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Teoria Geral Direito Civil: 2º Semestre

1. Teoria Geral do objeto da Relação Jurídica

1.1 Objeto da relação jurídica

O direito subjetivo traduz-se num poder atribuído a uma pessoa. este poder e as faculdades que o
integram, podem, quase sempre, ser exercitados sobre um determinado quid, corpóreo ou
incorpóreo. Esse poder/faculdades que incidem sobre determinado ente (coisa ou pessoa)
conferem a possibilidade de exercer uma soberania ou domínio sobre um bem. O objeto da
relação jurídica é precisamente o quid sobre que incidem os poderes do seu titular ativo.

Desta forma é possível distinguir entre aquilo que é o objeto de um direito e o conteúdo do mesmo
direito. O objeto é aquilo sobre o qual recaem os poderes do titular do direito. O conteúdo é o
conjunto dos poderes ou faculdades que o direito comporta. Por exemplo, o objeto do direito de
propriedade é a coisa apropriada, já o conteúdo do direito de propriedade são os poderes conferidos pelo
ordenamento jurídico ao proprietário como o poder de usufruir, dispor.

Assim, conclui-se que os direitos potestativos não têm objeto, isto porque não se traduzem na
incidência de quaisquer poderes ou de qualquer domínio sobre um bem. São direitos a uma
modificação jurídica como a extinção, modificação ou constituição de relações jurídicas. Atuam
com carácter conformador sobre o mundo, puramente pensado, das relações jurídicas.

1.2 Objeto Mediato e Imediato

Podemos distinguir dentro do objeto da relação jurídica, o objeto mediato e o objeto imediato.
A distinção faz-se entre aquilo que diretamente está submetido aos poderes reais que integram um
direito subjetivo (objeto imediato) e aquilo que só de uma forma mediata ou indireta, ou seja,
através de um elemento mediador, está submetido àqueles poderes.

No entanto, nos direitos reais não há intermediário entre o titular do direito e a coisa. Por exemplo,
o proprietário está em contacto direto com o objeto do seu direito, colhendo diretamente dele as
respetivas utilidades, sob a tutela do ordenamento jurídico que atua positivamente e
negativamente. A distinção entre objeto mediato e imediato verifica-se nos direitos de crédito de
prestação de coisa certa e determinada, nelas o objeto imediato do direito do credor é o
comportamento do próprio devedor (ato de entrega da coisa). O objeto mediato é a própria coisa
que deve ser entregue ao credor.
1.3 Possíveis objetos de relações jurídicas

O artigo 202º CC estabelece equivalência entre os conceitos de “coisa” e “objeto de relações


jurídicas” e enuncia no artigo as várias classificações das coisas. Mota Pinto considera, porém, que
a equivalência não é rigorosa, porque as coisas, apesar de serem a espécie mais corrente de objeto
de relações jurídicas, não esgotam, contudo, a extensão do conceito de objeto jurídico.

✓ Pessoas: estes direitos sobre as pessoas têm um conteúdo especial, sendo poderes-deveres
ou poderes funcionais. Ex.: direitos integrados nos institutos do poder paternal- artigos
1878º; 1881º; 1886º e do poder tutelar- 1935º que estão ao serviço do interesse do próprio
filho ou do pupilo. O quid sobre que incidem os poderes-deveres do pai ou do tutor consiste
na própria pessoa do filho. Estes são direitos que conferem poderes destinados a
habilitarem os pais ou o tutor ao cumprimento dos seus deveres para com o filho ou pupilo,
podendo os titulares de tais direitos ser sancionados se não exercerem e não cumprirem os
deveres ao serviço dos quais eles se encontram.

✓ Prestações: nos direitos de crédito o objeto é a prestação. Nestes direitos o objeto não é
rigorosamente uma coisa, mas um comportamento do devedor (uma atividade nas
obrigações de prestação da coisa- 829º CC).

✓ Coisas materiais ou corpóreas: é necessário que estes objetos revistam certos requisitos
como existência autónoma, idoneidade para satisfazer interesses humanos, isto é, devem
ser úteis, possibilidade de serem apropriáveis

✓ Coisas incorpóreas ou bens imateriais: estes bens têm um valor patrimonial autónomo,
pois podem ser explorados economicamente. Para além do seu valor patrimonial, alguns
deles (obras literárias; científicas; intelectuais) estão intimamente ligados à personalidade
do seu autor, pois esta está refletida na obra criada. Compreende-se, assim, que o direito
reconheça esses bens e tutela os aspetos patrimoniais e pessoais apontados. Tutela-se a
atribuição, a titulo de aquisição originária, de direitos ao autor das obras. São chamados os
direitos de autor e a chamada propriedade industrial. O objeto de tais direitos não são coisas
corpóreas. O objeto do direito é a obra na sua forma ou conceção ideal. É a entidade ideal,
traduzida numa específica articulação de ideias, de formas, de sons. O conteúdo do direito
de autor compreende poderes respeitantes á utilização económica da obra criada, isto é, o
chamado direito patrimonial de autor.

2. As coisas e o património
2.1 Noção jurídica de coisa

Num sentido jurídico de coisa, há que ter em conta o artigo 202º CC que estabelece “diz-se coisa
tudo aquilo que poder ser objeto de relações jurídicas”

Contudo, para Mota Pinto esta definição do CC não é rigorosa, pelo que deve considerar-se
“coisas” como os bens (ou os entes) de carácter estático, desprovidos de personalidade e não
integradores do conteúdo necessário desta, suscetíveis de constituírem objeto de relações jurídicas.

Para ser objeto de relações jurídicas, devem apresentar as seguintes características:

▪ Existência autónoma ou separada: uma casa é uma coisa, não o sendo cada uma das pedras
ou das paredes que a integram, enquanto absorvida ou incluída no todo
▪ Possibilidade de apropriação exclusiva por alguém: não são coisas os bens que escapam ao
domínio do ser humano
▪ Aptidão para satisfazer interesses ou necessidades humanas

O CC define várias classificações de coisas, decorrentes das classificações que consagrou. Assim, o
CC define no artigo 204º e seguintes as coisas imóveis e as coisas móveis, as coisas simples e
compostas, as coisas fungíveis, as coisas consumíveis, coisas divisíveis, coisas principais e as coisas
acessórias e ainda as coisas futuras.

➔ Coisas corpóreas e incorpóreas: as primeiras são apreendidas pelos sentidos. As segundas


têm um regime especial- artigo 1303º CC como direitos de autor e de propriedade
intelectual, aplicando-se subsidiariamente o CC

➔ Coisas móveis e coisas imóveis: as móveis são definidas pela lei por exclusão (artigo 205º
CC). As coisas imóveis a lei enumera no artigo 204º, sendo que esta enumeração é taxativa
(embora alguma doutrina discuta esta taxatividade).

Em princípio, tudo aquilo que não estiver previsto no artigo 204º CC, serão coisas móveis. Dentro
do artigo 204º é feita uma outra distinção entre coisas imóveis per si (alíneas a) e b)) e coisas
imóveis por destinação (alíneas c); d); e) isto é, coisas que só são imóveis, porque estão numa
relação especial com um imóvel. No caso dos prédios rústicos e urbanos- são imóveis per si.

Ex.: Se temos uma moradia com jardim, esta moradia não é um prédio urbano e o jardim um prédio
rústico. O conjunto desta moradia com jardim é um prédio rústico, pois esta noção abrange o edifício e os
terrenos que lhe servem de logradouro. A lei exige que elas estejam incorporadas no solo.
Esta distinção entre prédios rústicos e prédios urbanos, estando contida no direito civil, será
aplicável em todas as situações que não haja outra definição distinta.

Coisas imóveis por destinação (enquanto estiverem ligadas ao solo) como as árvores, arbustos e
frutos naturais. o critério que novamente releva para a classificação enquanto bem imóvel é o
critério da fixação ao solo. São imoveis, não pelas suas características próprias, mas por estarem
materialmente agarradas ao solo, o que significa que, se o prédio rústico a que elas estão ligadas
for vendido, estes imóveis seguirão o mesmo destino (mas tal não significa que não possam ser
alienadas separadamente da titularidade do solo).

PERGUNTA: será que o contrato de compra e venda de maçãs de um terreno de um pomar exigirá
escritura pública ou documento particular autenticado, como o que está previsto para a compra e
venda dos restantes imóveis?

Tem-se entendido que não, porque, no fundo, estas coisas são consideradas no contrato na sua
posição futura. Ou seja, apesar de, no momento em que o contrato se celebra, elas serem imóveis,
elas são vendidas já como móveis. Por outro lado, as razões que levam à existência das exigências
de forma para os imóveis não parecem se aplicar nesta situação.

Agora, apesar de estas coisas móbeis poderem já ser autonomamente negociadas, isso não significa
que o negócio produza imediatamente todos os seus efeitos, porque o artigo 408º, nº2 CC diz que,
se transferência do direito real diz respeito a frutos naturais, ela só se dá no momento da colheita
ou separação. Desta forma, o negócio que tem por objeto as frutas que ainda estão numa árvore, o
efeito translativo da propriedade (o efeito real) não se dará imediatamente com a celebração do
contrato, mas será adiado até ao momento da separação. Contudo, este contrato produz, desde
logo, os efeitos obrigacionais, isto é, o vendedor está obrigado a fazer tudo o que está ao seu alcance
para que o comprador obtenha a propriedade (artigo 880º CC).

Partes Integrantes dos prédios rústicos e urbanos (artigo 204º, nº3 CC): são coisas que, no
fundo, valem por si, ou seja, se elas forem desligadas do imóvel, continuam a existir. Além disso,
também caem no contexto do artigo 408º CC, ou seja, a transferência da propriedade destas partes
integrantes só se dá com a separação, o que leva a que também se imponha, nos negócios que
incidem sobre elas, ao devedor os deveres plasmados no artigo 880º CC. Portanto, estas partes
integrantes exigem uma ligação permanente e material ao prédio. Ex.: radiadores de aquecimento
de um edifício. São imóveis, mas podem ser mobilizados e negociados enquanto coisas móveis.
Daí que caiam no contexto do artigo 880º.
As partes integrantes distinguem-se das partes componentes que, diferentemente das partes
integrantes, formam a própria coisa: se forem desligadas do imóvel, o imóvel deixa de cumprir as
suas funções ou não as cumpre de uma forma tão cabal. Os artigos 880º e 408º, nº2 CC também
se referem a estas partes componentes.

Diferença entre contrato de comodato e contrato de mútuo: no comodato aquele que recebe a
coisa está obrigado a devolvê-la no final do contrato. No contrato de mútuo o que tem de ser
devolvido é outro tanto do mesmo género e qualidade.

Coisas acessórias: artigo 210º CC: são coisas móveis, e apesar de estarem afetadas de forma
duradoura ao serviço ou á ornamentação de outra coisa, elas não têm ligação material
relativamente à outra coisa que as partes integrantes apresentam relativamente a um imóvel. Ou
seja, se se vender um imóvel e houver coisas acessórias e nada é referido quanto a essas coisas
acessórias, as coisas acessórias não ficam abrangidas no negócio- elas apenas são abrangidas no
negócio se houver uma declaração expressa nesse sentido.

Coisas futuras: a lei admite alguns negócios sobre coisas futuras, nomeadamente, a compra e
venda de coisa futura. O artigo 408º, nº2 CC diz que, quando a transferência respeitar a coisa
futura, a transferência do direito real tem lugar no momento em que a outra parte se torna
proprietário da coisa.

Frutos: artigo 212º CC: são uma coisa produzida por outra coisa de forma periódica, sem prejuízo
da sua substância. Temos os frutos naturais (provêm diretamente da coisa) e frutos civis (rendas
ou interesses que a coisa produz em consequência de uma relação jurídica). A lei pressupõe ainda
a distinção entre frutos pendentes e frutos percebidos, quer para os frutos naturais quer para os
civis. Para os frutos naturais os frutos pendentes são aqueles que ainda não foram separados da
coisa e os percebidos são os frutos que já foram separados da coisa. Para os frutos civis o critério é
o efetivo recebimento do fruto; quando ele é efetivamente recebido, é um frito percebido. Antes
disso é pendente.

Benfeitorias: artigo 216º CC: são todas as despesas para a conservação ou melhoramento de uma
coisa. As benfeitorias podem ser necessárias (têm por fim a perda, destruição ou deterioração das
coisas), úteis (aumentam o valor da coisa, mas não são indispensáveis à conservação dela) e
voluptuárias (apenas servem para recreio do benfeitorizante). Esta classificação tem importância
no regime das benfeitorias: de um modo geral, o possuidor de boa fé tem direito a ser indemnizado
das benfeitorias necessárias que haja feito e a levantar as benfeitorias úteis e voluptuárias. Quanto
às voluptuárias, se não for possível o levantamento sem detrimento da coisa, não as levantará nem
poderá haver o seu valor.

3. Teoria Geral do Negócio Jurídico

3.1 Noção de facto jurídico

Facto jurídico é todo o ato humano ou acontecimento natural juridicamente relevante. Esta
relevância jurídica traduz-se na produção de efeitos jurídicos.

3.2 Classificação de factos jurídicos

A primeira grande classificação é entre factos voluntários/atos jurídicos e factos


involuntários/naturais. Os atos jurídicos resultam da vontade como elemento juridicamente
relevante, são manifestações ou atuações de uma vontade. Os factos naturais são estranhos a
qualquer processo volitivo, ou porque resultam de causas de ordem natural ou porque a sua
eventual voluntariedade não tem relevância jurídica.

Os atos jurídicos podem ser ilícitos ou lícitos. Os atos ilícitos são aqueles que são contrários à
ordem jurídica e por ela reprovados, impondo uma sanção para o seu autor. Os atos lícitos são
conformes á ordem jurídica e por ela consentidos. Dentro dos atos jurídicos distinguem-se ainda
entre negócios jurídicos e simples atos jurídicos (ou atos jurídicos stricto sensu). Os negócios
jurídicos são factos voluntários cujo núcleo essencial é integrado por uma ou mais declarações de
vontade a que o ordenamento jurídico atribui efeitos jurídicos concordantes com o conteúdo da
vontade das partes. Nos negócios jurídicos, o comportamento de cada parte aparece exteriormente
como uma declaração visando certos resultados prático-empíricos, sob a tutela do ordenamento
jurídico e os seus efeitos determinados pela lei são os correspondentes aos resultados cuja intenção
foi manifestada. Os efeitos do negócio jurídico produzem-se ex voluntate e não apenas ex lege. Já os
simples atos jurídicos são factos voluntários cujos efeitos se produzem, mesmo que não tenham
sido previstos ou queridos pelos seus autores, embora muitas vezes haja concordância entre a
vontade destes e os referidos efeitos. Não é, todavia, necessária uma vontade de produção dos
efeitos correspondentes ao tipo de simples ato jurídico em causa para a eficácia se desencadear. Os
efeitos dos simples atos jurídicos produzem-se ex lege- ex.: interpelação do devedor (artigo 8053º CC);
gestão de negócios (artigod 454º e ss), fixação de domicílio voluntário (artigo 823º)…

Dentro dos simples atos jurídicos distinguem-se os quase negócios jurídicos dos atos reais ou
operações jurídicas. Os quase negócios jurídicos traduzem-se numa manifestação exterior de uma
vontade. É o caso da interpelação do devedor, da gestão de negócios, da notificação da cessão de
créditos. Os atos reais traduzem-se na efetivação ou realização de um resultado material ou factual
a que a lei liga determinados efeitos jurídicos.

FACTO JURÍDICO

ATOS JURÍDICOS FACTOS NATURAIS

Negócios Jurídicos Simples Atos Jurídicos

Quase Negócios Jurídicos Atos Reais

4. O negócio jurídico

Qual é a relação desta declaração de vontade com a produção de efeitos jurídicos? Importa
perceber a relação que existe entre a declaração de vontade dos autores e os efeitos jurídicos que a
lei atribui ao contrato. Há várias teorias que respondem a esta questão:

➔ Teoria dos efeitos jurídicos: de acordo com esta, há uma correspondência exata e
completa entre a vontade declarada e os efeitos jurídicos do negócio que se reportam àquela
vontade. No entanto, há efeitos jurídicos que decorrem de normas com natureza supletiva
que não são afastadas e, nesses casos, esta teoria dizia que esses efeitos são ainda imputáveis
à vontade através de uma estipulação tácita aos intervenientes. Crítica: a realidade é que,
muitas vezes, os autores dos negócios jurídicos não têm uma ideia clara e completa dos
efeitos que irão decorrer das suas declarações de vontade, acabando até por desconhecer
alguns destes.

➔ Teoria dos efeitos práticos: esta teoria vem dizer que basta que a declaração de vontade
dos intervenientes se dirija à produção de determinados efeitos práticos ou materiais. Não
terá de haver uma vontade no sentido de abranger todos os efeitos jurídicos do negócio.
Crítica: também parece que não basta que as declarações de vontade se fiquem apenas pelos
efeitos práticos, sob pena de eventualmente estarmos perante figuras que escapam á
cobertura da ordem jurídica e que não são, de facto, negócios jurídicos, e não produzem,
por isso, efeitos jurídicos.
➔ Teoria dos efeitos prático-jurídicos: é uma simbiose dos méritos das doutrinas anteriores,
seguindo uma linha intermédia, que nos diz que se exige aos declarantes a vontade de
produzir efeitos jurídicos, mas não é preciso que essa vontade cubra todos os efeitos
jurídicos que o negócio produz, bastando que se reporte a alguns desses efeitos.

A vontade pode ser dirigida à produção de efeitos práticos, mas para tal, é necessário que os
intervenientes se proponham a alcançar esses resultados práticos por via jurídica, é através desta
vontade dirigida á produção de efeitos jurídicos, que corresponde a uma vontade negocial e que
permite distinguir esta vontade negocial de uma vontade extra negocial.

Portanto, para que tenhamos um negócio jurídico, temos de ter uma vontade dos intervenientes
do negócio de produção de efeitos jurídicos, ainda que essa vontade não cubra todos os efeitos que
o negócio produza.

Temos de ter em atenção que, frequentemente, temos acordos em que não existe a intenção de
chamar a cobertura do direito à produção de efeitos jurídicos. Está-se a referir concretamente aos
chamados “acordos de cavalheiro” e aos “negócios de pura obsequiosidade”, que escapam à sanção
do direito, cujos efeitos não são efeitos jurídicos, mas sim efeitos meramente sociais. Portanto, a
sua sanção poderá ser uma sanção moral, mas nunca jurídica.

A distinção entre negócios jurídicos e um negócio de pura obsequiosidade é muito importante e


para isso teremos que ver as regras do ónus da prova: na dúvida entre um e outro, cabe á parte que
quer prevalecer-se da existência de um negócio jurídico a prova de que, de facto, quiseram a tutela
do Direito para aquela situação concreta. Algo diferente é o que acontece nos casos dos acordos de
cavalheiro, em que será a parte interessada em demonstrar a falta de intenção negocial que tem o
ónus da prova de que, naquela situação concreta, faltou a intenção negocial, porque normalmente
são situações que são contratos. Aquele que invoca o contrário, é que terá de fazer prova disso, de
acordo com o artigo 342º CC

4.1 Elementos do negócio jurídico

▪ Elementos essenciais

Elementos essenciais do negócio jurídico em geral: são aquelas condições gerais necessárias para
que o negócio jurídico seja válido. É comum aos vários negócios. São estes a capacidade e
legitimidade das partes, a licitude das declarações de vontade e a idoneidade do objeto. A questão
da validade dos negócios jurídicos está relacionada com uma falha de um ou mais elementos
essenciais do negócio em geral, ou seja, quando nos perguntam se um negócio é válido ou não
temos que atentar para estes elementos essenciais. Ex.: A compra e venda tem como elementos
essenciais o preço e a coisa a ser entregue, o que permite distinguir este tipo de negócios de outro negócio
qualquer, nomeadamente da doação em que não há o preço

▪ Elementos essenciais de cada tipo legal do negócio

Elementos naturais: os efeitos que o negócio produz sem necessidade de uma estipulação que,
portanto, decorrem de normas supletivas e que podem ser afastadas mediante cláusula em
contrário

Elementos acidentais: são cláusulas que podem ser inseridas no negócio que não são essenciais
para caracterizar aquele tipo de negócio, mas também não se limitam a reproduzir estipulações
supletivas. No entanto, uma vez introduzidas no negócio, vão afetar os seus efeitos- são as
chamadas “cláusulas acessórias do negócio jurídico”.

O negócio está completo sem estas cláusulas, mas, sem estas, os negócios não produzirão os efeitos
que as partes desejam. Dentro destas cláusulas acessórias, temos as que a própria lei tipifica (termo;
modo; cláusula penal; condição; cláusula de juros)- cláusulas acessórias típicas. Há ainda clausulas
acessórias atípicas, que a lei não prevê, ao abrigo da liberdade contratual e da autonomia privada.

4.2 Classificação dos negócios jurídicos

1. Critério da estrutura do negócio

Negócios Jurídicos Unilaterais: temos apenas uma declaração de vontade ou várias declarações
de vontade num único sentido, formando um único grupo de vontades concorrentes/paralelas. A
declaração de vontade produz o efeito prático-jurídico pretendido por si só, não havendo qualquer
intervenção da pessoa. Ex.: testamento; ato de instituição de uma fundação; revogação/renúncia a uma
procuração. Estes negócios como fontes das obrigações, parecem estar sujeitas ao princípio da
tipicidade, ou seja, não podem ter lugar fora das hipóteses previstas na lei, nos termos do artigo
457º CC, embora haja alguma discussão neste âmbito.

✓ Receptícios: pode ser necessária que a vontade seja levada ao conhecimento de uma
determinada pessoa para ser eficaz (ex.: denúncia de um contrato de arrendamento)

✓ Não Receptícios: não é necessário que a vontade seja levada ao conhecimento de uma
determinada pessoa (ex.: testamento; instituição de uma fundação)
Negócios Jurídicos bilaterais/Contratos: temos duas ou mais declarações de vontade, que têm
conteúdos diversos e até opostos, mas convergem num resultado jurídico unitário. Normalmente
temos uma proposta e uma aceitação que são declarações de vontade. A proposta é irrevogável a
partir do momento em que chega ao destinatário- artigo 230º CC. A declaração negocial, segundo
o artigo 224º CC, torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida. Ex.: a aceitação
da proposta contratual chega à caixa de correio do proponente, mas ele só vai ao correio 15 dias depois da
chegada à sua esfera jurídica. O contrato formou-se 15 dias antes, porque o artigo 224º consagra a doutrina
da receção (a menos que tivesse dela tido conhecimento antes da chegada). A doutrina da receção diz
que o contrato fica perfeito quando a resposta contendo a aceitação do aceitante chega à esfera do
poder do proponente (quando ele recebe).

2. Critério das Obrigações Geradas pelo contrato:

Contratos Unilaterais: só resultam obrigações para uma das partes. Ex.: contrato de doação. Temos
duas declarações de vontade negociais (aquele que doa e aquele que recebe a doação) que geram obrigações
apenas ao doador, que tem de entregar a coisa doada. Ex2.: contrato de mútuo (artigo 1142º CC9:
temos duas declarações negociais (a parte que empresta e a que recebe) surgindo deste contrato apenas a
obrigação do mutuário de restituir.

Contratos Bilaterais: ambas as partes contraem obrigações, existindo uma correspetividade (nexo
causal) entre essas obrigações. Ex.: contrato de compra e venda (artigo 879º CC): o vendedor tem a
obrigação de entregar a coisa e o comprador tem a obrigação de pagar o preço. Ex2.: contrato de
arrendamento: o senhorio tem de proporcionar o gozo do imóvel ao arrendatário e este tem de pagar uma
renda ao senhorio.

Há institutos nos contratos bilaterais, nomeadamente, a exceção de incumprimento do artigo 428º


CC. Imagine-se que, num contrato de compra e venda, é estipulado que o pagamento da coisa e a
entrega da coisa são feitos em simultâneo. Então, suponha-se que, no dia estipulado, o vendedor
entrega a coisa e o comprador afirma que não tem o preço. Está o vendedor obrigado a cumprir a
sua parte? Ora, sendo um contrato bilateral e havendo a tal correspetividade, diz o artigo 428º CC
que é legítimo àquele vendedor que ia cumprir, não cumprir a sua parte, porque o comprador não
cumpre a sua parte. Por outro lado, também o artigo 801º, nº2 CC estipula a chamada condição
resolutiva tácita nas situações de impossibilidade de cumprimento culposo- temos aqui o
incumprimento culposo do devedor. O acredor por pôr fim ao contrato e exigir a restituição do
que prestou, uma vez que o contrato é bilateral.
Uma categoria intermédia são os chamados contratos intermédios que não são contratos
bilaterais. Temos inicialmente obrigações apenas para uma das partes, mas, depois, no decurso do
cumprimento do contrato, vão surgir obrigações também para a outra parte. No entanto, não
existe um nexo de correspetividade entre as obrigações pelo que não haverá lugar, nomeadamente,
à exceção de não cumprimento do artigo 428º CC.

3. Critério da finalidade e conteúdo do negócio

Negócios entre vivos: destinam-se a produzir os seus efeitos em vida dos intervenientes. A
esmagadora maioria dos negócios são entre vivos

Negócios mortis causa: destinam-se a produzir os seus efeitos após a morte das partes ou de uma
das partes. Serão sempre negócios jurídicos unilaterais, porque os pactos sucessórios, ou seja, os
contratos com efeitos mortis causa, são, em regra, proibidos- não pode haver negócios bilaterais
mortis causa (artigo 2028º CC, nº2). A única exceção será em sede de convenções antenupciais
(artigo 1700º CC).

Os pactos sucessórios, isto é, os contratos com efeitos mortis causa são, em regra, proibidos, salvo
nos casos expressamente previstos na lei- restrição importante à liberdade contratual- 2028º, nº2
CC. Os casos expressamente previstos na lei que constituem exceções a esta proibição são as
convenções antinupciais, admitindo-se pactos sucessórios (artigo 1700º CC).

4. Critério da validade do negócio estar dependente de um requisito formal

Negócios consensuais: a validade não está dependente da forma. Podem ser celebrados por
qualquer meio declarativo que permita exteriorizar a vontade.

Negócios formais/solenes: a validade do negócio está subordinada a um requisito formal. A lei


exige que as declarações de vontade dotem determinada figuração exterior. A forma é uma
determinada configuração exterior da declaração de vontade.

O Código Civil parte do princípio da liberdade de forma (artigo 219º CC). Quando a lei exige a
forma e esta não for respeitada, a declaração é nula (artigo 220º CC). Quando se exige forma, a
declaração deve constar de documento escrito. A regra da liberdade de forma conta com inúmeras
exceções: temos casos em que a lei exige documento autêntico e outros em que se exige documento
particular (artigo 363º CC).

5. Critério da natureza da relação jurídica


O princípio da liberdade contratual não se faz sentir com a mesma incidência nestas diferentes
modalidades de negócios:

Negócios Obrigacionais: domínio onde se faz sentir com maior intensidade o princípio da
liberdade contratual

Negócios Reais: a liberdade contratual verifica-se mais na modalidade de celebração de negócios


na medida em que existe uma tipicidade dos direitos reais e, portanto, a liberdade de modelação
destes negócios é mais restrita

Negócios Familiares: depende se são negócios pessoais ou patrimoniais. Temos mais liberdade
nos negócios com natureza patrimonial, mas a liberdade de negócios pessoais está praticamente
excluída no sentido da modelação destes negócios. Haverá, contudo, liberdade de celebração.

Negócios sucessórios: forte restrição da liberdade contratual, não só na modalidade de modelação


o conteúdo dos contratos, mas também na celebração dos mesmos (apenas nos negócios unilaterais
é que a autonomia privada tem uma expressão considerável).

6. Critério da natureza patrimonial ou pessoal da relação

Negócios Patrimoniais: o negócio tem uma natureza patrimonial. Para estes negócios, a vontade
real do declarante não é valorizada, de acordo com as regras de interpretação dos negócios

Negócios Pessoais: o negócio tem uma natureza pessoal. Para estes negócios, haverá uma
tendência, na sua interpretação, de valorizar a vontade real do declarante, atendendo ao tipo de
relação jurídica em causa.

7. Critério da existência de um nexo de correspetividade entre as prestações das partes

Esta distinção é feita dentro dos negócios patrimoniais. Temos os negócios onerosos (temos
prestações de ambas as partes com uma correspetividade, havendo implicações patrimoniais para
ambas as partes) e negócios gratuitos (apenas uma das partes tem uma desvantagem patrimonial,
na medida em que atua com um espírito de liberalidade, no sentido de querer proporcionar um
benefício à contraparte- ex.: doação).

Há regimes que são privativos dos negócios com natureza gratuita/onerosa. Por exemplo, no
âmbito da proteção de terceiros de boa fé, um dos requisitos do artigo 291º CC é o de que o
negócio seja oneroso. No regime de impugnação pauliana (artigos 610º e ss) que é a possibilidade
de um credor impugnar negócios celebrados com o seu devedor que venham a por em causa a
satisfação do seu crédito- este regime é distinto consoante os negócios em causa sejam gratuitos ou
onerosos. A lei facilita a impugnação dos negócios gratuitos, porque serão aqueles que irão afetar
a posição do credor. Se o devedor realiza negócios onerosos, por princípio, tal não colocará em
causa a posição jurídica do credor, mas tal poderá acontecer se tivermos uma simulação.

8. Critério de perceber se as partes sabem ad início os sacrifícios e vantagens que o


negócio comporta

Dentro dos contratos onerosos, distinguem-se:

▪ Contratos Aleatórios: as partes submetem-se a uma incerteza.

➔ Poderá ser um negócio do qual decorre uma única prestação, mas não se sabe quem
a vai realizar. Ex.: Aposta- o jogo e aposta não são, em regra, contratos válidos, e
mesmo quando são válidos, não são fontes de obrigações civis, senão obrigações
naturais, nos termos do 1245º CC.

➔ Poderá ser um negócio do qual decorre uma prestação certa e uma prestação incerta,
sendo que esta é muito superior àquela. Ex.: contrato de seguro contra danos- o
segurado tem uma prestação cera e o segurador terá que cobrir os danos sofridos
pelo segurado, sendo devida ou não consoante o segurado sofra danos

➔ Poderá ser um negócio do qual decorrem duas prestações quanto ao acontecer, mas
não se sabe qual o seu valor. Ex.: seguro de vida- conhecemos a prestação periódica
do segurado, sabemos que o segurador irá pagar ao segurado um valor, mas que
depende de quando ocorrer a morte do segurado

▪ Contratos comutativos: as partes sabem quais são as vantagens e desvantagens patrimoniais


associadas ao negócio (são conhecidas ad início). Ex.: compra e venda de bens futuros.

A vende a B a sua produção de vinho deste ano pelo valor x- se colocarmos a hipótese apenas nestes termos,
o preço será devido independentemente da produção que haja. Se assim for, o negócio é aleatório, porque
não se sabe ao certo a quantidade da produção de vinho e, por consequência, o preço a pagar.

A vende a B a sua produção de vinho deste ano pelo valor x por garrafa- o preço será estabelecido e,
portanto, temos um negócio comutativo.

9. Classificação ainda dentro dos negócios onerosos, mas diferente da anterior


Negócios parciários: negócios onerosos em que uma pessoa promete uma prestação a outra em
troca da participação nos proventos que a outra procura obter à custa daquela prestação. Há,
portanto, uma relação entre a realização de uma prestação (e os respetivos proventos) e o ganho
que a outra parte irá obter.

10. Critério dos negócios afetarem ou não a raiz do património

Negócios de mera administração: negócio com natureza patrimonial em que está em causa a
gestão corrente de determinado património, o que implica negócios de alcance limitado que não
ponham em causa o núcleo desse património. Visam apenas a conservação dos bens administrados
ou a frutificação normal desses bens (que podem ser negócios arriscados). Podem incluir atos de
alienação de bens, mas não podem por em causa o cerne do património. Ex.: venda da produção de
vinho- esta alienação é um negócio de mera administração, porque apenas está em causa a frutificação dos
bens, sem pôr em causa o núcleo do património deste individuo

Negócios de disposição: vão além da administração do património, ainda que sejam atos de gestão
do património, mas, no fundo, dispõem-se desse património. Ex.: por comparação ao anterior, se se
vendesse o terreno onde se encontram as vinhas.

Por vezes, a lei refere-se a esta distinção e estabelece requisitos para a realização de negócios de
disposição, facilitando os negócios de mera administração (ex.: era o que acontecia com o regime
de inabilitação, que foi substituído pelo acompanhamento de maiores).

5. Declaração Negocial

Os elementos essenciais do negócio jurídico são os requisitos de validade: legitimidade e capacidade


das partes, a declaração de vontade do sujeito e o objeto física e legalmente possível.

Para haver negócio jurídico precisamos de, pelo menos, uma declaração negocial, porque sem ela o
negócio não existe materialmente, enquanto a falta de outros requisitos (ex.: capacidade ou objeto)
põem em causa a validade do negócio, mas não propriamente a sua existência (ex.: se uma das partes
não tem capacidade, dizemos que o negócio existe, mas que não é válido, se não temos declaração
negocial, não temos sequer negócio).

A declaração negocial é um comportamento de uma pessoa que, de acordo com os usos, convenção ou
a própria lei, surge destinado, direta ou indiretamente, a exteriorizar um certo conteúdo da vontade
negocial

A vontade negocial é uma vontade dirigida à produção de determinados efeitos práticos, com a
intenção de que esses efeitos sejam judicialmente tutelados, ou seja, que o Direito venha proteger esses
efeitos.
Para que exista uma declaração de vontade negocial, basta um qualquer comportamento do sujeito que
apareça como tal, no sentido de que o comportamento em causa visto de fora tenha a aparência de uma
declaração negocial. Pode acontecer que, por detrás dessa exterioridade, falte a interioridade
correspondente, mas isso não implica que não exista declaração de vontade negocial (embora possa
ter efeitos). Assim, a declaração de vontade negocial é um comportamento que nos aparece, na sua
exterioridade, como dirigido á produção de determinados efeitos práticos com a cobertura do direito-
é o chamado comportamento declarativo, sendo que quem o adota é o declarante.

A pessoa a quem se dirige esse comportamento ou em cuja esferas jurídicas se hão de produzir os
efeitos visados pelo declarante é o declaratário.

Os negócios jurídicos são compostos por, pelo menos, uma declaração de vontade. Já nos simples atos
jurídicos a produção dos seus efeitos decorre diretamente da lei. Para eles, a lei vem dizer, no artigo
295º CC, que lhes são aplicáveis, na medida em que a analogia o justifique, as disposições relativas às
declarações negociais.

Isto leva-nos a que, nos atos não negociais de natureza pessoal, parece que não existirá analogia que
nos permita aplicar estas regras (ex.: perfilhação ou adoção não serão possíveis). Já nos restantes atos
não negociais com uma natureza não pessoal, parece que esta analogia se justifica, sobretudo nos quase
negócios jurídicos, em que existe uma manifestação exterior de uma vontade, ainda que os seus efeitos
não advenham dessa declaração de vontade.

A declaração negocial é composta por dois elementos:

(1) Elemento externo: declaração externa propriamente dita (comportamento exteriorizado)

(2) Elemento interno: a vontade, querer, atitude interna que, no geral corresponde ao
comportamento exteriorizado, mas pode não coincidir.

Dentro do elemento interno, podemos ainda fazer subdistinções:

❖ Vontade de ação: consciência/vontade de adotar um comportamento declarativo. Ora, esta


vontade de ação falta quando alguém adota um comportamento e não tem consciência que esse
comportamento significa um comportamento declarativo. Ex.: alguém está a mexer no
telemóvel e, ao mexer no ecrã, coloca o seu indicador numa aceitação de condições gerais do
contrato, sem consciência do que está a fazer.

❖ Vontade de declaração: vontade de aquela ação traduzir uma declaração negocial. Ora, faltará
vontade de declaração quando o sujeito não tem consciência de que está a emitir uma
declaração negocial. Ex.: a pessoa que está a mexer no telemóvel quer ler as condições do
contrato e até clica na aceitação das condições gerais do contrato, mas sem consciência de
que estava a emitir uma declaração negocial).

❖ Vontade negocial: vontade do conteúdo da declaração ou intenção do resultado. É a vontade


de realizar um negócio com um conteúdo correspondente ao significado dessa vontade. É uma
vontade de realizar um negócio determinado, sendo este negócio específico e concreto. não é
uma vontade negocial genérica de adotar um comportamento declarativo, mas sim dirigida à
celebração de um determinado negócio específico e concreto, com determinadas
características. Ex.: alguém pode dizer que quer adquirir um determinado bem e enganar-se a
mencionar o nome do bem. Neste caso, existe a vontade de ação e de declaração, mas falha a
vontade negocial, pois o agente quer vincular-se num determinado sentido e, por qualquer
lapso se vincula a um outro objeto.

Estas vontades estão encadeadas umas nas outras: a vontade negocial pressupõe as outras duas
vontades (podendo haver desvios). A vontade de declaração depende da vontade de ação para existir;
sem a vontade de ação, as outras duas não existem.

O declarante, para expressar a sua vontade, tem, em regra, à sua disposição todos os meios possíveis
para se expressar, na medida em que o CC parte do princípio da liberdade declarativa (artigos 217º e
218º CC). São possíveis quaisquer meios para expressar a vontade. No entanto, por vezes, o legislador
limita este princípio e exige que a declaração seja expressa (ex.: 957º e 731º CC)

A declaração expressa é uma manifestação direta da vontade, que se destina em primeira linha a
exteriorizar uma determinada vontade negocial. A declaração tácita é uma declaração indireta da
vontade, baseando-se num comportamento contundente do declaratário.

Quanto ao silêncio, o artigo 218º CC começa por dizer que o silêncio, em regra, não tem valor
declarativo, a não ser que tal valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção (artigo 923º, nº2 CC).
O silêncio não se confunde com a declaração tácita, pois nesta temos um comportamento, havendo
uma manifestação num determinado sentido, apesar de não ser direta. No silêncio, o que temos é a
ausência de vontade/comportamento (não temos sequer o elemento externo da declaração negocial).
Por outro lado, em relação ao silêncio, chama-se a atenção para o artigo 28º DL nº24/2014, de 14 de
fevereiro, que regula em Portugal os contratos celebrados com o consumidor à distância. Ora, no nº2
desse artigo, o legislador reforçou a regra do artigo 218º CC de que o silêncio não tem valor
declarativo.

Esta distinção ganha hoje novos contornos, porque, em face de introdução de nova nomenclatura nesta
área, voltamos a questionar estas fronteiras de um modo diferente. ex.: regulamento geral da proteção
de dados, cuja base assenta no consentimento do titular dos dados. Ora, o artigo 4º, nº11 do referido
diploma diz que há consentimento do titular quando temos uma manifestação de vontade livre,
específica, informada, explicita, pela qual o titular dos dados aceita, mediante declaração ou ato
positivo inequívoco, que os dados pessoais lhe dizem respeito sejam objeto de tratamento.

Declaração negocial presumida vs Declaração negocial ficta

Teremos uma declaração presumida quando a lei atribuiu a um determinado comportamento o


significado de uma declaração de vontade num determinado sentido, mas admite prova em contrário
(presunção iuris tantum). Ex.: artigos 926º; 2225º CC. A declaração é ficta é uma declaração também
presumida, mas a lei não admite, nestes casos, prova em contrário (presunção iuris et de iure). Ex.:
artigos 923º. nº2; 1054º CC

Declaração de Protesto vs Declaração de Reserva


As declarações de protesto surgem em contextos em que o declarante quer acautelar que a sua vontade
seja interpretada num determinado sentido, ou seja, quer evitar que a sua vontade seja tida como uma
vontade em determinado sentido. O agente receia que essa interpretação lhe venha a ser validamente
atribuída e, para o evitar, declara abertamente de que não é o seu propósito. É uma declaração pela
qual o declarante acautela que o seu comportamento não venha a ser interpretado com um determinado
sentido, que ele não quer atribuir a esse comportamento. No fundo é uma contradeclaração. Ex.:
imaginemos que há uma disputa quanto ao valor em dívida para um determinado devedor. O devedor
propõe-se a pagar ao seu credor, mas o credor não concorda que seja aquele valor em dívida, mas
aceita o valor oferecido, acrescentando que a aceitação não significa que concorde que não falta o
restante- é aceite sob protesto.

Dentro do protesto, temos a reserva para qual se acautela especificamente que certo comportamento
venha a ser interpretado como reconhecimento de direito alheio ou renúncia de direito próprio. O
declarante, mediante a reserva, evita que o seu comportamento seja interpretado como especificamente
a renúncia a um direito ou o reconhecimento de um direito alheio.

São declarações que pretendem ressalvar determinado sentido que poderia ser atribuído à sua
declaração, mas com o qual não estão de acordo.

6. Forma da declaração negocial

A forma de uma declaração é uma determinada figuração exterior de uma declaração de vontade. Num
sentido amplo, toda a declaração é formal, pois toda a declaração tem uma determinada figuração
exterior. No entanto estamo-nos a referir num sentido mais estrito, ou seja, apenas àquelas situações
para as quais se exige uma determinada manifestação exterior específica.

Esta questão da forma tem-lhes associadas determinadas vantagens e desvantagens:

Quais são as vantagens da declaração da vontade?

 Maior ponderação dos declarantes, evitando leviandades/precipitações na celebração dos


negócios jurídicos

 Dificultar determinados negócios, nomeadamente, negócios celebrados à distância e do crédito


ao consumo. A lei impõe determinada forma nestas negócios, precisamente para dificultar estes
negócios e evitar formas agressivas de vendas e permitir uma maior ponderação, de modo a
garantir a proteção do consumidor

 Expressão da vontade mais clara e precisa: quando se obriga à formalização, isso pressupõe
uma redação da vontade mais cuidada

 Facilitação de prova: a forma escrita permite mais facilmente a prova dos negócios e até a
distinção da fase pré-negocial da fase da celebração do contrato propriamente dita.

Quais são as desvantagens da declaração da vontade?


 Dificulta a celebração do contrato: são embaraços que são introduzidos à lei do negócio,
trazendo consigo custos e demoras, para além de poder levar a situações injustas

O legislador pondera tudo isto, estabelecendo o princípio da liberdade de forma como princípio geral
(previsto no artigo 219º CC), mas estabelece-o admitindo, no entanto, inúmeras exceções. De facto,
como regra, os declarantes não terão que adotar determinada forma. No entanto, eles podem querer
aditar determinada forma, ainda que a lei não o exija e, nestes casos, nós chamamos a esta forma a
forma convencional, por contraposição à forma legal, que é aquela que é exigida por lei em
derrogação ao artigo 219º CC. A forma convencional resulta da vontade das partes e, para esta
convenção, não é necessária a observação de qualquer forma, valendo o princípio da liberdade de
forma.

Mas, apesar desta forma convencional ser livre, ela não pode substituir a forma legal, sob pena
de violação de normas legais com natureza imperativa. Ex.: Se a lei exige para determinado
negócio, a escritura pública, as partes não podem determinar que esse negócio será válido com
documento particular autenticado. Mas, se a lei exige para determinado negócio, documento
particular autenticado, as partes podem considerar a necessidade de escritura pública, uma vez que
esta é hierarquicamente superior.

Âmbito da forma legal, voluntária e convencional

A lei diz, no artigo 221º CC, que a forma legal abrange, não só as cláusulas essenciais de um negócio,
mas também as cláusulas acessórias típicas. Serão válidas as estipulações verbais anteriores ao
documento ou contemporâneas apenas naqueles casos em que sejam cláusulas acessórias típicas que
não sejam essenciais, que não contrariem o conteúdo do documento e não sejam abrangidas pela razão
de ser da exigência do documento (incidam sobre matérias que não seja abrangidas pela razão de ser
do documento) e que se prove que correspondem à vontade das partes.

Isto é, o artigo 221º CC, estabelece um princípio de completude do documento. Exigindo a lei forma,
sendo ela adotada, presume-se que o documento está completo e contém todas as cláusulas que as
partes quiseram incluir no documento. Tal significará que as estipulações verbais não incluídas no
documento, anteriores ou contemporâneas do documento, serão nulas. Mas, poderão ser válidas se a
razão determinante da forma não cobrir aquelas matérias sobre as quais elas incidem, e, portanto, não
podem ser cláusulas sobre aspetos essenciais do negócio, nem sobre matérias já cobertas pelo
documento e que se prove que correspondem á vontade das partes.

Já se forem cláusulas posteriores ao documento, elas poderão ser válidas, exceto se estiverem
abrangidas pelas razões que levaram à exigência da forma, porque a lei permite sempre pactos
modificativos e abolitivos do negócio a que se chegou inicialmente.

A questão está em saber se podemos admitir cláusulas que não estão no documento. As cláusulas
que não estão incluídas no documento, ainda que sejam válidas, estarão sempre limitadas pelo disposto
no artigo 394º CC em matéria de prova. Este artigo que remete para o artigo 291º CC diz-nos que nos
é inadmissível a prova por testemunhas que tenha por objeto qualquer convenção contrária ou adicional
ao conteúdo do documento autêntico ou documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º
CC, ou seja, estas cláusulas não podem ser provadas através de prova testemunhal.

Em contraste, o artigo 222º CC diz que as estipulações verbais acessórias anteriores ou


contemporâneas ao escrito são válidas, quando se demonstre que são correspondentes à vontade do
declarante. As cláusulas posteriores ao documento também serão válidas, se não estiverem sujeitas a
quaisquer formalidades.

Ou seja, o ponto de partida do legislador num e noutro caso é diferente: nas situações em que se parte
dos negócios formais, parte-se de um princípio de nulidade destas cláusulas, nos negócios informais,
parte-se do contrário.

Formalidades substantivas vs formalidades meramente probatórias

As formalidades substantivas são aquelas que são exigidas, sob pena de invalidade do negócio
(artigos 219º e 220º CC). A sua falta é irremediável, conduzindo á invalidade do negócio, mais
concretamente, á sua nulidade. Esta consequência pode parecer radical, mas resulta da ponderação das
vantagens e desvantagens da formalidade. A nulidade tem vários efeitos, desde logo os referidos no
artigo 289º (o que foi prestado ao abrigo do negócio nulo terá de ser devolvido). A sanção para a falta
de forma só não será a nulidade quando a lei estipular de forma diferente.

Coisa diferente acontece relativamente às formalidades meramente probatórias, que apenas se


exigem para efeitos de prova do negócio. Ora, se a forma tem uma intenção meramente probatória,
então, sem ela, o negócio não será nulo. Será, no entanto, mais difícil de provar esse negócio, podendo,
no entanto, ser provado através de outros meios. O artigo 364º, nº2 CC faz esta distinção. É importante
esta distinção, pois a formalidade e outra não têm os mesmos efeitos.

Se faltar a forma convencional, a situação já será diferente, importando para tal o artigo 223º CC que
diz que, nestes casos, presume-se que as partes só se querem vincular com aquela forma. Logo, se não
existir forma, as partes não se quiseram vincular. Esta é uma presunção que admite prova em contrário,
logo, é ilidível (isto se a forma for convencionada antes da conclusão do negócio). Diferentemente,
se este pacto quando à forma surge em simultâneo com a vontade de vinculação ou após a celebração
do contrato, então o que a lei presume, nestes casos, é que esta forma é meramente probatória e não
tem o efeito de substituir o negócio, pelo que a sua falta não afeta a validade e a eficácia do negócio.

Momento da perfeição da declaração negocial (artigo 224º CC)

A declaração negocial é feita numa das modalidades previstas pelo artigo 217º CC, de acordo com a
forma escrita ou convencionada pelas partes ou sem forma, e a questão que se coloca agora é a de
saber quando é que esta declaração produz os seus efeitos. Não nos basta saber qual é a modalidade
da declaração ou se está preenchida a sua forma, mas também quando é que ela produz os seus efeitos,
isto é, o seu momento de perfeição.

Desde logo, é preciso distinguir entre declarações receptícias (artigo 224º nº1 primeira parte CC)
com um destinatário e declarações não receptícias (artigo 224º, nº1 segunda parte), isto é, sem
destinatário.

Declarações Receptícias: “a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que
chega ao seu poder ou é dele conhecida”. Estas declarações aperfeiçoam-se de acordo com a doutrina
da receção, ou seja, logo que cheguem ao poder do destinatário ou seja conhecida por este. É necessário
e suficiente que se verifique um destes pressupostos que o artigo 224º prevê: ou a chegada ao poder,
ou o conhecimento, para que a declaração se considere perfeita. Logicamente, se houver conhecimento
antes da chegada ao poder, não é necessário chegar ao poder. Para além disso, basta que a declaração
se encontre em condições normais para que possa ser conhecida do seu destinatário.
Mas, no artigo 224º, nº2/3 vem estabelecer duas regras auxiliares a esta doutrina da receção:
➔ O nº2 (“é também considerara eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi
por ele oportunamente recebida”) - este visa proteger o declarante, considerando eficaz uma
declaração que, só por culpa do destinatário, não foi por ele recebida. Ex.: se o carteiro entrega
a carta ao destinatário e o destinatário diz que se recusa a receber a carta, nós iremos
considerar que esta carta chega ao poder do destinatário, sob pena de se poder esquivar à
eficácia das declarações negociais.
➔ O nº3 (“A declaração recebida pelo destinatário em considerações de, sem culpa sua, não
poder ser conhecida é ineficaz”) – vem clarificar o que é que se entender por chegada ao poder,
auxiliando-nos para o nº1. Assim sendo, haverá chegada ao poder quando a declaração é
recebida em condições de o destinatário a conhecer. Se a declaração que o destinatário recebe
não está em condições e tal não é culpa sua, considera-se que não há eficácia, porque, no fundo,
não há chegada ao poder. Ex.: Se se dirigir uma carta a uma pessoa invisual, ou seja, uma
carta escrita em chinês a um português, não há perfeição da declaração negocial.
Declarações Não Receptícias: “as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta de forma
adequada”. Estas são eficazes logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada. Para
as não receptícias vale a teoria da exteriorização, isto é, basta que a vontade seja exteriorizada que já
teremos perfeição (ex.: caso do testamento- artigo 2179º CC; promessa pública- artigo 459º CC).
As declarações de vontade, concretamente, as propostas de contrato, a partir do momento em que é
recebida pelo destinatário ou dele é conhecida, torna-se, em regra, irrevogável (artigo 230º CC), saí
ser tão relevante sabermos quando é que as declarações se tornam eficazes. No entanto, o que a lei
admite é que, ao mesmo tempo em que a proposta se torna eficaz ou antes da eficácia da proposta, haja
uma retratação. Ex.: Supondo que A emite uma proposta por escrito e envia uma carta a B. Entretanto,
muda de opinião e telefona a B informando-o da alteração da sua decisão. A carta só chegará no dia
a seguir a esse telefonema. Se a retratação da proposta se tornar eficaz antes ou em simultâneo com
a proposta, então a proposta dele fica sem efeito. Mas se for posterior, então já não terá o efeito de
fazer caducar a proposta.
Esta solução consagrada no artigo 230º, nº2 visa proteger as expectativas do destinatário: se a proposta
é irrevogável a partir do momento em que se torna eficaz, o destinatário da proposta tem um direito
potestativo a aceitar o contrato. Daí que a lei só admita a retratação quando o destinatário não confia
na celebração do contrato, porque não sabe sequer da possibilidade dessa proposta.
Por outro lado, diz que a lei que a morte do proponente não obsta à conclusão do contrato, a menos
que fosse outra a vontade. A morte ou incapacidade do declarante posterior à declaração de vontade,
salvo o contrário constar da própria, não leva á conclusão do contrato. Se alguém emite uma proposta
negocial e, depois de emitir essa proposta, morrer ou se tornar incapaz, isso não prejudica a eficácia
da proposta. Logo, a lei está a proteger o destinatário da proposta. Mas, as consequências da morte
ou da incapacidade do destinatário são diferentes: se, entretanto, o destinatário da proposta morrer,
o que vai acontecer é que a proposta se torna ineficaz. Ainda que o destinatário, entretanto, tenha
emitido uma aceitação, que ainda não se tornou eficaz, e morre, quando o destinatário morre e,
entretanto, a aceitação chega ao proponente, não existe contrato, porque a proposta se tornou ineficaz
(artigo 231º, nº2 CC).
1. Supondo que ninguém morre, recebida a proposta pelo destinatário, o destinatário aceita. A
aceitação chega ao proponente e conclui-se o negócio
2. Também pode acontecer que o destinatário da proposta não responda ou então que rejeite o
contrato. Não há contrato
3. O destinatário da proposta pode ainda dizer que aceita, mas sugerir modificações. Entende-se
que esta aceitação com modificações, nos termos do artigo 233º CC, equivale á rejeição do
negócio, mas, se esta modificação for suficientemente precisa, tal equivalerá a nova proposta,
invertendo-se os papéis. Ex.: B passa a ser proponente, que dirige uma proposta a A. Há
contrato, neste caso, quando A emita uma declaração e esta declaração chegar á esfera de B
4. Pode acontecer ainda que a proposta tenha fixado um determinado prazo. O artigo 228º CC dá
algumas regras auxiliares quanto à contagem dos prazos e à duração da proposta contratual e a
aceitação chegue fora do prazo. Aqui, se o proponente recebe a aceitação tardiamente, o
contrato não se conclui, mas o regime previsto no artigo 229º depende de uma distinção: temos
de ver se a aceitação foi expedida fora de tempo, em condições em que nunca poderia chegar
a tempo ou, então, se foi expedida em condições de chegar a tempo e nunca chegou a tempo.
Se a aceitação chega fora do prazo, mas foi expedida a tempo, o aceitante está a contar que o
contrato se celebre, logo, a lei impõe que o proponente avise o aceitante, sob pena de responder
pelos prejuízos. Agora, o nº2 prevê que o proponente pode considerar a resposta tardia nestes
casos em que ela foi expedida em tempo oportuno. Quando foi expedida fora de prazo, o
proponente nunca pode considerar o contrato como concluído.
5. Se a proposta for dirigida a pessoas indeterminadas, em princípio, ela valerá apenas como um
convite a contratar. Um convite a contratar ainda não é uma proposta contratual (alguém
manifesta a sua disponibilidade para vir a contratar no futuro, colocando-se à disposição para
receber propostas de quem quiser vir a celebrar negócio com ele).
Entende-se que, para haver proposta contratual, é preciso que já existam elementos precisos,
necessários e essenciais para que as partes celebrem um contrato.
Ex.: Se tivermos uma proposta no jornal, entende que, como este anúncio é feito a pessoas
indeterminadas, é um convite a contratar, muito embora possa existir uma proposta contratual neste
termo. Por outro lado, a exibição de produtos numa montra de um determinado estabelecimento
comercial, na medida em que está lá o produto e o preço indicado, entende-se que já haverá aqui uma
proposta contratual. Se o cliente entrar e disser “aceito” nestas condições, o contrato estará
celebrado.
Outra questão diferente que se pode levantar tem a ver com as ofertas em rede, através de sites de
comércio eletrónico. Relativamente a estas hipóteses, já temos legislação específica (Decreto-Lei
nº7/2004). O artigo 32º diz-nos que a oferta de produtos/serviços em linha representa uma proposta
contratual quando contiver todos os elementos necessários para a aceitação do destinatário.
Relativamente á venda por catálogos, que no fundo, são a situação que antecede a oferta de produtos
em linha de comércio eletrónico, temos também legislação específica para estas situações (Decreto-
Lei nº24/2014). O artigo 21º refere-se especificamente aos catálogos, dizendo que os contratos fora do
estabelecimento comercial são precedidos através de catálogos, para que sejam propostas contratuais,
eles têm de conter pelo menos os elementos elencados neste artigo. Não contendo os elementos, resulta
do nº2 deste artigo 21º que deverão ser tidos como meros convites a contratar. Para considerarmos que
um catálogo ou suporte semelhante é uma proposta contratual, desde logo, tem de recorrer desse
catálogo uma vontade de vinculação imediata, mas o próprio artigo exige que estas menções constem
do catálogo, sob pena de o considerar como um mero convite a contratar.

Diferença entre proposta contratual e mero convite a contratar

Convite a contratar: declaração que não contem os necessários requisitos de forma ou de fundo para poder
ser qualificada como proposta contratual e que se destina a provocar esta

Proposta Contratual: declaração de uma pessoa a outra exprimindo uma vontade séria e definitiva de com
ela celebrar qualquer contrato, cujos elementos essenciais específicos a declaração consubstancia, sendo
simultaneamente feita na forma necessária ao contrato em causa, de tal modo que uma aceitação
incondicional da contraparte baste à conclusão do contrato.

6. Artigo 227º CC consagra a chamada “responsabilidade pré-contratual por culpa in


contrahendo” e diz-nos que é devida uma indemnização a quem causar danos na negociação
de um contrato, atuando em contradição com as regras da boa fé. Esta indemnização visará
colocar o outro negociante lesado na situação em que este se encontraria se não tivesse sido
frustrada a sua confiança na realização do negócio. É uma obrigação de indemnização que
depois irá prescrever nos termos do artigo 498º CC, conforme é dito no artigo 227º, nº2.
NOTA: Responsabilidade Pré-Contratual sanciona a culpa na formação dos contratos (chamada
culpa in contrahendo). A nossa lei, reconhecendo que durante as negociações destinadas à conclusão
do contrato, bem como na formação dele, as partes devem proceder segundo as regras da boa fé,
estabelece que se não o fizerem responderão pelos danos que culposamente causarem à outra parte.

Durante este período de formação do contrato, a lei exige a estes negociantes que estes atuem de boa
fé, sob pena de terem de indemnizar pelo seu comportamento antijurídico.

6.1 Dúvidas quanto ao conteúdo de uma ou mais declarações


negociais

Podem, desde logo, existir vários sentidos possíveis de uma declaração negocial. Pode o contrato ter
um conteúdo obscuro ou até apresentar uma determinada lacuna. Nestes casos, será necessário captar
o sentido da declaração negocial por via de interpretação ou de integração de lacunas. O que está aqui
em causa é uma operação semelhante àquela que é realizada através dos artigos 9º e 10º, relativos à
interpretação e integração de leis. O código versa estas questões nos artigos 236º e ss CC, sendo que
este conjunto de regras visam captar o sentido das declarações e não propriamente avaliar o conteúdo
(se é conforme ou desconforme com a lei), sendo esta uma análise posterior, depois do aferimento do
sentido.

O artigo 236º CC estabelece precisamente o princípio interpretativo geral das declarações negociais,
tendo por base o facto de a declaração negocial ser uma componente essencial do negócio jurídico. O
que nos diz é que a declaração vale com o sentido de um declaratário normal, logo, este princípio,
conforme decorre do texto do artigo 236º CC, vale para aquelas considerações que classificamos como
receptícias, isto é, que têm um destinatário. Portanto, estamos perante regras de interpretação relativos
às declarações receptícias. As declarações não receptícias não estão abrangidas pelo artigo 236º, tendo
de ver caso a caso quais serão as regras aplicáveis.

Ex.: Em matéria testamentária, há critérios diferentes em que a lei tenta procurar aquela que é a
vontade do testador (artigo 2187º CC).

Estas regras dos artigos 236º CC procuram conciliar alguns interesses em jogo e obviamente, nestes
casos, podemos ter interesses contrários dos intervenientes do negócio: o declarante terá interesse em
que valha a sua vontade e ao declaratário interessará aquilo que ele entendeu que o declarante quis
expressar. Portanto, o declaratário quererá confiar naquilo que ele próprio entendeu. O problema é que
a vontade é um elemento interno, puramente psicológico e, portanto, nós não conseguimos
captar/conhecer esse elemento interno do declarante. O que é suscetível de conhecimento é a
manifestação externa que o declarante realizou. Só através desta manifestação externa é que
conseguimos concluir que seja o que for relativamente à vontade real subjacente.
Assim, o fim da interpretação será o sentido da declaração negocial. Qualquer interpretação deverá
procurar averiguar a vontade por detrás da manifestação que se pretendeu declarar e é esta a vontade
que o artigo 236º CC alude quando fala em sentido da declaração. A interpretação parte de um
elemento objetivo (declaração) para obter o elemento subjetivo, na medida em que seja possível.

Relativamente a esta operação de interpretação, há duas doutrinas essenciais que têm conduzido à
teoria da interpretação do negócio jurídico:

 Teoria Subjetivista: o intérprete deveria procurar reconstituir a todo o custo a vontade do


declarante, procurando reconstituir a vontade real do declarante

 Teoria Objetivista: o intérprete deverá procurar o sentido exteriorizado através da declaração

Dentro da teoria objetivista, surge a teoria da impressão do destinatário, segundo a qual a declaração
valerá com o sentido que uma pessoa razoável, colocada nas situações concretas, lhe atribuiria (é o
sentido que uma pessoa normal teria entendido).

É esta posição objetivista que é adotada no nosso artigo 236º CC: o que importa ao nosso legislador
é captar o sentido que seria entendido por uma pessoa normalmente experiente (esclarecida colocada
na posição do declaratário, ou seja, se a pessoa tivesse na posse de todos os elementos que o
declaratário tinha, qual o sentido que lhe atribuiria. Isto com uma restrição, introduzida na última
parte do artigo 236º CC (o declarante tem de poder contar com o sentido a que se chega). Ou seja, é
necessário que o sentido obtido através da interpretação seja ainda imputável ao declarante, isto é, que
ele possa ter previsto esse sentido. Não podemos chegar a um resultado de interpretação que seja um
resultado estranho ao declarante, o negócio será nulo, uma vez que não há correspondência entre a
vontade e a declaração que é inconciliável.

No entanto, se o declaratário conhecer a vontade real do declarante, é esta que vale e não o resultado
da interpretação (nº2). Ou seja, se o declaratário sabia aquilo que o declarante queria dizer, então é
com este sentido que a declaração irá valer e não com o sentido que a chegaríamos através da
interpretação. Isto porque o artigo 236º CC claramente quer proteger as expectativas geradas no
declaratário face ao que entendeu da vontade do declarante. Mas, se o declaratário conhece a
verdadeira vontade do declarante, já não faz sentido estar a proteger esta confiança num sentido
imperfeitamente expresso, na medida em que o declaratário sabe exatamente o que é que o declarante
quis, mesmo que objetivamente a declaração comporte alguma ambiguidade.

Que elementos é que devemos ter em consideração para a interpretação do negócio?

Devemos ter em conta todos os elementos que uma pessoa normal colocada naquelas circunstâncias
teria em consideração, nomeadamente, qual é a prática daquele declarante, os interesses em jogo…

Se, feita esta interpretação, ainda assim chegarmos a um resultado ambíguo, a lei estabelece critérios
auxiliares no artigo 237º CC. Este artigo só se aplicará se, depois da operação de interpretação, ainda
subsistirem dúvidas, não sendo critérios para se lançar mão num primeiro momento. Eles surgirão
sempre que da interpretação surja um resultado que ainda seja ambíguo. Assim sendo, nos negócios
gratuitos, prevalece o sentido menos gravoso para o disponente e, nos negócios onerosos, o que
conduzir ao maior equilíbrio das prestações.

Se chegarmos a uma contradição insuperável entre os vários sentidos possíveis, aplicamos


analogicamente o artigo 224º, nº3 (a que nos referíamos aquando da perfeição da declaração negocial)
e, no fundo, considerar que a declaração é ineficaz, porque o seu sentido não pode ser apurado pelo
destinatário.

Temos ainda regras especiais em sede de cláusulas contratuais gerais. Portanto, estas regras da parte
geral do Código aplicar-se-ão sempre que não tenhamos regras especiais previstas em determinados
domínios. Os artigos 10º; 11º do Decreto-Lei nº446/85 revelam neste sentido: o artigo 10º diz que, em
primeira linha, se devem aplicar os critérios gerais do CC, mas depois, chegando a um contexto de
ambiguidade, o artigo 11º diz que valerá o sentido mais favorável ao aderente. A lei como forma de
proteção do aderente, na dúvida, manda interpretar estas cláusulas contratuais gerais contra o
predisponente das cláusulas e a favor do aderente.

Temos ainda algumas regras especiais para certos tipos de negócios, concretamente, o artigo 238º CC
faz referência aos negócios formais/solenes e o que se diz aqui é que o sentido a que se chega da
declaração tem de ter o mínimo de correspondência no documento, ainda que imperfeita (não podemos
chegar a um resultado interpretativo que não tenha qualquer expressão no documento). Caso não se
verifique qualquer expressão no documento, verifica-se uma situação de nulidade, proveniente de uma
invalidade por falta de forma (artigo 220º CC). Agora, nos termos do nº2 esse sentido pode valer se
corresponder à vontade real das partes e se as razões determinantes da forma do negócio não se
opuserem a essa validade.

Nos testamentos, a lei aqui, procura uma interpretação subjetivista, isto é, procura o sentido/vontade
real do testador, pelo que as regras são diferentes: os interesses em jogo são diferentes, porque, não
sendo a declaração receptícia, não temos que calcular os sentidos entendidos por aqueles que recebem
a declaração, pelo que não existem expectativas de terceiros a proteger nestas situações. Por outro lado,
o artigo 2187º CC relativamente aos testamentos, permite que se recorra a outros elementos objetivos
para se apurar a vontade real do testador. Em caso de erro na declaração, como é o caso do artigo 2203º
CC, quando o erro diz respeito à indicação do beneficiário, se da interpretação do testamento for
possível concluir a que pessoa ou bens ele pretendia se referir, a disposição vale relativamente a esta
pessoa ou a estes bens.

Quanto á integração, remos no artigo 239º CC, uma regra geral, que será afastada quando tenhamos
regras especiais quanto à matéria. Assim, em regra geral, a lei manda reconstituir a vontade conjetural
das partes, ou seja, tentar obter a vontade que elas teriam se tivessem previsto o ponto omisso, exigindo
também um requisito de boa fé relativa à vontade conjetural. Não se poderá é, com esta integração,
ampliar o objeto do contrato.

6.2 Divergências entre a vontade e a declaração

O que é que acontece quando se verifica uma discrepância entre a vontade e a sua manifestação?
Normalmente, a vontade e a manifestação da vontade são coincidentes, mas podem surgir situações
patológicas em que falta a coincidência do elemento volitivo interno e da aparência externa. Portanto,
a vontade que aparece exteriorizada não existe como tal, não tendo correspondência com a vontade
interna. Nestas situações, verifica-se uma divergência entre a vontade e a declaração (são as hipóteses
dos artigos 240º a 250º CC). Nestas várias hipóteses existem situações muito diferenciadas, com
características muito distintas, e para as quais a lei também oferece um regime diferenciado. Ou seja,
não há um regime único para as situações em que a vontade interna não corresponde á vontade
exteriorizada- temos regimes específicos consoante cada uma dessas situações. Às vezes essa
divergência é:

• Intencional:

➢ Simulação (artigo 240º ss): o que acontece na simulação, é que o declarante emite uma
declaração que não emite com a sua vontade, de acordo com o declaratário, e visa
enganar terceiros. O declaratário sabe da discrepância de vontade do declarante, sendo
que a ação conjunta dos dois visa prejudicar terceiros

➢ Reserva mental (artigo 244º CC): neste caso, o declarante emite uma declaração que
não coincide com a sua vontade, mas não há qualquer conluio com o declaratário. Pelo
contrário, aqui o declarante visa enganar o declaratário

➢ Declarações não sérias (artigo 245º CC): o declarante emite sem qualquer conluio uma
declaração que não corresponde à sua vontade e não pretende enganar terceiros, nem o
declaratário. O declarante, neste caso, está convencido de que o declaratário tem
conhecimento dessa divergência, embora o declaratário na realidade não tivesse
realmente conhecimento desta. Logo, o declarante não o pretende prejudicar.

O que temos em comum é a posição do declarante face à sua pretensão: ele declara algo que não quer.
O que muda em cada um destes casos é a posição do declaratário, e é de acordo com a posição do
declaratário que as 3 hipóteses se vão distinguir assim como o seu regime.

• Não Intencional

➢ Divergências Forçadas (coação física, artigo 246º CC): nestas hipóteses, o declarante é
um instrumento que está à mercê de outra pessoa para produzir a ação da qual é
declarada a manifestação de vontade. Verdadeiramente, não há ação do declarante neste
caso

➢ Divergências não intencionais ignoradas: falta de consciência da declaração prevista no


artigo 246º CC e o erro prevista no artigo 247º CC.

❖ Quanto á falta de consciência da declaração pode haver ou não vontade de ação.


Há um comportamento que é observado, mas com esse comportamento não se
quer manifestar nenhuma vontade jurídico-negocial. Ou seja, deste
comportamento resulta uma declaração que não corresponde à vontade do
declarante, pois falta ao declarante a consciência de fazer uma declaração
negocial. É um ato reflexo que é tido como uma declaração tendente a uma
vinculação jurídica, sem o conhecimento do agente.

❖ Erro na declaração: o declarante, sem se aperceber, emite uma declaração


negocial que não corresponde à sua vontade. Há um lapso no próprio declarante.
Temos uma divergência entre a vontade real e a vontade da declaração por força
de um equívoco do próprio declarante. O declarante faz a declaração, não quer
o declarado, mas o próprio declarante desconhece essa divergência uma vez que
ele se enganou ao expressar/formular a sua vontade.

Temos, portanto, aqui uma grande variedade de situações perante as quais se levanta a questão de saber
se os negócios jurídicos onde selas ocorrem são válidos ou inválidos e qual é o sentido com que vai
valer a declaração emitida- com o sentido correspondente à vontade real ou com o sentido que foi
atribuído pelo declaratário. Em todos estes casos há interesses em confronto, temos um interesse do
declarante, do declaratário, de terceiros e do tráfego jurídico na sua globalidade, que terão de ser
ponderados pelo legislador nas várias hipóteses.

Existem várias teorias para responder à questão da importância destas divergências:

1. Teoria da vontade: havendo divergências, o negócio será inválido, uma vez que atende
somente à sua vontade.

2. Teoria da culpa in contrahendo: parte desta validade da teoria da vontade, impõe a obrigação
de indemnizar, que recairia sobre o declarante para reparar o dano da confiança.

3. Teoria da responsabilidade: visa proteger a confiança e, nessa medida, estando o declaratário


de boa fé, consideraria o negócio válido para proteger a posição do declaratário

4. Teoria da declaração: tem várias posições, uma mais extrema que defende a produção dos
efeitos do negócio independentemente de terem sido queridos ou não: noutra formulação teria
em conta a confiança, e nesses termos só haveria invalidade quando a divergência fosse
conhecida do declaratário (posição adotada algumas vezes no nosso código) e finalmente há
uma terceira que defende a invalidade na hipótese do declaratário não conhecer a divergência
e ter captado um terceiro sentido à declaração.

O que prevê o CC? O nosso código nesta matéria uma posição marcadamente declarativa, mas não
temos uma solução uniforme para cada uma destas situações, não havendo uma posição única em cada
uma destas. Vamos ver para cada caso a solução consagrada pelo legislador.

SIMULAÇÃO

É a hipótese mais importante de discrepância entre a vontade a declaração, pois é a mais frequente na
prática e com maior relevância económica nestes termos. No artigo 240º está a noção de simulação:
São necessários 3 requisitos para que tenhamos um negócio simulado:

1. Divergência entre a vontade real e a vontade declarada

2. Acordo entre o declarante e declaratário (acordo simulatório)

3. Tem de haver a intenção de enganar (diferente de prejudicar) terceiros, que não tem
necessariamente de corresponder a uma prejudicação destes.

O facto de a lei exigir um acordo simulatório não impede que se verifique esta hipótese de simulação
em negócios unilaterais ou mesmo em atos jurídicos. Quanto aos negócios unilaterais, inclusive, o
legislador trata em local próprio a simulação do testamento (artigo 2200º CC). A declaração é unilateral
(testamento), no entanto, temos um acordo simulatório, podendo verificar uma situação deste género
em casos de negócios jurídicos unilaterais. Não é uma divergência particular dos contratos, pode-se
verificar em negócios unilaterais.

Modalidades da Simulação:

➢ Simulação Absoluta vs Simulação Relativa

A simulação absoluta decorre do artigo 240º, nº1 e a simulação relativa decorre do artigo 241º CC. Em
qualquer dos casos, temos uma hipótese de simulação, isto é, verificam-se os três requisitos referidos,
mas na simulação absoluta as partes não querem celebrar nenhum contrato. Na simulação relativa as
partes querem realizar certo negócio, mas ocultam o negócio que querem realizar sob a aparência de
um negócio com conteúdo ou um objeto diferente ou até mesmo entre partes distintas- é um negócio
oculto a que chamamos negócio dissimulado.

Ex.: finge-se vender e não doar, para pagar sisa em vez de imposto sobre sucessões e doações que é
mais pesado- simulação relativa

Ex2.:o devedor finge vender bens a alguém para os subtrair à garantia geral dos seis credores, mas
na realidade não realiza nenhum negócio- simulação absoluta

Efeitos da Simulação Absoluta:

A simulação tem como consequência a nulidade do negócio simulado (artigo 240º, nº2 CC). Só os
interesses de terceiros de boa fé que tenham confiado na validade daquele negócio simulado é que
exige uma ponderação, mas o tratamento daqueles interesses não exige mais do que a inoponibilidade,
em relação aos seus titulares. De acordo com o regime geral pode qualquer interessado invocar a
nulidade e o tribunal poderá declarar oficiosamente (artigo 286º para o qual renete o artigo 242º CC).
Como todas as nulidades, a invalidade dos negócios simulados pode ser arguida a todo o tempo (artigo
286º CC) quer o negócio esteja ou não esteja cumprido (aliás, nestas hipóteses em que o negócio não
esteja cumprido, até mesmos as anulabilidades podem ser arguidas sem dependência de prazo segundo
o previsto no artigo 287º, nº2 CC).

Modalidades da Simulação Relativa

Na simulação relativa, a divergência intencional entre a declaração e a vontade real pode assumir
diversas modalidades consoante o elemento do negócio sobre que incide a simulação. Pode ser uma
simulação relativa subjetiva quando diz respeito aos sujeitos (ex.: A pretende doar a B um determinado
bem e simula doá-lo a C, ficando este obrigado a entregar a B o bem sem qualquer contrapartida).
Chama-se simulação relativa objetiva quando incide sobre a natureza do negócio (ex.: simula-se uma
doação para ocultar uma venda) ou sobre o valor, o quantum das prestações estipuladas entre as partes.

Efeitos da Simulação Relativa:

Õ negócio simulado está ferido de nulidade, tal como na simulação absoluta. A simulação relativa põe,
todavia, um problema específico que não surgia no caso da simulação absoluta- e quanto ao negócio
dissimulado? O negócio dissimulado será objeto do tratamento jurídico que lhe caberia se tivesse sido
concluído sem dissimulação (artigo 241º CC). Nestes termos, poderá o negócio latente ser plenamente
válido e eficaz ou poderá ser inválido consoante as consequências que teriam lugar se tivesse sido
abertamente concluído

➢ Simulação inocente vs Simulação Fraudulenta

A simulação inocente seria aquela em que se visa apenas enganar terceiros e a simulação fraudulenta
visa prejudicar terceiros. Para termos simulação não é preciso que se queira prejudicar, basta que se
queira enganar. A ilude neste artigo a estas simulações, mas não retira consequências desta distinção,
ou seja, podemos distinguir as situações, mas em termos de regime e efeitos jurídicos são os mesmos.

Efeitos da Simulação quanto aos negócios formais:

Os problemas suscitados pela aplicação aos negócios formais da doutrina geral da simulação relativa
encontram a sua resposta no nº2 do artigo 241º CC. Diz este artigo que “se, porém, o negócio
dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei”

Resulta deste artigo que se não se cumpriram, no negócio simulado, os requisitos de forma exigidos
para o dissimulado, este será nulo por vício de forma, mesmo que se tenham observado as formalidades
exigidas para o negócio aparente (ex.: doação de móveis, sem tradição da coisa, disfarçada de venda
verbal- artigo 947º, nº2). Para a validade do negócio dissimulado, torna-se necessária a observância da
forma legal que a lei exige, mesmo que tal forma não seja suficiente para o negócio simulado

O artigo 242º, nº1 atribui legitimidade aos próprios simuladores para a arguição da nulidade do negócio
simulado, mesmo que a simulação seja fraudulenta. Advirta-se, no entanto, que esta possibilidade de
a nulidade ser invocada pelos próprios simuladores sofre uma apreciável restrição indireta por força
do artigo 394º, nº2- este artigo diz-nos que é inadmissível a prova testemunhal do acordo simulatório
e do negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores. A prova da simulação pelos
simuladores é, assim, restringida à prova documental e à confissão, pois não é admissível a prova por
presunções, nem a testemunhal.

Simulação e terceiros: o conceito de terceiros, para efeitos de invocação da simulação é, normalmente,


definido por forma a abranger quaisquer pessoas, titulares de uma relação jurídica ou praticamente
afetada pelo negócio simulado e que não sejam os próprios simuladores ou os seus herdeiros (depois
da morte do de cujus). Ou seja, e utilizando a definição de Orlando de Carvalho “os que, integrando-
se numa e mesma cadeia de transmissões, vêm a sua posição afetada por uma ou várias causas de
invalidade anteriores ao ato em que foram intervenientes”. O artigo 243º CC consagra expressamente
a regra da inoponibilidade da simulação de terceiros de boa fé, ou seja, a simulação é inoponível a
quaisquer terceiros de boa fé, que derivem os seus direitos de um ato oneroso ou de um ato gratuito.
O conceito de boa fé é enunciado no nº2 do artigo 243º CC, consistindo na ignorância da simulação
ao tempo em que se adquiriram os respetivos direitos. No artigo 243º, nº3 estabelece-se uma presunção
iuris et de iure de má fé, em desfavor do terceiro que adquiriu o direito depois do registo da ação de
simulação.

Reserva Mental

A reserva mental está prevista no artigo 244º do CC. A reserva mental é uma divergência intencional
entre a declaração e a vontade realizada com o intuito de enganar o declaratário. Não prejudica a
validade da declaração, exceto se for conhecida do declaratário, caso em que fica sujeita ao regime
aplicável à simulação. Se o declaratário conheceu a reserva, não há confiança que mereça tutela. É
também reserva mental a hipótese de alguém conscientemente emitir uma declaração com vários
sentidos e a outra parte a compreender num determinado sentido, enquanto o declarante se reservou
cultamente só a fazer valer noutro sentido.

Declaração Não Séria

A declaração não séria está consagrada no artigo 245º CC e corresponde a uma divergência intencional
entre a declaração e a vontade feita num contexto em que se espera que a falta de seriedade seja
reconhecida pelo declaratário.

Em princípio estas declarações carecem de qualquer efeito. Se o declaratário conhecia a falta de


seriedade do declaratário ou ela era exteriormente percetível, parece nem chegar a haver uma
verdadeira declaração negocial (falta, desde logo, uma factualidade objetivamente interpretável como
tal)

Divergências não intencionais

➔ Coação Física ou coação absoluta

Na coação física o coagido tem a liberdade de ação totalmente excluída, enquanto que na coação moral
(artigo 255º e 256º CC) a liberdade está cerceada, mas não excluída (na medida em que o coato pode
optar por outro comportamento, como sofrer o mal ou combatê-lo). O artigo 246º prevê a hipótese de
o declarante ser coagido pela força física a emitir a declaração. São exemplos de coação física a
hipótese de uma votação por levantados e sentados, quando alguém é forçado irresistivelmente a
levantar-se ou a permanecer sentado, ou o caso de uma assinatura a que alguém é forçado fisicamente,
agarrando-lhe a mão e sendo esta utilizada como instrumento.

A coação física tem como consequência a ineficácia da declaração negocial.

➔ Falta da consciência da declaração

Estas hipóteses estão também abrangidas pelo artigo 246º CC e traduz-se numa divergência não
intencional entre a vontade real e a vontade declarada. Na falta de consciência da declaração, existe
uma ação voluntária realizada sem a intenção de emitir uma declaração negocial (ex.: no leilão, a
pessoa saudou um amigo, gesto que foi entendido como uma proposta). Ao contrário da coação física,
aqui nem existe ação voluntária, pois o movimento físico foi resultado de uma força externa.

No entanto, a falta de consciência da declaração pode ser culposa, caso em que o declarante fica
constituído na obrigação de indemnizar o declaratário.

➔ Erro na declaração

O erro na declaração consiste numa divergência não intencional entre a vontade real e a vontade
declarada causada por lapso na emissão da declaração. A vontade real foi corretamente formada, mas
incorretamente transmitida. Ex.: alguém quer comprar por 1000€, mas na emissão da sua vontade,
declara aceitar comprar por 2000€.

Face aos interesses em presença, o declarante pretenderá que a declaração valha com o sentido que
corresponde à sua vontade real, enquanto o declaratário pretenderá que a declaração valha com o
sentido que lhe corresponde segundo as regras da interpretação. O regime do artigo 247º privilegia o
declarante, reconhecendo-lhe a faculdade de anular o negócio desde que prove que:

(1) O elemento sobre que incidiu o erro foi essencial para a sua vontade de contratar

(2) Que o declaratário conhecia ou não devia ignorar aquela essencialidade (note-se que não se
exige que o erro seja conhecido ou cognoscível pelo declaratário)

Importa notar que se o declaratário aceitar o negócio como o declarante queria, a anulabilidade fundada
em erro não procede (artigo 248º CC). O erro de cálculo e o erro de escrita não dão lugar à
anulabilidade do negócio, mas apenas à sua retificação (artigo 249º CC).

Se o declaratário compreendeu um terceiro sentido que não coincide com o querido pelo declarante,
nem com o declarado estamos perante o chamado dissenso e o negócio deve ser anulado.

➔ Erro na transmissão da declaração

Está previsto no artigo 250º CC. Este vem dizer que o declarante pode recorrer a alguém para transmitir
a sua vontade, mas se a pessoa em causa errar, aplica-se o regime do artigo 247º CC. Estabelece-se,
porém, uma exceção no artigo 250º, nº2, admitindo-se a anulação sempre que o intermediário emita
intencionalmente (com dolo) uma declaração diversa da vontade.

6.3 Vícios da Vontade

Tratam-se de perturbações no processo de formação da vontade, operando de tal modo que esta,
embora concorde com a declaração, é determinada por motivos anómalos e valorados, pelo direito,
como ilegítimos. A vontade não se formou de um modo julgado normal e são. Como vícios da vontade
podemos apontar:
 Erro-vício
 Dolo
 Coação moral
 Incapacidade acidental (artigo 257º CC)
 Estado de necessidade (artigo 282º CC)

A proscrição da lesão, sob a designação de usura é efetuada apenas nos termos do artigo 282º CC.
Neste artigo determina-se que é anulável, por usura, um negócio jurídico, quando alguém, explorando
a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter
de outrem, obteve deste, para si ou para terceiro, a promessa ou conceção de benefícios excessivos ou
injustificados. Estabelece-se, no artigo seguinte, uma alternativa para a anulação dos negócios
usurários: a sua modificação, segundo juízos de equidade, a requerimento do lesado ou da parte
contrária.

ERRO-VÍCIO

Encontra-se previsto nos artigos 251º e 252º CC. Quando viciada por erro, a declaração negocial
corresponde à vontade real, mas esta formou-se com base numa falsa representação da realidade. Há
uma divergência inconsciente entre a vontade declarada e aquela que o autor teria declarado se tivesse
uma representação fiel da realidade, a chamada vontade hipotética. A falta de representação deve
incidir sobre uma circunstância do presente ou do passado. O erro que trata neste artigo incide sobre
os motivos determinantes da vontade e por causa dessa base pode ser classificado como erro sobre os
motivos, embora seja classificado como erro-vício.

Uns motivos referem-se à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio e têm um regime fixado no
artigo 251º. Os restantes motivos que podem ter determinado a pessoa a fazer aquele negócio regem-
se pelo disposto no artigo 252º, nº1 CC. No entanto, é ainda de considerar uma terceira espécie de erro,
regulado no artigo 252º, nº2, nomeadamente, o erro sobre a base do negócio.

Requisitos gerais que devem estar verificados para que o erro seja relevante:

Para que o erro releve juridicamente, o erro deve ter sido determinante do negócio, ou seja, sem ele
não teria sido celebrado negócio algum ou teria sido celebrado um negócio, mas em termos diferentes
ou com outras pessoas. Para exprimir esta propriedade, diz-se que o erro tem de ser essencial ou casual.
Para além disso, o erro deve incidir sobre um elemento do negócio que não constitua um seu requisito
legal de validade (ex.: se, em erro sobre o direito aplicável, o declarante emite uma declaração sem
forma legal, o negócio é inválido por falta de forma e não por erro sobre a forma). Para exprimir esta
característica diz-se que o erro tem de ser próprio.

No entanto, a propósito deste erro surge uma questão: no caso do erro sobre os motivos que recai
sobre as circunstâncias que constituem a base negocial (artigo 252º, nº2 CC) terá lugar a
anulabilidade tal como nas outras modalidades do erro-vício ou haverá lugar para uma faculdade de
resolução, tal como nos casos de alteração superveniente das circunstâncias? Mota Pinto defende a
anulabilidade, pois nos casos de erro sobre os motivos, diversamente da alteração superveniente das
circunstâncias vigentes ao tempo do negócio, o estado de coisas erradamente figurado é anterior ou
contemporâneo ao negócio. Trata-se, portanto, de um vício que inquinou já a própria formação do
negócio e não de uma vicissitude surgida no decurso da sua execução. Sendo assim, a remissão que o
artigo 252º, nº2 faz para o artigo 437º CC tem o sentido de indicar apenas os pressupostos/requisitos
necessários para a relevância do erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio e não
já a forma que reveste essa relevância (anulabilidade ou resolução). As características da anulabilidade
são, segundo os artigos 287º e 288º, as seguintes:
▪ Só pode ser invocada pelo errante, pelo enganado, pelo coato ou pelo incapaz
▪ Só pode ser invocada dentro de 1 ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de
fundamento (artigo 287º, nº1 in fine). Porém, se o negócio não estiver cumprido poderá ser
invocada a todo o tempo quer por via de ação, quer por via de exceção.
▪ Pode ser sanada por confirmação da pessoa a quem pertence o direito de anulação (artigo 288º
CC)

Distinção entre o erro de vício e o erro-obstáculo

O erro-vício é um vício da vontade (ou seja, na formação da vontade) e o erro-obstáculo é uma


divergência entre a vontade e a declaração (ou seja, na formulação da vontade). Ex.: Se A compra um
prédio determinado, porque julga que esse prédio tem 15 unidades habitacionais ou apartamentos e,
afinal, ele só está dividido em 10 apartamentos, estamos perante um erro-vício. Não há divergência
entre o que se quis (comprar aquele prédio) e o que se declarou. Simplesmente não se teria querido o
que se quis, se se conhecesse a realidade. Foi decisiva para a vontade de comprar a representação
inexata de que o prédio tinha 15 apartamentos. A divergência existente não é entre a vontade real e a
declaração, mas entre a vontade real (coincidente com a declaração) e uma certa vontade hipotética (a
vontade que o agente teria tido, se não fosse a representação inexata da realidade).

Modalidades do erro:

➔ Erro sobre a pessoa do declaratário: erro sobre a identidade (este será, quase sempre, um erro
obstáculo) e erro sobre as qualidades

➔ Erro sobre o objeto do negócio: pode incidir sobre o objeto mediato (sobre a identidade ou
sobre as qualidades) ou sobre o objeto imediato (erro sobre a natureza do negócio)

➔ Erro sobre os motivos não referentes à pessoa do declaratário nem ao objeto do negócio
(artigo 252º CC): corresponde ao erro acerca da causa.
Porém, para que o negócio seja anulável, para além deste regime geral, é necessário que se verifiquem
requisitos especiais em cada uma das hipóteses autónomas de erro referidas anteriormente:

a) Erro sobre a pessoa e erro sobre o objeto do negócio: a lei trata cada um destes erros de forma
autónoma. Esta hipótese é ressalvada no artigo 252º, nº1 na medida em que é tratada
autonomamente neste artigo. Este artigo optou por remeter esta hipótese para o artigo 247º. A
nós não nos interessa esta hipótese, mas sim os requisitos de relevância dessa hipótese.

O erro sobre a pessoa pode incidir sobre a identidade do declaratário ou sobre as qualidades
pessoais deste. (Ex.: B achava que A era uma determinada pessoa, mas final é outra. Por outro
lado, B poderia achar que A era um especialista numa determinada área, e afinal não era). O erro
quanto à identidade do declaratário será causa de anulação, quando se quer contemplar uma
determinada pessoa e não outra, e quanto às qualidades, serão qualidades essenciais, que só se
verificam relativamente a determinadas pessoas.

O erro sobre o objeto também pode incidir sobre a identidade do objeto, ou sobre a qualidade do
objeto. Se o motivo viciado tiver a ver com o declaratário, identidade ou qualidades do objeto do
negócio, o regime a aplicar é o artigo 247º por remissão ao artigo 251º

b) Erro sobre a base do negócio: no fundo, aqui está em causa um erro sobre as circunstâncias que
estão tidas como existentes no momento da celebração do negócio (circunstâncias envolventes
do negócio- base do negócio- à data da sua celebração). Também não está aqui a solução no
artigo 252º, nº2 que remete para o artigo 437º CC.

EM SUMA: Se estamos perante um erro-vício que levou a alguém a emitir uma declaração negocial e
se esse motivo não disser respeito á pessoa do declaratário, objeto do negócio ou à base do negócio, a
relevância do motivo depende da verificação do requisito do artigo 252º, nº1 CC (o negócio só será
anulável se as partes por acordo estabelecerem a essencialidade do motivo), se o motivo se prende com
a pessoa do declaratário ou objeto do negócio vai se aplicar o requisito de relevância do artigo 247º
por remissão do artigo 251º (o negócio jurídico será anulável se o declaratário conhecesse ou não
devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual incidiu o erro) e se incidir
sobre a base do negócio aplica-se o artigo 252º, nº2 CC que remete para o artigo 437º CC (só é anulável
se as exigências das obrigações afetar gravemente o princípio da boa fé e a situação não esteja coberta
pelos riscos próprios do negócio).

DOLO

Encontra-se previsto nos artigos 253º e 254º CC. O dolo é uma causa do erro. Pode consistir numa
ação dirigida a provocar ou manter em erro o autor da declaração, chamando-se então dolo positivo.
Poderá ainda consistir numa omissão do dever de esclarecer o declarante do erro em que se encontra,
caso em que se fala do dolo omissivo, o dever de esclarecer o declarante pode resultar da lei, da
estipulação negocial ou das conceções dominantes no comércio jurídico.

No entanto o nº2 do artigo 253º estabelece as situações em que o dolo não é juridicamente relevante,
a saber:
(1) O dolo positivo não é ilícito se as sugestões ou artifícios utilizados para manter alguém em erro
forem considerados usuais ou legítimos, segundo as conceções dominantes no comércio
jurídico. O legislador tem aqui uma certa tolerância relativamente ao dolo, na medida em que
admite sugestões que ainda são consideradas usuais, àquilo que se chama “dolo do
comerciante”. Tudo o que caiba naquilo que é usual, de acordo com as conceções dominantes
do comércio, é considerado lícito

(2) Quanto ao dolo negativo, não será ilícito, se não existir um dever de elucidar. O dever de
esclarecer pode resultar da lei, do negócio ou das conceções dominantes do comércio. Haverá
de ver se existe, no caso concreto, um dever de elucidar, decorrente de alguma destas situações

Para efeitos de validade ou invalidade do negócio, aquilo que nos interessa é o dolo ilícito. O artigo
254º depois vem dizer que o negócio celebrado com dolo será anulável, mas acresce a responsabilidade
pré-negocial do autor do dolo, por ter dado origem à invalidade, com o sei comportamento contrário à
boa fé, durante os preliminares e a formação do negócio (artigo 227º CC).

Condições de relevância do dolo do declaratário como motivo de anulação:

✓ Deve tratar-se de um dolus malus (artigo 253º, nº2 CC)

✓ Deve ser essencial ou determinante, embora o dolo incidental também possa vir a conduzir à
anulação

✓ Existência no deceptor da intenção ou consciência de induzir ou manter em erro (artigo 253º,


nº1 CC)

✓ Não é necessário que o dolo seja unilateral. O próprio dolo bilateral pode ser invocado como
fundamento da anulação (artigo 254º, nº1 CC)

Condições de relevância do dolo de terceiro como motivo de anulação:

✓ Se o declaratário conheceu ou lhe foi cognoscível o dolo de terceiro, o negócio será totalmente
anulável. Desde logo, neste caso, haverá dolo negativo do próprio declaratário, se ele conheceu
efetivamente os artifícios de terceiro.

✓ Se o declaratário não conheceu nem devia conhecer o dolo de terceiro, o negócio só será
anulável, se ao terceiro deceptor adveio, por força do negócio, diretamente algum direito e a
anulação será limitada à cláusula a favor de terceiro (invalidade parcial). Assim, na hipótese
de uma doação entre A e B com o encargo de uma prestação a favor de C, no caso de havido
dolo da parte deste, ou de ele conhecer, ou dever ter conhecido o dolo (artigo 254º, nº2 2ª parte).
Já será, porém, anulável todo o negócio, se o declaratário (B) conheceu ou devia ter conhecido
o dolo de terceiro

Relativamente ao casamento, não temos normal especial quanto ao dolo.

Coação Moral
Encontra-se prevista nos artigos 255º e 256º CC. A coação moral consiste na perturbação da vontade,
traduzida no medo resultante de ameaça ilícita de um dano, cominada com o intuito de extorquir a
declaração negocial. Só existe vício da vontade quando a liberdade do coato não foi totalmente
excluída, quando lhe foram deixadas possibilidades de escolha, embora a submissão à ameaça fosse a
única escolha normal. Assim estaremos dentro do campo da coação moral (coação relativa ou
compulsiva), mesmo no caso da ameaça com arma de fogo ou no caso de emprego de violência física,
como começo de execução do mal cominado, para compelir ao negócio. Só estaremos no âmbito da
coação física quando a liberdade exterior do coato é totalmente excluída e este é utilizado como puro
autómato ou instrumento.

Não basta um simples medo ou receio, a lei exclui, desde logo, o chamado temor reverencial (artigo
255º, nº2 CC). Torna-se necessário que o receio provenha de uma ameaça ilícita. Exige-se ainda que
a cominação do mal vise extorquir a declaração negocial.

Diferença entre a coação principal e coação incidental: a distinção coloca-se nos termos expostos a
propósito do dolo e do erro e o seu interesse é idêntico

Diferença entre coação dirigida à pessoa ou à honra ou à fazenda do declarante ou de terceiro: no


regime geral da coação não há qualquer diferença de tratamento, consoante o bem ameaçado pela
cominação ou a pessoa diretamente visada. A ameaça pode dizer respeito à pessoa como à honra ou
fazenda do declarante ou de terceiro (artigo 255º, nº2 CC).

Diferença entre coação exercida pelo declaratário e coação exercida por terceiro: a lei estabelece uma
ligeira diferença entre as condições de relevância da coação, como motivo de anulabilidade, num e
noutro caso (artigo 256º, nº2 segunda parte).

As consequências da coação moral são que, emitida a declaração de vontade determinada por esta
ameaça, o negócio é anulável. Esta tem de ser uma ser uma ameaça determinante da vontade. Nestes
casos, o negócio é anulável. O legislador não estipula requisitos adicionais para a anulabilidade do
negócio. Agora, esta anulabilidade pressupõe que a coação tenha sido feita pelo declaratário- se a
coação foi exercida pelo declaratário o negócio jurídico é anulável. No entanto, a coação pode ser
exercida por alguém terceiro ao negócio, e não pelo declaratário. Neste caso, a situação é diferente,
uma vez que quando a coação é feita pelo declaratário, só temos de nos preocupar em proteger os
interesses do declarante coagido. No segundo caso, há interesses a proteger em ambos os lados (o do
declarante para que o negócio jurídico valha e do declaratário que pode desconhecer completamente a
coação). No equilíbrio destes interesses, o legislador prevê que, se a coação for exercida por um
terceiro, o negócio só será anulável se se verificarem estes dois requisitos cumulativos (é mais
exigente):

1. A gravidade do mal

2. Carácter justificado do receio da sua consumação

Ou seja, nestes casos, o negócio só é anulável se o mal provocado for grave, e se o receio de que esse
mal se consume ser justificado. Se alguém disse algo do género: ou fazes este contrato, ou atiro bombas
atómicas por um avisão, a ameaça que se faz é horrível, mas talvez não haja razão em o coagido ter
receio da sua consumação, por ser muito raro. Verificados estes dois requisitos, o negócio provocado
sob coação moral através de terceiro, é anulável. Estes dois requisitos só existem para a coação
exercida por terceiro. Na coação exercida por declaratário, basta que se verifique a coação, a ameaça
é ilícita, para que o negócio seja anulável, independentemente da gravidade do mal e do carácter
justificado do receio da sua consumação.

Incapacidade Acidental
A incapacidade acidental encontra-se regulada no artigo 257º CC. Não se confunde com as
incapacidades anteriormente estudadas, não aparecendo nas incapacidades de exercício, sendo
encarada no CC como uma situação de vício de vontade. Agora, o legislador não ignora que há pessoas
que são, em princípio capazes, mas que podem apresentar em determinadas situações incapacidades
de comportamento ou de carácter. Estas situações são tratadas caso a caso.

O seu regime está consagrado no artigo 257º CC e aqui estão abrangidos dois tipos de situações: as
situações de incapacidade transitória (alguém plenamente capaz, momentaneamente está num estado
de incapacidade- devido a uma doença, embriaguez etc) e as situações de incapacidade permanente,
mas em que não há nenhuma sentença que estabeleça a diminuição da capacidade daquela pessoa. É o
caso de alguém maior de idade que tem uma demência, mas à qual ainda não se verifica nenhuma
medida de acompanhamento. Nestes casos, temos de verificar se, caso a caso, a pessoa estava ou não
capacitada para celebrar determinado negócio.

Quais são as consequências desta situação? Irá depender do conhecimento efetivo da incapacidade
pela contraparte, mas vão existir situações em que se este conhecimento não existir, e mesmo assim o
negócio ser anulável. Se a contraparte sabia que o declarante não estava lúcido, ou se não sabia, mas
devia ter-se apercebido dessa situação, o negócio será anulável. Se o declaratário não sabia que o outro
não estava lúcido, nem devia saber, o negócio é perfeitamente válido. No artigo 257º, nº2 CC define-
se que é notório, relevante para sabermos quando é que a contraparte deveria de ter conhecimento da
incapacidade da outra parte. Quem tem legitimidade para arguir desta hipótese, é o próprio
incapacitado, uma vez que adquira a sua lucidez, ou os seus representantes/acompanhantes, sobretudo
se a incapacidade for permanente.

Estado de Necessidade
O estado de necessidade será uma situação de temor/receio, que é ocasionada por um perigo que pode
ter na sua base um facto natural ou humano, e que determina a emissão de uma declaração negocial.
Claro que na medida em que o perigo é determinado por um facto humano, esta situação já se
aproximar-se-á das hipóteses de coação, sendo por vezes difícil distinguir uma situação da outra.

Na coação há um comportamento que é ilícito e que é dirigido à obtenção de uma declaração negocial,
mas no estado de necessidade a situação não é a mesma, na medida em que não está em causa nem
essa intenção, nem um comportamento ilícito. O que vai haver é um aproveitamento do estado de
necessidade criado, com vista á obtenção de benefícios exagerados.
No caso em que o negócio é concluído pelo facto gerador da necessidade, não havendo dever de auxílio
em que o negócio é inevitavelmente nulo, aplicar-se-á o regime do artigo 282º CC relativo aos negócios
usurários. Há dois requisitos para se verificar a anulabilidade: obtenção de requisitos excessivos e/ou
injustificados e exploração do estado de necessidade. Há aqui, no entanto, uma nuance: o artigo 283º
permite que, em vez de anulação, o lesado requeira a modificação do negócio. Portanto, para além da
anulabilidade, em alternativa surge a possibilidade de modificação, feita nos termos da equidade, do
artigo 283º CC. Supondo que alguém vem pedir uma anulabilidade, a contraparte pode aceitá-la,
refutando-se com uma modificação, nos termos do artigo 283º CC

Neste caso, o declarante forma a sua vontade tendo em conta o estado de necessidade em que se
encontra, e, portanto, a sua vontade está viciada, havendo alguém que obtém uma vantagem indevida
com esse vício. Verificando-se estes requisitos, o negócio jurídico é sempre anulável.

7. A representação nos negócios jurídicos

Estão previstas no artigo 258º CC. A representação traduz-se na prática de um ato jurídico em nome
de outrem, para na esfera desse outrem se produzirem os respetivos efeitos. Para que a representação
seja eficaz é necessário que o representante atue nos limites dos poderes que lhe competem ou que o
representado realize, supervenientemente uma ratificação. Os poderes de representação podem ser
atribuídos por um ato voluntário, pelo representado ou representante: fala-se de representação
voluntária e o ato voluntário atribuidor de poderes representativos chama-se procuração. Podem
resultar dos estatutos de uma pessoa coletiva (representação orgânica ou estatutária) ou, verificadas
certas situações, ser concedidos pela lei a representantes legais (pais, tutores, administrador de bens).

Para existir representação basta que o negócio seja concluído em nome do representado, não sendo já
necessário que o seja no interesse do representado. Com efeito, se a representação legal (aquela em
que a legitimidade representativa provém da lei) tem lugar sempre no interesse do representado, a
representação voluntária pode ter lugar por força da chamada procuração in rem suam, caso em que os
poderes representativos tenham sido conferidos no interesse do representado ou no próprio procurador.

Ainda assim o tipo de atuação deste representante leva a que o distingamos de outra figura (núncio),
na medida em que o núncio tem um papel muito menos significante. Ele limita-se a transmitir uma
declaração negocial que já foi formulada de uma forma precisa por outra pessoa, sendo o núncio um
mero canal transmissor de uma declaração negocial de outrem. Em contraste, o representante, embora
siga instruções dadas pelo representado, a declaração é do representante, é formulada por este.

Importa distinguir também outras figuras. O representante é alguém que emite uma declaração em
nome de outrem, enquanto no contrato de mandato alguém se obriga a atuar por conta de outrem. A
linha distinção passa pelo facto de que um atua em nome de outrem (eu estou aqui em nome de X) e
outro atua por contra de outrem (eu estou aqui e quero este negócio, mas depois os sacrifícios
patrimoniais inerentes são suportados pelo mandato e não pelo mandatário). Tal significa que atuando
o mandatário em nome próprio, os efeitos jurídicos da sua atuação irão recair sobre a sua esfera jurídica
(artigo 1180º).
Agora, pode acontecer que estes mandatários que atuam por contra de outrem, também atuem em nome
de outrem (artigo 1178º CC). Ex.: advogados que celebram contratos em nome dos seus clientes, e por
conta também destes. Aqui o representante não é parte do negócio, mas o mandatário sim.

Isto remete-nos para as situações em que há uma falta ou um vício de vontade e, nestas situações temos
de ver na pessoa do representante, e não na do representado, se se verificam os requisitos a que sujeita
a invalidade da declaração. Vamos supor uma hipótese de erro: quem está em erro é o representante.
Ou, se o representante coagir a contraparte ou enganar a contraparte, isto não é coação nem dolo de
terceiro, mas sim do próprio representado. Portanto, é nesta pessoa que vamos avaliar a verificação
dos requisitos que está condicionada a relevância destas figuras.

Por outro lado, numa situação em que o representado está em má fé, o facto de o representante estar
de boa fé, não vai aproveitar ao representado. Ora, o facto de o representante desconhecer a invalidade
anterior, não aproveita o representado. A boa-fé do representante não aproveita ao representado e,
portanto, não há proteção nesse caso, nem poderia haver, senão em qualquer uma das situações em que
alguém estivesse de má-fé, bastava nomear um representado que desconhecesse dessa invalidade para
que esse alguém fosse protegido (artigo 259º, nº2).

Para além disso o representante não pode celebrar negócios que não pudessem ser celebrados pelo
representado. Vamos imaginar a venda de pais a filhos, ou uma doação à pessoa com quem o agente
cometeu adultério: se com a nomeação de um representante se superasse estas vedações, a lei seria
facilmente contornável. As proibições que se aplicam ao representado, também se aplicam ao
representante.

O artigo 260º diz-nos que a pessoa a quem é dirigida uma declaração do representante pode exigir que
o representante faça prova dos seus poderes, para que a representação produza os seus efeitos. Também
razões de transparência norteiam o artigo 261º, que tratam aquilo a que se chamam os negócios consigo
mesmo, tentando evitar situações de conflito de interesses. Qual foi a preocupação do legislador aqui?
Foi evitar negócios que possam gerar conflitos de interesses na pessoa do representado. Portanto, o
que a lei prevê é que, na medida em que existam conflitos de interesse, na medida em que os negócios
se equiparam a negócios consigo mesmo, os negócios sejam anuláveis. Cabem aqui os negócios
celebrados em nome próprio ou em representação de terceiro.

Ex.: B nomeia C seu representante e que B quer comprar um terreno. C é proprietário de um terreno
com as características que B pretende. Portanto, C celebra um negócio consigo mesmo, sendo que,
neste negócio de compra e venda do terreno, as partes são B e C. O negócio tem duas partes diferentes,
na medida em que não está a mesma pessoa nas duas partes (pois tecnicamente B compra a C). No
entanto, quem emitiu a declaração negocial no sentido de querer compra o terreno foi C, assim como
a declaração negocial no sentido de querer vender o terreno (se é C a negociar dos dois lados,
possivelmente B será prejudicado). Nestes casos, este negócio será anulável, a menos que B tenha
consentido explicitamente com o negócio, ou em que os interesses não são conflituantes.

Também podemos pensar numa situação em que A não atua em nome próprio, mas sim em nome de
outrem. Então, B nomeia A seu representante e C nomeia A seu representante. A celebra negócio com
A. Ou seja, A diz que quer comprar em nome de B, e A quer vender em nome de C. Neste negócio, é
parte B e parte C, embora o A não seja parte do negócio e intervenha nas duas declarações negociais.
Poderá estar aqui em causa um conflito de interesses, uma vez que A não consegue salvaguardar os
interesses de B e de C.

O artigo 261º, nº2 diz que a primeira situação seria igual à que B nomeia A representante e A nomeia
X seu representante. O facto de A não atuar no negócio dos dois lados e apenas como representante de
B, não leva a que ultrapassemos esta questão, porque ele tendo nomeado X para celebrar esse negócio,
A ainda teria participação no negócio. Como não o afastaria do caso, no caso em que B nomeou A
como seu representante e A subestabeleceu os seus poderes em C, que depois celebra um negócio com
A. Neste caso, B e A são partes do negócio. Ou seja, o facto de haver um substabelecimento não faz
com que se ultrapasse esta situação.

As regras desenvolvidas até aqui são comuns às representações legais e às representações voluntárias.

7.1 Representação Voluntária

A atribuição de uma procuração, ou seja, a nomeação de um procurador está sujeita àquilo que está
previsto no artigo 262º CC. Um procurador é um representante. Na representação voluntária, temos na
sua base uma procuração, um ato de atribuição voluntária, mediante uma declaração negocial de
poderes representativos. É um negócio jurídico unilateral, na medida em que alguém irá atribuir
poderes representativos a outra pessoa (ou seja, há apenas uma declaração negocial).

Em princípio, estará também sujeita ao princípio de liberdade de forma do artigo 219º, ou seja, não se
exige forma especial para que haja procuração. No entanto, a procuração exigirá a forma que se exige
para o negócio que o procurador deva realizar. Ou seja, ela estará sujeita à forma, na medida em que
os negócios a realizar estejam sujeitos a forma. Se o negócio a celebrar pode ser celebrado oralmente,
a procuração será oralmente.

Por outro lado, temos uma norma curiosa no artigo 263º. O procurador não tem que ter capacidade de
exercício, podendo ser incapaz. O regime das incapacidades visa proteger o próprio incapaz. Se o
procurador for incapaz, isso de alguma maneira interfere com os seus interesses? Não, porque os
efeitos do negócio celebrado produzem-se na esfera do representado e não da do representante, logo,
não há necessidade de se exigir plena capacidade de exercício ao representante. O representado tem
de ser capaz, mas o representado não.

Estas procurações extinguem-se quando o representado revoga a procuração, ou quando o


representante renuncia à procuração. O artigo 266º, nº1 refere-se á revogação da procuração pelos
representados. Noutras situações em que a procuração se extinga, nomeadamente, no caso de renúncia
do representante, não se pode opor aos terceiros sem culpa (artigo 262º). Há aqui um tratamento
distinto (que se repercute essencialmente em termos de ónus de prova) relativamente à revogação da
procuração e à sua renúncia. No caso da revogação, para que a revogação seja oponível a terceiros, é
necessário que estes tenham conhecimento desta. No segundo caso, a ignorância com culpa da renúncia
da procuração já é oponível a terceiros. Há uma maior exigência quanto à revogação (ao nível da
publicidade), uma vez que os terceiros confiam que estão a contratar com o representado e não com o
representante, logo, se a procuração é revogada, temos de ter um maior cuidado.
7.2 O excesso de atuação do representante/atuação sem poderes

Uma questão relevante que aqui se pode levantar tem a ver com o excesso de atuação do representante,
quando alguém excede os seus poderes representativos, ou então atua sem sequer ter poderes
representativos, mas em nome de outra pessoa. Destas questões tratam os artigos 268º e 269º,
distinguindo-se as hipóteses de representação sem poderes da hipótese de abuso de representação.

Desde logo, temos no artigo 268º a hipótese de representação sem poderes, que se caracteriza pela
hipótese em que alguém atua sem poderes de representação em nome de outrem. Nesta hipótese
podemos enquadrar duas situações diferentes:

(1) Adão que diz que é procurador de Bernardo, mas nunca foi

(2) Adão é efetivamente procurador de Bernardo, mas para outros negócios diferentes com poderes
diferentes daqueles que pretende utilizar

Também esta segunda hipótese se enquadra no artigo 268º enquanto representação sem poderes. Coisa
diferente é haver abuso de representação, em que o representante tem poderes de representação, atua
dentro dos limites funcionais dos poderes que lhe foram concedidos, mas ele extravasa esses poderes
conscientemente. Portanto, o representante atua para além dos interesses que o representado quis
proteger com aquela procuração. Suponha-se que o representante tinha efetivamente poderes para
vender um determinado bem, o representado indicou o preço mínimo para o efeito, mas o representante
vende esse bem por um preço muito inferior ao referido. No fundo, estamos numa situação semelhante
à do abuso de direito. Porém, não há abuso de representação se o procurador simplesmente é pouco
hábil e faz um mau uso dos seus poderes de representação. Supondo que o representante é péssimo
para o negócio e simplesmente faz um mau negócio (aqui não haverá abuso de representação, uma vez
que não há consciência para atuar para além dos poderes que lhe foram conferidos). Por outro lado, se
houver um acordo no sentido de prejudicar o representado, entre o representante e a pessoa com quem
vai ser celebrado o negócio, também não se verifica um abuso de direito, mas sim mesmo uma ofensa
aos bons costumes, cuja consequência jurídica será a nulidade.

Qual é o regime aplicável nestas situações?

O que diz o artigo 268º é que, não havendo poderes de representação, o negócio é ineficaz
relativamente ao representado. Esta não é uma solução de invalidade, mas sim de ineficácia (relativa),
o negócio jurídico é ineficaz relativamente ao suposto representado. Não havia poderes de
representação, portanto, não se produzirão os efeitos pretendidos na esfera do representado. O negócio,
a produzir efeitos, produzirá na esfera do representante, aqueles que puderem ser produzidos
obviamente. A lei permite, no entanto, que o representado possa ratificar o negócio, isto é, chamar a
si a eficácia do negócio- os efeitos que não se produziram na sua esfera jurídica, passam a produzir-
se. O artigo 268º, nº2 exige um requisito de forma para esta ratificação: tem de ser igual à utilizada na
procuração, tendo efeitos retroativos (ou seja, tudo se passa como se tivesse havido poderes de
representação), embora sem prejuízo dos direitos de terceiro. Se for fixado um prazo para a ratificação
e ela não for feita, a lei considera negada a ratificação.
Outra hipótese que pode aqui acontecer é que, neste ínterim, tendo sido celebrado o negócio sem
poderes de representação e antes de haver ratificação, a contraparte (a pessoa com quem o negócio foi
celebrado) tem a possibilidade de revogar ou de rejeitar este negócio, nos termos do nº4, mas só o
poderá fazer se, quando concluiu o negócio, sabia que não havia poderes de representação.

As hipóteses de abuso de representação são tratadas separadamente. Nessa medida, o artigo 269º prevê
que se aplique o regime da representação sem poderes, mas só se a outra parte conhecia ou deveria
conhecer o abuso. Ou seja, o negócio só será ineficaz relativamente ao representado, se a contraparte
conhecia ou deveria conhecer o abuso. Ou, a contrario, se a contraparte não conhecia ou não deveria
conhecer o abuso, o negócio produzirá todos os seus efeitos. E, mais uma vez, o risco deste abuso recai
sobre o representante. Não é uma ineficácia imediata, pois há esse requisito relativamente à contraparte
no negócio (se sabia ou não).

8. Cláusulas Acessórias Típicas gerais

8.1 Condição

A condição é uma cláusula do negócio, prevista no artigo 270º CC, mediante a qual as partes
colocam a produção dos seus efeitos na dependência de um acontecimento futuro e incerto. Entre o
momento da celebração do negócio e o momento da verificação da condição os efeitos do negócio
estão pendentes por vontade dos declarantes.

8.1.1 Condições impróprias

Podem ser consideradas condições impróprias aquelas que:

a) Se referiam ao passado ou ao presente, visto que o evento condicionante não é futuro. Não
existe, portanto, incerteza objetiva

b) Sejam legalmente impossíveis visto que a não verificação do evento é, desde logo, certa. O
artigo 271ºrefere-se às condições impossíveis, mas também se refere às condições ilícitas,
que são contrárias à lei, ou à ordem pública ou aos bons costumes.

8.1.2 A aponibilidade da condição

A cláusula condicional é um elemento acidental, suscetível de ser inserido na generalidade dos


negócios por força do princípio da liberdade negocial (consagrado, para os contratos, no artigo 405º
CC). Existem, porém, certos negócios que são incondicionáveis por razões ligadas ao teor qualitativo
(pessoal) dos interesses respetivos ou por motivos de certeza e de segurança jurídica. Assim, o CC
expressamente exclui a aponibilidade da condição nas disposições seguintes: artigo 848º; 1618º, nº2;
1852º; 2054º, nº1 2064º; 2323, nº2. A consequência da aposição de uma condição a um negócio
incondicional é a nulidade do negócio. Tal solução resulta da aplicação analógica do artigo 271º
(efeitos das condições ilícitas ou impossíveis)

8.1.2 Classificação das Condições


➔ Condições Suspensivas e Condições Resolutivas

O critério da distinção nos termos do artigo 270º é o da influência que a verificação do evento
condicionante tem sobre a eficácia do negócio, ou seja, se a verificação da condição importa a
produção dos efeitos do negócio, não tendo estes lugares doutro modo, trata-se de uma condição
suspensiva. Já se a verificação da condição importa a destruição dos efeitos negociais, diz-se por
condição resolutiva.

Ex.: Se A e B celebram um contrato de compra e venda de um imóvel, mas convencionam que os


seus efeitos só se produzem se o comprador conseguir financiamento bancário para a construção de
uma moradia nesse local, os efeitos da compra e venda ficam suspensos por ocorrência no futuro do
empréstimo bancário- a condição é suspensiva

Ex.: Se agora A e B celebrarem o contrato de compra e venda de um imóvel, tendo acordado que o
negócio começaria a produzir efeitos, pagando o comprador imediatamente metade do preço e
adquirindo a propriedade, de forma a poder negociar mais facilmente o empréstimo bancário, mas
estipulando que a compra e venda ficaria sem efeito se o empréstimo não fosse obtido no prazo de 3
meses, neste caso, a compra e venda começou a produzir efeitos desde a celebração, mas esses
efeitos podem ser destruídos se o acontecimento futuro e incerto não se verificar- a condição é
resolutiva

➔ Condições potestativas, condições casuais e condições mistas

O critério é o da natureza do evento condicionante, segundo a sua causa produtiva, isto é, segundo o
evento condicionante procede da vontade de uma das partes ou consiste num acontecimento natural
ou de terceiro ou é de carácter misto.

Ex.: A faz uma doação a B se este o visitar no Brasil ou se B escrever um livro- a condição é
potestativa

Ex.: Se não chover; se o donatário falecer sem herdeiros- a condição é casual

Ex.: Se B casar, visto que casar não depende só da sua vontade, mas de terceiro- a condição é mista

A condição potestativa pode ser arbitrária ou não arbitrária. É arbitrária se o evento condicionante é
um puro querer ou um facto completamente insignificante (ex.: dou-te o livro se quiseres ou se
levantares a mão). É não arbitrária se o evento condicionante não é puro querer, mas um facto de
certa seriedade ou gravidade em face dos interesses em causa.

A condição potestativa é a parte creditoris ou a parte debitoris, conforme o evento condicionante for
um ato do credor ou do devedor condicional.

➔ Condições possíveis e condições impossíveis- chamadas condições ilícitas

As condições ilícitas/impossíveis encontram-se reguladas no artigo 271º CC. A ilicitude pode


resultar da contrariedade à lei ou à ordem pública (ilicitude por ilegalidade) ou da contrariedade aos
bons costumes (ilicitude por imoralidade). Contudo, pode haver situações em que, não obstante o
evento condicionante ser lícito, a condição ser ilícita, por força do seu nexo com o restante conteúdo
do negócio- é o caso das condições restritivas da liberdade (previstas nos artigos 2232º e 2233º CC).

Quanto ao regime das condições impossíveis e ilícitas, haverá que distinguir um regime geral e um
regime especial para as liberalidades (testamento, doação):

Nos termos do artigo 271º, nº1, o negócio jurídico subordinado a uma condição ilícita (ou seja,
contrária à lei ou aos bons costumes) é nulo, sendo que a nulidade inquina todo o negócio e não
somente a cláusula condicional ilícita, de acordo com a máxima da incindibilidade do negócio
condicional.
Mas e quanto à condição impossível física ou legalmente? Diz-nos o nº2 do mesmo artigo, segundo
o qual a aposição de uma condição suspensiva impossível produz a nulidade total do negócio e a
aposição de uma condição resolutiva impossível produz apenas a nulidade da cláusula condicional,
mantendo-se o restante conteúdo do negócio (tem-se a condição por não escrita).
No que diz respeito ao regime especial para as doações e testamentos está formulado diretamente
para os testamentos no artigo 2230º, mas é aplicável, igualmente, às doações, em virtude da expressa
remissão feita pelo artigo 967º CC para as regras estabelecidas em matéria testamentária.

A condição impossível ou ilícita considera-se, em princípio, não escrita, mantendo-se válida e eficaz
a liberalidade testamentária a que estava aposta. Há, todavia, uma diferença entre o regime da
condição impossível e o da condição ilícita: a validade do testamento ou da doação, sem a condição,
pode ser excluída pelo disponente se a condição for impossível, tendo então lugar a nulidade total
(artigo 2230º, nº1 CC), mas no caso das condições ilícitas (contrárias à lei ou à ordem pública ou aos
bons costumes) têm-se sempre por não escritas, mesmo que o testador/doador haja declarado o
contrário.
➔ Condições positivas e Condições negativas

O critério desta distinção é o da forma de atuação do evento condicionante. Na condição positiva, o


evento condicionante traduz-se na alteração de um estado de coisas anterior. Na condição negativa, o
facto condicionante consiste na não alteração de uma situação pré-existente.

8.1.3 Verificação e não verificação da condição

Determinado, por interpretação da vontade das partes, qual seja o facto condicionante, verificar-se-á
a condição se tal acontecimento tiver lugar. Nos termos do artigo 275º, nº1 a certeza de que a
condição não se pode verificar equivale à sua não verificação.

8.1.4 Efeitos da condição suspensiva

Na pendência da condição, isto é, enquanto o evento condicionante não se verificou, nem deixou de
se poder verificar. Neste período, o credor condicional não tem ainda um direito exercitável em
relação ao devedor, embora as partes estejam já vinculadas, de tal modo que estão sujeitas à
produção dos efeitos do negócio, uma vez verificado o evento condicionante.

Quanto aos requisitos pessoais da eficácia do negócio (como a capacidade negocial, boa fé do
adquirente, o conhecimento ou cognoscibilidade de determinados factos) é relevante apenas o
momento da celebração do negócio e não o da verificação da condição. Assim, o credor condicional
pode praticar atos dispositivos sobre os bens ou direitos que constituem objeto do negócio
condicional, só que esses atos ficarão sem efeito, se a condição suspensiva não se verificar.

O credor condicional pode igualmente praticar atos conservatórios (artigo 273º CC). Poderá,
igualmente, o futuro crédito ter já garantias especiais e ser novado incondicionalmente. O adquirente
sub conditicione pode igualmente fazer registar o seu direito, o que lhe dará preferência sobre
qualquer direito incompatível que venha a surgir posteriormente sobre os mesmos bens, por ato do
devedor condicional. Igualmente se obriga o devedor sob condição suspensiva a abster-se de
quaisquer comportamentos que prejudiquem a integridade do direito que o credor virá a adquirir se
se verificar a condição.

Verificada a condição

Os efeitos do negócio que estavam suspensos tornam-se efetivos ipso iure e desde a data da
conclusão do negócio, sem mais requisitos. O princípio da retroatividade da condição é afirmado no
artigo 276º CC e considerado como efeito natural da cláusula condicional, pois os efeitos do
preenchimento da condição podem ser, pela vontade das partes ou pela natureza do ato, reportados a
outro momento (artigo 796º, nº3 CC). Há exceções ao efeito retroativo da condição suspensiva. Nos
termos do artigo 277º, nº2/3 os atos de administração praticados pelo devedor condicional, na
pendência da condição suspensiva, continuam válidos, mesmo que se verifique a condição, assim
como continua a ter direito aos frutos percebidos medio tempore, bem como aos frutos pendentes.

Não verificada a condição

Neste caso não se produzem efeitos definitivos a que o negócio tendia e desaparecem os próprios
efeitos provisórios ou preparatórios que tiveram lugar medio tempore.

8.1.5 Efeitos da condição resolutiva

A situação do devedor no negócio sob condição resolutiva é idêntica à do credor no negócio sob
condição suspensiva, pois a condição resolutiva é suspensiva da dissolução do negócio condicionado.
O negócio produz os seus efeitos normais, mas está suspensa sobre a sua eficácia a possibilidade de
verificação do evento condicionante. O devedor condicional é titular de uma expectativa com certa
tutela jurídica. Por esse motivo, o credor condicional deve proceder segundo a boa fé (artigo 272º
CC), o devedor ou alienante condicional pode praticar atos conservatórios (artigo 273º CC) e pode
até praticar atos de disposição, cuja eficácia fica sujeita à verificação da condição resolutiva

Verificada a condição

O preenchimento da condição importa a destruição automática e retroativa dos efeitos do negócio, o


que fará perder a eficácia aos atos dispositivos do credor condicional. Há, contudo, exceções ao
princípio supletivo da retroatividade. Desde logo, os atos de administração ordinária praticados pelo
credor condicional, enquanto a condição estava pendente, são válidos e, quanto aos frutos colhidos
medio tempore ou pendentes, aplicar-se-ão as disposições referentes à posse de boa fé (artigo 277º,
nº2/3). A lei estabelece, ainda, uma outra exceção para os contratos de execução continuada ou
periódica e nestes casos a resolução não abrange, em princípio, as prestações já cumpridas, mas
afetá-las-á se entre elas e a causa de a resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas
elas (artigo 434º, nº2 por força do artigo 277º, nº1 CC)

Não verificada a condição

Os efeitos do negócio consolidam-se, radicando-se, definitivamente, a posição do credor sub


conditione

9. Termo

O termo é uma cláusula acessória típica pela qual a existência dos efeitos de um negócio são postas
na dependência de um acontecimento futuro e certo, de tal modo que os efeitos só começam ou se
tornam exercitáveis a partir desse certo momento (termo suspensivo ou inicial) ou começam desde
logo, mas cessam a partir de certo momento (termo resolutivo ou final)

Quais os efeitos do termo?

Aqui não se verifica qualquer retroatividade. Há, também aqui, uma obrigação de proceder segundo
a boa fé, a cargo de uma das partes, a fim de não comprometer a integridade do direito a outra, bem
como poderá a parte interessa praticar atos conservatórios do seu direito tal como sucedia na
pendência da condição (artigo 278º CC).

Em obediência ao princípio da liberdade contratual, as partes gozam da faculdade de inserir esta


cláusula na generalidade dos negócios. O termo pode ser aposto, como princípio, a qualquer negócio
jurídico. Contudo, esta regra tem algumas exceções, visto que há negócios que não admitem termo
(chamados negócios inaprazáveis) os quais coincidem com os negócios incondicionáveis. Verifica-
se, assim, que as disposições legais que excluem a aponibilidade da condição excluem também, em
princípio, a aponibilidade do termo (artigos 848º; 1618º/2; 1852º; 2054º/1 e 2064º).

Há negócios, no entanto, que não podem ser celebrados a termo, embora admitam cláusula
condicional, como sucede com a constituição da propriedade (artigo 1307º CC) e, em certos termos,
com a instituição de herdeiro e a nomeação de legatário (artigos 2929º; 2243º CC).

Quanto às consequências da aposição de um termo a um negócio que não o admite, a lei determina
por vezes como sanção a aplicar, a nulidade do negócio (artigo 848º CC) ou apenas a nulidade do
termo, mantendo-se válido o negócio (por exemplo, os artigos 1618º/2 e 2243º CC). Se a lei for
omissa quanto á sanção a aplicar, defende Mota Pinto, a nulidade de todo o negócio com base no
artigo 294º CC.

9.1 Modalidades do Termo

➔ Termo inicial/suspensivo e termo final/resolutivo

Esta distinção é semelhante à que separa a condição suspensiva da condição resolutiva, assentando
num critério baseado na influência que a verificação do facto futuro (mas, no caso do termo, certo)
tem sobre a existência dos efeitos do negócio. Se os efeitos do negócio só começam ou só se tornam
exercitáveis a partir de certo momento, o termo diz-se suspensivo ou inicial. Já se começarem desde
logo, mas cessam a partir de certo momento, o termo diz-se resolutivo ou final.

➔ Termo certo e termo incerto

O termo, como foi referido, refere-se a um acontecimento futuro e certo, pelo que o critério da
distinção entre termo certo e incerto não tem que ver com a verificação do facto, mas com o
momento da sua verificação. Assim, o termo é certo quando se sabe antecipadamente o momento
exato em que se verificará (ex.: o devedor fica obrigado a cumprir a sua prestação no dia 1 de
janeiro de determinado ano) e será incerto quando esse momento é desconhecido (ex.: consistir o
erro na morte de alguém, a qual, como se sabe, é certa, mas a sua hora é incerta)

➔ Termo expresso/próprio e termo tácito/impróprio

O termo existe por vontade das partes. São estas que decidem sobre a aponibilidade de termo nos
negócios que efetuam. Quando assim sucede, estamos perante o termo “expresso” ou próprio. Pode
acontecer, porém, que o termo exista, não por vontade das partes, mas por imposição da lei (termo
legal). Deparar-se-nos-á, então, o termo dito “tácito” ou impróprio.
➔ Termo essencial e termo não essencial

O termo é essencial quando a prestação deve ser efetuada até à data estipulada pelas partes (termo
próprio) ou até um certo momento, tendo em conta a natureza do negócio. Ultrapassando essa data, o
não cumprimento é equiparado á impossibilidade de prestação (artigo 801º ss). Diz-se não essencial
o termo que, depois de ultrapassado, não acarreta logo a impossibilidade de prestação, apenas
gerando uma situação de mora do devedor (artigos 804º e ss).

Contagem do Termo

Consistindo o termo na indicação de um momento, a partir do qual, ou até ao qual, se produzem os


efeitos do negócio jurídico, podem surgir várias dúvidas e dificuldades sobre a respetiva contagem.

Se partes tiverem fixado um termo que corresponda a um determinado dia do calendário as


dificuldades desaparecem. Mas se se limitarem a estabelecer um certo período de tempo, após o qual
o negócio começará a produzir os seus efeitos (ex.: determinado que o termo será de 15 dias a
contar da data da celebração do negócio) algumas dúvidas podem surgir, nomeadamente, quando
começa a contar-se o termo? Qual o seu último dia?

Quanto a estas questões as partes podem estabelecer regras próprias destinadas a solucionar este
problema. Contudo, quando não o fazem devem ser conhecidas as regras supletivas aplicáveis, em
geral, à fixação do termo e ao modo se proceder à sua contagem. Tais regras supletivas constam do
artigo 279º CC, importando destacar, entre outras, que se o termo se referir ao princípio, meio ou fim
do mês, se deve entender como tal, respetivamente, o primeiro dia, o dia 15 e o último dia do mês,
aplicando-se idêntico critério se o termo se referir ao princípio, meio ou fim do ano.

10. Modo/Encargo

O modo/encargo é uma cláusula típica, pela qual, nas doações e liberalidades testamentárias, o
disponente impõe ao beneficiário da liberalidade um encargo, isto é, a obrigação de adotar um certo
comportamento no interesse do disponente, de terceiro ou do próprio beneficiário (artigos 963º;
2244º)

Distinção entre condição e modo


O modo só pode ser aposto às liberalidades, enquanto a cláusula condicional é aponível, salvas as
exceções constantes da lei, a todos os negócios (sejam eles gratuitos ou onerosos). Enquanto a
cláusula moral se traduz na imposição, ao beneficiário da liberalidade, do dever de adotar uma certa
conduta, a condição pode ter como evento condicionante um facto de qualquer das partes, um fator
natural ou de terceiro ou um evento de carácter misto. Quanto às consequências, o preenchimento da
condição resolutiva implica automaticamente a resolução do contrato. Por outro lado, relativamente
ao modo, essa resolução apenas é possível caso as partes expressamente o tenham convencionado,
como resulta do artigo 966º CC. Para além disto, a condição mesmo nas hipóteses em que é
potestativa, não obriga o credor ou o devedor convencional, ele apenas faz com que o evento
condicional se preencha se quiser. Relativamente ao modo, isso já não é assim. O modo obriga e se
aquele a que está obrigado ao modo, não o cumprir, pode vir a ser exigido judicialmente o seu
cumprimento, nos termos do artigo 965º CC e por isso, o professor Mota Pinto distingue a condição
resolutiva do modo, com a seguinte frase “a condição resolutiva resolve automaticamente, mas não
obriga e o modo obriga, mas apenas dá o direito de pedir a resolução” e apenas nos termos previstos
no artigo 966º CC

10.1 Valor do modo impossível ou ilícito

Segundo o disposto no artigo 967º CC, aplica-se aos encargos modais, físicos ou legalmente
impossíveis, contrários à lei ou à ordem pública, ou ofensivos dos bons costumes, apostos às
doações, as regras estabelecidas em matéria testamentária. Há, assim, identidade de regime entre as
doações e os testamentos.

Deste modo, o artigo 2245º manda aplicar aos encargos impossíveis ou ilícitos o regime estatuído,
para as condições com as mesmas características, no artigo 2230º CC. Assim, a cláusula modal
impossível (física ou legalmente) tem-se por não escrita e não prejudica o donatário, herdeiro ou
legatário, salvo declaração do doador ou do testador em contrário. Os encargos ilícitos (contrários à
lei; à ordem pública ou ofensivos dos bons costumes) têm-se igualmente por não escritos, ainda que
o disponente disponha do contrário. A nulidade é parcial, isto é, mantém-se o restante conteúdo da
liberalidade, que assim resulta ampliada, sendo tal regime supletivo no que toca ao modo impossível
e imperativo para o modo ilícito.

10.2 Inadimplemento do modo

A doação com encargos, como qualquer outra doação, é um contrato em que, por força da sua
declaração negocial de aceitação, o donatário assume a obrigação de adotar o comportamento a que
se refere a cláusula modal. Nas liberalidades testamentárias, não se estando, embora, perante
contratos, a aceitação importa igualmente a assunção do encargo.

E nos casos em que o inadimplemento é imputável a título de dolo ou mera culpa ao onerado?

Neste caso, pode ser judicialmente reclamado o cumprimento dos encargos pelo doador, pelos seus
herdeiros ou por quaisquer interessados. Assim, resulta, quanto à doação modal, do artigo 965º e,
quanto aos encargos impostos a herdeiros, do artigo 2247º. A obrigação de cumprir os encargos é,
quanto ao donatário, limitada pelo valor do objeto doado (artigo 963º, nº2); para o testamento, a
mesma solução parece fundamentar-se, quanto ao herdeiro onerado, no artigo 2071º e resulta
claramente no que toca aos encargos impostos aos legatários, do artigo 2276º

Quais as outras consequências aplicáveis quando o encargo modal não seja cumprido culposamente?

Para as doações, tenha o encargo valor patrimonial ou moral, parece inferir-se do artigo 966º que o
doador ou os seus herdeiros poderão “pedir a resolução” de toda a doação, apenas quando, por
interpretação do contrato, esse direito lhes seja conferido. Não bastará, portanto, provar, por qualquer
outro meio, que a cláusula modal foi causa impulsiva da doação, isto é, que o doador a não teria feito
se soubesse que o inadimplemento teria lugar; é necessário que o direito de resolução lhe seja
conferido pelo contrato e, portanto, corresponda a uma vontade real suscetível de desentranhar a sua
eficácia em sede interpretativa.

Para os testamentos, resulta do artigo 2248º que qualquer interessado pode pedir a resolução da
disposição testamentária, com fundamento em não cumprimento do encargo, havendo cláusula
testamentária nesse sentido, ou se tiver alguma expressão no testamento a consideração de que o
cumprimento do encargo foi a causa impulsiva da liberalidade. O direito de resolução não pode ser
exercido a todo o tempo, pois caduca passados 5 anos sobre a mora no cumprimento do encargo ou
vinte sobre a abertura da sucessão.

11. Cláusula Penal

A cláusula penal é a estipulação em que as partes convencionam antecipadamente uma determinada


prestação, normalmente uma quantia em dinheiro, que o devedor deverá satisfazer ao credor, em
caso de não cumprimento, ou de não cumprimento perfeito da obrigação. Pode revestir duas
modalidades: cláusula penal compensatória ou moratória, conforme tenha sido estipulada para o não
cumprimento da obrigação ou para a simples mora do devedor. Mas pode, igualmente, referir-se a
qualquer hipótese de cumprimento defeituoso da prestação. Aparece normalmente como cláusula do
contrato, dele fazendo parte desde a sua celebração, mas nada impede que seja convencionada
posteriormente, desde que antes da verificação do facto constitutivo de responsabilidade. A cláusula
penal é acessória da obrigação principal, pelo que as vicissitudes desta se refletirão na pena
convencional. Assim, se a obrigação principal for nula, também a cláusula penal é nula (artigo 810º
CC).

11.1 Espécies de cláusulas penais e respetivo regime

Chamamos cláusula de fixação antecipada da indemnização àquela em que as partes, ao estipulá-la,


visam, tão-só, liquidar antecipadamente, de modo ne varietur, o dano futuro. Pretendem as partes,
desta forma, evitar os litígios, as despesas e demoras que uma avaliação judicial da indemnização
sempre acarretará, à qual é inerente, por outro lado, uma certa álea. Ao mesmo tempo que o credor se
furta ao encargo de ter de provar a extensão do prejuízo efetivo, o devedor previne-se quanto a uma
indemnização avultada, superior às suas expectativas.

Numa palavra, acordando-se num montante indemnizatório pré-determinado, as vantagens e os


inconvenientes que daí poderão advir são partilhados pelos dois contraentes: ambos conhecem, de
antemão, as consequências de um eventual inadimplemento, e um e outro se submetem ao risco de o
prejuízo efetivo ser consideravelmente menor ou maior do que a soma prevista.

Daí, precisamente, que o credor não possa, em princípio, optar pela indemnização nos termos gerais
(artigo 811º, nºs 2/3), em vez da soma prefixada, pois isso implicaria violar o acordo anterior, onde
se estabeleceu a indemnização a que ele teria direito. Acordo esse que não é estabelecido no seu
exclusivo interesse, mas no de ambos os contraentes, pelo que se o credor pudesse, sem mais, fazer a
referida opção, isso significaria frustrar a expectativa do devedor ao subscrever a cláusula. A pena é
estipulada como substituto da indemnização, pelo que o acordo vincula ambas as partes ao montante
predeterminado, sendo este o único regime a título de indemnização.

Por outro lado, uma vez que esta cláusula se destina a liquidar o dano, a fixar o quantum
respondeatur, naturalmente que o devedor só terá de pagar a soma preestabelecida caso seja
responsável, o que não sucederá provando ele sua falta de culpa. Assim como a mesma também não
será devida provando o devedor a inexistência de qualquer dano: a falta deste retira toda e qualquer
base à sua liquidação anterior.

Uma outra espécie de cláusula penal é aquela cujo escopo é puramente coercitivo e a sua índole, por
isso, exclusivamente compulsivo-sancionatória. A especificidade desta cláusula traduz-se no facto de
ela ser acordada com um plus, como algo que acresce à execução específica da prestação ou à
indemnização pelo não cumprimento.

Trata-se de espécie diversa da que é contemplada no artigo 810º, nº1: enquanto esta norma define a
cláusula penal como a fixação, por acordo, do montante da indemnização exigível, a pena
estritamente compulsória, pelo contrário, não visa reparar o credor, o dano do incumprimento não é
considerado pelas partes ao ser estabelecido o seu montante. A finalidade da mesma é de ordem
exclusivamente compulsória: destina-se, tão só, a pressionar o devedor ao cumprimento, não a
substituir a indemnização a que houver direito, nos termos gerais. Não cabendo esta figura na
hipótese do artigo 810º CC, a sua legitimidade decorre do princípio da liberdade contratual, funda-se
no acordo das partes e destina-se a tutelar a própria confiança de que cada contraente honrará os seus
compromissos. Eventuais abusos (que não são privativos desta espécie de pena) serão combatidos,
tanto pelo recurso a meios de controlo geral, como por aplicação do princípio consagrado no artigo
812º, em sede de redução das penas manifestamente excessivas.

A distinção entre a cláusula penal, enquanto fixação antecipada do montante de indemnização, por
um lado, e a cláusula penal, enquanto pura sanção compulsória, por outro, não levanta, assim,
dificuldades de maior. A primeira destina-se a liquidar o dano, substitui a normal obrigação de
indemnizar, visto constituir, ela própria, um acordo prévio sobre o montante da mesma. A segunda,
ao invés, visa exclusivamente compelir o devedor ao cumprimento, não substitui a indemnização,
constituindo, por definição, um plus, algo que acrescentará àquela, que terá, assim, de apurar-se nos
termos gerais.

12. Alteração das circunstâncias que fundamentam a decisão de


contratar
A alteração das circunstâncias do negócio implica a não verificação de uma circunstância
pressuposta ou de uma pressuposição, sempre que a evolução do circunstancialismo não foi
considerada pelo declarante. A noção de pressuposição consiste na convicção, consciente ou
subconsciente, da verificação no futuro de uma dada circunstância ou estado de coisas, convicção
determinante da realização de um contrato, pois, de outro modo, não se teria celebrado o negócio ou
só teria tido lugar a sua realização noutros termos.

As partes, ou apenas uma delas, tiveram como certa a verificação de uma dada acontecimento ou
estado de coisas e, por isso, contrataram. Esta pressuposição pode ser obviada com a introdução de
uma condição no negócio jurídico, mas, muitas vezes, isso não acontece. Ou seja, têm essa situação
futura em conta, mas não a utilizam como cláusula contratual que condicione os efeitos do negócio.

Ex.: Alguém compra o terreno pressupondo que ele terá viabilidade de construção, mas, na verdade,
ele não chega a tê-la. No entanto, no contrato não consta que a compra apenas se dá com a
existência de viabilidade de construção (não há uma condição suspensiva), logo os efeitos do
negócio não chegam a ficar condicionados, produzindo-se automaticamente.

Estas questões da não verificação da pressuposição acabam por se reconduzir ao artigo 437º CC, que
não se refere especificamente a estes erros de pressuposição, mas à alteração superveniente das
circunstâncias. Na pressuposição, o futuro que as partes tiveram em conta não se vai verificar, não
porque as circunstâncias se alteram, mas precisamente porque não se alteram (há uma falsa
representação do futuro. Assim, estas situações de pressuposição têm merecido relevância excecional
nos mesmos termos do artigo 437º CC, embora seja uma aplicação analógica do regime, na medida
em que o artigo 437º diretamente, em regra, não abrange estes casos.

13. Ineficácia e Invalidade dos Negócios Jurídicos

A ineficácia em sentido amplo tem lugar sempre que um negócio não produz. Por impedimento
decorrente do ordenamento jurídico, no todo ou em parte, os efeitos que tenderia a produzir, segundo
o teor das declarações respetivas.

A invalidade é uma espécie do género ineficácia: enquanto a ineficácia em lato sensu compreende
todas as hipóteses em que, por causas intrínsecas ou extrínsecas, o negócio não deve produzir os
efeitos a que tendia, a invalidade é apenas a ineficácia que provém de uma falta ou irregularidade dos
elementos internos (essenciais; formativos) do negócio.

O conceito de ineficácia em sentido estrito definir-se-á, coerentemente, pela circunstância de


depender, não de uma falta ou irregularidade dos elementos internos do negócio, mas de alguma
circunstância extrínseca que, conjuntamente com o negócio, integra a situação complexa produtiva
de efeitos jurídicos. Na invalidade, a ausência de produção dos efeitos negociais resulta de vícios ou
de deficiências do negócio, contemporâneos da sua formação. O mesmo sucede em muitos casos de
ineficácia em sentido estrito.
Há, porém, casos de cessação dos efeitos negociais e, portanto, de ineficácia em sentido lato, por
força de eventos posteriores ao momento da sua celebração. Surgem-nos com estas características
figuras como a resolução, revogação, caducidade e a denúncia.

13.1 Modalidades da ineficácia em sentido estrito

➢ Ineficácia Absoluta e Ineficácia Relativa: a ineficácia é absoluta quando atua


automaticamente, erga omnes, podendo ser invocada por qualquer interessado. A ineficácia
será relativa se se verificar apenas em relação a certas pessoas (inoponibilidade), só por elas
podendo ser invocada (o negócio, embora eficaz noutras direções, é inoponível a certas
pessoas).
Ex.: de ineficácia absoluta: negócios sob condição suspensiva, se a condição não se verificar
(artigo 274º CC)
Ex.: de ineficácia relativa: atos sujeitos a registo, não registados

Os negócios feridos de ineficácia relativa produzem, pois, efeitos, mas não estão dotados de eficácia
relativamente a certas pessoas. A ineficácia relativa surge-nos em situações caracterizadas pela
existência de um direito, de uma expectativa ou de um interesse legítimo de um terceiro, que seriam
prejudicados pelo negócio de disposição ou de vinculação em causa. O negócio é relativamente
ineficaz, por força do impedimento, resultante daquela posição legitima do terceiro acerca do
conteúdo do ato. Esta posição legitima do terceiro pode consistir numa pretensão fundada de
aquisição ou execução dos bens alienados ou onerados pelo negócio.

➢ Ineficácia total e Ineficácia Parcial: a distinção refere-se à circunstância de o vício impedir a


produção de quaisquer efeitos ou só afetar parte dos efeitos negociais.

13.2 Inexistência e Invalidade (nulidade e anulabilidade) dos negócios


jurídicos

➔ Inexistência e Invalidade

A inexistência é uma figura autónoma, com consequências mais graves do que a nulidade e a
anulabilidade. Quanto á inexistência, afirma-se quando nem sequer aparentemente se verifica o
corpus de certo negócio jurídico, ou, existindo embora essa aparência material, a realidade não
corresponde a tal noção. Pelo contrário, a valoração de um negócio como nulo ou anulável
pressupõe, pelo menos, que o negócio exista, isto é, que se verifiquem os elementos correspondentes
ao seu tipo, sem embargo de ocorrer, nesses elementos, alguma anormalidade.

➔ Nulidade e Anulabilidade: invalidades mistas

O negócio nulo não produz, desde o início, por força da falta ou vício de um elemento interno ou
formativo, os efeitos a que tendia. O negócio anulável, não obstante a falta ou vício de um elemento
interno ou formativo, produz os seus efeitos e é tratado como válido, enquanto não for julgada
procedente uma ação de anulação. Exercido, mediante esta ação, o direito potestativo de anular
pertencente a uma das partes, os efeitos do negócio são retroativamente destruídos.

Regime das Nulidades

▪ Operam ipso iure. Não se torna necessário intentar uma ação ou emitir uma declaração nesse
sentido, nem sequer uma sentença judicial prévia e podem ser declaradas ex officio pelo
tribunal (artigo 286º CC)

▪ São invocáveis por qualquer interessado, isto é, pelo sujeito de qualquer relação jurídica
afetada, na sua consciência jurídica ou prática, pelos efeitos a que o negócio se dirigia (artigo
286º CC)

▪ São insanáveis pelo decurso do tempo, isto é, são invocáveis a todo o tempo (artigo 286º
CC). A possibilidade da sua invocação perpétua pode, porém, ser precludida, no aspeto
prático, pela verificação de usucapião, se a situação de facto for atuada de acordo com os
efeitos a que tendia o negócio

▪ São insanáveis mediante confirmação (artigo 288º a contrario). Pode, todavia, ter lugar aqui
um sucedâneo da confirmação: a chamada renovação ou reiteração do negócio nulo. Há
algumas diferenças entre a confirmação e a renovação do negócio. A confirmação é um
negócio unilateral, enquanto que a renovação, nos contratos nulos, é um novo contrato. A
confirmação tem efeito retroativo, mesmo em relação a terceiros, a renovação opera ex nunc,
mesmo que o fundamento da nulidade tenha desaparecido, embora por estipulação ad hoc,
possa ter eficácia retroativa nas relações inter partes.

Regime das Anulabilidades

O negócio anulável é, em princípio, apesar do vício, tratado como válido. Se não for anulado, no
prazo legal e pelas pessoas com legitimidade, passa a ser definitivamente válido. Se for anulado, no
tempo e forma devidos, considera-se que os efeitos visados não se produziram desde o início, como
nunca tendo tido lugar. O regime das anulabilidades tem como características:

▪ Têm de ser invocadas pela pessoa dotada de legitimidade. Não podem ser declaradas ex
officio pelo tribunal. Exigem uma ação especificamente destinada a esse efeito, ressalvada a
possibilidade da sua arguição por via de exceção, isto é, a possibilidade de as pessoas
legitimadas se defenderem, arguindo a anulabilidade de qualquer negócio jurídico que contra
elas seja invocado (artigo 287º CC).

▪ Só podem ser invocadas por determinadas pessoas e não por quaisquer interessados. Resulta,
com efeito, do artigo 287º, nº1 CC que só tem legitimidade para arguir a anulabilidade os
titulares do interesse para cuja específica tutela a lei estabeleceu. Trata-se de uma diretiva de
carácter genérico que deverá ser tomada em conta nos casos em que a lei não faça a indicação
concreta das pessoas legitimadas. Em muitos casos o código faz essa indicação (artigos 125º;
254º; 1687º). Outras vezes, a lei nada diz e haverá que aplicar o critério do artigo 287º.
▪ São sanáveis pelo decurso do tempo, sendo que o CC estabelece o prazo de 1 ano para a
arguição da anulabilidade (artigo 125º peara as incapacidades e artigo 287º para
anulabilidades em geral). Na hipótese dos atos afetados por ilegitimidades conjugais, o prazo
máximo é de 3 anos (artigo 1687º, nº2 CC). Quanto ao momento a partir do qual se conta o
prazo, a lei fixa-o expressamente, para certas hipóteses. Assim, artigos 125º (varia com a
pessoa legitimidade para invocar a anulabilidade) e 1687º (desde a celebração do ato, ou 6
meses desde o seu conhecimento) quando a lei nada disser expressamente, o prazo deve
contar-se desde a cessação do vício que lhe serve de fundamento (artigo 287º). Por aplicação
deste critério, o prazo de um 1 ano deverá começar a contar-se desde o conhecimento do erro,
dolo…NOTE-SE: a arguição da anulabilidade não está sujeita a qualquer prazo se o negócio
não estiver cumprido

▪ São sanáveis mediante confirmação (artigo 288º CC). A confirmação é um negócio unilateral,
pelo qual a pessoa com legitimidade para arguir a anulabilidade declara aprovar o negócio
viciado. Trata-se de um negócio jurídico e, como tal, está sujeito aos requisitos gerais de
validade dos negócios, só é eficaz, se for posterior à cessação do vício que fundamenta a
anulabilidade. O fulcro da confirmação é a existência de uma intenção confirmatória,
elemento este que exige, por parte do confirmante, conhecimento do vício e do direito à
anulação (artigo 288º, nº2 CC)

Efeitos da declaração de nulidade e da anulação

1) Operam retroativamente (artigo 289º) o que está em perfeita coerência com a ideia de que a
invalidade decorre de um vício intrínseco do negócio e, portanto, contemporâneo da sua
formação. Não se produzem os efeitos jurídicos a que o negócio tendia

2) Não obstante a retroatividade, há lugar à aplicação das normas sobre a situação do possuidor
de boa fé, em matéria de frutos, benfeitorias, encargos (artigo 289º, nº3 CC)

3) Em consonância com a retroatividade, haverá lugar à repristinação das coisas no estado


anterior ao negócio, restituindo-se tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em
espécie não for possível, o valor correspondente (artigo 289º, nº1). Tal restituição deve ter
lugar, mesmo que não se verifiquem os requisitos de enriquecimento sem causa, isto é, cada
uma das partes é obrigada a restituir tudo o que recebeu e não apenas aquilo com que se
locupletou.

4) A retroatividade da nulidade e da anulação, levada às suas últimas consequências, conduziria


à oponibilidade da destruição dos efeitos do negócio em face de terceiros. Em nome da
proteção dos legítimos interesses de terceiros e dos interesses do tráfico jurídico estabeleceu-
se, contudo, que a declaração de nulidade ou a anulação do negócio respeitante a bens
sujeitos a registo, se não for proposta e registada nos 3 anos posteriores à conclusão do
negócio, é inoponível a terceiros de boa fé, adquirentes, a título oneroso, de direitos sobre os
mesmos bens (artigo 291º CC).

13.3 Invalidade e simples Irregularidade


Enquanto a invalidade importa a destruição dos efeitos negociais, a irregularidade, embora provenha
de um vício interno negocial, tem consequências menos graves, não afetando a eficácia do negócio,
mas dando apenas lugar a sanções especiais. É o caso do casamento, nas hipóteses dos artigos 1649º
e 1650º CC.

13.4 Resolução; Revogação; Caducidade; Denúncia

O CC admite a resolução do contrato com fundamento na lei ou em convenção das partes. A


estipulação convencional de um direito de resolução é expressamente admitida pelo artigo 432º CC.
A resolução tem lugar em situações de variada natureza, resultando não de um vício da formação do
contrato, mas de um facto posterior à sua celebração, normalmente um facto que vem iludir a
legítima expectativa de uma parte contratante, seja um facto natural ou social. Os seus efeitos estão
regulados nos artigos 433º e ss, onde se determina a equiparação da resolução, quanto a este ponto, á
nulidade ou anulabilidade do negócio. Ressalvam-se, porém, as normas seguintes, das quais resultam
algumas diferenças entre a resolução e a invalidade. Assim:

➔ A resolução pode fazer-se mediante declaração à outra parte (artigo 436º CC), enquanto a
invalidade atua ou automaticamente ou implica uma ação judicial

➔ A resolução tem, em princípio, efeito retroativo entre as partes, mas tal efeito não se verifica
se contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução, bem como, em princípio, nos
contratos de execução continuada. Já a invalidade tem efeito retroativo inter partes, sem
estas limitações.

➔ A resolução nunca prejudica os direitos adquiridos por terceiros (artigo 435º CC), salvo se o
terceiro adquiriu o seu direito posteriormente ao registo da ação de resolução. Já a invalidade
opera os seus efeitos em relação a terceiros, ressalvada a hipótese contemplada no artigo
291º

Em alguns casos a lei autoriza um dos sujeitos do negócio jurídico a revogá-lo. A revogação tem
apenas a consequência de extinguir os efeitos do negócio para o futuro (ex nunc), não opera,
portanto, retroativamente. Pode ter lugar, igualmente, uma revogação dos contratos por comum
acordo, eventualmente com eficácia retroativa inter partes. É o chamado contrato extintivo ou
abolitivo. Com este, as partes, por mútuo consentimento, extinguem a relação contratual existente
entre elas. Esta eliminação dos efeitos jurídicos do primeiro contrato terá uma eficácia ex tunc ou ex
nunc, conforme a vontade das partes, expressa ou deduzida das circunstâncias do caso concreto.
Algumas vezes a faculdade de revogação é conferida ad libitum, sem sujeição quaisquer
pressupostos (artigo 265º, nº2; 448º¸1170º, nº1). Em outros casos a revogação só pode ter lugar
ocorrendo certos motivos designados na lei (artigos 970º; 974º; 1411º; 2029º CC)

A cessação dos efeitos negociais pode ter lugar, sem carácter retroativo, sob a forma de caducidade.
No nosso sistema jurídico abrange este conceito uma série numerosa de situações em que as relações
jurídicas duradouras de tipo obrigacional criadas pelo contrato ou pelo negócio se extinguem para o
futuro por força do decurso do prazo estipulado, da consecução do fim visado ou de qualquer outro
facto ou evento superveniente a que lei atribui o efeito extintivo, ex nunc, da relação contratual. Ex.:
1051º; 1141º; 1174º…. Dos casos previstos na lei resulta igualmente que a caducidade pode
verificar-se em duas espécies diferentes de negócios jurídicos, ou seja, em atos de eficácia duradoura
já em execução (ex.: arrendamento; comodato) e atos de eficácia suspensa (ex.: testamento;
convenção antenupcial)

Entre as formas de colocar termo à eficácia de um negócio jurídico, a denúncia caracteriza-se


especificamente por ser a faculdade existente na titularidade de um contratante de, mediante mera
declaração, fazer cessar uma relação contratual ou obrigacional em sentido amplo a que está
vinculado, emergente de um contrato bilateral ou plurilateral. Não se exige para a denúncia uma
justificação do autor da mesma.

13.5 Redução dos negócios jurídicos

O problema da redução dos negócios jurídicos insere-se na disciplina dos efeitos das nulidades e
anulabilidades negociais. Trata-se de saber se, no caso de um fundamento de invalidade ser relativo
apenas a uma parte do conteúdo negocial, o negócio deve valer na parte restante (não afetada) ou
deve ser nulo ou anulável na sua totalidade. A invalidade negocial é circunscrita à parte que briga
com uma disposição legal ou arrasta, por reflexo, a invalidade total?

Ex.: A vende a B um terreno sendo que se verifica mais tarde que o terreno vendido não pertencia a
A na sua totalidade, pois compreende uma faixa determinada corresponde a 1/3 da superfície total,
pertencente a C. A venda desta faixa é nula, por se tratar nesta parte, de uma venda de bens alheios
(artigo 892º CC). Será nulo todo o negócio ou permanecerá válida a venda do terreno efetivamente
pertencente a A com a redução proporcional do preço?

Ex.: A arrenda a B uma causa de habitação e estipulam verbalmente a atribuição ao arrendatário


de um direito de preferência na venda da casa. O pacto de preferência clausulado no contrato de
arrendamento é nulo por vício de forma (artigo 415º CC). Será nulo todo o negócio, ou
permanecerá válido o arrendamento sem a cláusula atributiva de um direito de preferência?

Na doutrina propõe-se, predominantemente, o critério da vontade hipotética das partes, isto é, não de
uma vontade real, mas de uma vontade como que fingida ou construída pelo juiz. Trata-se de
averiguar aquilo que as partes teriam querido provavelmente, se soubessem que o negócio se opunha
parcialmente a alguma disposição legal e não pudessem realizá-lo em termos de ser válido na sua
integridade. Se se concluir que as partes preferiam não realizar qualquer negócio, deve-se concluir
pela invalidade total. Já se se concluir que as partes, provavelmente, sempre o teriam realizado na
parte não diretamente atingida pela invalidade, deve ter lugar a redução do negócio. A procura da
vontade hipotética das partes é uma operação que tem de tomar em conta as particularidades do caso
concreto. Pode, todavia, haver dúvidas sobre qual é essa vontade das partes. Nesta hipótese são-nos
dadas duas soluções:

1- Uma favorável à redução, propugnada pela doutrina tradicional em nome do princípio da


conservação dos negócios jurídicos e de uma ideia de proporcionalidade entre a causa e o
efeito
2- Outra favorável à invalidade parcial, com fundamento na ideia de que a validade parcial do
negócio exige sempre uma base volitiva, uma vontade real ou, pelo menos, uma vontade
hipotética, pois o eixo dos negócios jurídicos é a vontade.

No nosso CC o problema é tratado genericamente no artigo 292º CC

Determina-se, em princípio, a redução dos negócios jurídicos parcialmente nulos ou anuláveis. A


invalidade total só poderá ter lugar, se se provar que o negócio teria sido concluído sem a parte
viciada. Estabelece-se uma presunção de divisibilidade ou separabilidade do negócio. O contraente
que pretender a declaração da invalidade total tem o ónus de provar que a vontade hipotética das
partes ou de uma delas, no momento do negócio, era nesse sentido, isto é, que as partes, ou pelo
menos uma delas, teriam preferido não realizar negócio algum, se soubessem que ele não poderia
valer na sua integridade.

Note-se, porém, que por vezes a redução deve ter lugar, mesmo que a vontade hipotética das partes,
fosse no sentido da invalidade total. Assim:

a) Quando a invalidade parcial resultar da infração de uma norma destinada a proteger uma
parte contra a outra, haverá redução, mesmo que haja vontade, hipotética ou real, em
contrário. Trata-se de uma redução teleológica, no sentido de ser determinada pela
necessidade de alcançar plenamente as finalidades visadas pela norma imperativa infringida.

b) Quando, verificada a invalidade parcial, seja conforme à boa fé, numa apreciação atual, que o
restante conteúdo do negócio se mantenha, ainda que a vontade hipotética, reportada ao
momento da conclusão do negócio fosse diversa.

c) Nos contratos de adesão, verificada a nulidade de certas cláusulas por violarem proibições
legais, existe um regime especial que visa proteger o interesse do aderente: este pode optar
pela manutenção dos contratos singulares, mesmo que algumas das suas cláusulas sejam
nulas, vigorando, na parte afetada, as normas supletivas aplicáveis. Se, porém, o aderente não
exercer esta faculdade de optar pela manutenção do contrato sem as cláusulas nulas, ou se
esta conduzir a um desequilíbrio de prestações gravemente atentatório da boa fé, há que
recorrer ao regime da redução dos negócios jurídicos

d) O consumidor pode optar pela manutenção do contrato que celebrou quando algumas das
suas cláusulas sejam nulas, por excluir ou restringir os direitos reconhecidos pela Lei nº24/96
ou por violar certos regimes legais imperativos que têm como finalidade a sua proteção.

13.6 Conversão dos negócios jurídicos


Trata-se de saber se, declarado nulo ou anulado totalmente um negócio, este não produzirá quaisquer
efeitos negociais ou se, dados certos requisitos, não poderá reconstituir-se, com os materiais do
negócio totalmente inválido, outro negócio, cujo resultado económico-jurídico, embora mais
precário, se aproxime do tipo em vista pelas partes com a celebração do contrato totalmente inválido.

Ex.: a conversão de uma venda de imóveis feita por escrito particular, portanto, nula por vício de
forma, numa promessa de compra e venda, com o resultado prático de levar à perda ou à restituição
em dobro do preço pago (artigo 441º)

Ex.: a conversão da venda de parte determinada da coisa comum, feita pelo comproprietário, em
venda da parte ideal do vendedor

Quais os requisitos de admissibilidade?


A doutrina nacional é largamente favorável à conversão dos negócios jurídicos, exigindo, todavia,
certos requisitos de admissibilidade, sendo eles os seguintes:

➢ É necessário que o negócio inválido contenha os requisitos essenciais de forma e substância


(capacidade; objeto; vontade), necessários para a validade do negócio sucedâneo. Assim, por
exemplo, a venda verbal de imóveis é inconvertível em promessa de compra e venda.

➢ Exige-se que a vontade hipotética ou conjetural das partes seja no sentido da conversão. Só
haverá conversão, quando se imponha a conclusão de que as partes teriam querido o negócio
sucedâneo se, na hipótese de se terem apercebido do vício do negócio principal, não
pudessem tê-lo celebrado sem essa deficiência. Trata-se de um requisito cuja existência deve
ser averiguada à luz das particularidades do caso concreto. Os efeitos do negócio sucedâneo
não podem exceder os efeitos visados com o negócio inválido, pois isso contrariaria uma
vontade hipotética construída sobre a base do negócio principal. A conversão é um meio
adequado á realização, embora de forma mais limitada, dos fins das partes e corresponde à
avaliação de interesse em que se basearam. Terá, portanto, lugar sempre que seja de presumir
que as partes, na falta da obtenção do resultado económico completo, teriam pretendido ao
menos a realização parcial ou incompleta dos seus fins.

➢ A conversão deve manter-se dentro do domínio negocial traçado pelas partes.

A conversão é genericamente regulada no artigo 293º CC, onde são formulados requisitos
coincidentes com os enunciados anteriormente pela doutrina. Diversamente do que sucede com a
redução dos negócios jurídicos, a conversão exige a prova da vontade hipotética das partes, não
tendo lugar em caso de dúvida. Deve entender-se, também, com fundamento nos artigos 239º e 334º
que a conversão poderá ter lugar, independentemente da vontade hipotética das partes, se boa fé
assim o exigir. No entanto, há casos em que a própria lei faz essa redução/conversão,
independentemente da vontade das partes, como, por exemplo, no artigo 946º, nº2 CC; 1416º, nº1;
2251º, nº2.

14. A influência do tempo nas relações jurídicas


A passagem do tempo não é indiferente às relações jurídicas e, entre as formas de extinção de
direitos, há duas que se prendem com a passagem do tempo:
1. Prescrição
2. Caducidade

Em qualquer dos casos, a eficácia dos direitos vai cessar, não porque haja qualquer invalidade, mas
simplesmente porque o tempo passou. Que tipo de direitos prescrevem ou caducam? Tem-se
entendido, grosso modo, que os direitos subjetivos em sentido estrito prescrevem e os direitos
potestativos caducam. Esta regra, não sendo algo absolutamente infalível, poderá ser útil no
momento de eleger os regimes a aplicar.

14.1 Prescrição

A prescrição está prevista nos artigos 298º; 300º a 327º) e corresponde ao facto pelo qual um direito
subjetivo em sentido estrito se extingue, em virtude da inércia do titular do direito durante um
determinado lapso temporal. Assim, em regra, teremos que ter alguém que é titular de um direito,
mas não o exerce e o tempo passa- o direito irá extinguir-se em consequência dessa prescrição.
O beneficiário da prescrição (devedor) tem a faculdade de se opor ao exercício do direito a partir do
momento em que o direito prescreve (artigo 304º), ou seja, o credor deixa de ter um direito de exigir
e passa a ter um direito de pretender, pelo que, se o devedor cumpre, não poderá pedir de volta essa
prestação. O tribunal não pode suprir a prescrição, tendo de ser invocada pelo beneficiário (artigo
303º CC) e a renúncia à prescrição só se admite depois de o prazo ter decorrido, sendo que, nos
termos do artigo 309º CC, o prazo ordinário é de 20 anos, quando nada se diga em contrário (artigos
310º; 316º e 317º CC). Uma vez iniciado o prazo de prescrição, ele continua, ainda que o direito se
transfira para outro titular (artigo 308º CC) mas a lei prevê situações em que a prescrição se suspende
(artigos 318º a 322º) e se interrompe (artigos 323º a 327º CC)
A diferença entre a suspensão e a interrupção do prazo é que, havendo interrupção, o prazo que já
tiver corrido até esse momento fica inutilizado, ou seja, quando voltar a correr, começa do 0 (artigo
326º CC), ao passo que a suspensão faz com que o prazo, naquele período em que está suspenso, não
corra, mas continua a correr mal a suspensão cesse. No entanto, nem todos os direitos estão sujeitos a
prescrição, são, desde logo, imprescritíveis os direitos pessoais (ex.: direitos de personalidade). Os
direitos patrimoniais de crédito prescrevem

14.2 Caducidade

Artigos 298º; 328º a 333º. A regra será a caducidade, nos termos do artigo 298º, nº2 CC. Ela pode ser
apreciada oficiosamente pelo tribunal (artigo 333º CC). No entanto, se se tratar de matérias
disponíveis pelas partes, a caducidade também terá de ser invocada. Além disso, a caducidade não
suspende nem interrompe (artigo 328º CC), a menos que a lei expressamente o determine. Portanto,
o que obvia à caducidade do direito é a prática do ato respetivo (artigo 331º CC). Depois o artigo
330º CC diz que são válidos os negócios pelos quais se criem casos especiais de caducidade, ou se
modifique o regime legal ou se renuncia à caducidade- matéria que permite estipulações
convencionais das partes (o que funciona ao contrário da prescrição- artigo 300º CC). Em ambos os
casos, há motivos de certeza e segurança associados a estes regimes.

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