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Nota Prévia

No ano lectivo 2003/2004, a Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane


conta com três turmas de Finanças Públicas e Direito Financeiro, sendo duas em Maputo e
outra na sua Delegação da Beira.

Cometido no encargo de regência da cadeira de Finanças Públicas e Direito Financeiro,


para facilidade de coordenação e maior uniformidade do seu conteúdo, produzi estas lições
baseadas essencialmente nos apontamentos que usava há mais de quatro anos, como assistente.

Dou assim público testemunho do meu magistério.

Espero que esta obra de carácter didáctico se ajuste às exigências dos meus colegas
juristas formados e em formação e que com ela lhes facilite situar-se e dominar os principais
problemas das Finanças Públicas que apesar de sua interdisciplinaridade, que abre coutadas,
não pretende ver nas Faculdades de Direito formados economistas.

Procuramos, na simplicidade de exposição, não enjeitar a clareza e o carácter científico,


aqui e acolá, talvez prejudicado pela falta de obras nacionais de referência e recusar o
malthusianismo escolar.

Combina-se um ensino aberto e rigoroso, teórico e prático e massificado, mas sem


facilidades aviltantes.

Sofremos forte influência dos Professores Doutores António Sousa Franco e Eduardo
Paz Ferreira que leccionam esta Disciplina na Universidade de Lisboa sem que amiúde nos
socorramos de outros autores e ajustemos forte condimento do nosso contributo pessoal.

Os que possam apodá-lo de insuficiente têm o meu pleno acordo e a promessa de


melhorá-lo em breve oportunidade.

Afinal, já dizia BOCCACIO (Dacameron), mais vale agir na disposição de nos


arrependermos do que arrependermo-nos de nada ter feito.

Não estamos nem satisfeitos, nem resignados, mas dispostos a não desistir e a insistir.

Catembe, 25 de Abril de 2004

Agradecimentos

À Tânia, minha filha,


que aceitou pôr-se na qualidade
dos principais destinatários.

À Dra. Mónica Waty, minha mulher,


para além do mais,
pela paciente revisão e crítica do texto.
1
PARTE I
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DO DIREITO FINANCEIRO
Capítulo I
Conceito de Finanças Públicas
1. Aspectos preliminares noção de finanças está intimamente ligada à ideia de
dinheiro. Com o desenvolvimento da humanidade a questão das finanças
ganhou força tal que hoje discute-se finanças como uma ciência que visa
estudar os aspectos da economia, onde o processo económico se caracteriza por
quatro estágios a saber:

a) Produção,
b) Distribuição,
c) Troca; e
d) Consumo.

O desenvolvimento das sociedades implicou a variação de meios e tipos de produção.


O excedente da produção começou a ser vendido ou trocado. O escambo (troca directa), nas
comunidades primitivas, funcionou como meio regular de troca de produtos que as diversas
comunidades faziam.
Este foi o meio usado para a auto-suficiência e atendimento das necessidades. Esta
situação criou novos meios de produção e criou também o acréscimo da produtividade na base
da divisão social do trabalho.

Usando a força produtiva o homem começou a produzir em grande escala, resultando,


daí, muita produção. Criavam, assim, excedentes de produção.

As trocas eram difíceis devido ao facto de haver variedade de produtos. Entretanto,


outro fenómeno está ligado à questão do surgimento de um produto que era mais procurado e,
daí, toda a comunidade usava este produto como “meio padrão”de troca, ou seja, a base
frequente de troca.

Por exemplo, o sal, foi largamente e durante vários anos usado como meio padrão de
troca.

Com a descoberta de metais preciosos o homem evoluiu na definição e no


reconhecimento do “valor”. O ouro, a prata, foram os metais fundamentais usados na troca.

A necessidade de identificação dos valores nas moedas de troca, iniciava o processo de


cunhagem da moeda preciosa.

O dinheiro passa a ser uma unidade de valor, um meio de transacção e de pagamento


que, como princípio, não perde o seu valor no tempo.

O dinheiro, que resulta do processo de trabalho, desenvolve a noção de mercadoria e de


troca, pois sem esta não há dinheiro.
2
O conceito de dinheiro é abstracto, não sendo já a unidade monetária representativa que,
no caso de Moçambique, é o METICAL.

Estas bases são melhor tratadas na cadeira de Economia Política.

2. Finanças e Estado

As finanças públicas são contemporâneas do Estado e pretendem abranger a


problemática de gestão da coisa pública.

Sabe-se que o Estado, para realizar a sua actividade, carece de dinheiro para pagamento
de despesas nas áreas entre outras, de Saúde, Educação, Segurança, Justiça.

3. Evolução da expressão

A palavra latina finis1 é apontada como sendo a raiz etimológica do termo finanças
através duma evolução pela qual, nos séculos XII e XIV, surgiram as expressões finatio e
financia que exprimiam as ideias de débito e de prestação.

Entende-se também que da França, onde designava, no século XV, o conjunto dos
meios económicos postos à disposição de uma organização política para a realização dos seus
fins próprios, terá vindo a generalização do vocábulo2.

4. Conceito de Finanças Públicas

Por finanças públicas designa-se a realidade económica de um ente público, ou com


funções públicas, tendente a afectar bens à satisfação de necessidades que lhe estão confiadas3
ou, dito doutro modo, e aproximadamente, as finanças públicas referem-se à aquisição e
utilização de meios financeiros pelas entidades públicas que incluem o Estado, as autarquias e
entidades.

Sob a designação de Finanças Públicas pretende-se, genericamente, abranger a


disciplina que estuda o conjunto de problemas de política económica que envolvem o uso de
medidas fiscais e de despesas públicas.

É uma clara sobrevalorização da actividade financeira do Estado, ou seja, dos aspectos


ligados à manipulação dos meios necessários, em detrimento das demais actividades que o
sector público é susceptível de desenvolver; esta concepção caracterizou a vertente dominante
do pensamento económico e da actuação do Estado, na fase inicial de autonomização desta
disciplina.

O objecto das Finanças Públicas foi alargando sucessivamente o seu âmbito à medida
que o sector público se envolvia num conjunto cada vez mais amplo de actividades,

1
Com o significado de fim, termo, prazo e vencimento de dívida.
2
SOARES MARTINEZ, Introdução ao Estudo das Finanças, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, 1967,
pp. 19 e ss.
3
SOUSA FRANCO, António, Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4.a Edição, Coimbra Editora, 1997, p. 46.
3
ultrapassando a estrita intervenção nos domínios reconduzíveis às necessidades de segurança,
cultura e bem-estar4.

Pode afirmar-se que, modernamente, o objectivo das Finanças Públicas abrange o


estudo de todos os aspectos que envolvem a utilização, pelo sector público, de recursos
económicos, tendo em vista alcançar adequados níveis de emprego, crescimento,
desenvolvimento e de distribuição do rendimento, através de bens ou da prestação de serviços.

3. Acepções de Finanças Públicas

A expressão Finanças Públicas envolve três sentidos, designadamente:

a) Sentido Orgânico

Neste sentido orgânico, Finanças Públicas designa Órgãos do Estado ou de outro ente
público competentes para gerir os recursos económicos com vista à satisfação de certas
necessidades sociais (ex.: Ministério do Plano e Finanças, Conselho Municipal).

a) Sentido objectivo

Objectivamente, Finanças Públicas significa a actividade através da qual o Estado ou


outro ente público afecta bens económicos à satisfação de certas necessidades sociais.

b) Sentido subjectivo

Neste sentido a expressão Finanças Públicas é usada para identificar a Disciplina


Científica que estuda os princípios e leis que regem a actividade do Estado com o fim de
satisfazer necessidades sociais.

Capitulo II
Actividade financeira do Estado

1. Generalidades

A apresentação da disciplina implicou uma abordagem sintética do objecto das Finanças


Públicas enquanto ramo do conhecimento científico, integrando uma perspectiva dinâmica, o
seu enquadramento nas diversas escolas do pensamento económico, determinadas pelas
correspondentes concepções da natureza e papel do Estado.

Independentemente dos diferentes fundamentos que, de acordo com as diversas escolas,


justificam a intervenção do Estado na economia, existe um consenso acerca dos objectivos que
devem pautar a actividade financeira (em sentido lato) do Estado e, bem assim, das
características que essa intervenção deve revestir.

2. Definição

4
Considerados por FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. 1, Almedina, 1992, p.
32, como as três espécies fundamentais de necessidades colectivas.
4
A actividade financeira do Estado é aquela que visa satisfazer as necessidades
colectivas ou alcançar outro tipo de objectivos económicos, políticos e sociais e se concretiza
na arrecadação de receitas e na realização de despesas.

Portanto, onde há utilização de meios económicos por entidades públicas, há actividade


financeira.

O fim deverá ser o de satisfazer necessidades públicas ou colectivas.

3. Principais objectivos

À imagem e semelhança de outros agentes económicos, a intervenção do Estado está


sujeita a riscos. Dito doutro modo, a actividade financeira do Estado pode conduzir a perdas
de eficiência devendo, por isso, ser objecto de criteriosa e rigorosa avaliação e controle.

Não é excessivo salientar que a obtenção de crescentes níveis de eficiência (em termos
globais), deve ser a principal e a mais constante característica da actividade financeira do
Estado, sendo o seu objectivo último alcançar níveis crescentes de bem-estar social.

Para tanto, o Estado pode utilizar instrumentos de incentivo ou de penalização que


podem alterar o comportamento dos agentes económicos.

A actividade financeira do Estado consubstanciada, regra geral, através da política


orçamental pretende atingir objectivos que podem ser assim sumariados:

a) Eficiência na afectação de recursos,


b) Distribuição adequada de rendimentos,
c) Estabilidade económica,
d) Crescimento e desenvolvimento económicos.

Compreendamos cada um dos objectivos.

3.1. Eficiência na afectação dos recursos

Um dos vectores da actividade financeira do Estado é a execução de programas de


despesas que constituem a aplicação de recursos a determinados sectores e agentes económicos
com vista a alcançar objectivos pré-determinados.

Como isto é possível?

Consideremos os seguintes exemplos:

(i) Admita-se que uma parcela das receitas públicas aplicada num programa
nacional de reabilitação de estradas rurais. A manutenção da utilidade deste património serve
um conjunto vasto de agentes económicos: o “consumo” deste serviço pelo utente “A” não
reduz nem inviabiliza o “consumo” do utente “B”. Por outro lado, tanto a construção de
estradas como a sua manutenção, foi e é paga com fundos estatais, podendo, eventualmente, ser
construída e reabilitada por uma empresa privada estatal ou pública.

5
(ii) Agora, o caso da instalação de uma unidade industrial produtora de embalagens
de cartão. O Estado pode decidir afectar parte das suas receitas, à realização do fundo de
constituição desta empresa, sendo os bens produzidos adquiridos pelos mais variados sectores
de actividade económica (tanto públicos como privados). Contudo, o consumo de embalagens
pelo cliente “A” impede que o cliente “B” adquira as mesmas embalagens.

Mas uma fábrica idêntica poderia ser instalada, a partir da aplicação de


poupança privada.

(iii) Considere-se ainda uma hipotética produção de material escolar por uma
empresa. Esta empresa pratica um determinado nível de preços, traduzindo as condições de
produção e os custos dos diferentes factores de produção. O Estado, verificando que, aos preços
praticados, 90% dos alunos - correspondendo a famílias de baixos rendimentos – não tem
acesso àquele material escolar, e face ao interesse de que se reveste a utilização daquele
produto para os seus objectivos na área da educação, o Estado decide adquirir o material
escolar à empresa e proceder à sua posterior venda aos alunos a preços diferenciados, quiçá
bonificados, consoante o rendimento do respectivo agregado familiar. O Estado afectou,
assim, parte das suas receitas à subvenção de material escolar que colocou à disposição de um
grupo – alvo pré-estabelecido.

(iv) Um último exemplo: face ao interesse que representa a cultura de algodão para
exportação e as dificuldades financeiras dos agricultores, o sistema bancário está disposto a
lançar uma linha de crédito específica para a respectiva campanha agrícola com uma taxa de
juro mais baixa que a praticada correntemente. Neste caso o instrumento que incentivará a
produção é a taxa de juro (política de crédito) mas a sua utilização só é possível porque o
Estado irá afectar parte dos seus fundos à bonificação da taxa de juro do sistema bancário para
alcançar um objectivo específico.

Dos exemplos supra, sem ser necessariamente pela ordem da sua apresentação,
podemos concluir que a eficiência na afectação de recursos deve considerar:

1.o A existência de bens cujo consumo é irrival;


2.o A provisão de bens não implica que o Estado detenha a propriedade dos meios
de produção;
3.o A apropriação dos meios de produção pelo Estado pode ser estimulada pelo
desinteresse dos agentes económicos na produção desses bens e por razões estratégicas;
4.o A provisão pública de certos bens e serviços só se realiza com a interposição do
Estado entre os produtores e consumidores, afectando uma parcela dos seus recursos
financeiros.
5.o A decisão do Estado garantir um conjunto de bens e serviços, a definição das
suas características e das modalidades e processo da sua disponibilização à comunidade é
resultante de um consenso social, mediado pelos diferentes órgãos e instituições
representativas;
6.o A provisão de bens e serviços pelo Estado abrange os chamados bens públicos e
bens privados, por a garantia da sua disponibilização reflectir o interesse da colectividade.

Como se vê, para uma eficiente afectação de recursos o Estado não deve subtrair-se à
rede de critérios de avaliação económica e financeira, para o que torna-se necessário medir os
efeitos directos e indirectos da sua intervenção nas principais grandezas macroeconómicas,

6
garantindo que (1,o) os objectivos são alcançáveis e (2.o) os efeitos colaterais não actuam em
sentido contrário aos objectivos definidos.

3.2. Distribuição adequada de rendimentos

A distribuição primária5 do Rendimento Nacional entre os agentes económicos é


condicionada por um complexo conjunto de factores, a saber:

1. Diferente grau de apropriação ou controle dos meios de produção e das forças


produtivas;
2. Níveis desiguais no desenvolvimento das forças produtivas (agricultura, indústria,
indústria/serviços);
3. Desigualdade de acesso a serviços básicos (saúde, educação, etc.);
4. Perfis de formação e especialização profissional diferenciados;
5. Aptidões próprias e diferentes capacidades individuais de trabalho;
6. Diferentes oportunidades de emprego;
7. Nível geral de preços e salários;
8. Diferente contribuição das várias regiões para a formação do Rendimento Nacional,
resultante não só da aptidão natural das respectivas condições geográficas, como das
alterações resultantes da intervenção dos agentes económicos, quer no sentido da sua
valorização, quer na sua provável degradação.

Através das Finanças Públicas, o Estado intervém em dois sentidos contrários:

c) Primeiro, subtraindo parte dos rendimentos individuais e empresariais, através


do sistema de tributação;
d) Segundo, aplicando as receitas obtidas em programas de despesas que
beneficiem, directa ou indirectamente, a população e a empresa.

A aplicação das receitas obtidas pelo Estado organiza fluxos para as famílias e para as
empresas, determinando a redistribuição do Rendimento Nacional.

A intervenção do Estado visando atingir uma adequada distribuição do rendimento não


é pacífica e dela despontam várias correntes doutrinárias que, sem pretender ser exaustivo,
podem assim resumir-se:

▪ A primeira posição assumia o mercado como único e mais eficiente instrumento


de distribuição do rendimento e que qualquer intervenção do Estado determinaria,
necessariamente, o funcionamento ineficiente do sistema económico.

Para esta escola a função distributiva das Finanças Públicas deveria cingir-se
apenas à obtenção de receitas necessárias ao funcionamento do aparelho administrativo.

5
Entende-se por distribuição primária do Rendimento Nacional a participação dos diferentes grupos homogéneos
de agentes económicos (camponeses, pequenos proprietários rurais, operários, funcionários públicos, sector
empresarial privado, sector público produtivo, etc.) na formação do Rendimento Nacional, participação esta que
decorre das condições estruturais prevalecentes numa determinada formação social, num “momento” anterior à
intervenção do Estado.
7
▪ A chamada escola da economia do bem-estar apontava a necessidade de
intervenção do Estado de forma a corrigir os desequilíbrios inerentes ao funcionamento do
mercado, salvaguardando, contudo, a aplicação de rigorosos critérios de eficiência económica.

Assiste-se actualmente à alteração destas duas correntes mas não estão encerradas as
polémicas em torno dos princípios de tributação e de programação das despesas públicas, seu
impacto na actividade económica global, em consequência das diferentes interpretações do
qualificativo adequado.

Voltar-se-á, adiante, a este tema.

▪ A escola materialista, na função distributiva das Finanças, que tem subjacente a


natureza do Estado numa sociedade capitalista (independentemente do estágio do capitalismo)
admite que as distorções são produto do próprio sistema (políticas objectivas das empresas e
grandes sindicatos) e não das forças impessoais do mercado e, por isso, aceita a intervenção do
Estado no sentido de atenuar as disparidades, e como condição necessária à manutenção e
reprodução do próprio sistema.
Nas economias centralmente planificadas a função distributiva das finanças foi,
apesar de presente, subalternizada comparada à de outros instrumentos de política económica.

3.3. Estabilidade Económica

O Estado está privilegiadamente colocado para regular o fluxo circular do produto


nacional e do rendimento nacional, e neste contexto adoptar os meios para anular possíveis e
indesejadas flutuações.

A actividade financeira do Estado deveria, assim, desenvolver-se no sentido de


promover a máxima utilização das capacidades produtivas instaladas com um razoável nível de
emprego, de preços e de endividamento externo.

Este é o conceito de estabilidade económica, estritamente associado à análise de


conjuntura e não tanto à análise referente às características estruturais do sistema económico6.

Num contexto inflacionista o Estado deve intervir, retirando poder de compra,


reduzindo as pressões sobre a procura e o nível geral dos preços. O Estado actuaria no sentido
inverso perante expectativa de uma redução significativa da procura, evitando crises de sobre
produção e de capacidade produtiva ociosa.

A actividade financeira do Estado, com vista a alcançar a estabilidade económica, está


condicionada por elementos de natureza diversa consoante as características do sistema
económico em que se insere. Numa sociedade subdesenvolvida, por exemplo, a função
estabilizador da actividade financeira do Estado deve ser entendida como a necessidade de
evitar (ou reduzir) as tensões persistentes nos principais agregados macroeconómicos, de forma
a não comprometer a realização de actividades vitais para o crescimento e desenvolvimento
económico.

6
Numa sociedade estruturalmente distorcida, como a nossa, por exemplo, deve entender-se como sendo de
elevados níveis de desemprego e subemprego, atraso técnico e tecnológico, desequilíbrios sectoriais regionais,
profunda desigualdade na distribuição dos rendimentos, e de alta dependência do comportamento dos mercados
internacionais relativamente às suas receitas de exportação e de importação de bens de equipamento.
8
3.4. Crescimento e desenvolvimento económico

O crescimento económico, que em termos reais é avaliado pelo crescimento real do


produto interno a um ritmo maior que o crescimento populacional, deverá ser um dos
objectivos da política económica dos governos e da actividade financeira do Estado.

O crescimento económico pode, no entanto, realizar-se sem que inicie um processo de


desenvolvimento económico.

O desenvolvimento económico é, no essencial, um processo dinâmico visando alcançar


a progressiva redução dos desequilíbrios entre regiões e na distribuição do rendimento
nacional.

A afectação de parte das receitas do Estado a programas de investimento que aumentam


a capacidade produtiva instalada e utilizada é um dos instrumentos mais poderosos que o
Estado detém para quebrar o círculo vicioso do subdesenvolvimento.

Outros instrumentos são, no entanto, imprescindíveis para criar um clima em que se


obtenham adequados níveis de poupança e aplicações eficientes.

A correcta inserção da actividade financeira do Estado como componente do sistema de


direcção económica, e a sua articulação com as actividades de planeamento económico,
constituem factores relevantes para que o crescimento e o desenvolvimento sejam alcançáveis.

4. Necessidades Públicas

A actividade financeira do Estado, é o objecto das Finanças Públicas, e justifica-se pela


obrigação que o Estado tem de satisfazer necessidades públicas ou colectivas não satisfeitas
através da actividade económica privada, por para elas se exigirem bens de consumo passivo,
isto é, que não exigem nenhuma actividade do consumidor, bastando, para a sua utilização, que
existam.

Exactamente porque as necessidades públicas são de satisfação passiva, não exigindo


nenhuma actividade do consumidor, os bens aptos a satisfazê-las são de consumo inexcluível,
irrival e indivisível7.

São estas características de certos bens de consumo passivo que levam o Estado a
produzir esses determinados bens que podem ser públicos8, ou puramente públicos ou públicos
por natureza9.

A produção destes bens implica despesas cuja cobertura exige financiamento através de
receitas que podem decorrer de preços10, de contraimento de empréstimos ou de impostos,
seguramente o principal, o mais definitivo meio de financiamento e a receita coactiva por
excelência.

7
Para maior desenvolvimento, veja-se o nosso Introdução ao Direito Fiscal, W&W – Editora, Maputo, 2002, pp. 9
e ss.
8
Bens que só satisfazem necessidades colectivas.
9
SOUSA FRANCO, A., ob. cit., p. 26.
10
Pela venda de bens que produz. de seu património, ou de serviços cujos rendimentos líquidos destina à cobertura
das despesas públicas para a satisfação de necessidades colectivas.
9
A referência a estas receitas não teve objectivos enunciativos, mas tem apenas um
carácter exemplificativo.

A actividade financeira do Estado decorre da existência das necessidades colectivas


resultam da organização e das exigências das colectividades em que o homem está inserido;
diferentemente das necessidades individuais ou puramente privadas11, o homem não as sentiria
se não vivesse em sociedade.

Insiste-se, é esta actividade de sentidos distintos mas complementares de realização de


despesas e de arrecadação de receitas com o fim de satisfazer necessidades públicas que se
entende por actividade financeira.

A actividade financeira do Estado corresponde à utilização de meios económicos para


satisfação de necessidades que o mercado é incapaz.

4.1. Causas de incapacidade do mercado

O Professor Sousa Franco12 ensina: “A afectação de recursos neste sistema [de


economia de mercado13] é dominada pelo princípio de que os sujeitos não produzem nem
obtêm por troca bens cujo custo de produção (desutilidade da sua obtenção) seja superior à
utilidade que auferem. É possível demonstrar que a mais eficiente afectação de recursos e,
como regra, a que tendencialmente se situa no ponto de igualdade entre o preço de cada bem e
o seu custo marginal. A fixação de preços afastados deste nível terá como consequência que, se
o preço for inferior ao custo marginal, isso maximizará o benefício do consumidor – mas a
consequência é que a procura aumentará e fará subir os preços. Ao invés, se o preço for
superior ao custo marginal, isso tenderá a maximizar o benefício do produtor mas a procura
diminuirá, sendo a oferta excessiva, o preço tenderá a crescer. É esta simples regra que explica
o ajustamento das quantidades e dos valores, definindo o equilíbrio do produtor, o do
consumidor e os dos mercados dos vários bens: e daí até ao equilíbrio económico geral”.

Mas não é apenas a afectação dos bens que interessa mas a sua distribuição eficiente14.
Para esta distribuição eficiente ou óptima15 nem sempre o mercado se mostra apto. A primeira
causa seria a incapacidade de criar a optimização em certas áreas, optando-se ou por delas
prescindir, o que tornaria impossível em sociedade, ou pela sua produção alternativa, uma
solução racional.

A segunda causa seriam as características dos bens colectivos tipicamente16 de


satisfação passiva, não exclusivos (de consumo inexcluível) e não cumulativos no sentido de
serem de consumo irrival na medida em que os utilizadores no seu consumo não entram em
concorrência.

11
SOUSA FRANCO, António, ob. cit. , p. 26.
12
Ob. cit., p. 19.
13
Não qualquer sistema livre em que o Estado apenas garante a ordem social.
14
Aquela permite um bem-estar melhor sem afectar a situação dos restantes cidadãos , o mesmo que dizer,
(segundo SOUSA FRANCO, António, ob, cit., p. 23), “quando não for possível nenhuma melhoria na situação de
qualquer dos membros sem prejudicar os restantes”.
15
SOUSA FRANCO, António, ob. cit., p. 25.
16
SOUSA FRANCO, António, ob. cit., pp. 26 e 27.
10
Quando os preços de produção baixam, por efeito do monopólio, a renda monopolista
situa-se acima do preço normal causando prejuízos aos consumidores.

O Estado é chamado a intervir directamente ou por acção regulativa de modo a


caminhar no sentido do restabelecimento das regras do óptimo no mercado17 de que o mercado
foi incapaz.

Está também claro que o mercado seria incapaz da socialização da exterioridade


através da imposição de custos compensadores do benefício apropriado ou da apropriação dos
proveitos gerados18. Com efeito, por exemplo a negociação e cobrança ao poluidor por cada
particular prejudicado é difícil senão mesmo impossível.

A incerteza e o elevado risco de certas actividades económicas ou sociais afasta os


operadores sendo o Estado a ter de ocupar o seu espaço por clara incapacidade do Estado.

A recriação das condições de mercado, a defesa do consumidor, a defesa da


concorrência e a redistribuição da riqueza não são objectivos possíveis através do mercado.

Como se vê, o Estado aparece a actuar para criar níveis aceitáveis de bem-estar, para
introduzir correcções de funcionamento do mercado e supletivamente às actuações dos sujeitos
económicos não dominados pela lógica do mercado.

O Estado cria as condições sem as quais a colectividade pereceria; o Estado tem que
gerar e gerir os bens de custos uniformemente decrescentes, tem que socializar exterioridades e
assumir os que ninguém quer correr; porque só ele pode defender o interesse geral, tem uma
perspectiva ilimitada do tempo, dispõe de autoridade para impor regras de utilização de bens
sem outro tipo de financiamento.

5. Finanças Públicas e Finanças Privadas

Do que se disse pode concluir-se que o Estado tem necessidades a satisfazer


tanto quanto os particulares, não obstante haja diferenças entre as características de actividade
financeira desenvolvida por uns e outros, particularmente nos modos de financiamento.

Os meios de financiamento usados pelos particulares, incluídas aqui também as


empresas privadas, são de natureza contratual, havendo sempre uma relação de troca que tem o
preço como a expressão da contraprestação.

Não que o Estado não possa recorrer a este tipo de financiamento mas é certo
que esta receita não é significativa. As mais significativas receitas não provêem de um
exercício que implique contraprestação do Estado ao cidadão, decorrendo do exercício do seu
imperium.

O facto de o Estado dispor de impostos seria, pois, a primeira diferença a


registar entre Finanças Públicas e finanças privadas..

17
SOUSA FRANCO, António, ob. cit., p. 28.
18
SOUSA FRANCO, António, ob. cit., p. 28.
11
A outra, que deve ser entendida habilmente19, reside no facto de os privados
determinarem as despesas em função das suas receitas efectivas enquanto que o Estado através
de vários meios, o mais poderoso dos quais é o imposto, não subordina estritamente as suas
despesas às receitas.

Por fim, enquanto o fim último das finanças privadas é produzir o lucro,
conseguido pela produção de bens ou serviços com despesas mínimas e sua venda pela receita
máxima, o Estado não tem como fim contabilizar receitas superiores às despesas,
preordenando-se à satisfação de necessidades colectivas, de que atrás falámos.

Aponta-se ainda como traço distintivo entre as duas finanças – públicas e


privadas – a circunstância de estas dizerem respeito aos aspectos monetários do financiamento
dos agentes económicos (moeda e crédito) enquanto aquelas respeitam à actividade económica
de entes públicos com o fim de satisfazer necessidades colectivas20.

As finanças públicas são seguramente diferentes das privadas, designando duas


realidades distintas21.

6. O fenómeno financeiro

É a realidade e o objecto científico das Finanças Públicas, o modo como se estabelecem


as reacções entre pessoas e as instituições sociais, de um lado, e o Estado ou outros entes
públicos, doutro.

O fenómeno financeiro é identificável na economia privada, social e pública no sentido


de que todos os agentes económicos numa sociedade exercem a sua actividade de variadíssimas
formas.

Famílias, indivíduos ou mesmo organizações têm como base nas suas relações
económicas o contrato. A Economia Privada, em regra, é contratual.

Noutros casos as cooperativas desenvolvem a sua capacidade numa base comunitária. É


a Economia Comunitária, cooperativa ou colectivista.

Existem casos em que as pessoas se organizam em grupos de interesse político com o


objectivo de atender a satisfação de interesses sociais recorrendo a poderes de autoridade para
atingir tais objectivos. É a Economia Pública.

Do exposto depreende-se que:

a) A Economia Privada é caracterizada pela livre atracção dos agentes económicos;


numa economia de mercado fixa os preços de acordo com a oferta e a procura existentes; a base
fundamental para o contrato;

19
Não queremos que se vá concluir que a capacidade do Estado gastar é infinitamente elástica. Cada vez mais o
Estado vai ou deve ir moderando o exercício do seu poder de lançar impostos, dada a crescente capacidade dos
cidadãos resistirem vitoriosos ao seu agravamento. Acresce ainda o facto de o Estado estar mais atento ao efeito
dos desequilíbrios, em particular dos défices orçamentais, sobre a economia.
20
BRAZ TEIXEIRA, A., Finanças Públicas e Direito Financeiro, AAFDL, 1990, p. 8.
21
Não tem ainda consagração generalizada o uso distinto dos vocábulos financial para qualificar as finanças
privadas e financeiro para as finanças públicas que o Professor Sousa Franco (ob. cit., p. 3) emprega.
12
b) Na Economia Comunitária temos a solidariedade do grupo. Combina-se a
propriedade privada e a propriedade social ou comunitária;
c) Na Economia Pública temos uma solidariedade organizada e dotada de poder
político.

O fenómeno financeiro é, assim, em sentido lato, o conjunto das modalidades,


instituições, processos, instrumentos e técnicas que tornam inteligível a apropriação e utilização
de bens ou meios económicos por parte de entidades públicas, com o objectivo de satisfazer
determinadas necessidades sociais, desenvolvendo uma actividade de natureza económica.

O fenómeno financeiro é um termómetro22 das relações existentes entre o poder e a


sociedade onde ele se exerce.

Desenrolando-se numa sociedade politicamente organizada tem normas jurídicas que o


enquadram e tem uma natureza multifacetada.

Este conceito é, possivelmente, demasiado abrangente se considerarmos que outras


áreas de estudo têm zonas de intersecção com as Finanças Públicas. Contudo, trata-se de
valorizar, devidamente, o carácter não exclusivamente financeiro desta actividade,
incorporando-lhe aspectos relevantes para a sua inserção no conjunto das ciências sociais.

Como fenómeno social, pode ser encarado sob três perspectivas: política,
económica e jurídica.

6.1. Perspectiva política do fenómeno financeiro

O fenómeno financeiro pressupõe um processo organizado e coactivo de determinação,


hierarquização e satisfação das necessidades públicas.

Por isso, em nenhum caso o fenómeno financeiro pode assumir uma posição de
completa neutralidade política23 e deixar de reflectir as concepções políticas dominantes no
meio social em que se verifica.

O fenómeno financeiro não é uma criação da vontade política nos pressupostos a ela
ajustáveis.

Bem se vê que a actividade financeira implica (1) a existência de necessidades sociais,


sentidas pelos indivíduos (elementos integrantes da sociedade) e pela sociedade, ela mesma, e a
existência (2) de um processo pelo qual são determinadas as necessidades a satisfazer.

Não se conclua, porém, ser absoluto que a actividade financeira só é possível num
quadro estadual.

Por exemplo, as comunidades religiosas, organizações internacionais e entidades infra-


estaduais são capazes de actividade financeira ou quase financeira.

(i) Organizações religiosas

22
SOUSA FRANCO, ob. Cit., p. 5.
23
SOARES MARTINEZ, ob. cit., p. 35.
13
Em relação às comunidades religiosas, as necessidades colectivas são financiadas
através de doações espontâneas, do pagamento de taxas para certos serviços, mexendo-se num
domínio de actividade própria, não recorrendo à coacção pública.

Nem sempre, porém, o elemento coacção, necessário à caracterização da actividade


financeira, está ausente.

(ii) Organizações internacionais

Fora o reconhecimento da existência de regras internacionais com repercussão na


actividade financeira dos Estados (tratados, convenções, etc.), as organizações internacionais
têm forma de financiamento e processos internos que se aproximam dos que são próprios dos
Estados. Esta actividade financeira cria as chamadas finanças supranacionais.

(iii) Comunidades infra-estaduais

Não esgota o Estado a satisfação das necessidades públicas. Há entidades que exercem
uma verdadeira actividade financeira. Tal é o caso dos Fundos (FUTUR, FUNDAC – Fundo
para o Desenvolvimento Artístico e Cultural), Empresas Públicas, Serviços e Autarquias locais.

São entidades com autonomia financeira pela qual têm o direito de organizarem
orçamento privativo, de possuírem receitas próprias e de não carecerem, por isso, de
autorização para a realização das suas despesas.

6.2. Perspectiva jurídica do fenómeno financeiro

À volta do fenómeno financeiro, criou-se e desenvolveu-se um conjunto de normas


jurídicas que configuram, hoje, regimes próprios, diferentes de direito comum e de outros
ramos do direito público.

Estas normas regulam a actividade do Estado em dois planos:

a) Plano de organização e funcionamento do aparelho financeiro;


b) Plano das relações entre o Estado e os particulares.

É neste segundo plano, em que reside a preocupação de dar garantias aos particulares,
aspecto essencial para a defesa dos seus direitos e interesses contra eventuais abusos do Estado.

7. O poder e a economia

Por poder deve entender-se o poder político, que é a forma de organização do Estado
ou, melhor, a capacidade de influenciar comportamentos. Ligado a este aspecto temos a
actividade económica, entanto que processo orgânico de satisfação de necessidades humanas
mediante afectação de bens materiais raros a fins alternativos individuais ou sociais, privados,
comunitários ou públicos.

Daqui resultam relações, como atrás se disse, de três tipos que se seguem:

7.1. Ordenação Económica


14
A Ordenação Económica ou domínio da ordenação económica24 corresponde à função
da máquina política à qual compete a definição do quadro geral de natureza jurídica e social
em que se desenvolve a actividade económica, que inclui a constituição económica, a
legislação económica, as directivas e decisões concretas da administração económica, isto é, o
aspecto jurídico fundamental como forma de normar a actividade económica.

Teremos, neste caso, a política financeira de redistribuição pela qual se transfere parte
dos rendimentos dos que se encontram acima da nédia para os que se encontram abaixo da
linha dos rendimentos médios, isto é, dá-se dos ricos aos pobres.

Os argumentos para esta redistribuição são vários:

a) Injustos desníveis de rendimentos que, julga-se, não dependem do


esforço ou do mérito;
b) O carácter desumano da carência de bens essenciais e do negar-se a
dignidade das pessoas;
c) O inconveniente das consequências nocivas das situações de pobreza;
d) A incorrecção das diferenças dos pontos de partida, comprometendo e
agredindo uma competição leal.

Já se vê que por mais liberal que seja a filosofia económica e social de um Estado, daqui
resulta a necessidade de se definir a doutrina ou a política económica e social que deverá ser
por ele seguida, por exemplo, se de inspiração abstencionista, se liberal, se socialista ou se
intervencionista.

Na política económica e social há, sem dúvida, um comportamento, uma actuação


interligada do Estado e dos sujeitos privados.

É o Estado, o agente regulador da economia, que deve garantir o cumprimento da


actividade económica, fazendo valer a norma jurídica económica.

Este conjunto de normas fundamentais que subordinam a doutrina ou filosofia social é a


constituição económica a partir da qual podem emergir normas que constituem a legislação ou
regulamentação económica e institucional geral ou periférica, nomeadamente sectorial (ex.:
agricultura, indústria ...).

Como forma de ordenação temos, ainda, a administração e a jurisdição exercida pela


Administração activa ou pelos Tribunais, respectivamente. Sem interferir, directamente,
coordena-se e ordena-se o comportamento dos sujeitos económicos, definindo e exercitando
padrões e quadros em cujo âmbito deve livremente desenvolverem-se.

7.2. Intervenção económica

A intervenção do Estado na economia poderá ser directa ou indirecta, consoante os


casos em que o interesse se mostrar evidente obrigando o Estado a tomar posição.

24
SOUSA FRANCO, A., ob. cit., p. 8.
15
Com a sua intervenção na economia o Estado modifica o comportamento dos restantes
agentes económicos.

A forma mais racionalizada de intervenção é a política económica. Pela intervenção o


Estado altera o comportamento dos produtores e consumidores sem tomar decisões sobre a
utilização de bens e satisfação das necessidades sociais.

A intervenção económica estadual pode, entre outras, ser através de:

- Taxas de juro para influenciar o investimento;


- Taxas cambiais para intervir na área das exportações e importações;
- Benefícios fiscais para incentivar o investimento;
- Limites prudenciais, como elementos de persuasão;
- Tabelamento de preços, como medida anti-inflacionista;
- Agravamento ou desagravamento tributário;
- Fixação de quotas de produção.

Como se vê, na intervenção o Estado não é ele próprio sujeito económico25.

7.3. Actuação Económica do Estado

O Estado pode actuar como agente económico. A extensão dessa actividade é, porém,
variável.

Há serviços que pode entender-se que só o Estado poderá garantir aos cidadãos tais
como o de abastecimento de água, energia, saúde, administração de justiça, defesa e segurança.
Na actividade económica directa do Estado, o Estado, ele próprio, actua como agente ou sujeito
económico, formulando escolhas ou opções económicas no interesse da comunidade.

Não há fronteiras estanques entre ordenação, intervenção e actuação nem mutuamente


se excluem, existindo nos Estados modernos cumulativamente, com graus diferentes, conforme
as razões, objectivos e tempo.

8. Decisão política e decisão financeira

As decisões tomadas no âmbito do poder político levantam sempre dúvidas quanto à sua
validade ou eficiência, na prossecução dos objectivos do Estado.

No âmbito das finanças idênticas dúvidas sobre a eficiência das opções do Estado seja
qual for a sua concepção26 ou a sua forma doutrinária27.

25
SOUSA FRANCO, A., ob. cit., p. 11.
26
Estado soberano, Estado República, Estado de Classe, Estado conglomerado – ver SOUSA FRANCO, ob. cit.,
p. 75.
27
Sem querermos ser exaustivos, podemos ter o Estado patrimonial, Estado-polícia, Estado guarda nocturno,
Estado de serviços, Estado providência, Estado de bem-estar, Estado de desenvolvimento, Estado de Direito
Democrático ou autocrático, Estado social, Estado Tecnológico, Estado de cultura, Estado autoritário e Estado
totalitário.
16
A decisão financeira é tomada em função de interesses dos governantes que buscam
simpatias e suporte político e, como decisão económica, que também é, não está isenta das
disputas do poder por pessoas ou grupos destas.

O cidadão deposita o voto para maximizar o seu interesse individual ou dos partidos que
apoiam.

Os partidos comportam-se como que num mercado; disputam o monopólio do poder


“como concorrentes de oferta relativamente a uma procura expressa no voto dos eleitores”28,
predispondo-se a praticar políticas populistas, antes das eleições, para ganhar a preferência dos
eleitores e políticas impopulares depois das eleições, em clara confirmação da existência de
ciclos político-económicos. A determinação da função de preferência dos eleitores e da função
de popularidade dos governos, componente idealista, cria incapacidades e irracionalidades do
Estado.

Os tecnoburocratas condicionam a decisão financeira, pelo seu saber, pelo “poder de


agenda”29 e pela sub-regulamentação burocrática.

O Estado, na sua missão de prosseguir o bem-estar social, tem tomado decisões cujo
objectivo é fortalecer o seu poder político independentemente do resultado de tal decisão.

Noutros momentos, as decisões que o Estado toma no âmbito das finanças têm a ver
com a análise dos processos e objectivos na actividade financeira.

No primeiro caso, a decisão política é tomada por consenso mínimo social30, livre31,
implícito ou explícito, no exercício da democracia.

No segundo caso (decisão financeira) obedece a princípios da actividade financeira do


Estado, das opções tendentes à satisfação pública das necessidades e ao nível do sector público,
em confronto com o privado, tendo em atenção a base do financiamento disponível.

A decisão financeira, tendencialmente bipolar, abrange a provisão de bens e o


financiamento, sabido que os bens mercantes (provisionados) são produzidos para o mercado e
nele são avaliados e que os bens colectivos ou públicos são produzidos fora do mercado e, a
maior parte, avaliados através de critérios próprios do poder político.

Qual é o consenso mínimo social, de que atrás falámos?

É o que abrange as regras fundamentais e instituições da sociedade, tais como a


liberdade económica e a propriedade privada, a estruturação do Estado limitada aos direitos
individuais e à participação dos cidadãos, através da democracia económica e financeira, da
democracia directa, semi-directa e da co-decisão.
28
SOUSA FRANCO, A., ob. cit., p. 85.
29
Levantam problemas, traçam alternativas, comandam a execução e ganham influência.
30
Um consenso social, segundo o Professor Sousa Franco (ob. cit., p. 88) tem três características essenciais: (1)
incide sobre aspectos fundamentais da sociedade, (2) deriva da situação de incerteza (pois caso ela não exista
dificulta-se, impossibilita-se o acordo por sobrevalorização da sua posição) quanto ao futuro; (3) voluntário,
espontâneo, livre e esmagadoramente unânime.
31
Designa-se de livre o consenso que decorre de um entendimento (voluntário e unânime) implícito entre a
generalidade dos cidadãos, individualmente ou organizados em grupo sobre instituições e modos de organização,
como por exemplo sobre o processo de tomada de decisões, isto é, sobre a regra de definição de regras.
17
Capitulo III
Os sistemas económicos: doutrinas e regimes

1. Aspectos gerais e conceitos

A intervenção do Estado, utilizando medidas de compensação e utilizando medidas de


compensação e correcção, justifica-se pelas limitações, incapacidades ou falhas32 do mercado
que, apesar de poder fazer uma eficiente gestão de recursos, não está em condições de fazer a
melhor redistribuição de rendimentos.

Por regime económico entendem-se todas as formas de articulação estrutural do poder


político com a actividade económica.

Ora, antes interessa, falar do conceito de sistema económico que cobre realidades
diversas.

Partindo de noção fundamental de sistema como sendo o conjunto de elementos unidos


por um conjunto de relações, teremos que o sistema económico integra formas típicas e globais
de organização e funcionamento da sociedade em geral e da sua actividade económica em
especial33.

Quanto ao sistema financeiro temos que ele exerce funções que podem constituir fins
possíveis da sua gestão, configurando grandes tipos e efeitos objectivos resultantes do
respectivo financiamento, com destaque para as funções sociais do Estado.

Os sistemas económicos remontam do período pré-industrial e industrial por excelência,


resultando em sistemas pré-industriais e em sistemas da sociedade industrial.

A revolução industrial aparece como elemento chave de delimitação do sistema


económico no tempo, faz a ruptura fundamental, constituindo um marco histórico importante.

Destaque para as alterações técnicas e formas de organização institucional e da


actividade económica.

De seguida enunciam-se os sistemas económicos dominantes e as instituições que lhes


são características.

2. Os sistemas económicos dominantes na actividade são:

2.1. Sistema económico capitalista

O sistema económico capitalista tem como base os ideais liberalistas, as regras de


iniciativa privada dos agentes económicos e a livre concorrência.

32
SOUSA FRANCO, A., ob. cit., p. 17.
33
Para aprofundamento, veja-se SOUSA FRANCO, A., ob. cit., p. 48 e PEREIRA DE SOUSA, Domingos,
Finanças Públicas, Universidade Técnica, ISCSP, Lisboa, 1992, p. 59.
18
É o sistema mais antigo e emerge da revolução industrial e caracteriza-se por34:

a) Existência de um conjunto de instituições jurídico-sociais típicas;


b) Um conjunto de princípios, leis económicas fundamentais que regulam o
funcionamento da vida económica;
c) Um móbil específico das actividades económicas.

2.2. Quanto a instituições

No domínio da produção salientam-se o capital e a empresa. Para o funcionamento do


sistema capitalista integram-se no quadro organizacional:

a) A propriedade privada;
b) Iniciativa privada da qual destaca-se
. liberdade de contratar,
. liberdade de trabalho,
. liberdade de empresa.

2.3. Princípios económicos

Os princípios fundamentais deste sistema são os seguintes:

a) Princípio de mercado, onde se destacam as regras da oferta e da procura;


b) A propriedade privada e a liberdade económica como condições básicas para o
progresso e bem-estar social de todo o povo;
c) O lucro como motivação típica, ao contrário do que acontece no sistema
colectivista.

2.4. Regimes

No sistema capitalista temos dois regimes económicos, a saber:

A. Liberalismo; e
B. Intervencionismo35.

2.4.1. O liberalismo

No liberalismo temos como características as finanças clássicas ou neutrais, com um


reduzido peso do poder político na actividade económica, por entender-se que a economia
privada, através do mecanismo dos mercados, pode assegurar o máximo de produção e a recta
distribuição do rendimento36.

No liberalismo as finanças públicas são dominadas pelas seguintes perspectivas:

34
SOUSA FRANCO, A., ob. Cit., p. 48.
35
Sobre estes dois regimes, para maiores desenvolvimentos, veja-se SOUSA FRANCO, ob. cit., pp. 50 a 66.
36
Teixeira Ribeiro, ob. Cit., p. 40.
19
a) Quanto ao seu lugar e função: dominam os princípios de privatização da economia,
sector público reduzido, mínimo quantitativo e qualitativo e simplicidade da actividade
económica;
b) Quanto às suas relações com a economia privada: dominam as ideias de separação
entre finanças e economia, elasticidade dos fenómenos e abstracção económica do Estado;
c) Quanto à estrutura jurídica das finanças: os aspectos principais resumem-se na
importância da participação democrática parlamentar na actividade financeira, arbitragem entre
o poder público e o direito privado, em ordem a garantir os direitos do homem cidadão-
proprietário e o princípio da legalidade;
d) Quanto à configuração dos instrumentos financeiros: a importância primordial do
imposto e do equilíbrio orçamental.

2.4.2. O intervencionismo

No intervencionismo encontramos as finanças activas, modernas ou


funcionais37, as quais são dominadas pelo critério de intervenção do Estado sobre a actividade
económico-social38 com vista a modificar as condições da economia privada39.

Seguindo o mesmo critério, vejamos os traços definidores das finanças públicas


intervencionistas:

a) Quanto ao seu lugar e função: autonomia do sector público (que passa a ter, para
além da supletiva satisfação das necessidades colectivas, realiza objectivos de política
económica e social), equilíbrio entre economias pública e privada, regra do óptimo (melhor
satisfação das necessidades públicas e o óptimo social), crescente dimensão, pluralidade e
complexidade do sector público;
b) Quanto às relações entre actividade financeira e economia privada: o princípio é o
da integração entre economia e finanças, finanças funcionais (que visam realizar fins
financeiros e extra-financeiros) e finanças activas e o Estado a abandonar a sua passividade e
atitude abstencionista;
c) Quanto à evolução das instituições jurídico-políticas: os aspectos de garantia
individual e predomínio parlamentar alteram com o declínio da instituição parlamentar
(tecnoburocratização das decisões) e formas de participação diversificada da sociedade (civil),
afirmação predominante dos direitos económicos e sociais e limitações ao princípio de
legalidade;
d) Em relação às instituições financeiras assiste-se ao ressurgimento do património
(mobiliário e imobiliário), à saturação fiscal (com o imposto a ter uma utilização extra-fiscal e
subida contínua da carga fiscal real e psicológica), limitações ao princípio do equilíbrio
orçamental com recurso a receitas não efectivas.

2.5. Intervencionismo stricto sensu e dirigismo

Antes de passar para o estudo de outros sistemas importa sublinhar que no


intervencionismo financeiro devemos distinguir o intervencionismo stricto sensu, no qual o
Estado só intervém no caso de o livre comportamento dos agentes económicos não resultar no
progresso e o bem-estar geral do dirigismo.
37
Finanças funcionais porque a escolha dos instrumentos financeiros depende dos efeitos que cada uma delas
exerce na economia – para mais desenvolvimentos, veja-se TEIXEIRA RIBEIRO, ob. cit., p. 43
38
SOUSA FRANCO, A., ob, cit., p. 51.
39
TEIXEIRA RIBEIRO, ob. Cit., p. 41.
20
No dirigismo o Estado fixa objectivos globais para a actuação económica e para
os sujeitos económicos e para os sujeitos económicos que pautam a sua actividade por aqueles
objectivos fixados para toda a economia.

Trata-se, pois, como diz o Professor Sousa Franco40, de uma diferença


qualitativa uma vez que no intervencionismo preside a ideia de correcção enquanto no
dirigismo, como a expressão sugere, há uma clara ideia de direcção da economia.

2.6. Principais factores para as finanças modernas

A concepção política do Estado actuante, isto é, regulador e produtor decorre de vários


factores que a seguir sumariamente se expõem, na linha do Professor Sousa Franco41:

a) Evolução interna das economias liberais, onde se assiste à passagem do sufrágio de


censitário a universal e ao aumento da intervenção das classes mais desfavorecidas, ao
aparecimento de partidos trabalhistas e socialistas, crescente concentração de empresas,
diversificação dos modelos de desenvolvimento e à profissionalização das forças armadas
crescentemente caras;
b) Movimentos doutrinários e teóricos entre as quais as teorias marcantes de Keynes e
Wicksell defendendo a existência de factores permanentes e fundamentais de desequilíbrios na
economia que só a intervenção do Estado podia corrigir, e as correntes ideológicas antiliberais
(socialistas e doutrina social da Igreja);
c) A primeira grande guerra;
d) A necessidade de restabelecimento depois das guerras por entender-se a paz, a
abundância e a prosperidade bens maiores e mais apetecíveis à liberdade individual pois, de
facto, é preferível libertar-se da miséria do que ter a oferta da liberdade jurídica teórica42.
e) A crise de 1929 e a grande depressão que impôs a intervenção na economia à
maioria dos governos em destacar-se as políticas “New Deal” que consagraram o afastamento
do princípio do equilíbrio orçamental, um dos alicerces das finanças clássicas;
f) Novas teorias económicas em que Keynes, impulsionador do “Welfare State”,
defende a intervenção do Estado para corrigir desequilíbrios que conduzem, por exemplo, ao
desemprego;
g) As crises do petróleo que demonstraram a necessidade de uma Nova Ordem
Económica Internacional;
h) Outras, tais como o surgimento dos Não-Alinhados (trazendo experiências de novos
sistemas económicos), as descolonizações, etc..

2.7. Sistema económico colectivista

2.7.1. Generalidades

Caracterizam os sistemas colectivos três traços tais como a apropriação pública dos
meios de produção, o papel central do plano como super-lei e o interesse estatal, a
solidariedade e o bem-estar colectivo como motivações dominantes.

40
Ob. Cit., p. 62.
41
Ob. Cit., p. 58.
42
SOARES MARTINEZ, apud Domingos Pereira de Sousa, ob. cit., p. 74.
21
O caso paradigmático é o da URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas43,
onde por o Estado ser o principal produtor pergunta-se ser correcto falar da fronteira entre
actividade financeira e economia privada. A resposta afirmativa decorre de se reconhecer que
se justifica a distinção entre o sector público administrativo e o sector público produtivo, entre
o orçamento e a actividade empresarial do Estado44.

Embora as instituições sejam idênticas às dos sistemas capitalistas as funções diferem e


passamos a estudá-las.

2.7.2 Funções dos instrumentos financeiros

A primeira função dos instrumentos financeiros, na fase revolucionária de


implementação do socialismo, é a de desapropriação.

Na fase de transição os instrumentos financeiros visam assegurar actividades colectivas


essenciais não produtivas, o equilíbrio sectorial e regional na distribuição dos recursos; o
orçamento funciona como instrumento da execução do plano e de canalização de recursos
estéreis para o funcionamento das actividades públicas ou socialmente úteis.

2.7.3. Características fundamentais dos instrumentos financeiros

Podem apontar-se como características fundamentais dos instrumentos financeiros:

a) A relevância do orçamento na execução do plano;


b) Relevo das receitas patrimoniais;
c) Reduzida pressão social;
d) Equilíbrio orçamental.

Capitulo IV
Conceito, natureza, autonomia e relações do Direito Financeiro

1. Aspectos introdutórios

A actividade financeira do Estado, dada a sua característica especial, envolve, como já


se disse, em virtude da complexidade de interesses em jogo e das estruturas envolvidas, normas
jurídicas que aglutinadas à actividade financeira do Estado constituem Direito Financeiro.

As normas do Direito Financeiro abrangem:

a) Organização e funcionamento interno da actividade financeira do Estado e demais


entidades;
b) Relações financeiras entre o Estado e outras entidades, nomeadamente os
particulares.

43
Anterior à prossecução dos princípios de glos nost (transferência) e perestroika (reestruturação) de Mikhail
Gorbatchov.
44
SOUSA FRANCO, A., ob. cit. p. 69
22
No primeiro caso temos englobadas as normas de Direito Constitucional e Direito
Administrativo onde se incluem matérias inerentes à competência quanto à aprovação do
orçamento e a sua autorização política; a fiscalização financeira e a execução orçamental; o
património e o tesouro do Estado.

No segundo caso, temos normas relativas ao direito das receitas e financiamento das
necessidades públicas e que regulamentam os aspectos atinentes ao imposto e outros tributos,
ao crédito público, entre outras fontes de receitas do Estado.

2. O conceito de Direito Financeiro

Por Direito Financeiro designa-se o conjunto de normas jurídicas que regulam a


actividade económica do Estado ou outro ente público com vista à afectação de bens para a
satisfação de necessidades sociais, isto é, as normas que regulam a obtenção, a gestão e o
dispêndio dos meios financeiros públicos45 ou, ainda, o ramo do Direito que disciplina
juridicamente a actividade do Estado.

O Direito Financeiro regula, pois, mediante um regime próprio, parte46 da actividade


financeira do Estado.

O Direito Financeiro projecta-se para além de normas internas de organização, para as


garantias dos particulares e para os princípios da autorização, legalidade, controlo e intervenção
judicial47.

A actividade financeira, repete-se, que se concretiza em receitas e despesas que dão


origem a complexas arbitragens de intervenção nas relações entre os particulares e o Estado
que, num Estado de Direito, têm que submeter-se a normas jurídicas, e a uma organização em
razão dos fins públicos.

As normas de Direito Financeiro abrangem as áreas seguintes:

(i) Direito Constitucional Financeiro: princípios fundamentais de organização e


exercício de poder político e da actividade financeira do Estado e a sua estrutura;
(ii) Direito de Administração Financeira: regula a actividade administrativa
financeira do Estado. Usa como base também as normas do Direito Administrativo;
(iii) Direito Patrimonial: normas reguladoras do património do Estado;
(iv) Direito Orçamental: regula o regime geral do Orçamento do Estado e a sua
execução;
(v) Direito das Receitas: (Direito Tributário, Direito Fiscal) que estabelece as
regras quanto ao regime jurídico dos impostos, Direito do Crédito Público praticado em regime
especial por entidades públicas;
(vi) Direito Processual Financeiro: regula a organização e funcionamento
processual da Administração e dos Tribunais Financeiros com destaque para os fiscais e os de
contas.

3. Natureza do Direito Financeiro


45
TEIXEIRA RIBEIRO, José Joaquim, Lições de Finanças Públicas, 5.a Edição, Coimbra Editora, 1997, p. 46.
46
Dizemos parte porque o Direito Financeiro não é o único revestimento jurídico da actividade financeira,
havendo aspectos deste que se reportam ao Direito Constitucional, ao Direito Administrativo e ao Direito comum.
47
SOUSA FRANCO, António, ob. cit., pp. 97 e ss.
23
Qualquer que seja o critério perfilhado – o do interesse, o da posição relativa dos
sujeitos ou da qualidade em que intervêm na relação jurídica – é pacífica a qualificação do
Direito Financeiro como um ramo do Direito Público.

É certo, pelo que temos vindo a estudar, que este ramo – o Direito Financeiro –
prossegue a realização de interesses colectivos, com um dos sujeitos – o Estado – investido de
garantias e poderes próprios.

A existência de receitas patrimoniais em regra disciplinadas pelo Direito Privado não


retira a homogeneidade deste Direito tão pouco as características já enunciadas que o
enquadram no Direito Público.

4. Autonomia do Direito Financeiro

Controvertido é o problema da autonomia do Direito Financeiro havendo os que


reclamam a sua autonomia do Direito Administrativo e os que sustentam a não autonomia.

O Direito Financeiro, tal como qualquer ramo de Direito, caracteriza-se por ter uma
função própria de que decorrem conteúdos e normativos próprios e regimes específicos48,
autónomos, coerentes, axiológica e normativamente unidos, e por ter instituições e vida
próprias.

Estas características delimitam-no como um ramo de Direito com uma relativa e


convencional autonomia49.

Aos administrativistas dir-se-á que apesar de se reconhecer que a actividade financeira é


uma actividade política e administrativa não pode o Direito Financeiro confundir-se com o
Direito Administrativo, caracterizado pelo poder e autoridade administrativos. O Direito
Financeiro, com a génese nos séculos XVII e XVIII na Inglaterra, para além de ser anterior ao
Direito Administrativo que é fruto do liberalismo (séc. XIX) resulta da preocupação de
delimitar os poderes da Administração em relação aos cidadãos e do primado do Poder
Legislativo.

Admitida a plurivocidade do termo autonomia importa delimitar que a autonomia que é


defendida é legislativa, didáctica e científica, não havendo dúvidas que o Direito Financeiro
cifra-se na existência de leis próprias e de um sistema próprio de fontes, constitui em muitas
escolas uma disciplina específica no plano curricular dos estudos.

Entende-se, pois, que o Direito Financeiro não é estanque, aceitando normas


subsidiárias de tratamento das matérias no seu âmbito desde que não se confrontem com os
princípios próprios do mesmo.

48
Sobre a evolução histórica do Direito Financeiro: ARMINDO MONTEIRO, Introdução ao Estado de Direito
Fiscal na “Revista da Faculdade de Direito de Lisboa”, Vol. 6, 1949, pp. e 36 ss; SOARES MARTINEZ, Da
personalidade tributária, Lisboa, 1953, pp. 51 e ss; Elementos para um Curso de Direito Fiscal em “Ciência e
Técnica Fiscal”, n.o 138 (Junho de 1970), pp. 14-25.
49
Não pode falar-se, em bom rigor, de autonomia absoluta, pois o Direito é uno e incindível.
24
Apesar disso a autonomia de Direito Financeiro é uma questão assente; uma vez
igualmente assente a autonomização de certos tipos de normas em virtude de sua conexão com
uma função delimitada.

5. Divisão do Direito Financeiro

A actividade financeira objecto do Direito Financeiro, comporta a obtenção de receitas,


a realização de despesas e a previsão e contabilização daquela e destas, do que pode dizer-se
que o Direito Financeiro contém o Direito das Despesas, o Direito das Receitas e o Direito da
Administração Financeira.

No Direito das Receitas, por sua vez, podem distinguir-se o Direito Tributário que
regula a aquisição de todas as receitas coactivas e o Direito Fiscal que regula, em especial, os
impostos e o seu processo administrativo.

6. A relação do Direito Financeiro e outros ramos do Direito

Entre os vários ramos do Direito não existem compartimentos estanques mas


interinfluência, quer de soluções, quer dogmática.

O Direito Financeiro tem mais afinidades com os seguintes ramos, de que recebe
importantes contributos:

a) Direito Constitucional

Esta relação é compreensível partindo do pressuposto de que a Constituição é a mater


legis.

b) Direito Administrativo

As relações do Direito Financeiro com o Direito Administrativo devem-se ao facto de a


actividade financeira implicar o funcionamento dos órgãos que se enquadram na Administração
Pública.

c) Direito Penal

É ao Direito Penal que o Direito Financeiro vai buscar os contributos sobre normas
punitivas relativas à violação dos seus preceitos.

d) Direito Processual

O Direito Financeiro contém disposições reguladoras das formas de oposição pelos


contribuintes aos actos da Administração financeira e de aplicação de sanções por violação de
leis financeiras.

d) Direito Privado

A relação entre o Direito Financeiro e o Direito Privado, para além deste ser o Direito
Comum, há aspectos da actividade do Estado que são regulados pelo Direito Privado, tal é o
caso, por exemplo, da dos empréstimos públicos.
25
e) Direito Internacional

Embora ao Direito Financeiro presida o princípio da territorialidade, existem situações


de convenções bilaterais ou plurilaterais e comunitárias.

Capitulo V
Fontes, Interpretação e Aplicação da Lei em Direito Financeiro

1. Sobre as Fontes

1.1. Noção de fonte

O Direito é um subsistema social de intersecção entre a normatividade e a realidade em


que a questão das fontes se apresenta como “jurística”50.

Mas para não embarcar num recursum ad infinitum, recorrendo à doutrina tradicional,
diremos que entende-se por fontes do Direito os modos de formação ou de revelação do direito,
isto é, aqueles factos normativos a que se atribui predicados de factos produtores (fontes
materiais) de comandos vinculantes (fontes formais).

São o voluntarismo, o estatismo, o dogmatismo e o formalismo dominantes do


pensamento jurídico contemporâneo que a isto nos remetem.

1.2. Fontes em geral

1.2.1. Enunciação

Entendido, como quisermos, que a expressão fonte não tem significado unívoco, que é
plurisignificativa, podemos enumerar as seguintes fontes de maior consenso51 52 53:

- Lei,
- Costume,
- Jurisprudência,
- Doutrina.

1.2.2. O Costume

Se não considerarmos, como não devemos, certas praxes da Administração Financeira,


como costume, podemos admitir que o costume não é fonte do Direito Financeiro.

1.2.3. Jurisprudência

50
BAPTISTA MACHADO, J., Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1997, p. 153.
51
BAPTISTA MACHADO, ob. cit., pp. 157 e ss.
52
CASTRO MENDES, J., Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1984, p. 90.
53
BRAZ TEIXEIRA, António, Finanças Públicas e Direito Financeiro, AAFDL, 1991, p. 25.
26
Se considerarmos que o Tribunal Administrativo pode produzir assentos que dirimem
conflitos de aplicação contraditória de normas existentes e que eles só cedem perante nova lei,
há que considerar os assentos, com carácter jurisprudencial, fonte de Direito54.

1.2.4. Doutrina

Ao exemplo de certos períodos do Direito romano em que a certos jurisconsultos era


atribuída uma autoritas ou jus publici respondendi55 há pareceres hoje de cultores de Direito
que têm força vinculante para casos que lhe sejam posteriores.

1.3. Fontes do Direito Financeiro, em especial

Das tradicionais fontes de Direito apenas a lei é que pode ser apontada como a
fonte intencional imediata56 por excelência, justificando-se o estudo das suas diversas
manifestações:

1.3.1. Constituição

A Constituição formal traça os princípios fundamentais da organização financeira.

Apesar de poder dizer-se que a nossa Constituição é pródiga em formulações


financeiras podemos falar duma constituição financeira com normas preceptivas e pragmáticas.

1.3.2. Tratados internacionais

Os Acordos internacionais, em particular os relativos à integração económica, são


importantes fontes do Direito Financeiro, pesar de lhes ser reconhecido o seu carácter
eminentemente interno.

1.3.3. Lei

Da constituição resulta que há uma reserva absoluta de lei formal, em matéria


estritamente financeira, como a aprovação do orçamento e do relatório da sua execução, a
definição das bases da política de impostos (respectivamente alíneas h) e j) do n.o 2 do Artigo
135 da Constituição da República de Moçambique).

Em virtude desta determinação constitucional temos como princípios disposições legais


as relativas ao SISTAFE, sobre o Tribunal Administrativo (na sua qualidade de Tribunal de
Contas), sobre as finanças autárquicas; são diplomas tão fundamentais e estruturantes que
defendemos a sua inclusão na constituição financeira material.

1.2.5. Decretos

Tem cabido ao Conselho de Ministros, através de Decretos, regulamentar a produção


legislativa da Assembleia da República.

54
Não se afasta, porém, a questão da sua possível inconstitucionalidade já que estaria envolvido o exercício do
poder legislativo por um órgão jurisdicional.
55
BAPTISTA MACHADO, J., ob. cit., p. 163.
56
Para mais desenvolvimentos, ver nosso Introdução ao Direito Fiscal, pp. 45 a 72, W&W Editora, 2000.
27
1.2.6. Regulamentos

Não só porque os decretos remetem certa regulamentação ao Ministro mas também


porque órgãos Infraestaduais. como as Autarquias Locais podem no âmbito do exercício do
poder descentralizado disciplinar certas matérias com relevância financeira, podíamos incluir o
Regulamento como fonte de Direito Financeiro. A Regulamento pode apresentar-se revestido
de Postura, Resolução, Circular, Diploma Ministerial. O certo é que não poderá disciplinar
matéria exclusivamente reservada pela Constituição à lei, por esta reservada aos Decretos, nem
pode contrariar o que nelas se estatui.
.

2. Interpretação e integração de normas financeiras

Como ressalva de alguma limitação especialmente consagrada (na Constituição ou na


Lei) quanto à analogia, as normas fiscais são interpretadas e têm as suas lacunas integradas no
respeito aos princípios, respectivamente, dos artigos 9 e 11 do Código Civil que aqui se dão
por reproduzidos:

Sobre a interpretação e integração de normas financeiras de natureza fiscal, há que


considerar que as normas fiscais são Direito Financeiro especial mas não excepcional;
defende-se que atento o sentido teleológico das suas normas, as leis fiscais interpretam-se como
quaisquer outras leis, não havendo preconceitos ou princípios pré-ordenados que lhe levem a
destruir o princípio da legalidade57.

3. Aplicação das normas financeiras no tempo e no espaço

3.1. Aplicação no tempo

A doutrina dominante e a que nós seguimos e respeitamos é no sentido de a aplicação


das normas financeiras no tempo dever seguir as regras dos artigos 12 e 13 do Código Civil.

3.2. Aplicação no espaço

Da aplicação das normas fiscais no espaço defende-se o princípio fiscal da


territorialidade58 59.

PARTE II
Instituições Financeiras

Capítulo I
Aspectos gerais

1. Introdução

57
Para mais desenvolvimentos, ver nosso Introdução ao Direito Fiscal, ob. cit., pp. 86 a 90.
58
SOUSA FRANCO, A., ob. cit., p. 107.
59
BRAZ TEIXEIRA, ob. cit., p. 44.
28
O Estado tem a sua actividade centrada no sector público, não apresentando a
homogeneidade que lhe é característica no liberalismo.

As finanças públicas, hoje, são bem estudadas compreendendo as instituições,


sua organização e a capacidade financeira, esta consubstanciada na autonomia perante o
Estado.

As instituições são formas culturais por que o Homem tende a organizar-se em


sociedade para, à luz da experiência passada e dos fins em cada momento a prosseguir pela
colectividade, melhor realizar o bem-estar geral.

As instituições financeiras são o modo de como se encontra organizado o


Estado, de como este racionaliza e controla o processo social e concretiza a actividade
financeira em prol do bem-estar.

2. Descentralização60

Com a descentralização procurara-se, na perspectiva da eficiência, uma melhor


ordenação de recursos ou, na de justiça, a gradual limitação das desigualdades e, na perspectiva
organizacional, uma busca de novos modelos de organização social que não se conformam com
a democracia representativa ensaiada pela participação eleitoral.

A descentralização desenvolve-se com o Estado neo-liberal ou pós-liberal que


progressivamente assume um crescente número de variadas e complexas funções, como forma
de evitar a congestão dos canais de comunicação e tem vindo a afirmar-se acentuadamente, não
só como sintoma evidente da crise do Estado Nacional como uma das vias de a ultrapassar61 62
assegurando, através do regionalismo, a compatibilidade entre vários particularismos63; mas
surge especialmente ligada aos problemas do desenvolvimento e à necessária vertente
participativa do mesmo.

Não se ignora, todavia, que o processo de descentralização é complexo, difícil,


moroso e ideológica e politicamente marcado por posições extremadas entre o descentralizador
e o descentralizado, mas considera-se que a descentralização é sempre uma forma de contrariar
especiais dificuldades, resultantes de distâncias, assimetrias, razões geográficas, económicas,
étnicas e históricas desfavoráveis.

Tem-se, por outro lado, consciência de que ainda mais complexa é a


descentralização no domínio económico e financeiro, que tem de ser feita garantindo que a
atribuição de significativos poderes e meios financeiros aos entes descentralizados não pode
esquecer a necessidade de não destituir os Estados de meios e instrumentos económico-
financeiros essenciais.
60
Esta abordagem sustenta-se no nosso trabalho de fundamentação da nossa proposta de dissertação do
Doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade (Clássica) de Lisboa – Um contributo para uma teoria
de Descentralização Financeira em Moçambique -.
61
PAZ FERREIRA, Eduardo, As Finanças Regionais, Estudos gerais, Série Universitária, Imprensa nacional –
Casa da Moeda, 1985, p. 25.
62
É, neste sentido, elucidativa a seguinte declaração do Presidente DE GAULLE: “O esforço multissecular de
centralização que foi durante longos anos necessário para reduzir e manter a unidade apesar das diferenças entre
províncias, daqui em diante, já não se impõe, pelo contrário, são as actividades regionais que aparecem como
caminhos do poder económico de amanhã” – Jean Jacques Dayries: La régionalisation, Paris, 1978.
63
ORTEGA e GASSET, España Inventebrada, 10 ed., Madrid, 1957, pp. 57 e ss.
29
2.2. Conceito de Descentralização

“A descentralização ... cria quadros adequados ao desenvolvimento de fórmulas de


participação das populações na vida pública”64 na medida em que “facilita a institucionalização
da participação destes na vida administrativa local”65, cujos problemas estão mais ao seu
alcance e compreensão.

A descentralização é um vector da democracia que garante a participação dos


citadinos, a pluralidade de expressão e a realização dos seus interesses e opiniões de que,
equilibradas, resulta a expressão verdadeira da vontade geral66. Daqui entender-se a existência
de relação constante ... que se verifica entre os fenómenos de liberdade política ou de
democracia [(...)] e os fenómenos de autonomia, de descentralização, de criação de poderes
distintos do poder central67.

O termo descentralização comporta, por outro lado, várias modalidades e graus


que, combinados, resultam em inúmeras variantes.

Ele cobre um conjunto de relações intergovernamentais que podem manifestar-


se através da descentralização, da delegação ou através da devolução68 69. A devolução pode
ser parcial70 ou total.

Na verdade, embora a descentralização pressuponha sempre personalidade


jurídica das entidades beneficiárias e eleição dos órgãos dessas entidades pelos cidadãos da
área sobre a qual esses órgãos desenvolvem as suas competências, há aspectos que não
constituem seu atributo obrigatório, dependendo a sua efectiva consagração de uma opção
legislativa.

E o que acontece quanto ao tipo de descentralização: só administrativa?


Financeira também? Ou também político-administrativa?

64
MACHADO, João Baptista, Participação e descentralização, desenvolvimento e neutralidade na Constituição
de 1976, Coimbra, 1982, p. 55.
65
Ibidem.
66
SOUSA FRANCO, A., Colóquios ..., ob. cit., p. 13.
67
MIRANDA, Jorge, Colóquio – Que lições se podem tirar de uma experiência de 18 anos, ob. cit., p. 48.
68
Richard Bird et François Vaillancount, Descentralization financière et pays en dévéllopement: concepts, mesure
et evaluation – Revue d‘ánalyse économique, Vol. 74, nº 3, Septembre 1998, pp. 343-362.
69
A descentralização permite acelerar as tomadas de decisões e de meios, tendo em conta as preferências locais.
A delegação consiste no estabelecimento de agentes locais que exercem funções governamentais em nome do
Estado, reduzindo o número de funcionários. A devolução é mais próxima do sentido da descentralização.. Esta
pode ser no seio de um Estado constitucionalmente unitário ou federal. Num Estado unitário a descentralização
não é senão um meio de partilha de poderes e responsabilidades entre o governo central – principal, e o governo
local – agente, numa perspectiva de cima para baixo.
No federalismo, uma perspectiva de baixo para cima, são os governos locais que criam um Estado.
No domínio das relações financeiras, pode falar-se do federalismo financeiro ou de finanças federais. No primeiro
o Estado define as regras operacionais e financeiras e supervisa. No segundo existe autonomia influenciada pela
diversidade etnolinguística e económica.
70
Sendo comparável com a regionalização, esta entendida como autonomia constitucionalmente conferida a entes
públicos territoriais em ordem à prossecução de interesses próprios das respectivas populações, com dimensão de
antagonismo de base electiva, isto é, governo próprio e com funções políticas e legislativas.
30
A descentralização será administrativa se às entidades autónomas forem
atribuídas apenas competências para tomar decisões definitivas em matéria administrativa.

A descentralização será também financeira se, para além da tomada da decisão


administrativa, a entidade autónoma dispuser de meios financeiros próprios, património próprio
e orçamento próprio, capazes de sustentar a execução dessa decisão administrativa.

A descentralização terá natureza político-administrativa se à entidade autónoma


forem reconhecidas competências para tomar decisões de política geral atinentes ao território
sob a sua jurisdição, eventualmente expressas através de leis regionais que rivalizam com, ou
que excluem a lei nacional em aspectos de interesse específico da região.

A descentralização político-legislativo resulta normalmente na criação de regiões


autónomas, possuidoras de mini-estatutos constitucionais próprios, como as que existem,
apenas para citar alguns exemplos, em Espanha, na Itália, na França e em Portugal71.

2.3. Problemas da descentralização

A descentralização, com as suas variantes, cria problemas de natureza vária, tais como
saber

(i) Das formas de controlo, decisão e responsabilização,


(ii) dos recursos financeiros a disponibilizar,
(iii) do património,
(iv) das dívidas,
(v) da(s) política(s) económica(s)72,
(vi) da democracia interna a instalar nas instituições,
(vii) dos direitos do homem no que toca à liberdade e à prestação ou participação são
efectivadas em cada nível descentralizado,,
(viii) dos conflitos decorrentes da inter-relação e coordenação,
(ix) dos conflitos de poderes financeiros,
(x) da insuficiência da articulação do sistema jurisdicional.

A estes problemas acresce ou pode acrescer o risco de sobrecarga de pesos financeiros


sobre o cidadão e a desarticulação de estruturas burocratizadas que podem conduzir a uma
associalização73, resvalar num estatismo dissimulado, anárquico e difuso ou na simples
dissolução do Estado-Nação, das identidades nacionais conducentes ao afogamento das
diferenças autonomizantes, à estruturação do Estado, risco que, aliás, também se corre com o
excesso de Estado.

2.3. Descentralização financeira

71
Em Moçambique, a Constituição veda este terceiro tipo de descentralização, na medida em que, para além de
expressamente declarar o Estado moçambicano um Estado unitário (artº 1), é taxativa na entrega dos poderes
legislativos aos órgãos de soberania, maxime a Assembleia da República.
72
Preferimos falar de políticas económicas na medida em que existirão mais do que uma em virtude dos níveis de
decisão que serão, também, mais do que um.
73
Uma “socialização” que não traz consigo a rica cadeia de articulações sociais.
31
I. Por descentralização financeira entende-se a repartição de serviços públicos e a
organização de rendimentos74 financeiros entre o Estado e as colectividades locais75.

A par das motivações políticas subjacentes em decisões de descentralização, há razões


de índole económica ao reconhecer-se que com ela se criam níveis adequados de prestação de
serviços públicos acompanhados de um aumento de bem-estar das populações vizinhas.

o as vezes em que aNaturalmente que poucas sa existência de “externalidades”76 na


prestação local de serviços exige a coexistência de uma entidade estatal ou que não adopta um
fiscal federalism77. A opção por um determinado tipo de descentralização tem, pois, a ver com
o princípio de compound78 económico e político que permite, ademais, uma competição
financeira entre os vários entes descentralizados, no interesse do Estado e uma interpretação
mais fácil das preferências dos membros da comunidade79.

Se é certo que este princípio do compound justifica a tendência para a descentralização


financeira, também a ele são apontadas razões da centralização80 81.

A descentralização, em particular a financeira, não tem configurações e caracterizações


estanques e precisas, sendo enriquecida por novas experiências, nem todas conhecidas com
êxito, e outras que desembocam em soluções híbridas, verdadeiras negações da dicotomia
municipalismo-federalismo, traçado pelas geometrias constitucionais, ou verdadeiras soluções
compromissórias.

Com a existência ou emergência de um forte e afirmado Direito Comunitário, os


Estados, eles próprios, exercerão não só no domínio jurídico-financeiro, um poder
descentralizado pelos super ou supra-Estados – União Europeia, União Africana -, para citar
74
Em muitos países incluem-se os rendimentos do campo fiscal.
75
Este conceito sobrepõe, pois, à definição de um campo de recursos próprios das colectividades locais e a
identificação de um campo de recursos partilhados entre o Estado e as colectividades locais e as transferências de
recursos do orçamento do Estado para o das colectividades locais.
76
PAZ FERREIRA, Eduardo, Estudos de Direito Financeiro, Regime, Jornal de Cultura, Vol I, 1995, p. 20.
77
Assim designado todo o sistema de financiamento de todos os níveis descentralizados de Governo em que um
indivíduo participa e é sujeito nas decisões relativas às receitas e despesas de mais do que uma entidade
sobreposta, conforme Eduardo Paz Ferreira citando Dallera – Boccacio, ob. cit., p. 20.
78
Princípio pelo qual “um colectivo só consegue utilizar receitas restritas de uma maneira efectiva, se os que
utilizam, pagam, decidem e oferecem os bens públicos são conhecidos e estão ligados entre eles de maneira
judiciosa (Federalisme, Premiers Resultats et une Analyse Empirique, in Étude de Finances Publiques Offerts a
Paul Marie Gaudemet, cit) apud Eduardo Paz Ferreira, ob. cit., p. 21.
79
Até porque se estará em face de uma situação de homogeneidade de preferências, tanto mais marcadas quanto se
verifique o efeito “voting with the feet”, ou seja, de transferência dos eleitores para as comunidades em cujo padrão
de despesa mais se reconhecem, teorizado por Charles Tiebout, “An common theory of desecentralization”, in
Public Finance, Needs, Nources and Utilization, Princetown, 1961, “A pure Theory of Local Expediture”, Journal
of Political Economy, n.o 64, 1956.
80
Neste sentido, escreve Mario Rey: “O Estado keynesiano, o Estado Social, configura-se sobretudo como um
Estado centralizador. Nas concepções keynisianas, o governo central, transformado em banqueiro do sistema
económico, assumiu a tarefa da manutenção do equilíbrio social e económico, tornando-se o promotor, o regulador
e também o arquitecto de bem estar da Nação. Com as amplas intervenções sobre a carteira dos indivíduos e com
a responsabilidade de lhes assegurar trabalho, instrução, saúde e segurança, o Estado central encarnou a visão de
Jeremy Bentham de um governo cuja tarefa é promover a felicidade da sociedade com prémios e penas” (in “Il
Finanziamento degli enti sub-centrali di Governo verso una revisione della teoria del federalismo fiscale”, Revista
di Diritto Finanziario e Scienza della Finanze, Ano XLIX (1990), nº 1).
81
A afirmação do Estado de Bem Estar Social com as suas funções extra-financeiras determinaram que o Estado
avocasse para si o papel de (re)distribuição da riqueza e estabilização económica, para o que aos entes
descentralizados, infraestaduais, transferiu as receitas devidas.
32
estes exemplos de verdadeira descentralização exterior ao Estado diferente da regionalização,
federalização ou do poder local82 e iniciada pela integração financeira supra-estadual ou
supranacional.

II. O nosso legislador estabelece que o regime geral de administração financeira


dos serviços ou unidades orgânicas do Estado é o da autonomia administrativa [Artigo 15 do
Regulamento do Sistema de Administração Financeira do Estado (Decreto n.o 17/2002, de 27
de Junho)]83 e que a autonomia administrativa e financeira constitui um regime excepcional
(Artigo 19 do Regulamento do SISTAFE)84 que concede às entidades dela dotadas
personalidade jurídica e património próprio (Artigo 20 do mesmo Regulamento).

2.4. O sector público

2.4.1. O sector público empresarial

A descentralização não se esgota na descrição atrás feita, podendo revestir-se no que é


denominado de sector público85 empresarial86 cuja actividade é dominada por critérios
económicos em que preside o lucro.

82
Estes conceitos nem sempre exprimem as mesmas realidades. Sobre isso, diz o Professor Paz Ferreira, ob. cit.,
pp. 21 e 22: “... sendo evidente que quando a Comunidade Económica Europeia utiliza a palavra regionalização
para designar uma unidade administrativa distinta, levanta problemas económicos específicos, está longe do
sentido dado à expressão em Itália, onde se contempla com a mesma palavra certas pessoas colectivas públicas de
base territorial e dotadas de um certo grau de autonomia política (...) não são, portanto, pequenas as dificuldades
terminológicas com que se depara o investigador destas matérias ...”.
83
Nos termos do mesmo Regulamento, Artigo 16, eis as características da autonomia administrativa:
a) atribuição de competências aos dirigentes para, nos termos da lei, autorizar a realização de despesas
de gestão corrente ou relativas a planos e projectos aprovados, bem como o seu pagamento;
b) A desagregação das dotações orçamentais na tabela da despesa;
c) Pagamento das despesas efectuadas pela Tesouraria do Estado mediante a utilização das formas de
pagamento do Tesouro, depois de autorizada a libertação de meios;
d) Obrigatoriedade de publicação, no Boletim da República, até trinta dias após a aprovação, de todas as
alterações orçamentais;
e) Obrigatoriedade de prestação de contas pelos responsáveis pela direcção e gestão orçamental, ao
Ministro de tutela e às entidades competentes do SCP.
84
A autonomia administrativa e financeira, nos termos do Artigo 6 da Lei do SISTAFE é a capacidade reconhecida
por lei a uma entidade pública, dotando-a com poderes para praticar actos administrativos definitivos e executórios,
no âmbito da respectiva gestão administrativa e financeira corrente. Nos termos do Artigo 22 do Regulamento do
SISTAFE e para efeitos de gestão financeira, a autonomia administrativa e financeira tem as seguintes
características:
a) atribuição de competências aos dirigentes para, nos termos da lei, autorizar a realização de despesas e
efectuar a cobrança das receitas;
b) dotações orçamentais constituídas por valores globais no Orçamento do Estado;
c) utilização das receitas próprias, obedecendo ao mecanismo de contas de ordem, nos termos do presente
Regulamento;
d) orçamentos privativos, com tabelas de receitas e tabelas de despesas devidamente discriminadas e
publicitadas;
e) pagamento directo das suas despesas;
f) obrigatoriedade de publicação no Boletim da República, até trinta dias após a aprovação do seu orçamento
privativo, devidamente discriminado e de todas as alterações orçamentais;
g) obrigatoriedade de prestação de contas dos responsáveis pela direcção e gestão orçamental, ao Ministro da
tutela, às entidades competentes do SCP e ao Tribunal Administrativo;
h) dever de, no pagamento das suas despesas, utilizar, primeiro, as receitas próprias e, só depois, as
provenientes do Orçamento do Estado ou outro ente público.
85
O sector público deve ser entendido como um conjunto de actividades económicas exercidas por entidades
públicas ou administrativas.
33
A dimensão do sector público deriva duma opção bipolar entre o recurso à actividade
pública ou actividade privada.

2.4.2. A autonomia

A autonomia que, como já se viu, é definida em contraposição com a soberania


estadual, pode ter várias modalidades que conduzem às caracterizações seguintes:

- autonomia patrimonial de gozo87 ou de exercício88;


- autonomia orçamental89;
- autonomia de tesouraria90;
- autonomia creditícia91.

São várias as formas de autonomia financeira, podendo implicar orçamentos


privativos parcialmente justapostos ou dependentes do Orçamento do estado e sujeitos às regras
de contabilidade pública.

2.4.3. Segurança social

A probabilidade de verificação de eventos danosos aos membros da colectividade –


risco social – acompanhada da redução da capacidade de cobrir a sua subsistência cria a
necessidade duma protecção social apta a cobrir por prestações compensatórias as carências
sociais.

Estas carências, antes cobertas pela piedade, caridade e solidariedade familiar, grupal,
profissional, classista ou religiosa hoje passaram a ser cobertas por mútuos de seguros e por
montepios (associações de confrarias) e mais recentemente, numa concepção universalista92
assistencialista93 e laborista94.

A segurança social, entre nós o Instituto Nacional de Segurança Social, é uma


manifestação de descentralização financeira.

2.4.4. Sector Empresarial

A par da segurança social a descentralização manifesta-se através do sector empresarial


do Estado que é constituído por empresas cuja orientação, controlo, tutela ou supervisão

86
Em contraposição com o sector administrativo (que não coincide com a Administração Pública) no qual assiste-
se a uma actuação económica do Estado segundo critérios não empresariais) fora do mercado ou através do
condicionamento (inter alia, estímulo, apoio, cooperação, imposição, proibição ou punição)
87
Os órgãos do ente autónomo estão dotados dos poderes necessários para administrar o património de que dispõe
a pessoa descentralizada.
88
A competência do ente autónomo circunscreve-se à gestão do património alheio.
89
A autonomia orçamental é uma desorçamentação que pode ter a forma de independência orçamental. Para mais
desenvolvimentos, ver SOUSA FRANCO, A., ob. cit., p. 155.
90
Capacidade de gerir autonomamente os recursos monetários próprios.
91
Capacidade de assumir dívidas.
92
Pela qual se reconhece a todos os cidadãos o direito a um mínimo vital e social.
93
Inspirada pelo regime de esquema mínimo de protecção social, quando solicitada e discricionariamente
reconhecida a necessidade.
94
Defendendo a continuidade de rendimentos anteriormente percebidos na fase activa do trabalhador.
34
depende do governo e da administração central95 do Estado e que tem como unidade básica a
empresa pública96 que podem ser perfeitas97 ou imperfeitas98.

CAPÍTULO II
As instituições financeiras

1. Conceito

As instituições financeiras finalistas concretas e variáveis são formas culturais


que à luz da experiência e dos fins definidos para o Estado e tendo em conta o sistema
económico político e sóciocultural que adopta, racionalizam e controlam o processo social de
exercício da actividade financeira99.

2. Instituições de enquadramento – enumeração

As principais instituições de enquadramento são as seguintes:

- a Constituição financeira,
- os órgãos de decisão financeira (decisores financeiros),
- o aparelho financeiro (administração e gestão),
- os planos financeiros (Orçamento e Plano Económico),
- o património público (o acervo estatal),
- o tesouro público (instituição de gestão dos meios monetários do Estado),
- o crédito público.

3. Instituições de enquadramento – caracterização

3.1. Constituição Financeira

I. A constituição que começou por ser um conjunto de regras orgânicas


reguladoras da atribuição e do exercício do poder politico100, hoje ela contém a definição de
ordenamento essencial da actividade social e económica101 podendo-se, então falar de

95
Não inclui, por isso, o sector empresarial autárquico (alínea j) do n.o 3 da Lei n.o 1/97, de 18 de Fevereiro; e
artigo 35 da Lei n.o 11/97, de 31 de Maio)
96
Lei n.o 17/91, de 3 de Agosto. A empresa pública tem uma determinada relação com o Estado tendo este
controlo, gestão ou maioria de capital social aspecto que, ao ser o mais claro vínculo de dependência orgânico-
funcional no sector público torna inequívoca a publicitação EP(características jurídicas e sócio-políticas de
entidade).
97
São perfeitas quando dotadas de personalidade jurídica, ampla autonomia (administrativa, patrimonial e
financeiro) e aptas a prosseguir objectivos sócio-económicos do estado.
98
Podem ser apontadas como imperfeitas os serviços municipalizados e o Serviço Nacional de Totobola e Lotarias
de Moçambique.
99
Segundo os ensinamentos do Prof. SOUSA FRANCO (ob. cit.,, p. 241) são instituições de enquadramento
aquelas que, diferentemente das instrumentais (meios e instrumentos financeiros) determinam como se forma e
exercita no domínio financeiro, a vontade política do Estado, no respeito pela sua estrutura interna, pelo tipo de
relações que tem com a sociedade e pelos direitos dos cidadãos.
100
OLIVEIRA MARTINS, Guilherme, Constituição Económica, 1o. volume. AAFDL, 1983, p. 5.
101
ANDRÉ e HAURIOU e JEAN GICQUEL, Droit constitutionnel et institutions politiques, 7a. Ed. Montchestien,
1980, pp. 78 e ss.
35
constituição programática ou de constituições político-sociais onde se incluem as constituições
económica, social e cultural.

É na constituição económica, que corresponde ao conjunto de normas fundamentais por


que se regem a organização e funcionamento económico de uma comunidade política102 que
podemos distinguir três aspectos fundamentais103:

a) a constituição sócio-económica, relativa à ordenação das relações entre vários


sujeitos na partilha de meios escassos para satisfação de necessidades crescentes;

b) a constituição económica stricto sensu, que se debruça sobre a ordenação


judicial da actividade económica, e

c) a constituição financeira pública cujo encargo é a ordenação da actividade


financeira do Estado para a satisfação das necessidades colectivas.

II. A Constituição financeira é o conjunto dos princípios básicos marcados por


constitucionalidade formal ou simplesmente material, que presidem à organização,
funcionamento do sistema financeiro e que, por isso, têm preeminência sobre as demais fontes
normativas104 105 106 107.

A constituição financeira (pública) corresponde pois ao conjunto de princípios e normas


fundamentais por que se regem juridicamente, numa comunidade política, a organização e o
funcionamento respeitantes à actividade económica dos entes públicos que afectam bens ou
meios económicos próprios à satisfação das necessidades que lhes estão confiadas108.

A constituição financeira deve articular-se com a constituição política109, económica,


social e cultural.

III. A constituição financeira pode ser formal ou material.

102
OLIVEIRA MARTINS, ob. cit., p . 10.
103
SOUSA FRANCO, A., Noções de Direito da Economia, AAFDL, 1982, p. 91.
104
SOUSA FRANCO, A. L., Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. I, 4.a Edição, 1993, p. 244, “Sistema
financeiro e constituição financeira no texto constitucional de 1976 em Estudos sobre a Constituição, Vol. III,
1979; idem, “A revisão da constituição económica”, separata da Revista da Ordem dos Advogados, 1982 pp. 21-3;
e “Sobre a constituição financeira de 1976-82, Estudos ed. Do Centro de Estudos Fiscais, 1983 (separata). Também
o Prof. TEIXEIRA RIBEIRO tem escrito sobre a matéria no Boletim de Ciências Económicas, de Coimbra: “As
opções fiscais da Constituição”, 1978; “O sistema fiscal na Constituição revista” 1982; “O imposto de rendimento
pessoal e a discriminação dos rendimentos”1985; “As alterações à Constituição no domínio das Finanças
Públicas”, 1983; “Os poderes orçamentais da Assembleia Nacional”1971; “Os poderes orçamentais da Assembleia
da república”1987.
105
G. D’OLIVEIRA MARTINS, Lições sobre a constituição económica portuguesa. II – A constituição
financeira, AAFDL, 1984-1985.
106
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, I Vol., 2.a ed.,
1984, maxime, pp. 459-473.
107
JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Vol. I, Tomo II, 1981, pp. 339 ss. (reeds.).
108
OLIVEIRA MARTINS, Constiuiçao Financeira, 2o. Volume, p. 5.
109
A constituição política e social baseia-se nos seguintes princípios:
a) Independência E SOBERANIA (Art. 7 da CRM);
b) Dignidade da pessoa humana (Art.s 70 e 71 da CRM);
c) Democracia política representativa, electiva e pluralista (Art.os 30, 31, 33 e 34, 68, 73, 76 e 77 da CRM);
d) O princípio teleológico da construção de uma sociedade livre, justa e solidária (em geral o At. 6 da CRM);
e) Princípio da descentralização financeira (Título IV e em particular os Art. 181 e 183 da CRM).
36
A constituição financeira formal é aquela que resulta do texto constitucional,
isto é, o conjunto de normas constantes do texto da Constituição ou que sejam dotadas dos seus
requisitos formais.

As nossas constituições, quer a Constituição da República Popular de Moçambique


(1975) quer a Constituição da República de Moçambique (1990) têm sido bastante pródigas em
formulações de natureza essencialmente financeira:

a) Art. 50, relativo à criação e alteração de impostos;


b) N.o 2 do Art. 135 relativo à deliberação pela Assembleia da República sobre o
Plano e Orçamento do Estado e do respectivo relatório de execução, alínea l) e sobre a sua
competência para definir as bases da política de impostos alínea j);
c) A competência do Conselho de Ministros para preparar o Plano e Orçamento do
Estado e para executá-lo, após aprovação pela Assembleia da República (Art. 153, n.o. 1, alínea
d);
d) A competência do Tribunal Administrativo para a apreciação das Contas do
Estado (alínea e) do n.o. 2 do Art. 173).

Assim, afora o princípio da legalidade que é explícito no Art. 50, o princípio da


anualidade, cuja violação acarretaria uma inconstitucionalidade directa, não é senão implícito
no texto constitucional. A aprovação anual do orçamento aponta, através da periodicidade
orçamental, que é anual, ao princípio da anualidade.

É um princípio que, apesar de apenas implícito, está dotado dos requisitos formais como
se de texto constitucional formal fizesse parte.

IV. Só para referir exemplos inconfundíveis, apontaremos como fazendo parte da


constituição financeira a Lei de Enquadramento Orçamental e da Conta do Estado, Lei nº.
15/97, de 10 de Julho, a Lei nº. 16/97, de 10 de Julho, nos aspectos relativos ao nº. 2 do art. 10
sobre o Regimento da organização, funcionamento e processo da 3a. Secção do Tribunal
Administrativo, o Art. 3 da Lei nº. 14/97, de 10 de Julho, sobre a Conta do Estado e, ainda, a
Lei de Bases de Sistema Tributário (Lei nº. 15/2002, de 26 de Junho), Lei n.o 11/97, de 31 de
Maio, sobre as Finanças Autárquicas e a Lei nº. 4/2000, de 12 de Fevereiro, que cria o Sistema
de Administração Financeira do Estado.

Podemos seguramente referir como fazendo parte da constituição financeira o artigo 38


in fine (no que diz à participação dos cidadãos e à utilização eficiente dos recursos como o
meio para melhoria das condições de vida do povo); o artigo 41 que define o papel promotor e
regulador do Estado para alcançar a satisfação das necessidades básicas da população e
promoção do bem-estar social; artigo 49 que estabelece a actuação e a intervenção do Estado na
economia; artigo 50 sobre o princípio de legalidade dos impostos, artigo 66 sobre o princípio da
igualdade dos cidadãos; alínea h) do n.o 2 do artigo 135 sobre o princípio da anualidade ou da
autorização anual de cobrança; e os já referidos artigos 193 sobre o princípio da
descentralização financeira; os princípios da boa fé e segurança jurídica consubstanciados,
respectivamente, pelos artigos 207 e 209.

V. A constituição financeira material integra o núcleo fundamental de normas e


princípios que regem o sistema e as instituições financeiras, quer resultem quer não do texto
formal da constituição, sejam ou não dotados de estabilidade.
37
Da constituição financeira material fazem parte as regras básicas, com uma significativa
importância, cuja articulação interpretativa com as regras e princípio da constituição formal
permite a compreensão do ordenamento jurídico financeiro110.

A constituição material permite o desenvolvimento de uma concepção dialógica do


Direito em oposição aos entendimentos directivos111.

3.2. Órgãos de decisão financeira

Na actividade financeira compete aos seguintes órgãos sociais tomar decisões


financeiras fundamentais:

a) No plano do Estado

O órgão de conformação global112 e orientação geral é, por excelência, a Assembleia da


República113.

O Governo, no exercício do seu poder subordinado e delegado tem também uma acção
conformadora.

b) No plano da Administração

É ao Governo que cabe a coordenação, orientação e a intervenção hierárquica ou tutelar


(controlo).

c) No plano económico do sector público cabe ao Governo, às comissões


interministeriais, ao Primeiro Ministro e aos Ministérios globalizantes e aos Ministros, elaborar
e executar a política financeira114.

3.3. Administração e gestão financeira

A Administração tem se desenvolvido seguindo as tendências de autonomização,


especialização, unificação, participação e controlo.

As nossas finanças públicas, numa tendência de unificação, têm no Ministério do Plano


e Finanças o epicentro.

110
É por essa razão que OLIVEIRA MARTINS (ob.cit, p. 12) fala da “constituição material como um espaço de
jogo” autónomo e pluralista, como sistema fundamental de mediação jurídica (normativa, jurisprudencial e
consuetudinária) entre valores étnico-jurídicos e os factos económicos e sociais” .
111
OLIVEIRA MARTINS, ob. Cit., p. 12.
112
Orientação geral corresponde à fixação de objectivos e suas prioridades, estratégia e princípios gerais de
actuação.
113
De acordo com o Artigo 133 da CRM, a Assembleia da \República é o mais alto órgão legislativo da República
de Moçambique e a ele compete determinar as normas que regem o funcionamento do Estado através de leis e
deliberações de carácter genérico
114
Entende-se que onde há poder de decisão administrativa tende a haver poder de decisão financeira que é
exercido com tanto mais eficiência quanto maior ele estiver descentralizado.
38
Constituem ainda instituições de enquadramento, responsáveis pela
administração e gestão financeira os vários serviços de coordenação e controlo (por exemplo a
Inspecção-Geral de Finanças, Direcção Nacional de Impostos e Auditoria, a Direcção Nacional
do Património e o Departamento de Dívida Pública), os serviços de gestão orçamental
(Direcção Nacional do Orçamento, a Direcção Nacional de Contabilidade Pública, a Direcção
Nacional das Alfândegas) e, ainda, os serviços de apoio à tutela do Ministério do Plano e
Finanças como sejam o Banco de Moçambique (tutela a bancos), a Inspecção Geral de Seguros
e a Inspecção Geral de Jogos)..

3.4. Tribunais

Os Tribunais controlam com imparcialidade a legalidade do acesso aos patrimónios dos


particulares.

Estes tribunais especializados em matéria fibabceira podem ser

a) em primeira instância
. Tribunais aduaneiros,
. Tribunais fiscais;

b) em segunda instância
. Tribunal Administrativo.

Os primeiros estão numa fase insípida de jurisdicionalizaçao porquanto a sua


falta de independência em relação ao Executivo não carece de demonstração, com os juízes a
não beneficiarem da garantia de inamovibilidade e de irresponsabilidade face à administração
financeira com irreparáveis prejuízos dos direitos fundamentais dos cidadãos, cunho distintivo
dum Estado de Direito.

4. Instrumentos Financeiros

4.1. Explicação

Quando enunciávamos as instituições financeiras fomos a tempo de referir que a


constituição financeira, as decisões financeiras, a administração financeira eram instituições de
enquadramento, e estudámo-los, enquanto que o património, o Tesouro Público e o crédito
público eram instituições financeiras instrumentais ou instrumentos financeiros.

4.2. Instrumentos financeiros – conceito e enumeração

Por instrumentos financeiros designam-se os meios de que o Estado dispõe para


satisfazer necessidades sociais.

São os seguintes os instrumentos financeiros que serão desenvolvidamente estudados


em capítulos especiais:

- o Património,
- o Crédito Público,
- o Orçamento,
- a Conta do Estado.
39
- da introdução de um sistema de classificação orçamental moderno, abrangente e
consistente;
- da unificação dos orçamentos corrente e de investimento.

PARTE III
A TEORIA DO ORÇAMENTO

Capitulo I
Origem, conceito e caracterização do Orçamento

1. Origem

À ideia do orçamento estão ligados os princípios da protecção das liberdades e


garantias dos cidadãos contra a hipertrofia do Estado, nos nossos dias, e das necessidades dos
monarcas.

Embora não com a configuração de hoje já no século XVI aos monarcas era
imposta uma audição às Cortes.

Na Inglaterra (séc. XVII), na França (Revolução Francesa - início em 1789) e nos


Estados Unidos (após 1787 – proclamação da Constituição), consolida-se o princípio de
autorização financeira (fixação de despesas públicas e repartição dos impostos) pelo
Parlamento, embora o primeiro orçamento da Europa se considere criado no exercício de 1815-
1816, no século XIX.

2. Conceito

Em qualquer gestão, individual, privada ou pública, é condição essencial para a


realização de qualquer despesa, ter receita, realidades interligadas, no caso de entes públicos, à
satisfação de necessidades colectivas.

O Estado tem que prever as despesas em função das necessidades a satisfazer e


com base nelas, programar as receitas a cobrar115.

Há, pois, que fazer o cálculo antecipado das despesas e das receitas.

Esta é a noção do orçamento, que deve ser entendido como ”um documento no
qual estão previstas as receitas a arrecadar e fixadas as despesas a efectuar, num determinado
ano económico, visando a prossecução da política financeira do Estado.

Desta definição identificam-se três elementos, tais como: a previsão, o tempo e a


autorização.

115
Posição diferente será a dos particulares que iniciarão o processo de planificação financeira com a determinação
das receitas aptas a cobrir as despesas que não terão necessariamente que cobrir as necessidades.
40
A natureza do orçamento a extrair do conceito atrás ensaiado não é a mesma,
consoante se trate de receita ou despesa.

Será uma previsão, em princípio, fixada pelo mínimo desejável, em relação às receitas;
e é um verdadeiro limite (tecto máximo) e condição, quando se trate de despesas.

O orçamento é uma autorização de realizar determinadas despesas até ao valor


fixado e de cobrar certas receitas nos valores estimados para o que se espera a máxima
eficiência na cobrança para que sejam, no mínimo, iguais às orçadas.

O orçamento é um instrumento de controlo ao Executivo, e à Administração que


vêm os seus poderes de decisão financeira limitados.

O orçamento, como instrumento de determinação dos montantes a despender


com o funcionamento dos serviços, define prioridades e constitui o quadro geral básico de toda
a actividade financeira do Estado.

Aqui chegados, vê-se que em bom rigor o orçamento do Estado é e deve ser
mais do que a definição atrás exposta esclarece. Vale a pena, pois, avançar por uma que
julgamos mais completa:

“O Orçamento do Estado é uma previsão, em regra anual, que fixa as despesas a


realizar pelo Estado, as receitas para a sua cobertura e incorpora a autorização e os limites do
exercício dos poderes financeiros pela Administração116.

3. Tipos de orçamento

Na abordagem do orçamento podemos falar de três tipos de orçamento: o orçamento de


exercício, o orçamento de gerência e o orçamento de tesouraria.

Será de exercício se as receitas e despesas são inscritas no orçamento atendendo ao


momento em que a obrigação e/ou direito nascem.

Será de gerência aquele orçamento que inscreve aqueles dois instrumentos financeiros –
receitas e despesas, no momento em que devem ser cumpridas as obrigações ou exercidos os
direitos correspectivos. Mais facilmente, no orçamento de gerência uma despesa trianual de 9
000 contos terá inscrito em cada um dos três exercícios de sua execução 3 000 contos. Num
orçamento de exercício os 9 000 contos seriam inscritos no primeiro exercício da execução da
despesa.

Mais compreensivelmente, podemos dizer que quando a previsão das receitas e


despesas é relativa à sua fase terminal de cobranças e pagamentos, estamos perante o
orçamento de gerência.

Estamos no de exercício quando a previsão de receitas e despesas é na sua fase inicial


de créditos e dívidas117.

116
Esta definição inspirada na do Professor Sousa Franco (ob. cit., p. 336) e Pereira de Sousa (ob. cit., p. 86)
parece-nos mais compacta e mais completa.
117
Cfr. TEIXEIRA RIBEIRO, ob. Cit., p. 53.
41
O orçamento de tesouraria é o que permite programar os pagamentos e recebimentos e
pode estar presente quer num orçamento de gerência, quer no de exercício.

O orçamento de exercício é de mais difícil execução mas para efeitos de função política
é o mais recomendável, facilitando a responsabilização dos governos pelos orçamentos que lhes
são imputáveis.

4. Funções do Orçamento

No orçamento podemos identificar os seguintes três elementos:


- Elemento económico,
- Elemento político, e
- Elemento jurídico.

Estes elementos delimitam as três funções essenciais que o orçamento


desempenha, designadamente:

a) Função económica

O orçamento é um instrumento essencial de gestão financeira do Estado.

Através dele fazem-se as opções económicas mais racionais. Ele constitui, em


articulação com o plano, um instrumento de intervenção, ordenação e actuação do Estado para
a prossecução dos objectivos de satisfação de necessidades colectivas, mediante a afectação de
bens materiais raros a fins alternativos, com pleno emprego, desenvolvimento, crescimento e
combate à inflação; através da relacionação das receitas com as despesas, procede-se à
ponderação entre utilidades sociais esperadas e os custos consentidos (suportar) pela
comunidade política com a acção da Administração Financeira.

b) Função política

O orçamento é um instrumento de autorização pela comunidade politica,


representada pelo Parlamento, à cobrança das receitas e uma medida para o controlo que ela
deve realizar à aplicação dos dinheiros públicos.

O orçamento é uma verdadeira exposição do plano financeiro e por ele se faz a garantia
de direitos fundamentais e de equilíbrio dos poderes de decisão financeira.

Assim, a Assembleia da República autoriza a arrecadação das receitas e sua utilização;


o Governo executa o orçamento e disso presta contas; o Tribunal Administrativo e o
Parlamento fiscalizam a sua execução.

c) Função jurídica

O orçamento é uma norma jurídica, uma lei118 pela qual se processa a


enumeração dos poderes dos órgãos da Administração, sua caracterização e limitação da sua
acção financeira.

118
A seu tempo discutiremos mais conclusivamente sobre a matéria.
42
O Direito Orçamentário é mais forte do que o Direito Administrativo.

Deve já deixar-se uma nota leve sobre a diferença sobre Lei Orgânica do
Orçamento contida no SISTAFE119 e na Lei n° 15/97, de 10 de Julho, e a Lei do Orçamento do
Estado que é anual e elaborada em estrita obediência à Lei Orgânica do Orçamento.

A norma jurídica que é o orçamento fundamenta a actividade financeira do


Estado evitando o arbítrio no dispêndio dos dinheiros públicos.

O orçamento tem, entre nós, uma consagração constitucional.

Como pode ver-se, estas funções são independentes. A autorização parlamentar é feita
no suposto de alcançarem-se certos e determinados objectivos, através de uma eficiente e
racional gestão dos dinheiros (função económica) se for garantida uma adequada fiscalização
(função jurídica).

5. Realidades semelhantes

Há realidades que importa distinguir de orçamento por, dada a proximidade, com ele
poderem confundir-se , tais como a Conta do Estado, o orçamento das pessoas privadas, o
plano económico e os orçamentos administrativos.

a) Conta do Estado

A Conta do Estado, que é um registo ex-post da execução orçamental, difere do


orçamento pelo elemento temporal: a Conta é um registo de factos passados reportando o
modo de execução do Orçamento; diferentemente, o Orçamento, como já se disse, é uma
previsão.

b) Balanço do Estado

O Balanço avalia e confronta o activo e o passivo do Estado, num determinado


momento, por forma a apurar a sua situação patrimonial. Temos a diferenciá-lo do Orçamento
o elemento temporal e o objecto.

c) Orçamento das pessoas privadas

Diferentemente do orçamento do Estado, os orçamentos privados não detêm as funções


política e jurídica, e não são dotadas de vinculatividade, não obstante se lhes reconheça a
qualidade de estimativas racionais.

d) Plano Económico

O Plano Económico não abrange o universo da actividade financeira e limita-se a


algumas previsões de despesas de capital

e) Orçamentos Administrativos

119
Lei n° 9/2003, de 19 de Fevereiro.
43
Por orçamentos administrativos designam-se partes do Orçamento que constituem
previsões e autorizações administrativas internas respeitantes a sectores ou estruturas da
Administração.

6. Natureza jurídica do Orçamento

6.1 As doutrinas

A natureza do orçamento é controvertida, havendo aqueles que admitem poder ter uma
natureza uniforme e aqueles que defendem que a sua qualificação jurídica pressupõe uma
fragmentação.

É assim que o orçamento pode ser qualificado como:

a) Lei em sentido material

Seria uma lei em sentido material pois considera-se uma norma inovadora120.

b) Lei em sentido formal

Os que não concordam com a sua qualificação como lei em sentido material sustentam
que não passa de uma autorização ao Governo para realizar despesas e cobrar receitas. Não se
entende que seja uma verdadeira lei pois não fixa regras gerais e permanentes.

c) Acto Administrativo

Entende-se que é um acto administrativo por constituir um plano de gestão financeira.

d) Acto-condição

Seria acto-condição por entender-se que o orçamento é instrumental na gestão dos


negócios públicos pelo Governo.

e) Qualificação por partes121

Entende-se que, tendo em vista as despesas, pode ser um acto administrativo; em


relação às receitas tributárias pode ser acto-condiçao.

6.2 A nossa posição

A Lei do Orçamento contém matéria inovadora e de conteúdo injuntivo que é incindível


da parte que pode ser considerada um simples plano de gestão financeira, sem norma jurídica
que contenha ordem ou uma proibição.

120
Introduz alterações na ordem jurídica pré-existente.
121
Para mais desenvolvimentos, ver BRAZ TEIXEIRA, ob. cit., pp. 95 a 117.
44
O segundo pressuposto é que o orçamento contém autorizações legislativas e a
competência orçamental da Assembleia da República é exercida sob a forma de lei, por
imposição legal

Está igualmente claro que o orçamento não é um simples acto político, que é uma lei em
sentido formal sendo que do seu desrespeito há penalidades previstas em lei enquadradora.

Capitulo II
Princípios e Regras da Organização Orçamental

1. Aspectos gerais

Muitos autores, referindo-se à organização e disciplina do orçamento falam, invariável e


indistintamente, de princípios122 e regras123 orçamentais. O nosso legislador refere-se a
princípios.

Vamos, a titulo de exemplo, considerar princípios, por serem de inquestionável valor:


- a universalidade; e
- a especificação.

Classificaremos de regras:

- a anualidade; e
- o equilíbrio,

pois a sua violação não põe em causa a instituição orçamental.

A classificação não é inócua no domínio da interpretação de lacunas e na


construção dogmática.

Feita a distinção entre princípios e regras importa dizer que, convencionalmente,


usaremos os dois vocábulos indistintamente.

Existem oito regras orçamentais básicas: a regra da anualidade, da unidade, da


universalidade, da não consignação, da especificação, do orçamento bruto, da publicidade e do
equilíbrio.

2. Principio da anualidade

Pela regra da anualidade124 125, o orçamento tem uma vigência anual, refere-se ao ano
financeiro, o qual pode ou não coincidir com o ano civil.

122
Os princípios representam normas substanciais ou essenciais, de validade permanente, resistentes às
contingências e são fonte da disciplina orçamental (BRAZ TEIXEIRA, ob. cit., p. 149).
123
As regras orçamentais, consequência lógica natural dos princípios,, admitem excepções, de conteúdo
pragmático e são adaptáveis às necessidades e às conveniências do momento (ibidem).
124
Não confundir com a anuidade utilizada em sede de Direito Fiscal para significar prestações anuais dum
determinado imposto.
45
Em Moçambique, à semelhança do que sucede na maioria dos países, as receitas e as
despesas são orçamentadas para o período compreendido entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro,
o qual coincide com o ano civil.

1997 é o ano em que o orçamento corrente de investimento deixam de abarcar


períodos distintos. O primeiro ia de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro, enquanto que o segundo
compreendia o período entre 1 de Abril e 31 de Março.

Aproveita-se para explicar que o período complementar de execução do


orçamento, normalmente até 31 de Março, não é uma negação à regra da anualidade nem faz do
orçamento um orçamento de gerência.

Do mesmo modo, o respeito pela anualidade não impede que se inscrevam em


cada orçamento as despesas anuais dos projectos e programas plurianuais. É o que se passa
com o Plano Trienal de Investimento Público (PTIP) e os Programas Sectoriais Integrados
(PSIs) nas áreas da educação, saúde, agricultura, estradas e água, pois, apesar de abarcarem um
horizonte temporal de 3 e 5 anos, respectivamente, todos eles se traduzem em despesas anuais,
as quais são inscritas no orçamento do respectivo ano.

A inclusão destes programas ou projectos plurianuais no orçamento não pode ser


invocado na defesa da ideia de orçamento cíclico.

O orçamento cíclico decorreria do carácter cíclico dos fenómenos económico-


financeiros aliada à crise de concepção neutral das finanças públicas126 127.

Aliás, a nossa lei, como já atrás se disse, não dá guarida a esta concepção.

A regra da anualidade implica a votação anual do orçamento pela Assembleia da


República, uma execução anual das despesas e receitas públicas, e uma fiscalização anual das
mesmas pelo Parlamento e/ou um órgão jurisdicional, nos termos da alínea b) do n.o 2 do
Artigo 35 da Constituição da República de Moçambique.

Do ponto de vista político, a anualidade assegura uma certa regularidade no


controlo da gestão dos dinheiros públicos.

Do ponto de vista económico, o ano apresenta-se como um bom período para a


realização de cálculos económicos, quanto mais longo for o período abrangido pelo orçamento,
maior será o elemento de incerteza no cálculo das despesas e das receitas.

125
Note-se que tem-se preferido falar do “Princípio de Autorização Anual de cobrança”. É uma transposição do
“Princípio do Consentimento”ou da “Regra da aprovação orçamental”, princípios com larga consagração no
Direito Fiscal e que, na essência, representam a aceitação dos governados à cobrança do imposto pelo poder
instituído. É uma garantia institucionalizada e com dignidade constitucional, constando do Artigo 135, n.o 2,
alínea h) da Constituição da República de Moçambique, que prevê: “2. Compete, nomeadamente, à Assembleia da
República:
h) Deliberar sobre o Plano e Orçamento do Estado e o respectivo relatório de execução.”
126
BRAZ TEIXEIRA, ob. Cit., pp. 124 e 125.
127
PITTA E CUNHA, Equilíbrio orçamental e político anticíclico, Lisboa, 1962.
46
Nos Estados Unidos da América e na Inglaterra, pelo contrário, o ano económico já não
coincide com o ano civil.

3. Princípio da plenitude orçamental

O princípio da plenitude orçamental significa que o orçamento deverá ser único e


universal, nele devendo inscrever-se todas as receitas e todas as despesas.

Este princípio tem duas regras distintas mas entrecruzadas e complementares – a da


unidade e da universalidade.

Estas visam evitar que escape à autorização politica, na fase de previsão, ao controle
político e administrativo, na fase de execução e à responsabilização jurisdicional e
parlamentar, na fase de prestação de contas, uma quantidade significativa de fundos públicos,
por efeito da desorçamentação das despesas e receitas públicas.

São regras que conferem maior abrangência, racionalidade e transparência ao


orçamento, facilitando o controle político e formulação de opções de natureza financeira e uma
rigorosa execução orçamental.

3.1. Regra da Unidade

Esta unicidade128 do orçamento torna-o mais claro, simples e de fácil análise, necessária
para uma adequada e consciente fiscalização prévia das receitas e das despesas pelo órgão
constitucionalmente competente – a Assembleia da República.

O carácter unitário do orçamento não é absoluto; há excepção em relação às autarquias


e empresas públicas cujos orçamentos são elaborados, aprovados e executados autonomamente.

Esta determinação dos custos e previsão das receitas, de modo autónomo, garante
eficácia, flexibilidade de gestão e eficiência na cobrança de receitas.

No entanto, é obrigatória a inclusão no orçamento de elementos necessários à


apreciação do sistema financeiro dos entes descentralizados.

A regra da unidade evita a fuga de importantes sectores e massas monetárias à


autorização política, na fase de previsão, ao controlo político e administrativo (na fase de
execução) e à responsabilização jurisdicional e/ou parlamentar, na fase de controlo e prestação
de contas.

A regra de unidade contorna, pois, a desorçamentação das despesas e receitas públicas,


facilitando uma maior abrangência, racionalidade e transparência orçamental.

3.2. Regra da Universalidade

A regra da universalidade, que completa a da unidade, consiste em que num único


orçamento seja tudo inscrito, isto é, todas as receitas e todas as despesas, para não frustrar a sua
função fiscalizatória.

128
BRAZ TEIXEIRA, ob. Cit., p. 126.
47
4. Princípio da discriminação orçamental

Este princípio define as regras precisas de inscrição e efectivação das receitas e


despesas no orçamento.

Deste princípio, emergem as seguintes regras:

4.1. Regra da especialização

Pelas regras anteriores temos um orçamento único em que tudo é inscrito.

Pela regra de especialização cada receita e cada despesa vem individualizada e, sem
exagero de pormenor, mas com rigor, clareza e simplicidade, especifica-se o seu conteúdo e o
seu fim com o objectivo de não defraudar os objectivos do orçamento.

4.2. Regra da não compensação ou do orçamento bruto

Esta regra decorre da regra da universalidade. Ela impõe a inscrição das receitas pelo
valor integral, sem dedução de qualquer natureza, como por exemplo, os encargos de cobrança.

Esta regra torna o orçamento transparente e de mais fácil entendimento, desiderato


difícil se no orçamento figurarem valores líquidos e não brutos.

As despesas públicas, no nosso país, são especificadas de acordo com a sua natureza
económica, funcional, orgânica e territorial e a especificação das receitas é feita de acordo com
os classificadores económico e territorial.

A dotação provisional, com fundamento em objectivos económicos e sociais que não


podem ser comprometidos, não é uma negação à regra, conquanto que a seu tempo os gastos
não previstos sejam especificados.

4.3. Regra da não consignação

Da conjugação da regra da unidade e da universalidade resulta que nenhuma receita


pode afectar-se à cobertura específica de determinada despesa.

Excepção será feita nos casos de autonomia e os especificamente previstos na lei129.

Importa saber se o Fundo de Compensação Autárquica130 não será uma forma de


consignação duma receita.

Não parece que assim seja; desde logo, porque não há uma vinculação desta receita a
certas despesas, estando apenas determinado que ela não pode ser usada para certas despesas.

129
No caso das autarquias a consignação tem de obedecer a regulamentação do Governo (Art. 6 da Lei n.o 11/97,
de 31 de Março.
130
É este, alias, o sentido do n.o 3 do Art. 40 da Lei n.o 11/97, de 31 de Maio, quando define que o produto das
transferências desse Fundo é de livre aplicação pelas autarquias sem prejuízo de não dever ser aplicado em
remunerações dos autarcas.
48
Esta regra visa evitar que cada serviço ou Ministério constitua-se num mundo à parte,
com receitas e despesas próprias. Uma vez mais, procura-se evitar o fenómeno da
desorçamentação, o qual dificulta o controlo regular das despesas e receitas, impede uma
gestão integrada das mesmas e compromete a planificação orçamental, pondo em causa a
coerência das opções financeiras do Estado.

Em Moçambique, como noutros países, admitem-se excepções a esta regra no caso dos
organismos que gozam de autonomia financeira (orçamento próprio e receitas próprias). Estas
instituições poderão afectar as suas receitas à cobertura (parcial ou total) das suas despesas,
tendo as razoes para tal sido já apontadas.

A lei moçambicana prevê ainda a consignação de receitas em situações especiais, por


exemplo, quando se quer assegurar que certas despesas sejam financiadas, em parte ou na sua
totalidade, pelos seus beneficiários. Neste contexto, o Fundo de Manutenção de Estradas e
Pontes dispõe de parte substancial das receita sobre combustíveis e os hospitais financiam parte
das suas despesas com as receitas provenientes de consultas.

5. Princípio da publicidade

Como lei em sentido formal que o orçamento é, deve, como requisito de validade, ser
publicado no Boletim da República.

Como lei especial exige-se que para além da publicação ela tenha a necessária
publicidade.

Não há dúvidas quanto ao modo de publicidade dos orçamentos autárquicos, quando


para além de dever ser publicado no Boletim da República (n.o 1 do Art. 7 da Lei das Finanças
e Património das Autarquias Locais), diga-se, procedimento excepcional à simples exigência de
afixação (Art. 105 da Lei n.o 2/97, de 18 de Fevereiro), manda o n.o 2 do Art. 7 da Lei n.o
11/97, de 31 de Maio, que se mantenha permanentemente um mínimo de três cópias do
orçamento aprovado à disposição do público, para informação e consulta em local apropriado
no edifício-sede da autarquia.

A preocupação de vincar a importância da publicidade do orçamento é de destacar.

O legislador, para além de indicar especificamente aquelas formas mínimas que deve
revestir a publicidade a dar ao relatório depois da aprovação pelo órgão deliberativo
competente (Art. N.o 3 do Art. 5 da Lei n.o 11/97, de 31 de Maio) deixa claro que este
procedimento é sem prejuízo de outras formas adequadas de publicação (n.o 2 do Art. 7 da
mesma Lei).

Em relação ao Orçamento estadual não é claro como deve ser dada publicidade. Nem o
que já é costume na prática legislativa moçambicana de publicar-se pelos principais jornais do
país, verdadeira publicitação, não tem acontecido com o orçamento.

De todo o modo, podemos concluir que um orçamento não publicado não é orçamento.
É através da publicação do orçamento que se concretiza a autorização política das receitas e
despesas e se dá conhecimento formal à Administração Pública do conteúdo desta autorização.

49
Também só com a publicação do orçamento os cidadãos terão um conhecimento do mesmo,
estando assim em condições de controlar e criticar a sua natureza e execução.

No nosso país, a publicação do orçamento é feita no Boletim da República, sendo


matéria de publicação a Lei Orçamental, a tabela de receita e a tabela de despesa. Estes três
documentos, e outras informações económicas e financeiras consideradas pertinentes para a
avaliação do orçamento, são objecto de separata orçamental.

6. Princípio do Equilíbrio

6.1. Caracterização

O princípio do equilíbrio orçamental é reconhecidamente o mais importante dos


pressupostos orçamentais como também é o mais envolto em controvérsia doutrinária.

O Orçamento do Estado é equilibrado quando prevê os recursos necessários131 para


cobrir todas as despesas.E sta seria uma definição formal de equilíbrio do orçamento.

A definição material, que busca a resposta quanto a saber que tipo de despesa deve ser
coberto por determinado tipo de receitas (equilíbrio substancial132, conduz a várias orientações
para cuja abordagem seguimos de perto os ensinamentos do Prof. Sousa Franco133.

Antes de mais deixar esclarecida a diferença entre equilíbrio financeiro e orçamental.


Este limita-se ao orçamento, na sua situação estática, enquanto o equilíbrio financeiro exprime
a relação entre os equilíbrios do crédito público, do orçamento, da tesouraria e equilíbrios
globais da economia.

A relação entre as receitas e as despesas conduz a que se fale de equilíbrio quando o


valor de umas e outras são iguais ou quando o das receitas é superior ao valor das despesas.

Estaremos perante um equilíbrio orçamental latu sensu quando acontecem as duas


situações - de receitas e despesas iguais (equilíbrio aritmético) ou de receitas superiores às
despesas (superavit)134.

Em sentido estrito, bem se vê, estaremos perante um equilíbrio quando as receitas e


despesas estejam em situação de paridade.

O orçamento será deficitário quando as receitas se apresentam inferiores às despesas.

O princípio do equilíbrio pode ser obedecido numa perspectiva de previsão orçamental


ou na de execução orçamental consoante, respectivamente, o equilíbrio orçamental em sentido
estrito ou amplo, se regista Ex-ante ou ex-post.

131
Não nos concentramos aqui a saber o tipo de recursos que podem ser receitas tributárias, creditícias,
patrimoniais, donativos ou doações.
132
Ao equilíbrio substancial contrapõe-se o equilíbrio formal de mais fácil satisfação que consiste na igualdade
contabilística entre receitas e despesas.
133
Ob. Cit., p. 365 a 397.
134
Explica o Prof. TEIXEIRA RIBEIRO, ob. cit., p. 91, que o orçamento superavitário explica-se pela necessidade
de cobrir o risco de sobreavaliação das receitas, produzindo menos do que o previsto, ou por se pretender com o
excesso constituir um fundo para usar em períodos de deflação.
50
Entendido doutro modo, o equilíbrio orçamental pode estar garantido no processo de
aprovação ou apenas no processo de execução, mais precisamente, quando da aprovação da
Conta.

A nossa prática financeira exige o equilíbrio na aprovação do orçamento e da Conta –


uma perspectiva dualista.

Retornemos, então, aos diferentes critérios135.

6.2. Critérios classificativos

6.2.1. Critério clássico

Por este critério só podemos falar de equilíbrio orçamental quando os rendimentos


normais136 cobrem todas as despesas.

Entende-se daqui que o recurso a receitas não efectivas para suportar os encargos
públicos conduziria a um défice orçamental só admissível em casos de sobrevivência nacional,
tais seriam os relativos à guerra ou calamidade pública.

É uma concepção clara e portadora de rigor na administração financeira.

É uma concepção que privilegia a garantia da estabilidade no património monetário


estadual e a neutralidade das finanças137.

Recapitulando, dissemos que o equilíbrio orçamental, nesta concepção, é garantido pela


cobertura das despesas efectivas por receitas efectivas.

6.2.2. Critério do equilíbrio do orçamento ordinário

Antes de mais, uma tentativa de qualificação do orçamento ordinário.

Orçamento ordinário é aquele que é constituído por receitas e despesas ordinárias.

São ordinárias as receitas e as despesas que são renováveis ou que se repetem


qualitativamente em todos os orçamentos138 podendo a variação dizer respeito aos
quantitativos.

Não se confundirá despesas extraordinárias com as variáveis, pois as há ordinárias que


sejam variáveis (em contraposição com as despesas certas), por os respectivos quantitativos
terem acentuadas variações de exercício para exercício.

135
Fala-se também em concepções ou orientações. Nesse sentido, veja-se BRAZ TEIXEIRA, ob. cit., p.p. 134 e ss.
e PEREIRA DE SOUSA, ob. cit., pp. 103 e ss.
136
Devem entender-se por normais os rendimentos provindos do património e dos tributos.
137
TEIXEIRA RIBEIRO, J.J., ob. Cit., p. 93.
138
Serão os empréstimos porque repetitivos em certos orçamentos, receitas ordinárias? A resposta será negativa se
precisarmos que a condição essencial para uma despesa ou receita ser qualificada de ordinária é a sua repetição em
todos os orçamentos e não ciclicamente, isto é, de tantos em tantos orçamentos, casos em que seria despesa
recorrente.
51
Segundo este critério, um orçamento é equilibrado quando as despesas ordinárias são
cobertas pelas receitas ordinárias, e as despesas extraordinárias podem ser cobertas pelo
excedente de receita ordinária e pelas extraordinárias.

Este critério não alia a sua clareza e simplicidade ao rigor, que não tem, devido à sua
elasticidade, que permite deturpações na aplicação uma vez que deixa a escolha dos meios de
financiamento ao arbítrio dos governos, protegidos pela qualificação concreta das receitas e
despesas (podendo qualificar-se de extraordinários gastos perfeitamente enquadráveis em
ordinários).

6.2.3. Critério do activo de tesouraria

Este critério é uma revisão da concepção clássica.

O orçamento considera-se equilibrado quando haja igualdade entre despesas efectivas e


receitas efectivas, admitindo-se o crédito público apenas aplicado no pagamento da dívida
pública.

Doutro modo, a utilização do crédito para cobertura de despesas efectivas, conduziria a


um défice.

6.2.4. Critério do orçamento de capital139

Este critério assenta na distinção entre receitas e despesas correntes140 ou de


141
capital e, por consequência, na distinção entre o orçamento corrente e o orçamento de capital.

O equilíbrio orçamental, à luz deste critério, verifica-se quando as despesas


correntes do Estado são cobertas pelas receitas correntes, sendo as despesas de capital cobertas
por receitas de capital ou por excedentes das receitas correntes.

Deficitário seria então o orçamento que tivesse as despesas correntes cobertas por
receitas de capital.

É um critério que permite uma regularidade na gestão financeira sendo, por isso,
considerado de sanidade financeira substancial142.

6.3. Critério de equilíbrio do orçamento moçambicano

6.3.1. Aspectos gerais

Em Moçambique utilizam-se três diferentes critérios de equilíbrio orçamental para


avaliar o desempenho do Governo em matéria de disciplina financeira e política orçamental:

139
BRAZ TEIXEIRA parece optar por designá-lo de orçamento corrente (ob. cit., p. 136). Nesse sentido,
PEREIRA DE SOUSA (ob. cit., p. 103).
140
São correntes as receitas e despesas que não oneram nem aumentam o valor do património duradouro do Estado
(ibidem).
141
A seu tempo veremos que as receitas e despesas de capital são as que no horizonte anual alteram a situação
activa e passiva do património duradoiro do Estado (SOUSA FRANCO, ob. cit., p. 370).
142
SOUSA FRANCO, A., ib. cit., p. 371.
52
- o critério do orçamento corrente,
- o critério do défice antes de donativos; e
- o critério do défice após donativos.

Para efeitos de análise, o saldo do orçamento corrente e os défices antes e após


donativos são medidos em percentagem do PIB (saldo/PIB).
É através da comparação do saldo orçamental com a dimensão da economia que se
obtém o seu significado real e o verdadeiro peso macroeconómico do défice ou superavit.

Um défice que em Moçambique pode ser bastante elevado, não tem, por exemplo,
qualquer expressão numa economia como a norte-americana.

A medição do saldo orçamental em função do PIB de um país permite igualmente


avaliar a sua evolução real ao longo do tempo – já que se elimina o efeito da inflação – e
realizar comparações entre diferentes países.

6.3.2. Critério do equilíbrio do orçamento corrente

A adopção do equilíbrio do orçamento corrente como critério de disciplina orçamental


em Moçambique prende-se com as suas vantagens ao nível da promoção do investimento
público e da poupança agregada na economia.

Em Moçambique, é desejável que o Estado contribua positivamente para a geração de


poupança, uma vez que o baixo nível de poupança interna constitui um dos obstáculos para a
expansão do investimento privado na economia.

O orçamento corrente em Moçambique tem apresentado, nos últimos anos, um ligeiro


superavit.

Esta situação é consequência dos esforços de contenção das despesas correntes, e não
tanto de um aumento das receitas correntes, nomeadamente de impostos. Tal tem gerado
diversos problemas ao nível da criação de condições salariais e materiais atractivas que
possibilitem a retenção e renovação dos quadros médios e superiores da função pública.

Os limites impostos às despesas correntes têm-se também reflectido negativamente no


volume de recursos que são canalizados para os gastos de funcionamento e manutenção. A
fim de minimizar tais dificuldades, tem sido frequente (mas incorrecta) a inclusão destas
despesas correntes no orçamento de investimento.

Os problemas associados à manutenção de um equilíbrio no orçamento corrente só


poderão ser efectivamente minimizados à medida que se forem incrementando as receitas
correntes do Estado. Só assim será possível aumentar as despesas correntes sem pôr em causa
os objectivos de equilíbrio orçamental.

Esta é uma das razões pelas quais a reforma fiscal em curso e os esforços no sentido de
se melhorar a eficiência na cobrança de receitas pela Administração Pública assumem uma
importância vital no contexto moçambicano.

53
Juntamente com o critério do orçamento corrente, utilizam-se em Moçambique dois
outros critérios de (des)equilíbrio orçamental, o de défice antes e após donativos.

6.3.3. Critério do equilíbrio antes dos donativos

O défice antes de donativos mede as necessidades de financiamento do orçamento, ou


seja, a diferença entre as receitas internas (fiscais e não fiscais) e as despesas totais.

Ele constitui uma medida da dependência externa do Estado no financiamento das suas
despesas, já que os donativos e os empréstimos provêm do exterior.

Naturalmente que o Estado poderia recorrer ao crédito bancário interno para o


financiamento das suas despesas.

Contudo, tal não se verifica, já que um dos objectivos da política orçamental no nosso
país tem sido o de evitar o recurso ao crédito bancário, de forma a não desviar poupanças
bancárias que poderão ser canalizadas para o financiamento do investimento privado.

Por outro lado, o Estado não está em condições de recorrer aos empréstimos internos,
em virtude das elevadas taxas de juros praticadas pelos bancos.

A redução do défice antes de donativos tem sido um dos objectivos prioritários da


política orçamental em Moçambique, devido à necessidade de se reduzir a elevada dependência
externa do país.

6.3.3. Critério do equilíbrio após donativos

O défice após donativos, por sua vez, dá-nos o montante das necessidades de
financiamento do orçamento do Estado que é coberto por empréstimos.

Ele é, por isso, de particular utilidade na análise da dívida pública externa.

Uma redução do peso da dívida pública externa, no longo prazo, só será possível com
uma redução das necessidades de financiamento das despesas públicas através do recurso a
empréstimos; daí a importância de se reduzir o défice após donativos.

Capítulo III
A Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado (LEOE)

1. Aspectos gerais; a Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado

A LEOE, visa facilitar e acelerar o processo de elaboração, aprovação,


execução, controlo e fiscalização do orçamento através:

- do estabelecimento de princípios gerais que regulam o processo orçamental em


todas as suas fases e níveis institucionais, muitos dos quais se encontravam anteriormente
dispersos por diversos diplomas legais;
- da introdução de um sistema de classificação orçamental moderno, abrangente e
consistente;
54
- da unificação dos orçamentos corrente e de investimento.

A aprovação da LEO surgiu da constatação de que existia em Moçambique uma


acentuada falta de transparência e rigor na planificação orçamental, e uma certa dose de
improviso na captação e afectação dos dinheiros públicos. Tal não é compatível com um bom
desempenho do Estado em matéria de política económica e social..

Outro problema detectado prendia-se com a separação entre o orçamento corrente e de


investimento, que assentavam em diferentes classificadores orçamentais e diferentes períodos
fiscais. Tal dificultava enormemente a análise da afectação de recursos públicos e a sua
associação a objectivos de política económica e social, bem como a avaliação da
sustentabilidade das despesas públicas.

A LEOE e toda a legislação que lhe é complementar, veio criar um quadro orçamental
mais adequado às necessidades de uma intervenção pública moderna, eficaz e eficiente, que
cumpre com as exigências de uma economia de mercado funcional e uma democracia
parlamentar.

A sua introdução constitui um passo importante para que o orçamento do Estado passe
a cumprir de forma mais satisfatória as funções que lhe competem, sejam elas de natureza
económica ou política.

Foi já dito que o orçamento tem a natureza jurídica de lei formal, posição que decorre,
aliás, do n.o 1 do artigo 26 da Lei do SISTAFE que estabelece que a Assembleia da República
delibera a proposta de Lei do Orçamento do Estado143.

Daqui se vê que a Lei do Orçamento do Estado é diferente da Lei do Enquadramento do


Orçamento Geral do Estado que temos vindo a defender dever ser considerada como fazendo
parte da constituição financeira.

A LEOE, antes Lei n.o 15/97, hoje é a própria Lei do SISTAFE no seu Capítulo I do
Título II dedicado ao subsistema do Orçamento do Estado.

É uma lei reforçada não podendo ser contradita por concretos actos orçamentais, sob
pena de ilegalidade ou inconstitucionalidade indirecta144.

2. Lei do Orçamento do Estado

A Lei do Orçamento – Lei Orçamental -, é aprovada todos os anos e tem a


natureza de lei vinculada não só à LEOE como às leis dos períodos homólogos, sendo a sua
aprovação vinculada à Assembleia da República, como atrás ficou dito; à Assembleia da
República compete a autorização e o controlo.

A Lei do Orçamento do Estado não é uma mera lei de organização mas um acto
concreto de disposição de cuja conformidade depende a validade de actos administrativos145 e
cuja violação determina sanções.
143
Em sentido idêntico estabelecia a Lei n.o 15/97, de 10 de Julho, Lei de Enquadramento do Orçamento do
Estado, no seu artigo 12, n.2, alia a).
144
SOUSA FRANCO, A., ob. Cit., p. 397.
145
Não é, porém, uma lei a prazo pois os seus efeitos fazem-se sentir para além dos termos do período orçamental.
55
Pode falar-se de legalidade específica uma vez que os actos desconformes ao orçamento
não devem ser autorizados afectando os actos dele carecidos.

Capítulo IV
O processo orçamental

1. Introdução

O processo orçamental tem sido, ao longo das últimas cinco décadas e um pouco
por todo o mundo, alvo de uma constante evolução.

Esta evolução é o resultado, entre outros factores, das mudanças operadas nos sistemas
políticos, nas teorias económicas, nas abordagens de gestão orçamental, nos princípios
contabilísticos e na conduta da administração pública.

Ele compreende um conjunto complexo de fases, que não têm necessariamente


um carácter sequencial.

O processo orçamental deve ainda ser visto como um processo contínuo, não se
limitando a cada ano económico. Por outras palavras, não é um processo que se esgota no
próprio ano económico, mas que tem continuidade ao longo do tempo.

Podemos, assim, considerar dois tipos de processo orçamental:

- Um processo orçamental mais amplo, com uma dimensão temporal mais vasta,
que inclui não só a orçamentação anual de recursos e a sua execução, mas também o
estabelecimento dos objectivos, políticas e programas de curto, médio e longo prazo que estão
na base dos orçamentos anuais;

- Um processo orçamental mais estrito, que tem apenas a ver com a orçamentação
e execução anual das receitas e das despesas, e que se repete todos os anos. Este processo
encontra-se bem descrito na LEOE.

Como veremos já de seguida, estes dois processos não são independentes entre
si. O primeiro engloba e determina o segundo, mas é também, por sua vez, influenciado por
este.

2. O processo orçamental em sentido lato

Qualquer processo orçamental envolve a geração, transmissão e utilização de vastas


quantidades de informação .

Ele começa com o estabelecimento de objectivos e metas de natureza económica e


social, tendo em consideração a informação disponível e a realidade económica, social, política
e administrativa do País. Com base nos objectivos e nas metas definidas, estabelecem-se
políticas económicas e sociais.

56
A fase seguinte compreende o desenvolvimento de programas ou planos
financeiros de curto, médio e longo prazo. Ela envolve a realização de projecções no tempo e
de previsões, bem como a formulação de critérios para a selecção de programas. Estes
programas implicam, necessariamente, uma priorização de sectores e áreas, de acordo com as
políticas seleccionadas e as metas e os objectivos traçados.

Os programas terão, então, que ter uma expressão anual.

A orçamentação anual dos recursos - de acordo com as metas, os objectivos e os


programas – e a sua execução constitui a terceira fase do processo orçamental (em sentido lato),
e deles nos ocuparemos mais adiante.

Por último, e para completar o ciclo orçamental, segue-se uma fase de monitoria
e avaliação do orçamento executado, dos programas financeiros e das metas, de forma a
garantir a necessária transparência, eficácia e eficiência de todo o processo.

Esta avaliação servirá, então, de base para a revisão dos objectivos, metas, políticas e
programas do governo.

As diferentes fases encontram-se, deste modo, em permanente interacção: por


exemplo, um reajustamento dos objectivos e metas do Governo traduzir-se-á, necessariamente,
numa revisão dos programas, com implicações ao nível dos orçamentos anuais.

Apesar de apresentadas de forma sequencial, para facilitar a sua compreensão,


as diferentes fases do processo orçamental sobrepõem-se no tempo.

Este aspecto encontra-se bem patente no caso da monitoria e avaliação. O


acompanhamento e a avaliação dos programas e do orçamento, por exemplo, deverão ser
realizados de forma permanente, e não apenas a posteriori, de forma a permitir a introdução de
correcções, à medida que vão sendo implementados.

Como já se disse anteriormente, o processo orçamental envolve uma imensidade


de informação e interfere com várias áreas, sectores e políticas. Consequentemente, ele
implica a participação de vários órgãos da administração pública.

Convém, no entanto, destacar o importante papel desempenhado, ao longo de todo o


processo, pela Direcção Nacional do Plano e Orçamento (DNPO), instituição responsável pela
programação e orçamentação das despesas, e pela monitoria do orçamento.

O processo orçamental em Moçambique tem vindo a ser alvo de profundas


reformas, com vista a aproximar a afectação de recursos dos objectivos, metas e políticas
traçadas.

3. O processo orçamental em sentido estrito

O processo orçamental mais estrito é o que se ocupa especificamente da elaboração e


execução do orçamento. A LEOE presta uma especial atenção a esta concepção mais estrita,
mas extremamente importante, do processo orçamental.

57
O processo orçamental em Moçambique, tal como descrito na LEOE, compreende 5
fases distintas.

Começa com a elaboração da proposta de Lei do Orçamento (fase 1), que é a seguir
apresentada à Assembleia da República para sua aprovação (fase 2).

Uma vez aprovado, o orçamento é executado (fase 3), podendo ser sujeito a alterações
previstas na lei.

No final do ano económico, procede-se ao encerramento das contas (fase 4), as quais
são depois fiscalizadas (fase 5).

Compete ao Ministério do Plano e Finanças (MPF) efectuar a programação orçamental,


executar e contabilizar os meios financeiros do orçamento do Estado, inspeccionar e controlar a
utilização dos fundos do Estado.

Na execução de tais funções, o MPF apoia-se nos restantes órgãos da Administração


Pública, quer ao nível central quer ao nível das Províncias.

Dada a sua natureza política, existem ainda outras instituições externas ao Governo que
também participam no processo orçamental, tais como a Assembleia da República (nas fases de
aprovação e fiscalização) e o Tribunal Administrativo (na fase de fiscalização).

Capítulo V
Preparação e aprovação do Orçamento

1. Aspectos gerais

A preparação e aprovação segue, no essencial o processo legislativo normal,


com as particularidades que lhe são inerentes que resultam da sua natureza de acto-plano146 e
de meio de controlo do Executivo e as especialidades da lei-travão, prazos, vigência anual,
exclusiva iniciativa do Governo, vinculação parlamentar de votar147 148 o orçamento149.

2. A elaboração da proposta de Orçamento do Estado (1.a Fase)

Sendo o orçamento o plano financeiro do Governo, é natural que caiba ao


Governo, apoiado pelo conjunto dos Órgãos da Administração Pública, elaborar a proposta de
orçamento do Estado a ser apresentada à Assembleia da República.

Na elaboração da proposta do Orçamento, o Governo deverá dar prioridade ao


cumprimento do seu programa e ter em conta a necessária relação entre as previsões
orçamentais e a evolução provável da conjuntura política, económica e social

146
No sentido de que situa-se entre o Orçamento do Estado e os planos do mesmo Estado.
147
Referimo-nos a vinculação de votar e não a vinculação de aprovar, não obstante haja defensores do
entendimento de que é um dever que impende sobre a Assembleia aprovar o Orçamento e que a sua não aprovação
significaria um acto de paralização do Estado, equivalente a um golpe de Estado (SOUSA FRANCO, ob.. cit., p.
408) ou a um voto de não confiança ao Governo.
148
A votação pode conduzir a uma aprovação total ou parcial do Orçamento.
149
SOUSA FRANCO, ob. cit., p. 411.
58
Significa isto que o montante e o tipo de receitas e despesas a inscrever no orçamento
deverão estar de acordo com a política do Governo e o momento económico, político e social
que se vive no país. O Orçamento constitui um instrumento privilegiado de política do
Governo, tendo não só repercussões económicas mas também políticas e sociais, as quais não
podem nem devem ser ignoradas.

A este respeito, o Governo deverá dar uma especial atenção à necessidade de


assegurar o equilíbrio orçamental e um impacto favorável da política fiscal no desempenho da
economia, com especial relevo para o crescimento económico, a inflação e a balança de
pagamentos.

Deve-se, contudo, ter bem presente que a fixação dos limites globais de despesa
não é apenas determinada pela avaliação das necessidades financeiras para o alcance dos
objectivos definidos no programa do Governo. Ela é também condicionada pelas obrigações
financeiras do Estado decorrentes da lei e do contrato, tais como o serviço da dívida pública, o
pagamento de salários aos funcionários do Estado e a comparticipação interna em projectos,
conforme os acordos celebrados com as agências internacionais.

No âmbito da elaboração da proposta de Orçamento do Estado, o Ministério do


Plano e Finanças, como órgão coordenador do SOE (Artigo 45 da Lei), até 31 de Maio de cada
ano, comunicará a todos os serviços ou unidades orgânicas do Estado (diversos órgãos,
instituições, províncias e autarquias), as orientações, os limites orçamentais preliminares ou
definitivos, a metodologia de recolha de informação e demais instruções a serem respeitadas na
preparação das respectivas propostas de orçamento.

Uma vez aprovadas pelo órgão competente da instituição proponente, as


diferentes propostas de orçamento serão enviadas à DNPO (Direcção Nacional do Plano e
Orçamento), até 31 de Julho (Artigo 50 do Regulamento da LEOE).

As diferentes propostas de orçamento são depois analisadas, alteradas e


unificadas pelo Ministério do Plano e Finanças, através da DNPO, à luz das orientações, limites
orçamentais e demais instruções.

Caso se verifique alguma irregularidade ou incumprimento, a DNPO procederá, em


conjunto com o proponente, à correcção da respectiva proposta, de forma a adequá-la aos
requisitos exigidos.
Como se vê, o orçamento, em bom rigor, é elaborado pela Administração, tendo o MPF
no epicentro.

Na análise e consolidação das diferentes propostas de orçamento, a DNPO


procura assegurar o cumprimento da metodologia, dos limites orçamentais e das orientações,
bem como a consistência entre o Plano e o Orçamento e tem sempre presentes as orientações e
prioridades definidas no Cenário Fiscal de Médio Prazo (CFMP) e o Plano Económico e
Social150.

Defende-se que o período de elaboração do orçamento deve ser curto, para


aproximar o momento da previsão do da cobrança das receitas e de pagamento das despesas e,
contraditoriamente, dilatado para permitir previsões acuradas.

150
Artigo 45 do Regulamento do SISTAFE.
59
Uma vez elaborada a proposta de Lei do Orçamento para o ano seguinte, esta
será apresentada ao Conselho de Ministros pelo Ministro do Plano e Finanças, para sua
apresentação à Assembleia da República.

Por o orçamento ser a expressão financeira do plano anual do Governo compreende-se


que seja este o órgão melhor posicionado para definir as despesas que tal plano implica.

3. Métodos de avaliação das receitas e despesas

3.1. Razão de ordem

Para a fixação dos montantes das despesas e previsão das receitas a afectar à sua
cobertura são adoptados critérios ou métodos pelas unidades orgânicas, nomeadamente:

a) critérios administrativos empíricos,


b) critérios de previsão económica,
c) critérios de racionalização das escolhas orçamentais.

3.2. Critérios administrativos

Os critérios administrativos são baseados na experiência e no juízo da Administração e


têm em linha de conta as despesas e as receitas.

São apontadas aos critérios empíricos as vantagens da simplicidade, regularidade


financeira e contenção orçamental e alguns inconvenientes tais como falhar em caso de receitas
novas e em conjunturas instáveis e de expectativas incertas e a falta de capacidade de correcção
das escolhas prévias.

3.2.1. Despesas

As despesas são calculadas por cada serviço ou unidade orgânica do Estado, tendo em
conta a sua avaliação directa dos gastos passados e dos programados, não havendo uma
confrontação entre custos e benefícios nem as vantagens de soluções alternativas para a
actividade em análise.

Não havendo avaliação em função de objectivos e sendo as despesas fixadas


suportadas em necessidades declaradas e não necessariamente comprovadas, é um sistema
incrementalista e de gastos supérfluos.

3.2.2. Receitas

Para a previsão das receitas há métodos que são utilizados que podem ser assim
agrupados:

a) De avaliação directa; e
b) Métodos automáticos.

3.2.2.1. Método de avaliação directa


60
A avaliação directa baseia-se na sensibilidade e capacidade de previsão dos serviços e
unidades orgânicas, principalmente em relação a receitas novas ou com modificações
substanciais.

3.2.2.2. Métodos automáticos

São três os métodos que podem ser considerados automáticos, nomeadamente:


- Método do penúltimo exercício;
- Método das correcções; e
- Método do rendimento médio.

a) Método do penúltimo exercício

Tomando como ponto de partida a assunção de que as receitas variam de ano para ano,
este método defende que o valor a orçamentar é o registado no último ano com dados
completos de execução orçamental

b) Método das correcções

O Método das Correcções ou do penúltimo exercício corrigido151 considera que


sendo inevitável o aumento das receitas conhecidas há que orçamentar a nova receita corrigindo
(aumentando ou diminuindo) do penúltimo exercício, em função da tendência de aumento
(factor de variação positiva ou negativa).

c) Método do rendimento médio

Este método também designado de Método da média dos últimos exercícios152


fixa a receita orçamental a partir da média dos últimos três ou cinco anos.

3.3. Critérios de previsão económica

Estes critérios são baseados nos métodos de modelos econométricos e podem ser
modelos de decisão 153 ou modelos de previsão154, visam impor uma crescente racionalidade na
previsão, reduzir a prevalência de métodos empíricos e tecno-burocráticos e construir uma
escolha política racional155.

3.4. Critério de racionalização das escolhas orçamentais

Este critério conjuga a meta do máximo de bem-estar social com o mínimo de sacrifício
fiscal o que exige dos políticos e dos gestores públicos critérios de correcção económica e boa
gestão.

151
SOUSA FRANCO, ob. cit., p. 416.
152
SOUSA FRANCO, ibidem.
153
Esclarecem as consequências económicas de uma medida ou estratégia de política económica.
154
Com base na análise de bases estatísticas disponíveis projecta-se no tempo a evolução que pode logicamente
esperar-se.
155
SOUSA FRANCO, ob. cit., p. 419.
61
Para este efeito podem ser adoptados orçamentos funcionais156, orçamentos de
programas de actividades e de controlo económico157 , orçamento de base-zero158, orçamento
de tarefas159, orçamento de resultado ou de desemprego160, todos baseados na eficiência
gestionário161.

O critério de racionalização das escolhas orçamentais pode igualmente basear-se na


integração no processo de planeamento que conheceu várias experiências como a de definição
de objectivos (planning), análise de programas (programming) e orçamentação (budgeting) o
que implicou a implantação de sistemas de contabilidade analítica e patrimonial, maior peso da
auditoria e do controlo, a existência de orçamento corrente e de capital, formulação de medidas
de êxito e sistemas de informação e as análises de custo-benefício e custo-eficácia .

3.5. Explicitação e sentido de evolução futura

Numa primeira aproximação, parece-nos que a política orçamental moçambicana é


híbrida quanto aos critérios utilizados.

Igualmente parece que o sentido da evolução é para privilegiar o orçamento baseado no


critério de racionalização das escolhas orçamentais.

O Artigo 18 da LEOE, consagrando a especificação de acordo com as classificações


orgânica, territorial, económica, orgânica e funcional, admite que as despesas que integram o
Orçamento do Estado se estruturem, no todo ou parte, por programas e que devem
corresponder a um conjunto e medidas ou projectos ou acções de carácter plurianual que
concorram, de forma articulada e complementar, para a concretização de vários objectos
específicos relativos a uma ou mais políticas públicas; destas políticas públicas deverão
integrar indicadores que permitam avaliar a economia, a eficiência e a eficácia da sua execução.

O programa orçamental pode, com este objectivo, estruturar-se em medidas162, em


projectos163, em acções em unidades básicas de realização do programa que deverão estar
rigorosamente definidos, susceptíveis de, quando executados, dar imediatamente lugar a
resultados avaliáveis.

4. A proposta do Orçamento

156
O orçamento funcional agrupa as despesas de acordo com as funções materiais do Estado, isto é, tipos de bens
ou serviços.
157
Os orçamentos de programas concentram-se nos conjuntos articulados de acções ou projectos tendentes a
produzir um resultado.
158
Por este orçamento (Z.B.B. –zero base budgeting) o poder legislativo e o executivo (Governo e Administração)
devem periodicamente (cinco anos) analisar o mérito de certas despesas com vista a controlar o seu crescimento
desmesurado.
159
Este orçamento por tarefas justifica as despesas pelas actividades avaliadas pelos serviços.
160
O orçamento de resultados avalia resultados das actividades dos funcionários e dos gestores, razão por que se
entende tratar-se mais de um sistema de execução – avaliação do que de previsão.
161
Para mais desenvolvimento ver ensinamentos do Prof. .SOUSA FRANCO, ob. cit., pg. 420 e ss.
162
Uma medida compreende despesas de um programa orçamental que corresponde a projectos ou acções ou
ambos, especificados, caracterizados, articulados e complementares que concorram para a concretização dos
objectivos do programa em que se inserem.
163
Projecto ou acção corresponde a unidades básicas de realização do programa ou medidas com orçamento e
calendarização rigorosos.
62
Elaborado o anteprojecto do Orçamento pela Administração é submetido à aprovação
do Governo; este adopta-o e submete-o à Assembleia da República como proposta do
orçamento para o ano seguinte, harmonizado com as acções do PES (Plano Económico e
Social) e PQG (Plano Quinquenal do Governo), compatibilizado com os orçamentos de
investimentos plurianuais164 e observando, em suma, estritamente a conformidade com a
política económico-financeira e o programa anual do Governo165.

A proposta do Orçamento é aprovada pelo Conselho de Ministros, até 30 de


Setembro166.

A proposta da Lei do Orçamento é submetida pelo Governo à Assembleia da República


até 30 de Setembro, nos termos dos artigos 25 da LEOE e 53 do respectivo Regulamento.

A proposta do Orçamento do Estado é instruída pelos documentos que contenham os


elementos determinados pelo artigo 24 da LEOE, nomeadamente:

1.o O articulado da proposta de Lei Orçamental do qual devem constar:

a) Explicação da política orçamental;


b) Normas específicas da sua execução;
c) Previsão das receitas correntes e de capital;
d) Fixação dos limites das despesas correntes e de capital;
e) Determinação do saldo orçamental e sua utilização;
f) Discriminação das condições gerais de recurso ao crédito público;
g) Todas as demais providências indispensáveis à correcta gestão orçamental do
Estado para o ano económico a que o orçamento se destina.

Nem a LEOE, nem o seu Regulamento parece referirem-se a esta matéria que
era bem e oportunamente tratada pelo artigo 15 da antiga LEOE167, a Lei n.o 15/97, de 10 de
Julho.

2.o Os seguintes mapas orçamentais:

a) Mapas globais das previsões de receitas, dos limites das despesas e


financiamento do défice;
b) mapas das previsões das receitas correntes e de capital, de âmbito central e
provincial, classificados de acordo com os critérios orgânico, territorial e por fontes de
recursos;

164
Artigo 21, n.o 2 da LEOE.
165
Artigo 24 n.o 2 da LEOE.
166
Artigo 53 do Regulamento da LEOE.
167
Um parêntesis a propósito da referência à antiga Lei, pois é duvidoso que esta Lei tenha sido revogada pelo
artigo 69 da Lei nº 9/2002, de 12 de Fevereiro, que estabelece que é revogada toda a legislação anterior que
contrarie a presente Lei. Sendo certo que a n.o 15/97 é anterior, não é pacífico declará-la contrária. Não seria uma
lei especial da Lei geral do SISTAFE? Então, talvez mais correctamente pudéssemos falar de suas partes
eventualmente derrogadas. O legislador do SISTAFE, quanto a nós, devia ter sido mais inequívoco se a sua
vontade fosse derrogar totalmente a Lei 15/97 com a publicação do SISTAFE. Se a vontade era processar uma
revogação da Lei especial então fá-lo mal pois não cuidou de regular em moldes que pudéssemos deduzir uma
revogação global regulando totalmente a matéria da lei revogada (WATY, Teodoro Andrade, Introdução ao
Direito Fiscal, pp. 95 ss). Por isso, em bom rigor, estamos perante uma derrogação.
63
c) mapas dos limites das despesas correntes, de âmbito central e provincial,
classificados de acordo com os critérios orgânico, territorial, económico e funcional;
d) mapa das despesas de capital, de âmbito central e provincial, classificados de
acordo com os critérios orgânico, territorial, económico, funcional e por fontes de recursos.

3.o Todos os elementos necessários à justificação da política orçamental,


nomeadamente:

a) O Plano Económico e Social do Governo;


b) o balanço preliminar da execução do orçamento do Estado do ano em curso;
c) a fundamentação da previsão das receitas fiscais e da fixação dos limites da
despesa;
d) a demonstração do financiamento global do Orçamento do Estado com
discriminação das principais fontes de recursos;
e) a relação de todos os órgãos e instituições do Estado, assim como de todas as
instituições autónomas, empresas públicas e autarquias;
f) a proposta de orçamento de todos os organismos com autonomia administrativa
e financeira, autarquias e empresas do Estado.

Compreende-se que esses elementos devam ser considerados elementos


mínimos. Na verdade quer a proposta de Lei (articulado) quer os mapas orçamentais podem
conter uma descriminação pormenorizada, respectivamente, de matérias e despesas nas suas
diversas classificações.

5. Aprovação da proposta do Orçamento de Estado – 2ª. fase

5.1. Discussão do orçamento

A discussão segue a tramitação normal das outras leis sendo relevante o trabalho da
Comissão do Orçamento da Assembleia da República que discute na especialidade os aspectos
marcadamente técnicos168.

Os deputados podem introduzir-lhe alterações que considerem adequados.

5.2. Aprovação

I. A aprovação deverá ser efectiva até 15 de Dezembro (art. 26 da LEOE) de cada


ano.

II. Uma vez aprovado o Orçamento do Estado o Governo, nos termos do nº. 2 do
art. 26 da LEOE, fica autorizada a:

168
Deve ser ponderada, à luz do princípio da interdependência dos poderes legislativo e executivo e da
transparência dos seus actos a apreciação do Orçamento na Assembleia da República por Deputados que pelas suas
funções no Executivo, conheçam ou devessem conhecer a proposta do Orçamento e devem ter interesse que ele
seja aprovado pela Assembleia com o mínimo de emendas … Não é matéria do Orçamento mas a necessidade de
seriedade na sua analise justificaria a revisão do Estatuto do Deputado. Afinal, nas regras desportivas é universal
que o jogador não pode ser árbitro!
64
a) proceder à gestão e execução do Orçamento do Estado aprovado, adoptando as
medidas consideradas necessárias à cobrança das receitas previstas e à realização das despesas
fixadas;
b) proceder à captação e canalização de recursos necessários, tendo sempre em
conta o princípio da utilização mais racional possível das dotações orçamentais aprovadas e o
princípio da melhor gestão de tesouraria;
c) proceder à abertura de créditos públicos para atender ao défice orçamental;
d) realizar operações de crédito por antecipação da receita, para atender à défices
momentâneos de tesouraria.

III. Aprovado o orçamento, os deputados e as Comissões da Assembleia da


Republica não poderão tomar iniciativas de lei que envolvam o aumento das despesas
autorizadas ou a diminuição das receitas previstas169.

Tais iniciativas poriam em causa a validade do orçamento como documento que define,
racionaliza e limita a actuação do Estado no que se refere à arrecadação e afectação de recursos
financeiros.

A terem lugar, estas alterações apenas serão incluídas em orçamentos futuros. Seria o
caso, por exemplo, da construção de um novo hospital ou a concessão de novos incentivos
fiscais ao investimento, que apenas poderiam ter lugar em anos económicos futuros.

Fica, assim, garantida a estabilidade da execução e do equilíbrio orçamental no ano em


questão.

6. Publicitação

Aprovado, promulgado e publicado o Orçamento do Estado, compete ao


Governo, através da entidade competente do Serviço do Orçamento do Estado, neste caso o
Ministério do Plano e Finanças, fazer a necessária publicitação, através de comunicação a
todos os serviços ou entidades orgânicas do Estado, com responsabilidades em acções
programáticas para que estão mandatados e na execução orçamental, os limites orçamentais que
lhes caibam nas tabelas de receitas e despesas170 .
7. Atraso na aprovação do Orçamento

I. Pode haver atraso na aprovação do orçamento por:

a) Necessidade de reformulação do orçamento, por este ter sido rejeitado na


Assembleia da República, caso em que o Governo deverá voltar a apresentar, no prazo de 90
dias, uma nova proposta de orçamento para o respectivo ano económico;

b) Demissão de Governo (alínea f) do art. 120 da Constituição da República de


Moçambique);

c) Dissolução da Assembleia da República [alínea e) do art. 120 da Constituição da


República de Moçambique].

169
Este nº. 3 do art. 26 faz da LEOE uma verdadeira lei-travão
170
Artigo 54 do Regulamento da LEOE.
65
II. A fim de assegurar e dar continuidade ao funcionamento da máquina
administrativa, o orçamento executado no ano antecedente continuará em vigor até que um
novo orçamento seja aprovado171.

Implica isto que durante este período transitório serão cobradas todas as receitas e
realizadas todas as despesas correspondentes ao orçamento do ano anterior, já com as
alterações que nele tenham sido introduzidas ao longo da sua execução172.
Naturalmente, não serão cobradas as receitas que se destinavam a vigorar apenas até ao
final do ano anterior.

No caso das despesas, dever-se-á obedecer ao principio da utilização dos duodécimos173


das verbas fixadas nos mapas das despesas do orçamento do ano antecedente (a regra dos
duodécimos será explicada mais adiante).

O novo orçamento que entretanto vier a ser aprovado deve integrar as receitas e
despesas efectuadas até à sua entrada em vigor.

CAPÍTULO VII

A Execução Orçamental

1. Regras Gerais

I. Uma vez aprovado o orçamento e iniciado o ano financeiro, a 1 de Janeiro,


começam a cobrar-se as receitas e a pagar as despesas.

A este conjunto de actos e operações dá-se o nome de execução orçamental.

A execução pode então entender-se como o conjunto de actos e operações materiais de


administração financeira e de tesouraria praticados para cobrar as receitas e realizar as despesas
inscritas ou para prover ao respectivo ajustamento.

Compete ao governo executar e fazer executar o orçamento, sendo para o efeito


coadjuvado pela Administração174..

171
Nº. 1 do art. 27 da LEOE e nº. 2 do art. 54 do Regulamento da LEOE
172
Nº. 2 do Art.. 27 da LEOE.
173
Nº. 3 do Art. 27 da LEO.E
174
Embora independentes consideram-se nesta matéria, Administração os outros órgãos de soberania – Presidente
da Republica, Assembleia e Tribunais enquanto executam os seus orçamentos.
66
A execução obedece a três princípios: o da legalidade, o da economicidade e o da prévia
justificação..
II. O princípio da economicidade entende-se que é constituído por duas regras:
(1ª) a da utilização mais racional possível das dotações orçamentais aprovados; e
(2ª) a da melhor gestão de tesouraria 175 176.

III. O principio da legalidade deverá entender-se como significando que na


execução do orçamento, o Governo respeita as leis em geral, isto é, as relativas à organização e
funcionamento da Administração e as definidoras de direitos dos cidadãos sejam eles
contribuintes, beneficiários ou funcionários – legalidade genérica – e as relativas ao próprio
orçamento – legalidade específica -.

Neste sentido, na execução do orçamento a Administração não poderá:

a) Liquidar e cobrar, nem inscrever no orçamento, uma receita que não esteja
autorizada por lei.

A cobrança de um imposto pode, todavia, superar o montante inscrito no orçamento, já


que ao contrário das despesas, para as quais são fixados limites máximos, as receitas são uma
previsão.
Podem variar de acordo com a conjuntura económica e outros factores fora do controlo
do Governo;

b) realizar despesas que, não obstante tenham base legal, não se encontrem
inscritas no orçamento ou não tenham cabimento na correspondente verba orçamental, isto é,
superem o montante de verba fixado no orçamento.

Do principio da legalidade decorre ainda a obrigatoriedade das receitas cobradas e das


despesas efectuadas terem que estar necessariamente inscritas no orçamento - tipicidade
orçamental.

A tipicidade orçamental apresenta naturezas distintas, consoante se trate do orçamento


das despesas ou do orçamento das receitas177:

a) No caso das receitas, apenas se condiciona a espécie de receita que poderá ser
inscrita no orçamento (tipicidade qualitativa), não o seu montante que, podendo ser
ultrapassado, não é vinculado;

b) No caso das despesas, pelo contrário, impõem-se limites aos montantes que
poderão ser gastos (tipicidade quantitativa). Elas não poderão exceder as dotações globais
fixadas no orçamento: são autorizadas em espécie e em quantidade.

2. Execução Orçamental em geral

175
Neste sentido SOUSA FRANCO (ob. cit,, p. 430).
176
Estas regras são considerados por BAZ TEIXEIRA, (ob. cit., p. 169) como princípios fundamentais.
177
SOUSA FRANCO, ob. cit., p. 430.
67
Como ponto de partida para executar o orçamento, o órgão coordenador do SISTAFE
emite as instruções para a execução do orçamento178.

Por seu turno as entidades competentes do SOE tomam as necessárias medidas à


execução179 e, nesse sentido deverão:

a) elaborar a programação financeira do ano;

b) tomar as medidas necessárias para que os recursos sejam captados de acordo


com a programação; e

c) tomar as medidas necessárias para que os recursos sejam libertos com vista à
cobertura das despesas previstas em cada período.

3. A Execução do Orçamento das Receitas

O primeiro princípio que tem de ser respeitado na execução das receitas é, como foi
atrás referido, o da legalidade. A receita só poderá ser cobrada se, cumulativamente, for legal e
tiver inscrição orçamental180.

As operações fundamentais de execução das receitas, que constituem as suas fases181


são:

a) lançamento e procedimento administrativo de verificação da ocorrência de facto


gerador da obrigação correspondente;

b) as operações de liquidação - que consistem na determinação do montante que o


Estado tem a receber de terceiros (contribuinte, utente, devedor, etc.), cabendo, geralmente, a
sua execução aos serviços liquidadores de receitas, como a Direcção Nacional das Alfândegas
(DNA) e a Direcção Nacional de Impostos e Auditoria (DNIA) que constituem a RCE – Rede
de Cobranças do Estado182,

c) as operações de arrecadação ou cobrança - normalmente asseguradas pelo


Tesouro Público, através das quais se cobra, se recebe ou se toma posse da receita, garantindo a
entrada efectiva da receita nos cofres do Estado.

O modo, prazos, lugar e processos de lançamento, liquidação e cobrança são variáveis.

A cobrança das receitas pode ocorrer sob forma de pagamento voluntário ou por recurso
à cobrança coerciva e, no que às dívidas tributárias diz respeito, a cobrança poderá também
processar-se sob a forma de cobrança virtual ou cobrança eventual183.

4. Execução do Orçamento das Despesas

178
Nº. 2 do art. 56 do Regulamento da LEOE
179
Nº 2 do Art. 56 do Regulamento da LEOE
180
Nº. 1 do Art. 62 do Regulamento da LEOE
181
Art. 58 do Regulamento da LEOE.
182
Conjunto de serviços ou unidades orgânicas do Estado ou outras entidades colaboradoras que procedem às
operações de arrecadação e cobrança de fundos públicos.
183
Art. 63 do Regulamento de LEOE.
68
O processo de execução orçamental relativo às despesas é mais complexo.

Não obstante ele só inicia sob condição necessária de a despesa em causa ser legal.

Verificada condição de legalidade, respeitando as disposições legais aplicáveis, o


processo compreende os seguintes pressupostos:

1º. As despesas só poderão ser assumidas durante o ano económico para o qual
estiverem orçamentadas e deverão sempre respeitar os princípios de economia (minimização
dos custos), eficiência (maximização dos resultados) e eficácia (obtenção dos resultados
pretendidos).

2º. Uma despesa para ser executada tem de estar inscrita numa classe e verba
prevista no Orçamento do Estado, e tem de ter cabimento orçamental (ou seja, tem de haver
verba disponível). No caso das despesas obrigatórias, a utilização da dotação orçamental – do
montante inscrito na rubrica de despesa – é obrigatória, enquanto que no caso das despesas
facultativas a sua utilização é opcional.

3º. A execução das despesas deverá obedecer à regra dos duodécimos, segundo a
qual em cada mês do ano não poderá ser utilizada uma verba superior a 1/12 da verba global
fixada no orçamento, acrescida dos duodécimos dos meses anteriores vencidos e não gastos.

De acordo com esta regra, as despesas distribuir-se-ão uniformemente ao longo do ano


ou concentrar-se-ão na parte final do ano, quando a tesouraria já dispõe de maiores recursos.
Impede-se, assim, que as despesas se concentrem nos primeiros meses do ano, quando a
tesouraria ainda não dispõe de recursos suficientes, por ainda não ter sido cobrada a maior parte
das receitas.

Existem, todavia, excepções autorizadas por lei. Estas excepções resultam da


necessidade de realizar o grosso de certas despesas durante um determinado período do ano.
Abrangem as Despesas com o Pessoal, os Encargos da Dívida, Transferências ao Exterior,
Outras Despesas Correntes, Exercícios Findos e Encargos Aduaneiros.

As excepções previstas por lei incluem ainda despesas que pela sua especificidade
beneficiem de um regime especial de utilização das dotações orçamentais.

4º. Cumprimento rigoroso dum complexo condicionalismo legal, um formalismo


exigente e um longo processo burocrático que compreende a verificação de 184 185:

184
Art. 67 do Regulamento da LEOE.
185
Há doutrina e ordenamentos jurídicos que prevêem as seguintes fases para a realização duma despesa:
a) Autorização,
b) Processamento,
c) Verificação,
d) Liquidação,
e) Autorização de pagamento,
f) Pagamento,
das quais apenas vale a pena explicar duas:
1o. O processamento corresponde a inclusão em “folha” do crédito motivado pela despesa.
2o. A verificação da despesa implica confirmar o respeito pelas normas legais reunindo todos os documentos
justificativos da despesa.
69
a) cabimento orçamental: a verificação da inclusão da despesa em processo próprio e
do cumprimento de todos os requisitos legais e financeiros aplicáveis;

b) autorização da realização da despesa: a permissão por quem tem competência


para tal, para a concretização e assumpção do compromisso para a realização da despesa
podendo tal permissão ser confirmada pela celebração de um acordo ou assinatura de um
contrato ou ainda pela emissão da respectiva requisição;

c) liquidação: o apuramento do valor da despesa a pagar e emissão da competente


ordem de pagamento;

d) autorização do pagamento: a permissão dada por quem tem competência para tal,
para que se proceda ao pagamento da despesa;

e) pagamento: a entrega do valor devido ao credor contra documento de quitação.

Ao nível central, a execução do orçamento das despesas é da responsabilidade da


Direcção Nacional da Contabilidade Pública (DNCP). Ao nível provincial, ela é da
competência das diferentes Direcções Provinciais do Plano e Finanças (DPPF).

Há despesas para as quais além desta rigorosa tramitação administrativa (legalidade,


cabimento e regularidade) se impõe a verificação de pré-requisitos essenciais como sejam:
fiscalização prévia por órgão judicial através do visto ou declaração de conformidade do
Tribunal Administrativo.

Podemos, pois, aditar especificamente para a execução das despesas uma outra regra,
para além da legalidade e economicidade, a da prévia justificação para a sua eficácia técnica,
eficiência económica.

5. Alterações orçamentais

O orçamento, como previsão que é, não deixa de estar sujeito a situações imprevistas
decorrentes de mudanças de conjuntura, de calamidades ou de quaisquer outros novos
condicionalismos.

Como lei que é, como já vimos, a propósito da sua natureza judicial, seria de pensar que
nada há a fazer pois dura lex sed lex. Pois, assim não é; evita-se uma excessiva rigidez e
procede-se à introdução de alterações ao orçamento.

Como se fazem as alterações é o que analisamos de seguida.

70
A alteração orçamental pode estar confiada à esfera da autoridade orçamental - a
Assembleia da República, ou à da administração orçamental ou às duas partilhando-as
conforme, respectivamente, sejam estruturais ou subordinadas.

E compreende-se que assim seja pois, se é verdade que uma alteração orçamental é uma
consequência da sua execução, já não é pensar que ela deva ser considerada um mero processo
de execução, não podendo na plenitude ser feita no exercício dos poderes de execução
orçamental de que estão investidos o Governo e a Administração.

No caso moçambicano entendemos existir uma forte administrativização da execução


orçamental, sendo ao Governo autorizado a efectuar reforços de verbas no orçamento,
utilizando, para o efeito, a dotação provisional186, quando fundamentados e a proceder à
redistribuição das verbas dentro dos limites estabelecidos na lei orçamental.

As alterações feitas pelo Governo podem consistir em:

1º. A inscrição de uma nova dotação, a qual está condicionada à existência de


disponibilidades na dotação provisional e apenas será autorizada para atender a situações não
previstas e inadiáveis.

A autorização para a inscrição no orçamento de uma dotação anteriormente inexistente


é da competência do Ministro do Plano e Finanças, sob proposta devidamente fundamentada do
órgão ou instituição interessada.

2º. O reforço de dotações – aumento efectivo dos recursos anteriormente


aprovados para fazer face a situações de carência orçamental -, que apenas poderá ter lugar se
existir verba correspondente na dotação provisional.

Os pedidos de reforço são autorizados pelo Ministro do Plano e Finanças, mediante


proposta fundamentada do órgão ou instituição interessada.

3º. A redistribuição de dotações, que apenas poderá ser realizada entre rubricas de
despesa ou projectos distintos do mesmo órgão ou instituição, mantendo-se o respectivo limite
orçamental global inalterado.

Compete ao Ministro do Plano e Finanças ou ao Governo Provincial, dependendo do


caso, autorizar as transferências de dotações, com base em proposta fundamentada do órgão ou
instituição interessada.

De referir que, durante o ano económico, apenas poderão ocorrer três redistribuições
para a mesma instituição, projecto ou programa.

4º. A anulação ou supressão de dotações relativas a qualquer rubrica, conjunto de


rubricas projecto ou programas de qualquer órgão ou instituição. Esta matéria é da competência
do Ministro do Plano e Finanças ou do Governador Provincial, consoante o caso.

186
Prevista no nº. 3 do Art. 13 do LEOE
71
Todas estas alterações deixam intactos os limites globais no Orçamento do
Estado e por essa razão não carecem de aprovação parlamentar.

Não achamos porém, que seja boa politica legislativa permitir o Governo alterar o
orçamento aprovado mediante recurso à dotação provisional.

Embora seja razoável, assiste-se a uma grande perda da Assembleia da Republica de


seus poderes financeiros úteis de conservar no espírito de repartição estabelecido na
Constituição, a favor do Governo, reforçando o pendor governamentalista do nosso sistema
orçamental.

A razoabilidade deste comando legal devia ser acompanhado por uma particular atenção
do Parlamento quanto aos valores inscritos na dotação provisional sob pena de esvaziar de seu
alcance o principio de legalidade orçamental.

O que é certo é que o Governo no exercício do seu poder de execução pode produzir
alterações ao orçamento, rectificando-o.
Quando as alterações implicam uma rotura com os limites constitucionais de despesa,
elas só poderão ser efectuados por lei, sob proposta devidamente fundamentada do Governo,
estando então sujeitas à aprovação da Assembleia da Republica.187

Falaremos então de revisão orçamental188.

187
A este propósito veja-se a posição do tribunal administrativo relativamente `a Conta do estado de 2000 “O regime geral das
alterações ao Orçamento do Estado está consignado no artigo 24 da Lei nº. 15/97, de 10 de Julho.

De acordo com o nº. 1 daquele artigo, é da competência da Assembleia da República aprovar, sob proposta do Governo devidamente
fundamentada, as alterações dos limites globais fixados na Lei Orçamental.

Constituem excepção a este princípio:

- as inscrições de verbas com recurso à dotação provisional inscrita no Orçamento para fazer face a despesas não previsíveis e
inadiáveis da competência do Governo, que têm de ser devidamente fundamentadas (nº. 2 do artigo 24);

- as alterações dos limites fixadas na Lei Orçamental para os “órgãos e instituições do Estado, decorrentes do ajustamento de preços
para despesas correntes (nº. 3).

Para além destas alterações, o Governo só pode proceder à redistribuição de verbas dentro dos limites estabelecidos pela Assembleia
da República.

Por sua vez, as alterações orçamentais do Governo estão reguladas no Capítulo IX (artigos 25 a 34) do Decreto no. 7/98, de 10 de
Março, diploma que aprovou o Regulamento que rege a execução e as alterações do Orçamento do Estado da competência do Governo.

Estas alterações orçamentais consistem na modificação das dotações orçamentais dentro dos limites globais fixadas na Lei
Orçamental, com excepção, como já foi referido, das decorrentes do ajustamento de preços e da distribuição da dotação provisional, podendo
assumir as seguintes formas:

188
Mesmo que tivesse alguma relevância jurídica discutir o assunto nunca estaríamos perante um orçamento
rectificativo pois este estaria no âmbito dos poderes do Executivo.
72
CAPÍTULO VIII
Fiscalização do Orçamento

1. Generalidades

Durante o ano económico faz-se o acompanhamento e controle189 multifacetado do


Orçamento do Estado, por forma a prevenir, detectar ou corrigir problemas, erros e
irregularidades.

Pretende-se, desta forma, assegurar a subordinação da administração financeira à


política financeira.

Mais concretamente, pretende-se que:

- a arrecadação e a afecção de recursos seja feita de acordo com o que vem


estipulado no Orçamento do Estado, de forma a evitar-se uma má utilização dos dinheiros
públicos e a ocorrência de desperdícios;

- os objectivos que se pretendem alcançar com a execução orçamental, e que vêm


definidos no Plano Económico e Social, estejam a ser efectivamente cumpridos.

Neste contexto, dá-se uma particular atenção ao cumprimento dos limites impostos pela
Lei do Orçamento.

Considera-se igualmente o impacto da execução das despesas e das receitas em


variáveis como o défice orçamental e o seu financiamento, o Produto Interno Bruto (PIB) e a
taxa de inflação. Face à evolução do défice orçamental e do comportamento da economia, é por
vezes necessário proceder a alterações no orçamento, mesmo que não se tenham verificado
desvios relativamente à Lei do Orçamento.

O controlo é, assim, uma garantia independente de que determinada acção ou poder no


âmbito do orçamento se ajusta aos objectivos da politica financeira e orçamental e que respeita
as regras às quais está e a que deve ater-se o orçamento.

2. Tipos de controlo

Como atrás referimos, o controlo é multifacetado, tendo a expressão várias utilizações,


umas latas, outras restritas.

O controlo pode ter fundamentos jurídico-políticos (controlo de conformação da


actuação do executivo aos desígnios do Parlamento), e económicos (eficiência e eficácia

189
Controlo, seguindo o Prof. SOUSA FRANCO (ob. cit,, p. 452, nota 1), é uma palavra importada da justaposta
contre-rôle e designou segundo registo para verificar o primeiro; hoje é utilizada em várias acepções significando
domínio ou poder, disciplina discricionária, ou processo social de vigilância e sanção para assegurar a
conformidade dos comportamentos dos agentes aos critérios, regras ou normas prescritos.
73
financeira, isto é, verificar se ao custo previsto ou abaixo dele foi possível obter o resultado
pretendido).

Qualquer que seja o controlo, jurídico-político ou económico, ele pode ser genérico190
ou específico; tem esta designação quando é exercido com meios “próprios exclusivos e
adequados à actividade financeira”191.

O controlo pode assumir-se em controlo de fiscalização ou de responsabilização,


consoante se esteja perante a prática de actos de prevenção, apuramento ou correcção de
irregularidades e de ajustamento aos objectivos ou se esteja perante o apuramento de eventuais
erros para ilibar ou responsabilizar as entidades controladas.

Embora as fronteiras não sejam nítidas, o controlo pode ser jurídico ou não jurídico,
politico (relativo à oportunidade e à conveniência), de legalidade ou de mérito (técnico), e
informal192.

A fiscalização pode ser a priori ou a posteriori, administrativa, jurisdicional ou política,


material ou económica, externa ou interna ou independente193.

3. O controlo e fiscalização orçamental em Moçambique

3.1. Acompanhamento e controlo

Em Moçambique, o acompanhamento da execução orçamental é feito


mensalmente, mediante relatórios periódicos apresentados pelos órgãos 1ª DNCP e à DNPO
(no caso do programa de investimento, PTIP).

Com base nesta informação, o Governo deverá apresentar à Assembleia da


República relatórios trimestrais sobre a execução das despesas e das receitas e os
financiamentos recebidos pelo Estado194.

Neste caso, o controlo administrativo é acompanhado de um controlo político-


parlamentar.

Com vista a analisar e a avaliar a execução orçamental, iniciou-se, em 1998, o


processo de elaboração de relatórios anuais de avaliação da despesa (Public Expenditure
Review), sob a coordenação da DNPO.

190
É genérico, por exemplo, o controlo que é efectuado através de interpelações parlamentares, da tutela
administrativa, da responsabilidade disciplinar ou de inquéritos jurisdicionais, inquéritos parlamentares e controlo
de constitucionalidade.
191
SOUSA FRANCO, ob. cit,, p. 454.
192
O controlo informal embora importante não passa disso; é exercido por poderosos meios de controlo que são a
comunicação social e a opinião pública.
193
A fiscalização externa ou independente é conferida a um auditor de contas, dotado de estatuto politico de
independência plena e estritamente vinculado à cooperação com o Parlamento (cf. SOUSA FRANCO, ob. cit, p.
458). No nosso sistema tal órgão é o Tribunal Administrativo, na sua qualidade de Tribunal de Contas que na sua
jovem histórica está inelutavelmente a proceder, para além do julgamento das contas, à avaliação da gestão
financeira (numa perspectiva técnica, económico-social e de sua economicidade).
194
N.o 2 do Art. 35 da LEOE que também fixa a necessidade de publicidade adequada (em Boletim da República) desta
informação.
74
Tal exercício será de extrema importância para o futuro acompanhamento e monitoria
da execução orçamental.

3.2. Fiscalização

A fiscalização tem normalmente em vista as despesas, uma vez que o montante


das receitas é uma estimativa e está sujeito a variações, dependendo da conjuntura económica,
entre outros factores. A sua fiscalização é, por isso, menos rigorosa: limita-se a averiguar se as
receitas foram correctamente liquidadas e contabilizadas.

No caso das despesas, confere-se a sua legalidade, regularidade e cabimento


orçamental (fiscalização material), bem como o respeito pelos princípios de economia,
eficiência e eficácia (fiscalização económica).

A fiscalização do orçamento em Moçambique é feita pelo Tribunal


Administrativo (fiscalização jurisdicional), pela Assembleia da República (fiscalização
política) e pela própria Administração Pública (fiscalização administrativa):

- Compete ao Tribunal Administrativo fiscalizar as despesas públicas e apreciar as


contas do Estado;

- Cabe, por sua vez, à Assembleia da República pronunciar-se e decidir sobre o


Relatório sobre a Conta Geral do Estado elaborado pelo Tribunal Administrativo;

- Por último, a entidade responsável pela gestão e execução do orçamento, as


entidades hierarquicamente superiores e de tutela, os serviços de contabilidade pública e os
órgãos gerais de inspecção têm o dever e a obrigação de acompanhar, inspeccionar e controlar a
execução orçamental.

A fiscalização jurisdicional assume uma especial importância, não só pela sua “força”,
mas também pelo facto de depender de um órgão externo e independente do Governo. Garante-
se, assim, a separação do poder executivo e jurídico, essencial para o funcionamento de
qualquer democracia.

É de salientar que a fiscalização não incide apenas sobre a Conta Geral do Estado: não é
feita somente depois de executado o orçamento. Ela é também realizada ao longo da própria
execução orçamental. Trata-se, neste caso, de uma fiscalização prévia195 por oposição à
fiscalização sucessiva196.

Por exemplo, quando a DNCP liquida uma despesa, procede automaticamente à


verificação da sua legalidade e cabimento.

Do mesmo modo, se o Tribunal Administrativo verificar que uma determinada despesa


não cumpre com os requisitos legais, ele tem poderes para impedir que ela se realize e para
punir os infractores.

195
Também designada de controlo concomitante.
196
A fiscalização sucessiva incide sobre a conta global que resume, reflecte e encerra a execução orçamental, a
Conta Geral do Estado.
75
Um último exemplo: quando a Assembleia da República aprecia os relatórios
trimestrais do Governo sobre a execução das despesas e das receitas, ela está a exercer o
controlo sobre essa mesma execução.

CAPÍTULO IX

A Conta Geral de Estado

1. Objecto da Conta Geral de Estado

No 31 de Dezembro termina o ano económico. É, então, necessário proceder-se ao


encerramento de contas. Após o encerramento das contas, procede-se à síntese de toda a
execução orçamental.

A Conta Geral do Estado abrange todos os organismos do Estado, com excepção das
instituições autónomas, empresas públicas e autarquias, que, como já se disse, se regem por
legislação própria.

Enquanto que o orçamento constitui uma previsão das receitas e despesas para um
determinado ano, a conta regista as receitas e despesas que foram efectivamente cobradas e
efectuadas durante esse ano. Constitui, por isso, um meio de controlar, a posteriori, a execução
orçamental e de responsabilizar os agentes dessa mesma execução.

A Conta Geral do Estado não é um registo síntese com o objectivo de evidenciar apenas
a execução orçamental e financeira, mas tem também como objecto apresentar o resultado do
exercício e a avaliação do desempenho dos órgãos e instituições do Estado.

2. Princípios da Conta Geral do Estado

2.1. Princípios supletivos

Porque, nos termos da lei197 a Conta Geral do Estado deve reflectir a observância do
grau do cumprimento dos princípios e regularidade financeira198, legalidade199,
economicidade200, eficiência201 e eficácia202 financeiras, entendemos que deve ter uma estrutura
197
Nº. 2 do art. 46 da Lei do SISTAFE
198
Regularidade, para verificar se todas as despesas e receitas são efectuadas ou cobradas no respeito pelos limites
financeiros e pelo período autorizado.
199
Legalidade, como se tem insistido, para verificar se as operações registados estão em conformidade com a
legislação, geral e especifica em vigor.
200
Economicidade, para verificar se a aquisição de recursos, humanos, materiais e financeiros foi a adequada em
qualidade e quantidade, no momento oportuno e pelo menor custo.
201
Eficiência, para verificar se os recursos foram em ordem a maximizá-los nos resultados e minimizá-los para
determinados resultados.
76
idêntica à do Orçamento do Estado, deve, para além de princípios próprios, observar os
princípios orçamentais e os seguintes da contabilidade pública203 204:

a) Consistência;
b) Materialidade;
c) Comparabilidade;
d) Oportunidade205;
e) Digráfico206;

2.2. Princípios e regras específicas

A Conta Geral do Estado deve, para além dos princípios supletivos, ser elaborada com
estrita respeito aos princípios que lhe são específicos ou próprios207, nomeadamente:

a) clareza;
b) exactidão; e
c) simplicidade.

3. Prazos

Os prazos referentes à aprovação da Conta Geral do Estado são os seguintes:

1º. A conta deverá ser apresentada à Assembleia da República e ao Tribunal


Administrativo até 31 de Maio do ano seguinte a que diz respeito208.

2º. O Relatório e Parecer do Tribunal Administrativo sobre a Conta Geral do


Estado, por sua vez, deverão ser enviados à Assembleia da República até 30 de Novembro do
ano seguinte àquele a que a Conta Geral do Estado respeite209.

3º. Por último, a apreciação e aprovação da Conta Geral do Estado pela Assembleia
da República deverá ser feita, após recepção do Parecer do Tribunal Administrativo, na sessão
seguinte à entrega do Relatório e Parecer pelo Tribunal Administrativo210.

4. Conteúdo e estrutura

A Conta Geral do Estado deve constituir uma informação completa relativa a211:
202
Eficácia para verificar o grau de realização dos objectivos visados, segundo relação custo/beneficio favorável.
203
Art. 39 da Lei do SISTAFE
204
Aliás é este o entendimento que deve ter-se do nº. 3 do art. 46 da Lei da SISTAFE que estabelece que a conta
deve ser elaborada com base nos princípios e regras de contabilidade geralmente aceites.
205
Em interpretação correctiva da alínea e) do art. 39, da Lei da SISTAFE, no sentido de a informação dever ser
produzida em tempo oportuno e útil, isto é, nos prazos legais, para que as decisões dos órgãos a que se destina
sejam tomadas nos prazos definidos.
206
Art. 40 da lei da SISTAFE
207
Art. 45 da lei de SISTAFE
208
Nº. 1 do art. 50 da Lei do SISTAFE.
209
Nº. 2 do art. 50 da Lei do SISTAFE.
210
Deve entender-se, em bom rigor, que a conta deve ser aprovada antes de 31 de Dezembro de cada ano. Com
efeito, a sessão da Assembleia da Republica seguinte à entrega do Relatório e Parecer pela Tribunal Administração
(nunca depois de 30 de Novembro) (nº. 3 do art. 50 da Lei de SISTAFE) realiza-se em data posterior àquela e antes
de 16 de Dezembro, de modo que a até 15 de Dezembro, nos termos do art. 26 da LEOE, seja aprovada a Lei do
Orçamento. Mas não é assim, como resulta da análise do Regimento da Assembleia da República.
77
a) receitas cobradas e despesas pagas pelo Estado;

b) financiamento ao défice orçamental;

c) fundos de terceiros;

d) balanço do movimento de fundos entrados e saídas de caixa do Estado

e) activos e passivos financeiros e patrimoniais do Estado; e

f) adiantamentos e suas regularizações.

Para o efeito, a Conta Geral de Estado será estruturada de modo a conter os seguintes
documentos de natureza básica:

a) Relatório do Governo sobre a gestão do exercício;

b) Financiamento global do orçamento;

c) Balanço;

d) Mapas de Execução Orçamental;

e) Demonstração de resultados;

f) Anexos as demonstrações financeiras;

g) Mapa de Activos e Passivos Financeiros;

h) Mapa consolidado anual de Tesouraria;

i) Inventário consolidado do património do Estado; e

j) Resumo de receitas, despesas e saldos discriminativos das instituições


autónomas.

5. Natureza jurídica do Relatório do Tribunal

Na verificação da regularidade orçamental o Tribunal elabora o Relatório e o Parecer,


actos não jurisdicionais, que são apreciados pela Assembleia da República .

O Relatório e o Parecer constituem um acto típico consultivo do Parlamento, a praticar


antes de este “tomar as contas”212 do Governo.213

211
Art. 47 da Lei do SISTAFE.
212
Por tomar as contas deve entender-se receber as contas.
213
SOUSA FRANCO, ob.cit, p, 477.
78
Este Relatório e Parecer precedem o juízo que a Assembleia faz das contas do Estado,
não podendo pronunciar-se sobre elas antes de conhecer a apreciação do Tribunal
Administrativo.

6. Conta do Estado em Moçambique

6.1. Âmbito da Conta Geral do Estado em Moçambique

De acordo com o artigo 32 da Lei nº. 15/97, de 10 de Julho, a Conta Geral do Estado é
um documento no qual estão apresentadas as receitas arrecadadas e as despesas efectuadas num
determinado ano económico, assim como os devedores e credores existentes no fim do ano, e é
baseada nos princípios e regras da contabilidade pública.

O resultado da execução orçamental consta da Conta Geral do Estado, a qual tem por
objectivo possibilitar um controlo da execução do Orçamento do Estado, bem como dos
devedores e credores do Estado (artigo 33).

Nos termos do artigo 35 da mesma Lei, a Conta Geral do Estado deve ser elaborada
com clareza, exactidão e simplicidade, de forma a possibilitar a sua análise económica e
financeira, devendo dela constar informação completa sobre:

a) Receitas cobradas e despesas pagas pelo Estado;

b) Financiamento ao défice orçamental;

c) Adiantamentos e suas regularizações;

d) Fundos de terceiros;

e) Caixas do Estado;

f) Activos e passivos financeiros do Estado.

Em termos de composição, a Conta Geral do Estado, refere a mesma Lei (artigo 36),
compreende:

a) o relatório do Governo sobre os resultados da execução orçamental;

b) o mapa das entradas e saídas de fundos do Estado, por cofres, com respectivos
saldos existentes no início e no final do ano económico;

c) os mapas das receitas e despesas do Estado segundo as classificações


económica, orgânica, funcional e territorial;

d) o mapa do movimento das operações de tesouraria em saldos, credores e


devedores iniciais e finais;

e) o mapa dos activos e passivos financeiros existentes no início e no final do ano


económico.

79
Adicionalmente, a Conta Geral do Estado deverá ainda integrar a seguinte informação
anexa (art. 37):

a) financiamento global do Orçamento do Estado, com discriminação da situação


das principais fontes de financiamento;

b) resumos das receitas, despesas e saldos por cada instituição autónoma, empresa
publica e autarquia.

Quanto ao âmbito (artigo 34), a Conta Geral do Estado abrange as contas de todos os
organismos do Estado que não tenham natureza, forma e designação de instituição autónoma,
empresa pública ou autarquia, que se regem por legislação própria.

Relativamente à estrutura da Conta em apreço, verifica-se que, em termos formais, a


mesma respeita o estipulado nos artigos 36 e 37 da Lei do Enquadramento do Orçamento do
Estado e da Conta Geral do Estado, não se verificando, porém, coincidência entre a informação
constante da Conta e alguns aspectos sobre os quais, por imperativo da Lei nº. 16/97, artigo 10,
o Tribunal Administrativo se tem de pronunciar, como seja:

• o inventário do património do Estado;


• as subvenções, subsídios, benefícios fiscais, créditos e outras formas de
apoio concedidos, directa ou indirectamente.

Assim, não apresentando a Conta informação relativa a estes aspectos, e não dispondo
ainda o Tribunal de um sistema de informação autónomo, não tem podido, no âmbito de
Parecer, proceder à sua apreciação.

De referir ainda que, no decurso das verificações efectuadas pelos serviços do Tribunal
e na sequência dos pedidos de esclarecimento feitos, são remetidos pelo Ministério do Plano e
Finanças mapas.

Adicionalmente, os serviços do Tribunal Administrativo procedem à recolha de


informação relativa aos movimentos das Repartições de Finanças e são-lhes também presente
um conjunto de informações sobre a execução dos orçamentos de funcionamento e de
investimento de todas as instituições beneficiarias de dotações do Orçamento do Estado para
1998, com base nos quais se produziram os mapas que constituem anexos ao Parecer.

A Conta Geral do Estado foi elaborada pela primeira vez para o exercício de 1998,
sendo apontadas muitos inconsistências e insuficiências que podem ser desenvolvidamente
compreendidas nas Recomendações do Tribunal Administrativo e que podem ser assim
resumidas:

- Indisponibilidade de dados que possibilitem uma melhor apreciação da


actividade do Estado nos domínios patrimoniais, das receitas e das despesas;

- Indisponibilidade de dados sobre o inventário do património do Estado;

- Insuficiência de dados para apreciação do balanço das Empresas Públicas, das


Autarquias e das instituições autónomas; e
80
- Insuficiência de dados sobre subvenções, subsídios, benefícios fiscais, créditos e
outros apoios directos ou indirectos;

- Desorçamentação, não figurado nela as receitas e despesas que ficam fora de


orçamento de “montantes significativos”;

- A violação de vários princípios e regras orçamentais instituídos pelo Art. 5 da


Lei nº. 15/97, de 10 de Junho, sendo de destacar a regra da orçamento bruto, e o princípio da
universalidade e unidade e da legalidade, tendo se assistido à redistribuição pelo
Governo dos limites de verbas fixadas pelas leis, segundo as classificações económica e
orgânica.

Embora seja assinalável o crescente grau de exigência de informação, quantitativa e


qualitativamente avaliada, por parte do Tribunal Administrativo nota-se que o Governo tem
empreendido grande esforço para corresponder, sendo corrigidas principalmente as violações
dos princípios assinalados no primeiro Relatório e Parecer sobre a Conta do Estado.

6.2. Parecer

6.2.1. Competência e prazos

Nos termos da alínea a do número 1 do artigo 10 do Regimento relativo à organização,


funcionamento e processo da 3.a Secção do Tribunal Administrativo, aprovado pela Lei nº
16/97, de10de Julho, compete ao Tribunal Administrativo, no âmbito da 3.a Secção, dar parecer
sobre a Conta Geral do Estado.

O n.o 1 do Artigo 3 da Lei nº. 14/97, de 10 de Julho, estabelece que a Conta Geral do
Estado deve ser remetida pelo Governo à Assembleia da República e ao Tribunal
Administrativo, até 31 de Dezembro do ano seguinte àquele a que respeite. O nº.2 deste Artigo
estabelece que o relatório e o parecer do Tribunal Administrativo sobre a Conta Geral do
Estado devem ser enviados à Assembleia da República, até 31 de Agosto do ano seguinte
àquele em que a mesma for apresentada.

6.2.1. Âmbito do Parecer

No cumprimento daqueles preceitos e visando o disposto no nº. 3 do Artigo 38 da Lei


nº. 15/ 97, de10 de Julho, o Tribunal Administrativo, reunido em sessão plenária, emite o
Parecer sobre a Conta Geral do Estado relativa a cada exercícios que, nos termos do nº. 2 do
Artigo 10 do Regimento relativo à organização, funcionamento e processo da 3.a Secção do
Tribunal Administrativo, aprovado pela Lei nº. 16/97, de 10 de Julho, deve conter a sua
apreciação, designadamente, sobre:

a) A actividade financeira do Estado no ano a que a conta se reporta, nos


domínios patrimonial e das receitas e despesas;

b) o cumprimento da Lei do Orçamento e legislação complementar;

c) o inventário do património do Estado;

81
d) as subvenções, subsídios, benefícios fiscais, créditos e outras formas de apoio
concedidos, directa ou indirectamente.

6.3. Metodologia

No decurso da análise da Conta Geral do Estado o Tribunal Administrativo solicita ao


Ministério do Plano e Finanças esclarecimentos adicionais sobre a informação constante
daquele instrumento, quando detecte “insuficiências e inconsistência”214 e contacta
formalmente, as Direcções Nacionais do Ministério do Plano e Finanças responsáveis pela
consolidação da informação.

Com o objectivo de “conhecer os sistemas de informação, de complementar, classificar


e certificar aspectos considerados relevantes”215, o Tribunal Administrativo pode contactar
Ministérios sectoriais.

O Relatório da Conta Geral do Estado é enviado ao Governo para permitir o exercício


do princípio do contraditório216.

O Relatório e o Parecer são dois documentos diferentes, não obstante sejam


apresentados contemporaneamente.

O Parecer, para além do Plenário do Tribunal Administrativo é rubricado pelo


Procurador-Geral da República, prática que não foi seguida em relação aos Relatórios.

O Relatório submetido à apreciação da Assembleia contém, em cada capitulo, as


respostas consideradas pertinentes pelo Tribunal e sobre as quais emite o seu juízo
apreciativo,217 em sede de constatações sobre o orçamento e suas alterações e execução.

O Parecer é concluído com Recomendações de carácter geral e específico, estas


relativas ao orçamento e suas modificações, à execução das receitas e despesas orçamentais, às
operações de tesouraria e outras.

214
P. 3 do Relatório e Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 1999 (Agosto de 2001).
215
Ibidem.
216
Ressalve-se o primeiro, o relativo a 1998, não foi enviado ao Governo.
217
A título exemplificativo, veja-se o seguinte trecho do Relatório e Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 1998, p. 4: “(...)
Porém, comparando aqueles valores com os constantes da publicação do Orçamento do Estado, da Imprensa
Nacional, de Janeiro de 1998, verificam-se diferenças que totalizam o montante de 340 133,22 milhões de
meticais.
Questionado o Ministério do Plano e Finanças sobre o assunto, justificou-se nos seguintes termos:
“A diferença de 340 133,22 milhões de meticais refere-se à margem de ajustamento de preços para o
funcionamento interno e externo. Enquanto na Lei nº. 1/98 o limite estabelecido está a preços correntes, a
publicação os limites sectoriais a preços constantes, pelo que entre estes dois montantes existe uma diferença de
340 milhões de contos, como se demonstra … De salientar que a actualização destes montantes teve em conta a
taxa de inflação média anual, para o caso do financiamento interno, e a taxa de desvalorização cambial média, para
o financiamento externo”.
A justificação acima transcrita, embora plausível, não afasta a necessidade de haver uma uniformidade na
apresentação dos valores, sendo que, a publicação orçamental feita através da Imprensa Nacional, como documento
onde estão desagregadas as dotações orçamentais aos vários órgãos/instituições, e por ser um instrumento de
controlo orçamental, deve conter as dotações a preços reais, ou seja, a preços correntes (…)”.

82
PARTE IV
INSTRUMENTOS FINANCEIROS

Capitulo I
TESOURO PÚBLICO

1. Conceito

O Tesouro Público, subsistema que integra o SISTAFE, é um conjunto de órgãos e


instituições do Estado que intervêm nas normas e processos de programação, captação de
recursos e gestão de meios de pagamento.

Esta é uma acepção essencialmente orgânica que se extrai do artigo 51 da Lei do


SISTAFE.

Numa acepção objectiva, e também com o recurso à mesma Lei, artigo 53, o Tesouro
Público pode ser definido como uma instituição financeira instrumental que tem por objecto a
elaboração da programação financeira, os desembolsos e os pagamentos relativos à execução
orçamental e financeira.

2. Funções do Tesouro

O Tesouro Público, por intermédio das entidades que constituem o subsistema,


nomeadamente a Rede de Cobranças do Estado (RCE), tem as seguintes funções218:

a) Proceder à gestão e movimentação dos fundos públicos;

b) Assegurar a cobrança dos fundos públicos e o pagamento219 das despesas


públicas;

c) Assegurar a antecipação das receitas devidamente previstas;

d) Processar os descontos retidos por conta de terceiros;

e) Aplicar as eventuais disponibilidades de Tesouraria..

Ao Tesouro devem, assim, em princípio, afluir a generalidade das receitas e a ele cabe
proceder os pagamentos das despesas ocorridas em execução do orçamento.

218
Artigos 8 e 9 do Regulamento do SISTAFE.
219
O pagamento na Tesouraria do Estado, nos termos do Artigo 115 do Regulamento do SISTAFE pode ser por
transferência bancária, por cheque ou em numerário.
83
Podemos, então, dizer que ao Tesouro, na sua actividade cabe realizar operações
orçamentais que se distinguem de operações de Tesouro, por darem origem à inscrição
definitiva na Conta Geral do Estado e estão previstas no orçamento.

As operações de Tesouraria, diversamente, são realizadas à margem do orçamento do


Estado embora possam ser geradoras de fundos que revertem na afectação normal da execução
do orçamento.

As operações de Tesouraria, que devem ser documentadas, podem ser passivas e


activas. São passivas as que correspondem à entrada de fundos da Tesouraria dos Fundos do
Estado ou a operações escriturais; as operações activas correspondem à saída de fundos ou a
operações escriturais de natureza idêntica.220

Em resumo, pode dizer-se que as operações de tesouraria, quer na forma de entradas


quer na de saídas, asseguram a antecipação de receitas, e colocação no sistema financeiro de
disponibilidades eventualmente ociosas, gestão de certos fundos e a gestão da política
monetária.

3. Princípio e regras específicas.

O Tesouro funciona em observância dos seguintes princípios e regras:

a) Anualidade;

b) Unidade;

c) Equilíbrio;

d) Uniformidade;

e) Descentralização; e

f) Indispensabilidade de informação.

A anualidade, princípio importado do orçamento, a unicidade de tesouraria e o


equilíbrio de tesouraria, são seguramente princípios stricto sensu, enquanto os outros podem
configurar a natureza de regras específicas pelas quais o Tesouro deve pautar.

Vejamos o seu conteúdo e significado.

3.1. Anualidade

Este princípio deve ter a compreensão de idêntico princípio orçamental e decorre da


previsão legal221 no sentido de as operações de tesouraria deverem ser feitas e regularizadas no
ano económico em que têm lugar e por conta das dotações orçamentais.

3.2. Unidade

220
Artigo 120 do Regulamento do SITAFE.
221
Artigo 121 do Regulamento do SITAFE.
84
Este princípio de unidade de tesouraria significa que todos os recursos públicos, de
origem fiscal, extra-fiscal, ou creditícia, devem ser canalizados ao Tesouro, com vista a uma
maior capacidade de gestão, dentro dos princípios de eficácia, eficiência e economicidade.

Para a materialização deste princípio o nosso legislador instituiu a regra da Conta Única
do Tesouro (CUT) titulada junto do Banco de Moçambique ou do Banco que desempenhe as
funções de Caixa do Tesouro ou de Banqueiro222 do Estado.

A Conta Única do Tesouro é um tipo de conta bancária, piramidal, com contas


globalizadas e contas subsidiárias através das quais se movimentam a arrecadação de receitas
efectivas e não efectivas e a execução de despesas223.

3.3. Equilíbrio

O princípio do equilíbrio de tesouraria preconiza que as entradas de recursos devem ser


iguais ou superiores às saídas de recursos.

3.4. Uniformidade

Com este princípio pretende-se que a cobrança de receitas seja uniforme em toda a Rede
de Cobranças do Estado, em termos de objectivos, registos, fluxo de informação a
disponibilizar, depósito em contas bancárias e controlo224 .

3.5. Descentralização

O princípio da descentralização assegura que o Tesouro, apesar de dever ser um só


(princípio da unidade), pode funcionar descentralizadamente, através das caixas subsidiárias do
Tesouro225 cujos responsáveis se constituem em exactores da Fazenda, com dependência
hierárquica e funcional dos serviços ou unidades orgânicas do Estado onde estão integradas e
relação funcional directa com o órgão coordenador do STP226.

3.5. Indispensabilidade de informação

Por este princípio os serviços ou unidades orgânicas do Estado devem desenvolver um


circuito de informação oportuno e fiável sobre os pagamentos, assente na estrutura tecnológica
desenvolvida para as formas de pagamento do Tesouro e informação pertinente da Conta Única
do Tesouro227.

Capitulo II
PATRIMÓNIO PÚBLICO

222
Compreende-se, então, porque é impróprio designar o próprio Tesouro de Banqueiro do Estado.
223
Artigo 55 da Lei do SISTAFE e 92 do respectivo Regulamento.
224
Matérias tratadas nos artigos 99 a 107 do Regulamento do SISTAFE.
225
Artigo 101 do regulamento do SISTAFE
226
Artigo 102 do Regulamento do SISTAFE.
227
Artigo 117 do Regulamento do SISTAFE.
85
1. Razão da ordem

Ao estudarmos as Receitas do Estado tivemos várias vezes que falar do Património; o


mesmo aconteceu quando do estudo do Orçamento e das instituições financeiras instrumentais.

Importa, pois, debruçarmo-nos sobre este instituto de relevante importância em


Finanças Públicas, construindo o conceito, estudando a tipologia, a sua natureza e regime
jurídico.

2. Noção de Património

A noção pode ser construída do entendimento de que todas as entidades, públicas e


privadas, “têm vocação ou para disporem de um património próprio”228, isto é, tendo
personalidade jurídica, podem ter capacidade patrimonial.

Equivale isto a dizer que essas entidades podem deter riqueza sob a forma de
património constituído por bens económicos (coisas, serviços, direitos) disponíveis num
determinado período de tempo e afectáveis à satisfação das necessidades próprias ou colectivas.

Tentativamente, podemos então dizer que o património é um conjunto de bens e


responsabilidades que sobre eles impendem, de que um sujeito dispõe, duradouros ou não
duradouros, susceptíveis de satisfazerem necessidades económicas colectivas.

Através da administração e gestão patrimonial229 será possível avaliar o património que,


diga-se, pode não ser consistente, mudando constante e continuamente de qualidade e
quantidade, à medida das aquisições, alienações de bens ou direitos, das onerações ou
liberações do respectivo conjunto.

De todo o modo, o património pressupõe um activo e um passivo230 dos quais se pode


fazer-se um balanço231.

3. Delimitação do património

O património do Estado é constituído por bens que podem ser do seu domínio público
ou do seu domínio privado.

O domínio público é constituído pelas coisas que em virtude da sua reconhecida


primacial utilidade pública, a lei subtrai ao comércio jurídico privado232.

O legislador, mais poupado em palavras mas mais explícito define como “bens de
domínio público os que assim são classificados pela Constituição da República233 ou os
submetidos por lei à titularidade do Estado e subtraídos ao direito privado”234.
228
SOUSA FRANCO, ob. cit., pp. 305 e ss.
229
Considera-se activo o conjunto de bens e direitos que se detém.
230
Constituem o passivo conjunto de responsabilidades que impendem sobre os bens e direitos detidos
231
O Balanço é a avaliação do património num dado momento.
232
O nº 2 do Art. 202 do Código Civil diz: “Consideram-se, porém, fora do comercio todas as coisas que não
podem ser objecto de direitos privado , tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua
natureza, insusceptíveis de apropriação individual”
233
Art. 35.
234
Nº 2 do Art. 126 do Regulamento do SISTAFE.
86
O domínio privado do património do Estado abrange todos os bens que se encontram
submetidos às regras do Direito Privado, que podem ser de conteúdo real ou de conteúdo
obrigacional como, por exemplo e respectivamente, os prédios rústicos e urbanos, por um lado,
e os capitais afectos às empresas, os capitais mutuados e os títulos de participações financeiras,
por outro.

São considerados de domínio privado pelo legislador, “os bens que o Estado livremente
adquire no âmbito do direito privado, sendo em princípio susceptíveis de alienação”235.

3.1. Composição do património do domínio público

O património do domínio público ou património dominial236, aquele que se caracteriza


pelo regime jurídico de inalienabilidade e imprescritibilidade e que, como tal, não se dá a
usucapião, que é impenhorável e não hipotecável237, pode ser natural ou artificial.

3.1.1. Domínio público natural

Deste domínio fazem parte:

a) Bens do domínio hídrico: águas marítimas, fluviais, lacustres e de fontes;

b) Bens de domínio aéreo; e

c) Bens do domínio mineiro: jazigos nacionais e petrolíferos, nascentes de aguas


mineromedicinais e recursos geotérmicos.

3.1.2. Domínio público artificial

No domínio público artificial podemos identificar238:

a) Domínio de circulação: estradas, pontes, ferrovias, linhas telefónicas e de


energia, aerogares, etc.;

b) Domínio monumental, cultural e artístico (museus, bibliotecas, arquivos,


palácios e monumentos); e

c) Domínio militar: navios, aeronaves, instalações militares, carros de combate,


etc..

3.2. Composição do património do domínio privado do Estado

Entende-se do domínio privado do Estado o património constituído, como já se disse,


por coisas integradas no comércio jurídico privado e sujeitos ao regime do Direito Privado, e
sobre as quais o Estado exerce o direito real de propriedade, ou outros direitos, reais, de
natureza creditícia ou obrigacional.
235
Nº. 3 do Art. 126 do Regulamento do SISTAFE.
236
Art. 126, nº. 3 do Regulamento do SISTAFE.
237
Terminologia do Prof. SOUSA FRANO, ob. cit., p. 309.
238
SOUSA FRANCO, ob. cit., p. 309; BRAZ TEIXEIRA, ob. cit., pp. 210 ss.
87
Compreendem-se no domínio privado do Estado:

a) Prédios rústicos e urbanos;

b) Património móvel;

c) Capitais em participações;

d) Capitais mutuados;

e) Títulos em carteira; e

f) Direitos de exploração.

3.3. Outros critérios classificatórios

Seguindo outros critérios de classificação do património público podemos ter239:

a) Património real constituído por coisas e direitos sobre elas;

b) Património financial constituído por activos monetário-financeiros e por créditos


e débitos do Estado;

c) Património geral que integra todo o activo e passivo patrimonial não especial; e

d) Patrimónios especiais que podem estar sujeitos a um regime jurídico especifico


de gestão financeira de um conjunto de bens, isto é, são aqueles bens inalienáveis,
impenhoráveis e não hipotecáveis, que estão afectos a serviços ou unidades orgânicas de Estado
e que são indispensáveis para a realização e prossecução das suas funções240.

Os Patrimónios especiais podem, por seu turno ser:

- Património de afectação, cujos exemplos são as situações que decorrem dos


artigos 2033, nº 2, 2053, nº1, 2113, al. f), 2132 e 2151 a 2155, todos do Código Civil;

- Patrimónios de gestão, assim designados por terem uma “relação com uma
particular função material ou tarefa no programa do Estado”241.

Estes patrimónios se estiverem sujeitos a regimes específicos de responsabilidade por


dívidas designar-se-ão por fundos que podem ser formais, personalizados, não personalizados,
com autonomia financeira ou apenas de facto242;

e) Património mobiliário constituído por direitos sobre móveis e direitos de objecto


imaterial (Artigos 204 e 205 do CC);

239
SOUSA FRANCO, ob. cit., pp. 306 a 318.
240
Nº5 do Art. 126 do Regulamento do SISTAFE.
241
SOUSA FRANCO, ob. cIt., P. 307.
242
SOUSA FRANCO, ob. cit,, p. 307, nota 3.
88
f) Património imobiliário, constituído pelos direitos sobre bens imóveis;

g) Património creditício, também impropriamente designado de património


financeiro, o que integra os créditos, os débitos, as participações e os valores de tesouraria do
Estado;

h) Património duradouro, é o verdadeiro património do Estado, que é constituído


por bens na titularidade do Estado por mais de um ano;

i) Património não duradouro que é integrado por bens, normalmente consumíveis,


não sujeitos a amortização cuja permanência é apenas durante o período orçamental e, por isso,
também designado de Património de Tesouraria;

j) Património de uso: aquele que é constituído por bens aptos a prestar utilidades
por uso; e

k) Património de rendimento que será o que é constituído por bens cuja função
primordial é gerar rendimentos. Designa-se também de “património fiscal”.

Bem se vê que o património do Estado poderá ter cumulativamente duas ou mais destas
classificações, consoante as delimitações objectivas que forem adoptadas, assim, em razão da
permanência na titularidade do Estado, da intervenção ou não do homem para a sua
constituição, etc.

4. Gestão Patrimonial em Moçambique

4.1. Evolução histórica

a) Aspectos Gerais

Desde a independência nacional que a natureza e extensão dos bens e direitos que
constitui o património do Estado têm sido sujeitos a consideráveis mutações, numa primeira
fase, beneficiando de alargamentos e, numa segunda, sofrendo restrições.

b) No âmbito de Transição

Justificado pela necessidade de tomar medidas urgentes susceptíveis de garantirem a


paz social e progresso económico, no âmbito do processo de descolonização, um conjunto de
medidas de carácter económico foi tomado no sentido de sujeitar à intervenção do Governo de
Transição todas “as empresas singulares ou colectivas” sempre que estas não funcionassem em
termos de contribuir normalmente para o desenvolvimento económico de Moçambique243.

Em virtude do encerramento total ou parcial de secções de empresas, ameaça ou


despedimento eminente de pessoal, abandono de instalações, descapitalização ou
desinvestimentos injustificados, incumprimento de obrigações, desvio de fundos, redução de
produção, empolamento de despesas, abandono de prédios rústicos, o Estado moçambicano
veio a herdar um enorme património do domínio privado.

243
Preâmbulo do Decreto-Lei nº 16/75, de 13 de Fevereiro.
89
c) No âmbito da Constituição do Tofo (25 de Junho de 1975)

O artigo 8 da Constituição da República definindo que “A terra e os recursos naturais


situados no solo e no subsolo, nas águas territoriais e na plataforma de Moçambique são
propriedade do Estado”, dita a génese dum Estado com a absoluta propriedade do património
dominial.

O Decreto-Lei nº 4/75, de 16 de Agosto, o Decreto-Lei nº 5/75, de 19 de Agosto, o


Decreto 6/75, de 19 de Agosto, o Decreto n.o 12/75, de 6 de Setembro, que, respectivamente,
extingue a actividade de advocacia privada, nacionalização das instituições de saúde, proíbe o
exercício de actividades funerárias a titulo lucrativo, a nacionalização do ensino privado ou
missionário e as nacionalizações de 24 de Julho de 1974, as dos prédios de rendimento e a
reestruturação da Banca e de Seguros, em 1977, colocaram o Estado com um património
incomensurável.

A situação sucintamente descrita no Relatório do Governo sobre o Programa de


Reabilitação Económica e Programa de Emergência (PREPE)244 aprovado pela Resolução nº
15/87, de 22 de Setembro245, conduziu à inversão do excessivo estatismo iniciada logo a seguir
à independência. Tratou-se de implementação de um sistema marcadamente intervencionista
na vigência246 da Constituição de 1975, a do Tofo.

d) No âmbito do Programa de Reabilitação Económica

No âmbito do Programa de Reabilitação Económica, assiste-se a uma reestruturação,


transformação e redimensionamento do sector empresarial do Estado que inclui a privatização e
alienação a título oneroso de empresas, estabelecimentos, instalações e participações sociais de
propriedade de Estado247, por: concurso público, oferta ou venda pública de acções, negociação
particular, realização de investimentos privados mediante aumentos de capital ou alienação a
GTT – Gestores, Técnicos e Trabalhadores nacionais248.

Não importa discutir aqui o processo mas esclarecer que a questão sobre a
constitucionalidade deste processo é controvertida.

Saber se à luz da Constituição de 1975 o Decreto nº 21/89, de 28 de Maio, podia


determinar a alienação a titulo oneroso de património do Estado.

244
Mais tarde PRES – Programa de Reabilitação Económica e Social
245
Em apêndice, extraído da “Principal Legislação”, Vol. XIV, Ministério da Justiça, DIL, 1987, pp.. 214 a 249.
246
Preferimos dizer na vigência porque entendemos que o intervencionismo não é facilmente lido na Constituição
formal, embora seja inquestionável na prática constitucional e legislativa, na prática económica e na prática
financeira.
247
Art. 1 do Decreto nº 28/91, de 21 de Novembro
248
Este processo sofreu metamorfoses, tendo começado por “trespasses, vendas, cedências por diversas formas
pelos Ministérios e Secretarias de Estado (…) sem regulamentação adequada”; reconheceu-se que porque “os bens
em questão constituem património do Estado (…) a sua alienação tem de ser o mas mais transparente possível”;
iniciou-se a regulamentação do processo de cessação de propriedades do Estado através de alienação a titulo
oneroso, dos bens e dos direitos patrimoniais sobre o capital privado de que o Estado é titular e que deles desejasse
prescindir (veja-se preâmbulo do Decreto nº 21/89, de 23 de Maio).
90
O ponto de partida será o artigo 3 daquela Constituição249 e, seguidamente saber se, de
facto, o processo era orientado na base da linha politica definida pela FRELIMO.

Um exercício hermenêutico conduzir-nos-á a uma resposta positiva250 .


e) No âmbito da Constituição de 1990

No âmbito da Constituição de 1990 não há duvidas que se privilegia a ordenação de


251
Estado .

No que diz respeito aos bens dominais não há qualquer alteração, quanto ao direito de
propriedade, parecendo absoluta a observância do artigo 35 da Constituição252 e dos artigos 46
a 48 sobre a propriedade da terra e os métodos de seu uso e aproveitamento.

Quanto ao património do domínio privado do Estado a redução é de tal ordem que pode
dizer-se para além daquela evolução que parece ter sido querida pelo legislador constituinte ao
prever empreendimentos “reservados à propriedade ou exploração exclusiva do Estado” que
decorre da interpretação do art. 45, nº 2 .

Parece que no domínio económico já não há áreas que sejam monopólio estatal do
mesmo modo que não parece que a orientação seja no sentido de manter as poucas empresas
públicas existentes – a Electricidade de Moçambique EP., a Aeroportos de Moçambique, EP., e
a Empresa de Caminhos de Ferro de Moçambique, EP Correios de Moçambique.

As participações do Estado em capital social de empresas públicas e não públicas


continuam, porém, ainda a ser uma parte assinalável do património do Estado, cuja gestão está
confiada, por delegação253, ao IGEPE – Instituto de Gestão das Participações do Estado254.
249
“A Republica Popular de Moçambique é orientada pela linha politica definida pela FRELIMO, que é a força
dirigente do Estado e da Sociedade. A FRELIMO traça a orientação política básica do Estado e dirige e
supervisiona a acção dos órgãos estatais a fim de assegurar a conformidade da politica do Estado com o interesse
do Povo”.
250
Não é o espaço próprio para esgotar esta matéria cuja abordagem iniciámos a propósito da Constituição
Económica, no âmbito da cadeira de Direito Económico. Numa primeira aproximação diríamos que o Presidente
da República, que era o Presidente da FRELIMO (Art. 53 da CRPM) era também o Presidente do Conselhos de
Ministros (Art. 59 da CRPM). Pode concluir-se que nas deliberações do Conselho de Ministros não devia estar
ausente a orientação da FRELIMO. Em segunda aproximação: parece que as Directivas Económicos e Sociais dos
Congressos da FRELIMO não afastam uma evolução no sentido de reduzir a hipertrofia do Estado. É o que pode
entender-se, a titulo meramente exemplificativo, das passagens seguintes do Relatório sobre o PREPE: “Na
sequência das Directivas do IV Congresso o Governo elaborou um primeiro plano de acção para o período l984-
1986 …”; e “… por instrução explícita do Bureau Político o Governo elaborou o Programa de Reabilitação
Económica, um programa de quatro anos, até 1990, promover a recuperação da actividade económica…”
251
“… e na acção do Estaco como regulador e promotor do crescimento e desenvolvimento económico e social
visando a satisfação dos mecanismos básicos da população e a promoção do bem-estar social”. – nº 1 do art. 41 da
CRM.
252
“1. Os recursos naturais situados no solo e no subsolo, nas aguas interiores, no mar territorial, na plataforma
continental e na zona económica exclusiva são propriedade de Estado.
2. Constituem ainda domínio público do Estado:
a) a zona marítima,
b) o espaço aéreo,
c) o património arqueológico,
d) as zonas de protecção da natureza,
e) o potencial hidráulico,
f) o potencial energético,
g) os demais bens como tal classificados por lei.
253
Não há transferência mas uma simples delegação. O Estado é, portanto o titular das participações.
91
4.2. Princípios e regra de gestão patrimonial

I. A gestão do património, para ser racional, obedece aos seguintes princípios:

a) Impenhorabilidade,

b) Inalienabilidade,

c) Regularidade financeira,

d) Economicidade,

e) Eficiência,

f) Eficácia255.

II. As regras de gestão patrimonial são os seguintes:

a) Avaliação de acordo com critérios específicos;

b) Alienação e aquisição por concurso público; e

c) Amortização e reintegração de acordo com a legislação especifica256.

4.3. Modos de gestão

A administração dos bens do património do Estado com vista a conservá-los, valorizá-


los e aplicá-los de acordo com os princípios e regras definidas, de modo a melhor afectá-los na
satisfação das necessidades públicas constitui a actividade de administração patrimonial.

A actividade de administração patrimonial pode ser directa, isto é, exercida


directamente pelo Estado através dos seus serviços ou unidades orgânicas ou indirecta, através
das seguintes formas:

a) Concessão de exploração;

b) Licenças de uso e aproveitamento;

c) Arrendamento; e

d) Cessão do usufruto257.

4.4. Aquisição

254
Criado pelo Decreto nº 46/2001, 21 de Dezembro, com o objecto de gerir, coordenar e controlar as participações
do Estado nos diferentes tipos de sociedade.
255
Art. da Lei do SISTAFE e Art. 122 do seu Regulamento.
256
Art. 122 do Regulamento do SISTAFE.
257
Nº 1 do Art. 164 do Regulamento do SISTAFE.
92
I. Os bens do Estado podem ser adquiridos internamente e no exterior (Art. 129 do
Regulamento do SISTAFE) por concurso, em principio, centralizado pelo órgão coordenador
do SPE - Subsistema do Património do Estado258.

II. A aquisição pode ser feita, para além da compra, por meio de259:

a) doação, sucessão legal ou testamentária;

b) apropriação;

c) expropriação;

d) produção; e

e) outras formas previstas no código civil e demais legislação.

III. As formas mais características são: troca, doação, sucessão legal ou


testamentária, usucapião, ocupação ou acessão, por arrematação em processo judicial ou em
processo de execução fiscal, requisição administrativa, por reversão a favor do Estado, da
universalidade de bens e direitos objecto de concessão, confisco, a perda a favor do Estado de
instrumentos de crimes ou nacionalização260.
4.5. Alienação

A alienação, a título oneroso, do património do Estado é feita, em princípio, por


concurso público, sendo precedida pela constituição de uma comissão para avaliação e
alienação constituída por 3 ou 5 elementos efectivos e igual número de suplentes261.

A alienação de bens abatidos pode ser feita, para além de outras previstas por lei, por
uma das seguintes formas:

a) leilão;

b) proposta em carta fechada; e

c) troca262.

4.6. Inventário

4.6.1. Noção

O inventário é o registo dos bens que se constituem como activo do património do


263
Estado ou uma parte significativa dele, determinada em função da sua afectação ou
natureza264.

258
Art. 127 do Regulamento do SISTAFE.
259
Art. 128 do Regulamento do SISTAFE.
260
Cfr. MARCELO CAETANO, ob. e vol. cits., pp. 909 e ss., A. MOUTEIRA GUERREIRO e CRISPIM
GOUVEIA, ob. e vol. cits., pp. 71 e ss. ARMANDO NOBRE, ob. cit., pp. 69 e ss., JOSÉ PEDRO FERNANDES,
ests. e loc. cits e NUNO SÁ GOMES, Nacionalizações e privatizações, Lisboa, 1988.
261
Arts. 166 e 16 7 do Regulamento do SISTAFE.
262
Art. 169 do Regulamento do SISTAF.E
93
4.6.2. Tipos

I. O inventário pode ser geral ou específico

O inventário geral compreende o domínio público, o domínio privado e o património


financeiro hoc sensu (direitos e obrigações com conteúdo económico)265.

Os inventários específicos referem-se a avaliações específicas referentes a um


determinado momento e espaço.

II. Os inventários podem ser também de base266 ou especiais; estes podem ser
inventários patrimoniais e inventários de protecção.

III. As unidades orgânicas do Estado elaboram o seu inventário, anualmente, até 31


de Janeiro, fazendo-se, nos anos múltiplos de 5, uma conferência final de todos os bens
mediante preenchimento de modelo próprio267.

4.7. Extinção da titularidade

A extinção do carácter dominial de um elemento do Património do Estado pode ser,


para além da alienação268, pelas seguintes formas presentes na lei:

4.7.1. No âmbito do domínio publico

a) Por desaparecimento; e

b) Por cessação da dominialidade.

4.7.2. No âmbito do domínio privado

a) Pela via privada de alienação e extinção de direitos:

- venda;
- troca; e
- remição de domínios;

b) cessão a título definitivo;

c) reversão de bens expropriados;

d) restituição de bens executados;


263
Art. 141 do Regulamento do SISTAFE.
264
SOUSA FRANCO, ob. cit,, p. 327.
265
Pode chegar-se a esta conclusão da enumeração feita pelo legislador no Art. 142, nº 2 do Regulamento do
SISTAFE.
266
Note-se que os inventários de base são especiais do inventário geral e podem referir a três grandes grupos que
constituem: inventários de base de bens móveis e de material, inventários de base de automóveis do Estado,
inventário de base de imóveis.
267
Art. 134 do Regulamento do SISTAFE.
268
Art. 140 do Regulamento do SISTATE
94
e) execução judicial;

f) prescrição;

g) abates; e

h) substituição.

4.7.3. Abates

Os abates podem referir-se a móveis, imóveis e a animais269.

5. Fiscalização do Património

Dando cumprimento ao no. 2, do artigo 10, do Regimento relativo à Organização,


Processo e Funcionamento da 3a. Secção, aprovado pela Lei nº. 16/97, de 10 de Julho, o
Tribunal Administrativo pronuncia-se, num dos capítulos, sobre a informação relativa ao
Património do Estado, constante da Conta Geral do Estado de 2001.

Com efeito, de acordo com o referido preceito legal, compete ao Tribunal


Administrativo, apreciar e dar parecer sobre, inter alia, o inventário do património do Estado;

A apreciação é feita com base num Anexo Informativo à Conta Geral do Estado e em
informações adicionais recolhidas pelo Tribunal, na Direcção Nacional do Património do
Estado (DNPE), entidade que, nos termos do artigo 12, do Diploma Ministerial nº. 2/97, de 1 de
Janeiro, tem como competências a verificação “dos processos de contas dos bens patrimoniais
dos organismos do Estado”, elaboração “da Conta Geral do Património do Estado”, bem como
“assegurar a gestão dos bens patrimoniais do Estado, procedendo ao respectivo tombo”.

Deste Anexo Informativo que foi apresentado pela primeira vez na Conta Geral do
Estado de 2001, pode concluir-se da ausência de legislação sistematizada e adequada sobre a
inventariação dos bens do Estado e que o valor líquido do Património do Estado, era de cerca
de 103 100 milhões de dólares norte-americanos270 descriminados como segue, com referência
a 31 de Dezembro de 2001271:

Taxa de Câmbio: 23.995.18

Tipo Contos Dólares

269
Artigos 156 a 165 do Regulamento do SISTAFE.
270
Este valor está em constante actualização ultrapassando em Junho de 2003 (ver cfr. Relatório e Parecer do
Tribunal Administrativo sobre a Conta Geral do Estado de 2001,pg. 108) 200.000 milhões de dólares norte-
americanos.
271
Fonte: Conta Geral do Estado de 2001 – Anexo Informativo n.o. 7

95
Móveis 877.695.317 36.577.984
Veículos
531.285.580 22.141.346
Imóveis
1.064.572.266 44.366.088

Soma 2.473.553.163 103.085.418

Neste inventário não estão integrados:

a) O património de domínio público, a carecer de legislação mais adequada e mais


tempo de estudo e organização do processo devido à sua complexidade;

b) O património das Empresas Públicas, Institutos e Fundos Públicos com


autonomia administrativa, financeira e patrimonial, a abranger desde 2003, por força da Lei da
Administração Financeira do Estado (Lei nº. 9/2002, de 12 de Fevereiro);

c) O património das Autarquias, também a abranger, a partir de 2003, com base na


citada lei;

d) Aquisições efectuadas com recurso a financiamentos externos nos últimos


quarto anos.

O Património do Estado avaliado limita-se, pois, apenas aos bens afectos às seguintes
entidades:

a) Órgãos do Estado e instituições subordinadas, de nível central e provincial;

b) Programas e Projectos financiados pelo Orçamento do Estado;

c) Programas e Projectos com financiamento externo, excepto quando haja reserva


de propriedade por parte do financiador;

d) Forças de Defesa e Segurança no tocante a bens que não sejam material de


guerra e afins;

e) Institutos e Fundos Públicos sem autonomia administrativa, financeira e


patrimonial;

f) Outras entidades financiadas pelo Orçamento do Estado.

Pode esperar-se que nos próximos anos o trabalho de actualização venha proporcionar
uma informação mais fiável em termos de:

- Quantidade e tipo de bens de que o Estado dispõe;

- Valor total do património e de cada um dos bens que o compõem;

- Gestão global de património do Estado.

96
CAPÍTULO III

AS RECEITAS PÚBLICAS

1. Introdução
Ao definirmos o orçamento falámos de “deve” e “haver”, o que pressupõe a existência
de dois “braços”, um de débito e outro de crédito, correspondentes, respectivamente e em
princípio, a despesas e a receitas.

Não pode, portanto haver despesa pública sem que, em algum momento, no ciclo de
execução orçamental haja uma receita.

As receitas têm como objectivo primordial o financiamento da actividade financeira do


Estado, sem embargo de outras funções extra financeiras, e são de uma grande diversidade que
advém do acréscimo das funções do Estado moderno.

Afinal o que é uma receita?

2. Conceito

I. Porque de receitas públicas estamos a falar, podemos dizer que receita pública é
um recurso patrimonial definitivo obtido, num período financeiro, pelo Estado, ou outro entes
públicos ou com funções públicas, para cobrir necessidades públicas.

II. Neste conceito podemos identificar três elementos, de natureza objectiva,


subjectiva e teleológica, a saber:

a) Elementos objectivos:

A receita constitui um recurso patrimonial, obtido num determinado período


financeiro.

Esta fonte de financiamento da actividade de Estado tem de ser patrimonial, isto é,


apesar de admissíveis casos de ela poder expressar-se em espécie, é sempre calculada de forma
monetária272.

A referência ao período financeiro é importante na medida em que, um determinado


fluxo que constitui-se receita pode, noutro, constituir-se em despesa. Tal será o caso de um
empréstimo público. O período financeiro, já se disse, coincide com o período orçamental,
portanto, é de ano civil.

b) Elemento subjectivo

272
Para melhor compreensão, ver nosso Introdução ao Direito Fiscal, ob. cit., p. 108
97
O elemento subjectivo descobre-se na referência aos possíveis beneficiários dos
recursos: o Estado, em primeiro lugar, outros antes públicos ou com funções públicas.

c) Elemento teleológico

A finalidade dos recursos orçados tem de ser a satisfação de necessidades públicas


através da cobertura de despesas públicas.

Estas despesas não têm que estar necessariamente a seu cargo.

Um dos fundamentos que desde já podemos adiantar para alicerçar a exclusão desta
condição, que estão a seu cargo273, é a existência de recursos que o Estado, no âmbito da
descentralização, tem que encaminhar aos entes descentralizados e aqueles que alguns destes
terão a obrigação de encaminhar ao Tesouro.

3. Figuras semelhantes

Com a definição dada é possível identificar as seguintes figuras que, embora próximas,
não podem ser classificadas como receitas:

a) Recursos de Tesouraria

Os recursos de tesouraria são verdadeiras antecipações das receitas públicas, de


natureza transitória e momentânea, com o objectivo de suprir, por incapacidade ou por razões já
previstas, a necessidade de cobrir certas despesas.

b) Entradas de caixa vinculadas a fundos de garantia

São fundos normalmente depositados nos cofres a título de caução e que o Estado tem
que reembolsá-los verificadas certas condições.

4. Regime jurídico das receitas

O regime jurídico das receitas deverá ser em ordem a não violar os princípios
orçamentais e da contabilidade pública, nomeadamente:

a) Princípio da legalidade

Pelo princípio da legalidade deve entender-se que as receitas não podem ser liquidadas
ou cobradas sem que cumulativamente274:

(i) sejam legais,


(ii) tenham sido objecto de inscrição orçamental275,
(iii) estejam adequadamente classificadas.

273
O Prof. SOUSA FRANCO (ob. cit., p. 299) na definição “genérica” que dá de receitas públicas inclui o
elemento “que estão a seu cargo”.
274
Art. 62 do Regulamento do SISTAFE.
275
Ressalve-se, porém, que, nos termos de nº 2 do art. 62 do Regulamento do SISTAFE a liquidação e cobrança
[de receitas] podem ser efectuadas excedendo-se os valores mínimos previstos na respectiva inscrição orçamental
98
b) Princípio da anualidade

Este princípio também designado de renovação anual276 ou, com mais propriedade, de
autorização anual de cobrança, pressupõe que as receitas só podem ser cobradas quando
constantes do orçamento que é aprovado pela Assembleia da República e reveste a forma da lei
formal.

c) Princípio de previsão integral

Com as excepções decorrentes da desorçamentação, todas as receitas devem estar


previstas no orçamento do Estado.

d) Princípio da não dedução

Este princípio foi já explicado quando estudámos o orçamento a propósito do seu


princípio da não compensação.

e) Princípio da não consignação

O princípio da não consignação, também já estudado, deve entender-se como


significando que nenhuma receita deve, em princípio, estar afecta a uma determinada
despesa277.

f) Princípio da cobrança pelo processo de execuções fiscais

Este princípio refere-se apenas às cobranças especiais pois, em regra, a cobrança


efectua-se sob a forma virtual278 ou eventual279.

5. Classificação das receitas

Os critérios classificatórios das receitas são variados. Os mais comuns são os seguintes:

a) Receitas voluntárias contratuais280 ou não coactivas281 e receitas coactivas;


b) Receitas originárias e receitas derivadas;
c) Receitas efectivas e receitas não efectivas.

Vejamos o conteúdo de cada uma:

276
SOUSA FRANCO,, ob. cit., II Vol., p. 49.
277
Por isso a regra de cobrança pelo Tesouro que pode ser considerada uma emanação do princípio da unidade de
Tesouraria segundo o qual todos os recursos públicos devem ser canalizados [a uma única Tesouraria] com vista a
uma maior capacidade de gestão, dentro dos princípios de eficácia, eficiência e economicidade (alínea a) do nº. 1
do art. 54 do Regulamento do SISTAFE.
278
Considera-se virtual a cobrança de receita em que ao Recebedor são entregues, previamente, os respectivos
títulos, constituindo-se o Recebedor, por esse acto, na obrigação de cobrar e só se extinguindo a obrigação pelo
pagamento voluntário ou coercivo, pelo encontro com o título de anulação ou pela prescrição da dívida (nº 4 do
art. 65 do Regulamento do SISTAFE).
279
É eventual a cobrança de receitas quando o título da dívida é entregue pelo interessado ao Recebedor no próprio
acto de pagamento, em princípio, no dia da liquidação (nº 5 do art. 63 do Regulamento do SISTAFE).
280
Ver nosso Introdução ao Direito Fiscal; ob. cit., p. 17
281
Esta última denominação é do Prof. SOUSA FRANCO, ob. cit. p. 48.
99
5.1. Receitas voluntárias

As receitas voluntárias são aquelas que o Estado cobra actuando como sujeito de direito
privado como, por exemplo, em rendas de prédios urbanos ou rústicos, rendimentos de títulos.

5.2. Receitas coercivas

Embora se compreenda que todas as receitas são coercivas, são assim denominados
aqueles que têm como base uma obrigação irremovível ou aquelas a que o Estado tem acesso
no uso dos seus ius imperii.

5.3. Receitas originárias

Estas receitas, as originárias, são as que derivam de uma actividade financeira directa e
própria do Estado.

5.4. Receitadas derivadas

As receitas derivadas são aquelas de que o Estado é beneficiário mas resultam de


actividade de outras entidades públicas ou privadas.

5.5. Receitas efectivas e não efectivas

I. São efectivas as receitas constituídas por recursos definitivos e que não criam
imediata ou mediatamente qualquer encargo.

II. As Receitas não efectivas são aquelas que constituem um recurso imediato e
encargo futuro para o Estado.

6. Tipologia das receitas

As receitas podem ter os seguintes grandes modalidades:

a) Receitas patrimoniais,
b) Receitas tributárias,
c) Receitas creditícias.

6.1. Receitas patrimoniais

6.1.1. Conceito

As receitas patrimoniais podem ser definidas como aqueles recursos provindos do uso
oneroso282 dos direitos e obrigações com conteúdo económico e bens do Estado susceptíveis de
avaliação pecuniária.

Não se conclua da definição dada que todas as receitas ligadas ao património do Estado
são patrimoniais, “porquanto, se revestem inquestionavelmente [de] tal natureza as
provenientes do domínio privado estadual, já que no que concerne às derivadas da utilização

282
E, por isso mesmo, capazes de produzir rendimento
100
do domínio público o mesmo não se verifica uma vez que (…) o uso privativo dos bens desta
espécie ou o seu uso comum, quando não gratuito, implicam o pagamento de uma taxa”283.

6.1.2. Espécies de Receitas patrimoniais

As receitas patrimoniais podem ser constituídas por rendimentos do património


(relativas à normal administração do património) e por receitas de disposição constituídas por
recursos resultantes da operação ou alienação dos bens do activo patrimonial.

6.1.3. Modalidades de receitas patrimoniais

As receitas patrimoniais, que resultam exclusivamente dos bens do domínio privado do


Estado são:

a) Receitas do património imobiliário (rural, predial urbano, ou de uso colectivo ou


comum284 ) do Estado;

b) Receitas de património mobiliário financial285 ou empresarial286.

6.1.4. Regime jurídico dos rendimentos do património

O regime jurídico das receitas do património segue na essência o critério dos elementos
da própria receita.

Assim quanto ao sujeito activo das relações jurídicas de que promanam os rendimentos,
será sempre o Estado ou outro ente público ou com função publica; o sujeito passivo poderá
ser o inquilino (prédios urbanos arrendados), as empresas públicas ou privadas (remuneração
de capital), etc.

Quanto ao objecto é sempre uma prestação patrimonial sem garantia especial.

Para a extinção da obrigação todas as formas são admissíveis, para além do


cumprimento, a dação em cumprimento, a novação, a compensação, a confusão e a
consignação em depósito.

Em caso de inadimplemento, pode recorrer-se ao pagamento com juros, à cobrança


coerciva (processo de execuções fiscais) e pode conduzir à resolução unilateral, à rescisão ou
ao despejo, conforme aplicável.

6.2. Receitas tributárias

As receitas tributárias são aquelas que mais expressão têm no conjunto das receitas do
Estado.

283
BRAZ TEIXEIRA, A, ob. cit, p. 229.
284
O uso comum dos bens públicos caracteriza-se pela generalidade, igualdade e, em regra, gratuitidade.
285
Tal será o caso de juros de empréstimos concedidos pelo Estado, mais-valias, dividendos, juros de obrigações.
286
Dividendos ou lucros de empresas em que o Estado tem participação financeira directa, não incluindo as rendas
de concessionário.

101
São considerados receitas tributárias:

a) o imposto;
b) as taxas; e
c) as contribuições especiais.

6.2.1. Imposto

Dada a circunstância de o imposto ser objecto do Direito Fiscal, limitar-nos-emos a


deixar o conceito de imposto que melhor explicámos no nosso Introdução ao Direito Fiscal287 .

O imposto é uma prestação patrimonial coactiva, positiva, definitiva, não sinalagmática,


sem carácter de sanção estabelecida por lei, a favor duma entidade pública ou com funções
públicas, para satisfação de necessidades públicas e redistribuição da riqueza independente de
qualquer vínculo anterior288.

6.2.2. Taxas

A taxa é uma espécie tributária, que corresponde a uma prestação patrimonial, legal, a
favor de ente público como contraprestação específica e individual de um serviço público ou
de remoção de obstáculo jurídico ao comportamento da actividade de particulares289.

As taxas podem ser tarifas290 ou licenças291, administrativas292 ou judiciais293.

Não há dúvida quanto a taxa ter uma natureza obrigacional, dúvida residindo, apenas,
quanto a qualificar o vínculo obrigacional de legal ou voluntário.

Já nos posicionámos a favor da posição de considerar o vínculo obrigacional voluntário


no entendimento de que a prestação que a taxa pressupõe é feita, com carácter bilateral, exacta
e exclusiva hipótese de que quem a paga:

a) querer utilizar um serviço público;


b) querer utilizar um bem de domínio público; ou
c) querer ver removido um limite jurídico ao seu comportamento ou actividade.

Podemos ainda, conforme o seu destinatário, falar de taxas gerais, taxas consignadas e
taxas emolumentares.

Assim, serão gerais as taxas destinadas ao Tesouro; consignadas são as taxas destinadas
a entidades com tesouraria própria; de emolumentares são designadas todas aquelas taxas

287
P. 106
288
Ibidem.
289
Para mais desenvolvimento aconselhamos o nosso Introdução ao Direito Fiscal,, ob. cit., p.p. 114. ss
290
Do Art. 70 da Lei nº.11/97, de 31 de Maio, pode extrair-se a seguinte definição de tarifa: As tarifas são tipo de
taxas cobradas pela prestação directa de determinados serviços públicos numa base de recuperação de custos. Para
mais desenvolvimento veja-se no nosso Introdução ao Direito Fiscal,, ob. cjt., p.. 115.
291
As licenças são uma contrapartida de uma remoção, por acto administrativo, de obstáculos jurídicos a um
comportamento de particulares.
292
As taxas administrativas são aquelas em que se incluem as propinas e os valores pagos pelos actos de registos.
293
As taxas judiciais: incluem-se neste grupo, as custas e o imposto de justiça.
102
consignadas ao pagamento de funcionários, agentes ou entidades intervenientes em certos
serviços.

6.2.3. Contribuição especial

A constituição especial pode provir de melhoria ou de causas de despesas acrescidas


pelos particulares às entidades publicas294 e pelos quais há que compensar o sujeito publico.

A contribuição especial decorre de uma actividade estadual que ocasional e


indirectamente produz uma satisfação individual.

O Prof. Sousa Franco295 explica porque não pode ser imposto consignado nem imposto
especial, apesar de, no fim, dada a dificuldade de destrinçar com clareza estes tipos de
satisfações [votadas à prestação de utilidades divisíveis], a ausência de autonomia jurídica e da
reduzida importância (…) concluir que “devemos reputá-la verdadeiro imposto”296

6.2.4. Figuras semelhantes

I. Próximas da taxa temos algumas figuras jurídicas semelhantes nomeadamente:

a) imposto,
b) preço.
c) tarifa.

II. A taxa e o imposto distinguem-se essencialmente,

- pela bilateralidade e o carácter especifico da contra prestação da taxa;

- pela unilateralidade e carácter inespecífico da contra prestação feita pelo


Estado; e

- criação do imposto por lei em sentido formal.

III. A taxa distingue-se do preço na medida em que este é fixado sempre na base do
custo de produção e com o objectivo de conseguir um lucro (preço económico)297. A taxa
considerada preço politico298 - normalmente é fixada abaixo dos seus custos de produção.

A hipótese de isenções em relação às taxas não existirá em relação ao preço por força
do princípio de exclusão que lhe está inerente, por não ser aplicável a bens aptos a satisfazer
necessidades de satisfação passiva.

IV. Esta posição continua válida mesmo que estejamos, perante um tipo de taxa
especial que é a tarifa; com efeito, a tarifa sendo fixada com o objectivo de cobrir os custos
efectivamente suportados, mesmo assim, será fixado o valor abaixo do que o mercado fixaria.

294
WATY, Teodoro Andrade, Introdução ao Direito Fiscal, p. 115
295
Ob. cit., Vol. II, pp. 62 ss.
296
Temos estado a ensinar que não é verdadeiro imposto louvados no facto de haver, particularmente., uma
contraprestação especifica, (b) um vinculo anterior. Mas … Magister dixit!
297
BRAZ\ TEIXEURA, ob. cit., pp. 250 e ss.
298
Ibidem
103
6.3. Receitas creditícias

As receitas creditícias resultam da constração de empréstimos.

Delas nos ocuparemos demoradamente mais adiante sobre o título de crédito público.

CAPÍTULO IV
AS DESPESAS PÚBLICAS

1 Conceito e elementos e de Despesa

I. As despesas públicas são um instrumento das finanças públicas.

Elas podem ser definidas como o encargo do Estado ou outro ente público para
aquisição de bens ou prestação de serviços susceptíveis de satisfazer necessidades públicas.299

A despesa pública abrange várias e distintas realidades sendo por isso importante para
compreender o conteúdo da actividade financeira dum Estado.

II. A diversidade das despesas sugere para maior precisão do conceito uma
delimitação de alguns traços comuns a todas as realidades que possam ser definidas como tal.

São os seguintes os elementos de agregação:

a) Tipo de operação

A despesa é uma afectação de recursos, tipicamente em dinheiro, a um determinado fim.

b) Sujeito da operação

A despesa só será pública se efectuada pelo Estado ou outro ente público ou com
funções públicas.

c) Finalidade

Para que uma despesa seja pública deverá destinar-se a um fim público, isto é, deve
destinar-se a satisfazer necessidades públicas.

2 Despesa Pública e Despesa Nacional

A despesa pública constitui um processo de distribuição de rendimentos e altera a


repartição do rendimento nacional, como veremos nas próximas páginas.

299
Esta definição é próxima da que é adoptada pelo Prof. SOUSA FRANCO (ob. cit.,p. 297)
104
A despesa nacional é constituída pelos consumos dos particulares (consumo privado),
das empresas e do sector público (despesas do sector público administrativo).

Pode, então, ver-se que a Despesa Pública e despesa nacional não são a mesma
realidade e que a despesa pública (relativa ao sector público administrativo) é parte da despesa
nacional.

3. Aumento da despesa e suas causas.

3.1. A Lei de Wagner300

Adolfo Wagner, financista alemão, dá nome a uma lei – a lei de Wagner - segundo a
qual em sociedades modernas há uma tendência para o aumento das despesas públicas que não
pode ser interpretada como significando, em absoluto, uma crescente actividade financeira do
Estado.

Este aumento nem sempre é real, podendo ser aparente, quando se refere às despesas
nominais cuja subida pode dever-se a vários factores, dentre as quais, há que dar lugar de
destaque à subida de taxas de câmbio acompanhadas de desvalorização da moeda, subida de
preços e ao aumento demográfico.

O aumento das despesas públicas pode ser em termos relativos ou absolutos.

Entende o Prof. Teixeira Ribeiro que por não haver ainda demonstração cabal a Lei de
Wagner permanece sempre com laivos de índole de uma Lei empírica301.

3.2. Causas do aumento das despesas

As causas imediatas do aumento das despesas públicas podem assim ser identificadas:

a) Correlativa expansão das actividades do Estado

A expansão das actividades do Estado pode derivar do melhoramento.

Afora a solidariedade que as perturbações criam produz-se uma maior consciência


relativamente às necessidades. É aqui que reside o efeito apreciação.

Resumindo diremos:

As despesas podem ter um aumento aparente e real.

As causas aparentes mais importantes são:302

300
Para maiores desenvolvimentos, ver
I. SOUSA FRANCO, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. II, 4.a ed., Almedina, 1993, pp. 7 e ss.
II. TEIXEIRA RIBEIRO, ob. cit, pp. 133 a 138, MUSGRAVE, Public Finance, in Theory and practise, 5a. ed., p.
114 e ALBANO SANTOS, A Lei de Wagner e a realidade das despesas públicas em Estudos de Economia, VI
(1986) pp. 161 e ss.
301
Ob.ct., p. 138.
302
Seguimos aqui os ensinamentos do Prof. SOUSA FRANCO, ob.cit. Vol. II, pp. 8 e ss
105
a) Desvalorização monetária;
b) Aumento da população; e
c) Crescimento do Produto Nacional Bruto.

Entre as causas reais do crescimento das despesas públicas, as mais importantes são as
seguintes:

a) Progresso técnico e acumulação de capital;


b) Transformação dos sistemas sociais;
c) Aumento do custo dos serviços;

d) Influência das guerras303;


e) Alterações do papel do Estado304; e
f) Causas financeiras305.

Pode dar-se o desenvolvimento de actividades ou de empreendimentos em novas


actividades por via de intervenção ou actuação.

Na primeira situação falaremos de expansão intensiva e, na segunda, de uma expansão


extensiva.

A explicação dos dois tipos de expansão, isto é, saber porque há, nas despesas públicas
essa tendência, não tem resposta definitiva. Pensar na intervenção e a na actuação como causa
suficiente não colhe, pois, em situações de mera ordenação a Lei de Wagner parece também
verificar-se.

O efeito deslocação ou efeito de deslocação-apreciação ou efeito de apreciação são


apontados como podendo justificar esta tendência do crescimento das despesas.

Expliquemos um e outro fenómeno.

A solidariedade perante perturbações sociais leva a que os contribuintes sejam


tolerantes a uma maior carga fiscal que não é aliviada quando a normalidade retorna. Como se
vê, as despesas deslocam-se para um ponto alto donde não descem impondo às receitas
consignadas em altura de crise. Este é o efeito-deslocação.

4. Efeitos económicos das despesas

4.1. Aspectos introdutórios

303
Em economia de guerra há um forte estatismo, perfeitamente tolerado pelos contribuintes. Retomada a
normalidade em paz armada e sob o efeito de deslocação, as despesas continuam em níveis elevados.
304
Afora o intervencionismo, já tratado, o Estado-Providência, fácil de entender, a democracia é um custo
crescente nos Estados.
305
A dicotomia decisão política e decisão financeira ajudará a compreender como as despesas podem subir por
causas financeiras pelas quais, por exemplo, o equilíbrio orçamental pode ser subalternizado.
106
Definidas as despesas como uma operação de dispêndio para aquisição de bens ou
prestação de serviços e visto que elas têm uma tendência a crescer, fácil será compreender que
elas têm efeito na economia.

Importa, agora, saber quais são esses efeitos que as despesas criam na economia.

4.2. Despesas produtivas e meramente produtivas

O efeito das despesas na economia varia consoante o seu fim.

Desde lodo todas as despesas públicas criam utilidades e como tal são produtivas.

A produtividade das despesas, igualmente é variável. Haverá aquelas despesas


cujo fim é produzir bens que aumentam a quantidade de bens de produção duradouras, isto é,
despesas em investimento em capital fixo306 que garante, seguramente, a capacidade produtiva
instalada. Estas despesas públicas são reprodutivas, pois, para além de criarem utilidades,
como acontece com as despesas produtivas307, aumentam o capital material e humano apto a
produzir em novos ciclos.

4.3. Despesas - compra e despesas - transferência

As despesas produtivas ou meramente308 ou simplesmente309 produtivas, como


dispêndios que sempre são, têm efeito sobre o rendimento nacional.

O mesmo não se dirá, por exemplo, nos casos de despesas-compra, e das despesas-
transferência.

No primeiro tipo de despesas, despesas-compra, feitas na compra de bens ou serviços,


cria-se rendimento contribuindo para o rendimento nacional.

No caso da despesa-transferência, que se opera através de subvenções, subsídios, juros e


reembolso de empréstimos, o que se assiste é a uma transferência de rendimento ou, porque
não, a uma diminuição310 desta.

Falaremos, portanto, dum efeito positivo para as finanças no caso das despesas-compra
porquanto criam rendimento nacional.

O efeito será neutro no caso de despesa-transferência, quando domestica e de efeito


negativo – quando despesa-transferência externa por desfalcar o rendimento nacional.311

306
No capital fixo incluímos não só os investimentos em património mas também no capital humano (saúde,
instrução e cultura).
307
Pois, já se vê, a simples produção destas utilidades torna incorrecto classificar essas despesas públicas de
improdutivas.
308
Esta é opção do Prof. TEIXEIRA RIBEIRO, ob.cit., p. 144.
309
Termo usado pelo Prof. SOUSA FRANCO na sua obra Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume II, 4.a
Edição, Almedina, 1993, p. 4.
310
Tal será o caso das despesa-transferência efectuadas para o exterior.
311
Entende-se por rendimento nacional o valor dos bens finais obtidos durante certo período, menos o valor dos
bens intermediários importados ou provindos de períodos anteriores e as quotas de amortização dos capitais fixos,
mais o valor dos bens intermediários produzidos durante o período e existentes no fim dele e mais o saldo positivo
ou mesmo o saldo negativo, do balanço internacional de rendimentos.
107
4.4. Propensão ao Consumo.

Já se compreendeu que certo tipo de despesas – as despesas reprodutivas é apto a


aumentar o rendimento nacional, já explicado.

Compreende-se que o rendimento disponível, isto é o rendimento depois de deduzidos


os encargos fiscais, tem uma forte relação com o consumo de tal modo que podemos dizer,
citando o Prof. Teixeira Ribeiro312 que “o consumo depende primacialmente do rendimento
disponível”.

Essa relação de causa-efeito é designada propensão ao consumo que pode ser média313
ou marginal.314

Servirá para reflectir e compreender se dissermos que quanto mais pobre maior será a
propensão para o consumo, isto é, os rendimentos disponíveis mais servirão exclusivamente
para o consumo mínimo. Aos ricos acontecerá que por maior que seja o consumo os
rendimentos não se ressentirão.

Não se vá concluir que os ricos e, por multiplicação, as nações ricas tenham a sua
propensão ao consumo crescente. A indicação que há é de que os ricos, com menos propensão
ao consumo, têm as respectivas nações mais ricas e consomem percentagens constantes da sua
riqueza.

Há que pensar, em procura de uma explicação, que há um efeito- imitação que


demonstrou que a par de procura de elevação das condições de vida, há um esforço de viver ou
mostrar que se vive como os outros315.

Existe uma relação directamente proporcional entre o rendimento e o consumo no


aumento daquele. Quando o rendimento reduz não é certo que vá automaticamente reduzir
também o consumo, sendo a tendência de fazer o esforço de manter os níveis já atingidos; é o
efeito-cremalheira.

4.5. Propensão ao aforro e ao investimento.

A incerteza, principalmente nas famílias de rendimentos mais humildes tem


aconselhado a que parte do rendimento seja destinado ao aforro – propensão ao aforro que

Rendimento Nacional = [(salário + juros + lucros de residentes) + remunerações de funcionários + Impostos de


Consumo)] - . subvenções.
O Rendimento Nacional (a preços de mercado) é igual ao PNL e à Despesa Total que equivale à soma do consumo
privado e à poupança privada.
Para mais desenvolvimentos, TEIXEIRA RIBEIRO, ob. cit,, pp. 141 e ss.
312
Ob.cit., p. 146
313
Segundo o mesmo autor, a propensão media ao consume é a relação entre o consumo e o rendimento com que
ele se fez.
314
A propensão marginal ao consumo é a relação entre o aumento do consumo e o aumento do rendimento.
315
Entre nós temos muitos exemplos do efeito-imitação: os faustosos casamentos e as grandes festas do Dia da
Família e do Ano Novo, em que se tem de gastar para se manter a cotação junto de vizinhos, dos amigos e
colegas… Depois há que manter o nível!
108
pode ser investido ou entesourado, consoante seja transformado em bens produtivos ou
reprodutivos, ou seja constituído em saldos líquidos316.

4.6. Efeito multiplicação

O investimento particular depende do rendimento que dele se espera – investimento


induzido. O investimento público não está absolutamente vinculado aos níveis de rendimento –
investimento autónomo.

Qualquer que seja o tipo de investimento, ele é útil à economia na medida em que a
despesa feita para a sua constituição transforma-se em rendimento acrescido e aumento de
consumo.

É o efeito multiplicação que pode verificar-se com maior ou menor rapidez, isto é, do
período do multiplicador.

Nem sempre, porém, o aumento do consumo é consequência directa do efeito


multiplicador, podendo ser derivado dos estrangulamentos ou engarrafamentos317.

4.7. Princípio da aceleração

Pelo efeito multiplicador compreendemos que o investimento influi no consumo. Este


pode, por sua vez, influenciar o investimento.

A maior procura para satisfazer o consumo explica a necessidade de aumento da


produção, para a qual não será suficiente o aumento da produtividade da capacidade instalada.

Impor-se-á o aumento do investimento. Temos o princípio da aceleração, pois assiste-


se a uma aceleração de procura de bens de capital (investimento), ainda que instável, derivada
do aumento do consumo de bens ou serviços.

4.8. Efeito propulsão

A acção combinada do efeito multiplicador e do princípio da aceleração traduz-se no


efeito propulsão, que prova que o aumento do investimento tem, em regra, efeito multiplicador
sobre o consumo que, aumentando, produz um efeito-aceleração sobre o investimento.

O efeito propulsão pode ser explosivo ou apenas produzir efeitos nos períodos iniciais,
o que contribuirá para o consumo de bens importados, a inflação, engarrafamento e a
obsolescência dos equipamentos industriais.

5. As finanças públicas e o efeito propulsão

316
Um sentido mais bancário entende o entesouramento como a manutenção dos saldos líquidos fora do circuito
bancário, fenómeno frequente em muitas zonas do nosso país onde não existe ainda a bancarização.
317
Os estrangulamentos dão-se por o aumento da procura que não acompanhado pelo correspectivo aumento da
oferta, provoca a subida dos preços que, sem corresponder ao aumento dos rendimentos reais, provoca um
aumento dos rendimentos monetários. Compreensivelmente, numa situação de pleno emprego, dá-se também o
pleno emprego.
109
I. As despesas-compra do Estado actuam como se destinassem ao investimento na
medida em que podem multiplicar o consumo, não obstante não aumentem, na sua totalidade, o
rendimento nacional; sabido que parte delas, despesas-compra, resultam de transferências de
rendimentos ou de emissão monetária.

As receitas tributárias, em especial as provindas de particulares ou pequenos


empresários, constituindo um desvio ao consumo ou à poupança, entesourada ou investida, têm
um diminuto efeito-propulsão, o mesmo acontecendo com as despesas públicas financiadas
com crédito público que provocam a exclusão parcial do investimento privado.

As despesas-compra financiadas por crédito contraído junto do sistema bancário,


consoante prejudicando ou não a concessão de empréstimos aos particulares, traduzir-se-ão ou
não em igual aumento do rendimento nacional.

II. As despesas-compra têm influência nos orçamentos, apesar do seu diminuto


efeito-propulsão, uma vez que elas substituem as despesas privadas.

As despesas financiadas com impostos criam, em valor igual, um rendimento. Se o


equilíbrio das despesas-compra tiver que ser conseguido à custa de crédito ou da criação
monetária, despesas efectivas cobertas com receitas não efectivas, o efeito-propulsão será
maior.

Se tiver que manter a sua expansão, não podendo ser pela actuação e tendo que manter
o equilíbrio orçamental, terá que recorrer a crédito bancário.

6. Tipologia de despesas públicas

Feita a digressão pelo conceito e, particularmente, pelas suas características e seus


efeitos económicos, podemos com menor esforço concluir pela classificação das despesas.
Assim, as despesas públicas podem ser:

a) Despesas de investimento e despesas de funcionamento;


b) Despesas em bens e serviços e despesas de transferência;
c) Despesas produtivas e improdutivas.

Algumas destas despesas já foram explicadas. Concentremo-nos nas que podem exigir
algum aprofundamento.

6.1. Despesas de investimento

Embora não haja total correspondência entre despesas de investimento e despesas de


capital, em regra os conceitos substituem-se.

A diferenciá-los está o facto de poder ser feita uma despesa com o reembolso dum
crédito, que será uma despesa de capital, que não será, necessariamente, uma despesa de
investimento que exigiria que a despesa tivesse sido destinada a formação de capital técnico do
Estado.

6.2. Despesas de funcionamento

110
As despesas de funcionamento, também impropriamente designadas de correntes, são
aquelas que se destinam a suportar os custos relativos ao normal funcionamento da actividade
da máquina administrativa do Estado.

O pagamento de juros – despesa corrente, não corresponde a uma despesa de


funcionamento.

6.3. Despesas em bens e serviços

Estas despesas correspondem a despesas-compra que asseguram a criação de serviços.

6.4. Despesa de transferência

Estas despesas foram já devidamente trabalhadas havendo apenas que acrescentar que
elas podem subclassificar-se em:

a) Transferências de rendimento

Correspondendo àquelas que não alteram o património duradouro da Nação,

b) Transferência de capital

Em contrapartida, de capital serão as transferências que alteram o património duradouro


da Nação

c) Transferências directas

São transferências directas aquelas que aumentam directamente os rendimentos


disponíveis.

d) Transferências indirectas

São aquelas que aumentam o rendimento disponível, de modo indirecto, por exemplo,
através da possibilidade do aumento do consumo; será o caso de um subsídio aos preços.

e) Transferências internas e externas (para o exterior)

O primeiro tipo não altera o rendimento nacional, enquanto o segundo, as transferências


externas, o diminuem por beneficiarem economias externas.

7. Limite das Despesas

Está vista a tendência do aumento das despesas em sociedades de liberalismo político e


económico.

A questão é saber se este crescente aumento é ilimitado.

Sem ser possível definir um plafond, isto é, definir um limite global, social, política e
economicamente adequado para as despesas públicas, parece ser necessário produzir critérios
para estancar seu crescimento elástico:
111
a) Travar o crescimento das despesas quase-improdutivas318 como as despesas de
funcionamento;
b) Travar transferências improdutivas, em perfeita posição individualista de
minimização do papel do Estado;
c) Travar as substituições de gastos deixando o sector privado operar, seguramente
com mais eficácia e eficiência.

O resultado não é perfeito.

A dívida deverá ser limitada em função dos seus efeitos na economia. Então podemos
dizer que o limite da dívida deve corresponder à capacidade da geração presente, de renúncia
ao consumo e, das gerações futuras, de obter rendimento e de suportar o serviço da dívida
(amortização do capital e juros).

A dívida quando externa é um ónus para as gerações futuras.

A dívida interna pode ser um ónus para a geração presente319 e para as gerações
320
futuras .

A dívida contraída para investimento é melhor do que a dívida em consumo.

O rendimento futuro diminui com a redução do investimento privado provocado pelos


empréstimos públicos e seu uso em despesas meramente produtivas ou quase-improdutivas.

8. As despesas em Moçambique.

8.1. Generalidades

O aspecto mais saliente das despesas públicas nos últimos anos tem sido o seu aumento
muito acentuado a partir de 1975.

O aumento das despesas públicas poderá ser estudado, aliás, não só a partir do aumento
das despesas do Estado – Orçamento Geral do Estado, mas do conjunto do sector público,
abrangendo os restantes sectores e subsectores não incluídos no Orçamento Geral do Estado.

As razões que determinaram esse acréscimo de despesas públicas em Moçambique são


múltiplas e variam bastante de ano para ano, podendo-se neste domínio distinguir dois períodos
distintos, um primeiro que vai até 1987 e um segundo que se verifica a partir desse ano. Este
caracteriza-se por tentativa de travagem do crescimento das despesas públicas, que passam a
acusar uma progressão algo mais lenta, se fizer a sua análise em termos de preços constantes.
A taxa de inflação anual determina, em cada ano, um crescimento nominal bastante forte.

318
Partindo do entendimento de que todas as despesas, como já visto, criam utilidades, não teríamos despesas
absolutamente improdutivas. As despesas quase-improdutivas, corresponderão às despesas meramente produtivas.
Parece ser melhor e afasta a errónea posição de designá-las improdutivas.
319
Ónus para a geração presente quando decorre de empréstimos que provocam a subida de juros.
320
A dívida é ónus para as gerações futuras quando suportada por empréstimos não usados para investimentos
públicos.
112
O aumento das despesas públicas prende-se essencialmente, para além da própria
desvalorização monetária (que não traduziria por si só um real aumento do peso), com a
alteração do papel do sector público na economia e com as transformações ocorridas no
Aparelho do Estado.

8.2. Causas do aumento

Estudos recentes demonstram que as despesas públicas em


Moçambique pecaram por considerável falta de eficácia, relativamente a uma situação
óptima, como consequência de deficiências de política orçamental que podem ser assim
resumidas:

a) Ausência de uma relação explícita entre políticas e objectivos sectoriais;


b) Inexistência de projecções de disponibilidades de recursos financeiros internos e
externos a médio prazo;
c) Falta de controlo dos resultados;
d) Insuficiente estimação das despesas decorrentes dos investimentos;
e) Métodos incrementais na orçamentação;
f) Despesas desorçamentadas, aplicadas em investimentos não sustentáveis e fora
do controlo do Governo, por falta de integração dos fluxos monetários externos no processo
interno da decisão;
g) Falta de critérios de aprovação de projectos e programas e sua inadequada
inserção em políticas globais do país;
h) Excessiva centralização na tomada de decisões financeiras;
i) Deficiente capacidade de gestão concertada e negociação da dívida pública.

8.3 Tendência esperada

No contexto de modernização do sistema de gestão orçamental destaca-se o


estabelecimento do CDMP – Cenário das Despesas a Médio Prazo e a elaboração do PSIs –
Programas Sectoriais Integrados.

Estes dois instrumentos são fundamentais para a transição de um sistema de


programação anual para um sistema de programação a médio prazo das despesas públicas que
terá em consideração os recursos disponíveis e a sustentabilidade das opções tomadas no
âmbito das políticas, objectivos e metas sócioeconómicas do Estado e, em particular do
Governo.

Os PSI’s têm como ponto de partida as estratégias e políticas sectoriais com base nas
quais se faz uma projecção de recursos financeiros e a programação de médio prazo das
despesas.

A participação dos doadores garante melhor enquadramento e controlo dos


financiamentos além de garantir o aumento da eficiência e eficácia da despesa dada a
simplificação de rotinas e procedimentos de desembolso, aprovisionamento, auditoria,
acompanhamento e avaliação.

A eficiência das despesas está também a ser conseguida por um alargamento da


abrangência do sistema de centralização, o que facilitará o encerramento das contas do Estado
no termo de cada exercício económico.
113
CAPITULO V
Crédito Público

1. Generalidades

Ao estudar o Tesouro falámos de operações de tesouraria que, quando passivas,


correspondem à entrada de fundos na Tesourara do Estado ou a operações de natureza idêntica
e, entre outros fins, os movimentos financeiros que pressupõem, destinar-se a assegurar “a
antecipação de receitas que o Estado espera cobrar durante o ano económico e devidamente
previstas”321.

Estas operações passivas de tesouraria representam crédito, crédito público.

Quais são as causas e os objectivos do crédito?

2. Causas e função do crédito público

2.1. Funções financeiras

A divida pública refere-se às situações passivas que resultam do recurso ao crédito


público por parte do Estado.

Uma questão importante em qualquer discussão introdutória sobre a dívida pública


consiste em saber quais as razões que levam o Estado a endividar-se. Por outras palavras,
porque motivo é que o Estado contrai empréstimos? Que funções desempenham os
empréstimos públicos?

Uma primeira razão para o endividamento público são os défices de tesouraria.

O Estado enfrenta por vezes carências na sua tesouraria. Tal sucede quando, ao longo
do ano económico, as suas cobranças são inferiores aos montantes dos pagamentos a efectuar.
Mas por tratar-se de um défice passageiro ou transitório, uma vez que o orçamento prevê
receitas suficientes para cobrir as despesas, os empréstimos contraídos para este efeito
constituem uma antecipação de receitas que irão ser cobradas no curto prazo (ao longo do ano
económico) e destinadas ao pagamento ou reembolso do e empréstimo.

Por esta razão, quando o Estado se endivida para financiar o seu défice de tesouraria,
ele recorre aos empréstimos a curto prazo – a empréstimos que serão reembolsados no próprio
período financeiro em que foram contraídos.

Esta primeira função dos empréstimos públicos assume uma especial importância para a
gestão orçamental, já que evita a ocorrência de atrasos na realização das despesas públicas por
falta de fundos de tesouraria. Garante-se, assim, uma melhor execução do orçamento.

321
Alínea d) do n¦º. 3 do Art. 91 do Regulamento do SISTAFE .
114
Um segundo motivo, e talvez o mais importante, para o recurso ao crédito público é,
naturalmente, a necessidade de cobertura do défice global no Orçamento do Estado. São
frequentes as situações em que as receitas públicas não são suficientes para fazer face às
despesas do Estado. Nestes casos, torna-se necessário cobrir o défice orçamental através dos
empréstimos. Uma vez que estes não poderão ser reembolsados durante o próprio ano
económico, mas apenas nos anos seguintes, é imperioso que eles tenham uma maturidade
superior a um ano.

Os empréstimos contraídos para financiar o défice orçamental serão por isso,


empréstimos a médio ou longo prazo.

O pensamento liberal, dominante nos séculos XVIII e XIX, considerava o recurso ao


crédito público como algo de intrinsecamente negativo:

- Ele possibilitava o crescimento exagerado das despesas públicas e o desvio de


capitais do sector privado, que os aplicaria de forma produtiva, para o sector público,
considerado como improdutivo;

- Apontava-se também o facto do recurso ao crédito gerar uma indisciplina


financeira por parte dos governos, podendo dar origem a fenómenos inflacionários,
especialmente quando estamos na presença de empréstimos do Banco Central, que se traduzem
na criação de moeda;

- Por último, destacava-se o encargo que os empréstimos representavam para as


gerações futuras uma vez que seriam estas a suportar, através do pagamento de impostos, a
amortização dos empréstimos públicos e o pagamento dos respectivos juros.

Esta visão negativa do endividamento público para efeitos de cobertura dos défices
orçamentais veio a ser revista ao longo do presente século. Tal revisão do pensamento clássico
resultou, antes de mais, do reconhecimento de que também o Estado desenvolve actividades
produtivas, tais como o investimento em capital físico e humano. Quando tal sucede, justifica-
se o recurso a poupanças privadas – a empréstimos públicos – para financiamento das despesas
do Estado.

Por outro lado, e no que se refere aos encargos que a dívida pública representa para as
gerações futuras, começou-se a tomar em consideração o facto de estas beneficiarem dos
aumentos no rendimento nacional derivados das aplicações produtivas dos empréstimos
públicos. O investimento em infraestruturas económicas e sociais, e as despesas correntes em
educação e saúde, por exemplo, têm um impacto notório na capacidade produtiva de uma
economia e no bem-estar das gerações futuras.

Por último, se o Governo não recorrer ao Banco Central para financiar os défices no
orçamento, o endividamento público deixa de ter um impacto forte na taxa de inflação.

2.2. Funções Extra-Financeiras

Quando o Estado recorre ao crédito para financiamento dos défices de tesouraria e do


orçamento, os empréstimos cumprem uma função financeira.

115
Contudo o crédito público pode também ser utilizado com fins extra-financeiros. Por
exemplo, como instrumento de estabilização macroeconómica, de intervenção nos mercados de
capitais e de promoção do desenvolvimento económico.

Comecemos por analisar a utilização dos empréstimos públicos com objectivos de


estabilização macroeconómica, ou seja, como forma de influenciar a taxa de inflação e o nível
de desemprego na economia.

O Banco Central pode fazer uso dos empréstimos públicos tendo em vista o controlo da
massa monetária, a qual tem um impacto no nível de procura agregada e, por conseguinte, nos
níveis de inflação e desemprego.

Através das chamadas operações de mercado aberto (open-market), o Banco Central


poderá criar ou absorver meios de liquidez na economia. Para tal, amortiza (paga) ou emite
títulos de divida pública a curto prazo. Desta forma, ele provoca um aumento ou uma
diminuição das disponibilidades bancárias, expandido ou contraindo a massa monetária.

Por exemplo, se o governo quiser reduzir a taxa de inflação através de uma contracção
da quantidade de moeda em circulação, ele colocará Bilhetes do Tesouro (títulos de dívida a
curto prazo) no Banco Central, que os vende às instituições bancárias ou parabancárias. Estas
passarão a dispor de uma menor quantidade de meios monetários para a concessão de crédito
aos agentes económicos, reduzindo-se assim a oferta monetária. A contracção da oferta de
moeda na economia conduzirá a uma subida das taxas de juro e, consequentemente, a uma
redução do investimento e da procura agregada. Tal terá um impacto positivo na redução da
inflação.

O êxito deste tipo de operações no controlo da inflação dependerá, em última análise,


da eficácia da política monetária e do efeito agradado da subida das taxas de juro nos preços:

- Vimos anteriormente que um aumento das taxas de juro tem um efeito de travão
na procura agregada e, consequentemente, no crescimento do nível geral de preços. Contudo,
nas economias com um mercado de capitais desenvolvido e aberto, a subida das taxas de juro
poderá implicar uma entrada de capitais externos, a qual se traduzirá numa expansão da massa
monetária, contrariando, desta forma, o objectivo inicial de redução da oferta monetária. Neste
caso, a politica monetária restritiva seria ineficaz, não tendo o efeito pretendido nas taxas de
juro, na procura agregada e na inflação;

- Nos casos em que a política monetária restritiva é eficaz, traduzindo-se numa


efectiva redução da oferta monetária, o aumento das taxas de juro provoca um agravamento dos
custos financeiros das empresas, o qual se poderá traduzir num incremento dos preços. Este
efeito pode ser particularmente importante naquelas economias em que as empresas recorrem
com frequência ao crédito bancário. Em certas situações, este efeito poderá ser predominante,
pondo em causa os objectivos de redução da inflação através da contracção da oferta monetária.

Se o Governo pretender estimular o emprego na economia, poderá recorrer à


amortização de Bilhetes do Tesouro anteriormente emitidos, provocando desta forma uma
expansão da oferta de moeda, uma redução da taxa de juros e um aumento do investimento e
da procura agregada.

116
O aumento consequente da oferta de emprego traduzir-se-á, em princípio, numa
diminuição da taxa de desemprego.

O Governo poderá igualmente contrair empréstimos de médio e longo prazo com o


intuito de promover a criação de postos de trabalho e reduzir o desemprego. Neste contexto,
utilizará os empréstimos para financiar despesas públicas com um impacto significativo no
emprego, tais como as obras públicas.

Para além da utilização dos empréstimos públicos para efeitos de estabilização da


conjuntura, o Estado poderá recorrer ao crédito público como instrumento de intervenção e
dinamização dos mercados de capitais.

Para tal, utilizará os empréstimos a médio e longo prazo. Através da emissão de dívida
pública – por exemplo, Obrigações do Tesouro –, o Estado poderá influenciar a taxa de juro de
mercado. Fá-lo-á através da fixação das taxas de juro dos empréstimos por ele emitidos e do
aumento da oferta de títulos, que se traduz numa diminuição das taxas de juro.

Por último, o endividamento público pode traduzir objectivos de desenvolvimento


económico.

Os bens públicos (infra-estruturas de transporte, saúde, educação, barragens,


saneamento básico, etc.) assumem uma importância vital para o desenvolvimento do sector
privado e da economia, bem como para o bem-estar da população. Cabendo ao Estado o papel
de provisão destes bens, pode justificar-se o recurso ao crédito público para financiamento das
despesas que lhe estão associadas.

Contudo, dever-se-á tomar sempre em consideração os efeitos perversos do excessivo


recurso ao crédito por parte do Estado no nível de investimento privado. Ao absorver
poupanças privadas, o Estado está a limitar o volume de recursos disponíveis para o
financiamento dos investimentos do sector privado. Quando tal acontece, estamos na presença
do chamado efeito de crowding-out: o aumento do consumo ou investimento públicos traduz-se
numa redução do investimento privado.

Resumindo, podemos dizer, sobre as funções do crédito público:

a) Cobertura de défice de tesouraria

O défice de tesouraria, que pode ocorrer várias vezes num exercício de orçamento
equilibrado, acontece sempre que num dado período de execução orçamental haja mais
despesas a pagar do que receitas cobradas, provocando-se um défice transitório proveniente de
falta de sincronismo entre as cobranças e os pagamentos.

A solução mais frequente para a cobertura a défices momentâneos de tesouraria é o


recurso a crédito de curto prazo.

b) Cobertura de défice orçamental

O défice orçamental é coberto por receitas não efectivas arrecadadas por via de crédito
de médio ou longo prazo.

117
c) Esterilização do poder de compra

Aqui o crédito funciona como um instrumento de politica económica, num clima


inflacionista duma baixa oferta não correspondente a uma grande pressão de procura.

O crédito aqui drena a poupança da procura o entesouramento.

3. Conceito e elementos de crédito público

3.1. Conceito

O Crédito Público é uma receita não efectiva provinda de uma relação jurídica com
dilação temporal em que o Estado, como beneficiário de activos financeiros, se assume na
obrigação de reembolsar o capital e juros ou rendas.

3.2. Elementos do crédito público

São três os elementos que podemos identificar neste conceito:

3.2.1. Elemento subjectivo

No crédito público podemos identificar dois sujeitos que, tomando de empréstimo a


terminologia da relação jurídica fiscal, qualificaremos de passivo e activo: será passivo o
Estado que é devedor. O sujeito activo pode ser um sindicato de crédito, uma instituição
financeira, ou público em geral. O sujeito activo, o credor, não está investido de poderes de
autoridade.

Se o sujeito activo tem poderes de autoridade designamos esta operação de tesouraria de


crédito inter público; em boa verdade, não se trata de uma operação de tesouraria nem activa
nem passiva, mas neutra, uma simples transferência interna.

3.2.2. Elemento objectivo

O elemento objectivo permite identificar o tipo de crédito ou a forma em que o Estado


se apresenta devedor.

Assim:

a) Crédito principal

O crédito principal ou efectivo “hoc sensu” torna o Estado devedor em determinada


quantia em virtude de certo facto anterior.

b) Crédito acessório

É acessório o crédito quando o Estado não é devedor directo mas quando, de forma
subsidiária, responde pelos créditos de outras entidades.

c) Crédito com reembolso de encargos

118
Este tipo de crédito acontece quando o Estado se assume em crédito acessório como se
fosse o devedor principal mas com garantia de reembolso

d) Aval do Estado

O Aval do Estado, que é o regime-regra, dá-se quando o Estado se compromete a pagar


apenas nos casos de incumprimento do devedor.

e) Crédito efectivo

Quando o credor é uma entidade estranha ao sector público.

f) Crédito fictício
O crédito é fictício quando o Estado é devedor de fundos autónomos ou de entidades
públicas fora do sector empresarial do Estado.

g) Crédito vitalício

O crédito é vitalício quando o Estado atribui a certas entidades o direito a prestações


sem base financeira por serviços excepcionais, relevantes ou distintos.

h) Crédito empresarial

O crédito empresarial decorre de actividade empresarial de pessoas colectivas públicas.

i) Crédito monetário e cambial

É o crédito que resulta da prática de operações monetárias e cambiais pelos agentes


públicos do Estado.

Como já se viu, o crédito público pressupõe uma transferência efectiva de liquidez pela
qual o Estado fica vinculado a deveres de natureza pecuniária.

3.2.3. Elemento teleológico

O fim do crédito terá sempre de ser a cobertura de despesas públicas.

4. Figura semelhantes

Podem ser considerados figuras próximas as seguintes:

a) Crédito público não estadual

Operações de crédito praticadas por entidades de direito público diferentes de Estado.

b) Crédito monetário e cambial

É um crédito externo normalmente não sujeito a autorização e controlo politico.

119
c) Criação monetária

A criação monetária apesar de ser apta a mobilização poupanças forçadas não implica
relações com qualquer credor específico.

d) Imposto reembolsável

Fora do conceito que deixamos atrás registado admitem-se impostos reembolsáveis que
se caracterizam por a prestação ser coactiva, podendo o Estado reembolsar quando se mostre
possível.

e) Crédito forçado

O crédito forçado é uma prestação feita coactivamente e que reveste-se de natureza de


empréstimo normal na sua vigência.

5. Empréstimos públicos

5.1. Empréstimo e crédito

A questão que tem sido amiúde colocada é se o empréstimo público e o crédito são
figuras semelhantes ou se são conceitos sinónimos.

Muitos autores falam indistintamente de crédito público e empréstimos públicos322 323.

O Prof. Sousa Franco parece usar os dois termos distintamente, quando no seu Vol. II,
tem o §4. subordinado a “Receitas de Crédito Público”324 que em 6.14 fala de ”Crédito
Público” e em 6.17 de “Empréstimos Públicos”.

5.2. Conceito

O empréstimo público é um acto pelo qual, através de várias operações financeiras, o


Estado beneficia de uma transferência de meios de liquidez, constituindo-se na ulterior
obrigação de os reembolsar e/ou pagar juros.

O empréstimo é, pois, um conjunto de operações financeiras que conduzem ao Crédito


Público. Assumimos que não haverá Crédito Público sem que estas operações (de empréstimo)
sejam desencadeadas.

5.3. Espécies de Empréstimos

322
O Prof. BAZ TEIXEIRA, no seu Manual (ob. cit.) na p. 303 tem o capítulo IV dedicado aos Empréstimos
Públicos e no seu §1.o, sobre as Noções Gerais, aborda “o recurso ao crédito público”( n.o 65) e diz que “para
concluir a análise das receitas públicas cabe-nos agora considerar os empréstimos públicos … e, mais à frente, na
mesma página, pergunta: “Sendo assim, quais as razões que levam o Estado a recorrer ao crédito?” Este autor
parece usar os dois termos sem preocupação de saber se eles têm qualquer diferenciação.
323
O Prof. TEIXEIRA RIBEIRO, no seu Lições de Finanças Públicas (ob.cit.) tem uma III Parte (p. 183)
destinada ao Crédito Público cujo §1.o, consagrado aos Empréstimos Públicos, fala do recurso ao crédito (n.o 17),
das espécies dos empréstimos (n.18) e emissão dos empréstimos (n.o 19). Não parece pretender fazer forte
distinção entre o crédito e o empréstimo.
324
Ob. cit, p. 80.
120
Dada a natureza instrumental do empréstimo em confronto com o Crédito,
compreender-se-á a similitude das espécies do Empréstimo e das do Crédito, já estudadas.

5.3.1. Considerando a posição dos credores

Tendo em conta a posição dos credores os empréstimos podem ser voluntários e


forçados:

a) Empréstimos voluntário

O empréstimo voluntário é um acto jurídico bilateral pelo qual o prestamista empresta


ao Estado ou outra pessoa colectiva mediante um pedido por estes formulado e compromisso de
reembolsar o capital e pagar juros ou rendas.

São desta espécie os chamados empréstimos patrióticos, emitidos em situações


excepcionais de crise motivadas por calamidades ou guerra ou outras “socialmente prementes
de quase coação psicológica”325.

b) Empréstimos forçados

O empréstimo forçado distingue-se do voluntário por não depender da vontade do


prestamista, sendo feito por cumprimento de um acto autoritário unilateral impondo ao
prestamista um sacrifício patrimonial.

5.2. Quanto ao local de emissão

Considerando o lugar de emissão do empréstimo público este pode ser externo ou


interno:

a) Empréstimo externo

Considera-se externo o empréstimo emitido no estrangeiro, independentemente da


moeda de empréstimo e da nacionalidade dos seus subscritores.

b) Empréstimo interno

Será interno o empréstimo público que seja emitido no país, não sendo relevante a
qualidade da moeda e dos subscritores.

5.3.3. Quanto à duração

Tendo em consideração a duração, o empréstimo pode ser temporário ou perpétuo:

a) Empréstimo temporário

É temporário o empréstimo em que o Estado se constitui na obrigação de pagar juros e


de reembolsá-lo (capital) num determinado prazo que pode ser certus an, ou incertus quando
ou certus an, certus quando.

325
SOUSA FRANCO, ob. cit., Vol. II , p. 92.
121
Os empréstimos certus an, incertus quando podem revestir a forma de:

1o. Empréstimos reembolsáveis à vista

O reembolso deste tipo de empréstimo temporário reembolsável à vista, é feito na data


em que o credor o solicitar.

2o. Empréstimos amortizáveis por sorteio

O empréstimo temporário amortizável por sorteio tem o seu reembolso feito todos os
anos a um número constante ou variável de títulos sorteados, garantindo-se o reembolso total
ao fim de certo prazo.

Os empréstimos certus an, certus quando podem, por seu turno, revestir a forma de:

3o. Empréstimos amortizáveis em data fixa

São empréstimos temporários amortizáveis em data fixa aqueles cujo pagamento


integral do capital se efectua numa data certa previamente fixada.

4.o. Renda Vitalícia

Apesar de as rendas vitalícias serem reembolsadas até ao falecimento do prestamista,


podemos dizer tratar-se de pagamentos com vencimento em determinado dia sendo apenas a
extinção da obrigação que está condicionada à morte do credor.

Os empréstimos temporários assim agrupados, podem ser a curto, médio ou longo


prazo.

b) Empréstimos perpétuos

São classificados de perpétuos aqueles empréstimos em que o Estado apenas se obriga a


pagar juros sem reembolso do capital.

Os empréstimos perpétuos podem ser remíveis ou irremíveis.

1o. São remíveis quando o Estado tem a faculdade de efectuar o reembolso,


querendo e podendo.

2o. São irremíveis os empréstimos perpétuos que o Estado, mesmo podendo, não
tem a faculdade de efectuar o reembolso do capital recebido de empréstimo.

5.4. Natureza jurídica do Empréstimo Público

5.4.1. Razão da ordem

A natureza jurídica do empréstimo público é controvertida.

São várias as posições:


122
1.a. A dos que pretendem ver no empréstimo público um acto unilateral de
soberania do Estado.

2.a. A posição dos que, contrariamente aos da primeira posição, consideram o


empréstimo público um acto que consubstancia uma relação de estrutura bilateral, com a
natureza de contrato público.

3.a. E a posição que se aproxima da 2.a. e dela se distingue por defender tratar-se de
um contrato de direito privado.

Analisemos as diversas posições.

5.4.2. Empréstimo público como contrato

Os que sustentam que o empréstimo público é um contrato defendem que tem, antes de
mais, uma estrutura bilateral e que a sua natureza é contratual.

Acentua-se que apesar de não existir a faculdade de fixar, em negociação com Estado, o
conteúdo da obrigação, é indiscutível a sua liberdade de celebrar ou não o contrato.

5.4.3. Empréstimo como contrato unilateral

Esta posição suporta-se ma convicção de que o empréstimo, como veremos adiante,


constitui uma obrigação assumida pelo Estado, de modo unilateral, nas condições e termos que
ele define por lei e as quais os subscritores – prestamistas – aderem por confiança na
honorabilidade do Estado e sem exigência de garantias específicas.

Entende-se ser um raciocínio correcto este da “doutrina Drago”326 327 no que aos
empréstimos internos diz respeito. Com efeito, se estes podem ter as suas condições alteradas
sempre que o Estado decida ou entenda, o mesmo não deverá ser equacionado em relação aos
empréstimos externos. Seria uma grave violação do Direito Internacional, análoga à da violação
de um Tratado.

5.4.4. Empréstimo público como contrato de direito privado

Quanto a definir de que tipo de contrato se trata, se de Direito Público ou Privado, as


posições assumidas quanto a ser contrato de Direito Privado suportam-se no facto de se
entender que ao empréstimo público se aplicam as regras do Direito das Obrigações.

Entende-se que o Estado vincula-se com os prestamistas, em deveres não só definidos


pela lei mas também nos decorrentes de contratos privados.

Seria então um contrato colectivo entre o Estado com o conjunto dos subscritores.

326
LUÍS MARIA DRAGO é o jurista que dá nome à doutrina. Veja-se Les empreents d’Etat et leurs rapports avec
la politique internationale, in Revue Générale de Droit International Public, 1907, p. 251.
327
Braz Teixeira, ob. Cit. pg. 311.
123
Há os que o consideram um contrato de adesão que se constitui pela subscrição do
empréstimo que é uma manifestação de concordância com as condições em que o Estado quer
constituir-se devedor.

Dada a hipótese, em empréstimos internos, do Estado reformular as cláusulas


contratuais, entende-se que o empréstimo tem a natureza jurídica de contrato sob a condição
protestativa.

5.4.5. Empréstimo público como conjunto de Direito Público

Mais fonte é a posição defendendo o Empréstimo Público como um contrato de Direito


Público que uns o consideram de natureza administrativa, outros de natureza especial,
regulamentar, financeira, mista ou sui-generis.

a) Contrato público administrativo

Os próceres desta orientação entendem que o empréstimo público funciona no âmbito


dum serviço público e que os subscritores têm direitos e garantias próprias do Direito Público.

b) Contrato público especial

Os defensivos desta posição suportam-se no facto de o empréstimo ser uma declaração


unilateral através de cláusulas contratuais gerais da vontade de contratar e das condições em
que o Estado quer contratar.

c) Contrato público financeiro

Defende-se que não sendo nem contrato administrativo nem legislativo, é um contrato
financeiro, celebrado no âmbito das finanças públicas e subordinadas a normas do Direito
Financeiro.

d) Contrato misto

Entende-se que o empréstimo é um contrato misto ou regulamentar, porque nele


confluem elementos próprios do Direito Privado e do Direito Público resultantes, estes, da lei.

Pelas mesmas razoes, entendem outros que não seria um contrato misto mas um
contrato sui-generis.

5.4.6. Posição a adoptar

Não pode contestar-se a natureza contratual do empréstimo público.

Analisando a posição relativa dos sujeitos na relação jurídica subjacente, não há


dúvidas que o devedor Estado, sujeito público, apresenta-se munido de seu imperium.

Pelo critério de interesses, não parece ser de discutir que o empréstimo tem como
objectivo cumprir uma das funções do Tesouro Público, a antecipação de receitas para financiar
as despesas.

124
Em termos teleológicos, não há qualquer dúvida que o empréstimo público visa cobrir
despesas aptas a satisfazer necessidades públicas, no interesse público.

As cláusulas contratuais são de fixação legal, como também são as condições de


administração do empréstimo; o que faz do empréstimo público “um acto autorizado e
vinculado legalmente, quanto ao conteúdo e quanto à forma de celebração”328.

Provado está tratar-se de contrato de Direito Público.

Exactamente porque no empréstimo público falta a liberdade de estipulação e que aos


prestamistas está apenas reservada a liberdade de celebração e, ainda, que do empréstimo
emerge uma única relação jurídica entre o Estado e uma multiplicidade de subscritores,
podemos concluir que o Empréstimo Público tem a natureza jurídica de contrato colectivo de
adesão de direito público, isto é, que o “empréstimo público é um contrato de direito público,
do tipo dos contratos colectivos … e de adesão…”329.

5.5. Relação jurídica do empréstimo público

5.5.1. Constituição da relação jurídica do empréstimo público de médio e longo prazo

A emissão do empréstimo é um processo complexo em que se integram as seguintes


fases:

- Autorização legislativa,

- Publicação da obrigação geral,

- Titulação,

- Subscrição.

a) Autorização legislativa

A Assembleia da República, através da Lei do Orçamento, tem vindo a autorizar o


Governo a “adoptar as providências necessárias que assegurem a realização das receitas fixadas
bem como a captação e canalização de outros recursos extraordinárias para o orçamento do
Estado, incluindo a mobilização de recursos externos…”330.

A Assembleia da República, como se diz no estudo do orçamento, tem a competência,


nos termos da alínea h) do art. 135 da Constituição, de deliberar sobre o Plano e Orçamento do
Estado.

É neste comando que se encontra o poder originário da Assembleia da República


autorizar empréstimos públicos. Esta autorização ao Governo, como pode ver-se, é genérica,
podendo utilizá-la para empréstimos internos e externos para cobrir o défice orçamental sendo
o montante fixado, implicitamente, no valor do défice fixado.
328
SOUSA FRANCO, Vol. II, p. 113.
329
BRAZ TEIXEIRA, ob. cit,, p. 321.
330
Este extracto do Artigo 2 da Lei n.o. 7/93, de 28 de Dezembro, repete-se em todos e quase invariavelmente
quanto ao conteúdo.
125
Quanto às demais condições do empréstimo não fixadas em Decreto. A lei de
autorização, para além de não ser específica, não o é em sentido material, uma vez que
entendemos não ser revestida da generalidade, abstracção e inovação.

Deve, pois, ser entendida como um acto politico através do qual a Assembleia da
República autoriza indirectamente o Governo a recorrer ao crédito público, podendo lançar
empréstimos públicos da espécie e nas condições que ele próprio fixará.

É uma lei meramente formal, condição essencial para a válida emissão do empréstimo e
cuja falta conduz à nulidade do empréstimo.

Na situação actual do nosso Orçamento do Estado cujo equilíbrio é garantido por


receitas não efectivas, teremos a Lei de autorização necessariamente coincidente com a Lei do
Orçamento.

Sendo a autorização parlamentar genérica, compete ao Governo, por Decreto,


concretizá-la. É o Decreto que fixa os objectivos e as condições gerais de cada empréstimo
público, e consiste na definição de:

a) Denominação do Empréstimo;

b) Montante máximo global;

c) Formas de titulação;

d) Mecanismos de colocação;

e) Prazo e forma de amortização;

f) Potenciais tomadores;

g) Natureza do Empréstimo;

h) Juros e outros encargos;

i) Taxa de Juro;

j) Direitos inerentes do empréstimo;

k) Garantias; e

l) Mandato de Emissão ao Ministro do Plano e Finanças .

É este o entendimento que deve ter-se do Decreto n.o 5/2002, de 26 de Março331 que
constitui, em nosso entender, um exemplo de Autorização legislativa (delegada) de emissão.
331
Decreto n.o 5/2002,
De 26 de Março
A promoção de condições para um crescimento económico sustentável que conduza à redução da pobreza,
é um dos objectivos principais da política do Governo. Não obstante o empenho do Governo no sentido de
126
aumentar o volume de receitas arrecadadas, verifica-se que estas continuam abaixo das necessidades do Estado
para o alcance deste objectivo fundamental, o que tornam necessário o recurso a diversas fontes de financiamento
do défice do Orçamento do Estado.
Assim, pretendendo promover a captação de poupança na economia nacional, e a sua reorientação para a
realização dos objectivos da política económica do Governo, a emissão de Obrigações do Tesouro desempenha um
papel importante, não só para o financiamento do défice do Orçamento do Estado, como também contribui para a
estabilização da moeda, o equilíbrio da produção e do consumo e consequente funcionamento normal do Mercado.
Nestes termos, no uso das competências atribuídas pelo artigo 5 da Lei nº 2/2002, de 2 de Janeiro, o
Conselho de Ministros decreta:
Artigo 1
1. É autorizada a Ministra do Plano e Finanças a contrair um empréstimo interno, amortizável, denominado
«Obrigações do Tesouro – 2002», até à importância total de dois mil trezentos e noventa biliões de meticais.
2. O empréstimo «Obrigações de Tesouro-2002», será representado por vinte e três milhões e novecentas mil
obrigações, que serão emitidas em moeda nacional, com o valor nominal de cem mil meticais cada.
3. O serviço da dívida das «Obrigações do Tesouro –2002», nomeadamente o pagamento de juros e reembolso de
capital, compete ao Ministério do Plano e Finanças.
4. As «Obrigações do Tesouro –2002», serão emitidas por um prazo de pelo menos dez anos.
Artigo 2
1. As «Obrigações do Tesouro-2002» serão representadas por valores mobiliários escriturais, não havendo por
isso lugar à emissão física de títulos.
2. Por despacho da Ministra do Plano e Finanças, as «Obrigações do Tesouro-2002» poderão ser colocadas
através de um sindicato de instituições financeiras.
3. A organização do sindicato de instituições financeiras e a colocação da emissão poderá ser efectuada por um
intermediário financeiro seleccionado para o efeito.
Artigo 3
As ««Obrigações do Tesouro –2002» serão admitidas à cotação na Bolsa de Valores de Moçambique, de forma a
serem transaccionadas em mercado secundário entre investidores institucionais e /ou particulares.
Artigo 4
Na data de liquidação da subscrição da emissão, o Banco de Moçambique, como Caixa do Estado, debitará a conta
de cada uma das instituições subscritoras/colocadoras pelo valor das respectivas subscrições/colocações e creditará
o Estado.
Artigo 5
O regime da taxa de juros da emissão das «Obrigações do Tesouro–2002» será estabelecido no diploma ministerial
a que se refere o artigo 9 do presente decreto.
Artigo 6
1. As «Obrigações do Tesouro-2002» gozam da garantia de reembolso integral, incluindo o capital e os juros.
2. O Banco de Moçambique, como Caixa do Estado, creditará a conta de cada uma das instituições financeiras
onde os valores mobiliários representativos das «Obrigações do Tesouro-2002» se encontrem registados pelos
montantes necessários ao serviço da dívida.
3. Os titulares das «Obrigações do Tesouro–2002» serão creditados pelos montantes de juros e/ou capital a
reembolsar, através das instituições financeiras onde os respectivos valores mobiliários se encontrem
registados.
Artigo 7
Serão inscritas no Orçamento do Estado as verbas necessárias ao serviço da dívida pública regulada pelo
presente decreto.
Artigo 8
As obrigações representativas deste empréstimo gozarão dos seguintes direitos:
a) Pagamento integral dos juros e reembolso do capital subscrito;
b)Isenção de todos os impostos sobre o rendimento (Contribuição Industrial e Imposto Complementar) e Imposto
de Selo.
Artigo 9
A Ministra do Plano e Finanças regulamentará, por diploma ministerial, as condições específicas da emissão, os
mecanismos do processo de emissão e do respectivo mercado secundário, bem como outras questões de índole
técnica.
Aprovado pelo Conselho de Ministros.
Publique-se.

127
b) Emissão da obrigação geral

A emissão da obrigação geral é feita por Diploma Ministerial do Ministro do Plano e


Finanças no exercício do poder que o Conselho de Ministros em si delega de contrair um
determinado empréstimo interno ou externo.

A Obrigação Geral é um acto constitutivo da relação abstracta do empréstimo público


que configura numa oferta pública, vinculada mas revogável até à aceitação representada pela
subscrição efectiva (realização) pelos prestamistas.

A obrigação geral no nosso direito, é representada por um Diploma Ministerial que


regulamenta o Decreto de autorização do empréstimo, nomeadamente pela fixação de:

a) Tipo de títulos, se materializados ou desmaterializados, se ao portador se


nominativos;

b) Modalidades de colocação, se pública ou particular, se admitindo ou não tomada


firme;

c) Instituições colocadoras; e

d) Ficha técnica.

A ficha técnica contém a concretização de todos os aspectos constantes da Autorização


e da Emissão geral de que faz parte integrante, nomeadamente332:

O Primeiro-Ministro, Pascoal Manuel Mocumbi.


332
Mais explícito é o Diploma Ministerial no. 118/2002, de 24 de Julho:
“Diploma Ministerial n.o 118/2002
De 24 de Julho
O Decreto nº, 5/2002, de 26 de Marco, atribui competências à Ministra do Plano e Finanças para contrair em nome
do Estado, um empréstimo interno amortizável denominado «Obrigações do tesouro-2002».
O referido decreto delega ainda à Ministra do Plano e Finanças a regulamentação por diploma ministerial dos
mecanismos do processo de emissão e do respectivo mercado secundário das «Obrigações do Tesouro-2002».
Nestes termos, no uso da faculdade atribuída pelo artigo 9 do Decreto nº 5/2002, de 26 de Março, determino:
Artigo 1. O empréstimo, cujo lançamento foi autorizado pelo Decreto nº 5/2002, de 26 de Março, será representado
por valores, mobiliários desmaterializados e ao portador, que serão admitidas à cotação no mercado de cotações
oficiais da Bolsa de Valores de Moçambique.
Artigo 2. A emissão será colocada em mercado primário através de uma emissão pública e com tomada firme,
conforme definida na ficha técnica em anexo.
Artigo 3. Na data de liquidação da subscrição da emissão, o Banco de Moçambique, como Caixa do Estado,
debitará a conta de cada uma das instituições subscritoras/colocadoras pelo valor das respectivas
subscrições/colocações e creditará o Estado.
Artigo 4. As condições da emissão constam da ficha técnica anexa ao presente diploma ministerial.
Artigo 5. O presente diploma ministerial entra imediatamente em vigor.
Ministério do Plano e Finanças, em Maputo, 23 de Julho de 2002. – A Ministra do Plano e Finanças, Luísa Diogo

Ficha Técnica
Emissão de Obrigações do tesouro 2002 – 2.ª Série

Entidade Eminente – República de Moçambique.


128
Modalidade – Emissão de Obrigações de Tesouro.
Montante – 100 mil milhões de Meticais.
Categoria – Obrigações ao portador.
Representação – Títulos desmaterializados, meramente escriturais, registando-se a sua colocação e transacção de
acordo com a legislação em vigor.
Número de Obrigações – 1 000 (um milhão).
Valor nominal – 100 mil Meticais.
Preço de subscrição e de emissão – 100 mil meticais.
Valor de reembolso – 100 mil meticais.
Subscrição – Pública, através de instituições financeiras autorizadas a exercer a actividade de intermediação em
valores mobiliários.
Período de subscrição – 29 de Julho a 5 de Agosto de 2002.
Data de liquidação financeira – 9 de Agosto de 2002.
Taxa de juro – A taxa de juro que remunera semestralmente cada obrigação resulta da adição de uma margem
percentual a um indexante, arredondada para1/16 superior. A taxa de juro é determinada até às
8:30 horas do segundo dia anterior à data de início do novo período de contagem de juros.
Indexante : taxa média ponderada pelo montante e pela maturidade das últimas seis emissões de Bilhetes do
Tesouro de prazo igual ou superior a 60 dias, mas inferior ou igual a 182 dias. Margem: 0.75 por
cento
Prémio de fidelidade – Consiste no acréscimo à taxa de juro, de um valor igual a 0.25 por cento, a partir do 7º
cupão inclusive.
Pagamento de juros – Os juros serão pagos semestralmente e postecipadamente, em 9 de Fevereiro e em 9 de
Agosto de cada ano, até ao reembolso total da emissão, com contagem a partir da data da subscrição. Caso essas
datas não sejam um dia útil (definido como um dia em que os bancos estão abertos e a funcionar em Maputo), a
data de pagamento de juros será ajustada para o dia útil (ou seja, na convenção 30/360).
Cálculo dos juros – O cálculo dos juros será feito numa base de 360 dias, correspondentes a 12 meses de 30 dias
cada (ou seja, na convenção 30/360).
Prazo – 5 anos.
Data de reembolso final – No dia 9 de Agosto de 2007, ou seja, no final do prazo da emissão, caso não haja
reembolso antecipado por vontade da Eminente. Caso essa data não seja um dia útil (definido como um dia em os
bancos estão abertos e a funcionar em Maputo), a data de reembolso será ajustada para o dia útil imediatamente
seguinte.
Opção de reembolso antecipado por vontade da Eminente – Por vontade da Eminente, poderá o empréstimo ser
reembolsado total ou parcialmente, neste último caso por redução ao valor nominal da emissão, a partir do segundo
cupão inclusive, nas datas de cupão, e mediante um pré-aviso de 30 dias úteis.
Reembolso de capital – Em quatro prestações da seguinte forma:
- a primeira juntamente com o 7.º cupão e por um valor igual a 12,5 por cento do montante de capital
em divida;
- a segunda juntamente com o 8.º cupão e por um valor igual a 12,5 por cento do montante de capital
em dívida;
- a terceira juntamente com o 9.º cupão e por um valor igual a 25,0 por cento do montante de capital
em divida;
- a quarta juntamente com o 10.º cupão e por um valor igual à totalidade do montante de capital em
dívida.
Garantias – As OT gozam dos privilégios e garantias reconhecidas aos títulos da divida pública. Serão inscritas no
Orçamento do Estado as verbas indispensáveis para acorrer ao serviço da divida.
Admissão à cotação – Será solicitada a admissão à cotação das obrigações na Bolsa de Valores de Moçambique no
cumprimento do estipulado no artigo 35.º do Regulamento dos Mercado de Valores Mobiliários.
Tomada firme – Os bancos locais serão convidados a constituir um sindicato de tomada firme que garanta a
colocação integral da emissão.
Regime fiscal – As obrigações, enquanto cotadas na Bolsa de Valores de Moçambique, beneficiarão do regime
fiscal atribuído a esses títulos, ou seja, presentemente, encontram-se isentas de todos os impostos sobre o
rendimento (Contribuição Industrial e Imposto Complementar) e do Imposto do Selo.
Agente de calculo e pagador – Direcção Nacional do Tesouro.
129
a) Denominação do Empréstimo e sua série ;
b) A entidade emitente, a República de Moçambique;
c) Modalidade;
d) Montante;
e) Categoria: se normativo ou ao portador;
f) Representação: se materializados, desmaterializados ou escriturais;
g) Qualidade da obrigação;
h) Valor nominal;
i) Valor de reembolso;
j) Subscrição: pública ou particular;
k) Período de subscrição;
l) Data da liquidação financeira;
m) Taxa de juro;
n) Prémio de fidelidade;
o) Cálculo e pagamento de juros;
p) Prazo e data de reembolso final e opção de reembolso antecipado de capital;
r) Garantias: normalmente as próprias reconhecidas para títulos de dívida pública
e inscrição no orçamento;
s) Tomada firme;
t) Regime fiscal – isenção de taxas o impostos sobre o rendimento;
u) Agente de cálculo e pagador; e

v) Organização e liderança.

Esta descrição não é vinculativa, como pode ver-se de uma opção diferente no
Empréstimo denominação Obrigações do Tesouro–2002, cuja Obrigação Geral é constituída
pelo Diploma Ministerial n.o. 52/2002, de 17 de Abril.

Neste empréstimo a ficha técnica é mais lacónica333.

c) Titulação

Organização e liderança – Banco Standard Totta de Moçambique, SARL.

333
Anexo
Ficha Técnica
Emitente: República de Moçambique
Modalidade: Emissão de Obrigações do Tesouro.
Montante: 1.393,0 biliões de meticais
Representação: 13.930.000 desmaterializadas e ao portador, registando-se a emissão, subscrição e subsequentes
translações de acordo com a legislação em vigor.
Subscrição: Particular e directa com tomada firme
Valor nominal: 100 mil meticais
Preço de emissão e subscrição: 100 mil meticais por obrigação
Data de subscrição e liquidação financeira: 29 de Mar de 2002.
Prazo máximo: 10 anos, a, contra do dia 31 de Março de 2002.
Taxa de juro: A taxa de juro que remunera cada obrigação será mensalmente com base na “ultima taxa infracção
homóloga resultante do índice de preços no consumidor da cidade de Maputo («IPC»), tal como determinado pelo
Instituto Nacional de Estatística de Moçambique, utilizando a formula {[«IPC»]},, tal como determinado pelo
Instituto Nacional de Estatística de Moçambique, utilizando a formula {[(IPC do mes A do ano n/ IPC do mês A do
ano n-1) – 1] *100}, acrescido de margem de 7,5%.
130
A tribulação corresponde ao desdobramento da obrigação geral em títulos
representativos do empréstimo.

Quando não desmaterializados estes título podem distinguir-se entre provisórios334 ou


definitivos.

Os títulos podem ser nominativos ou ao portador. Nos títulos ao portador


diferentemente dos títulos nominativos, não figura o nome do seu titular; a tradição é suficiente
para a sua transmissão.

A transmissão dos títulos nominativos envolve um averbamento ou assentamento.

Os títulos nominativos podem ser integrados, quando englobados noutros de idêntica


natureza, sujeitos a desdobramento, quando parcelados noutros de idêntica natureza, ou sujeitos
a inversão, reversão ou substituição.

d) Subscrição

A subscrição corresponde à colocação para a venda pública.

A subscrição poderá ser pública, em Bolsa ou por negociação com a Banca.

A negociação com a Banca tem a vantagem de corresponder, quase sempre, a uma


tomada firme da emissão.

Assim, o Tesouro tem sempre a certeza de que o empréstimo está sempre totalmente
subscrito (e realizado) cabendo ao Banco de tomada firme ou sindicato de Bancos recolocá-lo
junto do grande público.

Os empréstimos subscritos podem ter sido colocados acima ou abaixo do par. Será
abaixo do par quando o valor da subscrição é inferior ao valor nominal do título; acima do par
será o caso dos títulos estarem com valor superior ao da subscrição.

5.5.2. Empréstimos Públicos a Curto Prazo

No nosso ordenamento jurídico temos como empréstimos de curto prazo as obrigações


de caixa e as obrigações do tesouro.

As obrigações do tesouro, cujo regime jurídico é definido pelo Decreto n.o 24/2003, de
20 de Maio, constituem-se em instrumento privilegiado para o funcionamento e gestão da
tesouraria do Estado, assegurando o equilibro dos fluxos de receitas e despesas e para a
dinamização do mercado financeiro.

A razão desta regulamentação geral encontra-se no facto de, tratando-se de dívida


flutuante, não exige autorização do Parlamento nem da fixação de condições gerais pelo
Governo no exercício da sua competência de concretizar a autorização legislativa genérica.

334
Também designados de cautelas.
131
Os Bilhetes do Tesouro são títulos desmaterializados representativos da dívida pública
emitidos por prazos de 28, 63, 91, 182 e 364 dias, abaixo do par, pelo montante correspondente
à diferença entre o valor nominal e a importância dos juros correspondente a cada subscrição.

Cabe ao Banco de Moçambique emitir e colocar os Bilhetes de Tesouro até ao valor


máximo fixado pelo Ministro que superintende a área das finanças em cada ano, até 31 de
Março335 ou até 30 de Setembro; nesta data quando se trata de Orçamento rectificativo336.

Deve, porém, entender-se que o Ministro deve, por cada emissão, fazer uma solicitação
dirigida ao Banco de Moçambique, o que se explica pelo facto de ser o Ministério que
superintende o subsistema do Tesouro e competir-lhe garantir, no quadro das políticas fiscal e
orçamental, a arrecadação e afectação de recursos financeiros do Estado337.

Feita a solicitação, o Banco de Moçambique por Aviso do Governador do Banco aprova


o Regulamento sobre a Emissão dos Bilhetes de Tesouro que estabelece o valor nominal
mínimo de cada Bilhete de 10 milhões de meticais.

5.5.3. Objecto da Relação Jurídica do empréstimo público

A subscrição do empréstimo público concretiza uma relação jurídica entre prestamistas


e o Estado que é a génese de um complexo de deveres que impendem sobre o Estado e de
direitos conferidos aos prestamistas que se manifestam através de:

a) Para a generalidade dos títulos:

• Isenção de impostos;
• Impenhorabilidade dos títulos;
• Livre importação e exportação dos títulos,

b) Para alguns títulos, de acordo com indicação específica:

• Prémio de reembolso338;
• Prémio de amortização339; e
• Garantias de cambio340.

5.5.4. Formas de extinção da obrigação

5.5.4.1. Cumprimento

a) Sistema de amortização

335
Art. 5 do Decreto n.o. 24/2003.
336
No. 2 do Art. 5 do Decreto n.o 24/2003, de 20 de Maio.
337
Alínea g) do art. 3 do Decreto Presidencial no. 2/96, de 21 de Maio, que define as competências do Ministério
do Plano e Finanças
338
O prémio de reembolso ocorre em casos de emissões abaixo do par sendo a amortização feita pelo valor
nominal
339
Nos sorteios os prestamistas recebem valor superior ao nominal
340
Através da indexação a moeda estável. Não se confunda, porém, com a própria definição, que é passível dos
juros em moeda convertível, não obstante em tais casos também podermos estar perante uma garantia de câmbio.
132
O cumprimento da relação jurídica do empréstimo dá-se pelo comprimento do variado
leque de deveres dos quais o mais importante é a amortização da divida pública que o
empréstimo dá origem.

A amortização pode ser feita por anuidades obrigatórias para o que é inscrita no
orçamento uma verba de amortização que apesar de ser regular e contínua pode implicar a
contracção de novo empréstimo sempre que receitas efectivas não sejam suficientes.

O sistema de caixas de amortização autónomas cuja função é a amortização da dívida,


proceder à compra dos títulos, pagar os respectivos juros, apresenta-se melhor que a anterior
sob o ponto de vista de controlo da dívida.

A amortização poderá também ser feita recorrendo aos saldos orçamentais. Claro está, a
amortização será irregular pois só será feita à e na medida em que os há, no fim de cada
exercício, o que pressupõe, em princípio, um orçamento superavitário ou ex ante ou ex post.

b) Modalidade de pagamento

O Estado pode adoptar uma modalidade de amortização indirecta ou directa. Esta


ultima será recomendável quando os títulos têm cotação superior ao valor nominal enquanto
que a forma indirecta deve ser nos casos em que o título tem uma cotação inferior ao subjectivo
valor nominal.

c) Momento de amortização

Como vimos, a propósito da classificação dos empréstimos, os empréstimos têm um


prazo de amortização que lhes dá, alias, a classificação.

Podem, por isso, ser amortizáveis em data fixa ou à vista.

Há os empréstimos amortizáveis por sorteio, incluindo a amortização do capital e juros,


de modo aleatório; do que se compreende que só uma parte é que é paga.

Os empréstimos amortizáveis em data fixa são todos pagos, capital e juros, na data
preestabelecida na ficha técnica aprovada pela obrigação geral.

A amortização à vista “é feita no mecanismo adoptado para o cheque, pagando-se o


título mediante sua apresentação pelo credor”.

A remição é também uma forma de cumprimento341

5.5.4.2. Outras formas diferentes do cumprimento

a) Conversão

341
SOUSA FRANCO, ob. cit ., pp. 543 e ss. TEIXEIRA RIBEIRO, ob. cit., p. 170 e BRAZ\TEIXEIRA, ob. cit,,
p. 356.
133
A conversão traduz-se numa novação objectiva, sobre a qual atrás falamos a propósito
do pagamento duma dívida por novo empréstimo, com juro mais baixo do que o que se
pretende pagar.
A conversão cobre o capital, juros e outras obrigações acessórias.

A conversão pode ser forçada, voluntária ou facultativa, conforme, respectivamente,


é fruto da vontade e decisão unilateral do sujeito passivo, em princípio o Estado, ou resulte de
acordo entre o sujeito passivo e os credores que podem ficar com os antigos ou trocá-los por
novos títulos e, finalmente, quando os credores podem escolher entre o reembolso do crédito e
a troca por novos títulos, como se disse, de juro menor.

b) Prescrição

As obrigações do Estado emergente da relação jurídica do empréstimo prescrevem.

A prescrição pode referir-se a: (a) Juros, a rendas e a reembolsos ou (b) ao capital


mutuado.

O regime jurídico aplicável é o do Art. 18 do Decreto-Lei n.o. 43453, por aplicação do


art. 20 da Constituição, sendo respectivamente de cinco e dez anos para o primeiro grupo e para
o segundo.

À suspensão ou interrupção da prescrição aplicam-se normas do Código Civil.

c) Anulação

A anulação é uma forma de extinção da relação jurídica do empréstimo e ocorre


quando, total ou parcialmente, os títulos já emitidos, não são colocados (para subscrição).

Quando a anulação é total podemos falar de revogação de oferta pública.

No caso de anulação parcial assiste-se à confusão.

d) Confusão

A figura da confusão verifica-se em relação ao empréstimo público, quando o Estado


torna-se, por aquisição na Bolsa ou por qualquer via em direito admissível (v.g. por via
sucessória, por doação) titular de um título representativo de Dívida Pública. Nesse caso a
pessoa de credor e de devedor coincidem, extinguindo-se a divida.

e) Repúdio

O repúdio dá-se em situações excepcionais e revolucionárias em que o Estado, no uso


do seu imperium, declara inexistente determinada dívida ou porque considerada ilegal ou
ilegítima342.

342
Não parece terem sido pagos os títulos representativos das obrigações emitidos no âmbito do Plano de
Desenvolvimento do Vale do Zambeze (GPZ) emitidos pelo Governo da Província de Moçambique. Pode falar-se
de um repúdio ainda que não formal, que pode ter conduzido a uma prescrição. Na História Universal são várias as
situações para mais desenvolvimento, ver BRAZ TEIXEIRA, ob. cit., p. 362
134
f) Remissão

A remissão ou perdão da dívida está na agenda de muitos governos relativamente à


dívida externa. Sobre este tema demoraremos quando falarmos da dívida pública.

Capítulo IV
DÍVIDA PÚBLICA

1. Conceito.

No conceito de crédito público identificámos como elemento objectivo a dilação


temporal entre duas prestações e a situação devedora de determinada quantia e o correspectivo
dever de reembolsá-la. Temos a dívida.

A dívida, assim, é a consequência do recurso ao crédito e da emissão do empréstimo.

Dívida pública é o “conjunto das situações passivas que resultam para o Estado do
recurso a crédito público”343, directa344 ou indirectamente.345

2. Formas de dívida pública

I. A dívida pública, pode dizer-se, tem as formas do crédito e dos empréstimos que
lhe dão origem.

Nesta ordem de ideias a dívida pública poderá ser interna ou externa, consoante seja
interno ou externo o respectivo empréstimo.

A dívida externa poderá reportar-se a situações passivas do Estado relativamente às


instituições monetárias e financeiras internacionais, caso em que se designa de dívida
internacional.

Com este entendimento a dívida será externa346 quando seja relativa ao conjunto de
dívida da comunidade a outros países e instituições internacionais de crédito.

II. A dívida externa e a internacional, em conjunto, formam a dívida externa


nacional.

III. Tendo em conta a sua duração, a dívida poderá ser de curto prazo também
designada de flutuante, ou de longo prazo347 ou fundada.

343
SOUSA FRANCO, ob. cit,, Vol. II, p. 87.
344
Quando o recurso ao crédito público é directo temos uma dívida pública em sentido restrito
345
Dívida Pública em sentido amplo incluindo-se as situações derivadas de outro tipo de operações de crédito
como as derivadas de avales, créditos administrativos, vitalícios, monetários, etc.
346
Segundo o Prof. SOUSA FRANCO, ob. cit. Vol. II, p. 87.
347
Entende-se, neste caso, superior ao período orçamental, de um ano.
135
A dívida fundada pode ser, tanto quanto o respectivo empréstimo, perpétua, consolidada
ou temporária.

Será consolidada quando a dívida não tenha prazo de reembolso e seja reembolsável sob
determinadas circunstâncias – dívida perpétua remível - , ou não, - dívida perpétua irremível.

A dívida temporária pode ser amortizável em momento incerto, ou amortizável em


condições predeterminadas, incluindo as de prazo.

IV. A dívida flutuante, de curto prazo, é representada, usualmente, por Bilhetes de


Tesouro de que atrás se falou, a propósito de empréstimos de curto prazo.

V. A dívida pública pode ser titulada ou não titulada conforme os direitos e


deveres dela emergentes estejam ou não incorporados em certos títulos documentais nas
condições definidas na lei.

A dívida titulada pode ser por títulos nominativos (com a designação de titular), ao
portador (susceptíveis de circulação por simples traditio manu ou por endosso, por não
conterem o nome do titular) ou mistos sendo nominativos em relação ao direito às prestações
de capital e ao portador em relação aos cupões destacáveis, representativos de elementos
acessórios – os juros.

3. Gestão da dívida pública.

I. A gestão da dívida é feita no âmbito do subsistema do Tesouro e corresponde a


um conjunto de operações necessárias à dinâmica do crédito e que pode ter em vista a sua
amortização regular348 ou irregular349 e reembolso final (gestão normal) ou a sua modificação
(gestão anormal).

II. A gestão da dívida pode decorrer da sua amortização, conversão, remissão,


prescrição, conforme o modo de extinção ou diminuição do empréstimo público que lhe deu
origem.

4. Dívida interna versus dívida externa.

4.1. Generalidades.

Muito se tem discutido sobre as vantagens e as desvantagens da dívida interna


relativamente à dívida externa.

Dada a importância e peso da dívida pública externa, que representa a quase totalidade
da dívida pública moçambicana, é pertinente fazer-se aqui uma exposição dos principais
argumentos que estão normalmente presentes neste debate.

A dívida pública externa poderá ser do tipo comercial, bilateral ou multilateral:

348
A amortização é regular quando é feita de acordo com um programa escalonado de reembolso
349
Diz-se irregular a amortização da dívida variável de ano para ano, de acordo com as variações de conjuntura.
136
- A primeira refere-se aos empréstimos contraídos junto de bancos comerciais
estrangeiros, a taxas de juro de mercado;

- A dívida bilateral, por sua vez, resulta dos empréstimos provenientes de outros
Estados (por exemplo, a Dinamarca, através da DANIDA e o Canadá, através da CIDA);

- Por último a dívida multilateral é consequência da contracção de empréstimos


junto de instituições financeiras multilaterais (por exemplo, o Banco Mundial, o FMI e o Banco
Africano de Desenvolvimento).

No caso das dívidas bilateral e multilateral, trata-se de empréstimos concessionais, ou


seja, de empréstimos com uma taxa de juro muito inferior à de mercado e que beneficiam de
condições vantajosas de pagamento, como sejam, um longo período de graça e prazos de
amortização muito dilatados. Fazem parte, conjuntamente com os donativos, que não implicam
qualquer encargo para o Estado, da ajuda externa.

4.2. Vantagens do endividamento

A dívida pública externa, proveniente de poupanças externas implica um aumento dos


recursos financeiros totais disponíveis para o financiamento do investimento nacional que
permite um mais rápido crescimento económico.

Tal já não sucede no caso dos empréstimos internos. O recurso a este tipo de
empréstimos por parte do Estado absorve poupanças internas, reduzindo assim o volume dos
recursos financeiros disponíveis para o sector privado.

Outra potencial vantagem do endividamento externo consiste no aumento da


disponibilidade de divisas para o país devedor, contribuindo para o financiamento dos défices
na balança de transacções correntes e um aumento das reservas externas do Banco Central. Tal
assume uma especial importância naquelas economias que se deparam com uma forte carência
de divisas para fazer face às suas necessidades de importação de bens de consumo, matérias-
primas, produtos intermediários e bens de capital.

Uma terceira vantagem dos empréstimos públicos externos, nomeadamente daqueles


que têm um carácter concessional, consiste no seu baixo custo e condições favoráveis de
amortização. A concessionalidade dos empréstimos bilaterais e multilaterais torna-os
particularmente atractivos para os países de baixo rendimento que não dispõem de recursos
suficientes para suportar os juros de mercado e cumprir com as condições de amortização
associadas aos empréstimos comerciais internos e externos.

Em resumo, podemos apontar com vantagens do endividamento:

● aumento da disponibilidade de recursos para financiar um investimento;


● entrada de divisas; e
● concessionalidade dos empréstimos bilaterais e multilaterais.

4.3. Inconvenientes do endividamento

O endividamento externo apresenta várias desvantagens em relação ao endividamento


interno. Em primeiro lugar, o serviço de dívida pública externa implica uma saída de dinheiro
137
do país. Na dívida pública interna, pelo contrário, a amortização do capital e o pagamento de
juros representam uma transferência a favor de agentes económicos nacionais. O dinheiro fica
no país. Por outras palavras, as gerações futuras pagam a si próprias os juros e o capital.

Em segundo lugar, a acumulação de dívida pública externa gera uma crescente


drenagem de divisas do país, com reflexos negativos na balança de transacções correntes
(pagamento dos juros) e na balança de capitais (amortização do capital). Este problema ficou
bem patente na crise da dívida dos anos 80.

Nos finais da década de 70 e princípios da década de 80 as economias dos países em


vias de desenvolvimento viram-se confrontadas com uma série de choques externos negativos
(aumento do preço do petróleo, forte caída no preço dos produtos primários, subida das taxas
de juro internacionais e redução drástica do volume de empréstimos externos disponíveis). Tais
choques traduziram numa redução acentuada nas entradas de divisas e num aumento muito
significativo nas saídas de divisas para fazer face às amortizações e ao serviço da dívida
pública. Face à rápida caída das reservas externas dos respectivos Bancos Centrais muitos
governos deixaram de poder honrar os seus compromissos para com o exterior, ou seja, viram-
se numa situação em que não dispunham das divisas necessárias para cumprir com o serviço da
dívida externa.

As consequências da crise da dívida nas economias em vias de desenvolvimento são por


demais conhecidas. Para estes países a década de 80 ficou conhecida como a década perdida,
devido à grave crise económica e à acentuada deterioração dos indicadores sociais que a
caracterizaram. A crise da dívida ilustra bem os elevados riscos associados a um endividamento
externo excessivo, o qual se traduz numa maior vulnerabilidade em relação a eventuais choques
externos negativos.

Uma terceira desvantagem dos empréstimos externos tem a ver com os efeitos da
desvalorização da moeda e da inflação no valor da dívida. A dívida externa sofre um
agravamento cada vez que a moeda nacional se desvaloriza, já que serão necessárias mais
unidades de moeda nacional para pagar os juros e o capital em moeda externa. Por outro lado, o
valor real da dívida pública externa não diminuiu com a inflação.

A dívida pública interna, pelo contrário, não é agravada no seguimento de uma


desvalorização da moeda nacional é beneficiada pela inflação, que provoca uma erosão do seu
valor real.

A dívida pública externa representa sempre uma potencial perda de soberania do país
devedor, já que este se encontra susceptível a interferências e pressões de outros Estados
soberanos ou de instituições externas. A condicionalidade subjacente aos programas de
estabilização e ajustamento estrutural do Banco Mundial e do FMI é disso sintomática350.

Resumindo, podemos apontar como desvantagens do endividamento público externo:

● o serviço da dívida implica saída de dinheiro do país;


● impacto negativo do serviço da dívida na Balança de Pagamentos;

350
Não só. Poderá o Parlamento moçambicano fazer uma escolha absolutamente soberana do tipo de sistema
eleitoral que mais convém ao País, ou tem que tomar em consideração o ponto de vista dos financiadores do
processo?
138
● efeitos negativos da desvalorização da moeda nacional e ausência dos efeitos
positivos da inflação no valor real da dívida; e
● perda de soberania nacional

4.4. A sustentabilidade da Dívida Pública

Diz-se que a dívida pública é sustentável quando o Estado tem a capacidade em os


recursos, para proceder ao seu reembolso.

Numa perspectiva dinâmica a sustentabilidade deverá implicar que essa capacidade


aumenta ou, pelo menos não diminui, ao longo do tempo.

Quando se analisa a sustentabilidade da dívida, dever-se-á considerar o stock total de


dívida e o montante dispendido no serviço da mesma; isto é, os recursos gastos na amortização
da dívida e no pagamento de juros. Esta análise deverá ser sempre dinâmica; não basta olhar
para o momento presente; é igualmente necessário observar qual a evolução recente e as
perspectivas de evolução futura do stock e do serviço da dívida.

A capacidade de um país pagar a dívida pública é-nos dada, antes de mais, pelo seu
rendimento. Quanto maior for o rendimento nacional, menor será o peso da dívida e,
consequentemente, maior será a sua sustentabilidade. O valor da produção de bens e serviços
numa economia, isto é, o Produto Interno Bruto (PIB), constitui uma medida aproximada do
rendimento de um país.

Desta forma, um primeiro indicador que deveremos considerar quando analisamos o


passado, presente e futuro da dívida pública é a relação entre a dívida total e o seu serviço, por
um lado, e o PIB, por outro. Um rácio elevado ou com tendência para crescer ao longo do
tempo, deverá ser motivo de preocupação.

No caso da dívida externa, a relação entre os encargos por ela gerados e a exportação
de bens e serviços constitui o indicador de maior relevo. É a capacidade exportadora de um
país, a capacidade de uma economia gerar divisas, que nos diz se a dívida externa é ou não
sustentável. Uma economia que não gera suficientes receitas em moeda externa não terá os
meios necessários ao pagamento da dívida externa.

Uma dívida que absorve uma parcela considerável do fluxo de receitas correntes ao
Estado (fiscais e não fiscais) não será sustentável, pois não disporá dos meios necessários para
fazer face aos encargos da sua dívida sem pôr em causa o normal funcionamento da
administração pública e a provisão de bens públicos essenciais.

Um Estado não deve sobrecarregar-se com empréstimos para além da capacidade futura
de os reembolsar, sendo os limites da dívida pública estabelecidos pelos recursos futuramente
disponíveis para a pagar.

A dívida deve ser de créditos cuja aplicação rege-se por critérios rigorosos de eficiência
e eficácia conseguidas para minimização de desperdícios na sua utilização e maximização do
seu impacto no rendimento nacional. Nas receitas fiscais e na capacidade exportadora de um
país.

139
O endividamento não deve provir de financiamento de gastos supérfluos e de consumos,
que pouco ou nada contribuem para a expansão do PIB e das exportações, do investimento
público em áreas com um forte impacto no desenvolvimento do sector privado, (como sejam a
educação e a melhoria das infra-estruturas económicas), com um efeito no significativo
aumento das receitas e como parte integrante de uma estratégia conducente ao crescimento da
economia e das exportações.

Porque a dívida a pagar é compensada pela crescente capacidade do Estado e da


economia suportarem os encargos dessa dívida e as despesas com o seu serviço não terá um
impacto negativo no orçamento do Estado e na balança de pagamentos.

A apreciação crítica do endividamento público deverá basear-se na análise da


capacidade futura de suportar os encargos por ela gerados o que depende da utilização que é
feita dos recursos financeiros assim obtidos.

4.5. A sustentabilidade da Dívida Pública em Moçambique

4.5.1. Causas do endividamento público

A partir de meados da década de 80, a dívida pública de Moçambique conheceu um


crescimento muito acelerado. São diversos os factores que estiveram na base do aumento
exponencial do stock da dívida pública, sendo de destacar:

a) Os elevados défices orçamentais, fraco nível de receitas correntes e insuficiência


dos donativos;

b) Os elevados défices externos, por as exportações não cobrirem a importação de


bens e serviços do país;

c) Donativos insuficientes para cobertura do défice da balança de transacções


correntes e para evitar que o país se depare com uma acentuada falta de divisas;

d) As facilidades na obtenção de créditos após a adesão de Moçambique ao FMI e


ao Banco Mundial em 1980351.

4.5.2. Estrutura da Dívida Pública Moçambicana

A estrutura da dívida pública moçambicana manteve-se mais ou menos inalterada


desde o início das reformas económicas, em 1987, embora se verifique uma certa tendência
para o crescimento da importância relativa da dívida multilateral.
Cerca de três quartos corresponde a créditos bilaterais, enquanto que a restante parte é
composta por créditos multilaterais. A dívida do Estado para com a banca comercial
internacional é nula, já que os créditos por ela concedidos apresentam condições em termos de
juro e prazo de maturidade incomportáveis, tendo em conta o nível de receitas correntes do
Estado.

351
Regra geral, só com o aval destas duas instituições financeiras é possível a um país ter acesso fácil a créditos
concessionais da comunidade internacional. A prossecução, de forma continuada, de políticas macroeconómicas
rigorosas e de um ambicioso programa de reformas económicas por parte das autoridades moçambicanas
constituem duas importantes razões por detrás do apoio que a comunidade internacional tem concedido a
Moçambique.
140
Existem diversas razões para o predomínio absoluto do endividamento externo
relativamente aos créditos internos. Para além dos motivos atrás apontados elevados défices na
balança de transacções correntes e facilidades de acesso a créditos externos, é de salientar:

a) O baixo custo do crédito externo em relação aos empréstimos internos; e

b) A escassez da poupança nacional.

A falta de poupanças domésticas torna indesejável o recurso a empréstimos internos


para o financiamento dos défices orçamentais. Tal teria um impacto extremamente negativo no
volume de poupanças disponíveis para o financiamento do investimento privado, o que iria
contra os objectivos de política económica.

4.5.3. A insustentabilidade da Dívida Pública Moçambicana

Face ao crescimento explosivo do endividamento do Estado, nas duas últimas décadas


do século passado, a dívida pública externa moçambicana é neste momento insustentável.

O stock de dívida ascende a USD 5.5 biliões, ou seja, a aproximadamente USD 350 por
habitante. A dívida pública externa corresponde a 210% do PIB e a quase 7 vezes do valor
global das exportações de bens e serviços.

O crescimento da dívida pública moçambicana não foi acompanhada por um aumento


paralelo do rendimento nacional, das receitas correntes do Estado e das exportações, em virtude
da incorrecta gestão e utilização dos financiamentos obtidos, bem como da situação de guerra
que se viveu no país até à assinatura dos acordos de paz.

Uma porção considerável dos empréstimos contraídos pelo Estado acabou sendo
canalizada para o financiamento da guerra de despesas imprescindíveis e de projectos de
investimentos que se vieram a revelar insustentáveis.

Moçambique tem podido cumprir com o serviço da sua dívida externa apenas devido
aos sucessivos reescalonamentos e ao perdão parcial ou total concedido por alguns países
credores, que fazem com que o país tenha vindo a pagar anualmente somente cerca de 30% do
montante de juros e capital devidos.

Desde 1984, Moçambique beneficiou de várias operações de reescalonamento da sua


dívida no âmbito do Clube de Paris que congrega a maioria dos países credores. Estes acordos
apenas abrangem a dívida pública bilateral e resultam no adiamento dos pagamentos a efectuar
e, em certos casos, numa redução da taxa de juro.

As operações de alívio de dívida têm reduzido (e adiado) o problema do serviço da


dívida pública embora se revelem insuficientes para resolver a questão de fundo.

A dívida pública moçambicana só se tornará sustentável com um perdão massivo da


dívida externa. Só assim se conseguirá evitar que uma proporção excessiva das receitas
correntes do Estado e das exportações seja desviada para o seu serviço. Caso contrário, não será
possível quebrar o actual ciclo vicioso, em que o Estado tem que continuar a endividar-se para

141
poder servir a sua dívida passada, o que gera um crescimento contínuo e insustentável do stock
de dívida.

Apesar das frequentes operações de alívio, o serviço anual da dívida pública externa
continua, a absorver cerca de 20% a 25% das receitas fiscais e de exportação.

Significa isto que:

- Uma parte muito significativa das receitas do Estado são directamente


canalizadas para o exterior, em vez de serem aplicadas em áreas vitais para o desenvolvimento
económico e social de Moçambique, como a saúde, a educação e a reabilitação e construção de
infra-estruturas económicas;

- Uma proporção importante das divisas geradas pela exportação de bens e


serviços é automaticamente desviada para o exterior, não sendo utilizada no financiamento das
importações necessárias para a satisfação das necessidades de consumo da população e o
funcionamento das empresas;

Neste sentido a dívida pública externa constitui um importante obstáculo ao


desenvolvimento económico e social de Moçambique. As despesas com o seu serviço
dificultam o reforço da capacidade do Estado, nomeadamente no que se refere à melhoria dos
salários na função pública, bem como a melhoria dos serviços públicos e a rápida reconstrução
do tecido económico e social do país.

O serviço da dívida torna também mais difícil a correcção dos desequilíbrios


macroeconómicos – ou seja, a diminuição dos défices no orçamento e na balança de
pagamentos – uma vez que se traduz na realização de despesas públicas e implica a saída de
divisas nas balanças de transacções correntes (pagamento de juros da dívida) e de capitais
(amortização dos empréstimos).

Caso Moçambique não venha a beneficiar de um perdão significativo da sua dívida


externa, terá que enfrentar um agravamento considerável dos custos de amortização de
empréstimos contraídos no passado, nomeadamente junto do Banco Mundial, começam a
vencer já nos próximos anos. Este agravamento verificar-se-á mesmo que se tome em
consideração o alívio oferecido a Moçambique em 1997 pelo Clube de Paris, de acordo com os
termos de Nápoles.

Moçambique não estará em condições de suportar tal cenário. Para além dos efeitos
negativos nos défices do orçamento do Estado e na balança de pagamentos, há que considerar
que:

- O aumento sustentado das receitas de impostos tem-se revelado extremamente


difícil não obstante os esforços nesse sentido;

- A contenção da despesa pública não é sustentável do ponto de vista económico,


político e social, em virtude da necessidade urgente de reconstrução do tecido sócio-económico
do país, reforço da administração pública e alívio da pobreza.

Face à gravidade do problema da dívida pública externa, Moçambique foi eleito para
fazer parte da iniciativa do Banco Mundial e do FMI para os países pobres altamente
142
endividados (HIPC). Tendo o país cumprido com certos critérios relacionados com a
continuação das reformas nas áreas económica e social, beneficiou a partir de Junho de 1999,
de uma redução do valor actualizado líquido do stock de dívida para USD 1.2 biliões. Tal
traduziu-se numa redução do serviço da dívida pública externa para 12% das receitas correntes
do Estado.

Esta iniciativa constituiu um necessário e importante passo em frente no sentido da


diminuição do peso da dívida. Ela deverá, contudo, ser acompanhada de um redobrado esforço
com vista a um incremento sustentado das receitas públicas. Só através de uma diminuição do
défice orçamental será possível reduzir a dependência externa da economia moçambicana e
solucionar o problema da dívida pública externa de uma forma sustentável.

Paralelamente, encetam-se esforços no sentido de melhorar a eficiência, eficácia e


sustentabilidade na afectação dos recursos externos, de forma a maximizar o seu impacto sócio
económico. Para tal, priorizar-se-á a integração desses recursos nos programas de despesa
pública, a revisão da carteira de projectos financiados por empréstimos externos e a
substituição, sempre que possível, dos créditos por donativos.

Reportada a 31 de Dezembro de 2000 o stock da dívida pode ser resumido como


segue352
Quadro A – Dívida Multilateral

Mutuante
1998 1999 2000 2001
ADB (1)
1.7
ADDF(1)
227.5
BAD
38.3 28.9 (a) 1.9
BADEA
15.2 17.3 22.7 27.3
BID
32.7 0.2 3.7
FAD
378 389 a) 218
FED
8.2 7.4 (b) 0
FIDA
39 40.8 42.4
FMI
232 0 (c) 0
IDA
1.361.20 1.381.60 (a) 759.3 746.5
IDB (1)
3.9
IFAD (1)
45.4
NDF
10.5 12 12.7 12.2

352
Estes valores de stocks de dívida podem não coincidir com os de outras fontes o que levou o Tribunal
Administrativo, em sede de Relatório e Parecer sobre a CGE de 2001 (p. 105) a deixar registado o seguinte:
“Uma vez mais importa salientar quão é importante apresentar na Conta Geral do Estado, informação fidedigna
relativamente ao stock da dívida pública na medida em que mostra a situação do Estado,, como entidade devedora
e responsável pelo cumprimento integral de suas obrigações”.

143
NTF
1.9 1.6 1.3 1.9
OPEC
15.7 17.5 19.1 25.1
EIB
45.7 47.6 46.0
Total
2.133.50 1.942.00 1.128.70 1.137.5

Fonte: Direcção Nacional do Tesouro


a) Inclui HIPC
b) Foi cancelada no âmbito do HIPC
c) FMI – Em 1999 esta dívida foi retirada, uma vez que é da responsabilidade do BM
(1) Dados que não constavam na Conta dos anos anteriores

Quadro B – Dívida Bilateral relativa ao Clube de Paris


Mutuante 1998 2001
1999 2000

Bilateral
1.971.20 1.804.60 1.837.90 1.841.8
Áustria
20.7 17.6 17.5
Espanha
38.9 11.9 16.2
EUA
50.7 50.3 54.3
França
512,6 375.8 478.9
Itália
454.8 512.1 484.0
Japão
80.5 83.3 102.3
Portugal
435.2 439.3 378.1
Reino Unido
146.3 141 143.6
RFA
210.8 155.1 158.2
Suécia
20.7 18.2 8.7
Bilateral
Outros 1.018.20 1.009.50 916.6 917.2353
Brasil
518.1 513.2 389.9
Russia
500.1 496.3 527.2
Total 2
2.989.4 2.814.1 2.754.5 .759.0

353
Neste total não se inclui a dívida bilateral relativa aos Países do Leste e outros que assim descriminada, em
milhões de USD:
1998 - 933.1
1999 – 865
2000 – 876
2001 – 862.5.
144
No quadro seguinte a dívida pública extrema de Moçambique diminuiu 7,7% em 1999 e
11,8% em 2000, pela política de redução da dívida mencionada anteriormente, não se tendo
registado variações significativas no ano de 2001 (0,5%).354
Quadro C – Stock da Dívida Pública Extrema

V 1 V 2 V 2 V
1997 1998 ariação 999 ariação 000 ariação 001 ariação
6 8 5 7 4 1 4 -
.643.1 .120.78,5 .5% .647.7 ,7% .982.10 1.8% .955.3 0,5%

Fonte: Boletim Estatístico no. 38/Ano 10 – Dezembro de 2002 – DEE – Banco de Moçambique

APÊNDICE

Resolução nº 15/87, de 22 Setembro


.
Nos termos da alínea f) do artigo 44 da Constituição da República, a Assembleia
Popular, reunida na sua 2. a Sessão Ordinária, determina:

Único. É aprovado o Relatório do Governo sobre o Programa de Reabilitação


Económica e Programa de Emergência que faz parte integrante da presente resolução.

Aprovada pela Assembleia Popular.


O Presidente da Assembleia Popular, Marcelino dos Santos.

Publique-se.
O Presidente da República, Joaquim Alberto Chissano.

Relatório do Governo sobre o Programa de


Reabilitação Económica e Programa de Emergência

Senhor Presidente da Assembleia Popular,

Senhores Deputados,

Ao intervir perante o nosso órgão máximo do poder de Estado, nesta Sessão da


Assembleia Popular, gostaria de, antes de mais, saudar em nome do Governo o Presidente da
Assembleia Popular, a distinta Comissão Permanente da Assembleia Popular e os Deputados

354
Referência extraída do relatório e Parecer do Tribunal Administrativo sobre a CGE de 2001, p. 102.

145
aqui presentes vindos de todas as províncias do nosso País. Esta saudação é também uma
saudação a todo o povo moçambicano pela coragem com que tem vindo a enfrentar a violência
que nos é imposta do exterior.

A presença nesta sala de deputados provenientes de todas as províncias do nosso País, a


presença de soldados e oficiais das forças armada, operários, camponeses, intelectuais, artesão,
comerciantes, de diferentes raças e religiões, é testemunho eloquente da arma sofisticada que o
inimigo tanto teme e odeia, a nossa unidade.

É contra esta unidade da Nação Moçambicana que esta Assembleia bem representa que
tem vindo a erguer-se a fúria assassina (...).

Com a vossa generosa permissão queremos aproveitar esta tribuna para prestar a
homenagem aos nossos compatriotas que já se sacrificaram em defesa da pátria e da revolução.

O nosso profundo respeito vai igualmente para aqueles que com determinação e
heroísmo defendem a pátria em todos os recantos do nosso País.

Senhores Deputados,

Compete-nos informar a esta Assembleia sobre as principais actividades do Governo no


período decorrido desde a última sessão da Assembleia Popular,

Em especial, pretendemos informar sobre acções levadas a cabo na área económica,


nomeadamente, no domínio da implementação do Programa da Reabilitação Económica e do
Programa de Emergência que têm sido a principal preocupação e foco de atenção do Governo e
de todo o nosso Povo.

Permita-me referir primeiro ao Programa de Reabilitação Económica, começando pelo


seu contexto histórico, recordando os antecedentes que tornaram necessário este conjunto de
medidas radicais e profundas.

O notável crescimento económico registado no nosso País a partir de 1977 foi


bruscamente interrompido em 1981, iniciando-se um declínio preocupante nos anos seguintes.
As razões desta inversão de tendência são bem conhecidas: uma série de calamidades naturais
e, acima de tudo, a acção devastadora dos bandidos armadas a soldo da África do Sul racista.

Como consequência, a produção comercializada, das principais culturas de exportação


(algodão, caju, chá, citrinos) caiu em 75 por cento entre 1981 e 1985.

As fábricas passaram a funcionar em cerca de 25 por cento da sua capacidade instalada


por falta de matérias-primas de origem agrícola e industrial que geralmente importamos.
Baixou a produtividade, o mesmo número de trabalhadores produziu cada vez menos. Os
créditos concedidos pela banca às empresas eram para o funcionamento e até para pagar
salários e trabalhadores ociosos.

Ilustrando esta situação com o exemplo ainda prevalecente nalgumas unidades de


produção, constata-se, por exemplo, que este ano a Açucareira de Maragra vai gastar quase um
milhão de contos em salários, equipamento, adubos, etc., para produzir açúcar no valor de 180
000 contos. Este valor nem sequer chega para cobrir as despesas em salários (270 000 contos) e
146
o Estado vai dar um subsídio de 770 000 contos, quatro vezes o valor da produção, para manter
a empresa a funcionar.

O funcionamento deficiente das células económicas na esfera da produção material


provocou graves desequilíbrios financeiros na nossa economia. Com efeito, com a queda da
produção, reduziram-se as receitas do Estado provenientes dos impostos e dos lucros das
empresas, enquanto subiam as despesas do Estado.

Assim, as despesas de defesa e segurança passaram para cerca de 33 por cento das
despesas totais, quando em 198 representavam apenas 20 por cento. As receitas do Orçamento
do Estado eram insuficientes para cobrir as sempre crescentes despesas a que o Estado tem de
fazer face.

Em 1986, o Orçamento do Estado só conseguiu cobertura para metade das despesas. As


restantes despesas eram cobertas com recurso a empréstimo bancário. A Banca, para além do
empréstimo que concedeu ao Estado para a cobertura do déficit orçamental, concedeu também
créditos às empresas que, sendo deficitárias, não conseguiam reembolsar estes empréstimos.

Esta prática provocou uma indesejável expansão monetária, isto é, aumentou a


quantidade de dinheiro em circulação sem haver contrapartida em bens matérias e serviços à
economia.

A evolução que apresentamos levou a que houvesse muito dinheiro para poucos
produtos, provocando a subida dos preços, criando condições para os candongueiros fazerem
lucros fabulosos em negócios ilícitos. A experiência revelou que este grave problema de subida
de preços e da candonga não se resolve apenas com medidas administrativas.

Simultaneamente, a balança de pagamentos, que reflecte as relações económicas do País


com o exterior, foi piorando de ano para ano.

As receitas das exportações reduziram de $280 milhões em 1981 para $80 milhões, em
1986, cobrindo apenas 14 por cento do valor das importações. No mesmo ano, as receitas em
divisas do tráfego ferro-portuário internacional foram apenas de 17 por cento do nível de 1981.

A diferença entre as receitas e despesas foi crescendo atingindo $600 milhões em 1986.
Ao longo dos anos estes défices foram sendo cobertos recorrendo–se a empréstimos
internacionais.

Em 1986 a dívida externa de Moçambique totalizava 53.2 biliões, dos quais $1.2 biliões
representam dívida em atraso. As poucas importações que conseguimos fazer foram realizadas
essencialmente através de donativos ou créditos governamentais especiais. Como exemplo,
neste momento cerca de 80 por cento dos produtos alimentares importados são donativos.

Esta crise económica manifestou-se no quotidiano da nossa vida, nomeadamente:

- na diminuição do nível de vida da população;


- na deterioração do salário real do trabalhador, o que significa que comprava
cada vez menos com o seu salário mensal;
- no alastramento da candonga.

147
A situação que se acaba de descrever levou a:

- uma crescente dependência do exterior;


- uma crescente tendência de considerar o Estado como uma fonte inesgotável de
recursos para financiar tudo, e que este devia controlar e resolver tudo.

Na sequência das Directivas do IV Congresso do Partido, o Governo elaborou um


primeiro plano de acção para o período 1984-1986 com o objectivo de enfrentar as
dificuldades.

Entre outras medidas introduziram-se: o novo sistema de gestão cambial que visava
estimular os exportadores, a abolição do controlo de alguns preços; a racionalização de certas
empresas estatais e a distribuição das terras disponíveis ao sector familiar e privado; nova
legislação para aumentar a produtividade.

No plano externo, para aliviar o fundo externo cambial do Estado dos encargos anuais
da divida externa conclui-se o primeiro reescalonamento da dívida.

Moçambique aderiu no Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial, e


conseguiu aumentar o apoio exterior.

Este programa teve resultados positivos na medida em que conseguiu-se travar a


tendência decrescente da actividade económica. Em 1986, a produção global cresceu em 4 por
cento relativamente ao ano anterior.

Entretanto, estes programas e medidas, porque pontuais, não foram suficientes para
revitalizar a economia, corrigir os desequilíbrios e anomalias, aliviar a tendência para o
agravamento do déficit da balança de pagamentos.

Era necessário um programa global, com medidas mais radicais e coordenadas, de


maior alcance, para estimular um processo de recuperação e crescimento económico que se
pretende seja permanente e contínuo.

Por isso, por instrução explícita do Bureau Político o Governo elaborou o Programa de
Reabilitação Económica, um programa que visa em quarto anos, até 1990, promover a
recuperação da actividade economia com um crescimento do produto interno bruto da ordem
dos 12 por cento.

Programa de Reabilitação Económica

O Programa de Reabilitação Economia estabelece uma politica económica global


constituída por um conjunto de políticas e medidas sectoriais que visam:

- aumentar a produção agrária, com especial prioridade para o sector familiar com
vista a garantir o consumo interno, promover as exportações e assegurar o aprovisionamento da
agro-industrial;

- aumentar a produção industrial para apoiar a comercialização agrícola, estimular


as exportações e substituir as importações;

148
- reabilitar as infra-estruturas económicas (estradas, linhas-férreas), com
prioridade para a rede comercial para reactivar as actividades directamente produtivas e
recuperar o tráfego ferroviário e portuário;

- mobilizar novos recursos e recuperar o tráfego ferroviário e portuário;

- mobilizar novos recursos externos e afectá-los aos sectores prioritários.

Para alcançar estes objectivos foram adoptadas medidas nas seguintes áreas:

- Orçamento de Estado;
- Moeda e crédito;
- Impostos;
- Preços;
- Forças de trabalho e salários;
- Reforma institucional;
- Relações económicas externas.

a) Política orçamental e fiscal:

A política orçamental visa restabelecer o equilíbrio entre as receitas e as despesas do


Estado, aumentando, para o efeito, as receitas e comprimindo as despesas em todas as áreas,
criando eventualmente, excedentes para financiar o investimento do Estado.

O orçamento corrente de 1987 prevê receitas de 55 milhões de contos (contra 21.5


milhões em 1986) e despesas correntes de 85 milhões de contos (contra 42.3 milhões em 1986).
Em 1986, 50 por cento das despesas não foram cobertas pelas receitas. Em 1987, prevê-se uma
melhoria substancial nesta relação, pois só 25 por cento das despesas não serão cobertas pelas
receitas próprias do Estado.

Na nova política orçamental e fiscal prevê–se que o aumento substancial das receitas
resulte principalmente duma mudança profunda no sistema de impostos e de maior eficácia na
cobrança. Assim, os impostos indirectos – o imposto de consumo sobre determinados bens de
consumo e o imposto de circulação serão os mais importantes.

No quadro da reforma fiscal, as empresas estatais passarão a pagar impostos e acabou-


se com a prática de transferir a totalidade de lucros de empresas estatais para o Orçamento do
Estado.

Na área de contenção das despesas, definiu-se uma redução de 20 por cento em


particular nos fundos de salários de quase todos os sectores com a consequente redução de
efectivos e o combate ao absentismo. Em termos reais foi também reduzido o montante de
subsídio às empresas e foi iniciada a eliminação gradual da gratuitidade de certos serviços
sociais tais como a saúde. Não obstante estas contenções, ainda não é possível reduzir a níveis
desejados os gastos orçamentais, pois o Estado continua a proporcionar verbas elevadas para
subsídios aos preços e empresas que, no conjunto, totalizam 21 milhões de contos.

Estas medidas têm por objectivo proteger o nível de vida de milhares de trabalhadores
subsidiando os preços de bens essenciais e assegurando o emprego a dezenas de milhares de
trabalhadores.

149
São medidas de grande alcance social, mas que distorcem a realidade económica e
financeira, com a prática de preços fictícios e a conservação de postos de trabalho
improdutivos. É preferível gastar cinco ou seis vezes mais na criação de actividades produtivas
economicamente úteis do que manter e financiar actividades parasitárias.

A coragem de hoje na tomada de medidas correctas vai nos poupar sacrifícios maiores
no futuro e vai, certamente, criar bases sólidas para a nossa prosperidade e da dos nossos filhos.

É neste contexto que temos de apreciar a revisão do sistema de rendas de casa e temos
de prosseguir com a implementação das taxas de utilização da terra de forma a estimular o uso
mais racional e produtivo deste capital precioso que é a terra.

Nos primeiros seis meses do ano, constatamos que as despesas mantiveram-se dentro
dos limites previstos e as receitas atingiram 22,3 milhões de contos, ligeiramente acima das
receitas planificadas.

A composição das receitas revela que os impostos do consumo e da circulação não


tiveram o peso que era de esperar, devido aos atrasos na correcção de alguns preços, bem como
às quebras imprevistas na produção de cerveja e cigarros e a um elevado número de isenções
aduaneiras.

A cobrança aquém das previsões dos impostos indirectos foi, no entanto, compensada
pelo sobrecumprimento em mais de três milhões de contos nos impostos sobre o rendimento,
em particular, na contribuição industrial que incide sobre os lucros como resultado das acções
de combate às fraudes fiscais e de maior exigência na cobrança de impostos.

Neste contexto, desejamos saudar os esforços e dedicação dos quadros e funcionários


da auditoria e execuções fiscais que cumprem a tarefa frequentemente difícil, que inclui muitas
vezes ameaças pessoais, de levar a cabo auditorias às empresas e detectar desvios, roubos,
fraude e fuga ao fisco que nalguns casos atinge dezenas de milhares de contos.

As estruturas governamentais têm de dar maior apoio a este trabalho vital, que está a
revelar um grande índice de evasão fiscal e evitar as interferências administrativas estranhas ao
processo de auditoria e de fixação de matéria colectável por parte de alguns elementos com
responsabilidade no aparelho de Estado, na tentativa de proteger ou encobrir os erros
detectados.

Faz parte do processo normal de trabalho de administração fiscal que as decisões sobre
reclamações sejam precedidas de uma análise mais detalhada dos rendimentos das entidades ou
pessoas envolvidas. A experiência revela que os lucros acabam por ser superiores aos que
serviram de base para a definição do imposto, devendo por isso este ser agravado ainda mais.

A fuga ao fisco e os processos de execuções fiscais mostram a situação anormal que


vivemos em que se considera normal não pagar impostos. Os casos de evasão fiscal detectados
são de dezenas de milhares de contos, havendo casos concretos de centenas de milhares de
contos.

Não devemos menosprezar a capacidade de formar opinião que estas forças têm na
nossa sociedade, movendo influências para defesa dos seus interesses.

150
Também não devemos ignorar os erros e as dificuldades surgidas no processo de
execução do novo sistema fiscal.

Assim, erros de cálculo ou de compatibilização de impostos com as margens de


comercialização perturbaram a distribuição da cerveja e tabaco durante algum tempo: atrasaram
algumas exportações e criaram algumas dificuldades às profissões por conta própria na Cidade
de Maputo.

b) A política monetária e de crédito

A política monetária e de crédito visa promover a valorização do metical e estabelecer a


confiança e a credibilidade da nossa moeda, reduzir o excesso do dinheiro em circulação,
acabar com o uso indiscriminado do crédito, corrigindo a prática e até o hábito quantas vezes
tolerado, de não honrar as responsabilidades junto da banca. Assim, foram implementadas
medidas que desencorajam o uso fácil do crédito, pois o dinheiro passou a ser mais caro e
aumentou-se o rigor na análise dos pedidos de crédito, tornando-se mais selectivo. Estabeleceu-
se igualmente um limite global de crédito à economia para o ano de 1987. Fixando-se níveis
máximos para cada sector: transportes, agricultura, comércio, indústria, turismo e outras
actividades.

Por outro lado, aumentaram-se também os juros sobre os depósitos a fim de encorajar
poupanças.

Os deficits das empresas passaram a ser subsidiados directamente pelo Orçamento do


Estado, sempre que o Estado julgar útil fazê-lo.

No primeiro semestre, foi definido que o crédito à economia não podia ultrapassar os 8
milhões de contos e como resultados, os empréstimos bancários atingiram cerca de 7 milhões
de contos apesar do sector de transportes ter ultrapassado o seu limite em 17 por cento. A maior
parte do crédito foi concedido à Direcção Nacional de Portos e Caminhos de Ferro, à
Intermecano e às empresas açucareiras.

Concorrem também, para a redução na procura do crédito, para além das medidas já
enunciadas, as seguintes razões:

- os aumentos de preços melhoraram a tesouraria de algumas empresas;

- a maior exigência na análise dos pedidos de financiamento atrasou a sua


apresentação à banca;

- sendo o crédito mais caro, as empresas utilizam-no com mais cuidado;

- aumentou o crédito comercial entre empresas.

Embora ainda não existam dados suficientes para uma avaliação precisa, tudo indica
que se conseguiu um decréscimo do crédito em relação ao mesmo período do ano passado.
Dados preliminares indicam também um aumento no ritmo de crescimento dos depósitos a
prazo, reflectindo os efeitos positivos das melhores taxas de juros destes depositou que
estimulam a poupança dos cidadãos.

151
A moeda está a circular mais rapidamente, ou seja, com o mesmo nível de notas e
moedas em circulação, há um maior valor de transacções. Isto constitui um sinal de que se
desenha maior dinamismo na economia.

Entretanto, devemos ser cautelosos na análise da situação. A esmagadora maioria do


crédito continua a ser usado para o funcionamento corrente da economia, e muito pouco para o
investimento que é a via para se garantir um crescimento contínuo a médio e longo prazos.

Para o segundo semestre, serão fixados novos limites de crédito que devem ser
respeitados, apesar de se esperar um aumento da procura de financiamento por parte das
empresas.

Para ser possível respeitar os limites fixados, e aumentar a capacidade creditícia da


banca, vai-se iniciar o saneamento financeiro de certas empresas, o que levará ao pagamento de
toda ou parte das dívidas destas empresas à Banca.

Desta forma, se criarão as condições para pôr em prática a política monetária e de


crédito que se estabeleceu desde o início deste ano.

c) A política de preços

A política de preços visa o estabelecimento de preços que com algumas excepções,


reflictam os custos de produção e que sejam cada vez mais influenciados pelas forças do
mercado. Assim, tendo em conta a situação em cada momento, procurar-se-á reduzir
gradualmente o número de produtos com preços fixados, o mesmo sucedendo com os produtos
que têm preços condicionados, ou seja, fixados à porta da fábrica.

A política de preços visa também estabelecer um melhor equilíbrio nas relações de troca
entre o campo e a cidade, e privilegiar o produtor agrícola. No entanto, e para proteger o
consumidor, principalmente o urbano, serão concedidos pelo Orçamento do Estado subsídios
para alguns bens de consumo essenciais, o que se pretende eliminar tão breve quanto as
condições o permitam.

Neste contexto, têm-se autorizado aumentos de preços de vários bens e serviços


principalmente para compensar o aumento de custos resultantes da desvalorização da moeda,
mas também para correcção de situações anteriores que levaram alguns sectores a acumular
prejuízos.

Os aumentos dos preços variam de produto para produto, mas como reflexo do aumento
do preço das divisas resultado da desvalorização, os bens e serviços que apresentam maiores
crescimentos nos preços são aqueles com uma componente importada elevada.

A avaliação dos resultados do aumento dos preços dos diferentes produtos deve ser feita
pela medição do crescimento médio dos preços dos bens e serviços que, em termos médios, são
mais usados pela população, e não pelo aumento do produto a produto.

Os bens e serviços, em média, mais usados pela população são determinados através de
inquéritos que se fazem aos cidadãos.

No primeiro semestre, o aumento dos preços oficiais foi de três vezes, sendo 1,7 vezes
nos bens alimentares e 3.1 vezes nos bens não alimentares. Como se pode ver, os subsídios em
produtos alimentares, em especial, milho, arroz, trigo, açúcar e óleo atenuaram o efeito de
152
aumento geral dos preços de alguns produtos que têm preços livres, nomeadamente, das
hortícolas, contribui para atenuar o efeito do aumento geral dos preços.

Se tivermos em conta os preços da candonga o aumento médio dos preços é de 2,7


vezes, sendo 1,3 vezes nos produtos alimentares e 2,9 vezes nos não alimentares. Na cidade de
Maputo, a entrada em funcionamento das carreiras “Expresso”, na implementação das
preocupações manifestadas pelo Comité Central, é um contributo importante para o orçamento
familiar dos trabalhadores que encontram alternativa à “chapa 100”. As acções de organização
e estruturação dos Transportes Públicos Urbanos vão prosseguir.

Duma maneira geral, os preços fixados pelo Estado estão a ser praticados,
particularmente, nas capitais provinciais onde existem mecanismos de controlo, e nota-se já
uma redução significativa na candonga de alguns produtos, por exemplo, de cigarros e cerveja,
em Maputo.

Contudo, nas áreas onde não haja sistemas de controlo implantados, ou onde graves
dificuldades de transporte fazem com que os produtos cheguem esporadicamente e são
escassos, os preços estabelecidos continuam a não ser respeitados. Surgem ainda dificuldades
adicionais em províncias tais como Niassa e Tete, onde os elevados custos de transporte tornam
os preços fixados não remuneradores para os comerciantes.

No entanto, é verdade que em alguns produtos tem havido um agravamento dos preços
além dos limites aceitáveis. Estamos a procurar organizar os mecanismos de controlo que
permitam pôr cobro e punir estes abusos.

Alguns dos reflexos mais notáveis do aumento dos preços até agora detectados são:

- Há uma certa retracção na procura por parte do consumidor, devido não só ao


crescimento geral dos preços, mas também porque o consumidor começa a colocar maior
exigência de qualidade;

- Há uma relativa saturação do mercado de Maputo, devido à concentração do


parque industrial e à fraca capacidade de transportar produtos para outras partes do País. Assim,
em Maputo, a candonga reduziu-se substancialmente e onde ainda persiste os preços não são
muito acima dos preços oficiais;

- Em outras cidades, pelas razões já referidas, a candonga ainda persiste por


carência de produtos no mercado oficial;

- Na época de maior produção, está a verificar-se uma diminuição significativa


dos preços de frutas e hortícolas, quando comparados com os que se praticaram no ano anterior.

- Com a redução da candonga em Maputo surge um novo fenómeno, o do


aumento do roubo de produtos das fábricas para serem vendidos a preços inferiores aos preços
oficiais;

- Dada a maior selectividade e exigência do comprador já não é possível garantir


a venda de qualquer produto, e algumas indústrias estão a enfrentar dificuldades na colocação
da sua produção. Isto vai exercer uma pressão salutar no sentido de forçar as empresa a
melhorar a qualidade dos seus produtos.

153
Em termos gerais o efeito de aumento geral dos preços faz-se sentir mais na população
urbana, pois ao nível rural a produção para o auto consumo familiar amortece o efeito deste
fenómeno.

Houve anomalias no processo do ajuste de preços, como por exemplo, no aumento das
taxas de electricidade contabilizadas para um período de três meses, e que como tal,
constituíam um encargo pesado nalguns orçamentos familiares. Ao verificar-se esta situação
tomou-se a decisão de permitir uma dilatação do período de pagamento dessas contas.

Na cidade de Maputo, estas dificuldades foram agravadas por um problema ainda


maior.

d) Política salarial

A política salarial do País, materializada pela Lei do Trabalho, e outra legislação


oportunamente aprovada, visa estabelecer maior relação entre a quantidade e a qualidade do
trabalho realizado e sua recompensa financeira, e uma gestão mais eficaz da força de trabalho.

No início do ano foi aprovada a legislação referente à organização salarial no País, a


qual estabelece escalas e tarifas e permite maior flexibilidade na ligação do salário à
produtividade, premiando o bom trabalho e penalizando o mau. Alguns sectores avançaram na
elaboração de quadros de pessoal, qualificadores e regulamentos de carreiras profissionais. É
um passo importante na estabilização da força do trabalho, na medida em que oferece aos
trabalhadores perspectivas claras sobre a sua evolução profissional e salarial.

Nos sectores onde este processo avançou mais foi já possível introduzir revisões
salariais abrangendo milhares de trabalhadores.

Sabido que a aplicação de novas escalas e tarifas seria um processo moroso e complexo
decidiu-se um aumento generalizado de salários em 50 por cento em Janeiro com possibilidade
de aumentos selectivos de vinte e cinco por cento.

Este processo complexo não decorreu sem dificuldades, principalmente no início do ano
quando o aumento de cinquenta por cento coincidiu com a aplicação das novas tabelas salariais.
Surgiu uma certa confusão nalguns locais de trabalho ainda sem as tabelas salariais definidas,
ou onde não se estava a aplicar a legislação até então em vigor.

Isto fez com que muitos trabalhadores recebessem tardiamente os aumentos a que
tinham direito. A maioria destas situações foi sendo resolvida e não se prevêem as mesmas
dificuldades com o novo aumento de cinquenta por certo, com efeitos a partir de Agosto.
Embora muito trabalho esteja por realizar no domínio da organização salarial e muitas
situações anómalas tenham sido já registadas, elas têm origem em questões das empresas e, por
isso, não dependem de vontade ou de um acto administrativo.

Com efeito, embora ainda não seja possível uma avaliação exaustiva constata-se através
de um controlo do fundo de salários efectuado em 1166 unidades económicas, abrangendo
trinta ramos de actividade e 45 000 trabalhadores que o salário médio passou de 5 000,00 MT
para 8 470,00 MT.

154
Em alguns ramos como o de vestuário, têxtil, alimentar, navegação, indústria gráfica e
metalomecânica houve crescimento superior a 100 por cento, quando a medida dos 50 por
cento foi aplicada simultaneamente com novas tabelas salariais.

Por outro lado, existem ramos com aumentos inferiores a 50 por cento, em virtude de
algumas empresas estarem já a praticar salários acima das normas, ou ainda porque em
empresas deficitárias, não era possível aplicar as medidas em toda a sua extensão.

Neste contexto, importa referir que não é normal a desvalorização da moeda ser
acompanhada de aumentos salariais quase simultâneos, ou que o aumento se faça em proporção
tão elevada. Geralmente não se aplica esta medida de correcção salarial e quando a ela tem
lugar, realiza-se o correspondente ajustamento muitos meses depois.

A política de força de trabalho e salários é das áreas sensíveis e delicadas do Programa


de Reabilitação Económica pelas implicações que traz para a estabilidade de muitas famílias
no nosso país. Por isso, a decisão de fazer crescer os salários em simultâneo com os preços
visou proteger o trabalhador moçambicano produtivo.

A exigência de tornar as empresas rentáveis, de viverem apenas na base da sua própria


produção e não de subsídios indiscriminados, faz com que se torne cada vez mais difícil às
empresas sustentarem trabalhadores não produtivos, mesmo quando a ociosidade do
trabalhador não é deliberada mas é o resultado da grave crise económica que se traduz na falta
de matérias-primas importadas ou nacionais.

Esta situação é particularmente sentida em muitas empresas deficitárias, onde não se


conseguiu aplicar o aumento generalizado de 50 por cento, ou ainda naquelas que se viram
forçadas a racionalizar a sua força de trabalho.

Estamos perante o dilema de ou manter o efectivo da força de trabalho subempregado, o


que significa, em muitos casos, manter a produtividade baixa e, consequentemente, manter
salários baixos o que frequentemente provoca a emigração dos trabalhadores ou, em alternativa,
racionalizar a força de trabalho, aumentando a produtividade e os salários reais.

A realidade económica do País não nos deixa outra solução senão a segunda, ou seja, a
racionalização da força de trabalho, procurar ao mesmo tempo alternativas de ocupação e
emprego da força de trabalho excedentária em actividades economicamente úteis, com
prioridade para a actividade agrária. Este processo já foi iniciado e muitos trabalhadores foram
já desvinculados das empresas agrícolas, e em alguns casos decorreu sem grandes perturbações
acompanhando como foi pela distribuição de terras aos trabalhadores agrícolas e apoio na
aquisição de instrumentos de produção.

Contudo, o processo é mais complexo e moroso a nível do aparelho de Estado e, em


geral, nas cidades. A chegada de matérias-primas e a reabilitação de dezenas de algumas
indústrias básicas permitirá atenuar o impacto desta medida. Mas no que se refere ao aparelho
do Estado, o esforço já iniciado deverá prosseguir.

Esta medida de racionalização da força de trabalho não tem por objectivo aumentar o
número de desempregados, pelo contrário, visa proporcionar melhor aproveitamento da força
de trabalho e eliminar a improdutividade e o parasitismo. Na situação actual no nosso país, em
que a capacidade de investimento é extremamente limitada, o emprego produtivo imediato está
ligado à terra. É irrealista pensar que vamos ser capazes de fazer grandes investimentos para
155
criar na indústria muitos postos de trabalho. A criação de 10 000 postos de trabalho na indústria
pode significar investimentos da ordem dos 500 a 1000 milhões de US$, dependendo da
natureza das indústrias. Ora este investimento não é possível e mesmo que fosse, não resolvia o
nosso problema da força de trabalho que tem a dimensão de várias dezenas de milhares de
trabalhadores.

Por isso, o regresso à terra é a única alternativa que nos resta.

Consciente da gravidade deste problema e de que o regresso à terra não é um processo


simples, o Conselho de Ministros criou uma comissão que elaborou um programa para apoiar e
enquadrar estes trabalhadores. O programa prevê um levantamento urgente do número de
desempregados e subempregado existentes, a identificação e distribuição de terras férteis, de
preferência com regadio ou com projectos de regadio e ventilar o apoio financeiro necessário
para a aquisição de instrumentos de produção e materiais de construção.

No Ministério do Trabalho será criado um Gabinete de Emprego para ajudar o


trabalhador a identificar as diferentes possibilidades. O programa abrangerá não só os
trabalhadores desvinculados, como também os mineiros moçambicanos expulsos da África do
Sul e soldados desmobilizados do exército.

De referir porém que o controlo e acompanhamento da força de trabalho é ainda


deficiente o que se traduz na dificuldade de colheita a sistematização de informações sobre a
matéria, com certa periodicidade.

e) Reforma institucional

As acções que estamos a levar a cabo, a tendência de crescimento económico que já se


começa a verificar, têm de ser acompanhadas de reforma institucional para garantir
continuidade e, ao mesmo tempo, dar novo impulso, agregando novas forças e energias.

A reforma institucional a efectuar é complexa e morosa. Vai exigir estudos cuidadosos,


esforços perseverantes e pacientes porque os resultados não serão imediatos e vai obrigar a
abandonar a inércia e os métodos de trabalho ineficazes em particular, que bloqueiam a tomada
oportuna de decisões. Daí que as medidas a adoptar venham a enfrentar a resistência dos velhos
métodos e mentalidades caducas que se oporão ao novo estilo e aos métodos de trabalho
criadores e imaginativos.

Com efeito, na economia, as decisões de gestão e de direcção têm de ser tomadas pelos
agentes económicos, empresas, cooperativas e famílias em tempo oportuno. Não é possível
gerir a economia pela via administrativa. Não é possível, por exemplo, decidir em Maputo, qual
a camisa produzida na fábrica Progresso em Chimoio, que vai ser vendida a um camponês em
Mueda.

Hoje a questão central é a eliminação drástica da intervenção pontual do aparelho de


Estado a todos os níveis (Ministérios, Governos Provinciais, Distritais, etc), nas empresas quer
sejam estatais ou privadas.

A influência do Estado sobre a actividade económica deve ser pela via de definição de
prioridades globais, direcção de investimentos públicos, definição de normas e de medidas nos
âmbitos de política fiscal, crédito, preços e salários, definição dos ritmos de crescimento e das
proporções em que cada ramo da economia deve crescer.

156
É necessário cortar o cordão umbilical que caracteriza a relação de pai para filho menor
entre os Ministérios e as empresas. Estas devem ser autónomas, devem prestar contas pelo seu
funcionamento, mas para isso têm de ter autonomia de decisão. Para poderem actuar como
agentes económicos dinâmicos, as direcções das empresas deverão ter a liberdade de decidir
como e quando devem mobilizar recursos, organizar a força de trabalho, angariar e gerir os
recursos financeiros para maximizar os resultados com menor custo possível. As empresas
devem ter a liberdade de decidir, de acordo com o que os seus estatutos e regulamentos
estabelecerem, como utilizar os seus excedentes para o desenvolvimento das suas actividades e
proporcionar melhores condições de vida e de trabalho aos seus trabalhadores.

Na situação de guerra em que o País se encontra, a quase total dependência externa em


recursos materiais torna este processo mais complicado e moroso.

O Governo está a concentrar a sua atenção nas empresas e áreas prioritárias com
prioridade na racionalização e reorganização das de maior dimensão, onde se vai introduzir
uma contabilidade eficaz para se equipar a direcção com instrumentos para uma gestão
eficiente. Ao mesmo tempo, vai se fazer o levantamento das pequenas empresas que serão
entregues a privados ou transformadas em cooperativas. Está em curso um estudo de vinte e
cinco empresas industriais e quinze agrícolas, com vista a avaliar a sua situação e identificar as
medidas a tomar.

Nalguns casos, empresas mistas estão a ser criadas com parceiros estrangeiros que
garantem a introdução de novas técnicas de produção e de gestão.

Foram definidos sectores prioritários para reorganização e para a canalização de


recursos, sendo elas as empresas que:

- Produzem bens de consumo para o campo, instrumentos agrícolas ou bens


alimentares;

- Contribuem para receitas do Estado e para o aumento das exportações;

- Produzem materiais de construção;

- Transportam produtos;

- Substituem importações.

Para aliviar as empresas do peso de dívidas acumuladas do passado, como já foi dito,
está a ser discutido com alguns sectores a reprogramação da dívida bancária e foi decidida a
afectação de meios financeiros para cobertura pelo Estado de parte dessas dívidas. Espera-se
que até ao fim do ano o Estado consiga disponibilizar mais de 10 milhões de contos para o
efeito.

Foi discutido também pelo Governo o projecto de criação do Fundo de


Desenvolvimento Rural que devido a algumas insuficiências terá de ser melhor estudado e
contemplar a criação de uma instituição de Crédito Agrícola vocacionada para conceder
créditos bonificados à actividade agrária. O Governo decidiu afectar alguns recursos
financeiros para bonificar de imediato os juros da presente campanha agrícola.

157
Para além destas acções, outras medidas estão em estudo e serão implementadas em
devido tempo tais como o lançamento de Títulos da dívida pública, criação de Sociedades
Financeiras, programa de construção de casas para venda a crédito.

Como afirmamos, a reforma institucional é um processo complexo, moroso, porque não


é possível sem a reforma de mentalidades e esta tem de efectuar-se por duas vias: pela
mobilização política e pela prática realizada numa realidade em constante transformação e
objectivamente diferente.

f) A dívida externa e política cambial

Tal como atrás referimos, a dívida externa aumentou, particularmente em consequência


da queda interna da produção e do boicote do nosso sistema ferro-portuário pela África do Sul.
Faltaram os recursos em moeda externa e deixámos de poder pagar os juros ou de reembolsar o
capital. As divisas essenciais para as nossas importações tornaram-se cada vez mais escassas.

Vimos também que o decréscimo físico no volume de bens e serviços à disposição da


população não foi compensado por uma redução da quantidade de dinheiro distribuído à
população que, pelo contrário, aumentou. Por isso, a candonga atingiu proporções inéditas,
aumentaram os preços, em particular, os do mercado paralelo; o poder de compra do metical
baixou, isto é, o metical na prática já se tinha desvalorizado.

A manifestação mais gritante deste facto foi a candonga da própria moeda. Enquanto no
câmbio oficial, o Banco comprava um dólar por 45,00 meticais, no mercado negro comprava-se
um dólar por 1 800,00 MT.

Nesta área das relações económicas e financeiras externas, o Programa de Reabilitação


Económica tem objectivos claros que são, nomeadamente:

- Adoptar uma política de taxa de câmbio mais flexível de forma a adequar o nível
geral dos preços ao mercado internacional e à situação real da nossa economia;

- Conseguir o reescalonamento da dívida externa em condições mais favoráveis,


isto é, um prazo maior para pagar a dívida e negociar juros mais baixos;

- Mobilizar novos recursos externos adicionais para apoiar a nossa economia


neste período difícil e de arranque;

- Aumentar as receitas em divisas, aumentando as exportações e impulsionar


outras actividades que produzam receitas em moedas convertíveis, tais como o tráfego ferro-
portuário para os países vizinhos;

- Adoptar uma política de austeridade no uso de divisas para melhorar a situação


da balança de pagamentos.

Em 31 de Janeiro de 1987, desvalorizamos o metical em 80% (- 400%), em termos do


dólar e em 27 de Junho em 50% (-100), em termos do dólar. Passámos assim de 40,00 meticais
para o dólar para 400.00 meticais. Esta medida tornou as importações 10 vezes mais caras em
termos de meticais. Um prato que custa U$ 5, em termos de meticais passou de 200,00 MT,
para 2000,00 MT.

158
Por outro lado, as nossas empresas que exportam, passaram a receber dez vezes mais
meticais para a mesma quantidade de produtos, supondo que se mantêm inalteráveis os preços
dos nossos produtos no mercado internacional.

Este efeito tem por objectivo estimular os exportadores e desincentivar as exportações,


dando um valor mais correcto aos recursos mais escassos que são as divisas.

A desvalorização também começou a ter efeito no mercado paralelo do dólar que


desceu de 1800 – 1500 MT em Janeiro para 800 – 950 MT em Julho. Em Janeiro o mercado
paralelo representava 38 a 46 vezes mais do que o câmbio oficial, passando para cerca de duas
vezes mais depois da aplicação destas medidas. Temos consciência de que os candongueiros e
os especuladores procurarão adoptar outras manobras para manipular com a moeda externa.
Porém, da nossa parte teremos de desencadear uma severa acção repressiva contra eles. Para o
reescalonamento da dívida externa, em Maio, uma delegação moçambicana reuniu-se com os
representantes dos Bancos Comerciais, organizados no chamado Clube de Londres, e em Junho
com os representantes das instituições financeiras governamentais, no chamado Clube de Paris,
tendo chegado a acordo para o reescalonamento de parte da nossa dívida externa.

Foram reescalonados cerca de $830 milhões, a maior parte dos quais com o Clube de
Paris, que adiou o pagamento da dívida para vinte anos, com o período de diferimento de dez
anos, ou seja o reembolso do capital começa só depois de dez anos. No entanto nos primeiros
dez anos teremos que pagar juros avultados.

Podemos dizer que as negociações foram concluídas com êxito, em particular no que
refere ao prazo de vinte anos, embora questões vitais como a de juros necessitem de soluções
mais justas.

Com efeito, o trabalho de reescalonamento ainda não está concluído pois é necessário
ainda negociar bilateralmente com cada credor, país por país, as condições específicas e, em
particular, a taxa de juro a praticar.

A taxa de juro que for acordada determinará a nossa capacidade de pagar os juros pois
se estes forem muito altos o País não disporá de meios financeiros para honrar os
compromissos assumidos.

As novas estimativas revelam que em 1987 temos que pagar $US87 milhões a título de
juros, enquanto que a previsão para as exportações é da ordem de 85 milhões de US$.

Em 1988, teremos que pagar $US130 milhões com exportações previstas de cerca de
$100 milhões.

Estes valores revelam que não obstante o reescalonamento da dívida, as obrigações que
daí resultam são ainda extremamente pesadas para a nossa capacidade. Note-se que sem o
reescalonamento da dívida, os montantes a pagar em 1987 seriam da ordem dos 175 Milhões de
US$.

A questão da dívida externa, o peso que têm na Balança de Pagamentos, os juros que
temos de pagar vai exigir ao Governo muito esforço e muita atenção, porque o não pagamento
sistemático das nossas obrigações prejudica a disponibilização de fundos para os nossos
projectos de reabilitação.

159
No que se refere à mobilização de meios financeiros, o Fundo Monetário Internacional,
na base de um programa acordado, concedeu à República Popular de Moçambique um
financiamento especial constituído por 15,5 milhões de US$ e 22,0 milhões de US$ em 1988 de
dinheiro líquido para apoio à balança de pagamentos. O Banco Mundial, no âmbito do mesmo
programa, concedeu um novo crédito de reabilitação de $US110 milhões para vários sectores e
mais $US20 milhões para o sector de energia.

Foi também acordado com a CEE um apoio de $US45 milhões para importações
destinadas à comercialização agrícola e produção industrial.

De modo geral, os nossos esforços de mobilização de meios externos culminaram numa


reunião internacional realizada em Paris, em 9 de Julho, conhecida por Grupo Consultivo, onde
a República Popular de Moçambique apresentou o PRE a representantes de 22 países e
instituições financeiras, e indicou o apoio financeiro adicional necessário para garantir o seu
sucesso.

Nessa reunião, os participantes manifestaram o seu apreço pelo grande esforço de


reorganização empreendido por Moçambique, e pela coragem na aplicação de medidas difíceis
em condições complexas de guerra.

Reconheceram também que a causa principal das nossas dificuldades é a agressão


perpetrada pela África do Sul. Ficou ainda patente a grande solidariedade e simpatia para o
nosso País no seio da comunidade internacional.

Os resultados da reunião foram bastante encorajadores, embora ainda não seja possível
quantificar com exactidão os valores colocados à nossa disposição dado que alguns países
importantes como a Itália, Japão e RFA, indicarão as respectivas contribuições nas Comissões
Mistas.

Contudo, fazendo o cômputo geral de toda a assistência externa prometida a


Moçambique incluindo portanto os valores do FMI, do Banco Mundial e de países como a
União Soviética e outros, constata-se que o valor estimado para 1987 é de 700 milhões de US$.
Para 1988 este montante será superior, mas inferior às necessidades que tínhamos apresentado
para 1988 e que são da ordem dos 835 milhões de US$.

Para além da diferença que ainda é necessário cobrir o aspecto mais importante, a ter
em conta, é o da chegada atempada dos recursos ao País. Trata-se de uma tarefa complexa e
difícil e não depende apenas do esforço organizativo, pois os condicionalismos impostos pelos
países doadores tornam por vezes difícil o uso em tempo destes montantes.

No campo socialista, é de destacar a participação da União Soviética em apoio ao


programa de reabilitação. Com efeito, na recente visita a este país Sua Excelência o Presidente
da República foi informado pelas entidades soviéticas, do reforço do fornecimento do
combustível totalizando cerca de 370 000 toneladas de crude oil, e a concessão de donativos em
bens de consumo no valor de 40 milhões de rublos. Embora não tenha sido formalizado há uma
disponibilidade para o reescalonamento favorável da dívida externa incluindo o adiamento do
pagamento de juros. Foi ainda assinado um protocolo de empréstimo de 30 milhões de rublos
para o fornecimento de cimento, vidro, tecidos e outros produtos. No quadro do Fundo de
África, a URSS decidiu também que 265 especialistas soviéticos vão trabalhar na RPM a título
gratuito, por um período de dois anos.

160
A análise da situação da balança de pagamentos no primeiro semestre revela que a
diferença entre o que gastamos e recebemos em divisas, diminuiu ligeiramente, como resultado
do aumento das exportações e diminuição das importações. Contudo, se consideramos que o
déficit registado na conta corrente ainda é de 288 milhões de dólares, constatamos que o
esforço a fazer é ainda muito grande.

No primeiro semestre, exportámos $49 milhões ou seja mais um terço do que em igual
período do ano passado, esperando-se atingir a meta anual planificada.

As importações cresceram 9 por cento comparativamente ao primeiro semestre do ano


passado. Este crescimento concentrou-se nos bens do consumo, matérias-primas e peças
sobressalente, destinados à revitalização da produção, enquanto se reduziu substancialmente a
importação do equipamento novo, como reflexo da política de melhor aproveitamento da
capacidade instalada e contenção na realização de novos investimentos.

As receitas dos transportes para os países vizinhos foram substancialmente inferiores ao


previsto; devido à intensificação do desvio do tráfego pela África do Sul, que reduziu em 35
por cento o trânsito de mercadorias através do porto de Maputo comparativamente ao ano
anterior.

O aumento de cerca de 50 por cento do tráfego que se registou na linha Centro


proveniente de países amigos como o Zimbabwe, só compensou em parte esta queda do tráfego
da África do Sul.

Outra área que vai continuar a merecer uma atenção especial é a dos invisíveis e
serviços produtivos ou seja de deslocações ao exterior, transferência de salários, de assistência
técnica, contribuições para as organizações internacionais, despesas das embaixadas e outras,
em que foi iniciado o processo conducente a maior austeridade e controle de receitas e
despesas. Contudo, muito trabalho há ainda por fazer, para que cada dólar seja correctamente
despendido.

A situação das nossas relações económicas externas, em particular, a comparação das


nossas receitas de exportação (previsão de 85 milhões de dólares para 1987) com as
necessidades que foram apresentadas para serem cobertas na base de donativos e créditos (830
milhões de dólares) revela a dependência externa do País até para a importação dos produtos
fundamentais como cereais, medicamentos, combustíveis e outros produtos, Esta dependência
dificulta a gestão da economia e, como é evidente, reduz a capacidade de tomarmos decisões
sobre as políticas nacionais e orienta as nossas mentes para fora do País em busca de soluções
para os problemas económicos que têm de ser resolvidos por nós.

As nossas necessidades em ajuda alimentar crescem todos os anos. Passamos de 75 mil


toneladas de trigo no início de independência para cerca de 700 mil toneladas de trigo, milho e
arroz para não mencionar o óleo e o açúcar que também são doados. É uma situação
insustentável e temos de alterar a tendência de maior dependência que se vem verificando nos
últimos anos.

Senhor Presidente da Assembleia Popular,

Senhores Deputados,

Caros Convidados,

161
Acabamos de apresentar um resumo das medidas da política económica em
implementação no quadro do PRE e informações preliminares sobre os seus efeitos.

Por não existirem ainda mecanismos adequados que permitam uma avaliação profunda
dos seus efeitos, é cedo para se tirarem conclusões definitivas.

O nosso principal indicador é a evolução do Plano Estatal Central e o Orçamento Geral


do Estado no primeiro semestre de 1987.

Os dados sobre a produção e comercialização agrícola revelam dois factores


importantes:

- Que o sector empresarial agrícola continua estagnado e a revelar dificuldades na


sua organização, embora em alguns casos a situação de segurança contribua para este facto;

- O sector familiar está a responder positivamente aos novos estímulos de preços e


do reforço em produtos para a comercialização com destaque para o algodão.

Espera-se um crescimento de cerca de 12 a 15 por cento na comercialização agrária em


relação ao ano passado, em que se salienta o contributo da produção familiar.

Embora ainda em plena campanha, prevê-se comercializar 29 000 toneladas de algodão


caroço, comparadas com cerca de 11 mil toneladas comercializadas em 1986.

A produção industrial cresceu 34 por cento em relação ao mesmo período de 1987, nos
produtos que fazem parte do PEC. O resultado poderia ter sido ainda melhor se não tivesse
havido 747 mil horas de paralisações da indústria ligeira por falta de matérias-primas e por
cortes frequentes no fornecimento de energia.

De notar, porém, que existe ainda uma notável capacidade instalada ociosa, que não é
utilizada por falta das necessárias matérias-primas e peças sobressalentes. Quer dizer, com a
injecção de meios, podemos aumentar mais ainda a produção, melhorar o abastecimento e
incrementar as exportações.

O tráfego ferroviário global ficou essencialmente ao mesmo nível do ano passado,


embora com uma diminuição em 8 por cento do tráfego internacional de carga que gera divisas,
tendo-se registado um aumento do tráfego nacional.

As informações sobre o abastecimento mostram que em termos globais se está ao


mesmo nível do ano passado, o que revela que o esforço realizado na produção ainda não se fez
sentir no abastecimento.

Este processo levará tempo se tomarmos em consideração os esforços combinados que


temos de levar a cabo para promover exportações e estimular a produção para o abastecimento
à indústria, como recursos limitados, o que nos obriga forçosamente a retrair o consumo.

A adicionar ao reduzido volume de bens de consumo, acresce um ponto de


estrangulamento que urge corrigir: a fraca capacidade de fazer chegar os produtos, tanto às
capitais provinciais como à população rural ainda é fraca. O nível do cumprimento do plano de
abastecimento ainda varia muito de província para província sendo muito baixo nas províncias
onde se verificam graves dificuldades de transporte, em particular, em Niassa.

162
As informações sobre a execução do plano de investimentos são escassas, confirmando
a falta de controlo que ainda persiste nesta área. Entretanto, tudo indica que o nível de
investimento do primeiro semestre foi muito baixo, devido principalmente à falta de materiais
de construção, prevendo-se que tenhamos de paralisar algumas obras no segundo semestre.

Mas também temos de reconhecer que muito trabalho temos de fazer: a reorganização
de algumas empresas de construções que careçam ainda de uma correcta planificação das obras,
controlo no uso dos materiais, contabilização dos gastos e gestão empresarial adequados.

Na esfera da saúde e no âmbito das componentes do PEC, as metas previstas para o 1º


semestre, nas cidades, foram cumpridas uma vez que, dada a situação do país, os programas
foram estabelecidos em separação para as zonas urbanas e rurais exigindo-se maiores taxas de
cobertura nas primeiras.

Em relação às zonas rurais, apesar da guerra, fez-se um esforço muito grande e houve
avanços assinaláveis em algumas províncias onde o plano foi cumprido ou ultrapassado. De
algumas províncias ainda não é possível dar uma informação completa de todos os distritos. O
trabalho de recolha e processamento da informação prossegue pelo que, oportunamente,
teremos um conhecimento mais completo da situação nesta área.

Foi iniciada a aplicação da Lei dos Cuidados Médicos sendo ainda difícil tirar
conclusões definitivas sobre o seu impacto particularmente no que diz respeito às receitas
cobradas e eventuais variações no fluxo de atendimento cobradas e eventuais variações no
fluxo de atendimento dos doentes. Aparentemente, a nível hospitalar, não houve alteração
significativa no volume de doentes internados.

Assinalaram-se quebras, no início da implementação, ao nível do atendimento


ambulatório que mostra tendência de regresso aos valores atingidos anteriormente. É de
salientar que nas províncias de maior instabilidade, o número de consultas por habitante por
ano já tinha diminuído em 1986.

Não se fez ainda reflectir a desvalorização do metical no preço dos medicamentos para
venda ao público, excepto nas farmácias privadas e da Empresa Estatal FARMAC. Nestas o
consumo sofreu diminuições consideráveis.

No âmbito do Programa de Emergência, o sector da saúde desenvolveu uma acção


relevante que implicou a afectação de quadros superiores de forma a fazer face à situação
existente e garantir a utilização correcta dos recursos internacionais disponibilizados.

Em termos globais podemos dizer, em conclusão, que apesar de não se ter conseguido
cumprir o plano, regista-se um aumento da produção e uma intensificação da actividade
económica no país. Com base no comportamento dos sectores no primeiro semestre, parece
possível vir a alcançar um crescimento semelhante ao do ano anterior, em que o PSG cresceu
em 6 por cento.

Embora haja ainda algumas medidas sectoriais por definir e implementar, a primeira
grande fase de reajustamento e mobilização de recursos foi concluída e estamos agora a entrar
numa outra fase, talvez ainda mais difícil, a de consolidação, que exigirá ainda mais trabalho e
de maior complexidade, em especial na esfera organizativa.

Senhor Presidente da Assembleia Popular,

163
Senhores Deputados,

Não posso concluir este balanço de actividade do primeiro semestre sem me referir a
um aspecto central das preocupações do Governo ao longo do primeiro semestre.

É do amplo conhecimento que quando o PRE foi preparado ao longo de l986, não
prevíamos a grande seca que ocorreu no centro do país, nem a escalada de agressão que o
regime do apartheid promoveu, a partir de Outubro passado e através do Malawi, a invasão
maciça de milhares de bandidos armados a várias Províncias do Centro e Norte do País, em
particular nas províncias de Zambézia e Tete.

Em poucos meses, cerca de 4,5 milhões de pessoas, ou seja um terço da população do


país, foram afectadas por esta invasão que visava dividir o território nacional. Centenas de
milhares de moçambicanos foram vítimas de barbaridades cometidas pelos agentes do
apartheid. Cada um de nós possui o retrato do drama quotidiano a que foram submetidas
dezenas de milhares de famílias. Na sua acção devastadora, os bandidos armados assassinaram
e mutilaram indiscriminadamente centenas de cidadãos, crianças, jovens, homens e mulheres,
destruíram infra-estruturas, meios de transporte, centrais de energia, centros de produção,
escolas e centros de saúde.

Mais de dois milhões de compatriotas tiveram de abandonar as suas terras, deixando


todos os seus bens e vendo-se impossibilitados de continuarem a produzir para garantir a sua
auto-subsistência.

Milhares de moçambicanos morreram como consequência de fúria assassina e


destruidora dos BA’s e vários milhões de cidadãos viram as suas casas e culturas destruídas
ficando dependentes do apoio alimentar que é prestado pelo Governo.

Face à magnitude do problema, o Governo elaborou um Programa de Emergência e,


com apoio das Nações Unidas, numa conferência internacional realizada em Abril de 1987, em
Genebra, apelou à Comunidade Internacional para conceder maior apoio ao nosso país.

Em reconhecimento do facto de que o nosso povo está a ser vítima do apartheid,


estamos a receber neste momento uma resposta muito positiva da comunidade internacional,
em especial, para a ajuda alimentar.

Toda esta ajuda internacional está a ser canalizada em prioridade para os deslocados da
guerra de agressão e aos afectados pelas calamidades naturais.

Apesar da resposta favorável e rápida da comunidade internacional, devemos encarar o


futuro com cautela.

O Governo decidiu reforçar as estruturas que operam no âmbito da emergência, criando


a Comissão Executiva Nacional de Emergência dependente do Conselho Coordenador de
Prevenção e Combate às Calamidades Naturais. Designou também, a tempo inteiro, um
membro do Conselho de Ministros para coordenador as acções executivas no âmbito da
emergência. Foram criados também os mecanismos para garantir o envolvimento directo dos
Ministérios e dos Governos Provinciais nas acções de emergência e na coordenação das
actividades de cerca de setenta doadores – agencias das Nações Unidas e organizações não-
governamentais que presentemente trabalham no país.

164
Estão a ser criados e implementados programas de distribuição de alimentos, aquisição
de meios de transportes, de recuperação de infra-estruturas económicas e sociais e de
reinstalação das populações em novos locais. Nesta acção estão envolvidas praticamente todas
as estruturas do Governo.

O objectivo imediato do Programa de Emergência tem sido o de salvar vidas de


moçambicanos gravemente afectados.

Ao mesmo tempo que promovemos o socorro das populações, agimos também para
minorar os dramas familiares, apoiar crianças órfãs ou que não conhecem o paradeiro dos pais.
Famílias cujos bens foram saqueados ou queimados estão também a ser apoiadas a
restabelecerem a produção para a sua auto-suficiência alimentar.

Queremos salientar aqui o enorme esforço que está a ser realizado pelas estruturas do
Governo – na educação, na agricultura, na saúde, na construção e águas, nos transportes, no
comércio, ao nível central, provincial e distrital no cumprimento das orientações do Partido
FRELIMO no contexto do Programa de Emergência. Saudamos, neste âmbito, o papel
importante que está a ser desenvolvido pelas brigadas de voluntários da OMM e da OJM nos
centros de acomodação para assegurar que as populações afectadas estabilizem o mais
rapidamente possível a sua vida e deste modo sejam reintegradas na economia e na sociedade.

A tarefa que temos à nossa frente é complexa. Estamos a enfrentar uma grave situação
de emergência. Esta é uma tarefa que envolve todo o Povo. A nossa acção deve visar estimular
a solidariedade material e moral concreta de todo o povo em apoio aos nossos concidadãos
mais directamente afectados pela acção criminosa dos bandidos armados.

Cabe-nos combinar os recursos que a Comunidade Internacional generosamente nos


concede com os meios disponíveis internamente. No âmbito da administração e gestão da
emergência temos que estar vigilantes e fortalecer a nossa organização para assegurar que toda
a ajuda seja efectivamente canalizada para salvar vidas, reinstalar deslocados e reconstruir os
objectos destruídos.

A todos os níveis e, em particular, ao nível provincial, distrital e local temos que


controlar efectivamente a distribuição dos bens oferecidos às populações necessitadas.

Os deputados da Assembleia Popular e das Assembleias do Povo aos diversos níveis


devem conceder atenção prioritária ao controlo da distribuição de bens. A credibilidade de uma
correcta distribuição é condição para a continuação e acréscimo do apoio internacional. Temos
que ser rigorosos e implacáveis contra aqueles que desviam os bens que o Governo distribui
para salvar vidas de moçambicanos.

O Programa de Emergência deverá integrar-se nos esforços de Reabilitação Económica


e contribuir também para reabilitar a economia nas zonas rurais, criando condições para que os
milhões de moçambicanos actualmente impossibilitados de produzir possam, o mais
rapidamente possível, restabelecer o ritmo normal de vida.

É neste sentido que se torna fundamental, no segundo semestre, reforçar ainda mais as
acções que se realizam no âmbito do Programa de Reabilitação Económica com os esforços no
âmbito da Emergência.

165
Na preparação do Plano de 1988, as acções de Emergência devem constituir uma parte
integrante do Plano quer nos aspectos materiais quer nos aspectos financeiros.

Pretendemos deste modo fazer com que a emergência seja um facto transitório na nossa
sociedade. O nosso objectivo é reduzir ao máximo a dependência da ajuda externa e promover
a auto-suficiência alimentar.

Senhor Presidente da Assembleia Popular,

Senhores Deputados,

As transformações profundas na economia do nosso País preconizadas no PRE levarão


algum tempo para se concretizarem. O objectivo de, em apenas três anos, dominar os graves
desequilíbrios e realizar uma recuperação que eleve a nossa produção aos níveis de 1981, e os
níveis de 1981 não eram de abastança, requererá ainda grandes esforços e grande empenho de
todos nós.

Como já referimos, os primeiros indícios que nos dá o PEC 87, mostram que estamos
no caminho certo.

Os últimos dez meses e, em particular, os primeiros seis meses deste ano, têm sido um
período de intensa actividade. No plano interno a implementação de medidas duras, até
drásticas, sacudiram muitas das nossas instituições, abalaram muito os nossos hábitos de
“deixar andar” e depender do Estado para resolver tudo.

No plano externo, houve um trabalho intenso de negociações e mobilização do apoio


material e financeiro adicional de que o nosso País necessita.

O nosso Povo naturalmente sentiu nitidamente os efeitos destas mudanças, embora de


forma diferente, dependendo se vive no campo ou na cidade. No primeiro caso, os efeitos
foram menos bruscos, mais suaves, tratando-se da distribuição de terras, aumentos substanciais
nos preços dos produtos agrícolas, e, em muitas zonas, um aumento, embora ainda insuficiente,
de bens nas lojas.

Para a população predominantemente urbana, no entanto, o PRE, embora tenha


assegurado um mínimo para a sua subsistência, apresenta muitas vezes novos desafios e
dificuldades próprias do processo, bem como outras resultantes da inexistência, falhas e erros
na implementação de algumas medidas.

Em suma, o primeiro semestre deste ano foi caracterizado pela implementação duma
série de medidas de grande alcance. Nos próximos meses a preocupação central do Governo vai
para a consolidação dos resultados já alcançados e para o prosseguimento do trabalho com a
adopção de medidas mais dirigidas e por vezes mais complexas.

Uma especial atenção será dada ao prosseguimento de acções de reorganização e gestão


das nossas empresas, tanto industriais como agrícolas.

Isto vai exigir uma luta permanente não só em termos organizativos, mas também da
nossa própria mentalidade, da nossa atitude e compreensão do papel do Estado e do papel da
empresa.

166
Uma outra componente essencial da organização empresarial é a introdução de
mecanismos eficazes de inspecção e auditoria e é nossa intenção, intensificar e generalizar essa
prática.

Prevê-se a criação duma empresa especializada para esse efeito, com funções não só de
inspecção, como também de apoio às empresas na sua organização contabilística.

Outra grande acção refere-se à redução das despesas públicas. Foi iniciado aquando da
preparação do Orçamento de Estado, um esforço para a redução das despesas públicas correntes
e de investimentos. Tinha sido fixado a redução da despesa em 20 por cento.

De um modo geral, conseguiu-se a redução em 10 por cento o que é insuficiente.


Deverá ser iniciado em breve o trabalho para que no âmbito da preparação do Orçamento de
Estado de 1988 se proceda à redução de despesas, em particular:

- na defesa e segurança;

- nos órgãos locais;

- nos subsídios;

- nos investimentos;

- nos gastos materiais do aparelho de Estado;

- no fundo de salários do aparelho de Estado.

Não podemos continuar a pagar salários a trabalhadores ociosos nem distribuir


subsídios de uma forma indiscriminada e prosseguir com projectos que de antemão sabemos
que não são realizáveis.

A questão actual que se coloca perante nós é a utilização da terra, terra que é hoje e será
sempre o nosso principal património. Terra generosa que espera a mão do homem para produzir
a comida de que precisamos. Temos 100 mil hectares de regadio, temos centenas de milhares
de hectares de boa terra de sequeiro desmatada e com algumas infra-estruturas. Em muitos
distritos existem boas terras para culturas tradicionais, mas continuam por cultivar.

Por outro lado, centenas de milhares, senão milhões de moçambicanos não produzem o
suficiente para a sua sobrevivência, dependendo da ajuda alimentar que vem do exterior.

Quando não se produz o suficiente para o autoconsumo então não se pode esperar que
existam também excedentes para a comercialização.

É uma situação grave esta que estamos a viver no campo.

Todavia os resultados registados nos primeiros seis meses no sector de algodão,


revelam que o sector familiar, quando apoiado e enquadrado, tem grande capacidade de
resposta.

Todo o esforço e sacrifícios serão inúteis se para a próxima campanha agrícola não
mobilizarmos toda a nossa capacidade para organizarmos a produção familiar, cooperativa e
estatal.
167
Temos de distribuir a terra a quem a queira trabalhar e atribuir aos produtores o que
temos, em instrumentos de produção e sementes.

Este esforço de utilização da terra tem de ser realizado utilizando medidas económicas,
medidas de estímulo material e em estreita coordenação com a Defesa, defender todos os
centros de trabalho para produzirmos em segurança.

Neste contexto, o Governo em coordenação com as Organizações Democráticas de


Massas vai elaborar um programa de acção que envolva todas as estruturas.

Senhor Presidente da Assembleia Popular,

Senhores Deputados.

Os primeiros resultados do Programa indicam a necessidade de se introduzirem novas


medidas que permitam que toda a nova dinâmica imprimida na economia encontre terreno para
um pleno desenvolvimento.

Neste sentido, ao longo do segundo semestre vai ser necessário um esforço adicional
para se garantir uma melhoria na execução do Programa de Reabilitação Económica em
algumas áreas.

Gostaríamos de destacar algumas das acções principais que se devem desenvolver no


o
2 . Semestre.

a) Na política salarial

A implementação, na prática, de toda a legislação laboral, em particular a introdução de


bens e estímulos previstos na lei a nível das empresas, bem como as formas concretas de
distribuição de uma parte dos lucros das empresas pelos seus trabalhadores é condição
essencial para que a nível dos locais de trabalho se verifique uma atitude mais activa por parte
dos trabalhadores na busca de caminhos correctos de elevação da produção e produtividade. O
Ministério do Trabalho dará uma atenção especial ao ajustamento das carreiras profissionais
nos principais ramos e sectores da Economia e acompanhará de perto o processo de aplicação
prática da legislação laboral aprovada.

Competirá, no entanto, às Direcções das empresas darem uma atenção mais adequada às
questões salariais com vista à implementação da legislação já aprovada.

Os salários só podem aumentar em retribuição do que cada um realizou em quantidade e


qualidade, no seu posto de trabalho.

b) A nível da política agrária

No segundo semestre é fundamental garantir a aplicação prática do Regulamento da Lei


de Terras. Até 25 de Setembro o processo de execução deste regulamento deverá ser uma
realidade pelo menos nas zonas agrárias prioritárias do País.

Ainda no campo da política agrária, o ajustamento dos preços ao produtor agrícola


deverá permitir que o produtor agrícola seja mais motivado a aumentar a produção quer para
consumo interno quer para exportação.

168
Até aos finais do ano, deverá estar em funcionamento o Fundo de Fomento Hidráulico e
a Caixa de Crédito Agrícola, instituições que devem estar especialmente vocacionadas, para o
apoio e concessão de crédito para o sector agrário, em condições favoráveis.

c) A nível do comércio

Na reconstrução da rede comercial rural deverá dar-se início até ao fim do ano ao
processo de venda das lojas no campo em cumprimento do que foi já decidido por esta
Assembleia. Esta acção deverá merecer uma atenção especial por parte dos Ministérios de
Construção e Águas e do Comércio nos próximos meses.

O alargamento dos mecanismos de acesso ao Novo Sistema de Gestão Cambial por


parte dos pequenos exportadores deverá constituir um aspecto importante de uma política mais
agressiva de promoção de exportação.

Está em estudo a melhoria dos sistemas de afectação das poucas divisas disponíveis de
forma a que elas possam cada vez mais ser canalizadas para os sectores prioritários definidos
em função da sua contribuição do produto social e da capacidade de utilização eficaz das
divisas. Não podemos continuar a alimentar em divisas sectores ou empresas que não as
utilizam correctamente enquanto outros sectores ou empresas as podem utilizar e não dispõem
de meios suficientes.

d) Na política habitacional

Será necessário introduzir no segundo semestre mecanismos que permitam dinamizar a


construção civil.

Senhores Deputados

Não gostaria de concluir sem tecer algumas considerações finais sobre os problemas
fundamentais que vamos enfrentar e as responsabilidades que nos cabem, como cidadãos, para
os solucionar.

O PRE constitui grande golpe contra o nosso inimigo de classe.

As reformas introduzidas ainda não liquidaram o candongueiro, mas impuseram sérias


limitações no seu raio de acção.

Mas, travado numa direcção, o especulador, o candongueiro vai sempre procurar outros
caminhos para aumentar a sua riqueza à custa do povo, enquanto que pessoas honestas que
vivem do fruto do seu trabalho, sentem na sua vida diária as dificuldades dum programa de
austeridade como o nosso.

Assim, tende a crescer sobre os nossos quadros as pressões de pessoas sem escrúpulos
que procuram influenciar decisões a seu favor. Os métodos vão de simples prendas em troca de
favores, ou suborno em grande escala para garantir uma certa “protecção das estruturas”, até
redes organizadas de fraude e roubo.

Na luta contra estas manifestações, devemos cerrar fileiras e mantermos uma frente
unida contra essa tentativa de minar a nossa revolução. Devemos todos participar na luta sem
tréguas para impedir a degradação da ética social fornecendo todo o apoio necessário às forças
policiais e ao Ministério Público no cumprimento da sua difícil tarefa.
169
Importa ainda termos consciência de que, devido a devastação do nosso País provocada
pela África do Sul, agravada ainda mais por uma longa seca, temos hoje quase metade da nossa
população com fome ou deslocada das suas terras e, Moçambique, neste momento, é
considerado o País mais pobre do mundo.

Em várias ocasiões, este ano, tivemos que recorrer à comunidade internacional para
pedir apoio diverso, nomeadamente, para o reescalonamento da dívida, para a emergência, para
novos créditos.

E tivemos sucessos notáveis. Hoje a população, incluindo nós próprios aqui, estaríamos
a passar mais carências se não fosse a comida importada, a maior parte oferecida gratuitamente.

Esta situação não nos deve deixar tranquilos, pois que viver de caridade não é nada
confortável.

A nossas dependência em relação ao estrangeiro aumenta, e a persistir por muito tempo,


pode pôr em causa a nossa independência real e lançar para um horizonte mais afastado o nosso
nobre e justo projecto de construir um País de progresso, livre de exploração do homem pelo
homem, uma sociedade socialista.

Saudamos a generosa solidariedade que recebemos nestes momentos difíceis. Mas


devemos usá-la para curar as feridas causadas pelos nossos inimigos e recuperar forças para
trabalharmos com mais vigor para que no futuro, o nosso bem-estar e felicidade sejam fruto do
nosso trabalho abnegado.

Nesta nobre batalha pela reconstrução do País, já se evidenciam destacamentos de


trabalhadores abnegados que em diversos domínios dão exemplos notáveis de dedicação sem
desfalecimentos na implementação das tarefas definidas pelo nosso Partido e Governo.
Curvamo-nos com profundo respeito perante todos aqueles que, nas organizações de base do
nosso Partido, nos órgãos do Poder, nas ODM’s, na Saúde, na Educação, nas empresas agrárias
e cooperativas, nos transportes, portos e caminhos de ferro, no sector de energia, não arredam o
pé perante as ameaças e acções pérfidas do inimigo e continuam firmes nos seus postos
empunhando a arma dos que tombaram na defesa dos nossos ideais de construir uma Pátria de
Progresso.

Finalmente, gostaria de saudar os grandes esforços que estão sendo empreendidos pelas
forças armadas na defesa da nossa soberania e economia.

Saudamos os esforços de reorganização nas forças armadas que se reflectem já nos


sucesso que temos vindo a alcançar no combate decisivo que travamos contra os inimigos da
Pátria moçambicana. Estas vitórias são a garantia de que a luta que travamos para o
desenvolvimento económico será vitoriosa.

Com determinação e espírito de sacrifício que sempre caracterizaram o Povo


moçambicano, especialmente, nos momentos mais difíceis, venceremos!

Com ordem, disciplina, organização, perseverança, unidade inquebrantável e


patriotismo, triunfaremos!

Muito obrigado

A Luta Continua!
170
BIBLIOGRAFIA

ALBANO SANTOS, A Lei de Wagner e a realidade das despesas públicas em Estudos de


Economia, VI (1986).
ANDRÉ e HAURIOU e JEAN GICQUEL, Droit constitutionnel et institutions politiques, 7a.
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ARMANDO NOBRE,
ARMINDO MONTEIRO, Introdução ao Estado de Direito Fiscal na “Revista da Faculdade de
Direito de Lisboa”, Vol. 6, 1949.
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