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Será possível evitar o problema de Gettier, isto é, escapar aos seus contraexemplos e continuar a sustentar a
tese CVJ? E será essa solução razoável? Justifique adequadamente a sua resposta.
1. Qual a tese central que Gettier defendeu no seu ensaio «É a crença verdadeira justificada
conhecimento?»
R: Gettier defende a tese de que a definição tradicional de conhecimento como crença verdadeira
justificada (CVJ) não é correta nem satisfatória. As três condições são necessárias mas não são
suficientes para definir o que é o conhecimento. Isto não quer dizer que Gettier nos convide a aceitar
uma solução de ceticismo. Longe disso - há conhecimento - mas o problema que deve ser resolvido é
o da justificação.
2. Qual é o argumento central que Gettier usa para sustentar a sua tese?
R: A definição de conhecimento como crença verdadeira justificada não é correta porque alguém
pode acreditar justificadamente que determinada proposição é verdadeira e, contudo, não saber que
essa proposição é verdadeira. S pode ter a crença verdadeira justificada de que P e, em simultâneo,
não saber que P. Gettier afirma que não há uma relação de implicação entre ter uma crença
verdadeira justificada e ter conhecimento. A CVJ não garante que haja conhecimento, não é condição
suficiente para que haja conhecimento.
R: Gettier recorre a um exemplo: dois homens, Smith e Jones, são candidatos a um lugar numa
empresa. Smith não acredita que o lugar venha a ser seu porque o gerente da empresa deu sinais de
que o escolhido seria Jones. Smith repara que Jones tem dez moedas no bolso porque teve ocasião
de o ver contá-las. Smith tem então razão para pensar que a pessoa que vai obter o emprego é uma
pessoa que tem dez moedas no bolso. Smith tem uma crença justificada porque (a) – é verdade que
o gerente disse que Jones teria o emprego; (b) – Smith acredita que é verdade o que foi relatado pelo
gerente; (c) – e tem razões parar acreditar que Jones (a pessoa que tem dez moedas no bolso) vai
ser o eleito, dado que o gerente não é uma pessoa dada a enganos e é uma fonte de informação
credível.
Temos assim que Smith forma na sua mente uma CVJ na seguinte proposição: “A pessoa que vai
conseguir o emprego tem dez moedas no bolso”.
Mas, sem o saber, Smith também tem dez moedas no bolso e, afinal, o gerente acaba por escolhê-lo,
em detrimento de Jones.
Apesar de Smith ter uma crença verdadeira justificada, de possuir uma justificação razoável para
acreditar em algo verdadeiro – a pessoa que vai obter o emprego tem dez moedas no bolso –, será
que podemos dizer que tal crença é equivalente a conhecimento?
A resposta é claramente negativa: é verdade que há uma pessoa que tem dez moedas no bolso que
é eleita para o posto de trabalho. Mas Smith não sabia que tinha essa quantidade de moedas no
bolso. Pensava que era Jones. Afinal, sem o saber, acertou. Palpite correto. Nada mais. Uma crença
verdadeira justificada não é assim equivalente a conhecimento dado o contraexemplo de Gettier: se
podemos saber algo por mero acaso, por ouvir dizer (relato), por um mero palpite, por mera
coincidência, por acidente, isso não é uma justificação adequada para sustentar a nossa crença
verdadeira. Assim, Gettier convida-nos a repensar a definição clássica de conhecimento e a debater o
problema central da justificação.
Justificar uma crença de modo internalista significa que se aceita uma crença como
verdadeira a partir de processos mentais internos do sujeito cognoscente, por exemplo, o
recurso à memória, à capacidade de raciocínio ou de inferência, a associação de ideias, a
imaginação. Os processos mentais são internos e subjetivos e a justificação passa pelo recurso
a lembranças, a raciocínios dedutivos, indutivos, analógicos, perceção subjetiva, etc. Trata-se
de uma justificação introspetiva e mentalista, pois refere-se à esfera dos processos mentais
cognitivos de cada sujeito cognoscente.
Justificar uma crença de modo externalista significa que o sujeito recorre aos dados dos
sentidos, à sua observação, e estabelece uma correspondência com as realidades de facto
existentes para testar a verdade ou falsidade da sua crença. Um meio de fazê-lo é recorrer
também a instrumentos de medida rigorosos, por exemplo, um termómetro como meio fiável
externo à mente do sujeito para determinar com rigor a temperatura de uma pessoa. Esse
processo de justificação externalista é fiabilista, isto é, uma justificação é tanto melhor quanto
maior for a capacidade de recorrer a processos objetivos externos aos estados mentais dos
sujeitos. Uma circunstância é uma pessoa expressar subjetivamente que parece ter febre;
outra, bem diferente, é determinar de modo fiável por via de um termómetro se se encontra de
facto e objetivamente com febre ou não. O fiabilismo pressupõe que há métodos objetivos,
independentes da esfera subjetiva, para verificar a verdade de certos dados ou factos na sua
adequação com a realidade empírica. Um método é tanto mais fiável quanto maior for o rigor
da sua capacidade de medição (quantificação) de certos fenómenos.
- Podemos ter as três condições necessárias e, apesar disso, não serem suficientes para se estar
na posse de um conhecimento. O processo de justificação fracassa e deve faltar uma quarta
condição que ainda não foi descoberta. Mesmo a posse de uma crença verdadeira justificada
não é garantia da posse do conhecimento.
- A exposição que se segue é uma adaptação dos contraexemplos de Gettier feita pelo vosso
professor.
- Exemplo 1 = O João perguntou ao professor de filosofia qual a sua nota no teste e este disse-
lhe que teve 14 valores. Acontece que o professor fez confusão com outro aluno, de outra
turma, que também se chama João e que também teve 14 valores. Será que o João sabe que
teve 14 valores no teste? Só por acaso é que sabe, e as três condições reunidas não são
equivalentes a conhecimento. Neste caso, a justificação é internalista, remete para um ato de
memória (processo mental interno ao sujeito) de uma experiência do passado e da formação
de uma crença a partir da informação dada pela declaração do professor que era, de facto,
inexata. O testemunho do professor, o seu relato, não corresponde de facto à realidade, pois a
justificação internalista só é acessível ao próprio sujeito.
- Exemplo 2 = Imagine-se que o professor de filosofia chega como é habitual à escola e deixa o
carro estacionado no sítio do costume. Durante o período da manhã, um dos seus alunos
consegue entrar no carro e ir fazer uma corrida. Entretanto, outra pessoa, conduzindo um
carro da mesma marca e cor, estaciona no local onde estava o carro do professor, voltando
depois a retirá-lo. O professor observa, por vezes, da sua sala de aula, o carro estacionado e
pensa convictamente que se trata do seu carro. Entretanto, o aluno regressa e volta a
estacionar o carro no mesmo sítio. O professor continua a crer que o carro se encontra
estacionado no mesmo sítio. Será que o professor tem uma crença verdadeira justificada? O
que falha neste exemplo é a justificação externalista da crença com a observação da realidade:
os dados dos sentidos, baseados na observação, induzem em erro a crença do sujeito. Em todo
o tempo, o professor acreditou que o seu carro encontrava-se parqueado quando isso não
correspondia à realidade objetiva. A justificação externalista de tipo empírico fracassa.
Conclusão
- Quando se argumenta faz-se uso do conhecimento e por isso é necessário que exista um
critério de verdade e uma noção de realidade sobre o que é «objeto» de discussão. A mediação
entre a argumentação, a verdade e a realidade passa pelo conhecimento. Este pressuposto é
socrático-platónico: argumenta-se na defesa da verdade e de um sentido de realidade, se quem
o fizer detiver o saber. Há um primado do saber sobre a persuasão. É preciso evitar o uso
manipulatório da argumentação e vinculá-la ao objetivo de conhecer a realidade e assim
descobrir a verdade. Quem separa a verdade e o saber da argumentação é o ignorante, o falso
sábio, o sofista, o manipulador que pretende persuadir sem saber.
- O que é o conhecimento? De que são feitos os nossos conhecimentos? Quais são os limites do
conhecimento humano? Será que o conhecimento é de todo em todo possível? Todas estas
questões são de natureza epistemológica (ou gnosiológica, para usar o termo clássico).
Quando dizemos que alguém sabe andar de bicicleta, estamos a falar de conhecimento no
sentido de saber-fazer.
Quando dizemos que alguém conhece Faro, estamos a falar de um tipo de conhecimento a
que se costuma dar o nome de conhecimento por contacto.
Quando dizemos que alguém sabe que as bicicletas têm pedais, estamos a falar de
conhecimento de verdades ou conhecimento proposicional.
É o conhecimento proposicional que tem maior importância para a reflexão filosófica, pois
discute-se o seu valor de verdade.
Questão central: quais são as condições em que um conhecimento proposicional (P) pode ser
tomado como certo/verdadeiro por um sujeito (S)?
1. CRENÇA = (“S sabe que P, se S crê, ou tem opinião formada acerca de P”)
2. VERDADE = (“S sabe que P, se o que é afirmado em P é verdadeiro”)
3. RAZÕES, PROVAS, ARGUMENTOS OU JUSTIFICAÇÕES = (“S sabe que P, se S
tem provas de que P é verdadeiro”)
- Vamos supor que há uma identidade perfeita entre o conhecimento e a verdade: tese
infalibilista. Só podemos conhecer o que é infalivelmente verdadeiro (irrefutável).
- Objeção 1: se todo o conhecimento tem de ser sempre uma opinião ou crença verdadeira que
nunca pode ser falsa (irrefutável), então, supomos que todos os nossos conhecimentos são
infalíveis. Mas, muitas opiniões dadas como verdadeiras acabam por se revelar falsas.
Podemos então concluir que não eram conhecimentos?
- Objeção 3: A tese clássica CVJ parece ser errada, ou incompleta. Se “S sabe [infalivelmente]
que P”, dada a condição “P é verdadeiro”, então:
(a) – qualquer razão contra P seria falsa por princípio e deveria ser recusada por S.
(b) – qualquer razão exposta posteriormente a favor de P seria redundante, inútil e
desnecessária.
- Por hipótese, vamos imaginar que os conceitos de conhecimento e de verdade nada têm a ver
entre si, excluindo-se mutuamente.
Consequências:
Entre um conhecimento absoluto (infalível) e uma ignorância total, pode haver um meio-
termo, uma tese falibilista do conhecimento. Podemos defender que há uma certa relação
entre conhecimento e verdade, que podemos conhecer aproximadamente o que existe na
realidade. Não poderemos falar então de certezas epistémicas infalíveis.
Conclusão: nenhum conhecimento é a Verdade, mas um conhecimento que em nada fosse
verdadeiro, não poderia distinguir-se do erro, da ilusão, de um simples delírio. Nenhum
conhecimento é absoluto, mas nenhuma crença seria conhecimento se não tivesse alguma
pretensão de alcançar um valor de certeza absoluta. Neste sentido, só podemos conhecer o que
é factivo, quer dizer, só é cognoscível o que implica a verdade. O conhecimento, para o ser, deve
implicar necessariamente a verdade e uma relação adequada de justificação à realidade dos
factos.
R: Pode haver crença sem conhecimento porque podemos formar crenças falsas e estas não
são factivas, logo, não representam qualquer conhecimento, não há conhecimento de
falsidades.
O conhecimento falso não é sequer um conhecimento, tal como o ouro falso não é ouro.
Explique o significado desta analogia.
R: Não há conhecimentos falsos, há crenças falsas que podem gerar nas pessoas a ilusão de
que se está na posse de um conhecimento, tal como as pirites que parecem brilhar como o
ouro parecem ser ouro sem o ser realmente. Só podemos conhecer verdades que representam
adequadamente a realidade objetiva do mundo.
Joana acredita que hoje vai chover porque sonhou que ia chover. Hoje está a chover. Logo,
Joana sabia que hoje ia chover. A crença da Joana é verdadeira. Mas será conhecimento?
Podemos conhecer uma determinada proposição sem que esta seja verdadeira?
R: Isso é o mesmo que afirmar que conhecemos falsidades. Ora, não é possível conhecer
proposições falsas porque só podemos conhecer proposições factivas, isto é, proposições
inequivocamente verdadeiras. Podemos ter um critério de verdade para distinguir
proposições falsas das proposições verdadeiras, mas isso não significa que há conhecimento de
proposições falsas. Temos crenças falsas em certas proposições que não são conhecimento, por
exemplo, a crença de que a Terra é plana e imóvel, ou a crença de que existem seres
inteligentes extraterrestres.