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Maria Carlota Pinto da Fonseca

Teoria Geral do Direito Civil II

Professora Doutora Mafalda Miranda Barbosa

Com base em:

• Apontamentos de aulas teóricas

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Teoria Geral do Direito Civil II

Objeto da relação jurídica

O que é então o objeto da relação jurídica? É aquilo sobre que incide a relação jurídica. Se
quisermos ser mais precisos, podemos dizer que o objeto da relação jurídica é aquilo sobre
que incide o direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo dessa relação jurídica. Portanto,
nós temos na relação jurídica o senhor A que é identificado como o titular ativo, o titular do
direito; e temos o senhor B que é o titular passivo.

O titular do direito tem um direito sobre alguma coisa, esse quid sobre que incide o direito
subjetivo, sobre que incide a relação jurídica é o objeto da relação jurídica.

A doutrina costuma dentro do objeto da relação jurídica, distinguir entre o chamado objeto
mediato e o objeto imediato. O que os distingue?

• O objeto mediato é aquele que os poderes do titular do direito apenas incidem de


forma indireta ou mediata;
• se o objeto for imediato então significa que o poder do titular do direito vai incidir de
forma direta, sobre a coisa.

Esta distinção entre o objeto mediato e o objeto imediato é uma distinção que pode ser
relevante de algum modo, mas que só é relevante por referencia a alguns direitos,
designadamente ele só é relevante por referencia aos direitos de crédito, em que nós temos
um objeto mediato que é a coisa- por exemplo, se estivermos a falar de um arrendamento,
temos a coisa como um objeto mediato, mas temos um objeto imediato que é a prestação- a
conduta do devedor sobre qual incidem os meus poderes enquanto credor. Estamos aqui a
falar de direitos de crédito, de uma coisa certa e determinada.

Nos outros direitos esta distinção entre objeto mediato e objeto imediato não faz particular
sentido, ou não faz sentido.

Outra nota importante e que nós somos confrontados no CC, com o art 202º. Este artigo fala-
nos de objeto da relação jurídica, fazendo equivaler este à coisa. A verdade é que nós
podemos confrontar-nos com muitos mais objetos do que simples coisas, nós vamos ver que a
coisa é apenas um dos possíveis objetos da relação jurídica.

Vamos tentar perceber quais são os possíveis objetos da relação jurídica com que nos
podemos deparar. Notem que estes possíveis objetos correspondem no fundo a diferentes
tipos da relação jurídica, e correspondem aos diferentes tipos de direitos subjetivos com que
nos já nos confrontamos.

1. As pessoas podem ser objeto de relações jurídicas. Como? Quais são os direitos que
têm como objeto as pessoas? São os chamados poderes funcionais, direitos
funcionais. Estes têm como objeto as pessoas de outrem. Isto não equivale, já
sabemos, a uma objetivação da pessoa, a uma menorização da pessoa, a uma
degradação da pessoa. Se assim fosse o direito tinha que nos dar um sinal de alerta, e
não nos permitiria configurar este tipo de direitos. Estes direitos funcionais ao ser
exercidos em função e no interesse da própria pessoa, de que é objeto desses mesmos
direitos

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2. As próprias pessoas, estando a falar dos direitos de personalidade. Nos direitos de


personalidade o objeto é a própria pessoa, globalmente considerada- direito geral da
personalidade- ou então determinados aspetos da personalidade humana.
3. As prestações podem ser um objeto da relação jurídica, e são-no necessariamente nos
chamados direitos de crédito. Nos direitos de crédito o objeto é o comportamento do
devedor, é a ação ou omissão a que o devedor se vincula. Nós falamos aí de prestações
como objeto das relações jurídicas.
4. Coisas. Os direitos que têm como objeto coisas, são os direitos reais. É verdade que
nós ao nível dos direitos obrigacionais, estando a falar num direito de obrigação de
prestação de uma coisa, certa e determinada, nós vamos encontrar coisas como
objeto da relação jurídica, mas é o tal objeto mediato, não sendo o objeto imediato.

Esta coisa é o que? Ao nível do direito, e ao nível do direito civil nós temos que saber definir
precisamente coisa. Isto porque o conceito de coisa para a linguagem comum não corresponde
ao conceito de coisa para o direito, e não corresponde ao conceito de coisa para o direito civil.
Há determinados entes que nós não qualificamos como coisa, mas são-no para o direito- a
eletricidade é um exemplo típico.

Ao nível do direito penal, colocou-se durante vário tempo o problema de saber se era possível
ou não naquelas situações em que há desvio da eletricidade através de umas ligações
primarias, saber se era possível ou não considerar o crime de furto- este que implica a
subtração de uma coisa alheia com a intenção de apropriação dela. À época, de acordo com o
pensamento positivista, era muito difícil considerarmos a eletricidade como uma coisa.

No entanto, não existe hoje a dúvida de qualificar juridicamente a eletricidade como uma
coisa.

Então o que é uma coisa para o direito? O que é coisa do ponto de vista jurídico?

Do ponto de vista jurídico as coisas são definidas como bens, de caracter estático- é
importante para distinguirmos as coisas das prestações (tendo estas um caracter dinâmico).
Estes bens de caracter estático são desprovidos de personalidade e não integram o conceito,
ou o conteúdo necessário dessa personalidade. Está segunda nota é importante para
distinguirmos a coisa das pessoas e dos bens da personalidade.

Para além de serem bens de caracter estático, desprovidos de personalidade e de conteúdo


necessário dessa personalidade, estes bens são suscetíveis de constituírem objeto da relação
jurídica. Para isso é necessário que estes bens apresentem algumas características:

1. É necessário que tenham existência autónoma ou separada.


Na ausência destes não podemos considerar que sejam uma coisa. Se eu depois de
construir um edifício pensar num dos tijolos que integra aquele edifício, eu passo falar
de uma parte integrante, mas não posso falar de uma coisa, pois deixou de ter uma
existência autónoma ou separada.

2. Têm que ser apropriáveis de forma exclusiva por alguém, suscetíveis de apropriação
exclusiva por alguém.

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Não se exige que sejam efetivamente apropriadas. No direito podemos confrontar-nos


com as chamadas res (coisa) nullius (ninguém). Se nós pensarmos nos animais bravios,
um lobo… poderíamos configurá-los como res nullius.

3. É necessário que estes bens sejam aptos a satisfazer interesses ou necessidades


humanas. Caso não o sejam, não podem ser consideradas coisas para o direito.

Estas são as 3 características essenciais, para que um bem de caracter estático e desprovido
de personalidade possa ser considerado objeto de relações jurídicas privadas. Dentro das
coisas, podemos ter diversas qualificações.

Essas qualificações estão exatamente contidas no artigo 203º do CC, e depois são explicitadas
nos artigos subsequentes.

O artigo 203º diz-nos o que são coisas e que as coisas podem ser moveis ou imoveis,
simples ou compostas, fungíveis ou não fungíveis, consumíveis ou não consumíveis, divisíveis
ou não divisíveis, principais ou acessórias, presentes ou futuras. Estas diferentes modalidades
de coisas depois estão todas elas definidas nos artigos 204º e ss, até ao artigo 219º.

Distinção entre coisas moveis e imoveis: é extremamente relevante. Estão taxados no artigo
204º, tudo aquilo que não for coisa imóvel é considerada coisa móvel.

Distinção entre as coisas corpóreas e as coisas não corpóreas: esta não consta do elenco
classificativo do código civil, sendo também extremamente importante. As coisas corpóreas
são aquelas que têm existência exterior podendo ser apercebidas pelos sentidos. Ao contrário,
as coisas incorpóreas correspondem a meras criações do espírito.

Esta distinção é extremamente relevante pois, por exemplo, só podem ser objeto de
propriedade as coisas corpóreas. As coisas incorpóreas serão objeto de outros tipos de
direitos, designadamente os direitos de propriedade intelectual, direitos de propriedade
industrial.

Outra questão para a qual devemos prestar atenção: há uma serie de regimes ligados à
responsabilidade civil e à responsabilidade do produtor que envolvem algumas considerações
atinentes às coisas corpóreas e incorpóreas, isto porque a responsabilidade do produtor só se
efetiva quando o dano é causado ou na vida ou na integridade de uma pessoa, ou então numa
coisa diferente, numa coisa tida por defeituosa. Coloca-se o problema de saber hoje em dia,
relativamente a determinado tipo de bens, se podem ou não se configurar como um elemento
integrante de uma coisa ou não.

• Software e dados pessoais – coisas corpóreas ou coisas incorpóreas? A eletricidade por


exemplo, não deverá ser considerada uma coisa corpórea porque ela não é apreendida
pelos sentidos, embora possa ser captada através de determinados instrumentos que
nos permitem a sua mobilização. Da mesma maneira, um livro, é considerada uma
coisa corpórea, mas não o seu conteúdo- coisa incorpórea.

5. Os próprios direitos subjetivos podem ser objeto de relações jurídicas, como o penhor
de direitos, o usufruto de direitos, a hipoteca de um usufruto (o senhor A é titular de
um direito de usufruto, pede um empréstimo ao banco e este exige a constituição de
uma garantia, o que ele dá em hipoteca é um usufruto, não sobre o objeto, mas sobre

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o direito de usufruto que ele tem sobre a coisa). Temos aqui direitos que têm como
objeto outros direitos subjetivos;
6. Este não existia até há pouco tempo, existindo apenas a partir de 2017. Estes são os
animais- artigo 201º B do CC. Este diz-nos que os animais são seres vivos dotados de
sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza. Ver 201º B e
201º D. Até 2017 então os animais eram considerados como coisas, tendo os animais
em si mesmo as características próprias das coisas, são bens desprovidos de
personalidade e não são integradores do conceito necessário desta; não têm um
carácter dinâmico como as prestações; são suscetíveis de existência autónoma; podem
ser apropriados exclusivamente por alguém e são aptos a satisfazer interesses e
necessidades humanas. E, portanto, eram considerados coisas para todos os efeitos
jurídicos.
Hoje em dia deixam de ser classificados como coisas, mas depois há aqui quase que
um paradoxo normativo pois não são qualificados como coisas, mas são tratadas
como coisas.
Continuando assim a ser objeto de direitos reais, tais como as coisas. Isto significa,
que nós hoje não podemos dizer, à partida, que o direito real tem todo ele objetos
como coisas.
Há direitos reais que podem não ter como objeto coisas, mas animais. É claro que
alguns autores contestam esta ideia, como Professor Pais Vasconcelos, que continua a
afirmar que os animais devem ser qualificados como coisas, sendo coisas semoventes.
A Doutora Mafalda pensa que este raciocínio tem sentido, pois estar a criar uma
categoria intermedia entre as pessoas e as coisas apenas para uma ideia de libertação
animal, parece não fazer sentido, até porque isto não traz consequências ao nível da
proteção que é dispensada aos animais.
7. Direitos potestativos 1. Há aqui uma divergência na doutrina, pois há muitos autores
que dizem que o direito potestativo não tem objeto, seriam direitos sem objeto.
Outros autores entendem que os direitos potestativos têm efetivamente um objeto-
esse objeto seria o próprio efeito jurídico que se veria produzido.
Outros autores ainda, entendem que o objeto dos direitos potestativos não seria o
efeito jurídico produzido, mas seria a relação jurídica que se constituiria, que se
extinguiria ou modificaria. É claro que no caso da relação jurídica constitutiva isto
acaba por implicar a própria ausência do objeto, ou pelo menos a confluência entre o
objeto e o efeito daquele direito, ou do exercício do direito.
Seja como for, o mais importante é nós percebermos e relembrarmos sempre que os
direitos potestativos são direitos que não implicam um poder ou uma faculdade de
exigir um determinado comportamento de alguém, mas são direitos ou poderes de
desencadearem determinados efeitos jurídicos, daí esta diferença e esta subtileza
também ao nível da compreensão do próprio objeto da relação jurídica.

Muitas vezes nós pensamos na linguagem corrente, no senso comum, que o património
constitui um conjunto de coisas que a pessoa tem- a pessoa tem um grande património porque
tem muitas casas, e muitos carros. No senso comum, há muitas vezes esta ideia. Esta ideia do
ponto de vista jurídico não é uma ideia correta.

1
O direito potestativo corresponde ao poder ou à faculdade de, por um ato de livre vontade só de per si ou
integrado por um ato de uma autoridade, produzir/desencadear determinados efeitos que inevitavelmente se vão
fazer sentir na esfera jurídica da contraparte do sujeito que está do lado passivo da relação jurídica

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Para falarmos corretamente de património, temos que pensar no património como o conjunto
de todas as relações jurídicas avaliáveis em dinheiro de que um sujeito é titular. E se nós
definirmos o património como um conjunto das relações jurídicas, ou de todas as relações
jurídicas avaliáveis em dinheiro, de que um sujeito é titular, então nós vamos perceber que o
património não é em si mesmo objeto de relações jurídicas porque ele é o conjunto das
relações jurídicas (de natureza de patrimonial) de que o sujeito é titular.

Esta nota é extremamente importante porque nos permite perceber que não existe um direito
sobre o património. Ao não existir um direito sobre o património, eu não posso dizer que ao
ser lesado um interesse patrimonial se vai desencadear responsabilidade civil. Muitas vezes,
um determinado sujeito pode ser afetado nos seus interesses patrimoniais, e se essa lesão dos
seus interesses patrimoniais não for acompanhada da lesão concreta de um direito dotado de
eficácia absoluta, erga omnes, então a conclusão a que nós vamos chegar é que não haverá, à
partida, direito a uma indemnização, exatamente porque não existe um direito com eficácia
absoluta sobre o património.

Nós temos várias aceções para o termo património, como o património bruto ou o património
ilíquido. O património bruto ou património ilíquido é efetivamente o conjunto de todas as
relações jurídicas avaliáveis em dinheiro de que um sujeito é titular, portanto nós vamos no
fundo, no património ilíquido, considerar o ativo do sujeito. Se nós descontarmos ao ativo do
sujeito o seu passivo, então nos vamos encontrar o património líquido. Só estamos a
contemplar o ativo do sujeito, já descontado o passivo. Se nós juntarmos o passivo e o ativo,
então confrontamo-nos com o património global.

Esquematicamente:

I. património global= ativo + passivo;


II. património bruto ou património ilíquido= ativo
III. património líquido= ativo-passivo

Este património que pode ser um dos enunciados, não é objeto de relações jurídicas.

Qual é o papel então que ele desempenha da relação jurídica?

O património vai desempenhar um papel extremamente importante ao nível da relação


jurídica, designadamente ao nível das relações jurídicas de natureza obrigacional como garante
das obrigações.

O património surge como a garantia geral das obrigações.

Porque garantia geral das obrigações? O A é credor, o B é devedor. O B não cumpre, não paga
a divida, o que é que o A pode fazer? Ora se este não paga a divida, o A pode recorrer a
tribunal com uma ação de condenação para condenar B a pagar. E se aí ainda B insistir e não
pagar, então pode executar o património do B. O tribunal vai apreender alguns dos bens do B,
penhorando-o, vende-o judicialmente através de uma venda executiva e vai pagar ao devedor
- à custa do dinheiro que obteve com aquele bem, pertencente ao património do devedor- B.

Isto significa que o património vai funcionar como a garantia geral das obrigações, pode haver
garantias especiais, mas se elas não existirem, então em última instância há essa garantia geral
das obrigações.

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Conceito de património autónomo

O património autónomo significa que há uma parte do património, há um conjunto de relações


jurídicas avaliáveis em dinheiro, que vai ser submetido a um tratamento jurídico próprio,
especial. Por isso é que ele é autónomo ou separado.

Qual é o critério dessa separação ou autonomia patrimonial? O critério dessa autonomia ou


separação patrimonial, é o critério da responsabilidade por dividas. Um dos exemplos de
património autónomo é a herança, isto porque:

1. Pelas dividas da herança apenas vão responder os bens da herança (artigo 2071º do
CC- sendo a herança aceite a benefício de inventario, só respondem pelos encargos
respetivos os bens inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a
existência de outros bens). O número 1 e 2 dizem o mesmo, no que respeita a
limitação da responsabilidade da herança pelas dividas do decuius.
Se o senhor A falecer, e tiver deixado uma conta bancaria com 100 mil euros, deixando
também dividas no valor de 200 mil euros, os herdeiros apenas vão ter que responder
pelas dividas até ao valor de 100 mil euros. A partir destes não há responsabilidade. O
número 1 e 2 do artigo 2071º apenas diferem no que diz respeito à prova, se houver
aceitação a título ou benefício de inventario são os credores que têm que provar que
existem outros bens; se a herança for aceite pura e simplesmente então será o
herdeiro que terá que provar que não existem valores suficientes na herança para o
cumprimento dos encargos devidos.
Portanto, pelas dividas da herança só respondem os bens da herança.
2. A herança vai responder pelas dividas da herança, e só quando estas não existirem
depois poderá responder pelas dividas dos próprios herdeiros. Ver a este propósito o
artigo 2070º.

Património conjunto

No património conjunto nós temos uma outra realidade. Nós temos um só património e esse
património único é titulado por mais do que um sujeito, tem mais do que um titular. Não se
trata aqui apenas e só de uma situação de compropriedade, pois nesta cada um dos
comproprietários é titular de uma quota ideal da propriedade.

No caso do património conjunto, nós estamos perante aquilo que se designa de comunhão de
mão comum. Nesta, o património é tratado globalmente como unitário embora tenha mais do
que um titular.

Qual é o exemplo que nos podemos avançar? É o exemplo da comunhão conjugal.

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II

Teoria Geral do Facto Jurídico

O facto jurídico é qualquer facto humano ou qualquer acontecimento natural que seja
produtor de efeitos jurídicos. Ou seja, estamos a falar de factos jurídicos, estamos a falar de
um evento que produz a relação jurídica, o evento de onde promana a relação jurídica.

Este facto jurídico distingue-se, portanto, dos factos irrelevantes para o direito.
Tradicionalmente a doutrina apontava uma serie de factos irrelevantes para o direito, dizia por
exemplo: convidar alguém para dar um passeio/fazer uma visita de cortesia/ usar uma gravata
de uma cor ou de outra cor, seriam factos irrelevantes para o direito, não se podendo
qualificar como factos jurídicos. A verdade é que, sendo absolutamente certa esta ideia, de
que há factos irrelevantes para o direito e um convite para passear é, à partida, um facto
irrelevante para o direito, nós não devemos ser aqui absolutistas, e contundentes.

Isto porque, é facto que um convite para um passeio é neutral do ponto de vista da eficácia
jurídica, mas pode não ser totalmente desprovido de relevância jurídica ( A convida B para
passear numa zona montanhosa cheia de cobras e serpentes, sendo B uma pessoa debilitada
com uma condição cardíaca grave, e tendo A consciência exata de que toda aquela situação
pode vir a desencadear a morte ou o agravamento do estado de saúde de B, não sendo assim
totalmente irrelevante do ponto de vista jurídico).

Há então factos irrelevantes para o direito, não tendo eficácia jurídica, mas não devemos ser
contundentes na exclusão de alguns factos dessa relevância. Só o caso concreto é que nos
permitirá dizer se estamos ou não perante um facto jurídico.

Os factos jurídicos podem ser:

• Involuntários: quando lhes é estranho qualquer intuito volitivo


• Voluntários: se traduzirem uma manifestação de vontade
o Lícitos: não vão desencadear responsabilidade, são aqueles que estão em
conformidade com o ordenamento jurídico. Aqueles que agora vamos estudar.
Aqui temos a compreensão de um ato jurídico.
▪ Simples atos jurídicos: são aqueles que o efeito se produz ex lege
(produzem-se por efeito da lei). Isto porque a vontade tem aqui uma
mera eficácia genética. A vontade faz desencadear o ato, esta na base
do ato, mas depois os efeitos produzem-se de acordo com aquilo que
é determinado pela lei.
Exemplo: a perfilhação- é voluntário, é de acordo com a vontade do
pai que aquela criança é reconhecida como filho, mas a partir daí os
efeitos vão-se produzir de acordo com aquilo que é determinado na
lei, já não é relevante a vontade.
▪ Negócios jurídicos: os efeitos vão ser produzidos de acordo com a
vontade manifestada pelos sujeitos. Os efeitos produzem-se ex
voluntate- de acordo com a vontade.
▪ Quase negócios jurídicos: traduzem-se numa pura manifestação de
vontade
▪ Atos materiais: nós temos efetivamente a realização de um ato
material ao qual depois a lei liga determinado efeito.

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Exemplo: António pintou um quadro, o ato de António é voluntário, e


é um mero ato material. Não esta no plano normativo, realiza-se para
além do direito, na realidade sensitiva, na realidade do ser. Mas
depois a lei, o ordenamento jurídico, vai ligar àquela criação uma serie
de efeitos jurídicos porque o vai proteger através dos direitos de
autor.
o Ilícitos: vão desencadear responsabilidade.

Qual é o regime dos simples atos jurídicos?

Estes cujos efeitos se produzem ex lege. Não há um regime específico, aquilo que a lei nos diz,
aquilo que o CC nos diz, é que na medida em que a analogia o justifique vamos aplicar as
regras próprias dos negócios jurídicos- artigo 295º CC.

Será o negócio jurídico que vai ele próprio determinar quais são as regras que eventualmente
se poderão também aplicar aos simples atos jurídicos. Isto tudo para dizer que a nossa atenção
desde este momento até ao final do ano letivo se vai centrar no negócio jurídico.

O que é um negócio jurídico?

O negócio jurídico pode definir-se como o facto jurídico voluntário, ou ato jurídico, cujo
núcleo essencial é integrado por uma, ou mais, declarações de vontade tendentes à produção
de determinados efeitos práticos que os sujeitos pretendem que sejam juridicamente
vinculantes ou juridicamente tutelados. O núcleo central do negócio jurídico é integrado por
uma declaração negociada, e esta declaração negocial ou uma declaração de vontade.

Esta declaração identifica-se com a vontade do declarante e dirige-se à produção de


determinados efeitos.

A questão agora debatida é a questão de saber que efeitos são estes que se produzem?

A primeira resposta que se deu a este problema foi uma resposta que correspondeu a um
período de exaltação da vontade e da liberdade individual, ou seja, da liberdade entendida
em termos individualísticos. E, portanto, os efeitos que aqui estão em causa são os efeitos
jurídicos, ou seja, entendia-se que os efeitos jurídicos que eram produzidos, que eram
determinados por lei, eram exatamente os mesmos correspondentes ao conteúdo da vontade
das partes.

As partes diziam X e tal correspondia exatamente ao que era determinado por lei, havia uma
total coincidência. Esta chamada teoria dos efeitos jurídicos não pode hoje ser aceite.

Isto por dois motivos:

1. Se assim fosse, isso significaria que só um jurista com uma formação completa
poderia celebrar negócios jurídicos. Porque só um jurista com uma formação
absolutamente completa seria capaz de antecipar todo e qualquer efeito que através
da manifestação da vontade das partes se poderia desencadear. E, hoje em dia, com a
complexificação do ordenamento jurídico, se calhar ninguém conseguiria dominar os
negócios jurídicos.

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2. Há determinadas consequências que são associadas à celebração do negócio jurídico e


que podem não ter sido pretendidas pela vontade das partes, e que resultam da
necessária articulação do negócio jurídico com o ordenamento jurídico onde ele está
inserido tendo que dialogar.

Foi na tentativa de superar estas dificuldades que alguns autores propuseram uma
compreensão do negócio jurídico centrada na produção de efeitos práticos.

Chegamos assim à segunda teoria, a teoria dos efeitos práticos. De acordo com esta, a
vontade já não seria dirigida à produção de efeitos jurídicos, mas seria dirigida à produção de
efeitos práticos aos quais depois seriam associados determinados efeitos jurídicos.

Também esta teoria não pode ser aceite. Isto porque:

1. Esta teoria deixa-nos sem critério para distinguir um negócio jurídico de outros
acordos da vida social. Que acordos são estes?
a. Os chamados negócios de pura obsequiosidade: estes são combinações da
vida social às quais é estranho o intuito de criar/modificar/extinguir um
vínculo jurídico. Ou seja, às quais é estranho o intuito de criar uma vinculação
jurídica.
b. Acordos dos cavalheiros: são combinações sobre matéria que normalmente é
objeto de negócio jurídico, mas naquele caso concreto não foram
acompanhadas da intenção de criar um negócio jurídico, ou seja não foram
acompanhadas da intenção de criar essa tal vinculação jurídica que lhes é
própria.

O que os caracteriza é o facto de existir em qualquer um deles a intenção de produzir


determinados efeitos práticos, sem qualquer intenção de vinculação. Se eu apenas caracterizar
um negócio jurídico por referência aos efeitos práticos, eu não consigo distinguir claramente o
negócio jurídico destas outras categorias.

2. Os efeitos práticos podem ser, muitas vezes, obtidos por mais que uma via jurídica.
Cabe às partes que celebram o negócio saber qual dessas vias jurídicas pretende
seguir. Às vezes há discrepâncias entre o efeito prático que se pretende obter e a via
jurídica que se lança para obter esse efeito pratico.

Houve assim autores na Alemanha e em Portugal que propuseram uma terceira teoria. Esta 3ª
teoria é a chamada teoria dos efeitos práticos jurídicos.

Isto significa que os efeitos que se pretendem realizar são efetivamente efeitos práticos, mas
com o objetivo de que sejam realizados sobre a tutela do direito, havendo aqui a intenção de
vinculatividade, intenção de proteção jurídica.

A luz desta teoria dos efeitos pratico jurídicos, ainda é sobre determinado ponto de vista
tributario de uma visão liberal. Uma visão liberal que olha para o negócio jurídico como
domínio privilegiado de criação de uma normatividade particular, em que as partes se
assumem como senhoras e mandadoras, reconhecendo depois o ordenamento jurídico a
vinculatividade decorrente do exercício de uma liberdade que se invoca.

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Esta compreensão do negócio jurídico parece não permitir ainda explicar todas as soluções
predispostas pelo ordenamento jurídico, não permitindo ainda lidar com todas as situações em
que se pretende excluir a vinculatividade. Há uma serie de hipóteses em que se questiona se é
ou não possível afastar a vinculatividade de um acordo que à partida é negocial.

Mas verdadeiramente, parece ser ela a que melhor nos garante o entendimento acerca do
negócio jurídico.

Nós devemos recheá-la com outras notas a propósito do negócio jurídico:

1. O negócio jurídico é um instrumento de exercício da autonomia privada.


2. A autonomia privada de que falamos é a autonomia da pessoa- autonomia material e
axiologicamente conformada. Por isso, só se vão tutelar manifestações da vontade que
sejam eticamente valiosas- artigo 280º CC.
3. Ideia de confiança normativizada pela boa-fé, isso permitirá muitas vezes descobrir um
critério para distinguir ou delimitar as fronteiras entre o que é um negócio jurídico e
um acordo não negocial
4. Com o negócio jurídico pretende-se alcançar determinados efeitos práticos e
pretende-se que eles sejam tutelados pelo direito. Mas porque o direito não tutela
qualquer manifestação de vontade, mas apenas aquela manifestação que
corresponda a uma expressão da pessoalidade do sujeito, as partes no negócio
aceitam subter-se a efeitos que podem ultrapassar a sua previsão inicial.

Como podemos então definir o negócio jurídico?

O negócio jurídico é um ato voluntário ou ato jurídico, cujo núcleo essencial é integrado por
uma ou mais declarações de vontade tendentes à produção de determinados efeitos práticos
que se pretende que sejam juridicamente vinculantes e que o ordenamento jurídico tutelará
em nome de uma autonomia ético axiologicamente conformada, e da confiança normativizada
pela boa-fé.

Os negócios jurídicos podem ser classificados de acordo com os diversos critérios:

1. Critério do número, do sentido e do modo das declarações negociais que integram o


negócio. Se eu atender a estes conceitos eu vou puder distinguir dois tipos de
negócios:
a. Negócios jurídicos unilaterais: estes são os negócios que são integrados por
uma única declaração negocial ou por várias declarações negociais, mas todas
elas paralelas de tal modo que só existe um lado, ou só uma parte. Exemplo:
testamento.
i. Negócios jurídicos unilaterais receticios: são aqueles em que a
declaração só se torna eficaz se for levada ao conhecimento do
destinatário.
ii. Negócios jurídicos unilaterais não receticios: são aqueles em que a
declaração se torna eficaz logo que é emitida.
✓ Exemplo: confirmação e procuração

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b. Negócios jurídicos bilaterais/contratos: são necessariamente integrados por


pelo menos duas declarações negociais de sentido oposto, mas convergente,
teremos de ter uma proposta e aceitação, estas vão-se unir num ponto de
consenso.
✓ Exemplo: Compra e venda.

i. Contratos bilaterais ou sinalagmáticos: são geradas obrigações para


ambas as partes que estão ligadas por um nexo de correspetividade.
Exemplo: compra e venda, resultam obrigações para ambas as partes
(A tem de vender B tem de pagar)
ii. Contratos unilaterais ou não sinalagmáticos: um exemplo clássico
será a doação, sendo que apenas se geram obrigações para uma das
partes. É um contrato pois temos duas declarações negociais- o A
propõe doar e B tem que necessariamente aceitar a doação, sendo
que só o A tem a obrigação de entregar a coisa.

Esta distinção entre contratos unilaterais e bilaterais tem relevância pratico normativa grande,
na medida em que há determinados institutos que são privativos dos contratos bilaterais. É o
caso da exceção do não cumprimento do contrato (num contrato de compra e venda, que é
um contrato bilateral, geram-se obrigações para ambas as partes. Se as obrigações deverem
ser cumpridas no mesmo tempo, então eu posso não entregar a coisa enquanto B não me
pagar o preço. Eu que estou obrigada a cumprir posso não o fazer, excecionando o
cumprimento da contraparte para justificar o meu não cumprimento. Só fazendo isto sentido
num contrato bilateral.)

Os negócios unilaterais estão submetidos a um princípio da tipicidade.

2. Constituição. De acordo com as exigências constitutivas dos negócios jurídicos podem


ser:
a. Consensuais: a maioria dos negócios são considerados negócios consensuais
quanto à sua constituição, bastando declarações de vontade para que estes se
considerem perfeitos;
b. Reais: leque pequeno de negócios, que só se consideram perfeitos quando
para além das declarações de vontade tiver de haver um ato material
anterior ou simultâneo. E estes são os tais negócios reais quanto à
constituição.
O deposito, o comodato, o mútuo, o penhor e a doação de coisas moveis não
celebrada por escrito. Esta distinção tem sido muito criticada pela doutrina,
pois esta considera que se trata de um resquício do direito romano, que hoje
em dia não tem grande utilidade, não tem razão de ser.
✓ Exemplo: O António tem um automóvel, e quer deixar esse
automóvel durante o período que vai para o estrangeiro
guardado na garagem de bernardo. Telefona-lhe e pergunta se
este permite que guarde o seu automóvel na garagem durante
o período de dois meses em que vai viajar pelo preço de 400
euros. Bernardo aceita.

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Teoria Geral do Direito Civil II

António viaja para o estrangeiro e não coloca o automóvel na


garagem de Bernardo, não depositou lá o automóvel.
Bernardo vem exigir o pagamento dos 400 euros, alegando
que o espaço teve disponível e que António apenas não
colocou lá o automóvel porque não quis.
A questão é: Bernardo terá direito ao pagamento dos 400
euros? Saber se ele tem ou não direito ao pagamento dos 400
euros passa por saber, se foi ou não celebrado um contrato.
Pois, se tiver sido celebrado um contrato de deposito entre o
António e o Bernardo, então Bernardo tem direito ao
pagamento desses 400 euros, pois é a prestação que lhe é
devida no âmbito desse contrato. Se não tiver sido celebrado
um contrato, ele não tem direito aos 400 euros.
Ora, a haver contrato estamos perante um deposito, que é um dos tais
negócios para os quais se exige o ato material de entrega. A doutrina vem
dizer, ou parte dela, que isto era um anacronismo, que hoje em dia não faz
sentido. Então perante um caso como este, há autores que vêm dizer que o
que está em causa é um contrato de deposito, este que é um contrato real
quanto à constituição, mas verdadeiramente nós podemos considerar que
aqui esta em causa afinal um contrato promessa de deposito, suscetível de
execução especifica, que conduziria depois à celebração do contrato.

✓ Exemplo de contrato promessa: A celebra um contrato


promessa com B. A obrigasse no futuro a vender, e B obriga-se
no futuro a comprar. Caso isto não chega a acontecer, um
deles estará a violar um contrato.
A reação poderá ser propor uma ação de execução especifica.
Isto significa que propõe uma ação em tribunal, e se a ação for
procedente o tribunal profere uma sentença de execução
especifica, que vai funcionar no fundo, como a ação negocial
em falta. Tendo sido proferida, o tribunal substitui-se ao
vendedor.
A doutrina diz que temos aqui um contrato de deposito, este contrato de
deposito não é valido, falta o ato material de entrega, não se tendo formado.
Então eu vou converter o contrato de deposito, num contrato promessa.
De seguida, procedo à execução especifica, chegando à formulação de um
contrato de deposito, e chegando ao incumprimento da parte. Outros autores
dizem que não é necessário recorrer a este subterfugio, pois, a liberdade
contratual viabiliza a celebração de um contrato consensual de mútuo, que
seria no fundo um negócio atípico.

Há, porém, determinados negócios reais quanto à constituição que escapam estas
considerações.

É o caso do penhor e da doação de coisas moveis não celebrada por escrito. Pois para estes
há uma razão de ser para a imposição da entrega, do ato da entrega. No caso do penhor a
função é a publicidade, no caso das doações de coisas moveis cumpre aqui a função de fazer
entender ao doador o perigo para o seu património daquela doação.

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i. Quid iuris se faltar o ato material de entrega? Qual é a


consequência?
Também aqui a doutrina se divide. Para alguns autores o que está em
causa é a falta de perfeição do negócio jurídico, ou seja, o negócio
jurídico não chegou a ser celebrado. Para outros autores este é um
problema de forma, gerando assim a nulidade do negócio.
Qual é a melhor solução? Depende das hipóteses.
Há situações em que de facto aquilo que está em causa é a falta de
perfeição do negócio, ou seja, a sua inexistência (quais são essas
situações? Quando a configuração real é efetivamente exigida, como o
caso do penhor, e aquelas em que se prove que as partes não se
quiseram vincular exceto através do ato material de entrega).
Noutras situações do que se trata é de um problema de forma, e se há
um problema de forma a consequência será a nulidade do negócio
jurídico- caso da falta de entrega da coisa na doação de coisas moveis
não celebrada por escrito.
3. Critério da natureza da relação jurídica constituída, modificada ou extinta por efeito
do negócio jurídico. Se eu tiver em conta a relação jurídica que vai ser constituída,
modificada ou extinta por efeito do negócio jurídico, eu posso estabelecer uma
distinção entre:
a. Negócios Obrigacionais
b. Negócios Familiares
c. Negócios Reais- quanto aos efeitos. Há negócios que podem ser reais quanto
aos efeitos, e que podem não ser reais quanto à constituição. Estas duas
realidades não se confundem, por exemplo a compra e venda, é um negócio
real quanto à constituição, não sendo necessário nenhum ato real de entrega.
d. Negócios sucessórios

4. Avaliação ou não em dinheiro. Tendo em conta a suscetibilidade dessa relação jurídica


a que o negócio se refere. Tendo em conta a suscetibilidade dessa relação jurídica ser
avaliada, ou não, em dinheiro nós podemos falar de:
a. Pessoais: não há uma tradução pecuniária.
✓ Exemplo: casamento
b. Patrimoniais: podem ser avaliados pecuniariamente.
✓ Exemplo: compra e venda

5. Conteúdo e finalidade do negócio


a. Negócios onerosos: os negócios onerosos são aqueles que pressupõem
atribuições patrimoniais para ambas as partes, existindo um nexo de
correspetividade. Uma atribuição patrimonial é causa de outra atribuição
patrimonial.
✓ Exemplo típico: compra e venda
b. Negócios gratuitos. são aqueles que se caracterizam pelo chamado animus
donandi, ou seja, por uma intenção de liberalidade, a intenção de criar um
benefício para alguém que não é compensado por uma prestação
correspondente.

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Esta tarefa de classificação muitas vezes não se dirige a tipos puros, mas a negócios concretos
que foram celebrados. Isto significa que, muitas vezes, o mesmo tipo negocial, pode assumir-
se como oneroso ou gratuito consoante aquilo que seja acordado entre as partes.

Por exemplo o mútuo, este é um empréstimo em dinheiro, podendo este ser oneroso ou
gratuito- se eu tenho que pagar ou não juros pelo empréstimo.

Há fenómenos de complexidade contratual, e, portanto, eu posso mobilizar um tipo contratual


que é tipicamente oneroso para prosseguir finalidades de um negócio gratuito.

Imaginemos que o senhor A tem um sobrinho que lhe quer criar um benefício. Vendendo o seu
automóvel de topo de gama ao seu sobrinho por um preço simbólico.

Neste caso nós estamos a mobilizar um negócio que é oneroso (compra e venda) para
prosseguir finalidades próprias de um negócio gratuito- encontramos aqui um fenómeno de
complexidade contratual (uma doação mista). O que faz este negócio gratuito não é o preço
ser baixo.

Eu posso vender um apartamento que tem o preço de mercado de 100 mil euros, vendê-lo por
30 mil pois não tenho jeito para fazer negócios, porque estou a precisar desesperadamente de
dinheiro, ou então posso vender por este baixo preço porque quero criar um benefício, tendo
aqui inerente um negócio misto de compra e venda.

A gratuitidade passará por um animus subjacente ao negócio, pela intenção de criar um


benefício. Se não houver essa intenção eu não tenho um negócio gratuito.

Este equilíbrio das prestações, que se fala a nível de negócio jurídico, é um equilíbrio subjetivo.
Aqui não teremos que aplicar situações como altruísmo ou egoísmo, os chamados,
sentimentos/intenções ocultos.

Nós muitas vezes pensamos que estamos a celebrar negócios gratuitos quando eles na
realidade não o são, ou podem não ser. Pensando num tema colocado hoje em dia: o
Facebook, plataforma de utilização gratuita, existe aqui um contrato aparentemente gratuito,
pois em troca cedemos dados pessoais, estes que podem vir a ser transacionados. Estes dados
pessoais podem ser vistos como um bem transacional- commodity. Se assim for, perdemos
aquela logica de gratuitidade que nós achamos que existe nesta plataforma gratuita.

O mútuo é um empréstimo em dinheiro. O senhor A celebrou um contrato de mútuo com o


banco, o banco emprestou dinheiro ao A. Quais são as obrigações que o senhor A tem?
Devolver o dinheiro e pagar juros. Qual é a obrigação que o banco tem? Nenhuma.

Se nós tivermos em conta o número de obrigações que se gera, o contrato de mútuo oneroso
só gera obrigações para uma das partes, sendo um contrato não sinalagmático- contrato
unilateral. Mas este contrato é oneroso, porque do ponto de vista das prestações eu tenho
duas prestações. Prestação do banco que emprestou dinheiro, e a prestação de juros de A, por
exemplo. Estão unidas pelo nexo de correspetividade. Estas prestações não equivalem a
obrigações do contrato, pois a prestação do banco, que faz com que o negócio seja oneroso, é
um ato material da entrega que faz parte do contrato- um contrato de mútuo, um contrato
real quanto à constituição.

Dentro dos negócios onerosos tempos ainda:

• negócios onerosos comutativos: sendo a maioria;

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• negócios onerosos aleatórios: são aqueles em que as partes se submetem a uma aleá
– um risco. Não há uma ideia de troca, não se sabe verdadeiramente qual das partes
vai ganhar no negócio. E é esta sujeição à aleá que faz com que o negócio seja
oneroso.
o Negócio em que há apenas uma prestação, mas as partes não sabem à priori
quem é que as vai ter que efetuar: contrato de jogo e aposta.
A faz uma aposta com B, só um é que vai ter que realizar uma prestação, mas
não se sabe qual dos dois o fará.
o Situações em que há duas prestações, sendo que uma delas é certa e a outra
é incerta.
Exemplo: um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel. Quando
nós celebramos com uma seguradora um contrato deste tipo, há uma
prestação que é certa- aquela que nós prestamos à seguradora. A da
seguradora é incerta, pois está só tem que efetuar uma prestação se se
verificar o evento de risco que esta coberto pela apólice do seguro.
o Situações em que há duas prestações certas, mas uma é incerta quanto ao
montante.
Exemplo: contrato de seguro de vida. As duas prestações são certas, pois a
pessoa vai morrer. A prestação que nós efetuamos à seguradora é certa
quanto ao montante, sabemos quanto é que pagamos. A prestação que a
seguradora vai realizar é incerta pois vai ficar dependente da capitalização e
do nosso tempo de vida.

6. Critério do momento relevante para a produção de efeitos jurídicos


o Negócios jurídicos inter vivos: produzem efeitos em vida das partes
o Negócios jurídicos mortis causa: produzem efeitos depois da morte dos
sujeitos.
Exemplo: testamento
Diferente de negócios inter mortos

O professor Menezes Cordeiro a este propósito apresenta algumas críticas a este critério
tradicional, afirma que o critério não nos satisfaz totalmente, pois as partes ao abrigo da
autonomia privada podem estipular que os negócios apenas produzam efeitos com a morte de
alguma delas- contrato de seguro de vida.

O contrato de seguro de vida é um negócio inter vivos pois assenta num tipo de regulação que
se destina a reger as relações de participação naquele negócio. Segundo o professor Menezes
Cordeiro, este critério distintivo que aponta para os negócios inter vivos e os negócios mortis
causa, não nos satisfaria totalmente. Teríamos negócio inter vivos, como por exemplo, o
contrato de seguro de vida que produz efeitos depois da morte do sujeito.

Duas notas importantes:

1. É verdade que o contrato de seguro de vida é um negócio inter vivos.


2. Isto não põe em causa o critério clássico supracitado. Isto porque quando nós dizemos
que o negócio mortis causa produz efeitos apenas depois da morte do declarante, nós
estamos a assumir que todos os efeitos são produzidos depois da morte. Se nós
pensarmos no testamento, o que é que acontece? O testamento só vai produzir todos

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os seus efeitos depois da morte- só depois da morte há transferência da propriedade


dos bens ou legatários; ele pode ser livremente revogado pelo testador até ao
momento da sua morte.
Se nós pensarmos no contrato de seguro de vida vamos ver que não é assim.
Se A celebra com uma seguradora um contrato de seguro de vida, o contrato passa a
produzir efeitos imediatamente, há uma prestação que só vai produzir efeitos depois
da morte do contraente, mas o negócio está a produzir efeitos imediatamente.
Aquelas duas características que vimos – produção dos efeitos única e exclusivamente
depois da morte e a livre revogabilidade até à morte- não se verifica neste contrato de
seguro de vida.

Haverá outro negócio mortis causa?

Para além do testamento que negocio há?

Temos que olhar para o artigo 1700º do CC. Porquê? O artigo 1700º diz que uma convenção
antenupcial- entes celebram antes do casamento visando determinar, entre outras coisas, qual
o regime de bens que vai vigorar entre o casal.

E esta convenção antenupcial pode conter:

a) a instituição de herdeiro ou nomeação de legatário em favor de qualquer esposado, feita


pelo outro esposado, ou por terceiros nos termos descritos

b) a instituição de herdeiro ou nomeação de legatário, em favor de terceiro feita por qualquer


um dos esposados

Nós temos que tentar perceber como é que vamos qualificar estas disposições, feitas na
convenção antenupcial, mas que visam produzir efeitos com a morte de um dos esposados.

No que diz respeito à instituição de herdeiro ou de legatário em favor de qualquer um dos


esposados, feito por outro esposado ou por um terceiro- um A vai casar com B, B vai na
convenção antenupcial instituir A o seu herdeiro-, a melhor qualificação será qualificar que
estamos perante um negócio híbrido ou misto, pois este conjuga características quer dos
negócios inter vivos quer dos negócios mortis causa. Porquê?

1. A transferência dos bens corre depois da morte


2. Não é possível revogar o ato unilateralmente após a aceitação- 1701º/1

No que diz respeito à instituição de herdeiro ou legatário, feita por qualquer um dos
esposados em favor de terceiro, temos que distinguir duas situações:

1. Se o terceiro interveio na convenção nupcial, não é possível revogar livremente-


negócio híbrido ou misto
2. Se, pelo contrário, o terceiro não interveio, a disposição é livremente revogável –
negócio mortis causa

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7. Critério do risco e da importância patrimonial do negócio.


Se nós tivermos em conta este critério vamos poder fazer uma distinção já conhecida,
a propósito do regime da capacidade de que poderão padecer alguns maiores:

o Negócios de mera administração: este é um negócio que não envolve uma


alteração da composição do património, nem do capital.
Os negócios de mera administração ou de administração ordinária, correspondem a
uma gestão de medida, a uma gestão prudente, estes não envolvem grande riscos.
Embora também nunca potenciem grandes ou elevados lucros.
São negócios onde apenas se tenta aproveitar as propriedades que são inerentes ao
próprio património.
São negócios de mera administração os atos de conservação dos bens, frutificação
normal dos bens, os atos de frutificação anormal, mas desde que, tanto num caso
como no outro, estes atos sejam financiados através do rendimento acumulado do
próprio bem e não da alienação de partes do capital.

O que será um ato de conservação? Imaginemos que o senhor A tem uma quinta e
resolveu, com base no rendimento que obteve nas colheitas deste ano, fazer obras
num muro que estava a construir que poderia vir a ruir. Ou então, à custa do que
ganhou com a venda das maças, vai comprar adubo para poder voltar a frutificar.
Ainda noutras circunstâncias, o senhor A vendeu a madeira dos pinheiros que
derrubou na sua propriedade, e com aquele dinheiro comprou sementes para passar a
produzir tomates, alterando completamente a cultura daquele terreno.
Podem ainda integrar-se aqui os negócios de melhoramento, desde que, mais uma
vez, sejam feitos à custa dos rendimentos do próprio bem.
Aqui temos que ter algum cuidado, pois dependendo do destino que nós possamos
atribuir ou reconhecer para um determinado bem, assim podemos estar perante mera
administração ou negócio de disposição.

o Negócios de disposição: são aqueles que afetam a substância do património,


alterando a composição do capital administrado. Nessa medida, potenciarão
grandes ganhos, mas envolvem necessariamente o perigo de grandes perdas.

Muitas vezes pode não ser fácil distinguir onde é que está um negócio de mera administração
e onde é que está um negócio de disposição.

• Se o legislador se pronunciou sobre o assunto. Pois às vezes o legislador especifica se


o negócio deve ser visto como um ato de mera administração ou um ato de
disposição- artigo 1024º - o legislador aqui determina onde é que esta um negócio de
mera administração e onde está o negócio de disposição, atendendo a um critério
temporal.

Caso o legislador não se tenha mobilizado, vamos usar este critério distintivo.

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8. Critério da forma: se nós tivermos em conta a exigência, ou não, de forma enquanto


requisito de validade, podemos distinguir entre:
• Negócios solenes ou formais: são aqueles para os quais o legislador exige uma
determinada formalidade como requisito de validade
• Negócios consensuais, não formais ou não solenes: podem ser celebrados por
qualquer forma, inclusive verbalmente.
Por exemplo: a venda verbal de um automóvel é valida. Sendo a maioria dos negócios
jurídicos celebrados verbalmente- quando vamos comprar um chocolate não vamos
acompanhados de um caderno para reduzir a escrito, nem de um notário para que
possa outorgar uma escritura publica. Esta é a regra. Temos aqui um princípio muito
importante que é o princípio da liberdade de forma- artigo 219º do CC.

Em determinadas situações, excecionais, impõem-se uma forma especial. Se essa forma


especial não for cumprida, o negócio considerar-se-á nulo, nos termos do artigo 220º.

9. Critério da relevância da relação jurídica que constitui a causa do negócio

Tendo em conta esta relevância da relação jurídica, os negócios jurídicos podem ser:

• Abstratos: a exceção encontrar-se-á ao nível dos negócios abstratos. Este é um


negócio em que a função económica ou social da relação que constitui a sua causa não
relevam.
• Causais: a generalidade dos negócios é causal. São, em regra, causais porque a função
económica da relação jurídica que constitui a sua causa é relevante.

Não basta que o A diga em tribunal que B lhe deve 1000 euros, é necessário que o A explique
por que razão é que ele lhe deve esses 1000 euros. Quer dizer que a relação que está na base
da celebração do negócio é relevante. Isto não é assim em alguns negócios- por exemplo no
caso da letra, no caso da livrança e no caso do saque do cheque.

Estes são caracterizados pelo princípio da abstração, valem independentemente da causa que
lhes deu origem.

Imaginemos que o A preenche um cheque e o entrega a B, e fá-lo porque lhe devia os tais
1000 euros a B. B endoçou esse cheque a C. Nós temos um C que não tem nada a ver com o A,
e que passa a ser portador daquele cheque. Se aquele C for ao banco para levantar o dinheiro
inscrito naquele cheque, o A não vai poder opor ao C quaisquer exceções. O cheque abstrai
completamente daquilo que esteve na base no seu preenchimento, e não pode ser aposta a
qualquer exceção a um terceiro que não faça parte da relação inicial – A e B. Funciona de igual
modo nas letras e nas livranças.

Exemplo de letra: Eu pedi dinheiro a B para garantir uma divida, pedi uma letra. Uma letra é
uma divida de crédito em que o B pode executar para que eu pague aquilo que devo. Se ele o
fizer e não tiver motivos para isso, pois eu pago regularmente, posso opor isso a B. Mas se B
tiver transmitido aquele título de crédito a C, eu já não vou poder opor-me a C em nenhuma
destas exceções. Se o C me vier exigir o pagamento, eu vou ter de arcar com essa execução.

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Formação do negócio jurídico


Este problema é relativamente complexo, mas facilmente percetível. Para se formar um
negócio jurídico é necessário que integre um dos seus elementos essenciais- as declarações
negociais ou declarações de vontade, um elemento primordial do negócio jurídico (pode ser
apenas uma- negócio unilateral / ou no mínimo duas- negócio bilateral ou contrato).

A declaração negocial é um meio de transmissão da vontade, tendente à produção de efeitos


práticos e que se pretenda que sejam vinculantes. De acordo com a doutrina tradicional,
podemos dizer que é o comportamento que exteriormente observado cria a aparência de
exteriorização de um determinado conteúdo de vontade negocial.

Estas são integradas por dois elementos:

• elemento interno: corresponde à vontade. Esta vontade negocial, por seu turno, pode
ser tripartida, pode ser analisada em 3 tipos de vontade que têm de estar sempre
presentes.
o vontade de ação: o comportamento tem de ser voluntario. Sem
voluntariedade do comportamento não há declaração. Há determinadas
situações patológicas em que esta voluntariedade está ausente- coação física.
o vontade de declaração: não basta que o comportamento seja voluntario, é
necessário que haja a consciência que ao meu comportamento voluntario é
atribuído o sentido de uma declaração negocial. Eu tenho de ter a consciência
de que o meu comportamento é entendido como uma declaração negocial,
como um meio de transmitir uma vontade de produção de efeitos práticos
para que sejam juridicamente relevantes.
Também há situações em que a vontade desta declaração pode não estar
presente.
Imaginemos que o senhor A está a assinar um cartão de boas festas aos seus
clientes, e no meio destes estava lá metido uma carta de uma aceitação de
uma proposta negocial, tendo ele assinado. Assim, o seu comportamento foi
voluntário, mas não consciente.
o vontade de negociar: consiste na vontade de se celebrar um negócio com o
conteúdo que corresponda ao comportamento exteriorizado. Este também
pode falhar, como por exemplo, numa situação de erro.
Eu quero comprar 100 pares de sapatos para revender, mas eu enganei-me e
em vez de declarar que quero comprar 100 pares de sapatos eu declaro que
quero comprar 1000. Ora, o meu comportamento é voluntario, eu tenho
consciência do sentido da declaração negocial, mas o conteúdo não
corresponde à informação exteriorizada.

✓ Nota: Quando nós ao nível da declaração negocial distinguimos a


declaração propriamente dita de um elemento interno, que é a
vontade, nós vamos confrontar-nos ao longo do estudo do negócio
jurídico com problemas que nos levam a pensar se devemos
sobrevalorizar a dimensão de vontade ou a dimensão de declaração.
Há um debate importante na doutrina, no sentido de se saber se
devemos realçar o aspeto subjetivista ligado à vontade, ou o aspeto
objetivista, relacionado com o comportamento declarativo. Temos

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duas perspetivas que vêm desde Savigny e Ihering, que terão que ser
questionadas.
Vamos sempre ter uma tensão entre subjetivismo e objetivismo. Entre a
declaração propriamente dita e a vontade subjacente à declaração.
Vamos, tendencialmente, dar sempre uma primazia à visão objetivista,
embora seja uma perspetiva objetivista mitigada, compreendida à luz da
tutela de boa-fé e da confiança.
• elemento externo: corresponde à declaração propriamente dita, áquilo que se diz.

Tipos de declarações negociais


O artigo 217º do CC, consagra o chamado princípio da liberdade declarativa.

As declarações negociais podem ser:

• Expressas: se forem feitas por palavra, por escrito ou por qualquer meio direto da
manifestação da vontade;
• Tácitas: quando se deduzem de factos que com toda a probabilidade as revela.
Pressupõe um comportamento concludente.

Imaginemos que o António perguntou ao Bernardo se queria comer um chocolate, ao que o


António respondeu que sim. Temos aqui uma declaração que é expressa.

Vamos imaginar que, o António prepõe vender o chocolate ao Bernardo por 5 euros. Bernardo
não diz absolutamente nada, mas o chocolate é aberto e este começa a comer o chocolate. A
partir deste comportamento concludente podemos concluir com toda a probabilidade que a
resposta é no sentido da aceitação.

• Presumidas: quando a lei ligou um determinado conteúdo de vontade negocial a um


dado comportamento, no fundo, temos aqui uma presunção que nos é fornecida pelo
legislador. Esta pode ser ilidível, posso sempre provar que não.
• Fictas: não há prova em contrário- artigo 1054º CC.

• Protesto: é uma declaração negocial que visa esclarecer sempre que o sujeito tenha
medo de que o seu comportamento declarativo seja associado a um sentido que ele
não quer, que não é esse o seu intuito.

A emite uma declaração negocial, tem medo que a essa declaração negocial seja atribuído um
determinado sentido que ele não quer, pensando que pode suscitar alguma dúvida. Emite um
protesto, visando esclarecer sempre que haja esta situação de medo.

• Reserva: se a intenção for esclarecer que o comportamento não corresponde à


renúncia de um direito ou ao reconhecimento de um direito alheio, então estaremos
perante uma reserva.
Vamos imaginar que A e B têm de celebrar um contrato de arrendamento, tendo A de
pagar a B 500 euros. Entretanto houve umas infiltrações na casa arrendada, e A acha
que apenas tem direito a pagar 200 euros devido aos problemas contínuos com as

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infiltrações. O senhorio tem medo que se passar a aceitar e levantar os 200 euros, seja
visto como uma renúncia ao seu direito de 500 euros. Assim emite uma reserva, no
sentido de esclarecer que o seu comportamento não visa, de modo algum, a renuncia
de um direito ou o reconhecimento de um abatimento do valor da renda.

Artigo 218º- o silencio não vale como uma declaração negocial. O silêncio, do ponto de vista
jurídico, não é apenas estar calado- é nada dizer e nada fazer. Envolve necessariamente uma
omissão. Não confundir, portanto, o silêncio com uma declaração tácita.

E, o problema que se coloca é o de saber se o silêncio pode ou não valer como declaração
negocial, e o artigo 218º do CC, vem nos dizer que, em regra, o silencio não vale como uma
declaração negocial.

Há duas razoes que justificam isso:

• A omissão do comportamento pode-se dever por muitas razões.


Imaginemos que recebemos uma carta com uma proposta negocial e que se não
disséssemos nada pelo prazo de 10 dias, dava-se por celebrado o contrato.
Mas naqueles 10 dias até estava de ferias, então não vimos a carta. Havendo aqui uma
causa para o silencio.
• Não é razoável impor aos sujeitos, a quem é enviada uma proposta, o ónus de recusar
essa proposta. No entanto, há exceções, e o artigo 218º estabelece quais as situações
em que excecionalmente o silencio pode ser uma declaração negocial.
o Pode valer quando esse valor seja atribuído por lei, seja quando há uma
norma que determina que aquela omissão vale como declaração negocial –
1054º CC
o Quando haja uma convenção- trata-se de um acordo entre as partes
o Quando haja um uso de determinar isso mesmo, valendo os usos sociais
(praticas correntes de um determinado setor da sociedade) e os usos
particulares (são aqueles que são correntes entre as partes) - artigo 218º

Problema da forma dos negócios jurídicos


Em regra, os negócios jurídicos não carecem de forma especial- artigo 219º CC.

Entende-se perfeitamente que assim seja, face à perfusão de negócios jurídicos celebrados no
nosso quotidiano, tornar-se-ia absolutamente inviável exigir-se uma forma para a celebração
dos negócios jurídicos. No entanto há situações em que o legislador impôs determinada forma.
Noutra situações, o legislador não impôs uma determinada forma, mas partes convencionaram
uma exigência de forma.

• Forma legal: imposta pelo legislador


• Forma convencional: Acordada pelas partes. As partes podem estipular uma forma
especial. No entanto, estes não podem conduzir à contradição das formais, se o
fizerem esses negócios são nulos de acordo com o artigo 240º do CC.

Isto significa que o nosso ordenamento jurídico admite os chamados pactos determinativos da
forma, em que se refere o artigo 223º (as partes podem estipular uma forma especial para a
negociação).

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✓ Nota: estes negócios determinativos da forma não podem conduzir ao


afastamento das normas legais, normas que são imperativas. Isto
significa que os pactos determinativos de forma, só são usados
quando o legislador não impôs forma alguma, ou para agravar a
exigência de forma quando o legislador já previa.

Importância da forma:
❖ Impor uma maior reflexão as partes
❖ Garantir um maior grau de certeza em relação à celebração do negócio
❖ Garantir uma maior certeza relativamente aos termos em que o negócio foi celebrado
❖ Facilitar a prova de celebração de negócio jurídico
❖ Dar publicidade ao ato
❖ Separar a fase pré contratual da efetiva celebração do negócio

Ao formalizar-se o negócio nós temos muito mais consciência de que o negócio foi celebrado,
quem foram os contraentes, quais os termos efetivos em que o negócio foi celebrado, qual é o
objetivo específico, quais as clausulas acessórias que foram estipuladas pelas partes,
garantindo também uma maior reflexão.

Podemos estar a falar de uma forma escrita que dá origem a documentos, estes que podem
ser:

▪ Documentos autênticos- escritura publica, exorada pelo notário


▪ Documentos autenticados- estes são elaborados pelas partes, mas depois são
confirmados perante um notário
▪ Documentos particulares- podem ser assinados por uma delas, dependendo das
exigências legais

Curiosidades:

• O negócio que esta sujeito à maior solenidade em termos de forma, é o casamento,


porque se exige para a sua celebração um ritual.
• Hoje em dia vão-se colocando diversos problemas a propósito de diversos documentos,
em função da digitalização do mundo. A equivalência das assinaturas eletrónicas à
assinatura escrita, como por exemplo.

O âmbito da forma legal exigida


221º do CC

Exemplo prático: vamos pensar que o António celebrou um contrato de compra e venda com
Bernardo. O objeto deste contrato é um imóvel. No momento da celebração do contrato, o
António e o Bernardo acordaram que o preço seria pago nestes moldes: naquele momento
restavam uns minutos de outorgar a escritura publica, pagar-se-iam 50 mil naquele momento,

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e outros 50 mil ao fim de um ano e meio- sendo assim que o valor do imóvel eram 100 mil
euros.

Isto ficou acordado, mas não consta da escritura, sendo apenas um acordo verbal.

A questão que se coloca é: outorgada a escritura publica, o Bernardo pagou os 50 mil euros,
estando à espera do decurso do prazo para pagar os restantes. No entanto, Bernardo veio
exigir a António os restantes 50 mil no prazo de um mês, afirmando que este estava já em
mora.

Bernardo não concorda devido ao acordo verbal supracitado. António invoca que na escritura
nada disso esta estabelecido, portanto esse acordo não é valido por não obedecer à forma
legal exigida.

O que é que tem de contar na escritura afinal?

O artigo 221º, diz que estas estipulações acessórias são nulas salvo se a razão determinante da
forma não se lhes aplicar, e salvo se for comprovado que corresponde à vontade do autor da
declaração.

Podemos concluir que, elas não são validas exceto se se verificarem três requisitos:

1. Têm de necessariamente ser clausulas acessórias, complementam o acordo das


partes. Não podem contradizer o mesmo;
2. Não podem estar abrangidas pelas razões determinativas da forma. Aquilo que nós
temos que ver é exatamente se as razoes já faladas se verificam em concreto
3. Tem que se provar que correspondem à vontade das partes

✓ Nota: remissão do artigo 221º para o 394º.


Nesta prova que nos é exigida pelo artigo 221º vamos estar limitados,
e vamos estar limitados pelas regras do artigo 394º. Não é possível a
prova por testemunhas. Ou provamos por confissão, ou então vamos
ter que provar por um documento menos solene- email, carta,
bilhete…

No que diz respeito às estipulações acessórias posteriores, ou seja, aqueles que vão modificar
o negócio ou que vão abolir parte do negócio. Nesse caso, temos que aplicar o artigo 221º/2,
que nos diz que as estipulações posteriores só estão sujeitas à forma legal se as razões de
exigência especial da lei lhe forem aplicáveis. Não somos tao exigentes nesta matéria.

Consequências da falta de forma


Consequências da falta de forma legal:

• Ad substantiam: são aquelas que são efetivamente requisito de validade do negócio


• Ad probationem: não configuram um elemento de validade de um negócio, servem
apenas para efeitos probatórios- artigo 1069º do CC, no caso da forma do contrato do
arrendamento. A forma não é exigida como requisito de validade formal, se ela faltar
então é possível provar por outros meios a verificação e a existência daquele contrato.
Esta formalidade só existe aqui para efeitos probatórios.

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Teoria Geral do Direito Civil II

Portanto, quando perguntamos qual é a consequência da invalidade de forma, estamos a falar


da ad substanciam, não da formalidade ad probationem.

Qual é a consequência quando falta a formalidade ad substantiam? Artigo 220º do CC, gera-se
a nulidade do negócio.

Uma questão particularmente interessante é a questão de se saber se podemos ou não obstar


à invocação desta nulidade, invocando o abuso de direito. Estariam em causa situações em
que é uma das partes do negócio que dá origem ao vicio formal.

o Exemplo: A e B celebram um contrato de compra e venda de um imóvel, mas o A foi


durante muito anos empregado de B, tem uma divida de gratidão por ele. Então B
insiste na não formalização do negócio, aproveitando a sua situação de supremacia e
impede a regularização da exigência legal. O negócio é formalizado apenas por um
documento particular, sem ser outorgada a escritura publica e mais tarde zangam-se, e
é invocada a nulidade do negócio com base no vicio de forma.
A questão é saber se podemos ou não obstar a esta invocação da nulidade com base
no vicio de forma, invocando pelo uso do direito.

Tradicionalmente há duas posições contrárias a este propósito:

1. Uma posição que sustenta a natureza imperativa das normas formais impede o
recurso ao abuso do direito
2. É possível obstar à invocação da nulidade com base no referido abuso do direito-
parece que é de facto possível que isto aconteça, por parte do contraente que deu
origem à validade informal.
É necessário, no entanto, que se possa discernir à situação concreta um
comportamento que compactue com um venire contra factum próprium, não sendo
toda e qualquer situação que dê origem a esta situação de abuso. É necessário que
haja aqui uma violação dos ditames impostos pela boa-fé, da confiança e que se
consubstancie num venire contra factum proprium.

Quid iuris quando é violada a forma convencional?

Já vimos que era possível a celebração de pactos determinativos da forma do negócio, mas
qual é a sua violação? – artigo 223º.

Concluímos que quando as partes estipulam essa forma especial, impõem uma forma especial
que o legislador não tinha determinado, elas só se quiseram vincular através dela. Portanto,
significa que o negócio só será valido se se cumprir aquela forma, admitindo-se prova em
contrário. O número 2 do artigo 223º, admite que se a forma for apenas convencionada
depois do negócio estar concluído, ou no momento da sua conclusão, então as partes
quiseram-se vincular desde logo, querendo no fundo sedimentar e consolidar o negócio
jurídico, não pretendendo substituí-lo.

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Teoria Geral do Direito Civil II

Perfeição Negocial
Quando é que o negócio jurídico começa a produzir efeitos? Temos que fazer uma distinção
entre os:

• Negócios jurídicos unilaterais:


o Receticios: exige-se, para que haja essa perfeição, que a declaração entre na
esfera de poder do destinatário, consagramos aqui a chamada teoria da
recessão. A declaração torna-se perfeita, no momento em que, a declaração
entra na esfera de poder do destinatário. Não se exige o conhecimento
efetivo, exige-se sim que se garantam as condições para que o declaratário
possa vir a conhecer efetivamente;
o Não receticios: torna-se perfeito com a emissão da declaração negocial, basta
o declarante emitir a declaração para que o negócio comece a emitir os seus
efeitos.

• Contrato: Para que haja celebração é necessário que haja uma proposta e uma
aceitação. Considera-se perfeito quando a resposta, contendo a aceitação entra na
esfera de poder do proponente.
Exemplo: A emite uma proposta dirigida a B. B redige uma carta, dirigida a A, a dizer
sim eu aceito. No momento em que coloca a carta no correio ainda não temos
contrato- este é o momento da emissão. Temos um outro momento que é quando ele
sai de casa para ir ao correio- momento da expedição, ainda não temos contrato. Só
com o terceiro momento- recessão. É o momento em que, a resposta contendo a
aceitação entrou na caixa do correio do preponente, que ainda não conhece aquela
resposta, mas tem condições materiais para vir a conhecer- aqui temos a perfeição do
negócio jurídico.
Há um quarto momento, que é o momento do conhecimento, este é um momento
posterior. Nós não exigimos este conhecimento efetivo, exigimos apenas que o
contraente tenha condições de vir a conhecer.

Vamos imaginar que não houve recessão, a carta extraviou-se, não chegou à caixa de correio.
Mas o destinatário, o preponente, tomou dela conhecimento por outra via (por exemplo:
telefonou). Neste caso não temos recessão, a carta não entra na sua esfera de poder, mas
temos conhecimento por outra via. Assim, não temos recessão, mas temos conhecimento.
Aqui o negócio é na mesma assim perfeito, começando também a produzir efeitos.

Este processo de formação dos contratos, só faz sentido entre ausentes. Se eu estiver a
negociar face a face (contrato entre presentes), não faz sentido eu estar a escautilizar estas
diferentes fases.

✓ Nota: um negócio celebrado através do telefone, é um negócio entre


presentes, apesar de na linguagem comum as pessoas estarem
ausentes/distantes.

A proposta que eu envio, no sentido de celebrar um negócio, tem de ser completa. Para além
de ser completa, tem que relevar e revelar inequivocamente a intenção de contratar. Além
disso tem de revestir a forma exigida para a celebração do negócio.

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Estes requisitos são exigidos, para que, com a simples aceitação o negócio se tenha concluído,
isto permite-me distinguir a proposta do convite a contratar.

Convite a contratar: declaração dirigida ao publico em geral, que se destina a provocar a


emissão de propostas tendentes à ulterior celebração do negócio.

✓ Exemplo: Eu coloco um anúncio num jornal a perguntar se alguém está interessado


em comprar o meu automóvel, neste caso, eu estou a dirigir uma declaração ao
publico em geral. Eu não me quero vincular com a mera aceitação de alguém, até
porque se assim fosse, eu estava-me a submeter a uma multiplicidade de vinculações.
Eu quero é que as pessoas me dirijam proposta, e se eu aceitar alguma dessas
propostas celebra-se o negócio.

Há determinadas situações que têm causado dificuldades na classificação.

Uma dessas situações prende-se com a exposição de produtos nas prateleiras das grandes
superfícies comerciais, ou então, com a exposição de produtos nas máquinas que dispensam
bens alimentos/bens/bebidas. Estas situações têm colocado duvidas na doutrina.

A doutrina tem entendido que, quando haja indicação do preço, elas devem ser vistas como
verdadeiras propostas e não como convites a contratar. De tal maneira, se nós retirarmos um
produto qualquer de um supermercado, o negócio considera-se celebrado quando eu chego à
caixa para pagar. Pois o declarante- a superfície comercial, não reserva para si a última palavra
em matéria de vinculação contratual. Já não dependente dele a vinculação ou não.

A proposta torna-se irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou depois de ser por
ele conhecida- artigo 230º do CC. Só perde o seu efeito, se esse mesmo destinatário receber
uma retratação ao mesmo tempo que recebe a proposta ou antes de receber a proposta.
Significa que na esfera jurídica do destinatário, criou-se um direito potestativo de chegar à
conclusão do contrato. Esfera do destinatário da proposta, que emitirá a aceitação.

A morte ou a incapacidade do proponente não vão impedir a conclusão do contrato. Só antes


do destinatário receber a proposta, ou antes de ter dela conhecimento, se o sujeito perder o
poder de disposição do direito a que aquela proposta se refere então a declaração torna-se
ineficaz.

Não basta que haja uma proposta para que o contrato se celebre, esta tem que ser aceite,
sendo a aceitação completa. Eu tenho que aceitar tudo. Tem que haver acordo sobre todos os
aspetos que as partes reputem como essenciais. E se eu aceitar com modificações, limitações
ou aditamentos?

✓ Exemplo: eu proponho vender o meu automóvel por 5 mil euros, e alguém diz aceito
comprar por 2,500 euros. Esta aceitação com modificações corresponde a uma
rejeição da proposta.

Ao mesmo tempo que eu estou a rejeitar a proposta, eu modifiquei-a, de tais modos precisos,
que pode valer como nova proposta. Esta nova proposta, para que o negócio se celebre, tem
que ser aceite.

Há alguns procedimentos especiais de formação de contratos, designadamente no que diz


respeito à contratação eletrónica- decreto lei 7 de 2004.

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Depois disto temos um negócio formado, tendo que posteriormente o interpretar.

Como qualquer comportamento declarativo, as declarações negociais têm que ser


interpretadas.

Esta interpretação vai ser importante para qualificar o próprio comportamento como
declaração negocial, e determinar o sentido juridicamente relevante do negócio. Esta
questão da interpretação do negócio jurídico, vai ficar dependente do modo como nós
perspetivamos o negócio jurídico. Se eu conceber o negócio jurídico de um prisma
subjetivista, dando mais importância à vontade, então eu vou ter que aderir a uma posição
mais subjetivista em matéria de interpretação. Se eu reforçar o papel da declaração negocial,
o caminho será uma teoria objetivista da interpretação.

✓ Nota: esta interpretação do negócio jurídico para além de me dizer


qual é o sentido daquela declaração vai ter de remeter
necessariamente o negócio para o sistema jurídico, isto porque, só
remetendo para a ordem jurídica como um todo, é que eu vou
conseguir perceber: quais são as especificidades jurídicas daquelas
declarações, se as partes estão ou não a violar determinadas normas
imperativas ou determinados princípios fundamentais do
ordenamento.
Eu posso concluir que a interpretação não é só um problema
hermenêutico, como também é um problema normativo.

Estas são as considerações genéricas.

Em teoria, eu posso procurar saber qual é a vontade real do declarante. Estou então, perante
uma posição subjetivista. Ou então, eu vou interpretar de acordo com o sentido objetivo da
declaração. Então nesse caso, estou perante uma teoria objetivista.

O nosso código civil vai consagrar uma teoria objetivista mitigada- teoria da impressão do
destinatário, consagrada no artigo 236º.

A declaração vai ter o valor, o sentido, que seria atribuído por um declaratário normal
colocado na posição do real declaratário. Eu tenho de ter em conta aquilo que o declaratário
conhecia e aquilo que ele deveria conhecer. Isto quer dizer, que temos de olhar para aquela
declaração e pensar: o que é que a pessoa medianamente sagaz, inteligente e experiente teria
entendido desta declaração. Temos que olhar para esta pessoa, tendo em conta todas as
circunstâncias que eram conhecidas pelo real declaratário. Eu tenho que ter em conta aquilo
que o declaratário conhecia, e aquilo que ele devia conhecer.

Esta teoria sofre um limite, na parte do final do artigo 236º/1: o sentido da impressão do
destinatário tem que ser imputável ao declarante.

O que é que acontece se não houver coincidência? Duas respostas são possíveis:

1. Vamos interpretar de acordo com a vontade real


2. Vamos considerar o negócio invalido

Aquela que advoga a invalidade do negócio será a melhor opção.

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O número 2 do artigo 236º, vem nos dizer que, se por acaso o declaratário conhecer a vontade
real do declarante, então é de acordo com a vontade real que nós temos que interpretar a
declaração.

É neste ponto que não há qualquer desvio no sentido de um subjetivismo, isto porque, a
vontade real é considerada porque ela é conhecida do declaratário real e passa a ser aquela
que deve ser compreendida pelo declaratário normal colocado na sua posição.

Há situações em que eu não consigo desfazer duvidas, apesar deste critério.

O artigo 237º dá-nos a resposta do que fazer nos casos duvidosos. Em caso de dúvida, se o
negócio for um negócio gratuito o sentido que prevalece é aquele que for menos oneroso
para o disponente, por exemplo, para o doador. Se o negócio for oneroso, o sentido que
prevalece é aquele que corresponde, ou que conduz, ao maior equilíbrio das prestações.

Nas situações em que, com estes critérios, ainda assim não conseguimos eliminar duvidas e
determinar o sentido realmente relevante? Nesses casos o negócio é nulo porque é
indeterminado, de acordo com o artigo 280º.

Existem desvios a esta teoria da impressão do destinatário. Existem desvios no sentido do


objetivismo, e desvios no sentido subjetivismo.

No sentido de um maior objetivismo quando? Quando estamos perante negócios formais. O


artigo 238º do CC, diz-nos que nos negócios formais a declaração não pode valer se não tiver
aquele sentido correspondente à impressão do destinatário, o mínimo de correspondência
com o texto do documento.

Isto significa que nos estamos a desviar num sentido de maior objetivismo. Isto em nome da
solenidade/formalidade do próprio negócio. Se o negócio tem que ser formal, nessa forma tem
que estar impressa, ainda de que de forma imperfeita, sentido daquela declaração. Em última
instância estamos perante um problema relativo à forma do negócio jurídico. O legislador
exige uma forma para aquele negócio, então não pode admitir que as partes se venham a
exprimir com uma linguagem diferente daquela que se inscreve no próprio documento.

Qual será então a consequência da inexistência do mínimo da correspondência entre o sentido


da impressão do destinatário e o texto do documento?

A nulidade do negócio, com fundamento no vicio de forma- artigo 220º do CC.

No segundo desvio, num sentido maior de subjetivismo, no caso da interpretação dos


testamentos- artigo 2187º do CC. Este diz-nos que a interpretação do testamento deve ser
feita de acordo com o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o
contexto do testamento. Qual é o sentido disto?

Há duas razoes primordiais:

1. O negócio em causa, o testamento, não gera expectativas dignas de confiança. Se nós


temos aqui uma retração da confiança podemos orientarmo-nos por uma visão mais
subjetivista.
2. Estamos perante um negócio mortis causa, e entende-se que este negócio
corresponde de grosso modo à última vontade do falecido. Então vamos tentar
preservar a sua vontade até onde for possível.

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O número dois do artigo 2187º vem admitir a prova complementar: nós vamos poder recorrer
a provas complementares (documentos, papeis que o testador haja escrito) para conseguir
reconstituir a vontade do testador.

Por vezes, mesmo depois de interpretar um negócio jurídico, este não me diz tudo. As partes
no negócio, não preveem às vezes todos os aspetos que possam vir a suscitar-se a propósito
do negócio jurídico. Quando assim seja, quando através da interpretação nós concluímos que a
regulamentação criada pelas partes não permite resolver um problema que se suscite a
propósito do contrato, nós estamos perante um outro problema- um problema de integração
de uma lacuna.

Se eu estiver perante uma falha/lacuna no plano que foi gizado pelas partes, eu vou ter que
lançar mão de expedientes que me permitam integrar essas lacunas. Esses expedientes
constam no artigo 239º do CC.

Como é que eu vou resolver este problema?

Vamos primeiro recorrer às normas dispositivas do ordenamento jurídico. Vou ter que ver se o
ordenamento jurídico consegue, ou não, solucionar esse problema.

Vamos imaginar que essa norma não existe. Se esta não existir teremos que a integrar com
recurso de um segundo expediente, que será a vontade hipotética ou conjuntural das partes.
Vamos integrar/solucionar aquela lacuna, eu vou solucionar aquele problema, de acordo com
a vontade das partes como se estas tivessem previsto o ponto omisso.

Contudo esta vontade hipotética ou conjuntural das partes não pode valer, não pode ser
atendida, se contrariar as exigências da boa-fé. Isto significa que a boa-fé não vai funcionar
como um terceiro expediente, mas vai limitar a própria importância da vontade hipotética ou
conjetural das partes.

Agora vamos ter que lidar com um problema que já não tem a ver com uma normalidade do
negócio jurídico, mas com uma anomalia.

O negócio jurídico é integrado por declarações negociais, essas declarações são integradas por
dois elementos:

1. Elemento externo: declaração propriamente dita


2. Elemento interno: vontade que é exteriorizada pela declaração (que pode ser por
vontade ação, vontade de declaração e vontade negocial)

Quando tudo é normal, a declaração propriamente dita corresponde com a vontade. Porém,
há determinadas situações em que o elemento externo não coincide com o elemento interno,
em que eu digo uma coisa, mas queria dizer outra. Este problema está intimamente ligado
com a forma como nós interpretamos o negócio jurídico.

✓ Exemplo: Se o A declara x e dirige essa declaração a B. Ele, porém,


queria declarar y, se nós interpretássemos esta declaração de acordo
com a vontade real do declarante, ou seja, subjetivamente, a
declaração valia Y e o que o A queria seria Y. Como nos interpretamos
de acordo com uma teoria objetivista, o A quer Y, mas a impressão do
destinatário é X. Se assim é, percebemos que este posicionamento

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objetivista em matéria de interpretação nos pode conduzir de facto à


divergência entre a vontade e a declaração.

Nós podemos encontrar diversas respostas, ao longo dos tempos foram-se forjando
determinadas respostas:

1. Teoria da vontade: a teoria da vontade dizia-nos que o peso primordial deve ser dado
á vontade e, portanto, sempre que haja uma divergência nós devemos tentar afastar a
validade do negócio.
2. Teoria da confiança: esta ideia corresponde a uma ideia voluntarista que hoje não
pode ser aceite. Isto porque nós não podemos esquecer do peso e da importância da
confiança e expectativas da contraparte. Aquele que confia na declaração deve de
alguma forma se protegido. A teoria da confiança vem assim determinar a invalidade
de um negócio jurídico, apenas e só, quando a divergência seja conhecida ou
cognoscível pelo declaratário.

Aquela que nós vamos tendencialmente adotar é uma teoria que se baseia na proteção da
confiança. Mas isto não quer dizer que haja uma posição uniforme, ou seja, não conseguimos
estar a determinar uma mesma solução para todos os problemas relativos às divergências
entre a vontade e a declaração.

Dentro das divergências, eu posso distinguir dois grandes grupos:

1. Divergências intencionais: são aquelas que são desejadas e


pretendidas.
a. Simulação- 243º CC: a simulação é uma divergência intencional entre a
vontade e a declaração que resulta de um conluio entre declarante e
declaratário e que tem como objetivo enganar terceiros.
Esta noção de simulação contém em si todos os requisitos da simulação.
i. Divergência entre a vontade e a declaração: esta divergência é
intencional, portanto há aqui a intencionalidade. Esta falta de
concordância tem de resultar necessariamente de um acordo entre
declarante e declaratário. A este acordo dá-se o nome de pactum
simulations.
Este acordo pode ser estabelecido entre um declarante e alguém que
não seja parte do negócio. É o que acontece sempre que nós estamos
perante a simulação do negócio unilateral.
Artigo 2200º do CC- prevê a simulação de um testamento.
ii. É essencial que haja um acordo simulatório.
Sem acordo simulatório não é possível falarmos de simulação, sendo
extremamente importante para nós distinguirmos a interposição
fictícia de pessoas (onde podemos efetivamente falar de simulação)
de interposição real das pessoas.
Só no caso de interposição fictícia é que nós podemos efetivamente
falar de simulação.
Exemplo: vamos imaginar que António quer celebrar um negócio com
Bernardo, mas António sabe que Bernardo não lhe vai vender aquele
apartamento, não vai celebrar aquele negócio. António assim, entrega

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dinheiro a Carlos, e mandata este, para comprar o apartamento que


não conseguia. Temos aqui um negócio de mandato, celebrado entre o
A e o C, e temos o C a celebrar um contrato de compra e venda com o
B e a seguir, o C a celebrar um contrato com o A dando cumprimento
ao mandato. Neste caso, não temos nenhum pacto simulatório entre o
Carlos e o Bernardo, estando perante a interposição real de pessoas,
que não configura uma simulação.
Para que haja uma simulação as partes no contrato, o conluio, tem de
ser entre o declarante e o declaratário.
Exemplo de interposição fictícia: vamos imaginar uma
indisponibilidade relativa. O António e a Benedita são amantes, então
como António não pode doar um automóvel a Benedita, António vai
fingir que doa Carlos e depois Carlos finge que doa a Benedita. Na
verdade, houve uma doação direta. Nesta interposição fictícia, há um
acordo entre A B e C, havendo um pacto simulatório.
iii. Intenção de enganar terceiros: a simulação pode ser inocente ou
fraudulenta.
Acórdão do tribunal de relação de lisboa de 7 de maio de 2009.
Aqui, António pretendia obter um crédito junto do banco, para a
aquisição de uma fração de um imóvel. António para que o banco
pudesse, na apreciação do risco inerente aquele crédito, vê-lo com
melhores olhos, simulou com Bernardo que tinha adquirido um outro
apartamento.
Portanto, A finge vender a B, e B finge comprar um imóvel, sendo o
objetivo enganar o banco para criar as condições necessárias à
concessão de um mútuo bancário.
O tribunal veio dizer que existe uma divergência intencional entre a
vontade e a declaração, com pacto simulatório, mas quando se
debruça sobre a intenção de enganar terceiros veio dizer que o
engano não era suficientemente relevante. Dizendo ainda, que o
engano tem que ter relevância, não bastando que estejam em causa
situações que não envolvem propriamente o merecimento da tutela
do direito, e, portanto, neste caso concreto está simulação não é
relevante.
Esta posição deve ser de rejeitar, aliás este acórdão é criticável em
vários sentidos. Desde logo porque esta situação não é irrelevante
para a instituição bancária, por outro lado esta posição do tribunal da
relação de Lisboa quase que torna irrelevantes estas hipóteses de
simulação inocente. Hipóteses estas que são admitidas pelo
ordenamento jurídico qualquer dúvida.
Devemos considerar sempre que a simulação inocente é relevante
também.
A distinção entre a simulação inocente e fraudulenta, não é muito
relevante do ponto de vista prático, exceto no que diz respeito à
legitimidade de os herdeiros arguirem a nulidade do negócio
simulado.
iv. Para além disso a simulação pode ser absoluta- quando a única coisa
que existe é o negócio simulado; ou relativa- quando por detrás do

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negócio simulado existe outro negócio, real ou dissimulado- negócio


que as partes efetivamente quiseram celebrar.
1. Simulação relativa
a. Simulação subjetiva: que corresponde à interposição
fictícia de pessoas
b. Simulação objetiva: pode dizer respeito à natureza do
negócio jurídico (por exemplo, A declara vender a B,
quando na verdade A e B estão a celebrar um contrato
de doação), ou pode ser relativa ao preço
2. Simulação absoluta: apenas se coloca o problema de saber
qual é valor do negócio simulado.

Qual é o valor do negócio simulado? Artigo 240º/1- O negócio simulado é sempre nulo.

v. Quem pode arguir a nulidade (artigo 242º em conjunção com o artigo


286º)?
1. Os próprios simuladores. Mas há limitações:
a. vão estar limitados no que diz respeito aos meios de
prova (remissão do artigo 242º para o artigo 394/2º).
O acordo só pode ser provado quando invocado pelos
simuladores por confissão ou por documento. Não se
admite a prova testemunhal ou por presunção.
b. Os simuladores não podem invocar a nulidade em
relação a terceiros de boa-fé (243º CC)
2. Herdeiros legitimários: aqueles que não podem ser afastados
da sucessão
a. Em vida dos simuladores, os herdeiros legitimários só
podem invocar a nulidade se a simulação tinha em
intenção prejudicá-los. Não basta que a simulação os
prejudique, tem de haver mesmo essa intenção aos
herdeiros legitimários.
b. Depois da morte do simulador, pode ser invocada a
nulidade sem qualquer limitação, se atuarem como
verdadeiros herdeiros legitimários. Se não atuarem a
defesa da sua legitima, mas atuarem porque ocupam
o papel do simulador, ficam sujeitos às próprias
limitações que impendem sobre o próprio simulador.
3. Os credores- artigo 286º e 605º do CC
4. Preferentes
5. Em geral, qualquer interessado

1. Quid iuris quanto ao negócio dissimulado?


O seu valor depende do tratamento que lhe corresponde,
independentemente de haver ou não simulação. Porém,
temos que ter aqui em atenção que há negócios que são
negócios formais. Nós vamos olhar para o negócio como se
fosse um negócio qualquer, que pode ser valido ou invalido,

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quer do ponto de vista substancial, quer do ponto de vista


formal.
Se o negócio for formal nós temos que ter particular atenção a
essa questão. O número 2 do artigo 241º, diz nos que se o
negócio for formal só é valido se tiver a forma exigida por lei.
E neste ponto abre-se uma divergência na doutrina.
Para um grupo de autores esta exigência do artigo supracitado
cumprir-se-ia desde que, o negócio simulado tivesse sido
celebrado de acordo com a forma exigida.
Imaginemos que A fingiu vender a B um imóvel, quando na
realidade o que o A fez foi doar a B. A compra e venda de
imoveis carece de escritura publica ou de escrito particular
autenticado, tal como a doação. Para este grupo de autores
bastaria que a comprava e venda constasse da escritura
publica, e a doação aproveitar-se-ia da forma do negócio
simulado.
Para outros autores isto não era suficiente e exigem que haja
uma contradeclaração da qual conste o negócio dissimulado e
que tem que obedecer à forma legal exigida. Mesmos estes
autores que são mais exigentes, consideram que no caso da
simulação de preço não seria necessária a contradeclaração,
bastar-nos-ia somente a forma do negócio dissimulado.

A prova da simulação está sujeita a restrições. Quando a simulação seja invocada pelos
simuladores proíbe-se a prova testemunhal, no entanto, a doutrina e a jurisprudência têm
tentado mitigar de algum modo o rigor desta solução.

Entende-se que isto pode ser de tal modo exigente que nunca se poderia comprovar a
simulação. Admite-se o recurso à prova testemunhal, naquelas situações em que há um
princípio de prova por escrito. Naquelas situações em que nos encontrássemos um qualquer
escrito, proveniente do simulador, que fizesse tornar verosímil aquele facto que estava a ser
alegado.

b. Reserva mental (244º e ss. do CC): traduz-se numa divergência intencional


entre a vontade e a declaração, sendo o objetivo enganar o declaratário- é isto
que permite distinguir a reserva mental da simulação. Na reserva mental não
há pacto simulatório, porque a intenção é enganar o próprio declaratário e
não terceiros.
i. Modalidades: tal como a simulação, a reserva mental revela diversas
modalidades:
1. Absoluta: o declarante não pretende celebrar qualquer
negócio
2. Relativa: há intenção de celebrar um negócio diferente
daquele que foi celebrado
3. Unilateral: se apenas um dos contraentes agiu sobre reserva
mental
4. Bilateral: se ambos tiverem declarado reserva mental- temos
aqui duas reservas mentais
5. Inocente: há intenção de enganar o declaratário

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6. Fraudulenta: há também a intenção de enganar o


declaratário, mas para alem disso existe a intenção de
prejudicar
7. Benemérita: há determinadas hipóteses, como não só há a
intenção de prejudicar, como a intenção de beneficiar o
declaratário.

Em regra, a reserva mental não prejudica a validade da declaração. No entanto, se a reserva


mental for conhecida do declaratário, passa a ter os mesmos efeitos da simulação, ou seja, no
caso de ser conhecida o negócio é nulo.

Há aqui que ter em atenção ao aspeto particular da reserva mental inocente, dita benemérita,
feita com o intuito de ajudar determinado sujeito.

✓ Exemplo: António estava profundamente deprimido, e Bernardo seu


amigo, conhecedor da situação de António resolveu declarar que lhe
doava o seu iate, para animar o amigo. Fê-lo, declarou, sem qualquer
intenção de o doar, a única coisa que ele queria era conseguir animar
o amigo. Ao fim de um tempo, António já estava recuperado, vem
exigir que Bernardo lhe entregue a dita embarcação. Neste caso, tem a
doutrina considerado que não era necessário o conhecimento por
parte do declaratário para que o negócio fosse considerado invalido.
Bastaria a cognoscibilidade.

c. Declarações não sérias (artigo 245º do CC): há uma divergência, que é


intencionada- o sujeito diz uma coisa, mas quer outra. É feita na expectativa
de que a falta de seriedade não seja desconhecida, que o declaratário se
aperceba da falta de seriedade. É o caso das declarações jocosas, declarações
didáticas.
A declaração não séria não produz qualquer efeito, portanto o negócio dá-se
por inexistente.

Divergências não intencionais: são aquelas que não são voluntariamente provocadas, não são
queridas.

a. Coação física ou coação absoluta: é uma divergência não intencional entre a


vontade e a declaração, resultando do facto de o declarante estar submetido a
uma força de tal modo irresistível que ele é transformado num autómato.
✓ Exemplos: vamos imaginar que António é tetraplégico, não tem
movimentação nos membros superiores e inferiores, e Bernardo
conduz a sua mão e faz com que ele assine uma declaração de
aceitação de um negócio de compra e venda. Significa isto que o
comportamento de António nem sequer chega a ser voluntário, ele
está reduzido a um autómato, por força de uma constrição absoluta
de que é alvo.

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Teoria Geral do Direito Civil II

Se no lembrarmos daquelas 3 modalidades que subjazem à declaração


propriamente dita- a vontade de ação, a vontade de declaração e a vontade
negocial- falhando a própria vontade de ação, pois o comportamento nem
sequer é voluntário. A consequência aqui será extremamente grave.

✓ Exemplo 2: António e Bernardo acordaram que António lhe enviaria


uma proposta negocial, sendo que combinaram que se Bernardo nada
dissesse durante 15 dias aquela proposta se tinha por aceite. Estamos
perante uma daquelas situações excecionais, em que o silencio pode
valer como declaração negocial. António contratou uns sujeitos para
raptar o Bernardo e deixou-o em cativeiro impossibilitado de
comunicar durante 3 semanas. Isto por forma a não conseguir dizer
que não, sendo forçado ao silêncio, retirando a pôr completo a
voluntariedade do seu comportamento.

Nestes dois exemplos nós estamos perante a coação física ou coação absoluta.

Para haver coação física ou coação absoluta não basta que haja uma mera
ameaça ou uma ameaça física.
Se António apontar uma pistola à cabeça de Bernardo, dizendo “ou me vendes
o teu apartamento ou eu mato-te”, não será uma coação absoluta ou física,
apesar de ser uma ameaça contra a integridade física.
No entanto, o Professor Menezes Cordeiro discorda, entendendo que numa
situação como esta nós estamos perante uma hipótese de coação física ou
coação absoluta.

Porque é que essa não é a melhor qualificação?


Apesar da liberdade do sujeito ser limitada, ele mantém uma margem mínima
de liberdade. Ele pode optar por vender o apartamento ou pode optar por não
vender e submeter-se às consequências da concretização daquela ameaça.
O facto de ameaçar alguém com uma pistola não vai ter consequência? Vai,
mas essas consequências não resultam da assimilação desse caso pelo âmbito
de relevância da coação física. Vamos ver depois que num caso como este, em
que um sujeito ameaça de morte outro para conseguir dele uma declaração
negocial, o problema será tratado como um vicio da vontade, estaremos aí
portante aquilo que se designa de coação moral ou coação relativa, porque se
mantém essa margem de liberdade por mínima que seja.
Na coação física a liberdade está totalmente excluída.

Esta coação física está prevista no artigo 246º do CC, diz-nos que a declaração
não produz qualquer efeito se o declarante for coagido pela força física a
emiti-la.
O artigo 246º é mais amplo, no entanto só a parte enunciada é que diz
respeito à coação física ou à coação absoluta.
Perante uma hipótese de coação física o negócio não produz efeitos porque o
negócio vai ser considerado inexistente. Nós vimos logo no primeiro semestre
que os negócios podiam ser válidos ou inválidos (nulos- nos casos mais graves
ou anuláveis-nos casos menos graves). Estamos agora a deparar-nos com uma

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situação onde o negócio jurídico não vai ser só nulo como inexistente, não
produzindo mesmo qualquer efeito (isto porque, os negócios nulos podem vir
a produzir alguns efeitos. Relembrando o artigo 291º do CC, da proteção de
terceiros de boa-fé). Se o negócio for inexistente nós nem podemos mobilizar
esse artigo 291º.
Esta categoria da inexistência não é unanimemente aceite por toda a
doutrina, há autores que recusam a autonomização desta categoria da
inexistência.
Ela surgiu no âmbito do direito da família, inicialmente como sanção para
determinados casamentos que eram celebrados sem as condições necessárias
(impedimentos dirimentes absolutos- casamento de duas pessoas do mesmo
sexo determinava a inexistência do casamento), assim a doutrina entendeu
que para além disto, sendo que o problema surge inicialmente no
ordenamento jurídico francês, era possível aproveitar esta categoria para fazer
face a outras situações.
Neste caso concreto, deveremos aceitar a inexistência deste negócio, pois
não chega a apresentar um corpus mínimo para poder olhar para ele de um
ponto de vista da formação do próprio negócio. A ausência da vontade é total,
e sem declaração negocial não é possível falar de negócio, não é possível
encontrar o corpus mínimo que vem permitir a corporização de negócio
jurídico.
b. Falta de consciência da declaração: também é uma divergência não
intencional entre a vontade e a declaração.
Mas aqui está não correspondência resulta do facto de o sujeito declarante
não se aperceber que o seu comportamento que é voluntario tem o valor de
declaração negocial. Em regra, a vontade que aqui falta é a chamada vontade
de declaração.
Em regra, o comportamento é voluntário, mas não há consciência de que
àquele comportamento se atribui o valor de declaração negocial.
Esta falta de consciência da declaração tem como exemplo o caso do senhor
que está a assinar postais de boas festas e no meio destas cartas o senhor
assinou, sem ter consciência de que o estava a fazer, uma carta contendo a
aceitação de uma proposta negocial que lhe foi proposta. Neste caso estamos
assim perante uma falta de consciência da declaração.
Esta está também prevista no artigo 246º. Encertado no meio do artigo que
nos já tínhamos lido parcialmente para tratar a coação física ou coação
absoluta, nós encontramos a provisão do legislador no que diz respeito falta
de consciência de declaração.
Aquilo que se diz é que, no negócio celebrado havendo falta de consciência de
declaração, havendo esse desconhecimento de que o comportamento que foi
voluntario cria uma declaração negocial, então não, esse negócio não
produzirá qualquer efeito.
Só que aqui a situação é menos grave na coação física, pois há voluntariedade,
faltando a vontade de declaração. Então a não produção de efeitos devido à
falta de consciência de declaração deve ser interpretada no sentido da
nulidade.

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Tenho assim de bifurcar o artigo 246º, no que diz respeito à coação física ou
absoluta, o que está em causa é a sua inexistência; no caso da falta de
consciência o que está em causa é a nulidade.
Se houver culpa do sujeito nessa falta de consciência da declaração, então terá
que indemnizar a contraparte com base no interesse contratual negativo.
Na prática judiciaria, os nossos tribunais, têm muitas vezes questionado o
critério distintivo entre esta falta de consciência da declaração e determinadas
situações de incapacidade acidental do sujeito, que repristinaremos mais em
diante.
Há determinadas situações que podem ser mais graves, de falta de consciência
da declaração, em que pode estar ausente a vontade de ação. Se assim for a
consequência será a inexistência, serão casos residuais, mas podem existir.

Há autores, que se mostram particularmente críticos desta disciplina do artigo


246º no que diz respeito à falta de consciência de declaração, entre esses
autores destaca-se o Professor Menezes Cordeiro.
O professor Menezes Cordeiro é muito critico porque nos diz que o artigo
246º entra em contradição com o artigo 236º do CC (respeitante à
interpretação dos negócios jurídicos) e com o artigo 247º (que diz respeito ao
erro obstáculo).

Qual é a contradição que se nota entre o art.236º e o art.246º?


Vamos imaginar que A emite uma declaração negocial, está é interpretada
com o sentido do declaratário normal, colocado na posição do real
declaratário, teria atribuído à declaração. A emite uma declaração, mas não
tem consciência de que o seu comportamento corresponde a uma declaração
de vontade, estamos assim numa hipótese de falta de consciência da
declaração.
De acordo com o artigo 236º se o B, destinatário da declaração, a puder
razoavelmente entender como uma declaração negocial é de acordo com isso
que ela deve valer, ela vai assumir-se como uma declaração negocial.
Esta é a solução que é ditada pelo artigo 236º.

Não obstante, o artigo 246º retira-lhe esse valor. Parece que há um desvio no
sentido de dar um maior peso já não à ideia de confiança, mas à ideia de
vontade.

Por outro lado, o art. 246º entra em contradição com o art.247º.


Vamos imaginar que A emite uma declaração negocial, ele quer dizer uma
coisa, mas engana-se e diz outra. Quer dizer x, mas por lapso diz Y, nesse caso
estamos perante uma hipótese de erro obstáculo ou erro na declaração.
Vamos aplicar o regime do erro e vamos considerar que o negócio é anulável
desde que se verifiquem determinados requisitos. A pessoa pode assim ficar
vinculada, a um negócio jurídico que não fundou, isto porque o negócio
jurídico é anulável, mas apenas só se verificarem determinados pressupostos.
E eles podem não se verificar em concreto.
Esses pressupostos são estabelecidos em nome da tutela da confiança da
contraparte.

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Na hipótese em que a pessoa não quer de todo celebrar o negócio jurídico,


esse perigo de vinculação fica absolutamente afastado.
Por isso, o Professor Menezes Cordeiro afirma que há aqui um tratamento
muito discrepante. Num caso facilita-se demasiado a desvinculação no outro
vamos permitir a desvinculação apenas mediante determinados pressupostos,
parece assim que não atendemos verdadeiramente à tutela da confiança da
contraparte.
O que está aqui em causa não é uma falta de consciência íntima e não
detetável, mas antes uma falta de consciência que possa ser percetível no
próprio contexto do negócio. É esta a proposta do Professor Menezes
Cordeiro, como particularizar estas diversas disciplinas políticas.
c. Erro obstáculo ou erro na declaração: divergência não intencional motivada
por um lapso.
Este engano/lapso, pode ser devido a:
• um erro mecânico (lapsus calami): a pessoa engana-se a escrever no
computador, e em vez de escrever 10 escreve 100;
• pode ser um lapso linguem;
• ou pode ser devido a um erro de ajuizamento: (A julgava ter nascido
no número 3 da rua x em Coimbra e por isso declara que quer comprar
o número 3 da rua X, quando na verdade aquilo que ele queria era ter
comprado o número 30 da mesma rua.)

Alerta: a integração do erro de juízo, ao nível do erro obstáculo, pode-nos


levar a algumas dificuldades. Pode-nos levar a dificuldades em distinguir numa
situação concreta o erro obstáculo do erro vicio, sendo este um vicio da
vontade não é uma divergência entre a vontade e a declaração.
Este erro pode incidir sobre qualquer elemento do negócio: elementos
acessórios, essenciais etc.

Qual é a consequência da verificação deste erro? Vejamos o artigo 247º.


De acordo com este o negócio é anulável. Para que o negócio seja anulável
exige-se que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a
essencialidade do elemento sobre qual incidiu o erro, ou seja, exige-se o
conhecimento ou a cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre qual
incidiu o erro.
Não se exige o conhecimento do erro, mas sim da essencialidade do elemento
sobre qual ele incidiu.

Voltando ao exemplo supracitado do A, a declaração negocial foi emitida para


o seu destinatário B. Se exigíssemos que B tivesse a sua cognoscibilidade do
erro, estaríamos a exigir que B conhecesse onde A nasceu. No entanto, o que
nós estamos a exigir é que ele saiba, ou que lhe seja exigível saber, que para o
A não é indiferente comprar o número 3 ou o número 30, porque ele quer
comprar efetivamente a casa onde nasceu, e que se não fosse por ter nascido
naquela casa ele não a teria comprado.
É mais fácil a desvinculação de acordo com o que é exigido no código civil, do
que se nós exigíssemos o conhecimento do erro.

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Se o negócio é anulável, temos que saber quem e dentro de que prazo é que
se pode arguir à anulabilidade do negócio.
• Remissão do artigo 247º para o artigo 287º do CC.

É o artigo 287º que nos diz, consagrado o regime geral da anulabilidade, quem e durante que
prazo pode arguir a anulabilidade.

Quem é que pode?

1. A pessoa no interesse da qual essa anulabilidade foi estabelecida: o declarante que


errou, o errante, que pode anular o negócio. Dentro do prazo de um ano a contar da
cessão do vicio- o vicio cessa quando ele descobre que se enganou.

Quid iuris se o erro foi culposo? O negócio continua a ser anulável, mas pode haver
responsabilidade do errante. Poderá ter que indemnizar a contraparte pela confiança
frustrada.

Quid iuris se o declaratário aceitar o negócio como o declarante queria?

Vamos imaginar que A declarou querer comprar a X (uma empresa de automóveis) um


automóvel vermelho, quando na verdade por lapso queria um azul. O negócio é anulável,
desde que o órgão responsável pela representação do stand conhecesse, ou devesse
conhecer que, não era indiferente para A comprar um automóvel vermelho ou comprar um
automóvel azul.

Mas vamos imaginar que ele sabia isso, dando particular atenção às cores, conhecendo a
essencialidade do elemento. A vem tentar anular o negócio, e B afirma que aceita vender o
automóvel azul em vez de vender o automóvel vermelho. Nesse caso o negócio é válido- artigo
248º do CC.

Não poderá haver a aplicação deste artigo quando não se verifiquem as exigências formais
nas declarações negociais emitidas.

Por que razão é que nós impomos este requisito do conhecimento ou da cognoscibilidade da
essencialidade do elemento sobe a qual incide o erro, para que o negócio seja anulável? Para
proteção da contraparte, para garantir que a confiança da contraparte é de algum modo
protegida.

Vamos imaginar que A emite uma declaração negocial a dizer Y, mas o que A queria era dizer
X, portanto temos A a dizer uma coisa, a querer dizer outra- por engano. Estamos perante
uma situação de erro obstáculo ou erro na declaração. B, o declaratário, vai compreender Z,
um terceiro sentido. O declaratário compreende um terceiro sentido que é diferente da
vontade declarada, que é diferente da vontade real.

Num caso como este, nós não temos nenhuma confiança digna de tutela. Num caso como
este, nós vamos considerar que o negócio é anulável, sendo anulável sem mais requisitos. É a
chamada teoria da aparência eficaz.

No fundo nós estamos aqui perante uma forma especial de dissenso, que só por si gera a
invalidade do negócio.

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Vamos imaginar outra situação:

António enviou um email a Bernardo, em que lhe perguntava «pretendes comprar 100 pares
de sapatos ao preço unitário de 5,4 euros o par?» No mesmo email dizia, «caso aceites, o valor
final da proposta é de 530 euros.» Temos aqui António a dizer 530, quando queria dizer 540
euros.

Temos aqui um erro obstáculo. A diferença entre este erro obstáculos e os até aqui
estudados, é que este erro acaba por ser revelar no próprio contexto da declaração. Dentro do
próprio contexto da declaração, quando eu consigo perceber o erro, eu vou-lhe dar um
tratamento especial, que está previsto no artigo 249º.

Não haveria direito à anulação, mas apenas a uma retificação.

Vamos agora imaginar que António queria vender 100 pares de sapatos pelo valor unitário de
4,5 euros, quando na realidade queria dizer 5,4 euros. Neste caso, apesar de estarmos perante
uma hipótese muito parecida- um erro de escrita- o regime que vamos ter que aplicar é o de
erro obstáculo ou erro na declaração (artigo 247º). Isto porque, no contexto da declaração eu
não me apercebo do erro.

O artigo 250º trata ainda de outra hipótese, chamado erro na transmissão da declaração.
Vamos imaginar que António em vez de enviar um email a Bernardo a propor-lhe a venda do
seu automóvel, pediu a Bernardo que transmitisse a Carlos, que estava disposto a vender o
automóvel por 5 mil euros, mas Bernardo enganou-se no valor. Em vez de dizer 5 mil disse por
4 mil. Diz-nos o art. 250º que numa situação como esta a declaração pode ser anulada nos
termos do artigo 247º, aplicando o mesmo regime do erro obstáculo ou erro da declaração.

Se Bernardo tivesse feito de propósito, nesse caso há dolo do intermediário, há intenção.


Determina o número 2 do artigo 250º que, nesse caso então, a declaração será sempre
anulável.

Vícios da vontade
Há determinadas situações em que aquilo que o declarante diz coincide exatamente com
aquilo que ele quer dizer.

A diz que quer comprar um cão de raça pastor alemã o, sendo que efetivamente o que ele
quer. No entanto, a sua vontade, que coincide com a declaração, não foi formada de um
modo natural, nem de um modo são, foi de alguma modo perturbada. São essas perturbações
que se designam por vícios da vontade.

Se os vícios da vontade dizem respeito à formação da vontade, as divergências entre a vontade


e a declaração não dizem respeito à formação, mas sim à formulação da vontade.

Se o meu problema for de formação e não formulação, a minha vontade não foi formada de
modo natural. Se o problema for na formação da vontade é um problema relativo aos vícios
da vontade.

Nós temos vários vícios da vontade:

• Erro/vicio: traduz-se na incorreta ou inexata da representação da realidade.

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E é essa incorreta ou inexata representação da realidade que foi determinante da


vontade de celebrar um negócio, sendo aquilo que esteve na base da celebração de
negócio. Nesta medida, este erro não se confunde com o erro obstáculo.
Se A declara que quer comprar o terreno X quando na verdade, quer comprar o terreno
Y, nós estamos perante uma divergência entre a vontade e a declaração. Ele quer uma
coisa, mas diz outra.
Vamos agora imaginar que A declara que quer comprar o terreno X porque acha, por
engano, que aquele terreno é propicio para o cultivo de laranjeiras. Quando na realidade,
aquele terreno não permite o cultivo de laranjeiras. Então neste caso, o problema não é
uma divergência entre a declaração e a vontade, aquilo que ele quer corresponde
exatamente aquilo que ele diz, mas a sua vontade está viciada pela inexata
representação da realidade- determinante vontade de celebrar o negócio.

Quando nos deparamos com o erro vicio, vamos ter que operar uma tarefa qualificativa
porque há várias modalidades (não só para saber o regime jurídico aplicável, mas
também porque o vicio só é relevante se atingir os motivos determinantes da vontade
que se refiram a 3 elementos – à pessoa do declaratário, o erro sobre o objeto e o erro
sobre os motivos):
1. Erro sobre a pessoa do declaratário: neste nós integramos:
▪ Erro da identidade do declaratário: A declara que quer arrendar um
apartamento a Miguel, porque acha que Miguel é filho do seu melhor
amigo de infância, quando na verdade não é.
▪ Erro das qualidades do declaratário: António celebrou um contrato
de prestação de serviços com Bernardo, para que este lhe pudesse
construir uma mesa e umas cadeiras, convencido que ele tinha uns
especiais dotes enquanto carpinteiro, quando na verdade não tinha.
➢ Nota: Em algumas situações pode não ser fácil distinguir o erro
sobre a pessoa do declaratário, quando diga respeito à
identidade, do erro obstáculo ou erro na declaração.
2. Erro sobre o objeto:
▪ Erro sobre a identidade do objeto: a doutrina tem colocado o
problema de saber se o erro sobre o preço pode ser ou não
considerado um erro sobre o objeto.
Algo que não devemos concluir, isto porque o valor do mercado de
um objeto não faz parte das suas características intrínsecas,
incindivelmente ligadas ao objeto. Pelo contrário, ele é flutuante em
função das condições do mercado, em função de determinadas
circunstâncias externas, etc.

Mas temos que ter particular cuidado com isto.

Vamos imaginar que o senhor A, colecionador de antiguidades,


comprou um faqueiro de prata que pensava ter sido fabricado no
seculo 16, pelo preço de 100 mil euros. Ao fim de um mês, descobriu
que afinal aquele faqueiro tinha sido fabricado no seculo 21, e por
isso vem invocar um erro sobre o objeto, para se puder desvincular do
objeto. Neste caso, embora se chame à atenção para o valor do
objeto, nós estamos a considerar o valor me função das qualidades

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intrínsecas daquele bem. Aqui estamos efetivamente, perante um


erro sobre o objeto.

A situação é completamente diferente daquela em que o A comprou a


B um faqueiro de prata, fabricado no seculo 16, pelo preço de 700
euros. Ao fim de um mês descobre que o valor de mercado, de uma
peça antiquaria daquela é no mínimo no valor de 100 mil euros. Neste
caso, o engano já não reside numa característica intrínseca que
determine a alteração do valor, mas no próprio cálculo do preço.
Nesta hipótese clara do erro sobre preço, ou erro sobre o valor, nós
não estamos perante o erro sobre o objeto.

Concluindo, o erro sobre o objeto poderá incidir sobre:


➢ A identidade do objeto
➢ Uma qualidade intrínseca e duradoura do objeto, ou seja, as
suas características substanciais, a aptidão para o desempenho
de uma função, o seu estado de conservação, etc.
➢ O erro sobre determinados pressupostos, que embora sejam
externos à coisa, por não serem mutáveis ao longo do tempo se
assemelham a qualidades intrínsecas do próprio objeto.
Imaginemos que António comprou um terreno porque achava
que o mesmo era abastecido pela rede elétrica nacional. E
depois vem a descobrir que não. Aqui o erro incide sobre
pressupostos que são externos à coisa, mas que estão ligados
de uma forma incindível à coisa. Assim, podem ser
configurados como erro do objeto.
▪ Erro sobre as qualidades do objeto: a doutrina tem procurado saber,
se o erro sobre as qualidades da coisa que aumentam o seu valor,
enquanto erro do vendedor, são erros sobre as qualidades do objeto.
É neste ponto que a doutrina não é totalmente pacifica, pois, alguns
autores, nomeadamente alemães, afirmam que nós temos de ter em
conta as peculiaridades do erro do vendedor, e uma ideia de risco
negocial inerente à natureza deste objeto do contrato.
Por isso, consideram alguns autores, que este risco negocial cabe ao
vendedor. Isto significaria que este erro não relevaria, não sendo
possível invalidar o negócio.

o Exemplo: o vendedor vende um determinado quadro porque


pensava que se tratava de uma pintura vulgar, mais tarde
descobre que afinal era uma obra-prima de um pintor famoso.
Neste caso podemos considerar que estamos perante um erro
sobre o objeto ou não. Se estivéssemos aqui, perante um erro
do comprador, o caso já não relevava.

Outros autores vêm dizer que se no momento da celebração do


negócio não sabia, que aquele quadro era de um pintor famoso,
sendo que o benefício da descoberta, pertencerá ao proprietário da
coisa.

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Nós devemos entender que, o erro do vendedor sobre as qualidades


da coisa que aumentam o seu valor, pode ser considerado um erro
sobre o objeto, se no momento da contratação ele fosse detetável.
Ou seja, o estado da arte e da ciência já me permitisse naquele
momento detetar o erro.
Se não fosse possível, então isso significaria que naquele momento de
facto eu celebrei o negócio sem ter uma perceção errada da
realidade.
Neste caso, se se tratasse do comprador, não haveria dúvidas de que
estaríamos no âmbito do erro sobre o objeto.
▪ Erro sobre a natureza do negócio: exemplo: A celebra um contrato
convencido de que se tratava de um comodato, ou seja, de um
negócio gratuito; na verdade, tratava-se de um contrato de aluguer
sobre o objeto. Não é de todo irrelevante, pois num dos casos está em
causa o pagamento do aluguer da coisa.
▪ Erro sobre os motivos: Este surge como uma categoria residual, ou
seja, tudo aquilo que não seja erro sobre a pessoa do declaratário ou
sobre o objeto, mas diga respeito aos motivos determinantes da
declaração do negócio, deve ser visto como erro sobre os motivos.
Dentro destes, temos de distinguir:
➢ Erros sobre o motivo propriamente dito: será efetivamente a
categoria residual.
Exemplo: António trabalha numa empresa de construção
automóvel na zona de Coimbra, achou por engano que a sua
entidade patronal tinha decidido transferi-lo para Lisboa. Assim,
celebrou um contrato de arrendamento de um imóvel em
Lisboa, pois necessitava da casa. Se não fosse esse motivo ele
não tinha celebrado esse contrato. Mas a verdade é que ele se
enganou, porque a entidade patronal nunca teve essa intenção.
Neste caso, este motivo diz apenas respeito a António, e o
senhor com quem ele celebrou o contrato não tem sequer
como aceder a este motivo.
É um motivo único e exclusivo de António.
➢ Erro sobre a base do negócio: implica que aquele motivo
configurou a base do negócio- Conjunto de circunstâncias que
foram pressupostas pelas partes, e nas quais ambas edificaram
a vontade de celebrar um negócio, ou então que não foram
pressupostos por ambas as partes, mas que de acordo com a
boa-fé o contraente que não as teve em conta não poderia de
deixar de tê-las em conta.
Exemplo: António e Bernardo celebram um contrato de compra
e venda de um terreno nas margens do rio Mondego, isto
porque, acharam erradamente que a CM de Coimbra tinha
deliberado construir ali ao lado uma estrutura que valorizava
muito aqueles terrenos. Por isso, os motivos que estiveram na
base, é o facto de António querer vender e Bernardo querer
comprar um imóvel em valorização, querendo fazer um bom
investimento. No entanto, enganaram-se.

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Neste caso, nós estamos perante uma circunstância que foi


determinante da vontade de celebrar o contrato, na qual ambas
as partes edificaram essa vontade e com base na qual, ambas
estabeleceram as próprias condições do contrato. Esteve
presente aquela circunstância para, por exemplo, estabelecer o
valor de transação.
Caso Bernardo tivesse comprado sem saber do erro, e se A
tivesse levado ao conhecimento deste, de acordo com a boa-fé
ele não a poderia deixar de ter em conta. Estamos assim,
perante uma circunstância que é comum a ambos.
Esta distinção é extremamente importante, pois a cada um
deles corresponde um regime jurídico muito diferente.

O regime do erro vicio

Para que o erro possa ser relevante é necessário que este apresente dois elementos essenciais
os chamados requisitos gerais de relevância do erro:

• o erro tem que ser essencial: quando ele é determinante da vontade de celebrar um
negócio. Sem o erro o sujeito jamais teria celebrado aquele negócio.
Em determinadas situações o erro não é irrelevante, ele condiciona a vontade do
declarante, mas não é determinante da vontade de celebrar o negócio. Nesses casos, em
que o erro não é determinante da vontade de celebrar o negócio, mas apenas influencia
os termos em que o negócio foi celebrado, nós estamos perante um erro que não é
essencial, mas sim incidental.
Nós podemos distinguir 3 tipos de erros:
• Irrelevante (não é determinante de nada);
• Essencial (quando é determinante da celebração do próprio negócio);
• Incidental (isto se, for determinante dos termos em que o negócio foi
celebrado). Este erro incidental não é fundamento da anulação do negócio, ele
apenas vai determinar a modificação dos termos do negócio. O negócio passa a
valer, se for possível, com os termos que teria sido celebrado sem o erro.

Há, porém, situações em que o erro incidental conduz à anulação.

1. Quando não se consiga determinar com segurança quais os termos em que o


negócio teria sido celebrado;
2. Quando a contraparte prove que com esses novos termos não teria celebrado
o negócio.
Como é que se fundamenta juridicamente esta solução? Alguns autores
fundamentam com base na aplicação analógica do artigo 911º do CC; outros
autores entendem que o fundamento se encontrará no regime da redução do
negócio- artigo 292º do CC.
Seja como for, a consequência é sempre a modificação dos termos do
negócio.
• tem que ser próprio: o erro é próprio quando não recai sobre nenhum requisito legal de
validade do negócio. Esta propriedade do erro compreende-se porque se o erro incide

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sobre um requisito legal de validade do negócio, tornar-se-ia desnecessário recorrer ao


regime do erro.
Nós conseguiríamos declarar nulo o negócio por outra via.
✓ Exemplo: A celebrou com B um contrato de compra e venda de um
imóvel, por um escrito particular. O negócio é nulo por vicio de forma.
Se A quiser invalidar o negócio com fundamento em erro, pois se
soubesse que para celebrar aquele negócio validamente teria de ser
por escritura publica ou escrito particular autenticado, jamais teria
celebrado. Neste caso, o elemento sobre que incide o erro é a forma.
Este requisito é um elemento de validade. O erro será assim
improprio, não relevando para efeitos de desvinculação de negócio.

Imaginemos que A tem 16 anos e comprou a B, um automóvel. A pode desvincular-se deste


negócio- 125º do CC. B não se pode desvincular com base nesse artigo.

Então B vem invocar o erro sobre as qualidades do declaratário, portanto o erro sobre o
declaratário, dizendo que se soubesse que A era menor jamais teria celebrado este negócio.
Neste caso, embora o erro incida sobre um requisito de validade do negócio, que é a
capacidade das partes, porque o B não se pode beneficiar desse regime, para se desvincular
do negócio, considera-se que este erro é próprio.

✓ Nota: não se exige que o erro seja individual ou singular, não se exige também que o
erro seja desculpável. No entanto, se houver culpa no erro pode haver lugar a um
dever de indemnizar.
✓ Nota: Alguns autores entendem que no domínio de atuação de pessoas coletivas, se
poderia justificar que o erro fosse desculpável, porque sobre estas recai um dever mais
intenso de autoinformação.

Para além destes requisitos gerais da relevância do erro, nós temos que cumprir determinados
requisitos especiais de relevância. Estes que já não dizem respeito a toda e qualquer forma de
modalidade de erro, mas dizem respeito apenas, ou são específicos, de cada uma das
modalidades de erro concretamente em causa já estudadas.

❖ Requisitos de relevância do erro sobre a pessoa do declaratário e o erro sobre o


objeto (estão agregados porque o seu regime jurídico é o mesmo): Do artigo 251º
temos que fazer uma remissão para o artigo 247º.
Para além dos requisitos gerais de relevância do erro, sobre a pessoa do declaratário e
o erro sobre o objeto do negócio, que são a essencialidade e a propriedade, nós temos
ainda que verificar um outro requisito- o conhecimento ou a cognoscibilidade, da
essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro.
Temos ainda que fazer uma remissão do artigo 251º para o artigo 287º do CC.
Quem pode arguir a anulabilidade? Pode arguir a anulabilidade o errante, no prazo de
1 ano a contar da cessão do vicio, ou seja, no prazo de um ano a contar do momento
em que ele tem conhecimento do erro.

❖ Regime do erro sobre motivos. Vimos que o erro sobre os motivos englobava duas
hipóteses:

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o Erro sobre o motivo propriamente dito (252º/1). É necessário que haja um


acordo entre declarante e declaratário acerca da essencialidade do motivo. E
compreende-se que assim seja, pois, o motivo diz respeito exclusivamente ao
declarante, tentando assim salvaguardar as expectativas do declaratário.
Aqui vamos ser particularmente exigentes para anular este negócio.
Através deste acordo, o legislador impõe que o motivo que é exclusivo do
declarante passe a ser partilhado pelas partes no contrato. De outro modo, o
erro sobre os motivos por que é próprio, porque diz exclusivamente respeito,
não vai relevar.
o Erro sobre a base do negócio: art.252º/2 (remissão para o artigo 437º do CC).
O artigo 437º vem dar resposta à alteração superveniente das circunstâncias,
vamos ter assim que o estudar autonomamente. Não é qualquer alteração que
é relevante, mas uma alteração que afete a base negocial, o equilíbrio
contratual, etc.
Quando o artigo 252º remete para o artigo 437º, está a remeter apenas em
termos parciais, apenas para a hipótese da norma. Ao artigo 437º vamos
apenas retirar a noção de base de negócio.
Se o problema for uma alteração superveniente das circunstâncias, a solução
será a resolução do negócio, ou a sua modificação. A resolução é a forma de
fazer findar um contrato que foi celebrado validamente.
Se o meu problema for um problema de erro, não faz sentido dizer que eu vou
resolver o contrato.
Como ele diz respeito ao passado, ou ao momento presente de celebração do
negócio, então isso significa que na sua génese, desde o seu nascimento está
afetado com alguma coisa. Assim não fará sentido eu ficcionar que aquele
negócio é valido para depois o resolver, pois desde o início ele está
perturbado.
Verificado o erro sobre a base do negócio, a sua consequência será a anulação
-remissão para o artigo 287º.
Se houver culpa da parte do errante, então pode haver direito a uma
indemnização a favor da contraparte. Esta indemnização em regra, abrange o
interesse contratual negativo.
Esta anulabilidade tem um prazo de um ano para ser arguida, mas se o
negócio não estiver cumprido ela pode ser invocada a qualquer tempo. É o
que nos diz o artigo 287º/2. O negócio não estar cumprido, significa que as
obrigações dele decorrentes ainda não foram feitas.
✓ Nota: a anulabilidade pode ser sanada por confirmação.

• Dolo: O dolo está previsto no artigo 253º do CC. Entende-se por dolo qualquer sugestão
ou artificio que alguém utiliza com a intenção/consciência de induzir em erro outro
sujeito, que vai emitir a declaração. Bem como a dissimulação pelo declaratário, ou pelo
terceiro, do erro do declarante.

O que é que nos podemos concluir a partir desta leitura do artigo 253º/1?

1. O dolo é um erro qualificado. Nós vimos que o erro se traduzia na incorreta


ou inexata representação da realidade. O dolo não é mais do que um erro,

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mas é um erro qualificado, porque em vez de ter sido o declarante a incorrer


espontaneamente em erro, ele foi induzido pelo comportamento do
declaratário, ou eventualmente de um terceiro.
Portanto, temos A a emitir uma declaração porque está em erro, mas em vez
de ter sido ele a incorrer nesse erro, foi o B – a quem é dirigida a declaração-
que o fez incorrer em erro. Ou então, um terceiro.

O artigo 253º/1 ainda vais mais longe, e ainda permite qualificar como dolo aquelas situações
em que o tal declaratário, ou o tal terceiro, mantêm o declarante em erro, apercebem-se que
ele está em erro e não o esclarecem. Ou então, quando dissimulam o próprio erro.

É claro que, nestas hipóteses o declarante apenas poderá invocar o dolo se o declaratário tinha
o deve de o esclarecer.

Mas nós temos aqui uma atuação positiva, no sentido de induzir ou manter em erro. Ou
podemos ter uma atuação negativa, no sentido de omitir um dever de esclarecimento,
dissimulando assim o erro que já existia da parte do próprio declarante.

Elementos que integram o dolo, e os seus requisitos de relevância

Para que nós possamos falar de dolo, e para que este possa relevar enquanto vicio da vontade,
é necessário que se preencham determinados requisitos.

Podemos, como resulta deste artigo 253º fazer uma distinção entre:

1. Dolo ativo/positivo: implica a tal ação, implica um comportamento positivo. Para


haver dolo eu tenho de ter o emprego de determinadas situações, de determinados
artifícios, no sentido de induzir em erro.
Estas sugestões, podem ir desde a simples mentira até esquemas complexos e
elaborados de engano. É necessário que o engano, em que a pessoa incorre, seja
efetivamente causado pelas sugestões ou artifícios usados pelo declaratário ou pelo
terceiro.
2. Dolo omissivo/negativo: implica que o sujeito já estava em erro e que foi omitido um
dever de esclarecimento. Este dever de esclarecimento não existe sempre, só existirá
este dever quando o declaratário de acordo com o princípio da boa-fé tivesse o dever
de elucidar a contraparte.
É necessário que a falta de esclarecimento seja determinante para a manutenção da
situação de equívoco em que o sujeito já se encontrava. A omissão dos deveres de
esclarecimento tem de ser determinante para a manutenção daquele equívoco.

Nós estamos a falar de dolo, enquanto vicio da vontade, mas nós já falamos de dolo enquanto
forma de culpa- pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil.

Nós não podemos confundir o dolo, que nós estamos a falar, com esse outro dolo. Tendo em
conta esta diferença, os autores têm entendido, tradicionalmente, que o dolo que estamos a
tratar, o dolo do vicio da vontade, implica necessariamente o dolo enquanto forma de culpa.
Porque o dolo de que estamos a falar, implica a intenção de induzir ou manter em erro.
Portanto, implica sempre um comportamento intencional da parte de quem engana.

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Bastaria, é certo, segundo a doutrina tradicional, o dolo eventual, mas exigir-se-ia que
houvesse essa correspondência, entre dolo vicio da vontade e dolo em forma de culpa.

No entanto, pode acontecer que A declaratário, induz B declarante em erro. Como?

Não o induz em erro porque intencionalmente o queira induzir em erro, mas porque presta
informações erradas. Ele não tem verdadeira consciência da inexatidão das informações, mas
age com diligência.

Imaginemos que A pergunta a B se o computador que está a adquirir tem determinadas


características. B responde apressadamente que sim, apenas e só porque não foi confirmar.
Ele presta informações erradas, não porque tem a intenção de induzir a contraparte em erro,
mas porque foi negligente. À situação que nós estamos a questionar sendo dolo ou não,
corresponde um comportamento negligente.

Tradicionalmente, perante uma situação como esta entendia-se que não havia dolo. Então
qual seria a única hipótese para o declarante? Tradicionalmente, a única hipótese seria tentar
invalidar o negócio com base no erro vicio. Só que já vimos que temos requisitos apertados
para invalidar negócios com base em erro vicio. E pode acontecer que esses requisitos não
estejam verificados em concreto. Começaram assim os autores «a perguntar será que
podemos tentar proteger o nosso declarante, que foi negligentemente induzido em erro»?

Então surgiram duas respostas:

1. Um leque de autores veio dizer que numa situação como esta, de facto, não há dolo.
Mas, há culpa da parte do declaratário, que foi negligente. O que é que o declarante
poderia fazer? Poderia vir exigir uma indemnização com base na responsabilidade pré
contratual- art. 227º do CC. Na responsabilidade pré-contratual o primeiro remédio
será a reconstituição natural, só se não for possível é que nós podemos recorrer à
indemnização em dinheiro.
A reconstituição natural operar-se-ia na desvinculação do próprio contrato, isto
porque, através dela nós estávamos a colocar o lesado na situação em que ele estaria
se não tivesse confiado na celebração do contrato sem erro.
Esta solução, tem alguns problemas, nomeadamente gera algumas antinomias e
algumas contradições no sistema. Pois, se o negócio fosse anulável por dolo, nos
temos 1 ano a contar da cessão do vicio para o fazer. Aqui vamos ter 3 anos para que
o direito à indemnização prescreva. Parece que teria mais tempo para agir, aquele que
se integraria numa situação menos grave.
Assim, dizem alguns autores que se deve corrigir esta situação, designadamente
através de uma articulação com outro tipo de prazos.
2. Um segundo grupo de autores vem dizer que nós podemos recolocar esta questão ao
nível do dolo, apesar de não existir dolo em forma de culpa, podemos tratar uma
situação como esta, como um problema de dolo.
Isto porque apesar de faltar essa intenção, parece que se consegue estabelecer uma
analogia bastante com as hipóteses de dolo.
Temos duas hipóteses: uma hipótese de erro, gerando a invalidade de negócio porque
a vontade foi malformada. Essa invalidade não é automática, pois fica dependente da
verificação de alguns requisitos, para se tutelar a confiança da contraparte.

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No caso do dolo, porque também temos uma vontade que não foi formada de um
modo são, o negócio também vai ser considerado anulável. Mas vais considerado
anulável, independentemente da verificação de requisitos adicionais.
Isto porque se há um comportamento do declaratário de induzir o declarante em erro,
então nós não temos expectativas dignas de confiança para tutelar na contraparte, no
declaratário.
Estes autores dizem que embora o sujeito não tenha atuado intencionalmente, ao ter
agido de forma negligente, ao ter violado determinados deveres impostos pela boa-
fé, então ele também não é detentor de uma confiança que seja digna de proteção.
A confiança que nos protegemos não é fáctica, mas normativamente densificada. Quer
isto dizer que, ainda que o sujeito confie na validade do negócio, por esta confiança
ser meramente fáctica, ele não é merecedor de tutela.
Nós podemos fazer aqui uma interpretação corretiva e podemos integrar no âmbito de
relevância do artigo 253º estas hipóteses de indução negligente em erro.

o Dolus Bónus: o dolo bom traduz-se no conjunto de artifícios ou sugestões que


sejam considerados legítimos segundo as conceções dominantes no comércio
jurídico. Há determinados artifícios/sugestões que sendo legítimos à luz das
concessões dominantes no comércio jurídico, não configuram uma hipótese de
dolo relevante- artigo 253º.
o Dolus Malus: para efeitos de invalidação do ónus jurídico apenas releva o dolo
malus, o dolo mau.

Qual é o critério que nos permite distinguir o Dolus Bonus do Dolus Malus?

Critério da usualidade ou normalidade: não podemos aqui partir de um critério de


normalidade quantitativa. Imaginemos que atendíamos a um critério de normalidade
quantitativa, imaginemos que teríamos um índice de práticas abusivas na área de atuação
comercial, na área dos seguros por exemplo.

Se o nosso padrão fosse quantitativo, sendo essas práticas abundantes, teríamos que concluir
que o dolo seria lícito, e não é isso que o legislador nos quer transmitir, quando fala deste
padrão de normalidade ou usualidade. O critério de normalidade deve ser valorativamente
densificado. E é porque ele é valorativamente ou normativamente recortado, que nós
podemos assistir a variações históricas nas fronteiras entre Dolus bónus e dolos malus. Eu não
consigo delinear uma fronteira estanque entre o que é Dolus Bonus e Dolus Malus. Devemos
até dizer que hoje em dia a intensificação de deveres de proteção e deveres de informação na
fase pré contratual determina o recuo do Dolus Bonus e uma expansão são relevância do Dolus
Malus.

Se cada vez mais, ao nível da fase pré contratual, os profissionais onerados com deveres de
informação, então cada vez mais deixa de ser legitimo a utilização de determinados
expedientes que poderiam convencer a contraparte a contratar. Estas considerações têm
sobretudo razão de ser sobretudo no âmbito do direito do consumidor.

Neste, há autores que entendem que o Dolus bónus foi mesmo afastado pelo dever de
informar que resulta da lei. Por vezes, em determinados domínios os deveres de informação
são avassaladores. Mas isto não significa que desaparece o relevo da distinção, até porque fora

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do domínio da proteção do consumidor nós temos um amplo campo de atuação de


profissionais, ou de contratação de pessoas fora de relações profissionais ou consumuristicas,
e é nesse âmbito que se mantém espaço para a distinção entre dolus bónus e dolus malus.

✓ Acórdão da relação do tribunal de Guimarães de 23 de abril de 2015.


Estava em causa uma determinada pessoa coletiva que era
proprietária de uma ótica medica, e outra pessoa coletiva que era
proprietária de um centro comercial. Estiveram a negociar para
celebrar um contrato de instalação de loja, num dito centro comercial,
nos termos do qual o Senhor (proprietário da ótica) se obrigava ao
pagamento de uma determinada quantia pecuniária e obrigava-se
ainda a realizar uma serie de obras para que a loja pudesse funcionar.
Nesses contactos prévios, o senhor B garantia uma serie de coisas: que
o centro comercial iria abrir numa determinada data, que estava
licenciado, etc. a verdade é que, depois se veio a aperceber ainda não
existia licença, que a ocupação do espaço não era total, etc, aquilo que
tinha sido comunicado.
Apesar desta discrepância o tribunal de relação de Guimarães veio
considerar que não terá existido Dolus Malus, porque entendeu que o
proprietário do centro comercial poderia ter motivos para acreditar na
ideia de que toda aquela realidade que estava a ser descrita
efetivamente se iria celebrar.
Ora aqui, esta solução apenas se pode compreender se nós pensarmos
que estamos diante de dois profissionais. Fora do campo da
profissionalidade, seria impensável nos não qualificarmos esta
hipótese como uma hipótese de Dolus Malus.
Isto mostra-nos que o tal critério da normalidade, deve ser
compreendido à luz de um padrão valorativo que não pode deixar de
chamar a si dados atinentes à boa-fé. A boa-fé face à discrepância de
forças dos contraentes deveres de informação acrescidos, quando
esteja em causa um profissional diante um consumidor. Se em causa
estiverem dois profissionais, pode entender-se que cada um deles tem
capacidade para poder lançar mão da sua própria investigação, ou
seja, de concluir que o negócio que está prestes a celebrar é ou não
vantajoso.

➢ Dolo essencial: é aquele que é determinante da vontade de celebrar um negócio


➢ Dolo incidental: será determinante não da vontade de celebrar um negócio, mas
dos termos em que o negócio é celebrado. Já não está em causa saber se o
sujeito compraria ou não o automóvel, mas está em causa saber se o sujeito
compraria ou não o automóvel por mil euros, ou apenas por 500 euros, por
exemplo.

Quando nós falamos sobre a distinção entre o erro essencial e o erro incidental, nós dissemos
que apenas era causa de invalidade do negócio o erro essencial. O erro incidental pode ter
como consequência a modificação dos termos do contrato, poderia eventualmente em casos
excecionais conduzir à invalidade desse mesmo concreto: quando não se conseguisse

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determinar com um grau de precisão razoável quais os termos de contrato teriam sido
celebrados sem o erro, quando a contraparte viesse provar que naqueles termos jamais teria
celebrado aquele negócio.

O regime do dolo incidental é o mesmo. Conduz em regra à modificação dos termos do


negócio, pode conduzir, porém, à invalidade do negócio, nos mesmo termos em erro
incidental conduz à anulabilidade. No entanto, temos aqui uma exceção, o autor do dolo
incidental não pode vir provar que a sua vontade hipotética se opõe à modificação do negócio.

Preenchidos todos estes requisitos que configuram o dolo enquanto dolo, a sua consequência
será, nos termos do artigo 254º/1 a anulabilidade do negócio. O negócio é anulável.

Remissão para o artigo 287º do CC. Este artigo vai-nos dizer quem é que pode arguir a
anulabilidade e dentro de que prazo.

Pode arguir a anulabilidade aquele no interesse em que a qual foi estabelecida- o que foi
engando. No prazo de um ano a contar do momento em que descobriu a provocação dolosa
do erro. Já não é um ano a partir de que descobriu que a realidade era outra, mas sim em que
descobriu que alguém o enganou. Eu posso descobrir que o automóvel que comprei não tem
as características que achava que tinha, mas posso descobrir que só daqui a uns meses eu me
enganei porque alguém me induziu em erro.

Para além da invalidade do negócio, o dolo gera também a responsabilidade do declaratário


que induziu o declarante em erro. Esta responsabilidade civil, vai seguir os termos da
responsabilidade pré-contratual. (remissão do artigo 254º/1 para o artigo 227º)

Se o dolo for proveniente de um terceiro, o regime será ligeiramente diverso, não estando
previsto no artigo 254º/1, mas sim no artigo 254º/2.

Se o declaratário conheceu o dolo do terceiro, o negócio é anulável.

Imaginemos um A, declarante e B, declaratário, que celebram um negócio, existindo ainda um


C que engana um A.

1. Hipótese 1: B conhecia o dolo, nesta hipótese o negócio é anulável. Alias nesta


hipótese, o declaratário que conhece o dolo do terceiro, tem o dever de alertar o
declarante. O dolo de terceiro corresponde nesta hipótese a um dolo omissivo do
declaratário.
2. Hipótese 2: B não conhecia o dolo, mas tinha o dever de conhecer o dolo, há
cognoscibilidade do dolo, era-lhe exigido que conhecesse. O negócio será anulável.
3. Hipótese 3: B não conhece nem deve conhecer o dolo de C. Neste caso, o negócio
pode ser parcialmente anulável, se alguém tiver adquirido diretamente por força do
negócio um direito. Desde que esse beneficiário tenha sido o autor do dolo,
imaginando que é o C que retira esse benefício. Ou desde que conhecesse ou devesse
conhecer o dolo.
Exemplo: A e B celebram um contrato de arrendamento. A celebra aquele contrato
porque está convencido que o B é filho de um grande amigo de infância, sendo
convencido pelo C. O B não sabia de nada nem lhe era exigível que soubesse. O C
resolveu fazer isto porque queria que o A arrendasse a casa porque ia cobrir uma
comissao pelo arrendamento. Neste caso, temos um terceiro que é beneficiário, que é
o autor do dolo. O negócio vai ser anulável parcialmente, vai-se invalidar
automaticamente o benefício que este terceiro tenha adquirido.

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• Coação moral ou coação relativa: está prevista o artigo 255º do Código Civil.
Vamos distinguir a coação moral ou relativa da coação física.
A coação física determinava que o sujeito era submetido a uma força de tal modo
irresistível, que era transformado num autómato, a vontade de ação desaparecia.
Na coação moral aquilo que se verifica é o receio de um mal que resulta de uma ameaça
ilícita, ameaça ilícita que é essa feita com o objetivo de extorquir uma declaração
negocial. Apesar de o sujeito ter a sua vontade condicionada, ela não é totalmente
eliminada.
✓ Exemplo: Imaginemos que António descobriu que Bernardo tinha
praticado um crime há uns anos. Então António ameaça a Bernardo
que ou ele lhe vende por um determinado valor o seu apartamento ou
então ele vai denunciá-lo às autoridades.

Para que eu possa falar de coação moral, e para que esta possa ser relevante, têm de se
verificar determinados pressupostos:
1. É necessário que haja uma ameaça
2. É necessário que esta seja ilícita: a ameaça pode ser ilícita em duas situações:
▪ ou porque são ilícitos os meios utilizados
➢ exemplo: António ameaçou Bernardo que o matava se ele não
lhe vendesse o seu apartamento. A amaça de morte é sempre
ilícita, portanto o meio utilizado é em si mesmo ilícito.
▪ ou porque é ilegítima a prossecução daquele fim, com aquele meio.
➢ Exemplo: A ameaça B que o denunciaria aos órgãos de polícia
criminal por força de um desfalque que ele tinha cometido, se
ele não lhe vendesse aquele apartamento. Ora, a denuncia de
um crime não é ilícito, o que o transforma esta ameaça ilícita é
a ilegitimidade de prosseguir aquele fim com aquele meio.

Não há ilicitude da ameaça, e, portanto, não há coação moral, se o sujeito apenas ameaçar o
declarante com o exercício normal de um direito.

Também não há coação moral, quando o medo resulte do chamado temor reverencial, este
traduz-se naquela sensação de receio, de medo de desagradar alguém que esteja numa
posição superior.

Ou seja, a nossa coação tem de ser essencial, sendo determinante da vontade de celebrar um
negócio. Sem esta coação não haveria negócio.

Se a coação for incidental ela releva nos mesmo termos do que o dolo e o erro incidentais.

Se se verificarem todos estes requisitos o negócio é anulável (256º e 287º).

Quem pode arguir a anulabilidade?

➢ Aquele que foi coagido, no prazo de um ano a contar da cessação de vicio (quando a
ameaça deixa de surtir efeito).

✓ Exemplo: Vamos imaginar que, no ano passado, António celebrou um


contrato com Bernardo, um contrato de doação. A doou a B um

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automóvel porque B o ameaçou que se não lhe doasse aquele


automóvel iria contar à sua mulher que ele tinha uma amante,
Catarina.

Celebrou o negócio em janeiro de 2020, hoje ainda nem sequer começou a contar o prazo para
arguir a anulabilidade, porque aquela ameaça continua a surtir efeito. Quando é que cessa o
vicio? Quando a ameaça deixa de surtir efeito, ou seja, quando aquela ameaça já não serve
para nada. Quando a mulher de António já sabe que ele tem uma amante, quando eles se
divorciam, quando já não há impacto, quando já lhe é indiferente.

A ameaça pode não provir do declaratário, mas sim de um terceiro, tendo dois requisitos
adicionais:

❖ Que o mal seja grave


❖ Que o mal que se receia seja justificado

• Estado de necessidade: este está previsto no artigo 282º do CC. Este traduz-se naquelas
situações em que o sujeito celebra um determinado negócio jurídico pela necessidade de
remover um perigo que existe, verificando-se que a contraparte explora essa situação de
necessidade, obtendo dela benefícios excessivos ou injustificados.

Aqui temos todos os pressupostos de relevância deste estado de necessidade:


1. Existência de uma situação de necessidade, existência de um receio que é
gerado por um grave perigo
2. A exploração dessa situação de necessidade pela contraparte
3. A obtenção de benefícios excessivos ou injustificados. Alguns autores vêm
propor o critério do dobro do valor como limite a partir do qual podemos falar
de uma situação de usura ou de estado de necessidade.

Temos aqui requisitos objetivos e requisitos subjetivos, e é necessário que todos eles se
verifiquem para que possa falar-se de estado de necessidade.

Como é que eu sei que o benefício é excessivo ou injustificado?

Quando há uma desproporção clara entre as prestações. Quando no fundo, o benefício que eu
retiro com a celebração do negócio, atentas as circunstâncias ultrapassa o limite do razoável, e
do que era justificável.

Alguns autores vêm propor aqui o critério do dobro do valor como o limite a partir do qual se
deve averiguar se existe ou não os demais requisitos, para que se possa falar uma situação de
usura, ou de estado de necessidade.

Verificados todos estes requisitos do estado de necessidade, a consequência é a anulabilidade


do negócio. Quem e que pode arguir a anulabilidade?

o O sujeito que se encontrava em estado de necessidade no momento da celebração do


negócio, dentro do prazo de um ano a contar do fim da situação de necessidade.

Pode haver lugar à modificação do contrato nos termos do artigo 283º do CC. Há, no entanto,
uma situação especial.

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Vamos imaginar que a pessoa que explora a situação de necessidade tinha o dever legal ou
moral de agir, de auxiliar. Nesse caso, mais do que a anulabilidade o negócio deve ser
considerado nulo nos termos do artigo 280º do CC.

Exemplo: António encontra-se gravemente doente, e encontra-se gravemente doente numa


localidade onde há apenas um médico, recorrendo por isso a um profissional de saúde. Este
diz que o trata desde que ele lhe transmita a propriedade do seu apartamento, desde que ele
lhe doe o seu apartamento. Temos aqui uma situação de necessidade, António receia o mal
que o atinge. O médico aproveita-se da situação da necessidade, para dela obter determinados
benefícios que são excessivos ou injustificados.

O que é que determina que haja estado de necessidade? É o facto de ele estar exigindo algo
que é excessivo e injustificado.

Neste caso concreto, porém, o medico tem o dever moral e legal para agir. Numa situação
como esta devemos considerar que o negócio é nulo nos termos do artigo 280º do CC, pois
viola os bons costumes.

Incapacidade acidental: tivemos que recorrer a este vicio da vontade quando falamos do
problema dos maiores acompanhados, antes do registo de ação de acompanhamento, antes
da prepositura daquela ação. Esta incapacidade é efetivamente um vicio da vontade, presente
no artigo 257º do CC.

Este oferece-nos todos os requisitos de relevância, sendo necessário em primeiro lugar, que a
pessoa se encontre acidentalmente incapacitada. Isto significa que a pessoa, naquele
momento, em que está a celebrar o negócio, não fosse capaz de entender a sua declaração, ou
então não conseguisse determinar a sua vontade de acordo com o pré-entendimento que
tivesse à cerca da realidade.

O declaratário tem ainda de conhecer o facto, essa incapacidade acidental, ou então tem de
ser notório (diz-nos o número 2 do artigo 257º que o facto é notório quando um homem de
comum diligencia o teria podido notar). Se estes requisitos se verificarem o negócio é anulável
(art.257º e 287º).

Vamos imaginar que António declara vender o seu automóvel por 200 euros, fá-lo num
momento em que se encontra visivelmente embriagado. Bernardo declara que o compra por
200 euros, num momento em que também estava visivelmente embriagado. António
arrependeu-se, e então quer anular esta declaração com base em incapacidade incidental. É
necessário que Bernardo tenha tido conhecimento disso, não estando em condições de
perceber a incapacidade incidental de António. Ainda assim, o negócio vai ser considerado
anulável, pois o facto apesar de não conhecido é notório.

Se estes requisitos se verificarem o negócio é anulável. No prazo de um ano a contar da


cessação do vicio, ou seja, quando a incapacidade incidental passa. Quem é que pode fazê-lo?
Aquele que emitiu a declaração nesse estado.

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Alteração superveniente das circunstâncias

A alteração das circunstâncias do negócio implica a não verificação de uma circunstância


pressuposta, ou de uma pressuposição, sempre que a evolução do circunstancialismo não foi
considerada.

A noção de pressuposição, consiste na convicção, consciente ou subconsciente, da verificação


no futuro de uma dada circunstância ou estado de coisas, convicção esta determinante da
realização do negócio, ou pelo menos de alguns dos seus termos.

Este problema surge porque a realidade não é inerte, é dinâmica. Logo, as circunstâncias que
estiveram na base do negócio podem modificar-se no futuro, por exemplo, A e B celebram
hoje um contrato de arrendamento que vai ser executado ao longo de 10 anos e as
circunstâncias mudam. Estamos perante erro quando as partes pensavam uma realidade
diferente daquela que efetivamente é no momento da celebração do negócio, ou seja, diz
respeito ao passado, por outro lado, estamos perante uma pressuposição quando estamos a
falar do futuro.

O problema traduz-se em saber se a alteração das circunstâncias, conduz a uma resolução ou


modificação do negócio, ou se não deve afetar os termos em que ele foi realizado.

Para este problema, devemos ter em conta três vetores:

• Alteradas as circunstâncias, o contrato que foi celebrado entre A e B no dia pode ser hoje
outro contrato. Em face da alteração das circunstâncias, o negócio que foi celebrado
pode não já corresponder àquilo que as partes quiseram e pode já não corresponder ao
exercício da autonomia privada;
• Quando uma pessoa celebra um contrato ela assume um risco, portanto, o contrato, de
certo modo, é um instrumento de gestão de risco. A pessoa pressupõe certas
circunstâncias, mas sabe que estas podem mudar, assumindo um risco que pode ser
maior ou menor. Logo, só porque as circunstâncias mudaram o negócio não pode ser
anulado, visto que a pessoa no momento de celebração do negócio sabe que corre o
risco;
• Tutela da confiança/segurança do comércio jurídico.

Tendo em conta estes três vetores, este problema existe, tem de ser resolvido, mas não com
atitudes extremas. Estes vetores levam-nos a excluir duas posições extremas de resolução do
problema:

1. A afirmação do princípio pacta sunt servanda - posição formalista que entende que
independentemente da alteração que pudesse existir, o certo é que o contrato teria de
ser cumprido até ao fim.
2. Cláusula rebus sic stantibus - qualquer alteração das circunstâncias deveria levar à
extinção do negócio (ideia correspondente ao subjetivismo liberal, que acentua o
momento da celebração do contrato).

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Assim, vamos procurar uma solução de conciliação:

1º Hipótese: as partes acautelaram o problema, ou seja, as partes inseriram no contrato uma


cláusula que define os termos em que o contrato vai ser cumprido se as circunstâncias forem
alteradas – cláusula hardship.

2º Hipótese: se as partes não estabelecerem a cláusula temos de ser nós a resolver, surgindo
várias teorias:

Teoria da imprevisão - Se o contexto social e económico se alterar de forma radical e


imprevisível o contrato deve ser extinto. Críticas:

o Não tem em conta que as partes quando celebraram o negócio podem ter
previsto o risco de alteração das circunstâncias, mas escolheram correr esse
risco;
o Torna demasiado fácil a extinção do negócio.

Teoria da pressuposição - A declaração negocial depende de um estado de coisas que se


pressupõe de um conjunto de circunstâncias- se estas se alterarem e se a outra parte tiver
cognoscibilidade dessa pressuposição então, o contrato deve ser considerado extinto. Esta
teoria vem considerar que em cada contrato existe uma condição, não desenvolvida que é a
pressuposição. Críticas:

• Sujeita o contrato a uma condição que as partes podem não conhecer.


• Também torna muito fácil a desvinculação negocial, com graves consequências para a
segurança jurídica e a justiça.

Teoria da base do negócio - Esta teoria conhece diversas versões:

1. A primeira versão (Oertmann) diz que se a alteração das circunstâncias ocorrer na base
do negócio então o contrato deve dar-se por extinto. A base do negócio corresponde à
representação que uma das partes tem acerca da existência de uma circunstância,
desde que a outra parte a aceite como importante.
2. Segunda versão (Lehmann – 1876-1963): sustentou-se que a alteração só é relevante
se a base do negócio for cognoscível pela outra parte no momento da celebração do
negócio.
3. Terceira versão (Professor Manuel de Andrade – 1899-1958): a alteração na base do
negócio pode ser igualmente relevante se, no momento em que o problema se coloca,
a boa-fé exigisse esse resultado (extinção do negócio).

Proposta de Larenz (1903-1993)

Há duas situações em que também pode haver desvinculação do negócio:

• Quando a alteração das circunstâncias determina aquilo que ele chama de turbação da
equivalência (vem de perturbação do equilíbrio) – a prestação e a contraprestação
deixam de ser equivalentes.
• Quando há frustração do escopo contratual

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Teoria Geral do Direito Civil II

Proposta de Menezes Cordeiro: a ponderação entre a autonomia privada e a boa-fé.

A solução consagrada no art. 437º CC:

• Alteração normal das circunstâncias em que as partes se basearam: quando incida


sobre a base do negócio aponta para a ideia de que as circunstâncias pressupostas
foram conhecidas pela contraparte e assumidas pela contraparte como importantes
ou quando a contraparte não podia deixar de as considerar como importantes à luz da
boa-fé (em sentido subjetivo) ou quando o que está em causa é a perturbação do
equilíbrio contratual ou a prostração do fim do contrato (em sentido objetivo).
• A manutenção do contrato afeta gravemente o princípio da boa-fé.
• A alteração das circunstâncias não está coberta pelos riscos próprios do contrato:
cada contrato envolve, em si, riscos; havendo alguns que são naturais de
determinados tipos de contrato, muitos autores entendem esta cobertura pelos riscos
próprios do contrato no sentido da natureza subsidiária deste regime.

Problemas em torno deste artigo:

• A sua aplicação aos contratos bilaterais e aos contratos unilaterais


• A sua aplicação aos contratos não cumpridos e a sua aplicação, apenas em termos
absolutamente excecionais, aos contratos já cumpridos
o Este regime só se aplica a contratos não cumpridos; se ele já estiver cumprido,
já não se coloca este problema.
o Isto é particularmente importante para resolver o problema do regime da
alteração superveniente das circunstâncias e o regime do risco (art. 796º CC):
✓ A e B celebram um contrato de compra a venda de um automóvel e, já
depois disso, um raio destrói o automóvel: o risco corre por conta do
adquirente, o que significa que ele tem de pagar o preço, apesar de já
não ter o automóvel, mesmo ele tendo sido reduzido a escrito.
✓ A, proprietário de empresa, vendeu-a a B; porém, com a revolução do
25 de Abril, algumas empresas foram para o Estado, perdendo o
senhor B a empresa; colocou-se o problema de saber se vamos aplicar
o regime da alteração superveniente das circunstâncias ou o regime
do risco - uns entenderam que se deveria aplicar o regime do risco
(Carlos Mota Pinto, Menezes Cordeiro), outros, o da alteração
superveniente das circunstâncias; a melhor solução, no caso concreto,
é a aplicação do regime do risco porque o contrato já está cumprido,
ou seja, este era um contrato em que aquela prestação se cumpria
instantaneamente.

A sua aplicação aos contratos aleatórios

Um contrato aleatório pode ser resolvido com base na alteração superveniente das
circunstâncias, desde que a alteração verificada não faça parte dos riscos próprios do contrato
(ex.: A e B celebraram um contrato de aposta sobre o jogo de futebol entre a equipa X e Y; se
ganhasse a equipa X, pagava o senhor A ao senhor B uma quantia; se ganhasse a equipa Y,

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pagava o senhor B ao senhor A uma quantia).

Representação
Já falamos de representação quando tivemos que lidar com os menores e com os maiores
acompanhados.

A representação é o instituto pelo qual um sujeito atua em nome do outro sujeito. O que é
que significa atuar em nome de alguém? Isto significa que A atua, mas que os efeitos jurídicos
dessa atuação se vão produzir na esfera jurídica de B, que é o representado.

Esta dissociação, entre quem age (entre A, o representante) e entre aquela pessoa, cuja esfera
jurídica se vão produzir os efeitos dessa ação (representado). Esta dissociação não implica
qualquer limitação da autonomia do sujeito ou da sua capacidade de exercício.

Em rigor, a representação de que nós agora estamos a falar, surge exatamente como uma
forma de exercício da capacidade do sujeito, e como uma forma de exercício da autonomia
do sujeito.

Isto mostra-nos que nós estamos a falar de uma representação, que se distingue da
representação de que nos falamos no 1 semestre.

Assim não temos apenas uma modalidade de representação

1. Representação legal: caracteriza-se porque a fonte de legitimação (os poderes de


representação) são estabelecidos por lei. Essa representação legal vai surgir como uma
forma de suprimento de uma incapacidade de exercício – assim no caso dos menores,
embora de forma excecional, no caso dos maiores acompanhados.
2. Representação voluntária: aquela que nos vamos centrar agora. A fonte de
legitimação representativa é a vontade do sujeito. É o A, porque esta ausente ou não
pode deslocar-se naquele dia ao local da celebração de negócio, porque não tem
conhecimento suficientes para acautelar todos os seus interesses, que confere
poderes a B para que este atue em seu nome.
É uma manifestação da sua autonomia, e da sua capacidade de agir.
3. Representação orgânica ou estatutária: é aquela na qual os poderes de representação
resultam dos estatutos de uma pessoa coletiva. Verdadeiramente esta representação
orgânica não é uma verdadeira relação de representação, pois nós vimos que entre as
pessoas coletivas e os titulares dos seus órgãos se estabelece uma verdadeira relação
de organicidade, que nos permite dizer que a pessoa coletiva tem capacidade de
exercícios de direitos.

Estas diferentes modalidades também se distinguem pela sua intencionalidade, que depois
subjaz a cada uma delas.

Ao nível da representação legal, o interesse que tem de ser necessariamente prosseguido é o


interesse do representado (do menor, do maior acompanhado).

No caso da representação voluntaria não tem que ser necessariamente assim. Os poderes de
representação podem ser conferidos no interesse do representado, ou no interesse do próprio
representante, ou no interesse de um terceiro. Tudo vai depender da finalidade de atribuição
desses poderes de representação.

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No caso da representação orgânica o interesse a salvaguardar será sempre o da pessoa


coletiva, mas não estaremos aí diante de uma verdadeira representação sendo preferível falar
de uma relação de organicidade.

Para que haja representação, quais são os requisitos necessários:

• É necessário que haja uma atuação em nome de outrem, isto significa que alguém que
atua e os efeitos jurídicos se produzem na esfera jurídica do representado. Não se exige a
atuação no interesse de outrem. Os poderes de representação podem ser atribuídos ou
no interesse do representado, ou no interesse do representante ou mesmo no interesse
de um terceiro;
• Não se exige que haja atuação por conta de outrem, isto permite-nos distinguir a
representação do mandato.
O mandato é um contrato nos termos do qual uma pessoa se obriga a praticar um ou
mais atos jurídicos por conta de outrem, e eu posso encarregar alguém de praticar atos
jurídicos por minha conta, atribuindo-lhe para isso poderes de representação, e temos
atuação por conta e atuação em nome de outrem; mas também é possível que eu
encarregue alguém de praticar atos jurídicos por minha conta sem lhe atribuir poderes
de representação. Isto permite depois, poder distinguir o chamado mandato com
representação e o mandato sem representação.
Vamos pensar no mandato sem representação:
1. Exemplo: mandato sem representação. O mandato pelo qual uma das partes
se obriga a praticar atos jurídicos por conta de outrem. Eu quero comprar um
automóvel, não tendo disponibilidade para o fazer, vou então vou encarregar
B de adquiri o automóvel por minha conta.
Eu vou entregar os meios necessários a B, para que B compre por minha conta
o automóvel, para que possa satisfazer as minhas necessidades como lhe
indiquei. B vai adquirir, enquanto meu mandatário, aquele automóvel, com o
dinheiro que lhe entreguei. Ele atua por minha conta, mas não atua em meu
nome.
Então quando ele adquire o automóvel, é ele o proprietário do automóvel.
Depois fica obrigado a transferir para a minha esfera jurídica os direitos
adquiridos em execução do mandato, ou seja, ele fica obrigado a transferir
para a minha esfera jurídica a propriedade do automóvel. Diz-se que existe
aqui uma dupla transferência. Portanto, nós temos um primeiro negócio
jurídico em que B adquire o automóvel, e temos ainda um segundo negócio
jurídico para transmitir o direito de propriedade para a minha esfera jurídica.
Este segundo negócio seria um negócio alienatório específico da execução do
mandato.

Da mesma maneira podemos ter representação com mandato e


representação sem mandato, ou seja, eu posso atribuir poderes de
representação fora de uma relação de mandato.

Então já vimos que o primeiro elemento essencial é a atuação no nome de outrem, que não se
confunde com a atuação em nome, ou por conta, de outrem.

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• É necessário ainda a existência de uma vontade própria do representante, é esta que


permite distinguir o representante do núncio.
O representante vai decidir, pelo menos, se o negócio deve ou não ser celebrado. O
núncio limita-se a transmitir a declaração, o núncio é um mero transmissor (Ex: núncio
apostólico). Esta diferença é extremamente importante em termos práticos, pois a
capacidade do representante e a capacidade do núncio, não tem que ser exatamente a
mesma coisa. Como o núncio se limita a transmitir uma declaração, basta-lhe a
capacidade natural para a transmitir, não se lhe exige mais nada. Para o representante
também não vamos exigir uma capacidade plena, mas vamos exigir uma capacidade
natural para ser representante.
Nós podemos ter uma criança como núncio, podemos pedir a uma criança que vá a
uma loja comprar um livro.
• Legitimação representativa, ou seja, o ato do representante tem que estar integrado
dentro dos poderes de representação. Fora daqueles casos em que esses poderes são
atribuídos por lei, ou resultam da lei, ou resultam dos estatutos de uma pessoa
coletiva, eu tenho a necessidade de os atribuir através de um ato voluntario.
Como é que se chama o ato voluntario através dos quais eu atribuo um poder de
representação- procuração.
A procuração é um negócio jurídico unilateral, não receticio, que tem como
destinatário o terceiro, com quem o representante vai celebrar o negócio.
Qual é a forma exigida da procuração? Art. 262/2 do CC. Este diz-nos que a procuração
deve ter a mesma forma que é exigida que o negócio que o procurador vai celebrar.

o Exemplo: António outorga uma procuração em que confere a Bernardo


poderes de representação para ele comprar em seu nome, um automóvel.
Qual é a forma que deve revestir esta procuração?
Teremos de recorrer ao regime da compra e venda.
Se para a compra e venda de um automóvel eu não preciso de qualquer
forma, para esta procuração eu também não vou precisar de qualquer forma.
É normal que depois a declaração conste de um documento escrito- artigo
260º.
Esta prova torna-se mais fácil com a existência de um documento, no entanto,
nada isto tem a ver com a validade formal.

Quanto à capacidade do procurador (artigo 263º): o procurador não necessita de ter mais do
que a capacidade de entender e querer exigida pela natureza do negócio. Por isso, não se
exige a plena capacidade de exercício, exige-se mais do que se exige ao núncio porque o
representante vai decidir em última instância se celebra ou não o negócio, mas basta a
capacidade para entender e querer exigida pelo negócio.

✓ Artigo 259º/1- se nós tivermos um problema relativo a um vicio da


vontade, ou uma divergência entre a vontade e a declaração, nós
vamos ter que ver se os requisitos para que seja relevante estão ou
não preenchidos por referência à pessoa do representante, exceto
naquelas situações em que a vontade do representado tenha sido
decisiva.

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Vamos imaginar que não há procuração, e A celebrou em nome de B um negócio, sem ter para
tanto poder. É possível que B, em nome do qual aquele negócio foi celebrado, venha conferir
aqueles poderes superveniente, através de um ato designado de ratificação.

Esta tem eficácia retroativa, e tem que obedecer à mesma forma que é exigida para a
procuração (artigo 268º/2).

Se não for de todo ratificado, se A celebra um negócio jurídico em nome de B sem ter poderes,
o negócio é ineficaz em relação ao representado (artigo 268º/1).

Numa hipótese como esta o representante, vai ser chamado a responder, vai emergir aqui
uma obrigação de indemnizar. Esta indemnização, que funciona aqui como uma tutela
negativa da confiança, pode estender-se ao próprio representado. O próprio representado
pode vir ter que responder, no termo do artigo 800º do CC.

Há situações onde se pode ir um bocadinho mais longe, onde se pode tutelar positivamente a
confiança. Significa que nessas situações excecionalíssimas nós podemos conferir eficácia ao
negócio.

Podemos falar aqui de duas hipóteses:

• A chamada procuração tolerada: quando o representado tolera a conduta.


A atua em nome de B, sem ter poderes de representação para isso. Mas o B, conhece
essa conduta do A, sabe o que é que o A faz e tolera.
Essa tolerância, de acordo com a boa-fé, pode ser interpretada pela contraparte (pelo
C, com quem A vai celebrar o negócio), no sentido de que há uma procuração e,
portanto, há poderes de representação.
• Procuração aparente: o representado não conhecia a conduta do representante, mas
com a devida diligencia podia ter podido conhecer, e teria podido impedir esse
comportamento. E, portanto, a contraparte (C), de acordo com a boa-fé interpretou
aquela conduta no sentido de que não era possível ela ter ficado escondida do
representado, pois com a diligencia devida ter-se-ia apercebido dela, e, portanto,
entende que ele no mínimo a tolere.

Nestas hipóteses, parece que vamos conferir eficácia ao negócio.

Vamos encontrar o fundamento para esta solução no artigo 23º do decreto-lei 178/86, que
estabelece o regime legal do contrato de agência. Este artigo no âmbito do contrato de
agência vem conferir eficácia, às situações de tutela da aparência em que há um agente que
atua sem poderes de representação, em nome do principal, e um terceiro com quem ele
celebra o negócio, é titular de uma confiança que é justificada e que merece tutela.

A doutrina tem entendido que este artigo deve ser alargado, pelo menos a todos os casos em
que a representação existe no quadro de contratos de índole de cooperação comercial. Mas,
em regra, nas hipóteses de representação sem poderes a finalidade é a ineficácia.

Há situações que são diferentes, em que o problema não é de falta de poderes de


representação, mas de abuso de representação.

Este surge quando o representante atuando dentro dos poderes de representação que lhe
foram conferidos, contraria os fins de representação. Nestas hipóteses nós já não vamos

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aplicar o artigo 268º, mas vamos aplicar o artigo 269º. O artigo 269º diz-nos que, se vai aplicar
a estas hipóteses, o regime da falta de poderes de representação.

Mas exige-se agora que a outra parte conhecesse ou devesse conhecer o abuso, o terceiro com
quem o representado vai celebrar o negócio.

▪ Exemplo: imaginemos que António conferiu a Bernardo poderes para que ele
adquirisse em seu nome um imóvel, explicando que precisa deste para montar o seu
escritório de advocacia. Nós temos aqui poderes de representação que legitimam
Bernardo em nome de António, mas temos uma finalidade especifica daquela
representação. Bernardo vai comprar, formalmente dentro dos poderes de
representação que lhe são conferidos, compra um terreno para cultivo de trigo.
Neste caso ele atua dentro dos poderes de representação, mas materialmente não
segue o seu fim, contrariando-o.

Ao nível da representação voluntária coloca-se um outro problema extremamente importante:


negócio consigo mesmo (artigo 261º).

▪ Exemplo: A outorga poderes de representação em relação a B, confere esses poderes,


e na procuração confere-lhe poderes para todos os atos de administração e disposição
de bens imoveis e moveis. Munido daqueles, B vende um imóvel de A a si mesmo.
Aqui temos um negócio consigo mesmo, pois de um lado e de outro, nós vamos
encontrar o B. Num lado ele surge como representante de A, e noutro surge com
nome próprio.
▪ Exemplo 2: A outorga poderes de representação a B. B vende, em nome de A, um
imóvel à sociedade x, que é representada por B. Ou então, vende a um C, que também
lhe tinha outorgado poderes de representação.

Há aqui um claro conflito de interesses. O ordenamento jurídico permite que o contrato se


assuma como um instrumento privilegiado de gestão dos interesses de cada um de nós,
porque cada um vai zelar pelos seus interesses. Cada um zela pelos seus interesses. Assim, o
negócio consigo mesmo, é em regra, anulável.

Há, no entanto, exceções (artigo 261º):

• Consentimento específico do representando


• Inexistência de um conflito de interesses

São diversas as hipóteses onde o conflito está ausente.

▪ Exemplo: A, representante, celebra em nome de B, um contrato de compra e venda


com um C, que também é representado por esse mesmo A. Este contrato de compra e
venda surge na sequência de um contrato promessa de que B e C tinham celebrado.
▪ A doa a B, representado por A, um imóvel. Neste caso, porque o negócio não causa
prejuízo ao representado, antes envolve um enriquecimento e um aumento da esfera
patrimonial do representado, ele é possível.

Celebrado o negócio consigo mesmo fora destas hipóteses, o negócio será considerado
anulado (artigo 287º), quem tem legitimidade para arguir a anulabilidade será o próprio
representado.

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Acórdão 9 de dezembro de 2008: o supremo tribunal de justiça debruçou-se sobre o seguinte


problema:

A e B são casados no regime de separação de bens, e C tinha outorgado uma procuração


conferindo poderes de representação a A, para vender pelo melhor preço e condição que
entendessem um apartamento.

O A munido daqueles poderes de representação, vendeu em nome do C, a B com quem era


casado, o referido apartamento. O supremo tribunal veio considerar que não existia negócio
consigo mesmo.

Acórdão 28/11/2013: o STJ veio considerar que também não havia negócio consigo mesmo, na
hipótese em que A outorga poderes de representação a B, e B em nome de A, vende um
imóvel a sua filha.

O critério aqui seguido é o da identidade dos sujeitos.

O que é que esta interpretação do artigo 261º feita pelo STJ nos suscita?

Há diversos indícios no ordenamento jurídico português levam a que o legislador afaste o


conflito de interesses. Parece ser clara o fundamento da proibição do negócio consigo mesmo.
Aquilo que nós devemos extrair deste artigo 261º, é retirar dele um princípio de proibição
geral de um conflito de interesses. E devemos aplicar este artigo 261º sem estarmos
condicionados pela identidade dos sujeitos contraentes. Isto significa que, contra aquele que é
o entendimento do STJ, nos devemos aplicar o artigo 261º quando em causa esteja a
celebração de um negócio por A em nome do B com C, que é casada com A. Tendo em conta
alguns regimes de bens, o negócio pode até implicar diretamente a entrada de um
determinado bem no património do representante.

Ainda que a separação de bens tenha sido o regime escolhido, naturalmente, nós não
podemos de deixar ter em conta que a relação matrimonial que implica uma plena comunhão
de vida, e necessariamente poderá existir aqui uma tentação de beneficiar a mulher ou o
marido em detrimento daqueles que o representante devia estar a acautelar.

No que diz respeito que o negócio representou com o filho: se este fosse menor, é inequívoco
que o negócio seria celebrado consigo mesmo, pois o filho estaria a ser representado também
por ele. Se nós tivermos a falar de um maior, embora em termos formais não exista um
negócio consigo mesmo, nós devemos sustentar novamente esta interpretação extensiva do
artigo 261º. A relação a pai filho é estabelecida por laços podendo impedir a isenção que
deveria existir para o representante, e pode impedir que o representante se identifique com o
representado e queira defender os seus interesses.

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Objeto e conteúdo do negócio jurídico


A autonomia privada torna impossível definir à priori o objeto e o conteúdo do negócio
jurídico. Como por exemplo, no caso dos contratos as partes podem inserir nele as clausulas
que lhes aprouver, podem celebrados contratos típicos ou atípicos.

No entanto, eu consigo delimitar negativamente o conteúdo do negócio jurídico, consigo


conhecer as suas linhas vermelhas- artigo 280º, este diz-nos quais são esses limites.

Requisitos de validade do negócio jurídico:

❖ O negócio jurídico tem de ser física e legalmente possível. Tem de existir o objeto e
tem que poder cumprir a finalidade inerente ao negócio que foi celebrado.
Esta impossibilidade que gera a nulidade do negócio, é uma impossibilidade objetiva e
não subjetiva. Ou seja, não basta que a impossibilidade se verifique em relação ao
devedor para que o negócio seja considerado nulo, tem que ser uma impossibilidade
que diga respeito a toda a gente.
Há, no entanto, uma hipótese em que uma possibilidade subjetiva se equipara à
impossibilidade objetiva: todas aquelas situações em que está em causa uma
prestação de facto não fungíveis, só eu é que a posso realizar.
Por outro lado, o negócio tem de ser legalmente possível, temos que ter não só está
possibilidade física, mas também a possibilidade legal. Não haverá possibilidade legal
quando a lei ergue um obstáculo insuperável àquele objeto.
Vamos imaginar que A e B celebraram um contrato promessa relativo a um negócio
jurídico que era ilegal, então neste caso temos uma impossibilidade legal.
✓ Nota importante: a possibilidade ou impossibilidade de que se está
aqui a falar, consoante a perspetiva, originária. Só está é que
determina a nulidade do negócio. Se a impossibilidade for
superveniente, ou seja, se ela só vier a ocorrer depois do negócio estar
celebrado, o negócio é válido, a consequência será outra:
o caso a impossibilidade não seja imputável ao devedor conduz
à extinção de obrigação, ele deixa de ficar vinculado;
o se houver culpa, ou seja, se for imputável ao devedor então
desencadeia-se uma situação de incumprimento;

É importante sublinhar que a impossibilidade superveniente conduz ou à extinção da


obrigação, ou a uma hipótese de responsabilidade contratual.

Vamos pensar na impossibilidade superveniente não imputável que conduz à extinção: ela não
se confunde, nem se pode confundir com a mera dificuldade de prestação. A prestação pode-
se ter tornado mais gravosa, mas não é suficiente para desvincular o devedor.

Portanto, há hipóteses de excessiva onerosidade/dificuldade da prestação que pode conduzir a


um problema de alteração superveniente das circunstâncias, mas que não se confunde com
esta impossibilidade.

Pensemos neste contexto pandémico que estamos a viver, esquecendo regimes


especiais que foram aprovados pelo legislador.

Exemplo: António fruto da pandemia e da impossibilidade de trabalhar, vê-se com uma


grande dificuldade para conseguir pagar as prestações do seu crédito de habitação.

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Aqui não há impossibilidade, pode haver excessiva onerosidade, pode haver


impossibilidade económica, não se equiparando, no entanto, a uma situação de
impossibilidade que estamos aqui a tratar. Teria que ser analisada do ponto de vista de
alteração superveniente das circunstâncias. A boa-fé poderia determinar uma
modificação do contrato, ou mesmo a resolução do contrato, mas não pode ser
confundida com estas hipóteses de impossibilidade.

No entanto, há situações em que a prestação não se tornou inviável, eu posso ainda realizar
aquela prestação, mas em que a sua realização envolve um sacrifício demasiado elevado para
o devedor que parece contrariar os ditames da boa-fé. Uma coisa é a dificuldade ou a
impossibilidade económica, outra coisa são estas situações em que a realização da prestação
vai envolver esse sacrifício demasiado elevado, e isso vai contrariar os ditamos impostos pela
boa-fé.

São as situações de:

• Impossibilidade prática: são aquelas em que a prestação do devedor requer um


esforço que se mostra gravemente desproporcional à luz da boa-fé, em face do
interesse do credor da prestação.
o Exemplo: A vendeu a B um anel, e tinha que entregar esse anel a B, não tendo
ainda cumprido esta obrigação de entrega. Aquele anel vale 100 euros, e caiu
ao fundo de um lago. O custo da drenagem do lado é de 100 mil euros. Então
se nós ponderarmos o esforço que é exigível ao devedor, com o interesse do
credor da prestação, e iluminarmos isto à luz da boa-fé, vamos concluir que
não é razoável esperar que o devedor incorra nestas despesas para satisfazer
um interesse do credor, que por sinal, e tão baixo.
• Hipóteses de impossibilidade moral: são as hipóteses em que o devedor deve realizar
pessoalmente a prestação, e ponderados os impedimentos do devedor perante o
interesse do credor a prestação deixa de ser exigível à luz da boa-fé.
o Exemplo: António obriga-se a realizar um concerto na noite de hoje, no
restaurante de B. E, filho de A encontrasse numa situação de agonia, na
iminência da morte, e A quer acompanhar aqueles últimos momentos.
Não há uma impossibilidade física, na realidade fáctica é possível, mas se nós
tivermos em conta os interesses do credor, se os comparamos com o interesse
do devedor, iluminando à luz da boa-fé, nós vamos concluir que não é exigível
dizer a A, devedor, para ir cantar hoje ao restaurante de B.

Estas hipóteses, depois da alteração ao BGB, passaram a ser introduzidas no ordenamento


jurídico alemão. E parte da doutrina portuguesa vem admitir que também se possa no nosso
ordenamento jurídico lançar mão destas hipóteses de impossibilidade prática e moral.

❖ Não contrariedade à lei: licitude do objeto. É de reparar que, quando falamos da


impossibilidade física e legal, distinguimos a impossibilidade física no sentido de dizer
que o objeto é impossível quando ele não existe, em termos fácticos e físicos, ou então
ele existe, mas eu não posso exercer os direitos correspondentes que adquiro através
daquele negócio (como no celebre exemplo da aquisição de alguns metros quadrados
da lua), mas também falamos de impossibilidade legal, através de um exemplo (A

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celebrou com B um contrato promessa que teve como objeto a celebração de um


negócio que é nulo, portanto, nesta caso juridicamente aquele objeto é impossível).
Quando nos falamos de contrariedade à lei ou não contrariedade à lei, dependendo da
perspetiva, portanto, falamos de licitude de validade ou de ilicitude como fator à
nulidade de negócio, nós estamos a falar de contrariedade à lei.
O objeto do negócio será ilícito se ele contrariar normas legais, mas não todas as
normas legais. Apenas haverá ilicitude, apenas se determinará a nulidade do negócio
jurídico, se as normas que se violarem forem normas legais imperativas.

✓ Nota: estamos a falar ilicitude num sentido mais amplo do que a


ilicitude com que nos confrontamos ao nível da responsabilidade civil
extracontratual. Ao nível desta, sabemos que a ilicitude se traduziria
na violação de direitos absolutos, na violação de disposições legais de
proteção de interesses alheios e nas situações de abuso de direito.
Temos aqui uma perspetiva restritiva da ilicitude a nível da
responsabilidade civil extracontratual. Quando nós falamos de ilicitude
do ponto de vista do objeto jurídico, nos abordamos uma conceção
ampla de ilicitude.

As partes, ao abrigo da sua liberdade contratual, podem afastar as normas


dispositivas.
Se o fim do negócio jurídico, for contrário à lei, ou seja, não é todo o objeto do negócio
que é contrário à lei, mas é apenas o fim do negócio que é contrário à lei, ele só deve
ser considerado nulo se o fim for comum a ambas as partes, e isto é o que resulta do
artigo 281º do CC.

Sabemos que não podemos ser formalistas/positivistas, portanto há determinadas situações


em que nós não temos uma violação direta de uma norma legal imperativa, mas não obstante,
essa norma imperativa é posta em causa. Também nestas situações o negócio jurídico,
considerar-se-á nulo. Ou seja, esta nulidade não resulta apenas da violação direta de uma
norma legal, nas hipóteses de negócios contra legem.

O que é um negócio em fraude à lei? É um negócio que A e B celebram, e com base no qual
tentam contornar uma proibição legal. Eles tentam chegar ao mesmo resultado que a lei
proibia, através de um caminho diferente.

Perante um negócio em fraude à lei devemos perceber se:

• A lei apenas quis proibir os negócios que especificamente previu;


• A lei proíbe esses negócios, na sua intencionalidade, queria proibir quaisquer outros
que visassem o mesmo resultado e não mencionou esses outros porque não teve
capacidade de previsão, ou então porque, apenas mencionou aqueles negócios de
forma exemplificativa;

É nesta segunda hipótese que nós efetivamente temos um negócio em fraude à lei.

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❖ Determinabilidade: o objeto do negócio jurídico deve ser determinável no momento


de celebração desse negócio, ou seja, não se exige que ele seja determinado. O que
nós temos que ter é o mínimo, e esse mínimo é que haja um critério ou estabelecido
pelo acordo das partes ou fixado na lei, que permita determinar no futuro esse objeto.
Remissão do artigo 280º para o artigo 400º.

O negócio jurídico surge como um instrumento de exercício da autonomia privada, que não é
compatível com a assunção de obrigações cujos contornos não se conhece nem se venham a
conhecer.

❖ A conformidade aos bons costumes ou a não contrariedade com os bons costumes: o


problema aqui é saber o que é que são bons costumes. Estes são um indício de
superação aos pensamentos positivistas.

Os bons costumes não equivalem aos usos dominantes, não são sinónimos de simples
costumes. Isto percebe-se, pois, muitas vezes, sobretudo em épocas de crise, os consensos
maioritários podem não nos conduzir a um ideal de justiça, que é aquele que tem de estar
presente na determinação da validade do objeto do negócio.

É difícil nos dias de hoje, concretizarmos esta clausula dos bons costumes por referência a uma
moral predominante. A jurisprudência alemã tem procurado definir a clausula dos bons
costumes por referência a uma ideia de decoro e de dignidade de todos aqueles que pensam
de forma equitativa e justa. Mas verdadeiramente, este conceito acaba por continuar a ser
muito fluido.

Então como é que nós devemos compreender os bons costumes? Como o conjunto de
referências valorativas que traduzem a matriz civilizacional a que pertencemos.

Não está aqui em causa a simples dignidade da pessoa. Aquilo de que se trata a nível dos bons
costumes é de concretizações pontuais e setoriais a nível da matriz civilizacional.

O Doutor Menezes Cordeiro entende que seriam concretizações desta clausula geral dos bons
costumes, algumas regras no âmbito do código deontológico de certas ordens profissionais.

❖ A conformidade, ou não contrariedade, à ordem publica: Mais uma vez encontramos


aqui um elemento de superação do positivismo ao nível do ordenamento jurídico,
designadamente ao nível do ordenamento jurídico civilística. Esta clausula da ordem
publica deve ser entendida como o conjunto de princípios fundamentais que
sustentam o ordenamento jurídico, e que sustentam o ordenamento jurídico civilística.
Remetem-nos em muito para aqueles princípios fundamentais de direito civil que nós
analisamos logo no 1 semestre, embora esses princípios fundamentais não esgotem
todos os princípios fundamentantes que podem ser chamados à colação quando nos
estamos a lidar com a ordem publica.

Há determinadas clausulas que são designadas por clausulas acessórias típicas. Isto porque
não são essenciais para a celebração do contrato, mas são típicas pela frequência com que são
apostas no contrato. E por serem muito frequentes, embora não essências, importa estudá-las.

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Teoria Geral do Direito Civil II

1. Condição: é uma clausula acessória típica, por meio da qual as partes subordinam a
eficácia do negócio jurídico à verificação de um acontecimento futuro e incerto. Está
prevista no artigo 270º e ss do CC. As partes vão sujeitar/submeter os efeitos do
negócio jurídico a um evento, que é um evento futuro e incerto.
Esta condição pode ser uma condição suspensiva ou pode ser uma condição resolutiva.
É suspensiva quando o negócio é celebrado, não produz logo os seus efeitos, e só
passa a produzir os efeitos se o evento condicionante se verificar, se aquele evento
futuro e incerto, previsto pelas partes, se verificar.
É resolutiva se A e B celebram o negócio, nesse está aposta uma condição, prevendo-
se que o negócio jurídico produz os seus feitos desde logo e deixa de os produzir a
partir do momento em que se verifica aquele acontecimento futuro e incerto.

Para que haja condição eu tenho que ter alguns elementos essenciais:
a. Subordinação a um evento futuro e incerto: isto parece uma repetição do
supracitado, mas não é. Porque há condições que se referem ao passado ou ao
presente, estas são improprias, ou seja, verdadeiramente não são condições.
Imaginemos que A e B celebram um negócio e no momento de celebração
combinam entre eles que aquele negócio só produz efeito quando o João se
deslocar para a figueira da foz, em trabalho. Mas a entidade patronal já o
decidiu, no passado se o João vai ser ou não transferido para a figueira. Mas
eles não tiveram tempo de verificar se a entidade patronal já tinha decidido.
Se assim for, eu não tenho uma condição verdadeira, eu tenho uma condição
impropria, porque o evento condicionante não é relativo ao futuro, é referido
ao passado, ou está já presente no momento de celebração do negócio.
Por outro lado, também não se poderá falar de condição, mas apenas de
condição impropria, naquelas situações de condições necessárias. Onde o
evento futuro se irá verificar de qualquer forma.
Por exemplo, o negócio começa a produzir efeitos se A morrer, o A vai morrer,
apenas não sabemos quando. O evento é certo, não sabemos qual o momento
dessa ocorrência.
b. A subordinação tem que resultar por vontade das partes e não pela lei: se eu
estiver perante uma condição imposta pelo legislador, não estou perante uma
verdadeira condição, estou perante uma condição imprópria.

Condição potestativa: significa que a verificação do evento condicionante fica dependente da


vontade de uma das partes.

Condição causal: na hipótese de uma condição causal, a verificação do evento condicionante


depende, ou de um facto natural, ou da vontade de um terceiro.

Dentro das condições potestativas, nós podemos ter:

❖ condições potestativas arbitrárias: o evento condicionante é um facto condicionante,


é um puro querer;
❖ não arbitrarias: se o evento condicionante for um facto com alguma seriedade.

Por outro lado, a condição potestativa pode ser:

• a parte creditoris: se o evento condicionante for um ato do credor;

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• a parte debitoris: se o evento condicionante for um facto do devedor.

Se a condição for potestativa e arbitraria à parte creditoris, ela é inútil, pois o evento
condicionante fica dependente da vontade do credor, sendo ela arbitrária é um simples
querer, um facto insignificante. O credor pode desencadear, a qualquer instante, a eficácia do
negócio. Sendo arbitraria, esse facto é um puro crer, sendo insignificante.

Por outro lado, a doutrina entende que se a condição for potestativa, arbitraria e à parte
debitoris é inadmissível. Sendo potestativa fica dependente da vontade de uma das partes,
neste caso, do devedor. Sendo também arbitrária, baseando-se num facto insignificante.

Isto quereria dizer que o negócio acabava por quase não ser vinculativo, pois o devedor por
um puro querer podia desencadear ou não a eficácia do negócio.

✓ Nota: nos contratos bilaterais, a condição nunca será verdadeiramente


arbitrária. Isto porque, o contraente que faz desencadear a eficácia do
negócio, terá sempre depois, ou não, direito a uma contraprestação.
Nunca haverá aqui um puro querer arbitrário, nunca haverá aqui algo
totalmente insignificante.

Quais são os negócios aos quais pode ser aposta uma condição? Em regra, são todos.
Resultando do artigo 405º do CC. Há porem, determinados atos que não podem ser
condicionados.

Há determinados negócios em relação aos quais, a lei proíbe a existência de uma condição
(848º, 1852/1º, 1618º/2).

✓ Compensação (artigo 848º): imaginemos que A é devedor, e B credor.


O A deve a B 3 mil euros. Simultaneamente, por um outro negócio
celebrado entre A e B, o A é credor do B em 5 mil euros. Então não faz
sentido o A pagar ao B 3 mil euros e depois pagar 5 mil euros. Fará
uma compensação e pagará 2 mil euros. Isto não é possível em todas
as situações.
À compensação não pode ser aposta uma condição.

Quid iuris se apusermos a um destes negócios uma condição?

Em regra, a sanção é a nulidade do negócio, no entanto há exceções. No caso da


compensação, a sanção é a ineficácia da compensação. Por outro lado, no caso do casamento
e da perfilhação, a sanção não é a nulidade de todo o negócio, mas é apenas a nulidade da
condição, a ideia é salvaguardar o casamento ou a perfilhação que haja sido estabelecida.

Para alem destes negócios, para os quais não pode ser aposta uma condição, porque a lei
assim o determina, há outros negócios em relação aos quais a doutrina tem entendido que
também não é possível apor uma condição. Isto porque, entende que estamos perante
negócios cuja disciplina legal procura ser garantisitca, tendo em conta a existência de uma
parte mais frágil. O legislador para proteger essa parte mais débil, para garantir ou procurar
alcançar uma igualdade material que não existe, estabelece regras protecionistas para a parte
mais frágil.

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E dentro desta logica garantistica deve-se também negar a possibilidade de uma aposição de
condição ao contrato, como por exemplo o contrato de trabalho, ou a um contrato de
arrendamento sujeito a um regime vinculistico.

Esta condição tem que respeitar determinados requisitos:

• Não pode ser contraria a lei


• Não pode ser contraria aos bons costumes
• Não pode ser contraria à ordem publica
• Não pode ser física e legalmente impossível

Quid iuris se apusermos uma condição ilícita? As condições ilícitas determinam a nulidade do
negócio- 271º/1.

No caso das condições impossíveis, temos que fazer uma distinção entre as condições
suspensivas e as condições resolutivas.

• Condições suspensivas, o negócio é nulo.


• No caso da condição resolutiva só a condição é que é nula (artigo 271º/2, 967º e
remissão para o artigo 2233º).

967º- este artigo diz respeito às condições físico ou legalmente impossíveis no que diz respeito
aos contratos de doação, e manda-nos aplicar as regras respeitantes aos testamentos,
presente no artigo 2233º. Nós temos aqui que fazer uma distinção: se a condição for
impossível, ela é nula, mas mantem-se a validade do testamento, ou da doação, a não ser que
o testador ou o doador tenham dito o contrário, ou seja, tenham dito que o testamento ou a
doação não se deveriam manter como validos.

Se a condição for ilícita, contrária à lei, à ordem publica ou aos bons costumes, a condição é
nula, o restante negócio mantém valido e o testador ou o doador não podem vir dizer o
contrário, não podem vir excluir a validade do ato.

Entre A e B foi celebrado um negócio, a esse negócio foi aposta uma condição suspensiva.
Entre o momento da celebração do negócio e a verificação desse evento condicionante, nós
dizemos que a condição esta pendente. Durante esse período de dependência, o sujeito que
adquire o direito ainda não é titular do direito, mas de uma expectativa jurídica. E aquele que
alienou o direito, A, deve agir segundo a boa-fé, ou seja, deve abster-se da prática de todo e
qualquer ato que ponha em causa o direito que vai ser adquirido pela outra parte. (ver o artigo
272º do CC, 274º, 273º).

Entretanto verifica-se o evento condicionante, sendo a nossa condição suspensiva, o que é que
acontece? Os efeitos do negócio que estavam suspensos tornam-se efetivos, ganham eficácia
retroativa (artigo 276º).

Se não se verificar a condição, os efeitos não se produzem.

No caso da condição resolutiva, o negócio produz logo os seus efeitos, mas deixa de os
produzir, e deixa de os produzir com eficácia retroativa, se se verificar o tal evento futuro e
incerto.

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✓ Artigo 275º/1/2 do CC. Vamos imaginar que o evento futuro e incerto


não se verifica nem se deixa de verificar, mas nós passamos a ter a
certeza que ele não de pode verificar.
Então é o mesmo que ela não se verifique. No entanto, o número 2
prevê a possibilidade de sabotagem da condição. Isto quer dizer que,
se aquele que vai beneficiar com a condição de acordo com o seu
comportamento contraria as regras da boa-fé e provoca a condição
da condição, então devemos concluir que ela não se verificou. Ao
invés, se contra as regras da boa-fé o sujeito impedir a verificação da
condição, então ela vai se ter por verificada. A boa-fé aqui é entendia
em termos objetivos.
A doutrina não exige uma conduta dolosa, apenas uma conduta
contrarie aquilo que seria expectável a um contraente honesto, leal e
correto.

Termo
O termo é tal como a condição, uma clausula acessória típica, nos termos da qual as partes do
contrato vão subordinar a eficácia do negócio jurídico à verificação de um evento futuro e
certo. Aqui conseguimos vislumbrar a diferença entre o termo e a condição. Na condição a
eficácia do negócio jurídico ficava dependente de um evento futuro e incerto, agora o evento
que vai condicionar a produção de efeitos jurídicos do negócio, é também futuro, mas é certo.

O termo, por seu turno, pode ser um termo certo ou pode ser um termo incerto.

O termo é certo quando à priori se sabe quando vai acontecer. Se, apesar de ser certa a
verificação daquele evento, eu não sei quando é que ela irá ocorrer, o termo diz-se incerto.

Exemplo: o negócio celebrado entre A e B, em que determinaram que o negócio jurídico


apenas produz efeitos a partir do dia 1 de julho de 2021. Temos aqui um termo, que é um
termo certo, é um evento futuro e certo, sabendo exatamente quando é que ele irá ocorrer.

Poderão também A e B estabelecer um termo que preveja o seguinte: o negócio jurídico


produz efeitos a partir do momento em que a Catarina morra. A morte da Catarina é um
evento certo, mas não sabemos qual é o momento da sua verificação. Aqui temos um termo
incerto.

Por outro lado, tal como a condição pode ser suspensiva ou resolutiva, nós também podemos
qualificar o termo como suspensivo ou inicial, ou então um termo resolutivo ou final.

Quando é que o termo se diz suspensivo ou inicial? Quando as partes estabelecem o momento
a partir do qual o negócio começa a surtir efeitos jurídicos.

Pelo contrário, o termo diz-se resolutivo ou final, se a produção dos efeitos do negócio jurídico
cessar com a verificação do termo.

Uma outra qualificação possível, permite-nos distinguir o termo como termo expresso ou
próprio, ou como termo tácito ou improprio.

Se o termo for expresso ou próprio significa que ele existe por vontade das partes. Se ele for
tácito ou improprio, significa que existe por imposição da lei.

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Ainda outra qualificação dentro do termo. O termo pode ser essencial ou pode ser não
essencial. Isto significa que se o termo for essencial a prestação deve ser efetuada até à
verificação do termo. Quid Iuris se for ultrapassada essa data ou se for ultrapassado o
momento previsto no contrato? Nesse caso, porque o termo é essencial, a não realização da
prestação é equiparada à impossibilidade definitiva da prestação, com as consequências que
nos já conhecemos para as hipóteses de impossibilidade.

O termo não essencial, é aquele mesmo que se chegue aquele momento convencionado, a
prestação pode continuar a ser efetuada depois disso.

Algumas considerações sobre o termo:

• Em regra, o termo pode ser aposto a qualquer contrato. Pois é aquilo que resulta da
liberdade contratual, esta permite-nos concluir que em regra qualquer contrato pode
ter aposto um termo. Mas há exceções. Há negócios aos quais não pode ser imposto
um termo. Por exemplo, o casamento, não se celebra um casamento a prazo.

Artigo 279º, este estabelece as regras para o computo do termo, ou seja, como é que no fundo
contamos os prazos. Este artigo é um artigo ao qual já tínhamos recorrido, ao estudar as
incapacidades. Se o António fizesse 18 anos no dia 3 de janeiro de 2021, ele só atingia a
maioridade às 24h do dia 3 de janeiro. Essa solução resulta exatamente das regras relativas ao
cômputo do termo.

Outra clausula acessória típica é chamada a clausula modal ou modo. Estamos perante uma
clausula acessória típica, esta só pode ser aposta nas doações e nas liberalidades
testamentarias, e de acordo com esta cláusula, o doador ou o testador impõe ao beneficiário
uma determinada obrigação, ou um determinado encargo. Este encargo pode ser imposto no
interesse do doador/testador, no interesse do próprio beneficiário ou no interesse de um
terceiro.

Esta clausula acessória típica não se confunde com a condição. A doutrina tem sido
particularmente cautelosa a distinguir as duas figuras.

• Quando é aposta uma condição suspensiva o negócio não produz efeitos até à
verificação do evento futuro e incerto. Quando nós estamos perante um modo, o
negócio produz automaticamente e imediatamente efeitos;
• A condição não nos obriga a nada, o modo obriga-nos à adoção de um determinado
comportamento;
• Se confrontarmos o modo com a condição resolutiva, temos que considerar que
ocorrendo o evento condicionante há automática resolução do negócio com eficácia
retroativa, portanto, todos os efeitos se destroem. Ao invés, estando em causa um
modo, se não for cumprido o encargo o disponente, ou seja, o doador ou os herdeiros,
podem requerer a resolução da liberalidade, mas só em certas circunstâncias.

Portanto temos aqui 3 indícios que nos permitem distinguir a condição do modo. Este
problema de distinção, é no fundo um problema de qualificação que o contrato tenha inserido.
Redunda num problema de interpretação do próprio negócio.

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Quid Iuris, quando apesar destes índices de diferenciação, não conseguimos distinguir a
condição do modo?

Se eu não conseguir distinguir, vou, na dúvida, qualificar aquela clausula como um modo. Isto
pelo princípio da conservação dos negócios jurídicos. Pois o negócio jurídico se mantém, ou se
mantém em mais situação e hipóteses do que se qualificássemos a clausula como uma
condição.

Quid Iuris se a clausula modal for impossível, ou seja, se a clausula modal estabelecer um
encargo que é física ou legalmente impossível?

Nesse caso, devemos considerar que ela é nula, mas que se mantém a validade do testamento
ou da doação. Porém, tal como nos tínhamos visto no caso das condições, o doador ou o
testador podem excluir a validade do ato, e, portanto, gera-se a nulidade total quer da doação
quer do testamento. (artigo 967º, artigo 2245º, artigo 2230º/1)

Se o modo for ilícito, por esta remissão em cadeia, teremos que concluir que a clausula, ou
seja, o modo é nulo, mas ao contrário daquilo ocorre no caso de clausula modal impossível, o
doador ou o testador não podem excluir a validade do ato. Não é possível excluir a nulidade de
todo o testamento, ou a nulidade de toda a doação.

Quid Iuris em caso de não cumprimento desse encargo que foi imposto?

1. Hipótese 1: O cumprimento não é imputável ao devedor, neste caso, a obrigação


extingue-se;
2. Hipótese 2: O cumprimento é imputável ao devedor, então vamos aplicar o artigo
965º (remissão para o artigo 963º/2). Já no caso dos testamentos, o direito à
resolução existe se o testador tiver determinado que ele existe, tal como no caso da
doação, ou se for lícito concluir, a partir da interpretação do próprio testamento que a
disposição testamentária não teria sido mantida sem o cumprimento do encargo. No
caso dos testamentos, porque estamos perante um negócio mortis causa, e se procura
salvaguardar até ao limite a vontade do decuiu nós vamos permitir esta resolução não
só nas hipóteses em que o testamento prevê esse direito à resolução como também,
nas situações em que a partir da interpretação do testamento eu possa concluir que a
disposição testamentaria não seria cumprida sem o cumprimento do encargo. -»
(artigo 966º, com remissão para o artigo 2248º);

Há autores que contestam esta solução.

O professor Menezes Cordeiro entende que em nome da boa-fé se deveria defender que este
direito à resolução pode existir mesmo quando o contrato não o indique, ou seja, a boa-fé
pode impor uma informação diversa daquela que o artigo 966º consagra.

Clausulas de exclusão e de limitação da responsabilidade

São clausulas acessórias típicas nos termos das quais os contraentes estipulam limitar ou
excluir a responsabilidade do devedor, pelo não cumprimento de uma obrigação. Ou seja,
perante a hipótese de surgimento de uma pretensão indemnizatória fundada no não
cumprimento do contrato, o dever indemnizatório que resultaria dessa responsabilização é

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excluído ou é limitado. Sobre esta designação comum, temos várias clausulas. Desde logo,
temos uma diferença das clausulas de exclusão e as clausulas de limitação da
responsabilidade.

As clausulas de exclusão da responsabilidade excluem/afastam totalmente toda e qualquer


indemnização. Já as de limitação da resposanbilidade apenas a limitam, pode ser no montante,
nos fundamentos, etc.

Para além dessa distinção de base, nós podemo-nos confrontar com:

• Clausulas de exclusão e limitação por atos próprios, excluiu-se a responsabilidade


sempre que ela surja de um ato meu:
• Excluem-se ou limita-se a responsabilidade por atos de auxiliares meus, eu utilizo um
terceiro no cumprimento das minhas obrigações. Eu sou responsável pelos atos deste
terceiro, nos termos do artigo 800º, e agora tenho uma clausula que exclui nestas
hipóteses a minha responsabilidade;
• Clausulas de limitação do montante da indemnização;
• Clausulas de limitação dos fundamentos da responsabilidade, uma clausula que
preveja, por exemplo, que só há responsabilidade se a atuação for com dolo;
• Clausulas de redução de prazos de prescrição;
• Clausula de redução dos prazos de caducidade.
• Etc.

Os problemas suscitados por cada um destas clausulas não são os mesmos. Estas clausulas de
limitação ou de exclusão, para além de incidirem sobre a responsabilidade contratual, podem
também incidir sobre a responsabilidade extracontratual.

O que vamos avaliar, é saber se estas clausulas são ou não são validas. Isto porque, nós somos
confrontados com o artigo 809º do CC, que nos diz que é nula a clausula pela qual o credor
renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões
anteriores em caso de incumprimento ou mora do devedor.

Quais são os direitos a que este artigo se refere? São no fundo, os direitos que o credor tem
em caso de não cumprimento, ou cumprimento defeituoso, ou mora pelo devedor. Isto é,
direito a exigir o cumprimento, direito à resolução do contrato, direito a uma sanção
pecuniária compulsória, ou direito a uma indemnização.

Alguns autores, presos ao teor literal, afirmam que estas clausulas de exclusão de
responsabilidade configurariam a uma renúncia antecipada dos direitos do credor, e por isso,
ela não poderia ser considerada valida. Havia uma exceção, prevista no artigo 800º/2.

A questão que nós temos de colocar, é se de facto este artigo 809º, em que muitos autores se
baseavam para afirmar a nulidade destas clausulas, de facto nos condena à afirmação da
nulidade das clausulas de exclusão à limitação da responsabilidade.

No entanto, há aqui algumas nuances que importa considerar.

O professor Pinto Monteiro veio logo esclarecer que o artigo 809º não abrangeria no seu
âmbito de relevância as clausulas de limitação da responsabilidade, quando muito abrangeria
as clausulas de exclusão de responsabilidade.

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Ainda o artigo 810º admite a chamada clausula penal, sendo que esta permite-nos que as
partes fixem por acordo o montante da indemnização.

▪ Exemplo: A e B apuserem no contrato uma clausula penal, que prevê uma pena de 3
mil euros em caso de não cumprimento. Vamos imaginar, na situação 1 que foram
apuados danos de 5 mil euros. A indeminização que A tira direito será 3 mil euros,
indemnização fixada. Se o dano verificado for de mil e quintos, a indeminização a que
o credor tem direito é de 3 mil euros, porque a pena é aquela.

Isto significa, que esta clausula prevista no artigo 810º, pode funcionar tanto como uma
penalidade pode agravar a indemnização devida, como pode limitar a indemnização. Assim, é
um bocado estranho que o legislador permita a limitação da indemnização através do
funcionamento da clausula penal, e vede totalmente a limitação por via de uma clausula de
limitação da responsabilidade.

Já nas clausulas de exclusão de responsabilidade, o professor Pinto Monteiro aplica a redução


teleológica do artigo 809º. Então qual é a finalidade do legislador ao estabelecer esta
proibição no artigo 809º? A proibição do legislador é evitar que seja desfigurado o sentido
jurídico da obrigação, é evitar que uma obrigação civil se transforme numa obrigação natural.

Então se assim é, esta exclusão só deve existir no que respeita às clausulas de exclusão por
dolo ou culpa grave, porque só nesses casos é que estávamos a deixar à merce das partes uma
regra que não pode ficar submetida ao seu livre-arbítrio.

Qual é a conclusão que nós podemos extrair?

As clausulas de exclusão e de limitação da responsabilidade, são validas se excluir ou limitarem


a resposanbilidade por culpa leve, se excluir ou limitarem a resposanbilidade por dolo ou culpa
grave são nulas.

Se isto e assim, num quadro de contrato de adesão, em que há fortes limitações à liberdade
contratual, seria aprofundamento estranho que num domínio de limitações menores, depois
não fossem permitidas as clausulas de exclusão e limitação de responsabilidade por culpa leve.
Esta conclusão é reforçado pelo artigo 12 e 18, alínea c, do decreto-lei 446/85- decreto lei que
regula entre nós as clausulas contratuais gerais. Isto porque o artigo 12 deste decreto-lei, vem
considerar que as clausulas contratuais gerais proibidas por este diploma são nulas nos termos
nele previsto.

Então, entre as clausulas proibidas temos o artigo 18/c a afirmar que são em absoluto
proibidas as clausulas que excluam ou limitam de modo direito ou indireto a responsabilidade
por não cumprimento definitivo, mora, ou incumprimento defeituoso, em caso de dolo ou de
culpa grave.

À contrário, eu posso concluir que elas são validas se restritas à culpa leve. Se isto é assim num
quadro de contrato de adesão em que há fortes limitações à liberdade contratual, seria
profundamente estranho que num domínio onde essas limitações são muito menores, no
âmbito dos contratos negociados, depois não fossem permitidas as clausulas de exclusão e de
limitação de responsabilidade por culpa leve.

Há determinados regimes especiais em que elas são consideradas invalidas:

▪ Razoes de ordem publica;

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▪ Razoes de proteção do consumidor.

Temos ainda que ter em conta, a particularidade das clausulas de exclusão de


responsabilização de atos por auxiliares- artigo 800º/2.

A este propósito o professor Pinto Monteiro também faz uma distinção, entre atos de
auxiliares independentes relativamente aos quais se poderia admitir a validade das clausulas
mesmo em caso de dolo, e as hipóteses de responsabilidade por atos de auxiliares
dependentes em relação as quais se haveria de cumprir as mesmas condições para as clausulas
de exclusão de responsabilidade por ato próprio.

As clausulas de exclusão e de limitação da responsabilidade extracontratual, não se integram


dentro deste artigo 809º, no entanto, também devemos considerar que as clausulas de
exclusão da responsabilidade extracontratual por dolo ou culpa grave devem ser consideradas
nulas, isto porque violam um princípio fundamental- o princípio da responsabilidade,
contrariando o fundamento do artigo 280º do CC. Além disso, devemos considerar que são
válidas as clausulas de exclusão ou de limitação da responsabilidade por culpa leve.

Clausula penal
É também uma clausula acessória típica, e no âmbito desta clausula, as partes convencionam
uma determinada prestação (que normalmente corresponde ao pagamento de uma
determinada quantia em dinheiro), que o devedor terá de realizar em caso de não
cumprimento, cumprimento defeituoso ou mora.

De acordo com a doutrina tradicional, esta clausula penal era uma figura unitária, e ela
cumpria simultaneamente duas funções:

▪ Fixar antecipadamente uma indemnização;


▪ Compelir o devedor ao cumprimento.

No entanto, a doutrina mais recente, passou a distinguir várias modalidades de clausula penal,
pois nem sempre a clausula penal cumpre estas funções em simultâneo. Cada uma destas
modalidades cumpre uma função, e a cada uma corresponde um regime jurídico diferenciado.

• Clausula de fixação antecipada de indeminização, prevista no artigo 810º: estabelece


uma pena que substitui a indemnização, porque é a própria indeminização. As partes
determinam de forma invariável e fixa qual a indemnização que o devedor vai ter de
pagar ao credor, em caso de não cumprimento, de incumprimento defeituoso ou
mora.
Com esta clausulas, as partes querem liquidar antecipadamente o dano, e querem
fazê-lo com vários objetivos. Desde logo o credor tem vantagens nisto, porque
verificado o incumprimento deixa de ter que provar o dano. O dano tem que existir,
sem dano não há direito à pena, e ele deixa de ter que provar o dano, que por vezes
pode ser difícil.
O devedor pode também pode ter vantagens nisto, pois ele sabe à priori, que
independentemente do dano que se venha a verificar o devedor sabe quanto é que vai
pagar.

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Algumas notas sobre este regime:


• Verificado o incumprimento o credor não tem que provar o dano e tem direito
à pena;
• Mas, o dano tem sempre que existir. A pena substitui a indemnização porque é
a própria indemnização;
• O credor não pode optar por exigir a indemnização nos termos gerais, isto
porque o acordo é estabelecido no interesse de ambos os contraentes;
• O credor só tem direito à pena se o devedor tiver agido com culpa.

• Clausula penal puramente compulsória: neste caso, a pena não substitui a


indeminização, a pena acresce à indeminização. O objetivo desta clausula é
exclusivamente compelir ao cumprimento. Se assim é, eu posso exigir
simultaneamente a pena e a indemnização, bem como a execução especifica do
contrato.
Posso exigir a pena mesmo que não haja dano, isto porque, ela visa compelir ao
cumprimento, e não ressarcir. Exige-se, porém, a verificação da culpa, já não agora
porque a culpa seja um pressuposto da responsabilidade.
Esta clausula penal, puramente compulsória, não está prevista no código civil, mas
considera-se que ela é válida ao abrigo do princípio da liberdade contratual. Apesar de
não estar prevista no CC, o artigo 812º configuraria um princípio de alcance geral, e
não via o seu âmbito de aplicação restrito à clausula penal de fixação antecipada de
indemnização.
• Clausula penal em sentido estrito: neste caso, a pena subsistiu a indeminização,
porque satisfaz por outra via o interesse do credor. Isto também vai ter repercussões
em sede de regime.
O credor pode optar pela pena ou pela indeminização. A pena é exigível mesmo que
não haja danos, sendo que a regra será até que esses danos não se verifiquem, pois
vai-se satisfazer por outra via o interesse do credor. Ou seja, nós estamos aqui uma
forma de satisfação alternativa do interesse do credor que não passa pela via
indemnizatória. Também não está prevista no código civil, mas tal como a clausula
penal puramente compulsória, ela é admissível ao abrigo da liberdade contratual, e
também pode ser reduzida a pena nos termos do artigo 812º.

Ineficácia e invalidade do negócio jurídico


A ineficácia, em sentido amplo, significa que o negócio jurídico não produz efeitos, ele é
ineficaz porque o negócio jurídico não produz efeitos. Mas depois nós podemos entender a
ineficácia em sentido estrito, ou em sentido próprio.

Em sentido próprio, ou sem sentido estrito, a ineficácia implica a não produção de efeitos,
por força de uma circunstância extrínseca que integra a situação complexa que deveria
conduzir à produção de efeitos jurídicos. Nós temos um negócio jurídico, estando esse
envolvido numa situação complexa, que é uma situação externa.

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Teoria Geral do Direito Civil II

Assim, para além dos elementos próprios do negócio jurídico há outros elementos que
rodeiam o negócio jurídico, e se houver algum problema numa dessas circunstâncias externas,
que integra a tal situação produtora de efeitos jurídicos, então diz-se que o negócio é ineficaz
em sentido estrito.

Nós vimos desde o início, por exemplo, quando falamos da proteção de terceiros de boa-fé e a
distinção de terceiros para efeitos de registo, afirmamos que a falta de registo retiraria a
ineficácia quanto a terceiros. Aqui não há nada que afete o negócio jurídico em si mesmo, mas
há um elemento extrínseco, que integra a tal situação complexa.

Temos assim uma ineficácia em sentido estrito.

E por isso mesmo a ineficácia distingue-se da invalidade. A invalidade traduz-se na não


produção de efeitos, resultando de uma falha de um elemento interno e essencial do negócio.

Por isso é que, quando nós nos confrontamos com o artigo 246º que fala da falta de
consciência da declaração, e da coação absoluta ou coação física, o artigo diz que o negócio
não produz efeitos. A falha encontrando-se num elemento interno e essencial do negócio
temos que qualificar está situação como uma invalidade.

Dentro da ineficácia, nós podemos distinguir uma ineficácia absoluta ou relativa.

A ineficácia é absoluta quando ela opera erga omnes, ou seja, quando é relativa a toda e
qualquer pessoa, e, portanto, ela pode ser invocada por qualquer interessado. Também já nos
confrontamos com uma situação destas- condição suspensiva.

Vamos imaginar que num negócio jurídico a qual foi aposta uma condição suspensiva, o evento
condicionante, o tal evento futuro e incerto não chega a acontecer. Assim, não produzindo
efeitos, para todo e qualquer membro da comunidade jurídica. Estamos assim, perante uma
ineficácia absoluta.

Por outro lado, a ineficácia é relativa se apenas se verificar em relação a uma determinada
pessoa, ou a algumas pessoas. E aqui fomo-nos confrontando com diversos exemplos.

Quer nas situações de abuso de representação, ou falta de poderes de representação, nessas


hipóteses nós temos aí um caso de ineficácia relativa, porque é uma ineficácia em relação ao
representado.

A invalidade, ao contrário da ineficácia, é sempre um conceito absoluto. Se o negócio é


invalido, é inválido e ponto, pois é algo intrínseco, essencial e nuclear ao negócio que está
perturbado.

Podemo-nos então centrar nesta invalidade.

Dentro da invalidade conhecemos duas modalidades: nulidade e anulabilidade.

A nulidade é mais graves que a anulabilidade.

Essa maior gravidade, vai-se traduzir em diferenças de regime. A nulidade pode será invocada
a todo o tempo, pelo contrário, a anulabilidade só pode ser invocada durante um determinado
período de tempo (um ano a conta da cessação do vicio, aplicando-se este prazo apenas caso o
legislador não tenha estabelecido algum prazo especial).

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Quando nós queremos saber qual o prazo que temos para arguir a anulabilidade do negócio,
temos que primeiro ver se o legislador estabeleceu algum prazo especial, caso não tenha
estabelecido nenhum prazo especial vamos ao prazo regra, contido no artigo 287º- um ano a
contar da cessação do vicio.

A nulidade pode ser conhecida oficiosamente, significa que o juiz, ou o notário, ou outro
funcionário publico no âmbito das funções que está a exercer, pode por sua própria iniciativa
conhecer desta nulidade. Por exemplo, a nulidade não foi invocada pelas partes, mas o juiz
apercebe-se que o negócio é nulo. Então poderá decidir o caso com base na nulidade do
negócio. Se eu pretendo que o notário outorgue uma escritura publica de compra e venda de
um imóvel. Se ele se aperceber que aquele negócio é nulo, por algum vicio que o afete
intrinsecamente, ele tem que obrigatoriamente recusar a prática do ato.

No caso da anulabilidade já não é assim, esta tem que ser invocada.

A nulidade pode ser invocada por qualquer interessado, a anulabilidade só pode ser invocada
por aquele no interesse da qual ela foi estabelecida. Esta formulação do artigo 287º, por
confronto do artigo 286º, suscita por vezes algumas dúvidas aos estudantes.

✓ Exemplo: Se eu estiver perante um negócio de compra e venda de um


imóvel feito por escrito particular, o negócio é nulo, sendo que pode
invocar a nulidade qualquer interessado. Quem é que pode ter
interesse na invocação da nulidade? Pode ter o A, pode ter o B, ou
seja, os dois contraentes. Mas pode também ter o senhor C, que é um
credor do A. Ou pode ter o senhor D que é um herdeiro legitimário de
A.

Temos aqui uma panóplia de interessados, que depois se tem que confirmar em concreto se
têm ou não interesse, mas há uma panóplia de interessados.

No caso da anulabilidade ela só pode ser invocada pela pessoa no interesse para qual a
anulabilidade foi estabelecida.

Pensemos num negócio que esta ferido por erro vicio, quem pode invocar a anulabilidade será
aquele que se enganou, será o errante. O errante, pois, porque aquela anulabilidade foi
estabelecida no interesse deste. Haverá situações em que o próprio legislador pode
estabelecer quem é que tem legitimidade para arguir a anulabilidade, por exemplo, no caso
dos menores. Nesse caso seguimos as regras especiais que o legislador estabelece, em nome
daquele princípio que afirma que a norma geral é derrubada pela norma especial.

Esta distinção entre nulidade e anulabilidade, tem que ser compreendia com alguma cautela,
nomeadamente porque o legislador tem vindo a estabelecer situações de invalidades mistas,
ou seja, situações de invalidade que cunha de nulidade ou de anulabilidade, mas que depois
em termos de regime acabam por conjugar diferentes regras de diferentes regimes.

A verdade é que, quando se diz que a nulidade é mais grave que a anulabilidade se pretende
com isto dizer, que normalmente, em via de regra, o negócio nulo não produz qualquer efeito
e que o negócio anulável pode ainda vir a produzir alguns efeitos.

A verdade é que esta afirmação não corresponde completamente à verdade, pois o negócio
nulo pode ainda produzir alguns efeitos.

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Que efeitos é que o negócio nulo pode produzir?

Ao longo deste ano de estudo de teoria geral do direito civil, nós fomo-nos confrontando com
hipóteses de produção de efeitos jurídicos por negócios nulos.

Vamos começar por um negócio nulo celebrado entre A e B, uma compra e venda de um
automóvel, sendo que B nunca tendo adquirido a propriedade, transmitiu a propriedade de C.
C que estava de boa-fé, registou, já se tendo passado 3 anos desde a celebração do negócio
invalido. O artigo 291º vai proteger o nosso terceiro de boa-fé, e assim fazer com que o
negócio nulo produza efeitos.

O mesmo se pode dizer do artigo 243º, que nos oferece um mecanismo muito semelhante
com este descrito para o artigo 291º. Contudo, específico para as hipóteses de simulação.

E podemos ainda dizer que o efeito central de registo vai possibilitar que o negócio jurídico
nulo produza efeitos.

Há determinados negócios que estão de tal modo feridos por um vicio de tal modo grave, que
não devem produzir efeitos, e é em nome dessa consciência, que parte da doutrina
autonomizou uma outra categoria. Outra categoria, com qual nós nos confrontamos já, mas
que, não obstante não gera unanimidade na doutrina- a inexistência. Falámos já de
inexistência nas situações de coação física, e também quando falamos da falta de consciência
da declaração naquelas hipóteses em que falamos na falta de vontade da declaração. E
falamos também de inexistência a propósito das declarações não sérias.

A inexistência foi autonomizada em França a propósito do casamento, visando encontrar uma


solução para fazer face às situações em que era celebrado um casamento entre pessoas do
mesmo sexo, ou em que era celebrado um casamento e não havia consentimento de um dos
nubentes, e, portanto, não era possível considerar que havia efetivamente casamento.

A verdade é que, se a categoria foi pensada primeiramente para o casamento, depois viu
alargada a sua influência para o direito civil. E hoje em dia é aceite como uma categoria em
termos genéricos, não apenas especifica do direito da família, mas abrangente de todo o
direito civil, com um local especial ao nível do estudo de teoria geral do direito civil.

Nem todos os autores aceitam a autonomização da inexistência como possível sanção da


verificação de uma falha no negócio jurídico. Há autores que entendem que apenas existe a
nulidade e a anulabilidade. Em face desta controvérsia, aquilo que parece à Doutora Mafalda é
que de fato faz sentido nós continuarmos a autonomizar esta inexistência. Porque há
determinados casos que são de tal modo graves que não se pode verdadeiramente falar de
negócios jurídicos, aquilo que existe é uma determinada aparência de negócio, mas a essa
aparência não corresponde o corpus e a materialidade necessária para que se possa falar
efetivamente de negócio jurídicos.

Isto acontece sempre que falha um elemento essencial do negócio, e pode falhar esse
elemento essencial do negócio ou porque ele efetivamente não existe ou porque a sua mera
presença acaba por não ser materializada.

É de notar que quando queremos aplicar o artigo 291º, este artigo não é aplicável se aquele
primeiro negócio da cadeia de transmissões for um negócio inexistente.

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É necessário autonomizar a inexistência como categoria jurídico, porque o negócio nulo e


anulável podem ainda produzir determinados efeitos.

Para além destes efeitos residuais e laterais do negócio jurídico, todos os outros efeitos são
destruídos. A declaração de nulidade e de anulabilidade têm eficácia retroativa, é o que resulta
do artigo 289º do CC. Ou seja, vamos repristinar o status quo.

• Exemplo: A vendeu a B um automóvel, e no âmbito de execução desse contrato, A


tinha entregado o automóvel a B e B tinha pagado o preço a A. O que é que agora vai
acontecer uma vez declarado nulo este negócio? o A vai ter que devolver o dinheiro a
B, e B vai ter que devolver o automóvel a A. Abrem-se as portas àquilo que se designa
de relação de liquidação. A relação de liquidação tem uma estrutura inversa à relação
jurídica que foi anulada ou declarada nula. Envolve um cumprimento de prestações
idênticas às que conformam o tipo contratual em causa.
As prestações aludidas são exatamente as mesmas que integram o tipo contratual da
venda, só que o tipo de prestação agora é inverso.

Há situações, porém, em que não é possível a devolução da coisa, objeto do negócio. Desde
logo, estarão aqui em causa situações em que havendo uma cadeia de transmissões aquele
bem já foi alienado a um terceiro. E esse terceiro, vai ser protegido pelo artigo 291º, por
exemplo. Mas também há situações em que o bem não existe, já pode ter sido consumido, ou
destruído. Então, nestas situações porque o comprador não pode entregar a coisa deve
entregar o valor correspondente ao que tinha que devolver.

Por outro lado, o número 2 do artigo 289º, diz que se a coisa tiver sido alienada
gratuitamente, e não podendo, tornar-se efetiva a restituição do valor dela, tem que ser
devolvido o valor correspondente ao seu enriquecimento- que pode ser menos.

E o número 3 do artigo 289º manda aplicar o disposto nos artigos 1069º e ss. Imaginemos que
aquele que tem de devolver, por exemplo, o automóvel, se estiver de boa-fé não vai responder
pela deterioração ou destruição dela. E há coisas que geram frutos naturais e geram frutos
civis- traduzem-se nos rendimentos da coisa que não se gerem naturalmente.

Há outras situações, em que pela natureza do próprio negócio, esta eficácia retroativa não se
pode cumprir. Quando não se possa cumprir nós vamos apenas restituir o valor da coisa
correspondente, mas já não estamos aqui naquelas hipóteses em que a coisa foi
destruída/danificada. Estamos aqui a falar de situações em que a própria natureza do negócio
jurídico torna inviável esta restituição.

Estas situações são diferentes porque podem ar origem à chamada compensação de créditos.

• Exemplo: A e B celebraram um contrato de arrendamento. Esse contrato de


arrendamento veio a ser declarado nulo. A nulidade tem eficácia retroativa. As
prestações típicas deste contrato arrendamento: o A, senhorio, tem que fornecer o
gozo da coisa ao B, e o B paga rendas.
Vamos imaginar que entre o momento de celebração do contrato e o momento que
foi considerado nulo, medeia um período de 3 anos. Durante estes 3 anos A recebeu
rendas e B usufruir da coisa. Agora temos de destruir retroativamente isto, e temos de
repristinar a situação anterior à celebração do contrato, como é que vamos fazer isto?

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A vai ter de devolver as rendas a B, e o B como é que devolve o gozo da coisa? é


impossível. B terá assim de devolver o valor correspondente ao gozo da coisa, isto é, o
valor das rendas. Era um “toma lá dá cá” sem sentido.
Assim opera-se uma compensação dos créditos, o senhorio não devolve as rendas
porque o B não pode devolver o gozo da coisa, e, portanto, aparentemente não há
aqui eficácia retroativa.

Depois, há outros negócios que pela natureza dos próprios bens envolvidos é obvio que não
pode haver essa eficácia retroativa. Vamos imaginar que A e B celebraram um contrato de
compra de um rim de B. Este negócio é nulo porque é contrário aos bons costumes, o que
determina a nulidade nos termos do artigo 280º do CC. A declaração de nulidade tem eficácia
retroativa, o A terá que devolver a B a quantia que pagou a título de cumprimento do
contrato, simplesmente não é viável exigir ao B a devolução do rim. Seria absurdo porque
poria em causa a tutela de personalidade, e o sentido axiológico do próprio direito civil.

Se na situação anterior nós tínhamos uma aparente falta de retroatividade, porque ela
efetivamente existia, agora aquilo que nós temos é uma retroatividade que é travada pelos
princípios fundamentais do ordenamento.

Há outros efeitos que o negócio jurídico nulo pode produzir: a redução e a conversão dos
negócios jurídicos.

A redução dos negócios jurídicos esta prevista nos artigos 202º do CC. Nós estamos a
considerar que são nulos ou anuláveis, mas apenas em termos parciais, e portanto como a
invalidade apenas diz respeito a parte do negócio, o legislador diz que nós apenas podemos
aproveitar a restante parte.

Vamos partir de dois princípios:

1. Divisibilidade do negócio jurídico;


2. Princípio do aproveitamento dos efeitos do negócio jurídico

Só não haverá redução, se a outra parte que se opõe à redução vier provar que não teria
concluído o negócio sem a parte viciada.

Exemplos de hipóteses de redução do negócio jurídico:

• Vamos pensar que o A vendeu a B um terreno, com 600 metros quadrados. Mais
tarde, descobre-se que afinal A apenas é proprietário de 400 metros quadrados.
Temos aqui um terreno, objeto de um negócio jurídico, em que 400 metros quadrados
são efetivamente propriedade do vendedor, 200 metros quadrados não pertencem ao
vendedor.
Relativamente a estes 200 m quadrados temos uma venda de coisa alheia, que é nula.
Mas nós não temos que considerar que todo o negócio jurídico é nulo, pois há
efetivamente 400 m quadrados que pertenciam ao sujeito. Então vamos reduzir o
negócio jurídico, e reduzindo o negócio jurídico nós passamos a ter um negócio valido
de 400 metros quadrados e depois, temos um negócio nulo por venda de coisa alheia
relativo a 200 m quadrados. Com isto nós estamos a salvar aquele negócio jurídico, ou
parte daquele negócio jurídico.
A contraparte poderia vir provar que sem aqueles 200 m jamais teria celebrado o
negócio.

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Portanto, a única forma de nós obstarmos à redução é provar que a vontade hipotética das
partes é contrária a essa redução. Notem, porém, que há situações em que essa prova é
produzida e, não obstante, terá que haver obrigatoriamente redução do negócio. Acontece
isto quando tal for imposto pela boa-fé, é o que resulta da matéria da integração do negócio
jurídico, que consta do artigo 239º do CC.

Há ainda outras hipóteses em que a redução é obrigatória, ou seja, mesmo que a vontade
hipotética apontasse no sentido da invalidade total do negócio esta redução tem que ter lugar,
e, portanto, temos que aproveitar aquele ou, parte daquele negócio.

1. Redução teleológica: esta redução não tem nada a ver com um dos resultados
interpretativos estudado na Introdução ao Direito (extensão teleológica e redução
teleológica). Esta redução teleológica surge naquelas situações em que a invalidade
parcial resulta da infração de uma norma, que tem como finalidade proteger uma das
partes contra a outra.
Pensemos no âmbito de um contrato de arrendamento, ou no âmbito de um contrato
de trabalho, são contratos que têm regimes protetivos da parte considerada mais
fraca. Eu tenho normas que visa proteger a parte mais fraca, e quando violadas geram
muitas vezes a nulidade, estabelecida para proteção da parte mais fraca. Não sendo
possível, que o senhorio que viola uma norma de ordem publica cujo intuito era
proteger o arrendatário, que agora se venha ele próprio se opor à redução do negócio.
nesse caso, a redução teleológica terá que ter lugar.
2. No âmbito dos contratos de adesão, quando haja violação daquelas clausulas, ou
quando haja uma clausula abusiva, nós não vamos considerar todo o contrato invalido,
vamos apenas considerar a clausula invalida e expurgá-la. Obrigatoriamente eu tenho
aqui uma redução. A finalidade é, mais uma vez, a proteção da parte mais fraca, a
proteção do consumidor.

Para além da redução, podemos ter ainda lugar à conversão- artigo 283º. O que é que se
questiona ao nível deste artigo 293º? Uma vez declarado nulo o negócio, ou uma vez sendo
anulado o negócio, se pode reconstituir um outro negócio jurídico a partir dos elementos do
negócio invalido.

• Exemplo: A e B celebraram um contrato de compra e venda de um imóvel por escrito


particular. Qual é o valor deste negócio? É nulo por falta de forma. No entanto,
podemos convertê-lo/transforma-lo num contrato promessa de compra e venda-
artigo 410º. Não se exigindo para um contrato de compra e venda de um imóvel, a
escritura publica ou escrito particular autenticado, bastando-nos um escrito particular
assinado pelas partes. Se assim é eu posso transformar este negócio, aproveitando os
elementos daquele negócio que era nulo.

Há, porém, uma outra perspetiva com que se pode olhar para a conversão do negócio jurídico,
a perspetiva do Professor Menezes Cordeiro. Que nos diz que sempre que se verifica uma falha
que determine a anulabilidade ou a nulidade do negócio jurídico, esta conversão pode ser
determinada pela interpretação que se faça do negócio jurídico. Ou seja, a interpretação do
negócio jurídico leva-nos a olhar para aquele negócio jurídico que foi celebrado, não no
sentido do negócio invalido, mas num sentido de um negócio que tenha um conteúdo que não
suscite problemas de validade.

Quais são os requisitos para a conversão do negócio jurídico:

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• a manutenção dos requisitos de forma e de substância para a validade do negócio


subsequente;
• a prova de que a vontade hipotética conjuntural das partes aponta no sentido da
conversão.

É de reparar que aqui há uma inversão subjacente à logica relativa à redução. Enquanto na
redução nós partimos do princípio da divisibilidade do negócio, e, portanto, a regra é a
redução exceto, se se vier provar que a vontade hipotética conjetural é contrária a essa
redução. Aqui só pode haver conversão se eu provar a vontade hipotético conjetural, no
sentido da conversão.

Mas tal como na redução, há situações em que a conversão pode ser obrigatória. Quais são
essas situações? São as situações em que a boa-fé o imponha.

Fundamentamos estas hipóteses no artigo 239º, que nos fala da integração do negócio
jurídico, e no artigo 334º do CC.

Haverá situações em que o negócio é totalmente válido e eficaz, mas não obstante há um dia
em que o contrato termina porque, como tudo, os contratos conhecem um fim.

Formas de cessação dos efeitos do negócio jurídico


Nós somos confrontados com diversas formas de cessação do negócio jurídico, sendo que
nesta matéria existe muita ambivalência no nosso, e em vários, ordenamentos jurídicos. Trata-
se no fundo de uma matéria não muito sedimentada pelo legislador, e depois começamos a
ser contaminados por muitas diretivas europeias que tiveram que ser transpostas, e na sua
transposição nem sempre tiveram em conta o rigor das categorias jurídicas. E assim, por vezes,
encontramos a utilização de algumas destas categorias num sentido improprio.

Entres estas formas de cessação vamos falar de 4:

1. Resolução: está prevista nos artigos 432º e ss. é admitida com base num fundamento
previsto na lei, ou em convenção das partes, e os seus efeitos são equiparados à
nulidade ou à anulabilidade, ou seja, têm eficácia retroativa. Contudo, esta eficácia
retroativa pode ter exceções. Não haverá retroatividade se contrariar a vontade das
partes, ou se contrariar a finalidade da resolução. Por outro lado (número 2 do artigo
434º) os contratos de execução continuada ou periódica, ela não vai afetar as
prestações já efetuadas;
2. Revogação: implica a cessação dos efeitos do negócio jurídico, com base na vontade
das partes, ou com base num fundamento previsto na lei. Esta revogação tem eficácia
ex nunc, ou seja, apenas tem eficácia para o futuro.
3. Caducidade: a caducidade ocorre quando ocorre um facto a que a lei atribui eficácia
extintiva (1051º);
4. Denuncia: a denuncia traduz-se na faculdade que um contraente tem de fazer cessar
os efeitos do negócio mediante mera declaração. Na maior parte das vezes, não é
sequer necessário, invocar para este efeito qualquer fundamento, então fala-se uma
denuncia ad nutum. Em nome da proibição de vínculos perpétuos criou esta figura da
denuncia, através de uma mera comunicação à contraparte eu possa fazer cessar os
efeitos do contrato, na maioria das vezes, sem necessidade de qualquer fundamento.

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Hipóteses Práticas
Bernardo, conferindo a Carlos plenos poderes de disposição em relação a bens moveis
e plenos poderes de administração dos seus bens. Carlos em março de 2020, vendeu
em nome de Bernardo a Miguel um apartamento, e arrendou um outro apartamento
de Miguel pelo prazo de 3 meses a Filipe. Qual o valor dos atos celebrados?
Quid Iuris?
Estamos no âmbito da representação, a atuação em nome de outrem. Quem atua aqui
é o Carlos, mas os efeitos jurídicos irão produzir-se automaticamente na esfera jurídica
de Bernardo. Para alem, de haver essa atuação em nome de outrem é necessário que
haja legitimação representativa, através de um ato que é a procuração.
A procuração é um negócio jurídico unilateral, não receticio que tem como
destinatário um terceiro, com quem o negócio vai ser celebrado (Miguel e filipe, e
todos os outros terceiros com quem Carlos venha a celebrar o negócio em nome de
Bernardo).
Estamos aqui perante uma representação sem poderes. O valor deste negócio será
ineficaz em relação ao representado. O negócio, é valido, mas para Bernardo tudo se
passa como se aquele negócio não existisse. Gera-se responsabilidade de Carlos, este é
responsável perante Miguel. Carlos vai responder pelo interesse contratual negativo,
se desconhecia com culpa a falta de poderes de representação. Se ele conhecia a falta
de poderes de representação, vai responder pelo interesse contratual positivo.
No segundo ato, o negócio vai ser eficaz porque Carlos tem amplos poderes de
administração sobre todo o património de Bernardo. Um negócio de mera
administração é aquele que corresponde a uma gestão prudente e comedida, não
envolve grandes riscos, nem a potencialidade de grandes ganhos. De for um negócio
de disposição, potenciará eventual grandes ganhos, mas envolves riscos e riscos
consideráveis. Há determinadas situações em que é o legislador que nos diz se é um
ato de mera administração ou disposição.
Este arrendamento é um ato de mera administração, sendo assim um negócio eficaz,
estando dentro dos poderes conferidos a Carlos. (1024º/1)

António, celebrou com Pedro um contrato promessa de compra e venda de um


apartamento. Em abril de 2020, António outorgou uma procuração conferindo a filipe
amplos poderes para a prática de atos de disposição sobre bens moveis e imoveis. Em
maio de 2020, filipe vendeu em nome de António, à sociedade X de que é sócio-
gerente e representante um automóvel de António.
Ainda em maio de 2020, Filipe, vendeu a Pedro também representado por si o
apartamento objeto do contrato promessa.
Quid Iuris?

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Teoria Geral do Direito Civil II

Aqui temos um negócio consigo mesmo. Se nos reduzirmos ambos os negócios ao


mínimo comum, encontramos Filipe. Há aqui necessariamente um conflito de
interesses. Ele não vai estar a salvaguardar o interesse de António.
O negócio é assim anulável, de acordo com o disposto do artigo 261º do CC.
No segundo caso, temos de igual modo um negócio consigo mesmo. Neste caso, não
temos um conflito de interesses, pois já havia sido celebrado um contrato promessa. Já
se tinha estabelecido quando, por quanto, etc. Assim não fará sentido aplicar a
proibição de acordo com o artigo 261º.

António outorgou uma procuração conferindo plenos poderes de administração e


disposição a Bernardo. Nessa mesma procuração autorizou Bernardo a celebrar
negócios consigo mesmo. Um mês depois, Bernardo, em nome de António vendeu a si
mesmo, um automóvel por um preço 30 vezes inferior ao preço de mercado.
Quid iuris?
O negócio consigo mesmo, é em regra anulável. No entanto há exceções, ele será
valido se for expressamente autorizado. Contudo, apesar de ter sido autorizado a
celebrar negócios consigo mesmo, Bernardo não podia descurar completamente a
intenção de António. Esta discrepância de valores traduz-se num atentado ao princípio
da boa-fé.
Temos uma situação em que o Bernardo atua formalmente ao abrigo dos poderes de
representação que lhe são conferidos, mas materialmente contraria a intencionalidade
da representação, abusa desses poderes de representação. nós aqui temos um
problema de abuso de representação. a solução seria totalmente diferente se aquela
procuração tivesse sido outorgado no interesse do representante. Nós só chegamos a
esta hipótese ao abuso de representação, porque os poderes foram conferidos no
interesse do representado.
A consequência do abuso de representação será a ineficácia se a outra parte conhecia
ou devia conhecer o abuso. Como a outra parte é o próprio representante, obviamente
que este requisito está preenchido.

António, outorgou uma procuração conferindo poderes de disposição sobre bens


moveis e imoveis a Bernardo. Esta procuração foi celebrada por escrito particular não
autenticado. Munido dos poderes de representação que lhe foram atribuídos,
Bernardo vendeu em nome de António um apartamento ao Carlos. E vendeu em nome
de António, um automóvel a Francisco.
Pronuncie-se sobre a validade destes negócios.

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Vamos reduzir este negócio jurídico, para tentar aproveitar de algum modo a
procuração. Vai valer como procuração que outorga poderes de disposição sobre bens
moveis. Não haverá assim representação legitimária originária.
Caso não haja ratificação, o negócio é ineficaz.
Na segunda hipótese, Bernardo em nome de António vendeu ao francisco um
automóvel. Este negócio é valido eficaz.

António livreiro do Porto, acordou com Bernardo a venda do único exemplar de uma
edição rara de os Maias de 1988. Ao contactar com a livraria, foi informado que tal
exemplar foi destruído por um incendio na véspera.
a) qual o valor do contrato
b) qual o valor do contrato se este se referisse a um exemplar recente de “Os Maias”
é nulo por impossibilidade física, pois no aquando da celebração do negócio o livro já
não existia.
Na alínea B, o negócio é valido porque não há uma situação de impossibilidade física. A
impossibilidade física tem de ser objetiva, e não subjetiva. Neste segundo caso, mesmo
que ele não tenha no armazém em stock aquele livro, ele tinha como o arranjar.

António, grande admirador do celebre viajante Marco Polo, ficou entusiasmado


quando Bernardo lhe propôs vender por 1000 euros uma folha escrita pelo punho de
Marco Polo. Mais tarde, apercebe-se que o escrito não era de Marco Polo, mas de
Marco Paulo, canto popular português.
a) pode desvincular-se?
b) se Bernardo tivesse dito Marco Paulo, mas António tivesse entendido marco polo, e
tivesse dito aceito, a solução seria a mesma?
c) a solução seria a mesma se em vez de dizer “sim, aceito”, dissesse “aceito comprar o
escrito de Marco Polo”?
Quid Iuris?
Estamos aqui perante um erro sobre o objeto, um erro vicio. Para ser relevante tem
que ser essencial e próprio. Nós temos que ver se António teria comprado aquele
manuscrito se soubesse que não era de Marco Polo.
O erro é assim essencial.
O erro também será próprio pois não incide sobre nenhum requisito de validade legal.

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É ainda necessário que António conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade


ou elemento sobre a qual incidiu aquele erro.

b) aqui nós temos uma divergência entre aquilo que ele diz e aquilo que ele quer dizer,
estamos perante um erro obstáculo ou erro na declaração.
Devemos agora aplicar o artigo 247º, para averiguar se António teria de conhecer a
essencialidade sobre a qual incidiu o erro.

c) estamos perante uma situação de dissenso. O negócio não será válido,


independentemente de outros requisitos.

António vendeu a Bernardo uma serigrafia de Picasso, pelo valor de mercado de 30 mil
euros em janeiro de 2020. O contrato pretendia ocultar a doação do referido quadro.
a) podem os filhos de António invalidar o negócio?
b) podem os credores de António impugnar o negócio?
c) qual o valor da doação? Seria possível pedir a transmissão da propriedade para
Bernardo?

a) aqui a primeira questão que se tem de colocar, é saber qual é o eventual


fundamento da invalidade deste negócio. Isto é, uma simulação. Isto porque estamos
perante uma divergência entre a vontade e a declaração, sendo esta intencional,
resultando num conluio entre o declarante e o declaratário com vista a enganar
terceiros. O valor do negócio simulado é a nulidade nos termos do artigo 240º/2.
Mesmo que este negócio tenha causado prejuízo, se não foi feito com intuito de
prejudicar os herdeiros legitimários, os filhos, então não podem em vida do simulador
invocar a nulidade.

c) aqui qualifica-se o negócio como uma simulação relativa, assim por detrás do
negócio simulado existe um outro negócio real ou dissimulado. Sendo o valor do
negócio real, em geral, ser valido ou invalido consoante o tratamento que teria se não
estivesse escondido. Temos que aplicar este critério à doação, ou seja, temos que
olhar para a doação como olhamos para qualquer outro negócio jurídico.
Em termos materiais, pelo que o enunciado nos diz, não há nada que afete este
negócio. mas o artigo 241º diz-nos mais alguma coisa, se o negócio for de natureza
formal só e valido se obedecer aos requisitos que a lei determina para a sua validade.

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Teoria Geral do Direito Civil II

Nós temos que olhar para este negócio do ponto de vista formal, não só do ponto de
vista substancial.
Artigo 247º
A tradição da coisa: entrega da coisa.
Substancialmente não há nada que afete esta doação, formalmente depende de ter
havido ou não tradição da coisa, entrega da coisa. se ele tiver entregado a dita
serigrafia, então não há problema, caso não tiver entregado a serigrafia então já
poderá haver problema. Isto porque seria necessário um escrito particular, e esse pode
não existir porque o enunciado não nos esclarece esse ponto.
Se nós constatarmos uma falha na forma, significa que este negócio dissimulado
também é nulo por vicio de forma.

Vamos imaginar agora que António declarou vender a dita serigrafia a Bernardo, não
tendo real intenção de o fazer. Mas apenas, para enganar a sua contraparte que
insistia em adquirir aquele bem e, portanto, não parava de o atormentar.
Quid Iuris?
Estamos perante o regime da reserva mental.
Em regra, a reserva mental é irrelevante, não afeta a validade do negócio, em nome
das espectativas da contraparte. Mas, ela pode ser relevante quando seja conhecida
da contraparte. Se ela for conhecida vai-se aplicar o mesmo regime que se aplicaria na
hipótese de simulação. Significa isto que, se essa reserva mental for conhecida de
Bernardo, que o negócio é nulo.
Tudo dependeria de saber se aqui Bernardo tinha ou não conhecimento dessa
simulação.

António declarou vender a Bernardo a referida serigrafia porque temia que Bernardo,
seu superior hierárquico, conhecido pelo seu temperamento colérico, pudesse de
alguma forma prejudicá-lo caso reusasse celebrar o negócio.
Quid Iuris, sabendo que hoje António se quer desvincular do contrato, uma vez que
Bernardo passou a trabalhar noutra empresa do grupo.
O problema que aqui se coloca, já não um problema entre a vontade e a declaração,
mas a propósito da formação da vontade, mas a vontade pode não ter surgido de um
modo natural e de um modo são. Coloca-se o problema de saber se eventualmente
poderíamos estar aqui perante uma hipótese de coação moral, receio de um mal com
que o declarante é ilicitamente com vista a extorquir dele uma determinada
declaração negocial. No caso concreto, falha na existência de uma ameaça ilícita. Isto

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porque a ilicitude se traduz ou na ilegitimidade dos meios utilizados, ou então a


ilegitimidade da prossecução de um determinado fim através de um determinado
meio.
Haveria com certeza coação moral, se o seu superior hierárquico dissesse “se não me
venderes a serigrafia a X euros, eu vou promover o teu despedimento”.
No caso concreto, nós não estamos perante uma ameaça ilícita, apenas uma mera
situação de temor reverencial, ele não quer desagradar o seu superior hierárquico.
Logo, a conclusão é que o negócio será válido.

Imagine agora, que depois de celebrado o contrato se descobre que a referida


serigrafia, não era de Picasso, mas de um autor desconhecido.
Sendo Bernardo perito em arte, poderia pretender desvincular-se do negócio?
Temos aqui um erro vicio, pois não há qualquer divergência entre a vontade e a
declaração, mas há novamente uma vontade que não foi formado de um modo
natural, ou de um modo são. Esta má formação da vontade resulta de uma incorreta
representação da realidade. Ao resultar de uma incorreta representação da realidade,
coloca-se o problema da validade do negócio de acordo com o erro vicio. Para que o
negócio seja invalido é necessário que se cumpram dois requisitos gerais de relevância:
a essencialidade e a propriedade, e necessário que se verifique o requisito específico
daquela modalidade erro vicio.
Sendo o erro sobre o objeto, vamos ter que aplicar o artigo 251º que nos remete para
o artigo 247º, e que exige que o declaratário tenha conhecimento ou cognoscibilidade
da essencialidade do elemento sobre o qual incide o erro.

Vamos classificar diversos negócios jurídicos:


1. Mútuo: um contrato, pois necessitamos de duas declarações negociais, uma
proposta e uma aceitação, dentro dos contratos, é um contrato unilateral pois
gera obrigações apenas para uma das partes, de restituir e de pagar juros, no
caso de ser um mútuo oneroso. Este contrato unilateral poderá ser gratuito ou
oneroso (mútuo celebrado com o banco, pois há a existência de duas
atribuições patrimoniais que estão unidas por um nexo de correspetividade),
dependendo da situação.
2. Swap de taxa de juro: é um negócio aleatório. Vamos imaginar que o A
contratou com o banco, um crédito à habitação. Neste empréstimo qual é a
obrigação com que o A fica? Fica com a obrigação de entregar ou devolver o
dinheiro, e pagar juros. Estes juros podem ser calculados de duas formas. Ou
são calculados com uma taxa fixa, pode ser ainda calculada de acordo com uma
taxa variável. Esta taxa variável encontra-se com base em dois elementos, por

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um lado os chamados spread (traduz-se no valor do risco que o próprio banco


corre), e a este spread junta-se um outro valor chamado Euribor (juros de
referência calculados a nível europeu). A Euribor muda, por isso é que esta taxa
é sempre variável.
Vamos imaginar que quando foi celebrado este mútuo a Euribor situava-se no
1%, pagaria assim de juros 3%. Acontece que, começam a surgir uns boatos que
agora fruto da pandemia, vai deixar de haver uma política de aquisição de
divida por parte do banco central europeu, e que os juros vão subir
exponencialmente. O senhor A começa a ter medo, porque ele conseguia pagar
este empréstimo com uma taxa de 3%, mas se os juros subirem muito vai ficar
asfixiado financeiramente. Assim, dirige-se ao banco e propõe a permuta desta
taxa variável, que resulta nestes 3%, por uma taxa fixa de 5%. Ficando a pagar
mais, mas acautela-se da subida exponencial da taxa de juro.
Há aqui algo de aleatório, porque pode acontecer que os juros não subam, ou
pode acontecer até que ela desça. Se ela não subir, ou se ela descer, o senhor A
vai perder, pois vais estar a pagar mais do estaria a pagar ao banco. Já se a taxa
de Euribor subir para os 7%, aí ele já estaria a ganhar.
Então nós temos aqui um contrato, pois envolve na sua formação duas
declarações negociais de sentido oposto, mas convergente- uma proposta e
uma aceitação. E este contrato é um contrato aleatório, pois a onerosidade
deste contrato resulta da submissão a uma aleá, a um risco de ganhar ou de
perder, ou seja, apenas uma das partes vai efetuar uma prestação, mas não se
sabe qual delas é que o fará.
3. Doação: contrato unilateral, onde temos que ter uma proposta e uma
aceitação, gratuito (facto de um sujeito ter uma intenção de liberalidade, de
beneficiar a contraparte).
4. Testamento: negócio jurídico unilateral, mortis causa, pois apenas vai produzir
efeitos depois da morte do decuius. Este negócio mortis causa, apresenta duas
características essenciais, umas delas é a livre revogabilidade até à morte do
testador, ele pode revogar o negócio sem qualquer consequência, pois não há
expectativas da contraparte. E segundo, todos os efeitos são produzidos
apenas depois da morte. Para além disso podemos dizer que é um negócio fora
do comércio jurídico, este negócio pelas suas características intrínsecas está
fora do comércio jurídico no sentido em que nós não temos uma contraparte
cujas expectativas jurídicas tenham de ser acauteladas. Daí que depois haja
vários desvios em matéria de divergência da vontade e da declaração, quando
lidamos com o testamento. Na interpretação do testamento iremos adotar uma
posição mais subjetiva, isto entende-se exatamente por ser um negócio fora do
comércio jurídico.
5. Compra e venda de um imóvel: contrato bilateral, gerando obrigações para
ambas as partes. Quanto à constituição é consensual, bastando-se com as
declarações de ambas as partes. É real quanto aos efeitos. Quanto à forma, é
formal não consensual. É oneroso, inter vivos, sendo ainda um negócio de
disposição pois envolve uma alteração do património do sujeito.
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6. Procuração: negócio jurídico unilateral não receticio, que tem como


destinatário o terceiro com quem o representante vai celebrar o negócio em
nome do representado.
7. Confirmação: é um negócio jurídico unilateral não receticio
8. Locação por 7 anos: contrato oneroso, bilateral, negócio de disposição. Caso
fosse uma locação por 5 anos, era um negócio de mera administração.
9. Penhor: é um contrato, real quanto aos efeitos.

António celebrou com Teresa, proprietária de um antiquário, um negócio de compra e


venda de uma gravura antiga de que necessitava para a sua galeria de retratos de reis
de Portugal. Enquanto escolhia a gravura, explicou a Teresa que apenas adquiria
gravuras originais da época e não reproduções das mesmas, para não desvalorizar a
sua coleção. Ao fim de uns meses, apos uma análise atenta da gravura, António
percebe que se trata de uma cópia recente.
a) poderá desvincular-se do negócio, sendo certo que teresa desconhecia por
completo que se tratava de uma reprodução?
b) a solução seria a mesma se António pretendesse desvincular-se do negócio por ter
percebido que por lapso seu, tinha comprado uma gravura de D. Afonso V quando
aquela que lhe faltava era de D. Afonso IV?

a) este caso envolve um problema de erro vicio, ele diz que quer comprar aquela
gravura, sendo efetivamente isso que quer. No entanto, apenas a quer comprar
porque acha que a gravura é original. O erro vicio deve ser essencial e próprio, e este
vicio incide sobre as características intrínsecas do objeto. Por isso, estamos perante
um erro sobre o objeto, que nos termos do artigo 251º do CC, conjugado com o artigo
247º, determina a anulabilidade do negócio. Teresa não desconhece o erro ou a
cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro, sendo
assim o negócio é anulável.

b) Aqui ele diz uma coisa, e quer dizer outra, tendo por isso aqui presente um erro
obstáculo que resulta de um lapso. António declara X, a contraparte entende também
X, não há qualquer dissenso. O problema é que o dissenso que existe é entre aquilo
que ele diz e aquilo que ele quer dizer. Temos um erro obstáculo, ou erro na
declaração.
A doutrina tem vincando e evidenciado, que nem sempre é fácil distinguir o erro vicio
que recai sobre a identidade do objeto, do erro obstáculo ou erro na declaração. Em
termos práticos isto não nos aflige muito, porque o artigo 251º que prevê o erro vicio
sobre o objeto ou sobre a pessoa do declaratário acaba por nos remeter para o mesmo
artigo- 247º, o mesmo regime.

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Miguel convenceu Pedro, que Maria era filha de um grande amigo de infância que,
entretanto, tinha falecido em condições trágicas. Fê-lo por pretender que Pedro,
celebrasse um contrato de seguro de vida, que tivesse como beneficiaria Maria. Algum
tempo depois, Pedro descobre que Miguel o tinha enganado, e que Maria era uma
perfeita desconhecida. Pretende por isso, desvincular-se do negócio. poderá fazê-lo?
Temos presente um contrato de seguro de vida, sendo um contrato aleatório com
duas prestações pecuniárias, só que uma é fixa no seu montante e outra é incerta no
seu montante. Este celebrado entre Pedro e a seguradora, a companhia de seguros. A
maria surge aqui como beneficiaria do seguro, aparecendo ainda Miguel que vai
convencer Pedro que a Maria é uma pessoa que não é. E é por estar convencido que a
Maria é uma pessoa que não é, que Pedro celebra este contrato.
Nitidamente há uma má formação da vontade, a vontade não foi celebrado de um
modo natural ou de um modo são. Mas de todo o modo, este erro não é um erro em
que o Pedro incorra espontaneamente, não foi ele que se enganou foi alguém que o
enganou a ele. Temos aqui uma situação de dolo, porque este erro é qualificado. Há
uma inexata representação da realidade porque alguém induziu em erro o Pedro,
alguém utilizou artimanhas no sentido de induzir em erro o Pedro.
Este dolo é um dolos malus, é um dolo essencial, mas é um dolo de terceiro. Quem
engana o Pedro não é a contraparte, não é a companhia de seguros.
Sendo Miguel um terceiro, vamos ter que aplicar o regime do artigo 254º/2, que nos
diz que quando o dolo previr de um terceiro a declaração só é anulável se o
destinatário tinha ou devesse ter conhecimento dele, sendo o destinatário no caso
concreto a companhia de seguros. A companhia de seguros, não tinha conhecimento
do dolo nem lhe era exigível que tivesse. É de relembrar que estamos a falar de uma
contratação em massa e impessoal, por parte da companhia de seguros de vida.
Mas, caso alguém tenha adquirido um direito por virtude de declaração, está é
anulável em relação ao beneficiário, ou seja, em relação à Maria.

Miguel convenceu Pedro, que Maria era grande amiga de infância do segundo, que,
entretanto, tinha falecido em situação trágica. Fê-lo por pretender que Pedro
arrendasse o seu apartamento a Maria por um baixo custo. Pedro celebrou o contrato
de arrendamento com Maria, que desconhecia por completo a situação, e não tinha
sequer a noção mínima de que Pedro lhe estava a locar aquele imóvel por aquele
motivo. Porém, Miguel de acordo com o contrato, teria direito a uma percentagem da
renda, pela intermediação do negócio. Poderá hoje, Pedro, descoberto o equívoco
desvincular-se do contrato?
Nós temos um contrato celebrado entre Pedro e Maria, agora Maria é contraparte. E
mais uma vez, temos aqui uma personagem, Miguel, a induzir Pedro em erro. Então
mais uma vez temos aqui dolo de terceiro. Voltando para o artigo 254º/2.

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Parece que maria não conhecesse, nem era exigível que conhecesse o equívoco. de
notar ainda que Miguel por virtude da declaração teve direito uma condição, sendo
que esta é anulável sendo o próprio autor do dolo. Podemos concluir que, o Pedro não
pode invocar dolo em relação a Maria para se desvincular do negócio, mas pode
invocar dolo de terceiro para anular aquela clausulas do contrato, que determina que
Miguel tem direito a um determinado valor.
Isto não contenta muito Pedro, pois continua vinculado a Maria. Poderá Pedro fazer
algo?
Aqui já poderia invocar o erro sobre a pessoa do declaratário, pois ele acha que Maria
é uma pessoa e afinal é outra pessoa, esse erro é essencial e é próprio. Mas depois
temos que aplicar o regime do artigo 251º, que nos remete para o artigo 247º. O artigo
247º exige o conhecimento ou a cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre
o qual incidiu o erro, e é este requisito que será difícil de provar. Assim, Pedro corre o
risco de ficar vinculado a Maria.
Porém, se nos percebermos que há aqui um arrendamento a baixíssimo custo, poderia
haver aqui um sentido de exigibilidade. Mas isso já era especular demasiado.

Afonso, com 15 anos vendeu um automóvel a Guilherme. Este, ao fim de um ano


descobre que Afonso é menor e pretende desvincular-se do negócio. Pode fazê-lo?
Guilherme celebrou o negócio porque tinha uma incorreta ou inexata representação
da realidade, achava que Afonso era maior de idade. Assim, estamos perante uma
situação de erro vicio, que incide sobre a pessoa do declaratário. O erro vicio só é
relevante se for essencial, que de facto é, e em segundo lugar se for próprio. O erro é
próprio quando não recai sobre o requisito legal de validade do negócio. No caso, recai
sobre a capacidade de exercício de Afonso, portanto, parece assim à primeira vista que
este erro seria improprio.
Porque é que se formula esta exigência da propriedade do erro? A exigência da própria
do erro formula-se porque não fará sentido invalidarmos um negócio com base em
erro, se podemos invalidá-lo por outro motivo.
A verdade, é que porque o Afonso ou os seus representantes legais são os únicos que
podem invocar a incapacidade de exercício como fundamento da anulabilidade do
negócio, o Guilherme tem aqui um interesse em invocar o erro. Se não for através do
regime do erro, Guilherme não pode desvincular-se.
Então, a doutrina tem considerado que nesta situação em particular, o erro é próprio,
e que, portanto, Guilherme pode invocar o erro para se desvincular do negócio.

Miguel, celebrou com Pedro um contrato nos termos do qual o primeiro empresta
dinheiro ao segundo, que se obriga a devolver o capital e o pagamento de juros.

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1. Qualifique o negócio celebrado entre Miguel e Pedro


2.Imagine que pedro outorgou uma procuração constituindo Miguel seu procurador e
conferindo-lhe poderes, para em caso de não pagamento da divida poder alienar um
ou vários bens de Pedro, e fazer-se pagar pelo montante recebido.
2.1 Qualifique a procuração enquanto negócio jurídico.
2.2. Imagine que Pedro até ao momento presente, pagou sempre pontualmente as
prestações acordadas. Miguel munido da procuração em questão, vendeu em nome de
Pedro a Carlota, um imóvel, propriedade deste. Qual o valor do negócio?
2.3. Faltando Pedro ao pagamento da divida, Miguel doou a Francisca sua filha, um
apartamento de Pedro. Qual o valor do negócio celebrado?

1. Estamos perante um contrato de mútuo. É um contrato não sinalagmático, pois só


gera obrigações para uma das partes (neste caso, Pedro), é real quanto à constituição,
no caso concreto no pagamento de juros, torna o negócio oneroso.
2.1. É um negócio jurídico unilateral não receticio.
2.2. Esta procuração confere determinados poderes de disposição sobre bens do
património do Pedro, mas esta procuração também prevê que esses poderes só
possam ser exercidos numa determinada circunstância – caso o Pedro não pague as
prestações. Isso significa que eu estou a fazer depender a eficácia desta procuração, à
verificação de um evento futuro e incerto. Estamos perante uma procuração, que
integra dentro dela uma clausula de condição suspensiva. Até que à verificação do
evento futuro e incerto ocorra, aquela procuração não produz efeitos. Então no
momento em que o Miguel vende em nome do Pedro, um imóvel a Carlota, ele
verdadeiramente estava a agir sem poderes de representação. Aqui nós não teríamos
que chegar ao ponto de falar de um abuso de representação, pois nem sequer havia
poderes de representação, na medida em que eles estavam condicionados à falta de
pagamento por parte do devedor.
Se nós sabemos que ele age sem poderes de representação, o valor do negócio
celebrado é a ineficaz em relação ao Pedro. Portanto, o negócio é valido, mas para
Pedro tudo se passa como se aquele negócio nunca tivesse sido celebrado. Esta
ineficácia do negócio pode gerar responsabilidade perante o terceiro, com quem foi
celebrado o negócio.
Essa responsabilidade será uma responsabilidade pelo interesse contratual negativo se
o Miguel desconhecia com culpa a falta de poderes de representação. Se pelo
contrário o Miguel conhecia a falta de poderes de representação então ele vai ter de
responder pelo interesse contratual positivo.

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2.3- Estamos aqui perante um negócio indireto, porque nós mobilizamos um


determinado tipo negocial, que no caso é a procuração para prosseguir finalidades
próprias de outro tipo negocial, em regra para a procuração serve para conferir
poderes de representação e alargar as possibilidades de atuação e de mobilização da
esfera de um sujeito permitindo a atuação de outro em nome dele.
No caso concreto, esta procuração está a ser utilizada como um meio de garantia de
uma divida, ou seja, estamos a utilizar uma procuração para cumprir uma finalidade
que não lhe é própria. Estes negócios indiretos são validos, isto não coloca nenhum
problema de validade à procuração, mas permite-nos perceber que neste caso
concreto, esta procuração confere poderes de representação no interesse do
representante. Temos aqui um exemplo de representação no interesse do
representante. Em nome do seu interesse, Miguel podia alienar bens e depois acabava
por, com base no produto dessa alienação, fazer-se pagar pelas dividas. Aqui ele não
vendeu, mas doou à sua filha.
Aqui como o interesse a salvaguardar não é o do representando, mas é o interesse do
representante. E, portanto, ele enquanto representante munido daquela procuração
para garantir o cumprimento da divida, se a divida não for paga pode vender a um
terceiro e ficar com o produto dessa venda. É isto que a procuração no fundo
contemplava. Não é materialmente diferente de ele doar aquele montante à sua filha.
Nós podemos aqui considerar que estamos a atuar dentro dos poderes de
representação, e, portanto, o negócio é eficaz. Segundo, não há abuso de
representação, porque não se contraria materialmente a intencionalidade da
procuração, dado que ela foi outorgada no interesse do Miguel. E terceiro, pelas
circunstâncias que envolvem a celebração do negócio, também se exclui aqui qualquer
conflito de interesses, pois ele não tinha de salvaguardar o interesse do representado.
Desde que se considerasse que aquela divida tinha sido saldada, então não haveria
aqui qualquer conflito de interesses.
António, já com uma idade avançada necessitava do auxílio do seu sobrinho Rafael,
para realizar as tarefas básicas do dia a dia. Por tarefas básicas entenda-se a sua
higiene, a sua alimentação, etc. Sendo o seu sobrinho, pelas circunstâncias da vida,
estava em condições de auxiliar o António. A certa altura, Rafael, informa António que
se ele não o contemplar no testamento como herdeiro, de toda a sua quota disponível,
deixaria de lhe prestar qualquer tipo de auxílio. Assustado com essa possibilidade,
António celebra um testamento em que atribui toda a sua quota disponível a Rafael.
Uma vez falecido António, os seus filhos pretendem saber se é possível invalidar este
negócio.
Estamos aqui numa situação de necessidade, e o sobrinho resolve explorar essa
situação de necessidade. A questão que se coloca, a propósito do testamento, e da
possível relevância do estado de necessidade ao nível do testamento, passa pelo facto
de não haver uma expressa previsão do estado de necessidade, ou dos negócios

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usurários, a propósito do testamento. (ver artigos 2199º e ss, falam-nos da


incapacidade acidental, da simulação, do erro, dolo e coação, e prevê-se a este
propósito regime especiais). Portanto, poderíamos ter aqui alguma dificuldade, pois
nós temos a situação de necessidade, temos claramente a exploração dessa
dependência, mas depois temos um outro requisito que se pode tornar problemático-
resultar dessa exploração de necessidade benefícios excessivos ou injustificados. E
porque é que isto se pode tornar problemático ao nível do testamento? Porque o
testamento em si mesmo, já gera benefícios que excedem total ou parcialmente o
merecimento de quem os recebe. E, portanto, poder-se-ia pensar: será que podemos,
ou não, aplicar com as devidas adaptações o regime do artigo 282º aos testamentos?
Quer a doutrina, quer a jurisprudência, entendem que sim. O supremo tribunal de
justiça pronunciou-se sobre esta matéria num acórdão de 23 de junho de 2016. E
entendeu que embora me situações excecionais, era possível aplicar o regime do
estado de necessidade a um testamento. Então neste caso, o negócio seria anulável.
Ver ainda o artigo 2308º do CC. Somos aqui confrontados pelas especificidades do
próprio testamento com um regime específico, no que diz respeito ao prazo para
arguir essa anulabilidade.
Pedro celebrou com Miguel, um contrato, nos termos do qual lhe emprestou uma
determinada quantia em dinheiro, obrigando-se o segundo a restituir o capital e a
pagar os respetivos juros no prazo de 2 anos. Tendo em conta que o empréstimo,
envolvia 300 mil euros e que o negócio foi celebrado por escrito particular, pronuncie-
se sobre a validade do mesmo.
Foi celebrado um contrato de mútuo, só que o artigo 1143º obriga que se o contrato
for de valor superior a 25 mil só é valido se for celebrado por escritura publica ou por
documento particular autenticado. Neste caso, como o mútuo era de 300 mil euros, o
negócio por violar a forma legal exigida é nulo nos termos do artigo 220º do CC.
Será que ele é todo nulo? Será esta uma nulidade total? Como o negócio é divisível,
porque nos conseguimos dividir aquela quantia de dinheiro em diversas parcelas,
partindo da ideia ou do princípio da manutenção, ou da salvaguarda, dos efeitos do
negócio jurídico, nós vamos tentar salvar ao máximo este contrato. Como?
Considerando que ele é válido até aos 25 mil euros, até ao montante em que pode ser
celebrado por escrito particular celebrado pelas partes. A partir dos 25 mil ele vai ser
considerado nulo. Vamos assim reduzir o negócio jurídico, aproveitando a parte que
não está afetada. Só não haverá redução se as partes vierem provar que a vontade
hipotética ou conjetural se opunha a essa redução.
Porém, há autores que afirmam que poderíamos dividir os 300 mil euros em vários
blocos de 25 mil euros. A doutrora Mafalda entende, no entanto, que isso já parece
um certo contornar da imposição legal da forma, não sendo essa solução defensável.
Se esta posição de alguns autores fosse aceitável, nunca havia propriamente nulidade

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do negócio de mútuo, pois nós conseguimos sempre repartir o dinheiro em blocos de


25 mil euros.
Miguel, obrigou-se a efetuar um recital de piano hoje à noite. Tendo recebido a notícia
de que o filho teve um grave acidente de viação e que corre risco de vida no hospital,
Miguel, decide cancelar o espetáculo. Diga, se Miguel terá de pagar alguma
indemnização a Pedro, proprietário da casa de espetáculos que o tinha contratado
enquanto artista/pianista.
Seria uma situação de impossibilidade moral. De facto, nós sabemos que o objeto do
negócio jurídico tem de ser física e legalmente possível e se não o for no momento da
celebração do negócio, este é nulo. Mas pode acontecer que ele seja física e
legalmente possível no momento da celebração do negócio, e depois por algum
motivo se torne impossível. Essa impossibilidade superveniente vai gerar a extinção da
obrigação, as partes deixam de estar vinculadas.
Há, porém, situações em que, esse objeto em que a prestação não se tornou
impossível, neste caso concreto não há nada que impossibilite fisicamente Miguel de
tocar piano no recital a que se obrigou. Mas, não obstante, nós estamos perante uma
prestação de facto não fungível, ou seja, só Miguel é que pode realizar aquela tarefa, e
segundo, estão em causa determinados valores e determinados bens da personalidade
cujo peso axiológico nós não podemos deixar de ter em conta. Ainda impor ao Miguel
a realização daquele recital de piano, acaba por atentar contra o princípio da boa-fé,
porque a boa-fé neste caso concreto, faz-nos ver que se por um lado ele se vinculou,
por outro lado estão em causa valores superiores- é a vida do filho que está em causa,
e toda a tutela da personalidade do pai que está em angústia. Assim, não é exigível
estar a obrigá-lo a atuar naquele momento.
Assim, a boa-fé, confere-nos uma solução formalmente não contando no CC, mas que
materialmente é a mais justa.
É uma situação de impossibilidade moral, que conduz à extinção de uma obrigação,
não tendo Miguel que indemnizar Pedro.

Carlos e João, celebraram um contrato de compra e venda de um imóvel.


a) imagine que um dia antes de o contrato ser formalizado, o imóvel ficou todo
destruído num incendio. Quid Iuris?
Aqui, o objeto não existe no momento da celebração do negócio, portanto gera-se a
nulidade do negócio nos termos do artigo 280º do CC.
b) Quid Iuris, se o referido incendio tiver ocorrido dois dias depois da outorga da
escritura publica.
Artigo 796º. Quem vai suportar o risco de incendio é o João, o negócio é valido.
Apenas 2 dias teve um azar e ficou sem o imóvel.

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Maria, saturada do confinamento a que foi sujeita, resolveu passear num centro
comercial mal as lojas reabriram. Passando por uma das superfícies comerciais, viu
numa montra um vestido, com indicação de um determinado preço, e resolveu
comprá-lo. Dirigiu-se ao balcão de pagamentos e indicou que queria pagar aquele
vestido e levá-lo consigo. Marta funcionária da loja, disse-lhe então que aquele
produto não estava à venda, e em segundo lugar, que mesmo que estivesse o preço
correto não seriam 20 euros como indicado, mas 200 euros.
Pronuncie-se sobre cada um dos argumentos de Marta.
O primeiro argumento da Marta aponta-nos no sentido em que aquele vestido ali
estava como demonstração para chamar à atenção do publico. O contra-argumento de
Maria seria a exposição deste vestido numa montra com indicação precisa do preço,
corresponde a uma proposta negocial. No entanto, marta afirma entre linhas que
aquilo não era uma proposta, mas apenas um convite a contratar.
No entanto, estamos perante uma proposta. Pode haver dificuldades em distinguir
uma proposta de um convite a contratar nestas situações em que há uma declaração
que é dirigida ao publico em geral. Contudo, nós estamos aqui perante uma declaração
que é suficientemente clara, suficientemente precisa e que intenciona a vontade do
sujeito de se vincular com a mera aceitação da contraparte. A doutrina tem entendido
que tudo aquilo que aplique exposição de produtos em montras e em prateleiras, com
um determinado valor, deve ser visto como uma proposta.
O que é que uma superfície comercial, que quer colocar na montra o dito vestido, mas
só para atrair o publico, não querendo que aquela exposição do produto com a
indicação de um preço seja entendido como uma proposta negocial, teria que fazer
uma contradeclaração a explicar que a sua declaração inicial não devia ser entendida
naquele sentido.
No segundo argumento de Marta, relativo ao preço, faz-nos concluir que aqui temos
um erro na declaração ou erro obstáculo, tendo que aplicar aqui o regime do artigo
247º do CC. O negócio é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não
devesse ignorar, desde que houvesse conhecimento ou cognoscibilidade da
essencialidade do elemento sobre qual incidiu o erro.
É de notar ainda que esta anulabilidade não teria lugar se o negócio, pudesse valer
como o declarante o queria. Imaginemos que a maria aceitava pagar 200 euros pelo
vestido, o negócio aqui passaria a valer como a Marta queria.

António, adquiriu a Bernardo através de um contrato de compra e venda uma fração


de um prédio, para aí instalar um bar. Fê-lo acreditando que a CM de Coimbra atribuía
licenças de exploração de estabelecimentos noturnos naquela zona da cidade. Mais
tarde, descobre, que por deliberação camararia tinha ficado decidido que naquele

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perímetro da cidade não era possível, por uma questão de proteção da população mais
idosa, funcionar qualquer tipo de diversão a partir das 20h.
Pretende por isso, desvincular-se do negócio. Terá fundamento para isso?
Estamos perante um erro vicio, ele acha que a realidade é uma quando é outra. Este
erro é essencial, se ele não achasse que a realidade era uma diferente daquilo que ela
é efetivamente, ele já teria celebrado o negócio. A essencial é aferida em termos
subjetivos, nos sabemos se o erro é essencial ou não em função daquilo que o próprio
declarante entenda e veja no negócio. O erro é próprio.
Temos agora que qualificar a modalidade de erro vicio concreta, para depois lhe
aplicarmos o regime específico. O erro incide sobre os motivos.
No quadro do âmbito do erro sobres os motivos, temos 2 regimes: o erro sobre os
motivos propriamente dito, e o erro sobre a base do negócio.
No caso concreto estamos perante um erro sobre a base do negócio, pois estamos
perante um erro sobre determinada circunstância pressuposta pelos dois. Ou então,
tendo sido apenas pressuposta por um, mas que não poderia deixar de ser tida em
consideração pela contraparte à luz da boa-fé, se lhe tiver sido proposto o
condicionamento do negócio com base nessa mesma circunstância.
Vamos assim aplicar o artigo 252º/2, que nos remete para o artigo 437º do CC, que
fala por seu turno da alteração superveniente das circunstâncias, dizendo respeito ao
futuro. Prevê-se nesse artigo, que quando haja uma alteração superveniente das
circunstâncias a consequência seja a resolução do contrato, ou modificação dos
termos do contrato.
Ora, se nós estamos a falar de erro, de uma situação que afeta o negócio desde a sua
origem, não faz sentido a resolução do negócio.
Assim, deveremos pensar que a remissão feita para o artigo 437º, é uma remissão
meramente parcial. Remete para a hipótese da norma, mas já não para a sua
estatuição.
O que é que nos vamos buscar ao artigo 437º? A noção de base do negócio.
A consequência será a anulabilidade do negócio.

António comprou a Bernardo um terreno que julgava que era abastecido pela rede
elétrica. Mais tarde, já depois da celebração do negócio, descobre que afinal aquele
terreno não era abastecido eletricamente, e quer desvincular-se do negócio. Pode
fazê-lo?
Temos um erro sobre o objeto, porque apesar do erro incidir sobre um elemento que
no fundo configura um pressuposto externo da coisa, trata.se de um pressuposto

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externo que não é mutável ao longo do tempo, que condiciona o empenho da coisa, e
por isso se assemelha às qualidades intrínsecas dessa coisa.
Então estamos perante um erro sobre o objeto.

João, comprometeu-se diante de Pedro, a transferir para a conta bancária da


sociedade X, de que era único socio e gerente, a quantia necessária ao equilíbrio
financeiro daquela e para garantir o pagamento do empréstimo que Pedro lhe tinha
concedido, caso se verificassem resultados operacionais negativos.
Como João não promoveu a elaboração e aprovação das contas da sociedade, nunca
se chegaram a realizar as referidas transferências de verbas. Pode João ser
responsabilizado?
Nós temos aqui este contrato celebrado entre João e Pedro. O cumprimento desta
obrigação fica dependente da verificação de um evento futuro e incerto- ocorrerem
resultados operacionais negativos. Ele só tem que fazer a transferência caso as contas
da sociedade sejam negativas.
Ora, para eu saber se as contas são negativas, eu tenho que saber as contas da
sociedade. Nas sociedades comerciais há regras próprias para a elaboração e para a
aprovação de contas. No caso concreto, sendo ele socio único e gerente, estamos a
falar de uma sociedade unipessoal por quotas, ele tinha que promover a elaboração
das contas e depois a aprovação dessas contas. E só depois de elaboradas e aprovadas,
é que nós conseguimos chegar à conclusão se o resultado é negativo ou positivo.
Se o resultado tivesse sido negativo, e ele nunca tivesse efetuado uma transferência
ele era responsável perante o Pedro. Se o resultado operacional tivesse sido positivo,
ele não teria que fazer nenhuma transferência, ou seja não era responsável.
O grande problema é que a partir do momento em que ele tem a obrigação de
elaborar as contas e de promover a aprovação das contas, se não o faz
reiteradamente, ele está a impedir contra as regras da boa-fé a verificação da
condição. É de notar, que a verificação dessa condição prejudicá-lo-ia a ele. Então
estamos perante uma hipótese de sabotagem da condição.
Esta hipótese de sabotagem da condição esta prevista no artigo 275º/2, e vai redundar
em dar-se por verificada. Dando-se por verificada a condição ele teria que efetuar as
transferências, ocorrendo num incumprimento não tendo cumprido.

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António e benedita viveram 23 anos em união de facto, dois anos depois do início
desta situação de união António adquiriu uma ração autónoma de um edifício sujeito
ao regime de propriedade horizontal. No decurso da união de facto, António vendeu
metade da sua fração a benedita sob ameaça de que se não o fizesse esta o
abandonaria.
Ao fim de 20 anos, António e Benedita põe termo à sua relação. António pretende vir
invalidar o negócio. Quid Iuris?
Estamos perante uma situação de coação moral, porque António diz que quer vender e
efetivamente o quer fazer, mas a sua vontade foi determinada pelo receio ou medo de
um mal com que foi ilicitamente ameaçado com vista a extorquir uma declaração
negocial.
Esta coação moral é essencial ou principal, significa que sem ela não teria sido
celebrado um negócio, e, portanto, dá origem à anulabilidade do negócio, dentro do
prazo de 1 ano a contar do momento da cessação do vicio. Apenas a partir do termo
da relação é que o prazo começa a contar.

António doa a Bernardo um automóvel, porém condiciona os efeitos do contrato ao


facto de Bernardo concluir o curso de direito. O negócio foi celebrado em 10 de março
de 2017. Hoje, não tendo Bernardo concluído ainda o seu curso, António vendeu o dito
automóvel a Catarina.
Qual o valor do segundo negócio?
Aqui estamos perante uma condição. Aqui temos duas hipóteses. Nós sabemos que o
negócio foi celebrado a 10 de março, não sabendo o que aconteceu daí em diante.
Vamos imaginar que é uma hipótese, em que ele mudou completamente a sua
orientação vocacional. Se nos tivermos a certeza de que a condição não se pode
verificar isso significa que ela efetivamente não se verificou, equivalendo à sua não
verificação.
Se assim é, o segundo negócio é válido e é perfeitamente eficaz.
Mas, em teoria nos também podemos pensar que de 2018 até agora é normal que ele
ainda não tenha concluído o seu curso. Então nesse caso, nós temos que recorrer ao
artigo 274º/1. Isto significa que, se ele vier a concluir o curso o negócio passa a
produzir efeitos, e como a condição tem eficácia retroativa ele é proprietário desde o
momento da celebração do negócio. Temos assim um conflito entre dois direitos de
propriedade, prevalecendo aquele que o possui primeiro.

António comprou a Bernardo, joalheiro, uns brincos para oferecer à sua namorada. Os
brincos só podiam ser utilizados por quem tivesse as orelhas furadas. Hoje, António,

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pretende desvincular-se do negócio, uma vez que descobriu que a namorada não tinha
qualquer furo nas orelhas.
Quid Iuris?
Estamos perante um erro vicio. Não é um erro obstáculo porque para isso teria de
haver uma diferença entre aquilo que foi dito e aquilo que ele queria dizer.
A modalidade em causa será erro sobre os motivos propriamente dito. Tem que haver
um acordo entre declarante e declaratário, no sentido de reconhecerem a
essencialidade desse motivo. Isso significa que quando António foi à loja, teria que ter
dito que se a namorada não usasse os brincos não os quereria, e o joalheiro teria que
assentir, no fundo, aquele negócio só faria sentido se Catarina usasse os brincos. Sem
este acordo não seria possível celebrar o negócio. perante um enunciado como este, a
única coisa que podemos dizer é depende da existência deste acordo.

Pedro, descobriu que Filipe seu devedor, tinha cometido adultério. Ameaça-o então,
de que se ele não constituir a seu favor uma hipoteca sobre o seu apartamento por
forma a reforçar o crédito de que era titular, conta tudo o que sabe a teresa mulher de
filipe. Fê-lo por temer que filipe, esbanjasse todo o seu património com a amante. Hoje
filipe, divorciado pretende desvincular-se do negócio.
Poderá fazê-lo?

Filipe, constituiu por documento particular Eduardo como seu procurador. Atribuindo-
lhe amplos poderes de administração. Eduardo, em nome de Filipe, vende um
apartamento a Maria. Passado uns dias, Eduardo em nome de Filipe, recebe as rendas
de outro apartamento deste, e com elas manda realizar obras de conservação.
Pronuncie-se sobre o valor dos negócios enunciados.
Relativamente ao primeiro negócio podemos concluir que há uma situação de
representação sem poderes, portanto o negócio é ineficaz em relação ao
representado. Em relação ao segundo, já é eficaz pois é celebrado dentro dos poderes
conferidos pelo procurador.

Carlos vendeu a Miguel o automóvel de Pedro. Quando Miguel lhe perguntou se o


automóvel nunca tinha sofrido qualquer acidente, Carlos sem se ter certificado desse
facto, disse-lhe que não. Descobrindo agora, que em 2014, o automóvel tinha sofrido
um aparatoso acidente, diga se Miguel pode reagir.
Se considerarmos o dolo enquanto vicio da vontade pode ser integrado enquanto
negligencia por forma de culpa, então a resposta será sim. E já sabemos que há
divergências na doutrina quanto a este aspeto.

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Há duas grandes posições na doutrina. Há autores que entendem que o dolo enquanto
vicio da vontade pressupõe o dolo enquanto forma de culpa, e isso quer dizer que ..

António, declarou vender a Bernardo um apartamento por 50 mil euros. Na realidade,


António e Bernardo celebraram um contrato de compra e venda desse mesmo
apartamento por 100 mil euros.
a) Pronuncie-se sobre a validade deste negócio
b) imagine que aquele apartamento, está arrendado a Maria. Poderá esta exercer o
seu direito de preferência? Se sim, porque valor?
c) Imagine, que o arrendatário não era Maria, mas sim, a autarquia de Coimbra, e
agora?
Podemos dizer que António e Bernardo, declararam uma coisa por forma a enganar
um terceiro, estado por isso perante uma simulação. O negócio simulado é nulo, já o
negócio dissimulado depende do valor que ele teria sem estar encoberto com a
simulação. Neste caso concreto, tal como qualquer outro negócio, do ponto de vista
substancial não há nada que aponte para a sua invalidade. Já do ponto de vista formal,
não conseguimos saber, mas estamos perante uma simulação de preço. Havendo uma
simulação de preço, os autores são unanimes dizendo que nessa hipótese não
necessária contradeclaração.
Chegamos assim à conclusão de que o negócio dissimulado é valido.
A maria enquanto arrendatária tem o direito de preferência, só há este direito em
relação a negócios que sejam válidos. Portanto, eu só possa preferir pelos 100 mil
euros. Mas Maria, tem alguns conhecimentos de direitos afirmando que é terceira de
boa-fé sem conhecimento, portanto os simuladores ao abrigo do artigo 243, não
podem invocar contra mim o negócio simulado, preferindo assim os 50 mil euros.
Esta argumentação não é possível, pois o artigo 243 existe para evitar um prejuízo, não
para conceder benefícios.
Então ela pode preferia, mas terá que preferir por 100 mil euros.
Na última alínea, estando em causa uma autarquia a camara municipal pode optar por
50 mil euros.

A sociedade renda e alugueres limitada, enviou uma carta aos diversos arrendatários
de Miguel, esclarecendo que a renda que teriam de pagar deveria ser atualizada a
partir dos mês de abril. Fê-lo por indicação do Miguel, que tinha contratado os seus
serviços para gestão dos diversos arrendamentos. A 30 de abril de 2021, a sociedade
rendas e alugueres, celebrou em nome de Miguel um contrato de arrendamento por

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10 anos, com Francisco que já anteriormente tinha arrendado aquele imóvel. Miguel,
nunca havia conferido poderes de representação à sociedade rendas e alugueres.
Quid Iuris?
O negócio é ineficaz em relação a Miguel.

António confere a seu pai, uma procuração nos termos da qual lhe confere plenos
poderes para prometer comprar ou comprar, prometer vender ou vender a referida
fração autónoma, tal procuração autorizava a celebração de negócios consigo mesmo.
Ela foi conferida no interesse do mandatário. Por escritura publica de 29 de fevereiro
de 2009, António representado por Bernardo, declarou adquirir a fração autónoma X
pelo valor de 100 mil euros.
Tendo a aquisição subjacente, um mútuo bancário, Catarina surge como fiadora de
António.
Por escritura publica de 15 de maio de 2008, António representado por Bernardo,
declarou vender a fração X a Catarina, por 120 mil euros.
No processo, ficou provado que o contrato de compra e venda celebrado em 29 de
fevereiro de 2009, foi aparentemente celebrado entre António na qualidade de
pretenso comprador, e os donos do prédio, na qualidade de efetivos vendedores,
quando na verdade, foi Bernardo quem adquiriu o imóvel em questão.
Bernardo pretendia na verdade esconder da sua mulher, de quem se estava a
divorciar, que aquele bem pertencia ao acervo dos bens do casal a partilhar.
Pronuncie-se sobre o caso concreto.
Sabemos que esta procuração foi conferida no interesse do mandatário, ou seja, foi
conferida no interesse do representante e não no interesse do representado. Isto é
possível, pois a representação voluntária implica a atuação em nome de outrem, mas
não implica a atuação no interesse de outrem.
Não implica sequer a atuação por conta de outrem, embora no caso concreto porque
nós temos uma representação voluntaria associada a um contrato de mandato, nós
vamos ter aqui também a atuação por conta de outrem.
Porque é que esta A aparece aqui? Surge porque B tem interesse em que as pessoas
acreditem, designadamente a sua mulher, considerasse que aquele bem estava a ser
adquirida pelo seu filho e não por ele. Se B aparecesse no negócio como representante
aparentemente a propriedade pertenceria a A e não a B.
Qual é aqui a questão? Temos aqui uma divergência entre aquilo que é dito e aquilo
que se quer dizer. O que é que B quer dizer? Eu quero comprar. E o que é que ele
acaba efetivamente por dizer? Eu quero comprar em nome de A.

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Neste caso, aquilo que o Tribunal da relação de Lisboa esteve a discutir é se nós
poderemos ter ou não uma simulação. Será que podemos ter efetivamente uma
simulação? Temos uma divergência intencional, no entanto não podia haver uma
simulação no caso concreto. Isto porque não havia um conluio com os vendedores do
prédio, falta-nos aqui esse elemento essencial, falta-nos o pacto simulatório.
A segunda perspetiva que se tentou discutir ao nível do tribunal de relação de Lisboa, é
se estaríamos aqui perante outra divergência intencional. Então vamos imaginar que
consideramos que efetivamente havia aqui uma reserva mental. Qual é o valor deste
negócio? em regra, é irrelevante, não provoca qualquer invalidade do negócio exceto
se for conhecida da contraparte. Se for conhecida da contraparte então terá o mesmo
efeito que a simulação. Seria necessário, que os tais vendedores conhecessem a
reserva mental. Não conhecendo a reserva mental, então ela é irrelevante, o que quer
dizer que não vamos conseguir invalidar este negócio.

António, trabalhador declara que reconhece que a sua entidade patronal não era
devedora de quaisquer montantes adicionais, estando liquidadas todas as contas
naquele momento em que celebravam um acordo de cessação de contrato de
trabalho. No momento em que faz esta declaração, António diz oralmente que não
concordava com o teor das informações.
Mais tarde, António pretende impugnar aquele acordo dizendo que estamos diante de
uma declaração não séria da sua parte.
Quid Iuris?
Este caso foi decidido pelo acórdão do tribunal de relação de Évora, de 20 de setembro
de 2016.
A discussão do tribunal de relação de Évora baeou.se nas declarações não serias. A
verdade é que, parece que não existe aqui uma verdadeira declaração não séria. Isto
porque, para termos uma declaração não seria temos de ter uma divergência
intencional entre a vontade e a declaração. Essa divergência intencional tem de
resultar da ausência de intenção de enganar a minha contraparte, de enganar o
declaratário, e da expectativa de que o declaratário se aperceberia da minha falta de
seriedade da minha declaração. Ora, neste caso concreto, não é exatamente disso que
se trata.
O António não tem essa intenção, ele tinha intenção efetivamente de atribuir eficácia
negocial, até porque ele recebe um determinado montante a partir daquele acordo
revogatório. O que ele não concorda é com o teor exato das declarações que está a
proferir.
Portanto podemos pensar que, ele diz uma coisa, ele quer efetivamente dizer essa
coisa, parecendo que nem sequer há aqui uma divergência. O problema é que ele só
tem vontade de aceitar aquele montante porque de algum modo a entidade patronal o

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forçou a isso. E, portanto, se assim é, aquilo que se teria de questionar, era se poderia
ser ou não relevante algum vicio da vontade. Ainda assim com muitas reservas, até
porque há jurisprudência no sentido de entender que em situações análogas a estas
não seria propriamente relevante uma ideia de coação moral.

António, comprou um prédio rustico composto por pinhal, eucaliptal e mato. O


terreno tinha uma área de 36 mil metros quadrados, e foi adquirido pelo preço de 150
mil euros. Mais tarde, os adquirentes perceberam que o terreno tinha apenas 21 mil
207 metros quadrados, pelo que deveriam ter pagado 88.228 euros, já que o valor do
metro quadrado foi de 4,16 euros.
Estamos perante um erro, eles acham que o terreno tem 36 mil metros quadrados e
afinal tem apenas 21.207 metros quadrados, e, portanto, coloca-se aqui saber se
estamos perante um erro sobre o objeto. A este propósito as soluções na
jurisprudência não são uniformes. Nós temos alguns acórdãos do supremo tribunal de
Justiça vêm dizer que se o A compra um imóvel na pressuposição de que tinha X mil
metros quadrados, quando na verdade a sua área era inferior, nós devemos olhar para
o problema como um problema do erro sobre o objeto. Esta solução resulta do
acórdão do supremo tribunal de justiça de 15 de março de 2012, mas também de 25
de março de 2009, 27 de maio de 2010 e do tribunal da relação de Coimbra de 14 de
dezembro de 2010.
Nesta situação concreta, o STJ entendeu que não havia um erro sobre as qualidades da
coisa. O que estava em causa seria apenas um erro sobre a quantidade da coisa, isto
por causa do número de metros quadrados. No fundo, o STJ entendeu que estava aqui
em causa a compra de uma coisa sujeita a medição, e, portanto, estava em causa a
venda de uma coisa cujo preço era determinado pela quantidade. E por isso entendeu
que se deveria aqui aplicar um regime específico, que consta do artigo 288º do CC.
Se nós estivermos a falar de um erro sobre o cálculo do tamanho da coisa, e, portanto,
vai condicionar o preço da coisa pois o preço é determinado pelo tamanho dela, então
não haverá aqui um erro vicio, não haverá um erro sobre o objeto.
Se nós configurarmos estes problemas como situações em que o terreno é aquele, em
que eu acho que o terreno tem determinados metros quadrados que viabilizam a
construção de uma piscina, e afinal o terreno não tem esses metros quadrados e assim
não me permite instalar a piscina, então o erro será sobre a qualidade ou as
qualidades intrínsecas sobre o objeto, e aí será um erro vicio.

Catarina e Diogo, queriam comprar um automóvel para o efeito solicitaram a Bernardo


que fosse seu fiador num contrato de mútuo que teriam de celebrar, para obter
financiamento necessário para a aquisição. Catarina e Diogo, dirigem-se a casa de
Bernardo para que ele assine os respetivos documentos.

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Bernardo aceita, e uns meses mais tarde foi citado numa ação executiva para
pagamento de quantia certa, porque tinha subscrito uma livrança não sendo fiador,
mas mutuário.
Quid Iuris?
O fiador também vai responder pela divida, só que o fiador responde
subsidiariamente, só se o devedor não cumprir é que o fiador é chamado a comprar. O
fiador tem chamado o benefício da execução previa, eu pago, mas primeiro vamos
tentar executar o património do devedor. Se ele subscreve uma livrança, ele passa a
ser o primeiro titular, porque o título executivo passa a ser subscrito por ele. Portanto,
na falha do pagamento de um mútuo é sobre o seu património que o credor vai agir.
Ele acha que a natureza da garantia que está a prestar é uma, e afinal a natureza da
garantia que está a prestar é outra.
Temos aqui, portanto um erro vicio, um erro sobre o objeto, pois é um erro sobre a
natureza do negócio. Um erro sobre o objeto incide num erro sobre a identidade do
objeto, as qualidades do objeto e a natureza do negócio.
O regime deste erro seria o artigo 247º, não sendo este aplicável de imediato, por
remissão do artigo 251º.

António demanda Bernardo e Catarina, marido e mulher. António e Bernardo eram


sócios na sociedade X. Em 20 de maio de 2020, A e B celebraram um contrato de
cessão de quotas na sequência do qual, A adquiriu a Bernardo a sua quota da
sociedade X pelo preço de 450 mil euros, e passa a deter a totalidade do capital social.
A celebrou o contrato na convicção de que não haveria lugar ao pagamento de
qualquer valor referente ao IMT. Em abril do ano seguinte, A foi notificado pela
autoridade tributária pedindo o pagamento de 272.897 euros. Em face desta
circunstância, A pretende invalidar o negócio.
Poderia fazê-lo? Com que fundamento?
Estamos perante uma falsa representação da realidade, ele acha que a realidade é
uma, mas a realidade é outra. Estamos assim, perante um erro vicio. A questão que
temos de colocar é se podemos ou não considerar que este erro é relevante.
Nós não podemos configurar isto como um erro sobre o objeto, isto porque o erro
sobre os efeitos jurídicos aqui em causa é um erro sobre efeitos jurídicos que se
produza independentemente sobre a vontade negocial, não vai ser relevante para
efeitos do artigo 251º. Depois temos que cair no erro sobre os motivos que é a
categoria residual, tendo dois regimes: erro sobre a base do negócio (não, porque não
estamos a falar sobre circunstâncias que consubstanciem de modo a alicerçar ambas
as partes de celebrar o negócio, ou se tiver sido levada ao conhecimento da
contraparte, esta de acordo com a boa-fé, ter que aceitar o condicionamento a essa

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mesma circunstância), ou erro sobre os motivos propriamente dito. Sendo este último
o regime aplicado, regime do artigo 252º/1.
Depois, tudo passaria por saber se houve ou não um acordo à cerca da essencialidade
do motivo.

A sociedade X é proprietária de uma galeria comercial, nessa qualidade demandou a


sociedade Y. Em causa, estava o contrato de utilização de uma loja num centro
comercial, contrato esse celebrado em 1 de março de 2014 e que era a renovação, ou
que se traduzia na renovação, de outro contrato celebrado em 18 de fevereiro de
2009. A sociedade Y obrigou-se a pagar uma remuneração mensal no montante
correspondente à soma de uma parcela fixa e de uma parcela variável.
Em 2015, deixou de pagar aquelas quantias e o contrato foi resolvido. A sociedade Y,
deduziu um pedido reconvencional, dizendo que a galeria comercial esteve em obras
durante largo tempo e por isso teve que exercer a sua atividade num quiosque onde
não havia ar condicionado, o que motivou um decréscimo dos clientes. Mais invocou,
que no momento da celebração do contrato tinha havido reserva mental.
Baseou-se no facto de o contrato ter sido celebrado com recurso a clausulas
contratuais gerais, tendo Y visto forçada a aderir a tais clausulas, sem que tivesse real
vontade de o fazer até porque não as conhecia.
Para haver reserva mental tenho que ter uma divergência entre a vontade e a
declaração, e tenho que ter uma divergência intencional, e tenho que ter a intenção de
enganar o declaratário. Neste contrato que é celebrado, houve alguma divergência
entre a vontade e a declaração? Não. Há efetivamente a vontade de celebrar aquele
contrato.
Nós temos que distinguir claramente aquilo que é a vontade de declaração da
motivação psicológica do sujeito. Mais do que isso não havia intenção de enganar o
declaratário, não havia intenção de fazer querer o declaratário que ele estava a
celebrar um negócio que efetivamente não queria celebrar.
O que pode aqui existir algum vicio da vontade, mas não foram alegados factos
suficientes para nos permitir concluir à existência desse vicio. Se é verdade que o
sujeito diz que não lhe foram comunicadas as clausulas do contrato, que não conhecia
essas clausulas, nós não estamos verdadeiramente perante uma divergência entre a
vontade e a declaração, mas sim perante um problema que ocorre ao nível da
formação do contrato que é feito com recurso as clausulas contratuais gerais.
Agora recordando matéria do primeiro semestre, a falta de comunicação das clausulas
contratuais gerais contidas num contrato de adesão, determina a não inclusão dessas
clausulas no contrato, nos termos do artigo 8º do decreto-lei 446/85.

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António propõe uma ação contra o proprietário de um centro comercial, Bernardo. A e


B celebraram um contrato de utilização de loja num centro comercial. António
obrigou-se ao pagamento de uma quantia pecuniária e obrigou-se ainda a realizar
obras de acabamento na loja. B garantiu que havia estudos de mercado que
asseguravam uma grande afluência de publico, bem como garantiu a existência de
lojas ancora.
Contudo, as lojas ancora não estavam integradas no projeto, a afluência do publico era
muito menor do que a tinha sido comunicada, e a ocupação dos espaços não era total.
Nessa medida, António pretende invalidar o negócio. Terá fundamento?
A questão era a de saber se existia ou não dolo. o tribunal, numa decisão que é
importante, veio dizer que não havia dolo porque o dolus que se verificava era um
dolo bónus e não um dolus malus. Entendeu o tribunal de relação de Guimarães que o
senhor A não poderia invocar o dolo, exatamente porque o proprietário do centro
comercial poderia ter motivos para acautelar e acalentar a ideia de que eventualmente
aquelas lojas ancora poderiam existir. Por um lado, ele próprio poderia ter
expectativas que depois não se cumpriam, e segundo entendeu que, na negociação
entre profissionais é admissível algum excesso no enaltecimento de algumas
qualidades do objeto em questão. E, portanto, entendeu-se que não se verificava um
dolus malus, e que nessa medida não era possível falar de uma eventual anulabilidade
do negócio.

António celebrou com Bernardo, um contrato nos termos do qual se obrigava a pintar
as paredes de casa do segundo, até ao dia 3 de maio de 2020. No contrato, foi aposta
uma clausula nos termos da qual António se obrigava a pagar a quantia de 5 mil euros
por cada semana de atraso na realização do trabalho completo. Bernardo, que não
necessita da obra pronta com rapidez pretende, em face do atraso na entrega da
mesma, cobrar o valor estipulado. António contesta dizendo que não entregou até
agora a obra, pois está de quarentena forçada em virtude do COVID-19.
Quid Iuris?
Temos aqui uma clausula penal, esta tem diversas modalidades e dependendo desta
assim será diferente o regime aplicável. Vamos imaginar que é para compelir o
devedor a cumprir, estaremos perante uma clausula puramente compulsória. Se for
uma clausula penal puramente compulsória, ele tem direito a exigir os 50 mil euros?
Sim, pode exigir a pena e acrescentar a indemnização especifica, e não é necessário
que se verifiquem danos para que ele exija a pena. Mas há uma coisa que se exige, a
culpa. Não é possível assim, exigir a pena, mesmo numa clausula penal estritamente
compulsória sem culpa, pois se o objetivo é compelir ao cumprimento, se ele não
cumpre por um facto que não lhe é imputável, estar a exigir a pena é ir além do que é
o plano da justiça.

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Seria claramente abusivo exigir aqui o pagamento desta pena. Falta aqui, então, um
elemento para exigir o pagamento dos 50 mil euros, falta a culpa.

Imaginemos então que não existe esta clausula, o problema que se colocava de ele não
cumprir, e de não pintar até à data acordada, não era um problema de alteração
superveniente das circunstâncias, pois não estamos perante uma mera dificuldade
económica para cumprir, há mesmo uma impossibilidade para cumprir, ele não pode
sair de casa.

António celebrou com João, um contrato nos termos do qual o segundo se obriga a
pagar uma quantia em dinheiro, em troca da realização de uma pintura a óleo que
João queria oferecer à sua noiva. Acordaram entre ele que case o quadro não estivesse
pronto na data prevista, João teria direito ao pagamento de 4 mil e quinhentos euros.
Chegado ao dia em questão, o quadro não estava pronto. António, contudo, recusa-se
a efetuar o pagamento, argumentando que João não sofreu qualquer dano.
Quid Iuris?
Estamos aqui perante uma clausula penal, pois estamos antecipadamente a
convencionar uma quantia caso não se cumpra. Neste caso concreto esta clausula
penal moratório isto porque não visava cobrir o incumprimento, mas visava cobrir
exatamente a mora, o atraso no cumprimento. Podia desencadear-se o direito à pena
em caso de mero atraso na realização da obra.
Na clausula puramente compulsória, existe a verificação da culpa do devedor. Se o
devedor vier provar que de facto não existiu qualquer dano, não terá direito à pena
por parte do credor.
Só terá direito se estivermos a tratar de uma cláusula penal em sentido estrito, não há
sequer a problemática da verificação porque o interesse do credor é satisfeito por
outra via. Tudo redunda no caso, que estamos a analisar, em saber qual é a clausula
penal concretamente em causa.
Se o enunciado não nos esclarece suficientemente podemos lançar mão de uma
presunção, na dúvida vamos presumir que a cláusula estipulada pelas partes é aquela
que está prevista no código civil.
De todo o modo, na resolução de um caso como este deveríamos explicitar as
consequências praticas diferentes, segundo cada uma das modalidades.

António, celebrou com os correios de Portugal um contrato nos termos do qual o


segundo se obriga a fazer chegar a casa de Bernardo um pacote de livros antigos
extremamente valiosos. No contrato, foi aposta uma clausula nos termos da qual o

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remetente, portanto António, tem direito a uma indemnização correspondente a


importância real da perda da avaria de uma encomenda registada, não podendo esta
exceder para as encomendas com valor declarado a importância desse mesmo valor, e
para as encomendas registadas a importância correspondente ao produto da taxa de
registo, pelo fator 20/30 ou 40, respetivamente para uma encomenda até 5 kilos, de
mais de 5 kilos, até 10 kilos e de mais de 10 kilos.
A encomenda em questão, nunca chegou a casa de Bernardo. António, vem exigir uma
indemnização de 5 mil euros, que incluía também os danos não patrimoniais sofridos
por ele e por Bernardo. Os correios de Portugal, opõem-se a tal pretensão,
considerando que o valor da indemnização não poderia superar o valor declarado.
Quid Iuris?
Esta cláusula opera, para que, independentemente do montante apurado dos danos, a
indemnização nunca supere um determinado valor. Neste caso, o montante dos danos
aprovados e apurados, situa-se acima deste limite, significa que ele apenas terá direito
ao montante máximo permitido de acordo com aquela clausula. Se o montante dos
danos verificados fossem inferiores ao montante prevista naquela clausula, ele teria
direito apenas e só ao montante dos danos provados.
O problema que se coloca, é o de saber se esta clausula é ou não é valida. Seria nula se
limitasse a responsabilidade por culpa grave ou por dolo, seria valida se limitasse a
responsabilidade por culpa leve.
Depois, existem algumas exceções, independentemente do grau de limitação de culpa,
a clausula deveria ser sempre considerada nula, designadamente nas razoes de ordem
publica quando estivesse em causa a incolumidade da pessoa, e por uma questão de
proteção do consumidor, que é que está aqui efetivamente em causa.
Neste caso, por uma questão de proteção do consumidor, poderíamos considerar esta
clausula nula.
Esta clausula existe, e estava prevista no regulamento de serviços de correio de
Portugal. Esta clausula estava prevista nos contratos singulares, que à época CTT
correios de Portugal, mas estava prevista numa portaria.
O TC veio proibir esta clausula.

Francisco e Miguel, celebraram um contrato de doação de um imóvel. Neste contrato,


foi aposta uma clausula nos termos da qual, Miguel teria de manter aquele
apartamento, as plantas que Francisco lá colocar. Miguel, não cumpre. Quid Iuris?
Há uma estipulação, ou seja, esse acordo das partes visa impor ao donatário um
encargo, e por isso é que a clausula modal ou modo, existe por referência aos
contratos gratuitos, à doação e aos negócios unilaterais mortis causa- testamento.

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Então, estamos aqui perante um modo ou clausula modal.


Se o facto não lhe for imputável, no fundo não há culpa, a obrigação extingue-se, e não
há mais nada a fazer. Imaginemos que ele não manteve as plantas porque houve uma
trovada que destruiu as plantas.
As partes podem resolver se estiver previsto no próprio contrato nos termos do artigo
966º do CC.
E se este imóvel tivesse sido deixado através de um legado? Era possível resolver a
deixa testamentária? Aqui porque se tenta a todo o custo salvaguardar a vontade do
testador, vamos ser mais flexíveis para aquele que efetuou a doação em benefício
alheio.

António, doou a Bernardo, um automóvel, mas para tal era necessário que Bernardo o
fosse visitar a Lisboa. Bernardo não o foi visitar a Lisboa. Quid Iuris?
Estamos perante uma clausula potestativa, sendo um ato de uma das partes.
Estaremos perante um modo ou uma condição? Para entender temos de interpretar o
contrato. Como não temos uma formulação exata do contrato, temos dúvidas. Na
dúvida vamos determinar através do princípio da salvaguarda da manutenção dos
contratos até ao máximo que pudermos. Os efeitos do contrato matem-se mais sendo
um modo, pois neste pode nem sequer haver direito à resolução só se o contrato o
previr expressamente.

Pedro, celebrou com João um contrato de compra e venda de um terreno de modo a


enganar os credores de Pedro. Na realidade, não quiseram celebrar qualquer negócio.
João, para manter as aparências começou a cultivar o terreno, e a comportar-se em
relação a ele como proprietário. Ao fim de 20 anos, João pretende ser efetivamente
considerado proprietário e questiona se poderá ser ou não.
Quid Iuris?
Este negócio é nulo, pois estamos perante uma simulação. Eles dizem uma coisa,
querem dizer outra, e fazem-no porque há um acordo entre ambos no sentido de
enganar terceiros. E para que o engano seja perfeito, Pedro mantem aquela aparência.
Ao fim de 20 anos João quer invocar a usucapião.
Estamos perante uma forma de aquisição originaria de direitos.
Como ele não adquire a propriedade, significa que ele não é possuidor (artigo 1253º/a
e ver ainda o artigo 1253/c). Ou seja, ele exercia os poderes correspondentes ao
direito de propriedade, mas não havia algo que é fundamental para a posse que é o
chamado animus. A posse não pressupõe só o exercício destes poderes

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correspondentes ao direito, mas pressupõe também a intenção de agir como titular


desse próprio direito. Sendo que ele aqui sabia que não estava.
Com base num negócio nulo não é possível adquirir mais tarde por usucapião (1290º).

António trespaçou a sua farmácia a Bernardo, em 2019. Tendo sido a favor de


Bernardo, que o Infarmed concedeu o respetivo alvará. Apesar de ter sido Bernardo a
outorgar em seu nome o contrato, foi Carlos quem pagou o preço e assumiu a gestão
direta da farmácia. Carlos agiu assim porque não sendo farmacêutico, não podia ser
dono de uma farmácia, nos termos do regime legal das farmácias. Um credor de
António, hoje vem impugnar a respetiva venda. Quid Iuris?
Estamos perante uma interposição real, logo não há simulação por inexistência do
pacto simulatório, logo o negócio não é por essa via nulo. Temos aqui, portanto, um
negócio em fraude à lei. Eles não conseguem celebrar aquele negócio as contornam a
proibição. Aquilo que temos de ver no fundo, é se a lei quer impedir apenas aquele
caminho para se obter o resultado, o negócio será valido. Se a lei quiser proibir aquele
resultado independentemente dos caminhos que se possam percorrer para lá chegar,
então haverá efetivamente um negócio em fraude à lei, que determina a nulidade do
negócio, com analogia do artigo 280º do CC.

Joaquim pretende vender as arvores do quintal de sua casa. Qual a forma do contrato?
Temos aqui uma compra e venda, sabemos que se tiver como objeto um imóvel não
tem qualquer formalidade, se tiver como objeto um bem movel será necessário
escritura publica ou escrito particular autenticado. Temos que determinar então se as
arvores são bens moveis ou bens imoveis. Temos que ir ao elenco do artigo 204º do
CC.
Neste caso seria uma coisa movel, porque as arvores não estão ligadas ao solo.

Bernardo, incumbe Pedro de comprar um imóvel para que depois ele o possa utilizar.
Para tanto, entrega-lhe uma quantia em dinheiro necessária para o pagamento, mas
não lhe confere poderes de representação através de uma procuração. Bernardo,
pretende agora formalizar a sua posição em relação à coisa.
Quid Iuris?
Foi celebrado um contrato de mandato, neste caso, mandato sem representação.
Significa isso que quando Pedro compra o imóvel o faz em nome próprio e não em
nome de Bernardo. Tem que haver um negócio de transmissão da propriedade de
Pedro para Bernardo que é o negócio de concretização e de cumprimento daquele
mandato.

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António, contratou Bernardo, para lhe decorar a casa de campo. Acordou-se a


retribuição de 3 mil euros. Bernardo, porém, anteviu dificuldades para a realização do
trabalho por ter outras ocupações. Acordaram por isso uma clausula nos termos da
qual em caso de não cumprimento, no tempo devido, Bernardo teria que pagar a
António 500 euros pelos prejuízos sofridos. O solar de António, foi, entretanto,
destruído num incendio.
Quid Iuris?
Temos aqui uma clausula penal, sendo esta uma clausula de fixação antecipada de
indemnização. Isto porque quem teve interesse na sua fixação, para se acautelar, é
Bernardo. Bernardo, anteviu dificuldades por ter muitas ocupações nessa altura e por
isso acautelou-se.
Esta clausula é devida mesmo que o montante dos danos seja superior. Neste caso
concreto, ele não cumpriu, mas não o cumpriu por um facto que não lhe é imputável e
por isso a obrigação extingue-se. Logo, vai também desaparecer esta obrigação
resultante da clausula penal.

Pedro, pai de Jacinta, contratou com a Janquetes limitada, a realização da festa de


casamento da sua filha com Bernardo. Pagou 500 euros, num total de 4 mil euros. Na
véspera do casamento, Bernardo fugiu para o Paquistão.
Quid Iuris?
No caso concreto, o casamento não se celebra por um facto que não é uma
circunstância pressuposta pelas partes. A questão está em saber se a contraparte, ou
seja, se a sociedade, aceitaria ou não o negócio, à não verificação daquele evento. Ou,
se a boa-fé imporia ou não à contraparte, que ela aceitasse o condicionamento do
negócio à não verificação de um evento daquele tipo. E para alem disso, só seria
também relevante a alteração superveniente das circunstâncias, se nós viéssemos a
concluir à luz da boa-fé, não era justa a manutenção das obrigações.
Ora, a verdade é que, na véspera do casamento, muito provavelmente todas as
despesas que a empresa tinha realizado para o cumprimento da sua prestação, já eram
efetivas. E, portanto, não parece impor-se, à luz da boa-fé, uma modificação ou uma
resolução dos termos do contrato.
Quando alguém se vincula a um determinado negócio, assume ela próprios
determinados riscos.

António morreu, e deixou como património uma conta bancária com um saldo de 12
mil euros, um automóvel, e diversos bens moveis. As despesas de funeral ascenderam
a 9 mil euros. Bernardo, credor, vem exigir o pagamento de uma divida de 10 mil
euros. Os herdeiros de António, opõem-se a pagar o montante da divida a Bernardo.

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Quid Iuris?
Só têm que pagar as dividas da herança, até as forças da própria herança. Isto porque a
herança configura-se como um património autónomo.
Ao valor da herança tínhamos que descontar 9 mil euros, portanto eles teriam que
pagar a Bernardo até ao montante que fosse coberto pelo valor da própria massa
hereditária- artigo 2071º.

António, doou à CM de Coimbra um terreno para nele se construir uma biblioteca


municipal. Ao fim de dois anos, ainda não foi construída a referida biblioteca, e em
reunião do executivo camarário, foi, entretanto, adjudicada a obra para a construção
de uma piscina no referido local. António, sabendo disto, pretende desvincular-se do
negócio. Pode fazê-lo?
A jurisprudência mostrou-se sempre muito ambivalente na resposta que deu a estes
problemas, da alteração do destino a dar ao bem. A doutrina, depois, estabilizou a
solução, ou apresentou-nos diversos critérios para permitir-nos chegar à correta
qualificação. Temos aqui várias hipóteses: no momento da doação a camara municipal
de Coimbra já não tinha intenção de construir a biblioteca. Se colocarmos o problema
deste ponto de vista, o que é que está em causa? Se já no momento em que foi
celebrado o contrato de doação, a CM não teria qualquer intenção de construir a
biblioteca, o problema poderia ser dolo ou erro, estaríamos no âmbito dos vícios da
vontade.
Na segunda hipótese, a CM de Coimbra, alterou efetivamente depois da celebração do
contrato o destino a dar ao terreno. A intenção era construir uma biblioteca, mas
depois passou a ser a construção de uma piscina municipal. Nesse caso, poderíamos
estar aí perante uma alteração superveniente das circunstâncias. Depois, o que
tínhamos de constatar é se essa alteração era ou não relevante.
Mas, poderíamos estar aqui perante uma terceira hipótese. Vamos imaginar que, o
António no momento da celebração do negócio considerou e acordou com a CM de
Coimbra, que o destino a dar ao bem era a construção de uma biblioteca Municipal.
Nesse caso, nos estaríamos perante um problema de frustração do próprio fim do
contrato, e, portanto, poder-se-ia colocar aí um problema de não cumprimento do
contrato por parte da CM de Coimbra.
Podíamos ainda ter uma quarta hipótese. Imaginemos que, foi aposta ao contrato uma
clausula nos termos da qual o António doava à CM, mas esta ficava obrigava a
construir uma biblioteca municipal. Nesse caso, o nosso problema seria uma questão
de não cumprimento de um modo.
5 hipótese: no contrato foi aposta uma clausula nos termos da qual, a propriedade do
terreno, só se transmitiria para a CM de Coimbra se e quando fosse construída uma
biblioteca municipal naquele terreno. Nesse caso, nos teríamos uma condição.

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E podíamos ainda pensar que, numa sexta hipótese, foi aposta uma clausula nos
termos da qual, a propriedade volta à esfera jurídica do António, se a CM não construir
uma biblioteca municipal naquele terreno. Neste caso, teríamos novamente uma
condição, só que agora seria uma condição resolutiva.
Isto permite-nos concluir que não é possível, nós oferecemos uma resposta definitiva e
concreta, sem olharmos para todas as particularidades do caso. E estas
particularidades passam por saber se foram ou não apostas clausulas ou estipulações
acessórias típicas; caso não tenham sido, saber se o destino do bem se integra dentro
do próprio contrato, de acordo com que foi aquela vontade das partes; e saber em que
momento é que se alterou o destino a dar ao bem.

Em fevereiro de 2009, na sequência da morte do marido e da respetiva habilitação de


herdeiros, foi outorgada uma escritura de doação, nos termos da qual Ana viúva doou
ao seu filho dois imoveis que lhe tinha sido previamente adjudicados em partilha. Tal
doação, foi feita com a condição de o donatário cuidar da sua mãe na saúde e na
doença, com todos os cuidados próprios da sua idade, designadamente no que
dissesse respeito à sua alimentação, vestuário, tratamentos médicos e farmacêuticos.
O donatário, aceitou aquela doação sujeita àquela condição e ainda aceitou a
faculdade de resolução do contrato, feita ou estipulado por ambos.
Francisco, filho, não cuida da sua mãe, nem quando esta de boa saúde nem quando
está doente. Não lhe fornece alimentação, não a acompanha nem financia os
tratamentos médicos.
Quid Iuris?
Está aqui em causa uma doação, a qual foi aposta um modo. Nós estamos perante
uma doação, e esta doação é acompanhada pela imposição de um encargo. Acontece
que Francisco não cumpre esse encargo.
Temos de saber se o não cumprimento é ou não imputável, se não for imputável a
obrigação extingue-se, caso seja imputável a mãe tem legitimidade para exigir propor
uma ação de cumprimento daquele dever. E mais do que isso, foi expressamente
previsto pelo contrato, a faculdade de resolução.

António, comprou à garagem X com sede no Porto, um Renault laguna do ano de 2004
cujo conta Kl marca cerca de 143 mil k. O preço acordado foi de 10 mil euros. Já na
posse do veículo, pode contatar através da consulta do livro de assistência, que
aquando da última revisão, o veículo tinha registado cerca de 800 mil kl como
quilometragem percorrida.
Pode, António desvincular-se do negócio?

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Estamos perante um erro. É inequívoca que há aqui uma falsa representação da


realidade. O que nós não sabemos, e temos de questionar, é se este erro é apenas um
erro em que António espontaneamente incorreu, ou se, pelo contrário, podemos
qualificar este erro.
Podemos em teria de arranjar aqui três hipóteses: o conta quilómetros avariou e
deixou de funcionar quando atingiu os 143 mil quilómetros, e o vendedor não se
apercebeu de nada (não sendo esta hipótese muito plausível). Na segunda hipótese, o
vendedor alterou deliberadamente o conta quilometro para que em vez de 800 mil
constassem 143 mil. Na terceira hipótese, o conta quilómetros avariou, sendo que o
vendedor soube disso, e não esclareceu o comprador.
A primeira hipótese, talvez não seja muito viável. Sobretudo porque o vendedor é uma
garagem. Estando em causa um profissional tem deveres de esclarecimentos
acrescidos pelo vendedor.
Sendo a nossa hipótese enquadrada nestas duas SUB hipóteses, estamos a lidar com
uma hipótese de dolo. isto porque, foi utilizado um estratagema para conscientemente
induzir em erro o declarante. Ou então, não foi utilizada essa artimanha, mas
deliberadamente omitiu-se um dever de esclarecimento que fez com que António
permanecesse em erro.
O dolo tem que ser essencial, tem que haver esta qualificação do erro e conduz à
anulabilidade do negócio. Portanto, para além de conduzir à anulabilidade, poderia
ainda haver direito a uma indemnização por força de uma eventual resposanbilidade
pré contratual.
Vamos imaginar, que o António, mesmo que soubesse que o automóvel, tinha
percorrido 800 mil k teria na mesma comprado, mas não por 10 mil euros. Só teria
pagado 200 euros pelo automóvel. Aqui, alteram-se os termos do negócio, mas o
negócio mantém-se. Continuaria a ver dolo, mas o dolo não é essencial, mas sim
incidental. Neste caso, a consequência será a modificação dos termos do contrato.

Quid Iuris se o automóvel tivesse efetivamente percorrido apenas 143 mil k, mas
contra o que tinha sido dito pelo proprietário da garagem X, já tivesse sofrido um
acidente tendo em conta que o referido comerciante, ao dar a resposta, não tinha a
certeza do que afirmara.
Aqui o que nós temos é um comportamento que já não é deliberado, tendo aqui uma
indução em erro causada por negligencia. Isto coloca o problema de saber se nós
podemos ou não equiparar esta negligencia a uma hipótese de dolo, enquanto vicio da
vontade. Já sabemos que a doutrina se divide, e que há autores que respondem
negativamente. Mas depois, ao responderem negativamente vêm permitir através do
regime da responsabilidade pré contratual, a desvinculação do contrato, isto porque
haveria aqui responsabilidade pré contratual.

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Outros autores, vêm afirmar que é possível equiparar estas hipóteses ao dolo
enquanto vicio da vontade. Parecendo a melhor posição à Doutora Mafalda.
Neste caso concreto, e de acordo com o enunciado, nos tínhamos ainda a hipótese de
considerar que haveria efetivamente dolo enquanto forma de culpa e não meramente
uma indução em erro. Pois, tudo dependeria do estado psicológico do sujeito.

Filipe, entregou na loja X, uma peça de um serviço de jantar para que a partir daquela
pudessem reproduzir uma jarra com os mesmos desenhos. No momento em que
entregou a peça do serviço, obrigaram-no a assinar um documento no qual constava o
seguinte: não nos responsabilizamos por quaisquer danos que ocorram na peça em
que foi entregue. O prato em questão partiu-se.
Quid Iuris?
Temos uma hipótese em que temos um contrato a qual é aposta uma clausula de
exclusão de responsabilidade, o problema que nós temos de colocar é da validade
desta clausula da exclusão de responsabilidade. Só será valida se excluir a
responsabilidade por culpa leve, será nula se excluir a responsabilidade por culpa
grave.
Se nós olharmos para esta clausula na sua literalidade, parece que ela abrange o dolo e
a culpa grave. Para salvar esta clausula temos que a reduzir, ou pelo menos interpretá-
la por forma a reduzi-la. Isto significa que se o prato se partiu por culpa leve, não
haverá direito a uma indemnização. Se o prato se partiu por culpa grave haverá direito
a uma indemnização.

António ameaçou Francisco, de que mataria o seu cão de estimação se ele não lhe
vendesse o automóvel. É válido este negócio?
É um caso de coação moral, aqui a declaração é emitida por força de afastar um vicio,
uma ameaça ilícita que é feita com vista a extorquir essa mesma declaração negocial. A
ameaça é ilícita porque os próprios meios são ilícitos.

Quid Iuris, se João não ameaçasse Francisco, mas lhe dissesse que ou ele lhe vendia o
automóvel ou ele enquanto bombeiro, não resgataria o seu cão de estimação que
estava num penhasco prestes a cair ao mar.
Aqui temos uma hipótese de estado de necessidade. Reparemos agora que o perigo já
não resulta da ameaça, mas o perigo é anterior a qualquer atuação de João, e a única
coisa que João faz é usar esse perigo pré-existente para tentar obter uma vantagem
que de outra forma não obteria.

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Há autores que entendem que, numa hipótese como esta, não podemos recorrer ao
estado de necessidade. Parecendo à doutora Mafalda totalmente descabido.
Temos aqui uma hipótese de necessidade em concreto, que faz necessariamente com
que a vontade do sujeito esteja diminuída naquele caso em concreto.

António, instaurou uma ação declarativa de condenação contra Bernardo, pedindo que
seja declarada a transação efetuada na ação julgada pelo tribunal de relação de vila
verde, e que a ré seja condenada a pagar a quantia de 8 mil euros, a título de
indemnização pela paralisação do seu veículo.
Fundamente este pedido, de um acidente de viação que ocorreu em 20 de setembro
de 2018.
Na sequência desse acidente de viação, António instaurou contra o reu uma ação de
indemnização a qual terminou com uma transação homologada por sentença. Na qual
António, aceitou receber a quantia de 2.500 euros. Sucede, porém, que apos o acordo
realizado, recebeu do hospital faturas por liquidar resultantes dos tratamentos a que
foi sujeito e que totalizaram a quantia de 3.900 euros. Bem como faturas da oficina
onde tinha mandado concertar o automóvel, que ascendiam a 5 mil euros e que não
foram até hoje pagas, por falta de capacidade a pagar.
Como é que poderemos julgar esta nova ação que foi instaurada contra o Bernardo?
Há uma incorreta ou inexata representação da realidade. Mas neste caso concreto, o
erro não é sobre a base do negócio, é mais do que isso, é erro sobre o objeto-
montante indemnizatório.

A cooperativa de habitação X, construiu cm base nas contribuições dos cooperadores


um bloco de apartamentos que depois seriam vendidos a um preço muito inferior ao
peço total, segundo a logica da economia cooperativa. António, estudante de direito,
pretende saber se a aquisição de cada um dos cooperadores, faz de cada apartamento,
a um preço muito inferior ao preço de mercado, até com eventual prejuízo para a
cooperativa, pode ser entendido como um negócio gratuito.
Quid Iuris?
Este benefício que é gerado resulta do próprio funcionamento do sistema cooperativo.
Não há aqui um animus liberandi.

António acordou com Filipa, que ele levaria todos os dias de manhã ao seu local de
trabalho, já que este fica situado ao lado do seu local de trabalho. Contudo, por
diversas vezes, António não comparecia à hora combinada, fazendo com que filipa

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chegasse atrasada e fosse penalizada em termos salariais. Filipa furiosa, pretende


reagir contra António, exigindo uma indemnização. Poderá fazê-lo?
Se nos tivermos um contrato entre A e F há aqui claramente um não cumprimento,
que pode redundar no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos sofridos. O
problema aqui é que nos não estamos perante um negócio jurídico, mas estamos
perante um negócio de mera obsequiosidade, um acordo de visa social em que é
estranho criar uma vinculação jurídica.

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