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MANUAL DE APOIO
(Recolha: Mouzinho Nicols, Licenciado em Ciências Jurídicas, Mestre em Governação e Administração
Pública e Doutorando em Direito – Docente Universitário)

Direito Económico

APRESENTAÇÃO

O presente Manual de Apoio da disciplina de Direito Economico que integra a


grelha curricular do curso de Economia oferecido pela Universidade São Tomás
de Moçambique na modalidade hibrida. O conteúdo aqui abordado, é uma
introdução à disciplina do Direito Económico e faz parte de um conjunto de
disciplinas do curso, ministrado nesta instituição de ensino superior.

A disciplina de Direito Económico tem como objectivo geral, desenvolver e


aperfeiçoar no estudante conhecimentos que permitam uma compreensão do
sistema social contemporâneo sob o prisma das relações Direito/Economia,
bem como o papel assumido pelos diferentes intervenientes na actividade e
em especial os diferentes papéis assumidos pelo Estado. A abordagem teórico-
prática dos diferentes institutos permitirá ao formando obter uma visão ampla
sobre a aplicabilidade das normas jurídico-económicas no meio económico e
empresarial. A disciplina foi dividida em quatro unidades para as quais se
estabeleceram os seguintes objectivos específicos:

A primeira unidade temática denominada introdução ao Direito Económico;


fontes do Direito Economico e Constituição Económica, pretende desenvolver
nos discentes habilidades para conhecer a definição do Direito Economico.
Pretende-se identificar o seu objecto e âmbito, conhecer os aspectos
relevantes que determinam a autonomia da disciplina, suas características
fundamentais, bem como as particularidades relativas às suas fontes. No final
desta unidade temática o formando deve ser capaz de conhecer a definição
de Constituição Económica, as funções da Constituição Económica, bem
como os princípios orientadores das constituições económicas de Moçambique
de 1975 e 1990.
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A segunda unidade fará uma abordagem sobre a estrutura dos meios de


produção. No final desta unidade o formando deverá ser capaz de identificar
os elementos caracterizadores dos diferentes sectores produtivos,
nomeadamente, o cooperativo, privado e público. Igualmente deve identificar
os diferentes sistemas económicos e sua caracterização.

Por complementaridade à abordagem iniciada no estudo da Constituição


Económica, o formando deve ser capaz de identificar o sistema económico
subjacente na Constituição Económica de Moçambique de 1975 e 1990.

Na terceira unidade analisará a intervenção directa e indirecta do Estado na


Economia. No final da unidade o formando deverá conhecer os fundamentos
e formas de intervenção do Estado na Economia, o regime jurídico relativo às
diferentes formas de intervenção do Estado como produtor de bens e serviços,
tendo em conta o contexto político, económico e empresarial de
Moçambique desde 1975, identificar as diferentes formas de intervenção
indirecta do Estado na Economia. Finalmente, na última unidade vai-se
debruçar sobre o sistema económico multilateral, no concernente a
globalização e a dinâmica da economia mundial, também iremos analisar
como o Estado regula a economia.

O seu sucesso nesta disciplina depende muito do modo como vai planificar e
organizar as tarefas de estudo. À medida que vai experimentando esse
sucesso, isso lhe trará satisfação, cada vez mais interesse, entre outros aspectos.
Por isso, siga os conselhos que lhe são propostos para sair bem-sucedido no
curso.
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UNIDADE TEMÁTICA I

Sumários:

1. INTRODUÇÃO AO DIREITO ECONÓMICO

2. FONTES DO DIREITO ECONÓMICO

3. CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA

Objectivos da Unidade

No fim desta unidade você deverá ser capaz de:


 Definir o Direito Económico
 Identificar o objecto e âmbito do Direito Económico;
 Conhecer a problemática da autonomia do Direito Económico;
 Especificar as principais características do Direito Económico;
 Especificar as diferentes formas de formação e revelação das normas
jurídico- económicas;
 Conhecer as particularidades das fontes do Direito Economico; e S
Descrever os aspectos marcantes da Constituição Económica de
Moçambique, à luz das constituições de 1975, 1990 e 2004.

Nota introdutória

A unidade I corresponde à parte introdutória da disciplina de Direito


Económico, que incluirá o estudo das fontes do Direito Económico e da
Constituição Económica. A unidade está estruturada em três capítulos.
Nesta unidade serão analisadas as seguintes matérias:

a) Noção do Direito Económico;


b) Autonomia do Direito Económico;
c) O Direito Económico e o Direito da Economia;
d) Natureza jurídica do Direito Económico;
e) A intervenção do Estado na Economia como um dos aspectos marcantes
do Direito Económico;
f) As características do Direito Económico;
g) As fontes do Direito Económico; e
h) Análise da Constituição Económica de Moçambique de 1975, 1990 e 2004.
1.1. Contextualização

Em qualquer ramo de conhecimento científico, é prática corrente iniciar o


estudo da disciplina pela definição e delimitação do seu objecto e âmbito. Por
razões meramente didácticas iniciaremos o estudo da disciplina do Direito
Económico de modo diferente.

Com efeito, antes de apresentarmos a definição e o objecto desta disciplina,


pretendemos apresentar, de forma bastante resumida, alguns acontecimentos
que, provavelmente já foram objecto de análise em outros ramos de Direito,
estão intimamente relacionados ao surgimento deste ramo do Direito.

O objectivo desta abordagem preliminar é elucidar o contexto em que


emerge a disciplina que iremos estudar, o que certamente permitirá uma
melhor percepção dos conteúdos a abordar nos diferentes capítulos e
subcapítulos que se seguirão. Com efeito, importa salientar os seguintes
aspectos histórico económicos:

a) As regras de Direito Económico são regras jurídicas que apareceram depois


da 1a Guerra Mundial, para reformar, ou mesmo, substituir a ordem
económica existente, designadamente a ordem económica liberal,
caracterizada por um substancial neutralismo do Estado relativamente à
actividade económica.
b) Duas grandes revoluções marcaram a nascença e desenvolvimento do
capitalismo: a revolução industrial e consequente emergência do capitalismo
liberal, nos finais do século XVIII e durante o século XIX, com início na Inglaterra
e posteriormente em outros países do ocidente como Bélgica, França, Estados
Unidos, Alemanha, Itália, etc.
c) A 1a Guerra Mundial marca o fim do capitalismo liberal, caracterizado pela
não intervenção do Estado na esfera económica e o início do capitalismo
social, caracterizado pelo intervencionismo estatal através de financiamentos e
investimentos públicos e protecção das áreas sociais como habitação, saúde,
educação, etc.
d) O objectivo do capitalismo é essencialmente a procura do lucro.
e) O meio para atingir esse objectivo será a produção de bens e serviços, para
satisfação das necessidades dos cidadãos.

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f) É o mercado que, através da lei da oferta e da procura, regula os preços.
g) O mercado é o grande instrumento coordenador e organizador da actividade
económica.
h) O capitalismo liberal, falha no domínio da justiça social.
i) 1929 - A Grande Crise, do desemprego, da inflação, da fome, da bancarrota,
etc.
j) KEYNES apareceu neste momento a defender, pela 1a vez, a intervenção do
Estado, no sentido do investimento público em tempos de recessão.
k) O Estado passa a intervir directamente e indirectamente.
l) Ocorre a intervenção directa, quando o Estado age como agente económico.
m) E a intervenção indirecta, quando o Estado age como agente de regulação
económico-social e regula o acesso à actividade económica, regula a
concorrência e regula o consumo.
n) Portanto, os primeiros embriões do Direito Económico serviam para salvar a
Economia liberal, introduzindo normas para regular a concorrência livre num
mercado perfeito.
o) Os segundos embriões do Direito Económico, após a 1 a guerra mundial,
correspondiam a um Direito, que visava reformar a Economia.
p) Núcleo originário do Direito Económico: Com as transformações da ordem
liberal clássica, surgem formas específicas de regulação pública da
Economia, dando origem a um conjunto de normas, princípios e instituições
que regem a organização e direcção da actividade económica, impondo
limites, condicionando o ou incentivando os agentes económicos com o
objectivo de colmatar as insuficiências ou disfunções do Direito Privado
clássico.
q) Desenvolvimento do Direito Económico: Devido à crescente complexidade
e multiplicação dos agentes económicos, as próprias entidades privadas
passaram a produzir normas, no âmbito da sua esfera de autonomia, por
delegação pública ou ainda pela negociação e concertação com os
poderes públicos.
r) Dando origem a um novo ramo do Direito, designado de Direito Económico,

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com características particulares, conforme o detalhe que encontraremos
nos desenvolvimentos que se seguem.

1.2. Noção do direito económico

Feita a abordagem inicial, relativa ao contexto do surgimento do Direito


Económico, impõe-se que nos interroguemos agora sobre o que é o Direito
Económico e qual o seu objecto de estudo.

Uma corrente doutrinária, corrente ampla, identifica o Direito Económico como


o Direito relativo à toda a Economia, ou seja, o Direito da Economia. A segunda
corrente doutrinária, corrente restrita, considera o Direito Económico como
disciplina que abrange apenas alguns aspectos específicos da Economia. Para
melhor delimitação do conceito do Direito Económico analisaremos nos
números seguintes os fundamentos de cada uma das correntes doutrinárias.
Após analisar os diferentes argumentos definiremos, no final, o Direito
Económico.

1.2.1. O Direito Económico Identificado como todo o Direito da Economia

Conforme a referência anteriormente feita, esta corrente define o Direito


Económico como sistema de normas jurídicas que regula toda a Economia.
Seguindo este entendimento, o Direito Económico regularia todo o circuito
económico, designadamente: a produção, a circulação, a distribuição e o
consumo de bens.

Trata-se de uma noção bastante ampla que, a ser adoptada, alargaria o


âmbito do Direito Económico, retirando-lhe a sua especificidade e autonomia
pois:
a) Este conceito tende a abranger todos os aspectos económicos do Direito
Privado regulados por outras disciplinas como Direitos Reais de gozo, Direito
das Obrigações, Direito Fiscal e pelo Direito Comercial. Em suma, o Direito
Económico confundir-se-ia com outros ramos do Direito que estudam alguns
aspectos da Economia.

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b) Por outro lado, o Direito Económico confundir-se-ia com alguns ramos de
Direito Público com incidência económica, designadamente o Direito das
Expropriações.
c) Uma noção extensiva do Direito Económico dificultaria a determinação da
fronteira entre o Direito Economico e Direito Financeiro, disciplina que
estuda a elaboração e execução orçamental.

1.2.2. O Direito Económico abrangendo apenas alguns aspectos específicos da


economia

A segunda corrente parte do pressuposto de que o Direito Económico deve


apenas abranger alguns aspectos da Economia, sob pena de se confundir
com alguns ramos do Direito Público e do Direito Privado. Para esta corrente a
definição do Direito Económico não deve centrar-se no seu objecto, mas sim,
no carácter específico do seu conteúdo.

Desta definição ressalta-nos de imediato a seguinte questão: Quais os aspectos


específicos da Economia que são regulados pelo Direito Económico?

Em resposta à esta questão são apresentados diferentes entendimentos


doutrinários, conforme a seguir se indica.
a) Para SAVATIER, o Direito Económico tem a missão de dirigir a vida
económica e em especial a produção e a circulação da riqueza. Esta
definição aborda o Direito Económico numa perspectiva privatística,
considerando-o um prolongamento do Direito Comercial, na vertente
negocial. O Direito Económico assim definido restringir-se-ia somente à
actividade negocial da empresa, ignorando os aspectos gerais ligados ao
estatuto jurídico da actividade económica.
b) CHAMPAUD considera o Direito Económico como Direito da organização e
do desenvolvimento económico, independentemente dos sujeitos
intervenientes (Estado, iniciativa privada ou mista). Seguindo este
entendimento o Direito Económico teria como objecto a estrutura e o

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funcionamento interno das empresas, relações entre empresas (Direito da
Concorrência) e entre estas e o Estado. Este entendimento peca por não
tomar em conta a diversidade dos tipos de empresas (públicas, privadas,
cooperativas e mistas), com estruturas e fins diversos, que se manifestam em
regimes jurídicos também diferentes.
c) FARJAT define o Direito Económico como o Direito da concertação e
colectivização dos meios de produção e da organização da Economia.
Adoptando esta proposta de definição o Direito Económico perderia o seu
conteúdo específico, que o distingue dos restantes ramos de Direito.
d) SAVY define o Direito Económico como a disciplina que tem em vista o
equilíbrio dos agentes económicos públicos ou priva dos e o interesse
económico geral. No entanto, o interesse geral não é por si só critério
suficiente para distinguir o Direito Económico do Direito Privado.

Analisados os diferentes entendimentos, bem como as críticas subjacentes,


facilmente se conclui que as concepções enunciadas procuram encontrar
determinantes para o agrupamento das regras do Direito Económico. Não
obstante os fundamentos que se apresentam, todos conduzem a resultados
imprecisos, tornando difícil a distinção do Direito Económico com os restantes
ramos do Direito. Em suma, os diferentes entendimentos doutrinários não são
suficientemente conclusivos para definir o Direito Económico.

1.2.3. Definição do Direito Económico

Face às críticas e observações já apresentadas relativamente as duas


correntes doutrinárias, a definição do Direito Económico a adoptar toma em
conta os aspectos essenciais das duas correntes. Ou seja, é da conjugação dos
aspectos relevantes das duas correntes que procederemos à elaboração da
definição do Direito Económico.

Nestes termos, definiremos o Direito Económico como o ramo do Direito que


regula juridicamente e de forma específica a organização e direcção da
actividade económica pelos poderes públicos e privados, dotados de
capacidade de editar ou contribuir para a edição de regras de carácter geral
e vinculativo. (ex. Associações económicas, órgãos consultivos, etc.).
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A regulação público-privada tem em vista impor limites, condicionando ou
incentivando os agentes económicos ou, nalguns casos, alterar tendências que
resultam do livre funcionamento do mercado. Concluímos assim que: Direito
Económico disciplina a actividade económica no seu conjunto.

Regula a ordem económica através da criação de normas, por entidades


públicas e privadas, para que o sistema funcione de uma maneira harmoniosa,
garantindo assim o interesse económico geral. Com a finalidade de assegurar
o bom e harmonioso funcionamento da Economia, satisfazendo assim o
interesse económico geral.

1.2.4 Autonomia do Direito Económico

Para melhor percepção da autonomia do Direito Económico, iniciaremos nosso


estudo apresentando a definição de ramo autónomo do Direito, entendendo-
se como aquele cujas normas, pelas suas características peculiares, lhe
imprimem um cunho específico, afirmando-o como corpo próprio de regras de
Direito, individualizadas e separadas das normas dos restantes ramos ou
disciplinas do Direito.

Assim, quando falamos da autonomia do Direito Económico pretendemos


saber se esta disciplina jurídica possui ou não princípios e normas
individualizadoras que o distinguem dos restantes ramos.
Dito doutro modo, será que encontramos, no Direito Económico, regras e
princípios específicos que o autonomizam das restantes disciplinas jurídicas?
Relativamente à problemática da autonomia do Direito Económico são
identificados dois posicionamentos distintos:

a) Negação do Direito Económico como disciplina autónoma;

b) O Direito Económico como disciplina nova e autónoma

Nos números que se seguem analisaremos com profundidade estes dois

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entendimentos.

1.3. A Negação do Direito Economico como disciplina autónoma. A integração


nas disciplinas tradicionais do Direito Público ou Direito Privado.

Conforme anteriormente referido, parte da doutrina entende que o Direito


Económico não constitui ramo autónomo do Direito pois, ainda que possua
características específicas, não apresenta modificações substanciais que
justifiquem a sua autonomização como ramo do Direito Público ou do Direito
Privado.

Exemplificadamente, confrontando as normas do Direito Administrativo com as


normas do Direito Económico constata-se que, embora este apresente
algumas características que o distinguem daquele, estas não lhe conferem
total autonomia. No fundo, as normas administrativas do Direito Económico não
são mais do que regras do Direito Administrativo Especial. Assim, o Direito
Administrativo Especial estudaria a intervenção dos poderes públicos na
actividade económica, mesmo quando exercida por pessoas jurídicas de
substrato empresarial, como por exemplo as empresas públicas.

Na mesma perspectiva, o Direito Comercial se encarregaria pelo estudo de


toda a regulamentação das empresas de Direito Privado, incluindo as relações
especiais de concorrência e pelo estudo do regime particular aplicável às
sociedades com participação do Estado.

Do mesmo modo, pode se falar de um Direito Penal Económico, que tem por
objectivo a prevenção e punição de comportamentos inadmissíveis na vida
económica, cujas normas apresentam uma certa especialidade face ao
Direito Penal Geral.

Essa especialidade manifesta-se no objecto pois a prevenção abrange, por

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exemplo, a violação de regras cambiais e as normas de abastecimento dos
mercados. Manifesta-se também na natureza das sanções porque, ao invés
das penas privativas da liberdade, as sanções são de natureza pecuniárias,
nomeadamente, a apreensão ou perda dos objectos obtidos com o crime,
encerramento do estabelecimento comercial.

Ainda em apoio à esta orientação doutrinária se considera que o Direito


Económico está desprovido da necessária autonomia pois:

a) Possui normas dispersas por diversos diplomas legais, ou seja, não possui uma
codificação especial.
b) Não possui uma jurisdição própria. Os litígios económicos são julgados nos
tribunais comuns ou administrativos, utilizando técnicas do Direito Público e
do Direito Privado, conforme os casos.

1.3.1. O Direito Económico como disciplina nova e autónoma

Seguindo o entendimento desta corrente doutrinária, o Direito Económico é


uma disciplina científica autónoma. Este entendimento fundamenta-se nas
seguintes razões:
a) No Direito Económico está sempre subjacente a colaboração e
investigação interdisciplinar de juristas e economistas. Só a autonomia
permite o tratamento conclusivo dos problemas levantados pela
interdisciplinaridade jurídica e económica;
b) A interpenetração entre o Direito e a Economia exige daqueles que
criam aplicam ou que interpretam as normas, o conhecimento das áreas
nucleares da ciência económica (princípios de eficácia económica e as leis da
Economia). Só assim é possível prever os efeitos económicos das orientações
jurídicas adoptadas. Exemplo: o conhecimento dos efeitos da legislação sobre
preços e suas repercussões no mercado, da política económica e da
legislação de subsídio às empresas;
c) Do mesmo modo, o economista deverá apelar ao jurista para obter a

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percepção de como se vai montar a máquina institucional e operativa de
apoio às atitudes económicas que irá patrocinar, pois só deste modo será
moldada eficazmente a vida económica e social.
d) A Economia precisa do Direito pois o funcionamento harmonioso de um
sistema económico requer um certo mínimo de regras de Direito, que
possam assegurar a apropriação e uso dos meios de produção, dos
produtos e dos serviços.
e) Portanto, o Direito Económico é o ponto de encontro do Direito e da
Economia, com normas específicas. O Direito enquadra, rege e normaliza a
Economia. É assim, porque as leis económicas não são por si auto-suficientes
para regular a actividade económica.
f) O Direito Económico possui características e fontes próprias que serão
analisadas nos subcapítulos seguintes.

Atendendo à originalidade da matéria que regula, às suas características e


fontes específicas, conclui-se que o Direito Económico é uma disciplina jurídico-
científica autónoma, reguladora da organização e direcção da actividade
económica pelos poderes públicos e, em casos específicos, pelos privados,
dotados de capacidade de editar ou contribuir para a edição de regras de
carácter geral e vinculativo.

Em suma, o Direito Económico é um ramo de Direito autónomo porque:


Possui objecto próprio:

 É o único ramo de Direito que disciplina actividade económica no seu


conjunto (estuda o enquadramento jurídico do circuito económico, os
sujeitos do processo económico e os aspectos de produção e
distribuição;

Desempenha uma função própria:


 Ordenar e regular a actividade económica no seu conjunto;

Integra uma finalidade específica:


 Garantir a satisfação do interesse económico geral;

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Tem conteúdo próprio:
 Conjunto de normas específicas às áreas a ser reguladas;

Possui:
 características e fontes específicas.

Para analisar este ponto partiremos da definição de objecto da disciplina


jurídica, entenda-se como a essência ou conteúdo do estudo de um
determinado ramo do Direito.

Assim, o objecto do Direito Económico determinar-se-á na actividade


económica produtiva, ou seja, o Direito Económico abarca o processo
produtivo organizado - conjunto de actos de sucessiva transformação dos bens
naturais e escassos até adquirirem a qualidade de bens adequados ao
consumo ou à satisfação das necessidades.

Assim, o Direito Económico estudará o enquadramento jurídico do circuito


económico nos aspectos da produção e distribuição, bem como os aspectos
da organização e funcionamento, incluindo os sujeitos do processo económico
e as relações entre eles.

É assim que concluímos, no subcapítulo anterior, que o Direito Económico é


uma disciplina jurídica nova e autónoma que estuda, de forma específica a
ordenação (regulação) da organização e direcção da actividade económica
pelos poderes públicos ou pelos poderes privados, quando dotados de
capacidade para editar ou contribuir para a edição de regras com carácter
geral, vinculativas dos agentes económicos.

Relativamente à sua natureza, a nossa abordagem deve ter em vista responder


a seguinte questão: O Direito Económico é Direito Público ou Direito Privado?

Como ponto de partida, considere-se, para efeitos desta abordagem, a


distinção tradicional que delimita o Direito Privado a partir do princípio da

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igualdade dos sujeitos e o Direito Público como uma manifestação do ius
imperii.

Para responder a questão colocada partiremos do pressuposto de que as normas do


Direito Económico podem ser emanadas pelo Estado ou entidades públicas e também
pelos agentes económicos privados, desde que dotados de capacidade para o
efeito.

Assim, o Direito Económico enquanto Direito Público compreenderá o conjunto de


normas e princípios emanados do Estado ou de outros entes públicos. No entanto, e
como referido nas análises anteriores, há agentes privados que também editam
normas restritas ou globais. Na segunda perspectiva, o Direito Económico será um
ramo do Direito Privado por compreender normas jurídicas de origem privatística.

Assim, o Direito Económico desenvolve-se numa zona intermediária que não é


somente Direito Público ou Direito Privado, por integrar regras do Direito Civil,
Administrativo, Comercial, Penal e Tributário, desde que directamente ligadas à
actividade económica.

Por este facto, os estudiosos do Direito Económico não recomendam a sua divisão
clássica em Direito Público ou Direito Privado, por se reconhecer que esta disciplina
envolve aspectos pertinentes de ambos, sendo assim considerado um Direito de
terceira espécie.

Conclui-se, deste modo, que o Direito Económico é um Direito híbrido, podendo ser
predominantemente público, atendendo ao papel relevante que o Estado e outros
entes públicos desempenham na edição de normas jurídicas.

1.3.2. O Direito Económico e a Economia


Falar de Direito Económico como disciplina autónoma pressupõe a
abordagem, por um lado, das relações entre a Economia e o Direito, enquanto

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fenómeno da vida social, por outro lado, das razões que justificam a
emergência de um novo ramo e disciplina jurídica.

Relativamente às relações entre a Economia e o Direito, partiremos do


pressuposto de que todos os fenómenos sociais são totais, sendo os jurídicos e
económicas apenas duas das facetas que os fenómenos sociais comportam.
Deste modo, as questões essencialmente económicas, como por exemplo a
produção, circulação, distribuição e consumo de bens, são disciplinadas pelo
Direito. Tome-se como exemplos a regulação do mercado do trabalho, regime
de tributação, Direitos do consumidor, etc.

A relação existente entre a Economia e o Direito justifica a emergência de um


novo ramo de Direito, o Direito Económico. A autonomia do Direito Económico
é fundamentada pelas razões já mencionadas anteriormente.

Assim, o Direito Económico assegura a justiça e a segurança nas relações


económicas, procurando influir, condicionando ou consolidando, o
comportamento dos agentes económicos, determinando assim a evolução do
processo económico.

Estabelece-se, com efeito, uma relação de interdependência pois, o Direito


fornece quadros mentais de enquadramento da realidade económica e
assegura, através de seus institutos, a salvaguarda de posições adquiridas ou a
adquirir. Ou seja, as regras do Direito Económico exprimem certa s exigências
às quais a Economia tem de submeter- se.

No entanto, não quer isto dizer que o Direito Económico e a Economia se


tornam uma única realidade pois ambas conservam a sua autonomia, o que se
traduz numa lógica e linguagem diferentes, bem como na existência de
funções e valores também diferentes.

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1.3.3. A intervenção do Estado como um dos aspectos marcantes do Direito
Económico

No estudo relativo à natureza do Direito Económico concluímos tratar-se de um


Direito híbrido, ainda que este ramo do Direito seja predominantemente do
Direito Público. O Direito Económico é predominantemente público, não só
pelas finalidades que prosseguem as normas que o corporizam, mas também
pelos instrumentos ou meios jurídicos em que se concretizam, expressão do ius
imperii do Estado.

Os meios jurídicos ao dispor das entidades públicas, privadas e mistas que


intervenção económica do Estado tem por destinatárias, não são
consequência da mera capacidade do Direito Privado. São, pelo contrário,
consequência do conjunto de prerrogativas que o Estado as investe com
objectivo de tornar fácil a prossecução das finalidades económico-sociais.

Contudo, não se ignora o princípio de que as normas de Direito Privado


desempenham papel importante na configuração jurídica da intervenção
económica. O Direito Público de intervenção económica é combinado com
elementos de Direito Privado, como pressuposto para a execução das normas
de Direito Público.

O Direito Privado constitui um limite intransponível à actividade de intervenção


económica do Estado, tendo em atenção o facto dos destinatários desta
intervenção serem, em larga medida, as entidades privadas, cuja acção se
associa ao Estado em prol da prossecução dos objectivos deste.

1.3.4. Características do Direito Económico

Ao analisarmos a autonomia do Direito Económico concluímos tratar-se de um


Direito recente e autónomo, revestindo características específicas que o
distinguem dos restantes ramos do Direito.

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Com efeito, as normas do Direito Económico possuem características
específicas em relação às normas jurídicas em geral pelo grau intenso do
desfasamento da norma do Direito Económico quando confrontada com a s
características tradicionalmente apontadas à norma jurídica. É que a norma
jurídica de materialidade económica está directamente ligada às
necessidades da Economia, desempenhando uma função reguladora da
actividade económica.

O Direito Económico apresenta as seguintes características (principais):


• CARÁCTER RECENTE DO DIREITO ECONÓMICO: O Direito Económico é um
ramo do Direito recente e é consequência directa da necessidade de
regular a intervenção dos diferentes sujeitos na Economia.

• A DISPERSÃO: Esta característica decorre do facto de não existir um código


específico das normas do Direito Económico. Elas encontram-se dispersas
em vários diplomas legais e de difícil coordenação e compatibilização. O
Direito Económico disciplina a vida das empresas, a propriedade dos meios
de produção, a actividade económica pública, etc. em vários instrumentos
normativos.

• A DIVERSIDADE: O Direito Económico engloba aspectos específicos em


função da estrutura económica de cada país. Ou seja, as normas jurídico-
económicas dos diferentes Estado s podem comportar aspectos específicos
conforme se trate de Economias de mercado ou de Economia planificada.

• MOBILIDADE OU MUTABILIDADE: As normas do Direito Económico não


inspiram uma longa duração pois, as frequentes alterações da conjuntura
económica e política acaba m encurtando a sua durabilidade. Com efeito,
as normas do Direito Económico registam uma constante mutação. A sua
mutabilidade decorre da necessidade de adaptá-las à mudança das

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condições económicas e das políticas económicas que lhe correspondem.

• HETEROGENEIDADE: As regras do Direito Económico são heterogéneas pois


compreendem regras e instituições do Direito Público e do Direito Privado. A
simultaneidade de regimes do Direito Público e do Direito Privado deriva da
necessidade de regulamentar situações e problemas levantados pelos
diferentes intervenientes na Economia, independentemente de serem
públicos ou privados.

• PERMEABILIDADE: O Direito Económico é permeável devido à sua


sensibilidade aos valores e orientações políticas do legislador. Nalguns casos,
as regras do Direito Económico são enunciadas de forma imprecisa e vaga,
deixando uma ampla esfera de liberdade ao legislador que, por vezes,
acaba usando critérios políticos resultantes das maiorias parlamentares.
Portanto, ainda que de forma indirecta, a vontade política acaba
influenciando as normas jurídico-económicas.

• O DECLÍNIO DAS FONTES CLÁSSICAS DO DIREITO: O Direito Económico possui


fontes específicas, o que não ocorre nos outros ramos do Direito, conforme
veremos no capítulo que se segue. As fontes próprias do Direito Económico
dizem respeito ao conjunto de normas constantes de contratos entre
empresas, das convenções colectivas, dos contratos tipo, das condições
gerai s de fornecimentos, etc.

Por outro lado, ao nível da produção normativa estadual, existe um maior


número de normas emanadas pelo executivo em detrimento da produção
parlamentar, nomeadamente directivas, circulares, despachos com relevância
jurídico-económica.

 DECLÍNIO DA COERCIBILIDADE E DA VINCULAÇÃO CONCERTADA: O


princípio geral de que à violação da norma jurídica corresponde uma sanção

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jurídica, cuja aplicação cabe a determinado órgão do Estado, é
tendencialmente substituído pela coercibilidade económica. Ou seja, a
vinculação jurídica é substituído pela vinculação de honra (gentlemen's
agreement ), cuja sanção é constituída pela afectação do bom nome do
agente económico, pela coordenação feita pelo conjunto das empresas do
ramo e pela retaliação das empresas dominantes ou fornecedoras sobre a
empresa em falta.

Assim, o carácter imperativo das normas tende a ser substituído pela


vinculação concreta. Ou seja, ao lado do Direito imposto pelas autoridades
estaduais, desenvolve-se uma ordem jurídica contratual e concertada entre os
diferentes intervenientes na vida económica.

Caro estudante, é momento de fazer uma pausa e realizar a actividade a


seguir!

Actividades 1.1

O Direito Económico é um mosaico incoerente de institutos jurídicos que, num


determinado momento, nos aparecem nos intervalos das disciplinas
tradicionais. Comente a afirmação.

2. FONTES DO DIREITO ECONÓMICO

2.1 Introdução - complexidade e diversificação

São fontes do Direito Económico o modo de revelação e formação das normas


jurídicas. Ao estudar as fontes do Direito Económico teremos como objectivo
analisar a forma de revelação das normas jurídico-económicas.

Nas análises anteriores concluímos que o Direito Económico é um Direito


híbrido. Devido a sua natureza híbrida, tem sido questionado o monopólio
tradicional dos poderes públicos na produção das normas jurídico-económicas.

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Sendo certo que parte substancial das suas regras, nomeadamente às relativas
a forma de organização da Economia, assenta em normas com origem nas
autoridades públicas, também é verdade que o Direito Económico não se
esgota nessas normas.

Ao lado das normas de origem pública também se desenvolve uma ordem


negociada entre poderes públicos e privados (Direito de Concertação
Económica) ou mesmo entre entidades privadas, desprovidas do poder
clássico de autoridade, que tem por objectivo a regulação de práticas
económicas.

Conclui-se, pois, que a ordem jurídico-económica é eminentemente plural,


sendo diversificado o elenco das suas fontes.

Assim, ao lado das tradicionais fontes formais do Direito associam-se outras


fontes materiais de natureza mista e privada, desde que se encontrem em
conformidade com as normas e princípios emanados pelas autoridades
públicas.

Considerando a sua diversidade, as fontes do Direito Económico são


agrupadas em:
a) Fontes internas;
b) Fontes externas ou internacionais;
c) Fontes próprias do Direito Económico;
d) A jurisprudência; e
e) A arbitragem.

Nos desenvolvimentos que se seguem far-se-á analise pormenorizada de cada


um dos agrupamentos de fontes acima propostos.

2.2 Fontes internas


São constituídas pelo conjunto de normas resultantes da actividade legislativa
e regulamentar dos poderes legislativo e executivo de cada Estado. As fontes

20
nacionais são situadas em ordem diferenciada de hierarquia. Deste modo, as
fontes internas do Direito Económico são as seguintes, por ordem de hierarquia:
A Constituição; Os Actos Legislativos; Os Regulamentos do governo.

A Constituição
Ocupa o vértice do sistema jurídico, afirmando-se como a norma das normas
em termos formais e materiais. Ou seja, aqui afirma-se o princípio da
constitucionalidade plasmado no n° 4 do artigo 2° da CRM nos termos do qual:
as normas constitucionais prevalecem sobre todas as restantes normas do
ordenamento jurídico.

Assim, a CRM contém um conjunto extenso de preceitos basilares que se


referem directamente à Economia e que constituem a essência da
Constituição Económica, conforme melhor se ilustrará no capítulo seguinte.
Estas normas sobrepõem-se sobre as restantes, situadas abaixo da Constituição.

Os Actos Legislativos
São actos legislativos as Leis e Resoluções aprovadas pela Assembleia da
República (conforme o artigo 182° da CRM) e os Decretos-lei aprovados pelo
Governo (artigo 204°, n° 1 al. d) da CRM) que, directa ou indirectamente,
regem determinado aspecto da vida económica.

Alguma doutrina considera que a Assembleia da República e o Governo


possuem uma competência concorrente pois, as leis e os Decretos-lei têm o
mesmo valor formal.

No caso de Moçambique, esse posicionamento não é completamente


aplicável pois, nos termos do n° 2 do artigo 169° da CRM, compete a
Assembleia da República determinar as normas que regem...a vida económica
e social através de leis. Em conformidade com o n° 3 do artigo 179°, a
Assembleia da República pode autorizar o Governo a legislar sobre outras
matérias, sob a forma de Decreto-lei, devendo definir o objecto, o sentido a
extensão e duração da autorização legislativa, conforme preconizado no n° 1
do artigo 180° da CRM. Os Decretos-lei são aprovados pelo Conselho de

21
Ministros em conformidade com o disposto na al. d) do n° 1 do artigo 204° da
CRM.

Conclui-se, assim, que o poder legislativo do Governo, em torno da vida


económica do país, fica condicionado, por um lado, à delegação do poder
legislativo pela Assembleia da República e por outro, à ratificação dos
Decretos-lei aprovados pelo Governo por àquele órgão, em cumprimento do
disposto na al. s) do n° 2 do artigo 179.° da CRM.

Ainda que do ponto de vista formal as leis e os Decretos-lei se situem ao mesmo


nível, conclui-se haver uma ligeira limitação do poder legislativo do Governo,
atendendo ao conteúdo dos preceitos antes referidos.

Os Regulamentos
Os regulamentos são actos do poder executivo com o objectivo de facilitar a
execução das leis (em sentido restrito). Revestem importância suprema em
Matéria de Direito Económico. Embora, do ponto de vista legal, se afirme o
princípio da preeminência ou superioridade (hierarquia) dos actos legislativos
relativamente aos actos normativos regulamentares, a execução da lei impõe,
em Direito Económico, a aprovação de vários actos normativos secundários e
terciários, entre eles os regulamentos governamentais.

Em conformidade com as alíneas f) do n° 1 e d) do n° 2 ambos do artigo 204°


da CRM compete, respectivamente, ao Governo “ promover e regulamentar a
actividade económica e dos sectores sociais e estimular e estimular e apoiar o
exercício da actividade empresarial e da iniciativa privada e proteger os
interesses do consumidor e do público em geral.”

Conclui-se do postulado acima que a Assembleia da República legisla sobre


aspectos básicos da actividade económica, competindo ao Governo, através
do Conselho de Ministros, a respectiva regulamentação. Aliás, é ao Conselho

22
de Ministros que compete promover o desenvolvimento económico do país,
nos termos do n° 1 do artigo 204° da CRM. A promoção e o estímulo do
desenvolvimento económico pressupõem a criação da base legal que os
sustente.

É assim porque a actividade económica é dinâmica, exigindo decisões


pontuais com suporte jurídico. As normas do Direito Económico, conforme
referenciado no capítulo relativo as suas características, não inspiram longa
duração, são mutáveis, pois devem ser sempre adaptadas à mudança das
condições e políticas económicas. Esse ajustamento é feito através da
actividade regulamentar do Governo, respeitando-se sempre os limites
plasmados na CRM e nas restantes leis.

Por outro lado, há matérias económicas específicas que só são exequíveis por
meio de regulamentos, como por exemplo a regulamentação dos
procedimentos de licenciamento de algumas actividades.

2.3 Fontes internacionais


Às fontes nacionais do Direito Económico, acrescem as fontes internacionais
que, ao fazer parte da ordem jurídica interna, não perdem a origem e natureza
internacionais.
As fontes internacionais são constituídas pelas convenções internacionais de
natureza ou incidência económica e que vinculam os Estados. As convenções
internacionais podem revestir diferentes naturezas:

 Convenções multilaterais: aquelas que vinculam ou o brigam um amplo


número de Estados, por exemplo as convenções da SADC.

 Natureza Bilateral: Convenções celebradas entre dois Estados e que


apenas vinculem esses dois Estados. Cite-se, como exemplo, o Acordo
restritivo da dupla tributação.

23
 Convenções Institutivas de Organizações Internacionais: São celebradas
entre vários Estados para instituição de uma organização internacional,
como por exemplo a FMI, o Banco Mundial, etc.

Portanto, seguindo as regras do Direito Internacional, as fontes internacionais


apenas vinculam o Estado moçambicano quando validam ente aprovado,
ratificadas e oficialmente publicados, conforme o n° 1 do artigo 18° da CRM.
Uma vez aprovadas, ratificadas e publicadas, as normas de Direito
Internacional assumem o mesmo valor que os actos normativos
infraconstitucionais emanados da Assembleia da República e do Governo.

2.4 Fontes mistas ou privadas


Para além da regulamentação de natureza pública, é de salientar a existência,
no Direito Económico, de uma regulamentação de natureza mista ou privada,
regra geral com carácter supletivo ou complementar.

São de carácter supletivo as regras cuja aplicabilidade somente ocorre na


ausência da regulamentação pública, nomeadamente: as decisões, os
acordos ou pareceres emanados dos organismos de concertação económica
e social (ex. a Comissão Consultiva do Trabalho), os contratos-programa entre
entes públicos e privados.

São de carácter complementar, as fontes específicas que complementam as


normas de natureza pública, nomeadamente a regulamentação da
actividade económica pelas associações profissionais, através de decisões
internas ou de códigos de conduta, os usos da actividade económica,
designadamente: as práticas negociais, que se traduzem em contratos-tipo e
de adesão sucessivamente reutilizados em determinados ramos de actividade
económica (ex. nos sectores de seguros, de energia e das telecomunicações).

Assim pode-se afirmar que as fontes mistas ou privadas do Direito Económico


integram as fontes específicas ou próprias do Direi to Económico. Ou seja,

24
integram o conjunto de normas que não revestem a natureza pública que,
pela sua origem podem ser agrupadas em:
a) Fontes de origem contratual e profissional: resultam dum acordo entre o
Estado e os agentes económicos ou entre os próprios agentes económicos.
Neste último caso, o acordo vincula apenas os agentes económicos
signatários desse acordo. Estas fontes também podem revestir a natureza
profissional quando as normas são criadas por associações profissionais dum
determinado sector de actividade.
b) Decisões emanadas de autoridades administrativas independentes: são
normas do Direito Economico criadas por órgãos do Estado independentes
ou com poderes próprios, exemplo as normas emanadas pelo Banco de
Moçambique para regularem o mercado cambial.
c) Pareceres de órgão consultivos: Os órgãos consultivos são criados pelo
Estado para analisarem aspectos específicos da Economia e emitem
pareceres.

2.5 A jurisprudencia
Embora as decisões emanadas pelos tribunais para a resolução de casos
concretos não constituam fontes do Direito, no sentido clássico do termo, pois
não vigora em Moçambique a regra do precedente judiciário, é cada vez
importante o papel que revestem como sinais de orientação dos agentes
económicos, quer quando assumem carácter inovatório, quer quando se
cristalizam em correntes jurisprudenciais.

Como referimos em estudos anteriores, o Direito Económico é relativamente


recente. A jurisprudência ajuda a compreender o Direito Económico, ou seja, é
um instrumento para a sua consolidação. Por outro l ado, a jurisprudência,
associada à doutrina são elementos fundamentais e a considerar na
construção dos princípios gerais do Direito Económico.

2.6 A arbitragem
É uma forma extrajudicial de resolução de conflitos. Trata-se de uma forma

25
alternativa de resolução, fora do recurso judicial. As decisões arbitrais
influenciam a actividade económica, uma vez que acabam sendo adoptadas
como práticas de referência pelos diferentes agentes económicos.

Caro estudante, é momento de fazer uma pausa e realizar a actividade a


seguir!

Actividade 1.2

1 .As fontes do Direito Económico são complexas. Comente a afirmação.

2. No âmbito da política de promoção dos produtos nacionais, as empresas de


ramo avícola, por vontade expressa de todos os associados, convencionaram
que deixariam de comprar a ração dos países vizinhos. Em substituição desta,
passariam adquirir a ração nacional que, na prática, possui as mesmas
características da importada. A empresa AVIARIOSMOÇAMBIQUE, LDA, de
capital maioritariamente da República de Zimbabwe, continuou a importar
ração zimbabwana, ainda que tenha subscrito a mencionada convenção.
Repudiando a atitude desta, as outras empresas do ramo avícola
desencadearam uma campanha para influenciar os principais clientes, no
mercado nacional, a não comprar as galinhas da AVÍARIOS MOÇAMBIQUE,
LDA,. Apercebendo-se da situação, o Ministério da Indústria também congelou
o pedido apresentado pela AVÍARIOS MOÇAMBIQUE, LDA, para a atribuição
do selo MADE IN MOZAMBIQUE.
Na qualidade de estudante da disciplina de Direito Económico, pronuncie-se
sobre a legalidade ou não da atitude das empresas do ramo avícola, face ao
comportamento da AVÍARIOS MOÇAMBIQUE, LDA.

26
3. CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA
3.1 Introdução - Noção de constituição económica

Por Constituição de um Estado entende-se o documento que contém as


normas fundamentais de um Estado; texto jurídico superior (ou magna carta)
donde se decorrem e se retiram todas as leis comuns, ordinárias.

A ordem jurídica económica é constituída por normas e actos jurídicos que


disciplinam a actividade económica, sejam eles leis, Decretos-lei,
regulamentos, despachos, etc. No entanto, a multiplicidade de regras deve
obedecer uma coerência jurídica, justificando-se, por isso, a existência duma
Constituição Económica, que defina os princípios fundamentais qu e dão
unicidade à actividade económica e dos quais decorrem todas as regras
relativas à organização e funcionamento da actividade económica de certa
sociedade.

Segundo o entendimento do Prof. Luís Cabral de Moncada, a Constituição


Económica é o conjunto dos princípios fundamentais informadores da
actividade e da organização económica, constituída simultaneamente por
normas formalmente constitucionais, isto é, normas inscritas no texto
constitucional, e por normas apenas materialmente constitucionais, isto é,
pilares da organização básica da ordem económica, s em assento no texto
constitucional.

É na Constituição que encontramos a raiz, o cerne do Direito Económico,


porque ai se enceram os princípios fundamentais sobre os quais se vai erigir a
organização económica, matriz dos operadores económicos, e se fixam os
objectivos primordiais a atingir pelo poder político.

Contudo, não é exigível que tais princípios constem de alguma parte da


especial da Constituição, a eles dedicada, bastando que as disposições
económicas estejam dispersas pelo texto constitucional ou por legislação
avulsa.

27
Toda a Constituição inclui uma caracterização da ordem económica, ainda
que seja por omissão; na verdade, mesmo que uma Constituição pertença ao
modelo liberal e se limite a estatuir os Direitos, liberdades e garantias dos
cidadãos e as formas de exercício do poder político, o facto de nada se dizer
sobre a Economia, mormente a propriedade dos meios de produção, significa
que nesse âmbito vigora a ordem constitucional dos Direitos fundamentais; por
conseguinte, será a propriedade privada a dominar os meios de produção e a
iniciativa privada a pontuar a vida económica, através da liberdade de
acesso.

Em suma, a Constituição Económica estabelece os princípios fundamentais


que norteiam toda a actividade legislativa de matérias jurídico-económicas.
Regra geral, a Constituição Económica tem as seguintes finalidades:

 Garantia dos Direitos, liberdades e garantias no domínio económico;


 Delimitação dos poderes do Estado, das entidades e dos grupos sociais
no domínio económico; e
 Delimitação de objectivos socioeconómicos a prosseguir pelo Estado ou
por outras entidades.
Definição dos elementos jurídicos do sistema e do regime económicos, bem como dos
princípios gerais da ordem económica.
A Constituição pode ser considerada tendo em conta o seu objecto, o seu conteúdo
ou a sua função (sentido material) e pode, por outro lado, ser vista atendendo à
integração normativa, ou seja, à posição das suas normas face às demais regras
jurídicas (sentido formal).

Portanto, o conceito de Constituição Económica não é unitário pois o objecto das


normas que integram a Constituição Económica não é sempre o mesmo. A doutrina
distingue as seguintes formas de Constituição Económica:
 Constituição Económica formal: Conjunto dos preceitos jurídicos fundamentais
de conteúdo económico inseridos no texto constitucional. Ou seja, o conjunto
de normas e princípios que fazem parte da Constituição Política e que têm

28
objectivo de estruturar a Economia a partir da intervenção do Estado e
integram:
 Princípios Fundamentais;
 Direitos e Deveres Económicos; e
 Organização Económica.

 Constituição Económica Material: integra as outras fontes do Direito


Economico, formalmente inferiores que consagrem Constituição Económica
material: integra as outras fontes do Direito Economico, formalmente
inferiores que consagrem normas essências para a caracterização do
sistema e forma económica.

Constituição Económica programática ou directiva: Integra o quadro de


directivas de políticas económicas, tendentes à uma orientação da Economia
de acordo com os objectivos sociais e político-ideológicos. Inclui um conjunto
de:
 medidas dinâmicas concebidas como objecto de uma política
económica.
 Constituição Económica estatutária ou de garantia: Conjunto de regras
e princípios preceptivos, que espelham a ordem estabelecida. É
composta pelo conjunto de normas que caracterizam uma determinada
forma económica, que justamente a identifica enquanto tal.

As normas da Constituição Económica estatutária mostram o estatuto, a matriz


das relações de produção dominantes e, consequentemente, caracterizam a
ordem jurídica da Economia.

Cite-se o exemplo das normas que definem o conteúdo e limites dos Direitos de
propriedade e de livre iniciativa privadas.

29
3.2 Constituição económica e a ordem jurídica da economia

A ordem jurídica da Economia é constituída pela totalidade das normas e


princípios que regulam a actividade económica.

A Constituição Económica é menos ampla que a ordem jurídica da Economia


pois não inclui todas as normas e princípios reguladores da Economia.

A prevalência das normas da Constituição relativamente às restantes da


ordem jurídica da Economia não significa que esta possa ser deduzida
mecanicamente da Constituição Económica. Há uma margem de liberdade
que qualquer Constituição deixa ao legislador ordinário, no uso da qual este
poderá fazer evoluir e variar a ordem jurídica da Economia.

Por exemplo, a Constituição pode estabelecer que incumbe ao Estado


assegurar uma equilibrada concorrência entre as empresas, mas é a lei
ordinária que define os tipos e práticas restritivas de concorrência que não são
permitidos. A Constituição atribui Direitos ao consumidor, mas é ao legislador
ordinário que compete estabelecer as respectivas garantias.

3.3 Constituição económica de Moçambique a luz da constituição de 1975


e de 1990

No âmbito do estudo da Constituição Económica iremos analisar os aspectos


relevantes consagrados nos textos constitucionais de 1975 e de 1990,
considerando o contexto político, económico e social de Moçambique desde
a independência nacional até a revisão constitucional de 1990. Realçar que a
versão constitucional de 2004 não refere grandes alterações relativamente à
matéria económica, clarificando ou complementando os aspectos já
referenciados no texto de 1990.

30
3.3.1 Constituição Económica de Moçambique à luz da constituição de 1975

A Constituição de República Popular de Moçambique (CRPM) de 1975 foi


elaborada num contexto em que a transformação e a mudança eram
necessárias. Por isso, consagrou um conjunto de princípios e normas para a
construção do modelo da futura sociedade moçambicana, designadamente:
 Reconhecimento da propriedade pessoal (artigo 12°);
 Disposições limitativas e restritivas do Direito de propriedade (artigo 13° e
14°); S Tendência socializante da riqueza e dos meios de produção
(artigo9°);
 Disposições tendentes a estabelecer uma reforma agrária (artigo6°); e S
Afirmação dos Direitos laborais e protecção do trabalho e das classes
desfavorecidas (artigo 7°).

Analisados os princípios constantes da CRPM de 1975 conclui-se que o


objectivo fundamental do Estado é a abolição da separação entre os
detentores e não detentores dos meios de produção e criar condições para a
socialização dos meios de produção.

Nesta perspectiva, o artigo 2° enuncia que “a República Popular de


Moçambique é um Estado de democracia popular em que todas camadas
patrióticas se engajam na construção de uma nova sociedade, livre da
exploração do homem pelo homem... o poder pertence aos operários e
camponeses unidos e dirigidos pela FRELIMO...”

Doutrinalmente, uma das principais preocupações é a identificação do sistema


económico plasmado na CRPM de 1975. A grande questão é responder se
trata de um sistema capitalista ou socialista.

O texto constitucional 1975 não faz qualquer referência do sistema económico


adoptado. A CRPM deixou uma margem ao intérprete quanto à definição do
sistema económico. Esta definição é feita dedutivamente, atendendo aos
princípios e normas subjacente no texto constitucional, designadamente:

 Subordinação do poder económico ao poder político (artigo 3°);


 Coexistência dos sectores de propriedade pessoal, pública e privada,

31
ainda que de forma limitada (artigos 10°, 12° e 14°);
 Apropriação estatal dos meios de produção, incluindo os recursos
naturais (artigos 6° e 8°);
 Planificação central da Economia (artigo 9°); e S Intervenção
democrática dos trabalhadores (artigo 2°).

Analisado o texto constitucional e tendo em conta os princípios e normas


acima enunciados conclui-se estarem subjacentes a apropriação quase
pública e popular dos meios de produção, a orientação da Economia para o
bem-estar colectivo, com vista a assegurar a igualdade e solidariedade sociais.
Por estes elementos caracterizadores do sistema socialista, concluímos
dedutivamente que o sistema económico subjacente na CRPM de 1975 é o
socialista.

Este entendimento é reforçado pela revisão constitucional de 1978, atendendo


conteúdo do parágrafo 2° do respectivo preâmbulo em que prescreve que “o
povo moçambicano, dirigido pela FRELIMO, ..., é o agente principal de
transformação da nossa sociedade, na construção das bases material e
ideológica para a passagem ao socialismo”, bem como o conteúdo da nova
redacção do artigo 4° que preceitua que “ A República Popular de
Moçambique tem como objectivos fundamentais: ... a edificação da
democracia popular e a construção das bases material e ideológica da
sociedade socialista”.

Antes de passarmos à análise da Constituição Económica de 1990, importa


referir que à CRPM de 1975 seguiu-se uma Constituição intercalar.

A Constituição Económica intercalar iniciou em 1984, sendo facto relevante a


mencionar a adesão de Moçambique ao FMI e a produção dos seus efeitos
que inicia em 1987, com a introdução do Programa de Reabilitação
Económica (PRE), com o objectivo de reestruturar, transformar e redimensionar
o sector empresarial público.

32
A base legislativa da Constituição Económica intercalar é infraconstitucional,
ou seja, é sustentada em Decretos que, nalguns casos, derrogam normas
constitucionais.

3.3.2. Constituição Económica de Moçambique à luz da constituição de 1990.

A CRM de 1990 orientou-se no sentido de acompanhar a evolução geral da


sociedade moçambicana e do próprio ambiente político. Na verdade, a
norma económica, orientadora do fenómeno económico, pressupõe uma
prévia consideração da realidade móvel e mutável. É por isso que o facto
económico não se deixa dominar por completo pela norma jurídica. Aliás, a
norma jurídica deve aceitar a essencialidade do facto económico e a ele
deve ajustar-se.

Parte dos princípios consagrados no Programa de Reabilitação Económica


(PRE) e no Programa de Reabilitação Económica e Social (PRES) não se
ajustavam à realidade constitucional anterior, designadamente, a necessidade
de reprivatização da titularidade ou do Direito de exploração dos meios de
produção e outros bens antes nacionalizados ou sob gestão pública.

Com a reprivatização dos meios de produção passam a coexistir quatro formas


de propriedade, designadamente, a estatal, cooperativa, privada e mista.
Assim, tornava-se necessária a revisão constitucional com objectivo de ajusta-la
a esta nova realidade.

De uma forma geral, foram consagrados os seguintes princípios na CRM de


1990:

O princípio da concepção do Estado como regulador e impulsionador da


Economia (artigo 49);
a) O princípio da coexistência e complementaridade de quatro tipos de
propriedade (artigo 41 e 86);
b) O princípio da liberdade e de iniciativa privada económica (artigo 41°);
c) O princípio da livre actuação das forças do mercado (artigo 41°);
33
d) Previsão e aceitação do investimento estrangeiro (artigo 45°).

Constata-se do texto constitucional de 1990 a supressão da referência ao


domínio estatal, consagrado na CRPM de 1975, e a consagração da iniciativa
económica privada. Igualmente é referenciada, pela primeira vez, a
propriedade mista e o sector económico familiar. Portanto, a CRM de 1990 vem
confirmar a posição já antes assumida com o início da implementação, antes
da sua aprovação, do PRE e do PRES.

No entanto, não se retira do texto constitucional qualquer referência ao sistema


económico socialista ou capitalista. O legislador constituinte foi neutral, para
permitir a interpretação do conteúdo da CRM de acordo com a realidade de
cada momento e a fácil adaptabilidade às mutações do contexto económico.
Contudo, feita a análise dos princípios plasmados, concluímos que o texto
constitucional de 1990 é tendencialmente capitalista, por referência às suas
instituições jurídico-sociais fundamentais, designadamente:
 mercado;
 Propriedade privada; e
 Iniciativa económica privada.

Este entendimento é reforçado no texto constitucional de 2004,


nomeadamente no artigo 97° que consagra que “ a organização económica
e social da República de Moçambique visa à satisfação das necessidades
essenciais da população e a promoção do bem-estar social e assenta nos
seguintes princípios fundamentais: Na valorização do trabalho; Nas forças do
mercado; Na iniciativa dos agentes económicos; Na coexistência do sector
público, do sector privado e do sector cooperativo e social; Na acção do
Estado como regulador e promotor do crescimento e desenvolvimento
económico e social”.

Assim, o Estado assume a função de promotor, coordenador e fiscalizador da


actividade económica, agindo de forma directa ou indirecta para a resolução
dos problemas fundamentais do povo e para a redução das desigualdades
sociais e regionais (artigo 101°).

34
Caro estudante, é momento de fazer uma pausa e realizar a actividade a
seguir!

Actividade 1.3

Distinga a Constituição Económica material da ordem jurídica da Economia.

Leituras complementares

VAZ, Manuel Afonso (1998). A Ordem Económica Portuguesa - 4a Edição.


Coimbra Editora. Coimbra.

MONCADA, Luís S. Cabral de (1988). Direito Económico - 2a Edição. Coimbra


Editora. Coimbra.

SANTOS, António Carlos (1998). Direito Económico - 3a Edição. Livraria


Almedina. Coimbra

Legislação:

Constituição da República Popular de Moçambique de 1975

Constituição da República de Moçambique de 1990.

Constituição da República de Moçambique de 2004.

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