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12. Avaliar criticamente as posições de Descartes e David Hume quanto aos problemas do
conhecimento.
Meditações sobre Filosofia Primeira. O livro é composto por seis meditações, nas quais
Descartes tenta estabelecer o que podemos conhecer com segurança.
As duas obras deverão ser lidas e estudadas em paralelo com o objetivo de compreender a
conceção epistemológica do filósofo.
Percurso Cartesiano:
1.ª etapa – O itinerário cartesiano da dúvida ao cogito |2.ª etapa –O itinerário cartesiano
do cogito à existência de Deus
[…] Assim, não tenho o propósito de ensinar aqui o método que cada um deve seguir, para
bem conduzir a razão, mas tão-somente fazer ver de que maneira procurei conduzir a minha
Desde a infância, alimentei-me das letras e tinha um grande desejo de aprendê-las, porque
me tinham persuadido de que se podia por meio delas adquirir um conhecimento claro e
seguro de tudo quanto é útil à vida. Mas, logo que terminei este ciclo de estudos, no termo
do qual é costume ser-se acolhido na categoria dos doutos, mudei completamente de
opinião. Encontrava-me, realmente, enredado de tantas dúvidas e erros, que me parecia não
ter tirado outro proveito, ao procurar instruir-me, senão o de ter descoberto, cada vez mais,
a minha ignorância. […] Será Descarte um cético ?
Sentia prazer, sobretudo, nas matemáticas, devido à certeza e evidência das suas razões, mas
nada notara ainda da sua verdadeira aplicação, e, pensado que elas serviam apenas para as
artes mecânicas, admirava-me de que, sendo os seus fundamentos tão firmes e sólidos, nada
de mais elevado se tivesse construído sobre eles.
considerando como sobre uma mesma matéria pode haver opiniões diversas, defendidas por
pessoas doutas, sem que possa haver mais do que uma que seja verdadeira, reputava quase
como falso tudo o que era apenas verosímil. […] Ora eu, tinha sempre um grande desejo de
aprender a distinguir o verdadeiro do falso, para ver claro nas minhas ações e caminhar com
segurança nesta vida.
Quando mais jovem, havia-me dedicado um pouco, entre as partes da filosofia à lógica e, entre
as matemáticas, à análise geométrica e à álgebra, três artes ou ciências que pareciam poder
contribuir alguma coisa para o meu plano. Mas, ao examiná-lo com cuidado, reparei que,
quanto à lógica, os seus silogismos e a maior parte das suas outras regras, em vez de ensinar,
servem antes para explicar a outrem as coisas que já se sabem, […]. Depois, quanto à análise
dos antigos e quanto à álgebra dos modernos, além de elas não se aplicarem senão a matérias
muito abstratas e parecem não ter qualquer utilidade, a primeira está sempre tão ligada à
consideração das figuras, que não pode exercitar o entendimento sem cansar muito a
imaginação, e a segunda sujeita-nos de tal modo a certas regras e a certos números, que se faz
dela uma arte confusa e obscura, que embaraça o espirito, em vez de ser uma ciência que o
cultive. Foi por isso que pensei ser necessário procurar qualquer outro método, o qual,
incluindo as vantagens destas três ciências, estivesse isento dos seus defeitos. […] em lugar
daquele grande número de preceitos que constituem a lógica, julguei que me bastariam os
quatro seguintes, desde que eu tomasse a firme e constante resolução de não deixar uma só
vez de os cumprir.
O primeiro consistia em nunca aceitar coisa alguma por verdadeira, sem que a conhecesse
evidentemente como tal, ou seja, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e não
incluir nada mais nos meus juízos senão o que se apresentasse tão clara e tão distintamente ao
meu espírito, que não tivesse nenhuma ocasião de o pôr em dúvida. O segundo consistia em
dividir cada uma das dificuldades que examinava em tantas parcelas quantas fosse possível e
fosse necessário, para melhor as resolver. O terceiro consistia em conduzir por ordem os meus
pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir,
pouco a pouco, gradualmente, até ao conhecimento dos mais complexos, não deixando de
supor certa ordem entre aqueles que não se sucedem naturalmente uns aos outros. O último
consistia em fazer sempre tantas enumerações tão completas e revisões tão gerais, que tivesse
a certeza de nada omitir.
[…] Mas, porque agora desejava dedicar-me apenas à procura da verdade, pensei que era
preciso fazer precisamente o contrário e rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em
que pudesse imaginar a menor dúvida, com este propósito de ver se, depois disso, não ficaria
na minha mente qualquer coisa que fosse absolutamente indubitável.
Assim, porque os nossos sentidos nos enganam algumas vezes, resolvi supor que não existe
coisa alguma que fosse exatamente como eles a fazem imaginar. E, porque há homens que se
enganam, ao raciocinar, até nas mais simples questões da geometria, e nelas, cometem
paralogismos, pensando que eu estava tão sujeito a enganar-me, como qualquer outro, vim a
rejeitar como falsas todas as razões de que, anteriormente, me servira nas demonstrações.
Finalmente, considerando que todos aqueles pensamentos que temos, quando acordados, nos
podem advir, quando dormimos, sem que, em tal caso, algum seja verdadeiro, resolvi supor
que tudo quanto, até então, me entrara no entendimento não era mais verdadeiro do que as
ilusões dos meus sonhos.
Mas, imediatamente, notei que, ao querer assim pensar que tudo era falso, eu, que o
pensava, necessariamente devia ser alguma coisa. E, notando que esta verdade: Penso, logo
existo, era tão firme e tão certa, que nenhuma das mais extravagantes suposições dos céticos
eram capazes de abalá-la, julguei que a podia aceitar, sem hesitação, para primeiro princípio
da filosofia que procurava
Seguidamente, ao examinar com atenção o que eu era, e, vendo que podia supor que não
tinha corpo algum, e que não havia nenhum mundo nem nenhum lugar, onde eu estivesse,
mas que, apesar disso, não podia supor que eu não existia, antes, pelo contrário, precisamente
pelo facto de duvidar da verdade das outras coisas, concluía muito evidentemente e
certamente que eu existia, ao passo que, se deixasse, um momento, de pensar, ainda que tudo
o resto, que imaginara, fosse verdadeiro, compreendi, consequentemente, que eu era uma
substância, cuja essência ou natureza não é senão pensar, e que, para existir, não precisa de
nenhum lugar, nem depende de coisa alguma material.
Em que consiste o dualismo cartesiano
De maneira que este eu, isto é, a alma, pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do
corpo, e mesmo mais fácil de conhecer que este, e, posto que o corpo não existisse, nada
impediria que ela fosse tudo aquilo que é. Depois disso, considerei, na generalidade, o que se
exige a uma proposição, para que seja verdadeira e certa, e, dado que acabava de encontrar
uma que o era, pensei que devia saber também em que consistia tal certeza. E, tendo notado,
que, na afirmação Penso, logo existo, não há absolutamente nada a garantir-me que esteja a
dizer, a não ser o ver muito claramente que, para pensar, é preciso existir, julguei que podia
tomar como regra geral que são verdadeiras todas aquelas coisas que concebemos muito
claramente e muito distintamente, havendo apenas alguma dificuldade em notar bem quais
são as que concebemos distintamente.
Seguidamente, ao refletir que duvidava, e, por consequência, meu ser não era inteiramente
perfeito, pois via claramente que saber é perfeição maior que duvidar, lembrei-me de ver
donde me tinha vindo o pensamento de qualquer coisa de mais perfeito do que eu, e, com
evidência, conheci que deveria ter vindo de alguma natureza, que, realmente, fosse mais
perfeita. […] Consequentemente, só restava que ela tivesse sido posta em mim por outra
natureza que fosse verdadeiramente mais perfeita do que eu, e que até tivesse em si todas as
perfeições, acerca das quais pudéssemos ter alguma ideia, isto é, que fosse Deus, para tudo
dizer numa só palavra. A isto acrescentei que, visto conhecer algumas perfeições que eu não
tinha, não era o único ser existente, mas devia necessariamente existir algum outro mais
perfeito, do qual eu dependesse e do qual tivesse adquirido quanto tinha. Com efeito, se ei
fosse o único ser e independente de qualquer outro, de modo que houvesse recebido de mim
mesmo todo aquele pouco que participava do ser perfeito, poderia ter tido de mim, pela
mesma razão, tudo que reconhecia faltar-me, e ser, assim, infinito, eterno, imutável,
omnisciente, omnipotente, enfim, ter todas as perfeições que existiam em Deus. Na sequência
dos raciocínios que acabo de fazer, para conhecer a natureza de Deus tanto quanto me é
possível, bastava-me considerar, relativamente a todas as coisas de que em mim encontrava
alguma ideia, se era ou não perfeição possuí-las, e estava certo de que as que contém alguma
imperfeição não estavam nele, mas estavam todas as outras perfeitas. Assim, via que a dúvida,
a inconstância, a tristeza e coisas semelhantes não podiam estar em Deus, pois que estar
isento delas ser-me-ia deveras agradável
Antes de mais, com efeito, aquilo mesmo que, há pouco, tomei como regra, isto é, que as
coisas que concebemos muito claramente e muito distintamente são todas as verdadeiras,
isso somente me é assegurado, porque Deus é ou existe, é um ser perfeito, e tudo quanto
em nós existe, provém dele. Donde se segue que as nossas ideias ou noções, sendo coisas
reais vindas de Deus, não podem deixar de ser verdadeiras, uma vez que são claras e distintas.
[…]