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alestras

Philosophicas
ÍCRITICA E PSYCHOLOGIA nl
à

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'

O ESBOÇO
XCLUSIVAMENTE POR NÓS

q
Ed
I

VERDADE E CERTEZA

1. Os amigos

Eram tres amigos. Amigos entre si e


amigos de philosophar. Tinham um fraco
pelos problemas philosophicos e discor-
riam frequentemente sobre as questões
que interessam as mentes pensantes.
Sancho, Ricardo e o dr. Luciano.
O primeiro tinha pouca leitura. Jul-
Bava as coisa com um senso pratico e bo-
nachão que, por falta de base, o levava
às vezes a conclusões extranhas.
Bom homem aliás, desejava a verdade e
Confessava candidamente estar ainda
lon-
Be de a possuir,
Quero dizer: muita e mal esco
lhida. A
opposição era o seu forte. Conhec
ia todos
Os philosophos que tinham algum reno
-
me na sociedade em que vivia; e para elle,
como para muitos, bastava saber um no-
me acatado para julgar a todos na obriga-
ção de tirarem o chapéo a quantos erros
proliferassem naquella cabeça aureolada.
O dr. Luciano finalmente era um an-
cião ponderado e circumspecto. Alliava a
leitura ao bom senso, esteados ambos em
solidos estudos, posto que sem alardes
nem fumaças descabidas. O seu fito não
era mostrar o que sabia.
Apenas: na occasião, procurava desfa-
ger erros e esclarecer intelligencias, ori-
entando-as devidamente. Era um cora-
ção nobre e um amigo leal.

2. 4 verdade

— O qu e eu pr oc ur o é a “v er da de ”, cos -
tumava dizer Sancho emphaticamente à
seus dois companheiros de discussão.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 7

— Ora, a verdade! retrucou-lhe um dia


Ricardo. Eu diria com Pilatos: — Que
é a verdade?
— Mas não faria como elle, observou
Luciano; que não aguardou a resposta de
Christo, mas foi sahindo com pouco caso,
como quem achava que a questão não va-
ha a pena ser discutida.
— Não, por certo. E até podemos exa-
minal-a. (ue diremos por exemplo que
vem a ser a verdade?
— Falando em geral, disse Sancho, eu
possuo ou digo uma verdade quando o
que sei ou o que digo está de accordo com
a realidade.
— Sim. Idea ou juizo verdadeiro é o
que corresponde á realidade.
— E é verdadeiro “ouro” aquillo que
corresponde á idéa que todos teem do “ou-
ro”,
— Nos diversos casos, concluiu o dr.
Luciano, temos conformidade entre a im-
telligencia e um objecto. Podemos por-
tanto definir a “verdade”: “uma contfor-
midade entre a intellignecia e um objectc
conhecido”,
8 JUSTINO MENDES

ema Ágora Christo e Pilatos referiam-se


à verdade religiosa, á certeza a respeito
do que mais importa ao homem conhecer,
isto é, à sua origem e o seu fim.
— E é o que a Pilatos pouco se lhe
dava de saber,
3. A certeza

— E da certeza que definição dariamos?


proseguiu Sancho.
— Or a! op in ou Ri ca rd o. Eu te nh o ce r-
teza quando si nt o im po ss ib il id ad e de du -
vidar.
— Certez a nã o se rá a ve rd ad e de mo ns -
trada? perguntou Sancho.
— Não, srs . in te rv ei u o dr . Lu ci an o
“Certe za é a fi rm e ad he sã o da me nt e a um
conheeimen to po r mo ti vo s qu e ex cl ue m to-
do o temor de errar”.
— De facto, commentou Ricardo, é uma
adhesão firme da mente...
— De onde você pode ver que não deve-
am dizer:.E” a impossibilidade de duvi-
ar.
— Sim, co mp re en do . A im po ss ib il id ad e
de duvidar não é a propria certeza, mas
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 4

um effeito da certeza. Se não posso duvi-


dar é porque tenho certeza. .
— Tambem certeza não é a verdade de-
monstrada. E' uma adhesão, um estado da
nossa mente.
— Vejo agora que não seria boa tal de-
finição, concordou Sancho.
— E; notem, meus amigos, que a adhesão
da mente pode ser maior ou menor, con-
forme o motivo seja mais ou menos gra-
ve.
— De acordo, disse Ricardo. A certo-
za de que dois e dois são quatro tem mo-
tivo mais forte do que a certeza de que
Paulo está correndo.
— Sem deixarem ambas de ser eerte-
Zas.
— Em ambas temos adhesão firme e
por motivos que excluem todo o temor de
errar.
— Tambem depende a maior ou menor
adhesão, da intelligencia mais ou menos
desenvolvida. De modo que a adhesão po-
de ser maior ou menor; mas notem bem
que a exclusão do temor não pode ser
maior ou menor.
10 JUBTINO MENDES

— Uma ves quo exclua “todo” o temor,


é claro que ahi não ha mais ou menos; é
“todo”,
— kk se não se exclue todo o temor de
errar já não temos certeza, temos “opi-
nião”,
-— Entretanto na opinião temos ainda
uma adhesão da mente... intervein Ri-
cardo.
— Mas com temor do contrario.
— E claro, disse Sancho, sem esse te-
mor seria certeza.
— E quando ha duas opiniões contra-
rias? revidou Ricardo.
— (Como nenhuma exclue todo o temor
de erro, nenhuma dellas destroe a outra,
nenhuma dellas dá certeza.
— Comprehendo, tornou Paulo, a mais
provavel, ainda assim não é certeza, pois
não exclue todo o receio do contrario: o
contrario não deixa de ser possivel.
— Eº muito provavel que um amigo
pro met teu vir. Mas
chegue hoje, porque porque
tambem é pro vav el que não ven ha,
uma ponte cah iu, e ser á dif fic il que ain da
hoje se normalize o trafego. Não ha cer-
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 11

teza nem da vinda delle nem da impossi-


bilidade de vir; e uma opinião não destróe
a outra: podendo realizar-se qualquer del-
las em separado.

11

PRIMEIRAS VERDADES CERTAS

1. Primeiros principros

— Trago um ponto interessante a Inves-


tigar, declarou Sancho outro dia. E” es-
te: Quaes são as primeiras verdades cer»
tas?
— De facto, respondeu Luciano, é pro-
curar a base de toda a nossa certeza.
— Eu, interveiu Ricardo, estou com
Descartes: “Cogito, ergo sum”. Penso, lo-
go existo,
— De modo que, para você bem como
para Descartes, a primeira verdade é eu
penso?
— Naturalmente,
— E" uma das primeiras verdades. Em
todo juizo percebemos implicitamente a
12 JUSTINO MENDES

propria existencia. Não ha duvida: gi


penso é porque a aeção de pensar se passa
em mim. Ora, como existe em mim, si en
não existo?
— Penso, logo existo. E” logico.
— Mas acham que é só essa verdade que
está :nplicita em todo juizo? Não, senho-
res! Em que pese a Descartes, ha outras
nas mesmas condições.
— E quaes?
— O principio de contradicção e a
aptidão da razão humana para conhecer
a verdade.
— Explique-nos isso, se faz favor.
— Pois não. O principio de contradie-
cão é o seguinte: Uma coisa não póde ser
e não ser ao mesmo tempo. Ora, nunca
fariamos um juizo si o contrario pudesse
ser tambem ao mesmo tempo. Nunca di-
ria Roma existe si pudesse ver verdade
actualmente que Roma não existe. Logo,
ao fazer o juizo, baseio-me no principio
de contradicção: supponho-o.
— E a apt idã o da int ell ige nci a par a €0
nhecer a verdade?
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 13

— Tambem é supposta, tambem perce-


be-se implicitamente em todo Juizo. Fa-
zemos o juizo, por exemplo, que Roma
existe, como real, como exprimindo uma
verdade. Ora, si duvidassemos da nosso
aptidão para conhecermos a verdade não
fariamos o juizo como real. Uma vez que
o fazemos, portanto, é porque implicita-
mente percebemos essa aptidão para a
verdade.
— (Quer dizer que, para nós, é de si
evidente, não sómente o nosso acto de
pensar e a nossa existencia, como dizia
Descartes, mas é ainda evidente que uma
cousa não póde ser e não ser ao mesmo
tempo, e que a nossa razão é apta para a
verdade.
— E' isso mesmo, approvou o dr. Lu-
ciano. Ágora, notem que ha outros prin-
cipios tambem de si evidentes.
— (Quaes são elles?
Ai Todos os primeiros principios da ra-
Zão.
Além desse principio de contradicção,
temos ainda o principio de identidade: o
que é é; o de conveniencia: duas coisas
14 JUSTINO MENDES

iguaes a uma terceira são iguaes entre si;


o de causalidade: todo effeito tem sua
causa, etc.
— E" verdade, todos são immediatamen-
te evidentes e não carecem de provas.
— Esses principios trazem comsigo a
necessidade de ser assim; e a necessidade
de ser assim é o que se chama evidencia.
— Ha ainda um facto de maior eviden-
cia, e de que ninguem absolutamente é ca-
paz de duvidar.
—— Qual é?
— À propria sensação.
— Homem, é verdade.
— Quando sentimos dôr, frio, etc., a
sensação é evidente, não podemos duvidar
que sintamos qualquer coisa.
— Às vezes, comtudo, não distinguimos
bem a qualidade da sensação...
— De accordo. Podemos não distin-
guir sempre, mas nunca duvidamos que
sentimos,
— À sensação é phenomeno evidente.
— E o mesmo se dá com os outros fac-
tos psychicos. Quando pensamos qual
quer coisa é evidente que pensamos; quan-
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 15

do queremos é evidente a nossa volição, e


assim por diante.

2. Scéptrcismo

— Entretanto, eu já ouvi falar de scep-


ticismo... annotou Sancho.
— Sim. Foi o systema de Pyrrho de
Elide, Sexto Empirico e outros, systema
que consistia em não admittir a existencia
da certeza, acceitando apenas a duvida.
— Mas parece um absurdo depois do
que acabamos de ver.
— E absurdo é, com effeito, porque é
impossivel duvidarmos de tudo.
— Pelo menos duma bôa dôr de dente,
não ha christão que duvide!
— E? evidente. Mas além disso,
qual é
0 na geral do scepticismo univer-
sal
— Que devemos duvidar de
tudo.
— Logo já suppõem uma
ta: devemos duvidar de tudo. verd ade cer-
— Outra é que o seu syst
ema é bom.
— E com esta já são duas contradiccões
ao seu systema. adicções
a JUSTINO MENDES
— É ainda suppõem como certo que nã
o
percebem claramente a verdade.
— Não querem admittir a certeza, e no
mesmo acto são forçados a admittil-a!
— Que systema infeliz!
— Conta-se de Pyrrho que, visto não
ter certeza de cousa alguma, promettera
não evitar mais o encontro de cavallos,
carros, etc. Um dia, porém, vendo um cão
damnado, deitou a fugir;e como os disci-
pulos lhe exprobrassem o acto, elle reph-
cou: “E” difficil pôr de parte a nature-
za”.
— Coitado! Em lugar de confessar
francamente o seu erro, a falsidade do seu
systema, arranjou essa desculpa, da natu-
reza!
II

FONTES DO CONHECIMENTO

1. Sentidos e intelligenca

-— Ja pensaram nos meios que er os


para adquirirmos a certeza? pergun
o dr. Luciano.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 17

— Os sentidos, apontou logo Sancho.


— Sim, os sentidos, estando sãos e bem
applicados, dão-nos a conhecer os objee-
tos.
— Alto lá, meu caro, objectou Ricardo,
a vista por exemplo só é attingida pelas
ondas luminosas.
— Sim, mas essas ondas luminosas nos
veem realmente dos objectos; e as sensa-
cões correspondem perfeitamente ás dos
outros homens sãos. Os sentidos por con-
seguinte são fontes de conhecimento cer-
to. E tanto os sentidos externos como os
internos.
— Hein? exclamou Sancho admirado.
— Sin, não percebemos somente pelos
olhos, ouvidos, olfato, ete., mas tambem
pela «consciencia sensitiva, imaginação,
memoria, etc.
— Ah! E verdade!
— Em seguida temos ainda como fonte
de verdade a intelligencia...
— Mas, contestou Ricardo, eu já li que
nós não conhecemos realmente os objec-
tos exteriores, que alcançamos apenas os
nossos actos subjectivos: sensações e idéas.

OD qua
18 JUSTINO MENDES

— Sim, accrescentou Luciano, é por is-


so que alguns chegam a affirmar que nos-
sa alma está num carcere; o corpo, no qual
só ha cinco janellas, que são os sentidos
externos.
— Que barbaridade!
— E' certo. Ha quem repita ainda hoje
o velho estribilho de que só conhecemos
as nossas sensações; que julgamos conhe-
cer os objectos, os seres que se nos apre-
sentam no mundo, mas na realidade só
percebemos as nossas sensações e idéas.
Uma pessoa me procura. Segundo el-
les, eu não sei se essa pessoa existe na
realidade; só sei que a minha vista tem
uma sensação de ver qualquer coisa que
me parece um homem; que o meu ouvido
tem outra sensação, a de ouvir qualquer
coisa que me parece o homem dizer; o as-
sumpto em que me fala, não é mais do que
certas sensações que eu já tive anterior
mente, diversamente combinadas. Entre-
tanto pergunto: Como é que as nossas sen-
sações combinam tão perfeitamente uma
com outra, quando as representações da
memoria e da fantasia não teem essa con-
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 19

cordancia tão fiel? A harmonia é admira-


vel, e durante toda a vida, durante um pe-
riodo de cincoenta- oltenta annos, nas coi-
sas mais miudas e pormenorizadas. No
emtanto o que certamente é creação nossa
não tem nem pode ter esse cunho de ver-
dade.
— Realmente, confirmou Sancho. Os
proprios autores de romances cochilam
em coisas muito mais faceis e põem ás ve-
zes uma personagem já morta e enterra-
da, apparecendo viva e gangenta poucas
paginas adiante. Assim conta-se de Ju-
lio Lermina que fez morrer despedaçado
por leões um criado o qual, dois capitulos
depois, surge, com as malas do patrão,
como se o caso absolutamente não fosse
com elle,

2. À casa

— Voltando porém ao nosso assump-


to, proseguiu Luciano, consideremos o se-
guinte: As minhas sensações disseram-me
que existe uma casa em que moro. Todas
as minhas outras sensações harmonizam-
20 JUSTINO MENDES

se com essa perfeitamente. (Quando a mi-


nha vista tem a percepção da visita de ou-
tras pessoas, estas entram nella, não pelas
paredes, atrapalhando tudo, mas pelas
portas. Outra pessoa que passe na rua
nunca me dará a sensação de atravessar
a casa de lado a lado, mas sempre passará
ao longo della. Se fóra sinto o vento frio,
cortante com a sensação de recolher-me ao
interior della, deixarei de sentir o frio in-
tenso que ha pouco me incommodava.
Percebendo a sensação de uma gotteira
na casa, gotteira que está estragando ou-
tras sensações, os moveis, e me dá a sen-
sação da humidade, chamo outra sensação
que é o pedreiro e este entende tão bem a
minha precisão que dentro em pouco aca-
ba com as gotteiras, tirando-me para sem-
pre essa sensação desagradavel. Outras
pessoas veem formar em mim a sensação
de quererem comprar essa sensação da
casa. E as sensações se multiplicam nes-
se sentido complicando-se falas, idéas,
Preços, condições, sem se baralharam e
até muitas vezes essas sensações que de-
viam ser tão vagas visto serem sem objec-
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 21

to, veem corrigir a propria memoria, de-


masiado fraca em certos pontos. Ás coi-
sas mais simples que dependem da memo-
ria, não teem essa firmeza, baralham-se
com facilidade, confundem-se. li essas ou-
tras que nos apparecem muito mais es-
pontaneamente, não se baralham, não se
confundem; e isso durante os longos an-
nos da vida! E” pelo menos de admirar.
Da sensação da casa em questão séria fa-
cillimo prescindir nas distracções e horas
de esquecimento, mas eis que, apesar de
toda a distracção e de todo o esquecimen-
to, um repentino encontrão on uma cabe-
cada doída nas suas paredes vem corri-
gir a sensação, pondo-a no estado primi-
tivo.
— E' um facto que facilmente se veri-
fica, annotou Sancho,
— Pergunto agora: continuou o doutor
será possivel que tudo isso não passe de
mera apparencia, de mera creação da nos-
sa fantasia? O que a nossa memoria não
é capaz de fazer, o que a nossa fantasia
ê impotente para realizar, seria realizado
pela simples sensação2
22 JUSTINO MENDES

— Parece um grande absurdo, concor-


dou Ricardo.

3. Gemos

— Outra coisa, disse Luciano. Se os


objectos não existem mas só ha sensações,
somos todos genios, e genios da maior en-
vergadura; porém só em certas e determi-
nadas circumstancias. Nada sei, por exem-
plo. Entretanto abro um livro de geo-
metria ou philosophia (livro que os taes
dizem não ser mais do que outra sensação
minha), e, só por isso, crio os maiores
problemas e as mais difficeis soluções de
um momento para outro! Só por imaginar
que abro certos livros, crio a mais admi-
ravel variedade de romances e de poesias,
de poemas interminos, de dramas estu-
pendos e bem combinados, de estylos ma-
gnificos e variados. E” só julgar que vejo
reproduzida uma partida de xadrez joga-
da por mestres para crear as mais felizes
combinações, os planos mais bem urdidos,
os problemas mais interessantes desse dif-
ficil jogo. Das mesmas circumstancias
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 23

mais ou menos depende o formarmos os


diccionarios mais completos, mais ordena-
dos que possam existir, depende até o cre-
armos uma lingua nova de um momento
para outro, uma lingua nova com suas
palavras, sua grammatica, suas regras,
suas expressões proprias, e que jamais
confundiremos, só porque julgamos que
estão ali naquelles livros que nós a qual-
quer hora podemos consultar.
— Oh! disse Sancho, muito mais sim-
ples e razoavel é admittir-se a real exis-
tencia dos objectos. Querer admittir em
nós uma faculdade creadora tão cheia de
maravilhas, complica immensamente o
problema.
— Por conseguinte, concluiu Luciano,
o phenomeno da sensação deve ter outra
causa, e essa causa não póde deixar de
ser, como nos diz o bom senso, a real exis-
tencia dos seres.

4. A inducção
— São portanto fontes de certeza os
sentidos, e a inteligencia. Esta em suas
idéas, juizos, raciocinios...
2 JUSTINO MENDES

— Perdão, mas você não incluirá a in.


ducção, notou Ricardo. Tanto Bacon co-
mo Wolf e Stu art Mill adm itt em que a
inducção incompleta só dá probabilidade
e não certeza.
— Você está em boa companhia, notou
o Dr. Luciano. E, posto que essa questão
seja bem debatida, peço que considere o
seguinte...
Aqui o Sancho interrompeu:
— Requeiro que se defina a inducção.
— E' justo, obtemperou Ricardo. In-
ducção é a argumentação que, de factos
particulares, conclue uma regra geral.
Ex. O granito, o marmore, o gesso, o ba-
salto, etc. estão sujeitos á gravidade; lo-
go todas as pedras estão sujeitas á gra-
vidade.
—H porque falou em inducção incom-
pleta?
— Porque muitas vezes, como nesse ca-
so das pedras, é impossivel examinarem-se
todos os casos particulares.
— Entretanto, observou Luciano, não
devemos confundir inducção incompelta
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 25

com inducção insufficiente. São cousas


inteiramente diversas.
— TInsufficiente seria esta: Choveu
hontem, chove hoje, chove amanhã. Con-
clúo... que chove a semana inteira.
— Pois bem. E” certo que a inducção
incompleta não examina todos os casos
mas examina muitos e em muitas circums-
tancias. Assim observamos que o fogo
queima. Temos nossa experiencia pessoal
e constante do facto. Mas além d'isso sa-
bemos pelo testemunho de outros que o
facto é universal: O fogo queima aqui,
queima na Europa, queima na ÀAfrica.
queima em toda a parte. Nós não pode-
mos experimentar todos os casos...
— Pudéra! Seria mais facil contar as
gottas do mar!
— E no entanto temos toda certeza de
que o fogo, (não o pintado está claro;
não tratamos d'esse), de que o fogo ver-
dadeiro queima,
-— De facto!
dá JUSTINO MENDES

5. O fundamento da inducção

— Mas sabem qual o fundamento dessa


certesa da inducção? Kº um raciocinio
muito legitimo; o seguinte:
Uma propriedade tão universal do fogo
deve ter uma causa tambem universal:
ora, essa causa universal — só pode ser
a essencia do fogo ou pelo menos uma Jei
phys ic a a que ess a es se nc ia est eja suj ei-
ta;
logo essa propriedade de queimar «
causada — pela essencia do fogo ou por
uma lei physica;
“ora o que é da essencia d'um ente ou
produzido por uma lei physica a que esse
ente está sujeito — compete a todos os
individuos da mesma especie;
logo ess a pr op ri ed ad e de qu ei ma r —
compete a todos os fogos da mesma es
pecie
— Comprehendo agora, concordou Ri-
cardo. E” razoavel.
— E garanto, reforçou Sancho, e P”
nho a mão no fogo para attestar que nel!
Wolf nem Bacon, nem Stuart Mill tinham
PALESTRAS PHILOSOPHICAS mM

coragem para duvidarem a ponto de fazer


o mesmo.
— De fazer o que?
— Pôrem a mão no fogo.
— Resumindo pois, tornou Luciano, são
fontes de certeza os sentidos, a intelligen-
cia com seus juizos e raciocinios, e mesmo
a inducção; e acerescentemos ainda o sen-
so commum e o testemunho, quando é re-
vestido de condições sufficientes.
— O senso commum, disse Ricardo, por-
que se baseia num raciocinio obvio; assim
nesta asserção: Devemos amar: nossos
nosso pais.
A razão obvia é que d'elles recebemos
a vida e muitos outros bens.

IV

O CRITERIO DA CERTEZA
1, 4 evidencia
Estava Sancho preoccupado ao dia se-
guinte e andava abstracto a ponto de cha-
mar a attenção dos companheiros habi-
tuaes,
28 JUSTINO MENDES

— O Sancho tem cousa, observou Ri-


cardo. Alguma idéa o traz pensativo, al-
gum problema a resolver.
— De facto, concordou aquelle. E” uma
idéa que me veiu.
— Vamos então, disse Luciano, des-
embnxe, e vejamos se nos dá assumpto
para a nossa palestra.
— Olhem, o facto é este. Temos certeza
d'uma verdade por uma razão qualquer;
d'essa razão temos certeza por outra, e
assim por diante. Eu estava a matutar
qual seria o ultimo motivo da certeza.
— Muito bem, disse Luciano. Isto é.
você refletira sobre o que se chama o ulti-
mo criterio da certeza.
— Lamennais acha que é o consenso
universal, disse Ricardo.
— Fraca opinião! Eu tenho certeza ab-
soluta de que penso, de que sinto uma dôr.
Eis duas certezas já que não podem pro-
vir do consenso commum.
— (O que é sufficiente para demonstrar
que não é espe o criterio de toda certeza;
concluiu Sancho.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 2

-— Sim, proseguin o dr. Luciano, nem


Lamennais com o consenso commum, nem
Reid com o instincto cego, nem de Bonald
com a fé em Deus, resolveram a questão.
—Pois eu não atino qual seja esse ulti-
mo crtierio.
— Vou dizer-lh'o, meu Sancho. O ul-
timo criterio de toda certeza é a eviden-
Cia.
— Quer dizer*...
— A verdade manifestada como neces-
saria.
— Assim tenho certeza de que esta ca-
sa existe...
— E porque?
— Porque a estou vendo, porque a es-
tou tocando.
— E porque tem certeza de a estar ven-
do e tocando?
— Porque é evidente a minha sensação.
— Eis abi o ultimo criterio.
— Que não precisa demonstração.
-— Nem prec isa, nem a dem ons tra ção €
se qu iz er mo s de mo ns tr ar O
possivel. Pois
ultimo criterio já não será o ultimo.
39 JUSTINO MENDES

— Certamente. O ultimo será a razão


dºelle, pois que criterio não é mais que o
motivo.
—E ahi teem à evidencia que satisfaz
essas condições: em toda certeza se encon-
tra, e ella não suppõe outros motivos das
certezas que a demonstrem. Por si mes-
ma se manifesta.

2. Doutrimas falsas

— Logo Reid...
— Reid enganou-se quando affirmou
que o ultimo criterio é um instincto cego.
— À evidencia não é um instincto cego:
é o conhecimento da necessidade de uma
cousa ser.
— E” a manifestação da verdade como
necessaria.
— Tambem não é a fé em Deus, pois
que esta suppõe outras verdades certas; &
saber, que Deus existe, que é veraz que se
revelou, que nós existimos, que existem
outros e são verazes, etc.
— O que quer dizer que não é o ultimo
criterio de toda certeza.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 81

KANT

1. Critica da razão pura

— Para mim não ha como Kant, dizia


um dia Ricardo a seus dois amigos. Kant
é o que ha de mais profundo, de mais ad-
miravel!
— E eu, tornou-lhe o Dr. Luciano,
acompanho o seu enthusiasmo pelo talen-
to, pela privilegiada inteligencia desse
philosopho. Com o que porém não posso
concordar é com os erros de tão bello ta-
lento.
— Hein? Erros? Erros no sublime
Kant? E” o que eu queria ver.
— Pois vamos discutir o homem. Você
sabe que elle começa por affirmar que só
conhecemos os phenomenos, as apparen-
cias, e não 08 proprios seres.
— Sim, elle acha que os objectos devem
regular-se pelo nosso conhecimento e não
o nosso conhecimento pelos objectos.
82 JUSTINO MENDES

— O que já é um paralogismo medo.


nho.
— Mas você sabe porque seguiu esse ca-
minho. Viu os erros em que cahimos con-
tinuamente fazendo os objectos medida
do nosso conhecimento e tentou então in-
verter essa proposição para ver se conse-
guia melhor resultado. Quiz que o objecto
se regulasse pelo nosso conhecimento.
— Subjectivismo puro, annotou San-
cho.
— É falsissimo, proseguiu Luciano. E”
evidente que não somos nós que formamos
os objectos do nosso conhecimento, mas
são os objectos que causam em nós o co-
nhecimento. Dois e dois são quatro, não
porque eu assim penso, mas eu penso as-
sim porque essa verdade é real.
— Eu acho, observou Sancho, que se
Kant quiz com isso evitar os erros, fez 0
contrario, augmentou-os. Toda a nossa
vida individual e social estaria repleta de
erros e contradicções, pois julgariamos
que existe realmente o que só está na nos
sa Intelligencia e nos nossos sentidos.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS

2. Os juros syntheticos a priori

— Mas Kant, para fundamentar a sua


opinião ultra-exquisita, fez um achado
mais exquisito ainda: os juízos syntheti-
cos a priori.
— Pois é o que torna immortal a phi-
losophia de Kant, na phrase de Hegel, seu
discipulo.
— Olha! Se você quer se basear em aue-
toridades para julgar os juizes syntheti-
cos a priori, eu lhe opponho outros disei-
pulos do mesmo Kant, como Herder e Au-
sonio Frenchi, os quaes combateram es-
ses taes Juizes.
— Estabheleçamos, porém, o que vem a
ser esse invento de Kant, disse Sancho.
— E' o seguinte:
Juizo a priori é o Juizo absolutamente
necessario, independente de toda a experi-
encia. Ex.: Deus é infinito.
Juizo a posteriori é o juizo só hypotheti-
camente necessario, dependente da expe-
riencia. Ex.: Pedro é bom. O assucar é
doce.
cu À, ie
s4 JUSTINO MENDES

O juizo a posteriori sempre é syntheti-


co porque o seu predicado não se acha na
analyse do sujeito.
Mas o juizo a priori, segundo Kant,
póde ser analytico e póde ser tambem syn.
thetico. E” synthetico a priory quando o
predicado não se acha na analyse do su-
jeito nem se lhe attribue por experiencia.
(E” claro que a experiencia não póde dar
o conhecimento da universalidade nem da
necessidade absoluta).
Kant dá como exemplos de juizos syn-
theticos a priori:
Piro=12:
2º o principio de causalidade— tudo o
que começa tem sua causa, ou nada se faz
sem causa sufficiente:;
3º nas mudanças dos corpos não se per-
de quantidade alguma de materia;
4º na communicação do movimento a
reacção sempre é egual á acção:
9º a linha recta é o caminho mais curto
entre dois pontos;
Kant diz que ou o predicado B per-
tence ao sujeito A, como incluido nelle, ou
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 35

B estã completamente fóra do conceito A,


ainda que se ache unido a elle.
No primeiro caso denomina o Juizo ana-
Iytico, no segundo synthetico...
Aquelle pelo predicado nada acerescen-
ta ao conceito do sujeito, apenas divide-o
por decomposição ou analyse em seus con-
ceitos parciaes que n'elle já se concebiam
(posto que confusamente). Este, porém,
ajunta ao conceito do sujeito um predi-
cado que de nenhum modo era contido
n'elle nem podia extrahir-se delle por ne-
nhuma decomposição do mesmo.
Firmado nesses juizos syntheticos a
priori, Kant estabelece que:
1º Temos certeza desses juizos, não por-
que conheçamos seu valôr real mas ape-
nas porque somos necessitados a admit-
til-os por uma inclinação innata.
2º A acção da sensibilidade é applicar
as idéas innatas de tempo e espaço à im-
pressão que nos manifesta os phenome-
nos.
3º Aacção da intelligencia é applicar
outras idéas innatas, que denominou ca-
36 JUNTINO MENDES

tegorias, aos phenomenos, formando os


juizos.
4º A acção da razão é raciocinar de ae-
cordo com uma das tres idéas innatas:
sujeito agente, mundo e Deus (idéas psy-
chologica, cosmologica e theologica).
5º A metaphysica e a mathematica pura
não têm valor real porque só constam de
juizos syntheticos a priori. A physica
trata só de apparencias.
Conclusão de tudo isso é que só conhe-
cemos os phenomenos, mas os seres em sl
que existem sob os phenomenos são para
nós uma incognita, não os attingimos. Na
phrase de Kant, a razão humana parece
fatalmente condemnada a agir numa cer-
ta ordem de conhecimentos na qual como
que é assoberbada por questões que não
póde resolver.
Pertence á critica portanto descobrir
08 erros continuos em que laboramos nã
vida, erros de que não podemos prescindir
mas que é util conhecer,
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 27

3. Exame dos juizos

— O que acho exquisito é um talento


como Kant affirmar que 7 + 5 = 12 não é
Juizo analytico...
— Isso, meu caro, é porque, se não o
affirmasse, adeus todo o seu systema!
Precisava desse presupposto.
— Antes diria preconceito.
— Diz que o predicado doze não está 1n-
cluido no sujeito 7 + 5, mas está completa-
mente fóra do sujeito.
— Mas é cousa tão clara! interveiu San-
cho. 7 + 5 não são nem mais nem menos
que doze. Quem diz 7+ 5 diz 12. Logo por
analyse do sujeito acha-se o predicado.
Logo é juizo analytico.
— Ainda mesmo que acceitemos dever
analysar tambem o predicado, como auxi-
lio para chegar a esse resultado, isso não
tira que se ache o predicado na analyse do
sujeito. Não está absolutamente fóra do
sujeito como pretende Kant.
—. Neste ponto Kant lembra o prefeito
que não queria absolutamente que seu fi-
lho entrasse no sorteio militar. Pergun-
38 JUSTINO MENDES

tando-lhe alguem se o filho ainda não


e an no s, re sp on de u : em
completara os vint
Não se nh or ; ne m os co mp leta rá e m q u a n t o
eu fôr prefeito.
O Dr. Luciano proseguiu:
— Supponhamos ainda outro juizo ma-
thematico: — Um triangulo é semelhante
a outro que tenha angulos respectivamen-
te eguaes. Analysando o sujeito um tri-
angulo não acho o predicado nem sequer
me lembro d'elle. Mas, tomando sujeito
e predicado e examinando ambos, vejo
que ha conveniencia entre elles e formo
o juizo. — E” claro que esse juizo não é
formado cegamente como pretende Kant:
eu não affirmo sem ter um motivo que
me dê a evidencia. A conveniencia entre
sujeito e predicado torna-se evidente
ana:
Iysando não só o sujeito como tambem o
predicado. Logo é um Juizo verdadeira-
mente analytico porque procede
se e de nenhum d a a n a l y-
modo origina-se dum pr
conceito necessario
e-

ai Não,
Iyticos.
os ]
uizo
j
s math ematic, os são
vm
ana”
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 39

— O principio de causalidade tambem


não é synthetico a priori, é analytico.
— Qual é esse principio?
— E'º este: Todo effeito tem sua causa
que equivale a dizer: Tudo o que é feito
tem sua causa.
— O que é feito inclue alguem que o
faça, isto é, uma causa.
— D'ahi vêm que é analytico.
— Sim, bem pensado, os taes Julzos syn-
theticos a priori são um absurdo, obser-
vou ainda Sancho.
— Estou com você.
— Não pode haver juizos formados lou-
camente sem fundamento algum, e ao
mesmo tempo formados por impulso ins
vencivel da natureza. Ora taes seriam os
juizos syntheticos a priori, pois não pro-
viriam nem da analyse nem da experien-
cia.
40 JUSTINO MENDES

VI

IDÉAS UNIVERSÃES

1. 4 questão

No dia seguinte Sancho apresentou nova


questão que o vinha preoccupando.
— dÀo formar a idéa de homem em ge-
ral disse elle, eu não penso nem em Pedro
nem em Paulo. Entretanto posso appli-
car a idéa tanto a um como a outro, por-
que ambos são animaes racionaes, que é o
que constitue o homem.
— À saber, continuou Ricardo, você
nota certa differença entre a idéa e a rea-
lidade.
— Bravo! exclamou Luciano. Sancho
acertou com a celebre questão que tanto
agitou os animos na Edade Media: a
questão das idéas universaes,.
— O bonito é que eu não sei o que é
uma idéa universal, annotou Sancho.
—Eu lhe digo, explicou Ricardo. Idéa
universal é a que exprime um attributo
que póde estar, logicamente considerado,
PALESTRAS PHILOSOPHICAS at

todo em diversos seres e applicar-se todo a


cada um d'elles. Ex. homem, cavallo, li-
vro, etc.
— Notem que todo o valor objectivo das
sciencias está nessa questão. Porque a sei-
encia não trata d'este homem, nem d'esta
planta ou pedra, mas sim do homem em
geral, da planta ou pedra em seus carac-
teres geraes,
— O ponto da questão vem a ser este,
disse Ricardo. Temos uma idéa que é ap-
plicavel a innumeros individuos. Tanto é
homem Pedro como Thiago, como André.
Mas realmente, nos objectos da idéa, não
ha tal cousa applicavel a todos. O que
constitue homem a Pedro não é objectiva-
mente o mesmo que constitue homem a
Thiago.
— Comprehendo, concordou Sancho.
Se a idéa póde applicar-se a todos os indi-
viduos, a natureza real não é uma cas
rapuça que se possa tirar a Pedro para
applicar a Paulo e d'este passal-a a João.
— "Trata-se portanto, concluiu Ricardo,
de saber o que é que corresponde na reali-
dade a essas idéas universaes.
42 JUSTINO MENDES

2. Platão e os realistas exagerados

— Já Aristoteles, disse Luciano, tinha


dado solução ao problema. Não acceitou
a idéa de Platão segundo o qual o objee-
to das Idéas universaes existe realmente
e como tal.
— Mas que absurdo! criticou Ricardo.
À ser assim teriamos o movimento sem
ser num objecto; a alvura separada das
cousas; um vivente que não seria nem ve-
getal nem animal nem racional!
— Sim, as chamadas formas platonicas
são absurdas. Mas, apesar da solução ra-
zoavel de Aristoteles, como no principio
da Edade Media Aristoteles não era co-
nhecido, Guilherme de Champeaux ensi-
nou que o objecto de cada idéa universal
é uma unica natureza, identica em todos
os individuos; que não existe separada
mas só nos individuos e estes differem
en-
tre gi pelas qualidades accidentaes.
— Outro absurdo, tornou Sancho. A
Ser assim, a natureza de Deus, que é um
Ser, seria a - me mesma, que existe nos mais sۼ
tes. É então todos os seres seriam Deus
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 43

— Cahiam assim no pantheismo que os


sequazes d'esse realismo exaggerado ab-
solutamente não admittem.
— E vocês acham que em tempos re-
centes não haja quem tenha essa opinião?
Engano. Ubaghs e Laforêt são realistas
exaggerados. |
— Que lhes preste! disse Sancho admi-
rado.

3. Nominalistas

— Veiu depois o nominalismo, prose-


guiu o Dr. Luciano. Este nega as idéas
universaes e só admitte o nome univer-
sal; isto é o nome que designa uma col-
lecção de individuos.
— Ássim o termo homem designaria a
colleeção de seres chamados homens sem
existir a idéa mesma universal?
— Eº isso mesmo. Uma observação po-
rém. Pode-se duvidar se houve verdadei-
ros nominalistas na Idade Media.
— E porque?
— Por causa da imprecisão da lingua
gem scientifica nesse ponto. Mas o inte-
44 JUSTINO MENDES

ressante é que ha modernos que profes.


sam o nominalismo.
— São mais arrojados que os philoso-
phos medievaes.
— São nominalistas Stuart Mill, Taine,
Ribot e geralmente os positivistas.
— Entretanto, oppoz Sancho, eu tenho
verdadeira idéa universal e não um nome
collectivo. Dizendo homem formo na
mente a representação d'esse ser que é
animal racional. Ora isso é verdadeira
Idéa; que tenham paciencia os nominalis-
tas!
— Sim, interveiu Ricardo, mas se ex-
cluimos o realismo exaggerado e recusa-
mos o nominalismo: que é que nos fica?
— O realismo moderado.
— (Que consiste...?
— No seguinte. O objecto da idéa uni-
versal existe realmente, mas não do modo
pelo qual o concebemos.
— (ra essa!
— Sim, snr. Existe realmente porque
esse objecto da idéa é uma propriedade
real do individuo: o ser animal racional.
E não existe do modo pelo qual o concebe-
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 45

mos porque o concebemos separado das


demais propriedades do individuo, e as
sim separado, elle não existe.
A idéa universal é apenas uma abstrac-
ção, e por isso é que se póde applicar a
varios seres.
— Sim, deixa de lado as demais pro-
priedades e só toma o que os varios indi-
viduos teem de semelhante.
— Sendo pois realmente uma idéa, não
se póde dizer que o universal seja apenas
um nome; de onde se segue que o nomina-
hsmo é falso.
II

PSYCHOLOGIA
A,
OS SENTIDOS

1. Numero dos mesmos.

— O Sancho, disse Ricardo está com os


sete sentidos para não dizer algum dis-
parate.
— Sete? protestou Sancho um tanto es-
pinhado. Eu tenho só cinco.
— Ora ahi está! Hoje em dia não se ad-
mittem apenas cinco sentidos.
— Sim, interveiu o dr. Luciano. A ten-
dencia hodierna é para dividir o tacto em
varios outros sentidos.
— Pois é, triumphou Ricardo. Temos
o sentido do frio, o do calor, o da pressão
eo da dôr, além do cinesthesico, do senti-
do do equilibrio, ete.
ss bau
so JUSTINO MENDES
— Farei notar porém, observon Tur-
ciano, que para haver um novo sentido de-
ve haver orgão diverso, objecto formal-
mente distineto e operações esnpecifica-
mente ontras. E nem todos concordam em
que se deem essas condicões,
— Fstá vendo, Ricardo?
— Não ha duvida, tornou este, Mas
descobriram-se quatro especies de pontos
sensoriaes na pelle, para o calor, para o
frio. para a dor e para a pressão: isso in-
dica que cada especie tem seus nervos
proprios. Os pontos de temperatura não
produzem dôr ainda que se finque nelles
profundamente uma agulha.
— Bim, admittin o doutor. Tambem
allegam que sob a acção d'um anesthesico,
primeiro desapparece a sensibilidade á
dor e só depois a sensibilidade á pressão.
— Ora parece contradictorio, prose-
guiu Ricardo olhando para Sancho, dizer-
se Que O mesmo nervo conservou sensibi-
lidade para excitantes frac
sensivel a exc
o s , s e n d o in-
itantes fortes.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 51

mente, mas primeiro desapparece a sensi-


bilidade para o frio e só depois para as
outras qualidades. E mais uma razão
acham na distincção dessas quatro qua-
lidades da sensação e o não apresentarem
transito continuo de uma para outra co-
mo succede nas córes.
— Olhe, Sancho, disse ainda Ricardo,
Ha um facto interessantissimo. E” a sen-
sação paradoxal do frio. Excitando-se um
ponto de frio, com trinta e cinco gráus de
calor, produz se uma intensa sensação de
frio.
— Pois é curioso! — Mas eu tenho ou-
vido falar de sensações cinesthesicas e
cenesthesicas e não sei que mais. (Ctostaria
que me explicassem o que veem a ser.
—E simples, respondeu Ricardo. Sen-
Sação cinesthesica é a da posição dos mem-
bros e dos movimentos que executamos
com elles.
— E cenesthesica?
— Eº a da fome, sêde: somno, fadiga,
falta de respiração. Tambem se chamam
Cenesthesicas as sensações que proveem
sa JUSTINO MENDES

intestino, coração e outras


do estomago,
visceras.

2. Sentido do equilibrio

— E distinguem ainda, concluiu o dr.


Luciano, sensações de equilibrio, para as
quaes pretendem um novo sentido que
chamam sentido estatico ou do equilibrio
ou de orientação.

E de facto, disse Ricardo, tem co-
mo orgão o labyrintho do ouvido.
— Ora essa! O labyrintho? exclamou
Sancho admirado.
ii Sim, snr., confirmou Ricardo. A le-
são ou extirpação d'um canal semi-cireu-
lar faz inclinar a cabeça para o lado con-
trario. Tambem a doença Méniérica,
a
qual produz falta de firmeza no anda
r e
estar de pé,o é causada por hemorragias
j o
inflammações no labyrintho. ' '
fio notem ainda, accres
centou o dr.
» qUe em muitos surdos-mudos o
PALESTRAS PHILOSOPHICAQ n2

jabvrintho está alterado e faltamhes


nuitas vezes os reflexos correspondentes.
Assim não experimentam a sensação de
vertigem ao girarem sobre si mesmos. Po.
dem andar logo em seguida direito para
diante sem cambalearem como asuecede ás
pessoas normaes,
— Parece portanto que não temos ape-
nas cinco sentidos, concluiu Ricardo, mas
alguns mais.
— Póde pensal-o se quizer, mas não es-
queça que para um novo sentido é preciso
um orgão especial e uma sensação irre-
ductivel a qualquer outra. Se alguns que-
rem que a sensação do frio e do calor, do
contacto e pressão e dôr tenham sentidos
diversos, outros reduzem-nas ao tacto ou
a varios sentidos juntos, mesmo internos.
Às cenesthesicas pela mesma forma,
querem que sejam sensações complexas
tanto dos sentidos externos como dos in-
ternos, Neste ponto portanto siga cada
qual o que entender,
— E' justo, rematou Sancho. In dubiis
libertas.
ob JUSTINO MENDES

EE

IDEALISTAS
1. As sensações são objectivas
— Os idealistas, observou o Dr. Lucia-
no, negam a existencia dos objectos exte-
riores.
— Entretanto, disse Sancho, no outro
dia demonstramos que não lhes assiste ra-
zão alguma.
— Sim, os sentidos externos dão-nos
certeza de que fóra de nós existem os ob-
jectos que causam a sensação.
— E” claro que as sensações não são me
ramente subjectivas, disse Ricardo.
— E tambem é evidente que não depen-
de de nós excitar e dirigir as sensações ex-
ternas, como fazemos com as imagens da
fantasia, completou Luciano.
— Nunca dependem da diversa dispo-
sição do sujeito.
— Ah, de certo! exclamou Sancho. E'
impossivel eu ter a sensação de um conto
de réis no bolso se o conto de réis alli não
está.
PHILOSOPHICAS 55
PALESTRAS

— E'. Póde desesperar-se quanto qui-


ger que elle não app are ce "á no seu bols o.
— Entretanto, objectou Ricardo, a côr
não é objectiva...
— Sim, póde não existir objectivamente
como tal, mas ha no objecto qualquer cou-
sa que, com as ondulações, produz na vis-
ta a sensação da côr.
— Mas a reflexão, refracção, polarisa-
ção e interferencia da luz mostram que à
côr e a luz são ondulações.
— Alto! interveiu Sancho. Mostram
que a propagação da luz é inseparavel de
certas ondulações, mas não que a luz seja
só ondulações!
— Então vou dar-lhe outro argumento
já que esse não o convence.
-— Vejamos, como disse o cego.

2. Ondas luminosas

— À vista enxerga, ainda com pouca


luz; mas nesse caro não enxerga as côres
do espectro, vê tudo escuro, ou preto.
Tambem movendo-nos rapidamente para
um sino que toca ouvimos um som mais
56 JUSTINO MENDES

alto do que os que estão parados € vice.


versa afastando-nos delle. Jo principio
no s mo st ra qu e à cô r e 0
de Doppler. Isso
som não estão nos corpos, mas nos nossos
nervos.
— Permitta-me uma observação, disse
rq ue nã o p o d e m as cô re s es -
Ricardo. Po
re al me nt e em ta es ci rc um s-
tar mudadas
ue as pr op ri as -v ib ra çõ es
tancias?- Porq
ao ap ro xi ma r- se ou
não pódem mudar
afasta r- se do si no a p e s s o a ?
— Tem ra zã o. M a s v o u d a r - l h e ma is
um argumento: À lei de Weber.
— Não conheço.
— E' a se gu in te : A re la çã o en tr e O
exci ta nt e pe rc eb id o e a di ff er en ça a ac
cresce nt ar pa ra se pe rc eb er O au gm en to ,
é constante. Quer dizer:
A maior excitante não corresponde sem-
pre maior sensação.
— De modo que é preciso um bom aug-
mento no excitante para se ter uma Sen
sação mais forte,
— Por outro lado augmentando o cord-
prim en to da s on da s lu mi no sa s (o qu e dá
en ça qu an ti ta ti va ), nã o t e m o s
uma differ
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 57

somente differença quantitativa nas cô-


res. Assim certo tamanho de onda produz
sensação de calor; alterando o comprimen-
to percebe-se immediatamente a cór ver-
melha com varia intensidade; depois de
subito apparece uma côr nova. Ha pois
differenças qualitativas e quasi subitas.
— Mas uma vez que essa desproporção
é real, porque não póde ser real no pro-
prio objecto2
— Diz bem. Mas insistirei ainda dizendo
que a côr branca não é branca fóra de nós.
O que ha na realidade são as côres do es-
pectro solar. Os raios de diversas cores in-
cidindo no mesmo ponto do orgão nervoso
dão a sensação do branco. Tambem mis-
turando pó amarello com pó azul vê-se a
côr verde. No entanto o microscopio dis-
tingue as duas côres primeiras.
— Será porque a vista não as distingue
devido á pequenez das particulas.
—Mas a vista attingida pela electrici-
dade, pressão ou doença vê diversas côres
mexistentes, Logo..,
— Logo essas causas produzem luz, O
que é opinião de muitos, e portanto esta
o JUSTINO MENDES

nã o é me ro ph en on ic ho su bj ec ti vo . E no te
anda que nesses casos à CUL representada
não se apresenta tao objcetiva e real como
nos casos ordinarios.
— Um ul ti mo ca nh ão . O go st o, o ol fa to ,
o calor são atfeeções subjectivas, Segue-
se que tambem a côr o póde ser.
— Sim, póde, mas não-se prova que se-
ja.
— Bem. Vemos portanto que não ha
certeza absoluta a respeito da obgectivi-
dade ou não objectividade formal das cô-
res.
no Os argumentos não são irrespondi-
veis.
— Tambem aqui portanto siga cada
qual o que entender ou antes suspenda o
seu juizo pois não pode chegar a uma
certeza.
III
SENSAÇÃO E CEREBRO
1, 4 localisação
diz. Que tem na mão, amigo Sancho? in-
gou o dr, Luciano, vendo-lhe a mão
atada com um lenço,
PALESTRAS PHILOSOPHICAS pi

— Machuquei-me, respondem aquelle.


Uma martellada em falso fez-me ver es
trellas! O dedo doeu que não foi graca!
— Sinto muito, Interveiu Ricardo. Mas:
você ainda é do tempo em que se pensava
que era o dedo que doia?
—Ora então? Pois si é o dedo mesmo
que doeu!
— Engano, meu caro. Hoje em dia af-
firma-se que toda sensação se faz no cere-
bro. Os sentidos apenas recebem passiva-
mente a excitação e pelos nervos trans-
mittem-na ao cerebro.
— Mas eu senti no dedo...
— E' à localisação...
— Macacos me lambam se o entendo.
— À localisação, meu Sancho, consiste
em attribuirmos a sensação áquella parte
do corpo que recebe a excitação.
— Quer dizer que eu não senti a dor no
dedo, que a senti no cerebro mas a attri-
buí falsamente ao dedo?
— [Isso mesmo.
— Mas porque essa falsa attribuição ?
— Os modernos dão duas explicações.
Os nativistas explicam a localisação por
60 JUSTINO MENDES

uma determinaçã to OU constituiçã to da nos-


sa natureza. Os emprristas ao contrario
acham que essa attribuição ao orgão «e
faz pela experiencia adquirida e pelo cos-
tune,
— Hum!
—Os primeiros dizem que por tenden-
cia natural progectamos a sensação para
o ponto peripherico donde veiu a excita-
cão; e que, se temos uma representação da
região do corpo attingida, é porque asso-
ciamos uma imagem visual.
— E os segundos?
— (Os empiristas pensam que unicamen-
te essa associação é que causa a localisa-
ção.
— Isto é, que se a uma sensação tactil
associamos a representação da mão, é por-
que vimos muitas vezes que esse contacto
se faz na mão?
— Justamente,

2. A se ns aç ão nã o se fa z no ce re br o
Luciano, que até ahi assistira
O Dr. jul-
sorrindo ao dialogo dos dois amigos.
gou opportuno intervir agora.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 61

— Sim, disse elle é certo que muitos mo-


dernos teem essas idéas que diz, Ricardo.
Devemos entretanto dizer que taes idéas
são falsas.
— Como!
— À sensação externa não se faz só-
mente nem principalmente no cerebro.
— Então faz-se no orgão?
— Perfeitamente. O cerebro é necessa-
rio para se ter a percepção consciente,
mas existe sensação ainda sem cerebro.
— Sensação inconsciente então?
— Sensação sem consciencia reflexa
mas não sem consciencia espontanea, co-
mo direi depois.
— Continue, doutor.
— Extrahindo-se o cerebro a pombos,
rans, cães, peixes, etc. esses animaes ain-
da sentem.
— Logo, concluiu triumphantemente
Sancho, ha sensação sem cerebro.
— Comtudo, eu desejava alguns factos,
disse Ricardo.
— Teem-se feito innumeras experien-
cias, Cortando-se a cabeça a uma rã €
62 JUSTINO MENDES

pondo-lhe uma gotta de acido sobre a pel.


le, ainda leva alh a pata para coçar-se e
dissipar a dôór. A pomba sem cerebro,
solta no ar, abre e bate as azas para evitar
o choque da queda: é porque sente desa-
eradavelmente que está no ar e sem apoio.
— Simples reflexo! fez Ricardo com um
muchocho.
— Só se dissermos que em toda a sensa-
ção temos apenas reflexos. À situação é
a mesma e os factos são os mesmos. Mas
continão. O cão privado de cerebro, per-
manece Immovel, mas, si é empurrado, la-
te e procura morder: faz movimentos of-
fensivos e defensivos. Peixes sem cere-
bro ainda enxergam.
— E na sensação da vista, a visão, evi-
dentemente não é simples reflexo, corro-
borou Sancho com satisfação.
— Rans, pombos, gallinhas, cães, sem
cerebro, enxergam, ouvem, correm, sal-
tam, evitam obstaculos, experimentam fo-
me e sede,
riu E” claro nesses casos que a sensação
não se faz no cerebro,
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 62

3. Outros argumentos

-— Temos muitos outros argumentos


ainda para provar Isso, proseguiu o Dou-
tor. Até com os olhos fechados percebe-
mos claramente que um toque no hombro
e vm toque no pé não se fazem no mesmo
logar mas distam muito um do outro. Ora
no cerebro não ha tal erande distancia.
— Tambem, notou Sancho, quem é que
diz que está enxergando com o cerebro?
— Não, todos dizem: Vi com estes olhos.
ouvi com estes ouvidos. Ora esta lei natm-
ral seria inexnlicavel se a sensacão se fi-
zesse unicamente no cerebro. Mais.
À sensação deve fazer-se principalmen-
te onde está o apparelho optimamente
adaptado para isso. Ora o apparelho está
nos orgãos e não no cerebro.
— Com effeito, explicou Sancho, é nos
olhos que temos a cornea transparente, o
iris, 0 cristallino, a retina, o liquido reti-
mano, ete, etc,
— Tambem a diversidade de qualida-
des percebidas, como a luz e o som, exi-
gem diversidade de adaptação e estructu-
64 JUSTINO MENDES

ra no apparelho que percebe. Ora essa di.


versidade de adaptação e estructura só
existe nos orgãos dos sentidos.
-— E não no cerebro
— À sensação deve fazer-se principal-
mente onde está presente o excitante ou
a qualidade sensivel. Ora o excitante, a
qualidade sensivel, está presente no or
gao.

4. Nativistas e Empiristas

— Mas os nativistas...
— Perdão, contra elles temos um argu-
mento todo especial.
— Qual é?
— Que é inadmissivel induzir-nos a na-
tureza continuamente a um erro, fazendo
que nada sintamos no cerebro onde de
facto estaria a sensação e sintamos no pé
a dôr que alli não existe,
— Tem razão, concordou por fim Ri-
cardo. Do mesmo modo é inadmissível que
a sensação muscular não se sinta onde O
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 63

musculo de facto se move, para sentir-se


onde nada ou quasi nada se move.
— E os empiristas? lembrou Sancho,
— Para estes tambem ha um argumento
bem especial.
— Diga-o.
— E” que os cegos de nascença, nos
quaes não pode haver associação de ima-
gens visuaes, percebem o mesmo que os
que enxergam e attribuem do mesmo mo-
do as sensações á parte direita ou esquer-
da, superior ou inferior, exactamente co-
mo os outros.
— Logo não é, como dizem, que tenha-
mos uma representação da região do cor-
po attingida, porque associemos uma ima-
gem visual.
— Entretanto, objectou Ricardo, julca-
se sentir a dôr num braco ampntado. Tsso
indica que a sensação não se faz no orgão
mas no cerebro.
— Devagar! atalhou Luciano. Isso mos-
tra que ge sente no nervo e de modo al-
gum prova que se sinta no cerebro.
66 JUSTINO MENDES

IV

SENSAÇÕES E EXCITANTE

1. O excitante

— O sentido, disse o Dr. Luciano, re-


quer uma determinação. De si é indiffe-
rente a perceber ou não perceber, como
tambem é indifferente a sentir este ou
aquelle objecto. Vê-se d'ahi a necessidade
de ser determinado, de ser excitado.
— Essa determinação, disse Sancho, é
feita pelo objecto.
— Mas o excitante póde ser extemmo e
Interno, observa Ricardo.
— Sim, conforme seja exterior ou in-
terior ao organismo.
— Os externos podem ser movimentos,
como na luz, qu desprendimento de par-
ticulas, como no olfato. E os internos po-
dem estar no orgão sensorial ou no cere
bro, e são periphericos ou centraes.
— Ordinariamente, disse o dr. Lucia
no, para a sensação são necessarios Sul
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 67

cessivamente esses tres excitantes: physi-


cos, periphericos e centraes,
— O excitante, continuou Ricardo, po-
de ainda ser adequado ou inadequado.
— Sei, disse Sancho. Adequado é o
apropriado para cada sentido. Assim as
ondas luminosas para os olhos, as vibra-
ções do ar para o ouvido, a acção, prova-
vrelmente chimica, de certas . substancias
para o gosto e o olfato, e a pressão, o ca-
lor, a humidade para o tacto.
— E os inadequados, terminou Ricar-
do, influem em varios sentidos. À electri-
cidade, por exemplo, produz sensações de
tacto na pelle, de luz nos olhos, de sabor
na lingua, ete. Tambem a pressão, o calor,
os exeitantes chimicos são excitantes ina-
dequados.

2. O que determina a sensação

-— Mas a excitação será distincta da


sensação? perguntou Rieardo.
— BW, respondeu Luciano. À sensação
não consiste na mera recepção passiva do
exeltante,
6x JUSTINO MENDES

— Recepção passiva do excitante tem 1


a no cadaver, observou Sancho; e o cad
ver não sente. ”
nm Para a sensação, explicou Luciano,
são necessarias tres cousas:
1º Uma excitação physica externa, co-
mo a vibração do ar para o ouvido.
9º Uma excitação physiologica interna,
meramente material, como o abalo dos os-
sinhos do ouvido para ouvir, processos
chimicos na retina, no nariz, na bocca, ex-
citação nos nervos, no cerebro; pheno-
menos que ainda não são a sensação.
3º O ph en om en o ps yc ho lo gi co da se ns a-
ção.
— Quer di ze r, co nt in uo u Ri ca rd o, qu e
a sensação nã o é me ra re ce pç ão pa ss wa
nem mero ph en om en o ac ti vo ; ma s co ns ta
de recepção passiva e de acto vital.
— Al ém da re ce pç ão do ex ci ta nt e, di ss e
Sancho, sentimo-nos actrwos na sensação;
tanto que tambem activamente fazemos
esfo rç os pa ra en xe rg ar ou ou vi r me lh or .
— E o qu e no s co nf ir ma es sa di st in cç ão
entre recepção passiva e acto vital é que
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 69

o segundo é muitas vezes contrario á pri-


meira.
— Como assim
— A imagem impressa passivamente
na retina não é inversa? A impressão
d'um ponteiro sobre a pelle não é conca-
va? Entretanto vemos o objecto direito
e sentimos o ponteiro convexo.
— Está pois provado, concluiu Sancho,
que ha, passividade no orgão, mas tambem
que ha actividade na sensação.

3. Percebemos directamente o objecto

— Diz Locke em suas obras que na


sensação primeiro conhecemos a impres-
são subjectiva e depois alcançamos a cau-
sa d'essa impressão, o objecto, por meio
d'um raciocinio.
— E repetem-se Malebranche, Reid,
Descartes e os idealistas, disse Ricardo.
— É haverá outras opiniões nesse pon-
to? indagou Sancho.
— Sim, proseguiu, o Dr. Luciano. Ha
quem affirma que percebemos ao mesmo
tempo a sensação e o objecto.
a JUSTINO MENDES

— E o snr. o que diz”


— Eu, com a parte mais razoavel dos
philosophos, digo que na sensação perce.
bemos immediatamente o objecto e não a
representação do objecto.
— (Com effeito a consciencia nos diz
que a sensação não é a percepção da mo-
dificação subjectiva, mas sim a percep-
ção de alguma qualidade dé outro ser.
— É nem os proprios philosophos dei-
xam de sentir as cousas como diversas do
sentido.
— E ainda consideremos o seguinte,
accrescentou Luciano. Se para sentirmos
fosse necessaria uma: imagem: ou represen-
tação intermédia, para: sentirmos essa
imagem precisáariamos de outra: pela mes-
lina razão, e assim: por diante. E então se-
ria necessario um numero infinito de ima-
gens intermedias.
— O que equivale a dizer que nunca
chegariamos a ter sensação alguma.
4. Sensação externa e interna
— Vemos d'ahf que não podemos con-
fundir a sensação externa com q interna.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 71

Porquanto percebemos directamente a ac-


ção externa do objecto ou a sua qualidade
physica.
E percebemos indirectamente, pela
consciencia sensitiva e à reflexão, a re-
cepção passiva da acção do objecto, no-
tando ainda que essa recepção é inversa:
a impressão passiva d'um relevo é con-
cava.
— O relevo, imprimindo-se em minha
mão, produz nella uma concavidade e não
uma convexidade, concordou Ricardo.
— Por ultimo percebemos ainda na
nossa Imaginação a imagem da qualidade
do objecto e a imagem da impressão pas-
siva. Ora essas tres representações pro-
duzem-se em nós successivamente e podem
separar-se umas das outras.
— Logo, concluiu Sancho não são a
mesma cousa.
— Bim, devemos distinguir a sensação
externá da interna.
e Erram por conseguinte os idealistas
um confundem a percepção externa do
não eu com a percepção interna do eu.
72 JUSTINO MENDES

— São os que altirmam que só percçe.


bemos o eu e as suas modificações subjec-
tivas.
— Dessa maneira buscam em vão uma
ponte entre o sujeito e o objecto e caem
no scepticismo objectivo .
— Faz mal ainda Taine ao dizer que a
percepção é uma hallucinação verdadeira.
O que elle faz é confundir a sensação (ex-
terna e interna) com a phantasia.
— Na phantasia é que ha hallucinações
sem o objecto existir; e é bem differente
da percepção do objecto existente para
chamar a isso tambem hallucinação.
— Isso de estados fortes e estados fra-
cos da mesma representação tem o mesmo
defeito. E” confundir sensação externa,
interna e phantasia. Já Bergson e James
distinguem perfeitamente esses tres phe-
nomenos uns dos outros.
v

CONSCIENCIA SENSITIVA
— Consciencia sensitiva é à faculdade
que percebe as sensações dos sentidos 6X
ternos e ag suas differenças.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS "3

— Percebe o que já foi percebido pelos


sentidos, não é? perguntou Sancho,
— Nº isso mesmo, respondeu o Dr, Lu-
ciano,
"bama-se tambem sentido intimo ou
sentido commum. Percebo um som, vejo
um movimento, noto a ditterença e attrl-
buo as duas sensações ao mesmo objecto
ou à objectos diversos. Ahi está a consci-
encia sensitiva.
— E deve perceber tambem o proprio
corpo?
— Sim, indirectamente. Os phenome-
nos sensiveis são percebidos directamen-
te; € o orgão ou o corpo, de um modo in-
directo, como sujeito da sensação.
— Rosmini, disse aqui Ricardo, inven-
tou um sentido fundamental.
— Para que? interrogou Sancho admi-
rado.
— Para percebermos o nosso corpo an-
tes de toda outra percepção externa.
—Não é necessario, disse Luciano, re-
correr ao tal sentido fundamental de Ros-
mini, que não se prova. Ao experimen-
74 JUSTINO MENDES

tarmos a sensação percebemos que ha um


corpo que a experimenta.
— E tambem, concluiu Sancho, não
concordo com Reid, o qual exige um ra-
ciocinio para se perceber o proprio corpo,
a saber, o raciocinio seguinte: Toda sen-
sação suppõe um sujeito; ora existe a mi-
nha sensação; logo existe um sujeito (o
corpo).
— Não é preciso tal raciocinio, basta
a percepção concomitante.
— Mas qual o orgão dessa faculdade?
— São os nucleos cinzentos centraes
do cerebro.
— Sim, mas vamos a outra questão.
Será uma faculdade distincta dos senti-
dos externos?
— Parece que não é necessario fazer
tal distincção, disse Sancho: os sentidos
são sufficientes para perceber as sensa-
ções
— Mas não para reunil-as e comparal-
a8! notou Ricardo.
— Condillac e outros acham que a cons-
ciencia não é mais qué os proprios senti-
dos externos, disse Luciano. Mas não po-
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 73

demos concordar com elles. De facto, a


vista não é capaz de ouvir nem o ouvido
de vêr. Ora a consciencia pércehe e reune
essas sensações; logo não é a vista nem o
ouvido mas outra faculdade que pode per-
ceber as affecções de todos os sentidos.
Além disso o sentido nunca percebe a
sua sensação. Ex. a vista não vê a sua
visão, o ouvido não ouve o seu acto de ou-
vir, etc. Ora nós percebemos a nossa vil-
são, audição, etc. Logo ha outra faculda-
de em nós além dos sentidos externos.

VI

PHANTASIA

— Phantasia, disse Luciano, é a facul-


dade de formar em nossa mente imagens
sensíveis ainda na ausencia dos objectos
representados.
— Sim, disse Sancho, à phantasia con-
Serva as imagens sensiveis, reprodul-as...
-— E as combina oú separa, no que se
chama imaginação creadora.
— E o orgão?
76 JUSTINO MENDES

— E' à cortex cerebral ou camada cin-


zenta exterior do cerebro.
— Mas afinal a phantasia deve ser a
mesma consciencia sensitiva, annotou Ri-
cardo.
— Não parece, tornou Luciano. Ha
uma grande differença entre ambas.
— Qual é?
— E' que a consciencia sensitiva só
percebe o que lhe está presente, ao passo
que a phantasia percebe o que está au-
sente.
— E por isso tambem se distingue dos
sentidos externos4
— Sim, os sentidos attingem as cousas
externas, emquanto a phantasia reproduz
as imagens das mesmas. As duas faculda-
des differem no objecto, no orgão e no
modo de agir.
— (Como?
— No objecto, como acabamos de ver;
no orgão, porque o orgão da phantasia é
a cortex cerebral e o dos sentidos é o pro-
prio orgão sensivel,
-— E o modo?
PALESTRAS PHILOSOPHICAS “7

— O sentido apresenta e a phantasia


representa.
— Isto é, explicou Sancho, torna a
apresentar.
— Mas, afinal de contas, terminou Ri-
cardo, não vejo porque não póde ser a
propria memoria.
— Não acho que seja, porque a memo-
ria reconhece as imagens como passadas,
como já percebidas; ao passo que a phan-
tasia apenas reproduz, sem reconhecer a
imagem como passada.
— Os francezes, chamam á phantasia
la folle du logis, lembrou Sancho.
— E” verdade, tornou Luciano. E” a
doida da casa. Porque deve ser regida
pela vontade, e quando tal não succede,
pinta. Quem se deixa levar pela imagina-
ção pode commetter os maiores desatinos.
— Na loucura e durante o somno a
Phantasia não está sujeita á vontade.
— E é por isso que ella se desmanda e
vagueia loucamente por todos os campos
sem importar-se com q nexo nem com a
razão.
78 JUSTINO MENDES

— Mas o snr. falou tambem em mag


i-
nação creadora...
— Sim. E" a faculdade pela qual
a
phantasia separa as percepções
do sem
tempo, logar e cireumstancias, uni
ndo-as
diversamente para formar novas rep
re-
sentações.
|
— K O que acontece nas artes, expli-
cou Ricardo, onde dissociações e associa-
ções novas mostram o talento do artista.

VII

MEMORIA

— Passemos agora à memoria, propoz


Sancho.
— Memoria, disse Ricardo, é a faculda-
de de conhecer o passado como passado e
como já percebido antes.
— Temos porém memoria sensitiva e
memoria intellectual, disse Luciano
— A intelle ctual é uma funcção da im-
telligencia: deixem ol-a para depois. ,
— A memoria, bem como a Imaginação,
exerce-se segund o as leis da associa ção,
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 9

— Que é a connexão entre as imagens,


pela qual uma evoca a outra.
— (Quaes são as causas da associação?
indagou Sancho.
— Às causas ou leis de associação, ex-
plicou Luciano, reduzem-se a tres: conti-
guidade, semelhança e opposição.
— (Comprehendo, disse Sancho. Duas
cousas que se perceberam como contiguas
no espaço ou no tempo, associam-se facil-
mente na memoria ou na imaginativa.
— E da mesma forma. completou Ri-
cardo, duas cousas semelhantes ou oppos-
tas. Assim o sol lembra a lua e o dia à
noite
— Ha tambem alguns principios for-
mulados modernamente a respeito da as-
sociação, disse ainda Luciano.
— (QQuaes?
— A lei da totalisação é de Hamilton:
Um elemento psychico sempre tende a
evocar o estado psychologico completo de
que fez parte. Assim uma peça de musica
nos lembra uma festa, qs foguetes, as pes-
soas que nella tomaram parte, etc,
80 JUSTINO MENDES

A lei de Paulhan é a da associação ou


inhibição systematica. Toda imagem evo-
ca as imagens que pertencem ao Mesmo
svstema e impede as outras,
E a lei do interesse, de James: Entre
as associações possiveis serão evocadas as
que são de qualquer modo appeteciveis.

VIII

INSTINCTO

1. Que é instincto

— Que maravilha é o instincto dos ani-


maes! exclamou Ricardo ao ver uma ave-
zinha occupada em fazer o seu ninho. —
Como sabe escolher o material e collocal-o
tão bem conforme o que é preciso!
— Entretanto, observou Luciano, o ani-
mal não conhece o fim para que trabalha.
— Mas que é instincto? perguntou San
cho.
— Instinto é um impulso interior que
leva o animal a praticar certos actos sem
lhes conhecer o fim,
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 81
— Como o impulso da ave a fazer o ni.
nho, exemplificou Sancho, do castor à
construir diques, da abelha a fazer a col-
meia, etc.
— Os animaes apesar de não conhece-
rem o fim, percebem a conveniencia de
certos actos antes de terem experiencia
da mesma. E” porque á percepção d'um
objecto a natureza ajunta um impulso de
attracção, como um deleite, um desejo,
um impeto, ou de repulsão, como a aver-
são, o temor, o horror.
— Cousa parecida observamos no ali-
mento, confirmou Ricardo. Geralmente
falando, attrahe o animal pelo cheiro ou
gosto agradavel ou repelle-o pelo máu
cheiro ou mau gosto que tem.
— E estimativa que é? perguntou San-
cho.
— Faculdade estimativa, tornou Ri-
cardo, é a de perceber as cousas sensiveis
como uteis ou como nocivas antes da ex-
periencia. Por ella é que a ovelha foge do
primeiro lobo que avista.
ce
ÃO ua
82 JUSTINO MENDES

— Muitos hoje a identificam com o ing-


tincto: notou o dr. Luciano. Mas é antes
a parte cognitiva do instincto.
— E? admiravel o instincto dos animaes!
disse Sancho. Só as migrações das aves
no tempo proprio, ao aproximar-se o in.
verno, é uma cousa que espanta.
— Emigram aos bandos, e bem o sabem
os caçadores que as esperam com armadi-
lhas e redes e as exportam depois a mi-
lhões, a troco de bom dinheiro.

2. Outros animaes

— E as formigas!
— São outro especimen de instincto
admiravel. Não admittem nenhum detri-
to no formigueiro, nenhuma materia or-
ganica que possa infectar a communida-
de. Até as doentes e feridas são transpor»
tadas para fóra. E as mortas teem seus
cemiterios e, como observaram celebres
naturalistas, com sepulturas especiaes pa”
ra escrava s, lançan do as extranh as á valla
commula.
83
PALESTRAS PHILOSOPHICAS

D o e s t u d o d a s f o r m i g a s
— São celebres
D a r w i n é R o m a n e s .
Huber, Forel, q u e
p r o s e g uiu L u c i a n o ,
Notou-se ainda,
i n s e c t o s no s f o r m i g u e i -
as formigas criam u m a
t o s lh es f o r n e c e m
ros e que esses insec a c -
el la s l a m b e m c o m s a t i s f
secreção que
c h a m o u L i n n e u ao s p u l g õ e s
cão. Por isso
as vaccas das formigas.
— Interessante!
— A vespa Amophila que se nutre de
p o l e n e m el sa be e n t r e t a n t o q u e os fi lh os
precisarão da carne d'uma lagarta.
— Como o sabe?
— Só por um instincto maravilhoso.
pois quando o filho romper o ovo já ella
terá morrido.
— E como faz com a lagarta?
— Segura-a pela nuca evitando-lhe os
movimentos perigosos em que ella se deba-
te e enterra-lhe tres vezes o ferrão no tho-
rax uma vez em cada annel.
— Paralysa-lhe assim os movimentos.
— Sim, a lagarta ainda enrola e des-
enrola a extremidade trazeira, mas já não
póde caminhar.
— E a vespa?
84 JUSTINO MENDES

— Ah! Essa parece alegrar-se com q


victoria. Agacha-se no chão, roda sobre o
lado, vibra as azas...
-— Dá todas as mostras de contenta.
mento.
— Em seguida mette o ferrão em
cada um dos outros aneis da lagarta dei-
xando o corpo immovel. As mandibulas,
entretanto, agitam-se ainda assustadora-
mente.
— E que faz então a amophila?
— Abre a sua torquez mandibulare
bate-a na cabeca da lagarta varias vezes
até a deixar sem nenhum movimento. De-
pois leva-a e a seu tempo depõe o ovo nas
costas da mesma.
— (ue previdencia! disse Ricardo.
Não tendo morrido a lagarta, a sua carne
não apodrece e fornece alimento á larvo
por bastante tempo,

3. O tachytes. O castor.

— (O tachytes manticida immobiliza


do mesmo modo um insecto. Mas já o pro-
cesso tem que ser differente.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 85

— Por que?
— Para immobilizar as pernas do in-
secto, que se o apanham podem ser-lhe fa-
taes, o tachytes embebe o ferrão nos cen-
tros motores de todas essas pernas.
— E como acerta elle, se eu por exem-
plo me veria doido para achar esses pon-
tos que nem sei onde estão?
— Pois o tachytes com toda seguran-
ca dá a primeira ferroada e immobiliza as
pernas inferiores do bichinho. Hm segui-
da outros dois golpes de estylete vão pro-
curar mais em baixo os dois ganglios mo-
tores das outras patas, bem vizinhos um do
outro, e o insecto fica á sua mercê.
— O mundo está cheio de maravilhas!
— Outra e grande é a do castor.
— Conte-nos isso, doutor.
-— (O castor faz sua choupana sobre
estacas á beira dos rios, mas com uma sa-
hida para fóra e outra por um corredor
subterraneo para fugir pela agua. Vê-se
DO que precisa no rio um nivel cons-
ante,
— E como fará para isso?
56 JUSTINO MENDES

a De parceria
constroe simpl com os COMpan
esmente um d he;p
ique, ii
— Sim, senhor!
— Com grandes estacas fincadas Fe.
presa a agua de modo que
o excesso Passa
por cima do dique e a agua difficilmente
chegará a faltar. |
— Quem diria que o animal era tão
sagaz! exclamou Sancho.

4. Abelhas.

— Entretanto, as abelhas fazem con-


sas ainda mais admiraveis, observou Ri-
cardo.
— Com effeito, confirmou Luciano.
Resolvem um problema de mathematica.
— (Qual?
— O seguinte: Num prisma hexae-
drico limitado por parallelogramos: que
angulos dão a maior capacidade com um
gasto minimo de material?
— E esta! exclamou Sancho. es
ivel que ellas resolvam tal presa
— Perfeitamente, disse Luciano. FO
Réaumur quem propoz o pro bl em a das
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 87

abelhas. O mathematico Koenig buscou-


lhe a solução.
— E o resultado”
— Foi que as abelhas não sabiam ma-
thematica!
— Ah! Ahi está!
— As abelhas fazem as cellulas com
angulos obtusos de 109 gráos e 28 minutos
e os agudos de 70 gráus e 32 minutos. Ora
Koemg achou que deviam ser os primeiros
de 1uy gráus e 26 minutos e os segundos
de 70 gráus e 34 minutos.
— A differença não era grande, ob-
servou Ricardo.
— Comtudo, disse Sancho, era uma
derrota para as abelhas!
— Não triumphe ainda, meu caro,
disse o dr. Luciano,
— (Ora! tornou Sancho. Afinal entre
um bichinho como a abelha e um mathema-
tico da envergadura de Koenig não póde
haver hesitação. Eu não daria um tostão
pela sciencia do bichinho,
— Houve mais investigações?
sa JUSTINO MENDES

— Sim, mediram melhor as cellulas,


exam in ar am mu it as co lm ei as , ma s 0 res ul.
tado sempre o mesmo.
— Não se decidiam as abelhas a ag.
ceit ar a sc ie nc ia h u m a n a !
— E faziam muito bem.
— Af in al , c o n t i n u o u o do ut or , ab an -
donou-se o problema: esqueceu-se à ques-
tã o to da . Ei s se nã o q u a n d o u m na vi o me r-
cant e ba te n u n s es co lh os . O pr ej ui zo é
gr an de . O c o m m a n d a n t e é re sp on sa bi li -
sado.
— Mas, que tem que vêr isso com as
abelhas? interrogou Sancho de olhos arre-
galados.
— Vae ver, respondeu Luciano. O
commandante defende-se mostrando como
seguira as taboas de logarithmos das esco-
las nauticas da terra e portanto não lhe ca-
bia culpa alguma no lamentavel desastre.
— E então?
— Então examinaram as taboas de
logarithmos e verificaram nellas um erro
que justificava o pobre commandante, O
qual foi immediatamente absolvido.
— Nada mais justo!
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 89

— Pois bem, querem saber? As mes-


mas taboas é que tinham sido utilisadas
por Koenig anteriormente!
— Chi! Lá vae o calculo de Koenig
tambem por agua abaixo!
— De facto, examinou-se novamente
o problema, resolveu-se com as taboas cor-
rigidas e...
— As abelhas tinham razão!
— Exactamente. Uns angulos deviam
ter os 109 gráus e 28 minutos e os outros
70 gráus e 32 minutos!
— Oh quinau dado por um bichicho
tão pequeno a um dos grandes sabios do
mundo!

5. Os animaes são destituidos


de inteligencia.

— De todos esses factos, disse Ricar-


do, seriamos tentados a concluir que os
animaes são dotados de intelligencia.
— Mas seria um erro tirar tal con-
clusão.
-— Por que?
90 JUSTINO MENDES

— Porque o animal não tem conhee;.


mento do fim. As amophilas são herbivo.
ras e com tanta antecedencia preparam a
lagarta para alimento da prole! À larva
da vacca-loura cava um orifício no chão,
mas de duas vezes o comprimento do cor-
po, porque adquire depois duas longas an-
tenas do tamanho do corpo todo. Seria
preciso que alguem ensinasse esses insec-
tos, o que é impossivel.
E” typico o caso dos castores. Cuvier
poz alguns bem novos numa jaula e alei-
tou-os artificialmente. Nada aprenderam
por conseguinte com os pais. Depois de
crescerem foram alimentados com galhos
de salgueiro de que comiam a casca. Ora,
que havi a de acon tece r? Os cast ores à-
mon toa ram a um cant o os galh os já sem
casca e partiram-nos.
Cuvier, ao ver isso, pôz-lhes terra, pá
lha e ramos á disposição; e elles, amassã”
ram a terra, collocaram pequenos adobe:
uns sobre outr os, ape rta ram -no s com a
cauda até formarem uma só massa e fin
caram estacas nessa massa.
— Sem nunca terem aprendido!
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 91
— Sim, era o instincto que os impel-
lia e não a intelligencia.
— O que faziam não tinha utilidade
alguma; era feito só para satisfazerem
uma necessidade da sua natureza.
— Mas as abelhas parecem muito in-
telligentes...
— Até demais!
— Sim, ..seriam até eximias mathe-
maticas se tivessem intelligencia. Mas po-
nha uma d'ellas numa garrafa e difficil-
mente ella achará o orificio da sahida.
— Ora, ora! Tanta perspicacia para
um problema difficillimo que nem eu sei
resolver, e tanta estupidez para uma cou-
sa tão simples!
— E porque não tem intelligencia,
tem apenas instincto. Outra prova. Fu-
rando-se o fundo das cellulas, o mel que é
alli depositado, escoa-se e perde-se. Pois
a abelha não se incommoda com isso. Con-
tinúa a trazer mel, o qual desapparece logo
que é deitado ás cellulas.
— E não é capaz de fazer um ligeiro
reparo nas cellulas para não desperdiçar
o seu trabalho?
JUSTINO MENDES
92

— Não é, não. "Trata-se, pois, de ins-


tinct o e n ã o de i n t e l l i g e n c i a .

6. O u t r o s a r g u m e n t o s ,

— E verdade. E depois, se fosse in-


telligencia à dos castores, por exemplo,
h e g a m , a i n d a qu e se ja po r
porque não c
a u m a c o n v e r s a ç ã o m a i s ex pl ic it a
signaes,
m , a u m a c o n v e r s a ç ã o u m po u-
com o home
a n t a d a , m a i s in te lh ge nt e
co mais adi
emfim*
— De fa ct o: se el le s at é a p p l i c a m in -
telligentemente as leis de hydrostatica
para f a z e r e m ca na es , di qu es , es co ad ou ro s,
nã o p o d e m e n t e n d e r - s e c o m O ho -
por que
mem? Por que não se explicam com elle,
esta b e l e c e n d o u m di al og o de si gn ae s qu e
indiquem co us as m u i t o m a i s si mp le s do
que aquellas leis e preceitos?
— — Beri a u m a a n o m a l i a b e m si ng ul ar :
v i l e g i a d a s (p oi s nã o é
intelligencias pri le s ta -
qualquer bo t o c u d o qu e fa z o qu e el
zem), e inc a p a c i d a d e de t r o c a r e m id éa s
mais simples com seres intell igentes que
estão nas melhores condições para 08 com”
prehender.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 93

— Deus não póde ter creado uma


mente, preciosidade que de si é capaz dos
maiores arrojos do genio, para fatalmente
estacar nos primordios do sen desenvolvi-
mento: sem dar-lhe um progresso que a
sua natureza pede.
— Além disso o grande fim da intel-
ligencia é conhecer o Ente mais digno de
ser conhecido, Deus. E' o fim primario e
essencial que Deus mesmo não póde deixar
de ter em vista ao dar intelligencia ás
creaturas.
— Mas nunca se viu um animal reli-
gioso! observou Sancho.
— E certo, tornou Luciano. Portan-
to, a admitirmos intelligencia nos animaes,
deviamos dizer que Deus creou sêres que
de si podiam conhecel-o e reverencial-o,
mas negou-lhes o chegarem a realizar essa
emgencia da sua natureza.
— Estou convencido, disse Sancho. O
instincto, o impulso natural basta para
explicar os phenomenos em questão. Uma
Vez que os animaes pouco ou nada se afas-
tam do ramerrão usual, uma vez que não
chegam a exprimir pensamentos num dia-
94 JUSTINO MENDES

logo dos mais simples, uma vez que não


chegam a conhecer e reverenciar a Deus,
é porque não tem realmente intelligencia.

IX

APPETITES

1. Coração ou cerebro?

— "Temos não sómente a faculdade de


sentir como tambem a de appetecer, ou fa-
culdade appetitiva, disse o dr. Luciano.
— Isto é, a faculdade organica de ap-
petecermos o bem material, percebido pe-
los sentidos, explicou Ricardo.
— E es se be m ap pe te ci do , qu an do é
di ss e Sa nc ho , dá or t-
difficil de co ns eg ui r,
gem à ira.
— Mu it o be m, di ss e Lu ci an o. Ma s
qual será o orgão do appetite sensitivo
o te m qu e ve r, ex cl am ou
— — Ora, nã
Ricardo, é o coração!
— Pois não é, meu caro Ricar do, dis-

se Luciano.
pe rg un to u Sa nc ho .
— Qual é, então?
PALESTRAS PHILOSOPHICAS

— O cerebro.
— Ora!
— Sim, antigamente julgava-se que
o coração era a séde do appetite sensitivo
porque os movimentos d'esse orgão acom-
panham o appetite, mas os modernos phy-
siologos e philosophos rejeitam essa opl-
nião.
— Diga-nos os argumentos que apre-
sentam.
— São estes. 1.º O coração é um mus-
culo. Ora a funecção do musculo é só o
movimento e não a sensibilidade.
2.º Affirmam os physiologos e sobre-
tudo Claude Bernard, que o appetite sen-
sitivo é impedido, não por lesões do cora-
ção, mas pelas do cerebro.
3.º O appetite segue o conhecimente
sensitivo: ora, o conhecimento sensitivo
consciente tem a séde no cerebro. Logo é
natural que a séde do appetite esteja tam-
bem ali.
4º O appetite produz o movimento:
ora este vem do cerebro e não do coração.
Ao cerebro se dirigem os nervos sensiti-
vos e d'elle saem os nervos motores.
96 JUSTINO MENDES

— Mas o povo pensa differentemen.


te, annotou Sancho.
— Sim, disse Ricardo. O povo dig.
“Meu coração pede”... “Parte-se-me o
coração”, etc.
— Hº porque o coração é o orgão prin-
cipal em que as paixões se manifestam ex.
teriormente. Ora isso é sufficiente para
justificar essas expressões.

2. A faculdade locomotora

— O homem tem ainda outra facnlda-


de distincta da sensação e do appetite: é
a faculdade de se mover, disse Sancho.
— Esta tem seus nervos proprios. À
excitação sensitiva vae pelos nervos sensi-
tivos da peripheria para o centro, ao passo
que a reacção motora volta do centro á pe-
ripheria,
— E movimento reflexo que vem
a ser?
— Movimento reflexo é o que segue
mechanicamente uma impressão sensiti-
va, como q fecharmos automaticamente 08
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 97

olhos ao passar qualquer cousa perto


d'elles.
— Mecanicamente quer dizer espon-
taneamente, sem influxo da vontade.
— Perfeitamente. No reflexo, a sen-
sação no orgão age, pelo nervo sensitivo,
no centro da medulla espinal, e este, pelo
nervo motor, contrae e move o musculo
correspondente.
— Mas ha reflexos conscientes...
— Sim, quando a impressão, passan-
do pela medulla espinal, vae até o cerebro,
como na tosse, no espirro, etc. Fora d'isso
temos reflexo inconsciente, como succede
nos hypnotizados, apopleticos, sonambu-
los e nos animaes a que se cortou a cabeça
e por conseguinte não teem mais cerebro.
— Temos ainda, notou Ricardo, re-
flexos naturaes ou innatos e reflexos ad-
quiridos.
— Por exemplo, disse Sancho.
— Naturaes são os movimentos do
equilibrio e adquiridos, os movimentos dos
dedos ao escrever ou tocar um instrumen-
to musical.
= pm
98 JUSTINO MENDES

— Ji todos esses movimentos são re.


flexos porque suppõem a sensação?
— Sim, não são meramente mecha.
nicos, automaticos, como querem alguns
materialistas, porquanto não ha verdadei-
ra proporção entre a excitação e o movi-
mento, entre a excitação da pituitaria e o
espirro, entre o leve coçar na sola do pé
e as convulsões que produz.
— Tambem a rã sem cabeça, se se lhe
põe uma gotta de acido nas costas, coca-se
com a pata; se lhe é amputada tambem
essa, coca-se com a outra.
— O que quer dizer que a reacção
corresponde perfeitamente á natureza da
sensação e do appetite e varia com ella.
— Não se trata portanto de movimen-
to automatico ou puramente mechanico.
— As co nt ra cç õe s do s mu sc ul os qu e
m e n t o s do co ra çã o € do s
explicam os movi o
pulmões, a respiração, a circulação, nã
ão n e m do ap pe ti te :
dependem da sensaç t e mé ”
qu e sã o p u r a m e n
estaspode-se dizer
chanicas. Mas não os reflexos.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 99

— Logo devemos distimguir movimen-


tos voluntarios, movimentos reflexos e mo-
rimentos automaticos.,

INTELLIGENCIA

1.º Origem das adéas

— Diga-nos hoje, caro doutor, como


se originam as idéas, pediu Sancho.
— Para uns, começou Luciano, ellas
tiram origem principalmente dos ob-
Jectos, para outros, da alma e, para outros
ainda, de Deus. São os tres systemas cha-
mados Empirismo, Innatismo e Ontolo-
gismo. Ha exaggero nos tres.
— Todos os materialistas e positivis-
tas entendem que as idéas se explicam pela
impressão material no orgão corporal, dis-
se Luciano.
— Os sensistas tambem não estão lon-
ge disso.
— E' verdade, affirmam que as idéas
se reduzem a sensações
100 JUSTINO MENDES

— Quaes são 05 principaes sensistas?


— Locke e Condillac, disse Luciano,
— Quer dizer-nos qual o systema de
Locke?
—Pois não. Locke ensinou que as
idéas simples são recebidas passivamente
por observação ou reflexão, ao passo que
as idéas complexas proveem activamente
da composição de idéas simples, por asso-
ciação ou abstracção.
— Sim, explicou Ricardo, a idéa de
substancia diz elle que é formada por
composição, pois representa uma collee-
ção de qualidades. A de causalidade, diz
que provém da associação do ser ao seu
effeito. A idéa de infinito, pretende que
não seja mais que uma addição de idéas
de sêres finitos. E a de extensão quer que
resulte da abstracção da solidez dos cor-
pos.
— Muito bem, disse Sancho. Só falta
examinarmos agora a concepção de Con-
dillac.
-— — Condillac, explicou Luciano, é con-
siderado o pae do Sensismo ou Sensualis-
mo. Ensina elle que a unica fonte da idéa
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 101

é a sensação. As Idéas não são mais do


que sensações transformadas. De modo
que o juizo, o raciocinio, a comparação etc.
são meras transformações de sensação, e
são recebidas no homem-estatua, que é um
simples receptaculo de faculdades e de im-
pressões.
— Está muito bem, mas com todos
esses systemas elles não explicam as idéas
abstractas e universaes.
— Não, disse Sancho, porque o sen-
tido, faculdade organica, só póde conhe-
cer o singular, o concreto e material.
— E mudem e transformem o mate-
rial quanto quizerem, nunca do material
por si só resultará o immaterial, nem do
contingente se formará o necessario.
— O empirismo não explica a origem
das idéas.
— Ha tambem uma theoria sociolo-
gica, de Durkheim e Lévy-Briihl, a qual
pretende que as idéas geraes proveem da
sociedade. Sem a sociedade, dizem, a vida
do homem limitar-se-ia a sensações e ima-
gens singulares.
— EK” boa! exclamou Sancho,
102 JUSTINO MENDES

— A propria consciencia nos attesta


que adquirimos id éa s un iv er sa es , nã o po r
meio da sociedade, mas pela abstracção.

2º Innatismo

— Outros querem que tenhamos idéas


jnnatas, como Platão, Descartes, Leibnitz,
Wolf, Rosmini.
— Por conseguinte as idéas não se-
riam adquiridas, mas já as teriamos pela
propria natureza.
— Leibnitz e Wolf ensinaram que a
alma tem uma idéa innata de todo o uni-
verso; e esta vae-se pouco a pouco desen-
volvendo.
Rosmini diz que é innata a idéa do
ente possivel e que d'essa, juntamente com
as sensações, se formam as outras idéas.
— E essas opiniões não terão algo de
verdade?
— Diga-me uma cousa: Já ouviu al-
guem dizer que estuda para despertar às
idéas innatas? |
-— Confesso candidamente que não.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 103

— E por que nas crianças e idiotas


essas idéas nunca se despertam?
— E por que, terminou Sancho, quan-
do falta um sentido falta completamente
o conhecimento das cousas que se perce-
bem por esse sentido? Como dizia Locke:
“Se essas noções estão impressas na alma,
como podem ser desconhecidas”4
— Não, a abstracção basta para ad-
quirirmos idéas universaes e não ha pre-
cisão de recorrermos a idéas innatas que
não se provam,

3. Ontologismo

— (O ontologismo é outra exquisitice


inventada para tentar explicar a origem
das idéas.
— Em que consiste?
— Em dizer que percebemos as idéas
nos attributos ou nas idéas de Deus.
— Non ti curar di lor, citou Sancho,
ma guarda e passa,
— Tambem o tradicionalismo não nos
merece grande attenção.
— E vem a ser?
104 JUSTINO MENDES

— O systema de pôr a origem das


idéas no magisterio externo e na tradição,
— Mais um para deixar de lado.
— Mas então qual é a verdadeira for-
mação das idéas? indagou Sancho,
4. Solução

— E' a seguinte, explicou Luciano. A


phantasia conserva as imagens percebidas
pelos sentidos. Nessas imagens apresenta
á intelligencia (que está no mesmo sugei-
to que a phantasia) a materia, por assim
dizer, para as idéas universaes. À intelli-
gencia despe-as de toda individuação, de
toda qualidade individuante e as torna In-
telligiveis ou abstractas, percebendo-as
como taes.
— À idéa do triangulo começa na ima-
gem concreta de tal triangulo. A intelli-
gencia abstrae de toda propriedade indi-
vidual e considera o typo ideal, imitavel:
figura plana limitada por tres rectas; que
pôde ser esta, aquella ou qualquer outra.
— E” isso, não se cinge a este trian-
gulo concreto mas apresenta um triangulo
em geral,
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 105

— Mas a intelligencia precisa da


phantasia então ? l no
— Para a concepção primitiva nesta
vida, precisa.
— Como o prova?
— Primeiramente porque o homem
cego ou surdo de nascença não possue tam-
bem o conceito universal de côr ou som.
Vê-se portanto a necessidade da imagem
para a idéa universal. Em segundo logar
o homem de imagens perturbadas, por
lesão do cerebro, não é capaz de fazer uso
correcto das idéas antes adquiridas.
— Ah! Por isso é que precisamos
tambem exemplos e experiencias concretas
para melhor comprehendermos as scien-
cias abstractas!
— E por isso é que os rudes precisam
narrações, factos, exemplos para entende-
rem melhor as cousas,
— Notem que a imagem material não
póde agir na inteligencia pois que a sua
“ção seria só de entrar em contacto ou
Mover, e a intelligencia não pode ser toca-
da nem movida materialmente. E” a in
telligencia que opera na imagem destituin-
106 JUSTINO MENDES

do-a do que tem de individual. E com


essa abstracção forma a idéa immateria]
do objecto, o universal, o Inmutavel, o ne-
cessario.

XI

À INTELLIGÊENCIA E' FACULDADE


INORGAÂNICA

1. Percebe o immaterial

— Hoje desejaria que o snr. me pro-


vasse que a intelligencia não é uma facul-
dade organica mas espiritual.
— Com prazer. O que a intelligencia
percebe nos dirá a sua natureza.
— Eº o dize-me com quem andas, dir-
te-hei que manhas tens.
— Quasi. A intelligencia percebe
séres que não são sensiveis de modo algum.
— Por exemplo.
— O dever, o direito, a possibilidade,
a necessidade, as negações.
— De facto não são cousas sensiveis.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 107

—- Ora se não são sensiveis não pó-


dem ser percebidas por nenhuma faculda-
de sensitiva.
— Tambem é certo.
— Logo a intelligencia não é facul-
dade sensitiva, mas é uma faculdade su-
perior.
— E', porque nenhuma faculdade pó-
de exercer-se em objecto que não lhe seja
proporcionado.
— A verdade em geral, a bondade,
etc., não se pódem imaginar, não se pódem
sentir, não se pódem representar de modo
material.
— Não são cousas materiaes e sen-
siveis.
— Tambem ha cousas que é difficil
e muito difficil imaginar mas é facil per-
ceber claramente e raciocinar sobre ellas.
— Por exemplo?
— Por exemplo uma cireumferencia
perfeita.
— E' verdade. Imaginal-a, represen-
tala exactamente (pois trata-se da cir-
cumferencia perfeita) é quasi impossivel.
108 JUSTINO MENDES

— E entretanto sabemos o que ella é


percebemol-a pela intelligencia e discuti.
mos perfeitamente sobre ella e as suas pro-
priedades.
— Com effeito, Isso prova que essa
circumferencia percebida não é a cousa
sensivel e que a intelligencia não é facul-
dade sensitiva e material.
— Diga-se o mesmo, proseguiu o dou-
tor Luciano, d'um polygono de mil lados.
Eº impossivel pintal-o na Imaginativa.
— Mas é muito possivel percebel-o
pela intelligencia e discorrer sobre elle e
fazer comprehender tudo o que queremos
dizer sobre elle.
— Sem duvida, disse Sancho, e te-
mos ainda a accrescentar que é a intelli-
gencia que constitue a differença essencial
entre o homem e o bruto.

2. Conhecimento do particular

— Mas nós conhecemos. tambem as


cousas singulares e percebemol-as intelle-
ctualmente, por exemplo, conhecemornos
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 109

a nós mesmos, pessoas historicas, esta


casa, este cavallo, etc.
— Quanto ás cousas singulares ha
duas opiniões. Uns com S. Thomaz, Mer-
cier e outros querem que as conheçamos
indirectamente e por certa reflexão.
— Como?
— Depois que a mente percebeu a
idéa universal, a rosa, o sêr, nota que esse
objecto que representou universalmente
está acompanhado de qualidades indivi-
duantes: é d'este tamanho, vermelha, com
tantas petalas, etc.
— E os outros?
— Os outros, com Suarez, os Escotis-
tas, etc. acham que conhecemos directa-
mente o singular e individual.
— Vejamos como ambos os grupos
defendem as suas opiniões.
— Os primeiros dizem que o mais na-
tural para a intelligencia é perceber o unil-
versal, determinando-o pelas differenças
individuaes hauridas pela sensação.
— De facto, annotou Sancho, ao di-
zer rosa vermelha, este cavallo, não faço
mais que accrescentar á idéa geral de rosa
110 JUSTINO MENDES

e cavallo as qualidades individuantes vep.


melha e este, que percebo pela sensação,
— Tambem, accrescentou Ricardo,
nas percepções progredimos da apprehen-
são indeterminada para outra mais e
mais determinada.
— A segunda opinião dá a seu favor
o seguinte argumento:
A intelligencia é determinada pelo oh-
jecto singular; logo deve percebel-o. em
primeiro logar. E talvez seja melhor dizer
que para o intellecto formar a idéa uni-
versal por abstracção, precisa de diversos
objectos e não de um só.
— Sim. Formaria essa idéa univer-
sal comparando os objectos uns com os
outros.
— Passemos agora a falar da von-
tade.
XII
VONTADE
1. Sua natureza

“— Diga-nos, dontor, qual a definição


da vontade,
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 111

— Vontade é a faculdade de querer.


E como só queremos o bem, e depois de co-
nhecido como tal pela intelligencia, pode-
mos dizer: Vontade é a faculdade de que-
rer o bem conhecido pela intelligencia.
— Mas nós queremos tambem o mal,
acudiu Sancho.
— Emquanto se apresenta como bem,
explicou Luciano. O cirurgião quer cortar
a perna ao doente, mas porque é necessa-
rio para salvar a vida; logo, elle quer o
bem.
— Sim e o assassino quer a morte da
victima...
— Mas emquanto é um bem para elle:
ou para satisfazer sua vingança (o que é
um bem illusorio) ou para roubar, o que
tambem representa um bem, posto que um
hem falso e nada honesto.
— Um bem particular, mas contra-
rio á lei geral e á justica.
— A vontade deve ser faculdade in-
organica.
— E' verdade. E inorganica por-
que segue a faculdade cognitiva e por-
tanto deve ser do mesmo genero. Ora à
112 JUSTINO MENDES

imtelligencia é inorganica, como Já dis-


semos, |
— Outra prova é que o objecto ge.
ral da vo nt ad e é im ma te ri al : é o be m ra-
clonal convemente,
— E ainda eu diria que a vontade
domina os orgãos muitas vezes e não se-
cne as suas variações: é distincta portan-
to d'esses orgãos.

2. Livre arbítrio

— E” uma verdade tão clara, tão pa-


tente a existencia do livre arbitrio, disse
Luciano passando a outro ponto, que em
todo o mundo, em todas as classes, em to-
das as civilisações, encontramos a intima
“a de que o livre arbitrio é-um
acto.
— Tal persuasão baseia-se na evi-
dencia, disse Sancho,
— Eº claro. Estou assentado; se
quero, levanto-me da cadeira; se não que-
ro levantar-me, continúo assentado.
— São os motivos que influem, no-
tou Ricardo,
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 113

— Não ha duvida que os motivos in-


fluem na vontade; por exemplo, é bom
continuar assentado a esxerever porque as-
sim adiantarei um pouco mais o servico;
mas tambem é bom levantar-me porque
já me sinto um tanto cançado. Posso se-
guir qualquer destes motivos. Posso dei-
xar-me influir e determinar por qualquer
delles. Mas nenhum delles tem força para
determinar necessariamente a minha von-
tade; influem, mas não são sufficientes
para obrigar.
— E” a disposição do organismo que
impulsiona a vontade, tornou Ricardo.
— É impulsiona realmente, mas não
necessita. Cada um dos motivos causa no
organismo uma propensão, uma disposi-
ção para o acto, mas a vontade é quem
póde fazer influir mais uma do que ou-
tra disposição ou até crear nova disposi-
ção no organismo pela qual não siga ne-
nhum dos motivos. A vontade tem o do-
minio sobre a disposição. Claro está que
nem sempre a vontade é livre. Ninguem
defenderá um livre arbitrio à outrance.
Muitas vezes a vontade é necessitada pela
em 8 ,
114 JUSTINO MENDES

propensão quando não ha grande refle-


xão. Ainda quando ha deliberação, não
negamos poder ser ella grandemente in-
fluida por este ou aquelle motivo e ás
vezes até necessitada.. O que affirmo po-
rém é que isso não se dá sempre, mas que
realmente na vida pratica somos dotados
de livre arbitrio.
— Um exemplo. Certo homem tem
em deposito tal ou tal quantia. Póde ne-
gar o deposito e póde entregal-o ao respe-
ctivo dono. Dá-lhe a tentação de sone-
gal-o: lucta comsigo mesmo; pesa os prós
e os contras e fica indeciso porque os
mo-
tivos são fortes de ambos os lados.
Essa
lucta dura dias e elle não quer
decidir.
Afinal resolve-se: — Não quer! —
Consi-
dera bem, fixa a vista só nos
motivos que
o demovem do mal, não quer consid
erar
Mais o que o allicia para
o acto mão, e
está tomada a sua deliberação.
Os moti-
VOS agiram, os motivos eram
fortes, mas
a vontade livre escolheu.
Inclinou-se para
um lado e repelliu pos
Fecusou-o,
i t i v amente o outro,
expulsoqu-o,
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 115

a disposição contraria influisse mais. Te-


mos pois livre arbitrio.

3. Objecções

— No emtanto, disse Ricardo, é nos-


so adversario, entre outros, Schopen-
hauer. Na sua obra “Essai sur le Livre
Arbitre”, nega-nos a prerogativa da liber-
dade, fundado em que os actos da nossa
vontade dependem dos motivos e do nosso
caracter, dahi a differença entre as ac-
ções dos homens em identicas cireum-
stancias.
Diz-nos ainda que tudo depende das
excitações exteriores, e mais, que se hou-
vesse livre arbitrio, haveria acções sem
causa sufficiente.
— Entre parenthesis pergunto: para
que se zanga tanto Schopenhauer, como
vemos em seus escriptos, com seus adver-
sarios, os lentes de philosophia? Si não
ha livre arbitrio claro está que elles não
teem culpa de não acceitarem suas theo-
rias, como não teem culpa dos maiores cri-
116 JUSTINO MENDES

mes que possam commetter. IH parece-nos


um contrasenso negar-lhes a hherdade e
querel-os responsabilisar.
— Mas, examinemos o argumento do
nosso auctor. Affirma-nos elle que, a ha-
ver livre arbitrio, haveria acções sem cau-
sa sufficiente. Não acho. À causa suffi-
ciente seria dupla; a acção dos motivos (a
qual não vae até o ponto de necessitar) e
a acção da vontade que, com sua activida-
de, se determina. Os motivos e a acção da
vontade não são o nada.
— Tem razão. Comparemos essa ac-
ção com a de outras faculdades, com a da
vista por exemplo. Se a da vontade fosse
sem causa sufficiente, a da visão tambem
o seria, pois tambem esta depende do ob-
jecto e da acção da faculdade de ver. Não
depende só do objecto; porque num cada-
ver a vista nada faz, E o mesmo se dá
muitas vezes na distracção. E” preciso que
a faculdade da visão actúe por sua vez, é
as duas causas é que originam o effeito da
VISaO.
— Mas, “do nada nada vem”.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 117

— Concordo: naturalmente, do nada


nada vem. Agora, na decisão do livre al-
vedrio, não se trata do nada, trata-se de
cousas muito positivas. À decisão é pro-
duzida pelos motivos e pela faculdade
volitiva. Se isto fosse vir do nada tam-
bem as imagens formadas pela phantasia
seriam uma creação, um tirar do nada;
sobretudo quando se passa subitamente
da vida real ao dominio das distracções ou
dos sonhos. Ora, na phantasia, não se dá
isso porque se tira a imagem, não do nada,
mas da faculdade mais as imagens antes
percebidas, diversamente transformadas
pela mesma faculdade. Logo, nem na von-
tade. Repetimos: os motivos e a acção da
vontade não são o nada.

4. Todos estão certos do livre arbitrio

-— Praticamente não ha quem não


creia no livre arbitrio, não ha quem não o
tenha por certo e provado.
— E” Ferraz quem o demonstra com
muito acerto, Digam a um dos que negam
o livre arbitrio que um de seus creados o
118 JUSTINO MENDES

rouba ou que sua mulher lhe não guarda


fidelidade, e vel-o-hão encolerizar-se e en-
furecer-se como qualquer outro; pro-
curem então acalmal-o, observando-lhe
que esses desgraçados não são livres e nãc
pódem proceder de outro modo, dada a
sua natureza e as clircumstancias, e verão
como são recebidas essas consolações... O
proprio criminoso, interessado mais que
ninguem em negar a existencia da liberda-
de, nem sequer se lembra disso. Apesar
disso os materialistas não querem livre
arbitrio. Fazem todos os esforços para se
desfazerem da mais alta prerogativa do
genero humano.
— Kant definia a liberdade: “A fa-
culdade ou capacidade da vontade de de-
terminar-se a si mesma e de produzir com
absoluta espontaneidade, uma série de
phenomenos ou mudanças”.
— Erro palmar. E” facil combater
doutrinas assim, inventando conceitos que
os adversarios não teem. Os espiritualis-
tas não dizem que a liberdade actúe com
espontaneidade absoluta.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS
119

dia — iÀ
S mesm
smaa id
idééa: e co
conc
ncep
ençã
ei o falsa
RE ade tiveram Descartes, Fichte
Sehelling, Jacobi e Fouillée; ec a maior
con das impugnações dos deterministas
são contra tal idéa errada da liberdade.
de — Suppõem, pois, que o acto livre
eva ser um acto de puro capricho e sem
motivo (ex. vou ao Rio unicamente por-
que quero); quando não ha precisão dis-
so: quando sou livre ainda que vá ao Rio
levado por motivos razoaveis, como com-
pras, visitas, negocios, etc. Nenhum dos
motivos porém me força. Viajo porque
quero, mas seduzido pelos motivos.
— Entre d e t e r m i n i s m o e li vr e ar bi -
ha à se gu in te di ff er en -
trio parece-me que
o. Ha ve ri a de te rm in is -
ca, disse Ricard
da s as co nd iç õe s ne ce ss a-
mo se, postas to
pa ra à po ss ib il id ad e
rias e sufficientes r-
ar , à vo nt ad e fo ss e fo
prox i m a de op er
sentido. Haverá li vre
ca da a ag ir n u m
m e s m a s co nd iç õe s, à
arbitrio qu an do , na s
m o po de r de es co lh er .
vo nt ad e te
JUSTINO MENDES

5. Towllée

—— Perfeitamente. Iouillte, pretex-


tando que a liberdade e o determinismo ha
seculos que se combatem sem se vence-
rem, conclúe que ambos devem ter razão
em parte; que devem ser duas direcções
do espirito que, se fossem sufficiente-
mente prolongadas, viriam a convergir.
— E” curioso isso num philosopho!
São duas direcções de opiniões, mas intei-
ramente antagonicas, uma opposta à ou-
tra, de modo que a affirmação de uma é
a negação da outra. (Querer, pois, desco-
brir convergencia nellas é um impossivel
philosophico. No emtanto Fouillée pro-
mette tentar descobrir essa direcção con-
vergente, e pretende levar o determinis-
mo a voltar-se contra si mesmo como a
serpente que morde a sua cauda. Diz-nos
que o verdadeiro determinismo faz-se a si
mesmo, modifica-se a si mesmo e por si
mesmo.
o Quer dizer que o determinismo é
activo e não passivo. Mas se determinis-
mo é o que todos entendem por essa pala-
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 121

Vra, a saber, à necessidade indeclinavel no

agir, absolutamente não se comprehende


como pode fazer-se a si mesmo, e modifi-
car-se a si mesmo. Se tal se dá, já não é
determinismo, já é livre arbitrio.
— Mas se o motivo inflúe, diz Fouil-
lée, o acto é causado e tem um anteceden-
te do qual depende.Ora, um acto causado
e dependente não é um acto livre.
— Elle suppõe que toda causa fórca,
necessita a agir. O que equivale a dizer
que se vou ao Rio não sou livre só porque
dependo dos motivos!
— Em logar de affirmar tão ousada-
mente deveria provar-nol-o, contra a ex-
reriencia invicta e evidente da nossa li-
berdade apesar dos motivos. porquanto
apesar de estes agirem, eu posso ir ao Rio
e posso deixar de ir; e escolho perfeita-
mente sem constrangimento algum; dei-
xo-me levar pelos motivos que escolho.
Nem toda causa age forçada e necessaria-
mente,
= Kant, Schopenhauer: Taine, Fouil-
lée, dizem ainda que a existencia de um
122 JUSTINO MENDES

acto livre se ri a um a vi ol aç ão do pr in ci pi o
de causalidade.
6. Mais objecções
— Kant, por exemplo, diz que um
acto livre é, por definição, um phenome-
no que não resulta, segundo a lei necessa-
ria da causalidade, dos phenomenos ante-
riores: portanto todo o acto livre seria
uma solução de continuidade, um começo
absoluto, um verdadeiro milagre na na-
tureza.
— Respondo: 1) O acto livre não é
mais que um phenomeno que nos affecta;
não ha portanto solução de continuidade,
como tambem a não ha no phenomeno da
visão. 2) O acto livre é causado pela von-
tade sob a condição dos motivos. Logo é
falso que não siga a lei necessaria da cau-
salidade. Ter causa efficiente não é ter
causa necessitante, A causa efficiente não
falta ao acto livre: é a faculdade. Devem-
nos provar que haja causa necessitante.
— Ha ainda quem affirme com Leib-
nitz que o motivo mais forte força a von-
tade e portanto não ha liberdade.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 123

—— Não a força, porém. Não se com-


para a vontade sob o influxo dos motivos
ao conflicto de muitas forças physicas so-
bre um corpo. Às forças são causa effi-
ciente, os motivos não.
— O objecto movel não actúa sobre
as forças, não as dirige, não as oppõe. À
vontade actúa, dirige, oppõe os motivos.
Não são os motivos que dominam a vonta-
de: a vontade é que os domina, e ainda
quando julga um delles preferivel, não se
determina, é preciso O quero final: esco-
lhe o motivo ao qual quer ceder. O moti-
vo não é causa efficiente do acto da von-
tade nem é acção physica do objecto sobre
ella: A vontade é que é a causa efficien-
te. O motivo é a razão sufficiente da pos-
sibilidade do acto, mas não é sua causa de-
terminante. O motivo é causa final e não
efficiente.
— Mas o motivo attrae espontanea-
mente a vontade! disse Ricardo.
— Perfeitamente; isso porém ainda
não é a escolha, mas uma condição neces-
saria para haver escolha. Solicitar a von-
tade não é determinal-a necessitando-a.
ii JUSTINO MENDES

Se a bala tivesse o poder de dirigir os seus


movimentos escolhendo-os, seria respon-
savel pelos estragos causados que poderia
evitar. A vontade é responsavel porque é
movida, é verdade, pelos motivos, mas tem
a faculdade de dirigir esse movimento.
— Schopenhauer, entretanto, Biich-
ner e outros, baseando-se em que as esta-
tisticas mostram porcentagem annual de
roubos, assassmatos, casamentos, adulte-
rios, etc. concluem que não ha liberdade,
porquanto a vontade está sujeita a leis.
-— Respondemos que tambem na fre-
quencia de um theatro cinema ou circo de
cavallinhos se achará a tal porcentagem,
mas nem por isso deixará de ser absurdo
dizer que todos os que a elles vão são ne-
cessitados a Isso.
— À estatistica apenas prova que o
uso da liberdade se exerce em certa por-
centagem, e tambem mostra quaes são os
motivos que mais influem de facto nas ac-
ções humanas, Se se attende ao motivo
dos erimes de assassinato cae pot terra a
Tegularidade da porcentagem estatistica,
Porque uns o commettem por um motivo
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 125

c outros por um motivo muito differente;


uns depois de muita reflexão, outros qua-
si espontaneamente.
— E”, assentiu Sancho, regularidade
não é o mesmo que necessidade absoluta.
A obediencia, em regra geral, los meninos
aos paes, nada prova contra a sua liber-
dade. E é muito natural que, onde as dis-
posições pessoaes são Identicas, identico o
meio social, a influencia dos motivos a
mesma e o contacto com os objectos o mes-
mo, haja regularidade até certo ponto.
7. Ultimo juizo pratico
— A escolha da vontade segue sem-
pre, mas livremente, o juizo pratico ulti-
mo da intelligencia, proseguiu o doutor
Luciano. O juizo não atráe a vontade se
não é pratico.
— Isto é, explicou Sancho, se n
ão
apresenta o bem como conveniente ao
nos-
so appetite.
E E” ) porque a mera apresentação
um bem sem essa conveniencia de
não seduz
mplo: o sol é um bem, mas
tade nenhuma de o possuir.
126 JUSTINO MENDES

— Muitos juizos praticos são forma-


dos num sentido ou noutro, sobretudo nas
cousas difficeis. Afinal, porém, ella pára
no que escolhe como melhor para ella.
— Mas então sempre escolhemos con-
forme o motivo mais forte, disse Ricardo.
— Não digamos o mais forte, mas o
mais conveniente. Porque muitas vezes o
motivo não é em si o mais forte; mas é
mais conveniente porque a vontade o quer:
convém mais á vontade. De modo que tem
mais força praticamente, mas é justamen-
te pelo livre arbitrio, pela livre escolha da
vontade.

XIII

FACULDADES EM GERAL

1. O que são

— O homem tem potencias ou facul-


dades vegetativas, sensitivas, intellectivas,
appetitivas e locomotivas.
— Mas que é potencia ou faculdade?
— E” a capacidade de agir.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 127

— Ah! E isso nmguem póde negar


que tenhamos,
— E' verdade. Podemos agir, temos
essa capacidade; logo temos potencias ou
faculdades.
— E serão distinctas entre si?
— São, porque os seus actos são real-
mente distinctos e irreductiveis, por exem-
plo, a intelligencia não é a vontade, por-
que os seus actos são inteiramente outros.
— Tambem as faculdades teem ob-
jectos diversos: como a vista e o ouvido:
ou teem objectos oppostos como a vonta-
de e o sentido: aquella, contra o interesse
deste, quer muitas vezes um trabalho pe-
sado, um arduo sacrificio, ete.
— Tambem a vida vegetativa prece-
de a sensitiva, e essa a intellectiva; logo
são distinctas.

2. O prazer e a dôr

| — Que diremos do prazer e da dôr?


indagou Sancho.
— O prazer, geralmente falando, dis-
se Luciano, é um estado agradavel da fa-
128 JUSTINO MENDES

culdade proveniente do bom exercicio da


actividade.
— Então a dôr é um estado desagra-
davel pelo mau exercicio da actividade.
— Aristoteles diz que é um epi-phe-
nomeno.
— Isto é, um phenomeno que acom-
panha o acto.
— E”; porque o appetite tende para
o objecto ou foge d'elle, ao passo que o
prazer .ou a dôr acompanham ou seguem
esse appetite.
— Mas qualquer faculdade póde se
haver bem ou mal com relação ao objecto
para o qual tende, e por isso, quando ella
se torna consciente, póde ser sujeito de
prazer ou de dôr. Assim a vista, a intel-
ligencia, etc.
Alguns modernos attribuem a vida
affectiva, o prazer e a dôr, á sensibilida-
de como sendo uma faculdade especial.
Entretanto são effeitos communs a cada
uma das faculdades.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 129

XIV

A ALMA

1. Dastingue-se do corpo

— À alma é distincta do corpo, disse


Sancho.
— Já nos corpos da natureza encon-
tramos dois principios, explicou Luciano,
um passivo e outro activo. Com maioria
de razão vemos esses dois prineipios nos
sêres vivos.
— A materia do nosso corpo esvae-se
e renova-se dia por dia. Moleschott affir-
ma que são necessarios trinta dias para
renovação total do corpo humano. E no
emtanto a alma permanece nessas mudan-
cas todas. |
— Sim. À pessoa que sara é a mes-
ma que adoeceu. O velho é o mesmo que
foi menino.
— Em segundo logar, não é a mate-
ria organisada que é principio de vida,
mas a vida que produz os orgãos. Por
exemplo, no embryão é a vida que vae for-
si
E ms
180 JUSTINO MENDES

mando os orgãos. Em certos animaes é a


vida que vae reproduzindo membros am-
putados. Logo ha distincção, e o principio
da vida não é a materia.
— Em terceiro logar a alma move o
corvo e por leis diversas das forças me-
chanicas.
— A alma dirige o corpo á vontade.
e até resiste ás paixões, disse Ricardo: me-
chanicamente devia ser dominado por
ellas.
— O movimento produzido por for-
ças mechanicas, continuou Luciano, é pro-
porcionado ao impulso que recebe. Ora
nos movimentos humanos não ha tal pro-
porção.
— Fontenelle exemplifica muito
bem. Se eu disser ao ouvido de alguem:
Ali, na outra rua, ha uns agentes de poli-
cia que o querem prender, — o nosso ho-
mem sahirá correndo a bom correr.
— E evidente que não ha proporção
mechanica entre as poucas palavras ditas
ao ouvido e o impeto da carreira.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 131

— Como nem entre o movimento que


as palavras produzem no cerebro e a velo-
cidade do homem na fuga.
— Logo, a alma é distincta do corpo.

2. Tane, Bergson

— A alma não é uma collecção de ac-


cidentes, declarou Luciano.
— Como querem Taine e os positi-
vistas e o proprio Bergson, annotou Ri-
cardo.
— A consciencia nos diz que a alma
é causa activa e que o principio das nos-
sas operações vitaes permanece o mesmo
sob a diversidade das operações.
-— E”, O ancião nunca duvidou ser o
mesmo que já foi moço.
— Mas se é causa activa e permanen-
te, é sub sta nci a, por que os acc ide nte s só
são act ivo s com o ins tru men tos da sub-
stancia.
— Logo a alma é substancia e não
accidente., a
— Mas póde ser uma colleeção de ac-
cidentes..
132 JUSTINO MENDES

— Não, senhor, disse Luciano, por.


que nesse caso não teriamos uma alma «só
mas muitas.
— Tantas quantas são as faculdades.
-— De facto. E o complexo das qua-
lidades não se conservaria sem um vinculo
commum.
— Nem poderia ser dirigido á per-
feição do individuo, como é, sem um prin-
cipio dirigente distineto, a saber, a sub-
stancia.

3. Simplicidade da alma

— À alma não será composta de par-


tes integrantes? imdagou Sancho.
— Não, senhor, respondeu Luciano.
A alma é o principio de que procede não
sómente a vida e movimento do corpo,
mas tambem a sensação, a intellecção e a
volição. Ora tal principio deve ser real-
mente simples.
-— Vejamos isso.
— Pois não. 1.º Quanto á sensação.
E” certo que temos, das cousas materiaes,
como casa, pedra, uma percepção una e
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 133

não dividida. Logo o sentido é um e não


dividido.
— Por que?
— Se o sentido (e não 9 orgão) fosse
composto de varias partes, cada uma d el-
las perceberia todo o objecto ou sómente
parte do objecto. Na primeira hypothese
teriamos tantas percepções totaes quantas
fossem as partes do sentido.
— EK” evidente; e é o que não se dá.
— E se cada parte do sentido peree-
besse uma parte do objecto, teriamos va-
rios conhecimentos parciaes e nunca um
conhecimento total, um e não dividido.
— Realmente a percepção do obje-
cto na sensação não é multipla mas una,
não é pareial mas total.
— À superficie palmar dos dedos é
atapetada por infinidade de fibrillas ner-
vosas, a saber cento e oito em cada linha
quadrada. Ora a sensação do contacto não
se compõe de 108 sensações.
— Não; a sensação se nos manifesta
global, una. e não dividida.
-— Segue-se que o sentido da vista
por exemplo, é uno e não composto.
134 JUSTINO MENDES

— Mas os olhos são compostos de


partes, objectou Ricardo.
— Sim, e por isso o sentido não póde
constar apenas do orgão que é realmente
composto de partes; mas deve haver qual-
quer principio que une essas partes.
— Senão não dariam a sensação una e
simples.
— Essa qualquer cousa é a alma. E
é simples porque o principio de unidade
e indivisão no ser e no agir, não deve ser
principio de multiplicidade quantitativa.
— Deve sentir o objecto num unico
acto,
— Prova-se em segundo logar a sim-
plicidade da alma pela intelligencia.
— (Como?
'* — Be o conhecimento sensitivo sup-
si mp le s, co m ma io ri a de
põe um sujeito
o suppõe o conhecimento intel-
razao
lectual.
— Por que?
— Porque os actos da intelligencia
e da vontade são simples.
— Não percebo.
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 135

— À intelligencia attinge o univer-


sal, o immaterial, qo absoluto; recorda, »re-
vê; conhece o ente, a verdade, a obrigação,
etc. Ora esses objectos não são compostos
de partes integrantes. Mais. O juizo con-
siste essencialmente numa affirmação ou
negação. Ora não ha composição numa
simples affirmação ou negação.
— Temos conceitos immateriaes como
o do ser, da unidade, da verdade, como o
dos principios (2 + 2 = 4). Estes concei-
tos não são extensos, nem coloridos, nem
situados por si no espaço ou no tempo.
(Eº sempre assim e em todo tempo e
logar).
— Isso prova que, não tendo esses
conceitos nada de quantitativo e material,
não podem ser recebidos numa faculdade
organica.
— E na vontade?
— O amor á justiça, à verdade, a es-
perancça, são actos isentos de composição.
A volição suppõe tambem um agente
simples.
— A unidade do sujeito, notou Ri-
cardo, tambem parece dar um argumento
186 JUSTINO MENDES

a favor. Sou eu mesmo por exemplo que


sinto frio nos pés e calor nas mãos,
— E' verdade. Está ahi o sujeito
uno que reune em si as sensações de varias
partes do corpo. E deve ser simples por-
que aliás não sentiria senão partes distin-
ctas de sensação. |
— Segue-se portanto que a alma é
simples e inorganica, como atraz deixa-
mos dito, e caem por terra consequente-
mente as concepções materialistas.

4. Espwitualidade

— Sim, concebemos negações, como


o indivisivel, o increado, o immaterial, etc.
Ora o orgão material não póde perceber
as negações,
— Por que? duvidou Sancho,
— Porque só pode perceber o que o
determina, aquellas cousas a que póde cor-
responder uma excitação nervosa. Ora a
negação não existe e por conseguinte nem
póde determinar o orgão, nem póde cor-
Tesponder-lhe uma excitação nervosa nO
orgão,
PALESTRAS PHILOSOPHICAS 137
— Perfeitamente.
— — Tambem se os actos da intelligen-
cia fossem apenas actos do corpo, não se-
riam essencialmente diversos nem mais
elevados que estes. Seriam essencialmen-
te semelhantes a movimentos, effeitos ele-
ctricos, chimicos, etc.
— Ora, disse Ricardo, são de uma or-
dem totalmente diversa.
— (Quem não vê a differença enorme
entre o pensamento e o movimento, en-
tre um raciocinio e uma operação chimica!
— Segue-se que os actos da intelh-
gencia não são sómente actos do corpo.
— Ha qualquer cousa mais.
— O espirito.
— Sim, porque entre o acto, a facul-
dade e a substancia deve haver proporção,
visto que toda caus a oper a segu ndo a sua
natureza e suas forças proprias.
— E taes actos , não prov indo do or-
são, devem proceder de outro ser, de ou-
tra subs tanc ia, e esta deve ser espir itual .
INDICE
CRITICA

Cap. I — VERDADE E CERTEZA

1.
— Os amigos .......
dm = A VOLODO x Êo vs DE UR ES GL ca
3. — A certeza .. .... cc.

Cap. II — PRIMEIRAS VERDADES CERTAS


— Primeiros principios .. .
E

ú STR Suphicismo
a)

.. .. “ o .. 07,6 +. “+

Cap. HI — FONTES DO CONHECIMENTO

- — Bentidos e intelligencia ,. ..

SBos
— À casa DO VE DO OO
19

TM UM VU VM wo q.

+ — CGrenios vo 0 DO 0 to cc. vc. cu. cn ua


CO

p ST A inducção . .. + ”
ve

5. — O fundamento da Inducção .

Cap. IV — O CRITÉRIO DA CERTEZA

1. —- A evidencia .. se. ,. ,. ++ ,. ,. .. .. 27
a: -—- Doutrinas falsas se. e vo 40 00 65 80
140 INDICE

PAGAS,

Cap. V — KANT

| — Critica da razão pura .. cce cer


by) tá

— Os juizos syntheticos a DEIOEE sw os à

YE
| — Exame dos juizos .. «cce ce ce ce ces
o

Cap. VI — IDEAS UNIVERSAES


.— A questão .. .. .. de co co co so o.
Go by há

o ss
: — Platão e os realistas exagerados .., ..
- — Nominalistas .. ..

PSYCHOLOGIA

Cap. I — OS SENTIDOS
- —- Numero dos mesmos .. .......... 0...
Jud

S à
- — Sentido do equilibrio .. .. .. .. .. 0...

Cap. IL — IDEALISTAS

- — Às sensações são objectivas ..


O

-. — Ondas luminosas .. .. E
Cap. III — LOCALISAÇÃO E CEREBRO
-— À localisação ....
3 13ha

+ — À sensação não se faz no cerebro


2823

..
- — Outros argumentos .. ,.
+» — Nativistas e empiristas ..,
no

Cap. IV — SENSAÇÃO E EXKCITANTE


.— O excitante
838

Do, DO GA US GO DO Do Vê VA dq
-— O que determina a sensação
.. .
- —- Percebemos directamente o objecto n .
- — Sensação externa e interna ....
INDICE 141

PAGS

Cap. V — CONSCIENCIA SENSITIVA ...

Cap. VI — PHANTASIA .....

Cap. VII — MEMORIA ...... 78

Cap. VIII — INSTINCTO

- — Que é instincto .. .. ....


io há

- — Outros animaes
Mico

SERS
.. ....
-— O tachytes. O castor ..
- — Abelhas . o qu Ea as dp CÊ gm va mu
— Os animaes são destituidos de intel-
ligencia ..

NE
- — Outros argumentos .. .. .. .. cc...
O

Cap. IX — APPETITES

- — Coração ou cerebro? .. .. Lc.


9 há

-— À faculdade locomotora .. .. .. .. cc.


&
Cap. X — INTELLIGENCIA

. —- Origem das idéas ,


19) tá

|, — Innatismo .. .. 102
. -— Ontologismo e. Do to... q... na ua. qu va 103
o GO

. -— Solução O O CC. DO 0 00 00 au qa qu ua ua 104

Cap. XI — A INTELLIGENCIA £& FACUL--


DADE INORGANICA

- — Percebe o immaterial ,. +... cc. 106


+ -- Conhecimento do particular .. 108

Cap. XII — VONTADE


142 INDICE

1. — Sua natureza +... cc cc c cs... 110


2. — Livre arbitrio .. .. cc cc... 112
— Ob ões e ss. .. e 115
e -— são estão certos do seu livre arbitrio 117
5. — Fbouillée.
6. — Mais objecções ca id) JO SE 24 dE ds és 2
7. — Ultimo juizo pratico .. .. .. .. .. 0.0...

Cap. XIII — FACULDADE


EM GERAL
S
dm ese CD COR AMO qu o ed si is DS É RS RR SS
2. — O prazce er a dôr .. .. .. ....

o
Cap. XIV — A ALMA
1. — Distingudo
e-co
srp
eo .....

BBB
2. — Taine, Bergson .. .. .. cc...
3. — Simplicida daal
dma
e .. ...... ao 6.8
4. — Espiritualidade da mesma .

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NIHIL OBBSTAT

Bello Horizonte, 10 de Abril de 1937.


Pe. ALEXANDRE GONÇALVES AMARAL
Censor ad hoc delegatus.

IMPRIMATUR

Bello Horizonte, 10 de Abril de 1987.


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