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Principais argumentos

Céticos

Argumento da regressão da justificação

• Dizemos que há conhecimento quando as nossas crenças verdadeiras estão justificadas, isto é, quando temos
boas razões para acreditar que as crenças que temos são verdadeiras. Acontece que apelar a boas razões
para justificar uma dada crença é suportá-la em outras crenças que possuímos.

• Isto levanta um desafio importante, o da regressão da justificação.

Crença A

(suportada ou justificada pela) Crença B

(suportada ou justificada pela) Crença C

(suportada ou justificada pela) Crença N

Quando pretendemos justificar uma crença por intermédio de outras crenças estão disponíveis três alternativas
mutuamente exclusivas e igualmente desconcertantes (trilema de Agripa).

➔ Ou regredimos infinitamente na cadeia de justificações.

➔ Ou paramos arbitrariamente numa crença não justificada.

➔ Ou raciocinamos em círculo (petição de princípio).

Nenhuma destas três alternativas (as únicas possíveis, afirmam os céticos) resolve o embaraço da regressão da
justificação

Argumento da ilusão de sentidos


• Estamos cientes de que os sentidos por vezes nos enganam e que tal pode acontecer em qualquer ocasião e
com qualquer uma das modalidades sensoriais – visão, audição, tato, paladar e olfato.

• Por isso, nenhum de nós ficará surpreendido com a afirmação cética de que a nossa perceção dos objetos
fora das nossas mentes pode, por vezes, conduzir-nos à ilusão e ao erro.

• Se os sentidos nos enganam algumas vezes, então nunca podemos ter a certeza de não estarmos a ser
iludidos por eles. Assim sendo, as crenças fundadas nos intermediários percetuais não estão justificadas

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Argumento do sonho
• Se não nos é possível distinguir o sono da vigília, então existe a possibilidade de engano.

• Não podemos estar seguros de que as nossas perceções atuais representam adequadamente a realidade.

• Enquanto dormimos, não estamos a ser enganados pelas representações deste ou daquele sentido particular.

• Todos os nossos sentidos estão, simultaneamente, a ser iludidos.

Argumento do cérebro numa cuba


• Supõe que, enquanto dormia, um ser humano – tu, por exemplo – foi sedado e raptado por um cientista
malévolo e, seguidamente, levado para um laboratório. O seu cérebro foi removido e colocado num
reservatório que inclui todos os nutrientes necessários para o manter vivo. Foi, além disso, ligado a um
sofisticado computador que alimenta diretamente a rede de neurónios com estímulos eletroquímicos,
gerando representações mentais e fazendo-o acreditar que se move num mundo perfeitamente normal.
Quando a vítima acorda, a sua perceção revela que há pessoas, árvores, habitações, céu e há até um manual
de filosofia que narra uma experiência mental extravagante de um cérebro mergulhado numa cuba. Neste
cenário ilusório, as experiências sensoriais simuladas pelo computador – visuais, auditivas, táteis, olfativas e,
inclusive, de paladar – são indistinguíveis das experiências que o teu cérebro está a receber neste instante.

• Podes estar seguro de não seres um cérebro numa cuba?

• Há boas razões para excluíres como falsa esta possibilidade?

• Se a hipótese, por ínfima que seja, de sermos cérebros numa cuba não pode ser rejeitada, então parece que
não podemos saber o que quer que seja.

• Se S sabe que P, então S sabe que não é um cérebro numa cuba.

• S não sabe que não é um cérebro numa cuba.

• Logo, S não sabe que P.

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René Descartes
a resposta racionalista

A teoria racionalista
Chamamos racionalismo ás teorias epistemológicas que identificam como fonte do conhecimento o pensamento ou
razão. Os racionalistas enfatizam assim o papel do pensamento, afirmando que este, só por si e sem auxílio da
experiência, garante a aquisição e justificação do conhecimento. Neste sentido, o racionalismo é comumente
contrastado com o empirismo.

A principal fonte de aquisição e


Racionalismo
justificação do conhecimento é a
Qual é a principal fonte de razão.
aquisição e justificação do
conhecimento
A principal fonte de aquisição e
Empirismo justificação do conhecimento é a
experiência.

• Para o racionalismo, a razão só por si e sem auxílio da experiência garante a aquisição e justificação do
conhecimento.

O racionalismo é comumente contrastado com o empirismo

• O racionalismo despreza o papel dos sentidos e defende que o conhecimento deve satisfazer dois critérios:
necessidade lógica e universalidade.

• O ideal de conhecimento racionalista pressupõe a natureza dedutiva do saber a partir de primeiros princípios
ou crenças fundacionais que não são suportadas por quaisquer outras crenças e que são infalíveis (não
podem estar erradas) e indubitáveis (não podem ser postas em dúvida).

• Dado que estas crenças básicas ou fundacionais são os pilares sobre os quais se deve erguer todo o
conhecimento, afirmamos que o racionalismo abraça o fundacionalismo.

• Para o racionalismo, uma crença estará justificada, se, e só se, essa justificação representar uma prova
incontestável.

Fundacionalismo

O conhecimento é um sistema unificado de crenças cuja justificação tem por


base crenças básicas ou fundacionais que são autojustificadas.

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Conhecimento a priori: Diz-se do que pode ser conhecido através do pensamento, com a independência da
experiência.

Conhecimento a posteriori: Diz-se do que só pode ser conhecido com e através da experiência.

• Pensadores racionalista, como Descartes, atribuem ao conhecimento a priori um papel fundamental.

Da dúvida ao cogito

• Descartes procurou responder aos argumentos céticos e reabilitar a confiança na razão e, por isso, centra-se
numa questão epistemológica fundamental:

O que posso eu conhecer com certeza?

• Para refutar o ceticismo e mostrar que o conhecimento está ao nosso alcance, através da razão, Descartes
pensa ter descoberto um método infalível, a dúvida

• Rejeitar qualquer crença que admita a mais pequena dúvida, descobrir princípios indubitáveis – crenças
básicas – e, a partir deles, inferir por dedução, de modo a que tudo o que seja derivado desses princípios seja
também absolutamente certo, eis o caminho que decide seguir Descartes

• A dúvida cartesiana é distinta da dúvida cética. O objetivo de Descartes é alcançar certezas e não
permanecer na dúvida e suspender o juízo.

→ Metódica

→ Voluntária

→ Provisória

→ Universal

→ Hiperbólica

→ Sistemática

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Primeiro nível da dúvida – Os sentidos enganam-nos
• Se os nossos sentidos nos enganam, ainda que apenas algumas vezes – e é um facto incontestável que assim é –,
então o melhor é não confiarmos neles nunca.

• Manda a prudência que não confiemos neles, mesmo que algumas das crenças que neles fundámos – ou mesmo
que em larga medida – possam ser verdadeiras.

• Os sentidos não são fundamentos infalíveis.

Segundo nível da dúvida – Vigília e sono não se podem distinguir


• Mais uma vez, o exercício da dúvida metódica parece dar razão aos céticos. Não é possível distinguir o sono da
vigília.

• É perfeitamente possível que esteja neste momento a dormir e a sonhar, ainda que acredite estar acordado. A
hipótese de estar a sonhar não pode ser rejeitada.

• Os sentidos e a experiência não são fonte de verdades indubitáveis.

Terceiro nível da dúvida – A possibilidade de um génio maligno


• Suponhamos, propõe Descartes, que existe um ser infinitamente inteligente e poderoso, pleno de maldade,
um génio maligno, cujo único propósito é enganar-nos.

• Um tal ser – caso existisse – poderia fazer-nos acreditar em falsidades, poderia divertir-se, fazendo-nos crer
que temos um corpo não o tendo ou iludir-nos em relação a cálculos matemáticos simples como a soma de
dois mais dois.

• A hipótese de estarmos a ser manipulados por um espírito maléfico lança agora a desconfiança sobre as
crenças que frequentemente tomamos como certas, tal como as verdades matemáticas (a priori) e a existência
do mundo físico fora das nossas mentes.

• Não podemos confiar nos nossos sentidos nem nos poderes da razão enquanto fontes de conhecimento
fiáveis.

• O método cartesiano (a dúvida) faz surgir uma primeira certeza invulnerável à dúvida: a existência do sujeito
que duvida.

• A dúvida atua sobre todos os objetos do conhecimento, mas não pode atuar sobre a existência daquele que
assim duvida.

• Duvidar é pensar e para pensar é preciso existir.

• Seria racionalmente contraditório pensar e não existir.

• A existência do eu que pensa (ou cogito) é assim uma certeza inabalável que resiste, inclusivamente, à dúvida
hiperbólica, à extravagante ficção de um génio maligno que deliberadamente o enganasse.

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• Eu, que penso e que me posso enganar ou ser enganado ou mesmo duvidar da existência do meu corpo e da
própria realidade física, bem como de todas as crenças dos sentidos e da razão, devo necessariamente ser
qualquer coisa e não nada.

• Cogito: substância pensante descoberta por intuição racional a partir do exercício da dúvida. Primeira verdade
indubitável do sistema cartesiano.

Penso logo existo.


Eu sou, eu existo.

Do cogito á existência

Por que razão está Descartes tão seguro da certeza do cogito? O que faz com que o cogito seja invulnerável à
dúvida? Qual é a chave da indubitabilidade do sujeito que pensa? O filósofo responde: o facto de o cogito ser
percebido com clareza e distinção.

Um critério de verdade – Clareza e distinção


• Porque razão está Descartes tão seguro da certeza do cogito? O que faz com que o cogito seja invulnerável á
dúvida? Qual é a chave da indubitabilidade do sujeito que pensa? O filósofo responde: o facto do cogito ser
percebido com clareza e distinção.

• A descoberta da existência do sujeito que pensa, do cogito, acontece não por inferência a partir de outras
crenças ou conhecimentos, mas por intuição racional ou intelectual, isto é, por conhecimento direto e
imediato, sem qualquer raciocínio e sem qualquer dúvida.

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• O cogito é uma evidência, algo que é presente e manifesto a qualquer espírito atento e que, à luz da razão,
percebemos de modo preciso, nítido, com toda a clareza e distinção.

• Daqui, Descartes extrai o seu critério de verdade:

• É verdade tudo aquilo que concebemos muito clara e distintamente.

→ O cogito é uma verdade clara e distinta (evidente).

→ O cogito é uma verdade absolutamente primeira.

→ O cogito é uma verdade exclusivamente racional.

→ O cogito é uma verdade autojustificada a priori.

→ O cogito é uma crença básica ou fundacional.

→ O cogito resiste aos argumentos céticos.

→ O ceticismo global foi refutado.

Dualismo cartesiano
• Eu sou eu existo, sabe agora o filósofo. Mas o que sou eu? Sou apenas uma coisa pensante (res cogitans), uma
substância mental, cuja essência é pensar. Sou um intelecto ou uma razão que duvida, compreende, afirma,
nega, quer, não quer, imagina e sente.

• Pode Descartes, nesta fase da sua indagação, estar certo da existência do seu corpo como o está da sua mente?
Não, pois o seu corpo, ao contrário da mente, é matéria, faz parte do mundo físico, e os argumentos céticos
lançaram a suspeita sobre todas as crenças baseadas nos sentidos e na experiência.

• Esta perspetiva cartesiana é conhecida como dualismo de substâncias. O nosso corpo e a nossa mente são duas
substâncias radicalmente distintas.

• Por oposição ao cogito, cuja existência é absolutamente inegável, o seu corpo, a coisa extensa (res extensa), o
mundo físico ou substância material continua a ser dubitável.

Mente:
Coisa pensante
Substância mental (imaterial)
Dualismo de substâncias Indubitável
ou dualismo cartesiano
Corpo:
Substância física (material)
Dubitável

Três tipos de verdade


• Ao examinar a sua mente (ou pensamento), Descartes encontra três tipos distintos de ideias.

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• Inatas: Parecem fazer parte desde sempre da sua própria natureza (ideias de pensamento ou de verdade).
• Adventícias: Aparentam ter sido adquiridas através dos sentidos (ideias de sol ou de calor).
• Factícias: São invenções forjadas pela imaginação (ideias de sereia e de hipogrifo).

• Ainda que perceba de forma evidente que possui um corpo e que o mundo físico é real, que há um sol e que este
é fonte de calor, que garantia tem de que o que concebe como claro e distinto é de facto absolutamente
verdadeiro

• Para poder prosseguir, Descartes terá de afastar a possibilidade de um deus enganador e provar que aquilo que
conhece com clareza e distinção é absolutamente verdadeiro.

• Decidido a encontrar algo ou alguém exterior à sua mente que possa cumprir o papel de garante da
possibilidade de verdades indubitáveis, Descartes vai procurar comprovar a existência de um Deus
omnipotente, omnisciente e inteiramente bom.

• As duas provas que se seguem são baseadas exclusivamente na razão (a priori, portanto). Ambas têm como
ponto de partida uma mesma premissa: ter em si uma ideia de perfeição ou a ideia de um ser perfeito.

• Este é um argumento a priori que se apoia na ideia de causalidade.

• Deus é ou existe e imprimiu na mente do filósofo a ideia de perfeição como uma marca inata da ação do artista
na sua obra.

• Este é um argumento a priori que se apoia na definição de Deus – ser perfeito.

• Deus é ou existe.

• O que nos autoriza a afirmar que este ser perfeito – Deus – não é enganador? A infinita bondade divina, incluída
na sua perfeição, afirma Descartes.

(P1) Um ser sumamente perfeito tem todas as perfeições.

(P2) A bondade é uma perfeição.

(C) Logo, Deus que é perfeito não pode ser enganador.

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Deus como garante epistemológico

• Deus – ideia inata impressa no cogito como uma marca do criador na criatura e, simultaneamente, entidade
exterior à sua mente, cuja justificação se encontra na clareza e distinção com que é descoberto – garante que
aquilo que é concebido como evidente, como claro e distinto, é necessariamente.

O cogito O mundo
Deus existe
existe físico existe

• Deus suporta todo o sistema cartesiano e garante a possibilidade de construir conhecimento substancial
(crenças verdadeiras justificadas) sobre o mundo (refutação do ceticismo).

Objeções ao racionalismo cartesiano

Descartes incorre numa petição de princípio


• Alguns dos seus mais diretos adversários acusam-no, por exemplo, de ter incorrido na falácia conhecida como
petição de princípio.

• Esta objeção é conhecida como círculo cartesiano.

• Em linhas gerais, a crítica assinala o facto de o filósofo ter estabelecido que é absolutamente certo tudo o que
concebemos com clareza e distinção, pois Deus existe e não tem a intenção de nos iludir e, simultaneamente,
afirmado que Deus existe e não é enganador, já que concebemos com toda a clareza e distinção a sua existência
e bondade.

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A dúvida cartesiana é impraticável e incurável
• Um dos mais importantes críticos do racionalismo cartesiano foi David Hume, pensador do século XVIII de cujo
pensamento nos ocuparemos já no próximo capítulo.

• De acordo com David Hume, a dúvida cartesiana é universal e estende-se, por isso, a todas as nossas crenças e
princípios, mas põe também sob suspeita as faculdades mentais e as operações do intelecto.

• Assim sendo, a dúvida metódica de Descartes é, para David Hume, impraticável e incurável.

• Na melhor das alternativas, considera Hume, o filósofo racionalista estaria apenas em condições de decretar a
existência de estados de dúvida ou pensamentos.

• Não é possível progredir na cadeia de raciocínios além disto, diz Hume.

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