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Pedagogia

História da educação

Vila São José-PA 1

2023
PEDAGOGIA
HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO

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SUMÁRIO

Unidade 1 ......................................................................................................................... 5

1. A educação antiga e medieval ................................................................................ 5

1.1 Educação antiga ............................................................................................... 6


1.1.1 Educação no Egito ........................................................................................ 7
1.1.2 Educação na Grécia ................................................................................... 10
1.1.3 Educação romana ....................................................................................... 15
1.1.4 Educação medieval ..................................................................................... 16
A escolástica ........................................................................................................... 18
Unidade 2 ....................................................................................................................... 21

2. Educação: do renascimento ao surgimento dos sistemas escolares ...................... 21

2.1 A educação a caminho da modernidade ...................................................... 22


2.2 A educação no período do renascimento ..................................................... 25
2.3 A educação, a reforma e a contrarreforma ................................................. 27
2.4 O iluminismo e a consolidação da educação moderna ............................... 31
Unidade 3 ....................................................................................................................... 36

3. A educação brasileira na colônia e no império ..................................................... 36

3.1 Para um começo de história .......................................................................... 37


3.2 Período jesuítico (1549 - 1759) ...................................................................... 38
3.3 A influência jesuítica na educação brasileira .............................................. 39
3.4 A educação no Brasil na era pombalina (1760-1808) ................................. 42
3.5 A educação no Brasil Imperial...................................................................... 43
Unidade 4 ....................................................................................................................... 49

4. A educação no Brasil: período republicano ........................................................... 49

4.1 Primeira República ............................................................................................. 49


4.2 As reformas educacionais que influenciaram a década de 1930................ 52

4.3 A educação na 2ª república ........................................................................... 52


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4.4 A educação superior no Brasil pós LDBEN 9.394/1996 ............................. 64
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................ Erro! Indicador não definido.

Caríssimos estudantes,

A disciplina HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO tem como objetivo principal contribuir para a sua
compreensão da evolução sócio-histórico da educação através da identificação dos paradigmas
educacionais, na realidade tempo/espaço, com atenção especial para a História da Educação no
Brasil, suas tendências e concepções de educação ideal, conforme a realidade educacional, no
contexto sócio-político específico de cada época.

Essa disciplina conduzirá você a uma reflexão sobre o nosso passado educacional. com o apoio
dos autores clássicos da historiografia da história da educação. Será apresentada uma análise das
principais características dos processos educativos e sua interação com o contexto socioeconômico
e cultural em diferentes períodos históricos da civilização, relacionando-os ao contexto educativo
brasileiro, de forma a auxiliá-lo na identificação dos aspectos históricos que fundamentam nosso
atual sistema educacional.

Desejamos que sua caminhada nesta disciplina seja prazerosa e enriquecedora.

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Unidade 1

1. A educação antiga e medieval


Esta unidade tem como objetivo central examinar a educação nos diferentes contextos
históricos e auxiliar você a compreender a história da educação antiga e medieval. Propõe-se,
através deste estudo, examinar a educação em diferentes contextos históricos para que você possa,
através do conhecimento da história da educação da civilização ocidental, compreender a história
da educação brasileira falaremos um pouco sobre a educação nas civilizações oriental, porém não
alongaremos nossa conversa sobre elas, tendo em visto o tempo que dispomos para este estudo e,
ainda, que nossa tradição é predominantemente ocidental.

No desenvolvimento desta unidade, você vai encontrar temáticas que são abordadas com
base em uma perspectiva histórica, verá que tudo na Educação, dos conhecimentos às relações
entre sujeitos escolares, espaços, metodologias e materiais foi inventado, produzido pelo ser
humano em circunstâncias sociais e históricas determinadas.

Com base em autores como Maria Lúcia Aranha (1990), Paul Monroe (1976), Tomas
Giles (1987), Luciano Farias Filho (1995), Mario Mana- corda (2006), entre outros, serão
apresentados os fundamentos teóricos para que você compreenda a educação antiga e medieval.

Esta primeira unidade abordará, portanto, a importância da história da educação e o


processo sócio-histórico das práticas educativas no Egito, na Grécia, em Roma e nas Escolas
Medievais.

Segundo Aranha (1990), para entender a História da Educação, é importante conhecer a


educação no contexto histórico, ou seja, faz-se necessário compreender que o homem é resultante
de sua prática social dentro de determinado contexto histórico, social, pois é a partir das relações
sociais que os homens criam padrões, instituições e saberes. Portanto, é “a educação que mantém
viva a memória de um povo e dá condições para sua sobrevivência. Por isso, dizemos que a
educação é uma instância mediadora que torna possível a reciprocidade entre indivíduo e
sociedade” (ARANHA, 1990, p.15).

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A educação está envolvida nas relações sociais que os homens estabelecem e sofre
influência ideológica por estar ligada à política. Portanto, o fenômeno educacional não é neutro,
está ligado às questões culturais, políticas e sociais de seu tempo (FARIA FILHO, 1995).

A escola faz parte de um mundo marcado por desigualdades e lutas sociais; nesse sentido,
faz-se relevante refletir sobre a escola como um instrumento de transformação da sociedade, ao
mesmo tempo em que as trans- formações políticas, econômicas e sociais contribuem para a
constituição dos sistemas de ensino.

1.1 Educação antiga

O processo educativo passou por constantes mudanças através da história das


civilizações. Propomos rever alguns desses momentos históricos, pois “a história da educação na
antiguidade se torna um objeto interessante na medida em que remonta à história de nosso próprio
processo pedagógico”. (MARROU, 1966, p.4). Vamos lá!

De acordo com Aranha (1996), nas civilizações orientais, embora seja reconhecida a
existência da escrita, não havia propostas propriamente pedagógicas, a preocupação com a
educação permeava os livros sagrados, que ofereciam regras ideais de conduta e orientação para o
enquadramento das pessoas nos rígidos sistemas religiosos e morais. Veremos que as grandes
civilizações, na antiguidade, tinham modelos de educação parecidos, cujos ensinamentos eram
passados principalmente de pai para filho.

Segundo Manacorda (2006), é do Egito que chegaram os testemunhos mais antigos e


talvez mais ricos sobre todos os aspectos da civilização e, em particular, sobre a educação, embora
haja conhecimentos sobre a cultura de outros povos. Assim sendo, iniciaremos os estudos da
História da Educação na antiguidade pelo Egito. Propomos fazer breves passagens pela história
antiga, uma vez que nosso foco principal deverá ser a história da educação no Brasil.

Vamos conversar um pouco sobre essa educação? Vamos encontrar nos registros
proporcionados pelos historiadores que a educação, para falar bem e para a

obediência, consistia no verdadeiro valor da educação na antiguidade, estava diretamente


ligada a fins políticos de governo e acontecia em contraste com a natureza individual, na formação

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da personalidade. Nesse contexto, o objetivo principal da educação era o falar bem, embora a
escrita já fizesse parte da cultura antiga.

1.1.1 Educação no Egito

Como você poderá verificar através de pesquisas mais aprofundadas, a escrita aparece na
antiguidade como instrumento de registro dos atos oficiais, era utilizada por peritos e não
necessariamente por governantes, ao passo que o falar bem se identifica com a arte do governo, ou
seja, era instrumento direto da política.

Faz-se relevante, aqui, destacar que a educação sistematizada, na antiguidade, era


direcionada principalmente à formação da classe dominante.

A educação egípcia não se limitava à elite, ao contrário da Babilônia e de outros povos


em que somente a classe dos sacerdotes escribas era alfabetizada.

No antigo Egito, a educação começava cedo na vida da criança, pois esse povo tinha um
caráter bastante prático por natureza. Os egípcios necessitaram desenvolver técnicas e ciências
para resolver seus problemas cotidianos tendo em vista sua ocupação geográfica, ou seja,
localizada às margens do Rio Nilo, na porção nordeste do continente africano. Os alunos recebiam
informações sentados em esteiras. O ensino é direcionado a prática, com exercícios e com
aplicações de artes da arquitetura da época, do comércio e da administração.

Vamos observar através dos registros dos historiadores que a educação no antigo Egito
estava voltada para o desenvolvimento da fala, da obediência e da moral. As escolas funcionavam
como templos e algumas casas foram frequentadas por pouco mais de vinte alunos. A
aprendizagem se fazia por transcrições de hinos, livros sagrados, acompanhada de exortações
morais e de coerções físicas. Ao lado da escrita, ensinava-se também aritmética, com sistemas de
cálculo, complicados problemas de geometria associados à agrimensura, conhecimentos de
botânica, zoologia, mineralogia e geografia.

Pode-se afirmar que, no início do Médio Império (2133- 1786 a.C.), o uso do livro de
texto aparecia, com frequência, sendo utilizado pelos escribas, e, isto acontecia por um pai escriba
educando seu próprio filho ou um discípulo.

Vamos observar, também, que, na antiguidade, as escolas se não eram públicas, ao menos
eram coletivas, e havia presente a relação educativa privada, de pai para filho ou de escriba para

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discípulo (aluno). Segundo Manacorda (2006), a progressiva transformação da sabedoria em
cultura, em conhecimento erudito e em assimilação da tradição, com seus rituais, e a correlativa
constituição da escola com seus materiais didáticos, os rolos de papiros, é confirmada tanto pelas
inscrições fúnebres como pelos textos literários.

Observe o texto abaixo:

“Faz-se o que se diz quando se estuda nos livros. Penetra nos livros,
coloca-os no teu coração: tudo o que dirás será excelente. Um escriba
destinado para uma função consulta os escritos”. (Br. 291 apud
MANACORDA, 2006, p. 27).

Veja que através da leitura deste parágrafo, já no segundo período (cerca de 1785 a 1580
a. C.), a passagem da sabedoria para a cultura ou instrução tornou-se mais clara, pois o sábio deixa
de ser apenas aquele que possui experiência e inteligência para ser também aquele que conheceu a
tradição através dos livros, que adquiriu cultura e assimilou a sabedoria dos antigos através dos
livros. É neste momento histórico que o livro ganha destaque como instrumento de instrução.

De acordo com Manacorda (2006), é no Novo Império (1552 – 1069 a. C.) que ocorre a
generalização e a consolidação da escola, pois neste período aparece uma quantidade considerável
das chamadas coletâneas escolares, textos e cadernos de exercícios, contendo hinos, orações,
sentenças morais, além de sátiras de ofícios e exaltações dos antigos escribas e do ofício de
escriba.

Vamos perceber que, já na antiguidade, havia uma preocupação com a educação infantil,
pois, segundo Manacorda (2006), há registros de que foi inventada para as crianças pequeninas, no
que se refere ao cálculo, noções aritméticas a serem aprendidas através do jogo e da diversão;
subdivisão de maçãs e de coroas entre certo número de alunos, dando a cada aluno o mesmo
número, entre outras atividades que proporcionavam este trabalho. Este fato foi comprovado
através dos achados arqueológicos, tanto de brinquedos como de representações de jogos, junto
com as fontes literárias apresentadas e os testemunhos iconográficos, que consistem em fontes
preciosas de informações a respeito de aspectos concretos da educação na antiguidade.

A civilização egípcia destacou-se muito nas áreas de ciências. Desenvolveram


conhecimentos importantes na área da matemática, usados na construção de pirâmides e templos.
Na medicina, os procedimentos de mumificação proporcionaram importantes conhecimentos sobre
o funcionamento do corpo humano.
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Um fato interessante de se observar é que a educação egípcia não se limitava à elite, ao
contrário da Babilônia e de outros povos em que somente a classe dos sacerdotes escribas era
alfabetizada. No Egito, existia a possibilidade de as classes inferiores aprenderem a ler e a
escrever e inclusive poderiam subir de nível social. O processo educativo egípcio caracteriza-se
pela palavra escrita. Assim, a capacidade de ler e de escrever conferiu aos que detinham esse saber
certo mistério, pois, apoiada pela religião, a autoridade da palavra escrita se torna inviolável
(GILES, 1987).

Outro fato importante, como você pode constatar, é que a presença da religião configura-
se também como uma característica marcante da educação e de todos os aspectos da vida egípcia.
O faraó era o sumo sacerdote dos cultos oficiais e chefe de Estado. Este Estado apoiava-se na
forma teocrática de governo, onde a administração burocrática era ligada à casta sacerdotal. Pode-
se observar que a flexibilidade da sociedade egípcia se deu, entre outros fatores, pelo fato de
qualquer menino talentoso poder se tornar um escriba.

Junto à tesouraria real sempre havia uma escola pública, equipada para a for- mação de
escribas, cujos serviços eram indispensáveis para a manutenção de todo o aparato burocrático do
Estado. Mesmo não conseguindo emprego jun- to ao governo, o escriba era sempre procurado para
a administração das gran- des fazendas e junto aos grandes comerciantes do reino. A instrução
nessas es- colas era gratuita, custeada pelo próprio Estado. O instrumento de mobilidade e de
estabilidade social é a escola. Trata-se de aprender a ler e escrever para subir socialmente.
(GILES, 1987, p. 54).

Propomos aqui falar um pouco dos tipos de escola, no antigo Egito, com base nos
registros encontrados. Vamos lá! Veremos, através dos registros históricos, que, no Egito, no
período depois de 3.000 a.C. ocorreram três tipos de escolas:

1. escolas do templo: as escolas do templo eram direcionadas para treinamento do


clero;
2. escolas da corte: as escolas da corte eram destinadas à formação dos burocratas;
3. escolas provinciais: as escolas provinciais eram destinadas à formação de
funcionários para o setor privado e para o governo.
Nesse período, observamos que há indícios da existência de escolas militares para a
formação dos filhos da nobreza que pretendiam seguir a carreira de oficial do exército. Além
disso, existiam os colégios sacerdotais, de estudos superiores.

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De acordo com os registros históricos, aos cinco anos, iniciava-se a formação dos jovens
nas escolas da aldeia, sob a orientação do templo local, em que podiam aprender os fundamentos
de determinada profissão. Aos dezessete anos, os jovens que se destacavam continuavam os
estudos no templo central ou nas escolas superiores de instrução escribal, durante três ou quatro
anos.

A atividade principal dentro dessa escola era a memorização da hieroglífica e o domínio


da escrita hierática cursiva, utilizada para fins comerciais. Veremos que a escola egípcia consistia
na manutenção da literatura de inspiração divina e a técnica predominante no ensino era a
memorização e a repetição. As virtudes consideradas neste período eram o silêncio, a obediência,
a abstinência e a reverência ao passado. A criatividade e a originalidade deveriam ser evitadas, e o
castigo era aplicado ao aluno como forma para conseguir as virtudes.

Nesse tipo de educação egípcia, você observará que, para se tornar escriba, o aluno tinha
que alcançar perfeição na reprodução dos textos antigos e modelos de escrita, somente através
desse resultado é que poderia ter acesso à mobilidade social. Veremos, também, que o processo
educativo do Egito antigo consistia na conservação das instituições existentes na sociedade sem
que elas fossem modificadas. O modelo educacional do Egito antigo funcionou durante 3000 anos.

1.1.2 Educação na Grécia

Na Grécia, encontraremos aspectos da educação do antigo Egito, principalmente a


separação dos processos educativos segundo as classes sociais, porém esta aconteceu de forma
menos rígida e com evidente desenvolvimento para as formas de democracia educativa.
(MANACORDA, 2006).

Educação no período antigo

Veremos que, para as classes dominantes, a educação grega visava prepará-las para as
tarefas de poder. O mesmo acontecia no Egito, portanto, a ênfase na formação do sujeito era no
“pensar” e no “falar” (política) e no “fazer”, este último aspecto inerente ao uso das armas. Para a
classe trabalhadora (dos governados), não havia escolas, mas havia treinamento no trabalho e isto
consistia em imitar a atividade dos adultos no trabalho. Para as classes excluídas e oprimidas, nada
havia, nem escolas nem treinamento.

Na Grécia antiga, vamos destacar duas modalidades de educação (duas Paideias): a


Homérica e a Hesiodeica. Vamos falar um pouco sobre isto?
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Na educação homérica, os indivíduos das classes dominantes são guerreiros na juventude
e políticos na velhice. A educação, no período homérico, caracterizava-se pela falta de
organização institucional específica, falta de método e de controle. A educação consistia no treino
de atividades práticas, com pouco lugar para a instrução de caráter literário. O treino voltado para
atender às necessidades reais da vida acontecia no seio familiar. Para deveres superiores da vida,
como serviço público, o treino era realizado pelo Conselho (aproximava de uma instituição
educativa), na guerra e nas expedições de conquista. O ideal da educação homérica baseava-se na
teoria do desenvolvimento da personalidade; compreendia o ideal do homem de ação e do homem
de sabedoria. A primeira virtude do homem de ação e do guerreiro era a bravura. Assim, Aquiles
(o guerreiro) e Ulisses (oratória) foram os modelos de virtude de honra. O menino aprendia as
proezas dos heróis homéricos.

Educação no período clássico


A educação hesiodeica, por sua vez, tem origem os ensinamentos que constituem um
patrimônio de sabedoria e de moralidade camponesa e que correspondem aos ensinamentos
egípcios, mesopotâmicos ou hebraicos.

Vemos em Manacorda (2006) que na educação grega, denominada de arcaica,


encontramos documentada a aculturação (moral, religiosa, patriótica) e a aquisição das técnicas,
sobretudo as de governar e as de produzir. Veremos que a educação grega acontece através da
música e da ginástica. Por música, era en- tendido os hinos religiosos e militares, canta- dos em
coro pelos jovens. Por ginástica, entendia-se a preparação do guerreiro.

A educação na Grécia, no período clássico, segundo Manacorda (2006), continua


baseada na música e na ginástica. O autor nos relata que em Creta e Esparta a educação era tarefa
precípua do Estado, confiada a um magistrado denominado de pedônomo ou do legislador para a
infância e também acontecia de forma coletiva.

Durante os primeiros sete anos, a criança ficava sob os cuidados dos referidos assistentes,
bem como do “pedônomo”, em habitações públicas de soldados, mantidas pelo Estado. Nessas
habitações, a criança era preparada para se tornar um guerreiro. Pode- se dizer que a imitação era a
base da educa- ção grega, mas ela, ao contrário da educação oriental, incidia sobre modelos vivos,
sendo o docente um dos mais importantes. “Pelo contato direto do menino com o adulto, como da
criança com o pedagogo e do jovem com o ‘inspirador’, os gregos efetuaram de modo mais
prático a educação moral da juventude”. (MONROE, 1983, p. 49).
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Escola do alfabeto
Veja que, por longo período, os conteúdos e fins da educação permanecem tendo como
seu principal veículo a música e a ginástica, porém, com o desenvolvimento da democracia, a
educação deixa de ser privilégio das classes dominantes e é estendida para as classes menos
favorecidas, ou seja, é direcionada a todos os cidadãos livres. Nesse momento, nasce um fato
novo, a escola de escrita.

Você observou, no início deste estudo, que no Egito os ensinamentos eram escritos?

Lembra-se dos escribas? Recorda que este ensinamento era repassado pelos escribas?
Observou que a escrita egípcia era hieroglífica e, sendo assim, era bastante complexa e de domínio
exclusivo dos escribas? Observou que, por esse motivo, os escribas também eram considerados
homem de poder, por do- minar esta técnica? Então vamos continuar nossa discussão sobre a
educação no Egito e descobrir o que deste modelo existe até hoje na educação brasileira?

Veja você que para entendermos a escola do alfabeto precisamos voltar um pouco na
educação egípcia. Então vamos lá!

No Egito, existia a possibilidade de as classes inferiores aprenderem a ler e a escrever e


inclusive poderiam subir de nível social. O processo educativo egípcio caracteriza-se pela palavra
escrita. Assim, a capacidade de ler e de escrever conferiu aos que detinham esse saber certo
mistério, pois, apoiada pela religião, a autoridade da palavra escrita se torna inviolável (GILES,
1987).

Os fenícios inventaram um sistema reduzido de caracteres que representavam o som


consonantal, característica das línguas semíticas encontrada hoje na escrita árabe e hebraica. Em
seguida, os gregos adaptaram o sistema de escrita fenícia agregando as vogais e criando, assim, a
escrita alfabética. (Alfabeto, palavra derivada de alfa e beta, as duas primeiras letras do alfabeto
grego.)

Na Grécia, com a escrita alfabética considerada mais simples, veremos que surge um
meio mais democrático de comunicação e de educação. A escola de escrita se abre a todos os
cidadãos. Junto aos mestres de música e de ginástica, surge um novo mestre, o das letras do
alfabeto.

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Continuando nossa conversa, veremos que, posteriormente, a escrita grega foi adaptada
pelos romanos, constituindo-se o sistema alfabético greco-romano, que deu origem ao nosso
alfabeto atual. Veremos que esse sistema representa o menor inventário de símbolos que permite a
maior possibilidade combinatória de caracteres, isto é, representação dos sons da fala em unidades
menores que a sílaba.

Com a invenção da escrita, o processo educativo tornou-se mais formalizado, exigindo


uma classe de especialista. Nesse caso, a transmissão e a escrita ficam entregues à
responsabilidade da casta sacerdotal. O sacerdote era o mediador entre os deuses e o homem.
Entretanto, o novo sistema escolar ainda não era universal, destinava-se somente aos filhos dos
detentores de poder. Nesse contexto, surgem as primeiras bibliotecas com escritos de mitologia,
história, astronomia, astrologia, magia, poesia e gramática. Como o sacerdote era o mediador entre
o homem e os deuses, a formação era centrada nos rituais. Portanto, o processo educativo se
destinava à conservação e à continuidade do sistema político e social do período.

No que se refere à educação grega, podemos considerar que essa teve como
particularidade a oportunidade do desenvolvimento individual. As explicações religiosas são
substituídas pelo reconhecimento da razão autônoma, pela inteligência crítica, pela personalidade
livre, capaz de formular o ideal de formação do cidadão. Assim, Aranha (1990) relata que uma
nova concepção de cultura e do lugar do indivíduo na sociedade repercute na educação, bem como
nas teorias educacionais. De fato, os filósofos gregos refletiram a esse respeito, para que a
educação pudesse desenvolver um pro- cesso de construção consciente de que o homem fosse
constituído de modo correto e sem falha, nas mãos, nos pés e no espírito.

Na Grécia, existiam conflitos entre os teóricos educacionais, com relação à constituição


do ideal educativo. Com isso, os filósofos gregos, representantes da nova educação do
mencionado país, ganharam destaque, especialmente, Sócrates, Platão e Aristóteles.

Para refletirmos um pouco a respeito da história da educação no contexto em que vivia


Platão, necessitamos lembrar que as ideias deste filósofo marcam dois momentos e dois modelos
de educação, sendo que o primeiro momento representa as ideias de Platão enquanto jovem, que
são expressas no livro A República. Platão aponta o modelo ideal de cidade, onde as pessoas são
livres para se governar. Aqui, fica clara a concepção de homem, que traz implícita uma concepção
de educação e, consequentemente, uma visão de ensino e aprendizagem coerente com a moral e a
política. Segundo Platão:
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Um homem perfeito só pode ser um perfeito cidadão. E como é necessário
conhecer o bem para ser um homem de bem ou um bom cidadão, se não o
conhecer por si mesmo em todo o seu esplendor, convém pelo menos ser
orientado por aqueles que se elevaram até este conhecimento, ou seja, os
filósofos. Eis por que é necessário, para o bem de todos, que os filósofos
sejam considerados os líderes da cidade (PLATÃO, 1999, p. 32).
Podemos observar que, ao conceber o homem livre, a educação também é concebida de
forma livre, pois é necessário formar o homem que se ajuste a um modelo, onde cada pessoa tenha
consciência de sua classe e, dessa forma, irá desempenhar os seus papéis, cumprir obrigações, a
fim de manter a harmonia entre a hierarquia, necessária a uma cidade justa, livre das desilusões,
conveniências sociais e interesses individuais ou de uma minoria de aristocratas. No que se refere
à educação proposta por Platão na República, Giles afirma que:

Em “A República”, Platão analisa demoradamente o processo educativo.


Este visa, antes de tudo, à formação do guardião, que é quem deve exercer
liderança e garantir a subsistência do Estado na sua forma ideal. Platão é
menos explícito no que diz respeito à formação dos guerreiros e dos
artesãos. Porém, a escolha do candidato para cada tipo de educação será
baseada no talento, ou seja, na capacidade natural. (GILES, 1987, p. 21).
Veremos que a organização da sociedade grega fez florescer o progresso social e que a
liberdade estimulou o desenvolvimento de todos os aspectos e de todas as formas de expressão do
valor individual. Assim, surgiu o conceito de educação liberal, considerada digna do homem livre,
que, segundo os historiadores, possibilita tirar proveito de sua liberdade ou fazer uso dela.

Ao aprofundar no estudo da história da educação na Grécia, você observará que esta tinha
a missão de aplicar a inteligência a todas as fases da vida, pois, no modelo de educação grega
deste período, o saber deixou de ser servo da teologia e a pesquisa não era privilégio especial do
sacerdócio. Verá que, nesse contexto, existia uma contraposição de ideias, discutidas por meio de
debates, de forma que provocasse um conflito. Nesses debates, os gregos defendiam ideais
filosóficos que, ao serem estabelecidos, foram cristalizados de forma a influenciar o mundo
ocidental, até a atualidade. De acordo com Chatelet:

[...] é incontestável que a concepção grega do homem e do mundo se


secularizou ou laicizou progressivamente e que o universo dos deuses
desapareceu pouco a pouco face às ações dos homens... Subministra-se aí
um pensamento novo, que rejeita nos horizontes distantes do arcaísmo o
excessivo interesse pelos deuses e, em consequência, o exclusivo interesse
pelos homens. Nesta óptica, a regulamentação da continuidade já é
significação de ruptura... Um estilo novo de discurso nela se impõe;
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define-se uma ordem que será logo designada como lógica; determina-se
nele uma política original. A novidade é evidente, não é mais a força dos
hábitos ou do poder pseudo real dos mantenedores da ordem que se impõe,
mas a ordem da palavra controlada. (CHATE- LET, 1973, p. 20).
Temos que a educação na Grécia se dividiu entre período antigo (Idade Homérica) e
novo período (educação espartana e ateniense). Já apresentamos a educação no período homérico.
Propomos, agora, falar um pouco da educação grega no novo período, ou seja, educação espartana
e ateniense. Vamos lá!

Você precisa saber que, na educação grega no novo período, continuam as ideias
educacionais, religiosas e morais, porém, nesse momento, desenvolveu-se um novo pensamento
filosófico e novas práticas educativas surgiram.

1.1.3 Educação romana


Começaremos esta discussão esclarecendo para você que, de acordo com os historiadores,
a fundação de Roma resulta da mistura de três povos que foram habitar a região da península
itálica: gregos, etruscos e italiotas. Esses povos desenvolveram na região uma economia baseada
na agricultura e nas atividades pastoris. Lembramos, ainda, que a sociedade romana, nessa época,
era formada por patrícios (pobres proprietários de terras) e plebeus (comerciantes, artesãos e
pequenos proprietários).

A educação romana por obra de escravos e libertos


Através de uma viagem na história da educação romana, veremos que o escravo era
pedagogo e mestre na própria família, ou seja, era o escravo liberto que ensinava na sua própria
escola. Assim como na Grécia, esses escravos pedagogos foram, na sua maioria, estrangeiros
“bárbaros”, isto é, falavam mal o grego e, por- tanto, ensinavam sua própria cultura. Também em
Roma, esses escravos foram gregos que falavam ou não o latim, ensinaram a própria língua e
transmitiram sua própria cultura aos romanos.

Observe que, em Roma, com o desenvolvimento da sociedade patriarcal, a educação se


tornou um ofício exercido inicialmente por es- cravos dentro da família, e, posteriormente, por
libertos, na escola. Podemos dizer que essas são as origens da profissão de educador em Roma.
Segundo Monroe:

O que mais caracteriza esta decadência é o fato desta educação ser


limitada à classe mais elevada. A educação já não se destinava a ser a
educação prática de todo o povo, mas o ornamento de uma sociedade oca,

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superficial e geralmente corrupta; já não é um estádio de desenvolvimento
possível para um povo inteiro, ou para indivíduos de dada categoria, mas a
simples obtenção ou mesmo mera insígnia de distinção de uma classe
favorecida. Quando o antigo vigor político e as oportunidades para as
atividades políticas desapareceram, o governo municipal se tornou mera
máquina para coletar impostos, quando o exército se encheu de bárbaros, a
classe superior, agora mais numerosa do que nunca, voltou-se para o único
traço remanescente da primitiva Roma imperial - a cultura. (MONROE,
1976, p. 23).
Observe que, na educação romana, prevaleceu um sistema modificado que incluía
elementos gregos e romanos. A cultura e literatura grega chegaram às classes superiores, nas quais
se organizou um sistema de escolas de gramática e de retórica, fundaram-se universidades e
bibliotecas. Mas, com o tempo, essa educação ficou formal e irreal e perdeu sua importância
social. Surge, então, uma nova educação ministrada pela Igreja.

Temos, ainda, que na educação romana, que era essencialmente prática, as escolas e os
professores, de uma forma geral, ocupavam papéis secundários, pois a família era o centro do
processo educacional. Vimos também que existiram, em Roma, inicialmente, as escolas
elementares, denominadas ludi, as quais ficavam responsáveis por ensinar os rudimentos da
leitura, da escrita e do cálculo. Entre meados do século III e I, a cultura grega foi assimilada pelos
romanos e, com isto, surgiu a escola grega de gramática, a qual marcou o período introdutório das
escolas gregas. Nela, lecionavam docentes gregos, que ensinavam noções básicas da língua e da
literatura (MONROE, 1983).

1.1.4 Educação medieval


Dedicaremos, aqui, um espaço para apresentar alguns elementos históricos que nos
possibilitem discutir acerca da educação na Idade Média. E, para iniciarmos essas reflexões,
buscaremos apoio nas palavras de Manacorda, ao tratar da educação na Idade Média, em que
afirma:

No início do século VI, verificam-se fenômenos políticos significativos.


De um lado, alguns reinos romano-bárbaros já se implantavam firmemente
em territórios do Império do Ocidente, onde a única autoridade política
autentica- mente romana é a Igreja e especialmente o papado; de outro
lado, o Império do oriente conserva ainda a sua unidade e a sua força, o
que lhe permitirá tentar a reconquista do Ocidente. Estes três centros de
poder, tão diferentes entre si, se enfrentarão numa complexa luta
ideológica e militar. (MANACOR- DA, 2006, p. 111).

16
Diante do exposto, vale esclarecermos a você que, no decorrer da história, devido a
muitos acontecimentos políticos, encontramos a decadência da cultura clássica, que
compreendemos fazer parte do mundo grego.

Escolas medievalistas
Convidamos você a continuar a reflexão sobre a educação medievalista com vistas a
revisitar a história da educação na Idade Média e isto requer que não nos esqueçamos de ponderar
que a vida da Igreja cristã primitiva era em si mesma uma escola de enorme importância, pois
durante aproximadamente mil anos a educação se caracterizaria pela ausência de elementos
intelectuais com priorização dos elementos cristãos e morais. E, na sequência, salientamos que,
naquele contexto histórico, a Igreja estava empenhada na reforma moral do mundo, para a
educação moral dos seus próprios membros.

Veja que as escolas eram verdadeiros catecumenatos, tinham o aspecto mais primitivo da
vida da Igreja Cristã, que se aproximava de uma instrução formal. Era, na verdade, a preparação
dos conversos, jovens e idosos; destinava-se à instrução na doutrina e na prática de vida cristã.

As escolas catequéticas usavam o mesmo método das escolas catecumenatos, porém


colocavam a filosofia, a retórica e o saber grego à disposição da Igreja Cristã. As escolas
episcopais e as escolas das catedrais são organizadas pelos bispos para preparar o clero. Os
sacerdotes foram submetidos às regras ou cânone, possibilitando o controle do trabalho dessas
escolas.

Na sequência, lembramos também que, com a destruição da cultura romana pelos


bárbaros, a educação ficou nas mãos da Igreja; estas escolas, juntamente com os mosteiros, eram
as únicas existentes no Ocidente. Com relação à educação como disciplina moral, o monaquismo
significa a organização de homens que fizeram votos de vida religiosa e que vivem de acordo com
as regras de conduta.

As escolas episcopais destinavam-se à preparação do clero secular; as escolas nos


mosteiros e a dos frades mendicantes foram denominadas congregações de ensino, justamente por
desenvolverem o trabalho educativo.

Diante do exposto, esclarecemos-lhe que o monarquismo foi um sistema de educação es-


colar destinado à formação do caráter moral e religioso. As escolas nos mosteiros ensinavam as
artes de leitura. Esse ensino era considerado pobre e destinava-se aos meninos que seguiriam a

17
vida monástica. Os mosteiros foram considerados os grandes depositários da literatura e do saber,
principalmente da literatura dos antigos. Os monges produziram materiais, destacando-se as
discussões das sete artes liberais (trivium - gramática, retórica, filosofia - e quadrivium - aritmé-
tica, geometria, astronomia e música), que significava o conjunto do saber.

Após termos refletido acerca da história da educação medievalista, voltaremos nossas


conversas para o modelo de educação denominado de escolástica.

A escolástica
Antes de refletirmos acerca do significado da escolástica, é necessário que você se
lembre-se de que, no curso da história, posteriormente à invasão dos bárbaros e à queda do
império romano, mais precisamente nos séculos V, VI e VII, pensadores cristãos resgataram os
pensamentos gregos por meio do estudo das ciências da natureza, da lógica, da matemática, da
literatura, da retórica, da astronomia e da música, a serviço da fé e da razão. E, ainda, para
pensarmos na escolástica, precisamos esclarecer-lhe que a educação como disciplina intelectual
foi denominada escolástica e que, para Manacorda (2006), o nome Escolástica surge por ser a
filosofia ensinada nas escolas presididas por um eclesiástico ou, em latim, scholasticus.

Podemos dizer que a escolástica predominou do século XI ao século XV. E, segundo o


nosso entendimento acerca do pensamento do mencionado autor, a escolástica é uma cultura nova,
totalmente medieval e cristã. Você precisa saber que essa cultura herdou a língua latina das
tradições clássicas e tem como característica na sua elaboração a assunção como patrimônio
cultural e os textos da tradição hebraica do Velho e do Novo Testamento.

Veja você que a finalidade do pensamento escolástico foi a atitude de obediência,


aceitação de todas as doutrinas, declarações da Igreja. A partir das verdades formais
dogmaticamente estabelecidas, hostilizava todo estado de dúvida, investigação considerada
pecaminosa. O objetivo dessa educação era apoiar a fé na razão, ou seja, revigorar a vida religiosa
e a Igreja pelo desenvolvimento intelectual. A fé era considerada superior à razão; as doutrinas da
Igreja formuladas anteriormente deveriam ser analisadas, definidas e sistematizadas. Para tanto,
temos nas palavras de Monroe que:

A educação escolástica estava incluída neste objetivo mais amplo. A


educação escolástica visava desenvolver o poder de formular as crenças
num sistema lógico e de expor e defender tais definições de crenças contra
todos os argumentos que pudessem ser levantados contra elas. Ao mesmo
tempo, empenhou-se em evitar o desenvolvimento de uma atitude crítica

18
de espírito perante os princípios fundamentais já estabelecidos pela
autoridade. (MONROE, 1976, p.99)
Podemos aqui dizer que, na realidade, a escolástica deveria sistematizar o conhecimento
dando-lhe formas científicas, porém o pensamento escolástico acreditava que o conhecimento era
primeiramente de caráter teológico e filosófico e que a forma científica valorizava a lógica
dedutiva Assim, essa educação conseguiu elaborar vários sistemas de conhecimento abrangendo a
área de seu interesse. Observe o que Monroe nos fala a esse respeito:

A escolástica constitui a completa redução do pensamento religioso à


forma lógica. Como esta organização decorreu inteiramente das obras de
Aristóteles, a escolástica é definida, frequentemente, como a união das
crenças cristãs com a lógica aristotélica. Todos os ramos do conhecimento
eram subordinados à religião. Todo conhecimento legítimo devia ser
sancionado pela Igreja, devia apresentar a possibilidade de ser situado no
sistema de pensamento escolástico e reduzir-se à forma lógica adequada.
Isto era a tarefa dos escolásticos. (MONROE, 1976, p. 85).
Você observou que diferentemente da organização das escolas catequéticas, de perguntas
e respostas, na escolástica prevalece a forma lógica sistematizada? Pois é. A matéria era dividida
em partes, capítulos, subcapítulo- los, sendo que cada tópico era rigorosamente

Analisado, Conforme A Lógica Aristotélica.

Nesse contexto, você verá que Aquino retoma as ideias de Aristóteles no que diz respeito
ao ser e ao saber, dando ênfase à importância da realidade sensorial, por meio da reflexão sobre
princípios básicos que utilizou para elaborar argumentos que provassem a existência de Deus. Na
obra De Magistro, Aquino apresenta seu pensamento, que se opõe às doutrinas predominantes, ao
defender a existência de um só intelecto para todos os homens. Assim concebe que o ensino é
superior à aquisição do conhecimento por si próprio, considerando que o ensinar é, ao mesmo
tempo, de caráter ativo e contemplativo.

Veja que ao contrário de Agostinho, Aquino marca a história da educação quando


valoriza a tradição helênica, ao valorizar a razão e as mãos, e, consequentemente, valoriza o
campo do fazer instrumental; com o seu pensamento, cria uma multiplicidade de possibilidades
sociais, nas relações estabelecidas entre as culturas vivenciadas no processo de evolução da
história da humanidade, dando valor ao trabalho nas relações do homem com a natureza.

A respeito desse marco da história da educação, Silveira Rodrigues (2006) afirma que
podemos considerar que a manifestação do pensamento desses autores, ao res- gatar o pensamento

19
grego, dá continuidade a contraposições de ideias que marcam uma diversidade nas concepções de
educação predominantes no decorrer da história. Nas palavras da autora:
Utilizando o método do diálogo, anunciando sua tese, dando voz ao
adversário, contestando e posteriormente apontando soluções, Aquino
demonstra sua visão de mundo, sua vontade inovadora sobre o mesmo,
tendo como instrumento a educação que, para ele, é feita de forma teórica
e prática. Assim, aqui é valorizado tanto o trabalho manual como parte do
exercício do pensamento. Vale aqui esclarecer a marcante oposição entre o
pensamento da patrística e o de Aquino, que na idade média dão
continuidade à oposição estabelecida na Grécia clássica, entre as ideias
essencialistas socrático-platônico e a existencialista epicurista-aristotélica.
O primeiro direciona ao entendimento de que o fenômeno da
aprendizagem não depende da atividade do homem, mas sim, da
contemplação em busca do autoconhecimento como o encontro com sua
essência, por meio da reflexão. E o segundo, em oposição à patrística,
defende a ideia de que a aprendizagem não é fruto só da contemplação,
mas sim do caráter ativo em consonância com o contemplativo, por
intermédio dos órgãos do sentido. Onde a aprendizagem não é gratuita,
vinda da alma. Mas sim, fruto da experiência do homem no meio em que
vive. Diante dessa visão da aprendizagem, conclui-se que o ensino não
acontece somente por meio da fala, mas também por intermédio da ação.
(SILVEIRA RODRIGUES, 2006, p.48).

Veja que, nesse contexto, a educação passa a ser concebida como uma atividade que
torna aquilo que é potencial em atual, que valoriza a atividade prática ao valorizar o trabalho
manual como parte do exercício do pensamento.

Torna-se evidente o pensamento de Tomás de Aquino no movimento escolástico à


retomada do pensamento de Aristóteles, ao enfatizar a importância da realidade sensorial que
fundamenta futuramente as pedagogias ativistas, fundamentadas em concepções que resgatam o
ensino-aprendizagem por meio das relações teoria e prática, de caráter humanista, que
configuraram a educação brasileira desde a década de 30 e que continuam presentes nas salas de
aula das escolas brasileiras até a atualidade.

Diante dessas reflexões acerca da história da educação na Idade Média, é possível


compreender que, por mais que esse período da história signifique uma estagnação cultural ou um
retrocesso à efervescência de ideias que nasciam na Grécia, pode-se considerar que, no que se
refere aos modelos educacionais gregos, estes foram recuperados por intermédio de Aquino e

20
Agostinho, de forma que fosse possível permanecerem presentes na sociedade ocidental da Idade
Moderna até a atualidade, por meio da fundamentação das diversas teorias de ensino-
aprendizagem que encontramos predominando nas escolas atualmente e sobre as quais você vai
estudar na disciplina de Didática, ainda neste Curso.

e. III
Unidade 2
e IV

2. Educação: do renascimento ao surgimento dos sistemas escolares

Nesta unidade, trataremos da educação no período da Idade Moderna, buscando


contextualizar o momento do Renascimento como final da Idade Média, buscando enfatizar a
influência dos acontecimentos desse momento na sociedade e na construção do processo histórico
vivenciado na atualidade. Assim sendo, este estudo tem como objetivo principal conhecer o
processo histórico que marca a história da educação na modernidade, por meio do entendimento
das transformações políticas, econômicas, sociais e artísticas desse período que influenciaram nos
contornos que delineiam a educação ocidental.

Nesta unidade, abordaremos os últimos séculos da Idade Média, quando a cultura


europeia recebeu grande impulso, que culminou com o pré-Renascimento. Veremos que, nesse
período, a educação retomou os antigos ideais clássicos, que defendiam a conjunção harmoniosa
do homem com a natureza. Veremos, também, que os pensadores da época eram, em sua maior
parte, mestres e percorriam a Europa difundindo suas ideias, porém é preciso que você saiba que
esse primeiro período renascentista durou poucos anos, sendo encerrado pelo início da Reforma.

Ao final deste estudo, pretendemos que você seja capaz de: compreender a história da
educação marcada pelas principais trans- formações ocorridas no período renascentista e suas
contribuições na educação ocidental; compreender o Renascimento como caminho para
construção do pensamento humanista e, ainda, compreender a Reforma e a Contrarreforma como
direção à elaboração da base do pensamento pedagógico renascentista.

Através de uma análise dos registros históricos, você verá que o otimismo renascentista
foi paralisado pelas lutas religiosas, e as instituições eclesiásticas e estatais começaram a se
assustar. Verá que a liberdade dos educado- res foi cortada e, no mundo católico, teve início uma
profunda decadência das universidades. Verá também que os efeitos da Reforma na educação se

21
fizeram sentir a longo prazo e que um dos mais importantes efeitos foi a extensão do ensino
primário.

É preciso que você saiba que, com a Contrarreforma, os países católicos ganharam novas
instituições de educação: os colégios. Nesse período, foi criado um modelo institucional
destinado aos filhos das classes privilegiadas, sendo desenvolvidos métodos de grande
refinamento psicológico. Veja que o ideal da educação renascentista tinha sido o de formar o
homem capaz de dominar todos os campos do conhecimento, desde a arte até a ciência. Tarefa
considerada impossível.

Veremos que o desenvolvimento das técnicas, adiantando-se muitas vezes ao das


ciências puras, impôs a especialização dos sabe- res, num mundo em que a arquitetura, a arte da
guerra, a navegação e as finanças ficavam cada vez mais em mãos de um grupo reduzido de
especialistas.

Vamos nos aprofundar um pouco mais nessa discussão?

2.1 A educação a caminho da modernidade

Continuando esta sequência histórica, encontraremos uma vivência de diversos conflitos,


e, junto com eles, veremos o início de uma nova sociedade de artesãos e mercadores, que viviam
nas cidades organizadas em comunas, determinando, assim, o nascimento do mundo moderno e
dando início a uma nova literatura, que tende a reproduzir conteúdo e formas em latim,
introduzindo novos conteúdos e formas, expressando os interesses das classes emergentes.

Ressaltamos que os interesses educacionais tornam-se nacionais, ampliando a concepção


de homem por meio da apreensão de valores relacionados ao respeito ao ser humano em si, de
forma a transcender tempos e povos, formando um caráter cosmopolita, humanista, íntegro e
orador, capaz de conciliar o pensar e o viver, o falar e o agir, levando em conta os fatores
apontados por Aristóteles, que direcionam as disposições naturais ligadas às normas técnicas, à
instrução e à prática.

De acordo com Cambi (1999), no fim dos anos quatrocentos, quando a Europa se laiciza
economicamente com a retomada do comércio, e politicamente, com o nascimento dos Estados
nacionais e sua política de controle sobre toda a sociedade e também ideologicamente, separando
o mundano do religioso e afirmando sua autonomia e centralidade na própria vida do homem;
quando a Europa – que, convém lembrar, é uma construção pro- movida pela fé cristã e pela ideia
22
do Império - se abre para o mundo: com as descobertas geográficas, com seus comércios, seus
intentos de colonização, política e religiosa; quando a própria cultura sofre uma dupla e profunda
transformação, radica-se no homem e nas suas cidades, isto é, liga-se à experiência da vida
individual e social, independentemente de qualquer hipoteca religiosa, como faz o humanismo,
sobretudo italiano, redescobrindo o valor autônomo do pensamento e da arte, ou então se dirige
para um novo âmbito do saber – científico-técnico.

Cambi (1999) continua seu relato dizendo que a ruptura da Modernidade apresenta- se,
portanto, como uma revolução em muitos âmbitos: geográfico, econômico, político, social,
ideológico, cultural e pedagógico; de fato, também no âmbito pedagógico. Como revolução
geográfica, desloca o eixo da história do Mediterrâneo para o Atlântico, do Oriente para o
Ocidente. Com as viagens de descobrimento e a colonização das novas terras, prepara um contato
bastante estreito entre diferentes áreas do mundo, entre etnias e culturas, entre modelos
antropológicos diferentes (como ocorre com os “selvagens” reconhecidos ora como indivíduos
inferiores em estado pré civil ora como herdeiros diretos do “homem natural”).

Este autor destaca que, como revolução econômica, acaba com o modelo feudal, ligado a
um sistema econômico fechado, baseado na agricultura, para ativar, por sua vez, uma economia
de intercâmbio, baseada na mercadoria e no dinheiro, na capitalização, no investimento, na
produtividade: modelo que implica uma racionalização dos recursos (financeiros e humanos) e
um cálculo do lucro como regra do crescimento econômico. Nasce o sistema capitalista, e nasce
independente de princípios éticos, de justiça e de solidariedade, para caracterizar-se, ao contrário,
pelo puro cálculo econômico e pela exploração de todo recurso (natural, humano, técnico).

Como revolução política, a Modernidade gira em torno do nascimento do Estado


moderno, que é um Estado centralizado, controlado pelo soberano em todas as suas funções,
atento à própria prosperidade econômica, organizado segundo critérios racionais de eficiência;
um Estado-nação e um Estado-patrimônio nas mãos do soberano. Assim, muda também a
concepção do poder: embora ancorada numa visão social da figura do rei, o exercício efetivo do
poder se distribui capilarmente pela sociedade, através de um sistema de controle, de instituições
(da escola ao cárcere, da burocracia ao exército, aos intelectuais) delegadas à elaboração do
consenso e à pene- tração de uma lógica estatal (centralização das decisões e do controle) na
sociedade em seu conjunto.

23
Como
revoluçã
o social, promove a formação e a afirmação de uma nova classe: a burguesia, que nasce nas
cidades e promove o novo processo econômico (capitalista), assim como delineia uma nova
concepção do mundo (laica e racionalista) e novas relações de poder (opondo-se à também
aristocracia feudal e aliando-se à coroa, depois entrando em conflito aberto também com está e
com seu modelo de Estado-patrimonial e de exercício absoluto do poder).

Do ponto de vista ideológico-cultural, a modernidade opera uma dupla transformação:


primeiro, de laicização, emancipando a mentalidade – sobretudo das classes altas da sociedade –
da visão religiosa do mundo e da vida humana e ligando o homem à história e à direção do seu
processo (a liberdade, o progresso). Segundo, de racionalização, produzindo uma revolução
profunda nos saberes que se legitimam e se organizam através de um livre uso da razão, a qual
segue apenas seus vínculos internos (sejam eles lógicos ou científicos, isto é, analíticos ou
experimentais), opondo-se a toda forma de preconceito. Será o Iluminismo que caracterizará de
modo orgânico e explícito este novo modelo de mentalidade e de cultura, com sua fé no
sapereaude e na raison como critique; com sua oposição à mentira e seu vínculo estreitíssimo
com a ciência e o seu iter lógico e experimental. (CAMBI, 1999, p. 196-198)

Você verá que a Reforma e a Contrarreforma trouxeram importantes implicações


educacionais. Nesse período histórico, houve certo embate de visões educacionais entre
educadores humanistas e os religiosos. Dentro desse contexto, como resposta às ações da
Reforma, foi fundada a Companhia de Jesus e, com ela, várias escolas jesuíticas, as quais
obtiveram êxito. Um dos principais motivos disto foi a boa educação ministrada nas referidas
instituições.

No século XVIII, que foi marcado pelo pensamento iluminista, fez-se urgente todo um
conjunto de alterações com relação ao ensino. Defendeu-se a educação leiga, livre e universal,
pois o Iluminismo:

[...] fundava-se numa fé suprema na razão do indivíduo, na justiça do


Estado, na tolerância das crenças religiosas, na liberdade da ação política,
e nos direitos do homem. O período primeiro foi dominado por uma
crença profunda nas prerrogativas do indivíduo, no seu direito individual
de julgar e determinar suas questões sem sofrer a influência nem das
crenças e superstições da Igreja, nem das tradições da sociedade
(MONROE, 1983, p. 250).
24
2.2 A educação no período do renascimento
O Renascimento, período que sucedeu a “Idade das Trevas”, foi caracterizado pela
revalorização dos ideais e traços culturais greco-romanos, dando origem a uma nova concepção
societária. Esta, por sua vez, “influenciou a educação: tornou-a mais prática, incluindo a cultura
do corpo e procurando substituir processos mecânicos por métodos mais agradáveis” (GADOTTI,
2003, p. 61).

Veremos que a época do Renascimento herdou as tradições antigas e cristãs da


pedagogia da essência (que teve início com Platão e com o cristianismo) e as completou com a
concepção de modelo do homem, baseado na razão. O Renascimento se caracterizou pelo
humanismo, pelo racionalismo e pelo individualismo, ainda que sua manifestação tenha ocorrido
principalmente nas artes, na literatura e na filosofia.

O Renascimento (...) foi uma época em que a pedagogia da essência,


continuando a procurar inspiração nas tradições pedagógicas antigas e
cristãs, criou novas concepções de protótipos e de normas que devem
regular os homens e a educação. (SUCHODOLSKI, 2000. p. 28).
Veja que o Humanismo representou tendência semelhante no campo da ciência, em que
podemos perceber a influência que pessoas letradas, pertencentes ao clero e à burguesia,
exerceram na sociedade por meio da rejeição dos valores e a maneira de ser da Idade Média, de
forma a conduzir modificações nos métodos de ensino, desenvolvendo a análise e a crítica na
investigação científica. Nesse período, o homem passou a perceber a sua importância como um
ser racional, deixando de ser dominado pelos senhores feudais. Ele trocou os valores dominantes
da Idade Média por novos valores, baseados no homem como o centro de um mundo compreendi-
do de uma maneira moderna.

Dessa forma, no referido movimento, percebemos que os humanistas se esforçavam para


modificar o padrão de estudos tradicionais das universidades medievais, controladas pela Igreja,
voltado para as três carreiras tradicionais: direito, medicina e teologia, com o intuito de incluir os
estudos humanos como a poesia, a filosofia, a história, a matemática e a eloquência.

Na sequência dessa reflexão, precisamos considerar a contextualização histórica que ora


apresentamos para você. É necessário lembrarmos que, com o rápido fortalecimento comercial e
urbano que atingiu grande parte da Europa Ocidental entre os séculos XIV e XVI, retomaram-se

25
valores da cultura greco-romana. Vivencia-se, então, um movimento que se tornou considerado
como um importante período de transição envolvendo as estruturas feudo-capitalistas.

Vale esclarecer, ainda, que, nesse contexto abordado, mais precisamente no campo da
produção cultural, esse movimento atingiu a elite das cidades prósperas de forma a provocar a
mudança na qualidade da produção intelectual e aumentar a produção cultural. Assim, podemos
ponderar que o desenvolvimento quantitativo foi favorecido pela imprensa e pela ação de
mecenas.

Na sequência desse nosso diálogo acerca da história com ênfase na educação, é


pertinente salientarmos que a escola submetia-se à monopolização do poder por parte do clero, o
que se estendia às universidades e, no decorrer da história, os mestres estariam livres autores e
seriam, ainda, protagonistas da nova escola que estava sendo criada, destinada à classe burguesa.

No momento em questão, precisamos esclarecer para você, ainda, que três classes sociais
se estabeleceram: o clero, a nobreza e a burguesia. Dessa forma, os leigos, que eram pagos,
tornam- se responsáveis pela educação da burguesia. Nesse contexto, inicia-se o processo de
venalidade da ciência, em contradição com a gratuidade sugerida pelo clero.

De acordo com Nunes, podemos afirmar que:

No início da idade moderna, a educação passou por modificações


profundas, tanto na sua concepção como nos meios usados para a
consecução dos seus objetivos. Principalmente, ela começou a visar de
modo claro e definido à for- mação integral do homem, o seu
desenvolvimento intelectual, moral e físico, em contraste com a educação
medieval que se esmerava na formação religiosa e intelectual e dava às
escolas superiores um alcance prático, um objetivo profissionalizante,
uma vez que as faculdades de teologia preparavam mestres, assessores de
papa e bispos, eclesiásticos aptos para o devido exercício do ministério
sacro. As faculdades de direito adestravam os advogados e os conselheiros
de reis, príncipes, papas e bispos, tanto para o exercício da rendosa
carreira da advocacia como para as funções políticas e diplomáticas que
reque- riam o conhecimento do direito canônico, enquanto as faculdades
de medicina formavam os médicos que atendiam, a bom preço, aos
doentes que os procuravam. (NUNES, 1980, p. 41).
Diante do exposto, entendemos que, nesse momento histórico, não é de grande interesse
mais formar o monge. Busca-se formar o profissional do mundo, por intermédio da preparação
escolástica, em função da necessidade de uma profissão que necessita do conhecimento da
gramática, dos cálculos, que passam a ser ensinados com objetivo comercial, para atender à

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escola construída para atender às necessidades de uma sociedade mercantil, quase totalmente livre
da igreja e do império. O que, por sua vez, provoca a venalidade da ciência, fazendo emergir uma
revolução em torno dos métodos de ensino.

Conforme esta discussão que apresentamos a você, podemos encontrar, nas palavras de
Cambi (1999), assertivas que confirmam nosso posicionamento no que diz respeito à afirmação
de que se mudam os métodos de ensino por meio da mudança das teorias pedagógicas que tinham
anteriormente como critério de verdade do conhecimento as sagradas escrituras, cujos métodos de
ensino recebem uma conotação empírica, de acordo com as exigências de um modelo educacional
com base na instrução. Nas palavras do autor:

Com a modernidade nasce a pedagogia como ciência: como saber da formação humana
que tende a controlar racionalmente as complexas (e inúmeras) variáveis que ativam esse
processo. Mas nasce também uma pedagogia social que se reconhece como parte orgânica do
processo da sociedade em seu conjunto, na qual ela desempenha uma função insubstituível e cada
vez mais central: formar o homem-cidadão e formar o produtor, chegando depois, pouco a pouco,
até o dirigente. Como também nasce uma pedagogia antropológico-utópica que tende a desafiar a
existente e a colocar tal desafio como o ver- dadeiro sentido do pensar e fazer pedagogia (como
faz Comenius, como faz Rousseau) Na modernidade, a pedagogia-educação se renova,
delineando-se como saber e como práxis, para responder de forma nova àquela passagem do
mundo tradicional para o mundo moderno, sobre a qual insistiram, ainda recentemente,
historiadores e teóricos da pedagogia, como Clausse e Suchodolski. E a renovação se configurou
como uma revolução: como um impulso e um salto em relação ao passado e como o nascimento
de uma nova ordem. (CAMBI, 1999, p. 199)

2.3 A educação, a reforma e a contrarreforma

A Reforma Protestante foi um movimento religioso, econômico e político de oposição à


Igreja Católica, que resultou na fragmentação da unidade cristã e na origem do protestantismo.
Esse período é marcado por uma nova forma de pensar, pela ascensão da classe burguesa,
desenvolvimento nas relações de produção de capital e trabalho e pela formação dos Estados
Absolutistas. O homem é posto como centro das atenções e o pensamento científico começa a
questionar algumas afirmações vigentes até então, entre elas, as religiosas. Dessa forma, você

27
pode considerar que existia, naquele contexto, uma vertente do pensamento humanista que levava
a uma maior reflexão do papel da igreja e das verdades que ela pregava.

Em meio a esse contexto, encontramos a Europa envolta em uma efervescência


contestadora, o que acaba chegando às bases da Igreja Romana. Tais contestações deram origem à
Reforma Protestante, que entendemos ter sido iniciada por Martinho Lutero, monge agostiniano
alemão (1483 – 1546), cujo pensamento sofreu profunda influência de São Paulo de Tarso.
Segundo Manacorda:

Foi Lutero, especialmente, quem deu impulso prático e força política à


programação de um novo sistema escolar, voltado também à instrução de
meninos destinados não à continuação dos estudos, mas ao trabalho.
“Mesmo se não existisse nem alma nem inferno” – escrevia ele –,
deveríamos ter escolas para as coisas deste mundo. (MANACORDA,
1989, p. 198)

Em 1517, Martinho Lutero encontrou terreno fértil à sua pregação nas regiões em que
era interessante aos nobres se apoderarem das terras da Igreja Católica. Aliando-se aos príncipes,
conseguiu principalmente o apoio do Imperador do Sacro Império Romano-Germânico, Carlos V.
As doutrinas luteranas causaram grande agitação, principalmente sua ideia subversiva de
confiscar os bens da Igreja:

(...) as classes destinadas à produção são consideradas não mais como os


principais destinatários da catequese cristã, mas também como
participantes ativos no processo comum da instrução; Lutero se põe o
problema da relação instrução – trabalho. Se a necessidade de ler as
Sagradas Escrituras e a capacidade de cada um interpretar a palavra divina
nelas contida está na base desta nova exigência da cultura popular, é,
porém o desenvolvimento das capacidades produtivas e a participação das
massas na vida política que exigem este processo. (MANACORDA, 1989,
p. 198).

Você verá que a Reforma teve implicações relevantes na educação, pois Martinho Lutero
insistia em suas pregações que o ensino deveria ser ministrado a todos, nobre, plebeu, rico e
pobre. Defendeu que a educação não devia por mais tempo ser pela religião e pela igreja,
defendia ainda a criação de uma rede de ensino público para oferecer instrução ao povo,

28
argumentava que o dinheiro investido em educação seria menor que o gasto com armas e traria
mais benefícios. Dessa forma, Monroe refere-se ao pensamento ora mencionado expressando
entender que nele havia a defesa das escolas como necessárias para

(...) a segurança dos negócios deste mundo, como a história dos gregos e
romanos claramente nos ensina. O mundo tem necessidade de homens e
mulheres educados, para que os homens possam governar o país
acertadamente e para que as mulheres possam criar convenientemente
seus filhos, dirigir os seus criados e os negócios domésticos. (MONROE,
1976, p. 179).
Enfim, podemos considerar que o contexto da Reforma promoveu uma necessidade de
difusão da instrução com o intuito de que a cada um fosse possível ler e interpretar as sagradas
escrituras, independentemente da interpretação do clero. Dessa forma, entendemos que a
exigência de instrução e de democracia foi um aspecto que contribuiu com a disseminação dos
ideais de modernidade, que, por sua vez, relacionam-se com um projeto educativo que não é
diferente das ideias de Platão nas Leis, seja diretamente relacionado com o Estado, que tem suas
obrigações, seja com a família e com a escola, local onde se inicia e se deslancha o processo
educativo. Assim, Lutero, segundo Nunes:

Prescreve as normas fundamentais para a organização da escola, para ele a


religião é a base da educação, os pais são responsáveis pela educação dos
filhos, a frequência à escola é obrigatória, ao Estado compete a
organização do ensino, os métodos didáticos devem adaptar-se à natureza
da criança, e é necessário haver preparação meticulosa dos professores.
(NUNES, 1980, p. 101)
Dessa forma, entendemos que Lutero contribuiu com a inovação do modelo de educação,
no decorrer da história, em direção à institucionalização da escola pública de acordo com os
interesses do novo Estado burguês. Martinho Lutero defendeu que fossem abertas bibliotecas, e
que os pais fossem forçados a instruir seus filhos. Nas palavras de Manacorda:

É a Lutero que precisamos nos referir, embora o seu claro posicionamento


sobre a escola seja posterior aos seus colaboradores. Foi ele especialmente
que deu o impulso prático e a força política à programação de um novo
sistema escolar, voltado também à instrução de meninos destinados à não
continuação dos estudos, mas do trabalho. “Mesmo que não existisse nem
alma nem inferno – escrevia ele - “deveríamos ter escolas para as coisas
deste mundo.” (MANACORDA, 1989, p. 196).
Diante dos movimentos protestantes, a igreja católica reage com a realização do Concílio
de Trento (1545 a 1563), a fim de defender o poder de monopolização da educação e da

29
ideologia. Dessa forma, criam ordens religiosas com o intuito de se defender e realizar um
trabalho de catequese nos países a serem conquistados.

Nesse período da história, você verá que se desencadeou um amplo movimento de


moralização do clero e de reorganização das estruturas administrativas da igreja católica, que
ficou conhecido como Reforma Católica ou Contrarreforma.

Nesse contexto, é criada e aprovada a ordem dos jesuítas, que, por sua vez, criou o
catecismo, catequese e os seminários, com vistas a reconquistar os fiéis. Além disso, incentivou
pregadores apostólicos romanos como responsáveis pela catequese no novo mundo. Dessa forma,
a Companhia de Jesus, segundo Manacorda:

À parte os seminários para a formação do clero, o exemplo mais bem


sucedi- do de novas escolas para leigos recomendado pelo Concilio de
Trento foi o das escolas dos jesuítas, campeões máximos na luta da Igreja
Católica contra o protestantismo. Além da formação do próprio quadro,
eles se dedicaram principalmente à formação das classes dirigentes da
sociedade. (MANACORDA, 1989, p. 202).
Nesse contexto, surge a Companhia de Jesus, de Inácio de Loyola, subordinada
diretamente ao papa e que levava sua pregação ao continente americano e até a Ásia. O cerne da
Contrarreforma em relação à educação foi a criação da Companhia de Jesus, que influenciou
decisivamente no ensino, por intermédio da criação da Ratio Studiorum, ou Sistema de Estudo, do
qual, não podemos deixar de ressaltar, originou o modelo de educação brasileira. A respeito da
Ratio Studiorum, Manacorda afirma que ela apareceu no fim do século (1586-99) e, nas palavras
do autor:

Regulamentou rigorosamente todo o sistema escolástico jesuítico: a


organização em classes, os horários, os programas e a disciplina. Eram
previstos seis anos de studia inferiora, divididos em cinco cursos (três de
gramática, um de humanidades ou poesia, um de retórica); um triênio de
studia superiora de filosofia (lógica, física, ética), um ano de metafísica,
matemática superior, psicologia e fisiologia. Após uma repetitio generalis
e um período de prática do magistério, passava-se ao estudo da teologia
que durava quatro anos (MANA- CORDA, 1989, p. 202).
Após realizamos essas reflexões acerca da Reforma e da Contrarreforma, é interessante
percebermos que existiu, nesse contexto, uma proposta de democratização, uma disciplina rígida
a serviço de uma formação da elite burguesa condizente com a necessidade de manter a
hegemonia cultural e política. Sendo assim, não se tinha grande interesse na educação das massas
e mantinha as instituições em perfeita organização administrativa. A ordem era dividida em
30
províncias administrativas, no setor educativo, presididas por um provincial subordinado ao geral
e chefe do reitor. Subordinados ao reitor estavam os prefeitos de estudos, os inspetores de ensino
e os professores. O prefeito de estudos e o reitor fiscalizavam a classe e preparavam todos os
mestres para assegurar o resultado favorável em todas as escolas. Os estudantes também podiam
exercer a fiscalização uns sobre os outros, para isso eram divididos em grupos, sob a direção de
monitores e aos pares. O ensino era ministrado de preferência por professores que tinham
estudado no colégio inferior e superior da ordem. Enfim, segundo Monroe:

O método de ensino jesuítico caracterizava-se pelas revisões frequentes da


matéria. Cada dia começava com a revisão do dia anterior; cada semana
que terminava com uma revisão. Cada ano, com uma revisão do trabalho
anual, e, finalmente, o estudante destinado à ordem via o curso inteiro,
ensinando-o. (MONROE, 1976, p.186).
Na sequência deste estudo, continuaremos nossas conversas procurando apontar mais um
contexto que, na esteira do tempo, contribui com o desenho da história da educação por meio de
pensadores iluministas, cujas ideias e posicionamentos políticos são considerados marcos na
história da educação.

2.4 O iluminismo e a consolidação da educação moderna

Ao considerarmos que já discutimos acerca do Renascimento e do Humanismo, agora


nossas reflexões irão em direção à História da Educação em um momento em que foi vivenciado
o denominado Iluminismo, momento este que consiste em um movimento cultural e intelectual,
surgido na Europa do século XVII, fundamentado no uso e na exaltação da razão.

Nesse contexto, era abordado o conhecimento, a liberdade e a felicidade como os


objetivos do homem. Você precisa compreender que a visão iluminista defendia a possibilidade
de cada ser humano ter consciência de si mesmo e de seus erros e acertos e de ser dono do seu
destino. Nesse contexto, critica-se a tradição e a autoridade daqueles que tomaram para si a tarefa
de guiar o pensamento e contra o dogmatismo. É notória, ainda, a luta contra as verdades
dogmáticas, na esfera política, em oposição ao absolutismo monárquico.

Você precisa ter claro que o movimento iluminista foi marcado pela influência que os
empreendimentos científicos do século XVII e início do século XIII delinearam no pensamento
ocidental, que era alicerçado no misticismo religioso, de forma a construir o racionalismo, em que
o mundo físico e seus fenômenos passavam a ser explicados pela razão, e não mais pela religião.

31
No que se refere aos ideais iluministas, esses valorizavam o homem e sua capacidade de
controlar e conhecer tudo o que o rodeia. No plano social, esse otimismo se traduziu na crença de
que os homens são agentes históricos, que são capazes de conduzir a história de acordo com os
seus interesses.

Dessa forma, é pertinente ressaltarmos que os iluministas e seus precursores foram


responsáveis por importantes descobertas científicas e pela reestruturação do pensamento
ocidental. Entre eles, podemos citar alguns nomes, como os de Giordano Bruno, Nicolau
Copérnico, Galileu Galilei, Francis Bacon, René Descartes, João Amos Comênio, Voltaire,
Diderot, Rousseau, Montesquieu, Adam Smith, John Locke, entre outros.

Vamos agora pontuar algumas ideias acerca da educação, produzidas pelos autores
citados no parágrafo anterior. E, para tal, iniciaremos com uma breve reflexão acerca do
pensamento de Comênio (1592-1670), filósofo cujo pensamento humanístico contribuiu para a
renovação da educação, por meio da defesa de que o homem é capaz de aprender e, sendo assim,
pode ser educado. Seguidor da lógica do racionalismo cartesiano, esse autor concebeu a didática
como a arte de ensinar, colocando-se a serviço dos interesses da sociedade burguesa e marcando a
história da educação. Segundo Silveira Rodrigues:

[...] sua posição vitaliza a posição idealista do platonismo socrático


fortalecendo a ideia da aprendizagem por intermédio da direção da razão
metódica cartesiana. Comênio, vivendo em meio a vários conflitos que,
muitas vezes, tornaram-se responsáveis por momentos difíceis de sua vida
em consequência do momento sociopolítico que deslanchou em sua
contemporaneidade, este pedagogo aproximadamente vinte anos após
Descartes, ter escrito O discurso do método, tornou-se um dos grandes
reformadores sociais de sua época, em que emerge das camadas populares
a necessidade de acesso às escolas, em consequência das in- fluências das
ideias iluministas. (SILVEIRA RODRIGUES, 2006, p. 57),

Comênio (1957) propõe uma sabedoria universal e, dessa forma, influencia permanente-
mente a pedagogia das épocas anteriores, ao propor um método de ensino que seja possível
ensinar a todos os povos e uma escola que seja para a vida toda, pois todos são capazes de
aprender. Nas palavras do autor:

Fortalecendo a convicção de que o homem é capaz de aprender e pode ser


educado e que esta característica é própria de todos os humanos, Comênio
conhece a antiga objeção pessimista, segundo a qual não é de toda
madeira que se faz uma colher. Mas rejeita a aplicação dessa imagem que
32
se faz ao homem e responde: Mas de todo homem se pode fazer um
homem, se não aparece ninguém que perturbe o processo. Ou seja: não há
nenhum homem e nenhuma disposição espiritual que não possam ser
melhorados com a ajuda da educação e dedicação engajadas. Com esta
tese e sua concepção educacional, didática e pedagógica, Comênio
aprofunda a visão realista, introduzida no pensamento educacional por
Ratke e outros reformadores do século XVII. (MÄRZ, 1987, p. 65).
A passagem do mencionado autor também é marcada na história da educação, a partir de
quando escreve A Didática Magna, obra que ele considera como o tratado universal de ensinar
tudo a todos, por meio da qual determina e apresenta as bases necessárias para a organização do
ensino, que se pode considerar progressivo. Dessa forma, Comênio defende que deve ser
ensinado todos os conhecimentos, sob as mesmas condições, para todas as pessoas ao mesmo
tempo. O que implica não considerar que nem todos estão aptos a apreender todos os conheci-
mentos, considerando as diferenças de diversos níveis que existem entre as pessoas. De acordo
com Comênio:

Não só afirmo que é possível que um só professor ensine algumas


centenas de alunos, mas sustento que deve ser assim, pois isso é muito
vantajoso para o professor e para os alunos. Aquele despenderá sem
dúvida as suas funções com tanto maior prazer quanto mais for o maior
número de alunos que vir diante de si (COMÊNIO, 1957, p. 279).
A proposta de didática apresentada por Comênio pode ser entendida como revolucionária
ao propor o ensino para todos. Todavia, ao refletirmos um pouco sobre ela, podemos perceber que
apresenta em si um modelo excludente no que ser refere à qualidade da educação para o ensino
público.

Assim, posicionamo-nos ao percebermos que, ao sugerir a sua didática magna, propõe a


sala de aula cheia de um grande número de alunos, que permanecerão passivos diante do
conteúdo ensinado, que será resguardado de problematizações ou intervenções. Dessa forma,
percebemos que Comênio (1957) projeta a sala de aula como um auditório, em que ao professor é
atribuído o papel de personagem principal que, por meio do verbalismo, exerce sua autoridade
sobre o aluno, durante quatro horas por dia.

Vários séculos já se passaram e mesmo com a viabilização da educação a distância, o


espaço e o tempo escolar vêm sendo utilizados com as mesmas intenções definidas na
modernidade. Intenção está de proporcionar à maioria das pessoas uma educação baseada na

33
informação, de forma a diplomar as pessoas para alimentar a ilusão da conquista de um espaço no
mercado de trabalho.

Após dialogarmos acerca da influência das ideias de Comênio na história da educação,


vamos pensar um pouco a respeito do pensa- mento de Rousseau, que pode ser considerado de
extrema importância para a evolução da educação no decorrer da história.

Iniciamos a nossa reflexão sobre do Rousseau, lembrando que esse filósofo revoluciona
a imagem da criança ao afirmar que esta é um adulto em miniatura. O que podemos considerar
um avanço, ao levar em conta a condição que era dada à criança, que até mesmo era considerada
como um bichinho de estimação.

Rousseau defende a pequena burguesia. Porém, ressalta que a sociedade faz o homem
negar sua natureza de ser bom, e torna-o egoísta e artificial. Mas, contraditoriamente, propõe a
igualdade jurídica para todos ao afirmar que o Estado é democrático. Combate o intelectualismo e
a divisão de classe ao criticar o senhor dos escravos, que se acha o senhor dos demais seres, sem
deixar de ser tão escravo quanto eles. Assim, critica também a sociedade privada. Afirma que o
homem nasceu livre e a sociedade o acorrenta de todas as formas, desde o modelo de educação
que lhe impõe. Dessa forma, Rousseau afirma que:

A verdadeira educação consiste menos em preceitos do que em exercícios.


Começamos a nos instruir quando começamos a viver; nossa educação
começa junto conosco; nosso primeiro preceptor é nossa ama-de-leite.
Assim, a palavra educação tinha, entre os antigos, um sentido diferente,
que já não lhe damos: significa alimentação repito, a educação do homem
começa com o seu nascimento: antes de falar e antes de ouvir, ele já se
instrui. A experiência antecipa as lições; no momento em que conhece sua
ama-de-leite ele já descobriu muitas coisas. Ficaríamos surpresos com os
conhecimentos dos mais grosseiros dos homens, se seguíssemos seu
progresso desde o momento em que nasceu até onde está. (ROUSSEAU,
1999, p. 14, 46).

Veja você que a educação, a formação e a instrução, portanto, são três coisas tão
diferentes no que se refere ao seu objeto quanto à governanta, o preceptor e o professor. Essas
distinções, porém, não são bem compreendidas e, para ser bem dirigida, a criança deve seguir um
só guia. Devemos, pois, generalizar nossas ideias e considerar em nosso aluno o homem abstrato,
o homem exposto a todos os acidentes da vida humana.

34
Assim, é preciso ensinar à criança a se conservar como homem, a suportar todos os
atropelos que a sociedade lhe expõe. Porém, é interessante ponderar que, contraditoriamente,
Rousseau afirma que a educação pode vir da natureza quando se refere ao desenvolvimento das
faculdades dos órgãos. Ideias de exclusão podem ser percebidas em “O contrato social” ao referir-
se ao camponês como aquele que não precisa de escolas, pois o que precisa aprender aprende com
a natureza. Ou seja, no campo onde vive.

O filósofo afirma que a natureza ensina o camponês. Afirmação esta que é negada na
obra “O Emílio”, ao atribuir à personagem principal, que representa uma classe privilegiada, a
condição de uma educação superior, com vistas a formar o homem Ideal.

Suchoudolsk levanta a seguinte questão a respeito dos interesses que permeiam o pensa-
mento de Rousseau:

O autor pretendeu provar que “é bom tudo o que sai das mãos do criador
da Natureza e tudo degenera nas mãos do homem”. Posto isto, será
possível confiar aos homens o problema da educação? Não será
conveniente dar à criança um desenvolvimento livre e espontâneo? A
educação - segundo Rousseau - não deve ter por objetivo a preparação da
criança com vistas ao futuro ou modelá-la de determinado modo; deve ser
a própria vida da criança. É preciso ter em conta a criança não só porque
ela é objeto da educação. É a partir do desenvolvimento concreto da
criança, das necessidades e dos impulsos de seus sentimentos e de seus
pensamentos que se forma o que ela há de vir a ser, graças ao auxílio
inteligente do mestre. Os educadores não poderiam ter outras pretensões;
seriam absolutamente nocivas. (SUCHODOLSKI, 1984, p. 41).
Observe que, de acordo com a direção acima apresentada, Rousseau defendia que o
processo educativo devia ter características de uma orientação direcionada, respeitando a
individualidade do educando; e, para que isto aconteça, é necessário que o educador o conheça e
busque acompanhar o seu amadurecimento progressivamente, com liberdade para alcançar a
educação ideal.

O professor deve ser aquele amigo que orienta e que possa intervir com respeito, sempre
que for necessário, com vistas ao aperfeiçoamento dos órgãos dos sentidos - entendidos como
instrumentos do conhecimento. Dessa forma, preparará o educando para, futuramente, ter
condições para seguir o caminho da verdade, da bondade, tendo condições de ser dono de si
mesmo e ser capaz de julgar e avaliar a realidade que o cerca.

35
Diante das considerações aqui apresentadas, vale recorrer às palavras de Silveira
Rodrigues:

É importante salientar que, mesmo sendo considerada a maior tentativa de


negação da pedagogia da essência, em função da criação da pedagogia da
existência, na concepção de educação de Rousseau é visível o seu caráter
discriminatório, a partir de sua convicção de que o camponês não
precisava de educação, pois tudo que precisava saber aprendia com sua
mestra – a natureza. Assim, também afirmava que o pobre não precisava
de educação, pois estes teriam que adaptar às suas condições, seguindo os
caminhos da natureza. Neste sentido, pode-se observar uma proposta de
educação a serviço da burguesia, que já não interessava mais contrariar a
concepção de mundo da nobreza, pois, com a nova divisão do trabalho e
acumulação de riquezas - a partir da produção em série, passou a ter como
contraditória uma nova classe operária, com uma consciência diferente da
consciência burguesa. Assim, conforme discutido, para manutenção do
capitalismo, necessário seria utilizar mecanismos para convencer a massa
trabalhadora a aceitar os novos valores e novas concepções da classe
detentora do poder. Marca-se aqui a ampliação do número de escolas para
atender à necessidade de imposição da nova ideologia, da ordem natural
das coisas. As pessoas teriam que aprender a renunciar sua liberdade
individual vivendo em sociedade. (SILVEIRA RODRIGUES, 2006, p.
68)

D
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es que
apresent
amos por
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Unidade 3
io da
2. A educação brasileira na colônia e no império citação
3.
acima, é
pertinente consideramos que a proposta de educação apresentada por Rousseau traz em si um
romantismo humanístico que se encontra totalmente incoerente com a realidade das condições
atribuídas ao ensino público que conhecemos no Brasil, no âmbito da sociedade capitalista.

Pois bem, imaginem vocês: é possível um professor acompanhar, ser amigo,

36
por objeto

Buscaremos, portanto, nesta unidade, tratar da educação no Brasil durante suas fases
colonial e imperial, destacando o período que contou com a hegemonia dos jesuítas (1549

-1759), uma vez que ele retrata duzentos e dez anos da história da educação brasileira.

Iniciamos nossas discussões apresentando um pequeno contexto histórico; a seguir,


buscaremos discutir sobre os conflitos entre as diferentes posturas de ensino neste período,
finalizando com uma reflexão sobre as implicações desse momento histórico e sua relação com a
educação contemporânea.

Para melhor compreensão deste estudo, dividimos o período em três fases:

1ª fase (1549 – 1759): a do predomínio dos jesuítas, fase a qual denominamos de fase da
implementação do ensino religioso, que se es- tende até a expulsão dos jesuítas.

2ª fase (1759 – 1808): a das reformas do Marquês de Pombal, fase a qual denominamos
de período pombalino, que se inicia após a ex- pulsão dos jesuítas do Brasil e termina com a
transferência da família real para o Rio de Janeiro.

3ª fase: (1808 – 1889): a do período que se inicia com a chegada, ao Brasil, de D. João
VI, então Rei de Portugal, e a corte portuguesa, e se encerra na Proclamação da República.
Faremos este estudo seguindo, tanto quanto possível, os debates e estudos empreendidos pelos
autores apresentados como referência básica, acrescidos de outros autores apresentados como
referências complementares.

Nesta unidade, buscaremos caracterizar os aspectos políticos, econômicos, socioculturais


e ideológicos da realidade educacional nos diferentes contextos históricos por que passa a
sociedade brasileira; identificar os valores, ideias e organização da educação brasileira nos
diversos períodos; destacar as políticas educacionais que permeiam a história da educação
brasileira, definindo o papel da escola, do professor e do aluno, assim como o enfoque dos
conteúdos e da avaliação nos diferentes períodos da educação brasileira, até a Proclamação da
República.

3.1 Para um começo de história

Para melhor compreender nossa história educacional, convidamos você a rever alguns
fatos discutidos nas unidades anteriores como: no período compreendido entre os séculos XV e
37
XVI surge a Renascença, que recebe esse nome por sugerir a retomada dos valores greco-
romanos. Esse período se destaca como o período das grandes invenções e das grandes viagens
marítimas que ocorriam motivadas pela necessidade de ampliação nos negócios da burguesia e
pela busca de enriquecimento da classe burguesa.

Ressaltamos ainda que, no mencionado contexto mundial, vários fatores contribuíram


para a expansão marítimo-comercial nesse período; entre eles, podemos destacar: a crise
econômica que perturbava a maioria das nações representada pela fome e muitas doenças; a busca
de uma nova rota para o comércio do Oriente, com o objetivo de abastecer, com maiores lucros, o
comércio de especiarias (cravo, canela, pimenta, noz-moscada, gengibre) e de artigos de luxo
(porcelanas, tecidos de seda, marfim, perfumes); interesses dos Estados Nacionais que, com
governos centra- lizados e objetivos mercantis, impulsionaram a expansão marítima pelo desejo
dos reis de aumentar o seu poder.

Veja que havia também, nesse período, um consenso entre a nobreza e a burguesia no que
diz respeito ao anseio de crescimento e hegemonia, pois a nobreza desejava manter os seus
privilégios e a burguesia queria aumentar seus lucros.

Verifique que, a respeito do mencionado contexto, os ideais da nobreza e da burguesia


podem ser bem retratados na descrição que

Gramsci faz sobre a hegemonia, quando este afirma que “uma massa humana não se
distingue e não se torna independente por si, sem organizar-se; (...) e não existe organização sem
intelectuais, isto é, sem organizadores e dirigentes...” (GRAMSCI, 1989, p. 21).

Nesta unidade, chamamos sua atenção para um aspecto inicial dessa questão, o problema
metodológico idealizado pelos jesuítas, pois estudar a ação pedagógica dos jesuítas implica
sempre no enfrentamento de um problema teórico-metodológico de grande importância,
considerando que a hegemonia exercida por eles na educação, durante o período colonial, no
Brasil, é um fato histórico de grande relevância.

3.2 Período jesuítico (1549 - 1759)

Nesta altura, não é mais novidade para você que os jesuítas foram considerados os
primeiros educadores brasileiros e que a educação dos jesuítas permaneceu um tempo histórico
significativo a frente da educação desse país. Dessa forma, iniciaremos essas reflexões alertando

38
que chamamos de período Jesuítico o período educacional que compreende desde a chegada dos
jesuítas ao Brasil até a sua expulsão deste país.

Para você entender melhor esse período da educação brasileira, lembramos-lhe que o rei
de Portugal, Dom João III, convencido da necessidade de envolver a Monarquia para ocupação e
defesa da nova terra, o Brasil, instituiu um governo geral, nomeando para essa função Tomé de
Sousa, que se tornou o primeiro governador-geral deste país.

Veja que foi nesse mesmo momento histórico, o contexto da Reforma e da


Contrarreforma da igreja católica que, tendo como objetivo principal combater a expansão do
protestantismo, a igreja Católica incentivou a criação de ordens em todo o mundo, como, por
exemplo, a Ordem dos Jesuítas, comandada por Inácio de Loyola, no ano de 1534.

Sendo assim, em março de 1549, juntamente com o primeiro governador-geral, Tomé de


Souza, chegaram os primeiros jesuítas ao território brasileiro, comandados pelo Padre Manoel de
Nóbrega, que tinham como missão difundir a ideologia cristã e, ainda, aumentar os domínios do
reino.

Veja você que, tão logo chegaram ao Brasil, os jesuítas criaram a primeira escola
elementar; era assim chamada porque era destinada apenas ao ensino da leitura e da escrita, ou
seja, das primeiras letras. Através dos registros históricos da época, podemos ressaltar que a
primeira escola elementar brasileira foi edificada na cidade de Salvador, e teve como mestre o
jesuíta Irmão Vicente Rodrigues.

Como você viu, a chegada dos padres jesuítas ao Brasil marca o início da história
educacional desse país. Observou, também, que esse fato inaugura a primeira fase e a mais longa e
importante de nossa história educacional, devido a seus impactos na educação nacional.

Diante das discussões acima, podemos inferir que a educação brasileira teve início com o
fim do regime de capitanias no Brasil, fato que ocorreu no ano de 1549, com a chegada do
primeiro governador-geral, que traz em sua companhia um grupo de padres jesuítas.

3.3 A influência jesuítica na educação brasileira

Começaremos essa discussão com a pro- posta de apresentar a proposta de ensino criada
pelo Padre Manoel da Nóbrega, líder dos jesuítas aqui no Brasil.

39
Esse padre forjou um plano de ensino adaptado ao nosso país. E, no que se refere à
proposta de estudo de Nóbrega, podemos ressaltar que esta se fundamentava no ensino do
Português, na doutrina cristã, no ensino de ler e escrever. Essa modalidade de ensino era chamada
de ensino básico.

Após a etapa do ensino básico recomendado pelos jesuítas, o aluno ingressava no estudo
da música instrumental e do canto orfeônico. Após essa etapa de estudo, o aluno se encontrava
pronto para prosseguir seus estudos de gramática, completando, depois, sua formação nas
Universidades Europeias.

No Brasil, os jesuítas integraram-se desde o início à política colonizadora do rei de


Portugal e foram os responsáveis quase exclusivos pela educação durante longos anos. Os alunos
que não tinham pretensão ou não tinham condições de prosseguir nos estudos poderiam finalizar
seus estudos, com o aprendizado de uma profissão ligada à agricultura.

No Brasil, as escolas dos jesuítas não se limitaram ao ensino das primeiras letras. Além
do curso elementar, mantinham cursos de Letras e Filosofia, considerados secundários, e o curso
de Teologia e Ciências Sagradas, de nível superior, para formação de sacerdotes.

No curso de Letras, estudava-se Gramática Latina, Humanidades e Retórica; e, no curso


de Filosofia, estudava-se Lógica, Meta- física, Moral, Matemática e Ciências Físicas e Naturais.

Segundo Aranha (1990), uma das características mais criticadas do ensino proposto pelos
jesuítas foi a separação entre a escola e a vida, pois os jesuítas se mostravam excessivamente
conservadores, mantendo-se indiferentes às controvérsias do pensamento filosófico moderno, ou
seja, não buscavam relação do que ensinavam com as questões cotidianas.

Podemos observar que a ação escolarizadora dos jesuítas foi concretizada, no Brasil, pela
criação dos colégios, que se direcionavam principalmente à formação da elite dirigente colonial.
Vimos, também, que os jesuítas menosprezavam o estudo da história, da Letras/ Português e da
matemática, pois os jesuítas consideravam estas disciplinas como ciência vã. A forma de ensinar
dos jesuítas, ou seja, a metodologia adotada por eles no desenvolvi- mento e estudos dos textos
não permitia que os alunos desenvolvessem o espírito crítico. O ensino universalista e muito
formal desenvolvido pelos jesuítas distanciava os alunos da vida prática, porque era voltado para a
formação do homem erudito, pois os jesuítas cultuavam as belas-letras e o saber por saber.

40
Como você já viu, no estudo da unidade anterior, as escolas dos jesuítas eram regula-
mentadas por um documento escrito por Inácio de Loiola, o Ratio atque Instituto Studiorum,
chamado abreviadamente de Ratio Studiorum.

Vamos adiante com nossas discussões. Agora, a fim de observarmos, através dos relatos
históricos, que os jesuítas educavam e instruíam os filhos da elite colonial ao mesmo tempo em
que catequizavam os índios.

Veja você que a ação educacional dos jesuítas sobre os índios se resumia à cristianização
e à sua pacificação, para que eles se tornassem dóceis, facilitando o seu engajamento no trabalho
agrícola.

Lembramos, ainda, que o modelo de educação proposto pelos jesuítas não tinha como
objetivo contribuir para promover a emancipação das pessoas, pois era um modelo de educação
excludente. Assim, para os filhos dos colonos a ação dos jesuítas era diferente, pois eles se
dedicavam oferecendo aos aprendizes uma educação mais ampla, ultrapassando os limites da
educação elementar, ou seja, do ler e do escrever. Enquanto que, para os nativos, ofereciam a
catequese com o intuito de difundir valores e atitudes de subserviência.

Vimos que, nesse período, a nobreza buscava acentuar ainda mais o seu poder político e
econômico e a nova classe, a burguesia, buscava aumentar seus lucros; assim, uma educação com
base na catequese seria adequada.

Esclarecemos que, no período jesuítico, no que se refere à educação primária, tanto no


Brasil como em toda a Europa, na sua maior parte, ficava aos cuidados das famílias, ou seja, as
famílias é que se responsabilizavam pela iniciação da escolaridade da criança. Porém, as famílias
com boas condições financeiras optavam por pagar um preceptor ou por delegar o ensino de suas
crianças aos cuidados de um parente mais letrado.

Em meio à realidade vivenciada no mencionado contexto, mais precisamente no ano de


1759, a educação jesuítica não convinha aos interesses comerciais emanados por Pombal, pois os
jesuítas, através da escolarização, tinham por objetivo principal servir aos interesses da fé, e o
Marquês de Pombal, então primeiro ministro de Portugal, pensava em organizar a escola para
servir aos interesses do Estado.

Agora, gostaríamos de mostrar para você um fato muito interessante, que é o seguinte: a
ação educativa, que havia sido utilizada pelos jesuítas apenas como meio de submissão e domínio

41
político, passa a ser vista como responsável pelo descompasso entre o governo português e o resto
da Europa.

O Marquês de Pombal, então ministro de Portugal, “cuja linha de pensamento estava


estritamente vinculada ao enciclopedismo” (ROMANELLI, 1997, p. 36), “influenciado pelas
ideias dos enciclopedistas franceses, pretendia modernizar o ensino, liberando-o da estreiteza e do
obscurantismo que imprimiram os jesuítas” (WEREBE, 1997, p. 26).

Nesse contexto, os jesuítas, não atendendo mais aos interesses de Pombal, foram expulsos
do reino e de seus domínios. Com a expulsão dos jesuítas, a educação brasileira vivenciou uma
grande ruptura histórica num processo já implantado e consolidado como modelo educacional;
passou por momentos de crise, o que acabou provocando um retrocesso no já defasado sistema
educacional imperial.

Veja você que com a expulsão dos jesuítas, deixam de existir no Brasil dezoito
estabelecimentos de ensino secundário e cerca de 25 escolas de ler e escrever. Em substituição às
es- colas dirigidas pelos jesuítas, foram instituídas por Pombal algumas aulas régias, sem nenhuma
ordenação entre elas.

Diante dessas mudanças instituídas por Pombal, você verá que várias foram as
consequências trazidas para a educação brasileira; entre elas, podemos citar a dificuldade de
encontrar o professor preparado para desenvolver o ensino que rompesse com o ideal da educação
jesuítica, pois boa parte dos professores aqui existentes possuía formação jesuítica, ou seja,
haviam sido alunos dos jesuítas.

3.4 A educação no Brasil na era pombalina (1760-1808)

Para falarmos a respeito da educação na era pombalina, precisamos ressaltar que Pombal
pensava em reerguer Portugal da decadência em que se encontrava diante de outras potências
europeias da época e apostou na educação como meio para a solução dessa crise.

Como estratégia de defesa, a coroa nomeia professores e estabelece planos de estudo e


inspeção. O ensino brasileiro é modificado para sistema de aulas régias de disciplinas isoladas.
Nesse sistema, foi elaborado um mapa com indicação das cidades, tipos de aula e número de
professores necessários, tendo sido criadas 17 aulas de ler e escrever, distribuídas entre Rio de
Janeiro, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo, Pará e Maranhão.

42
No que se refere às aulas régias, essas eram autônomas e isoladas, com professor único e
uma não se articulava com as outras, ou seja, as aulas régias eram avulsas e se destinavam ao
estudo de Latim, Grego, Filosofia e Retórica. Veja você que, nas aulas régias, os próprios
professores é quem organizavam seus locais de trabalho e somente após colocar sua classe para
funcionar, os professores requisitavam do governo o pagamento pelo trabalho do ensino.

Porém, esse contexto é marcado com as mudanças provocadas pelas necessidades


oriundas da chegada da família real ao Brasil, no ano de 1808. Com a vinda da Corte portuguesa
para o Brasil no ano de 1808, o ensino brasileiro passou por algumas modificações, pois era
preciso uma adaptação para atender aos cortesãos que chegaram em grande número. Para dar
sequência a este estudo requer voltarmos um pouco na história; podemos dizer que no princípio do
século XIX (anos 1800...), com a expulsão dos jesuítas, a educação brasileira ficou extremamente
comprometida. Persistia o panorama do analfabetismo e do ensino precário, que foi agravado pela
democracia da reforma pombalina. Nesse período, com a educação à deriva, essa situação se
arrastou por um longo período, durante o Brasil colônia, ocasião em que aumentou a distância
entre os letrados e a maioria da população, que era analfabeta.

3.5 A educação no Brasil Imperial

Veja que, em 1808, com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, a estrutura
educacional brasileira passa por modificações para adequar-se às necessidades da Corte que aqui
se instala. A primeira medida que D. João VI toma ao chegar ao Brasil foi a de instituir o ensino
superior não teológico, visando atender a essa demanda. Porém, nesse mesmo ano, surgem cursos
profissionalizantes em nível médio e em nível superior.

Foram então criadas, no Brasil Império, universidades para formar engenheiros, médicos
e militares. Foi no ano de 1808 que na Bah- ia se implantou o Curso de Cirurgia e, no mesmo ano,
na cidade do Rio de Janeiro, o Curso de Cirurgia e Anatomia.

Ainda no ano de 1808, na cidade do Rio de Janeiro, implanta-se o Curso de Medicina.


Tão logo a corte se instala no Brasil, toma uma série de medidas visando criar as condições para o
exercício do governo.

Cria, assim, a imprensa Régia, a Biblioteca Nacional e o Jardim Botânico. No que se


refere à educação e à cultura, de uma forma mais geral, um momento marcante foi a transferência
da família real para o Brasil.
43
3.5.1Estrutura da educação no Brasil no período imperial
Veja você que, no período imperial, o ensino no Brasil foi estruturado em três níveis.
Analisando a estrutura da educação no período imperial, temos: o ensino primário destinava-se à
escola de ler e de escrever; o ensino secundário manteve-se dentro do mesmo esquema das “aulas
régias”, mas ganhou uma divisão em disciplinas, e o ensino superior não sofreu alterações.

Somente no século XIX se concretiza o ideal nacional da educação pública, isto se dá


com a intervenção gradativa do Estado para estabelecer a escola elementar universal leiga, gratuita
e obrigatória. Nesse século, enfatiza a relação entre educação e bem-estar social.

Na carta que foi outorgada em 1824, só há referências quanto à construção de escolas de


primeiras letras, assegurado pela lei, em 1827. A Constituição de 1824 foi a primeira e única lei
geral sobre instrução primária no Brasil durante o período imperial. Outras mudanças foram
observadas no período imperial, entre elas as propostas na Lei de 15 de outubro de 1827.

Podemos afirmar que a única lei estabelecida quanto ao ensino elementar no período de
1827 a 1946 foi a Lei de 15 de outubro de 1827. Nessa lei, previa-se a educação como dever do
Estado; falava-se da distribuição racional do ensino por todo o território nacional, mas
contemplava apenas as escolas de primeiras letras; propunha-se o uso do método lancasteriano nas
escolas.

Isso mesmo!

O método lancasteriano traz traços que observamos até hoje em nossas escolas, isto é,
está presente no sistema de monitoria muito utilizado pelos professores do ensino fundamental.
Observamos através de uma reflexão histórica que, na Lei de 15 de outubro de 1827, o ensino era
bastante limitado quanto ao grau: (apenas um – primeiro grau); quanto aos objetivos:
(alfabetização - primeiras letras).

3.5.2 Retrospectiva: história da educação brasileira no período imperial (1822 - 1888)


Vamos conhecer um pouco mais sobre a educação no Brasil imperial?

1. 1822: O Decreto de 1º de março criava no Rio de Janeiro uma escola baseada no


método lancasteriano ou de ensino mútuo. Ou seja, somente um professor para cada escola. Como

44
você viu, em 1823, na tentativa de se suprir a falta de professores, institui-se no Brasil o Méocê
observou a presença do método lancasteriano durante o seu período de educação fundamental? Vá
ao fórum e comente sobre sua experiência com seus colegas de curso.

Todo Lancaster, ou do “ensino mútuo”, em que um aluno treinado (decurião) ensina um


grupo de dez alunos (decúria) sob a rígida vigilância de um inspetor.

Outro fato que se faz relevante aqui registrar é que, no ano de 1824, é outorgada a
primeira Constituição Brasileira e, no art. 179 dessa Lei Magna, diz que a “instrução primária é
gratuita para todos os cidadãos”.

O quadro geral da instrução pública no Brasil, no período imperial, enriquecido com a


criação de cursos superiores incentivados principalmente por D. João VI não se alterou
significativamente depois de outorgada a constituição de 1824. Em 1826, um Decreto institui
quatro graus de instrução: Pedagogias (escolas primárias); Liceus; Ginásios e Academias. Propõe
a criação de pedagogias em todas as cidades e vilas, além de prever o exame na seleção de
professores, para nomeação. Propunha ainda a abertura de escolas para meninas.

O Decreto de 1826 trata da primeira Lei Geral relativa ao Ensino Elementar. Esse
decreto, outorgado por Dom Pedro I, veio a se tornar um marco na educação imperial, de tal modo
que passou a ser a principal referência para os docentes do primário e ginásio nas províncias. Essa
Lei tratou dos mais diversos assuntos, como descentralização do ensino, remuneração dos
professores e mestras, ensino mútuo, currículo mínimo, admissão de professores e escolas das
meninas.

Quanto aos estudos primários e médios, algumas escolas de primeiras letras foram
criadas. Todavia, as aulas continuaram avulsas, no velho estilo das aulas régias.

2. Lei de 15 de outubro de 1827

Observe que nesta lei, apresentam-se muitos aspectos discriminatórios em relação ao


ensino no que diz respeito ao gênero (feminino X masculino).

3. Lei de 15 de outubro de 1827

A primeira contribuição da Lei de 15 de outubro de 1827 foi a de determinar, no seu


artigo 1º, que as Escolas de Primeiras Letras (hoje, ensino fundamental) deveriam ensinar para os
meninos a leitura, a escrita, as quatro operações de cálculo e as noções mais gerais de geometria

45
prática. Observe que, para as me- ninas, sem qualquer embasamento pedagógico, estavam
excluídas as noções de geometria. Aprenderiam, sim, as prendas (costurar, bordar, cozinhar etc.)
para a economia doméstica.

Quando promulgada a Constituição de 1834, a educação ganha um novo olhar das


autoridades competentes, atendendo a um número maior de famílias e regiões. Porém, o golpe de
misericórdia que prejudicou de vez a educação brasileira, nessa época, veio de uma emenda à
Constituição, o Ato Adicional de 1834.

Em 1834, o Ato Adicional à Constituição dispõe que as províncias passariam a ser


responsáveis pela administração do ensino primário e secundário. Essa reforma descentraliza o
ensino, atribuindo à Coroa a função de promover e regulamentar o ensino superior, enquanto que
as províncias são destinadas à escola elementar e à secundária.

Percebe-se que, através do Ato Adicional de 1834, a educação da elite fica a cargo do
poder central e a do povo confinada às províncias. Observamos que a situação da educação básica
no Brasil ficou ainda mais comprometida depois do Ato Adicional de 1834, que de- legava às
províncias a prerrogativa de legislar sobre a educação primária, comprometendo definitivamente o
futuro da educação básica no Brasil, pois possibilitou que o governo central se afastasse da
responsabilidade de assegurar a educação elementar para todos.

Como você pode ver, durante a primeira metade do século XIX, não houve, no Brasil,
uma proposta de educação sistemática e planejada. As mudanças tendiam a resolver problemas
imediatos, que serviam para diminuir a defasagem da nova sede do império em relação a outros
países e para atender às demandas da Coroa.

Veja que, com o Ato Adicional de 1834, houve também a criação de sistemas paralelos
de ensino em cada província, numa tentativa de solucionar questões que eram centraliza- das pela
coroa anteriormente. Começa-se a ter uma preocupação com o ensino básico, continuando o poder
central responsável pelo en- sino superior. Tal medida em pouco alterou o quadro do ensino
elementar, pois a verba destinada às províncias para custeio da instrução pública era ínfima,
insuficiente para fazer frente a tais responsabilidades.

Foi criada, na cidade do Rio de Janeiro, a Inspetoria Geral da Instrução Primária e


Secundaria, órgão ligado ao Ministério do Império e destinado a fiscalizar e orientar o ensino
público e particular nos níveis primário e médio. Porém, apesar destas medidas, o pano- rama

46
geral do ensino elementar continuou ruim e teve como uma das causas a falta de pessoal docente
habilitado.

Surgiram, então, por iniciativa dos governos provinciais, as primeiras escolas normais das
províncias, mas o nível era muito baixo. A normatização legal constituiu-se numa das principais
formas de intervenção do Estado no serviço de instrução do país, durante o período imperial.

Podemos dizer que a década de 1850 foi marcada por uma série de realizações relevantes
para a educação institucional no Brasil. No ano de 1854, foi criada a Inspetoria Geral da Corte,
com o objetivo de orientar e supervisionar o ensino brasileiro.

Era de responsabilidade desse órgão estabelecer regras para o exercício da liberdade de


ensino e para a preparação dos professores primários. Era também de responsabilidade da
Inspetoria Geral da Corte reformular os estatutos dos colégios preparatórios no sentido de adequá-
los ao padrão dos livros usados nas escolas oficiais.

Veja que, no período imperial, duas características foram marcantes para o ensino dessa
época: o conjunto de ensino existente era carente de vínculos efetivos com o mundo prático, ou
seja, não preparava para a vida. O ensino desenvolvido nessa época era mais voltado para os
jovens do que para as crianças. Outro elemento marcante do ensino no período imperial foi a
reforma Leôncio de Carvalho, ocorrida no ano de 1879. Na condição de Ministro do Império,
Leôncio de Carvalho promulgou o Decreto nº 7.247, ad referendum da assembleia, instituindo a
liberdade do ensino primário e secundário no município da Corte e a liberdade do ensino superior
em todo o país.

Por liberdade de ensino, a nova Lei Decreto nº 7.247 entendia que todos os que se
achavam por julgamento próprio, capacitados a ensinar, poderiam expor suas ideias e adotar os
métodos que lhes conviessem. A frequência aos cursos secundários e superiores no Brasil, nesse
período, era livre, de forma que os alunos poderiam escolher com quem queriam aprender e, após
o término dos estudos, deve- riam ser submetidos aos exames de seus estabelecimentos de ensino
regulamentado.

Veja que o Decreto de nº 7.247/79 permitia que as instituições de ensino se organizas-


sem por matérias, de modo que o aluno pode- ria escolher as matérias que cursaria e as que
julgasse desnecessárias diante do exame final. Porém, as escolas eram aconselhadas a serem
rigorosas nos exames.

47
Em 1879, Leôncio de Carvalho (segundo Fernando de Azevedo, o inovador de ensino
mais audacioso e radical do período imperial) estabeleceu normas para o ensino primário,
secundário e superior.

A lei defendia a liberdade de ensino, de frequência, de credo religioso, a criação de es-


colas normais e o fim da proibição de matrícula de escravos (ARANHA, 1990, p. 156).

Você verá que os vestígios do ensino imperial estão presentes no modo de organizar o
ensino secundário, que acompanha, para sua estruturação, o parâmetro oferecido pelos exames
vestibulares.

Outro fator quanto ao ensino no período imperial que nos chama a atenção é o caráter
propedêutico assumido pelo ensino secundário, somado ao seu conteúdo humanístico, fruto da
aversão ao ensino profissionalizante, fundamentado numa ordem social escravocrata. Esse caráter
propedêutico do ensino se constitui em um fator do atraso cultural das escolas brasileiras até as
décadas recentes. Em 1882, Ruy Barbosa sugere a liberdade do ensino, o ensino laico e a
obrigatoriedade de instrução, obedecendo às normas emanadas pela Maçonaria Internacional.

Após a independência, em nome dos princípios liberais e democráticos, são redigidos


planos visando nova política no campo da instrução popular, mas, na prática, pouco se concretiza.

Através de uma análise histórica da nossa educação, você verá que até a Proclamação da
República, em 1889, praticamente nada se fez de concreto pela educação brasileira. Verá que a
instrução primária, a profissional e o ensino normal ficaram inteiramente subordinados à iniciativa
e possibilidades econômicas dos esta- dos, da mesma forma que se subordinavam às províncias,
no Império.

Dada à inexistência de instrução básica comum, considerada necessária à formação da


consciência nacional, vários projetos de lei são elaborados nesse sentido. Em 1890, logo após a
Independência do Brasil, é criado o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos; porém,
conforme registros históricos, durou pouco mais de um ano. Diante das medidas que foram
tomadas pela elite política que governava nosso país no período imperial, observamos que uma
das características que marcou a história do ensino no Brasil, ao longo do século XIX, foi o seu
caráter elitista e excludente.

48
Veja que o ensino dessa época era considerado elitista porque estava voltada para a
educação de camadas sociais mais altas; e excludentes, porque excluía os escravos, grande parte
dos pobres, negros ou brancos, e também as mulheres.

Se a denominação de escola primária representaria política e pedagogicamente a


permanência da ideia de um ensino suficiente- mente difundido e realmente formativo, a
classificação de escolas de primeiras letras simbolizava, antecipadamente, a tibieza congênita que
irá marcar a maior parte dos esforços de educação popular durante o império e até mesmo na
República. (SILVA, 1969, p. 193).

Unidade 4

4. A educação no Brasil: período republicano

4.1 Primeira República


O objetivo desta unidade é que você possa conhecer os aspectos contemporâneos da
nossa história educacional, focalizando as questões sociais, políticas e econômicas que a
permeiam. Iniciaremos essa reflexão a partir da reforma educacional de Benjamin Constant. Em
seguida, analisaremos a educação na 2ª república e, por fim, a educação superior no Brasil após a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN – 9.394/1996. Para isso, buscaremos
suporte em autores que discutem essa temática.

Segundo Romanelli, em 1888, o Brasil contava com apenas 250.000 alunos matriculados,
para uma população de 14 milhões de habitantes. A autora afirma ainda que:

[...] dos liceus provinciais, em cada capital de província dos colégios


particulares em algumas cidades importantes, alguns cursos normais (que
formavam os professores), os Liceu de Artes e Ofícios, criado na Corte,
em 1856, e mais alguns cursos superiores, que foram enriquecidos com a
transformação da antiga Escola Central em Escola Politécnica
(ROMANELLI, 1997, p. 40).
Percebe-se, a partir dessa afirmativa, a preocupação com a formação superior em
detrimento da formação elementar da população, fato que caracterizava a elitização do ensino.
Outro fato importante a se registrar do período é a falta de dados precisos do número de
matriculados na educação elementar.

Como a educação ainda tinha um caráter elitista, frases como a do Senador baiano João
José de Oliveira Junqueira, senador entre 1873 e 1887, ficaram famosas: “Certas matérias, talvez,
não sejam convenientes para o pobre; o menino pobre deve ter noções muito simples”. É
49
interessante percebermos que tal fala encontra-se coerente com a fala do Rousseau, já mencionada
no capítulo anterior, que diz que para o camponês não precisa escola, pois ele já se encontra no
ambiente propício para aprender o que precisa, que é a natureza.

Podemos, assim, perceber que a fala do senador mencionado demonstra a falta de um


compromisso político com as pessoas menos favorecidas economicamente. Dessa forma, podemos
entender predominar nesse país, naquela época, uma política que não se interessava pela formação
de uma cultura educacional que atendesse aos interesses de toda a sociedade.

A esse respeito, Romanelli afirma que a educação popular do período era meramente
“propedêutica”, voltada para o exercício de funções, nas quais “a retórica tem o papel mais
importante do que a criatividade” (ROMANELLI, 1997, p. 41).

Observe que a primeira república no Brasil inicia-se no governo do presidente Marechal


Deodoro da Fonseca, que governou entre 1889 e 1891, como governo provisório. Deodoro
governou por decretos-leis, até que fosse promulgada a nova Constituição, pois a Constituição de
1824 não valia mais. A partir de 1890, é inicia- da a discussão para a criação da nova Constituição
que vigoraria durante todo o período da república velha, ou seja, de sua promulgação, em 1891 a
1930.

Veja que, ainda de acordo com Romanelli (1997), essa Constituição instituiu o sistema
federativo de governo, consagrou também a descentralização do ensino, prevista em seu artigo 35,
itens 3º e 4º, que reservou à União o direito de criar instituições de ensino superior e secundário
nos Estados, além de prover a instrução secundário no Distrito Federal.

À União cabia criar e controlar a instrução superior em toda a Nação, bem como criar e
controlar o ensino secundário acadêmico e a instrução em todos os níveis do Distrito Federal.

Aos Estados, cabia criar e controlar o ensino primário e o ensino profissional. Na época,
este compreendia principalmente escolas normais (de nível médio) para moças, e escolas técnicas,
para rapazes.

Observe que o ensino, nesse período, assume uma dualidade. De um lado, ofereceu
oportunidade de formação prática para a população rural e desfavorecida e, por outro, reforça a
preocupação com a educação da classe dominante, nas escolas técnicas e superiores.

Nesse período, prevaleceram, ainda no Brasil, os ideais educacionais europeus. Ideais


estes que pensavam na formação do homem com vistas a controlar o seu próprio destino. Um
50
homem completo de corpo e alma. Para atingir este objetivo, era preciso educar o juízo do aluno
ao invés de encher-lhe a cabeça com palavras e, para tanto, a prática pedagógica era voltada ao
desenvolvimento da autonomia do aluno, ou seja, o professor deveria apontar o caminho, ou
permitir que o aluno descobrisse seu próprio caminho.

A seguir, discutiremos um pouco a respeito das implicações da reforma educacional de


Benjamim Constant no processo da história da educação brasileira.

4.1.1 A reforma educacional de Benjamim Constant


Militar atuante e adepto aos ideais da filosofia positivista de Auguste Comte, tinha como
“orientação a liberdade e laicidade do ensino, como também a gratuidade da escola primária”
(RIBEIRO, 2008). Esses princípios seguiam a orientação do que estava estipulada na Constituição
brasileira.

Veja que, a respeito das intenções da reforma de Benjamin Constant, Azevedo (1963)
afirma que foram:

• transformar o ensino em formador de alunos para os cursos superiores e não apenas


preparador;
• a obrigatoriedade do regime seriado;
• a duração do curso secundário em 7 anos;
• a introdução no Ginásio Nacional, antigo Colégio Pedro II;
• toda a série hierárquica das ciências abstratas, segundo a classificação de Compte;
• a inclusão, ao lado do curso bacharelado em Letras, em 7 anos, no Ginásio
Nacional;
• o “exame de madureza”, como prova da capacitação intelectual dos alunos no fim
dos estudos;
• substituir a predominância literária pela científica.
4.1.2 A lei orgânica Rivadavia de Correa
Veremos, neste estudo, que essa reforma foi proposta durante o governo do Marechal
Hermes da Fonseca, em 1911, a qual se caracterizou com insucesso, pois propunha facultar total
liberdade e autonomia aos estabeleci- mentos de ensino na sua organização, suprimindo o caráter
oficial do ensino.

Você verá, ainda, que se destaca, na sua proposta, a liberdade que pretendia dar ao ensino
Superior, sendo considerada como “liberdade de ensino” que a mesma adotara, corolário do
dispositivo constitucional que assegurava a liberdade de profissão e a promessa de autonomia dos

51
estabelecimentos federais de ensino, da extinção da ação fiscalizadora do Governo Federal sobre
os estabelecimentos particulares.

Saiba que essa reforma propunha, ainda, uma reestruturação no Conselho Superior de
Ensino, então criado, e que, de acordo com a própria lei, substituiria a função fiscal do Estado,
tendo ação sobre os estabelecimentos mantidos pelo Governo Federal, assim mesmo respeitando a
autonomia a esses concedida (Decreto nº 8.659, de 05/04/1911)

4.2 As reformas educacionais que influenciaram a década de 1930

Como mencionamos anteriormente, com as novas tendências produtivas a partir da


década de trinta, encontra-se nesse país a acumulação de capital, ocorrida com a produção
agropecuária, o que permitiu que o Brasil pudesse investir no mercado interno e na produção
industrial.

Essa nova situação econômica exigia a formação de mão de obra especializada e, para tal,
foi necessário propor novas alternativas para o setor educacional, o que significava que a educação
não poderia ser pensada mais com o in- tuito de formar mão de obra barata, pois não era mais a
necessidade da sociedade emergente. Em meio ao contexto mencionado, entram em cena
educadores brasileiros que haviam estudado na Europa e Estados unidos, e que re- tornavam ao
Brasil com ideias oriundas do contexto em que se formaram, e assumem o papel de educadores e,
também, cargos no governo.

Compreendemos que tal realidade favoreceu a realização das reformas que mudaram o
modelo da educação brasileira, por meio da implantação da escola nova, que trazia consigo ideais
referentes à visão humanista moderna, como veremos a seguir.

4.3 A educação na 2ª república


Para continuarmos nossas conversas a respeito da história da educação brasileira, com
vistas a pensar no manifesto dos pioneiros, precisamos nos lembrar de que a educação foi foco de
preocupação internacional e nacional, o que provocou a reforma da educação depois da Primeira
Guerra Mundial. Tal reforma, imbuída dos interesses das políticas liberais democráticas, inspirou
a defesa da escola para todos. Mas foi após a década de 30 que se efetivaram as mudanças, no
Brasil. Conforme Azevedo, o Movimento da Reconstrução Nacional pela Educação acontece
através do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova que:

52
apontou a necessidade de repensar a formação do magistério primário,
com a preparação nas escolas normais, uma vez que esse estabelecimento
não conseguia, a contento, oferecer sólida preparação pedagógica nem a
educação geral que deveria (AZEVEDO, 1963, p. 73).
Dessa forma, você não pode deixar de considerar que, apesar das primeiras reformas
republicanas e das iniciativas em prol do desenvolvimento do ensino público no país, a questão do
analfabetismo continuava representando um sério problema a ser enfrentado nas décadas do século
XX. É nessa realidade que o Manifesto dos Pioneiros compreende o envolvimento de di- versos
educadores que se voltaram aos problemas educacionais, com a intenção de “melhorar” a situação
do ensino no país.

Esclarecemos-lhe que, embora os educadores envolvidos no mencionado manifesto


tivessem interesses e visões distintas acerca do que era a educação, convergiam quanto à
necessidade de uma renovação pedagógica adequada a atender ao planejamento para uma
civilização urbano-industrial.

4.3.1 O manifesto dos pioneiros em 1932

Foi no bojo da manifestação política acima mencionada que, como expressão desse movi-
mento, pode-se destacar o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, em que
participaram pessoas como Roquete Pinto, Fernando de Azevedo, Cecília Meireles, Anísio
Teixeira, Paschoal Lemme e Lourenço Filho.

Para continuarmos nossas conversas, você precisa ter claro que, no que diz respeito ao
Manifesto, este se trata de um documento de política educacional que, mais do que a defesa da
Escola Nova, está em causa a defesa da escola pública. Nesse sentido, o Manifesto emerge como
uma proposta de construção de um amplo e abrangente sistema nacional de educação pública,
abarcando desde a escola infantil até a formação dos grandes intelectuais pelo ensino universitário
(Saviani, 1997, p.184).

Ressaltamos que os educadores envolvidos no manifesto buscavam a hegemonia


educacional do país. Entretanto, havia também a intenção pela ascensão do grupo aos setores
educacionais referenciados ao poder do Estado. Entre esses educadores, vigoravam as ideias
escolanovistas em oposição ao ensino tradicional. Diante do exposto, esclarecemos que:

A expressão Escola Nova (escolanovismo) não se refere a um só tipo de


escola ou mesmo a um determinado sistema escolar, mas a um conjunto de
princípios, que resultam em determinadas características, com o objetivo

53
de reexaminar e rever os problemas didáticos tradicionais de ensino
(NOGUEIRA, 2001, p.25).
Ainda a esse respeito, podemos esclarecer que a Pedagogia Nova expressa uma
preocupação com a formação do caráter e da personalidade do indivíduo, abrangendo, para tal,
conhecimentos da área da biologia e também da psicologia.

Um dos principais nomes relacionados ao escolanovismo é John Dewey (1859-1952),


educador norte-americano que defendeu a ideia do aprender fazendo, de forma a atender aos
interesses da sociedade capitalista americana, de formar as pessoas nos moldes de- mandados pelo
desenvolvimento econômico. Dewey, “[...] empregou a maior parte dos seus esforços na aplicação
da psicologia a problemas da educação” (SCHULTZ & SCHULTZ, 2000, p.158). A respeito dos
fundamentos filosóficos e implicações políticas do pensamento de Dewey, você deve rever os
capítulos um e dois do caderno de Didática.

Ele considerava a educação como um processo social indispensável, um meio para a


continuidade e o progresso ordenado da sociedade humana. A respeito da Escola Nova, podemos
esclarecer que esta foi uma reação à Pedagogia Tradicional, a qual vigorou até o início do século
XX, porém evidenciou resultados insatisfatórios para a educação pública, cuja estrutura não se
encontrava adequada à vivência do processo educacional, conforme proposto pela mesma.

Com o discurso de melhorar a qualidade, a educação muda a estrutura do modelo


educacional anterior, de forma a elitizar a qualidade da educação por intermédio das escolas
particulares, cuja estrutura era adequada ao trabalho pedagógico proposto, ao contrário da escola
pública.

Dessa forma, fica apenas no discurso atingir a meta da educação para todo o cidadão,
visto que aproximadamente 50% da população ainda era analfabeta (FACCI, 1998). Quem tinha
condições financeiras adequadas para ingressar em escolas privadas tinha acesso à educação de
qualidade. Caso contrário, sub- metia-se a uma formação precária nos mais variados aspectos.

Estudiosos afirmam que a Escola Nova procurou corrigir as “imperfeições” deixadas pela
Pedagogia Tradicional; porém, contraditoriamente, não adequaram as escolas públicas ao novo
modelo idealizado para a educação, conforme o modelo europeu e norte-americano.

O que podemos ponderar que não é diferente da atualidade, ao considerarmos o modelo


educacional da Espanha, que vem sendo difundido a todo vigor como parâmetro a nortear a prática

54
pedagógica vivenciada nas escolas brasileiras, a serviço dos ideais das políticas neoliberais, por
intermédio do banco mundial.

Voltamos a atenção à proposta educacional de Dewey e, assim, dizemos que esta pode ser
encarada como “escola ativa”, ou seja, o aprendizado é feito a partir do treino – tendência
influenciada pelo Taylorismo e Fordismo, fato que acena para um modelo de educação cujas
origens encontram-se no pensamento de Aristóteles, que valoriza a atividade teórica e a atividade
prática. Porém, não supera a dicotomia entre ambas, ao compreender que a teoria é a técnica que
dirige a ação prática.

Conforme acima mencionado, para o movimento escolanovista, a educação deixa de ser


centrada no professor que ensina, o que, tradicionalmente falando, remete à teoria. Passa, então, a
centrar-se no aluno, o que remete à ação prática, descentraliza a atenção na quantidade do
conteúdo ensinado e volta- se para a qualidade do ensino. Fato este que, com o decorrer da história
da educação brasileira, gradativamente provoca a negação do conteúdo a favor da valorização do
processo, o que, por sua vez, contribui significativamente com o quadro de fracasso escolar
encontra- do na realidade educacional brasileira até a atualidade.

Com o discurso de humanização e de negação da autoridade da escola tradicional, é


proposto que a escola deixe de ser um ambiente de sujeição, de disciplina, de silêncio, para ser um
ambiente de alegria, de pesquisa e de dinamismo, de assistência individualiza- da, características
impossíveis de serem vivenciadas na escola pública com as condições em que ela se encontrava, o
que a tornava excludente e elitista. (Nogueira, 2001, p. 28).

Para Saviani (1997, p. 13), o pensamento de Dewey “desloca o eixo da questão


pedagógica do intelecto para o sentimental; do aspecto lógico para o psicológico; dos conteúdos
cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do professor para o aluno”. O autor
ressalta, ainda, que a teoria pedagógica de Dewey considera que o importante não é aprender, mas
aprender a aprender. Importância essa que precisamos esclarecer, não é coincidência, faz lembrar
os pilares da educação atual afirmados pelas políticas internacionais de cunho neoliberal, oriundas
dos países que detêm o capital, para os países periféricos entendidos como os mais pobres. Como
no caso da América Latina, onde, por sua vez, se encontra o Brasil.

4.3.2 Criação do Ministério da Educação


Na sequência dessa reflexão, alertamos a você que, em 1930, no governo de Getúlio
Vargas, é criado o Ministério da Educação e Saúde Pública. É notório, pela criação desse
55
ministério, como os governos entendiam (e muitos hoje ainda assim o consideram) que educação e
saúde deveriam andar juntos para o desenvolvimento da nação. O que não podemos esquecer é
que essa união é uma grande ferra- menta política.

Francisco de Campos é nomeado o seu primeiro ministro, promovendo inovações para o


setor educacional. No mesmo ano, criou o estatuto das Universidades e organizou o ensino
secundário. Na sequência de seus atos pela educação, é fundada, em 1934, a Universidade de São
Paulo e, em 1937, a Universidade Nacional do Rio de Janeiro, atual Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Durante o Estado Novo, foram promulgadas as leis orgânicas do ensino, dividindo o
curso secundário em ginasial e colegial (clássico ou científico).

Embora as propostas de Francisco Campos tivessem o mérito de serem inovadoras,


podemos entender o caráter elitista e enciclopedista de sua proposta. Segundo Maria Tetis Nunes,
citada por Romanelli (1997), o caráter enciclopedista dos programas curriculares do período a
tornavam uma educação para a elite. Além do rigor avaliativo da proposta, a obrigatoriedade de se
cursar línguas como francês, alemão e latim impossibilitava o acesso à maioria das pessoas ao
ensino, de forma a dar à proposta o caráter excludente.

Outra grande criação do período foi a re- forma do ensino profissional. O que não
poderíamos deixar de ponderar é que a criação dos mencionados cursos se justificava na demanda
da mão de obra especializada para o mercado de trabalho.

O primeiro curso profissional a ser cria- do pela reforma de Francisco Campos foi o de
contabilidade, seguido de sua devida regulamentação para o ensino superior (conforme decreto
20.158 de 30 de junho de 1931). Teve grande influência no período o ensino profissional
ministrado através das empresas e indústrias, tais como o Serviço Nacional da Indústria (Senai) e
o Serviço Nacional do Comércio (Senac).

4.3.3 A criação das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


Na esteira da história da educação brasileira, encontramos a sociedade brasileira se
organizando gradativamente em direção ao processo de industrialização. Em meio às políticas
direcionadas ao progresso, a Constituição

Federal de 1946 foi a primeira a trazer no seu texto a expressão “diretrizes e bases”
associada à questão da educação nacional.

56
Porém, as discussões para a efetivação de uma lei que tratasse especificamente da
educação só ocorreram em 1961. Apesar de ser inovadora, no sentido de propor legalmente uma
estrutura para a educação nacional, essa lei não trouxe significativas mudanças para o cenário do
período.

Destaca-se a sua importância na unificação dos sistemas escolares e sua capacidade


descentralizadora, transmitindo para os esta- dos membros da federação a autonomia para exercer
a função educadora e o da distribuição de recursos para a educação.

O Estado buscou, com o texto constitucional, no campo da educação, satisfazer às


exigências políticas da época, procurando considerar as reivindicações do Manifesto dos Pioneiros
(já apresentado no nosso texto anteriormente), representante de uma ideologia renovadora próxima
da concepção liberal e idealista da educação, que exigia que o Estado assumisse um programa de
educação nacional, laica, pública e obrigatória para todos, contestando a educação como privilégio
de classe.

Por outro lado, este mesmo Estado ouviu as exigências da “corrente católica”, ainda
doutrinária e influente, que queria estar presente no cenário da educação, do qual foi excluída com
a expulsão dos jesuítas. (CARVALHO, 2008).

Para Saviani (1997, p.21), esse período foi marcado pelo contexto político e econômico
de um país que fazia as “substituições de importações” e dava os primeiros passos para o avanço
da industrialização, visando proporcionar o desenvolvimento do país, condição necessária para a
sua libertação nacional.

Fique sabendo que, com a mudança econômica e a ruptura política provocada pelo golpe
militar de 1964, ao mesmo tempo em que se buscava uma libertação, propagava-se uma política
ideológica nacionalista. Isso desencadeava um plano econômico que levava à industrialização do
país, através de uma progressiva desnacionalização da economia. O Brasil tinha como opção:

[...] ou compatibilizar o modelo econômico com a ideologia


nacionalizando a economia, ou renunciar ao nacionalismo
desenvolvimentista e ajustar a ideologia política à tendência que se
manifestava no plano econômico. (SAVIANI, 1997, p.82, apud
CARVALHO, 2008).

57
Veja você que, em 1965, através da Lei 4.464, o Brasil regulamenta a organização de
órgãos de representação estudantil, e estabelece acordos como o MEC e seus órgãos, com a
USAID (agência internacional de desenvolvi- mento dos EUA), que fazia assistência técnica e
cooperação financeira, gerando o acordo MEC-USAID. Através desse acordo, as reformas no
Ensino Superior acabam incorporando as tendências modernizantes da economia (CARVALHO,
2008).

Carvalho (2008) ainda afirma que, no setor econômico, a indústria buscava ser mais
autônoma, porém, para isso, era necessário o investimento do capital estrangeiro que se instalava
no país, trazendo junto consigo influências nos vários outros setores, como o político e o social. A
educação novamente foi considerada meio para se estabelecer a ordem e o progresso, ou melhor,
para promover o desenvolvi- mento que dependia de uma modernização dos meios de
comunicação. Essa preocupação foi precursora do slogan “Educação, direito de todos. Escola para
todos”. Esse slogan fez com que as exigências de reestruturação educacional, sob a ótica do
projeto de educação do MECUSAID, fossem incorporadas à Lei 5.692/71, segunda lei de
diretrizes e bases da educação.

Essa traz a ideia de escola única, com a justificativa de profissionalização universal do


ensino de 2º grau. Assim sendo, o ensino primário, antes organizado em 1º ao 4º ano primário e 1ª
a 4ª série ginasial, se unifica no chamado 1º grau de 1ª a 8ª série; o 2º grau se profissionaliza e o
currículo é reorganizado, tendo como principal objetivo a formação do cidadão nacionalista, que
vive na ordem e que produz para o progresso. Essa reforma trouxe um grande esvaziamento da
qualidade de ensino.

Além disso, por se tratar de uma lei promulgada durante o regime militar, continha fortes
pressões às inovações educacionais que trouxessem qualquer tipo de ameaça para o regime
ditatorial. Fortaleceu-se, no período, a criação de instituições particulares que atendiam
plenamente aos ditames dos militares (CARVALHO, 2008).

Podemos considerar que, no contexto em questão, encontramos o Plano Decenal de


Desenvolvimento Econômico e Social de 1967 a 1977, que ocasionou alterações tanto no Ensino
Superior (Lei 5.540/68) quanto no ensino básico (Lei 5.692/71).

Assim, não podemos deixar de ponderar para você que, por intermédio da entrada do
capital estrangeiro, as políticas vigentes bus- cavam fortalecer o Estado, com fins a tornar o Brasil

58
uma potência econômica, o que tornou o sistema educacional adequado ao modelo imposto pelas
políticas norte-americanas para a América Latina.

Veja você que foram criadas, nesse contexto, faculdades particulares, que funcionavam
como empresas, com o intuito de obter lucros.

modo que o trabalhador desenvolvesse tarefas ultra especializadas e repetitivas. O norte-


americano Henry Ford foi o primeiro a pôr em prática, na sua empresa “Ford Motor Company”, o
taylorismo. Posterior- mente, ele inovou com o processo do fordismo, que, absorveu aspectos do
taylorismo.

Consistia em organizar a linha de montagem de cada fábrica para produzir mais,


controlando melhor as fontes de matérias-primas e de energia, os transportes, a formação da mão
de obra.

Enfim, você precisa ter claro que a organização social brasileira ocorrida nas décadas de
1960 e 1970 marcou a história da educação desse país por atribuir a ela um papel unicamente
econômico, fazendo dela um veículo de desenvolvimento econômico-industrial, a favor do
desenvolvimento e da manutenção de condicionantes sociais, políticos, ideológicos e econômicos,
que contribuíram decisivamente para o processo de escravização do Brasil em relação ao capital
estrangeiro, representado pelas classes dominantes, compostas pelos grandes empresários e pelos
Estados Unidos.

Para prosseguirmos as nossas conversas, precisamos ter claro que, nas mencionadas
décadas, o Estado visava modelar e remodelar a formação das pessoas com um perfil técnico, para
promover o desenvolvimento social desejado a partir da relação capital-trabalho-educação como
instrumento da acumulação de capital.

Na sequência, é pertinente ressaltarmos que o aumento das vagas nas escolas, sem o
investimento na qualidade da educação, provocou a evasão e a repetência e, ainda, um processo de
formação de professores inadequado ao perfil necessário a um modelo de educação de pessoas
emancipadas.

Na esteira da história, com o fim da ditadura militar e com o projeto de


desenvolvimentismo econômico falido, ganham fôlego no Brasil discussões referentes aos
problemas sociais e, em meio a tais discussões, encontramos os referentes à realidade educacional
vivenciada no país. Por meio das discussões mencionadas, são realizadas críticas pelos educadores

59
que se articulam com base em ideias marxistas oriundas de sociólogos franceses como Bourdieu e
Passeron, Baudelot e Establet e do filósofo Althusser, e assim, denunciam a escola como aparelho
ideológico do estado.

No contexto em questão, o tecnicismo vazio de conteúdo que predominava passa a dar


vazão a novas concepções que, de acordo com Mialchi (2003), implantaram-se como forma de
aceitar e entender os excluídos, entre eles o professor. O que entendemos fazer parte de um
discurso imbuído dos interesses das políticas de globalização, que priorizam perspectivas
individualizantes, cujos objetos de estudo requerem a interpretação de forma subjetiva, e assim,
podem ser entendidos em uma perspectiva micro, de forma a deixar à margem as questões
históricas, políticas e econômicas vivenciadas pela sociedade.

Nesse período da história, no que se refere ao cenário mundial, é promovida pelas


políticas neoliberais, por meio dos países economicamente mais favorecidos, uma nova
organização da sociedade capitalista, cujo resultado implica o domínio dos países ricos sobre os
países periféricos, especialmente os países da América Latina, como no caso do Brasil.

Para que você compreenda melhor a história da educação brasileira no período em


questão, apresentamos o nosso pensamento a respeito das ideias da Jacomeli (2007), quando essa
autora se refere ao cenário histórico político mundial, ponderando que, com a queda do Muro de
Berlim, em 1989, por meio de alianças econômicas e geopolíticas realizadas pelas superpotências
mundiais, o mundo é redesenha- do, transpondo fronteiras e promovendo a articulação da
globalização e do capitalismo.

Assim, com o neoliberalismo, afirma-se a democracia a serviço do aumento de lucro do


capital internacional, que legitima a globalização do capitalismo. Dessa forma, é difundida a ideia
de que, para viver em uma sociedade com igualdade de oportunidades e mais humana, é preciso
que os indivíduos sejam democráticos, para não gerar oposições e possíveis resistências a favor de
outra forma de ideologia.

Ressaltamos, aqui, que as políticas econômicas, sociais e educacionais brasileiras


também são organizadas de acordo com o neoliberalismo. Ou seja, por organizações financeiras a
serviço dos interesses das empresas transnacionais, tornando a educação dependente das políticas
e dos financiamentos intervencionistas dos organismos internacionais.

60
Percebemos, assim, uma política educacional que não só permite como também incentiva
a privatização, assim como na década de 30. Com o discurso de investir na qualidade, justifica-se
a ideia de que a sociedade requer o trabalhador adequado às transformações sociais originadas
pela globalização. O que, por sua vez, exige a mudança do modelo de educação.

Nessa mesma direção, encontramos a política de descentralização do Estado, por meio da


transferência de responsabilidade aos municípios por intermédio dos serviços públicos, o que se
estende ao ensino.

Para prosseguirmos nossas reflexões, precisamos nos ater aqui em pensar um pouco a
respeito da responsabilidade que é atribuída aos municípios sobre a educação. Isto ao
considerarmos as implicações que podem ocorrer diante de tal realidade. Por exemplo: você já
pensou no fato de que os municípios brasileiros são muito diferentes? Tanto culturalmente,
economicamente, socialmente, o que possivelmente vai acarretar um desnível na qualidade da
educação brasileira? O que podemos entender que determinados municípios, devido a diversos
fatores, como localização geográfica, cultura etc., terão possibilidades de produzir melhores
condições de educação para as pessoas em relação a outros? Assim, ponde- ramos que tal política
privilegia determinadas regiões como forma de promover a exclusão de muitas outras no que se
refere à qualidade da educação das pessoas.

Aqui, é conveniente sabermos também que atribuir a responsabilidade da educação ao


município não é coisa tão nova, pois desde a década de 1970 tal tarefa é recomendada pelo Banco
Mundial e, finalmente, consolidada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96,
para atender aos interesses do Estado minimalista, idealizado pelo neoliberalismo.

Assim, o Estado deixa de ser responsável pelo sistema nacional de educação e efetiva- se
a descentralização da organização da es- cola, por meio da regionalização dos currículos. Dessa
forma, desarticulados do currículo nacional, promove a fragmentação do saber, desarticula os
professores, que assumem uma posição alienada, ao deixarem de questionar a sua condição
político-social de sujeito da educação. De acordo com Mialchi:

Este processo promovido pela nova organização capitalista é em grande


parte incentivado pelas suas instituições de fomento. Referimo-nos ao
Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional, que passam a ditar na
década de 1990 o conjunto ideário político pedagógico aos países ditos
periféricos. É assim que vemos pelo Plano Decenal de Educação para
Todos (1993) elaborado pelo MEC, mas que, buscando traçar um
diagnóstico da situação educacional, se detém ao ensino fundamental, a
61
mesma perspectiva apresentada na Declaração Mundial sobre Educação
para Todos (1990). Este último foi elaborado como diretriz à educação
mundial na reunião de Joentin, Tailândia (MIALCHI, 2008, p. 38).
Ao considerarmos a nova organização acima mencionada e o domínio dos países sobre
outros, ressaltamos que tal realidade ocorreu por meio da inculcação de valores no indivíduo e que
a escola é utilizada para inculcação de tais valores. Assim, é necessário difundir a ideia de que a
melhor e única maneira possível de atender socialmente é por intermédio da educação escolar.

Diante do exposto, precisamos ter claro ainda que, com o objetivo redirecionamento à
educação escolar, dirigido em grande parte na

figura do professor, é atribuída a ele a responsabilidade pelo resultado


escolar dos alunos. Vamos agora caminhar pela história da educação
brasileira, com vistas a pensar a nova organização escolar, de forma a
atender às demandas das políticas internacionais de cunho neoliberal.
Necessitamos, ainda, esclarecer que, de acordo com a lógica das políticas
internacionais já mencionadas, para atender à reformulação do currículo da
educação básica, especialmente o Ensino fundamental, presente na
PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) em LDB de 1996, foram
elaborados para o Brasil os 1997, que constitui um conjunto de temas que
aparecem transversalizados nas áreas definidas, isto é, permeando a
concepção, os objetos, os conteúdos e as orientações didáticas de cada
área, no decorrer de toda escolaridade obrigatória. A transversalidade
pressupõe um tratamento integrado das áreas e um compromisso das
relações interpessoais e sociais escolares com as questões envolvidas nos
temas, a fim de que haja uma coerência entre os valores experimentados na
vivência que a escola propicia aos alunos e o contato intelectual com tais
valo- res. As aprendizagens relativas a esses temas se explicitam na
organização dos conteúdos das áreas, mas a discussão da conceitualização
e da forma de trata- mento que devem receber no todo da ação educativa
escolar está especificada em textos de fundamentação por tema (BRASIL,
1997, p. 64).
Por meio dos Parâmetros Curriculares, organizados em forma de Temas Transversais, o
currículo das escolas brasileiras consiste em uma adaptação do currículo espanhol, que fora
elaborado no contexto da abertura política, e que, na atualidade, não era mais condizente com a
realidade da Espanha.

Dessa forma, é produzida para a educação brasileira uma maneira de difundir valores
referentes ao cotidiano das pessoas a fim de promover o discurso da paz entre os homens. Valores
esses necessários à manutenção do capitalismo presente na sociedade globalizada. Dessa forma,
atribui-se à educação escolar a função de formar pessoas para serem cidadãs do mundo, com perfil
para atuar em uma sociedade democrática.
62
Com o mencionado intuito, valoriza-se a vida cotidiana que, por sua vez, é expressa nos
conteúdos de forma adaptada, e tem objetivos que apontam uma preocupação em construir uma
identidade nacional e pessoal a valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural das diversas
nações, contra qualquer que seja o tipo de discriminação. Na verdade, com o in- tuito de globalizar
a cultura dos países dominantes sobre os países periféricos.

Através dos estudos realizados, podemos perceber que, na história da educação brasileira,
não é novidade a utilização do discurso de respeito às diferenças com o intuito de promover a
violência cultural para favorecer órgãos de financiamento das políticas internacionais, que se
interessam em globalizar

o consumo. Assim, tais valores são veiculados pelos meios de comunicação, como no
caso das novelas, que trazem para dentro dos lares cenários que representam culturas diversas e
valores diversos a serem difundidos. Segundo Dala rosa, nos Parâmetros Curriculares Nacionais:

[...] como se essa noção tivesse uma existência independente do texto que
o instituiu como novo objeto. Da mesma forma, quem passa diretamente à
análise dos textos específicos das áreas disciplinares é porque se torna
‘compelido’ pela ‘autoridade’ estabelecida pelo texto a não fazer certas
questões prévias que poderiam colocar em dúvida as bases e os princípios
sobre os quais estão assentados os PCNs. Isso nos faz concordar que
colocar a ênfase no estabeleci- mento de um currículo nacional significa
desviar a atenção precisamente dos fatores que estão no início da cadeia
casual que leva aos baixos desempenhos (DALOROSA, 2001, p. 207).
Mais uma vez, em nome da situação in- grata com as pessoas que não possuem os bens
materiais necessários para vivenciar o consumo, tanto dos bens culturais como dos bens materiais
de forma organizada, os PCNs afirmam que as diferenças se resumem em diferenças culturais. Ao
não mencionar as diferenças econômicas tão evidentes nas escolas públicas desse país, limita o
olhar das pessoas e, consequentemente, a consciência crítica.

Ao buscarmos os objetivos dos PCNs, de acordo com o pensamento de Jacomeli (2007),


compreende algo natural, promovendo um discurso de conformismo, de aceitação entre as
pessoas, de forma a negar que as diferenciações entre as classes diversas não podem ser
consideradas algo natural, pois se fundamentam em questões econômicas, que, por sua vez, são
produzidas pelos homens, de acordo com determinadas conveniências.

Enfim, você precisa entender aqui que, no contexto evidenciado no parágrafo anterior, os
PCNs trazem em si uma ideia de que existe um parâmetro natural a ser seguido.

63
4.4 A educação superior no Brasil pós LDBEN 9.394/1996

Nos últimos anos, houve um processo expansionista no setor. Em 1999, por exemplo, o
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, INEP, registra que o ensino superior
brasileiro cresceu substantivamente em 11,8% em relação à matrícula do ano anterior.

Para a então presidente do Instituto, Helena Guimarães de Castro, esta foi a maior taxa de
crescimento das últimas duas décadas (CASTRO, 2000, apud CATANI, 2002) universitários,
faculdades integradas, instituições de ensino superior e demais instituições isoladas, amparadas
pelo Conselho Nacional de Educação que, em 1999, aprovou a criação de 567 novos cursos
universitários – mais da metade do que fora aprovado em toda a história do CNE (Folha de S.
Paulo. 26.02.02).

Nesse contexto, veja você que há, também, um novo delineamento na política de
formação de professores, vinculada ao estreitamento das exigências postas pelas reformas
educativas da educação básica, que visam à formação das novas gerações. A formação inicial de
professores, na ótica oficial, “deve ter como primeiro referencial as normas legais e
recomendações pedagógicas da educação básica” (MELLO, 2000). Constata-se, no setor, a ideia
de que é inviável ao poder público financiar, a preço das universidades tidas como “nobres”, a
formação superior de professores para a educação básica, uma vez que somam mais de um milhão.

Diz-se que, com um volume muito menor de recursos, em tempo e situações de


aprendizagem, também reduzidos, chega-se ao mesmo resultado, justificando-se a aprovação, pelo
CNE, do número de cursos universitários, citados acima, sobretudo na iniciativa particular,
promovendo, quando não, a concorrência ou parcerias entre os setores público e privado.

Ainda, a esse respeito Freitas, afirma que:

A política de expansão da educação dos institutos superiores de educação


e cursos normais superiores, desde 1999, obedece, portanto a balizadores
postos pela política educacional em nosso país em cumprimento às lições
dos organismos financiadores internacionais. Caracterizados como
instituições de cará- ter técnico-profissionalizante, os ISE’s têm como
objetivo principal a formação de professores com ênfase no caráter técnico
instrumental, com competências determinadas para solucionar problemas
da prática cotidiana, em síntese, um “prático”. (FREITAS, 2002, p. 54)

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No viés ideológico, vamos ver que o Banco Mundial exerce uma função exponencial. No
entendimento de Coraggio (1996), em estudo publicado por Dourado (2002) apud Almeida e
Silva, (2007), esta instituição está por trás da ideia que defende um reducionismo economicista,
baseado no vetor custo-benefício, assim como da descentralização que permite desarticular setores
já organizados e da capacitação docente, em programas paliativos e rápidos, com os professores
em serviço.

Nesse último caso, cria-se a ilusão de um movimento de constante melhoria na


capacitação pedagógica, o que, na prática, configura-se por aparente atualização, muitas vezes
desfigurando a realidade em que o professor atua, alienando-o com mistificações pedagógicas ou
conteúdos vazios de formação acadêmica, causando uma situação inversamente proporcional ao
discurso, pois exclui as populações pobres do mercado, o qual baseia suas exigências no acúmulo
de conhecimentos específicos, e não na educação via amenidades.

O ensino no Brasil enfrenta uma situação singular nas duas últimas décadas. Fruto de
lutas, contradições, adaptações às tendências, interesses econômicos, encontra-se numa situação
tanto de reestruturação quanto de melhoria.

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