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1.

Descrição e interpretação
da atividade cognoscitiva – Filosofia
do Conhecimento

Elaborado de acordo com as Aprendizagens Essenciais


1.1. O que é o conhecimento?
GNOSIOLOGIA

TEORIA DO
CONHECIMENTO

Disciplina filosófica que estuda o conhecimento, procurando


esclarecer e analisar criticamente problemas relativos, por
exemplo, à origem, às fontes, à natureza, à possibilidade, aos
fundamentos e aos limites do conhecimento.

O conceito de epistemologia (que mais adiante exporemos)


também por vezes aparece como sinónimo de gnosiologia.
ALGUMAS QUESTÕES
GNOSIOLÓGICAS

O que é o conhecimento?
Quais as fontes do conhecimento?
Qual a origem do conhecimento?
Será que o conhecimento é possível?
Qual o fundamento do conhecimento?
CONHECIMENTO

Um SUJEITO apreende um OBJETO

Aquele que Aquilo que é


conhece conhecido

CORRELAÇÃO: o sujeito só é sujeito em relação a um objeto


e este só é objeto em relação a um sujeito.

INTERAÇÃO: o sujeito interage com a realidade, e é desse


processo que o conhecimento emerge.

Representar o objeto é também, em certa medida, construí-lo.


ATO DE CONHECIMENTO

É inseparável de um contexto.

Existem diferentes tipos de Existe uma pluralidade


conhecimentos. de experiências.

EXPERIÊNCIA: Apreensão, por parte de um sujeito, de uma realidade, um modo de fazer,


uma maneira de viver, etc., constituindo, em muitos casos, um modo de conhecer algo
imediatamente antes de todo o juízo que se formula sobre aquilo que se apreende.
TIPOS DE CONHECIMENTO
Conhecimento prático Conhecimento proposicional Conhecimento por contacto
(conhecimento por aptidão ou (saber-que): conhecimento que conhecimento direto de
saber-como): conhecimento de tem por objeto proposições ou alguma realidade: pessoas,
atividades ou ações, relativo à pensamentos verdadeiros. É o lugares, estados mentais, etc.
capacidade, aptidão ou conhecimento de verdades.
competência para fazer alguma
coisa.

Objeto: Objeto: Objeto:


atividades ou ações proposições verdadeiras realidades concretas

Exemplos: saber cozinhar, Exemplos: saber que “3 + 53 = Exemplos: conhecer


saber conduzir, saber consertar 56”; saber que “Augusto foi um pessoalmente o Dalai Lama;
calçado, saber dançar. imperador romano”; saber que conhecer Madrid, no sentido
“os ovos têm proteínas”. de ter visitado esta cidade;
conhecer uma dor por tê-la
experimentado.
NOTA: O conhecimento proposicional também, por vezes, se designa por
conhecimento factual, podendo ser expresso com outras locuções, como
«sei onde» («Sei onde está o livro»), «sei quando» («Sei quando aconteceu
a Revolução Francesa»), «sei quem» («Sei quem escreveu “Os Maias”»).
CONTEXTO

SUJEITO INTERAÇÃO OBJETO

Aquele que Conhecimento Aquilo que é


conhece conhecido

Conhecimento Conhecimento Conhecimento por


prático proposicional contacto
CONHECIMENTO PROPOSICIONAL
(SABER-QUE)

Proposições verdadeiras Proposições falsas

Relação adequada entre


o sujeito cognoscente e a
realidade.
Condição necessária do
CRENÇ
conhecimento.
A

O verdadeiro e o
Atitude de adesão a uma falso de qualquer
Saber é acreditar determinada proposição, crença dependem
naquilo que se sabe. tomando-a como de algo exterior à
verdadeira. própria crença.

A crença é uma condição necessária do conhecimento. Mas as crenças podem ser verdadeiras ou falsas.
DEFINIÇÃO TRADICIONAL DE CONHECIMENTO

CONDIÇÕES DO CONHECIMENTO

CRENÇA VERDADE JUSTIFICAÇÃO

S dispõe de
S acredita que P. P é verdadeira. justificação ou
provas para
acreditar que P.

S sabe que P se, e só se:


CONHECIMENTO – DEFINIÇÃO TRIPARTIDA

CRENÇA VERDADEIRA JUSTIFICADA

PLATÃO – DIÁLOGO TEETETO

Todas as três
condições são Crença, verdade e
necessárias justificação:
para que haja condições
conhecimento. necessárias, e
Consideradas conjuntamente
isoladamente, suficientes, para que
nenhuma delas haja conhecimento.
é suficiente.
1.2. Análise comparativa de duas teorias
explicativas do conhecimento
1.2.1. O problema da origem e da
possibilidade do conhecimento: o desafio
cético
FONTES DO CONHECIMENTO

Fontes de justificação das nossas


PENSAMENTO crenças, ou fontes da justificação SENTIDOS
OU RAZÃO que apresentamos para mostrar (EXPERIÊNCIA SENSÍVEL)
que as nossas crenças, as nossas
proposições ou os nossos juízos
Juízos a priori são verdadeiros. Juízos a posteriori
Exemplo: Exemplo:
«5 + 5 = 10». «A Terra é ligeiramente
achatada nos polos».

Juízos cuja verdade é conhecida


independentemente da experiência, Juízos cuja verdade é conhecida
tendo, portanto, origem e justificação através da experiência sensível,
no pensamento ou razão. das impressões dos sentidos,
tendo aí a sua justificação.
MODOS DE CONHECIMENTO

Conhecimento a priori Conhecimento a posteriori

Baseia-se em juízos a priori, tendo a sua Baseia-se em juízos a posteriori, tendo a sua
fonte ou origem no pensamento ou na razão. origem na experiência sensível (ou nos sentidos).
A justificação dessas crenças encontra-se no É o conhecimento empírico: a justificação dessas
pensamento ou razão. crenças encontra-se na experiência.

Exemplos Exemplos

Uma linha reta pode ser prolongada O António é alto.


indefinidamente em ambas as direções. A neve é branca e fria.
2 + 2 = 4. Algumas plantas realizam a fotossíntese.
Uma caixa azul tem cor.
Duas doutrinas filosóficas que privilegiam diferentemente as fontes de que provêm os conhecimentos

ORIGEM DO CONHECIMENTO

RACIONALISMO EMPIRISMO
(Racionalismo do século XVII) (Empirismo inglês do século XVIII)

Filósofos: Filósofos:
René Descartes John Locke
(1596-1650) (1632-1704)
Gottfried Leibniz George Berkeley
(1646-1716) (1685-1753)
Bento de Espinosa David Hume
(1632-1677) (1711-1776)
Nicolas Malebranche
(1638-1715)
RACIONALISMO

A razão (entendimento) é a
fonte principal do
conhecimento.

Só através da razão é que se pode encontrar um conhecimento seguro, o qual se apoia


em princípios evidentes, sendo totalmente independente da experiência sensível.

Tal conhecimento, que é a priori, é considerado necessário – tem de ser assim e não
pode ser de outro modo, de contrário entraríamos em contradição lógica – e universal
– tem de ser assim sempre e em toda a parte.

O modelo do conhecimento ou do
saber é-nos dado pela matemática.
Desconfiança dos sentidos:
Ideias inatas: Os racionalistas não negam a
As ideias existência do conhecimento
fundamentais do empírico, mas este não pode ser
conhecimento já considerado universal e
nascem connosco. necessário. As crenças e
informações que se obtêm
através dos sentidos são, muitas
vezes, confusas ou incertas.
RACIONALISMO

Intuição e dedução:
As ideias fundamentais
Otimismo racionalista:
descobrem-se por
Há uma correspondência
intuição intelectual. O
entre a ordem do
conhecimento constrói-
pensamento e a ordem da
se de forma dedutiva
realidade, existindo
(privilegia-se o raciocínio
conhecimentos a priori
dedutivo).
acerca do mundo
EMPIRISMO

A experiência é a fonte
principal do conhecimento.

Não existem ideias, conhecimentos ou princípios inatos. O


entendimento humano é, antes de qualquer experiência, como
uma tábua rasa ou uma folha de papel em branco.

Todas as ideias têm uma base empírica, até as mais


complexas. O conhecimento do mundo obtém-se
através de impressões sensoriais.
Desvalorização do
conhecimento a priori:
Rejeição do inatismo: Embora neguem os
Nada, à nascença, se conhecimentos inatos, os
encontra escrito na empiristas não negam o
mente; só com a conhecimento a priori.
experiência isso se Esse conhecimento existe,
tornará possível. só que nada nos diz de
importante ou de
substancial acerca do
EMPIRISMO mundo.

Primazia da
indução:
Privilegia-se o Significado da
raciocínio indutivo. experiência:
É nela que o
conhecimento tem o
seu fundamento e os
seus limites.
FUNDACIONALISMO

O conhecimento deve ser concebido como uma estrutura que se ergue e se


desenvolve a partir de fundamentos certos, seguros e indubitáveis.

RAZÃO Combinação da EXPERIÊNCIA


RAZÃO e da
EXPERIÊNCIA

RACIONALISMO EMPIRISMO
FUNDACIONALISMO De acordo com a definição tradicional de
conhecimento, uma crença encontra-se justificada se
tivermos razões para pensar que ela é verdadeira.

Uma crença é justificada por outra, a qual por sua vez


é justificada por outra e assim sucessivamente.

A justificação é inferencial: a crença justificada infere-


se daquela que a justifica.

Corre-se o risco da regressão infinita da justificação.

permitem evitar a

crenças básicas ou fundacionais


FUNDACIONALISMO

Crenças básicas Crenças não básicas

infalíveis – não podem estar erradas

incorrigíveis – não podem ser refutadas

indubitáveis – não podem ser postas em dúvida

Suportam o sistema do saber.


São justificadas por outras
Não necessitam de uma
crenças, ou inferem-se de outras
justificação fornecida por
crenças, não sendo
outras crenças, porque se
autoevidentes.
justificam a si mesmas, sendo
autoevidentes.
POSSIBILIDADE DO
CONHECIMENTO

Racionalistas e empiristas admitem, portanto, que o


conhecimento (proposicional) é possível. Mas será que o
conhecimento é mesmo possível? Será possível ter uma
crença verdadeira devidamente justificada acerca de alguma
realidade?

O dogmatismo é uma O ceticismo, na sua


perspetiva que forma radical, nega
considera que o que o conhecimento
conhecimento é possível, seja possível.
confiando sobretudo na
razão. (Mas o termo
“dogmatismo” possui
diversos significados.)
DOGMATISMO

QUATRO ACEÇÕES DO TERMO

Posição própria do Confiança absoluta Completa Exercício da razão,


realismo ingénuo – num órgão submissão, sem em domínios
ausência de exame determinado de exame pessoal, a metafísicos, sem
crítico das conhecimento, certos princípios uma crítica prévia
aparências. sobretudo a razão. ou à autoridade do seu poder ou da
que os impõe ou sua capacidade.
revela.

É o dogmatismo O conhecimento é Expressando uma Opõe-se ao


ingénuo. Não possível. Esta ausência de criticismo (Kant).
coloca o problema perspetiva opõe- espírito crítico,
do conhecimento. se, de certo modo, esta atitude não é
Não ocorre ao ceticismo. própria da filosofia
propriamente na
filosofia.
CETICISMO ABSOLUTO OU RADICAL

Corrente filosófica que afirma a impossibilidade


do conhecimento

Mesmo que as nossas crenças


sejam verdadeiras, não temos
justificações suficientes para Pirro de Élis
mostrar essa verdade. Nem a razão (c. 365-275 a. C.)
nem a experiência justificam
devidamente e de modo Sexto Empírico
satisfatório as nossas crenças. (séculos II-III d. C)
O filósofo Sexto
Empírico (séculos II-
III d. C), também
cético pirrónico,
apresentou os
Suspensão do juízo
argumentos que
conduziam à dúvida
Estado de
relativamente às neutralidade em
justificações das que nada se afirma
crenças e que e nada se nega.
levavam os céticos à:
Conduz à ataraxia
ou ausência de
perturbação.
CETICISMO RADICAL Os enganos e as ilusões dos
sentidos. Existem,
relativamente ao mesmo
objeto, sensações e perceções
Argumentos para diferentes, e até incompatíveis;
a suspensão do juízo e os objetos, pelas diversas
formas como nos surgem,
desencadeiam ilusões e
aparências.

Nada se pode compreender por si.


A discordância e a divergência Nada pode ser compreendido com
de opiniões. base noutra coisa: para justificar
Se existem opiniões uma crença tem de se recorrer a
divergentes, então nenhuma se outra, e assim ou caímos num
encontra adequada ou círculo vicioso ou temos de recorrer
suficientemente justificada, o a outras crenças, numa cadeia de
que torna impossível que nos justificação até ao infinito –
decidamos por uma ou outra. regressão infinita da justificação.
CETICISMO
RADICAL

Pode ser considerado autocontraditório ou autorrefutante.

Afirma que o conhecimento é impossível,


mas, ao afirmar isso, já exprime um conhecimento.
CETICISMO MITIGADO
OU MODERADO

Não estabelece a impossibilidade do conhecimento,


mas sim a impossibilidade de um saber rigoroso.

Não podemos afirmar se este ou aquele juízo é ou


não verdadeiro, se corresponde ou não à realidade,
apenas podemos dizer se é ou não provável ou
verosímil.

Contradição: o conceito de «probabilidade»


pressupõe o de «verdade».
CETICISMO

Importante no nosso desenvolvimento intelectual.

Inconformismo perante as soluções apresentadas e


busca de novas soluções.

Ceticismo Ceticismo
metódico sistemático
e radical

É um meio para Adota a dúvida como


alcançar a certeza e a um princípio definitivo.
verdade.
1.2.2. Descartes, a resposta racionalista
RENÉ DESCARTES
(1596-1650)

Filósofo racionalista

A razão a fonte principal do conhecimento:


fonte de um conhecimento caracterizado pela
universalidade e pela necessidade.

Descartes procurou na razão os fundamentos do conhecimento.

Há crenças que a razão, e apenas a razão, é capaz de justificar.

Tentativa de superação dos argumentos dos céticos radicais.


Proposições da matemática

Têm origem racional e a priori.

Método inspirado na matemática.

REGRAS DO MÉTODO

Evidência Análise Síntese Enumeração /


revisão

Não aceitar nada Dividir cada uma Conduzir por Fazer enumerações
como verdadeiro das dificuldades ordem os tão completas e
se não se em tantas partes pensamentos, revisões tão gerais,
apresentar à quantas as começando pelo que tivesse a
consciência como necessárias para mais simples e certeza de nada
claro e distinto, melhor as resolver. fácil de omitir.
sem qualquer compreender e
margem para subir
dúvidas. gradualmente para
o mais complexo.
REGRAS DO MÉTODO

Permitem guiar a razão (o bom senso),


orientando duas operações fundamentais:

Intuição Dedução

Representação da mente pura e «O que se conclui


atenta, tão fácil e distinta que necessariamente de outras coisas
nenhuma dúvida nos fica acerca do conhecidas com certeza.»
que compreendemos. Ato Encadeamento e sucessão de
puramente intelectual ou racional intuições, implicando um
de apreensão direta e imediata de movimento contínuo do
noções simples e indubitáveis. pensamento, desde as ideias
simples e evidentes até às
consequências necessárias.
SABEDORIA HUMANA

Permanece una e idêntica: a filosofia é comparada a uma árvore:

moral

mecânica medicina

física

metafísica
DÚVIDA
Se alguma crença
resistir à dúvida,
Recusar todas as crenças em que se note a então ela poderá
mínima suspeita de incerteza. ser a base ou o
fundamento para
É um instrumento da luz natural ou razão, posto as restantes.
ao serviço da verdade e da procura de uma
justificação para as nossas crenças.

RAZÕES QUE JUSTIFICAM A DÚVIDA – dúvida metódica

Por causa dos Porque os Porque não Porque alguns Porque pode
preconceitos e sentidos são dispomos de um seres humanos se existir um Deus
dos juízos muitas vezes critério que nos enganaram nas enganador ou um
precipitados que enganadores: permita discernir demonstrações Génio maligno,
formulámos na convém fazer de o sonho da vigília. matemáticas. que nos iludem,
infância. conta que nos fazendo com que
enganam sempre. estejamos
sempre
enganados.
Deus enganador e/ou Génio maligno

Não existe consenso entre os comentadores no tocante a


saber se se trata ou não da mesma figura.

A hipótese da existência do Deus enganador e a hipótese da


existência do Génio maligno conferem um carácter
metafísico à dúvida.

Trata-se de admitir que o entendimento humano é de tal


natureza que se engana sempre, mesmo quando pensa
captar a verdade.
Metódica e provisória Universal e radical

É um meio para atingir


um conhecimento Incide sobre o
seguro, a certeza e a conhecimento em
verdade, não geral, sobre os seus
constituindo um fim fundamentos e suas
em si mesma. raízes, pondo em
Mantém-se apenas até causa a possibilidade
se descobrir algo de o construir (as
CARACTERÍSTICAS faculdades do
indubitável. DA DÚVIDA conhecimento são
postas em causa).

Hiperbólica Voluntária

É uma dúvida levada Não é uma dúvida


ao extremo. Considera sofrida em termos
como falso tudo aquilo psicológicos, mas sim
em que se note a artificial e
mínima suspeita de estabelecida
incerteza. livremente.
DÚVIDA

SUSPENSÃO DO JUÍZO

Tem uma função catártica, já que liberta o espírito dos erros que o
podem perturbar ao longo do processo de indagação da verdade.

Abre caminho à possibilidade de reconstruir, com fundamentos sólidos,


o edifício do saber.
Dúvida – ato
livre

Ser que «Penso, logo


Cogito –
pensa e existo.»
verdade
duvida («Cogito,
incontestável
ergo sum.»)

Afirmação da
minha
existência
CARACTERÍSTICAS DO COGITO

É um princípio evidente e indubitável, uma certeza inabalável

Obtém-se por intuição, de modo inteiramente racional e a priori

Serve de paradigma das afirmações verdadeiras: fornece o critério de verdade

É uma crença fundacional ou básica relativamente ao sistema do saber

Apresenta uma condição necessária da dúvida; impõe uma exceção à sua universalidade

É uma crença autoevidente e autojustificada: impede a regressão infinita da justificação

Revela a natureza ou a essência do sujeito: o pensamento

Refere-se a toda a atividade consciente. Ele é o atributo essencial da alma (substância


pensante), a qual é distinta do corpo e é conhecida antes dele e de tudo o resto.
CRITÉRIO DE VERDADE

CLAREZA DISTINÇÃO

Um conhecimento claro é Um conhecimento distinto


aquele que se encontra é aquele que se diferencia
presente e manifesto a um EVIDÊNCIA de todos os outros,
espírito atento. A clareza diz, permitindo que o objeto
assim, respeito à presença da conhecido se distinga dos
ideia à mente que a demais. A distinção
considera com atenção. equivale à separação de
uma ideia relativamente a
outras, de modo que ela
não contenha elementos
Ideias claras (por oposição a ideias obscuras) e
que não lhe pertençam.
distintas (por oposição a ideias confusas) são
ideias evidentes.
Ainda não afastámos a hipótese da existência
do Génio maligno ou do Deus enganador

SER IMPERFEITO: possuir o saber é uma


SUJEITO PENSANTE
perfeição maior do que duvidar.

Dispõe de ideias Tipos de ideias

Adventícias Factícias Inatas

Têm origem na São fabricadas pela São ideias


experiência sensível. imaginação. constitutivas da
própria razão e que já
nascem connosco.

Exemplos: ideias de Exemplos: ideias de Exemplos: ideias de


árvore, cebola, sereia, unicórnio, pensamento,
relógio. dragão. existência, ser
perfeito; ideias
matemáticas.
IDEIA DE SER PERFEITO : noção de um ser
omnisciente, omnipotente e sumamente bom.

PROVAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS

1.ª prova 2.ª prova 3.ª prova

Argumento ontológico: na Argumento da marca A causa da existência do


ideia de ser perfeito estão impressa: a causa que faz ser pensante e imperfeito
compreendidas todas as com que a ideia de ser não é ele próprio, muito
perfeições; a existência é perfeito, que representa menos o nada. Além
uma dessas perfeições, uma substância infinita, disso, o sujeito finito não
ou um dos aspetos da se encontre em nós não possui o poder de se
perfeição divina; logo, pode ser outro ser senão conservar no seu próprio
Deus existe Deus, que possui todas as ser. Assim, o seu criador e
necessariamente. O facto perfeições representadas conservador é Deus (que é
de existir é inerente à nessa ideia. causa sui).
essência de Deus.
É um ser perfeito e não é É infinito, a fonte do bem e
enganador. da verdade.

É a garantia da verdade É omnipotente, eterno e


objetiva das ideias claras e omnisciente.
distintas.
DEUS Embora criador do
É o criador das verdades - a sua Universo, não é autor do
eternas, a origem do ser e importância mal nem responsável pelos
o fundamento da certeza. no sistema nossos erros.
cartesiano
Garante a adequação entre É o princípio do ser e do
o pensamento evidente e a conhecimento.
A hipótese do
realidade.
Deus enganador
é rejeitada em Permite superar os
Legitima o valor da ciência definitivo e a argumentos dos céticos
hipótese do
e confere objetividade ao radicais e provar a
Génio maligno é
conhecimento. esvaziada de
existência do mundo
eficácia. exterior.
TEORIA DO ERRO

No erro intervêm:

ENTENDIMENTO VONTADE

Dá ou não o
consentimento aos
Formula juízos. juízos que o
entendimento
formula.

Erramos quando se verifica uma precipitação da vontade – quando usamos mal a


liberdade e damos o consentimento a juízos que não são evidentes.
Três tipos de
substâncias e seus
atributos essenciais

Substância pensante Substância extensa Substância divina


(res cogitans) (res extensa) (res divina)

Pensamento Extensão Vários atributos, todos


eles numa perfeição
infinita.

Alma Corpo Qualidades objetivas

Qualidades subjetivas
Ser humano:
(não estão presentes,
dualismo alma-corpo enquanto tais, nos corpos)
(dualismo cartesiano)
Fundacionalismo racionalista de Descartes

Ideias inatas
– conhecimento claro e distinto

Principais verdades:
- a existência do pensamento (alma), traduzida no cogito;
- a existência de Deus, ser perfeito, com os atributos respetivos;
- a existência de corpos extensos em comprimento, largura e altura.

O fundamento do conhecimento encontra-se no Cogito, enquanto crença


básica ou fundacional e primeira verdade, e noutras ideias claras e distintas
da razão, obtidas de modo intuitivo.

Todavia, este fundamento do conhecimento depende daquele que é o


princípio de toda a realidade: Deus.
CRÍTICAS A DESCARTES

O problema do Cogito O círculo cartesiano O dualismo cartesiano


(dualismo alma-corpo)

Segundo alguns Descartes terá incorrido Sendo a alma uma


autores, Descartes num argumento circular substância distinta da
apenas poderia intuído ou petição de princípio. substância corporal, é
a existência do É o facto de difícil explicar como se
pensamento e não de raciocinarmos a partir dá a interação dessas
um eu pensante. da ideia clara e distinta substâncias.
que temos de Deus que
nos irá garantir que
Mais correto seria dizer, Segundo Descartes é na
Deus existe. Mas é Deus
por exemplo: “Há um glândula pineal que
que garante a verdade e
pensamento que está a ocorre essa interação,
a objetividade das
ter lugar” ou “Existe através dos «espíritos
ideias claras e distintas
pensamento”. animais». Mas estes são
(incluindo a própria
ideia de Deus como ser de carácter material,
perfeito). pelo que o problema da
interação das
substâncias permanece.
1.2.3. Hume, a resposta empirista
DAVID HUME
(1711-1776)

Filósofo empirista

O conhecimento deriva
fundamentalmente da experiência.

Todas as crenças e ideias têm uma base empírica, até


as mais complexas.

É na experiência que deve ser procurado o


fundamento do conhecimento.
Elementos do conhecimento

Perceções

Grau de Ideias
Impressões maior força, menor
(pensamentos)
nitidez e
vivacidade
São as representações
das impressões, ou as
São as perceções mais suas imagens
vívidas e fortes, como As ideias derivam das enfraquecidas.
as sensações, emoções impressões, são cópias Exemplo: a memória
e paixões. delas: da cor de uma flor.
Exemplo: a cor de uma PRINCÍPIO DA CÓPIA (As ideias da memória
flor. são mais fortes e
vívidas que as da
imaginação.)
Não existem ideias
inatas.
Ideias
Impressões
(pensamentos)
Simples

Exemplo: Exemplo:
Não admitem qualquer
sensação visual de um memória de um tom
separação ou divisão.
tom de verde. de verde.

Podem ser divididas em


partes, resultando da
Exemplo: Exemplo:
combinação das
ver uma floresta. pensar numa floresta.
impressões ou das ideias
simples.

Complexas

Ideias simples derivam de impressões simples, mas muitas ideias complexas não têm impressões complexas que
lhes correspondam. Além disso, muitas das impressões complexas nunca são exatamente copiadas em ideias.

A ideia de Deus, referindo-se a um Ser infinitamente inteligente, sábio e bom, é uma ideia complexa em que se
eleva sem limite as qualidades de bondade e sabedoria. Nenhum objeto da experiência sensível lhe corresponde.
Tipos ou modos de
conhecimento
Não estão A justificação
dependentes dessas
RELAÇÕES DE QUESTÕES DE
do confronto proposições
com a IDEIAS FACTO encontra-se na
experiência. experiência
Conhecimento a sensível.
Conhecimento a
priori, traduzido em posteriori, traduzido
Proposições em proposições que
proposições que Proposições
sempre expressam verdades
expressam verdades verdadeiras,
verdadeiras, em contingentes.
necessárias. mas que
quaisquer Exemplos:
Exemplos: poderiam ter
circunstâncias, e «O calor dilata os
«2 + 4 = 6.» sido falsas.
que nunca corpos.»
«Nenhum solteiro é Negá-las não
poderiam ter «Descartes foi um
casado» implica
sido falsas. filósofo.»
(São, sobretudo, os contradição.
Negá-las implica (São exemplos os
conhecimentos da
contradição. conhecimentos das
lógica e da
matemática.) ciências naturais.)

Os conhecimentos a priori nada nos dizem de substancial acerca do mundo.


Princípios de associação de ideias

Semelhança Contiguidade no Causalidade


tempo e no espaço (causa e efeito)

Exemplo: Exemplo: Exemplo:


Um rosto desenhado a lembrança de um o vinho que se bebeu
remete-nos para o comboio leva a pensar em excesso (causa) faz
rosto original. na estação, nos pensar nas
passageiros, etc. desagradáveis
consequências que daí
advirão (efeito).
OS PROBLEMAS DA CAUSALIDADE E DA INDUÇÃO

Há muitas afirmações que não podemos justificar se nos


basearmos apenas no testemunho da memória ou na
experiência imediata dos sentidos.

Exemplos
“A causa da dor deste dente é a cárie.”
(A relação de causa-efeito nunca chega a ser observada.)

“O próximo papel que deitarmos à água molhar-se-á.”


(Isso ainda não foi observado.)

“Todos os gatos são carnívoros.”


(Só observámos alguns gatos e não todos.)

Segundo Hume, todos os raciocínios relativos à questão de


facto parecem fundar-se na relação de causa e efeito.
Só através desta relação podemos ir além do testemunho da
memória e dos sentidos.
O PROBLEMA DA CAUSALIDADE

Relação de causalidade ou relação de causa e efeito


(ou relação causa-efeito)

O conhecimento desta relação não é obtido por raciocínios a priori.

Ele deriva totalmente da experiência, ao apercebermo-nos de que


certos objetos ou fenómenos particulares se combinam
constantemente uns com os outros.

A relação de causa e efeito é normalmente concebida


como sendo uma conexão necessária.

Acreditamos que aquilo a que chamamos efeito não pode


ocorrer sem aquilo a que chamamos causa e que esta
causa produzirá necessariamente aquele efeito.
Mas não dispomos de qualquer impressão relativa à ideia de
conexão necessária entre fenómenos.

A única coisa que percecionamos é que entre dois fenómenos, eventos ou


objetos se verifica uma conjunção constante.

Concluímos então que existe entre eles uma relação de causalidade e que
essa relação de causalidade constitui uma conexão necessária.

Tal conexão não é racionalmente justificável.


Esta ideia de conexão necessária tem apenas um
fundamento psicológico: o hábito ou costume.

O hábito ou costume é um guia imprescindível da vida prática, mas


reduz-se a um sentimento ou a uma tendência de cariz psicológico,
não constituindo um princípio racional.

O problema da relação de causalidade articula-se com o problema da


indução, equivalente ao problema da uniformidade da natureza.

A ideia de que a natureza é uniforme associa-se à crença na similitude dos eventos e


na suposta conexão necessária entre alegadas causas e alegados efeitos.
O PROBLEMA DA INDUÇÃO

Qualquer argumento indutivo pressupõe (como premissa) o princípio de


que o futuro se assemelha ao passado

Princípio da uniformidade da natureza (PUN)

A natureza sempre funcionará da mesma forma, de modo previsível e regular,


ou as leis da natureza são invariáveis.

Mas será que este princípio é racionalmente justificável?


Se o não for, também a indução o não será.
Se a conclusão de um argumento indutivo for racionalmente justificada
pelas premissas, então PUN tem de ser racionalmente justificável.

Se PUN for racionalmente justificável, então tem de existir um bom


argumento indutivo ou um bom argumento dedutivo a seu favor.

Qualquer argumento indutivo a favor de PUN também não é uma verdade a


PUN é circular: se partirmos da ideia de priori, uma relação de ideias ou uma
que até agora a natureza sempre foi verdade conceptual que se deduz das
uniforme e concluirmos que ela é definições dos seus termos: não é
sempre uniforme, justificamos PUN contraditório pensar que a natureza
através da indução, mas essa indução já deixará de ser uniforme ou que as
pressupõe PUN, tornando-se circular regularidades do passado deixarão de
(petição de princípio). se verificar no futuro.
Logo, não existe um bom argumento Logo, não existe um bom argumento
indutivo a favor de PUN. dedutivo a favor de PUN.

Portanto, PUN não é racionalmente justificável

Se PUN não é racionalmente justificável, também não há justificação racional para


as crenças obtidas por indução (previsão ou generalização).

Em suma, segundo Hume, não há qualquer forma de justificar racionalmente as


crenças obtidas por indução, seja como previsão, seja como generalização.
Se a indução é injustificável, ainda mais o será se não for estabelecida
entre impressões, já que nos devemos limitar ao âmbito empírico.

As três substâncias que Descartes concebera clara e distintamente – o


eu, o mundo (a realidade exterior) e Deus – deixam de fazer parte do
horizonte do nosso conhecimento.

MUNDO (REALIDADE
EU DEUS
EXTERIOR)

A ideia de eu não Não temos experiência ou Não existe um ser cuja


deriva de qualquer impressão de uma não existência
impressão. Sendo realidade exterior, implique contradição.
assim, a crença na independente e distinta Por outro lado, Deus
existência de um eu das nossas impressões e não é objeto de
permanente, como que seja a sua causa. qualquer impressão.
substância distinta das Afirmar a existência de tal Os argumentos
impressões e ideias, é realidade constitui uma tradicionais deixam de
injustificável. crença injustificada e ter sentido.
injustificável.
Empirismo de Hume

Fenomenismo Ceticismo

A realidade (pelo Hume é um filósofo


menos aquela a que cético; mas afasta-se
acedemos) acaba por do ceticismo radical ou
se reduzir aos pirrónico, adotando
fenómenos, ou seja, um ceticismo mitigado
àquilo que aparece ou ou moderado.
que se mostra
O CETICISMO DE HUME

Muitas das coisas que julgamos saber não as sabemos de facto.

Não são racionalmente justificáveis a indução, a crença no princípio da


uniformidade da natureza e a crença em conexões causais.

Não é legítimo afirmar que temos um conhecimento científico dos fenómenos.

São injustificáveis a crença na existência do mundo exterior e a crença em


realidades que transcendam o domínio da experiência (como uma substância
pensante ou Deus).

A capacidade cognitiva do entendimento humano apresenta limites e tem uma


natural propensão para o erro.
O CETICISMO DE HUME

Hume afasta-se do ceticismo radical ou pirrónico.

Duvidar de tudo, abandonar a crença na existência do mundo exterior, no


princípio da causalidade ou no princípio da uniformidade da natureza implicaria:

- uma hesitação constante e a vida prática tornar-se-ia impossível;


- as ciências não se poderiam desenvolver, visto assentarem nas relações causais
estabelecidas entre os fenómenos.
O CETICISMO DE HUME

Hume adota um ceticismo mitigado ou moderado. Essa atitude é uma forma:

de salvaguardar
de evitar cair no a imparcialidade de apartar a
dogmatismo e a moderação mente dos
nas opiniões e preconceitos
nos juízos
de nos precavermos
de nos contra investigações
defendermos das especulativas
afirmações (como as da tradição
precipitadas e metafísica),
temerárias ou das afastadas da
decisões experiência e das
imprudentes informações dos
sentidos
O fundacionalismo empirista de Hume

Sendo um cético moderado, mas não radical, Hume


encontrou na experiência dos sentidos o
fundamento do conhecimento.

Se tenho, por exemplo, a crença de que está uma


laranja em cima da mesa, ela é justificada pela
minha crença básica de que estou a ter a
experiência de ver uma laranja em cima da mesa.

A esta crença básica – que permite evitar a


regressão infinita da justificação – subjaz a natureza
da experiência sensorial e percetual, ou seja,
subjazem as impressões dos sentidos.

Os únicos princípios
Crenças básicas para um empirista: crenças de que se está autoevidentes e
a ter esta ou aquela experiência. convincentes encontra-
os Hume na experiência.
CRÍTICAS A HUME
O exemplo (avançado por Hume) do Argumento a favor da melhor
tom de azul desconhecido explicação (ou abdução)

Uma pessoa pode formar uma ideia de Entre as várias explicações possíveis,
um tom de azul desconhecido, sem ter aceitamos a melhor.
tido a impressão correspondente.

Segundo a teoria de Hume, isso seria A crença na existência de conexões


impossível, já que essa pessoa nunca causais (injustificada, segundo Hume)
teve qualquer impressão simples à parece constituir a melhor e mais
qual pudesse corresponder a ideia razoável explicação para a ocorrência
desse tom de azul. das conjunções constantes.

Mas Hume não se revelou muito A hipótese da existência do mundo


preocupado com este contraexemplo exterior parece uma hipótese melhor e
ao princípio da cópia, considerando-o mais simples do que a hipótese de
uma situação demasiado singular. esse mundo não existir ou ser ilusório.
1.2.4. Análise comparativa das perspetivas
de Descartes e Hume
ANÁLISE COMPARATIVA DAS TEORIAS DE DESCARTES E HUME
DESCARTES HUME
A razão ou pensamento é a fonte principal do A experiência é a fonte principal do conhecimento e
conhecimento – racionalismo. Valorização do
Fonte ou origem todas as ideias têm uma origem empírica –
conhecimento a priori.
do conhecimento empirismo. Valorização do conhecimento a posteriori.

Há ideias factícias, adventícias e inatas. A partir das Não há ideias inatas. As ideias associam-se por
Operações da
ideias inatas, obtém-se o conhecimento (por semelhança, contiguidade no tempo e no espaço e
mente, ideias e
intuição e dedução). Sublinha-se o papel do causalidade. Sublinha-se o papel do raciocínio
raciocínios
raciocínio dedutivo indutivo.

Adotando um ceticismo metódico, Descartes Possibilidade ou Hume foi um filósofo cético (muitas coisas que
mostrou ser possível o conhecimento da realidade, validade do julgamos saber não as sabemos), mas afastou-se do
refutando o ceticismo radical. Tendo total confiança conhecimento ceticismo radical, adotando um ceticismo mitigado ou
na razão, a sua filosofia enquadra-se no dogmatismo moderado. Não temos impressões de uma substância
racionalista. Podemos ter ideias claras e distintas pensante, de uma realidade exterior nem de Deus.
dos atributos essenciais de três tipos de substâncias:
pensante, extensa e divina.

O fundamento do conhecimento encontra-se na Fundamentação O fundamento do conhecimento encontra-se na


razão, mais propriamente no Cogito, e noutras do conhecimento experiência, mais propriamente nas impressões dos
ideias claras e distintas, obtidas de modo intuitivo. sentidos. As crenças básicas de que se está a ter esta
Mas este fundamento depende daquele que é o ou aquela experiência justificam outras crenças que
princípio de toda a realidade: Deus. delas se inferem.

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