sem dúvida que realidades físicas, carecidas de personalidade jurídica
(coisas materiais) podem ser objeto de direitos subjetivos – ocorre
frequentemente.
▪ Contudo, é necessário que revistam certas características:
▪ Existência autónoma e separada;
▪ Idoneidade para satisfazer interesses humanos (ser úteis);
▪ Possibilidade de sujeição jurídica ao poder exclusivo de alguém,
i.e., ser apropriável.

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Artigo 203.º CC
▪ Coisas móveis e coisas imóveis – é uma distinção fundamental por
diversos motivos:
▪ P.e. o registo predial só existe para coisas imóveis, porque
tradicionalmente os imóveis tinham mais valor
▪ Sabemos que, ainda hoje, o imobiliário é algo que muitos
aspiram – vale, de facto, dinheiro, é sólido; mas este não
há de ser o melhor critério. Na economia moderna,
atualmente, mais valioso que as coisas corpóreas são –
patentes, modelos de desenho, marcas (coisas
incorpóreas). A grande riqueza está nesses exemplos –
bens que não são imóveis.
▪ Para além disso, na forma de fazer contratos, para coisas imóveis
exige-se muito a forma – escritura pública, pagar impostos
prediais. Para os bens moveis é muito mais fácil – transmitem-se
por boca – p.e. o quadro valioso de Da Vinci de 450 milhões –
aqui não se paga notário, não se paga impostos prediais (e não
pagam assim também grandes impostos no geral).
▪ Mas apesar de tudo, o imóvel é uma grande referência da
vida em sociedade – é necessário e importante na mesma,
a definição dos imoveis.
▪ Contudo, é espantoso como é que para vender um pinhal
que não custa tanto dinheiro se tem de gastar 500 euros
em notário e etc.; mas nas transações da bolsa o dinheiro
se movimenta sem isso, os computadores fazem isso
sozinhos.
▪ Há figuras intermédias, p.e., carros, aeronaves e embarcações –
são bens móveis, mas estão sujeitas a registo, por razões civis e
de segurança, p.e., saber quem pratica crimes. Temos a sua
referência no artigo 291.º CC.

▪ Coisas consumíveis e não consumíveis:


▪ Consumíveis – o uso leva ao seu desgaste.
▪ Inconsumíveis – o seu uso não leva ao desgate.

▪ Coisas divisíveis ou indivisíveis

▪ Coisas principais ou coisas acessórias:


▪ Quando se vende uma casa, vende-se a casa propriamente dita,
i.e., a parte principal (cimento, tijolos) e as partes integrantes (a
parte que tem alguma autonomia face à coisa principal, mas que
está agarrada à coisa – p.e., uma escultura agarrada à casa; ar
condicionado agarrado à casa – estes também são vendidos).

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▪ As partes acessórias serão, p.e., a mobília – isto é, se se vende a


casa, à partida, a mobília não está incluída, pois é acessória -
artigo 210.º CC.

▪ Coisas presentes ou coisas futuras:


▪ As coisas podem ser absolutamente futuras.
▪ Estas são as que não existem ainda na realidade.
▪ P.e., um carpinteiro vai fazer uma secretária, mas só tem as
peças ainda – isto pode-se vender, apesar de a secretária
propriamente dita não existir.
▪ Tratar-se-á aqui de um contrato de compra e venda de
coisa futura – é um contrato válido, mas ainda não há
direitos reais, porque não há coisa, a coisa não existe; mas
existe direitos de crédito – há o direito de exigir que se faça
a secretária. Após isto, a secretária passa a ser dela – ver
depois disto o art. 796.º CC).
▪ As coisas podem ser também relativamente futuras.
▪ Trata-se de coisas que já existem, mas que não estão na
minha esfera jurídica.
▪ P.e., uma senhora tem uma secretária e eu ainda não
comprei (?)

▪ O Livro III do CC – direito das coisas, reais – incide sobre coisas


corpóreas – é uma opção do direito português – este livro só se aplica a
coisas corpóreas.
▪ As coisas corpóreas (art. 1302.ºCC) são reguladas pelo CC.
▪ As coisas incorpóreas (art. 1303.º CC) refere-se propriedade intelectual
– estas coisas estão reguladas o Código da Propriedade Intelectual.

Coisas corpóreas e coisas não corpóreas:


▪ Esta distinção é importante e não consta do elenco classificativo do CC.
▪ As coisas corpóreas têm existência exterior e podem ser apercebidas
pelos sentidos.
▪ Ao contrário as coisas incorpóreas que são meras criações do espírito,
i.e., é a atividade espiritual do homem exercida no sentido da criação
de obras, produtos do engenho, da inteligência humanas. P.e. direitos
de autor; propriedade industrial (direitos sobre patente, desenhos,
modelos de produtos).
▪ As coisas incorpóreas integram-se no conceito de coisas, embora
tenham um regime especial relativamente ao geral das coisas e não
estejam previstas nas várias classificações das coisas enumeradas no art.
203.º.

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4. Direitos subjetivos
▪ Direitos subjetivos podem também constituir objeto.
▪ Por exemplo, a hipoteca de um direito de superfície.
▪ Há um terreno. A pessoa A tem a propriedade do terreno e esta
constituiu a favor de B um direito de superfície (poder de plantar,
construir, etc. em terreno alheio).
▪ B constrói lá um pavilhão. Para isso a pessoa precisa de dinheiro,
e tem de ir ao banco.
▪ O banco pede-lhe uma hipoteca (mas B não tem nenhum
terreno).
▪ B tem, no entanto, um direito de superfície – então o banco
constitui um direito de hipoteca sobre o direito de superfície.
▪ É um direito sobre um direito – a hipoteca incide sobre o direito
de superfície.
▪ Outro exemplo é, p.e., um penhor de crédito.

5. A própria pessoa
▪ Facetas da nossa personalidade – direitos de personalidade – honra,
imagem, integridade física, etc.

6. Animais
▪ O animal é um sujeito ou uma coisa?
▪ Não são sujeitos de direitos – já estudámos isso (contudo, na bioética,
os animalistas acham que sim. Temos o exemplo do partido português
PAN).
▪ Se não é sujeito seria coisa, mas não é bem assim.
▪ No art. 201.º/b) CC – os animais são seres vivos dotados de
sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza.
▪ Em 2017 surgiu um novo objeto de relações jurídicas – para além dos
que constam no livro, há também os animais.
▪ Por este motivo é necessário e importante definir “animais” e distingui-
los de outros seres vivos (plantas não são animais).
▪ Protege-se aqui entes através da concessão de direitos subjetivos, mas
também há uma proteção objetiva (p.e. a lei que proíbe os canis de
matar cães e gatos).
▪ Comparar art. 1302.º com 1305.º-A.
▪ No que toca ao direito à propriedade, no caso dos animais, há
mais deveres – dever de cuidar do animal.
▪ Ou seja, se num dever de propriedade normal há a possibilidade
de não uso do bem de que se é proprietário, no caso dos animais
há uma muito maior preocupação de cuidar e respeitar.

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PÁGINA 341 DO MANUAL

COISAS
Artigo 202.º CC
▪ Este artigo define que “diz se coisa tudo aquilo que pode ser objeto de
relações jurídicas”.
▪ Contudo, como já vimos, não podemos considerar rigorosa tal
definição.
Características necessárias:
▪ Tem de ter uma existência autónoma ou separada (p.e. uma casa é uma
coisa, não se podendo dizer o mesmo sobre cada uma das pedras que
a constitui).
▪ Uma coisa tem que se poder apropriar por alguém (não pode, p.e., ser
uma estrela, um planeta).
▪ Uma coisa tem de satisfazer interesses ou necessidades humanas.
Características desnecessárias:
▪ Não é preciso que a coisa seja inteiramente corpórea (p.e., eletricidade,
wi-fi, tv cabo, etc.) são coisas não corpóreas – não se agarram com as
mãos, mas dá perfeitamente para medir.
▪ Não tem de ter um valor económico de mercado, não tem de ter um
valor de troca (p.e. uma foto da avó, que tem um valor meramente
pessoal).
▪ A coisa não tem de estar efetivamente apropriada a alguém (p.e., uma
coisa sem dono, podem ser adquiridas por ocupação – coisas
abandonadas, animais bravios e peixes não apropriados, etc.).

PATRIMÓNIO
▪ Cada pessoa tem um só património – é a regra (apesar das exceções).
Património – é o conjunto das relações jurídicas avaliáveis em dinheiro,
pecuniárias, de que uma pessoa é titular – abrange os direitos reais (coisas) e
os direitos de crédito (obrigações).
֎ Património global – conjunto de relações jurídicas ativas e passivas,
avaliáveis em dinheiro.
▪ O que não faz parte do património são p.e. as qualidades do sujeito (ser
mais trabalhador, famoso).
▪ Mas há que distinguir o mundo do direito técnico da prática económica.
▪ Para um banco, um investidor, um cliente, eles não olham apenas para
o património, conta também a existência de um projeto de negócio,
lealdade, boa-fé da pessoa – mas isto já não é jurídico.
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֎ Património bruto ou ilíquido: abrange apenas os direitos ativos, avaliáveis


em dinheiro pertencente a uma pessoa, abstraindo as obrigações.
▪ Para o direito civil o que interessa é o património bruto.
▪ P.e. artigo 601.º e ss., para satisfazer uma dívida respondem todos os
bens do devedor (património bruto).
▪ Se fosse património líquido, o legislador diria que pelas dívidas
respondia todo o excedente patrimonial.
▪ Ver ainda 817.º CC (todo o património).

֎ Património líquido: é o que resulta de um saldo patrimonial: há ativos e há


passivos – p.e., alguém tem uma casa, mas tem uma dívida ao banco por isso.
Ou seja, faz-se uma conta de subtração – excedente patrimonial (descontamos
ao ativo, o passivo) – o que “sobra” depois de pagar dívidas.
Exemplo:
▪ Se pensarmos num casal. A senhora quer um negócio por conta própria
(precisa de algum investimento) – um restaurante – precisam de espaço
2 mil euros por mês, pagam empregados, etc. Esta fica com várias
dívidas. O seu património pode ficar negativo por causa disso. Mas ao
longo do tempo pode vir a rentabilizar isso e o património ficar positivo,
tendo em conta o que ganha.
▪ Por este motivo, não basta olhar para o património líquido – pode estar
cheio de dívidas, mas enquanto houver crédito não será sempre assim.
Daí ser importante o bruto.

→ Não confundir património com esfera jurídica (esta abrange também bens
familiares, etc.)
▪ A esfera jurídica é a totalidade das relações jurídicas de que uma pessoa
é sujeito.
▪ Abrange, assim, o património e os direitos e obrigações não avaliáveis
em dinheiro (pessoais hoc sensu), encabeçados na pessoa.
▪ O que é maior? O património ou esfera jurídica?
▪ A esfera jurídica é maior porque tem também as relações
jurídicas sem valor pecuniário (p.e. as relações de família; a
dimensão moral dos direitos de personalidade – honra,
integridade, imagem, etc.).

O património é um conjunto de relações jurídicas, não é uma universalidade


nem um objeto jurídico único.
▪ Seria uma universalidade se o direito tratasse o conjunto de relações
que integram o património como formando uma unidade distinta dos

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seus elementos e suscetível de um tratamento jurídico diferenciado do


tratamento que reclamam os vários elementos componentes dela. Mas
não é assim.
▪ Este é, portanto, um conjunto atomístico de relações jurídicas e não uma
unidade.
▪ Não há um direito único a unitário sobre o património bruto ou global.

› Uma pessoa tem personalidade jurídica, tem uma esfera jurídica e tem um
património.

֎ Património autónomo:

Cada um de nós tem um património, maior ou menor.


Contudo, em certos casos podemos concluir existir na titularidade do mesmo
sujeito, além do seu património geral, um conjunto de relações patrimoniais
submetido a um tratamento jurídico particular, tal como se fosse de pessoa
diversa - estamos perante um património autónomo ou separado.

Então, muito excecionalmente existem patrimónios separados:


▪ O caso mais nítido e claro do património autónomo no direito privado
português era até 1986 a herança.
▪ Haverá então património separado quando a lei diz que certos bens
respondem por certas dívidas, p.e., bens recebidos por herança
durante um certo tempo ficam adstritos ao pagamento das dívidas
adquiridas por herança – artigo 2071.º CC.
▪ Pelas dívidas da herança só respondem os bens da herança. As
dívidas não passam num sentido de escravatura perpétua – não
se pagam as dívidas de geração em geração. Os credores só
podem cobrar os bens da herança, não podem atacar outros
bens.
▪ As dívidas não passam necessariamente e assim tão linearmente
de pais para filhos. Nem os pais se podem pôr a fazer as dívidas
que quiserem à vontade para os filhos pagarem. Há muitos que
renunciam às heranças para evitar complicações.
▪ No art. 2071.º/1 vemos o caso quando a herança é aceite a benefício de
inventário: ao fazer o inventário sabe-se de todas as coisas que herda,
bem expressas num inventário. Então fica já antecipadamente claro as
quantias que é capaz de pagar a possíveis credores.
▪ Imaginemos que o pai de A morre. Se A aceitar a herança a
benefício de inventário (fazendo o inventário) e lhe aparecerem
depois credores do de cuiús, A terá de pagar o que recebeu do
seu pai.

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▪ Se tiver uma dívida com um credor de 100 mil e o seu pai só lhe
tiver deixado 40 mil, só terá de pagar 40 mil (o que ele deixou).
▪ No art. 2071.º/2 a aceitação pura e simples refere-se a uma aceitação
sem fazer um inventário. Se sem um inventário aparecer um credor a
exigir determinada quantia, o herdeiro terá de provar a insuficiência do
ativo hereditário para solver a dívida.
▪ Se aparecer um credor a exigir a A 100 mil, o ónus da prova fica
em A, que tem de provar que só recebeu 40 mil de seu pai.
▪ Tanto nos casos em que há uma aceitação a benefício de inventário
como nos em que ocorre uma aceitação pura e simplesmente da
herança a responsabilidade pelos encargos não excede o valor dos
bens herdados.

▪ Outro exemplo de património separado autónomo é o estabelecimento


individual da responsabilidade limitada.
▪ Este pode ser constituído por qualquer pessoa singular que pretende
exercer uma atividade comercial, afetando para o efeito ao
estabelecimento uma parte do seu património, cujo valor representa o
capital inicial do estabelecimento.
▪ Pelas dívidas resultantes de atividades no âmbito do objeto do EIRL só
respondem os bens a este afetados.
▪ Por outro lado, o património do EIRL responde, em princípio, apenas
pelas dívidas contraídas no desenvolvimento das atividades
compreendidas no âmbito desse estabelecimento.

֎ Património coletivo

▪ Assim como uma pessoa tem um património, também, por regra, um


património pertence a uma só pessoa.
▪ Mas existe uma exceção à regra:
Casamento de comunhão geral de bens:
▪ Num casamento em comunhão geral de bens, teremos um só
património, com mais que um titular – um património titulado por mais
que um sujeito.
▪ Contrariamente, se casarem em regime de separação de bens,
cada cônjuge responde apenas pelos seus próprios bens.
▪ O património é tratado globalmente como unitário, embora tenha mais
do que um titular.
▪ Numa união de facto, por exemplo, contrariamente, cada um tem
o seu património. Nos bens de casa, faltando provas (p.e.
recibos), as coisas dividem-se pelos dois, considera-se que são
dos dois.
▪ O património coletivo são os bens do casal, nas relações ativas e
relações passivas.
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▪ Contam apenas os bens adquiridos após o casamento, p.e.,


salário – o salário de ambos é dividido pelos dois sempre – uma
vez que são duas pessoas com um património único – não
importa se uma pessoa recebeu mais dinheiro que outra.
▪ Nesta exceção há, então, duas pessoas que tem um conjunto de
relações jurídicas ativas e passivas sobre outras pessoas e outros
bens – direitos reais e de créditos que existem num casamento.
▪ O património coletivo é dividido por igual, não há quotas.

▪ O património não é um objeto de relações jurídicas – não posso vender


o meu património. Tenho de vender coisa a coisa, um a um. Não o posso
vender como um todo.

PÁGINA 355 DO MANUAL

TEORIA GERAL DO FACTO JURÍDICO

Facto jurídico é todo o ato humano ou acontecimento natural juridicamente


relevante.
▪ Esta relevância jurídica traduz-se na produção de efeitos jurídicos.
▪ Há factos sociais ou naturais que são indiferentes para o direito, i.e.,
desprovidos de qualquer eficácia jurídica – são factos materiais,
ajurídicos, neutrais do ponto de vista do ordenamento jurídico.
▪ Nem todos os factos reais ou sociais são, portanto, factos jurídicos.
▪ Contudo, não podemos ser absolutistas – há muitos factos que são
neutrais do ponto de vista do direito, da eficácia jurídica, mas que
podem vir a ter relevância jurídica – o caso concreto é crucial para
analisar isto.

Os factos jurídicos podem ser:

A. Factos voluntários ou atos jurídicos:


▪ Resultam da vontade como elemento juridicamente relevante; são
manifestação ou atuação de uma vontade; são ações humanas tratadas
pelo direito enquanto manifestações de vontade.
Lícitos:
▪ Conformes a ordem jurídica e por ela consentidos;

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Ilícitos:
▪ Contrários à ordem jurídica e por ela reprovados, importam uma sanção
para o seu autor – desencadeiam responsabilidade;
Negócios jurídicos:
▪ São factos voluntários, cujo núcleo essencial é integrado por uma ou
mais declarações de vontade a que o ordenamento jurídico atribui
efeitos jurídicos concordantes com o conteúdo da vontade das partes,
tal como este é objetivamente (de fora) apercebido.
▪ Ou seja, os efeitos produzem-se pela vontade das pessoas – produzem-
se ex volunte e não apenas ex lege.
▪ P.e., contratos de arrendamento, testamentos, etc.
Simples atos jurídicos:
▪ São factos voluntários cujos efeitos se produzem, mesmo que não
tenham sido previstos ou queridos pelos seus autores.
▪ Não é necessária uma vontade para a produção de efeitos jurídicos.
▪ Os efeitos produzem-se por efeito da lei – a vontade até pode estar na
base do ato, mas os efeitos produzem-se de acordo com o que é fixado
pela lei.
▪ P.e., a gestão de negócios é uma figura que vamos estudar em
obrigações. Imaginemos que o nosso vizinho saiu do país e
deixou a janela aberta. Está a chover torrencialmente e isso pode
estragar a sua casa. Na gestão de negócios, eu, bombeira, posso
abrir a porta e ir fechar as janelas. Mas imaginemos que eu ia lá e
acontecia algo, eu ia ter consequências – se partisse a parede
teria de pagar uma indemnização. Ou seja, isto aplica-se
independentemente de a pessoa querer ou não querer.

▪ Dentro dos simples atos jurídicos pode distinguir-se:


▪ Quase negócios jurídicos ou atos jurídicos quase negociais:
são uma manifestação exterior de uma vontade; pura
manifestação de vontade;
▪ Atos reais/materiais ou operações jurídicas: há a efetiva
realização de um ato material ou factual a que a lei liga
determinados efeitos jurídicos.
▪ A estes aplicamos o regime dos negócios jurídicos – art. 295.º CC.

B. Factos involuntários naturais:


▪ São estranhos a qualquer processo volitivo – ou porque resultam de
causas de ordem natural ou porque a sua eventual voluntariedade não
tem relevância.

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AQUISIÇÃO, MODIFICAÇÃO E EXTINÇÃO DAS RELAÇÕES


JURÍDICAS

▪ Como vimos, os factos jurídicos desencadeiam determinados efeitos –


esses efeitos consistem fundamentalmente numa aquisição, numa
modificação ou numa extinção das relações jurídicas.

AQUISIÇÃO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS


▪ Um direito é adquirido por uma pessoa quando esta se torna titular
dele.
▪ Aquisição de direitos é, pois, a ligação – a criação de um laço de
pertinência – de um direito a uma pessoa.
Temos dois tipos de aquisição de relações jurídicas: originária e derivada:

1. Aquisição originária:
▪ O meu direito, a minha relação jurídica não depende nem da sua
existência nem na sua abrangência e alcance do direito anterior;
▪ Nesta aquisição originária o direito nasce ex novo, não depende de um
direito anterior, que poderá até não existir.
▪ Quando o direito anterior exista, o direito não foi adquirido por causa
deste direito, mas apesar dele.
Exemplos de aquisição originária:
▪ Ocupação: P.e. um caçador vai à caça, apanha um coelho – praticou um
ato real: com esse ato, adquiriu direitos – direito de propriedade sobre
o animal – isto é uma ocupação de animal bravio – art. 1318.º CC.
▪ Acessão: acessão imobiliária e mobiliária – art. 1343.º CC.
▪ Usucapião – adquiri através do tempo; adquiri não por causa do
detentor anterior, mas apesar dele.
▪ Criação artística; literária; científica.

2. Aquisição derivada:
▪ O meu direito vai depender de um direito anterior.
Temos 3 tipos:
▪ Aquisição derivada translativa: o direito passa nas suas características e
na sua dimensão exatamente igual de A para B.
▪ P.e., na doação – o direito de propriedade do objeto doado é o
mesmo que o anterior proprietário tinha.
▪ Aquisição derivada constitutiva: vai-se adquirir um direito, mas
constitui-se um direito novo.

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▪ Aquisição derivada restitutiva: tem-se em vista a hipótese de o titular de


um direito se demitir dele.
▪ P.e., extinguir o usufruto.

Importância de distinção entre aquisição derivada e aquisição originária:


▪ Na aquisição originária, a extensão do direito adquirido depende
apenas do facto ou título aquisitivo.
▪ Na aquisição derivada, a extensão do direito adquirente depende do
conteúdo do facto aquisitivo, mas depende ainda da amplitude do
direito transmitente, não podendo, em regra, ser maior que a deste
direito: nemo pluis iuris ad alium transferre potest quam ipse habet.

NEMO PLUS IURIS


› Nunca se pode transmitir mais direitos do que aqueles que se tem.
▪ O nosso CC fez uma opção clara pelo português – no CC não haverá
nenhuma palavra em latim.
▪ Por isto, não vamos encontrar “nemo plus iuris” no código.
Estranhamente, parece-se então não se vai encontrar a regra no CC.
▪ Contudo, conseguimos encontrar a regra no art. 892.º CC - não posso
vender algo que não tenho.
▪ Também no art. 956.º CC sobre doação de coisa alheia encontramos
isso – não posso doar um bem alheio.
▪ E, ainda, no art. 939.º CC, que nos diz que as normas da compra e venda
são aplicáveis aos outros contratos onerosos pelos quais se alienem
bens ou se estabeleçam encargos sobre eles na medida que sejam
conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as
disposições legais respetivas – ou seja, aplica-se a proibição de venda e
doação de coisas alheias.
▪ Todavia, como comprovamos, em nenhum artigo encontraremos
diretamente “nemo plus iuris”.
▪ Esta é a regra na aquisição derivada.

Há, contudo, exceções ao nemo plus iuris:

1. Terceiros para efeitos de registo:


▪ São aqueles que do mesmo autor/transmitente recebem direitos
incompatíveis.
▪ Art. 5.º/4 do Código de Registo Predial
▪ É o que acontece quando existe, p.e., um problema de dupla venda e é
necessário proteger os prejudicados da situação.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Está é uma exceção ligada ao registo predial – introduzida pelo efeito


central do registo.
▪ O Código do registo predial regula o registo predial, aquisição de
imóveis, etc.
▪ Isto aplica-se apenas a coisas imóveis ou coisas móveis sujeitas a registo
(nomeadamente, automóveis, barcos e aviões).

Vejamos:
▪ Na compra e venda, a mera venda transmite direitos reais, i.e., a
propriedade transfere-se no momento em que é celebrado o
contrato – por força do art. 408.º do CC.
▪ I.e., imaginemos que A vende a B uma casa: os direitos reais
transmitem-se pelo contrato.
▪ Quando se vai ao notário e se faz a compra e venda, transmite-se
a propriedade, por força do art. 408.º do CC.
▪ No fim de resolver a questão com o notário está, então, vendida
a propriedade.
▪ Posteriormente é necessário registar o imóvel.
▪ Na prática o notário faz o serviço completo – faz a compra e venda
e trata do registo. Contudo, há alguns anos atrás não era assim e
as pessoas tinham de ir pagar mais para fazer o registo. Se não
quisessem fazer registo e não o fizerem, continuava a ser
proprietário, pelo art. 408.ºCC. Atualmente, as pessoas são
obrigadas a fazer registo.
▪ Ou seja, com a compra e venda, há duas coisas a verificar:
▪ Forma do negócio jurídico:
▪ Através de escritura pública ou documento particular
autenticado – art. 875.º CC.;
▪ Registo perante um conservador de registo:
▪ O registo tem como efeito útil ser condição de eficácia em
relação a terceiros.
▪ Esses terceiros serão aqueles a que iremos chamar
terceiros para efeitos de registo.
Então, e quando não há registo?
▪ Faltando o registo, o contrato continua a ser válido – o registo não é
condição de validade nem de eficácia entre as partes:
▪ O registo é, na verdade, condição de eficácia em relação a
terceiros.
▪ Atualmente, estas questões do registo fazem-se na informática e não em
papel.
▪ Se, hipoteticamente, há um ciberataque: e eu fiz o registo no
notário, mas isso não se completou (o registo não ficou feito)
porque houve um apagão, houve esse ataque.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Se não há registo, o antigo proprietário poderia ir vender a outro


(A vende a C).
▪ Seria o problema da dupla venda – um autor está a vender o mesmo
bem a dois sujeitos diferentes.
▪ Então, de quem era a casa?
▪ Se A vendeu a B, já não é proprietário.
▪ Se A não é proprietário não poderia vender a C, pelo princípio
do nemo plus iuris. Então, B é proprietário.
▪ Mas isto não é assim tão linear.
Aqui surge, contudo, a exceção ao nemo plus iuris:
▪ Vemos no art. 5.º/4 do Código de Registo Predial.
“A falta de registo não pode ser oposta aos interessados por quem esteja obrigado a
promovê-lo, nem pelos herdeiros destes.”

▪ Então, nestas situações, quem registou primeiro ficará com a


propriedade do bem.
▪ Se C registasse primeiro que B, ficava dono da casa, embora A já
não fosse o verdadeiro proprietário quando vendeu a C –
adquiriram do mesmo autor direitos incompatíveis.
▪ Claro que depois B pede indemnização a A por violar o contrato,
etc.

▪ Isto é exceção ao nemo plus iuris, está-se a adquirir algo que não
teriam direito – adquire-se, do mesmo autor/transmitente, direitos
incompatíveis.
▪ O efeito central do registo em que se traduz isto permite-nos
perceber que o registo configura uma exceção ao princípio nemo
plus iuris: o registo vai sanar uma invalidade.
▪ Este efeito central do registo vai operar mesmo que esta
aquisição seja uma aquisição gratuita. Ou seja, se em vez de uma
venda estiver em causa uma doação, o efeito central do registo
aplica-se na mesma.
▪ Porque se justifica esta exceção?
▪ Isto justifica-se pelo valor da segurança jurídica – o valor do
registo predial é muito importante – temos de ter o máximo de
certeza que o que está no registo predial é a verdade – uma vez
que é a base da economia nacional.
▪ Então, em nome dessa segurança, é necessário que se faça os
registos.
▪ Aliás, em muitas décadas isto foi uma forma de pressão para as
pessoas registarem os bens que deviam (principalmente, quando
o notário não fazia tudo e tinham de ir gastar mais dinheiro
acrescido em outro lado para fazer o registo).

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

2. Terceiros de boa-fé – art. 243.º CC


▪ A proteção do artigo 243.º do CC é uma proteção específica quando há
uma invalidade que resulta de um negócio dissimulado.
▪ Mas o que é uma simulação?
▪ É uma divergência intencional entre a vontade e a declaração que
resulta de um conluio entre declarante e declaratário e que tem como
objetivo enganar terceiros.
Art. 243.º do CC:
“ 1. A nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra
terceiro de boa fé.

2. A boa-fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os


respetivos direitos.

3. Considera-se sempre de má-fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao


registo da ação de simulação, quando a este haja lugar.”

▪ Art. 240.º/2 CC – o negócio simulado é nulo.


▪ Os negócios simulados são nulos e, como tal, não produzem quaisquer
efeitos.
▪ Por exemplo, imagine-se que o A vendeu a B simuladamente e,
sendo que há aqui uma simulação, este negócio é inválido.
▪ Acontece que, se o negócio é inválido, o B não adquire a
propriedade.
▪ Se o B não adquire a propriedade, o princípio nemo plus iuris diz-
nos que ele não pode transmitir direitos que não tem, logo, não
pode transmitir a C.
▪ Se, eventualmente, ele vender a C, temos aqui uma nulidade
consequencial.
▪ O artigo 243º do CC vem proteger as questões em que há um terceiro
a adquirir algo que resulta de um negócio nulo (por ter havido
simulação) se este terceiro estiver de boa-fé.
▪ A boa-fé, aqui, será o puro não saber, o desconhecimento da simulação.
▪ Ou seja, se um terceiro de boa-fé adquirir algo sem saber que
anteriormente houve esse vício de simulação, é protegido.

Vejamos:
▪ Imaginemos que a Ana tem muitas dívidas e quer fazer desaparecer o
seu património – o seu objetivo era enganar terceiros, seus credores – o
banco, segurança social, os seus trabalhadores, etc.
▪ Para isso, decide vender ao seu motorista, Bernardo, a sua mansão de
3 milhões de euros. A mansão foi vendida ao motorista no dia 11 de
novembro.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Até há uns anos atrás, bastava ir ao notário e dizer que recebeu os 3


milhões – o comprador declarava ter recebido.
▪ Contudo, atualmente, esta simulação absoluta é mais complicada
– atualmente tem de ficar na escritura a transferência bancária, o
n.º do cheque, tudo detalhado – devido a diretivas europeias
contra o branqueamento de capital.
▪ Apesar de ter ido ao notário e o motorista declarar ter declarado
receber o dinheiro, o negócio é nulo, por ser simulado (art. 240.º/2).
▪ Por este motivo, o motorista não é proprietário da mansão.

▪ Imaginemos agora que, passado um ano, o Bernardo decide doar a


mansão a Carla. Ele apaixona-se por ela e oferece-lhe a casa. Carla não
sabe de nada e está de boa-fé.
▪ Eis que Ana vem dizer que a casa é dela. Então, intenta uma ação de
declaração de nulidade do negócio simulado – mostra que era tudo
mentira, que não havia transferência bancária, etc.
▪ Ana reivindica a propriedade com base em:
▪ Se A não vendeu a casa (art. 240.º/2 CC);
▪ Então B não comprou a casa;
▪ Logo, B não podia doar a casa a C – nemo plus iuris.
▪ A casa tem de voltar para a Ana.

▪ Contudo, aparece o art 243.º/1 CC – que diz que o simulador não pode
invocar a simulação contra um terceiro de boa-fé.
▪ Mas atenção – é só o simulador que não pode. Um credor (banco,
etc.) esses podem invocar a simulação – uma vez que o credor
também está a ser prejudicado por essa simulação. Entre os
interesses de um credor de cobrar os seus créditos e os
interesses de um terceiro de boa-fé – aplica-se o argumento
literal.
▪ A letra da lei diz-nos que a proteção é só contra o simulador.
▪ Deste modo, aqui a Carla é protegida por esta exceção ao nemo plus
iuris e Ana não pode reaver a casa.
▪ Para efeitos deste artigo, a boa-fé é uma boa-fé psicológica, em sentido
subjetivo – é o puro não saber, a pura ignorância.
▪ Isto vale tanto para imóveis como para móveis; doações e vendas, etc.

3. Terceiros de boa-fé – art. 291.ºCC

“1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens


imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os
mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa-fé, se o registo da aquisição for
anterior ao registo da ação de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as
partes acerca da invalidade do negócio.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a ação for proposta e


registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.

3. É considerado de boa-fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição


desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.”

Imaginemos:
▪ Temos uma situação muito frequente – uma vinha. A vendeu a B a vinha,
tudo de boa-fé, por 2 mil euros em mão, em 2015. Quid iuris?
▪ Não se pode constituir direitos reais sobre coisas imóveis sem
que haja forma: é necessário ir aos notários, pagar impostos, etc.
A forma exige-se para que o notário veja que não há coação, que
não há erro, entre outros.
▪ Estas pessoas, mesmo com boa-fé, mesmo assim, celebraram um
negócio que, na verdade, é nulo.
▪ Art. 220.º CC – não respeitaram o art. 875.º CC, logo o negócio é
nulo.
▪ Imaginemos que, B depois vende a C, em 2017. E C conseguia registar
– tudo isto feito de boa-fé. C, então, seria dono do terreno. Eis que
agora, A, ou um filho de A, ou um credor de A, apareciam a dizer que a
vinha é dele. Quid iuiris?
▪ Pelo nemo plus iuris, se A não deu a B, consequentemente B não
conseguia dar a C. Então C não seria dono e teria de devolver o terreno
a A. Mas, mais uma vez, não é assim tão linear.

▪ O art 291.º CC consagra a exceção ao nemo plus iuris. É necessário


verificar certos requisitos:
1. Tem de ser bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo;
2. O terceiro tem de adquirir a título oneroso;
3. O terceiro tem de estar de boa-fé;
4. A boa-fé tem de ser uma boa-fé qualificada (sem culpa);
5. Tem que ter registado o imóvel;
6. Negócio que resulte de uma boa interpretação da lei, em que
não haja vícios intrínsecos ao negócio (coação, dolo,
menoridade, maior acompanhado, etc.);
7. Têm de passar 3 anos desde o primeiro negócio nulo (prazo que
tem de decorrer para que se possa reagir ao negócio nulo).
▪ Neste caso, será o negócio de 2015 (porque todo começa
com o negócio de 2015 – este foi o negócio nulo que
originou esta situação). Como estamos em 2022, já
passaram os 3 anos.
▪ Este prazo de 3 anos é para proteger aqueles ligados ao
autor do negócio jurídico nulo (no caso A), p.e., os seus
credores.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

MODIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS

▪ Tem lugar a modificação de direitos quando, alterado ou mudado um


elemento de um direito, permanece a identidade do referido direito,
apesar da vicissitude ocorrida.
▪ O direito é o mesmo e não um direito novo.
▪ A perduração do direito, apesar da modificação verificada, significa que
o ordenamento jurídico continua a tratar o direito como se não tivesse
tido lugar a alteração.

A modificação pode ser subjetiva ou objetiva:


Subjetiva – ocorre quando tem lugar uma substituição do respetivo titular,
permanecendo a identidade objetiva do direito. Ou seja, muda-se o sujeito (há
uma substituição do titular), mas mantém-se o direito. É o caso:
▪ Da sucessão mortis causa (1024.º e ss. do CC);
▪ Da cessão de créditos – tenho um crédito, mas passo para outra pessoa
(alguém me deve 1 milhão de euros; posso ir ao banco e pedir esse
dinheiro e, em troca, dou ao banco o crédito);
▪ Da assunção de dívidas (uma pessoa deve dinheiro a outra – pode haver
uma outra que faça o favor de assumir a dívida por diversas razões) –
para ser válida é necessário o consentimento do credor (isto faz sentido
pois o credor quer saber quem lhe está agora a dever – tem de ter
solvabilidade).
▪ Da cessão da posição contratual – em que se cede tudo o que tem em
ativos e passivos (créditos e dívidas). P.e., um trespasse de um café, por
100 mil euros. Quem compra o café vai assumir dívidas (pagar
trabalhadores, fornecimento de super bock, etc.) e adquirir créditos. Os
contratos mantêm-se, mas muda o sujeito. Em regra, como há
assunções de dívida tem de haver o consentimento dos credores.

Objetiva – a relação jurídica mantém-se, mas muda-se o conteúdo. Ou seja,


muda o conteúdo ou o objeto do direito, permanecendo este idêntico.
▪ P.e., muda o conteúdo com uma prorrogação do prazo para pagamento
– A deve a B 500 mil euros até 1 de março. Pode modificar-se o prazo
para 1 de abril. A relação jurídica é a mesma (A e B), mas o conteúdo
(prazo) alterou.
▪ P.e., muda o objeto se, não cumprindo o devedor culposamente a
obrigação, o seu dever de prestar é substituído por um dever de
indemnizar – um empreiteiro tinha de por um telhado novo na FDUC,
num prazo, mas não o cumpriu e desistiu de o fazer. Vai substituir o
telhado por uma indemnização. A relação jurídica é a mesma, mas o

21
Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

conteúdo passou a ser o pagar uma indemnização, ao invés de ser fazer


o telhado.

EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA


▪ A relação jurídica pode também extinguir-se.
▪ Tem lugar quando um direito deixa de existir na esfera jurídica de
uma pessoa. Quebra-se essa relação de pertinência entre um direito e
a pessoa do seu titular.
Como se pode extinguir um direito?
Extinção subjetiva:
▪ A extinção subjetiva ou perda de direitos, ocorre quando o direito
sobrevive em si, apenas mudando a pessoa do seu titular.
▪ O direito mudou de titularidade - extinguiu-se para aquele sujeito, mas
subsiste na esfera jurídica de outrem.
▪ Extingue-se para aquele sujeito.
▪ P.e., transmitir o direito ao vender a coisa. Se eu tenho um livro e o
vendo a outro, há extinção do meu direito, porque estou a dá-lo a outro.
▪ Também a morte do sujeito, na sucessão, faz uma extinção subjetiva. O
direito não desaparece por morte. Apenas passa para outros.
Extinção objetiva:
▪ O direito desaparece, deixando de existir para o seu titular ou para
qualquer outra pessoa. Nesta hipótese não há sucessão, transmissão ou
aquisição derivada ou translativa de direitos.
▪ Trata-se de acabar definitivamente com o direito.
▪ P.e., por destruição da coisa – tenho um livro e queimo-o. O meu direito
de propriedade sobre o livro desaparece porque eu o destruí.
▪ P.e., por abandono de uma coisa móvel. P.e. quando vamos ao caixote
do lixo – abandonamos o que lá colocamos. Se alguém for buscar o que
eu coloquei no lixo estará a adquirir por ocupação de coisa
abandonada.

Uma forma particular de extinção de direitos é a correspondente aos institutos


de prescrição (art. 300.º e ss. do CC) e da caducidade (art. 328.º e ss. do CC).
▪ Se o titular de um direito não o exercer durante certo tempo fixado na
lei, extingue-se esse direito. Diz-se, nesses casos, que o direito
prescreveu, ou que o direito caducou.
▪ O beneficiário da prescrição, completada esta, pode recusar o
cumprimento da prestação ao opor-se ao exercício do direito prescrito.
▪ Tanto a prescrição como a caducidade acarretam, portanto, a extinção
de direitos quando estes não são exercidos durante certo tempo.
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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Distinguem-se:
▪ Segundo o critério tradicional, a prescrição aplica-se aos direitos
subjetivos propriamente ditos, enquanto a caducidade visará os
direitos potestativos.
▪ Segundo um critério formal, seguido pela nossa lei, quando um
direito deva ser exercido durante certo prazo aplicam-se as
regras da caducidade, salvo se a lei se referir expressamente à
prescrição (art. 298.º/2 CC).
▪ Há importantes diferenças de regime jurídico entre a prescrição e a
caducidade.

Prescrição – pequena sanção civil perante a inércia, desleixe, falta de cuidado


por parte do titular do direito subjetivo. Quando o direito subjetivo não é
exercido no seu prazo determinado, este prescreve.
▪ Admite-se uma interrupção ou suspensão do prazo de prescrição – arts.
323.º e seguintes.
Interrupção:
▪ A interrupção inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente,
começando a correr novo prazo para a prescrição (art. 326.º CC).
▪ Hipóteses em que é possível a interrupção do prazo de prescrição:
▪ Pode ser necessário ir a tribunal – a interrupção é feita por citação
ou notificação judicial – art. 323.º CC.
▪ As partes chegarem a um compromisso arbitral (as partes
reconhecem que há um problema e vão a tribunal arbitral) – art.
324.º CC.
▪ Quando o devedor reconhece a dívida (p.e. escreve uma carta a
dizer que reconhece que deve a alguém uma determinada
dívida) – art. 325.º CC.
Suspensão:
▪ A suspensão tem o efeito de suster a contagem do tempo da prescrição,
não se incluindo no prazo desta o espaço de tempo durante o qual
ocorreu a suspensão.
▪ O vencimento do prazo é, assim, prorrogado pelo tempo em que a
prescrição esteve suspensa (i.e., o prazo suspende algum tempo e
depois volta a contar desde o momento em que se parou antes).
▪ Hipóteses em que é possível a suspensão do prazo de prescrição:
▪ Art 318.º CC - alínea a), durante o casamento o prazo de
suspensão fica suspenso; b) sobre responsabilidades parentais,
se os pais fazem algo contra os filhos menores, o prazo de
prescrição fica suspenso, os 18 anos até poder impugnar algo
(pois necessita de ser maior) não decorrem; e) o prazo de

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

prescrição também não decorre numa relação entre o patrão e o


empregado, enquanto o contrato durar.

Caducidade – verifica-se quando ocorre um facto em que a lei atribui eficácia


extintiva. À semelhança da prescrição, a caducidade opera também a extinção
do direito.
▪ Art. 298.º CC.
▪ O que se pretende com este regime é segurança jurídica absoluta, um
rigor.
▪ Se caduca, caduca – a caducidade não comporta causas de suspensão
nem de interrupção (art. 328.º CC).
▪ P.e., comprei uma casa com erro (achava que era outra) e tenho um ano
para anular. Durante esse ano fui militar. Posso pedir suspensão do
prazo? Não. Tal não é possível, pois o que se pretende é ter segurança
jurídica.

NEGÓCIO JURÍDICO
Negócios jurídicos:
▪ Contratos – art. 405.º CC, etc.
▪ Negócios unilaterais – art. 457.º CC.

→ Negócios jurídicos são atos jurídicos constituídos por uma ou mais


declarações de vontade, dirigidas à realização de certos efeitos práticos,
com intenção de os alcançar sob tutela do direito, determinando o
ordenamento jurídico a produção dos efeitos jurídicos conformes à
intenção manifestada pelo declarante ou declarantes.
▪ É um ato do mundo do direito;
▪ Pode haver negócios unilaterais ou bilaterais (contratos);
▪ O negócio jurídico regula-se por efeitos práticos, mas com proteção do
direito;
▪ O ordenamento jurídico produz efeitos conforme a intenção
manifestada do declarante (tem de ser manifestada - o direito lida com
vontades manifestadas, pelo comportamento – não com apenas
intenção).

O negócio jurídico é uma expressão do princípio da autonomia da vontade,


por isso é uma manifestação fundamental do direito civil.
▪ A importância do negócio jurídico manifesta-se na circunstância de esta
figura ser um meio de auto ordenação das relações jurídicas de cada

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

sujeito de direito – meio de autogoverno pelos particulares da sua


esfera jurídica própria.

Relação entre a vontade exteriorizada na declaração negocial e os efeitos


jurídicos do negócio
Teoria dos efeitos jurídicos:
▪ Para esta doutrina, a que se associa, entre outros, o nome de Savigny,
os efeitos jurídicos produzidos, tais como a lei os determina, são perfeita
e completamente correspondentes ao conteúdo da vontade das partes.
▪ Haveria (ou teria de haver) uma vontade das partes dirigida à produção
de determinados e precisos efeitos jurídicos.
▪ Ou seja, defendiam que os efeitos jurídicos previstos na lei
correspondem ao conteúdo da vontade das partes.
▪ Isto é bastante utópico – para saber exatamente o que a lei diz teríamos
de ser todos juristas – logo, para esta doutrina ser correta, só os juristas
completamente informados sobre o ordenamento poderiam celebrar
negócios jurídicos.
▪ Ora, o que sucede, é que as partes dos vários negócios não têm uma
representação completa e exata de todos os efeitos que o ordenamento
jurídico atribui às suas declarações de vontade.
▪ Logo, não podemos aceitar esta doutrina.

Teoria dos efeitos práticos:


▪ Para esta doutrina, as partes manifestam apenas uma vontade de efeitos
práticos ou empíricos, normalmente económicos ou sociais, sem caráter
ilícito.
▪ A estes efeitos práticos ou empíricos manifestados, faria a lei
corresponder efeitos jurídicos concordantes.
▪ Ou seja, as pessoas apenas têm objetivos empíricos, sociais. O seu
objetivo não é necessariamente observar os efeitos que podem
encontrar no CC.
▪ Também esta conceção é inaceitável.

Teoria dos efeitos prático-jurídicos:


▪ Este é o ponto de vista correto, a teoria que adotamos.
▪ Os autores dos negócios jurídicos visam certos resultados práticos ou
materiais e querem realizá-los por via jurídica. Têm, pois, também uma
vontade de efeitos jurídicos.
▪ Ou seja, a vontade dirigida a efeitos práticos não é a única nem é
decisiva – decisiva para existir um negócio é a vontade de os efeitos

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práticos queridos se terem juridicamente vinculativos, a vontade de se


gerarem efeitos jurídicos correspondentes aos efeitos práticos.
▪ Há uma intenção dirigida a um determinado efeito económico
juridicamente garantido.

Por falta de intenção/vontade de efeitos jurídicos – por isto, distinguem-se os


negócios jurídicos dos chamados negócios de pura obsequiosidade.
▪ Estes são promessas ou combinações da vida social, às quais é estranho
o intuito de criar, modificar ou extinguir um vínculo jurídico.
▪ É um tipo de negócio, mas não é um negócio jurídico – é um negócio
meramente social.
▪ P.e., convidar alguém para um passeio, para um jantar, etc.
▪ Sendo este o contexto, não tem sanção jurídica.
▪ P.e., não posso ir a tribunal se a pessoa não aparecer.
▪ Se a surgir a dúvida se estamos perante um negócio jurídico ou um
negócio de pura obsequiosidade é a parte interessada em demonstrar
a existência do negócio jurídico que tem o ónus da prova respetivo.

Por falta de vontade/intenção de efeitos jurídicos - por isto, distinguem-se os


negócios jurídicos dos chamados meros acordos ou “gentlemen’s
agreements”.
▪ Estas convenções são combinações sobre matéria que é normalmente
objeto de negócios jurídicos, mas que, excecionalmente, estão
desprovidas da intenção de efeitos jurídicos.
▪ É o caso de um empréstimo de honra ou de uma disposição de
bens para depois da morte.
▪ Se surgir dúvida se estamos perante um mero acordo ou um negócio
jurídico, é a parte interessada em demonstrar a inexistência da intenção
negocial que tem o ónus da prova.

ELEMENTOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS


Elementos essenciais dos negócios jurídicos:
1. Capacidade das partes;
2. Idoneidade do objeto;
3. Declaração de vontade sem anomalias.

Elementos naturais dos negócios jurídicos:


▪ São os efeitos negociais derivados de disposições legais supletivas.

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▪ Não é necessário que as partes configurem qualquer cláusula para a


produção destes efeitos, podendo, todavia, ser excluídos.
▪ São exemplos de normas supletivas, e, consequentemente, de efeitos
correspondentes a elementos naturais dos respetivos tipos de negócio
jurídico, os artigos 964.º CC (doação); 885.º CC (compra e venda);
1030.º CC (locação), etc.

Elementos acidentais dos negócios jurídicos:


▪ São as cláusulas acessórias dos negócios jurídicos.
▪ Estipulações que não caracterizam o tipo negocial em abstrato, mas se
tornam imprescindíveis para que o negócio concreto produza os efeitos
a que elas tendem.
▪ É o caso das cláusulas de juros, da cláusula condicional, da cláusula
modal, etc.

CLASSIFICAÇÕES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

1. Negócios unilaterais e Negócios bilaterais


Negócios unilaterais:
▪ Há uma só declaração de vontade, ou várias, mas no mesmo sentido –
se olharmos para os autores das declarações constataremos haver uma
só parte, um só lado.
▪ Nos negócios unilaterais não há aceitação, não é preciso
concordância – a eficácia do negócio não carece da concordância
de outrem.
▪ Vigora o princípio da tipicidade – só há os negócios previstos na
lei.
▪ É o caso do testamento, renúncia a certos direitos, promessa pública,
denúncia do arrendamento, aceitação ou repúdio de herança.

Pode estabelecer-se uma importante distinção:


▪ Negócio unilaterais recetícios:
▪ A declaração só é eficaz se for e quando for dirigida ao
conhecimento de outra pessoa (do destinatário).
▪ Por exemplo, a denúncia de arrendamento.
▪ Negócios unilaterais não recetícios:
▪ Não carecem de ser dirigidos e levados ao conhecimento de
pessoa determinada.
▪ Valem por si, independentemente de ser levados ao
conhecimento de certa pessoa.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ A declaração torna-se eficaz logo que é emitida.


▪ Por exemplo, o testamento ou repúdio da herança.

Negócios bilaterais:
▪ Há duas ou mais declarações de vontade.
▪ Temos declarações de conteúdo oposto, mas convergente, ajustando-
se na comum pretensão de produzir um resultado jurídico unitário,
embora com um significado para cada parte.
▪ Há assim a oferta, a proposta e a aceitação, que se conciliam num
consenso.
▪ Temos negócio bilateral quando há consenso, quando as partes
chegam a um consenso sobre os elementos essenciais do
negócio.
▪ É o caso da compra e venda.

2. Contratos unilaterais e Contratos bilaterais


▪ Dentro dos contratos (negócios jurídicos bilaterais) podemos distinguir
entre contratos unilaterais e contratos bilaterais.
Contratos unilaterais:
▪ Geram obrigações apenas para uma das partes.
▪ Por exemplo, doação é um contrato (pode surgir a dúvida se é um
contrato ou negócio unilateral – contudo só há doação se o beneficiário
quiser – é preciso aceitação). Vemos no art. 940.º do CC. Trata-se de um
contrato unilateral porque tem obrigações apenas para uma das partes
(apenas o doador tem obrigações).
▪ O depósito, art. 1185.º CC, é também um negócio bilateral unilateral
(contrato unilateral).
Contrato bilaterais:
▪ Geram obrigações para ambas as partes, obrigações ligadas entre si
por um nexo de causalidade ou correspetividade.
▪ Por exemplo, a compra e venda (um tem obrigação de vender, outro
tem obrigação de pagar); arrendamento; empreitada; etc.

Importância desta distinção:


▪ Art. 428.º CC – exceção de não cumprimento do contrato – é privativa
dos contratos bilaterais;
▪ Art. 756.º CC – direito de reter a coisa;
▪ Art. 801.º/2 CC.

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3. Negócios entre vivos e Negócios mortis causa


Negócios mortis causa:
▪ Destinam-se a só produzir efeitos depois da morte da respetiva parte
ou de alguma delas
▪ Até à morte é livremente revogável. É uma garantia de liberdade.
▪ Por exemplo, o testamento – a transferência dos bens hereditários a
favor dos herdeiros e legatários só se opera após a morte do testador
(arts. 2031.º e 2179.º CC); os herdeiros ou legatários não podem, em
vida do testador, renunciar à sucessão ou dispor dela (art. 2028.º/1/2
CC).
Negócios entre vivos:
▪ Destinam-se a produzir efeitos em vida das partes.
▪ Têm efeitos imediatamente quando as partes quiserem, não precisam
de esperar pela morte.
▪ Não são revogáveis (art. 406.º/1 CC).

4. Negócios consensuais e Negócios formais/solenes


Negócios consensuais:
▪ São aqueles que podem ser celebrados por quaisquer meios
declarativos aptos a exteriorizar a vontade negocial, porque a lei não
impõe uma determinada roupagem exterior para o negócio.
▪ Podem ser celebrados através de qualquer forma. A lei não impõe que
o negócio revista uma determinada forma.
Negócios formais ou solenes:
▪ São aqueles para os quais a lei prescreve a necessidade da observância
de determinada forma, o acatamento de determinado formalismo ou de
determinadas solenidades.
▪ As partes não podem realizar o negócio por todo e qualquer
comportamento declarativo – a declaração negocial deve realizar-se
através de certo tipo de comportamento declarativo imposto pela lei
(p.e., por escrito, através de certo tipo de documento, mediante uma
cerimónia, etc.).
▪ Hoje, o formalismo é exigido apenas para certos negócios jurídicos.
▪ Por exemplo, constituição de associações (art. 168.º CC).

Regra no Código Civil atual:


▪ A regra no direito civil é a liberdade declarativa – liberdade de forma
ou consensualidade – art. 219.º do CC.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Por esse artigo, a validade da declaração negocial não depende da


observância de forma especial, salvo quando a lei o exigir.
▪ Há, no entanto, casos em que se exige uma forma especial. Nos casos
em que a lei exige uma certa forma, se esta não for observada, a
declaração negocial é nula (art. 220.º CC).

5. Negócios consensuais e Negócios reais (quanto à constituição)


Negócios reais quanto à constituição:
▪ São aqueles negócios em que se exige, além das declarações de
vontade das partes, formalizadas ou não, a prática anterior ou
simultânea de um certo ato material.
▪ Estes são os tais negócios reais quanto à constituição:
▪ Depósito (art. 1185.º CC);
▪ Comodato (art. 1129.º CC);
▪ Mútuo (art. 1142.º CC);
▪ Penhor (art. 666.º CC)
▪ Doação de coisas móveis não celebrada por escrito (art. 947.º/2
CC).
▪ Para além das declarações de vontade é necessário
também um ato material de entrega.
▪ Nestes contratos só há verdadeiro contrato quando se procede à
entrega da coisa.
▪ Carlos Mota Pinto critica isto – considera que esta figura de contratos
reais é apenas um resquício da tradição romanista e que parece não
desempenhar hoje, pelo menos nos 3 primeiros negócios acima,
qualquer função útil.
▪ Vejamos um exemplo:
▪ Imagine-se que o António resolveu viajar para o estrangeiro. Este
tem um automóvel e, durante o período que vai viajar, quer
deixá-lo guardado na garagem do Bernardo. Então, liga-lhe e
pergunta se o pode fazer, pelo período de 4 meses e por uma
retribuição de 400 euros. O Bernardo aceita. Acontece que,
quando foi viajar, o António acabou por não depositar o
telemóvel na garagem do Bernardo e este vem exigir o
pagamento de 400 euros.
▪ A questão aqui acaba por ser se realmente foi considerado ou
não um contrato (neste caso, um depósito)?
▪ Estamos, então, perante um contrato de depósito (contrato real
quanto à constituição), contudo, não se procedeu ao ato material
de entrega, algo que é essencial neste negócio.
▪ A doutrina diz que temos um contrato de depósito que não é
válido, dado que não se formou o ato material de entrega. Então,
converte-se o contrato de depósito num contrato-promessa.

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▪ A doutrina tem entendido que um contrato de mútuo/depósito/etc.,


nulo por falta de entrega da coisa, pode ser convertido num contrato
promessa.
Negócios consensuais quanto à constituição:
▪ Basta, para que eles se considerem perfeitos, que haja declarações
negociais, declarações de vontade – a proposta e a aceitação – vão unir-
se num ponto de consenso.
▪ O contrato considera-se perfeito apenas com as declarações de
vontade das partes.
▪ Deste modo, a maioria dos negócios, quanto à sua constituição, são
considerados negócios consensuais.
▪ P.e., o contrato de compra e venda é um contrato consensual – a
propriedade passa por mero efeito do contrato (já no direito
romano era diferente – passava apenas através da traditio).

6. Negócios sucessórios e Negócios familiares


▪ O critério desta classificação diz respeito à natureza da relação jurídica
constituída, modificada ou extinta pelo negócio.
▪ A sua importância resulta da diversa extensão reconhecida à liberdade
contratual (art. 405.º) em cada uma das categorias.

Negócios sucessórios:
▪ O princípio da liberdade contratual sofre importantes restrições,
resultantes de algumas normas imperativas do direito das sucessões
(sucessão legitimária, proibição dos pactos sucessórios, etc.).
Negócios familiares:
▪ Negócios familiares pessoais – nomeadamente, casamento,
perfilhação e adoção – a liberdade contratual está praticamente
excluída, podendo apenas os interessados celebrar ou deixar de
celebrar o negócio, mas não podemos de fixar-lhe livremente o
conteúdo.
▪ Negócios familiares patrimoniais – existe, com alguma largueza, a
liberdade de convenção (art. 1698.º CC), sofrendo embora restrições
(arts. 1699.º e 1714.º CC).

7. Negócios obrigacionais e negócios reais (quanto aos efeitos):


Negócios reais quanto aos efeitos:

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▪ Negócios com eficácia real – são aqueles que transmitem ou constituem


direitos reais.
▪ Há uma relação direta, imediata com a coisa.
▪ Direitos absolutos, com eficácia erga omnes.
▪ Por este motivo, é importante saber quais são os direitos reais. Estão,
aliás, tipificados:
▪ Transmissão da propriedade (compra e venda);
▪ Constituição da hipoteca
▪ Constituição de usufruto;
▪ Constituição de penhor;
▪ Constituição de servidão.

Negócios obrigacionais:
▪ Temos direitos de crédito.

→ Art. 666.º do CC – penhor de coisas – é um contrato real quanto à


constituição, pois só se constitui o penhor com a entrega da coisa; e é um
contrato real quanto aos efeitos porque se trata de um direito real de garantia.

8. Negócios patrimoniais e Negócios pessoais


Negócios pessoais:
▪ Não é possível uma avaliação pecuniária.
▪ Por exemplo, casamento, adoção e perfilhação.,
Negócios patrimoniais:
▪ Podem ser avaliados por pecuniariamente.
▪ Por exemplo, compra e venda.

9. Negócios causais e Negócios abstratos


Negócios causais:
▪ A função económica ou social da relação jurídica que constitui a sua
causa é relevante.
▪ Isto é, o direito não isola o conteúdo da respetiva causa.
▪ Por exemplo: não basta que A diga em tribunal que B lhe deve
mil euros. É necessário que A explique e prove por que razão ele
lhe deve esses mil euros.
▪ Isto significa que a relação que está na base da celebração do
negócio é relevante.
▪ A generalidade dos negócios é causal.

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Negócios abstratos:
▪ A função económica ou social da relação jurídica que constitui a sua
causa não é relevante.
▪ Os negócios abstratos são caracterizados pela sua abstração ou pelo
princípio da abstração, o que significa que valem independentemente
da causa que lhes deu origem.
▪ Temos como exemplos, o cheque, a letra e a livrança – abstraem-se
completamente da relação de base e autonomizam-se completamente
– a relação não será relevante.
▪ Exemplo do cheque: imagine-se que o A preenche um cheque e
entrega a B porque devia lhe devia mil euros, uma vez que
comprou um automóvel a B e, portanto, tinha de lhe pagar. B
endossou esse cheque e, deste modo, tem-se um C que nem
sequer sabe que A existe e que passa a ser portador daquele
cheque. Se C for ao banco para levantar o dinheiro inscrito
naquele cheque, o A não vai poder opor ao C quaisquer
exceções e não vai poder dizer que já pagou aquela quantia de
mil euros ao B. Portanto, o cheque caracteriza-se pelo princípio
da abstração, pois abstrai-se completamente daquilo que esteve
na base do preenchimento inicial do cheque e não pode ser
oposta qualquer exceção a um terceiro que não faça parte da
relação inicial (entre A e B). Isto funciona assim também nas letras
e nas livranças.

10. Negócios onerosos e Negócios gratuitos


Negócios onerosos:
▪ São aqueles que pressupõem atribuições patrimoniais para ambas as
partes, sendo que, perante elas, existe um nexo de correspetividade.
▪ Ou seja, uma atribuição patrimonial é causa da outra.
▪ Não é necessário um equilíbrio ou uma equivalência das prestações,
consideradas pelo seu valor objetivo ou normal. O que releva é a
avaliação das partes, a vontade, o intento das partes.
▪ As partes estão de acordo em considerar as duas atribuições
patrimoniais como correspetivo uma da outra.
▪ É um equilíbrio subjetivo – não interessa se uma das partes,
aparentemente, tem uma perda maior (se paga mais p.e.).
▪ São exemplos: o arrendamento, o aluguer, compra e venda, a
empreitada, etc.
Negócios gratuitos:
▪ São aqueles que se caracterizam pelo animus donandi/animus
liberandi, ou seja, por uma intenção de liberdade.

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▪ Uma parte tem a intenção, devidamente manifestada, de efetuar uma


atribuição patrimonial a favor da outra, sem contrapartida ou
correspetivo.
▪ A outra parte procede com consciência e vontade de receber essa
vantagem, sem sacrifício correspondente.
▪ Há, portanto, uma vantagem patrimonial para um dos sujeitos sem
nenhum equivalente.
▪ O ato é a título gratuito quando há a intenção de criar um benefício ou
vantagem para a outra parte.
▪ São exemplos: as doações, o depósito, o mandato ou o mútuo gratuitos.

Notas:
▪ Muitas vezes o mesmo negócio pode-se assumir como oneroso ou
gratuito consoante aquilo que seja estipulado pelas partes.
▪ P.e. o mútuo (empréstimo em dinheiro) pode ser oneroso ou
gratuito, conforme se houver juros ou não.
▪ Para que um ato seja gratuito, não tem que corresponder a um ato de
altruísmo.

11. Negócios comutativos e Negócios aleatórios


▪ É uma subdivisão a estabelecer dentro dos contratos onerosos.
Negócios comutativos:
▪ Envolvem as duas prestações que estão equilibradas em termos
subjetivos.
Negócios aleatórios:
▪ As partes submetem-se a uma álea, a uma possibilidade de ganhar ou
perder.
▪ Não há uma ideia de troca, ou seja, não se se sabe o que partes vão
ganhar com este negócio.
▪ Há três hipóteses de negócios onerosos aleatórios:
▪ Negócios que há apenas uma prestação, mas as partes à priori
não sabem quem é que vai ter de a efetivar:
▪ Por exemplo, um contrato de joga e aposta, em que a
efetivação da prestação depende de quem ganha a
aposta.
▪ Negócios em que há duas prestações, sendo que uma das duas
é certa e a outra é incerta:
▪ Por exemplo, um contrato de seguro de responsabilidade
civil (por exemplo, automóvel), em que há uma prestação
que é certa – a que se efetua à seguradora – e uma

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prestação incerta – a da seguradora, porque ela só


efetuará uma prestação se se verificar um acidente de risco
que está coberto pela apólice do seguro.
▪ Situações em que há duas prestações que são certas, mas uma
delas é incerta quanto ao montante:
▪ Por exemplo, um contrato de seguro de vida, em que as
duas prestações são certas, dado que se sabe que a
pessoa vai morrer. A prestação que se efetua à seguradora
é certa quanto ao montante, mas a que ela vai realizar é
incerta, pois fica dependente da capitalização.

12. Negócios de mera administração e negócios de disposição


▪ Restrição, por força da lei ou de sentença, dos poderes de gestão
patrimonial dos administradores de bens alheios, ou de bens próprios
e alheios, ou até nalguns casos (inabilitações), de bens próprios, aos
atos de mera administração ou de ordinária administração.
Negócios de mera administração:
▪ Não envolve uma alteração da composição do património nem do
capital.
▪ Portanto, os negócios de mera administração ou de administração
ordinária correspondem a uma gestão comedida e prudente – porque
eles não envolvem grandes riscos (embora também nunca potenciem
grandes ou elevados lucros).
▪ No fundo, são negócios em que apenas se tenta aproveitar as
potencialidades que são inerentes ao próprio património.
▪ São exemplos: atos de conservação dos bens, atos de frutificação
normal ou anormal dos bens, negócios de melhoramento.
▪ P.e. o senhor A tem uma quinta e resolve, à custa do rendimento
que obteve com as colheitas deste ano:
▪ Fazer obras de sedimentação de um muro que estava a
ruir;
▪ Comprar adubo para poder voltar a frutificar;
▪ Comprar umas sementes para começar a produzir
tomates.
▪ Quando faz estas mudanças, o senhor A fá-lo sempre à custa do
rendimento que obteve com o próprio bem e não através da
alienação de partes do capital ou de partes do seu património.
Negócios de disposição:
▪ São aqueles que afetam a substância do património, alterando a
composição do capital administrado.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Nessa medida, eles potenciarão grandes ganhos, mas envolvem


necessariamente o perigo de grandes perdas.
▪ É por isso que, em determinadas situações, é vedada a possibilidade de
celebração destes negócios de disposição (p.e., curadoria, medidas de
maiores acompanhados, poderes dos tutores).

DECLARAÇÃO NEGOCIAL
Arts. 217.º e ss. do CC:
▪ A declaração negocial é fundamental – trata-se de um verdadeiro
elemento do negócio jurídico, uma realidade componente ou
constitutiva da estrutura do negócio.
▪ Todos os elementos são importantes – mas a questão da declaração
negocial é diferente – trata-se de um elemento verdadeiramente
integrante do negócio jurídico.
▪ Se não houver declaração negocial nem se quer existe o negócio
jurídico – a sua falta conduz a uma inexistência material do
negócio – por falta de vontade de ação.
▪ A capacidade de gozo ou de exercício (ou a legitimidade) são
pressupostos de validade (anulabilidade – 125.º; 154.º; 1682.º-A,
nulidade – 160.º).
▪ A idoneidade do objeto negocial - pressuposto de validade – a sua falta
acarreta nulidade.

Noção:
▪ Declaração negocial é o comportamento que, exteriormente
observado, cria a aparência de exteriorização de um certo conteúdo de
vontade negocial.
▪ Vontade negocial – a intenção de realizar certos efeitos práticos,
com ânimo de que sejam juridicamente tutelados e vinculantes.
▪ Os pensamentos não contam, não têm qualquer relevância
jurídica, não têm qualquer consequência.
▪ Dá-se assim um conceito objetivista de declaração negocial, fazendo-
se consistir a sua nota essencial, não no elemento interior – uma vontade
real, efetiva, psicológica – mas num elemento exterior – o
comportamento declarativo.

Veremos à frente os dois elementos da declaração negocial:


▪ Elemento externo
▪ Elemento interno

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Conceito objetivista
▪ A declaração pretende ser um instrumento da exteriorização da
vontade psicológica do declarante – é essa a sua função.
▪ É, porém, à luz das soluções dispensadas pelo ordenamento jurídico a
uma série de problemas que se deve definir, com coerência, o conceito
de declaração negocial, realçando o aspeto subjetivista (manifestação
de vontade) ou o aspeto objetivista (comportamento objetivo).
▪ Ao longo do séc. XX, os juristas começaram a considerar que devíamos
pensar no direito na perspetiva da segurança – o que importa é o que
se vê de fora, não o que está na intenção da pessoa.
▪ Trata-se de um conceito objetivista e isso reflete-se em alguns
problemas.

Os problemas decisivos para o efeito de determinar o conceito de declaração


negocial são o da divergência entre a vontade e a declaração, ou dos vícios da
vontade, ou da interpretação da declaração negocial.
▪ À partida, a declaração propriamente dita deve corresponder com a
vontade.
▪ Porém, há determinadas situações em que podemos encontrar uma
anomalia/uma divergência entre estes dois elementos (o externo e o
interno não corresponderem)
▪ P.e. uma simulação de preço.
▪ Quero vender algo por 200 mil, mas declaro apenas 100
mil (para pagar menos impostos) – isto é ilícito. Há uma
divergência entre a vontade e a declaração.
▪ Se fossemos subjetivistas radicais e atendêssemos ao
dogma da vontade – isto era nulo.
▪ Contudo, a solução é a de permitir este negócio – apesar
de haver divergência entre a vontade e declaração, o
ordenamento vai aceitar.
▪ Não basta haver erro/coação/etc. para o negócio ser anulável –
sem estes não é anulável, mas há outros requisitos.
▪ P.e., eu ia comprar um carro a achar que tinha 7 lugares e
na verdade só tinha 5 – é um erro, vicio da vontade – mas
não é suficiente para anular o negócio.
Isto é assim, sobretudo, nos negócios patrimoniais.

Que interesses devem prevalecer?


▪ Proteção das expectativas dos declaratários;
▪ Segurança do comércio jurídico;
▪ Aparência;
▪ Exigência de cognoscibilidade.

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Outros exemplos de objetivismo


▪ Art. 257.º do CC – Incapacidade acidental:
▪ P.e. uma pessoa faz um negócio bêbada. Quer beber mais um
copo e vende um relógio de ouro por 20 euros, porque daria
para mais 2 whiskeys.
▪ Se tivéssemos uma doutrina voluntarista, bastava provar que o
sujeito estava torvado nas suas ideias, que se anulava o negócio.
▪ Contudo, o que se tem verdadeiramente de fazer, é provar que a
pessoa sabia ou devia saber que a outra estava bêbada.
▪ Art. 236.º CC - interpretação-sentido normal de declaração
▪ Doutrina da impressão do destinatário
▪ Requisitos adicionais no caso do erro-vicio
▪ Art. 244.º CC – irrelevância da reserva mental:
▪ A pessoa emite uma declaração, mas quer outra coisa diferente,
com o intuito de enganar o declaratário.
▪ P.e., uma pessoa está à procura de casa numa cidade e tem um
amigo que lhe diz quando ele lá for lhe arrenda a casa por 500€.
Contudo, quando chega o momento, diz que era uma
brincadeira afinal e só queria que ele ficasse na rua. A pessoa que
queria enganar a outra, fica, contudo, vinculada à sua declaração,
e vai ter de suportar essa promessa de arrendamento.

Declaração negocial
▪ O próprio CC fala em declaração negocial e não declaração de vontade
– o que interessa são os negócios e não a vontade.
▪ Declaração de vontade - sentido subjetivista
▪ Declaração negocial - sentido objetivista

▪ Contudo, temos uma exceção voluntarista é no art. 246.º CC – se eu


celebrar um negócio sem saber que estou a celebrar, o negócio é nulo.
▪ P.e., um advogado está a assinar postais de Natal, e no meio
disso está um contrato – esse negócio é nulo – é uma concessão
extraordinária ao dogma da vontade.
▪ De acordo com uma tese objetivista, a outra parte não tem
culpa. Imaginemos que tinha assinado um contrato de
fornecimento de computador. A pessoa assinou o contrato
sem querer, mas quem fica a perder iam ser os que não
recebem o computador, sem culpa.
▪ Contudo, o CC protege quem realizou o contrato sem
saber – sentido subjetivista – a outra parte não tinha
intenção de celebrar o negócio.

Estes pressupostos valem apenas para atos patrimoniais.

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▪ Nas questões de atos pessoais e simples atos jurídicos (art. 295.º CC),
p.e., perfilhação, adoção, consentimento para intervenções médico-
cirúrgicas, etc. não se aplicam estas disposições.

Elementos constitutivos normais da declaração negocial:


▪ Declaração propriamente dita – elemento externo – consiste no
comportamento declarativo.
▪ Vontade – elemento interno – consiste no querer, na realidade volitiva
que normalmente existirá e coincidirá com o sentido objetivo da
declaração
3 patamares da vontade:
i) Vontade de ação
▪ O comportamento tem de ser voluntário. Sem voluntariedade do
comportamento não há declaração negocial.
▪ Pode faltar a vontade de ação – a pessoa nem quis agir – dizemos que o
negócio é inexistente.
▪ Se alguém pegar no meu braço e assinar o papel, quando eu nem tinha
vontade de mexer a mão para o assinar, o negócio é inexistente.
ii) Vontade de declaração ou vontade de relevância negocial da ação
▪ Não basta que o comportamento seja voluntário. É necessário que haja
a consciência de que ao comportamento voluntário é atribuído o
sentido de uma declaração negocial.
▪ Há situações em que esta vontade de declaração pode não estar
presente.
▪ A pessoa não queria fazer um negócio, mas está numa situação em que
pode aparentar.
▪ P.e., estou num leilão e levanto o braço para saudar um amigo e acham
que estava a participar no leilão – até tinha a vontade de mexer o braço,
mas não queria participar no leilão – a solução é nulidade.
▪ P.e. assinatura involuntária de um contrato pensando ser um cartão de
felicitações.
iii) Vontade negocial, vontade do conteúdo da declaração ou intenção do
resultado
▪ Consiste na vontade de celebrar um negócio com o conteúdo que
corresponda à declaração exteriorizada.
▪ Pode haver um desvio da vontade negocial (erro).
▪ P.e. eu quero declarar a minha vontade de comprar 100 pares de
sapatos para revenda, mas enganei-me e, ao invés de declarar que
quero comprar 100 pares de sapatos, declaro que quero comprar 1000
pares de sapatos. O meu comportamento é voluntário e eu tenho
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consciência de que ele tem o sentido de uma declaração negocial, mas


o conteúdo que eu lhe quero imprimir não corresponde àquela
declaração que foi exteriorizada.
▪ Aqui há falta de vontade negocial que vai dar anulabilidade
(anulabilidade é muito menos grave que a nulidade).

Declaração expressa e declaração tácita


▪ Quanto à forma dos negócios jurídicos é reconhecido pelo
ordenamento jurídico um critério de liberdade: o princípio da liberdade
declarativa.
▪ Tal está consagrado no art. 217.º CC (possibilidade de declarações
negociais expressas e tácitas) e art. 219.º CC (liberdade de forma).

Art. 217.º CC:

Declaração expressa – a declaração negocial é expressa, quando feita por


palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade.
▪ Por vezes, a lei exige que a declaração seja expressa – encontramos
vários artigos no CC.
▪ Exemplos de casos de declaração negocial expressa:
▪ Artigo 413.º do CC: contrato-promessa com eficácia real;
▪ Artigo 587.º/2 do CC: garantias de solvência do devedor por
parte do cedente do crédito;
▪ Artigo 595.º/2 do CC: liberação expressa do anterior devedor, na
assunção de dívidas;
▪ Artigo 628.º/1 do CC: fiança;
▪ Artigo 731.º do CC: renúncia à hipoteca.

Declaração tácita – a declaração negocial é tácita quando se deduz de factos


que, com toda a probabilidade, a revelam.
▪ Por vezes, a lei tem o cuidado de frisar que um certo negócio pode ter
lugar por declaração tácita.
▪ Quando há declarações tácitas pode acontecer que o juiz terá de
interpretar. Como faz isso? Fá-lo visto de uma perspetiva de fora, do
ponto de vista da sociedade.
▪ Ou seja, requisitos para a declaração tácita:
▪ Inequivocidade dos factos concludentes;
▪ Com toda a probabilidade;
▪ Objetivamente, de fora, numa consideração de coerência, o
sentido negocial possa ser deduzido do comportamento de
declarante.

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▪ Artigo 236º do CC;


▪ Também abrange negócios formais – desde que os factos
concludentes estejam revestidos de forma legal.

Declaração silente
▪ Trata-se, principalmente, de saber se o silêncio pode considerar-se um
facto concludente (declaração tácita) no sentido da aceitação de
propostas negociais.
▪ A regra é que não há declarações silentes – não é não; nada é nada; sim
é sim – mas há exceções.
→ O Código Civil resolve, portanto, o problema no artigo 218.º (o silêncio
como meio declarativo), estabelecendo que:
▪ O silêncio não vale como declaração negocial
▪ A não ser que esse valor lhe seja atribuído por lei, convenção ou uso.
Ou seja, exceções:
▪ Lei – 1054.º CC; 1163.º CC;
▪ Uso – uso comercial – p.e., contrato de fornecimento;
▪ Convenção (contrato, acordo entre as partes).

Regulamento n.º 707/2016

Regulamento de Deontologia Médica

Artigo 54.º - Dever de gratuitidade

1. O médico deve tratar gratuitamente todos os colegas e os familiares que vivem a seu
cargo, podendo, todavia, fazer -se abonar dos gastos originados pelos atos médicos. Tal
dever prolonga-se, quando adequado, em caso de morte do colega.

2. O médico fica isento do dever de gratuitidade se existir entidade que cubra os custos
da assistência prestada e, bem assim, nas situações em que não tem poder de decisão
quanto à cobrança do serviço prestado.

DL n.º 24/2014, de 14 de fevereiro

Contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial

Artigo 28.º - Fornecimento de bens não solicitados

1. É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não


solicitado de bens, água, gás, eletricidade, aquecimento urbano ou conteúdos digitais ou
a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor, exceto no caso de bens ou
serviços de substituição fornecidos em conformidade com o n.º 4 do artigo 19.º

2. Para efeitos do disposto no número anterior, a ausência de resposta do consumidor na


sequência do fornecimento ou da prestação não solicitados não vale como
consentimento.

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Declaração negocial presumida


▪ A declaração negocial presumida tem lugar quando a lei liga a
determinado comportamento o significado de exprimir vontade
negocial, em certo sentido.
▪ Pode ilidir-se tal presunção mediante prova em contrário – presunção
iuris tantum.
▪ Presume-se um certo sentido negocial.

Exemplos:
▪ Art. 926.º CC (Venda a contento e vendas sujeitas a prova)
▪ Artigo 926.º - (Dúvidas sobre a modalidade da venda);
▪ Em caso de dúvida sobre a modalidade de venda que as partes
escolheram, de entre as previstas nesta secção, presume-se
terem adotado a primeira.
▪ Art. 2225.º CC
▪ Artigo 2225.º - (Disposição a favor de uma generalidade de
pessoas);
▪ A disposição a favor de uma generalidade de pessoas, sem
qualquer outra indicação, considera-se feita a favor das
existentes no lugar em que o testador tinha o seu domicílio à data
da morte.
▪ Art. 2316.º/3 CC

Declaração negocial ficta


▪ A declaração negocial ficta tem lugar sempre que a um comportamento
seja atribuído um significado legal tipicizado.
▪ Não se admite prova em contrário – é inilidível – presunção iuris et de
iure.

Exemplos:
▪ Art. 923.º/2 CC – aceitação das vendas feitas sob reserva de a coisa não
agradar ao comprador;
▪ Art. 1054.º CC - renovação do arrendamento, por falta de denúncia no
tempo e pela forma convencionados;
▪ Artigo 484.º - (Efeitos da revelia) – Código de Processo Civil - confissão
ficta:
▪ 1. Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se
citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado
procuração a mandatário judicial no prazo da contestação,
consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

O regime regra é o de que as presunções legais poderem ser ilididas,


mediante prova em contrário, só deixando de ser assim quando a lei o proibir
– artigo 350.º/2 CC.
▪ Quer dizer: salvo os casos excecionais consagrados na lei, as
presunções legais são presunções “tantum iuris”.

Protesto e reserva
Protesto – para impedir que seja imputado, por interpretação, um certo
sentido declarativo a um comportamento, o declarante afirma abertamente
não ser esse o seu intuito.
▪ Por vezes, uma pessoa pode estar a celebrar um contrato e haver coisas
sujeitas a interpretação, a mal-entendidos. Para evitar isso, a pessoa
afirma abertamente que não é aquele o seu intuito.
Reserva – um certo comportamento não significa a renúncia a um direito
próprio, ou o reconhecimento de um direito alheio.
▪ A pessoa aceita o negócio, mas isso não significa que esteja a renunciar
um direito.

FORMA DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL

Vantagens e inconvenientes da declaração negocial


Vantagens:
▪ Assegura uma mais elevada dose de reflexão das partes.
▪ Nos negócios formais, o tempo que medeia entre a decisão de
concluir o negócio e a sua celebração, permite repensar o
negócio e defende as partes contra a sua ligeireza ou
precipitação – dá-lhes oportunidade de medirem a importância e
os riscos do ato.
▪ No mesmo sentido concorre a própria solenidade do formalismo.
▪ Separa os termos definitivos do negócio da fase pré-contratual
(negociação);
▪ Permite uma formulação mais precisa e completa da vontade das
partes;
▪ Proporciona um mais elevado grau de certeza sobre a celebração do
negócio e os seus termos, evitando-se os perigos ligados à falível prova
por testemunhas;
▪ Possibilita uma certa publicidade do ato, o que interessa ao
esclarecimento de terceiros.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

Desvantagens:
▪ Redução da fluência e celeridade do comércio jurídico;
▪ Eventuais injustiças, derivadas de uma desvinculação posterior de uma
parte do negócio, com fundamento em nulidade por vício de forma,
apesar de essa parte ter querido efetivamente o ato jurídico negocial.

PRINCÍPIO – LIBERDADE DE FORMA – art. 219.º CC


A regra é a da liberdade de forma, no artigo 219.º:
▪ “A validade da declaração negocial não depende da observância de
forma especial, salvo quando a lei a exigir.”

A regra é, portanto, a de que as declarações negociais não terão


habitualmente de respeitar uma determinada forma especial.
Admitiu, contudo, numerosas e importantes exceções:
I.e., declarações negociais que, para ser válidas, têm de respeitar uma forma
especial determinada:

▪ Forma legal – normas imperativas – geram nulidade: art. 220.º CC


▪ Os negócios formais ou solenes são aqueles para os quais a lei
prescreve a necessidade da observância de uma determinada
forma, o acatamento de determinado formalismo ou
determinadas solenidades.
▪ Os negócios não solenes (consensuais, tratando-se de contratos)
são os que podem ser celebrados por quaisquer meios
declarativos aptos a exteriorizar a vontade negocial; a lei não
impõe uma determinada roupagem exterior para o negócio.

▪ Documento autêntico:
▪ Testamento; venda de imóveis – art. 875º CC;

▪ Escritura pública ou documento particular autenticado:


▪ Doação de imóveis – art. 947.º CC;
▪ Atos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis
(art. 80º do Código do Notariado).

▪ Documento particular:
▪ Doação de móveis não acompanhadas de translação da coisa
(art. 947.º/2 CC);
▪ Contrato-promessa (410.º CC);
▪ Pacto de preferência (414.º CC), etc.

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Forma convencional – art. 223.º CC


▪ O formalismo exigível para um certo negócio pode ser imposto pela lei
(forma legal) ou resultar de uma estipulação ou negócio jurídico das
partes (forma convencional).
▪ Acontece, por exemplo, quando durante as negociações prévias
se convenciona que o futuro ou futuros negócios entre as partes
se deverão revestir de certa forma.
▪ O problema da legitimidade da forma convencional está resolvido no
art. 223.º CC – fixou a admissibilidade e eficácia dos negócios
determinativos da forma.
▪ “Podem as partes estipular uma forma especial para a declaração;
presume-se, neste caso, que as partes se não querem vincular senão
pela forma convencionada.”
▪ Deste modo, as partes podem fixar que o seu negócio terá de revestir
especial forma, mesmo quando tal não esteja especificado na lei.
▪ O negócio dirigido à fixação de uma forma especial para um ulterior
negócio não está sujeito a formalidades.
▪ Este negócio cairá dentro do campo de aplicação do princípio da
liberdade de forma.
▪ De qualquer modo, o reconhecimento das estipulações das partes
sobre a forma do negócio não significa que os particulares possam
afastar, por acordo, as normas legais que exigem requisitos formais para
certos atos – uma vez que se trata de normas imperativas.

Âmbito da forma exigida


O problema do âmbito da forma legal exigida é saber o que tem de constar da
escritura.
▪ Considera-se que a forma legal aplicável, quando exigida, abrange
não só as clausulas essenciais dos negócios jurídicos, mas também as
estipulações acessórias, típicas ou atípicas, contemporâneas ou
anteriores.
Esta regra está consagrada no art. 221.º CC:
▪ “As estipulações verbais acessórias anteriores ao documento legalmente exigido para
a declaração negocial, ou contemporâneas dele, são nulas, salvo quando a razão
determinante da forma lhes não seja aplicável e se prove que correspondem à vontade
do autor da declaração.
▪ As estipulações posteriores ao documento só estão sujeitas à forma legal prescrita
para a declaração se as razões da exigência especial da lei lhes forem aplicáveis.”

Ou seja:
▪ As estipulações acessórias anteriores ao negócio ou contemporâneas
dele devem revestir a forma exigida pela lei para o ato, sob pena de
nulidade.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Admite-se, contudo, restrições a este princípio.


▪ Reconhece-se a validade de estipulações verbais anteriores ao
documento exigido para a declaração negocial ou contemporâneas
dele, mediante a verificação de certas condições.
▪ Para serem válidas têm de verificar cumulativamente 3 requisitos:
1. Têm de ser de facto cláusulas acessórias – complementar o
acordo das partes e não o contradizer;
2. Não podem estar abrangidas pelas razões determinativas da
forma – i.e., as razões que justificam que, excecionalmente, o
legislador imponha uma forma têm de estar verificadas, em
concreto.
3. Tem de se provar que correspondem à vontade das partes – art.
394.º CC.

Art. 394.º CC:


▪ Declara inadmissível a prova por testemunhas se tiver por objeto
convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos ou
particulares.
▪ Da coordenação do art. 221.º e do art. 394.º resulta que as estipulações
adicionais não formalizadas, não abrangidas pela razão determinante
da forma, só produzirão efeitos se tiver lugar a confissão ou se forem
provadas por documento (embora menos solene do que o existente
para o negócio, p.e., uma carta, etc.).

Exemplo:
▪ António celebrou um contrato de compra e venda com o Bernardo, de
um apartamento (um imóvel), cujo valor era de 100.000€.
▪ No momento da celebração do contrato, o António e o Bernardo
acordaram que o preço seria pago nestes moldes: no momento em que
estavam a uns minutos de outorgar a escritura pública, pagar-se-iam
50.000€; os outros 50.000€ pagar-se-iam ao fim de 1 ano.
▪ Isto ficou acordado entre eles, mas não consta da escritura – foi um
acordo verbal que eles fizeram.
▪ Outorgada a escritura pública, o Bernardo pagou ao António 50.000€ e
estava à espera do decurso do prazo de um ano para pagar os outros
50.000€. Ao fim de um mês, o António vem exigir-lhe mais 50.000€,
dizendo que ele estava numa situação de atraso no cumprimento.
▪ O Bernardo diz que não tem de pagar os 50.000€ euros agora porque
eles acordaram que seriam pagos ao final de 1 ano.
▪ O António contrapõe, dizendo que isso não consta da escritura e que,
portanto, esse acordo não é válido porque não obedece à forma legal
exigida.

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▪ Na prova exigida pelo art. 221º/1, vamos estar limitados pelas regras do
art. 394º, que nos diz que não é possível a prova por testemunhas.
Então, vamos ter de provar isto por confissão.
▪ No nosso caso, o António confessa que efetivamente acordou que
50.000€ só seriam pagos após um ano ou por um documento, ainda
que seja um documento menos solene (por exemplo, se houvesse um
e-mail, uma carta ou um bilhete redigido pelo António a comprovar
aquela versão que ele estava agora a tentar refutar).

Em suma:

A forma legal, quando exigida, abrange:


▪ Cláusulas essenciais;
▪ Estipulações acessórias, típicas ou atípicas;
▪ Cláusulas contemporâneas;
▪ Cláusulas anteriores ao negócio.

Em princípio, as estipulações acessórias anteriores ao negócio ou contemporâneas dele


devem revestir a forma exigida pela lei para o ato, sob pena de nulidade (art. 221.º).

Restrições: reconhece-se a validade de estipulações verbais anteriores ao documento


exigido para a declaração negocial ou contemporâneas dele, desde que se verifiquem,
cumulativamente, as seguintes condições:
▪ Que se trate de cláusulas acessórias:
▪ Cláusulas essenciais; devem complementar o documento e não contradizer
o documento;
▪ Que não sejam abrangidas pela razão de ser da exigência do documento:
▪ P.e., nada se diz num contrato de compra e venda sobre o lugar e o tempo
de pagamento do preço, mas prova-se que as partes convencionaram
verbalmente que o preço seria pago em certa data e local; parece que tal
acordo verbal deve ser respeitado, não havendo lugar à aplicação de
quaisquer normas supletivas;
▪ Que se prove que correspondem à vontade das partes:
▪ Há uma presunção natural de o documento ser completo; na dúvida sobre
a existência de uma estipulação acessória, anterior ou simultânea,
adicional, é de decidir contra a sua existência.

Porém – 394º CC:


▪ Declara inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objeto convenções
contrárias ou adicionais ao conteúdo dos documentos autênticos ou particulares.

Assim: 221º + 394º:


▪ As estipulações adicionais não formalizadas, anteriores ou contemporâneas do
documento, não abrangidas pela razão determinante da forma, só produzirão
efeitos, se tiver lugar a confissão ou se forem provadas por documento, embora
menos solene do que o exigido para o negócio (p. ex: uma carta, no caso de o
negócio dever constar de escritura pública).

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Art. 221.º/2:
▪ Pactos modificativos ou pactos extintivos/abolitivos.
▪ Tratamos aqui de estipulações acessórias posteriores, ou seja, aquelas
que vão modificar o negócio ou que vão abolir parte dele.
▪ Estes pactos não carecem da forma legal prescrita para a declaração, se
as razões da exigência especial da forma não lhes forem aplicáveis.
▪ Vaz Serra considerava que os pactos pelos quais se altera a área
do prédio vendido, ou aumenta ou se agrava as obrigações (p.
ex., fiança), cuja constituição a lei sujeita a forma, devem
considerar-se abrangidos pela exigência de forma legal;
▪ Mas não já quando o pacto cancele ou reduza as obrigações de
alguma ou de ambas as partes (sujeição a um prazo da obrigação
de pagar o preço, remissão do preço, limitação da obrigação do
fiador, etc.).
▪ Noutras hipóteses, porém, poderá haver lugar a dúvidas.

CONSEQUÊNCIAS DA INOBSERVÂNCIA DE FORMA

Distinção doutrinal entre formalidades:


▪ Formalidades “ad substantiam”:
▪ São insubstituíveis por outro género de prova, sendo que a sua
falta gera nulidade do negócio.
▪ São aquelas que são efetivamente requisito de validade num
negócio.
▪ P.e., normalmente, quando a lei exige uma forma especial, é uma
formalidade de substância – a forma é essencial para o negócio.
▪ Formalidades “ad probationem”:
▪ Podem ser supridas por outros meios de prova mais difíceis de
conseguir (confissão).
▪ Não configuram um elemento de validade do negócio, sendo
que servem apenas para efeitos probatórios.
▪ P.e., em certas situações, a forma (não sendo exigida como
requisito de validade formal) pode ser apenas um requisito de
prova.

O que acontece quando não se cumpre com a forma prevista?


▪ Nesse caso o negócio é nulo – pelo art. 220.º do CC – a consequência
da inobservância da forma legal é a nulidade – art. 286.º CC.
▪ “A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula,
quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei.”
▪ Ao colocar a questão sobre a consequência da falta de forma, fala-se da
formalidade ad substantiam e não da formalidade ad probationem – ou

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seja, se faltar uma formalidade, quando esta seja ad substantiam, gera-


se nulidade do negócio.

Nulidade – artigo 289.º CC


▪ Uma vez declarado nulo o negócio, deverá ser restituído tudo o que
tiver sido prestado em consequência do negócio viciado, podendo a
prova da prestação, para o efeito desta obrigação de restituir, ser feita
por qualquer dos meios de prova admitidos em geral pela lei.
▪ Esta restituição importa para que não se gerem resultados injustos:
▪ Por exemplo, celebrava-se um contrato de compra e venda, mas
com falta de forma. Consequentemente anula-se o negócio.
▪ Se o comprador já tivesse pago o preço, e o vendedor, tendo em
conta que o negócio era nulo (ou seja, já não tinha obrigações)
não entregasse a coisa vendida, seria injusto.
▪ Tal não ocorre, uma vez que a lei prevê a restituição do que foi
obtido como resultado desse negócio nulo.

Art. 364.º CC:


▪ Contudo, a nulidade deixará de ser a sanção para a inobservância da
forma legal sempre que, em casos particulares, a lei determine outra
consequência (art. 220.º).
▪ Pode suscitar-se, a este propósito, o problema de saber se o nosso
direito, nalguns casos, não considerará certas formalidades como
simplesmente probatórias (formalidades ad probationem).
No artigo:
▪ N.º 1 – reafirma-se que os documentos autênticos, autenticados ou
particulares são formalidades “ad substantiam”.
▪ N.º 2 – estatui-se que o documento pode ser substituído por confissão
expressa, se resultar claramente da lei que foi exigido apenas prova da
declaração.
▪ Admite-se como caso de suprimento da falta de documento a
confissão expressa.

Contrato de arrendamento:
▪ Arrendamento – é um caso em que estamos no meio dos dois casos de
formalidade.
▪ Art. 1069.º do CC.
▪ “1. O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito.”
▪ “2. Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja
imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer
forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo

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arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva


renda por um período de seis meses.”

▪ Acórdão do Tribunal da Relação do Porto – de 11/01/2021.


▪ Daqui se retira que, querendo o arrendatário fazer a prova da existência
do contrato nos termos da citada norma, tem de alegar e provar duas
coisas:
▪ Que a falta de redução a escrito do contrato de arrendamento
não lhe é imputável;
▪ Demonstrar a utilização do locado sem oposição do senhorio e o
pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis
meses.

EXCEÇÕES À NULIDADE
Será possível impedir a declaração de nulidade?

Art. 334.º CC e Art. 227.º CC


▪ Têm-se posto o problema de saber se possibilidade de invocação por
vício de forma não pode ser excluída por aplicação da cláusula geral
da boa-fé ou do abuso de direito, entre nós sancionada no art. 334.º
CC.
▪ Coloca-se a questão: deverá admitir-se a invocação da nulidade com
fundamento em vício de forma, quando essa invocação por uma das
partes constitua um abuso do direito, i.e., quando o comportamento do
invocante seja intoleravelmente ofensivo do nosso sentido ético
jurídico?
Exemplo:
▪ Por vezes não há forma porque uma das partes não o quis e,
posteriormente, excedendo os limites impostos pela boa-fé, vem tentar
valer-se dessa falta de forma.
▪ Imaginemos João, um agricultor, que quer comprar uma vinha.
▪ João faz um acordo com o seu velho amigo Manuel, em que este lhe
venderá a vinha por 10 mil euros.
▪ Manuel, por sua vez, diz a João que basta ele pagar 10 mil euros e a
vinha é sua, não sendo necessário dirigir-se a um notário, nem fazer algo
mais, uma vez que são amigos, aquilo seria um negócio do bem e isso
será apenas uma perda de tempo.
▪ Mais tarde, Manuel decide que afinal quer a vinha de volta e tenta
recuperá-la – ele invoca que o negócio é nulo (art. 220.º CC), pois não
foi ao notário, etc.

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▪ O que acontece aqui é que Manuel, intencionalmente e dolosamente,


induziu João no sentido da não formalização do negócio e agora
pretende tirar proveito de tal.
▪ Levanta-se aqui um problema ético jurídico. O que a doutrina defende
é que isto é abuso de direito – abuso do direito de pedir a declaração
da nulidade.

O problema:
▪ Será verdadeiramente escandalosa, a arguição da nulidade, com
fundamento em vício de forma, por um contratante que a provocou
(através de falsificar por outrem a sua própria assinatura ou insistir à
outra parte pela não formalização do negócio).
▪ Esta arguição estaria a exceder “manifestamente os limites impostos
pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico
desse direito”.
▪ Então, questiona-se se se pode ou não obstar à invocação desta
nulidade invocando o abuso de direito?

Soluções da doutrina – verificam-se 2 teses:


1.º tese:
▪ Manuel de Andrade propendia para a solução da improcedência da
arguição da nulidade, quando esta arguição revestisse as características
de um abuso de direito – art. 334.º CC.
▪ Esta posição é sustentada por Vaz Serra e pela 3.º edição do manual.
▪ Não se poderá arguir nulidade relativamente a uma situação em que
esta constitua abuso de direito.
▪ Ou seja, defende-se que defende que é possível obstar à invocação
da nulidade com base no referido abuso do direito.
▪ No exemplo acima, tratando-se de uma violação da boa-fé
(Manuel propositadamente não quis que fossem ao notário),
seria abuso do direito.
▪ Manuel estaria a abusar do direito de pedir declaração da
nulidade.
▪ Por esta doutrina, seria possível invocar o art. 334.º CC e Manuel
não teria direito a invocar nulidade.

2.º tese:
▪ Outros autores, porém, não admitiam que o princípio do abuso de
direito (ou o princípio da boa-fé) pudesse limitar a eficácia das normas
que exigem a forma, dados os fins imperativos de segurança que estas
têm em vista – pelo que deveriam ser estritamente aplicadas.

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▪ Ou seja, na sua posição, sustentam que a natureza imperativa das


formais legais impede o recurso ao abuso do direito.
▪ Logo, se as características do negócio, nomeadamente, a falta de
forma exigida o fizer ser nulo, este será de facto nulo,
independentemente da violação da boa-fé que tenha ocorrido.
▪ Isto acontece, pois, pretende-se proteger o valor da segurança
jurídica.
▪ Desta perspetiva decorre que os negócios afetados por vício de
forma tenham de ser nulos: se assim não fosse, não se garantiria
o acatamento dos preceitos sobre a forma, que passariam a ser
meras recomendações.
▪ A consequência da nulidade por falta de forma não é, pois,
deixada na dependência de uma apreciação, em cada caso
concreto, do significado e obtenção das finalidades
prosseguidas com a exigência legal de forma.
▪ Contudo, isto configurará, obviamente, uma situação um quanto injusta,
devido às circunstâncias de abuso de direito.
▪ Tenta-se corrigir, portanto, a injustiça concreta (resultante da indefetível
aplicação das regras sobre o formalismo) impondo, em caso de abuso
de direito, ao autor do abuso, a obrigação de indemnizar a outra parte
pelo interesse contratual negativo, por responsabilidade pré contratual
– por força do art. 227.º CC.

▪ Tal consideração não exige, porém, que as regras da forma devam ser
consideradas um ius strictum indefetivelmente aplicado, sem qualquer
subordinação a um princípio supremo do direito, como é o do abuso
do direito.
▪ O intérprete (desde que lealmente aceite como boa e valiosa para o
comum dos casos a norma que prescreve a nulidade dos negócios
feridos de vício de forma) está legitimado para, nos casos
excecionalíssimos do art.º 334º, afastar a sua aplicação, tratando a
hipótese como se o ato estivesse formalizado.
▪ Fora destes casos excecionalíssimos, se uma das partes atuou com
má-fé nas negociações, o negócio é nulo, mas surgirá uma
indemnização, por força do art.º 227º.

INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO


Arts. 236.º do CC e ss. do CC
▪ A interpretação nos negócios jurídicos é a atividade dirigida a fixar o
sentido e alcance decisivo dos negócios, segundo as respetivas
declarações integradoras.
▪ Visa evidenciar o conteúdo normativo que vai pautar a conduta das
partes no negócio jurídico.
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▪ Trata-se de determinar o conteúdo das declarações de vontade e,


consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em
conformidade com tais declarações, e virá a produzir, se não houver
qualquer motivo de invalidade.
▪ A interpretação deve pautar-se por regras ou critérios cuja formulação
é, precisamente, o objeto da teoria da interpretação dos negócios.

Teorias da interpretação do negócio jurídico:


Estas teorias visam responder a:
▪ Qual o tipo de sentido negocial decisivo, cuja determinação constitui o
fim da atividade interpretativa?
▪ Quais os elementos, os meios ou subsídios que o intérprete deve tomar
em consideração na busca do sentido negocial relevante?

A teoria da interpretação dos negócios jurídicos tem dado lugar à formulação


de conceções opostas:
▪ Posições subjetivistas:
▪ O intérprete deve buscar, através de todos os meios adequados,
a vontade real do declarante.
▪ O negócio valerá com o sentido subjetivo, i.e., como foi querido
pelo autor da declaração.
▪ Posições objetivistas:
▪ O intérprete não vai pesquisar a vontade efetiva/real do
declarante, mas sim um sentido exteriorizado ou cognoscível
através de certos elementos objetivos.
▪ O objeto da interpretação é a declaração como um ato
significante – e não a vontade como facto da vida anímica interior.
▪ É uma interpretação normativa e não uma interpretação
psicológica.

Teoria da impressão do destinatário


É a posição preferível adotada.
O Código Civil consagra uma teoria objetivista mitigada – não é uma teoria
objetivista radical, mas é uma teoria objetivista.
▪ A declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável,
colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria;
▪ Releva, portanto, o sentido que seria dado por uma pessoa
medianamente sagaz, medianamente diligente, medianamente
experiente àquela declaração, em face de todas as circunstâncias
que eram conhecidas pelo real declaratório.

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▪ Portanto, segundo Mota Pinto, tem de se ter em conta os elementos que


o declaratário conheceu e os que uma pessoa razoável, normalmente
esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido.
Esta teoria:
▪ Garante a tutela da legítima confiança da pessoa em face de quem é
emitida a declaração;
▪ É mais favorável à facilidade, a rapidez e à segurança da vida jurídico-
negocial.

Art. 236.º CC:


“1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição
do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder
razoavelmente contar com ele.

▪ O sentido correspondente à impressão do destinatário tem de ser


imputável ao declarante.
▪ I.e., para que tal sentido possa relevar torna-se necessário que
que este pudesse razoavelmente contar com ele.
▪ “Salvo se…” – constitui uma exceção subjetivista.
▪ Tem de haver coincidência entre o sentido correspondente à impressão
do destinatário e um dos sentidos imputáveis ao declarante.
▪ Não se verificando essa coincidência, a sanção é a nulidade do
negócio.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que
vale a declaração emitida.”

▪ Falsa demonstratio non nocet (significa que a vontade real é que conta)
– sem prejuízo do critério do n.º 1.
▪ O sentido querido realmente pelo declarante releva, mesmo quando a
formulação seja ambígua ou inexata, se o declaratário conhecer este
sentido.
▪ Nesse caso, a vontade real (podendo não coincidir com o sentido
objetivo normal) corresponde à impressão real do destinatário
concreto.

Casos duvidosos – art. 237.º CC


▪ Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos
negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos negócios
onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.
▪ P.e., um comodato. Uma pessoa ia estudar para Coimbra e o
amigo diz que lhe emprestava a casa por 15 dias, mas a pessoa
acha que disse por 15 meses. Nesse caso de dúvida, já que o

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

comodato é um contrato gratuito o juiz decide no sentido menos


prejudicial (no caso, 15 dias).
▪ Se a dúvida for insanável temos uma declaração ineficaz – art. 224.º CC.
▪ Naquelas situações em que, ainda assim, mesmo com a aplicação
destes critérios, não se consegue eliminar dúvidas e determinar o
sentido negocialmente relevante, o negócio é nulo.
▪ O negócio considera-se nulo porque é indeterminável e, então,
gera-se a nulidade nos termos do art. 280º.

Desvios

Num maior objetivismo:


▪ Sucede-se nos casos dos negócios solenes ou formais.
▪ Artigo 238.º CC.
▪ Quanto a estes, o sentido objetivo correspondente à impressão do
destinatário, i.e., o sentido correspondente à doutrina geral, não pode
valer se não tiver um mínimo de correspondência, embora imperfeita,
no texto do respetivo documento.
▪ Isto significa que nos estamos a desviar num sentido de um maior
objetivismo, em função da solenidade ou da formalidade do negócio.
▪ A consequência da inexistência de qualquer correspondência ou do
mínimo de correspondência entre o sentido da impressão do
destinatário e o texto do documento é a nulidade do negócio, com
fundamento no vício de forma (art. 220º CC).

Num maior subjetivismo:


▪ Sucede-se no caso das disposições testamentárias.
▪ Artigo 2187.º CC.
▪ Diz-nos que a interpretação do testamento tem de ser feita de acordo
com o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme
o contexto do testamento. Então, interpreta-se o testamento de acordo
com a vontade do testador.

▪ O sentido disto reside em duas razões primordiais:


▪ O negócio em causa – o testamento – não gera expectativas
dignas de confiança porque só vai produzir efeitos depois da
morte. Então, se temos aqui uma retração da confiança, podemos
orientar-nos por uma posição mais subjetivista.
▪ Estamos perante um negócio mortis causa, entendendo-se que
este negócio corresponde àquela que foi a última vontade do
falecido. Então, tenta preservar-se a sua vontade e salvaguardá-
la até quando for possível.

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▪ Na pesquisa desta vontade do testador é admitido o recurso à chamada


prova complementar ou extrínseca, i.e., a elementos ou circunstâncias
estranhas aos termos do testamento, fundadas em qualquer dos meios
de prova geralmente admitidos – esta possibilidade é conferida no art.
2187.º/2.

INTEGRAÇÃO
▪ Por vezes, mesmo depois de interpretar o negócio jurídico, ele não diz
tudo – isto é, por vezes, as partes no negócio não preveem todos os
aspetos que possam vir a suscitar-se a propósito do negócio jurídico.
▪ Quando assim seja – quando se conclui através da interpretação que a
regulamentação criada pelas partes não permite resolver um problema
que se suscite a propósito do contrato –, estamos perante um problema
de integração de uma lacuna.
▪ O critério a utilizar para o efeito de realizar a integração dos negócios
jurídicos lacunosos é enunciado no art. 239.º.

“Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com
a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo
com os ditames da boa-fé, quando outra seja a solução por eles imposta.”

▪ Para resolver a este problema de existência de uma lacuna, recorre-se


primeiramente às normas dispositivas do ordenamento jurídico – há que
averiguar se o ordenamento jurídico tem alguma norma que solucione
aquele problema (disposição especial – disposição supletiva).
▪ Na falta de disposição supletiva que possa aplicar-se, remete para a
vontade hipotética ou conjetural das partes – “a que elas teriam tido se
houvessem previsto o ponto omisso”.
▪ Significa que se vai integrar a lacuna e solucionar o problema de
acordo com a vontade que as partes teriam tido, no momento da
celebração do contrato, se tivessem previsto essa questão.
▪ Estabelece-se, todavia, que o juiz se deverá afastar da vontade
hipotética ou conjetural das partes quando a solução, que estas teriam
estipulado, contrarie os ditames da boa-fé.
▪ O que significa que a boa-fé não vai funcionar como um terceiro
expediente de integração das lacunas, mas vai limitar a própria
relevância da vontade hipotética ou conjuntural das partes.

A DIVERGÊNCIA ENTRE A VONTADE E A DECLARAÇÃO

▪ Normalmente, o elemento interno (vontade) e o elemento externo da


declaração negocial (declaração propriamente dita) coincidirão.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Pode, contudo, verificar-se, por causas diversas, uma divergência entre


esses dois elementos da declaração negocial.
▪ Estaremos perante um vício na formulação da vontade.

A divergência entre a vontade e a declaração pode ser de dois tipos:


▪ Divergência intencional – quando o declarante emite, consciente e
livremente, uma declaração com um sentido objetivo diverso da sua
vontade real, ou seja, a divergência é voluntária. O declarante emite a
declaração com intenção de não corresponder à vontade real.
▪ Simulação – art. 240.º CC;
▪ Reserva mental – art. 244.º CC;
▪ Declarações não sérias – art. 245.º CC.

▪ Divergência não intencional – ocorre quando o declarante não se


apercebe da divergência ou porque é forçado irresistivelmente a emitir
uma declaração divergente do seu real intento, ou seja, é involuntária.
▪ Erro-obstáculo ou erro na declaração – art. 247.º CC;
▪ Falta de consciência da declaração – art. 246.º CC;
▪ Coação física ou coação absoluta – art. 246.º CC.

Problema da divergência entre a vontade e a declaração como problema


autónomo:
▪ O problema da divergência é um problema autónomo – se na
interpretação da declaração temos uma doutrina objetivista (i.e.,
procuramos o sentido objetivista mais correspondente à declaração),
aqui o que acontece é que se houver uma divergência provavelmente
vamos cair na invalidade.
▪ Ou seja, surgem-nos dois problemas:
▪ O problema de saber se o negócio jurídico poderá, apesar da
divergência, valer com o sentido correspondente à vontade real;
▪ O problema de saber se a divergência entre o querido e o
declarado dá origem à invalidade do negócio jurídico.

O substrato teleológico do problema:


Substrato teleológico – procuramos os fins, os interesses em jogo, para
resolver todo este problema:
▪ Interesse do declarante – autodeterminação/auto-responsabilidade –
em nome da autonomia de vontade, muitas vezes, os negócios
deveriam ser inválidos (no ponto de vista do declarante), pois o que
ocorreu não era o que pretendiam, a sua intenção.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Interesse do declaratário – pretende-se a tutela/proteção da confiança –


proteção das legítimas expectativas.
▪ Interesses de terceiros (sub adquirentes, credores, etc.) – protege-se a
boa-fé.
▪ Interesses gerais do comércio jurídico/do tráfico jurídico: segurança,
fluência e celeridade da contratação

Teorias que visam resolver este problema:

Séc. XIX – proteger a vontade:


1. Teoria da vontade: defendida por Savigny, considera que devia
respeitar-se ao máximo a vontade da pessoa, então, se algo não
estivesse de acordo com a vontade da pessoa seria inválido. Ou seja,
pretende-se proteger o dogma da vontade – a vontade deve ter o peso
primordial.
▪ Invalidade do negócio jurídico.
2. Teoria da culpa in contrahendo: defendida por Ihering, considerava
que se devia respeitar a vontade (ou seja, parte da teoria da vontade),
mas também defendia que se devia proteger o comercio jurídico,
proteger a confiança. Ou seja, acrescentava uma obrigação de
indemnizar, uma vez anulado o negócio com fundamento na
divergência. Portanto, a declaração em princípio é inválida, mas exige-
se o pagamento de uma indemnização nos termos do art. 227.º CC (visa
cobrir o interesse contratual negativo ou interesse da confiança).
▪ Invalidade do negócio jurídico + indemnização.
▪ P.e., um vendedor de cerveja. O seu fornecedor tinha de lhe
fornecer 1mil litros, que custavam 500 euros, para vender numa
noite de festa. O vendedor iria conseguir vender esses litros por
5mil euros. Como o fornecedor de cerveja não a trouxe, o
vendedor perdeu os 5 mil euros de receita (perde 500 euros de
investimento e 45000 de lucro) – o montante da indemnização
era aquilo que o contrato comprovadamente lhe poderia dar. Se
conseguisse convencer o juiz que ia ganhar os 4500, iria ganhar
os 5 mil de volta.
▪ Dano negativo – despesas tidas por causa de um contrato que
não se chegou a realizar.
▪ Dano positivo – é o resultante de um contrato que ocorreu.

Séc. XX – proteger as expectativas do declaratário:


3. Teoria da responsabilidade: dá-se mais atenção ao argumento da
necessidade de proteger a confiança. Então, se o declarante teve dolo
ou culpa e, estando de boa-fé o declaratário, o negócio é válido.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

4. Teoria da declaração: surge a partir dos anos 40 e 50 – uma teoria mais


objetivista – dá relevo fundamental à declaração, ou seja, ao que foi
exteriormente manifestado. Ou seja, em princípio o que vale é o que foi
dito e terão de suportar as consequências consoante tal, com vista a
proteger a confiança. Comporta diversas modalidades:
▪ Doutrina da confiança: a divergência entre a vontade e a
declaração e o sentido objetivo da declaração, isto é, o que um
declaratário razoável lhe atribuiria, só produz a invalidade do
negócio, se for conhecida ou cognoscível do declaratário. Então,
só há invalidade se soubesse ou devesse saber que havia
divergência entre a vontade e a declaração.
▪ Doutrina da aparência eficaz: subscreve os resultados da
doutrina da confiança, mas limita-a, propugnando a invalidade
também para a hipótese de o declaratário, não se apercebendo
da divergência entre a vontade real e o sentido objetivo, ter,
todavia, compreendido um terceiro sentido. Quer dizer, a
validade do sentido objetivo só será de aceitar, em vez da
invalidade, se o declaratário confiou efetivamente nesse sentido.
▪ Uma pessoa tinha uma coisa na cabeça, disse uma coisa
diferente, mas a pessoa entendeu uma terceira coisa
diferente.

→ O CC, em cada artigo, tem expressões de cada uma destas teses. Ou seja,
o CC não adotou uma só doutrina específica. Por exemplo:
▪ Reserva mental – em princípio não produz invalidade – teoria da
declaração. Contudo, se o declaratário conhecia, leva a nulidade.
▪ Coação física – invalidade, mesmo que o declaratário esteja de boa-fé –
de certo modo, o dogma da vontade de Savingy perdura.
▪ Erro – anulabilidade apenas se o declaratário conheceu ou deveria
conhecer o erro.
No entanto, em regra, o CC segue a teoria da confiança.
▪ O CC não contém uma norma que resolva, em geral, o problema da
divergência entre a vontade e a declaração.
▪ As soluções, dadas a cada uma das formas que esta divergência reveste
(arts. 244º, 245º, 246º, 247º), mostram estar subjacente ao sistema do
atual Código uma solução declarativista.

SIMULAÇÃO
Art. 240.º do CC
“1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver
divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.”.
2. O negócio simulado é nulo.”

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ A lei define que a simulação ocorre quando há um acordo entre o


declarante e um declaratário, com o intuito de enganar terceiros.
▪ Deste modo, trata-se de uma divergência intencional entre a vontade e
a declaração que resulta de um conluio entre declarante e declaratário
e que tem como objetivo enganar terceiros.
▪ P.e., tenho credores que andam à procura do meu carro, da
minha casa e das minhas contas bancárias, pois tenho várias
dívidas. Coloco os bens em nome de outra pessoa com o intuito
de enganar os credores – fingir que não tenho nada, não consigo
pagar dívidas, porque não tenho património supostamente.
▪ A noção de simulação contém, em si, todos os requisitos da simulação.

Requisitos da simulação:
1. Intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração – tem
de haver uma intencionalidade de enganar, de declarar algo falso, i.e.,
importa a intenção.
2. Acordo simulatório – acordo entre o declarante e o declaratário, que vai
resultar nessa falta de concordância. (Isto não exclui, contudo, a
simulação nos negócios unilaterais).
3. Intuito de enganar terceiros – não implica que se vise prejudicar
terceiros, mas apenas meramente que se tenha a intenção de enganá-
los. (A propósito disto, faz-se a distinção entre simulação inocente e
fraudulenta).

Modalidades de simulação:
▪ Inocente – tem o mero intuito de enganar terceiros, sem os prejudicar.
▪ Doação simulada com fim de ostentação – p.e., pessoa finge que
dá um carro ao seu filho, quando na verdade só o alugou para
ostentação.
▪ Venda aparente em vez de doação real para evitar o
ressentimento de alguns herdeiros (não legitimários) – p.e., uma
tia tem várias sobrinhas e quer favorecer uma só ao dar-lhe a sua
casa. Então, finge que a vendeu, quando na verdade doou, para
evitar o ressentimento das outras herdeiras (herdeiros não
legitimários).
▪ Fraudulenta – tem intuito de prejudicar terceiros ilicitamente ou de
contornar uma norma da lei.
▪ Venda fantástica – efetuada pelo devedor a um comprador fictício
para prejudicar os seus credores;
▪ Venda aparente – que disfarça uma real doação para prejudicar
os herdeiros legitimários, os credores ou a Fazenda Nacional.
▪ Venda de imóveis simulando um preço inferior ao preço real para
prejudicar a Fazenda nacional.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Absoluta – as partes fingem celebrar um negócio jurídico e na realidade


não querem nenhum negócio jurídico. Há apenas o negócio simulado
e, por detrás dele, nada mais. É um negócio vazio (há apenas a
simulação).
▪ Exemplos: venda fantástica e doação com fins de pompa ou
ostentação.
▪ Relativa – as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico e na
realidade querem um outro negócio jurídico de tipo ou conteúdo
inverso. Há dois negócios – o simulado e o oculto. Por detrás do negócio
simulado, ou aparente, fictício ou ostensivo, há um negócio
dissimulado, ou real, latente ou oculto.
Simulação absoluta vs. simulação relativa:
▪ Como vimos, o negócio simulado é nulo (art. 240.º/2 CC) e na simulação
absoluta se não põe mais nenhum problema.
▪ Contudo, na simulação relativa, surge um outro problema além da
nulidade:
▪ Surge o problema de saber qual o tratamento a dar ao negócio
dissimulado ou real que fica a descoberto com a nulidade do
negócio simulado.
▪ Art. 241.º CC – simulação relativa:
▪ “1. Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes
quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe
corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a
sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.
▪ 2. Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido
se tiver sido observada a forma exigida por lei.”

Efeitos da simulação absoluta:


▪ O negócio simulado é nulo – art. 240.º/2 CC.
▪ A nulidade pode ser invocada a todo o tempo – art. 286.º CC.
▪ A nulidade pode ser invocada pelos interessados – art. 242.º CC.
▪ Os próprios simuladores podem arguir a nulidade.

Modalidades de simulação relativa


1. Simulação subjetiva ou dos sujeitos:
▪ Corresponde a uma interposição fictícia de pessoas – podem ser
simulados os sujeitos do negócio jurídico.
▪ P.e., A dá a B, para B dar a C, em vez de A dar diretamente a C.
▪ Arts. 953.º e 2196.º CC – é proibido fazer doação em testamento
para a pessoa com quem se praticou adultério. Então, se Ana,
casada com Bernardo quiser dar um relógio valioso a Carlos, seu
amante, não o pode fazer. Para ultrapassar essa dificuldade, Ana
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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

faz a doação à sua amiga Joana, para que esta depois doe ao
Carlos. Isto é uma interposição fictícia de pessoas.

▪ Realça-se que interposição fictícia de pessoas não se deve confundir


com a interposição real.
▪ Na interposição fictícia há um conluio entre os dois sujeitos reais
da operação e o interposto.
▪ Na interposição real o interposto atua em nome próprio, mas no
interesse e por conta de outrem, por força de um acordo entre
ele e um só dos sujeitos.
▪ Por exemplo: A está interessado na compra de certos bens
de B, mas, sabendo que este não lhos venderia
diretamente, acorda com C no sentido de este comprar os
bens a B e depois lhos vender. Nesta hipótese há uma
interposição real, não existindo conluio entre os três
sujeitos.
▪ Não se nos apresenta uma simulação, mas antes um
mandato sem representação (arts. 1180º e ss).
▪ Não há simulação – para haver simulação é necessária a
existência de um conluio entre os três sujeitos.

2. Simulação objetiva ou sobre o conteúdo do negócio:


▪ Simulação sobre a natureza do negócio:
▪ Se o negócio ostensivo ou simulado resulta de uma alteração do
tipo negocial correspondente ao negócio dissimulado ou oculto;
▪ P.e., finge-se uma venda e quer-se uma doação ou vice-versa.
▪ Simulação de valor:
▪ Incide sobre o quantum de prestações estipuladas entre as
partes.
▪ É o caso da simulação de preço na compra e venda, fingindo-se
um preço superior ou inferior ao preço real.

Efeitos da simulação relativa:


Doutrina geral:
▪ O negócio fictício ou simulado é nulo, tal como na simulação absoluta.
▪ A simulação relativa põe, todavia, um outro problema específico –
quanto ao negócio dissimulado?
▪ O negócio real ou dissimulado será objeto do tratamento jurídico
que lhe caberia se tivesse sido concluído sem dissimulação (art.º
241.º CC).
▪ Nestes termos, o negócio dissimulado poderá ser plenamente
válido e eficaz ou poderá ser inválido, consoante as
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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

consequências que teriam lugar, se tivesse sido abertamente


concluído.
▪ Ou seja, o facto de um negócio simulado ser nulo não torna o negócio
dissimulado nulo.

Simulação em prejuízo da Fazenda nacional:


▪ Simulação objetiva – de preço
▪ No disposto no art. 39.º da LGT, em caso de simulação, a tributação
recai sobre o negócio real, e não sobre o simulado.
▪ Recai sobre negócio real que conste de documento autêntico, de
decisão judicial a declarar a sua nulidade.

Simulação quanto aos negócios formais:


“2. Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido
observada a forma exigida por lei.”

▪ E se o negócio simulado tem a forma exigida, mas não a tem o negócio


dissimulado?
Podemos ver duas interpretações do art. 241.º/2:
Tese A:
▪ Beleza dos Santos defende uma tese mais rigorosa – considera que o
negócio dissimulado tem de ter a forma exigida por lei.
▪ Ou seja, resulta deste artigo que, se não se cumpriram, no negócio
simulado, os requisitos de forma exigidos para o dissimulado, este será
nulo por vício de forma.
▪ Esta tese valoriza uma maior segurança jurídica – ius strictum.
▪ Consideram, aqui, que os intérpretes do direito não têm de estar ao
serviço dos “vigaristas”.
▪ Mota Pinto defende, igualmente, esta tese.
Tese B:
▪ Por outro lado, Manuel de Andrade defende que o negócio dissimulado
podia aproveitar-se da forma do negócio simulado.
▪ Portanto, se no negócio simulado se cumpriu com a forma exigida pelo
negócio dissimulado então é válido.
▪ Pretende-se com isto salvar os efeitos práticos do negócio.
Argumento literal a silentio:
▪ A lei estabelece que o negócio dissimulado só é válido, se for observada
a forma exigida e nada diz para a hipótese de as razões do formalismo
do negócio dissimulado se acharem satisfeitas com a observância das
solenidades do negócio simulado.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

Argumento ratio dos preceitos que exigem forma:


▪ Estes preceitos visam finalidades específicas, sendo, pelo menos,
duvidoso que elas estejam plenamente alcançadas com a simples
observância das solenidades do negócio simulado.

Assim:
▪ O negócio simulado é nulo por simulação;
▪ O negócio dissimulado é nulo por vício de forma.

Tese adotada:
▪ Seguimos a tese mais rigorosa (tese A) na simulação de pessoas e na
simulação sobre a natureza do negócio.
▪ Seguimos a tese menos rigorosa (tese B) na simulação do preço (aceita-
se a forma do negócio simulado para cobrir a ausência de forma do
negócio oculto).

Podem os simuladores arguir a simulação?


▪ Segundo o art. 242.º CC, os simuladores têm legitimidade para arguir a
simulação.
▪ Contudo, estão limitados no que diz respeito aos meios de prova – é
inadmissível a prova por testemunhas – art. 394.º/2 CC.
▪ Portanto, o acordo simulatório só pode ser provado pelos simuladores
através de provas documentais ou por confissão.
▪ Não se admitem as provas por presunção nem se admite a prova
testemunhal.

Simulação e terceiros
▪ São considerados terceiros, para efeitos de invocação da simulação,
quaisquer pessoas, titulares de uma relação jurídica ou praticamente
afetada pelo negócio simulado e que não sejam os próprios
simuladores ou os seus herdeiros (depois da morte do de cujus).

Quem são os terceiros que podem arguir?


▪ Arguição da simulação por terceiros interessados na nulidade do
negócio?
▪ Sim – art. 286.º CC (e ressalvado no art. 242.º/1 CC);
▪ Herdeiros legitimários?
▪ Sim – art. 242/2.º CC:

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Em vida dos simuladores, os herdeiros legitimários só


podem invocar a nulidade se a simulação tinha como
intenção prejudicá-los. Não basta que a simulação os
prejudique, é necessário que haja mesmo a intenção de
causar prejuízo aos herdeiros legitimários.
▪ Depois da morte, os herdeiros legitimários podem arguir
a nulidade, apenas sucede que intervêm como sucessores
do simulador e não como terceiros salvo quando se trate
de herdeiros legitimários que têm em vista defender as
suas legítimas (neste caso, o herdeiro legitimário intervém
na qualidade de terceiro).
▪ Fazenda nacional?
▪ Sim. Podem invocar a nulidade dos atos que lhe tenham causado
prejuízo, p.e., na simulação de preço, liquidam-se os impostos
pelo valor real.
▪ Preferentes?
▪ Sim. Exerce-se a preferência pelo valor real.
▪ Credores?
▪ Sim. Arts. 286.º + 605.º CC.
▪ Não é necessário que o devedor esteja em insolvência para surgir
a possibilidade de obter a declaração de nulidade.
▪ Artigo 605.º CC - (legitimidade dos credores)
▪ “1. Os credores têm legitimidade para invocar a nulidade dos atos
praticados pelo devedor, quer estes sejam anteriores, quer posteriores
à constituição do crédito, desde que tentam interesse na declaração da
nulidade, não sendo necessário que o ato produza ou agrave a
insolvência do devedor.”

Arguição da simulação contra terceiros interessados


Art. 243.º CC
▪ A nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra
terceiro de boa-fé.
▪ A boa-fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os
respetivos direitos.
▪ Considera-se sempre de má-fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao
registo da ação de simulação, quando a este haja lugar.

Portanto:
▪ A simulação é inoponível a quaisquer terceiros de boa-fé.
▪ Contudo, vimos anteriormente que as nulidades provenientes de cisa
diversa da simulação são inoponíveis a terceiros de boa-fé, apenas
desde que se verifiquem certos requisitos constantes do art.º 291º;
▪ A inoponibilidade da simulação não depende, porém, desses
requisitos.
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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Há, então, um regime especial da inoponibilidade da simulação a


terceiros de boa-fé (art. 243.º), em confronto com o regime geral da
inoponibilidade das nulidades e anulabilidades (art.º 291º).
▪ Este regime especial, previsto no art. 243.º, dispensa alguns dos
requisitos previstos no regime geral do art. 291.º:
▪ Inclui aquisições a título oneroso ou gratuito;
▪ Não exige o registo da aquisição;
▪ É aplicável também a aquisições de bens móveis não sujeitos a
registo (ou seja, qualquer coisa – seja móvel ou imóvel);
▪ Dispensa o decurso do prazo de três anos referido no art. 291º,
nº 1;
▪ Protege também os terceiros que, embora culposamente,
desconheciam a simulação.
▪ Apenas se houver arguição pelo simulador (e os seus herdeiros).

Prova da simulação:
▪ A prova do acordo simulatório por terceiros é livre, podendo ser feita
por qualquer dos meios admitidos na lei: confissão, documentos,
testemunhas, presunções, etc.
▪ Para os terceiros a lei não estabelece qualquer restrição.
▪ Quanto à prova da simulação pelos próprios simuladores, como vimos
acima, não é admissível o recurso à prova testemunhal e estão também
excluídas as presunções judiciais.

RESERVA MENTAL
Art. 244.º CC
“1. Há reserva mental, sempre que é emitida uma declaração contrária à vontade real com o
intuito de enganar o declaratário.

2. A reserva não prejudica a validade da declaração, exceto se for conhecida do declaratário;


neste caso, a reserva tem os efeitos da simulação.”

▪ A lei define reserva mental como a emissão de uma declaração contrária


à vontade real, com o intuito de enganar o declaratário.

Modalidades:
▪ Inocente – quando há a intenção de enganar o declaratário;
▪ Fraudulenta – quando, para além da intenção de enganar, há a
intenção de prejudicar.

▪ Conhecida – tem os efeitos da simulação, logo, haverá nulidade.


▪ Desconhecida – irrelevância da reserva, a declaração negocial é válida.

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▪ Absoluta – quando o declarante não pretende celebrar qualquer


negócio;
▪ Relativa – quando há a intenção de celebrar um negócio diferente
daquele que foi celebrado.

▪ Unilateral – se apenas um dos contraentes agiu sobre reserva mental;


▪ Bilateral – se ambos tiverem declarado sobre reserva mental; no fundo,
temos duas reservas mentais.

Efeitos:
▪ A declaração negocial emitida pelo declarante, com a reserva, ocultada
ao declaratário, de não querer o que declara, não é, em princípio, nula.
▪ Reserva mental desconhecida – irrelevância da reserva mental.
▪ A declaração negocial é válida.
▪ “Se vieres a Coimbra na Queima das Fitas, eu convido-te a
dormir no meu apartamento e não terás despesas com
hotéis...”, disse Joana ao Mário, para o pôr em dificuldades
económicas, porque os hotéis estarão caríssimos. Quid
júris? Joana é obrigada a ceder-lhe o apartamento.

▪ Deixará, todavia, de ser assim, sendo o negócio nulo, como na


simulação, se o declaratário teve conhecimento da reserva.
▪ Reserva mental conhecida – tem os efeitos da simulação.
▪ A declaração negocial será, portante, nula.
▪ Mário sabia que Joana estava a emitir a declaração com
reserva mental. Terá direito a pernoitar no apartamento
dela? Não, pois a reserva era conhecida.

▪ Reserva mental inocente


▪ A declaração com reserva mental inocente (com vista a
tranquilizar outrem), em regra, é válida. Salvo em caso de abuso
do direito (334.º CC)
▪ Abusos de que direito? Direito de invocar o art. 344.º CC –
violação dos bons costumes.
▪ Ex: para evitar um suicídio, A promete oferecer 10.000 euros a B.
B não se suicida e vem reclamar a entrega do dinheiro. Quid
juris? Seria um abuso de direto o tribunal condenar A ao
pagamento dos 10 mil euros.

DECLARAÇÃO NÃO SÉRIA


Art. 245.º CC

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

“1. A declaração não séria, feita na expectativa de que a falta de seriedade não seja desconhecida, carece
de qualquer efeito. 2. Se, porém, a declaração for feita em circunstâncias que induzam o declaratário
a aceitar justificadamente a sua seriedade, tem ele o direito de ser indemnizado pelo prejuízo que
sofrer.”

▪ A divergência entre a vontade e a declaração, embora intencional, não


visa enganar ninguém, pois procede-se na expectativa de que a falta de
seriedade não passe despercebida.
▪ Ou seja, o declarante está convicto que não vai enganar ninguém, não
sendo essa sequer a sua intenção. O declarante considera que também
ninguém o vai levar a sério, i.e., que a sua falta de seriedade vai ser
notada.
▪ P.e., o doutor diz que vai oferecer um capacete a todas as pessoas que
não tiverem cabelo na sala – é uma brincadeira, não espera que o levem
a sério, pois não estava seriamente a fazer conta de oferecer capacetes.

Modalidades:
▪ Declarações jocosas, cénicas, didáticas, publicitárias, etc.

Efeitos:
▪ Em princípio, a declaração carece de qualquer efeito (art. 245º) –
inexistência – o negócio considera-se inexistente.
▪ Contudo, art. 245.º/2 prevêem-se casos marginais: quando a
declaração foi feita em circunstâncias que induzem o declaratário a
aceitar justificadamente a sua seriedade (quando as pessoas não
entendem a falta de seriedade):
▪ A solução continua a ser a inexistência (a declaração carece de
qualquer efeito);
▪ Acrescendo, porém, a responsabilidade do declarante pelo
chamado interesse negativo ou da confiança, i.e., um dever de
indemnização.
▪ Este artigo aproxima-se da teoria de Ihering: o negócio é inválido, mas
compensa-se concedendo uma indemnização à pessoa que acreditou
na declaração – ver ainda art. 227.º CC.

DIVERGÊNCIAS NÃO INTENCIONAIS


▪ Coação física ou absoluta;
▪ Falta de consciência da declaração;
▪ Erro na declaração ou erro-obstáculo.

COAÇÃO FÍSICA

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▪ Na coação física ou absoluta o coagido tem a liberdade de ação


totalmente excluída.
▪ Enquanto na coação moral ou relativa a liberdade está cerceada,
mas não excluída.
▪ P.e., se apontar uma arma à pessoa e ela assinar o contrato é
coação moral e não física, porque ainda houve um momento de
liberdade.
▪ Trata-se de uma divergência não intencional entre a vontade e a
declaração que resulta do facto de o declarante estar submetido a uma
força de tal modo irresistível que ele é transformado num autómato.

▪ Quanto às três modalidades de vontade que subjazem à declaração


propriamente dita — vontade de ação, vontade de declaração e vontade
negocial:
▪ A vontade que falha é a própria vontade de ação. O comportamento
nem sequer é voluntário e isto vai fazer com que a consequência seja
extremamente grave.
▪ A sanção será a da inexistência: o negócio não produz quaisquer
efeitos porque vai ser considerado inexistente – art. 246.º CC.

FALTA DE CONSCIÊNCIA DA DECLARAÇÃO


▪ Aqui, a divergência resulta do facto de o sujeito declarante não se
aperceber de que o seu comportamento – que é voluntário – tem o valor
de declaração negocial.
▪ Geralmente, o comportamento é voluntário, mas não há
consciência de que àquele comportamento se atribui o valor de
declaração negocial.
▪ Em regra, a vontade que aqui falta é a vontade de declaração.
▪ Nos termos do art. 246.º CC, havendo falta de consciência da
declaração – havendo desconhecimento de que o comportamento que
foi voluntário teria o valor de uma declaração negocial –, então, o
negócio celebrado não produz nenhum efeito.
▪ No entanto, aqui, a situação é menos grave do que na coação física.
▪ A não produção de efeitos no que diz respeito à falta de consciência da
declaração deve ser interpretada no sentido da nulidade.
▪ Se houver culpa do sujeito nessa falta de consciência da declaração,
então, ele terá de indemnizar a contraparte com base no interesse
contratual negativo.

→ Significa isto que tem de se interpretar duplamente o art. 246º CC:


▪ Na coação física ou absoluta, o que está em causa é a inexistência.
▪ Na falta de consciência de declaração, o que está em causa é a nulidade.

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ERRO OBSTÁCULO OU ERRO NA DECLARAÇÃO


▪ Estamos perante uma divergência entre a vontade e a declaração não
intencional que motiva um engano/lapso.
▪ O declarante quer dizer uma coisa e, por engano, diz outra.
▪ Esse engano pode ser um erro mecânico (p.e., ao usar o computador,
queria escrever 100, mas escrevi 1000), um lapsos linguee (p.e., queria
dizer branco, mas estava tão cansada que disse preto) ou um erro de
ajuizamento (julgava ter nascido na casa n.º3 em Coimbra, e comprei-a
por isso, mas na verdade afinal tinha nascido na n.º30).

Art. 247.º CC – Erro na declaração:


Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a
declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar
a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.

▪ Nos termos do art. 247º CC, a consequência da verificação do erro é


que o negócio é anulável.
▪ Contudo, para que o negócio seja anulável, exige-se que o declaratário
conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade do elemento
sobre o qual incidiu o erro.
▪ Ou seja, não se exige o conhecimento ou a cognoscibilidade do erro,
mas sim o conhecimento ou a cognoscibilidade da essencialidade do
elemento sobre o qual incidiu o erro.
▪ Remissão para o art. 287.º CC sobre o regime geral da anulabilidade.

Distinção entre erro obstáculo e erro vício:


▪ O erro vício é um vicio da vontade e não uma divergência entre a
declaração e a vontade.

Os casos especiais de dissídio e a teoria da aparência eficaz:


▪ Se o erro foi culposo – se houver culpa ao incorrer naquele engano, o
negócio continua a ser anulável, mas pode haver responsabilidade do
errante. Ele poderá ter de indemnizar a contraparte pela confiança
frustrada.
▪ Como regra, impõe-se o requisito do conhecimento ou
cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre o qual incide o
erro para que o negócio seja anulável para garantir que a confiança da
contraparte é protegida.
▪ Contudo, há casos em que não existe nenhuma confiança digna de
tutela (p.e., A emite uma declaração a dizer Y quando na verdade queria
dizer X; mas o B entende Z) – temos aqui a teoria da aparência eficaz –
esta forma gera a invalidade do negócio.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

Art. 248.º CC - Validação do negócio:


A anulabilidade fundada em erro na declaração não procede, se o declaratário aceitar o
negócio como o declarante o queria.

Art. 249.º CC - Erro de cálculo ou de escrita:


O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através
das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta.

Art. 250.º CC - Erro na transmissão da declaração


1. A declaração negocial inexatamente transmitida por quem seja incumbido da transmissão
pode ser anulada nos termos do artigo 247.º

2. Quando, porém, a inexatidão for devida a dolo do intermediário, a declaração é sempre


anulável.

VÍCIOS DA VONTADE

→ Vícios da vontade são perturbações do processo formativo da vontade.


▪ Os vícios da vontade dizem respeito à formação da vontade.
▪ Esta vontade é debilitada por algum lado e não corresponde a uma
vontade livre.
▪ Há vários vícios da vontade:
▪ Erro-vício;
▪ Dolo;
▪ Coação moral;
▪ Incapacidade acidental;
▪ Estado de necessidade.

O regime da lesão e dos vícios redibitórios:


▪ No novo CC, de 1966, deixou-se de considerar a lesão (grave
desequilíbrio entre as prestações, nos contratos onerosos comutativos)
motivo autónomo de invalidade dos negócios jurídicos.
▪ Em Portugal, a lesão (deste modo) acabou.
▪ A diferença é que na lesão (figura que vem já do direito romano)
uma pessoa que vende um vinho avaliado em 1200 euros, se
vender por 50, no direito francês e romano, este negócio é já
anulável, porque entende-se que se está a ser vítima de
exploração. Há uma situação de exploração de necessidade,
inexperiência, etc.
▪ Existe, agora, a usura – esta é efetuada nos termos do art. 282.º CC.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Tem de se provar o elemento objetivo e o elemento subjetivo, ou


seja, provar que houve um manifesto desequilíbrio contratual.
▪ Portanto, a lesão até existe no direito português, mas de forma
adaptada – passou-se a considerar o negócio usurário.

▪ Os vícios inibitórios são também uma figura que vem do direito


romano.
▪ Trata-se de situações em que se compra uma coisa com defeito ou
quando se vende uma coisa onerada.
▪ Ver arts. 905.º e 913.º CC.
▪ Em ambos os casos, a anulabilidade depende da verificação dos
requisitos legais de relevância do erro e do dolo, ou seja, não basta
provar que a coisa tinha defeito ou era onerada, é necessário que se
verifique erro ou dolo, para ser anulável.
▪ Outros aspetos particulares da situação:
▪ Estabelece-se uma obrigação do vendedor de fazer convalescer
o contrato (arts. 907º e 914º):
▪ Prescreve-se um regime especial de indemnização (arts. 908º,
909º, 910º e 915º);
▪ O comprador pode pedir redução do preço (art. 911.º);
▪ Um prazo especial para a caducidade da ação de anulação por
erro (art. 917º) – prazo de garantia de 6 meses;
▪ Concede-se uma ação de redução do preço, em caso de erro ou
dolo incidentais;
▪ Prescreve-se a responsabilidade, em certos termos, do locador
(art.º 1032º), etc.
▪ O CC concede, portanto, alguma proteção ao comprador.
▪ A UE criou também uma diretiva de proteção dos direitos do
consumidor – DL 67/2003. Este decreto versa sobre a compra e venda
de bens de consumo e aplica-se quando de um lado esteja um
consumidor e do outro um vendedor.
▪ Para se aplicar o disposto do Código Civil é necessário que haja erro ou
dolo. Já para aplicar o disposto no decreto-lei apenas se exige que haja
uma desconformidade da coisa com o contrato.

1) ERRO-VÍCIO
▪ Traduz-se numa representação inexata ou na ignorância de uma
qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na
decisão de efetuar o negócio.
▪ O declarante não teria realizado o negócio nos termos em que o
celebrou se tivesse exato conhecimento da realidade.
▪ Trata-se, pois, de um erro nos motivos determinantes da vontade – é um
erro na formulação da vontade.

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Modalidades:
A. Erro sobre a pessoa do declaratário:
▪ Erro sobre a identidade e erro sobre as qualidades.
▪ Art. 251.º CC
B. Erro sobre o objeto do negócio:
▪ Pode incidir sobre um objeto mediato (sobre a identidade ou as
qualidades) ou sobre um objeto imediato (erro sobre a natureza
do negócio).
▪ Art. 251.º CC
C. Erro sobre os motivos não referentes à pessoa do declaratário nem
ao objeto do negócio:
▪ É uma noção residual – corresponde ao erro da causa e o erro
sobre a pessoa de terceiro.
▪ Art. 252.º CC

Condições gerais da relevância do erro-vício como motivo da


anulabilidade:

I) Essencialidade
▪ Só é relevante o erro essencial, i.e., aquele que sem ele, não se
celebraria qualquer negócio ou se celebraria um negócio com outro
objeto ou de outro tipo ou com outra pessoa.
▪ Ou seja, é aquele que levou o errante a concluir o negócio em si mesmo
e não apenas nos termos em que foi concluído – o erro essencial é
determinante da celebração do próprio negócio.
▪ P.e., A compra um objeto de prata por 1000, porque julga ser um
objeto de ouro, e, se soubesse a verdade, não o teria comprado.
▪ O erro incidental, pelo contrário, não releva.
▪ O erro será incidental se, sem ele, o errante, embora noutros
termos, sempre celebraria o mesmo negócio (manter-se-ia o tipo
negocial, o objeto, os sujeitos).
▪ Portanto, o erro incidental é determinante dos termos em que o
negócio foi celebrado.
▪ P.e., A, se soubesse a verdade, teria comprado o objeto de prata,
mas apenas por 200.
▪ O caso do erro incidental é, então, irrelevante – o negócio deve
fazer valer-se nos termos em que teria sido concluído, sem o erro.
▪ Em regra, o erro incidental não é fundamento da anulação do
negócio. Há, no entanto, situações em que o erro incidental
conduz à anulação.
▪ Art. 292.º CC sobre redução do negócio jurídico – a nulidade ou
anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio,

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a
parte viciada.
▪ O erro, para relevar, deve atingir os motivos determinantes da vontade
(arts. 251º e 252º).
▪ Esse erro (essencial) será anulável.

II) Propriedade
▪ O erro só é próprio quando incide sobre uma circunstância que não
seja a verificação de qualquer elemento legal da validade do negócio.
▪ O erro será impróprio quando, p.e., versar sobre os requisitos legais de
forma negocial, a ilicitude do objeto mediato ou imediato, a capacidade
do errante, etc. – nestes casos o tipo de invalidade não é
correspondente ao erro vício.

III) Escusabilidade
▪ No CC atual, não se formula qualquer exigência da desculpabilidade ou
escusabilidade do erro.
▪ Deve, todavia, entender-se, que, no caso de erro culposo, os interesses
da outra parte, não obstante a anulação, não são desprotegidos:
▪ Com fundamento no art. 227.º (culpa na formação dos contratos),
o errante, pode invocar a anulabilidade, mas incorrerá em
responsabilidade pré-negocial, devendo indemnizar o
chamado interesse contratual negativo.
▪ Quando, porém, aplicando o art. 247.º se lese clamorosamente os
interesses do declaratário, deve obstar-se à anulação, por força da
cláusula geral do abuso do direito (art. 334.º).

Condições especiais de relevância do erro-vício como motivo de


anulabilidade:

A e B) Erro sobre a pessoa do declaratário e sobre o objeto:


▪ Quanto aos requisitos de relevância do erro sobre a pessoa do
declaratário e do erro sobre o objeto, o regime jurídico dos dois é o
mesmo.
▪ Art. 251.º CC – O erro que atinja os motivos determinantes da vontade,
quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio,
torna este anulável nos termos do artigo 247.º.
▪ Ou seja, além dos requisitos gerais – de essencialidade e propriedade –
temos, ainda, de ter em conta um outro requisito:
▪ Conhecimento ou cognoscibilidade da essencialidade do
elemento sobre o qual incidiu o erro.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Remissão para o art. 287.º - consequências jurídicas.

C) Erro sobre os motivos não referentes à pessoa do declaratário nem ao


objeto do negócio:
▪ Artigo 252.º/1 - (Erro sobre os motivos) – o erro que recaia nos motivos
determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário
nem ao objeto do negócio, só é causa de anulação se as partes
houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo.
▪ Portanto, é necessário que haja um acordo entre as partes acerca da
essencialidade dos motivos/do motivo.
▪ Efetiva estipulação, expressa ou tácita, tornando a validade do
negócio dependente da verificação da circunstância sobre que
incidiu o erro, o que deve acontecer raramente.
▪ Em regra, não há anulação por erro sobre os motivos.

Erro sobre a base do negócio:


▪ Contudo, diz-nos o art. 252.º/2:
▪ Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é
aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação
do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o
negócio foi concluído.

▪ Se o erro incidir sobre as circunstâncias que constituem a chamada base


negocial, haverá lugar à anulabilidade do contrato.
▪ O erro é quando há um vício da vontade, sendo anterior ou
contemporâneo ao negócio jurídico e gera anulabilidade.

▪ Contudo, podemos ter uma situação de pressuposição ou alteração


superveniente das circunstâncias, feita nos mesmos termos que nos
arts. 437.º e 439.º.
▪ Quando se celebra um negócio, no futuro, tudo pode acontecer.
Pois o futuro é aberto a todas as possibilidades (hoje
pressuponho determinadas circunstâncias, mas elas podem
mudar no futuro).
▪ Portanto, aquela que era a base em que se sustentou a
celebração do negócio pode modificar-se radicalmente amanhã
e, modificando-se, o contrato que eu hoje celebrei, amanhã já vai
ser outro, porque o equilíbrio contratual foi afetado.
▪ Aqui dispõe-se acerca da resolução por alteração das
circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi
concluído.
▪ O artigo diz-nos que, se as circunstâncias em que as partes
fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração

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anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato ou à


modificação dele.

▪ Quais as hipóteses em que se poderá afirmar que o erro incide sobre a


base negocial?
▪ Quando se coloca em causa as exigências ditadas pelo princípio
da boa-fé;
▪ Quando não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato;
▪ Coronation cases.

▪ A consequência/sanção jurídica encontra-se no art. 287.º CC.

2) DOLO
▪ A noção de dolo consta no art. 253º/1 CC.
▪ Trata-se de um erro determinado por um certo comportamento da
outra parte.
▪ Pode concluir-se que é um erro qualificado – em vez de ter sido o
declaratário ou o declarante a incorrer espontaneamente em erro, foi
antes aquele que emitiu a declaração que foi induzido pelo
comportamento da contraparte.

Dolo positivo e dolo negativo:


▪ Só existirá dolo quando:
▪ Se verifique o emprego de qualquer sugestão ou artifício com a
intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da
declaração (dolo positivo ou comissivo);
▪ Atuação positiva – no sentido de induzir ou manter em
erro.
▪ Implica, portanto, uma ação.
▪ As “sugestões” podem ir desde simples mentiras a
esquemas de engano complexos e elaborados.
▪ Ou quando tenha lugar a dissimulação, pelo declaratário ou por
terceiro, do erro do declarante (dolo negativo, omissivo ou de
consciência).
▪ Atuação negativa – no sentido de omitir um dever de
esclarecimento, dissimulando assim o erro que já existia
da parte do próprio declarante.
▪ Este dever de esclarecimento só existirá quando o
declaratário, de acordo com o princípio da boa-fé, tivesse
o dever de elucidar a sua contraparte.
▪ É necessário que o engano seja efetivamente causado pelas
sugestões/artifícios usados pelo terceiro ou pelo declaratário ou, no

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caso do dolo negativo, a omissão dos deveres de esclarecimento tem


de ser determinante para a manutenção daquele equívoco.
▪ Este é um dolo enquanto vício de vontade e não um dolo enquanto
forma de culpa (não se podem confundir!).

Dolus bonus e dolus malus:


▪ Dolos malus - artifício que alguém emprega com intenção de induzir
em erro ou manter em erro.
▪ Para efeitos de invalidação do negócio jurídico apenas releva o
dolus malus.
▪ Dolus bonus – traduz-se no conjunto de artifícios ou sugestões que
sejam considerados legítimos segundo as conceções dominantes no
comércio jurídico (art. 253.º/2 CC).

Dolo inocente e dolo fraudulento:


▪ Dolo inocente – há mero intuito enganatório (de enganar).
▪ Dolo fraudulento – há o intuito ou consciência de prejudicar.
▪ A distinção não tem interesse prático, em ambos os casos se
verificando os mesmos efeitos.

Dolo proveniente do declaratário e dolo proveniente de terceiro


▪ Proveniente do declaratário
▪ Proveniente de terceiro
▪ A distinção tem grande importância pois para a relevância do
dolo de terceiro, são exigidas certas condições suplementares
que devem acrescer às do dolo do declaratário e o seu efeito é
mais restrito.

Dolo essencial ou determinante e dolo incidental:


▪ Dolo essencial ou determinante – o enganado foi induzido pelo dolo
a concluir o negócio em si mesmo e não apenas nos termos em que foi
concluído; sem dolo não se teria concluído qualquer negócio. Ou seja,
o dolo é determinante da vontade de celebrar o negócio.
▪ Dolo incidental – o enganado apenas foi influenciado quanto aos
termos do negócio, pois sempre contrataria, embora noutras
condições. Ou seja, o dolo será determinante não da vontade de
celebrar o negócio, mas dos termos em que este é celebrado.

EFEITOS DO DOLO

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▪ Art. 254.º CC.


▪ O principal efeito do dolo é a anulabilidade do negócio (art. 254.º/1);
▪ Acresce, contudo, a responsabilidade pré-negocial do autor do dolo
(decetor), por ter dado origem à invalidade, com o seu comportamento
contrário às regras da boa-fé, durante os preliminares e a formação do
negócio (art. 227.º).
▪ Trata-se aqui de uma responsabilidade pelo dano da confiança
ou interesse contratual negativo.
▪ No que toca a esta questão, é importante considerar a diferença entre
o dolo do declaratário e o dolo de terceiros.

Condições de relevância do dolo do declaratário:


▪ Dolus malus;
▪ Essencial ou determinante;
▪ Intenção ou consciência de induzir ou manter em erro;
▪ O dolo bilateral ou recíproco pode ser invocado – não é necessário que
o dolo seja unilateral.

Condições de relevância do dolo de terceiro:


▪ Se o declaratário conheceu ou lhe foi cognoscível o dolo de terceiro:
▪ O negócio será totalmente anulável.
▪ Se o declaratário não conhecia o dolo, mas tinha o dever de o conhecer
(ou seja, há cognoscibilidade do dolo):
▪ O negócio é anulável.
▪ Se o declaratário não conheceu nem devia conhecer o dolo de terceiro:
▪ O negócio só será anulável se o terceiro beneficiar de algum
efeito (i.e., se ao terceiro decetor adveio, por força do negócio,
diretamente algum direito).
▪ A anulação será limitada à cláusula que beneficia o terceiro – ou
seja, dá origem a invalidade parcial.
▪ Exemplo: A e B celebram um contrato de arrendamento.
O A celebra aquele contrato porque está convencido de
que o B é filho de um grande amigo de infância porque o
C o convenceu disso. O B não sabia de nada nem era
exigível que soubesse. O C fez isto porque queria que A
arrendasse a casa porque iria ganhar uma comissão.
▪ Nestes casos, temos um terceiro que é beneficiário autor
do dolo. O que se vai anular é o benefício que este terceiro
tenha adquirido. O contrato de arrendamento entre A e B
seria válido, mas era automaticamente anulável a cláusula
do contrato nos termos da qual o C tinha direito a uma
determinada comissão sobre o arrendamento.

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3) COAÇÃO MORAL

Art. 255.º CC
“1. Diz-se feita sob coação moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal
de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração.”

▪ É, portanto, a perturbação da vontade, traduzida no medo resultante de


ameaça ilícita de um dano (de um mal), cominada com o intuito de
extorquir a declaração negocial.

“2. A ameaça tanto pode respeitar a pessoa como a honra ou fazenda do declarante ou de
terceiro.”

“3. Não constitui coação a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor
reverencial.”

▪ Exercício normal de um direito:


▪ P.e., António é credor e B é devedor. António tem medo de que
Bernardo não possa pagar a dívida e ameaça-o, dizendo: “ou
constituis uma hipoteca a meu favor ou eu vou executar o
pagamento do crédito, porque tenho medo de que não consigas
pagar”. O credor está apenas a exigir o seu direito ao reforço da
garantia do crédito e, portanto, não há coação moral – estamos
no âmbito do exercício normal de um direito.
▪ Temor reverencial:
▪ Este traduz-se na sensação de medo de desagradar em relação a
um superior hierárquico ou a alguém numa posição superior.

Modalidades da coação
Coação física e moral:
▪ Moral: quando a liberdade do coato não foi totalmente excluída,
quando lhe foram deixadas possibilidades de escolha, embora a
submissão à ameaça fosse a única escolha normal. Ou seja, esta coação
reduz a liberdade do coagido, mas não a elimina – tem a opção de sofrer
o mal de que é ameaçado.
▪ P.e., A é ameaçado de morte ou de agressão ou de difamação,
se não emitir certa declaração negocial.
▪ Esta dá lugar à anulabilidade do negócio.
▪ Física: quando a liberdade exterior do coato é totalmente excluída e
este é utilizado como puro autómato ou instrumento.
▪ P.e., A obriga B, arrastando-lhe a mão, a assinar uma declaração
negocial.
▪ Esta dá lugar à inexistência do negócio.
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Coação principal e coação incidental:


▪ Principal: sem aquela coação, o negócio jamais teria sido celebrado.
▪ Incidental: sem aquela coação, o negócio até seria realizado, mas
noutros termos.
Coação dirigida à pessoa ou à honra ou à fazendo do declarante ou de
terceiro:
▪ Art. 255.º/2.
▪ No regime geral da coação não há qualquer diferença de tratamento,
consoante o bem ameaçado pela cominação ou a pessoa diretamente
visada.
Coação exercida pelo declaratário e coação exercida por terceiro:
▪ A lei estabelece uma ligeira diferença entre as condições de relevância
da coação, como motivo de anulabilidade, num e noutro caso (art. 256º,
2.ª parte).

Efeitos da coação
Art. 256.º CC
“A declaração negocial extorquida por coação é anulável, ainda que esta provenha de terceiro;
neste caso, porém, é necessário que seja grave o mal e justificado o receio da sua
consumação.”

▪ Como regra, a coação dá origem a anulabilidade do negócio.


▪ Dá lugar igualmente à responsabilidade pré-negocial do autor (art.
227.º).
▪ Temos aqui, contudo, de fazer a distinção entre a coação exercida pelo
outro contraente e a coação exercida por um terceiro, no que toca às
condições de relevância da coação como motivo de anulabilidade.

Coação exercida pelo outro contraente:


▪ Só produzirá anulabilidade quando:
▪ Se trate de coação essencial ou principal:
▪ Se a coação for incidental, ela releva nos mesmo termos
em que relevam o dolo e o erro incidentais.
▪ Haja intenção de extorquir a declaração (“com o fim de obter”);
▪ Ilicitude da ameaça – esta depende:
▪ Da ilegitimidade dos meios empregues (p.e., ameaça de
agressão ou morte);
▪ Da ilegitimidade do fim – ilegitimidade da prossecução
daquele fim com aquele meio.

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Coação exercida por terceiro:


▪ (Ao contrário do que acontece com o dolo de terceiro) O negócio será
anulável na sua totalidade quer o coator seja beneficiado por cláusula
a seu favor, existente no contrato, quer não seja, e haja ou não
conhecimento ou cognoscibilidade do vício por parte do declaratário
(art. 256.º, 1.ª parte).
▪ Deste modo, levará a anulabilidade + indemnização do art. 227.º.
▪ Existem dois requisitos:
▪ Gravidade do mal cominado;
▪ Justificado receio da consumação do mal.

4) ESTADO DE NECESSIDADE
▪ O estado de necessidade trata-se de uma situação de receio ou temor
gerada por um grave perigo, que determina o necessitado a celebrar
um negócio para superar o perigo em que se encontra.
▪ O perigo grave pode dizer respeito à lesão de bens patrimoniais
ou outros de grande importância, como a vida, a saúde, a
liberdade, o bom nome do próprio ou dos seus.

Art. 282.º - Negócio usurário


1. É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de
necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de
outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios
excessivos ou injustificados.

2. Fica ressalvado o regime especial estabelecido nos artigos 559.º-A e 1146.º

▪ Portanto, traduz-se nas situações em que o sujeito celebra determinado


ato jurídico pela necessidade de remover um perigo que existe,
verificando-se que a contraparte explora essa situação de necessidade
obtendo dela benefícios excessivos ou injustificados.

Exige-se, deste modo, para estar perante uma situação de estado de


necessidade:
▪ Requisitos objetivos:
▪ Benefícios excessivos ou injustificados: tem de haver uma
desproporção clara entre as prestações.
▪ Requisitos subjetivos:
▪ Exploração de uma situação de necessidade, inexperiência,
ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter
de outrem – tem de haver de facto uma exploração, i.e., o
declaratário apercebe-se de que há uma fragilidade.

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Regime:
▪ O art. 282.º estabelece a anulabilidade destes negócios usurários.
▪ O prazo para requerer a anulabilidade começa a contar desde a
cessação da situação de inferioridade.
▪ Pode também haver lugar à modificação do contrato, nos termos do
art. 283.º CC.

O problema da violação dos bons costumes


▪ Há, no entanto, uma situação especial, em que a pessoa que explora a
situação de necessidade tinha o dever moral ou legal de agir ou auxiliar.
▪ Neste caso, mais do que a anulabilidade, o negócio deve ser
considerado nulo, nos termos do art. 280.º/2 CC – trata-se de uma
violação dos bons costumes.
▪ Exemplo:
▪ António encontra-se gravemente doente numa localidade onde
apenas existe um médico especialista naquela área e recorre a
esse profissional de saúde.
▪ Este trata-o desde que ele lhe transmita a propriedade do seu
apartamento.
▪ Aqui, temos uma situação de necessidade. O que determina a
invalidade do negócio é o facto de o médico estar a exigir algo
injustificado. Neste caso concreto, o médico tem o dever moral e
legal de agir.
▪ Então, numa situação como esta, mais do que considerar que o
negócio é anulável, considera-se nulo porque há violação dos
bons costumes.

5) INCAPACIDADE ACIDENTAL
▪ Art. 257.º CC
▪ A incapacidade acidental ocorre quando um determinado indivíduo faz
uma declaração negocial, mas que, por alguma causa, estava
acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o
livre exercício da sua vontade.
▪ A sua consequência é a anulabilidade – mas para tal se verificar têm de
se cumprir determinados requisitos:
▪ É necessário que a pessoa se encontre acidentalmente
incapacitada:
▪ Ou seja, é necessário que, no momento em que celebra o
negócio, a pessoa não fosse capaz de determinar a sua
vontade de acordo com o pré-entendimento que tivesse
da realidade.

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▪ O sujeito tem de ter as suas capacidades cognitivas


diminuídas no momento em que a declaração negocial é
emitida.
▪ O facto (a incapacidade) tem de ser notório ou conhecido do
declaratário:
▪ O facto será notório quando uma pessoa média o pudesse
ter notado.

REPRESENTAÇÃO NOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

A representação infere-se do art. 258.º do CC.


▪ Traduz-se na prática de um ato jurídico em nome de outrem, para na
esfera desse outrem se produzirem os respetivos efeitos.
▪ Ou seja, um sujeito atua em nome de outro sujeito.
▪ Isto significa que se o A atuar, em representação de B, os efeitos
jurídicos dessa atuação se vão produzir na esfera jurídica do B,
por ser o representado.
▪ Isto não implica qualquer limitação da autonomia do sujeito ou da sua
capacidade de exercício – aliás, é uma forma de exercício da
capacidade e da autonomia do sujeito, uma vez que ao ter a
possibilidade de chamar um terceiro a agir por ele, o seu campo de
autonomia está a alargar-se.

Modalidades:

1. Representação legal:
▪ Trata a representação de menores de 18 e, de forma excecional, em
casos de maiores acompanhados.
▪ A representação legal caracteriza-se pela fonte de legitimação (os
poderes de representação) ser estabelecida por lei – ou seja, o
representante é indicado por lei.
▪ Essa representação legal vai surgir como uma forma de suprimento de
uma incapacidade de exercício.
▪ O interesse que é necessariamente prosseguido é o interesse do
representado.

2. Representação voluntária:
▪ Na representação voluntária, a fonte de legitimação representativa/dos
poderes de representação é a vontade do sujeito.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Isto é, um sujeito nomeará outro como seu representante.


▪ Então, os poderes do representante e a sua respetiva extensão provêm
da vontade do representado.
▪ Os poderes de representação podem ser conferidos no interesse de
outrem, no interesse do representado, no do próprio representante ou
no de um terceiro – tudo vai depender da finalidade de atribuição
desses poderes de representação.
▪ A representação voluntária aumenta o princípio da autonomia privada.

3. Representação orgânica ou estatutária:


▪ A representação orgânica ou estatutária é aquela na qual os poderes de
representação resultam dos estatutos de uma pessoa coletiva.
▪ Esta representação orgânica não é uma verdadeira relação de
representação porque, entre as pessoas coletivas e os titulares dos seus
órgãos, estabelece-se uma verdadeira relação de organicidade, que
permite dizer que a pessoa coletiva tem capacidade de exercício de
direitos.
▪ De qualquer modo, o interesse a salvaguardar vai sempre ser o da
pessoa coletiva.

Distinção entre representação e mandato:


▪ O mandato é um contrato, previsto no art. 1180.º CC, pelo qual uma das
partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra
– trata-se de uma modalidade particular do contrato de prestação de
serviço.

▪ O mandato é um contrato e pressupõe uma aceitação; existindo


liberdade de forma do contrato.
▪ Já a representação faz-se através de procuração – art. 262.º CC. Esta é
um negócio jurídico unilateral, que produz efeitos por si; e tem uma
exigência de forma, tendo em conta o tipo de negócio a realizar.

▪ Pode haver um mandato com poderes de representação (art. 1178.º


CC).
▪ Pode haver mandato sem haver representação, quando o mandatário
não recebeu poderes para agir em nome do mandante (p.e., age por
conta do mandante, mas em nome próprio – contrato de comissão).
▪ Exemplo: eu quero comprar um automóvel e não tenho
possibilidade de ir ao stand. Então, vou encarregar B de adquirir
o automóvel por minha conta. Vou entregar os meios necessários
a B e ele vai adquirir, enquanto meu mandatário, aquele
automóvel com o dinheiro que eu lhe entreguei. Ele atua por

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

minha conta, mas não atua em meu nome. Quando ele adquirir o
automóvel, é ele o proprietário do automóvel. Depois, ele fica
obrigado a transferir para a minha esfera jurídica os direitos
adquiridos em execução do mandato, ou seja, ele fica obrigado
a transferir para a minha esfera jurídica a propriedade daquele
automóvel.
▪ Pode haver representação sem haver mandato, não só na hipótese da
representação legal, mas também no que toca à representação
voluntária.
▪ Exemplo: num café, ao colocar num contrato de trabalho que um
dos empregados que serve, pode receber o dinheiro, então há
poderes de representação, mas não há mandato, porque esta
pessoa não é mandatária, é trabalhadora de uma pessoa coletiva
ou singular.

Distinção entre o núncio e o representante:


▪ O núncio limita-se apenas a transmitir uma declaração. Por isso, este
não tem sequer de ter capacidade de exercício; basta-lhe a capacidade
natural para transmitir a declaração e nada mais é exigido.
▪ O núncio pode ser uma criança, que vai a uma mercearia comprar
pão e manteiga a mando da mãe.
▪ Por outro lado, o representante tem de mais capacidades, tendo de ser
maior de 18 anos.
▪ O representante vai decidir, pelo menos, se o negócio vai ser (ou não)
celebrado, enquanto o núncio se limita a transmitir a declaração.

Requisitos essenciais para a representação:


Pressupostos de existência da representação:
1. O primeiro elemento essencial para que haja representação é o facto
de ser necessário que haja uma atuação em nome de outrem.
▪ Ou seja, alguém que atua e os efeitos jurídicos produzem-se na
esfera jurídica de outra pessoa – o representado.
▪ Isto é o chamado contemplatio domini.

2. O segundo elemento essencial para que haja representação é a


existência de uma vontade própria do representante.
▪ Tem de haver uma declaração, em maior ou menor escala, de
uma vontade própria do representante, e não, pura e
simplesmente, de uma vontade do representado.

Pressuposto de eficácia da representação:

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

3. O terceiro elemento para que haja representação é a chamada


legitimação representativa:
▪ Ou seja, o ato do representante tem de estar integrado dentro
dos poderes de representação.
▪ Tem de haver poderes para representar.
▪ Fora daqueles casos em que esses poderes são atribuídos ou
resultam da lei ou dos estatutos de uma pessoa coletiva, temos a
necessidade de os atribuir através de um ato voluntário:
A. Procuração;
B. Ratificação.

A. Procuração – legitimação originária


▪ Art. 262.º CC.
▪ Trata-se do ato voluntário através do qual se atribui poderes de
representação.
▪ Qualifica-se como um negócio jurídico unilateral, não recetício, que tem
como destinatário o terceiro com quem o representante vai celebrar o
negócio.
▪ A forma exigida para a procuração consta do art. 262º/2 CC. Esta deve
ter a mesma forma que é exigida para o negócio que o procurador vai
celebrar.
▪ Quanto à capacidade do procurador, nos termos do art. 263º CC, não
se exige uma plena capacidade de exercício. Exige-se mais do que
exige ao núncio porque o representante vai, em última instância, decidir
se celebra (ou não) o negócio, mas bastamo-nos com a capacidade para
entender e querer exigida pela natureza do negócio.
▪ Muitas vezes, dá-se poderes a um procurador de mera administração,
por isso, não podem realizar atos de disposição.
▪ Atos de mera administração: locação, comodato, (…)
▪ Atos de disposição: doação, hipoteca;
▪ Poderes de administração extraordinária: vai para além dos
poderes de mera administração.

B. Ratificação – legitimação superveniente


▪ Ocorre quando um sujeito celebra um negócio em nome de outro, sem
ter poderes de representação, mas posteriormente, o sujeito em nome
do qual o negócio foi celebrado, confere esses poderes – através do ato
de ratificação.
▪ Exemplo: Não temos procuração e o A celebrou, em nome do B,
um negócio sem ter poderes para tal. É possível que o B, em
nome do qual aquele negócio foi celebrado, venha conferir estes
poderes superveniente através de um ato que se designa por
ratificação.

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▪ A ratificação tem eficácia retroativa e tem de obedecer à mesma forma


que é exigida para a procuração — art. 268.º/2 CC.

REPRESENTAÇÃO SEM PODERES E ABUSO DE REPRESENTAÇÃO

Representação sem poderes


▪ Os atos praticados por um representante sem poderes são ineficazes
em relação à pessoa em nome da qual se celebrou o negócio, salvo se
tiver lugar a ratificação (art. 268.º/1).
▪ Exemplo:
▪ Se A celebra, em nome do B, sem poderes para isso, uma compra
e venda de um automóvel em que o vende a C, como não há
poderes de representação, tudo se passa como se aquele
negócio não existisse. Portanto, ele continua a ser o proprietário
do automóvel.
▪ O negócio, ineficaz relativamente ao “representado”, não é, também,
tratado como um negócio do representante.
▪ Não havendo ratificação (e havendo culpa – como é a maioria dos
casos), o representante sem poderes responde perante a contraparte,
com fundamento em responsabilidade pré-negocial (art. 227.º).
▪ Ou seja, irá responder pelo interesse contratual negativo ou interesse
da confiança.
▪ Esta indemnização pode estender-se ao próprio representado – este
pode vir a ter de responder, nos termos do art. 800.º CC.

Abuso de representação
▪ Art. 269.º CC
▪ O abuso de representação surge quando o representante, atuando
dentro dos poderes de representação que lhe foram conferidos,
contraria os fins da representação.
▪ Ou seja, o representante estará a atuar dentro dos limites formais
dos poderes conferidos, mas de modo substancialmente
contrário aos fins da representação.
▪ O art. 269º manda aplicar o regime do art. 268.º (sobre a falta de
poderes de representação) à hipótese de abuso de representação, mas
acrescenta um requisito adicional:
▪ Aplica-se quando a outra parte conhecia o abuso ou este lhe era
cognoscível.
▪ Exemplo:
▪ António conferiu poderes de representação ao Bernardo para
que ele lhe adquirisse um imóvel em seu nome. Quando o faz,
explica que precisa daquele imóvel para montar o seu escritório

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

de advocacia. O Bernardo, em nome do António, dentro dos


poderes de representação que lhe foram conferidos (poder
adquirir um imóvel em seu nome), vai comprar um terreno para
cultivo.
▪ Neste caso, ele atua dentro dos poderes de representação, mas,
materialmente, contraria o fim dessa representação (pois o fim
era que António pudesse usar o imóvel para exercer advocacia e
não fazer cultivo).

Aparência de poderes de representação:


▪ Como vimos, em regra, um ato praticado por um representante sem
poderes sofrem de ineficácia – não produz os seus efeitos.
▪ Contudo, há situações excecionalíssimas em que se pode atribuir
eficácia ao ato.
▪ Há situações em que se vai proteger o terceiro que contratou com o
representante sem poderes – vai-se tutelar positivamente a confiança.
▪ Temos duas hipóteses: procuração tolerada e procuração aparente.
Procuração tolerada:
▪ Quando o representado tolera a conduta do representante, e essa
tolerância (segundo a boa-fé e considerando os usos do tráfico) pode
ser interpretada pela contraparte no sentido de que o representante
recebeu procuração do representado para agir por ele.
▪ No fundo, o A atua em nome de B sem ter poderes de
representação para isso, mas o B conhece essa conduta de A e
tolera. Essa tolerância, de acordo de boa-fé, pode ser
interpretada pela contraparte (pelo C com quem o A vai celebrar
o negócio) no sentido de que há uma procuração e, portanto, há
poderes de representação.
▪ Se o representado conscientemente deixa agir outrem como
representante, pode, em certos casos, entender-se que há poderes de
representação (não são casos de mera aparência, mas de realidade).
Procuração aparente:
▪ Quando o representado não conhecia a conduta do representante, mas
com o devido cuidado teria podido conhecer e impedir o ato. Portanto,
a contraparte podia compreender a conduta do representante no
sentido de que ela não teria podido ficar escondida do representado
com a diligência devida, e que este, portanto, a tolera.
▪ Ou seja, a contraparte, o C, de acordo com a boa-fé, interpretou
aquela conduta do representante no sentido de que não era
possível ela ter ficado escondida do representado porque este,
com a diligência devida, ter-se-ia apercebido dela e, portanto,
entende que ele, no mínimo, a tolera.
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Nestas hipóteses, vamos conferir eficácia ao negócio.


▪ São situações excecionais porque têm de se verificar todos estes
requisitos para se tutelar positivamente a confiança.
▪ Encontramos o fundamento para esta solução no art. 23º do Decreto-
Lei 178/1986.
▪ Este artigo vem conferir eficácia às situações de tutela da aparência.

Art. 266.º CC:


▪ As modificações e a revogação da procuração devem ser levadas ao conhecimento
de terceiros por meios idóneos, sob pena de lhes não serem oponíveis senão quando
se mostre que delas tinham conhecimento no momento conclusão do negócio.
▪ As restantes causas extintivas da procuração não podem ser opostas a terceiro que,
sem culpa, as tenha ignorado.

Negócio consigo mesmo:


▪ Art. 261.º CC.
▪ É anulável o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo,
seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, a não ser que
o representado tenha especificadamente consentido na celebração, ou
que o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito
de interesses.
▪ Exemplos:
▪ B é procurador de A, com poderes de representação para
todos os atos de administração e disposição de bens
móveis e imóveis. Munido destes poderes, o B vende um
imóvel de A a si mesmo. Aqui, temos um negócio consigo
mesmo porque, de um lado e de outro da relação, está o
B – num lado, surge como representante de A e, no outro
lado, surge em nome próprio.
▪ A outorga poderes de representação a B e B vende, em
nome do A, um imóvel à sociedade comercial Y,
representada pelo B, ou a C, que também lhe tinha
outorgado poderes de representação, acabando B por ser
o representante quer do A quer do C.
▪ A razão de ser da proibição do negócio consigo mesmo é impedir, dada
a colisão de interesses, um prejuízo para o representado ou para um
dos representados.
▪ As exceções à anulabilidade deste tipo de negócio são:
▪ Consentimento específico do representado;
▪ Inexistência de um conflito de interesses.

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O OBJETO NEGOCIAL
Arts. 280.º e ss. CC
▪ A expressão “objeto negocial” é usada num sentido complexivo, i.e.,
abrange:
▪ Quer o conteúdo ou efeitos jurídicos do negócio;
▪ Quer o objeto propriamente dito, em sentido estrito.
▪ A autonomia privada torna difícil definir a priori o conteúdo dos
negócios jurídicos.
▪ O conteúdo do negócio jurídico é aquele que as partes quiserem, mas
conseguimos delimitar negativamente o conteúdo do negócio jurídico
(quais são as “linhas vermelhas” que não podem ser ultrapassadas).

Requisitos de validade do objeto do negócio jurídico


1. Possibilidade (física e legal);
2. Não contrariedade à lei;
3. Determinabilidade do objeto;
4. Não contrariedade aos bons costumes;
5. Não contrariedade à ordem pública.

1. Possibilidade física e possibilidade legal:


▪ O objeto tem de existir, de ser fisicamente possível e de poder cumprir
com a finalidade inerente ao negócio que foi celebrado – possibilidade
física.
▪ Quando há alguma qualquer impossibilidade material ou natural
(derivada da natureza das coisas) do objeto do negócio, dizemos que
este não é fisicamente possível.
▪ P.e., quando se vende um prédio urbano que já não existe por
ter sido destruído por um incêndio.
▪ A impossibilidade que invalida o negócio é uma impossibilidade
objetiva (a diz respeito a toda a gente).
▪ Não basta, portanto, uma mera impossibilidade subjetiva (a que se
verifica quanto ao devedor), para que o negócio seja nulo. Se em causa
estiver uma mera impossibilidade subjetiva, o negócio jurídico continua
a ser válido – art. 401.º/3.
▪ Contudo, temos uma exceção – bastará para definir a invalidade do
negócio uma impossibilidade subjetiva quando se trate de prestação
de facto não fungível – aqui a impossibilidade subjetiva traduz-se numa
impossibilidade objetiva.
▪ P.e., A vende a B um par de sapatos que está esgotado na
sapataria de B. Trata-se de uma impossibilidade subjetiva, não
determinando a nulidade do negócio.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ P.e., o sapato em causa, é um par que é o único existente em todo


o mundo. Neste caso estamos perante uma impossibilidade
subjetiva, mas que era tida como uma impossibilidade objetiva,
ou seja, o bem não é fungível, não é possível encontrar um
sucedâneo daquele bem. Assim a inexistência do bem na loja de
A é suficiente para determinar a impossibilidade objetiva.
▪ P.e., a edição original d’Os Maias é destruída por um incêndio.
Trata-se de uma impossibilidade objetiva uma vez que o bem é
infungível.

▪ A impossibilidade pode ser originária ou superveniente.


▪ A impossibilidade originária é a que se verifica no momento de
celebração do negócio – esta determina a nulidade do negócio.
▪ Contudo, certas impossibilidades são supervenientes: o objeto só se
torna impossível depois da celebração do negócio.
▪ Aqui já não há nulidade do negócio.
▪ Há que ter em conta duas hipóteses:
a) Se a impossibilidade superveniente for imputável ao
devedor (se houver culpa) desencadeia-se uma situação
de incumprimento – gera responsabilidade contratual.
b) Se a impossibilidade não fosse imputável ao devedor a
consequência é a extinção da obrigação (art. 790.º CC e
801.º CC) – a obrigação deixa de existir e ele deixa de estar
vinculado.

▪ A impossibilidade pode ser prática ou moral.


▪ Modernamente colocam-se problemas quanto à impossibilidade que
não é fáctica – isto é, situações em que a prestação não se tornou
inviável, mas que a sua realização envolve um sacrifício demasiado
elevado para o devedor que parece contrariar os ditames da boa-fé.
▪ Na impossibilidade prática:
▪ O devedor pode realizar a prestação – a nível fáctico esta é
possível.
▪ Contudo, se realizar a prestação, verifica-se uma grave
desproporção entre o interesse que o credor tem nessa
prestação e o esforço que o devedor tem que levar a cabo para
realizar essa prestação.
▪ Entende-se que à luz do princípio da boa-fé o devedor pode
recusar a realização da prestação.
▪ P.e., A vendeu a B um anel e tinha de entregar esse anel a
B. Ainda não tinha cumprido esta obrigação de entrega.
Aquele anel vale 100€ e caiu ao fundo de um lago, sendo
que o custo da drenagem do lago é de 100 mil euros. Se
ponderarmos o esforço que é exigido ou exigível ao
devedor com o interesse do credor na prestação,

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

iluminando isto pela boa-fé, concluímos que não é


razoável que o devedor incorra nestas despesas para
satisfazer o interesse do credor.
▪ Na impossibilidade moral:
▪ Situações em que o devedor deve realizar pessoalmente a
prestação e, à luz da boa-fé, tal não lhe pode ser exigível.
▪ P.e., uma cantora obriga-se a dar um concerto hoje à noite
e, entretanto, o filho da cantora está em coma a morrer no
hospital. Não há nada em termos fácticos que impossibilite
a prestação. Mas de acordo com o princípio da boa-fé não
é exigível a prestação. Esta tem como consequência o
facto de não se desencadear as regras próprias da
responsabilidade civil: não há incumprimento caso não
haja a realização da prestação.

▪ Além disto, o objeto tem de ser legalmente possível, i.e., a lei não deve
impor um obstáculo insuperável a esse objeto – possibilidade legal.
▪ Não se deve confundir com a contrariedade à lei.
▪ P.e., um contrato-promessa tem como objeto um contrato que é
proibido por lei é um objeto legalmente impossível.

2. Não contrariedade à lei:


(Licitude do objeto)
▪ O objeto será ilícito se ele contrariar as normas legais, mais
concretamente, se violar normas legais imperativas.
▪ Remissão do art. 280º CC para o art. 281º e 294ºCC.
▪ Se o fim do negócio jurídico for contrário à lei, ele só deve ser
considerado nulo se o fim for comum a ambas as partes, como resulta
do art. 281º CC.
▪ A nulidade não resulta apenas da violação direta de uma norma legal
(negócios contra legem), mas é antes uma proibição que abarca
também negócios em fraude à lei.
▪ Há determinadas situações em que não há uma violação direta
de uma norma legal imperativa, mas, não obstante, essa norma é
posta em causa.
▪ Um negócio em fraude à lei é um negócio que as partes celebram
com base no qual tentam contornar uma proibição legal. Eles
tentam chegar a um mesmo resultado que a lei proibia através
de um caminho diferente.
▪ Então, também nessas situações o negócio jurídico será
considerado nulo.
▪ Portanto, é importante verificar a intencionalidade da lei:

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▪ Quando a lei proíbe um certo resultado proíbe também (ou não)


os meios indiretos para se atingir esse resultado?

▪ Negócios indiretos: Utiliza-se um determinado tipo contratual para


alcançar uma finalidade que é própria de outro tipo contratual. Este
negócio não será ilícito, à partida será válido. Só não é válido se não for
válido o negócio direto que este vem substituir.
▪ P.e., uma venda a um baixíssimo preço é quase um negócio misto
entre compra e venda e doação. Utiliza-se a compra e venda com
a finalidade de a doação gerar um benefício para a contraparte.

3. Determinabilidade de objeto:
▪ O objeto do negócio jurídico deve ser determinável no momento da
celebração desse negócio.
▪ Ou seja, não se exige que o objeto esteja concretizado ou
determinado, mas apenas que seja determinável.
▪ Para estar garantida essa determinação é necessário que exista um
critério – que pode ser estabelecido por acordo das partes ou estar
fixado na lei.
▪ Remissão do art. 280º CC para o art. 400º CC.

4. Não contrariedade aos bons costumes:


▪ Os “bons costumes” são uma noção variável, com os tempos e os
lugares, abrangendo o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas
honestas, corretas, de boa-fé, num dado ambiente e num certo
momento.
▪ Então, devemos compreender os bons costumes como o conjunto de
referências valorativas que traduzem a matriz civilizacional a que
pertencemos.
▪ Na interpretação que se faça tem-se de remeter os bons
costumes para o caso concreto e temos de remeter os bons
costumes para uma dimensão axiológica de fundamentação do
direito (princípios fundamentais).
▪ São os costumes aceites pela consciência axiológica dominante.
▪ São, portanto, cláusulas abertas e conceitos indeterminados.
▪ Os bons costumes não equivalem aos usos dominantes.

5. Não contrariedade à ordem pública:


▪ Ordem pública: conjunto de princípios fundamentais que sustentam o
ordenamento jurídico e o ordenamento jurídico civilística.

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▪ Portanto, remete muito para os princípios fundamentais do direito civil,


embora estes não esgotem todos os princípios fundamentantes que
podem ser chamados à equação quando estamos perante a cláusula de
ordem pública.
▪ P.e., um negócio que impõe ao trabalhador que não casasse; um
contrato que impusesse à contraparte que abandonasse a sua
religião; um contrato que impedisse alguém de trabalhar.

ELEMENTOS ACIDENTAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO

▪ Não é obrigatório que existam estes elementos, mas podem existir.


▪ Serão clausulas acessórias típicas – i.e., são acessórias porque não são
essenciais para a celebração do contrato, mas são típicas pela
frequência com que são apostas no contrato.
▪ Exemplos:
1) Condição;
2) Termo;
3) Clausula modal;
4) Clausula penal;
5) Clausulas de exclusão e de limitação da responsabilidade.

1) CONDIÇÃO
▪ Está prevista nos arts. 270.º e ss. CC.
▪ A condição é uma cláusula acessória típica por meio da qual as partes
subordinam a eficácia do negócio jurídico à verificação de um
acontecimento futuro e incerto (não se sabe se ele vai efetivamente
ocorrer).
▪ É, então, um evento futuro, incerto, que deriva da vontade das partes.

Elementos essenciais:
Para que haja condição é necessário estarem verificados alguns elementos
essenciais:
1. Os efeitos do negócio têm de estar subordinados a um evento futuro
e incerto.
▪ Por esta razão, por vezes, podemos ser confrontados com as
condições impróprias – isto é, condições que não são
verdadeiramente condições por lhe faltarem alguns destes
elementos.
▪ Exemplos:

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▪ Condições referidas ao passado ou ao presente – quando no


momento de celebração condicionam a eficácia do negócio a um
evento que já ocorreu, mas não o sabem ainda, ou não têm como
provar se aconteceu ou não.
▪ P.e., A e B celebram um negócio que só produz efeitos se
se confirmar que o João vai ser deslocado para a Figueira
da Foz. A entidade patronal já decidiu, no passado, se ele
vai ou não ser transferido para a Figueira, mas eles não têm
tempo de se certificarem se já houve essa transferência ou
não. Se assim for, não temos uma condição verdadeira,
mas sim imprópria, porque o evento condicionante não é
referido ao futuro, mas sim ao passado.
▪ Condições necessárias – aquelas em que o evento futuro se vai
verificar de qualquer forma, ou seja, o evento não é incerto (só
não sabemos o quando vai ocorrer).
▪ Condições impossíveis – sabemos que, à partida, a não
verificação do evento é, desde logo, certa.

2. A subordinação tem de resultar da vontade das partes e não da lei.


▪ Condição legal – esta condição é imposta pelo legislador e não
por vontade das partes. Então, não estamos verdadeiramente
perante uma condição, mas sim, mais uma vez, perante uma
condição imprópria.
▪ Condição resolutiva tácita – é um outro exemplo de condição
imprópria. Ocorre quando perante uma situação de
incumprimento as partes podem resolver o contrato. Esta
condição resolutiva tácita é autorizada por lei (art. 801.º/2). Tem
um regime diferente do da condição, uma vez que não vai
produzir efeitos retroativos em relação a terceiros e também não
opera automaticamente, não basta verificar-se o incumprimento
para se dar a resolução do contrato.

As condições podem ser:


▪ Suspensivas: quando o negócio é celebrado e não produz
imediatamente os seus efeitos, só os produzindo se e quando o evento
condicionante se verificar.
▪ P.e., a tia Amélia diz à sua sobrinha Rita que lhe dará a sua
biblioteca jurídica quando ela acabar o curso de direito. É uma
condição suspensiva, pois Rita só receberá a biblioteca se e
quando terminar o curso.
▪ Resolutivas: quando o negócio jurídico produz imediatamente os seus
efeitos, mas a condição aposta estabelece que deixará de os produzir a
partir do momento em que se verifique aquele evento condicionante.

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▪ P.e., Amélia dá as chaves do apartamento em Coimbra a Rita e


diz que o empresta até ela terminar a licenciatura em Direito. Está
sujeito a uma condição resolutiva, sendo resolutiva porque vai
por fim aos efeitos do negócio.

▪ Potestativas: significa que a verificação do evento condicionante fica


dependente da vontade de uma das partes, ou seja, o evento futuro e
incerto é um comportamento de uma das partes do negócio.
▪ P.e., A faz uma doação a B, se este o visitar no Brasil, ou se B
escrever um livro.
▪ Causais: a verificação do evento condicionante depende ou de um
facto natural ou da vontade de um terceiro, ou seja, é um facto alheio,
que não depende da vontade das partes do negócio.
▪ P.e., se não chover, se o donatário falecer sem herdeiros, se se
verificar um certo resultado eleitoral, se um terceiro for ao Brasil,
A faz essa doação a B.
▪ Mistas: a verificação do evento é de caráter misto, ou seja, depende
tanto da vontade de uma das partes como de um facto alheio.
▪ P.e., se B casar, A faz-lhe a doação. É uma condição mista visto
que casar não depende só da sua vontade, mas também.

As condições potestativas podem ser:


▪ Arbitrárias: se o evento condicionante é um facto completamente
insignificante, i.e., uma condição muito fácil de cumprir.
▪ P.e., “dou-te x se quiseres ou se levantares a mão”; “se fores
aquela palestra no bar, eu pago-te uma cerveja”.
▪ Não arbitrárias: se o evento condicionante é um facto de certa
seriedade ou gravidade em face dos interesses em causa.
▪ P.e., “dou-te x se fores ao Brasil”; “se ganhares o torneio, ofereço
te um carro.”

▪ “À parte creditoris”: se o evento condicionante for um facto do credor;


▪ “À parte debitoris”: o evento condicionante for um facto do devedor.

Notas:
▪ A condição simultaneamente potestativa, arbitrária e à parte creditoris
é inútil – porque o evento condicionante fica dependente da vontade
do credor e sendo arbitrária, um simples querer, será inútil na medida
em que, qualquer momento, o credor pode desencadear a ineficácia do
negócio.

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▪ A condição simultaneamente potestativa, arbitrária e à parte debitoris é


inadmissível – isto significa que o negócio acabava quase por não ser
vinculativo porque o devedor, por um puro querer insignificante, podia
desencadear (ou não) a eficácia do negócio.
▪ É de notar:
▪ Nos contratos bilaterais, a condição nunca será verdadeiramente
arbitrária porque o contraente, que faz desencadear a eficácia do
negócio, terá sempre, depois, direito a uma contraprestação.
Portanto, nunca haverá aqui algo totalmente insignificante como
um puro querer arbitrário.

Regime das condições


(Aponibilidade da condição):
▪ A cláusula condicional pode ser aposta na maior parte dos negócios,
por força do princípio da liberdade contratual – art. 405.º CC.
▪ Certos negócios são, porém, incondicionáveis, por razões ligadas ao
teor qualitativo (pessoal) dos interesses respetivos ou por motivos de
certeza e segurança jurídica.
▪ A lei estabelece a proibição da aposição de uma condição em relação
a determinados negócios:
▪ Declaração de compensação (art. 848.º);
▪ Casamento (art. 1618.º/2):
▪ P.e., não se pode estabelecer que se casará com alguém
só se forem viver para Itália.
▪ Perfilhação (art.1852.º):
▪ P.e., não se pode dizer que se perfilha uma criança apenas
se vier a ser bailarino.
▪ Aceitação e repúdio da herança (arts. 2054.º e 2964.º);
▪ Aceitação da testamentária (art. 2323.º/2).

▪ A consequência da aposição de uma condição a um negócio


incondicionável é, em regra, a nulidade do negócio.
▪ Ou seja, se as partes apuseram uma condição e não podiam,
vamos considerar que o negócio jurídico é nulo, nos termos do
art. 271.º, aplicando por analogia o art. 294.º.
▪ Contudo, há exceções: em certas situações, a lei prevê sanções
especiais:
▪ Há situações em que a sanção prevista já não será a nulidade de
todo o negócio – só é nula a condição, aquela cláusula – como é
o caso do casamento.
▪ Em outras situações a lei prevê a ineficácia – como é o caso na
compensação.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Para além destes negócios, há outros em relação aos quais a doutrina


tem entendido que também não é possível apor uma condição,
entendendo que estamos perante negócios cuja disciplina legal
procura ser garantística, tendo em conta a existência de uma parte mais
frágil.
▪ Portanto, o legislador, para proteger essa parte mais débil estabelece
regras protecionistas a favor desta.
▪ Dentro desta lógica, deve negar-se a possibilidade de aposição de uma
condição ao contrato.
▪ Nesta medida, há autores que defendem que não se pode apor
condições a, por exemplo, um contrato de trabalho ou a um
contrato de arrendamento.

▪ Tirando estes limites, a condição pode ser aposta a qualquer contrato.


Contudo, tem de obedecer a determinados requisitos.

Requisitos:
▪ A cláusula não pode ser contrária à lei, aos bons costumes e à ordem
pública;
▪ A cláusula não pode ser física e legalmente impossível.

Quid Iuris se se apuser ao contrato uma condição contrária à lei, à ordem


pública, ofensiva dos bons costumes ou impossível física e legalmente?

Condição ilícita:
▪ Uma condição ilícita será, em termos amplos, uma condição que
contrarie a lei, a ordem pública e os bons costumes, de acordo com o
art. 271.º.
▪ Nos termos deste artigo, o negócio jurídico subordinado a uma
condição ilícita é nulo.

Condição impossível:
▪ Uma condição impossível será uma condição em que a clausula é física
e legalmente impossível.
▪ Tratando-se de uma condição impossível:
▪ Produz-se igualmente a nulidade de todo o negócio se ela for
suspensiva;
▪ Gera-se apenas a nulidade da condição no caso de ser resolutiva
– art. 271º/2 CC.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

Existem, no entanto, regimes específicos:


→ Remissão do art. 271º CC para os arts. 967º e 2233º CC.
▪ Se a condição for impossível:
▪ Estabelece-se que apenas a condição é nula, mas a restante
disposição testamentária continua a ser válida (mantém-se a
validade do testamento).
▪ Contudo, o contrato será todo nulo ou toda a disposição
testamentária será nula se o doador ou se o testador assim tiver
determinado – ou seja, o testador/doador pode excluir a validade
do ato.
▪ Se a condição for ilícita:
▪ A cláusula que estabelece a condição é considerada nula e o
restante contrato ou disposição testamentária são tidos por
válidos.
▪ Contudo, neste caso, ao contrário do que vimos anteriormente,
o doador ou testador não pode fazer nada, i.e., não pode vir a
excluir a validade do ato.

Relevância das condições nos contratos


No caso das condições suspensivas:
▪ Enquanto não se verificar o evento futuro e incerto, o negócio não
produz os seus efeitos.
▪ Ou seja, entre o momento da celebração do negócio e a verificação
desse evento condicionante, diz-se que a condição está pendente.
▪ Isto significa que o credor ainda não adquiriu um direito nesse período
– ainda não é titular do direito.
▪ Deste modo, o sujeito é apenas titular de uma expectativa jurídica.
▪ Essa expectativa é, de certa forma, protegida juridicamente:
▪ O credor pode praticar atos de conservação – art. 273.º;
▪ O credor pode também praticar atos dispositivos sobre o que
constitua objeto do negócio – art. 274.º;
▪ O devedor (aquele que alienou o direito) deve agir segundo a
boa-fé, ou seja, deve abster-se da prática de todo e qualquer ato
que ponha em causa o direito que vai ser adquirido pela outra
parte.
▪ Uma vez verificado o evento futuro e incerto, o negócio jurídico produz
os seus efeitos.
▪ Estes efeitos produzem-se desde a data da celebração do negócio – art.
276º. Essa eficácia é, portanto, uma eficácia retroativa quando se verifica
a condição.
▪ Se não se verificar a condição, os efeitos jurídicos do negócio não se
produzem.
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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

No caso das condições resolutivas:


▪ Enquanto não verificada a condição, o negócio jurídico produz efeitos.
▪ Verificada a condição, o negócio jurídico cessa os seus efeitos.
▪ Uma vez praticada, o negócio jurídico não produz efeitos para o futuro
e destroem-se os efeitos jurídicos produzidos até então – ou seja, deixa
de produzir os efeitos com eficácia retroativa.
▪ Exceções: art. 277.º/2/3.

Art. 275.º CC:


▪ Se se passar a ter a certeza de que a condição não se pode verificar ou
não se vai verificar, isto equivale à não verificação da condição – art.
275.º/1.
▪ Existem, ainda, casos de sabotagem, i.e.:
▪ Quando a condição deixa de se poder verificar porque um dos
contraentes (a quem aquela condição prejudica), contra as regras
da boa-fé, impede a verificação da condição;
▪ Ou quando um dos contraentes (aquele a quem a condição
aproveita/beneficia), contra as regras da boa-fé, provoca a
verificação da condição.
▪ Nestes casos:
▪ Se provocar a verificação – têm-se como não verificada;
▪ Se provocar a não verificação – têm-se como verificada.

2) TERMO
▪ Está previsto no art. 278.º CC.
▪ O termo é uma cláusula acessória típica, nos termos do qual as partes
do contrato vão subordinar a eficácia do negócio jurídico à verificação
de um evento futuro e certo.
▪ Portanto, enquanto na condição a eficácia está dependente da
verificação de um evento futuro e incerto, no termo esse evento
é futuro e certo.

O termo pode ser:


▪ Inicial, suspensivo ou dilatório: quando os efeitos do negócio só
começam ou só se tornam exercitáveis a partir de certo momento – as
partes estabelecem o momento a partir do qual o negócio começa a
produzir efeitos.
▪ Final, resolutivo ou perentório: quando os efeitos jurídicos começam
desde logo, mas cessam a partir de certo momento.
▪ Pode acontecer que o termo seja simultaneamente inicial e final.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Certo: sabe-se a priori exatamente qual o momento da verificação do


evento futuro (quando irá ocorrer).
▪ P.e., A e B celebraram um negócio em que determinaram que o
negócio jurídico apenas produz efeitos a partir do dia 1 de julho
de 2021 – é termo certo pois sabe-se o momento exato.
▪ Incerto: apesar de a ocorrência do evento ser certa, não se sabe o
momento exato em que vai ocorrer.
▪ P.e., A e B estabelecem um termo que prevê que o negócio
jurídico produz efeitos a partir do momento em que a Catarina
morra. A morte da Catarina é um evento certo, mas não sabemos
o momento da sua verificação.

▪ Expresso ou próprio: quando o termo existe por vontade das partes;


▪ Tácito ou impróprio: quando o termo existe por imposição da lei –
termo legal.

▪ Essencial: aquele em que a prestação deve ser efetuada


necessariamente até à verificação do termo (próprio ou impróprio) – se
essa data for ultrapassada, dado que o termo é essencial, a não
realização da prestação é equiparada à impossibilidade definitiva da
prestação – arts. 801.º e ss.
▪ O credor pode, então, nos termos da lei (art. 808.º/1), fixar um
termo essencial.
▪ Não essencial: aquele que depois de ultrapassado o termo, não
acarreta logo a impossibilidade da prestação, apenas gerando uma
situação de mora do devedor (arts. 804º e ss.). Ou seja, mesmo que se
chegue ao momento convencionado, a prestação pode continuar a ser
efetivada depois disso.

Regime do termo:
▪ Em regra, podemos apor um termo a qualquer negócio jurídico em
nome do princípio da liberdade contratual.
▪ Há, contudo, exceções:
▪ Há negócios aos quais não pode ser imposto um termo.
▪ P.e., o casamento – não se celebra um casamento a prazo.
▪ Se for aposto um termo a um negócio que não possa ser sujeito
a prazo a consequência é, em regra, a nulidade do negócio.
▪ Há, contudo, situações em que a lei prevê sanções especiais:
▪ Art. 1618º CC – casamento;
▪ Art. 279º CC – estabelece regras para a contagem do prazo.

3) CLÁUSULA MODAL

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Está prevista no art. 963.º CC.


▪ A cláusula modal é:
▪ Uma cláusula acessória típica;
▪ Que é aposta nas doações e liberalidades testamentárias;
▪ E através da qual o disponente impõe ao beneficiário um
determinado encargo.
▪ Esse encargo constitui uma obrigação de adotar um certo
comportamento;
▪ Seja no interesse do disponente, de terceiro ou do próprio
beneficiário.

A cláusula modal não se confunde, assim, com a condição:


▪ A condição pode ser um facto alheio ou um comportamento de ambas
as partes; já o modo implica sempre o cumprimento de um encargo
(prestação) por parte do beneficiário daquele negócio (i.e., um
comportamento de uma das partes – beneficiário).
▪ A condição não nos obriga a nada, enquanto o modo nos obriga a
adotar um determinado comportamento.
▪ No caso da condição suspensiva o negócio não produz efeitos até à
verificação da condição (evento futuro e incerto). No caso da cláusula
modal o negócio produz logo os seus efeitos.
▪ Verificada a condição resolutiva, o negócio jurídico deixa de produzir
efeitos automaticamente (com eficácia retroativa), sendo que todos os
efeitos se destroem. No caso do modo, se o encargo não for cumprido,
coloca-se o problema do não cumprimento do modo.

Quid iuris em caso de dúvida?


▪ Quando, apesar destes índices de diferenciação, não se consegue
distinguir, na prática, se aquela é uma cláusula de condição ou de
modo, na dúvida, classifica-se aquela cláusula como modo.
▪ Isto acontece devido ao princípio da conservação dos negócios
jurídicos – i.e., o modo permite preservar os efeitos do contrato.

Regime do modo:

Quid iuris se a cláusula for um modo impossível?


▪ Se a cláusula modal estabelecer um encargo que é física ou legalmente
impossível:
▪ A cláusula modal tem-se por não escrita, isto é:
▪ Deve considerar-se que apenas a cláusula é nula, mas que se
mantém a validade do testamento ou da doação.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Porém, o doador ou o testador podem excluir a validade do ato,


gerando-se a nulidade total, quer da doação quer do testamento
– arts. 967º e 2245º CC.
▪ Além disto, nos termos do art. 2230º CC, o doador ou testador
podem excluir a validade da doação ou do testamento e gerar a
nulidade de todo o caso.

Quid iuris se a cláusula for um modo ilícito?


▪ Se a cláusula modal estabelecer um encargo contrário à lei, bons
costumes ou ordem pública:
▪ A cláusula modal tem-se por não escrita, isto é:
▪ Deve considerar-se que apenas a cláusula é nula, mas que se
mantém a validade do testamento ou da doação.
▪ Contudo, ao contrário daquilo que ocorre no caso de cláusula
modal impossível, o doador ou testador não podem excluir a
validade do ato. Não é possível determinar a nulidade de todo o
testamento ou a nulidade de toda a doação.

Quid iuris em caso de não cumprimento do encargo imposto?


Quando um modo impõe um encargo e este não é cumprido, devemos
considerar várias hipóteses, no que toca às suas consequências jurídicas:
1. Não cumprimento do contrato por facto não imputável ao devedor:
▪ Se o incumprimento não for imputável ao devedor, a
consequência será que a obrigação se extingue (art. 790.º e
792.º).
▪ P.e., A doa um imóvel à Maria, mas impôs que Maria deixasse lá
viver um afilhado de António. Se Maria não cumprir o encargo
(deixar o afilhado viver lá) porque este foi viver para outra
cidade, o incumprimento é por um facto que não é imputável a
Maria, ela não tem culpa. Logo, extingue-se a obrigação.
2. Não cumprimento do contrato por facto imputável ao devedor:
▪ Se o incumprimento for imputável ao devedor será possível, por
um lado, exigir o cumprimento do encargo e, por outro, em
certas circunstâncias, exigir a resolução do contrato.
▪ Ou seja:
▪ Pode-se exigir o cumprimento do encargo:
▪ Aplicando-se os arts. 965.º e 2247.º.
▪ Contudo, faz-se uma importante remissão para o art.
963.º/2, no qual vemos uma limitação – a obrigação de
cumprir o encargo fica limitada ao valor dos bens que
foram doados ou dispostos na disposição testamentária.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Em certas circunstâncias, pode exigir-se a resolução do contrato


(art. 966.º):
▪ Contudo, tal só é possível se se previr esse direito de
resolução no próprio contrato – isto tanto para a doação
como para o testamento.
▪ No caso dos testamentos, no entanto, há uma maior
abertura desta questão – remissão para o art. 2248.º -
como estamos perante um negócio mortis causa, procura-
se salvaguardar, até ao limite, a vontade do testador, pelo
que se permite a resolução não só nas hipóteses em que
o próprio testamento a prevê, mas também naquelas
situações em que, a partir da própria interpretação do
testamento, se possa concluir que a disposição
testamentária não seria mantida sem o cumprimento do
encargo.

4) CLÁUSULA PENAL
▪ Está prevista nos arts. 810.º e ss. CC.
▪ A cláusula penal é:
▪ Uma cláusula acessória típica;
▪ Nos termos da qual as partes convencionam uma determinada
prestação;
▪ Prestação essa que é, normalmente, em dinheiro;
▪ E que o devedor terá de prestar ao credor;
▪ Em caso de não cumprimento, cumprimento defeituoso ou mora
da obrigação.
▪ Tradicionalmente concebia-se a cláusula penal como uma figura
unitária, uma única espécie de cláusula, que cumpria uma dupla função
– fixar antecipadamente o valor da indemnização e compelir o devedor
ao cumprimento.
▪ No entanto, a doutrina mais recente passou a distinguir várias
modalidades de cláusula penal porque nem sempre esta cumpre estas
funções em simultâneo.

Modalidades de cláusulas penais

A. Cláusula de fixação antecipada de indemnização:


▪ Ao fixar esta cláusula, as partes visam liquidar antecipadamente o dano
futuro, i.e., as partes determinam, de forma invariável e fixa, qual é a
indemnização que o devedor vai ter de pagar ao credor em caso de não
cumprimento, cumprimento defeituoso ou mora.
▪ Aqui, a pena substitui a indemnização porque é a própria indemnização.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Exemplo: A pena prevista era de 2000 euros.


▪ Imaginemos que o dano era de 500 euros. Teriam de ser pagos
2000 euros.
▪ O dano apurado foi de 3000 euros. A que é que o credor tem
direito? Tem direito a 2000 euros.
▪ Esta cláusula tem vantagens tanto para o credor como para o devedor.
▪ Desde logo, o credor tem vantagens nisto porque, verificado o
incumprimento, deixa de ter de provar o dano.
▪ Se o dano for zero (e o devedor o provar), então, não haverá
direito à pena.
▪ É de realçar que, apesar de a pena substituir a indemnização porque é
a própria indemnização, não há indemnização sem dano. Ou seja, o
dano terá de existir necessariamente – pode é ser menor.
▪ Porque estamos no âmbito da responsabilidade contratual,
presume-se a culpa. Mas se o devedor vier provar que não houve
culpa então o credor deixa de ter direito a pena.
▪ O devedor pode também ter vantagens nisto, porque ele sabe, a priori,
independentemente do dano que se venha a verificar, o montante que
terá de pagar – sendo que o dano tem sempre um caráter aleatório.

▪ Em suma: O credor apenas tem direito a pena, não a pena e a


indemnização – porque esta fixação antecipada da prestação é
estabelecida em benefício do devedor e do credor.

B. Cláusula penal estritamente compulsória:


▪ A finalidade desta cláusula é de ordem exclusivamente compulsória:
destina-se a pressionar/compelir o devedor ao cumprimento.
▪ A pena que se estabelece é algo que acresce à execução específica da
prestação ou à indemnização pelo não cumprimento.
▪ Ao contrário da cláusula de fixação antecipada da indemnização, esta
cláusula penal puramente compulsória não está prevista no CC.
▪ Contudo, a legitimidade desta cláusula decorre do princípio da
liberdade contratual e destina-se a tutelar a própria confiança de que
cada contraente honrará os seus compromissos.
▪ Por isso, o art. 812º CC pode também ser aplicado a esta cláusula.

C. Cláusula penal em sentido estrito:


▪ No caso da cláusula penal em sentido estrito, a pena substitui a
indemnização, mas não substitui por ser ela própria a indeminização.
▪ Substitui porque satisfaz, por outra via, o interesse do credor e,
portanto, passa a ser satisfeito o interesse do credor e não há dano para
indemnizar.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Então, esta é uma forma de satisfação alternativa do interesse do credor


que não passa pela via indemnizatória.
▪ Esta cláusula também não está prevista no CC, mas, tal como a cláusula
penal puramente compulsória, ela é admissível ao nível da liberdade
contratual e também pode ser reduzida a pena nos termos do art. 812º
CC.

5) CLÁUSULAS DE EXCLUSÃO E DE LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE


▪ São estipulações através das quais os contraentes, no momento da
celebração do contrato – ou posteriormente, desde que antes da
verificação do facto gerador da responsabilidade – acordam em limitar
ou excluir, de alguma forma, a responsabilidade do devedor pelo não
cumprimento das obrigações.
▪ O que se limita ou exclui aqui, ao referir a responsabilidade é, de certo
modo, a obrigação de indemnizar.

Modalidades:
▪ Cláusulas de limitação e exclusão da responsabilidade:
▪ As de exclusão da responsabilidade excluem ou afastam toda e
qualquer responsabilidade, enquanto as de limitação da
responsabilidade a limitam;
▪ Cláusulas de exclusão e de limitação da responsabilidade por atos
próprios (do devedor):
▪ Exclui-se a responsabilidade sempre que ela surja como
consequência de um ato do próprio;
▪ Cláusulas de responsabilidade por atos de auxiliares:
▪ Utiliza-se um terceiro no cumprimento das obrigações e, aqui, é
o próprio que é responsável pelos atos desse terceiro, nos
termos do art. 800º CC;
▪ Cláusulas de limitação do montante:
▪ Quando se estabelece no contrato que não haverá
responsabilidade acima de um patamar de um valor x – acima do
valor não haverá responsabilidade;
▪ Cláusula de limitação dos fundamentos da responsabilidade:
▪ P.e., uma cláusula que preveja que só há responsabilidade caso
haja atuação com dolo.
▪ Cláusulas de redução de prazos de prescrição;
▪ Cláusulas de redução de prazos de caducidade.

→ Estas cláusulas podem atuar tanto ao nível da responsabilidade contratual,


como da responsabilidade extracontratual.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

Ora, o problema da validade destas cláusulas prende-se no art. 809.º do CC:

“É nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe
são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o
disposto no n.º 2 do artigo 800.º”

▪ Como vimos anteriormente, nos casos de não cumprimento ou


cumprimento defeituoso por parte do devedor, o credor tinha certos
direitos:
▪ Direito a exigir o cumprimento;
▪ Direito à resolução do contrato;
▪ Direito a uma sanção pecuniária;
▪ Direito a uma indemnização.
▪ Alguns autores, presos ao teor literal do artigo 809.º, vêm dizer que
estas cláusulas de exclusão de responsabilidade configurariam uma
renúncia antecipada desses direitos e, portanto, ela não poderia ser
considerada válida.

Mas será que o art. 809.º CC proíbe mesmo estas cláusulas?


▪ Considera-se que, dentro de alguns parâmetros, estas cláusulas não
estão a ser proibidas pelo artigo.
▪ A melhor doutrina surge na tese de mestrado do Dr. Pinto Monteiro,
que vem operar uma redução teológica do art. 809º CC.
▪ Existem vários argumentos:

1.º argumento:
▪ O nosso ordenamento admite a chamada cláusula penal, em que
permite que as partes fixem, por acordo, o montante da indemnização.
Esta é uma cláusula que pode funcionar tanto como uma penalidade,
ou seja, tanto pode agravar a indemnização devida, como pode limitar
a indemnização. Portanto, parece um pouco estranho que o legislador
permita a limitação da indemnização através do funcionamento da
cláusula penal e vede totalmente a limitação por via de uma cláusula de
limitação da responsabilidade.

2.º argumento:
▪ Esclarece-se, ainda, que o art. 809º não abrangeria, no seu âmbito de
relevância, as cláusulas de limitação da responsabilidade. Quanto muito
abrangeria as cláusulas de exclusão de responsabilidade. As cláusulas
de limitação de responsabilidade não envolvem uma renúncia ao
direito à indemnização, sendo apenas uma limitação.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

3.º argumento:
▪ A intenção do legislador com esta proibição é a de evitar que uma
obrigação civil seja transformada numa obrigação natural.
▪ Ora, se assim é, estas cláusulas de exclusão de responsabilidade só
devem ser consideradas proibidas no que respeita às cláusulas de
exclusão por dolo ou culpa grave.
▪ Só nesses casos é que estamos a deixar à mercê das partes uma regra
que não pode ficar submetida ao seu livre-arbítrio.
▪ A conclusão que se extrai é de que:
▪ As cláusulas de exclusão e de limitação da responsabilidade são válidas
se excluírem a responsabilidade por culpa leve e são nulas se
excluírem ou limitarem a responsabilidade por dolo ou culpa grave.
▪ Esta conclusão é reforçada pelos arts. 12.º e 18.º/c) do Decreto-Lei
446º/85.

Outras notas:
▪ Particularidade das cláusulas de exclusão de responsabilidade por atos
auxiliares:
▪ Nestes casos há que notar:
▪ Art. 800º/1 – cláusulas de exclusão e limitação de
responsabilidade são sempre válidas exceto se estiver em
causa a violação de deveres impostos por normas de
ordem pública.
▪ No entanto, há que fazer uma correção na interpretação
do art. 800º/2 – só se pode considerar excluída a
responsabilidade por dolo ou culpa grave por atos
auxiliares quando esses auxiliares forem auxiliares
independentes.
▪ Por outras palavras, nos atos auxiliares
independentes admite-se a validade das cláusulas
mesmo em casos de dolo.
▪ Hipóteses de responsabilidade por atos de auxiliares
dependentes em relação às quais haveria de se cumprir as
mesmas decisões para as cláusulas de exclusão de
responsabilidade por ato próprio.

▪ Cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade extracontratual:


▪ As cláusulas de exclusão ou limitação de responsabilidade
extracontratual são válidas no caso de culpa leve, mas nulas no
caso de dolo ou culpa grave.
▪ E são sempre nulas quando há violação da ordem pública ou
quando estejam em causa direitos indisponíveis, como a vida, a
integridade física, a saúde, etc.

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PROBLEMA DA PRESSUPOSIÇÃO E ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS


Pressuposição:
▪ Consiste na convicção da verificação, no futuro, de uma dada
circunstância ou estado de coisas; sendo que essa convicção é
determinante da realização de um contrato, pois, de outro modo, não
se teria celebrado o negócio ou só teria tido lugar a sua realização
noutros termos.
▪ As partes – ou apenas uma delas – tiveram como certa a verificação de
um dado acontecimento ou estado de coisas e, por isso, contrataram.
Se lhes ocorresse a possibilidade de falhar tal circunstância
pressuposta, não teriam contratado sem inserir no negócio uma
cláusula correspondente (p. ex., uma cláusula condicional).
▪ P.e., A arrenda uma casa numa praia para o mês de agosto,
pensando ter férias nesse mês, o que afinal se não vem a verificar;
A compra um terreno, julgando que a zona onde ele se situa virá
a ser declarada zona residencial e isso não vem a acontecer, etc.

Problema da alteração:
› O problema traduz-se, pois, em saber se a alteração das circunstâncias que
fundaram a decisão de contratar, deve importar uma resolução ou modificação
do negócio, ou não deve afetar os termos em que ele foi realizado?

▪ Deste problema excluem-se duas soluções extremas:


▪ Pacta sunt servanda – os pactos devem ser pontualmente
cumpridos;
▪ Cláusula rebus sin stantibus – qualquer alteração das
circunstâncias deveria relevar levando à extinção do negócio.
▪ Quem defende que se devem aplicar estas soluções considera os
seguintes argumentos:
▪ Quando uma pessoa celebra um contrato assume um risco,
conscientemente. Sabe que as circunstâncias podem mudar e
assume esse risco, mesmo sabendo que poderá vir a tornar-se
um risco diferente, até maior.
▪ A valorização da segurança e certeza do direito, princípios
importantes, apontam no sentido da manutenção do contrato.
▪ Contudo, estas soluções não são aceites – consideram-se contrárias e
prejudiciais a vários outros vetores subjacentes a este problema.
▪ Nomeadamente:
▪ Com a alteração das circunstâncias o contrato celebrado
pelas partes pode ser outro, i.e., um diferente do que estas
pretendiam.

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Como se soluciona o problema?

1.º hipótese:
▪ As partes podem acautelar o problema.
▪ É possível inserirem no contrato uma cláusula que estabelece os termos
em que este será resolvido (caso surja).
▪ Trata-se da chamada “cláusula de hardship”.
▪ Se as partes apuseram esta clausula ao contrato, deverão cumprir com
ela.

2.º hipótese:
▪ Pode utilizar-se a teoria da imprevisão.
▪ Esta define que se o contexto social e económico se alterar de forma
radical e imprevisível, o contrato deve ser extinto.
▪ Contudo, critica-se:
▪ Esta teoria não tem em conta que as partes, quando celebraram
o negócio, podem ter previsto o risco de alteração das
circunstâncias e podem ter querido submeter-se a esse risco.
▪ Torna demasiado fácil a extinção do negócio.

3.º hipótese:
▪ Pode utilizar-se a teoria da pressuposição.
▪ Quando se faz uma declaração negocial, essa é feita com um conjunto
de circunstâncias em mente, que se pressupõem. Esta teoria define que
se as circunstâncias que foram pressupostas se alterarem e se a outra
parte tiver cognoscibilidade dessa pressuposição o negócio deve ser
considerado extinto.
▪ No fundo, a teoria considera que em cada contrato existe uma condição
não desenvolvida que é a pressuposição.
▪ Contudo, critica-se:
▪ Sujeita o contrato a uma condição que a outra parte pode não
conhecer.
▪ Torna também muito fácil a desvinculação negocial.

4.º hipótese:
▪ Pode utilizar-se a teoria da base do negócio.
▪ Esta teoria tem 3 versões:
1) Se a alteração das circunstâncias ocorrer na base do negócio o
contrato deve dar-se por extinto.
2) Esta alteração das circunstâncias que configuram a base do
negócio só releva, ou seja, só leva à extinção do negócio se estas

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

circunstâncias forem conhecidas ou cognoscíveis da contraparte


no momento da celebração do negócio.
3) Aceita a segunda versão, mas considera que a alteração na base
do negócio também releva quando no momento do ajuizamento
a boa-fé exija esse resultado, ou seja, que o contrato não se
mantenha tal como foi celebrado.

Ou seja, podemos contemplar duas situações relevantes:


▪ Base do negócio subjetiva: determinadas circunstâncias foram
pressupostas por uma das partes e eram conhecidas ou cognoscíveis
da contraparte e que à luz do princípio da boa-fé a contraparte não
deveria deixar de ter em conta.
▪ Base do negócio objetiva: corresponde às circunstâncias em que
ambas as partes edificaram a vontade de celebrar o negócio e que
quando se alteram afetam o equilíbrio contratual ou conduzem a uma
frustração do fim contratual.

Art. 437.º do CC
▪ A teoria acolhida e compreendia neste artigo exige:
1. Alteração anormal das circunstâncias (na base do negócio).
2. Quando essa alteração afete gravemente as exigências impostas
pelo princípio da boa-fé.
3. Essa alteração não pode estar coberta pelos riscos próprios do
contrato.

Notas sobre o artigo 437.º CC:


▪ Em regra, apenas se aplica a contratos não cumpridos (uma alteração
que se verifique apenas no futuro, i.e., depois de se cumprir com o
contrato, não levará à aplicação deste regime).
▪ O regime da alteração superveniente das circunstâncias pode ser
aplicado aos contratos aleatórios, só não poderá quando o risco que se
verifica é o risco próprio do contrato aleatório.
▪ Exemplo: Aposta entre A e B quanto a um jogo de futebol – A
aposta que a equipa X ganha e B que esta equipa perde. Este
contrato está submetido a uma áurea. Se a equipa sofresse um
acidente de avião na viagem e os jogadores morressem verificar-
se-ia uma alteração superveniente de circunstâncias que não
corresponde ao risco englobado pelo contrato (que é perder).
Aplica-se o regime? Sim.
▪ Este regime conduz a duas hipóteses:
▪ Resolução do contrato – extinguindo-se;
▪ Modificação do contrato.
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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Este regime pode conflituar com o regime do risco previsto no art. 796.º
CC.

INEFICÁCIA E INVALIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

▪ Ineficácia em sentido amplo: Significa que um negócio não produz,


por impedimento decorrente do ordenamento jurídico, no todo ou em
parte, os efeitos que tenderia a produzir, segundo o teor das
declarações respetivas.
▪ Por impedimento decorrente do ordenamento jurídico.
▪ Ineficácia em sentido estrito: circunstância que depende, não de uma
falta ou irregularidade dos elementos internos do negócio, mas de
alguma circunstância extrínseca que, conjuntamente com o negócio,
integra a situação complexa que deveria conduzir à produção de efeitos
jurídicos.
▪ Por uma circunstância extrínseca/externa.
A ineficácia distingue-se da invalidade.
▪ Invalidade: é uma espécie do género ineficácia, mas é apenas a
ineficácia que provém de uma falta/irregularidade dos elementos
internos do negócio. Isto é, traduz-se numa não produção de efeitos
que resulta agora de uma falha num elemento interno e essencial do
negócio (resulta de vícios ou de deficiências do negócio,
contemporâneos da sua formação).
▪ Por uma falha num elemento interno, formativo ou essencial.

Modalidades de ineficácia em sentido estrito:


▪ Ineficácia absoluta: quando é relativa a toda e qualquer pessoa e,
portanto, pode ser invocada por qualquer interessado. Opera
automaticamente, erga omnes.
▪ Exemplo: negócios sob condição suspensiva, se a condição se
não verificar (art. 274º) – a não verificação do evento
condicionante faz com que o negócio não produza quaisquer
efeitos para toda e qualquer pessoa.
▪ Ineficácia relativa: quando se verifica apenas em relação a certas
pessoas (inoponibilidade), só por elas podendo ser invocada (i.e., o
negócio produz os seus efeitos, contudo, relativamente a certas pessoas
é ineficaz).
▪ Exemplo: representação sem poderes – o negócio celebrado por
A em nome de B sem que A tivesse poderes de representação é
ineficaz em relação a B.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

INVALIDADE

Nota: A invalidade, ao contrário da ineficácia, é sempre um conceito absoluto.


O negócio não é inválido para uns e não é inválido para outros. Se o negócio
é inválido, é inválido para todos, porque algo nuclear do negócio, intrínseco a
si, está perturbado.
Conhece duas modalidades – nulidade e anulabilidade.

1. Nulidade:
▪ Art. 286.º CC.
▪ O negócio nulo não produz, desde o início (ab initio), os efeitos a que
tendia, por força da falta ou vício de um elemento interno ou formativo.
▪ A nulidade pode ser invocada a todo o tempo.
▪ A nulidade pode ser invocada por qualquer interessado.
▪ A nulidade pode ser conhecida oficiosamente.
▪ A nulidade não pode ser sanada por confirmação.
▪ (Eventualmente pode haver uma renovação ou reiteração, mas
não se confunde com aquela).

2. Anulabilidade:
▪ Art. 287.º CC.
▪ O negócio anulável produz os seus efeitos e é tratado como válido,
enquanto não for julgada procedente uma ação de anulação.
▪ Se não for anulado, no prazo legal e pelas pessoas com
legitimidade, passa a ser definitivamente válido.
▪ Exercido o direito de anular, no tempo e forma devidos, os
efeitos do negócio são retroativamente destruídos.
▪ A anulabilidade só pode ser invocada durante um determinado
período de tempo;
▪ A anulabilidade só pode ser invocada pelas pessoas no interesse das
quais ela foi estabelecida e não por qualquer interessado;
▪ A anulabilidade não é de conhecimento oficioso, i.e., tem de ser
necessariamente invocada.
▪ A anulabilidade pode ser sanada, por confirmação (art. 288.º) ou pelo
decurso do tempo.

→ Os negócios nulos e anuláveis têm regimes diversos, mas confluem nos


efeitos, estando estes previstos no art. 289º CC.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

Prazos para invocar a anulabilidade:


(Momento a partir do qual se conta o prazo)
▪ A lei fixa-o, expressamente para certas hipóteses:
▪ Art. 125.º CC – varia com a pessoa legitimada para invocar a
anulabilidade;
▪ Art. 1687.º CC – desde a celebração do ato; ou seis meses desde
o seu conhecimento
▪ Quando a lei nada disser expressamente, o prazo deve contar-se
desde a cessação do vício que lhe serve de fundamento (art. 287°);
▪ Por aplicação deste critério, o prazo de um ano deverá começar
a contar:
▪ Desde que a pessoa se apercebe do erro;
▪ Desde que a pessoa se apercebe que foi enganada (dolo);
▪ Quando deixa de haver impacto da ameaça, o medo
resultante desta (coação);
▪ Quando a situação de necessidade desaparece (estado de
necessidade);
▪ Quando a incapacidade acidental desaparece.

▪ Se, no entanto, o negócio não estiver cumprido, isto é, se uma das


prestações não for realizada, a anulabilidade poder ser invocada a todo
o tempo.

Efeitos da declaração de nulidade e da anulação (art. 289.º):


▪ Operam retroativamente – não se produzem os efeitos jurídicos a que o
negócio tendia, i.e., todos os efeitos jurídicos que o negócio pudesse
ter produzido até então serão destruídos.
▪ P.e., A vende a B um terreno e o negócio é nulo. B recebe o preço
que pagou e A recebe o terreno.
▪ Não obstante a retroatividade, há lugar à aplicação das normas sobre a
situação do possuidor de boa-fé, em matéria de frutos, benfeitorias,
encargos, etc.
▪ P.e., A vendeu a B um imóvel e o negócio é nulo, mas não se
apercebem de tal (se não se apercebem, estão de boa-fé, não foi
intencional). B arrendou o apartamento durante 2 anos e recebeu
rendas (frutos civis). As rendas são devolvidas devido a
retroatividade? Não, as rendas ficam com B uma vez que é
possuidor de boa-fé.
▪ Em consonância com a retroatividade, haverá lugar à repristinação das
coisas no estado anterior ao negócio, restituindo-se tudo o que tiver
sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor
correspondente.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

IRREGULARIDADE
▪ A irregularidade, embora provenha de um vício negocial, tem
consequências menos graves que a invalidade, não afetando a eficácia
do negócio, mas dando lugar a sanções especiais.
▪ Por exemplo:
▪ Até aos 16 anos os menores não têm capacidade de gozo para
casar; a partir dos 18 podem casar livremente.
▪ Entre 16 e 18 anos, podem-se casar. Contudo, sem a autorização
dos pais, estes não se emancipam quanto aos bens que levam
para o casamento (art. 1649º CC).
▪ Trata-se de uma situação de irregularidade. O negócio é válido,
mas é irregular.
▪ No caso concreto, a sanção para esta irregularidade é a não
emancipação relativamente aos bens que leva para o casamento.

INEXISTÊNCIA
▪ Há determinados negócios que estão de tal modo feridos por um vício
de tal modo grave que não devem produzir quaisquer efeitos – por
isto, parte da doutrina autonomizou outra categoria – a inexistência.
▪ Esta é, então, uma figura autónoma, com consequências mais graves do
que a nulidade e a anulabilidade.
▪ É uma categoria controversa porque nem todos os autores concordam
ou a admitem.
▪ Galvão Telles e Menezes Cordeiro: sustentaram que a categoria
de inexistência jurídica é eliminável, por deverem as respetivas
hipóteses ser enquadradas ou na nulidade ou na inexistência
material.
▪ Manuel de Andrade: admitia a autonomia da figura da
inexistência jurídica, assinalando-lhe, como interesse prático, à
possibilidade de os negócios nulos poderem produzir certos
efeitos laterais ou secundários, “como que seus filhos ilegítimos
apenas, mas filhos em todo o caso”.
▪ Pode concluir-se que é necessário autonomizar a inexistência como
categoria jurídica, dado que os negócios nulo e anulável podem ainda
produzir determinados efeitos (já os inexistentes não produzem).

REDUÇÃO E CONVERSÃO DOS NEGÓCIO JURÍDICOS

▪ Podemos considerar que a redução e a conversão dos negócios


jurídicos são exemplos de atos nulos, mas que produzem efeitos
jurídicos.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

A. Redução:
▪ Está prevista no art. 292.º CC.
▪ Desde logo, estamos a considerar negócios nulos ou anuláveis, mas
apenas em termos parciais.
▪ Temos aqui, portanto, um problema que trata de saber se:
▪ No caso de uma invalidade ser relativa apenas (afetar apenas) a
uma parte do conteúdo negocial, o negócio deve valer na parte
restante (não afetada) ou deve ser nulo ou anulável na sua
totalidade?

É possível aproveitar a parte válida do negócio jurídico, reduzindo o negócio


jurídico – então, há sempre possibilidade de redução.
▪ Ou seja, pode aproveitar-se apenas a parte válida do negócio,
excluindo a parte nula – deste modo, é possível salvar o negócio, i.e.,
continuar a ter um negócio válido.
▪ Exemplo: A vende a B um terreno. Este terreno tem 150.000
metros quadrados. Já depois de celebrado o contrato, as partes
descobrem que apenas 100.000 metros pertenciam a A e 50.000
a X.
▪ Quanto aos 50.000 o negócio é nulo, traduzindo-se na
venda de coisa alheia.
▪ Quanto aos demais 100.000 não há nada que afete o
negócio. Ou seja, não se terá de considerar que todo o
negócio é nulo, porque nem tudo era coisa alheia.
▪ Deste modo, podemos aproveitar a parte do negócio
jurídico que é válida, fazendo uma redução. Salva-se,
assim, este negócio e, agora, há um negócio válido que
versa sobre a venda de um terreno de 100.000 metros.

Só não haverá redução se a outra parte que se opõe a essa redução vier
provar que não teria concluído o negócio sem a parte viciada.
▪ Nota-se que, a única forma de obstar à redução é provar que a vontade
hipotética das partes é contrária a essa redução – tem de se provar
que efetivamente a parte jamais teria celebrado o negócio sem a parte
viciada.
▪ Exemplo: Se no caso acima, B apenas tivesse celebrado o
negócio por ter 150.000 metros, i.e., se os 50.000 que estão na
parte do negócio que era nulo, tivessem sido
determinantes/essenciais para B ter contratado, este pode opor-
se à redução. Terá então de provar que jamais teria celebrado o
negócio se soubesse que não teria esses 50.000 metros.

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Há, no entanto, situações em que é obrigatória a redução:


1. Quando a invalidade parcial resultar da violação de uma norma
destinada a proteger uma parte contra a outra, haverá redução, mesmo
que haja vontade, hipotética ou real, em contrário – trata-se de uma
redução teleológica.
▪ Nesse caso, se considerássemos totalmente nulo, desrespeitar-
se-ia a própria norma. Pretende-se alcançar plenamente as
finalidades visadas pela norma imperativa infringida.
▪ P.e., um arrendamento em que a renda estipulada é superior ao
montante estabelecido por um diploma que cria uma categoria
de rendas limitadas. Mesmo que o proprietário apenas tivesse
arrendado a casa por estar a exigir um montante mais elevado,
tal não é permitido, pois esse limite foi imposto como forma de
proteger a parte que está a arrendar. Então, essa parte do
negócio é nula, mas seria injusto invalidá-lo completamente.
Logo, exige-se uma redução.
2. Quando, verificada a invalidade parcial, seja conforme à boa-fé, numa
apreciação atual, que o restante conteúdo do negócio se mantenha,
ainda que a vontade hipotética, reportada ao momento da conclusão
do negócio, fosse diversa.
▪ Hoje, a redução em conformidade com a boa-fé fundar-se-á nos
critérios constantes do art. 239º.
3. Nos contratos de adesão, verificada a nulidade de certas cláusulas por
violarem proibições legais, existe um regime especial, que torna
obrigatória a redução.
▪ Este é definido nos arts. 13º e 14º do Decreto-Lei nº 446/85, de
25 de outubro.
4. Quando esteja em causa a proteção do consumidor: o consumidor
pode optar pela manutenção do contrato que celebrou quando alguma
das suas cláusulas seja nula, por excluir ou restringir os direitos
reconhecidos pela Lei de Defesa do Consumidor, ou por violar certos
regimes legais imperativos que têm como finalidade a sua proteção.

B. Conversão
▪ Está prevista no art. 293.º CC.
▪ A conversão ocorre quando o negócio jurídico é totalmente inválido –
o negócio foi declarado nulo ou totalmente anulado.
▪ Questiona-se se, uma vez anulado o negócio, se pode reconstituir um
outro negócio jurídico a partir dos elementos do negócio inválido.
▪ Aqui, aproveitamos os elementos e, a partir destes, celebra-se um outro
negócio que permite atingir o fim económico que as partes pretendiam
– i.e., o resultado económico, social e jurídico, embora mais precário,
deve satisfazer as finalidades pretendidas com o primeiro negócio.

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▪ Exemplo:
▪ A e B celebram um negócio e esse negócio é inválido, mas tem
uma série de elementos. A partir desses elementos, reconstitui-
se um outro negócio jurídico. Transforma-se o negócio anulável
num negócio de outro tipo contratual, mas este tipo contratual
tem de ter um resultado económico aproximado, de algum
modo, do que era previsto pelos contraentes.
▪ Se A e B celebraram um contrato de compra e venda de um
imóvel por escrito particular, esse negócio é nulo por falta de
forma, sendo que podemos transformá-lo num contrato-
promessa de compra e venda.

Requisitos para a conversão:


▪ É necessário que o negócio inválido contenha os requisitos essenciais
de forma e substância (capacidade, objeto, vontade), necessários para
a validade do negócio sucedâneo.
▪ Por outras palavras, o negócio jurídico inicial tem de conter todos
os elementos necessários à celebração válida do negócio
subsequente.
▪ Exige-se que a vontade hipotética ou conjetural das partes seja no
sentido da conversão.
▪ Só haverá conversão, quando se imponha a conclusão de que as
partes teriam querido o negócio sucedâneo se, na hipótese de
se terem apercebido do vício do negócio principal, não
pudessem tê-lo celebrado sem essa deficiência.
▪ Aqui, há uma inversão da lógica subjacente à lógica da redução.
Enquanto há sempre uma redução – exceto se se vier provar que
a vontade hipotético-conjuntural é contrária à redução –, aqui, só
pode ser haver conversão se se provar realmente uma vontade
hipotético-conjuntural.
▪ Porém, tal como na redução, há situações em que a conversão
pode ser obrigatória – quando a boa-fé o exija – estas hipóteses
são fundamentadas pelos arts. 239º e 334º CC.
▪ O negócio jurídico sucedâneo tem de situar-se no domínio negocial
do negócio considerado inválido.

FORMAS DE CESSAÇÃO DOS EFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

1. Resolução;
2. Revogação;
3. Caducidade;
4. Denúncia.

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

→ Falamos de situações em que um negócio produziu efeitos e foi celebrado


validamente, contudo – entretanto, os negócios podem ser confrontados com
formas de cessação dos seus efeitos jurídicos.

1. Resolução
▪ Tem os seus efeitos previstos nos arts. 433º e ss. CC.
▪ Opera por declaração de uma parte à outra parte.
▪ É admitida com base num fundamento previsto na lei ou em convenção
das partes.
▪ Os seus efeitos são equiparados à nulidade ou anulabilidade, tendo
eficácia retroativa.
▪ Quanto à retroatividade, pode haver exceções. Não haverá
eficácia retroativa se:
▪ Se esta contrariar as partes;
▪ Se esta contrariar a finalidade da resolução.
▪ Nos contratos de execução continuada ou periódica, a
retroatividade não vai afetar as prestações já efetuadas, dado
que, mais uma vez, não é possível apagar o uso da coisa.
▪ Nunca prejudica os direitos adquiridos por terceiros.
▪ Se um dos contraentes não estiver em condições de restituir tudo aquilo
que recebeu a título de cumprimento não pode optar pela resolução do
contrato.
▪ Esta resolução tem lugar perante situações muito variadas. Tem como
fundamento um facto posterior à celebração do contrato. Pode ser o
incumprimento do contrato ou a alteração superveniente do contrato.
▪ Exemplo:
▪ A e B celebraram um contrato de arrendamento. Imaginemos
que durante a vigência daquele contrato B (arrendatário) deixou
de pagar as rendas. Como assim foi, o senhorio quer fazer cessar
os efeitos do contrato. Como o faz? Neste caso concreto vai
resolver o contrato – resolução.

2. Revogação
▪ Implica a cessação dos efeitos do negócio jurídico, com fundamento
previsto na lei ou em convenção das partes.
▪ A revogação extingue o negócio para o futuro, tendo eficácia ex nunc,
ou seja, apenas tem eficácia para o futuro.
▪ A revogação tem lugar em diversas situações: muitas delas previstas na
lei, mas noutros casos não há previsão expressa na lei.

3. Caducidade

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Ano Letivo 2021/2022 FDUC Mariana Ferreira e Rute Silva

▪ Temos caducidade quando ocorre um facto a que a lei atribui eficácia


extintiva.
▪ Tem lugar por força de uma causa objetiva, como por exemplo, o termo
do prazo de duração do contrato, a morte de um dos contraentes, etc.
▪ Exemplo: A e B celebram um contrato com o prazo de 3 anos. Ao
fim de três anos caduca – caducidade do contrato.
▪ Também só tem eficácia para o futuro (ex nunc) – não tem eficácia
retroativa.
▪ Remissão para o art. 1051.º.

4. Denúncia
▪ Traduz-se na faculdade de um contraente fazer cessar os efeitos do
negócio, mediante mera declaração.
▪ Assume importância extrema nos contratos de duração indeterminada,
de modo a garantir a inexistência de vínculos perpétuos que seriam
atentatórios da ideia de autonomia privada.
▪ No nosso ordenamento jurídico há um princípio que proíbe
vínculos perpétuos (que as pessoas se vinculem para todo o
sempre).
▪ O único contrato que configura uma exceção pela ideia de
estabilidade que lhe está associada é o contrato de casamento.
▪ Considera-se que a vinculação para todo o sempre configura
uma limitação à liberdade contratual.

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