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Objeto dos Direitos Reais

1. Noção de coisa suscetível de constituir objeto de direito real


Art.202ºCC – A nossa dada pelo Código Civil de coisa é demasiado ampla.
Nota: O legislador no nº2, de forma infeliz, integra entre “coisas fora do comércio
jurídico”: as coisas insuscetíveis por razões jurídicas de apropriação (por estarem no
domínio público) e as coisas insuscetíveis por sua natureza de apropriação exclusiva.
Mas os baldios, que não se integram no domínio público, são insuscetíveis de
apropriação exclusiva, em virtude da Lei 68/93 de 4 setembro. Mais, são qualificáveis
como coisas comuns.

O conceito jurídico de coisa tem de ser restringido, acrescendo ao disposto no art. 202º
os seguintes requisitos:
1) IMPESSOALIDADE [carência de personalidade jurídica];
2) AUTONOMIA [objeto com existência autónoma ou objeto distinto e separado
que seja atual, certo e determinado];
3) UTILIDADE [objeto idóneo à satisfação de necessidades ou interesses
humanos];
4) APROPRIABILIDADE [=suscetibilidade de apropriação exclusiva = o objeto tem
de poder subordinar-se juridicamente ao poder/ação/disponibilidade exclusiva
de um homem]

Consequentemente, não cabe na noção jurídica de coisa:


- Quem detenha personalidade jurídica (P.ex: as pessoas);
- Qualquer objeto que não tenha existência autónoma (P.ex: partes integrantes
e partes componentes)
- Tudo aquilo que não é apto a satisfazer necessidades humanas (P.ex: gota de
água; grão de areia)
- Tudo aquilo que, por sua natureza, seja insuscetível de apropriação exclusiva
por alguém. P.ex: objetos de que todos os homens se podem aproveitar (luz solar; ar
atmosférico); objetos de que ninguém pode tirar proveito (as estrelas; o próprio sol; os
planetas).

2. Algumas classificações de coisas relevantes para o Direito das Coisas


a) Coisas corpóreas e coisas incorpóreas
São coisas corpóreas todas as que têm existência física, sendo, portanto,
apreensíveis/percetíveis pelos sentidos.
P.ex: a eletricidade
Já as coisas incorpóreas são as que não podem ser apreendidas pelos sentidos
e, portanto, apenas podem ser percetíveis pelo intelecto.
P.ex: patentes; direitos quando coisificáveis; sinais distintivos de comércio
b) Coisas imóveis e móveis (art.204º e 205º)
Coisas imóveis
Al a) Prédio Rústico ou Urbano + nº2
Al b) Águas das fontes e das nascentes [Não a água que corre sobre o solo]
Al c) Árvores, arbustos e frutos naturais enquanto estão ligados ao solo
Al d) Direitos inerentes (reais) aos imóveis relacionados com as alíneas anteriores
Al e) Partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos e, por maioria de razão, as
partes componentes

Importância Prática da distinção:


- Determinar as formalidades que está sujeita a alienação entre vivos:
Os negócios reais que tenham por objeto imóveis, de acordo com os arts.80º Cod.Not.
+ 947º e 875º CC, estão sujeitos a escritura pública ou doc. particular autenticado.
- Determinar os factos sujeitos a registo:
Os factos sujeitos a registo são os que tenham por objeto imóveis (204º) ou móveis
equiparados por lei a imóveis (automóveis; navios; aeronaves)- 205º, nº2
- Em matéria de usucapião: os prazos para aquisição originária da usucapião de
imóveis são muito maiores do que os prazos para a aquisição de usucapião de móveis.

c) Coisas fungíveis (art.207º)


Na expressão tradicional, segundo MANUEL DE ANDRADE, são fungíveis as coisas que
se determinam por conta, peso e medida. Coisas fungíveis são substituíveis por outras.
Uma vez que ainda não têm existência autónoma ou não são entidades certas e
determinadas em espécie, não são suscetíveis de constituir objeto de direitos reais. 
Só depois de feita a escolha é que podem surgir direitos reais sobre a coisa, pois só aí
ela fica determinada.

d) Coisas futuras (art.211º)


O art.211º não define rigorosamente coisa futura, porque não permite distinguir os
conceitos de coisa relativamente futura; coisa absolutamente futura; coisa alheia e
coisa inexistente.

Coisa relativamente futura- já existe, mas ainda não está em poder do disponente no
momento da declaração negocial. Todavia, tem a legítima expectativa de vir a adquiri-
la e sendo o contrato realizado nessa suposição.

Coisa Alheia- já existe, mas ainda não está em poder do disponente e este não tem a
legitima expectativa de a vir a adquirir- arts.892º; 893º; 942º; 956º

Coisa absolutamente futura- ainda não existe, mas é esperada.


Coisa inexistente- ainda não existe nem na disponibilidade do disponente nem de
quem quer que seja, e aquele não espera vir a adquiri-la.
e) Partes componentes, partes integrantes e partes acessórias
Partes componentes- são constituintes da estrutura e sem as quais a coisa não está
completa ou é inapta para o uso a que se destina.
P.ex: porta de uma casa; tjolos das paredes; telhas do telhado;
Nota: Podem ser individualizadas para serem negociadas, no entanto, causam prejuízo
para a coisa a que se encontram ligadas.

Partes integrantes (204º, nº3)- coisas móveis unidas materialmente e com carácter
de permanência a um prédio para lhe aumentar as utilidades, tornando-o mais
produtivo (p.ex: engenho para tirar água); para aumentar a segurança (p.ex: sistema
de alarme); maior comodidade (p.ex: ar condicionado, sistema de aquecimento
central); ou embelezamento (p.ex: painel de azulejos integrado na parede)

Nota: As partes integrantes mantêm a sua individualidade, podendo ser levantadas


sem prejuízo do prédio a que estão ligadas. [ou seja, não são elementos da estrutura
da coisa].

Tanto as partes componentes como as integrantes podem ser objeto de um negócio


jurídico, mas os efeitos reais que com este se queiram produzir não ocorrerão
imediatamente, ficando suspensos até que a parte se transforme em coisa [i.e., até
que ocorra a separação o negócio produz efeitos meramente obrigacionais]

As coisas certas, determinadas e autónomas que percam a sua autonomia e passem a


ser partes componentes ou integrantes de uma coisa principal, deixam de poder ser
objeto de relações jurídicas autónomas (art.408º, nº2).
P.ex: elevadores que perdem a sua natureza de coisa assim que sejam integrados ao
edifício que passam a servir.

f) Coisas acessórias- 210º


Coisa que está ligada à coisa principal, mas apenas pelo seu destino económico, não
materialmente.

Art.210º, nº2- Sendo a coisa acessória uma verdadeira coisa autónoma, se nada se
convencionar não seguirá a coisa principal.
P.ex: A vende ao B um apartamento, com a propriedade do imóvel não segue o
recheio, a não ser que o contrário seja expressamente acordado.

g) Frutos- 212ºss
213º+214º + 215º  Nº2- Naturais P.ex: lã de ovelhas; crias dos animais; laranjas;
maçãs // Civis P.ex: juros de depósito bancários; rendas que a casa gera em virtude de
contrato de arrendamento
Frutos pendentes- aqueles que ainda não foram colhidos ou recebidos.
Frutos percebidos- Já foram produzidos e colhidos.
Frutos percipiendos- não foram percebidos e que poderiam ter sido, caso a coisa
frutífera tivesse estado em poder do titular do direito de fruição.
h) Benfeitorias- art.216º despesas feitas numa coisa já existente, com vista à sua
conservação, valorização ou maior recreio. [Necessárias – reparar o telhado de
uma casa; Úteis- instalar um painel de azulejos decorativo; Voluptuária- pintar
automóvel da cor preferida do proprietário]
i) Acessões- forma de aquisição originária da propriedade imobiliária, que supõe
um ato de inovação que altere a substância da coisa.

A Doutrina preocupa-se em distinguir estes dois conceitos:


MANUEL RODRIGUES seguido de MANUEL DE ANDRADE- a Benfeitoria era uma
despesa que beneficiava uma coisa já existente; enquanto que a Acessão envolvia um
ato de inovação que alterava a substância da coisa.

CUNHA GONÇALVES (na Vigência do Código de Seabra)- O critério revela-se


insuficiente, uma vez que as inovações realizadas pelo locatário ou pelo usufrutuário
estão sujeitas por lei ao regime das benfeitorias.
PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA (na Vigência do Código Civil atual)- A distinção
entre benfeitoria e acessão tem por base a existência ou inexistência de relação
jurídica [i.e., relação do interventor com a coisa beneficiada]: a benfeitoria suponha a
existência de uma relação jurídica; ao invés, a acessão seria praticada por uma pessoa
que não tivesse contacto jurídico com a coisa.

NA NOSSA PERSPETIVA: só pode ocorrer acessão se em causa estiver um ato de


inovação praticado por quem não tem uma relação jurídica com a coisa.

Havendo uma relação jurídica do interventor com a coisa beneficiada, o regime da


acessão não se aplica. Quando muito, se a lei o previr, aplicar-se-á o regime das
benfeitorias.
OS ANIMAIS (não coisas) COMO OBJETO DE DIREITOS REAIS
Em virtude da entrada em vigor da Lei 8/2017 de 3 março, os animais deixaram de ser
vistos como coisas, passando a assumir um terceiro género entre as pessoas e coisas.
O art.201º-B do CC parte do pressuposto de que os animais são seres sensíveis e, por
isso, não podem ser equiparados às coisas. No entanto, apesar das alterações
legislativas, a verdade é que os animais continuam a ser vistos como objeto de
relações jurídico-reais e o seu estatuto não sofreu modificação especial. P.ex:
art.1302º/2 (animais objeto do direito de propriedade), art.201º-D (o regime das
coisas continua, na generalidade, a ser aplicável aos animais).

Alterações Legislativas:
Com a alteração à epígrafe do art.1302º e ao acrescentar um segundo nº no
art.1305, o legislador pretendeu deixar claro que o direito de propriedade apenas se
exercia em toda a sua plenitude sobre as coisas.
No entanto, segundo o nosso entendimento, a antiga redação do 1305º apenas
conduzia à afirmação de que os poderes do proprietário resultavam dos limites e
restrições fixadas pela lei; e já não que o direito de propriedade fosse ilimitado. Para
além disso, veja-se o art.334ºCC.
O legislador também veio a introduzir no CC o art.1305º-A, no entanto o nº1 e
nº2 não são inovadores porque os proprietários de animais de companhia já se
encontravam vinculados a assumir os comportamentos mencionados, em virtude dos
arts.6º e 7º DL 260/2012 de 12 dez. Para além disso, não sendo reconhecida
personalidade jurídica aos animais, estão em causa vinculações dos proprietários que
não se consubstanciam em obrigações. Depois, no nº3 o legislador esqueceu, não só a
proibição do abuso de direito, mas ainda preceitos legais existentes a este propósito
(art.1º, nº1 e 3 da LPA + art.7º, nº1 e 3 do DL 260/2012). Finalmente, não foi feita
qualquer menção para as consequências jurídicas do não acatamento dos deveres
impostos pelo art.1305º-A.
Quanto às alterações introduzidas em matéria de ocupação, por um lado,
exclui-se o direito a um prémio dependente do valor do acho; por outro, o achador
passou a poder reter o animal (art.1323º, nº7) em caso de fundado receio que seja
vítima de maus-tratos pelo proprietário.  Esta norma suscita dificuldades
interpretativas: (i) Não são facilmente determináveis os pressupostos de aplicabilidade
da norma; (ii) Para nós não está em causa um direito real de garantia, pois o direito de
retenção é um direito real de garantia que atribui ao seu titular o poder de satisfazer o
seu crédito, à custa de bem certo e determinado, com preferência face aos demais
credores. Tal como qualquer outro direito real de garantia, é acessório de certo
crédito. Assim, a expressão “reter” dever ser interpretada como “deter”; “manter
consigo”; no art.1323º, nº4 o legislador admite que, depois de ter sido estabelecida
uma ligação entre o achador e o animal durante o período de um ano, o animal possa
ser retornado ao seu dono, como se se tratasse de uma mera coisa.
Em suma, somos da opinião que melhor teria sido o legislador assumir como
causa pública a defesa dos animais, introduzindo alterações à Lei de Proteção aos
Animais e ao DL 260/2012; ou, preferencialmente, se tivesse criado um novo Estatuto
Jurídico dos Animais, merecedores de tutela específica.

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