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CAPÍTULO 2

O conhecimento
é possível?
O desafio cético
Aires Almeida | Desidério Murcho
O problema da possibilidade do
conhecimento
Pensamos que sabemos certas coisas. Mas não é raro descobrirmos depois
que estávamos enganados em relação a muitas delas.
• Pensávamos que sabíamos, mas afinal não sabíamos.
Não estaremos nós a cometer sempre o mesmo erro, acreditando que sabemos
o que realmente não sabemos?
Bem vistas as coisas, será correto afirmar que sabemos mesmo alguma coisa?
Abreviando: será o conhecimento possível?
Este é o problema da possibilidade do conhecimento.

O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano


O desafio cético
Mas há mesmo quem pense que o conhecimento não é possível?
Há, sim. São os céticos.
Estes subscrevem o ceticismo: a perspetiva segundo a qual nada podemos saber
(o conhecimento não é possível).

Os céticos pensam que tudo é duvidoso e alguns consideram que o mais sensato
é suspender os nossos juízos (não afirmar nem negar seja oO Espanto
que for).
11 | Filosofia 11.º ano
Razões céticas
Porquê o ceticismo?
De acordo com a noção tradicional, para haver conhecimento, é necessário a) que haja
uma crença, b) que a crença seja verdadeira e c) que ela seja justificada.
Porém, o cético considera que uma dessas condições necessárias nunca é satisfeita.
Consequentemente, o conhecimento não é possível.
Mas qual das três condições o cético diz que nunca chega a ser satisfeita?
A crença? Não! Os céticos não negam que temos crenças.
A verdade? Não! Os céticos não negam que algumas das nossas crenças sejam
verdadeiras (se duas pessoas tiverem crenças opostas, uma delas tem de ter uma
crença verdadeira, mesmo que não saibamos qual é).
O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano
Razões céticas: o problema da justificação (1)
O problema está, então, na justificação.
• Nós procuramos justificar as nossas crenças, admitem os céticos.
• Mas nenhuma das justificações que damos é apropriada, pensam eles.
O argumento central dos céticos é, então, o seguinte:

Para haver
Mas nenhuma
conhecimento, tem Logo, não há
justificação é
de haver justificação conhecimento.
apropriada.
apropriada.

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Razões céticas: o problema da justificação (2)
O argumento principal dos céticos é válido, pois a conclusão segue-se
logicamente das premissas (tem uma forma lógica válida, que é a forma modus
tollens).
Mas será sólido, isto é, além de válido, as suas premissas são verdadeiras?
A primeira premissa apenas exprime a ideia de que a justificação é uma
condição necessária do conhecimento, o que faz parte da definição tradicional
de conhecimento. Portanto, essa premissa parece perfeitamente aceitável.
Assim, se não quisermos aceitar a conclusão dos céticos, resta-nos rejeitar a
segunda premissa do argumento (de que nenhuma justificação é apropriada).
Poderemos, então, começar por perguntar ao cético:
Mas nenhuma justificação é apropriada porquê?O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano
Razões céticas: o problema da justificação (3)
Mas nenhuma justificação é apropriada porquê?
Resposta dos céticos: porque há três maneiras principais de justificar crenças
e todas elas são inadequadas.
Quais são?
• Ou nos baseamos nas opiniões dos especialistas em cada área;
• Ou nos baseamos nos nossos sentidos (no que vemos, ouvimos, tocamos,
etc.);
• Ou justificamos umas crenças com outras crenças.
Mas são inadequadas porquê?
Porque todas elas são falíveis: essas formas de justificação são duvidosas,
dado que não garantem que as nossas crenças são verdadeiras (as crenças
O Espanto 11 | Filosofia 11.º ano
podem, ainda assim, ser falsas).
A justificação baseada em opiniões
Nenhuma opinião é fiável, nem sequer as dos especialistas na sua área?
Não, pensa o cético, pois acaba por haver sempre opiniões diferentes, seja qual
for o assunto, mesmo entre os entendidos nas matérias em causa.
Por exemplo, não é raro os advogados divergirem quanto à interpretação
das leis, os médicos divergirem quanto aos diagnósticos que fazem, os
economistas divergirem quanto às medidas corretas a adotar, etc. Mas não
podem ter todos razão. Qual das opiniões é, então, a opinião verdadeira?
Se alguma delas estivesse adequadamente justificada, então ela seria totalmente
convincente e não haveria lugar a discrepâncias de opinião. Mas há. Logo,
nenhuma opinião está adequadamente justificada (nenhuma opinião é fiável).
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A justificação baseada nos sentidos
Os sentidos não são fiáveis porquê?
Porque os sentidos apenas nos mostram como as coisas nos parecem e não
como as coisas são realmente.
Por exemplo, os nossos olhos mostram-nos a mesma coisa muito
pequena quando a vemos ao longe e muito grande quando a vemos de
perto. As coisas mudam de tamanho consoante estão mais longe ou
mais perto de nós? Qual é, afinal, o tamanho real delas?
Mesmo que, por vezes, as coisas sejam realmente como nos parecem, nunca
podemos estar certos disso.

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A justificação baseada noutras crenças
Qual o problema de justificar umas crenças com outras crenças?
O problema é que, se basearmos umas crenças noutras crenças, acabamos por
recuar nas justificações sem nos determos em ponto algum, deparando-nos com
uma regressão infinita da justificação.
Por exemplo, quando a criança pergunta aos seus pais: porque é que
estamos sempre a ver a Lua? Porque gira à volta da Terra, respondem os
pais. Mas porque é que a Lua gira à volta da Terra? Porque causa da
gravidade. Mas porque é que há gravidade? Porque... e assim
sucessivamente.
Se não se encontra um ponto onde parar, então todo o processo justificatório
está incompleto e nenhuma crença está apropriadamente justificada.
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Não há alternativas à regressão infinita?

Mas não há outras maneiras de justificar crenças sem cair numa regressão
infinita?
O filósofo cético Agripa diz que há mais duas possibilidades, além da
regressão infinita.
Mas, tal como acontece com a regressão infinita, também as outras duas são
inadequadas, acrescenta ele.
Dado que se trata de três formas de justificação inadequadas, ficamos perante
um trilema: o trilema de Agripa.

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O trilema de Agripa
Eis as três possibilidades do trilema de Agripa:
1. Regressão infinita, que consiste num processo justificatório sem fim. Já
vimos que torna a justificação incompleta e, portanto, inadequada;
2. Justificação circular, que consiste em recuarmos nas justificações até
voltarmos às que já tínhamos usado antes. Porém, andar às voltas na
justificações também não é aceitável.
3. Não justificar a crença, que consiste em afirmar simplesmente que as
crenças não precisam de justificação alguma. Mas isto torna a crença
completamente arbitrária, não passando de uma mera suposição, pelo que
também não serve.

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a seguir...

Terão os céticos razão?


A resposta de Descartes.

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