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Direitos Reais – Prof. Gustavo Prazeres | 2018.

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Alunas Taciana Souto e Thais Câmara

DIREITOS REAIS – 2018.1


PROFESSOR GUSTAVO PRAZERES
E-mail: gustavo@rlp.adv.br

21/02/2018: Quarta-feira
DIREITOS REAIS – NOÇÕES BÁSICAS
1. NOÇÕES CONCEITUAIS
Posse e propriedade correspondem a um tema que é árido na prática, a matéria de Direitos Reais não é muito
diferente do que temos visto em termos de Direito Civil, vimos até aqui boa parte do que é chamado de
Direito Civil patrimonial. Antigamente o Direito Civil só se preocupava com o patrimônio, depois passou a se
preocupar com o ser humano, hoje podemos dizer que o Direito Civil tem uma preocupação com o Direito
Existencial e uma preocupação com o Direito Patrimonial. Dentro do direito patrimonial temos duas grandes
vertentes, uma primeira vertente que corresponde ao Direito das Obrigações, que é como se fosse uma
parte geral pois serve como parte geral para Contratos, Responsabilidade Civil, ou seja, para tudo que vamos
aprendendo dentro do Direito Civil patrimonial.
Os Direitos Reais é uma outra vertente, que quebra alguns paradigmas, como por exemplo, até aqui
aprendemos dentro do Direito a lógica de que o terceiro de boa-fé é protegido, que não pode ser prejudicado,
de que o contrato faz lei apenas entre as partes, de que é uma coisa relativa. Em Direitos Reais muda-se tudo
isso, por exemplo, se houver um choque entre um terceiro, ainda que de boa-fé, e o proprietário, em
princípio, quem prevalece é o proprietário. Por exemplo, um sujeito está andando na rua e um trombadinha
acaba levando sua carteira e relógio, dois anos depois este sujeito vê outro na rua, que não tinha nada a ver
com aquele delito, andando com o relógio, era um relógio de família com suas iniciais gravadas. O sujeito
pode exigir que esse outro devolva o relógio? Sim, mesmo que o terceiro seja de boa-fé, tenha pagado o
preço de mercado e não sabia que ele era roubado. Pouco importa, entre o terceiro de boa-fé e o proprietário
prevalece este, o terceiro de boa-fé que vá ver os prejuízos dele daquele de quem ele comprou, adquiriu o
bem. Então, muda um pouco a lógica.
É importante que tenhamos em mente que estamos estudando o Direito Civil. O Direito Civil, hoje, pode ser
desdobrado em dois grandes campos, primeiro o Direito Civil Existencial e segundo o Direito Patrimonial.
Nem sempre essa matéria se afirmou, durante muito tempo o Direito Civil era visto apenas como um direito
destinado a regulamentar o patrimônio, com a Constituição e uma série de reformulações teóricas passou-
se a proteger também a pessoa, diz-se inclusive que a principal proteção do sistema jurídico é a pessoa. A
dignidade humana nada mais é do que o eixo central pois é um Direito Existencial.
De uma forma mais sistematizada estudamos o Direito Patrimonial, dentro deste temos duas grandes
vertentes, de um lado fala-se no direito de crédito e do outro no direito de propriedade. O direito de crédito
é na sua base obrigações, ou seja, são os Direitos das Obrigações, estuda-se as relações de crédito e débito.
Estuda-se também o direito de empresa, que entra mais na parte de Empresarial. Então, vê-se associado às
obrigações a lógica básica de Direito de Empresa.
Ao lado disso temos as relações ditas reais, tem-se o Direito Real que geralmente fala em propriedade. É
como se tivesse o crédito, que é a propriedade que circula, e tivesse a propriedade que recai sobre as coisas,
quando se fala em Direitos Reais, por isso que se fala em Direito das Coisas. É uma propriedade que recai
sobre as coisas porque dá para chamar direito de crédito de propriedade, em um sentido usual do termo,
pois aquele que tem o crédito tem a propriedade sobre o crédito, então, no português, no sentido mais
amplo sim. Porém, dentro do Direito, quando se fala em Direitos Reais se fala em propriedade, está se
referindo, sobretudo, à propriedade das coisas, por isso fala-se em Direito das Coisas.

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OBS: BEM X COISA: Bem é tudo aquilo que tem valor econômico, coisa é tudo aquilo que é tangível, material.
Não tocamos em crédito, crédito é uma ideia baseada na confiança, dá-se crédito a alguém porque você
confia nesse alguém. O crédito não está regulamentado pela propriedade aqui porque ela se destina apenas
à regulamentação das coisas e o crédito não é uma coisa. Tiramos, então, do nosso campo de estudo, por
exemplo, o direito de crédito, o direito de autor, o direito intelectual. Não é que não haja o reconhecimento
destes, é que a lógica de regulamentação do Direito das Coisas não se aplica a eles. Isso já foi objeto de
discussão, existe Súmula do STJ, que diz que o sujeito não pode utilizar de ação de reintegração em relação
à obras intelectuais, então, autores que têm a sua obra violada não podem utilizar de uma reintegração de
posse, por exemplo. Coisas intangíveis não podem ser regulamentadas pelo Direito das Coisas.
O que é mais amplo? Bem ou coisa? Isso é uma discussão encontrada em alguns livros mais antigos,
principalmente de parte geral. Na prática tem-se dois conjuntos e existe uma interseção, pois existem coisas
que não são bens e existem bens que não são coisas. Bem é aquilo que tem conteúdo econômico, dentre os
bens que têm conteúdo econômico alguns vão ser coisas, mas vão existir determinados bens que não são
coisas, é o caso do direito de autor, do direito de crédito. Boa parte das coisas que vemos tem conteúdo
econômico, como um carro, um piloto de quadro, mas outras não têm, como por exemplo, a areia da praia,
é algo tangível mas que não tem valor econômico porque é tão abundante que ninguém paga por isso.
No caso dos Direitos Reais, na prática fala-se em Direito das Coisas, ao falar em propriedade fala-se das coisas
que são também bens porque o Direito Patrimonial não se refere aquilo que não tem aspecto, conteúdo,
valor econômico. Então, no Direito das Coisas regulamenta-se esse campo de interseção.

• OBJETO DE ESTUDO E IMPORTÂNCIA DO TEMA


 O HOMEM E AS COISAS
Essa noção de apropriação, de pertencialidade, sempre acompanhou o homem. O homem desde que existiu
conviveu em sociedade, desde que existe a raça humana existe enquanto agrupamento, e para conviver em
grupo é necessário que existam regras. Existem regras em todo e qualquer grupo, como por exemplo, um
grupo familiar, um casamento, um grupo de amigos, sendo mais duras ou flexíveis.
O fato é que quando o sujeito começa a viver em sociedade uma das primeiras necessidades que ele tem é
de regulamentar o “ter”, então, essa preocupação com o Direito das Coisas talvez seja uma das mais antigas.
Por exemplo, no meio de uma selva há um agrupamento de pessoas, elas vão ter que decidir quem é que
tem direito à caça que foi conseguida, aos frutos colhidos, tudo isso é uma relação de propriedade, a quem
pertence.
 ESTATUTO JURÍDICO DO PATRIMÔNIO: OBRIGAÇÕES (CRÉDITOS/RESPONSABILIDADE CIVIL/CONTRATOS),
EMPRESA, POSSE E DIREITOS REAIS
Trabalha-se associada a essa ideia de propriedade especificamente com Direitos Reais, de um lado as
obrigações (créditos/responsabilidade civil/contratos), empresa e do outro lado tem-se a posse e os Direitos
Reais.

Tecnicamente falando, dizer que os Direitos Reais se preocupam apenas e tão somente com a propriedade é
errado, é frequente, mas é errado. O Direito Real pode até ter sido pensado em um primeiro instante como
uma matéria destinada a regulamentar a propriedade, mas hoje não dá para fazer isso porque existe mais do
que a propriedade sendo regulamentada aqui. Por exemplo, quando se pensa em usucapião se está
pensando em aquisição de propriedade, mas existem outras situações em que não se defende o sujeito que
é proprietário, mas sim o sujeito que é apenas e tão somente possuidor.
O que é mais importante, a posse ou a propriedade? Depende do ponto de vista. Adianta ser o proprietário
sem ter posse? Depende também. No final das contas o que se precisa é da posse, a propriedade é um
aspecto formal da coisa, é a definição de quem tem por direito a prerrogativa de gozar das vantagens
associadas àquele bem (art. 1228º do Código Civil).

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Art. 1.228 do Código Civil – O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de
reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
O que é a propriedade? É reconhecer formalmente que alguém tem a prerrogativa de usufruir de um
determinado bem, porém, muitas vezes a atribuição das vantagens não é feita só à lógica do reconhecimento
formal de propriedade, a propriedade não é uma finalidade em si mesma. Hoje já são muitas as situações em
que se tem choque entre o mero possuidor e o proprietário, por exemplo, e que se termina prestigiando o
possuidor e não o proprietário, isso porque o possuidor exercia a função social do bem e o proprietário não.
Há algumas situações em que o sujeito tem algumas vantagens associadas ao bem por direito, mas que ele
não é proprietário, por exemplo, há um instituto que se chama usufruto que é um instituto de Direito Real
por meio do qual um sujeito transfere a alguém, que não o proprietário, as prerrogativas de usar e fruir de
um determinado bem. O proprietário continua sendo o proprietário, o usufrutuário é uma espécie de
“locatário”, porém, não é um locatário porque não é um contrato mas sim uma situação de Direito Real,
então, ele é, formalmente falando, o sujeito que tem as prerrogativas de usar e fruir do bem, mas ele não
pode vendê-lo porque não é dele. O Direito Real que regulamenta isso, ele não concede propriedade, mas
sim o usufruto.
Diz-se hoje que para precisar essa questão dos Direitos Reais o ideal não é nem identificá-lo a partir da ideia
de propriedade porque de um lado essa ideia é pequena, pois existe mais do que a propriedade associada,
vão existir situações em que se reconhece vantagens associadas as coisas a alguém e que não está
reconhecendo propriedade, e porque hoje, por outro lado, há uma tendência em elastecer o conceito de
propriedade para contemplar situações que não são regulamentadas pelos Direitos Reais, que é o caso da
propriedade intelectual. Então, quando se fala em propriedade intelectual se está falando em propriedade,
mas é algo que não está sendo regulamentado pela disciplina.
Por exemplo, o autor português José de Oliveira Ascensão, quando fala de Direito das Coisas, vai dizer que o
correto não é definir os Direitos Reais a partir da ideia propriedade, apesar de ser comum, o ideial é que o
defina como o Direito destinado a regulamentar a atribuição das vantagens derivadas das coisas às pessoas.
Então, a finalidade precípua do Direito das Coisas é dizer quem, por direito, tem a prerrogativa de usar, fruir,
dispor das coisas.
Então, como objeto de estudo dos Direitos Reais é normal encontrar nos manuais “propriedade”, mas isso é
uma meia verdade, porque hoje, de um lado, se reconhece como propriedade coisas que não são
regulamentadas pelo Direito das Coisas e porque tem-se plena convicção de que mesmo que se fale apenas
da propriedade das coisas nem sempre o Direito das Coisas vai estar regulamentando apenas e tão somente
ou se referenciando à propriedade. Ou seja, tem regulamentação da posse, que não é propriedade, é algo
que até se associa com a ideia de propriedade, mas que em alguns momentos colide com ela, e vão existir
situações em que se vão ter a atribuição de vantagens que não conduzem a aquisição de propriedade para
alguém, no caso do Direito Real de uso, de habitação, das servidões. Por isso que se fala que é melhor não
falar em propriedade, mas em atribuição de vantagens derivadas das coisas.

• NOMENCLATURA
 DIREITO DAS COISAS
 DIREITOS REAIS
Se for falar hoje em Direito das Coisas é necessário que se reconheça pelo menos a existência de um lado da
posse e do outro lado da propriedade, que iremos chamar de Direitos Reais.

A matéria é chamada de Direitos Reais, ao pegar o livro de Cristiano Chaves, que é um dos livros básicos da
matéria, nota-se que o título do livro é Direitos Reais. Em doutrina encontra-se a discussão sobre a

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diferenciação ou não dos termos Direito das Coisas e Direitos Reais, existem autores que tratam esses
conceitos como sinônimos, que teriam a mesma referência, em um número menor que aqueles que fazem
uma diferenciação. Boa parte da doutrina prefere separar e distinguir o que é o Direito das Coisas e o que
são os Direitos Reais.
Quem faz a diferenciação parte do pressuposto de que o Direito das Coisas corresponde a um campo mais
amplo do que o campo dos Direitos Reais. O campo dos Direitos Reais se restringe ao tratamento específico
da propriedade, ao campo de estudo do direito de propriedade em si mesmo, e dos seus desdobramentos.
Então, estuda-se dentro dos Direitos Reais os direitos reais sobre coisa própria, os direitos reais sobre coisa
alheia e o chamado direito real de aquisição. Dentro dos direitos reais sobre coisa própria fala-se da
propriedade e de algumas de suas modalidades, como a propriedade plena, que naturalmente se espera, a
propriedade resolúvel, a propriedade superficiária. Na propriedade sobre coisa alheia fala-se dos direitos
reais de garantia (hipoteca, penhor e anticrese), dos direitos reais de gozo e fruição. E os direitos reais de
aquisição que hoje basicamente é a promessa de compra e venda devidamente registrada.
Existe dentro dos Direitos Reais, dentro dessa lógica do direito de propriedade, uma forma específica de
pensar a atuação do Direito. A principal diferença dos Direitos Reais para todo o resto do nosso ordenamento
remete ao fato deles serem absolutos. O oposto de absoluto é o direito relativo, como o Direito Obrigacional,
ele depende de uma relação jurídica prévia. Dizer quem um direito é absoluto, que os Direitos Reais são
absolutos, significa dizer que ele independe de uma relação jurídica prévia que o justifique, e é isso que
confere a sua eficácia, projeção, erga omnes (é uma consequência). Se um sujeito quer fazer valer seu direito
de propriedade ele não precisa demonstrar que tem uma relação jurídica prévia com qualquer outra pessoa,
como por exemplo, Gustavo é dono do seu celular, ele pode usar, fruir, dispor, emprestar para quem quiser,
mas ninguém tem o direito de tangenciar ou de pegar o celular sem sua autorização. Gustavo não tem um
contrato assinado com qualquer pessoa, basta o fato dele ser proprietário para que possa afirmar aquele
direito como seu. Direitos absolutos se afirmam independente de qualquer relação jurídica prévia que a
pessoa tenha com o eventual réu.
É exatamente por isso que dois anos depois de sofrer um furto, por exemplo, se a pessoa identificar o objeto
que foi furtado, ainda que na mão de um terceiro de boa-fé, e entrar com uma ação chamada de
reivindicatória o outro sujeito tem a obrigação de devolver o bem. O direito é absoluto, o que a pessoa tem
que provar é que aquele bem é especificamente o bem que a pertence, que tem a sua titularidade.
Dentro dessa discussão de posse, por exemplo, não se encontra essa absolutoriedade definida, a posse tem
um “que” de relativo, sua discussão é diferente da discussão de propriedade. É como se dissesse que na
posse o que prevalece é a discussão do fato, enquanto que na propriedade o que prevalece é a discussão do
direito. Não é comum encontrar isso dito nos livros, mas Gustavo costuma dizer que enxerguemos a posse
como se fosse uma espécie de instituto para combater a autotutela. A posse é como se fosse uma garantia
para se dizer que ninguém está legitimado a fazer justiça com as próprias mãos.
A posse hoje no nosso sistema é um fenômeno complexo, porque ora aparece conjugada com a propriedade,
existe o proprietário que é também possuidor, que é a situação ideial, quem compra um bem geralmente
compra porque quer utilizá-lo, e ora a posse se encontra outorgada a terceiro por conta de uma liberalidade
do proprietário, ele comprou o bem então pode alugar, ceder, emprestar aquele bem. O bem está na posse
de um terceiro, mas aquela posse é uma posse autorizada. E existe também a situação em que o sujeito é
proprietário, comprou um bem, e eventualmente por descuido dele apareceu um terceiro que começou a
exercer a posse, ele é o possuidor e o sujeito é o proprietário, há um choque, o proprietário tem um interesse
e o possuidor outro. Por exemplo, um sujeito comprou um terreno mas nunca foi vê-lo, permitiu que alguém
se assentasse e construisse uma casinha. O proprietário pode chegar por si só e expulsá-lo? É lícito que ele
faça isso? Existe uma coisa chamada de autotutela da posse, ou seja, a legítima defesa da posse, o desforço
imediato e o incontinente. Então, por exemplo, o sujeito está na sua casa e aparece outro agindo com
violência para tentar tirá-lo de lá, o dono da casa pode reagir, tem o direito. Mas se o sujeito permitiu que o
outro se assentasse, ele já tem três anos morando no terreno, o sujeito não pode contratar, por exemplo,

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um monte de capanga e mandar o outro sair. O correto é que se busque o Judiciário, porque ninguém está
legitimado a fazer justiça com as próprias mãos.
Então, a posse é meio que uma proteção de fato, ficando mais claro entender a sua lógica quando se tem em
mente que a posse visa evitar o exercício da autotutela. Um dos escopos do sistema jurídico é evitar a
autotutela, o Estado foi criado e chamou para si o monopólio legítimo do uso da força, e se as pessoas têm
um problema e elas não conseguem resolver por elas mesmas elas precisam recorrer ao Estado, precisam ir
ao Judiciário. Isso acontece também com o proprietário, então, protege-se uma situação fática, a posse, que
as vezes aparece conjugada com a propriedade e as vezes aparece contradizendo a propriedade.
Essa situação de posse é uma situação que só se discute entre o ofendido e o ofensor, aqui tem a proteção
do terceiro de boa-fé. Então, por exemplo, se alguém se utiliza de violência para tomar um bem de outro
sujeito e passa esse bem para um terceiro, que não sabia de nada e tinha crença de que foi tudo regular, o
ofendido não pode entrar com uma ação contra esse terceiro, esse terceiro não tem legitimidade passiva pro
feito, pra discutir posse.
PERGUNTA: Um sujeito entra no terreno de outro, que não exerce nenhuma atividade dentro do seu terreno
e nem mora lá, e o mura todo, tornando-se possuidor. O dono do terreno pode chegar e derrubar o muro?
Se o dono fizer isso ele está violando o direito de posse do sujeito, então este terá remédios jurídicos para
salvaguardar esse direito, mesmo contra o proprietário.
Então, a confusão que existe muito na disciplina diz respeito, em alguma medida, a esse choque entre
propriedade e posse. Isso acontece porque é normal imaginarmos a propriedade associada a posse, mas
existem situações de choque, inclusive situações em que o possuidor prevalece sobre o proprietário. O
caminho correto para o proprietário que teve sua posse ofendida é buscar o Judiciário, a não ser que ele
esteja diante de uma hipótese excepcional em que seja legitimado o exercício da autotutela. Se foi uma
reação imediata ele pode utilizar de violência porque a outra parte também se valeu de violência. A reação
tem dois requisitos, ela tem que ser imediata e proporcional. Imediato pode ser cinco minutos, uma hora ou
um mês, até um ano a depender de como aquela situação fática está de desdobrando, é uma análise feita
diante do caso concreto. Por exemplo, imagina-se um conflito entre quilombolas e pessoas que querem
explorar determinada área, as vezes uma situação dessa se perpetua por anos, um querendo tirar o outro.
Pode-se reconhecer que isso eventualmente ainda é um exercício legítimo de autotutela, mas existirão
situações que não.
Se alguém conseguir efetivamente ter a posse desembaraçada do bem já não se pode mais mexer naquilo.
Se uma pessoa já está morando em um terreno, já construiu uma casa ali, o proprietário do terreno não pode
dizer que vai querer exercer a legítima defesa de posse depois que alguém já teve todo o tempo de construir
uma casa. O proprietário terá que ir ao Judiciário, pois a posse ele já perdeu. É diferente da situação de
alguém estar construindo um muro ou o construir em um dia e o proprietário no dia seguinte derrubá-lo, é
uma reação imediata, ele soube e atuou. O juiz que avalia o que é imediato e proporcional diante do caso
concreto e sempre a posteriori.
Existem autores que trabalham tratando Direito das Coisas e Direitos Reais como sinônimos, alguns autores
fazem a distinção entre eles. Quando essa distinção é feita o Direito das Coisas é reconhecido como um
campo mais amplo, porque está se reconhecendo não apenas a questão da propriedade mas também a
questão das vantagens derivadas da coisa, contemplando, por exemplo, o instituto da posse, que tem um
modus operandi que fica no meio termo entre o Direito Real e o Direito Obrigacional, se diz que a posse é
um direito híbrido.
Então, em relação a essa nomenclatura, ao pegar o livro de Cristiano Chaves, por exemplo, vê-se que o título
do livro é “Direitos Reais”. O autor diz que a nomenclatura mais própria seria “Direito das Coisas”, embora
muitos autores tratem como sinônimo. A nomenclatura “Direito das Coisas” seria a mais correta porque
contempla também a ideia de posse e o termo “Direitos Reais” fica melhor adequado ao tratamento daquelas
questões que são efetivamente derivadas e embricadas com o direito de propriedade. Dessa forma, o termo
técnico mais correto é “Direito das Coisas” porque se está dando um alcance maior a disciplina, reserva-se a

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nomenclatura “Direitos Reais” para aquelas situações que têm a ver especificamente com o direito de
propriedade em que se discute a questão formal, jurídica. Na posse se discute uma situação fática que
merece ser protegida porque o Direito não admite autotutela, não se permite que as pessoas utilizem de
suas próprias razões para fazer Direito.
• HISTÓRICO
 BASES ROMANAS
A parte histórica do tema remonta ao Direito Romano. É dentro da Roma Antiga efetivamente que se começa
a fazer uma primeira distinção, que é essa entre propriedade e posse. Essa distinção é hoje para nós algo
natural, mas nem sempre foi assim, ela é uma noção complexa, antes de Roma Antiga não existia isso,
inclusive nos primeiros tempos do Império Romano não existia, existia apenas o direito de propriedade. Em
um primeiro momento do Direito Romano tinha o que era chamado de Direito Quiritário, o Direito Civil
propriamente dito deles, o Direito Civil para os romanos era um direito que se aplicava apenas ao cidadão
romano. Quem tinha direito dentro de Roma era o cidadão romano, se o sujeito não era romano ele não era
gente, se não era gente não tinha direito, a lógica era essa.
Isso começou a mudar com o desenvolvimento do comércio, o Império Romano estava naturalmente
crescendo, atraindo comerciantes, chegou uma hora que esses comerciantes tornaram-se interessantes para
a própria cidade, ou seja, queriam que eles se fixassem lá. Porém, surgiu um problema, dentro do Direito
Civil que se aplicava apenas aos romanos tinha sobre o direito de propriedade, que no primeiro momento
era familiar, não distinguia a posse. Em relação a propriedade familiar na família tinha um chefe, o patriarca,
que era dono de tudo e que regulamentava com quem ficava cada coisa. Então, começa a surgir esse
problema dos comerciantes, eles queriam se fixar em Roma, mas para isso precisavam de uma casa, de um
lugar para ficar, porém, não poderiam comprar porque a propriedade era um direito exclusivo do romano no
Direito Romano. Começa-se a criar um Direito de base jurisprudencial, o direito dos pretores, que eram os
juízes da Roma Antiga, chega a um determinado momento que eles começam a criar um direito a parte do
Direito Civil para dar um jeito nas situações fáticas que se antepunham.
Então, o comerciante precisava ficar na cidade, a cidade tinha interesse que ele ficasse, mas ele não tinha o
direito, sendo criado, assim, o direito de posse. A posse surge na Roma Antiga como uma forma de guarnecer
os interesses do estrangeiro, do comerciante, que queria se fixar na cidade mas que não podia se tornar
proprietário. Então, começa-se a cunhar a discussão da diferenciação entre o que é propriedade e o que é
posse para a formação do nosso Direito a partir de Roma Antiga. Há uma discussão entre Savigny e Ihering
sobre a definição de posse que parte disso daqui, então, é em Roma Antiga que se firma a primeira base, que
se tem a primeira referência histórica de uma diferenciação.
 IDADE MÉDIA
Essa situação de propriedade e posse foi cunhada na Roma Antiga, mas logo depois veio a Idade Média, que
é marcada pela guerra, pela estrutura de fragmentação, pela estrutura feudal, há uma ausência de Estado –
Roma Antiga foi algo próximo do que seriam os Estados Modernos, mas acabou ruindo. Há, então,a presença
de castelos e em torno deles vários micro centros de poder, é o chamado feudalismo. O que isso faz com a
noção de propriedade? Quem é o dono nessa estrutura? O dono nessa estrutura era o Rei e ele tinha seus
vassalos, que eram uma espécie de administradores, que tinham o direito de usar, mas também não
cultivavam as terras, os seus servos que faziam isso, no começo eles eram meros servos mas depois ficaram
vinculados à terra, não podendo ser tirados delas.
Então, tinha-se uma estrutura que quem utilizava, usufruia, a terra não era na prática o proprietário, era uma
estrutura fragmentada de propriedade. Essa estrutura fragmentada de propriedade não prevaleceu para o
nosso Direito, temos apenas alguns resquícios, e ela foi abandonada com as Revoluções Burguesas.

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 REVOLUÇÕES BURGUESAS
As Revoluções Burguesas marcam a ascensão do Estado Moderno, este em alguma medida é uma tentativa
de releitura ou de reimplementação do Direito da Roma Antiga. Quando se tem o processo de unificação dos
Estados europeus eles buscam, como principal referência histórica, aquele que tinha sido o maior império da
antiguidade, ou seja, o Imprério Romano. Então, de algum modo era uma tentativa de revivê-lo, formando
um Estado Moderno e este abraça esses conceitos de propriedade e de posse, e em um primeiro momento
a preocupação maior é com a ideia de propriedade.
Em um primeiro momento de Estado liberal a propriedade privada é vista como garantia do direito de
liberdade, é como se dissesse que se pode fazer o que quiser com aquilo que é seu. O direito de liberdade é
um direito caro às Revoluções Francesas e Burguesas como um todo, quando se trabalha com uma lógica de
livre comércio e de autorregulamentação do mercado há uma associação a ideia de propriedade privada.
Nesse momento chega a se afirmar que a propriedade é o mais absoluto de todos os direitos, absoluto no
sentido de que seria o mais importante, que aquele que é proprietário pode usar, fruir e dispor em absoluto,
o proprietário tem a prerrogativa de usar e tem também a prerrogativa de não usar. Essa é a primeira feição
do direito de propriedade, inclusive a ideia de posse aqui é uma ideia subalterna, em um choque entre
proprietário e possuidor prevalece o proprietário. A posse é protegida, mas é protegida enquanto instituto
derivado da propriedade.
 FUNCIONALIZAÇÃO DA POSSE E DA PROPRIEDADE
 CÓDIGO CIVIL DE 2002

Há um avançar histórico, esse Estado que em um primeiro momento é liberal, que se preocupa sobretudo
com a ideia de liberdade, passa a ser um Estado interventor, que se pretende social. O Estado Moderno
assume uma postura interventiva, passa a intervir na economia, a regulamentar espaços de atuação que
antes eram negados aos particulares e isso influencia a ideia de propriedade, valoriza a ideia de posse. Então,
hoje em dia, temos necessariamente um Estado que é interventor, independente de ideologia política, e
dentro dessa lógica é que a posse passa a ser também valorizada, sobretudo porque surge a ideia de função
social, houve uma funcionalização dos direitos. Se reconheceu que na prática não existem direitos que sejam
únicos e exclusivamente individualizados, o sistema jurídico existe e só se justifica na medida em que ele
atende interesses da coletividade.
Então, se nós atribuimos o direito de propriedade a alguém é porque isso é algo bom para a coletividade
como um todo, porque acredita-se que aquela pessoa, ao ter aquela propriedade garantida, vai desenvolver
ali um comércio ou vai fixar sua casa, a partir dali vai fazer movimentar a economia, vai contratar pessoas,
cumpre com uma função social. Dessa forma, aquela ideia de que a propriedade era absoluta, que havia uma
liberdade absoluta no seu controle fica para trás, começa-se a trabalhar com uma ideia de função social, que
foi abraçada, constitucionalizada, no nosso sistema.
No início no Brasil se afirmou a ideia de função social da propriedade, isso significa que aquela ideia de
propriedade absoluta ficou para trás. Por exemplo, uma pessoa comprou um terreno na cidade de Salvador,
em uma área relativamente bem valorizada, mas quer mantê-lo sem nada construído, quer especular, deixá-
lo baldio porque acha que ele irá varolizar mais e quer ganhar dinheiro vendendo mais tarde. Essa pessoa
pode fazer isso? No século XX poderia sim, hoje em dia a pessoa não estaria cumprindo com a função social
esperada do bem, dessa forma, é autorizado ao poder público a intervir aplicando o IPTU progressivo, a
pessoa começa a pagar mais. Já que a pessoa quer ganhar dinheiro com isso o poder público torna esse
negócio mais oneroso para ela, ele está estimulando ela a construir. Se o IPTU progressivo não funcionar o
poder público pode ir para a edificação compulsória, se mesmo assim a pessoa não edificar pode-se chegar
a desapropriação para fins de reforma urbana.
É mais interessante para a coletividade que esse bem esteja no comércio do que fora dele, quando alguém
deixa de construir algo, em uma lógica macro econômica, ele está afetando a vida de todos. Se a pessoa deixa
o terreno baldio, em um primeiro momento já se cria um problema que é o de cuidar daquele terreno, que
pode ser foco de doenças, de mato, pode estimular a insegurança pública. Em uma outra perspectiva se a

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pessoa está deixando aquele terreno não construído ela está impendindo o desenvolvimento de um
comércio ou de uma casa, está por consequência contribuindo para que se tenha menos empregos gerados,
afetando a economia. Exatamente por reconhecer que as atitudes individuais afetam a economia que o
Estado se dá o direito de intervir, então, afirmado a isso que se consiste a ideia de função social da
propriedade. Tem que se garantir que aquele bem cumpra minimamente os anseios que a coletividade
espera dele.
Atualmente no Brasil se vê também falar da função social da posse, significa dizer que temos transitado por
um momento em que deixamos de enxergar a posse como um direito subalterno à propriedade. Então, em
um primeiro instante o que valia era ser proprietário, um outro poderia ser possuidor desde que o
proprietário permitisse, se houvesse um choque o proprietário que iria prevalecer. Avançamos para um
momento em que nem sempre o proprietário irá prevalecer diante do possuidor, cada vez mais não vale ser
apenas o formal proprietário, para garantir o seu direito de propriedade a pessoa deve exercer a função
social do bem. Em situações em que o possuidor exercer a função social e o proprietário não é o possuidor
que irá ser prestigiado.
A prova mais marcante disso é a ideia de usucapião. A usucapião, que é uma forma de aquisição de
propriedade a partir do exercício continuado da posse, sempre foi contemplada no nosso ordenamento, na
prática aquele que exerceu efetivamente a posse se torna proprietário. O antigo proprietário que não
cumpriu com a função social vai deixar de ser proprietário, vai ser penalizado. A usucapião, na primeira
versão que foi incorporada no sistema jurídico brasileiro, em relação a imóveis1, tinha um prazo inicialmente
de 30 anos para o sujeito usucapir, ele tinha que ficar 30 anos na posse mansa e pacífica do bempara poder
usucapir, isso no Código Civil de 1916, na redação original. Ainda no Código Civil de 1916 esse prazo foi
reduzido de 30 anos para 20 anos, com a edição do Código Civil de 2002 esse prazo de 20 anos foi reduzido
para 15 anos, sendo que esses 15 anos, ainda dentro do Código Civil de 2002, podem chegar a ser 10 anos se
o sujeito morar ou desenvolver atividade econômica no bem. Só vão ser 15 anos se o sujeito, por exemplo,
murar o terreno e deixá-lo parado.
Então, saímos de uma perspectiva em que o sujeito dependia de 30 anos para 10 anos, isso significa que se
passou a prestigiar a posse quando é exercida a função social em detrimento do direito formal de
propriedade. Hoje há uma discussão sobre a questão de função social da posse, quando se fala sobre isso
refere-se especificamente a um movimento que existe dentro do nosso ordenamento de paulatinamente
prestigiar o direito de posse quando ele é exercido a partir da função social do bem.
Fora do Brasil não se fala em função social da propriedade e função social da posse, fala-se em função social
do bem. Qual a diferença entre função social da propriedade e função social do bem? Nenhuma, fala dessa
forma porque seja proprietário ou seja possuidor eles vão precisar fazer exatamente a mesma coisa para
cumprir a função social do bem. No Brasil, por uma questão histórica, acabou se tratando as duas coisas de
forma separada e quando falamos em função social da propriedade geralmente a doutrina está se referindo
a ideia de que a propriedade deixou de ser um direito absoluto, e quando fala em função social da posse está
se referindo ao movimento de prestigiar o possuidor, ainda em que detrimento do proprietário.
PERGUNTA: Exemplo de função social da posse só existe a usucapião? No art. 1228º, §4º e §5º do Código
Civil há uma série de outros institutos, lá tem uma coisa chamada de desapropriação judicial, que é uma
afirmação da função social da posse, tendo outros exemplos. Quando chegamos no processo, isso está
sedimentado desde o CPC de 1973 mas reproduzido também no CPC de 2015, temos uma lógica que
determina que quando houver uma discussão de posse tem-se que primeiro terminá-la para depois poder
discutir a propriedade, então, processualmente se a parte optou por discutir posse ela não pode enquanto
pendente a situação fática dizer que quer encerrá-la e discutir a situação de propriedade. Isso é uma forma

1
É possível usucapir bens móveis, a usucapião se aplica tanto a bens móveis quanto a bens imóveis. Não
é frequente vermos na prática uma discussão jurídica sobre usucapião de bens móveis porque ele
geralmente tem um valor diminuto para gerar um interesse de alguém movimentar o Judiciário, mas é
possível, é juridicamente viável.

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de prestigiar o possuidor. Então, existem outros movimentos que demonstram que a posse vem sendo
valorizada e hoje ela se encontra num direito tão importante quanto o direito de propriedade.
2. A RELAÇÃO JURÍDICA DE DIREITO REAL

Nos Direitos Reais se encontra uma lógica diferente da que se está habituado. No Direito das Obrigações se
tem a relatividade, já aqui se tem a ideia de que os Direitos Reais são absolutos, são independente de relação
jurídica prévia. Isso tem reflexos na forma de estrutura da disciplina. O modo mais simples de se representar
o direito em atuação é por meio da relação jurídica.
Relação jurídica é um vínculo intersubjetivo em função do qual as partes ficam vinculadas em torno de um
objeto.

Normalmente se tem um direito que geralmente corresponde ao dever de alguém pagar esse crédito, para
ter direito de crédito é preciso que se tenha alguém para pagá-lo. Em uma relação de direito real como se
consegue fazer a representação da relação que se consegue no direito de crédito? Digamos que temos João,
proprietário de determinado imóvel, ele pode usar, fruir e dispor. Quem está do outro lado? No direito de
crédito se o sujeito tem um direito é necessário que alguém atue para que ele tenha seu direito satisfeito.
No direito real, isso não é necessário, mas como isso é representado? A relação jurídica em seus moldes não
foi estruturada para tratar dos direitos reais, ela foi pensada em torno dos direitos obrigacionais, em torno
de relações jurídicas prévias, não foi pensada para relações absolutas que independem de relações jurídicas
prévias. Diante dessa constatação, a doutrina se deu conta que havia um problema e se dispôs a resolver
com as seguintes teorias.

• TEORIA CLÁSSICA: MODELO DUALISTA


 TEORIA REALISTA/OBJETIVA PARA DIREITOS REAIS
 TEORIA PERSONALISTA/SUBJETIVA PARA DIREITOS OBRIGACIONAIS

Segundo essa teoria se tinha um modelo de relação jurídica que foi pensada em torno do direito das
obrigações, essa estrutura não serve para representar os direitos reais. Então foi proposto um modelo
dualista, pois são duas propostas para representar a relação jurídica, existindo uma relação jurídica típica de
direitos reais e existia uma relação jurídica típica de direitos obrigacionais.
Então, estava de um lado a teoria personalista, com esse nome por ser em torno de pessoas, que é a situação
do direito intersubjetivo. (Joao – José = Direitos obrigacionais).
Na teoria dos direitos reais se tem o vínculo jurídico entre A (pessoa) e C (coisa), essa é a teoria realista. Essa
teoria é realista porque ela remete a uma res. A teoria clássica diz que nos direitos reais a relação jurídica se
estabelece entre pessoa e coisa.

Não há ainda uma pacificidade acerca desse tema, pois por exemplo, a Escola Paulista de Direito Civil parte
da existência de um vínculo jurídico entre pessoa e coisa para explicar a relação de direito real.
Transcendendo essa escola, vê-se que alguns autores ainda tem uma certa resistência quanto a isso. Qual o
sentido de estabelecer essa representação de relação jurídica? Há uma representação gráfica de como
funciona o direito. Quando se coloca um credor e um devedor, se está querendo dizer que o credor deve
atuar para satisfazer o direito de crédito. O Direito faz a orientação de condutas e quando se coloca A como
proprietário e C a coisa, a coisa não pode ter essa conduta orientada. Ou seja, quando se faz esse vínculo

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entre pessoa e coisa não se está orientando conduta nenhuma, apenas se retrata uma situação fática. Na
relação obrigacional, se o sujeito não cumprir sua obrigação, ele fica sujeito a uma sanção, diferente do
direito real onde não há como se agir dessa forma.
• PROPOSTAS DE UNIFICAÇÃO
 TEORIA UNITÁRIA PERSONALISTA (Windscheid, Planiol, Demogue e Ripert)
 TEORIA UNITÁRIA REALISTA – Gaudemet e Saleilles

Houve uma tentativa de se fazer uma unificação em torno da teoria que traz o vínculo entre a pessoa e a
coisa. Então, se dizia que na relação obrigacional o vínculo deveria ser representado com o objeto e não com
as pessoas. Ex.: João assumiu o dever de pintar um quadro para José. Haveria uma relação jurídica entre João
e o quadro e entre José e o quadro. Essa teoria não prevaleceu.
O que prevaleceu com maior veemência foi a teoria dita unitária personalista.
Há autores que ainda defendem a teoria clássica, sobretudo na Escola Paulista de Direito e outros autores
que tendem para a teoria unitária personalista. A constatação é que não se podia tratar relação jurídica de
direito obrigacional e relação jurídica de direito real de forma diferente, pois no final das contas o modus
operandi do direito é o mesmo. Então a ideia foi adaptar a relação jurídica típica de direito obrigacional para
transformá-la em uma relação que sirva também para representar a relação jurídica de direito real.

Isso foi feito da seguinte forma: De um lado se tem A e do outro B que é aquele chamado de sujeito passivo
universal a quem se atribui um dever geral de abstenção. Ou seja, A é proprietário, ele tem a prerrogativa de
usar, fruir e dispor do bem e que esse direito dele corresponde a um dever de todos os outros onde todos
têm o dever de respeitar a esfera jurídica de A sob pena de cometer um ato ilícito ao violar seu direito. Ao
SPU é atribuído um dever geral de abstenção.

Não se pode dizer que essa representação trazida por essa teoria seja equivocada, pois há uma verdade.
Porém, isso não define os direitos reais, pois na prática isso nada mais é que a representação do ilícito e esse
ilícito se impõe tanto nas relações obrigacionais quanto nas relações de direito real. Ex.: Um contrato firmado
entre Joao e José. Então vem Caio que não quer que esse contrato se efetive, porém, ele não pode interferir,
e ele nada mais é que o sujeito passivo universal, onde todos têm um dever de abstenção geral no sentido
que não se pode influenciar na esfera jurídica alheia. Então, na verdade, quando se fala de teoria unitária
personalista não se está explicando o direito real, mas sim o ilícito, já que ninguém pode interferir na esfera
jurídica alheia sem cometer um ilícito.

Essa teoria unitária personalista além de somente explicar o ilícito, é lacunosa, pois em um primeiro
momento até conseguia explicar o direito de propriedade2. Proprietário não tinha deveres, mas no momento
em que se começa a trabalhar com propriedade com função social, a propriedade tem dever, no Código Civil
alemão fala expressamente que a propriedade obriga.

Mas se está representando uma situação em que há um dever geral de abstenção, qual o dever do
proprietário? Pois quando se afirma a função social da propriedade o que se está dizendo é que a situação

2
Vide parte histórica em que fala que a propriedade era associada ao próprio direito de liberdade, e
sendo direito de liberdade e sendo direito de liberdade ela era uma propriedade absoluta no sentido de
que não havia limitação.

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dele não é apenas de gozo, mas também de ônus. Logo, na prática, essa teoria unitária personalista não serve
para explicar os direitos reais.

PARA ESCLARECER: Chegou um momento em que uma parte da doutrina quis tratar do direito obrigacional
separado do direito real. Quando se trata de uma coisa separada da outra se tem de um lado teoria realista
e do outro teoria personalista, então veio uma parte da doutrina e concluiu que duas relações jurídicas não
serviam, trazendo a ideia de criar um modelo único. Esse modelo único trouxe a proposta que predominou.
A teoria unitária personalista pega a relação jurídica normal dos direitos obrigacionais e adapta criando a
figura do SPU e atribuindo a esse sujeito um dever geral de abstenção que uma vez rompido torna específico
e individualiza a pessoa que está no polo passivo, então o sujeito que afeta o direito de propriedade de outro
sujeito, faz com que eles passem a ter uma relação jurídica. Porém, na prática, isso não está explicando o
direito real, mas sim o ilícito já que todos têm um dever geral de abstenção em relação à esfera jurídica
alheia, tanto no direito real quanto no direito obrigacional.

• SITUAÇÃO JURÍDICA

Poucos autores se referem a situação jurídica. Por mais que se tenha aprendido até aqui que a forma de
representar graficamente o direito tenha sido pela relação jurídica, isso deve ser superado, pois existem
formas de representação gráfica do direito que independem do contexto relacional, tem-se que admitir a
existência do que se chama de situação jurídica. Na pratica, o Direito apresenta uma complexidade bem
maior do que aquela apresentada por meio da relação jurídica. Inclusive, em algumas situações só se tem um
foco principal de atuação, se diz que, por exemplo, o sujeito que é proprietário não se encontra em uma
relação jurídica, ele se encontra em uma situação jurídica unipessoal, pois ele não precisa de outra pessoa,
em princípio, para fazer valer o seu direito. Só que essa situação jurídica congrega uma série de situações,
como a situação de direitos que se antepõe a deveres, traz ônus, faculdades e poderes. A relação jurídica
serve com perfeição para aquelas situações em que representam direitos e deveres, mas além do direito e
dever existem essas situações que contemplam ônus (significa que o sujeito não é obrigado a), faculdades e
poderes e que não são passiveis de serem representadas em relações jurídicas.

Ex.: O proprietário está em uma situação jurídica, mas não quer dizer que ele não esteja em uma relação
jurídica. Esse proprietário tem o dever de pagar impostos ano a ano, então ele pelo fato de ser proprietário
tem uma relação jurídica com o Estado. Nem todas as situações tem direitos e deveres, usar e fruir e dispor
são faculdades e não direitos propriamente ditos, pois ele faz se quiser. Ex.2: O proprietário pode ter firmado
uma relação jurídica de locação, então aqui se tem um contrato em função do qual ele está transferindo, mas
o direito de propriedade usual que se representa não precisa dessa relação jurídica para ser firmado, é
unipessoal.

Por que então não se consegue representar os direitos reais na sua modalidade mais básica em uma relação
jurídica? Porque usar, fruir e dispor é uma faculdade. Já cumprir a função social pode ser um ônus. A maioria
dos livros vão explicar o modelo clássico, mas concordando com o modelo unitário personalista. Um ou outro
autor se dá o trabalho de falar da relação jurídica.

Se percebeu que o Direito se tornou mais complexo do que antes, e se admite enxergar novas perspectivas
e algumas dessas perspectivas permitem que em alguns instantes se enxergue uma situação como
unissubjetiva, então quando se fala em direito de propriedade é porque somos treinados para pensar o
direito em conflito e talvez isso tenha feito com que as pessoas tenham querido explicar os direitos reais, e
tecnicamente, o direito é mais direito quando ele é cumprido.

A relação jurídica continua a existir, a questão discutida é que visualizar o direito é mais complexo, pois há
uma relação jurídica, mas essa relação jurídica não se desprende dos outros deveres, ônus, faculdades e
poderes que estão associados. Ex.: José é proprietário, mas não somente ele é enxergado como proprietário,
se enxerga seus deveres, ônus, faculdades e poderes, e é isso que a situação jurídica propõe.

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PARA ESCLARECER: Direitos reais e direitos obrigacionais tem um modus operandi diferente. Para
representar graficamente, a relação jurídica obrigacional trabalha com o pressuposto básico de direito e
dever (A – B). No direito real, assim como nos direitos da personalidade há uma faculdade, o sujeito possui
um carro e só usa se ele quiser. Para explicar os dois deve-se admitir uma situação jurídica que serve para
explicar não só os direitos reais como também os direitos obrigacionais, quem defende a teoria da situação
jurídica continua tendo uma proposta de unificação, tanto as relações obrigacionais quantos as relações de
direito real são explicadas a partir de uma situação jurídica. O detalhe das relações obrigacionais é que elas
são situações jurídicas em torno das quais se tem relações jurídicas. Ex.: Ao invés de haver o vínculo entre
João (credor) e José (devedor) se tem uma relação entre João que está envolto em uma situação jurídica
específica que congrega deveres, poderes, ônus e faculdades. Na análise do caso concreto, deve analisar a
situação jurídica, pois haverá uma resposta jurídica diferente para cada caso. O que se quer dizer é que apesar
da relação jurídica entre eles, há uma situação jurídica específica de cada um.

Sobre a teoria unitária realista: A proposta dessa teoria é pegar o vínculo entre pessoa e coisa e estender
também para as relações obrigacionais. Por exemplo, a relação obrigacional, por mais que tenha uma
prestação na maioria das vezes a ela associada, ela tem sempre um objeto, então no caso de A dever um
dinheiro para B, haveria uma relação entre A e o dinheiro e entre B e o dinheiro.

A teoria da situação jurídica está dentro das propostas de unificação, mas ela é um passo adiante e se propõe
a analisar situações de forma mais aprofundada, ela abandona a categoria clássica de direito e dever,
conferindo poder, ônus e faculdades.

- Na teoria unitária personalista se tem a representação gráfica intersubjetiva em um e em outro, só que na


relação de direito obrigacional se tem os sujeitos determinados e na obrigação de direito real se tem um
sujeito passivo indeterminado, porém determinável, pois no momento do ilícito ele se determina.

3. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

São princípios fundamentais dos direitos reais em si mesmos e não direito das coisas, então a isso é associada
a ideia de propriedade, terminam com uma situação jurídica própria e se firmam principalmente sobre dois
princípios fundamentais, quais sejam o princípio do absolutismo e da aderência, que se desdobram em
algumas características. Esses dois primeiros princípios fundamentais são os mais complexos.

• ABSOLUTISMO
DEVER GERAL DE ABSTENÇÃO

O primeiro e talvez o mais significativo princípio, é o princípio do absolutismo que significa que os direitos
reais são absolutos e independem de relação jurídica prévia, diferente do direito de crédito, pois se a pessoa
entra com uma ação contra outra no direito de crédito, a primeira coisa que ela tem que explicar é sua relação
jurídica com essa pessoa, essa relação deve ser provada. Já nos direitos reais/absolutos não é necessário
demonstrar essa relação jurídica prévia, mesmo que o sujeito nunca tenha visto o réu, ele precisa mostrar
apenas que o bem é seu, isso acontece também com os direitos da personalidade.

Isso é representado com um dever geral de abstenção e também com uma eficácia erga omnes. A
consequência de atribuir esse princípio do absolutismo é essa eficácia erga omnes, se impõe contra todos, é
diferente de um contrato que é relativo.

• ADERÊNCIA, INERÊNCIA OU ESPECIALIZAÇÃO

Diz que o direito real se vincula à coisa, ele passa a ser um traço característico da coisa. O direito de
propriedade acompanha a coisa onde quer que ela esteja, o direito de garantia que seja firmado também
acompanha a coisa. Ex.: Sujeito A para emprestar determinada quantia ao sujeito B diz que para que ele
empreste esse dinheiro, o sujeito B deve vincular algum imóvel como garantia de pagamento, sendo essa

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proposta aceita por B. A obrigação é cumprida como deveria e nada acontece com relação ao imóvel
hipotecado. Essa hipoteca significa a garantia real, então o credor não pode ficar com o bem, caso o devedor
não pague, ele é obrigado a vender para quitar a dívida. Imaginemos que B está pagando o empréstimo
regularmente e ainda não acabou, então aparece um terceiro e diz que quer comprar o imóvel hipotecado,
ele pode vendê-lo, porém o imóvel continua vinculado à solvência do empréstimo. Isso significa que o
terceiro está comprando um bem hipotecado, e mesmo não estando mais o bem no patrimônio do devedor,
caso este não pague o empréstimo, esse bem continua a responder pela solvência. Então, o direito real segue
a coisa, a referência não são mais as pessoas, não é o patrimônio individual, mas sim a coisa.

- É próximo das obrigações propter rem, só que as obrigações propter rem ficam no meio termo, aqui são
direitos reais que são definidos em função do bem acompanhando-o.

- É a mesma coisa que acontece com a servidão, por exemplo. Ex.: Dois imóveis e os dois tem acesso a via
pública, mas apenas um deles tem acesso a determinada via pública. O proprietário de um imóvel quer
transitar pelo terreno do outro para poder chegar mais rápido àquela rua. Esse sujeito que quer transitar
negocia com o outro, gratuitamente, para que ele possa andar livremente por lá. Depois de um tempo, o
dono do terreno se incomoda e fecha o acesso do outro. Mas digamos que eles façam um contrato escrito e
oneroso, e está no contrato que o dono do terreno não pode voltar atrás já que ele paga todos os meses por
isso. Se o dono do terreno com acesso à rua resolver vender o terreno, quem comprar não é obrigado a
continuar com o contrato. Para garantir que isso se torne obrigatório se faz uma servidão, que significa que
se está constituindo um direito real, o qual aderiu ao bem. Então mudou a pessoa, mas a referência é o
imóvel e não a pessoa.

O princípio da aderência diz basicamente que o eixo central deixa de ser a pessoa e passa a ser o bem. O
direito real sobre imóveis só se constitui mediante registro.

- O absolutismo e aderência são os dois principais princípios.

 CARACTERÍSTICAS DERIVADAS DOS DOIS PRIMEIROS PRINCÍPIOS


▪ Sequela ou jus persequendi

O direito de sequela é aquele de buscar o bem da mão de quem, injustamente o detenha ou o possua. É a
parte final do Art. 1.228, CC.

CC, Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do
poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Sequela significa, na prática, uma condição que foi adquirida em virtude de alguma coisa. É uma característica
que se torna do bem independente de outras coisas, ou seja, o direito real está aderido ao bem e se pode
buscá-lo onde quer que ele esteja porque é algo que está preso ao bem, pois é característica do bem e não
das pessoas.

▪ Preferência

É possível muitas que se estabeleça mais de uma garantia sobre o bem. Ex.: A pede um empréstimo para B,
que diz que empresta mas precisa de uma garantia. A dá um imóvel avaliado em 500 mil como garantia.
Passado um tempo A precisa de outro empréstimo, B diz que quer outra garantia, pois o imóvel de 500 mil
já foi dado como garantia uma vez. A diz que seu imóvel vale 500 mil e se for vendido sobrará dinheiro
suficiente para garantia desse novo empréstimo. Então, A procura outro agente financeiro e pega outro
empréstimo, e faz uma outra hipoteca, ele pode fazer quantas hipotecas quiser do mesmo bem, pois, em
princípio, o bem tem um valor econômico maior que os empréstimos. Há um limite para isso? A doutrina
controverte. Uma parte da doutrina diz que o limite é o valor econômico do bem. Para Gustavo, o limite é

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definido pelo mercado, pois pode chegar um momento que o credor pode não querer mais esse bem como
garantia, pois ele já é garantia de outros empréstimos.
Nessa linha, se pode constituir mais de uma hipoteca. Se, por exemplo, o sujeito hipoteca o bem cinco vezes,
no caso de execução desse bem, partindo do descumprimento, primeiro se paga a primeira, depois a segunda
e assim por diante, pois assim há uma ordem de prioridade nesse modus operandi. Então o sujeito que pega
a segunda hipoteca corre mais risco que aquele que pegou a primeira.

Existe uma preferência de direitos reais sobre as questões creditícias. Se, por exemplo, a pessoa aceita
conferir um empréstimo, é melhor pegar uma garantia pessoal ou real? Se exige uma garantia real porque
quando se faz a execução de determinado bem, separa os credores em duas categorias: credores comuns ou
quirografários e os credores privilegiados.

 Privilégios legais3

Os credores privilegiados são aqueles que ou gozam de um privilégio legal, então, por exemplo, os créditos
trabalhistas de até 30 salários mínimos possui uma preferência legal.

 Direitos reais de garantia

Depois dos privilégios legais se tem os chamados direitos reais de garantia. Essa sistemática é aplicada tanto
para PJ quanto para PF. O que garante o cumprimento das obrigações, em princípio, é o patrimônio individual
de cada um, porque se um sujeito empresta dinheiro sua expectativa é que esse dinheiro será devolvido e se
assim não for, busca-se algum bem dele para satisfazer a dívida.

Nas situações, os direitos reais de garantia servem para estabelecer uma preferência nesse momento que o
sujeito se torna insolvente. O nosso sistema não permite que alguns sejam privilegiados, que privilegie um
credor em detrimento de outro. Para dar uma solução justa, nessas situações de insolvência ou falência, se
reúne todos os credores, reunir tudo que o devedor tem e fazer um cálculo disso para pagar
proporcionalmente cada um, há um rateio entre todos. Essa regra pode ser afastada se o sujeito tiver um
privilégio legal, como um crédito trabalhista, ou seja, primeiro paga esse que tem o privilégio legal e depois
paga aqueles que possui as garantias de direitos reais. As garantias de direitos reais cedem diante dos
privilégios legais.

A hipoteca é uma garantia real.

• PUBLICIDADE E VISIBILIDADE

Os direitos reais por ter um modus operandi bastante sui generis, inclusive por ter uma eficácia erga omnes,
eles exigem uma publicidade ou visibilidade, eles não podem ser constituídos de forma sigilosa. Significa, na
prática, que para constituir direito real sobre imóvel, é preciso, necessariamente, haver registro público, sem
o registro o sujeito não tem o direito real constituído. A compra e venda, por exemplo, gera a obrigação de
transferir o bem, não transfere propriedade. O sujeito já pagou o preço, já tem as chaves, mas não registrou
o imóvel, ele não é dono do imóvel, apenas é potencial dono, só se torna dono depois que promove o registro
público. No caso dos bens móveis, se garante a visibilidade a partir da tradição que é a entrega. Ex.: Um
sujeito compra uma geladeira pela internet, e mesmo depois de já ter efetuado o pagamento, ela ainda não
é dona dessa geladeira, só passa a ser depois que esta lhe é entregue. Se a geladeira se perde no caminho, a
loja que perde o bem e não o comprador (res peret domino).

3
Estão definidos em lei.

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28/02/2018: Quarta-feira
REVISÃO AULA PASSADA

Existem dois princípios que são orientadores, fundamentais. Os Direitos Reais, em primeiro plano, são
direitos absolutos (que não depende de relação jurídica prévia que o defina), são por isso orientados pelo
princípio do absolutismo. Não depender de uma relação jurídica prévia que o defina significa que
estruturalmente estamos diante de direitos que têm uma eficácia erga omnes, isso traz algumas dificuldades
para a matéria, é difícil conseguir representar graficamente os Direitos Reais e uma solução para isso seria
admitir a possibilidade de representá-los de forma unilateral a partir da ideia de situação jurídica. Ao lado
desse princípio do absolutismo tem-se também como norte dos direitos fundamentais a questão da
aderência, significa que os Direitos Reais aderem na coisa, perseguem a coisa, então, ao invés de termos
como referência as pessoas, como acontece no direito de crédito, nos direitos obrigacionais, aqui a referência
é a coisa. Dessa forma, se a coisa mudou de titular este novo titular está obrigado pela obrigação que estava
anteriormente colocada nela.

Essa ideia já muda praticamente tudo que é visto no Direito Privado, até então quando falávamos em
contrato partíamos do pressuposto de que se a parte não se autovinculou a algo ela não poderia ser exigida
por este algo. Aqui não, se a parte tem uma relação com a coisa ela pode ser exigida pelas “obrigações” que
se impõe à coisa.

A partir desses dois preceitos básicos desenvolve-se uma série de outras características, alguns autores
chamam essas características de princípios, outros de fundamentos. Existe uma tendência muito grande a
banalizar o termo “princípio”, as vezes coisas que não são princípios são chamadas dessa forma, isso tem um
motivo histórico, antigamente dizer que algo era princípio não era dizer muita coisa, porque princípios não
tinham uma efetividade reconhecida a eles. É uma mudança mais recente essa aceitação da normatividade
dos princípios, tendo hoje uma tendência dos autores mais novos a evitar a utilização do termo de forma
banal.

Dentre as características temos o direito de sequela ou jus persequendi, que é aquela prerrogativa que o
titular do direito tem de buscar a devolução do bem onde quer que ele esteja, independente de com quem
ele esteja, inclusive perante eventuais terceiros de boa-fé. Então, se um sujeito tem o celular roubado,
mesmo que ele tenha sido vendido para um terceiro de boa-fé, que não soubesse do roubo e nem tivesse
participado dele, o sujeito vai pode exigir a devolução da coisa que ele é proprietário. É injusto com o terceiro
de boa-fé, mas na história alguém ia ter que ficar “a ver navios”, ou ia ser o terceiro de boa-fé ou ia ser o
proprietário, o legislador fez uma opção, preferiu prestigiar nesses casos o proprietário, é uma opção política.

Ao lado do direito de sequela temos o de preferência, que é uma prerrogativa que aparece muito em relação
aos direitos reais de garantia, é possível constituir hipoteca sobre um bem, mais de uma hipoteca. Um das
características associadas a garantia real, quando se constitui uma hipoteca, um penhor ou quando se dá
algo em anticrese, é que uma das vantagens que o credor tem é a de fugir ao concurso de credores, isso
significa que se eventualmente o devedor se tornar insolvente se satisfaz primeiro o sujeito que tem uma
garantia real para somente depois satisfazer aqueles que são chamados de credores comuns ou
quirografários. É uma grande vantagem para quem vive disso, como por exemplo, o banco quando dá
empréstimos altos, ele vai inevitavelmente exigir uma garantia, e uma garantia que seja idônea.

Tem caso que é mais ou menos recente que caiu na mídia, o caso da Arena Corinthians. O Corinthians pegou
um empréstimo com o BNDES para poder levantar o Itaquerão e se descobriu que a Caixa não exigiu uma
garantia, a garantia exigida não prestava, exigiu o naming rights do Corinthians, que ele nem se quer
conseguiu vender. Emprestaram bastante dinheiro público, porque a Caixa é financiada com dinheiro público,
e não exigiram uma garantia. Se fosse na iniciativa privada isso não teria acontecido. Aconteceu em uma
iniciativa pública e exatamente por isso está sendo apurado para saber de quem é a responsabilidade pela

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concessão de um empréstimo de alto custo sem uma garantia idônea para proteger. O direito de preferência
serve para isso, ele fica muito evidente quando se coloca os direitos reais de garantia no foco.

Por terem uma sistemática diferenciada os Direitos Reais demandam que uma vez constituídos ele estejam
acessíveis a todos, então, toda e qualquer pessoa (porque toda e qualquer pessoa poderá ser afetada por
esses direitos reais) tem que ter a possibilidade, ao menos, de saber que aquele direito real existe, é a
publicidade ou visibilidade.

Então, trabalha-se com duas lógicas dentro do nosso sistema, o legislador optou por definir duas
sistemáticas. Quando se fala na constituição, na criação, na modificação, de Direitos Reais tem que se ter
sempre em mente que nosso sistema jurídico é pautado por uma divisão básica, a divisão entre bens imóveis
e bens móveis. O nosso sistema conferiu um tratamento privilegiado, cercado de maiores garantias, no que
diz respeito aos bens imóveis, isso porque historicamente os imóveis eram os bens mais valiosos,
historicamente no Brasil, sobretudo, o círculo de riqueza e por consequência de poder político, econômico,
sempre esteve identificado com a propriedade imóvel. Hoje em dia isso tem uma tendência a se modificar
estrutura e socialmente, as grandes fortunas tendem a ser associadas com questões móveis, com direito de
crédito, as vezes até não tangíveis.

Aqui nos imóveis trabalha-se com a pauta do registro público, todo e qualquer Direito Real, toda e qualquer
modificação atinente a Direito Real, a bem imóvel, ela só vai ter eficácia depois do registro. Por exemplo,
um sujeito encontrou um apartamento para morar, ele tinha o dinheiro reservado e estava dentro do seu
orçamento, fez sua oferta e o proprietário aceitou, eles fizeram um contrato e as chaves foram entregues. O
sujeito já está morando no apartamento, mas ainda não fez o registro público. Ele já é o proprietário? Não.
Ele está a cinco anos morando no imóvel, é proprietário? Não, o sujeito só se torna proprietário depois que
fizer o registro público, antes disso ele é no máximo possuidor. Se o sujeito quiser vender aquele imóvel ele
primeiro vai ter que registrar o seu título para depois poder transferir para outra pessoa.

Isso eventualmente acontece, mas não é o certo de acontecer. Por exemplo, A vendeu um imóvel para B, B
não registrou o imóvel. Três anos depois A percebeu isso, que o imóvel ainda estava em seu nome, e o vendeu
de novo para C, C promoveu o registro público. Quem é o dono? O dono é C. Quem promove o registro
público antes se torna proprietário. Como aqui é uma questão pública, há uma publicidade, não dá nem para
dizer que C estava de má fé, que agiu de conluio, porque bastava B ter feito o registro público antes. O sujeito
A cometeu um ilícito, porém é um ilícito relativo, que vai ter que ser discutido entre A e B. No final das contas
quem vai ficar com o bem é sempre quem promoveu o registro.

PERGUNTA: Se B dependesse de um documento que estivesse com A, mas A favoreu C, dando esse
documento, por isso que C registrou primeiro, ainda assim o imóvel ficaria com C? Em princípio sim, a não
ser que se prove que o ato de registro foi nulo, tendo, então, que invalidar o ato de registro de C para poder
retornar ao status quo para promover o registro de B. Provar conluio na prática é complicado, é possível
invalidar um registro, mas teria que se mostrar que houve algum vício de vontade, que o sujeito fez aquilo
em simulação, terá que se enfrentar a validade ou não do ato de registro, não é uma coisa simples de ser
feita.

PERGUNTA 2: E se o sujeito B já estiver morando no imóvel por tempo suficiente para usucapir o bem, ele
tem meios de defesa? Sim, mas ele vai dizer que é proprietário não porque ele comprou na mão de A, a causa
jurídica é distinta, ele vai dizer que é proprietário não pelo negócio jurídico que praticou, mas sim porque já
tem tempo suficiente na posse do bem para dizer que usucapiu. Tendo usucapido ele é proprietário, sendo
uma exceção do sistema registral que será visto mais na frente, a usucapião se impõe mesmo antes do
registro público. Como regra geral é necessário o registro público, mas na usucapião, especificamente, dá-se
a preferência mesmo sem o registro público (não precisa saber, isso será visto depois).

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Abstraindo essa ideia do conluio e da possibilidade de anular o registro, o que vale é quem fez o registro. O
legislador fez isso por uma preocupação maior que ele possuía em relação aos imóveis. O sistema mobiliário
já trabalha com uma lógica distinta, ele prima pela celeridade. Fazer registro é uma coisa que confere
segurança, mas que também traz burocracia, hoje os cartórios estão privatizados, estão um pouco menos
caóticos. Pode acontecer de estar faltando uma certidão, por exemplo, e o sujeito se recurar a fazer o
registro, pode ser que se fique com uma pendência por conta de um documento que está faltando, que
naquele caso é difícil de obter. Ou se judicializa a matéria ou arranja o documento, isso é burocracia.

Em relação aos bens móveis preferiu-se prestigiar a celeridade, a transação mais rápida, ainda assim se é
exigido que exista a chamada visibilidade. Em contratos veremos a questão da compra e venda, no Direito
brasileiro a compra e venda não implica em transferência de imóveis, ela não é o que chamamos de negócio
jurídico real, gera apenas e tão somente obrigações. Ao assinar um contrato de compra e venda está se
assumindo a obrigação de transferir a propriedade, seja ela móvel ou imóvel, mas o contrato por si só não
transfere propriedade. No imóvel depende do registro, nos móveis só se consolida a transferência da
propriedade quando se entrega o bem, o sistema jurídico chama isso de tradição. Então, é a entrega do bem
que consolida a constituição do direito real.

Pode ser no penhor também, por exemplo,o sujeito deu um determinado bem em garantia de penhor, ele
empenhou determinado bem. Quando alguém empenha determinado bem, aquele penhor, por mais que ele
nasça de um contrato, ele ainda não produziu eficácia real qualquer, não existe ainda penhor constituído se
não depois que o sujeito entregar as jóias de família para que elas fiquem com o credor. No momento que
ele entrega, que faz a tradição, é que resta constituído o direito real. É daí que se fala em visibilidade, porque
é visível que foi constituído um direito real, não adianta fazer simplesmente um acerto verbal, um acerto
escrito, é necessário que se dê visibilidade à situação jurídica, mostrar que ela existe, torná-la prática.

OBS: PENHOR X PENHORA: Penhor é instituto de Direito Civil e penhora é um instituto de Direito Processual.
Penhora é um ato de execução, por exemplo, em uma sentença se está executando um título extrajudicial,
está na execução do processo, e quase no final se é mandado que o sujeito pague e ele não paga. Um oficial
de justiça é mandado para identificar bens dele, ao identificar o bem ele irá penhorar aquele bem, faz um
auto de penhora. Isso significa que aquele bem ficou vinculado ao processo, se o sujeito não pagar aquele
bem vai ser levado à hasta pública, vai ser vendido forçadamente, e com o resultado econômico disso irá se
pagar o débito que ele tem.

Penhor é um instituto de Direito Real, por exemplo, A pede um empréstimo para B, porém este quer uma
garantia de que A irá devolver esse dinheiro, pede, então, a garantia de um bem móvel, as jóias da família.
Então, entrega-se essas jóias no agente de empenho que as guardam, ele é depositário, para garantir que se
A não pagar ele vai ter o que vender, se sobrar algum dinheiro ele terá que ser devolvido, para evitar o
enriquecimento sem causa a lei exige que ele necessariamente leve à venda. Apenas naquelas situações em
que se levou à venda e que não houve interessado e que se adjudicou o bem é que ele vai poder ficar com o
bem, mas é vedado ao credor tomar para si o bem em pagamento. É possível que depois de vencido se
negocie nesse sentido, dação em pagamento, mas não se pode ter uma cláusula prévia definindo isso. O
penhor, assim como qualquer outro direito real constituído sobre bem móvel, depende de tradição.

Aeronaves e embarcações podem ser objeto de hipoteca. Existe a hipoteca, o penhor e a anticrese,
normalmente se afirma que a hipoteca e a anticrese recaem sobre bens imóveis e o penhor recai sobre bens
móveis. Porém, está afirmativa não é totalmente verdadeira, o sistema jurídico abre margem para exceções,
as aeronaves e as embarcações podem ser objeto de hipoteca porque o legislador entendeu que isso não
traria um grande transtorno. Sumir com um avião ou uma embarcação é difícil, sumir com uma jóia é
relativamente fácil. São meios de locomoção que dependem de registro administrativo. Pelo fato de poderem
ser objeto de hipoteca eles não são bens imóveis, são bens móveis que excepcionalmente podem servir para
hipoteca por uma questão de opção legislativa.

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As aeronaves, as embarcações e os carros dependem de registro, isso é uma exceção ao princípio da


visibilidade? Não, o registro desses bens de locomoção diz respeito a seara administrativa. Então, A fez a
compra e venda de um carro e não informou ao DETRAN, ele precisa fazer isso. Se B já recebeu as chaves ele
já é proprietário, civilemente falando, administrativamente falando não. Se o sujeito ainda não fez o registro,
ainda não informou o DETRAN da venda, as multas, em princípio, que aquele carro tiver identificadas vão
para a A, porque ele está administrativamente vinculado àquele bem. O registro não é de natureza cível, não
é para identificar quem é o proprietário no plano civil, é para finalidade administrativa. Então, o registro é
uma opção do legislador, ser registrado ou não é uma opção, é a conveniência de cada sociedade no seu
tempo.

• TAXATIVIDADE OU NUMERUS CLAUSUS (ART. 1225, CC)


 JUSTIFICATIVAS: FACILITAR O SISTEMA REGISTRAL, GARANTIR A SEGURANÇA E LIMITAR ATUAÇÃO
ESTATAL
 PROPOSTAS CONTEMPORÂNEAS DE GARANTIR À AUTONOMIA PRIVADA ESPAÇO PARA CONCEBER NOVAS
FIGURAS

Um outro preceito que é importante no plano dos Direitos Reais é o da taxatividade ou numerus clausus. Nos
livros mais antigos não há essa distinção, fala-se apenas em princípio da taxatividade. Os Direitos Reais têm
características que são bem peculiares, têm uma eficácia erga omnes, são absolutos, e exatamente por isso
não se pode sair criando direito real a partir da conveniência, um direito real novo, porque se estaria criando
algo que vai de algum modo se impor aos outros.

Como regra, as pessoas só vinculam à sua esfera jurídica quando elas optam por isso, dentro do Direito
Privado tem-se uma margem de autonomia e o indivíduo pode, dentro do Direito das Obrigações, ceder parte
dessa autonomia de acordo com sua conveniência, quando se contrata algo se está reduzindo a margem de
liberdade. Deseja-se o cumprimento do contrato para retomar a liberdade plena, o sujeito não fica mais
obrigado a pagar a mensalidade que tinha se comprometido, por exemplo, não fica mais obrigado a prestar
o serviço.

Nos Direitos Reais é ao contrário, é um se impondo sobre o outro, não se pode criá-los por conveniência, daí
que eles dependem de previsão legal. Os Direitos Reais são, então, apenas e tão somente aqueles criados em
lei e não é dado aos particulares criar novas modalidades de Direitos Reais. No art. 1225 do Código Civil temos
sintetizados praticamente todos os Direitos Reais, há um rol de Direitos Reais previstos neste artigo. Isso não
significa dizer que para se criar um direito real é preciso modificar o Código Civil para incluí-lo no art. 1225,
significa que depende de lei, o art. 1225 funciona como uma espécie de índice. Para facilitar a vida se colocou
no art. 1225 do Código Civil um rol que faz alusão aos Direitos Reais que existem, fora daquilo não existe
Direito Real. Tem-se lá hipoteca, penhor, anticrese, servidão, usufruto, direito de uso, concessão do direito
real de uso, que é uma modalidade inclusive de Direito Público, então, algumas figuras que são típicas do
Direito Público estão mencionadas no art. 1225 do CC. O referido artigo simplesmente menciona as figuras,
ele não as regulamenta, como dito, é como se fosse uma espécie de índice, uma referência.

Durante muito tempo as figuras clássicas trabalhadas nos Direitos Reais serviram e atenderam todos os
nossos interesses, estava previsto, por exemplo, a copropriedade (condomínio). A copropriedade é a
possibilidade de se ter dois proprietários sobre um mesmo bem, pode ser um condomínio voluntário,
necessário e pode ser um condomínio edilício, que é uma modalidade específica de condomínio em que se
tem propriedades exclusivas associadas a propriedades comuns (são os condomínios em que a gente mora).
Por exemplo, ao comprar um apartamento ele é só seu, mas junto com ele vem um pedaço da área comum,
um pedaço do rol é seu, da piscina, mas não todo, então se é coproprietário da área comum e daí porque se
tem que custeá-la, que tem que pagar todo mês o condomínio para custear as despesas que são de todos.

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As necessidades negociais foram apontando para outros rumos, hoje em dia é uma situação relativamente
diferente a constituição de condomínios diferentes. Quando se fala em condomínio, copropriedade, A tem
um apartamento, por exemplo, e B tem outro apartamento, ele pode até ter uma fração ideial maior porque
o apartamento é maior, a unidade tipo dele tem mais metros do que o apartamento de A, e em tese B tem
0,52 da piscina e A tem 0,50, mas eles são proprietários ao mesmo tempo e têm o direito de usar da mesma
forma a piscina. Então, se A quer mergulhar na piscina ele não precisa pedir autorização ao vizinho e nem a
recíproca.

Mas por uma questão de necessidade negocial criou-se uma “modalidade de propriedade”4. Hoje se tem a
possibilidade de comprar uma casa de praia, se ela não é usada se torna um custo. Uma pessoa compra uma
casa de praia e é dona dela 360 dias por ano, tendo que custeá-la, sendo que na prática a usa em média de
30 a 60 dias por ano. Exatamente por essa questão que as pessoas começaram a dividir a propriedade, não
como coproprietários, mas dividindo no tempo, fracionando, é o chamado time sharing. Seria, então, uma
propriedade “condominial” em que as pessoas dividem ao longo do tempo. Por exemplo, aos invés de ter
um proprietário tem seis, os seis dividem os custos mês a mês e cada um é proprietário por um período do
ano, eles definem contratualmente. Enfim, divide-se o exercício da propriedade ao longo do tempo. Isso
acontece também com navio, com aeronave, podendo ter uma divisão a partir de outra referência, as vezes
é por quilometragem.

Isso é lícito? Fazer esse contrato é, os indivíduos podem fazer um contrato assinado por todos, reconhecendo
firma em cartório, para dar uma maior segurança fazem ainda um registro no cartório de notas e
documentos, podem exigir que esse contrato seja cumprido. A questão é, pode-se emprestar eficácia real a
esse contrato? Voltando ao exemplo da casa de praia, um dos proprietários acaba se apertando e não
consegue custear os dias acordados, ele pensa, então, em diminuir o seu custo e ainda ganhar um dinheiro
vendendo isso. Quem compra a quota dele tem a obrigação de respeitar esse contrato? A dúvida toda era
essa, porque se disser que isso não é um Direito Real o sujeito que está vindo de fora não tem nada a ver
com a história, porque o contrato faz lei entre as partes, é relativo. Se o sujeito que quer comprar a casa não
assinou contrato com ninguém ele não tem que respeitá-lo, no máximo o que pode ser exigido é que eles
sentem de novo e rediscutam os termos para ver como vai ficar rearrumado. Isso dificulta, inclusive, a venda
desse bem, os sujeitos que fizeram esse contrato podem ter dificuldade em encontrar pessoas que tenham
interesse em comprar a casa naqueles termos. Isso traz instabilidade para as outras pessoas que são
coproprietárias.

Se disser que isso é um Direito Real se traz uma maior segurança, porque quem comprar essa casa estará
automaticamente subordinado aos termos daquele contrato. Então, esse contrato vale ou não vale? Vai
depender da identificação da natureza real ou não do contrato, se permitir que a time sharing seja
reconhecida como um Direito Real ou não. O time sharing não é tipificado na lei como Direito Real, mas
houve uma solução da jurisprudência, a decisão foi conveniente politicamente. O Judiciário brasileiro, os
Tribunais, sobretudo o STJ, vêm decidindo no sentido de que é possível sim instituir essas modalidades de
Direito Real como o time sharing.

Mas não foi dito que os Direitos Reais só podem ser criados a partir da lei? Aí quem vem a saída da
jurisprudêncida, sustentam que os Direitos Reais têm uma taxatividade fechada, são numerus clausus, mas
eles têm uma tipicidade aberta, diferente do Direito Penal, no qual há previsto uma modalidade delitiva e
tem que ser aquilo que está previsto no Código, porque se não for não existe crime e se não existe crime não

4
Botando entre aspas porque Direitos Reais só se criam por meio de lei, essas modalidades de
propriedade não estão expressamente previstas em lei, se tornaram febre, não foram criadas no Brasil, a
gente importou, mas é um modelo de negócio que tem crescido.

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existe pena. Aqui é diferente, é previsto um modelo geral e dentro desse modelo geral as partes podem fazer
modificações de acordo com sua conveniência.

Aqueles que escrevem hoje sobre o tema, que justificam o time sharing, e a tendência é abraçar essas figuras
no nosso ordenamento, dizem que existe uma taxatividade estrita mas a tipicidade é aberta. A justificativa
que eles dão é de que o time sharing nada mais é do que uma propriedade condominial, o condomínio já
está previsto, a questão é que é um condomínio um pouco modificado, que ao invés de cada um poder
exercer a posse no mesmo momento franciona-se o exercício dessa posse de forma exclusiva ao longo do
tempo, então, cada um terá a sua quota parte de posse exclusiva.

Isso é o “jeitinho brasileiro”, é difícil negociar essa modificação no Congresso, ele demora de fazer as leis e
isso já é uma realidade que se impôs, porque cada vez mais as relações comercias são estabelecidas em um
plano mundial. O Brasil importou um modelo que já é praticado com sucesso fora, as pessoas vieram explorar
esse modelo aqui, “caiu nas graças” das pessoas e aí fica difícil brigar contra os fatos. E como não brigar com
os fatos sem violar também o sistema? Dando esses jeitinhos, então, dizem que a taxatividade é fechada e a
tipicidade é aberta. Na prática, o correto, se fôssemos ser estritos, era dizer que não dá para reconhecer a
eficácia erga omnes, o time sharing, pois não está previsto na lei essa forma de fracionamento da
propriedade. Porém, como isso já foi sedimentado, já tem bastante gente que comprou imóvel nesses
termos, seria mais caótico não admitir a figura do que admitir, o Judiciário pensa nisso.

PARA ESCLARECER: A questão da tipicidade aberta. Isso é um jeitinho brasileiro, não se pode criar de uma
hora para outra um direito real, um direito que todos têm que respeitar. Existe esse problema do time
sharing, um monte de gente já vendeu propriedades com esses termos e muitas outras pessoas já
compraram. Essa pessoas estão comprando algo que em princípio não tem problema nenhum, é um contrato
no qual elas aderiram a esses termos, gostaram então assinaram. Podem vincular a esfera jurídica, desde que
capazes e que tenham preenchido os requisitos.

A questão é quando essas pessoas vendem essas casas com esses termos, quem vai comprar precisa se
subordinar exatamente aos termos que estão definidos para a utilização daquele bem? Ou ele vai ser uma
nova voz que vai ter o direito de renegociar todos os termos? Quando alguém compra um apartamento em
um determinado condomínio esse alguém não senta para dizer que aceita a convenção do condomínio. Se
tiver algo específico que a pessoa faça questão a primeira coisa que ela deve fazer é ver se esse algo é
contemplado ou não na convenção do condomínio, porque quando a pessoa comprar o apartamento ela
estará automaticamente se subordinando a esse algo. O condomínio edilício está previsto em lei, mas o time
sharing não, é um contrato e enquanto contrato ele vale, mas para quem não o assinou ele pode valer
também? Há uma tendência bem forte no nosso Judiciário em dizer que esse contrato tem uma eficácia erga
omnes, que ele constitui um Direito Real apesar da lei não prever isso. Eles justificam essa afirmativa dizendo
que na prática isso é um condomínio, a diferença é que é um condomínio regulamentado de forma diferente,
ele é fracionado ao longo do tempo ao invés do seu uso ser regular.

Então, dizer que há uma tipicidade aberta é um jeitinho, é dizer que essas novas figuras que foram surgindo,
ainda que não tenham sido regulamentadas, elas devem ser abraçadas, acolhidas e vistas como Direitos
Reais, mesmo sem serem previstas especificamente como isso.

Gustavo concorda que se deve reconhecer o time sharing, que é um modelo de negócio que merece ser
tutelado juridicamente, a questão é que para reconhecê-lo deveria ser feito uma lei regulamentando e dando
estabilidade àquelas relações, e não simplesmente dizer que vai aceitar por ser um dado fático.

Dessa forma, hoje em dia os tribunais superiores do país, o STJ, por exemplo, e os tribunais de justiça ao
longo do país, têm uma tendência muito forte no sentido de reconhecer essas novas modalidades de Direitos
Reais mesmo sem previsão legal. Eles dizem que isso não é uma subversão do princípio da taxatividade, dizem
que é simplesmente a adequação de figuras clássicas a necessidades novas. Para eles a taxatividade não

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restou violada, porque o que a lei exige é o numerus clausus e ele está previsto, o que eles estão fazendo é
modificando um pouco esses numerus clausus, a organização, o time sharing é um condomínio, porém um
condomínio diferente.

O condomínio edilício é uma copropriedade, ele tem uma área que é exclusiva e uma área que é comum,
dentro da área exclusiva ninguém pode interferir, a pessoa pode fazer o que quiser com sua casa, só não
pode se desvincular do uso que é destino àquele lugar, se é residencial não pode desenvolver uma atividade
comercial. Ninguém pode invadir o espaço do outro, mas pode-se regulamentar o espaço comum, por
exemplo, a assembleia estabelecer que a piscina só será acessível até 22hrs ou que cachorro só pode descer
pelo elevador de serviço. Porém, ninguém pode decidir que é vedado ter cachorro dentro do apartamento,
apesar de existirem condomínios que fazem isso, pois ninguém tem o direito de interferir dentro da casa de
outro. Dessa forma, pode-se ter cachorro dentro do apartamento e ninguém pode vedar esse uso, mas, por
outro lado, ele não pode dentro do apartamento criar distúrbios para a vizinhança, pois o direito de
propriedade de um não é maior do que do outro, que contempla também a paz pública.

Então, não se pode vedar em absoluto que uma pessoa tenha um cachorro, é inconstitucional, pode-se
encontrar um juiz ou outro em primeiro grau que decida nesse sentido, mas como regra geral, um indivíduo
não tem o direito de interferir dentro da casa de outro, não tem poder de ingerência.

A dúvida que existe no time sharing é exatamente a mesma. Por exemplo, João e Gustavo compraram um
apartamento e decidiram a utilização por seis meses cada um, são coproprietários. Gustavo acabou mais
tarde vendendo a sua parte para alguém, esse alguém que comprou tem a obrigação de seguir o contrato
que Gustavo assinou? Se fosse uma convenção de condomínio ele teria, pois está prevista em lei, mas em
uma situação dessa, que é um contrato, ele não é obrigado. Ele pode até optar por sentar e renegociar o uso
daquele apartamento, mas não é obrigado a respeitar aquele contrato. Agora, com dois coproprietários é
mais fácil rediscutir, quando tem cinco, seis, sete pessoas sendo coproprietárias fica mais difícil, há uma
situação que termina sendo não administrável.

A discussão sobre o time sharing é essa, se esse contrato que foi feito para regulamentar o uso é oponível ou
não, se a forma de administrar o bem pode ser imposta a quem está comprando, quem está vindo de fora.

Na opinião de Gustavo o melhor seria tipificar esse assunto, da mesma forma que tem no condomínio edilício,
as regras específicas. Para ele existiria uma maior estabilidade jurídica se fizessem uma lei regulamentando
o time sharing, para inclusive evitar as situações que possam ser abusivas ou lesivas para alguém.

• TIPICIDADE5

• PERPETUIDADE

Direitos Reais são perpétuos, há o princípio da perpetuidade. Isso significa dizer que, como regra geral, os
Direitos Reais não se perdem pelo não uso. O proprietário é livre para usar, fruir e dispor, e dentro disso
encontra-se o não utilizar. Por exemplo, uma pessoa tem um imóvel há cinco anos e nunca foi nele, ele ainda
é proprietário? Sim, mesmo não tendo utilizado. E a usucapião? A usucapião não se consolida pelo não uso
de alguém, se consolida pelo uso de terceiro, não foi o fato do indivíduo não ter utilizado que lhe fez perder
a propriedade, foi o fato de um terceiro ter utilizado de forma mansa e pacífica durante um determinado
tempo.

Então, os Direitos Reais, como regra geral, não se perdem pelo não uso, são perpétuos no sentido de que
eles prevalecem mesmo que não estejam sendo utilizados, estejam em uma posição de stand by. O sujeito
pode estar descumprindo a função social da propriedade, mas o Direito Real permanece lá em um primeiro
plano. Eventualmente o poder público pode promover uma desapropriação para fins de reforma urbana

5
Ele falou esse tópico junto com o anterior, a taxatividade fechada e a tipicidade aberta.

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naquele imóvel, o sujeito não estaria perdendo pelo não uso, mas sim porque está havendo um processo de
desapropriação. Então, não é o mero não uso que implica na perda de propriedade, o que pode implicar na
perda da propriedade são consequências jurídicas, que tenham até indiretamente a ver com esse não uso,
mas não é ele por si só que irá gerar a perda.

• EXCLUSIVIDADE

Diz-se que a propriedade é exclusiva, que os Direitos Reais são exclusivos no sentido de que eles excluem
terceiros. Como regra geral, os Direitos Reais são exclusivos no sentido de que eles são atribuídos a uma
única pessoa, prioritariamente. As situações em que se tem a cotitularidade de um Direito Real são situações
excepcionais, situações em que se fala em condomínio, em copropriedade.

Percebe-se que é sempre mais fácil administrar um bem quando se tem um proprietário só, é muito mais
simples um modelo em que há apenas um dono e que ele decide o que irá fazer com o bem. Quando há duas,
três, quatro pessoas é possível administrar, mas já começa a se ter um potencial conflito.

O sentido da exclusividade aqui, no sentido mais técnico, não é só de que o Direito Real é atribuído a uma
pessoa, até porque não é uma regra absoluta, é mais no sentido de que o Direito Real exclui terceiros, exclui
aqueles que não são proprietários.

Não existe a possibilidade de fracionar as situações de Direito Real sobre o bem, só existe um direito de
propriedade sobre o bem. Por exemplo, há dois proprietários de um apartamento em um condomínio, eles
são coproprietários, mas o direito de propriedade é um só. Veremos mais na frente sobre condomínio que
não é possível, não é juridicamente admissível, uma pessoa reivindicar, alegar o direito de propriedade,
contra um condômino. Por exemplo, há dois proprietários, um tem 99% do bem e o outro 1%, o primeiro
quer que o segundo entregue o bem, entra com uma ação reivindicatória, o fundamento dele é o direito de
propriedade. Porém, o que tem 1% também é proprietário, ele não tem que entregar o bem. Dessa forma,
não é admissível a discussão entre coproprietários do mesmo direito, o direito de propriedade em si não se
fraciona, o exercício dele sim, a titularidade dele sim, mas é uma propriedade para um bem. Então, em uma
discussão entre coproprietários não se pode opor o direito de propriedade, pode até discutir posse, mas não
propriedade.

• DESMEMBRAMENTO

Os Direitos Reais admitem desmembramento ou desdobramento. Boa parte das classificações dos Direitos
Reais dependem disso. É muito comum a associação da ideia de Direitos Reais com a ideia de propriedade,
essa associação não é de todo pertinente, porque existe mais do que a propriedade dentro dos Direitos Reias,
mas a propriedade tem um papel de predomínio, não no sentido de que seja mais importante do que os
outros Direitos Reais, mas no sentido de que serve como referência. Uma dessas referências acontece porque
a propriedade é o mais completo, complexo, modelo de Direito Real, não existe nenhum outro modelo de
Direito Real que congregue mais prerrogativas do que a propriedade. A propriedade é o mais amplo Direito
Real que se pode constituir sobre um bem.

O normal, quando pensamos na propriedade, é pensar na propriedade dita plena, é aquela propriedade que
autoriza o seu titular a usar, fruir e dispor do bem (art. 1228 do CC). Acontece que o proprietário pode
transferir para terceiros essa prerrogativas, ele pode fazer isso por meio de contratos, e aí a parte de Direito
Real fica intocável, quando um sujeito aluga uma casa, por exemplo, o que ele transfere é o direito de uso
dela, transfere por um aspecto relacional, por uma questão contratual. O sujeito pode transferir o direito de
fruição, contudo, por meio de um vínculo de Direito Real. Qual a vantagem? A perenidade da coisa, a
estabilidade, segurança, em um contrato a pessoa pode reincidir de uma forma muito mais simples do que
um Direito Real. Um Direito Real é mais difícil de constituir e também de desconstituir.

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Se o proprietário quiser fazer isso ele pode, por exemplo, constituir um usufruto, ele está pegando aquelas
prerrogativas de uso e fruição e deslocando para um terceiro por um vínculo de Direito Real. Ele não deixa
de ser proprietário, mas as prerrogativas de usar e de fruir não estão mais com ele, estão com um terceiro,
que é o chamado usufrutuário. Ou seja, a propriedade deixou de ser uma propriedade plena, porque ela não
tem mais todas as prerrogativas, o sujeito constituiu um Direito Real deslocando uma parte delas, isso é
chamado, então, de desmembramento.

O direito da propriedade não é mais importante, ele apenas serve como referência, pois é o mais completo
dos direitos reais. Parte-se da propriedade, mas admite desmembramento, nele se pode fracionar algumas
prerrogativas que estão relacionadas à propriedade e a partir disso criar novos direitos reais. E a partir disso
se separa os direitos reais em categorias básicas.

4. CATEGORIAS BÁSICAS
• JUS IN RE PROPRIA

Direito real sobre a coisa própria é o direito de propriedade, é o direito originário no sentido de que os outros
direitos nascem dele. Não se pode partir do pressuposto de que a propriedade é mais importante no sentido
de hierarquia do termo, não existe a lógica de que o proprietário sempre prevalecerá, o que existe é que a
propriedade é o mais amplo dos direitos reais, pois quando algo é comprado o sujeito tem todas as benesses
que são garantidas ao proprietário, mas essas benesses podem ser fracionadas.

 PROPRIEDADE
▪ Direito originário
▪ Projeções: Usar, fruir, dispor e reivindicar

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder
de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Essa propriedade aparece algumas projeções especificadas no Art. 1228 do CC, onde diz que o proprietário
tem o direito de usar, fruir, dispor do bem e reivindicar daquele que injustamente o detenha ou o possua. É
comum se dizer que a propriedade confere risco ao seu titular, as prerrogativas de usar, fruir, dispor e
reivindicar, isso é uma parte do estudo dos direitos reais, é uma parte de propriedade.

 PROPRIEDADE RESOLÚVEL: SUPERFÍCIE E ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

É o direito real de garantia. Ao lado da propriedade estudamos algumas modalidades com as quais ela se
apresenta. Quando estudamos direitos reais, ele é estudado sob a lógica da propriedade e suas modalidades.

• JURA IN RE ALIENA / DIREITOS REAIS LIMITADOS

São limitados porque a propriedade em princípio é plena e quando se fraciona passa a ser uma propriedade
limitada e dá origem a direitos reais limitados, ou seja, não plenos.

Lembrando da distinção entre direito das coisas e direitos reais, onde se diz que direito das coisas é mais
amplo que o segundo, uma vez que engloba não só os direitos reais propriamente ditos que são aqueles que
tem a propriedade como ponto de partida porque se está falando de direito de propriedade ou dos seus
desdobramentos. Além disso, se tem a questão da posse, dentro do nosso plano de estudo temos que
contemplar esse primeiro momento de estudo da posse que não é direito real, e temos os direitos reais
estando dentro dele os direitos reais limitados e a propriedade.

Os direitos reais limitados surgem do desmembramento da propriedade.

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 PROPRIEDADE X DOMÍNIO

Não é uma distinção feita por todo autor. Boa parte da doutrina trata propriedade e domínio como
sinônimos. O CC anterior tratava os dois indistintamente, então até por uma questão de estilo linguístico se
falava ora em propriedade, ora em domínio.

Uma parte da doutrina faz a separação dos conceitos. Gustavo gosta da distinção, pois ela pode ajudar a
entender situações como a usucapião.

Foi falado que a propriedade admite fracionamento, essa é uma alegação atécnica. Tecnicamente falando,
quem faz essa distinção entre propriedade e domínio não admite o fracionamento do direito de propriedade.
Ex.: Um sujeito compra um bem e se torna proprietário, sendo proprietário dito pleno, logo ele pode usar,
fruir e dispor desse bem. Eventualmente ele pode exercer a transferência de alguma dessas prerrogativas, a
única que ele não pode é a faculdade de dispor. Digamos que ele criou um usufruto, se tem então a
representação de proprietário, a representação jurídica de propriedade. Ele desloca as duas prerrogativas
para um terceiro que vai ser chamado de usufrutuário. Ele não deixou de ser proprietário e nem o terceiro
se tornou proprietário. Nesse caso se tirou dele a faculdade de usar, de fruir, mas ele continua com a
propriedade. Tecnicamente falando, o direito de propriedade continua íntegro. A propriedade ainda
congrega as faculdades de usar e fruir, a diferença é que estão identificadas com pessoas diferentes. Temos
o proprietário com a prerrogativa de dispor, e o terceiro que tem as prerrogativas de usar e de fruir.

Para explicar isso, a doutrina diz que a propriedade é a situação formal de dizer que se tem o direito de
propriedade e dentro dessa situação formal se tem uma série de coisas, tem uma situação jurídica de
propriedade e dentro dessa propriedade se tem direitos, deveres, faculdades, ônus e obrigações. Dentro das
faculdades de propriedade se tem o domínio que seriam essas faculdades (direitos, deveres, faculdades, ônus
e obrigações de usar, fruir e dispor). Quando falamos de propriedade plena e propriedade limitada, na
verdade deveria se chamar de propriedade com domínio pleno e propriedade com domínio limitado, pois a
situação de propriedade continua sendo a mesma, o sujeito continua tendo a relação jurídica com o bem
mesmo que tenha aberto mão das prerrogativas de usar e fruir, mesmo que se tenha transferido para o
terceiro. O que se fraciona é o domínio e não a propriedade.

O domínio são as faculdades de usar, fruir e dispor.

Sobre reivindicar, este é o exercício de um direito, pois é direcionado contra alguém para que lhe devolva o
bem e quem está com o bem tem o dever de lhe devolver. O proprietário então continua com esse direito,
mesmo tendo aberto mão de alguma das prerrogativas do domínio.

Isso ajuda no entendimento da usucapião. Ex.: João é proprietário originário, ele nunca utilizou esse bem, e
então veio José e estabeleceu a posse mansa e pacífica durante 15 anos (prazo mais extenso do código). Ele
nunca deu satisfação para ninguém acerca de sua posse, se comportava como se dono fosse (é necessário
ter animus domino). 15 anos depois preencheu os requisitos para a usucapião que é um instituto de direito
material, não depende da propositura de uma ação, ele já é “proprietário”, pois ele já usucapiu o bem.
Coloca-se as aspas, pois se for no registro de imóveis, vai constar que quem registrou o bem foi João, e a
alteração do registro se dá ou por meio de autorização de João, ou por meio judicial. Se hoje João propuser
uma ação reivindicatória contra José, ele pode alegar que já houve a usucapião, porém não houve a
formalização da situação.

Quando é consolidado no plano material a usucapião é como se disse que ele se tornou o titular do domínio,
por direito quem teria as prerrogativas hoje de usar, fruir e dispor do bem é o usucapiente (sujeito que
usucapiu). Ele pode se dizer proprietário formal? Não, pois se ele quiser vender, ele não consegue
regularmente, isso somente depois da ação de usucapião. A usucapião se consolida no plano do direito

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material antes da propositura de uma ação a qual serve para que ele se torne formal proprietário, mas ele é
titular do domínio.

- Situação jurídica: direitos, deveres, faculdades – dentro das faculdades se tem o domínio, isso está dentro
da propriedade, é uma situação unissubjetiva. É uma faculdade e não um direito porque no direito precisa
de alguém para atender esse direito, já as faculdades não. O sujeito faz o que quiser com seu bem. O domínio
é uma ínsita à propriedade, mas junto com isso tem outras coisas, porque dentro da situação jurídica de
propriedade se tem o direito, por exemplo o de reivindicar o bem de quem injustamente o detenha ou o
possua, é o dever, por exemplo de pagar o imposto.

É comum fazer o destrinchamento das prerrogativas. Se fala que ao proprietário é dado o direito de usar
(palavra em latim pesquisar) o qual é a prerrogativa de fazer a coisa cumprir a finalidade a qual ela se destina,
é prestar finalidade ínsita ao bem naturalmente. Ex.: usar telefone para se comunicar; usar carro para se
locomover. O proprietário pode fazer isso.

A doutrina enfatiza que dentro do direito de usar não está a prerrogativa de mudar a finalidade de um bem.
Ex.: Usar um negócio que serve para se locomover como uma obra de arte. Assim não está usando, está
tirando sua finalidade; tirar peças de um aparelho para consertar outro, não está usando, está dispondo e é
outra finalidade.

Quem tem apenas a prerrogativa de usar não pode alterar a finalidade de um bem, deve usar de acordo com
aquilo que se destina.

Além da prerrogativa de usar, se tem a prerrogativa de fruir. O termo fruir é mais emblemático pois vem de
uma ideia de fruto* (benesse que deriva de um bem principal e que pode ser separado dele, cuja retirada
não implica em destruição). Fruir significa então dizer que em princípio quem tem o direito de ficar com os
frutos de um bem é o proprietário. O proprietário do bem principal também é proprietário do acessório. Os
frutos podem ser naturais (não sofre influência humana), artificiais (sofre influência humana)6 industriais ou
civis (benesses jurídicas - aluguel e dinheiro emprestado (?) e juros).

- Frutos e Produtos - produtos são também bens acessórios que podem ser retirados de um principal, mas
cuja retirada esvai o bem principal. Ex.: mina de ouro. Vai tirando o ouro e alguma hora ele acaba. Há uma
discussão doutrinária sobre se a fruição implica também nos produtos, e se encontra posicionamentos que
oscilam. Gustavo entende que não há uma transferência.

- Quem defende que os produtos seguem a mesma sorte dos frutos dizem que é raciocínio por analogia.
Quem defende o contrário diz que nos frutos tem a possibilidade de recolhimento sem a diminuição do bem
principal, já nos produtos sim, pois há um esvaziamento do patrimônio do proprietário, então vai depender
do caso concreto. Nessas situações de usufruto, digamos que um sujeito tem uma fazenda, e resolveu fazer
a partilha em vida desta mas reservou para si o usufruto, é uma situação em que houve uma liberalidade,
pois ele era dono do todo, e escolheu apenas o usufruto. Isso não é regulamentado pela lei e não há uma
resposta certa ou errada sobre isso.

- Quando se fala de petróleo ou minério como produto, eles não são de propriedade do dono do solo, mas
da União por disposição constitucional.

Então, se faz a distinção para esclarecer que a situação jurídica de propriedade não deixa de existir pelo fato
de se ter fracionado/desmembrado. Tecnicamente a propriedade continua a pertencer a quem
originariamente possuía o bem. O proprietário concede um usufruto em função de terceiro, ele não se torna

6
Se a macieira nasce por gênese espontânea é natural. Já se o sujeito tem o trabalho de regar em uma
fazenda, despende esforço para que o fruto saia da melhor qualidade já é artificial

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menos proprietário por isso, ele continua a ser proprietário, somente as prerrogativas de usar e fruir foram
deslocadas. E isso fica claro a partir da separação de propriedade e domínio.

 TEMPORARIEDADE

Diferentemente da propriedade que é perpétua. Excepcionalmente ela pode ter uma modalidade
temporária. Os direitos reais limitados têm a marca da transitoriedade, eles são naturalmente transitórios,
tem prazo de validade.

Os direitos reais que são constituídos sobre os bens, os direitos reais diferentes da propriedade tem como
característica essencial a temporariedade. É como se pensasse que o estado natural das coisas é a
propriedade plena, o estado excepcional é a propriedade limitada. Sempre que se estiver diante de uma
propriedade limitada, se quer retornar ao status quo, retornar a uma propriedade plena. Daí que, por
exemplo, em um usufruto constituído, este terá um prazo de validade. O usufruto estabelecido em favor de
pessoas jurídicas é de, no máximo 20 anos, uma vez que estas não morrem. Já o usufruto estabelecido em
favor de pessoas naturais é, no máximo, vitalício, não pode ser transferido, pois o sistema jurídico não quer
ver perpetuado esse fracionamento.

 SUBGRUPOS
▪ Direitos reais de gozo e fruição: usufruto, servidão, uso e habitação (enfiteuse)

Existe ainda as enfiteuses. O código atual proibiu a criação de novas enfiteuses, mas manteve vivas as que já
estavam constituídas. A enfiteuse é o direito real de habitar constituído sobre um bem que não tem prazo
para acabar, em princípio perpétuo.

Para explicar isso, tem que se pensar em um modelo feudal. Ex.: As pessoas vinham para o Brasil colonizar,
não tinha dinheiro suficiente para isso e terceirizava as terras brasileiras, escolhiam os donatários e davam
as terras para que estes explorassem, porém com o pagamento. (Não entendi bem esse exemplo).

Na enfiteuse, o sujeito tem uma terra e não está disposto a explorá-la, então aluga para que outra pessoa
explore, é como se fosse um contrato de aluguel perpétuo. Um sujeito é proprietário e pode dispor da
propriedade, pode vender, mas quem comprar não compra o direito de fruir e usar, estes ficam com o
enfiteuta, podendo este comprar também. A obrigação do enfiteuta é de pagar ano a ano o chamado
laudêmio e sempre que ele resolver vender o bem dar um percentual dessa venda que se chama de foro. É
como se fosse um pagamento de imposto. O foro é anual e o laudêmio é na venda. (Quem paga o foro e o
laudêmio?) .

Vamos ver em algum momento a enfiteuse administrativa. Em Salvador é comum acontecer isso, pois muitos
terrenos ficam próximos à área do mar, e na prática eles pertencem à União. A União permite que o sujeito
utilize, mas ele tem que pagar o foro.

A enfiteuse administrativa lembra a enfiteuse privada com a diferença que a primeira é estabelecida por lei,
enquanto a privada é pela vontade. O CC não regulamentou sobre a possibilidade de se criar novas enfiteuses
administrativas.

A enfiteuse que é o direito real sobre coisa alheia que podia se perpetuar não é mais possível de ser
constituído.

- A temporariedade é uma característica dos direitos reais limitados, os quais se subdividem em alguns
grupos. Se fala nos direitos reais de gozo e fruição que são usufruto, servidão e habitação (enfiteuse). Os de
uso e fruição, geralmente nascem do desmembramento do domínio, a exceção é feita pela servidão. A
servidão já implica na vinculação de uso de um bem a outro.

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▪ Direitos reais de garantia/acessórios: penhor, hipoteca, anticrese

São aqueles direitos reais que existem funcionalizados a garantir o cumprimento de obrigações, pra dar uma
segurança maior às relações de crédito.

Além do penhor, hipoteca, anticrese, temos a alienação fiduciária que é uma modalidade de direito real e
também é encarada como uma forma de garantir a propriedade. Hoje em dia há uma tendência de cada vez
menos se ver usar penhor, hipoteca e anticrese e cada vez mais usar alienação fiduciária.

▪ Direito real à aquisição: promessa registrada de compra e venda

Temos uma categoria que foi criada depois, que é o direito real à aquisição que corresponde a promessa
registrada de compra e venda. É uma situação sui generis, mas foi criada para resolver um problema social
que existia. Ex.: Quem compra imóvel na planta não se torna imediatamente proprietário porque o imóvel
sequer existe. Não se pode fazer a compra e venda porque ele sequer foi individualizado. O que se pode fazer
é uma promessa de compra e venda, ou seja, quando ficar pronto, o sujeito vai vender o imóvel e o outro vai
comprar.

A diferença básica para a compra e venda propriamente dita e a promessa de compra e venda é que a
promessa de compra e venda não possui a formalidade de escritura pública, se faz por contrato particular.
Ex.: É possível, por exemplo, que o sujeito já faça o pagamento de uma imóvel antes da existência deste, o
dono do futuro imóvel fica com a vantagem de já usar esse dinheiro para a construção sem a necessidade de
um empréstimo. Depois que termina esse imóvel, o sujeito que comprou pagou 200 mil pelo imóvel, porém
o dono, após finda a obra, percebeu que poderia achar quem pagasse até 400 mil. Digamos que os 200 mil
reais pagos no início sejam corrigidos e fique por 300 mil, mas mesmo assim o dono do prédio prefere vender
por 400 mil para outra pessoa, uma vez que estará ganhando mais. Boa parte das empresas começaram a
fazer isso, vendiam pra um com a promessa de compra e venda, mas depois que terminava a obra percebia
que poderia ganhar mais dinheiro e vendia para um terceiro e devolvia o dinheiro do anterior. Na prática,
essa pessoa que comprava no início servia de agente financiador. Para o primeiro comprador conseguir ficar
com o bem, era preciso que ele entrasse com uma ação de adjudicação compulsória para garantir o
cumprimento do contrato.

Sabe-se que a promessa de compra e venda é de direito obrigacional, onde o terceiro de boa-fé é protegido,
logo se ele não soubesse de nada, haveria essa proteção. Para resolver isso o sujeito empresta eficácia real
para a promessa de compra e venda para que o terceiro não possa dizer que era de boa-fé, e havendo o
registro ele vai saber que já havia uma promessa de compra e venda antes, então se pode adjudicar
compulsoriamente mesmo que haja um terceiro.

A promessa de compra e venda registrada surgiu para resolver esses problemas e como ela não se encaixava
nem nos direitos reais de gozo e fruição e nem nos direitos reais de garantia, se criou uma nova modalidade.

- O direito real de laje nada mais é do que uma espécie de superfície, isso acontece nas áreas urbanas que
são muito povoadas. Ex.: Um casal que se separa e pra dividir um fica com o direito de laje que é para
construir um segundo andar. É o direito de construir na vertical da casa.

5. SITUAÇÕES HÍBRIDAS

De um lado temos o direito patrimonial com regime típico das obrigações e do outro lado com o regime típico
dos direitos reais, onde o primeiro é marcado pela relatividade e o outro marcado pela eficácia erga omnes.

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• OBRIGAÇÕES PROPTER REM/OB REM/MISTAS/AMBULATÓRIAS


 DEFINIÇÃO

Existe uma diferenciação que não é tão simples de ser feita doutrinariamente, pois ao exemplificar dão o
mesmo exemplo para ônus real e para a obrigação propter rem. A jurisprudência trata da mesma forma
também. É importante separar uma coisa da outra principalmente em termo de direito processual e
competência. As obrigações propter rem são situações que se aproximam mais das obrigações, como a
questão do foro para o cumprimento da obrigação que é onde foi pactuado. Já os ônus reais se aproximam
mais dos direitos reais, e em relação ao foro para discussão do bem imóvel é o lugar onde ele se situa.

Existem situações específicas em que se pode ter finalidade prática para diferenciação, mas são tão
específicas que a jurisprudência deixa de lado.

Na sua gênese as obrigações propter rem eram situações que nasciam derivadas da coisa (da relação da
pessoa), é uma obrigação pessoal, recai sobre a pessoa, não porque a pessoa quis, mas porque a pessoa tinha
um vínculo jurídico com o bem, mas era uma obrigação. Ex.: IPTU – É devido pelo proprietário, é uma
obrigação do proprietário que é gerado pelo fato de o sujeito ser dono de alguma coisa; IPVA – O sujeito é
dono do carro e todo ano deve pagar por ser proprietário.

Em princípio, o sujeito tem uma obrigação que é dele, essa obrigação não recai sobre o bem, ela nasce do
fato de se ter uma relação com o bem, mas passa a ser da pessoa. Então, por exemplo, há a possibilidade de
a obrigação ter um valor maior que o do bem. Ex.: O sujeito passa anos sem pagar IPTU e quando junta os
juros, multa e valor, o valor do imposto pode estar maior que o do bem.

- O ônus real, por exemplo, é ínsito ao bem, ele já é do bem e estaria limitado ao valor do bem.

 CARACTERÍSTICAS

Obrigações de fazer ou de não fazer que decorrem da condição de titular da coisa.


Geram responsabilidade pessoal pelas situações constituídas durante o tempo em que se foi titular do bem.
Não guardam necessário vínculo com o bem principal; podem excedê-lo em valor e persistem ainda que
pereça.
Ex: Direitos de vizinhança, obrigações derivadas da convenção de condomínio

As características das obrigações propter rem são obrigações de fazer ou de não fazer que decorrem da
condição de titular da coisa.

Geram responsabilidade pessoal – não se transfere – pelas situações constituídas durante o tempo em que
se foi titular do bem. Em princípio, elas não se transfeririam quando o sujeito vendesse o bem. Ou seja, se o
sujeito deve IPTU, se ele vendesse o bem o IPTU não deveria ir junto, pois a obrigação de pagar era dele e
não do bem em si. Diferentemente do ônus real que seria o gravame que recai sobre o bem.

Com o passar do tempo, as obrigações que eram típicas propter rem foram sendo mitigadas para
acompanharem também o bem. No CTN há uma regulamentação específica que diz que os créditos
tributários que são derivados de um bem o perseguem, então o que antes era uma obrigação pessoal que
nasce da relação da pessoa com o bem, passou a ser algo que o acompanhava.

Não guardam necessário vínculo com o bem principal; podem excedê-lo em valor e persistem ainda que
pereça. Se for de maior ou menor valor, pouco importa, pois a responsabilidade é pessoal e não do bem.
Ex: Direitos de vizinhança, obrigações derivadas da convenção de condomínio.

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O CC dispõe que a dívida de condomínio acompanha a transferência. O regime jurídico que eram das
obrigações propter rem foram aproximados dos ônus reais. Hoje os principais exemplos (IPTU, IPVA...) podem
ser usados tanto como propter rem como ônus real, pois tem características dos dois.

Tecnica e historicamente falando, as obrigações propter rem seriam pessoais que derivariam do fato de se
ter uma relação jurídica com o bem no momento em que elas foram constituídas. Já os ônus reais por ser do
próprio bem se transfeririam.

• ÔNUS REAIS7
 DEFINIÇÃO

Obrigações positivas que se vinculam ao bem propriamente dito. Necessariamente exige que a pessoa pague
algo e que se vinculam ao bem. Porque adstritas à coisa, têm seu valor limitado ao desta e admitem a
renúncia ou abandono liberatório. Não seria possível nas obrigações propter rem.

A distinção na prática está cada vez mais distinta. Por exemplo, respeitar o direito de vizinhança é uma
obrigação propter rem propriamente dita.

Ex.: Renda constituída sobre imóvel, servidões, taxa de condomínio, impostos prediais.

 CARACTERÍSTICAS

Obrigações positivas que se vinculam ao bem propriamente dito.


Porque adstritas à coisa, têm seu valor limitado ao desta e admitem a renúncia ou abandono liberatório.
Ex: Renda constituída sobre imóvel, servidões, taxa de condomínio, impostos prediais

• OBRIGAÇÕES COM EFICÁCIA REAL


 DEFINIÇÃO

Correspondem a situações em que estamos diante, efetivamente, de obrigações, só que é uma obrigação
que por conta de opção do legislador, resolveu emprestar eficácia real. Um grande exemplo disso é a
preferência que é dada ao locatário do imóvel. Se o sujeito aluga determinado imóvel ele não pode forçar o
dono a lhe vender o bem, mas se ele resolve vender, o locatário tem preferência. Esse é um direito do
locatário, só que digamos que o locador vendeu sem oferecer antes ao locatário, isso enseja em um ilícito
cometido por ele. O locatário pode exigir isso em juízo? Depende do contrato de compra e venda ter sido
registrado ou não, pois não sendo registrado quem comprou era terceiro de boa-fé, não sabia e não tinha
porque saber que o sujeito estava na condição de locatário e que deveria haver um respeito ao direito de
preferência, pois existia uma obrigação, mas esta não tinha uma eficácia real.

Então, a lei permite, em situações como essa, se houver o registro do contrato e a partir disso garantir uma
eficácia real ao direito de preferência, o terceiro que comprar o bem, não será terceiro de boa-fé, e então o
bem pode ser reivindicado em juízo.

O contrato de sociedade não é diferente. O que se faz ao criar a sociedade, o que se faz primeiramente é
assinar o contrato, embora ainda não haja registro, mas já faz lei entre as partes. Se não há registro se está
diante de uma sociedade irregular. Uma vez registrado o contrato se tem uma eficácia suplementar que é
emprestada a terceiros que é o reconhecimento de personalidade jurídica a uma nova entidade.

A promessa de compra e venda é um contrato de eficácia real estando registrada. A servidão é ônus real.

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Gustavo falou dos ônus reais juntamente com as obrigações propter rem, por isso não tem nada no
tópico. Qualquer dúvida estudar por livro.

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 CARACTERÍSTICAS

Obrigações pessoais a que se empresta, por força de lei, eficácia erga omnes. Ex: Direito de preferência no
contrato registrado de locação de imóveis urbanos.

07/03/2018: Quarta-feira
DA POSSE – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1. ASPECTOS INICIAIS
Fala que o patrimônio é regulamentado pelo direito das obrigações de um lado e direito das coisas de outro.
Quando falamos de direito das coisas, não estamos falando tecnicamente em direitos reais, pois o direito das
coisas é mais amplo, e dentro do direito das coisas estão os direitos reais. Existem situações nos direitos reais
que não são, em princípio, enquadradas nos direitos reais e é onde temos o exemplo da posse.

A) POSSE E PROPRIEDADE. DIFICULDADES NO ESTUDO


A discussão sobre posse é uma das mais árduas no direito. Por exemplo, a natureza jurídica de posse, há
quem diga que é direito real, há quem diga que é direito pessoal, ou quem diga que não é nada. S analisarmos
a dificuldade de posse já surge no momento de pesquisar o que é posse. Há situações que são fáceis distinguir
a posse da propriedade, porém há outras que não.

A posse, na verdade é um fenômeno fático, é predominantemente fática. A posse surge com a proteção de
uma situação de fato, ela não foi pensada enquanto estudo jurídico.

B) HISTÓRICO
• ORIGENS REMOTAS

Existem origens remotas, os períodos das antiguidades orientais, a pré-época da origem romana pode se
encontrar a posse e a propriedade. Porém a fonte imediata é sempre o direito romano.

• ROMA ANTIGA E A SISTEMATIZAÇÃO DA POSSE

A posse surge como uma questão fática para eles, se tinha de um lado o direito civil, só que problema de
direito civil é que nesta época correspondia a cidadão, o direito civil se aplicava apenas e tão somente aos
cidadãos romanos. O problema aqui é que o Império Romano foi crescendo, teve o desenvolvimento do
comércio e consequentemente, com esse crescimento, foram surgindo comerciantes de outros lugares que
não de Roma, porém eram importantes para Roma. Esses comerciantes não podiam comprar nada, não
poderiam invocar o direito de propriedade, pois não eram romanos. Desse modo, surgiu o problema da
posse, que é o que eles chamam em Roma Antiga de Direito pretoriano que já é uma forma de julgar, já no
final do império, em que se coloca pessoas, que eram os jurisconsultos/pretores e eles tinham a possibilidade
de julgar independente das leis, então eles faziam um juízo de equidade e foi com base nesse direito
pretoriano (direito que era feito na prática) que surgiu o conteúdo de posse. Por exemplo, havia um
comerciante que eles consideravam importante para o mercado, mas não era cidadão romano, para não o
perder foi feita essa separação de propriedade e posse, então ele passa a ter o direito, mesmo não tendo o
título, de se manter naquela posse. Não era uma situação desinteressada, era uma situação que era levado
em conta interesses de uma determinada época histórica. Por isso a posse surge a partir de uma situação
fática e ela é predominantemente uma situação fática.

- Segundo Gustavo, a posse deve ser encarada como uma espécie de vedação à autotutela, ou seja, quando
se tem um conflito com alguém, o ideal é que se recorra ao judiciário, então se quer evitar que as pessoas
tenham uma discussão sobre a posse e haja disputas que ensejem violência sobre quem pode ficar com o
bem.

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Direitos Reais – Prof. Gustavo Prazeres | 2018.1
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O problema desse fenômeno fático é que ele se apresenta com várias conotações dos casos concretos.

- A posse pode ser defendida a partir de duas perspectivas: jus possessionis (posse material) e jus possidendi
(posse formal).

Apesar da posse se dar a partir de uma situação fática, não se pode falar em posse dissociada da propriedade.
Há situações mais simples em que o proprietário é o possuidor, é a situação ideal para o direito, pois não se
tem conflito; há situações em que o proprietário e o possuidor não são a mesma pessoa, e existe uma
coordenação de vontade entre eles, então é uma situação tolerável, pois o proprietário aceita a posse de
terceiro, mas não é uma situação ideal, pois existe uma potencialidade de conflito; existem também situações
em que está o proprietário de um lado e o possuidor do outro e eles estão em choque. Essas situações
recebem uma abordagem diferenciada em nosso ordenamento.

Podemos invocar uma perspectiva da posse que trabalha vinculada ao direito de propriedade que é o
chamado jus possidendi. Quando vamos reclamar a posse em juízo, podemos nos valer dos chamados
interditos possessórios – ação de reintegração de posse, ação de manutenção de posse e interdito proibitório
– e há também a ação reivindicatória8, que vem da noção de reivindicar o bem do direito de propriedade, o
direito de reivindicar o bem consiste em exigir a devolução da posse. A diferença é que quando se está
falando de ação reivindicatória se está discutindo a propriedade, quem opta por ajuizar uma ação
reivindicatória, ele ajuíza com o argumento de ser proprietário, o outo alega como defesa que ele é o
proprietário, é uma discussão e forma e por isso é chamado de jus possidendi, porque na prática ela é um
mero desdobramento da propriedade.

Então, a pessoa pode discutir o direito de propriedade que exige a devolução da posse, e pode optar por
discutir uma situação fática que não tem nada a ver com propriedade que é aquilo que é feito quando intenta
os chamados interditos possessórios, e essa é a discussão que é travada quando se opta por discutir o jus
possessionis.

A primeira dificuldade que tivemos na situação da posse, foi individualizar posse de propriedade que não é
uma coisa tão simples. Em segundo lugar foi conseguir formular uma teoria que fosse capaz de atender as
situações que são distintas. Tem que explicar o jus possidendi que é exigir a devolução da posse com base no
direito de propriedade e tem também que explicar os interditos possessórios que tem que explicar uma
situação fática, onde não se discute quem tem a propriedade, vai se discutir quem tem a posse justa sobre
determinado bem. Assim, a teoria da posse se envolveu com essas dificuldades.

Depois da edição do CC de 1916 isso ficou facilitado. Anteriormente havia uma dificuldade nos livros se
primeiro ensinava propriedade ou primeiro ensinava posse. Dentro dessa temática, os alunos terão
dificuldades por ser uma matéria que envolve uma série de controvérsias.

- Ao dizer que se deve encarar posse como se fosse uma espécie de vedação à autotutela. Geralmente os
autores não fazem isso de forma explícita. A discussão de jus possessionis, nada mais é do que dizer que o
sujeito até pode ser proprietário do bem, mas o fato de ele ser proprietário do bem, não o autoriza a fazer
justiça com as próprias mãos. Ex.: A aluga o imóvel para B. B pagou todos os meses e no último deixa de
pagar, porém A quer o imóvel de volta. B não quer sair do imóvel. A não pode, por exemplo, contratar um
segurança para tirá-lo de lá ou usar violência, isso seria um ilícito. Em uma situação como essa precisa de
intervenção judicial. Ou seja, o sujeito é proprietário e queria tirar um inquilino que não pagava, ele poderia
fazer isso de forma correta ajuizando uma ação de despejo (reivindicatória), porém ele não fez isso, ele
contratou alguém para que o tirasse de lá, o inquilino pode entrar com uma ação de manutenção ou

8
Foi falado na última aula que o artigo 1128 do CC que fala do direito de propriedade onde o sujeito
tem o direito de usar, fruir, dispor e reivindicar o bem.

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reintegração de posse contra o proprietário. Mesmo ele sendo proprietário, ele se utilizou de violência, ele
tinha o direito de ter seu bem, mas agiu de forma incorreta.

- Perceba então, que quando estamos na discussão do jus possidendi, temos uma lógica que prestigia ainda
o proprietário. Quando estamos na discussão do jus possessionis, se ingressa em uma discussão em que ser
proprietário ou não é absolutamente irrelevante, se vai discutir a situação fática e se a pessoa que estava ali
está sofrendo uma ameaça ou não, se a situação é justa ou injusta.

Como já foi dito, tudo relacionado ao direito civil tem seu começo histórico na Roma Antiga, onde foi
visualizada de forma mais imediata a distinção de posse e propriedade, e como foi dito, essa criação se deu
de forma prática, foi um instituto que veio para atender uma necessidade que estava posta. Havia a
antiguidade clássica composta por gregos e romanos, onde houve a ascensão do Império Romano. Depois
temos a Idade Média, que é um período de ruptura, de fragmentação e reconstrução. Vem então a era
moderna, onde surge o Estado Moderno, um roteiro de organização social ao qual o Direito está vinculado.

Porque Roma Antiga é importante? Esse período da Idade Média é um período de fragmentação e chega um
instante histórico em que se formou o Estado, pois se tem aqui o desenvolvimento do comércio. A criação
do Estado Moderno veio para atender aos interesses do comércio. Temos então uma estrutura que é
fragmentada, vários feudos onde cada um trabalha com uma moeda, dentre outras coisas, então é necessário
que haja uma unificação. Quem mais se aproximou disso foram os romanos, então surge as chamadas Escola
dos Glosadores e dos Pós Glosadores. Então começaram a estudar os direitos romanos na busca de
alternativas para criar leis que pudessem ser aplicadas em todo o território.

Isso está sendo dito, pois foi falado que posse e propriedade pela primeira vez foram separados em Roma
Antiga, porém nada foi escrito sobre posse ou propriedade nessa época, eles aplicavam na prática uma
distinção, mas talvez nem eles tivessem noção da diferença entre uma coisa e outra, eles resolviam seus
problemas relacionados a isso da forma como anteriormente descrita. A teorização sobre posse e
propriedade foi feita já na era moderna, com os Glosadores e dos Pós Glosadores. Então a diferenciação que
os romanos fizeram entre posse e propriedade foi apenas na prática, talvez sem consciência disso. Mas eles
tanto não fizeram que essas leis tinham contradições internas e em parte a discussão que teremos surge
exatamente de leituras diferenciadas que são feitas a partir do estudo que era aplicado em Roma Antiga.

 POSSE DESVINCULADA DA PROPRIEDADE: AS CONCESSÕES PRECÁRIAS DE USO

A partir do estudo feito pelos Glosadores e Pós Glosadores, eles perceberam que existiam pessoas que
prestavam mais atenção na estrutura da posse desvinculada da propriedade, e eles falavam das chamadas
concessões precárias de uso. É o caso que foi falado dos sujeitos que eram estrangeiros e não tinham direito
à propriedade e então o Estado por considera-los importantes, apesar de não poder lhe dar propriedade por
não ser um direito dele, lhes concedia a posse que é uma concessão precária de uso.

 POSSE COMO CONSEQUÊNCIA DA PROPRIEDADE: OS INTERDITOS POSSESSÓRIOS

Existia outra vertente da posse que era uma forma de facilitar a defesa da propriedade, a posse nascia como
uma consequência da propriedade e surge a figura dos interditos possessórios em Roma Antiga. Segundo os
Glosadores e Pós Glosadores, os interditos possessórios não surgiam como uma coisa para tutelar o
possuidor, surgiam como uma coisa para tutelar o proprietário.

Se discute a propriedade a partir de um direito, o direito é provado por meio de documentos caso não seja
um fenômeno fático. O problema é que nem sempre a forma é feita de forma simples. Na dificuldade da
prova não se discute documento, mas uma situação fática. Segundo uma parcela da doutrina9, a posse
aparecia apenas como uma forma de facilitar a vida do proprietário. O proprietário quando tem sua

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Que inspirou a teoria objetiva da posse.

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propriedade violada e quer discuti-la, deve levar documentos para provar que é o dono, mas se ele não tiver
documentos, se vai discutir uma situação fática, mas para defender o proprietário. Em Roma Antiga o
proprietário sempre prevalecia sobre o possuidor, e isso não é mais uma verdade hoje em dia. Mas lá atrás,
existia uma gradação, vem a propriedade e depois a posse, a posse tinha a função de proteger a propriedade,
diferente de hoje em que ambos têm a função de atender as expectativas mínimas que a sociedade coloca
sobre aqueles bens.

Foi a partir dessas duas formas de percepção histórica, dessa contradição que existia que existia dentro
histórico da posse na Roma Antiga que foram cunhadas as teorias da posse.

2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA POSSE


A) TEORIAS EXPLICATIVAS
• TEORIA SUBJETIVA DE SAVIGNY
 DEFINIÇÃO

O primeiro estudo sistematizado sobre a posse é feito por Savigny em 1814 que escreve um Tratado sobre a
posse. Não é que nunca tivesse havido alguém que escrevesse sobre posse, mas ele foi o primeiro que
sistematizou. Quando ele foi tentar explicar a posse, Savigny partiu de uma perspectiva em que se tinha um
problema básico que deveria ser enfrentado, que era a usucapião. A principal preocupação dele era separa
as situações em que o sujeito estava com o bem e poderia usucapir e as situações que não poderia. É separar
a figura do chamado possuidor do mero detentor.

Possuidor – alguém que tem posse, está de algum modo sob o abrigo do Direito.
Detentor – Lembrar da expectativa do direito, onde o sujeito queria ter o direito mas não preenche os
requisitos pra isso, então não tem direito a nada. Quando o STF discutiu a possibilidade de taxar os inativos
da previdência pública, em que as pessoas aposentadas passaram a pagar para a previdência também, os
aposentados alegavam direito adquirido, porém o STF contra argumentou dizendo que as regras, nesse caso,
poderiam ser modificadas na prática. Então os aposentados tinham mera expectativa de direito. Quando
falamos em detentor, é a mesma coisa. O detentor é o sujeito que pode até aparentar estar em uma situação
de possuidor, pode ter uma quase posse, mas na verdade ele não tem direito a nada. Então temos de um
lado o possuidor que é o protegido e do outro lado o sujeito que aparentemente é possuidor, mas na verdade
não é.

A preocupação de Savigny era separar o possuidor do mero detentor. O possuidor teria proteção jurídica e
poderia, inclusive, usucapir, já o mero detentor não.

 ELEMENTOS (P = C + A)

Segundo Savigny, para definir a posse era preciso trabalhar com dois elementos, a ideia de posse é igual a
ideia de corpus e animus.

POSSE = CORPUS + ANIMUS

▪ Corpus

Para ser possuidor, é preciso ter a apreensão física do bem. Aposse é uma situação fática, e esse caso é o que
representa a facticidade da posse, pelo menos como regra geral e na maioria absoluta das situações. Veremos
que há situações em que a posse não representa tanto assim essa dimensão fática, mas originariamente é
preciso a situação fática. Para o sujeito ser possuidor ele precisa estar com o bem.

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▪ Animus possidendi

Não basta ter a apreensão física para ser possuidor. Ex.: O aluno que senta na mesma cadeira durante os 5
anos de curso, levou 5 anos sendo possuidor da cadeira. Quando ele se formar ele pode levar a cadeira junto?
Não. Se outra pessoa senta na cadeira desse aluno ele pode entrar com uma ação contra essa pessoa? A
relação dele com a cadeira é suficiente para garantir uma tutela jurídica? (Ficou em aberto). Ex.2: Um
locatário que fica no bem durante 25 anos, ou seja, são 25 anos pagando aluguel. Ele pode parar de pagar o
aluguel e afirmar que vai usucapir o bem? Não. Para resolver essa espécie de situação, Savigny percebeu que
não bastava a mera apreensão da coisa, precisava de outro elemento. Então, para ser possuidor é preciso
que tenha também o animus domino, que é o comportamento como se dono fosse.

Quando faalmos em animus domino estamos falando em comportamento como se dono fosse e não em
vontade de ser dono. Essa distinção é importante, pois o sujeito pode ser o locatário e ter vontade de comprar
o bem, mas não tem condições financeiras, por exemplo. O sujeito sabe que ele não é proprietário e o simples
fato de ele pagar aluguel denuncia isso porque proprietário não paga aluguel, então ele não se comporta
como dono, quem se comporta como dono não reconhece uma situação jurídica melhor do que a sua em
relação àquele bem. Se o sujeito paga aluguel ele não se comporta como bem. Ele pode cuidar com o intuito
de comprar depois, mas ele não se comporta como dono.

Então para Savigny, a posse se resume nesses dois elementos, deve-se ter o corpus e deve-se ter o animus.
Se a pessoa tem corpus e não tem animus, é mero detentor, é uma situação de quase posse. Essa teoria foi
chamada de subjetiva da posse, pois trabalha com animus como elemento.

▪ Revisão dos conceitos. Posse derivada e corpus como possibilidade de apreensão.

Em um primeiro momento, Savigny diz que posse é corpus (apreensão física) + animus (comportamento de
dono). A apreensão física recebeu críticas. Por exemplo, a pessoa que vai para a faculdade de carro, deixa o
carro no estacionamento e vai para a sala, essa pessoa não tem, no momento, a apreensão física da coisa,
mas ela não deixa de ser possuidora.

A primeira revisão que Savigny fez foi dizendo que posse não é a apreensão física propriamente dita, é a
possibilidade de apreensão física, tem a posse, não precisa ter tocado ou estar tocando no bem para ser
possuidor, basta ter a possibilidade de ter legitimamente a sua apreensão física. Ex.: A empresta o carro para
B, quando A empresta ele entrega a chave, o possuidor é quem tem a possibilidade de ter a apreensão física
do bem, ou seja, quem está com a chave. Então quando A entrega a chave está transferindo ainda que
simbolicamente aquela posse.

Savigny então reformula seu pensamento para dar uma flexibilizada. Há a possibilidade de apreensão física,
o sujeito não está tocando, mas poderia se quisesse.

Veio outra crítica que Savigny tentou responder, mas ele acabou desfazendo toda sua teoria. Ex.: O sujeito
tem um carro e ele é proprietário e possuidor, então em um primeiro momento ele tinha o corpus e tinha
também o animus e ainda era proprietário. Ele resolver fazer a locação do bem passando para um terceiro,
terceiro este que é legitimo, passou então a ter o bem nas suas mãos. Esse terceiro tem o corpus, mas não
tem o animus, pois ele não se comporta como se dono fosse, ele é mero detentor. Aparece outra pessoa na
situação que utiliza de uma prática ilícita, como por exemplo, tirar o terceiro legitimo da posse de forma
violenta, ficando ele em seu lugar. Essa outra pessoa que apareceu se comporta como se fosse dono, ele não
paga aluguel para ninguém. Essa pessoa tem corpus e tem animus. Vamos imaginar que o locatário vá para
justiça tentar reaver o bem, porém ele não é mais possuidor segundo a teoria de Savigny, ele é mero
detentor. O propeietário também não seria, pois ele deslocou o corpus. Então, se chega em uma conclusão
que o único que é protegido é o terceiro que atuou de forma ilícita, e isso está errado.

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Savigny tentou explicar isso, ele disse que existe uma situação da posse derivada que é uma criação jurídica
que é uma posse que não tem corpus e animus. A posse derivada explica as situações que não consegue
explicar com a outra, ou seja, o que ele teorizou não servia para explicar a posse. Então o terceiro locatário
teria a posse derivada, ele não seria o possuidor porque o possuidor precisa de corpus e animus, mas o
locatário precisava de proteção. Savigny percebeu que essa teoria não serve porque a posse derivada não é
corpus + animus.

Apesar de a teoria de Savigny não ser aquela que vingou, a grande dificuldade que a teoria subjetiva da posse
não conseguiu contornar é exatamente essa situação da posse derivada e por isso foi cunhada uma segunda
teoria.

 MÉRITO

O primeiro mérito é o fato de ser a primeira tentativa de sistematizar o instituto da posse, é o primeiro estudo
da história. O segundo mérito dessa teoria remete à questão da importância que é concedida à posse, pois
Savigny garante autonomia ao direito do possuidor. A posse é um direito apartado da propriedade e que
eventualmente pode até prevalecer sobre a propriedade. Savigny enxergava a posse como a posse
desvinculada da propriedade, como as concessões precárias de uso. Então a preocupação dele era a
existência de situações em que haveria a concessão legítima e a concessão ilegítima.

 CRÍTICA

A principal crítica é o fato de essa teoria não conseguir explicar, pelo menos em termos estruturais, o
funcionamento da posse. Por mais que a teoria subjetiva da posse tenha sido desprezada, ela não foi
desprezada em absoluto. A teoria objetiva da posse foi abraçada, mas foram feitas concessões em alguns
pontos específicos à teoria subjetiva, notadamente no que diz respeito à usucapião.

O momento histórico em que Savigny escreve o tratado da posse é um momento anterior às grandes
codificações. Então, ele tinha um problema que Ihering já não tinha, pois este último escreveu depois da
criação dos códigos. O momento histórico da teoria subjetiva da posse é um momento prévio às codificações,
em desfavor de Savigny ele tinha a desvantagem de não poder contar com leis, ele não podia explicar posse
dependendo da lei. A tentativa dele era sistematizar um instituto como se fosse uma espécie de direito
natural. Ele tinha que trazer uma resposta que fosse completa e perfeita de forma absoluta, que era mais
difícil do que no caso de Ihering que teve o apoio das leis.

• TEORIA OBJETIVA DE IHERING


 DEFINIÇÃO

No início, Ihering “louva” o trabalho de Savigny. A teoria é chamada objetiva, porque ele em contraposição
à teoria subjetiva, a pessoa faz uma leitura independente do estado anímico da pessoa, mas também é uma
teoria simplificada da posse. Quando Ihering escreve seu manual, ele recebe críticas porque é difícil entender
o manual. Então, ele decide escrever um livro que todos sejam capazes de entender, dessa forma, ele faz A
Teoria Simplificada da Posse.

Predominantemente o que temos em nosso ordenamento hoje é teoria objetiva da posse. A missão de
Ihering era simplificar a posse.

 ELEMENTOS (P = C)

Vinha a teoria subjetiva da posse e dizia que a posse = corpus + animus (P = C + A). Para Ihering a posse
consistia em apenas um elemento que seria o corpus. O conceito de corpus de Ihering era mais trabalhado,
aqui não era a apreensão física.

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Quando Savigny começou seu estudo ele partia das condições precárias de uso. Ihering fez o contrário,
quando ele olhava para a posse, enxergava outra vertente (perdi alguns segundos). Ihering parte do
pressuposto que a posse nada mais é do que facilitar a defesa do proprietário, ela garante que o proprietário
tenha uma proteção também fática e não apenas documental, para ser possuidor para Ihering, a pessoa tem
que ter a aparência de proprietário, o corpus de Ihering só existe quando se confere a destinação econômica
eesperada ao bem. Não é necessariamente a apreensão física do bem, pois há aquela possibilidade de a
pessoa, por exemplo, estar distante do bem, e ainda assim continuar possuidor.

É possível ser possuidor antes mesmo de saber em determinadas situações. Ex.: Imagine um caçado que
coloca uma armadilha no meio da floresta e foi dormir, a armadilha pegou um urso. Apesar de ele não saber
que o urso caiu na armadilha, ele é o possuidor do animal e não a pessoa que passa e vê que o urso está lá,
se essa pessoa pega o urso, está cometendo um ilícito. Essa situação de se tornar possuidor antes de saber é
defendida por Ihering. Ele traz ainda outras situações mostrando que a destinação econômica que mostra se
a pessoa é possuidora ou não. Ex.: Uma mulher que tem uma joia guardada, e estando ela guardada tem
dono, aparenta haver propriedade. Já se a pessoa está andando na floresta e encontra uma joia, esta, em
princípio não tem dono. Ele quer dizer que se a pessoa encontra um bem com uma situação econômica que
normalmente ele estaria, ele está sobre a posse de alguém. O que define a situação de posse é a aparência
de propriedade.

A posse para Ihering é a aparência de proprietário. Quem dá a destinação econômica esperada ao bem se
torna possuidor. A posse é uma derivação da porpiedade, logo se o sujeito aparenta ser proprietário está
protegido pela posse.

Isso resolve uma serie de situações. O problema que Savigny não conseguia explicar era aquela em que: Ex.:
Havia o locador e o locatário e um terceiro. O locatário está desenvolvendo comércio em um imóvel por ele
alugado, se qualquer pessoa passar por lá, não pode ter a confirmação de que ele é o dono do imóvel, mas
pelo menos pode-se afirmar que ele é possuidor como locatário que é, e ele tem a aparência de proprietário.
Se aparecer esse terceiro querendo esbulhar, o locatário pode se defender, pois preenche o requisito e está
protegido. Ele resolve o problema e contempla a situação da posse derivada que Savigny não conseguiu
explicar, mas Ihering consegue, pois o proprietário é possuidor também, apesar de a apreensão física estar
com outro, ele está recebendo aluguel. Logo, ele pode usar, fruir e dispor. Se ele recebe aluguel ele está
fruindo.

Seguindo a teoria objetiva, tanto o locatário quanto o proprietário, em uma situação em que nenhum dos
dois poderia ser visto como tal na teoria subjetiva, eles passam a ser tutelados. Ou seja, tanto o proprietário
pode agir contra o terceiro que tentou esbulhar, quanto o locatário. Eles não precisam nem se juntar para
isso, podem fazer de forma independente da anuência do outro.

- Para ter aparência de proprietário se deve dar destinação econômica para o bem. Se a pessoa tem uma joia,
e essa joia está perdia no meio da floresta, ela pode dizer que é possuidor dela? O proprietário só poderá
dizer que essa violou sua esfera jurídica se provar que é proprietário, mas pela situação fática, pois não é
uma coisa esperada encontrar uma joia na floresta. Se a pessoa não provar que é proprietário, não há
violação alguma. A questão não é o bem em si, mas o se habitat. O urso é esperado que se esteja na floresta,
a joia é esperado que esteja no estojo da dona. A destinação econômica seria estar no lugar esperado. Se o
urso está na gaiola, não se tem aquela sensação do “achado não é roubado”, pois se está na gaiola é porque
alguém quer capturá-lo, então se o sujeito pega está cometendo ilícito. A PESSOA TEM APARÊNCIA DE
PROPRIETÁRIO SE EMPRESTA A DESTINAÇÃO ECONÔMICA ESPERADA DO BEM. Destinação econômica é
como se fosse a função social do bem, ser utilizado da maneira que se espera.

É uma teoria dita objetiva basicamente porque ele tenta superar aquele elemento subjetivo do qual a teoria
subjetiva partia, a questão do animus. Tecnicamente falando, Ihering simplifica a teoria dizendo que a posse

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é apenas o corpus, apesar de densificar o conceito de corpus, então, ele simplifica na medida em que abstrai
ou retira a análise do animus, mas também torna a análise do corpus mais complexa. No livro de Ihering ele
diz inserir um elemento subjetivo, porém, interno, é como se dentro do corpus tivesse o animus tenendi, que
é a intenção de ter, a aparência, o comportamento, como se proprietário fosse. Não irá se analisar se o sujeito
quer ou não quer, mas sim o que as pessoas olham e vêm, é uma questão mais de perspectiva do que de
comportamento em si.

O elemento corpus de Ihering é muito mais trabalhado. Sua teoria tem uma grande conquista em termos
estruturais, conseguiu explicar o desmembramento ou desdobramento da posse. A partir daqui conseguiu-
se falar em uma posse derivada, então, o exemplo de que a teoria subjetiva não explicava a situação em que
tem-se um proprietário de um lado, um locatário do outro e um esbulhador antagonizando a eles Ihering
consegue explicar. Ele vai dizer que o proprietário, apesar de não estar com o bem em si mesmo, ele aparenta
ser proprietário porque está fruindo do bem e se frui do bem ele tem uma aparência de proprietário, pode
até não ser o efetivo proprietário, mas tem a aparência, é possuidor, é protegido. Tem-se também o locatário,
que está usando do bem, usar é uma prerrogativa do proprietário,então, ele pode até não ser proprietário
mas ele aparenta ser, logo é possuidor.

Então, tanto o proprietário quanto o locatário aqui aparecem como possuidores e eles têm legitimidade,
inclusive, para atuar sozinhos, um não precisa do outro. Qualquer um deles pode defender o bem desse
terceiro esbulhador, diferentemente do que acontecia com a Teoria Subjetiva da Posse. Nós veremos depois,
mas essa situação do proprietário vai ser chamada de posse indireta e a do locatário de posse direta, a posse
direta é sempre daquele que fica com o bem no final, ele sempre vai ser o possuidor direto. O possuidor
indireto é quem não está com o bem mas que também é protegido. Uma parte da doutrina diz que a posse
indireta é na verdade uma posse fícta, porque ela não tem substrato fático, pois o substrato fático é isso do
locatário, ao olhar ele quem será visto como o bem (?) e não o proprietário.

Porém, ao fazer uma análise mais apurada da coisa, se parte do pressuposto de que dentro das prerrogativas
do proprietário está o fruir também ele está aqui, então, fruindo. Mesmo que ele não esteja com o bem na
mão ele está recebendo o aluguel e essa é uma situação que se traduz também em termos fáticos, pode ser
encarado, então, não como uma posse fícta, mas como uma posse efetiva. Houve uma discussão histórica
nesses termos, Gustavo não tende a aprofundar isso nesse momento.

Dessa forma, a Teoria Objetiva da Posse autoriza o desmembramento da posse, autoriza que se enxergue
mais de uma posse, então, são dois possuidores aqui, e inclusive de forma independente, cada um vai poder
defender o bem. Isso não era possível com a teoria de Savigny, ele até tentou criar a figura da posse derivada,
mas ele acabava contrariando a sua teoria. Savigny teve um problema a mais para enfrentar que era o fato
de não existirem leis, Ihering estava em um momento em que já existiam leis, dando pra ele uma vantagem.
A questão do detentor, que na prática é a preocupação com a usucapião, para Savigny o detentor era o
sujeito que tinha o corpus mas não tinha o animus, era uma posse degradada por falta de um elemento,
precisava-se dos dois. Já Ihering vai dizer que aqui continua a existir a figura do detentor, só que o detentor
não é mais aquele que não tem o animus, é aquele que está em uma situação de posse degradada pela lei.
Vâo existir situações em que o Código vai dizer que até poderia ser posse, mas ele não vai considerar. Então,
posse é corpus, que significa ter a aparência de proprietário, é dar a destinação econômica do bem, é cumprir
sua função social, dessa forma, aquele que dá a função social do bem é o possuidor. Mas vão existir situações
em que a lei vai dizer que uma circunstância, embora pudesse ser encarada como se fosse efetivamente uma
situação de posse, ela não vai ser, por uma opção legal.

Isso foi o que aconteceu no nosso sistema, por exemplo, as situações de detenção são situações de posses
degradadas pela lei. Vamos falar, então, por exemplo, na figura do fâmulo da posse, temos três hipóteses no
nosso ordenamento (vai ser estudado mais pra frente). Mas para trazer como exemplo do chamado fâmulo
da posse (art. 1.196 do CC) temos a figura do sujeito que exerce a posse em nome e sob as ordens de outrem.

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Poderia-se falar em servo da posse, que tem o mesmo sentido. A ideia de servo da posse é exatamente aquela
situação em que o sujeito está apenas cumprindo ordens, o clássico exemplo disso é o capataz de uma
fazenda. Ele toma conta da fazenda e faz exatamente o que o proprietário manda, este não está lá. A posse
é do capataz ou do proprietário? Pelo Código Civil a posse é do proprietário, o capataz até poderia ser
identificado como sujeito possuidor, mas veio a lei e degradou essa situação. A lei diz que que o fâmulo ou o
servo da posse não serão considerados possuidores, serão considerados meros detentores que agem sob o
comando de alguém. O efetivo possuidor é aquele que está dando ordens. Então, se o sujeito é o caseiro que
está tomando conta da casa ele não vai ser encardo como possuidor. Então, o que é a detenção dentro da
Teoria Objetiva? É de uma posse desqualificada pela lei.

- Gustavo chama atenção em relação as avaliações, quando pedido para discorrer sobre as situações de
detenção, dizemos que a detenção é uma situação de posse desnaturada, em que a lei resolveu não abraçar
como efetiva posse por uma opção legislativa, política. Até aqui está certo, mas os alunos tendem a trazer
apenas o exemplo do fâmulo da posse. O fâmulo da posse nada mais é do que o sujeito que tem o corpus
mas não tem o animus, o bem é entregue ao sujeito mas ele não se comporta como se dono fosse, ele atua
sob as ordens de outro. Na nossa sistematização acabamos dando o braço a torcer para um principal exemplo
com o qual a Teoria Subjetiva da Posse trabalhava, mas não é só esse, existem outras situações que também
não induzem posse (vamos estudar mais na frente), são os atos de mera permissão ou tolerância, por
exemplo. Ex. Um vizinho chega para outro e pergunta se pode utilizar por um dia a garagem dele já que ele
não está a utilizando. Este exemplo é um ato de mera permissão, não poderíamos dizer que o sujeito é
possuidor porque a situação dele com o bem é extremamente transitória, ele está utilizando porque naquele
momento o vizinho não tinha nenhuma necessidade de uso de sua garagem, ele deu a permissão. Ex.
Emprestar uma caneta para alguém assinar um documento. Isso não é suficiente para induzir posse, ninguém
vai ingressar com ação de reintegração de posse, não há defesa de nada. Ao estarmos sentados na cadeira
da faculdade estamos em um ato de mera permissão, é aquele exemplo de passar cinco anos sentando na
mesma cadeira, não podemos levá-la para casa porque a usucapiu, nunca tivemos a posse, somos meros
detentores.

Enfim, são situações que são desqualificadas pela lei e que de algum modo muitas vezes remetem a essa
ideia da falta de animus. Hoje em dia não é adequado dizer que o detentor é o sujeito que não tem animus,
pois o critério não é esse, o critério é que a lei retira algumas situações da proteção específica da posse, ela
faz isso por uma opção legislativa. Então, o fundamento não é a falta de animus, ainda que os exemplos
muitas vezes se encaixem. É importante não confundir as teorias, para a Teoria Objetiva a detenção é uma
situação desqualificada pela lei, na Teoria Subjetiva explica-se a situação da detenção pela ausência do
animus, muito dos exemplos se encaixam porque a Teoria Subjetiva não era de todo imprestável, ela servia
para alguma coisa, explicava parcelas, mas não tudo.

PARA ESCLARECER: Dentro da Teoria Objetiva a detenção é uma situação de posse desqualificada, por
exemplo, o capataz que está tomando conta de uma fazenda e que mora nela, pode ser que alguém passe
pela fazenda e o enxergue como um proprietário, eventualmente ele não é mas é no mínimo possuidor, pois
tem a aparência de proprietário, seria, então, suficiente para dizer que ele é possuidor. Porém, não é, pois a
lei diz que naquela situação, se ele está atuando por ordem de alguém, ele não tem posse, é mero detentor.
Se alguém intentar uma ação contra o capataz ele não tem legitimidade para responder em nome próprio,
então, se alguém entra com uma ação possessória contra o capataz ele não pode responder se for réu
eventualmente em uma ação. Antigamente existia uma figura no processo, que sumiu com o novo Código,
que era fazer uma nomeação à autoria, existia uma intervenção de terceiro pra isso, hoje se argui como
preliminar. O sujeito diz que não tem legitimidade para figurar e quem tem essa legitimidade é X, o seu
patrão, aquele que lhe dá ordens, então, o capataz está apenas concretizando os atos de vontade do seu
patrão.

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Savigny quando teorizou não tinha o apoio das leis, então, ele não tinha como dizer que a lei pode
desqualificar situações, tinha que trabalhar com situações absolutas de certo e de errado. Era um desafio
que ele tinha que superar e que não conseguiu, pois ele não conseguiu explicar tudo, não conseguiu fazer
uma teoria em termos absolutos. Ihering quando foi teorizar já tinha essa salvaguarda, podia dizer que, como
regra geral, a posse era X, mas se a lei quiser ela pode desnaturar algumas situações, e foi exatamente o que
ele fez. Ihering disse que a posse é igual a corpus e este é emprestar destinação econômica, é a aparência de
proprietário, então, quem tem a aparência de proprietário pode até não ser proprietário, mas vai ser
possuidor. A lei pode, diante de determinadas situações, excluir da proteção alguns indivíduos, isso acontece
quando se pega o art. 1.196, a figura do fâmulo da posse, o art. 1.208, os atos de mera permissão ou de
tolerância, e os atos em que o sujeito laborou com violência, clandestinidade,e ainda não a cessou. Qual a
diferença entre mera permissão e tolerância? A educação do seu vizinho, por exemplo, na mera permissão
ele pede para usar a garagem e na tolerância ele vai e para na vaga sem perguntar, aí o sujeito opta por não
fazer nada a partir daquilo.

PERGUNTA: Então, nessa teoria, teoricamente, para não ser posse tem que vir expresso pelo ordenamento
de que ele é o detentor? Sim, na prática sim.

Hoje, para nós, posse é igual a corpus, em termos estruturais. Quando é que ele não vai ser possuido? Nas
hipóteses, do art. 1.196 e art. 1.208 primeira parte e segunda parte. Essas três situações não autorizam a
consolidação da posse.

Art. 1.196. do CC. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum
dos poderes inerentes à propriedade.

Art. 1.208. do CC. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a
sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

Objetivamente falando, se olharmos para o sistema jurídico brasileiro vemos que a Teoria Objetiva da Posse
é adotada em termos estruturais, posse é igual a corpus, corpus é a aparência de proprietário, e vão ser
excluídas dessas situações especificamente aquelas em que a lei diz que é mera detenção e não posse. A
detenção para a teoria são aquelas situações em que a lei diz que são detenção, que são situações que por
algum motivo se entendeu que não haveria de se garantir proteção jurídica.

Fazendo uma análise crítica do nosso ordenamento dá pra dizer, ainda que apenas em termos estruturais,
que não fizemos nenhuma concessão para a Teoria Subjetiva? Houve sim, tem uma coisa que a Teoria
Objetiva da Posse não explica, que é a usucapião. Com base apenas e tão somente na Teoria Simplificada da
Posse de Ihering não seria possível explicar o fenômeno da usucapião, nesta é exigido não apenas a posse,
mas também animus. Então, nesse particular acabou se abraçando a Teoria Subjetiva da Posse, dessa forma,
para fins de usucapião trabalha-se com o elemento subjetivo, o animus, que não foi tratado por Ihering,
conseguindo ser resolvido dentro da nossa sistematização com a introdução do elemento anímico.

É como se pensasse da seguinte forma, para ser possuidor, para ter posse, basta o corpus, porém, mesmo
sendo possuidor há uma espécie de grau de proteção. Por exemplo, há dois tipos de posse, a primeira que é
chamada de ad interdicta, que garante a defesa da posse, que se pode valer dos interditos possessórios.
Então, por exemplo, A tem o corpus e B utilizou de violência para tentar lhe tirar o bem, A tem proteção
jurídica, mesmo se for um mero locatário, porque ele tem aparência de ser proprietário. Porém, A não vai
usucapir porque lhe falta animus domini. Então, vai ter uma posse pura e tão somente ad interdicta e vai ter
uma posse que, além disso, vai lhe dar prerrogativa de usucapir, que é chamada posse usucapionem. Todas
são protegidas no nosso sistema. Então, o animus não é um elemento essencial da posse como Savigny
teorizava, é um elemento acidental, porque ele nem sempre vai estar presente, mas quando estiver presente
vai dar um direito a mais, que é o direito de poder usucapir. Esse elemento anímico foi importado da Teoria
Subjetiva, mas não com as mesmas características.

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PERGUNTA: Se o sujeito não tiver o animus domini ele pode ser possuidor? Sim. Na Teoria Subjetiva não
poderia ser possuidor, precisava ter o animus. Agora, se o sujeito tiver o animus domini, além de ser
protegido normalmente, ele vai ter a possibilidade de usucapir, é um elemento acidental.

OBS: Quando se fala em animus domini aqui não é a vontade um dia vir a se tornar dono, querer comprar o
bem, mas sim de se comportar como se dono fosse. Quem paga aluguel reconhece uma outra relação jurídica
com o bem melhor do que a sua e não se comporta como dono. Por exemplo, um sujeito pagava o aluguel e
cuidava bem do bem porque ele queria comprá-lo, isso não é animus domini.

 MÉRITO

O grande mérito dessa teoria de Ihering é que boa parte dela é utilizado no nosso sistema, a Teoria Objetiva
da Posse foi abraçada como principal teoria do nosso sistema jurídico. Em termos estruturais ela
praticamente define quase tudo, a única diferença nesses termos remete a usucapião, sendo a única
concessão feita em termos de usucapião. Ihering não abordava esse problema, importamos da Teoria
Subjetiva o elemento animus, o elemento anímico, trouxemos, então, como animus domini, mas que não
tem a mesma conotação, na Teoria Subjetiva era um elemento essencial e aqui é um elemento acidental.

 CRÍTICA

Existem também críticas à teoria, a principal crítica que é feita diz respeito a importância que é dada a posse,
em termos axiológicos. Em termos filosóficos, axiológicos, a Teoria Objetiva da Posse é muito criticada
porque ela meio que trabalha com a posse como um mero desdobramento da propriedade. Dentro da teoria
de Ihering, que fica claro no seu livro, a posse era um sub-direito derivado da propriedade, então,para ele,
sempre que houvesse um choque entre proprietário e possuidor quem deveria prevalecer era o proprietário.

Isso não é verdade na nossa sistematização, até era no Código de 1916, a sistemática do Código Civil de 2002
foi bastante modificada nesse particular. Não dá para dizer que a posse é um direito subalterno à
propriedade, a posse assumiu autonomia. Dessa forma, em termos filosóficos, axiológicos, a Teoria Objetiva
não foi adotada em nosso sistema, hoje a posse tem autonomia e em muitas situações o mero possuidor vai
prevalecer sobre o proprietário. Então, é possível que existam situações em que o sujeito é proprietário mas
que ele perca em uma ação possessória, não há garantia de que ele irá prevalecer numa discussão desse tipo.
Para Ihering essa garantia deveria existir. A principal crítica vai nesse sentido, mas em termos estruturais,
dogmáticos, a teoria quase que foi abraçada completamente.

• TEORIAS SOCIOLÓGICAS

Hoje em dia se fala bastante em Teorias Sociológicas da Posse, são três, quatro, vertentes. Em alguns manuais
se encontra alusão a algumas. Gustavo, particularmente, acha que não seja importante gravarmos esses
conceitos, o que ele acha que seja interessante sabermos dentro do contexto é que todas essas Teorias
Sociológicas buscam combater a ideia de que a posse é um direito subalterno à propriedade. Ihering
enxergava a posse como uma forma de facilitar a vida do proprietário e hoje ela é reconhecida como um
fenômeno autônomo, que está em pé de igualdade com a propriedade, e que em algumas situações vai
prevalecer sob a propriedade.

Hoje, quando se fala em função social, ela termina assumindo uma maior relevância e as Teoria Sociológicas
trabalham em cima disso, dessa ideia de prestigiar a posse enquanto um fenômeno social, de prestigiar não
o possuidor, o proprietário em abstrato, mas sim aquele que consegue exercer a função social do bem. A
importância hoje em dia é muito mais focada em termos axiológicos, filosóficos, a garantir que o bem cumpra
a sua função social e não a defesa do proprietário, do possuidor, em abstrato.

OBS: Em relação a todas essas teorias, em uma prova de marcar, se tiver escrito que o sistema brasileiro
adotou a Teoria Objetiva da Posse de Ihering, apenas isso, é verdadeiro. Se em outras opções tiver escrito

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que adotou a Teoria Objetiva pura e a Teoria Objetiva mitigada, esta é a certa, pois ela abriu concessão à
Teoria Subjetiva na parte de usucapião. Gustavo nunca viu isso em prova de marcar. Agora, se perguntarem
em termos filosóficos se a Teoria Objetiva foi abraçada a resposta é não, pois ela proclamava que a
propriedade era um direito maior do que a posse.

As Teorias Sociológicas vão no sentido de garantir a posse a autonomia em relação à propriedade e isso foi
abraçado no nosso sistema, processualmente, por exemplo, se tiver discutindo posse é vedado iniciar uma
discussão sobre propriedade. Ex. O sujeito A propôs uma ação de reintegração de posse contra B, A está se
defendendo mas começa a achar que vai perder a ação, quer, então, discutir a propriedade. Ele pode? Não,
ele tem que esperar acabar a discussão de posse para depois discutir propriedade, o sistema optou por
prestigiar a autonomia entre elas duas, é uma opção legislativa. O nosso sistema colocou em pé de igualdade
o direito do possuidor e o direito do proprietário.

• DIREITO VIGENTE. ANÁLISE CLÁSSICA E CRÍTICA

Abraçamos, em linhas gerais, a Teoria Objetiva da Posse, em termos dogmáticos, abriu-se concessão em
usucapião para a Teoria Subjetiva e no aspecto ideológico da coisa para as Teorias Sociológicas, sendo uma
aproximação com o que Savigny percebia da posse, para ele a posse era algo autônomo em relação à
propriedade. É o que as Teorias Sociológicas tentam fazer. Dentro do nosso Direito é mais ou menos isso que
vige.

B) NATUREZA JURÍDICA DA POSSE


• POSSE COMO FATO

Há também uma outra discussão sobre a posse, que seria se ela é um fato ou um direito. A posse tem uma
proeminência fática que é inagável, surge como uma proteção de uma situação fática, primeiro veio o fato e
depois veio o direito. Durante algum tempo alguns autores, inclusive por conta dessa proeminência da
situação fática, diziam que a posse se quer era um direito, era um fato. Hoje em dia não há autores que
sustentem isso, porque se for dito que a posse é um puro fato se está negando consequência jurídica a ela,
ou seja, se estaria dizendo que a posse não é protegida.

Na prática a posse tem uma proeminência fática, é um instituto que surgiu de uma questão objetiva, fática,
palpável, tangível, mas hoje não há como negar que ela tem consequências jurídicas associadas a si.

• TEORIA ECLÉTICA

Então, pode-se partir do pressuposto de que a posse é ao mesmo tempo um fato e um direito, e aí temos a
chamada Teoria Eclética, é a teoria que Ihering defendia. Já Savigny dizia que a posse era apenas e tão
somente um direito.

- Gustavo acha que é perda de tempo ficar discutindo se posse é fato ou direito. Para ele o termo “posse”
pode ser utilizado tanto para representar a situação fática quanto a consequência jurídica. Nem todo instituto
é assim, por exemplo, a mora, ela não é uma situação fática, é uma consequência jurídica, a situação fática é
o atraso. Já o nome posse representa tanto a situação fática, a posse quanto situação fática é a relação com
o bem, quanto a consequência jurídica, então, ela tem uma característica diferenciada no sentindo de que
se usa um mesmo vocabulário para representar a consequência jurídica quanto o fato originário. Mas isso é
apenas uma questão de nomenclatura, na prática a mora também tem um substrato fático.

A grande questão para a gente é que não dá para aceitar que a posse seja apenas um fato, porque isso é
negar a sua consequência jurídica e a posse é protegida pelo sistema jurídico.

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• POSSE COMO DIREITO REAL


• POSSE COMO DIREITO PESSOAL / OBRIGACIONAL.

A questão mais importante e relevante vem agora. Então, entende-se que a posse tem consequência jurídica,
podendo dizer que ela é também um fato, mas não pode negar isso, a posse é um direito. Ela é um Direito
Real ou um Direito Pessoal/Obrigacional? Várias teses são encontradas sobre isso. Os Direitos Reais são
taxativos, são previstos em lei, no art. 1.225 do CC encontramos uma enumeração de todos os Direitos Reais
que se tem no sistema. A posse não está lá, aí tem quem diga que ela não é um Direito Real porque não está
prevista na lei como um, sendo, então, um Direito Pessoal.

Alguns dizem que a posse não pode ser um Direito Real porque uma de suas características é que eles são
absolutos e por isso tem uma eficácia erga omnes, isso daqui é na propriedade. E a posse? Por exemplo, A
estava com a posse e foi esbulhado por B, A pode propor uma ação de reintegração de posse contra ele. Se
antes dele propor essa ação B transfere o bem para C e ele não sabia da situação de esbulho, era um terceiro
de boa-fé, C não tem legitimidade para figurar no polo passivo. A posse é uma vedação ao exercício da
autotutela, ela quer evitar que o sujeito utilize de violência, de clandestinidade, de abuso de confiança, que
o sujeito faça justiça com as próprias mãos. Se C não tem nada a ver com essa situação de injustiça ele não
pode participar dessa discussão, então, se A for propor uma proposta de reintegração de posse contra C este
irá alegar uma ilegitimidade passiva, A não tem a prerrogativa de discutir isso com C porque não foi ele o
autor do esbulho, mas sim B. Dessa forma, A perdeu o bem e terá que discutir o esbulho com B, resolvendo
o problema em perdas e danos. Diante disso, a ilação que alguns fazem é que isso é diferente da situação do
proprietário, se é diferente não tem eficácia erga omnes e se não tem essa eficácia é uma situação relativa
entre quem praticou o ilícito e aquele que foi vítima, é uma situação de Direito Obrigacional, Pessoal.

Outros falam também da questão topológica, no Código Civil tem escrito “Direito das Coisas”, aí tem o
primeiro capítulo “Da Posse” e o segundo capítulo “Dos Direitos Reais”, se a posse fosse um Direito Real ela
não estava em um capítulo diferente. Tem uma série de argumentos desse lado.

Porém, há um problema. Quando se fala em uma relação jurídica de Direito Obrigacional há A de um lado,
que tem um direito, que corresponde, necessariamente, a um dever. Esse direito só é implementado se
aquela parte cumprir com o dever, por exemplo, no direito de crédito é preciso que a outra parte pague, se
ela não pagar voluntariamente o outro vai no Judiciário entrar no seu patrimônio para satisfazer o crédito. E
como fazer isso com a posse? De um lado há o sujeito que tem o direito, que é o possuidor, o que ele pode
fazer? Posse é uma aparência de propriedade então ele pode fazer basicamente o que o proprietário pode,
usar e fruir do bem. Quem é que tem o dever? Então, nos esbarramos no mesmo problema da relação jurídica
de Direito Real, é preciso falar em um sujeito passivo universal, ele não precisa de ninguém para usar. Se o
sujeito é possuidor de um celular, por exemplo, o celular não é dele, é consignado, mas está na mão dele, ele
pode utilizá-lo da forma como bem entender e não precisa de ninguém para usá-lo. O sujeito está exercendo
o seu direito.

Então, não se consegue representar graficamente, em termos ideias, encaixar a posse dentro dessa estrutura
que é pensada para os Direitos Obrigacionais. É inclusive uma estrutura bem semelhante a estrutura dos
Direitos Reais, então, posse é um Direito Real. Na prática vemos que alguns autores defendem que é Direito
Pessoal, outros defendem que é Direito Real, nenhum deles tem propriedade absoluta nisso e a maioria vai
para uma situação de simplesmente dizer que a posse é na verdade um direito de natureza híbrida ou de
natureza mista. Alguns autores sustentam que a posse é um Direito Real porque se formos analisar a posse,
tal qual a propriedade, é um direito que não precisa de um intermediário, de uma pessoa para cumprir, ela
se impõe e deveria ser ou representada como um sujeito passivo universal ou com base naquela ideia de
situação jurídica. Mas o fato é que se aproxima da mesma explicação utilizada nos Direitos Reais. O livro de
Carlos Roberto Gonçalves fala sobre isso, sobre os principais argumentos.

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• POSSE COMO DIREITO ESPECIAL E COMPLEXO

Carlos Roberto Gonçalves diz que a posse é um direito complexo e de natureza híbrida, mas não explica. A
maioria dos autores vão nesse sentido, falam apenas isso e se dão por satisfeitos. Uma parte da doutrina, já
aprofundando nesse assunto, reconhece que a posse é um direito de natureza híbrida, mista, complexa, e
exatamente por isso que dizem que o problema da posse é um só, é um fenômeno que pode nascer de
origens distintas, ela é multifacetada na prática 10. Existe uma posse que se desdobra da propriedade e existe
uma posse que deriva de sua própria situação fática, então, cada situação terá que ser analisada pelo que ela
é.

O jus possidendi corresponde àquelas situações em que a posse tem alguma ligação com o direito de
propriedade, então, o sujeito pode ser proprietário e pode ser possuidor, se alguém toma o bem de sua mão
ele pode reclamar a devolução desse bemcom base no seu direito de propriedade. O sujeito está
reivindicando aquele bem, mas a discussão que ele vai ter não é de natureza prática, é uma discussão de
natureza jurídica (quem é o proprietário?). Nessa situação a posse nasce associada ao direito de propriedade,
e na verdade o que está sendo discutido é um Direito Real, porque a posse aqui é um mero acessório da
propriedade. Isso pode acontecer também em uma situação em que o sujeito tenha um contrato com o
proprietário, que transferiu contratualmente uma locação, o direito de posse, aí o sujeito quer que o bem
seja devolvido porque está na mão de um terceiro que não tem contrato, que não praticou nenhum esbulho
e não utilizou de violência. O sujeito quer que o bem seja devolvido porque ele tem um contrato que foi
firmado com o proprietário, discute-se aqui um Direito Contratual.

E vão ter também situações que trazem mais dúvida, o jus possessionis. A posse nasce como uma coisa
dissociada da propriedade, como um direito autônomo. Por exemplo, o sujeito A encontrou um imóvel que
estava abandonado, o invadiu e se fixou lá, já morando por 5 anos, e ele não sabe quem é o proprietário.
Pelo fato dele ter se fixado lá um sujeito B, que não tem nada a ver com a história, pode tirá-lo de lá? O
sujeito B pode chegar batendo no sujeito A, já que ele não é dono, para poder ficar com o bem? Não, o sujeito
B deve respeitar a situação fática de A, que chegou primeiro.

Essa posse que nasce dissociada do direito de propriedade é que se tem uma maior dificuldade de explicar,
o próprio Ricardo Aronne diz que aqui a posse é um direito de natureza complexa e que não vai conseguir
dizer que é de natureza Real e nem Direito Obrigacional.

Então, vão existir situações em que a posse é discutida como se Direito Obrigacional fosse, direito contratual,
outras em que ela nasce do direito de propriedade, sendo discutida como se Direito Real fosse, e vão ter
situações em que ela vai nascer como um direito complexo, e aqui ninguém nunca conseguiu uma alternativa
melhor para explicar o termo11.

14/03/2018: Quarta-feira
RECAPITULANDO

Basicamente, o estudo da posse é meio que uma repetição e aplicação prática daquelas teorias que
começamos a abordar, o nosso sistema é moldado a luz daquelas teorias, sobretudo da Teoria Objetiva, que
foi aquela que em termos estruturais foi abraçada pelo nosso Código. Dentro do Direito vigente, de uma
análise bem específica do nosso Direito, nós abraçamos a Teoria Objetiva de Ihering em relação a posse.
Posse é igual a corpus para o nosso sistema, sendo que a noção de corpus para Ihering é um pouco mais
trabalhada do que a de Savigny, mas, basicamente, posse significa ter a aparência de proprietário.

10
Isso é um estudo feito no livro de Ricardo Aronne, ele faz uma distinção, fala sobre a natureza jurídica
da posse e a estrutura.
11
Essa explicação é encontrada no livro de Cristiano Chaves, no livro de Carlos Roberto Gonçalves não,
ele fica na parte mais simples, e a maioria dos manuais seguem essa vertente.

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3. CONCEITO E REGIME JURÍDICO POSITIVO


A) DEFINIÇÃO E EMBASAMENTO TEÓRICO E LEGAL. ARTS 1.196, 1.198 e 1.208 do CC.

Quando olhamos nossos regime jurídico positivo o principal preceito que trabalha a posse é o art. 1.996 do
CC. Ele vai dizer que:

Art. 1.196. do CC. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum
dos poderes inerentes à propriedade.

Este artigo está dizendo que aquele que aparenta ser proprietário, podendo até não ser, vai ser considerado
como possuidor. Ou seja, aquele que tem a aparência de proprietário possui alguma proteção, ele talvez não
tenha a proteção típica do proprietário, mas tem uma proteção que é deferida ao possuidor. Posse é igual a
corpus e este é destinação econômica, na prática aparência de propriedade.

Tecnicamente falando, o nosso Código faz uma opção expressa, em termos estruturais. Gustavo enfatiza o
termo “estrutural” porque filosoficamente e axiologicamente temos uma mudança significativa a partir do
Código Civil de 2002. Veremos mais a frente, mas do que adianta ser possuidor? Ele tem um conjunto de
direitos que não necessariamente são os mesmos do proprietário e tem uma forma de tutela específica. A
principal vertente dessa proteção diz respeito em se poder exigir a defesa daquela situação de fato que se
possui, e para saber quem é o possuidor legítimo diante de um caso concreto o Código atual trabalha com
um conceito chamado de posse justa.

O Código anterior trabalhava com a ideia de melhor posse, o Código de 1916 trazia um conceito de melhor
posse que foi substituído pelo Código de 2002 pelo conceito de posse justa. O conceito de melhor posse era
o conceito da Teoria Objetiva e uma das críticas que durante muito tempo foi feita a Ihering era o fato dele
subordinar a ideia de posse à de propriedade, então, em um choque entre proprietário e possuidor a opção
expressa dele era pela defesa do proprietário. O possuidor sempre perderia uma disputa com o proprietário
efetivo, então, era um sub direito, um desdobramento da propriedade, se defendia a posse como uma
alternativa de facilitar a defesa da propriedade, mas nunca contra a propriedade.

Isso mudou com o Código Civil de de 2002, no art. 507 do Código anterior ele é expresso no sentido de definir
critérios, o conceito de melhor posse. Ele dizia que o possuidor sempre perderá para o proprietário, não pode
prevalecer sobre aquele que tem o domínio. Hoje em dia essa discussão é o contrário, no nosso Código diz
que enquanto estiver pendente a decisão possessória não se pode alegar propriedade, está vedada essa
discussão. Então, há uma mudança em termos axiológicos e filosóficos, mas estruturalmente trabalhamos
com o conceito da Teoria Objetiva de que posse é aparência de propriedade, que está no art. 1.196 do CC.

A primeira coisa que a gente pensa é na definição de posse, posse é igual a corpus, tem a aparência de ser
proprietário,e se assim o é, mesmo não sendo proprietário é possuidor e isso por si só já garante algo, já
coloca o sujeito em uma situação jurídica privilegiada. Não é a expectativa de um direito, o sujeito TEM
direitos. Mas aí surge o problema da detenção, quando pensávamos em Teoria Subjetiva da Posse esta era
corpus + animus, o corpus, que para Savigny era apenas a detenção, a apreensão física do bem, se não
estivesse acompanhado do animus era uma detenção. Para Ihering, a detenção era uma situação em que o
sujeito aparentava ser proprietário, mas que a lei, por algum motivo, diz que não é suficiente para garantir
uma proteção, não é o suficiente para gerar posse, sendo chamado de detentor. Detentor é aquele que não
tem direito a nada. Então, o detentor dentro do nosso sistema é aquele que poderia até ser possuidor, mas
que a lei diz que não é, dessa forma, a detenção é uma posse degrada pela lei. Com isso, em termos
estruturais, a Teoria Objetiva foi abraçada pelo nosso sistema.

Quem é o possuidor? Quem aparenta ser proprietário, art. 1.196 do CC. E quem que não é possuidor? Quem
que pode aparentar ser proprietário, mas não é possuidor, vai ser considerado detentor? Aqueles que estão
previstos nos artigos 1.198 e 1.208 do CC. Então, a definição completa do conceito de possuidor engloba

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esses dois artigos. Dentro do conceito, do embasamento teórico básico, é importante que a gente domine o
sentido do art. 1.196 e complemente essa lição com esses dois artigos.

Existem determinadas situações em que o sujeito pode ter uma aparência de proprietário, mas que isso não
vai ser suficiente para que ele tenha a proteção possessória, será chamado de detentor. Essas situações estão
na ordem de três, estão no artigo 1.198 e 1.208 (duas neste último), a primeira situação diz respeito ao
chamado fâmulo da posse, a segunda aos atos de permissão e a terceira os atos de mera tolerância.

B) POSSE X DETENÇÃO
• DETENÇÃO DEPENDENTE
 OS SERVIDORES OU FÂMULOS DA POSSE (ART. 1.198, CC). DETENÇÃO DEPENDENTE DESINTERESSADA

Fâmulo é a mesma coisa que servo, é o sujeito que exerce a posse de outrem, sob o comando de outrem. O
grande exemplo disso é o capataz de uma fazenda, ele fica nessa fazenda tomando conta, está simplesmente
em um papel de longa manus do proprietário. Quem efetivamente é o possuidor é aquele que dá ordens ao
vaqueiro, ao capataz. O sujeito que atua com a apreensão do bem, mas que não tem capacidade, autonomia,
para decidir como vai gerir aquele bem, que está apenas seguindo ordens de outrem, não é considerado
possuidor, ele é reduzido à condição de mero detentor.

Essa é uma situação de detenção dependente, porque ele na verdade tem um vínculo jurídico com outra
pessoa, tem o bem consigo, mas tem aquele bem consigo por conta da relação que possui com outra pessoa.

Art. 1.198. do CC. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro,
conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.

Qual a consequência disso? Esse sujeito não é possuidor, isso significa, na prática, que ele não tem qualquer
prerrogativa pessoal sobre o bem, se amanhã ou depois alguém decidir invadir a fazenda O FÂMULO DA
POSSE NÃO TEM LEGITIMIDADE PARA INGRESSAR JUDICIALMENTE NA DEFESA DA POSSE. Quem tem que
se preocupar com isso, que pode buscar essa tutela, é quem é efetivamente possuidor, então, não é o capataz
que vai propor uma ação de manutenção de posse, não é ele que vai propor uma ação de reintegração de
posse. Então, é uma detenção dependente desinteressada, se diz que não há interesse do fâmulo da posse.

Dentro da defesa da posse há algumas alternativas, a posse dá ao sujeito que a possui algumas prerrogativas,
uma delas é de defender a posse. A defesa da posse pode se dar por meio da AUTOTUTELA ou da chamada
HETEROTUTELA, que é usual.

Vivemos em uma situação que tem um Estado moderno e a grande conquista foi ter chamado para si o
monopólio do uso legítimo da força, vedando a autotutela, mas estamos vendo que a posse permite dois
meios de defesa. Não é o Estado, o poder público, que pode utilizar de força? Em princípio não existe essa
ideia de autotutela, ela não é legitimada, a não ser em situações excepcionais em que a própria lei permite
e a posse é uma dessas situações.

O que ocorre aqui na AUTOTUTELA? Tem-se a possibilidade de exercer a chamada LEGÍTIMA DEFESA DA
POSSE ou o CHAMADO DISFORÇO IMEDIATO/INCONTINENTE. Isso é uma situação excepcional, o que o
sistema jurídico gostaria que acontecesse era que ninguém utilizasse da sua própria força para fazer valer os
seus direitos, o ideal era que o Estado conseguisse compor tudo e que as pessoas não cometessem ilícitos,
mas isso não acontece na prática. Então, eventualmente, alguém vai transgredir, invadir a esfera jurídica de
outrem.

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Em termos de posse, que é uma situação fática, na ampla maioria das situações vai-se encontrar violência.,
quem ofende a posse de alguém tende a se valer de violência. Ex. Um sujeito estava andando, outro veio e
puxou do braço dele o seu relógio. Este segundo sujeito cometeu um ilícito penal, mas também cometeu um
ilícito civil, fica sujeito a uma possessória, porque utilizou de violência. Pensando em um imóvel, que é uma
situação que geralmente tende a ir mais pro Judiciário, o sujeito B invade o imóvel de A, geralmente quem
faz isso faz ameaçando, violentando quem estava na posse antes. O que o sistema jurídico está dizendo é
que quando você se ver defrontado com uma situação de violência você tem legitimamente o direito de
reagir também com violência. Então, é possível que alguém exerça uma autotutela na defesa da posse, vai
ser por meio da legítima defesa ou do disforço incontinente, também chamado de imediato.

Legítima defesa e disforço imediato são basicamente a mesma coisa, a diferença é o momento em que as
exercem. Fala-se em LEGÍTIMA DEFESA quando ainda não se perdeu o bem e o está defendendo, evitando a
perda. O DISFORÇO IMEDIATO/INCONTINENTE se dá naquelas situações em que o sujeito perdeu o bem,
situação de clandestinidade, por exemplo, o sujeito saiu pra comprar algo e quando voltou alguém tinha
entrado na casa dele, no momento que ele sabe ele pode reagir. Então, a pessoa soube da perda e atuou
imediatamente.

Os pressupostos para se fazer valer essa autotutela são os mesmos estudados em penal para legítima defesa.
Por exemplo, um sujeito ameaça a sua integridade física, você pode reagir àquilo sem cometer um ato ilícito,
está autorizado, naquela situação excepcional, a reagir, desde que sua reação seja PROPORCIONAL E
IMEDIATA, são os dois requisitos. São conceitos jurídicos indeterminados, o que significa que só se terá uma
resposta efetiva diante do caso concreto. Pode ser que imediato seja cinco minutos ou até mesmo seis meses
depois. São critérios que não podem ser definidos com uma ordem apriorística. Ex. Um sujeito A pode atirar
em B porque este pulou o muro da casa de A? Em princípio não, porque isso não é proporcional. Há um caso
sobre conflito possessório que ficou conhecido como “o massacre dos carajás”, basicamente o MST ficou um
mês anunciando que iria invadir uma determinada fazenda, o pessoal dessa fazendo ficou se precavendo,
formando uma milícia interna. O fato é que os Sem Terra chegaram com um monte de enxada e etc e foram
recebidos com bala, o pessoal da fazenda não atirou para o alto para afastar, o pessoal atirou nos Sem Terra,
mataram um monte. O Judiciário considerou homicídio porque eles entenderam que não foi proporcional a
reação.

Essa ideia de conceito indeterminado é muito bom porque permite uma justiça mais exata diante da
casuística, mas também é ruim, por um lado, porque não há segurança jurídica. Em um primeiro momento
não há como dizer o que é exatamente uma reação proporcional e imediata, vai depender de uma série de
situações do fato e que podem mudar. O bom senso deve ser utilizado. Agora, se os Sem Terra tivessem
entrado também com um monte de arma e mirando no pessoal da fazenda, que estavam defendendo a
posse, o próprio patrimônio e o direito a vida, provavelmente não teria sido considerado essa situação como
uma situação desproporcional. Estariam utilizando a mesma força ou ofendendo os mesmos bens jurídicos
que eles tinham ameaçado. Tudo depende do caso concreto.

A HETEROTUTELA, no caso das possessórias, se resume ao que é chamado de INTERDITOS POSSESSÓRIOS,


são as ações de reintegração de posse, de manutenção de posse e o chamado interdito proibitório. A
heterotutela é a defesa processual, chama-se um terceiro, o Estado. Na autotutela a própria pessoa resolve
os seus problemas. Os interditos possessórios são os remédios processuais, é como o sujeito vai defender a
posse. Essencialmente é por meio dessas três, mas tem-se também algumas ações que são ditas afins, que
são ações próximas mas que não defendem efetivamente a posse.

O fâmulo da posse não é possuidor, ele não tem legitimidade para promover a heterotutela, então, ele não
pode promover a ação de reintegração de posse, por exemplo. Ex. Tiraram o bem da mão do capataz, ele
ficou desesperado e quer resolver o problema antes do patrão chegar na fazenda. Ele pode propor a ação?
Não, pois não tem legitimidade para isso, não pode ser parte no processo, não é possuidor, a posse jamais

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Direitos Reais – Prof. Gustavo Prazeres | 2018.1
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foi dele. Mas o fâmulo da posse, até por conta de um dever contratual12 que ele tem, pode exercer a
autotutela. Então, a autotutela da posse pode ser exercida pela servo da posse, ele não pode é exercer a
defesa processual.

É uma situação de DETENÇÃO DEPENDENTE E DESINTERESSADA, o sujeito não tem interesse próprio na
defesa daquele bem, ele tem um interesse reflexo, indireto, no sentindo de que é empregado, de que tem
uma relação jurídica com alguém e em função dessa relação está tomando conta daquele bem.

Ex. O sujeito A tem uma fazenda e o sujeito B acha que ele é o possuidor dela e quer propor uma ação. O
sujeito B sabe que João está tomando conta dessa fazenda, não sabe qual é a sua condição, simplesmente o
viu lá. João, na prática é empregado de José (A), esse terceiro (B), que diz ser o legítimo possuidor, propôs
uma ação de reintegração de posse contra João. Porém, João não é o possuidor, ele não pode ser réu nessa
demanda, ele não tem legitimidade processual para a defesa da posse. O que ele tem que fazer aqui? Se
fosse no CPC anterior isso seria uma situação típica de nomeação à autoria, era uma figura de chamamento
de terceiro à lide, que foi suprimida pelo novo Código, na verdade o nome que foi retirado, ela continua
existindo. Hoje esse sujeito tem a obrigação de alegar uma preliminar de ilegitimidade passiva e vai ter que
declinar quem é o responsável. Antigamente ele teria que abrir um incidente para isso, fazia uma nomeação
à autoria, hoje é preliminar de contestação. Dessa forma, João vai dizer que quem deve figurar no processo
é José, se este for intimado e nada fizer vai correr à revelia. Se João não indicar quem é o efetivo possuidor
ele responde por isso, pelos prejuízos que ele eventualmente vier a causar.

O fâmulo da posse tem legitimidade para o exercício da autotutela, mas não tem legitimidade para figurar
em qualquer discussão processual do tema, seja na condição de autor, seja na condição do réu. Por que ele
pode exercer a autotutela? Ex. O dono de uma fazenda está em Salvador, a fazenda fica em um interior muito
distante e quem está tomando conta dela é o capataz. Apareceu o MST para invadir, não dá tempo do dono
ir para o interior para tentar defender a fazenda, dessa forma, o capataz que lá se encontra pode utilizar de
violência para tentar salvar a posse daquele bem, até porque ele tem uma relação contratual que impõe a
ele um dever de zelo. A reação deve ser sempre de forma proporcional e imediata, pode ter alguma situação
em que o sujeito entenda que um mês depois é imediato e outra que dez minutos depois já não é mais
imediato. Se o sujeito que tomou a posse já estiver se consolidado naquela situação, se terceiros olharem
para aquilo e não tiverem dúvida de quem é o possuidor isso já é um bom critério para dizer que qualquer
reação não é mais imediata, porque aquela situação já se estabilizou. O que a posse não quer é permitir que
situações estáveis sejam modificadas por meio da autotutela, elas podem ser judicialmente modificadas.

OBS: Deve-se prestar atenção que a detenção no nosso sistema é definida pelas hipóteses legais, e são três:
a detenção dependente desinteressada, a detenção dependente interessada e existe também uma detenção
que é dita autônoma.

O fâmulo da posse nada mais é do que aquela situação que na Teoria Subjetiva é chamada de detenção.
Savigny dizia que a posse era corpus + animus e que o detentor era o sujeito que tinha a apreensão física,
mas não tinha o animus. Então, quem é o fâmulo da posse? Exatamente o sujeito que tem a apreensão física,
mas que não se comporta como se dono fosse, ele tem uma relação jurídica com outra pessoa e em função
disso tem uma relação física com o bem. O fâmulo da posse não tem qualquer interesse jurídico na defesa
daquele bem, interesse jurídico pessoal, imediato, ele tem um interesse reflexo.

12
Ele tem um dever contratual de guarda do bem, ele estava na fazenda, no final das contas, para evitar
que ela fosse invadida.

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 ATOS DE PERMISSÃO OU MERA TOLERÂNCIA (ART. 1.208, PRIMEIRA PARTE, CC). DETENÇÃO DEPENDENTE
INTERESSADA

Esse detentor é também dependente, se encontra subalterno a outra pessoa, não tem uma relação jurídica
imediata com o bem, não se comporta como se dono fosse, mas tem algum interesse, alguma vantagem
pessoal no uso do bem. É a hipótese que está na primeira parte do art. 1.208 do CC.

Art. 1.208. do CC. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam
a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

Existem situações que vão ser extremamente transitórias para que possam ser reputadas como de posse. Ex.
O exemplo de passar a faculdade toda sentado numa mesma cadeira, ela não pertence ao aluno. O aluno é
o possuidor da cadeira? Não, porque ele está utilizando de um bem que não o pertence, que está na posse
de outrem (Faculdade). Se aparecer alguém depois tentando levar as cadeiras quem vai poder propor uma
ação para defender isso é a FBDG. O aluno é mero detentor, ele está em uma situação de permissão, a
faculdade o autorizou a utilizar da cadeira. Ex. João tem uma vaga de garagem sobrando, José, seu vizinho,
percebe que durante muito tempo aquela vaga fica ociosa, ele pergunta, então, a João se ele pode utilizar
daquela vaga de garagem quando seu vizinho não estiver utilizando. José não está aqui atuando pelo
interesse do efetivo proprietário, ele está atuando por interesse próprio, e está em uma situação transitória
com o bem, está pedindo uma autorização e ele sabe que aquilo é precário, se amanhã ou depois João
comprar um outro carro e precisar da vaga José não vai mais poder parar o seu. Dessa forma, José não tem
um vínculo efetivo com o bem, ele está em uma situação transitória. Esses exemplos são ATOS DE MERA
PERMISSÃO. O ato de mera permissão não autoriza o indivíduo a gerar uma situação possessória.

MERA PERMISSÃO X TOLERÂNCIA: A educação do sujeito. Se o indivíduo pede a outro para utilizar a vaga de
garagem ele está buscando a autorização, é um ato de mera permissão. Mas pode acontecer do sujeito parar
na garagem, sabendo que naquele momento não está sendo utilizada, por um breve período de tempo sem
pedir. O dono pode até ter visto a situação, mas deixou pra lá, isso é tolerância. Isso significa que o sujeito
está em uma situação de mera detenção, ele não está em uma situação de posse.

Há dez anos um vizinho estaciona na vaga de outro. Ele vai poder usucapir esse bem depois de dez anos? A
usucapião depende de posse, sendo assim, ele não a tem, está em uma situação de mera detenção. Ele não
tinha também animus domini, estava pedindo a autorização de alguém. A situação do detentor é uma
situação de não direito, mesmo que a situação se perpetue no tempo ela nunca vai gerar quaisquer dos
efeitos associados à proteção possessória, porque posse nunca houve.

Em termos processuais, o ônus da prova de demonstrar que é uma mera permissão ou tolerância é do sujeito
que emprestou. O sujeito A autoriza o seu vizinho durante dez anos a parar na sua vaga de garagem, esse
vizinho não tinha posse, efetivamente, porque ele estava em uma situação de que dependia da vontade de
A e que era precária. Mesmo que A tenha autorizado, se um dia ele precisasse da vaga B não poderia insurgir,
não poderia alegar que tinham um contrato e que aquela vaga era dele agora, pois ele não era possuidor, era
mero detentor, estava em uma situação de instabilidade/precariedade com o bem. Mas um terceiro que
estava olhando de fora poderia entender que o sujeito B estava exercendo a posse, podendo haver uma
aparência de propriedade.

Então, a definição de detenção é exatamente essa, o sujeito está em uma situação que poderia parecer de
posse, mas que é desqualificada pela lei. Esse sujeito vai para o debate processual alegando que quer
usucapir porque está há dez anos na posse do bem, traz fotos e testemunhas. Se quiser ser demonstrado que
aquilo era uma ato de mera permissão ou tolerância é fato impeditivo modificativo do direito, que é ônus da
prova do réu, do proprietário. Ex. Há uma fazenda abandonada, o proprietário da fazenda permitiu que um
ex funcionário ficasse morando na casa da fazenda. É um ato de mera permissão ou tolerância, se o sujeito
não está lá clandestinamente, se ele se comporta sabendo que está subalterno ao ex patrão, não há problema

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nenhum na situação. Porém, judicialmente o ex patrão tem que provar que existia aquela relação, é
recomendado que ele faça pelo menos uma confissão, um documento, um contrato, dizendo que ele sabe
que aquilo lhe pertence e que é apenas um empréstimo. Isso deve ser feito porque se no futuro o ex
funcionário entrar com uma ação de usucapião ele pode provar que era uma situação de mera detenção e
que o ex funcionário reconhecia isso.

Dessa forma, atos de mera permissão ou tolerência não induzem posse.

• DETENÇÃO AUTÔNOMA. ATOS DE VIOLÊNCIA OU CLANDESTINIDADE (ART. 1.208, PARTE FINAL, CC)

Existe, por fim, a situação da detenção autônoma, que é a segunda parte do art. 1.208 do CC.

Art. 1.208. do CC. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam
a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

Essa é a figura mais difícil de ser entendida. Ao discutir posse nos deparamos com três situações básicas: o
sujeito vai discutir que ele perdeu o bem por conta de violência ou por conta de clandestinidade ou por conta
de abuso de confiança13.

Se uma analogia for feita com o Direito Penal, uma analogia bem grosseira, dá para fazer uma contraposição.
Na discussão de posse vai-se falar do roubo, do furto e da apropriação indébita, se fossem bens móveis. Não
é correto fazer essa associação, até porque esses crimes dizem respeito a bens móveis e aqui falamos tanto
de bens móveis quanto imóveis. Dessa forma, é como se dissesse que são vedadas aquelas situações em que
alguém utiliza de violência (roubo), são vedadas aquelas situações em que alguém se aproveita de um
descuido para subtrair o bem (furto) e são vedadas aquelas situações em que alguém está em uma posição
de confiança, que o próprio possuidor colocou, mas que em virtude do abuso de confiança ele inverteu
(apropriação indébita). Ex. A empresta um imóvel para B, que tinha que devolver depois de uma semana,
passou uma semana e B ficou com o imóvel, não devolveu, é abuso de confiança. O sujeito tinha o bem com
ele por conta de uma confiança que foi depositada e ele rompeu com esse laço.

USO DE VIOLÊNCIA ROUBO


CLANDESTINIDADE FURTO
ABUSO DE CONFIANÇA APROPRIAÇÃO INDÉBITA

O Código diz que não induzem posse os atos violentos ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou
a clandestinidade. Ex. João está em sua casa, vem José e utiliza de violência para tentar tirar João. Nessas
situações João pode reagir e exercer a legítima defesa da posse, inclusive por meio da autotutela. Se ele está
sofrendo violência ele pode responder com violência. O que o Código está dizendo é que se José utilizar de
violência contra João, e João tiver respondido com violência, a situação de José vai ser encarada como de
mera detenção, enquanto que a situação de João é de efetiva posse. Se houver o choque entre elas a de João
vai prevalecer.

Agora, imagina-se que João não quer reagir, ele irá buscar, então, a heterotutela, ele perdeu a posse fática e
foi discutir judicialmente para reaver essa posse. Se ele cansou de esperar o Judiciário ele pode utilizar a
violência? Não, porque não há uma reação imediata e ele está dependendo agora da heterotutela. Se ele,
proposta a ação, utilizar de violência o que vai acontecer? José vai poder ingressar com uma ação de
manutenção de posse contra João, porque quem está violando agora uma situação fática consolidada é João.

13
A doutrina geralmente usa o termo “precariedade” para isso, mas Gustavo não gosta de usá-lo, ele acha
dúbio, porque precário significa transitório e tem uma outra série de situações que são também
transitórias e que não tem a ver com abuso de confiança. Encontramos nos livros a alusão à precariedade,
e não é erro, a própria detenção em si é uma situação precária por excelência.

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João quer uma providência pois aquela é a sua casa, porém, isso não o autoriza a utilizar de violência, isso é
um preceito básico do nosso ordenamento, se ele utilizar de violência estará cometendo um ilícito, um ilícito
possessório. Ele merecia estar com o bem, mas no momento em que João utiliza das próprias razões para
buscar de volta esse bem ele está cometendo um ilícito. José agora vai poder reagir com violência, exercer a
autotutela da parte dele, e se quiser também poderá buscar o Judiciário, isso porque nessa nova situação o
malfeitor é João, este não estava mais autorizado a utilizar da violência.

Dessa forma, se o sujeito tomou o bem utilizando de violência e ele não estava autorizado ele perde a ação
possessória. Pode ser que a ação que João moveu contra José seja julgada e o bem seja devolvido para ele,
mas a ação de José contra João também deve ter a sua pretensão deferida e inclusive se ele causar perdas e
danos pode vir a ser responsabilizado por isso, porque João não tinha o direito de utilizar a violência. A
proteção da posse tem muito a ver com a vedação a autotutela, deve-se saber quando é que se pode utilizá-
la.

PERGUNTA: Nesse caso João estava com a posse e José era o proprietário ou José era detentor e entrou com
uma ação contra João? João ser proprietário ou não é indiferente para o nosso ordenamento. No Código Civil
de 1916 existiam critérios que diziam que o proprietário sempre preferiria em relação ao possuidor, não é
mais assim. A discussão da posse é a discussão fática,se houve a utilização de violência, clandestinidade ou
abuso de confiança fora de limites autorizados o sujeito perde a posse. Então, pouco importa se ele era
proprietário ou não. Agora, imagina que João era proprietário e possuidor (possuidor indireto), ele alugou o
bem para José (possuidor direto), este tinha que devolver o bem no dia 1 de fevereiro e não devolveu. João
era proprietário e possuidor e teve a posse lesada por conta de um abuso de confiança. Não devolvendo o
bem José continua sendo o possuidor, só que antes ele era um possuidor justo e agora passou a ser um
possuidor injusto porque abusou da confiança.

Em relação a isso, um dos problemas da Teoria Subjetiva (posse = corpus + animus) era que se existisse uma
situação em que João era o proprietário e possuidor e alugasse o imóvel para José ele deixaria de ser
possuidor, isso porque ele não tinha mais o corpus, transferiu para José. Só que José também não era
possuidor porque ele não tinha animus, aí vem um terceiro e bate em José para tomar o bem, esse terceiro
que tomou o bem teria o corpus e o animus, logo, ele seria o único a ter proteção possessória. Nem o
proprietário e nem o locatário poderiam defender, o que obviamente está errado. O que a Teoria Subjetiva
não conseguia explicar era exatamente esse exemplo. A Teoria Objetiva surgiu e permitiu o desdobramento
da posse, podendo existir mais de um possuidor, então, para a referida teoria tanto João quanto José são
possuidores, se um terceiro aparecer qualquer um deles pode defender a posse independente da intervenção
do outro.

O fato de um sujeito ser proprietário, de ter sido antes violentado na posse, não o autoriza, salvo nas
situações em que atua de forma imediata e proporcional, a exercer a autotutela.

O que o Código Civil quer dizer com a segunda parte do artigo “senão depois de cessar a violência ou a
clandestinidade”? Imaginando pelo exemplo, José cometeu um ato de violência contra João, enquanto for
viável a João o exercício da autotuela, enquanto sua reação puder ser considerada imediata, não se poderá
dizer que José já é possuidor. Se ele utilizar de violência e durante cinco minutos ficar com o bem nas mãos
ele ainda não é possuidor, se disser que sim é o mesmo que estar dizendo que João perdeu a posse, se ele já
perdeu a posse a reação não é mais imediata, não podendo mais utilizar de violência. Se João não pode mais
utilizar de violência significa dizer que se ele quiser reagir José poderá invocar inclusive o interditos
possessórios.

Seria criada uma situação em que existiriam dois possuidores se chocando e não teria como ser resolvido
quem merece ficar com o bem. Com isso, se José utilizou de violência João pode reagir porque o primeiro é
mero detentor, enquanto José está exercendo a violência e João está reagindo ele é considerado mero

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detentor. De um lado há a posse, o possuidor, e de outro há a mera detenção, o detentor. Isso permite dizer
que a violência praticada por João é lícita e que a praticada por José é ilícita, ainda que excepcionalmente.
Enquanto for possível o exercício da legítima defesa o sujeito que atuou com violência ou clandestinidade
não é considerado possuidor. Só pode se dizer possuidor depois que cessa a violência ou clandestinidade,
quando não é mais viável o exercício da autotutela da posse, ou seja, a legítima defesa ou o disforço
imediato incontinente.

Supõe-se, agora, que há um conflito agrário, uma briga que está durando cinco anos. O sujeito vai poder dizer
que usucapiu? Não, pois ele não é se quer possuidor, ele ainda é detentor. O sujeito se transforma em
possuidor no momento em que o outro não pode mais exercer a autotutela, ou por opção, porque desistiu
da autotutela, ou porque ele tentou reagir violentamente mas não conseguiu. Nesse momento o sujeito deix
de ser detentor e passa a ser possuidor, não tendo mais o outro o direito de usar de violência contra ele. O
sujeito se tornou possuidor, mas ele é um possuidor injusto.

A posse tem um quê de injustiça em algumas situações. Ex. O sujeito A deu um monte de tapa no sujeito B e
tomou um determinado bem, B até tentou reagir, mas não conseguiu, tomou tanto tapa que desistiu de fazer
algo para reaver o bem. Vai passar um tempo e o cara que utilizou de violência vai se tornar proprietário por
usucapião, o usucapião é a consolidação de uma situação fática, o sujeito se comportou durante tempo
suficiente como se proprietário fosse e chega um momento que o sistema jurídico diz se render às forças do
fato, ele já tem tantos anos se comportando dessa forma e ninguém está questionando isso, então, porque
o Direito vai ficar questionando?

OBS: Nas detenções dependentes o sujeito que está na detenção reconhece que ele não é possuidor, o
fâmulo da posse sabe que está atuando em relação ao bem simplesmente porque ele tem uma relação
jurídica com outra pessoa, está exercendo as ordens dela. O fâmulo não tem e nem quer ter uma relação
com o bem imediatamente, está ali por conta de uma relação contratual. Na mera permissão ou tolerância
o sujeito até quer usufruir do bem, mas ele o utiliza sabendo que não é dele, tem plena convicção de que
aquilo é transitório. Na situação da detenção autônoma o sujeito não se importa com isso, ele quer o bem
para si, então, ele quer invadir.

Ex. Um sujeito passa na frente de um imóvel durante vários meses e percebe que nunca tem ninguém lá, ele
está morando na rua, então, como vê que não tem ninguém resolve pular o muro durante a noite para dormir
lá dentro. Enquanto este sujeito está lá dentro e ele simplesmente pula o muro de noite para dormir, dá para
dizer que ele é possuidor? Tecnicamente falando ele não tem nem aparência de proprietário, porque quem
está passando do lado de fora talvez nem saiba que tem alguém morando ali, ele pula só para dormir. Agora
imagina-se o MST, qualquer um desses movimentos, quando invadem um determinado imóvel a primeira
coisa que eles fazem é colocar uma faixa na frente, fazem isso para dizer que aquela situação faticamente já
está consolidada, que o proprietário só não reagiu porque não quis, porque quem passasse na frente saberia
que esse imóvel está invadido. Quem tiver passando vai saber que aquela situação é de clandestinidade e
que o proprietário podia ter reagido, já devia ter reagido, e se ele não reagiu já se tem uma situação de posse
consolidada.

A clandestinidade se cessa quando a situação possessória é visível, quando a situação de invasão é visível, e
o proprietário, tendo ciência dela, ou reage e é repelido ou opta por não reagir. Ex. Há dois vizinhos, eles se
dão bem. Um deles resolve construir um “puxadinho” subterrâneo e acaba invadindo o terreno do vizinho,
ninguém está vendo. Dá para dizer que ele tem posse do terreno do vizinho? É uma situação de
clandestinidade, porém, essa situação de clandestinidade ainda não induziu posse, é de mera detenção, o
vizinho não reagiu porque não tem como ele reagir, ele não sabe se quer que há posse e posse é estado de
fato, se é um estado de fato que ninguém percebe não pode ser protegido pelo Direito. Então, não cessou
ainda a clandestinidade, o que significa que ele é mero detentor, faticamente ele está com o bem mas ele
não tem proteção nenhuma. No dia que ele resolver transformar isso em um “puxadinho” com churrasqueira

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e levantar uma chaminé no meio do terreno do vizinho e aí este perceber que houve invasão e nada fizer que
consolida a posse.

A clandestinidade enquanto não for visível ela não é capaz de suscitar posse, por consequência não vai poder
se falar em usucapião. No momento em que a situação de clandestinidade se torna visível e que passa o
momento da reação imediata é que se consolida a posse. Enquanto for possível o exercício da autotutela da
posse o prazo de usucapião não está contando porque o sujeito não é possuidor, é mero detentor. Então, no
exemplo anterior, havia 20 anos que aquele “puxadinho” existia, não era aparente, poderiam ter passado 50
anos que ainda seria detenção. Ele não usucapiu porque posse nunca teve, agora, no dia que ele colocou a
chaminé para fora ele tinha um dia de posse, se não tiver havido a reação. Em um primeiro momento um é
considerado possuidor e o outro detentor.

Se o sujeito quiser dizer que aqui que tem 20 anos e que ele usucapiu o bem o pressuposto disso é dizer que
tem a posse, ele terá o ônus da prova de demonstrar que a tem. O vizinho pode dizer que não tem 20 anos
porque a construção dessa chaminé é de duas semanas antes e que não era visível até então, aí esse fato, de
que a construção é recente, é ônus da prova dele.

Há de ser dessa forma porque chega uma hora em que o Direito precisa se render à situação fática. Se não
fosse dessa forma haveriam situações como: um sujeito utilizou de violência e roubou um bem, mas o cara
que foi roubado deixou pra lá e nada fez, passam-se anos, 20 anos, por exemplo. É possível dizer que esse
sujeito que roubou não é dono? Ele vai ser para sempre detentor? Se há 20 anos ele se comporta como se
dono fosse o Direito vai concordar. Dessa forma, ele merece proteção a partir do momento em que não tem
mais o choque fático, que não há uma disputa fática pelo bem.

Por que é válido ter posse e não ficar só com a detenção? Porque a detenção não dá direito a nada, não
autoriza a utilizar os interditos possessórios, não autoriza a usucapir o bem porque nem posse tem. A posse
deve ser encarada como uma regulamentação do exercício de autotutela na defesa dos bens, pode-se até
exercer a autotutela, mas em situações específicas, fora dessas situações não porque se comete um ilícito
possessório.

PERGUNTA: Quando alguém propõe uma ação em relação a isso cessa-se o direito dele de autotutela?
Depende, nada impede que ele faça as duas coisas, o que não pode é quando a pessoa tinha a possibilidade
de reagir e nada fez, permitindo que a pessoa se consolidasse. O sujeito vai ao Judiciário e propõe uma ação,
ele pode depois utilizar a autotutela? A tendência é que não se consiga isso, depende da complexidade da
situação. Na posse há três interditos possessórios, a reintegração de posse, a manutenção de posse e o
interdito proibitório, esses “remédios” são fungíveis entre si. O sujeito pode ter entrado com um interdito
proibitório, que é para uma situação de ameaça, e é o normal inclusive entrar com uma ação dizendo que
querem invadir a propriedade, pedindo, então, que o juiz impeça sob pena de multa, por exemplo. Quando
o juiz vai despachar isso não é mais uma ameaça, já invadiram a fazenda. O proprietário não precisa propor
uma ação de reintegração de posse, o juiz está autorizado dentro desse interdito a deferir a garantia da
reintegração possessória. Então, ele pode ter ingressado com um interdito proibitório dizendo que o estavam
ameaçando e antes mesmo do juiz ter despachado o processo invadem a fazenda. Ele pode reagir? Sim. O
proprietário vai até o juiz e informa que estão tentando tomar a fazenda e ele está reagindo, pedindo, então,
que ele dê a ordem para não fazerem isso, é a manutenção de posse, o sujeito ainda não perdeu a posse.
Dessa forma, ele está no Judiciário e no exercício da autotutela também. O fato dele estar discutindo
judicialmente não necessariamente o impede de exercer a autotutela.

Agora, se o sujeito contratou um advogado e este demorou 3 meses para entrar com uma ação, enquanto
isso o que invadiu está morando na casa, três meses depois o sujeito que exercer a autotutela, provavelmente
ele não está atuando de uma forma imediata.

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Na prática essas discussões são feitas a posteriori, o juiz tem uma vantagem em relação a quem está
envolvido no problema porque ele espera acontecer para depois dizer quem que estava certo, ele não tem
o ônus de dizer o que cada um deve fazer, o que está certo ou errado. Diante do caso concreto pode ter uma
situação em que o juiz ache que um mês para exercer a autotutela foi imediato, foi justo. Por mais que o
Código Civil tenha mudado, por uma questão cultural conta muito entre nós a questão do sujeito ser dono,
o Código diz para só se analisar a posse e não a propriedade, mas na prática muitas vezes não acontece
quando o juiz vai julgar. Existem situações que devem ser julgadas contra o interesse do proprietário se não
está se autorizando o caos, como por exemplo, estaria se autorizando o comportamento de um sujeito que
contratou um cigano para retirar outro do seu imóvel quando este não pagou o aluguel. Contratou um cigano
porque é mais rápido e mais efeitvo, não indo ao Judiciário.

(Perdi o início da aula) … José utilizou de violência contra João que reagiu com violência e chegou um
momento em que não é possível identificar quem está com a posse. Aparece então um terceiro que resolve
atrapalhar a briga dos dois. Nessa relação interna entre João é José, José é encarado como detentor e João é
considerado possuidor. Isso significa que a violência de João perante José está legitimada. Já a de José em
face de João não é legítima, a não ser que João desista de lutar pela posse faticamente. Enquanto eles estão
brigando, o terceiro tenta tomar a posse de José. O STJ reconhece que José tem legitimidade perante esse
terceiro em caso de discussão, não apenas para autotutela, mas também para heterotutela, então mesmo
não sendo possuidor, ele vai propor um interdito possessório. São situações pontuadas, não acontece
sempre.

O detentor não tem legitimidade para heterotutela. Mas nessa situação específica em que o sujeito é
detentor autônomo, está disputando a posse e um terceiro se envolve na disputa, perante esse terceiro se
reconhece a legitimidade do detentor autônomo de propor uma ação. Então, ele tem legitimidade
excepcional para propor interditos possessórios.

C) OBJETO DA POSSE

Detenção é a posse degradada pela lei. Nesse particular o Código Civil se filia à Teoria Objetiva da Posse.
Outra discussão que durante algum tempo se predominou era o que poderia ser objeto de posse,
basicamente é envolvido nessa discussão a questão dos direitos imateriais.

Se falou sobre o objeto dos direitos reais, onde é estudado a própria, mas não é toda e qualquer propriedade
no sentido amplo, como estamos falando de direitos reais, é basicamente a propriedade das coisas. Coisa é
um bem material que seja tangível. Dentro dos direitos reais se está estudando uma dimensão específica de
propriedade que é aquela que recai sobre objetos materiais. A posse é uma aparência de propriedade, e só
pode ser objeto de posse bens materiais. Bens imateriais não podem ser objeto de posse.

Existem alguns autores que dão a entender que é possível pleitear direitos autorais por meio da defesa
possessória. Direitos autorais são bens imateriais, não tem tangibilidade, mesmo sendo patrimoniais. O STJ
já entendeu que não cabe a integração de posse para a defesa de direitos autorais. Isso porque se trata de
um bem imaterial, e se está dizendo que o direito autoral possui uma sistemática específica e não é a utilizada
pela proteção possessória.

Os interditos possessórios só se prestam para a defesa quando há materialidade.

Existe hoje uma pretensa categoria que é dos chamados bens semi corpóreos, que são bens imateriais, mas
que autorizam a defesa da posse.

Há um tempo atrás, o juiz tinha menos poder do que tem hoje, o juiz pode optar por escolher a medida
considerada por ele mais cabível ao caso concreto. Antigamente o juiz não poderia, sequer, proferir uma
liminar. As situações que o juiz poderia dar uma liminar era taxativamente prevista por lei. Um dos remédios

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que concedia esse acesso, eram exatamente as possessórias. Hoje em dia isso é pouco importante. Antes, se
a pessoa entrasse com uma ação de cobrança, não poderia entrar com o pedido liminar. Se a pessoa entrasse
com uma possessória, poderia entrar com liminar com o pedido de reintegração de posse.

Situações que não tradicionalmente não diziam respeito à posse e com base nisso, a doutrina (?) criou a
definição dos semicondutores. Os bens semicorporeos são situações que embora não sejam tangíveis,
permitem a proteção possessória porque tem individualização, como no caso de energia elétrica, telefone.

Os bens semicorporeos podem ser objeto de posse por uma questão histórica. Tecnicamente a posse se
destina à defesa de uma situação fática em relação a bens materiais. É difícil falar de situação fática em
relação aos bens imateriais. Inclusive, quem diz que a linha telefônica poderia ser defendida pela posse, diz
que esta não é tangível, mas sabe onde ela está faticamente, e o mesmo acontece com a energia elétrica.

D) DESDOBRAMENTO DA POSSE

Remonta à teoria objetiva da posse porque, dentre outras coisas, ela autoriza a figura do desdobramento da
posse. A posse pode aparecer de forma plena e paralela.

• POSSE PLENA

É quando o sujeito exerce a posse em nome próprio e sem relação jurídica com ninguém. A pessoa exerce a
posse por si mesmo e para si, o que não significa que ele seja proprietário. Eventualmente, o sujeito pode
optar por desmembrar essa posse, dando origem às posses paralelas. Ele opta por constituir um vínculo
jurídico com outra pessoa, podendo esse vínculo ser de direito real ou obrigacional, por meio do qual ele vai
transferir a posse para outra pessoa, só que ele permanece também na qualidade de possuidor.

• POSSES PARALELAS
 POSSE DIRETA/IMEDIATA /SUBORDINADA/DERIVADA
 POSSE INDIRETA/MEDIATA

Na situação da posse paralela, o sujeito que antes era um possuidor pleno, por exemplo, um sujeito que era
proprietário de um carro comprado por ele, ele usava esse carro, logo era proprietário e possuidor. O uso é
pessoal, então é um possuidor pleno, só ele tinha usado, então era possuidor pleno. Certo dia, ele
continuando como proprietário resolveu alugar esse carro, transferindo a posse, ou seja, constituindo um
novo possuidor, constituindo um vínculo jurídico contratual de natureza obrigacional. Existe um vínculo
jurídico entre o proprietário e o mero possuidor. A partir do momento em que abraçamos a teoria objetiva
em nosso sistema, passamos a conviver com a possibilidade de existir mais de um possuidor. Quando se tem
esse vínculo jurídico se diz que tanto o proprietário que antes era possuidor pleno, quando transfere a posse
para um terceiro, a mantém também consigo. Ele transfere a posse, e ficando também a posse, ele é
chamado de possuidor indireto. Ao passo que ele transferiu é chamada de posse direta.

Pode ser também um vínculo real nessa situação, como o usufruto. A teoria subjetiva tinha a ideia de que
posse era C + A, por essa teoria nessa situação acima descrita, percebe-se que é uma situação em que
ninguém está efetivamente protegido, pois se transferiu o corpus, ficou sem animus. O que transferiu ficou
com o animus e sem o corpus e o que recebeu ficou com o corpus e sem o animus. No sistema jurídico vigente,
possuidor é quem tem aparência de ser proprietário. Ex.: Sujeito dirigindo um carro, ele aparenta ser dono,
logo é o possuidor. Na situação supramencionada, o sujeito que recebeu o bem em aluguel é possuidor
efetivo.

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Há uma certa divergência doutrinária, mas o sujeito que está alugando também é possuidor, naturalmente
falando, porque ser proprietário é usar, fruir ou dispor. Se ele alugou, ele está fruindo do bem. Qualquer um
dos sujeitos pode defender a posse, independente da anuência do outro, e podem defender também na
relação interna. Ou seja, se o proprietário resolve turbar a posse legítima do possuidor direto, ele pode ser
repelido por meio de uma ação possessória. Então a situação possessória é protegida tanto perante a
terceiros quanto na relação interna.

- Como ele pode ser considerado possuidor se ele está pagando o aluguel? Deve-se manter sempre
separadas as teorias objetiva e subjetiva da posse. Estamos trabalhando com a teoria objetiva da posse, ela
é objetiva porque não trabalha com o aspecto anímico, mas com o que se enxerga de dada situação. Ex.: O
sujeito está usando um carro. O terceiro desconhecido ao ver essa situação, não pode dizer que ele é dono,
mas aparenta ser dono, logo, se aparenta ser o proprietário, ele é possuidor. O se comportar como dono não
é relevante para definir que se tem proteção possessória em nosso sistema, é relevante para a usucapião.

- Veremos que a posse assume gradações. O sujeito pode ter a posse ad interdita, onde se tem a proteção
possessória plena, ninguém pode mexer na situação desse possuidor que é possuidor. E pode se ter ad
usucapionem que, além de garantir a proteção natural da posse, autoriza também a usucapião e aqui é
preciso do animus domini.

Art. 1.197. do CC. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de
direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto
defender a sua posse contra o indireto.

O artigo acima fala que o possuidor pleno pode optar por desmembrar sua posse e fazendo isso, transforma
sua posse em uma situação de posse paralela, na qual se terá uma posse indireta e uma posse direta.

O possuidor direto tem o bem consigo, é o que aparenta de fato ser o proprietário, mas tem um vínculo
jurídico com o efetivo possuidor. Só é possuidor direto aquele que tem um bem por conta de um vínculo
jurídico com terceiro.

No exemplo dado, o sujeito era proprietário e possuidor, mas ele poderia ter invadido o terreno e ninguém
reclamou, pois não é pressuposto a pessoa ser proprietária, o pressuposto é que essa pessoa tenha a posse
e possa transferi-la. É comum que a pessoa seja proprietária, mas não é necessário, é recomendável se ter
cautela, ou seja, ter certeza se a pessoa realmente é proprietária, mas não é pressuposto.

OBS: Em reais se trabalha com a boa-fé subjetiva, tem que analisar o caso concreto para ver se a pessoa tinha
dolo ou culpa nas situações, diferente de obrigações.

A posse direta sempre vai ser apenas uma, não tem como se ter duas posses diretas. A posse direta é sempre
daquele que fica com o bem no final, ele é sempre o possuidor direto. Eventualmente, pode acontecer de
duas pessoas exercerem a mesma posse direta, como quando se aluga a casa para um casal.

O possuidor direto jamais poderá usucapir em nome próprio, pois para ser possuidor direto se parte do
pressuposto de que quando se está na posse de um bem por conta de um vínculo jurídico com terceiro, ou
seja, o sujeito não se comporta como se dono fosse, quem paga aluguel não se comporta dessa forma. O
tempo da posse do possuidor direto pode até reverter em favor do possuidor indireto. Ex.: O sujeito não era
proprietário, ele invadiu um imóvel, ficou três anos nesse imóvel, não teve nenhuma intercorrência nesses
três anos, então ele resolveu alugar, 12 anos depois de aluguel quem está exercendo a posse imediata da
coisa é o locatário. Mesmo com todo esse tempo que seria suficiente para usucapião não se pode dizer que
ele usucapiu, pois ele não tem animus domino para isso. O prazo de possuidor direto reverte em favor do
possuidor direto e o possuidor indireto se comportava como se dono fosse, tanto que ele aluga o bem, isso
por não reconhecer nenhuma situação jurídica melhor que a dele em relação ao bem.

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É possível que o possuidor direto deixe de ocupar essa posição e venha a usucapir. Ex.: O locatário que estava
pagando aluguel, parou de fazer o pagamento e não sai do imóvel. Isso configura abuso de confiança, é uma
situação de posse injusta, mas não deixa de ser posse. Se ninguém fizer nada a partir de então, começa a
contar o prazo de usucapião, ele deixar de ser possuidor direito, e passa a ser possuidor pleno, pois exerce a
posse em nome próprio.

▪ Natureza jurídica. Ficção ou efetiva posse?

Algumas pessoas criticam a posse indireta, diz que isso seria uma ficção jurídica. Dizem que a posse indireta
não seria posse, pois não tem substrato fático, seria apenas uma criação do direito. Gustavo prefere entender
que se trata de posse, pois o sujeito estava usufruindo e usufruir é também apresentar aparência de
proprietário.

• POSSES SUCESSIVAS

Quando a posse é desmembrada e ela dá origem a uma posse paralela é possível se falar também em uma
posse sucessiva. Significa dizer que há mais de um desdobramento. Ex.: Relação de sublocação – o sujeito
era possuidor pleno, resolveu alugar e se transformou em possuidor indireto constituindo um terceiro em
possuidor direto, esse possuidor direto resolveu sublocar, deixando de ser possuidor direto e se
transformando em possuidor indireto e o novo possuidor direto.

A aluga para B que aluga/subloca para C:


A = POSSUIDOR PLENO → POSSUIDOR INDIRETO | B = POSSUIDOR DIRETO → POSSUIDOR INDIRETO |
C = POSSUIDOR DIRETO

Todos eles terão autorização à proteção possessória independente de anuência dos outros. Dentro dessa
cadeia pode ter vários possuidores indiretos, e quando isso acontece se chama de posse sucessiva.

▪ Temporariedade

A situação do possuidor direto não autoriza a usucapião e é sempre marcada pela situação de
temporariedade/transitoriedade, a pessoa só está com o bem por conta de um vínculo jurídico e enquanto
esse vínculo jurídico perdurar.

PARA ENTENDER - Ex.: O sujeito obtém uma posse mediante violência. Essa posse é direta ou indireta? É
posse plena, pois está exercendo a posse em nome próprio. Para se ter uma posse direta, é preciso ter
desmembrado a posse, ter o vínculo jurídico. Se o sujeito atuou contra a pessoa, ele não tem um vínculo
jurídico com essa pessoa, mas sim ofendeu o direito dela. Essa pessoa que perdeu a posse pode defende-la
judicialmente tentando reaver. O possuidor indireto é aquele que não tem o bem em suas mãos, mas
conserva a posse por conta de um vínculo jurídico que ele tem com aquele para quem ele transferiu a posse
direta. A posse direta é sempre único e é marcada pela transitoriedade, perdura, enquanto durar o vínculo
jurídico, acabando esse vínculo, a posse desmembrada pode se tornar plena novamente ou o sujeito que é
possuidor direto não devolve e fica com a posse plena também, porém injusta.

ATENÇÃO: POSSE PLENA – EXERCIDA EM NOME PRÓPRIO

Ex.: Gustavo compra um celular e utiliza o aparelho, logo é possuidor pleno. Se ele empresta pra alguém
utilizar, essa pessoa passa a ser possuidor direto e Gustavo é possuidor indireto. QUEM ESTIVER COM A
COISA EM SEU PODER É POSSUIDOR DIRETO.

O pressuposto para uma posse paralela é um vínculo jurídico entre possuidor direto e indireto. Se chega um
momento em que a pessoa resolve acabar com esse vínculo, no momento que ela para de cumprir o contrato
deliberadamente, ela passa a se comportar como possuidor pleno. A coisa é entregue em confiança por meio
de um contrato de locação, sendo o locador o possuidor indireto e o locatário o possuidor direto, chega o

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momento de o possuidor direto devolver o bem e ele não o faz e diz que não paga amis aluguel, mas também
não devolve o bem e ele se torna possuidor pleno de forma injusta.

O possuidor direto está em uma situação transitória. - No caso específico de abuso de confiança não pode o
sujeito usar a autotutela, deve ir ao judiciário reaver o bem.

E) POSSE EXCLUSIVA x COMPOSSE (ART. 1.199, CC)

Não devemos confundir posse direta e indireta com a situação da composse. A posse direta é sempre única,
e pode ser exercida por mais de uma pessoa, assim como a posse indireta. É possível que mais de uma pessoa
exerça a posse. O estado mais fácil de conceber a posse é a posse exclusiva, quando somente uma pessoa é
possuidora.

Art. 1.199. DO CC. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos
possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores.

• COMPOSSE SIMPLES

O sujeito pode ser possuidor pleno e exclusivo, e pode também ser possuidor pleno e ter a composse. Ex.:
Gustavo e sua esposa moram em um apartamento, eles são compossuidores.

Como regra geral, na situação de composse, cada um é possuidor do todo. Se a coisa é indivisível a pessoa
compossuidora é legitimada a defender o bem como todo, mesmo que haja diferença da quantidade de
direitos de cada um. Ex.: Um imóvel em que duas pessoas são compossuidores. A é compossuidora de 90%
e B de 10%. Elas têm o mesmo direito sobre o bem, a composse é do todo. Se vier um terceiro esbulhador,
ambos tem direito de defender o bem, independente da autorização do outro. Qualquer um deles tem
legitimidade para defender o todo.

Existe o que é chamado de composse pro diviso e composse pro indiviso. As situações de composse são
sempre situações em que para terceiros as pessoas aparentam ser proprietárias do todo. A pessoa detentora
de 1% tem legitimidade para defender a posse da mesma forma que um sujeito de 90%.

É possível que dentro da relação interna haja algumas alterações.

Na composse pro diviso - Ex.: A e B são proprietários de um terreno. Um dia A e B colocaram ham cerca nesse
terreno e cada um passou a morar de um lado. Eles não são compossuidores, cada um é possuidor de um
lado do terreno, mesmo sendo comproprietários. O que importa é a forma como administram fisicamente o
bem.

É possível que A e B não tenham demarcado, o que é mais comum. Mas no exemplo acima, se alguém violar
a posse de A, B não tem legitimidade para defender e vice e versa, cada um é possuidor do seu lado. Se não
houvesse a cerca, haveria a situação do Art. 1.199, eles são compossuidores e utilizam esse terreno
indistintamente, essa é a composse pro indiviso. Então todos eles podem em conjunto ou não defender a
situação possessória deles.

Se houver uma lesão interna, também podem proteger essa posse, há uma proteção contra terceiros
isoladamente ou em conjunto e tem proteção interna também, A não pode mexer na posse de B.

Existem situações que podem dividir o exercício da posse internamente por um acordo entre eles, mas isso
não fica visível para terceiros. Nessa situação qualquer um dos dois perante terceiros, - é o que se chama de
pro diviso, eles dividem internamente o exercício da posse, mas isso não fica visível para terceiros - pode
defender tudo, mas na relação interna vale o acerto que eles fizeram.

Isso é relativamente comum nas situações de condomínio edilício, quando o sujeito tem um apartamento
por andar, tecnicamente falando há as áreas comuns como o hall na saída do elevador, mas como é somente

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um apartamento por andar, termina incorporando na posse de cada condômino, mas ele não pode evitar
que outras pessoas transitem por ali, pois não deixa de ser área comum. Se depois alguém quiser impedir
que o sujeito decore de determinada forma, por exemplo, ele não pode fazer isso, pois se entende que é
uma composse pro diviso e o sujeito do andar em questão tem mais direito à posse naquele sentido do que
os outros comproprietários.

Perante terceiros qualquer um defende tudo, mas na relação interna, na composse pro diviso existe uma
determinada distinção que é valida só para relação interna, não pode ser uma coisa evidente para terceiros.
É uma situação que para terceiros é indistinta, mas que na relação interna deve ser respeitada. As duas
situações são aceitas no direito brasileiro.

• POSSE EM MÃO COMUM

É uma figura que não existe no direito brasileiro. É uma situação de posse que só existe no direito alemão e
há mais de um possuidor e cada um só.pode exercer a posse se todos fizerem ao mesmo tempo. Ex.: Um
grupo de pessoas donos de uma casa de praia é só poderia ir pra essa casa se todos forem ao mesmo tempo.

Em princípio, os compossuidores tem legitimidade para defender a própria posse isoladamente, salvo na
relação em que eles são casados entre si e que dizem respeito ao exercício da posse comum. Para um
defender em juízo, deve-se exigir que o outro também vá, é a necessidade de outorga uxória. Não é um
litisconsórcio necessário porque a eventual negligência/recusa de um pode ser suprida judicialmente. A união
estável também pode ser enquadrado nisso, mas há controvérsia.

F) POSSE DE BENS PÚBLICOS (ART. 100, CC)

Art. 100. DO CC. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto
conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.

Alguns manuais adotam uma solução simples dizendo que não é possível exercer posse sobre bens públicos,
e isso é uma meia verdade, pois não é possível mesmo exercer posse sobre bens públicos, pelo menos a
posse plena. Isso porque os bens públicos são inesucapiveis, estão por conta de interesse público colocado
sobre um regime jurídico diferenciado. Ex.: O sujeito constrói uma casa sobre um terreno público e fica por
muitos anos, ele pode usucapir? Não, pois bens públicos se tratam de bens insuscetíveis de posse plena, eles
geram apenas e tão somente uma situação de detenção. Mesmo que haja benfeitorias necessárias ou úteis,
ele não tem direito a nada, pois isso era uma situação precária, de mera detenção.

Esse é um entendimento pacífico e incontroverso na jurisprudência, por ser bens com sistema próprio de
proteção e insuscetíveis de usucapião não autorizam o exercício de posse plena sobre eles. Se está falando
de posse plena porque isso não é assunto propriamente de direito privado, e talvez por isso alguns manuais
optem pela linha fácil dizendo que não pode haver posse sobre bem público, essa linha é também
equivocada, pois é possível ter uma posse sobre bens públicos, desde que essa posse seja autorizada.

Ex.: Em administrativo é estudado a concessão onde há a transferência de bens públicos para o particular, o
qual tem uma posse direta, por conta de um vínculo jurídico que ele tem com o poder público. Se um terceiro
quiser lesar aquele bem, esse particular tem legitimidade para defendê-lo. A posse possível nesse caso é a
posse paralela, desmembrada, não pode ter posse plena sobre bem público, por conta do regime jurídico ao
qual se submetem.

O concessionário poderia alugar o bem público? Depende dos termos da concessão. É possível e não é muito
incomum, pois muitas vezes quando há concessão há a necessidade de subcontratar prestadores, e nessa
subcontratação se vai ter que ceder bens públicos para que esses prestadores exerçam essa posse. Vai ser
uma posse direta, o sublocatário vai ser possuidor direto do bem público, não com autorização direta do
poder público, mas do particular que está investido de poderes pelo poder público.

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OBS: Lembrar que não é possível posse plena sobre bens públicos.

21/03/2018: Quarta-feira
1. A IMPORTÂNCIA DE CLASSIFICAR A POSSE
A parte teórica de posse é uma parte importante. Pra entender a teoria da posse, é preciso entender a teoria
objetiva. Nenhuma das duas são integralmente aplicadas no Brasil, mas há uma certa mitigação nessa não
aplicação porque existe no campo axiológico uma adaptação da teoria subjetiva.
No texto “Teoria simplificada da posse”, a posse é subordinada ao direito de propriedade e isso é errado em
nosso ordenamento.
Dentro da teoria da posse há classificações importantes. Já foi falado da posse plena e da posse paralela, essa
é uma classificação importante da posse, onde há o desmembramento da posse, possibilitando a existência
de mais de um possuidor isoladamente. Há situações em que não há o desmembramento/desdobramento o
que significa que estamos diante de uma posse plena.
Ao lado dessa classificação existe outras.
2. VÍCIOS OBJETIVOS. POSSE JUSTA x POSSE INJUSTA (ART. 1.200, CC)
Isso nada mais é que o mérito do que se discute nas ações possessórias.
Art. 1.200. do CC. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.
Recapitulando: É possível falar na defesa da posse falando em jus possidendi (posse formal) e jus possessionis
(posse material). Esse jus possidendi é dito formal porque ele depende de documento. Isso é defesa de
proprietário, mas o locatário também pode ter essa defesa, são direitos ligados ao locatário. Estamos
discutindo a posse enquanto desdobramento da propriedade, tanto que é comprovada por meio de
documentos. É uma posse que se faz valer por meio de uma ação reivindicatória.
Alguém está com o bem de outrem, para esse outrem defender sua posse o fundamento é o ele ser dono é
o documento seria o contrato. Não é a defesa estrita da posse. Tanto na discussão do jus possidendi quanto
o jus possessionis temos o mesmo pedido, o sujeito quer sempre que o bem seja devolvido, a diferença é a
causa de pedir. No jus possidendi a sua causa de pedir do sujeito seria o fato de ele ser dono. No jus
possessionis que é a defesa estrita da posse e diz respeito aos interditos possessórios, a causa de pedir seria
o fator a coisa ter sido lhe tirada de forma arbitrária.
Essa forma arbitrária é exatamente os vícios objetivos, então quando falamos de posse justa e posse injusta,
estamos definindo quem, dentro de uma lógica de jus possessionis tem direito de ficar com o bem. Essa
discussão de posse justa ou posse injusta foi introduzida em nosso ordenamento no CC de 2002, e até lá não
se falava em posse justa ou injusta, se falava em melhor posse.
Até o CC de 1916, existia uma sistemática de defesa da posse que a subordinava à propriedade. Dentro dos
critérios de melhor posse, o proprietário nunca iria perder a posse para o mero possuidor, isso não foi
reproduzido na legislação atual, e por isso não dá mais para dizer que o nosso ordenamento se filiou à teoria
objetiva, porque o possuidor em certos casos prevalece sobre o proprietário. Ex.: O sujeito A que aluga o
imóvel para o sujeito X, esse último para de pagar o alugar e A exige a retomada do imóvel, se X não devolveu
o imóvel de forma espontânea, A não pode usar de violência para tirá-lo de lá. Se fosse na legislação anterior,
se tinha margem para discussão, porque se o possuidor fosse reclamar da violência, o outro ia poder dizer
que é proprietário, que prefere ao possuidor. Na legislação atual não existe essa margem, mesmo o sujeito
sendo proprietário ele não está legitimado a fazer valer os seus direitos, é preciso da intervenção estatal para
evitar o caos.
Esses vícios objetivos da posse nada mais é que a principal discussão travada nos interditos possessórios,
quando estamos nos valendo das ações de reintegração de posse, manutenção de posse ou interdito
proibitório.

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PERGUNTA: O sujeito era proprietário e possuidor, o que faz ele discutir posse e não discutir propriedade?
Porque, na prática, o pedido é o mesmo, ele quer a posse, quer que o bem lhe seja entregue. A diferença é
o que se está discutindo. Na petitória (via em defesa da propriedade) se discute documento (jus possidendi),
na possessória se discute se a pessoa tomou o bem de forma ilegítima, discute-se o plano fático. Existem
situações em que o sujeito não tem o que escolher, se ele não é proprietário, ele tem que entrar somente
em defesa da posse. Existem casos em que o sujeito é proprietário sem nunca ter sido possuidor, ele não tem
o que escolher, tem que entrar em defesa da propriedade.
Como o sujeito pode ser proprietário sem nunca ter sido possuidor? Ele pode ter comprado e adimplido o
imóvel, lavrado e registrado a escritura pública. Porém, nunca lhe foi entregue a chave, logo ele nunca foi
possuidor. Ele pode entrar com uma ação de imissão na posse que é uma petitória, não é uma ação
possessória porque posse ele nunca teve.
Existem situações em que as pessoas podem escolher, e vai ser questão de estratégia de cada um para fazer
essa escolha. Ex.: Em relação a bens móveis é difícil provar que é proprietário, como uma bicicleta que foi
roubada. O sujeito não tem como provar que é dele, mas ele sabe que é a dele. Ele perdeu a nota fiscal, então
ele vai ter que discutir posse por meio de uma situação fática, como uma testemunha que viu a bicicleta
sendo tomada dele à força. Vai discutir o fato e não o direito de propriedade em si.
• CRITÉRIO DISTINTIVO: FORMA E TÍTULO DE AQUISIÇÃO

Art. 1.200, CC. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.

Os vícios objetivos são na ordem de 3. Quando falamos de posse justa ou injusta, o critério distintivo é a
forma como foi adquirida a posse. Para saber se a posse é justa ou injusta, se tem que perquirir a forma como
ela foi adquirida. Para a posse ser injusta ela deve ter sido tirada por meio de violência, clandestinidade ou
precariedade.
Se a posse é violenta, clandestina ou precária. Então são três vícios: VIOLÊNCIA, CLANDESTINIDADE E ABUSO
DE CONFIANÇA (precariedade14).
Existe esses três vícios que pode ser feita uma analogia não perfeita com o Direito Penal15, poderíamos pensar
no futuro, roubo e apropriação indébita. Quem utiliza de violência está cometendo “roubo”, quem utiliza de
clandestinidade se aproveita de um momento de descuido do possuidor para subtrair o bem praticando o
“furto”, e quem utiliza do abuso de confiança tem um bem entregue a si de forma pacífica mas com o
compromisso de devolver, ele recebe o bem para ficar durante um tempo, e quando era pra devolver não
devolveu, é a “apropriação indébita”.
Só existem esses três tipos de vícios. Existe uma discussão doutrinária a respeito. Se o sujeito comete outra
ilegitimidade que não se encaixa em um desses três tipos de vícios, há posse injusta?
A jurisprudência e a doutrina são pacificadas no sentido que não se admite que se crie outra forma injusta
de posse. A posse injusta é necessariamente aquela que foi adquirida de forma violenta, clandestina ou com
abuso de confiança, não existem outras possibilidades.
Se o critério distintivo é a forma como foi adquirido o bem, a forma que o bem foi adquirido é algo que não
muda e isso significa que a posse que nasce injusta, morre injusta, não se tem como sanear a posse, e da
mesma forma aquela que nasce justa, morre justa. Não existe como mudar a situação.

14
Gustavo não gosta desse termo porque há casos em que se fala em precariedade e não tá se referindo à
posse injusta.
15
É apenas para facilitar.

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• ESPÉCIES DE VÍCIOS OBJETIVOS. ROL EXAUSTIVO


Dentro desses tipos de vício objetivo, existe uma situação que atualmente tende a ser revista, a doutrina
mais recente começa a diferenciar uma situação das outras, o que antes era visto como posse injusta, pode
ser visto como posse justa.
Foi dito que há posse injusta quando ela for adquirida mediante violência, clandestinidade ou abuso de
confiança. A posse obtida mediante clandestinidade é recebe em doutrina um nome chamado de esbulho
pacífico. Esbulho significa tomar o bem de alguém, praticando um ilícito, quem toma esse bem é o esbulhador
e o sujeito que foi vítima é o esbulhado. Ex.: Gustavo tem uma casa de praia que vai a cada 3 meses. Não é
muito frequente, pois ele não está lá toda semana. Em uma dessas situações que ele não estava, alguém se
aproveitou, pulou o muro e invadiu a casa. Gustavo, ao saber, tomou suas providências para tentar reaver.
Isso é esbulho, ter um bem que ainda estava na sua esfera jurídica e tinha sua função social. Essa nova
dificuldade tem a ver com função social mesmo. A função da casa de praia é justamente essa, ir de vez em
quando e não morar lá. A função social estava sendo cumprida e o bem foi invadido de forma furtiva.
Ex.2: João compra um terreno e o deixa vários anos parado, não sabia mais nem onde estava aquele terreno,
pois havia abandonado. Nesse meio tempo, alguém constrói uma casa no terreno, já que não tinha ninguém
tomando conta, ele foi ficando e ninguém nunca fez nada. Não se trata de violência ou abuso de confiança.
Há clandestinidade? A teoria clássica não tinha dúvidas de que ele se aproveitou de um descuido do
proprietário, logo, seria clandestina a posse.
A clandestinidade não induz posse se não depois de cessada a clandestinidade16. Então no exemplo acima, o
sujeito entrou no terreno e construiu sua casa, o argumento dele é que não utilizou de violência, entrou em
um horário que todos pudessem ver que ele estava tomando posse do terreno, assim não atuou de forma
clandestina. Na prática, há uma tendência de valorizar a função social da posse e a verdade é que o dono do
terreno não emprestava função social do bem esperado, logo não dava pra dizer que ele tinha a posse.
Uma parte da doutrina diz que se a pessoa não empresta a função social do bem, se ela deixou o bem
abandonado, não está emprestando a função social, e se assim não o faz, não se comporta como se
proprietário fosse. Se não está se comportando como se proprietário fosse, não tem a aparência de
propriedade, logo não é possuidor. Se o sujeito não é possuidor e outro entra no bem, esse outro não está
cometendo clandestinidade.
Existe uma tendência, nesses casos de abuso pacífico, da doutrina entendendo que não dá pra dizer que
houve clandestinidade, significa que nesse caso não se podia discutir abuso possessório, se discutiria,
necessariamente, o jus possidendi. Para ser clandestino o sujeito deveria se aproveitar do descuido do
proprietário ou do possuidor. A argumentação nessas situações é que não se está aproveitando de um
descuido, é que o proprietário ou possuidor foram negligentes e não é mais possuidor por conta disso. Houve
a invasão do bem, porque ele estava descuidado (no exemplo).
Há uma tendência de dizer que nessa situação não houve clandestinidade, e por conta disso, por mais que
pudesse dizer que é uma situação ilegítima, não se encaixa em violência, clandestinidade ou abuso de
confiança, logo, a posse é justa. É importante dizer que o rol é exaustivo, porque hoje em dia, há uma parte
da doutrina que escreve sobre isso, diz que quando o possuidor originário deixa de exercer a função social
do bem e outra pessoa adentra nele, ele não termina não utilizando nem de violência, nem de
clandestinidade, nem de precariedade, ele está adquirindo uma posse justa. Ex.: Imagine um terreno que foi
desbravado agora e que nunca pertenceu a ninguém, quem pode se tornar proprietário é aquele que chegar
primeiro, em princípio. Não era de ninguém, logo se torna dono aquele que chega primeiro.

16
Gustavo falou disso em detenção - Ex.: Dois terrenos vizinhos em que se constrói uma casa no subsolo tomando
parte do terreno do outro, até que ele construa uma chaminé com a saída externa para que o vizinho possa ver
que houve a construção, essa construção é clandestina, ele tomou posse do terreno do outro vizinho de forma
clandestina. A clandestinidade cessa quando coloca a chaminé.

pg. 61
Direitos Reais – Prof. Gustavo Prazeres | 2018.1
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O sujeito pra ser possuidor tem que aparentar ser proprietário, e para isso ele deve dar a destinação
econômica do bem, ele não estava destinação nenhuma, não estava exercendo função social (noutro
exemplo de cima).
PERGUNTA: Sobre a parte do jus possidendi – fazer sempre a separação, pois uma coisa é a análise estrita
possessória do tema que é jus possessionis, onde se discute os vícios objetivos, a forma como a posse foi
adquirida, isso são os interditos possessórios. Diferentemente do jus possidendi, em que é provado a partir
de documentos, se quer a posse porque se tem um direito certificado em cima do bem. Se pode ser
proprietário sem ser possuidor.
Partindo do pressuposto de que não exercer a função social pode implicar na perda da posse, ainda não é
uma situação consolidada no judiciário, os autores vão nesse sentido. O judiciário tem uma visão
conservadora em temas ligados à propriedade e à posse, isso porque a maioria dos juízes formados (aqueles
que estão no STF ou STJ, por exemplo), se formaram à luz do CC de 1916, então temos uma mudança
relativamente recente, então existe uma lacuna da forma como pensar o direito no nosso judiciário.
A doutrina hoje vai toda no sentido de que daqui a alguns anos isso vai ser aceito pacificamente. É uma tese
forte, de que sujeito que não exerce a função social tem a perda da posse. Se o sujeito perde a posse e outro
entra no imóvel, ele está violando o direito de propriedade de alguém, pois existe um dono e ele não é, em
termos de jus possidendi, ele não vai sustentar essa situação, mas em termos de jus possessionis, faticamente
falando, não houve violência, abuso de confiança ou clandestinidade, pois o sujeito já não tinha mais posse,
ele simplesmente chegou no lugar que estava abandonado e tomou a posse desse lugar. Então, se o dono
quiser entrar com uma ação de reintegração de posse, o mérito que ele vai ter que discutir é a forma como
ele se apossou do bem, e o argumento de defesa daquele que entrou no bem é que não utilizou de violência,
clandestinidade ou abuso de confiança, logo, merece ficar no bem. Então a reintegração de posse, vai ter, no
mínimo uma séria probabilidade de ser julgada improcedente. Se a pessoa for proprietária do bem poderá
discutir a propriedade.
Para compreender a posse, é preciso entender esse aspecto processual. Quando o sujeito opta por discutir
o jus possidendi, quando opta por uma reivindicatória, ele está optando por fazer uma discussão diversa
daquela discussão que faria caso optasse por um interdito possessório.
- Se está discutindo se a posse foi adquirida de forma justa ou injusta. O sujeito não pode discutir jus
possessionis quando não puder dizer que foi violento, precário ou por clandestinidade. A tese parte do
pressuposto de que não cumprir função social implica em perda da posse. Não há nada na lei que diga isso,
é uma interpretação principiológica que se faz.
A maioria das situações, há a ocorrência de utilização de violência, clandestinidade ou abuso de confiança,
na prática. Essa hipótese de esbulho pacífico em que não há clandestinidade é uma situação pontual. Se, por
exemplo, alguém invade uma casa de praia, em princípio, há clandestinidade, pois não é esperado que o
dono esteja lá todos os dias, logo, o invasor se aproveitou de um momento em que ele não estava.
O que a doutrina quer dizer com isso é que nas situações que a pessoa age de forma puramente especulativa,
não se pode dizer ela era possuidora, como por exemplo, quando o sujeito compra um terreno em
determinado local e nunca fez nada nele, se alguém invadir, ele não pode dizer que era possuidor por nunca
ter feito nada naquele terreno.
Então, é necessário fazer a distinção, uma coisa é discutir a posse e outra coisa é discutir a propriedade. Tanto
na via petitória quanto na via possessória, se pensarmos em termos processuais, para discutir posse ou
propriedade o pedido é o mesmo, a pessoa quer a posse, a diferença é a causa de pedir: na petitória se quer
a posse por ser proprietário, já na possessória se quer a posse por tê-la perdido de forma violenta, clandestina
ou precária. Na via petitória se vai discutir fatalmente o documento, mas é uma discussão ais ampla, então
se pode trazer outros elementos.
Em uma situação em que o proprietário discute a posse em juízo, se no meio da discussão ele morre, a
tendência é que a posse fique para ele mesmo assim, a não ser que o invasor tenha preenchido os requisitos

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de usucapião. O fato de ele ser proprietário já o legitima a buscar a posse do bem, se ele for por uma via
petitória, ele prova isso por meio de documentos, ele vai estar buscando o bem porque ele é proprietário.
Se no meio dessa discussão ele morre, os herdeiros assumem a demanda. Se não tiver herdeiro a situação
fática vai se consolidar, uma vez que a ação será extinta, então aquele invasor vai ficar com a posse de forma
mansa e pacífica.
• RELATIVIDADE DO CONCEITO

Art. 1.212, CC. O possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro, que
recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era.

A posse que nasce justa morre justa e a que nasce injusta morre injusta. Mas é preciso atentar-se para o fato
de que o conceito de justiça e injustiça da posse é um conceito relativo. É a mesma história acerca do direito
absoluto que é aquele que independe de uma relação jurídica prévia e por isso se impõe contra todos. Essa
discussão de posse justa e injusta não se impõe contra todos, ela é restrita à relação entre esbulhado e
esbulhador. É restrita a quem utilizou de violência, clandestinidade e abuso de confiança e que sofreu.

Ex.: A estava na posse do bem, ele foi esbulhado por B que é possuidor injusto, essa posse será para sempre
injusta, mas é injusta perante A. Se aparecer C e usar de violência contra B dizendo que ele é um malfeitor,
por ter se utilizado de violência, clandestinidade e abuso de confiança, mas quem está utilizando de uma
dessas três coisas é C perante B. Perante B, C terá uma posse injusta e perante C a posse de B é justa. Se B
resolver discutir, a sua posse é justa perante C, mas não é perante A que foi de quem ele esbulhou. O conceito
é relacional. É como se só pudesse discutir a posse perante quem praticou o esbulho.
Ex.2: B esbulhou A que não fez nada em um primeiro momento, a posse é injusta e assim morrerá. B então
resolve vender esse bem para C que não sabia do esbulho, e não tinha como saber porque B se comportava
como se proprietário fosse, era possuidor injusto perante A, mas C não sabia de nada. C era uma terceiro de
boa-fé. A não pode discutir possessória perante C, A pode discutir possessória perante B. Se A demorar e o
bem for para C, a situação será convertida em perdas e danos, uma vez que o terceiro não poderá ser
prejudicado. O terceiro só poderia ser prejudicado se soubesse que a coisa havia sido esbulhada. Contrário
sensu, se ele não sabia que a coisa era esbulhada, não se pode fazer nada contra ele. Pode-se discutir
petitória, pois nesse caso não há proteção de terceiro de boa fé em termos de petitória.
Para discutir propriedade pouco importa se a coisa foi esbulhada ou não, interessa quem tem direito sobre
o bem que seria o proprietário. Na discussão da posse17, essa situação é relacional não podendo imputar os
vícios (violência, clandestinidade e abuso de confiança) a quem não sabia deles. No caso do exemplo, A
poderia provar também que C sabia da situação controversa, caso não usasse a via petitória. Se C sabia que
a coisa era controversa ele não é terceiro de boa-fé.
- Fica mais fácil esses casos diante de bens móveis. Mesmo que fosse um imóvel, o conceito de boa-fé que
se trabalha aqui é um conceito de boa-fé subjetiva, a qual se trabalha em reais.

17
Lembrar sempre da natureza híbrida da posse, pois ela não é puramente relacional, mas também não tem a
mesma dimensão de eficácia erga omnes que os direitos reais. A posse tem toda uma carga teórica que é
aplicada na prática.

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• INTERVERSÃO/CONVALESCIMENTO DA POSSE (ART. 1203 e 1.208 DO CC)

Art. 1.203, CC. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida.

Art. 1.208, CC. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua
aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

Foi estudado convalescimento em Privado II, que seria o saneamento. Então aqui poderia chamar de
saneamento da posse, mas tecnicamente preferem interversão ou convalescimento que são sinônimos.
Então aqui estamos falando na possibilidade de sanear a posse, apesar de ter falado que a posse que nasce
justa, morre justa e a posse que nasce injusta morre injusta, o que é verdade. Tecnicamente, quando falamos
em interversão ou saneamento da posse, o que estamos falando é na situação do indivíduo que era detentor
e deixou de ser detentor para se tornar possuidor, logo deveria se falar em interversão da detenção, pois
está se referindo a um fenômeno que diz respeito à mudança do estágio de mero detentor para uma situação
de possuidor. Isso é possível, são as hipóteses de detenção.
Temos a situação do famulo da posse. O sujeito que é capataz de uma fazenda, por exemplo, não é possuidor,
ele é detentor, pois está agindo por ordem de outra pessoa. Se chegar um momento em que o sujeito rompe
a relação jurídica com o dono da fazenda preservando consigo o bem, ele passa a ser possuidor que abusou
de confiança, deixou de ser detentor e passou a ser possuidor que mesmo injusto tem posse, o que significa
que se ele mantiver aquela situação, se o esbulhado não fizer nada, ele vai terminar usucapindo o bem,
porque ele vai ser possuidor manso e pacífico durante o tempo necessário para usucapir.
A outra situação de detenção é a mera tolerância ou permissão que é a mesma coisa, sendo, por exemplo,
aquele sujeito que usa a garagem porque o dono autorizou. Se ele toma toda a garagem impossibilitando
que o dono também guarde o carro nessa garagem, ele se torna possuidor, ainda que possuidor injusto. Isso
é parecido com a situação do fâmulo da posse.
- Se pensarmos no vinculo do emprego entre o capataz e o proprietário, se tem um vínculo de emprego, o
indicio é que ele seria mero detentor, se ele quiser demonstrar que não é mero detentor, o ônus da prova é
dele. Ele tem que demonstrar que chegou um determinado momento em que ele deixou de atuar como um
sujeito que recebia ordem e passou a cuidar do bem como se dele fosse sem receber ordem de ninguém. Em
termos processuais passa a ser um ônus do detentor demonstrar que ele se tornou em algum instante
possuidor, o ônus é daquele a quem aproveita.
A última situação é a do Art. 1.208 que fala do detentor autônomo, que é a história de que enquanto não
cessar a violência ou a clandestinidade, o sujeito que adquiriu o bem por meio desses vícios não se torna
possuidor, é mero detentor. Quando cessa a violência ou a clandestinidade ele se torna possuidor, ainda que
injusto.
Existe um primeiro momento de embate em que a autotutela é legitima para aquele que foi esbulhado. Ex.:
O sujeito usou de furtividade (foi isso que entendi) para tomar o bem, e imediatamente o dono utilizou de
violência e ele pode fazer isso, pois isso é desforço imediato e o esforço incontinente, ele pode porque essa
é uma situação excepcional. Se o esbulhador fosse considerado possuidor ele diria que também era possuidor
e também tem uma pretensão possessória contra o esbulhado, logo não poderia usar de violência. Nessa
situação ele é considerado detentor enquanto for legitima a autotutela por aquele que foi esbulhado.
Enquanto houvesse essa violência, o esbulhador é mero detentor, quando cessa esse momento, a detenção
deixa de ser detenção e se torna efetiva posse (Não entendi esse exemplo, logo escrevi como Gustavo falou).
Isso é o que a doutrina chama de interversão.
 APURO TERMINOLÓGICO: CONVALESCIMENTO DOS VÍCIOS DE VIOLÊNCIA E CLANDESTINIDADE
Os livros mais clássicos falam que a doutrina fala em interversão ou convalescimento da posse, mas esse
termo não deveria ser utilizado, pois leva a uma conclusão equivocada de que é possível sanear posse e não
é, a posse que nasce injusta morre injusta. Quando falamos em interversão ou em convalescimento da posse,

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na verdade o que se está falando dessas situações em que a pessoa deixa de ser detentora e passa a ser
possuidora. A maioria dos livros vai nesse caminho. Um ou outro autor, dentre os quais Cristiano Chaves, fala
que é possível sanear a posse, mas esse saneamento seria em situações em que se traz uma nova causa
possessória. Então se o sujeito utiliza de violência para se tomar o bem, ele é possuidor injusto, isso não tem
como mudar, em princípio. O esbulhador pode negociar com o sujeito que foi esbulhado e compra o bem,
assim ele deixa de ser possuidor injusto, uma vez que arranjou uma nova causa para possuir.
Uma parte minoritária da doutrina diz que é possível sanear a posse nessas hipóteses em que se negocia para
comprar o bem com o pretérito possuidor/esbulhado e ele lhe outorga a possuidor. Gustavo acha que seria
uma constituição de uma nova situação possessória.
 O MOMENTO EM QUE CESSA O ABUSO DE CONFIANÇA/PRECARIEDADE.
▪ A posição de Silvio Rodrigues.
Se o sujeito utiliza de violência ou de clandestinidade para obter o bem, enquanto não cessar essa violência
e clandestinidade, ele é considerado mero detentor, ele só deixar de ser detentor quando a violência ou
clandestinidade cessam. A clandestinidade cessa quando o sujeito que foi esbulhado tem consciência do
esbulho e percebendo o esbulho ele tenta reagir e é repelido, ou ele não faz nada, opta por não reagir, então
ele perde a posse.
Porque não se falou de abuso de confiança até aqui? Existe o que toda doutrina fala e existe a posição de
Silvio Rodrigues. Como regra o judiciário não abraça a posição de Silvio Rodrigues, mas na JF quando a Caixa
Econômica está envolvida se encontra essa posição sendo abraçada, pois é favorável para a CEF e para
situações de financiamento de imóveis. A maioria da doutrina e jurisprudência partem do pressuposto de
que o abuso de confiança não foi previsto, porque quando praticado não autoriza o exercício de autotutela.
É como se partisse da seguinte pressuposição: A autotutela é uma situação excepcional, só se permite que
alguém se utilize de violência para tomar o bem de volta em situações críticas que são aquelas em que se
utiliza de violência ou que se engana a outra parte. No abuso de confiança o bem foi entregue pacificamente,
porque o possuidor queria, e então seria um caos que se permitisse que um bem que foi entregue
pacificamente fosse tomado de forma violenta.
Ex.: Gustavo aluga o bem para um sujeito que não lhe devolve o bem na data em que estava previsto no
contrato de aluguel, ao invés de ele entrar com uma ação de despejo, ele prefere contratar alguém para tirá-
lo de lá, pois ele abusou de confiança, seria uma reação imediata. A maioria da doutrina e jurisprudência.
Caminham no sentido de dizer que o abuso de confiança, por não ter na sua gênese nada de violência, não
autorizaria uma resposta violenta. Então se alguém invade um bem por meio de abuso de confiança, ele não
vai responder por meio da autotutela, não vai haver legitima defesa, desforço imediato e incontinente. No
abuso de confiança não se tem a fase da detenção.
- O sujeito não tinha posse nenhuma, e então ele utilizou de violência e clandestinidade, então ele tem um
primeiro momento em que é detentor porque a outra parte pode utilizar de violência e clandestinidade para
tomar o bem de volta e quando cessa essa possibilidade da outra parte reagir de forma violenta, ele passa a
ser possuidor, ainda que possuidor injusto. No caso de abuso de confiança, essa primeira etapa não é de
detenção, mas de posse, pois ele está com a posse porque lhe foi entregue de forma pacífica, é uma posse
direta, porque o antigo possuidor é um possuidor indireto, ele entregou. Quando ele utiliza de abuso de
confiança, a posse se converte em uma posse plena, ele rompe a relação jurídica que tinha com outrem e
passou a ser um possuidor pleno porque ele está exercendo a posse em nome próprio, mas é uma posse
injusta. Nessa situação não estaria autorizada a possibilidade de reação, ele tinha que ir ao judiciário para
reaver o bem. No caso do aluguel, seria uma ação de despejo, por exemplo.
Isso é tudo é o que a doutrina fala, então vem Silvio Rodrigues que parte de um pressuposto diferente,
dizendo que no caso do abuso de confiança, o legislador deixou de prevê-lo porque reputou o abuso de
confiança um vício mais grave do que os outros, pois o dono confiou o bem a outro sujeito e ele frustrou sua
expectativa. Para Silvio Rodrigues, o sujeito que era possuidor direto quando abusa de confiança, se
transforma em detentor e é um estágio de detenção que nunca vai acabar.

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Então, para Silvio Rodrigues, o abuso de confiança seria um vício mais grave que os demais e que, portanto,
quando se abusa da confiança, não se pode ser prestigiado, o sujeito será pra sempre detentor e nunca
possuidor, ou seja, o sujeito nunca irá usucapir, por exemplo.
Na concepção de Silvio Rodrigues, um sujeito que era locatário e deixou de pagar o aluguel e ficou no imóvel
por 50 anos, não vai usucapir o bem porque ele abusou da confiança e nunca foi possuidor, então antes ele
era possuidor direto, e possuidor direto não poderia usucapir porque falta animus, depois ele passou a ter o
animus, pois deixou de reconhecer uma relação jurídica, mas não tem a posse porque é mero detentor.
Isso não é uma situação correta dentro do nosso ordenamento e por isso ela não foi abraçada, porque se
dizemos que o sujeito é detentor também, se aparecer um terceiro e utilizar de violência para tomar o bem
daquele que era supostamente detentor, porque ele utilizou de violência, ele passa a ser possuidor injusto e
poderá usucapir, apesar de ser injusto. O detentor não poderá fazer nada por ser mero detentor. É uma
situação “estranha”.
Porque isso é adotado na JF nos casos de financiamento? Quando compramos um imóvel financiado, em um
primeiro momento não somos proprietários, fazemos uma alienação fiduciária em garantia, onde se
transfere uma propriedade resolúvel. Então, a CEF compra o bem para ela e faz um empréstimo para a pessoa
que se quitar esse empréstimo se torna proprietária do bem. Quem tem um imóvel financiado, essa pessoa
tem o direito eventual de se tornar proprietário, mas proprietário ele não é. Ele é possuidor, enquanto ele
estiver pagando seu empréstimo ele tem legitimidade para estar naquele bem, ele tem a via petitória, pois
ele tem uma espécie de direito real, e se o sujeito deixar de pagar o financiamento, o correto é a CEF buscar
o bem, ela executa o contrato, vende e consegue pagar o bem.
Se levar 15 anos e a CEF não fizer nada, para Silvio Rodrigues o sujeito não vai usucapir e a JF adota esse
entendimento em situações que envolvem a CEF. Somente os tribunais federais adotam esse entendimento,
mas se chega ao STJ, ele não adota o entendimento de Silvio Rodrigues, então o resultado seria diferente.
 DETENÇÃO (ART. 1.198, § único)18

Art. 1.198, CC. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro,
conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.
Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao
bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário.
En. 301, CJF – Art.1.198. c/c art.1.204. É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a
subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios.

3. VÍCIOS SUBJETIVOS. POSSE DE BOA-FÉ x POSSE DE MÁ-FÉ (ART. 1.201 DO CC)

Art. 1.201, CC. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da
coisa.
Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário,
ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.

Ao lado dos vícios objetivos nós temos os chamados vícios subjetivos da posse e que também têm um grande
significado, só que enquanto os vícios objetivos contribuem para definir o mérito efetivo da possessória, que
é quem merece e quem não merece ficar com o bem, os efeitos acessórios que eventualmente são discutidos
nas ações possessórias e também nas petitórias dependem desses chamados vícios subjetivos. Aqui vai se
falar de posse de boa-fé e de posse de má-fé. Está ao lado da questão dos vícios objetivos porque eles não
dizem respeito ao fato do sujeito saber ou não saber do vício, mas sim ao fato de como o sujeito adquiriu a
posse, se utilizou de violência, clandestinidade ou de abuso de confiança, que incorre em uma posse injusta.

18
Gustavo falou junto com o tópico anterior.

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• CRITÉRIO E RELEVÂNCIA DA CLASSIFICAÇÃO


 Usucapião ordinária (Art. 1.242 do CC), frutos, benfeitorias, direito de retenção, responsabilidade pela
perda/deterioração da coisa

A posse de boa-fé e de má-fé dizem respeito a um critério subjetivo porque já têm a ver com o aspecto
anímico, com a ciência que o sujeito tem acerca da legitimidade ou da ilegitimidade da sua posse. Boa parte
dos efeitos acessórios da posse vão depender disso, se define se a posse é de boa ou de má-fé, por exemplo,
para definir qual é o prazo da usucapião em que está sujeito. O sujeito que está em uma posse de má-fé tem
prazos de usucapião que são mais extensos do que aqueles prazos que são definidos para o sujeito que está
em uma posse de boa-fé. Se o sujeito está em uma situação ilegítima mas ele não sabe que se encontra nessa
situação ele vai conseguir usucapir em menos tempo do que aquele que está em uma situação ilegítima e
sabia disso.
Quando há a discussão da questão dos frutos19, por exemplo. Legitimamente os frutos são do bem principal,
é uma coisa que deriva do bem principal e eles devem ficar com seu dono. E se o sujeito for possuidor de
boa-fé? Ele não é o proprietário, mas ele não sabia que ele não estava em uma situação legítima, se estava
de boa-fé o sistema jurídico abre uma exceção e diz que nessa situação pode-se ficar com o fruto, que não
precisa indenizá-lo. É diferente do possuidor de má-fé, o sujeito que sabe estar em uma situação ilegítima
tende a indenizar o frutos que tiver colhido, isso porque a má-fé é apenada e a boa-fé é protegida.
Temos também a questão das benfeitorias, as úteis, necessárias e voluptuárias. As benfeitorias úteis e
necessárias são indenizáveis, em princípio, ao possuidor de boa-fé e as voluptuárias podem ser retiradas
desde que isso não prejudique o bem principal. Em relação ao possuidor de má-fé simplesmente se indeniza
apenas e tão somente as benfeitorias necessárias e ainda assim não tem direito de retenção. O sujeito que é
possuidor de má-fé responde pela perda e deterioração da coisa mesmo que ele não tenha laborado com
culpa, então, é uma responsabilidade objetiva, é uma responsabilidade agravada. O possuidor de boa-fé só
vai responder pela eventual perda da coisa se ele tiver laborado com culpa e uma culpa grave. Então, tem-se
uma série de efeitos acessórios que são definidos a partir do fato do sujeito estar em uma posse de boa-fé
ou de má-fé.
• SIGNIFICADO DE BOA-FÉ APLICÁVEL E TEORIAS
 TEORIA PSICOLÓGICA  CONVICÇÃO
É uma discussão subjetiva porque ela tem uma remissão a um aspecto anímico, aqui o aspecto anímico é
mais evidenciado do que ao que estamos acostumados quando se fala em Direito Privado, em Direito
Patrimonial Privado, porque aqui a noção com a qual é trabalhada é de BOA-FÉ SUBJETIVA. A análise que é
feita é em relação a boa-fé subjetiva, é a de saber se o sujeito, no caso concreto, sabia efetivamente da
situação ilegítima ou não, se ele acreditava que aquela situação em que ele se inseria era legítima ou não. A
boa-fé subjetiva pode ser sintetizada como um estado de ignorância, ignorante é quem desconhece, então,
se o sujeito desconhece o vício, a situação de ilegitimidade, ele está de boa-fé. Na boa-fé objetiva se exige
mais, nela imputa-se ao sujeito mais deveres, mais responsabilidades, já aqui não, é uma análise do estado
de ignorância do indivíduo.
Durante algum tempo a boa-fé subjetiva foi explicada a partir de uma TEORIA PSICOLÓGICA que trabalhava
apenas e tão somente com a CONVICÇÃO DO INDIVÍDUO. Então, em um primeiro instante quando se falava
em Teoria Psicológica da Boa-fé Subjetiva dizia-se que ou o sujeito está de boa-fé e ele ignora ou ele sabe e
está de má-fé e má-fé é igual a dolo. Em um primeiro visualizar da coisa a negativa de boa-fé subjetiva é a
má-fé e esta é dolo, então, para afastar a boa-fé subjetiva deve-se provar o dolo. A boa-fé é presumida, a
má-fé se prova.

19
Os frutos são bem acessórios que derivam de um bem principal e que podem ser retirados dele
conservando uma certa autonomia que não prejudica, não diminue, o bem principal. Tem-se frutos
naturais, artificiais e os chamados frutos civis.

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 TEORIA ÉTICA  IGNORÂNCIA; ERRO ESCUSÁVEL


Dessa forma, em um primeiro instante só se afasta a boa-fé subjetiva do indivíduo se provar que ele tinha
dolo, com o passar do tempo esse conceito de dolo foi sendo flexionado para admitir também que em
situações em que o sujeito tem uma culpa relevante, grave, se considerasse também que ele estava em um
estado de ignorância. Com o passar do tempo começou a se trabalhar com uma TEORIA ÉTICA DA BOA-FÉ
SUBJETIVA, fez-se isso porque é difícil provar dolo, existiam um monte de situações que na prática o sujeito
merecia efetivamente ser punido e não era porque não se conseguia provar o dolo, passando, então, a
admitir a culpa. E essa é a teoria que abraçamos hoje, trabalha-se com a tese de boa-fé subjetiva, mas uma
boa-fé subjetiva inspirada na Teoria Ética que admite o estado de ignorância, mas para isso deve-se trabalhar
com um erro que seja desculpável, um ERRO ESCUSÁVEL. Então, o sujeito pode alegar que não sabia porque
incorreu em erro, discutindo se ele tinha culpa diante do caso concreto. Eventualmente o sujeito não tinha
o intuito deliberado de causar dano, mas teve culpa e se teve culpa ele também não vai ser visto como um
estado de boa-fé subjetiva.
É o que o nosso sistema abraçou, não está expresso no Código mas toda doutrina e jurisprudência vão nesse
caminho. O natural oposto de boa-fé subjetiva é a má-fé e esta é dolo, mas também se coloca a culpa, a
situação do erro não escusável, como uma possibilidade de afastar a boa-fé. É uma análise que deve ser feita
no caso concreto.
 JUSTO TÍTULO E PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ (ART. 1.201, § único, CC)
Ao pegar o art. 1.201 do Código Civil encontra-se:
Art. 1.201. do CC. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição
da coisa.
Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário,
ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.
No artigo há a definição de boa-fé subjetiva, de ignorância. O parágrafo único fala sobre o JUSTO TÍTULO,
quando se pensa na questão da boa-fé da posse trabalha-se também com a ideia do justo título. O termo
técnico “título” no nosso Direito significa causa20. Ex. O sujeito pode dizer que está de boa-fé porque ele tem
uma causa para dizer que chegou ali naquele bem, ele acreditava que estava em uma situação legítima,
acreditava porque o bem foi entregue a ele. A conhecia B há muito tempo e ele sempre foi o possuidor, um
dia se mudou para São Paulo e disse para A que ele poderia ficar com o bem. A não precisa ter
necessariamente um contrato escrito, ele precisa ter uma causa e se a tem ela é o que permite a ele dizer
que acreditava que por conta dela estava em uma situação legítima, induz uma PRESUNÇÃO RELATIVA DE
BOA-FÉ.
O justo título implica em uma presunção de boa-fé, mas não deve-se confundir justo título como sinônimo
de boa-fé, é possível ter um justo título e estar de má-fé. Ex. Um sujeito tem a sua causa e assinou um
contrato, mas o outro consegue demonstrar que ele assinou o contrato só para tapear o legítimo possuidor,
consegue demonstrar que o sujeito sabia que aquele bem estava em uma situação contrária ao seus
interesses e que ainda assim ficou com ele. Se o outro conseguiu provar o sujeito está demonstrando má-fé.
O justo título é a causa hábil para que se consiga justificar a situação com o bem, o sujeito tem o bem por
conta da causa, por conta da história, e isso o autoriza a ficar legitimamente com o bem. Ainda que a causa
seja falsa o sujeito vai estar de boa-fé e a relevância de estar de boa-fé são os efeitos acessórios que são
associados em discussão possessória, vão variar de acordo com isso, como o prazo de usucapião, a
responsabilidade pela conservação da coisa, o direito de indenização de benfeitoria, o direito de ficar ou não
com os frutos. Esses efeitos acessórios estão inseridos na discussão da possessória em um segundo plano e
também estão inseridos na discussão das reivindicatórias, ou seja, essa ideia de posse de boa e de má-fé é
uma questão que aparece tanto nas possessórias quanto nas petitórias. Então, por exemplo, o proprietário

20
Não confundir com contrato, muitas vezes o título é também um contrato, mas não precisa ser
necessariamente um contrato, é uma causa.

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que reivindica um bem não reivindica com base em posse justa ou injusta, mas a boa e a má-fé são relevantes
para ele se ele quiser exigir, por exemplo, a indenização suplementar pelo uso indevido do bem. Se o sujeito
estava de boa-fé ele não vai poder exigir que ele repare os frutos que foram tirados, não vai poder exigir o
pagamento de um aluguel. Mas se o sujeito estava de má-fé ele pode exigir tudo isso, por exemplo, alegar
que o sujeito entrou no seu bem, que sabia que aquela situação não era justa e ainda assim ficou. O
proprietário experimentou perdas porque o sujeito colheu os frutos que ele tinha naquele imóvel, porque
deixou de ganhar alugueis e agora quer cobrar desse sujeito.
Os efeitos acessórios relacionados a situação possessória variam de acordo com a boa ou má-fé do indivíduo
em relação a conservação do bem.
Tem também o Enunciado 302 do Conselho da Justiça Federal, as Jornadas de Direito Civil que são feitas ano
a ano. Não é lei, mas serve como uma pauta, é mais doutrina do que lei porque se reune uma série de
estudiosos do Direito Civil que propõem enunciados para tentar unificar ou uniformizar a interpretação do
Código. São enunciados que tendem a serem seguidos pela jurisprudência, até porque são organizados pelo
CJF.
O En. 302 diz que o justo título é aquilo que é capaz de transferir posse, nesse caso de posse ad usucapionem.

En. 302, CJF – Art.1.200 e 1.214. Pode ser considerado justo título para a posse de boa-fé o ato jurídico capaz
de transmitir a posse ad usucapionem, observado o disposto no art. 113 do Código Civil.

En. 303, CJF – Art.1.201. Considera-se justo título para presunção relativa da boa-fé do possuidor o justo
motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse, esteja ou não materializado em instrumento público
ou particular. Compreensão na perspectiva da função social da posse.

Também o título que é capaz de transferir a posse que é ad interdicta, ou seja, uma situação em que o sujeito
não vai ser possuidor pleno, pode ser suficiente para deixar o sujeito em um estado de boa-fé. Ex. A está com
o bem, ele é proprietário e possuidor no primeiro instante, e veio B e esbulhou, sendo assim, a posse de B é
injusta. É uma posse também de má-fé, ele sabe que não deveria estar ali, foi ele que praticou o delito21. B
resolveu durante a discussão com A alugar para C. C se tornou possuidor, porém, B não deixou de ser
possuidor, ele é possuidor indireto enquanto que B é possuidor direto. Nesse caso, a posse de C é justa
perante B, mas perante A é injusta. A posse vai ser injusta naturalmente porque B estava de má-fé.

Se essa situação não fosse a de um aluguel, se fosse uma venda, a posse de C seria justa perante A, porque
ele recebeu a coisa sem saber que era esbulhada. Nessa hipótese do aluguel deve-se atentar pelo fato de
que quando se fala em aluguel há o desmemmbramento da posse, com isso a posse de B é a mesma da posse
de C, eles não a fracionaram, a situação possessória é uma e essa situação foi desmembrada, mas o que C
está discutindo na prática é a posse de B. A posse de B é injusta perante A porque ele utilizou de esbulho, se
A ingressar com uma ação contra C, uma reintegratória, o natural da situação é que ele diga que realmente
a posse é injusta porque a posse é a de B, mas ele é um possuidor de boa-fé, não tem nada a ver com a
indenização, quem tem que pagar é B. Processualmente ele teria chamar ao processo B para responder, é
um litisconsórcio. C tecnicamente não pode ser visto como ilegítimo porque ele tem o bem, então, vai sofrer
as consequências da condenação, ele tinha um contrato de aluguel e esse contrato vai ficar rescindido. C
seria ilegítimo para responder pelos frutos colhidos, para responder pela reparação, pela eventual perda da

21
Estamos vendo uma situação em que o sujeito está em uma posse injusta e de má-fé, não
necessariamente a posse injusta será uma posse de má-fé.

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coisa que aconteceu. C vai jogar o problema de B, mas ele vai ter que devolver o bem porque a situação
possessória é uma só, tecnicamente falando a posse deles não é diferente.
Deve-se atentar ao caso concreto, para considerar o terceiro completamente livre ele tem que estar
exercendo uma posse plena, uma posse que seja dele, porque se estiver exercendo simplesmente a posse
direta ele na prática está exercendo aquela posse direta com o vínculo jurídico com o possuidor indireto e é
uma situação possessória única. Então, tecnicamente a posse que ele está discutindo é uma posse que tem
as características de B, C não se desvinculou da posse de B, seria diferente se fosse uma venda, uma doação,
se B tivesse transferido para C, iria ser constituída uma nova situação possessória e aí ela teria suas
características próprias. Então, se for um aluguel, um empréstimo, uma tolerância do uso, a posse vai ser
injusta.
O que diferencia C de B é a boa-fé,o fato dele ter boa-fé serve para afastar dele o dever de indenizar frutos,
de indenizar pela eventual perda da coisa, a questão das benfeitorias, os efeitos acessórios. Essa situação é
um litisconsórcio necessário, não tem como discutir só a situação de C sem discutir a de B, e nem vice-versa
porque C também vai sofrer as consequências.
Na situação de venda A não vai ter legitimidade para propor uma possessória, não vai poder discutir posse,
mas A pode reivindicar o bem, pode pedir a propriedade. Se A pedir a propriedade para B existe uma
responsabilidade de B que transferiu uma coisa que não era dele, vai ter o direito de regresso para indenizar,
que é a evicção. Na discussão possessória A não tem legitimidade para ir diretamente para C, havia uma
situação possessória que era de A, que foi violada por B, B transferiu o bem para C criando uma nova situação
possessória. A situação possessória de C não tem mais nada a ver com a de B, são coisas distintas, C é terceiro
e não responde pelos vícios objetivos cometidos por B.
Agora, no caso do aluguel, se há um vínculo jurídico na prática não está se constituindo uma nova situação
possessória, está pegando a mesma situação possessória e desmembrando. Então, aquela posse foi adquirida
de forma violenta, ainda que não tenha sido praticada por C, mas no final das contas está se discutindo a
posse de B, está defendendo a posse de B e não a de C.
Quando se discute a posse injusta não se quer saber se o indivíduo sabia ou não, a discussão da posse injusta
diz respeito a forma como a posse foi adquirida, se foi mediante violência, clandestinidade ou abuso de
confiança. A boa e a má-fé são relevantes, mas são relevantes para aspectos acessórios, desdobramentos.
Nessa situação de aluguel, A entra com uma ação possessória contra C, a posse de C foi adquirida mediante
aluguel, mas ela é ainda a posse de B. A posse de B foi adquirida mediante violência praticada contra A, então,
a posse é injusta, agora, C estava de boa-fé, os efeitos acessórios ele vai afastar. A análise da posse justa ou
injusta é objetiva, são vícios objetivos porque prescidem da análise anímica.
PERGUNTA: Se um sujeito quer alugar um imóvel ele é obrigado a fazer uma busca nos cartórios de imóveis
para saber se quem está alugando é o efetivo proprietário? Não tem nada que diga isso, na compra e venda
existe essa obrigação. A compra e venda de um barracão na favela é diferente da compra e venda de um
terreno entre duas empresas, o que vai se esperar de comportamento diante daquele caso concreto são
coisas distintas. No aluguel não tem nada que exija legalmente, o que o sujeito quer não é a propriedade,
mas sim a posse e a posse não se prova por meio de documento, se prova, em princípio, por meios fáticos, o
outro tinha as chaves, tinha como entregar, o sujeito assinou o contrato e não sabia de nada, está, então, de
boa-fé subjetiva.
Na prática, se pegarmos o En. 302 e o En. 303 se o sujeito pegar um documento ou uma causa que esteja
hábil, que seja suficiente para dizer que a situação era legítima, ele estará em uma presunção de boa-fé, o
justo título implica em um presunção de boa-fé. Não confundir justo título com boa-fé porque mesmo que o
sujeito tenha o justo título a outra parte ainda pode provar que ele estava de má-fé, vai ter que provar que
apesar da causa o sujeito estava mentindo e que sabia da situação ilegítima do bem.

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• TRANSFORMAÇÃO DA POSSE DE BOA-FÉ EM POSSE DE MÁ-FÉ (ART. 1.202 do CC)


Diferente do que ocorre na posse justa ou injusta uma posse que nasce de boa-fé pode ser convertida me
posse de má-fé, como se trata de um estado anímico, da ignorância de uma situação ilegítima, é possível que
se converta uma situação legítima em uma situação ilegítima. Ex. A comprou um determinado bem e achava
que era dele, estava exercendo a posse, mas depois ele descobriu que não era, passando a sua posse de boa-
fé a ser uma posse de má-fé. Leia-se:

Art. 1.202, CC. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias
façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente.

Então, quando se chega em uma situação em que o sujeito toma consciência do vício ele deixa de estar em
uma situação de boa-fé e passa a ser possuidor de má-fé. A partir do momento em que se converte em
possuidor de má-fé ele passa a responder pelos frutos que consumir, passa a ter uma responsabilidade
majorada pela conservação da coisa, passa a responder pelas benfeitorias. E antes? E o que ele já praticou e
estava de boa-fé? O sujeito continua a responder por aquele período, mas como se ele estivesse de boa-fé.
Há o fracionamento da análise.
 SISTEMA ROMANO (MOMENTO DA AQUISIÇÃO) X SISTEMA CANÔNICO (INDEPENDENTE DO MOMENTO)
O sistema romano trabalhava com um critério que era imutável de posse de boa-fé, era igual a posse justa
ou injusta, se o sujeito “nascia” com a posse de boa-fé ele “morria” com ela. Não foi o que adotamos, no
Brasil foi adotada a ideia do sistema canônico de que a posse pode ser convertida de boa-fé em uma posse
de má-fé. A boa-fé é estado de ignorância, então, se o sujeito não sabe de um eventual vício, de uma eventual
ilegitimidade, ele está de boa-fé, se em um determinado momento ele descobrir que a posse não é uma
posse justa ele passa a ser um possuidor de má-fé. Olhando na prática, por exemplo, um sujeito comprou um
bem móvel, não tem registro, na mão de um conhecido, um relógio, depois de um tempo usando o relógio
alguém bate na sua porta dizendo que o relógio é roubado. O sujeito confia no outro que o vendeu, é seu
melhor amigo, então, não acha que ele fez uma coisa dessas. O sujeito está de má-fé? Em um primeiro
momento não acreditou na história, achou que esse que estava batendo na porta queria aplicar um golpe.
Ele é obrigado a acreditar na palavra dessa pessoa? O sujeito está de má-fé por conta disso?
Essas perguntas foram feitas e predominou o sentido de que para induzir alguém em má-fé não basta
simplesmente interpelá-la verbalmente, precisa-se judicializar a questão, então, o sujeito só vai conseguir
inverter uma posse que era originariamente de boa-fé em uma posse de má-fé por meio da judicialização.
Pode interpelar o sujeito primeiro extrajudicialmente? Sim, a finalidade disso é induzir em mora caso tenha
depois ingressado com uma ação, o sujeito tem que entrar com uma ação depois, se não fizer isso não vai
ter efeito prático nenhum, a não ser que o outro confesse. Para se livrar da má-fé ele devolve o bem, como
isso não acontece muito na prática termina-se levando isso para um caso judicial.
 MOMENTO PROCESSUAL
Vai precisar tornar litigiosa, vai precisar de uma ação, para transformar a posse de boa-fé em uma posse de
má-fé. O sujeito vai ser induzido em má-fé por conta dessa ação, mas quando ele se torna de má-fé? No
momento que a ação foi proposta? Que ele foi citado? No momento que apresenta a defesa? Ou no
momento que o juiz decide? O art. 240, caput do CPC diz que:
Art. 240, caput, CPC. A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz
litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e
398 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

O sujeito foi citado e está constituído em mora, mas aí ele alega que o outro escreveu um monte de bobagem
na ação, que ele tem defesa para tudo o que o outro escreveu. A posse dele é de má-fé? Qualquer um pode
propor uma ação contra quem quiser, o sujeito A estava passando na rua e resolveu propor uma ação contra
B, não tendo direito nenhum sobre o bem, propôs uma ação desastrada. B está de má-fé porque A propôs
uma ação desastrada? Tecnicamente, para induzir alguém em má-fé o sujeito vai precisar da ação, porque

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no momento em que alguém recebe a citação ele não pode mais dizer que ignora, esse alguém sabe que
aquela coisa é litigiosa. Agora, ele pode achar que a posse é melhor do que a do outro, que a posse é legítima.
Então, trabalha-se com a perspectiva de que quando o sujeito recebe a citação ela termina sendo o momento
em que vai induzir a dúvida, que vai tornar dúbia a citação, mas para saber se efetivamente a posse era de
boa ou má-fé depende do momento da decisão final.
É a decisão que vier a TRANSITAR EM JULGADO porque vai depender de quem ganhar a demanda. Ex. Pode
chegar em uma sentença e o juiz decidir que realmente a posse era do réu, que a situação dele era legítima,
a posse dele se iniciou de boa-fé porque ele estava em uma situação legítima e continuou sendo legítima
porque ele ganhou a demanda. Então, a posse do réu nunca passou a ser uma posse de má-fé, ela sempre
foi uma posse de boa-fé. Se o ganho de causa, contudo, for da outra parte vai se chegar a seguinte
constatação: a posse era de boa-fé, veio a citação e a tornou dúbia, então, ele não ignorava mais, e depois
ficou demonstrado que aquela situação era ilegítima, como ele não pode dizer que ignorava mais a partir
daqui a posse dele é considerada de má-fé. Porém, só vei poder dizer que efetivamente é uma posse de má-
fé depois de transitar em julgado. O juiz deve condenar que devolva a coisa e que arque com os frutos que
indevidamente colheu a partir da citação.
Se o sujeito for citado e não vê muita margem de defesa, não querendo responder pela indenização, ele vai
pedir o depósito judicial da coisa, vai reconhecer o direito da outra parte. A má-fé é a convicção de que sua
situação possessória é ilegítima. Se o sujeito continuar a utilizar a coisa ele está assumindo o risco de lá na
frente via uma sentença desfavorável vir a ser condenado a indenizar. Ex. Ao entrar uma ação contra um
sujeito ele devolve o bem, reconhece que perdeu o processo, mas ele vai dizer que não exerceu a posse de
má-fé. Antes era de boa-fé, ele só não devolveu porque não tinha sido citado, pedindo, então, que não o
condene pelo uso, pelos frutos. Gustavo nunca viu isso acontecendo, mas em tese é isso que deve acontecer
se o sujeito não quiser assumir o risco.
A boa e a má-fé serão discutidas quando alguém pede direito de indenização pelos frutos, quando pede
direito de indenização pelas benfeitorias, quando pede que o sujeito seja responsabilizado pela perda da
coisa. Se o sujeito está discutindo apenas e tão somente a devolução do bem não será discutido a boa e má-
fé, se discute apenas a posse justa ou injusta.
Então, basicamente, a posse de boa e má-fé se separam nisso, são efeitos acessórios da posse, são situações
que remotam a questão da boa-fé subjetiva, tem-se que fazer uma análise no caso concreto, e tem também
a questão do justo título, se alguém tem o justo título, que é uma causa hábil para acreditar que aquela
situação é legítima, tem-se a presunção de boa-fé. Ter o justo título não significa ter uma presunção absoluta,
é uma presunção relativa porque ela pode ser infirmada.
4. POSSE NOVA x POSSE VELHA
• A SISTEMÁTICA DA MELHOR POSSE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916

Art. 507, CC/16. Na posse de menos de ano e dia, nenhum possuidor será manutenido, ou reintegrado
judicialmente, senão contra os que não tiverem melhor posse.
Parágrafo único. Entende-se melhor a posse que se fundar em justo título; na falta de título, ou sendo os
títulos iguais, a mais antiga; se da mesma data, a posse atual. Mas, se todas forem duvidosas, será
seqüestrada a coisa, enquanto se não apurar a quem toque.

Art. 508, CC/16. Se a posse for de mais de ano e dia, o possuidor será mantido sumariamente, até ser
convencido pelos meios ordinários.

Ao lado dessa classificação tem-se algumas outras, existe uma classificação que separa posse nova e posse
velha. Antigamente, no Código Civil de 1916, esse conceito de posse nova e velha servia para discutir o mérito
próprio da possessória. Hoje fala-se em posse justa e em posse injusta, no Código Civil de 1916 falava-se de
melhor posse, o conceito de melhor posse trabalhava com alguns critérios, um deles era a propriedade. O
proprietário sempre prevaleceria perante o possuidor, quando o sujeito não fosse proprietário e estivesse
discutindo uma posse a posse velha prevaleceria sobre a posse a nova.

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A POSSE VELHA é aquela que tem mais de um ano e um dia, a POSSE NOVA é aquela que não completou um
ano e um dia. Por que é um ano e um dia? Não existe nenhuma referência para dizer o porque do um ano e
um dia, hoje é assim porque a lei diz que é. Dizem historicamente que um ano e um dia é mais ou menos o
tempo que o sujeito tem para fazer o plantio e a colheita da maioria das coisas, um ano e um dia seria uma
posse velha porque ele já teria o tempo para plantar e colher algo.
• A SISTEMÁTICA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

Art. 1.211, CC. Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a que tiver a
coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso.

Esse conceito era relevante em termos de Direito Material no Código Civil de 1916, o Código Civil de 2002
abandonou esse critério, não faz referência qualquer a prazo de ano e dia. Porém, não se pode esquecer esse
conceito porque o Código de Processo Civil trabalha com ele. Então, sai um pouco do campo do Direito
Material propriamente dito e se pensa na tutela jurisdicional da posse.
Antigamente no processo os poderes dos juízes eram muito mais restritos, não podiam dar liminar às cegas,
em excesso, só podiam dar liminar diante de determinadas situações que estivessem expressamente
consignadas em lei. Porém, uma das situações que sempre admitiu a concessão de liminar, mesmo quando
o juiz não tinha tantos poderes quanto hoje, que podem dar liminar em qualquer processo, eram as ações
possessórias. Quando alguém está turbando (a posse é ameaçada, começa a ser diminuída) ou esbulhando
outra esta tem o prazo de até um ano e um dia para ingressar no Judiciário e ter a liminar como um direito
necessariamente dela. Diante de uma reação no Judiciário, dentro do prazo de um ano e um dia, o juiz tem
o dever de conceder a medida liminar, seja para fazer cessar a turbação, seja para garantir a reintegração de
posse.
Esse prazo terminou sendo mantido útil no nosso sistema por meio dessa distinção de AÇÃO DE FORÇA NOVA
e AÇÃO DE FORÇA VELHA.
• AÇÃO DE FORÇA NOVA X AÇÃO DE FORÇA VELHA

Art. 558, CPC. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da Seção II
deste Capítulo quando a ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na
petição inicial.
Parágrafo único. Passado o prazo referido no caput, será comum o procedimento, não perdendo, contudo,
o caráter possessório.

Então, sempre que tiver um esbulho ou uma turbação segue-se para o rito das possessórias, isso significa
basicamente fazer jus à concessão de uma medida liminar (é a única diferença que tem), eventualmente se
não conseguir provar logo na inicial que tinha posse e que ela foi objeto de turbação ou de esbulho e que o
prazo entre isso foi de um ano e um dia o juiz marca uma audiência de justificação prévia. O juiz chama o
réu, este leva testemunha para provar que houve o esbulho e ele dista de menos um ano e um dia. Se ficar
constatado o fato de que o esbulho ou a turbação ocorreu a menos de ano e dia o juiz tem a OBRIGAÇÃO de
conceder a medida liminar, não interessando o que o juiz achou, se achou justo ou injusto, ele tem a
obrigação de determinar a devolução do bem ou a cessação da turbação. Se ele não fizer cabe recurso porque
isso não é algo deixado a critério dele.
Dessa forma, há uma medida liminar que diferencia as possessórias dos procedimentos comuns. Se passou
mais de um ano e um dia o sujeito ainda pode ingressar com uma ação possessória? Sim, mas o juiz não vai
estar obrigado a conceder essa liminar porque já passou o prazo. Ele pode conceder a liminar por outros
motivos? Pode, com base na história de atencipação de tutela normal, o juiz pode entender que houve um
abuso do direito de defesa, que existe aqueles critérios de verossimilhança, fumaça do bem direito e
periculum in mora, e etc.

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O prazo de ano e dia é relevante em termos processuais para saber se o sujeito faz jus ao deferimento dessa
medida liminar específica das possessórias ou não. Se o sujeito propôs a ação com menos de ano e dia da
data do esbulho diz-se que ele está diante de uma AÇÃO DE FORÇA NOVA, porque ele faz jus a liminar, se
propôs com mais de ano e dia a ação é de FORÇA VELHA, não fazendo jus a essa liminar das possessórias,
não podendo obrigar o juiz a conceder a medida liminar, ainda que o sujeito possa pedir uma antecipação de
tutela, aí o juiz já vai trabalhar com outros critérios e eventualmente pode negar. A ação continua a ser uma
ação possessória, ter mais de ano e dia não significa dizer que perdeu a ação, de que não pode mais buscar
por meio de uma reintegração de posse, significa que agora o sujeito corre o risco de ter que esperar via
sentença para ser reintegrado, que agora talvez tenha que esperar o trânsito em julgado para poder exigir a
reintegração do bem. Significa que se o sujeito optou por discutir posse vai-se discutir apenas violência,
clandestinidade e abuso de confiança, significa que pouco importa o réu dizer que ele é proprietário porque
não está se discutindo o proprietário, mas sim o fato.
5. POSSE NATURAL x POSSE CIVIL OU JURÍDICA
É uma classificação que alguns autores explicam de uma forma e outros explicam de outra, então, tem duas
formas de explicar. Alguns dizem que POSSE NATURAL é sinônimo de detenção, sendo a forma mais fácil de
explicar. Posse natural é a posse que na verdade não é posse, é uma posse que não tem efeitos jurídicos. A
POSSE CIVIL OU JURÍDICA é a efetiva posse. Aqueles que explicam dessa forma estão fazendo uma leitura
histórica do instituto, os romanos enxergavam assim, chamavam a detenção de posse natural. A posse civil
ou jurídica seria a efetiva posse que tem repercussão e proteção jurídica.
Outros explicam de uma outra forma, uma forma que diz respeito a espiritualização da posse. Quando se
discute posse via de regra se discute uma situação fática, é algo que tem um substrato fático, que tende ter
testemunha. Posse é no final das contas aparência de propriedade. Isso é verdade e como regra a posse é
um fenômeno fático, porém, com o avanço dos tempos as relações foram se tornando mais complexas e hoje
é possível que se transfira a posse independente de um substrato fático. O CONSTITUTO POSSESSÓRIO é uma
cláusula contratual por meio da qual se transfere posse. Ex. A comprou um determinado bem, fez uma
escritura pública de compra e venda de um determinado imóvel, pagou o preço, a escritura foi lavrada, A
registrou a escritura e se tornou proprietário, porém, B nunca entregou as chaves. A pode ingressar com
uma ação possessória? Não, porque ele nunca teve posse. Se B tivesse colocado no contrato uma cláusula
dizendo que por meio daquele contrato ele estaria transferindo a posse A teria legitimidade para ingressar
com a possessória. Hoje se admite que a posse seja transferida por meio de um instrumento jurídico,
independente do substrato fático, então, se uma cláusula específica foi feita para isso, uma cláusula
expressa22, a posse pode ser transferida. Passa a ser uma posse que vai ser provada por meio de um
documento. Essa que é a chamada POSSE CIVIL OU JURÍDICA, seria uma posse que não tem um efetivo
substrato fático. A POSSE NATURAL seria a posse normal que normalmente enxergamos, a posse que deriva
do fato, de uma relação que o sujeito tem com determinado bem.
A posse civil ou jurídica é aquela posse que não existe de fato, mas que foi criada por conta de uma relação
contratual. Ex. Uma casa pertencia a A, que morava nela, porém, um dia A se apertou e precisou vender a
casa. A vende a casa para B, fez uma venda regular, só que A ficou sem casa, ia precisar alugar uma. Perguntou
para B o porque dele estar comprando a casa e B diz que é para alugar, então, A fala para B que quer alugá-
la. Dessa forma, A, no mesmo contrato, fez a compra e venda e fez também um contrato de locação. Na
prática, se for olhar a situação fática, quem está passando de fora só olha que A mora na casa, antes A era
proprietário e possuidor, depois passou a ser apenas possuidor. O fato é que B nunca esteve no bem,
eventualmente B nunca nem viu a casa, ele mora o exterior e nunca veio ao Brasil. B é possuidor? Faticamente
ele não tem uma situação de posse natural, ele pode ter uma posse que foi criada por meio do contrato, dita

22
Tem que ser necessariamente uma cláusula expressa, tem que estar dizendo expressamente que está
transferindo a posse, porque essa é a única forma que o sujeito tem como provar que aquela posse foi
transferida, porque substrato fático não houve. O sujeito nunca teve aquela posse efetivamente.

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civil ou jurídica, que se prova por meio da chamada CLÁUSULA DE CONSTITUTO POSSESSÓRIO. Tem de haver
uma cláusula expressa no contrato.
Além do constituto possessório, pode-se ter também a NEGOCIAÇÃO, pode-se transferir, vender posse. Ex.
A tem um determinado imóvel, na verdade ele não é de A porque A nunca o registrou, mas ele já mora lá há
15 anos, é o tempo para pedir inclusive a usucapião, porém, ele não tem interesse nissso, quer vender. A não
vai vender a propriedade porque proprietário ele não é, não formalizou, mas ele pode vender a posse.
Quando A vende essa posse ele está fazendo uma transferência, fez um contrato e está transferindo aquela
posse por um meio civil ou jurídico, sendo chamada de posse civil ou jurídica.
A posse, naturalmente falando, é uma situação fática, porém, a complexidade das relações fez com que a
gente admitisse que em algumas situações a posse não tenha esse substrato fático e seja enxergada em
situações de pura juridicidade. Se voltasse para a teoria clássica ela ia dizer que esse constituto possessório
não é defesa de posse, seria outra coisa, mas não posse. Vai ser posse porque terminou-se agregando mais
ao sistema protetivo da posse, é como se fosse o contrário da detenção, que é uma situação que poderia ser
de posse mas que o sistema jurídico desqualifica, nessas situações aqui alguém que não teria uma proteção
possessória vai passar a ter por conta de uma cláusula contratual. É um elastecimento da proteção
possessória. Esse fenômeno, em que foge a essa ideia do substrato fático, boa parte da doutrina chama de
ESPIRITUALIZAÇÃO DA POSSE. Isso é possível hoje, se aceita, porque durante bom tempo isso foi controverso
em doutrina.
PERGUNTA: Uma pessoa está morando há um tempo numa propriedade, mas ainda não a usucapiu pois não
tem o tempo, e quer vender a posse. Isso não seria um pouco inseguro para quem está comprando a posse?
O sujeito está comprando a posse e não a propriedade, é melhor comprar a propriedade, é mais seguro.
Provavelmente aquele que vende a propriedade vai vender mais caro do que aquele que vende a posse,
então, o sujeito está assumindo um risco. Ele compra a posse porque está na expectativa de que ele possa
completar o prazo de usucapião e se tornar proprietário.
6. POSSE AD INTERDICTA x POSSE AD USUCAPIONEM
É uma classificação relativamente simples. O nosso sistema admite a proteção possessória em graus, tem-se
a chama POSSE AD INTERDICTA, que é aquela posse que dá acesso aos interditos possessórios, mas que não
induz a usucapião porque não é uma posse plena. Falta a essa posse animus domini , então, o sujeito só pode
usucapir se ele se comportar como se dono fosse do bem. É o exemplo do locatário que alugou o bem, ele é
possuidor direto, ele pode passar 30 anos alugando o bem que não vai se tornar proprietário pelo fato de ter
morado lá pacificamente por esse tempo, faltava a ele animus domini. Animus domini não é querer se tornar
dono, é se comportar como se dono fosse, se o sujeito paga aluguel para alguém ele não se comporta como
se dono fosse, se o sujeito reconhece uma situação jurídica com o bem que seja melhor do que a dele não se
comporta como se dono fosse.
E existe a POSSE AD USUCAPIONEM que além da proteção aos interditos possessórios ela defere também a
possibilidade de usucapir. O elemento a mais é o animus domini que está presente. Então, a diferença básica
é que na posse ad usucapionem além da proteção dos interditos possessórios tem-se também a questão da
usucapião, a possibilidade de se usucapir, desde que o sujeito conserve a posse mansa e pacífica por tempo
suficiente para fazer.

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