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O que é a filosofia?

1
Descrição e interpretação
da atividade cognoscitiva
[Filosofia do Conhecimento]
Em discussão
Teoria do conhecimento (epistemologia ou gnosiologia)

Disciplina filosófica que estuda o conhecimento,


procurando responder, entre outros, aos problemas da sua
origem, da sua possibilidade e do seu fundamento.

Problemas em discussão

• O que é o conhecimento em geral e que tipos de conhecimento existem?


• Qual é a definição tradicional de conhecimento (proposicional)?
• Será que o conhecimento é possível?
• Quais são as fontes e os modos principais de conhecimento?
• Quais foram as respostas dadas por Descartes e Hume ao desafio cético?
1. Conhecimento, justificação e desafio cético

Conhecimento

Relação que se verifica entre um sujeito


(que conhece) e um objeto (que é conhecido).

O sujeito apreende o objeto.


Tipos de conhecimento
Tipos de conhecimento

Conhecimento por contacto


Conhecimento prático Conhecimento proposicional

Atividades ou ações Proposições verdadeiras Realidades concretas

É o conhecimento de É o conhecimento de proposições É o conhecimento direto de


atividades ou ações. ou pensamentos verdadeiros. alguma realidade.

Exemplo: Exemplo: Exemplo:


saber conduzir na cidade saber que Lisboa é a capital de conhecer Lisboa (ter visitado
de Lisboa. Portugal. esta cidade).
Definição tradicional de conhecimento e objeções

Crença Verdade Justificação

Condição necessária Condição necessária Condição necessária


para o para o para o
conhecimento. conhecimento. conhecimento.

É possível ter crenças verdadeiras ou falsas, justificadas ou injustificadas.


S sabe que P se e só se:

S tem uma justificação


S acredita que P P é verdadeira para acreditar que P

Crença Verdade Justificação

Condições necessárias e conjuntamente suficientes para haver conhecimento.

É no Teeteto, de Platão, que se encontra a definição tradicional de conhecimento (uma definição tripartida):
o conhecimento é crença verdadeira justificada.
Contraexemplos de Gettier

CRENÇA VERDADE JUSTIFICAÇÃO

Não são condições suficientes para haver conhecimento.

Que outra ou outras condições são necessárias para haver conhecimento?

Será que as três condições são todas elas necessárias para haver conhecimento?

O debate em torno do problema da definição de conhecimento continua vivo.


O desafio cético

Será que o conhecimento é possível?

Ceticismo radical,
Nega a possibilidade do conhecimento.
absoluto ou global

Considera que o conhecimento é possível, mas que há


Ceticismo moderado limites nele e/ou que o saber é apenas provável.
Pirro de Élis (c. 365-275 a. C.)
foi o fundador do ceticismo radical (ceticismo
pirrónico).

Não há justificações suficientes para as nossas crenças.

Não sabemos aquilo que pensamos saber.


Argumento principal dos céticos radicais

Se há conhecimento, então há crenças justificadas.


Não há crenças justificadas.
Logo, não há conhecimento.

O argumento é válido. Será sólido?

Sendo a primeira premissa bastante consensual, o


cético radical terá de mostrar que a segunda premissa
também é verdadeira, ou seja, que não temos qualquer
crença que esteja justificada.
Argumentos contra a possibilidade do conhecimento

Erros e ilusões dos Discordância e Regressão infinita da


sentidos divergência de opiniões justificação

Não temos crenças justificadas.


Por isso, não temos conhecimento.

Tudo isto conduz à dúvida


A suspensão do juízo conduz à ataraxia (imperturbabilidade).
e à suspensão do juízo.
A resposta do fundacionalismo

Fundacionalismo

Perspetiva segundo a qual o conhecimento deve ser concebido como


uma estrutura que se ergue a partir de fundamentos certos,
seguros e indubitáveis.
Paulo acredita que
Crença A está a ver um extraterrestre.

Paulo acredita que


J Crença B está a ver uma criatura com olhos grandes.
U
S Paulo acredita que
Crença C a sua visão não o engana.
T
I
F Paulo acredita que
Crença D é uma pessoa saudável.
I
C
A
Crença E
Ç Há crenças básicas:
Fundacionalismo
à elas são o fundamento do conhecimento.
O Crença F
Não há crenças básicas:
Ceticismo radical
há uma regressão infinita da justificação.

não-básicas Não são autoevidentes e são justificadas por outras.

Crenças
básicas São autoevidentes e justificam-se a si mesmas.

As crenças básicas são crenças fundacionais, sendo infalíveis, irrefutáveis e indubitáveis.


Elas suportam o sistema do saber.
Fontes de conhecimento

Quais são as fontes de justificação das nossas crenças?

O facto de haver diferentes formas de justificar as crenças que temos por


verdadeiras remete-nos para o problema das fontes de conhecimento.

Fontes de conhecimento

Razão Experiência
(pensamento) (sentidos)
Proposição Proposição
a priori a posteriori

Proposição que pode ser Proposição que só pode ser


conhecida sem recorrer à conhecida recorrendo à
experiência. experiência.

Exemplos:
Exemplos:
• A neve é fria.
• Nenhum solteiro é casado. • A língua oficial da Região Autónoma
• 23 + 5 = 28.
da Madeira é o Português.
Modos de conhecimento

Conhecimento Conhecimento
a priori a posteriori

Conhecimento que não pode ser obtido


Conhecimento que pode ser obtido
independentemente da experiência sensível,
independentemente da experiência sensível,
ou seja,
ou seja,
é necessário recorrer aos sentidos para o obter
apenas através da razão ou do pensamento.
(conhecimento empírico).

A justificação das crenças tem por base A justificação das crenças tem por base
unicamente a razão ou o pensamento. a experiência sensível.
O racionalismo e o empirismo

Racionalismo Empirismo

Destaca a importância da razão Destaca a importância da experiência


e considera que temos algum conhecimento e considera que não temos conhecimento do mundo
do mundo sem recurso à experiência sem recorrer a ela
– conhecimento a priori acerca do mundo. – não há conhecimento a priori acerca do mundo.
Racionalismo

A razão (entendimento) Só através da razão é que se pode encontrar um


é a fonte ou a origem principal conhecimento seguro, apoiado em princípios evidentes e
do conhecimento. totalmente independente da experiência sensível (a priori).

Conhecimento de verdades necessárias


(exemplo: 4 + 5 = 9).

O modelo do conhecimento
encontra-se na matemática.
Conhecimento a priori

O conhecimento a priori é obtido pela intuição e pelo raciocínio.

Existe conhecimento a priori acerca do mundo.

Inatismo

Perspetiva segundo a qual algum do nosso conhecimento é inato.


Empirismo

A experiência é a fonte principal de conhecimento.

Não existem ideias, conhecimentos e princípios inatos.

Todo o conhecimento do mundo


tem de ser adquirido através da experiência.

É na experiência que o conhecimento tem o seu fundamento


e os seus limites.
Para os empiristas, algumas verdades podem ser conhecidas a priori.
Mas elas são desinteressantes, triviais, não-instrutivas, tautológicas e nada nos dizem acerca do mundo.

Qualquer conhecimento substancial, ou acerca do mundo,


tem de ser adquirido através da experiência.

As ideias presentes no conhecimento a priori também derivam da experiência.


Racionalismo Empirismo

A razão é a fonte principal de conhecimento. A experiência é a fonte principal de conhecimento.

Existem conhecimentos a priori acerca do mundo. Não existem conhecimentos a priori acerca do mundo.

Há conhecimento inato
Nenhum conhecimento é inato.
(mas apenas para alguns racionalistas).

As ideias fundamentais O conhecimento do mundo


descobrem-se por intuição intelectual. obtém-se através de impressões sensoriais.
2. Descartes, a resposta racionalista
René Descartes
(1596-1650)

Filósofo racionalista

A razão é a fonte principal de conhecimento:


há crenças que a razão, e apenas a razão, é capaz de justificar.

É na razão que se encontra o fundamento do conhecimento.

Descartes pretendeu mostrar que o conhecimento é possível e que,


por conseguinte, os céticos radicais não têm razão
e os seus argumentos devem ser abandonados.
O método
Evidência

Análise

Método Regras

Síntese

Enumeração
e revisão
Deve guiar o espírito no exercício das
duas operações fundamentais do
entendimento.
Operações fundamentais do entendimento

Intuição Dedução

Ato puramente intelectual ou Ato de concluir, a partir de


racional de apreensão direta e determinadas verdades
imediata de noções ou ideias tomadas como princípios,
simples, evidentes e outras que lhes estão
indubitáveis. necessariamente ligadas.
Sabedoria humana
Moral

Medicina
permanece una e idêntica, por muito diferentes
que sejam os objetos a que se aplique.
Mecânica

Física

A filosofia é comparada a uma árvore:


• raízes – metafísica;
• tronco – física;
• ramos – todas as outras ciências, sendo as três
principais a medicina, a mecânica e a moral.
Metafísica
É pela metafísica que se deve começar.
A dúvida
Dúvida

Constitui uma exigência quando a razão inicia a aplicação do método.

Dúvida metódica

Recusar (ou tomar como falsas) todas as crenças em relação às quais


se levante a mínima suspeita de dúvida ou de incerteza.

A dúvida é posta ao serviço da verdade e da procura


de uma justificação para as nossas crenças.
Descartes – perspetiva infalibilista

O conhecimento é incompatível com a possibilidade do erro:


as justificações para as nossas crenças terão de garantir a verdade de tais crenças.

Se alguma crença resistir à dúvida, poderá ser a base ou o fundamento para outras crenças.
Uma crença fundacional permitirá evitar a regressão infinita da justificação.
Razões para duvidar

Hipótese
Falta de critério
Ilusões e enganos Enganos e da existência de um
para distinguir
dos sentidos erros de raciocínio deus enganador ou
o sonho da vigília
génio maligno

Pode existir um ser


Dado que não sabemos poderoso que faz com
Os sentidos por vezes se estamos a sonhar, Alguns seres humanos que estejamos sempre
enganam-nos iludem- não temos justificação enganaram-se e enganados: no tocante
nos, e é prudente nunca para acreditar que cometerem erros ao às verdades e às
confiar totalmente estamos despertos. raciocinar, inclusive nas demonstrações das
naqueles que nos Assim, também não questões mais simples matemáticas, às
enganaram, mesmo que sabemos se as nossas da geometria e da crenças sobre os
só uma vez. perceções sensíveis matemática em geral. objetos físicos, e à
são ou não ilusórias. própria existência do
mundo exterior.
Características da dúvida

Metódica e provisória Hiperbólica Universal e radical Voluntária

É um meio para atingir, Incide sobre todas as


É uma dúvida
de modo organizado, nossas crenças (a priori
exagerada ou levada ao
um conhecimento e a posteriori) e põe em Não é uma dúvida
extremo. Considera
seguro, a certeza e a questão a possibilidade sofrida em termos
como falso tudo aquilo
verdade, não de construir o psicológicos, mas sim
que for meramente
constituindo um fim em conhecimento (as artificial e estabelecida
duvidoso ou em que se
si mesma. Mantém-se faculdades do livremente.
note a mínima suspeita
apenas até se descobrir conhecimento são
de incerteza.
algo indubitável. postas em causa).
Dúvida

Possui uma função catártica.

Liberta o espírito dos erros que o podem perturbar ao longo


do processo de indagação da verdade.

Permite que nos libertemos dos juízos precipitados que formulámos na infância,
dos preconceitos adquiridos, das opiniões erróneas, da confiança cega nas
informações dos sentidos, assim como da tradição e da autoridade.
Da dúvida ao cogito

Cogito
Dúvida Sou um ser Afirmação Não posso
– “Penso,
– ato livre que pensa e da minha duvidar
logo
da vontade. duvida. existência. sem existir.
existo”.
Critério de verdade

Clareza Distinção

Evidência

Equivale à
separação de uma
Diz respeito à
ideia relativamente
presença da ideia à
a outras, de modo
mente que a
que ela não
considera com
contenha elementos
atenção.
que não lhe
pertençam.
É um princípio É conhecido por
É uma ideia clara e
evidente e indubitável, intuição
distinta
uma certeza – é uma verdade da
– uma ideia evidente.
inabalável. razão (a priori).

Fornece o critério de
verdade.
Cogito É a primeira verdade.

É uma crença Revela o atributo


É uma crença
autoevidente e essencial da alma:
fundacional ou básica.
autojustificada o pensamento.
Do cogito a Deus
Cogito

Não é suficiente para garantir que a existência do corpo ou de um mundo exterior e independente do pensamento.

Embora tendo um critério de verdade, o sujeito pensante, limitado e imperfeito, é incapaz, por si só,
de garantir a verdade objetiva daquilo que pensou com clareza e distinção.

Também ainda não afastámos a hipótese da existência do génio maligno ou deus enganador.

É necessário demonstrar a existência de um Deus que não nos engane,


ultrapassando o solipsismo e quaisquer ameaças do ceticismo radical.
Ideias

Atos mentais (ou modos Representações, quadros


de pensamento). ou imagens das coisas.

As ideias possuem um conteúdo que representa alguma coisa.


Tipos de ideias

Adventícias Factícias Inatas

Têm origem na São ideias


experiência sensível, São fabricadas pela constitutivas da
nas impressões que imaginação, a partir de própria razão e já as
os objetos físicos outras ideias. possuímos à
causam nos sentidos. nascença.

Exemplos: Exemplos: Exemplos:


• ideias de cavalo e de • ideias de centauro e • ideias de triângulo e
rio. de sereia. de Deus.
Ideia de ser perfeito

Um ser omnisciente, sumamente inteligente, infinito, eterno, independente,


omnipotente, sumamente bom e criador de toda a realidade.

Esta ideia serve de ponto de partida para a


investigação relativa à existência de Deus.
Provas da existência de Deus

O sujeito pensante e imperfeito


A causa da ideia de ser perfeito A existência faz parte da
não pode existir se Deus não
terá de ser Deus. essência de Deus.
existir.

Logo, Deus existe.


É a garantia da verdade das É um ser perfeito, bom
É infinito e a fonte do bem.
ideias claras e distintas. e não é enganador.

Deus: Embora criador do Universo,


É o criador das verdades importância no não é autor do mal nem
eternas, a origem do ser e o sistema responsável pelos nossos
fundamento da certeza. cartesiano erros.

Confere valor à ciência e É o princípio do ser


objetividade ao conhecimento. e da verdade.

Provada a existência de Deus, Descartes irá deduzir muitas verdades, provando igualmente a existência do
corpo e de um mundo exterior.

Será agora possível construir o edifício do conhecimento e superar todos os argumentos dos céticos radicais
Os três tipos de substâncias e o fundacionalismo de Descartes

Tipos de substâncias

Substância Substância Substância


pensante extensa divina

Vários atributos,
Pensamento Extensão decorrentes da
perfeição infinita.

Atributos essenciais
Dualismo cartesiano

Alma (mente) Corpo

Substância pensante Substância extensa


(desprovida de extensão) (desprovida de pensamento)

Dualismo substancial
Principais verdades
(das quais se deduzirão outras)

Existência do eu Existência de Existência de


pensante (alma), Deus, ser perfeito, corpos extensos
traduzida no com os atributos em comprimento,
cogito. respetivos. largura e altura.
Fundacionalismo racionalista de Descartes

O fundamento do conhecimento encontra-se no cogito, enquanto


crença básica ou fundacional e primeira verdade, e noutras
ideias claras e distintas da razão, obtidas de modo intuitivo.

Mas só Deus é que permite construir o edifício do conhecimento.


Críticas a Descartes
Objeção ao cogito: Descartes
apenas poderia ter intuído a
existência do pensamento e não a
de um eu pensante.

Objeções em torno da ideia de ser


Objeção do círculo cartesiano:
perfeito: esta pode não ter sido
Descartes terá incorrido num Críticas a
causada por um ser perfeito;
argumento circular ou petição de Descartes Descartes pode estar a ser
princípio.
enganado pelo génio maligno.

Objeção ao dualismo cartesiano:


dificuldade em explicar a interação
da alma com o corpo.
3. Hume, a resposta empirista

David Hume
(1711-1776)

Filósofo empirista

Privilegia a experiência e o conhecimento a posteriori.

A capacidade cognitiva do entendimento humano é limitada.

É na experiência que deve ser procurado o fundamento do


conhecimento.

O conhecimento deriva fundamentalmente da experiência.


Impressões e ideias
Perceções
– conteúdos na mente

Ideias
Impressões maior
Grau de menor (pensamentos)
força e
vivacidade

Perceções mais fortes e vivas As ideias derivam Perceções menos fortes e


(sensações, emoções e das impressões, vivas (representações das
paixões). são cópias delas. impressões).

Exemplo: Princípio da cópia Exemplo:


• impressão visual de uma • a imagem da árvore na
árvore. memória.

Não existem ideias inatas.


Não admitem qualquer separação ou divisão.

Simples

Exemplo: Exemplo:
• impressão de um • ideia de um tom de
tom de azul. azul.
Ideias
Impressões (pensamentos)
Exemplo: Exemplo:
• impressão de uma • ideia de uma
equipa de futebol. equipa de futebol.

Complexas

Podem ser divididas em partes, resultando da combinação


das impressões ou das ideias simples.
Modos de conhecimento
Modos de conhecimento

Conhecimento de relações de ideias Conhecimento de questões de facto


(conhecimento a priori) (conhecimento a posteriori)

As proposições expressam As proposições expressam


verdades necessárias. verdades contingentes.

“3 + 4 = 7.” “O Porto é uma cidade.”


“Nenhum casado é solteiro.” “O rio Tejo nasce em Espanha.”
Exemplos
“Um carro azul tem cor.” “Kant escreveu sobre ética.”
“Chove ou não chove.” “Alguns metais dilatam no verão.”

Não temos conhecimento a priori sobre o mundo.


A causalidade

Princípios de conexão entre as ideias

Contiguidade Causalidade
Semelhança
no tempo e no espaço (relação de causa e efeito)

Exemplo: Exemplo: Exemplo:


• um retrato de alguém leva • a lembrança de uma ponte • uma fogueira (causa) faz
os nossos pensamentos leva-nos a pensar no rio ou pensar no calor (efeito) que
para a pessoa retratada. nas suas margens. se lhe segue.
Impressões atuais e recordações de impressões passadas

Só com base nelas é que podemos justificar as nossas crenças.

Mas há factos que esperamos que se verifiquem no futuro e há afirmações que fazemos e
que não podemos justificar se nos basearmos apenas no testemunho da memória ou na
experiência imediata dos sentidos – afirmações que vão para além da experiência.

Segundo Hume, é na relação de causa e efeito


que se baseiam todos os nossos raciocínios acerca dos factos.
Conhecimento da relação de causa e efeito

Não é obtido por raciocínios a priori (pela razão), mas deriva totalmente da experiência.

A razão, sem a ajuda da experiência,


é incapaz de fazer inferências a respeito de questões de facto.
Relação de causa e efeito

É normalmente concebida como sendo uma ligação ou conexão necessária.

Mas não dispomos de qualquer impressão que corresponda à ideia de


conexão necessária entre dois fenómenos.

A única coisa que a experiência nos revela é que entre dois fenómenos, eventos
ou objetos se verifica uma conjunção constante.

A ideia de conexão necessária tem apenas um fundamento psicológico:


é o hábito ou costume que cria em nós a expectativa
de que essa conjunção constante continuará a verificar-se no futuro.
Ideia de conexão necessária

É uma criação da nossa mente,


não sendo originada por qualquer propriedade objetiva das coisas.

É devido ao hábito que a mente projeta no mundo a ideia de


conexão necessária entre fenómenos.

O hábito não é um princípio de justificação racional,


mas sim um mecanismo psicológico
e um guia imprescindível na prática da vida.
Em que se baseiam
Na relação de causa e efeito.
os nossos raciocínios acerca dos factos?

Através da experiência,
Como chegamos a conhecer a relação de
ao observarmos
causa e efeito?
conjunções constantes.

O que nos leva a acreditar que há uma


O hábito ou costume.
conexão necessária entre causa e efeito?

A causalidade consiste numa conjunção constante que observamos entre


acontecimentos, sendo que o sentimento de expectativa
decorrente do hábito nos leva a considerá-la uma conexão necessária.
Não há um fundamento objetivo para a ideia de conexão necessária entre causas e efeitos.

Hume apresenta uma perspetiva cética a respeito do conhecimento científico dos fenómenos.
O problema da indução

Problema da indução

Problema de saber se as inferências indutivas


estão ou não justificadas.

Hume defende que não estão, mostrando-se cético


em relação ao papel que a razão desempenha ao
tentar justificar essas inferências.
Indução

Por generalização Por previsão

Até hoje, todas as galinhas que


Observámos 300 galinhas e
observámos tinham o corpo coberto
constatámos que todas tinham o
Exemplos de penas. Logo, a próxima galinha
corpo coberto de penas.
que observarmos terá o corpo
Logo, todas as galinhas têm penas.
coberto de penas.

Nestas duas inferências, vamos para lá da experiência.


Mas será que as premissas justificam racionalmente as conclusões?
Princípio da uniformidade da natureza

O futuro assemelha-se ao passado, isto é,


a natureza sempre funcionará da mesma forma,
de modo previsível e regular.

Será que este princípio é racionalmente justificável?


Será que o princípio da uniformidade da natureza (PUN) é racionalmente justificável?

Se o PUN for racionalmente justificável,


então há um bom argumento indutivo ou um bom argumento dedutivo a seu favor.

O PUN não é uma verdade conceptual,


Qualquer argumento indutivo a favor do
nem se deduz das observações
PUN é circular.
efetuadas até agora.

Não há um bom argumento indutivo nem um bom argumento dedutivo a favor do PUN.

Logo, o PUN não é racionalmente justificável.


O princípio da uniformidade da natureza não é racionalmente justificável

Não há justificação racional para as conclusões dos argumentos indutivos.

Não temos uma justificação racional para confiar na indução


ou para acreditar que ela é fiável.

As leis científicas, que se baseiam na indução, são injustificáveis.

O que nos leva a acreditar na regularidade da natureza, e está na base das


nossas inferências indutivas, é o hábito ou costume.
O eu, o mundo exterior e Deus

Existe o eu?

Cada ser humano é apenas um feixe ou coleção de diferentes perceções que se sucedem umas às outras.

Não temos boas razões para pensar que exista, que tenha essas perceções.
Existe o mundo exterior?

Existe um mundo independente da nossa perceção ou dos nossos conteúdos mentais?

A única realidade de que estamos certos é constituída por perceções (impressões e ideias). Assim,
também não sabemos se as perceções são causadas por objetos exteriores.

A crença na existência do mundo exterior não é justificável em termos racionais.


Existe Deus?

Hume colocou objeções a algumas provas da existência de Deus,


o que não significa que negasse categoricamente a existência de tal ser.

Mas a afirmação de que Deus existe não é racionalmente justificável.


Eu Mundo exterior Deus

Não temos boas razões para sustentar a crença na sua existência.

Apenas temos acesso


às perceções – Experiência
conteúdos mentais

O eu, o mundo exterior e Deus não são objetos de qualquer impressão.


O ceticismo moderado e o fundacionalismo de Hume

Ceticismo de Hume

Muitas das coisas que julgamos saber


não as sabemos de facto.

É um ceticismo
Não é um ceticismo
• Não observamos conexões mitigado
radical ou pirrónico.
necessárias entre fenómenos; ou moderado.
• A indução não é fiável;
• Não são racionalmente justificáveis
as crenças em realidades que
transcendam o domínio da
experiência.
Impressões dos sentidos

Fundamento do Crenças básicas – crenças de que se


conhecimento está a ter determinada experiência.

Impossibilidade de justificar as crenças acerca do que


não é objeto de observação.

Grande parte das nossas crenças não é conhecimento.


Críticas a Hume

Críticas a Hume

Contraexemplo ao princípio da cópia Objeção à noção de causa

Nem sempre há uma correspondência


entre a conjunção constante e a
O tom de azul desconhecido.
relação causal
(tal como Hume a entende).
4. Análise comparativa das teorias de Descartes e Hume

Descartes – Racionalismo Hume – Empirismo

Origem
A experiência (as impressões) é a
do A razão ou pensamento é a fonte
fonte principal de conhecimento.
conhecimento principal de conhecimento.
Não existem ideias inatas. Todas as
Existem ideias inatas. A partir
ideias derivam de impressões. Hume
delas é possível obter o
sublinha a importância do raciocínio
conhecimento, mediante a intuição
indutivo, embora considere que a
e a dedução.
indução não é fiável.
Existe conhecimento a priori
Não existe conhecimento a priori
acerca do mundo. É nele que o
acerca do mundo. Todo o conhecimento
conhecimento a posteriori encontra
acerca do mundo tem origem na
o seu fundamento.
experiência (é a posteriori).
Descartes – Racionalismo Hume – Empirismo

Possibilidade O conhecimento é possível. Mas,


Descartes adotou um ceticismo dado o carácter injustificável da
do metódico. Depositando inteira
conhecimento indução e a impossibilidade de saber
confiança na razão, mostrou que o se há relações causais reais entre os
conhecimento é possível e que fenómenos, aquilo que podemos
podemos conhecer muitas coisas, conhecer é menos do que
usando essencialmente a razão. O supomos. O ceticismo radical é
ceticismo radical saiu derrotado. impraticável. A adoção do ceticismo
moderado constitui a atitude correta.
Podemos ter ideias claras e
distintas dos atributos essenciais Não temos justificação racional para
de três tipos de substâncias, de afirmar a existência de algo que
cuja existência também temos a ultrapasse as perceções. Não temos
certeza: as substâncias qualquer impressão de: um eu, um
pensante, extensa e divina. mundo exterior, Deus.
Descartes – Racionalismo Hume – Empirismo

Fundamento O fundamento do conhecimento


O fundamento do conhecimento
do encontra-se na razão, mais
encontra-se na experiência, mais
conhecimento propriamente no cogito e em
propriamente nas crenças
outras crenças básicas, claras e
básicas que derivam das
distintas.
impressões dos sentidos.
Todavia, só Deus é que permite
Todavia, não há forma de
construir o edifício do
justificar as crenças acerca do
conhecimento, pois só ele é
que não é objeto de observação.
garantia de verdade.

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