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Bens no Código Civil

Primeiramente temos que começar diferenciando bens de coisas. Segundo


doutrinadores, coisas são tudo aquilo que não é humano e bens são coisas
suscetíveis de apropriação e com valor econômico e jurídico. Vale lembrar que
esta é a definição usada pelo nosso Código Civil ao tratar de bens.

A Teoria do Patrimônio Mínimo idealizada por Luiz Edson Fachin está


intimamente ligada a um dos pilares do nosso ordenamento jurídico: a
dignidade da pessoa humana. Segundo esta teoria, faz-se necessário garantir
um mínimo de patrimônio com base no ordenamento jurídico; o indivíduo
precisa de um mínimo existencial como forma de garantir-lhe a sua dignidade.

Exemplo em que isso se faz presente em nosso Código Civil:

Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda
suficiente para a subsistência do doador.

O instituto do bem de família é consequência desta teoria e será tratado mais


adiante na matéria.

Classificação dos Bens


QUANTO À TANGIBILIDADE (ESTA CLASSIFICAÇÃO NÃO CONSTA NA
LEI)

 Corpóreos, materiais ou tangíveis – como a caneta, o carro e a mesa.


Estes existem materialmente e podem ser tocados.
 Incorpóreos, imateriais ou intangíveis – como direitos fundamentais ou
direitos autorais. Não podem ser tocados, pois não existem
materialmente.

QUANTO À SUA MOBILIDADE

 Imóveis (artigos 79 a 81 do CC): são imóveis os bens que não podem ser
movidos ou removidos sem perderem as suas características. Por
exemplo, uma casa.

Existem subclassificações dos bens imóveis:

1. Por acessão física, industrial ou artificial – tratam dos bens que são
incorporados permanentemente ao solo, como construções.
2. Por natureza ou por essência – são bens imóveis por natureza,
representam o solo e tudo o que lhe incorporar naturalmente, como o
espaço aéreo e o subsolo.
3. Por disposição legal – trata dos bens determinados imóveis por meio do
ordenamento jurídico, como os direitos reais e as ações que o
asseguram, e o direito à sucessão aberta.

 Móveis (artigos 82 a 84): são móveis os bens que possuem movimento


próprio ou que podem sofrer remoção por força alheia sem que isso
altere as suas características essenciais. Por exemplo, eletrodomésticos.
Para efeitos legais são considerados também as energias, materiais
destinados a alguma construção e materiais de demolição.

Também existem subclassificações dos bens móveis:

1. Por antecipação – aqueles que passem a ser móveis por força alheia, por
exemplo, uma colheita que é retirada do solo
2. Por natureza – bens que possuem movimento próprio. Aqui pode entrar
o exemplo dos bens semoventes, que são bens que se movem por força
própria, como os animais.
3. Por determinação legal – classificados pelo ordenamento jurídico como
bens móveis. A exemplo disso, temos a -já mencionada- energia elétrica.

Observação: os Navios e Aeronaves são classificados como bens sui generis, ou


seja, apesar de serem móveis, a lei os trata como imóveis.

Classificação dos Bens


QUANTO À FUNGIBILIDADE

 Infungíveis – não podem ser substituídos por outros da mesma espécie,


qualidade e quantidade. Por exemplo, o carro é um bem infungível por possuir
chassi e número de identificação próprios.
 Fungíveis (art. 85 CC) - são fungíveis os móveis que podem ser substituídos por
outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.

OBS: Os contratos de empréstimos são regidos de acordo com a natureza particular do


bem de que se trata.

QUANTO À DIVISIBILIDADE

 Divisíveis (art. 87 CC) – bens divisíveis são os que se podem fracionar sem
alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do
uso a que se destinam. Por exemplo, sacas de cereais, que se podem dividir
indeterminadamente sem prejuízo de suas características essenciais.
 Indivisíveis – são bens que, quando fracionados, deixam de constituir um bem
perfeito, pois perdem sua qualidade, sua essência. Por esta razão, qualquer
obrigação referente a esses bens também será indivisível.

Subclassificações de bens indivisíveis (art. 88):

 Indivisibilidade Natural – pela própria natureza do bem, por exemplo, o relógio.


 Indivisibilidade legal – a lei determina que seja indivisível, por exemplo, a
herança.
 Indivisibilidade convencional – as partes envolvidas em um contrato combinam
que esse bem, no contrato, é indivisível, ou seja, isso se dá por meio do que elas
acordam.

QUANTO SUA INDIVIDUALIDADE:

Esta classificação não é tão intuitiva, mas subdividem-se em bens singulares ou


bens coletivos.

Os bens singulares (art. 89 CC) são aqueles que, mesmo que formem um
conjunto, podem ser considerados em si mesmo, por exemplo, os materiais de
construção usados numa casa.

Já no caso dos bens coletivos, regidos pelos artigos 90 e 91 do código civil, são
aqueles formados por vários bens singulares que, quando juntos, transformam-
se em um bem coletivo, podendo ser coletivo por universalidade de fato, ou
seja, com destinação unitária, pertencentes a uma única pessoa, e, ainda, por
universalidade jurídica, que se trata de um complexo de relações jurídicas de
uma pessoa.

Exemplo de universalidade fato: Boiada -> bens (bois) reunidos com uma
destinação única e própria.

Exemplo de universalidade jurídica: Massa falida -> é um complexo de relações


jurídicas de uma pessoa, dotadas de um valor econômico.

O patrimônio, para o Prof. Silvio Rodrigues, nada mais é que o acervo de bens
de uma pessoa que podem ser convertidos em dinheiro.

Vale lembrar que as relações jurídicas podem significar tanto um débito quanto
um crédito;

Os bens reciprocamente considerados vertem quanto a dependência ou não


entre eles. Dessa maneira, entra-se na seara dos bens principais ou acessórios.
QUANTO AOS BENS PRINCIPAIS OU ACESSÓRIOS:

O artigo 92 do CC define estes dois tipos de bens sendo principal o bem que
existe por si só, abstrata ou concretamente, e o acessório, aquele cuja existência
pressupõe a do principal.

Aliás, há uma conhecida frase do direito civil: “o acessório segue o principal”,


justamente porque existe uma espécie de gravitação jurídica, ou seja, o bem
acessório gravita em torno do bem principal.

Classificações de bens acessórios:

 Naturais – surgem da própria essência do bem principal, por exemplo, uma


árvore e seus frutos.
 Industriais – têm sua origem numa atividade humana, como a cadeira e a
mesa.
 Civis – são bens mais complexos, têm sua origem numa relação jurídica entre
pessoas. Por exemplo, o aluguel (acessório) decorre do contrato de aluguel
(principal), sendo os juros e os dividendos também acessórios.

Espécies de bens acessórios:

 Frutos – são uma espécie de bem acessório que se originam do bem principal
sem prejudicá-lo. Por exemplo, os frutos de uma árvore.

Frutos, quanto ao seu estado, são definidos por Clóvis Bevilacqua como:

a) Pendentes – prontos para serem retirados, mas ainda ligados ao principal.

b) Percebidos – (estado que vem após a pendência acima mencionada) os


percebidos são aqueles que já foram colhidos.

c) Estandes – bens armazenados para serem vendidos, por exemplo.

d) Percipiendos – aqueles que deveriam ter sido colhidos, mas estão


apodrecendo.

e) Consumidos – já cumpriram o seu destino, ou seja, já foram colhidos e


vendidos.

Os produtos diferem dos frutos, pois, ao se desligarem da coisa principal,


diminuem na sua quantidade e substância.
Art. 95 CC: Apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e
produtos podem ser objeto de negócio jurídico.

 Pertenças – representam os bens cuja função ou destino é de servir o bem


principal. Por não constituírem partes integrantes, destinam-se somente ao
serviço ou aperfeiçoamento do bem. Por exemplo, máquinas de uma fazenda.
Salvo disposto em contrato, o negócio jurídico não abarca as pertenças!
 Partes Integrantes – são os bens acessórios unidos ao principal, formando um
todo independente, logo, ficam desprovidas de suas funções quando não
ligadas aos bens principais. Por exemplo, a lente de uma câmera. Diferenciam-
se das pertenças, que continuam tendo uma função mesmo longe do principal.
 Benfeitorias (art. 96 CC) – valendo para bens móveis ou imóveis:

1. Necessárias – são benfeitorias com a finalidade de conservar o bem ou prevenir


que ele se deteriore.
2. Úteis – benfeitorias que aumentam ou facilitam o uso do bem. Por exemplo,
uma grade na janela de uma casa.
3. Voluptuárias – benfeitorias de mero deleite ou recreio, como a piscina. (De
acordo com o artigo 97, os melhoramentos sobrevindos ao bem sem
intervenção do proprietário são considerados como acessão, logo, não se
caracterizam como benfeitoria).

Exemplo sobre o tema: MP3 player no carro - se já vem no veículo é parte


integrante, quando instalado pelo proprietário é pertença, e se existe um
contrato de comodato a seu respeito, é benfeitoria voluptuária.

Bens Públicos e Privados


Basicamente, no artigo 98 do CC, tem-se que bem privado é aquele que não é
público.

A respeito dos bens afetados ao regime do direito público:

 Uso geral ou comum do povo – não precisa de permissão especial para sua
utilização de modo ordinário, como no caso de uma praça pública. Mesmo que
haja cobrança para uso de determinados bens como esses, eles não deixam de
ser classificados como comuns do povo.
 Uso especial – bens que o Estado usa para a realização de exercício públicos
específico.
 Dominicais – constituem patrimônio das pessoa jurídica de direito público
interno e, portanto, podem ser alienados. Podem ser bem móvel ou imóvel,
como estrada de ferro.

Os artigos 100 e 101 do CC tratam da inalienabilidade dos bens públicos,


enquanto que o artigo 102 determina que os bens públicos não podem sofrer
usucapião.
Já quanto ao uso comum de um bem público (art. 103 CC), pode ele ser gratuito
ou pago conforme estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração
pertencerem, já vimos.

OBS: Não se sabe bem ao certo que tipo de bem seria o meio-ambiente.
Classifica-o, assim, como corrente, por ser interesse de todos. É um
bem difuso por abarcar matéria civil e constitucional, já que sua regulação visa
à proteção de nossa geração e de futuras.

Quando se tratar de res nullis, faz-se referência àquele bem, móvel ou imóvel,
que não tem dono, não pertence a ninguém.

Bens de família por uma abordagem civilista


Súmula 364 do STJ: “O CONCEITO DE IMPENHORABILIDADE DE BEM DE
FAMÍLIA ABRANGE TAMBÉM O IMÓVEL PERTENCENTE A PESSOAS SOLTEIRAS,
SEPARADAS E VIÚVAS.”

BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO (ART. 1711 DO CC):

 Instituído por meio de vontade do casal ou entidade familiar com a sua


formalização no registro de imóveis ou por testamento, não por instrumento
particular.
 Após esta inscrição, o bem de família só poderá ser alienado com autorização
dos interessados. Como maior exemplo de interessados, figuram os cônjuges
obviamente.
 Os valores mobiliários e os rendimentos do título são usados para a
sobrevivência da unidade familiar.
 Considerando-os o mínimo essencial à família, os bens familiares não poderão
ser penhorados, mas também não serão considerados isentos das dívidas
anteriores à constituição do bem de família, (como IPTU) e nem das
obrigações propter rem (lembram-se das obrigações propter rem? Se o direito
de que se originam tais obrigações é transmitido, elas o seguem!), como o
condomínio. Os bens de família duram enquanto os cônjuges viverem ou, na
falta destes, até que os filhos completem a maioridade.
 Não podem ter destino diverso ao de servir à entidade familiar.

BEM DE FAMÍLIA LEGAL (LEI 8.009/90)

Súmula 205 do STJ: A Lei 8.009/90 aplica-se à penhora realizada antes de sua
vigência.

 De acordo com a mencionada lei, a impenhorabilidade pode ser conhecida de


ofício pelo juiz:
Art. 1: O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é
impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial,
fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos
pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses
previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se


assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e
todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que
guarnecem a casa, desde que quitados.

 Excluem-se do artigo primeiro, parágrafo único: os veículos, as obras de arte e


os adornos de luxo. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade vai recair
sobre os bens móveis que nele estiverem (vide súmula 486 do STJ).

Súmula 449 STJ: "A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de
imóveis não constitui bem de família para efeito de penhora".

 Há discussão quanto à decisão do STJ de não considerar a vaga de garagem


como bem de família. Ora, se o acessório segue o principal e a vaga de
garagem é parte acessória do imóvel, não deveria ela constituir também bem
de família?

Art. 3 expõe exceções à aplicação da impenhorabilidade. Vejamos:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução


civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção


ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em
função do respectivo contrato;

III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem,


do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal,
observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;

IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições


devidas em função do imóvel familiar;

V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo
casal ou pela entidade familiar;

VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença
penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Trata-se de rol exemplificativo de exceções, porque podem também ser


reconhecidos outros casos, como a má fé do devedor que, em caso de dívidas,
vende todos seus bens para restarem apenas os bens de família.

Após termos visto os elementos do fato jurídico em sentido amplo, vamos dar
início, nesta aula, ao tema de Negócios Jurídicos.

Para recapitular, os fatos jurídicos são subdivididos em fatos jurídicos em


sentido estrito, atos-fatos jurídicos e atos jurídicos em sentido amplo. O
Negócio Jurídico é um ato jurídico em sentido amplo, negocial. Conforme
aquele organograma que pedimos para você desenhar na parede do seu
quarto:

É válido, para melhor fixação do assunto, vermos algumas definições de grandes


juristas especialistas no assunto:

 Miguel Reale: negócio jurídico é a espécie de ato jurídico que, além de


se originar de um ato de vontade, implica em declaração expressa da
vontade. E esta vontade declarada instaura uma relação entre dois ou
mais sujeitos, tendo em vista um objeto protegido pelo ordenamento
jurídico.
 Renan Lotufo: a diferença dos negócios jurídicos em relação aos atos
jurídicos é no sentido de que, enquanto nos atos jurídicos a gente tem
uma ação e uma vontade simples, nos negócios jurídicos a gente tem
uma ação e uma vontade qualificada. Uma vontade qualificada é assim
chamada por querer produzir um efeito jurídico determinado. É a
vontade caracterizada por uma finalidade específica, que é a constituição,
conservação, modificação e extinção de direitos.
 Francisco Amaral: o negócio jurídico é composto, essencialmente, por
vontade e autonomia privada.

O desenvolvimento desta Teoria do Negócio Jurídico, porém, começa bem


antes destes juristas. Esta teoria nasce no século XVIII, e se desenvolve e ganha
profundidade significativa com o jurista alemão Friedrich Carl von
Savigny (1779-1861), passando a ser incorporada enquanto figura autônoma no
BGB (Bürgerliches Gesetzbuch), que é o Código Civil Alemão.

O Brasil, no Código Civil de 1916, preferiu adotar a doutrina unitária francesa,


que não distinguia o negócio jurídico do ato jurídico. A discutida Teoria
Dualista, ou seja, essa diferenciação entre negócio jurídico e ato jurídico,
somente é adotada no Brasil pelo Código Civil de 2002.

Como já ressaltado na definição de Renan Lotufo, o negócio jurídico apresenta


uma finalidade negocial na medida em que objetiva a aquisição, conservação,
modificação ou extinção de direitos.

Renan Lotufo também esclarece que, etimologicamente, negócio jurídico não


consiste num único ato, mas em um conjunto de atividades. A
palavra negócio tem origem no latim, na justaposição das palavras nec e otium,
ou seja, a negação do ócio - uma atividade.

O negócio jurídico, importante notar, não está restrito ao direito patrimonial. Ele
pode manifestar-se, por exemplo, no Direito de Família, no Direito de
Personalidade, etc.

Antes da adoção formal do negócio jurídico pelo Código Civil de 2002, a


clássica teoria do negócio jurídico vinha sofrendo grandes transformações ao
longo do século XX. A ideia da vontade, ainda que continuasse a ser a essência
do negócio jurídico, acabou perdendo gradativamente seu caráter absoluto, na
medida em que passou a ser condicionada a normas de ordem pública.

Em outras palavras, as de Pablo Estolze, o direito contemporâneo reconheceu


que os agentes emissores da vontade não podiam ser sempre considerados partes
iguais numa dada relação jurídica. Ele afirma que, se isso acontecesse,
certamente acarretaria situações de injustiça. Diz-se de “tratar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas
desigualdades”[1].
Assim, a igualdade formal passou a dar lugar à igualdade material e à proteção
da dignidade da pessoa humana (Artigo 1°, inciso III. CF/88). Isso acabou por
modificar a própria interpretação do negócio jurídico, sobretudo em relação à
sua principal espécie – o contrato.

Para compreender a essência do negócio jurídico, é preciso estudar os planos


de sua existência, validade e eficácia. Que veremos em seguida.

[1] (NERY JUNIOR, 1999, p. 42).

Existência
Estudamos os aspectos gerais do Negócio Jurídico, sua formação,
desenvolvimento, e os detalhes da sua incorporação no ordenamento jurídico
brasileiro. Agora, iremos analisar o que a doutrina chama de planos do negócio
jurídico.

O Negócio Jurídico contem três elementos essenciais: existência, validade e


eficácia. Esta tripartição teve como precursor o jurista Pontes de Miranda
(1892-1979), tendo o Professor Antonio Junqueira de Azevedo (1939-2009) sido
um dos seus mais importantes estudiosos. Deve-se dizer, porém, que, segundo
Renan Lotufo, Hans Kelsen (1881-1973) já havia anteriormente desenvolvido a
Teoria do Negócio Jurídico na sua Teoria Pura do Direito.

Enfim, antes de estudarmos cada um destes planos, é importante alertar que o


professor Moreira Alves, ao elaborar a parte correspondente no Código Civil de
2002, preferiu adotar a teoria Bipartida (diferenciação entre ato jurídico e
negócio jurídico) à qual prescinde-se a existência, devendo, esta,
ser presumida. Para o professor Moreira Alves, ao se legislar, já se está no
campo da validade, que é posterior à existência, não sendo esta, então,
necessária.

Para verificação dos planos que iremos estudar, costuma-se adotar o


chamado Método da Exclusão, por meio do qual a gente consegue aferir
progressivamente se o negócio jurídico é existente, se é válido e se é eficaz.

O Plano da Existência é dos elementos que integram a essência de uma coisa,


sua composição. Neste plano específico, não se pergunta pela validade ou
eficácia de um negócio jurídico. Basta somente a realidade de sua existência.

Não é unânime entre os doutrinadores quais são estes elementos que se situam
no plano da existência. Para Carlos Roberto Gonçalves os elementos são:

 Declaração de vontade;
 Finalidade negocial, e
 Idoneidade do objeto.

A Declaração de vontade figura como elemento de existência porque não pode


haver negócio jurídico se a vontade não for exteriorizada. É precisamente a
declaração, segundo Caio Mário (1913-2004), que torna a vontade conhecida.

A manifestação ou declaração da vontade, como sabido, pode ser:

1. , caso ela se dê de modo explícito, permitindo o conhecimento imediato;


2. , caso seja deduzida pelo comportamento do agente, ou
3. , quando não se dá de maneira expressa, mas a lei considera presente dados
alguns comportamentos do agente.

Ainda sobre a Declaração de vontade, que é um dos aspectos da existência do


negócio jurídico, devemos tratar de dois aspectos importantes: o silêncio e
a reserva mental.

Para que haja uma Declaração de vontade, via de regra, vimos que é sempre
necessária alguma manifestação, comportamento ativo do agente ou uma
presunção em virtude da lei.

Assim, é difícil concluir que o silêncio tenha alguma relevância para efeitos de
declaração de vontade. Porém, veremos, o silêncio é de grande relevância aos
efeitos no negócio jurídico. A título de exemplo, vejamos o artigo 111 do
Código Civil Brasileiro de 2002:

Artigo 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o


autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.

Fica claro, assim, que o silêncio pode, sim, ser interpretado como manifestação
de vontade quando a lei lhe atribui este efeito, conferindo, destarte, existência
ao negócio jurídico.

Com relação à reserva mental, trata-se de uma situação juridicamente prevista


em que um dos declarantes oculta a sua intenção, não desejando, no seu
íntimo, o efeito que ela declara externamente querer.

Neste caso, se a outra parte desconhecer a reserva mental, ou seja, se não sabia
dos desígnios íntimos do outro agente, que são contraditórios à declaração de
vontade, não há repercussão jurídica alguma.

Por outro lado, se a pessoa a quem foi dirigida a declaração conhece a reserva
mental, acaba configurando-se, segundo Moreira Alves, uma hipótese de
ausência de vontade, e, por conseguinte, de inexistência do negócio jurídico.
Por fim, Carlos Roberto Gonçalves cita como exemplo o casamento celebrado
por autoridade incompetente em razão da matéria, como um delegado de
polícia. É o nada jurídico. Seria um casamento “à lá Bonnie e Clyde”, mas, de
qualquer forma, inexistente.

O mesmo raciocínio se aplicava, antes das transformações recentes (debatidas


no Curso Hermenêutica Jurídica, mais à frente), ao casamento de pessoas do
mesmo sexo. Este tipo de casamento, antes da aplicação da hermenêutica
constitucional pelo STF ao tema, era considerado inexistente.

Além da declaração de vontade, figura como elemento de existência do negócio


jurídico a finalidade negocial. Finalidade negocial traduz-se no propósito de
adquirir, conservar, modificar ou extinguir direitos.

Por fim, segundo Francisco Amaral, temos a idoneidade do objeto, que seria a
apresentação dos requisitos ou qualidades que a lei exige para que o negócio
produza os efeitos desejados.

Um exemplo dado por Silvio Rodrigues (1917-2004) é o negócio jurídico do


mútuo. No mútuo, segundo o artigo 586 do Código Civil, só se consideram
objetos idôneos as coisas fungíveis, e para o comodato, segundo o artigo 579,
do Código Civil, as infungíveis.

Validade
Dando continuidade ao estudos dos planos do negócio jurídico, e uma vez já
visto o plano da existência, iremos ver o plano seguinte da tripartição, o plano
da validade.

O plano da validade se situa no campo dos requisitos do negócio jurídico, ou


seja, das condições necessárias para o atingimento de um determinado fim. O
artigo 104 do Código Civil de 2002 estabelece que a validade do negócio
jurídico requer:

 Agente capaz;
 Objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e
 Forma prescrita ou não defesa em lei.

Quanto ao agente capaz, fala-se da capacidade de fato ou de exercício, que


somente alguns detém. Esta é aquela que habilita o agente a exercer direitos e
obrigações na vida civil. Não se trata da capacidade de gozo de direitos, uma
vez que esta é comum a toda pessoa humana, é universal.
Quanto à incapacidade absoluta, é importante notar que com a entrada em
vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015), a pessoa com
deficiência não é considerada mais absolutamente incapaz. A incapacidade
absoluta, então, passa a ser exclusividade dos menores de 16 anos.

Ou seja, o agente absolutamente incapaz, no caso, o menor de 16 anos, não


pode exercer por si só os atos da vida civil, sob pena de nulidade, dado que ser
agente capaz é um dos requisitos do plano de validade do negócio jurídico.

Além do agente capaz, o negócio jurídico, para que seja válido, requer a
presença de um objeto lícito, possível, determinado ou determinável. Vamos ver
cada um destes conceitos.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, objeto lícito é aquele que não atenta contra
a lei, a moral ou os bons costumes. Assim, se o objeto do contrato é imoral, não
é raro os tribunais aplicarem o princípio de que, ninguém pode se valer da
própria torpeza, ou então, se ambas as partes agiram com torpeza,
malandragem, nenhuma delas pode exigir, por exemplo, em um contrato, a
devolução da importância que pagou.

Com relação à possibilidade, ou seja, objeto possível, tem-se que uma eventual
impossibilidade pode se dar por razões físicas ou jurídicas. A impossibilidade
física nada mais é do que um evento que não pode acontecer em virtude das
leis físicas ou naturais.

Por exemplo, se o Luan Santana resolve colocar em termos contratuais o que


ele canta, “Dou-lhe o sol, dou-lhe o mar, e como contrapartida espero obter seu
coração”, tal contrato seria, obviamente, inválido por se tratar de objeto
impossível; tanto quanto exagerado. Imagina, o sol e o mar?! Um Neruda, um
disco do Chico, um olhar profundo e um par de ingressos para o Coldplay já
seriam suficientes, Luan Santana! Mas enfim.

Já a impossibilidade jurídica se dá quando o próprio ordenamento jurídico


expressamente veda a realização de um negócio jurídico, com relação a
determinado bem. Como, por exemplo, a herança de pessoa viva.

Por fim, diz-se do objeto que deve ser determinado ou determinável. Por essa
razão, por exemplo, é permitida a venda de coisa incerta, em que indicação se
dá pelo gênero ou pela quantidade.

Já como último requisito de validade do negócio jurídico, temos a forma. No


nosso direito, a regra é de que a forma é livre. Podem as partes escolher se
celebram um negócio jurídico por instrumento público, particular ou
verbalmente. Com exceção dos casos em que a lei determina uma forma
específica como sendo essencial para validade do negócio, como ordena o
artigo 107 do Código Civil de 2002.

Exemplo clássico é a compra e venda de bem imóvel que custe mais de 30


salários mínimos, caso este em que se exige escritura pública. Não atendido
este requisito legal, considera-se nulo o negócio jurídico, nos termos do artigo
166, inciso IV do Código Civil de 2002.

Eficácia
Trataremos agora daquele que, segundo o Professor Antônio Junqueira de
Azevedo, é o último plano do negócio jurídico que a mente humana deve
examinar. É o plano da eficácia.

Ao analisarmos este plano, não iremos tratar de toda e qualquer eficácia prática
do negócio, mas sim da eficácia jurídica. Especialmente, da sua eficácia própria
ou típica, isto é: da eficácia dos direitos manifestados como desejados.

Geralmente, a doutrina costuma tratar o plano da eficácia sob o título


de elementos acidentais do negócio jurídico, que são basicamente:

 Termo;
 Condição, e
 Modo ou encargo.

Elementos acidentais, segundo Carlos Roberto Gonçalves, são aqueles que se


acrescentam à figura típica do ato para mudar-lhes os respectivos efeitos. São
cláusulas que, inseridas, tanto por declaração unilateral quanto pela vontade
das partes, acarretam modificações na eficácia do ato.

Vamos examinar cada um deles, a começar pela condição.

A condição é prevista no Código Civil de 2002, em seu artigo 121, como a


cláusula que subordina o efeito do ato jurídico a evento futuro e incerto. Ela
se estabelece exclusivamente por vontade das partes, jamais por imposição de
dispositivo legal.

Importante destacar que nem toda condição tem o poder de influir na eficácia
de um negócio jurídico. Para que ela tenha esse poder é necessário que ela seja
lícita, ou seja, não contrarie a lei, a ordem pública e os bons costumes, sob pena
de gerar nulidade do negócio jurídico. São, ainda, vedadas as condições que
privam as partes de todo o efeito do ato ou que o sujeitam ao puro arbítrio de
uma das partes.
Além de lícita, a condição tem que ser possível, não havendo nenhum
impedimento de ordem física ou jurídica para seu cumprimento. Já com relação
aos efeitos da condição, há uma divisão bastante importante entre condição
resolutiva e suspensiva.

Como bem explica o Professor Flávio Tartuce, condições suspensivas são


aquelas que, enquanto não se verificarem, impedem que o negócio jurídico
gere efeitos. Podemos usar como exemplo o pai que promete dar um carro a
seu filho se ele passar no vestibular.

Já as condições resolutivas verificam-se quando o direito transferido pelo


negócio jurídico é resolvido, extinto, diante da ocorrência de um evento futuro
e incerto. Outro exemplo: um pai que combina com o filho que vai lhe dar uma
mesada até que ele se case. Neste caso, o filho já está gozando da mesada, que
será extinta caso ele venha a se casar.

Contudo, existem alguns negócios jurídicos que não admitem condição. Via de
regra, diz o Professor Carlos Roberto Gonçalves, a condição é possível nos atos
de natureza patrimonial, com algumas exceções. Dentro dessas exceções está a
aceitação e renúncia de herança. A condição não pode integrar os de caráter
patrimonial pessoal, como os direitos de família puros, e os direitos
personalíssimos, como casamento, o reconhecimento de filho, a adoção e a
emancipação.

O termo, por sua vez, nos dizeres de San Tiago Dantas (1911-1964), pode ser
definido como o momento futuro, que se determina no tempo, em que os
efeitos do negócio jurídico devem começar ou devem cessar de ser produzidos.
O momento definido (portanto, certo), como define Renan Lotufo, pode ser
referido diretamente no calendário, sendo, então, chamado de dies certus
quando, ou pode ter como referência um acontecimento cujo momento não é
possível precisar, mas que certamente ocorrerá, aí será chamado de dies
incertus quando.

O mais comum, porém, é ver essa divisão chamada de termo inicial (dies a quo),
em que têm início os efeitos do negócio, e termo final (dies ad quem), que tem
eficácia resolutiva na medida em que ele extingue os efeitos do negócio.

Flávio Tartuce alerta-nos para o fato de que não se deve confundir termo com
prazo. Prazo é justamente o lapso temporal que se dá entre o termo inicial e o
final.

Com estas explicações, já é possível ver a diferença entre condição suspensiva e


termo inicial. No termo inicial, suspende-se o exercício, e não a aquisição do
direito, ao passo que, na condição suspensiva, suspende-se o exercício e a
aquisição do direito.

Em outras palavras, quando há termo inicial, o próprio direito já está adquirido


desde o momento em que o negócio jurídico foi celebrado. O Professor Renan
Lotufo explica melhor: se o contrato está celebrado e válido, sua execução é que
está sujeita à ocorrência do termo inicial, restando o direito da parte ao
cumprimento do contrato já adquirido.

Por fim, o Professor Vicente Rao (1892-1978) define modo ou encargo (artigo
136 Código Civil 2002) como uma determinação, imposta pelo autor do ato de
uma liberalidade, que adere a este ato de liberalidade, restringindo o ato a
determinados moldes desejados. Expliquemos melhor.

O encargo se apresenta como uma cláusula acessória às liberalidades, como,


por exemplo, doações ou testamentos nas quais se impõe ao beneficiário uma
obrigação. Também são possíveis declarações unilaterais de vontade, como a
promessa de recompensa. Apesar disso, não é possível o negócio oneroso,
porque equivaleria a uma contraprestação.

A literatura brasileira traz um belo exemplo de encargo no livro Quincas


Borba do Machado de Assis, aquele do famoso “ao vencedor, as batatas!”.
Neste livro, o protagonista Rubião herda todo o patrimônio do falecido Quincas
Borba. Só que Quincas Borba colocou apenas uma restrição como condição
para o recebimento da herança, que era cuidar do cachorro, também chamado
de Quincas Borba.

No livro assim é redigida a condição: “Cuidar deste cachorro, nada poupando em


seu benefício, resguardando-o de moléstias, de fugas, de roubo, ou de morte que
lhe quisessem dar por maldade. Cuidando como se, finalmente, cão não fosse,
mas pessoa humana”. Genial, não é mesmo?

Com relação à diferença entre encargo e condição suspensiva, o Professor


Carlos Roberto Gonçalves apresenta um resumo interessante: a condição é
suspensiva, mas não coercitiva. Ninguém pode ser obrigado a cumprir uma
condição.

Já o encargo é coercitivo, mas não suspensivo.

Após vermos a tripartição do negócio jurídico em planos de existência, validade


e eficácia, e as diferenças entre os chamados elementos acidentais -condição,
termo e encargo- veremos quais são as classificações do negócio jurídico.
Uma primeira classificação diz respeito à quantidade de declarantes ou de
manifestações de vontade que são necessários para que um negócio jurídico
seja aperfeiçoado. Neste sentido, é possível dividir o negócio jurídico
em unilateral, bilateral e plurilateral.

No unilateral, o negócio jurídico se aperfeiçoa com uma única manifestação de


vontade, como acontece em testamentos, renúncias a herança ou promessas de
recompensa. O negócio unilateral ainda pode ser dividido em:

 Receptício, em que a declaração de vontade tem que se tornar


conhecida do destinatário para produzir efeitos, como por exemplo, no
caso de uma revogação de mandato, e
 Não receptício, em que é irrelevante o conhecimento do conteúdo da
declaração de vontade por parte de outras pessoas, como acontece com
o testamento.

Já no negócio bilateral, o negócio jurídico só se perfaz com duas manifestações


de vontade, coincidentes sobre o objeto. Este objeto pode ser:

 Simples, quando apenas uma das partes se beneficia, como no caso do


comodato, ou
 Sinalagmático, em que existe uma reciprocidade de direitos e
obrigações.

Por fim, o negócio jurídico pode ser plurilateral, ou seja, envolve mais de duas
partes, como acontece com os consórcios de veículos, por exemplo.

Outra classificação possível se dá em relação às vantagens patrimoniais.


Quanto a esta espécie de classificação podemos separar o negócio jurídico em:

 Gratuito, em que apenas um dos lados das partes goza de benefício,


como no caso de uma doação pura (sem condições impostas), ou no
caso do comodato. Assim, nestes casos, inexiste contraprestação;
 Oneroso, em que há contraprestação, ou seja, ambas as partes auferem
vantagens e acabam sacrificando bens e direitos. Dentro dos contratos
onerosos, ainda há uma outra divisão:

1. Negócios comutativos, em que há prestações certas e determinadas, ou


seja, em que é possível vislumbrar as vantagens e os sacrifícios, e
2. Negócios aleatórios, nos quais o risco é o elemento central do negócio,
havendo uma incerteza quanto às vantagens e benefícios que podem
acabar emergindo.

 Neutro, que, segundo Carlos Roberto Gonçalves, não pode ser incluído
na categoria dos onerosos nem dos gratuitos porque lhe falta atribuição
patrimonial. Como, por exemplo, negócios que têm por finalidade a
vinculação de um bem, como o que o torna indisponível pela cláusula de
inalienabilidade, ou o que impede a comunicação com outro cônjuge
mediante a cláusula de incomunicabilidade.
 Bifronte é o negócio jurídico que pode ser oneroso ou gratuito
segundo a vontade das partes. E isto acontece nos casos de mútuo, de
mandato e depósito.

Já com relação ao momento de produção dos efeitos, ainda é possível uma


última classificação dos negócios jurídicos em Inter vivos e mortis causa.

 Inter vivos, em que os efeitos são produzidos desde logo, estando as


partes vivas ainda, como o casamento e a permuta.
 Mortiscausa, em que os efeito se produzem somente após a morte do
agente, como no caso do testamento.

Ainda, segundo Carlos Roberto Gonçalves, em relação ao modo de existência, é


possível dividir os negócios jurídicos em principais e acessórios.

 Principais, que são aqueles que tem existência própria, e


 Acessórios, cuja existência é subordinada ao contrato principal.

Tendo, por outro lado, como referência, asformalidades, os negócios jurídicos


podem ser solenes ou não solenes de forma livre.

 Solenes, em que deve ser obedecida a forma prescrita em lei para se


aperfeiçoarem, ou seja, para surtirem os efeitos desejados pelas partes,
ou
 Não solenes, de forma livre, em que basta apenas o consentimento para
a formação contratual.

Por fim, com relação à quantidade de atos necessários, os negócios jurídicos


podem ser simples, complexos ou coligados.

 Simples, quando são constituídos por um ato único;


 Complexos, que são aqueles compostos por várias declarações de
vontade que se completam, e que têm origem no mesmo ou em diversos
sujeitos, para que o efeito pretendido seja obtido, e
 Coligados, em que o negócio é composto de vários outros negócios. O
Professor Carlos Roberto Gonçalves dá o exemplo do arrendamento de
um posto de gasolina, que é coligado pelo mesmo instrumento, ao
mesmo contrato de locação de bombas, de comodato da área para que
funcione ali um restaurante etc.
Por ora é isto. Na próxima aula iremos falar sobre os defeitos do negócio
jurídico.

Erro
Nesta aula iremos tratar daquilo que a doutrina e a lei chamam de defeitos do
negócio jurídico. Mas antes, façamos breve recapitulação: estudamos, em
algumas aulas, que um dos elementos que atribuem existência a um negócio
jurídico é a declaração de vontade.

Estudamos também que, para que este negócio seja válido, é necessário que a
vontade seja manifestada de maneira livre. Acontece que, não raras vezes, pode
ocorrer de a vontade vir a ser declarada de
maneira distorcida ou deficiente em desfavor do próprio declarante, de uma
terceira pessoa ou em prejuízo da ordem pública.

A partir deste encontro, vamos estudar cada um dos defeitos do negócio


jurídico, cuja previsão legal torna o negócio anulável (passível de anulação).
Como bem aponta o Professor Carlos Roberto Gonçalves, com exceção da
fraude contra credores, que é considerada um vício social, os outros defeitos,
como o erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão são todos chamados
de vícios do consentimento.

E os vícios do consentimento são assim chamados porque implicam uma


manifestação da vontade que não corresponde com o íntimo, com o verdadeiro
querer do agente. Vamos começar a estudar, então, o primeiro dos defeitos do
negócio jurídico, o que chamamos de erro, ou ignorância.

Nas palavras de Flávio Tartuce, erro ou ignorância é o engano fático. Uma falsa
noção em relação à pessoa, ao objeto do negócio ou a um direito, o que
acomete uma das partes do negócio jurídico.

Orlando Gomes complementa o conceito que acabamos de estudar afirmando


que, tendo uma noção sobre o fato ou sobre um preceito uma noção inexata ou
incompleta, o agente emite sua vontade de modo diverso que manifestaria se
dele tivesse conhecimento exato ou completo. Ele resume: crer verdadeiro o
que é falso, ou falso o que é verdadeiro.

Para que o erro seja capaz de anular o negócio jurídico, ele tem que
ser substancial, partindo-se do princípio, segundo o Professor Renan Lotufo, de
que, sem que tivesse sido cometido erro, o negócio não teria se realizado. Ou,
se o agente conhecesse a verdade, não manifestaria vontade de concluir o
negócio jurídico.
Em outras palavras, o erro não pode ser acidental. Ou seja, ele não pode estar
relacionado a características secundárias do objeto ou da pessoa, de modo que,
ainda que conhecida a realidade o negócio, ele ainda seria realizado.

O erro substancial, que é o que nos interessa, já que pode anular o negócio
jurídico, pode dar-se:

 Sobre a natureza do negócio, chamado de error in negotio, que se dá com


relação à categoria jurídica. Por exemplo, uma pessoa que empresta algo a
alguém, e esse alguém entende que ocorreu uma doação.
 Sobre o objeto principal da declaração, chamado de error in corpore. Este erro
se dá quando a manifestação do agente se dá com relação ao objeto diverso
daquele que ele tinha imaginado. Por exemplo, a pessoa que adquire uma obra
de arte de um aprendiz quando imaginava que essa obra fosse de um célebre
pintor.
 Sobre as qualidades essenciais do objeto principal, chamado de error in
qualitate ou error in substantia. Neste caso, o negócio é celebrado justamente
porque se supunha que existia uma determinada qualidade do bem. Um
exemplo importante para esta compreensão é citado por Silvio Rodrigues: uma
pessoa que compra um relógio dourado apenas folheado a ouro quando se
considerava que se tratava de ouro maciço.
 Sobre à qualidade da pessoa a quem se refere a declaração de vontade, é o
chamado error in personae, tendo este aspecto influído de maneira relevante
para a celebração do negócio. Por exemplo, uma doação feita a quem teria
salvado a vida do doador, e depois descobriu-se que não era essa pessoa.
 Segundo Caio Mário, há erro substancial que dá-se quando um agente emite a
declaração de vontade no falso pressuposto de que se procede segundo
preceitos legais. Vejamos um exemplo dado pelo Professor Carlos Roberto
Gonçalves: uma pessoa que contrata a importação de determinada mercadoria,
ignorando que existia uma lei que proibia esta importação, e, como essa
ignorância foi a causa determinante do ato, ela pode ser alegada para anular o
contrato.
 Por fim, pode dar-se erro quando da existência de falso motivo (artigo 140 do
Código Civil de 2002), o qual só vicia a declaração de vontade quando é
expresso como razão determinante. O fato é que, via de regra, o direito não
cuida do aspecto psicológico, ou seja, dos motivos das razões subjetivas que
levaram alguém a celebrar um contrato, um negócio jurídico. Mas se este
motivo foi a razão determinante para a celebração do negócio e o agente foi
prejudicado por uma falsa representação da realidade, transmitida pelo outro, o
motivo, então, passa a ser relevante ao direito. Olhe só o exemplo que dá Silvio
Rodrigues: se a aquisição de um estabelecimento comercial teve por motivo
determinante a perspectiva de que havia uma boa e numerosa freguesia,
garantia e apontada pelo vendedor no próprio contrato, tem-se aí o
pressuposto ou razão determinante em negócio. Assim é porque, não se
concretizando aquela perspectiva, o negócio é anulável por erro. Importante
destacar que os motivos devem ter sido apontado de maneira expressa. Ou
seja, neste exemplo que acabamos de ver, o dono do estabelecimento indicou
expressamente a perspectiva da boa freguesia e o comprador foi motivado
justamente por essa causa.

Dolo
Na última aula, estudamos o primeiro dos defeitos do negócio jurídico que é
o erro. Nesta aula, ainda tratando sobre os defeitos, vamos estudar o dolo.
Vamos lá!

Na definição de Renan Lotufo, dolo é o artifício ou expediente astucioso


empregado para induzir alguém à prática de um ato que o prejudica,
aproveitando ao autor ou ao terceiro com a intenção de causar
dano ilegalmente.

Com esta definição já é possível estabelecermos uma distinção entre dolo e


erro. Quando alguém, por malícia, induz-me a formar uma falsa interpretação
da realidade, eu estou diante de conduta dolosa. Ao contrário, se a falsa
interpretação da realidade partiu de meu próprio engano ou mal entendimento,
estou diante de erro.

Existem, ademais, dois tipos de dolo: o dolo principal e o dolo acidental.

O dolo principal figura como uma causa determinante da declaração de


vontade. Ou seja, o negócio só é realizado porque foi empregado aquele
artifício ou expediente astucioso que acabamos de ver.

Já o dolo acidental, nos termos do artigo 146 do Código Civil de 2002, que é
lateral ou secundário, não chegaria a impedir a celebração do negócio. A
consequência desta distinção é que o dolo acidental não vicia o negócio
jurídico. Apenas obriga a satisfação das perdas e danos.

Carlos Roberto Gonçalves apresenta um exemplo bastante prático para elucidar


esta diferença entre dolo principal e dolo acidental. Se uma pessoa adquire, por
100 mil reais, um imóvel que, na verdade, vale 50 mil, temos uma hipótese de
dolo acidental, que não permite postular a invalidação do contrato, mas
somente exigir a reparação do prejuízo, que, neste caso, seriam os 50 mil reais
pagos a mais.

Existe também uma divisão entre dolus bonus e dolus malus. O primeiro, o
dolus bonus, é um dolo tolerável, destituído de gravidade suficiente para viciar a
declaração de vontade. Dá-se quando os vendedores supervalorizam as
qualidades dos produtos que eles estão vendendo, por exemplo. Acontece com
muita frequência, inclusive, não? Quantas vezes não compramos um
hambúrguer cuja foto era sensacional e nos deparamos um hambúrguer
minúsculo e uma alface murcha? Silvio Rodrigues, entretanto, diz que falta o
requisito da gravidade a este exagero no gabar-se das virtudes de uma coisa
posta à venda.

O Professor Washington de Barros Monteiro (1910-1999) faz também uma


interessante ressalva, ainda com relação ao dolus bonus, afirmando que ele
pode ter fim lícito, elogiável e nobre. Por exemplo, quando se induz alguém a
tomar um remédio que a pessoa está se recusando a ingerir e que, no entanto,
é necessário a ela.

Já o dolus malus apresenta uma gravidade considerável e é ele que se subdivide


em dolo principal e acidental, como vimos agora há pouco. Existe, ainda, uma
terceira divisão que se pode fazer entre: dolo positivo ou comissivo e dolo
negativo ou omissivo.

O legislador equiparou a omissão dolosa à ação dolosa, as duas têm grande


relevância. Importante mencionar que o dolo pode se originar de uma terceira
pessoa que é estranha ao negócio jurídico celebrado. É o que dispõe o artigo
148 do Código Civil, que diz que “pode também ser anulado o negócio jurídico
por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter
conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o
terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou”.

Coação.
Na última aula, estudamos um dos defeitos do negócio jurídico, o dolo. Agora,
como prometido, vamos apresentar mais um dos defeitos do negócio jurídico, a
coação.

Indo direto às definições: a coação, para Carlos Roberto Gonçalves, é


toda ameaça ou pressão injustas exercidas sobre um indivíduo para forçá-lo,
contra a sua vontade, a praticar um ato ou a realizar um negócio. A coação é
caracterizada pelo emprego da violência psicológica para viciar a vontade.

Desde já, porém, precisamos fazer uma consideração extremamente


importante!

O legislador não faz nenhuma menção à coação física! Ele menciona somente a
coação moral, que é também chamada de coação relativa.

Mas por que o legislador faria isso? A razão para isso é muito, muito simples.
Pensemos: caso haja coação física, também chamada de absoluta, simplesmente
não há qualquer vontade da parte forçada a ser expressada. Logo, o negócio
jurídico celebrado é inexistente.
O Professor Renan Lotufo aponta que a ameaça ou violência que interessam à
coação são mais duas das várias formas de coação psicológica que podem
influenciar a autonomia da vontade de quem pratica o negócio.

Esta coação psicológica, em verdade, não exclui (como faz a violência física)
nem a vontade do negócio nem a determinação causal da vontade, porém
diminui e prejudica a liberdade dessa determinação.

O Artigo 151 do Código Civil de 2002 dispõe que a coação, “para viciar a
declaração de vontade, tem que ser tal que incuta ao paciente o temor de dano
iminente considerável à sua pessoa, à sua família ou aos seus bens”.

Os termos que o legislador empregou permitem que nós compreendamos a


natureza da coação e que vislumbremos os requisitos que, segundo o Professor
Carlos Roberto Gonçalves, são os seguintes:

 A coação deve ser a causa determinante do ato;


 Deve ser grave;
 Deve ser injusta;
 Deve dizer respeito a dano atual ou iminente, e
 Deve constituir ameaça de prejuízo à pessoa, família ou bens.

Vamos analisar cada um destes requisitos.

Quando se diz que a coação deve ser a causa determinante do ato, é necessária
a existência de um nexo de causalidade entre a ameaça que foi realizada e a
anuência para celebração do negócio jurídico, de modo que, sem a coação, o
negócio não teria sido realizado.

Esta ameaça, contudo, deve ser considerável, ou seja, deve estar revestida de
uma gravidade suficiente para que o agente tenha fundadas razões para que
não queira ver esta ameaça cumprida. Enfim, tem que fazer medo. Nestes casos,
avalia-se sempre se as ameaças são graves pelos critérios pessoais, subjetivos,
da vítima, e não pelo critério do homem e mulher médios.

O Artigo 153 do Código Civil de 2002, entretanto, faz uma ressalva no sentido
de que não se considera coação o simples temor reverencial, ou seja, o receio
de desapontar os pais, ou outras pessoas a quem se deve respeito ou superior
hierárquico.

Além de grave, a ameaça tem que ser injusta. Esta injustiça pode ser
entendida, nas palavras do Professor Carlos Roberto Gonçalves, como ilícita,
contrária ao direito ou abusiva.
É por este motivo que existe a prescrição do mencionado artigo 153 do CC de
que “não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito”.

Por exemplo, é plenamente possível considerar o aviso de um credor de que irá


protestar um título de crédito em seu favor caso o pagamento não se realize na
data certa.

Por este mesmo dispositivo, podemos entender que a coação não se dá


somente quando o ato praticado contraria o direito, mas também quando a
conduta caracteriza um exercício anormal ou abusivo de um direito.

O dano ainda tem que ser atual ou iminente. Sobre este aspecto, Silvio
Rodrigues diz o seguinte: “parece-me que a ideia de atual ou iminente se traduz
de atualidade, de brevidade do acontecimento do dano. Isto porque a ameaça
de um mal se realizar em um futuro distante surge menos intensa, perde parte
de sua força, e carece no sentido da inexorabilidade de que se deva revestir. A
existência de dilatado intervalo entre a ameaça e o desfecho do ato ameaçado
permite à vítima lhe elidirem os efeitos, por meio do recurso a quem pode
protegê-lo”.

Por fim, o próprio dispositivo é bastante cristalino ao mencionar a necessidade


de que a ameaça se dirija à pessoa, à sua família ou aos seus bens, podendo,
inclusive, segundo o Professor Renan Lotufo, ser uma ameaça à liberdade, ao
corpo, à vida, à honra, quer do agente, quer de pessoa da família ou até de
pessoas de seu estreito relacionamento.

Estado de Perigo
Ainda dentro dos defeitos do negócio jurídico, iremos tratar do chamado
estado de perigo.

O estado de perigo, juntamente com a lesão, que vamos estudar na próxima


aula, não constava no Código Civil de 1916, tendo sido introduzido no nosso
ordenamento apenas em 2002.

Nos termos do artigo 156 do Código Civil de 2002, “Configura-se o estado de


perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de
sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação
excessivamente onerosa”.

Vários exemplos são dados pelos doutrinadores brasileiros e pelo doutrinador


francês Charles Demolombe (1804-1887), sendo esses exemplos citados por
Carlos Roberto Gonçalves. Vamos dar uma olhadinha em cada um deles.
Um comandante de embarcação que, prestes a naufragar, propõe pagar
qualquer quantia a quem venha a socorrê-lo. Ou um enfermo que, em grave
situação de saúde, coloca-se em total acordo com quaisquer honorários pagos
para o cirurgião.

Há também o exemplo do Rei Ricardo III (1452-1485) que se preparava para a


maior batalha da sua vida, lutando contra Henrique Tudor (1491-1547) pela
Coroa da Inglaterra. Na linha de frente, vendo seus homens batendo em
retirada fugindo, Ricardo III montou no seu cavalo e, galopando, foi conclamar
seus soldados a não desistirem.

No meio do caminho, seu cavalo perdeu uma das ferraduras, caiu, levantou-se
e, em seguida, saiu em disparada sozinho. Nesta ocasião, sem o seu cavalo,
Ricardo III grita, segundo Shakespeare na sua peça homônima, o famoso “o
meu reino, por um cavalo!”

Antes de estudar os elementos do estado de perigo é importante ressaltar que


ele não se confunde com a coação. Como afirma Carlos Roberto Gonçalves, no
estado de perigo não se configura a hipótese de constranger o outro à prática
de um determinado ato, ou a consentir na celebração de um determinado
contrato.

Então, no estado de perigo, considera-se o aspecto objetivo, que é a celebração


do contrato em condições abusivas e, também, o aspecto subjetivo, que seria a
vontade perturbada que provoca o desequilíbrio.

Já na coação, considera-se apenas o aspecto subjetivo. Ou seja, a vontade que


é declarada diversa da vontade real do declarante.

Feita essa breve ressalva, vamos dar uma olhada nos elementos que estruturam
o estado de perigo.

Primeiro deles, a situação de necessidade. O declarante deve encontrar-se em


uma situação de necessidade de salvar a si próprio ou a um membro de sua
família.

Segundo, o dano deve ser atual, ou seja, iminente, capaz de fatalmente


provocar consequências indesejadas. O dano também tem que ser grave,
levando em conta as circunstâncias.

Terceiro, a declaração de vontade deve ter como causa determinante o perigo


de dano grave.

Quarto, a ameaça do dano deve recair sobre o declarante ou sobre a família do


declarante.
Quinto, a outra parte deve ter conhecimento do perigo.

Se este for desconhecido por ela, ou seja, presumindo-se que a parte não sabia
o que se passava de risco para a outra, ela terá agido de boa-fé, sem o animus
de prejudicar, o que elimina a anulabilidade do negócio.

Sexto, e último, a assunção da obrigação deve ser excessivamente onerosa.

Enfim. Verificados os requisitos em questão, o negócio jurídico se torna


anulável. Contudo, a Professora Teresa Ancona Lopes critica a posição do
legislador em permitir apenas a anulação do negócio, sem possibilitar a sua
conservação mediante a oferta de uma modificação.

Outra observação importante relaciona-se ao caso em que a parte está de boa-


fé, não pretendendo tirar proveito do dano. Carlos Roberto Gonçalves cita o
exemplo de uma pessoa que, atendendo ao pedido de socorro de um náufrago,
arrisca sua própria vida para salvá-lo, quase que de maneira instintiva, apesar da
existência de uma elevada oferta.

Nesta situação, a solução mais adequada, apontada pela doutrina, é a


conservação do negócio jurídico mediante uma redução no excesso na
prestação do declarante.

Pessoal, vistos todos os elementos do estado de perigo, a próxima aula iremos


tratar da lesão, que é muito semelhante ao estado de perigo. Vamos lá!

Lesão
Entrando de sola na lei, o artigo 157 do Código Civil afirma que “Ocorre a lesão
quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, obriga-se
a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”.

Este instituto tem um objetivo moral, na medida em que pretende eliminar a


grande desproporção em benefício de apenas uma das partes. Na lesão,
portanto, a parte decide por si, não por pressão externa, mas movida por
circunstâncias de necessidade ou inexperiência.

Este vício do consentimento apresenta elemento objetivo, que é a manifesta


desproporção entre as prestações. E elemento subjetivo, que é a inexperiência
ou premente necessidade.

O parágrafo primeiro do artigo 157 do Código Civil de 2002, chama a atenção


para o fato de que o magistrado apreciará esta desproporção no caso concreto,
verificando se estava presente no momento da celebração do negócio jurídico.
Já com relação ao elemento subjetivo, Carlos Roberto Gonçalves esclarece que a
necessidade não se relaciona à miséria ou insuficiência virtual dos meios para
prover sua subsistência ou da família. A necessidade é chamada de contratual,
que segundo Caio Mário, relaciona-se à impossibilidade de evitar o contrato.
Podemos citar como exemplo a iminência de decretação de falência do agente
ou protesto de um título de crédito que ele tenha emitido.

A inexperiência, por sua vez, relaciona-se à falta de conhecimentos relacionados


à natureza do negócio jurídico celebrado. Como exemplo, um jovem de 18 anos
que celebra pela primeira vez um contrato de locação em uma cidade grande e
que desconhece a média dos preços cobrados na região em que se situa o
imóvel. Este jovem pode acabar consentindo ser locatário do imóvel por valores
muitos altos em relação aos outros imóveis de igual padrão do mesmo bairro.

O parágrafo segundo do artigo 157 do Código Civil afirma que “não se


decretará a anulação do negócio se for oferecido suplemento suficiente, ou se a
parte favorecida concordar com a redução do proveito”.

Para que possamos compreender bem este instituto, vamos estudar os aspectos
que se diferenciam do estado de perigo, sendo estes aspectos sistematizados
pelo Professor Carlos Roberto Gonçalves:

 Primeiro, a lesão pode decorrer da inexperiência do declarante, que não é


requisito do estado de perigo;
 Segunda, na lesão não é necessário que a outra parte tenha conhecimento da
necessidade ou da inexperiência, ao passo em que no estado de perigo exige-
se que a parte que se aproveitou da situação saiba do perigo enfrentado pela
outra;
 Terceira diferença, na lesão é admitida a suplementação da contraprestação, o
que não é possível no estado de perigo.

Importante notar que a lesão ocorre, via de regra, nos contratos comutativos
em que há prestações certas e determinadas e em um contexto em que é
possível vislumbrar as vantagens e sacrifícios.

Diferente do que ocorre nos contratos aleatórios, nos quais o risco é o elemento
central do negócio, havendo uma incerteza quanto às vantagens e benefícios
que podem imergir. Nos contratos aleatórios, só é possível falar-se em lesão,
segundo Anelise Becker, quando a vantagem que uma das partes obtém é
excessiva, ou seja, quando é desproporcional em relação ao risco normal do
contrato.

Finalizando mais um dos vícios do negócio jurídico, vamos ver na próxima aula
um vício social do negócio jurídico, a chamada fraude contra credores.
Respire, posicione-se na cadeira, anote no post-it aquele conceito mais difícil de
guardar, grude-o na geladeira para não esquecer e vamos para a próxima e
penúltima aula do curso.

Fraude Contra Credores.


Na última aula, estudamos a figura da lesão enquanto defeito do negócio
jurídico, e no encontro de hoje iremos tratar da fraude contra credores. Vamos
lá!

Nas palavras do Professor Alvino Lima (1888-1975), a fraude contra credores é a


prática pelo devedor de ato ou atos jurídicos absolutamente legais em si
mesmos, mas prejudiciais aos interesses dos credores frustrando
conscientemente a regra jurídica que institui a garantia patrimonial dos
credores sobre os bens do devedor.

O artigo 158 do Código Civil 2002, diz que “os negócios de transmissão
gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente,
ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser
anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos”.

Neste caso, como bem pontua o Professor Carlos Roberto Gonçalves, a fraude
contra credores não conduz a nenhum descompasso entre o íntimo querer do
agente e sua declaração. A vontade manifestada corresponde exatamente ao
seu desejo, mas ela é exteriorizada com a intenção de prejudicar terceiros. Por
esta razão, como havíamos antecipado, a fraude contra credores é tratada como
um vício social.

Segundo o Professor Renan Lotufo, a maioria da doutrina aponta dois


elementos inerentes à fraude contra credores:

 O eventus damni, correspondente ao ato do devedor que é prejudicial ao credor


por ter sido realizado em estado de insolvência ou por tê-lo tornado insolvente;
e
 O consilium fraudis, ou seja, o conluio fraudulento.

Segundo Pablo Estolze, uma respeitável parte da doutrina entende que


o consulium fraudis não é elemento essencial da fraude contra credores, de
modo que o estado de insolvência e o prejuízo ao credor já bastariam para
caracterizá-lo.

Ainda que não haja uma unanimidade, segundo Pablo Estolze, a verdade é que,
caso se trate de atos gratuitos de alienação que são praticados em fraudes
contra credores, esse requisito subjetivo representado pelo consilium fraudis é
presumido.

Já no caso da alienação onerosa, é necessário comprovar o consilium fraudis.

A anulação do ato praticado em fraude contra credores pode dar-se nas


seguintes hipóteses:

 Negócio de transmissão gratuita dos bens, segundo o caput do artigo 158 do


Código Civil de 2002;
 Remissão de dívidas, com base no mesmo dispositivo;
 Contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória ou
houver motivo para ser conhecida pelo outro contratante, nos termos do artigo
159 do Código Civil;
 Antecipação de um pagamento feito a um dos credores quirografários em
detrimento dos demais, com base no artigo 162 do Código Civil de 2002; e
 Outorga de garantia de dívida a um dos credores em detrimento dos demais,
com suporte no artigo 163 do Código Civil de 2002.

Um ponto bastante polêmico no estudo da fraude contra credores se refere à


discussão sobre a anulabilidade do negócio ou declaração de ineficácia relativa.
O Código Civil de 2002 filiou-se à teoria, já adotada pelo Código Civil de 1916,
no sentido de que fraude contra credores gera a anulabilidade do negócio
celebrado. Enfim, não seguiu, embora parte da doutrina afirme, a tese de que
deveria ser declarada a ineficácia do ato fraudatório contra o credor,
permanecendo o negócio válido a entre os contratantes.

Tem legitimidade ativa para propor essa ação, conhecida como Ação Pauliana,
os credores quirografários já que eles não possuem nenhuma garantia especial
de recebimento do crédito, de modo que o patrimônio geral do devedor é a
única garantia que resta a eles.

Os parágrafos primeiro e segundo do artigo 158 (§1° e §2°) fazem ressalvas


bastante importantes sobre a legitimidade ativa, afirmando que os credores cuja
garantia tenha se tornado insuficiente também podem ajuizar a ação.
Ressalvando, também, que só podem pleitear a anulação dos atos fraudatórios
aqueles que já eram credores ao tempo da sua realização.

Já com relação à legitimidade passiva, tem-se que a ação anulatória deve ser
proposta contra o devedor insolvente e também contra a pessoa que celebrou
o negócio fraudulento, bem como contra eventuais terceiros adquirentes de
má-fé, caso o bem já tenha sido transmitido a estes terceiros.

Verificada a fraude contra credores, se o adquirente estava de boa-fé, o bem


continua na sua titularidade, sem que o negócio seja anulado. Por outro lado, se
o adquirente estava de má-fé, a qual é presumida quando a insolvência do
alienante for notória ou houver motivo para ser por ele conhecida, a alienação é
invalidada.

Por fim, é importante estabelecer uma diferença entre a fraude contra credores
e a fraude à execução.

Nas palavras do Professor Renan Lotufo, enquanto, na fraude contra credores, o


devedor insolvente antecipa-se alienando ou onerando bens em detrimento
dos seus credores antes que eles intentem qualquer espécie de ação, na fraude
à execução, que é mais grave porque viola normas de ordem pública, o devedor
já tem contra si um processo judicial.

E este processo judicial é capaz de reduzi-lo à insolvência e, ainda assim, atua


ilicitamente alienando ou onerando seu patrimônio, em prejuízo, não apenas
dos seus credores, mas do próprio processo. Motivo este pelo qual caracteriza-
se uma atitude de desrespeito à justiça.

É isto, pessoal! No próximo e último encontro iremos estudar a simulação.

Depois de estudarmos cada um dos defeitos do negócio jurídico, chegamos à


última aula deste bloco que trata da simulação.

Muito embora a simulação não esteja no capítulo que trata dos defeitos do
negócio jurídico, mas sim daquele que trata da sua invalidade, faz mais sentido
estudar a simulação nesta oportunidade pelo fato de ela constituir um vício
social.

Ao contrário dos defeitos do negócio jurídico que a gente estudou nas últimas
aulas, que geram a anulabilidade, ou nulidade relativa, já que o negócio pode
ser convalidado; a simulação figura como causa de nulidade! Ou seja, trata-se
de um defeito insanável.

Nas palavras do Clóvis Bevilácqua (1859-1944) simulação é uma declaração


enganosa da vontade que tem por objetivo produzir efeito diverso daquele que
foi ostensivamente ou explicitamente indicado.

Já o jurista italiano Francesco Ferrara (1805-1888) refere-se ao negócio


simulado como aquele que tem aparência contrária à realidade, ou porque não
existe em absoluto, ou porque é distinto do que aparece.

Então trata-se de defeito que não vicia a vontade do declarante, já que,


segundo Pablo Estolze, este último se mancomuna, alia-se de livre vontade com
o declaratário para atingir fins espúrios que são contrários à lei ou em
detrimento da própria sociedade.
Ainda segundo Pablo Estolze, a simulação pode ser dividida da seguinte
maneira:

Simulação absoluta, caso em que o negócio se forma a partir de uma


declaração de vontade ou confissão de dívida emitida para não gerar efeito
jurídico algum. Como exemplo, o cônjuge que, para livrar-se de partilhar os
bens inclusos no regime de comunhão universal, simula um negócio com um
amigo, contraindo, falsamente, uma dívida, com o objetivo de transferir bens
em pagamento e depois os reaver. Neste caso, não se pretende transferir a
propriedade dos bens para pagamento da dívida, mas permitir que o amigo
guarde os bens até que sejam finalizados o divórcio e a partilha;

Simulação relativa (dissimulação), em que se emite uma declaração de vontade


ou confissão falsa com o objetivo de encobrir um ato de natureza diversa cujos
efeitos, que são desejados pelo agente, são proibidos por lei. Neste caso,
recebe o nome de simulação relativa objetiva.

Já quando a declaração de vontade é emitida, aparentando conferir direitos à


uma pessoa, mas transferindo a outra que não integra a relação jurídica, temos
a simulação relativa subjetiva. Um exemplo dado por Pablo Estolze: o homem
casado que pretende doar um bem à sua concubina, mas que, diante da
proibição legal, acaba simulando com ela um contrato de compra e venda.

Ou então, nesta mesma situação, aliena um bem a um amigo, com relação ao


qual não existe nenhuma proibição legal, e este amigo posteriormente doa o
bem para concubina. Via de regra, se a simulação for absoluta, tem-se como
efeito a nulidade do negócio simulado. Contudo, se a simulação for relativa, o
negócio dissimulado subsistirá.

Importante não confundir simulado, que é um negócio aparente,


com dissimulado, que é aquele que está oculto e que é verdadeiramente
desejado. É o que diz o artigo 167 do Código Civil, “é nulo o negócio jurídico
simulado mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na
forma”.

O artigo 167, §1° do Código Civil de 2002, estabelece que haverá simulação
nos negócios jurídicos quando:

Primeiro, aparentarem conferir ou transferir direitos a pessoas diversas daquela


às quais realmente se confere ou transmite. Essa primeira hipótese, segundo
Renan Lotufo, é chamada de simulação por meio de interposta pessoa. Caso em
que se vale do chamado testa de ferro que figura como parte no lugar daquele
a quem se concedem os direitos.
Segundo, quando contiverem declaração, confissão, condição, ou cláusula não
verdadeira. A doutrina costuma referir-se a esta modalidade como negócio
ilusório, não-negócio, ou negócio vazio.

Terceira possibilidade, quando os instrumentos particulares forem antedatados


ou pós-datados.

Por fim, uma importante novidade trazida pelo Código Civil de 2002 foi o §2°
do artigo 167, que dispõe que “ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé
em face dos contraentes do negócio jurídico simulado”.

Com esta aula, contemplamos todos os defeitos do negócio jurídico e


fechamos este bloco de estudos. Esperamos que você tenha aprendido, tenha
anotado e, com os exemplos, os conceitos que são um pouco mais abstratos
tenham ficado mais claros.

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