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Será a tese central dos céticos radicais uma tese logicamente sustentável?

Será possível refutá-


la?
R: Não é uma tese logicamente sustentável por que é em si mesmo uma contradição.
Ora, uma proposição contraditória é logicamente falsa e, como tal, refutável. Uma
proposição e a sua negação não podem ser simultaneamente verdadeiras ou falsas:
isso é uma infração do princípio lógico da não-contradição. Se um cético radical
afirma que sabe que nada sabe, ou que sabe que o conhecimento é impossível, incorre
numa autocontradição.
1. O argumento cético da regressão infinita é um argumento sólido e cogente
(racionalmente persuasivo)?
R: Não é um argumento sólido e também não nos consegue persuadir racionalmente.
Se aceitarmos que existem crenças básicas ou de tipo fundacional, ou seja, se
aceitarmos que existem crenças verdadeiras que se justificam em si e por si mesmo,
sem depender de mais nenhuma outra crença, então, deixa de existir o recuo até ao
infinito. Se podemos provar que uma das premissas desse argumento é falsa, então
podemos rejeitar também a sua conclusão. Esta crítica parte de uma tese chamada
fundacionalismo. A proposição falsa é “todas as crenças são justificadas por recurso a
outras crenças.”
2. O argumento cético da divergência de opiniões é um bom argumento?
R: Não é um bom argumento porque podemos questionar e colocar em causa uma
das suas premissas fundamentais: é falso que tudo no conhecimento se reduza ao
conflito de opiniões subjetivas. De facto, há consensos sólidos entre especialistas, por
exemplo, na medicina, sobre a eficácia das vacinas, o que representa um
conhecimento factivo, sólido, superior a qualquer opinião. Por exemplo, um flagelo
da humanidade, a varíola, que ceifou a vida de milhões de pessoas, foi erradicada do
mundo através de uma campanha de vacinação promovida pela OMS no século XX.
Este contraexemplo prova que o conhecimento não só é possível como supera os
conflitos de opinião.
Será possível refutar o argumento da ilusão dos sentidos?
R: Os céticos sustentam com este argumento que o conhecimento derivado dos
sentidos não é aceitável ou possível de justificar. Só que este argumento incorre num
erro crasso de argumentação: um caso não são todos os casos; um caso de ilusões de
ótica não se aplica a todos os dados visuais da nossa perceção. Há casos incontroversos
de observações fiáveis e sólidas, justificadas empiricamente de modo objetivo. O
argumento é falacioso: generalização indutiva precipitada ou abusiva.
3. Será que podemos ser coerentes se suspendermos os nossos juízos sobre todas as
coisas? Justifique a sua opinião.
R: Não – seria impossível vivermos num estado permanente de dúvida radical, a vida
seria simplesmente impossível para qualquer ser humano; seria no fundo viver num
estado de esquizofrenia constante. Ninguém consegue realmente colocar em prática,
na sua vida, uma dúvida radical.
Revisões das matérias lecionadas – para organizar o estudo

1. Que diferença existe entre conhecimentos a priori e de tipo a posteriori? Dá exemplos.

R: O primeiro tipo de conhecimento é puramente racional e conceptual, pois é independente da experiência e


podemos determinar se uma proposição é verdadeira ou falsa apenas pela relação entre o significado dos
seus termos ou conceitos. Por exemplo, o juízo “O triângulo é uma figura geométrica com três ângulos” é
verdadeiro; outro exemplo: “Um argumento dedutivo válido é uma tautologia”, um juízo que expressa um
conhecimento puramente teórico e conceptual. Não preciso de recorrer à experiência para determinar a sua
verdade.
Por sua vez, o conhecimento empírico ou derivado da observação de factos, precisa de uma verificação ou
confronto com a própria realidade; neste caso, precisamos de observar o mundo para saber se certas
proposições são verdadeiras ou falsas, isto é, é necessário consultar os dados da experiência. Por exemplo,
“Hoje há maré cheia no rio Guadiana”, é um juízo empírico, um juízo de realidade, e só sabemos que é
verdadeiro se de facto corresponder à realidade que observamos no caudal do rio; será falso se não existir
correspondência com o que observamos aqui e agora.

2. O ceticismo é uma posição logicamente coerente? Porquê?

R: Se estivermos a pensar no ceticismo radical e declararmos que todo o conhecimento é impossível de


justificar, inferindo implicitamente com isso a consequência de que nada se pode saber, então há uma
evidente autocontradição: se nada se sabe, então não é possível sustentar que nada se sabe porque há pelo
menos um saber mínimo que tem de existir: sabe-se que nada se sabe. Só que esta tese é autocontraditória
e, como tal, logicamente falsa.
Problema

Será possível evitar o problema de Gettier, isto é, escapar aos seus contraexemplos e continuar a sustentar a
tese CVJ? E será essa solução razoável? Justifique adequadamente a sua resposta.

R: Os contraexemplos de Gettier só se colocam e questionam a validade da tese CVJ se assumirmos uma


conceção falibilista da justificação. Assim, se podemos estar na posse de uma crença verdadeira justificada
de modo falível, seja numa perspetiva internalista ou externalista, não há como escapar às objeções de
Gettier.
Todavia, se assumirmos uma posição infalibilista, concretamente, que todas as crenças verdadeiras são
justificadas por eliminação radical de qualquer possibilidade de erro, então, os contraexemplos de Gettier não
atingem a tese CVJ. O problema é que ficamos com pouca sustentação relativamente aos conteúdos
epistémicos: só teríamos verdades de razão, verdades a priori, necessárias, expressas por leis lógicas e
evidências matematicamente demonstráveis. O núcleo do conhecimento humano ficaria reduzido a
proposições tautológicas. Como o erro tem de ser necessariamente excluído, logicamente teríamos de excluir
verdades empíricas, dado o seu estatuto contingente, isto é, dada a possibilidade de contraexemplos ou da
ocorrência de contrafactuais. O contrário de qualquer proposição factual é sempre possível: podemos crer
que o Sol vai nascer, mas não é de todo em todo impossível que algum dia o Sol não volte a nascer, pois hoje
já sabemos que estrelas como o nosso Sol também acabam por se extinguir e desaparecer. Como abdicar do
conhecimento do mundo empírico parece ser implausível, há consequências pouco razoáveis que se podem
inferir da conceção infalibilista da justificação. Eis algumas delas: para quê tentar justificar mediante razões
qualquer afirmação S se esta já é por si infalível? E qual o propósito de tentar refutar S se esta é em si
mesmo imune ao erro? O infalibilismo conduz-nos ao dogmatismo. Mas isto é admitir que não há mudança no
sistema de conhecimentos, não pode haver revisão das verdades estabelecidas. Uma ideia intuitiva de
progresso na evolução dos nossos sistemas de conhecimento seria completamente absurda. Mas, como é
que a crença no progresso epistémico humano pode ser irracional? A ciência evolui pela revisão permanente
das suas teorias e hipóteses. Não faz qualquer sentido assumir a tese infalibilista: seria admitir a ideia
absurda que a ciência era um sistema de conhecimentos imutáveis, imunes ao erro. Por estas razões, a tese
infalibilista da justificação acarreta uma série de implicações inaceitáveis e torna-se mais razoável adotar a
solução falibilista, admitindo enfrentar o desafio colocado pelos contraexemplos de Gettier. Não há como
escapar da sua posição crítica que relançou o debate sobre a tese CVJ.

Para estudar autonomamente


Questões sobre os contraexemplos de Edmund Gettier

1. Qual a tese central que Gettier defendeu no seu ensaio «É a crença verdadeira justificada
conhecimento?»

R: Gettier defende a tese de que a definição tradicional de conhecimento como crença verdadeira
justificada (CVJ) não é correta nem satisfatória. As três condições são necessárias mas não são
suficientes para definir o que é o conhecimento. Isto não quer dizer que Gettier nos convide a aceitar
uma solução de ceticismo. Longe disso - há conhecimento - mas o problema que deve ser resolvido é
o da justificação.

2. Qual é o argumento central que Gettier usa para sustentar a sua tese?

R: A definição de conhecimento como crença verdadeira justificada não é correta porque alguém
pode acreditar justificadamente que determinada proposição é verdadeira e, contudo, não saber que
essa proposição é verdadeira. S pode ter a crença verdadeira justificada de que P e, em simultâneo,
não saber que P. Gettier afirma que não há uma relação de implicação entre ter uma crença
verdadeira justificada e ter conhecimento. A CVJ não garante que haja conhecimento, não é condição
suficiente para que haja conhecimento.

3. Como desenvolveu Gettier os seus contraexemplos no seu ensaio?

R: Gettier recorre a um exemplo: dois homens, Smith e Jones, são candidatos a um lugar numa
empresa. Smith não acredita que o lugar venha a ser seu porque o gerente da empresa deu sinais de
que o escolhido seria Jones. Smith repara que Jones tem dez moedas no bolso porque teve ocasião
de o ver contá-las. Smith tem então razão para pensar que a pessoa que vai obter o emprego é uma
pessoa que tem dez moedas no bolso. Smith tem uma crença justificada porque (a) – é verdade que
o gerente disse que Jones teria o emprego; (b) – Smith acredita que é verdade o que foi relatado pelo
gerente; (c) – e tem razões parar acreditar que Jones (a pessoa que tem dez moedas no bolso) vai
ser o eleito, dado que o gerente não é uma pessoa dada a enganos e é uma fonte de informação
credível.
Temos assim que Smith forma na sua mente uma CVJ na seguinte proposição: “A pessoa que vai
conseguir o emprego tem dez moedas no bolso”.
Mas, sem o saber, Smith também tem dez moedas no bolso e, afinal, o gerente acaba por escolhê-lo,
em detrimento de Jones.
Apesar de Smith ter uma crença verdadeira justificada, de possuir uma justificação razoável para
acreditar em algo verdadeiro – a pessoa que vai obter o emprego tem dez moedas no bolso –, será
que podemos dizer que tal crença é equivalente a conhecimento?
A resposta é claramente negativa: é verdade que há uma pessoa que tem dez moedas no bolso que
é eleita para o posto de trabalho. Mas Smith não sabia que tinha essa quantidade de moedas no
bolso. Pensava que era Jones. Afinal, sem o saber, acertou. Palpite correto. Nada mais. Uma crença
verdadeira justificada não é assim equivalente a conhecimento dado o contraexemplo de Gettier: se
podemos saber algo por mero acaso, por ouvir dizer (relato), por um mero palpite, por mera
coincidência, por acidente, isso não é uma justificação adequada para sustentar a nossa crença
verdadeira. Assim, Gettier convida-nos a repensar a definição clássica de conhecimento e a debater o
problema central da justificação.

Análise da tese CVJ de acordo com a crítica de Gettier

Justificar uma crença de modo internalista significa que se aceita uma crença como
verdadeira a partir de processos mentais internos do sujeito cognoscente, por exemplo, o
recurso à memória, à capacidade de raciocínio ou de inferência, a associação de ideias, a
imaginação. Os processos mentais são internos e subjetivos e a justificação passa pelo recurso
a lembranças, a raciocínios dedutivos, indutivos, analógicos, perceção subjetiva, etc. Trata-se
de uma justificação introspetiva e mentalista, pois refere-se à esfera dos processos mentais
cognitivos de cada sujeito cognoscente.
Justificar uma crença de modo externalista significa que o sujeito recorre aos dados dos
sentidos, à sua observação, e estabelece uma correspondência com as realidades de facto
existentes para testar a verdade ou falsidade da sua crença. Um meio de fazê-lo é recorrer
também a instrumentos de medida rigorosos, por exemplo, um termómetro como meio fiável
externo à mente do sujeito para determinar com rigor a temperatura de uma pessoa. Esse
processo de justificação externalista é fiabilista, isto é, uma justificação é tanto melhor quanto
maior for a capacidade de recorrer a processos objetivos externos aos estados mentais dos
sujeitos. Uma circunstância é uma pessoa expressar subjetivamente que parece ter febre;
outra, bem diferente, é determinar de modo fiável por via de um termómetro se se encontra de
facto e objetivamente com febre ou não. O fiabilismo pressupõe que há métodos objetivos,
independentes da esfera subjetiva, para verificar a verdade de certos dados ou factos na sua
adequação com a realidade empírica. Um método é tanto mais fiável quanto maior for o rigor
da sua capacidade de medição (quantificação) de certos fenómenos.

Contraexemplos de Edmund Gettier: e se as três condições da CVJ não são suficientes


(embora sejam necessárias) para existir conhecimento?

- O filósofo norte-americano Gettier apresentou dois contraexemplos à tese CVJ.

- Podemos ter as três condições necessárias e, apesar disso, não serem suficientes para se estar
na posse de um conhecimento. O processo de justificação fracassa e deve faltar uma quarta
condição que ainda não foi descoberta. Mesmo a posse de uma crença verdadeira justificada
não é garantia da posse do conhecimento.

- A exposição que se segue é uma adaptação dos contraexemplos de Gettier feita pelo vosso
professor.

- Exemplo 1 = O João perguntou ao professor de filosofia qual a sua nota no teste e este disse-
lhe que teve 14 valores. Acontece que o professor fez confusão com outro aluno, de outra
turma, que também se chama João e que também teve 14 valores. Será que o João sabe que
teve 14 valores no teste? Só por acaso é que sabe, e as três condições reunidas não são
equivalentes a conhecimento. Neste caso, a justificação é internalista, remete para um ato de
memória (processo mental interno ao sujeito) de uma experiência do passado e da formação
de uma crença a partir da informação dada pela declaração do professor que era, de facto,
inexata. O testemunho do professor, o seu relato, não corresponde de facto à realidade, pois a
justificação internalista só é acessível ao próprio sujeito.
- Exemplo 2 = Imagine-se que o professor de filosofia chega como é habitual à escola e deixa o
carro estacionado no sítio do costume. Durante o período da manhã, um dos seus alunos
consegue entrar no carro e ir fazer uma corrida. Entretanto, outra pessoa, conduzindo um
carro da mesma marca e cor, estaciona no local onde estava o carro do professor, voltando
depois a retirá-lo. O professor observa, por vezes, da sua sala de aula, o carro estacionado e
pensa convictamente que se trata do seu carro. Entretanto, o aluno regressa e volta a
estacionar o carro no mesmo sítio. O professor continua a crer que o carro se encontra
estacionado no mesmo sítio. Será que o professor tem uma crença verdadeira justificada? O
que falha neste exemplo é a justificação externalista da crença com a observação da realidade:
os dados dos sentidos, baseados na observação, induzem em erro a crença do sujeito. Em todo
o tempo, o professor acreditou que o seu carro encontrava-se parqueado quando isso não
correspondia à realidade objetiva. A justificação externalista de tipo empírico fracassa.

Conclusão

- Os dois contraexemplos mostram que a justificação (quer de um ponto de vista internalista,


quer externalista) falha em fundar o conhecimento. Se podemos crer em coisas por acidente,
por mero acaso, por simples coincidência, ou por ouvir dizer (tomando por base o relato),
então não sabemos de facto tais coisas.

A justificação parece ser então o elemento que fracassa na definição clássica de


conhecimento (CVJ). Se os dados dos sentidos não são adequados, nem os processos de
raciocínio ou de memória internos à mente do sujeito epistémico, há que melhorar ou propor
outro critério para sustentar uma justificação com valor epistémico. Faltará porventura uma
quarta condição que permita esclarecer o que é o conhecimento.
Até à data ainda não se descobriu que condição será essa e o problema epistémico
permanece em aberto.

Introdução à problemática do conhecimento

- Quando se argumenta faz-se uso do conhecimento e por isso é necessário que exista um
critério de verdade e uma noção de realidade sobre o que é «objeto» de discussão. A mediação
entre a argumentação, a verdade e a realidade passa pelo conhecimento. Este pressuposto é
socrático-platónico: argumenta-se na defesa da verdade e de um sentido de realidade, se quem
o fizer detiver o saber. Há um primado do saber sobre a persuasão. É preciso evitar o uso
manipulatório da argumentação e vinculá-la ao objetivo de conhecer a realidade e assim
descobrir a verdade. Quem separa a verdade e o saber da argumentação é o ignorante, o falso
sábio, o sofista, o manipulador que pretende persuadir sem saber.

- O que é o conhecimento? De que são feitos os nossos conhecimentos? Quais são os limites do
conhecimento humano? Será que o conhecimento é de todo em todo possível? Todas estas
questões são de natureza epistemológica (ou gnosiológica, para usar o termo clássico).

- A Epistemologia é a disciplina da filosofia que aborda as questões da origem, natureza e


possibilidade do conhecimento.
De um ponto de vista fenomenológico, o conhecimento é um processo que envolve uma
relação entre dois elementos: um sujeito e um objeto. Cada um destes polos do conhecimento
tem uma função específica e irreversível: o sujeito tem por função apreender o objeto, e este
tem por função determinar o sujeito.
O sujeito é o elemento ativo, apreende as propriedades do objeto e forma uma imagem
(aquilo que «aparece», o «fenómeno») na consciência, que é o produto do processo de
conhecimento. Só se pode saber o que é o conhecimento pelo próprio ato de conhecer, pelo que
a descrição fenomenológica do conhecimento se limita a fazer um registo puro e neutro do
processo, é um método descritivo, não é uma teoria explicativa do conhecimento, não toma
partido nem pelo sujeito, nem pelo objeto. Não é uma teoria realista nem idealista, mas visa
apenas captar o que é o ato de conhecer, o seu processo, e descrevê-lo. Trata-se de um método
descritivo que apresenta os vários atos ou movimentos da consciência intencional no modo
como se apropria de um dado objeto e o representa na forma de imagem.
Para a descrição fenomenológica do conhecimento a definição neutra do que é o
conhecimento consiste nesta afirmação: o conhecimento é o resultado de uma relação
interdependente (recíproca e irreversível) entre o polo do sujeito e o polo do objeto: é uma
relação dialética bipolar.

Podemos distinguir três tipos de conhecimento ou saber em termos gerais classificativos:

 Quando dizemos que alguém sabe andar de bicicleta, estamos a falar de conhecimento no
sentido de saber-fazer.
 Quando dizemos que alguém conhece Faro, estamos a falar de um tipo de conhecimento a
que se costuma dar o nome de conhecimento por contacto.
 Quando dizemos que alguém sabe que as bicicletas têm pedais, estamos a falar de
conhecimento de verdades ou conhecimento proposicional.

É o conhecimento proposicional que tem maior importância para a reflexão filosófica, pois
discute-se o seu valor de verdade.

Questão central: quais são as condições em que um conhecimento proposicional (P) pode ser
tomado como certo/verdadeiro por um sujeito (S)?

Tese clássica CVJ: o conhecimento é uma crença verdadeira justificada.

Crença + verdade + justificação = saber efetivo.


Crença + verdade sem justificação = saber por mero acaso.
Crença falsa = não saber, ignorar.

Existem três condições necessárias para que exista conhecimento:

1. CRENÇA = (“S sabe que P, se S crê, ou tem opinião formada acerca de P”)
2. VERDADE = (“S sabe que P, se o que é afirmado em P é verdadeiro”)
3. RAZÕES, PROVAS, ARGUMENTOS OU JUSTIFICAÇÕES = (“S sabe que P, se S
tem provas de que P é verdadeiro”)

PROBLEMATIZAÇÃO DA TESE CVJ – Teste da hipótese, análise crítica de possibilidades

- Vamos supor que há uma identidade perfeita entre o conhecimento e a verdade: tese
infalibilista. Só podemos conhecer o que é infalivelmente verdadeiro (irrefutável).

- Objeção 1: se todo o conhecimento tem de ser sempre uma opinião ou crença verdadeira que
nunca pode ser falsa (irrefutável), então, supomos que todos os nossos conhecimentos são
infalíveis. Mas, muitas opiniões dadas como verdadeiras acabam por se revelar falsas.
Podemos então concluir que não eram conhecimentos?

- Objeção 2: Se todo o conhecimento é necessariamente verdadeiro, então, não pode haver


progresso no conhecimento. Se existe progresso nas nossas crenças, desde as mais vulgares até
às crenças dos cientistas, podemos concluir que essas crenças não eram conhecimento?

- Objeção 3: A tese clássica CVJ parece ser errada, ou incompleta. Se “S sabe [infalivelmente]
que P”, dada a condição “P é verdadeiro”, então:

(a) – qualquer razão contra P seria falsa por princípio e deveria ser recusada por S.
(b) – qualquer razão exposta posteriormente a favor de P seria redundante, inútil e
desnecessária.

E se a definição da tese CVJ fosse negada?

- Por hipótese, vamos imaginar que os conceitos de conhecimento e de verdade nada têm a ver
entre si, excluindo-se mutuamente.

Consequências:

- Se não há verdade, então não é verdade que não há verdade.


- Se tudo é falso, então é falso que tudo seja falso.
- Se nada é verdade, então pode-se pensar o que quer que seja, e isto é a morte da filosofia e da
própria ciência: ficamos entregues à deriva do relativismo puro e os sofistas teriam sempre
razão: só podemos ser persuadidos porque não há conhecimento verdadeiro justificado.
- Podemos ter uma crença falsa, mas não um conhecimento falso, não há conhecimento de
falsidades. É por isso mesmo que o conhecimento se diz factivo, implica o conhecimento de
verdades que são adequadas ao mundo real dos factos, a uma descrição verdadeira que é
adequada à realidade objetiva do mundo, ou a proposições que são de facto verdadeiras.
- Se acreditamos em algo falso, é a crença, ou a justificação inadequada que nos conduz a uma
opinião ou ideia errada. Só que se trata apenas de uma crença falsa e não de um
conhecimento. No máximo podemos dizer que ao conhecermos o que é verdadeiro somos
capazes de distinguir o que é conhecimento do que não passa de uma crença falsa.
- Se as pessoas tendem a falar habitualmente de ‘conhecimentos falsos’, estão equivocadas. É
um modo de falar habitual que não é correto. Se conhecer é só conhecer verdades, então não
há conhecimento de falsidades, as coisas falsas não são objeto de conhecimento. Não sucedem
na realidade e por isso não podem ser conhecidas. O que pode acontecer é as pessoas julgarem
ou pensarem que sabem algo que não corresponde à realidade nem é verdade. Neste caso, as
pessoas têm apenas uma crença falsa, tomaram por verdade algo que não o é porque não é
factivo.
- Conclusão: é impossível haver conhecimentos falsos porque só podemos conhecer verdades;
podem existir crenças falsas, nunca há conhecimentos falsos.
- Por último, esgotando as hipóteses, se nada é verdadeiro nem falso, não há diferença entre o
conhecimento e a ignorância. Esta conclusão inferida é inaceitável: as pessoas tendem
naturalmente a assumir uma atitude de procura da verdade e assumem esta como condição
necessária do conhecimento: conhecer algo real é conhecer a sua verdade.

Entre um conhecimento absoluto (infalível) e uma ignorância total, pode haver um meio-
termo, uma tese falibilista do conhecimento. Podemos defender que há uma certa relação
entre conhecimento e verdade, que podemos conhecer aproximadamente o que existe na
realidade. Não poderemos falar então de certezas epistémicas infalíveis.
Conclusão: nenhum conhecimento é a Verdade, mas um conhecimento que em nada fosse
verdadeiro, não poderia distinguir-se do erro, da ilusão, de um simples delírio. Nenhum
conhecimento é absoluto, mas nenhuma crença seria conhecimento se não tivesse alguma
pretensão de alcançar um valor de certeza absoluta. Neste sentido, só podemos conhecer o que
é factivo, quer dizer, só é cognoscível o que implica a verdade. O conhecimento, para o ser, deve
implicar necessariamente a verdade e uma relação adequada de justificação à realidade dos
factos.

Exercícios de revisão das matérias sobre a tese CVJ

1. Não há conhecimento sem crença. Porquê?


R: A crença é a primeira condição sem a qual não pode haver conhecimento porque é
necessário que um sujeito acredite no objeto que pretende conhecer. Se não se acredita em
nada, nada pode ser conhecido.

2. Há crença sem conhecimento? Justifique.

R: Pode haver crença sem conhecimento porque podemos formar crenças falsas e estas não
são factivas, logo, não representam qualquer conhecimento, não há conhecimento de
falsidades.

O conhecimento é factivo. O que quer isto dizer?


R: Dizer que o conhecimento é factivo é afirmar que só há conhecimento de proposições ou de
crenças verdadeiras – o conhecimento implica a verdade, seja esta empírica ou racional,
expressa de modo a priori ou a posteriori.

O conhecimento falso não é sequer um conhecimento, tal como o ouro falso não é ouro.
Explique o significado desta analogia.
R: Não há conhecimentos falsos, há crenças falsas que podem gerar nas pessoas a ilusão de
que se está na posse de um conhecimento, tal como as pirites que parecem brilhar como o
ouro parecem ser ouro sem o ser realmente. Só podemos conhecer verdades que representam
adequadamente a realidade objetiva do mundo.

Joana acredita que hoje vai chover porque sonhou que ia chover. Hoje está a chover. Logo,
Joana sabia que hoje ia chover. A crença da Joana é verdadeira. Mas será conhecimento?

R: Apesar da crença da Joana ser verdadeira a sua justificação é inadequada ou incorreta: só


por acaso é que a crença da Joana se adequou à realidade. Na verdade, não sabia que ia
chover porque o sonho é irrelevante para explicar a chuva. Uma crença verdadeira para o ser
deve ser apoiada por uma boa e sólida justificação (por exemplo, a Joana tinha consultado o
boletim meteorológico pelo telemóvel e pela televisão e as previsões de chuva eram fiáveis).

O conhecimento distingue-se da mera opinião?


R: Correto. As opiniões podem ser verdadeiras ou falsas, mas o conhecimento implica
necessariamente a verdade – é factivo, exclui a falsidade. Acontece que podemos formar
opiniões verdadeiras por mero acaso, por acidente, por ouvir dizer, por via do relato ou de
testemunhos, ou até sustentar uma opinião verdadeira por meio de uma justificação
inadequada. A opinião é variável e aceita-se em função de fatores de natureza subjetiva,
psicológica, ou por vias de justificação que não são suficientemente sólidas (a persuasão pode
ser uma dessas vias, o efeito da propaganda retórica, por exemplo). Mas, o conhecimento,
para merecer esse estatuto, tem de ser superior, tem de superar, o mero plano superficial das
opiniões. O conhecimento tem de ser verdadeiro, tem de implicar necessariamente a verdade,
e ser adequado à realidade objetiva, isto é, o conhecimento tem de ser independente das
opiniões subjetivas e suportar-se em explicações sólidas e em factos.

Podemos conhecer uma determinada proposição sem que esta seja verdadeira?

R: Isso é o mesmo que afirmar que conhecemos falsidades. Ora, não é possível conhecer
proposições falsas porque só podemos conhecer proposições factivas, isto é, proposições
inequivocamente verdadeiras. Podemos ter um critério de verdade para distinguir
proposições falsas das proposições verdadeiras, mas isso não significa que há conhecimento de
proposições falsas. Temos crenças falsas em certas proposições que não são conhecimento, por
exemplo, a crença de que a Terra é plana e imóvel, ou a crença de que existem seres
inteligentes extraterrestres.

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